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BRASIL

o estado de uma nação


mercado de trabalho, emprego e informalidade
Governo Federal

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

Ministro – Paulo Bernardo Silva

Secretário-Executivo – João Bernardo de Azevedo Bringel

Fundação pública vinculada ao Ministério do Planejamento,


Orçamento e Gestão, o Ipea fornece suporte técnico e institucional
às ações governamentais, possibilitando a formulação de inúmeras
políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiro, e
disponibiliza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por
seus técnicos.

Presidente
Luiz Henrique Proença Soares

Diretor de Cooperação e Desenvolvimento


Alexandre de Ávila Gomide

Diretora de Estudos Sociais


Anna Maria T. Medeiros Peliano

Diretora de Administração e Finanças


Cinara Maria Fonseca de Lima

Diretor de Estudos Setoriais


João Alberto De Negri

Diretor de Estudos Regionais e Urbanos Brasil : o estado de uma nação – mercado de traba-
Marcelo Piancastelli de Siqueira
lho, emprego e informalidade, 2006/Paulo Tafner,
editor. – Rio de Janeiro : IPEA, 2006.
Diretor de Estudos Macroeconômicos 533 p. : il.
Paulo Mansur Levy

Chefe de Gabinete
1. Mercado de Trabalho 2. Políticas Públicas 3. Se-
Persio Marco Antonio Davison
tor Informal 4. Condições Econômicas 5. Condi-
Assessor-Chefe de Comunicação ções Sociais 6. Brasil I. Tafner, Paulo Sérgio Braga
Murilo Lôbo
II. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

URL: http:/www.ipea.gov.br
Ouvidoria: http:/www.ipea.gov.br/ouvidoria ISBN 85-86170-84-4 CDD 338.981
BRASIL
o estado de uma nação
mercado de trabalho, emprego e informalidade

Paulo Tafner
editor

2006
Sumário
Apresentação VII

Prefácio IX

Agradecimentos XIII

Introdução IXX

1. O Esforço Monetário e a Estabilidade 1

2. A Oferta de Força de Trabalho Brasileira: Tendências e Perspectivas 67

3. Educação no Brasil: Atrasos, Conquistas e Desafios 119

4. Instituições Trabalhistas e Desempenho do Mercado de Trabalho no Brasil 229

5. O Desempenho Recente do Mercado de Trabalho Brasileiro 305

6. Tecnologia, Exportações e Emprego 355

7. Políticas Públicas de Emprego, Trabalho e Renda no Brasil 395

8. O Período Pós-Laboral: Previdência e Assistência Social no Brasil 447


Apresentação
A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que, à exceção dos funcionários pú-
blicos estatutários, rege o mercado de trabalho no Brasil, foi promulgada por
Getúlio Vargas em 1º de maio de 1943. Representou uma grande conquista dos
trabalhadores àquele tempo, instituindo garantias importantíssimas. Nesses mais
de 63 anos, a lei sofreu mudanças, adequações e atualizações.
Paralelamente, o mercado de trabalho evoluiu de forma ainda mais rápida,
com alterações profundas em sua dinâmica e em suas relações. O advento da socie-
dade do conhecimento e da globalização econômica trouxe novas questões e novos
conflitos, que clamam por novas soluções e maior flexibilidade do sistema.
Diante dos muitos e renovados desafios que ora se colocam, torna-se evidente
que, mais do que oportuno, é imprescindível conhecer, discutir e redesenhar os
mais diversos aspectos das relações trabalhistas no país. Além disso, é preciso
deter-se cuidadosamente sobre a matéria para que seja possível identificar os fatores
institucionais e mercadológicos que apresentam riscos, mas também abrem opor-
tunidades para o desenvolvimento do país. O desemprego, a informalidade e a má
distribuição de renda são mazelas com que o Brasil tem de lidar de forma democrá-
tica e persistente. É preciso assegurar que o mercado de trabalho propicie ao nosso
setor produtivo competitividade, eficiência e agilidade compatíveis com maiores
expansões da economia e de sua inserção mundial. É necessário, igualmente, que o
mercado absorva parcelas crescentes da força de trabalho, fornecendo a todos os
participantes garantias compatíveis com nossa realidade econômica e nosso de-
senvolvimento social. São requisitos fundamentais à geração de mais riqueza e
maior eqüidade.
E é nesse contexto, caracterizado pela forte presença da tecnologia e da
globalização, afetando direta e invariavelmente o mundo do trabalho, que o Ins-
tituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), após o êxito em 2005 da primeira
edição da série Brasil: o estado de uma nação, dá continuidade em 2006 ao
debate sobre a realidade de múltiplos aspectos da vida brasileira. Desta vez, sob
o prisma do mercado de trabalho, tema central deste livro.
As análises aqui contidas focalizam, ao longo dos oito capítulos que compõem
esta edição, as conexões entre o mercado de trabalho e o ambiente
macroeconômico, a dinâmica demográfica, as políticas e práticas educacionais e
os avanços da tecnologia, assim como nossas relações com o resto do mundo, as
políticas públicas e as instituições do país – aí incluída a previdência social, que
aguarda os trabalhadores ao final de sua jornada. O volume ainda disponibiliza
ao leitor, como não poderia deixar de ser, uma minuciosa avaliação do desempenho
recente do mercado de trabalho brasileiro, que aborda, entre outros tópicos, o
emprego, a taxa de participação e uma de suas principais inquietações: a
informalidade. A interação entre esses capítulos faz da obra uma referência para
o conhecimento de um dos maiores desafios do país, que são as condições de
trabalho de sua gente.
Na expectativa de poder fomentar a troca de idéias e de iluminar a difícil arte
de decidir os rumos do país, espera-se que esta contribuição seja não apenas fide-
digna, mas também instigante e atraente para o leitor, cumprindo assim a missão
desta série de discutir o Brasil e apontar os caminhos para o seu progresso.
É com imensa satisfação que o Ipea entrega à sociedade o resultado dos
melhores esforços de seu corpo técnico e de uma equipe de valorosos colabora-
dores, a edição 2006 de Brasil: o estado de uma nação.

