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Ok marcianos! Vocês venceram! 3
- e até incentivava - os comentários inter- Herbert George Wells foi um dos precur-
pessoais, a troca de informações, experiên- sores da literatura de ficção científica. A
cias e emoções. Ainda hoje, a grande maio- Guerra dos Mundos, publicado em 1898, sob
ria dos acontecimentos importantes chegam a influência das idéias do astrônomo Schia-
primeiro pelo rádio, seja direta ou indireta- parelli, era um de seus livros mais conheci-
mente: quem avisou, ficou sabendo pelo rá- dos, com o palco da ação da história ambi-
dio. entado em Londres, Inglaterra. Orson Wel-
A peça radiofônica é de autoria de Howard les apressou o ritmo da trama. No original,
Koch com a colaboração de Paul Stewart, os episódios se desenvolvem ao longo de vá-
baseada na obra de H.G. Wells, e ficou co- rios dias. Na adaptação, tudo acontece em 40
nhecida como “rádio do pânico.”5 O roteiro minutos, criando uma poética para o rádio:
foi reescrito pelo próprio Orson Welles que, “Revelou a força de fixação e a credibilidade
além de diretor, foi também o produtor junto devotadas às notícias transmitidas por rádio,
com a Mercury Players e, na dramatização mostrou a capacidade de mexer com a psi-
fez o papel de professor da Universidade de que do espectador quando se trabalha com o
Princeton que liderava a resistência à inva- ritmo de sua respiração (descansos quebra-
são marciana. “Orson Welles misturou ele- dos por notícias quentes, novamente substi-
mentos específicos da estética radioteatral (o tuídas por descansos).”8
ficcional, a dramatização) com os existentes
nos noticiários da época (o verossímil, a rea- “Ao invés de entreter (como parecia
lidade convertida em relato).”6 anunciar no início do programa, ao apre-
sentar música de orquestra), o programa
“A fixação por parte dos marcianos de travestiu-se de informativo (o que tam-
suas máquinas destrutivas, a total inter- bém não era). Brincou de jornalismo, jo-
rupção das comunicações e a derrota de gou com a noção de tempo (a certa altura
milhares de ‘defensores’ pegou o público da peça, quando os ouvintes ainda acre-
ouvinte de surpresa. Durante um total de ditavam que o tempo da emissão decorria
40 minutos, centenas de milhares de ou- naturalmente, o narrador - o astrônomo
vintes atônitos acreditaram que os mar- Pierson - num longo monólogo começa
cianos haviam ocupado várias regiões do a ler seu diário da invasão e menciona
país, dizimado ao acaso centenas de pes- a passagem de vários dias, quando para
soas e incendiado vilarejos inteiros com o ouvinte tudo passara em pouco mais
seus ‘raios de calor’. Os ouvintes da rede de uma hora (nesse momento, a farsa
CBS reagiram como esperado: eles en- se revela); falou de congestionamen-
traram em pânico.”7 tos de trânsito (que ademais aconteciam
5
mesmo, provocados pelo programa); e
Vide Koch, Howard. The panic broadcast. Bos-
ton, Little Brown, 1970. da audioarte”. In: Zaremba, Lílian e Bentes, Ivana
6
Bosetti, Oscar E. Radiofonías - palabras y soni- (orgs.). Rádio Nova, constelações da radiofonia con-
dos de largo alcance. Buenos Aires, Ediciones Co- temporânea 2. Rio de Janeiro, UFRJ/ECO/Publique,
lihue, 1994, p. 63. 1997, p. 48.
7
Barber, Bruce. “Rádio: o parente assustador 8
Serva, Leão, op. cit.
