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(P-090)

ATLAN EM PERIGO

Autor
KURT BRAND

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Thomas Cardif desencadeia uma revolta
contra Árcon — mas Perry Rhodan é mais
inteligente que o filho.

Com a descoberta de uma nave exploradora dos


arcônidas, pousada na Lua, foi lançada a base para a união da
Humanidade e a criação do Império Solar, resultante dessa
união.
Na ocasião, ninguém, nem mesmo Perry Rhodan, o
fundador do reino estelar terrano, desconfiava dos esforços e
da energia psíquica que se tornariam necessários para, no
curso dos anos, defender o Império contra os ataques vindos
de dentro e de fora.
A ameaça mais grave com que já se defrontou a
Humanidade, representada pela invasão do Império Solar,
pôde ser vencida graças ao auxílio dos arcônidas. Da mesma
forma, a perigosa situação política, criada pela atuação de
Thomas Cardif, foi solucionada graças a uma ação isolada de
Gucky.
A frota dos saltadores retirou-se do sistema solar. Rhodan
alcançou mais uma vitória sem derramamento de sangue. No
entanto, o Império de Árcon, governado por Atlan, o imortal,
vê-se diante de um perigo gravíssimo, quando a Galáxia toma
conhecimento de que o computador-regente, que costumava
golpear implacavelmente, não governa mais!
Por isso vemos Atlan em Perigo. E Perry Rhodan tem de
intervir nos acontecimentos!

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — Administrador do Império Solar e elemento de
apoio de Atlan.
Thomas Cardif — Cujo ódio pelo pai abala os alicerces da Via
Láctea.
Atlan — Novo imperador de Árcon.
Frank Lemmon — Chefe da Seção F-l do Serviço de Defesa Solar.
Reginald Bell — Melhor amigo de Perry Rhodan.
Cokaze — Patriarca de um poderoso clã dos saltadores.
Gucky — O rato-castor com o qual ninguém consegue ficar
zangado por muito tempo.
Atual e Ortece — Diretores do Banco dos Mercadores Galácticos
de Titon.
1

Frank Lemmon possuía uma concepção sobre o trabalho que correspondia


plenamente ao seu caráter e, nas últimas duas horas, vinha dando prova patente da mesma:
não fazia nada.
Lera o rechonchudo Terrania Post, tomou conhecimento dos artigos políticos,
estudara os assuntos econômicos e há uma hora chegara à conclusão de que mesmo isso
representava um esforço, embora a leitura do jornal não se incluísse entre as atribuições
ligadas ao seu serviço.
Frank Lemmon era natural dos Estados Unidos. Nascera na cidade de Klondike. Fazia
três anos que viera de Klondike para Terrânia, onde fora aprovado com distinção no
primeiro exame de seleção. Dali a seis meses, passou a ocupar a posição de chefe da
Divisão F-l do Serviço Secreto Solar.
A Divisão F-l tinha a seu cargo a observação das condições políticas reinantes na
Terra. Frank Lemmon recebia todas as notícias a este respeito. Era um homem que muitas
vezes não sabia dominar os vícios de seu caráter. No entanto, era uma das poucas pessoas
de Terrânia que preferia não recorrer a um cérebro positrônico para realizar uma
interpretação preliminar dos dados. Frank Lemmon preferia confiar em seu instinto ou,
conforme diziam seus documentos: Parassentido! Trata-se de uma qualidade não
classificável, resultante de um poder de concatenação superior à média, combinado com
um tipo de sentido visionário para notícias aparentemente sem importância, mas que na
verdade são do maior relevo.
Frank Lemmon entrara em serviço com uma hora de atraso, porque ao despertar já
sentira pavor por mais um dia cheio de tédio. Sempre que saía da cama com essa sensação,
o dia de trabalho não trazia nenhuma ocupação para ele. Costumava enfrentar esse fato por
meio da preguiça, que o levava a deixar de executar os serviços menos importantes que
surgiam à sua frente.
De qualquer maneira, o Marechal Allan D. Mercant, chefe do Serviço de Segurança
Solar, não costumava recriminar o chefe de divisão Frank Lemmon por esse fato. Mercant
sabia pesar os defeitos e as qualidades de seus colaboradores. No caso de Lemmon, a
capacidade de classificar à primeira vista as notícias recebidas, segundo sua importância,
pesava muito mais que a preguiça.
Lemmon estava sorvendo gostosamente o café forte e muito quente, quando a tela do
aparelho de comunicação se iluminou. O chefe de divisão, um homem esbelto de 24 anos,
mal levantou a cabeça.
Eram notícias vindas de Washington, Pequim e Laore.
— Pela Via Láctea! — exclamou Lemmon com um gemido. — O agente de Laore
está escrevendo um verdadeiro romance.
Quando a tela se apagou, já tinha esquecido as notícias transmitidas. Esteve a ponto
de pegar novamente o Terrania Post, a fim de ler uma história cujo título lhe interessava —
Ghanu, Retrato de Uma Alma — quando, subitamente, endireitou o corpo e tirou os pés de
cima da mesa. De repente, a expressão de tédio desapareceu de seu rosto.
— Rabintorge? Onde foi que li ou ouvi este nome? Rabintorge... não é aquele indiano
que forneceu dados sobre o sistema de propulsão hiperlinear dos druufs que foram
falsificados com tamanha astúcia que o Serviço de Defesa passou uma vergonha tremenda
e...?
Lemmon ligou o sistema de som do intercomunicador, que permanecera inativo
durante a transmissão da imagem.
— Manners, traga imediatamente todos os dados sobre Rabintorge, aquele blefador de
Laore. Estou com pressa, Manners!
Se Frank Lemmon usava esta frase, realmente havia uma pressa enorme.
Não esperou muito tempo. Manners, um quarentão baixo, colocou uma pilha de
fotografias do arquivo sobre sua mesa.
— É tudo? — perguntou Lemmon para certificar-se.
— É. Conferi os dados de que dispomos com os do arquivo central e...
Frank Lemmon interrompeu-o com um gesto. Queria ficar só. Com a mesma
facilidade de alguém que lê um livro, leu as fitas perfuradas.
Separou três relatórios. Enfiou-os no bolso, levantou-se e avisou na ante-sala que teria
uma conferência com o Marechal Mercant.
A direção do Serviço de Defesa Solar ficava a dezoito quilômetros, num gigantesco
arranha-céu que abrigava a administração e se transformara no marco distintivo de
Terrânia. Mas, face às tarefas imensas que o Império Solar tinha de realizar, esse aparelho
burocrático não era nenhum órgão acéfalo que proporcionasse uma vida confortável a
alguns milhares de colaboradores.
Frank Lemmon representava uma exceção, com suas horas de preguiça que surgiam a
intervalos irregulares. Mas, graças aos trabalhos fenomenais que vez por outra costumava
apresentar, valia tanto quanto uma equipe bem treinada de seis pessoas.
Teve de esperar mais de meia hora na ante-sala do gabinete de Mercant.
— O chefe está lá dentro! — dissera a secretária de nariz chato, sempre bem-
humorada.
“Nesse caso, o chefe não poderá deixar de ouvir-me”, pensou Lemmon.
Nem se deu conta de que estava atribuindo uma importância extraordinária à sua
pessoa.
Quando se tinham passado mais de trinta minutos de espera e ainda não havia nada
que indicasse o fim da conferência que se realizava atrás daquela pesada porta, Frank
Lemmon voltou a falar com a secretária.
— Faça o favor de avisar imediatamente ao marechal que se trata da propulsão LH.
A abreviatura LH fora inventada por ele e lhe acudira naquele momento num
verdadeiro lampejo do espírito. Nem Mercant nem Perry Rhodan a conhecia, e era bem
possível que ambos não soubessem adivinhar seu significado. Acontece que, dessa forma,
Lemmon obedecia à regra primordial do sigilo, e, por outro lado, talvez conseguisse fazer
com que Rhodan ficasse para ouvir o que ele, Lemmon, tinha a dizer.
— É realmente tão importante, Lemmon? — perguntou a secretária em tom de
dúvida.
Estava acostumada a ver as pessoas recorrerem ao pretexto de um assunto importante
para fazer com que Mercant lhes dedicasse parte de seu precioso tempo.
Frank Lemmon respondeu com toda calma:
— Na minha opinião é muito importante. Não se esqueça de mencionar o mecanismo
de propulsão LH.
A resposta de Allan D. Mercant foi imediata.
— O quê? O propulsor LH? Quem quer falar comigo? Lemmon? Mande-o entrar.
Frank Lemmon fechou lentamente a pesada porta atrás de si. Perry Rhodan, o
administrador do Império Solar, e Allan D. Mercant, o chefe do Serviço de Defesa,
estavam sentados frente a frente, junto a uma mesa. Com um gesto, Mercant convidou
Lemmon a sentar-se. Nenhum dos dois indagou sobre o significado da abreviatura LH.
Lemmon tirou do bolso as três fitas perfuradas e colocou-as na mesa. Quando
levantou a cabeça, fitou os olhos cinzentos de Rhodan, que refletiam certa tensão.
— Sir... marechal.
Lemmon dirigiu-se aos dois ao mesmo tempo e nem se deu conta de que acabara de
desagradar a seu chefe imediato através do tratamento que lhe dera. Não compreendeu e
nem se preocupou com o ligeiro sorriso que aflorou ao rosto de Rhodan. Concentrou-se no
relato que teria de oferecer.
Falou no estudante indiano chamado Rabintorge, que, por meio de canais ainda não
descobertos, conseguira saber algo sobre o hiperpropulsor linear dos druufs. Frank
Lemmon comentou a respeito do impacto provocado junto ao Serviço de Defesa Solar por
um artigo de quatro páginas, recheado de fórmulas, publicado na revista Ars Stellaris,
órgão da Universidade de Laore.
— ...e nossos cientistas levaram quinze dias para informar-nos de que caíramos numa
brincadeira de estudantes. Aqui estão — empurrou as três fitas perfuradas para o centro da
mesa, a fim de que Rhodan e Mercant decidissem quem as examinaria em primeiro lugar
— as notícias mais importantes, recebidas nestes últimos tempos.
Lemmon fez uma ligeira pausa, para esperar que um dos interlocutores lesse a fita
perfurada. Mas Perry Rhodan disse:
— Continue, Lemmon.
— Bem, há uma hora recebi um relato de nosso agente de Laore. Trata-se de um
verdadeiro romance de futilidades. No entanto, uma das notícias incluídas no relatório é
digna de atenção. Segundo ela, o tal do Rabintorge, que é o estudante que nos brindou com
a brincadeira relativa ao hiperpropulsor linear, está em contato com a Companhia GHC, na
qual pretende exercer as funções de assessor científico.
“Será que deveríamos permitir que um homem como este fosse trabalhar numa
companhia de tamanha importância científica?”
Não era a primeira vez que Frank Lemmon falava com Perry Rhodan, e acreditava ter
um conhecimento ao menos ligeiro do administrador. Mas agora não se sentia muito à
vontade sob o olhar penetrante daquele par de olhos cinzentos. Também Allan D. Mercant
fitou-o intensamente. Os dois homens mantiveram um silêncio que começou a pesar cada
vez mais intensamente sobre os nervos de Lemmon.
Finalmente Perry Rhodan recostou-se e cruzou os braços à frente do peito. Allan D.
Mercant pegou as fitas perfuradas e examinou-as sem ler.
No gabinete do chefe do Serviço de Defesa reinava um silêncio total.
Lemmon pigarreou, mas não teve oportunidade de falar.
— Lemmon, qual é o motivo da sugestão que acaba de apresentar? — perguntou
Rhodan.
O parassentido não classificável voltou a surgir na mente de Frank Lemmon. A
resposta com que respondeu à indagação de Rhodan provinha desse dom.
— Sir, será que minha sugestão não é o resultado de uma dedução lógica?
Rhodan não tomou conhecimento dessa pergunta.
— O que é que o senhor sabe a respeito do hiperpropulsor linear dos druufs,
Lemmon?
— Praticamente nada. Apenas sei que, segundo se diz, os druufs possuem um
mecanismo propulsor que permite alcançar velocidade superior à da luz, sem que, ao
romper tal barreira, se torne necessário abandonar nossa estrutura espaço-temporal. Mas
não sei dizer se essa versão é correta.
— Ela é correta, Lemmon! — interrompeu Rhodan. — Onde obteve essas
informações?
A resposta de Frank Lemmon foi imediata:
— Da equipe científica 065-propulsão. Trabalhamos juntos durante uma semana, na
investigação do caso Rabintorge.
— Obrigado — limitou-se Rhodan a dizer e lançou um olhar para Allan D. Mercant.
Este interpretou o olhar como um pedido para pronunciar-se.
— Sir, acho que justamente neste momento não deveríamos perder nenhuma chance
de...
O pronunciamento de Mercant não era muito claro; ao menos, Lemmon teve esta
impressão. Mas Rhodan devia tê-lo entendido de outra forma, pois fez um gesto afirmativo
para o marechal e disse:
— Providencie o que se fizer necessário.
— Estamos muito bem informados sobre esse Rabintorge — disse Mercant,
fornecendo os dados de que dispunha. — Trata-se de um estudante que nunca entrou em
contato com seres inteligentes extra-solares. Suas faculdades físico-matemáticas, que
apresentam numerosos pontos de contato com a hipermatemática dos arcônidas, são
inexplicáveis. Mas o que mais espanta é o fato de que só aprendeu a ler aos quinze anos.
— Será que este estudante não é um arcônida, um ara ou um ekhônida? — indagou
Rhodan.
— Não. É impossível. Rabintorge é um terrano e, além disso, é um teórico físico-
matemático de primeiríssima categoria.
Perry fitou Mercant com um sorriso.
— Não estou acostumado a ouvir superlativos de sua boca. De qualquer maneira, está
bem. Traga o homem para cá, e ponha-o a trabalhar sob uma vigilância discreta. Lemmon,
fico-lhe muito grato pelo serviço que acaba de nos prestar.
Rhodan levantou-se e deu-lhe a mão.
— Não houve nada de especial no meu trabalho, Sir — objetou Lemmon, que nunca
teria esperado um elogio desse tipo.
— É claro que não — disse Rhodan com uma risada. — Um homem que dorme como
o senhor nunca percebe que fez um esforço, porque sempre dispõe de energias ansiosas por
entrarem em ação. Na última noite o senhor também dormiu bem?
Quando a pesada porta se fechou atrás de Rhodan, a gargalhada retumbante de Allan
D. Mercant ainda enchia o gabinete. Frank Lemmon concluiu que seria preferível rir
também em vez de dar qualquer resposta à observação de Perry Rhodan.
Dali a dois dias, Lemmon já se havia esquecido do firme propósito de mudar, que
tomou naquela oportunidade.
No dia em que o indiano Rabintorge veio a Terrânia, a fim de realizar um serviço
especial para o Império Solar, Frank Lemmon só chegou ao seu local de trabalho às onze
horas. Ao acordar, tivera a impressão de que o dia não lhe traria maiores novidades.
De fato, só recebeu as notícias corriqueiras. Porém Perry Rhodan sofreu um tremendo
abalo, causado por uma mensagem de hiper-rádio vinda de Árcon.
Seu filho Thomas Cardif, desertor da Frota Solar e seu inimigo mais encarniçado,
acrescentara outro crime ao de deserção. Do planeta Archetz, pertencente ao sistema de
Rusuma e situado a quarenta e quatro anos-luz de Árcon, avisara a uma Galáxia atenta que
o computador-regente de Árcon III fora destituído pelo Almirante Atlan.
2

Uma verdadeira avalancha galáctica iria ter início.