Paulo Bernardo Silva Luiz Henrique Proença Soares


Ministro de Estado do Planejamento, Presidente do Ipea
Orçamento e Gestão

VIII
Prefácio
Ao lançar em 2005 a primeira edição de Brasil: o estado de uma nação, o Ipea
inaugurava uma prática anual “de analisar e expor à população brasileira os
problemas que enfrentamos para que o potencial do país seja integralmente apro-
veitado, acompanhado de sugestões de mudanças que estimulem o debate sobre
o que é necessário fazer para que o futuro encontre uma nação economicamente
mais forte e menos desigual”.
Naquela oportunidade, sob o tema Desenvolvimento e inclusão social hoje e
no futuro, retratamos como a nação brasileira tem produzido e se desenvolvido
materialmente; como tem sido capaz de organizar suas instituições, empresas e
indivíduos para inovar e competir com o resto do mundo; como tem dividido
entre concidadãos o que é capaz de produzir; como seus membros se organizam
e participam da vida social e política; como os brasileiros ocupam seu território e
preservam os recursos naturais; como se reparte o poder e se administram
subespaços nacionais no país e, na projeção da perenidade, como afinal pensa-
mos o futuro, expresso na juventude de nossa gente.
Em continuidade àquela iniciativa, apresentamos ao público a segunda edição
da série Brasil: o estado de uma nação, que traz como tema central Os desafios do
mercado de trabalho brasileiro. Enquanto instância para onde converge toda uma
teia de condicionantes e determinantes econômicos, sociais e políticos, o mercado
de trabalho tem importância fundamental na conformação das condições presentes
e futuras do país, tendo em vista especialmente o célere ritmo de mudanças que
experimentamos.
De fato, vivemos tempos de profundas mudanças na forma de produzir e
competir, tanto doméstica quanto internacionalmente. São igualmente profundas
as mudanças no padrão de investimento e de incorporação tecnológica. Todas essas
transformações provocam sérios impactos na forma como se organiza o mercado de
trabalho, como se gera o emprego – e também o desemprego e a informalidade –,
como se alocam os recursos produtivos da sociedade e como se definem as remune-
rações. Mas o dinamismo das mudanças provoca outras reações: modifica-se o modo
como indivíduos e famílias se organizam, alteram-se as formas de engajamento de
crianças, jovens e até mesmo adultos na educação, muda a maneira como homens e
mulheres dividem e compartilham o mundo do trabalho, e mudam ainda os papéis
que tradicionalmente eram destinados aos idosos.
Essas mudanças, hoje evidentes, decorrem de um longo processo pelo qual
passou o mundo nas últimas três décadas. Desde o final dos anos 1970, o fluxo de
comércio evoluiu; o padrão de investimento se modificou e deslocou o papel
proeminente da geração de emprego da indústria para os setores de prestação de
serviços – sobretudo os mais dinâmicos e modernos; os requisitos exigidos da
mão-de-obra passaram a ser de maior qualidade; e novas e diferentes ocupações,
que há uma década sequer eram vislumbradas, surgiram. No Brasil, essa dinâmi-
ca de transformações chegou uma década mais tarde, com o esgotamento do
modelo de crescimento apoiado na intervenção do Estado e no fechamento da
economia, e com a explosão de demandas sociais por maior participação política
e melhor repartição dos frutos do desenvolvimento.
A abertura comercial estimulou os aumentos de produtividade e acelerou a
adoção de novas tecnologias, principalmente nas áreas de automação, comuni-
cação e processamento de dados. Mas não apenas nelas, pois houve disseminação
de avanços tecnológicos por praticamente toda a atividade econômica. Ao lado
das privatizações, a abertura e as inovações acarretaram profundo rearranjo setorial
e reestruturação empresarial, com impacto não desprezível no aumento da taxa
de desemprego e efeitos diferenciados sobre a renda e o emprego de trabalhadores
com diferentes características – notadamente, idade e grau de instrução.
Ao mesmo tempo, a drástica redução da inflação a partir de 1994 também
afetou a estrutura produtiva e de empregos. Como se sabe, a inflação elevada
compromete não apenas a distribuição de empregos entre setores e profissões, mas
também a estrutura de remuneração, podendo ainda, como no caso brasileiro,
mascarar resultados operacionais negativos de empresas, encobrindo ineficiên-
cias e gerando distorções. Uma vez controlado o processo inflacionário, o ajuste
da economia refletiu-se no mercado de trabalho, redundando em fechamento de
empresas e perdas de postos de trabalho.
Adicionalmente, a segunda metade da década passada foi ainda marcada
por diversas crises externas (México em 1995, Ásia em 1997, Rússia em 1998,
Argentina em 2002), com impactos contundentes na taxa de juros e oscilações
cambiais após 1999, constrangendo a atividade econômica, o nível de emprego,
e provocando redução do valor médio das remunerações. O longo processo de