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4 Gisela Ortriwano
abriu o programa lendo um boletim me- Formato jornalístico foi o padrão utilizado
teorológico.”9 por Welles para a introdução das informa-
ções, aproveitando a credibilidade que este
Segundo Jacques Chambron, agente lite- desfrutava, tudo fundamentado nos recursos
rário de H. G. Wells nos EUA, “a Colum- reais disponíveis em 1938 e aos quais os ou-
bia tinha obtido permissão de dramatizar vintes estavam acostumados. A adaptação
uma irradiação mas não fora explicado que a tomou por base a análise acurada da rea-
dramatização seria feita com uma liberdade lidade econômica, social, tecnológica e do
que equivalia a uma remodelação da obra, comportamento humano. O padrão dramá-
tornando-a diferente”.10 tico foi utilizado para o desencadeamento da
obra radiofônica. O desenvolvimento tec-
2 Limites da tecnologia, a nológico permitia as transmissões ao vivo11
desde os anos 20. Merece destaque a intro-
presença real: as guerras do dução de reportagens externas, uma vez que
rádio possibilitavam as transmissões dos aconteci-
O radioteatro começa com sua abertura habi- mentos jornalísticos ao vivo, diretamente do
tual, interrompido pelo anúncio da apresen- palco da ação.
tação de um suplemento musical, bem ao es-
“No final de 1927, o rádio tem a satisfa-
tilo da época (inclusive se, por algum motivo
ção de participar de um grande momento
um programa não pudesse ser apresentado,
histórico: a transmissão da chegada de
entrava o suplemento para cobrir a lacuna)
Charles Lindbergh à Washington, em seu
e pela prestação de serviço, o boletim me-
próprio avião. A CBS e a NBC registra-
teorológico. O assunto central de A Guerra
ram o fato, realizando a primeira trans-
dos Mundos foi sendo introduzido aos pou-
missão diretamente do palco da ação.”12
cos. Interrompendo a música de tempos em
tempos, são anunciadas as novidades, cada Outras inovações importantes seriam ado-
vez mais ameaçadoras. A pretensa transmis- tadas ainda nos anos 30. Entre elas, o tele-
são jornalística vai ocupando cada vez maior fone tornou-se um instrumento fundamental
espaço até que os flashes se tornam uma ex- para o sucesso das coberturas radiojornalís-
traordinária que cancela o suplemento musi- ticas.
cal que, por sua vez, cancelava o radioteatro.
11
Um locutor simula passar notícias, um repór- A respeito da trajetória do jornalismo no rádio,
ver: Ortriwano, Gisela Swetlana. “Fragmentos da
ter entrevista especialistas e autoridades, ou- história do radiojornalismo”. In: Os (des)caminhos
tro finge estar presente no palco da ação pre- do radiojornalismo. São Paulo, ECA-USP, 1990 (tese
senciando ao vivo os efeitos produzidos pe- doutoramento), pp. 34-96.
12
los marcianos invasores em uma das regiões Garcia Camargo, Jimmy, op. cit., p. 16. Após
mais povoadas dos Estados Unidos. realizar o primeiro vôo intercontinental, sem escalas,
de New York a Paris, no Spirit of St. Louis, nos dias
9
Ibidem. 20 e 21 de maio de 1927, Lindbergh era considerado
10
Nota publicada sobre a transmissão de A Guerra um herói nacional para os norte-americanos.
dos Mundos na Folha de São Paulo de 01.11.1938.
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“Os repórteres podem informar de qual- mão. A credibilidade conquistada pelo rádio
quer local e seu relato coincide, em mui- era indiscutível. Não se tratava mais de uma
tos casos, com a própria ocorrência do novidade fascinante, de um modismo, mas
fato. Graças ao telefone, foram feitas co- de uma necessidade. As emissoras passam
berturas jornalísticas que ficarão na his- a montar suas próprias estruturas de infor-
tória, como o seqüestro do filho de Char- mação e a trabalhar com fontes especializa-
les Lindbergh; são produzidas importan- das, não dependendo mais dos veículos im-
tes reportagens, como ‘Nós, o povo’ e in- pressos e suas agências de notícias para po-
formes e reportagens sobre a guerra es- der informar. O rádio conquista espaços mas
panhola, algumas transmitidas ao vivo do pouco sabe do papel que desempenha na vida
palco da ação.”13 dos ouvintes.
