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Análise do planejamento e controle da produção

sob a ótica da Teoria da Complexidade


FERNANDO AUGUSTO FERREIRA DUTRA
ROLF HERMANN ERDMANN
UFSC

Resumo
Neste trabalho buscou-se analisar o sistema de planejamento e controle da produção (PCP) das empresas a partir
dos preceitos da Teoria da Complexidade. Esta Teoria sugere que as organizações e seus sistemas sejam vistos
como sistemas complexos adaptativos (SCAs), sistemas cuja propriedade básica é a capacidade de ajustar seu
comportamento em função das alterações ambientais. Um estudo de caso foi aplicado a duas empresas, no intuito
de evidenciar aspectos típicos de SCAs presentes nos sistemas de PCP das mesmas. Os resultados evidenciaram
que as implicações da Complexidade estão presentes na rotina de trabalho do PCP das empresas, sendo que foi
possível identificar casos em que os preceitos da Teoria contribuíram na solução de problemas emergentes na rotina
do PCP. No entanto, estas características podem ser mais desenvolvidas para que o sistema possa responder
mais ativamente às alterações que acontecem em seu meio.

Palavras-chave
Sistemas de produção, PCP, Teoria da Complexidade.

Analysys of the production planning and control


under the view of the Complexity Theory
Abstract
In this work the production planning and control (PPC) system of the organizations is analyzed under the concepts of
the Complexity Theory. This theory suggests that the systems must be observed as complex adaptive systems (CASs).
These kinds of systems have as basic property the ability to adjust their behavior to deal with new situations on their
environment. A case study was applied to two organizations, looking forward to identify typical aspects of CASs on
the PPC systems of the organizations. The results showed that the Complexity Theory implications are present in
the routines of production planning and control of the organizations It was possible to identify situations where the
Complexity aspects helped to solve problems on the PPC. However, the Complexity aspects can be more developed
on the PPC systems. In this way, these systems can answer faster the changes that happen on their environment.

Key words
Production systems, PPC, Complexity Theory.

Produção, v. 17, n. 2, p. 407-419, Maio/Ago. 2007 407


Fernando Augusto Ferreira Dutra; Rolf Hermann Erdmann

INTRODUÇÃO que está se revelando no mundo empresarial só sobrevivem


se forem adaptativos, isto é, se aprenderem a mudar.
As últimas décadas evidenciaram que novas tecnologias A Teoria da Complexidade afirma que os SCAs possuem
estão transformando produtos, processos, mercados e in- um tipo de dinamismo que os torna capazes de responder
dústrias inteiras, revolucionando, desta maneira, o ambiente ativamente ao que ocorre ao seu redor, fazendo-os qualita-
empresarial. Para Drucker (1996), a era do conhecimento, tivamente diferentes de objetos estáticos (AGOSTINHO,
marcada por grandes organizações que operam com base no 2003b). Estes sistemas apresentam uma característica pecu-
fluxo de informações, iniciou-se a partir das transformações liar: a capacidade de auto-organização.
mundiais ocorridas no final da década de 1960. Pode-se dizer Diante deste cenário, de intensa competitividade e mu-
que, nos dias atuais, um dos principais desafios das organiza- dança intensa, no qual as organizações do mundo inteiro es-
ções é o de se adaptar a este ambiente em que a velocidade tão imersas, a função produção assume um importante papel
de mudança é muito grande. junto ao objetivo geral das organizações, uma vez que atua
Na era do conhecimento, as organizações que conti- como apoio, como implementadora e como impulsionadora
nuam presas ao paradigma mecanicista têm dificuldade de da estratégia organizacional (SLACK et al., 1997).
acompanhar as mudanças do mercado, pois a produção e a De maneira geral, as atividades relativas à administração
disseminação das informações acontecem de maneira cada da produção tiveram sempre um foco prescritivo, sendo
vez mais rápida (NOBREGA, 1996; SHENK, 1997). O que essas atividades eram vistas como sendo fechadas ao
modelo mecanicista tem sido a forma de pensar dominante ambiente em que se encontram. Percebe-se que a função
desde o século XVII, quando as leis de Newton legitimaram produção precisa ser analisada como um sistema aberto ao
o mecanicismo e validaram suas implicações, linearidade, seu ambiente de operação, sendo, assim, capaz de responder
monocausalidade, determinismo, reducionismo e imediatis- ativamente às mudanças.
mo (TÔRRES, 2005). O planejamento e controle da produção (PCP) representa
o eixo operacional de uma organização. É
consoante a esta atividade que se constrói a

O s problemas de hoje são interligados, estratégia. Sua eventual deficiência projeta-se


não havendo mais a possibilidade
de soluções isoladas, apenas soluções
de forma imediata na qualidade do bem ou ser-
viço produzido, na falta de confiabilidade de
informações, em um pior aproveitamento dos
recursos de produção, no descumprimento de
prazos, no gerenciamento dos insumos, den-
sistêmicas parecem funcionar. tre outros aspectos. Os conceitos de eficiência
e eficácia estão ligados a esta atividade.
Este paradigma já não é mais suficiente para explicar Assim como as demais atividades referentes à adminis-
os acontecimentos, pois isola as partes do fenômeno para tração da produção, o PCP foi por muito tempo visto como
analisá-las, considerando o todo como simples agregado uma atividade fechada ao seu ambiente de operação. Hoje
das diversas partes. Os problemas de hoje são interli- percebe-se que o PCP é sensível aos acontecimentos ocor-
gados, não havendo mais a possibilidade de soluções ridos em seu ambiente externo. Sendo assim, vislumbrá-lo
isoladas; apenas soluções sistêmicas parecem funcionar. como um SCA contribui para que organizações dos mais
Quando se caminha do simples para o complexo, o para- diferentes setores possam obter insights significativos na
digma mecanicista mostra-se ineficiente na solução dos condução de suas operações de produção.
problemas organizacionais. Agostinho (2003b) corrobora Perante o exposto até o momento, surge o problema de
ao afirmar que o mecanicismo e seus descendentes não pesquisa para o presente trabalho: verificar como as empre-
conseguem dar conta do grau de incerteza e de fluidez sas vêm tratando as não-linearidades emergentes em seu
que a economia e a sociedade vivem hoje. Desta manei- PCP. Não-linearidades são definidas aqui como atividades
ra, as organizações de hoje só evoluem se aprenderem a ou situações que não estavam presentes na rotina de trabalho
funcionar como sistemas que trazem em sua estrutura a e que, quando emergem, forçam os trabalhadores a buscar
própria mudança (NOBREGA, 1996). uma solução.
Uma das possibilidades de compreender a realidade fora Os resultados obtidos evidenciam que as implicações da
do modelo mecanicista, apresentada pela Teoria da Com- Teoria da Complexidade se fazem presentes na rotina de
plexidade, sugere que os sistemas sejam vistos como sendo trabalho do PCP das empresas, ao se verificar a presença
sistemas complexos adaptativos (SCAs). Nobrega (1996) de aspectos característicos de SCAs no sistema de PCP das
afirma que sistemas que atingem o grau de complexidade mesmas. No entanto, deve-se ressaltar que esses mesmos