X
ajuste começa a produzir frutos sob a forma de aumento do emprego e das remune-
rações, mas a dinâmica produtiva requer que se avance ainda mais no sentido de
ampliar o acesso ao trabalho e tornar mais flexíveis as relações trabalhistas para
fazer frente às condições de uma economia em constante processo de transformação.
Diante desse quadro econômico, no qual as transformações competem em
multiplicidade e complexidade, é imperioso que as instituições que regulam e
conformam o mercado de trabalho se aprimorem de modo a permitir que a relação
de trabalho se torne mais inclusiva e cooperativa, e menos conflituosa. A essas
instituições cabe implementar ajustes e instrumentos adequados de incentivo às
empresas para que direcionem seus investimentos também para recursos humanos,
na busca por mais eficiência e maior capacidade de competir, estimulando igual-
mente os indivíduos a se tornarem mais capazes e mais bem treinados.
O Brasil tem dado mostras de capacidade de superação. É preciso perseverar nas
reformas, tanto naquelas apontadas na edição de 2005 como nas aqui explicitadas,
que devem ser objeto de reflexão e debate por parte da sociedade, para tornar o
país mais apto a enfrentar um mundo mais globalizado e competitivo a cada dia.
Esta edição de Brasil: o estado de uma nação cumpre o compromisso firma-
do de anualmente entregar à sociedade uma publicação, fruto do esforço de de-
zenas de pesquisadores do Ipea e de outros centros de pesquisa, discutindo o
panorama atual do país em torno de temas que afetam diretamente a vida de
todos os brasileiros.

Luiz Henrique Proença Soares


Presidente do Ipea

Alexandre de Ávila Gomide


Diretor de Cooperação e Desenvolvimento

Anna Maria T. Medeiros Peliano


Diretora de Estudos Sociais

Cinara Maria Fonseca de Lima


Diretora de Administração e Finanças

João Alberto De Negri


Diretor de Estudos Setoriais

Marcelo Piancastelli de Siqueira


Diretor de Estudos Regionais e Urbanos

Paulo Mansur Levy


Diretor de Estudos Macroeconômicos

XI
Agradecimentos
Uma obra como Brasil: o estado de uma nação é resultado do esforço de muitos,
em tempos diferentes e de formas muito particulares. Agora em sua segunda
edição, a série preserva o ideal que a germinou: retratar e analisar o Brasil em
múltiplas dimensões, trazendo ao leitor uma reflexão crítica sobre nosso país,
nossa gente e nosso futuro. Para ser elaborada, conta com a participação a cada
ano mais intensa do valoroso corpo de técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea). Mas obra de tal magnitude não pode ser feita apenas com a
contribuição interna. Necessita da colaboração de muitos pesquisadores, dos mais
diversos centros. O produto final é uma reflexão ampla e plural sobre as vicissitudes
de nosso desenvolvimento, retratadas em oito capítulos que se alinhavam em
torno do tema do livro: mercado de trabalho, emprego e informalidade.
Uma vez concebida sua estrutura, coube a cada um dos coordenadores de
seus oito capítulos a composição de um texto-base a partir de documentos técnicos
de apoio, produzidos por pesquisadores do Ipea e de outras instituições de pesquisa.
Esses textos foram apresentados e debatidos em seminários internos e posterior-
mente revistos e aprimorados a partir das críticas e sugestões ali colhidas. Novas
versões foram apresentadas e novamente submetidas ao escrutínio técnico, dessa
vez não apenas com a participação de pesquisadores do Ipea, mas também de
debatedores externos.
A partir dessas segundas versões e das críticas e sugestões do segundo semi-
nário, os coordenadores elaboraram ainda uma terceira versão, que passou por
ajustes de redação e revisão completa de estilo a cargo do editor, de modo a
compor uma versão mais compacta e integrada da obra, para direcioná-la a um
público não-especializado. Trata-se, portanto, do resultado do esforço de dezenas
de pesquisadores do Ipea e de outros centros de pesquisa, além da valiosa colabo-
ração de profissionais da área editorial. Por essas características, é uma obra de
autoria institucional. Uma obra que é parte de uma série anual de investigação e
análise da realidade brasileira, com a proposição de caminhos e alternativas para
o desenvolvimento do país e a superação das limitações existentes.
O texto-base do capítulo O esforço monetário e a estabilidade foi elaborado
por Roberto Iglesias em estreita colaboração com Paulo Mansur Levy, com con-
tribuições e a partir de trabalhos de diversos pesquisadores do Ipea, além da
participação direta de Elcyon Cayado Rocha Lima, Andréa Parente, Fabio
Giambiagi, José Ronaldo de Castro Souza Junior, Roberto Pires Messemberg e
Aléxis Maka. Contribuíram ainda para enriquecer e aprimorar a versão final,
como debatedores externos, Regis Bonelli e Antonio Licha.
O capítulo A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas
teve seu texto-base preparado por Ana Amélia Camarano e contou com a parti-
cipação de Solange Kanso, Juliana Leitão e Mello e Maria Tereza Pasinato. Simone
Wajnman e Dália Romero da Conceição tiveram papel de destaque como
debatedoras externas, sendo decisivas para o engrandecimento do capítulo.
Pela coordenação do capítulo Educação no Brasil: atrasos, conquistas e de-
safios respondeu Cláudio de Moura Castro, tendo tido a contribuição direta de
Maria Helena de Magalhães Castro, Elenice Monteiro Leite. Serviu-se também
dos comentários e sugestões de Ricardo Paes de Barros, Mirela Carvalho, Samuel
Franco, João Pedro Azevedo e Jorge Abrahão de Castro, além das recomendações
e sugestões de Hamilton Tolosa e Fernando Veloso, ambos debatedores externos
e críticos minuciosos que favoreceram enormemente a montagem da versão final
do capítulo.
A responsabilidade pelo texto-base do capítulo Instituições trabalhistas e
desempenho do mercado de trabalho no Brasil esteve a cargo de Edward Amadeo,
com o concurso e a partir de textos de autoria de Juliano Assunção, Sergio Firpo,
Gustavo Gonzaga, Maurício Cortez Reis, Gabriel Ulyssea e Samuel Pessoa.
O texto-base do capítulo O desempenho recente do mercado de trabalho
brasileiro foi preparado por Lauro Ramos, com apoio técnico de Marcelo Brito e
Rafael Francisco do Nascimento Soares, a partir de trabalhos de sua própria autoria,
de Regis Bonelli e Renato Fonseca e de José Marcio Camargo.
O capítulo Tecnologia, exportações e emprego foi coordenado por Fernanda
De Negri, a quem coube a redação do texto-base, a partir de artigos técnicos de

