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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
PPG em História Social

Elisabete da Costa Leal

OS FILÓSOFOS EM TINTAS e BRONZE


ARTE, POSITIVISMO E POLÍTICA
NA OBRA DE DÉCIO VILLARES E EDUARDO DE SÁ

Rio de Janeiro

2006
Elisabete da Costa Leal

Filósofos em Tintas e Bronze: arte, positivismo e política na obra de


Décio Villares e Eduardo de Sá

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História Social, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutor em
História.

Orientador: José Murilo de Carvalho

Rio de Janeiro
2006
Ficha Catalográfica

LEAL, Elisabete da Costa


Filósofos em Tintas e Bronze: arte, positivismo e política
na obra de Décio Villares e Eduardo de Sá. Rio de
Janeiro, 2006. 298 f.: il.

Tese (Doutorado em História)


Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, 2006.

Orientador: José Murilo de Carvalho

1. História do Brasil
2. História da Arte
3. Positivismo
4. Esculturas e Monumentos Públicos

I. CARVALHO, José Murilo (Orientador).


II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais
III. Título.
Elisabete da Costa Leal

Filósofos em Tintas e Bronze: arte, positivismo e política na obra de


Décio Villares e Eduardo de Sá

Rio de Janeiro, ....... de julho de 2006.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________
Prof. Dr. José Murilo de Carvalho (Orientador)
Universidade Federal do Rio de Janeiro ― UFRJ

_____________________________________
Prof. Dr. Flávio Madureira Heinz
Universidade do Vale do Rio dos Sinos ― UNISINOS

_____________________________________
Prof. Dr. Paulo Knauss de Mendonça
Universidade Federal Fluminense ― UFF

_____________________________________
Profa. Dra. Ana Maria Tavares Cavalcanti
Universidade Federal do Rio de Janeiro ― UFRJ

_____________________________________
Prof. Dr. Renato Luiz do Couto Neto e Lemos
Universidade Federal do Rio de Janeiro ― UFRJ

_____________________________________
Profa. Dra. Maria Beatriz de Mello e Souza (suplente)
Universidade Federal do Rio de Janeiro ― UFRJ
Para Karl.

“O amor me move. Só por ele eu falo.”

Dante Alighieri, Divina Comédia.


(“A incomparável epopéia”, segundo Auguste Comte).
Agradecimentos

Afrânio Capelli José Murilo de Carvalho, orientador


Amanda Muzzi Jussara da Costa Leal
Ana Maria Tavares Cavalcanti Karl Martin Monsma
Andrea Daher Lucileide, Lúcia e Giovani, funcionários da IPB
Aristeu Lopes Luis Augusto Avancini
Arnoldo W. Doberstein Manoel Salgado Guimarães
Aurélia Giusti Maraliz de C. Vieira Christo
Benito Bisso Schmidt Maria Beatriz de Mello e Souza
Camila Dazzi Mário Barata
Círio Simon Martha Hameister
Cleusa Maria Gomes Graebin Mozart Pereira Soares
Clovis Augusto Nery Naida Menezes
Clóvis Moraes Rego Paulo Knauss de Mendonça
Cristina Pessanha Mary Paulo Ricardo Pezat
Danton Voltaire Pereira de Souza Rafael Cardoso Denis
Daryle Williams Rejane Silva Penna
Eliana da Costa Leal Renato Luiz do Couto Neto e Lemos
Elsa Avancini Rogério Rosa
Fabiana A. Guerra Grangeia Sheila da Silva Leal
Fernando Silvia Regina Ferraz Petersen
Flávio Madureira Heinz Siméi de Nazaré Lopes
Gilberto Ferreira Taís Campelo
Hendrik Kraay Tércio Leal (Em memória.)
Hugo Guarilha Tiago Luis Gil
Iguatemi da Costa Leal Zita Possamai
Jorge Coli
Resumo

LEAL, Elisabete da Costa. Filósofos em Tintas e Bronze: arte, positivismo e política na obra
de Décio Villares e Eduardo de Sá. Rio de Janeiro, 2006. Tese (Doutorado em História) -
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2006.

A tese analisa a produção de arte positivista no Brasil do final do século XIX até os anos 30
do século XX, considerando as negociações entre encomendantes e artistas sobre a fatura da
obra de arte. Estudou-se três tipos de encomendantes: membros da Igreja Positivista do Brasil,
alguns militares florianistas e dirigentes do governo do estado do Rio Grande do Sul.
Centrou-se a análise na obra dos artistas Décio Villares e Eduardo de Sá, sobretudo em seus
trabalhos de escultura ― bustos, monumentos públicos e fúnebres.
Abstract

LEAL, Elisabete da Costa. Filósofos em Tintas e Bronze: arte, positivismo e política na obra
de Décio Villares e Eduardo de Sá. Rio de Janeiro, 2006. Tese (Doutorado em História) -
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2006.

The thesis analyses the production of positivist art in Brazil from the late 19th century to the
1930’s, considering negotiations between patrons and artists over the making of works of art.
Three types of patrons are studied: members of the Positivist Church of Brazil, some
“florianist” military officers, and leaders of the state government of Rio Grande do Sul. The
analysis is centered on the work of the artists Décio Vilares and Eduardo de Sá, especially on
their sculptures – busts, public monuments and funerary art.
Crédito ou Referência das Ilustrações

Quadro – Obras de arte apoiadas ou feitas sob iniciativa dos positivistas franceses, p. 71.
Fotografia – Auguste Comte (a partir de um dagarreótipo), Maison d’Auguste Comte, Paris, p. 77.
Quadro – Profissão/função dos membros do Comitê do monumento a Auguste Comte em Paris, p.
79.
Quadro – Países dos membros do Comitê do monumento a Auguste Comte em Paris, p. 79.
Quadro – Países que tiveram lista de subscrição para o monumento a Auguste Comte em Paris, p.
81.
Monumento - Auguste Comte, J. A. Injalbert, Paris, Cartão Postal, CPPA, p. 85.
Monumento - Auguste Comte, J. A. Injalbert, Montpellier, Cartão Postal, CPPA, p. 85.
Fotografia – Décio Villares – IPB, p. 94.
Quadro – Currículo escolar de Eduardo de Sá, p. 107.
Fotografia – Eduardo de Sá, IPB, p. 108.
Quadro – Obras de Eduardo de Sá para culto cívico, p. 116.
Quadro – Alunos citados nos livros Mocidade Morta, de Gonzaga Duque e Eliseu Visconti e seu
tempo, de Frederico Barata, p. 138.
Quadro – Publicações da IPB classificadas em Religiosas, Políticas e Mistas, p. 153.
Fotografia – Altar cívico montado na Capela Positivista de Porto Alegre, CPPA, p. 154.
Fotografia – Altar cívico montado no Templo da Humanidade no Rio de Janeiro, IPB, p. 155.
Quadro – Inventário de obras de arte da IPB, p. 157.
Gráfico – Entrada de obras de arte no acervo da IPB (1880-1931), p. 160.
Quadro – Publicações da IPB sobre obras de arte e artistas, p. 163.
Quadro – Comissões que Gomes de Castro integrou, p. 176.
Busto – Tiradentes, Décio Villares, CPPA, p. 180.
Busto – José Bonifácio, Décio Villares, CPPA, p. 180.
Busto – Benjamin Constant, Décio Villares, CPPA, p. 180.
Busto – Floriano Peixoto, Décio Villares, CPPA, p. 180.
Busto – Deodoro da Fonseca, Décio Villares, (a partir de fotografia), CPPA, p. 180.
Quadro – Classificação das artes segundo Gomes de Castro, p. 183.
Maquete – Túmulo de Pinheiro Machado, Belmiro de Almeida, Revista da Semana, 20.01.1917,
p. 198.
Maquete – Túmulo de Pinheiro Machado, Décio Villares, Revista da Semana, 20.01.1917, p. 198.
Maquete – Túmulo de Pinheiro Machado, Eduardo de Sá, IPB, p. 199.
Túmulo – Pinheiro Machado, Pinto do Couto, Cemitério da Santa Casa de Porto Alegre,
fotografia de Luciana Mielniczuk, p. 201.
Túmulo – Pinheiro Machado, detalhe, Pinto do Couto, Cemitério da Santa Casa de Porto Alegre,
fotografia de Luciana Mielniczuk, p. 202.
Fotografia – Benjamin Constant no leito mortuário, MCBC, p. 208.
Fotografia – Auguste Comte no leito mortuário, publicação da IPB, CPPA, p. 208.
Maquete – Monumento a Benjamin Constant, Rodolpho Bernardelli, MNBA, p. 214.
Monumento – Benjamin Constant, Décio Villares e Eduardo de Sá, Rio de Janeiro, fotografia de
Tiago L. Gil, p. 217.
Monumento – Benjamin Constant, detalhes, Décio Villares e Eduardo de Sá, Rio de Janeiro, p.
218 a 221.
Monumento – Benjamin Constant, João Turim, Curitiba, fotografia de Elisabete Leal, p. 228.
Monumento – Benjamin Constant, detalhe ― Deodoro e a proclamação da República, João
Turim, Curitiba, fotografia de Elisabete Leal, p.229.
Monumento – Benjamin Constant, detalhe – Republicanos ilustres, João Turim, Curitiba,
fotografia de Elisabete Leal, p. 229.
Monumento ― Tiradentes, medalhões, Eduardo de Sá, Rio de Janeiro, fotografias de Tiago L.
Gil, p. 235.
Monumento ― Tiradentes, Eduardo de Sá, Rio de Janeiro, fotografias de Tiago L. Gil, p. 236.
Monumento ― Tiradentes, detalhe ― Humanidade, Eduardo de Sá, Rio de Janeiro, fotografia de
Tiago L. Gil, p. 237.
Monumento ― Tiradentes, detalhe ― Cabeça de Tiradentes, Eduardo de Sá, Rio de Janeiro,
fotografia de Tiago L. Gil, p. 237.
1ª. Maquete – Monumento a Floriano Peixoto, Eduardo de Sá, IPB, p. 242.
2ª. Maquete – Monumento a Floriano Peixoto, Eduardo de Sá, IPB, p. 244.
Monumento ― Floriano Peixoto, detalhe ― Conjunto da bandeira, Eduardo de Sá, fotografia de
Tiago L. Gil, p. 244.
Monumento ― Floriano Peixoto, baixo-relevo ― Gomes Carneiro, Jerônimo Gonçalves,
Fonseca Ramos e Júlio de Castilhos, Eduardo de Sá, Rio de Janeiro, p. 245.
Monumento ― Floriano Peixoto, detalhe ― Indígenas, Eduardo de Sá, IPB, p. 246.
Monumento ― Floriano Peixoto, detalhe ― A catequese, Eduardo de Sá, fotografia de Tiago L.
Gil, p. 247.
Monumento ― Floriano Peixoto, detalhe ― Os portugueses, Eduardo de Sá, fotografia de Tiago
L. Gil, p. 247.
Monumento ― Floriano Peixoto, detalhe ― Os africanos, Eduardo de Sá, fotografia de Tiago L.
Gil, p. 248.
Monumento ― Floriano Peixoto, detalhe ― Altar cívico, Eduardo de Sá, IPB, p. 249.
Monumento – Júlio de Castilhos, Décio Villares, Porto Alegre, fotografia de Luciana Mielniczuk,
p. 253.
Monumento – Júlio de Castilhos, detalhe, Décio Villares, Porto Alegre, fotografia de Luciana
Mielniczuk, p. 255.
Monumento – Júlio de Castilhos, detalhe – O Jovem, Castilhos maduro e O Velho, Décio Villares,
Porto Alegre, fotografia de Luciana Mielniczuk, p. 257.
Monumento – Júlio de Castilhos, detalhe – A Firmeza, A Prudência, A Coragem, Décio Villares,
Porto Alegre, fotografia de Luciana Mielniczuk, p. 258.
Monumento – Júlio de Castilhos, detalhe, Gaúcho a cavalo, Décio Villares, Porto Alegre,
fotografia de Luciana Mielniczuk, p. 260
Busto – Júlio de Castilhos, Décio Villares, CPPA, p. 263.
Desenho – Júlio de Castilhos, Eduardo de Sá, Jornal A Federação, 13.07.1915. MCSHJC, p. 264
Quadro – Inventário da obras de Décio Villares, p. 289.
Quadro – Inventário das obras de Eduardo de Sá, p. 296.
Abreviaturas

Academia Imperial de Belas Artes – AIBA


Arquivo do Museu da República - AMR
Arquivo Edgard Leuenroth/Unicamp – AEL
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul – AHRS
Arquivo Nacional - AN
Biblioteca do Solar dos Câmara – BSC
Biblioteca Nacional - BN
Capela Positivista de Porto Alegre - CPPA
Clube Militar do Rio de Janeiro – CM
Escola Nacional de Belas Artes - ENBA
Fundo Eduardo de Sá – IPB/ES
Igreja Positivista do Brasil – IPB
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul - IHGRS
Museu Casa Benjamin Constant – MCBC
Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa - MCSHJC
Museu Dom João VI/EBA/UFRJ – Museu/EBA
Museu Júlio de Castilhos – MJC
Museu Nacional de Belas Artes - MNBA
Secretaria de Obras Públicas, Rio Grande do Sul - SOP
Sumário

Introdução ........................................................................................................................ 13

I - Augusto Comte e o “Renascimento Positivista”.......................................................... 35

II - Os positivistas franceses e a “arte positiva”............................................................... 58

III - Os artista positivistas brasileiros – “flertes” e fé ..................................................... 89

IV- A polêmica artística “Modernos X Positivistas” e a transição para a República no


Brasil................................................................................................................................. 120

V – Os encomendantes positivistas – disputas e alianças................................................ 148

VI – Encomendas positivistas: negociações e soluções estéticas..................................... 207

Considerações finais......................................................................................................... 265

Referências ...................................................................................................................... 270

Instituições de Pesquisa ................................................................................................... 287

Anexos

Inventário das obras de Décio Villares ............................................................................ 289

Inventário das obras de Eduardo de Sá ............................................................................ 296


13

Introdução

Sabe-se que o positivismo foi um conjunto de idéias alastrado no país. Misturado


a outras filosofias, com contradições e incoerências, disseminou-se no meio cultural,
acadêmico, militar, legislativo, nos governos federal e estaduais. Livros de Comte foram
importados da França, e a Igreja Positivista do Brasil – IPB – fez algumas traduções. Os
únicos dois prédios construídos especificamente para o culto positivista foram erguidos no
Brasil. De letra de samba a nome de farmácia e de modelo constitucional a filosofia de vida, o
positivismo se manifestou pelo país de forma sistemática e eficiente.
Havia positivistas religiosos, agremiados na IPB; religiosos independentes, como
Benjamin Constant; os científicos, que liam Comte para embasar seus argumentos ou
explicações da realidade social brasileira, como Aníbal Falcão, Pereira Barreto; os militares,
como Lauro Sodré, Aníbal Eloi Cardoso, Ximeno de Villeroy, Gomes de Castro. Outros liam
de Comte o que os ajudava a pensar uma solução política, uma estrutura administrativa ou
políticas públicas, como Júlio de Castilhos, Candido Rondon, Demétrio Ribeiro. Também
havia aqueles que não se consideravam positivistas, mas realizavam uma leitura seletiva da
obra de Comte, mesclando idéias ou apenas empregando um vocabulário útil e da moda;
realizavam uma vulgarização do vocabulário positivista, com a repetição ingênua de clichês,
frases soltas, fórmulas e conceitos, segundo Boeira.1 Da mesma maneira, Carvalho entende
que o positivismo é um exemplo de importação de idéias, em que muitas vezes foi importado
apenas o vocabulário, algumas palavras-chave empregadas para “se autodefinir positivamente,
ou definir negativamente o adversário”.2
No que se refere à difusão do positivismo no Brasil por meio de textos, a
historiografia já abordou o assunto, embora não se tenha investigado ainda o real impacto da
intensa atividade editorial da IPB nesse meio difuso de positivistas. O certo é que havia um
público leitor e produtor de literatura positivista, seja religiosa ou genérica, seja carregada de
ortodoxia ou mesclada a outras filosofias.
Se os textos positivistas eram relativamente familiares aos grupos já referidos,

1
BOEIRA, Nelson F. O Rio Grande do Sul de Augusto Comte. In: DACANAL, S. & GONZAGA, S.
(org.) RS: cultura e ideologia. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. p. 45.
2
CARVALHO, José M. O positivismo brasileiro e a importação de idéias. In: LEAL, Elisabete;
GRAEBIN, Cleusa (org.). Revisitando o positivismo. Canoas: Editora La Salle, 1998. p. 15.
14

pode-se dizer o mesmo a respeito das imagens? Se havia “consumidores” de escritos


positivistas, havia também “consumidores” de imagens alusivas ao positivismo? A
bibliografia sobre este aspecto do positivismo no Brasil não é extensa. Em geral, os trabalhos
se atêm à estatuária pública e funerária, e menos a gravuras e pinturas. Em maior medida
existem trabalhos acadêmicos que tratam dos encomendantes de obras de arte, que, por sua
simpatia ao positivismo, estimularam uma produção visual afinada e inspirada por essa
doutrina. Há também estudos que se centram nas imagens que revelam aspectos do
positivismo, ou no conteúdo das obras. Foi localizado apenas um trabalho que se ateve aos
artistas que produziram imagens alusivas ao positivismo. A literatura que trata do assunto
arte-positivismo analisa, assim, a doutrina, os encomendantes, os artistas e as imagens
individualmente e não as relações entre esses aspectos.
Visa-se mostrar que havia um mercado de arte positivista. Sua compreensão exige
que se saiba quem eram os encomendantes ― que apropriação fizeram do positivismo ―,
quem eram os artistas ― como o positivismo os inspirou ― e que obras de arte foram
executadas ― de que maneira o positivismo foi mostrado visualmente. Considera-se que
vários tipos de atores sociais estão envolvidos na produção artística e que não se pode
prescindir de nenhum deles.
A abordagem geral é inspirada em Howard Becker, que considera que o estudo da
produção de representações visuais deve envolver seus produtores e usuários.3 O autor
entende a arte como um trabalho e a analisa como uma forma de organização social. Ele não
está interessado na produção artística segundo os valores estéticos, mas nas formas de
cooperação que o trabalho artístico engendra entre todos os envolvidos na sua produção e
consumo. Becker busca compreender o “mundo da arte” como ação coletiva.4 Desta sua
abordagem, absorve-se a noção mais geral de mundo da arte, no qual produtores e
consumidores estão unidos em um trabalho comum cooperativo para a realização de uma obra
de arte. No caso desta tese, considera-se os artistas como produtores e os encomendantes
como usuários, já que não se tem como objetivo analisar a recepção destas imagens por parte
de um público mais amplo, fora do círculo positivista. Mas se está atento para o fato de que,
embora haja cooperação, este mundo não está isento de conflitos e negociações.
A noção de campo de Pierre Bourdieu, que, em linhas gerais, pode ser definida

3
BECKER, Howard S. Falando sobre a sociedade. In: Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais. São
Paulo: Hucitec, 1993.
4
BECKER, Howard S. Les Mondes de L´Art. Paris: Flammarion, 1988. p. 21-23.
15

como um conjunto de relações entre atores que detêm e disputam formas de capital,5 também
nos ajuda a definir a abordagem deste trabalho. Focalizar as posições no interior dos campos
artístico, político e intelectual permite perceber o complexo dinamismo social envolvendo os
artistas: as relações com o encomendante positivista, o status de suas obras no meio artístico,
as disputas estéticas e a formação artística. Essa noção de campo, aplicada aos positivistas ―
dirigentes republicanos, militares, positivistas religiosos e artistas ―, ajuda a esclarecer os
acordos políticos, os arranjos administrativos, os lobbies legislativos que interferiam na
confecção de imagens. Considera-se que a produção artística positivista é um subcampo das
artes, e se está atento às disputas e negociações intra e intercampos para a fatura das obras.
A abordagem de Becker, que analisa de forma integrada o mundo das artes
composto por encomendantes, artistas e usuários, e de Bourdieu, cujo entendimento de campo
inclui as práticas políticas na fatura e nos usos dos objetos artísticos, são, assim, indicações
para esta tese.
Vários concursos de maquetes e encomendas de monumentos serão analisados
neste trabalho. Estudar estes tipos de eventos que envolvem a confecção de um monumento
nos permite compreender a relação, nem sempre harmoniosa, entre encomendante e artista, o
gerenciamento das divergências no interior da negociação e o resultado plástico ― a obra.
Estar-se-á atento então ao seguinte: O concurso permite que se percebam os diferentes grupos
que se aliam e se dissolvem, tentando gerir seus conflitos políticos e simbólicos; a comissão
julgadora nem sempre consegue gerenciar ou traduzir os distintos desejos em jogo no
concurso; as lutas no interior da comissão servem para consolidar redes de relações pessoais e
de interesses; os artistas envolvidos no concurso, vencedores ou não, quase sempre integram
essas redes; a confecção de um monumento é algo muito dispendioso, e, portanto, existem
interesses financeiros ligados à execução do projeto; e a obra de arte pode traduzir ou não o
que os encomendantes desejavam.
Essa abordagem se valida ao se levar em conta o alerta de Ulpiano Bezerra de
Menezes, em balanço da produção sobre cultura visual: as imagens devem ser estudadas como
objetos materiais, “nas diversas formas e contingências de uso e apropriações”; ele completa
mais adiante que “é possível ir além da ideologia e do imaginário/mentalidades” nos estudos
sobre imagens.6

5
BOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu: sociologia. São
Paulo: Ática, 1983; BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
6
MENESES, Ulpiano Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, história visual: Balanço provisório,
propostas cautelares. Revista Brasileira de História. v. 23, n. 45, p. 29, jul. 2003.
16

Os encomendantes e a “influência positivista”

Boa parte da bibliografia apresentada abaixo afirma a influência positivista sobre


intelectuais ou dirigentes políticos locais envolvidos na produção de monumentos públicos e
fúnebres; também afirma a existência de um ambiente cultural receptivo a tal doutrina. É
grande o número de teses e dissertações no Rio Grande do Sul que analisa a influência
positivista na confecção de imagens. Tais trabalhos discutem essa produção como um
fenômeno local. Um levantamento das teses e dissertações produzidas nos programas de Pós-
graduação da UFRJ, UFF, Unicamp e USP revelou a ausência de trabalhos sobre positivismo,
política e arte.
O trabalho de Bellomo sobre arte funerária em Porto Alegre de 1900 a 1950
discute a ligação da elite dirigente gaúcha, de orientação política positivista, e a produção de
objetos artísticos e imagens em geral. A dissertação de mestrado apresentada na PUC/RS em
1988 tem como eixo duas hipóteses: que é possível estabelecer uma tipologia para os
monumentos fúnebres, dada a sua variedade de conteúdo, e que a produção artística estava
ligada à ideologia positivista dos grupos dominantes no Rio Grande do Sul.
O autor define os parâmetros da estética neoclássica e a positivista, pois ambas as
concepções marcaram a produção funerária em Porto Alegre. Tal produção foi dividida pelo
autor em cristã, alegórica e cívico-celebrativa. Vários túmulos foram citados nesta tipologia
cívico-celebrativa, e alguns foram identificados como encomendas do governo estadual.
O primeiro apresentado é o de Pinheiro Machado, que, para o autor, foi construído
totalmente dentro dos cânones clássico-acadêmicos: o morto é representado como um herói
romano, e as várias alegorias são hierarquizadas por tamanho, sendo a República a maior
figura. Para ele, este túmulo é exemplar ao mostrar “os valores ideológicos e políticos do
momento histórico em que foi construído, traduz toda a visão positivista do governo Borges
de Medeiro.”7 No túmulo de Júlio de Castilhos, o autor também destaca o patrocínio do
governo do estado e o conteúdo da obra: figura feminina que segura a bandeira nacional,
imagem do morto e inscrição do lema positivista “Os vivos são sempre e cada vez mais
guiados pelos mortos.”8 Otávio Rocha também teve um túmulo nesta categoria, cujo conteúdo
é composto de uma figura feminina e um baixo relevo representado a Avenida Borges de
Medeiros, uma das grandes obras de reforma urbana empreendida quando prefeito de Porto

7
BELLOMO, Harry Rodrigues. A estatuária funerária em Porto Alegre ― 1900-1950. Porto Alegre:
PUC/RS, 1988. (Dissertação de Mestrado) p. 155.
8
BELLOMO, Harry Rodrigues. A estatuária... p. 163.
17

Alegre. Também pago pelo governo do estado, o túmulo de Maurício Cardoso teve
influências do estilo monumental alemão e tem como representação principal a Justiça e o
Direito, pois o homenageado fora um advogado.
O conteúdo dos túmulos citados pelo autor apresenta uma variação que vai das
figuras clássicas da Justiça e da República às figuras que representam as atividades do
homenageado. Em dois deles o morto é representado. Não há um elemento recorrente em
todos os túmulos analisados, que nos permita entendê-los como cívico-celebrativos
positivistas a partir de seu conteúdo. O aspecto comum reconhecido pelo autor é o fato de
terem sido encomendados pelo governo do estado do Rio Grande do Sul. Esta é a evidência da
qual o autor parte para analisar tais obras como positivistas. Outro ponto comum, não
destacado, é que os quatro homenageados com túmulos foram figuras proeminentes no
Partido Republicano Rio-Grandense – PRR.
O autor define que estética positivista é um conjunto de idéias acerca do papel
social das artes: educação moral, inspiração de valores altruístas e de sentimentos para o bem,
moralização das instituições, imortalização de indivíduos como exemplos a serem seguidos. O
autor definiu a função social e moral das artes na proposta estética comtiana associado ao
“pensamento individualista e autoritário da doutrina [que] levou os artistas positivistas a uma
constante glorificação artística das lideranças.”9 No entanto, a proposta comtiana é baseada no
passado e na coletividade, abrindo brechas para a exaltação de homens que contribuíram para
a evolução social humana. Não são suas características individuais ou as de sua personalidade
que o definem como exemplo, mas sua obra à coletividade humana é que determina se merece
ser imortalizado em obras de arte. Portanto, características como individualismo e
autoritarismo, geralmente apontadas ao castilhismo, não são propriamente comtianas, mas
mostram como o positivismo foi apropriado pela elite dirigente gaúcha.
A afirmação a respeito do pensamento comtiano individualista e autoritário se
reforça quando o autor aborda a tipologia dos túmulos cívico-celebrativos. No Rio Grande do
Sul, esses túmulos decorrem da ascensão do grupo político positivista liderado por Júlio de
Castilhos, com a proclamação da República. O acesso desse grupo ao governo estadual e a
conseqüente disponibilização de verba para investimentos em obras públicas permitiram o
patrocínio de monumentos tumulares que reafirmassem “o princípio positivista de culto cívico
ao líder e da conservação de sua memória, única imortalidade possível ao ser humano”10. Os
encomendantes ― políticos gaúchos ― e o momento histórico impregnado de positivismo são

9
BELLOMO, Harry Rodrigues. A estatuária... p. 39.
10
BELLOMO, Harry Rodrigues. A estatuária... p. 154.
18

os elementos que definiram o caráter positivista dos túmulos. O autor acrescenta que, pela
função tumular e celebrativa de individualidades, os túmulos costumam representar o morto
acompanhado de alegorias que lembram suas atividades ou sua ideologia. Assim, neste
trabalho, dois aspectos definem o que é uma obra positivista: a ideologia dos encomendantes e
o conteúdo da obra.
Com o mesmo encaminhamento, a dissertação de mestrado de Sérgio Roberto
Rocha da Silva, apresentada ao PPG/História da UFRGS, em 2001, analisa a arte funerária no
Rio Grande do Sul. O trabalho tem como foco as representações do herói na arte funerária, e
para tanto, cria uma tipologia que difere da de Bellomo. Os heróis representados nos túmulos
se dividem em: familiar, político e cultural. Argumenta o autor que o positivismo exerceu
grande influência no culto aos heróis e que não por acaso o surto da arte cemiterial coincide
com os primeiros 30 anos do século XX, período de predomínio político do PRR.11
Apoiando-se na idéia de Pierre Bourdieu de que o poder simbólico é invisível e
que necessita da cumplicidade dos envolvidos, o autor destaca a importância dos artistas ao
interpretarem simbolicamente a ideologia dos encomendantes e o papel da doutrina positivista
do governo estadual, que também se apropriou dos símbolos para se propagandear. O autor
chama atenção para a importância do artista como negociador dos valores, símbolos e
ideologias que serão “impressos” na obra tumular. No entanto, o único artista nomeadamente
positivista – Décio Villares – e que poderia, em tese, melhor negociar as representações do
positivismo não integrou o capítulo destinado à análise dos ateliês e artistas.
Foi na tipologia do herói político que a ideologia positivista do PRR pôde mais se
manifestar. Três aspectos são requeridos pelo autor para enquadrar os túmulos nesta categoria:
o morto deve ter sido considerado um herói; o homenageado deve ter pertencido aos quadros
políticos do PRR; e os mausoléus devem ter sido financiados pelos cofres públicos.
Diferentemente de Bellomo, o autor não propôs estudar a estética positivista e
tampouco entende que as obras tenham conteúdo positivista. Para ele, elas foram produzidas
durante o período de predominância política do PRR e representam simbolicamente o desejo
de dar visibilidade ao poder e ao positivismo.
Ambos os trabalhos ressaltam a importância dos governos do PRR para a
construção de túmulos que teriam então recebido influência do positivismo. O termo
“influência do positivismo”, largamente utilizado na historiografia gaúcha, é impreciso e não
explica os elementos formais e simbólicos das obras artísticas. Contudo, restam algumas

11
SILVA, Sérgio Roberto Rocha da. A representação do herói na arte funerária do Rio Grande do Sul
(1900-1950). Porto Alegre: UFRGS, 2001. (Dissertação de Mestrado)
19

questões: Quem define o sentido das obras de arte? Uma obra de arte é positivista porque seus
encomendantes (o governo do estado) são positivistas? Ela é positivista porque homenageia
políticos afinados com o positivismo? Ela é positivista porque seu conteúdo alude a termos do
positivismo?
Um terceiro trabalho que também trata de arte funerária busca analisar a
influência do positivismo na construção da memória farroupilha, inicialmente por meio da
literatura e, por fim, materializada no monumento-túmulo de Bento Gonçalves, erguido na
cidade de Rio Grande. Juarez José Rodrigues Fuão, em sua dissertação de mestrado em
História na Unisinos, argumenta que a produção literária e historiográfica em fins do século
XIX sobre a Revolução Farroupilha permitiu a formação de uma mentalidade favorável à
construção do monumento-túmulo nos anos dez do século XX. O positivismo no Rio Grande
do Sul, reapropriado e reinterpretado não somente nos quadros do PRR, mas também entre os
historiadores e literatos, contribuiu para a formação de um imaginário no qual os grandes
homens, ou os heróis, encontraram espaço privilegiado para serem cultuados. A construção do
monumento-túmulo de Bento Gonçalves se deu neste ambiente.12
Além do imaginário gaúcho favorável ao positivismo, o autor também discutiu as
negociações para a confecção do monumento-túmulo. Utilizando-se de ampla documentação
sobre a encomenda, o autor analisou o processo de construção da obra, destacou a subscrição
popular, a composição da comissão promotora, a escolha do artista e as controvérsias de seu
conteúdo. Trabalhou as disputas e negociações entre os grupos em embate na comissão
promotora, entre esta e o artista e a participação da imprensa. Evidencia-se que,
diferentemente dos túmulos citados pelos outros autores, o de Bento Gonçalves foi construído
por iniciativa de uma comissão representativa de variados setores da sociedade riograndina,
inclusive maçons e monarquistas, e a possibilidade de negociação da obra era supostamente
maior do que nos túmulos encomendados pelo governo estadual.
Mesmo em um monumento feito com suposta maior autonomia, como o analisado
por Fuão, a mentalidade positivista inspiradora de homenagens aos grandes homens
permanece como vetor explicativo. A questão que fica é esta: por que o positivismo teve
exclusividade nesse imaginário? Não seria possível pensar que o culto aos grandes homens
fosse produto de uma concepção mais ampla de política, na qual a estatuária tinha importância
determinante? As análises de Maurice Agulhon para a estatuária francesa, produzida

12
FUÃO, Juarez José Rodrigues. Monumento-túmulo ao general Bento Gonçalves da Silva: da
fundação à materialização do mito na sociedade sul-rio-grandense. São Leopoldo: Unisinos, 2003.
(Dissertação de Mestrado)
20

sobretudo nos oitocentos, apontam nesse sentido. No Brasil, a moda escultórica ganhou
impulso com a República, e o positivismo foi apenas uma das muitas outras doutrinas que
estimularam esse movimento.
O positivismo na estatuária empregada nos prédios públicos, nos monumentos e
túmulos erguidos por iniciativa dos governos federal, estadual e municipal é tema também
abordado na dissertação de mestrado de Arnoldo Walter Doberstein, defendida na PUC/RS e
publicada em 1992. O autor tem como hipótese que, dada a orientação positivista do poder
político estadual e municipal, esta se plasmou na estatuária, só que de forma menos “rígida e
inflexível que quando inspiradora dos métodos de governo desse grupo”13.
Para o autor, assim como na política estadual positivista marcada por
deslocamento de sentido e ênfase (não foi rígido, nem ortodoxo), também na arte e na
arquitetura a estética se mostrou aberta e flexível quanto aos diferentes estilos empregados.
Isto estava associado à multiplicidade de gostos e intenções dos encomendantes. Também se
explica, afirma o autor, pela inexistência de um “corpo de críticos que vigiasse pela ditadura
de um estilo oficial”14, pela formação principalmente francesa dos arquitetos ligados à
Secretaria de Obras Públicas do Estado do Rio Grande do Sul – SOP e pela finalidade do
prédio ou do monumento. Parece adequado o elenco de elementos usados pelo autor para sua
análise: gosto dos encomendantes, crítica de arte, formação artística, função da obra; no
entanto, tudo isto se inviabiliza em termos analíticos quando se considera o positivismo como
uma ideologia de Estado, permeando todas as etapas de confecção das obras.
Nas análises sobre o positivismo no Rio Grande do Sul realizadas nas últimas
décadas, os autores tomaram essa doutrina como única, coerente e transpassável a todas as
esferas de poder do PRR, nos governos estadual e municipal. Já em 1980, Nelson Boeira, em
texto que analisa as formas de manifestação do positivismo no Rio Grande do Sul, alertava
para apropriação desta filosofia por parte de variados setores sociais gaúcho de forma
dinâmica e sincrética. Para ele, não foi uma manifestação de rigidez filosófica, mas um
exercício de tolerância doutrinária, no qual os desvios de sentido e as deformações fazem
parte da apropriação de idéias. “Os sistemas de idéias não guardam, no contato com o
dinamismo e a diversidade da vida social, a coerência interna que buscam ou apregoam na
inércia das páginas impressas.”15 É na apropriação do positivismo que está a potencialidade
de análise de sua manifestação.
13
DOBERSTEIN, Arnoldo W. Estatuária e Ideologia. Porto Alegre 1900-1920. Porto Alegre: SMC,
1992. p. 02.
14
DOBERSTEIN, Arnoldo W. Estatuária... p. 07.
15
BOEIRA, Nelson. O Rio Grande... p. 34.
21

Nesta produção historiográfica sobre o positivismo, alguns trabalhos buscaram


mostrar a coerência doutrinária das ações do poder público nos governos do PRR e os textos
comtianos; outros quiseram mostrar que a elite política gaúcha não era tão ortodoxa assim,
mas continuam recorrendo somente aos escritos do filósofo francês. Os trabalhos sobre arte e
arquitetura comentados consideram que a presença das idéias positivistas nos governos do
PRR ou na cultura em geral, com os escritores, marcou a produção de imagens e que estas
representavam o desejo dos encomendantes de fixar heróis, de criar uma memória
republicana/farroupilha e de dar visibilidade ao poder autoritário do PRR. Chamado de
ideologia no primeiro momento, de mentalidade e imaginário, mais tarde, o positivismo de
Comte, e não o dos influenciados por ele, foi tomado como ponto de partida para a análise de
imagens.
Na conceituação de Panofski, o significado intrínseco ou conteúdo são “[...]
princípios subjacentes que revelam a atitude básica de uma nação, de um período, classe
social, crença religiosa ou filosófica – qualificados por uma personalidade e condensados
numa obra.”16 Por exemplo, para compreender o sentido iconográfico de um quadro da última
ceia, o historiador deveria estar familiarizado com os textos do evangelho e também procurar
saber o que os autores dessas representações leram ou conheceram.17 A análise do significado
ou conteúdo seria, na proposição do autor, o ponto de partida da análise das artes visuais. Por
analogia, estudar o positivismo como ponto de partida implica abandonar a prática de tomá-lo
como dado, como conhecido. Implica desconfiar das explicações que parecem coerentes entre
intenções e práticas artísticas e considerar a importância das negociações entre artista e
encomendante.
Mas a influência do positivismo na produção artística não foi uma prerrogativa
somente do Rio Grande do Sul, embora os trabalhos sobre este estado aqui discutidos sejam
numericamente superiores. A historiografia gaúcha demonstra uma predileção pelo assunto,
pois o positivismo estruturou as bases da política governamental gaúcha, quando foi
promulgada a Constituição Estadual, redigida por Júlio de Castilhos, em 1891. Mas Belém do
Pará também teve um presidente de província positivista ― Lauro Sodré ―, que assumiu
publicamente que seguia a Religião da Humanidade e que publicava textos de propaganda do
positivismo, no entanto, o interesse da historiografia pelo positivismo é menor, exceto na
análise do monumento à República.

16
PANOFSKY, Erwin. Significado das artes visuais. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1991. p. 52.
17
PANOFSKY, Erwin. Estudos de iconologia – temas humanísticos na arte do renascimento. 2. ed.
Lisboa: Estampa, 1995. p. 25.
22

A construção do monumento à República, em Belém do Pará, também teve o


positivismo como pressuposto ideológico. O livro de Geraldo Mártires Coelhos, publicado em
2002, buscou explicar como o erguimento do primeiro monumento à República no Brasil
obedeceu às demandas ideológicas republicanas, dentro dos cânones da escultura monumental
européia, sobretudo francesa. Para o autor, a “intelligentsia brasileira” marcada pela cultura
francesa desenvolveu um ideário político à luz do positivismo. O cruzamento destes dois
elementos – cultura francesa e ideologia positivista de Progresso – marcou a iniciativa e
execução do monumento.
Justo Chermont, primeiro governador republicano do Pará, era um simpatizante
do positivismo, sensível à herança política da Revolução Francesa e um exemplar
representante da elite culta republicana; foi ele que teve a idéia de erguer o monumento. O
edital do concurso internacional saiu pela Intendência Municipal, e vários artistas italianos se
inscreveram, um número menor de franceses e dois estrangeiros radicados no Brasil; nenhum
brasileiro. Mesmo com a cultura francesa a impregnar a intelligentsia brasileira e paraense, o
projeto vencedor foi o de um artista italiano. Porém, alerta o autor, os artistas italianos eram,
no final dos oitocentos, alheios à monarquia de seu país, e sua arte era influenciada pela
francesa, pela estética política da Terceira República. O projeto vencedor, explica Coelho,
“sinalizava as mentalidades dominantes da elite política paraense do começo da República,
em cujo quadro ideológico era flagrante a presença do positivismo e sua religião laica de
adoração da Pátria e do Progresso”18.
É corrente na bibliografia sobre política e República no Brasil, a absolutização do
positivismo em decorrência disso, a associação entre promoção do civismo e adoração de
heróis. Nesta tese, não se negará a contribuição do positivismo para essas práticas, mas se
questionará se foi sua única matriz filosófica. As práticas cívicas francesas e norte-americanas
não tiveram por base doutrinária o positivismo, exclusivamente. A historiografia mostra que o
Brasil tem uma longa tradição na realização de festas e comemorações cívicas e religiosas,
que, aperfeiçoada durante a monarquia ― facilitada pela centralidade do imperador e pelo uso
do aparelho estatal ―, contribuiu para a continuação de tais práticas na República, com outros
heróis a serem reverenciados.
O positivismo é voltado para o passado, reverencia os mortos e os heróis e
estimula o patriotismo em todos os níveis. Mas qual das doutrinas do século XIX que
serviram de base ao republicanismo não era assim? Patriotismo, adoração de heróis, práticas

18
COELHO, Geraldo Mártires. No coração do povo: o monumento à República em Belém do Pará,
1891-1897. Belém: Paka-Tatu, 2002. p. 27.
23

republicanas cívicas e laicas não são prerrogativas exclusivas do positivismo.


O autor analisa os projetos franceses e italianos com o intuito de mostrar como o
modelo escultórico vigente nas propostas remontava à simbologia francesa de 1848, só que
destituído de seu caráter revolucionário, portanto político. O projeto vencedor seguiu essa
fórmula. Coelho revela como a comissão julgadora era, de certa forma, despreparada para
julgar os trabalhos e vulnerável às opiniões alheias e às pressões da imprensa. Destacou-se, no
episódio do concurso, a interferência do cônsul do Brasil em Gênova (mesma cidade do artista
vencedor), o paraense J. A. Rodrigues Martins, que não só influenciou o júri na escolha do
projeto, como orientou o artista em algumas modificações da obra. Coelho demonstra
surpresa pelo resultado do concurso e se questiona como o projeto do renomado escultor
francês Jules Roulleau não foi o vencedor.
É compreensível a surpresa do autor, pois tem como argumento que os
republicanos paraenses eram muito familiarizados com a simbologia cívica francesa e que os
artistas italianos a reproduziam em suas obras. Mas parece ter imperado na escolha do artista
italiano o jogo dos interesses e influências pessoais, onde há pouco espaço para idealismos
doutrinários.
As mudanças no projeto, as pessoas que estiveram envolvidas em influenciá-lo e
os interesses que atendiam também são reveladores das escolhas visuais. Durante a execução,
o projeto foi alterado para incluir os nomes de Benjamin Constant, na face principal,
Tiradentes e José Bonifácio, nas faces laterais, e Floriano Peixoto, na face posterior do
monumento. Chama-se a atenção que os seis anos de execução da obra permitiram não só o
envolvimento de novos indivíduos interessados no projeto, bem como novos interesses
políticos que deveriam ser traduzidos visualmente. Com isso, alerta-se para o quanto é
revolucionário, a partir de 1895, incluir o nome de Floriano no monumento e o quanto é
político deixar Deodoro da Fonseca de fora. Tal decisão está relacionada a batalhas políticas
travadas na Primeira República, em que diversos grupos lutavam por suas idéias, traduzidas
em poder de intervenção política. Com isso, é importante saber quais pessoas influenciaram
para definir essas novas inscrições no monumento, quais eram suas idéias, o que pretendiam
com a obra, se eram positivistas, militares ou dirigentes políticos. Tais respostas elucidariam
os anseios de seus encomendantes e a obra, e qual era o papel do positivismo na sua
promoção.
Em outro livro, Coelho analisa o encontro entre romantismo e positivismo na
criação de uma estética da morte de Carlos Gomes: uma série de eventos que visavam
despertar a afeição pública para o maestro tornado herói. Sob a liderança de Lauro Sodré,
24

então governador do Pará, Carlos Gomes viveu seus últimos meses de vida sob patrocínio
oficial e teve seu funeral também financiado pelo estado. Para o autor, Lauro Sodré,
“reverente a religião cívica comtiana e a exaltação de seus novos santos, os grandes
homens”19, foi figura central nos eventos que se sucederam à morte do maestro. O argumento
de Coelho é que a Religião da Humanidade se fundava na reverência ao passado e na morte,
como forma de um culto social a alguns grandes homens. Essa religião, somada a princípios
nacionalistas também de exaltação a heróis, inspirou Lauro Sodré a homenagear Carlos
Gomes.
Pode-se acrescentar que a acolhida de Carlos Gomes pelo governo estadual
paraense para dirigir o Conservatório de Música, especialmente criado para o maestro,
enquadra-se em um conceito de mecenato oficial às artes discutido no início da República,
inclusive por positivistas. Lauro Sodré se reconhecia como positivista, e teria sido valioso
para o argumento do autor analisar os inúmeros textos do militar e a documentação de sua
administração no governo estadual concernente ao patrocínio artístico ao maestro e depois a
seus funerais. As idéias de Sodré, publicadas em livros, em artigos na Revista do Instituto
Histórico Paraense, em opúsculos e em textos jornalísticos, poderiam desvendar as leituras
que fez do positivismo e como o adequou para tais práticas cívicas que envolviam arte,
acomodação mais necessária ainda por tratar-se de um herói não republicano; Carlos Gomes
foi fiel à monarquia até sua morte. Tais escritos revelariam, é provável, como o positivismo
foi reprocessado no ambiente cultural paraense, porque as idéias são mutantes quando
apropriadas.

As disputas políticas nacionais e as representações do positivismo

Se os trabalhos discutidos anteriormente tratam da produção de imagens do


positivismo como um fenômeno local, alguns poucos trabalhos analisam essas imagens
integradas ao movimento republicano nacional. Discutindo a formação de um imaginário
republicano e como se deu o extravasamento de modelos de República para a população, José
Murilo de Carvalho analisa a contribuição dos membros da IPB. O livro A Formação das
Almas20 foi pioneiro no estudo do papel das imagens positivistas no movimento republicano
nacional. Diferentemente dos trabalhos antes comentados, seu objetivo não foi analisar o
19
COELHO, Geraldo Mártires. O brilho da super nova: a morte bela de Carlos Gomes. Rio de
Janeiro: Agir, 1995. p. 31.
20
CARVALHO, José M. de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo:
Cia. das Letras, 1990. p. 40.
25

positivismo dos encomendantes de imagens, mas os grupos envolvidos em uma luta


simbólica, promovendo modelos de República e de sociedade para o Brasil: o liberalismo à
americana, o jacobinismo à francesa e o positivismo. Nesta disputa por uma definição do
imaginário, foram elencados os heróis brasileiros a serem cultuados e, em suas
representações, os grupos envolvidos na sua exaltação via imagens. O autor discute os
conflitos gerados pela busca ou definição do panteão nacional. Para ele, foi o grupo da IPB
que participou ativa e beligerantemente nessa batalha simbólica pela República.
Buscando desvendar a tática política dos positivistas religiosos, que estava longe
de ser apenas fanatismo, como afirmavam seus opositores, Carvalho percebe que fazia parte
da dedicação apostólica o convencimento intelectual da classe média pela palavra escrita e
falada e a sensibilização de proletários e mulheres pelas imagens e rituais. Para ele, coube aos
positivistas ortodoxos o “mérito de ter contribuído de maneira substantiva para a construção
do pouco que subsiste do imaginário republicano”21 no Brasil. Porém, o alcance dessa
construção junto à população foi restrito. Nem voltado às mulheres, nem atingindo os
operários, no Brasil a popularização do positivismo buscada pela IPB teve seus limites e se
restringiu às classes médias, como explica Carvalho. Portanto, propaganda às elites
escolarizadas e limitada em seu caráter popular.
Neste aspecto, questionaríamos se obras de arte, mesmo monumentos públicos,
ilustrações em livros e caricaturas em jornais, são bons indícios de popularização de idéias.
Podem ser formas de divulgação a um grupo restrito, escolarizado, politicamente mobilizado,
portanto uma divulgação às elites, mas não uma popularização. Ainda que restrita, uma parte
dessa popularização poderia ser avaliada com um inventário de objetos decorativos nas
fachadas de residências e de casas comerciais, revelando a escolha por imagens alusivas à
República ou não. Corroboraria isto um estudo dos ateliês que produziam tais imagens.
Destacar-se-iam três importantes aspectos apresentados no livro de Carvalho que
ajudam a pensar o argumento desta tese. 1 ― Os grupos políticos mobilizados pela República
no Brasil eram variados e em embate, inclusive com diferentes tipos de positivistas, e suas
atividades militantes não se davam somente via textos, mas também no âmbito da produção
de imagens. Visa-se mostrar que, assim como não havia unanimidade nas estratégias políticas,
nem nas doutrinas assumidas, não havia nas imagens produzidas. 2 ― Os positivistas da IPB
eram militantes políticos estrategicamente organizados; não era um grupo inconseqüente de
fanáticos. Tal estratégia de ação incluía a produção de imagens. Portanto, se o uso de imagens

21
CARVALHO, José M. de. A formação... p. 40.
26

fazia parte da tática política positivista, é fundamental conhecer a função da arte para este
grupo, por meio de seus textos. 3 ― Na batalha simbólica republicana, somente alguns heróis
venceram, e isto variou conforme o grupo. A produção de imagens se voltou para estes heróis.
No grupo dos positivistas, somente algumas figuras se destacaram e tiveram suas imagens
produzidas para propaganda. O grupo, mesmo que não uníssono, ao qual pertencem os
encomendantes, ajuda a definir o caráter positivista ou não de uma imagem. Portanto, não é
qualquer imagem que tem aspectos do positivismo e não é qualquer encomendante que lhe dá
este caráter.

Os artistas positivistas

A tese de doutorado de Maria A. Milliet – Tiradentes: o corpo do herói endossa


muito dos resultados apresentados por Carvalho, sobretudo a construção do mito Tiradentes e
sua ascensão a herói nacional. Destacar-se-á em sua contribuição a discussão sobre as
representações positivistas de Tiradentes, os artistas mobilizados para realizá-las e a função da
arte na síntese religioso-política do positivismo.
Milliet realça os artistas que produziram imagens de Tiradentes, dentre eles Décio
Villares, que recebeu capítulo próprio, dada a importância da contribuição do artista na
construção visual do herói inconfidente. Para a autora, Décio Villares contribuiu de forma
eficiente na construção de uma “imagem roubada”: Tiradentes – representado, em um pseudo-
retrato, assemelhado a Jesus Cristo –, com uma aura de santidade que causou forte impressão,
acabando por criar uma identidade ao herói. Foi a imagem que permaneceu colada ao
personagem histórico, e foram inúteis as tentativas de mudá-la, diz a autora.
Tal construção visual de Tiradentes se explica pela intensionalidade do artista, que
sendo positivista, procurou popularizar o herói, associando-o à iconografia cristã; esta, além
de familiar aos brasileiros, tocava a sensibilidade e “alimentava a espiritualidade piegas do
catolicismo”22, facilitando a aceitação do herói. A autora resume a função sócio-sentimental
da arte para o positivismo dizendo que “na contaminação do político com o religioso
confunde-se imagem de representação com imagem de culto”23.
Para os positivistas da IPB, o caro princípio de transição sem violência e
revolução se revela nas imagens que Villares criou diz Milliet: a imagem da humanidade –

22
MILLIET, Maria Alice. Tiradentes: o corpo do herói. São Paulo: USP, 1998. p. 140. (Tese de
Doutorado)
23
MILLIET, Maria Alice. Tiradentes... p. 140.
27

Clotilde por volta dos 30 anos, com uma criança no colo – que se assemelha à Virgem dos
católicos; os heróis da humanidade, com seus bustos colocados nos retábulos do Templo da
Humanidade, que lembram os santos; e Tiradentes, que se assemelha a Cristo. Este uso de
imagens e signos é uma forma do positivismo operacionalizar uma conciliação entre o
religioso e o profano, afirma a autora. Para ela, a construção do herói-martir Tiradentes e de
sua imagem cristianizada foi um procedimento sincrético dos positivistas, visando à
impregnação do político pelo religioso. Embora sem explicar como Villares se apropriou
desta concepção para as artes, a autora reconhece a estratégia da IPB ao cooptá-lo, para
converter sua obra em objetos de culto religioso e também cívico.
Outro trabalho, que analisa a construção da cidade de Belo Horizonte, também
foca a discussão sobre o artista e a obra positivista, melhor dizendo, o arquiteto e o projeto
urbanístico, considerando-o uma forma de imagem. Para Beatriz A. Magalhães e Rodrigo F.
Andrade, o modelo barroco de cidade – espaço racionalizado, higiênico, grande, visível – se
combinou às idéias positivistas do arquiteto Araão Reis, ao idealizar Belo Horizonte.
A primeira característica positivista apontada no projeto urbanístico de Belo
Horizonte é sua topomínia, que tem um conteúdo nacionalista, ufanista e republicano. As ruas
foram organizadas de forma geométrica, paralelas e em ordem crescente NS e EO. Além
desse caráter sistemático, os autores ressaltam o laicismo da topomínia – “não se vê uma
única referência religiosa”24. São referidas as datas históricas caras ao positivismo e à
República, os heróis nacionais, nomes de rios, de estados, de tribos, de minerais e de fatos
históricos mineiros. A numeração das casas também foi racionalizada por um sistema métrico
crescente no sentido NS e EO. A sistematização, a materialização do espaço, a busca por uma
racionalidade científica são o “verdadeiro aspecto positivista da topomínia”25.
O positivismo como reflexo do desejo de conservação do poder por um grupo
político também é apontado, tanto no projeto urbanístico, quanto nas mensagens iconográficas
e decorativas dos prédios oficiais e privados. A iconografia cristã foi negada, e os elementos

24
MAGALHÃES, Beatriz de A. ANDRADE, Rodrigo F. Belo Horizonte – um espaço para a
República. Belo Horizonte: UFMG, 1989. p. 89.
Outros trabalhos que também relacionam positivismo à arquitetura e urbanismo são estes: GUN,
Philip. Projeto e planejamento: o peso do positivismo brasileiro. In: Seminário natureza e prioridades
de pesquisa em arquitetura e urbanismo. São Paulo: USP/FAU/FAPESP, 1990; PIRES, Mário J.
Idéias de ordem e progresso na arquitetura paulistana. In: AVIGHI, Carlos M. (org.) Comunicações e
artes no nascimento da República brasileira. São Paulo: USP/ECA, 1990; WEIMER, Gunter. A
capital do positivismo. In: PANIZZI, Wrana; ROVATTI, João (org.). Estudos urbanos, Porto Alegre e
seu planejamento. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS; PMPA, 1993; WEIMER, Gunter. O
positivismo gaúcho e sua arquitetura. Porto Alegre: UFRGS/Faculdade de Arquitetura, 1985.
25
MAGALHÃES, Beatriz de A. ANDRADE, Rodrigo F. Belo Horizonte... p. 89.
28

decorativos aludem ao repertório pagão da Revolução Francesa, reinterpretados pelo


“racionalismo do café” e pelo positivismo, afirmam os autores. Quanto a esta última
influência, é recorrente o tema da bandeira nacional, com o lema Ordem e Progresso ou
apenas a esfera.
Os autores ressaltam ainda que o caráter racional, funcionalista e utilitário do
positivismo na construção da nova cidade foi abandonado pela busca de expressividade e de
espetáculo, ou seja, dos elementos que mobilizavam as emoções. Mas o argumento deve ser
inverso. Ao lermos os textos de Comte que tratam especificamente das criações artísticas, vê-
se que são entendidas como um somatório de realismo e emoção. O objetivo básico das artes
para o positivismo é mobilizar os sentimentos, e, para isso, o recurso é justamente um
espetáculo de cores e formas e a abundância visual associada à loquacidade retórica. O
positivismo tem aspectos racionais, científicos, sistêmicos, mas também tem características
que visam ao subjetivo e ao emocional. Uma pesquisa sobre as idéias de Araão Reis talvez
mostre que a apropriação que fez do positivismo visou aos aspectos científicos e, quem sabe,
que não leu ou ignorou o texto comtiano sobre as artes.
Nenhum dos trabalhos apresentados, nem o de Milliet, examina a formação dos
artistas positivistas, tampouco suas redes pessoais, sua adesão ao positivismo e as
conseqüências para sua produção artística. Décio Villares e Eduardo de Sá, os dois principais
artistas tratados nesta tese, foram estudantes da Academia Imperial de Belas Artes, formados
na concepção acadêmico-neoclássica de artes e com estágio na Europa (Itália ou França). O
que os distingue dos outros artistas da época é a adesão à doutrina positivista como religião e
como filosofia estética. Assim, é fundamental saber: qual é o significado de ser positivista
para ambos os artistas? Aderir ao positivismo interferiu na condição de artista e na obra?
Uma obra de arte é mais positivista quando realizada por estes dois artistas? Os artistas se
valeram de suas redes pessoais, repletas de positivistas, para conseguir encomendas?
Encontram-se poucas referências a Décio Villares e Eduardo de Sá na
historiografia da arte. Duas hipóteses podem explicar por que eles não mereceram a atenção
dos críticos e estudiosos da arte: havia preconceito contra eles por serem positivistas; e suas
obras foram consideradas de má qualidade estética, principalmente as ligadas ao positivismo.
Percebe-se que a opção positivista dos artistas determinou o julgamento que os críticos e
historiadores da arte fizeram de seus trabalhos. Corrobora isto o fato de que os estudos de
história e crítica de arte estiveram por muito tempo voltados para a análise da qualidade
estética e do estilo do artista, o que não é objetivo desta tese, e os artistas em foco não se
encaixavam no padrão de excelência visual requerido pelos apreciadores e críticos de arte. Por
29

exemplo, avaliando a trajetória de Villares, Campofiorito afirma que o positivismo


disciplinou esteticamente o artista e que seus quadros passaram a ser simples esboços26, ou
seja, não eram obras de arte acabadas e, portanto, não mereciam análise. Gonzaga-Duque,
crítico de arte contemporâneo de Villares, tece críticas às suas opções estéticas, sua maneira
de pintar e seus temas, dizendo que o artista tem talento evidente, o que faz muitas pessoas
esquecerem “a sua pequena observação da realidade e a sua leve orientação intelectual.”27
Interessa-nos compreender como essas críticas estéticas influenciaram o meio artístico no qual
Villares e Sá atuavam, o sistema de contratação dos artistas e a concepção estética das obras.

A controvérsia entre positivismo político e positivismo religioso

É recorrente, na bibliografia sobre o positivismo, a oposição entre religião e


política, ou a alusão de que o positivismo político não comportou o religioso e que a Religião
da Humanidade era apenas um culto no Templo, praticado por um reduzido e fanático grupo
de adoradores de Comte e Clotilde de Vaux. É importante frisar que esta divisão não é própria
do comtismo, mas da apropriação que seus seguidores fizeram da obra de Comte. É certo que,
ao final da vida, Comte criou a Religião da Humanidade, mas todo seu sistema filosófico ―
científico e político ― convergiu para a síntese religiosa. Como mostra Annie Petit, em texto
que trata da sistematicidade do pensamento comtiano, desde os primeiros escritos até a
criação da Religião da Humanidade, são os adeptos do positivismo que se dividiram quanto a
aceitar as proposições religiosas de Comte ou não.28 No Brasil, tal divisão também ocorreu
com a fundação da IPB e a contínua radicalização ortodoxa de seus diretores, cuja militância
angariou inúmeros dissidentes e inimigos. Era recorrente a frase: “Sou positivista..., mas não
religioso.”
Fruto desse ambiente de cizânia, surgiu entre as décadas de 40 a 60 do século XX
uma bibliografia sobre o positivismo (que chamaremos de clássica) que estabeleceu uma
classificação/diferenciação entre positivismo religioso e político. Tal controvérsia, como
mostra Ângela Alonso, era própria dos envolvidos no debate acerca do positivismo e não do
pensamento de Comte. Ela evidencia que grande parte da bibliografia acadêmica sobre o

26
CAMPOFIORITO, Quirino. História da pintura brasileira no século XIX. Rio de Janeiro:
Pinakotheke, 1983. p. 111.
27
GONZAGA-DUQUE, Luis. A arte brasileira. Campinas: Mercado de Letras, 1995. p. 189. (1. ed.
1888).
28
PETIT, Annie. História de um sistema: o positivismo comtiano. In: TRINDADE, Hélgio (org.). O
Positivismo – teoria e prática. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1999. p. 13-47.
30

positivismo no Brasil adotou de forma acrítica as nomeações dos positivistas da época,


principalmente as categorias de quatro autores, alguns deles envolvidos com a própria
doutrina: Cruz Costa, Antonio Paim, Silvio Romero e Clovis Beviláqua.29 Acrescentaria ainda
a esta lista de autores, Ivan Lins.30 Esses autores seguiram influenciando a produção
acadêmica, e hoje se encontra consolidada a idéia do caráter político, científico e sistêmico do
positivismo como sinônimo de laicidade e anti-religiosidade. Contudo, muitas das práticas
culturais apontadas nos textos comentados aqui ― comemorações fúnebres, erguimento de
monumentos, exaltação a heróis, festas cívicas ― são uma síntese de atividades religiosas com
fins políticos, se foram inspiradas de fato pelo positivismo. Esta discussão é importante aqui
porque não há religião sem culto, e não há culto sem imagens, mesmo na religião cívica dos
positivistas.
Realizando um grande inventário dos positivistas no país e de suas ações como
intelectuais, profissionais liberais, dirigentes políticos, essa bibliografia clássica destacou as
atividades políticas, legislativas e administrativas e pouco (para não dizer nada) revelou sobre
as práticas culturais de cunho cívico. Grande número de positivistas promoveu atividades de
culto a heróis nacionais, festas e cortejos cívicos nas datas dos feriados nacionais,
comemorações fúnebres e uma conseqüente produção de imagens, suporte visual a estas
atividades; e estas formas de manifestações do positivismo não foram abordadas por esta
bibliografia. Entende-se que estas práticas culturais muito se aproximaram do positivismo
religioso, e as pesquisas para esta tese apontam que a IPB não teve exclusividade em sua
promoção, tampouco esteve isolada ao realizá-las. A ausência de referências a estas atividades
sugere que os críticos do positivismo, imersos no debate doutrinário, como destaca Alonso,
visaram minimizar a presença do positivismo religioso no país e, com isso, reproduzir a
divisão dos seguidores entre ortodoxos e os apenas simpáticos. Não se está afirmando que
todos os positivistas brasileiros foram religiosos, mas alertando que esta classificação
dicotômica não permite que se perceba o mundo político impregnado de religiosidade cívica.
A conseqüência dessas tendências de análise sobre o positivismo para os estudos
sobre arte positivista é que se carece de um inventário de obras, que os artistas positivistas não
foram biografados e que se desconhecem os textos produzidos por Décio Villares e Eduardo
de Sá. Agravando as dificuldades, a documentação do governo federal na Primeira República
sobre a produção artística ainda não foi organizada no Arquivo Nacional, permanecendo em

29
ALONSO, Ângela M. Idéias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo:
Paz e Terra, 2002. p. 21-49.
30
LINS, Ivan. História do Positivismo no Brasil. 2ª. Ed. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1967.
31

um fundo não identificado.


A cultura política brasileira da Primeira República, sobretudo, é apresentada pela
historiografia ainda mais como cívico/laica positivista quando as análises convergem para
explicações sobre o nacionalismo e o sentimento patriótico, amparando-se nas indicações de
Hobsbawn acerca da invenção das tradições, de Anderson sobre a formação de comunidades
imaginadas e de Ozouf sobre festas cívicas nascidas na Revolução Francesa. O positivismo de
Comte serve para explicar tais atitudes nacionalistas expressas na cultura política da Primeira
República, mas não é sua única matriz. Se a cultura cívico/patriótica brasileira assumiu um
caráter nacionalista, isto ocorreu por conta da apropriação e adequação das idéias positivistas.
A doutrina positivista, em sua essência, não é nacionalista. Comte foi um crítico
contemporâneo das ações colonialistas das nações européias nos continentes africano e
asiático no século XIX, censurou também as festas revolucionárias francesas organizadas por
David, os grandes homens reverenciados no Calendário Positivista não eram somente
franceses e a tarefa final do positivismo convergia para a comunhão de uma sociedade
universal e única, acima das diferenças nacionais.31 Portanto, recorrer a positivismo comtista
exclusivamente para explicar tais fenômenos é procedimento inconsistente. É necessário se
conhecer a apropriação que os diferentes positivistas brasileiros fizeram das idéias comtianas
no que concerne à promoção cívica e às idéias nacionalistas.
O culto cívico positivista, pelo menos aquele propugnado por Comte, não é
nacionalista porque cultua os grandes homens e não é individualista porque reverencia a
heróis nacionais. Desse modo, é necessário ler Comte e ler os leitores de Comte; estes
últimos, no desejo de encontrar uma solução civilizatória para o Brasil recém republicano,
misturavam ao comtismo idéias também contrárias a ele. Ao realizar um balanço sobre as
pesquisas no tema “positivismo no Rio Grande do Sul”, nas últimas três décadas, Boeira
alerta para o perigo do assunto parecer familiar demais ao historiadores, obliterando um real
questionamento sobre a natureza desse fenômeno, suas transformações e diferentes formas de
apropriações.32
Problema recorrente encontrado nos trabalhos aqui discutidos é certa confusão
entre o positivismo de Comte e o positivismo dos brasileiros. A situação se agrava quando se
pretende abordar o positivismo sem ler Comte e seus leitores. Tal procedimento é necessário

31
TODOROV, Tzvetan. Nous et les autres ― la réflexion française sur la diversité humaine. Paris:
Seuil, 1989. p. 52.
32
BOEIRA, Nelson. O Positivismo do Rio Grande do Sul ― questões pendentes e temas para pesquisa.
RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti; FÉLIX, Loiva Otero (org.). RS: 200 Anos ― definindo espaços na
história nacional. Passo Fundo: UPF Editora, 2002. p. 238-246.
32

não para provar uma coerência entre doutrina e a aplicação de modelos, mas para entender
como as idéias se transformam. Portanto, seria proveitoso ler o que os funcionários da SOP
escreveram sobre os prédios e monumentos construídos pelo poder público estadual do Rio
Grande do Sul, o que Justo Chermont ou a comissão promotora do monumento à República
em Belém do Pará escreveram para justificar a obra, o que disse Lauro Sodré sobre Carlos
Gomes, o que Décio Villares e Eduardo de Sá escreveram sobre Tiradentes, o que Araão Reis
disse ao idealizar a cidade de Belo Horizonte. É nesses registros que se pode apreender algo
sobre o pensamento positivista, impregnado nas obras artísticas. O interessante seria não
medir coerência doutrinária, mas entender os ajustes quando as idéias são apropriadas.

Os capítulos

Percebe-se que a historiografia que tratou do tema da produção artística positivista


o fez em três tópicos, geralmente os abordando de forma separada, sem estudar as relações
entre eles: os encomendantes, os artistas e as obras. Variadas combinações foram possíveis: às
vezes, era a obra e o artista positivista que expressavam o positivismo, independentemente do
que professasse seu encomendante; em outras, era o positivismo assumido pelo encomendante
que legava o atributo de positivista à obra, à revelia de seu conteúdo ou do artista a
confeccioná-la; outras vezes, apenas a obra aludia ao positivismo, e nem o encomendante nem
o artista eram positivistas.
Parece que nenhuma dessas combinações é prescindível para a análise se tivermos
como foco a produção de arte positivista. Estudar a produção implica considerar uma contínua
influência recíproca entre três elementos: artista, encomendante e obra. Acrescenta-se ainda a
importância de inserir essa produção no mundo das artes, não positivista, buscando entender
os elementos da crítica, da incompreensão e da iconoclastia.
No primeiro capítulo, busca-se explicar a proposta estética de Comte, cuja
intenção final era desencadear um “renascimento positivista.” Visa-se explicar a proposta
estética comtiana, integrada ao conjunto de idéias acerca das artes de meados do século XIX.
Esta proposta estética pode ser melhor compreendida se analisarmos os artistas homenageados
por Comte no Calendário Positivista e os autores de história da arte recomendados na
Biblioteca Positivista. O mundo das artes francês de meados dos oitocentos ajuda a elucidar as
críticas comtianas a alguns artistas e a certas políticas das artes. Foi na observação desse
universo cultural artístico que Comte balizou sua proposta estética, sobretudo na função social
das artes; afinal, o positivismo era um projeto de regeneração social. A base deste capítulo
33

será o texto comtiano Aptitude Esthétique du Positivisme (doravante denominado apenas


Aptitude Esthétique), publicado no primeiro volume do Système de Politique Positive.33
Comte, em menor medida, e seus seguidores na França estiveram envolvidos na
promoção de obras de arte alusivas ao positivismo. Este será o tema do segundo capítulo, que
focaliza as iniciativas artísticas dos positivistas franceses. Visa-se saber que obras tiveram o
patrocínio desse grupo, como foram as campanhas de subscrição, como seus integrantes
estabeleceram as escolhas dos artistas e as discussões em torno do seu conteúdo. A principal
fonte, neste capítulo, são os artigos sobre arte publicados em revistas positivistas francesas: na
Revue Occidentale Philosophique Sociale et Politique, dirigida inicialmente por Pierre
Laffitte, e na revista dirigida por Émile Littré, chamada La Philosophie Positive. Com este
capítulo, visa-se principalmente responder se e como os franceses foram sensíveis a esta parte
do pensamento comtiano referente à promoção artística.
Dois artistas brasileiros se assumiram como artistas positivistas: Décio Villares e
Eduardo de Sá. Visa-se compreender, no capítulo III, como eles se tornaram positivistas, e,
para isso, realiza-se uma pequena biografia de ambos, destacando principalmente aspectos
que revelam seus estudos de arte, suas redes profissionais/pessoais, a forma de adesão ao
positivismo e suas intervenções políticas, tentando estimular também no Brasil um
“renascimento positivista.” Qual o status destes artistas no seu meio profissional antes de se
tornarem positivistas? Por quais mestres-artistas foram influenciados? Como a crítica de arte
os considerava? Essas são algumas perguntas que balizam esse capítulo.
No quarto capítulo, buscaremos analisar o meio artístico no Rio de Janeiro, onde,
primeiro, a Academia Imperial de Belas Artes ― AIBA, e, depois, a Escola Nacional de Belas
Artes ― ENBA, centralizavam boa parte do ensino artístico e eram núcleos da formação de
redes pessoais que integravam governo e mundo artístico. Visa-se responder qual o status
profissional dos artistas positivistas nesse meio. Norteia este capítulo o episódio chamado,
pela historiografia, disputa entre Modernos X Positivistas, no qual Décio Villares teve papel
decisivo ao propor a extinção da ENBA.
Quem eram os encomendantes de Décio Villares e Eduardo de Sá? Essa é a
questão que responderemos no capítulo cinco. O mundo artístico brasileiro, principalmente
nos primeiros anos republicanos, era bastante competitivo. Os contratos para obras artísticas
oficiais se ampliaram, e associações, clubes e governos estaduais e municipais passaram a
contratar artistas, mas as oportunidades estavam vinculadas às redes pessoais. Com quem os

33
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique du Positivisme. In: Système de Politique Positive. Tomo I.
Paris: Librairie Positiviste, 1912.
34

artistas positivistas se relacionavam? Visa-se saber quais suas ligações com pessoas dos
setores públicos e esferas políticas com capacidade decisória para encomendar obras de arte.
Destacam-se três tipos de encomendantes de obras vinculadas ao positivismo: alguns
militares, membros da IPB e governantes do Rio Grande do Sul. Leva-se em conta, por
exemplo, que havia competição entre alguns positivistas na promoção de certas obras. Estes
são encomendantes que, além de estarem no círculo de influência dos artistas positivistas e
apreciarem a doutrina, muitas vezes conheciam a proposta estética de Comte, chegando a citá-
la em seus textos. A questão aqui é esta: O que esses encomendantes conheciam e produziam
sobre o positivismo e como essas idéias influenciaram as negociações sobre o conteúdo das
obras de arte que promoviam? Visto que se analisa o positivismo como prática política,
também se tem por objetivo situar as atividades cívicas desses diferentes encomendantes e os
usos de objetos artísticos para realizá-las.
Chega-se então às obras. No sexto capítulo, procurar-se-á discutir as negociações
entre encomendantes e artistas para definir o conteúdo das mesmas. Selecionou-se um
conjunto de obras, principalmente monumentos públicos confeccionadas pelos artistas Décio
Villares e Eduardo de Sá. Serão analisados os monumentos a Benjamin Constant, Tiradentes e
Floriano Peixoto, no Rio de Janeiro, e a Júlio de Castilhos, em Porto Alegre. Discute-se que
os encomendantes, algumas vezes, tinham condições de negociar o conteúdo das obras; em
outras, os artistas conseguiam expressar o positivismo de forma sutil. Em outros casos, as
obras poderiam não expressar o positivismo explicitamente, mas seus usos políticos poderiam
lhes atribuir valores da doutrina. Este capítulo também tratará das práticas culturais em que
essas obras de arte estão imersas: cortejos cívicos e fúnebres, inaugurações, decoração de
prédios públicos.
35

Capítulo I – Auguste Comte e o Renascimento Positivista

A Aptidão Estética do Positivismo

Comte nasceu em 1798, assim como Delacroix, e tinha 27 anos quando David
morreu em 1825. Com essa idade, Comte dava início às suas atividades como professor em
cursos populares e começava a publicação de textos filosóficos sobre a reorganização social.
Cinco anos após, iniciava a redação dos seis volumes de sua primeira grande obra: Cours de
Philosophie Positive, em cujo último volume, escrito entre 1841 e 1842, apresentou pela
primeira vez suas idéias sobre arte e uma proposta preliminar de teoria estética, que foi mais
sistematizada no primeiro volume do Système de Politique Positive, por meio do texto
Aptitude Esthétique du Positivisme.
Entre as artes em geral, Comte era grande admirador da poesia; e é às artes
plásticas (chamadas por ele de artes da forma) que lançou boa dose de críticas. Suas idéias
faziam uma conciliação entre a arte neoclássica de David e a romântica de Delacroix. A
primeira parte deste capítulo visa explicar a teoria estética comtiana e entender sua origem
intelectual. Na segunda, busca-se também saber que contatos Comte teve com pinturas e
esculturas e que idéias e artistas poderiam ter influenciado sua teoria estética. Sobre dois
pilares Comte sustentou essa teoria estética, aliás, todo o sistema explicativo do positivismo: a
biologia e a história.

Na biologia

Segundo Comte, as funções do cérebro são divididas em qualidades práticas,


funções intelectuais e motores afetivos. Ele apresenta no texto Aptitude Esthétique uma
seqüência sempre tríade de características que correspondem a essas funções iniciais do
cérebro.1 O quadro abaixo mostra este conjunto tríade de características, que culmina com as
três grandes criações da humanidade, segundo o princípio comtiano: a poesia, a filosofia e a
política.

1
Classificação positiva das dezoito funções interiores do cérebro, ou quadro sistemático da alma. In:
COMTE, Auguste. Catecismo Positivista. São Paulo: Abril Cultural. 2. ed. 1983. p. 246.
36

Motores sentimento impulso amar coração moral apreciação fonte belo imaginação imitação ¼ poesia
afetivos
Funções razão conselho pensar espírito intelectual idealização base verdadeiro contemplação idealização¼ filosofia
intelectuais
Qualidades atividade execução agir caráter físico realização fim bom execução realidade ¼ política
práticas

A tabela também mostra que o sentimento é o domínio essencial da arte, tendo a


poesia como sua mais bem acabada representante. Comte explica que a arte constitui a
representação mais completa e natural da unidade humana, pois se liga aos pensamentos,
sentimentos e atos. A razão (pensamentos) deve subordinar-se ao sentimento e dirigir
(estimular) a atividade. Logo, por meio da razão, a atividade é comandada pelo sentimento.
Isto é expresso na máxima comtiana “Agir por afeição e pensar para agir”; e pode ser
visualizado no esquema abaixo, cuja razão emanada do sentimento estimula a atividade.

Sentimento

Amar
Poesia
Atividade

Agir
Política
Razão

Pensar
Filosofia

Ele afirma que o positivismo, por subordinar a razão ao sentimento, deve e


necessita desenvolver nossas faculdades estéticas, justificando que a afeição é a característica
humana mais modificável e idealizável, portanto mais incompleta e passível de imperfeições.
O domínio da arte pode ser muito perigoso ao indivíduo, no aspecto moral, e à sociedade, se
deixado livremente em seu curso. Comte sentencia que o reino da imaginação (das artes) pode
ser mais corruptor que o da razão (da filosofia); daí vem a importância da estética no projeto
positivo de reforma social e moral. Os diversos tipos de arte obedecem a uma hierarquia que
também tem origem cerebral, segundo Comte.
37

A hierarquia estética

A hierarquia estética deve ser aplicada para arrumar as diversas belas artes
segundo uma ordem de concepção e de sucessão, análoga ao sistema científico (ou filosófico)
e ao industrial (ou prático), proposto no tratado filosófico comtiano. A posição intelectual da
arte está entre a indústria e a ciência, devendo tornar-se menos técnica que a primeira e mais
geral que a segunda, conforme o diagrama abaixo.

Indústria Ciência
(Tecnicidade) Arte (Generalidade)

A avaliação pela generalidade e tecnicidade também rege as diferentes categorias


de arte. Essa classificação das artes também se ordena segundo a biologia, nos sentidos
humanos. Dois apenas são verdadeiramente estéticos: a audição e a visão. O primeiro é
relativo somente à arte musical (inclui a poesia), e o segundo às três artes da forma. A poesia
é a base de todas as artes; é a mais estética, portanto é a mais geral e menos técnica. Ser mais
geral significa, para Comte, ter maior alcance social. Com relação às outras manifestações
artísticas, a poesia tem campo mais extenso, visto que abrange toda a existência pessoal,
doméstica e social e não necessita de uma linguagem especial, pois a fala e a audição são de
domínio de todos. Segundo a teoria cerebral de Comte, a reação muscular, vocal ou mímica,
de onde resulta a linguagem, é comandada pela parte afetiva do cérebro. Portanto, a poesia é a
expressão artística por excelência.
As artes visuais, por outro lado, são mais técnicas que a poesia e de domínio
(alcance social) menos extenso. Isto pode ser entendido melhor ao observarmos o esquema
abaixo.

Arquitetura

Escultura

Pintura
(+) Poesia (-) (+)
ESTÉTICA
(base) Tecnicidade Generalidade
(Alcance Social)
38

A técnica é inversamente proporcional ao alcance social e também à carga de


esteticidade de cada uma das categorias de arte consideradas na hierarquia comtiana.
O princípio hierárquico (de mais estético para menos estético) designa o primeiro
posto à poesia, depois às artes da forma: pintura, escultura e arquitetura. Comte dedicou
bastante atenção à poesia, por ser para ele a manifestação artística mais completa e mais
estética, donde se pode concluir que seu conceito de estética tem por base a capacidade de ser
mais geral e menos técnica. O que prevalece é o amplo domínio pessoal, doméstico e social,
assegurando à arte larga popularidade. O que Comte entende por popularidade não era apenas
a recepção e compreensão da arte, mas a possibilidade de ser executada (produzida) por todos.
Mais adiante veremos quem são os artistas na estética comtiana.
Para Comte, a poesia atingia o mais alto posto estético por derivar da língua, por
si só acessível a todos. Grande capacidade técnica, como é o caso da escultura, tornava-a
menos estética, porque poucos conseguiam executá-la. Adiante veremos que Comte criticava
os artistas preocupados apenas com a técnica. Sua proposta de reforma apresentava uma nova
educação estética, mais voltada para a idealização e menos para a expressão; uma educação
que fosse também mais geral e menos técnica.
Com isso, Comte pouco tratou das artes da forma. Sobre estas vale reproduzir na
íntegra suas palavras.

A pintura desenvolve sozinha todos os meios de expressão visual, reunindo o


poder do colorido ao desenho. Seu domínio, seja privado, seja público, é mais
extenso que o das duas últimas artes. Ela se aproxima mais da poesia, à qual se a
tem comparado muito. Embora a habilidade técnica seja mais indispensável nela e
mais difícil que na música, ela comprime menos o surto estético do que com a
escultura e a arquitetura. Por isso essas duas últimas artes são as que menos
idealizam, imitando mais. Enfim, a arquitetura é ainda menos estética que a
escultura. Os procedimentos técnicos tornam-se preponderantes nela, e a maior
parte de suas produções devem ser consideradas antes como industriais do que
como artísticas. Quase limitada à beleza material, ela não exprime a beleza moral
senão por artifícios amiúde equívocos. Mas a permanência e a energia de suas
impressões próprias a manterão sempre na classe das belas artes, principalmente
para as grandes construções públicas, que constituem a mais imponente fórmula
de cada fase social. Nada caracterizou melhor até agora esse alto destino do que as
admiráveis catedrais onde, em sua idealização monumental dos sentimentos
próprios da Idade Média, a arquitetura realizará tão dignamente sua aptidão
natural para combinar todas as belas artes através de uma sede comum.2

2
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique... p. 294.
39

Na história

A filosofia comtiana integrou o movimento de consciência histórica do século


XIX, que consolidou a história como disciplina expressa em diferentes formas de
representação. Comte sentenciou:

O século atual será principalmente caracterizado pela irrevogável preponderância


da história, em filosofia, em política e mesmo em poesia. Esta universal
supremacia do ponto de vista histórico constitui, a um só tempo, o princípio
essencial do positivismo e seu resultado geral.3

Essa idéia de predomínio da história expressa por Comte demonstra a


intensificação da consciência da história e de sua invasão nos outros campos do conhecimento
no século XIX. Para Stephen Bann, a história não só invadiu e assimilou os meios tradicionais
de representação do conhecimento, como no caso do gênero histórico, que influenciou o estilo
tradicional de pintura, mas também se alastrou para produtos culturais populares.4 Bann
argumenta que o “desejo pela história” foi produto do período romântico, quando uma larga
extensão das preocupações com o passado tornou-se acessível por variadas formas de
representação. A partir do final do século XVIII, houve uma notável profusão de
representações da história, estimulando a imaginação a respeito do passado e definindo o
limite entre história e ficção.5 O gosto pela história conduziu à larga utilização de imagens
evocativas do passado, em todas as áreas e principalmente nas artes plásticas. “Ciência,
representação e imaginação do passado, a história inspirou largos setores de atividade
artística.”6 O desejo pela história incentivou a profusão da literatura, livros de viagens, álbuns
ilustrados com litografias; na arquitetura, imitações de estilo gótico. Na pintura também
predominaram os temas históricos, combinando o gosto pelo real, pelo detalhe e pela
autenticidade, e criando uma reconstrução do passado em forma de imagem.
Comte, ao afirmar que o enfoque histórico é a essência e o resultado do
positivismo, também reforça a tese de Bann de que a história se transformou na forma
paradigmática do conhecimento, que os outros campos almejavam ser. Como única maneira
de conhecimento da sociedade, Comte propõe o método histórico, abandonando a descrição e
disposição cronológica em forma de anais e adotando a “verdadeira História, concebida com

3
COMTE, Auguste. Système de politique positive. Tomo III. Paris: Societé Positiviste, 1912. p. 1.
4
BANN, Stephen. Romanticism and the rise of History. New York: Twayme Publishers, 1995. p. 4.
5
BANN, Stephen. Romanticism… p. 5.
6
MONNIER, Gerard. L’art et ses institutions en France. Paris: Gallimard, 1995. p. 110-113.
40

espírito científico, isto é, tendo por fim a pesquisa das leis que presidem o desenvolvimento
social da espécie humana.”7
Para o positivismo, a humanidade é o sujeito coletivo do conhecimento histórico,
e ela deve ser estudada segundo as condições historicamente dadas em cada época. Ao
abandonar a forma descritiva e cronológica de história (principalmente de história política,
centrada nos indivíduos ou na história administrativa), Comte propõe uma periodização
marcada pelas gerações humanas e as condições reais de sua existência, centrando-se no
estudo da experiência humana concreta: as ciências, as artes e a indústria. A ciência do
espírito (a história) é interior porque se refere ao homem, à sua experiência vivida e à sua
relação com os outros homens, diferenciando-se da ciência da natureza, comandada por leis
externa; assim, para Comte, “o espírito humano não é algo fixo e imutável, sempre com as
mesmas categorias. As funções psicológicas do homem – inteligência, sentimento e ação –
devem ser estudadas pelas obras do próprio homem, historicamente realizadas”,8 e não por
motivações externas, para Comte, metafísicas.
O interesse crescente pela história, a sofisticação de seus métodos e a sua
consolidação como disciplina levaram a uma reformulação da tarefa geral da história: relatar
os eventos históricos tal como aconteceram ou destacar a lição perene e moral do passado. A
concepção de história de Comte estava mais próxima a essa segunda tarefa. Na arte, Comte
não abdicou dessa lição moral.

