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ATLAN EM PERIGO
Autor
KURT BRAND
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Thomas Cardif desencadeia uma revolta
contra Árcon — mas Perry Rhodan é mais
inteligente que o filho.
Cokaze, patriarca de um dos clãs dos saltadores, que era o único mercador galáctico
que fizera suas experiências com Perry Rhodan ainda ao tempo da Terceira Potência,
transformara-se em político. Acontece que não se deu conta disso. Continuava a acreditar
que era um comerciante, cujo objetivo consistia exclusivamente em aumentar a riqueza e o
poderio de seu clã no interior da raça dos saltadores.
Ao pousar em Archetz, o quinto planeta do sistema de Rusuma, Cokaze trazia o maior
segredo do império mundial arcônida. Sua frota, agora com mais de mil naves cilíndricas,
ocupou a terça parte do espaço-porto de Titon, capital daquele mundo dos saltadores.
Aquele sistema, que ficava a apenas quarenta e quatro anos-luz de Árcon, também
pertencia ao centro do grupo estelar M-13.
Acontece que há milênios um abismo profundo se abrira entre os arcônidas e os
saltadores. Além do processo de degenerescência dos arcônidas, que prosseguia
inexoravelmente, ainda acontecia que os saltadores usavam quase exclusivamente a língua
intergaláctica e mal dominavam o arcônida, o que também representava um fator de
separação. E essa separação ainda se exprimia no fato de que o mercador galáctico nascia e
morria no interior de uma espaçonave.
Eram nômades estelares, enquanto os arcônidas eram seres planetários que não
dispensavam o chão firme sob os pés.
E Archetz, o mundo dos saltadores, não representava nenhuma contradição em seu
modo de vida.
Há muitos milênios o planeta se transformara no trampolim desse povo dinâmico, que
nunca se esqueceu de que partira dali a fim de conquistar um monopólio comercial
irrestrito, abrangendo toda a Galáxia.
Archetz era um mundo de oxigênio semelhante à Terra. Sua gravitação correspondia a
1,19 vezes a deste último planeta. Seu diâmetro era pouco menos de mil quilômetros
superior ao da Terra. Banhado pela luz do sol amarelo de Rusuma, quase poderia ser
comparado a Árcon III, o planeta da guerra.
Em Archetz não havia mais nenhuma cidade na superfície. Até mesmo Titon, um
verdadeiro oceano de casas que abrigava doze milhões de habitantes, ficava a três mil
metros de profundidade. Uma rede intrincada de vias de transporte permitia que a cidade
fosse atingida dentro de meia hora de qualquer ponto do planeta.
A superfície desse mundo constituía um gigantesco centro industrial. Mas até mesmo
esta impressão era enganadora, pois quase oitenta por cento da indústria pesada ficava no
subsolo. As usinas mais modernas acabavam de ser concluídas ao nível de onze mil
metros.
Archetz era um mundo de superlativos e o coração de centenas de milhares de
espaçonaves cilíndricas dos saltadores.
Todas as invenções dos arcônidas no terreno da navegação espacial, feitas nos últimos
dez mil anos, sempre chegavam ao poder dos saltadores dentro de pouco tempo. Criaram
um código moral próprio, talhado principalmente segundo seus interesses. E, por meio de
uma ação implacável, desenvolvida em todos os mundos da Galáxia, conseguiram firmar
progressivamente seu poder, sem preocupar-se com o sangue e as lágrimas. Mas havia um
ponto a seu favor: quer quisessem quer não, estes seres, que só pensavam no lucro, no
comércio e no poderio econômico, transformaram-se num fator de disseminação de
cultura. Enquanto se espalhavam por toda a Galáxia, sempre representaram a vanguarda do
Império de Árcon nos planetas recém-descobertos.
Archetz, porém, era seu ponto de partida, ao qual sempre retornavam. Archetz
oferecia tudo que cem mil espaçonaves cilíndricas e seus tripulantes pudessem desejar.
Por estranho que parecesse, poucas vezes as espaçonaves de outras raças aportavam
neste mundo. O enorme potencial industrial do planeta era totalmente desconhecido. E a
Via Láctea nem desconfiava da existência dos gigantes financeiros de Archetz.
Sempre que se falava em dinheiro e em contas, os saltadores aludiam apenas ao
Banco. Ninguém pensava em citar o nome do Banco dos Mercadores Galácticos de Titon.
Essa instituição financeira era única no gênero. Nem mesmo Árcon podia apresentar algo
de semelhante. Sabia de sua existência, mas nunca falava a respeito, pois mesmo no auge
de seu poder Árcon sempre nutria um receio secreto por esse gigante das finanças.
O patriarca Cokaze acabara de pousar com a Cok II junto ao enorme edifício da
recepção do espaçoporto, enquanto a frota de seu clã descera no setor norte. Momentos
depois, entrou no Banco dos Mercadores Galácticos, juntamente com os parentes mais
próximos e Thomas Cardif.
O grupo abriu caminho em silêncio em meio à massa que se acotovelava no hall de
entrada. Cokaze conhecia o lugar. Dirigiu-se até o pequeno elevador antigravitacional que
quase não era utilizado pelo público.
Oito saltadores e um oficial da Frota Espacial Solar que desertara do serviço foram
levados para baixo. Tiveram de esperar numa sala decorada com grande pompa.
O funcionário atendente saíra, observando que dificilmente Atual e Ortece teriam
tempo para recebê-los.
Os saltadores esperavam com serenidade e calma apavorantes. Thomas Cardif, que
não sentia o menor nervosismo, admirou esses homens silenciosos.
Uma porta lateral abriu-se sem o menor ruído. Um saltador, que envergava uma veste
amarela em forma de toga, aproximou-se de Cokaze.
— Patriarca? — disse o saltador em tom indagador, inclinando ligeiramente a cabeça.
— Atual? — respondeu Cokaze, também em tom indagador, e fez o mesmo
movimento de cabeça.
— Ortece nos espera!
Cokaze fez um gesto afirmativo, como se não esperasse outra coisa. Só o mais rico
dos chefes de clã dos mercadores galácticos poderia pensar assim. Acompanhou Atual. Ao
dar o primeiro passo, voltou-se para Thomas Cardif e fez um sinal para que este se
aproximasse.
— Fique ao meu lado, arcônida.
Atual ouvira estas palavras. Virou a cabeça, surpreso. Durante os cumprimentos só se
dirigira a Cokaze, mas agora viu ao lado do patriarca simplesmente — Perry Rhodan!
— Este é Rhodan, saltador!
O patriarca soltou uma estrondosa gargalhada e empurrou Thomas Cardif para junto
de Atual.
— Este homem tem algo a ver com Rhodan, Atual. A pessoa que o senhor está vendo
à sua frente é o filho de Rhodan, cuja mãe foi uma princesa de Árcon.
Atual, que era bem mais alto que o patriarca e totalmente calvo, o que era uma
raridade entre os saltadores, fitou o terrano com um olhar penetrante.
— É o filho de Rhodan? — perguntou, e lançou um olhar desconfiado para Cokaze.
— Acho que hoje Ortece e eu não poderemos cumprir nossa agenda.
— Quando se trata de um banqueiro, a gente nunca sabe se pode ou não cumprir a
agenda — respondeu Cokaze.
Atual, que há trinta e um anos dirigia o Banco juntamente com Ortece, não deu
nenhuma resposta à alusão do patriarca.
Dali a pouco, os saltadores e Cardif estavam sentados à frente dos dois poderosos
homens.
— Também ouvimos a perigosa notícia, patriarca. Ficamos admirados de o senhor se
ter envolvido nesse jogo — disse Ortece que, ao contrário de Atual, era de constituição
franzina.
— Foi justamente por isso que vim falar com os senhores — observou Cokaze. —
Quem está sentado a meu lado é o filho de Rhodan. Isso lhe deveria dar o que pensar. O
senhor também sabe que venho diretamente do sistema solar. Abandonei-o
incondicionalmente, antes que as naves robotizadas de Árcon, que de repente voltaram a
surgir na área controlada por Rhodan, me pudessem causar dificuldades.
— Cokaze, o senhor está desperdiçando muitas palavras. Não temos tempo para isso!
— disse Ortece, um homem de aspecto despretensioso.
— Daqui a pouco, o senhor terá tempo de sobra para mim, Ortece; tenho certeza
absoluta — respondeu Cokaze em tom um tanto áspero. — Acho que o senhor não se deu
conta do que acabo de dizer. Saí da área de influência de Rhodan com todas as minhas
naves, antes que a frota de Árcon me pudesse criar dificuldade. Ortece, o clã do patriarca
Cokaze nunca abandonou voluntariamente um mundo ocupado por suas naves. Acontece
que as de Árcon, que de repente apareceram no sistema solar, eram comandadas por
terranos...
Ortece voltou a interrompê-lo.
— O senhor já soube falar melhor, patriarca! Daqui a pouco, teremos de despedir-nos,
pois precisamos conferenciar com o Conselho Consultivo sobre a concessão de um
empréstimo ao mundo de Gutha...
Cokaze inclinou-se em direção a Ortece.
— O senhor vai cancelar a reunião. E ficará aqui, com Atual. Será que, por uns
miseráveis bilhões, o senhor vai perder a chance de colocar os saltadores em condições de
igualdade com os arcônidas? O cérebro positrônico não manda mais nada. O Império é
governado por um certo Atlan. Quem poderia ter ajudado esse usurpador desconhecido a
enganar o computador gigante e colocá-lo fora de ação? Será que é mesmo necessário
formular a pergunta? Aqui está o filho desse homem: o filho de Perry Rhodan. Com um
punhado de homens, Rhodan conseguiu colocar Atlan acima de nós.
Cokaze estacou e lançou um olhar penetrante para Ortece.
Ortece espalmou as mãos, num gesto de enfado.
— Somos financistas, patriarca. Quando iniciamos uma palestra com alguém que
queira dinheiro, costumam apresentar-nos documentos. Acontece que, desta vez, querem
que nos contentemos com palavras. Acho que não temos mais nada a dizer um ao outro.
O chefe de clã respondeu em tom frio:
— Acho que seria conveniente que, antes de mais nada, o senhor procurasse informar-
se sobre as notícias mais recentes, Ortece.
Estas palavras foram proferidas em tom de ultimato. Atual estremeceu ligeiramente e
lançou um olhar significativo para seu colega.
Ortece manteve-se no terreno objetivo. Respondeu com a maior tranqüilidade:
— Já conhecemos as notícias a que acaba de aludir. Cokaze, será que o senhor já
ouviu dizer que o mercado monetário costuma reagir a todo e qualquer abalo político?
— O senhor já ouviu dizer que os aras me convidaram a conferenciar amanhã com o
Conselho dos Dez? Muito bem. Se os senhores, que são mercadores galácticos, não estão
dispostos a investir alguma coisa em benefício do grande império dos mercadores, não
terei outra alternativa senão aliar-me aos aras. Acho que realmente já dissemos tudo que
tinha que ser dito.