A partir de meados dos anos 20, a concor-
Reportagens com a participação de vários rência com a imprensa já era bastante evi-
repórteres, falando de diferentes locais, tam- dente e a rivalidade começa a ficar cada vez
bém eram realizadas. O rádio e seu jorna- mais acentuada. Também os meios impres-
lismo faziam parte do cotidiano dos ouvintes sos percebem, logo, a potencialidade jorna-
na década de 30. lística do rádio e tratam de engendrar medi-
das procurando preservar para si o direito de
“Em 1938, a CBS norte-americana, em informar.
função da ‘Crise de Munique’, realizou Entre 1923 e 1940, o rádio, nos Esta-
o diálogo informativo com a participa- dos Unidos, defrontou-se com dois proble-
ção de correspondentes de cinco cidades: mas, resolvidos posteriormente a seu favor:
Londres, Viena, Berlim, Paris e Roma.”14 um, relacionado com a transmissão de músi-
cas (gravações versus apresentações ao vivo)
O radiojornalismo torna-se mais com-
e, outro, que nos interessa particularmente,
plexo e ganha maiores espaços. As trans-
com a possibilidade de emitir boletins notici-
missões passam a ter melhor qualidade so-
osos. A transmissão da invasão marciana de
nora aos avanços tecnológicos e à própria
1938 respeitou a marca deixada pelas duas
necessidade de informar a população que se
guerras do rádio no formato dos programas.
acostumara a receber as notícias em primeira
Com os avanços do rádio, os jornais im-
13
Díaz Mancisidor, Alberto. La empresa de radio pressos norte-americanos começaram a per-
en USA. Pamplona, Universidad de Navarra, 1984, p. der anunciantes, fato que se agravou com a
18. inclusão de noticiários na programação. As-
14
Ibid., p. 18. O autor refere-se à situação ge-
rada pelo Acordo de Munique, assinado pela Grã-
sim, no início dos anos 30, as agências de
Bretanha, França, Itália e Alemanha, pelo qual foi de- notícias (principalmente a Associated Press,
cidida a partilha da então Checoslováquia, em setem- a United Press e a Internacional News Ser-
bro de 1938 (portanto, pouco mais de um mês antes vice) deixaram de fornecer seus serviços às
da transmissão de A Guerra dos Mundos); em março, emissoras radiofônicas. Em sua maioria, as
a Alemanha já havia anexado a Áustria. A Segunda
Guerra Mundial era iminente e isso, seguramente, au- agências noticiosas eram controladas por ór-
mentou a eficácia da transmissão planejada por Orson gãos de imprensa e o rádio perdia uma fonte
Welles.
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O modelo parece ser tão promissor, moti- de improviso. Em qualquer dos casos, os
vando e cativando o ouvinte, que é utilizado fatos divulgados podem referir-se a even-
com muita freqüência pelos programas polí- tos inesperados ou já previstos, mas que de-
ticos que, sob o formato jornalístico, com re- vem ser transmitidos no momento de sua
pórteres, comentaristas e locutores (que po- ocorrência. A linguagem utilizada é de-
dem ser verdadeiros ou representados por terminativa, aproximando-se das manchetes.
atores), apresentam suas idéias e programas Se a transmissão da edição extraordinária é
partidários, ouvindo especialistas e trazendo muito longa, a linguagem tende a perder o
o palco da ação. caráter determinativo, assumindo o aspecto
de uma narração do que está acontecendo
no momento.22 Esses dois tipos de difu-
4 E atenção!!! Em edição
são da informação são mais utilizados por
extraordinária... emissoras que têm sua preocupação voltada
Quanto à forma de difusão das informações a para o jornalismo de natureza substantiva
invasão começa com o flash e termina como que envolve a transmissão direta do local
uma edição extraordinária, em que as men- do acontecimento. Nem sempre a transmis-
sagens são estruturadas rigorosamente em são, mesmo nesses casos, é direta, ao vivo;
função da oportunidade, conteúdo e tempo sendo emitida do estúdio, é adjetiva.23 No
empregado na emissão. Resumidamente, a caso, foram utilizadas tanto emissões de es-
categoria flash pressupõe um acontecimento túdio como ao vivo, diretamente do palco
importante que deve ser divulgado imedi- da ação, somando a credibilidade do locutor
atamente, em função de sua oportunidade com a dos repórteres/entrevistadores e espe-
mesmo que não se conheça todos os dados cialistas/autoridades, enriquecidos pelo som
do fato. A edição extraordinária também ambiente e a emocionalidade do testemunho
se refere a acontecimentos importantes, cuja ocular do fato.