Face ao ato de um oficial desertado do Império Solar, Árcon, que já há 10 mil anos
era um imenso reino estelar, estava ameaçado de sofrer uma série de rupturas em sua
unidade.
Naquele momento, Atlan, o solitário da cúpula gigantesca do enorme computador
positrônico de Árcon III, achava-se mais fraco que Perry Rhodan, pois os perigos que o
ameaçavam no interior do Estado arcônida eram milhões de vezes maiores que os que
pesavam sobre o sistema solar. Atlan comunicou-se com Perry Rhodan, que se encontrava
na Terra:
— Preciso ganhar tempo, Perry! Preciso de sua colaboração, bárbaro. Terei de operar
com a auréola que cerca seu nome. Ninguém sabe quem é Atlan, um almirante que
representou alguma coisa há dez mil anos. Será que alguém ainda conhece minha família?
Por que não diz nada?
— O que poderia dizer, amigo? — respondeu Rhodan com uma enorme tranqüilidade
externa, enquanto sua mente se crispava nervosamente. — Volte a chamar dentro de oito
horas terranas. Terei de digerir os novos fatos, embora tanto você como eu não
esperássemos outra coisa. Você aludiu ao nome de Thomas Cardif e...
Atlan interrompeu-o a uma distância de 34 mil anos-luz.
— Pouco importa que eu tenha falado em Thomas Cardif ou nos mercadores
galácticos. O que importa é que Cardif e os saltadores se encontram no sistema Rusuma e
tentam criar dificuldades para o Império. Você acaba de pedir que volte a chamar daqui a
oito horas. Sabe o que pode acontecer até lá?
Perry aguçou o ouvido. Será que Atlan estava sendo dominado pelo pânico? Atlan, o
atemporal e o imortal?
Perry Rhodan estudou o rosto do arcônida que aparecia na tela, mas não descobriu o
menor sinal de pânico. No entanto, um perigo iminente devia deprimir o almirante. Por que
não identificava esse perigo?
— O que é que você está ocultando, almirante? — perguntou Rhodan, fazendo sua
voz atravessar o tempo e o espaço.
Viu que Atlan procurou concentrar-se. Empertigou-se e esforçou-se para sorrir.
— Não estou ocultando nada, Perry. Acontece que, neste momento, consigo
compreendê-lo muito bem. Encontro-me na mesma situação em que você se achou durante
setenta anos. Quero que você me compreenda. Preciso acostumar-me com o fato de que o
Grande Império já não quer obedecer às minhas ordens, e que meu poder não é maior que
o seu.
“Qual é minha idade? Mais de dez mil anos? Neste dado só o número é correto, pois o
fato é que sou mais jovem que você, bárbaro. Numa situação como esta, suas vivências o
colocam numa situação muito melhor que a minha. Tenho de rever meus conhecimentos,
bárbaro! Preciso seguir seu exemplo e...”
— Atlan! — exclamou Rhodan em voz alta, procurou dissimular o susto causado pela
irrupção sentimental do arcônida. — Atlan, faça o favor de voltar a chamar daqui a oito
horas terranas.
Não deixou que o almirante voltasse a falar.
A ligação de telecomunicação com Árcon III foi interrompida.
Perry Rhodan acabara de desligar.
Sem dizer uma palavra, recostou-se na poltrona. Continuou a fitar a tela, que já se
tornara cinzenta. Ergueu lentamente as mãos, e as pontas dos dedos começaram a
massagear as têmporas.
Reginald Bell, que o observava em silêncio, já conhecia o gesto. Tal atitude traía um
abalo profundo no espírito do amigo.
No fim do diálogo, Atlan deixara falar exclusivamente o coração.
Era uma das raras palestras em que dois homens percebem que a amizade os liga até a
morte.
Rhodan dirigiu-se a Bell.
Falou sem o menor nervosismo:
— Preciso imediatamente dos dados mais recentes sobre o sistema de Rusuma,
especialmente sobre Archetz, o quinto planeta. Faça o favor de providenciar para que esses
dados cheguem às minhas mãos dentro de trinta minutos. Cuide da equipe 065-propulsão.
Bell, que esperara mais que isso, lançou um olhar indagador para Rhodan. Mas este
não forneceu outros detalhes.
— Escute... — principiou cautelosamente. — Será que não cometemos um erro em
não mandarmos nenhum agente atrás da frota dos saltadores, quando eles se afastaram
precipitadamente?
Os olhos cinzentos de Perry Rhodan abriram-se ligeiramente.
— Por que não fala franca e abertamente de Cardif, Bell? Onde estaria o erro por nós
cometido? No momento em que o patriarca Cokaze soube por intermédio de um homem,
que se encontrava em nosso destróier aprisionado, que o Grande Império está sendo
governado por Atlan, e não pelo cérebro positrônico, todo o clã desse patriarca teve
conhecimento do fato, e, com isso, perdemos toda e qualquer possibilidade de continuar a
manter o segredo.
“Se não nos adaptarmos imediata e completamente à nova situação, e isso também diz
respeito a Atlan, dentro de um ano, no máximo, toda a Galáxia pegará fogo, e assistiremos
a fatos que não se compararão com qualquer dos exemplos fornecidos pela História.
Acontece que ainda não sei como poderemos enfrentar a situação. A intenção de obter
informações pormenorizadas sobre o sistema de Rusuma e fazer com que você se dirija à
equipe 065-propulsão, a fim de que esses cavalheiros não se ocupem com questões de
matemática teórica até o dia do juízo final, só representa uma ligeira sondagem.”
— Uma sondagem de quê?
Perry Rhodan estava perplexo.
— Não sei, Bell.
O tom da voz de Perry dava mostras de contrariedade, mas tal contrariedade não se
dirigia contra o amigo que acabara de formular a pergunta. Nascera da sensação de
encontrar-se em meio a uma catástrofe, sem enxergar um meio ou um caminho que lhe
permitisse escapar à avalancha galáctica.
Reginald Bell ergueu o corpo atarracado.
— Está bem. Providenciarei a primeira coisa que você pediu, e farei a outra. Se não
me engano, você espera que a equipe 065 lhe forneça em breve alguns dados concretos.
— Muito em breve! — respondeu Rhodan.
Bell fez uma careta.
— Essa gente ficará muito satisfeita! — profetizou. — Devem fazer os pobres
terranos compreenderem a tecnologia dos hiper-propulsores lineares dos druufs por meio
da supermatemática arcônida, e isso muito em breve.
Rhodan lançou-lhe um olhar de espanto.
— Por enquanto não possuímos este sistema de propulsão, Bell. Será que você já se
esqueceu disso?
O homem ruivo soltou uma risada seca.
— De forma alguma. Acontece apenas que, no momento, me tornei um pouco infiel a
mim mesmo e esqueci a ponta do meu dedo direito. Hoje não é o dia 1 o de julho de 2.044?
Pois bem. A muito custo, conseguimos atravessar a primeira metade deste ano maldito.
Talvez também consigamos superar o resto, com ou sem hiperpropulsão linear... se bem
que no meu íntimo eu tivesse uma esperança de que nossa equipe conseguisse descobrir
como funciona o aparelho.
— Bell — Rhodan lançou-lhe um olhar recriminador. — Desde a última festa do ano-
novo, seu dedo ferido num caco de vidro transformou-o na personificação do pessimismo.
Porém, num ponto em que nada temos a esperar, você acredita em milagres.
— Perry, será que isso não é uma forma distorcida de pessimismo? — perguntou Bell
quando já segurava a maçaneta.
Retirou-se apressadamente.
— É um sujeito incorrigível — constatou Rhodan para si mesmo e sorriu.
Nos momentos de depressão era sempre Bell que, com seu jeito inimitável, fazia
melhorar a disposição de ânimo dos outros. Ninguém melhor que Rhodan sabia que, na
verdade, o próprio Reginald Bell também era martirizado pelas preocupações.
Enquanto isso, Bell providenciou para que o chefe recebesse os dados sobre o sistema
de Rusuma. Ele mesmo pegou o planador e voou ao setor de pesquisa 18.
Na divisão 065-propulsão, encontrou alguma coisa que ele costumava designar como
dupla mista, muito embora essa dupla fosse formada por quase trinta especialistas, parte
dos quais eram teóricos, parte técnicos.
Quase não tomaram conhecimento de sua chegada. Esse costume se firmara em todos
os lugares em Terrânia.
Bell examinou ligeiramente a equipe dividida em vários grupos e teve sua atenção
dispensada por um jovem indiano, que, ao falar, movimentava tanto as pernas como os
braços.
— Quem é este, Bradley? — perguntou, dirigindo-se ao professor que chefiava o
grupo 065-propulsão.
— Ah... é Rabintorge, um novato. Não consigo lidar com ele. Esse indiano é todo
contradição! — explicou o professor Bradley com uma visível contrariedade.
Bell apreciava tudo que cheirasse a contradição. Agradeceu ao professor e
aproximou-se discretamente do grupo onde Rabintorge continuava a agitar os braços,
esforçando-se para fazer prevalecer sua opinião.
Um colega argumentou:
— Como é que o senhor pode saber disso? O senhor nem teve tempo para adquirir
uma visão de conjunto, e, além disso, acaba de dizer uma tolice.
O indiano, um homem de olhos marrons e pele morena, cruzou as mãos à frente do
peito e inclinou-se diante do colega que o agredira de forma tão brutal.
— Pois então! — disse este com um sorriso.
Mas o indiano voltou a falar no mesmo instante:
— O senhor está enganado! O que acabo de dizer não é nenhuma tolice. A estrutura
espaço-temporal só é abalada numa constante pelo hiperpropulsor linear, no momento em
que a respectiva espaçonave atinge a velocidade da luz. Ao contrário do hipersalto, que,
por ocasião da saída do espaço normal e do reingresso na estrutura normal do Universo,
causa nesses pontos uma ruptura de todas as constantes que dá origem ao abalo estrutural,
o hiperpropulsor linear, ao ultrapassar a velocidade da luz, só retira uma única constante de
sua base natural, e o propulsor causa esse efeito, enquanto a espaçonave desenvolve
velocidade superior à da luz. De outra forma não haveria explicação para os valores
constantes dos erros de indicação registrados nas medições da tensão espacial.
Bell não tinha a menor idéia do que vinha a ser a base natural de uma constante da
estrutura espaço-temporal. E não tinha muita ambição de saber. Mas não conseguia evitar a
impressão de que esse indiano muito jovem sabia expor em poucas palavras um problema
físico extremamente complexo.
Três colegas conversavam ao mesmo tempo com o indiano, mas este não se deixou
abalar. Bell o ouviu falar nos resultados das medições realizadas pela estação de Hades.
Ainda ouviu o indiano mencionar o nome de Ernst Ellert e invocar as indicações
fornecidas pelo mutante. O jovem chegou mesmo a afirmar que conhecia de cor os
resultados das medições realizadas pelas estações terranas, situadas no Universo dos druufs
e os dados fornecidos por Ellert.
Bell esperou até que Rabintorge se dispusesse a apresentar a prova de suas
afirmativas. Subitamente teve muita pressa em sair da divisão 065-propulsão.
Quando Bell irrompeu subitamente em seu gabinete, Perry Rhodan fitou-o com uma
expressão contrariada.
— Alguma novidade? — perguntou. — Daqui a uma hora, terei três conferências e...
— Deixe que esperem! — exclamou Bell. — Ouça primeiro o que tenho a lhe dizer e
depois diga o que você acha.
O gorducho esforçou-se para apresentar seu relato em tom calmo. Não perdoou
qualquer detalhe. E concluiu com esta observação:
— Será que o tal do Rabintorge não é um arcônida ou um mercador galáctico
disfarçado?
— Há poucos dias formulei a mesma pergunta a Mercant. A resposta foi não.
— Pois mande Gucky cuidar de Rabintorge!
Rhodan fez que não.
— Gucky também não é infalível. Não se esqueça daquele cachorro-espião dos
arcônidas, que nos enganou a todos, inclusive ao rato-castor.
— Acontece que esse indiano não é nenhum indiano, Perry! Seu espírito de
contradição é tamanho que deixa confusa toda a divisão 065-propulsão, Perry! O professor
Bradley não consegue lidar com ele.
— Bell, você acaba de falar em Bradley. Se as informações que recebi a respeito dele
forem corretas, vamos mandá-lo passar os próximos seis meses num sanatório. O professor
exauriu-se no trabalho de descobrir um instrumento de localização capaz de registrar os
abalos da hiperestrutura linear.
A porta do gabinete de Rhodan abriu-se. John Marshall, chefe do Exército de
Mutantes e um dos melhores telepatas, entrou.
— Sir, eu devia...
Rhodan interrompeu-o com um gesto.
— Faça o favor de sentar-se, Marshall. Bell e eu terminaremos dentro de poucos
minutos.
Voltou a dirigir-se a Bell.
— Este jovem indiano, que concluiu seus exames há apenas uma semana, deve ser
um mutante no terreno físico-matemático. Rabintorge é o homem que nos pregou aquela
peça que...
Naquele instante, Bell virou-se abruptamente para Marshall. De repente teve a
impressão de que havia algo de errado. Viu Marshall levantar-se, e ouviu-o dizer:
— Sim, chefe!
No mesmo instante, Perry fez uma ligação com o chefe de Defesa:
— Aqui fala Rhodan. Mercant, coloque quatro ou cinco dos seus melhores homens na
divisão 065-propulsão. Lá se encontra um sugestor. Seus homens se encontrarão com o
mutante Kitai Ishibashi, que comanda a ação. Desligo.
Bell fitou o amigo com um misto de susto e perplexidade. Não quis acreditar no que a
inteligência dizia e no que depreendia das palavras de Perry.
— Perry, será que isso significa que eu... que eu...?
Rhodan fez que sim e John Marshall, que se encontrava a seu lado, confirmou a
suposição.
— Sim senhor — disse. — O senhor se encontra sob uma influência sugestiva tão
forte que não consigo penetrar no...
— Marshall, repita isso... — Bell fez uma tentativa para se opor... mas se Marshall
fazia uma afirmativa dessas, não haveria erro. — Onde foi que isso me aconteceu? Na
divisão 065-propulsão? Nesse caso esse indiano é mesmo um agente do outro lado. Eu não
disse?
O intercomunicador soou em meio às palavras de Bell. Mercant encontrava-se do
outro lado da linha.
— Sir, a ação já foi iniciada.
— Obrigado! — respondeu Rhodan.
O estalido do aparelho revelou que a comunicação com o Serviço de Defesa já fora
interrompida.
— Esse indiano! — exclamou Bell em tom furioso. Dirigiu-se a Marshall e
perguntou: — Ainda me encontro sob os efeitos da sugestão? Será que minha vontade
continua submetida a uma influência constante?
— Não senhor. O bloco introduzido no senhor é suficientemente forte. Como já disse,
não consigo passar.
— Onde não consegue passar? Diga logo onde...
— Sir, não estou em condições de ler seus pensamentos quando o senhor fala nesse
indiano chamado Rabintorge ou...
— Esse sujeito com olhos de veado! — praguejou Bell e deixou-se cair na poltrona.
— Como farei para livrar-me desse bloco? Perry, como você teve a idéia de que haviam
feito alguma coisa comigo?
— Notei um pequeno detalhe em você, Bell. Geralmente, sente uma simpatia toda
especial pelos espíritos de contradição, mas no tal do Rabintorge você não quis ver nada de
bom. Isso se manifestou menos nas suas palavras que no tom de sua voz. Sua fala estava
impregnada de ódio contra aquele jovem de Laore, e isso não combinava com seu gênio.
Desconfiei e convoquei John por via telepática. Pedi a Marshall que o testasse.
— Se eu puser as mãos no sujeito que se permitiu esse tipo de liberdade comigo...
— Estou mais interessado em saber quem está atrás do sugestor introduzido em nosso
meio — obtemperou Rhodan. — E logo hoje, que tenho mil coisas a fazer, esse incidente
tem de vir à tona. O tempo vai correndo. Daqui a pouco, o prazo de oito horas estará no
fim e Atlan voltará a chamar.
— O que é que eu venho dizendo desde a festa de entrada do ano 2.044?! —
exclamou Bell em tom exaltado, estendendo o dedo polegar.
Desde a festa de passagem de ano do início de 2.044, o polegar direito de Reginald
Bell transformara-se no fantasma que costumava apavorar seus colaboradores mais
íntimos. Durante os festejos, derrubara, sem querer, um cálice de champanha, de vidro
inquebrável. Porém o vidro partiu-se. Bell recolheu os cacos. Se já havia uma contradição
no fato de uma peça de vidro inquebrável se partir, essa contradição crescia ainda mais por
Bell ter cortado o polegar nos cacos.
Desse momento em diante, Reginald Bell se transformara num pessimista
supersticioso. Sem querer saber se alguém estava interessado nisso ou não, vivia dizendo
que o ano de 2.044 seria uma fase catastrófica para o Império Solar.
Infelizmente, até o momento, os fatos lhe haviam dado razão.
E agora estendia o polegar em direção a Perry Rhodan, num gesto demonstrativo. Um
brilho zangado surgiu nos olhos cinzentos do administrador.
— Mais uma vez lhe peço que deixe de lado estas alusões. Essas repetições já
começam a aborrecer-me.
— Está bem, Perry! Você é o chefe. O fato é que eu tenho razão. No momento, Atlan
está com água até o pescoço e quer que nós o ajudemos. Logo nós, que só temos poucas
naves. E não devemos esquecer que ainda há três mil naves de guerra dos druufs que
cruzam o nosso Universo. Se, um belo dia, voltarem a aparecer, tomara que Deus tenha
pena de nós. Se isso acontecer, não aparecerá nenhum grupo de naves robotizadas de
Árcon e nenhum clã dos saltadores para tirar-nos do aperto. Por que será que as coisas
desagradáveis, vindas de todos os lados, têm que desabar sobre nós seguidamente?
Perry Rhodan deixou que Bell falasse. Conhecia-o melhor que qualquer outra pessoa.
E o método mais simples, barato e eficiente de lidar com ele era deixar que esbravejasse à
vontade. Acabava acalmando-se.
O pedido de socorro de Atlan o afligia como um pesadelo, e os fatos inquietantes, que
se desenrolavam na divisão 065-propulsão, constituíam uma advertência no sentido de que
o Império Solar era vulnerável também por dentro, pois as medidas de segurança, por mais
eficientes que fossem, sempre poderiam ser solapadas.
Bell passou os olhos de um interlocutor para outro, pois não ouviu o menor eco às
suas observações.
— Essa ação na divisão 065-propulsão está muito demorada!
— Até mesmo no Império Solar os milagres demoram algum tempo! — respondeu
Rhodan com uma aspereza extraordinária na voz, o que fez com que Bell achasse
preferível manter-se calado.
A longa espera teve início. Rhodan dera ordem para, em hipótese alguma, ser
incomodado. Naturalmente, no caso de qualquer notícia alarmante, deveria ser feita uma
exceção. Mas deixou de acontecer o que costumava ser tão freqüente, isso é, que a grande
central de hiper-rádio de Terrânia o interrompesse com alguma noticia desagradável.
Quarenta e cinco minutos depois do início do alarma, Mercant voltou a chamar pelo
intercomunicador.
— Sir, o mutante Ishibashi constatou que o técnico Elvis Artun é um hipno. Saiu da
GHC Company e veio trabalhar conosco pouco depois da invasão dos saltadores.
Rhodan notou imediatamente a contradição entre os dados fornecidos por Marshall e
o relatório de Mercant.
— Uma pergunta, Mercant: o que é mesmo esse Artun, um hipno ou um sugestor?
Precisamos saber imediatamente, pois se Artun for um hipno, nesse caso, ainda faltará
descobrir quem é o sugestor que se encontra na divisão 065-propulsão. Mercant, insista
junto a Kitai Ishibashi. Ele mesmo poderá constatar quais são as faculdades de Artun.
Temos pouco tempo.
Bell não se atreveu a fazer qualquer observação. Viu que Rhodan fitava atentamente o
telepata Marshall. Os impulsos mentais dos dois se intercambiavam num diálogo
silencioso.
— Está bem, Sir. Consegui entrar em contato com Gucky. O rato-castor já está a
caminho da divisão 065-propulsão — disse Marshall, para que Bell também ficasse a par.
Quase ao mesmo tempo, o micro comunicador no pulso esquerdo de Rhodan emitiu um
sinal. O rato-castor estava chamando.
— Perry, acabo de descobrir dois sujeitos. Se pudessem, eles me matariam, acontece
que não podem, pois estão presos ao teto. Podem ficar assim, até que os homens de
Mercant venham buscá-los?
O rato-castor tratava qualquer pessoa por você, inclusive o administrador do Império
Solar. Mas o fato de Gucky pedir licença a Rhodan para deixar presos ao teto, graças ao
dom da telecinese, dois agentes que acabara de descobrir não combinava com o gênio do
rato-castor.
— Gucky, será que você não está cometendo uma tolice? — perguntou Rhodan em
tom severo.
— Ora, chefe — piou o rato-castor pelo microfone. — Será que alguma vez já fiz
uma tolice?
Rhodan preferiu não responder. As brincadeiras de Gucky eram por demais
conhecidas.
— Tenente, quem são eles? Queira fornecer os nomes.
Era uma indagação oficial. O rato-castor compreendeu perfeitamente. Sempre que
Rhodan se dirigia para ele usando a denominação de seu posto, devia abster-se de qualquer
brincadeira.
Gucky retribuiu de igual para igual:
— Administrador, os dois sugestores são Tom Sharkey e Pierre Rochard. Neste
momento, estão rogando pragas contra mim. Porém, vez por outra, rogam pragas contra a
GHC Company da Cidade do Cabo e, especialmente, contra o terceiro diretor Horace
Edwards. Ora... ora...
Era muito raro ouvir o rato-castor gaguejar de espanto... De repente, calou-se. O
micro comunicador transmitia apenas sua respiração apressada.
— Gucky, o que está acontecendo na divisão 065-propulsão? — Rhodan preferiu não
voltar a chamá-lo de tenente.
— Ouça, Perry... — a voz piante de Gucky falava aos cochichos. — Sharkey e
Rochard nunca foram verdadeiros sugestores. Há algo de errado com seu modelo de
vibrações cerebrais. Deixemos isso para depois Perry; agora não...
— Ora essa — disse Rhodan em tom de espanto e voltou a baixar o braço esquerdo,
ao qual estava preso o micro comunicador. — Será que Gucky desligou? Notou o tom de
sua voz no fim da palestra? Qual é sua opinião, Marshall?
Marshall, que além de ouvir a palestra travada pelo micro comunicador mantivera
contato telepático com o rato-castor, sabia mais que Rhodan. E a informação que pôde dar
não foi muito tranqüilizadora.
— Gucky teve de lançar mão de todas as reservas para proteger-se contra a influência
sugestiva dos dois agentes que acaba de descobrir.
Nesse momento, o ar começou a tremeluzir e o rato-castor apareceu. Transportara-se
num salto de teleportação da divisão 065-propulsão ao gabinete de Rhodan.
— Eu lhes mostrei! — anunciou em tom orgulhoso, mas um tanto cansado. Depois
fitou Bell. — O que fizeram com você, gorducho?
Rhodan interveio na conversa.
— Deixe Bell de lado, Gucky. Ele está sujeito a uma forte influência sugestiva. O que
foi que você descobriu?
Gucky exibiu o dente roedor solitário, com o que pretendia indicar um sorriso.
— Muita coisa, chefe! Ao menos, tanto quanto Sharkey e Rochard sabiam. E isso
basta para deixar a GHC Company de pernas para o ar e revistar-lhe as instalações, a fim
de procurar um aparelho de telecomunicação dos saltadores. Já enviei um agente ao
apartamento de Rochard.
— Por quê? — perguntou Rhodan.
— Porque lá se encontram três ampolas de um tóxico dos aras. Não sei o que há com
esse tóxico. Rochard apenas pensou ligeiramente no mesmo; teve medo de que
pudéssemos descobri-lo.
Rhodan inclinou-se para a frente.
— Você acaba de falar num tóxico dos aras, não é?
— Falei na GHC Company, no aparelho de telecomunicação dos saltadores, no tóxico
dos aras. Ainda acontece que Sharkey e Rochard não são sugestores, mas apenas
indivíduos submetidos à ação de certos medicamentos. Ainda aposto que esse Elvis Artun
também não é um verdadeiro hipno. Os modelos de vibrações cerebrais irradiados pelos
dois agentes não são normais, Perry. Mas Marshall saberá compreender melhor.
Virou-se para Marshall e perguntou:
— John, você já viu um modelo de vibrações cerebrais em que a faixa sugestiva é
muito pouco desenvolvida, enquanto o indivíduo ao qual pertence o modelo dispõe de
forças sugestivas incríveis?
Parte das palavras de Gucky constituíam uma linguagem especial, pois só um telepata
seria capaz de compreender o que vinha a ser um modelo de vibrações cerebrais e uma
faixa sugestiva.
O rosto de Marshall, que demonstrava uma incredulidade indisfarçada, provava que
compreendera as palavras do rato-castor. Gucky parecia satisfeito.
— Há pouco, quando fiz a descoberta na divisão 065-propulsão, devo ter oferecido
uma aparência tão boba como você está mostrando agora. E depois disso, essa gente
procurou apertar-me com suas forças sugestivas.
Voltou a dirigir-se a Rhodan, e assumiu um ar modesto, o que não combinava com
seu caráter.
— Perry, tive que... não pude agir de outra maneira... Se quiser entrar imediatamente
em contato com Mercant, diga-lhe que os médicos só precisarão cuidar de Rochard e
Sharkey daqui a três horas. Antes disso, não acordarão da hipnose que lhes apliquei.
— Tenente Gucky... — principiou Rhodan, sem que tivesse qualquer intenção
especial ao usar esse tratamento. Mas estremeceu ligeiramente quando o rato-castor,
piando, procurou dar uma tonalidade militar às suas palavras:
— Pois não, administrador do Império Solar...
O rosto sério de Rhodan iluminou-se, e o chefe sorriu para o rato-castor.
— Obrigado, Gucky, você apenas acatou minha voz de comando. Mas tenho outro
serviço para você. Teleporte-se para o apartamento de Rochard, procure o tóxico dos aras e
traga-o para cá.
— Está bem, chefe! — disse o rato-castor e, no mesmo instante, desapareceu.
Bell respirava pesadamente.
— Marshall, o bloco sugestivo exerce alguma influência sobre as outras funções de
minha mente?
— Não senhor. Apenas a experiência colhida na divisão 065-propulsão foi deturpada.
— Isso é um débil consolo, Perry. Gostaria de entrar em contato com Frank Lemmon,
chefe da Divisão F-l. Quero fazer-lhe algumas perguntas.
— E depois disso, pretende submeter-se a um tratamento, a fim de eliminar o bloco
sugestivo, não é? — perguntou Rhodan em tom de perplexidade.
— Se houver tempo para isso. De qualquer maneira, preciso manter-me afastado do
tal do Rabintorge, pois do contrário esse jovem ainda poderá pensar que sou um bobo.
A porta fechou-se atrás dele. Rhodan e Marshall ficaram a sós. Estavam esperando
que Gucky voltasse. Enquanto isso, Rhodan informou o chefe do Serviço de Defesa. O
rosto de Mercant que surgiu na tela não demonstrou espanto nem curiosidade. Ele, que,
bem dizer, crescera no interior de seu serviço, já se vira diante de fatos muito mais
inacreditáveis.
— Sir, de minha parte será feito tudo que for necessário.
Foi tudo que Allan D. Mercant teve a dizer.
— O Exército de Mutantes estará presente quando o edifício da administração da
GHC Company, na Cidade do Cabo, for revistado, Mercant. Organize a ação de forma que
isso aconteça.
— Pois não.
A tela do sistema de intercomunicação voltou a tornar-se cinzenta. Rhodan olhou para
o relógio. Dali a três horas, Atlan voltaria a chamar, e, até então, mal tivera tempo para
examinar a nova situação em que se encontrava o almirante e seu império.
— Marshall...
John Marshall fitou o chefe. A comunicação telepática entre os dois fora
interrompida. O olhar de Perry Rhodan vagava além do sistema solar — em algum ponto
do Universo.
— Marshall, o senhor consegue compreender meu filho?
— Chefe... — John Marshall pegou um maço de cigarros, tirou um e acendeu-o.
Seguiram-se três tragadas profundas. Tudo isso foi feito apenas para ganhar tempo.
Mas chegou o momento em que teve de responder à pergunta íntima de Rhodan.
— Sim senhor, compreendo Thomas Cardif, mas não encontro justificativa para o que
tem feito.
— Não estou interessado em conhecer sua opinião sobre este último ponto, John. Mas
quero que me explique por que consegue compreender seu procedimento. Isto é, caso
queira explicar.
Antes de responder, Marshall deu mais duas tragadas, bateu a cinza e endireitou o
corpo. Finalmente começou a falar:
— Seu filho cresceu sem lar. Quando soube quem eram seus pais, sentiu de uma hora
para outra um impacto: Perry Rhodan e a arcônida Thora eram seus pais! Será que posso
falar com toda franqueza, chefe?
Rhodan fez um gesto cansado, e Marshall prosseguiu:
— Thomas Cardif sentiu simpatia exclusivamente pela sua esposa, ou seja, pela mãe
dele. Mas só recebeu o amor de mãe aos pingos. Para Thomas Cardif, a palavra dever
certamente se transformou numa maldição, pois não era nem terrano nem arcônida.
Procuro nunca me esquecer disso, quando avalio seu procedimento. No momento em que
sentiu quanto vale o amor de mãe, sua progenitora morreu. Dali em diante, Thomas Cardif
sentiu-se só. O ódio e o amor... será que estes dois sentimentos não são aparentados? Junto
ao túmulo de sua esposa e da mãe dele o senhor lhe estendeu a mão. Se eu fosse Thomas
Cardif, também não a teria aceito, e...
— John! — Rhodan parecia apavorado.
— Isso mesmo, chefe, eu também não teria aceito a mão que o senhor me oferecia.
Lembre-se que ele poderia estar mal informado quando lançou aquele boato infame
segundo o qual o senhor teria enviado a esposa a Árcon para realizar negociações,
contrariando as recomendações dos médicos. Aqui em Terrânia ninguém acreditou nisso,
mas já imaginou o que se terá passado na alma de Thomas Cardif? De qualquer maneira,
só mesmo um patife é capaz de violar um juramento e cometer uma traição.
“Bem, chefe, o que mais posso dizer? O que lhe adiantará se eu lhe digo que, na
minha opinião, Thomas Cardif não é nem um patife nem um traidor? Mas não sei dizer o
que ele é aos meus olhos. Apenas sinto que Thomas Cardif merece compaixão e, se não
encontrar o caminho para junto de si mesmo, acabará muito mal.”
— Será que o senhor não se lembra de que também traiu Atlan? — perguntou Rhodan
em tom frio.
— Se eu quisesse destruir meu pai por acreditar que ele assassinou minha mãe,
recorreria a todo e qualquer meio. Chefe, quem pensa assim não quer saber o que é direito
e o que não é, nem chega a refletir nos seus atos.
— Acontece que qualquer pessoa tem o dever de refletir no que faz.
— Ora, o dever, chefe. Lá me vem o senhor novamente com essa palavra. Para
cumprir nosso dever, precisamos de força. E a força provém do amor dos pais. Será que
Thomas Cardif não foi modelar no cumprimento do dever até o momento em que soube
quem eram seus pais? Perdão, chefe, eu não deveria ter dito isso. Esqueça-se.
John Marshall resistiu à tentação de recorrer à sua acentuada capacidade telepática
para ler os pensamentos de Perry Rhodan. Continuou sentado e viu o olhar de Rhodan, que
parecia penetrar nas profundezas do Universo. E Rhodan manteve-se calado.
Naquele instante, o rato-castor retornou de sua missão.
— Chefe — principiou, mas logo se calou de novo.
Seu olhar de camundongo caminhou entre o chefe e Marshall, até que recebeu a
ordem telepática transmitida por este último:
— Não pergunte o que aconteceu por aqui. Dê informações sobre seu trabalho.
Quanto mais, melhor.
Gucky compreendeu imediatamente.
— Aqui está! — disse, e entregou três ampolas a Rhodan.
Pelo formato, logo se via que continham um produto dos médicos galácticos, os aras,
que por várias vezes já haviam sido admoestados por Rhodan sobre o que podiam fazer e
sobre o que nunca deveriam fazer.
— Mas não venho diretamente do apartamento de Rochard, Perry. Estive com nossos
médicos. Três deles reconheceram o preparado. Já ouviram falar no mesmo. Disseram que
é um tóxico com efeitos sedativos. Pedi que me traduzissem a palavra sedativo. Significa
calmante. E esse fato me deixou bastante inquieto. Saltei até o grande cérebro positrônico
de Vênus, mas este não conhece o preparado. Depois lembrei-me dos swoons, nossos
adoráveis homens-pepino. Quer saber de uma coisa, chefe? Eles entendem alguma coisa da
medicina dos aras! Oguralas. Esta palavra pertence à linguagem médica dos aras. O nome
não significa nada, mas o fato é que os swoons ficaram abalados.
— Gucky — disse Rhodan, interrompendo a torrente de palavras do rato-castor. —
Será que você não poderia resumir um pouco, meu caro? Que tolice é essa que você está
dizendo? O que há nessas ampolas?
Gucky engoliu a repreensão sem dizer uma palavra. John Marshall lhe pedira que
falasse o mais que pudesse, e dali ele concluiu que Marshall queria ganhar tempo para
algum fim.
— Chefe, os swoons... Subitamente o olhar de Rhodan tornou-se duro como aço.
— Tenente Guck!
Faltava o ípsilon no nome de Gucky. O rato-castor sabia perfeitamente o que
significava isso. Agora não poderia fazer mais nada por Marshall. Endireitou o corpo e
respondeu:
— O conteúdo destas ampolas é mortífero para os seres da raça dos arcônidas. Nem
mesmo os aras sabem por que isso acontece. Até hoje não conseguiram descobrir por que a
substância contida nesse extrato paralisa a atividade cerebral. Mas descobriram que a
mesma transforma em sugestores algumas raças de animais inteligentes até o nível C e os
terranos.
— Nesse caso é bem possível que, se tivermos sorte, poderemos encontrar no
apartamento de Mister Artun um tóxico dos aras que, uma vez injetado num ser humano,
transforma-o num hipno. Gucky, se eu fosse você daria uma olhada na residência de Artun.
— Está bem, chefe. Devo dar o fora daqui. Muito bem; já desapareci.
Seu último pio ainda estava ressoando na sala, quando o rato-castor já tinha
desaparecido.
Mais uma vez, Rhodan viu-se a sós com Marshall.
— John — disse — o senhor ainda vê uma chance para meu filho?
Naquele instante, Marshall sentiu que não tinha diante de si o administrador do
Império Solar, mas a criatura humana Perry Rhodan — o pai de Thomas Cardif.
— John, diga o que o senhor acaba de pensar; por favor! — enquanto falava, Rhodan
levantou-se e colocou-se à frente do chefe do Exército de Mutantes. — Diga, John; não
tenha a menor consideração por minha pessoa. Não tentei ler seus pensamentos.
John Marshall respirou pesadamente.
— Mister Rhodan...
Seguiu-se uma pausa, e durante a mesma o telepata perguntou a si mesmo há quantos
anos não chamava Rhodan de mister.
— Quer saber se Thomas Cardif ainda tem uma chance de livrar-se das complicações
infelizes em que se encontra? Se seu pai não fosse Perry Rhodan, eu diria que tem.
— Marshall, eu não o odeio, embora ele me odeie! — ponderou Rhodan em tom de
desespero.
— Sei disso, Sir — respondeu Marshall em tom hesitante, mas com a voz firme. Não
se esquivou dos olhos duros e cinzentos do chefe. — Perry Rhodan sempre foi um homem
duro para consigo mesmo. O senhor teve de agir assim para resguardar sua personalidade,
e o senhor também terá de sê-lo no futuro, senão...
— Senão o quê, Marshall? Diga! O senhor tem que dizer! — Perry Rhodan, o ser
humano, pedia e ordenava ao mesmo tempo.
— Está bem, chefe, eu direi, mas depois disso nunca mais lhe falarei nestes termos a
respeito de Thomas Cardif. Nunca mais.
“No futuro, o senhor também terá de ser duro, senão deixará de ser o Perry Rhodan
que pode apontar o caminho à Humanidade. E é aí que reside a tragédia para o senhor e
para Thomas Cardif. O senhor e ele têm de pagar um preço muito elevado...”
John Marshall levantou-se. Virou-se devagar. E lentamente caminhou até a porta.
Deixou para trás Perry Rhodan, o homem mais solitário do Império Solar.
A porta fechou-se silenciosamente.
3