Dali a uma hora, o grupo de saltadores e Cardif encontravam-se novamente a bordo
da Cok II. O patriarca não fez qualquer comentário sobre a conferência malsucedida que
mantivera no Banco. O velho leu as notícias recebidas naquele meio tempo e passou-as
para Thomas Cardif. Já percebera que não poderia transformar o jovem terrano num
simples meio para alcançar suas finalidades. O desertor da Frota Espacial Solar não era um
homem do qual se pudesse abusar. Fora dele a proposta de informar toda a Galáxia pelo
hiper-rádio sobre a mudança de governo, depois que compreendera as chances que os
mercadores galácticos viam nessa mudança secreta.
Cokaze ainda hesitara. O risco lhe parecia muito grande. Mas os argumentos de
Cardif eram convincentes.
— Transmita a informação ininterruptamente pelo hipercomunicador — pedira
Thomas Cardif em tom enfático. — Repita a notícia sem cessar, informando que um certo
Atlan está governando o Grande Império. Fique martelando a Via Láctea com a novidade,
Cokaze! Não vá imediatamente a Archetz. Permaneça no espaço com sua frota e atice a
fogueira de lá.
“O senhor desencadeará um furacão espacial. Os mercadores galácticos se revoltarão
contra o usurpador Atlan e o afastarão do governo.
“Mas não espere demais, pois o senhor não está interessado em possuir um corpo
acéfalo. O que o senhor pretende é ocupar o lugar dos arcônidas, apossando-se de toda a
extensão do reino estelar M-13. Por isso deverá estar em condições de golpear assim que
as primeiras raças coloniais tentem retirar-se do Grande Império.
“Atlan mesmo lhe fornecerá a prova de que é o novo governante. E o
desenvolvimento catastrófico dos acontecimentos o obrigará a ministrar a prova de que
ocupa o lugar do Grande Coordenador. No momento em que fizer isso, Cokaze, os
mercadores galácticos serão os senhores do Império de Árcon.”
Cokaze, o mais rico dos chefes de clã dos saltadores; Cokaze, um homem velho e
experimentado, sagaz e hábil nos negócios, inescrupuloso e matreiro, quando fosse
necessário — esse Cokaze assustou-se com o ódio demoníaco do jovem terrano.
Descobriu o que havia dentro dele.
De repente, o patriarca começou a ter medo de Thomas Cardif.
Esse velho, que nunca sentira problemas de consciência, quando submetia mundos
recém-descobertos com populações inteligentes à sua vontade, obrigando-os a celebrarem
tratados comerciais com seu clã... Só agora, esse velho percebia quem era Thomas Cardif.
E, além disso, não pôde deixar de reconhecer que os mercadores galácticos já não mais
podiam recuar.
Thomas Cardif atrelara-os à sua carruagem, a fim de desencadear uma revolução no
Império de Árcon e destruir seu pai Perry Rhodan.
E Cokaze, todo apavorado, perguntara ao jovem:
— Afinal, quem é você, Thomas Cardif? E o que ouvira depois disso? O que vira?
Ouvira-o rir e vira-o erguer o corpo. Depois veio a resposta arrogante:
— Sou um arcônida, saltador! Naquela oportunidade — tudo aquilo se passara há
poucos dias — Cokaze sacudira a cabeça:
— Você não é nenhum arcônida! Nunca foi. Se no Grande Império houvesse mil
pessoas da sua categoria, vocês nos tangeriam até as cavernas estelares. E também não é
nenhum terrano, Cardif. Você brinca com mundos, com impérios espaciais. Faz tudo isso
para destruir Rhodan. Somente para isso! Saia da minha frente. Não posso vê-lo mais, seu
monstro.
Mas, momentos depois, o patriarca dirigira-se espontaneamente ao camarote do
jovem, que há um minuto, bastante descontrolado, chamara de monstro.
“Esse é Rhodan”, pensou Cokaze ao entrar no alojamento de Cardif, quando viu o
mesmo olhar penetrante que notara durante a palestra mantida com Perry Rhodan, em
Terrânia.
— Então, a tempestade já se transformou num furacão, saltador? — perguntou Cardif
como que ao acaso.
— Ainda não, mas os aras já chamaram três vezes e pediram insistentemente que
transportasse suas cargas em minhas naves. Esse procedimento é tão fora do comum que só
pode significar que querem falar comigo.
— Cokaze, o senhor não obterá nenhum lucro nesse negócio em torno do Grande
Império se não garantir sua posição futura. O que vêm a ser suas dez mil naves? E o que
importa sua conta bancária? O que poderá conseguir pelo simples fato de ter conhecimento
de que o cérebro positrônico foi substituído pelo Almirante Atlan? Nada, absolutamente
nada.
“Ponha tudo isso a render. Entre em contato com os povos coloniais mais turbulentos.
Negocie a respeito de tudo, mas não perca a cabeça. Na política, a mesma sempre fica
meio frouxa em cima do pescoço. Não se esqueça de que depois da tempestade, poderá vir
o furacão, por isso não dê margem para esse tal de Atlan retirar a frota de guerra que se
encontra na zona de descarga. Caso isso aconteça, vocês terão a guerra que só poderá
atrapalhar seus planos.
“Vocês não querem um império em chamas; querem pôr no bolso um lucro
estupendo. Se é assim, cuidem para que o bolso não seja muito pequeno para guardar o
lucro. O senhor compreendeu, saltador?”
Cokaze teve a impressão de que Cardif falara sem refletir, mas quando se viu a sós
em seu camarote, percebeu que nas palavras de Cardif não havia a menor incoerência.
Cokaze chamou a Cok III e a Cok IV. As duas naves encostaram ao longo da sua.
Criou-se uma ligação que permitia passar de uma nave a outra.
As três potentes estações de hipercomunicações funcionavam ininterruptamente. O
patriarca começou a tecer sua rede. Nem se deu conta de que estava fazendo exatamente
aquilo que Cardif lhe sugerira: estava procurando o poder, o poder político.
Quando o terceiro dia chegou ao fim, o patriarca havia lançado suas minas em todos
os cantos. Mais de novecentos clãs de saltadores estavam com ele e os aras continuavam a
insistir em obter frete em suas naves. Além disso, entrara em contato com os povos
coloniais, por intermédio dos patriarcas de outros clãs ou das feitorias comerciais dos
saltadores, instaladas nos respectivos mundos.
— Não se exponha tanto — vivia advertindo Cardif.
Muitas vezes, Cokaze não conseguia compreender por que dava atenção aos
conselhos daquele jovem. Não compreendia a si mesmo, mas sabia que, no terreno tático-
político, o filho de Rhodan tinha uma superioridade enorme sobre ele.
Naquele momento, estavam sentados na grande cabina da Cok II. Cokaze empurrou
as últimas notícias para o lado em que estava Cardif.
O panorama da tempestade que iria desabar desenhava-se nitidamente.
Cada vez mais se aproximava a hora em que o Almirante Atlan, que se encontrava em
Árcon III, teria de dirigir a palavra ao Grande Império, se não quisesse assistir ao
esfacelamento de seu grande império cósmico.
Mas o Banco dos Mercadores Galácticos de Titon não dava sinal de vida.
Apesar disso, Cokaze piscou para Thomas Cardif com uma expressão alegre no rosto.
As minas haviam sido colocadas; bastava detoná-las. O patriarca possuía o detonador,
e mais uma vez devia agradecer a Cardif por estar de posse de um poder que obrigaria
Ortece e Atual a ajoelharem-se.
As notícias continuaram a chegar. O joio já fora separado do trigo. Cokaze e Cardif
foram os únicos que as leram. Os filhos mais velhos do patriarca não passavam de artistas
figurantes. Não deixavam perceber o que pensavam sobre o papel que lhes fora atribuído.
Não gostavam de Thomas Cardif, e não faziam questão de esconder esse fato.
O filho de Perry Rhodan não se incomodava com isso. Sabia que ainda era o mais
forte, mas tinha bastante inteligência para não jogar desnecessariamente com sua força.
Fazia questão de que todos percebessem que apenas era o conselheiro do patriarca, e cada
conselho que dava constituía um sinal dessa situação. Depois de um rigoroso exame,
qualquer um chegaria à conclusão de que não deveria atribuir motivos egoístas a Cardif.
Mas Cardif fazia jus à condição de filho de Perry. Se bem que não possuía o caráter
puro do pai, tinha o saber intuitivo de Perry, que lhe permitia reconhecer num instante o
desenvolvimento de qualquer situação até o desenlace final, sem esquecer-se de considerar
as circunstâncias imponderáveis.
Na verdade, agia sem refletir, de forma puramente intuitiva.
— Saltador, será que não está na hora de informarmos Atual e Ortece sobre os novos
acontecimentos? Depois dos saltadores, os aras são a maior família racial do Império de
Árcon, e o Conselho dos Dez volta a perguntar quando o senhor chega a Aralon.
— Será que não é cedo para isso? — atreveu-se um dos filhos mais velhos de Cokaze
a perguntar.
Mas logo teve de ouvir uma repreensão áspera. No mesmo instante, Cokaze pediu
uma ligação com os dois diretores do banco.
Muitos minutos se passaram até que o rosto de Atual surgisse na tela, instalada no
camarote de Cokaze. O chefe de clã não perdeu tempo com preâmbulos.
— Atual, neste momento, estou falando em nome de oitocentos e cinqüenta e sete
patriarcas, em nome de cento e vinte e seis estaleiros, em nome da indústria pesada e da
indústria de armamentos. Falo em nome de todos os chefes dos superpesados. Depois deste
aviso enviarei um mensageiro, com todos os documentos necessários, segundo os quais as
pessoas e entidades, que acabam de ser mencionadas, liquidam suas contas nesse banco. O
lugar para o qual deverão ser remetidos os fundos consta dos documentos e...
— Faremos o que o senhor desejar, patriarca — interrompeu-o Atual sem revelar o
menor abalo. — Aguardamos os documentos.
Com um leve aceno de cabeça interrompeu a ligação.
Houve certa inquietação entre os filhos de Cokaze, que se encontravam às costas do
patriarca. Ninguém contara com esse malogro. Os banqueiros saltadores deviam ser
indivíduos dotados de qualidades especiais.
O patriarca estava fora de si. Thomas Cardif deleitava-se com um cigarro. Nesse
instante, seria idêntico a Perry Rhodan, se não fossem os olhos amarelos de arcônida.
Sorria alegremente.
— Não vai enviar os documentos ao banco, saltador? — e logo depois, disse: —
Acho que devemos informar o Conselho dos Dez sobre a nossa chegada.
O experimentado chefe de clã ainda não estava perfeitamente entrosado com o jovem
Cardif.