divulgação é oportuna, interrompendo qual-
quer programa. Mas, nesse caso, a notícia já 5 A invasão marciana no espaço
é apresentada com pormenores, sendo mais
da imaginação
longa. De acordo com a importância do fato,
a emissora pode interromper toda a sua pro- O público sabia, nos Estados Unidos de
gramação e ficar informando sobre o aconte- 1938, que o rádio tem características muito
cimento enquanto houver novidades a apre- 22
Sobre as categorias de transmissões informativas
sentar. ver Ortriwano, Gisela Swetlana, A informação no rá-
Tanto o flash quanto a extraordinária po- dio, São Paulo, Summus, 1985, pp. 91-94.
23
dem ser emitidos do estúdio ou diretamente A respeito dos conceitos de jornalismo de natu-
do palco da ação, ou seja, o local do aconte- reza substantiva e adjetiva - ver Sampaio, Walter, Jor-
nalismo audiovisual, Petrópolis, Vozes, 1971, p. 72.
cimento que deu origem à notícia. O texto
O autor apresenta os conceitos para o jornalismo te-
pode ser previamente redigido ou emitido levisionado, mas eles podem facilmente adaptar-se ao
jornalismo radiofônico uma vez que envolvem a pre-
ridas automobilísticas e lutas de boxe, entre outros es-
sença - ou não - do palco da ação.
portes, há quase 70 anos...
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dade que se faz presente. O ouvinte visua- torno de um único receptor, permitindo que
liza o fato narrado através dos estímulos so- um aumentasse a angústia e a ansiedade do
noros que recebe, da entonação vocal, da to- outro, situação que colaborava na geração do
nalidade, do ritmo da mensagem. A imagi- pânico, reforçando a ação: os que não esta-
nação é despertada pela emocionalidade das vam ouvindo a transmissão iam sendo infor-
palavras e dos recursos de sonoplastia, per- mados pelos outros, provocando reação em
mitindo que o receptor dê asas às suas ex- cadeia.
pectativas individuais, à sua imaginação. A credibilidade foi reforçada pela recons-
A sensorialidade é uma característica que trução da ambientação sonora, pela recriação
pode trazer resultados benéficos para uma dos sons que a imaginação popular acredi-
série de tipos de programas (humor, drama- tava serem próprias de naves espaciais e de
tizações etc.). Mas na transmissão jornalís- ambientes externos e a credibilidade das vo-
tica é necessário vigiá-la: qualquer deslize zes dos personagens foi dada a partir de es-
pode levar a reações indesejáveis como pâ- tereótipos firmados na cultura americana da
nico, revolta etc. É conveniente conter a época.