A arte na história

Para Comte, o problema da arte no século XIX estava na inversão dada ao seu
papel social. Segundo ele, a arte tem a função de embelezar a vida humana, nunca corrigi-la.
Ela não tem função prática e a ela não cabe agir sobre a realidade, esse é o reino da política. À
arte cabe apenas imaginar, idealizar as necessárias melhorias sociais, porém sem realizá-las.
Sua crítica recaía, assim, no poder de ação, para ele exagerado e perigoso, dado ao domínio
das artes. Analisando sua época, entendeu que os órgãos artísticos adquiriram influência
crescente a ponto de lhe conferirem supremacia política, ou seja, capacidade de agir e não de
inspirar.
Comte entendia que a evolução histórica da arte estava ainda em fase preparatória,

7
COMTE, Opuscules sur la philosophie sociale. In: Système de politique positive. Paris: Societé
Positiviste. Tome IV, 1912. p. 134.
8
MORAES Fo. Evaristo de. Comte. São Paulo: Ática, 1989. p. 29.
41

desde a antiguidade, por falta de condições essenciais para desenvolver-se. Seu apogeu seria
no estado positivo, para ele em curso. A idade politéica, que corresponde à antiguidade,
obedeceu à lógica das imagens, mas suas inclinações estéticas foram exageradas em
conseqüência da preponderância da imaginação na construção das doutrinas. Neste regime,
mais do que em outros, a arte teve um surto favorável, surgindo de forma livre após escapar
da teocracia, que a tornava subalterna e a entravava. Porém, nesse período, a arte não teve
popularidade.
Na Idade Média, já monoteísta, as belas artes se desenvolveram muito e se
popularizaram, não em função do catolicismo, que impunha um objetivo individual e
quimérico a cada um, mas em função da sociabilidade medieval, que mesmo militar, adquiriu
uma elevada moralidade; da emancipação das mulheres, que permitiu o desenvolvimento das
emoções domésticas;9 de dignidade pessoal associada ao devotamento social; da instituição da
cavalaria ocidental. Por todas essas características, a Idade Média poderia ter sido muito mais
favorável às artes se esse sistema tivesse se prolongado por mais tempo. “Quando a língua e a
sociedade foram desenvolvidas de tal modo que a aptidão estética do regime pudesse enfim
resultar em produções duráveis, a situação católico-feudal se achava já radicalmente alterada
pela preponderância crescente do movimento negativo. O longo período revolucionário após a
Idade Média resultou em uma decomposição crescente.”10
No período moderno, a arte estava em um “destino negativo” não em função de si,
mas da época. A necessidade de se subtrair ao jugo cristão levou a arte a uma “saída artificial,
procurando, nas lembranças do tipo antigo, os costumes fixos e pronunciados que não podia
encontrar em torno de si.”11 Nesta crítica, Comte estava se referindo à adoção dos valores
clássicos no Renascimento. A inversão de poderes da arte – agir e não inspirar – já havia se
iniciado no século XIV, suscitando pretensões políticas aos artistas e estimulando os orgulhos
pessoais. No século XVIII, isto se acentuou. Diz Comte que os literatos (mais poetas que
filósofos) passaram a substituir os doutores na presidência espiritual do movimento de
decomposição histórico-social. “O advento da Grande Crise (a Revolução Francesa) forneceu

9
Para Comte, o culto à Virgem Maria na Idade Média foi a principal contribuição do catolicismo ao
mundo Ocidental. O culto comtiano à domesticidade (que tem a mulher como protagonista) tem
inspiração neste período, que para ele promoveu a emancipação feminina dos preconceitos e
brutalidades masculinos. Sobre o papel das mulheres no projeto social e moral positivo ver: LEAL,
Elisabete. O Positivismo comtiano, o Partido Republicano Rio-grandense, a Moral e a Mulher (1891-
1913). Porto Alegre: PPG-História Ufrgs, 1996. (Dissertação de Mestrado). p. 53-74; e PETIT, Annie
e BENSAUDE, Bernadette. Le féminisme militant d’un auguste phallocrate. Revue Philosophique. n.
3, 1976.
10
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 296.
11
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 297.
42

naturalmente a essa classe equívoca os benefícios políticos de sua supremacia revolucionária,


a qual persistirá até que a reorganização direta comece a prevalecer [...] essa é a filiação
histórica que explica e refuta simultaneamente as utopias anárquicas de nosso século (o XIX)
sobre uma espécie de pedantrocracia estética.”12
Sem citar artistas ou obras em especial, Comte traçou dura crítica ao estado da
arte em seu tempo. Para ele, os artistas cultivavam um orgulho frívolo, cheio de pretensões
políticas e pecuniárias; os apreciadores estavam apenas preocupados em julgar a obra de arte,
dando demasiada atenção à técnica e à expressão; e as instituições artísticas, por seu turno,
tinham influência demasiada, com supremacia política, além de estarem equivocadas quanto
ao ensino artístico. Adiante veremos as implicações destes dois últimos problemas na
hierarquia estética e na educação artística. Comte conclui que são problemas oriundos de
desvario e ambição estéticos, próprios de um tempo sem uma doutrina universal.

Educação geral e estética

A crítica comtiana sobre o estado da arte em seu tempo estava na base da proposta
de ensino artístico. Para ele, as artes estavam corrompidas pelo excessivo privilégio da técnica
em detrimento da moral e do conhecimento especialista sobre o geral. Como a estética
comtiana visava ser popular ― executada por todos ―, a educação devia propiciar
conhecimentos para a expressão artística. Com isso, deve-se primeiro perguntar: quem são os
executores de obras de arte? Quem são os artistas na estética positivista?
Comte estabeleceu que a regeneração social empreendida pelo positivismo deveria
ter a cooperação das mulheres, dos filósofos e dos proletários e todos estariam habilitados a
desenvolver as aptidões estéticas, principalmente a poesia. Às mulheres cabiam as
composições poéticas e musicais menos difíceis (ficam fora os poemas épicos e dramáticos,
por idealizarem a vida pública, fora da alçada feminina). Elas nunca deviam se dedicar às
artes da forma, por exigirem muita habilidade técnica, lento aprendizado e aplicação intensa.
As obras épicas e dramáticas deviam ser criadas pelos filósofos, que, ao se
tornarem os poetas, abandonariam momentaneamente as funções filosóficas. Comte não via
contradições nessa dupla atividade; ela não podia ser simultânea. Ele explica: tanto o poeta
quanto o filósofo empregam o regime analítico para suas elaborações, pois a “invenção que
seja abstrata ou concreta, que se aplique em apanhar a realidade ou a idealizá-la, é sempre no

12
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 278.
43

fundo, a mesma função cerebral, com destinos diferentes.”13 Nas artes da forma, era difícil,
por sua especialidade técnica, que os filósofos criassem obras, mas alguns artistas escolhidos
poderiam se tornar membros acessórios do poder espiritual.
Quanto aos proletários, a aptidão estética deveria ser menos pronunciada “pois seu
destino ativo o afasta mais da existência especulativa que essas criações supõem.”14 As
criações que necessitassem de energia e despreocupação eram as mais convenientes a eles.
Além dessa participação especial de alguns proletários, o povo também tomaria parte
fundamental na evolução estética, por meio da linguagem.
A organização final da arte pelo regime positivo empreenderia uma educação
geral cultivando o gosto por todos os modos de idealização e extensiva a todos. Na divisão do
trabalho poético; os filósofos exerceriam atividades junto à vida pública; as mulheres e
proletários ficariam com as composições privadas e pessoais, conforme exijam ternura ou
energia. Essa harmoniosa cooperação em prol do destino estético faria com que os exercícios
de idealização tendam para o destino afetivo. “Perdendo uma especialidade que adultera seu
encanto natural, a arte não oferecerá mais os perigos morais aos quais se expõe toda vida
votada exclusivamente à expressão.”15
A disposição do positivismo em favor da afetividade foi potencializada nesta
“nova educação”, que seria mais estética que científica. “A instrução positivista familiarizará,
desde a infância, o mais subalterno proletário de cada sexo com todas as belezas da verdadeira
poesia, não somente nacional, mas também ocidental. O surto estético não pode ser
sinceramente eficaz senão aplicando-se primeiro às produções que retratam nosso próprio
modo de sociabilidade.”16 A educação do jovem positivista se iniciaria com a poesia e depois
passaria às artes especiais, pois, pelos tons e pelas formas, poderia exprimir com mais energia
suas criações. A contemplação e a meditação estética eram a base e preparação para os
estudos científicos.
As instituições educacionais também deveriam reformar-se, fugindo de uma
especialização viciosa, critica Comte. Todas as verdadeiras vocações estéticas devem ser
estimuladas na educação geral aos proletários e às outras classes. A educação deve ser geral e
não especialista e técnica, pois só assim atingiria o espírito e o coração, necessários para
produzir arte para os sentimentos.

13
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 310.
14
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 313.
15
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 314.
16
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 302.
44

A notória impotência de nossas escolas públicas destinadas a formar músicos ou


pintores dispensa, a este respeito, toda explicação. Além de seus graves perigos
morais, essas instituições só podem contrariar toda verdadeira vocação estética.
[...] Tornando a educação geral profundamente estética, o positivismo suprirá,
pois, toda educação especial contrária ao verdadeiro surto da arte e própria
somente a fazer prevalecer a mediocridade.17

Comte critica, assim, tanto a escola regular quanto a artística. A primeira por não
dar atenção devida ao desenvolvimento estético, a segunda por ignorar o conhecimento geral.
A saída, para ele, era unir ambas. A ousadia estava na proposta de supressão da escola
especialista: das Academias de Belas Artes. Se a arte positivista (Comte usa essa expressão)
deve ser criação de todos, não importando a qualidade técnica, pois a idealização é mais
importante que a expressão, qual a necessidade das Academias?
Sem abrir mão completamente das variadas formas de expressão artística, apenas
estendendo-as a todos, Comte entendeu que a criação artística era um exercício moral útil,
pois estimulava os sentimentos. Se as representações fossem idealizadas, não apenas a
reprodução fiel do real, então a aptidão da arte seria mais completa. Com isso, mais
importante que o produto final, a obra de arte, e inclusive sua execução, era a sua idealização.
Deslocando a razão da produção de arte ― o produto artístico ― para a intenção de produzi-la,
Comte estende a educação geral e estética a todos.

Arte para quê?

Comte tinha claro o papel das artes no projeto positivista de reconstrução social:
construir tipos (exemplos morais), e esta era a principal função; conter as utopias,
redirecionando-as; e avivar o passado, tornando familiar a ligação com o futuro.
No texto Aptitude Esthétique, apenas em uma rápida frase, Comte conceitua o que
é arte e para que serve: “Consiste sempre em uma representação ideal daquilo que é, destinada
a cultivar nosso instinto da perfeição.”18 Para ele, mais importante que reproduções fiéis da
realidade está a idealização de tipos, figuras exemplares que contribuíram para o bem da
Humanidade.

17
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 307.
18
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 282.
45

Então a arte se eleva para sua missão característica, a construção dos tipos os mais
animados, cuja contemplação usual pode aperfeiçoar tanto nossos sentimentos e
mesmo nossos pensamentos. O exagero dessas imagens é uma condição
necessária do destino delas, visto que elas devem ultrapassar a realidade a fim de
nos impelir a melhorá-la. Já muito eficazes para a vida privada, essas emoções
artificiais tornam-se muito mais poderosas para com a vida pública, seja segundo
a importância superior de seus objetos, seja pela excitação mútua proveniente do
concurso das impressões pessoais.19

A fórmula apresentada por Comte é esta: elenco de tipos ideais + produção, com
exageros, de suas imagens + sua contemplação = emoções. A canalização das emoções para
os tipos ideais preestabelecidos sistematiza, ordena e regulariza as utopias, subordinando-as à
realidade, como o passado indica para o futuro. O que garante a identificação com esses tipos
ideais é a História, pessoal e coletiva.
A Religião da Humanidade criada por Comte era uma religião da História e um
culto aos mortos, no sentido memorial. Essa religião era composta por um culto privado e um
culto público. O primeiro ocorria no espaço doméstico e era voltado para a lembrança dos
familiares mortos, estimulando diariamente a rememoração da história dos antepassados e sua
transmissão. Esta atividade coletivo-familiar dotava o indivíduo de um passado coletivo e
incluía, para isso, as narrativas históricas dos antepassados, atividades artísticas, como leitura
de poesias e audição de óperas, e leitura de livros, principalmente da história da humanidade.
A mulher era a coordenadora desse culto doméstico.
O culto público ou coletivo ocorria nos templos positivistas, era destinado a
celebrar a Humanidade e seu passado e era dirigido pelos sacerdotes (filósofos). Tratava-se de
uma “religião da memória e da cultura, [...] da história.”20 Esse culto público era uma forma
de cultura histórica, pois incluía uma narrativa da história da humanidade, uma espécie de
ensinamento enciclopédico que recapitulava toda a memória social. Como essa religião se
baseia no passado dos indivíduos, da comunidade, da nação, representações que estimulassem
lembranças eram fundamentais, sejam por textos ou imagens. Portanto, no desenho de templo
proposto por Comte, as treze capelas deveriam conter estátuas ou bustos dos homens que
contribuíram para a evolução da humanidade, reservando a décima quarta capela para o grupo
das mulheres.21 Estes eram os tipos ideais que deveriam ser contemplados nos templos e
encarados todos os dias no Calendário.
Tanto o Calendário como a Biblioteca expressam o desejo de Comte de que o
19
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 283.
20
GRANGE, Juliette. La religion positive. In: La Philosophie d’Auguste Comte: science, politique,
religion. Paris: PUF, 1996. p. 403.
21
COMTE, Auguste. Catecismo... p.189.
46

presente fosse continuamente marcado pelo passado e que a vida privada e pública também o
fosse. No plano individual, as figuras que se destacariam eram os familiares mortos que
contribuíram para a história pessoal de cada indivíduo; no plano nacional, as figuras
reverenciadas seriam os “heróis nacionais” que contribuíram para a evolução da história
pátria. Mas essas figuras cultuadas nunca o eram por razões personalistas, e sempre por suas
contribuições à coletividade humana – a Humanidade, que é síntese de passado e presente. Ao
fundar na História a identidade coletiva, familiar ou pública, elencando as figuras que
deveriam ser reverenciadas, Comte pretendeu redirecionar as utopias. Se a arte positivista
conseguisse realmente criar as emoções artificiais, as utopias então seriam planejadas.
O estímulo exagerado ao reino da imaginação, para ele mais corruptível que o da
razão, poderia perturbar a existência privada com uma exaltação artificial e mentirosa, restrita
aos estímulos sensuais, alterando a vida pública e provocando uma completa indiferença
social. Comte ressalta ainda mais um grande perigo social: as livres utopias. O poder da arte
estava na capacidade de regular a imaginação (utopia) individual e coletiva. É o que ele
chama de “idealidade estética.”22 Esta deve ser estendida aos fenômenos sociais e
convenientemente sistematizada, ordenada, para poder regularizar as utopias, subordinando-as
à ordem real, como o passado indica para o futuro. Com isso, Comte esclarece que o
positivismo não repudiava as utopias, mas incorporava-as ao regime, facilitando seu surto e
influência, desde que subordinadas ao conjunto das leis reais. É neste movimento que se pode
entender o estímulo aos tipos ideais, propostos no Calendário Positivista, trabalhados adiante.
Como Comte expressou, era fundamental a contemplação das figuras ideais. Por
isso, estipulou que, em todas as solenidades, privadas ou públicas, a arte devesse ser mais
pronunciada. Sua Religião da Humanidade possuía um culto coletivo e público, que era
reforçado por atividades que incentivassem a sociabilidade cívica, fora dos templos. As
comemorações públicas cívicas ou culturais, exaltando os grandes homens que contribuíram
positivamente para a história da humanidade, a construção de prédios públicos dedicados a
fins culturais e a confecção de monumentos públicos, estátuas, bustos, bandeiras, mausoléus
fúnebres, faziam parte da estratégia de ação religiosa, fora dos templos. “O espaço inteiro da
cidade será a comemoração, a adoração da Humanidade pela nominação de ruas, tecendo no
espaço o Calendário Positivista.”23 Em suma, a vida social, pública e coletiva, que estimulasse
a lembrança do passado e as diferentes formas de celebrá-lo, integrava também o culto da
Humanidade. Essa proposta de vida social e cultural visava criar uma unidade simbólica entre

22
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 285.
23
GRANGE, Juliette. La religion positive… p. 402.
47

os cidadãos. Era o conhecimento do passado, da história, que uniria os homens, e a arte era
um dos caminhos. “É a arte, que não é arte somente no sentido da estética, que permite dar
uma identidade imaginária ao coletivo. Esta identidade se expressa aos olhos de todos de uma
maneira indireta em um grande número de formas de expressão: estátuas e monumentos,
nomes de ruas e obras de arte.”24
A arte era uma auxiliar da razão e da verdade, mas tinha por base os sentidos
humanos, visando á sensibilização moral, sobretudo coletiva, porque tinha a função de educar
o homem e a sociedade e aperfeiçoar a humanidade, por meio da apreciação do belo e
admirável. Ela tinha função moralizadora e era a principal base da educação; portanto, era
essencialmente social e política e não era mais somente fruição do belo. Para isso, a arte se
voltou para o passado e para as figuras exemplares que deveriam ser imortalizadas em
representações.
Ao destacar as figuras exemplares no passado, a arte positivista marcava também
o futuro, pela mensagem de uma época a outra, por meio de uma linguagem universal,
entendida por todos ao longo do tempo. “Como a História que narra os fatos ocorridos no
passado, a arte também há-de sempre apresentar no esplendor de sua beleza o passado da
Humanidade, tornando-o presente.”25
Comte instituiu o uso de imagens e ritos que deveriam se transformar numa forma
de culto social, dando uma dimensão imaginária à vida cívica, tendo por âncora o passado. As
festas católicas e as festas públicas revolucionárias são modelos para Comte, ambas
utilizando-se fartamente de imagens e de evocações da História. Sua proposição era uma
síntese da alegoria republicana com a estatuária e da simbologia cristã com a pintura. Ambas
as formas de expressão artística tiveram a capacidade de ligar o passado ao presente. “Comte
espera sintetizar duas concepções opostas da mediação social e da figuração artística que se
reencontrarão e funcionarão espontaneamente: a imagem cristã e a estátua alegórica
republicana, a missa e a festa.”26 Comte lamentava que, desde a decadência do catolicismo,
não havia festas verdadeiras. Durante o “empirismo revolucionário” francês, houve tentativas
de agregar a arte às festas públicas, porém criticáveis para Comte.

24
GRANGE, Juliette. Rôle social de l’arte e art social. In: Auguste Comte – la politique et la science.
Paris: Odile Jacob, 2000. p. 237.
25
ROSA, E. R. Proença. Augusto Comte e a Arte. Rio de Janeiro: Oficina Gráfica da Universidade do
Brasil, 1957. p. 19.
26
GRANGE, Juliette. Rôle social de l’arte e art social... p. 244.
48

Mas a inanidade notória de todas as tentativas empreendidas a este respeito desde


o início da revolução é muito própria para confirmar à filosofia o privilégio
exclusivo de uma função que a política não poderia preencher. Toda festa devendo
consistir na manifestação solene de sentimentos reais, a espontaneidade constitui
sempre sua condição preliminar. O poder que comanda é pois incompetente aí,
[...] o poder temporal continuará a ordenar inutilmente simulacros sem dignidade,
no meio de um tumultuoso concurso, em que os espectadores fazem ás vezes do
espetáculo. Suas pretensões empíricas tornam-se amiúde até tirânicas, quando ele
impõe fórmulas arbitrárias para sentimentos que não existem. Nenhuma operação
social está mais em condições de, evidentemente, ser da exclusiva competência do
poder espiritual, único apto a regularizar as tendências de que ela resulta. Ora, sua
função torna-se então essencialmente estética. Pois, toda festa real, mesmo
privada, e principalmente pública, constitui, no fundo, uma obra de arte, enquanto
destinada à idealização vocal ou mímica, dos sentimentos correspondentes.
Nenhuma função poderia ser tão estética, já que a manifestação exige, de
ordinário, a íntima combinação das quatro artes especiais, sob a presidência da
arte fundamental. É por isso que a rotina temporal foi sempre levada a subordinar,
sob este aspecto, sua supremacia oficial a livres consultas artísticas, invocando
mesmo simples pintores ou escultores, por falta de verdadeiros poetas.27

O problema apontado por Comte nas festas revolucionárias francesas, na Festa do


Ser Supremo ou da Regeneração e dos funerais de Marat e Lepeletier, por exemplo, era que
não eram os filósofos-poetas (o poder espiritual) os autorizados para criações deste porte;
quem estava dirigindo tais atividades eram os artistas. Era o problema do exagero de poderes
aos artistas, dando-lhes funções diretoras. Parece evidente que Comte estava se referindo aos
episódios das festas dirigidas por Jacques-Luis David e a funções administrativas e políticas
que assumiu na organização das artes no período mais crítico da Revolução Francesa. Para
Comte, “simples pintores” estavam ocupando-se de tarefas que deveriam ser dos verdadeiros
poetas. Sendo estes poetas os filósofos, era mais seguro que não se corromperiam pelos
desvarios do “orgulho estético.” A despeito destas críticas, parece claro que Comte percebeu a
importância das festas pelo poder de mobilização emocional que encerravam, observando
inclusive as inspiradas em Rousseau.

Os artistas escolhidos para o Calendário

Os tipos ideais predefinidos por Comte e representados artististicamente são os


mesmos do Calendário Positivista que, proposto para substituir o gregoriano, expressava o
desejo de marcar o tempo de forma a lembrar a história e os “ciclos marcantes da evolução

27
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 303.
49

humana, assinalado por um dos nomes mais expressivos que a história registra.”28 No
Calendário, Comte reconheceu a influência do passado sobre o presente e destacou os ciclos
marcantes da evolução da humanidade e os representantes mais destacados deles, que
deveriam ser consagrados por serem os exemplares da raça humana. Ele estabeleceu um
calendário que chamou de concreto, pois se baseou em seres reais, que pertencem à
humanidade e que contribuíram para sua evolução. Esse Quadro Concreto da Preparação
Humana não era fixo, podendo seus representantes serem substituídos com o tempo e as
necessidades locais de novos tipos, os heróis mais nacionais.
Para cada ciclo, representado por um mês com 28 dias, havia um homenageado.
Cada semana, com sete dias, havia um representante hierarquicamente inferior ao do mês, e
cada dia tinha outro representante hierarquicamente inferior ao da semana. Destaca-se aqui o
oitavo mês, dedicado à Epopéia Moderna, representado por Dante. Sua segunda semana tinha
como homenageados os artistas, cujo representante principal, no Domingo, era Rafael (1483-
1520), seguido sucessivamente dos também italianos Leonardo da Vinci (1452-1519),
Miguelangelo, do alemão Hans Holbein (1497-1543), do francês Nicolas Poussin (1594-
1665), do espanhol Diego Velásquez (1599-1660) e do belga David Teniers, filho (1610-
1690).
Não por acaso o único pintor francês homenageado, Poussin, viveu grande parte
de sua vida em Roma (e aqui se deve lembrar as reticências de Comte quanto aos pintores
franceses envolvidos em política das artes), residindo apenas doze anos em Paris; mesmo
assim ele foi marcante para a introdução dos valores clássicos na França durante os séculos
XVII e XVIII. A tendência moralizante, racional, ética e didática, expressa na pintura francesa
desse período, teve Poussin como precursor. “Raison e moralidade didática formavam o
méthode classique, representado no século XVII por Poussin [...] esse método clássico cria
uma base inabalável para todo o desenvolvimento posterior da pintura francesa.”29
Poussin ficou conhecido como um pintor do pensamento, um filósofo pintor,30
pois todos os seus quadros eram sempre a afirmação de uma possante doutrina.31 Ele mesmo
confirmou dizendo que “a pintura não é outra coisa que uma idéia de coisas incorporadas.”32
O caráter reflexivo, filosófico, dominado pelo pensamento, de Poussin foi um dos

28
SOARES, Mozart Pereira. O Positivismo no Brasil – 200 anos de Augusto Comte. Porto Alegre:
Age; Editora da Universidade. 1998. p. 79.
29
FRIEDLAENDER, Walter. De David a Delacroix. São Paulo: Cosac & Naify, 2001. p. 13.
30
A expressão “filósofo pintor” será reforçada em outro capítulo pela expressão “filósofo em tintas”,
referindo-se a Eduardo de Sá. Ambas são inspiração para o título desta tese.
31
Encyclopédia de L’Agora. http://agora.qc.ca/mot.nsf/Dossiers/Nicolas_Poussin
32
POUSSIN, Nicolas. Observations sur la peinture. s/d.
50

componentes a ser seguido pelos pintores neoclássicos franceses, principalmente David. No


que tange à austeridade, ao racionalismo, às virtudes cívicas, foi em Poussin que a arte
revolucionária francesa do século XVIII buscou inspiração.
Oposta à tendência virtuosa de Poussin, mas pertencente ao mesmo ciclo de
pensamento, se desenvolveu uma pintura de viés irracional (ou passional), que não se apoiava
na razão, mas no gosto. Assim, mais inclinados ao refinamento do gosto, tentando se livrar
das inclinações éticas e combatendo a tradição acadêmica e moral, os chamados rubénistes
(em oposição aos pussinistes) chegaram a desenvolver um certo sensualismo, e muitas vezes
erotismo, nas pinturas, além de elevado domínio técnico.33 É claro que, por oposição a esta
tendência, o homenageado francês no Calendário é Poussin, já que para Comte a arte era
essencialmente moral e, se perdesse essa dimensão, ficaria restrita a enfeites sensuais e
dificuldades técnicas (aqui se deve lembrar o desprezo de Comte pela busca incessante do
aperfeiçoamento técnico na pintura e escultura, que o levaria a privilegiar a expressão sobre a
idealização).
É importante salientar um ponto em comum entre os rubénistes e pussinistes, para
explicar a origem das idéias de Comte acerca das artes da forma: o estímulo aos sentimentos.
À apropriação que os pintores da Revolução Francesa fizeram de Poussin acrescentaram
grande dose de sentimentalismo. Rousseau como idealista da Revolução também contribuiu
para essa tendência. A corrente irracional, da mesma forma, valorizava o sentimento
provocado por uma obra e o considerava critério para avaliação artística da mesma. Alguns
críticos de arte, como Diderot, por exemplo, consideravam o sentimento parte constitutiva da
natureza e o valorizavam mais que a expressão plástica (no próximo item, essas idéias de
Diderot serão analisadas). Era o sentimento, embora individual, que fazia a ligação entre o
indivíduo e a natureza, o particular e o coletivo.34 A Revolução Francesa criou uma
mentalidade nacionalista patriótica que se estendeu ao pensamento artístico, traduzindo-se em
forte sentimentalismo ou, em outras palavras, em uma “hipertrofia das emoções.”35 Ainda que
tardiamente, Comte não ficou alheio a essa influência da Revolução, e isto se confirmou
quando expressou que o sentimento era o domínio essencial da arte. Nele, a arte encontrava
seu meio e seu fim.36
Para entender o porquê da escolha desses artistas representados no Calendário,

33
FRIEDLAENDER, Walter. De David... p. 15.
34
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna – do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. São
Paulo: Cia. das Letras, 1992. p. 33.
35
FRIEDLAENDER, Walter. De David... p. 23 e 40.
36
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 283.
51

resta sanar ainda algumas dúvidas: Comte esteve diante das obras desses homenageados? Ele
freqüentou museus ou Salões de arte franceses? Esteve ciente dos debates, polêmicas e
escândalos do mundo das artes francês? É possível apenas delinear a situação das artes
plásticas na França com o intuito de projetar os ambientes que Comte poderia ter freqüentado
ou os debates de que poderia ter participado.
O período em que Comte chegou à Paris para estudar na Escola Politécnica, então
com 16 anos, em 1814, coincide com um movimento de institucionalização das artes na
França. Desde 1794 que Paris concentrava grande número de obras de arte espoliadas,
provenientes tanto das coleções da nobreza quanto da Igreja. Aumentando este número, em
1798 chegaram com grande pompa à Paris obras provenientes da Itália. Em função disso, o
Museu Louvre foi reorganizado, redecorado e reinaugurado em 1800. O espólio de arte
principalmente italiano ficou na França até 1815 e depois foi devolvido. A “coleção francesa”,
então bastante reduzida, precisou ser reorganizada.
Em 1816, Luis-Nicolas de Forbin foi nomeado diretor dos museus reais, e em sua
administração, imprimiu grande direção política às artes, legando maior autonomia aos
museus e seus acervos em detrimento das pressões do clero e do governo e dirigindo uma
política de aquisição de obras de arte. Foi em sua administração que foram comprados
secretamente, e pela grande soma de 100.000 francos, dois quadros de David representando
37
Napoleão, além de O Rapto das Sabinas (1799) e Leônidas nas Termópilas (1814). Ele
também criou, em 1818, o Museu do Luxemburgo, uma inovação no mundo das artes. Era o
primeiro museu de arte contemporânea da Europa, que expunha obras de artistas vivos,
somente franceses. Teve como objetivo mostrar à França e ao estrangeiro a arte puramente
francesa. O museu foi um sucesso de público, tendo recebido verbas e apoio governamental,
além de grande propaganda.38 Comte visitou este Museu criado logo depois de sua chegada à
Paris?
Como foi comentado no início deste capítulo, Comte tinha a mesma idade de
Delacroix. Este artista teve o mais famoso de seus quadros, A Liberdade guiando o povo,
envolto em grande polêmica e a conseqüente publicidade. Acompanhando a situação política
francesa, ora o quadro era oficial e exaltado, ora era perigoso. O quadro foi comprado em
1831 pelo Ministério do Interior e exposto no Museu do Luxemburgo; em 1833, foi guardado
nas reservas e, em 1839, foi devolvido ao artista. Somente reapareceu com a Revolução de

37
MONNIER, Gerard. L’art... p. 88-90.
38
CHAUDONNERET, Marie-Claude. L’État e les artistes (1815-1833). Paris: Flammarion, 1999. p.
30-36.
52

1848 e depois é novamente escondido até a primeira grande exposição industrial francesa, em
1855, quando o próprio Delacroix atenua a cor vermelho escarlate do barrete frígio, pintando-
o um pouco amarronzado, e o expõe.39 A sorte do quadro, divulgada nos jornais, comentada
nas rodas intelectuais ou denunciada nas publicações especializadas de arte, ficou
desapercebida a Comte?
Os Salões, organizados para expor as obras de artistas vivos, já funcionavam com
grande afluxo de público desde o século XVIII. Estiveram “estreitamente articulados com a
vida social parisiense”,40 e foi uma instituição central e dominante no mundo das artes
plásticas. Comte freqüentou estes espaços de exposição artística tão “badalados” ou ficou
alheio?
É possível que ainda muito jovem Comte tivesse freqüentado esses espaços de
sociabilidade cultural. Porém, com o acirramento de sua crítica ao mundo moderno, e visto
que essa crítica acompanha o desenvolvimento de sua doutrina social positiva, propôs novos
espaços de encontros e convívio sociocultural. Os novos espaços públicos eram fundamentais
para o projeto positivista, pois a liberdade para pensar e discutir, após a conversão intelectual
à doutrina, era saudável. “Manipulando os espaços públicos e criando culturas secundárias
específicas para encorajar a troca de idéias e o desenvolvimento de relações interpessoais,
Comte acreditava que poderia difundir crenças gerais e sentimentos generosos por toda a
sociedade.”41 Mas não há referência em seus escritos que esses espaços públicos fossem
salões de arte ou museus; sua proposta tinha raízes em outros espaços de convívio de tradição
esquerdista ou revolucionária: os templos, espaços dominados pelos filósofos (sacerdotes),
eram uma adequação dos templos revolucionários da razão; os clubes, locais dirigidos pelos
operários, eram uma adaptação dos clubes socialistas sediados nos cafés; e os salões, espaço
de coordenação feminina, eram os salões do antigo regime, que, sediados em residências,
eram coordenados por mulheres.42 Filósofos, proletários e mulheres poderiam freqüentar
juntos todos esses espaços.
Com tal nível de detalhamento atribuído aos espaços positivistas de sociabilidade,
é possível que Comte não aprovasse os existentes, principalmente os Salões de arte, que, além

39
Após a exposição de 1855, o quadro foi novamente ocultado e reapareceu em exposição no Museu
do Luxemburgo em 1863, quando morreu Delacroix. O quadro foi definitivamente para a coleção do
Louvre em 1874. Sobre as idas e vindas deste quadro ver: COLI, Jorge. A alegoria da liberdade. In: Os
sentidos da paixão. São Paulo: Cia. da Letras, 1987. p. 381-382.
40
MONNIER, Gerard. L’art... p. 123.
41
PICKERING, Mary. Auguste Comte e a esfera pública de Habermas. In: TRINDADE, Hélgio
(org.). O Positivismo – teoria... p. 61.
42
PICKERING, Mary. Auguste... p. 64-65.
53

de serem oficiais, estimulavam a competição, os egoísmos e a venalidade ― vícios do mundo


das artes totalmente condenáveis para ele. No texto Aptitude Esthétique, Comte comenta que
as obras primas estéticas, aquelas que os séculos não amortecem, livram o homem moderno
da necessidade do gosto por novidades. Informa ainda sua própria experiência, dizendo que
desde os treze anos somente lia os grandes poetas ocidentais, “sem experimentar a menor
curiosidade para com os produtos diários de uma deplorável fecundidade.”43 Estendendo essa
decisão para as artes plásticas, pode-se concluir que não freqüentava os espaços de exposição
e não via as obras que criticava; suas idéias acerca das artes seriam assim puramente teóricas.
Na Biblioteca Positivista, é possível compreendê-las um pouco mais.

Os livros recomendados na Biblioteca

Como forma de culto ao passado, Comte propôs uma Biblioteca Positivista com
cento e cinqüenta volumes divididos em Poesia, Ciência, História e Filosofia, Moral e
Religião, visando dirigir intelectualmente a formação cultural do adepto do positivismo, de
forma que ele se inteirasse do passado da humanidade por meio da leitura desses livros.44 Na
parte dedicada à História, Comte recomenda a leitura de dois livros sobre as artes da forma:
Reflexões sobre a imitação da arte grega na pintura e na escultura (mais conhecido como
Reflexões sobre a arte antiga), de Winckelmann; O tratado da pintura, de Leonardo da Vinci
(esta obra ainda não está incluída neste capítulo). No grupo Filosofia, Moral e Religião,
sugeriu mais dois livros: Teoria do belo na natureza e nas artes, de Paul Joseph Barthez45, e
Ensaios sobre o belo, de Diderot.
O livro de Winckelmann, publicado em alemão em 1755 e traduzido para o
francês em 1766, foi fundamental para o advento do classicismo nas artes. “Sua importância
histórica não repousa apenas no fato de defender entusiasticamente os antigos, mas sobretudo
em saber problematizá-los, em perguntar o que se entende por antigos.”46 Os antigos, aqui, se
restringiam a cultura grega clássica. Dois aspectos das idéias de Winckelmann podem ser
destacados para pensar a teoria estética comtiana: o conceito de imitação e as possibilidades
de acesso ao passado.

43
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 281.
44
Ver listagem completa da Biblioteca Positivista em: COMTE, Auguste. Catecismo... p.132.
45
Comte também recomendou na parte da Ciência outro livro de Barthez: Nouveaux éléments de la
science de l’homme. 2. ed. Paris: Goujon Libraire, s/d. 2 tomes.
46
As considerações feitas aqui acerca desta obra foram retiradas do estudo introdutório de Gerd
Borrnheim publicado em: WINCKELMANN, Johann Joachim. Reflexões sobre a arte antiga. Porto
Alegre: Movimento, 1975. p. 8. (Estudo Introdutório).
54

A imitação para Winckelmann não é fazer uma cópia de um objeto do passado,


um retrato, e sim “pensar como os gregos, em comportar-se como eles, exigindo da arte uma
missão semelhante à dos gregos.”47 A idéia de imitação dos antigos reside na captação da
natureza grega e na intenção de tornar os antigos vivos e atuais. Para Winckelmann, o ideal
seria representar os antigos como os gregos o fariam, captar e reproduzir seu espírito, como se
o passado pudesse novamente acontecer.
Para Comte, o processo estético passa por três caminhos: imitação, idealização e
expressão. Seu conceito de imitação não tem qualquer ligação com o de Winckelmann.
Imitação na estética comtiana é fazer igual, como a criança que imita os menores atos,
consiste em observar a realidade e escolher os elementos que serão usados na concepção da
obra. Qualquer forma de expressão, inclusive falar, é sempre tentativa de imitação. Opondo-se
à idéia de Winckelmann de reprodução de uma natureza intrínseca dos antigos, ou de qualquer
época, Comte explica que “o gênio poético nunca pôde falar com sucesso uma língua morta
[que esteja irrecuperavelmente presa ao passado] ou estrangeira.”48 Embora tenha
homenageado somente artistas renascentistas no Calendário, Comte criticava a excessiva
presença dos valores clássicos da antiguidade na arte moderna, questionando: “Como julgar
(hoje) obras da Renascença? Estas obras estão mortas ou vivas? [...] A imitação mais ou
menos servil da arte antiga é coisa vil.”49
É possível pensar que Comte, ao ler e recomendar Reflexões sobre a arte antiga,
entendeu que imitação era cópia e se somou às muitas outras interpretações equivocadas do
conceito de imitação de Winckelmann ou que, ao compreendê-lo corretamente, procurou se
contrapor. No entanto, não há qualquer referência que confirme uma ou outra hipótese.
A segunda obra recomendada na Biblioteca é a de Paul Joseph Barthez: Teoria do
belo na natureza e nas artes. Barthez nasceu em Montpellier, mesma cidade de Comte, em
1734. Foi médico de Luis XVI, professor de medicina e precursor nos estudos sobre
locomoção animal e aerodinâmica. Após a Revolução Francesa, foi nomeado professor da
Ecole de Santé. Este livro foi publicado postumamente, em 1807. Na sua segunda edição, em
1895, foi veiculado com o anúncio de venda da litografia de um quadro de Auguste Comte,
gravada por William Barbotin, além de ser publicado no mesmo endereço da casa de Comte,

47
WINCKELMANN, Johann Joachim. Reflexões sobre a arte antiga... p. 18. (Estudo Introdutório).
48
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 292.
49
COMTE, Auguste. Cours de philosophie positive. 5. ed. Paris: Societé Positiviste, Tome VI, 1892-
1894. p. 174.
55

que se tornou sede da Sociedade Positivista de Paris.50 Ou seja, é muito provável que tenha
sido uma edição sob a chancela da Sociedade.
Barthez repudiava a idéia da beleza em si, intrínseca aos objetos, da escola
platônica, e não desprezava a percepção, a sensação.51 Negando um padrão mental de
perfeição nas artes imitativas, Barthez entendia que não existe um “modelo ou arquétipo de
beleza ideal comum a todos os objetos da mesma espécie o qual vai imitar o artista. Existem
somente os tipos particulares de beleza ideal que sob imaginação se formam para cada objeto
do qual ele quer criar uma representação.”52
A recomendação de leitura dos Ensaios sobre o belo, de Diderot, vem completar
as reflexões sobre o belo e suas relações com as artes e a natureza, iniciadas com a leitura de
Barthez. Neste ensaio, Diderot apresenta inicialmente as idéias de alguns autores que tratam
da questão do belo: Wolff, Crousaz, Hutcheson, Leibnitz, o padre jesuíta André e o abade
Batteux, criticando todos. Para Diderot, suas concepções sobre belo eram equivocadas porque
o confundiam com os sentimentos agradáveis, com as aprovações ou não, com as sensações
de prazer. Para ele, os autores não discutiram o belo, mas os efeitos que ele provoca. Para ele,
o belo está nos objetos e não a sensação de prazer ou sentimentos que ele nos proporciona.
Diderot advoga nos Ensaios as idéias de Platão, seus exemplos de belo; e de Santo
Agostinho, o conceito de unidade e a relação exata das partes com o todo, e lança assim sua
idéia de belo como um termo sempre relativo, variando conforme a língua, os povos, o passar
do tempo. “Colocai a beleza na percepção das relações, e tereis a história de seus progressos
desde o nascimento do mundo até hoje; escolhei para caráter diferencial do belo em geral,
uma outra qualidade que vos agradar, e vossa noção se achará de repente concentrada num
ponto do espaço e do tempo. A percepção das relações é pois o fundamento do belo.”53
Esta percepção do belo seria fundamental para a crítica de Diderot ao conceito de
perfeição clássica ensinada nas academias e às regras vigentes sobre a arte, quando crítico e
comentador dos Salões de arte francês entre 1759 e 1781. Diderot se opôs a Winckelmann,
pois, para o primeiro, era o homem que fazia a mediação entre natureza e arte; não havia uma
natureza, ou beleza, intrínseca nos objetos. Essa natureza ou beleza era uma representação.
Para ele, não havia belo absoluto, mas diversos tipos de belo: belo moral, belo literário, belo

50
BARTHEZ, P. J. Théorie du beau dans la nature e les arts. 2. ed. Paris: Vigots Frères, 1895.
htpp://gallica.bnf.fr
51
ARRÉAT, Lucien. Analyses – Barthez. Théorie du beau dans la nature e les arts. Revue
philosophique de la France e de l’etranger. Année 21, n. 1, janv. - juin, 1896. htpp://gallica.bnf.fr
52
BARTHEZ, P. J. Théorie… htpp://gallica.bnf.fr
53
DIDEROT, Denis. Considerações sobre o belo. Rio de Janeiro: 1950. p. 35.
56

musical, belo natural, belo artificial, belo de imitação (aquele representado nas obras de arte).
Esse conceito de imitação também não era o mesmo de Winckelmann, pois postula a
semelhança com a natureza. Neste ponto, Comte também divergia de Diderot, pois, para ele,
uma obra de arte não precisaria ter semelhança absoluta com a natureza ou com a verdade.
Por outro lado, Diderot apresentou uma idéia de imaginação: o processo mental de
transportar a imagem pelo pensamento, que se assemelha ao conceito de idealização
apresentado por Comte. Vejamos o exemplo apresentado por Diderot:

Um estatuário deita um olhar sobre um bloco de mármore; sua imaginação mais


pronta que seu cinzel tira-lhe todas as partes supérfluas e aí discerne uma figura;
mas esta figura é propriamente imaginária e fictícia; ele poderia fazer sobre uma
porção de espaço terminada por linhas intelectuais o que ele acaba de executar de
imaginação num bloco informe de mármore. Um filósofo lança um olhar sobre
um montão de pedras jogadas ao acaso; ele aniquila pelo pensamento todas as
partes deste amontoado que produzem a irregularidade e consegue fazer sair dali
um globo, um cubo, uma figura regular. [...] Embora a mão do artista não possa
traçar um desenho senão sobre superfícies resistentes, ele pode transportar a
imagem pelo pensamento.54

A idealização comtiana também era o processo de criar, visualizar, na mente, a


obra a ser realizada. Esse processo levava ao aperfeiçoamento da natureza, sua transformação
de pedra bruta em uma estátua. Na pintura, a idealização poderia ser o aperfeiçoamento do
conteúdo de um quadro, com a seleção dos personagens que o comporiam. Mas esse processo
era, por enquanto, somente mental. Esta segunda etapa do processo estético comtiano
representou a negação de uma “pureza original”; ela pressupunha o embelezamento, a
modificação de alguns traços e o afastamento de certas características desnecessárias,
consistia em selecionar os elementos para compor hipoteticamente a imagem; era o processo
criativo e imaginativo, diferente da realidade, mas “a subordinação da idealização à realidade
deve ser relativa, pois sendo muito estreita, é capaz de assemelhar-se a grosseiras fotografias,
isto é, a uma cópia sem interpretação e nem sentimento.”55 Para Comte, a realidade
representada nas artes deveria vir justaposta à virtude e à moral, nunca deturpada em
sensualismos. Com isso, a representação comtiana idealizada do passado pode não ser uma
cópia fiel e verdadeira, e as obras de arte podem ser representações da realidade, ou do
passado, mais ou menos modificadas pelas escolhas e sentimentos do artista. Para Comte, a
arte era social tanto quanto estética, mesmo incluindo aspectos imaginativos e fictícios,

54
DIDEROT, Denis. Considerações sobre o belo... p. 32.
55
CORRÊA, Hernani. Hierarquia Estética. Porto Alegre: Globo, 1945. p. 10.
57

indicando ideais para a humanidade e para o mundo, mas sempre auxiliada pela razão.56
Um ponto de distanciamento de Comte para com Diderot é que este foi um crítico
de arte. A partir de meados do século XVIII, formou-se uma base teórica para a avaliação
artística, em um contexto de ampliação do público apreciador e de críticos de arte. Este foi um
movimento de perscrutação dos sentidos, das sensações e da tradução pela palavra. Para
Diderot, a arte estava ligada à visão, ao sentimento e à ação.57 O processo apreciativo de uma
obra de arte consistia em ver e julgar ou criticar o que foi visto. Para Comte, por outro lado, a
arte não devia ser julgada; seu valor estava apenas na capacidade de emocionar, provocar os
sentimentos. O valor de uma obra de arte não estava na sua qualidade plástica. Quanto à
capacidade emotiva de uma obra, ambos concordavam, porém Diderot não abria mão da
qualidade técnica. Diderot também contribuiu para o sentimentalismo durante a Revolução.
Como connaisseur de arte, aliando conhecimento à capacidade de apreciar, disseminou uma
pedagogia estética sentimental. Nas análises, Diderot avaliava a capacidade que uma obra
tinha de comover. Dizia ao artista: “Primeiro me comova, me surpreenda, parta meu coração,
faça-me tremer, chorar, arregalar os olhos, enfurecer-me... só então deleite minha visão.”58
Se Comte tinha um projeto de renascimento artístico, que passava pela adesão do
artista à idéia de elevamento moral das artes, tinha um projeto de educação estética, que
estendia aos que desejavam realizar arte, tinha atribuições sociais à arte, que a atrelava à
história, seus seguidores franceses seguiram tais preceitos? É possível dizer que houve arte
desenvolvida por artistas e encomendantes positivistas que aceitavam as normas de estética
comtiana? Na França, com um campo artístico plenamente constituído, foi possível o
desenvolvimento de uma estética positivista? Tais questões trataremos no próximo capítulo.

56
GRANGE, Juliette. Le vocabulaire de Comte. Paris: Ellipses, 2002. p. 9. (Verbete: Art).
57
DIDEROT, Denis. Ensaios sobre a pintura. Campinas: Papirus; Unicamp, 1993. p. 11.
(Apresentação de A. Dobránszky)
58
Citado em: FRIEDLAENDER, Walter. De David... p. 19.
58

II – Os positivistas franceses e a “arte positiva”

As fontes e a dificuldade de pesquisa

Cabe alertar de início para as dificuldades na elaboração deste capítulo que trata,
em geral, da arte francesa produzida no século XIX, principalmente monumentos públicos, e,
em específico, do envolvimento dos positivistas franceses nos debates sobre as artes e de suas
iniciativas na produção de obras de arte. Essas tentativas de intervenção no plano artístico
faziam parte da prática positivista e do culto cívico integrante da Religião da Humanidade.
O primeiro problema é de ordem doutrinária: na França também, diferentes
grupos se apropriaram do positivismo. O estado constante de cizânias, disputas e dissidências
fazia com que os positivistas de um grupo não se referissem às iniciativas de outro. Os
ortodoxos franceses, mais sistemáticos em suas práticas positivistas, principalmente quanto às
publicações, não costumavam se referir aos outros positivistas, pois os negavam enquanto tal.
Isto ocorria também com os ortodoxos brasileiros, que achavam os ortodoxos franceses não
positivistas. Esse quadro legou publicações bastante autocentradas, cujo conteúdo, além de
ufanista quanto às conquistas do positivismo, não dava conta da diversidade de suas ações.
Outra adversidade é que não foi possível pesquisar na França. Portanto, a
documentação utilizada para este capítulo são eminentemente publicações acessíveis no
Brasil, e não há apoio em documentos oficiais, nem correspondência, tampouco em um
inventário rigoroso de obras de arte feitas sob estímulo do positivismo. O recurso foi buscar
dados nas publicações dos positivistas franceses que integram os acervos da Igreja Positivista,
no Rio de Janeiro, e da Capela Positivista, em Porto Alegre. Foi possível consultar, por
exemplo, a Revue Occidentale Philosophique Sociale et Politique, editada pela Sociedade
Positivista de Paris entre os anos de 1878 e 1914, cuja coleção quase completa encontra-se na
sede da IPB. A revista dos positivistas franceses não ortodoxos, liderados por Émile Littré,
chamada La Philosophie Positive, publicada entre 1867 e 1881, pode ser consultada no site da
Biblioteca Nacional da França, na base de dados Gallica, que permite acesso e reprodução
eletrônica de todos os números. A despeito dos reveses dessa pesquisa à distância, busca-se
saber se e como os positivistas franceses estiveram envolvidos no apoio à produção de obras
de arte.
59

Arte francesa, notadamente, a estatuária pública

O século XIX é o tempo de ouro da escultura pública monumental ou decorativa,


na França. A modificação do traçado urbano parisiense, projeto de Haussman, com a
construção de prédios públicos que demandavam esculturas para decoração de suas fachadas e
o culto cívico aos grandes homens ― fruto da heroicização de novos personagens históricos,
nem religiosos, nem monárquicos ― que estimulava o erguimento de esculturas monumentais
em praças públicas, resumem em parte a voga estatuária. Essa estatuamania, termo já
consagrado neste período para se referir à excessiva utilização de esculturas decorativas e
monumentais nos espaços públicos, se intensificou nos oitocentos, sobretudo durante a
Terceira República francesa.
Para Maurice Agulhon, o século XIX foi “um século de batalha de idéias”, de
batalhas políticas e filosóficas, um clima de paixão em que símbolos e signos tinham
importância determinante.1 As três Repúblicas, dois Impérios e duas Monarquias, nos
oitocentos, o que Agulhon chamou de uma politização massiva, impulsionaram uma moda
escultórica, que não era somente parisiense. As cidades do interior, nitidamente rurais,
desejavam mostrar-se modernas como Paris e elegiam seu “filho” ilustre para erguer-lhe um
monumento. Sobretudo a partir de 1830 é que a iniciativa das municipalidades no culto aos
grandes homens se ampliou, e, a partir de 1871, o Estado intensificou a confecção de
monumentos aos mortos.2 Dedução importante de Agulhon: cada vez que um regime liberal,
laico, otimista e pedagógico substituía um regime de força, de tradição e de autoridade, havia
uma expansão escultórica. E a Terceira República foi o regime mais marcado pela prática de
investimento em estátuas e monumentos.3
O volume de obras nos prédios públicos e na construção dos monumentos foi
determinante para a vida artística dos oitocentos. O poder público dominou a iniciativa de
encomendas, por parte do Estado francês e também das municipalidades. Ambas as instâncias
votavam orçamentos para a confecção das obras, completando as subscrições públicas.
Algumas obras públicas, como a construção da Coluna Vendome, por exemplo, ou do prédio
da prefeitura de Paris, envolveram o trabalho de 32 e 230 escultores, respectivamente. Na
confecção de monumentos, que exigia a atenção de apenas um escultor, a relação com o poder
público também era decisiva. O artista, apoiado por diversas recomendações, recebia a
1
AGULHON, Maurice. Histoire Vagabonde I ― Ethnologie et politique dans la France
contemporaine. Paris: Gallimard, s/d. p. 107.
2
MONNIER, Gérard. L’art et ses institutions en France. Paris: Gallimard, 1995. p. 190.
3
AGULHON, Maurice. Histoire... p. 143.
60

solicitação de trabalho. Os artistas mais consagrados, por terem sido alunos da Escola de
Belas Artes, ganhado o Prêmio de Roma ou medalhas no Salão de Paris, eram os que tinham
mais chance de receberem encomendas públicas. O preço da obra era fixado conforme suas
dimensões e técnica, mas a distinção do artista também era considerada. O contrato de
trabalho geralmente fixava o valor, o local e a técnica da obra.
Gerard Monnier destaca que a reprodução escultórica já era uma tradição e que no
século XIX tornou-se uma indústria. A invenção em 1839 de uma máquina que permitia a
redução da escultura monumental em peça menores e reprodutíveis, ampliou a clientela
privada, com encomendas para decoração doméstica; e também oficiais, com confecção de
obras para os espaços públicos.4 Tal possibilidade de produção reduzida de esculturas
monumentais estimulou que alguns artistas montassem seus catálogos de obras, realizando
uma propaganda de seu trabalho, já que poderia ser reproduzido e vendido inúmeras vezes.
Em 1860, Frémiet, por exemplo, que possuía sua própria revista de arte, recebeu a encomenda
de dez exemplares da estátua (reduzida) eqüestre do Imperador para os museus e
departamentos do Estado, além de vender cerca de uma centena de exemplares da escultura
eqüestre, reduzida, de Joana D’Arc.5
Nas encomendas oficiais, não havia referência ao estilo artístico que deveria ser
empregado na obra; no entanto, a escolha do artista incorporava tal elemento. Se a Terceira
República foi o regime mais profícuo na produção escultórica nos oitocentos, também foi o
mais criticado no que se refere à qualidade artística. Vaisse percebeu que parte dessa crítica,
feita posteriormente ao século XIX, vinha carregada de preconceitos políticos por ser esta
uma “arte oficial” e que apenas chamá-la de oficial não ajuda a caracterizá-la.6

Ambiente cultural cívico

A crescente laicização a partir da Revolução Francesa e o desenvolvimento do


culto aos grandes homens, no lugar dos ritos católicos e reais, tiveram por apoio as obras de
arte. Esse movimento demonstra uma profunda crise nos princípios religiosos cristãos, na
associação unívoca entre o poder espiritual e o político e na proposição de soluções religiosas
alternativas ao cristianismo. Incrementavam-se religiões laicas e cívicas, voltadas ao culto da
Humanidade, do Grande Ser, da Razão, da Ciência, que estimulavam os sentimentos de

4
MONNIER, Gérard. L’art et... p. 157.
5
MONNIER, Gérard. L’art et... p. 158
6
VAISSE, Pierre. La Troisième République et les peintres. Paris: Flammarion, 1995. p. 19.
61

coletividade, de sociabilidade civil, de fraternidade entre os povos e de regeneração social e


moral.
Deter-nos-emos na proposição religiosa de Rousseau e Comte, que influenciaram
práticas cívicas francesas. A primeira diferença a ser estabelecida é sobre a fé. Na leitura do
capítulo VIII – Da Religião Cívica de O Contrato Social, percebe-se que Rousseau não renega
a crença em uma divindade natural ou em um Deus supremo. Ao contrário, em sua narrativa
histórica problematizando a questão entre o poder de Deus e o Poder dos Governos, percebe-
se a admiração, quase devota, ao que ele chama de “religião pura e simples do Evangelho, o
verdadeiro teísmo.”7 Comte também dedicou grande parte de sua obra à discussão da
separação dos poderes espiritual e temporal. Por outro lado, declarou-se ateu desde
adolescente, sustentando a idéia metafísica, para ele, de Deus, porém não deixou de ter
admiração pela obra religiosa católica, mas apenas no aspecto de sua contribuição à cultura
ocidental. Ele fundou uma religião científica, sem Deus, voltada para o culto da Humanidade.
Ambos propuseram sistemas de regeneração social e moral e destacaram a religião
como fundamental no empreendimento. Rousseau apresentou um contrato que questionava a
ordem social e hierárquica estabelecida, conclamava os indivíduos a participarem deste
contrato e a realizarem um governo da vontade geral e da não-submissão.8 A eficácia do
pacto social seria medida, para ele, pelo êxito da adesão voluntária dos cidadãos à Religião
Civil.
Rousseau caracterizou dois tipos de religiões: a do homem, cujo culto é particular
e individual, mas que irmanava por uma lei divina todos os filhos de Deus. Ela não possuía
nenhuma ligação com o corpo político, ao contrário, desprende os indivíduos das coisas
terrenas. A outra é a religião do cidadão, circunscrita a um país, devotada aos padroeiros da
nação e regulada por uma lei ou dogmas fixados pelo soberano, desde que esse esteja
legitimado pelo pacto social. Essa religião buscava, para Rousseau, unir o culto divino às leis
terrenas, “fazendo da pátria objeto da adoração dos cidadãos”9, servindo ao Estado e a Deus.
O sentimento de irmandade na pátria comum complementa os sentimentos individuais da
primeira religião. A Religião Civil “consagra o modelo de uma sociedade reconciliada
consigo mesma, onde o homem religioso virá confundir-se com o cidadão, a celebração da

7
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Da religião civil. In: Do Contrato Social. São Paulo: Abril Cultural,
1973. p. 146. (Coleção Os Pensadores).
8
BENOIT, Lelita Oliveira. Igreja Positivista e Contrato Social. In: Sociologia Comtiana: gênese e
devir. São Paulo: Discurso Editorial, 1999. p. 377-384.
9
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Da religião.... p. 146.
62

divindade com a cidadania.”10


Comte, anos mais adiante, propôs um contrato positivista, baseou-se no
argumento das desigualdades naturais entre os homens e defendeu a manutenção da hierarquia
social. Entendia que a ordem social composta por superiores e inferiores, os que comandam e
os que se submetem, deveria ser mantida no pacto positivista. Comte acreditava que vivia em
plena anarquia social, pois em tempos pós-revolução a vida pública e privada se
desorganizara, insurgindo-se os pobres contra os ricos, o povo contra os governos, os jovens
contra os velhos, os filhos contra os pais, a infância contra as mães, ou seja, uma sociedade de
revoltados, egoístas e sem governo. Para Comte, era urgente a regeneração dos costumes, o
que se faria por meio da religião, porque sem a crença em um ser supremo (a Humanidade),
os indivíduos não aceitariam qualquer adversidade oriunda do viver coletivo. Equivalendo à
religião de Rousseau, cultuar a Humanidade representava, para Comte, aderir ao pacto
positivo e, por conseqüência, aceitar as diferenças naturais irrevogáveis.
A Religião da Humanidade proposta por Comte, como foi visto no primeiro
capítulo, era composta por um culto privado ou doméstico e um culto público ou coletivo,
destinado a celebrar a Humanidade e seu passado histórico. Ao propor uma unidade social
tendo por base o passado, a religião positiva “visa constituir uma sociedade civil mundial
regulada de maneira ética (e não jurídica) pelos sentimentos compartilhados por todos, por um
novo estado dos costumes, um conjunto de crenças refletidas, no limite do que designamos
usualmente por religião, moral, política”11. Como tal religião está baseada no passado dos
indivíduos, das comunidades, da nação, as formas de lembrar são fundamentais, seja mental
ou materialmente. As comemorações em atividades públicas cívicas ou culturais, exaltando os
grandes homens que contribuíram positivamente para a história da Humanidade, ou a
construção de prédios públicos destinados a desenvolver a cultura, a confecção de
monumentos, estátuas, bustos, fazem parte das estratégias de ação religiosa. Em suma, a vida
social, que estimula a lembrança do passado e as diferentes formas de celebrá-lo, é o próprio
culto da Humanidade.
Em comum, tem-se que tanto a Religião Cívica quanto a Religião da Humanidade
são um misto de culto privado, íntimo e pessoal e culto público, cívico e coletivo. Em ambas,
se faz presente a exaltação da sociabilidade cívica, impulsionada mais pelos sentimentos do
que pela razão. Utilizando mecanismos de sensibilização do cidadão, levando-o a um fervor

10
GIRARDET, Raoul. Da religião civil ao poder espiritual. In: Mitos e Mitologias Políticas. São
Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 147.
11
GRANGE, Juliette. La religión... p. 397.
63

coletivo, a uma emoção cívica, estas religiões procuram resolver, em parte, o paradoxo entre
política e religião. As obras de arte empregadas em celebrações públicas, festas e procissões,
as comemorações aos grandes homens ou eventos históricos, a construção de um panteon
cívico para a nação fazem parte de algumas estratégias de ação religiosa com fins políticos ou,
nas palavras de Girardet, “de uma teologia moral do político”12.
A historiografia já apontou que as festas revolucionárias francesas foram
experiências mais próximas da proposição de Rousseau; o Panthéon de la Nation em Paris,
onde suas cinzas foram depositadas em 1794, também. Ao analisar as demonstrações públicas
de fé republicana (festas, oratória, gestos, poesia, música), Shama entende que eram
carregadas de uma teatralidade emocional, eram um circo revolucionário, onde todos eram
iguais atores, visando criar uma identidade fraterna entre os cidadãos. Para ele, isso
correspondia à uma religião da fraternidade, uma espécie de “universalismo cristão
rousseauniano.”13 Para Girardet a festa revolucionária foi a realidade historicamente viva das
idéias de Rousseau. Citando Ozouf, Girardet destaca que ela expressava uma vontade
pedagógica, por seu caráter repetitivo, disciplinar e propagandístico dos ideais republicanos,
expressava também a vontade do indivíduo de pertencer a uma coletividade, de estar em uma
reunião fraterna.14
Este estímulo a uma religiosidade civil, que teve por inspiradores Rousseau e
Comte, mas também Saint-Simon e Voltaire, deu base às atividades que homenageavam os
grande homens. Agulhon informa que os homens distintos por suas ações à coletividade
humana é que passaram, no século XIX, a ser objetos de homenagens. Seus méritos, em todas
as áreas do conhecimento, mereciam ser lembrados e agradecidos por todos por meio de
monumentos. A heroicização de homens comuns ― nem reis, nem santos ― demonstrava o
ideal liberal e laico que imperava nos oitocentos.15 O ideal belo, estatuificado em praças
públicas, se materializava como exemplo do bem que o homem poderia fazer à humanidade,
sendo, portanto, modelo de virtudes.
O “novo” culto requeria novas liturgias em que o cidadão era agente. Os
monumentos eram, assim, suporte para uma pedagogia cívica e para a experimentação do
político. Sua confecção implicava a mobilização e às vezes, a disputa de grupos civis ou poder
público na realização da subscrição. Do ponto de vista artístico, seu conteúdo mobilizava

12
GIRARDET, Raoul. Da religião... p. 155.
13
SHAMA, Simon. Atos de Fé. In: Cidadãos: uma crônica da Revolução Francesa. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. p. 389.
14
GIRARDET, Raoul. Da religião... p. 149.
15
AGULHON, Maurice. Histoire... p. 143.
64

discussões entre encomendantes e artista sobre a melhor representação do homenageado. As


inaugurações tornavam-se a festa política em que o cidadão era espectador e ator.
Estas práticas cívicas tiveram muitas matrizes. Interessa aqui a contribuição dos
positivistas franceses e a importância dada aos monumentos para a realização dessas
atividades. O discurso cívico/laico dos positivistas vem ao encontro de uma pedagogia e
religião cívicas em voga nos oitocentos. A liturgia cívico/política na III República,
principalmente ― antimonárquica e anticatólica ― encontrou reforço nas práticas positivistas.

Religião da Humanidade e culto cívico

Foi a partir das experiências educacionais, somadas aos acontecimentos pré–


revolucionários de 1848, que Comte pela primeira vez mencionou a Religião da Humanidade.
Isto aconteceu em 1847, em uma de suas aulas aos operários dedicada à refutação do
Comunismo e à questão feminina. Ambos ― mulheres e proletários não comunistas ― eram o
centro de desencadeamento da nova ordem social, agora tomando forma institucional de uma
igreja.16
Neste ambiente fundacional da Religião da Humanidade que foi publicado o texto
Aptitude Esthétique, analisado no capítulo anterior. Ele foi publicado pela primeira vez em
1848 e depois integrou o preâmbulo da maior obra de Comte, composta por seis volumes,
instituindo explicitamente a Religião da Humanidade: o Système de Politique Positive,
publicado entre 1851 e 1854. O texto Aptitude Esthétique foi escrito como um texto de
circunstância, subsidiando as atividades de um positivismo “prático”, centrado na educação:
aulas de Comte na Associação Politécnica (1830-1835), nos Cursos de educação popular e
operária (1835-1847) e na Sociedade Positivista (a partir de 1848); e também nas atividades
políticas de seus discípulos: consolidação de um calendário cívico e erguimento de
monumentos e bustos.
A nova Religião confundiu muito dos adeptos da filosofia positiva, provocando
dissidências entre os franceses. O inglês John Stuart Mill, um dos mais antigos colaboradores,
distanciou-se de Comte. Émile Littré tornou-se o maior entusiasta até 1852, porém com
algumas reticências quanto ao positivismo religioso, refutando-o enfim em 1879. Pierre
Laffitte tornou-se o diretor do positivismo religioso após a morte de Comte em 1857. George
Audiffrent e o inglês Richard Congreve criaram, em 1877, um Apostolado, por não

16
Sobre as atividade de Comte como professor ver: BENOIT, Lelita. Sob o paradigma da religião. In:
Sociologia Comtiana... p. 363-384.
65

concordarem com a direção de Laffitte, achando-o pouco religioso. Os positivistas religiosos


brasileiros também romperam com Laffitte, em 1883.

Com tais atores, o positivismo segue na França, vias paradoxais. [...] Os


dissidentes, Littré e seus amigos, em geral bem integrados nas instituições
vigentes, são na verdade mais conhecidos e influentes que os ortodoxos, e Littré
rapidamente é visto como chefe da escola positivista. Podemos mesmo dizer que,
na segunda metade do século XIX, pelo menos na França, os discípulos
excomungados pelo mestre é que asseguraram o essencial de sua propaganda. E,
tanto quanto o militantantismo de alguns deles, a adversidade exacerbada dos
outros encarregou-se da publicidade do positivismo.17

Annie Petit demonstra que as condições para um positivismo prático na França


não foram abrangentes. Os que tinham maior alcance de atuação refutaram o positivismo
religioso, e os religiosos, excomungados por Comte e pouco influentes, ocuparam-se nas
disputas pela ortodoxia. Com isso, o culto positivista, a educação geral e estética, o uso do
Calendário, a leitura dos livros da Biblioteca, em que as artes, como foi visto, poderiam ser
veículos mobilizadores dos sentimentos pessoais e coletivos não tiveram adesão de todos os
que se diziam positivistas. É entre os ortodoxos liderados por Laffitte que se podem encontrar
iniciativas quanto à produção de obras de arte, para um culto no Templo, empregando quadros
e bustos de Comte e Clotilde, e para um culto cívico, estimulando a confecção de bustos e
monumentos a homens célebres, consagrados pelo positivismo.
Estimular a confecção de monumentos a homens notáveis e a efetiva instalação de
um calendário de festas cívicas fazia parte assim do positivismo prático no qual os positivistas
franceses, adeptos da Religião da Humanidade, estavam envolvidos. As celebrações por
ocasião do centenário de Diderot, em 1884; as efemérides de 1889 para o centenário da
Revolução Francesa; o projeto da Exposição Universal deste mesmo ano; as festas cívicas
nacionais e as festas escolares a Joana D’Arc; as homenagens cívicas a Danton são alguns
exemplos de atividades oficiais que esse grupo tentou influenciar.

O belo e a arte positiva na revista de Emile Littré

Essa divisão entre os adeptos franceses – os ortodoxos e os que não aceitavam a


Religião da Humanidade – se refletiu em suas publicações, notadamente aqui, em suas
revistas.

17
PETIT, Annie. História de um sistema: o positivismo comtiano. In: TRINDADE, Hélgio (org.). O
Positivismo – teoria... p. 46.
66

Émile Littré, que não professava o positivismo religioso, publicou entre 1867 e
1881 a já citada revista La Philosophie Positive. Segundo Petit, nesta revista publicava a
intelligentsia do século XIX: de oposição, durante o Segundo Império, e do establishment,
durante a Terceira República e da franco-maçonaria, da qual Littré fazia parte desde 1875.
Entre seu colaboradores estavam políticos, cientistas, literatos ― franceses e estrangeiros. Por
muitos anos, esta foi a revista do positivismo, e Littré o filósofo positivo oficial, eclipsando o
próprio Comte.18
A revista travava de diversos assuntos: novidades literárias, poesias, atualidades
científicas, notas sociológicas e opinião sobre arte. Praticamente em todos os números era
publicado um artigo sobre arte ― seja música, pintura, escultura ou administração estatal das
belas artes. Dos 27 números publicados, foram levantados cerca de 35 artigos sobre esta
matéria. Os textos, em sua maioria assinados, se propunham em criticar os órgãos estatais,
que administravam os Salões de Belas Artes e os Museus; refletir sobre arte/Estado e arte/
República; e defender a estética positiva. Quase não havia textos que divulgassem iniciativas
ou envolvimentos desse grupo na promoção de obras de arte, com exceção da publicação de
uma lista de subscrição à estátua de Spinoza, no qual Littré colaborava por ser membro do
comitê.
Com isso, havia autores que analisavam as belas artes à luz do positivismo, como
o português Théophilo Braga, um anônimo que usava um pseudônimo (contrariando os
preceitos positivistas de anonimato na imprensa) e o próprio Littré, que escreveu alguns
artigos sobre o assunto. Havia também os não positivistas, ou não declarados positivistas, que
escreviam sobre as belas artes sem mencionar em seus textos a estética positiva. O mais
recorrente deles é Pierre Petroz, um crítico de arte que em 1855 já publicava no jornal La
Presse artigos analisando o Salão de Paris. Anualmente, ao longo dos 14 anos da revista
dirigida por Littré, Petroz colaborou com artigos de crítica ao Salão.19
Interessam aqui os artigos que defendiam a estética comtiana de forma claramente
expressa, notadamente o texto de Theóphilo Braga e os assinados por C. S., que nos permitem
entender dois aspectos: a crítica à arte contemporânea, segundo preceitos positivistas e a
definição de arte e estética positiva.

18
PETIT, Annie. La presse positiviste au XIXème siècle. p. 15-16
www.univ-montp3.fr/recherche/ ea738/chercheurs/petit/presse.pdf
19
Petroz também publicou: Esquisse d’une histoire de la peinture au Musse du Louvre. Paris: Felix,
1890. Outro autor não explicitamente positivista e que confirma a posição de Petit de que a revista
recebia a colaboração de intelectuais consagrados no mundo cultural francês é Luis Viardot, que além
de Diretor do Teatro Italiano de Paris era tradutor de espanhol de obras clássicas, como Dom Quixote
e de russo, de obras de Pushkin.
67

Dos oito textos publicados pelo positivista anônimo, três se destacam por
abordarem temas da teoria das artes, como a deformidade, o realismo, o grande e a relação
com o belo. Ao discutir esses tópicos e como são representados na arte contemporânea, ele
apresenta então suas idéias sobre arte positiva, embora não haja em seus artigos citações ou
referência a Comte, tampouco a artistas ou obras de arte positivas.
Comentando um texto de Charles Garnier20, arquiteto que projetou a Ópera de
Paris, C. S. discute o significado da deformidade e do feio segundo o método positivo.
Atacando a tese de Garnier de que a deformidade nas artes gera antes piedade do que choque,
e é a primeira impressão que ficaria na mente do observador, C. S. defende que a
deformidade, principalmente humana, provoca sempre uma emoção penosa, uma antipatia que
persistiria na imaginação do espectador, mesmo que existam na natureza seres disformes. Para
C. S., a deformidade humana nas artes deveria ser embelezada, pois embelezar é humanizar, é
dar às criaturas inferiores uma aparência humana, porque um “homem desproporcional é um
representante imperfeito da humanidade”21. Este aperfeiçoamento da imagem humana seria na
teoria positiva criar uma “deformidade humana simpática” ― um degrau inferior do belo.22
Em termos técnicos, C. S. explica que a deformidade é uma alteração da linha, da cor e da
massa, portanto, a “monstruosidade” ataca todo os elementos de uma imagem, seja no
desenho, na pintura, ou na escultura. Portanto, sentencia, “o feio não tem nenhum lugar nas
artes.”23
C. S., completando suas noções sobre o belo ― que não o nega, mas também não
aceita a idéia de belo absoluto ― publicou ainda outro texto que discute o uso corrente de
figuras colossais na estatuária contemporânea. Para o autor, a associação corrente entre “belo”
e “grande” era uma persistência das crenças metafísicas e politeístas da infância da
humanidade. Segundo a teoria positiva, a Humanidade passava por estágio de
desenvolvimento conforme a idade humana: infância, vida adulta e maturidade. “A expressão
do grande deveria se dividir teoricamente em duas fases. A arte da humanidade adulta, que
coloca o sentimento das proporções na base de toda a satisfação estética, e a arte da infância,
coletiva ou individual, que não tem proporções.”24

20
GARNIER, Charles. Les difformités de la nature morte e les difformités de la nature vivante.
Gazzette des Beaux-Arts. 2o. Período. Tomo IV, out. 1871. gallica.bnf.fr
21
S. C. Observation esthétiques sur la difformité. La Philosophie Positive. v. IX, jul.-ago. 1872. p. 49.
gallica.bnf.fr
22
S. C. Observation... p. 48.
23
S. C. Observation... p. 49.
24
S. C. Les figures colossales et l’idée du grand dans l’histoire de l’art. La Philosophie Positive. v.
XVIII, jan.-jun. 1877. p. 299. gallica.bnf.fr
68

Para confirmar essa teoria, o autor disserta então sobre a história das artes,
iniciando com a estatuária egípcia, no qual o grande se exprime pelo colossal, cujas figuras
em escala diferente representariam a diferença entre deuses e homens, homens e mulheres,
crianças e adultos, e as diferenças socioeconômicas. O politeísmo permitia que os deuses,
semelhantes aos humanos, fossem representados como colossais. Já na arte grega isto não
procede, visto o grau de progresso que alcançou. A perfeição das imagens gregas transformou
os objetos artísticos em objeto de adoração. A estátua se transformou no próprios deus. A
religião cristã, mesmo monoteísta, não deixou de representar a grandeza divina de seu Deus,
Jesus Cristo, como colossal. O problema se resumia na não distinção entre grande e colossal,
aplicada às artes indistintamente nas várias épocas, na escultura e na arquitetura.
“Os modernos não crêem mais em deuses”25; sentenciou C. S., portanto, sem
fundamentos nas crenças mitológicas não havia mais sentido o mundo moderno manter, nas
artes, as representações colossais como sinônimo do grande. Esta era a base do argumento do
autor para defender uma dimensão fixa, de proporções verdadeiras, para a estatuária
monumental, principalmente por se tratar da representação da figura humana; o mesmo não se
aplicaria à arquitetura, por exemplo. Portanto, os modernos, não mais na infância da
humanidade, deveriam abandonar a arte colossal ― “ilustração infantil da idéia do gigante e
da grandeza excessiva e desmesurada.”26
A condenação ao realismo completa as noções de C. S. sobre a arte
contemporânea. Se, na arte positiva, não havia espaço para as deformidades, nem para
representações colossais, certamente não havia também para as idealizações quiméricas de
igualdade que a arte realista estimulava. Para o autor, o realismo, ao proclamar a igualdade
dos seres retratados, ao estimular uma contemplação passiva diante dos objetos contemplados,
ao negar o ideal, ao excluir o sentimento, negava à arte um destino social; o realismo era a
negação mesma da arte, resumia o autor.
A época de entusiasmo em que viviam, afirmava C. S., requeria uma arte que
emocionasse. Ele exemplifica as falhas do realismo comentando um quadro de Epinal
representando um soldado armado, mas que não exprime na imagem seu patriotismo ou
coragem. Nesse quadro, para a expressão de idéias ou sentimentos, colocam-se legendas
escritas, conclui a crítica. Ainda assim, o autor admite alguns benefícios do realismo à arte,
como, por exemplo, o realismo revolucionário que se opôs energicamente ao tédio da arte
oficial, que cobriu os monumentos de bímanosrépteis, de quadrúpedes alados, de homens-

25
S. C., Les figures colossales... p. 297.
26
S. C., Les figures colossales... p. 304.
69

deuses mitológicos, a exemplo do realizado no prédio da Ópera de Paris, relembrando sua


crítica a Garnier, anos antes. Ele ironicamente recomenda que se fizesse um inventário do
número de Apolos, pintados e esculpidos, que decoravam a Ópera. Porém, para substituir uma
falsa arte monumental, o realismo “nos oferta imagens de insetos em vidros de aumento”27, se
resigna C. S.
Enquanto C. S. concentra sua análise nos temas caros à teoria das artes,
principalmente no debate sobre o belo, Theóphilo Braga aplicou-se em discutir a função
social da arte e em provar que a filosofia positiva era capaz de inspirar obras de arte e
constituir uma estética. Negando o positivismo religioso, o autor advogou que o positivismo
sob forma científica era capaz de estimular o sentimento de humanidade, solidariedade
humana e altruísmo, porque tinha por base a tradição e a história. “Fixar o domínio da arte na
tradição é lhe assegurar as características científicas”28, sentenciava Braga. A arte, tendo por
base a história ou tradição, era um veículo de mediação entre realidade e aparência, necessária
naqueles tempos de crise dos espíritos, afirmou o autor; era o que Comte chamou de controle
das utopias. A tradição tinha capacidade de converter as paixões individuais em força
coletiva, pois ela liga os indivíduos à humanidade. O sentimento de pertencimento à
humanidade era próprio daquele mundo moderno, segundo Braga, e era reconfortante. Com
isso, a arte baseada na tradição tinha o poder de elevação moral do homem e da humanidade.
Para ele, a arte era uma forma de linguagem universal que permitia o sentimento de
pertencimento à humanidade, no passado e no presente. O positivismo científico pregado por
Braga era uma doutrina de ação e transformação social e possuía uma teoria própria para as
artes, também com desígnio transformador.
Se os artigos da revista de Littré eram dedicados a uma teorização das artes, os da
de Laffitte eram destinados a mostrar as ações dos positivistas ortodoxos. Aqui nos ateremos
às atividades voltadas à promoção artística.

Iniciativas artísticas na revista de Pierre Laffitte

Publicada ao longo de 35 anos, com poucas interrupções, a revista traduzia os


esforços militantes dos liderados por Laffitte na difusão do positivismo por meio de textos.
Dado o caráter sectário do grupo com relação aos demais positivistas, a revista se sustentava

27
S. C. Réalisme. La Philosophie Positive. v. XXIV, jan.-jun. 1880. p. 251. gallica.bnf.fr
28
BRAGA, Theóphilo. Constitution de l’esthétique positive. La Philosophie Positive. v. XV, jul.-dez.
1875. p. 46. gallica.bnf.fr
70

com a colaboração de artigos provenientes do círculo fechado dos ortodoxos, estrangeiros


inclusive. A publicação tornou-se uma espécie de prestação de contas desse grupo
concernente às suas atividades e ao engajamento nas polêmicas que se esforçavam em
responder.29
Dos artigos sobre a matéria “arte” ou que a envolvem destacam-se quatro tipos:
textos que tratam de teoria estética; artigos sobre as festas cívicas nacionais, nos quais as
obras de arte são mencionadas por normalmente centralizarem as atividades; notícias sobre a
inauguração de monumentos públicos; e textos tratando das campanhas de subscrição para o
erguimento de monumentos. Nota-se que não havia textos que tratassem de pinturas, sendo
majoritariamente sobre monumentos públicos, bustos e em menor número sobre monumentos
fúnebres. Não houve qualquer referência a esculturas decorativas de prédios, que, segundo
Agulhon, predominavam no século XIX, estando relacionadas à função do prédio: o
Comércio, A Indústria, as Artes, as Ciências, etc. Este tipo de decoração não costumava
representar figuras históricas específicas, mas alegorias abstratas; por isso, não mobilizaram a
atenção do grupo positivista.
O quadro a seguir mostra um inventário dos trabalhos mencionados na revista,
seja placa, monumento público ou fúnebre e bustos. Tal arrolamento de obras contou com
informações obtidas nos artigos da revista, completadas com pesquisa na Internet, já que
muitas vezes a publicação anunciava apenas a idéia ou projeto de homenagem, sob forma de
monumento, e não havia uma continuidade de notícias a respeito da execução da obra.
Dado o grande número de obras com as quais os positivistas tiveram algum
envolvimento, mesmo que, às vezes, se restringissem a uma manifestação de louvor à
iniciativa, não se poderá comentar individualmente cada trabalho. Apenas em relação ao
monumento a Comte os positivistas tiveram iniciativa e fizeram grande campanha de
subscrição; esse movimento será analisado mais detidamente no próximo item deste capítulo.
Com isso, optou-se por construir uma tabela com as informações básicas como:
homenageado, tipo de obra, artista, cidade, ano de confecção ou inauguração e observações
gerais sobre a obra ou o projeto. Neste último item procurou-se destacar a forma de
participação dos positivistas na homenagem e quem era o homenageado, quando figura
desconhecida. Sempre que possível informa-se o encomendante, responsável pela subscrição
ou que votava verba pública.

29
PETIT, Annie. La presse... p. 18.
Obras de arte apoiadas ou feitas sob iniciativa dos positivistas franceses

Homenageado Tipo de obra Artista Local Inauguração Observações


ou confecção
Ane Caterine Monumento Paris - Cemitério 04.09.1892 Subscrição internacional dos positivistas franeses. Os positivistas brasileiros
Helvétius fúnebre d’Auteuil participaram, inclusive Benjamin Constant. O marido, Helvétius, foi um filósofo
admirado por Diderot e Comte. A homenagem é por ela ter sido a esposa. Discurso de
inauguração de Emile Antoine.
Auguste Comte Monumento Jean Antoine Paris 1902 Subscrição da Sociedade Positivista de Paris.
Injalbert
Auguste Comte Estátua Henri Levasseur Montpellier 1911 A iniciativa foi do Círculo dos Republicanos de Hérault, em Paris. A Sociedade
Positivista não teve participação, apenas saúda a iniciativa.
Bougival Pirâmide Dumontets Bougival 1878 Homenagem a três habitantes de Bougival fuzilados pelos prussianos em 1870. Apoio
triangular Gabriel, escultor dos positivistas por ser uma manifestação espontânea de culto aos mortos.
Charles Magne Estátua Luis Rochet Paris 1882 O Conselho Municipal de Paris rejeitou a doação da Casa Thiébaut, que fundiu a obra,
eqüestre por entender que CM foi um sanguinário. Os positivistas se pronunciam para defender
que CM foi um homem de Estado. Ele integrava o Calendário Positivista.
Charles Sauria Placa em Dole 15.09.1901 Ex-aluno de Comte e inventor dos fósforos químicos. Positivista. Discurso de
mármore inauguração de Pierre Pactet (jurista e antigo prefeito de Mont-sou-Vaudrey), em
jargão positivista.
Christophe Estatua Charles Cordier Paris / Exposta em Auguste Vorbe, membro do Conselho Municipal de Paris, apresenta o projeto em
Colomb México 1875 jargão positivista. Os positivistas apenas apóiam a idéia, pois CC integrava o
Calendário Positivista. A estátua exposta em Paris foi uma encomenda do governo
mexicano. Vorbe retoma a idéia de instalar definitivamente uma estátua em Paris.
Condorcet Busto Bourg-de-la- 1881 Local onde morreu Condorcet. Obra feita com verba municipal. Festa cívica anual no
Reine entorno do busto por iniciativa dos positivistas. Incentivavam que fosse feita uma
estátua em Ribemont, cidade natal de Condorcet.
Condorcet Estátua L. Steiner Paris 14.07.1894 Petição em 1888 ao Conselho Municipal de Paris por parte da Sociedade Positivista e
pelo Círculo de Proletários Positivistas. Comissão Dr. Robinet e Emile Antoine.
Discurso de Emile Corra.
Condorcet Estátua Diosi Ribemont 27.04.1947 A subscrição iniciou em 1911, mas não há referência aos positivistas.
Danton Estátua Arcis-sur-Aube 23.09.1888 Subscrição e verba municipal. Os positivistas também colocaram lista de subscrição
na sede da Sociedade Positivista de Paris. Os brasileiros também contribuíram criando
uma lista na sede da IPB.
Danton Estátua Auguste Pâris Paris 14.07.1891 Laffitte recebeu o convite do Presidente do Conselho Municipal de Paris para
discursar na inauguração. Campanha dos positivistas e verba municipal.
Diderot Estátua Auguste Bartholdi Langres 1884 Obra feita pela municipalidade com a colaboração dos positivistas.
Diderot Estátua Jean Gautherin Paris 30.06.1886 Dr. Robinet era o presidente da Comissão

71
Esquirol Busto Toulousse, 02.08.1897 Médico e proprietário da clínica onde Comte foi internado, em 1826. Esquirol também
Capitole assistiu ao curso de Comte em 1829. Discurso do médico positivista Antoine Ritti.
Etienne Dolet Estátua Guilbert Paris 19.05.1889 Tipógrafo da Renascença. Obra situada na mesma praça onde foi executado. Discurso
do positivista M. Keufer em nome da Federação Francesa dos Trabalhadores do Livro.
Fabien Magnin Busto e placa Abrets Operário-marceneiro, testamenteiro de Comte. A subscrição foi iniciativa dos
positivistas, mas não há informações se a obra foi executada. Subscrição entre 1911-
1913.
Félicien David Placa Cadente 11.08.1894 Músico francês. O positivista A. M. Auzende discursou. Não há referencia se a
Sociedade Positivista participou da iniciativa.
Gabriel Robinet Monumento Paris – Père- 20.07.1888 Médico de Comte, testamenteiro, dissidente de Laffitte Não há referência se os
fúnebre Lachaise positivistas participaram do projeto.
Gallilée Estátua (não Paris Auguste Vorbe, membro do Conselho Municipal de Paris, apresenta o projeto em
realizada) 1898, em jargão positivista, citando Comte. Foi montada uma comissão internacional.
Os positivistas da revista apenas apóiam a iniciativa, pois Galileu está no Calendário
Positivista.
Jeanne D’Arc Monumento Luis Ernest Rouen 1892 Conselho Municipal abriu subscrição e votou verba. Os positivistas apóiam a
Barrias iniciativa mas não há referência que tenham contribuído com a campanha.
Jeanne D’Arc Estátua Emmanuel Paris 1899 Obra condenada em 1872, primeira estátua realizada em 1874, e segunda instalada em
eqüestre Frémiet 1899. Subvenção estatal.
Jules Grévy Estátua Alexandre Dole 1893 Presidente da República. Obra feita pelo governo da República e municipalidade.
Falguières Positivistas não participaram. Discurso de inauguração de Pierre Pactet (jurista e
antigo prefeito de Mont-sou-Vaudrey), em jargão positivista.
Léon Gambetta Estátua Alexandre Cahors 14.04.1884 Advogado, Ministro do Interior, considerado um positivista. Laffitte foi convidado
Falguières pelo prefeito a discursar na inauguração, mas a Sociedade Positivista não contribuiu
com a obra. Subvenção municipal.
Luis Cons Monumento Paris - 01.11.1882 Historiador, positivista, colaborador da Revista. Discurso do positivista Paul Foucart,
fúnebre Montparnasse também colaborador da Revista.
M. Husson Monumento Paris - 17.04.1904 Positivista, colaborador da Revista. Verba familiar, os positivistasapoiaram.
fúnebre Montparnasse
Isaac Newton Estátua (não Paris Proposta, em 1895, de Pierre Baudin e Auguste Vorbe, membros do Conselho
realizada) Municipal de Paris. Os positivistas da revista apenas apóiam a iniciativa, pois Newton
está no Calendário Positivista.
Pierre Laffitte Busto Luis-Edouard Béguey 30.06.1905 O Comitê Municipal de Béguey fez a subscrição; a Sociedade Positivista de Paris
Fournier colaborou. Obra destruída na II Guerra e substituída em 1996.
Pinel Busto Toulousse, 02.08.1897 Comte havia destacado seu trabalho ao lado de Bichat, Cabanis e Cuvier. Discurso do
Capitole médico positivista Antoine Ritti.
Fonte: La Revue Occidentale Philosophique Sociale et Politique. 1878 a 1913.