— Deixaremos que Ortece e Atual esperem até hoje de noite. Quero que acreditem no
blefe. Depois disso, talvez mostrarão maior disposição para abandonarem a reservada
posição em que se encontram... e até lá poderei estabelecer mais alguns contatos.
Cokaze demonstrou que fazia jus à condição de mais rico dos chefes de clã dos
mercadores galácticos. Sabia negociar, e a capacidade de conferir credibilidade às suas
palavras devia ser inata. Sempre fizera questão de dizer aos filhos que, por meio de
mentiras táticas, pode-se perder tudo, mas raramente se consegue adquirir riquezas.
Conseguiu encontrar-se com quatro grandes industriais num local previamente
combinado. Conferenciou com estes. Dali a três horas, quando voltou à Cok II, entregou
mais nove documentos a Thomas Cardif, para que este os examinasse.
— Cokaze, pela primeira vez na vida admiro um mercador galáctico! — exclamou
Thomas Cardif em tom impulsivo e, segundo o costume terrano, estendeu a mão ao
patriarca.
Este já vira esse costume na Terra e, muitas vezes, se divertira à custa de tal
confraternização. Mas agora pegou a mão de Cardif sem a menor hesitação e retribuiu a
pressão da mesma. O rosto de Cokaze estava radiante. Sentia-se satisfeito com o
entusiasmo sincero de Cardif.
***
***
Cokaze e Thomas Cardif ouviram essa transmissão durante o vôo de regresso, depois
da conferência com o Conselho dos Dez. A mesma causou certa impressão ao patriarca.
Porém, para Cardif, não representou nem mesmo um princípio de advertência.
— É um blefe! — opinou. — Atlan continua a usar o cérebro, Cokaze. Se o
computador tivesse falado por iniciativa própria, eu não daria a menor chance aos
mercadores. Acontece que hoje em dia o cérebro não é mais o que já foi. Atlan não acaba
de provar que agi acertadamente ao aconselhá-lo a entrar em contato com os comandantes
de esquadrilhas, que se encontram na frente dos druufs?
Sua voz soava fria e facilmente poderia ser confundida com a de Rhodan. Acontece
que o pai desse jovem nunca falara com tamanha frieza e insensibilidade.
Um movimento instintivo de autodefesa obrigou o patriarca a reclinar-se. Cardif
reconheceu o significado do movimento.
— Sou um monstro, não é, saltador? É o que o senhor está pensando mais uma vez,
mas esquece que meu plano não prevê nenhuma operação bélica. Não quero transformar-
me num monstro que traga sangue e lágrimas para dentro do Grande Império. Apenas
quero destruir Rhodan e apagar seu nome, para que, daqui a dez anos, ninguém mais fale
nele. Depois disso, desaparecerei e serei esquecido. Porém, até o fim dos meus dias, terei
consciência de que minha vida não foi inútil.
— Cardif, Rhodan é igual a você? O patriarca Cokaze não pôde deixar de formular a
pergunta. Alguma coisa dentro dele obrigava-o a isso.
— Acha que Rhodan é igual a mim? Nada disso, saltador! O único ponto de
semelhança é o rosto que herdei dele. Rhodan é um terrano, um feixe de sentimentos que
representam uma contradição ininterrupta aos seus conhecimentos. Acontece que eu sou e
sinto como um arcônida.
Naquele momento, o comerciante passou a falar pela boca de Cokaze.
— Quer dizer que não pretende extrair nenhuma vantagem da destruição de Rhodan?
Cardif fitou-o sem compreender.
— Alguma vantagem para mim? Nem sequer chego a brincar com a idéia de
transformar-me em seu sucessor no sistema solar. Quero destruí-lo, castigá-lo pelo
assassinato de minha mãe. Depois disso, ficarei satisfeito, pois me bastará saber que ele
recebeu aquilo que merece. Apenas não compreendo por que o senhor vive insistindo para
que fale em Rhodan.
— Porque às vezes você me assusta, e porque outras vezes não posso deixar de
admirá-lo, mesmo que não queira. Nunca poderá negar que é filho de Rhodan. Se estivesse
no seu lugar, eu me orgulharia de ter um pai como ele.
Thomas Cardif respondeu em tom sarcástico:
— Como mercador galáctico, o senhor é muito sentimental!
O sistema de intercomunicação de bordo interrompeu a conversa. O chamado vinha
da sala de rádio.
— Senhor, faça o favor de ouvir isto — disse o operador de rádio em tom exaltado.
O sistema de armazenamento acoplado ao hiper-rádio, que era uma peça minúscula
do cérebro positrônico de bordo, reproduziu uma notícia transmitida por Árcon.
A 1.529 anos-luz de Árcon, no sistema de Dartol, formado por dois sóis e 36 planetas,
os rasis, uma raça anfíbia inteligente, separaram-se do Império de Árcon.
Há uma hora, duzentas naves arcônidas apareceram sobre três planetas habitados por
rasis e, sem a menor advertência, gaseificaram uma das muitas pequenas luas que
gravitavam em torno de cada um dos três planetas. O gigantesco cérebro positrônico
informou em tom indiferente:
— As fortes radiações obrigaram os seres anfíbios dos três mundos dos rasis a dirigir-
se ao mar e recolher-se às cúpulas submarinas. Numa de suas últimas mensagens o
governo da federação tripla de Rasis declarou que é um vassalo fiel do Grande Império.
— Árcon está agindo! — disse Cokaze em tom assustado.
Cardif o contraditou.
— Não é Árcon, mas Atlan! O computador gigante teria transformado os mundos dos
rasis em sóis para mostrar ao Império que seu castigo é implacável. Atlan apenas
gaseificou três luas minúsculas, sem disparar um único tiro contra os planetas.
Inclinou-se para a frente e, falando mais baixo que antes, quase como um sedutor
diabólico, disse:
— Cokaze, será que não devemos chamar a atenção dos mercadores galácticos para
esta diferença?
Quando a Cok II voltou a pousar no espaçoporto de Titon, Atual e Ortece esperaram
que a comporta da nave cilíndrica se abrisse e que a rampa fosse descida.
Atual e Ortece procuravam o patriarca Cokaze, porque o mesmo lhes provara ser o
mais forte. E, com o documento assinado pelos aras no bolso, segundo o qual os médicos
galácticos estavam dispostos a encerrar todas as suas contas, sua situação se fortalecera
ainda mais.
Ortece e Atual examinaram o documento. As mãos de Ortece tremiam levemente
enquanto o devolvia ao patriarca. Com a voz pesada, disse:
— Tomamos todas as providências, Cokaze, mas não podemos deixar de formular
mais uma advertência.
— Por quê? — Cardif formulou a pergunta em tom frio.
Ortece e Atual, patriarcas de dois clãs que há alguns milênios eram donos do
Banco, estremeceram e fitaram perplexos e contrariados o jovem. Depois lançaram
um olhar indagador para Cokaze.
— Cardif tem razão e está perguntando em meu nome — afirmou o patriarca.
Essas palavras equivaliam a um pedido de resposta.
Dezoito saltadores e Cardif estavam sentados à frente dos dois financistas. Dezoito
saltadores não se atreviam a contraditar os argumentos dos experimentados banqueiros.
Porém, este jovem, que se parecia com Perry Rhodan, desfazia-lhes todos os argumentos e,
no fim, colocou-os em situação tão difícil que Atual não conseguiu deixar de confessar, em
tom abatido, que as idéias de Cardif também poderiam ser corretas.
— Nesse caso, tudo se resume numa questão de risco — retrucou Cardif com a voz
controlada. — O Banco não perderá dinheiro, desde que os senhores desencadeiem uma
inflação no Império de Árcon. A mesma apenas causará o abalo econômico de Árcon. E
um revés monetário pesa muito mais que uma batalha perdida.
“Quando pretendem desencadear a inflação? Decidam logo, pois, do contrário,
usaremos os documentos que temos em nosso poder e, dentro de uma hora, o Banco dos
Mercadores Galácticos de Titon irá à falência.”
Desde a fundação do Banco, nunca ninguém exercera tamanha chantagem contra o
mesmo. Há muitas gerações os clãs dos Atual e dos Ortece se gabavam de que sempre
eram tratados com o maior respeito.
E agora um homem, que era filho de Perry Rhodan e tinha por mãe uma princesa
arcônida, fazia-os concordarem com seus planos e desencadear uma inflação no Grande
Império, ou declarar sua falência dentro de uma hora.
O suor porejava nas testas de dezoito saltadores, de Atual e de Ortece. Thomas Cardif,
que estava sentado ao lado de Cokaze, fumava tranqüilamente. Seus olhos acompanhavam
os anéis de fumaça.
Ortece, o saltador franzino, pigarreou.
— Amanhã, terrano! Amanhã, três unidades de tempo depois do momento em que
Árcon tiver transmitido as últimas cotações.
A expressão terrano soara como uma maldição. A voz de Ortece tremia de raiva.
Thomas Cardif apagou o cigarro.
— Obrigado — disse e sorriu para os dois.
Compreendeu perfeitamente por que os dois banqueiros se retiraram sem despedir-se.
Dezoito saltadores viam nele um perigo mortal. Cokaze perguntou com a voz
insegura:
— Cardif, onde foi que o senhor adquiriu esses conhecimentos sobre a técnica
financeira?
— O que o senhor acha que eu tenho? — perguntou Cardif em tom de espanto. —
Conhecimentos sobre assuntos financeiros? Não posso responder à sua pergunta, pois até o
momento em que iniciei a conferência com Atual e Ortece nunca pensei sobre isso.
***
***
Dali a quatro horas Bell, a bordo da Califórnia, com a qual avançara espaço afora,
transmitiu uma mensagem de apenas uma palavra: Pega-moscas.
No mesmo instante, a Drusus, um supercouraçado de 1.500 metros de diâmetro,
decolou de Terrânia, com Perry Rhodan, Mercant, Freyt e a maior parte do Exército de
Mutantes a bordo. Além disso, encontravam-se na nave duzentos especialistas das mais
diversas áreas. Todos participariam dessa missão especial, identificada pelo estranho nome
pega-moscas.
Bem longe da órbita de Plutão, a Drusus avisou as estações medidoras de abalos
estruturais do que estava para ocorrer, e transmitiu o tempo da transição que pretendia
levar a efeito.
Só numa situação de emergência permitia-se a realização de uma transição no interior
do sistema. Ao lembrar-se disso, Perry Rhodan soltou uma risada amarga. Mais uma vez,
seria tudo ou nada!
A trezentos mil quilômetros da Califórnia, a Drusus emergiu do hiperespaço e
retornou ao Universo normal. Dali a cinco minutos, Bell flutuava juntamente com alguns
companheiros e um robô de trabalho em direção à Drusus, que estava parada próximo à
sua nave.