imaginação do receptor limitando-a aos fa- O rádio existe em um espaço imaginário,
tos, elaborando a mensagem jornalística sob criando imagens mentais e estabelecendo o
seu aspecto mais racional, evitando a lingua- contato pelo diálogo mental. “Uma imagem
gem e a interpretação apelativas que levam, vale por mil palavras”. Para criar uma ima-
fatalmente, ao sensacionalismo. Se aliamos gem mental adequada ao jornalismo, vai ser
a esse quadro a sonoplastia adequada, recri- realmente necessário utilizar as mil palavras
ando o pano de fundo das transmissões jor- para que seja a imagem certa, aquela que
nalísticas, as imagens mentais serão criadas corresponda ao fato. Para Walter Sampaio,
e o diálogo mental estabelecido, ocorrendo a existe uma estrutura redacional que contém
comunicação. as informações e uma torrente verbal encar-
Cada vez mais, o rádio é visto como um regada de garantir que as informações che-
amigo, ou o substituto de um amigo au- guem ao ouvinte do modo mais correto pos-
sente. Por intermédio do diálogo mental, os sível.25
apresentadores, locutores, repórteres, canto- No que diz respeito a esse aspecto, pode-
res etc. tornam-se íntimos do ouvinte. É a mos fazer uma comparação com os concei-
característica do intimismo: o rádio fala com tos de território e mapa, emitidos por Haya-
muita gente ao mesmo tempo, como se fa- kawa. Território representa “o mundo de
lasse com cada um em particular. primeira mão”, os acontecimentos que es-
A recepção é hoje individualizada e o tão diretamente diante de nossos sentidos e,
walkman o receptor preferido. No entanto, mapa, os acontecimentos que recebemos ver-
a audiência coletiva não pode ser esquecida: balmente, “relatos” feitos por pessoas que
nos anos 30, o rádio ainda não tinha as carac- presenciaram o fato e que, muitas vezes, são
terísticas do intimismo e da recepção indivi- 25
Sampaio, Walter, op. cit. Os conceitos são apre-
dualizada, somente possíveis graças ao tran- sentados na comparação entre a linguagem radiofô-
sistor e à miniaturização. Era ouvido pelas nica e a televisionada.
famílias ou grupos de pessoas reunidos em
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12 Gisela Ortriwano
apenas “relatos de relatos de relatos, que afi- de século - ou até por isso, segundo alguns -,
nal vão ter aos relatos de primeira mão, fei- são comuns as ondas de fenômenos (hoje em
tos por pessoas que foram testemunhas ocu- dia, pela velocidade das informações, cada
lares do acontecimento”. Junto a esses “re- vez mais globalizadas) como o chupa-cabras,
latos”, recebemos também as “inferências” as loiras-vampiras, ou até a crença de que
feitas sobre os “relatos”, ou até “inferências seja possível que as pessoas, mesmo depois
feitas sobre outras inferências”, fazendo com de mortas, embarquem com suas bagagens
que o material original - o fato - muitas vezes materiais na cauda do cometa que as levará à
chegue deturpado - seja voluntariamente ou nave espacial e a outros mundos e vidas me-
não.26 lhores... com variantes, presença eterna entre
Outras peculiaridades do meio radiofônico os humanos na busca da terra sem males.
devem ser levadas em consideração. Algu- Welles aproveitou a atualidade e oportuni-
mas, decorrentes das próprias características dade do momento vivido nos EUA. A trans-
básicas, como, por exemplo, a capacidade de missão constituiu um alerta para o próprio
persuasão, de formação de opinião, de che- rádio. Ficou demonstrado que sua influên-
gar diretamente aos domicílios atingindo a cia era tão forte e determinante que pode-
todos que estejam sintonizados etc. ria causar reações imprevisíveis na audiên-
Mas nem sempre as características do rá- cia. As características do meio, aliadas a de-
dio são positivas quanto à comunicação pre- terminadas condições do momento histórico
tendida. Entre as ocorrências negativas, po- como, por exemplo, o anseio em sair total-
demos citar a ausência de percepção visual, mente da Grande Depressão, as tensões na
que pode levar à deturpação da imagem real, Europa deixando cada vez mais próxima a
o condicionamento da instantaneidade na de- possibilidade de um novo conflito mundial
codificação da mensagem, a possível fadiga, (situações que geravam insegurança), a cre-
a distração, eventual dependência (do meio, dibilidade no jornalismo e na ciência, a di-
do programa, do apresentador), a fugacidade vulgação de obras de ficção científica aven-
da mensagem etc. O rádio tem necessidade tando a hipótese de haver vida inteligente em
de referências anteriores para que as ima- outros planetas e possíveis viagens interpla-
gens mentais correspondam ao fato uma vez netárias etc., levaram a uma reação que fugiu
que não se pode criar imagens reais do que a qualquer previsão: estavam reunidos na-
é desconhecido. De narração em narração, quela radiofonização os ingredientes certos
ou como diz Hayakawa, de “relato em re- para provocar o pânico.