Cokaze, patriarca de um dos clãs dos saltadores, que era o único mercador galáctico
que fizera suas experiências com Perry Rhodan ainda ao tempo da Terceira Potência,
transformara-se em político. Acontece que não se deu conta disso. Continuava a acreditar
que era um comerciante, cujo objetivo consistia exclusivamente em aumentar a riqueza e o
poderio de seu clã no interior da raça dos saltadores.
Ao pousar em Archetz, o quinto planeta do sistema de Rusuma, Cokaze trazia o maior
segredo do império mundial arcônida. Sua frota, agora com mais de mil naves cilíndricas,
ocupou a terça parte do espaço-porto de Titon, capital daquele mundo dos saltadores.
Aquele sistema, que ficava a apenas quarenta e quatro anos-luz de Árcon, também
pertencia ao centro do grupo estelar M-13.
Acontece que há milênios um abismo profundo se abrira entre os arcônidas e os
saltadores. Além do processo de degenerescência dos arcônidas, que prosseguia
inexoravelmente, ainda acontecia que os saltadores usavam quase exclusivamente a língua
intergaláctica e mal dominavam o arcônida, o que também representava um fator de
separação. E essa separação ainda se exprimia no fato de que o mercador galáctico nascia e
morria no interior de uma espaçonave.
Eram nômades estelares, enquanto os arcônidas eram seres planetários que não
dispensavam o chão firme sob os pés.
E Archetz, o mundo dos saltadores, não representava nenhuma contradição em seu
modo de vida.
Há muitos milênios o planeta se transformara no trampolim desse povo dinâmico, que
nunca se esqueceu de que partira dali a fim de conquistar um monopólio comercial
irrestrito, abrangendo toda a Galáxia.
Archetz era um mundo de oxigênio semelhante à Terra. Sua gravitação correspondia a
1,19 vezes a deste último planeta. Seu diâmetro era pouco menos de mil quilômetros
superior ao da Terra. Banhado pela luz do sol amarelo de Rusuma, quase poderia ser
comparado a Árcon III, o planeta da guerra.
Em Archetz não havia mais nenhuma cidade na superfície. Até mesmo Titon, um
verdadeiro oceano de casas que abrigava doze milhões de habitantes, ficava a três mil
metros de profundidade. Uma rede intrincada de vias de transporte permitia que a cidade
fosse atingida dentro de meia hora de qualquer ponto do planeta.
A superfície desse mundo constituía um gigantesco centro industrial. Mas até mesmo
esta impressão era enganadora, pois quase oitenta por cento da indústria pesada ficava no
subsolo. As usinas mais modernas acabavam de ser concluídas ao nível de onze mil
metros.
Archetz era um mundo de superlativos e o coração de centenas de milhares de
espaçonaves cilíndricas dos saltadores.
Todas as invenções dos arcônidas no terreno da navegação espacial, feitas nos últimos
dez mil anos, sempre chegavam ao poder dos saltadores dentro de pouco tempo. Criaram
um código moral próprio, talhado principalmente segundo seus interesses. E, por meio de
uma ação implacável, desenvolvida em todos os mundos da Galáxia, conseguiram firmar
progressivamente seu poder, sem preocupar-se com o sangue e as lágrimas. Mas havia um
ponto a seu favor: quer quisessem quer não, estes seres, que só pensavam no lucro, no
comércio e no poderio econômico, transformaram-se num fator de disseminação de
cultura. Enquanto se espalhavam por toda a Galáxia, sempre representaram a vanguarda do
Império de Árcon nos planetas recém-descobertos.
Archetz, porém, era seu ponto de partida, ao qual sempre retornavam. Archetz
oferecia tudo que cem mil espaçonaves cilíndricas e seus tripulantes pudessem desejar.
Por estranho que parecesse, poucas vezes as espaçonaves de outras raças aportavam
neste mundo. O enorme potencial industrial do planeta era totalmente desconhecido. E a
Via Láctea nem desconfiava da existência dos gigantes financeiros de Archetz.
Sempre que se falava em dinheiro e em contas, os saltadores aludiam apenas ao
Banco. Ninguém pensava em citar o nome do Banco dos Mercadores Galácticos de Titon.
Essa instituição financeira era única no gênero. Nem mesmo Árcon podia apresentar algo
de semelhante. Sabia de sua existência, mas nunca falava a respeito, pois mesmo no auge
de seu poder Árcon sempre nutria um receio secreto por esse gigante das finanças.
O patriarca Cokaze acabara de pousar com a Cok II junto ao enorme edifício da
recepção do espaçoporto, enquanto a frota de seu clã descera no setor norte. Momentos
depois, entrou no Banco dos Mercadores Galácticos, juntamente com os parentes mais
próximos e Thomas Cardif.
O grupo abriu caminho em silêncio em meio à massa que se acotovelava no hall de
entrada. Cokaze conhecia o lugar. Dirigiu-se até o pequeno elevador antigravitacional que
quase não era utilizado pelo público.
Oito saltadores e um oficial da Frota Espacial Solar que desertara do serviço foram
levados para baixo. Tiveram de esperar numa sala decorada com grande pompa.
O funcionário atendente saíra, observando que dificilmente Atual e Ortece teriam
tempo para recebê-los.
Os saltadores esperavam com serenidade e calma apavorantes. Thomas Cardif, que
não sentia o menor nervosismo, admirou esses homens silenciosos.
Uma porta lateral abriu-se sem o menor ruído. Um saltador, que envergava uma veste
amarela em forma de toga, aproximou-se de Cokaze.
— Patriarca? — disse o saltador em tom indagador, inclinando ligeiramente a cabeça.
— Atual? — respondeu Cokaze, também em tom indagador, e fez o mesmo
movimento de cabeça.
— Ortece nos espera!
Cokaze fez um gesto afirmativo, como se não esperasse outra coisa. Só o mais rico
dos chefes de clã dos mercadores galácticos poderia pensar assim. Acompanhou Atual. Ao
dar o primeiro passo, voltou-se para Thomas Cardif e fez um sinal para que este se
aproximasse.
— Fique ao meu lado, arcônida.
Atual ouvira estas palavras. Virou a cabeça, surpreso. Durante os cumprimentos só se
dirigira a Cokaze, mas agora viu ao lado do patriarca simplesmente — Perry Rhodan!
— Este é Rhodan, saltador!
O patriarca soltou uma estrondosa gargalhada e empurrou Thomas Cardif para junto
de Atual.
— Este homem tem algo a ver com Rhodan, Atual. A pessoa que o senhor está vendo
à sua frente é o filho de Rhodan, cuja mãe foi uma princesa de Árcon.
Atual, que era bem mais alto que o patriarca e totalmente calvo, o que era uma
raridade entre os saltadores, fitou o terrano com um olhar penetrante.
— É o filho de Rhodan? — perguntou, e lançou um olhar desconfiado para Cokaze.
— Acho que hoje Ortece e eu não poderemos cumprir nossa agenda.
— Quando se trata de um banqueiro, a gente nunca sabe se pode ou não cumprir a
agenda — respondeu Cokaze.
Atual, que há trinta e um anos dirigia o Banco juntamente com Ortece, não deu
nenhuma resposta à alusão do patriarca.
Dali a pouco, os saltadores e Cardif estavam sentados à frente dos dois poderosos
homens.
— Também ouvimos a perigosa notícia, patriarca. Ficamos admirados de o senhor se
ter envolvido nesse jogo — disse Ortece que, ao contrário de Atual, era de constituição
franzina.
— Foi justamente por isso que vim falar com os senhores — observou Cokaze. —
Quem está sentado a meu lado é o filho de Rhodan. Isso lhe deveria dar o que pensar. O
senhor também sabe que venho diretamente do sistema solar. Abandonei-o
incondicionalmente, antes que as naves robotizadas de Árcon, que de repente voltaram a
surgir na área controlada por Rhodan, me pudessem causar dificuldades.
— Cokaze, o senhor está desperdiçando muitas palavras. Não temos tempo para isso!
— disse Ortece, um homem de aspecto despretensioso.
— Daqui a pouco, o senhor terá tempo de sobra para mim, Ortece; tenho certeza
absoluta — respondeu Cokaze em tom um tanto áspero. — Acho que o senhor não se deu
conta do que acabo de dizer. Saí da área de influência de Rhodan com todas as minhas
naves, antes que a frota de Árcon me pudesse criar dificuldade. Ortece, o clã do patriarca
Cokaze nunca abandonou voluntariamente um mundo ocupado por suas naves. Acontece
que as de Árcon, que de repente apareceram no sistema solar, eram comandadas por
terranos...
Ortece voltou a interrompê-lo.
— O senhor já soube falar melhor, patriarca! Daqui a pouco, teremos de despedir-nos,
pois precisamos conferenciar com o Conselho Consultivo sobre a concessão de um
empréstimo ao mundo de Gutha...
Cokaze inclinou-se em direção a Ortece.
— O senhor vai cancelar a reunião. E ficará aqui, com Atual. Será que, por uns
miseráveis bilhões, o senhor vai perder a chance de colocar os saltadores em condições de
igualdade com os arcônidas? O cérebro positrônico não manda mais nada. O Império é
governado por um certo Atlan. Quem poderia ter ajudado esse usurpador desconhecido a
enganar o computador gigante e colocá-lo fora de ação? Será que é mesmo necessário
formular a pergunta? Aqui está o filho desse homem: o filho de Perry Rhodan. Com um
punhado de homens, Rhodan conseguiu colocar Atlan acima de nós.
Cokaze estacou e lançou um olhar penetrante para Ortece.
Ortece espalmou as mãos, num gesto de enfado.
— Somos financistas, patriarca. Quando iniciamos uma palestra com alguém que
queira dinheiro, costumam apresentar-nos documentos. Acontece que, desta vez, querem
que nos contentemos com palavras. Acho que não temos mais nada a dizer um ao outro.
O chefe de clã respondeu em tom frio:
— Acho que seria conveniente que, antes de mais nada, o senhor procurasse informar-
se sobre as notícias mais recentes, Ortece.
Estas palavras foram proferidas em tom de ultimato. Atual estremeceu ligeiramente e
lançou um olhar significativo para seu colega.
Ortece manteve-se no terreno objetivo. Respondeu com a maior tranqüilidade:
— Já conhecemos as notícias a que acaba de aludir. Cokaze, será que o senhor já
ouviu dizer que o mercado monetário costuma reagir a todo e qualquer abalo político?
— O senhor já ouviu dizer que os aras me convidaram a conferenciar amanhã com o
Conselho dos Dez? Muito bem. Se os senhores, que são mercadores galácticos, não estão
dispostos a investir alguma coisa em benefício do grande império dos mercadores, não
terei outra alternativa senão aliar-me aos aras. Acho que realmente já dissemos tudo que
tinha que ser dito.
Dali a uma hora, o grupo de saltadores e Cardif encontravam-se novamente a bordo
da Cok II. O patriarca não fez qualquer comentário sobre a conferência malsucedida que
mantivera no Banco. O velho leu as notícias recebidas naquele meio tempo e passou-as
para Thomas Cardif. Já percebera que não poderia transformar o jovem terrano num
simples meio para alcançar suas finalidades. O desertor da Frota Espacial Solar não era um
homem do qual se pudesse abusar. Fora dele a proposta de informar toda a Galáxia pelo
hiper-rádio sobre a mudança de governo, depois que compreendera as chances que os
mercadores galácticos viam nessa mudança secreta.
Cokaze ainda hesitara. O risco lhe parecia muito grande. Mas os argumentos de
Cardif eram convincentes.
— Transmita a informação ininterruptamente pelo hipercomunicador — pedira
Thomas Cardif em tom enfático. — Repita a notícia sem cessar, informando que um certo
Atlan está governando o Grande Império. Fique martelando a Via Láctea com a novidade,
Cokaze! Não vá imediatamente a Archetz. Permaneça no espaço com sua frota e atice a
fogueira de lá.
“O senhor desencadeará um furacão espacial. Os mercadores galácticos se revoltarão
contra o usurpador Atlan e o afastarão do governo.
“Mas não espere demais, pois o senhor não está interessado em possuir um corpo
acéfalo. O que o senhor pretende é ocupar o lugar dos arcônidas, apossando-se de toda a
extensão do reino estelar M-13. Por isso deverá estar em condições de golpear assim que
as primeiras raças coloniais tentem retirar-se do Grande Império.
“Atlan mesmo lhe fornecerá a prova de que é o novo governante. E o
desenvolvimento catastrófico dos acontecimentos o obrigará a ministrar a prova de que
ocupa o lugar do Grande Coordenador. No momento em que fizer isso, Cokaze, os
mercadores galácticos serão os senhores do Império de Árcon.”
Cokaze, o mais rico dos chefes de clã dos saltadores; Cokaze, um homem velho e
experimentado, sagaz e hábil nos negócios, inescrupuloso e matreiro, quando fosse
necessário — esse Cokaze assustou-se com o ódio demoníaco do jovem terrano.
Descobriu o que havia dentro dele.
De repente, o patriarca começou a ter medo de Thomas Cardif.
Esse velho, que nunca sentira problemas de consciência, quando submetia mundos
recém-descobertos com populações inteligentes à sua vontade, obrigando-os a celebrarem
tratados comerciais com seu clã... Só agora, esse velho percebia quem era Thomas Cardif.
E, além disso, não pôde deixar de reconhecer que os mercadores galácticos já não mais
podiam recuar.
Thomas Cardif atrelara-os à sua carruagem, a fim de desencadear uma revolução no
Império de Árcon e destruir seu pai Perry Rhodan.
E Cokaze, todo apavorado, perguntara ao jovem:
— Afinal, quem é você, Thomas Cardif? E o que ouvira depois disso? O que vira?
Ouvira-o rir e vira-o erguer o corpo. Depois veio a resposta arrogante:
— Sou um arcônida, saltador! Naquela oportunidade — tudo aquilo se passara há
poucos dias — Cokaze sacudira a cabeça:
— Você não é nenhum arcônida! Nunca foi. Se no Grande Império houvesse mil
pessoas da sua categoria, vocês nos tangeriam até as cavernas estelares. E também não é
nenhum terrano, Cardif. Você brinca com mundos, com impérios espaciais. Faz tudo isso
para destruir Rhodan. Somente para isso! Saia da minha frente. Não posso vê-lo mais, seu
monstro.
Mas, momentos depois, o patriarca dirigira-se espontaneamente ao camarote do
jovem, que há um minuto, bastante descontrolado, chamara de monstro.
“Esse é Rhodan”, pensou Cokaze ao entrar no alojamento de Cardif, quando viu o
mesmo olhar penetrante que notara durante a palestra mantida com Perry Rhodan, em
Terrânia.
— Então, a tempestade já se transformou num furacão, saltador? — perguntou Cardif
como que ao acaso.
— Ainda não, mas os aras já chamaram três vezes e pediram insistentemente que
transportasse suas cargas em minhas naves. Esse procedimento é tão fora do comum que só
pode significar que querem falar comigo.
— Cokaze, o senhor não obterá nenhum lucro nesse negócio em torno do Grande
Império se não garantir sua posição futura. O que vêm a ser suas dez mil naves? E o que
importa sua conta bancária? O que poderá conseguir pelo simples fato de ter conhecimento
de que o cérebro positrônico foi substituído pelo Almirante Atlan? Nada, absolutamente
nada.
“Ponha tudo isso a render. Entre em contato com os povos coloniais mais turbulentos.
Negocie a respeito de tudo, mas não perca a cabeça. Na política, a mesma sempre fica
meio frouxa em cima do pescoço. Não se esqueça de que depois da tempestade, poderá vir
o furacão, por isso não dê margem para esse tal de Atlan retirar a frota de guerra que se
encontra na zona de descarga. Caso isso aconteça, vocês terão a guerra que só poderá
atrapalhar seus planos.
“Vocês não querem um império em chamas; querem pôr no bolso um lucro
estupendo. Se é assim, cuidem para que o bolso não seja muito pequeno para guardar o
lucro. O senhor compreendeu, saltador?”
Cokaze teve a impressão de que Cardif falara sem refletir, mas quando se viu a sós
em seu camarote, percebeu que nas palavras de Cardif não havia a menor incoerência.
Cokaze chamou a Cok III e a Cok IV. As duas naves encostaram ao longo da sua.
Criou-se uma ligação que permitia passar de uma nave a outra.
As três potentes estações de hipercomunicações funcionavam ininterruptamente. O
patriarca começou a tecer sua rede. Nem se deu conta de que estava fazendo exatamente
aquilo que Cardif lhe sugerira: estava procurando o poder, o poder político.
Quando o terceiro dia chegou ao fim, o patriarca havia lançado suas minas em todos
os cantos. Mais de novecentos clãs de saltadores estavam com ele e os aras continuavam a
insistir em obter frete em suas naves. Além disso, entrara em contato com os povos
coloniais, por intermédio dos patriarcas de outros clãs ou das feitorias comerciais dos
saltadores, instaladas nos respectivos mundos.
— Não se exponha tanto — vivia advertindo Cardif.
Muitas vezes, Cokaze não conseguia compreender por que dava atenção aos
conselhos daquele jovem. Não compreendia a si mesmo, mas sabia que, no terreno tático-
político, o filho de Rhodan tinha uma superioridade enorme sobre ele.
Naquele momento, estavam sentados na grande cabina da Cok II. Cokaze empurrou
as últimas notícias para o lado em que estava Cardif.
O panorama da tempestade que iria desabar desenhava-se nitidamente.
Cada vez mais se aproximava a hora em que o Almirante Atlan, que se encontrava em
Árcon III, teria de dirigir a palavra ao Grande Império, se não quisesse assistir ao
esfacelamento de seu grande império cósmico.
Mas o Banco dos Mercadores Galácticos de Titon não dava sinal de vida.
Apesar disso, Cokaze piscou para Thomas Cardif com uma expressão alegre no rosto.
As minas haviam sido colocadas; bastava detoná-las. O patriarca possuía o detonador,
e mais uma vez devia agradecer a Cardif por estar de posse de um poder que obrigaria
Ortece e Atual a ajoelharem-se.
As notícias continuaram a chegar. O joio já fora separado do trigo. Cokaze e Cardif
foram os únicos que as leram. Os filhos mais velhos do patriarca não passavam de artistas
figurantes. Não deixavam perceber o que pensavam sobre o papel que lhes fora atribuído.
Não gostavam de Thomas Cardif, e não faziam questão de esconder esse fato.
O filho de Perry Rhodan não se incomodava com isso. Sabia que ainda era o mais
forte, mas tinha bastante inteligência para não jogar desnecessariamente com sua força.
Fazia questão de que todos percebessem que apenas era o conselheiro do patriarca, e cada
conselho que dava constituía um sinal dessa situação. Depois de um rigoroso exame,
qualquer um chegaria à conclusão de que não deveria atribuir motivos egoístas a Cardif.
Mas Cardif fazia jus à condição de filho de Perry. Se bem que não possuía o caráter
puro do pai, tinha o saber intuitivo de Perry, que lhe permitia reconhecer num instante o
desenvolvimento de qualquer situação até o desenlace final, sem esquecer-se de considerar
as circunstâncias imponderáveis.
Na verdade, agia sem refletir, de forma puramente intuitiva.
— Saltador, será que não está na hora de informarmos Atual e Ortece sobre os novos
acontecimentos? Depois dos saltadores, os aras são a maior família racial do Império de
Árcon, e o Conselho dos Dez volta a perguntar quando o senhor chega a Aralon.
— Será que não é cedo para isso? — atreveu-se um dos filhos mais velhos de Cokaze
a perguntar.
Mas logo teve de ouvir uma repreensão áspera. No mesmo instante, Cokaze pediu
uma ligação com os dois diretores do banco.
Muitos minutos se passaram até que o rosto de Atual surgisse na tela, instalada no
camarote de Cokaze. O chefe de clã não perdeu tempo com preâmbulos.
— Atual, neste momento, estou falando em nome de oitocentos e cinqüenta e sete
patriarcas, em nome de cento e vinte e seis estaleiros, em nome da indústria pesada e da
indústria de armamentos. Falo em nome de todos os chefes dos superpesados. Depois deste
aviso enviarei um mensageiro, com todos os documentos necessários, segundo os quais as
pessoas e entidades, que acabam de ser mencionadas, liquidam suas contas nesse banco. O
lugar para o qual deverão ser remetidos os fundos consta dos documentos e...
— Faremos o que o senhor desejar, patriarca — interrompeu-o Atual sem revelar o
menor abalo. — Aguardamos os documentos.
Com um leve aceno de cabeça interrompeu a ligação.
Houve certa inquietação entre os filhos de Cokaze, que se encontravam às costas do
patriarca. Ninguém contara com esse malogro. Os banqueiros saltadores deviam ser
indivíduos dotados de qualidades especiais.
O patriarca estava fora de si. Thomas Cardif deleitava-se com um cigarro. Nesse
instante, seria idêntico a Perry Rhodan, se não fossem os olhos amarelos de arcônida.
Sorria alegremente.
— Não vai enviar os documentos ao banco, saltador? — e logo depois, disse: —
Acho que devemos informar o Conselho dos Dez sobre a nossa chegada.
O experimentado chefe de clã ainda não estava perfeitamente entrosado com o jovem
Cardif.
— Deixaremos que Ortece e Atual esperem até hoje de noite. Quero que acreditem no
blefe. Depois disso, talvez mostrarão maior disposição para abandonarem a reservada
posição em que se encontram... e até lá poderei estabelecer mais alguns contatos.
Cokaze demonstrou que fazia jus à condição de mais rico dos chefes de clã dos
mercadores galácticos. Sabia negociar, e a capacidade de conferir credibilidade às suas
palavras devia ser inata. Sempre fizera questão de dizer aos filhos que, por meio de
mentiras táticas, pode-se perder tudo, mas raramente se consegue adquirir riquezas.
Conseguiu encontrar-se com quatro grandes industriais num local previamente
combinado. Conferenciou com estes. Dali a três horas, quando voltou à Cok II, entregou
mais nove documentos a Thomas Cardif, para que este os examinasse.
— Cokaze, pela primeira vez na vida admiro um mercador galáctico! — exclamou
Thomas Cardif em tom impulsivo e, segundo o costume terrano, estendeu a mão ao
patriarca.
Este já vira esse costume na Terra e, muitas vezes, se divertira à custa de tal
confraternização. Mas agora pegou a mão de Cardif sem a menor hesitação e retribuiu a
pressão da mesma. O rosto de Cokaze estava radiante. Sentia-se satisfeito com o
entusiasmo sincero de Cardif.