O robô de trabalho carregava o novo aparelho de localização. Bell nem se atrevera a
levá-lo, embora pesasse apenas alguns quilos e pudesse ser transportado facilmente, em
perfeita segurança. Acontecia que, no momento, era o único aparelho desse tipo de que
dispunham e, por isso,
Bell achava que era seu dever não confiá-lo a ninguém a não ser a um robô.
O grupo levou dez minutos para percorrer a distância que separava a comporta da
Drusus da gigantesca sala de comando da supernave. No momento, não havia motivo para
apressar-se. Quando se encontrava no interior da comporta da imensa nave esférica,
chamara Perry pelo intercomunicador e lhe dissera:
— 1625/F 13/S27, catálogo estelar dos arcônidas.
O computador positrônico de bordo ouvira a mensagem e, imediatamente, expelira a
fita perfurada pela fenda.
O grupo de letras e algarismos representava a identificação arcônida de um pequenino
sol vermelho, que ficava a 8.136 anos-luz da Terra e tinha dois planetas igualmente
pequenos e desabitados. Foi nesse sistema, próximo do chamado Saca-rolhas, um braço da
Galáxia com o formato desse utensílio, que Reginald Bell constatou, mediante o novo
aparelho de localização de abalos estruturais causados pela utilização do hiperpropulsor
linear, a presença dos três mil veículos espaciais dos druufs que, depois da fuga do sistema
solar, permaneciam escondidos nas profundezas da Via Láctea.
A fita perfurada, que Perry Rhodan segurava, continha todas as informações que se
tornavam necessárias para dirigir-se a esse sol vermelho-escuro, um oitavo do sol terrano.
Naquele instante, a Drusus e a Califórnia encontravam-se a quatro anos-luz da Terra.
Esse fato já fora considerado nas indicações fornecidas pelo computador positrônico de
bordo.
Na grande sala de comando, começou a desenvolver-se um procedimento dotado de
uma perfeição militar. Rhodan transmitiu ordens lacônicas e inequívocas, ouviu
confirmações e não deixou que as numerosas perguntas o enervassem.
No momento em que o grupo dirigido por Bell, que trazia um robô com o novo
aparelho, chegou à sala de comando, a Califórnia, uma nave de cem metros de diâmetro,
pertencente à classe Estado, já estava regressando à Terra. Enquanto isso, a Drusus
preparava-se para a transição, que a transportaria por uma distância de 8.100 anos-luz, para
junto do insignificante sistema do pequeno sol, que naquele instante assumia uma
importância relevante para Rhodan.
O supercouraçado começou a acelerar. O computador positrônico de bordo marcara o
salto pelo hiperespaço para dali a trinta e um minutos.
Perry Rhodan saiu da sala de comando, acompanhado por Bell, Mercant e John
Marshall. Deixara o comando do supergigante a cargo de Deringhouse.
Uma conferência realizada no camarote de Rhodan fora o sinal de que uma missão
importante estava prestes a acontecer.
A única pessoa já informada sobre o plano pega-moscas era Allan D. Mercant.
O administrador não era dado a longos preâmbulos.
— Pela meia-noite, a Califórnia voltará a pousar em Terrânia. A essa hora, a Drusus
se terá aproximado a dez ou quinze anos-luz do sistema em que a frota dos druufs se
abrigou. Em Terrânia, uma nave-correio ficará à espera da notícia de que nos aproximamos
dos dois planetas em que pousaram as naves dos druufs. Assim que receber nossa notícia, a
nave-correio decolará em direção a Árcon III, a fim de entrar em contato com Atlan. O
correio não terá conhecimento das notícias que transmitirá ao almirante. Nem mesmo no
computador de bordo serão introduzidos dados a este respeito. Mas faço votos para que
Atlan se lembre do que eu quis dizer quando, certa vez, na sala de comando de uma nave
esférica, falei no Anel dos Nibelungos. O correio apenas transmitirá esta senha.
Rhodan viu Bell respirar profundamente.
— Está com falta de ar, gorducho?
— Será que você não poderia complicar as coisas mais do que isso? — perguntou em
tom tão amável e sacudiu a cabeça.
— Complicar as coisas? — repetiu Rhodan, espantado. — De forma alguma.
Acontece que nesta missão não estou disposto a assumir o menor risco.
— Atlan pedirá que lhe tragam o Anel dos Nibelungos da sala de comando da nave-
correio. Compreenderá imediatamente o que lhe mandei dizer. Depois disso, a nave-correio
não voltará à Terra. Ela nos seguirá e se manterá à espera numa coordenada que ainda lhe
será fornecida. Enquanto isso entraremos em contato com os druufs...
Bell e Marshall estiveram a ponto de levantarem-se, mas não o fizeram. Bell fitou o
polegar com uma expressão pensativa.
Um brilho ligeiro surgiu nos olhos cinzentos de Rhodan, porém não fez caso da
alusão de Bell.
— Chegaremos a um acordo com o comandante dos druufs!
Subitamente, o tom de voz de Rhodan era diferente. A afirmativa, que parecia
incrível, perdia a incredibilidade graças à sua autoconfiança sugestiva.
Naquele momento, Bell lembrou-se das muitas gentilezas dos druufs. Nunca se
esqueceria das mesmas. A lembrança que tinha desses seres não era nada agradável, e não
era do feitio de Bell guardar sua opinião para si mesmo.
— Perry, só conseguiremos chegar a qualquer acordo com o chefe dos druufs, quando
ele não tiver mais a menor chance de continuar vivendo.
— Como você sabe avaliar bem a situação dos druufs! — disse Rhodan com uma
suave ironia. — Acontece que eles não têm mais chance de voltar ao seu Universo.
“A área de superposição entre o Universo deles e nosso tornou-se tão instável que a
passagem de um espaço para outro torna-se mais difícil a cada dia que passa. Nós sabemos
disso, e Atlan também. Porém nem uma única pessoa no Império de Árcon, inclusive um
certo Thomas Cardif, sabe disso.
“E o nosso ponto chave é o fato de que os comandantes das três mil naves dos druufs
também sabem. Já devem ter percebido que seus fantásticos hiperpropulsores não lhes
servirão para nada, pois não há nenhuma velocidade que leve do nosso espaço ao Universo
deles e, além disso, eles não têm nossos projetores de campo de re-fração.
“Ainda há outro fato que os coloca em situação menos favorável. Face à dimensão
temporal, que trouxeram de seu Universo, só desenvolvem metade da nossa velocidade.
Num vôo espacial normal, só serão capazes de atingir metade da velocidade da luz.
“Um belo dia, eles calcularão onde encontrar a abertura de descarga estável dos dois
Universos, que se deslocam um ao lado do outro. Mas faria qualquer aposta com você,
Bell, de que o dia em que isso acontecer esse ponto estará num futuro muito distante.
“Quando esse dia chegar, o druuf que tiver vida mais longa já terá apodrecido há
muitos decênios.”
— Perry — perguntou Bell no tom de voz que lhe era peculiar. — Você nunca ouviu
falar que uma pessoa desesperada e dominada pelo pânico muitas vezes age como um
louco e faz exatamente o contrário do que se espera?
Perry Rhodan confirmou com um gesto e indagou:
— Você nunca ouviu falar no medo da morte, Bell?
— Se não se tratasse dos druufs, eu diria que você tem razão. Acontece que esses
seres têm uma mentalidade que para nós é incompreensível.
— Quando a morte está à vista... Quando surge o medo de morrer, todos os seres são
iguais, Bell. Parto deste princípio ao projetar as negociações com os druufs.
O intercomunicador deu um sinal. Rhodan teve que dedicar sua atenção à tela que
naquele instante se acendeu.
— Sir, são notícias do almirante! — disse o oficial que estava de plantão na grande
sala de rádio da Drusus.
O rosto contrariado de Atlan fitou os homens que se encontravam no camarote de
Rhodan.
— Perry, meus parabéns pelo filho que você tem. Você se orgulharia, caso ele
estivesse do nosso lado.
Estas palavras foram ditas a título de intróito. Rhodan empalideceu ligeiramente.
— Bárbaro, o maior banco do Império dos Arcônidas, o Banco dos Mercadores
galácticos de Titon, cedeu à pressão de um certo Thomas Cardif e provocou uma inflação
no Grande Império.
“Afinal, temos uma instituição semelhante à Bolsa de vocês. Há três horas, o local
transformou-se em ponto de reunião de doidos. Nem mesmo com os recursos do banco
oficial consegui sustentar as cotações que caem ininterruptamente. O cérebro positrônico
recomendou que não fizesse nada para impedir a queda.
“Nossos queridos amigos, os aras, invocaram um pretexto tolo e suspenderam
temporariamente o fornecimento de todo e qualquer medicamento. Descobri que Thomas
Cardif e Cokaze conferenciaram durante várias horas com o Conselho dos Dez, em Aralon.
“De todos os setores do Império, chegam notícias de que nenhuma nave dos
saltadores está pousando para descarregar suas mercadorias. Nos espaçoportos dos
diversos mundos só estão pousadas naves cilíndricas, incapazes de voar.
“Três esquadrilhas de cruzadores, que operavam na frente dos druufs e estavam sendo
dirigidas pelos mercadores galácticos, procuraram transferir-se para M-13. Quando fiquei
sabendo disso, a proteção robotizada automática já havia entrado em ação e destruiu as três
esquadrilhas, sem deixar uma única nave. Foram trezentas e sessenta e duas unidades!
“Segundo notícias dignas de crédito, os superpesados estão voando em torno de
Archetz para proteger o planeta. Os únicos mundos em que ainda não se notou a presença
do fermento revolucionário são Árcon I, II e III. O cérebro avalia a confiabilidade dos
comandantes de naves de guerra que atuam na frente dos druufs em 47,3 por cento.
“Agora, a medida do cérebro positrônico, que mandou substituir a maior parte das
tripulações robotizadas da frente dos druufs por homens, está-se virando contra nós. Se nas
próximas dez horas a situação continuar a deteriorar-se, farei explodir o planeta Archetz
depois de um último aviso. E se isso não bastar para intimidá-los, farei com que recebam
aquilo que...”
Nessa altura, Rhodan interrompeu-o.
— Atlan, seria recomendável que você não fizesse nada antes de receber notícias
minhas.
— Não subestime seu filho, Perry. Quase chego a admirá-lo. De qualquer maneira,
esperarei desde que Cardif me dê tempo para isso.
Mais tarde, Rhodan não saberia explicar o que lhe fez dar esta resposta a Atlan:
— Ele lhe dará, almirante!
Atlan, que se encontrava só na cúpula gigantesca do enorme cérebro positrônico de
Árcon III, fitou Rhodan com uma expressão de espanto. Depois refletiu ligeiramente e
disse:
— É Rhodan contra Rhodan, meu caro! Será que ele o conhece tão bem quanto você a
ele? E será que conheço você bastante para colocar o Império dos meus antepassados e dos
meus descendentes, dependendo das suas ações por algumas horas? Você ainda não
compreendeu que submeteu nossa amizade a uma prova muito dura?