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Análise do planejamento e controle da produção sob a ótica da Teoria da Complexidade

aspectos podem ser mais desenvolvidos para que o sistema assim, compreender como funciona o processo de auto-
possa responder mais ativamente às alterações que aconte- organização destes sistemas.
cem em seu meio. A Teoria da Complexidade surge diante da necessidade
O próximo item apresenta uma síntese teórica desenvol- de uma nova concepção de ciência, fora do padrão mecani-
vida a partir dos pilares que sustentaram a pesquisa, o PCP cista/newtoniano convencional, na busca do entendimento
e a Teoria da Complexidade. Em seguida, descreve-se o de como certas coisas – células, um bando de pássaros, ci-
método de pesquisa utilizado e, por fim, apresentam-se os dades, civilizações, organizações – conseguem manter uma
principais resultados obtidos, bem como algumas conside- coerência em situações de contínua mudança, sem que haja
rações finais. um planejamento central (NOBREGA, 1996).
É uma ciência que estuda as propriedades emergentes, ou
O PCP SOB A ÓTICA DA TEORIA DA seja, propriedades que surgem da interconexão dos elemen-
COMPLEXIDADE tos de um sistema, e que surgem num certo nível de relação,
não existindo nos níveis inferiores. Desta maneira, uma
Um sistema de produção é uma das partes integrantes de vez que certas condições estejam presentes, a ordem pode
uma organização, ao lado de outras, como vendas, marke- surgir de situações aparentemente caóticas (AGOSTINHO,
ting e gestão de pessoal. O sistema de produção, por sua 2003b).
vez, é composto por subsistemas, dentre eles o subsistema Segundo Morin (1977), os sistemas vivem em constante
de PCP. oscilação dentro do anel tetralógico de ordem/desordem/in-
As definições encontradas na literatura (MONKS, 1987; teração/organização. Sendo assim, a partir de um momento
MOREIRA, 1996; SLACK et al, 1997; CORRÊA et al., de desordem, os indivíduos, por intermédio das interações,
1999; ERDMANN, 2000), de forma geral, definem o PCP provocam uma nova ordem da organização, e assim suces-
como sendo um sistema de apoio à produção, que comanda sivamente. Os conceitos de ordem e de organização só se
e coordena o processo produtivo, objetivando cumprir o desenvolvem em função um do outro. Quanto mais a ordem
planejamento e a programação dos processos de maneira e a organização se desenvolvem, mais se tornam complexas,
eficaz, para satisfazer os requisitos de tempo, qualidade e mais toleram, utilizam e necessitam da desordem. Desta ma-
quantidades do sistema. neira, a organização é o resultado das interações dinâmicas
Seguindo a interpretação de Erdmann (2000) para o PCP, da desordem com os acomodamentos estáticos da ordem
observa-se que ele pode ser dividido em duas etapas princi- (MORIN, 1977).
pais: o planejamento da produção, composto de procedimen- Conforme afirma Klement (p. 6, 2000), “ordem, de-
tos que preparam e organizam as informações que permitem sordem e organização não são lineares, nem mutuamente
a programação e o controle da produção; e a programação e excludentes. Estas noções interagem dialogicamente, isto é,
o controle da produção, que estabelece antecipadamente as relativizam-se continuamente, mantendo o sistema em ati-
atividades da produção em médio e curto prazo e realiza o vidade”. Assim sendo, evidencia-se que os SCAs existem na
acompanhamento da produção, colhendo informações para dialógica entre a ordem e a desordem (LEITE et al., 2004).
subsidiar correções de eventuais desvios da programação. O termo SCA foi cunhado diante da percepção de que
Teoricamente, a administração da produção sugere as certos tipos de sistemas são capazes de responder ativa-
ações de maneira prescritiva, de acordo com o paradigma mente aos acontecimentos ao seu redor. Agostinho (2003b)
mecanicista. No entanto, verifica-se que as práticas de identifica a adaptação como sendo a propriedade básica dos
planejamento, programação e controle das operações já SCAs, no sentido de que o sistema é capaz de ajustar seu
não representam a efetividade desejada. Nem sempre o comportamento a partir do que consegue perceber sobre as
que é planejado ou programado ocorre da maneira que condições do seu meio ambiente e sobre seu desempenho.
foi prevista. A quantidade de relações, tanto internas Nobrega (1996) afirma que os sistemas complexos apren-
quanto externas à organização, torna impossível saber os dem, auto-organizam-se e evoluem através da habilidade
resultados de todas as interações e combinações possíveis de processar a informação que chega de fora.
(AGOSTINHO, 2003b). Tomando por base o funcionamento dos SCAs, Agostinho
Neste sentido, “[...] os limites de uma ação gerencial (2003b) elege quatro conceitos-chave que definem a aborda-
clássica tornam-se evidentes – dificuldade ou impossibili- gem dos sistemas vistos como sendo complexos adaptativos:
dade de planejamento e controle totais, limites cognitivos autonomia, cooperação, agregação e auto-organização. São
à racionalidade e mesmo o processo de complexificação conceitos fortemente entrelaçados que indicam como a
do mundo” (AGOSTINHO, 2003a, p. 3). A partir daí sur- ordem no sistema pode emergir através das ações de suas
giu a proposta de analisar o PCP sob a ótica de um novo partes. Esses conceitos se relacionam da seguinte maneira
paradigma, baseado na Teoria da Complexidade, para, (AGOSTINHO, 2003b, p. 36):