72
73

Percebe-se no levantamento dos artigos da revista que os positivistas ortodoxos


muito se dedicaram à promoção de monumentos públicos, apoiando a iniciativa de subscrição
de outros grupos ou do poder público, quando concordavam com a figura homenageada, mas
também lançavam campanhas de subscrição própria, notadamente para o monumento de
Comte em Paris e do operário positivista Fabien Magnin em Abrets. A campanha para esse
último foi pequena, e não se obtiveram dados de que a obra tenha sido executada. A maioria
dos artigos sobre festas cívicas, subscrições e inaugurações de monumentos eram assinados
nos primeiros anos pelo médico e testamenteiro de Comte, Dr. Robinet, que se desligou da
Sociedade Positivista, e depois por seu genro, Emile Antoine, fiel seguidor de Laffitte.
Os personagens homenageados apoiados pelo grupo eram variados: pessoas
comuns alheias ao positivismo, mas que mereciam, por alguma razão, uma forma de
reconhecimento público, como, por exemplo, Etienne Dolet, tipógrafo e livre pensador da
Renascença, que foi executado em praça pública; personagens centrais da história francesa,
nos diversos períodos, como Joana d’Arc e a trindade cívica positivista da Revolução
Francesa ― Danton, Condorcet e Diderot; homenageados do calendário positivista, franceses
ou não, como Carlos Magno, Cristóvão Colombo e Isaac Newton; pessoas que tiveram
alguma ligação com o movimento positivista ou com Comte, como Charles Sáuria, seu ex-
aluno, e Dr. Esquirol, médico e proprietário da clínica onde esteve internado.
Chama a atenção que as obras arroladas no quadro eram todas em homenagem a
um homem ou mulher reais. Não apoiaram obras a seres mitológicos, fictícios ou simbólicos,
pois a arte para, os positivistas, não deveria ser voltada para ilusões ou para um
sentimentalismo vago. Ela deveria representar figuras humanas reais, pois tinha por base a
história e a tradição humanas. A figura humana, o personagem histórico, o homem ilustre é
que são os vetores da arte no positivismo. Com isso, não se observa apoio a monumentos
(políticos) à República ou à Pátria, por exemplo, nem obras indicativas de episódios históricos
(batalhas, revoluções, tratados), tampouco qualquer referência às representações de Mariane
ou a alegorias meramente decorativas alusivas à mitologia, usando aqui a classificação de
monumentos apontada por Agulhon30.
A forma de envolvimento deste grupo na promoção das obras também era variada.
Algumas vezes, o artigo apenas noticiava a festa de inauguração da obra, sem mencionar o
envolvimento do grupo. Em outras, mostrava que havia algum positivista envolvido na
iniciativa de homenagem, seja compondo a comissão ou propondo projetos ao poder público.

30
AGULHON, Maurice. Histoire... p. 138.
74

Dr. Robinet esteve à frente de várias comissões para erguimento de monumentos e para
instalação de festas cívicas.31 Havia, ao mesmo tempo, campanhas de subscrição lançadas por
outras Sociedades e às quais os positivistas se somavam. As campanhas positivista oficiais,
aquelas que envolveram a confecção dos monumentos de Comte e Fabian Magnin, tiveram
destaque na revista, ao longo de vários números, desde a montagem da comissão promotora,
passando pela publicação das listas de subscrição até o relato da festa inaugural, neste caso
apenas no monumento a Comte. Sempre os artigos explicavam por que, segundo o
positivismo, o personagem merecia ser homenageado, estimulavam os leitores a contribuir
com a subscrição e a participar dos festejos inaugurais.
As estratégias de ação para erguer monumentos eram então variadas, e somente os
dois monumentos oficiais de fato foram financiados com subscrição positivista. Grande parte
dos demais foi erguida com verba municipal. No caso dos monumentos edificados em Paris,
percebe-se o trabalho de um Conselheiro Municipal, Auguste Vorbe, que embora não fosse
considerado um positivista, quando citado na revista, apresentava suas propostas ao Conselho
Municipal de Paris utilizando argumentações positivistas.32 Isto fazia com que os positivistas
liderados por Laffitte apoiassem suas propostas, publicando artigos na revista e, é possível,
buscando convencer os demais Conselheiros. Outra tática eram as campanhas, pela palavra
escrita e falada, do que eles chamavam de reabilitação histórica de um personagem. Foi o que
ocorreu com a figura de Danton, para alguns um sanguinário assassino e para os
positivistasum patriota. Familiares foram contatados, biografias foram escritas, homenagens
cívicas foram realizadas, versões da história da Revolução Francesa foram revistas por parte
dos positivistas, de forma a recuperar a imagem de Danton. Eles passaram a ser vistos como
autoridades no tema e, portanto, imprescindíveis em qualquer atividade pública que
envolvesse o reabilitado herói. O resultado dessa campanha foi sentido como vitorioso por
parte desses positivistas: o presidente do Conselho Municipal de Paris convidou Laffitte a
discursar na inauguração do monumento a Danton, além de reservar aos positivistas 40
lugares de honra no palanque oficial. Na carta-convite, justificava que a municipalidade
reconhecia a admiração professada dos positivistas de todo o país a Danton e que deveriam ter

31
Sobre a participação de Dr. Robinet nas festas cívicas francesas consultar: IHL, Olivier. La fête
républicaine. Paris: Gallimard, 1996.
32
VORBE, A. Érection d’une statue a Christophe Colomb. La Revue Occidentale Philosophique
Sociale et Politique. Tome IV, n. 7, 1891/2. p. 402-404; VORBE, Auguste. Erection d’une statue à
Galilée à Paris. La Revue Occidentale Philosophique Sociale et Politique. Tome XX, n. 3, 1900. p.
336-373; H. C. Proposition de Pierre Baudin e Auguste Vorbe: Le culte des grands hommes – une
statue a Newton. La Revue Occidentale Philosophique Sociale et Politique. Tome XII, n. 4, 1895. p.
53-71.
75

um lugar especial na solenidade.33


Chama atenção que Condorcet teve três obras erguidas em sua homenagem, uma
em Paris, outra em sua cidade de nascimento e outra onde morreu. Comte, Joana D’arc,
Danton e Diderot ganharam estátuas apenas na capital e na cidade natal. Percebeu-se, nos
textos da revista, que os positivistas exploravam bem as rivalidades municipais
estatuamaníacas, como evidenciou Agulhon em sua pesquisa para toda a França. Com uma
estabelecida rede de influencias entre intelectuais, políticos e familiares dos homenageados, e
gozando de certa respeitabilidade por sua militância positivista, esse grupo conseguia criar a
noção de necessidade da homenagem. Juntava-se o desejo dos familiares de verem seus
parentes homenageados, com o anseio de municipalidades obscuras de terem um cidadão
ilustre reconhecido para toda a nação e consagrado em bronze na praça da cidade.
Resta explicar que os artigos não apresentam informações sobre a escolha dos
artistas, se por convite ou concurso. Percebe-se um variado rol de escultores, desde os mais
modestos como o desconhecido Henri Levasseur, até os já consagrados com grandes
encomendas públicas, como Luis Rochet ou Alexandre Falguière, por exemplo. No próximo
item deste capítulo, será analisada a relação de alguns poucos artistas com o positivismo, mas
nenhum deles figura na tabela, pois não tiverem encomendas de tal porte. No momento é
importante apenas destacar que parece ser irrelevante para esse grupo o artista encarregado do
projeto, mesmo na principal encomenda da Sociedade Positivista de Paris ― o monumento a
Comte. Não havia qualquer menção ao artista ser positivista ou qualquer crítica por ser um
artista oficial, beneficiado por vantajosas encomendas públicas. Geralmente os textos citavam
o autor da obra e descreviam os monumentos, mas nunca tratavam da qualidade ou
característica estética dos mesmos. Não houve artigos que pregassem a destruição ou que
fossem contra o erguimento de algum monumento.

Obras de arte encomendadas pelos positivistas ortodoxos franceses

A primeira obra de arte que envolve a temática positivista foi feita quando Comte
ainda era vivo; trata-se de um quadro a óleo do pintor francês Antoine Étex, em 1852.34 O

33
LAFFITTE, Pierre. L’inauguration de la statue de Danton a Paris, le mardi 14 juillet 1891. La Revue
Occidentale Philosophique Sociale et Politique. Tome IV, n. 5, 1891/2. p. 232-233.
34
Étex (1808-1888) ficou relativamente conhecido em função de suas alegorias no Arco do Triunfo de
l’Étoile, em Paris: La Paix e La Résistence de la France, encomendados ao artista em 1833, pelo
monumento fúnebre a Gericault e pelo monumento fúnebre de Ingres, seu antigo professor na Escola
de Belas Artes.
76

quadro Auguste Comte e seus três anjos é o que Comte chamou de uma idealização:
melhoramento e aperfeiçoamento da cena retratada mesmo que ela não represente a verdade.
Nele está Comte escrevendo a expressão “Religião da Humanidade”, e à sua direita estão sua
mãe Rosálie Boyer Comte, Clotide de Vaux e sua filha adotiva Sofia Bliaux Thomas, e ao
fundo, à esquerda, uma natureza morta. Comte, ao apresentar seus três anjos e o que eles
significavam, referiu-se assim ao quadro de Étex: “Inseparáveis daqui por diante, estes três
anjos se acham de tal modo ligados a mim que o concurso contínuo deles acaba de sugerir, ao
eminente artista de que o positivismo se honra hoje, uma admirável inspiração estética que
converteu um simples retrato num quadro profundo.”35 Para ele, o que convertia um simples
retrato em um quadro profundo eram as figuras das três mulheres que, mesmo não tendo
posado para esta composição, estando reunidas poderiam cumprir a tarefa da arte para o
positivismo: a lembrança e a inspiração de bons sentimentos.
Deste quadro foi feita uma litografia gravada por J. Tinayre e um cartão postal
acrescido com as fotografias dos testamenteiros de Comte, a rodearem a imagem. Étex pintou
ainda um outro quadro a óleo de Comte e confeccionou um busto em gesso, provavelmente
fundido em bronze, que figura nos altares da Humanidade da IPB. Ele pintou ainda dois
quadros a óleo de Clotilde, sendo que um, retratava ela lendo as cartas de Comte. Essas
imagens de Comte e Clotilde feitas por Étex foram litografadas e distribuídas aos adeptos.
Desde a Revolução Francesa, a litografia era usada como forma de divulgação e reprodução
de imagens, servindo bem aos propósitos propagandísticos dos positivistas.
Além de Étex, apenas um aluno de Comte o retratou em dois desenhos,
publicados no jornal Le Paternoster, em Dublin, quando o filósofo morreu, mas essa imagem
teve pouca circulação. Os trabalhos de Étex, busto e retrato, foram os que se tornaram
imagem oficial de Comte, modelo para as imagens feitas por outros artistas. No acervo da
Maison d’Auguste Comte, em Paris, existem algumas fotografias de Comte. A imagem a
seguir foi obtida a partir de um dagarreótipo.36
Os artistas Camille Monier e Louis Tinayre37 (irmão do gravador J. Tinayre)
também colaboravam na confecção de obras alusivas ao positivismo. O primeiro, membro da
Sociedade Positivista de Paris, assumiu entre 1900 e 1901 o curso de Laffitte no Colège de

35
COMTE, Auguste. Catecismo... p. 127.
36
Agradeço a gentileza de Aurélia Giuste, funcionária da Maison d’Auguste Comte, pelo envio
eletrônico das fotografias de Comte.
37
Luis Tinayre ficou conhecido como um artista repórter por sua expedição a Madagascar, em 1895; e
depois como pintor científico, por participar das expedições oceanográficas na equipe do príncipe
Alberto de Mônaco, a partir de 1906.
77

France, ministrando a cadeira de História Geral da Ciência38. Ele compôs o Comitê Executivo
para a subscrição do monumento a Comte, como será visto a seguir. Não há informação sobre
sua formação artística, no entanto, artigo na Revue Occidentalle informava que, naquele ano
de 1891, ele e Tinayre não apresentariam trabalhos no Salão de Paris. Tinayre estava
envolvido em um retrato de Laffitte, que inacabado, não poderia ser exposto. As informações
não são suficientes para se saber qual o grau de comprometimento dos artistas com a teoria
estética positiva. É provável que Tinayre tenha apenas recebido encomendas dos positivistas.
Ele também foi um dos subscritores do monumento a Comte.

Fotografia de Auguste Comte, Acervo da Maison d’Auguste Comte, Paris.

O monumento a Comte em Paris é o que mais mobilizou esforços dos positivistas,


não somente no levantamento de fundos, mas em um debate intenso sobre a concepção da
obra. Sua história permite mostrar as disputas dos positivistas franceses, ingleses e brasileiros
acerca da produção e função da arte, além de sua forma. A obra foi inaugurada em 19 de
janeiro de 1902, na Place de la Sorbonne, e assinada pelo escultor francês Jean Antoine

38
MONIER, Camille. Essai sur la language. Paris: E. Pelletan, 1908. Esse trabalho é um resumo em
cinco lições do curso que ministrou no Colège de France. Também publicou: Exposé populaire du
positivisme. Paris: Societé Positiviste d’Enseignement Supérieur, 1888. gallica.bnf.fr
78

Injalbert (1845-1933).39
O primeiro projeto de uma estátua a Comte foi realizado por Eugène Delaplanche,
que ao morrer e deixar a maquete inacabada, teve o trabalho concluído por seu aluno Henri
Levasseur. A maquete foi exposta em 1891 no Salão de Paris, no Champs-Élysées.40 Na
estátua sedestre, Comte é representado em uma imagem doméstica: em sua poltrona fechando
seu livro predileto ― A Divina Comédia – da qual, por hábito, lia uma página por dia. A
análise da maquete foi feita por Edouard Pelletan, um editor de vários livros de positivistas41.
Sua reserva quanto à maquete se concentrava em dois pontos: Comte era representado de
forma triste, e não meditativa; e dois livros displicentemente largados sobre a poltrona, apenas
como recurso simbólico, não combinavam com Comte, que tinha a ordem a comandar suas
ações, hábitos e trabalho. Para ele, o artista precisava conhecer um pouco mais seu retratado e
recomendava que lesse alguns trabalhos que o instruísse sobre a personalidade e vida de
Comte. Neste mesmo ano, Laffitte lança a idéia de erguer esse monumento a Comte, para ser
instalado em frente ao Palácio de Luxemburgo, mas somente sete anos depois é que a
campanha de subscrição seria oficialmente lançada nas páginas da Revue Occidentale. Esse
projeto original acabou sendo abandonado por uma imagem mais representativa dos
positivistas.
Em 1898, foi lançada nas páginas da Revue Occidentale a campanha de subscrição
a cargo de um comitê executivo de membros da Sociedade Positivista de Paris: Pierre Laffitte,
presidente de honra; Charles Jeannolle, presidente; Emile Antoine, tesoureiro; Constant
Hillemand, secretário; Emile Corra; e ainda Louis Léon Auzende, Antoine Auguste Cancalon,
Auguste Keufer e Camille Monier. No mesmo ano, montou-se um comitê de patrocínio com
membros responsáveis pelas subscrições em diversos países da Europa, Ásia e América. Os
quadros a seguir mostram o perfil dos apoiadores da iniciativa e a extensão da campanha no
mundo.

39
Injalbert ganhou o prêmio do Salão de Roma em 1874, com a estatueta Orpheus. Em 1895, um
trabalho seu causou grande escândalo ao ser instalada em um espaço público, pois foi considerada
indecente. O tríptico La Poésie de l’Amour dans la Passion et la Mélancolie está hoje instalado no
pátio da Bibliothèque de France. Sua obra se concentra em esculturas públicas e trabalhos decorativos.
Um importante monumento comemorativo de Injalbert é a Octave Mirabeau, no Panthéon de Paris.
40
Explication des ouvrages de peinture, sculpture, architecture, gravure et lithographie des artistes
vivants, exposés au Palais des Champs-Elysées le 1er mai 1891. Société des artistes français,
exposition annuelle des Beaux-arts, salon de 1891, 109a. exposition depuis l’année 1673. p. 238.
41
PELLETAN, Edouard. La statue d’Auguste Comte au Salon. La Revue Occidentale Philosophique
Sociale et Politique. Tome IV, n. 5, 1891/2. p. 286-289.
79

Quadro I Quadro II
Profissão / Função Número Países Membros do
total Comitê
Advogado 11 Alemanha 23
Agricultor 2 Argélia 4
Agrimensor 1 Argentina 7
Arquiteto 3 Áustria 7
Arquivista 1 Bélgica 12
Artista escultor e pintor 7 Brasil 9
Bibliotecário 4 Canadá 1
Chefes de repartições públicas 17 Chile 1
Comerciante 8 China 1
Conselheiro Geral (governador) 15 Croácia 1
Conselheiro Municipal (vereador) 12 Cuba 1
Conservador de Arte 1 Dinamarca 2
Deputado no Parlamento 50 Espanha 5
Diretor de escola, universidade, instituto 9 Estados Unidos 8
Diretor de laboratório, clínica, hospital, 14 França 273
arquivo ou museu
Diretor de revista/jornal 29 Gana 1
Empregado dos Correios e Telégrafos 4 Grécia 5
Empregado nas estradas de ferro 5 Haiti 1
Empresário da construção 2 Holanda 2
Engenheiro 11 Hungria 10
Ex-aluno de Escola Politécnica 7 Índia 2
Farmacêutico 2 Inglaterra 9
Geólogo 2 Irlanda 2
Dirigente ou membro de Loja Maçônica 3 Itália 38
Joalheiro 1 Japão 1
Jornalista 1 Madagascar 1
Juiz 4 México 14
Médico 27 Não informado 46
Membro de sociedade, associação ou 19 Noruega 2
federação sindical
Membro de Sociedade Positivista 15 Peru 1
Militar 6 Polônia 4
Ministro 20 Portugal 6
Não informado 17 Praga 2
Operário ou trabalhador 16 Prússia 1
Padre católico 1 România 1
Prefeito 20 Romênia 1
Presidente de República 5 Rússia 2
Presidente de Tribunal 3 Suécia 3
Procurador de República 5 Suíça 4
Professor 73 Tchecoslováquia 3
Professor de Direito 8 Tunísia 2
Professor de Economia-política 8
Professor de Filosofia 40
Professor de História 10
Professor de Letras 11
Professor de Medicina 41
Publicista 5
80

Senador 19
Tipógrafo 14
Veterinário 1
Reitor de Universidade 3
Fonte: La Revue Occidentale Philosophique Sociale et Politique. 1898 a 1901. Tome XVI a XXIV.

Ao longo dos quatro anos de campanha pelo monumento, a Revue publicou as


listas de subscrição que chegavam de boa parte do mundo à Sociedade Positivista de Paris,
fruto do trabalho de divulgação e arrecadação dos membros do Comitê em vários países. O
quadro adiante revela os países envolvidos, o número de doações em cada país e a evolução
da campanha durante os quatro anos de trabalho. Se levarmos em conta o total de subscritores,
apenas 1.229 pessoas, este número parece insignificante. O que se destaca nesta campanha é a
extensão geográfica que atingiu, mesmo que muitas vezes houvesse em um país apenas uma
doação. O monumento também recebeu verba municipal de Paris e do governo nacional.
Listas de subscrição internacional para o monumento a Auguste Comte, em Paris

1898 1999 1900 1901 Totais


Lista 1a. 2a. 3a. 4a. 5a. 6a. 7a. 8a. 9a. 10a. 11a. 12a. 13a. 14a. 15a. 16a. 17a. 18a. 19a. 21a. Totais
Países Lista Lista Lista Lista Lista Lista Lista Lista Lista Lista Lista Lista Lista Lista Lista Lista Lista Lista Lista Lista
França 25 29 55 36 11 25 19 66 18 28 12 2 16 24 35 8 9 3 13 15 449
Inglaterra 16 1 3 1 1 1 4 3 2 2 1 35
Suécia 26 26
Dinamarca 7 1 8
México 9 435 4 2 5 4 1 3 463
Brasil 2 6 3 8 2 1 1 5 8 36
Grécia 5 5
Alemanha 2 6 14 4 35 11 72
Áustria- 2 3 1 3 11 2 1 1 2 26
Hungria
Bélgica 22 3 25
Holanda 1 1 1 3
Itália 1 1 2
Portugal 2 1 3
Estados 2 31 1 1 1 36
Unidos
Argentina 1 1 1 3
Turquia 1 1
Tunísia 2 2
Suíça 1 1 2
Rússia 1 13 1 15
Japão 1 1
Canadá 1 1
Peru 11 11
Espanha 1 1
Irlanda 1 1
Haiti 1 1
Suécia 1 1
Totais 25 29 55 52 12 70 26 108 465 49 75 18 58 40 62 10 18 7 19 31 1229
Fonte: La Revue Occidentale Philosophique Sociale et Politique. Tome XVI a XXIV, 1898 a 1901.
Obs : A ordem dos países é conforme o aparecimento nas listas de subscrição. Provavelmente por um erro de impressão da Revista, a lista no. 21 é a no.20.

81
82

Essas tabelas, dos membros do Comitê Internacional e dos subscritores, refletem o


quadro geral dos positivistas no mundo. É gritante o número de doadores no México, cujos
valores eram baixos, algumas vezes apenas 0,50 pesos. Destacam-se também, só que ao
inverso, o pequeno número de subscritores na Inglaterra e no Brasil e a ausência de doações
do Chile. Foi nestes países que surgiram núcleos positivistas religiosos, que, rompidos com
Laffitte, desenvolveram campanhas contrárias, não ao ato de erguer o monumento a Comte,
mas à liderança da Sociedade Positivista de Paris de realizá-lo e também à concepção da obra.
Em 1898, o inglês Richard Congreve, um dos testamenteiros de Comte, publicou
um folheto criticando a iniciativa dos positivistas franceses, sob direção de Laffitte, de erguer
a estátua a Comte. O mesmo texto foi traduzido e publicado pela IPB, que também fez
campanhas nos jornais brasileiros contra a iniciativa artística dos franceses42. Congreve e
Lemos, ao se colocarem contra a campanha, revelavam a cisão inconciliável entre positivistas
mais ou menos ortodoxos e positivistas científicos. O ponto de grande discordância era a
concepção da obra que retrataria um Auguste Comte criador da ciência social e da filosofia
científica e não o idealizador de uma religião.
O positivista inglês argumentava que os sentimentos do homenageado deveriam
ser respeitados e que seu derradeiro desejo, expresso nas últimas obras, inclusive no
Testamento, deveria ser acatado: Comte queria ser visto ao lado de Clotilde de Vaux, para ele
co-fundadora da Religião da Humanidade. Seguindo com as alegações, Congreve questiona:
se o monumento fosse rejeitado pelo homenageado, se vivo, como o público o aceitaria?
Estava em questão a legitimidade da representação e sua perenidade. O crítico entendia ainda
que a obra a Comte deveria ser coletiva: não apenas uma estátua, mas um monumento. Aqui,
Congreve recorre a uma autoridade externa do positivismo para reforçar sua argumentação,
afirmando: “o historiador Michelet, contemporâneo de Auguste Comte opina que o grupo
deverá predominar na escultura do futuro.”43 Portanto, Comte deveria estar acompanhado de
seus três anjos, já representados no quadro de Étex.
Outro aspecto questionado era a composição do Comitê Internacional. Este ponto
manifesta a disputa entre os positivistas liderados por Laffitte, que não repudiavam
explicitamente a Religião da Humanidade, mas também não a estimulavam, e os dissidentes
religiosos como Congreve e Audiffrent, aos quais os positivistas brasileiros da IPB se
somaram. Congreve criticou o Comitê dizendo que representava um oficialismo que Comte

42
LEMOS, Miguel. Jornal do Commércio, 13.10.1898.
43
CONGREVE, Richard. A estátua de Augusto Comte. Rio de Janeiro: IPB, 1901. p. 12. Tradução de
Miguel Lemos. 1. edição em Londres, 1898.
83

repudiaria, além de estar repleto de não positivistas. A defesa a Laffitte e ao projeto foi
publicada na Revue no ano seguinte.44
Não se tem informação sobre a continuidade dessa contenda, mas em 1902 foi
inaugurado o monumento em Paris, em frente à Capela da Sorbone.45 Sua composição mostra
uma conciliação entre as duas representações de Comte: o religioso e o filósofo. O
monumento é composto por uma herma de Comte, ladeada à direita, no primeiro plano, pela
imagem de uma mulher com uma criança ao colo, simbolizando a Humanidade; à esquerda,
um jovem sentado com um livro à mão, representando os operários sob o impulso da cultura
universal estimulado pelo positivismo. As divisas Viver para outrem, Ordem e Progresso e
Família, Pátria e Humanidade, além da dedicatória a Auguste Comte, completam o conjunto.
Esta composição escultórica não difere da maioria dos monumentos na França, produzidos
nos oitocentos, analisados por Agulhon. Suas figuras estáticas, sóbrias e realistas dos
homenageados se contrastavam às imagens femininas diáfanas, em belas vestes esvoaçantes,
seguindo um modelo totalmente clássico.46
A imagem da Humanidade era a representação de Clotilde de Vaux, já pintada por
Étex anos antes. As referências ao monumento, feitas pelos membros da Sociedade, não
mencionavam a semelhança com a inspiradora de Comte, apenas a chamavam de
Humanidade. Mas Comte havia sentenciado que a imagem da Humanidade deveria ter a face
de Clotilde, algo a que os positivistas da Sociedade resistiam, mas que acabou predominando
no monumento.
Não se sabe se a figura de Clotilde integrou o monumento por pressão dos
positivistas religiosos, pois a proposta inicial dos franceses excluía totalmente Clotilde do
conjunto. A presença do operário estudante é uma clara alusão ao positivismo praticado pelo
próprio Comte e seus seguidores franceses na Associação Politécnica e depois na Sociedade
Positivista, na área educacional. Mas, mesmo com a figura de Clotilde, os positivistas
religiosos ingleses e brasileiros nunca aceitaram o monumento, pois havia sido erguido e
inaugurado pelos seguidores de Laffitte. No Boletim de julho de 1902, Miguel Lemos
noticiou a inauguração do mesmo.47 Teceu severa crítica ao projeto e seus promotores e não

44
ANTOINE, Emile. Anniversaire de la naissance d’Auguste Comte : La statue d’Auguste Comte et
Pierre Laffitte. La Revue Occidentale Philosophique Sociale et Politique. Tome XVIII, n. 2, 1899. p.
191-215.
45
Em 1980, o espaço foi remodelado e o monumento foi deslocado para o noroeste da praça.
http://www.insecula.com/oeuvre
46
AGULHON, Maurice. Histoire... p. 112-113.
47
LEMOS, Miguel. A propos de la statue d’Auguste Comte. Bulletin de L’Apostolat Positiviste du
Brésil. Rio de Janeiro. n. 9f, jul. 1902, p. 25.
84

ao monumento, que ao fim era uma imagem de conciliação, como queriam. Mais ainda,
Clotilde estava no primeiro plano, com relação ao operário. Ainda assim os positivistas
ortodoxos ingleses e brasileiros não reconheceram tal imagem.
Não há dados nos artigos da Revue que revelem a forma de escolha do artista
Injalbert, tampouco as negociações quanto ao conteúdo da obra. Em 1900, apenas se anunciou
que o artista havia sido designado e que tomaria o busto feito por Étex como modelo. Os
detalhes decorativos do monumento dependiam da verba a ser levantada.
O que chama a atenção é que as alegorias do monumento, a Humanidade e o
operário em vestes clássicas, iam de encontro à crítica de Comte ao abuso na arte moderna de
figuras clássicas. O monumento foi bem aceito e elogiado por toda a Comissão promotora.
Um deles, Dr. Concalon, assim se referiu à obra. “Ela é bem viva e real, e não será confundida
com tantas personagens de convenção, filhos ou filhas do lugar comum alegórico, esta
mulher, esta jovem mãe personifica a Humanidade reconhecida. Vestida à antiga ela é
bastante moderna pelos traços e intensidade do sentimento que anima seu olhar.”48 Para outro
membro, Injalbert havia conseguido simbolizar de forma sóbria, delicada e completa as
principais concepções sociais de Comte.49 Restringindo-se assim aos efeitos sentimentais da
obra e à sua coerência de conteúdo, os positivistas aceitavam-na, mas não compreendiam que
ela reunia problemas inconciliáveis para a estética positiva: o realismo inexpressivo no busto
de Comte, com o idealismo clássico nas figuras da Humanidade e do operário. É provável que
apenas aqueles positivistas que pregavam a estética positiva tivessem condições de apontar a
incoerência do monumento frente à doutrina, mas não ousaram fazer qualquer manifestação.
O monumento de Comte em Montpellier, sua cidade natal, não teve envolvimento
dos positivistas. Também feito por Injalbert, foi inaugurado em 1911. O monumento foi
edificado em uma grande esplanada perto do liceu onde Comte estudou quando jovem, não
sem controvérsias na cidade. Desde 1871, os cidadãos de Montpellier discutiam se convinha
erguer um monumento em praça pública a um filósofo conhecido como um “anti Cristo
revolucionário.”50 No entanto, o monumento foi executado. Em 1885, a Revue Occidentale
noticiou a iniciativa do monumento em Montpellier, mas disse que os positivistas não tinham
nenhuma ligação com os membros do Cercle des Réplublicaines de Hérault, departamento
onde de situa Montpellier.

48
CANCALON. Inauguration du Monument d’Auguste Comte sur la Place de la Sorbone, à Paris. La
Revue Occidentale Philosophique Sociale et Politique. Tome XXVI, n. 4, 1902. p. 23.
49
CORA, Emile. La Cérimonie du matin – Place de la Sorbone. Discours. La Revue Occidentale
Philosophique Sociale et Politique. Tome XXVI, n. 4, 1902. p. 35.
50
O monumento de Comte em Montpellier. O Estado de São Paulo, 21.07.1911.
85

Assim como o de Paris, o monumento de Montpellier é formado por uma herma


de Comte. Agora, sentada à esquerda da obra, está a imagem da Humanidade, com uma
criança ao colo. A representação não é de Clotilde. No primeiro plano, está a representação da
Ciência conduzindo o operário. “Pallas, a Sciencia, a Intelligencia, conduzindo o operário
para a idéa de famillia, para a maternidade carinhosa, bella e fecunda.”51 Ambos os
monumentos, de Paris e de Montpellier, são semelhantes, pois possuem as mesmas alegorias
(a Humanidade e o operário), excetuando-se a representação de Pallas. No monumento em
Montpellier, diferentemente do de Paris, é o operário que está no primeiro plano.
Em ambos os trabalhos escultóricos, o artista usou o mesmo recurso estético: um
busto sisudo de Comte sob uma herma, acompanhado de figuras com vestes clássicas. Neste
monumento de Motpellier, a figura de Pallas, representando a Ciência e a Inteligência, ia mais
ainda de encontro às concepções de estética positiva, tendo em vista que o recurso à mitologia
nas artes era extemporâneo à arte moderna. Somente era válido em sociedade politeístas,
segundo o positivismo.

Monumento a Auguste Comte, Paris Monumento a Auguste Comte, Montpellier

51
O monumento de Comte...
86

O primeiro projeto de monumento, aquele que mostrava Comte sentado em sua


poltrona lendo seu livro predileto, era o que tinha maiores condições de se tornar uma obra
positivista. Primeiro, porque dava absoluta centralidade e monumentalidade ao homenageado,
o que não ocorria com as duas obras executadas, pois nelas Comte foi representado em
modestos bustos, acompanhado de alegorias que eram predominantes. Segundo, porque a
cena de um homem lendo um livro era não só simpática, como humana, razão de ser da
estética positivista. E terceiro, porque permitia expressividade facial à representação, também
importante para positivismo, o que faltou nos bustos de Comte sob as hermas. Ambos os
busto tiveram como modelo o de Étex, feito anos antes, em que o próprio Comte pousou.
Mesmo esse era criticado por se inexpressivo e sem vida. Pode-se, assim, apenas inferir que,
para os positivistas envolvidos na confecção do monumento em Paris, era irrelevante que as
noções de arte positiva fossem aplicadas à encomenda, seja por desconhecimento teórico
estético, seja por inadequação do artista contatado.
Com relação à forma, é impossível não mencionar a revolução escultórica causada
pelos trabalhos de Rodin, neste mesmo período. Este artista criticava as esculturas que eram
tratadas como pinturas: com uma perspectiva boa (em frente da obra) e uma ruim (o que é
acessório) ― o que levava o espectador a ser um observador estático. “Rodin espantava-se
com o método acadêmico que tratava as figuras ou grupos como se fossem baixo-relevos.”52
Embora a intenção da estética positivista fosse causar uma mobilização emocional no
espectador ― fosse tirá-lo da atonia ― tal objetivo não se relacionava à forma escultórica,
como era o caso da proposta de Rodin, mas à temática e sua capacidade de mobilizar os
sentimentos.
Com Rodin, a forma tornou-se maior que o conteúdo, pois a escultura passou a ter
status de objeto ― coisa completa que poderia subsistir por si mesma; “seu equilíbrio e sua
elevação não estava em seu significado, mas no seu ajuste harmonioso ao ambiente.”53 Essa
perspectiva essencialmente volumétrica da escultura em Rodin, ia de encontro à concepção de
escultura acadêmica em que o objeto retratado deveria ter toda a atenção do espectador. Para
o positivismo, todo discurso escultórico deveria partir do homenageado e convergir para ele;
portanto, era importante manter a forma acadêmica de escultura. A noção de harmonia e
equilíbrio presentes nos monumentos a Comte era assim apenas no plano discursivo, pois as
alegorias, ainda que em vestes clássicas e apenas dialogando entre si, eram coerentes e
representativas do universo comtiano.

52
WITTKOWER, Rudolf. Escultura. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 252.
53
Citado em: TUCKER, William. A linguagem da escultura. São Paulo: Cosac & Naify, 2001. p. 9.
87

Os artistas e o Renascimento Positivista

A partir de 1851, o artista Antoine Étex passou a se encontrar com Comte para
executar um busto e um quadro a óleo, e para discutir a filosofia positiva.54 Seu Cours
elementaire de dessin 55 foi lido por Comte e auxiliou as discussões. Comte recomendou este
livro na Biblioteca Positivista apenas na primeira edição do Catecismo Positivista, em 1852.
No ano seguinte, Étex tornou-se membro da Sociedade Positivista de Paris. A impressão
invertida da litografia do quadro Auguste Comte e seus três anjos, mesmo assim vendida por
Étex, contra o desejo de Comte, iniciou o abalo do relacionamento entre ambos; por
conseqüência, Étex abandonou a Sociedade e teve seu livro suprimido da Biblioteca, nas
edições seguintes do Catecismo.
É importante analisar o relacionamento de Comte com este artista. Étex era um
artista famoso e estabelecido no mundo das artes e da política artística francesa quando
conheceu Comte. Desde muito jovem transitava com habilidade no mundo artístico francês e
tinha protetores importantes, como Madame Récamier, o duque de Orléans, M. Thiers
(Ministro do Comércio e Trabalhos Públicos), Hyppolyte Carnot, Alexandres Dumas, Eugène
Delacroix. Estes relacionamentos lhe garantiram notoriedade como artista, sendo admitido no
disputado salão de Madame Récamier, além de lhe garantir boas encomendas, como as
alegorias do Arco do Triunfo de l’Étoile, em Paris, encomendadas ao artista em 1833 pelo
próprio Ministro Thiers, mesmo sob grandes protestos, pois Étex era um jovem artista saído
há apenas dez anos da Academia. Certamente Comte não ignorava essa capacidade do artista
de travar relações com pessoas importantes, de conseguir vantajosas encomendas e de ter
pretensões políticas, pois, após a Revolução de 1848, Étex se candidatou à Assembléia
Nacional, com apoio de outros protetores importantes como Ledru-Rollin, Cavaignac e
Lamartine, mas não foi eleito. O comportamento de Étex como artista exemplificava as
características criticadas por Comte.
A questão é: por que Comte quis se aproximar de Étex? Primeiro, porque Étex
representava para Comte o início da conversão dos artistas ao Renascimento Positivista, e o
fato de ele ser famoso contribuía no projeto de propaganda. Comte sentia-se otimista com
relação à adesão do artista. Segundo, para modificá-lo. Como o artista estava fazendo diversos
quadros e bustos do próprio Comte e de Clotilde, esse artista deveria ser exemplar, nos
54
As informações sobre o relacionamento de Étex com Comte foram retiradas de: Sept Lettres
d’Auguste Comte a Antoine Étex. Paris: L. Bahl, 1895. (Notas explicativas do editor Montenegro
Cordeiro).
55
ÉTEX, Antoine. Cours elementaire de dessin. Paris. s/ed. 1853.
88

princípios comtianos. Comte, ao agradecer pelo quadro de Clotilde lendo as cartas dele,
escreve ao artista: “Você está consolidado à imortalidade por uma obra que vos associa
nobremente à fundação da Religião da Humanidade.”56
Na visão comtiana, os artistas deveriam ser nobres de coração e abdicar de
enriquecer com seus trabalhos; não deveriam desejar cargos diretivos nem políticos, nem se
deixar envolver por disputas e ambições estéticas; não deveriam buscar satisfações pessoais,
glórias, nem honras. Sua obra para a posteridade não seria em forma de quadros nem de
esculturas ou bustos; seria pela sua ação útil à Humanidade, como exemplo moral. Esse
comportamento exemplar era o que transformaria simples trabalhos em obras de arte. O editor
das cartas de Comte a Étex, referidas anteriormente, explicou a crítica positivista ao artista:
“Ele nos deixou um catálogo imenso de trabalhos em pintura, escultura, arquitetura, etc., mas
ele não nos legou uma só obra de arte. Quem verá na imagem fria e sem vida, sem expressão,
que M. Étex nos deixou de Auguste Comte os traços do homem extraordinário... Seu busto
não é mais que um documento plástico para os artistas do futuro.”57
O nível de exigência por parte de Comte era muito alto, e o artista, por seu turno,
não conseguiu alcançá-lo. Tampouco aceitou a reprimenda de Comte à venda da litografia
invertida. As cartas mostram que o artista vacilava em assumir a fé positivista, abandonando
os encontros e retornando espontaneamente um ano mais tarde, até desligar-se
definitivamente do positivismo. As razões do artista não foram, pelo menos explicitamente,
artísticas, mas religiosas, pois anunciou que estava retornando à fé católica.
Fora essa tentativa de conversão de um artista francês ao positivismo, não se têm
informações de outras iniciativas. Para evidenciar se ocorreram, faz-se necessária uma
pesquisa nos papéis da Sociedade Positivista de Paris, depositados na Association
Internationale Maison d’Auguste Comte, em Paris. Ao que parece, Comte e seus seguidores
na Europa não tiveram êxito no renascimento artístico positivista, nem na conversão de
artistas,nem no surgimento de obras de arte inspiradas pelos preceitos de estética positivista.
No período estudado, a produção estatuária na França foi imensa e os seguidores de Comte a
incentivaram para conseguir erguer monumentos e bustos aos nomes ligados ao positivismo,
mas não obtivemos qualquer referência de que tenham encomendado ou orientado a criação
de uma obra positivista. No Brasil, foi diferente. É o que veremos a seguir.

56
SEPT Lettres... p. 13.
57
SEPT Lettres... p. 36.
89

Capítulo III – Os artistas positivistas brasileiros – flertes e fé

Artistas brasileiros e aproximações com o positivismo

Como foi visto no capítulo anterior, parece inexpressiva na França a militância de


artistas no positivismo. A conversão de Étex durara pouco. No Brasil, Décio Villares e
Eduardo de Sá se converteram à estética positivista, se diziam adeptos e eram reconhecidos
por seus pares como artistas positivistas. No entanto, outros artistas tiveram uma espécie de
“flerte” com o positivismo ou apenas uma admiração intelectual por Comte ou ainda somente
uma adesão ao modismo que o positivismo representava no final do século XIX. No acervo da
IPB, é possível perceber essas aproximações com o positivismo, pois esses artistas não
positivistas colaboraram executando obras na temática positivista e demonstraram alguma
forma de aceitação do positivismo, mas nunca se pronunciaram quanto à estética positiva.
Décio Villares e Eduardo de Sá foram os únicos que assumiram publicamente essa inspiração.
Candido Caetano de Almeida Reis foi um dos primeiros artistas a realizar obras de
arte para a Igreja Positivista (dois bustos e uma estatueta), que o considerava um positivista
“incompleto”: morreu em 1889, sem declarar sua adesão à doutrina estética. A IPB
considerava-o o primeiro artista a ser influenciado pelo positivismo e, por isso, mandou
construir seu túmulo, inaugurado 35 anos após sua morte, em 1924, e publicou um livreto
explicando suas relações com a IPB. Os diretores da IPB entendiam que Almeida Reis havia
tido uma aproximação tardia com o positivismo e que, ao morrer, não pôde concluí-la. “Si
Almeida Reis tivesse tido a inestimável ventura de conhecer o Positivismo no começo de sua
vida, elle não teria concebido, e ainda menos executado, algumas de suas obras.”1 As obras O
Gênio e a Miséria e O Crime eram rechaçadas pelos positivistas da IPB por não estimularem
sentimentos e emoções altruístas, além de representarem a mulher em condições indignas.
Porém, a execução do busto de Camões, em 1880, de Danton, em 1885, e da estatueta da
Humanidade, em 1888, reabilitou o artista junto à IPB. A gratidão e o devotamento desse
grupo ao escultor, além da adoção de sua memória, foram representados no erguimento de seu
túmulo. Neste, o medalhão em bronze de Eduardo de Sá apresenta as três únicas obras
consideradas dignas da inspiração positivista que Almeida Reis esboçava professar.
Quando o artista morreu em 1889, seu amigo Generino dos Santos (poeta e
1
MENDES, Raimundo Teixeira. O escultor brasileiro Candido Caetano de Almeida Reis e as suas
relações com a Igreja Positivista de Brasil. Rio de Janeiro: IPB, 1925. p. 46.
90

positivista da IPB) reuniu seus trabalhos e os guardou até morrer em 1928. O testamenteiro
de Generino, Sílvio Vieira Souto, também positivista, encarregou-se de doar em 1933, com a
anuência da nora de Almeida Reis, o espólio ao Museu Nacional de Belas Artes, após o
restauro de Eduardo de Sá, que foi o escolhido por Generino, por ser o artista capaz de
realizar tal tarefa sem que se “perca o emotivo surto que evolutivamente inspirou os ditos
trabalhos.”2 Para Generino, somente um artista positivista poderia realizar o trabalho de
restauração nas obras de Almeida Reis. Esse esforço de Generino em ligar o nome de
Almeida Reis ao positivismo também se revelou em sua obra póstuma, cujo sétimo volume
tem por tema Almeida Reis e suas obras, além de citar os trabalhos dos artistas positivistas
Eduardo de Sá e Décio Villares.3 A aproximação de Almeida Reis com o positivismo foi
muito tênue, mas percebe-se um esforço dos positivistas da IPB, ao construir seu túmulo, ao
se responsabilizar por seu espólio, ao escrever sua biografia, em associar o nome do artista ao
grêmio religioso.
Os textos de Gonzaga Duque, com destaque para o livro A Arte Brasileira, cuja
primeira edição saiu em 1888, portanto com o artista vivo ainda, apresentam Almeida Reis
como positivista. Almeida Reis venerava Auguste Comte e assumira um positivismo prático e
moralizador que o tornou “o mais bondoso, o mais modesto, o mais simples dos homens.”4
No aspecto artístico, o escultor guiava-se pelo método científico comtiano, o que tornava suas
obras adiantadas e perfeitas, segundo Gonzaga Duque. Era assim, no aspecto moral e
científico, e não estético e religioso, que Almeida Reis era reconhecido como positivista.
Assim como Villares, Almeida Reis também teve um personagem no livro Mocidade Morta –
Cesário Rios. A visita dos jovens artistas ao atelier de Cesário demonstrou que era muito
respeitado e admirado pelo grupo. O busto de Comte, que, posicionado no alto da parede
dominava seu atelier, além da inscrição positivista escrita a giz “Amor por princípio, Ordem
por base, Progresso por fim”, a encimá-lo não deixou de ser notado pelos visitantes.5
O artista Aurélio de Figueiredo também “flertava” com o positivismo, mas nunca
declarou publicamente essa tendência. As ligações de Aurélio de Figueiredo e de seu irmão
Pedro Américo com Villares eram antigas: desde a publicação da revista de caricaturas
Comédia Social, publicada pelos irmãos, a partir de 1870, na qual Villares colaborou como

2
Carta de Eduardo de Sá a Silvio Vieira Souto, inventariante e testamenteiro dativo do espólio de
Generino dos Santos. Rio de Janeiro. 28.09.1933. Museu D. João VI/EBA/UFRJ.
3
SANTOS, Generino dos. Humaniadas; o mundo, a humanidade, o homem... 7. v., Livro 11 – O
estatuário brasileiro C. C. Almeida Reis. Rio de Janeiro: J. Comércio Rodrigues e Cia, 1939. Alguns
trabalhos de Aurélio de Figueiredo também ilustram o livro.
4
GONZAGA DUQUE. A arte brasileira. Campinas: Mercado de Letras, 1995. p. 243.
5
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1995. p. 96.
91

caricaturista. Aurélio e Villares foram alunos de Pedro Américo na AIBA e depois


trabalharam em seu atelier em Florença. Quando ambos voltaram de seus estudos na Europa
assumiram juntos uma grande encomenda oficial: a pintura de 18 telas a óleo retratando
índios Botocudos para integrarem a Exposição Antropológica de 1882, organizada no Museu
Nacional. Para Rezende, essas telas em estilo acadêmico eram diferentes daquelas produzidas
em etilo romântico, por pintores ligados a AIBA. As telas de Villares e Aurélio foram feitas a
partir de croquis e fotografias dos índios Botocudos, realizadas em expedições antropológicas,
e tinham, portanto, um nítido caráter científico, realista e detalhista.6
Novamente juntos, Aurélio, Villares e João Montenegro Cordeiro ― membro da
IPB ― apresentaram em 30 de janeiro de 1890 ao Ministro dos Negócios do Interior uma
proposta de ensino artístico e de extinção da Academia de Belas Artes. O projeto era baseado
na concepção comtiana de estética e de ensino e será analisado no capítulo seguinte. Mas não
há informações na literatura das artes ou na biografia de Aurélio que indiquem sua adesão ao
positivismo, menos ainda à concepção de estética positiva. No início da década de 1880,
Aurélio de Figueiredo executou três óleos para a IPB: Retrato do Marquês do Pombal, em
1880; Cópia, em 1883, de um quadro da Virgem Sistina, de Rafael, que, segundo Comte,
deveria ser a imagem provisória da Humanidade até que um artista positivista realizasse a
definitiva; e o retrato de Toussaint-Louverture, em 1884. Nos registros da IPB consta que
estas obras foram oferecidas pelo artista.
João Montenegro Cordeiro foi membro atuante da IPB. Seus primeiros textos
publicados pela IPB datam de 1888, o que demonstra que já desde esse período era positivista
religioso. Seu casamento e o das duas filhas foram realizados no Templo da Humanidade.
Quando se converteu ao positivismo, Cordeiro tinha um colégio, que abandonou porque
queria mudar de profissão; ele queria ser pintor, retratista. Para isso, estimulado pelos
membros da IPB, seguiu com a mulher para Paris. Ela morreu logo depois de chegarem.
Cordeiro retornou ao Brasil com as filhas, passou a receber um subsídio da Igreja e a dar aulas
de desenho para os filhos dos positivistas freqüentadores do Templo.7 Sobre arte, Cordeiro
publicou em 1920 um poemeto sobre as catedrais seguido de uma análise comparativa entre
os quadros Santo Ambrozio e o Imperador Theodozio, de Rubens, e o Coroamento de
Napoleão, de David. Visou mostrar que o quadro do primeiro era uma representação da
submissão do poder temporal (Governo) ao poder espiritual (Igreja) e que o segundo era o
6
REZENDE, Lívia Lazzaro. Do projeto gráfico e ideológico: a impressão da nacionalidade em rótulos
oitocentistas brasileiros. Rio de Janeiro: PUC/RJ. 2003. (Dissertação de Mestrado)
7
LEMOS, Miguel. 8a. Circular Anual do Apostolado Positivista no Brasil (Ano de l888). Rio de
Janeiro, 1889. p. 32-35.
92

inverso.8

Décio Villares (1851-1931) e a historiografia

Alguns dos historiadores da arte que escreveram sobre Villares o conheceram


pessoalmente, por exemplo: Alfredo Galvão (1900-?), Angyone da Costa (1888-1954), Argeu
Guimarães (1892-1967), Carlos Cavalcanti (1909-1974), Carlos Rubens (1890-1946),
Frederico Barata, Herman Lima (1897-1981), José Maria dos Reis Júnior (1903-1985),
Laudelino Freire (1873-1937), Quirino Campofiorito (1902-1993), Theodoro Braga (1872-
1953).9
Muitas de suas obras misturam pesquisa de fontes primárias, normalmente em
jornais, na maioria das vezes buscando reconstruir uma cronologia da vida de Villares, com
lembranças do convívio com o artista. Esta historiografia não demonstra preocupações em
citar as fontes das informações, tampouco distingue crítica estética e História. Mesmo
colocada sob suspeição, percebe-se que há uma coerência na construção biográfica do artista.
Os temas elencados para relatar sua vida, suas características pessoais ou a crítica sobre sua
obra se repetem e se reforçam a cada biografia publicada. Frases iguais em textos diferentes
são recorrentes e sem aspas, ou seja, muitos autores copiavam as informações de outros
textos, misturando-as às novas pesquisas em fontes primárias e às suas memórias, ficando
hoje para nós a tarefa de compreender essas camadas de impressões sobre o artista. Os textos
encontrados na Internet a respeito do artista são originários desta historiografia.
Fruto assim de memórias acerca do artista, essa produção revela-se muito valiosa
em informações mais subjetivas, como aparência, personalidade, vida privada. Nota-se
também que esses trabalhos estão muito embasados nos variados escritos do crítico de arte
Gonzaga Duque, também contemporâneo de Villares. A crítica de Gonzaga Duque ao
trabalho de Villares concentra-se nas obras expostas nos anos de 1880, e coincidentemente
essa historiografia somente comenta essa fase do artista. Outra característica encontrada é o
conflito constante de datas, fruto da falta de uma pesquisa mais rigorosa e do hábito do uso da

8
CORDEIRO, Montenegro. As Catedrais. Rio de Janeiro: Garnier Frères, 1920. p. 27-30.
9
CAMPOFIORITO, Quirino. História da pintura brasileira no século XIX. Rio de Janeiro:
Pinakotheke, 1983. p. 11-12; RUBENS, Carlos. Décio Villares. Boletim de Belas Artes. n. 33, set.
1947. p. 281-282; RUBENS, Carlos. Pequena História das artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro:
Cia. Editora Nacional, 1941. p. 96-100; LIMA, Herman. História da caricatura no Brasil. 3. vol. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1963. p. 864-866; BRAGA, Theodoro. Artistas pintores no Brasil. São
Paulo: Limitada, 1942. p. 79-80; REIS Jr., José Maria dos. História da pintura no Brasil. São Paulo:
Leia, s/d.
93

memória como fonte de informações. Percebe-se que a opção positivista do artista, não
somente no plano religioso, mas também no político e estético, determinou o julgamento que
os críticos e historiadores da arte fizeram de seu trabalho.
A coleta das informações sobre a vida privada de Villares e sobre suas obras e
quaisquer textos que tenha produzido foi dificultada porque não existe um acervo do artista,
como o de Rodolpho e Henrique Bernardelli e de Eliseu Visconti, no MNBA, o arquivo de
Antonio Parreiras, no Museu Parreiras, em Niterói. Villares morreu em 1931, e neste mesmo
ano sua viúva incendiou seu atelier, exceto suas principais telas. Esse episódio e o
relacionamento com a esposa serão abordados adiante. A falta de um material escrito pelo
próprio artista dificultou o acesso às suas idéias. Tal carência de documentação na primeira
pessoa foi suprida pelas informações de seus contemporâneos.
Longe de desejar fazer uma biografia estrita de Villares, o objetivo aqui é analisar
alguns aspectos de sua vida que ajudam a compreendê-lo como artista, principalmente como
artista positivista.

A família e a formação do artista

Bonito, elegante, culto e rico eram algumas das qualidades apontadas por esses
biógrafos, historiadores da arte e alguns contemporâneos de Villares. Quando nasceu em
1851, seu pai José Rodrigues Villares já havia sido vereador da Câmara Municipal de Nova
Iguaçu. Tinha também tios ligados a postos políticos importantes do Império; um deles havia
sido Deputado e depois Ministro do Supremo Tribunal de Justiça. Tais parentescos
garantiram-lhe a entrada no Colégio Pedro II e depois na Academia Imperial de Belas Artes.
Morales de los Rios Filho analisou a origem social dos alunos da Academia
Imperial concluindo que, em sua maioria, provinham de classes menos abastadas. O curso na
Academia concedia um diploma de nível secundário, pouco atraente para rapazes de famílias
ricas que visavam aos cursos nobres de medicina, direito, engenharia e aos militares.10
Villares fugia um pouco ao perfil socioeconômico dos alunos da Academia, visto que com 17
anos, idade com que se matriculou, já havia provavelmente terminado o curso secundário no
Colégio Pedro II.

10
DENIS, Rafael Cardoso. A Academia Imperial de Belas Artes e o ensino técnico. Anais do
Seminário EBA 180. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998. p. 191.
94

Décio Villares

Não foi encontrada qualquer documentação pessoal de Villares ou relato


autobiográfico que nos permita conhecer sua origem social; apenas alguns indícios apontam
que não era pobre. Gonzaga-Duque foi um de seus contemporâneos e fornece em um de seus
textos várias pistas a respeito do artista, não somente sobre sua situação sociofamiliar, como
também sobre personalidade e aparência; e a essa obra recorreremos várias vezes. Mocidade
Morta é um romance ambientado no Rio de Janeiro entre os anos 1886 e 1888 que traça um
retrato coletivo de jovens artistas pintores, alunos ou não da Academia Imperial. Em que pese
ser uma obra de ficção, podem-se sobrepor os personagens do romance aos artistas da época.
Alexandre Eulálio, ao analisar a estrutura narrativa da obra, informa que tal trabalho de
identificação foi realizado com o auxílio de contemporâneos, amigos e familiares de Gonzaga
95

Duque.11 Tal justaposição de nomes nos fornece maior segurança na utilização do romance,
mesmo que os personagens pareçam ser às vezes caricaturais. Villares foi contemplado em
Mocidade Morta com um personagem assim descrito por Gonzaga Duque: “Julião Vilela, um
belo tipo de artista de romance, com a sua negra barba de nazareno num rosto pálido, de olhos
árabes.”12
A única aparição de Julião Vilela no romance ocorre quando este vai à casa de
Agrário, personagem de Belmiro de Almeida,13 para lamentar-se com o amigo de que suas
obras haviam sido recusadas para compra, pela Academia. O que surpreende Agrário era que
justamente Julião Vilela, que menos precisava vender quadros à Academia, se colocava a
fazer lamúrias. Gonzaga Duque mostra, no sentimento de inveja e falas de Agrário, que Julião
Vilela não era pobre, era figura refinada e tinha um padrinho riquíssimo – banqueiro.
Villares matriculou-se na Academia em 1868 e não terminou seus estudos de arte
no Brasil. Não se tem dados de porque abandonou a escola, mas ele acompanhou a tendência
da época de grande evasão nos cursos da Academia.14 Ao final de 1871 o pai de Villares
enviou uma carta ao Diretor da Academia justificando as muitas faltas de seu filho.15
Argumenta que ele tinha dores de cabeça devido ao cheiro das tintas e que morava em
Botafogo, local cuja linha de bonde estava interrompida. Tal carta já é um indício de que o
aluno-artista estava prestes a deixar a Academia, o que ocorreu ao final deste ano.
A documentação da Academia Imperial de Belas Artes, hoje depositada no Museu
Dom João VI, na UFRJ, nada revela de Villares estudante de arte. Ele não participou das
Exposições Gerais de 1871, quando ainda era aluno, e tampouco concorreu ao Prêmio Viagem
para aperfeiçoar os estudos de arte na Europa. Portanto, não há avaliações dos trabalhos de
Villares neste período. Normalmente, os estudos na Academia se davam durante três anos; ao
final de cada semestre, os alunos deveriam expor seus trabalhos, que seriam avaliados e
premiados; depois, o aluno expunha nas Exposições Gerais e concorria à bolsa-viagem.
Alguns artistas participavam dos Salões desde o início do curso; Rodolpho Bernardelli, por

11
EULÁLIO, Alexandre. Estrutura narrativa de Mocidade Morta. In: GONZAGA DUQUE. Mocidade
Morta... p. 289-290.
12
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta... p. 46.
13
Aluno da Academia Imperial a partir de 1874, várias vezes premiado, mas nunca ganhou o prêmio-
viagem. Em função disto, e por sua origem humilde, ganhou apoio financeiro de amigos e professores
para estagiar na Europa.
14
FERNANDES, Cybele V. N. A Reforma Pedreira na AIBA e a sua relação com o panorama
internacional do ensino nas academias de arte. Anais do Seminário EBA 180. Rio de Janeiro: UFRJ,
1998. p. 155.
15
Carta de Francisco Rodrigues Villares ao Diretor da IABA. Rio de Janeiro. 30.09.1871. Museu D.
João VI/EBA/UFRJ.
96

exemplo, tornou-se aluno da Academia em 1869 e expôs no Salão de 1870, mas normalmente
os alunos participavam ao final do curso visando concorrer ao prêmio viagem. Chama a
atenção que Villares não expôs nesse período, mesmo tendo ficado pelo menos quatro anos
matriculado no curso.
Isso reforça o argumento de que Villares pouco se dedicou, ou melhor, se
envolveu, como aluno da Academia de Belas Artes; uma passagem de Mocidade Morta em
que Agrário reflete sobre Julião Villela: um artista “ileso do contágio d’Academia”16, viajado,
independente, que se fez na Europa. Essa idéia a respeito da formação artística de Villares
também foi expressa pelo escritor em 1882, na primeira crítica às obras do artista, publicada
originalmente em O Globo. Diz Gonzaga-Duque:

O Sr. Villares é um artista viajado, estudou em Paris, visitou o Louvre, [...]


aprendeu a arte junto dessa legião de mestres contemporâneos, [...] estudou o
savoir faire dos grandes mestres e o toque característico das escolas, consultou os
museus, visitou os ateliers, analisou aqueles velhos chefes da pintura antiga e
conviveu na intimidade instrutiva dos artistas conceituados da França
republicana.17

Villares ficou nove anos no estrangeiro. Em 1872, foi para Paris e matriculou-se
no atelier de Alexandre Cabanel, artista francês dos mais influentes na pintura acadêmica e
opositor dos impressionistas. Além de ser artista com grande poder político no mundo das
artes francês, Cabanel era o preferido de Napoleão III. Ele participou da reforma dos estatutos
da Escola de Belas Artes de Paris e foi várias vezes premiado com a grande medalha de Honra
do Salão de Paris, além de fazer parte por muitos anos de seu júri. Segundo seus biógrafos,
Cabanel foi também um professor de muito sucesso, cujos pupilos ganhavam o Prêmio de
Roma e eram premiados no Salão de Paris.18
Nada se sabe da passagem de Villares pelo atelier de Cabanel, apenas que
seguindo a tradição dos alunos do artista francês também foi premiado no Salão de Paris de
1874, ganhando a medalha de ouro de melhor pintura de artista estrangeiro, com o quadro
Paolo e Francesca da Rimini.
Pesquisas nos jornais brasileiros de maio e meses seguintes de 1874 nada revelam
sobre o acontecimento, ainda que não fosse corriqueiro artistas do Brasil ganharem tal prêmio
e serem elogiados pelo temido crítico de arte Eugène Verón. Os textos sobre a biografia de

16
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta... p. 47.
17
GONZAGA DUQUE. Quadros e telas (O Globo, 15.09.1882). In: Impressões de um amador. Belo
Horizonte; Rio de Janeiro: Ed. UFMG; Fundação Casa de Rui Barbosa, 2001. p. 52.
18
Paris Gide: Art – Smartweb. The Grove Dictionary of Art. 05.09.2001. http://www.smartweb.fr
97

Villares, na quase totalidade, citam o prêmio do Salão parisiense, mas não acrescentam
maiores detalhes. Artigo de jornal, não assinado, saído na data da morte de Villares, em 1931,
informa, mas não explica muito bem, um incidente envolvendo a inscrição do artista neste
Salão. Segundo o artigo, o júri havia assumido uma atitude estranha e inesperada rejeitando o
primeiro quadro que o artista tentara inscrever, argumentando que a obra não satisfazia as
exigências regulamentares. O jornal insinua que parecia que tentavam afastá-lo da exposição.
Ainda com dez dias de prazo para a inscrição, Villares inscreveu-se com o quadro Paolo e
Francesca da Rimini, que acabou levando a medalha de ouro para artista estrangeiro.19
Foram consultados os Catálogos do Salão de Paris da década de 1870, com
atenção ao Salão de 1874, mas estranhamente Villares e seu quadro vencedor não são
arrolados.20 Sem a pesquisa nos jornais franceses não é possível saber o que ocorreu, apenas
se pode especular alguma tentativa de vetar mais um aluno, possível premiado, de Cabanel. O
artista francês Edouard Théophile Blanchard, também aluno de Cabanel, ganhou a medalha de
ouro em pintura naquele mesmo Salão de 1874. Ainda sobre a estada na França, mais um
evento é recorrentemente referido nos escritos sobre o artista: Villares venceu o concurso para
professor na Escola de Belas Artes de Paris. Nenhum dos autores informa qual foi o ano do
concurso, mas todos destacam que Villares não assumiu por não querer naturalizar-se francês.
Não há informações sobre quanto tempo Villares freqüentou o atelier de Cabanel,
mas os biógrafos afirmam que também freqüentou o atelier de Pedro Américo, em Florença,
quando este pintava a grande tela A Batalha do Avahy. O quadro foi executado entre os anos
de 1872 e 1875, e Pedro Américo aceitava a colaboração de outros artistas para pintá-lo.
Villares foi um deles e também pousou de modelo para um dos muitos rostos a compor a cena
de batalha. Pedro Américo havia sido professor da Academia Imperial no mesmo período em
que Villares fora aluno, ministrando as disciplinas de Pintura histórica e História das belas
artes, estética e arqueologia. Viu-se que os laços de amizade e colaboração artística de
Villares com o artista da Batalha, e com seu irmão Aurélio de Figueiredo, era antigo. Uma
carta enviada de Florença a Rodolpho Bernardelli indica que Villares estava ou ainda
permanecia na Itália em 1878.21 Mas não se têm informações se ficou todos esses anos
colaborando com Pedro Américo ou se regressou a Paris e continuou a freqüentar o atelier de
Cabanel.
Villares retornou ao Brasil em 1881 e, no ano seguinte, começou a participar de
19
Décio Villares – a morte do illustre artista. 1941. Recortes de jornais, Livro 07. p. 01. CPPA. (Sem
título do jornal).
20
Tal pesquisa foi feita no site da Bibliothèque Nationale de France.
21
Carta de Décio Rodrigues Villares a Rodolpho Bernardelli. Florença. 23.01.1878. MNBA.
98

exposições que, pela primeira vez, mostravam seu trabalho. Datam desta época os primeiros
textos dos críticos Gonzaga Duque e Felix Ferreira acerca de suas telas pintadas no
estrangeiro. Não tendo exposto nos Salões da Academia Imperial quando aluno, seu trabalho
era desconhecido do público brasileiro. A partir desse ano expôs em galerias privadas, como a
Casa Moncada e o Salão Vieitas, e nos Salões do Liceu de Artes e Ofícios.

Villares – um clássico teimoso – na crítica de Gonzaga Duque

Gonzaga Duque e Felix Ferreira estavam de acordo que Villares era um artista
feito quando regressou ao Brasil. O segundo crítico foi econômico ao comentar as obras do
artista no Salão do Liceu de 1882, no qual Villares primeiro expôs seus trabalhos. Para ele,
era um artista seguro, com nobres aspirações, que fazia uma obra de mestre e que muito
impressionava.22 Já a crítica de Gonzaga Duque às obras de Villares ao longo da década de
1880 era mais contundente: o crítico não gostava do apego de Villares ao dogma acadêmico
francês, velharia de épocas remotas.23 Para ele, o artista deveria estar mais atualizado nos
processos estéticos de sua época, embora admitisse que Villares, fora esses “defeitos
capitais”, era um pintor muito bom.

O seu desenho é fácil e elegante, as suas tintas são de um brilho claro e puro,
reunindo-lhes uma graciosa e segura maneira de dar a pincelada que distingue
suas obras das de outros artistas contemporâneos. A linha curva de um busto de
senhora, a cabeça altiva de uma aristocrata, as roupagens custosas, veludos e sedas
e pedrarias finas, são, em suas telas, pedaços admiráveis, magníficas, esplêndidas
partes de um todo bonito, porém quase sempre fraco.24

O crítico reconhecia nos trabalhos de Villares um grande domínio do desenho e da


forma, além de ser muito bom colorista. Mas isso em excesso mostrava que era cativo da
escola clássica de Cabanel – a quem Gonzaga Duque fazia uma crítica acidamente especial.
Para ele, Cabanel “não era mais do que o pintor oficial e massudo de alguns amadores
caducos da França moderna.” Ele era um estacionário, que produzia uma arte inerte e pedante
– ou seja, era um clássico.25
Para Gonzaga Duque, Villares, mesmo jovem e com uma carreira pela frente,

22
FERREIRA, Felix. Belas Artes: estudos e apreciações. Texto de publicação digital. ® Artedata,
1998. s/paginação. Agradeço a gentileza de Maraliz de Castro Vieira Christo pela cedência deste texto
de difícil acesso.
23
GONZAGA DUQUE. Quadros e telas. O Globo, 15.09.1882. In: Impressões... p. 52.
24
GONZAGA DUQUE. A arte brasileira... p. 189.
25
GONZAGA DUQUE. Quadros e telas. O Globo, 04.11.1882. In: Impressões... p. 60-61.
99

também já era um estacionário, como seu mestre francês. O artista havia se deixado seduzir, e
atrofiar, segundo o crítico, pela arte chic à maneira de alguns pintores franceses do século
dezoito; e essa falta de originalidade artística era imperdoável, justamente por Villares ter tido
acesso à moderna arte européia, ter conhecido todos os processos artísticos e as novas
doutrinas. Conclui o crítico: compreende-se isso em um velho artista, mas não em um moço
que agora começa a carreira, sobretudo um moço viajado.26
Nesta década de 1880, Villares expunha quadros com temas bíblicos, como Fuga
para o Egito, uma cópia de Cristo de Prudhon, uma série de quadros de São Jerônimo, a tela
premiada em Paris Paolo e Francesca da Rimini, e também estava se fixando como retratista
de mulheres, sobretudo. A essa última especialidade de Villares, Gonzaga Duque dirigia
crítica implacável: “Seus quadros são visões sutis durante um sonho de embriaguez de ópio.
Pobres criaturas!”27
Villares estava se especializando nessas pinturas de retratos femininos e tendo um
certo sucesso com as encomendas. As informações sobre essas obras são também
provenientes dos textos de Gonzaga Duque. Mocidade Morta possui uma passagem que
caracteriza o tipo de arte que o artista produzia neste momento: Villares empregava “em
móveis raros, estofos caros, bibelôs encantadores o bem cotado preço dos seus magníficos
quadros.”28 Em outro texto, mostra a temática desta fase do artista: retratos de senhoras,
imagens altivas de aristocratas com “roupagens custosas, veludos e sedas e pedrarias finas.”29
Para Maria Barreto, curadora da exposição em homenagem ao centenário de Villares montada
no Museu Nacional de Belas Artes em 1953, a finura, imponência e ar de distinção
característicos nas pinturas do artista não eram apenas uma opção fútil pela beleza, como
entendeu Gonzaga Duque, mas refletem a sua própria sensibilidade requintada. Finaliza: “A
natureza também o contemplou com bela estampa física completada por uma distinção de
maneiras, inata, revelando-lhe a qualidade do seu berço. Vale-nos ressaltar, que todos os seus
retratos, lá está patente, essa afinidade.”30
Gonzaga Duque sentia-se inconformado com o encaminhamento frívolo que
Villares estava dando à sua obra, somado a um arcaico idealismo. Para o crítico, ele era um
“belo talento corrompido”, cujo temperamento indomável e apaixonado fazia do artista um

26
GONZAGA DUQUE. A arte brasileira... p. 188-189.
27
GONZAGA DUQUE. Belas-Artes, Salão Vieitas. A Semana, 13.03.1886. In: Impressões... p. 95.
28
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta... p. 47.
29
GONZAGA DUQUE. A arte brasileira... p. 189.
30
BARRETO, Maria. Décio Rodrigues Villares - a comemorativa do centenário de seu nascimento.
Anais do Museu Nacional de Belas Artes. 1954. p. 87.
100

teimoso. Vários biógrafos ressaltam que Villares tinha um incontido sentido poético, o que
para Gonzaga Duque era um “impulso indomável de temperamento.”31 O caráter apaixonado
do artista atirava-o a profundas idealizações porque acreditava que a arte idealista era a única
capaz de gerar emoções. Para Gonzaga Duque, Villares negava-se a produzir arte
“atualizada”, por acreditá-la, assim, estéril às emoções, e também por seguir as noções
estéticas aprendidas com Cabanel e Pedro Américo, ambos clássicos demais para aqueles
tempos modernos, na ótica do crítico.32
A intolerância de Gonzaga Duque à obra de Villares reflete sua visão de arte
moderna no final dos oitocentos. Como explica Jorge Coli, Gonzaga Duque assumiu,
precocemente até para aquela realidade brasileira, a posição de quem advogava “a pintura do
futuro, aquela que vingará.”33 Como crítico, ele se posicionou a favor de novas linguagens
estéticas, estas longe de serem as desenvolvidas por Villares. Mas eram as de Almeida Júnior
e Rodolpho Amoedo, por exemplo, ambos também alunos de Cabanel, que para o crítico
tiveram o mérito de caminharem para uma arte contrária à do mestre francês, diferentemente
de Villares, que insistia em segui-lo.34
Entre 1882 e 1888, Gonzaga Duque publicou nos jornais seis críticas a respeito de
obras de Villares.35 Destas, apenas na última crítica, feita em maio de 1888, ele demonstrou
simpatias pelo artista e elogiou a iniciativa de Villares de pintar um quadro sobre a abolição
da escravatura no Brasil. Neste momento, o crítico suspendeu suas impressões sobre o
trabalho plástico do artista e concentrou-se na intenção política da obra. As condições para a
fatura do quadro serão abordadas no próximo capítulo. Neste momento, é importante apenas
destacar que, desde o lançamento da idéia do quadro ― um esboço exposto ainda no mês de
maio na Glace Elegante ―, Villares mostrava-se publicamente cada vez mais próximo dos
membros do Clube Positivista. Data desta época o folheto publicado pelo Clube apoiando a
obra, explicando o esboço e divulgando que estavam recolhendo a subscrição para o artista.
Para Gonzaga Duque, tal ligação do artista com o Clube Positivista não era relevante. Para
Gonzaga Duque, também militante do Partido Abolicionista, a intenção política do quadro

31
GONZAGA DUQUE. A arte brasileira... p. 188.
32
GONZAGA DUQUE. Quadros e telas. O Globo, 15.09.1882. In: Impressõe... p. 52-53.
33
COLI, Jorge. Como estudar a arte brasileira do século XIX. In: O Brasil Redescoberto. Rio de
Janeiro: Minc/IPHAN; Paço Imperial, 1999. p. 129.
34
GONZAGA DUQUE. Quadros e telas – Almeida Júnior e Rodolpho Amoedo. O Globo,
04.11.1882; Quadros e telas – Almeida Júnior e Rodolpho Amoedo – II – Conclusão. O Globo,
16.11.1882. In: Impressões... p. 61-72.
35
Aqui estamos levando em conta o levantamento extenso feito nos jornais do Rio de Janeiro para o
livro-coletânea Impressões de um Amador.
101

suplantava a proposta plástica idealista.

A arte e o positivismo de Villares

Villares tomou contato com a doutrina positivista quando estudava arte em Paris.
Lá conheceu o positivista brasileiro Miguel Lemos que estava na cidade entre 1878 e 1881 e
que por lá também se convertera ao positivismo religioso difundido por Pierre Laffitte.
Quando voltou ao Brasil em 1881, o artista reencontrou Teixeira Mendes, antigo colega do
Colégio Pedro II, reafirmando os laços com ambos os líderes da Igreja. Se Villares já se
considerava um positivista quando retornou ao Brasil, isto não fica evidente em sua obra e em
seu posicionamento político antes de 1888.
Somente a partir da exposição do quadro sobre a abolição da escravidão, que
segundo Villares diz ter recorrido ao Centro Positivista, pois lhe faltavam “luzes” para
elaborar a síntese da tela36, é que o artista assumiu de forma pública sua ligação com o Clube
e Igreja Positivistas e que passou a imprimir à sua obra os conceitos da estética comtiana.
Nota-se no texto de divulgação do esboço do quadro, conquanto não houvesse uma tentativa
de conceituação de estética, que Villares já estava seguindo o processo estético positivista
composto por imitação, idealização e expressão, no qual o artista concebe a idéia da obra, os
“filósofos” aperfeiçoam-na, e o artista novamente atua executando o quadro, pois, nesse
trabalho conjunto, apenas ele tem as habilidades técnicas para isso. Neste folheto, Villares
expressa claramente que seu quadro seguiria a doutrina inspiradora do mestre (Augusto
Comte).37
A proposição deste quadro foi a primeira demonstração pública do artista de que
recebia orientação doutrinária de Miguel Lemos e Teixeira Mendes. Isto ocorreu em maio de
1888. É possível que o artista tenha manifestado sua adesão ao positivismo antes disso, mas
viu-se que a arte chic que produziu antes desta década era incompatível com a filosofia que
assumira. Se olharmos o inventário dos trabalhos do artista (página ???), disposto
cronologicamente, ver-se-á que o ano de 1888 é divisório em sua obra. A partir desse ano,
passou cada vez mais a produzir trabalhos com temática política, inclusive aperfeiçoando-se
na escultura, o que o tornaria um artista positivista mais completo. A admissão pública do
positivismo por parte de Villares coincidiu com a chegada da República ao Brasil e a
36
VILLARES, Décio. Discurso pronunciado pelo pintor Décio Villares ao inaugurar os trabalhos de
seu quadro commemorativo no dia 13 de maio de 1889. Rio de Janeiro: Typ. Central, 1889. p. 5-6.
Inventário Benjamin Constant/MCBC.
37
VILLARES, Décio. Discurso... p. 7.
102

demanda de obras de arte que inspirassem os sentimentos patrióticos, um tipo de arte


encomendada por variados grupos políticos em ação e embate nesse início de regime, entre
eles os da Igreja Positivista. Porém, antes de tratarmos da militância política/artística de
Villares é necessário compreender o que ele entendia por arte positivista.
Em apenas um texto, Villares expõe sua visão a respeito da arte e sua iniciação
artística sob inspiração do positivismo: um livreto explicativo do monumento a Júlio de
Castilhos, publicado em 1913, escrito em conjunto com o positivista gaúcho Carlos Torres
Gonçalves, no qual sintetizam as noções de estética comtiana.
Villares inicia o texto explicando o movimento de reação contra o especialismo da
arte, principalmente o que se deu entre os artistas do Renascimento – Rafael, Miguelangelo e
Leonardo da Vinci. Indo de encontro a esse movimento, o artista explica que, desde o início
de sua carreira, vinha tentando familiarizar-se com as três artes da forma: pintura, escultura e
arquitetura, mas somente quando tomou conhecimento do positivismo é que passou a cultivá-
las de maneira sistemática.38 Ele reproduz o argumento central comtiano de que a arte visa ao
cultivo do sentimento. Villares explica que “todas [as artes] tem por base o sentimento, que é
o motor supremo da nossa existência; todas apoiam-se na idealização, que exige a mesma
elaboração mental; todas tem por alvo o aperfeiçoamento humano.”39
O que distingue as artes é apenas suas diferentes formas de expressão e técnica,
afirma Villares. A hierarquia estética, que vai de menos para mais técnica, composta por
poesia, música, pintura, escultura e arquitetura, também foi retomada no livreto.
Especificamente quanto às artes da forma, o artista expõe que os templos são os espaços mais
exemplares da sua aplicação, porém as artes e a teologia precisariam ainda regenerar-se de seu
materialismo e absolutismo, respectivamente. Em capítulo adiante, veremos como Villares
aplicou essas idéias do uso das três artes da forma em obras encomendadas para a decoração
de salas de culto da Igreja Positivista. No momento, é importante apenas registrar que o
positivismo levou o artista a tornar-se também escultor.
Ser pintor e escultor eram características também de Eduardo de Sá. Não se está
afirmando que isso seja uma peculiaridade exclusiva desses artistas positivistas, embora
poucos outros artistas brasileiros tenham atuado nas duas áreas. O livro de Gonzaga Duque, A
Arte Brasileira, publicado pela primeira vez em 1888, apresenta Villares como pintor. No
capítulo dedicado a escultores atuantes nos anos de 1880, são apresentados Francisco Manuel

38
VILLARES, Décio; GONÇALVES, Carlos Torres. O Monumento a Júlio de Castilhos. Porto
Alegre: Edição do Governo do Estado, 1922. p. 14-15. ( 1. ed. 1913).
39
VILLARES, Décio; GONÇALVES, Carlos Torres. O Monumento a Júlio... p. 15.
103

Chaves Pinheiro, professor de escultura da IABA, Cândido Caetano de Almeida Reis, que
como vimos também colaborou com a IPB, e Rodolpho Bernardelli. Villares não era nesse
momento considerado escultor. Seu inventário na página ??? mostra que seus primeiros
trabalhos em escultura, bustos principalmente, foram realizados somente na década de 1890,
quando já estava plenamente estabelecido como artista da IPB.
Por meio do texto descritivo do monumento a Castilhos, referido anteriormente,
podem-se recuperar algumas idéias de Villares e compreender como se refletiram em seu
trabalho. O primeiro aspecto é com relação ao idealismo estético de Villares, criticado por
Gonzaga Duque como arcaico e escravizante. Como foi visto, no positivismo a arte válida era
aquela que tinha capacidade de mobilizar os sentimentos e de emocionar. Talvez esse apego
de Villares à arte voltada às emoções, mais do que ao realismo, tenha-lhe sido o aspecto mais
atraente da proposta estética comtiana, embora não se tenham dados a respeito da conversão
filosófica do artista. Para o positivismo, tal característica da arte não era tão distante do
idealismo clássico que Villares aperfeiçoara em sua formação artística sob orientação de
Cabanel e de Pedro Américo. O idealismo clássico acadêmico desenvolvido em sua formação
artística foi assim ratificado no contato com as idéias estéticas comtianas de idealização e
sentimento.
A habilidade retratista de Villares pôde ser sancionada pelos princípios estéticos
comtianos, na medida em que estes tinham a figura humana como centro. Como observou
Maria Barreto, Villares era um humanista, e paisagens sem figura humana não tinham valor
para ele.40 A ausência de natureza-morta e paisagens em sua obra atesta essa característica.41
Se inicialmente Villares pintava os retratos de mulheres, ainda que a arte chique, como
observou Gonzaga Duque, estes já eram a expressão de seu interesse pela figura humana. Mas
não diferente de seus colegas pintores, Villares também se dedicou a esse gênero de pintura
por ser o mais vantajoso no que se refere às encomendas, embora o comércio de obras de arte
fosse visto como destruidor da pureza artística, o que o próprio Villares criticaria mais tarde
como o materialismo da arte.
A partir do final da década de 1880, essa habilidade técnica de Villares serviria
plenamente aos postulados positivistas para a produção de uma arte que visava à mobilização
de sentimentos cívicos para com heróis nacionais cuja personalidade e caráter deveriam ter
também expressividade plástica. Saber pintar retratos e esculpir bustos, não mais de mulheres

40
BARRETO, Maria. Décio Rodrigues Villares - a comemorativa... p. 92.
41
Conhece-se apenas uma paisagem assinada por Villares, feita em conjunto com o paisagista Antonio
Parreiras, que decora uma das salas do Museu da República, no Rio de Janeiro.
104

requintadas, mas de heróis republicanos, eram habilidades vantajosas para Villares, mesmo o
artista perdendo status em seu meio à medida que se aproximava e se apropriava do
positivismo e se dedicava à produção de uma arte cívica republicana. Ver-se-á no próximo
capítulo que foi muito mais por sua militância e adesão positivista, no plano político e
pessoal, do que por seu status e qualidade como pintor e escultor, que Villares perdeu terreno
no campo artístico.