lato”, as imagens mentais vão sendo criadas Transmissão histórica, deixou como prin-
de acordo com as informações anteriores dis- cipais legados a certeza de que a reali-
poníveis por cada indivíduo e sua formação zação de estudos sistematizados sobre au-
cultural como um todo, com tendência maior diência/recepção eram fundamentais, assim
ou menor para a crendice, a credulidade ou a como comprovou, na prática, o poder do rá-
comprovação científica. Mesmo neste final dio na formação da opinião pública. Evi-
26
denciou, sobretudo, a necessidade de pesqui-
Hayakawa, S. I. A linguagem no pensamento e na
ação. 2a ed., São Paulo, Pioneira, 1972, pp. 21-23. sas aprofundadas sobre os mistérios do meio
radiofônico. Começando a estudar especi-
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ficamente o rádio, veio à tona a problemá- passava por período de penúria econômica
tica muito mais complexa das audiências e que levou a uma greve geral durante o mês
de suas possibilidades de manipulação. de maio do mesmo ano.27
A experiência permitiu que várias das ca- Entre os casos mais recentes, citamos o
racterísticas do rádio, da audiência e da es- que ocorreu na Rádio USP, de São Paulo.
trutura da mensagem radiofônica, pudessem Numa imitação e homenagem a Orson Wel-
ser analisadas e posteriormente utilizadas - les, o produtor independente Geraldo Anhaia
ou evitadas - conscientemente. Deixou pa- Mello, no terceiro programa Verdades e
tente, acima de tudo, a questão da responsa- Mentiras,28 transmitido pela Rádio USP/FM,
bilidade do comunicador com relação à men- das 20h00 às 21h00 do dia 04 de dezembro
sagem que emite e suas conseqüências, entre de 1985, noticia a mentira do deslizamento
elas, o sensacionalismo. de uma parte da Serra do Mar, na Cosipa,
em Cubatão, provocando vazamento de ga-
ses perigosos, advertindo ainda que todos de-
6 Noites virtuais: antes e
veriam fugir da região. “O fato só não causa
depois... BBC e rádio USP pânico devido à pequena audiência da emis-
Os resultados de A Guerra dos Mundos são sora.”29
mundialmente famosos e dividiram a estética “Não fiquem em suas casas, abandonem
radiofônica em antes e depois dessa trans- a cidade, fujam do gás venenoso, pe-
missão. Mas outras irradiações do tipo, me- guem carros, barcos, navios, o que pude-
nos abrangentes e espetaculares - ou me- rem”. Essa advertência foi feita à popula-
nos famosas por não terem conseguido reu- ção da Baixada Santista, “em voz grave,
nir tantos elementos desencadeadores da re- sobre os acordes angustiantes da música
ação dos ouvintes - , têm sido realizadas - ‘Mr. Gones’, do grupo americano ‘We-
ou tentadas -, em diversas ocasiões desde as ather Report’, após o mesmo locutor ter
primeiras experiências de transmissão radi- anunciado um desmoramento na serra do
ofônica. Mar. Ele informou que as instalações da
Um dos antecedentes conhecidos e con- Cosipa e os depósitos da Union Carbide,
sideráveis teve características semelhantes em Cubatão, haviam sido soterradas, an-
com a produção de Welles e ocorreu na Grã- teontem à noite.”30
Bretanha. Em 16 de janeiro de 1926, na 27
Citado por Bosetti, Oscar E., op. cit., p. 55.