***

Naquele mesmo instante, impulsos condensados de telecomunicação percorriam


velozmente a distância entre Árcon e Terra. Seria impossível interceptar esse tráfego de
comunicações e converter os impulsos condensados para o comprimento normal. As
antenas ainda os irradiavam em forma distorcida e codificada. Apesar disso, saíam quase
instantaneamente, em texto claro, dos alto-falantes que se encontravam junto a Rhodan e
Atlan.
— Mas ainda não é tudo, almirante — disse Rhodan para dentro do microfone. —
Vejo pelo seu rosto. Então, o que me diz?
Atlan fitou o amigo a uma distância de 34 mil anos-luz.
— É verdade, Perry! Ainda não lhe contei tudo e, neste momento, fico triste por ter
que dizer isto justamente a você. Quem está atrás de todas estas intrigas é Thomas Cardif.
É o estrategista que cria estas situações.
— Thomas Cardif? — interrompeu Rhodan em tom áspero e incrédulo. — Ele mal
saiu da adolescência e...
De Árcon, do gigantesco salão de controle do gigantesco cérebro, ouviu-se uma
respiração pesada. A tela colorida que se estendia diante de Rhodan mostrou que Atlan
sacudia a cabeça. De repente, fez um aceno.
— Perry, você teria razão se Thomas Cardif não fosse seu filho. Sabe que resposta o
cérebro positrônico me deu, quando indaguei quem está atrás desses movimentos
subversivos? Citou seu nome. Disse: Rhodan. Mas não disse qual era o Rhodan.
— E você acredita nisso? — perguntou o administrador em tom mais penetrante do
que pretendia usar.
— Você não acredita, bárbaro? No fundo, poderia orgulhar-se por seu filho, se a
situação fosse outra. Entretanto, no presente caso, ele trama minha queda... Era o que eu
queria calar diante de você, meu amigo. Mas acho que já nos conhecemos bastante para
que nenhum de nós possa esconder qualquer coisa do outro. Rhodan contra Rhodan...
Quem teria pensado ser isso possível?
Houve uma pausa, durante a qual reinou um silêncio completo. Apenas a imagem
permaneceu na tela.
A ligação com Árcon fora previamente anunciada. Rhodan tivera tempo para
convocar seus colaboradores mais chegados. Agora estavam sentados atrás dele, numa
posição em que viam a tela e podiam ouvir cada palavra pronunciada.
Rhodan contra Rhodan — quem teria pensado ser isso possível? A última frase ainda
ressoava nos ouvidos dos presentes, e todos ainda se sentiam dominados pelo susto,
provocado pela informação de Atlan. Segundo esta, o maior cérebro positrônico da Galáxia
identificara um certo Rhodan como autor dos movimentos subversivos iniciados no seio do
Império de Árcon.
Mercant, Freyt, Deringhouse, Marshall e Reginald Bell não queriam acreditar nisso;
não queriam aceitar o fato de que o filho de Rhodan herdara justamente essas faculdades
do pai.
— Perry — voltou a falar Atlan, no interior do gigantesco recinto abobadado do
cérebro positrônico de Árcon III. — Retirarei da frente dos druufs todas as naves de guerra
que ainda têm uma tripulação de robôs.
— Almirante, se eu fosse você desta vez não obedeceria ao conselho do computador.
Se você intervir pessoalmente, ou por intermédio de naves robotizadas, criará um incêndio
no Império, que não poderá ser apagado. Depois de seu primeiro chamado, tive uma idéia,
mas tenho de esperar até que meus cientistas consigam resolver um problema setorial
ligado à hiperpropulsão linear. Você compreende?
De propósito, Rhodan não se exprimira com muita clareza. Não confiava demais na
afirmativa dos especialistas em hiper-rádio, segundo os quais a escuta de uma transmissão
dessa espécie era impossível.
— Entendido, Perry — respondeu Atlan depois de ligeira reflexão. — Mas, para mim,
isso ainda não vem a ser uma idéia completa. Tem algo a ver com os saltadores?
Rhodan limitou-se a sorrir.
— Tenho a impressão de que possuo um pega-moscas.
Ouviu-se um gemido vindo de Árcon.
— Perry, neste momento agradeço aos deuses por ter-me encontrado com um bárbaro
como você. Mas se acredita que sou um superarcônida, só posso agradecer por sua
confiança. Acontece, porém, que não sou. Até parece que dez mil anos de permanência na
Terra me incutiram certas fraquezas humanas. Começo a ver as coisas pretas e penso no
polegar de Bell e no seu pega-moscas.
No mesmo instante os olhos do arcônida se arregalaram.
— Então é isso? Pelos deuses eternos, Perry! — até parecia que Atlan pretendia
colocar as mãos nos ombros de Rhodan a uma distância de 34 mil anos-luz. — Quer dizer
que seu pega-moscas é...
Rhodan interrompeu-o.
— Acho que já nos entendemos, almirante!
— Não, ainda não nos entendemos. Será que você pretende expulsar o demônio com
Belzebu? — a pergunta foi formulada em tom extremamente áspero.
Rhodan respondeu com a voz muito calma:
— Falei num pega-moscas; nem aludi ao demônio ou a Belzebu. Conforme as
circunstâncias, com um pega-moscas pode-se agarrar duas moscas ao mesmo tempo.
— Agora já não estou entendendo mais nada, bárbaro! Caramba!
— Você teve algum contato prolongado com Bell? — perguntou Rhodan com uma
indiferença fingida.
Bell catucou as costas de Perry. A tela transmitiu a risada de Atlan.
— É por causa da expressão pesada? Não se trata disso, Perry. Apenas acontece que
ainda não compreendi sua idéia. Ainda bem que Thomas Cardif não tem sua experiência.
A palestra entre a Terra e Árcon chegou ao fim.
Para Perry Rhodan e seus homens, começou o trabalho. Allan D. Mercant, chefe do
Serviço de Defesa Solar, era o único que conhecia o plano arrojado do administrador.
Enquanto a equipe 065-propulsão não concluísse sua tarefa, a operação pega-moscas
teria de permanecer no terreno das idéias.
E o homem que deu um impulso inesperado a essa tarefa foi Rabintorge, o indiano de
Laore.
4

Dali a vinte e quatro horas, as grandes emissoras do computador-regente de Árcon III


introduziram-se nos noticiários mais importantes transmitidos pelo hiper-rádio. Em todos
os setores do Grande Império, as telas mostraram o sinal de identificação do cérebro
positrônico, substituído logo depois pela imagem do edifício abobadado. Após isso,
começou a soar a voz metálica do cérebro.
Era uma voz ameaçadora; não pelo tom nem pela expressão, mas pela lógica
desalmada que falava sem o menor constrangimento sobre os planos dos saltadores, dos
aras, dos ekhônidas e de mais cinqüenta grandes povos compreendidos no Império
Arcônida.
O cérebro não formulou qualquer advertência sobre o caos. Aludiu à frente dos
druufs, apenas de forma vaga.
— Retiraremos nossas frotas. Não faremos mais nada para evitar a penetração dos
druufs em nosso Universo. Retiraremos nossas frotas com tamanha lentidão que as naves
dos druufs não poderão deixar de encontrar o caminho que conduz ao nosso Grande
Império. Um Império que não está disposto a manter-se não tem direito de existir.
No fim voltou a surgir nas telas a grande abóbada do cérebro positrônico e o sinal
identificador da faixa de ondas.
Para muitas inteligências do Império de Árcon, essas palavras representaram uma
advertência seríssima!

***

Cokaze e Thomas Cardif ouviram essa transmissão durante o vôo de regresso, depois
da conferência com o Conselho dos Dez. A mesma causou certa impressão ao patriarca.
Porém, para Cardif, não representou nem mesmo um princípio de advertência.
— É um blefe! — opinou. — Atlan continua a usar o cérebro, Cokaze. Se o
computador tivesse falado por iniciativa própria, eu não daria a menor chance aos
mercadores. Acontece que hoje em dia o cérebro não é mais o que já foi. Atlan não acaba
de provar que agi acertadamente ao aconselhá-lo a entrar em contato com os comandantes
de esquadrilhas, que se encontram na frente dos druufs?
Sua voz soava fria e facilmente poderia ser confundida com a de Rhodan. Acontece
que o pai desse jovem nunca falara com tamanha frieza e insensibilidade.
Um movimento instintivo de autodefesa obrigou o patriarca a reclinar-se. Cardif
reconheceu o significado do movimento.
— Sou um monstro, não é, saltador? É o que o senhor está pensando mais uma vez,
mas esquece que meu plano não prevê nenhuma operação bélica. Não quero transformar-
me num monstro que traga sangue e lágrimas para dentro do Grande Império. Apenas
quero destruir Rhodan e apagar seu nome, para que, daqui a dez anos, ninguém mais fale
nele. Depois disso, desaparecerei e serei esquecido. Porém, até o fim dos meus dias, terei
consciência de que minha vida não foi inútil.
— Cardif, Rhodan é igual a você? O patriarca Cokaze não pôde deixar de formular a
pergunta. Alguma coisa dentro dele obrigava-o a isso.
— Acha que Rhodan é igual a mim? Nada disso, saltador! O único ponto de
semelhança é o rosto que herdei dele. Rhodan é um terrano, um feixe de sentimentos que
representam uma contradição ininterrupta aos seus conhecimentos. Acontece que eu sou e
sinto como um arcônida.
Naquele momento, o comerciante passou a falar pela boca de Cokaze.
— Quer dizer que não pretende extrair nenhuma vantagem da destruição de Rhodan?
Cardif fitou-o sem compreender.
— Alguma vantagem para mim? Nem sequer chego a brincar com a idéia de
transformar-me em seu sucessor no sistema solar. Quero destruí-lo, castigá-lo pelo
assassinato de minha mãe. Depois disso, ficarei satisfeito, pois me bastará saber que ele
recebeu aquilo que merece. Apenas não compreendo por que o senhor vive insistindo para
que fale em Rhodan.
— Porque às vezes você me assusta, e porque outras vezes não posso deixar de
admirá-lo, mesmo que não queira. Nunca poderá negar que é filho de Rhodan. Se estivesse
no seu lugar, eu me orgulharia de ter um pai como ele.
Thomas Cardif respondeu em tom sarcástico:
— Como mercador galáctico, o senhor é muito sentimental!
O sistema de intercomunicação de bordo interrompeu a conversa. O chamado vinha
da sala de rádio.
— Senhor, faça o favor de ouvir isto — disse o operador de rádio em tom exaltado.
O sistema de armazenamento acoplado ao hiper-rádio, que era uma peça minúscula
do cérebro positrônico de bordo, reproduziu uma notícia transmitida por Árcon.
A 1.529 anos-luz de Árcon, no sistema de Dartol, formado por dois sóis e 36 planetas,
os rasis, uma raça anfíbia inteligente, separaram-se do Império de Árcon.
Há uma hora, duzentas naves arcônidas apareceram sobre três planetas habitados por
rasis e, sem a menor advertência, gaseificaram uma das muitas pequenas luas que
gravitavam em torno de cada um dos três planetas. O gigantesco cérebro positrônico
informou em tom indiferente:
— As fortes radiações obrigaram os seres anfíbios dos três mundos dos rasis a dirigir-
se ao mar e recolher-se às cúpulas submarinas. Numa de suas últimas mensagens o
governo da federação tripla de Rasis declarou que é um vassalo fiel do Grande Império.
— Árcon está agindo! — disse Cokaze em tom assustado.
Cardif o contraditou.
— Não é Árcon, mas Atlan! O computador gigante teria transformado os mundos dos
rasis em sóis para mostrar ao Império que seu castigo é implacável. Atlan apenas
gaseificou três luas minúsculas, sem disparar um único tiro contra os planetas.
Inclinou-se para a frente e, falando mais baixo que antes, quase como um sedutor
diabólico, disse:
— Cokaze, será que não devemos chamar a atenção dos mercadores galácticos para
esta diferença?
Quando a Cok II voltou a pousar no espaçoporto de Titon, Atual e Ortece esperaram
que a comporta da nave cilíndrica se abrisse e que a rampa fosse descida.
Atual e Ortece procuravam o patriarca Cokaze, porque o mesmo lhes provara ser o
mais forte. E, com o documento assinado pelos aras no bolso, segundo o qual os médicos
galácticos estavam dispostos a encerrar todas as suas contas, sua situação se fortalecera
ainda mais.
Ortece e Atual examinaram o documento. As mãos de Ortece tremiam levemente
enquanto o devolvia ao patriarca. Com a voz pesada, disse:
— Tomamos todas as providências, Cokaze, mas não podemos deixar de formular
mais uma advertência.
— Por quê? — Cardif formulou a pergunta em tom frio.
Ortece e Atual, patriarcas de dois clãs que há alguns milênios eram donos do
Banco, estremeceram e fitaram perplexos e contrariados o jovem. Depois lançaram
um olhar indagador para Cokaze.
— Cardif tem razão e está perguntando em meu nome — afirmou o patriarca.
Essas palavras equivaliam a um pedido de resposta.
Dezoito saltadores e Cardif estavam sentados à frente dos dois financistas. Dezoito
saltadores não se atreviam a contraditar os argumentos dos experimentados banqueiros.
Porém, este jovem, que se parecia com Perry Rhodan, desfazia-lhes todos os argumentos e,
no fim, colocou-os em situação tão difícil que Atual não conseguiu deixar de confessar, em
tom abatido, que as idéias de Cardif também poderiam ser corretas.
— Nesse caso, tudo se resume numa questão de risco — retrucou Cardif com a voz
controlada. — O Banco não perderá dinheiro, desde que os senhores desencadeiem uma
inflação no Império de Árcon. A mesma apenas causará o abalo econômico de Árcon. E
um revés monetário pesa muito mais que uma batalha perdida.
“Quando pretendem desencadear a inflação? Decidam logo, pois, do contrário,
usaremos os documentos que temos em nosso poder e, dentro de uma hora, o Banco dos
Mercadores Galácticos de Titon irá à falência.”
Desde a fundação do Banco, nunca ninguém exercera tamanha chantagem contra o
mesmo. Há muitas gerações os clãs dos Atual e dos Ortece se gabavam de que sempre
eram tratados com o maior respeito.
E agora um homem, que era filho de Perry Rhodan e tinha por mãe uma princesa
arcônida, fazia-os concordarem com seus planos e desencadear uma inflação no Grande
Império, ou declarar sua falência dentro de uma hora.
O suor porejava nas testas de dezoito saltadores, de Atual e de Ortece. Thomas Cardif,
que estava sentado ao lado de Cokaze, fumava tranqüilamente. Seus olhos acompanhavam
os anéis de fumaça.
Ortece, o saltador franzino, pigarreou.
— Amanhã, terrano! Amanhã, três unidades de tempo depois do momento em que
Árcon tiver transmitido as últimas cotações.
A expressão terrano soara como uma maldição. A voz de Ortece tremia de raiva.
Thomas Cardif apagou o cigarro.
— Obrigado — disse e sorriu para os dois.
Compreendeu perfeitamente por que os dois banqueiros se retiraram sem despedir-se.
Dezoito saltadores viam nele um perigo mortal. Cokaze perguntou com a voz
insegura:
— Cardif, onde foi que o senhor adquiriu esses conhecimentos sobre a técnica
financeira?
— O que o senhor acha que eu tenho? — perguntou Cardif em tom de espanto. —
Conhecimentos sobre assuntos financeiros? Não posso responder à sua pergunta, pois até o
momento em que iniciei a conferência com Atual e Ortece nunca pensei sobre isso.

***

A GHC Company, sediada na Cidade do Cabo, já não era um complexo da indústria


pesada pertencente à Federação Africana. Com base nos novos dispositivos da legislação
de emergência, Perry Rhodan confiscara a companhia e a incorporara ao Serviço de Defesa
Solar. As buscas trouxeram tantas provas da existência de traidores, todos ligados ao clã de
Cokaze, que nem mesmo os partidos da oposição da Federação Africana se atreveram a
abrir polêmica sobre o confisco.
Os laboratórios médicos analisaram os tóxicos descobertos em poder de Rochard,
Artun e Sharkey e constataram que se tratavam de toxinas desconhecidas. Ao serem
injetadas, estas conferiam aos seres humanos faculdades hipnóticas ou sugestivas de
intensidade fenomenal. Seu perigo não residia tanto no poder tóxico, mas antes no fato de
que seus efeitos perduravam por seis meses.
No primeiro semestre do ano de 2.044, o sistema solar fora sacudido de uma calma
enganosa, em virtude do aparecimento de naves dos druufs. Depois disso, assistira à
chegada de uma grande frota robotizada dos arcônidas e também travara contato com as
naves cilíndricas dos mercadores galácticos.
Ao se defrontarem subitamente com esses fatos e compreenderem que afinal o poder
gigantesco do Império Solar não chegava tão longe assim, os ânimos dos terranos se
descontrolaram e se deixaram arrastar por tensões políticas internas extremamente graves.
Rhodan conseguira, em parte, dominá-las, e a frota dos saltadores, comandada pelo
patriarca Cokaze, abandonara o sistema. Graças à generosa ajuda de Atlan, as frotas solares
tornaram-se mais fortes que nunca.
Entretanto, no momento, o poder do Império Arcônida andava um tanto abalado e,
por conseguinte, caso Árcon ruísse, desmoronaria também o Império Solar.
Mais uma vez, o destino da Humanidade repousava nas mãos de um único homem, e,
como das outras vezes, pouca gente sabia disso. Nem mesmo os membros da equipe 065-
propulsão desconfiavam dos motivos que levavam Rhodan a insistir, já há alguns dias, para
que concluíssem o trabalho.
Rabintorge, o indiano descoberto por Frank Lemmon, chefe da Seção F-l do Serviço
de Defesa Solar, transformara-se na peça motora da equipe. Sentia-se fustigado pela
ambição de demonstrar que sua arrojada hipótese era correta. Já não o contestavam com a
mesma freqüência dos primeiros dias. Um dos maiores computadores de Terrânia, que fora
requisitado por ele, sempre lhe dava razão. Mas antes que o cérebro positrônico pudesse
ser alimentado com os dados extraordinários, tais cifras tinham de ser apuradas.
O problema básico consistia nos abalos estruturais causados pelo funcionamento do
hiperpropulsor linear. E esse problema tornava-se ainda mais difícil porque os cientistas
não conheciam esse tipo de propulsão, com exceção de algumas indicações vagas.
Perry Rhodan foi acordado no meio da noite. A tela do intercomunicador iluminou-se
ao lado de sua cama. O rosto moreno do indiano Rabintorge fitou-o. Era o rosto de um
velho ou o rosto de um homem próximo à exaustão.
— Sir, o aparelho está pronto...
Rhodan viu o jovem indiano desfalecer lentamente. O rosto desapareceu da tela.
Num instante entrou em contato com o grande hospital.
— Aqui fala Rhodan! Acionar imediatamente o dispositivo de alarma médico e enviar
todos os recursos ao setor 18, divisão 065-propulsão! Todos os homens que forem
encontrados lá deverão receber tratamento médico. Esgotamento total. Desligo.
Depois disso, Bell foi acordado pelo chamado de Rhodan.
O rosto sonolento de Reginald Bell surgiu na tela.
— É você? — perguntou em tom contrariado. — Quer saber que horas são?
— Bell, o aparelho está pronto! Bell ainda não despertara de vez.
— O hiperpropulsor linear?! — Rhodan viu na tela que Bell cerrou fortemente os
olhos, passou a mão pelo rosto, bocejou à vontade e acordou de vez. — Então está pronto?
Quem me poderá explicar o funcionamento do aparelho?
Rhodan interrompeu-o apressadamente.
— Voltarei a chamar daqui a pouco. Acabara de cometer um erro. Voltou a ligar com
o pronto-socorro. Lá lhe disseram que a equipe já estava a caminho do setor 18.
— Pois ligue-me com a equipe! — pediu em tom enérgico.
Dali a um instante, respondeu o planador Aeskul-6, pertencente ao serviço de pronto-
socorro.
— Preste atenção — disse Rhodan apressadamente pelo intercomunicador, dirigindo-
se ao médico. — Na divisão 065 o senhor encontrará um indiano totalmente exausto.
Ponha-o em forma por meia hora, mas só se achar que pode fazê-lo sem riscos. Terá que
dar algumas explicações a Mister Bell.
No alto-falante de Rhodan ouviu-se um estalo. Já transferira a ligação para Bell, mas
o gorducho não apareceu na tela.
— Bell...! — exclamou em tom contrariado.
A imagem não apareceu, mas Rhodan ouviu pelo alto-falante:
— Feche os olhos, Perry. Estou embaixo do chuveiro.
Rhodan armou-se de paciência. Isso o deixou mais descontraído.
— Pois bem... — Reginald Bell apareceu na tela. Estava completamente vestido.
— Rabintorge, que se encontra na divisão 065-propulsão, lhe dará informações sobre
o novo aparelho.