O desejo de casar e a promessa de viuvez eterna de Villares

No plano pessoal, a ligação de Villares com a Igreja Positivista não era formal.
Embora freqüentasse o Templo da Humanidade e quisesse casar segundo os ritos positivistas,
Villares jamais foi seu adepto oficial, pois não fez o Sacramento Positivista da Apresentação.
Ou seja, nunca foi um positivista seguidor da Religião da Humanidade pregada pela Igreja
Positivista do Brasil, o que implicava uma série de comprometimentos na vida pessoal e
profissional que Villares se sentia despreparado para atender. Mas ele considerava que esta
era a sua religião. Tal declaração de fé ficou expressa em uma carta dirigida a Miguel Lemos,
em novembro de 1901, por ocasião de seu casamento com Maria Dolores de Souza Martins.
Villares queria realizar o que os positivistas chamavam de casamento misto:
ambos os noivos, se de religião distinta, receberiam os dois diferentes ritos religiosos, o
católico e o positivista. Mas somente o primeiro acabou ocorrendo, porque Villares não se
sentia “incorporado sistematicamente” ao grêmio religioso positivista devido a obstáculos não
revelados.42 Não podendo então casar segundo a sua religião, ele e Maria Dolores apenas
declararam à Igreja Positivista o compromisso conjugal de viuvez eterna, o fundamento
básico do casamento positivista. Villares também se comprometeu com a Igreja Católica,
declarando que jamais impediria que sua esposa praticasse a religião que desejasse; e que os
filhos poderiam ser batizados e educados na religião da mãe.43
Os positivistas religiosos não aceitavam nenhuma forma de dissolução conjugal,
nem mesmo depois da morte. O compromisso de viuvez eterna assegurava que os cônjuges
não casariam novamente quando viúvos.44 Tal nível de comprometimento com a

42
Carta de Décio Villares a Miguel Lemos. 30/11/1901. Boletim do Apostolado Positivista do Brasil.
n. 27P, 07 janeiro de 1902. p. 11-12.
43
Carta de Décio Villares ao Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Joaquim Arcoverde. 09/03/1904.
Boletim do Apostolado Positivista do Brasil. n. 32P, 16 julho de 1904. p. 23-24.
44
Sobre o casamento positivista e o compromisso da viuvez eterna ver: LEAL, Elisabete. O
Positivismo...
105

indissolubilidade do casamento marcou a vida pessoal de Villares, pois seu casamento não foi
tranqüilo, mas tampouco desfeito. Longe de apenas um interesse curioso a respeito da vida
conjugal do artista, esse aspecto de sua biografia revela a forma como o positivismo
conformou sua vida.
Primeiro, porque a convivência entre o casal era difícil: a esposa, viciada em
morfina, colocara fogo no apartamento e fora presa pela polícia e enviada a um sanatório;
Villares, ausente por prolongado tempo em viagem a trabalho, mandara mantê-la no
sanatório; e esta, por sua vez , após um ano de internação, o acusou de crueldade psicológica,
abandono e roubo de herança familiar. A despeito deste quadro doméstico, e por conta do
compromisso positivista assumido, a união jamais foi desfeita.
Segundo, porque essa situação conjugal do artista angariou muita solidariedade
por parte de membros da Igreja Positivista. A correspondência de Teixeira Mendes revela, por
exemplo, que se tornou confidente e amigo de Maria Dolores, tentando inclusive gerenciar os
conflitos do casal. Maria Dolores enviou, entre os anos de 1911 e 1912, durante de sua
internação, nove cartas, um telegrama e um bilhete a Teixeira Mendes, que lhe respondia
imediatamente, conforme anotado em toda a missiva. Nas cartas, ela solicitava informações
sobre o esposo em viagem, que, segundo ela, não dava notícias; pedia alguma ajuda
financeira; explicava a situação do vício em morfina; prometia curar-se; entre esses variados
assuntos, pedia que Teixeira Mendes intercedesse junto a Villares para que desse mais
atenção à família.
Outros positivistas da Igreja deram apoio financeiro e doméstico à família Villares
quando o artista estava em viagens; Ernesto de Otero, por exemplo, pagou a conta do hospital
em que Maria Dolores fora internada.45 A defesa da privacidade familiar do artista também foi
exigida por parte do grêmio religioso quando a imprensa noticiou o incêndio e a internação de
Maria Dolores.46 Embora o artista não tivesse feito os sacramentos de entrada na Religião da
Humanidade, estas relações de amizade faziam com que o positivismo estivesse
profundamente enraizado em sua vida pessoal, assegurando a manutenção de seu casamento e
as condições cotidianas para trabalhar como artista. A ligação de Villares com os membros da
IPB lhe garantiu a indicação para sua principal encomenda: o monumento a Castilhos. Esta

45
MENDES, Teixeira. Pelo escrupulozo respeito a reputação privada, - pessoal e doméstica, -
intimamente ligado à regeneração social. A propózito da iníqua difamação jornalística de que acaba de
ser vítima a Família Décio Villares, com a deplorável conivência de autoridades policiais, tanto
judiciais como médicas. Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1913.
46
Carta de F. Simões Corrêa, diretor da Casa de Saúde São Sebastião à Redação. Jornal do
Commércio, Rio de Janeiro, 23.01.1913. p. 3.
106

rede de positivistas religiosos à qual Villares era ligado se estendia ao Rio Grande do Sul.

Eduardo de Sá (1866-1940) e seus papéis

“Imaginemos por um instante um lugar onde tivéssemos conservado todos os


arquivos das nossas vidas, um local onde estivessem reunidos os rascunhos, os
antetextos das nossas existências. Encontraríamos aí as passagens de avião,
tíquetes de metrô, listas de tarefas, notas de lavanderias, contracheque;
encontraríamos também velhas fotos amarelecidas. No meio da confusão,
descobriríamos cartas: correspondências administrativas e cartas apaixonadas
dirigidas à bem amada, misturadas com cartões postais escritos num canto de
mesa longe de casa ou ainda com aquele telegrama urgente anunciando um
nascimento. Entre a papelada, faríamos achados: poderia acontecer de
esbarrarmos com nosso diário da adolescência ou ainda com algumas páginas
manuscritas intituladas “Minhas lembranças de infância.”47

Essas poderiam ser palavras de Eduardo de Sá. Ele tinha cerca de 20 anos quando
começou a coletar os papéis que comporiam o arquivo de sua vida, depositado na sede da
Igreja Positivista após sua morte. Trata-se de material que reúne descrição de obras de arte,
estudos, desenhos, croquis, fotos de maquetes, monumentos e quadros, correspondência,
cadernos com recortes de jornais, contratos de obras, convites e catálogos de exposições e um
caderno de lembranças da infância.

As primeiras experiências com a arte

É neste caderno de lembranças da infância que Sá informa suas primeiras


aproximações com as artes, quando o pintor Victor Meirelles vai à sua casa no bairro do Rio
Comprido ― Rio de Janeiro ― visitar seu pai, de quem era amigo e soube que o visitante
pintava retratos, que era artista, e quando foi ao barracão ver o quadro A Batalha do Avaí,
exposto a partir de 1879, e por lá conheceu o artista Pedro Américo. Neste relato, Sá informa
também que sempre fora estimulado à apreciação artística por seu pai, que era Secretário
Geral da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro.
Quatro anos após admirar o quadro da Batalha, de Pedro Américo, Sá se
matriculou na Academia Imperial de Belas Artes. Entre seu papéis, encontra-se um
relatório/currículo elaborado pelo Secretário da AIBA onde se pode acompanhar a trajetória
escolar-artística de Sá tanto nas disciplinas que freqüentou, quanto nos prêmios que

47
ARTIÈRES, Philippe. Arquivar a própria vida. Estudos Históricos – Arquivos Pessoais. Rio de
Janeiro, vol.11, n. 21, 1998. p. 9.
107

concorreu, e a classificação. O quadro abaixo mostra, assim, seu perfil como aluno.48

Ano Disciplina cursada Prêmios Classificação49


Matemáticas Aplicadas
1883 Desenho Geométrico
Desenho Figurado Desenho Figurado Medalha de prata
Pintura Histórica Pintura Histórica Pequena medalha de ouro
Modelo-vivo Modelo-vivo Medalha de prata
1884 Anatomia e Psicologia das Paixões
26ª. Exposição Geral de Menção honrosa
Belas Artes
Pintura Histórica Pintura Histórica Grande medalha de ouro
Modelo-vivo Pintura Histórica Pequena medalha de ouro
1885 História das Belas Artes
Estética e Arquelogia
Pintura Histórica Pintura Histórica Menção honrosa de 1o. lugar
1886 Modelo-vivo Modelo-vivo Pequena medalha de ouro
Pintura Histórica
Modelo-vivo
1887 Paisagem
Pintura - Prêmio Viagem 4o. lugar

O documento emitido pela AIBA informava ainda que Sá havia sido aprovado em
todas as disciplinas. Tal histórico escolar do artista nos mostra que se dedicava ao estudo de
Pintura Histórica e Modelo-vivo, concorrendo aos prêmios nestas categorias, e que nunca
freqüentou aulas de escultura.50 Até 1887, Sá havia sido aluno de Pintura-histórica de Victor
Meirelles e, a partir deste ano, de João Zeferino da Costa. A cada final de semestre, os alunos
expunham seus trabalhos e eram premiados. Sá seguia esse caminho.
Em 1884, participou da 26a. Exposição Geral de Belas Artes apresentando um
quadro de frutas, recebendo menção honrosa.51 Esta foi a última exposição do segundo
Reinado e decisiva nas manifestações de descontentamento de professores e alunos que
sacudiram o mundo das artes brasileiro no final dos oitocentos, como será visto no próximo
capítulo. A presença de Sá nesse meio, como aluno descontente e mobilizado da AIBA, é
perceptível. Com a suspensão das exposições nos anos seguintes, os alunos da Academia
resolveram montar uma exposição própria, organizada por uma comissão de alunos; na

48
Certidão da AIBA a Eduardo de Sá. Rio de Janeiro. Março de 1888. IPB/ES.
49
As premiações a cada final de semestre eram: Grande e Pequena Medalha de Ouro, Medalha de
Prata e Menção Honrosa. FERNANDES, Cybele Vidal Neto. O ensino de pintura e escultura na
AIBA. 185 Anos da Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro: UFRJ, 2002. p. 34.
50
Sobre as diferentes estruturas curriculares da AIBA ver: FERNANDES, Cybele Vidal Neto. O
ensino... p. 34-36.
51
MELLO JÚNIOR, Donato. As Exposições Gerais na Academia de Belas Artes no Segundo
Reinado. Revista do IHGB. Anais do Congresso de História do Segundo Reinado. 1. v. 1984. p. 332.
108

imprensa foi tratada como Exposição Livre. Tal iniciativa dos alunos pareceu à imprensa um
ato de rebeldia quanto à estética: “Estas exposições, em todas as cidades do mundo, tem dado
magníficos resultados. Nellas, muitas vezes, despontão verdadeiras individualidades artísticas
que, até então, apenas vegetavão, atrophiadas pelas severas regras clássicas das academias.”52
Gonzaga Duque, apoiador do evento, contribuiu decisivamente para o acirramento dos ânimos
descontentes, a exposição dos alunos era “o mais forte e o mais arrojado protesto contra a
ditadura acadêmica.”53 No entanto, a exposição Livre não foi autônoma da Academia, pois
recebeu apoio dos professores, foi realizada nas suas dependência e visitada pelo Imperador.
Segundo a crítica às obras, publicadas na imprensa, permaneciam ainda apegadas ao cânone
acadêmico.

Eduardo de Sá

52
Exposição de Bellas-Artes. Jornal do Commércio, 03.08.1886.
53
PALHETA, Alfredo. Bellas Artes. Exposição organizada apelos alumnos da Imperial Academia de
Bellas Artes. A Semana, 04.08.1886. (Alfredo Palheta, pseudônimo de Gonzaga Duque).
109

Em 1886, Sá participou da primeira Exposição Livre, expondo o maior número de


trabalhos entre os colegas, 22 quadros, enquanto outros apresentaram no máximo dez
trabalhos.54 Com esse grande número de obras, pareceu aos críticos nos jornais que era um
aluno aplicado e que procurava diversificar-se na pintura, pois apresentara estudos de cabeça,
frutos, paisagens, flores e miscelâneas. A crítica aos trabalhos dos alunos normalmente era
conscienciosa, e a Sá também. Um crítico no jornal O Paíz lhe fez uma crítica mais
contundente dizendo que se apegava demais aos detalhes, prejudicando o conjunto; os demais
jornais pesquisados apenas citavam seu número de obras, concluindo que era laborioso.55 A
participação de Sá na segunda exposição, em 1887, foi mais modesta, assim como a própria
exposição, que, ocorrida em janeiro de 1887, não mobilizou maiores atenções da imprensa.
Mesmo não ocorrendo a exposição oficial da Academia em 1887, o Concurso
Viagem, que premiava os melhores com um estágio de estudos na Europa, ocorreu e foi
controverso aquele ano. O prêmio de primeira ordem em pintura foi dado ao aluno Oscar
Pereira da Silva e o de arquitetura a Ludovico Berna. Os professores da IABA Rodolpho
Bernardelli e Zeferino da Costa contestaram o resultado alegando a incapacidade da comissão
julgadora em avaliar trabalhos nessas áreas e recorreram ao governo imperial. A Regente
princesa Isabel cancelou o concurso, mas o resultado foi ratificado no regime republicano, e
os premiados foram para a Europa em 1890. A imprensa noticiou e denunciou o fato dia a dia,
aproveitando para criticar o sistema educacional de artes, a Academia, os favoritismos e
apadrinhamentos e as obras dos candidatos. O preferido dos críticos era Belmiro de Almeida,
e “a bota” era a alcunha do quadro do vencedor Oscar Pereira da Silva. Nas variadas críticas
destaca-se uma feita na Revista Ilustrada em que o articulista anônimo se posiciona dizendo
que Sá deveria ter o terceiro lugar, pois mesmo muito estudioso, teve a infelicidade de ter tido
por mestres Victor Meirelles e o professor de desenho figurado José Maria de Medeiros, que
muito o viciaram no desenho.56
Sá teve algumas defesas de seu trabalho, o que inclusive causou certa polêmica
nos jornais, pois a obra fora considerada controversa, antiacadêmica até, pela excessiva
expressividade emocional da cena da Flagelação de Cristo, tema daquele concurso, em que
este foi apresentado caído ao chão. Esta audácia e independência na representação seria

54
Catálogo do Salão de 1886 ― Exposição organizada pelos alunos da Academia das Belas Artes.
Rio de Janeiro: Typ. Almeida Marques, 1886. IPB/ES.
55
O Paiz, 09.08.86; Jornal do Commércio, Lisboa, 24.8.86; Província do Rio, 03.08.86; A Semana,
14.08.86.
56
Bellas-artes. Revista Ilustrada, 13.11.1887.
110

menos surpreendente se fosse de Belmiro de Almeida, conhecido por ser um rebelde, dizia um
articulista anônimo do Jornal do Commércio. Para ele, o que levou Sá a representar Jesus
caído era a sua tendência para concepções grandiosas e para emoções sinceras.57 Para outro
crítico, Sá havia sido original e expressivo na representação de Jesus caído e que era injusta a
crítica do professor Bethencourt da Silva, membro da comissão julgadora, de que o quadro de
Sá havia saído da convenção da arte.58 A análise de sua obra, principalmente pintura, mostra a
obediência de Sá à cor e à forma. A análise de Ribeiro para obras posteriores demonstra a
continuidade do apego de Sá ao desenho e às concepções grandiosas. Diz ele, que seu desenho
era seguro e rigorosamente certo; sua palheta se atinha a um rigorismo realista que moderava
e freava seu gênio; e suas composições mostravam um profundo senso de equilíbrio e pouco
movimento, “[...] todas tinham um ar de majestade, quase tocando ao patético.”59

Os estudos na Europa

Sá, que havia participado do concurso, mas não fora bem classificado, pois
Hilarião da Silva e Belmiro de Almeida o precederam, partiu então, em março de 1888, para
aperfeiçoar-se nos ateliês europeus, custeado pela família. Em Paris, matriculou-se na
Academia Julian, o alternativo atelier-escola que recebia estudantes de arte e artistas
amadores de todo o mundo. Ele se matriculara no polêmico e inovador atelier que aceitava a
matrícula de mulheres nas disciplinas que estudavam com modelo masculinos nus. Os
artistas-alunos pensionistas da AIBA ou do próprio Imperador se matriculavam na École des
Beux-Arts;60 os que iam com recursos próprios, como Décio Villares, Belmiro de Almeida,
Henrique Bernardelli e o próprio Eduardo de Sá, matriculavam-se em ateliês privados como o
de Alexandre Cabanel e a Academia Julian.
A matrícula de Sá no Atelier Julian foi para assistir aulas de pintura de Gustave
Boulanger e Jule Lefebvre, durante um ano, a partir do final de abril de 1888; e pagou
adiantado seu ano de estudos.61 Nos papéis de Sá, não há informações de sua estada de
estudos na Europa, exceto um artigo coletado por ele da Revista Ilustrada, em que reproduz
uma carta de Angelo Agostini, diretor da Revista, que cita o artista e a sua dedicação ao

57
Bellas-Artes. Jornal do Commércio, 15.11.1887.
58
ZEUXIS. A Academia de Bella-Artes. Jornal do Commércio, 15.11.1887.
59
RIBEIRO, Victor de Miranda. Eduardo de Sá. Arquivos da Escola de Belas Artes. Ano XII. n. 12.,
12.08.1966.
60
CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. Os prêmios de viagem da Academia em pintura. 185 Anos da
Escola...p. 69-91.
61
Recibo. Académie Julian. 28.04.1888. IPB/ES.
111

desenho:

Estive também com Eduardo de Sá [...] e fiquei igualmente surprehendido dos


rápidos progressos que elle tem feito, em menos de seis mezes. Apezar de haver
concorrido ao premio viagem, no Rio de Janeiro, este anno, trocou a palheta pelo
crayon, e só cuida agora de desenhar e desenhar muito, deixando a pintura para
mais tarde.62

Seu apego ao desenho já havia se manifestado quando participou do concurso


premio viagem, tendo recebido críticas por isso, na mesma revista.
Sá também passou um tempo em Gênova e Florença, mas não há informações
sobre que escola-atelier freqüentou. Foi nesta cidade que Sá se converteu ao positivismo.

O positivismo e a filosofia em tintas de Eduardo de Sá

Sá ficou dois anos e meio na Europa; pretendia ficar mais, como seus colegas que
estagiavam no mínimo três anos, porém, quando estava em Florença, contraiu pleurisia, uma
espécie de tuberculose, e ficou muito doente. Durante este período de cuidados médicos,
ganhou um exemplar do livro de Comte ― Catecismo Positivista ― leu-o e se converteu à
Religião da Humanidade. Não há informações sobre o doador do livro, tampouco relatos do
próprio artista informando sobre sua conversão. Seu irmão Francisco de Sá foi buscá-lo em
Gênova; ambos chegaram ao Brasil em outubro de 1890.63
Em 1927, Angyone da Costa publicou o livro A Inquietação das Abelhas, uma
espécie de diagnose das artes, seguida de entrevistas com alguns artistas, entre eles o próprio
Sá. Costa explica o significado da conversão religiosa do artista ao positivismo.

Em sua existência tal acontecimento lembra o episódio da Imitação de Chisto


(sic), lida pelo espadachim que seria, mais tarde, S. Ignácio de Loyola, e
promoveu a conversão do Sr. Eduardo de Sá à Igreja Positivista, tornando-o um
sectário, quase um sacerdote, dessa formosa organização intellectual, que tentou,
inutilmente, a direcção moral do mundo. [...] E se há entre estes fructos [da
Igreja], bons exemplos a citar, males sobrenadaram. E não foi certamente dos
menores o estrangulamento de uma formidável organização artística como seria o

62
Carta de Angelo Agostini à Redação da Revista Ilustrada (Paris, 04.12.1888). Revista Ilustrada,
05.01.1889. Agostini errou a data, Sá concorreu ao prêmio viagem em 1887.
63
Notas – Paquete. Jornal do Commércio, 14.10.1890; Notas – Paquete. Gazeta de Notícias,
13.11.1890.
112

Sr. Eduardo de Sá, se o proselytismo comtiano nelle não houvesse jugulado o


artista. Foi com esta expressão de estranha tristeza, que sahimos da casa do
mestre, sentindo que o verdadeiro pintor, se deixara vencer, não pelo artista, como
na sua concepção talvez presuma, mas pelo discípulo apaixonado pela falhada
doutrina positiva. O Sr. Eduardo de Sá deu-nos a impressão de um philosofo em
tintas, isto sem nenhuma intenção de diminuir-lhe o talento artístico.64

Nesta análise psicofilosófica de Sá, Costa dá destaque à adesão ao positivismo.


Percebe-se que a opção positivista do artista, que não era somente no plano religioso, mas
político, estético e pessoal, determinou o julgamento que outros críticos e historiadores da arte
fizeram de seus trabalhos. Por exemplo, avaliando o relacionamento de dedicação e amizade
entre Sá e Victor Meirelles, Argeu Guimarães afirmava que Sá era “terrivelmente puritano e
extravagante pelo positivismo”65, negando o nu por entender que a arte poderia ser corruptora
do sentimento e do espírito, se mal conduzida. Sá era um positivista convicto; “toda sua obra
se ressente desse sectarismo, que orientava a inspiração do artista”66, afirmava Francisco
Acquarone. Para Gonzaga Duque, a obra de Sá era uma “erudição positivista em pedra e
bronze.”67 Sá era diferente; “sua obra reveste-se de um cunho diverso da de outro qualquer”,
entendia Laudelino Freire.68 “Sobre esse artista, não há exagero em affirmar que a sua arte
parou, no gosto convencional dos quadros de fundo escuro e amarello, à maneira deturpada de
Cabanel, duros, rígido, hieráticos, dentro da concepção philosofica a que o seu espírito se
moldou.”69
Estas opiniões e outras sobre o artista e sua obra foram declaradas na imprensa e
em livros quando Sá ainda era vivo. O artista morreu em 1941. As condenações ao
positivismo do artista aparecem na crítica desde o concurso de maquetes para o monumento a
Floriano Peixoto, que será abordado no capítulo VI. No momento cabe questionar: O que a
informação de que Sá era um positivista acrescenta para compreendermos sua obra? Basta
dizer que era um artista positivista para sabermos o que isso significa? Ou seja, essa
historiografia da arte cujos autores vivenciaram o período de influência do positivismo no
Brasil não se desvencilhou dos preconceitos doutrinários ao analisar o trabalho de Sá. É
possível ver na bibliografia acadêmica mais recente este mesmo procedimento. Pierre Vaisse

64
COSTA, Angyone da. A Inquietação das Abelhas. Rio de Janeiro: Pimenta de Mello, 1927. p. 37-
38. Novamente a expressão “filósofo em tintas” aparece para se referir aos artistas que assumem uma
doutrina filosófica e serve de orientação para o título desta tese.
65
GUIMARÃES, Argeu. Auréola de Victor Meirelles. Rio de Janeiro: IHGB, 1977. p. 81 e 112.
66
ACQUARONE, Francisco. História da Arte no Brasil. Rio de Janeiro: Oscar Mano & Cia. 1939. p.
235.
67
GONZAGA DUQUE. A Estatua do Marechal Floriano, Kosmos, out. 1907. s/p.
68
FREIRE, Laudelino. Um Século de Pintura. Rio de Janeiro: Röhe, 1916.
69
COSTA, Angyone da. A Inquietação... p. 15.
113

evidenciou, na historiografia francesa que analisou os pintores oficiais, algo semelhante ao


preconceito.70 E aqui aproveitamos para parafraseá-lo: Não é possível discernir nas opiniões
da historiografia se a obra de Sá era condenável porque era positivista ou se era positivista e,
portanto, esteticamente medíocre. Concluindo, a historiografia ajuda a entender o preconceito
com o positivismo do artista, mas não ajuda a compreender sua obra e sua concepção de
estética.
Sá parece ter sido um artista positivista perfeito, se levarmos em conta os preceitos
do próprio positivismo para analisá-lo. Mais ainda do que Villares, que era impetuoso demais
para se adequar perfeitamente ao positivismo, Sá combinava elementos propícios para ser um
artista positivista: humildade exacerbada, idealismo positivo com uma dose de melancolia,
desapego pecuniário e reta conduta moral.
A primeira manifestação pública de Sá quanto à sua fé positivista ocorreu no
lançamento da exposição organizada por ele, em homenagem a Benjamin Constant, em 15 de
novembro de 1898. O catálogo da exposição, com os expositores, suas obras e um texto
assinado por Sá, dá o tom patriótico e positivista à exposição. Tanto a sua montagem,
aceitando trabalhos de artistas amadores, de mulheres e de não artistas, seguindo a concepção
comtiana de que o valor artístico não está na qualidade estética, mas na inspiração e desejo
altruísta com a obra, passando por suas sessões, divididas em Culto privado e público e uma
sessão anexa para música, poesias e arquitetura, quanto suas obras, com bustos e retratos de
personagens do calendário positivista, de Comte, de Clotilde e dos heróis brasileiros Floriano
Peixoto, Benjamin Constant, José Bonifácio e Tiradentes, demonstram o esforço de Sá em
divulgar uma estética positiva, tendo por base a aliança civismo-religião.
Além dele, vários outros expositores desconhecidos participaram da mostra, junto
com o irmão Francisco de Sá e a sobrinha Laura de Sá. Villares também participou, e vários
trabalhos de Almeida Reis, que, como vimos, estavam sob a guarda do positivista Generino
dos Santos, foram reunidos na mostra.
Destaca-se que os trabalhos de Sá expostos ainda eram croquis de obras que se
tornariam importantes no acervo cívico-republicano, como: croquis Retrato de José
Bonifácio, que se transformou no quadro A Fundação da Pátria Brazileira, entregue ao
Conselho Municipal do Distrito Federal, em 1902; croquis Benjamin Constant – o advento da
República, que se transformou em um dos baixo-relevos do monumento na Praça da
República; croquis Honra aos Irmãos, que se tornou o quadro de Benjamin Constant ofertado

70
VAISSE, Pierre. La troisième... p. 19.
114

à municipalidade de Asunción, Paraguai, como um símbolo da reparação de guerra e do


congraçamento das duas Repúblicas, em 1899; croquis Floriano Peixoto – A resistência
republicana, que se tornou representado no monumento a Floriano, na Cinelândia, em 1910;
Quadro Ao Mais Digno!, uma representação de Floriano Peixoto no leito de morte, hoje no
Museu da República. Villares expôs o croquis do quadro Benjamin Constant no Leito de
Morte, sem referência do paradeiro.
Se a exposição na sua estrutura e conteúdo indicavam a uma estética positivista, o
texto de abertura do catálogo era explícito. O ideal artístico servia para cultivar o instinto de
perfeição humana, e seu valor não era plástico, mas regenerador.

Pôr a arte ao serviço social, eis, portanto, o único modo de cuidar do seu
desenvolvimento. Fazer com que no poema, na symphonia, no painel, na estatua,
no edificio se sinta o cunho sincero de um digno culto, a marca decisiva de uma
alma inteiramente cheia das grandes inspirações humanas em vez de só mostrar-
nos uma pretendida perfeição technica, sempre ao alcance das mediocridades
laboriosas, eis o remédio único para que a arte se engrandeça, para que encontre
no publico a sympatia que não podem despertar-lhe as banalidades artísticas da
actualidade.71

Incentivando e conclamando os cidadãos, os mestres e os colegas artistas ao


florescimento de uma arte moral, incorporada à religião cívica, Sá não deixava de propor algo
revolucionário e de criticar o meio e o ensino artísticos.
O aspecto revolucionário do discurso do artista também se revelou nas várias obras
em homenagem a Floriano Peixoto, que em 1898 era controverso. Era reverenciado entre os
florianistas ―, com o qual Sá tinha estreitas relações de amizade, e combatido pelo governo
por entendê-lo um ditador. As idéias jacobinistas de alguns jovens militares se combinaram
com a doutrina positivista para encetar a campanha pelo o monumento a Floriano Peixoto,
cujo artista escolhido era o próprio Sá; isto será abordado no capítulo V. O tom jacobino-
florianista aparece também no texto do Catálogo, cujo ápice é o recurso às armas na defesa da
República.

E tu, República adorada, [...] não lhe sendo mais possível, portanto senão com
patente ingratidão, accusar-te de faltas que essencialmente são suas, aceitas os
votos filiaes que neste dia te dirigem aquelles que, cidadãos republicanos,
subordinam o ideal artístico ao teu ideal e se hoje te saúdam por meio da arte,
amanhã se precisares das suas vidas, sem hesitar trocarão a penna, o lápis, o

71
Sá, Eduardo de. Exposição Republicana de Bellas-Artes em homenagem a Benjamin Constant. 15 de
novembro de 1898. 110. anno da República. Rio de Janeiro: Typ. Pinheiro e Cia. 1898. p. 6.
115

escopro [cinzel] pelo fuzil e firmemente mostrarão com quanta dignidade artística
tentaram idealisar os vultos dos teus mais gloriosos filhos!72

A troca do cinzel pelo fuzil na defesa republicana foi apenas um artifício retórico
usado pelo artista, que, além de ser incongruente com a idéia pacifista do positivismo,
também o era com a própria personalidade cordial de Sá. Aliar militância política florianista
com positivismo foi a dificuldade de muitos seguidores de Floriano, o que será visto no
capítulo V.
A arte regenerada de Eduardo de Sá

Muitos dos trabalhos de Sá integravam campanhas de glorificação de algum


personagem cívico, seja da IPB ou de seus amigos florianistas, e para isso costumava publicar
folhetos explicativos de suas obras ou artigos nos jornais, solicitando colaborações nas
subscrições. Nestes textos, pode-se apreender o que o artista entendia por positivismo e por
arte. Destacaremos assim, no quadro a seguir, três aspectos recorrentes nos textos de Sá que
indicam: para o discurso ― a narrativa histórico-positivista contida nas obras; para o objetivo
― a arte regenerada como uma forma de culto cívico; e para o suporte ― as telas ou painéis,
de dimensões médias, destinadas às salas de prédios do governo e os monumentos públicos.
Buscando evitar atribuições ao artista, arrolamos no quadro somente aquelas obras
que tiveram descrição do mesmo. Cabe ressaltar ainda que muitas delas não foram concluídas,
e a descrição referia-se ao croquis ou maquete, que eram, na maioria das vezes, expostos em
locais públicos, como a Livraria Fauchon, a Casa Dreyfus, a sede da Comissão Glorificadora
Marechal Floriano Peixoto, ou no seu atelier, no Rio de Janeiro.
Selecionamos para arrolamento neste quadro apenas as obras ou propostas que
tinham um cunho cívico-público. Ficaram fora aquelas que foram idealizadas para o culto
religioso do positivismo tendo por temática Comte, Clotilde, a imagem da Humanidade ou os
tipos do Calendário Positivista. Veremos no capítulo V que Sá também foi um grande
colaborador da IPB, realizando obras para o culto religioso do positivismo no templo da
Humanidade, no Rio de Janeiro, em Porto Alegre e em Paris. Mas sua colaboração não foi
oficializada pela Igreja com uma pensão, como a de Villares. Apenas no final da vida, quando
doente, recebeu um auxílio financeiro por parte dos positivistas religiosos do Rio Grande do
Sul. É importante apenas destacar que as obras do quadro abaixo refletem uma religiosidade
cívica que Sá, como artista positivista, procurava estimular.

72
Sá, Eduardo de. Exposição Republicana... p. 7-8.
Obras de Eduardo de Sá para culto cívico

Objetivos com a obra Fonte e data


Título da obra Narrativa histórica ou descrição da obra Suporte da proposição
Tiradentes – a 1893 – Texto explicativo do quadro - Momento em que Tiradentes, sereno e cheio de Comemorar a memória do mártir da Quadro Jornal do
confirmação da grandeza, ouve a confirmação de seu martírio. Não há qualquer referência ao emancipação política, na ocasião do Commércio.
sentença positivismo. centenário de sua morte. Em nome da 30.04.1893.
1897 – Texto de doação do quadro – Carta de doação ao Presidente da República, Posteridade, será oferecido à Pátria Folheto
solicita que reserve a obra para o Templo Cívico que será erguido no local da morte brasileira, como prova de impresso.
de Tiradentes. Argumentação positivista de culto cívico. reconhecimento do artista ao herói. 22.05.1897. 4p.
Floriano Peixoto Representação de Floriano Peixoto protegendo o altar da Pátria, comandando uma Homenagem aos mortos na defesa da Croquis Artigo de
– a resistência legião de brasileiros egrégios, inspirados por Tiradentes, José Bonifácio e Benjamin República. Comemorar seus serviços de quadro jornal sem
republicana Constant (que empunha a bandeira republicana). “Abstração do tempo e do espaço” à resistência contra as ambições título.
que une Floriano, os heróis da cidade da Lapa (Paraná), os defensores de Niterói, as criminosas, heroicamente organizados 09.02.1898.
vítimas de Canudos, os militares e soldados civis, os Batalhões Tiradentes e por Floriano. Evocar o livre
Acadêmico Benjamin Constant, a Marinha e a Cavalaria gaúcha. sentimento cívico.
Benjamin Representação do momento em que Benjamin Constant, secundado por Deodoro da Contribuir para o culto popular a Quadro Folheto
Constant – o Fonseca e tendo por apoio a dedicação da 2a. Brigada e do patriótico defensor de sua Benjamin Constant. Apela para os que será impresso.
advento da obra, Floriano Peixoto, mostrou que o regime estava exausto. Na explicação situa o republicanos que sentem a oferecido 15.11.1899. 1p.
república nas papel de Tiradentes, José Bonifácio e Dante neste processo. importância religiosa do culto cívico. à
Pátrias República
Brasileiras
Mátria ! 1a. Parte: Portugal, suas duas grandes contribuições ao Ocidente: a poesia de Camões “Mostrar a exausta evolução nacional Painel Folheto
e as descobertas de Colombo. Parte central: A formação da nacionalidade brasileira pela obtenção do regime republicano, composto impresso.
com índios, negros e brancos. A parte referente ao Brasil representa uma cerimônia patenteado pela urgência da por três 27.04.1900. 4p.
indígena em que se unem os portugueses e os africanos. Tiradentes, e depois dele, regeneração religiosa, único meio dos partes
José Bonifácio continuam a evolução nacional até chegar ao fundador da República destinos das pátrias brasileiras.”
Benjamin Constant, auxiliado por Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. 3a. Parte:
A contribuição de Toussaint-Louverture e os grande tipos da Revolução Francesa que
iniciaram a regeneração Ocidental sem realeza e Teologia.
Ao Mais Digno ! Com a morte de Floriano Peixoto, a nação está órfão de um líder ditador. “Ele Homenagear o primeiro ditador que Quadro a Folheto
condensou os mais enérgicos extremos cívicos e foi o braço vingador do brio pátrio”, surgir nas Pátrias Brasileiras óleo impresso.
defendeu a República do adversário orgulhoso e ingrato (os monarquistas) e foi o 29.06.1900. 1p.
continuador de Benjamin Constant.
José Bonifácio – O grito do Ipiranga foi apenas conseqüência do ato grandioso de José Bonifácio na Contribuir para a reabilitação cívica Quadro Folheto
a fundação das sessão dos Ministros de 28.08.1922. José Bonifácio era um verdadeiro estadista, o de José Bonifácio, fazendo a que será impresso.
pátrias fundador da Independência brasileira, pois conservou os laços das províncias e reconstrução estética do momento em doado à 07.09.1900. 1p.
brasileiras manteve a união nacional. José Bonifácio foi reabilitado historicamente pela IPB, que que ele se tornou o fundador da República

116
reconheceu seu verdadeiro valor cívico nacional. Independência.
Monumento à Alto do monumento ― imagem da Pátria envolta na bandeira auriverde criada por Homenagear pessoalmente a Pátria Monume Folheto
Independência José Bonifácio. nto impresso.
do Brasil Alto-relevo central ― José Bonifácio entregando à princesa D. Leopoldina os 28.08.1922. 1p.
documentos recebidos de Lisboa.
Frisas ― Dom Pedro proclamando a independência.
Escadaria ― Bandeira dos inconfidentes como símbolo do esforço e martírio da obra
de fundação da Pátria.
A comunhão da Destaque para dois momentos da história brasileira: 1888 e 1890. A abolição da Comemorar a liberdade e fraternidade Painel A Noite.
Pátria brasileira escravidão e a decretação da liberdade espiritual no Brasil. Representa o enlace de nacionais com três 07.01.1931.
dois regimes políticos, o de José Bonifácio e o de Benjamin Constant, em uma partes
mesma realização de liberdade e de continuidade histórica. Ambos os acontecimentos
são marcos gloriosos da história e obra da Pátria e devem ser cultualmente
lembrados, religiosamente respeitados. O painel representa a Pátria libertada. Lado
esquerdo: D. Isabel, sob a bandeira do Império, entrega ao conselheiro João Alfredo o
decreto assinado. Presença de outros personagens que contribuíram para o evento:
Castro Alves, Nysia Floresta e José Bonifácio.
Lado direito: Benjamin Constant mostra o decreto de liberdade espiritual, junto a ele,
Demétrio Ribeiro, que o apresentou ao Conselho de Ministros. A Miguel Lemos e
Teixeira Mendes, com o estandarte da Humanidade, são dirigidos agradecimentos
cívicos por tal conquista moral.
No centro: altar da Humanidade, ladeado por São Paulo e Auguste Comte e rodeado
por um cortejo de santos e heróis. Sobre o altar, a imagem da Pátria celebra a união
nacional, tendo, na mão esquerda, as algemas partidas dos escravizados e, na direita,
um livro aberto, símbolo da liberdade da alma humana.
Tiradentes – a Tiradentes é a intemerata vítima da emancipação política brasileira. Histórico do Comemorar a ascensão de Tiradentes Painel Texto
cabeça do desaparecimento da cabeça de Tiradentes. Aquele que a resgatou e a enterrou o fez ao culto pátrio e dedicar a obra ao manuscrito.
martyr heroicamente e possibilitou a ascensão de Tiradentes ao culto pátrio. O quadro é uma herói desconhecido. 21.04.1931. 5p.
interpretação poética do acontecimento. Oferecido para venda ao Presidente do O Globo.
estado de Minas Gerais, em 1925. 21.04.1931.
A Glória da Baixos-relevos dos episódios relevantes da história da cidade do Rio de Janeiro: Estabelecer um “padrão cívico”de Monume O Globo.
Cidade ! Tamoios (mas não a sua dizimação); a confirmação da sentença de Tiradentes; a comemoração da fundação da cidade. nto 20.01.1932.
sessão de ministros presidida por D. Leopoldina; o decreto de 13 de maio de 1888; a
proclamação da República; o decreto de liberdade espiritual de 07 de janeiro de 1890;
a proteção aos índios, mostrando a fraternidade nacional; o templo positivista,
mostrando o 10. marco da Religião da Humanidade no Brasil.
Estátuas – Representações da Continuidade – símbolos ocidentais ; Solidariedade –
símbolos nacionais; Sociabilidade cívica – figura feminina como representação da
cidade do Rio de Janeiro.

117
A Glória da Idealização dos fatos que tiveram por sede a cidade do Rio de Janeiro, tornando-a Comemorar no seio do governo Painel Texto
Cidade ! digno elemento da nacionalidade brasileira. Ficam de fora os atos praticados temporal da cidade, na Prefeitura 5mX3m manuscrito.
desordenadamente. A obra evocará lembranças inspiradas no altruísmo e na Municipal, a sua ascensão para a 1934. 1p.
sociabilidade coletiva. Figurará a beleza natural da baia da Guanabara e o ato do grandeza a que aspira toda a Pátria
governo da República nascente instituindo a proteção oficial de todos os aborígines brasileira.
do Brasil.
Decoração dos 1o. Painel – Laço afetivo – Poesia, música, pintura, escultura e arquitetura – que Decorar o Teatro de forma a tocar o 4 painéis Texto
camarotes de preside a cidade e seu engrandecimento; 2o. Painel – Lendas da cidade – um cavaleiro coração e o espírito brasileiro a de manuscrito.
honra do teatro vestido de negro, empunhando uma espada flamejante, que em sangrento combate serviço da cultura individual e da dimensõe 03.06.1935. 2p.
Municipal do com os franceses e protestantes em terras dos Tamoios deu-as ao domínio espiritual confraternização coletiva s e forma
Rio de Janeiro do catolicismo e temporal dos portugueses; 3o. Painel – A Ciência – a História e a iguais
Ciência da Alma Humana; 4o. A Pátria – guiada pela política republicana.
Painel da Pátria Alusivo às nove comemorações públicas destinadas a firmar e desenvolver a Protestar pela mudança do calendário Painel Texto
adoração da Pátria. Explicação de cada uma das datas nacionais. oficial e supressão das datas de 14 de manuscrito.
julho e 13 de maio. 02.11.1935. 5p.
Monumento ao O monumento abrange todos os modos de ação humana no Planeta ― o Trabalho. Influir na massa humana a idealização Monume Texto
trabalho Grupo principal ― Ação real e útil da Humanidade sobre a terra: Ação moral – da poética e apelar para a paz. nto manuscrito.
mulher; Ação intelectual – do sacerdócio da Religião da Humanidade; ação material 16.01.1936. 4p.
– dos chefes do Patriciado e do Proletariado.
Altos-relevos: 1 - Preparo do Planeta: devastação pelo incêndio das florestas;
extermínio dos animais ferozes; a fase guerreira da espécie humana; e a submissão
dos vencidos; 2 - Começo do conjunto humano: descoberta do fogo; domesticação
dos animais sociáveis; plantio da árvore; defesa da prole; e a instituição do túmulo
como forma de cuidado da vida subjetiva do ente amado; 3 – Sistematização do
trabalho: conhecimento do planeta com as grandes navegações; a agricultura; a
fabricação; o comércio; e a moeda e; 4 – Glorificação do trabalho: contribuição dos
animais; das máquinas; homenagem às vítimas do trabalho; e o livro.
O Beijo de Inicia citando Danton, no tribunal revolucionário. Compara o evento de Danton no Chamar à meditação religiosa dos Painel Folheto
Tiradentes – 20. tribunal com os momentos decisivos de Tiradentes, quando, num ato religioso, beija compatriotas para o ato maior de impresso.
painel os pés do carrasco. Sá argumenta que a idade o fez ver que era o momento do beijo o Tiradentes, verdadeira expressão do 21.04.1936. 1p.
comemorativo mais importante no episódio de Tiradentes, e não a confirmação da sentença, que altruísmo exaltado até a santidade.
havia pintado anos antes. O artista orienta que a obra deve ser colocado no futuro
acima do 10. painel, mostrando a mais alta sublimidade moral que atingiu Tiradentes.
Paz ! O painel pretende representar a “generosidade brasileira e a vitória do altruísmo Despertar, do adormecimento Painel Texto
nacional.” O texto repassa a história do Brasil em uma narrativa crescente, evolutiva, coletivo, a conseqüência moral dos manuscrito,
ligando os episódios, personagens e emblemas representativos de cada período. Tem dois capitais impulsos da vida sem data.
como representação a abolição dos escravos e a devolução dos troféus de guerra ao brasileira em prol da concórdia
Paraguai, como exemplo do altruísmo brasileiro. humana.

118
119

Estas propostas de obras por parte de Sá revelam seu contínuo desejo de interferir
politicamente, em diferentes períodos, por meio da arte. A História, ou melhor,
reinterpretações de eventos históricos, é estratégia de ação política do artista. O que chama a
atenção nessas obras arroladas é como a História é central na estratégia militante positivista.
Retoma-se assim a conceituação de Comte em que considera a História como essência e
resultado do Positivismo. Mas a arte, para o filósofo, não deveria ter função de agir sobre a
realidade social, nem de corrigi-la, apenas de idealizar melhorias. Com isso, pode-se pensar
que Sá foi ortodoxo e também fez uma adequação do positivismo. Ele seguia à risca a noção
de culto cívico-religioso integrante da Religião da Humanidade, cujo papel do artista era
idealizar imagens e personagens históricos de forma a evocar sentimentos patrióticos, mas não
conseguia abandonar o desejo de interferir politicamente na realidade brasileira. Vide sua
ligação com os florianistas e propostas de vários quadros a Floriano. Esse era o paradoxo do
próprio positivismo. As noções de Comte sobre arte e sua função social não foram concluídas,
ficando ao artista positivista a tarefa de resolver o problema de produzir obras que
estimulassem o culto cívico, tendo por base a História, mas que não visassem à ação política.
Paradoxo que Sá não resolveu.
O quadro mostra dois períodos fundamentais para a política brasileira e para o
positivismo: os anos de 1890, de intenso debate político sobre a forma de República
estabelecida com a Constituição Federal e, portanto, de grande interesse e mobilização dos
positivistas, e a década de 1930, que para estes foi destruidora de suas conquistas. Se para Sá
as obras da década de 1890 visavam homenagear, comemorar, cultuar, consagrar, as de 1930
pretendiam protestar, relembrar o altruísmo, despertar do adormecimento coletivo, apelar para
a paz. Na descrição de suas obras, é perceptível, assim, o entusiasmo do artista quando jovem,
mobilizado com os florianistas pela defesa da República, e, anos mais tarde, decepcionado
com os rumos que o regime tomara.
Décio Villares e Sá foram os artistas positivistas que aderiram aos preceitos de
estética positivista quanto à criação artística e quanto a uma militância para as artes. O
entusiasmo e envolvimento destes com o regime republicano os levou, mais Décio Villares
que Sá, a uma militância política visando reestruturar os fundamentos do ensino artístico no
país. A defesa da extinção da Academia de Belas Artes, somada à adesão crescente à estética
positivista, lhes resultou em inimizades, dificultou encomendas, angariou críticas severas às
suas obras e consolidou a visão de seus contemporâneos que eram artistas fanáticos. Tal
quadro demonstrativo do relacionamento dos artistas em questão com seu meio profissional
será analisado a seguir.
120

Capítulo IV – A polêmica artística “Modernos X Positivistas” e a


transição para a República no Brasil

As versões da historiografia

Percebe-se que entre alguns historiadores da arte é corrente a idéia de que o


período áureo das belas artes no Brasil foi durante o mecenato de Pedro II.1 Grande parte
dessa produção encerra suas análises no período de chegada da República ou resume que, com
o novo regime, mais nada aconteceu no âmbito artístico. Se alguns trabalhos avançam para
além de 1889, normalmente o fazem destacando que a reforma por que passou o ensino
artístico com a instalação da República apenas concretizou a mudança do nome de Academia
Imperial de Belas Artes (AIBA) para Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), com o
agravante de que o mecenato oficial cessara.2
Se, como vimos, a literatura biográfica sobre Décio Villares e Eduardo de Sá é
carregada de preconceitos ao analisar suas obras, por estes serem artistas positivistas, esta
mesma literatura considera os artistas amparados por vantajosas encomendas oficiais, o que
esta pesquisa não evidenciou. O que a literatura não considerou é que Villares defendeu a
idéia de mecenato oficial para a aquisição de obras de arte e um ensino de artes livre,
desligado do sistema da Academia. Viu-se no capítulo anterior que, além de Villares, Aurélio
de Figueiredo e Montenegro Cordeiro também tiveram uma aproximação com o positivismo,
o que ficou demonstrado quando eles apresentaram ao Ministro Benjamin Constant, ainda em
dezembro de 1889, um projeto em extinção da AIBA.3 No mesmo período, os professores
Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoedo propuseram ao Ministro um projeto de reforma

1
GALVÃO, Alfredo. Resumo histórico do ensino das artes plásticas durante o Império – A influência
benéfica e decisiva do Imperador D. Pedro II. Revista do IHGB – Anais do Congresso de História do
Segundo Reinado. 1. v.. Rio de Janeiro, 1984; MELLO Jr. Donato. As exposições gerais na AIBA no
20. Reinado – sua importância artística e a presença do D. Pedro II. Revista do IHGB – Anais do
Congresso de História do Segundo Reinado. 1. v.. Rio de Janeiro, 1984; FREIRE, Laudelino. Um
século de pintura. Época de desenvolvimento - quarto período: 1889-1916.
http://www.pitoresco.com/laudelino
2
DURANT, José Carlos. Arte, privilégio e distinção. São Paulo: Perspectiva, 1989. p. 62.
GUIMARÃES, Argeu. Auréola... p. 122-124.
3
A afirmação de Flavio Mota de que os signatários do projeto positivista de reforma da AIBA não
eram os “ortodoxos da Igreja Positivista” é grandemente equivocada, já que isto se aplica apenas a
Aurélio de Figueiredo. MOTA, Flavio. Visconti e o início do século XX. PONTUAL, Roberto (org.).
Dicionário das artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969.
121

dos estatutos da Academia. Houve ainda um terceiro projeto, divulgado na imprensa, de


autoria de Pardal Malet, que dizia ser uma conciliação entre os projetos de Villares e
Bernardelli. Essas propostas sacudiram o mundo das artes carioca, pois focalizava o destino
AIBA no regime republicano. Desde meados dos oitocentos, a Academia vinha sendo
questionada, criticada e era alvo de propostas de reforma ou fechamento; os artistas, por seu
turno, realizavam eventos artísticos independentes. O sentimento de que a Academia não
cumpria seu papel no mundo das artes era sentido por muitos. A disputa decorrente dos
diferentes projetos de reforma da AIBA ficou conhecida na literatura das artes como a
polêmica dos Modernos X Positivistas ou a revolta dos insubmissos contra a AIBA.
Com o projeto rejeitado, Villares se afastou completamente da ENBA e ficou à
margem do mecenato oficial que se implantara no governo republicano e que passava pelas
indicações do escultor Rodolpho Bernardelli, novo diretor da ENBA após a reforma de ensino
artístico. A proposta de extinção da AIBA, além da defesa da estética positiva, contribuiu para
que o artista positivista se tornasse espécie de pária nas artes, muitas vezes ridicularizado na
imprensa e com dificuldades de conseguir boas encomendas fora do círculo positivista. Com o
acesso ao mecenato oficial dificultado, Villares se dedicou a outras estratégias de colocação
pública de suas obras envolvendo grupos cujos membros tinham alguma importância ou
posição em órgãos oficiais, o que facilitava a pressão para a aceitação das obras. A conquista
de nichos específicos de encomendantes, que passava pelas relações pessoais com outros
positivistas, como alguns membros do Clube Militar, da IPB e do governo estadual do Rio
Grande do Sul, também foi forma de atuação alternativa para este artista, como veremos mais
adiante.
Este capítulo tratará do período de transição para o regime republicano no qual
Villares teve central participação nos debates sobre os rumos artísticos oficiais até a
implementação da reforma de ensino na ENBA, em 1890. A questão norteadora é qual a real
participação deste artista no agitado mundo artístico no final dos oitocentos e o que ele
propunha. Eduardo de Sá, recém-chegado da Europa em fins de 1890, convalescente, não
participou do movimento dos insubmissos, e não há qualquer ligação com o projeto de
Villares.
O episódio de proposição do projeto de extinção da AIBA foi extensamente
debatido na imprensa da época e abordado pela literatura das artes em três períodos distintos:
primeiro, por Gonzaga Duque, no já citado livro Mocidade Morta, concluído em 1897, e no
texto O Aranheiro da Escola, publicado na Revista Kosmos em 1907; em ambos, o autor
coloca-se como protagonista e liderança nos episódios de revolta contra a Academia; e
122

segundo, por Frederico Barata, em livro de memórias sobre o pintor Eliseu Visconti,
publicado em 1944, em que os personagens centrais nos movimentos de rebeldia dos artistas
eram o próprio Visconti e os professores da Academia Rodolpho Bernardelli e Rodolpho
Amoedo. Evidenciou-se que, primeiro, existe uma discordância entre as versões de Gonzaga
Duque e Barata quanto à autoria e liderança da rebeldia contra a Academia; e, segundo, que a
bibliografia que trata do assunto adotou a versão de Barata a respeito do episódio Modernos X
Positivistas.4
Procurar-se-á mostrar também que os eventos que evidenciam o inconformismo
dos artistas remontam a meados do século XIX e se acirram em 1890, com os projetos de
reforma da AIBA. Neles não há um protagonista que lidera a ação dos artistas descontentes,
tampouco uma acirrada dicotomia, apenas duas propostas de reforma de ensino que se
defrontaram ― a de Rodolpho Bernardelli e a de Décio Villares. A proposta de Pardal Mallet
acirrou o debate na imprensa, mas não chegou a ser apresentada formalmente ao Ministro da
Instrução Pública.

A Academia que não se ocupa das artes” – os germens da revolta

Pesquisa nos jornais cariocas do século XIX revelou que o inconformismo e


desejo de reforma da AIBA vinha se mostrando já desde meados deste século, exemplificado
na Exposição Livre de alunos em 1886 e 87, comentada no capítulo anterior, na qual o futuro
artista positivista Eduardo de Sá participaria. As exposições livres dos alunos da AIBA foram
uma resposta à não realização das tradicionais Exposições Gerais de Belas Artes, canceladas
desde 1884.5 O assunto sensibilizou a imprensa, que teve opinião positiva sobre a iniciativa
particular, já que a Academia não cumpria seu papel, deixando os alunos “desesperados” pelo
“indiferentismo” do governo quanto às artes.6 Já neste momento os alunos mobilizados eram
vistos com simpatia, era “a luta da mocidade que freqüenta a Academia”7; e Rodolpho
Bernardelli, professor de escultura, era visto como revolucionário, dado o avanço dos

4
CAMPOFIORITO, Quirino. História... p. 130-131; MOTA, Flavio. Visconti e o inicio...; MORAIS,
Frederico. Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995. p. 101-
103; Enciclopédia de artes visuais. Verbetes Academicismo, Atelier Livre e Reforma de
Ensino/ENBA. www://http://itaucultural.org
5
Exposição de Bellas Artes. O Paiz, 08.08.1886; Bellas Artes. A Vida Moderna, 21.08.1886.
6
Salão de 1886. Província do Rio, 03.08.1886.
7
Exposição de Bellas Artes. Diário de Notícias, 02.08.1886.
123

trabalhos de seus pupilos.8


A falta de uma exposição pública das obras dos alunos facilitava a prática
abominada de favorecimentos pessoais em detrimento da qualidade técnica do artista; isto
valia para as premiações, para a contratação de professores, para a compra de obras de arte e
para a escolha do bolsista na Europa, além do fomento dos ciúmes. Uma passagem de
Mocidade Morta exemplifica o problema do reconhecimento oficial do mérito artístico
daqueles que estavam fora da Academia: Julião Vilela (personagem de Villares) chega ao
atelier de Agrário de Miranda (personagem de Belmiro de Almeida) furioso por ter tido uma
obra sua recusada pela Academia; no seu lugar haviam sido compradas outras, no seu ver,
inferiores plasticamente. “Aqueles casmurros d’Academia aceitaram a paisagem do Feliciano,
uma bota, como sabes, e com o resto da verba compraram o quadrinho do Benedito. [...]
quiseram humilhar-me, quiseram ferir-me dando preferência a Feliciano... Um brochador que
ainda pinta com verde inglês e usa noir d’ivoire nas sombras!... Isto é para enlouquecer um
homem.”9
A ausência de mecanismos transparentes e justos que revelassem os que tinham
mérito artístico se mostrou no concurso do Premio Viagem de 1887, também já abordado no
capítulo anterior, do qual Sá participou. Diariamente saíram nos jornais, no mês de novembro
deste ano, artigos indignados com o escândalo do possível favorecimento do aluno vencedor.
Neste concurso, Rodolpho Bernardelli se colocara como defensor dos alunos, criticando a
capacidade da comissão da AIBA em avaliar trabalhos em pintura histórica e questionando a
cedência do prêmio a Oscar Pereira da Silva. A imprensa chegou a insinuar que o artista era
protegido da Princesa Regente e que, por isso, vencera o concurso.10 Para Bernardelli e parte
da imprensa, Belmiro de Almeida era o melhor, mas não se tornou aluno bolsista na Europa às
expensas do Prêmio Viagem. A atitude, desafiadora, de alguns artistas que se opunham ao
resultado foi efetiva: Rodolpho Bernardelli, Angelo Agostini e Rodolpho Amoedo
concederam uma bolsa de estudos a Belmiro para que fosse se aperfeiçoar na Europa,
conforme julgavam ser justo.11 Belmiro partiu em 1888.12

8
Bellas Artes. O Paiz, 09.08.1886.
9
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta...p. 46-47.
10
Prêmio – protestos dos professores da Academia. Novidades. 11.11.1887.; De palanque. Novidades.
19.11.1887.
11
As críticas á AIBA vindas de São Paulo também se direcionavam ao Prêmio Viagem, entre outras.
O governo do Estado criou em 1892 um Prêmio próprio, destinado exclusivamente aos paulistas.
Sobre o assunto ver: CHIARELLI, Tadeu. A EBA vista de São Paulo: instrumentalizando a instituição
a partir de um nacionalismo de viés paulista. 180 anos da Escola Nacional de Belas Artes. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1998.
124

Notou-se nos artigos de jornais sobre o assunto que, neste momento, ocorria a
construção de idéias importantes para os anos subseqüentes, quando estourou a revolta dos
alunos da AIBA em 1890: que as proteções pessoais nas artes eram inaceitáveis, pois geravam
injustiça, e por conseqüência, revolta; que Rodolpho Bernardelli era um revolucionário; que
os alunos deveriam se coligar e fazer uma gritaria contra o governo; que ou a Academia se
reformava ou fechava suas portas; e que dois grupos estavam constituídos, os a favor e os
contra a Academia.13 Havia também artigos defendendo o resultado do Prêmio Viagem,
argumentando que o princípio do favoritismo era louvável, que os críticos dos jornais não
tinham condições de julgar, que Bernardelli e Zeferino eram ingratos e que era inacreditável a
Princesa Regente ter seu favorito e influir no resultado.14 Com o debate instituído na imprensa
e provavelmente discutido de forma acalorada nos cafés e “em frente à espuma dos chopes”,
usando uma expressão de Vera Lins,15 estavam lançadas as bases da revolta dos insubmissos.
As exposições particulares que se intensificaram entre 1887 e 1889, inclusive com
a participação de Villares, também são demonstrativas do desejo da ampliação do campo
artístico para além do círculo oficial da Academia. Exemplo dessa demanda é a criação do
Atelier Moderno, em 1889. Um atelier privado, inédito no Brasil, criado especialmente para
exposições artísticas, com cuidados de iluminação inclusive, onde vários artistas expunham e
vendiam suas obras. 16 Havia alguns outros Salões de exposição no Rio de Janeiro, como o
Vieitas, a Galeria Moncada, Clement, De Wilde, mas não eram espaços criados
adequadamente para exposição de pinturas.

12
Um acto de R. Bernardelli – Carta e subscrição a Belmiro de Almeida. Revista Ilustrada,
07.04.1888.
13
De palanque. Novidades, 10.11.1887; GUANABARINO, Oscar. Artes – Academia de Bellas Artes.
O Paiz, 10.11.1887; Bellas Artes – Premio. Revista Ilustrada, 13.11.1887; FRIVOLINO. Scena XVIII.
A Época, 13.11.1887; GUANABARINO, Oscar. Artes – Academia de Bellas Artes. O Paiz,
10.11.1887; VERON. Academia de Bellas Artes – A Sereníssima Princeza Regente. 15.11.1887;
Notas – Premio Viagem. Gazeta da Tarde, 15.11.1887.
14
Prêmio - protesto dos professores da Academia. Novidades, 11.11.1887; Premio Viagem. A Época,
13.11.1887; Microcosmo. Jornal do Commercio, 13.11.1887; Chronica da Semana. Gazeta de
Noticias, 13.11.1887; Noticiário. O Paiz, 15.11.1887; Academia de Bellas Artes. Jornal do
Commercio, 16.11.1887.
15
LINS, Vera. Gonzaga Duque – a estratégia do franco-atirador. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.
1991. p. 21.
16
Bellas Artes – Atelier Moderno. Diário do Commercio, 16.06.1889; Bellas Artes – Atelier
Moderno. Gazeta de Noticias, 14.07.1889; Ecchos Fluminenses – Atelier Moderno. O Paiz,
15.07.1889; Bellas Artes – Atelier Moderno. Revista Ilustrada, 20.07.1889; 27.07.1889; 07.08.1889;
17.08.1889 e 1.08.1889; Bellas Artes – Atelier Moderno. Diário de Noticias, 13.09.1889.
125

Positivismo e uma política artística republicana – a atuação de Villares

Menos de uma semana após 15 de novembro, ocorreu uma grande reunião dos
“homens de letras e jornalistas” no foyer do jornal/revista Variedades, para redigir um
manifesto de adesão à República, criar uma subscrição para erguer um obelisco a Tiradentes,
no local da forca, e organizar uma passeata em comemoração ao novo regime. Durante o ano
de 1890, outras reuniões foram feitas visando consolidar uma organização representativa do
grupo, destinada a definir uma legislação sobre a propriedade literária e tratar dos interesses
econômicos da classe.17 No mesmo período, reuniões de artistas também ocorriam visando
regulamentar o meio profissional, idéia a que Villares, Cordeiro e Aurélio se opuseram.
O trio iniciou suas intervenções políticas tentando neutralizar a petição que outro
grupo de artistas ― pintores, desenhadores, escultores, gravadores e arquitetos ― enviou ao
Ministro do Interior, Aristides Lobo, em dezembro de 1889.18 Estes artistas, entre eles
Rodolpho Bernardelli, Amoedo, Estevão Silva, Fachinetti e outros, reunidos em três sessões,
redigiram o requerimento que reivindicava a obrigatoriedade do ensino de desenho em todos
os níveis escolares, a exigência de que operários das oficinas do governo tivessem noções de
desenho, a proteção profissional aos habilitados a darem aulas de desenho e o direito de
somente arquitetos e engenheiros construírem edificações.
Cardoso mostra que o ensino técnico e industrial, cuja base eram as disciplinas de
desenho, tinha na AIBA uma situação ambígua, dividindo as opiniões e balizando sua política
institucional. Ora a instituição fundava aulas noturnas, voltadas para a formação de artífices,
ora encerrava as disciplinas de gravura de medalhas ou de desenho de ornatos e figuras. A
baliza dessas tendências era a divisão nas artes entre útil e belo, entre a formação de um
artífice ou de um artista, que para o autor era fruto de uma contraposição positivista.19 No
entanto, viu-se que o positivismo defendia a manutenção do belo nas artes, na sua forma mais
clássica, como maneira de atingir o aperfeiçoamento moral. O sentido prático dado às artes se
devia a seu poder regenerador social. A leitura que os brasileiros fizeram do positivismo
contribuiu para a institucionalização do ensino mais profissionalizante ou prático. No que

17
Homens de letras. Diário do Commercio, 21.11.1889; Jornal do Commercio, 21.11.1889;
18.05.1890; O Paiz, 07.05.1890; 08.05.1890; 15.05.1890; Diário de Noticias, 05.06.1890.
18
Estudo de desenho. Diário do Commercio,. 05.12.1889, 09.12.1889, 21.12.1889; Floccos. Correio
do Povo, 09.12.1889. Os artistas que participaram da reunião foram os seguintes: Rodolpho
Bernardelli (Relator), Rodolpho Amoedo (Relator), Facchinette (Presidente), Valle Souza Pinto,
Teixeira da Rocha (Secretário), Vasconcelos (Secretário), Souza Lobo (Relator), Estevão Silva, Vilas
Boas, Rocha Fragoso.
19
DENIS, Rafael Cardoso. A Academia Imperial... p. 181.
126

tange à proposta de Villares, de cunho mais ortodoxo, era manter o ensino nos ateliês em uma
relação de mestre e aprendiz, abolindo o ensino acadêmico.
É possível que a petição dos artistas, com um caráter nitidamente regulatório e de
proteção à profissão de “desenhadores”, portanto extensivo a todos os artistas, fosse uma
tentativa de prevenção às idéias de Miguel Lemos e Teixeira Mendes sobre a liberdade das
profissões e contra os privilégios dos títulos acadêmicos, que vinham sendo publicadas desde
o início do século XIX, mas isto é apenas uma hipótese.20 Se esse era o intuito dos artistas, o
texto de Villares e seus colegas ia no outro sentido. Pretendiam protestar, pois o momento
republicano, diziam eles, era de advento das liberdades públicas, e não dos privilégios e
monopólios de castas e diplomas que mascaravam as aptidões reais dos artistas. Com este
texto, o trio positivista inaugurou suas relações de divergência com os artistas liderados por
Rodolpho Bernardelli quanto ao destino das belas artes na República e assumiu uma posição
de outsider do meio artístico oficial.
Já na esperada primeira exposição republicana, aberta em 26 de março e encerrada
em abril de 1890, a ausência de Villares e Aurélio foi notada. “Foi com magoa que notei a
lamentável ausência dos dous pintores brasileiros dos mais distinctos, Décio Villares e
Aurélio Figueiredo, arredados da Academia por prejuízos de seita, que sou, aliás, o primeiro a
respeitar.”21 Entre os boatos de que os estatutos da Academia seriam reformados, surgiu o de
que se chamaria Congresso de Pintura e Arquitetura e de que também já havia o projeto
positivista que a extinguia, criando um ensino livre de artes.
O Salão de 1890 foi muito controverso, pois os professores que compunham a
comissão julgadora ― Pedro Américo, Domingos de Araújo e Silva e João Maximiliano
Mafra ― teceram severas críticas aos trabalhos dos participantes, afirmando que entre as 300
obras expostas avultavam as mediocridades, que tinham dificuldades em atribuir os prêmios e
que após cinco anos de espera por uma exposição oficial, ela deveria ser menos pobre e
decepcionante. Críticas sobraram para os professores Rodolpho Bernardelli e Rodolpho
Amoedo, que participavam, mas não concorriam.22 Viu-se que décadas antes vinha se
formando a idéia de que a salvação da Academia estava na mudança de seu quadro docente.

20
As primeiras publicações da IPB sobre o assunto foram estas: MENDES, Teixeira. Contra a criação
de uma Universidade. 1882; OLIVEIRA. J. Mariano. O ensino obrigatório no Paraná. 1885; LEMOS,
Miguel e MENDES, Teixeira. A obrigatoriedade do ensino. 1886; LEMOS, Miguel. A liberdade
espiritual e o exercício da Medicina. 1887. IPB
21
Flocos. Correio do Povo, 14.03.1890.
22
FREIRE, Laudelino. Um século de pintura. Época de desenvolvimento – quarto período: 1889-
1916. O parecer da Comissão está transcrito quase na íntegra. http://www.pitoresco.com/laudelino
127

Os professores antigos – os velhos – deveriam se aposentar e dar lugar aos novos. Nos jornais,
Rodolpho e Henrique Bernardelli, Antonio Parreira, Rodolpho Amoedo, Eliseu Visconti,
todos com quadros expostos no Salão de 1890, eram chamados os novos. Com a República,
esse conflito de gerações se acirrou, e é possível que a crítica da comissão julgadora do Salão
o refletisse. Mas é possível também que a crítica fosse eminentemente artística, fruto de um
diálogo estético interrompido entre os velhos mestres e seus pupilos, muitos destes expondo
suas obras feitas no estrangeiro que demonstravam o entusiasmo por novas tendências
plásticas, ainda que acadêmicas.23
Na imprensa, especialmente na Gazeta de Noticias e na Revista Ilustrada, os
elogios aos expositores eram abundantes, principalmente a Rodolpho Bernardelli, que era
visto como operando um Renascimento artístico no Brasil. As críticas negativas a ele e
Amoedo vinham do Diário do Commercio, expressas nos artigos de um certo Cosme Peixoto,
pseudônimo que chegou a ser considerado do Centro Positivista, pela coincidência das iniciais
e pelos elogios ao projeto e trabalho de Villares e Aurélio, expostos em um Barracão no Largo
de São Francisco.24 A imprensa estava dividida quanto aos projetos de Villares e de
Bernardelli; os alunos também estavam.
Em 17 de junho de 1890, Aurélio de Figueiredo presidiu uma reunião de alunos-
artistas, sem a presença de Rodolpho Bernardelli, Rodolpho Amoedo e Décio Villares, ou de
qualquer outra autoridade da Academia, em que foi questionada a utilidade da AIBA, assim
como a qualidade de seu corpo docente. A primeira proposta não causou maior discussão, e
concluíram que a Academia era nociva às artes e inútil; no entanto, os presentes se dividiram
quanto à quarta proposta, de criar oficinas de belas artes em vez de manter a Academia. A
votação desse ponto foi adiada.25 Diante do perigo de que tema de tal monta ficasse restrito à

23
Existe grande controvérsia na historiografia e crítica de arte sobre as origens do modernismo no Rio
de Janeiro e São Paulo. Alguns contestam que esses alunos da AIBA, ainda com uma produção no
final dos oitocentos afinada com o academicismo, já estivessem produzindo rupturas estéticas. Para
Migliaccio, Rodolpho Amoedo era a liderança da renovação estética na passagem para o século XX,
até mais que os irmãos Bernardelli.
MIGLIACCIO, Luciano. Rodolfo Amoedo. O Mestre, deveríamos acrescentar. In: MARQUES, Luiz
(org.). 30 mestres da pintura no Brasil. São Paulo: MASP. 2001. p. 32-33.
24
Cosme Peixoto era o pseudônimo de Carlos de Laet, um dos fundadores da Academia Brasileira de
Letras. Era católico fervoroso e professor do Colégio Pedro II. Monarquista convicto, na República
discursou a favor da manutenção do nome do Colégio em homenagem ao Monarca e foi exonerado.
Até 1888 escrevia textos na coluna Microcosmos, do Jornal do Commercio, inclusive criticando “os
descalabros do positivismo ortodoxo”. No Diário do Commercio, em 1890, escrevia muitos editoriais.
www.academia.org.br Sobre a participação de Carlos de Laet na fundação da ABL consultar:
RODRIGUES, João Paulo C. S. A dança das cadeiras – literatura e política na ABL. Campinas:
Unicamp, 2001. p. 44-48.
25
Reunião de artistas. Diário do Commercio; 17.06.1890. Gazeta de Noticias. 17.06.1890.
128

discussão de alguns artistas e um grande grupo de alunos, quatro dias depois, os professores
Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoedo conduziram uma outra reunião, agora com a
presença de Villares, que a secretariou. Nesta havia uma aliança entre os proponentes dos
diferentes projetos visando pressionar o governo para que a Academia passasse por alguma
reforma. Aurélio também colaborava emprestando seu Barracão-atelier para sediar o
recolhimento de assinaturas dos aderentes da idéia.26
A união, assim, de todos os artistas, inclusive dos positivistas, e de alunos e
professores demonstrava uma estratégia de enfraquecimento e desqualificação da Academia,
além de seu abandono, visando obter um posicionamento do governo provisório e do Ministro
da Instrução Publica, que ainda não havia se manifestado. A tática funcionou, pois, em 25 de
junho, Benjamin Constant recebia Rodolpho Bernardelli, Rodolpho Amoedo, Aurélio de
Figueiredo, Manoel Teixera da Rocha, Baptista Castagneto, Francisco Ribeiro e Pardal Mallet
(que também tinha um projeto de reforma da Academia) para ouvir as demandas da classe
artística.27 Nota-se que Villares não foi mencionado, mas é provável que também estivesse
presente. Havia neste período uma grande animosidade da imprensa com o Centro Positivista,
ao qual o nome do artista era associado e, por isso, omitido de eventos que liderava. Benjamin
Constant prometeu que iria considerar os três projetos de reforma e montar uma comissão
para estudá-los.
Aguardando assim as providências do Governo Provisório, lançaram na imprensa
um apelo de subvenção para cursos públicos e gratuitos, que seriam temporários, pois, dizia o
artigo, o General Benjamin Constant prometera resolver o problema do ensino artístico.28 Vê-
se assim que a montagem do Atelier Livre era uma medida provisória de pressão política
junto ao governo, não de iniciativa de Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoedo apenas,
como costuma ser afirmado na historiografia, mas uma ação conjunta de todos os artistas
insubmissos, inclusive Villares, visando aguardar as providências do Governo Provisório
quanto aos projetos de reforma do ensino artístico em discussão pela categoria artísitica.

O malogrado projeto positivista

Como se viu, a categoria artística brasileira no final dos oitocentos chegou a


cogitar sobre a extinção da Academia de Belas Artes. Quando Villares propôs o projeto de

26
Artes e artistas – reunião de artistas. O Paiz. 21.06.1890; 22.06.1890.
27
MALLET, Pardal. Pela Academia III. Gazeta de Noticias. 26.06.1890.
28
Artes e artistas – Cursos de Belas Artes. O Paiz. 26.06.1890.
129

extinção em dezembro de 1889, o assunto não era novidade; via-se o assunto tratado na
maioria dos artigos jornalísticos que faziam crítica de arte e à Academia. O impactante foi a
formalização da idéia sob forma de projeto encaminhado ao Governo Provisório. Não
esqueçamos que ainda em dezembro a imprensa se dedicava à outra polêmica envolvendo
Villares: a bandeira nacional de inspiração positivista, que encontrou forte resistência,
inclusive entre os republicanos.29
Visando se diferenciar dos proponentes dos demais projetos, iniciam alertando
que eram republicanos desde adolescentes e que não haviam ganho favores monárquicos, nem
participado de arranjos acadêmicos. Eles identificavam que o problema artístico estava no
monopólio da Academia, que levava a duas conseqüências negativas: a concentração do
ensino na capital, que fomentava o clientelismo nas províncias para que os estudantes fossem
estudar no Rio de Janeiro, e a venalidade artística. O projeto atacava assim dois problemas: o
ensino e a profissão. A proposta positivista de uma política para as artes se fundava na
distribuição de pensões artísticas para alunos e professores, que em contrapartida
contribuiriam para a difusão das artes a todas as classes e idades, nas escolas e museus
públicos. Para a viabilização de tal projeto, fazia-se necessário extinguir a Academia e fundar
um Museu Nacional de Belas Artes, que reuniria obras originais, e museus estaduais, cujo
acervo seria formado por cópias realizadas por pensionistas do Estado.30
Os alunos receberiam pensões para estudar em ateliês dos mestres, fazer trabalhos
para participar das exposições gerais anuais e lecionar rudimentos das artes nas escolas
públicas; para isso, deveriam estar dispostos a viajar a outros estados do país. Os artistas
mestres receberiam pensões para lecionar artes em seus ateliês, participar de comissões de
júri, fazer cópias das obras importantes para serem distribuídas nos futuros museus dos
estados e estar dispostos a perder a posse de seus trabalhos que também iriam para o museu.
Mas os pensionistas só receberiam tal proteção artística se dessem provas de moralidade e
civismo.
Com esse sistema, a Academia seria totalmente prescindível, já que o ensino
artístico se daria nos ateliês, e cada aluno poderia escolher que mestre, técnica, especialidade
e escola artística gostaria de seguir. As exposições e premiações, tão importantes em um meio

29
Sobre a resistência à bandeira positivista consultar: CARVALHO, José Murilo. A Formação...
30
A idéia positivista de fundar museus era para que os adultos, que não freqüentavam mais a escola,
pudessem ainda tomar contato com as artes.
Segundo Durant, com a República, o ensino de artes via Escolas de Belas Artes se ampliou nos
estados. Foram fundadas escolas em Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Manaus e Belo Horizonte.
DURANT, José Carlos. Arte, privilégio... p. 64.
130

que se regula pela competição, também seriam mantidas, pois o Estado assumira o
compromisso de realizar as exposições anuais dos alunos e premiar os artistas que realizassem
obras de “largo fôlego”, atentando: “1º. ao arrojo e magnitude da concepção, 2º. à nobreza e
importância do assunto e 3º. à maestria de execução técnica.”31 Vê-se assim que Villares
manteve uma coerência com a concepção positivista de estética em que não é a qualidade
técnica que predomina na avaliação de uma obra de arte. A exigência de credenciais morais e
cívicas do artista reforça esse aspecto positivista.
Outro ponto que caracteriza o positivismo do projeto, polêmico como o da
qualidade técnica, é o do Prêmio Viagem extensivo a todos os brasileiros que se julgassem
capazes de competir. Tentando garantir o Prêmio Viagem aos não artistas, os positivistas
defendiam, assim, que a arte poderia ser executada por todos, independente do talento técnico,
bastava a intenção moral de realizá-la. Lembramos ainda que o apoio que a IPB deu a
Montenegro Cordeiro, que era professor e queria tornar-se pintor de retratos, exemplifica bem
a flexibilidade do positivismo com relação aos que estariam habilitados a realizar arte.
O trio positivista propôs um projeto baseado na observação da realidade do ensino
artístico brasileiro, da situação dos alunos de belas artes e da profissão dos artistas. Percebe-se
que aproveitaram parte das discussões dos artistas sobre o futuro profissional da classe,
expressas na petição de obrigatoriedade do ensino de desenho, que também estavam atentos a
uma categorização entre artistas aprendizes (aos que ainda estavam estudando) e artistas
profissionais e que não deixaram de tratar do sensível assunto das premiações, que mobilizava
a atenção dos jovens estudantes de arte. Com um projeto contextualizado nos problemas do
mundo artístico, Villares buscava responder às demandas da classe, como a venalidade, as
contratações, as exposições, o ensino, porém de uma forma que implodia com seus principais
pilares. Ver-se-á mais adiante que a estratégia tomada pelos artistas insubmissos foi
questionar o sistema artístico, forçar mudanças, mas mantê-lo.

Jovens insubmissos no final dos oitocentos – a visão de Gonzaga Duque

O fim dos oitocentos e os primeiros anos republicanos foram um período dos


jovens. Lemos mostrou como os jovens da Escola Militar, deixando de ser crianças,
começavam a viver como atores sociais, projetando um futuro e também formas de

31
VILLARES, Décio, CORDEIRO, Montenegro, FIGUEIREDO, Aurélio de. Projecto de reforma no
ensino das artes plásticas apresentada ao Cidadão Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do
Interior. Rio de Janeiro: Tip. Central, 1890. MCBC
131

transformação da sua realidade. Para essa juventude militar, o cientificismo, para uns, e, para
outros, o positivismo eram referencial da visão de mundo e de intervenção social.32 Um grupo
de jovens literatos, inicialmente liderados por José do Patrocínio na folha abolicionista
Cidade do Rio, foi analisado por Silva. A autora percebeu que essa geração boêmia da década
de 1880 ficou caracterizada pela imagem de um literato militante, cuja literatura e exercício
jornalístico eram vistos como “campo privilegiado de intervenção política, onde a pena era
antes de tudo uma arma dotada de forte poder transformador.”33
Gonzaga Duque, também integrante do Partido Abolicionista liderado por José do
Patrocínio, iniciou sua carreira muito jovem, e suas propostas estéticas “se articulam com um
projeto político específico e um programa de modernidade estética e social para o Brasil, com
o qual artistas contemporâneos estavam comprometidos.”34 Para Alexandre Eulálio, o
romance Mocidade Morta é uma crônica de grupo (de uma mocidade), um balanço da geração
de uma época e um impiedoso retrato coletivo, mas também “uma visão subjetiva do
protagonista doente do egotismo.”35 Gomes mostra que Gonzaga Duque publicou Mocidade
Morta dois anos após a controversa fundação da Academia Brasileira de Letras. Esta
Academia, tal qual a AIBA, era “situada como um lugar avesso ao progresso estético e ao
engajamento político das novas gerações de artistas”36 e também tinha seus “velhos”,
representados por Machado de Assis.
O romance situa-se entre os anos de 1886 e 1888 e tem como foco a articulação de
um movimento que o autor chamou de Zut! (Basta! Chega!), cujo principal protagonista é o
próprio Gonzaga Duque, auxiliado por Belmiro de Almeida, e apoiado por outros alunos
artistas, e por Villares. Tal movimento, levado por “os novos” ou “os insubmissos”, tinha
como liderança Gonzaga Duque (Camilo Prado) e Belmiro de Almeida (Agrário de Miranda),
participando ainda os artistas-alunos Isaltino Barbosa e Firmino Monteiro (ambos Sabino
Gomes), Benevenuto Berna (Lossio), Maurício Jubim (Franklin) e Arthur Lucas (Artur de

32
LEMOS, Renato. Benjamin Constant – vida e história. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999. p. 271-272.
33
SILVA, Ana Carolina Ferracin da. Entre a pena e a espada: literatos e jacobinos nos primeiros
anos da República. Campinas: Unicamp. 2001. p. 5-6. (Dissertação de Mestrado)
34
VERMEERSCH, Paula F. Por uma arte brasileira: a pintura acadêmica no final do segundo Reinado
e a crítica de Gonzaga Duque. Rotunda. Campinas. n. 2, agosto de 2003. p. 23.
___ Notas de um estudo crítico sobre A Arte Brasileira, de Gonzaga Duque. Campinas: Unicamp,
2002. (Dissertação de Mestrado)
35
EULÁLIO, Alexandre. Estrutura Narrativa de Mocidade Morta. GONZAGA DUQUE. Mocidade
Morta... p. 278.
36
GOMES, Ângela de Castro. Os intelectuais cariocas, o modernismo e o nacionalismo: o caso de
Festa. Luso-Brazilian Review. v. 42. n. 1. 2004. p. 85.
132

Almeida)37 e se voltava contra os professores da AIBA, “a falange gloriosa”, cujo principal


representante era Pedro Américo (Telésforo). “Uma tarde, nas colunas da folha explodiu o
Zut. Camilo soltou o primeiro grito num ousado folhetim, escalpelando condições
antiestéticas do meio fluminense e, sob a ironia fundibulária da sua prosa, apresentava o Zut
como um – bando rebelde – proclamando a liberdade absoluta das escolas, salvando e
dignificando a Arte.”38
Na obra, Gonzaga Duque resume o inconformismo daquela geração que se sentia
alijada dos acessos que a Academia poderia proporcionar, além da impetuosidade juvenil que
tomava para si a tarefa de transformar seu mundo circundante. A ação transformadora se daria
por meio do Zut. Camilo sugere a Agrário que fosse agremiar seus colegas artistas para
fazerem o Zut e vão buscar o apoio de Julião Vilela (lembro que é o personagem de Villares),
que era visto como um artista independente, pois havia abandonado a Academia e se formado
na Europa. Agrário se colocava como o autor da idéia: “Eu no entanto rebelava-me contra a
Academia, procurava realizar o meio prático de abafá-la, de aniquilá-la; fundaria ateliers
livres e retiraria do ensino oficial os mais adiantados discípulos, despertaria a atenção do
público para os nossos esforços com exposições anuais, levantaria nossa profissão...”39 Julião
Vilela prontamente se dispôs a colaborar com essa proposta. Villares era considerado um
natural artista insubmisso, pois ousara abandonar a academia, ganhar prêmios na Europa,
recusar o cargo de professor na Ècole de Beaux Arts de Paris e voltar ao Brasil como artista
consagrado, além de ter bom trânsito entre pessoas importantes, como o próprio Benjamin
Constant, por exemplo. Com isso, Gonzaga Duque sentencia então a participação de Villares
nos eventos: “O Julião vai propor ao governo a fundação de ateliês livres, já tem projeto
pronto.”40
Vêem-se nas falas dos personagens de Mocidade Morta alguns elementos que
reportam a eventos que envolveram os jovens artistas no final dos oitocentos, como os ateliês
livres, as reuniões de artistas, as exposições independentes e um projeto para o ensino das
artes. O autor, não pensava em reformar da Academia, mas em aniquilá-la por meio de ações
independentes e conjuntas dos artistas. O que chama a atenção ainda é que Gonzaga Duque
não atribuiu a liderança do movimento para a formação do Atelier Livre a Rodolpho
Bernardelli, Rodolpho Amoedo e Zeferino da Costa, como comumente a imprensa e a

37
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta... p. 88-89.
38
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta... p. 80.
39
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta... p. 48.
40
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta... p. 153.
133

historiografia o faz; eles nem sequer têm personagens fictícios no romance. Agrário e Camilo
são os cabeças da idéia e buscaram o apoio de Julião Vilela. Preocupado, assim, com a autoria
da revolta do Zut, Gonzaga Duque se questionava em 1897: “Quem havia criado essa revolta?
Quem a fizera?...”41 O próprio romance era a resposta...
Podem-se levantar três hipóteses sobre porque o autor assume a protagonização
dos eventos de revolta contra a Academia e não há referência a Bernardelli e outros artistas. 1
– O romance foi escrito em 1897, quando Rodolpho Bernardelli já estava consagrado como
diretor da EBA e era escultor oficial do governo republicano, reproduzindo as atitudes
clientelistas que Gonzaga Duque condenava. 2 – Visto que o livro foi escrito com dez anos de
distanciamento dos eventos, pode-se considerar também que o autor, desiludido com os rumos
que a EBA tomara sob o projeto de Rodolpho Bernardelli, passou a demonstrar simpatias pelo
positivismo e pelo projeto de Villares de extinção da Academia.42 Por isso, coloca Villares
como um dos insubmissos e omite os demais artistas. 3 – É possível ainda que Gonzaga
Duque guardasse mágoas de Bernardelli por ter sido o responsável pela viagem de Belmiro à
Europa, que durou seis anos, tirando o artista, o mais insubmisso, segundo o crítico, do
circuito brasileiro. Uma rápida passagem de Mocidade Morta revela que o crítico se sentia
abandonado pelo companheiro de revolta, mas compreendia a atitude de Belmiro em
aproveitar a oportunidade de estudos na Europa; no entanto, com decepção, comparava-o a
Pedro Américo pela capacidade de adaptar-se às exigências e colher benefícios.43
Em 1907, Gonzaga Duque retomou o assunto da revolta dos insubmissos e
esclareceu um pouco mais a participação de Villares nos eventos. Coerente com a narrativa de
Mocidade Morta, ele situa o início da revolta dos alunos contra o arcaísmo dos regulamentos
da AIBA em fins de 1887. O autor, junto com um grupo de artistas alunos da AIBA

41
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta... p. 226.
42
Estudiosos da biografia e obra de Gonzaga Duque afirmam que ele era influenciado pelo
positivismo. Para Chiarelli, o crítico apegara-se a uma concepção de arte moderna que abandonava os
temas ligados à tradição e, tal qual o positivismo, enaltecia os valores morais da contemporaneidade,
representados nos temas doméstico e familiar. Gonzaga Duque também era influenciado por Taine e
Veron, que não se distanciavam das concepções de Comte acerca da imitação e expressão dos
sentimentos nas artes. CHIARELLI, Tadeu. Gonzaga Duque: a moldura e o quadro da arte brasileira.
Gonzaga Duque. A Arte Brasileira... p. 32-36, 39. Vermeersch salienta que a admiração de Gonzaga
Duque pelo escultor Almeida Reis não se restringia apenas à sua obra, mas também ao positivismo,
como pode ser visto no livro Mocidade Morta. A influência de Taine (que tomou conhecimento da
estética positiva) no livro A Arte Brasileira é inegável. VERMEERSCH, Paula F. Notas de um
estudo... p. 39, 78. Para Vera Lins, no entanto, Gonzaga Duque era um crítico irônico do positivismo.
LINS, Vera. Imagens que pensam os trópicos. http://www.casaruibarbosa.gov.br e Gonzaga Duque:
crítica e utopia na virada do século. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa. 1996. p. 13.
43
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta… p. 228-229.
134

identificados com as idéias de extinção da Academia e de formação de Ateliês Livres como


alternativa ao ensino oficial vigente, recorreu ao apoio de Villares para implementar a
renovação no ensino artístico,44 pois este tinha prestígio, experiência e possuía amizades e
simpatias de “dinheirosos”. O artista aceitou colaborar, mas a parceria durou pouco. “Após
duas ou três solemnes conferências, a que assistiram pessoas que nos podiam coadjuvar,
começou [Villares] teimosamente a nos exigir orientação positivista nos projectados cursos!
Estava perdida a nossa esperança.”45
Pela narrativa de Gonzaga Duque, o positivismo de Villares foi o ponto de
desacordo e de rompimento do artista com esse grupo de alunos insubmissos. No entanto, o
Atelier Livre, que na narrativa de Gonzaga Duque parece ter sido sua idéia, foi montado pelo
outro grupo, o de Rodolpho Bernardelli, e o crítico não se inclui na iniciativa. Diz ele: “Estava
perdida a nossa esperança. Desistimos da tentativa e desanimados, cada qual foi tratar de sua
vida como poude. [...] A debandada foi tristíssima.”46 Segundo Gonzaga Duque, outros
alunos, apoiados por Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoedo, freqüentaram o Atelier
Livre no Largo de São Francisco, no barracão que serviu de espaço para a exposição da tela
de Aurélio de Figueiredo, A Redenção do Amazonas, o também signatário do projeto de
extinção da AIBA. Villares apoiou a iniciativa, juntando-se a Rodolpho Bernardelli, o que
acabou por finalmente frustrar as expectativas de Gonzaga Duque.
Em 1907, o crítico lamentava a falta de sucesso do projeto de Villares, muito sério
e útil, ainda que calcado nas idéias comtistas e também a promulgação do projeto de
Bernardelli, que era a manutenção de um ensino oficial para as artes, semelhante ao das
Academias da Europa, semelhante à própria AIBA. O texto Aranheiro da Escola, escrito por
ocasião da abertura do Salão de 1907, servia para criticar as atitudes de Rodolpho Bernardelli
e Rodolpho Amoedo quanto à falta de transparência na escolha do júri para aquele concurso e
a manutenção do nepotismo e da guerra de ambições na Academia. Usando os eventos da
reforma da Academia como exemplo e integrando o grupo de insubmissos que se rebelava
contra o sistema clientelista e bajulador,47 o crítico entendia que a reforma de Rodolpho
Bernardelli parecia promissora em 1890, porém, em 1907 ele estava emaranhado na teia do

44
GONZADA DUQUE. O aranheiro da Escola. Kosmos, Ano IV/08. Agosto de 1907.
45
GONZADA DUQUE. O aranheiro...
46
GONZADA DUQUE. O aranheiro...
47
A exposição do quadro Rendição de Uruguaiana, de Pedro Américo, e a atitude e elogios dos
visitantes, ficcionada em Mocidade Morta, revelam um pouco das críticas de Gonzaga Duque ao
sistema bajulador e clientelista em que a Academia estava envolvida. GONZAGA DUQUE. Mocidade
Morta… p. 15-28.
135

aranheiro.