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Indivíduos autônomos, capazes de aprender e de se seu ambiente, aprendendo e evoluindo com a experiência,
adaptar, cooperam entre si obtendo vantagens adap- e, desta maneira, adapta-se às novas situações que surgem
tativas. Tal comportamento tende a ser selecionado e em seu ambiente. Podem-se enumerar como características
reproduzido, chegando ao ponto em que estes indiví- comuns aos SCAs:
duos cooperativos se unem formando um agregado – Complexidade vs. Simplicidade – apesar de ser um sis-
que também passa a comportar-se como um indivíduo tema globalmente complexo, é um sistema que apresenta
e assim por diante. Diz-se, então, que o sistema resul- simplicidade local.
tante se auto-organiza, fazendo emergir um compor- – Grande número de componentes que interagem entre si e
tamento global cujo desempenho também é avaliado influenciam uns aos outros – ou seja, são integrados por
por pressões de seleção presentes no ambiente (externo elevado número de componentes que interagem entre si.
e interno). – Não conseguem ser analisados pelos métodos científicos
lineares de causa e efeito. O método reducionista de
Agostinho (2003b) ressalta também a importância da análise não é utilizável para o estudo e previsão desses
existência de pontos de alavancagem, ou seja, pontos em sistemas.
que uma ação pode gerar efeito amplificador. Assim, é – Sempre há aspectos aleatórios envolvidos, ou seja, não
esperado que se possa influenciar o comportamento de um são, de forma alguma, sistemas determinísticos ou previ-
SCA através de ações dirigidas a certos pontos de alavan- síveis.
cagem, gerenciando, assim, o processo de auto-organização – Ampla diversidade de componentes que se inter-relacio-
do sistema. nam e que mantêm similaridades dentro da diversidade.
Uma das características principais de um SCA é o fato – São capazes de evoluir, se adaptar e aprender de acordo
de ser um sistema aberto. Stacey (1991) argumenta que com mudanças nas características de seu ambiente.
sistemas abertos necessitam de uma forma de aprendiza- – Não há uma coordenação global, efetiva e duradoura,
gem diferente daquelas encontradas em sistemas fechados, apesar de que vários mecanismos de coordenação menos
e que o caos e a instabilidade dentro dos sistemas podem rígidos possam estar presentes.
colaborar no desenvolvimento de insights na resolução
dos problemas. Smith e Eliot (1999) afirmam que uma das Perante o exposto até o momento, verifica-se que o PCP
barreiras à frente da aprendizagem é a tendência do siste- pode ser visto como sendo um SCA por uma série de razões
ma de focar o aprendizado no circuito simples ao invés do principais, aqui enumeradas:
circuito duplo. – É um sistema, uma vez que é um agrupamento de partes
A aprendizagem em circuito simples apóia-se numa que operam juntas, buscando atingir um objetivo co-
habilidade de detectar e corrigir o erro com relação a um mum;
dado conjunto de normas operacionais. As estratégias são – É um sistema dinâmico, pois o tempo é uma variável do
definidas de acordo com o modelo mental do sistema, não sistema;
se criando desta maneira inovação, uma vez que apenas – É um sistema aberto, visto que se relaciona o tempo todo
se repetem práticas consideradas adequadas (MORGAN, com o ambiente externo;
1996). Assim, o conhecimento obtido com a experiência é – É um sistema não-linear, uma vez que as relações de causa
reproduzido pelo agente e por aqueles que aderem à expe- e efeito não são sempre correspondentes;
riência (STACEY, 1998, apud REBELO, 2004). – É um sistema complexo, já que novas propriedades
A saída é a utilização de outra forma de aprender que emergem pela inter-relação entre os componentes do
conduz à inovação daquilo que está sendo sistematicamente sistema;
praticado (REBELO, 2004). A aprendizagem em circuito – É um sistema adaptativo, pois as partes mudam para se
duplo depende da capacidade de olhar-se duplamente a adaptar a estímulos internos e externos.
situação, questionando a relevância das normas de funcio-
namento e das variáveis do modelo vigente, ocorrendo assim O MÉTODO UTILIZADO NO TRABALHO
um processo de reflexão sobre a alteração do modelo mental
que impele o primeiro circuito (MORGAN, 1996). O problema de pesquisa que norteou este trabalho
Stacey (1998, apud REBELO, 2004) adverte que a consiste em verificar como as empresas vêm tratando as
aprendizagem em circuito simples é apropriada para lidar não-linearidades emergentes em seu PCP. Assim sendo,
com situações previsíveis bem definidas, mas é necessária buscou-se identificar como os conceitos-chave dos SCAs
a aprendizagem em circuito duplo nas situações ambíguas e se fazem presentes no modo de condução do sistema de
imprevisíveis das quais emergem as inovações. PCP, colaborando no sentido de superar as não-linearidades
Assim, pode-se sumarizar que um SCA interage com sempre presentes na rotina de trabalho.

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Análise do planejamento e controle da produção sob a ótica da Teoria da Complexidade