***

Dali a quatro horas Bell, a bordo da Califórnia, com a qual avançara espaço afora,
transmitiu uma mensagem de apenas uma palavra: Pega-moscas.
No mesmo instante, a Drusus, um supercouraçado de 1.500 metros de diâmetro,
decolou de Terrânia, com Perry Rhodan, Mercant, Freyt e a maior parte do Exército de
Mutantes a bordo. Além disso, encontravam-se na nave duzentos especialistas das mais
diversas áreas. Todos participariam dessa missão especial, identificada pelo estranho nome
pega-moscas.
Bem longe da órbita de Plutão, a Drusus avisou as estações medidoras de abalos
estruturais do que estava para ocorrer, e transmitiu o tempo da transição que pretendia
levar a efeito.
Só numa situação de emergência permitia-se a realização de uma transição no interior
do sistema. Ao lembrar-se disso, Perry Rhodan soltou uma risada amarga. Mais uma vez,
seria tudo ou nada!
A trezentos mil quilômetros da Califórnia, a Drusus emergiu do hiperespaço e
retornou ao Universo normal. Dali a cinco minutos, Bell flutuava juntamente com alguns
companheiros e um robô de trabalho em direção à Drusus, que estava parada próximo à
sua nave.
O robô de trabalho carregava o novo aparelho de localização. Bell nem se atrevera a
levá-lo, embora pesasse apenas alguns quilos e pudesse ser transportado facilmente, em
perfeita segurança. Acontecia que, no momento, era o único aparelho desse tipo de que
dispunham e, por isso,
Bell achava que era seu dever não confiá-lo a ninguém a não ser a um robô.
O grupo levou dez minutos para percorrer a distância que separava a comporta da
Drusus da gigantesca sala de comando da supernave. No momento, não havia motivo para
apressar-se. Quando se encontrava no interior da comporta da imensa nave esférica,
chamara Perry pelo intercomunicador e lhe dissera:
— 1625/F 13/S27, catálogo estelar dos arcônidas.
O computador positrônico de bordo ouvira a mensagem e, imediatamente, expelira a
fita perfurada pela fenda.
O grupo de letras e algarismos representava a identificação arcônida de um pequenino
sol vermelho, que ficava a 8.136 anos-luz da Terra e tinha dois planetas igualmente
pequenos e desabitados. Foi nesse sistema, próximo do chamado Saca-rolhas, um braço da
Galáxia com o formato desse utensílio, que Reginald Bell constatou, mediante o novo
aparelho de localização de abalos estruturais causados pela utilização do hiperpropulsor
linear, a presença dos três mil veículos espaciais dos druufs que, depois da fuga do sistema
solar, permaneciam escondidos nas profundezas da Via Láctea.
A fita perfurada, que Perry Rhodan segurava, continha todas as informações que se
tornavam necessárias para dirigir-se a esse sol vermelho-escuro, um oitavo do sol terrano.
Naquele instante, a Drusus e a Califórnia encontravam-se a quatro anos-luz da Terra.
Esse fato já fora considerado nas indicações fornecidas pelo computador positrônico de
bordo.
Na grande sala de comando, começou a desenvolver-se um procedimento dotado de
uma perfeição militar. Rhodan transmitiu ordens lacônicas e inequívocas, ouviu
confirmações e não deixou que as numerosas perguntas o enervassem.
No momento em que o grupo dirigido por Bell, que trazia um robô com o novo
aparelho, chegou à sala de comando, a Califórnia, uma nave de cem metros de diâmetro,
pertencente à classe Estado, já estava regressando à Terra. Enquanto isso, a Drusus
preparava-se para a transição, que a transportaria por uma distância de 8.100 anos-luz, para
junto do insignificante sistema do pequeno sol, que naquele instante assumia uma
importância relevante para Rhodan.
O supercouraçado começou a acelerar. O computador positrônico de bordo marcara o
salto pelo hiperespaço para dali a trinta e um minutos.
Perry Rhodan saiu da sala de comando, acompanhado por Bell, Mercant e John
Marshall. Deixara o comando do supergigante a cargo de Deringhouse.
Uma conferência realizada no camarote de Rhodan fora o sinal de que uma missão
importante estava prestes a acontecer.
A única pessoa já informada sobre o plano pega-moscas era Allan D. Mercant.
O administrador não era dado a longos preâmbulos.
— Pela meia-noite, a Califórnia voltará a pousar em Terrânia. A essa hora, a Drusus
se terá aproximado a dez ou quinze anos-luz do sistema em que a frota dos druufs se
abrigou. Em Terrânia, uma nave-correio ficará à espera da notícia de que nos aproximamos
dos dois planetas em que pousaram as naves dos druufs. Assim que receber nossa notícia, a
nave-correio decolará em direção a Árcon III, a fim de entrar em contato com Atlan. O
correio não terá conhecimento das notícias que transmitirá ao almirante. Nem mesmo no
computador de bordo serão introduzidos dados a este respeito. Mas faço votos para que
Atlan se lembre do que eu quis dizer quando, certa vez, na sala de comando de uma nave
esférica, falei no Anel dos Nibelungos. O correio apenas transmitirá esta senha.
Rhodan viu Bell respirar profundamente.
— Está com falta de ar, gorducho?
— Será que você não poderia complicar as coisas mais do que isso? — perguntou em
tom tão amável e sacudiu a cabeça.
— Complicar as coisas? — repetiu Rhodan, espantado. — De forma alguma.
Acontece que nesta missão não estou disposto a assumir o menor risco.
— Atlan pedirá que lhe tragam o Anel dos Nibelungos da sala de comando da nave-
correio. Compreenderá imediatamente o que lhe mandei dizer. Depois disso, a nave-correio
não voltará à Terra. Ela nos seguirá e se manterá à espera numa coordenada que ainda lhe
será fornecida. Enquanto isso entraremos em contato com os druufs...
Bell e Marshall estiveram a ponto de levantarem-se, mas não o fizeram. Bell fitou o
polegar com uma expressão pensativa.
Um brilho ligeiro surgiu nos olhos cinzentos de Rhodan, porém não fez caso da
alusão de Bell.
— Chegaremos a um acordo com o comandante dos druufs!
Subitamente, o tom de voz de Rhodan era diferente. A afirmativa, que parecia
incrível, perdia a incredibilidade graças à sua autoconfiança sugestiva.
Naquele momento, Bell lembrou-se das muitas gentilezas dos druufs. Nunca se
esqueceria das mesmas. A lembrança que tinha desses seres não era nada agradável, e não
era do feitio de Bell guardar sua opinião para si mesmo.
— Perry, só conseguiremos chegar a qualquer acordo com o chefe dos druufs, quando
ele não tiver mais a menor chance de continuar vivendo.
— Como você sabe avaliar bem a situação dos druufs! — disse Rhodan com uma
suave ironia. — Acontece que eles não têm mais chance de voltar ao seu Universo.
“A área de superposição entre o Universo deles e nosso tornou-se tão instável que a
passagem de um espaço para outro torna-se mais difícil a cada dia que passa. Nós sabemos
disso, e Atlan também. Porém nem uma única pessoa no Império de Árcon, inclusive um
certo Thomas Cardif, sabe disso.
“E o nosso ponto chave é o fato de que os comandantes das três mil naves dos druufs
também sabem. Já devem ter percebido que seus fantásticos hiperpropulsores não lhes
servirão para nada, pois não há nenhuma velocidade que leve do nosso espaço ao Universo
deles e, além disso, eles não têm nossos projetores de campo de re-fração.
“Ainda há outro fato que os coloca em situação menos favorável. Face à dimensão
temporal, que trouxeram de seu Universo, só desenvolvem metade da nossa velocidade.
Num vôo espacial normal, só serão capazes de atingir metade da velocidade da luz.
“Um belo dia, eles calcularão onde encontrar a abertura de descarga estável dos dois
Universos, que se deslocam um ao lado do outro. Mas faria qualquer aposta com você,
Bell, de que o dia em que isso acontecer esse ponto estará num futuro muito distante.
“Quando esse dia chegar, o druuf que tiver vida mais longa já terá apodrecido há
muitos decênios.”
— Perry — perguntou Bell no tom de voz que lhe era peculiar. — Você nunca ouviu
falar que uma pessoa desesperada e dominada pelo pânico muitas vezes age como um
louco e faz exatamente o contrário do que se espera?
Perry Rhodan confirmou com um gesto e indagou:
— Você nunca ouviu falar no medo da morte, Bell?
— Se não se tratasse dos druufs, eu diria que você tem razão. Acontece que esses
seres têm uma mentalidade que para nós é incompreensível.
— Quando a morte está à vista... Quando surge o medo de morrer, todos os seres são
iguais, Bell. Parto deste princípio ao projetar as negociações com os druufs.
O intercomunicador deu um sinal. Rhodan teve que dedicar sua atenção à tela que
naquele instante se acendeu.
— Sir, são notícias do almirante! — disse o oficial que estava de plantão na grande
sala de rádio da Drusus.
O rosto contrariado de Atlan fitou os homens que se encontravam no camarote de
Rhodan.
— Perry, meus parabéns pelo filho que você tem. Você se orgulharia, caso ele
estivesse do nosso lado.
Estas palavras foram ditas a título de intróito. Rhodan empalideceu ligeiramente.
— Bárbaro, o maior banco do Império dos Arcônidas, o Banco dos Mercadores
galácticos de Titon, cedeu à pressão de um certo Thomas Cardif e provocou uma inflação
no Grande Império.
“Afinal, temos uma instituição semelhante à Bolsa de vocês. Há três horas, o local
transformou-se em ponto de reunião de doidos. Nem mesmo com os recursos do banco
oficial consegui sustentar as cotações que caem ininterruptamente. O cérebro positrônico
recomendou que não fizesse nada para impedir a queda.
“Nossos queridos amigos, os aras, invocaram um pretexto tolo e suspenderam
temporariamente o fornecimento de todo e qualquer medicamento. Descobri que Thomas
Cardif e Cokaze conferenciaram durante várias horas com o Conselho dos Dez, em Aralon.
“De todos os setores do Império, chegam notícias de que nenhuma nave dos
saltadores está pousando para descarregar suas mercadorias. Nos espaçoportos dos
diversos mundos só estão pousadas naves cilíndricas, incapazes de voar.
“Três esquadrilhas de cruzadores, que operavam na frente dos druufs e estavam sendo
dirigidas pelos mercadores galácticos, procuraram transferir-se para M-13. Quando fiquei
sabendo disso, a proteção robotizada automática já havia entrado em ação e destruiu as três
esquadrilhas, sem deixar uma única nave. Foram trezentas e sessenta e duas unidades!
“Segundo notícias dignas de crédito, os superpesados estão voando em torno de
Archetz para proteger o planeta. Os únicos mundos em que ainda não se notou a presença
do fermento revolucionário são Árcon I, II e III. O cérebro avalia a confiabilidade dos
comandantes de naves de guerra que atuam na frente dos druufs em 47,3 por cento.
“Agora, a medida do cérebro positrônico, que mandou substituir a maior parte das
tripulações robotizadas da frente dos druufs por homens, está-se virando contra nós. Se nas
próximas dez horas a situação continuar a deteriorar-se, farei explodir o planeta Archetz
depois de um último aviso. E se isso não bastar para intimidá-los, farei com que recebam
aquilo que...”
Nessa altura, Rhodan interrompeu-o.
— Atlan, seria recomendável que você não fizesse nada antes de receber notícias
minhas.
— Não subestime seu filho, Perry. Quase chego a admirá-lo. De qualquer maneira,
esperarei desde que Cardif me dê tempo para isso.
Mais tarde, Rhodan não saberia explicar o que lhe fez dar esta resposta a Atlan:
— Ele lhe dará, almirante!
Atlan, que se encontrava só na cúpula gigantesca do enorme cérebro positrônico de
Árcon III, fitou Rhodan com uma expressão de espanto. Depois refletiu ligeiramente e
disse:
— É Rhodan contra Rhodan, meu caro! Será que ele o conhece tão bem quanto você a
ele? E será que conheço você bastante para colocar o Império dos meus antepassados e dos
meus descendentes, dependendo das suas ações por algumas horas? Você ainda não
compreendeu que submeteu nossa amizade a uma prova muito dura?
“O que foi que você disse? Cardif lhe dará tempo, almirante.
“Reflita sobre aquilo que eu poderia ver atrás destas palavras, e não esqueça da
resposta que o cérebro deu à minha pergunta sobre o autor dos movimentos subversivos.
Apenas mencionou Rhodan, esquecendo-se de fazer qualquer alusão ao primeiro nome.
Deveria ter citado Thomas Rhodan, ou melhor, Thomas Cardif!
“Quero que Bell me dê ajuda, mas não com a mão do dedo machucado.”
A ligação foi interrompida em Árcon. A essa hora, Perry Rhodan, que sempre soubera
avaliar prontamente qualquer acontecimento e tinha a faculdade de adaptar-se
instantaneamente a qualquer situação, falhou por completo.
Ficou parado à frente da tela para não mostrar o rosto aos homens que se encontravam
presentes, pois sua fisionomia retratava a tormenta que rugia em seu interior.
Era isso mesmo! Acabara de submeter a amizade que o unia a Atlan a uma prova
extremamente dura. A afirmativa de que Cardif lhe daria tempo fez nascer a suspeita de
que ele e seu filho trabalhavam juntos.
Qualquer pessoa que se encontrasse na situação de Atlan teria chegado a essa
conclusão. Mas Atlan só reagira com uma pergunta: Cardif o conhece tão bem quanto você
a ele?
Por que resolvera dizer aquilo?
Rhodan, o homem mais poderoso do Império Solar, procurou obrigar-se a pensar em
outra coisa. Porém desta vez, os sentimentos foram mais fortes. Chamavam por Thomas.
Era o pai que chamava o filho único.
Acontece que Thomas Cardif estava do outro lado. Para ele, não havia nenhum pai
que se chamasse Perry Rhodan.
5

O pequeno sol vermelho-escuro aparecia apenas como um pontinho na gigantesca tela


de visão global da Drusus. O supercouraçado de Rhodan aproximara-se a oito anos-luz do
sistema. Há alguns minutos, o aparelho de rádio, usado durante as operações no Universo
dos druufs, estava ligado.
O centro de controle de tiro avisou que estava preparado. A Drusus encontrava-se em
prontidão rigorosa. Mais de 2.200 pessoas a bordo da gigantesca esfera envergavam trajes
espaciais. A tensão crepitava no interior da nave. Há meia hora, pouco antes da transição,
Rhodan informara seus homens em frases curtas sobre a missão que iriam executar e os
riscos a correr.
A idéia de Rhodan transformara-se na missão pega-moscas, mas só Marshall, Freyt,
Mercant e Bell sabiam o que significava isso.
Sentira-se perfeitamente a frieza que os homens haviam adquirido no curso de
centenas de missões.
Perry Rhodan deu o passo decisivo. Estava prestes a entrar em contato com o
comandante da frota dos druufs, composta de três mil naves.
Ao lado dele flutuava Harno, o televisor vivo, o misterioso ser esférico.
Antes que Rhodan abrisse a boca para pronunciar a primeira palavra de sua
mensagem destinada aos druufs, Harno tornou visível o corpo quadrático e grosseiro do
comandante que tinha quase três metros de altura. Ao que parecia, em meio a três mil
naves com suas grandes tripulações, localizara-o imediatamente.
A imagem reproduzia o brilho marrom-escuro da pele lisa, semelhante ao couro,
daquele ser. Os quatro olhos e a boca triangular não contribuíam para embelezar a cabeça
esférica de meio metro de diâmetro, que não tinha nariz nem orelhas. Rhodan e seus
amigos já estavam acostumados ao aspecto assustador dos druufs.
Ao ver, por intermédio de Harno, o chefe da frota dos druufs, Perry hesitou em fazer
o chamado. Com o auxílio desse ser e de suas três mil naves de guerra, pretendia levar
avante um plano arrojado. O que aconteceria, porém, se de repente o druuf deixasse de
cumprir o combinado e passasse a agir por conta própria?
Haveria centenas de motivos para agir dessa maneira. Quaisquer considerações
humanas teriam de ser eliminadas desde o início. A mentalidade dos druufs não era
humana, pois estes descendiam de insetos. Só mesmo as considerações utilitárias e o medo,
que lhes infundissem os terranos, talvez os levariam a cumprir exatamente o que se
combinasse... se é que haveria alguma combinação.
— Sir, localização no amarelo dezoito! — anunciou o tenente que estava de plantão
junto ao rastreador espacial. — Oitenta a cem naves se aproximam. Velocidade 0,4 da luz.
Distância sete minutos-luz.
Rhodan virou a cabeça para a direita. Viu John Marshall, chefe dos mutantes. Trinta
destes, que formavam parte do respectivo exército, encontravam-se a bordo da Drusus,
nave capitania do Império Solar.
Marshall fez um sinal para Rhodan. Os dois comunicaram-se por via telepática. A
seguir, Marshall recorreu ao mesmo meio para avisar seu grupo, entrando em contato com
o hipno André Noir.
Os teleportadores prepararam-se: iam entrar em ação. Um deles tinha apenas um
metro de altura e constituía uma combinação entre rato e castor. Era Gucky.
O endiabrado ser prendeu ao corpo a pequena fileira de bombas especiais. Bastava
detonar uma delas numa nave para transformá-la num sol atômico. A fileira de bombas era
formada de vinte peças. Os teleportadores humanos levaram o dobro dessa quantidade.
Aguardavam apenas a ordem de saltar.
Mas essa ordem demorou bastante.
O localizador especial, que reagia ao hiperpropulsor linear e o media, anunciava uma
situação perigosa. Bell, que se encontrava junto ao aparelho, avisou:
— Quatrocentas naves aproximam-se do amarelo dezoito à velocidade superior à da
luz. Distância cerca de três dias-luz... Ora bolas, há mais um bando de marimbondos a
menos de duas horas-luz. São sessenta naves.
— Se é assim, está na hora — disse Perry Rhodan.
Empurrou os outros microfones para o lado, ficando apenas com o que se destinava
ao transmissor dos druufs.
— Rhodan chamando o chefe da frota. Favor responder...
Repetiu o chamado dez vezes; depois calou-se. Na sala de comando não se ouvia
nada, além do zumbido dos tubos de imagem, das espulas e dos transformadores. Mas
subitamente surgiu um chiado que se tornava cada vez mais forte.
A sala de rádio regulou para o máximo o volume do receptor dos druufs, mas este
apenas reproduzia o chiado produzido pelos campos elétricos instáveis situados entre as
estrelas.
Depois de algum tempo, a voz de Bell se fez ouvir:
— A frota de quatrocentas unidades está desenvolvendo uma estupenda velocidade. É
muito rápida... — havia um pouco de inveja em sua voz, produzida pelo fato de que a Terra
não dispunha do fantástico hiperpropulsor linear, que permitia locomover-se à velocidade
superior à da luz no espaço normal, fazendo com que os ocupantes das naves deixassem de
experimentar os choques da transição.
A sala de controle de tiro chamou pelo intercomunicador.
— Sir, todas as unidades energéticas de reserva foram acopladas com as torres de
canhões.
Face às notícias transmitidas por Bell, o oficial de controle de tiro fizera uma
avaliação da situação e agira por conta própria. O aviso transmitido a Perry Rhodan era
uma questão de rotina, rotina esta que muitas vezes os salvara em situações
desesperadoras.
— OK! — disse Rhodan.
O sistema de intercomunicação de bordo transmitiu suas palavras para todos os cantos
da nave.
— Os druufs estão voando ainda mais depressa! — a essa altura, a voz de Bell parecia
nervosa.
Rhodan levantou a cabeça.
— Qual é a velocidade?
Bell lançou um olhar desconfiado para o novo rastreador de abalos estruturais
produzidos por hiperpropulsores lineares.
— Está quebrado!
— Contato visual! — gritou um oficial que se encontrava na sala de comando e
apontou para a grande tela de visão global da nave capitania.
Quase no mesmo instante, os teleportadores saltaram em direção ao grupo de naves
que se aproximava.
Rhodan sabia perfeitamente que sua atuação não poderia produzir um resultado
decisivo. A destruição misteriosa de algumas de suas naves poderia provocar certo
nervosismo e confusão entre os druufs, mas nunca seria possível fazer aquela raça de
gigantescos seres quadráticos bater em retirada. Por isso, Rhodan repetiu seu chamado
destinado ao comandante supremo da frota vinda de outro Universo.
— Rhodan chamando chefe da frota dos druufs! Favor responder! Rhodan chamando
chefe da frota! Favor responder...
O aparelho foi ligado para a recepção. Mais uma vez, só se ouviu o forte chiado
produzido pelos campos elétricos interestelares.
— Sir, estão nos cercando! — foi outra noticia alarmante.
Rhodan acenou com a cabeça. Parecia distraído. Estava tudo preparado para uma
transição-relâmpago. Mas naquele instante não pensava nisso, da mesma forma que não
pensava no perigo que se aproximava inexoravelmente.
O que estava em jogo era demasiadamente valioso. Teria de arriscar tudo para obter
um ganho total.
— Três minutos, Sir — anunciou Marshall num cochicho.
Fazia três minutos que os telepatas haviam saltado. Segundo o cronograma, as
primeiras bombas seriam detonadas cinco minutos após o salto. Depois disso, ainda
haveria um prazo de segurança de quarenta e cinco segundos para que o teleportador
abandonasse a nave.
— Rhodan chamando chefe da frota dos druufs! Favor responder! Rhodan chamando
chefe...
Observara por intermédio de Harno o comportamento do comandante supremo e vira
que este fazia meia-volta sobre suas pernas disformes e se aproximava de alguma coisa que
Rhodan identificou como um aparelho de rádio.
— Rhodan, aqui fala Uong-Zterds-Klighf, comandante supremo. O que deseja?
Todos os nomes dos druufs eram verdadeiros monstros léxicos. Era impossível
pronunciá-los e conservá-los na memória. Os homens já haviam constatado esse fato por
ocasião de sua primeira visita ao Universo deles. Por isso, Rhodan não fez o menor esforço
para guardar o nome do comandante supremo. Mas no momento em que a voz do druuf se
fez ouvir por intermédio dos aparelhos retificadores acoplados, Rhodan transmitiu uma
mensagem telepática muito importante a Marshall:
— Chame de volta os teleportadores! Nenhuma bomba deve ser detonada!
Marshall não teve necessidade de olhar para o cronômetro para chegar à conclusão de
que aquilo seria uma corrida contra o tempo. Seu traje espacial de agente era equipado com
a mesma perfeição dos usados pelos teleportadores. Num instante, fechou o capacete, ligou
o minúsculo, mas potente telecomunicador construído pelos swoons, e chamou o grupo de
teleportadores para que regressassem imediatamente à Drusus, trazendo os artefatos
explosivos.
Ainda proferia apressadamente a ordem, quando uma voz piou:
— O que vou fazer com a bomba cujo detonador já está funcionando, John?
— Faça o que puder, Gucky! — respondeu Marshall em tom penetrante. Com um
pressentimento tremendo na mente perguntou: — Onde está você?
— Na nave capitania dos druufs. Onde poderia estar?
— Pelo amor de Deus, Gucky, justamente aí não deve acontecer nada.
Viu que suas palavras eram inúteis. Pelo ligeiro crepitar de seu alto-falante, concluiu
que não poderia falar mais com o rato-castor.
Marshall abriu lentamente o capacete e sentiu que o suor lhe cobria a testa.
Neste meio tempo, uma palestra fluente em intergaláctico se desenvolvera entre
Rhodan e o chefe dos druufs. A comunicação só se tornou possível graças aos complicados
aparelhos existentes em ambas as naves, pois os druufs não possuíam órgãos vocais
propriamente ditos. Comunicavam-se por freqüências que não estavam ao alcance do
ouvido humano. Seus corpos possuíam transmissores e receptores orgânicos destinados a
esse intercâmbio.
O druuf perguntou seguidamente pela frota de Rhodan. Não se conformava com o
fato de ter descoberto uma única nave esférica. Evidentemente, pensava na gigantesca frota
robotizada que, além de obrigá-lo a desistir da conquista do sistema solar, o fizera fugir
para esta área inóspita da Galáxia.
E Rhodan dizia constantemente:
— As unidades aguardam minhas ordens! A frota está acompanhando nossa palestra!
Era um blefe. Rhodan não conseguiu descobrir se o druuf estava acreditando no
mesmo. Subitamente, houve um forte lampejo entre as duas frentes. Rhodan e o druuf
perguntaram ao mesmo tempo:
— O que foi isso?
Gucky poderia explicar minuciosamente. Era uma bomba que acabara de explodir.
Tratava-se da bomba que deveria ter destruído a nave capitania dos druufs, mas que depois
da contra-ordem de Marshall fora retirada por Gucky, com o mecanismo de relógio do
detonador já em funcionamento, e largada no espaço por meio de um salto de teleportação.
O traje especial de Gucky, fortemente chamuscado do lado direito, provava que por
pouco aquilo não terminou num desastre. Uma prova ainda mais cabal consistia nas
expressões usadas pelo rato-castor, quando voltou ao ponto de partida.
— Então saí com aquilo... Ainda dispunha de três segundos até a detonação da
bomba. Saltei da nave dos druufs para o espaço e larguei a bomba. Quando ia teleportar-me
para a Drusus...
Nenhum dos mutantes riu do rato-castor que esbravejava furiosamente. Todos
compreenderam o que Gucky havia arriscado e muitos foram bastante honestos para se
perguntarem: Será que eu também teria assumido esse risco? E ainda foram bastante
honestos para dar resposta negativa a esta pergunta.
— Deve ter havido um intervalo de mais ou menos um milésimo de segundo entre a
explosão da bomba e meu salto de teleportação. Bem, tudo acabou bem, mas estou curioso
para ver como continuarão as coisas. Olhem só: estamos completamente cercados pelos
druufs!
A sala de operações dos mutantes era uma reprodução em escala menor da sala de
comando da Drusus. Havia vários aparelhos de rastreamento e telas com sistemas de
ampliação direta.
Gucky não estava exagerando. Se os druufs não estivessem dispostos a entrar em
acordo, dentro em breve a Drusus deixaria de existir. Mais de duas mil naves dos estranhos
seres já participavam do cerco, e uma concentração como essa fazia com que até mesmo
uma transição repentina não tivesse a menor possibilidade de êxito.
Perry Rhodan não deixou que ninguém percebesse o que pensava a respeito da
situação.
— Comandante supremo — disse calmamente ao obstinado druuf. — Sua fraqueza
reside justamente na sua força. A existência de suas naves é apenas uma questão de poucos
dias. Fuja para onde quiser: nunca perderemos seu rastro. As possibilidades de retorno ao
seu Universo são nulas.
“Comandante supremo, quantas naves o senhor enviou à frente, a fim de verificar
onde seria mais fácil romper a frente de superposição? Nem quero saber do número de
naves de reconhecimento, mas sei que nem uma única delas regressou. A cada hora que
passa aumenta a instabilidade da área de descarga, enquanto cresce o potencial de nossa
frota de guerra, que até aqui conseguiu impedir que suas naves penetrassem em nosso
Universo.
— Palavras, palavras, Rhodan, apenas palavras! — interrompeu-o o druuf. — Você
quis falar comigo. Já falou. Nossa conversa chegou ao fim.
— E seu destino juntamente com o de seus tripulantes também chegou ao fim, druuf
— Rhodan modificara a forma de tratamento, mas não o tom de voz. De qualquer maneira,
os matizes da mesma não seriam transmitidos para as ultra freqüências.
Harno, o ser esférico que flutuava dentro do campo de visão de Rhodan, mostrava o
corpo quadrático do druuf, que entrelaçava os dedos. Ao contrário do corpo maciço, estes
eram muito finos. Ao que parecia, estava refletindo.
— Rhodan, o que é que você tem a oferecer?
A pergunta desabou que nem um raio. Alguns dos oficiais na sala de comando tiveram
de esforçar-se para reprimir uma exclamação de espanto.
— O que você está disposto a dar, druuf?
A contra-indagação de Rhodan impressionou o chefe da frota. Muito embora este não
fosse capaz de qualquer tipo de comoção humana, fez um gesto impulsivo para que seu
estado-maior, reunido atrás dele, permanecesse em silêncio.
— Quem nos garante que você nos oferecerá uma possibilidade de voltar ao nosso
Universo?
Era a pergunta que Rhodan aguardava, e que não poderia deixar de ser formulada pelo
druuf.
— Pois eu lhe dou uma garantia dupla — disse Rhodan em tom impassível. —
Ordene a uma das naves de sua frota que se aproxime a cem quilômetros de minha nave.
Indicarei a posição à mesma, por intermédio de sua nave.
“Essa nave, e só essa, poderá voar até seu Universo. A seguir, depois que toda a
tripulação convencer-se de que realmente se encontra no espaço a que pertence, você lhe
dará ordens para voltar pelo caminho mais rápido ao nosso Universo. É nisso que consiste
minha primeira garantia.”
A equipe de cento e vinte homens, que se encontrava junto ao grande projetor de
campo de refração, instalado no maior dos hangares da Drusus, estava acompanhando a
palestra. Eram cento e vinte homens que esperavam a ordem de entrar em ação, a fim de
ligar o projetor cuja força era capaz de abrir a porta para o Universo dos druufs.
O esquema de lugar e tempo das áreas de superposição, já atingidas, fora elaborado
nos últimos meses, num trabalho exaustivo realizado por uma equipe de astrônomos, de
físicos e de matemáticos em Terrânia.
De repente, a cabeça esférica do druuf pareceu ligar-se rigidamente ao tronco
quadrático. Rhodan apenas podia tentar imaginar o que se passava, nesse instante, naquele
cérebro inteligente de inseto.
— Druuf, qualquer ataque à minha nave seria inútil. Ao primeiro tiro de radiações, o
aparelho que permite a vocês voltarem a seu Universo será automaticamente destruído.
O comandante da frota fez de conta que não ouvira a advertência.
— Qual é a segunda garantia, Rhodan?
— Mandarei cinco dos meus homens como reféns à sua nave.
Segundo as concepções dos druufs, essa oferta não representava qualquer garantia
adicional. Porém esses seres inteligentes já haviam percebido que a ética que prevalecia no
cosmos daqueles pequenos indivíduos era totalmente diversa da sua. Nela, a vida e a
segurança do indivíduo ocupavam um lugar de destaque.
— O que terei de fazer, Rhodan? — perguntou o druuf, sem demonstrar qualquer tipo
de concordância face à oferta de Rhodan.
— A única coisa que terá de fazer é aparecer subitamente com sua frota nas
proximidades de um planeta que lhe será indicado. Você tem o direito de enviar naves de
reconhecimento para certificar-se de que não pretendo atraí-lo a uma armadilha. Dois dos
cinco homens, sujeitos às suas ordens, levarão as naves de reconhecimento com toda
segurança e pelo caminho mais curto à estrela que será o alvo da ação.
— O que pretende conseguir com isso, Rhodan?
— Trata-se de uma manobra de intimidação. Quero impedir a eclosão de uma
revolução sem derramamento de sangue e...
O druuf interrompeu-o.
— Rhodan, pelo que constatamos não há muita diferença entre a inteligência de vocês
e a nossa. Você realmente supõe que eu seria capaz de acreditar nisso?
Estava na hora de Rhodan valer-se do perigoso trunfo.
— Comandante, para nós vocês são monstros, verdadeiros fantasmas. O homem
comum tem medo de vocês. Suas naves carregam o pavor. O mundo que com sua
revolução representa o foco de perigos mal se atreverá a respirar se depois de nossa
advertência realmente aparecer uma frota dos druufs acima de suas cabeças.
“Druuf, realize um vôo de demonstração de poder e de intimidação, e, por tudo que é
sagrado, eu juro que depois disso mandarei sua frota de volta ao seu Universo, por
intermédio de minha porta.
— Mostre-me a porta, Rhodan. Deixe passar uma das minhas naves, que receberá
ordens para regressar, assim que estiver convencida de ter chegado ao seu Universo.
Depois que essa nave regressar, continuaremos a conversar.
— De acordo — respondeu Rhodan. — Mande que uma de suas naves de aproxime a
cem quilômetros. Depois indicaremos a posição exata.
Cobriu o microfone com a mão e olhou para Bell.
— A nave-correio já chegou?
— Emitiu um impulso condensado e está esperando na posição combinada, Perry.
Será que você realmente confia nesse druuf?
— Deixemos isso para depois. Marshall, quem foi que fez explodir aquela bomba
entre as naves?
— Foi Gucky. Quase morreu, Sir! — respondeu Marshall.
A observação final visava à proteção do rato-castor. Mas ninguém conseguiria
enganar o excelente sentido do tempo de que era dotado Perry Rhodan.
Lançou um olhar penetrante para Marshall.
— Quer dizer que Gucky deve ter ligado o detonador antes da hora.
Marshall limitou-se a acenar com a cabeça.
Rhodan não disse nada. Alguma coisa muito desagradável esperava o rato-castor.
O administrador voltou a dedicar sua atenção ao comandante dos druufs.
— Rhodan, estou enviando a nave mais veloz que tenho. Você a vê nos seus
instrumentos?
A nave já era perfeitamente visível, pois todos os holofotes da tal nave estavam
ligados. O veículo espacial aproximava-se velozmente. Tinha o aspecto de uma estrela
branco-azulada.

