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Enfermagem da Universidade de São Paulo. (2)Enfermeira obstétrica. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil
e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 – São Paulo, SP CEP 05403
000. (3)Enfermeira Obstétrica. Mestre em Enfermagem – Área Enfermagem Obstétrica e Neonatal, Escola de Enfermagem da Universidade
de São Paulo, em 2001.
Na construção da qualidade da atenção pré-natal preconizada pelo Ministério da Saúde está implícito a
valorização do acolhimento como um de seus componentes. O objetivo do presente artigo é apresentar os
resultados de uma pesquisa referente aos aspectos relacionais apontados por gestantes como razão para
continuarem freqüentando um serviço de pré-natal geograficamente distante de suas residências. Trata-se de
análise qualitativa de dados da pesquisa realizada no serviço de pré-natal do Amparo Maternal e referem-se aos
depoimentos de 211 gestantes residentes fora da área de abrangência da instituição e que compareceram no
mínimo a seis consultas. As respostas referentes à experiência da gestante como usuária do serviço foram
agrupadas nas dimensões administrativa, técnica e relacional. Os resultados evidenciam os aspectos relacionais e
técnicos como aqueles que as gestantes mais gostam no serviço e também como razão para continuarem
freqüentando o serviço. Todos os depoimentos demonstram o que as mulheres desejam: serem vistas e tratadas
como seres humanos, acolhidas, respeitadas, sem julgamentos ou preconceitos. Elas confiam na competência dos
profissionais que atuam na instituição.
Palavras-chave: cuidado pré-natal, acolhimento, relações interpessoais
INTRODUÇÃO
No Manual técnico sobre Assistência Pré-Natal do Ministério da Saúde, o acolhimento é um dos
componentes destacados, e o entendimento do “acolher” no sentido literal significa “Dar acolhida; dar agasalho
a; dar crédito, dar ouvidos a; admitir, aceitar, receber; tomar em consideração (AURÉLIO)”. Nesse sentido, na
construção da qualidade da atenção pré-natal, está implícita a valorização desses aspectos, traduzida em ações
concretas que permitam sua integração no conjunto das ações oferecidas às mulheres (BRASIL, 2000).
O Manual foi publicado com a finalidade de oferecer referências para a organização da rede
assistencial, capacitação profissional e normatização das práticas de saúde. O Ministro da Saúde José Serra
recomenda na apresentação do Manual que as secretarias estaduais e municipais de saúde adaptem, coloquem em
prática e avaliem a aplicação de tais normas, visando à melhoria da qualidade do pré-natal (BRASIL, 2000).
Porém, a disponibilidade de serviços de saúde, especialmente a atenção ao pré-natal e parto, tem levado
as mulheres à peregrinação. Tsunechiro et al. (1998) relatam que muitas gestantes para obter assistência pré-natal
precisam descolar-se para outras regiões geograficamente distantes de sua residência, até mesmo para outros
municípios. Bonadio (1996) relata a dificuldade que a mulher grávida tem em receber atendimento pré-natal e
mostra que as mulheres que freqüentaram um serviço em uma instituição filantrópica vem aumentando a cada
ano, referindo que as gestantes “continuam vindo de longe, preferindo aguardar a manhã toda para serem
atendidas”, justificando que, nas unidades básicas de saúde, sua espera seria ainda maior e insistem no “aqui sou
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atendida” ou “aqui recebo atenção”. A escolha dessa instituição foi observada anteriormente por Barros (1990)
pois, apesar do acesso ao atendimento pré-natal em instituições de saúde próximas às suas residências, várias
gestantes optavam pela assistência oferecida nesse serviço. Ao considerar o trânsito caótico e o serviço de
transporte coletivo precário, essas mulheres utilizam duas ou, às vezes, três conduções para chegar a esse serviço
de saúde, gastando neste percurso, horas de seu tempo, além de dinheiro e de implicar em cansaço físico e
psicológico, expondo-se a uma violência urbana perversa.