XIV
autoria de João Alberto De Negri, Fernanda De Negri, Danilo Coelho, Lenita
Turchi, Bruno César Pino Oliveira de Araújo, Fernando Freitas, Luiz Dias Bahia,
Eduardo G. Noronha, Karen Artur, Rangel Galinari, Mauro Borges Lemos, Pedro
Amaral, Rogério Dias de Araújo, Marco Aurélio Alves de Mendonça, Célio Hiratuka,
Paulo Sérgio Fracalanza, Bruno Cara Giovannetti, Naércio Aquino Menezes-Filho,
Pedro S. Martins, Luiz Alberto Esteves, Martim Vicente Gottschalk, Patrick Franco
Alves, Divonzir Arthur Gusso, Guilherme Vampré Homsy, Marcelo Araújo Costa,
Adriano Ricardo Baessa, Otávio V. Balsadi, Rogério E. Freitas, Alexandre N. de
Almeida e Brancolina Ferreira.
O capítulo Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil esteve
sob a coordenação de José Celso Cardoso Júnior, que contou com a participação
direta de Roberto Gonzalez, Brunu Amorim, Matheus Stivali e Fábio Vaz para a
elaboração de seu texto-base.
Todos os quatro capítulos anteriores que abordaram diretamente as múltiplas
questões do mercado de trabalho contaram com a colaboração inestimável de
Renato Baumnan, José Paulo Chahad, Ricardo Bielschowsky, Carlos Mussi, Lais
Abramo, Samuel Pessoa, Francisco Gaetani e Álvaro Comin como debatedores
externos. Fernando Rezende, além de debatedor, foi leitor crítico de diversas
etapas do trabalho. As críticas, comentários e sugestões de todos foram de valia
inestimável para as respectivas versões finais.
Por fim, o texto-base do capítulo O período pós-laboral: previdência e assis-
tência social no Brasil, que esteve sob a coordenação e redação de Milko Matjascic,
foi elaborado com as contribuições de José Olavo Leite Ribeiro, Sulamis Dain,
Maurício Chalfin Coutinho, Fabio Giambiagi, Paulo Tafner e João Oliveira
Mendonça. Contou ainda com as preciosas e generosas contribuições, sugestões
e críticas de Wilnês Henrique e José Cechin, ambos debatedores externos.
Para a realização desta edição, diversos pesquisadores do Ipea – Marcelo
Pessoa, Mônica Mora, Marcelo Lara Resende, Elcyon Cayado Rocha Lima, Divonzir
Arthur Gusso, Maurício Cortez Reis, Gabriel Ulyssea, Marco Antonio Holanda
Cavalcanti, João de Oliveira Mendonça, Solange Kanso, Juliana Leitão e Mello,
Maria Tereza Pasinato, Octávio Tourinho, Alexandre Marinho, Geraldo Vieira,
Rogério Boueri, Brunu Amorim, Renato Vilella, Sergei Soares, Aléxis Maka, Luis
Fernando de Lara Resende, Herton Ellery Araújo, Helder Rogério Sant’ana Ferreira,
Roberto Henrique Gonzales, Jorge Abrahão de Castro, Luciana Mendes Santos
Servo, Maurício Mota Saboya Pinheiro, Danilo Coelho, Lenita Turchi, Luís Cláudio
Kubota – ofereceram críticas e sugestões nas sessões dos seminários realizados
durante a fase de elaboração das versões preliminares dos capítulos.

XV
Registrem-se ainda o apoio e as contribuições de Persio Antonio Davison,
Murilo Lôbo, Ronald Menezes, Marina Nery, Lídia Pereira e Alice Pessoa de Abreu.
As referências bibliográficas dispostas ao final deste volume foram trabalhadas,
sob a coordenação e com o concurso de Maria Emília Barbosa da Veiga (equipe
de Brasília), Ângela Liberato de Matos Carvalho, Ana Paula Fernandes Abreu,
Elizabeth Ferreira da Silva e Margarida Maria Pacheco de Araújo, a quem coube
também o registro da obra.
No apoio operacional, o livro contou com a colaboração de Andréa Freitas
Silva, Antonio Semeraro Rito Cardoso, Eliana Azevedo Penna, Isabel Virginia de
Alencar Pires, Luiz Fontoura de Oliveira Reis, Maria Fernanda Mesquita Pessoa,
Maria Hosana Carneiro da Cunha, Vera Lucia Sabóia e Yolanda Pereira de Andrade.
Renato Loes foi fundamental para garantir a agilidade operacional que este pro-
jeto exige.
Cooperaram direta e indiretamente com esta edição diversas instituições,
como o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), o Instituto de
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC), o Ministério da Previdência
e Assistência Social (MPAS), o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Secretaria
de Comércio Exterior (Secex/MDIC), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (Capes), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq/MCT), o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi),
a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), o Centro Inter-
nacional de Pobreza (CIP) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvi-
mento (Pnud) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), além da agência
do Pnud no Brasil, por meio da generosa participação e suporte. A execução
desta empreitada também se beneficiou da experiência de Miguel Gutiérrez Saxe
e sua equipe, que realizam projeto semelhante na Costa Rica.
As fotos utilizadas nesta edição foram graciosamente cedidas pela Petrobras
e pela Revista Desafios do Desenvolvimento – editada pelo Ipea/Pnud – e fazem
parte dos respectivos acervos de imagens.
Marcos Hecksher coordenou o trabalho da equipe do editorial, ajustando as
múltiplas demandas ao prazo exíguo. Lucia Duarte Moreira, Alejandro Sainz de
Vicuña, Eliezer Moreira, Elisabete de Carvalho Soares, Marcio Alves de
Albuquerque, Míriam Nunes da Fonseca e Roberta da Costa de Sousa fizeram
excelente trabalho de revisão. Roberto das Chagas Campos, Bruna Werneck, Carlos
Henrique Santos Vianna e Emilia Teles da Silva foram fundamentais no trabalho
de diagramação e editoração. Joanna Silvestre Friques de Sousa, além de trabalhar