***

O colapso econômico do Grande Império ameaçava esfacelar o gigantesco reino


estelar do grupo M-13. A cada hora que passava, a inflação assumia feições mais
assustadoras. Por ordem de Árcon as Bolsas foram fechadas em todos os planetas. Já não
havia registros de cotações. Não adiantava tirar o dinheiro do banco, pois a moeda
desvalorizava terrivelmente.
Os médicos galácticos tinham mais um motivo para não fornecer medicamentos.
Mesmo que quisessem, não poderiam fazê-lo, pois as naves dos saltadores, com os bilhões
de toneladas de capacidade de carga, não pousavam mais em qualquer mundo. Reuniram-
se em grupos gigantescos no espaço interestelar e aguardavam o desenrolar dos
acontecimentos.
Demorou apenas vinte horas até que surgisse a primeira pane numa linha de
montagem de Árcon III, porque mais de quarenta naves especiais, que deveriam trazer
acessórios importantes, regressaram vazias.
A política de aprovisionamento do cérebro também demonstrara sua eficiência na área
dos acessórios mas, uma vez que as naves voltavam sem carga, teve de lançar mão pela
primeira vez das reservas, que estavam dimensionadas para três meses. O cérebro
continuava a dirigir todo o processo produtivo. Atlan nem pensava em retirar-lhe os
controles, pois tinha trabalho de sobra para substituir programações, já superadas, que se
harmonizassem com os acontecimentos mais recentes.
Porém até mesmo os trabalhos inadiáveis não mais podiam ser executados.
A cada minuto que passava, o cérebro informava-o sobre novos fatores de perigo
surgidos no Império. Via-se cada vez mais nitidamente que Thomas Cardif, ajudado pelo
saltador Cokaze, desencadeara uma tormenta, uma verdadeira avalancha de proporções
galácticas.
Lançou um olhar pensativo para o Anel dos Nibelungos que se encontrava à sua
frente. Lembrou-se de que fitara o mensageiro com uma expressão de espanto, quando este
o cumprimentou.
— O Anel dos Nibelungos? — repetira e lembrara-se dos tempos em que viveu e
lutou ao lado de Gunter, de Hagen e de Sigfredo.
Conhecera os três, e justamente o sombrio Hagen fora seu amigo. Mas naquele tempo
não havia nenhum Anel dos Nibelungos. Tal história fora inventada pela lenda.
— Ah! — exclamou Atlan nesse instante. Seu segundo cérebro entrou em atividade e
lhe forneceu a solução.
Passou pelo terrano perplexo e dirigiu-se ao pequeno computador de bordo. Fitou o
pequeno anel preso ao revestimento, que normalmente apenas servia para que se pudesse
puxá-lo, caso ficasse preso.
Certa vez, Rhodan chamara sua atenção para um anel semelhante e lhe dissera em
tom de brincadeira:
— Isso não é um verdadeiro Anel dos Nibelungos? Se o revestimento empinar, não
haverá meio de atingir os tesouros armazenados no interior do computador se não
dispusermos deste anel.
A nave-correio de Rhodan já partira de novo. Seguira em direção ao insignificante
sistema solar, onde a frota dos druufs se mantinha escondida em dois planetas.
Atlan segurou o anel. O mesmo fora fabricado especialmente. Fora fácil tirá-lo das
alças no interior da nave-correio. Porém para descobrir o mecanismo de abertura do anel,
levara alguns minutos.
— Por que tantas complicações? — perguntou em tom irritado.
Girou o anel de um lado para outro. Era feito de um metal leve com elevada
resistência à tração.
Há cem anos os homens nem se atreveriam a pensar num material destes, mas
atualmente era encontrado em qualquer residência terrana.
— É isto! — espantou-se consigo mesmo e sacudiu a cabeça.
De repente compreendeu por que o anel fora feito dessa liga de metal leve e por que
fora chamado de Anel dos Nibelungos.
— Perry, tenho de pedir perdão a você.
Afinal, não é um grande romântico, mas apenas o formidável realista de sempre com
umas pequenas ambições românticas...
Uma fita transportadora expressa levou-o ao setor de laboratórios do gigantesco
computador positrônico. Entrou na sala destinada aos exames fotográfico-metalúrgicos. O
anel foi colocado à frente do revelador tridimensional. Era um aparelho que trabalhava
com base em campos magnéticos dirigidos e tateava o metal camada por camada. Ao
primeiro sinal de uma exposição fotográfico-metalúrgica, passava a funcionar como
revelador tridimensional.
Atlan acomodou-se na poltrona e fitou atentamente a tela. A seu lado, o revelador
tridimensional emitia um zumbido suave. De repente, a tela iluminou-se. O rastreador
acoplado ao revelador acabara de descobrir a camada de metal com a mensagem de
Rhodan.
Atlan, um homem que se conservara jovem nos últimos dez mil anos, graças ao
ativador celular preso ao peito, ainda conseguiu surpreender-se, apesar de todas as
experiências pelas quais já tinha passado.
Rhodan lhe comunicava o que vinha a ser a missão pega-moscas.
Atlan mantinha-se ereto na poltrona. Leu atentamente a mensagem.
— Se ele conseguir isso... — disse o arcônida para si mesmo, em voz baixa. Sentiu
uma profunda admiração por Rhodan. — Bárbaro, acho que você ainda leva certa
vantagem sobre seu filho.
Voltou a desligar o revelador tridimensional, saiu da sala e voltou pela fita expressa.
As notícias chegadas nesse meio tempo já não poderiam surpreendê-lo. Os acontecimentos
evoluíam inexoravelmente em direção ao colapso total.

***

Mais uma vez, Atual e Ortece estavam sentados no interior da nave cilíndrica Cok II,
à frente de Cokaze e Thomas Cardif.
E mais uma vez, os dois financistas insistiam junto a eles para que lhes dessem uma
chance de intervir nos acontecimentos.
— Amanhã será tarde, patriarca. Uma inflação não conhece qualquer lei. O colapso
não pode ser detido à vontade. Pelos nossos deuses, Cokaze, não dê mais atenção a este
terrano. Dê atenção às nossas palavras.
— Se tivesse feito isso, nós, os mercadores galácticos, não estaríamos no ponto em
que estamos — respondeu Cokaze em tom frio e com certa ironia na voz. — Os arcônidas
estão arruinados. O tal do Atlan atreve-se a usar sua frota robotizada junto a pequenos
povos coloniais, mas para enfrentar os saltadores precisará de algo mais que algumas naves
robotizadas. Árcon sabe perfeitamente que nossas naves cilíndricas não são navios de
peregrinos que confiam exclusivamente na proteção dos deuses.
Atual interrompeu o patriarca em tom nervoso:
— Patriarca, não blasfeme contra os deuses para que não sejamos atingidos por sua
maldição. Árcon continua a ser uma realidade. O perigo representado pelos druufs, aqueles
monstros vindos de um outro Universo, ainda está presente. Por enquanto o regente ainda
existe, mesmo que tenha sido desligado por Atlan, e Rhodan também continua a existir.
Rhodan...
Cokaze irrompeu numa estrondosa gargalhada.
— Rhodan! Sim, Rhodan! Basta citar este nome no Grande Império para que todo
mundo acredite que os demônios estelares estão atrás da gente. Já tive oportunidade de
travar conhecimento com ele. Sei até onde chega seu poder. Por vários decênios fez de
tolos a nós do Grande Império!
— Não foi o que eu disse? — esbravejou Atual. Tinha um temperamento bastante
agitado para um banqueiro.
— Quem está sentado a meu lado, Atual? — perguntou Cokaze em tom de escárnio.
— Será que o senhor veio apenas nos dizer que está com medo?
Ortece, o delicado diretor do Banco dos Mercadores Galácticos de Titon, que até
então não havia dito quase nada, interveio na palestra:
— O Império, e isso inclui a nós, ao senhor, patriarca, e ao mais pobre dos salta-
dores, já perdeu um terço do seu patrimônio.
Thomas Cardif ergueu-se lentamente. Seus olhos de arcônida chamejavam num fogo
amarelo, mas o brilho apenas espalhava frieza. Um sorriso irônico dava um feitio esquisito
à sua boca.
— O senhor já falou muito, mas não disse uma única palavra para explicar por que
motivo o banco oficial de Árcon não fez qualquer tentativa para sustentar as cotações por
meio de compras. Dê-me uma explicação precisa sobre isso, Ortece, e nós lhe
permitiremos deter imediatamente o colapso econômico. Possuímos os poderes e os
documentos necessários a isso.
Ortece teve a impressão de ter à sua frente um ser vindo de outro mundo. O saltador
delicado fitou o patriarca como se quisesse pedir socorro. Mas, nos olhos deste, não havia
compaixão nem ajuda.
— Não posso explicar. Para Atual e para mim, a atitude passiva do banco oficial
também é um mistério.
A ironia de Cokaze foi-se espalhando por seu rosto. O patriarca fez um gesto de
triunfo para Thomas Cardif, que fumava tranqüilamente.
— Ortece, por que Cardif teve condições de, antes da inflação, dizer a nós, os
patriarcas dos saltadores, e ao Conselho dos Dez, que o banco oficial de Árcon não
interviria no mercado? Como explica isso?
Os olhos de Ortece chamejaram de raiva.
— Cokaze, nós não somos profetas. Somos banqueiros que levam sua profissão a
sério e nunca agiremos como charlatães.
Cardif interveio tranqüilamente com uma pergunta:
— Quanto ganhará seu banco se ainda hoje tentar deter a inflação, se as indústrias
voltarem a funcionar, se as frotas dos saltadores levarem as mercadorias de um planeta a
outro? De quantos bilhões será o lucro?
— Será que não poderíamos dividir esse lucro? — perguntou Cokaze em tom
sarcástico e lançou um olhar penetrante para os dois homens.
Dali a dois minutos, viram-se a sós. Os banqueiros mais ricos e influentes do Grande
Império quase chegaram a fugir da nave de Cokaze.
— Que patifes! — exclamou o patriarca atrás deles e sacudiu a cabeça.
Lançou um olhar indagador para Cardif.
— Sei lidar com dinheiro e também sei o que devo fazer para multiplicá-lo. Porém
não sei como se pode auferir lucros gigantescos numa inflação em que todos perdem seu
dinheiro.
— Para isso, deve-se fazer o seguinte:... — principiou Cardif.
Nesse momento, o intercomunicador da Cok II emitiu um sinal.
— Senhor — disse o operador de rádio para seu patriarca — os grandes transmissores
de Árcon III anunciam um comunicado importante para os próximos minutos. Usarão
todas as faixas de hiper-rádio...
— Passe a transmissão para cá assim que a mesma chegue e não fale tanto. Seja mais
breve em suas explicações. Da próxima vez não se esqueça disso!
6