BBC - British Broadcasting Corporation - 28
Verdades e Mentiras é o nome de um filme de
o sacerdote católico Ronald Knok descreveu Orson Welles, de 1973, que conta a história de um
a revolta de uma suposta multidão de de- falsificador de quadros que, usando a ambigüidade,
sempregados que, depois de atravessar a ci- discute os conceitos do que seja verdade e mentira.
29
dade de Londres, tomava de assalto o Parla- In: Cronologia das Artes em São Paulo: 1975-
1995. Comunicação de massa - rádio e televisão. Vol.
mento e executava um ministro do gabinete
5. São Paulo, Centro Cultural de São Paulo, Divisão
do governo. Esta narrativa de Knok, um co- de Pesquisas, Equipe Técnica de Pesquisa de Comu-
nhecido escritor de novelas policiais, provo- nicação de Massa, 1996, p. 90.
30
cou grande tumulto em uma comunidade que “Rádio USP pode sair do ar por causa da farsa
sobre Cubatão”. In: Folha da Tarde, 06.12.1985.
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As conseqüências não foram tão graves ou Mar, segundo os especialistas, está real-
marcantes como as de 1938 uma vez que as mente ameaçada de deslizamentos devido à
variáveis em jogo não tinham a mesma força poluição causada pelas indústrias petroquí-
de meio século atrás: a diversidade de fontes micas sediadas em Cubatão e pelos constan-
de informação é muito maior e a Rádio USP tes desmatamentos das encostas, fato que es-
tem pequena audiência e não atinge com fa- tava sendo bastante divulgado em 1985. Na
cilidade a Baixada Santista. região envolvida, a Vila Parisi, os problemas
de poluição eram muito graves, sendo inclu-
“A notícia, repetida com insistência ao sive conhecida como Vale da Morte. Além
longo de 22 minutos do programa, acres- disso, pouco tempo antes, havia ocorrido a
centava que os danos causados às instala- tragédia de Vila Socó, também na região,
ções industriais haviam provocado vaza- quando o vazamento de um gasoduto pro-
mento em depósitos de isocianato de me- vocou explosões seguidas por incêndios que
tila, um gás mortal, e aconselhava a po- destruíram todos os barracos da vila, dei-
pulação de Cubatão e da Baixada a aban- xando quase uma centena de mortos. Como
donar suas casas, para evitar a repetição pano de fundo, existia a própria instabilidade
das tragédias de Vila Socó e da cidade político-econômica do país que iniciava sua
de Bhopal, na Índia, em que milhares fase de transição democrática.
de pessoas morreram envenenadas pelo
gás.”31 “Na verdade, a tensão na cidade foi muito
grande. Por volta das oito e meia da noite
Existindo clima propício, o rádio do pâ- já havia pânico entre os órgãos ligados
nico tem terreno fértil para prosperar sob o à emergência e à defesa civil em Cuba-
formato jornalístico. A proliferação de bo- tão. Eram centenas de telefonemas de
atos continua a existir mesmo com muitas São Paulo, de Santos, de Cubatão.”32
fontes de informação à disposição. Houve
transtornos diversos, tanto para ouvintes A Rádio USP tem pequena audiência em
quanto para a direção da emissora. O des- Cubatão. Causou tumultos nos órgãos de de-
mentido só foi feito 30 minutos após inici- fesa e segurança que tiveram também dificul-
ada a transmissão. Inúmeras pessoas ligaram dade em checar a veracidade do fato e garan-
para a polícia, o Corpo de Bombeiros e a De- tir que ele não existiu. Houve autoridades
fesa Civil, os meios de comunicação se mo- que deram graças a Deus pelo fato de o pro-
bilizaram para checar a informação e a Rádio grama ter ido ao ar no horário da novela Ro-
USP foi ameaçada de ter seu funcionamento que Santeiro, da Rede Globo, que com seu
suspenso. ibope elevado evitou que o problema pudesse
Também neste caso, uma série de elemen- ter sido mais grave.
tos circunstanciais eram favoráveis. Para Em 1938 houve movimentos de censura
começar, era noite e chovia. A Serra do nos EUA contra o rádio após o episódio da
31 32
“Dentel pode punir rádio que deu notícia falsa “Dentel processa a rádio que disse que serra
de tragédia em S. Paulo”. In: Jornal do Brasil, caía”. In: O Globo, 06.12.1985.