Para atingir-se o objetivo proposto, um estudo de caso foi De posse dos dados, foi realizada a análise dos mesmos,
elaborado e aplicado a duas empresas pertencentes a setores fundamentada no anel tetralógico de Morin (1977). A
industriais diferentes. Segundo Godoy (1995), este modo de Figura 1 apresenta o esquema utilizado para realizar-se a
investigação é o mais adequado quando o pesquisador deseja análise dos dados. Buscou-se compreender de que maneira
responder às questões “como” e “por que” e quando o foco os conceitos-chave dos SCAs estão presentes na organiza-
de interesse é acerca de fenômenos atuais, isto é, que só po- ção do sistema frente às não-linearidades, num esforço de
derão ser analisados dentro de um contexto de vida real. retorno da desordem para a ordem. Para tanto, procurou-se
Voss et al. (2002) afirmam que o gerenciamento da produ- identificar nos sistemas estudados as características dos
ção, de maneira geral, é uma área muito dinâmica, onde no- conceitos-chave definidos:
vas práticas emergem continuamente, e que o estudo de caso – Autonomia: pode ser verificada pela existência de ca-
é o modo propício de se estudar essas práticas emergentes, nais de participação e pelo tipo de influência permitido.
além de ser um instrumento propício para o desenvolvimen- Na análise do sistema, buscar identificar as vantagens
to de novas teorias em gerenciamento da produção. referentes à autonomia: adaptabilidade, aumento da
Vale ressaltar ainda que a Teoria da Complexidade é uma diversidade, aprendizado, redução de erros e solução de
ciência relativamente nova, ainda em processo de formulação conflitos.
e, por isso, pesquisas com resultados concretos sobre a Teoria – Cooperação: pode ser verificada pela existência de me-
reforçam as bases de sustentação da mesma. canismos que estimulem o encontro entre as pessoas e
Assim, buscou-se identificar aspectos típicos de SCAs na a existência do espírito de equipe, propiciando assim a
prática do PCP destas empresas, bem como situações em que facilidade de acesso às informações, a existência de opor-
não-linearidades emergentes no PCP foram solucionadas, tunidades de crescimento, a interação com o ambiente
de acordo com os preceitos da Teoria da Complexidade, externo, a expansão dos limites da empresa e para além
e estas soluções, incorporadas à prática do PCP. A análise da empresa.
desenvolvida possibilita que empresas de
setores distintos façam inferências acerca de
seus próprios sistemas de PCP, baseando-se
nos resultados obtidos na pesquisa.
Os dados foram obtidos através de entre-
A s práticas de planejamento,
programação e controle das operações
vistas semi-estruturadas a pela observação já não representam a efetividade desejada
não-participante. Foram entrevistadas pes-
soas diretamente envolvidas com o PCP e
de diferentes níveis hierárquicos dentro da empresa. Para – Agregação: pode ser verificada pela existência de redes
conduzir a pesquisa, um protocolo de estudo de caso foi colaborativas, onde as ações dos grupos são interde-
elaborado, uma vez que é um instrumento essencial para pendentes, na busca de se atingir um objetivo comum,
aumentar a confiabilidade da pesquisa e fundamental ao propiciando assim a sedimentação da aprendizagem e o
pesquisador para a condução da mesma (YIN, 2001). surgimento das propriedades emergentes do sistema.
O protocolo utilizado neste trabalho segue a modelagem – Auto-organização: verificada pela existência de con-
sugerida por Yin (2001), podendo ser dividido em três par- dições propícias para a emergência do potencial auto-
tes principais: os procedimentos de campo, as questões do organizante do sistema, condições essas advindas dos
estudo de caso e as fontes de evidências. conceitos-chave anteriores, afastando-se assim da pres-
Os procedimentos de campo referem-se ao processo pelo crição e do controle.
qual as empresas da amostra foram selecionadas, ao contato – Circuito duplo de aprendizado: verificado pela presença
inicial com essas empresas e ao roteiro básico de pesquisa. de situações em que o modelo organizacional que delineia
O ponto central do protocolo foi um conjunto de ques- o sistema é alterado, possibilitando o surgimento das
tões utilizadas nas entrevistas semi-estruturadas. Estas inovações.
questões foram elaboradas com o intuito de identificar as
características de SCAs nos sistemas analisados: autonomia, A ordem representa a estrutura e o funcionamento do PCP
cooperação, agregação, auto-organização e circuito duplo tal como foi projetado nas empresas, sendo necessário, desta
de aprendizado. maneira, compreender detalhadamente a estruturação do
Como fontes de evidências foram utilizadas entrevistas PCP da empresa analisada. A desordem reflete as múltiplas
com funcionários das empresas, observação direta no chão não-linearidades, em princípio imprevistas e indesejadas.
de fábrica e escritórios, bem como documentos disponibili- São as perturbações do ambiente e as combinações decor-
zados pela empresa. rentes. Tem-se, assim, a oportunidade de entender ou então

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Fernando Augusto Ferreira Dutra; Rolf Hermann Erdmann

perceber as oportunidades para criar diferenciações internas, ANÁLISE DO PCP VISTO COMO UM SISTEMA
capazes de subsidiar a organização, que seria a reação a uma COMPLEXO ADAPTATIVO
desordem, ou seja, é a retomada (ou tentativa) da situação
original. O trabalho proposto foi aplicado em duas empresas per-
Quando a situação original não é alcançada ou não é tencentes a setores industriais diferentes. Uma das empresas
visada, pode-se buscar um patamar novo de operação, pesquisadas, aqui denominada Empresa A, é um frigorífico
podendo ser um estágio evoluído, capaz de proporcionar de aves. A segunda empresa, aqui denominada Empresa B, é
vantagem competitiva à organização. Assim, analisa- uma fabricante de telefones e de centrais telefônicas. Apre-
se também o processo de evolução do sistema a cada sentam-se a seguir os aspectos típicos de SCAs identificados
experimentação, conforme preconiza o circuito duplo no modo de condução do PCP nas duas empresas.
de aprendizado. Para tanto, deve-se verificar se a apren- Um dos elementos que vai legitimar a ação autônoma é a
dizagem advinda da resolução das não-linearidades redução ou mesmo a eliminação dos símbolos de status. Al-
emergentes no PCP é de fato incorporada ao sistema de guns aspectos que podem parecer de menor importância são
PCP da empresa, conduzindo assim a um processo de cruciais para promover a autonomia e a cooperação entre os
adaptação contínua. empregados (AGOSTINHO, 2003b). A Empresa A caminha
bem nesse sentido, uma vez que foi observado no escritório
CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA DE PCP DAS onde fica o pessoal responsável pelo PCP a ausência de di-
EMPRESAS ANALISADAS visórias. Os funcionários trabalham em um ambiente aberto,
que permite a fácil comunicação entre as pessoas, sendo que
Na medida em que este trabalho trata do tema PCP, em um mesmo ambiente trabalham pessoas de diferentes se-
mostra-se necessário caracterizar o sistema de PCP utilizado tores. Esse fato facilita a comunicação e dinamiza a solução
pelas empresas analisadas. De acordo com a interpretação de problemas, além de promover um ambiente agradável
de Erdmann (2000), o PCP é dividido em duas partes. A para se realizar o trabalho, uma vez que o “medo” da sala
primeira delas é o planejamento, responsável pelo projeto da diretoria é completamente eliminado.
de produtos e processos e também pela definição de quan- Existem algumas situações que podem se tornar confli-
tidades. A segunda parte é a programação e o controle da tantes devido às restrições para a tomada de uma decisão.
produção, responsável por estabelecer antecipadamente Nessas situações, o potencial auto-organizante do sistema
as atividades da produção e também por corrigir eventuais torna-se evidente.
desvios de rota. Um caso que pôde ser observado na Empresa A, ainda
O Quadro 1 apresenta as características do PCP das em- que não consciente, foi o relato do processo de desenvolvi-
presas analisadas. mento de um novo produto. Esse processo envolve várias

Figura 1: Esquema de análise dos dados.