“O que foi que você disse? Cardif lhe dará tempo, almirante.
“Reflita sobre aquilo que eu poderia ver atrás destas palavras, e não esqueça da
resposta que o cérebro deu à minha pergunta sobre o autor dos movimentos subversivos.
Apenas mencionou Rhodan, esquecendo-se de fazer qualquer alusão ao primeiro nome.
Deveria ter citado Thomas Rhodan, ou melhor, Thomas Cardif!
“Quero que Bell me dê ajuda, mas não com a mão do dedo machucado.”
A ligação foi interrompida em Árcon. A essa hora, Perry Rhodan, que sempre soubera
avaliar prontamente qualquer acontecimento e tinha a faculdade de adaptar-se
instantaneamente a qualquer situação, falhou por completo.
Ficou parado à frente da tela para não mostrar o rosto aos homens que se encontravam
presentes, pois sua fisionomia retratava a tormenta que rugia em seu interior.
Era isso mesmo! Acabara de submeter a amizade que o unia a Atlan a uma prova
extremamente dura. A afirmativa de que Cardif lhe daria tempo fez nascer a suspeita de
que ele e seu filho trabalhavam juntos.
Qualquer pessoa que se encontrasse na situação de Atlan teria chegado a essa
conclusão. Mas Atlan só reagira com uma pergunta: Cardif o conhece tão bem quanto você
a ele?
Por que resolvera dizer aquilo?
Rhodan, o homem mais poderoso do Império Solar, procurou obrigar-se a pensar em
outra coisa. Porém desta vez, os sentimentos foram mais fortes. Chamavam por Thomas.
Era o pai que chamava o filho único.
Acontece que Thomas Cardif estava do outro lado. Para ele, não havia nenhum pai
que se chamasse Perry Rhodan.
5
***
***
Mais uma vez, Atual e Ortece estavam sentados no interior da nave cilíndrica Cok II,
à frente de Cokaze e Thomas Cardif.
E mais uma vez, os dois financistas insistiam junto a eles para que lhes dessem uma
chance de intervir nos acontecimentos.
— Amanhã será tarde, patriarca. Uma inflação não conhece qualquer lei. O colapso
não pode ser detido à vontade. Pelos nossos deuses, Cokaze, não dê mais atenção a este
terrano. Dê atenção às nossas palavras.
— Se tivesse feito isso, nós, os mercadores galácticos, não estaríamos no ponto em
que estamos — respondeu Cokaze em tom frio e com certa ironia na voz. — Os arcônidas
estão arruinados. O tal do Atlan atreve-se a usar sua frota robotizada junto a pequenos
povos coloniais, mas para enfrentar os saltadores precisará de algo mais que algumas naves
robotizadas. Árcon sabe perfeitamente que nossas naves cilíndricas não são navios de
peregrinos que confiam exclusivamente na proteção dos deuses.
Atual interrompeu o patriarca em tom nervoso:
— Patriarca, não blasfeme contra os deuses para que não sejamos atingidos por sua
maldição. Árcon continua a ser uma realidade. O perigo representado pelos druufs, aqueles
monstros vindos de um outro Universo, ainda está presente. Por enquanto o regente ainda
existe, mesmo que tenha sido desligado por Atlan, e Rhodan também continua a existir.
Rhodan...
Cokaze irrompeu numa estrondosa gargalhada.
— Rhodan! Sim, Rhodan! Basta citar este nome no Grande Império para que todo
mundo acredite que os demônios estelares estão atrás da gente. Já tive oportunidade de
travar conhecimento com ele. Sei até onde chega seu poder. Por vários decênios fez de
tolos a nós do Grande Império!
— Não foi o que eu disse? — esbravejou Atual. Tinha um temperamento bastante
agitado para um banqueiro.
— Quem está sentado a meu lado, Atual? — perguntou Cokaze em tom de escárnio.
— Será que o senhor veio apenas nos dizer que está com medo?
Ortece, o delicado diretor do Banco dos Mercadores Galácticos de Titon, que até
então não havia dito quase nada, interveio na palestra:
— O Império, e isso inclui a nós, ao senhor, patriarca, e ao mais pobre dos salta-
dores, já perdeu um terço do seu patrimônio.
Thomas Cardif ergueu-se lentamente. Seus olhos de arcônida chamejavam num fogo
amarelo, mas o brilho apenas espalhava frieza. Um sorriso irônico dava um feitio esquisito
à sua boca.
— O senhor já falou muito, mas não disse uma única palavra para explicar por que
motivo o banco oficial de Árcon não fez qualquer tentativa para sustentar as cotações por
meio de compras. Dê-me uma explicação precisa sobre isso, Ortece, e nós lhe
permitiremos deter imediatamente o colapso econômico. Possuímos os poderes e os
documentos necessários a isso.
Ortece teve a impressão de ter à sua frente um ser vindo de outro mundo. O saltador
delicado fitou o patriarca como se quisesse pedir socorro. Mas, nos olhos deste, não havia
compaixão nem ajuda.
— Não posso explicar. Para Atual e para mim, a atitude passiva do banco oficial
também é um mistério.
A ironia de Cokaze foi-se espalhando por seu rosto. O patriarca fez um gesto de
triunfo para Thomas Cardif, que fumava tranqüilamente.
— Ortece, por que Cardif teve condições de, antes da inflação, dizer a nós, os
patriarcas dos saltadores, e ao Conselho dos Dez, que o banco oficial de Árcon não
interviria no mercado? Como explica isso?
Os olhos de Ortece chamejaram de raiva.
— Cokaze, nós não somos profetas. Somos banqueiros que levam sua profissão a
sério e nunca agiremos como charlatães.
Cardif interveio tranqüilamente com uma pergunta:
— Quanto ganhará seu banco se ainda hoje tentar deter a inflação, se as indústrias
voltarem a funcionar, se as frotas dos saltadores levarem as mercadorias de um planeta a
outro? De quantos bilhões será o lucro?
— Será que não poderíamos dividir esse lucro? — perguntou Cokaze em tom
sarcástico e lançou um olhar penetrante para os dois homens.
Dali a dois minutos, viram-se a sós. Os banqueiros mais ricos e influentes do Grande
Império quase chegaram a fugir da nave de Cokaze.
— Que patifes! — exclamou o patriarca atrás deles e sacudiu a cabeça.
Lançou um olhar indagador para Cardif.
— Sei lidar com dinheiro e também sei o que devo fazer para multiplicá-lo. Porém
não sei como se pode auferir lucros gigantescos numa inflação em que todos perdem seu
dinheiro.
— Para isso, deve-se fazer o seguinte:... — principiou Cardif.
Nesse momento, o intercomunicador da Cok II emitiu um sinal.
— Senhor — disse o operador de rádio para seu patriarca — os grandes transmissores
de Árcon III anunciam um comunicado importante para os próximos minutos. Usarão
todas as faixas de hiper-rádio...
— Passe a transmissão para cá assim que a mesma chegue e não fale tanto. Seja mais
breve em suas explicações. Da próxima vez não se esqueça disso!
6
O comandante dos druufs e Perry Rhodan mantiveram a segunda palestra pelo rádio.
Mais uma vez Harno, o ser esférico, fez com que Rhodan pudesse observar o monstro
quadrático na sala central de sua nave, enquanto o comandante não desconfiava de nada.
Nesse meio tempo, a nave enviada ao Universo dos druufs voltara pela porta aberta
por meio do projetor de campo de refração, instalado no maior dos hangares da Drusus, e
apresentara um relato dos acontecimentos ao comandante.
— Harno — perguntou Rhodan ao ser esférico — você consegue ouvir o que o
comandante da nave de reconhecimento está dizendo a seu chefe?
Harno conseguira, e Rhodan não teve nada a objetar ao relato apresentado pelo
monstro que acabara de regressar do outro Universo.
— Rhodan — disse o druuf — estamos em segurança em qualquer lugar em que você
não esteja. Você procura atrair-nos com a promessa de podermos voltar ao nosso Universo,
desde que antes disso concordemos com sua proposta. Na verdade, porém, você tentará
destruir-nos.
Rhodan sentiu que com palavras não conseguiria mais nada junto ao druuf. Precisava
de provas palpáveis de suas intenções honestas. Mas como conseguir essas provas?
Não se podia cogitar do transmissor fictício, a única arma de seu tipo e a mais terrível
de todas. Os druufs não deveriam saber de sua existência, pois isso aguçaria ainda mais seu
apetite de apoderar-se da Drusus.
Guiado antes pelo sentimento que pelo intelecto, respondeu em voz alta:
— Druuf, não se esqueça de que não tive necessidade de procurar você e sua frota,
pois, ao sair de meu mundo, já sabia onde você estava escondido. Poderia perfeitamente ter
vindo com todas as minhas naves. Nesse caso a batalha contra sua frota já teria chegado ao
fim. Não tenho mais nada a dizer. Se quiser falar comigo, não demore.
Era o velho Rhodan que mais uma vez lançava mão de todos os recursos de sua
personalidade. Graças à sua ampla visão, tinha uma certeza quase absoluta de que o
comandante dos druufs estava disposto a aceitar sua proposta.
Na gigantesca sala de comando da nave esférica, os homens voltaram a conversar
entre si, mas ninguém saiu do lugar. A nave capitania de Rhodan continuava cercada pelas
unidades da frota dos druufs. Se houvesse uma luta para valer, seu destino se consumaria
ainda mais depressa que o da Kublai Khan, durante a batalha travada no mundo dos
lagartos.
— A mensagem destinada a Atlan já foi elaborada? — perguntou Rhodan, dirigindo-
se ao General Deringhouse.
Este entesou ligeiramente o corpo.
— Sim senhor. Só falta a hora.
— Logo saberemos a hora — arriscou-se Rhodan a dizer.
Nenhum dos homens que se encontravam na sala atreveu-se a esboçar um sorriso de
incredulidade. Perry Rhodan raramente fazia prognósticos como este e, quando os
apresentava, estes se realizavam.
— Marshall!
O chefe do Exército de Mutantes encontrava-se ao lado de Bell, junto ao aparelho
especial de localização. Limitou-se a erguer a cabeça.
— Comunique a Tako Kakuta que ele será destacado para servir de astronauta na nave
capitania dos druufs. Em compensação o doutor Small ficará.
— Mas Kakuta não é nenhum astronauta.
— Em compensação é um ótimo teleportador, Marshall — ponderou Rhodan.
Bell acenou levemente com a cabeça. Percebera o que Perry Rhodan pretendia
conseguir com essa mudança de função, mas Marshall parecia encontrar-se num dia nada
favorável.
— Sir, não compreendo.