06.12.1985.
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sica entre o emissor e o ouvinte seja muito do jornalismo, a interatividade solicitada pe-
grande: o amigo está lá, para muitos diálogos las emissoras é adjetiva.36 Via de regra, não
mentais, em seu papel de background, pano é permitida a participação de viva voz, no
de fundo de qualquer atividade que esteja que poderíamos chamar interatividade subs-
sendo desempenhada, sem requerer atenção tantiva. O uso do telefone, convencional ou
exclusiva. Mas o acesso às novas formas de celular, apesar de recurso importante para o
comunicação e a participação interativa exi- rádio, oferece pouco espaço para o ouvinte
gem competência tecnológica e poder aqui- uma vez que implica menor controle sobre
sitivo. o discurso, mesmo que problemas técnicos
Bertolt Brecht (1898-1956), poeta e dra- possam facilmente derrubar uma ligação te-
maturgo alemão, em textos escritos na vi- lefônica indesejada...
rada das décadas 20/30 denominados Teoria Talvez Orson Welles tenha intuído, duas
do Rádio,35 imagina-o com dupla mão-de- décadas antes, idéias desenvolvidas pelo ca-
direção, alertando que a interatividade é um nadense Marshall McLuhan (1912-1981),
anseio antigo do ouvinte. A questão é tra- teórico dos meios de comunicação de massa
tada muito mais sob a ótica da política, da e inventor da expressão aldeia global. Se-
organização democrática da sociedade e do gundo McLuhan, durante pouco tempo o rá-
relacionamento entre cidadãos, do que sobre dio foi um meio de entretenimento. Sua es-
a exclusividade de uma ou outra tecnologia sência, é a de meio informativo, revelada
de informação. Nesses textos, Brecht con- mais claramente após o surgimento da televi-
traria uma visão desenvolvimentista e lembra são. Notícias, hora certa, informações sobre
que o rádio, antes de ser um meio de massas o trânsito, sobre o tempo, enfatizam o poder
era um meio interativo de comunicação, que do rádio.
se viu limitado em sua capacidade bidirecio- Hoje, a informação jornalística no rádio
nal à medida em que se constituía o sistema ocupa espaços cada vez maiores e as emis-
econômico de sua exploração. E poderia ser soras all news e talk radio fazem parte do
um excelente meio de entretenimento, dando cotidiano. Pecam, contudo, por esquecer a
suporte a diferentes manifestações culturais. linguagem do rádio: além da informação, a
Com a informática, o rádio ganha novas correta ambientação sonora é fundamental.
perspectivas quanto ao seu potencial intera- Do ponto de vista da moderna tecnolo-
tivo. Hoje, já não são poucas as emissoras gia, em A Guerra dos Mundos “um mundo
que incentivam a participação do ouvinte por virtual foi descrito e apoiado por um meca-
e-mail, assim como por fax. O correio tra- nismo que, na experiência dos ouvintes, era
dicional perdeu seu lugar uma vez que não usado apenas para acontecimentos reais. A
acompanha a agilidade do rádio. Tomando 36
Vide nota 23. A noção de jornalismo de natu-
a liberdade de ampliar a conceituação apre- reza substantiva e/ou adjetiva foi aqui utilizada para a
sentada por Walter Sampaio para a natureza questão da interatividade, de acordo com o maior ou
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menor controle da participação física do receptor. No
Brecht, Bertolt. “Teoria do Rádio”. In: Bassets, caso, não estamos considerando a interatividade en-
Lluís (edit.). De las ondas rojas a las radios libres. volvida na criação do diálogo mental entre emissor e
Barcelona, Gustavo Gili, 1981, pp. 48-61. receptor.
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Ok marcianos! Vocês venceram! 17
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In: Jellinek, Dan, op. cit.
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