Sendo a cidade de São Paulo um município com uma extensa área geográfica, com aproximadamente
614.804 km2, possuindo inúmeras unidades de serviço de saúde pública, distribuídas em todas as regiões da
cidade, despertou-nos o interesse em compreender por que, algumas gestantes submetem-se a um longo percurso
geográfico para receberem um atendimento pré-natal. O que realmente elas buscam?
Oliveira (2000) com o propósito de compreender os motivos da procura por assistência pré-natal em
serviço geograficamente distante de sua residência realizou um estudo no Pré-natal do Amparo Maternal e os
resultados revelaram que, apesar de todas as dificuldades para freqüentar esse serviço, as usuárias têm aderência
ao serviço, não faltam às consultas e são pontuais na medida que o trânsito metropolitano permite. Quando
analisadas as respostas referentes à freqüência ao pré-natal, os relatos foram agrupados em três dimensões:
administrativa, técnica e relacional. O estudo revelou, com grande destaque, os aspectos relacionais como razão
para continuar freqüentando o serviço. Esses aspectos dizem respeito ao que o Ministério da Saúde conceitua
como acolhimento. Para o presente artigo, propomo-nos a apresentar esses aspectos, pois constituíram o fator
diferencial no cuidado pré-natal oferecido à essa clientela.
METODOLOGIA
O estudo consistiu em uma análise qualitativa de dados da pesquisa intitulada “Um lugar no cuidado
pré-natal: possibilidades e opções das gestantes” (OLIVEIRA, 2000). A pesquisa original foi um estudo
descritivo, cujo objetivo foi estudar o acesso de mulheres à assistência pré-natal em serviço geograficamente
distante de sua residência.
A pesquisa foi realizada no serviço de pré-natal do Amparo Maternal, uma Instituição filantrópica da
cidade de São Paulo que atende prioritariamente gestantes caracterizadas como de baixo risco obstétrico. Além
do hospital-maternidade, a Instituição conta com Ambulatório, Laboratório de Análises Clínicas e Alojamento
Social para gestantes. O atendimento da clientela não é regionalizado e a Instituição atende por dia,
aproximadamente 30 partos e 25 consultas pré-natais, com recursos financeiros provenientes do SUS e de
doações. Nesse serviço a consulta da gestante é de responsabilidade de enfermeiras obstétricas, docentes de
Enfermagem e, recentemente, enfermeira contratada pela Instituição. Participam, também, alunos de graduação e
pós-graduação da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP). Atualmente, as atividades do
serviço estão vinculadas ao Projeto “Cuidando e Aprendendo com Gestantes” que integra a assistência, o ensino
de enfermagem e a pesquisa (TSUNECHIRO; BONADIO, 1999). O atendimento é realizado durante todo o ano,
de segunda a sexta-feira, nos períodos da manhã e da tarde, sendo as gestantes atendidas mediante a ordem de
chegada ao serviço. O cronograma de atendimento é o preconizado pela Secretaria de Estado da Saúde de São
Paulo. As consultas são mensais até a 32ª semana de idade gestacional, quinzenais da 32ª a 36ª semanas e
semanais a partir da 36ª semana da gestação. Atende mulheres que comparecem ao Ambulatório
independentemente da idade gestacional. Além das consultas, estão previstas ações educativas para grupos de
gestantes. Os grupos são formados de acordo com a disponibilidade das gestantes e são coordenados por pós-
graduandas da EEUSP e psicólogas voluntárias.
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Os dados apresentados neste artigo referem-se aos depoimentos de 211 gestantes matriculadas no
primeiro semestre de 2000, residentes fora da área de abrangência da Instituição e que compareceram, no mínimo
a seis consultas pré-natais. As respostas das perguntas que tratavam da percepção da experiência da gestante
como usuária do serviço foram agrupadas nas seguintes dimensões: administrativa, as manifestações alusivas aos
aspectos organizacionais e de estrutura do serviço; técnica, as referentes aos procedimentos e ou à consulta de
pré-natal propriamente dita e à competência técnica do profissional; relacional, as manifestações alusivas ao
relacionamento interpessoal e a sentimentos de satisfação ou insatisfação.