— Nesse caso, recomendo-lhe que procure livrar-se da desconfiança. Talvez haja uma
boa terapia para isso. Será que agora o senhor já compreendeu?
— OK, chefe! — Marshall não sabia o que estava acontecendo com ele.
Tako Kakuta, o japonês pequeno e franzino com rosto de criança, nem pestanejou
quando Marshall lhe transmitiu a ordem do chefe. Gucky, que, em virtude de seu
“perigoso excesso de zelo”, ainda tinha que esperar uma bronca de Rhodan, foi o único que
disse o que pensava.
— Ainda não sei se gosto mais dos lagartos de Topsid, dos médicos galácticos ou dos
druufs. Acho que no fundo não gosto de nenhum deles, pois todos me causam repugnância.
Acontece que no meu coração há um lugar todo especial para os druufs... Não confio nem
um pouco neles. Tako, tome cuidado com nossos reguladores de curso estelar e traga-os de
volta sãos e salvos.
— Acho que hoje você se encontra muito loquaz, Gucky — disse Marshall em tom de
recriminação.
— Não — respondeu o rato-castor e sorriu com o dente roedor solitário. — Será que
é proibido pensar no polegar de Bell e...
Marshall, que ainda se sentia aborrecido pela lerdeza mental que acabara de
demonstrar, gritou:
— Será que você ainda tem que repetir as tolices de Bell?
— Bell ficará muito satisfeito em conhecer a boa opinião que o chefe dos mutantes
faz a respeito dele, quando eu lhe disser, naturalmente ao acaso, o que você andou
falando... É possível que eu consiga esquecer-me de suas palavras para sempre, caso alise
meu pêlo por duas horas.
Uma verdadeira chantagem! E Gucky sabia disso, mas era um rato-castor e podia
permitir-se esse procedimento. Mas Marshall não estava disposto a cair na sua conversa.
— Diga-lhe o que quiser, meu caro. Vamos esperar para ver, quando você receberá
outra tarefa. Acho que, antes disso, sua presa cairá.
Nunca ninguém chamara de presa o dente roedor de que Gucky tanto se orgulhava.
Mas o que deixou-o mais abalado foi a ameaça de Marshall. John dera a entender que não
lhe confiaria mais nenhuma tarefa. Ouvir essas palavras era mais terrível que ficar dez
semanas sem cenouras frescas.
— John — disse em tom humilde. — Será que não poderíamos fazer um acordo?
— Com um chantagista como você? Gucky não se deu por vencido tão depressa.
— OK, John! Quer dizer que eu sou um chantagista. Mas você é um caluniador. E
isso não lhe fica bem!
Estas palavras do rato-castor desarmaram o adversário. Todos riram; até mesmo
Kakuta exibiu seu misterioso riso japonês.
Estava pronto para entrar em ação. Desligou-se do grupo de Marshall, para juntar-se à
equipe de astronautas, e desapareceu no mesmo instante.
Perry Rhodan esperava receber pelo sistema de intercomunicação da nave a notícia de
que o druuf tomasse a iniciativa de fazer uma ligação de rádio. A tensão crescia a cada
minuto que passava. Durante o período de espera, a sala de rádio transmitiu o noticiário
irradiado pelas grandes estações de hiper-rádio de Árcon.
O Grande Império fervia em todos os cantos, muito embora em cada notícia se
notasse de que a mesma se destinava a preencher um fim específico: atiçar ainda mais os
distúrbios. Mas, mesmo que se fizesse um bom desconto, não havia dúvida de que a
situação política de Atlan piorava a cada hora que passava. Não podia estar longe o
momento em que se esfacelasse o Grande Império que já tinha mais de 15 mil anos de
existência.
Bell disse em meio a uma pausa:
— Se esse druuf descobrir que deverá desempenhar ao mesmo tempo o papel de
mosca e de pega-moscas, então...
Os receios de Reginald Bell não eram infundados.
As naves de reconhecimento dos druufs não poderiam deixar de perceber certas
coisas, isso naturalmente se o comandante supremo fosse enviar as espaçonaves com os
dois astronautas terranos.
De início teriam sua atenção despertada para a concentração extraordinária do sistema
M-13, que fariam nascer na mente dos druufs a suspeita de se encontrarem dentro do
território pertencente ao Estado de seu encarniçado inimigo.
Além disso, os druufs, por certo, haviam ouvido as notícias alarmantes relativas aos
distúrbios ocorridos no Império dos arcônidas.
Finalmente, e este era o ponto principal que mais preocupava Perry Rhodan, os
superpesados patrulhavam os arredores do planeta Archetz. Se as duas naves de
reconhecimento dos druufs se encontrassem com a frota dos superpesados, o ânimo
guerreiro destes faria com que esse encontro evoluísse para um ataque. Nesse caso, o plano
de Rhodan estaria frustrado, pois a frota dos druufs, que cercava a Drusus, lançar-se-ia
imediatamente ao ataque contra a supernave terrana.
E não haveria a menor dúvida sobre o resultado do embate.
Rhodan virou a cabeça para o General Deringhouse.
— Envie uma mensagem condensada para Árcon III. Peça a Atlan que providencie...
Não! Não envie nenhuma mensagem pelo hiper-rádio. Inclua, na mensagem a ser levada a
Atlan, um aviso de que os superpesados devem desaparecer dos arredores de Archetz. Diga
que para isso Atlan dispõe de três horas, contadas a partir do recebimento da mensagem.
Perry Rhodan não se apercebeu de que estava usando um tom de comando para com o
chefe do maior império cósmico. Nesses dias, sentia que ele e Atlan estavam no mesmo
barco, em meio a um mar revolto e precisava encontrar um porto seguro. Se o barco
afundasse antes de atingir o porto, dentro de pouco tempo o Grande Império deixaria de
existir, e aquela entidade minúscula que usava o nome pomposo de Império Solar também
teria seus dias contados. Por isso, naquele momento, pouco importava quem dava ordens a
quem. O que importava era vencer a crise, dentro de uma atmosfera de irrestrita confiança
mútua. Não havia necessidade de prestar atenção a questões de etiqueta e de competência.
Rhodan sabia perfeitamente que o projeto pega-moscas pouco tinha de estratégico.
Estava cheio de incógnitas. E a maior das incógnitas era Thomas Cardif.
Nem ele nem Atlan esperavam que esse jovem conseguisse, com o auxílio dos
mercadores galácticos, abalar dentro de poucos dias até os alicerces de um Império que
existia há mais de 15 mil anos.
Atlan e Rhodan contavam com uma única vantagem. Até mesmo uma revolução
acompanhada do colapso econômico precisa de algum tempo para alcançar maturidade. E
enquanto esse momento não chegasse, o maior poder ainda se encontraria do lado do
governo. Por enquanto, esse fato servia de base ao plano de Rhodan.
Atlan não fora obrigado a desempenhar o papel do príncipe regente, nem fora
vitimado por um acesso de claustrofobia, porque como único ser vivo, que se encontrava
sob a gigantesca cúpula, ainda se mantinha escondido de todos. Concordara com as
ponderações de Rhodan, segundo as quais seria preferível assumir um risco maior a usar
meios brutais, para abafar qualquer tendência revolucionária no nascedouro, com o que se
atiçaria fogo em todos os cantos do território do Estado.
Se a frota robotizada de Árcon, que continuava a ser grande e forte, resolvesse
intervir, as cem mil naves cilíndricas formariam uma frente de combate. E o cérebro
positrônico já informara Atlan sobre o armamento eficiente destas naves, e sobre a relação
de forças entre a frota robotizada e a dos saltadores.
— Rhodan... — para muitos homens da sala de comando da Drusus, a voz do druuf
parecia ter proferido uma senha que os libertara da insuportável tensão.
— Druuf... — respondeu Rhodan.
— Estou disposto a aceitar sua proposta, mas não estou disposto a enviar duas naves.
Uma única nave se dirigirá à estrela-alvo, com seus dois astronautas a bordo. Se essa nave
não regressar ou não responder aos nossos chamados pelo rádio, você poderá preparar-se
para a batalha, Rhodan!
Perry fez como se não tivesse ouvido a ameaça.
— Mandarei uma nave auxiliar para enviar-lhe meus cinco homens. Dê ordem à sua
frota para que não a ataque.
— Já foi feito. Mande seus homens para cá, Rhodan. O resto será resolvido depois.
O aparelho especial de radiocomunicação voltou a calar-se. O chefe da frota dos
druufs acabara de desligar.
Poucas ordens foram transmitidas através da gigantesca esfera.
Quatro astronautas e o teleportador Tako Kakuta entraram num girino que os levaria à
nave capitania dos druufs.
Enquanto isso, o General Deringhouse estava sentado na sala de rádio e completava
as notícias destinadas a Atlan.
Quando um técnico lhe retirou a mensagem da mão, sacudiu desesperadamente a
cabeça e dirigiu-se a um aparelho que não estava acoplado a qualquer transmissor.
— Grossi, faça o favor de explicar mais uma vez o que vem a ser o negativo de um
impulso a ser transmitido pelo rádio. Não consigo compreender, embora já seja esta a
terceira vez que o senhor vai explicar.
O técnico Grossi sacudiu a cabeça.
— General, isso só pode ser explicado por meio de fórmulas. A descoberta deu-se por
acaso. Mais precisamente, foi uma idéia-relâmpago. Quando tal idéia passou pela cabeça
de meu colega Francozetti e este a expôs, rimos dele. No fim, ele estava rindo de nós, pois,
dali a dois meses, enfiou as fórmulas embaixo de nosso nariz. Na verdade, é uma tolice
falar no negativo de um impulso de rádio, mas o fato é que não temos outra palavra para
designar o processo e, como se baseia em certos procedimentos fotoquímicos, a explicação
tende a levar a concepções falsas que tornam o fenômeno ainda mais incompreensível ao
leigo.
— Obrigado! — disse o General Deringhouse com um sorriso. — Pelo menos já sei
que devo deixá-lo em paz com minhas perguntas, e fiquei ciente de que sou um leigo. Mas
o que foi que esse aparelho fez com minha mensagem?
Grossi era natural da Sicília e fizera seus exames em Nápoles. Há onze anos pertencia
ao grupo dos melhores técnicos que Rhodan trouxera para Terrânia. Naquele momento,
teve pena de si mesmo, pois acabara de dar uma resposta negativa ao general.
— É outra coisa que não lhe posso explicar. Se digo que este aparelho transforma
suas palavras em impulsos e, no curso do mesmo processo, elabora um negativo, o senhor
pensará automaticamente em negativos de filme e se encontrará num beco sem saída...
Levou a estreita ficha perfurada, que saíra do aparelho com um forte clique, até o
dispositivo automático do hipertransmissor. O General Deringhouse não saía do seu lado.