O comandante dos druufs e Perry Rhodan mantiveram a segunda palestra pelo rádio.
Mais uma vez Harno, o ser esférico, fez com que Rhodan pudesse observar o monstro
quadrático na sala central de sua nave, enquanto o comandante não desconfiava de nada.
Nesse meio tempo, a nave enviada ao Universo dos druufs voltara pela porta aberta
por meio do projetor de campo de refração, instalado no maior dos hangares da Drusus, e
apresentara um relato dos acontecimentos ao comandante.
— Harno — perguntou Rhodan ao ser esférico — você consegue ouvir o que o
comandante da nave de reconhecimento está dizendo a seu chefe?
Harno conseguira, e Rhodan não teve nada a objetar ao relato apresentado pelo
monstro que acabara de regressar do outro Universo.
— Rhodan — disse o druuf — estamos em segurança em qualquer lugar em que você
não esteja. Você procura atrair-nos com a promessa de podermos voltar ao nosso Universo,
desde que antes disso concordemos com sua proposta. Na verdade, porém, você tentará
destruir-nos.
Rhodan sentiu que com palavras não conseguiria mais nada junto ao druuf. Precisava
de provas palpáveis de suas intenções honestas. Mas como conseguir essas provas?
Não se podia cogitar do transmissor fictício, a única arma de seu tipo e a mais terrível
de todas. Os druufs não deveriam saber de sua existência, pois isso aguçaria ainda mais seu
apetite de apoderar-se da Drusus.
Guiado antes pelo sentimento que pelo intelecto, respondeu em voz alta:
— Druuf, não se esqueça de que não tive necessidade de procurar você e sua frota,
pois, ao sair de meu mundo, já sabia onde você estava escondido. Poderia perfeitamente ter
vindo com todas as minhas naves. Nesse caso a batalha contra sua frota já teria chegado ao
fim. Não tenho mais nada a dizer. Se quiser falar comigo, não demore.
Era o velho Rhodan que mais uma vez lançava mão de todos os recursos de sua
personalidade. Graças à sua ampla visão, tinha uma certeza quase absoluta de que o
comandante dos druufs estava disposto a aceitar sua proposta.
Na gigantesca sala de comando da nave esférica, os homens voltaram a conversar
entre si, mas ninguém saiu do lugar. A nave capitania de Rhodan continuava cercada pelas
unidades da frota dos druufs. Se houvesse uma luta para valer, seu destino se consumaria
ainda mais depressa que o da Kublai Khan, durante a batalha travada no mundo dos
lagartos.
— A mensagem destinada a Atlan já foi elaborada? — perguntou Rhodan, dirigindo-
se ao General Deringhouse.
Este entesou ligeiramente o corpo.
— Sim senhor. Só falta a hora.
— Logo saberemos a hora — arriscou-se Rhodan a dizer.
Nenhum dos homens que se encontravam na sala atreveu-se a esboçar um sorriso de
incredulidade. Perry Rhodan raramente fazia prognósticos como este e, quando os
apresentava, estes se realizavam.
— Marshall!
O chefe do Exército de Mutantes encontrava-se ao lado de Bell, junto ao aparelho
especial de localização. Limitou-se a erguer a cabeça.
— Comunique a Tako Kakuta que ele será destacado para servir de astronauta na nave
capitania dos druufs. Em compensação o doutor Small ficará.
— Mas Kakuta não é nenhum astronauta.
— Em compensação é um ótimo teleportador, Marshall — ponderou Rhodan.
Bell acenou levemente com a cabeça. Percebera o que Perry Rhodan pretendia
conseguir com essa mudança de função, mas Marshall parecia encontrar-se num dia nada
favorável.
— Sir, não compreendo.
— Nesse caso, recomendo-lhe que procure livrar-se da desconfiança. Talvez haja uma
boa terapia para isso. Será que agora o senhor já compreendeu?
— OK, chefe! — Marshall não sabia o que estava acontecendo com ele.
Tako Kakuta, o japonês pequeno e franzino com rosto de criança, nem pestanejou
quando Marshall lhe transmitiu a ordem do chefe. Gucky, que, em virtude de seu
“perigoso excesso de zelo”, ainda tinha que esperar uma bronca de Rhodan, foi o único que
disse o que pensava.
— Ainda não sei se gosto mais dos lagartos de Topsid, dos médicos galácticos ou dos
druufs. Acho que no fundo não gosto de nenhum deles, pois todos me causam repugnância.
Acontece que no meu coração há um lugar todo especial para os druufs... Não confio nem
um pouco neles. Tako, tome cuidado com nossos reguladores de curso estelar e traga-os de
volta sãos e salvos.
— Acho que hoje você se encontra muito loquaz, Gucky — disse Marshall em tom de
recriminação.
— Não — respondeu o rato-castor e sorriu com o dente roedor solitário. — Será que
é proibido pensar no polegar de Bell e...
Marshall, que ainda se sentia aborrecido pela lerdeza mental que acabara de
demonstrar, gritou:
— Será que você ainda tem que repetir as tolices de Bell?
— Bell ficará muito satisfeito em conhecer a boa opinião que o chefe dos mutantes
faz a respeito dele, quando eu lhe disser, naturalmente ao acaso, o que você andou
falando... É possível que eu consiga esquecer-me de suas palavras para sempre, caso alise
meu pêlo por duas horas.
Uma verdadeira chantagem! E Gucky sabia disso, mas era um rato-castor e podia
permitir-se esse procedimento. Mas Marshall não estava disposto a cair na sua conversa.
— Diga-lhe o que quiser, meu caro. Vamos esperar para ver, quando você receberá
outra tarefa. Acho que, antes disso, sua presa cairá.
Nunca ninguém chamara de presa o dente roedor de que Gucky tanto se orgulhava.
Mas o que deixou-o mais abalado foi a ameaça de Marshall. John dera a entender que não
lhe confiaria mais nenhuma tarefa. Ouvir essas palavras era mais terrível que ficar dez
semanas sem cenouras frescas.
— John — disse em tom humilde. — Será que não poderíamos fazer um acordo?
— Com um chantagista como você? Gucky não se deu por vencido tão depressa.
— OK, John! Quer dizer que eu sou um chantagista. Mas você é um caluniador. E
isso não lhe fica bem!
Estas palavras do rato-castor desarmaram o adversário. Todos riram; até mesmo
Kakuta exibiu seu misterioso riso japonês.
Estava pronto para entrar em ação. Desligou-se do grupo de Marshall, para juntar-se à
equipe de astronautas, e desapareceu no mesmo instante.
Perry Rhodan esperava receber pelo sistema de intercomunicação da nave a notícia de
que o druuf tomasse a iniciativa de fazer uma ligação de rádio. A tensão crescia a cada
minuto que passava. Durante o período de espera, a sala de rádio transmitiu o noticiário
irradiado pelas grandes estações de hiper-rádio de Árcon.
O Grande Império fervia em todos os cantos, muito embora em cada notícia se
notasse de que a mesma se destinava a preencher um fim específico: atiçar ainda mais os
distúrbios. Mas, mesmo que se fizesse um bom desconto, não havia dúvida de que a
situação política de Atlan piorava a cada hora que passava. Não podia estar longe o
momento em que se esfacelasse o Grande Império que já tinha mais de 15 mil anos de
existência.
Bell disse em meio a uma pausa:
— Se esse druuf descobrir que deverá desempenhar ao mesmo tempo o papel de
mosca e de pega-moscas, então...
Os receios de Reginald Bell não eram infundados.
As naves de reconhecimento dos druufs não poderiam deixar de perceber certas
coisas, isso naturalmente se o comandante supremo fosse enviar as espaçonaves com os
dois astronautas terranos.
De início teriam sua atenção despertada para a concentração extraordinária do sistema
M-13, que fariam nascer na mente dos druufs a suspeita de se encontrarem dentro do
território pertencente ao Estado de seu encarniçado inimigo.
Além disso, os druufs, por certo, haviam ouvido as notícias alarmantes relativas aos
distúrbios ocorridos no Império dos arcônidas.
Finalmente, e este era o ponto principal que mais preocupava Perry Rhodan, os
superpesados patrulhavam os arredores do planeta Archetz. Se as duas naves de
reconhecimento dos druufs se encontrassem com a frota dos superpesados, o ânimo
guerreiro destes faria com que esse encontro evoluísse para um ataque. Nesse caso, o plano
de Rhodan estaria frustrado, pois a frota dos druufs, que cercava a Drusus, lançar-se-ia
imediatamente ao ataque contra a supernave terrana.
E não haveria a menor dúvida sobre o resultado do embate.
Rhodan virou a cabeça para o General Deringhouse.
— Envie uma mensagem condensada para Árcon III. Peça a Atlan que providencie...
Não! Não envie nenhuma mensagem pelo hiper-rádio. Inclua, na mensagem a ser levada a
Atlan, um aviso de que os superpesados devem desaparecer dos arredores de Archetz. Diga
que para isso Atlan dispõe de três horas, contadas a partir do recebimento da mensagem.
Perry Rhodan não se apercebeu de que estava usando um tom de comando para com o
chefe do maior império cósmico. Nesses dias, sentia que ele e Atlan estavam no mesmo
barco, em meio a um mar revolto e precisava encontrar um porto seguro. Se o barco
afundasse antes de atingir o porto, dentro de pouco tempo o Grande Império deixaria de
existir, e aquela entidade minúscula que usava o nome pomposo de Império Solar também
teria seus dias contados. Por isso, naquele momento, pouco importava quem dava ordens a
quem. O que importava era vencer a crise, dentro de uma atmosfera de irrestrita confiança
mútua. Não havia necessidade de prestar atenção a questões de etiqueta e de competência.
Rhodan sabia perfeitamente que o projeto pega-moscas pouco tinha de estratégico.
Estava cheio de incógnitas. E a maior das incógnitas era Thomas Cardif.
Nem ele nem Atlan esperavam que esse jovem conseguisse, com o auxílio dos
mercadores galácticos, abalar dentro de poucos dias até os alicerces de um Império que
existia há mais de 15 mil anos.
Atlan e Rhodan contavam com uma única vantagem. Até mesmo uma revolução
acompanhada do colapso econômico precisa de algum tempo para alcançar maturidade. E
enquanto esse momento não chegasse, o maior poder ainda se encontraria do lado do
governo. Por enquanto, esse fato servia de base ao plano de Rhodan.
Atlan não fora obrigado a desempenhar o papel do príncipe regente, nem fora
vitimado por um acesso de claustrofobia, porque como único ser vivo, que se encontrava
sob a gigantesca cúpula, ainda se mantinha escondido de todos. Concordara com as
ponderações de Rhodan, segundo as quais seria preferível assumir um risco maior a usar
meios brutais, para abafar qualquer tendência revolucionária no nascedouro, com o que se
atiçaria fogo em todos os cantos do território do Estado.
Se a frota robotizada de Árcon, que continuava a ser grande e forte, resolvesse
intervir, as cem mil naves cilíndricas formariam uma frente de combate. E o cérebro
positrônico já informara Atlan sobre o armamento eficiente destas naves, e sobre a relação
de forças entre a frota robotizada e a dos saltadores.
— Rhodan... — para muitos homens da sala de comando da Drusus, a voz do druuf
parecia ter proferido uma senha que os libertara da insuportável tensão.
— Druuf... — respondeu Rhodan.
— Estou disposto a aceitar sua proposta, mas não estou disposto a enviar duas naves.
Uma única nave se dirigirá à estrela-alvo, com seus dois astronautas a bordo. Se essa nave
não regressar ou não responder aos nossos chamados pelo rádio, você poderá preparar-se
para a batalha, Rhodan!
Perry fez como se não tivesse ouvido a ameaça.
— Mandarei uma nave auxiliar para enviar-lhe meus cinco homens. Dê ordem à sua
frota para que não a ataque.
— Já foi feito. Mande seus homens para cá, Rhodan. O resto será resolvido depois.
O aparelho especial de radiocomunicação voltou a calar-se. O chefe da frota dos
druufs acabara de desligar.
Poucas ordens foram transmitidas através da gigantesca esfera.
Quatro astronautas e o teleportador Tako Kakuta entraram num girino que os levaria à
nave capitania dos druufs.
Enquanto isso, o General Deringhouse estava sentado na sala de rádio e completava
as notícias destinadas a Atlan.
Quando um técnico lhe retirou a mensagem da mão, sacudiu desesperadamente a
cabeça e dirigiu-se a um aparelho que não estava acoplado a qualquer transmissor.
— Grossi, faça o favor de explicar mais uma vez o que vem a ser o negativo de um
impulso a ser transmitido pelo rádio. Não consigo compreender, embora já seja esta a
terceira vez que o senhor vai explicar.
O técnico Grossi sacudiu a cabeça.
— General, isso só pode ser explicado por meio de fórmulas. A descoberta deu-se por
acaso. Mais precisamente, foi uma idéia-relâmpago. Quando tal idéia passou pela cabeça
de meu colega Francozetti e este a expôs, rimos dele. No fim, ele estava rindo de nós, pois,
dali a dois meses, enfiou as fórmulas embaixo de nosso nariz. Na verdade, é uma tolice
falar no negativo de um impulso de rádio, mas o fato é que não temos outra palavra para
designar o processo e, como se baseia em certos procedimentos fotoquímicos, a explicação
tende a levar a concepções falsas que tornam o fenômeno ainda mais incompreensível ao
leigo.
— Obrigado! — disse o General Deringhouse com um sorriso. — Pelo menos já sei
que devo deixá-lo em paz com minhas perguntas, e fiquei ciente de que sou um leigo. Mas
o que foi que esse aparelho fez com minha mensagem?
Grossi era natural da Sicília e fizera seus exames em Nápoles. Há onze anos pertencia
ao grupo dos melhores técnicos que Rhodan trouxera para Terrânia. Naquele momento,
teve pena de si mesmo, pois acabara de dar uma resposta negativa ao general.
— É outra coisa que não lhe posso explicar. Se digo que este aparelho transforma
suas palavras em impulsos e, no curso do mesmo processo, elabora um negativo, o senhor
pensará automaticamente em negativos de filme e se encontrará num beco sem saída...
Levou a estreita ficha perfurada, que saíra do aparelho com um forte clique, até o
dispositivo automático do hipertransmissor. O General Deringhouse não saía do seu lado.
Ainda não estava disposto a desistir. Devia haver um meio de explicar-lhe esse fenômeno
até então inexplicável, pois esse sistema de negativo representava a primeira possibilidade
de garantir a irradiação de mensagens de hiper-rádio, que só podiam ser decifradas caso a
outra parte conhecesse o processo.
Depois disso, o hipertransmissor da Drusus irradiou o negativo da mensagem à nave-
correio, que se mantinha à espera a trinta anos-luz. Não era possível estabelecer contato
direto com Árcon, pois Atlan ainda não dispunha desse aparelho.
— Acontece que a nave-correio já possui um aparelho igual a este. Se não fosse assim
Atlan e seu cérebro-gigante poderiam matutar até o dia do juízo final para descobrir o
sentido da mensagem indecifrável enviada por nosso chefe. Pois é, general, a nave-correio
está partindo. Veja!
Com um gesto, Grossi apontou para a tela de rastreamento, na qual a nave-correio
aparecia sob a forma de um ponto luminoso.
Com um sorriso, Deringhouse perguntou a Grossi:
— Quando eu sair da sala de rádio o senhor vai ficar contente, não é? Mas nem por
isso o senhor conseguirá livrar-se de vez de mim.

***

O sol amarelo de Rusuma iluminava dezoito planetas. O quinto era Archetz, o mundo
central dos saltadores. Os mercadores galácticos haviam seguido o exemplo de Árcon. No
curso dos milênios, todos os planetas, com exceção do de Ult, que ficava próximo ao sol,
foram transformados em fortalezas, e com o tempo também as numerosas luas foram
incluídas no sistema de fortificações defensivas.
Os clãs que viviam navegando entre as estrelas ficaram zombando da mania de
segurança dos membros de sua raça, que se haviam estabelecido em Archetz, até que eles
mesmos tiveram de dirigir-se a esse planeta, para efetuar reparos de monta em suas naves,
e, vez por outra, para comprar uma nave.
Desde o momento em que sentiram chão firme sob os pés, compreenderam o que
valia a certeza de estarem protegidos por uma série de planetas e luas fortemente armadas.
Archetz, o foco de infecção dos movimentos subversivos e do colapso econômico,
nos últimos dias ainda fizera mais, levando os superpesados a patrulhar as áreas adjacentes
a fim de proteger o mundo mais importante dos saltadores.
A noite pousava sobre Titon, uma cidade de doze milhões de habitantes. Na nave de
Cokaze, a Cok II, os dois filhos mais velhos do patriarca mantinham-se de vigília. Se
chegasse qualquer notícia importante, Thomas Cardif deveria ser acordado imediatamente.
Mas a maior parte da noite se passara sem que acontecesse nada de especial.
Subitamente, a central de comando da grande frota de couraçados chamou pela
freqüência dos superpesados.
— Onde está Cokaze, saltador? — perguntou a voz retumbante do gigante de mais de
meia tonelada, e seu rosto marcado pela cólera estava rubro. — Está dormindo? Pois
acorde-o. Depressa!
O filho mais velho de Cokaze saiu correndo da sala de rádio. As palavras do
superpesado deixaram-no confuso.
O mais jovem ligou o intercomunicador, com o qual atingiu simultaneamente o
camarote do pai e o do terrano.
— Quem quer falar comigo? — perguntou o patriarca em tom sonolento.
O filho explicou.
— Já vou! — interveio Thomas Cardif, que acordara imediatamente.
Encontraram-se no convés principal. Fitaram-se com uma expressão de perplexidade.
Não tinham a menor idéia de qual seria a mensagem importante que a central de comando
dos superpesados poderia querer transmitir a essa hora da noite.
O patriarca deixou-se cair pesadamente na poltrona colocada à frente da tela.
— O que houve, Onkto? — perguntou, ciente de que era o patriarca mais rico de
todos os clãs dos saltadores, e de que, nesse momento, não havia em todo o Império de
Árcon nenhum homem mais importante que ele.
— Pouca coisa — disse o superpesado com sua voz de barítono. — Vamos retirar-
nos, patriarca!
— Vão fazer o quê? — gritou Cokaze com a voz extremamente exaltada. — Isso
infringe nossos acordos, Onkto. É uma traição.
— Tolice! — respondeu o superpesado em tom grosseiro. — Árcon formulou uma
ameaça inequívoca e exigiu...
— Árcon... — uma estrondosa gargalhada sacudiu o patriarca, que costumava ser
muito controlado. — Logo Árcon! O que representa Árcon hoje em dia?
— Quem está atrás de você, Cokaze? O rosto lembra o de Rhodan. Diga logo quem é
— falou o superpesado, superando a risada violenta de Cokaze.
Thomas Cardif adiantou-se. Colocou a mão sobre o ombro do velho, o que
representava um sinal de que o patriarca deveria deixar a palestra por sua conta.
— Sou Thomas Cardif. Minha mãe foi Thora, uma princesa arcônida! Acho que isto
basta, Onkto. Quais foram as exigências de Árcon?
Onkto, chefe do setor de comando dos superpesados, que se encontrava num
supercouraçado estacionado 800 mil quilômetros acima da superfície do planeta Archetz,
quase chegou a sentir-se hipnotizado pelos olhos frios e amarelentos de arcônida.
— O senhor é o conselheiro de Cokaze? — perguntou visivelmente perturbado.
— Quais são as exigências de Árcon? E quem as formulou? O regente ou o Almirante
Atlan?
Quem falava pela boca de Thomas Cardif era o arcônida. Era um protótipo dessa raça,
nos gestos, no tom de voz e nas atitudes. Mas, na linguagem lacônica, era o filho de Perry
Rhodan. Nem pensava em responder à pergunta de Onkto.
— O computador regente entrou em contato conosco e exigiu nossa retirada imediata.
Diz que, do contrário, ele recorrerá à frota robotizada para obrigar-nos a abandonar nossas
posições.
— O senhor já dispõe de alguma prova de que o regente retirou a frota robotizada da
frente dos druufs? — perguntou Cardif em tom insistente.
O gigante de mais de meia tonelada arregalou os olhos e praguejou. Depois de algum
tempo, disse:
— Cardif, se o senhor acha que sabe, por que pergunta? Para nós, os superpesados,
basta que a frota robotizada não esteja mais na frente. O cérebro regente também nos
ameaçou com os druufs! — acrescentou apressadamente.
— Será que isso basta para expulsar os valentes superpesados para os confins do
Universo? — indagou Cardif numa ironia amarga.
Onkto não gostou nem um pouco da recriminação.
— Não somos mais bobos nem mais inteligentes que o patriarca Cokaze, que mantém
apenas dez naves em Titon. As outras foram retiradas da linha de fogo...
— Nesse caso quero que o senhor me garanta que não revelará a retirada de sua frota
por qualquer mensagem de rádio. Se não me der essa garantia, farei com que toda a
Galáxia saiba por que desistiu do patrulhamento em torno de Archetz: apenas porque
Árcon o ameaçou com a frota robotizada!
— Cardif! — retrucou Onkto em tom de ameaça, estreitando os olhos. — O senhor
sabe tão bem quanto nós que a frota robotizada não se encontra mais na frente, e o que isso
significa...
Cardif interrompeu-o em tom frio:
— Contestarei essa afirmativa, Onkto. E Cokaze também contestará. Se os
superpesados se tornarem conhecidos como covardes, seu negócio guerreiro terá chegado
ao fim. Não acha, Onkto?
Ao que parecia, o superpesado não estava só na sala de comando, pois Cardif e
Cokaze ouviram-no cochichar com outras pessoas, mas não entenderam o que estava
dizendo.
O rosto do superpesado voltou a virar-se para a tela.
— Aceitamos suas condições, Cardif. Retirar-nos-emos discretamente. Um dia os
demônios estelares o carregarão, seu maldito terrano!
Estas palavras representaram a despedida de Onkto. Depois disso, a tela no interior da
sala de rádio da Cok II apagou-se.
Thomas Cardif acendeu um cigarro. Fumava de olhos fechados. Quando virou a
cabeça para Cokaze, este perguntou:
— Os superpesados não mentiram?
— Nenhuma das suas palavras foi mentira! — confirmou Cardif. — Devem ter
constatado por meio dos seus aparelhos de rastreamento que a frota robotizada não se
encontra mais no front. O que importa, saltador? Por que será que Árcon exigiu que os
superpesados se retirem? Há alguma intenção atrás disso. Qual será? — seus dedos
tamborilaram contra a tela.
Tirou algumas tragadas profundas e apressadas do cigarro.
Nem Cokaze nem seus dois filhos perturbaram as reflexões de Cardif. O terrano
descansou o cigarro e disse:
— Sugiro que a Cok II permaneça por mais algum tempo em Archetz, mas gostaria
que as estações planetárias de observação espacial vigiassem atentamente o espaço em
torno do sistema de Rusuma, pois alguma coisa perigosa está para acontecer. Gostaria de
saber o que é...

***
O vôo da nave de reconhecimento dos druufs foi acompanhado por dois pontos muito
distantes: a Drusus e Árcon III.
O aparelho de rastreamento recentemente inventado seguia constantemente a pista da
nave vinda de um outro espaço. Seu hiperpropulsor linear criava a imagem de um fio
vermelho infinitamente comprido, que permitia acompanhar a rota do veículo espacial.
Certa vez, o indiano Rabintorge, a cujo dinamismo Rhodan devia agradecer o fato de
dispor tão depressa de um aparelho de rastreamento desse tipo, afirmara que a
hiperpropulsão linear retirava uma das quatro constantes de seu embasamento normal na
estrutura espaço-temporal, desencadeando o efeito que permitia a localização.
Essa afirmativa nunca fora seriamente contestada. Restava saber se resistiria às
experiências posteriores. De qualquer maneira, o requisito básico fora cumprido. Já havia
um aparelho que permitia a localização das naves dos druufs, que se deslocavam à
velocidade superior à da luz.
Atlan confiava no minúsculo hiper-transmissor de raios goniométricos que, ao entrar,
Kakuta deixara cair na comporta da nave dos druufs. A cada cinco minutos, o pequeno
aparelho transmitia um impulso, que era captado pelas antenas do cérebro positrônico de
Árcon e interpretado imediatamente pelo computador. Num grande mapa estelar, uma
finíssima trajetória luminosa indicava ao arcônida a rapidez incrível com que a nave dos
druufs percorria o espaço, aproximando-se do sistema Rusuma. Fazia uso de uma
velocidade muito acima à da luz, e cada vez mais acelerava.
Rhodan e Atlan desejavam tudo de bom a essa nave, pois ambos sabiam quanta coisa
dependia desse vôo de reconhecimento.
Tako Kakuta, o teleportador, e o Dr. Brigonne desejavam a mesma coisa. Ambos
foram destacados para esta nave na qualidade de astronautas. Teriam que desempenhar
uma tarefa dupla: fazer chegar a nave até junto do planeta Archetz, e abandoná-la
imediatamente, caso os monstros, que a tripulavam, resolvessem adotar algum
procedimento hostil contra eles.
Esta última tarefa cabia a Kakuta, e o japonês com rosto de criança levava seu
trabalho a sério. Ficava constantemente ao lado do Dr. Brigonne.
Este nem de longe pensava que os druufs pudessem tornar-se perigosos. Sentia-se no
seu elemento. Pela primeira vez sentia a experiência de um vôo à velocidade superior à da
luz, sem sofrer o choque de transição.
Kakuta e Brigonne acostumaram-se logo à circunstância de que seus movimentos
eram duas vezes mais rápidos que os dos monstros, face à dimensão temporal trazida pelos
druufs do outro Universo.
Brigonne e Kakuta comunicavam-se pelo rádio de capacete. Por enquanto não se
haviam interessado em saber se estavam numa atmosfera respirável. Naquele instante, os
oito druufs da sala de comando começaram a inquietar-se. Os movimentos de seus braços
indicavam uma boa dose de exaltação. Comprimiam-se em torno de um estranho aparelho.
— Brigonne, o senhor sabe o que está acontecendo? — perguntou Kakuta e
aproximou-se do cientista, para que ao menor sinal de perigo pudesse teleportar-se,
levando-o.
— Não faço a menor idéia — respondeu Brigonne com a voz rouca.
Tako Kakuta sabia que a modificação não fora causada pelo medo. Quando muito,
seria a incerteza causada pelo fato de não ver nem perceber absolutamente nada.
Por uma questão de intuição o teleportador ligou o transmissor especial dos druufs,
embutido em seu traje espacial. O aparelho permitia a comunicação com os monstros.
Logo ouviu a voz de um druuf pelo alto-falante:
— Desligue!
Tako Kakuta obedeceu imediatamente, mas o fato lhe deu o que pensar.
“Só há uma explicação!”, meditou. “Eles estão realizando medições goniométricas.”
Acreditou saber também o que estavam procurando localizar pela goniometria. Era o
minúsculo hipertransmissor que se encontrava na comporta da nave.
Em palavras lacônicas, informou Brigonne, mas antes disso ligou o distorçor.
Começava a julgar os monstros capazes de tudo; talvez chegassem mesmo a compreender
o que estava sendo dito por ele e Brigonne.
O astronauta logo identificou o linguajar incompreensível saído de seu alto-falante de
capacete e, depois da terceira tentativa, encontrou o ritmo de recomposição adequado.
Brigonne só ouviu o final.
— ...Kakuta, o que podemos fazer para que o transmissor não seja encontrado? Atlan
tem de ser mantido a par. Foi o que o chefe pediu encarecidamente.
O rosto de Kakuta fitava-o com uma expressão ingênua através do visor do capacete.
— O senhor poderia dizer onde posso encontrar o pequenino transmissor dentro de
alguns segundos?
— O que eles estão fazendo? — Brigonne deu a perceber que não se sentia muito à
vontade.
Três druufs saíram da sala de comando, mas não saíram de mãos vazias. Os três
carregavam pesados aparelhos, e era evidente que com estes realizavam medições
goniométricas destinadas a localizar um transmissor.
— Brigonne, quanto tempo durará nosso vôo?
— O senhor está perguntando demais, pois não tenho a menor idéia da aceleração que
pretendem imprimir à nave.
— Não devem ser mais de três horas, não é? — insistiu Kakuta em tom apressado.
— Se for mantida a aceleração atual, não. Daqui a três horas, já deverão estar voando
de volta. Faço votos de que nós também estejamos — disse o cientista em tom pessimista.
— Distraia os druufs por dez segundos. Não deverão notar que saí da sala de
comando. O senhor acha que consegue?
— O que pretende fazer, Kakuta?
— O senhor acha que consegue, doutor? — de repente os olhos frios de Kakuta
pareciam chispar fogo.
— Naturalmente. Vou tossir, e... — acenou pesadamente com a cabeça.
O teleportador não viu outra possibilidade de afastar o perigo. Teria de jogar todos os
trunfos numa única carta.
O Dr. Brigonne teria que distrair cinco monstros. Dois deles estavam sentados em
grandes poltronas de piloto, enquanto os outros três estavam de pé junto a um aparelho,
mas viravam-se constantemente para os terranos.
Tako Kakuta sentiu que o tempo estava passando. Só até certo momento seria capaz
de intervir nos acontecimentos e modificar o curso dos mesmos. E esse momento não
demoraria a chegar.
Por que Brigonne não fazia nada? Por que ficava parado?
Finalmente Brigonne aproximou-se dos três monstros que estavam reunidos. Foi em
sua direção, mas estes quase não lhe deram a menor atenção.
Ou será que o fitavam com os olhos das têmporas?
Brigonne ligou o aparelho de comunicação.
— Druuf, ainda tenho que chamar sua atenção para uma circunstância muito
importante. Aqui... — caminhou até a parede, onde estava pendurado um mapa estelar, e
apontou pára um ponto. — Aqui, onde existe a concentração de estrelas, fica... druuf, isto é
muito importante. Vocês me ouvem?
Kakuta ouviu Brigonne tossir.
Era o sinal!
Saltou e rematerializou-se no interior da comporta, onde se encontrava o hiper-
transmissor de raios goniométricos.
Logo que concluiu a rematerialização, já segurava duas armas de radiações.
Enquanto soldava a escotilha interna da comporta com os raios térmicos, suas mãos
não tremeram.
Fez uma solda dupla tão precisa que qualquer técnico se teria orgulhado da mesma.
Enquanto terminava seu trabalho, contava baixinho:
— ...cinco... seis... sete... oito!
Quando contou oito, o serviço estava concluído. Girou sobre os pés. Ainda dispunha
de dois segundos. Mais uma vez, os dois radiadores térmicos chiaram. Colocou uma solda
dupla que cobria um terço da linha que representava a fenda na qual corria a escotilha
externa da comporta.
O metal, liquefeito na profundidade de alguns centímetros, foi endurecendo
lentamente, enquanto Tako Kakuta voltava a surgir na sala de comando, sob a proteção do
zumbido leve de um conversor.
Brigonne ainda se encontrava à frente do mapa estelar. Tentava convencer os druufs
da periculosidade de um campo magnético rotativo e superpotente, que ficava bem na rota
da nave.
— Pois então deixemos para lá... — disse sua voz, que o teleportador ouviu pelo
rádio de capacete, depois de saber que Kakuta se encontrava novamente na sala de
comando. — Deixemos para lá...
Sem dizer mais uma única palavra, o cientista abandonou o lugar em que se
encontrava e desligou o transdutor idiomático.