Os “Modernos X Positivistas” na construção de Frederico Barata

O livro Eliseu Visconti e seu tempo foi elaborado a partir de entrevistas de


Frederico Barata com o artista e publicado em 1944, logo após a morte do entrevistado.48 Em
algumas de suas páginas, o autor relata os eventos de revolta dos alunos-artistas que
precederam a reforma da AIBA em 1890. Percebeu-se que, neste trabalho, o autor criou uma
confusão cronológica sobre os eventos, reduziu o inconformismo artístico do final dos
oitocentos à proposta de reforma da AIBA, fundou uma dicotomia entre os artistas envolvidos
e, segundo pesquisa de Cavalcanti, inventou a nomenclatura “Modernos.”49 Em que pese, tais
problemas na construção dessa narrativa, é interessante observar a forma como Frederico
Barata, por meio das lembranças de Eliseu Visconti, apresentou a versão da polêmica dos
Modernos X Positivistas na criação do Atelier Livre e seu Salão e na proposição de projetos
de reforma da AIBA.
O livro foi publicado após a morte de vários artistas envolvidos nos
acontecimentos e em um período em que o positivismo estava em franca decadência cultural,
portanto, bastante combatido pelos intelectuais brasileiros, processo já evidente nos anos de
1930. Segundo Frederico Barata, em meados de 1889 os professores Rodolpho Bernardelli e
Rodolpho Amoedo abandonaram a Academia para apoiar um grupo de alunos rebelados que
montaram o Atelier Livre, no Largo de São Francisco. O professor Zeferino da Costa não
abandonou a Academia, mas colaborou no Atelier. Esses, os Modernos, monopolizavam as
simpatias da imprensa e ganhavam apoiadores – professores que davam aulas de pintura,
artistas feitos que davam conselhos e apoio moral e patrocinadores que pagavam as despesas.
Estes últimos eram alguns dos que haviam feito a subscrição para Belmiro de Almeida ir
estagiar na Europa. Tal grupo tinha como alunos mais ardorosos Eliseu Visconti, Fiúza
Guimarães e Rafael Frederico, que abandonaram as aulas da Academia. Segundo Barata, os

48
Uma conversa que tive com Mário Barata, na sede da Associação Brasileira de Imprensa – Rio de
Janeiro ― revelou que seu tio, Frederico Barata, havia feito durante anos uma extensa pesquisa nos
jornais cariocas sobre a polêmica Modernos X Positivistas, mas perdera a pasta com todas as suas
notas. É possível que ao escrever o livro Eliseu Visconti e seu tempo, o autor tenha contado então
apenas com suas memórias e a entrevista com Visconti.
49
CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. O conceito de modernidade e a Academia Imperial de Belas
Artes do Rio de Janeiro. Relatório Final de Bolsa de Recém-Doutor EBA/UFRJ/CNPq. 2001.
Agradeço à autora pela gentileza da disponibilização de seu texto inédito, que foi fundamental para a
confirmação de minha pesquisa.
136

Modernos nada tinham de revolucionários quanto à estética; mesmo seu principal mentor,
Rodolpho Amoedo, continuava sendo artista acadêmico. Quanto aos anseios de mudança no
ensino das artes, o grupo dos Modernos visava a uma reforma ampla nos estatutos da
Academia, dando maior liberdade de didática aos professores, renovando sua direção e
restabelecendo o Prêmio Viagem.50
Os positivistas eram os mais radicais, defendiam a extinção da Academia e
pareciam diferentes “mas no fundo, eram os mesmos depositários fidelíssimos do espírito da
Missão Francesa”51. Eles também eram insubmissos, até mais que os Modernos, porém
ficaram apenas no plano das idéias e não das ações. Para Barata, os positivistas Décio
Villares, João Montenegro Cordeiro e Aurélio de Figueiredo não eram contra o ensino
acadêmico, apenas desejavam ampliá-lo aos alunos mais desfavorecidos e garantir emprego
aos artistas no magistério das artes; para isso, não bastava somente reformar os estatutos da
Academia, como queriam os Modernos, mas era necessário modificar a base do ensino
artístico.52 Viu-se porém, que a garantia de emprego, na ótica dos positivistas, não se daria por
meio da regulamentação profissional via diplomas acadêmicos.
Para pressionar o governo, os dois professores da Academia e um grupo de alunos
a abandonaram e fundaram o Atelier Livre. O governo, por seu turno, não resistiu à revolta e
acabou por nomear esses professores para montar um projeto de reforma da Academia. Barata
conclui que a vitória dos Modernos foi completa.
O primeiro problema evidenciado na descrição de Barata é quanto ao período dos
acontecimentos: o autor situa a disputa entre os Modernos X Positivistas nas vésperas
republicanas e mais adiante no texto refere-se à insubmissão como ocorrida em 1888.53
Problema menor de cronologia, apenas uma troca de datas, se os eventos não fossem

50
BARATA, Frederico. Eliseu Visconti e seu tempo. Rio de Janeiro: Zelio Valverde, 1944. p. 29-37.
51
BARATA, Frederico. Eliseu Visconti... p. 27-37.
52
BARATA, Frederico. Eliseu Visconti... p. 29-37.
53
Quando li pela primeira vez o livro de Frederico Barata fiquei muito intrigada com as datas
apresentadas para os eventos dos insubmissos. Perguntava-me se tal movimento teria ocorrido ainda
na Monarquia. Parecia-me que um movimento de rebelião e questionamento institucional por que
passava a Academia combinava mais com os ânimos republicanos. Quando fiz a pesquisa nos jornais
cariocas publicados neste período, consultei todo o ano de 1888 e não encontrei informação alguma
sobre o assunto. Concluí que aquele primeiro jornal consultado não tratou do assunto. Assim,
pesquisei no AEL-Unicamp os jornais Gazeta da Tarde (MR1587), Gazeta de Noticias (MR967),
Jornal do Commercio (MR 1389) e Revista Ilustrada (MR 837), e nada foi encontrado com relação ao
tema. O mistério se avolumava, e passei a consultar os jornais publicados em 1889. As primeiras
notícias sobre o projeto de Villares apareceram em dezembro deste ano. Acrescentei então à pesquisa
os jornais O Paiz (MR1082) e Correio do Povo (MR2114) e a estendi a 1890, quando o movimento
dos insubmissos se acirrou.
137

exatamente no período de instalação do regime republicano. Seria inimaginável a montagem


do Atelier Livre e a conseqüente atitude insubmissa e contestatória que assumiu, não só contra
o regulamento obsoleto da Academia, que não era cumprido, mas também contra o sistema de
privilégios em que alguns professores estavam imersos, no regime monárquico. Poder-se-ia
pensar que os insubmissos integrassem os movimentos contestatórios à Monarquia, realizando
um discurso pró-República; neste caso esta data se justificaria; no entanto, não havia
argumentação neste sentido. Os revoltosos se batiam pela reforma da Academia e por uma
renovação dos princípios meritórios nas artes, bem ao encontro dos discursos ufanistas que
dominavam no início do novo regime. Com isso, a polêmica artística tratada por Barata
ocorreu em fins de 1889 e ao longo de todo o ano de 1890; portanto, era um movimento de
pressão para reinstitucionalizar a Academia em moldes republicanos.
O segundo ponto a ser discutido é uma certa simplificação dos eventos de forma a
concluir com a vitória dos Modernos. Viu-se que, já desde meados do século XIX, os
estatutos da Academia vinham sendo questionados e sua inoperância respondida por ações
independentes, como a exposição dos alunos em 1886 e 1887 e as exposições particulares, nos
quais Eduardo de Sá e Villares participavam. Percebeu-se também que Villares esteve
presente nas reuniões de artistas que originaram a instalação do Atelier Livre e também
Aurélio de Figueiredo, que cedeu seu Barracão para montá-lo. Segundo Gonzaga Duque,
Villares foi uma liderança importante no movimento dos insubmissos, que acabou se unindo
aos Modernos, informação que Barata não fornece. Com isso, entende-se que o autor, com o
intuito de mostrar a vitória dos Modernos, visto que o relato teve como fonte de informação
um dos integrantes, eclipsou a participação dos positivistas nos eventos contestatórios. A
dúvida de Gonzaga Duque, manifesta em uma das reflexões de seu personagem em Mocidade
Morta, acabou sendo mantida por Barata muitas décadas depois. Quem fizera a revolta?
Foram os alunos, foram os professores da Academia, foram os positivistas, foi Gonzaga
Duque e Belmiro de Almeida, foi Eliseu Visconti e seus colegas acadêmicos, foi Décio
Villares ou foi Rodolpho Bernardelli?
Um terceiro problema imprescindível de discussão foi a ratificação da dicotomia
Modernos X Positivistas. Ao analisar o conceito de modernidade nos discursos sobre a
Academia, Cavalcanti também tratou do tema abordado por Barata e chegou a uma
importante conclusão: o autor cunhou o grupo dos insubmissos liderados por Rodolpho
Bernardelli de Modernos à revelia das denominações usadas na época. Ela evidenciou que a
imprensa se referia aos insubmissos como os Novos, termo também usado por Gonzaga
Duque, designando, portanto, todos os artistas que eram contra o sistema da Academia,
138

inclusive Villares. A denominação Modernos para se referir aos apoiadores de Rodolpho


Bernardelli não consta na documentação da época e ela não foi usada isenta de interesses.54 O
uso do termo Novos para nomear todos os envolvidos nos acontecimentos da revolta colocaria
Modernos e Positivistas lado a lado, ainda que com projetos diferentes. O uso do termo
Modernos leva o leitor de Barata a pensar que, por oposição, os Antigos (ou os Atrasados)
eram os positivistas, construção oportuna quando da publicação do livro.
O livro foi publicado em 1944, quando já estava consolidado na historiografia o
uso do termo Moderno ou Modernidade atribuído às manifestações da Semana de 22,
movimento contestatório e insurgente contra o academicismo; no entanto, os “Modernos” de
1890 não eram antiacadêmicos, tampouco os positivistas que pregavam a extinção da
Academia.55 É possível que Visconti ou Barata tenham se confundido com o já referido
Atelier Moderno em funcionamento durante o ano de 1889. O termo Moderno para designar o
atelier era por conta de suas inovadoras instalações e funcionamento.
Não foi possível identificar porque Gonzaga Duque e Frederico Barata não se
referiam aos mesmos artistas para tratar do assunto dos insubmissos da Academia. Notou-se
que divergiam quanto à liderança e quanto aos alunos revoltos. Há certa coerência na divisão
do grupo ao se comparar os citados em Mocidade Morta e em Eliseu Visconti e seu tempo; no
entanto, o mistério continua. Talvez houvesse dois grupos de alunos que não se uniram
mesmo quando o fizeram as lideranças Bernardelli e Villares. Colocados lado a lado os
personagens das duas obras que tratam desse mesmo evento, percebe-se que os personagens
são diferentes, como pode ser visto no quadro abaixo.

Alunos citados/obra

Mocidade Morta Eliseu Visconti e seu tempo

Artur Lucas Bento Barbosa


Benevenuto Berna Fiúza Guimarães
Firmino Monteiro Rafael Frederico
Gonzaga Duque Eliseu Visconti
Isaltino Barbosa França Júnior
Maurício Jubim

Percebeu-se, nas diferentes versões sobre os insubmissos contra o sistema de

54
CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. O conceito de modernidade... p. 34 e 40.
55
MARQUES, Luiz. 30 mestre... p. 22.
139

ensino artístico, que cada grupo ou personagem reivindicava a primazia das idéias de reforma
ou extinção da Academia e também a autoria e liderança do Atelier Livre. É possível notar,
nos relatos biográficos e em narrativas memorialisticas de políticos, militares, escritores e
artistas que viveram a passagem do século XX e os anos iniciais de República, um tom
ufanista acerca daqueles tempos, em que esses narradores se colocavam como os
protagonistas das mudanças e os autores das idéias, normalmente projeções que homens no
final da vida tinham de sua juventude. Isto parece ter ocorrido também com Visconti.

Décio Villares e suas relações com a AIBA e ENBA

O relacionamento tenso de Villares com a instituição de ensino de artes não data


de 1890. Viu-se em sua biografia, no capítulo anterior, que o artista freqüentou por pouco
tempo e de forma irregular a AIBA, partindo muito jovem para estudar na Europa, o que foi
visto como uma rejeição à instituição de ensino. Quando voltou, em 1881, trouxe prêmios e
reconhecimento da crítica francesa, o que contribuiu para sua respeitabilidade no meio
artístico brasileiro, inclusive na AIBA, onde por duas vezes teve seu nome indicado para
professor honorário de pintura, não se sabe se com sua anuência.
Victor Meirelles era professor da disciplina de pintura histórica desde 1862 e teve
cinco substitutos até 1890.56 Em 1887, Villares foi eleito junto com o pintor paulista José
Ferraz Almeida Junior para esta disciplina, mas ambos nunca assumiram. A argumentação
dos diretores A. Tolentino e Ernesto Gomes Moreira Maia em ofícios ao Ministro dos
Negócios do Império, em favor de Villares, dizia que era por ter talento não vulgar, recebendo
assim simpatia popular. Embora informasse que não participava das exposições da Academia
e que a pinacoteca não possuía nenhuma de suas obras, era pintor histórico aplaudido em
exposições particulares e que pela sua habilidade poderia servir em qualquer uma das
respectivas aulas de pintura. As informações também relacionam seu nome ao de Pedro
Américo.57
Interessante é que, em maio de 1888, Villares lançou a subscrição para o quadro A
Epopéia Africana, com amplo apoio do Centro Positivista. A ligação de seu nome a essa
associação e a argumentação de uma estética positivista da descrição da obra, amplamente
divulgada na imprensa, pareciam ser irrelevantes para os professores que o elegeram e para os

56
FERNANDES, Cybele Vidal Neto. O ensino de pintura....p. 37.
57
Oficio ao Ministro dos Negócios do Império. 27.02.1888. IE7 - 49 -1888. n. 263. AN.
Oficio ao Ministro dos Negócios do Império. 05.09.1888. IE7 - 49 -1888. n. 255. AN.
140

diretores da Academia que o recomendavam ao Ministro. Pode-se pensar que não era bem
claro para os colegas que o avaliavam o significado e extensão da adesão de Villares à estética
comtiana. Talvez não percebessem que o programa de Comte para as artes ia, como se viu no
primeiro capítulo, de uma narrativa histórica e avaliação das escolas artísticas à luz dos
conceitos positivos, passando por uma crìtica às artes contemporâneas, até uma proposta de
renascimento positivista, essencialmente fundamentado no ensino de artes; Villares aderiu à
tal proposta, porém não foi o que aconteceu com a linha de ensino artístico implementada por
Branardelli.
A disseminação de textos sobre estética positivista era muito tímida no Brasil e na
França também não foi corrente. O levantamento bibliográfico para a pesquisa indicou que,
exceto as publicações da IPB, que serão analisadas no próximo capítulo, poucos textos sobre
arte positivista foram publicados no Brasil. Um crítico de arte chamado Luiz de Andrade,
publicou uma série de artigos na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, sobre o quadro A
Batalha do Avahy, de Pedro Américo. Ele se dizia “discípulo humilde da grande escola
positivista”58, no entanto não recorreu à conceituação de estética positivista para analisar o
quadro da Batalha. Em 1917, Vicente Licínio Cardoso, engenheiro e ex-aluno da Escola
Politécnica do Rio de Janeiro, se candidatou a cadeira de história da arte na ENBA
apresentando uma tese de filosofia da arte, baseada no positivismo, mas não obteve aprovação
neste concurso. Ele se tornou professor da Escola anos mais tarde.59 Levantamento
bibliográfico no acervo do MNBA, que originalmente pertencia à biblioteca da ENBA,
revelou que não havia livros sobre estética positivista a disposição dos alunos estudantes de
belas artes. Nem mesmo o livro de Hippolyte Taine, Philosophie de l’art, influenciado pelo
cientificismo comtiano, integrava a biblioteca da Escola.60
Defendendo os princípios estéticos positivistas é que Villares recusou o cargo de
professor e, mais tarde, propôs o projeto de reforma do ensino artístico e de extinção da
Academia. Em maio de 1889, enviou, assim, ofício ao Ministro dos Negócios do Império
declinando do cargo para o qual havia sido eleito. Vale reproduzir parte da carta pela

58
ANDRADE, Luiz de. A Batalha de Avahy, quadro do Dr. Pedro Américo. Gazeta de Notícias,
23.10.1877; Bellas Artes ― A Batalha de Avahy. Gazeta de Notícias, 29.10.1877; Bellas Artes ― A
Batalha de Avahy. Gazeta de Notícias, 02.11.1877.
Agradeço a gentileza de Hugo Guarilha que me forneceu cópias destes artigos, fruto de sua pesquisa
de mestrado na Unicamp.
59
CARDOSO, Vicente Licínio. Filosofia da Arte ― síntese positiva e notas à margem. Rio de Janeiro:
Leite Ribeiro, 1918.
60
TAINE, Hippolyte. Philosophie de l’art. Paris: Libririe Hachette, 1905.
Agradeço a gentileza de Mary K. Shinkado, bibliotecária do MNBA, pelas informações sobre o acervo
bibliográfico.
141

argumentação que o artista fazia sobre o mal de instituições de ensino como a AIBA. Essas
são suas primeiras opiniões públicas sobre a Academia, as quais, ao final deste mesmo ano,
empolgado pelas esperanças republicanas, transformou na campanha pela extinção.

Com efeito, estou hoje convencido, graças às luzes adquiridas ultimamente a


respeito destes assuntos, que as instituições acadêmicas são tão prejudiciais à
animação e desenvolvimento das verdadeiras vocações estéticas, como opostas a
toda a regeneração moral e social. Como a ciência, e mais do que ela, a arte
atrofia-se sob os moldes acanhados de um ensino oficial mal instituído, e acaba
por prostituir-se entregue às competições e aos pequenos interesses pessoais que
semelhantes instituições fatalmente determinarão.61

As artes, mal ensinadas nas Academias, estimulavam o egoísmo e o


desenvolvimento do materialismo, condenável no positivismo por subtrair-lhe a função social
moral. Os artistas, seduzidos pelos ganhos e elogios, competiam apenas por razões pessoais e
não cumpriam sua tarefa altruística. O afastamento completo de Villares da Academia foi
fruto da decepção de que ela, com a reforma republicana, manteve o que ele vinha criticando
desde o Imbpério, já expresso na carta: os privilégios pessoais, a venalidade e a competição
puramente plástica. Práticas agora postas em prática pelo diretor Rodolpho Bernardelli.
As realizações escultóricas durante o Império foram muito tímidas, resumindo-se
a dois monumentos no Rio de Janeiro: a Pedro I e a José Bonifácio. Assim como na Franca,
foi na República que a estatuamania brasileira ganhou força, tendo Rodolpho Bernardelli
concentrado grande parte das encomendas oficiais instaladas na capital. Com seu projeto de
reforma implementado na Escola de Belas Artes, solidificou seu status no meio artístico e
pôde criar uma rede de influências no governo e de favores e comprometimentos entre alguns
artistas em troca de apoio na direção da Escola. Weisz salienta que Rodolpho Bernardelli se
estabeleceu no ramo escultórico em um período em que os demais escultores estavam se
aposentando e em que Almeida Reis, o único que tinha condições de lhe fazer frente, era
estigmatizado na Academia. O escultor Bernardelli estava quase sozinho nesse ramo, conclui
ela.62
Com isso, ele conseguiu centralizar grande parte das encomendas do governo
federal e influenciar na contratação de outros artistas para pintura, por exemplo. É corrente
encontrar-se na documentação da Escola, hoje depositada no MNBA, ofícios de membros do
governo solicitando ao Diretor Bernardelli indicações de artistas para decoração de prédios,

61
Oficio ao Ministro do Império. 03.05.1889. IE7 - 49 -1888. n. 261. AN.
62
WEIZ, Suely de Godoy. O caráter ideológico da estatuaria comemorativa – o monumento ao
General Osório. Anais da ANPAP 1996. http://www.arte.unb.br/anpap/weisz.html
142

confecção de telas e painéis, etc, ou minutas de cartas do mesmo indicando colegas artistas
para realizarem obras para o governo.
O poder que Rodolpho Bernardelli atingiu no meio artístico ia além de sua
qualidade escultórica e também lhe legou um grande número de desafetos, inclusive Villares,
que havia sido seu colega de Academia e grande amigo quando das estadas de ambos na
Europa. Em 1895, a administração de Bernardelli na Escola parecia sofrer um duro golpe:
alguns de seus antigos colegas que haviam apoiado o Atelier Livre e a reforma da Academia
novamente se rebelavam, agora contra sua administração. Era a “injustiça dos colegas
desafeiçoados”, segundo Rodolpho Bernardelli. Villares era o terceiro a subscrever o abaixo-
assinado e enquete feita por Antonio Parreiras em que questionava se a ENBA promovia o
desenvolvimento das artes no país e se seu ensino era bem orientado. 24 artistas, pintores,
arquitetos e escultores votaram que não.63
Cosme Peixoto, conhecido por ter uma rusga pessoal com o escultor Bernardelli e
que em 1890 criticou seu projeto e aproveitava para chamar a atenção que as demais folhas
nada mais eram do que seus louvadores, voltou à carga de repreensões, cinco anos depois,
quando o artista já era Diretor da Escola, reclamando do monopólio do escultor:
“Multipliquem-se, pois, as estátuas dos grandes homens – mas para fazel-as [sic] todas não
haja um só projetista, o sr. Rodolpho; um só estatuário o sr. Bernardelli; um só contractante o
sr. Director da Escola Nacional; e um só privilegiado o sr. Professor sem discípulos.”64
Gonzaga Duque também não se furtava de criticar suas atitudes concentradoras: “O Sr.
Professor Rodolpho Bernardelli, Diretor perpétuo e senhor absoluto da escola de Bellas Artes,
não sei commendador de várias ordens estrangeiras, conselheiro esthetico do governo e outras
instituições, monopolizava todas as admirações e todos os trabalhos.”65
Com o “aparelhamento” que Rodolpho Bernardelli fez da ENBA e com o poder
alcançado ao longo de quase 25 anos na direção, sua situação sempre foi alvo de muitas
críticas por parte dos artistas atentos à estrutura clientelista que se estabelecera na Escola após
a República. Os favorecimentos a seu irmão Henrique Bernardelli, por exemplo a compra do
quadro Os Bandeirantes, contra o parecer da comissão de professores encarregada de julgar a
obra e por um valor também contestado, pois foi o quadro de maior valor adquirido pela
Escola entre 1890 e 1903, segundo levantamento na documentação sobre a ENBA no Arquivo

63
Abaixo-Assinado. 15.11.1895. Pasta n. 8, doc n. 413. MNBA.
64
Citado em: WEIZ, Suely de Godoy. O caráter ideológico...
65
Citado em: WEIZ, Suely de Godoy. Rodolpho Bernardelli, um perfil do homem e do artista segundo
a visão de seus contemporâneos. 180 anos de Escola... p. 251.
143

Nacional,66 colaborou para o controvertido status do escultor-diretor no meio artístico durante


a República. Contribuía ainda para a situação o fato de Rodolpho Bernardelli não ser
brasileiro, estimulando sentimentos nacionalistas com relação às artes por parte de seus
críticos. Boa parte das reclamações sobre sua administração na Escola, que levaram a sua
deposição do cargo em 1915, segundo depoimentos reproduzidos em Laudelino Freire,
referiam-se à “estrangeirice” de Rodolpho Bernardelli.67

As encomendas e o espólio artístico de Villares nos museus oficiais

O idealismo de Villares no que se referia a uma maior distribuição de


oportunidades de trabalho a todos os artistas não combinava com a direção dada por
Rodolpho Bernardelli à administração da ENBA, também não às suas estratégias para
concentrar as encomendas oficiais. Villares, no entanto, não se tornou seu crítico explícito,
tampouco seu aliado; manteve sempre uma reserva quanto aos assuntos da Escola. O artista
positivista também ficou à margem das encomendas oficiais do governo federal e da compra
de suas obras para a pinacoteca da Escola, que passavam pelas indicações do Diretor
Bernardelli, e também não participou mais de exposições oficiais. Muitos anos após essa
contenda sobre a ENBA, Villares explicou sua posição, quando Borges de Medeiros queria
que o artista expusesse nas dependências da Escola e submetesse sua maquete para o
monumento a Pinheiro Machado à avaliação dos professores da instituição. Villares assim
justificou sua retirada do concurso:

Já no tempo do Império, coherente com os princípios religiosos e políticos que


acceito, recusei o logar de professor da Escola de Bellas-Artes. Logo apoz a
Republica, recusei igualmente o convite de Benjamin Constant para dirigir a
mesma Escola, sempre invocando os princípios da liberdade de ensino. Ainda por
este motivo não tenho concorrido às exposições realizadas naquelle
estabelecimento de ensino artístico superior official. Eu não poderia, pois, hoje,
sujeitar-me voluntariamente ao julgamento da alludida Escola, porquanto isto
importaria em concorrer eu para prestigiar o academicismo, a que sempre me
oppuz.68

Este posicionamento Villares quanto ao academicismo e à arte oficial influenciou


as encomendas artísticas. Ele teve poucos contratos com o governo federal, sendo os mais

66
IE7 107 – 1890 a IE7 117 – 1903. AN.
67
FREIRE, Laudelino. Um século de pintura. Época de desenvolvimento...
68
Carta de Décio Villares a Borges de Medeiro. Porto Alegre. 28.10.1916. n. doc. 6365. IHGRS.
144

importantes o firmado com Benjamin Constant, enquanto Ministro da Instrução Pública,


Correios e Telégrafo, para a confecção do quadro A Epopéia Africana, em 1890, a
participação na comissão de decoração do Palácio do Catete, transformado em Palácio
Presidencial, em 1896, e a pintura do teto da sala de leitura João Antonio Marques, da
Biblioteca Nacional, em 1897.
A história do quadro a Epopéia Africana no Brasil exemplifica bem as noções de
Villares acerca da fatura de uma obra de arte: a subscrição popular, o papel do poder público,
a função do objeto artístico e as obrigações sociais do artista. Antes ainda de propor um
projeto positivista ao sistema artístico, que, como vimos, prescindia de uma escola de artes e
previa um sistema de proteção artística a todos que se sentiam verdadeiramente inspirados nos
valores morais e patrióticos, Villares tentava pôr em prática tal modelo de subvenção para
realizar o quadro A Epopéia.
O lançamento de subscrição para o quadro saiu cerca de dez dias depois da
69
abolição. O esboço foi exposto na Galeria Glacê Elegante e depois passou a ser confiado ao
Centro Positivista, na rua do Ouvidor. Após um ano de campanha, Villares inaugurava seu
atelier-barracão na base do Morro de Santo Antônio, nos fundos do Teatro Pedro II, em um
terreno cedido pelos militares, para executar a tela de seis metros de comprimento. Foi
durante essa campanha que Villares publicou quatro textos, valiosos aqui porque, por meio
deles, podemos compreender como o artista praticou o sistema de subscrição que chamava de
pensão artística, que não era diferente do praticado por outros artistas que buscavam apoio
público e popular para subvenção, exceto por não recorrer à legitimidade da AIBA, nem dos
pares artistas que validariam a qualidade estética da proposta. Villares, na condição de artista
que não dependeu da AIBA para tornar-se respeitado, nem de sua rede de influências para
conseguir encomendas, colocava-se na condição de independente do sistema artístico. Lembro
que foi com esse quadro que Villares iniciou sua fase positivista.70
Na ótica de Villares, deveria, primeiro, expor o esboço ao exame público; se a
idéia fosse aprovada, deveria então continuar com o trabalho e recolher as contribuições. Vê-
se, assim, que não é ao meio artístico que Villares submete a avaliação de sua proposta, mas
ao público, que, comovido com o esboço, contribui para realizá-lo, completando-se então a
tarefa da arte: mobilizar os sentimentos. De certa forma, é o sucesso ou não da subscrição que

69
Outros esboços também estavam sendo propostos, como o de Firmino Monteiro, de Pedro Américo
e de seu irmão Aurélio de Figueiredo. O esboço de Pedro Américo é de 1889 e pertence ao acervo
artístico dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo. O quadro não foi realizado.
70
VILLARES, Décio. Discurso pronunciado pelo pintor Décio Villares ao inaugurar os trabalhos de
seu quadro commemorativo no dia 13 de maio de 1889. Rio de Janeiro: Typ. Central, 1889. MCBC
145

é o elemento de avaliação meritória. O artista também é avaliado se é digno do que está


propondo. O julgamento, assim, é moral, não é plástico. O público, para ele, são cidadãos
comuns e homens de governo que possuem um mandato para tomar decisões para a
coletividade, tanto no aspecto da pertinência ou necessidade artística, quanto no financeiro.71
Mesmo buscando financiamento nas câmaras provinciais e no Congresso
Legislativo, Villares entendia que não realizaria uma obra oficial, própria das feitas sob
encomenda, pois não havia intervenção oficial na proposta, apenas a sanção do poder público.
Outro aspecto que ressaltava para se distinguir das iniciativas dos colegas artistas era que a
obra não seria vendida, mas doada à Câmara Municipal do Rio de Janeiro; no seu
entendimento, voltaria assim ao povo. Para ele, essa sistemática resultaria em liberdade de
criação de uma obra estética – com síntese filosófica e verdade histórica – “e não uma
mercadoria de encomenda, ajeitada aos preconceitos de uns e aos interesses de outros”.72
Para obter verba para construir o barracão, Villares recorreu ao Ministro da Justiça
Rosa e Silva e também solicitou verba ao Congresso Nacional; para a licença de edificá-lo em
propriedade militar, obteve o apoio do Coronel Cantuária. Em maio de 1889, no primeiro
aniversário da Abolição, Benjamin Constant, como Ministro da Instrução Pública, concedeu
uma pensão a Villares para que pudesse se dedicar à pintura da grande tela. Nota-se, assim,
que não via problemas em recorrer aos expedientes oficiais para obter condições de execução
da obra, pois lhe estava assegurada a legitimidade, conferida pela opinião pública. Em tese,
Villares acreditava nesse sistema de auxílios aos artistas e na manutenção da liberdade
artística, mas, na prática, recorria às mesmas atitudes clientelistas e personalistas sustentadas
pelas redes pessoais, porém estas não passavam pela Academia.
Em maio de 1888, o Centro Positivista publicou o folheto explicativo da obra,
apoiando a idéia e conclamando os cidadãos a colaborarem. Seus integrantes também
entendiam que as pensões governamentais a artistas que haviam mostrado seu merecimento
estético e moral impediriam a venalidade, pois estes trabalhariam gratuitamente. Eles não
poderiam vender suas obras, que eram públicas, pois feitas durante o recebimento da
pensão.73 Em outro texto, elogiando a pensão artística que Benjamin Constant concedeu a
Villares, é interessante como os dirigentes da IPB criticavam o sistema de contratação de

71
VILLARES, Décio. A Epopéia Africana no Brazil – 1ª. Circular. Rio de Janeiro. 01.07.1888.
MCBC.
72
VILLARES, Décio. A Epopéia Africana no Brazil – 2ª. Circular. Rio de Janeiro. 21.04.1889. p. 1.
MCBC.
73
LEMOS, Miguel e MENDES, Teixeira. A Epopéia Africana no Brazil do Sr. Décio Villares –
Adezão motivada e apelo ao povo brazileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: IPB. 1935. p. 11-12.
146

artistas para realizarem obras para o governo.

Cumpre mesmo afastar de qualquer concurso para os monumentos que o Estado


erigir aqueles que tiverem dado provas de escandaloza subserviência política.
Porque tais monumentos, recordando quem os ezecutou, constituem
implicitamente uma glorificação de seu autor e, portanto, uma lição
desmoralizadora para os demais cidadãos quando o artista é um tipo indigno de
semelhante celebridade. Por outro lado, a profanação que rezulta de ligar-se uma
memória pouco apreciável a um símbolo destinado a despertar as mais nobres
emoções do nosso coração, prodús nas almas honestas uma perturbação moral
incompatível com a plena eficácia estética e social de tais símbolos.74

Vê-se, assim, que os precedentes morais do artista eram, na ótica destes


positivistas, fundamentais para habilitá-lo a realizar uma obra de arte, isto porque artista e
retratado deveriam ser exemplo. O artista que possuía o aval da opinião pública para seu
trabalho não precisaria se submeter às exigências políticas de partidos ou de conjunturas
históricas. Ele deveria ter, antes de talento, caráter cívico. Ver-se-á no próximo capítulo como
contratantes positivistas levavam em conta o quesito moral do artista para selecioná-lo entre
os demais e como criavam critérios de escolha que atrelavam filosofia política do retratado e
do artista, eliminando possíveis concorrentes tecnicamente superiores.
A sorte do quadro A Epopéia, “a tela malsinada como a raça que pretendia
retratar”, usando uma expressão do próprio Villares,75 não foi de sucesso. Villares de fato
tivera bastante êxito em adquirir subsídios públicos, em montar o barracão, em conseguir
ajudantes de pintura, entre eles o amigo Montenegro Cordeiro, porém a tela de tamanhas
dimensões absorveria muito mais que o ano de trabalho previsto pelo artista. Dez anos depois,
o barracão era destruído por ordem da Secretaria de Obras municipal, que achava que o prédio
estava abandonado. A tela pintada pela metade foi destruída. Villares solicitava agora ao
Município ressarcimento da tela e do material para pintar uma nova A Epopéia. O MNBA
possui uma tela de Villares chamada Lei Treze de Maio, também de 6 metros. Mas não foi
possível vê-la por não estar em boas condições de ser desenrolada. Com isso, não se sabe se
Villares refez a “tela malsinada”.
Mesmo tendo muitas reservas ao sistema de contratação de artistas por parte do
governo, Villares trabalhou junto com Antônio Parreiras na decoração do Palácio

74
MENDES, Teixeira. Esboço de uma apreciação sintética da vida e da obra do Fundador da
República Brazileira.2ª.ed. Rio de Janeiro:IPB, 1913. p. 415.
75
Carta de Décio Villares ao redator do jornal O Paiz, 31.01.1898. Agradeço a gentileza de Fabiana A.
Guerra Grangeia de me fornecer este artigo e outros do jornal O Paiz, de sua pesquisa de mestrado na
Unicamp. Tais textos ajudaram muito a esclarece o destino do quadro A Epopéia.
147

Presidencial, no Catete. Por conta desse trabalho, conseguiu colocar neste espaço muitas de
suas obras, que integram hoje a pinacoteca do Museu da República, com 12 trabalhos,
principalmente óleo sobre tela. Essa coleção foi composta por objetos artísticos procedentes
do próprio Palácio da República e do Museu Nacional de Belas Artes. 76
O Museu Nacional de Belas Artes foi criado em 1937 e absorveu grande parte da
pinacoteca da ENBA. No seu acervo encontrou-se 22 trabalhos de Villares na sessão de
pintura. É surpreendente o número de obras do artista neste Museu, visto sua difícieis
relações com o meio oficial das artes. Mas nenhuma destas pinturas foi vendida pelo próprio
Villares. Quando ele morreu em 1931, sua esposa colocou fogo no atelier, mas não no seu
espólio artístico, que foi comprado pela ENBA, em 1936, e transferido ao Museu de Arte em
1937.77 Na pinacoteca da ENBA, Museu Dom João VI da UFRJ, existem apenas dois
trabalhos de Villares.
A estratégia de Villares, tendo poucas chances de trabalho no governo federal, foi
conquistar outros nichos de encomendantes, como será visto no próximo capítulo.

76
A documentação dessa contratação de Villares não foi localizada no Arquivo Nacional. Grande
parte da documentação gerada pelo Ministério dos Negócios do Interior, responsável pela contratação
de artistas para trabalhos em prédios públicos, está no fundo GIFI deste Arquivo, um fundo não
identificado que abrange todo o Brasil, sendo assim inexeqüível uma pesquisa sobre encomendas de
obras de arte por parte do governo republicano. O Arquivo do Museu da República não possui
documentação sobre a reforma do prédio.
77
ACTOS DO PODER LEGISLATIVO. Lei n. 58 de 24 de maio de 1935. Autoriza a aquisição de
obras de pintura e escultura deixadas pelo artista brasileiro Décio Villares. MNBA.
Termo de ajuste firmado entre a ENBA e a Exma. Sra. D. Dolores de Souza Martins Villares, herdeira
do falecido pintor Décio Villares. Rio de Janeiro, 22.01.1936. MNBA.
148

Capítulo V – Encomendantes positivistas – disputas e alianças

Quem eram os encomendantes de obras de arte positivista e que condições


doutrinárias tinham de negociá-las? Para responder essa questão, necessitamos de início situar
brevemente a bibliografia geral sobre o positivismo no Brasil.
No universo de adeptos e simpatizantes do positivismo no Brasil na passagem para
o século XX, percebe-se uma grande variedade de formas de apropriação da doutrina
comtiana. Não é aconselhável absolutizar o positivismo, nem os positivistas. Como
destacaram Boeira e Carvalho, houve no Brasil um tipo de positivismo difuso, genérico,
retórico, combinado a idéias não positivistas, mas também havia aqueles que liam e citavam
Comte e procuravam pautar seus valores pessoais e suas ações políticas no rigor doutrinário.1
A clássica divisão positivistas ortodoxos e simpáticos ou positivistas religiosos e políticos não
dá conta do assunto se analisarmos os indivíduos, suas idéias e suas práticas de intervenção
social.
Carvalho evidenciou, por exemplo, que os membros da IPB, os chamados
positivistas ortodoxos ou religiosos, se dedicaram à intensa atividade política na passagem do
Império para a República, não somente intervindo nos temas de cunho cívico-simbólico, mas
legislativamente, tentando influenciar o perfil do regime republicano que se implantava no
país.2 Lemos apontou como Benjamin Constant imprimiu a seu trabalho como professor e
militar uma combinação de espírito filantrópico, com fé positivista no progresso ― uma
apropriação muito pessoal e eclética do positivismo.3 No meio militar, Castro evidenciou que
entre os alunos da Escola Militar da Paria Vermelha havia diferentes tipos de positivistas: os
científicos, principalmente interessados nos estudos de matemática, como Comte nos
primeiros anos, e alguns seguidores da Religião da Humanidade. Ele chama a atenção para as
generalizações, já que na Escola também havia aqueles que não eram positivistas.4 No estudo
da biografia de um positivista dirigente da IPB, Carlos Torres Gonçalves, Pezat percebeu que
este aliava militância religiosa à sua função de funcionário público no governo do estado do

1
BOEIRA, Nelson F. O Rio Grande... e CARVALHO, José M. O positivismo...
2
CARVALHO, José M. A Formação... p. 129-140.
3
LEMOS, Renato. Benjamin... p. 235-236.
4
CASTRO, Celso. Os militares e a República – um estudo sobre cultura e ação política. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1995. p. 66-67.
149

Rio Grande do Sul.5 Leal mostrou como Júlio de Castilhos, que estampou na Constituição
gaúcha nítida influência de Miguel Lemos e Teixeira Mendes, leitores estritos de Comte,
recomendou à noiva Honorina leituras de filosofia positiva do dissidente Émile Littré, mas
nenhuma obra comtiana.6
Percebe-se, assim, que não basta comparar a teoria comtiana com as ações dos
positivistas brasileiros; é necessário mostrar de que maneira essa doutrina foi reprocessada no
ambiente intelectual de forma a inspirar práticas de intervenção social. Com isso, veremos que
nem todas as atividades cívicas de exaltação a heróis foram promovidas por indivíduos que
aceitavam o positivismo, nem todos os quadros de pintura histórica sobre Tiradentes tiveram
o positivismo a instruir o artista, e nem todos os projetos de monumento a Benjamin Constant
ou a República tiveram por fundamento a doutrina comtiana. Viu-se inclusive que mesmo os
artistas Décio Villares e Eduardo de Sá, que acreditavam na sua tarefa no renascimento
artístico positivista, nem sempre conseguiam ser coerentes, porque, às vezes, vender um
quadro ou conseguir um contrato eram necessidades que se impunham.
Tem-se como argumento neste capítulo que houve no Brasil encomendantes de
obras de arte que tinham condições de negociar com os artistas positivistas, já que conheciam
a doutrina comtiana no que se referia à estética, até publicando opúsculos e folhetos sobre
arte. Outros encomendantes, com uma idéia meio vaga do positivismo e usando-o como uma
forma de distinção política, contrataram os artistas por estes integrarem uma rede ampla de
positivistas, neste caso, sãos as redes pessoais, as influências e recomendação que imperam.
Ambos os tipos de encomendantes são fundamentais: os primeiros nos ajudam a mostrar que
as obras de arte encomendadas integram práticas políticas que lhes dão mais ou menos caráter
positivista. Ou seja, não é apenas no conteúdo que uma obra é positivista, mas também nos
usos e práticas políticas que os encomendantes farão delas. Os outros nos ajudam a perceber
como o positivismo foi usado para práticas não positivistas, como, por exemplo, o
intimidamento, a exclusão política, o cerceamento das liberdades civis e da opinião pública, e
como obras de arte serviam para esse fim. Como evidenciou Catroga para a o ritualismo
comemorativista português, também influenciado pelo positivismo, a exaltação dos mortos,

5
PEZAT, Paulo R. Carlos Torres Gonçalves, a família, a pátria e a humanidade: a recepção do
positivismo por um filho espiritual de Auguste Comte e Clotilde de Vaux no Brasil (1875-1974). Porto
Alegre: PPG/História – UFRGS, 2003. (Tese de Doutorado)
6
LEAL, Elisabete. Castilhos e Honorina: fragmentos biográficos em cartas de amor. Métis – História
e Cultura. UCS. v. 2, n. 3. 2003. p. 109-127.
150

sob forma de monumento inclusive, pode servir para adular ou ferir os vivos.7 Analisaremos,
assim, três exemplos de encomendantes: os membros da IPB, alguns militares integrantes do
Clube Militar do Rio de Janeiro, mais detidamente Agostinho Raymundo Gomes de Castro, e
os dirigentes do governo do Estado do Rio Grande do Sul.

Parte I – Os encomendantes da Igreja Positivista do Brasil

Datam de 1850 as primeiras manifestações da influência de Comte em textos


esparsos de brasileiros. Segundo Lemos, em 1876 formou-se a primeira organização
positivista, composta por Antônio Carlos de Oliveira Guimarães (presidente), Joaquim
Ribeiro de Mendonça, Benjamin Constant, Álvaro Joaquim de Oliveira, Cristinao batista
Franco, Oscar de Araújo, Francisco Ribeiro de Mendonça, Roberto Trompowsky Leitão de
Almeida. Era uma associação de um grupo amigos que visava organizar uma biblioteca
positivista e fazer cursos científicos; além de tentar reunir diferentes adeptos do positivismo
dispersos no Rio de Janeiro. Neste primeiro momento, Miguel Lemos e Teixeira Mendes não
participavam da associação, embora em relato sobre a história dos primórdios do positivismo
no Brasil, se incluam na lista dos fundadores da agremiação.8
Consolidando essa primeira, iniciativa o grupo fundou em 05 de setembro de 1878
a Sociedade Positivista do Rio de Janeiro, tendo como presidente Joaquim Ribeiro de
Mendonça, filiada à direção geral de Pierre Laffitte. Até então, Miguel Lemos e Teixeira
Mendes não aceitavam o positivismo religioso e estavam aliados a Emille Littré. Durante uma
estada em Paris, converteram-se à Religião da Humanidade e, ao voltar ao Brasil, associaram-
se em 1879 à Sociedade.9 Ainda em Paris, Miguel Lemos recebeu de presente do pintor
brasileiro Rodolpho Amoedo a reprodução do quadro a óleo de Auguste Comte,
originalmente pintado por Étex. Este quadro de Amoedo deu início ao acervo de imagens
incorporadas na IPB.
Miguel Lemos voltou de Paris, no início de 1881, com o título de aspirante ao
sacerdócio da Humanidade, conferido por Laffitte, e paulatinamente as atividades positivistas

7
CATROGA, Fernando. Ritualizações da História. In: História da História de Portugal. Lisboa:
Temas e Debates, 1998. p. 222.
8
LEMOS, Renato. Benjamin... p. 239-240.
9
As atividades da Sociedade Positivista do Rio de Janeiro estão relatadas em: MENDES, Raymundo
Teixeira. Rezumo cronológico da evolução do pozitivismo no Brazil. Rio de Janeiro: IPB, 1930;
LEMOS, Miguel. Resumo histórico do movimento positivista no Brasil. Ano de 1881. Relatório anual
enviado ao Diretor Supremo do Positivismo em Pariz. 2. ed. Rio de Janeiro: IPB, 1981. 1. ed. 1881.
151

passaram ao seu encargo, culminando com a direção da Sociedade Positivista do Rio de


Janeiro, sua dissolução e a fundação da Igreja Positivista do Brasil (IPB), em 11 de maio do
mesmo ano, filiada à Igreja de Paris sob orientação de Laffitte, com quem romperia dois anos
depois.10 A partir da fundação da Igreja, as ações de seus principais líderes, Miguel Lemos e
Teixeira Mendes, rumaram cada vez mais para a ortodoxia religiosa, o que levou a confrontos
e exclusões dos membros fundadores da Sociedade Positivista. Assim se sucedeu com
Joaquim Ribeiro de Mendonça, Benjamin Constant, Álvaro de Oliveira, Luiz Pereira Barreto
e, mais tarde, com Aníbal Falcão, que acabaram saindo da IPB.
Logo após a fundação da IPB, Miguel Lemos fez um acordo com Ferreira de
Araújo, redator chefe da Gazeta de Notícias, para publicar uma coluna especial em seu jornal
chamada Centro Positivista, o que garantiu a divulgação das atividades e textos da Igreja, nos
primeiros anos. Com o abandono dos estatutos da Sociedade, Miguel Lemos visou concentrar
a ação positivista em três estratégias: reunir os adeptos brasileiros em apenas uma instituição,
formar novos crentes e modificar a opinião pública. Ele esclarece seu plano de ação para o
Brasil, dizendo que “a sociedade brasileira oferecia à nossa atividade as condições as mais
favoráveis”; portanto, iria “desenvolver o culto, organizar o ensino e intervir oportunamente
nos negócios públicos.”11
A atuação dos membros da Igreja Positivista, principalmente de seus diretores, se
realizou por meio de estratégias de convencimento e influência, com visitas aos governantes,
envio de publicações, imagens, cartas, publicação de artigos nos jornais. Eles empreendiam
uma propaganda sistemática do positivismo, com ações de caráter político que apontavam
para a extinção da escravidão e da monarquia e, depois, para a consolidação do regime
republicano. Os cidadãos a quem se dirigiam eram das classes liberais.
Lemos entendia que as classes liberais no Brasil eram abertas às inovações, livres
do apego eclesiástico, tendo apenas um deísmo vago. Diferentemente da Europa, em que
grassava uma resistência retrógrada, disse Lemos, a burguesia brasileira tinha extrema
facilidade de aceitar o que é chamado de novo. Assim, a IPB se voltou às classes liberais.

10
Um duplo evento levou ao rompimento. O ex-presidente da Sociedade Positivista do Rio de Janeiro,
Joaquim Ribeiro de Mendonça, fazia parte da Igreja. Ele se candidatou à Câmara dos Deputados e
publicou no jornal a fuga de um de seus escravos. Imediatamente Miguel Lemos o repreendeu pelos
dois erros, já que o positivismo condenava a participação parlamentar e a propriedade de escravos por
adeptos da Religião da Humanidade. Joaquim Mendonça abandonou a Igreja e escreveu a Laffitte
reclamando da ortodoxia de Lemos na direção da mesma. Laffitte, por sua vez, escreveu a Lemos
repreendendo-o por sua intransigência doutrinária, o que levou ao desvinculamento da Igreja brasileira
da orientação religiosa francesa.
11
LEMOS, Miguel. Resumo histórico... p. 21.
152

A situação de nosso proletariado, de origem escrava ou emigratória, não nos


oferece o equivalente do proletariado europeu, sobretudo o das grandes cidades da
França. Aqui a marcha devia ser inversa: dirigimo-nos às classes liberais cuja
conversão arrastará necessariamente a aceitação popular do Positivismo. Na
Europa ocidental é o contrário: aí é o proletariado que há de determinar a
regeneração total.12

Carvalho chamou a atenção para o quanto Miguel Lemos não estava sendo
ortodoxo ao designar as classes médias como veículos da transformação social brasileira. A
tática dos ortodoxos brasileiros tinha finalidade sobretudo política, “com idéias precisas sobre
a tarefa a realizar e os meios a utilizar [...] era um bolchevismo de classe média.”13 Parte
dessas intervenções se deram por meio de textos, e outra, de imagens.

O investimento da IPB na propaganda escrita

É possível perceber a extensão do investimento da IPB na propaganda escrita e na


recorrência dos assuntos políticos. Levantamento em todas as publicações numeradas da
Igreja revelou o número significativo de títulos que tratavam de temas políticos, uma vez que
a Religião da Humanidade era científica, cívica e política. Os adeptos não separavam suas
ações políticas de suas crenças religiosas. No entanto, os folhetos podem se classificados em
três tipos de publicações: as religiosas, aquelas que se referem exclusivamente ao culto e aos
dogmas religiosos da Religião da Humanidade e a episódios ligados aos membros da Igreja;
as publicações políticas, aquelas que se referem à administração pública ou a questões de
definição do regime republicano; e as publicações mistas, que se referem aos dogmas da
Religião da Humanidade e o cotidiano dos cidadãos, o poder temporal e a política
internacional.14

12
LEMOS, Miguel. Resumo histórico... p. 22.
13
CARVALHO, José M. A Formação... p. 138.
14
Em 1996, organizei juntamente com o historiador Paulo R. Pezat o acervo da Capela Positivista de
Porto Alegre. Nesse trabalho, foi possível fazer um arrolamento completo de todas as publicações da
Igreja Positivista, aquelas editadas oficialmente pela instituição no Rio de Janeiro, em Porto Alegre e
em Paris. Esse arrolamento foi publicado em: LEAL, Elisabete e PEZAT, Paulo Ricardo (org.).
Capela Positivista de Porto Alegre: acervo bibliográfico, documental e iconográfico. Porto Alegre:
SMC/Fumproarte; PPG/História-Ufrgs, 1996. 155p.
153

Publicações da Igreja Positivista classificadas em Religiosa, Política e Mista

Período Tipo De Publicação


Religiosa Política Mista Total* Total de publicações
1881-1890 45,3% 28,1% 26,6% 100 64
1891-1900 53,3% 18,9% 27,8% 100 90
1901-1910 33,3% 13,9% 52,7% 99,9 165
1911-1920 33,6% 14,6% 51,9% 100,1 158
1921-1930 54,9% 16,1% 29,1% 100,1 93
Total 570
* Nem todos os totais são exatamente 100, devido ao arredondamento das porcentagens.

Nota-se no quadro que as publicações classificadas como políticas e mistas


somadas resultaram na maioria das publicações da Igreja.15 Destaca-se, na primeira década, o
maior volume de publicações de cunho político; não por acaso é o período de propaganda e
instalação da República no Brasil, no qual os positivistas da Igreja se engajaram ativamente
no debate. Das 570 publicações apresentadas no quadro, 80 delas possuem no título as
palavras república, republicano ou republicana, e em 47 títulos aparece a palavra política. A
alta porcentagem de publicações mistas nas décadas de 1901 a 1920 provém da campanha
antivacinista por ocasião da Revolta da Vacina, na primeira década, e da oposição à Primeira
Guerra Mundial, na segunda.
Toda essa produção editorial foi feita com a contribuição financeira dos adeptos da
Igreja. Com uma gráfica própria instalada em 1893, nas dependências do Templo, os
membros da Igreja traduziam e publicavam obras de Comte, editavam textos, gravuras,
folhetos e livros, que eram enviados aos governantes, aos legisladores e a todos aqueles que
poderiam influir politicamente. As publicações poderiam também ser compradas na sede da
Igreja. Procura-se, assim, mostrar a dimensão cívico-religiosa nas ações da Igreja Positivista,
cuja produção de textos é completada pela encomenda, ou incentivo, de obras artísticas, não
só para culto religioso, como também para culto cívico.

Religião e política nas obras de arte da IPB

Miguel Lemos entendia que a sociedade brasileira estava ávida por uma solução
civilizatória para o país, além de ser muito favorável a celebrações de todo tipo, e o
positivismo oferecia isso. Relatando as festas da Sociedade Positivista, e depois da IPB,

15
A partir de 1930, nota-se um contínuo decréscimo no número das publicações, tendo-se nas décadas
de 1930, 52 títulos; 1940, 26 títulos; 1950, 8 títulos e 1960, 3 títulos. Nas décadas de 1930 e 40 existe
uma porcentagem elevada de publicações políticas e mistas versando sobre o militarismo e a II
Guerra.
154

afirmou que essas manifestações acabaram por despertar a curiosidade do público brasileiro
pela nova religião. Comte já havia adiantado que as nações americanas, por sua colonização
ibérica, seriam as mais indicadas a aceitarem a Religião da Humanidade. Primeiro, porque
não tinham ainda um clero poderoso, corporações dominantes, tradições parlamentares e nem
um industrialismo opressor; segundo, porque o entusiasmo natural das populações ibéricas,
combinado com as tradições católicas de adoração à Maria, iria acolher com simpatia a nova
religião e suas festas.
A IPB seguiu os preceitos comtianos do uso de obras de arte em celebrações
religiosas e cívicas. Miguel Lemos afirmou: “O Positivismo é sobretudo uma religião
cívica.”16 Essa visão de positivismo mostra a estratégia adotada pelos líderes da IPB voltada
para as classes médias, com mais condições escolares de compreender a mensagem positivista
nos textos e imagens do que a população imigrante, proletária ou escrava. Os anos anteriores à
proclamação da República, justamente o período de afirmação da IPB enquanto uma
instituição que se propunha debater e influenciar a sociedade brasileira, foram propícios para
arregimentar essas classes médias para um projeto político com fins religiosos, e, por isso, a
IPB tornou-se tão empenhada no emprego de imagens dos heróis nacionais. A seguir,
apresenta-se a reprodução de duas fotografias sem referência de data, de altares cívicos
organizados pelos positivistas membros da IPB, cujos elementos de culto religioso e cívico se
integravam.

Altar cívico montado na Capela Positivista de Porto Alegre. CPPA

16
LEMOS, Miguel. Resumo histórico... p. 29.
155

Destacam-se os bustos de Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant, José


Bonifácio, Tiradentes e Floriano Peixoto.

Altar montado no Templo da Humanidade, Rio de Janeiro, IPB.

Destacam-se na fotografia os bustos de José Bonifácio, Tiradentes e Benjamin


Constant, Auguste Comte, Danton e Cristóvão Colombo.
Podem-se diferenciar dois tipos de obras de arte e a sua relação com a IPB: aquelas
que foram empregadas no culto à Religião da Humanidade, como quadros de Comte, Clotilde,
da Humanidade, dos homenageados do Calendário, que foram encomendadas aos artistas
diretamente pela IPB e integram ainda hoje seu acervo; e aquelas que foram usadas no culto
cívico, como imagens de Tiradentes, José Bonifácio, Benjamin Constant, Danton, Toussaint
L’Ouverture, Camões, Cristóvão Colombo, que também podem fazer parte do acervo da
Igreja ou que tenham recebido apenas incentivo, e não o pagamento, da mesma e que foram
colocadas em espaços públicos. Como os positivistas lutaram para o estabelecimento da
156

separação entre Igreja e Estado, na República, não havia qualquer iniciativa deles para instalar
quadros ou bustos de Comte em espaços públicos.
O quadro a seguir apresenta um inventário do acervo de obras de arte da IPB, no
Templo da Humanidade ― no Rio de Janeiro, na Capela Positivista ― em Porto Alegre, e na
Capela da Humanidade (Casa de Clotilde) ― em Paris.17 Entende-se, assim, por obras da
Igreja as que estão depositadas nestes locais ou que estão em espaços públicos, como é o caso
de monumentos e hermas, mas que foram financiadas pela IBP ou algum de seus membros.
Estão arrolados os quadros, bustos, estandartes, estatuetas, maquetes, monumentos,
litografias, bandeiras e medalhões feitos apenas por artistas brasileiros. Não estão incluídas as
fotografias dos membros da IPB, ilustrações em geral e fotografias de obras de arte. O período
do levantamento inicia-se em 1880, ainda durante a atuação da Sociedade Positivista do Rio
de Janeiro, pois seu acervo foi incorporado à IPB. O inventário possibilita visualizar a
extensão do envolvimento de Décio Villares e Eduardo de Sá na confecção de obras de arte
tanto de culto religioso quanto cívico para a IPB.
Foi possível fazer o inventário porque a IPB costumava fazer inauguração das
obras que eram incorporadas ao acervo, sempre em datas que coincidiam com o calendário
sociolátrico e cívico. Estas festas eram relatadas nos Boletins Mensais e nas Circulares
Anuais, ou em folhetos específicos, mas raramente a Igreja publicava textos dedicados
exclusivamente às obras. Estas podem ser divididas em religiosas (representações de Comte,
Clotilde, homenageados do Calendário, diretores da Igreja) e as cívicas (heróis nacionais).
Somente as obras envolvidas nas festas cívicas tiveram folhetos explicativos publicados.
O quadro está organizado por artista e pelo ano em que a obra passou a integrar o
acervo da IPB. O material consultado não menciona informações como dimensões, valor e
forma de aquisição das obras. Um levantamento in loco no Templo do Rio de Janeiro e na
Capela Positivista de Porto Alegre confirmou os dados obtidos nos folhetos da IPB. O quadro
mostra a implicação da IPB com a confecção de obras de arte, inclusive envolvendo artistas
não positivistas, ao longo de seus 50 anos de atuação sistemática.

17
Esses são os três espaços de culto da IPB. O templo no Rio de Janeiro foi construído entre 1890 e
1897. A casa de Clotilde foi comprada pelos brasileiros e transformada em sala de culto entre 1903 e
1905. A capela de Porto Alegre foi erguida entre 1912 e 1928. A casa de Comte, seu acervo
documental e biblioteca ficaram com os positivistas franceses. A casa foi transformada em sede da
Sociedade Positivista, dirigida por Laffitte. Os positivistas brasileiros, chilenos e ingleses sentiam-se
inconformados com isso e, durante vários anos, fizeram uma subscrição para comprar a casa e resgatar
os papéis de Comte, mas não conseguiram.
157

Inventário do acervo de obras de arte da IPB

Ano Obra Suporte Artista Local Função


Estatueta em
- Humanidade Décio Villares Rio de Janeiro
gesso
Medalhão em
- Clotilde de Vaux Décio Villares Porto Alegre
gesso
Candido Caetano Óleo sobre Pedro Américo
- Rio de Janeiro
de A. Reis Madeira de Figueiredo
Busto em Candido
Celebração do 3o. centenário de morte de
1880 Camões gesso Caetano de Rio de Janeiro
Camões
Almeida Reis
Óleo sobre
tela, cópia do Rodolfo
1880 Auguste Comte Rio de Janeiro
quadro de Amoedo
Étex
Aquarela Rodolfo
1880 Atelier do artista Rio de Janeiro
sobre papel Amoedo
Marquês de Óleo sobre Aurélio de
1882 Rio de Janeiro
Pombal tela Figueiredo
Esboço a
óleo, cópia
do quadro de Aurélio de Ornar o altar da sede provisória na
1883 Humanidade Rio de Janeiro
Rafael, Figueiredo Travessa do Ouvidor, Rio de Janeiro
Virgem-
Sistina
Toussaint- Óleo sobre Aurélio de Comemoração do aniversário da
1884 Rio de Janeiro
Louverture tela Figueiredo Revolução Francesa
Busto em Candido
1885 Danton gesso Caetano de Rio de Janeiro
Almeida Reis
Estatueta em Candido
Imagem da
1889 gesso Caetano de Rio de Janeiro
Humanidade
Almeida Reis
Desenho da ―
1889 Bandeira Décio Villares Rio de Janeiro
Republicana
Busto em
1890 Tiradentes Décio Villares Rio de Janeiro Procissão cívica de Tiradentes
gesso
1890 Danton Litografia Décio Villares Rio de Janeiro Festa cívica de 14 de julho de 1890
1890 José Bonifácio Litografia Décio Villares Rio de Janeiro Festa cívica de 07 de setembro de 1890
1890 Tiradentes Litografia Décio Villares Rio de Janeiro Procissão cívica de Tiradentes
Estandarte da Óleo sobre
1890 Décio Villares Rio de Janeiro Abriu a procissão cívica a Tiradentes
Humanidade tecido
Imagem da Óleo sobre Ornamentação do Altar do Templo no Rio
1891 Décio Villares Rio de Janeiro
Humanidade tela de Janeiro
Busto em
1896 José Bonifácio gesso, Décio Villares Rio de Janeiro Festa cívica de 07 de setembro de 1896
colorido
Busto em
gesso,
1896 Tiradentes Décio Villares Rio de Janeiro Festa de Tiradentes
segunda
versão
Busto em Aniversário do descobrimento da
1896 Colombo Décio Villares Rio de Janeiro
gesso América
Busto em Comemoração do 3o. centenário do
1896 Descartes Décio Villares Rio de Janeiro
gesso nascimento de Descartes
Benjamin Busto em Aniversário da Proclamação da República
1896 Décio Villares Rio de Janeiro
Constant gesso no Brasil
158

Litografia Comemoração do 3o. centenário do


1896 Descartes Décio Villares Rio de Janeiro
nascimento de Descartes
A esposa de Óleo sobre Celebração do 14o. centenário do batismo
1896 Décio Villares Rio de Janeiro
Clóvis rezando tela de Clóvis
Busto em
1897 Tiradentes gesso, Décio Villares Rio de Janeiro Celebração do martírio de Tiradentes
colorido
Busto em
gesso,
1897 São Paulo Décio Villares Rio de Janeiro Inauguração da nave do Templo
segunda
versão
Bustos em
1897 Heloisa Décio Villares Rio de Janeiro Ornar os nichos do Templo
gesso
Bustos em
1897 Moisés Décio Villares Rio de Janeiro Ornar os nichos do Templo
gesso
A morte de Óleo sobre
Auguste Comte e tela
Celebração do 40o. aniversário de morte
1897 à cabeceira sua Décio Villares Rio de Janeiro
de Auguste Comte
filha adotiva
Sophie Bliaux
Óleo sobre Celebração do 14o. centenário de morte de
1897 Santo Ambrósio Décio Villares Rio de Janeiro
tela Santo Ambrósio
A morte de Óleo sobre Celebração do aniversário de morte de
1898 Eduardo de Sá Rio de Janeiro
Auguste Comte tela Auguste Comte
Rozalia Boyer Óleo sobre
votando seu filho tela
Celebração do 1o. centenário do
1898 Auguste Comte à Eduardo de Sá Rio de Janeiro
nascimento de Comte
regeneração
religiosa
Busto em
Villares deixou o busto no Templo, mas
1900 Floriano Peixoto gesso, Décio Villares Rio de Janeiro
Miguel Lemos não o queria.
colorido
Busto em
Deodoro da Villares deixou o busto no Templo, mas
1900 gesso, Décio Villares Rio de Janeiro
Fonseca Miguel Lemos não o queria.
colorido
A morte de Óleo sobre
1903 Décio Villares Rio de Janeiro Comemoração de morte em 05/04/1903.
Clotilde de Vaux tela
Óleo sobre
tela, cópia do Manuel
1903 Clotilde de Vaux Rio de Janeiro Ornar o coro do Templo
quadro de Madruga
Étex
Monumento Maquete em
Doação aos membros do Núcleo do Rio
1904 fúnebre a Júlio de gesso Décio Villares Porto Alegre
Grande do Sul
Castilhos
A morte de Óleo sobre
1905 Décio Villares Paris Celebração da Festa dos Mortos
Clotilde de Vaux tela
Imagem da Óleo sobre Ornamentação do Altar da Capela em
1905 Eduardo de Sá Paris
Humanidade tela Paris
Rozalie Boyer Óleo sobre
votando seu filho tela
1907 Auguste Comte à Eduardo de Sá Paris Celebração da Festa da Humanidade
regeneração
religiosa
Sofie Bliaux junto Óleo sobre
Manuel
1907 ao leito de morte tela Paris Decoração da casa de Clotilde
Madruga
de Auguste Comte
Busto em Ornar os nichos do Templo e celebração
1908 São Paulo Décio Villares Rio de Janeiro
gesso da Festa das Mulheres Santas de 1908
1910 Júlio de Castilhos Busto em Décio Villares Porto Alegre
159

gesso
Óleo sobre
1911 Viuvez eterna Eduardo de Sá Rio de Janeiro
tela
Estandarte da Óleo sobre
1912 Décio Villares Porto Alegre Inauguração da Capela de Porto Alegre
Humanidade tecido
Estatueta em Celebração do 4o. centenário do
1915 Santa Tereza Décio Villares Rio de Janeiro
barro nascimento de Santa Tereza
A Primeira Óleo sobre
Celebração do 1o. centenário do
1915 Comunhão de tela Décio Villares Rio de Janeiro
nascimento de Clotilde de Vaux
Clotilde
Medalhão em Comemoração de 6o. centenário de morte
A Festa Inaugural
1921 bronze Décio Villares ? de Dante. Obra para ser colocada no
da Redenção
túmulo de Dante, em Ravena, Itália
Calendário Aquarela
Original para fazer edições
1923 Positivista sobre papelão Décio Villares Rio de Janeiro
cromolitográficas
Histórico
São Francisco de Óleo sobre
Assis, em êxtase, tela Celebração do 7o. centenário de morte de
1924 Eduardo de Sá Rio de Janeiro
institui o Cântico São Francisco de Assis
do Sol
Jazigo de Candido Medalhões
1924 Caetano de em bronze Eduardo de Sá Rio de Janeiro Homenagem da IPB ao artista
Almeida Reis
Busto em
1925 Tiradentes gesso, Décio Villares Porto Alegre Encomendado para a Festa Cívica
colorido
Busto em
1925 José Bonifácio gesso, Décio Villares Porto Alegre Encomendado para a Festa Cívica
colorido
Busto em
Benjamin
1925 gesso, Décio Villares Porto Alegre Encomendado para a Festa Cívica
Constant
colorido
Busto em
1925 Floriano Peixoto gesso, Décio Villares Porto Alegre Encomendado para a Festa Cívica
colorido
Busto em
1925 Rio Branco Décio Villares Porto Alegre Encomendado para a Festa Cívica
gesso
Busto em
1925 Heloisa Décio Villares Porto Alegre
gesso
A Festa Inaugural Óleo sobre
1926 Décio Villares Rio de Janeiro Ornar o coro do Templo
da Redenção tela
Benjamin Monumento Décio Villares e Homenagem a “Benjamin Constant,
1926 Rio de Janeiro
Constant em bronze Eduardo de Sá Fundador da República Brasileira”
Monumento a São Maquete em Celebração do 7o. centenário de morte de
1926 Eduardo de Sá Rio de Janeiro
Francisco de Assis gesso São Francisco de Assis
São Francisco de Monumento Celebração do 7o. centenário de morte de
1926 Eduardo de Sá Rio de Janeiro
Assis em bronze São Francisco de Assis
A despedida de Óleo sobre
Celebração do 7o. centenário de morte de
1926 Irmã Jacquelina de tela Eduardo de Sá Rio de Janeiro
São Francisco de Assis
Settesoli
A glorificação de Óleo sobre
Celebração do 7o. centenário de morte de
1926 São Francisco de tela Eduardo de Sá
São Francisco de Assis
Assis
A penúltima Óleo sobre
estrofe do Cântico tela Celebração do 7o. centenário de morte de
1926 Eduardo de Sá Rio de Janeiro
do Sol – Graças São Francisco de Assis
pelos que perdoam
A última estrofe – Óleo sobre Celebração do 7o. centenário de morte de
1926 Eduardo de Sá Rio de Janeiro
Graças pela morte tela São Francisco de Assis
160

corpórea
A vocação de São Óleo sobre Celebração do 7o. centenário de morte de
1926 Eduardo de Sá Rio de Janeiro
Francisco de Assis tela São Francisco de Assis
A vocação de São Óleo sobre Celebração do 7o. centenário de morte de
1926 Francisco de tela Eduardo de Sá Porto Alegre São Francisco de Assis. Doação de
Assis, cópia Ernesto de Otero
Óleo sobre tela, Óleo sobre
Francisco de Assis tela Celebração do 7o. centenário de morte de
1926 Eduardo de Sá Rio de Janeiro
confraternizando São Francisco de Assis
com os leprosos
Medalhão em
Imagem da Frontão da Capela Positivista de Porto
1926 alto relevo Luís Sanguin Porto Alegre
Humanidade Alegre
em gesso
Imagem da Óleo sobre Ornamentação do Altar da Capela em
1927 Eduardo de Sá Porto Alegre
Humanidade tela Porto Alegre
Monumento Marcar o local onde morreu Tiradentes,
1931 Tiradentes Eduardo de Sá Rio de Janeiro
em bronze hoje Escola Municipal Tiradentes
Raimundo Busto em Celebração do 1o. cinqüentenário de morte
1977 Bruno Giorgi Rio de Janeiro
Teixeira Mendes bronze de Raimundo Teixeira Mendes

Desse inventário, elaborou-se o seguinte gráfico, onde é possível visualizar os


períodos de investimentos da IPB em obras de arte.

Entrada de obras de arte no acervo da IPB


12
10
8
6
4
2
0
1880
1882
1884
1886
1888
1890
1892
1894
1896
1998
1900
1902
1904
1906
1908
1910
1912
1914
1916
1918
1920
1922
1924
1926
1931

Percebe-se que, entre os anos de 1889 e 1901, houve uma entrada maior de obras
de arte no acervo da IPB, apenas no Rio de Janeiro, coincidindo com a Proclamação da
República (incorporação ao acervo de vários bustos que seriam usados nas celebrações
cívicas) e com a construção e conseqüente decoração do Templo da Humanidade, construído
entre 1890 e 1897. Entre 1922 e 1928, os números de obras novamente sobem devido à
decoração da Capela Positivista de Porto Alegre.
Neste período, final dos anos vinte, com a morte de Teixeira Mendes em 1927, a
IPB entrou em situação de franco esvaziamento de poder, e seus membros, dirigidos por uma
delegação executiva, se esforçavam para manter as atividades. Destaca-se, nesse momento,
um membro que atuou como um mecenas positivista – Amaro Corrêa da Silveira.
161

Um mecenas positivista

As informações sobre o positivista Amaro Corrêa da Silveira são esparsas. Nasceu


no Rio de Janeiro em 1884, provavelmente filho de um pioneiro investidor na siderurgia
mineira. Entrou e casou na IPB em 1912. Dois anos depois, fundou uma empresa de
importações e comércio, vendendo produtos que iam de ferro em barra, locomotivas, pregos e
parafusos a tecidos, alimentos e artigos de armarinho. Somente não vendia produtos de caráter
nocivo, de destruição e de guerra. Entre seus clientes, estavam vários Ministérios Federais,
empresas de estradas de ferro, companhias de navegação e Secretarias de Estado.
Tal detalhamento de seus negócios foi relatado em uma publicação de 1930 em
que fez uma espécie de balancete de sua empresa que foi exposto à opinião pública, um dever
de positivista de “Viver às Claras”, dizia ele.18 Seguindo os princípios positivistas, Amaro da
Silveira adotou em sua empresa o Calendário Histórico de Auguste Comte e implementou,
ainda nos anos vinte, o 13º. salário, 15 dias de férias e pagamentos aos funcionários de uma
divisão dos lucros, que deveria ser poupado para compra da casa própria (uma espécie de
FGTS, de hoje). Toda essa política institucional era amplamente divulgada na imprensa
realizando uma forma de propaganda dos negócios. Para ele, Décio Villares desenhou uma
folhinha positivista que era distribuída a seus clientes. Neste balancete, percebe-se que Amaro
da Silveira enriqueceu grandemente na década de vinte, chegando a ser chamado pelos
críticos do positivismo de nouveau riche. Exatamente neste período é que se nota sua atuação
financiando os monumentos que, em seu nome, doou à cidade do Rio de Janeiro. Devido à
sua atuação como empresário no ramo dos minérios de ferro, Amaro da Silveira patrocinou
obras de arte fundidas. Ele encomendou a Décio Villares um medalhão em bronze para ser
colocado no túmulo de Dante, em Ravena – Itália (1921), e financiou o monumento a
Benjamin Constant (1926), a São Francisco de Assis (1927) e a Tiradentes (1931), todos
doados à cidade do Rio de Janeiro.
Desde o início da década de vinte que ele aparece liderando os trabalhos que
envolviam a confecção do monumento a Benjamin Constant, inclusive discursando nas
solenidades em nome da IPB. Foi ele, por exemplo, que fez todas as negociações com os
membros do governo brasileiro e paraguaio para obter os fragmentos de canhões que seriam
fundidos na estátua de Benjamin Constant, representando simbolicamente a concórdia entre as

18
SILVEIRA, Amaro. Commemorando o terceiro lustro da fundação da Firma Amaro da Silveira &
Cia. Rio de Janeiro. 1930.
162

duas nações. Amaro da Silveira publicou vários folhetos relatando a história da construção da
obra, mas nunca escreveu sobre estética. Nas publicações oficiais da IPB ― Circulares Anuais
e Boletins ―, Teixeira Mendes se preocupava em esclarecer que a obra havia sido feita por
iniciativa e encomenda de Amaro da Silveira. Embora Amaro tenha financiado o trabalho e o
tenha oferecido em seu nome à cidade, a concepção filosófica da obra coube a Teixeira
Mendes, que discutiu a encomenda diretamente com Villares.

Décio Villares e Eduardo de Sá, doações e contratos

Villares e Sá foram, em parte, o que Comte chamou de membros acessórios do


poder espiritual: artistas escolhidos que possuíam habilidades técnicas para auxiliarem os
filósofos ou sacerdotes a realizarem obras de arte. A relação de trabalho dos artistas com a
Igreja não era contratual. Eles nunca foram funcionários, nem tiveram contratos de trabalho
assinados com a IPB. Villares teve uma situação mais definida porque recebeu entre os anos
de 1895 e 1905, com poucas interrupções neste intervalo, uma pensão da Igreja. Como ele
estava envolvido na confecção de bustos e reparos em obras danificadas, os membros da
Igreja ofereceram a pensão, de forma que pudesse se dedicar inteiramente a esses trabalhos e
não ficasse dependente de encomendas particulares. Sua pensão pesou no orçamento da
Igreja, pois era inferior apenas à pensão dos diretores. Percebe-se no inventário que a maior
produção de Villares para a Igreja coincide com o recebimento da pensão. Antes e depois
desse período o artista recebeu pagamento para a execução de algumas obras, como o
monumento a Benjamin Constant, e outras ele doou à Igreja. Além de executar obras e arte,
Villares decorou a Capela da Humanidade em Paris, coordenou trabalhos artísticos em festas
cívicas, e deu aulas de desenho para os filhos dos positivistas.
A colaboração de Sá não foi oficializada pela Igreja com uma pensão. Apenas no
final da vida, quando doente, recebeu um auxílio financeiro por parte dos positivistas
religiosos do Rio Grande do Sul. Existem alguns registros de que Sá recebeu por seu trabalho,
como no caso do monumento a São Francisco de Assis que foi financiado por Amaro da
Silveira; outros registros informam que ele doou muitas obras à Igreja. Não há informação
sobre as condições para fazer os sete quadros para o 7º. centenário de morte de São Francisco
de Assis, em 1926. Sabe-se apenas que ele recebeu pagamento pela réplica de um desses
quadros, que está em Porto Alegre.
163

Textos e campanhas para obras de arte

Se grande parte das obras arroladas no inventário da IPB carecia de folhetos


explicativos e campanhas para subscrição, pois seu uso se restringia ao culto no templo pelos
adeptos, as obras idealizadas para serem colocadas em espaços públicos recebiam ampla
publicidade nos jornais e folhetos justificativos e explicativos, uma estratégia de mobilizar a
opinião pública para as homenagens cívicas. Do total de publicações da IPB, comentadas
anteriormente, contabilizamos 35 publicações exclusivamente sobre obras de arte ou artistas,
excetuando-se as publicações sobre a bandeira nacional e sobre os prédios da Igreja. O quadro
abaixo apresenta uma divisão destas publicações em seis categorias e a quantidade em cada
uma delas. Do total de 35 publicações levantadas, 21 delas se referem a obras de Décio
Villares ou Eduardo de Sá.

Publicações da IPB sobre obras de arte e artistas19

Categorias das publicações Quantidade de publicações


Artistas 5
Monumentos públicos e estátuas 22
Monumentos fúnebres 1
Comemorações sociais e obras de arte 4
Bustos 2
Quadros 1
Total 35

As publicações sobre monumentos e estátuas são as mais numerosas, pois, além de


estas obras demandarem muitos recursos, sua confecção era atravessada por disputas dos
grupos envolvidos na subscrição e na definição do conteúdo da obra. São elas que recebem
também maior visibilidade nos espaços públicos e, portanto, maior cuidado na sua criação.
Mas o maior número de folhetos sobre essa categoria foi por conta da divulgação e explicação
do principal grande monumento feito com a orientação direta da IPB: o monumento a
Benjamin Constant. Só este monumento foi objeto de 14 publicações, várias delas em
tamanho grande (fora dos padrões típicos de publicação da IPB), com fotografias e capa com
papel especial. Este zelo editorial mostra a importância desta obra para a IPB.
Também foram incluídos neste levantamento os folhetos sobre comemorações
cívicas envolvendo obras de arte, por exemplo, colocação de flores, declamação de poesias e

19
Todas as publicações da IPB sobre arte ou artistas estão arroladas nas referências bibliográficas.
164

discursos no monumento a Benjamin Constant, nos dias 15 de novembro, ou na estátua a José


Bonifácio, nos dias 7 de setembro.
A inauguração do busto de Danton em 1885, na sede do Centro Positivista,
provocou o lançamento de um folheto, relatando as festividades e o trabalho do escultor
Almeida Reis. A colocação do busto de Teixeira Mendes no Campo do Russel no Rio de
Janeiro, em 1977, também foi relatada em um folheto. O esboço do quadro A Epopéia
Africana no Brazil, de Décio Villares, foi a única obra em pintura que recebeu atenção da
Igreja em uma publicação.
Algumas vezes, os líderes da Igreja também realizavam campanhas contra algumas
obras, como, por exemplo, o monumento fúnebre à Imperatriz Leopoldina, contra a
manutenção da estátua de Dom Pedro I, no Rio de Janeiro, contra a edificação da estátua de
Auguste Comte, em Paris, e contra o projeto de monumento à Batalha do Riachuelo. Nestes
folhetos, a Igreja explicava as razões doutrinárias pelas quais não apoiava a confecção dessas
obras, muitas vezes opondo-se ao projeto em sua totalidade, porque não reconhecia a
importância histórica do homenageado, e, em outras, apenas divergindo do conteúdo da obra.
Nos folhetos publicados pela IPB percebe-se uma concepção de arte que é fruto
das leituras de Comte. O conceito mais genérico de que a arte serve para provocar os
sentimentos do bem e para estimular o altruísmo e o amor foi retirado do texto Aptidão
Estética. Quanto a isto, os brasileiros apenas repetiram com algumas citações de Comte essa
função geral da arte. Dentro dessa definição comum, eles ressaltaram, de forma mais
contundente que Comte, o quanto a arte, se mal orientada, poderia provocar o “egoísmo
pessoal”, a “desmoralização humana”, os “instintos corrompidos”, as “depravações”, as
“aberrações sociais”, as “devastações morais”, as “paixões egoístas.” Embora Comte tenha
criticado veementemente o estado da arte moderna, ele não usou expressões tão dramáticas
como as dos brasileiros. O tema das representações da nudez feminina na arte também foi
abordado em um folheto, e isso parecia importante para os positivistas da IPB.