Fonte: Adaptado de Morin (1977) e Agostinho (2003b).

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Análise do planejamento e controle da produção sob a ótica da Teoria da Complexidade

Quadro 1: Caracterização do PCP das empresa analisadas.

ETAPA DO PCP DESCRIÇÃO – EMPRESA A DESCRIÇÃO – EMPRESA B

• Departamento de novos produtos • Times de projeto.


Projeto do coordena o projeto, que envolve • Novos produtos desenvolvidos
produto todos os setores relativos à levando-se em conta as demandas
produção. mercadológicas.

• Intrinsecamente ligado ao projeto • Intrinsecamente ligado ao projeto


Projeto do
do produto, seguindo os preceitos do produto, seguindo os preceitos
processo
da engenharia simultânea. da Engenharia Simultânea.
Planejamento da
Produção • PCP analisa a capacidade • Consolidação da previsão
produtiva para novos itens. da demanda realizada pelo
• Previsão de demanda é departamento de Marketing
responsabilidade do setor através das análises dos gerentes
Definição de comercial. de vendas regionais.
quantidades • Horizonte de planejamento de 12 • Utilização de ferramentas de
meses. suporte à previsão da demanda
• Produção para um mês é baseada (CRM, BI, Banco de Dados).
na média para os três meses
anteriores.

• A partir dos planos anual e • O PMP, elaborado com os


mensal, realiza-se a programação dados da previsão de demanda,
Definição das
diária da produção. contempla as necessidades
quantidades de
de matéria-prima, capacidade
produtos finais
produtiva e mão-de-obra para a
produção das quantidades finais.

Cálculo das • Quantificam-se as partes que • MRP, alimentado pelo PMP, gera
necessidades de serão geradas com o desmonte as ordens de compra de matéria-
materiais da matéria-prima. prima.

Definição • Ajuste fino da produção é • Ajuste fino realizado através das


de prazos realizado através das ordens de ordens de montagens diárias,
capacidades e produção diárias. para que se tenha o horizonte de
ajustes requisição de matéria-prima.
Programação
e Controle da
• Monitor de célula recebe ordem • Depende do produto e da linha
Produção
que dispara a produção. de atuação, alguns itens são
Liberação de • Regra FIFO. produzidos apenas por pedido.
ordens • Considera os pedidos confirmados
em carteira para realizar o
seqüenciamento.

• Controle de quantidade: • Controle de quantidades: relatório


desvios admissíveis e desvios comparando o previsto e o
inadmissíveis. realizado é emitido diariamente;
• Controle de qualidade: inspeção quadros visuais ao longo da linha
Controle por amostragem. de produção.
• Controle de qualidade: trabalha
com controle estatístico de
processo; vários pontos de teste
ao longo do processo.

Fonte: Autores, 2006.

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áreas da empresa, as quais vão procurar defender seu próprio alavancagem, no caso, o ponto onde ocorreu um problema. O
interesse. O PCP vai analisar a possibilidade de produção, input no foco do problema vai produzir grandes e direciona-
verificando o impacto em fatores tais como a capacidade da das mudanças, de maneira a corrigir o que não foi planejado
fábrica e a mão-de-obra disponível, a Produção de Aves vai e evitar que o mesmo problema aconteça no futuro.
analisar a capacidade de fornecimento da matéria-prima, Durante a pesquisa de campo percebeu-se também a exis-
enquanto o setor Comercial vai procurar atender a demanda tência do aprendizado em circuito duplo, para que o sistema
do mercado. seja capaz de aprender. Dentro do processo produtivo, ao
Neste sentido, os indivíduos vão interagir movidos por confrontar o realizado com o programado, o PCP procura en-
regras locais, ou seja, os balizadores de seus respectivos tender as discrepâncias, verificar onde ocorreu o erro e quais
setores, procurando defender seus interesses ou do agregado os motivos que levaram ao desvio, e não apenas corrigir o
do qual fazem parte. Através dessa interação emerge uma problema e retomar a rota original. Agindo desta maneira,
solução satisfatória, no caso a decisão de produzir ou não o novas experiências vão sendo incorporadas à prática do PCP,
novo produto. Essa decisão não necessariamente agradará a o que leva o sistema a um processo de evolução, de acordo
todos os envolvidos no processo, porém será a melhor deci- com o aprendizado em circuito duplo.
são para a organização como um todo. Aqui, o PCP exerce O surgimento de aspectos típicos de SCAs nas práticas da
um papel de mediador, sendo que sua atuação fornece uma Empresa B remonta ao início da década de noventa, quan-
base para a interação entre os setores envolvidos na tomada do a empresa passou por uma grande crise e decidiu que o
de decisão. Através desse caso é possível perceber todo o downsizing seria a solução inicial mais viável para tentar
potencial da auto-organização para a empresa. lidar com a mesma. O quadro de empregados foi reduzido
de 650 para 150.
A empresa percebeu que o mercado