XVI
na editoração e diagramação do livro, foi responsável pela concepção do projeto
gráfico-visual e pela criação da capa.
Devo mencionar ainda que os trabalhos de síntese e edição final dos capítulos
e de montagem de uma versão mais corrente e menos técnica foram muito faci-
litados devido às preciosas colaborações de Christian Vonbun, que leu e comentou
atentamente todos os capítulos, e de Marco Aurélio Dias Pires, que, além de
cuidar da acurada revisão de cada parte, fez incontáveis sugestões que só fizeram
aprimorar o texto. Roberto Astorino fez cuidadoso e irrepreensível trabalho de
preparação dos originais para a área editorial e de secretaria gráfica. Ao editor
coube apenas a atribuição de coordenar os trabalhos, interferir de forma pontual
ao longo do processo e traçar o desenho final da obra.
A elaboração deste livro foi acompanhada e incentivada pelo presidente do
Ipea, Luiz Henrique Proença Soares, e pela Diretoria Colegiada do Instituto, composta
por Anna Maria Medeiros Peliano, Cinara Maria Fonseca de Lima, Alexandre de
Ávila Gomide, João Alberto De Negri, Marcelo Piancastelli de Siqueira e Paulo
Mansur Levy, que não apenas emprestaram seu conhecimento com leituras atentas,
sugestões e críticas que aprimoraram sua versão final, como asseguraram de
forma decisiva as condições para que o projeto fosse viabilizado. Glauco Arbix,
ex-presidente do Ipea, Celso Fonseca e Mario Salerno, ambos ex-diretores do
Ipea, estiveram desde o início desta jornada incentivando e apoiando a realização
do projeto.
A todos, sinceros agradecimentos.

Paulo Tafner
Editor

XVII
Introdução
Este segundo livro da série anual Brasil: o estado de uma nação aborda os múl-
tiplos aspectos de um dos mais relevantes e idiossincráticos mercados das econo-
mias modernas: o de trabalho. O tema afeta direta e indiretamente quase toda a
população, sendo em parte tanto a raiz quanto a solução para muitos problemas
que afligem a vida cotidiana do país. A distribuição de renda, a oferta de oportu-
nidades, o desemprego, o desalento, a inclusão e a mobilidade sociais e a geração
de riquezas estão todos relacionados em maior ou menor grau com a dinâmica e
com as instituições do mercado de trabalho. Essa relação entre funcionamento do
mercado de trabalho e desempenho econômico e social, freqüentemente biunívoca,
é tão relevante que o torna o mais importante mercado de uma economia. Afinal,
de que adiantam os ganhos com o crescimento econômico se não trouxerem
efeitos positivos sobre o mercado de trabalho, aumentando o emprego e elevan-
do os rendimentos de seus participantes?
Por todas essas razões é quase irresistível a tentação do Estado de disciplinar
e regular esse mercado, procurando corrigir seus defeitos e ampliar suas virtudes.
Ocorre, no entanto, que muitas vezes a tentativa de aperfeiçoar o que, em
última análise, seria a materialização da livre disposição de contratar e de ser
contratado, pode ocasionar entraves ou incentivos espúrios, acabando por acar-
retar malefícios e ineficiências maiores do que as que se procurava corrigir.
Não obstante, é necessário reconhecer que o trabalho não pode ser encarado
como uma mercadoria semelhante às demais, pois as relações de trabalho são por
natureza mais duradouras, envolvem elevada assimetria de informações entre
firmas e trabalhadores e são, portanto, mais assemelhadas aos investimentos.
Dada a importância e a visibilidade desse mercado, já que praticamente toda a
população jovem e adulta tem algum tipo de vínculo com ele, não é de estranhar
que seja justamente um dos mercados mais regulamentados e mais sujeitos a
intervenções do Estado.
Se é certo que o sistema capitalista insiste em produzir excluídos, normalmen-
te por intermédio do próprio mercado de trabalho, também é certo que interferên-
cias governamentais mal engendradas podem vir a gerar mais exclusão, pior
distribuição do produto social e, em alguns casos, até mesmo inibição ao cresci-
mento desse mesmo produto. Nesse sentido, a edição 2006 de Brasil: o estado de
uma nação procura desvendar os mistérios do mercado de trabalho no país, dis-
cutindo de forma franca e simples diversos aspectos que têm limitado o seu desem-
penho e apontando caminhos no sentido de aprimoramentos institucionais que
elevem sua eficácia operacional, de modo a ampliar a participação dos indivíduos,
a garantir proteção social e a oferecer melhor ambiência empresarial para que
nossas firmas possam se desenvolver e competir neste mundo globalizado.
O debate sobre as vicissitudes relacionadas ao tema não pode prescindir de
uma análise mais profunda das principais condicionantes e determinantes tanto
da oferta quanto da demanda por mão-de-obra, passando pelos mecanismos
institucionais e legais que influem nessas interações, até as políticas que procuram
deliberadamente acentuar os aspectos e resultados positivos do funcionamento
desse mercado, bem como atenuar ou remediar os resultados considerados
insatisfatórios.
O livro tem início com uma discussão acerca do desempenho da economia
brasileira, em particular sob o prisma da gestão mais recente da política
macroeconômica. A macroeconomia tem laços inextricáveis com o mercado de
trabalho, e entre eles estão os níveis de emprego e de rendimentos. Todavia,
embora a capacidade dos governos para influenciar o crescimento econômico
em médio e longo prazos seja discutível, é inegável que o nível de atividade
exerce impacto importante e decisivo sobre o mercado de trabalho, o que torna
necessária a investigação dos efeitos das políticas macroeconômicas de curto
prazo e do constante esforço requerido para a manutenção da estabilidade.
Assim, em continuidade à análise da edição anterior desta série, na qual foram
exaustivamente discutidos a questão fiscal e os impasses provocados por seus
regime e estrutura atuais, volta-se agora no primeiro capítulo à evolução da
economia no período recente e, indo mais além, à avaliação do arcabouço e do
desempenho da política monetária e também à garantia da estabilidade econô-
mica. Isso é feito não apenas porque o tema tem dominado o debate econô-