Ainda não estava disposto a desistir. Devia haver um meio de explicar-lhe esse fenômeno
até então inexplicável, pois esse sistema de negativo representava a primeira possibilidade
de garantir a irradiação de mensagens de hiper-rádio, que só podiam ser decifradas caso a
outra parte conhecesse o processo.
Depois disso, o hipertransmissor da Drusus irradiou o negativo da mensagem à nave-
correio, que se mantinha à espera a trinta anos-luz. Não era possível estabelecer contato
direto com Árcon, pois Atlan ainda não dispunha desse aparelho.
— Acontece que a nave-correio já possui um aparelho igual a este. Se não fosse assim
Atlan e seu cérebro-gigante poderiam matutar até o dia do juízo final para descobrir o
sentido da mensagem indecifrável enviada por nosso chefe. Pois é, general, a nave-correio
está partindo. Veja!
Com um gesto, Grossi apontou para a tela de rastreamento, na qual a nave-correio
aparecia sob a forma de um ponto luminoso.
Com um sorriso, Deringhouse perguntou a Grossi:
— Quando eu sair da sala de rádio o senhor vai ficar contente, não é? Mas nem por
isso o senhor conseguirá livrar-se de vez de mim.
***
O sol amarelo de Rusuma iluminava dezoito planetas. O quinto era Archetz, o mundo
central dos saltadores. Os mercadores galácticos haviam seguido o exemplo de Árcon. No
curso dos milênios, todos os planetas, com exceção do de Ult, que ficava próximo ao sol,
foram transformados em fortalezas, e com o tempo também as numerosas luas foram
incluídas no sistema de fortificações defensivas.
Os clãs que viviam navegando entre as estrelas ficaram zombando da mania de
segurança dos membros de sua raça, que se haviam estabelecido em Archetz, até que eles
mesmos tiveram de dirigir-se a esse planeta, para efetuar reparos de monta em suas naves,
e, vez por outra, para comprar uma nave.
Desde o momento em que sentiram chão firme sob os pés, compreenderam o que
valia a certeza de estarem protegidos por uma série de planetas e luas fortemente armadas.
Archetz, o foco de infecção dos movimentos subversivos e do colapso econômico,
nos últimos dias ainda fizera mais, levando os superpesados a patrulhar as áreas adjacentes
a fim de proteger o mundo mais importante dos saltadores.
A noite pousava sobre Titon, uma cidade de doze milhões de habitantes. Na nave de
Cokaze, a Cok II, os dois filhos mais velhos do patriarca mantinham-se de vigília. Se
chegasse qualquer notícia importante, Thomas Cardif deveria ser acordado imediatamente.
Mas a maior parte da noite se passara sem que acontecesse nada de especial.
Subitamente, a central de comando da grande frota de couraçados chamou pela
freqüência dos superpesados.
— Onde está Cokaze, saltador? — perguntou a voz retumbante do gigante de mais de
meia tonelada, e seu rosto marcado pela cólera estava rubro. — Está dormindo? Pois
acorde-o. Depressa!
O filho mais velho de Cokaze saiu correndo da sala de rádio. As palavras do
superpesado deixaram-no confuso.
O mais jovem ligou o intercomunicador, com o qual atingiu simultaneamente o
camarote do pai e o do terrano.
— Quem quer falar comigo? — perguntou o patriarca em tom sonolento.
O filho explicou.
— Já vou! — interveio Thomas Cardif, que acordara imediatamente.
Encontraram-se no convés principal. Fitaram-se com uma expressão de perplexidade.
Não tinham a menor idéia de qual seria a mensagem importante que a central de comando
dos superpesados poderia querer transmitir a essa hora da noite.
O patriarca deixou-se cair pesadamente na poltrona colocada à frente da tela.
— O que houve, Onkto? — perguntou, ciente de que era o patriarca mais rico de
todos os clãs dos saltadores, e de que, nesse momento, não havia em todo o Império de
Árcon nenhum homem mais importante que ele.
— Pouca coisa — disse o superpesado com sua voz de barítono. — Vamos retirar-
nos, patriarca!
— Vão fazer o quê? — gritou Cokaze com a voz extremamente exaltada. — Isso
infringe nossos acordos, Onkto. É uma traição.
— Tolice! — respondeu o superpesado em tom grosseiro. — Árcon formulou uma
ameaça inequívoca e exigiu...
— Árcon... — uma estrondosa gargalhada sacudiu o patriarca, que costumava ser
muito controlado. — Logo Árcon! O que representa Árcon hoje em dia?
— Quem está atrás de você, Cokaze? O rosto lembra o de Rhodan. Diga logo quem é
— falou o superpesado, superando a risada violenta de Cokaze.
Thomas Cardif adiantou-se. Colocou a mão sobre o ombro do velho, o que
representava um sinal de que o patriarca deveria deixar a palestra por sua conta.
— Sou Thomas Cardif. Minha mãe foi Thora, uma princesa arcônida! Acho que isto
basta, Onkto. Quais foram as exigências de Árcon?
Onkto, chefe do setor de comando dos superpesados, que se encontrava num
supercouraçado estacionado 800 mil quilômetros acima da superfície do planeta Archetz,
quase chegou a sentir-se hipnotizado pelos olhos frios e amarelentos de arcônida.
— O senhor é o conselheiro de Cokaze? — perguntou visivelmente perturbado.
— Quais são as exigências de Árcon? E quem as formulou? O regente ou o Almirante
Atlan?
Quem falava pela boca de Thomas Cardif era o arcônida. Era um protótipo dessa raça,
nos gestos, no tom de voz e nas atitudes. Mas, na linguagem lacônica, era o filho de Perry
Rhodan. Nem pensava em responder à pergunta de Onkto.
— O computador regente entrou em contato conosco e exigiu nossa retirada imediata.
Diz que, do contrário, ele recorrerá à frota robotizada para obrigar-nos a abandonar nossas
posições.
— O senhor já dispõe de alguma prova de que o regente retirou a frota robotizada da
frente dos druufs? — perguntou Cardif em tom insistente.
O gigante de mais de meia tonelada arregalou os olhos e praguejou. Depois de algum
tempo, disse:
— Cardif, se o senhor acha que sabe, por que pergunta? Para nós, os superpesados,
basta que a frota robotizada não esteja mais na frente. O cérebro regente também nos
ameaçou com os druufs! — acrescentou apressadamente.
— Será que isso basta para expulsar os valentes superpesados para os confins do
Universo? — indagou Cardif numa ironia amarga.
Onkto não gostou nem um pouco da recriminação.
— Não somos mais bobos nem mais inteligentes que o patriarca Cokaze, que mantém
apenas dez naves em Titon. As outras foram retiradas da linha de fogo...
— Nesse caso quero que o senhor me garanta que não revelará a retirada de sua frota
por qualquer mensagem de rádio. Se não me der essa garantia, farei com que toda a
Galáxia saiba por que desistiu do patrulhamento em torno de Archetz: apenas porque
Árcon o ameaçou com a frota robotizada!
— Cardif! — retrucou Onkto em tom de ameaça, estreitando os olhos. — O senhor
sabe tão bem quanto nós que a frota robotizada não se encontra mais na frente, e o que isso
significa...
Cardif interrompeu-o em tom frio:
— Contestarei essa afirmativa, Onkto. E Cokaze também contestará. Se os
superpesados se tornarem conhecidos como covardes, seu negócio guerreiro terá chegado
ao fim. Não acha, Onkto?
Ao que parecia, o superpesado não estava só na sala de comando, pois Cardif e
Cokaze ouviram-no cochichar com outras pessoas, mas não entenderam o que estava
dizendo.
O rosto do superpesado voltou a virar-se para a tela.
— Aceitamos suas condições, Cardif. Retirar-nos-emos discretamente. Um dia os
demônios estelares o carregarão, seu maldito terrano!
Estas palavras representaram a despedida de Onkto. Depois disso, a tela no interior da
sala de rádio da Cok II apagou-se.
Thomas Cardif acendeu um cigarro. Fumava de olhos fechados. Quando virou a
cabeça para Cokaze, este perguntou:
— Os superpesados não mentiram?
— Nenhuma das suas palavras foi mentira! — confirmou Cardif. — Devem ter
constatado por meio dos seus aparelhos de rastreamento que a frota robotizada não se
encontra mais no front. O que importa, saltador? Por que será que Árcon exigiu que os
superpesados se retirem? Há alguma intenção atrás disso. Qual será? — seus dedos
tamborilaram contra a tela.
Tirou algumas tragadas profundas e apressadas do cigarro.
Nem Cokaze nem seus dois filhos perturbaram as reflexões de Cardif. O terrano
descansou o cigarro e disse:
— Sugiro que a Cok II permaneça por mais algum tempo em Archetz, mas gostaria
que as estações planetárias de observação espacial vigiassem atentamente o espaço em
torno do sistema de Rusuma, pois alguma coisa perigosa está para acontecer. Gostaria de
saber o que é...
***
O vôo da nave de reconhecimento dos druufs foi acompanhado por dois pontos muito
distantes: a Drusus e Árcon III.
O aparelho de rastreamento recentemente inventado seguia constantemente a pista da
nave vinda de um outro espaço. Seu hiperpropulsor linear criava a imagem de um fio
vermelho infinitamente comprido, que permitia acompanhar a rota do veículo espacial.
Certa vez, o indiano Rabintorge, a cujo dinamismo Rhodan devia agradecer o fato de
dispor tão depressa de um aparelho de rastreamento desse tipo, afirmara que a
hiperpropulsão linear retirava uma das quatro constantes de seu embasamento normal na
estrutura espaço-temporal, desencadeando o efeito que permitia a localização.
Essa afirmativa nunca fora seriamente contestada. Restava saber se resistiria às
experiências posteriores. De qualquer maneira, o requisito básico fora cumprido. Já havia
um aparelho que permitia a localização das naves dos druufs, que se deslocavam à
velocidade superior à da luz.
Atlan confiava no minúsculo hiper-transmissor de raios goniométricos que, ao entrar,
Kakuta deixara cair na comporta da nave dos druufs. A cada cinco minutos, o pequeno
aparelho transmitia um impulso, que era captado pelas antenas do cérebro positrônico de
Árcon e interpretado imediatamente pelo computador. Num grande mapa estelar, uma
finíssima trajetória luminosa indicava ao arcônida a rapidez incrível com que a nave dos
druufs percorria o espaço, aproximando-se do sistema Rusuma. Fazia uso de uma
velocidade muito acima à da luz, e cada vez mais acelerava.
Rhodan e Atlan desejavam tudo de bom a essa nave, pois ambos sabiam quanta coisa
dependia desse vôo de reconhecimento.
Tako Kakuta, o teleportador, e o Dr. Brigonne desejavam a mesma coisa. Ambos
foram destacados para esta nave na qualidade de astronautas. Teriam que desempenhar
uma tarefa dupla: fazer chegar a nave até junto do planeta Archetz, e abandoná-la
imediatamente, caso os monstros, que a tripulavam, resolvessem adotar algum
procedimento hostil contra eles.