***

— Faltam dez minutos — disse Perry Rhodan em voz baixa a Bell, sem tirar os olhos
do rastreador especial. — Depois disso, estarão em cima do planeta Archetz. Quem dera
que estes dez minutos passassem logo!
Não tinha a menor idéia do que estava acontecendo, nesse instante, no interior da
nave de reconhecimento dos druufs.
Os monstros haviam algemado o Dr. Brigonne e Tako Kakuta, e disseram por que
estavam agindo assim. No momento em que compreenderam que a comporta fora
misteriosamente bloqueada, desconfiaram dos terranos.
— Só vocês poderiam ter colocado o transmissor na comporta. Por que fizeram isso?
— Que transmissor? — contra-indagou Tako Kakuta em tom frio. — Mostrem o
aparelho. Dizer é fácil...
O comandante quadrático de quase três metros de altura não deu resposta a essas
palavras, mas os dois monstros, destacados para vigiar os terranos, com suas armas
estranhas e de aparência perigosa, diziam tudo.
Brigonne e Tako Kakuta preferiram não mais protestar. Aparentemente estavam
conformados com o destino.
Enquanto isso, a nave dos druufs corria ininterruptamente em direção a Archetz, o
planeta dos saltadores.
***

A nave desconhecida já desaparecera misteriosamente do sistema de Rusuma. As


estações de observação, instaladas nos outros dezesseis planetas, cancelaram o alarma.
Cokaze e Thomas Cardif continuavam a fitar-se em silêncio.
Finalmente, o patriarca rompeu o silêncio. Levantou-se devagar, proferiu o nome de
Thomas Cardif como quem solta uma maldição e disse:
— De repente você acredita em tudo, até na ameaça ridícula desse almirante ainda
mais ridículo.
Cardif não ficou devendo resposta às palavras do patriarca, e com isso, deu mais uma
vez prova de coragem.
— Esse almirante não é tão ridículo assim, Cokaze. Ainda é um dos velhos arcônidas.
— Será que você vai me contar mais uma vez que ele tem mais de dez mil anos?
Cardif interrompeu-o com um gesto, sem dar atenção à pergunta que acabara de ser
formulada.
— Acabo de descobrir uma coisa, patriarca.
Cokaze aguçou o ouvido.
— O que foi, Cardif?
O rosto de seu interlocutor não revelava nada.
— Uma revolução só pode ser levada a termo com o poder do Estado, não contra o
mesmo.
O rosto de Cokaze assumiu uma expressão de pavor. Até parecia que acabara de ver
um fantasma. Não queria compreender o que Cardif acabara de dizer. O medo e a raiva
despertaram em sua alma. Os mercadores galácticos haviam arriscado tudo! Os aras, os
ekhônidas e outros grandes povos haviam aderido ao plano, e agora esse jovem terrano,
que era a verdadeira mola propulsora do movimento subversivo, vinha lhe dizer que uma
revolução só pode ser levada a termo com o poder do Estado, não contra o mesmo.
— Cardif, será que esse almirante ridículo conseguiu isso com sua proclamação? Será
que não me engano ao recordar ter ouvido de sua boca as coisas maravilhosas que as
pessoas aprendem na Academia Espacial do Império Solar? O que sobrou de tudo isso?
Um feixe trêmulo de medo, terrano?
— Ah, sim... A Academia Espacial Solar! — Cardif sorriu, enquanto fitava
tranqüilamente o patriarca furioso. — Aquilo que aprendi lá me deu a capacidade de
reconhecer que perdemos. Sim, perdemos! Neste momento Rhodan e Atlan estão lançando
seu trunfo principal. Saltador, será que ainda não compreende o que significa o
aparecimento duma única nave dos druufs? Você se esqueceu da ameaça de Atlan, que
ameaça retirar a frota robotizada do front? Você se esqueceu do motivo por que os
superpesados não querem patrulhar mais a área em torno de Archetz e o que eles
constataram? Será que você não se quer lembrar do que eu disse e exigi depois da palestra
com Onkto, o superpesado? Exigi que as estações planetárias de observação espacial se
mantivessem numa vigilância muito atenta, e disse que alguma coisa perigosa estava para
acontecer. Na mesma oportunidade perguntei a mim e a você: o que será?
— E agora você acha que sabe alguma coisa, seu terrano superinteligente? —
esbravejou Cokaze em tom furioso.
— Não sei de nada. Apenas receio alguma coisa. Receio que Atlan tenha deixado uma
abertura na frente, para que umas dez ou vinte mil naves dos druufs tenham possibilidade
de penetrar em nosso espaço, avançar até o grupo estelar M-13 e praticar atos de
vandalismo.
— E eu caí na conversa de uma cópia falsificada de Perry Rhodan como você! Perry
Rhodan ao menos tem certa classe, mas você...
Thomas Cardif não se sentiu atingido por estas palavras, pois respondeu em tom frio:
— Sei admitir a derrota. E, quando essa acontece, ainda me resta coragem para tirar
minhas conclusões. Cokaze, se você quiser continuar vivo, só lhe posso recomendar uma
coisa: saia imediatamente de Archetz na Cok II. Anuncie sua chegada a Aralon. Isso
causará boa impressão. Uma vez lá, aguarde os acontecimentos dos próximos dias. É só o
que tenho a lhe dizer.
— O que pretende fazer, terrano? Transferir-se para a Terra?
Thomas respondeu num tom que quase chegava a ser indiferente:
— Mudarei para uma das naves cilíndricas que você terá de deixar em Titon para que
sua partida não pareça uma fuga. Você não poderá deixar de expor umas quatro ou cinco
naves ao risco de serem destruídas.
— Você sabe que neste momento sua capacidade de sacar rapidamente um radiador
não lhe adiantará nada? — de repente, o patriarca tornou-se desconfiado. — Se fizer o
menor movimento, dispararei o radiador de impulsos contra você.
— Cokaze, você deveria fazer um curso na Academia Espacial do Império Solar. É
uma pena, mas você é muito velho para isso. E muito estúpido!
Dali a uma hora, Cokaze decolou com sua Cok II em direção a Aralon. Antes de partir
despediu-se de Thomas Cardif.
— Você é um sócio que assusta a gente! — foram estas as últimas palavras que disse
ao deixar para trás um terrano pensativo.
Cardif transferiu-se para a Cok CCXIV, uma das quatro naves do poderoso clã dos
saltadores que estavam estacionadas na extremidade norte do espaçoporto de Titon.
7

Por um segundo Perry Rhodan teve a impressão de enxergar um abismo.


Harno, o ser esférico, flutuava a seu lado. Graças à sua fantástica capacidade
televisora, permitiu a Perry ver a sala de comando da nave de reconhecimento dos druufs,
que acabara de emergir do hiperespaço e seguia com uma lentidão espantosa em direção à
nave capitania.
A nave de reconhecimento, que gastara algumas horas no vôo para Archetz, só levara
alguns segundos para voltar. Bell, que se encontrava junto ao rastreador especial, mal
tivera tempo de anunciar a chegada da nave, pois Harno logo projetou a imagem da sala de
comando dos druufs.
Rhodan viu que Brigonne e Kakuta estavam sendo vigiados por dois monstros. Ao
mesmo tempo, o ser esférico informou quais eram os problemas do astronauta e do
teleportador.
O minúsculo hipertransmissor de sinais goniométricos, que Kakuta escondera na
comporta da nave de reconhecimento, ameaçava transformar a manobra tática numa
verdadeira catástrofe para a Drusus.
Em seu cérebro, ouviu Harno dizer:
— O comandante da nave de reconhecimento está apresentando seu relatório ao chefe
da frota. Fala quase que exclusivamente no transmissor localizado na comporta três, que
não pôde ser aberta.
De repente, Rhodan teve uma idéia.
Gucky teria de intervir nos acontecimentos.
Convocou-o à sala de comando pelo intercomunicador:
— Gucky, não perca um segundo sequer.
Todos os olhos fitaram Rhodan. Pouca gente se lembrava de ter visto o chefe tão
nervoso como naquele instante.
Gucky encontrava-se de pé à frente do chefe. Aquele rato-castor de um metro de
altura rompeu um tabu e, recorrendo ao seu dom telepático, leu os pensamentos de
Rhodan.
— Naturalmente, Perry! Em que depósito posso encontrar esse rhytmal five?
Com um ligeiro movimento de mão, Rhodan ligou o intercomunicador para todos os
compartimentos da Drusus.
— Aqui fala Rhodan. Estou chamando todos os depósitos. Avisem imediatamente em
que depósito está estocado o rhytmal five. Urgência máxima!
O rhytmal five era uma substância cristalina descoberta pelos arcônidas que, uma vez
carregada, emitia por anos a fio um impulso débil num ritmo de cinco minutos, que à
primeira vista poderia perfeitamente ser confundido com uma hipertransmissão
goniométrica.
— Sir — disse o encarregado de um dos depósitos. — O rhytmal five é guardado no
depósito 123.
No mesmo instante, Gucky teleportou-se para fora da sala de comando e viu-se no
interior do depósito 123. Lá ainda estavam procurando a tal substância por meio de um
pequeno computador positrônico.
— Passe logo este negócio! — piou o rato-castor. — Não se esqueçam de carregá-la.
Vocês têm alguma cola que não seja afetada pela frieza do espaço? Passem para cá.
Rápido! Nossa vida está em jogo.
O pequeno computador indicou o lugar em que estava depositado o rhytmal five. O
dispositivo teleguiado trouxe-o.
— O cristal pequeno! — ordenou Gucky.
O som metálico dos alto-falantes soou em meio às suas palavras. O rato-castor
forneceu instruções sobre a maneira de carregar o cristal.
— Onde está a cola? — Gucky procurou berrar, mas sua voz chiante não ajudou.
Colocaram em sua mão alguma coisa que parecia cola de gesso.
— Pronto, tenente! — disseram logo em seguida.
O tenente era Gucky, que se sentia lisonjeado, quando alguns homens com os quais
não tinha intimidade o designavam pelo posto.
O rato-castor não se deu ao incômodo de agradecer.
Desapareceu do depósito 123 para rematerializar-se no interior da comporta 3 da nave
de reconhecimento dos druufs.
Ligou o holofote de seu traje espacial e rastejou pelo chão, à procura do minúsculo
transmissor.
Alguns minutos se passaram. Subitamente, a luz do holofote foi refletida por um
pontinho.
— Até que enfim! — suspirou o rato-castor em tom de alívio. Um breve disparo da
arma térmica derreteu o corpo de delito.
O dente roedor solitário de Gucky avançou para a frente. O rato-castor estava rindo de
satisfeito. Dali a um segundo, praguejava barbaramente. A cola grudenta que não queria
sair dos seus dedos submetia sua paciência a uma dura prova. Finalmente pôs a cola no
chão, e colocou cuidadosamente o rhytmal five no interior da mesma.
Dali a pouco, os monstros iriam arrombar a comporta e tentariam encontrar um
motivo plausível que explicasse como aquele cristal, que emitia um impulso a cada cinco
minutos, poderia ter entrado ali.
Naturalmente fora trazido por Kakuta ou Brigonne, porém os monstros jamais
poderiam recriminá-los por isso, se notassem aquela cola grudenta.
Mas Gucky não gostou das marcas de solda deixadas por Tako Kakuta.
— Que coisa! — disse. — Estas marcas deixarão os monstros loucos. Mas se eu abrir
um buraco aqui, eles ficarão ainda mais loucos e não acreditarão mais no que estão vendo.
Às vezes, Gucky gostava de falar demais. Mas também sabia agir, e dificilmente
cometia um erro.
Fez três buracos na escotilha externa. Ficavam um acima do outro, numa distância
uniforme, e seguiam a linha das marcas de solda. Depois deu um pequeno salto de
teleportação, grudou-se do lado de fora da escotilha destruída e apontou ligeiramente o
radiador térmico para cada um dos buracos, a fim de que a trajetória do tiro corresse de
fora para dentro.
— Os druufs ficarão completamente confusos! — disse Gucky com uma alegria
maliciosa.
A seguir, concentrou-se e reapareceu na sala de comando da Drusus.
— Isso está liquidado, Perry. Quer que apresente um relatório?
Antes que pudesse começar, ouviu-se a voz do chefe dos druufs.
— Rhodan, prepare sua nave para o combate — disse com a voz fria. — Seu plano
traiçoeiro foi tolo demais.
Rhodan exigiu explicações. O druuf falou num transmissor de sinais goniométricos.
Rhodan contestou a acusação e exigiu provas. Sentiu-se surpreso quando o estranho ser se
mostrou disposto a apresentá-las.
Mais uma vez, teve início a espera. Entretanto, desta vez não houve tensão, pois
Gucky teve oportunidade de apresentar rapidamente seu relatório.
— Tão cedo os monstros não voltarão a chamar — atreveu-se a profetizar. — Kakuta
deixou alguns sinais de solda na comporta, que serão um mistério para eles. Os três
buracos que abri na escotilha externa lhes darão o resto. Não gostaria de estar no couro do
comandante da nave de reconhecimento, que logo levará uma tremenda bronca do chefe da
frota...
A gíria pareceu ser uma senha!
— Gucky — interrompeu-o Rhodan. — Você não acha que ainda precisamos ter uma
conversa? Quem foi a pessoa que contrariou todas as ordens, ao acionar antes do tempo o
mecanismo-relógio do detonador daquela bomba, no interior da nave capitania dos druufs?
— Perry — atreveu-se o rato-castor a responder. — Certa vez, o gorducho me disse
que me livrasse de pessoas que ficam guardando rancor de alguém, por anos a fio só
porque esse alguém cometeu certos erros. Você acha que foi um bom conselho?

***

A grande emissora de Árcon transmitiu a segunda mensagem do Almirante Atlan.


Apresentou um ultimato: rendição ou morte!
— Mandarei vir os druufs, para que eles ataquem o Império carcomido que não quer
manter a união. A frota robotizada de Árcon assistirá impassível à destruição de um mundo
após o outro. Levem a sério o ultimato que estou apresentando. Não se esqueçam que
saberei agir com a mesma eficiência que o cérebro positrônico. Em qualquer lugar os
rebeldes serão fuzilados. Resolvam se querem ser rebeldes ou cidadãos fiéis do Grande
Império.
Três mil espaçonaves de guerra dos druufs corriam vertiginosamente pelo
hiperespaço, em direção ao sistema de Rusuma. No momento em que Atlan apresentava
seu ultimato, já se encontravam a caminho. Um sinal codificado previamente combinado
avisara-o de que a operação pega-moscas estava entrando na segunda fase.
Naves dos druufs sobre Archetz! Uma demonstração de pavor!
Será que Rhodan arriscara demais? Estaria seu plano fadado ao fracasso?
Achava que não, e o computador positrônico lhe fornecera a probabilidade bastante
favorável de 81,54 por cento. Mas apesar desse índice, não conseguiu livrar-se da
inexplicável inquietação.
A Drusus estava atingindo metade da velocidade da luz e, com isso, aproximava-se do
momento da transição. O salto a colocaria a dez minutos-luz do sistema de Rusuma.
Usando uma forte proteção contra a localização e o neutralizador de vibrações seria
impossível a qualquer estação arcônida detectar goniometricamente o supercouraçado.
O doloroso choque da transição fez gemer as pessoas que se encontravam a bordo da
Drusus. Durante dez segundos, o computador positrônico assumiu todas as funções da
nave. Só depois disso, os tripulantes recuperaram a capacidade de ação, mas a dor da
rematerialização ainda se fez sentir por muito tempo.
Rhodan nem teve tempo para respirar profundamente. Harno, o ser esférico,
introduziu-se em seus pensamentos.
De um instante para outro o rosto de Rhodan, ainda marcado pelo choque, mudou de
cor.
Harno transmitira-lhe uma notícia quase inconcebível.
— O comandante da frota dos druufs não pensa em cumprir o acordo celebrado.
De uma hora para outra, o monstro passou a acreditar que a promessa do
administrador, de após o vôo de demonstração sobre Archetz fazer a frota atravessar a
porta aberta pelo projetor de campo de refração e penetrar no outro Universo, fosse uma
armadilha.
— Por quê? — perguntaram os pensamentos de Rhodan ao ser esférico, que projetava
para ele o rosto temível do comandante dos druufs, que se mantinha imóvel em sua
poltrona grosseira.
— É a mentalidade deles, Rhodan! Seu raciocínio, Perry, não é capaz de
compreender a mudança de idéia dos druufs. Há um elemento compreensível... Só agora
ele entendeu a importância do planeta Archetz. Pretende conquistar o sistema,
estabelecer-se no mesmo e partir dali, para conquistar uma estrela após a outra.
Neste momento, Rhodan compreendeu a voz interior que o prevenira para que não
celebrasse qualquer acordo com os druufs.
Só mesmo Atlan com sua gigantesca frota robotizada poderia evitar a destruição de
Archetz, o planeta dos saltadores.

***

Subitamente, três mil espaçonaves estranhas e gigantescas cobriram Archetz, o


mundo dos saltadores, como se fossem uma nuvem. Nenhuma das estações planetárias de
observação espacial anunciara sua aproximação.
Desenvolvendo metade da velocidade da luz, precipitaram-se sobre o planeta. Antes
que as primeiras posições de defesa estivessem em condições de disparar um único tiro de
radiações, começaram a semear a morte e a destruição sobre o mundo dos saltadores.
Titon soçobrou em meio às chamas. No mesmo instante, mais três metrópoles foram
reduzidas a montes de cinzas e escombros. As luas de Archetz com as posições de
artilharia transformaram-se em tochas acesas em pleno dia.
As naves dos druufs estavam em toda parte. Seus precisos aparelhos de rastreamento
apontavam o caminho aos raios destruidores, fazendo com que penetrassem nos fortes e os
mergulhassem em chamas.
A desvantagem de só poderem desenvolver metade da velocidade da luz e de serem
duas vezes mais lentos que qualquer outro ser não contava. Espalhavam a morte e a
destruição, antes que os saltadores compreendessem que a desgraça estendia as garras para
eles sob a forma de uma frota de mais de três mil naves.
Apesar de tudo, algumas naves cilíndricas estacionadas em Archetz conseguiram
escapar ao inferno, abrindo caminho entre a frota dos druufs e alcançando o espaço livre.
As pessoas que se encontravam na Drusus acompanhavam os acontecimentos, mas
mantinham-se inativos. A grande tela de visão global, regulada para a ampliação máxima,
mostrava todo o quadro com uma incrível nitidez.
— Thomas está lá embaixo! — disse uma voz interior a Rhodan.
As naves esféricas arcônidas de todas as classes, desde o pequeno destróier até o
supercouraçado, foram aparecendo nos céus.
Pareciam um bando de gafanhotos vindo das profundezas do espaço. Enquanto se
aproximavam, pareciam pequenos sóis, expelindo linhas de fogo de suas protuberâncias.
Vieram aos milhares. Dentro de poucos segundos eram mais de dez mil, e os
gigantescos bandos de naves continuavam a chegar e a precipitar-se sobre os druufs.
— Onde está o girino, Bell? Nenhuma notícia?
Reginald Bell não pôde dar uma resposta positiva.
Assim que Rhodan soube por intermédio de Harno que os druufs pretendiam
conquistar o sistema de Rusuma e nem pensavam em cumprir o acordo celebrado com os
terranos, preparou imediatamente um girino com os melhores teleportadores a bordo.
A ordem transmitida aos teleportadores fora a seguinte: retirem nossos astronautas da
nave capitania dos druufs.
E agora os homens que se encontravam na Drusus esperavam o regresso da nave
auxiliar. Porém, até agora, não haviam recebido nenhum pedido de socorro.
Nada, absolutamente nada!
A batalha entre as naves robotizadas e os druufs representou o fim dos monstros. A
essa altura, cada espaçonave dos seres quadráticos estava sendo caçada por dez ou quinze
naves esféricas, tripuladas por robôs. Os robôs de Árcon só conheciam sua programação.
Seu criador, o computador gigante, não lhes incutira qualquer sentimento humano. Nem
sequer compreenderam que estavam lutando contra seres estranhos, vindos de outro
Universo. Haviam recebido ordem de destruir essa frota, e se guiariam por essa ordem até
que a última nave inimiga tivesse deixado de existir, ou até que outra ordem de Árcon
revogasse a anterior.
Chegaram a fazer caça às naves dos druufs que desciam em Archetz ou em outros
planetas e suas luas e as bombardeavam com seus desintegradores ou canhões térmicos, até
que se desfizessem numa nuvem de energia espraiante.
De uma hora para outra, a terrível luta chegou ao fim.
A frota robotizada voltou a formar-se em esquadrilhas e retirou-se.
— Terminou — disse Bell em tom desanimado, enquanto a Drusus corria
vertiginosamente em direção ao planeta incendiado, irradiando sempre e sempre seu sinal
de identificação.
Quando rompeu a camada de nuvens e o solo foi avistado, os tripulantes do
supercouraçado viram aproximar-se uma gigantesca nuvem de fumaça sob a qual uma
cidade de doze milhões de habitantes se desfazia em cinzas.
Bell sobressaltou-se. Um peso, um corpo caíra sobre seu colo.
— Gucky! — exclamou em tom de surpresa, e o sorriso que cobria seu rosto tornou-
se cada vez mais amplo.
O salto de teleportação do rato-castor fizera-o parar no colo de Bell.
Abriu o capacete e achegou-se ainda mais a Reginald Bell, enquanto fitava Perry
Rhodan, que esperava pacientemente.
Gucky estava exausto. Parecia que iria adormecer nos braços de Bell. Mas fez um
último esforço e apresentou seu relato:
— Tudo em ordem, Perry. Todos bem. O girino está lá embaixo. Foi derrubado.
Tivemos que descer. Estamos...
Gucky adormeceu, e Bell carregou-o cuidadosamente até o sofá encostado a uma
parede. Quando voltou, o gorducho parecia pensativo.
— Gostaria de saber o que esse pirralho teve de fazer para retirar nossos astronautas
sãos e salvos da nave dos druufs.

***
Pela terceira vez num curto espaço de tempo, as grandes emissoras de Árcon, situadas
no grupo estelar M-13, fizeram-se ouvir. Não havia necessidade de noticiar os
acontecimentos verificados no sistema de Rusuma. Os súditos do Grande Império já
haviam recebido essa notícia, quando a batalha mal havia começado e ainda não se sabia se
os druufs seriam ou não aniquilados.
Mas juntamente com o susto também compreenderam que o tal do Almirante Atlan,
que alegava ser o sucessor do computador regente, sabia agir implacavelmente para
resguardar o poder do Estado. Por isso, os bilhões de inteligências do Império prestaram
muita atenção, quando as grandes emissoras de Árcon III anunciaram a transmissão de
outra mensagem. Ao verem na tela um rosto que lhes parecia conhecido, alguns milhões
desses bilhões estremeceram.
Perry Rhodan estava falando aos homens do Império por intermédio da grande
emissora de Árcon.
— Inclino a cabeça diante de Atlan, o Imperador Gonozal VIII, que conduzirá o
Império de Árcon a um novo apogeu. Como administrador de meu reino estelar, faço um
apelo ao Grande Império: vamos retribuir a lealdade com a lealdade. Povos do Grande
Império! Peço-lhes que compreendam que nossa missão deve ser procurada na amplidão
do Universo, não no ódio e na discórdia que nos separa...
Um amargo sorriso brincava em torno dos lábios de Atlan, enquanto Perry Rhodan se
afastava da câmara e vinha em sua direção.
— Amigo — disse com uma profunda emoção. — Você acaba de me promover a
imperador, mas de que me servirá o título, se os povos do Grande Império não quiserem
continuar unidos a Árcon? Não, Perry, não pretendo abdicar, mas também não quero ser
nenhum sonhador. Preciso de sua amizade e de tempo, bárbaro! Tempo, tempo e mais
tempo. Não poderei modificar de hoje para amanhã aquilo que foi estragado por várias
gerações de arcônidas irresponsáveis. Não posso fazer as coisas sozinho. Mas será que
poderei dispor de tempo para fazer alguma coisa?
Rhodan parecia muito espantado:
— É a primeira vez que o vejo tão pessimista, almirante.
— Não sou nenhum pessimista, Perry. Apenas não me esqueci da existência de um
certo Thomas Cardif. E você é a melhor prova do que um único terrano é capaz de fazer.
Rhodan fez como se não tivesse ouvido esta observação.
— Acho que Thomas pereceu em Archetz.
— Pois eu não acredito nisso. Um Rhodan não seria capaz de morrer de forma tão
normal, à margem de um grande acontecimento. Nem mesmo um Rhodan que use o nome
Thomas Cardif!

***
**
*
O plano do desertor fracassou, embora tivesse sido
muito bem preparado. Mas a essa hora já se deve ter
percebido que o filho de Perry Rhodan não desiste tão
depressa...
O próximo volume da série, intitulado O Regresso de
Ernst Ellert, trata de outro vibrante tema.

A título de curiosidade, coloquei esta ilustração que está no final


do volume.
Nota do Digitalizador

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