XX
mico, mas também e sobretudo porque essas são precondições fundamentais
para o desenvolvimento.
O segundo capítulo aborda uma das principais condicionantes da oferta de
trabalho: a dinâmica demográfica. O tamanho e a composição da população em
idade e condições de trabalhar são, evidentemente, o componente mais impor-
tante da oferta desse fator de produção. A quantidade de habitantes aptos a
trabalhar e a consumir gera ao mesmo tempo o principal insumo ao sistema
produtivo e a fonte de demanda pelos bens e serviços dele resultantes. Aspectos
como o envelhecimento de nossa população e suas conseqüências sobre o merca-
do de trabalho, sobre o sistema de saúde e, especialmente, sobre a previdência
são temas que permeiam esta edição, mas que são introduzidos e discutidos mais
especificamente nesse segundo capítulo.
A outra grande condicionante da oferta da mão-de-obra diz mais respeito à
sua qualidade do que à sua quantidade: a educação. Ainda não há consenso se a
educação é uma determinante do desenvolvimento ou se a necessidade de
aprimorá-la e universalizá-la é uma conseqüência da modernização e do cresci-
mento das economias, mas é certo que ela está fortemente associada ao dinamis-
mo e ao sucesso no processo de geração e distribuição de riquezas. E educação
está ligada também a produtividade e competitividade, distribuição de renda,
flexibilidade do mercado de trabalho e capacidade de inovar. É fator essencial
para a cidadania, o convívio social, para o acesso à cultura e sua replicação. Em
outras palavras, seus efeitos criam os pilares para o desempenho econômico e
para a forma da distribuição dos frutos do progresso, ao mesmo tempo em que
atua como catalisador da consciência humana e da civilidade. O terceiro capítu-
lo, portanto, trata da educação no Brasil e suas condicionantes, assim como dos
muitos desafios que se tem de enfrentar para que o sistema educacional atinja
seus objetivos de elevar a qualificação da mão-de-obra e o nível de vida da
população, abrindo portas para uma melhor distribuição de renda e a inclusão de
jovens que têm na educação a única esperança de escapar da pobreza.
Além da oferta e da demanda de trabalho, esse mercado é influenciado pelas
instituições, leis e regulamentações que o conformam. Talvez o aspecto que mais
possa interferir, no longo prazo, nos resultados apropriados pelos participantes
do mercado de trabalho – e também determinar os excluídos – seja justamente o
institucional. As instituições atuam de maneira decisiva, não apenas garantindo
os contratos e minimizando os riscos intrínsecos à relação de trabalho, mas tam-
bém provendo seguridade e proteção aos elos mais fracos da cadeia produtiva,
seja para o bem ou para o mal. Como poderá ser visto no Capítulo 4, inúmeras
distorções advêm das intervenções sobre o mercado de trabalho, bastando para

XXI
isso observar, por exemplo, o mercado de trabalho agrícola. Fica patente a ne-
cessidade de reformas institucionais urgentes que permitam ao mercado de tra-
balho admitir na velocidade necessária o contingente de pessoas que nele
ingressam, dotadas da qualidade e na quantidade discutidas nos dois capítulos
anteriores (demografia e educação). Isso se deve ao fato de as instituições per-
mitirem aos agentes diretamente envolvidos (empregados e empregadores) maior
ou menor confiança e estabilidade, elementos necessários ao investimento; este,
sim, em última análise, o maior responsável pelo desenvolvimento econômico
e social. A principal lição que se pode tirar daí é que as instituições do mercado
de trabalho no Brasil são inadequadas para fomentar o aumento dos investi-
mentos e da competitividade das empresas, a geração de empregos em ritmo
compatível com o ingresso de novos participantes, a flexibilidade necessária
para enfrentar os choques que atingem a economia e a redução do grau de
informalidade existente. Afora os entraves burocráticos e a fiscalização insufi-
ciente, essa informalidade decorre também, em boa parte, da excessiva carga
tributária que incide sobre o faturamento das empresas e, em especial, sobre a
folha de pagamentos. O capítulo conclui pela necessidade de reformas do ar-
ranjo institucional em vigor, mostrando como ele hoje se contrapõe às mudan-
ças ocorridas na economia em geral e no próprio mercado de trabalho, as quais
passaram a exigir mais agilidade e flexibilidade, ambas pouco contempladas
pela atual legislação.
O quinto capítulo fornece uma radiografia do funcionamento e da evolu-
ção recente do mercado de trabalho, de seus reflexos sobre o nível de empre-
go e sobre a desigualdade social. São também exploradas as particularidades
desse mercado ao se estabelecer a relação entre o desemprego e a taxa de
participação, relação bem mais poderosa para explicar a real situação do mer-
cado do que a simples tomada isolada desses dois indicadores. Dessa forma,
apresenta-se ali uma análise da evolução recente do mercado, vislumbrando-
se tanto a oferta quanto a demanda por trabalho, o que traz um panorama
mais fidedigno de sua dinâmica. Destaca-se ainda a ocupação na indústria,
por gênero e por níveis de escolaridade, sem esquecer as disparidades regio-
nais. Outra característica discutida, avaliada e aprofundada, também estreita-
mente ligada ao capítulo anterior, é a evolução do grau de informalidade, que
impacta não apenas o nível de proteção dos empregos, mas também a capaci-
dade tributária do Estado, com vistas a custear políticas públicas – inclusive
as sociais.
O capítulo seguinte examina e discute as influências do comércio exterior,
do comportamento das firmas e do progresso técnico sobre o mercado de tra-