A Nudez

O assunto surgiu no folheto destinado a explicar as relações do escultor Candido


Caetano de Almeida Reis com a IPB e por que a mesma mandou construir seu jazigo. A Igreja
se sentia devedora ao escultor, já que ele, segundo os líderes da IPB, mesmo que não
completamente positivista, fez a primeira imagem da Humanidade conforme os desejos de
Comte – à semelhança de Clotilde. Tal qual ocorreu com o relacionamento de Comte com
165

Étex, o artista deveria ser purificado de seus erros estéticos e assim estaria para sempre ligado
à história do positivismo. O erro de Almeida Reis foi ter feito a escultura O gênio e a miséria
representando a mulher em uma imagem angustiosa e sofrida.20 Gonzaga-Duque assim
descreve a imagem da Miséria – mulher – de Almeida Reis: “Alta, óssea, andrajosa,
sinistramente majestosa na sua compostura atrevida e nojenta!”21 Se Almeida Reis tivesse se
convertido ao positivismo, jamais teria imaginado tal representação das mulheres, diziam os
positivistas. Era a impropriedade da imagem feminina o mote para o tema da nudez.
A representação da figura feminina era importante para os positivistas, pois,
segundo Comte, essa seria sempre a imagem da Humanidade. O culto da mulher deve,
segundo os princípios comtianos, se voltar para a mulher mãe, esposa, filha e irmã, e suas
imagens devem ser compatíveis com essas funções. Portanto, reproduzir corpos femininos
desnudos ou em poses sensuais, ou representar a mulher em imagens degradantes, como a
Miséria, de Almeida Reis, era despropositado para os líderes da IPB. Eles explicavam que é
no rosto, e não no corpo, que as qualidades morais devem ser representadas; “o pé ou a perna
não têm a expressão de um olhar.”22
Os positivistas brasileiros viam a arte de forma muito pragmática, inclusive em
temas menos práticos como a moral. Se a arte servia para estimular o sentimento do altruísmo,
a nudez na arte levaria à degradação moral humana. Mostrando cenas de virtude, formavam-
se virtuosos, mostrando cenas sensuais, estimulava-se o sexo, que para Comte era, mesmo que
necessário à reprodução humana, fruto de sentimentos egoístas e grosseiras excitações
masculinas.23 Assim, “os quadros de degradação tendem a desmoralizar os que os contemplão
e os que os imaginam, por cauza de ecitação [sic] que prodúzem nos instintos egoístas, já de si
tão enérgicos.”24
A questão é por que o tema da nudez e da sensualidade, sempre femininas, aparece
nos textos da Igreja? Não que Comte não tivesse tratado do assunto. Ele abordou o tema
comentando as esculturas gregas, que haviam exagerado nos seus melhoramentos,
apresentando imagens muito reais e representações corporais perfeitas que camuflavam a falta
de elevação moral.25 As esculturas gregas a que Comte se referiu eram em grande parte

20
A obra O Gênio e a Miséria, em bronze, está em exposição no Museu Nacional de Belas Artes.
21
GONZAGA-DUQUE. A arte brasileira... p. 248.
22
MENDES, Raimundo Teixeira. O escultor brasileiro Candido... p. 44.
23
Sobre as funções de mulheres e homens no casamento positivista e a abstinência sexual ver: LEAL,
Elisabete. O Positivismo... p. 60-64.
24
LEMOS, Miguel e MENDES, Raimundo Teixeira. A epopéia africana... p. 9.
25
COMTE, Auguste. Système de Politique Positive. Tomo III... p. 287-288.
166

representações de homens. Por que os positivistas brasileiros adaptaram esse discurso à nudez
feminina? Os textos não revelam a resposta; portanto, tem-se apenas uma hipótese: talvez eles
quisessem reverter o discurso da imoralidade intrínseca da mulher, principalmente, da negra,
presente nos textos antiabolicionistas e no imaginário social, resquício do período escravista.

Não há culto sem imagens...

Voltando ao assunto do pragmatismo da arte, percebe-se que, para o positivismo,


as obras não tinham valor em si (estético, nem pecuniário), somente valor prático de adoração
doméstica ou cívica. Os líderes da Igreja explicavam que o culto era um exercício dos
instintos altruístas por meio de práticas. Uma delas é a oração, que significava comemorar os
benefícios recebidos, depois manifestar o reconhecimento aos entes passados. É nesse
movimento que a arte tinha função prática, pois servia para lembrar o que devemos agradecer
e a quem.26 Por isso, a arte positivista era narrativa e em homenagem a alguém. Isto se deu no
culto doméstico, em que o foco eram os familiares mortos, e no culto público, em que as
atividades se voltavam para as grandes figuras históricas.
Os textos sobre arte analisados tratam de obras cívicas. A arte era então necessária
para a prática do culto, para a oração pública. “É para isso que se tornam necessários os
templos, as grandes compozições musicais, os painéis magestozos, as estátuas e os símbolos
capazes de arrebatar os corações e estaziar as inteligências.”27 Referindo-se às festas do sete
de setembro, Miguel Lemos também expôs a função prática da arte: “A festa da
independência havia perdido sua antiga animação; o povo já não parecia comover-se [...] é o
descrédito governamental que matou o entusiasmo público [...] procuramos despertar a
população desta atonia.”28 Completa em outro texto: “O culto pátrio é um elemento necessário
do engrandecimento nacional [...] Instituamos a religião do civismo.”29 Como principais
“manipuladores de símbolos” nas batalhas instituintes da República, os positivistas da IPB
tinham uma visão estratégica e a energia de apóstolos no emprego de símbolos e imagens que
promovessem a sensibilização cívica.30 Animação popular, entusiasmo, sensibilização eram as
funções da arte.

26
LEMOS, Miguel e MENDES, Raimundo Teixeira. A epopéia africana... p. 10.
27
LEMOS, Miguel e MENDES, Raimundo Teixeira. A epopéia africana... p. 11.
28
LEMOS, Miguel. Resumo histórico... p. 32-33.
29
LEMOS, Miguel. Circular acerca da festa nacional do 7 de setembro. In: Resumo histórico... p. 72.
30
CARVALHO, José M. A Formação... p. 139.
167

A arte é suporte para o agradecimento

O que os positivistas da IPB agradeciam quando estimulavam a confecção de um


busto, quadro ou monumento? Eles agradeciam os serviços sociais do homenageado ao
desenvolvimento histórico ocidental ou brasileiro. As obras de arte, festas e homenagens eram
formas de pagamento de uma dívida histórica para com o representado, e, por isso, as
comemorações eram sempre ligadas à morte. Essa comemoração social dos heróis mortos
visava promover seus feitos quando vivos, a serviço da Família, da Pátria e da Humanidade.
“Cumpre portanto, junto aos mortos, ou na lembrança delles, affirmar lealmente a gratidão
que lhes manifestamos em vida, e a magua por ter a morte frustrado os votos que
sinceramente lhes exprimimos.”31
Os homenageados eram, assim, sempre figuras que já morreram ou grupos étnicos
já irremediavelmente ligados ao passado, como, por exemplo, a homenagem aos africanos
escravizados, no esboço de Décio Villares. As obras de arte serviam para demonstrar o
agradecimento, a contrição, o reconhecimento histórico, a reabilitação da memória dos
representados, ou seja, sempre aspectos positivos, para o bem. Nunca uma obra de arte
deveria ser feita para criticar um episódio histórico ou ressaltar defeitos de uma pessoa. Uma
obra era sempre uma homenagem individual, no caso de uma pessoa específica, nunca de uma
família inteira; esta seria uma homenagem doméstica, de iniciativa somente dos membros da
família, e não um monumento cívico, de iniciativa de grupos ou do governo.
Uma obra poderia ter a função de corrigir fatos históricos ou a imagem física do
representado, como, por exemplo, a proposta da IPB de um monumento a Tiradentes ou do
busto a Danton, feito por Almeida Reis. No monumento a Tiradentes, o reconhecimento
social, a dívida histórica, o pedido de perdão pelo suplício, são argumentos para erguê-lo, mas
o mais importante é que os positivistas visavam com o projeto determinar o local do suplício,
corrigindo, segundo eles, um erro e consolidando a verdade e a justiça histórica. Além da
correção histórica do lugar do suplício, os positivistas da IPB entendiam que somente neste
local, “regado pelo sangue generozo do Patriarca”,32 é que de fato a obra poderia adquirir
força emocional. No caso do monumento a Benjamin Constant, os positivistas também
insistiram para que fosse erguido no exato local onde havia sido proclamada a República, e

31
MENDES, Raimundo Teixeira. O Barão do Rio Branco. 2. ed. Rio de Janeiro: IPB, 1937. p. 32. (1.
ed. 1912)
32
LEMOS, Miguel. Determinação do lugar em que foi supliciado o Tiradentes. 2. ed. Rio de Janeiro:
IPB. 1936. p. 7. (1. ed. 1892)
168

mais ainda, ele deveria estar representado com as mesmas roupas. Os monumentos a
Tiradentes e a Benjamin Constant serão analisados no próximo capítulo.
As homenagens com o busto a Danton giraram em torno também do
agradecimento, mas o importante era a recuperação de sua memória, caluniada por seus
inimigos. Os positivistas entendiam que Comte e Congreve haviam feito a reabilitação
histórica de Danton, em textos, e esta se consolidava com a recuperação de sua imagem física,
por meio do busto. No passado, Danton fora representado como brutal, feio, feroz, venal,
cínico e poltrão. O busto era uma reabilitação da verdadeira imagem do herói francês: de
fisionomia distinta, demonstrando inteligência, cultura, fina educação, mas sobretudo
representando sua energia máscula e sua bondade. O busto, por ter sido bem representado, na
visão dos membros da Igreja, conseguiu retratar as qualidades morais do homenageado. O
busto de Almeida Reis operava a reabilitação estética de Danton, completando a reabilitação
histórica feito por meio de textos.33

Verdade e síntese históricas

A preocupação dos positivistas da IPB com a verdade histórica, com o local dos
episódios, com a vestimenta ou aparência dos representados é significativa se considerarmos
as intenções políticas dos mesmos. Assegurar suas versões ou interpretações da história era
uma forma de garantir a intervenção política, e, interpretando Comte, era uma forma de
controlar as utopias.
A concepção estética pouco teorizada por Comte (imitação, idealização e
expressão) ganhou maior atenção por parte dos líderes da IPB, em uma tentativa de explicar a
verdade e a invenção em uma obra de arte. Concepção, composição e expressão não eram
apenas outros nomes para as mesmas fases propostas por Comte, mas eram adequações às
necessidades da IPB.
A concepção não era atributo do artista, mas do filósofo ou sacerdote, e consistia
na construção da imagem (homenageado e episódio histórico) no cérebro. Também pode ser
chamada de invenção. Portanto, cabia aos líderes da Igreja definir quem e que fato seria
representado nas obras de arte.
A composição, que se refere à idealização, era feita pelo artista. Ele abstraía
elementos que não se ligavam aos afetos, depois atenuava ou aumentava certas características,

33
LEMOS, Miguel e CORDEIRO, Julio Montenegro. Inauguração de um busto de Danton... p. 5-9.
169

de forma que a imagem representada fosse mais viva e tocante.


A terceira operação, a expressão, também era atributo do artista; ele devia ser
capaz de, por meio de uma obra de arte, “fazer surgir em outro cérebro uma situação análoga
aquela em que se acha o inventor (o sacerdote).”34 Portanto, a expressão devia ser subordinada
à concepção.
Percebe-se, que nessa interpretação do processo estético comtiano, há uma
aparente contradição entre verdade histórica e invenção nas obras de arte. Porém,
considerando que os líderes da IPB não admitiam outra interpretação da história que não fosse
a sua, mesmo que eles inventassem cenas, essa interpretação se subordinava a uma verdade
histórica, a uma síntese explicativa do passado.
Miguel Lemos e Teixeira Mendes, indo um pouco além de Comte, também
teorizaram sobre a unidade, ou utilizando seus termos – a síntese perfeita -, e esse termo é
chave para compreender as obras positivistas. A síntese perfeita em uma composição estética
consiste em tudo se resumir em um único pensamento ou dele se deduzir, ou consiste numa
composição composta por vários elementos, mas que forme uma só idéia. Se isto não
ocorresse, haveria dispersão, obscuridade, confusão e incoerência na narrativa, e
enfraquecimento na capacidade afetiva. Sem unidade, explicam os líderes da IPB, “a
concepção não póde ser suficientemente afetiva, porque a intensidade cultual se enfraquéce
com a dispersão dos sentimentos. [...] A inteligência sente-se fatigada, e daí o tédio em vês do
entuziasmo.”35 Com isso, obras muito simples sobre assuntos complexos podiam acarretar
falta de unidade.
A preocupação em explicar a importância da unidade foi fruto das críticas que
obras positivistas receberam por serem superabundantes de figuras. Isto ocorreu com o esboço
de Villares sobre os africanos no Brasil. Tudo começou porque ele teve a idéia de representar
a epopéia africana, como diz o título, apresentando várias cenas, que reuniam personagens
históricos reais ― portugueses e brasileiros ― e fictícios, em espaços geográficos brasileiros
diferentes. O esboço foi criticado nos jornais, e os positivistas lançaram o folheto para
explicar e defender a unidade da obra, dizendo que era um absurdo dizer que o quadro estava
sobrecarregado, “só porque a contemplação dele nos oferéce grande número de senas
componentes.”36 Para eles, o esboço tinha uma unidade que convergia para a idéia central da

34
Este processo estético positivista dos brasileiros foi publicado em: LEMOS, Miguel e MENDES,
Raimundo Teixeira. A epopéia africana... p. 7.
35
LEMOS, Miguel e MENDES, Raimundo Teixeira. A epopéia africana... p. 17.
36
LEMOS, Miguel e MENDES, Raimundo Teixeira. A epopéia africana... p. 18.
170

experiência africana no Brasil e era eficiente, pois, por meio da concatenação das cenas,
provocava sentimento no espectador.
Inventar uma cena histórica para eles não era mentir, já que estavam realmente
convencidos da síntese histórica, e a arte servia para assegurar sua perpetuidade, seja junto ao
público, seja junto ao governo. Essas versões da história e seus heróis cívicos,
propagandeados repetidamente nos textos da IPB, serviam também para “criar” a necessidade
das obras de arte, cujas idéias já estavam “inventadas” nas mentes dos líderes da Igreja e cujos
esboços ou maquetes, muitas vezes, já haviam sido feitos pelos artistas ligados à Igreja.

Os melhores suportes

Percebe-se, nos textos da IPB, que os positivistas faziam uma escala hierárquica
entre os diferentes tipos de suportes artísticos: medalhas, placas, baixos-relevos, bustos,
estátuas, monumentos e templo cívico, conforme a importância do homenageado ou sua
contribuição à evolução histórica ocidental ou nacional. A um homenageado que pouco fez
pela nação seria um exagero erguer-lhe um monumento; bastava uma placa em um
monumento de outro, desde que condizente com a fase histórica.
Outro ponto que se revela nesses folhetos é que os positivistas da Igreja não
gostavam muito de apenas estátuas ― eram suportes muito simples e que não comportavam
narrativas, embora muitas vezes a falta de verba permitisse apenas erguer este tipo de obra. Já
que a composição ou invenção reunia homenageado e narrativa histórica, o artista deveria
imaginar cenas carregadas de emotividade e, mantendo a unidade, deveria expressá-las
visualmente, somente um monumento, ou um equivalente em pintura – um grande painel,
poderia comportar tudo isso.
Mas um prédio também poderia ser adequado para uma homenagem se o herói
realmente fosse merecedor. Um panteon, a exemplo das grandes catedrais medievais, reuniria
todas as artes da forma: pintura, escultura e arquitetura. Veremos no próximo capítulo que os
membros da IPB tinham um projeto de Panteon a Tiradentes. A seguir, veremos como alguns
militares positivistas também promoviam ações voltadas à cultura cívica, inclusive a
Tiradentes.
171

Parte II – Alguns militares positivistas: militância, arte e idealismo

Dentre os diferentes tipos de positivistas, havia no meio militar aqueles que tinham
sido alunos de Benjamin Constant na Escola Militar da Praia Vermelha, o Tabernáculo da
Ciência, segundo a alcunha dada pelos próprios alunos. Castro demonstrou como esses alunos
adquiriram uma cultura cientificista tendo por base a matemática, opondo-se assim à
formação dos bacharéis de Direito, que se centravam nos estudos clássicos. Em meio aos
diversos ismos que compunham essa cultura cientificista, estava o positivismo, assumido por
alguns alunos como culto religioso e por outros apenas como uma filosofia científica.
Independentemente do credo assumido por cada aluno, eram as comemorações cívicas que os
mobilizavam em conjunto; porém, o autor demonstra também que a Religião da Humanidade
― um culto aos homens ilustres ― dera substância a essas comemorações.37
Viu-se como o positivismo, por possuir um culto público e político, necessitava de
suporte artístico para a realização de homenagens cívicas. No esforço de realizar esses
eventos, visualizam-se alguns militares envolvidos na promoção de obras de arte. Destaca-se
aqui um ex-aluno de Benjamin Constant que se dizia positivista: Agostinho Raimundo Gomes
de Castro. Longe de ser uma escolha aleatória, essa figura esteve envolvida em homenagens
cívicas de toda a ordem, inclusive na confecção de monumentos públicos. Ele escreveu sobre
suas atividades, publicando livros e folhetos ou polemizando nos jornais, e é nestes textos que
buscamos respostas para, primeiro, que positivismo professava, segundo, o que entendia por
arte e, terceiro, como o positivismo deu suporte para suas atividades na promoção artística
voltada ao civismo.
Veremos, no próximo, capítulo como mais dois militares positivistas estiveram
envolvidos na promoção de atividades cívicas e na produção e imagens a heróis nacionais.
Ximeno de Villeroy, que recebeu orientação da IPB para as homenagens a Tiradentes,
inclusive para o erguimento de uma coluna comemorativa na casa onde nasceu o inconfidente;
e Lauro Sodré, positivista totalmente independente da IPB, que concedeu uma pensão artística
a Carlos Gomes e presidiu a comissão para o monumento a Benjamin Constant. É interessante
como esses militares estiveram envolvidos em celebrações cívicas e confecção de obras de
arte e imagens em geral, o que certamente era fruto de uma influência do positivismo,
reforçada pelos hábitos ritualísticos do exército e por uma aguda sensibilização cívica no
início da República. Na correspondência de Miguel Lemos e Teixeira Mendes, encontram-se

37
CASTRO, Celso. Os militares... p. 52-84.
172

cartas de vários outros jovens militares pedindo orientação para os mais diversos assuntos,
contribuindo com os subsídios para a Igreja e relatando suas iniciativas concernentes às
comemorações e produção de imagens para a consolidação de um panteão cívico. A
orientação “espiritual” dos mestres positivistas também se estendia a assuntos pessoais, como
casamento, carreira militar e vida política.38
Lemos analisou as estratégias dos positivistas da IPB e de alguns militares para
emplacar a idéia de que Benjamin Constant foi o Fundador da República, isto por meio da
construção de sua biografia, escrita por Teixeira Mendes, e pelas ações dos deputados
constituintes militares, antigos alunos de Benjamin Constant.39 A defesa para a manutenção
da bandeira nacional também serviu de catalisador para ambos os grupos. Veremos no
próximo capítulo como os membros da IPB e alguns ex-alunos de Benjamin Constant se
uniram para organizar a comemoração cívica de um ano de sua morte. A frustração de não
realizá-la uniu o grupo na defesa do princípio positivista de separação entre Igreja e Estado.
Muitos desse militares incentivadores da memória de Benjamin Constant, se dedicaram
também à glorificação de Floriano Peixoto, a ponto dos florianistas/jacobinos atuantes na
Revolta da Vacina de 1904 serem chamados na imprensa de positivistas orientados pela IPB.
Esse fato foi negado por alguns e principalmente pela IPB, que não queria ver-se ligada às
ações violentas promovidas por militares.
Independentemente do grau ou tipo de adesão dos militares ao positivismo,
importa aqui destacar que alguns militares tiveram ligações com a IPB e que estas passavam
pela promoção cívica e de obras de arte. Indo de encontro à idéia consagrada na historiografia
de que os alunos de Benjamin Constant na Escola Militar assumiram um positivismo mais
intelectualizado e pouco cultual, mostrar-se-á que ao menos Gomes de Castro foi positivista
bastante completo, incentivador de um culto religioso com fins políticos, sendo, com isso,
promotor positivista de obras artísticas e encomendante de Décio Villares e Eduardo de Sá.

38
Entre os militares, ex-alunos de Benjamin Constant, que se correspondiam com Miguel Lemos e
Teixeira Mendes, temos: Agostinho Raymundo Gomes de Castro, Alexandre A. Leal, Aníbal Eloi
Cardoso, Augusto Tasso Fragoso, Barbosa Lima, Candido Mariano da Silva Rondon, Carlos
Agostinho Gomes de Castro, Inocêncio Serzedelo Corrêa, José Beviláqua, Lauro Sodré, Manoel
Rabello, Pedro Dantas, Saturnino Cardoso, Ximeno de Villeroy.
39
LEMOS, Renato. Benjamin Constant...
173

Agostinho Raimundo Gomes de Castro

Porte esbelto, figura suavemente sympathica e estheticamente bella, indicando


habitos mais inclinados a disposições affetivas e intellectuaes que activas, tem o
nosso patrício trato finíssimo e costumes modestos. Quem o vê na intimidade, sem
levar em conta suas lutas cívicas, crê-lo-hia ao contrario incapaz de arrostar o
perigo, a morte, os ódios, as perseguições. Outro engano!40

Estas são palavras de Lauro Sodré defendendo o amigo Gomes de Castro no


Plenário Militar em 1905, quando este estava sendo julgado por participar da tentativa de
golpe ao governo de Rodrigues Alves, organizado no Clube Militar. Gomes de Castro havia
sido designado para comandar o levante dos alunos da Escola Militar do Realengo, mas
acabou sendo preso pelo Comandante da Escola. Anos antes também havia comandado o
Batalhão Acadêmico em Niterói para defender o governo de Floriano e chefiado a comissão
militar que se estabeleceu em território acreano. Lauro Sodré relata as atividades de comando
do militar maranhense e também chama a atenção para sua dedicação às atividades de cunho
cívico. Para o amigo, Gomes de Castro tinha uma orientação segura e inabalável, que o
tornava inflexível na defesa da República, chegando a confrontar-se com Floriano, quando em
seu governo tentaram modificar a bandeira nacional,41 e com Júlio de Castilhos, quando este
foi cogitado a eleger-se para presidente. Diz o amigo que ambos calaram-se respeitosos diante
da coragem audaciosa de Gomes de Castro. Não obstante o artifício retórico de Lauro Sodré,
estes não foram os únicos confrontos em que Gomes de Castro se envolveu.
Longe de ser apenas uma característica pessoal, a inflexibilidade de caráter de
Gomes de Castro tinha base no positivismo. Ele unia o idealismo da juventude com certa
onipotência, legada pelo cientificismo positivista, e a coragem para ação, própria de sua
carreira militar. Não é possível saber quando o positivismo entrou na sua vida, mas membros
da família tinham laços com os líderes da IPB. Seu irmão, Carlos Agostinho Gomes de
Castro, pertencente à marinha militar, era crente da Religião da Humanidade. Embora não

40
SODRÉ, Lauro. Os sucessos de 14 de novembro de 1904, os republicanos, a nação brasileira, o
major Gomes de Castro no plenário militar. Rio de Janeiro: Typ. Jornal do Commércio. 1905. p. 13.
202, 7, 1, n. 17. IHGB.
41
Carvalho situa o manifesto positivista dos alunos da Escola Superior de Guerra contra a idéia de
modificação da bandeira. CARVALHO, José M. A Formação... p. 115.
Lauro Sodré relata que tal manifesto foi levado pelos alunos diretamente a Floriano, acompanhados
pelo professor Gomes de Castro, que lá discursou, afirmando que entre os íntimos de Floriano, havia
aqueles abusavam de favores para modificar a bandeira. Floriano respondeu que ignorava tudo isso, e
Gomes de Castro retrucou, por duas vezes, que o Marechal vivia às cegas. “Floriano contemplou o
audacioso official e o auditório e calou-se.” SODRÉ, Lauro. Os sucessos de 14 de novembro... p. 15.
174

fosse filiado à IPB, era correspondente assíduo com seus líderes e contribuinte com o subsídio
positivista. Na correspondência passiva de Teixeira Mendes, também se encontram inúmeros
telegramas de Francisca Gomes de Castro, esposa de Gomes de Castro. Nesta missiva,
inúmeras vezes ela solicitava a visita do apóstolo positivista, para levar palavras de conforto,
pois seu marido estava doente, além de convidar para o casamento dos vários filhos.
Em 1922, Gomes de Castro tinha 9 filhos. Todos tinham nomes que seguiam uma
tradição positivista de homenagens aos mortos que deveriam ser venerados. Rosália Beatriz,
Marina, Clotilde, Sophia e Francisca Heloíza eram nomes que lembravam o positivismo;
Branca Bathilde, Bathilde Mônica e Carmem, provavelmente nomes de mulheres da família; e
José Bonifácio e Benjamin Constant eram nomes visando a evidentes homenagens cívicas.
Este último tinha por madrinha Maria Joaquina (esposa de Benjamin Constant) e Teixeira
Mendes (o diretor da IPB), por padrinho.42
As relações de Gomes de Castro com os diretores da IPB sempre foram um misto
de reverência e impertinência. Ele tinha uma leitura própria do positivismo que lhe dava
subsídios para as práticas cívicas e nunca conseguiu ter a aprovação da Igreja. Sua
correspondência com os líderes da IPB não é volumosa, algumas cartas em 1894 e 95 tratando
das colaborações ao subsídio positivista e depois, entre 1911 e 1920, tratando com Teixeira
Mendes de assuntos familiares e de uma homenagem cívica organizada pelo militar, fruto
inclusive de grande divergência entre ambos. Mas esse desacordo não impedia o militar de
tratar Teixeira Mendes como mestre, amigo, confrade (tratamento usado pelos crentes do
positivismo).
As exigências doutrinárias aos aderentes da IPB eram inúmeras, e poucos
conseguiam atendê-las para ingressar formalmente. Mas isso não impedia que militares como
Gomes de Castro, não adeptos formais da Igreja, tivessem um relacionamento reverente para
com os líderes da IPB, aceitando conselhos nas atividades cívicas e também no plano pessoal.
Por exemplo, quando alguém da família Gomes de Castro morreu em 1915, o militar solicitou
a visita de Teixeira Mendes para confortar pelo duro golpe. Isto mostra como os líderes da
IPB tinham uma rede de influências ampla que ultrapassava os limites do ser adepto ou não.
Com isso, não basta afirmar que estes militares não eram positivistas religiosos porque não
fizeram o sacramento da apresentação na IPB; eles aceitavam a autoridade religiosa dos
sacerdotes e tentavam viver religiosamente o positivismo, mesmo que não institucionalmente.

42
Carta de Gomes de Castro a Maria Joaquina Botelho de Magalhães. Rio de Janeiro. 27.02.1897;
Natal. 15.11.1898; Maranhão (sic). 01.03.1897. MCBC/Inventário Maria Joaquina.
175

Suas atividades voltadas à promoção artística demonstram que buscavam desenvolver o culto
público do positivismo. Gomes de Castro liderou algumas promoções cívicas não
referendadas pela IPB, demonstrando que, embora tivesse reverência às suas lideranças,
apresentava independência na atuação positivista.
O pozitivismo e o recurso às insurreições é o título de um folheto lançado pela
Igreja Positivista em 1906, em resposta ao artigo O pozitivismo e o direito de insurreição,
publicado nos jornais por Gomes de Castro. No artigo, o militar justificava a insurreição de
novembro de 1904, contra a vacinação obrigatória no Rio de Janeiro, em que foi um dos
líderes, argumentando que Comte condenava o recurso às revoluções apenas quando estas
eram injustas, mas quando representavam um recurso extremo contra a tirania (que, para ele,
era o caso brasileiro), estavam plenas de direito. Mas o que mais revoltou os positivistas da
Igreja foi que o militar se utilizou de seus folhetos para justificar a insurreição, dizendo sobre
o ano de 1904: "Os monumentais artigos do próprio Sr. Teixeira Mendes contra o despotismo
me fês pegar aínda uma vês em armas em defeza da liberdade."43
O artigo de Gomes de Castro é revelador porque mostra a relação conflituosa entre
a juventude militar idealista ligada aos eventos da proclamação da República, e ainda
mobilizada na Revolta da Vacina em 1904, e a ortodoxia da Igreja. Gomes de Castro
representou bem esses militares. Junto com ele poderíamos citar Ximeno de Villeroy, Barbosa
Lima, Tasso Fragoso, Aníbal Eloi Cardoso ― correspondentes com Miguel Lemos e Teixeira
Mendes e contribuintes com o subsídio positivista ― todos com cerca de 40 anos na Revolta
da Vacina, sentiam-se traídos pelo excesso de purismos doutrinários dos líderes da Igreja
Positivista e por aquilo que Gomes de Castro chamou de uma "teoria clerical da obediência
passiva."44 O final do artigo é um manifesto de independência da Igreja Positivista: embora
não negasse que devia muito ao ensino e às prédicas religiosas de Teixeira Mendes, Gomes de
Castro dizia que não necessitava de seu placet e do seu Apostolado para ser positivista. O
desfecho desta contenda é ele arrependido, pedindo desculpas a Teixeira Mendes e à Igreja
Positivista, dias depois. Porém, essa disputa por competências da interpretação de Comte e de
práticas condizentes com a doutrina já estava estabelecida, inclusive na promoção de obras de
arte. Gomes de Castro e a Igreja Positivista iriam disputar aptidão na promoção de atividades
cívicas.
É surpreendente a variedade de comissões glorificadoras, sociedades, clubes

43
MENDES, R. Teixeira. O pozitivismo e o recurso às insurreições. Rio de Janeiro: IPB, 1906. p. 23.
44
MENDES, R. Teixeira. O pozitivismo e o recurso às insurreições... p. 107.
176

republicanos, lista de subscrição ― que recolhiam donativos para a mãe desamparada de um


militar morto, para a tradução e publicação de um livro, para a construção de um monumento
público – intensificadas com a instituição da República ― todas formas de participação
política que demonstram um desejo de intervenção que extrapolava a experiência política
partidária e uma aguda sensibilização cívica no início da República. A historiografia que trata
da Primeira República ainda não se dedicou a levantar e analisar essas formas de práticas
políticas. Lemos mostra a variedade de organizações que Benjamin Constant foi convidado a
integrar ou a que aderiu por iniciativa própria.45 Seguindo esse exemplo, fizemos o mesmo
para Gomes de Castro.
O quadro a seguir demonstra as comissões em que Gomes de Castro esteve
envolvido, os cargos que ocupou e as obras de arte produzidas. A referência a essas obras não
significa encomenda direta por parte do militar, pois nem sempre era presidente das
comissões que integrava, mas que as práticas cívicas de que participava demandavam esses
objetos artísticos. A pesquisa para a elaboração deste quadro revelou que Décio Villares e
Eduardo de Sá colaboravam muito nas comissões citadas.

Comissões que Gomes de Castro integrou

Ano Comissão Função Obra de arte Observação


1892 Comemoração Cívica Quadro e Busto Petição ao presidente da
junto ao túmulo do de Benjamin República para a realização
fundador da República Constant – Décio da cerimônia
Villares
1895 Comissão Glorificadora Presidente Organização de romarias ao
do Marechal Floriano túmulo de Floriano Peixoto.
Peixoto
1898 Grupo de Ação Fundado no Maranhão.
Positivista
1899 Sociedade Benjamin Quadro de Devolução dos troféus de
Constant ― Comissão Benjamin guerra ao Paraguai.
para devolução dos Constant no Presidente da Comissão: Raul
troféus da guerra do Gabinete – do Nascimento Guedes
Paraguai Eduardo de Sá
1900 Comissão Glorificadora Presidente Bustos de Préstito cívico com andores
do Marechal Floriano Tiradentes, José ao túmulo de Floriano
Peixoto – 5ª. Bonifácio, Peixoto em 29 de junho de
Comemoração Deodoro da 1900.
Fonseca,
Benjamin
Constant e
Floriano Peixoto

45
LEMOS, Renato. Benjamin Constant... p. 221 e 330.
177

1901 Membro da Diretoria Secretário Gestão 1901-1905. Também


do Clube Militar do Rio integrava a Comissão de
de Janeiro Redação.
1901 Sociedade Benjamin Orador Quadro Francia – Gomes de Castro não foi à
Constant – Comissão Eduardo de Sá cerimônia.
para comemoração da
Independência do
Paraguai
1904 Comissão Glorificadora Presidente Monumento a Encomenda do monumento a
do Marechal Floriano Floriano Peixoto Floriano Peixoto.
Peixoto – Eduardo de Sá
1904 Comissão do Monumento a
Monumento a Monroe Monroe

1908 Comissão Glorificadora


do Natalício da
Bandeira da República
1911 Comissão para o Presidente Mausoléu para a Transladação dos restos
túmulo da Imperatriz Família Imperial mortais do Convento da
Leopoldina Ajuda para o de Santo
Antonio. O Mausoléu não foi
construído por Gomes de
Castro .
1912 Comissão Cívica do Presidente Subscrição para
Fundador da República comemoração cívica em
15/11/1912
1913 Subscrição para o Tesoureiro Monumento O monumento não foi
monumento a Benjamin público a realizado por esta comissão.
Constant Benjamin Presidente da Comissão:
Constant Lauro Sodré
1921 Culto Cívico a Maria Homenagem cívica
Joaquina Botelho de
Magalhães

Gomes de Castro, com 25 anos quando a República foi instituída, viveu


intensamente estas formas de participação política e integrou muitas comissões. Certamente
foi a presidência da Comissão Glorificadora do Marechal Floriano Peixoto que lhe deu maior
visibilidade. Criada para organizar as visitas anuais ao mausoléu no aniversário de morte de
Floriano e para erguer seu monumento, analisado no próximo capítulo, reunia seguidores
católicos, positivistas, civis, militares, jornalistas, escritores...
Como presidente de Comissão Glorificadora, imprimia aos eventos por ele
organizados forte conotação positivista, como, por exemplo, a 5ª. Comemoração Cívica no
aniversário de morte de Floriano, em 1900: um préstito cívico de cinco andores, cada um com
cores diferenciadas e bustos. No texto explicativo, não há referências ao positivismo, mas a
justificativa histórica da ordem do préstito seguia a idéia positivista de continuidade histórica
178

entre Império e República.46 Os personagens do préstito também obedeciam a essa


continuidade:

1º. Andor – roxo-verde – Tiradentes


2º. Andor – verde-amarelo – José Bonifácio
3º. Andor encarnado-verde – Deodoro da Fonseca
4º. Andor – verde-branco – Benjamin Constant
5º. Andor – auri-verde – Floriano Peixoto
Não há referências à autoria dos bustos utilizados no préstito, mas tudo indica que
eram de Décio Villares. Vimos que a IPB possuía em seu acervo tais obras, mas não há
indicação de que tenham sido emprestados para o evento. Os bustos usados nos préstitos eram
normalmente de gesso, por serem mais leves, mas também porque permitiam grande número
de cópias. Em 1901, Gomes de Castro era membro da Comissão de Redação da Diretoria do
Clube Militar, reaberto neste ano. Na ata de reabertura, consta que o militar recolheu o
patrimônio do Clube quando este foi fechado em 1897,47 após a tentativa de assassinato do
presidente Prudente de Morais, e não cita objetos artísticos, embora o Clube já possuísse em
seu acervo, desde 1890, os retratos feitos por Villares, de Deodoro da Fonseca e Benjamin
Constant. O inventário no Clube Militar e estudo em suas atas demonstram que Villares foi o
primeiro artista a ter obras a compor seu acervo, mas nele não constam bustos do artista; é
possível, assim, que a Comissão Glorificadora tivesse seu próprio acervo de bustos.
Na Comissão Glorificadora do Marechal Floriano, sediada na Rua do Ouvidor, no.
127, é possível que tenham ficado depositadas as obras de arte do acervo do Clube Militar
fechado entre 1897 e 1901. Viu-se que a Comissão tinha certa familiaridade com objetos
artísticos, pois sediou em 1900 a exposição do quadro José Bonifácio: a fundação das Pátrias
Brazileiras, de Eduardo de Sá. Três anos após, seu irmão Francisco de Sá lideraria a
comemoração do 8º. ano de morte de Floriano, pela mesma Comissão Glorificadora.48
O Clube Republicano ou Sociedade Benjamin Constant, integrado por positivistas
que colaboraram com o subsídio para a construção do Templo da Humanidade no Rio de
Janeiro, ― e é possível que Gomes de Castro fosse o tesoureiro, pois enviou carta a Miguel

46
CASTRO, Gomes de. Culto Pátrio. Comissão Glorificadora do Marechal Floriano Peixoto. 5ª.
Comemoração Cívica. Rio de Janeiro. 29.06.1900.
47
ALMEIDA, Isnard Pereira de. Resumo Histórico dos 91 Anos do Clube Militar. Anexo 1 – Ata da
sessão de reabertura do Clube Militar. 14.07.1901. Mimeografado. 1979.
48
SÁ, Francisco, Cavalcanti, Thomas e Guedes, Raul. Comissão Glorificadora do Marechal Floriano
Peixoto – Culto Cívico. Rio de Janeiro. 29.06. 1903. 1p. MCBC/Inventário José Bevilaqua.
179

Lemos tratando do assunto,49 também encomendou quadros a Eduardo de Sá: em 1899, o


quadro Benjamin Constant no Gabinete, doado a cidade de Assunção, Paraguai50, e, em 1901,
o quadro Francia!, para a comemoração da Independência do Paraguai.51 Isto pode ser um
indicativo da sensibilidade de Gomes de Castro e seus colegas à arte e um indício de por que
Eduardo de Sá foi o escolhido para fazer o monumento de Floriano, em 1904, ainda que não
fosse escultor. As condições do concurso chefiado por Gomes de Castro serão analisadas no
próximo capítulo.
È possível que essas associações, muitas vezes compostas pelos mesmos
integrantes, compartilhassem seu acervo de objetos artísticos, bandeiras e estandartes. O
quadro de Francia, referido acima, foi exposto na festa cívica da Independência do Paraguai,
organizada pela Sociedade Benjamin Constant em 1901, e integrava o conjunto decorativo do
salão da Escola Politécnica, onde ocorreu o evento. Os bustos de Deodoro da Fonseca,
Floriano Peixoto, Benjamin Constant e José Bonifácio compunham a decoração, juntamente
com estandartes, flores, bandeiras das nações americanas e escudos com nomes dos líderes
nacionais.52 O artigo de jornal que relata a comemoração e descreve a decoração do salão não
informa a autoria dos bustos, e é bastante provável que fossem os mesmos do préstito cívico
organizado por Gomes de Castro, um ano antes, em homenagem a Floriano Peixoto. A seguir
apresentam-se imagens dos bustos de Décio Villares, talvez usados nas cerimônias de Gomes
de Castro.

49
Carta de Gomes de Castro a Miguel Lemos. Rio de Janeiro. 08.12.1895. IPB
50
Quadro de Benjamin Constant. O Paiz,s/d.
51
A Independência do Paraguay. Jornal do Brazil, 15.10.1901.
52
A Independência do Paraguay. s/r. 15.05.1901.
180

Tiradentes José Bonifácio

Benjamin Constant

Deodoro da Fonseca Floriano Peixoto


181

Com exceção do busto de Deodoro da Fonseca, os demais integram o acervo da


Capela Positivista de Porto Alegre. Do busto de Deodoro não se conhece o paradeiro; a
imagem apresentada foi extraída de uma fotografia e por isso justifica-se a má qualidade da
imagem.
Em 1911, Gomes de Castro presidiu a comissão para o monumento fúnebre de D.
Leopoldina, realizando a transladação de seus restos mortais do Convento de Nossa Senhora
da Ajuda para o Convento de Santo Antônio, ambos no Rio de Janeiro. Ele enviou o convite
da solenidade aos positivistas da Igreja, que não compareceram por não estarem convencidos
dos serviços de Dona Leopoldina à Pátria e por serem contra atos de transladação de restos
mortais. A lista de subscrição também foi enviada à Igreja e devolvida a Gomes de Castro,
com a justificativa de que por razões doutrinárias não poderiam participar desta iniciativa
cívica.53 Todos esses atos foram acompanhados de publicação de longos artigos nos jornais,
com réplicas e tréplicas de ambos os lados, e com a publicação de folhetos pela Igreja
Positivista.54
A divergência resume-se a uma questão de estética positivista: quem deve ser
homenageado em monumentos fúnebres e quem deve homenagear. Para Gomes de Castro, a
Imperatriz Leopoldina deveria ser homenageada civicamente, pois teve decisiva colaboração
na Independência nacional. Tomava como evidência e testemunho disso a frase de Menezes
Drummond, amigo e confidente de José Bonifácio: “Fui testemunha ocular e posso asseverar
aos contemporâneos que a Princeza Leopoldina cooperou vivamente dentro e fora do paiz
para a Independência do Brasil. Debaixo desse ponto de vista o Brasil deve a sua memória
gratidão eterna.”55 Para os membros da IPB, a Princesa Leopoldina não fora tão importante
para a pátria; portanto, a homenagem não deveria ser cívica, mas familiar, cabendo fazê-la
somente os membros da família imperial.
A intenção de Gomes de Castro era transladar provisoriamente o corpo da Princesa
para o Convento de Santo Antonio até que o Pantheon da Família Imperial estivesse pronto no
Cemitério de São João Baptista. Em carta ao Conde e a Condessa d’Eu, o militar alertava que
a obra teria proporções que permitiriam guardar os restos mortais de todos os membros da
família imperial e predominaria na sua concepção o catolicismo. Ele continua o relato

53
Carta de Gomes de Castro a Miguel Lemos e Teixeira Mendes. Rio de Janeiro. 08.11.1911. IPB
54
MENDES, R. Teixeira. Ainda a comemoração social e a situação modérna - reflessões a propozito
da subscrição pública para erigir-se no Cemitério São João Batista, um monumento a Imperatriz D.
Leopoldina e seus decendentes. Rio de Janeiro: IPB, 1912.
55
Carta de Gomes de Castro ao Conde de Affonso Celso, Presidente do IHGB. Rio de Janeiro.
21.02.1922. Lata 565, Pasta 106. IHGB.
182

informando que, sob sua responsabilidade, fora montada uma comissão para erguer a obra e
recolhidos subsídios em vários órgãos do governo e em diferentes classes sociais.56 Em 1937,
o corpo da Princesa foi transferido para um Mausoléu no interior do Convento de Santo
Antonio construído por iniciativa do Frei Basílio Roewer e, em 1957, novamente transladado,
agora para o Monumento do Ipiranga, em São Paulo. Não há informações de por que Gomes
de Castro não concluiu a iniciativa do Panteon; importa apenas destacar sua mobilização
doutrinária para realizá-lo ― razões cívicas de gratidão à família imperial por sua
contribuição ao passado brasileiro. Tal dedicação e reconhecimento à Família Imperial
valeram a Gomes de Castro o convite de Max Fleiuss, Secretário do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, para tornar-se sócio da instituição; no entanto, o militar declina do
convite alegando que, por ser positivista, estaria em antagonismo com membros daquele
grêmio.57 Anos antes também havia se exonerado do cargo de professor de economia política
da Escola Superior de Guerra, também por razões de doutrina.58 Sendo positivista ortodoxo
também no aspecto pessoal, veremos o que Gomes de Castro entendia por arte e se se
mantinha guiado pela doutrina comtiana.

O que Gomes de Castro disse sobre arte?

Em 1910, Gomes de Castro publicou um livro sobre o monumento a Floriano,


quando foi inaugurado. Era uma espécie de relatório, prestação de contas e livro de memórias
dos quase 9 anos em que coordenou o projeto de construção do monumento. A introdução do
livro – Apreciação geral da arte ― revela a leitura que Gomes de Castro fez do texto de
Comte sobre estética, discutido no primeiro capítulo desta tese. Retomaremos agora alguns
pontos da filosofia estética positiva, segundo interpretação de Gomes de Castro, que, embora
não tenha inovado com relação ao texto de Comte, dissertou sobre arte de forma muito clara.59
Os três domínios ― arte, ciência e indústria ― abraçam o conjunto da realidade; e o
primeiro – a arte – tem a função de “aformoseá-la.” A arte tem a preexcelência na capacidade
– sob os outros dois domínios – de generalização e síntese, realizando uma idealização do
passado, uma “ficção estética.” A ficção estética é superior em mérito à ciência e a indústria,

56
Carta de Gomes de Castro ao Conde e a Condessa d’Eu. Rio de Janeiro. 28.11.1911. Lata 479, Pasta
18. IHGB.
57
Carta de Gomes de Castro a Max Fleiuss. Rio de Janeiro. 10.04.1912. Lata 471, Pasta 14. IHGB.
58
SODRÉ, Lauro. Os sucessos de 14 de novembro... p. 15.
59
CASTRO, Gomes de. O monumento a Floriano Peixoto – escultura epopéia do Brasil por Eduardo
de Sá. Rio de Janeiro: Typ Leuzinguer, 1910. Sem paginação.
183

pois opera diretamente sobre os sentimentos – motor e regulador da inteligência e da prática.


Portanto, a arte é a mais sintética e importante das três grandes concepções humanas; e os
artistas, por sua capacidade de aperfeiçoar a realidade, para encantar a existência dos homens,
são seres privilegiados. Com isso, a concepção de gênio, tão consagrada na filosofia estética,
está ligada à capacidade do artista de idealizar a realidade “para incitar em nós o estímulo do
aperfeiçoamento moral, que é o destino humano da arte.”60 Por este motivo, o autor ou o
artista é fundamental na produção artística positivista.
A produção de arte pressupõe três operações: imitação ( mais passiva e elementar),
idealização ( mais importante e delicada) e expressão ( mais decisiva e pessoal). As duas
primeiras compõem a concepção de uma obra, e as duas últimas o estilo, que lhe dá o cunho
autoral. Portanto, a técnica, tão reivindicada no mundo das artes, é secundária, pois máquinas
podem fazer estampas com perfeição, e ter técnica não significa ter enlevamento moral.
A arte tem uma função definida: celebrar o passado e aperfeiçoar o presente. Há no
positivismo uma síntese histórica ― um programa do passado que deve ser percorrido,
lembrado, comemorado – e um elenco de personagens – os tipos ideais que devem ser
reverenciados. Isto é em suma o culto positivista. Nas palavras de Gomes de Castro:

Eis como a arte se eleva à sua missão característica, a construcção dos typos os
mais animados, cuja contemplação familiar póde tanto aperfeiçoar nosso
sentimentos, e até mesmo nossos pensamentos. A exageração dessas imagens é
uma condição necessária de sua destinação, pois que elles devem exceder a
realidade a fim de nos impellir a melhoral-a. Tal é, em summa, a disciplina
religiosa da arte.61

Quadro classificatório das artes segundo Gomes de Castro

A ARTE


Arte Geral Arte Especial


Poesia Som Forma
 

Arte das Artes Música Pintura Escultura Arquitetura
  
Mais abstrata Mais estética Mais técnica

60
CASTRO. A. R. Gomes de. O monumento...
61
CASTRO. A. R. Gomes de. O monumento...
184

O quadro não difere da classificação comtiana, apenas é apresentado com mais


clareza. Ater-nos-emos às artes da forma ou artes plásticas, compostas por pintura, escultura e
arquitetura. A pintura é a arte da forma desenhada e colorida, sendo esta última peculiaridade
a mais importante, porque é o que dá mais expressão a um quadro; o colorido define o estilo
do pintor. A escultura, a mais estética da tríplice arte da forma, é a arte plástica por
excelência, pois pode reproduzir a forma em minuciosa perfeição de detalhes e contornos; é a
arte da “delicada gradação do relevo, enquanto a arquitetura é a arte de um relevo
monumental.”62
Ao retomarmos o primeiro capítulo desta tese, vê-se que Gomes de Castro fez uma
leitura bastante estrita do texto comtiano A Aptidão Estética do Positivismo; pouco, para não
dizer nada, inovou. O que se pode destacar no texto do militar é a clareza e didática na
apresentação da filosofia estética. A introdução do livro era uma didática lição de estética
positivista, sem a qual o monumento a Floriano não poderia ser bem compreendido. Gomes
de Castro revela-se assim um encomendante positivista plenamente ciente da função da arte,
do papel do artista, do status de Floriano na síntese histórica brasileira e do suporte adequado
para homenageá-lo: uma escultura monumental, a mais estética das artes da forma.

Floriano, jacobinos, positivistas e consagração cívica

O major Gomes de Castro tem sido o principal senão o único organizador das
romarias cívicas de 29 de junho, mantendo até esta data todo o fervor desse culto
cívico ao grande brazileiro (Floriano Peixoto).63

Floriano Peixoto, segundo presidente entre 1891 e 1894, é avaliado pela


historiografia como o primeiro grande líder político popular na história republicana.64 Seus
seguidores eram militares e civis, chamados de florianistas ou jacobinos, oriundos de grupos
populares e das camadas médias da cidade do Rio de Janeiro, da jovem oficialidade da
Escolar Militar da Praia Vermelha e dos sócios oficiais do Clube Militar. A adoção de ações

62
CASTRO. A. R. Gomes de. O monumento...
63
Major Gomes de Castro. Folha do Dia. 22.04.1910.
64
Sobre o governo de Floriano, os florianistas e jacobinos brasileiros ver: CARVALHO, José M. Os
Bestializados – o Rio de Janeiro e a República que não foi. 3. ed. São Paulo: Cia. da Letras, 2000;
PENNA, Lincoln de Abreu. O Progresso da Ordem – o florianismo e a construção da República. Rio
de Janeiro: Sette Letras, 1997; PENNA, Lincoln de Abreu. República brasileira. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999; QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Os radicais da República. São Paulo: Brasiliense,
1986; QUEIROZ, Suely Robles Reis de. O jacobinismo na historiografia republicana. In: LAPA, José
R. do Amaral (org.). História política da República. Campinas: Papirus, 1990.
185

violentas nas ruas, ou não, era o que distinguia jacobinos dos outros florianistas.65 Seus
opositores eram qualquer um que demonstrasse inclinações à monarquia; os estrangeiros,
principalmente os comerciantes portugueses; e os liberais, chamados de “casacas”, que
estavam mais interessados em seus negócios do que na consolidação do regime republicano.66
Os florianistas militares se ressentiam especialmente dos bacharéis, herança do civilismo da
época da Império.67
Simas destaca que a imagem de Floriano, para seus seguidores, era um misto de
herói militar, antiportuguês, brasileiro por essência; era também um índio, e um Cristo
republicano.68 Ao analisar o meio literário carioca, composto de escritores/militantes críticos
de Floriano e de florianistas exaltados, como Raul Pompéia, Ferracin da Silva demonstra o
ambiente de paixões doutrinárias e perseguições políticas.69
A imprensa e os críticos do Marechal não distinguiam com nitidez os florianistas,
sendo todos denominados de jacobinos: a facção mais radical e violenta dos florianistas. Até
mesmo os positivistas da IPB eram vistos assim, embora negassem qualquer vínculo com os
tumultos e ações violentas. Durante a Revolta da Vacina em 1904, reforçou-se a idéia de que
todos os florianistas eram positivistas.
Floriano desenvolveu em seu governo uma administração moralizadora dos
serviços públicos, fiscalizadora dos gastos do erário público e um governo central forte. Em
termos políticos, embora não tenha se engajado nas campanhas republicanas anteriores a
1889, Floriano promoveu a defesa intransigente da República e de suas instituições, e
defendeu a idéia de um Estado nacionalista forte. Essas idéias também eram defendidas pelos
positivistas, com exceção do nacionalismo. “Floriano combinou o ideal positivista da ditadura
da ‘coisa pública’ com a pregação do jacobinismo mais chegado ao nacionalismo exacerbado
e aos interesses sociais.”70
A propaganda florianista difundia a idéia de que o Marechal não estava só, tinha o
“povo” a seu lado; isto é o que dava legitimidade à sua obra política e coletiva. Era uma
“relação dialética que se justificava porque Floriano e florianistas se apropriavam

65
QUEIROZ, Suely Robles Reis de. O jacobinismo... p. 72.
66
PENNA, Lincoln de Abreu. República... p. 63-64.
67
QUEIROZ, Suely Robles Reis de. O jacobinismo... p. 79.
68
SIMAS, Luiz Antonio. O Evangelho segundo os jacobinos - Floriano Peixoto e o mito do salvador
da República brasileira. Rio de Janeiro: PPGHIS/UFRJ. 1994. (Diss. Mestrado)
69
SILVA, Ana Carolina Feracin da. Entre a Pena e a Espada: literatos e jacobinos nos primeiros anos
da República. Campinas: Unicamp. 2001. (Diss. Mestrado)
70
PENNA, Lincoln de Abreu. República... p. 66.
186

reciprocamente.”71 Os positivistas respeitavam uma liderança genuína, saída da aclamação


popular, desde que o líder assumisse a tarefa de guiar o povo e sabiamente governar, sem
pretensões democráticas com eleições e contagem de votos. Estes eram expedientes
desnecessários, pois as leis naturais que regiam a sociedade já estavam dadas e não
dependiam da vontade dos homens. Para a direção política era necessário apenas o decreto de
medidas por um líder sábio. Para os membros da Igreja, esse líder era Benjamin Constant, que
inclusive incentivaram a proclamar a ditadura republicana, quando a República foi instituída
em 15 de novembro de 1889.72 Benjamin Constant não aceitou esta sugestão. Floriano não era
o líder sábio ideal, mas tinha o carisma popular, além do fato de ter participado
“positivamente” para a Proclamação da República, como já foi tratado.
As ações enérgicas, autoritárias e centralizadoras de Floriano contribuíram para
sua popularidade. O comando da crise, herdada do governo de Deodoro, resultou na sua
consagração pública. O controle da Revolta da Armada, da Revolução Federalista, dos
governadores dissidentes nos estados, legou-lhe a alcunha de “O Marechal de Ferro.” A
liderança na defesa da República ameaçada deixou-o conhecido como “O Consolidador.” Os
positivistas da Igreja, mesmo com as ressalvas quanto às soluções políticas de Floriano,
também compartilhavam esse reconhecimento, ligando-o às ações de seus colaboradores.
“Esse triunfo foi em boa hora obtido, graças ao admiravel entuziasmo de nossa mocidade, á
patriotica fidelidade da força publica de terra, ao acrizolado civismo de um punhado de
oficiais de marinha, e á firmeza inquebrantavel do chefe da nação, que assim resgatou seus
erros e fez esquecer suas grandes lacunas como estadista.”73 As opiniões dos positivistas da
Igreja a respeito do militarismo mudaram muito durante a Primeira República, e, durante o
governo de Floriano, as críticas ainda não eram tão contundentes. Em texto publicado por
Teixeira Mendes em 1892, este elogiou a classe militar, dizendo que ela concorrera para o
bem da nação brasileira na Proclamação da República, mostrando que não era um elemento
distinto do restante da nação; pelo contrário, trabalhava junto com os demais grupos.74
São as relações entre Floriano, positivistas, florianistas e jacobinos que interessam
neste ponto. Floriano não era positivista, tampouco recebera total aprovação dos mesmos,
como foi visto anteriormente. No entanto, ele era militar, pelo menos familiarizado com os

71
PENNA, Lincoln de Abreu. O Progresso... p. 18.
72
MEDEIROS E ALBUQUERQUE. Quando eu era vivo. Citado em: CARVALHO, José M. A
Formação... p. 41.
73
LEMOS, Miguel. 13ª. Circular Anual do Apostolado Positivista no Brasil. (Ano de 1893). Rio de
Janeiro: IPB, 1894. p. 19.
74
LEMOS, Miguel. 13a. Circular Anual... p. 33.
187

princípios básicos da doutrina. A familiaridade dos militares com a doutrina positivista, por
um lado, e o respeito dos positivistas à hierarquia, à disciplina e à ordem, por outro,
possibilitaram que os dois grupos comungassem de valores simbólicos comuns, o que não
implicou necessariamente a defesa das mesmas idéias, práticas e soluções para o país. O
apreço por demonstrações públicas de patriotismo, por cerimônias cívicas e por solenidades
em exaltação a figuras nacionais admiráveis é estratégia comun a positivistas e militares.
O apoio incondicional à República uniu positivistas e jacobinos, embora seus
métodos não coincidissem. Os positivistas atuavam principalmente pela via editorial, que
propiciava a discussão, a polêmica e o debate público, buscando o convencimento pela força
das idéias; os jacobinos se centravam nas ações de rua, com manifestações públicas, tumultos
e confrontos violentos, e menos na palavra.75 A radicalidade das estratégias de ambos os
grupos fez com que fossem vistos, pelos opositores políticos, como atuando conjuntamente,
por mais que os positivistas da Igreja negassem essa associação.

Os funerais do Marechal

Em junho de 1895, Floriano morreu e deixou a seus apoiadores uma carta, um


“testamento político” que iria empolgar as ações futuras dos jacobinos. Mesmo sendo longa,
vale aqui reproduzir parte da mesma.

A vós, que sois moços e trazeis vivo e ardente no coração o amor da Pátria e da
República, a vós corre o dever de ampará-la e defendê-la dos ataques insidiosos
dos inimigos. Diz-se e repete-se que ela está consolidada e não corre perigo. Não
vos fieis nisso, nem vos deixeis apanhar de surpresa. O fermento da restauração
agita-se em uma ação lenta, mas contínua e surda. Alerta! pois. A mim me
chamais o consolidador da República. Consolidador da obra grandiosa de
Benjamin Constant e Deodoro são o Exército Nacional e uma parte da Armada,
que à Lei e às instituições se conservaram fiéis [...] é a Guarda Nacional, são os
corpos de polícia da Capital e do Estado do Rio [...] é a mocidade das escolas
civis e militares [...] finalmente, é o grande e glorioso Partido Republicano, que,
tomando a forma de batalhões patrióticos...76

Sob grande comoção foi realizado seu enterro, a maior manifestação popular
ocorrida até então no Rio de Janeiro para cultuar a memória de um político. Assim afirmou
Luiz Edmundo, jornalista que esteve presente em toda a solenidade: “Jamais uma romaria
cívica, até hoje, logrou, que eu saiba, uma imponência igual. Os funerais de Rio Branco foram

75
PENNA, Lincoln de Abreu. O Progresso... p. 112-113.
76
Citado em: CARONE, Edgar. A República Velha... p. 163.
188

notáveis, foram, mas não tiveram, como os de Floriano, a solenidade, a magnificência e até
mesmo o concurso de uma tão grande massa popular.”77
Seu corpo foi embalsamado e colocado na Igreja da Cruz dos Militares, e a semana
inteira recebeu multidões que passavam silenciosamente para ver seu corpo. As flores extras
vindas de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo para abastecer as floriculturas, logo se
acabaram. Ao enterramento precedeu um cortejo pela cidade, formado por populares e onze
Batalhões Patrióticos (formados por militares e civis, organizados durante a Revolta da
Armada para defender o governo do Floriano). Completa Edmundo sobre a multidão:

Um terço dos moradores da cidade ou, talvez, mais, assistiu à solene passagem
desse cortejo, que levou horas e horas a desfilar. Pelas calçadas, portas e janelas
das casas, toda uma multidão se aglomerava, em cachos. Vi homens de joelhos,
pelas ruas, senhoras que choravam. Gente trepada pelos combustores da
iluminação, pelos postes dos fios telegráficos e até pelos beirais de altos e
íngremes telhados...78

No cemitério, “os discursos pronunciados à beira de seu túmulo foram violentos,


terminando com vivas a Floriano e morras para Prudente.”79 Foram atos solenes de reverência
ao morto e, sobretudo, atos políticos que precisavam ser publicizados aos oponentes,
reforçando o discurso da República não corrompida, inaugurada por Benjamin Constant e
reforçada por Floriano. Entre estes atos, houve também leitura de poesias, como a do
positivista da Igreja, Generino dos Santos, escrita em 1895, provavelmente lida à beira do
túmulo. Embora fosse Floriano o homenageado com o poema, Benjamin Constant também
ganhava destaque.

Irmãos d’armas
Junto aos túmulos de
BENJAMIN CONSTANT E FLORIANO PEIXOTO

Talhados para o bronze subjectivo


Que os conduz pelos seculos a fóra:
— Raios reflexos d'uma mesma aurora
Que se encontram n'um mesmo objectivo;

77
EDMUNDO, Luiz. De um livro de memórias. Rio de Janeiro: s.ed., 1958. In: SODRÉ. Nelson
Werneck. História Militar do Brasil. 2. ed, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. p. 176.
78
EDMUNDO, Luiz. De um livro... p. 176.
79
PENNA, Lincoln de Abreu. O Progresso... p. 159-161; CARONE, Edgar. A República Velha... p.
163.
189

Um — pensador, que, agindo, amor devora;


Outro — braço que acção consome vivo:
— Par social, ingenuo e primitivo,
“Em quem poder não teve a morte" agora:

Encontraram-se os dois, n'alva incendida


De novembro, jamais se separaram:
— O que um fundara, o outro consolida,

Justando juntos, juntos repousaram


Que exemplo ! — ali, nessa porção querida
Do chão da Patria que elles tanto amaram!

O primeiro aniversário da morte de Floriano também seguiu esse modelo


apoteótico, ocorrendo uma grande procissão cívica pela cidade do Rio de Janeiro com
diversos representantes da sociedade civil e militar, onde se destacaram a Igreja Positivista, o
Clube Militar, a Guarda Nacional, o Partido Republicano Federal, a Escola de Medicina, entre
outras associações. A visita ao túmulo de Floriano se seguiu, sempre no aniversário de sua
morte, pelos anos seguintes. A morte e o culto à memória do falecido eram maneiras de entrar
para a História. Por meio dessas formas de recordação, Floriano continuava a pautar as ações
de seus seguidores. “Mais do que militar, o pensamento jacobino revela clara influência
positivista na defesa que faz [...] do culto aos heróis concretizado na glorificação de Floriano
cuja figura foi por eles elevada à condição de mito.”80
O mandato de Prudente de Morais não fora tranqüilo, e isso os florianistas trataram
de garantir, culminando com um atentado frustrado à sua vida, em novembro de 1897.
Militares florianistas importantes estavam envolvidos. Houve o boato de que se tratava de
uma conspiração do Clube Militar e também de uma tentativa do vice-presidente da nação, o
florianista Manuel Vitorino Pereira, de assumir interinamente. Corriam insinuações na
imprensa de que os positivistas da Igreja também eram responsáveis em certa medida, embora
indiretamente, por “aconselhar a ditadura republicana, por querer suprimir as crenças
religiozas, e por ter corrompido o espírito cristão de nossos soldados!”81 Após o julgamento,
as ações enérgicas do governo tentaram conter as forças florianistas organizadas, proibindo a
formação dos batalhões patrióticos, fechando o Clube Militar e reprimindo as manifestações
na Escola Militar.

80
QUEIROZ, Suely Robles Reis de. O jacobinismo... p. 79.
81
LEMOS, Miguel. 17a. Circular Anual do Apostolado Positivista no Brasil. (Ano de 1897). Rio de
Janeiro: IPB, 1899. p. 53.
190

Florianistas e positivistas na Revolta da vacina

No ano de 1904, quando o terceiro mandato civil parecia ter debelado as forças
florianistas/jacobinas, houve a tentativa do Clube Militar de entregar um ultimatum ao
presidente Rodrigues Alves e tomar o poder com o apoio dos alunos da Escola Militar do
Realengo e da Praia Vermelha, mas a ação foi frustrada pelas forças do governo.82
Contribuiram para o ano de conflitos as greves operárias em abril e maio, e a Revolta da
Vacina, a partir de outubro.
As ações dos florianistas contra a vacinação obrigatória aparecem novamente em
sintonia com as dos positivistas da Igreja, que se engajaram na Revolta, lançando inúmeros
folhetos indignados contra a invasão do governo na vida íntima dos cidadãos. A Igreja tentou
se desvincular das ações violentas, mas a associação foi feita tanto pelos revoltosos que liam
seus textos, quanto pela imprensa que os criticou. O governo também achava que florianistas
e positivistas da Igreja atuavam em conjunto, como consta no relatório do Chefe de Polícia
acerca das agitações de novembro, afirmando que todos estavam conjurados, até a Igreja
Positivista, para que o povo pudesse falar em nome dos direitos individuais.83
A campanha contra a vacina se deu também no âmbito parlamentar, com a
oposição de militares, positivistas e florianistas, que formaram na Câmara de Vereadores uma
frente de oposição aos projetos de lei que regulamentassem a obrigatoriedade da vacina, e
uma frente de luta pela “purificação da República, contra o governo do ex-monarquista e
conselheiro Rodrigues Alves e contra as oligarquias estaduais que dizia serem o sustentáculo
da República prostituída.”84 Os positivistas da Igreja não faziam parte da Câmara, mas
participaram dessa campanha parlamentar publicando manifestos nos jornais e editando seus
folhetos, que eram enviados aos políticos.
Juntamente com artigos incendiários nos jornais, dava-se a organização de abaixo-
assinados, com milhares de assinaturas, de meetings, de passeatas, de agressões à polícia, de
queima de bondes, de barricadas nas ruas, de sublevações nos quartéis. Os que participavam
eram positivistas, militares, jacobinos, operários e uma grande massa da população em geral.
As razões dos líderes eram de ordem política, contra o governo das oligarquias,
com intenções inclusive de tomar o poder e devolvê-lo a um militar que estivesse disposto a

82
CARONE, Edgar. A República Velha... p. 223-224.
83
MENDES, R. Teixeira. Uma reclamação urgente – a propózito de um trecho do relatório do Sr.
Chefe de Polícia, acerca dos sucessos de novembro ultimo. In: Boletim do Apostolado Pozitivista do
Brazil. n. 33p, 29 de dezembro de 1904, Rio de Janeiro.
84
CARVALHO, José M. Os Bestializados... p. 97.
191

assumir. Havia também justificações de ordem moral: o desrespeito à liberdade individual, à


virtude feminina, à honra familiar e à intimidade doméstica. “Ao decretar a obrigatoriedade da
vacina pela maneira como fizera, o governo violava o domínio sagrado da liberdade
individual e da honra pessoal. O inimigo não era a vacina em si mas o governo, em particular
as forças de repressão do governo.”85 Era um governo dos fazendeiros, dos oligarcas, dos
republicanos de “casacas”, não de fardas, diziam os revoltosos militares. O ano de 1904 foi
marcado por mais uma ação, também simbólica, de florianistas e positivistas: erguer um
monumento a Floriano, em um dos pontos mais centrais da cidade do Rio de Janeiro. Essa foi
a principal encomenda dos militares florianistas/positivistas agremiados na Comissão
Glorificadora do Marechal Floriano Peixoto e liderados por Gomes de Castro. Este
monumento será analisado no próximo capítulo.

85
CARVALHO, José M. Os Bestializados... p. 136.
192

Parte III – Governo do Estado do Rio Grande do Sul,


um encomendante positivista?

A historiografia sobre os primeiros governos republicanos, comandados por


Castilhos, Borges e Carlos Barbosa é muito extensa. Discussões sobre o pensamento
doutrinário do PRR e sua organização e análises do poder legislativo e judiciário
complementam as pesquisas sobre as Secretarias de Estados destes governos, além do próprio
poder executivo, centrado nestas figuras. Mais recentemente, as atenções historiográficas se
voltaram para explicar a cultura política republicana no espaço sul-rio-grandense.86
Especificamente na área de história da imagem e sua relação com o mundo político gaúcho
existem novos trabalhos. A dissertação sobre iconografia de Getúlio Vargas em monumentos
públicos, de Nadima Toscani, toma as imagens também como objeto de estudo de história
política.87 O campo artístico gaúcho e a relação com o poder público estadual foram
explicados, por meio da história da formação do Instituto de Artes, na tese de Círio Simon.88
Uma análise sobre as representações do mundo político na década de 1880, por meio de
caricaturas, textos, e desenhos humorísticos, da cidade de Pelotas foi objeto da dissertação de
Aristeu Lopes.89
No Brasil, assim como na França, a instauração do regime republicano incentivou
a produção de grande quantidade de imagens/objetos políticos, produção esta alimentada por
uma cultura cívica de participação crescente. Além das lideranças militares nacionais que
instituíram o novo regime: Deodoro, Floriano e Benjamin Constant, lideranças regionais
passaram a ser cultuadas e muitas vezes rivalizavam com as lideranças nacionais, como é o
caso do próprio Júlio Castilhos. Exemplo disso foi forma como a escultura comemorativa foi
usada para representar o papel da Província do Rio de Janeiro na Proclamação da República,
homenageando os fluminenses Quintino Bocaiúva, Benjamin Constant e Silva Jardim, apesar
de suas diferenças políticas. Marcelo Abreu evidenciou que, no desejo de representar o

86
ALBECHE, Dayse L. Imagens do Gaúcho – história e mitificação. Porto Alegre: Edipucrs, 1996.
PACHECO, Ricardo de A. O cidadão está nas ruas – representações e práticas acerca da cidadania
republicana em Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2001.
87
TOSCANI, Nadima Vieira. A iconografia de Getúlio Vargas em monumentos escultóricos do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: PPGA/Ufrgs. 1998. (Diss. Mestrado)
88
SIMON, Círio. Origens do Instituto de Artes da Ufrgs – etapas entre 1908-1962 e contribuições na
constituição de expressões de autonomia no sistema de artes visuais do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: PUCRS/PPG História. 2002. (Tese de Doutorado)
89
LOPES, Aristeu Elisandro Machado. Traços da política: representações do mundo político na
imprensa ilustrada e humorística pelotense do século XIX. Porto Alegre: PPGHistória/Ufrgs. 2005.
(Diss. Mestrado)
193

regionalismo fluminense no cenário nacional, foram suspendidas as diferenças dos


personagens no monumento O Triunfo da República, erguido em Niterói, em 1927.90
Os monumentos públicos, bustos, quadros, litografias eram suporte visual às
atividades políticas de romarias, comemorações públicas, homenagens, festas cívicas,
crescentes em todo o Brasil, com a República. É necessário que se faça um inventário
nacional, mas é quase certo que para cada grande cidade, foi erguido um monumento ou mais
modestamente uma estátua ou busto em praça pública de uma liderança política regional, cuja
memória foi reverenciada em ritualismos cívicos. Com isso, o fenômeno político que foi
Castilhos, e o conseqüente culto à sua imagem e memória, não foi único no Brasil, tampouco
especial porque havia positivistas no Rio Grande do Sul, embora o positivismo tenha balizado
as práticas políticas no governo estadual.

Borges de Medeiros e o esforço por união partidária

A morte súbita de Castilhos em 1903 causou uma orfandade no PRR, e Borges


assumiu a liderança do partido concomitantemente com a administração do governo estadual.
O partido, formado por correligionários que tinham diferentes graus de adesão ao positivismo,
vinha sendo até então contido pela liderança incontestável de Castilhos. Havia os
democráticos, que por força da presença do líder, toleravam ou aceitavam com reservas a
feição sociocrática da Constituição de 14 de julho; os positivistas comtistas e os positivistas
mais heterodoxos, que aceitavam também a obra de Laffitte e Littré. A morte de Castilhos
permitiu que essas diferentes vozes se revelassem no PRR.
João Neves da Fontoura, em suas Memórias, registra que, entre a equipe do jornal
A Federação, os prefeitos dos municípios do interior e os demais correligionários, se dava
uma cisão entre sociocratas e não-sociocratas. Borges debatia-se em liderar um partido que,
embora boa parte dos membros tivesse conhecimento e simpatias ao positivismo, se dividia
em tipos de positivismo. Muitas vezes era apenas uma adesão personalista a Castilhos e não à
sua Constituição de feição positivista.
A equipe d’A Federação, por exemplo, mesmo após a troca do radical defensor de
Castilhos, o diretor Evaristo Teixeira do Amaral, continuou a ser a “patrulha ideológica” do

90
ABREU, Marcelo Santos de. Regionalismo e imaginária urbana. Escultura pública e política na
cidade de Niterói no século XIX. Niterói: UFF, 2003. p. 130. (Diss. Mestrado)
194

partido, com um pensamento sectário e ortodoxo.91 Um episódio relatado por João Neves da
Fontoura exemplifica como essa cisão dividia as opiniões, talvez melhor dizendo, as paixões,
no interior do partido. O Prefeito de São Francisco de Assis, Nunes Nogueira, enviara carta ao
novo diretor d’A Federação, Olavo Godoy, provavelmente para publicar no jornal, dizendo-se
zangado com a liderança de Borges, que estava querendo “lafitizar” a obra de Castilhos. A
questão a ser feita é se e como essa controvérsia doutrinária se transpôs para o âmbito da
produção de imagens.
Se havia um regime visual capaz de sustentar a produção sistemática e usos de
imagens políticas, é necessário aqui refletir se a cisão do PRR entre não positivistas,
positivistas comtianos e positivistas heterodoxos se revelava também no âmbito da produção
de imagens de Castilhos. Qual a especificidade do governo estadual, dito positivista, enquanto
encomendante de obras de arte? Como Borges e Carlos Barbosa à frente do governo estadual,
grande responsável pela produção de imagens de Castilhos, definiram-lhe uma visualidade?

Décio Villares e Eduardo de Sá, conhecidos artistas no sul

A ligação de Villares e Sá com a IPB era evidente, e no RS se dava por meio dos
positivistas religiosos e funcionários da Secretaria de Obras Públicas – SOP: Faria Santos,
Felizardo Júnior e Carlos Torres Gonçalves, este último procurador de Villares no RS.92 Eles
foram os elos de ligação entre os artistas, Castilhos e Borges. Antes de Castilhos morrer
Villares já freqüentava o RS à procura de oportunidades de trabalho, provavelmente a convite
destes funcionários da SOP. Quando Castilhos morreu em outubro de 1903, Villares estava
trabalhando em uma encomenda de monumento a Floriano Peixoto para ser colocado em
Porto Alegre,93 acompanhando a moda nacional de homenagens ao Marechal. O próprio
Castilhos o havia incumbido desta tarefa.
O projeto de lei para o erguimento do monumento a Floriano foi aprovado na
Assembléia dos Representantes em novembro de 1895, cinco meses após a morte do militar.

91
FONTOURA, João Neves da. Memórias – Borges de Medeiros e seu Tempo. Porto Alegre: Globo,
1969. p. 28.
92
Estes funcionários da SOP eram membros da IPB e fundaram o núcleo positivista religioso gaúcho.
Eles também estiveram envolvidos na construção da Capela Positivista, em Porto Alegre. Consultar:
LEAL, Elisabete e PEZAT, Paulo Ricardo. La propagande de la Religion de l’Humanité dans le sud
du Brésil. Imprévue. Montpellier: Centre d’Études et de Recherches Sociocritiques – Université Paul
Valery. n. 1/2, 1997.
93
Relatório de Júlio de Castilhos à Assembléia dos Representantes do Estado do Rio Grande do Sul.
1897. AHRS; Carta de Carlos Torres Gonçalves a Raymundo Teixeira Mendes. 02.07.1908. IPB.
195

Castilhos, um deodorista convicto, passou ao posto de maior liderança civil na defesa do


governo de Floriano contra o avanço monarquista da Revolução Federalista, na ótica de
alguns militares florianistas e membros da IPB, o que lhe valeu a indicação a candidato
sucessor de Floriano na presidência da República, em 1897, posto que recusou. Tal associação
com Floriano ficou representada no monumento do Marechal, no Rio de Janeiro, analisado
adiante. No Rio Grande do Sul, o binômio Castilhos-Floriano também figuraria em um
monumento. O edital foi lançado em 1895 pela SOP, e a maquete de Villares, embora
classificada em 2º. lugar, ganhou a preferência na seleção.94
A vantagem inicial de Villares com relação a seus outros colegas artistas é que já
era conhecido por membros do governo estadual e tinha acesso aos gabinetes de Castilhos e
Borges para oferecimento de obras, mas isto não significava facilidade nas encomendas.
Villares desenvolveu vários projetos que acabaram malogrados. Assim ocorreu com
monumento a Floriano, que depois foi substituído por um Panteon Rio-Grandense, com o
monumento fúnebre a Pinheiro Machado e com painéis decorativos para o Palácio
Presidencial Piratini.
A informalidade nas encomendas por parte do governo gaúcho acarretava certos
problemas ao artista: ele recebeu o pagamento pelo monumento a Floriano, estava executando
o modelo quando Castilhos morreu, e o projeto foi engavetado. Borges informou a Villares
que, em vez de um monumento a Floriano, preferia que fosse feito um Monumento aos Heróis
de 35, que também foi chamado de Monumento a Bento Gonçalves, Monumento à República
Rio-Grandense de 35 e de Panteon Rio-Grandense, e em 1913 encarregou o artista de
apresentar um projeto; a maquete que foi enviada em 1915.95 Cinco anos depois, a SOP
lançou um edital de concurso de maquetes para o Panteon, e Villares não participou.96 Ao que
parece, nas situações de encomenda a Villares, não houve um contrato, apenas um acordo
verbal com Borges, que, com o passar dos anos, se tornava frágil para manter.
A mesma situação informal ocorreu com a pintura de painéis decorativos para o
Palácio do Governo; Villares recebeu para executá-los e acabou impossibilitado de realizá-los
devido à Primeira Guerra (possivelmente estava na Europa e não pode retornar). O governo
gaúcho acabou contratando Antonio Parreiras em 1913, que executou A Proclamação da

94
Maços e Códices da SOP. Ofício 316/1 (OP54, 1ª. Série). 02.05.1913. AHRS.
95
Carta de Décio Villares a Borges de Medeiro. Porto Alegre. 15.11.1915. Num. Doc. 6151. IHGRS.
96
Ata de Concorrência para a construcção de um monumento, que será levantado em uma das praças
desta capital à memória de Bento Gonçalves e seus gloriosos companheiros da cruzada republicana.
27.07.1920. Assinado: José Coelho Parreira, João Luis de Faria Santos e Carlos Torres Gonçalves.
Documentação avulsa do grupo documental Obras Públicas OP120, Lata 416 (56). AHRS.
196

República Rio-Grandense;97 Lucílio de Albuquerque, que pintou Garibaldi e a Esquadra


Farroupilha, em 1914; e Luíz de Freitas em 1923, que produziu O Combate da Ponte da
Azenha; todas as telas encomendadas para ornarem o Palácio do Governo. Villares também
pintou suas telas para o Palácio, mas parece que o não cumprimento da execução dos painéis,
contratados anos antes, acabou causando atritos com Borges.98 Não se tem informação de
quadros históricos de Villares em salas públicas do Rio Grande do Sul; é possível que as telas
tenham sido recusadas. Atualmente existem na Sala Inglesa do Palácio Pedro Ernesto, no Rio
de Janeiro, dois painéis de Villares representando cenas gaúchas. Talvez sejam as telas que
pintara para o Palácio do Governo do Rio Grande do Sul, em substituição aos painéis. Com
isso, deduz-se que Villares gozou de certo status quando elaborava as obras que envolviam a
imagem de Castilhos e depois perdeu posição para outros artistas, que também passaram a se
contratados ou oferecer obras para o governo estadual, entre eles seu colega positivista
Eduardo de Sá.
Também apresentado a Borges pelos confrades da IPB, Sá teve o azar de ser
precedido por Villares, que, ao que parece, não cumpriu com alguns compromissos. Sá visitou
o Rio Grande do Sul pela primeira vez em 1915, junto com o pintor Hélios Seelinger, para
juntos fazerem uma exposição e proporem alguns trabalhos ao governo do estado. A
exposição foi um sucesso ― amplamente relatada na imprensa, visitada pela elite, prestigiada
por Borges. Vendidas todas as obras expostas, passaram a ter encomendas de retratos e
cogitaram inclusive a morar na cidade e abrir um atelier, dado o frutífero mercado de arte que
Porto Alegre apresentava. Os artistas também venderam obras para a pinacoteca do Instituto
de Belas Artes – IBA – que, criado em 1908, abriu seu primeiro curso de artes plásticas em
1910.99 Com um meio artístico tímido, Porto Alegre se apresentava provinciana, mas
promissora. Parreiras que também visitara a cidade nesta ocasião assim se referiu: “A
população da bela cidade riograndense não estava ainda habituada a estas festas de arte
(exposições).”100
Os artistas em visita ao gabinete de Borges também ofereceram trabalho e tiveram
sucesso, embora o artista positivista tenha tido uma modesta encomenda: Sá fez uma

97
Sobre as negociações para a fatura do quadro, consultar: Arquivo Borges de Medeiros: Antonio
Parreiras – O pintor da República Rio-grandense. Revista do IHGRGS. n. 134. 1999.
98
Carta de Décio Villares a Borges de Medeiros. 04.09.1921. Documentação dos Governantes, Maço
66, Pasta Diversos, 1921. AHRS.
99
SIMON, Círio. Origens do Instituto... p. 122.
100
PARREIRAS, Antonio. História de um pintor contada por ele mesmo. Niterói: Diário Oficial,
1943.
197

decoração em bronze para a moldura do quadro de Parreiras, Prisão de Tiradentes, que


decorava um dos salões da Biblioteca Pública, recém inaugurada; e Seelinguer tinha o projeto
de decoração do Salão Dante.101 Nesta visita, Sá propôs um projeto de fonte monumental
sobre o Tratado da Lagoa Mirim, acordo defendido pelos positivistas por tratar-se da
fraternidade entre Brasil e Uruguai no que tange às suas fronteiras; Borges esquivou-se da
proposta.102
No ano seguinte, novamente Borges se esquivaria de entregar a encomenda do
monumento fúnebre de Pinheiro Machado a um artista positivista. O concurso para a obra
gerou a formação de duas comissões federais e uma estadual no Rio Grande do Sul, além de
dois editais e uma exposição pública das maquetes na ENBA. No primeiro edital,
inscreveram-se apenas Villares e Casa Friederichs; foi prorrogado, permitindo a inscrição de
Sá. Borges resolveu abrir um novo edital em junho de 1916, e se inscreveram novamente os
dois artistas positivistas, além de Belmiro de Almeida e Pinto do Couto. Pela demora na
decisão da comissão estadual, o artista Pinto do Couto visitou o Rio Grande do Sul para
verificar a situação do concurso. Rumores na imprensa acerca da incompetência ou
parcialidade da comissão julgadora gaúcha fizeram Pinto do Couto questionar o resultado do
concurso gaúcho: 1º. lugar ― Villares, 2º. lugar ― Couto, 3º. lugar ― Belmiro e 4º. lugar ― Sá.
Couto, inconformado com seu 2º. lugar, convenceu Borges da injustiça do
resultado, da falta de qualidade estética dos demais trabalhos e que o concurso deveria ser
resolvido por uma comissão formada pelo governo federal. Borges aceitou os argumentos e,
provavelmente não querendo o questionamento do concurso por parte de setores artísticos do
Rio de Janeiro ou ainda não querendo aceitar o 1º. lugar de Villares, dados os atritos com o
artista anos antes, anulou o resultado da comissão gaúcha. O concurso foi então decidido, a
pedido de Borges, por uma comissão nomeada pelo Ministro da Justiça, após exposição
pública nas dependências da Escola Nacional de Belas Artes. O novo resultado foi oposto ao
da comissão gaúcha: 1º. lugar ― Couto e 2º. ― lugar Sá. Belmiro e Villares foram
desclassificados.103 A desclassificação de Villares foi voluntária, pois não enviou sua maquete
para que não fosse exposta nas dependências da ENBA, nem julgada por seus professores.104

101
Decoração do edifício da Biblioteca Pública. Porto Alegre Correio do Povo, 1916.
102
Hélios Seelinger e Eduardo de Sá. Porto Alegre. A Federação, 29.04.1915.
103
As maquete premiadas. A Noite. 14.01.1917. .
104
Carta de Décio Villares a Borges de Medeiros. Porto Alegre. 28.10.1916. Num. doc. 6365. IHGRS
198

Maquete para o túmulo de Pinheiro Machado, autoria de Belmiro de Almeida

Maquete para o túmulo de Pinheiro Machado,


autoria de Décio Villares
199

O túmulo de Pinheiro Machado – “um arranjo de palco de teatro”

Os protestos de Sá quanto ao novo resultado do concurso são exemplares para


explicar a função de túmulos no culto cívico positivista e o papel da escultura como suporte e
veículo da homenagem. Em uma longa carta enviada a Protásio Alves, Secretário dos
Negócios de Interior do Estado do Rio Grande do Sul, Sá demonstrava, além de sua mágoa
pelo segundo lugar, que a concepção de um túmulo positivista extrapolava os limites da
forma. Ele procurou explicar ao Secretário o erro de concepção da maquete do vencedor e a
incapacidade da comissão julgadora de percebê-lo, pois julgava tecnicamente, apenas
considerando a estética e não a função de túmulos. Independentemente da intenção de Sá de
demonstrar que sua maquete era a mais adequada ― e de não perceber que o mundo das artes
e da política não era tão positivista quanto queria ou que não tinha o ptm a pautar suas ações e
avaliação, aplicando-se o mesmo a Protásio Alves, Secrtário de um governo estadual
considerado positivista ― é importante aqui sua argumentação sobre túmulos positivistas e
túmulos que se pareciam “arranjos de palco de teatro”, ao se referir à maquete de Couto.105

Maquete para túmulo de Pinheiro Machado, autoria de Eduardo de Sá

105
O mausoléu a Pinheiro Machado – Uma carta do sr. Eduardo de Sá. A Noite. 16.01.1917.
200

Para Sá, os túmulos, desde o começo da espécie humana, são objetos de culto e
demonstração de apreço dos vivos ao morto. Eles são objetos de veneração que fazem
recordar, que evocam os sentimentos, portanto, devem refletir respeito. Para ele, a maquete de
Couto era desrespeitosa, pois, fundada sobre a morte, apresentava Pinheiro Machado nu e
aniquilado. A sua maquete, por outro lado, tinha por base a continuidade da influência cívica
de Pinheiro Machado sobre a República, apesar da morte.
Para compreender a comparação que Sá procurava fazer a respeito das concepções
das maquetes, abaixo reproduzo os excertos descritivos selecionados por ele.