U m SCA interage com seu ambiente,


aprendendo e evoluindo com a experiência. porém
globalizado exigia produtos em massa,
com altos índices de qualidade
e preço competitivo. Os colaboradores
remanescentes iniciaram programas
Um outro exemplo que pode ser relatado é a melhoria intensivos de treinamento, envolvendo aspectos de adminis-
de processos. Na Empresa A, se um empregado de chão tração da qualidade total e Just-in-time, com a aplicação de
de fábrica enxerga uma possível melhoria (autonomia), ele técnicas destas filosofias, como kanban, melhoria contínua,
automaticamente a posiciona para seu supervisor direto círculos de controle da qualidade e 5S. O sistema produtivo
(cooperação). Em seguida, todas as pessoas participantes da empresa também foi reorganizado, com a adoção das
no referido processo são envolvidas (agregação), para que células de produção em grande parte da produção, propor-
se faça em conjunto uma análise do que foi proposto. Esse cionando menores tempos de ajuste e maior flexibilidade.
processo é realizado de maneira dinâmica e todos têm a li- Entretanto, a principal mudança foi de mentalidade. A
berdade de poder questionar, criticar e dar sugestões para que gestão, antes centralizada e autoritária, do tipo “faça porque
o processo seja melhorado (auto-organização). A Empresa quem manda sou eu”, foi completamente revista. Houve
A incentiva seus empregados a participar desse processo de redução dos níveis hierárquicos e adoção de uma gestão
melhoria e faz com que eles cultivem esta cultura. mais participativa, focada nas pessoas, que formaram um
Na Empresa A o PCP tem um papel fundamental no agregado cujo objetivo fundamental era reverter a situação
processo auto-organizante, conforme relata o gerente de da empresa.
planejamento: A empresa crê que cada colaborador é uma pessoa es-
pecial e que deve encontrar em seu ambiente de trabalho
O PCP tem a responsabilidade de mostrar, escancarar condições adequadas para se desenvolver, como profissional
o problema, e buscar ações para que aquele problema assim como pessoa. E é a partir dessa mudança de mentali-
seja resolvido. Mostrar para a organização onde mora dade que emergem os aspectos típicos de SCAs nas práticas
o problema. Isso foi programado. Isso foi realizado. da empresa, sendo que podem ser identificados vários prin-
Aqui estão as diferenças. Isso não foi realizado. Deve- cípios da gestão autônoma dentro dessas práticas.
se buscar o responsável, que tem autoridade sobre o Um dos princípios dos SCAs mais fortes na Empresa B é
processo e cobrar ‘O que você vai fazer para resolver a autonomia. Esse princípio e as vantagens decorrentes são
esse problema’. resultados da mudança do modelo de gestão autoritária, que
marcou a empresa até a crise na década de noventa, para o
Percebe-se, pela fala do gerente de planejamento, um modelo de gestão participativa. Os colaboradores, como são
comportamento típico de um SCA, ao trabalhar um ponto de chamados os empregados da empresa, têm total liberdade

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Análise do planejamento e controle da produção sob a ótica da Teoria da Complexidade

para tomar decisões em sua área de atuação no processo municado ao seu supervisor e pode ser escrito em um cartão
produtivo. e pendurado em um painel, e quem o pendurou tem o direito
O novo modelo de gestão diminuiu o número de níveis de receber uma resposta ou uma solução efetiva. Se a solução
hierárquicos, levando a mais agilidade e eficácia. Isto legiti- envolver outros setores além da produção, o colaborador que
mou a autonomia e trouxe vantagens, como adaptabilidade, sugeriu acompanha o supervisor em reuniões com outros
aumento da diversidade e solução de conflitos. setores, para que se encontre uma solução viável.
A adaptabilidade é resultado direto da agilidade e eficácia A maneira de olhar para o princípio da cooperação tam-
advinda da redução dos níveis hierárquicos, primeiramen- bém sofreu grande alteração com a mudança do modelo
te porque a redução do número de pessoas em cargos de de gestão. Com o modelo autoritário as pessoas desempe-
comando reduz custos, diminuindo as atividades que não nhavam suas funções porque assim lhes era ordenado fazer
agregam valor ao produto. Em segundo lugar porque um e, somente deste modo receberiam sua recompensa, o seu
número menor de pessoas envolvidas no processo aumenta salário.
a intensidade da relação entre elas (AGOSTINHO, 2003b). Com o novo modelo de gestão participativa e de valori-
Esse fato pode ser observado na Empresa B, nas equipes zação das pessoas, os colaboradores tomaram consciência
responsáveis pelos processos de produção. A integração de que sua recompensa vem com o bom desempenho da
entre as pessoas é total, envolvendo colaboradores do PCP, organização, e que esse é um bom motivo para cooperar.
dos setores de suprimento e expedição, do setor comercial De acordo com a empresa, os colaboradores que ali estão
e também dos operadores de chão-de-fábrica. Essa caracte- acreditam na empresa e empenham o seu comprometimento
rística proporciona à empresa uma maior adaptabilidade às e dedicação.
mudanças. A política de valorização do colaborador que já está ali
O aumento da diversidade é outra característica pro- fortalece esse aspecto. A maior parte dos empregados da Em-
porcionada pela autonomia. Na Empresa B é propiciado presa B foi desenvolvida ali mesmo e cresce com os valores
aos colaboradores um ambiente de trabalho que permite da mesma sedimentados em sua maneira de trabalhar. Este
utilizar todo o seu potencial criativo, aumentando-se assim aspecto fortalece ainda mais a organização, já que possibilita
a probabilidade de geração de novas idéias (AGOSTINHO, a formação de fortes agregados que trabalham buscando os
2003b). melhores resultados possíveis para a organização.
Os colaboradores apresentam sugestões de melhorias Conforme afirma Agostinho (2003b, p.114), “o princípio
para o processo com o qual trabalham. Estas sugestões emer- da auto-organização estabelece que a direção da organiza-
gem da própria rotina de trabalho, da troca de experiências ção deve garantir que o resultado das ações seja reportado
com os pares e de sua própria base de conhecimento. As aos atores e que estes sejam capazes de compreendê-lo e de
sugestões podem até não ser todas acatadas, mas todas são ajustarem seus comportamentos”. Esse fundamento do prin-
analisadas, pois a empresa valoriza as contribuições que vêm cípio da auto-organização é atingido através de mecanismos
de todos os colaboradores. eficientes de feedback.
O exemplo de uma idéia que veio de um ferramenteiro da A Empresa B tem mecanismos estabelecidos de feedback
empresa ilustra esta característica. Este colaborador sugeriu envolvendo tanto pessoas quanto processos. São vários os
que fosse feita uma simples alteração em um veículo de indicadores que avaliam a eficácia do processo produtivo.
transporte de palets, aumentando-se o tamanho do garfo. Um exemplo está no controle das quantidades produzidas.
Esta sugestão foi analisada e em seguida acatada, propor- A empresa adotou a comunicação visual para mostrar aos
cionando um aumento de 100% de capacidade de transporte colaboradores a existência de problemas no processo pro-
do veículo. Apesar de ser uma idéia simples, nenhum enge- dutivo.
nheiro de produto ou de processo vislumbrou a oportunidade Quando as pessoas envolvidas no processo verificam que
de melhoria. o planejado não foi cumprido no dia anterior, elas se agre-
Uma outra vantagem trazida pela autonomia é a solução gam buscando compreender onde aconteceu o problema que
local de conflitos, sem necessidade de que tal situação tome impossibilitou o alcance da meta. Esse é um mecanismo que
maior vulto. Segundo o gerente industrial entrevistado, essa também potencializa a equipe, pois ao colocar certa pressão
prática é bastante disseminada. Se há problemas envolvendo neste ponto de alavancagem, faz com que os colaboradores
um grupo de trabalho, os colaboradores têm total autonomia trabalhem melhor para evitar que o mesmo problema acon-
para parar e discutir com os colegas e com o supervisor da teça devido às mesmas causas.
área, sem a necessidade de envolver outras pessoas. No nível pessoal, a empresa realiza a denominada Ava-
As pessoas são encorajadas a falar e a escrever sugestões. liação 360°, em que o colaborador avalia os seus pares e su-
Há um sistema de sugestões e reclamações envolvendo periores e é avaliado pelos seus subordinados. Este processo
cartões. Qualquer problema que um colaborador tenha é co- é sempre acompanhado pelo departamento de recursos hu-