Esta última tarefa cabia a Kakuta, e o japonês com rosto de criança levava seu
trabalho a sério. Ficava constantemente ao lado do Dr. Brigonne.
Este nem de longe pensava que os druufs pudessem tornar-se perigosos. Sentia-se no
seu elemento. Pela primeira vez sentia a experiência de um vôo à velocidade superior à da
luz, sem sofrer o choque de transição.
Kakuta e Brigonne acostumaram-se logo à circunstância de que seus movimentos
eram duas vezes mais rápidos que os dos monstros, face à dimensão temporal trazida pelos
druufs do outro Universo.
Brigonne e Kakuta comunicavam-se pelo rádio de capacete. Por enquanto não se
haviam interessado em saber se estavam numa atmosfera respirável. Naquele instante, os
oito druufs da sala de comando começaram a inquietar-se. Os movimentos de seus braços
indicavam uma boa dose de exaltação. Comprimiam-se em torno de um estranho aparelho.
— Brigonne, o senhor sabe o que está acontecendo? — perguntou Kakuta e
aproximou-se do cientista, para que ao menor sinal de perigo pudesse teleportar-se,
levando-o.
— Não faço a menor idéia — respondeu Brigonne com a voz rouca.
Tako Kakuta sabia que a modificação não fora causada pelo medo. Quando muito,
seria a incerteza causada pelo fato de não ver nem perceber absolutamente nada.
Por uma questão de intuição o teleportador ligou o transmissor especial dos druufs,
embutido em seu traje espacial. O aparelho permitia a comunicação com os monstros.
Logo ouviu a voz de um druuf pelo alto-falante:
— Desligue!
Tako Kakuta obedeceu imediatamente, mas o fato lhe deu o que pensar.
“Só há uma explicação!”, meditou. “Eles estão realizando medições goniométricas.”
Acreditou saber também o que estavam procurando localizar pela goniometria. Era o
minúsculo hipertransmissor que se encontrava na comporta da nave.
Em palavras lacônicas, informou Brigonne, mas antes disso ligou o distorçor.
Começava a julgar os monstros capazes de tudo; talvez chegassem mesmo a compreender
o que estava sendo dito por ele e Brigonne.
O astronauta logo identificou o linguajar incompreensível saído de seu alto-falante de
capacete e, depois da terceira tentativa, encontrou o ritmo de recomposição adequado.
Brigonne só ouviu o final.
— ...Kakuta, o que podemos fazer para que o transmissor não seja encontrado? Atlan
tem de ser mantido a par. Foi o que o chefe pediu encarecidamente.
O rosto de Kakuta fitava-o com uma expressão ingênua através do visor do capacete.
— O senhor poderia dizer onde posso encontrar o pequenino transmissor dentro de
alguns segundos?
— O que eles estão fazendo? — Brigonne deu a perceber que não se sentia muito à
vontade.
Três druufs saíram da sala de comando, mas não saíram de mãos vazias. Os três
carregavam pesados aparelhos, e era evidente que com estes realizavam medições
goniométricas destinadas a localizar um transmissor.
— Brigonne, quanto tempo durará nosso vôo?
— O senhor está perguntando demais, pois não tenho a menor idéia da aceleração que
pretendem imprimir à nave.
— Não devem ser mais de três horas, não é? — insistiu Kakuta em tom apressado.
— Se for mantida a aceleração atual, não. Daqui a três horas, já deverão estar voando
de volta. Faço votos de que nós também estejamos — disse o cientista em tom pessimista.
— Distraia os druufs por dez segundos. Não deverão notar que saí da sala de
comando. O senhor acha que consegue?
— O que pretende fazer, Kakuta?
— O senhor acha que consegue, doutor? — de repente os olhos frios de Kakuta
pareciam chispar fogo.
— Naturalmente. Vou tossir, e... — acenou pesadamente com a cabeça.
O teleportador não viu outra possibilidade de afastar o perigo. Teria de jogar todos os
trunfos numa única carta.
O Dr. Brigonne teria que distrair cinco monstros. Dois deles estavam sentados em
grandes poltronas de piloto, enquanto os outros três estavam de pé junto a um aparelho,
mas viravam-se constantemente para os terranos.
Tako Kakuta sentiu que o tempo estava passando. Só até certo momento seria capaz
de intervir nos acontecimentos e modificar o curso dos mesmos. E esse momento não
demoraria a chegar.
Por que Brigonne não fazia nada? Por que ficava parado?
Finalmente Brigonne aproximou-se dos três monstros que estavam reunidos. Foi em
sua direção, mas estes quase não lhe deram a menor atenção.
Ou será que o fitavam com os olhos das têmporas?
Brigonne ligou o aparelho de comunicação.
— Druuf, ainda tenho que chamar sua atenção para uma circunstância muito
importante. Aqui... — caminhou até a parede, onde estava pendurado um mapa estelar, e
apontou pára um ponto. — Aqui, onde existe a concentração de estrelas, fica... druuf, isto é
muito importante. Vocês me ouvem?
Kakuta ouviu Brigonne tossir.
Era o sinal!
Saltou e rematerializou-se no interior da comporta, onde se encontrava o hiper-
transmissor de raios goniométricos.
Logo que concluiu a rematerialização, já segurava duas armas de radiações.
Enquanto soldava a escotilha interna da comporta com os raios térmicos, suas mãos
não tremeram.
Fez uma solda dupla tão precisa que qualquer técnico se teria orgulhado da mesma.
Enquanto terminava seu trabalho, contava baixinho:
— ...cinco... seis... sete... oito!
Quando contou oito, o serviço estava concluído. Girou sobre os pés. Ainda dispunha
de dois segundos. Mais uma vez, os dois radiadores térmicos chiaram. Colocou uma solda
dupla que cobria um terço da linha que representava a fenda na qual corria a escotilha
externa da comporta.
O metal, liquefeito na profundidade de alguns centímetros, foi endurecendo
lentamente, enquanto Tako Kakuta voltava a surgir na sala de comando, sob a proteção do
zumbido leve de um conversor.
Brigonne ainda se encontrava à frente do mapa estelar. Tentava convencer os druufs
da periculosidade de um campo magnético rotativo e superpotente, que ficava bem na rota
da nave.
— Pois então deixemos para lá... — disse sua voz, que o teleportador ouviu pelo
rádio de capacete, depois de saber que Kakuta se encontrava novamente na sala de
comando. — Deixemos para lá...
Sem dizer mais uma única palavra, o cientista abandonou o lugar em que se
encontrava e desligou o transdutor idiomático.
***
— Faltam dez minutos — disse Perry Rhodan em voz baixa a Bell, sem tirar os olhos
do rastreador especial. — Depois disso, estarão em cima do planeta Archetz. Quem dera
que estes dez minutos passassem logo!
Não tinha a menor idéia do que estava acontecendo, nesse instante, no interior da
nave de reconhecimento dos druufs.
Os monstros haviam algemado o Dr. Brigonne e Tako Kakuta, e disseram por que
estavam agindo assim. No momento em que compreenderam que a comporta fora
misteriosamente bloqueada, desconfiaram dos terranos.
— Só vocês poderiam ter colocado o transmissor na comporta. Por que fizeram isso?
— Que transmissor? — contra-indagou Tako Kakuta em tom frio. — Mostrem o
aparelho. Dizer é fácil...
O comandante quadrático de quase três metros de altura não deu resposta a essas
palavras, mas os dois monstros, destacados para vigiar os terranos, com suas armas
estranhas e de aparência perigosa, diziam tudo.
Brigonne e Tako Kakuta preferiram não mais protestar. Aparentemente estavam
conformados com o destino.
Enquanto isso, a nave dos druufs corria ininterruptamente em direção a Archetz, o
planeta dos saltadores.
***
***
***
***
Pela terceira vez num curto espaço de tempo, as grandes emissoras de Árcon, situadas
no grupo estelar M-13, fizeram-se ouvir. Não havia necessidade de noticiar os
acontecimentos verificados no sistema de Rusuma. Os súditos do Grande Império já
haviam recebido essa notícia, quando a batalha mal havia começado e ainda não se sabia se
os druufs seriam ou não aniquilados.
Mas juntamente com o susto também compreenderam que o tal do Almirante Atlan,
que alegava ser o sucessor do computador regente, sabia agir implacavelmente para
resguardar o poder do Estado. Por isso, os bilhões de inteligências do Império prestaram
muita atenção, quando as grandes emissoras de Árcon III anunciaram a transmissão de
outra mensagem. Ao verem na tela um rosto que lhes parecia conhecido, alguns milhões
desses bilhões estremeceram.
Perry Rhodan estava falando aos homens do Império por intermédio da grande
emissora de Árcon.
— Inclino a cabeça diante de Atlan, o Imperador Gonozal VIII, que conduzirá o
Império de Árcon a um novo apogeu. Como administrador de meu reino estelar, faço um
apelo ao Grande Império: vamos retribuir a lealdade com a lealdade. Povos do Grande
Império! Peço-lhes que compreendam que nossa missão deve ser procurada na amplidão
do Universo, não no ódio e na discórdia que nos separa...
Um amargo sorriso brincava em torno dos lábios de Atlan, enquanto Perry Rhodan se
afastava da câmara e vinha em sua direção.
— Amigo — disse com uma profunda emoção. — Você acaba de me promover a
imperador, mas de que me servirá o título, se os povos do Grande Império não quiserem
continuar unidos a Árcon? Não, Perry, não pretendo abdicar, mas também não quero ser
nenhum sonhador. Preciso de sua amizade e de tempo, bárbaro! Tempo, tempo e mais
tempo. Não poderei modificar de hoje para amanhã aquilo que foi estragado por várias
gerações de arcônidas irresponsáveis. Não posso fazer as coisas sozinho. Mas será que
poderei dispor de tempo para fazer alguma coisa?
Rhodan parecia muito espantado:
— É a primeira vez que o vejo tão pessimista, almirante.
— Não sou nenhum pessimista, Perry. Apenas não me esqueci da existência de um
certo Thomas Cardif. E você é a melhor prova do que um único terrano é capaz de fazer.
Rhodan fez como se não tivesse ouvido esta observação.
— Acho que Thomas pereceu em Archetz.
— Pois eu não acredito nisso. Um Rhodan não seria capaz de morrer de forma tão
normal, à margem de um grande acontecimento. Nem mesmo um Rhodan que use o nome
Thomas Cardif!
***
**
*
O plano do desertor fracassou, embora tivesse sido
muito bem preparado. Mas a essa hora já se deve ter
percebido que o filho de Perry Rhodan não desiste tão
depressa...
O próximo volume da série, intitulado O Regresso de
Ernst Ellert, trata de outro vibrante tema.