Texto de Pinto do Couto Texto de Eduardo de Sá


“A maquette synthetisa o Altar da Pátria. “A maquette... representa a transformação
Tem no primeiro plano a figura inanimada de objectiva do patriota, a permanencia social
Pinheiro Machado, sobre um sarcophago e dos seus serviços cívicos, o começo da sua
coberta pelo pavilhão nacional. A figura da vida eterna e purificada no seio da pátria
Pátria levanta com a mão esquerda este republicana. Debruçada sobre a pedra tombal,
pavilhão descobrindo o busto de Pinheiro onde abaixo da divisa “Ordem e Progresso” a
Machado, como que mostrando-o as gerações phrase “A morte e o esquecimento...” precisa
futuras, que são as creancas junto ao a noção de que “viver em outrem é vencer a
sarcophago. Com a dextra, a Patria impõe própria morte”, a figura da Pátria, velando os
silencio aos que passam. Este conjuncto tem despojos mortaes de Pinheiro Machado,
como fundo uma parte architectonica, onde se rescucita [sic] no espaço o seu vulto
vê um baixo relevo figurando uma scena de respeitado. E, attitude de commando, evoca-o
sacrifício a pátria e que termina a direita, num por deante de um grupo de patriotas que sobre
soclo encimado por uma Pyra. As figuras do a mesma solidariedade política, sob o mesmo
baixo relevo representam a Sciencia e as ideal de Republica, cuja imagem domina o
Artes, as manifestações intellectuaes que mausoléu, attendem ao mando do chefe, a
formam a nacionalidade brasileira. Ao lado olhar para a frente, marcando o caminho a
direito, a figura da Historia, que grava os fatos seguir...”
da vida do morto...”

A crítica de Sá iniciava pela impropriedade e desrespeito pela representação


ultrajante de Pinheiro Machado morto e nu, ainda que parcialmente coberto pelo pavilhão
nacional. O outro aspecto é a figura da Pátria, que, com a mão direita, impõe silêncio aos que
passam. Para Sá, essa representação era equivocada, pois a Pátria que impõe silêncio não era a
de Pinheiro Machado, não era a dos brasileiros, que clamavam por justiça. Ele questionava:
“Como silencio em torno de um crime que ainda nem foi julgado, de um cadáver ainda
atacado, de uma memória que não se pode apagar no silencio de um amigo, quanto mais no
silencio da Pátria?!”106 A terceira crítica quanto ao conteúdo da maquete de Couto era que não

106
O mausoléu a Pinheiro Machado...
201

fazia alusão à República, portanto, era antipatriótica. Sá ainda argumentou sobre a falta de
unidade na proposta do concorrente e a superabundância de figuras (crítica de que também
havia sido alvo seu trabalho, alguns anos antes, para o monumento a Floriano) que se
apresentam soltas, como num palco de teatro.

Túmulo de Pinheiro Machado, autoria de Pinto do Couto, Porto Alegre

É claro que a crítica que Sá fazia da maquete vencedora não era desligada da sua
concepção positivista de arte. A nudez, o corpo e a ferida expostos do morto, a mão que
silenciava, a República ausente eram elementos que não caberiam em uma obra positivista,
uma vez que causavam repulsa, sofrimento e esquecimento. Para ele, a proposta não tinha
síntese histórica, pois não havia alusão à obra cívica e republicana de Pinheiro Machado. O
excesso de alegorias, soltas e sem diálogo, para Sá, demonstra que não via representatividade
nas figuras clássicas da arte, como Clio, presente na maquete. Com seu olhar positivista, Sá
questionava a própria concepção de monumento tumular, que, com excesso de figuras e
visando a um sentimentalismo vago, provocava admiração estética, mas não comovia. Em
suma, para Sá, o túmulo que seria erguido para Pinheiro Machado estava muito longe de ser
uma composição correta e jamais seria positivista.
Com essa crítica de Sá, percebe-se que havia uma diferença na composição de um
202

monumento público e de um túmulo, ao menos na leitura do artista. Mas essa não era a visão
da crítica de arte, que elogiou a maquete de Couto, nem da comissão que o escolheu e nem de
Borges que o contratou. O monumento-túmulo de Pinheiro Machado foi feito por Couto e
inaugurado em novembro de 1923.

Tumulo de Pinheiro Machado, Porto Alegre, detalhe.

Com as recusas de Borges aos artistas positivistas e com o esforço por contratar
outros artistas do Rio de Janeiro, dever-se-ia questionar: o que Borges pensava sobre arte? O
que entendia de arte positivista? Será que percebeu, anos antes, o positivismo a fundamentar o
monumento a Castilhos? As respostas são vagas, uma vez que Borges foi um encomendante
que não escreveu sobre o assunto, embora conhecesse a doutrina positivista e a desejasse
203

representada em imagens no prédio da Biblioteca Pública

A Biblioteca Pública e os bustos do Calendário Positivista

Mais ainda do que o monumento a Castilhos, a Biblioteca Pública do Estado


apresenta elementos que evidenciam o gosto eclético de Borges para arte e seu
desconhecimento ou indiferença à arte positivista. Os 10 bustos do Calendário Positivista
(composto por 13 meses) instalados na fachada do prédio foram escolhidos por ele e
evidenciam que ele conhecia a doutrina positivista e sua síntese histórica, mas demonstram
também que não se deixava aprisionar pela ortodoxia; caso contrário haveria treze bustos
decorando a fachada do prédio e não dez. Em texto de 1918, Affonso Hebert, engenheiro
chefe da Diretoria de Obras Públicas da SOP e responsável pela construção da primeira fase
do prédio (1912-1913), informa que Borges consultou o Calendário Positivista de Auguste
Comte e escolheu os personagens que iriam ornamentar o prédio. Haveria ainda o busto de
Minerva, “deusa da intelingência, das artes e da indústria”, que seria colocado sobre o frontão
da porta de entrada do prédio, mas não há referência de que Borges o tenha sugerido.107
Recorridas vezes tem-se visto nesta tese que na estética positivista, a síntese
histórica é fundamental. Nas obras de Décio Villares e Eduardo de Sá, que tiveram o
positivismo a fundamentá-las, a síntese histórica é sua base. Se um prédio fosse construído
por positivistas ortodoxos e decorado com bustos dos homenageados do Calendário
Positivista, certamente a síntese histórica ocidental não seria interrompida, tampouco a Deusa
Minerva figuraria na decoração. Desta forma os bustos da Biblioteca Pública podem servir
mais para relativizarmos a presença do positivismo na cultura visual rio-grandense do que
para reforçá-la.
Havia dez janelas no prédio da Biblioteca e dez bustos foram encomendados a
ateliês franceses (não foram feitos por artistas positivistas) e instalados; os três primeiros
homenageados do Calendário Positivista foram suprimidos. Com isso, a ausência é
significativa e demonstra que Borges não era um encomendante positivista criterioso, como
Gomes de Castro, que não apenas dissertou sobre estética positivista, como encomendou uma
obra absolutamente rigorosa no que tange à síntese histórica brasileira, como será visto a
seguir.

107
HEBERT, Affonso. Edifício da Bibliotheca. Documentação avulsa do grupo documental Obras
Públicas. OP114, Lata 413 (53). AHRS.
Atualmente não há bustos sobre o frontão da porta de entrada do prédio da Biblioteca.
204

O contrato de trabalho entre a SOP e J. Jamardo para realizar as pinturas


decorativas em todas as salas da Biblioteca também demonstra muita mais o ecletismo e o
desejo de uma visualidade universal do que dar destaque ao positivismo. As salas seriam
assim decoradas: Vestíbulo, 1ª. e 2ª. Salas de leitura, pintura da renascença italiana, período
quinhentista; Gabinete da Presidência, estilo Luiz XIV; Sala das senhoras, estilo Luiz XV –
Rocaille-Pompadour; Gabinete da Diretoria, estilo Gótico Florentino; Sala dos professores,
estilo Mourismo; Sala da Secretaria, estilo Pompeano; Pavimento térreo, ornamentação
moderna.108
Percebe-se, assim, que Borges se envolveu nas principais decisões acerca das
imagens encomendadas para obras públicas construídas durante sua administração e a de
Carlos Barbosa, demonstrando uma sensibilidade visual eclética, familiarizada com imagens
alusivas ao positivismo que integrava seu universo cultural, assim como as figuras da
mitologia grega ou os diferentes estilos de pintura. Como interpretar então o significado
destes bustos do Calendário Positivista na fachada do prédio? Borges tinha um gabinete
particular na Biblioteca, e, para decorá-lo, ganhou de presente do pintor Lucílio de
Albuquerque um quadro de Auguste Comte. Essas imagens do positivismo, presentes no
prédio da Biblioteca, podem ser classificadas como arte positivista? Se levarmos em conta os
escritos de Miguel Lemos, Teixeira Mendes, Gomes de Castro, Eduardo de Sá e Décio
Villares, estas imagens são alusivas ao positivismo, mas não são arte positivista. Para Borges
e seus funcionários da SOP, é possível que fossem, porém não nos deixaram registros; resta-
nos olhar e ver um conjunto construtivo eclético, tentando ser universal, portanto incluindo o
positivismo. O monumento a Castilhos, embora tenha marcas explícitas do positivismo,
também não fugiu a este modelo.

As imagens de Castilhos, unidade e positivismo

A produção de imagens acerca de Castilhos, por parte do governo, ficou a cargo da


SOP. Tal órgão da administração estadual foi responsável pela edificação e conservação de
prédios públicos como escolas, quartéis, hospitais, os prédios das Secretarias de Estado,
Biblioteca Pública, Palácio do Governo, Arquivo Público. Levantamento nos Relatórios

108
Proposta de J. Jamardo para pintura decorativa do prédio da Biblioteca Pública. 16.09.1921. .
Documentação avulsa do grupo documental Obras Públicas. OP121, Lata 416 (56). AHRS.
205

Anuais desta Secretaria revela que, entre os anos de 1910 e 1915, houve o maior investimento
estadual na construção desses prédios e entre estas despesas estavam aquelas relacionadas à
imagem de Castilhos.109 As críticas nos jornais diziam que seria gasto o total de 500.000$000
(quinhentos contos de réis) nas obras que envolviam as homenagens a Castilhos.110 Esta soma
era equivalente ao que foi gasto em 1910 nas obras do Palácio do Governo. Para todos esses
trabalhos que portariam a imagem do líder morto foi contratado somente um artista: Décio
Villares. O artista encontrava-se na seguinte situação: amigo de positivistas ortodoxos,
contratado por um governo dividido pelo positivismo e tendo que construir a imagem de um
Castilhos que lembrasse a unidade do PRR.
Como foi comentado anteriormente, Borges precisava assegurar a unidade
partidária do PRR, que parecia fragmentar-se logo após a morte de Castilhos. Os
correligionários poderiam estar descontentes com a nova liderança, divididos quanto ao
castilhismo e positivismo, mas eram unânimes quanto à pessoa e memória de Castilhos. João
Neves revela que havia uma cisão latente no interior do PRR que se consolidou em 1907, na
disputa ao governo estadual entre Fernando Abbott, representando o desejo de caminhos
doutrinários diferentes do positivismo expresso na Constituição de 14 de Julho, e Carlos
Barbosa, o candidato situacionista apoiado por Borges.
A vitória de Carlos Barbosa representou a continuidade da liderança de Borges no
partido e de sua influência na implementação das políticas públicas no Estado. Porém, o mais
importante é que reafirmou a manutenção da Constituição, considerada a principal obra
política de Castilhos. Para os políticos vitoriosos, a Constituição era a expressão máxima de
Castilhos positivista. A disputa interna estava ganha, a imagem de Castilhos definida no PRR,
e os descontentes, “amigos com os corações pisados”, para usar a frase de Pinheiro Machado
ao se referir a este pleito eleitoral, tornaram-se dissidentes.111 A imagem de Castilhos foi
então afirmada no monumento público construído durante o mandato de Carlos Barbosa. Esta
se tornou a imagem vitoriosa, representação do grupo que se afirmou no PRR.
Na correspondência de Borges, percebe-se a agilidade com que a rede política foi
acionada para garantir que Villares executasse os monumentos. Borges telegrafou ao Senador
Pinheiro Machado, no Rio de Janeiro, para que orientassem o artista quanto ao projeto.112 No

109
Relatórios da Secretaria de Obras Públicas e da Diretoria de Obras Públicas do Estado do Rio
Grande do Sul. n. 023 (1910) a 044 (1916). AHRS.
110
Estátuas. A Reforma, Porto Alegre, 14.04.1910, p. 1.
111
FONTOURA, João Neves da. Memórias... p. 76.
112
Telegrama de Borges de Medeiros ao Senador Pinheiro Machado. Porto Alegre. 31.10.1903. Num.
Doc. 31540. IHGRS.
206

âmbito local, Borges encarregou Felizardo Júnior, que era engenheiro da SOP e positivista
religioso, de executar o trabalho de cantaria no monumento fúnebre. Suas orientações iniciais
sobre o monumento foram passadas ao artista por telegrama e, em lacônica linguagem própria
desse tipo de comunicação, determinou o que desejava na obra: as principais fases da vida de
Castilhos consagradas à República e ao Rio Grande do Sul.113 A história da fatura do
monumento e dos elementos que o compõem será analisada no próximo capítulo.

113
Telegrama de Borges de Medeiros a Décio Villares. Porto Alegre. 31.10.1903. Num. Doc. 31532.
IHGRS.
207

Capítulo VI – Encomendas positivistas: negociações e soluções estéticas

Parte I – Benjamin Constant, um herói disputado

Lemos analisa como a morte de Benjamin Constant, em 22 de janeiro de 1891,


dois dias após a abertura dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, representou a
“morte” da primeira fase do regime republicano, sob comando de Deodoro, e como a luta
ideológica na Constituinte dividiu os parlamentares em positivistas e apoiadores do Marechal.
A morte de Benjamin Constant foi explorada por estes dois grupos e agravou a disputa
constituinte, conclui.1 Os positivistas da Igreja e alguns militares, antigos alunos de Benjamin
Constant, trabalharam ativamente tanto na construção biográfica de Benjamin Constant,
entronizado-o como “Fundador da República,” quanto nas comemorações cívicas após a sua
morte, culminando com a construção de seu monumento na Praça da República, exatamente
no quadrilátero onde se deu o fato histórico da Proclamação. Devido à proximidade com
membros da família Botelho de Magalhães, o funeral foi dirigido pelos positivistas da Igreja,
com a colaboração de antigos alunos do Colégio Militar, transformando-se em um culto
cívico; e é um bom exemplo dos usos de obra de arte neste tipo de manifestação pública.
O funeral foi uma construção cenográfica cuja justaposição de imagens pretendia
associar de forma indelével a figura Benjamin Constant ao positivismo e à fundação da
República. Seu leito mortuário foi a mesa em que assinou os primeiros atos do Governo
Provisório; o manto fúnebre foram as bandeiras que as filhas haviam bordado anos antes e
oferecido à Escola Militar; e ao centro estava a reprodução de um quadro de Comte também
no leito de morte, em uma edição da IPB.2 Essa cena foi fotografada e amplamente
reproduzida nos jornais; depois foi pintada por Décio Villares, em 1894, porém esta tela não
foi localizada nos locais pesquisados. Apresentam-se, na página seguinte, a fotografia do
funeral, a reprodução do quadro de Villares e a referida publicação da IPB. O funeral de
Floriano Peixoto ocorrido em 1895, e o Rui Barbosa, ocorrido nos anos vinte, não foram
diferentes do de Benjamin Constant, neste apenas teve acentuadas às imagens que lembram o
positivismo.3

1
LEMOS, Renato. Benjamin Constant... p. 531-532.
2
MENDES, Raymundo T. Benjamin Constant... p. 474-484.
3
Sobre os funerais de Rui Barbosa, consultar: GONÇALVES, João Felipe. Enterrando Rui Barbosa:
um estudo de caso da construção fúnebre de heróis nacionais na Primeira República. Estudos
208

Fotografia do leito mortuário de Benjamin Constant, MCBC.

Auguste Comte no leito mortuário, publicação da IPB

Históricos. v. 14, n. 25, 2000. Sobre os de Floriano Peixoto, ver: MUZZI, Amanda. Entre a comoção e
a rejeição: um ensaio sobre as reações à morte e às exéquias de Floriano Peixoto propagadas pela
imprensa do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2005. Texto inédito.
209

No planejamento da comemoração de um ano de morte de Benjamin Constant,


projetada para 10 de agosto de 1892, que acabou não ocorrendo, pode-se perceber a
mobilização conjunta dos antigos alunos/militares de Benjamin Constant, a família Botelho de
Magalhães e as lideranças da IPB. A data foi escolhida propositalmente para ser associada à
figura de Danton e ao início da Revolução Francesa. A solenidade se daria junto ao túmulo do
homenageado, no cemitério dirigido pela Santa Casa de Misericórdia. Os preparativos
estavam em curso, sob a coordenação da Igreja e com a colaboração de alunos da Escola
Militar. Mas, no dia do evento, a administração do cemitério recebeu ordem da Santa Casa de
não permitir que as instalações fossem concluídas, causando grande celeuma entre os
positivistas e o clero católico. Os primeiros, inconformados, acionaram em vão suas redes
pessoais para solucionar a situação. Primeiro visitaram Francisco de Sá (pai do artista
Eduardo de Sá), que era provedor da Santa Casa, depois o Intendente Municipal, seguido do
Ministro do Interior e, por fim, o Presidente Floriano Peixoto.
Tendo que ceder em algumas exigências da Santa Casa quanto às instalações
físicas para o evento, o grupo desistiu da comemoração, não sem antes publicar inúmeros
artigos nos jornais. O relato do episódio e os textos e documentos produzidos foram reunidos
no folheto A commemoração cívica de Benjamin Constant e a liberdade religiosa, que se abre
com uma epígrafe nada amistosa citando Danton: “Dirijo-me aos que recebêrão [sic] algum
talento político e não a esses homens estúpidos que só sabem especular as suas paixões.”4
Este foi o primeiro de muitos folhetos da IPB sobre a separação entre Igreja e Estado, a
administração dos cemitérios e o privilégio funerário da Igreja Católica.
Como as instalações para a comemoração foram o principal ponto de discordância
entre a administração da Misericórdia e os positivistas, elas foram minuciosamente descritas
no folheto citado acima e são um bom exemplo do emprego de obras de arte que, em conjunto
com outros objetos, compuseram um altar cívico positivista. À cabeceira do túmulo seriam
erguidas duas colunas de madeira em cor preta com mais de 5 metros de altura; nelas seriam
instaladas coroas cívicas com louros e palmas e bandeiras em seda das nações ocidentais (que
foram costuradas por mulheres positivistas); ao centro estaria o estandarte da Humanidade.
Das colunas sairiam hastes que sustentariam o retrato a óleo de Benjamin, pintado por Décio
Villares, que ficaria pendente sobre o túmulo. Neste estaria um catafalco coberto por um
manto de veludo, que fora bordado pelas filhas de Benjamin Constant. À frente da sepultura

4
Citado em: MENDES, Raymundo T. A commemoração cívica de Benjamin Constant e a liberdade
religiosa. Rio de Janeiro: IPB, 1892. p. 5.
210

haveria um estrado com uma mesa destinada ao presidente da cerimônia Miguel Lemos, e um
púlpito de onde seria lida a oração fúnebre a Benjamin Constant.
A cerimônia acabou não ocorrendo e resultou em vários protestos: José
Bevilacqua fez um discurso na Câmara dos Deputados; Miguel Lemos enviou protesto ao
Congresso Nacional; Oscar da Cunha Corrêa, Presidente do Clube Republicano Sul Rio-
Grandense, publicou nos jornais seu descontentamento; Ximeno de Villeroy, Saturnino
Nicolau Cardoso e Gomes de Castro e alunos das Escolas Militares enviaram uma petição ao
Presidente Floriano; uma comissão de alunos da Escola Politécnica fez o mesmo, mas nada
surtiu efeito.5
Esses dois relatos dos preparativos para as homenagens fúnebres a Benjamin
Constant são reveladores de como a imagem era importante no culto cívico positivista; viu-se
que o grupo envolvido se dedicou a compor uma cena cujos elementos do positivismo eram
ligados a Benjamin Constant, refletindo sua adesão na vida privada e política: a imagem de
Comte, a bandeira republicana e o estandarte da Humanidade. Esse esforço de colar o
positivismo à imagem de Benjamin Constant seria empreendido pelos positivistas da IPB de
forma incansável, e a consagração dessa campanha foi a inauguração do monumento na Praça
da República, em 1926. Mas veremos que não havia consenso, pois grupos unidos
inicialmente no mesmo objetivo de glorificação de Benjamin Constant passaram a disputar
competências e legitimidade para fazê-lo. Vários grupos e indivíduos disputavam o direito de
também construir uma imagem a Benjamin Constant, como os militares Gomes de Castro e
Lauro Sodré, o escultor Rodolpho Bernardelli, os professores ligados ao Instituto dos Cegos,
os deodoristas que tentaram erguer uma estátua a Deodoro no local da Proclamação, e
Benjamin Constant apareceria como coadjuvante do episódio da proclamação.

As várias tentativas de monumento

Em 1891, dois dias após a morte de Benjamin Constant, o Congresso Nacional


tomou uma série de medidas para a glorificação de sua memória; entre elas a criação de um
Panteon aos grandes homens da Pátria brasileira, inaugurado com ele.6 A primeira proposta do
senador João Severiano, por ser militar, se referia a Benjamin Constant como General Doutor,
dizendo que o Congresso se encarregaria de erguer-lhe um monumento, fazendo a necessária

5
MENDES, Raymundo T. A commemoração cívica...(Apêndice documental). p. 81-95.
6
Todas as propostas de glorificação de Constant estão reproduzidas em: MENDES, Raymundo T.
Benjamin... p. 484-501.
211

subscrição e nomeação da comissão.


Demétrio Ribeiro, deputado pelo Rio Grande do Sul, apresentou a segunda
proposta de monumento, redigida a seu pedido, por Teixeira Mendes. Esta proposta é mais
detalhada: especificou o local onde seria erguido ― no quadrilátero onde ocorreu o ato de
Proclamação da República ― e definiu a representação a ser feita ― Benjamin Constant
naquele momento histórico. O projeto propunha ainda que fosse feito um concurso público
para escolha do artista e que o monumento estivesse pronto até 15 de novembro de 1892.
Com essa proposta, a IPB buscava garantir que a versão em que Benjamin Constant aparece
como o protagonista do ato de Proclamação da República fosse assegurada por lei, além de
garantir que isto ocorresse ainda no governo de Deodoro.
A terceira proposta apresentada ao Congresso é a mais ousada em termos
doutrinários e demonstra que dois dias após a morte do homenageado os diferentes grupos já
tentavam salvaguardar os direitos de glorificação cívica de Benjamin Constant. O deputado
cearense Barbosa Lima apresentou uma proposta também redigida por Teixeira Mendes, e
considerava que:

a concepção de um monumento cívico, pela sua complexidade mental, e pela


necessidade de nele caracterizar o predomínio do ponto de vista social, deve ser
entregue ao juízo de um tribunal que alie a competência estética à capacidade
filosófica; e que para a elaboração desse juízo, a apreciação pública é um
elemento indispensável.7

Para garantir essas considerações, propunha que o júri responsável por escolher o
monumento fosse composto por representantes do Congresso, um membro da Escola
Nacional de Belas Artes, um artista brasileiro, pintor ou escultor, mas não da Escola, e "um
adepto reconhecido da doutrina a que se filiava o Fundador da República Brasileira."8 Com
isso, a Igreja assegurava que um de seus membros estivesse na comissão, caso esse projeto
fosse aprovado, e que Décio Villares ou Eduardo de Sá fossem os encarregados de executar o
monumento.
Após essas várias propostas, ainda em 1891, Deodoro decretou, entre outras
medidas, a execução do monumento na Praça da República. Quando a biografia de Benjamin
Constant foi publicada pela IBP, um ano após esse decreto, seus positivistas já denunciavam
que nada havia sido feito para as devidas homenagens, tampouco para o monumento. Em
1894, Floriano Peixoto mandou lançar a pedra fundamental do monumento.

7
MENDES, Raymundo T. Benjamin... p. 488.
8
MENDES, Raymundo T. Benjamin... p. 489.
212

Viu-se que, após 1904, os laços entre os positivistas da IPB e os antigos alunos de
Benjamin Constant, como Gomes de Castro, Aníbal Eloi Cardoso, Ximeno de Villeroy,
Barbosa Lima, se romperam. A ligação desses militares com o governo de Floriano, o
episódio da Revolta da Vacina, o atentado a Prudente de Morais contribuíram para que se
distanciassem dos positivistas da IPB, somando-se ainda as exigências da ortodoxia religiosa,
que muitos não agüentaram seguir. Se antes estavam juntos nas iniciativas de consagração
cívica de Benjamin Constant, depois passaram a disputá-la. Em 1913, alguns deles formaram
uma comissão para a subscrição do monumento, cujo presidente era o Senador Lauro Sodré, e
o tesoureiro, Gomes de Castro. Tentando ampliar o alcance da homenagem e da subscrição,
foram incluídas na comissão pessoas ligadas ao Instituto Benjamin Constant (antigo Instituto
Nacional dos Cegos): o professor de geografia Mauro Montagna, a professora de piano
Zulmira Miranda e Macedo Soares, amigo de Benjamin Constant e Diretor do Instituto
Nacional dos Cegos, em 1891.
No discurso de lançamento da subscrição, em 23.01.1913, feito à beira do túmulo
de Benjamin Constant, Gomes de Castro lançava as bases da concepção da obra: representaria
o elemento feminino, os amigos de Benjamin Constant e seus “filhos espirituais da Praia
Vermelha e do Instituto dos Cegos.”9 Nota-se que não havia referência à IPB.
Quando uma das listas de subscrição foi enviada a Teixeira Mendes, este não
deixa de colocá-la à disposição dos confrades, mas publicou uma circular ponderando que
Benjamin Constant fora homenageado com um túmulo semelhante ao de Comte, logo, que
monumento algum poderia se tornar mais digno.10 Dez anos depois, o monumento que seria
encomendado pelos militares ainda não havia sido feito, e diante da ameaça do erguimento de
um monumento a Deodoro, no local da Proclamação, Teixeira Mendes reformulou sua
posição. Veremos mais adiante sua diligência para a rápida inauguração do monumento a
Benjamin Constant na Praça da República.
Mas, antes de tratar da análise do monumento erguido pelos positivistas da IPB, é
importante discutir as outras iniciativas de monumento a Benjamin Constant ou em que ele
fosse representado reunido aos outros personagens da Proclamação da República.
Viu-se, no capítulo IV desta tese, que Rodolpho Bernardelli, ao se tornar diretor
da Escola Nacional de Belas Artes, passou a ser muito solicitado por parte do governo federal,
recebendo diversas encomendas de monumentos, sem que houvesse concurso de maquetes,

9
Romaria ao túmulo de Benjamin Constant. Jornal do Commércio, 23.10.1013. Microfilme/BN.
10
MENDES, Teixeira. Circular Anual do Apostolado Positivista no Brasil. (Ano de 1913). Rio de
Janeiro: IPB, 1914. p. 65.
213

pois dificuldades se impunham: quase não havia escultores no país e o concurso tinha que ser
internacional, tornando-se mais moroso. Com isso, Rodolpho Bernardelli teve grande parte
das encomendas de monumentos públicos realizadas com verba federal enquanto foi diretor
da ENBA, até 1915. Isto também ocorreu com o monumento a Benjamin Constant.
Após Deodoro decretar as variadas formas de homenagem a Benjamin Constant, o
Ministro do Interior João B. Uchoa Cavalcanti encarregou o escultor Rodolpho Bernardelli de
fazer as maquetes para o mausoléu fúnebre e para o monumento público. O artista, muito
ocupado com as encomendas dos monumentos a Caxias e a Osório, que estava fazendo
concomitantemente, apresentou os estudos dos monumentos a Benjamin Constant em fins de
1894.
O assunto da comissão formada por representante positivista e da execução por
artista afinado com a filosofia do homenageado chegou a ser debatido no Senado em 1893. O
então Senador João Uchoa Cavalcanti, o ex-Ministro, criticou o sectarismo dessa proposta e
defendeu que Bernardelli já havia sido encarregado do projeto, mas a votação do assunto foi
adiada. Vê-se com isso o esforço de não positivistas em erguer um monumento a Benjamin
Constant, Rodolpho Bernardelli, pois Benjamin Constant havia sido o Ministro da Instrução
Pública que sancionou seu projeto de reforma da ENBA. Não há dados de por que Bernardelli
não prosseguiu com o projeto de monumento, e sua homenagem acabou resumindo-se em um
busto em bronze de Benjamin Constant, inaugurado em um dos corredores da Escola, em
1892. Mas este nunca foi o busto usado pelos positivistas da IPB nas celebrações cívicas, uma
vez que Bernardelli resumia tudo o que eles criticavam a respeito de um artista “mercenário.”
A proposta de monumento de Bernardelli seguia um modelo de estatuária
monumental cujo homenageado estaria sobre um pedestal, rodeado de alegorias alusivas à sua
obra pública e política. Devido ao local de instalação, em frente ao Quartel General, a obra
deveria ser colossal, descreveu o artista, medindo 13 metros de altura. O conjunto seria
formado por uma base circular, encimada pela estátua de Benjamin Constant com espada
sobre um pedestal; sobre os raios haveria pedestais com as seguintes alegorias: A Liberdade,
A Ordem, A Ciência, O Trabalho e O Progresso. A inscrição “À memória de Benjamin
Constant Botelho de Magalhães consagra a gratidão dos brasileiros” seria coroada por
escudos de todos os estados brasileiros. Na página seguinte, apresenta-se uma fotografia da
maquete para o monumento de Bernardelli, hoje entre seus papéis no arquivo da MNBA.
Percebe-se, no projeto de Bernardelli, a ausência de qualquer elemento que
identificasse o positivismo ou os diferentes grupos políticos atrelados ao nome de Benjamin
214

Constant. Não há menção à bandeira republicana, e mesmo as alegorias A Ordem e O


Progresso, separadas, não aludem a seu lema. Também não há qualquer referência ou
representação à República. Pode-se inferir, dessa rápida descrição, que Bernardelli imaginara
para Benjamin Constant um monumento neutro quanto à sua obra política, uma vez que não a
define como republicana, e neutro quanto aos diversos grupos a reivindicá-lo como líder, pois
é rodeado somente de alegorias. Bernardelli informa que a transitoriedade do governo entre
1891 e 1894 e o período revolucionário de Floriano não permitiram que o projeto fosse
executado.11

Maquete para o monumento público a Benjamin Constant, Rodolpho Bernardelli, MNBA.

11
Minutas de Ofício de Rodolpho Bernardelli ao Ministro da Justiça e dos Negócios do Interior.
Novembro de 1894. MNBA
215

Quase 30 anos depois da proposição de Bernardelli, outro projeto de monumento


novamente era cogitado para ser erguido em frente ao Quartel General, porém agora em
homenagem a Deodoro da Fonseca. Um edital de julho de 1922 previa uma concorrência
pública de maquetes aberta em Roma, Itália e Rio de Janeiro e autorizava o Poder Executivo a
erigir um monumento na Praça da República, no quadrilátero em frente ao Quartel General,
em homenagem a Deodoro e à Proclamação da República. Doze maquetes foram inscritas, e
cinco concorrentes (com pseudônimos) habilitaram-se para a avaliação da comissão julgadora,
composta por membros da ENBA, ABL, IHGB e Comissão Promotora do Monumento a
Deodoro da Fonseca. Após a avaliação, ganhou o concurso a maquete do escultor italiano
Luigi Brizzolara.12
O histórico do concurso, o memorial descritivo das maquetes e o parecer da
comissão julgadora foram publicados no Diário Oficial, e chamou-nos a atenção que um dos
poucos momentos de discordância dos jurados girou em torno de uma maquete que dava
grande importância a Benjamin Constant e tinha por única inscrição a frase “A Religião da
Humanidade é a minha Religião.” Pela descrição da maquete, há indicações de que se trata de
uma proposta de Eduardo de Sá ou Décio Villares, mas os pseudônimos não foram revelados.
A proposta geral era fazer um altar pátrio, composto por pilares que teriam as estátuas
eqüestres de Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant e Quintino Bocayúva. A estátua de
Deodoro era a mais alta, enquanto as dos outros dois eram mais baixas, porém à frente do
monumento.
Os indícios que apontam para a autoria dos artistas positivistas são a referência à
Religião da Humanidade; a utilização de 12 baixos-relevos para retratar a narrativa histórica
do Brasil, iniciando com a descoberta e culminando com a República; a menção à Revolução
Francesa; e a utilização da imagem do globo terrestre com a disposição das estrelas na manhã
de 15 de novembro de 1889, tal qual a bandeira republicana. Há extrema semelhança de
conteúdo e argumentação entre esse memorial e os textos de Eduardo de Sá em que descreve
seus esboços ou croquis. Viu-se, no capítulo III que, mais do que para Villares, para Sá a
síntese histórica era o fundamento de suas obras. A síntese histórica ocidental se iniciava com
a Revolução Francesa, e a síntese histórica brasileira se iniciava com a formação do povo
brasileiro, somatório das três raças desde o período colonial. Não há nos papéis de Sá, hoje

12
A proposta de monumento vencedora, do italiano Luigi Brizzolara, também não foi executada. O
monumento a Deodoro foi inaugurado no Passeio Público em 1937 e foi criação do escultor brasileiro
Modestino Kanto, ex-aluno de escultura de Rodolpho Bernardelli e posteriormente professor do Liceu
de Artes e Ofício do Rio de Janeiro.
216

sob guarda da IPB, texto semelhante ao do memorial do concurso aludido. Outro aspecto que
converge para pensarmos em uma possível autoria deste artista é que, em várias proposições
de monumento, ele tinha os altares cívicos como solução. Isto ocorreu no monumento a
Floriano, como se verá a seguir.
Sobretudo é a argumentação do artista quanto a necessidade de representar a
formação nacional, “sinteticamente nomeada”, ou seja, não é toda história pátria, nem todos
os seus heróis, mas dos principais fundadores da República, que nos indica a possível autoria
de Sá, principalmente porque o início do memorial descritivo indicava que a obra visava
lembrar as ações de Benjamin Constant, Deodoro da Fonseca e Quintino Bocayuva como os
principais fundadores da República brasileira. Colocados nesta ordem, o artista desviava a
protagonização do evento da Proclamação da República e de Deodoro, que teoricamente
deveria ser o homenageado, para Benjamin Constant. Em ternos escultóricos, Deodoro ficaria
mais alto que os outros dois personagens da Proclamação, só que na mesma escala, tendo
reduzida, assim, a sua visualidade, no conjunto.
Essa estratégia foi percebida e criticada por um membro da Comissão
Glorificadora do Monumento a Deodoro da Fonseca ― o Marechal Antonio Ilha Moreira ―,
ironicamente um antigo aluno de Benjamin Constant, que não concordava com a versão de
que este havia sido o fundador da República. A maquete supostamente positivista recebeu
alguns votos de segundo, terceiro e quarto lugar e somente um voto de primeiro lugar de
Coelho Netto, que argumentou que os monumentos são sínteses e a única proposta que
apresentava uma síntese era a de altar pátrio.
Antes do resultado do concurso ser divulgado, em outubro de 1923, os positivistas
da IPB, temerosos que fosse Deodoro o principal protagonista do monumento à Proclamação
da República a ser estatufiado no local do evento, agilmente realizaram uma cerimônia, em 14
de julho, de início dos trabalhos de assentamento do monumento a Benjamin Constant,
recorrendo ao decreto de 1891, do próprio Deodoro, que assegurava o quadrilátero em frente
ao Quartel General como o de consagração ao militar positivista. Com isso, os membros da
IPB contavam com a chance de o possível projeto positivista ser o vencedor do concurso e
Benjamin Constant receber as devidas homenagens, ainda que tendo outros companheiros no
monumento; caso contrário, o espaço estava garantido, pois seu monumento já começara a ser
erguido e o risco de Deodoro ser lá homenageado estava acabado. Facilitou essa estratégia, a
circunstancia de que a obra de iniciativa da IPB não dependeria de demorada subscrição, já
que Amaro da Silveira dispôs-se a pagar a construção do monumento.
217

O monumento a Benjamin Constant

O autor teórico do monumento foi Teixeira Mendes, então Diretor da Igreja.


Algumas fotos da época demonstram que Décio Villares utilizou os espaços do Templo da
Humanidade no Rio de Janeiro para esculpir os modelos em gesso, provavelmente facilitando
as orientações de Teixeira Mendes. Embora Villares tenha esculpido as principais estátuas do
monumento e projetado seu conjunto, diversas pessoas trabalharam na obra, inclusive Sá, que
fez todos os baixos-relevos e medalhões.

Monumento a Benjamin Constant, autoria de Décio Villares e Eduardo de Sá, Rio de Janeiro

Para descrever o monumento vou enumerar seus componentes e sempre que


possível apresentar as imagens correspondentes. Tal procedimento é necessário devido o
grande número de elementos que o compõem.
218

1. Pirâmide quadrangular de granito em cujo topo está


a figura da Humanidade, personificada em Clotilde
de Vaux.
2. Globo terrestre sobre prédios da cidade de Paris,
representante da França, do Ocidente, da terra e
alusão à queda da Bastilha.

3. Imagem de Benjamin Constant, acompanhado de


sua esposa Maria Joaquina, que segura a bandeira
republicana.

4. Baixo-relevo sobre o momento em que Benjamin


Constant saiu de casa na madrugada de 15 de
novembro para juntar-se ao movimento militar que
deu fim à monarquia. Reprodução da frase de
Benjamin Constant a Maria Joaquina a frase: “Vou
cumprir o meu dever.” (Posição: pedestal, lado
direito)

5. Baixo-relevo sobre o momento da Proclamação da


República. (Posição: pedestal, lado direito)
219

6. Baixo-relevo sobre a sessão do Congresso Nacional


de 09 de dezembro de 1889, quando Benjamin
Constant leu o projeto de decreto de separação entre
Igreja e Estado. (Posição: pedestal, lado direito)

7. Medalhão representando José Bonifácio


e Imperatriz Leopoldina. (Posição:
coluna, lado direito)

8. Baixo-relevo sobre a participação de Benjamin


Constant no fim da escravidão ao cumprimentar o
Conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira.
(Posição: pedestal, lado posterior)

9. Baixo-relevo não identificado. (Posição: pedestal,


lado posterior)
220

10. Baixo-relevo sobre a reunião de Benjamin Constant


com Deodoro para decidirem sobre o movimento
para a República. (Posição: pedestal, lado posterior)

11. Medalhões não


identificados.
(Posição:
coluna, lado
posterior)

12. Baixo-relevo sobre a influência de Maria Joaquina


na conversão do marido à Religião da Humanidade e
reprodução da publicação da IPB de Comte no leito
mortuário, usada nos funerais de Benjamin
Constant. (Posição: pedestal, lado esquerdo)

13. Baixo-relevo sobre os funerais de Benjamin


Constant, com destaque para o estandarte da
Humanidade. (Posição: pedestal, lado esquerdo)
221

14. Baixo-relevo sobre Benjamin Constant no leito de


morte. (Posição: pedestal, lado esquerdo)

15. Medalhão representando Beatriz


Alvarenga e Tiradentes. (Posição: coluna,
lado esquerdo)

16. Medalhão A Festa Inaugural da Redenção


celebrando a inspiração de Clotilde de Vaux e
Beatriz Portinari sobre Auguste Comte e Dante
Alighieri, respectivamente. (Posição: coluna, lado
anterior)

17. Medalhão simbolizando, sob o patrocínio de Isabel


de Castella, o projeto de restituição dos troféus de
guerra ao Paraguai, em solenidade presidida por
Cristóvão Colombo. (Posição:

Com estes elementos, citado acima, o monumento foi construído em setores, e


suportes diferentes para os discursos: a estátua da Humanidade, colocada no alto do
222

monumento, tem a função genérica de inspiração do positivismo; os medalhões instalados no


meio da pirâmide referem-se à síntese histórica ocidental ao qual o Brasil está ligado; as
estátuas principais, mais acessíveis ao olhar do público, são de Benjamin Constant e Maria
Joaquina; os baixos-relevos, também colocados de forma acessível para serem “lidos” da
esquerda para a direita, tratam das questões políticas em que Benjamin Constant se envolveu,
como a abolição da escravatura e dos principais eventos da proclamação da República.
Com esse formato piramidal e com essa disposição dos elementos que o
compõem, o artista reproduziu na forma escultórica uma narrativa da síntese histórica: sob a
inspiração do positivismo, expresso na imagem da humanidade, o Brasil republicano,
representado por Benjamin Constant, se integrava à transição moderna que levaria ao regime
final. Afirmava Teixeira Mendes que a obra resumia os esforços seculares da Humanidade
rumo ao amor e ao regime republicano, para os quais Benjamin Constant se voltou.13
Para compreender a narrativa histórica que a IPB expressou no monumento, que
tem como referência a biografia escrita por Teixeira Mendes, deve-se ressaltar a importância
do local de sua instalação: onde se deu o ato da proclamação da República. Ao erguer o
monumento neste local, somente em homenagem a Benjamin Constant, os positivistas
asseguravam a versão histórica de que ele foi o proclamador da República. Este lugar também
era significativo para os militares, pois era exatamente em frente ao Ministério da Guerra.
Ver-se-á adiante que, no monumento a Tiradentes, a IPB também utilizou a
chancela oficial para garantir o local da obra, associado ao evento histórico nele ocorrido.
Suas relações com militares positivistas parlamentares garantiam a proposição de projetos de
monumentos atrelados à determinação do espaço público que deveriam ocupar. Não há na
literatura positivista referência a por que o local, associado ao evento histórico, era tão
importante na construção de monumentos. Não se percebe na pesquisa que os positivistas
tenham se preocupado com o local da obra na cidade e sua relação com o traçado urbanístico.
Eles estavam atentos apenas à relação do local, com os eventos do passado. A argumentação
ficava, assim, no binômio local/evento. No local se dava a consagração pública do herói, e o
evento também se consagrava por meio do objeto artístico lá instalado, normalmente os
altares cívicos. Vários projetos de monumento de Villares e Sá eram altares cívicos.
No ambiente urbano, o local escolhido para erguer monumentos nunca é aleatório
ou casual, pois "o espaço não se apresenta como um elemento natural ou físico, mas

13
MENDES, Teixeira. O monumento a Benjamin Constant – a fundição do busto da estátua. Rio de
Janeiro. IPB. 1925. p. 63-64.
223

sobretudo como um produto social, resultado histórico das disputas em torno da significação
do território [...] e disputas de poder da sociedade."14 O local e o monumento concretizam
uma ritualização da história, pois marcam os poderes simbólicos dos diversos grupos e
interesses que integram a sociedade.15 No caso do monumento a Benjamin Constant, viu-se
que serviu para assegurar a versão da história de que ele foi o proclamador da República, já
que tal fato não era consenso. Sendo a obra colocada no local do evento, essa versão ganhava
força diante dos grupos opositores, inclusive dos militares ex-alunos de Benjamin Constant,
antigos aliados dos membros da IPB.
Na década de 40, o monumento foi afastado para um lugar mais lateral da Praça,
sob protestos infrutíferos dos positivistas da Igreja. Caso contrário ficaria confrontando o
monumento a Caxias, obra de Rodolpho Bernardelli, que estava sendo transferido do Largo
do Machado para a remodelada Praça em frente ao Ministério da Guerra. Era momento da
reabilitação de outro militar, representando o projeto político de base conservadora do Estado
Novo.16
Embora fosse um local sacralizado pelos militares devido o prédio do Ministério
da Guerra e a Proclamação da República ― o que foi confirmado com o erguimento do
mausoléu a Caxias nos anos 40 ― o monumento a Benjamin Constant erguido neste sítio não
continha exaltação do militarismo. Mesmo Benjamin Constant estando representado de farda
e portando a mesma casaca que usava na manhã de 15 de novembro de 1889, ele não portava
arma alguma.17 Um dos decretos mais importantes para os positivistas da IPB, proposto por
Benjamin Constant quando Ministro da Guerra, era a devolução dos troféus de guerra aos
paraguaios e o perdão de suas dívidas de guerra. Na ótica dos positivistas esses eventos
militaristas deveriam ser lembrados, já que o decreto não foi aceito por Deodoro, mas sem
fazer apologias a Guerra do Paraguai. A solução encontrada foi eminentemente simbólica: a
fundição de fragmentos de canhões brasileiro e paraguaio, da época da Guerra. Assim foi
descrita a solenidade de fundição da estátua de Benjamin Constant em que os pedaços de
bronze dos canhões foram anexados.

14
KNAUSS, Paulo (org.). Cidade Vaidosa - imagens urbanas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Sette
Letras, 1999. p. 7-8.
15
CATROGA, Fernando. Ritualizações... p. 222.
16
SOUZA, Adriana B. de. Osório e Caxias - os heróis que a República manda guardar. Revista Varia
História. n. 25, jul. 2001.
17
Carta de Tasso Fragoso a Aracy Botelho de Magalhães. s/d. Inventário Aracy/MCBC .
224

Na quinta-feira, 1 de outubro de 1925 [...] trigésimo sétimo (sic) [ano] da


proclamação da República no Brasil, e trigésimo sexto (sic) [ano] do voto de
Benjamin Constant de restituição à República do Paraguai dos troféus da
lamentável luta de 1865 a1870, pouco depois da duas horas da tarde, em meio do
mais ardente entusiasmo patriótico e das mais legítimas esperanças cívicas, teve
lugar, como passamos a descrever, nesta cidade, nas oficinas de Trajano de
Medeiros & C., gratuitamente cedidas, a tocante cerimônia da fundição do busto
da estátua de Benjamin Constant, Fundador da República Brasileira, com o
concurso de dois fragmentos de bronze cedidos pelos governos do Brasil e do
Paraguai. Com o mesmo metal com que foi fundida a estátua de Benjamin
Constant foi também fundido, na segunda-feira, 5 do corrente mês de outubro, o
medalhão destinado ao monumento que está sendo erguido a esse grande patriota
e alusivo ao seu voto de restituição dos troféus e conseqüente cancelamento da
dívida de nossa querida irmã a República do Paraguai.18

Os canhões fundidos foram usados no monumento, mesmo que em pequenos


pedaços, como um ato simbólico de agradecimento a Benjamin Constant por sua tentativa
nessa reparação de guerra e de desculpas ao povo paraguaio; também era um ato simbólico de
fraternidade republicana americana e de paz, já que canhões estavam sendo derretidos para
construção de arte. O distanciamento dos militares antigos colaboradores da IPB,
principalmente Gomes de Castro e Ximeno de Villeroy, fez com que não tivessem qualquer
ligação com o monumento, inclusive nas negociações para obter os fragmentos de canhões da
guerra do Paraguai. Amaro da Silveira escreveu várias cartas às autoridades brasileiras e
paraguaias solicitando os pedaços de canhão. Na solenidade de fundição da estátua com os
fragmentos dos canhões, estavam presentes o Ministro da República do Paraguai e o Ministro
da Guerra brasileiro; ambos é que realizaram o ato de fusão dos bronzes. Embora o
reconhecimento de fraternidade do governo brasileiro não tenha ocorrido por meio do decreto,
como queriam os positivistas, acabou acontecendo pela presença dos Ministros paraguaio e
brasileiro envolvidos na ação simbólica de fusão dos bronzes. Amaro da Silveira explicou o
significado desse evento:
Assim esses três bronzes reunidos [o terceiro bronze era o em maior quantidade
para a fundição da estátua], sob uma augusta imagem, lembrarão eternamente aos
contemporâneos e aos pósteros que é na sincera prática e no respeito da
fraternidade cívica e universal, assim como no exercício da mais completa
generosidade de sentimentos, que consiste o regime republicano, conforme a
irrefutável demonstração que a inteligência nos fornece.19

18
LEMOS, Miguel & MENDES, Teixeira. Comemoração do Primeiro... p. 80.
19
SILVEIRA, Amaro. Monumento a Benjamin Constant Botelho de Magalhães – notícia dos festejos
preliminares da inauguração. Rio de Janeiro: IPB. 1925. p. 38. O grifo é meu.
225

O assunto da devolução dos troféus de guerra foi exaustivamente abordado pelos


positivistas da IPB, que nunca aceitaram a atitude do governo brasileiro para com a nação
irmã paraguaia. Eles consideravam que o projeto de Benjamin Constant quando Ministro da
Guerra era positivista e influenciado pela Igreja, assim como outras iniciativas do militar, e,
com isso, vários temas que podiam fazer a associação Benjamin Constant/IPB foram
expressos no monumento.
A recorrência de representações de Benjamin Constant como positivista, inclusive
religioso, dava oportunidade a IPB de mostrar sua influência na história brasileira. No baixo-
relevo sobre a abolição da escravatura, há elementos que ligam tal evento ao positivismo, por
exemplo a imagem da feminista e abolicionista Nísia Floresta Augusta, única mulher
brasileira que conheceu pessoalmente Comte e esteve em seus funerais. Um folheto especial
foi publicado pela IPB sobre esse baixo-relevo em que são revistas todas as intervenções dos
membros da IPB, atividades políticas e publicações, referentes à abolição da escravatura.20 A
frase de Benjamin Constant em carta a Maria Joaquina “A Religião da Humanidade é minha
Religião” inscrita abaixo do painel que simboliza a redenção do Positivismo e sobre a imagem
de Maria Joaquina revela a intenção explícita de associação com o positivismo religioso. Mais
do que esses elementos explícitos do positivismo no monumento é importante destacar
também a ausência de imagens que lembrassem os antigos alunos de Benjamin Constant na
Escola Militar. No baixo-relevo representando os funerais de Benjamin Constant, não há
qualquer referência aos jovens militares que dele participaram e de nenhum outro grupo. O
único estandarte visível é o da IPB.
Arte ou artimanha positivista, questionava Ximeno de Villeroy ao se referir ao
monumento, em 1928. No livro Benjamin Constant e a Política Republicana, o militar
criticou o monumento e apelou para que fosse destruído. A crítica expressava o ressentimento
pela apropriação que a IPB havia feito de Benjamin Constant, pois “ele era de todos nós..., era
de todos os brasileiros”21, dizia o militar. Adiante veremos a participação desse militar nas
homenagens cívicas a Tiradentes em fins do século XIX, quando ainda era reverente ao
positivismo da IPB.
Dos grupos que buscavam influenciar os rumos republicanos, a IPB talvez fosse o
mais aparelhado. Possuía uma gráfica e tinha artista próprio para produzir imagens. Nos anos

20
MENDES, Teixeira. Em commemoração da lei de 13 de maio de 1888, que declarou extincta a
escravidão no Brasil. Rio de Janeiro: IPB. 1926.
21
VILLEROY, Augusto Ximeno de. Benjamin Constant e a Política Republicana. Rio de Janeiro.
1928. Agradeço a gentileza de Renato Lemos ao me dar acesso a esse livro, hoje raro.
226

vinte, contou com a colaboração financeira de Amaro da Silveira, que também via na arte
grande potencialidade cívica. Às críticas da qualidade dos objetos produzidos respondiam que
o belo estético positivista não estava na qualidade, mas no elevamento moral de quem o
produzia e também de quem o contemplava.
Mais do que o texto, as imagens eram vistas como grandes portadoras de verdades
ou inverdades. Os folhetos tinham um impacto imediato à sua publicação e logo caiam no
esquecimento. A imagem era mais perene, talvez por isso causasse mais inconformismos. Não
era possível aos militares seguidores de Benjamin Constant, que se tornaram dissidentes da
IPB, ignorar o monumento que os lembrava constantemente de uma versão da história
republicana de que haviam sido alijados.
O monumento a Benjamin Constant foi muito criticado, considerado um aleijão a
enfeiar a Praça da República. Apesar da intenção cívico-pedagógica de monumentos, nem
sempre serviam bem para esse fim. Muitas vezes, o público não aceitava o conteúdo
simbólico positivista ou a forma artística; outras vezes, apenas não compreendia o
monumento. Um relato jornalístico registrou uma anedota que corria durante a inauguração do
monumento, em 14 de julho de 1926. As pessoas se perguntavam quem seria afinal a mulher
com a criança ao colo que estava lá no alto da obra de arte.

A mãe do Cristo, palpitava um. E outro: a Pátria. E mais outro: A República.


Sabe-se que um cavalheiro que ali se achava no momento, ouvindo a controvérsia
que crescia, achou de esclarecer o enigma, explicando: Essa mulher que tem, entre
seus braços uma criança, e olha, atentamente, as janelas da parte do Quartel
General onde se instala o departamento do almoxarifado do Exército, é... a
Intendência da Guerra, dando de mamar ao Passarelo...22

O Passarelo era um negociante muito rico e conhecido da cidade, fornecedor de


provisões ao Exército. Quando foi erguido, o monumento estava em frente ao quartel e tinha a
altura das janelas do prédio.

As imagens de Benjamin Constant espalhadas pelo Brasil

Não foi só na cidade do Rio de Janeiro que a imagem de Benjamin Constant


figurou em monumentos públicos. Já foi referido, na introdução desta tese, que o monumento
à República em Belém do Pará, que possui o medalhão de Benjamin Constant, o

22
EDMUNDO, Luiz. De um livro de Memórias - Eduardo de Sá. Artigo de jornal sem referência.
227

evangelizador, reunido a Tiradentes, o mártir, a José Bonifácio, o patriarca, e a Floriano


Peixoto, o consolidador, alude, segundo Coelho, ao panteão cívico positivista brasileiro.23
Ainda que se conteste a presença de um imaginário positivista, tal qual o apresentado pelo
autor, porque tais imagens foram empregadas na obra, é inegável que a imagem de Benjamin
Constant, colocada sobre os demais medalhões, conforme pode ser visualizado em uma das
fotografias do monumento, e chamado de o evangelizador, ganha destaque nesse desfile de
heróis republicanos, porém na lógica positivista, de estrita obediência à síntese histórica,
Benjamin Constant estaria antes de Floriano.
Também se viu que Benjamin Constant, nascido na cidade de Niterói, figurou em
um monumento à República, reunido a Quintino Bocaiúva e Silva Jardim, visando a uma
representação da participação fluminense na proclamação da República, independentemente
das diferenças doutrinárias dos representados. Diversamente do monumento a Benjamin
Constant feito por Villares, o monumento Triunfo à República, em Niterói, não apresenta
qualquer elemento que aludisse ao positivismo de Benjamin Constant, nem mesmo a inscrição
abaixo de sua estátua sedestre ― “Pela palavra doutrinária Benjamin Constant orientou a
organização republicana no Brasil” ― explicita sua doutrina.24
Há ainda outro monumento no qual Benjamin Constant figura único e é
apresentado como o fundador da República. Chama a atenção que nos dois monumentos
comentados acima Benjamin Constant é chamado de o evangelizador e o doutrinador, mas
não de fundador do regime. O monumento à República erguido em Curitiba, homenageia
Benjamin Constant como fundador do regime. A obra foi feita pelo escultor paranaense João
Turim, sob orientação de David Carneiro, presidente da Comissão estadual para os festejos do
centenário de Benjamin Constant, em 1933. Carneiro era positivista membro da IPB, fundou
em Curitiba uma capela positivista em sua casa e, em 1928, criou o Museu Coronel David
Carneiro, em homenagem a seu pai. Por intermédio do comandante Henrique B. da Silva
Oliveira, também membro da IPB, David Carneiro obteve de Aracy Botelho de Magalhães a
doação de “relíquias” de Benjamin Constant: a sobrecasaca usada nos últimos tempos de sua
vida, a cartola e o chapéu armado de General.25
Carneiro entendia que o Paraná deveria marcar sua participação na propaganda e
consolidação republicana, dada a resistência ao avanço monarquista na cidade da Lapa,

23
COELHO, Geraldo Mártires. No coração... p. 91.
24
ABREU, Marcelo Santos de. Regionalismo... p. 127-128.
25
Carta de David Carneiro a Aracy Botelho de Magalhães. Curitiba, 27.01.37. Anexo artigo de jornal
sobre o assunto. MCBC/Inventário Aracy.
228

durante a Revolução Federalista, defendida “bravamente” por Gomes Carneiro, seu avô. Esse
argumento servia também para erguer o monumento a Benjamin Constant, em Curitiba.
Razões semelhantes encontradas por Abreu para o caso fluminense: o desejo regionalista de
ver-se integrante no movimento republicano nacional. A Praça Tiradentes, no centro de
Curitiba, possuía, na década de vinte, três monumentos, formando um triângulo, um em cada
vértice. Além de Benjamin Constant, havia a estátua de Tiradentes, obra também de João
Turim, e a estátua de Floriano Peixoto, erguida no final do século XIX. David Carneiro assim
reorganizou o desenho da praça ao acrescentar os dois monumentos nos anos vinte. No final
de sua vida, na década de 1980, empreendeu grande campanha contra as tentativas de
instalarem lá o busto de Getúlio Vargas, considerado traidor dos princípios positivistas
republicanos, pois isso romperia com a concepção da Praça.

Monumento à República, autoria de João Turim, Curitiba


229

O monumento a Benjamin Constant foi elaborado a partir das orientações de


David Carneiro, composto por pedestal de granito em estilo art déco encimado por uma
alegoria da República, com trajes clássicos e barrete frígio, portando uma bandeira.26
Benjamin Constant é apresentado em trajes militares. Na base do monumento, foram
colocados, de cada lado, baixos-relevos, um com a cena da proclamação da República em que
Deodoro a cavalo ergue o boné e brada pela República, o outro apresenta os bustos de vários
republicanos, no primeiro plano o de Benjamin Constant; não foi possível identificar se há
bustos de paranaenses; reconheceram-se apenas os de Quintino Bocaiúva, Júlio de Castilhos,
Deodoro da Fonseca, Lopes Trovão, Rui Barbosa e Silva Jardim.

Monumento à República, Curitiba, detalhe

Monumento à República, Curitiba, detalhe

26
LACERDA, Cassiana Lícia de. Monumento à República. Registro - Casa Erbo Stenzel. Curitiba,
1998. p. 37-38. Agradeço ao pessoal do Museu Casa João Turim que gentilmente forneceu o material
acerca do monumento a Benjamin Constant em Curitiba.
230

Os dois monumentos que tiveram a imagem de Benjamin Constant como central


foram encomendados por positivistas – o do Rio de Janeiro e o de Curitiba. Neles, o militar é
apresentado como o fundador da República, embora possuam baixos-relevos em que Deodoro
aparece no ato de proclamação do novo regime. Lemos constatou, na biografia de Benjamin
Constant, o empenho propagandístico de Teixeira Mendes em definir as bases interpretativas
da vida do militar.27 Em termos visuais, viu-se que o positivista da IPB também se empenhou
em cunhar à imagem de Benjamin Constant o positivismo religioso e o título de Fundador da
República.
No monumento encomendado por David Carneiro, a dedicatória “À República
brasileira e ao seu fundador – Benjamin Constant Botelho de Magalhães” ratifica a linha
interpretativa de Teixeira Mendes, porém não associa Benjamin Constant ao positivismo. Não
há no monumento em Curitiba qualquer referência ao positivismo, nem mesmo à bandeira
republicana brasileira, pois a que é portada pela alegoria da República não é identificável.
Acima do baixo-relevo que representa a proclamação da República, há a inscrição com o lema
“Ordem e Progresso”, que, nos anos 30, quando foi inaugurado o monumento, poderia já ser
mais associado à bandeira brasileira do que ao positivismo. Podem-se destacar dois aspectos
no monumento em questão que conflituam com uma estética positivista: as vestes clássicas e
o porte belicoso da alegoria da República e a ausência de uma tentativa de síntese histórica
republicana, pois os painéis são individualizados.

27
LEMOS, Renato. Benjamin Constant... p. 19-20.
231

Parte II – O monumento a Tiradentes e uma Pietá positivista

Carvalho analisou os conflitos políticos em torno da figura de Tiradentes e como


os locais relacionados ao seu suplício balizaram muito do debate na construção do mito
nacional.28 O local do enforcamento de Tiradentes mobilizou parte das contendas em torno do
herói. Sobretudo nesse aspecto dos mistérios de Tiradentes é que os positivistas da IPB se
envolveram: a aparência de seu rosto e o local onde foi enforcado. Para eles, o verdadeiro
local da forca não era no Largo do Rocio, onde foi erguida a estátua de Pedro I, mas um
terreno na atual Av. Rio Branco, onde se localiza a Escola Tiradentes, na época pertencente à
Ordem Terceira do Carmo. Certos das coordenadas do terreno, envolveram-se nos debates da
imprensa e empreenderam grande campanha junto à municipalidade para desapropriar o local
sagrado, pois fora “regado pelo sangue generoso do Patriarca.”29
O debate na imprensa sobre o verdadeiro local da forca, já instituído desde a
monarquia, acirrou-se com a República e com a intensificação do culto a Tiradentes. Alguns
dias depois da proclamação do novo regime, alunos da Escola Militar foram ao gabinete do
Ministro do Interior solicitar que o terreno da Rua Visconde de Rio Branco, onde havia uma
funerária, fosse desapropriado, com a justificativa de que lá o Inconfidente fora executado.30
No primeiro centenário de morte de Tiradentes, em 1891, os líderes da IPB publicaram artigos
nos jornais e lançaram um folheto apresentando as provas históricas do lugar do suplício. Em
conjunto, a IPB e os militares, por meio do Tenente Tasso Fragoso, apresentaram uma
proposta na Câmara de Vereadores de colocação de uma placa provisória no terreno onde se
encontrava a forca e de desapropriação do local para o erguimento de um monumento. A
proposta foi aprovada, e a placa com texto de Miguel Lemos, dizendo que, segundo rezava
fidedigna tradição, foi naquele exato lugar que havia sido levantada a forca que levou
Tiradentes à morte, foi lá instalada.31 Em uma imponente procissão, a placa foi levada até o
terreno histórico e, diante de membros do Ministério e políticos municipais, foi instalada no
local. Com isso, a IPB assegurava que o poder público chancelasse a sua versão da história e
criava a necessidade da obra de arte, pois o projeto também previa o erguimento de um
monumento, tratado mais adiante. O local integrou a rota do suplício, percorrida nas
procissões cívicas em homenagens a Tiradentes organizadas por grupos que compartilhavam

28
CARVALHO, José M. A Formação... p. 60-61.
29
LEMOS, Miguel. Determinação... p. 7.
30
Tiradentes – expropriação do terreno do local da forca. Gazeta de Notícias, 26.11.1889. p. 1.
31
LEMOS, Miguel. Determinação... p. 30.
232

com os positivistas desta versão. Isto ainda ocorria nos anos 30, quando o monumento a
Tiradentes foi finalmente lá erguido.
Mas o empenho desse grupo não se restringiu a apenas esse local; eles também se
envolveram em descobrir o exato local da casa onde nasceu Tiradentes, e lá o militar
positivista Ximeno de Villeroy construiu ele próprio uma pilastra de 6 metros de altura, cujo
interior continha uma urna com ata de cerimônia de inauguração em 28.03.1899.32 A placa de
bronze instalada na Pilastra Tiradentes também foi redigida por Miguel Lemos. Todas as suas
diligências em torno do Inconfidente foram relatadas minuciosamente a Miguel Lemos, por
cartas. Ximeno, a serviço militar em Minas Gerais, por lá ficou certo tempo e pôde se dedicar
a outras iniciativas concernentes a Tiradentes: conseguiu a doação da cama do Inconfidente,
para ser exposta no panteon que seria construído no local do suplício, fez pesquisas sobre sua
vida, visitou seus descendentes tentando organizar uma genealogia e adquiriu cartões postais e
medalhas do monumento a Tiradentes em Ouro Preto, que, segundo o militar positivista, teve
como modelo de rosto o desenho de Villares, publicado pela IPB.33
Viu-se no capítulo anterior as iniciativas de Gomes de Castro concernentes a
celebrações cívicas e erguimento de monumentos e seu envolvimento com as lideranças da
IPB. Assim como ele, Villeroy também se sentia ligado à Igreja Positivista, colaborava com o
subsídio e prestava obediência a Miguel Lemos e Teixeira Mendes. Ximeno de Villeroy, um
gaúcho, cujos irmãos participaram da Revolução Federalista, vinha de uma família de
militares e esteve envolvido na maioria das ações florianistas.34 Suas cartas a Miguel Lemos
demonstram obediência e respeito religioso. Veremos mais adiante que Villeroy rompreu com
os líderes da IPB e passou a criticar a ortodoxia positivista inclusive com relação aos
monumentos feitos por Villares e Sá. Mas no período de confecção da pilastra Tiradentes,
Villeroy parecia ser um entusiasmado colaborador da IPB.
Tanto empenho relativo a Tiradentes por parte da IPB é porque ele era talvez o
herói brasileiro de maior potencialidade emocional, portanto digno de receber um panteon:
um conjunto de obras que reunidas em um prédio operariam uma completa glorificação. Viu-

32
Segundo Ximeno de Villeroy em carta a Miguel Lemos, a Fazenda Pombal onde nasceu Tiradentes
localizava-se à margem direita do Rio das Mortes, em frente ao poste do kilômetro 110 da Estrada de
Ferro Oeste de Minas. Carta de Ximeno de Villeroy a Miguel Lemos. 02.02.1899. Boletim do
Apostolado Positivista do Brasil. n. 11. 01 de maio de 1899.
33
O monumento a Tiradentes é obra do escultor italiano Virgílio Cestari e foi inaugurado em Ouro
Preto em 1894. O monumento atinge uma altura total de 19 metros, o que dificulta obter-se fotografias
da estátua e verificar alguma semelhança com o desenho de Villares.
34
BARATA, Carlos E. A. e BUENO, Antonio H. C. Dicionário das famílias brasileiras. São Paulo:
Ibero América, 1999. p. 2280.
233

se no capítulo anterior que, na escala hierárquica, o panteon ou templo era o suporte da mais
alta honraria positivista. Eles propuseram que fosse construída uma capela ou templo cívico a
Tiradentes reunindo a estátua, relíquias, documentos, manuscritos, impressos e imagens
referentes ao homenageado e à conjuração mineira. As iniciativas de Ximeno iam nesse
sentido. Seguindo a orientação comtiana, eles estavam propondo uma obra de arte perfeita: a
que combinava arquitetura, pintura e escultura em uma unidade construtiva, com a função de
lembrar e glorificar. O interessante é como eles adaptaram a capela católica de adoração às
imagens dos santos (geralmente mártires) à capela cívica consagrada à memória do também
mártir Tiradentes. O projeto não foi executado. Knauss identificou três vertentes de
homenagens aos grandes homens na experiência francesa: o Panteon, a estátua e a coluna,
obelisco ou pirâmide. A tendência panteonizadora voltou-se para um homenageado de um
passado mais distante.35 No caso brasileiro, isto pode ser atribuído a Tiradentes.
Nos papéis de Eduardo de Sá, encontrou-se o rascunho de uma idéia que o artista
chamou de Templo a Tiradentes. O prédio seria composto por um altar central chamado
Incorporação de Tiradentes e seis altares laterais intitulados: Pregação da Liberdade, Prisão de
Tiradentes, Sessão em que foi apresentada a bandeira, Generosidade feminina, Leitura da
sentença e Perdão de Tiradentes. O teto seria pintado com uma idealização da Pátria brasileira
se votando à Humanidade. O Templo a Tiradentes não foi erguido, mas Sá conseguiu fazer-
lhe um monumento, com total síntese católico-positivista, visto a seguir.
Carvalho concluiu, que na construção mítica de Tiradentes em textos e imagens, o
herói acabou sendo identificado como mártir religioso e não cívico, “o patriota virou mítico.”
Para o autor, “isso calava profundamente no sentimento popular, marcado pela religiosidade
cristã.”36 Miguel Lemos percebeu que a população brasileira era piedosa e gostava de festas e
ritos; portanto, construir uma capela cívica ou um templo vinha ao encontro dessa cultura
ritualística onde as imagens de adoração e de culto operavam a mobilização emocional e
cívica positivista. Milliet, que também analisou a construção do mito Tiradentes e o papel da
imagem na personificação do herói, concluiu que foi grande a participação dos positivistas da
IPB, sobretudo no que tange à sincrasia religioso-política.37 O monumento a Tiradentes
encomendado por Amaro da Silveira e idealizado por Sá realizava essa operação.

35
KNAUSS, Paulo. Imagens urbanas e poder simbólico ― esculturas e monumentos públicos nas
cidades de Rio de Janeiro e Niterói. Niterói: UFF, 1998. p. 73-74. (Tese de Doutorado)
36
CARVALHO, José M. A Formação... p. 68
37
MILLIET, Maria Alice. Tiradentes... p.140.
234

O desconhecido monumento a Tiradentes

A discussão sobre o local da forca nunca foi acabada. Em 1924, a estátua de


Tiradentes, obra de Francisco de Andrade, foi inaugurada em frente ao Palácio Tiradentes,
sede da Câmara Federal. Este era o projeto municipal, fruto do Decreto de 1891. É certo que
os positivistas nunca reconheceram esse monumento, tampouco o local onde foi erguido. Na
época da Inconfidência, este era o local da Cadeia Velha onde o Inconfidente fora preso antes
de ser executado, não era o local da forca.
Quatro anos depois inicia-se nos jornais a campanha de Amaro da Silveira em
prol do monumento a Tiradentes no local da forca. Nesse período, a IPB já passava por uma
situação de grave crise institucional, pois a morte de Teixeira Mendes em 1927 deixou o
grêmio religioso relativamente acéfalo. A Direção Executiva formada pelos 13 membros mais
antigos, instituída quando Teixeira Mendes ainda era vivo, pulverizava-se em potenciais
lideranças. Paulo Pezat explica que este último apóstolo estabeleceu que a Delegação não
“falaria” em nome da IPB em termos espirituais, seria apenas um órgão administrativo. Cada
membro da Igreja poderia fazer suas publicações e iniciativas em seu nome próprio, mas não
no nome da instituição.38 Por esse motivo, os monumentos a Benjamin Constant, a São
Francisco de Assis (não analisado nesta tese) e a Tiradentes foram erguidos e doados à cidade
do Rio de Janeiro em nome de Amaro da Silveira, e não da IPB. Sobre as duas primeiras
obras houve ainda a publicação de folhetos, que, embora não tivessem mais o timbre da IPB,
podem ser considerados relativamente oficiais. Sobre o monumento a Tiradentes não foram
encontrados folhetos no acervo da IPB, tampouco qualquer anotação ou referência a ele nos
papéis de Eduardo de Sá.
Um monumento, portanto, bastante silencioso, se considerarmos as estratégias
propagandísticas da IPB que se têm visto até o momento. Silêncio, mistério e emblema é o
que se pode concluir da obra. Construído em um bloco monolítico em formato piramidal, tem
representado Tiradentes morto, caído aos pés da Humanidade, que, de pé e com a mão direita
sobre o peito na altura do coração, olha para o horizonte. Facilmente Tiradentes poderia ser
visto como Cristo, e a Humanidade como as Pietás católicas. Completam o conjunto, quatro
medalhões que deveriam ser instalados no pedestal do monumento. Os medalhões são os
únicos elementos que identificam o caráter cívico do monumento, pois indicam que se trata de

38
PEZAT, Paulo Ricardo. Augusto Comte e os fetichistas: estudo sobre as relações entre a Igreja
Positivista do Brasil, o Partido Republicano Rio-Grandense e a política indigenista na República
Velha. Porto Alegre: PPG/História – UFRGS, 1997. p. 101. (Dissertação de Mestrado)
235

uma homenagem a Tiradentes, além de situá-lo na cronologia e síntese histórica brasileira.


Para melhor descrever os medalhões optou-se por apresentar seus elementos em um quadro e
a seguir suas imagens.39
Título do medalhão Inscrição principal Imagem em primeiro plano
Os antecedentes da Pereça minha memória desde Philipe dos Santos e Domingos
Independência que a Pátria se salve Martins
e da República
A Independência e a A sã política é filha da razão; José Bonifácio e Benjamin
República Ordem e Progresso Constant
A bandeira de 1882 e a A escolha da divisa “Libertas Tiradentes e Alvarenga e a
bandeira de 1889 quæ será tamen” bandeira dos inconfidentes
Sentença Tiradentes congratula-se pela Tiradentes de pé com a mão
comutação da pena dos direita sobre o coração
inconfidentes

Os antecedentes da Independência A Independência e a


e da República República

A bandeira de 1882 e a Sentença


bandeira de 1889

39
Agradeço a gentileza de Tiago Luis Gil por fazer as fotografias do monumento a Tiradentes.
236

Todos os artigos de jornais da época foram unânimes na avaliação ― o conjunto


escultórico era comovente. No capítulo III que trata da biografia de Sá, viu-se que o artista, no
concurso para o Prêmio Viagem de 1887, foi criticado pelos professores que compunham a
comissão julgadora por pintar a tela A Flagelação de Cristo, em que este é representado caído
ao chão, com excessiva expressividade emocional. A alguns críticos dos jornais o julgamento
era injusto, pois Sá não deveria ser acusado de gostar de concepções grandiosas e de ter
emoções sinceras. Ao que parece, o artista tinha tendência para criações artísticas majestosas,
quase patéticas, e isso se revelou no monumento a Tiradentes.

Monumento a Tiradentes, autoria de Eduardo de Sá, Rio de Janeiro


237

Vários elementos convergiam para essa solução visual: o monumento era


destinado a um solo sagrado por um martírio; Tiradentes era o herói de maior potencialidade
emocional no panteão positivista; a cidade já possuía outro monumento a Tiradentes,
concorrente; e as chances da instituição do culto positivista estavam esgotadas; daí o tom
comovente, mas não menos apelativo. Mas, nas artes, parecia pertinente tratar o tema
Tiradentes de forma patética, majestosa e apelativa dada à crueldade do martírio do herói.
Vale lembrar a solução encontrara por Pedro Américo em Tiradentes Esquartejado.40 Sá
escolheu representá-lo morto, amparado pela Humanidade. Não o teria feito esquartejado,
como o de Pedro Américo, pois, em sua concepção artística positivista, a arte deveria
comover, jamais causar choque ou desconforto.

Monumento a Tiradentes, detalhe


Monumento a Tiradentes, detalhe

40
Análise do quadro pode ser conferida em: CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Pintura, História e
Heróis no século XIX: Pedro Américo e “Tiradentes Esquartejado.” Campinas: Unicamp. 2005. (Tese
de Doutorado)
238

Um monumento que itinerava

Em uma cerimônia organizada por Amaro da Silveira e presentes várias


autoridades municipais e Ministros de Estado, um punhado de terra retirado do local da forca,
onde havia agora a Escola Tiradentes, e outro punhado da casa onde morou Tiradentes, na
época Ouro Preto, foram reunidos em uma urna enterrada no Largo da Carioca, onde foi
lançada a pedra fundamental do monumento a Tiradentes, em 21.04.1928.41 Para Amaro, este
não era o local do suplício, representado pelo punhado de terra, mas era por onde passou
Tiradentes a caminho da forca e também um local de grande importância e visibilidade na
cidade. Nesta época, os jornais já estampavam a fotografia da maquete do monumento.
Novamente no aniversário de morte de Tiradentes, em 1931, Amaro da Silveira se
envolvia em solenidades, discursava, buscava apoio de autoridades e tentava instalar o
monumento, que já estava concluído. Para a comemoração deste ano, o Clube Tiradentes
organizou uma sessão especial na Câmara Federal com a presença de autoridades oficiais.
Amaro foi o primeiro a discursar, seguido por políticos relativamente familiarizados com o
positivismo como Oswaldo Aranha, Demétrio Ribeiro, Tasso Fragoso e Flores da Cunha.42 A
obra, que não era de grandes dimensões, foi exposta na entrada do saguão do Palácio
Tiradentes, próximo à escadaria, ficando visível da rua e muito perto do monumento a
Tiradentes, feito por Francisco de Andrade.
Finalmente, em 1933, o monumento de Sá foi levado até a frente da Escola
Tiradentes, local da culminância de uma grande procissão cívica puxada pela Banda da Escola
Militar; as fotos da época mostram o cortejo de bustos de Benjamin Constant, Floriano
Peixoto e Tiradentes. Com a presença do Interventor Pedro Ernesto e do Ministro da Marinha,
Protogenes Guimarães, que assinou uma ata de doação do terreno para a instalação do
monumento, novamente o local do suplício era garantido oficialmente.43
Não se tem informação até quando o monumento ficou instalado na calçada, em
frente à entrada de Escola, nem em que ano foi transferido para seu interior, no saguão, onde
permanece até hoje. Como o monumento não foi alojado sob uma pilastra, projetada por Sá
para a instalação dos três medalhões, os mesmos foram colocados nas paredes do hall de

41
A glorificação de Tiradentes. Correio da Manhã, 20.04.1928; O 21 de abril e as comemorações
cívicas. O Imparcial, 20.04.1928; As grandes homenagens de hoje a Tiradentes. O Imparcial,
21.04.1928.
42
21 de Abril. Correio da Manhã, 21.04.1931; Estátua de Tiradentes. O Malho, 02.05.1931.
43
Artigo de Revista sem título. IPB/ES
239

entrada de Escola Tiradentes, circundando a obra.


Se o monumento não conseguiu ter a visibilidade esperada, como tentou Amaro
da Silveira ao fazê-lo itinerar pela cidade ou instalá-lo no Largo da Carioca, local de grande
afluxo da população, ele opera as emoções profundas esperadas pelos positivistas naqueles
que o contemplam e pensam que aquele é o Cristo morto. Os funcionários da Escola
Tiradentes contaram, quando lá fui tentar fotografar o monumento, que misteriosamente
aparecem ramos de flores aos pés do suposto Cristo, provavelmente agradecimento por uma
graça alcançada. De certa forma, a máxima positivista “a arte é alma do culto” se materializou
exemplarmente no monumento a Tiradentes, pois nele Eduardo de Sá traduziu a síntese
político-religiosa positivista.
240

Parte III – Imagens positivistas a um Floriano Peixoto jacobino

Em 1898, Sá expôs o croquis de um quadro na Livraria Fauchon, no Rio de


Janeiro, chamado Floriano Peixoto – a resistência republicana, cujo objetivo era homenagear
os mortos em defesa da República e comemorar os serviços prestados por Floriano. A tela
seria a representação de um cenotáfio44 que, no futuro, seria erguido no Morro do Castelo. No
cenotáfio, Floriano apareceria protegendo o Altar da Pátria, e nele se leriam os nomes dos
brasileiros que, sob o comando do Marechal, seguem o caminho apontado por Tiradentes,
José Bonifácio e Benjamin Constant. O quadro era uma abstração do tempo e do espaço,
segundo o artista, e nele a imagem de Floriano se uniria aos que contribuíram para a
República: os heróis da cidade da Lapa (Paraná), o defensor de Niterói, as vítimas de
Canudos, seguidores de Antonio Conselheiro, os Batalhões Patrióticos, a marinha e a
cavalaria gaúcha.45 Este quadro não foi executado. No entanto, pelo que parece, o cetonáfio
referido se transformou no embrião do monumento a Floriano, como será visto a seguir.
No quinto aniversário de morte de Floriano, em 1900, Sá propunha realizar uma
outra obra de arte que consagrasse a figura do militar. Coerente com sua ideologia positivista,
ele dedicou o quadro ao primeiro ditador republicano que surgira nas “Pátrias Brasileiras”.
Deve-se levar em conta que vários colaboradores militares de Floriano, e alguns positivistas
também, incentivaram-no a proclamar a Ditadura e não entregar o governo aos civis. No texto
de lançamento do quadro, Sá ressaltou a morte do militar, a saudade que sentem os seus
comandados, a amargura nacional pela perda do patriota e pela orfandade nacional de uma
liderança com pulsos de ferro. Em nenhum momento o nome de Floriano é registrado, mas
todos os elementos que o identificam estão presentes. Esse quadro, intitulado Ao mais digno!,
é uma representação de Floriano no leito de morte, envolto à bandeira com Benjamin
Constant ao fundo e, entre eles, uma representação da República, uma mulher com uma
espada na mão, envolta em um ramo de louros.46 Esta tela foi executada e está em exposição
no Museu da República, no Rio de Janeiro.
Em 1901, os florianistas Francisco Antonio de Moura, Quintino Bocayuva,
Jeronymo Francisco Gonçalves, Conde de Figueiredo, Bibiano S. M. F. Costallat, J. J.

44
Cenotáfio é um monumento sepulcral erigido em memória de um defunto sepultado em outro lugar.
Coerentemente com a doutrina positivista, Sá pensava em um cenotáfio, pois é uma espécie de túmulo
que dispensa a transladação de restos mortais, já que a doutrina positivista condenava tal prática.
45
SÁ, Eduardo de. Floriano Peixoto ― a resistência republicana ― Quadro commemorativo da defesa
da Republica. Artigo de jornal sem referência. 09.02.1898. IPB/ES.
46
Sá, Eduardo de. Ao mais Digno! 29.06.1900. Folheto. 1 p. IPB/ES.
241

Pinheiro Machado e Gomes de Castro foram incumbidos pela Comissão Glorificadora


Marechal Floriano de lançar a subscrição para erguer-lhe o monumento público. A colocação
da pedra fundamental do monumento à memória do militar aconteceu em 1904, na Praça
Tiradentes, ponto central e de destaque na cidade do Rio de Janeiro, em cujo entorno havia
importantes prédios públicos voltados para a cultura, como o Teatro Municipal, a Biblioteca
Nacional, a Escola Nacional de Belas Artes e o Palácio Pedro Ernesto, do Conselho
Municipal. Uma das críticas ao monumento, publicada no jornal A Notícia, em dezembro de
1907, apontava justamente o quanto era significativo o local estabelecido para erguê-lo,
dizendo sarcasticamente que o monumento ficaria bem perto da Escola Nacional de Belas
Artes. “Boa vizinhança para a Escola.”47
Para levar adiante o projeto do monumento, foi realizada uma concorrência
pública para a escolha da maquete. Uma das cláusulas do edital exigia que o artista fosse
brasileiro ― e aqui não se deve esquecer as medidas nacionalistas de Floriano ― e que
comungasse dos mesmos princípios políticos dos militares florianistas, leia-se, princípios
positivistas que nem mesmo Floriano adotara. A opinião pública, principalmente a imprensa,
novamente associou os florianistas com os positivistas da Igreja, já que esses eram conhecidos
por suas campanhas de glorificação cívica a protagonistas republicanos. O jornal O País
publicou, em junho de 1904, um artigo criticando a romaria ao cemitério e o concurso para o
monumento, questionando a competência dos juízes, do artista e a qualidade do projeto
vencedor. Alegou ser tudo produto da influência da Igreja Positivista, o que a Igreja negou
também em artigo de jornal.48
Participaram do concurso os artistas Correia Lima e Eduardo de Sá, vencendo este
último. A maquete vencedora foi duramente criticada por artistas e críticos, servindo de
assunto para muitas caricaturas nos jornais cariocas. Assim escreveu Gonzaga Duque a
respeito da maquete:

O seu projeto apresentava-se cheio de complicações, superabundavam em


símbolos, metia-se-lhe a filosofia de Comte pela linhas, esbarrava-se com a
grande revolução francesa a todo o momento... todas essas coisa ameaçavam-nos
de uma formidável erudição positivista em pedra e bronze desesperadamente
jacobinescas... Realmente, era para nos pôr frios.49

47
A Estatua do Marechal Floriano. A Notícia. 10.12.1907.
48
MENDES, R. Teixeira. A propózito da comemoração do Marechal Floriano. In: Boletim do
Apostolado Pozitivista do Brazil. n. 32P, 16 de julho de 1904, Rio de Janeiro. p. 21.
49
GONZAGA-DUQUE. Estatua do Marechal... out. 1907.
242

1ª. Maquete para o monumento a Floriano Peixoto, autoria de Eduardo de Sá, IPB

A maquete foi rechaçada pelo público não só pelo excesso de figuras e elementos
simbólicos que a compunham, mas diziam as críticas nos jornais que ela era muito feia e mal
acabada, referindo-se à forma. Havia uma incompreensão acerca da função de uma maquete
no processo criativo do artista, pois nela ocorre o ato de criação artística, o momento em que o
artista dá forma à idéia, sem preocupações com os acabamentos.50
O concurso gerou revolta no meio artístico, pois a concorrência foi entendida
como sectária, privilegiando a posição ideológica de Sá. Outro questionamento dos artistas
dizia respeito à capacidade de Sá em fazer escultura, pois conheciam-no como pintor. Além
disso, a verba para execução do monumento foi adquirida por subscrição popular e por
subvenção votada no Congresso Nacional; portanto, havia verba pública, e isso não era
condizente com as condições excludentes impostas pelo concurso.