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Fernando Augusto Ferreira Dutra; Rolf Hermann Erdmann

manos, que contribui para que o colaborador se desenvolva Um evento não esperado ocorrido no processo de produ-
nos pontos que, eventualmente, forem considerados fracos ção de uma empresa é sempre um complicador. Dependen-
em sua avaliação. do da maneira como a sistema produtivo da empresa está
Segundo o gerente industrial da empresa, a mudança do organizado, um problema em alguma das etapas do PCP
modelo de gestão correspondeu a uma mudança de mentali- pode ocasionar uma parada em todo o processo produtivo.
dade dos que ali estavam e, para ele, a maior responsável pela Desta forma, o sistema deve procurar resolver os eventos
virada da empresa diante da crise no início dos anos noventa não-lineares da maneira mais rápida possível e evitar sua
foi “acreditar no potencial das pessoas que ficaram”. Ainda repetição.
conforme este gerente, a organização nunca está satisfeita Neste contexto, e tomando por base as implicações da Te-
com o patamar em que se encontra. Ela sempre acredita que oria da Complexidade, observa-se que o PCP está fortemente
pode melhorar ainda mais. Observa-se que todos na empresa sujeito às não-linearidades emergentes na rotina de trabalho.
concordam com esta postura. Desta forma, o contexto dessa Puderam ser identificadas várias soluções adotadas pelas
mudança de modelo de gestão permitiu identificar várias empresas para solucionar as não-linearidades emergentes no
características típicas de SCAs. PCP das mesmas. Estas soluções são um reflexo das caracte-
O Quadro 2 sintetiza as características de SCAs identifi- rísticas de SCAs presentes no modo de operar das empresas
cadas nas empresas analisadas. e são apresentadas no Quadro 3.

Quadro 2: Características de SCAs identificadas nas empresas analisadas.


CARACTERÍSTICA EMPRESA A EMPRESA B

• Liberdade na tomada de decisões por parte • Modelo de gestão participativa, com


dos funcionários, desde que dentro de suas total liberdade de decisão para os
alçadas de atuação. colaboradores.
• Redução de símbolos de status: ausência • Liberdade de expressão.
de divisórias no escritório, funcionários de • Adaptabilidade: redução de níveis
Autonomia
diferentes níveis hierárquicos dividem mesmo hierárquicos.
ambiente de trabalho. • Aumento da diversidade: os
colaboradores são estimulados a
contribuir com seu potencial criativo.
• Solução de conflitos de maneira local.

• Discussão das possíveis melhorias ou • Colaboradores discutem entre si as


possíveis soluções para problemas entre um melhores soluções para os problemas e
funcionário e seus pares. oportunidades de melhoria.
Cooperação
• Cooperação entre funcionários de diferentes • Colaboradores procuram atingir os
setores na resolução de problemas de um dos melhores resultados para a empresa.
setores.

• Envolvimento de todas as pessoas • Desenvolvimento de colaboradores


relacionadas a um processo na resolução de dentro da própria empresa,
problemas ou na busca por melhorias neste sedimentando os valores da empresa em
processo. cada colaborador.
Agregação
• Defesa dos balizadores de cada setor por • Envolvimento de todas as pessoas
parte de seus funcionários, mas não entrando relacionadas a um processo na resolução
em conflito com os interesses da organização de problemas ou na busca por melhorias
como um todo. neste processo.

• Acionamento de pontos de alavancagem por • Feedback aos colaboradores através de


parte do PCP. avaliação 360º.
Auto-organização • Processo dinâmico de melhoria contínua • Acionamento de pontos de alavancagem
consolidado no sistema produtivo da empresa. por parte do PCP.
• Sistema de feedback para os fornecedores.

• Busca dos motivos que levaram a um desvio


Circuito duplo de
de rota no planejamento ou na programação -
aprendizado
da produção.
Fonte: Autores, 2006.

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Análise do planejamento e controle da produção sob a ótica da Teoria da Complexidade

Cabe destacar aqui que os aspectos típicos de SCAs nização. Para o desenvolvimento desta característica, uma
devem ser mais desenvolvidos nas empresas para que comunicação clara é essencial.
estas possam reagir às não-linearidades emergentes na A agregação e a auto-organização são decorrentes das
operacionalização do PCP de maneira mais eficaz. A duas primeiras características, e podem ser potencializadas
autonomia não pode ser concedida de maneira arbitrária. pela sensação de pertinência à organização ou à seriedade
Ela depende da capacidade dos colaboradores em lidar com que são vistos pela mesma, fazendo parte de uma
com os problemas, assumindo responsabilidade por suas parceria duradoura, em que tanto o colaborador quanto a
decisões diante da organização. Relaciona-se também organização prosperarão.
com o tipo de controle requerido pelo processo de produ-
ção, sendo que onde há maior risco, deve haver controle CONSIDERAÇÕES FINAIS
mais rígido.
A cooperação vai depender da percepção de que existe O objetivo principal deste trabalho consistiu em verificar
uma relação ganha-ganha entre os colaboradores e a orga- como as empresas vêm tratando as não-linearidades emer-

Quadro 3: Soluções para as não-linearidades incorporadas à prática do PCP.


ETAPA DO PCP NÃO-LINEARIDADE SOLUÇÃO INCORPORADA AO PCP

• Trabalhar o projeto do produto e do processo


Divergências entre o projeto do de maneira integrada, seguindo os preceitos da
produto e o projeto do processo engenharia simultânea.
• Trabalhar com times de projeto interdepartamentais.

Capacidade de produção • Considerar a capacidade de produção na fase de


Planejamento da insuficiente para a demanda projeto de um novo produto ou no horizonte de
Produção existente planejamento de longo prazo.