A pesquisa original foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EEUSP e as entrevistas com as
gestantes aconteceram, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
A maioria das mulheres (66,8%) iniciou a assistência pré-natal no segundo trimestre da gravidez, da 13ª
a 25ª semanas, semelhante aos achados de Barros (1990). Cerca de um terço (30,6%) eram adolescentes.
As respostas evidenciam a aderência e a opção da gestante em dar continuidade ao controle pré-natal,
apesar da localização distante de sua residência. O que as gestantes mais gostam no pré-natal do Amparo são
aspectos relativos às dimensões relacional (98,1%) e técnica (91,9%) e as razões para elas continuarem
freqüentando o serviço também se referem aos aspectos relacionais (88,1%) e técnicos (62,0%). Chama a atenção
que nenhuma gestante referiu incomodar-se por fatores ligados aos aspectos relacionais ou técnicos, enquanto
36,0% incomodam-se ou mudariam “coisas” que dizem respeito à estrutura e funcionamento do serviço
(dimensão administrativa). A maioria (64,0%) referiu que nada incomodava ou mudaria no serviço. Podemos
atribuir tal fato à forma comparativa entre as experiências, própria ou de outras, que as mulheres usam para
qualificar os serviços de saúde por não terem outras referências de qualidade.
Um dos fatores importantes apontados pelas gestantes para a opção pelo acompanhamento pré-natal no
Amparo Maternal é a postura dos profissionais relacionada sobretudo ao julgamento de valores, à não
discriminação da usuária quanto ao estado civil, condições socioeconômicas entre outras, como exemplificam as
seguintes falas: "As pessoas me tratam bem, dão atenção, não discriminam a gente que ficou grávida e não
casou"; "... o não preconceito com mãe solteira"; "... as pessoas me tratam bem, não tem diferença, não tem
preconceito pelo modo de ser pobre"; "Eu gosto da falta de preconceito. Aqui vocês não tratam a gente
diferente. São todos iguais ..."; "A doutora (termo que representa, na perspectiva da gestante, o profissional que faz o
atendimento na consulta pré-natal. Cabe esclarecer que todas as gestantes são informadas na primeira consulta, que o profissional
responsável pelo atendimento é a enfermeira obstétrica e ou estagiários de enfermagem com supervisão direta.) não tem
discriminação comigo, não me olha feio, me trata bem"; "O bom atendimento, tratam a gente com carinho e
atenção. O povo aqui olha para a gente”.
Muitas mulheres não são atendidas como desejam, recebendo do profissional pré-natalista um
atendimento que não permite o estabelecimento de um vínculo de confiança, ou seja, um atendimento
despersonalizado, com impaciência e pressa, o que as leva a qualificarem a assistência como de má qualidade.
Na vigência dessas situações, muitas gestantes não tem aderência ao serviço e buscam outro que possa lhes
oferecer o que procuram, sobretudo o trato humanístico. Bonadio (1996) chama a atenção para a necessidade das
mulheres no período da gravidez do chão seguro proporcionado por vínculo de suporte e de confiança. Quando a
assistência pré-natal proporciona, além do controle biológico, continente ou chão seguro para a mulher e sua
família, constitui-se em fator de coesão, viabiliza o cuidado de enfermagem humanizado e integral, podendo
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Está demonstrado que a adesão das mulheres ao pré-natal está relacionada com a qualidade da
assistência prestada pelo serviço e pelos profissionais de saúde. A assistência ao pré-natal é o primeiro passo
para o parto e nascimentos humanizados. O conceito de humanização da assistência ao parto pressupõe a relação
de respeito que os profissionais de saúde estabelecem com as mulheres durante o processo de parturição,
compreende a promoção e manutenção do bem-estar físico e emocional ao longo do processo da gestação, parto
e nascimento, entre outras atividades (BRASIL, 2000).
Os processos cognitivos e culturais das usuárias também determinam sua acessibilidade concreta aos
serviços de saúde, independentemente da distância geográfica (COHN et al., 1991). As mulheres querem receber
atenção e respeito nestes serviços. Não bastam as unidades existirem fisicamente, porém devem ser funcionais,
oferecendo algo mais às suas usuárias. Elas desejam ser tratadas como gente.