50
WITTKOWER, Rudolf. Escultura. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 240.
243

A despeito destes protestos, a maquete de Sá foi escolhida pela Comissão


encarregada. O artista rumou para Paris para executá-la. Diante do questionamento da
capacidade do artista em realizar escultura, sua viagem foi motivo de outros falatórios,
inclusive a afirmação de que poderia por lá comprar uma bela escultura.51 Esse boato foi
reforçado quando Sá enviou uma nova maquete, limpada dos tantos símbolos que se
amontoavam na primeira, mas mantendo sua concepção original.
Aparentemente os líderes da Igreja Positivista não se envolveram nesse polêmico
concurso, nem na confecção do monumento, mas a ligação explícita do artista com a Igreja
Positivista era conhecida por todos. Na inauguração da obra, dia da comemoração cívica a
Tiradentes, em 21 de abril de 1910, o diretor da Igreja, Teixeira Mendes, disse em entrevista
que os positivistas da Igreja não compareceriam em grupo na solenidade, e nem em outras,
para evitarem a vinculação com os florianistas, mas que iriam individualmente. Com isso,
tentavam mais uma vez se desvincular da solenidade, da obra de arte e dos florianistas, mas o
monumento falava por si: era uma referência ao positivismo religioso de Gomes de Castro, de
Eduardo de Sá e, em certa medida, da Igreja.

Descrição do monumento

O monumento é formado por uma coluna em cujo topo está o conjunto da


bandeira, composto pela bandeira nacional desfraldada ao vento, com as faces dos três
principais heróis nacionais: José Bonifácio, Tiradentes e Benjamin Constant. No alto da
coluna também está o homenageado, Floriano, defendendo a bandeira. Ao centro, saindo das
dobras da bandeira, uma mulher paira sobre as demais figuras do monumento. É a alegoria da
Pátria. Essa imagem feminina não é uma representação da República, é a figura da Pátria, que,
na descrição de Sá, “é arrojada e aponta para o horizonte, representando o futuro da nação,
agora republicana. A composição eleva-se sobre as demais, realçando-lhe a sua primazia,
dando-lhe a atitude em que se compreende a pátria, acima de todos os preconceitos, de todas
as paixões.”52 Na parte posterior da bandeira, há um grupo de crianças brincando por entre
suas dobras. As crianças representam as gerações futuras.

51
Notas de um Fluminense. A Tribuna, 17.12.1907.
52
A descrição do monumento foi adquirida em dois textos: GONZAGA-DUQUE. Estatua do
Marechal... out. 1907 e CASTRO, Gomes de. O monumento a Floriano...
244

Maquete do monumento a Floriano Peixoto, autoria de Eduardo de Sá, Rio de Janeiro

Não há registro sobre a opção de colocar o homenageado no alto da coluna, se foi


do artista ou de Gomes de Castro. Independentemente disto, o resultado não foi satisfatório do

ponto de vista visual, pois quase não é


possível ver a figura de Floriano. Soma-se a
isso o fato de que a bandeira desfraldada ao
vento forma uma sombra constante sobre as
figuras que compõe este conjunto, inclusive
sobre Floriano, que, a princípio, deveria ter
maior visibilidade. É possível que o artista
tenha pensado a composição sem levar em
conta a incidência de luz no Largo da
Cinelândia, ou ainda que o local não
estivesse definido quando o conjunto
escultórico foi desenhado.
Conjunto da bandeira
245

Deve-se lembrar que Sá já havia pensado em erguer um cetonáfio a Floriano no


Morro do Castelo, no Rio de Janeiro. Talvez o monumento executado não tenha sido pensado
para este local. Falconet esclarece que a luz e a sombra são essenciais na idealização de uma
escultura de grandes dimensões e que os artistas deveriam fazer modelos ou esboços no local
onde ficariam as obras, porque “é ali que podem assegurar-se da luz e das sombras adequadas
e certificar-se de que a impressão geral da obra é correta. Se compuserem sua obra à luz do
atelier, ela poderá parecer satisfatória ali, mas, quando for colocada no cenário a que estava
destinada, o resultado poderá ser extremamente insatisfatório.”53
Nas quatro faces da coluna, Sá colocou baixos-relevos de indivíduos
representando os grupos que contribuíram com Floriano na defesa do regime republicano. São
eles: o Exército, com o general Gomes Carneiro (1); a Marinha, com o Almirante Jerônimo
Gonçalves (2); a Polícia, com o General Fonseca Ramos (3); e os civis, com Júlio de
Castilhos (4).

― 1― ―2― ―3― ―4―

Já em 1893, Miguel Lemos, então diretor da Igreja, propunha que Gomes


Carneiro fosse glorificado em um monumento pelo heroísmo na defesa da cidade de Niterói,
dizendo que foi a “personificação eminente da dignidade militar e do devotamento cívico.”54
A preferência da Igreja Positivista por Júlio de Castilhos também era conhecida, já que mais

53
FALCONET, E. M. Refléxions sur la Sculpture. In: WITTKOWER, Rudolf. Escultura. p. 233.
54
LEMOS, Miguel. Circular n. 4. In: LEMOS, Miguel. 13a. Circular Anual do Apostolado Positivista
no Brasil. (Ano de 1893). Rio de Janeiro: IPB, 1894. p. 55.
246

de uma vez a Igreja lançou manifestos a favor de sua candidatura a Presidente da


República.55 Castilhos, por outro lado, também demonstrou adesão ao positivismo, adotando
para a Constituição Estadual do Rio Grande do Sul a proposta feita pelos dirigentes da Igreja
por ocasião do Congresso Constituinte em 1891. Esses colaboradores de Floriano incluídos no
monumento são os mesmos referidos no cenotáfio idealizado por Sá em 1898.
A base do monumento é composta por cinco nichos. Quatro deles possuem
conjuntos escultóricos homenageando a poesia nacional, dominada pela influência feminina,
diz o artista.56 Para conceber essa narrativa histórica nacional, o artista escolheu quatro
poemas nacionais que “cantam” as raças constitutivas da nacionalidade, representando “os
primeiros surtos históricos do povo, da sua gênese étnica.”57 As imagens dos quatro nichos
são apresentadas na próxima página.

1 ― O artista representou os índios,


que simbolizam a idade primeira da
pátria, quando eles aqui dominavam,
com Y-Juca-Pyrama, canto VI do
poema Tymbiras, de Gonçalves Dias.
Este poema relata o aviltamento do
índio que perdera na guerra seus
ornatos de pluma. Seu velho pai cego
percebe a desonra da derrota, ao
passar a mão na cabeça desnuda do
filho, sem seu cocar. Mesmo assim, o
jovem índio mantém a altivez e o
orgulho próprio de sua raça.58

55
MENDES, R. Teixeira. A candidatura prezidencial do Cid. J. de Castilhos. In: Boletim do
Apostolado Pozitivista do Brazil. n. 5p, 6 de março de 1898, Rio de Janeiro. p. 8.
56
La statue du maréchal Floriano. Le Courrieur du Brèsil, 04.04.1907.
57
Correio da Noite. 21.04.1910.
58
GONZAGA-DUQUE. Estatua do Marechal... out. 1907.
247

2 ― O período de catequese é representado


por Evangelho das Selvas, canto II do poema
Anchieta, de Fagundes Varella. Sá retratou a
cena em que padre Anchieta, à porta da
cabana, mostra a Bíblia à índia Nahyda, que,
admirada com as gravuras, passa a considerar
o livro o mais belo de todos.59 Esse nicho não
se refere às raças, embora estejam aqui
contempladas no contato dos padres com os
índios. Ele representa a presença do
catolicismo e dos primeiros trabalhos de
construção da nacionalidade brasileira por
meio da catequização dos índios pelos padres
jesuítas.

3 ― O poema Caramuru, de Santa Rita


Durão, foi escolhido para representar a raça
branca, dos portugueses, e conta o momento
em que o náufrago prisioneiro Diogo
Alvarez, o Caramuru, mata um pássaro com
seu mosquete. Neste momento, o índio
tupinambá Gupeva enche-se de terror e
submissão, por pensar que o português é o
senhor do trovão. Essa é uma representação
da evolução branca com relação às crenças
fetichistas dos indígenas.60

59
GONZAGA-DUQUE. Estatua do Marechal... out. 1907.
60
Floriano - o iniciador e o consolidador. A imprensa, 22.04.1910.
248

4 ― A contribuição da “raça
africana” ao povo brasileiro é
representada pelos personagens
Lucas e Maria, do poema
Cachoeira de Paulo-Affonso, de
Castro Alves, que retrata o amor
impossível dos escravos. Nesta
imagem, o artista abordou o tema
da preponderância dos sentimentos
na raça negra e do sofrimento a
que esta foi submetida no
61
cativeiro.

No monumento, Sá recorreu à representação das três raças, tendo o cuidado de


expressar simbolicamente as características de cada uma delas. No primeiro nicho, sobre os
índios, há uma referência clara a seu espírito combativo, alusivo à guerra, representando a
característica da atividade. Ao mostrar um índio aviltado na sua cultura, pois perdera ao
inimigo seu cocar de penas, o artista tratou ainda do tema do extermínio desse grupo. No
nicho sobre os portugueses, o artista representou os diferentes estágios evolutivos de brancos
e índios, usando o símbolo da arma de fogo. Não só demonstrou, através desse instrumento, a
característica da inteligência da raça branca, mas também do fetichismo indígena em adorar
seu portador. No terceiro nicho, dedicado à raça africana, Sá mostrou a característica do
sentimento, através da representação do amor entre um homem e uma mulher. Ao mesmo
tempo, por ser este amor impossível, ele retratou simbolicamente o sofrimento da escravidão.
No nicho sobre a catequese, novamente o artista recorre a um símbolo da inteligência para
retratar a raça branca, o livro.
O artista destacou, no nicho dos portugueses e da catequese, a interação entre
personagens de diferentes raças, e nos nichos dos índios e negros, a interação de pessoas da
mesma raça. Mesmo quando retratou o casal, tema privilegiado para tratar do cruzamento
entre as raças, o artista preferiu que fossem ambos africanos.

61
Floriano - o iniciador...
249

O nicho principal é um altar


cívico, colocado à frente do monumento. Ele
é composto por outra figura feminina em
vestes colantes, com o semblante forte, mas,
ao mesmo tempo, tranqüila e meiga.62 Ela,
segundo a descrição do artista, oferece uma
flor como símbolo da “fraternidade, não
somente nacional, mas humana, que deve,
um dia, predominar sobre a Terra.”63

Altar Cívico

A recepção da imagem de um Floriano sem majestade

Maurice Agulhon evidenciou um aspecto importante na escultura pública do


século XIX na França, a obsessiva presença de corpos femininos, devido à banalização de
uma cultura humanística clássica e uma mentalidade masculinista que se satisfazia com a
exibição e a contemplação voluptuosa de imagens de mulher-objeto. É por isso que, pelas
ruas, encontram-se belas mulheres esculturais, vestidas ou desnudas, sedutoras ou
inexpressivas, contrastando com o realismo moderno e expressivo de imagens de homens,
afirma Agulhon.64 Imagens idealizadas de mulheres, ao lado de imagens realistas dos heróis
nos monumentos, podem ser observadas também no Brasil. O monumento a Floriano possui
um número significativo de mulheres ― quatro no total -, mas não estão retratadas de maneira
sensual, porque o positivismo entendia que a arte servia para sensibilizar, e a imagem de uma
mulher, demonstrando medo, com uma criança no colo, ou oferecendo uma flor, era um meio
eficaz para isso.
O monumento não apresenta aspectos biográficos do homenageado, nem de sua

62
GONZAGA-DUQUE. Estátua do Marechal... out. 1907.
63
La statue du maréchal Floriano. Le Courrieur du Brèsil, 04.04.1907.
64
AGULHON, Maurice. Histoire Vagabunde... p. 112-113.
250

personalidade. No entanto, são usadas alegorias que revelam a função social do herói: ele
aparece ao lado de um canhão e empunhando uma espada, pois era a representação do
principal militar combatente na defesa do regime republicano. Portanto, as armas não podiam
ser totalmente omitidas. Mesmo que essa fosse a representação da defesa da República, era
militarista e bélica demais para o gosto dos positivistas. A solução encontrada pelo artista foi
colocar uma mulher ascendendo sobre Floriano, que está rodeado de crianças, em uma
posição no monumento que não é a mais privilegiada para ser vista. Sá foi acusado por artistas
e pela imprensa de ter feito apenas um resumo da história pátria, com um civismo confuso e
uma prodigiosa propaganda à Religião da Humanidade, quase esquecendo Floriano. Um
crítico importante, porque florianista, foi Ximeno de Villeroy. Ao se referir aos monumentos
de Benjamin Constant, Floriano e Castilhos, Ximeno criticou a estatuária positivista dizendo
que, do ponto de vista da forma, era dura, rígida e que predominavam as linhas retas; quanto
ao conteúdo, entendia que os amontoados de figuras e letreiros não permitiam que se
entendesse se comemorava a Religião da Humanidade ou Clotilde de Vaux.65 O monumento a
Floriano também sofreu críticas pela multidão de acompanhantes de Floriano, 25 figuras.
Todas eclipsavam o homenageado.
Apesar da intenção cívico-pedagógica dos monumentos, pois, segundo Comte, a
arte servia para “educar as mentes e sensibilizar os corações”, nem sempre serviam bem para
esse fim. Muitas vezes, o público não aceitava o conteúdo simbólico positivista ou a forma
artística; outras vezes, não compreendia o monumento ou não concordava com a exaltação do
herói. Gonzaga-Duque afirmou em artigo, mas sem se referir ao monumento a Floriano, que
monumentos de rua só devem homenagear heróis já admirados pelo povo; senão, a sua estátua
não tem sentido e vira apenas uma peça decorativa em praça pública. Floriano foi figura
muito controversa, sendo fanaticamente seguido por uns e duramente criticado por outros,
principalmente por ter fomentado as ações violentas de seus seguidores. Parece que o artista
comungou dessa impressão negativa, pois confessou em entrevista, muitos anos após a
inauguração do monumento, que fez grande esforço para enquadrar Floriano no monumento,
pois ele era a “negação do homem retratável [...]. Era tudo o que havia de mais chão [...].Tudo
nele era caimento, moleza e falta de expressão.”66 Essas impressões o artista teve de uma
viagem de bonde em um domingo, em que Floriano, então presidente da República, era um
dos passageiros. Disse Sá que teve dificuldade em identificar que era o Presidente, pois tanto

65
VILLEROY, Augusto Ximeno de. Benjamin Constant... p. 191 e 233.
66
Convivendo, por momentos, com Eduardo de Sá. O Jornal, Rio de Janeiro. 01.08.1926.
251

era o desengonçamento e falta de expressão de Floriano: “calças brancas cerzidas no joelho,


paletó de lustrim, fisionomia apagada e amorfa”. Completa Sá ao jornalista: “Bem vê as
dificuldades que tive para emprestar-lhe majestade.”67 Isto demonstra a grande distância entre
o jovem artista idealista republicano, quando da proposta do primeiro quadro de Floriano, em
1898, e o artista decepcionado com os rumos políticos do país em 1926, ano do
depoimento. Também se pode cogitar que o artista assumiu a posição reticente da Igreja
Positivista com relação aos florianistas e ao próprio Floriano.
O recurso utilizado pelo artista para criar um monumento cujo homenageado não
era, para ele, tão admirável, foi combinar dois discursos ― um, a história pátria centrada na
composição étnica e na história republicana; outro, a mensagem positivista de exaltação da
mulher ― e, com isso, diminuir a centralidade e visibilidade do homenageado. O uso de
figuras de mulheres, crianças, flores e poesia em um monumento a um militar não foi bem
compreendido. Uma anedota que corria na boca do povo no dia da inauguração do
monumento mostra que a abundância de figuras em uma obra que pretendia homenagear um
homem era visto como algo curioso. Assim diz o texto no jornal:

Tantos, porém, são os vultos patrióticos enchendo saliências e vãos da solene


escultura, que achou o povo de explicar a atitude marcial do Marechal de Ferro,
com a sua espada na mão, como a de um homem apavorado com a pletora de
tantos companheiros a cercá-lo que, do alto do pedestal em que se encontra, diz,
para baixo, entre apreensivo e furioso: Aqui não sobe mais ninguém!...68

Frente a esta recepção do monumento, Gomes de Castro explicou, em seu


discurso na inauguração, que o monumento era coletivo porque a obra política de Floriano
fora coletiva e que não se tratava de uma obra de devotamento a nenhuma individualidade,
pois “a espécie domina sempre o indivíduo, e qualquer acto humano é sempre social em sua
origem, embora pessoal em seu exercício”69, explicação absolutamente oportuna para um
monumento com tantos integrantes e condizente com os princípios positivistas, pois somente
aqueles que ficaram na memória familiar ou coletiva, por suas ações, mereciam ser cultuados.
Era uma forma de ressurreição por meio da história. Dadas às controversas opiniões a respeito
de Floriano e as táticas dos florianistas, como se viu no capítulo anterior, o monumento visava
a essa ressurreição.

67
Convivendo...
68
EDMUNDO, Luiz. De um Livro de Memórias ― Eduardo de Sá. Artigo de jornal sem referência.
IPB/ES
69
Floriano Peixoto - a inauguração do monumento. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro. 22.04.1910.
252

Parte IV – Os monumentos e os bustos a Júlio de Castilhos

Décio Villares foi convidado a executar o monumento cívico a Castilhos, uma


semana após este morrer em 1903. O monumento foi inaugurado dez anos depois. Nessa
década, foram construídos os veículos de glorificação cívica de Castilhos, com biografias,
monumentos cívico e fúnebre (feito por Villares), bustos em bronze, romarias ao túmulo e
criação do Museu onde foi sua casa.
Baseados nos princípios de arte positiva, os líderes positivistas intervieram
informalmente na concepção das obras com a imagem de Castilhos. Os membros gaúchos da
IPB mantinham seus diretores religiosos continuamente informados por carta sobre o
andamento dos trabalhos de Villares; afinal, integravam a Secretaria responsável por sua
execução. De posse dessas informações, Miguel Lemos e Teixeira Mendes procuravam
intervir nas obras, orientando o artista. Os positivistas gaúchos também eram orientados e
levavam algumas idéias diretamente a Borges. Na correspondência desse grupo, é possível
perceber essa estratégia.
Nos três trabalhos que portam a imagem de Castilhos, houve a intervenção direta
dos membros da Igreja Positivista. A primeira obra realizada foi o monumento fúnebre,
inaugurado em 1904. Ele foi feito a cargo da SOP e construído sob a direção de Felizardo
Júnior, que relatava a Borges o andamento dos trabalhos e escrevia cartas a Teixeira Mendes
informando o mesmo. O sóbrio túmulo foi considerado muito modesto pelos admiradores de
Castilhos, principalmente quando foi erguido, vários anos depois, no mesmo cemitério e
também pago com verba da SOP, o suntuoso, e nada positivista, túmulo de Pinheiro Machado.
Na estética positivista, o túmulo serve para fazer uma reverência respeitosa ao
morto, para provocar emoções edificadoras e é uma tradução do agradecimento da Pátria aos
serviços do homenageado. Para os positivistas ortodoxos, o túmulo deve ser comedido para
não distrair quem o contempla, conseguindo então comover. Essencialmente vinculados ao
culto aos mortos, os túmulos precisam ser sóbrios e com poucas alegorias, apenas as
necessárias para lembrar a obra política do homenageado. Túmulos com excesso de figuras
provocam mais admiração estética do que reverência cultual ao morto. Na opinião dos
positivistas da Igreja, Villares fez um túmulo positivista a Castilhos. Nas palavras de
Felizardo Júnior, “é uma obra de inspiração positivista, bonita e razoável, quanto ao grau de
glorificação de Castilhos.”70

70
Carta de Joaquim José Felizardo Júnior a Raymundo Teixeira Mendes. 06.09.1904. IPB
253

Monumento a Júlio de Castilhos, obra de Décio Villares, Porto Alegre

Débora Dinnebier analisou as relações dos membros da IPB com Castilhos. A


autora mostra que os positivistas ortodoxos tinham uma posição dúbia quanto a Castilhos:
achavam que ele era um positivista muito imperfeito, mas, ao mesmo tempo, entusiasmavam-
se por ser o político mais próximo do positivismo; afinal, Benjamin Constant havia morrido
logo depois de implementada a República. Apesar das imperfeições doutrinárias, Castilhos era
o único político simpático ao positivismo com relativo alcance nacional. A Igreja chegou a
apoiar sua candidatura à Presidência, em 1897, para suceder Floriano Peixoto, assim como
também fizeram os militares jacobinos seguidores do Marechal. Castilhos nunca aceitou
254

concorrer.71
Em 1903, Teixeira Mendes, muito radical na ortodoxia positivista, substitui
Miguel Lemos na direção da Igreja, e a posição quanto a Castilhos mudou. No Relatório
Anual da Igreja de 1904, Teixeira Mendes escreveu um texto criticando Castilhos, que
morrera no ano anterior. Ele condenava Castilhos por nunca ter assumido o positivismo
religioso; por nunca ter admitido a influência da IPB, preferindo dizer-se inspirado pelas
leituras diretas de Comte; por não ter influenciado seus correligionários do PRR a aceitarem o
positivismo; e por fim, criticava Castilhos por ter limitado sua obra política ao Rio Grande do
Sul e não ter se interessado pelo resto do Brasil. Essas críticas, lançadas ainda no período de
impacto da morte do líder republicano, causaram grande comoção entre os correligionários,
que publicaram artigo na Federação defendendo Castilhos e rompendo com os religiosos.72
Os membros gaúchos da Igreja Positivista viram-se diante de um impasse: o
respeito à memória de Castilhos ou a obediência a seus chefes religiosos. Tentaram conciliar
estes dois caminhos. A cada visita ao seu túmulo, os positivistas gaúchos pronunciavam
discursos que elogiavam a conduta de Castilhos como político republicano e defendiam
ferrenhamente a execução da Constituição de 14 de julho, mas o criticavam por sua
indeterminação quanto ao positivismo. De forma um pouco mais realista que a atitude
intransigente de Teixeira Mendes, eles procuraram reconhecer o positivismo político de
Castilhos e conviver com os correligionários do PRR.
A partir da leitura das cartas entre os membros gaúchos e a direção da Igreja,
Dinnebier chega a uma importante conclusão, que pode ser verificada também nas Memórias
de João Neves da Fontoura: Castilhos, exercendo por muitos anos uma liderança incontestável
e única, fazia com que os correligionários do PRR aceitassem à força o positivismo e com que
os opositores odiassem cada vez mais essa doutrina. Assim se refere Felizardo Júnior em carta
a Teixeira Mendes:

E no meio dessa agitação ouve-se um grito uníssono, que resume todo o ódio
concentrado durante uma porção de anos em que preponderou exclusivamente a
vontade de um homem superior, grito de guerra contra os positivistas,
denominação que abrange todos aqueles que ousam defender ou prosseguir a obra
política de Castilhos.73

71
DINNEBIER, Débora. Júlio de Castilhos e a Igreja Positivista do Brasil: diálogos de aproximações
e divergências. Porto Alegre: PUC/RS, 2004. (Dissertação de Mestrado)
72
DINNEBIER, Débora. Júlio de Castilhos... p. 70-75.
73
Carta de Joaquim José Felizardo Júnior a Raymundo Teixeira Mendes. 06.09.1904. IPB. (Os grifos
são meus).
255

Com uma visão mais lúcida que a de Teixeira Mendes, Felizardo Júnior entendia
que o positivismo havia avançado no Rio Grande do Sul em função de Castilhos, e isso
deveria ser preservado, sob o risco da doutrina sumir, visto os ódios ao positivismo. Ele
tentou explicar ao diretor da Igreja que no RS havia um sentimento difuso quanto ao
positivismo, não tão dividido entre político e religioso como a ortodoxia de Teixeira Mendes
desejava que fosse. Portanto, associar o nome de Castilhos ao positivismo, inclusive religioso,
era uma forma de angariar capital simbólico também para a IPB, visto a indistinção da
doutrina para muitos. Mas Teixeira Mendes não concordou com essa visão, nem com as
homenagens prestadas a Castilhos depois de morto, achando-as exageradas.

Como na visão dos positivistas


gaúchos seria vantajoso para a IPB que
Castilhos fosse lembrado como
positivista, Felizardo Júnior sugeriu a
Villares, quando este elaborava a maquete
do monumento público, que o livro na
mão de Castilhos fosse a Política Positiva,
uma importante obra de Comte. Ele
achava que a doutrina que guiara
Castilhos deveria ficar expressa no
monumento, sob o risco da concepção
escultural ser incompleta. Felizardo Júnior
entendia que Villares deveria ressaltar em
seu trabalho aspectos que representassem
”maiores vantagens para a nossa
abençoada Doutrina.”74 Alertava os
líderes religiosos sobre as vantagens em
dar visibilidade ao positivismo religioso
no RS, mas ressaltava que isso deveria ser
sutil, sob o risco do monumento não
agradar o governo se fosse mais
Monumento a Júlio de Castilhos, detalhe.
verdadeiro, ou seja, mais religioso.

74
Carta de Joaquim José Felizardo Júnior a Miguel Lemos. 08.02.1904. IPB.
256

A carta às lideranças da IPB foi escrita em fevereiro de 1904, um mês antes da


maquete ser apresentada a Borges. Villares prontamente aceitou a sugestão. Castilhos maduro
foi apresentado sentado, com o livro de Comte na mão esquerda. Villares descreve que essa
figura representa o momento em que Castilhos, após meditar sobre a leitura e passar em
revista todas as construções políticas, decide-se a aceitar os fundamentos da política científica
proposta por Comte. Castilhos tem a posição de quem vai erguer-se para agir.75
Miguel Lemos, afastado da direção da Igreja, mas considerado grande autoridade
espiritual, não gostou que a Política Positiva fosse a obra representativa das leituras de
Castilhos. Afinal, estaria sendo reforçado o discurso de que Castilhos era um positivista
independente da influência da IPB. Tal desacordo foi expresso pessoalmente ao artista que,
por fim, não identificou explicitamente o livro que Castilhos lera.

As recomendações de Borges de Medeiros e as várias faces de Castilhos

Castilhos morreu em 25 de outubro de 1903; seis dias depois, Villares recebeu


telegrama de Borges, encarregando-o de fazer os monumentos fúnebre e público. A idéia
básica de Borges para o monumento público de Castilhos é que representasse “as principais
phases [de] sua gloriosa vida consagrada [à] República e [ao] Rio Grande”.76 Essa exigência
mais explícita de Borges quanto à concepção do monumento foi seguida por Villares, que
apresentou a vida de Castilhos em três períodos: a fase da propaganda republicana,
representada por um jovem que distribui o jornal A Federação, alusão ao período em que
Castilhos era editor de jornais acadêmicos, quando jovem estudante no Largo de São
Francisco em São Paulo; a fase da organização republicana é representada por Castilhos
maduro. Ele está sentado com um livro na mão esquerda. Esta imagem não é a de um leitor
passivo ou absorto no que lê, mas daquele que está prestes a levantar-se para agir, após a
reflexão da leitura. Esta imagem representa Castilhos como um estadista prático, “que não
tem doutrinas a construir, mas doutrinas a escolher”.77

75
VILLARES, Décio; GONÇALVES, Carlos Torres. O Monumento a Júlio... p. 23.
76
Telegrama de Borges de Medeiros a Décio Villares. 31.10.1903. n. doc. 31532. IHGRS.
77
VILLARES, Décio; GONÇALVES, Carlos Torres. O Monumento a Júlio... p. 23.
257

O Jovem Júlio de Castilhos, Maduro. O Velho

Mozart Pereira Soares, guardião da Capela Positivista de Porto Alegre, escreveu


uma das muitas biografias de Castilhos e procurou explicar os pontos de aproximação entre as
idéias políticas do castilhismo e do positivismo.78 O biógrafo conclui que Castilhos foi um
homem que se preparou para a conquista e exercício do poder político. Não foi um intelectual;
foi um ideólogo, no sentido de seguir uma doutrina, não de criar uma nova. A terceira fase
representa Castilhos velho, simbolizando sua retirada do governo. Esta fase é representada por
um velho de longas barbas, um conselheiro. É a representação de quem resiste ao tempo e fica
cada vez mais sábio. Mas é um saber que provém da experiência. Essa é a alegoria mais
metafórica das três fases, pois Castilhos não chegou a vivê-la. Castilhos maduro é a
representação mais importante; por isso, é a única que reproduz sua imagem física.
Estas fases estão dispostas ao redor de uma pirâmide quadrangular alongada. No
seu ápice, dominando todo o monumento, está a figura da República, sobre uma esfera, “com
o facho da nova luz em uma das mãos e a taboa da lei nova na outra”.79 Essa imagem de
República é muito semelhante às representadas da França, imagens da Revolução triunfante,
já estudadas pela historiografia.80
A face anterior do monumento é composta pela representação de Castilhos

78
SOARES, Mozart P. Júlio de Castilhos. Porto Alegre: IEL, 1991. p. 31.
79
VILLARES, Décio; GONÇALVES, Carlos Torres. O Monumento a Júlio... p. 26.
80
Sobre representações da República, ver: AGULHON, Maurice. Mariana, objecto de 'cultura'? In:
RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François (org.) Para uma história cultural. Lisboa: Estampa,
1998; CARVALHO, José Murilo de. República-mulher: entre Maria e Mariane. In: A formação...
258

maduro e, em seu entorno, pelas alegorias que representam qualidades de sua personalidade.
Assim explicou o artista: a Coragem é representada por um jovem ofegante e impaciente que
se lança ao ar; em uma das mãos traz os louros da vitória e, com a outra, incita Castilhos a
agir; a Firmeza, à direita de Castilhos, está ereta e inabalável representada em uma figura
atlética masculina vestida com uma armadura; e, enfim, a Prudência, temerosa da ameaça de
um Dragão que se aproxima, esforçando-se para deter a impetuosidade da Coragem e, ao
mesmo tempo, alertando-a do perigo, é uma representação feminina.81 Essas peculiaridades da
personalidade são coerentes com a representação de Castilhos como um tipo prático, e não
intelectual. As qualidades práticas ― Coragem, Firmeza e Prudência ― foram estipuladas por
Comte na Classificação Positiva das Dezoito Funções Interiores do Cérebro.82 Mesmo que
estas três características tenham sido representadas por figuras absolutamente clássicas, isto
não invalidou a origem positivista das mesmas.
Como se percebe, Villares seguiu a orientação inicial de Borges de representar as
fases da vida de Castilhos, e os demais elementos que compõem o monumento foram criações
do artista, orientado pelos positivistas religiosos. Na carta referida anteriormente, Felizardo
Júnior sugere a Miguel Lemos que conversasse pessoalmente com Villares e o aconselhasse
sobre as representações laterais do monumento, que ainda estavam indefinidas. Não se têm
informações se isto ocorreu, mas essas três características da personalidade de Castilhos são
alusões claras ao positivismo. Se Felizardo Júnior não conseguiu colocar a Política Positiva
na mão de Castilhos, parece que ajudou a definir as representações de sua personalidade.

A Firmeza A Coragem
A Prudência

81
VILLARES, Décio; GONÇALVES, Carlos Torres. O Monumento a Júlio... p. 23-25
82
COMTE, Auguste. Catecismo... p. 246.
259

Dois aspectos podem ser ressaltados desta carta. Primeiro: a Igreja Positivista
sempre reivindicou que Castilhos assumisse a influência recebida quando era Deputado
Federal Constituinte, no início da República; que reconhecesse que, ao elaborar a
Constituição Estadual, tomou como modelo a Constituição elaborada pelos Diretores da IPB e
proposta à Assembléia Nacional Constituinte; que revelasse as leituras dos folhetos da Igreja
que ganhava dos funcionários positivistas da SOP. Castilhos nunca admitiu tal ligação com a
IPB, sempre se disse leitor, desde jovem, diretamente das obras de Comte. Como interpretar
então essa atitude dos membros da IPB querendo aumentar a representação do positivismo
religioso no monumento de Castilhos? Parece contraditório; afinal, Castilhos nunca assumiu
tal caráter. A resposta está ligada à função da arte para o positivismo. A arte serve para
reparar fatos históricos, consolidando a verdade e a justiça. Na ótica dos positivistas
religiosos, se Castilhos não reconheceu a influência da IPB na sua obra política, o monumento
poderia fazê-lo. Na lógica forçada dos membros da Igreja, isto não era uma mentira, pois
Castilhos nunca negou sua influência, apenas não a reconheceu publicamente. Portanto, o
monumento era a oportunidade de reparar esta falta e marcar para sempre no bronze, e às
claras, aquilo que Castilhos nunca assumiu.

Um popular gaúcho a cavalo

A figura de um gaúcho a cavalo, no momento em que "firmando-se nos estribos


ergue o chapéu em um entusiástico viva à República,"83 compõe a parte posterior do
monumento. O artista informou que esta representação tem o significado do prestígio popular
do trabalho político de Castilhos. É interessante a figura do gaúcho a cavalo, normalmente
associada ao setor pecuarista e monarquista, ser colocada com a intenção de apelo popular.
Deyse Albeche entendeu que, ao longo da República Velha sob a direção do PRR no estado,
houve uma reinterpretação da figura do gaúcho, através da literatura e da historiografia, a
chamada tradição reordenada. Foi criada uma nova imagem ― a de um gaúcho submisso,
ordeiro e civilizado, algumas vezes insubordinado, mas somente em nome da liberdade.84 No
monumento, a colocação da figura do gaúcho a cavalo, vestido a rigor, vai ao encontro desse
movimento de reinterpretação da tradição, em que o gaúcho é agora representado como

83
VILLARES, Décio. O Monumento... p. 24-25.
84
ALBECHE, Dayse L. Imagens...p. 142.
260

republicano. Viu-se, no capítulo anterior, o esforço do governo do Estado do Rio Grande do


Sul, através de Borges e Carlos Barbosa, em apropriar-se da narrativa da história da
Revolução Farroupilha por meio da confecção de várias grandes telas para ornarem o Palácio
do Governo; nessa intenção está também a de dar uma visualidade republicana à figura do
gaúcho, tanto nas telas quanto no monumento.

Gaúcho a cavalo, monumento a Júlio de Castilhos, Porto Alegre

A imagem de um gaúcho a cavalo era algo tratado com seriedade pelos


riograndenses, pois não era apenas uma representação eqüestre, mas a tradução da cultura
mesma do Rio Grande do Sul. O artista sem intenção ridicularizou essa imagem ao apresentar
um modelo em que o cavalo se equilibrava em apenas uma das patas. Ernesto Weyrauch, “o
mais destacado cavaleiro que pisava as ruas desta capital, exibindo-se com verdadeira
galhardia gauchesca”, portanto conhecedor do assunto eqüestre, contou que, na época da
construção do monumento, fotografias enviadas da Alemanha (sic) mostravam o cavalo
empinado em uma pata apenas. “Isto causou talvez, assombro, gerando incredulidade, aos
artistas germânicos (sic), que – vai aqui um pouco da prosa do gaúcho – que não admitiam a
possibilidade de tão arriscada quanto original façanha.”85 Villares, provavelmente alertado do

85
FORTINI, Archymedes. O monumento de Júlio de Castilhos. Correio do Povo, 12.05.1963. p.18.
261

ridículo da cena, mudou o modelo e esculpiu o cavalo erguido sob as duas patas traseiras.
A posição do gaúcho a cavalo relativamente ao monumento também é importante:
ele está separado das demais figuras, solitário, e não pode ser visto quando o monumento é
olhado de frente, onde predominam apenas as alegorias que caracterizam a vida e as virtudes
de Castilhos. A disposição da figura com relação ao núcleo escultórico central não é aleatória.
O gaúcho a cavalo, mesmo sendo republicano, está em oposição a Castilhos. Por outro lado, a
imagem do gaúcho, que busca o apelo popular, está voltada para a praça, espaço do lúdico,
enquanto a frente do monumento está voltada para a rua.

O cívico e o lúdico

A posição que o monumento ocupa no espaço da cidade também não é fortuita,


pelo contrário, o artista mesmo esclareceu que a face principal do monumento, a que
representa Castilhos prestes a levantar-se para agir, está voltada para o Norte, "oferecendo a
frente a quem sobe a ladeira que conduz da rua dos Andradas, a principal da cidade, à praça
Marechal Deodoro, sede do monumento."86 Esta praça reunia os principais prédios da cidade
― o palácio do governo estadual, sedes do poder legislativo e judiciário, a igreja e o teatro.
Desde os primórdios de Porto Alegre, esta região, chamada de Altos da Praia, foi o centro
cívico, destinado aos prédios públicos e onde ocorriam manifestações políticas.87
Pacheco analisou as manifestações políticas ― festas, procissões, passeatas,
tumultos ― logo após a Proclamação da República em Porto Alegre. Muitas dessas práticas
de cidadania republicana, para o autor, se davam nesta praça.88 O primeiro mandato de
Castilhos como Presidente Constitucional da Província durou de julho a novembro de 1891.
Quando Deodoro fechou o Congresso Nacional e depois renunciou, Castilhos, que o havia
apoiado, também foi obrigado a deixar o poder. Era o início do “governicho”, no estado. Após
um comício na Praça da Alfândega, formou-se uma comissão de comerciantes, populares e
antigos correligionários de Castilhos, dissidentes do PRR, para dar-lhe a notícia de que
deveria renunciar. A comissão, em passeata, subiu a Rua da Ladeira que chega até a praça e se
encaminhou para o Palácio do Governo.89 Há pouco mais de vinte anos, lá estava o

86
VILLARES, Décio; GONÇALVES, Carlos Torres. O Monumento a Júlio... p. 22.
87
MACEDO, Francisco R. História de Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1993.
p. 28.
88
PACHECO, Ricardo de A. O cidadão...
89
FRANCO, Sérgio da C. Júlio de Castilhos e sua Época. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS,
1988. p.110-111.
262

monumento a recepcionar quem ousasse fazer novamente este percurso. Simbolicamente, foi
colocado na escadaria que leva ao monumento, de costas para a cidade, como se estivesse
concluindo este trajeto, um dragão, normalmente representação do mal e do adversário que
deve ser vencido.90
O monumento está localizado na borda da praça, não ao centro em meio às
árvores, perto da rua, voltado para o rio. Na época em que foi construído, apenas dois prédios
altos o circundavam ― o Teatro São Pedro e o Tesouro do Estado, depois Tribunal de Justiça,
formando uma moldura para o monumento, pois quem subia a Rua da Ladeira tinha uma
visão enquadrada do mesmo. Quem chegava à cidade pelo rio também tinha uma visão
privilegiada da obra. Mas havia os que achavam que os prédios eclipsavam o monumento,
atrapalhando que seja visto do porto.

[...] a estátua de Júlio de Castilhos, o genial organizador do Rio Grande do Sul,


precisa ser avistada do porto, em sua maior extensão. Colocada entre o Teatro São
Pedro e o Tesouro do Estado, estes dois edifícios acabaram tirando-lhe a
majestade que deveria ter. Em certos casos, o conservar melhorando, fórmula
vitoriosa, não tem aplicação. Assim estes dois antigos edifícios devem
desaparecer daquela praça, demolindo-os para dar-lhe beleza e espaço.91

O articulista do jornal resumiu bem a função do monumento ― ser visto por todos
e representar a fórmula, ou versão, vitoriosa. Colocado na praça palco das manifestações
políticas, criava-se a ilusão de que a única política possível era a que seguia Castilhos. A
oposição nunca conseguiu erguer em Porto Alegre um monumento a Silveira Martins,92 talvez
o único contraponto a altura de Castilhos, no âmbito regional. Com isso, Castilhos permanece
na praça, adulando ou ferindo os vivos, no dizer de Catroga.93

Viver às claras e os bastidores da construção do monumento

Desconfio que Borges nunca soube que Teixeira Mendes e Miguel Lemos
influenciavam as obras que Villares fazia para governo estadual, inclusive com poder de veto.
A terceira grande encomenda da SOP a Villares exemplifica esse poder: instalar 67 bustos de

90
CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dictionaire des Symboles. Paris: Robert Laffont,
1982. p.366.
91
Diário, 12-08-1912. p. 1. Citado em DOBERSTEIN, Arnoldo W. RS (1893-95) nos monumentos:
profanação e crítica. In: FLORES, Moacyr (org.) 1893-95 - A Revolução dos Maragatos. Porto
Alegre: Edipucrs, 1993. p. 89.
92
DOBERSTEIN, Arnoldo W. RS (1893-95) nos monumentos... p. 92.
93
CATROGA, Fernando. Ritualizações... p. 222.
263

Castilhos, em bronze, nas praças de todos os municípios do estado. Durante o ano de 1910,
Villares chegou a visitar alguns municípios do interior para definir o local das obras e fez o
modelo de busto em gesso, apresentado abaixo.

Tal idéia indignou a oposição em função


dos custos do projeto; também provocou protestos
entre os prefeitos, pois neste período muitos
municípios estavam endividados ou não tinham verba
para pagar nem o funcionalismo e deviam ainda
assumir tal encomenda.94 Os bustos municipais não
foram realizados, e Teixeira Mendes felicitou
Villares pela desistência; afinal, achava as
homenagens a Castilhos exageradas. É quase certo
que o líder religioso tenha convencido o artista de tal
atitude. Villares foi ainda responsável pela confecção
de moedas de prata com a face de Castilhos,

Busto de Júlio de Castilhos, autoria de cunhadas na Casa da Moeda, no Rio de Janeiro.


Décio Villares, CPPA.
Essas medalhas comemorativas da inauguração do monumento foram distribuídas aos
deputados da Assembléia dos Representantes em 1916 e pagas com verba da SOP.95 O busto
em gesso que Villares fez para os municípios foi fundido em bronze e integra o acervo do
Museu Júlio de Castilhos e, em gesso, faz parte do acervo artístico da Capela Positivista de
Porto Alegre.
Nota-se que no busto de Castilhos, apresentado acima, a representação de um
livro novamente é usada. A repetição de elementos que associassem Castilhos à Constituição
Estadual de 14 de Julho e à Revolução Francesa era estratégia própria do fazer artístico
positivista. Castilhos, por se positivista, representava a continuidade histórica da evolução
social humana, iniciada com a Revolução Francesa. Na próxima página mostra-se um desenho
de Eduardo de Sá, publicado, em 1915, na capa do jornal A Federação, em que as imagens
das páginas de um livro com a data de 14 de Julho e da Bastilha em chamas, estão dispostas
ao redor de Castilhos.

94
Estátuas. A Reforma, 14.04.1910. p. 1.
95
A Federação, 11.10.1916. p. 4.
264

Nas três encomendas a Villares, os


membros da IPB intervieram na representação
de Castilhos e do Positivismo: no monumento
fúnebre isto é claro; no público, houve a
tentativa, mas o livro de Comte, A Política
Positiva, não ficou explícito na mão de
Castilhos; no entanto, houve influência nas
outras alegorias; e nos bustos para os
municípios, Villares desistiu de executá-los
provavelmente em função dos conselhos de
Teixeira Mendes. Esta trajetória de influência
partia dos positivistas gaúchos, bem informados
a respeito do andamento das obras e das
disposições do governo estadual, passava por

Desenho de Eduardo de Sá, Jornal A


Miguel Lemos e Teixeira Mendes, que
Federação, 13.07.1915. MCSHJC. coordenavam essas informações e as usavam
quando escreviam ou conversavam com Villares, e voltava, já com filtros, a Borges.
Na sua correspondência, hoje no IHGRS, não há qualquer carta dos líderes
positivistas cariocas. Eles sempre preferiram tratar com os positivistas funcionários da SOP
ou diretamente com o artista. Acredito que Borges desconhecia ou desconsiderava essa
estratégia. Mas estava atento sobre que imagem de Castilhos seria feita, certamente
positivista, como representação da unidade possível do PRR, mesmo que forçada. Restava
apenas acertar os detalhes de que positivismo seria. O certo é que, independentemente desse
jogo político de interesses, havia a vulgarização de uma linguagem positivista,96 expressa
visualmente e compreensível por todos os envolvidos na construção da memória de Castilhos.
Parece que Borges e os membros da IPB estavam de acordo que seria representado um
Castilhos positivista; a controvérsia era que tipo de positivismo, se político ou se influenciado
pela Religião da Humanidade. Parece-me que Villares conciliou desejos e tentou agradar a
todos, criando imagens/objetos de Castilhos que tinham várias faces. Esse jogo duplo do
artista pôde ser visto apenas nos bastidores da história política, portanto, nem era tão às claras
assim.

96
Sobre a vulgarização das fórmulas positivistas, ver: CARVALHO, José M. O positivismo
brasileiro...; BOEIRA, Nelson. O Rio Grande...
265

Considerações Finais

A análise das relações entre encomendantes, artistas e objetos artísticos


positivistas nos permitiu avançar na compreensão do fenômeno de produção de arte política
na Primeira República brasileira. Se a produção historiográfica havia já realizado um
reconhecimento de quem eram os artistas positivistas, de que a IPB e o governo do estado do
Rio Grande do Sul eram seus encomendantes e havia já iniciado um inventário de obras
positivistas, a tese, apropriando-se desse avanço na temática e identificando seus limites,
visou compreender o status da arte positivista no Brasil. Identificou-se outro importante nicho
de encomendantes positivistas ― alguns militares.
Considerou-se necessária a identificação do grau de participação dos positivistas
franceses na estatuamania do século XIX e o reconhecimento, ainda que provisório ― pois
alertamos que é necessário pesquisar na França sobre o assunto ― de que, estando o campo
artístico já consolidado neste país, as idéias positivistas pouco puderam influenciar. Os
positivistas franceses, mesmo apoiando eventos que promoviam a estatuária, pouco
influenciaram esse campo artístico já instituído. Isto vale tanto para os artistas positivistas,
praticamente inexistentes na França, quanto para a arte que obedecesse a um rigor positivista
na sua fatura, conteúdo e usos.
Identificar tal cenário artístico na França ajudou a refletir sobre o Brasil. Se na
França a arte positivista foi inexpressiva, pode-se dizer que, no Brasil, ela foi um subcampo
buscando tenazmente espaço no campo artístico. Recorridas vezes viu-se, ao longo da tese,
que os embates não se davam somente por meio de textos, mas também de imagens que
lembrassem, ou identificassem um doutrina, uma concepção de mundo ou uma tendência
política.
A passagem do Império para a República abriu uma brecha no campo artístico
brasileiro que permitiu a intervenção dos artistas positivistas. Suas atuações não ficaram
apenas âmbito da produção de arte seguindo um conteúdo positivista, mas se estenderam a
uma política republicana para as artes, concernente ao ensino artístico, ao mecenato oficial e
ao campo profissional dos artistas. Viu-se que os artistas positivistas não estavam isolados nas
suas propostas de uma política para as artes; outros artistas e críticos, não positivistas, os
apoiaram. O alcance dessas idéias positivistas acerca das artes foi reduzido, pois venceu a
proposição de uma política para as artes que seguia a tradição artística da Missão Francesa
266

que deu origem à Academia Imperial de Belas Artes. A disputa entre os projetos de Villares e
Rodolpho Bernardelli não apenas mostrou visões divergentes para o futuro das artes no Brasil,
mas também refletiu uma luta de e por classificação no interior do campo artístico, e aí
mostrou-se que o positivismo estava no centro do debate. Independentemente desse resultado,
a pesquisa revelou que Villares propôs uma política para as artes que causou grande polêmica
no meio e forçou a reinstitucionalização da Academia de Belas Artes para adequá-la à
estrutura organizacional da República. Viu-se que se Villares, com suas idéias de extinção do
ensino artístico oficial, não serviu para realizar tal reforma institucional, Rodolpho
Bernardelli, por seu status consolidado no campo artístico, foi o artista alçado para fazê-la.
A tentativa frustrada dos artistas positivistas no campo da política das artes os
restringiu quanto às encomendas oficiais e lhes legou uma carga pesada de críticas,
resistências às suas obras, ridicularizações e dificuldades de reconhecimento no meio artístico.
Parte dessa situação vinha da resistência crescente ao positivismo assumido pelos artistas e às
suas ligações com a IPB e os florianistas – ambos os grupos possuíam seguidores militantes
quase fanatizados, na mesma medida em que colhiam opositores, ódios e resistências.
A tese também analisou a ligação de alguns florianistas, principalmente militares,
com o positivismo e com a IPB, e de como a produção de objetos artísticos reforçava tal
aproximação entre ambos os grupos. Ao abandonar o hábito de ver o positivismo somente
como doutrina filosófica e adotar o procedimento de analisá-lo como prática política, revelou-
se que artistas, líderes da IPB e militares florianistas estiveram unidos em muitas ocasiões
para promover atividades cívicas. Nestas atividades, os objetos artísticos tiveram centralidade,
pois, além de ajudarem a lembrar o herói homenageado, serviam para a veiculação de um
conteúdo da história brasileira ― a síntese histórica ― cuja culminância está na fase
republicana, estando as conquistas do positivismo na consolidação deste regime.
Em termos documentais, o trabalho teve por apoio a documentação de Eduardo de
Sá, recolhida por ele ao longo de sua trajetória artística e depositada na sede da IPB, no Rio
de Janeiro. Este material é inédito, e, não apenas por isso, foi um privilégio encontrar um
conjunto documental sobre um artista, principalmente um não consagrado pela “boa crítica
artística”. Normalmente, quando acervos de artistas são reunidos e ficam acessíveis em
instituições de pesquisa, isso acontece com artistas renomados como Visconti, Parreiras e os
irmãos Bernardelli, para citar somente os casos dos artistas atuantes no Rio de Janeiro.
Os papéis de Sá foram fundamentais para se visualizar uma rede de positivistas
que unia ― e a união não queria dizer suspensão das diferenças ― adeptos da IPB, militares
florianistas, ex-alunos de Benjamin Constant na Escola Militar, lideranças do governo do
267

estado do Rio Grande do Sul, parlamentares federais, Ministros de Estado e artistas. Todos
demonstravam o desejo comum de promover ou estimular a fatura de objetos artísticos
alusivos ao positivismo.
Esse circuito extenso de positivistas foi confirmado pela pesquisa na
correspondência de Miguel Lemos e Teixeira Mendes, também inédita nas investigações
historiográficas da Primeira República. Esse material revelou que as lideranças da IPB tinham
uma rede externa de colaboradores influentes na instituição do novo regime, sem que eles
fossem, necessariamente, adeptos formais do grêmio religioso. A tese demonstrou, por
exemplo, a atuação de Gomes de Castro e Ximeno de Villeroy voltada à promoção artística e
sua reverencia à autoridade “apostolar” dos chefes da IPB.
Outro aspecto do trabalho foi a demonstração de que a IPB era uma instituição
voltada às práticas políticas que levariam à consolidação republicana e, num futuro, à
instituição da sociedade positiva. Na defesa de seu projeto político e de organização social, as
lideranças da IPB disputaram com grupos ou indivíduos que também empreendiam alguma
forma de promoção do civismo e de confecção de obras artísticas. Isto ocorreu com Gomes de
Castro, com Borges de Medeiros e com Lauro Sodré; todos tiveram suas iniciativas
concernentes às artes questionadas pelas lideranças da IPB. Analisou-se o quanto a arte era
fundamental para o culto público e político positivista; daí o investimento na constituição de
um acervo de imagens e no apoio financeiro aos artistas. Isto foi demonstrado no inventário
de obras da IPB e em uma identificação de objetos artísticos utilizados nas atividades cívicas
em que Gomes de Castro estava envolvido.
Da produção artística promovida pelos positivistas destacou-se a confecção de
bustos, estátuas e monumentos públicos. Com vistas à identificação de tais obras pela
historiografia, a tese revelou mais alguns trabalhos importantes para a compreensão do
positivismo artístico no Brasil. Foi revelada a existência do monumento a Benjamin Constant,
em Curitiba, que, embora não tenha sido feito por artista positivista, foi idealizado por um
adepto da IPB ― David Carneiro; e do monumento a Tiradentes, feito por Sá, que, por estar
no interior de um prédio de uma escola, no Rio de Janeiro, era praticamente desconhecido.
Porém, mais do que somente revelar monumentos que a historiografia não
conhecia, o trabalho se interessou em identificar os elementos que davam às obras o estatuto
de obra positivista, segundo os envolvidos na sua execução. Chegou-se à importante
conclusão de que o termo “arte positivista” se aplica ao conteúdo de uma obra e aos usos a
que este objeto se prestará no culto cívico. Não se pôde falar de “arte positivista” quanto à
forma. Restringindo-a, assim, ao conteúdo e aos usos, investigou-se como a arte positivista
268

encontrou nichos específicos de apreciadores e usuários e conclui-se que se desenvolveu com


relativa robustez no Brasil.
Antes de finalizar, gostaria-se de comentar alguns caminhos que a tese não visou
percorrer, o que pode ser indicativo para aqueles que se interessam pelo assunto arte-
positivismo. Não se analisou a produção artística positivista voltada para o culto da Religião
da Humanidade nos templos. Mostrou-se que o acervo artístico da IPB, composto por obras
no Rio de Janeiro, Porto Alegre e Paris, é imenso. O grande número de telas retratando Comte
e Clotilde e personagens que são importantes para o positivismo merecia uma análise atenta,
tanto no aspecto estético quanto no seu significado nos ritos de uma religião que substituiu a
crença em Deus pela crença na Humanidade e que adorava Comte e Clotilde como santos. A
singularidade dessa religião que tem a arte como alma do culto deveria ter a atenção daqueles
que estudam religiões e dos que se interessam por imagens e rituais.
Outro aspecto que não recebeu maior atenção na tese foi a produção artística de
Villares e Sá antes deles se tornarem positivistas. Tal produção foi mencionada e algumas
obras foram identificadas, mas não se realizou um inventário rigoroso desse tipo de trabalho
nas instituições de acervos artísticos. Villares, principalmente, antes de se tornar positivista,
foi um artista muito reconhecido por seus pares e pela crítica. Suas obras eram consideradas
esteticamente muito boas, e ele teve um significativo sucesso na pintura de retratos de
mulheres. Faz-se necessário inventariar essas obras e avaliá-las no contexto da produção
pictórica do século XIX no Brasil. Mas para isso, é necessário suspender os preconceitos em
relação ao fato do artista ter se tornado positivista, procedimento que a historiografia da arte e
da crítica de arte, infelizmente, ainda não tomou.
Embora se tenham inventariado os quadros de pintura de história desses artistas,
não se objetivou problematizar e situar esse gênero de pintura na produção brasileira. A arte
positivista, no que tange à pintura de história, está toda por ser escrita. Sobretudo com relação
ao trabalho de Sá, tal investigação seria frutífera, porque o artista muito se dedicou a esse
gênero de pintura e porque seu acervo, sob guarda da IPB, nos permite ter acesso às suas
descrições de obras, aos seus croquis e esboços. A estatuária funerária foi outro gênero
artístico que a tese não tratou de analisar de forma mais atenta. O positivismo possuía uma
estética funérea própria quanto ao conteúdo decorativo de um túmulo e sua função de celebrar
religiosamente o morto. Seria interessante inventariar e comparar os túmulos positivistas
erguidos no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, por exemplo.
Por fim, deve-se comentar a premência da historiografia se dedicar à análise das
agremiações políticas que se formaram, às dezenas, com a aproximação da República e,
269

depois, com sua consolidação. Agremiações como o Clube Republicano Benjamin Constant, a
Comissão Glorificadora Floriano Peixoto, o Clube Republicano Lopes Trovão, o Clube
Tiradentes, o Clube Militar do Rio de Janeiro não foram ainda analisadas. Perde-se, assim,
uma parte da história republicana em que se poderiam visualizar formas de organização
política não partidárias. Porém, mais do que isso, poder-se-ia avançar na história política para
além das idéias, para uma história na qual as práticas, rituais e objetos artísticos são também
fruto de disputas políticas.
Chega-se então a um resultado a que a tese não visava tratar com atenção: as
festividades e ritualizações cívicas em que os positivistas estiveram envolvidos e nas quais os
objetos artísticos tiveram centralidade. O assunto foi aqui iniciado, e a necessidade da
historiografia republicana tratá-lo com absoluta atenção continua. Faz-se necessária uma
investigação exaustiva das festas cívicas republicanas, do papel dos positivistas no seu
incentivo e da participação de outros grupos, como os católicos, que lutaram contra um
calendário laico de festas cívicas. Miguel Lemos acreditava que a sociedade brasileira era
piedosa e gostava de festas; portanto, o positivismo tinha chance de se consolidar e, por isso,
tantas imagens se faziam necessárias. Por ingerências da história, o positivismo não se
consolidou, mas os objetos artísticos seguem nas praças e salas públicas comemorando os
mortos e “adulando ou ferindo os vivos”.
270

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VILLARES, Décio. A Epopéia Africana no Brazil – 1ª. Circular. Rio de Janeiro. 01.07.1888.
VILLARES, Décio. A Epopéia Africana no Brazil – 2ª. Circular. Rio de Janeiro. 21.04.1889.
VILLARES, Décio. Discurso pronunciado pelo pintor Décio Villares ao inaugurar os trabalhos de seu
quadro commemorativo no dia 13 de maio de 1889. Rio de Janeiro: Typ. Central, 1889.
VILLARES, Décio; GONÇALVES, Carlos Torres. O Monumento a Júlio de Castilhos. Porto Alegre:
Edição do Governo do Estado, 1922. ( 1. ed. 1913).
VILLEROY, Augusto Ximeno de. Benjamin Constant e a Política Republicana. Rio de Janeiro. 1928.
VINCI, Leonardo da. Tratado de la Pintura. Buenos Aires: Losada, 1943.
VORBE, A. Érection d’une statue a Christophe Colomb. La Revue Occidentale Philosophique Sociale
et Politique. 1891/2 Tome IV, n. 7, p. 402-404.
VORBE, Auguste. Erection d’une statue à Galilée à Paris. La Revue Occidentale Philosophique
Sociale et Politique. 1900 Tome XX n. 3, p. 336-373.
VOVELLE, Michel. Ideologias e mentalidades. 2. ed., São Paulo: Brasiliense, 1991.
VOVELLE, Michel. Imagens e imaginários na História – fantasmas e certezas nas mentalidades desde
a Idade Média até o século XX. São Paulo: Ática, 1997.
WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar – medicina, religião, magia e positivismo na República
Rio-Grandense. Santa Maria: Ed. UFSM; Bauru: EDUSC, 1999.
WEIMER, Gunter. A capital do positivismo. In: PANIZZI, Wrana e ROVATTI, João (orgs.). Estudos
urbanos, Porto Alegre e seu planejamento. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS; Prefeitura
Municipal de Porto Alegre, 1993.
WEIMER, Gunter. O positivismo gaúcho e sua arquitetura. Porto Alegre: UFRGS/Faculdade de
Arquitetura, 1985.
WEIZ, Suely de Godoy. O caráter ideológico da estatuaria comemorativa – o monumento ao General
Osório. Anais da ANPAP 1996. http://www.arte.unb.br/anpap/weisz.html
WEIZ, Suely de Godoy. Rodolpho Bernardelli, um perfil do homem e do artista segundo a visão de
seus contemporâneos. 180 anos de Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro;EBA/UFRJ, 1996.
WINCKELMANN, Johann Joachim. Reflexões sobre a arte antiga. Porto Alegre: Movimento, 1975.
WITTKOWER, Rudolf. Escultura. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos fundamentais da História da arte. 4a. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.
ZALUAR, Abelardo. Eduardo de Sá. Arquivos da Escola de Belas-Artes. Ano XII, n. 12, ago. 1966.
287

Instituições de Pesquisa e principais acervos consultados

Arquivo Edgar Leuenroth/Unicamp – Campinas: Acervo de microfilmes de jornais do Rio de


Janeiro.

Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul – Porto Alegre: Documentação avulsa da série Obras
Públicas, Documentação dos Governantes, Maços e Códices da Secretaria de Obras Públicas e
Relatórios da Secretaria de Obras Públicas.

Arquivo Nacional – Rio de Janeiro: IE738 – Requerimentos e IE7 49 ao IE7 121 ― Ofícios.

Biblioteca Nacional – Rio de Janeiro: Setor de Periódicos, jornais e revistas militares.

Site da Biblioteca Nacional da França, base de dados Gallica: Artigos da revista La


Philosophie Positive.

Capela Positivista – Porto Alegre: Artigos de jornais, Imagens de obras positivistas,


Publicações da IPB, Correspondência passiva e ativa dos adeptos gaúchos da IPB, Inventário
de obras de Décio Villares e Eduardo de Sá.

Clube Militar – Rio de Janeiro: Documentos variados sobre o histórico do Clube e Inventário
de obras de Décio Villares e Eduardo de Sá.

Igreja Positivista do Brasil – Rio de Janeiro: Folhetos publicados pela IPB, Artigos da Revista
Revue Occidentalle Philosophique et Politique, Boletins e Circulares Anuais da IPB,
Correspondência passiva de Miguel Lemos e Teixeira Mendes, Imagens de obras positivistas
e acervo de Eduardo de Sá, Inventário de obras de Décio Villares e Eduardo de Sá.

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – Rio de Janeiro: Documentos manuscritos


variados envolvendo Gomes de Castro e revistas do Instituto Histórico e Geográfico do Pará,
artigos de Lauro Sodré.

Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul – Porto Alegre: Correspondência


passiva de Borges de Medeiros.

Museu Casa Benjamin Constant – Rio de Janeiro: Inventário Benjamin Constant, Inventário
Maria Joaquina, Inventário José Bevilaqua e Inventario Aracy e Inventário de obras de Décio
Villares e Eduardo de Sá.
288

Museu da República – Rio de Janeiro: Inventário de obras de Décio Villares e Eduardo de Sá.

Museu de Comunicação Hipólito José da Costa – Porto Alegre: Jornais.

Museu Dom João VI / EBA / UFRJ – Rio de Janeiro: Pasta de Candido Caetano de Almeida
Reis, Pasta de Décio Villares, Pasta de Eduardo de Sá, Documentos da administração da
Academia/escola de Belas Artes e Inventário de obras de Décio Villares e Eduardo de Sá.

Museu Júlio de Castilhos – Porto Alegre: Inventário de objetos pertencentes e referentes a


Júlio de Castilhos e Inventário de obras de Décio Villares e Eduardo de Sá.

Museu Nacional de Belas Artes – Rio de Janeiro: Pasta de Décio Villares, Pasta de Eduardo
de Sá, Pasta de Rodolpho Bernardelli e Inventário de obras de Décio Villares e Eduardo de
Sá.

Solar dos Câmara – Porto Alegre: Jornais


Inventário de obras de Décio Villares

Obra Tipo de Obra Cidade Estado Data Observações

A imaginação Painel Rio de Janeiro RJ Salão de leitura - Sala João Antonio Marques, da Biblioteca
Nacional
A má notícia ? Arquivo Público Mineiro
A República Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Clube Militar. 0,80X0,70 cm
A República Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Templo da Humanidade
A Virgem Maria
Après la lecture Óleo sobre tela Esteve na ENBA. 55X47 cm
Benjamin Constant Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Câmara Municipal do Rio de Janeiro
Benjamin Constant Busto em bronze Rio de Janeiro RJ Instituto Benjamin Constant
Benjamin Constant Busto em bronze Rio de Janeiro RJ Museu Casa Benjamin Constant. 46,5X80,0 cm
Benjamin Constant no Óleo sobre Rio de Janeiro RJ Museu Casa Benjamin Constant. 20,5X26,0 cm. Atribuído.
Gabinete de Trabalho madeira
Bernardina Joaquina da Silva Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Casa Benjamin Constant. 73,0X58,0 cm. Atribuído. Mãe de
Guimarães Botelho de BC.
Magalhães
Borges de Medeiros Busto em bronze Porto Alegre RS Biblioteca Pública do Estado do RS
Cabeça da República Brasileira Óleo sobre tela Esteve na ENBA. 61X49 cm
Cabeça de Cristo Óleo sobre tela Museu Mariano Procópio. 0,36X0,28 cm
Cabeça de Cristo Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 41,6X33,3 cm.
Cabeça do Christo Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Sala de conferências da Candelária - Catedral Metropolitana do Rio
de Janeiro
Cardeal D. Joaquim Arcoverde Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro
Carlos Gomes ? Pousado pelo próprio.
Clarice Índio do Brasil Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 61X50,5 cm.
Clarice Índio do Brasil e Silva Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
Clotilde Álvares de Azevedo Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes, 55,3X46,7 cm.
Macedo de Magalhães
Clotilde de Vaux Medalhão em Porto Alegre RS Capela Positivista de Porto Alegre
gesso de
Colombo Busto em gesso Rio de Janeiro Museu Nacional de Belas Artes
Conselheiro Óleo sobre tela Niterói RJ Palácio do Ingá
Coração de Jesus Óleo sobre cartão Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 58X30,5 cm.
Deodoro da Fonseca Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Câmara Municipal do Rio de Janeiro

289
Inventário de obras de Décio Villares

Obra Tipo de Obra Cidade Estado Data Observações

Deodoro da Fonseca Busto em gesso Rio de Janeiro RJ Clube Militar ? (Não está no inventário)
Deodoro da Fonseca Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu da República. Procedência do MHN e MNBA. 229X146 cm
Despeitada Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 50,2X39,4 cm.
Dom Pedro II Óleo sobre tela Juiz de Fora MG Museu Mariano Procópio. 0,72X0,36
Ecce Homo
Esmeralda
Estudo para retrato de Óleo sobre cartão Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 62X50,4 cm.
Tiradentes
Floriano Peixoto Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Câmara Municipal do Rio de Janeiro
Francisco de Paula Mayrink , Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu da República. Procedência do MHN e José Pires dos
Conselheiro Santos. O retratado foi proletário do Palácio Nova Friburgo
(Palácio do Catete), hoje sede do Museu da República. 90X79 cm
Francisco de Paula Mayrink , Óleo sobre tela Petrópolis RJ Museu Imperial de Petrópolis
Conselheiro
Francisco Portela , Conselheiro Óleo sobre tela Niterói RJ Palácio do Ingá
Graciosa Óleo sobre papel Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 48,8X38 cm.
Humanidade Estatueta em Rio de Janeiro RJ Doação à IPB
gesso
Índio Rio de Janeiro RJ Museu Histórico Nacional
Inglez de Souza Monumento Porto Alegre RS Cemitério São João Batista
funerário
José Bonifácio Busto, gesso Rio de Janeiro RJ Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
patinado
José Bonifácio Pastel Rio de Janeiro RJ Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
Júlio de Castilhos Busto em bronze Porto Alegre RS Biblioteca Pública do Estado do RS
Madona Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes 20,5X17 cm
Maria Amália Óleo sobre Museu Mariano Procópio. 0,42X0,34 cm
papelão
Moça de cabelos soltos
Moça do vestido azul
Moema Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 157X236 cm.
Murais Rio de Janeiro RJ Sala Inglesa, contígua a das sessões dos vereadores na Câmara
Municipal do Rio de Janeiro. Tema da natureza e trabalho nas

290
Inventário de obras de Décio Villares

Obra Tipo de Obra Cidade Estado Data Observações

estâncias gaúchas.
No bosque Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 56X71 cm
Operaria Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes 30,2X24,9 cm
Perfil de moça
Quintino Bocaiúva Óleo sobre tela ? Senado Federal
Quintino Bocayuva Busto em bronze Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes
República Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu da República. Procedência MHN e MNBA. 56X45 cm
República Óleo sobre papel Rio de Janeiro RJ Museu da República. Procedência MHN. 22X29 cm
Retrato da mãe do artista Óleo sobre Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes 21,7X16,6 cm.
madeira
Retrato de Menina Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 56,3X47,8 cm.
Rosto de Jesus Cristo Sanguínea Juiz de Fora MG Museu Mariano Procópio 30X23 cm
Rosto de Jesus Cristo Sanguínea Juiz de Fora MG Museu Mariano Procópio 42,5X35,5 cm
Sagrado Coração de Jesus Óleo sobre tela e Rio de Janeiro RJ Museu da República. Procedência do MHN e MNBA. 48X37 cm
madeira
Sagrado Coração de Jesus Lápis Juiz de Fora MG Museu Mariano Procópio. 33,5X26 cm
Salve! República Argentina Óleo sobre tela e ? Presenteado ao presidente argentino Julio Rocca por Campos Sales,
madeira como retribuição do presente de dois puros-sangue.
São Paulo Busto em bronze Juiz de Fora MG Museu Mariano Procópio. 62X54X45
São Paulo Busto em bronze Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes
Setembrino de Carvalho Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Clube Militar 1,30X1,00 cm
Sorriso infantil Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 41,8X37,9 cm.
Tiradentes Óleo sobre cartão Rio de Janeiro RJ Museu Histórico Nacional
Tiradentes Sanguínea Juiz de Fora MG Museu Mariano Procópio
Tiradentes Busto em bronze Juiz de Fora MG Museu Mariano Procópio. 81X56X47 cm
Tiradentes Busto em bronze Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes
Urânia Marruflagem Rio de Janeiro RJ Museu Dom João VI – EBA – UFRJ. 262,5X181cm
Visão Dantesca Quadro oferecido ao Rei Alberto I. Foi exposto na Associação dos
Empregados do Comércio do RJ?
Cabeça de Menina Óleo sobre Rio de Janeiro RJ 1823 ? Museu da República. Procedência Museu Histórico Nacional.
madeira 17X23 cm.
Retrato de Senhora Rio de Janeiro RJ 1872 ? Museu Nacional de Belas Artes. Embaixatriz Maria Azambuja de
Alencastro Guimarães – RS

291
Inventário de obras de Décio Villares

Obra Tipo de Obra Cidade Estado Data Observações

Paolo e Francesca da Rimini Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1874 Museu Nacional de Belas Artes. Ganhou o prêmio do Salão de
Paris em 1874 com esse quadro. 75X75 cm
Cristo de Prudhon 1882 Citado por Gonzaga Duque em 1882.
Fuga para o Egito 1882 Citado por Gonzaga Duque em 1882 e por Félix Ferreira.
Passeio a bordo do lago 1882 Citado por Gonzaga Duque em 1882 e por Félix Ferreira.
Rodolfo Amoedo Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1882 Museu Nacional de Belas Artes. Doação de Adelaide Amoedo, em
1941. 21X17,5 cm.
São Jerônimo em Oração 1882 Citado por Gonzaga Duque em 1882 e por Félix Ferreira.
São Jerônimo traduzindo a 1882 Citado por Gonzaga Duque em 1882 e por Félix Ferreira.
bíblia hebraica
Sonho de José 1882 Citado por Gonzaga Duque em 1882 e por Félix Ferreira.
Retrato de Menina Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1887 Museu Dom João VI – EBA – UFRJ. 110,3X80 cm
Epopéia Africana no Brasil Esboço de tela Rio de Janeiro RJ 1888 Danton Voltaire Pereira, diretor da IPB.
Desenho da Bandeira Rio de Janeiro RJ 1889 Adoção pelo Governo Provisório
Republicana
Dom Pedro II Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1889 Museu Nacional de Belas Artes.247X160 cm.
Escobar, Senhora artista Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1889 Museu Nacional de Belas Artes. 54,6X44,8 cm.
Pequeno músico ambulante 1889 Coleção Onestaldo de Pennafort. Citado por Carlos Rubens em
Boletim de Belas Artes, n. 33, set 1947.
Retrato de Senhora Rio de Janeiro RJ 1889 ? Museu Nacional de Belas Artes. Embaixatriz Maria Azambuja de
Alencastro Guimarães – RS
Benjamin Constant Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1890 Clube Militar
Danton Litografia Rio de Janeiro RJ 1890 Templo da Humanidade. Festa cívica de 14 de julho de 1890
Deodoro da Fonseca Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1890 Clube Militar. 1,66X1,15cm
Estandarte da Humanidade Óleo sobre tecido Rio de Janeiro RJ 1890 Templo da Humanidade. Abriu a procissão cívica a Tiradentes
José Bonifácio Litografia Rio de Janeiro RJ 1890 Templo da Humanidade. Festa cívica de 07 de setembro de 1890
Tiradentes Busto em gesso Rio de Janeiro RJ 1890 Templo da Humanidade. Procissão cívica de Tiradentes
Tiradentes Litografia Rio de Janeiro RJ 1890 Templo da Humanidade. Procissão cívica de Tiradentes
Imagem da Humanidade Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1891 Ornamentação do Altar do Templo da Humanidade.
Retrato de Mulher (ou Retrato técnica mista Rio de Janeiro RJ 1891 Museu Nacional de Belas Artes, comprada de Amélia Werneck de
de Moça) sobre papel Sousa em 1959. 61X51 cm.
Retrato de uma jovem 1891 Coleção particular. Citado em José R. T. Leite. Dicionário Crítico...
Décio Villares fez um auto-retrato no medalhão usado pela jovem.

292
Inventário de obras de Décio Villares

Obra Tipo de Obra Cidade Estado Data Observações

Benjamin Constant Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1892 Museu da República. Procedência do MHN e MNBA. Atualmente
emprestado para Museu Casa Benjamin Constant. 200X134 cm
José Vieira de Araújo Peixoto Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1892 Museu da República. Pai de criação de Floriano Peixoto.
Procedência do Museu Histórico Nacional. 50X40 cm
Floriano Peixoto Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1895 Museu da República. Procedência do MHN e MNBA. 120X93 cm
A esposa de Clóvis rezando Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1896 Templo da Humanidade. Celebração do 14o. centenário do batismo
de Clóvis
Benjamin Constant Busto em gesso Rio de Janeiro RJ 1896 Templo da Humanidade. Aniversário da Proclamação da República
no Brasil
Colombo Busto em gesso Rio de Janeiro RJ 1896 Templo da Humanidade. Aniversário do descobrimento da
América
Decartes Busto em gesso Rio de Janeiro RJ 1896 Templo da Humanidade Comemoração do 3o. centenário do
na.scimento de Decartes
Decartes Litografia Rio de Janeiro RJ 1896 Templo da Humanidade. Comemoração do 3o. centenário do
nascimento de Decartes
José Bonifácio Busto em gesso, Rio de Janeiro RJ 1896 Templo da Humanidade. Festa cívica de 07 de setembro de 1896
colorido
Tiradentes Busto em gesso, Rio de Janeiro RJ 1896 Templo da Humanidade. Festa de Tiradentes
segunda versão
A morte de Auguste Comte e à Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1897 Templo da Humanidade. Celebração do 40o. aniversário de morte
cabeceira sua filha adotiva de Auguste Comte
Sophie Bliaux
Heloíza Bustos em gesso Rio de Janeiro RJ 1897 Templo da Humanidade. Ornar os nichos do Templo
Moizés Bustos em gesso Rio de Janeiro RJ 1897 Ornar os nichos do Templo da Humanidade
Paisagem Óleo sobre parede Rio de Janeiro RJ 1897 Museu da República. Co-autoria com Antônio Parreiras. 367X295
cm
Santo Ambrózio Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1897 Templo da Humanidade. Celebração do 14o. centenário de morte de
Santo Ambrózio
São Paulo Busto em gesso, Rio de Janeiro RJ 1897 Inauguração da nave do Templo da Humanidade
segunda versão
Tiradentes Busto em gesso, Rio de Janeiro RJ 1897 Templo da Humanidade. Celebração do martírio de Tiradentes
colorido
Lei treze de maio Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1898 Museu Nacional de Belas Artes. 315X596,5 cm

293
Inventário de obras de Décio Villares

Obra Tipo de Obra Cidade Estado Data Observações

Deodoro da Fonseca Busto em gesso, Rio de Janeiro RJ 1900 Villares deixou o Busto no Templo da Humanidade, mas Miguel
colorido Lemos não o queria
Floriano Peixoto Busto em gesso, Rio de Janeiro RJ 1900 Villares deixou o Busto no Templo da Humanidade, mas Miguel
colorido Lemos não o queria
A morte de Clotilde de Vaux Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1903 Templo da Humanidade. Comemoração de morte em 05/04/1903.
Júlio de Castilhos Busto em bronze - RS 1903 Encomendados pelo Governo estadual para serem distribuídos nos
municípios do interior (67 cópias em bronze)
Júlio de Castilhos Monumento Porto Alegre RS 1904 Cemitério da Santa Casa de Misericórdia
fúnebre em bronze
Júlio de Castilhos Maquete em Porto Alegre RS 1904 Doação aos membros do Núcleo do Rio Grande do Sul
gesso, monumento
fúnebre
A morte de Clotilde de Vaux Óleo sobre tela Paris – França 1905 Templo da Humanidade. Celebração da Festa dos Mortos
São Paulo Busto em gesso Rio de Janeiro RJ 1908 Ornar os nichos do Templo da Humanidade e celebração da Festa
das Mulheres Santas de 1908
Assinatura do Tratado do Óleo sobre papel e Rio de Janeiro RJ 1909 Museu da República. Procedência do MHN e MNBA. 24X30 cm
Uruguai madeira
Júlio de Castilhos Busto em gesso Porto Alegre RS 1910 Doação aos membros do Núcleo do Rio Grande do Sul
Estandarte da Humanidade Óleo sobre tecido Porto Alegre RS 1912 Inauguração da Capela de Porto Alegre
Júlio de Castilhos Monumento em Porto Alegre RS 1913 Praça da Matriz
bronze
A Primeira Comunhão de Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1915 Templo da Humanidade. Celebração do 1o. centenário do
Clotilde nascimento de Clotilde de Vaux
Santa Tereza Estatueta em Rio de Janeiro RJ 1915 Templo da Humanidade. Celebração do 4o. centenário do
barro, nascimento de Santa Tereza
Depois da grande guerra Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1920 Museu Nacional de Belas Artes. 240,2X155,7 cm.
A Festa Inaugural da Medalhão em Rio de Janeiro RJ 1921 Templo da Humanidade
Redempção gesso
A Festa Inaugural da Medalhão em Rio de Janeiro RJ 1921 Templo da Humanidade. Comemoração de 6o. centenário de morte
Redempção bronze de Dante. Obra para se colocada no túmulo de Dante, em Ravena,
Itália
José Bonifácio Monumento em Santo Ângelo RS 1922 Praça Pinheiro Machado
bronze

294
Inventário de obras de Décio Villares

Obra Tipo de Obra Cidade Estado Data Observações

Calendário Positivista Aquarela sobre Rio de Janeiro RJ 1923 Templo da Humanidade. Original para fazer edições
Histórico papelão cromolitográficas
Benjamin Constant Busto em gesso, Porto Alegre RS 1925 Templo da Humanidade. Encomendado para a Festa Cívica
colorido
Floriano Peixoto Busto em gesso, Porto Alegre RS 1925 Capela Positivista. Encomendado para a Festa Cívica
colorido
Heloíza Busto em gesso Porto Alegre RS 1925 Capela Positivista de Porto Alegre
José Bonifácio Busto em gesso, Porto Alegre RS 1925 Templo da Humanidade. Encomendado para a Festa Cívica
colorido
Rio Branco Busto em gesso Porto Alegre RS 1925 Templo da Humanidade. Encomendado para a Festa Cívica
Tiradentes Busto em gesso, Porto Alegre RJ 1925 Templo da Humanidade. Encomendado para a Festa Cívica
colorido
A Festa Inaugural da Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1926 Ornar o coro do Templo da Humanidade
Redempção
Benjamin Constant Monumento em Rio de Janeiro RJ 1926 Praça da República
bronze
Cabeça de Cristo com coroa de Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1928 Museu Nacional de Belas Artes. 27X26 cm
espinhos
Tiradentes Óleo sobre tela Juiz de Fora MG 1928 Museu Mariano Procópio 0,68X0,51 cm
Silva Jardim Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1929 Museu da República. Procedência do MHN. 106X85 cm
Getúlio Vargas Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1931 Museu da Cidade do Rio de Janeiro. Retrato comprado pelo
interventor Adolfo Bergamini.

295
Inventário das obras de Eduardo de Sá

Obra Tipo de obra Cidade Estado Data Observação

A morte de Floriano Peixoto Óleo sobre tela Museu da República.


Acima dos Condores, dedicado às Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Instituto Lafayette
pátrias americanas
Alma gaúcha
Almino Alvares Affonso Busto em bronze Martins RN Praça Almino Alvares Affonso
Beatriz Óleo sobre tela Rio de Janeiro ? RJ Em poder da família.
Benjamin Constant Óleo sobre tela Assumpção – Doado a municipalidade pela Sociedade B.
Paraguai Constant
Castro Alves Herma em bronze Rio de Janeiro RJ
Decoração do salão de honra Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Instituto Lafayette
Heloísa Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Instituto Lafayette
Humanidade Óleo sobre tela Paris - França Casa de Clotilde
Italiana
José Bonifácio, a fundação da pátria Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Conselho Municipal do Rio de Janeiro
Lenço Estatueta em bronze
Milton Cavalcante Busto em bronze
Morte de Gonçalves Dias Óleo sobre tela MA Sessão de Proteção aos Índios, Ministério da
Agricultura
Napolitana Cabeça em bronze
Pátria
Pinheiro Machado Busto em bronze
Retrato de Senhora Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes
Sofie Bliaux Óleo sobre tela Paris - França Casa de Clotilde
Sophia Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Templo da Humanidade
Sophia, morte de Augusto Comte Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Templo da Humanidade
Tiradentes Monumento em Rio de Janeiro RJ Escola Tiradentes
bronze
Victor Meirelles Herma em bronze Florianópolis SC
A Contadina Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1890 Museu Nacional de Belas Artes. Doação de Maria
Teixeira Vieira Resende, em 1970.
Tiradentes, a confirmação da sentença Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1897 Palácio da Presidência da República.
A morte de Auguste Comte Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1898 Templo da Humanidade. Celebração do aniversário

296
Inventário das obras de Eduardo de Sá

Obra Tipo de obra Cidade Estado Data Observação

de morte de Auguste Comte


Rozalia Boyer votando seu filho Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1898 Templo da Humanidade. Celebração do 1o.
Auguste Comte à regeneração religiosa centenário do nascimento de Comte
A Francia, a República de Benjamin Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1901 Inaugurado na Escola Politécnica, solenidade do
Constant 91o. aniversário da Independência do Paraguai
Imagem da Humanidade Óleo sobre tela Paris - França 1905 Ornamentação do Altar da Capela em Paris
Rozalie Boyer votando seu filho Óleo sobre tela Paris – França 1907 Casa de Clotilde. Celebração da Festa da
Auguste Comte à regeneração religiosa Humanidade.
Floriano Peixoto, Marechal Monumento em Rio de Janeiro RJ 1910 Praça da Cinelândia
bronze
Pavilhão brasileiro na Exposição de Fachada e estátuas Turim - Itália 1911 As escultura sumiram após o desmanche do
Turim Pavilhão.
Viuvez eterna Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1911 Templo da Humanidade
Melancolia Estatueta em bronze Porto Alegre RS 1915 Instituto de Belas Arte de Porto Alegre
Braulio Cavalcante Busto em bronze Maceió AL 1916 Encomenda do Centro Cívico Bráulio Cavalcante.
Figuras dantescas Harpias em bronze Porto Alegre RS 1916 Decoração de salas da Biblioteca Pública do RS. As
harpias foram feitas para suporte do quadro de
Antônio Parreiras A prisão de Tiradentes.
Souza Lobo, Professor Busto em Bronze Porto Alegre RS 1916 Sala do Colégio Complementar
Joaquim Cacique de Barros, Padre Busto em Bronze Porto Alegre RS 1917 Asilo Padre Cacique
Cacique
Antonio Maria Coelho, Marechal Monumento Corumbá MT 1918 Comemoração do aniversário da retomada de
Corumbá depois da ocupação paraguaia
Araujo Porto Alegre - Barão Santo Herma em bronze Porto Alegre RS 1918 Encomenda da Prefeitura de Porto Alegre
Ângelo
Freitas Valle, Coronel Herma em bronze Alegrete RS 1919 Encomenda da Prefeitura Municipal de Alegrete.
Praça 15 de Novembro.
São Francisco de Assis, em êxtase, Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1924 Templo da Humanidade. Celebração do 7o.
institui o Cântico do Sol centenário de morte de São Francisco de Assis
A despedida de Irmã Jacquelina de Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1926 Templo da Humanidade. Celebração do 7o.
Settesoli centenário de morte de São Francisco de Assis
A glorificação de São Francisco de Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1926 Celebração do 7o. centenário de m Templo da

297
Inventário das obras de Eduardo de Sá

Obra Tipo de obra Cidade Estado Data Observação

Assis Humanidade. orte de São Francisco de Assis


A penúltima estrophe do Cântico do Sol Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1926 Templo da Humanidade. Celebração do 7o.
– Graças pelos que perdoam centenário de morte de São Francisco de Assis
A última estrophe – Graças pela morte Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1926 Templo da Humanidade. Celebração do 7o.
corpórea centenário de morte de São Francisco de Assis
A vocação de São Francisco de Assis Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1926 Templo da Humanidade. Celebração do 7o.
centenário de morte de São Francisco de Assis
A vocação de São Francisco de Assis, Óleo sobre tela Porto Alegre RS 1926 Capela Positivista. Celebração do 7o. centenário de
réplica morte de São Francisco de Assis
Francisco de Assis confraternizando Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1926 Templo da Humanidade. Celebração do 7o.
com os leprosos centenário de morte de São Francisco de Assis
São Francisco de Assis Maquete em gesso Rio de Janeiro RJ 1926 Templo da Humanidade. Celebração do 7o.
centenário de morte de São Francisco de Assis
São Francisco de Assis Monumento em Rio de Janeiro RJ 1926 Praia do Russell
bronze
Imagem da Humanidade Óleo sobre tela Porto Alegre RS 1927 Ornamentação do Altar da Capela em Porto Alegre
Victor Meirelles Herma em bronze Rio de Janeiro RJ 1929

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