• Trabalho sinérgico entre os setores comercial e de


produção para evitar atrasos ou para não vender
Entrega de produtos fora do
produtos além da capacidade de produção.
prazo estipulado pelo cliente
• Oferecer uma nova solução para o cliente, como
substituição por produtos similares em estoque.

Reprogramação das quantidades • Trabalhar com a construção de cenários futuros para


finais a produzir definir a melhor solução.

Paradas na produção devido • Considerar um intervalo de parada diária da produção


a problemas de quebra de devido à quebra de máquinas e equipamentos, no
máquinas e equipamentos momento em que se realizar a programação.

• Trabalhar com vários fornecedores.


Atraso ou não conformidade no
• Criar mecanismos de feedback para os fornecedores.
fornecimento de insumos
• Trabalhar com certificação de fornecedores.

• Trabalhar com uma margem de segurança nas ordens


Programação e Matéria-prima indisponível ou
de compra de matéria-prima.
controle da produção fora das especificações no início
• Automatizar o sistema de ordens de compra de
do processo produtivo
matéria-prima.

• Realizar um ajuste fino da produção e estabelecer


Regra de seqüenciamento não regras de seqüenciamento que priorizem os produtos
considera as prioridades de já em carteira.
produção • Reprogramar produção de itens que estão sendo
produzidos para estoque.

• Trabalhar com comunicação visual nas linhas de


Desvios entre a produção
produção para alavancar o comprometimento dos
prevista e a produção realizada
funcionários com o cumprimento dos planos.
Fonte: Autores, 2006.

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Fernando Augusto Ferreira Dutra; Rolf Hermann Erdmann

gentes em seu PCP. Dentro do cenário de rápida mudança desenvolvida uma metodologia de coleta e análise de da-
ao qual as organizações estão submetidas, vislumbrar os dos, aplicada ao sistema de PCP de duas empresas. Tem-se
sistemas como sendo abertos e em constante interação com a expectativa de que este trabalho possa auxiliar de alguma
seu ambiente é crucial para um melhor entendimento das maneira outros trabalhos abordando o mesmo tema. A
relações e interconexões que regem o funcionamento destes seguir, são apresentadas algumas recomendações para pes-
sistemas. quisas futuras, baseadas nas limitações encontradas pelos
Sob o ponto de vista da Complexidade, as organizações pesquisadores para realizar o presente trabalho e também
podem ser vistas como um fenômeno que emerge da ação em percepções que os pesquisadores tiveram durante a
e da interação dos agentes componentes de um sistema. realização do mesmo:
Vislumbrar os sistemas que compõem as organizações como – Realização de pesquisas envolvendo os temas PCP e
SCAs permite buscar soluções para os problemas advindos Complexidade com uma perspectiva longitudinal. Dada
da crescente complexidade em seu ambiente. a complexidade existente em toda a cadeia produtiva de
uma organização, a realização de
uma pesquisa longitudinal, com

F oram identificadas várias soluções adotadas uma duração de tempo maior e,


pelas empresas para solucionar as não-
linearidades emergentes no PCP das mesmas.
preferencialmente, com a presen-
ça de pesquisadores in loco, vai
gerar um trabalho com resultados
robustos, contribuindo ainda mais
para a sedimentação do tema. Uma
Abandona-se, desta maneira, a linearidade herdada do pesquisa transversal com dois cortes também contribui
paradigma mecanicista, que enfatiza a subdivisão do sistema neste sentido;
em suas partes, em favor de uma visão mais integrada. Nesta, – Focar a pesquisa na etapa de controle do PCP. Por ser
a solução vem da dinâmica do sistema como um todo, e não essa a etapa responsável por corrigir os desvios de rota
da soma das ações isoladas das partes. do planejamento e da programação, estudos focando o
Ressalta-se que as empresas reconheceram que os prin- controle vão gerar bons resultados de soluções para as
cipais entraves ao bom andamento do trabalho no sistema não-linearidades emergentes no PCP;
de PCP referem-se aos problemas não esperados que acon- – Apesar de o tema Complexidade ser relativamente novo,
tecem no dia-a-dia. Isto diz respeito às não-linearidades, o hoje em dia mais estudos envolvendo o assunto vêm sen-
que mostra também a validade de se analisar o PCP através do realizados. Desta forma, deve-se buscar na literatura
das lentes deste novo paradigma. outras abordagens, diferentes das utilizadas neste traba-
Deve-se salientar ainda que o caminho para a gestão lho, envolvendo a Teoria da Complexidade;
autônoma de uma organização não é simples de se percor- – Realizar trabalhos quali-quantitativos envolvendo o
rer. Conforme destaca Agostinho (2003b), muitas vezes os tema. Uma sugestão é procurar mensurar em que nível
administradores têm o receio de deixar o controle sair de de Complexidade os sistemas estudados se encontram.
suas mãos, o que é um obstáculo à auto-organização dos
sistemas. Assim, os aspectos referentes aos SCAs podem Concluindo, este trabalho encerra uma abordagem para
ser mais desenvolvidos dentro das organizações, para que estudos do PCP visto como sendo um SCA. É importante
estas possam responder mais rapidamente às alterações que enfatizar que não há um sistema de PCP considerado uni-
ocorrem em seu ambiente de operação. versal, mormente diante dos preceitos da Complexidade.
Estudos referentes à Teoria da Complexidade são re- Porém, abordagens sucessivas dentro desta ótica permitirão
lativamente recentes, principalmente estudos empíricos contribuir para o enriquecimento e “complexificação” da
aplicados a sistemas organizacionais. Neste trabalho foi teoria em PCP e nortear trabalhos futuros.

Artigo recebido em 27/10/2006


Aprovado para publicação em 12/06/2007

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Análise do planejamento e controle da produção sob a ótica da Teoria da Complexidade

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 Sobre os autores

Fernando Augusto Ferreira Dutra, Me.


Universidade Federal de Santa Catarina
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Tel.: (11) 5041-5795 ou (11) 8119-1067
E-mail: ferdutra@gmail.com

Rolf Hermann Erdmann, Dr.


Universidade Federal de Santa Catarina – Centro Socioeconômico
End.: Caixa Postal 476 – Campus Universitário – Trindade – CEP 88040-900 – Florianópolis – SC
Tel.: (48) 3331-9365
Fax: (48) 3331-9539
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Produção, v. 17, n. 2, p. 407-419, Maio/Ago. 2007 419

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