XXII
balho, bem como as exigências que esse conjunto de fatores acaba por determi-
nar sobre a qualidade da mão-de-obra disponível. A discussão central procura
avaliar o impacto da abertura da economia e das novas tecnologias sobre o em-
prego, sua qualidade, sua remuneração e sobre a competitividade. Não obstante,
cabe ressaltar o papel da educação nesse processo, como condição necessária não
apenas à absorção, como igualmente à geração de inovações que garantam capa-
cidade de exportação, de ampliação da participação nos fluxos de comércio, e de
crescimento. Outro eixo focal procura reconhecer que tipos de firmas ou arranjos
produtivos são os mais eficientes para obter ganhos de emprego e renda no Brasil.
Nesse sentido são analisadas desde a capacidade de inovação das empresas até a
origem de seu capital, com vistas a determinar as maiores oportunidades de ob-
tenção de benefícios aos trabalhadores.
O penúltimo capítulo procura fazer um apanhado das políticas públicas que
buscam minimizar as distorções e imperfeições do mercado de trabalho, mos-
trando também seus desafios e suas falhas. Em complemento à análise anterior
do Capítulo 4, revela potenciais áreas de ação para a medição de resultados
dessas políticas e os possíveis rumos para o seu aperfeiçoamento. Boa parte dos
mecanismos analisados de promoção do emprego está ligada ao Fundo de Ampa-
ro ao Trabalhador (FAT), motivo pelo qual o capítulo se detém, paralelamente à
avaliação do desempenho das políticas financiadas por esse fundo, na investiga-
ção da estrutura, evolução e viabilidade do FAT.
Finalmente, o Capítulo 8 fecha o volume mostrando o que espera a força de
trabalho ao fim de sua jornada: a aposentadoria e o sistema de seguridade social.
Nesse capítulo são apontadas as características do sistema de seguridade no Brasil,
bem como as perspectivas de sua sustentabilidade e replicabilidade no futuro.
São apontadas as diretrizes traçadas na Constituição de 1988, e são ainda levan-
tados e discutidos os aspectos e efeitos das reformas recentes, tais quais os pro-
blemas de solvência que o sistema guarda. Com efeito, inúmeros são os desafios
a serem enfrentados pela previdência e pela assistência social no país, visto que
produzem uma estrutura de incentivos insatisfatória, além de muitas vezes injus-
ta. Todavia, o crescente déficit previdenciário consiste em uma das maiores amea-
ças tanto às garantias de futuro dos trabalhadores como ao equilíbrio fiscal de
longo prazo e, em decorrência, à estabilidade macroeconômica. Assim, faz-se
mister uma profunda reforma do sistema previdenciário, procurando coibir privi-
légios injustificáveis e ajustar a estrutura de benefícios a parâmetros mais factíveis
e sustentáveis do ponto de vista atuarial, assegurando, assim, sua viabilidade no
longo prazo.

XXIII
Esta edição busca, enfim, fazer um estudo compreensivo, embora não exaus-
tivo, sobre o mercado de trabalho brasileiro, capaz de iluminar e incentivar o
debate sobre os diversos aspectos relacionados ao desenvolvimento do país, pas-
sando pelas características e pelos desafios que permeiam o mercado que mais
afeta nossas vidas e as instituições que o cercam. Sempre com vistas ao bem-
estar da nação, são apontados caminhos para a geração de condições que permi-
tam levar a todos os brasileiros os benefícios do progresso.
Paulo Tafner
Editor

XXIV
1 O Esforço Monetário e a Estabilidade
1 O Esforço Monetário e a Estabilidade