As gestantes desejam ser acolhidas, respeitadas; ter uma escuta aberta, sem julgamentos ou preconceitos
que lhes permitam falar de sua intimidade com segurança, o diálogo franco. A sensibilidade e a capacidade de
percepção de quem acompanha o pré-natal são condições básicas para que o saber em saúde seja colocado à
disposição da mulher e sua família, que são os atores principais da gestação. Agindo assim, os profissionais pré-
natalistas fortalecerão as gestantes em seus caminhos até o parto e ajudarão a construir o conhecimento sobre elas
próprias, levando a um nascimento tranqüilo e saudável (BRASIL, 2000). Porém, a realidade do cotidiano dessas
mulheres não é a esperada pelos técnicos do Ministério da Saúde. A prática profissional mostrou-nos que a
qualidade humana do atendimento realizado por alguns profissionais da rede pública e privada reflete o
despreparo de alguns profissionais em abrir mão de papéis predeterminados socialmente como aproximar-se de
cada usuária respeitando sua singularidade, sem perder de vista seu contexto familiar e social; escutar o próximo;
reaprender a fala popular; ou seja, ser ético e humano no trato com suas clientes, respeitando e valorizando as
necessidades alheias, assim como a cultura desta população.
Observamos em nossa experiência que muitos dos profissionais da rede pública ou privada de serviços
de saúde não possuem perfil, preparo e vontade de atuar com essa clientela, mas, por razões não esclarecidas
aqui acabam sendo muitos os profissionais existentes que essas mulheres encontram na prestação da assistência à
sua saúde.
As mulheres estudadas neste trabalho são provenientes de todas as regiões da cidade e de outros
municípios da região metropolitana de São Paulo. Estas gestantes procuraram o Amparo Maternal pela
acessibilidade oferecida pela Instituição em qualquer momento do processo gestacional e pela qualidade técnica
e humana de seus profissionais. Apesar de não haver articulação funcional da assistência do pré-natal, parto e
puerpério, ou seja, um trabalho em equipe, o que otimizaria a atenção à saúde materna e perinatal, a garantia do
atendimento no momento do parto é um dos fatores que determinam a opção da gestante.
Para finalizar, reforçamos a premência de investir nos recursos humanos, ou seja na formação
profissional e pessoal e rever as condições de trabalho dos profissionais de saúde, capacitando e motivando esses
indivíduos que detêm um sutil poder de aproximar ou afastar os clientes das portas dos serviços de saúde. Há
também necessidade da participação da mulher nas reivindicações de assistência, não apenas no âmbito
biológico, mas de modo mais abrangente que a atenda de forma integral. É preciso que elas se tornem sujeitos do
cuidado pois uma relação de ajuda, pressuposta no acolhimento, sofre influências tanto da formação do
profissional quanto da situação de cidadania das mulheres.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BONADIO, I.C. “Ser tratada como gente”: a vivência de mulheres atendidas no serviço de pré-natal de uma
instituição filantrópica. São Paulo, 1996. 200p. Tese ( Doutorado)- Escola de Enfermagem, Universidade de
São Paulo.
BONADIO, I.C. et al. A comunicação terapêutica no cuidado pré-natal. Rev Paul.Enf, v.16, n.1/3, p.5-11,
1997.
BONADIO, I.C, TSUNECHIRO, M.A. A gestante no pré-natal: paciente ou agente? Revista de APS (Atenção
Primária à Saúde), Ano 2, n.6, p.20-3, 2000.
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OLIVEIRA, V.M. Um lugar no cuidado pré-natal: possibilidades e opções das gestantes. São Paulo, 2000.
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TSUNECHIRO, M.A., BONADIO, I.C. Saúde materna e perinatal: Projeto “Cuidando e Aprendendo com
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TSUNECHIRO, M.A.et al. Acesso ao pré-natal em São Paulo: o contexto das mulheres de uma instituição
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