1. INTRODUÇÃO

Há consenso de que os obstáculos ao crescimento mais acelerado da nossa eco-


nomia estão associados à capacidade de expansão da oferta. As reformas e apri-
moramentos institucionais da última década resultaram em maior integração
internacional, estabilidade macroeconômica e adoção de regras de mercado para
a alocação de recursos, mas ainda assim o Brasil tem encontrado dificuldades
sistemáticas de crescimento sustentado mais vigoroso do produto e do emprego.
Todas as vezes em que o crescimento é acelerado, sinais de esgotamento de oferta
se manifestam, tornando necessárias medidas de contenção da demanda agregada.
Esse foi o caso do crescimento observado a partir da primeira metade de
2003. Naquela oportunidade, a economia brasileira ingressou num ciclo de ex-
pansão que durou oito trimestres consecutivos, antes de se observar, no terceiro
trimestre de 2005, a primeira taxa negativa na comparação contra o trimestre
imediatamente anterior. A queda do Produto Interno Bruto (PIB) refletiu os efeitos
defasados da mudança da política monetária ocorrida no último trimestre de
2004 em resposta às pressões de inflação que começavam a se fazer sentir naquele
momento.
A edição de 2005 desta série já debateu como taxas modestas de poupança,
como as brasileiras, impedem que as taxas anuais de crescimento superem a
faixa de 3,5% a 4,0% no médio prazo, mantido constante o grau de utilização de
capacidade na economia. Naquele mesmo volume discutiram-se também os ele-
mentos estruturais que condicionam o crescimento de longo prazo. Entre eles, o
chamado nó fiscal, caracterizado fundamentalmente pela absorção de poupança
privada pelo setor público para financiar déficits ainda vultosos, o que tem exigido
juros básicos elevados e resultado em baixos níveis de investimento produtivo
como proporção do PIB, da ordem de 20% nos últimos dois anos.
Dessa maneira, a absorção de poupança privada nos anos recentes tem ser-
vido fundamentalmente para financiar gastos correntes do setor público. A ex-
pansão acelerada desses gastos, assim como sua rigidez, não permitiu aumentar o
investimento público, reforçando os problemas de crescimento da economia.
Devido ao desequilíbrio fiscal, a economia brasileira se encontra em uma trajetória
de crescimento inferior ao seu potencial, combinando elevada pressão tributária,
altos juros reais e baixo investimento público e privado.
Na referida edição de 2005 desta série, analisou-se ainda o comportamento da
economia brasileira até meados de 2004, sem que tivesse sido possível à época
avaliar em toda a sua extensão o ciclo de crescimento que então se desenrolava. Na
retrospectiva a seguir observa-se a evolução da economia no biênio 2004/2005, com
destaque para o ciclo monetário que caracterizou o período. Enfatizam-se a forte
elevação do investimento em 2004 – a qual ainda assim não impediu níveis recordes
de utilização da capacidade industrial instalada no final do ano –, a melhora expres-
siva do mercado de trabalho e a contribuição positiva das exportações líquidas
para o crescimento e para o maior avanço dos indicadores de solvência externa.
A dinâmica da inflação e a política monetária implementada para reverter
sua aceleração a partir do último trimestre de 2004 são analisadas em mais detalhes
nas seções finais do capítulo. O período pode ser caracterizado como o primeiro
ciclo exclusivamente monetário da fase pós-estabilização, na medida em que sua
dinâmica refletiu principalmente fatores internos, e não os choques externos que
marcaram os ciclos curtos de expansão e retração observados até então.
A reação da política monetária foi intensamente debatida em 2005 por re-
duzir o ciclo de crescimento sem a certeza da adequação do controle da demanda
para enfrentar as pressões inflacionárias existentes na economia. O debate voltou
a colocar em questão o papel da política monetária e do regime de metas de
inflação. Sob a ótica do desempenho do mercado de trabalho, a consolidação de
uma trajetória declinante para a inflação tem se revelado fundamental para ga-
rantir que os ganhos reais de salários associados à expansão recente do emprego
sejam sustentados, conforme será discutido no Capítulo 5 deste livro. Daí a im-
portância que se dá à análise do regime de metas de inflação e suas implicações
para o desempenho da economia e para a construção de um arcabouço institucional
estável para a política econômica.

2. RETROSPECTIVA 2004-2005

Nesta seção, busca-se fazer uma retrospectiva analítica do período por meio dos
principais agregados macroeconômicos. Em que pesem as oscilações de produto,

4 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


houve avanços inegáveis no que se refere à expansão do emprego — também
comentados mais detalhadamente no Capítulo 5 desta publicação —, ao controle
da inflação e à consolidação do regime de metas. São igualmente inegáveis os
avanços para o setor externo, via ampliação das exportações, diversificação de
mercados e produtos, e a redução do grau de endividamento em termos absolutos
e como proporção das exportações.

2.1 Atividade

O crescimento do PIB brasileiro em 2004 foi de 4,9%, o que foi uma taxa elevada
quando comparada ao desempenho recente. Nos cinco anos anteriores, por exemplo,
o crescimento médio da economia havia sido de 1,8%. Apesar do salto de cresci-
mento daquele ano, em 2005 a taxa de crescimento do PIB voltou a diminuir,
registrando 2,3%. O forte crescimento de 2004 foi de fato possibilitado pela baixa
ocupação da capacidade instalada na indústria.
Com efeito, entre 1995 e 2000, o nível médio de utilização da capacidade na
indústria de transformação foi de 82,3% (ver FGV).1 Essa mesma medida foi de
79,9% entre julho de 2001 e julho de 2003, sendo que o menor valor (79%)
ocorreu em julho de 2002. Isso significa que, de meados de 2003 até o início de
2004, a indústria pôde aumentar sua produção por intermédio da utilização da
capacidade ociosa. O fôlego foi curto, pois já em fins de 2004 o nível de ocupação
da capacidade alcançou 86,1%, patamar historicamente muito elevado.
A existência de capacidade ociosa permite o crescimento acelerado, mas
não o causa; não é uma relação de causa e efeito. E o que seria, então, a causa do
crescimento verificado entre o final de 2003 e o final de 2004? É possível identi-
ficar pelos menos quatro fatores importantes:
z dissipação das incertezas quanto à postura do governo nas políticas fiscal
e monetária;
z redução dos juros básicos da economia de junho de 2003 a abril de 2004;
z forte desvalorização cambial ocorrida de meados de 2002 ao início de
2003; e
z contexto internacional favorável, caracterizado por ampla liquidez e forte
crescimento da economia mundial, com efeitos positivos sobre o comércio e os
preços dos principais produtos de exportação do Brasil.
Apesar do forte crescimento do período, alavancado pelo desempenho do
setor industrial, não se logrou o mesmo ritmo por mais tempo, e sua redução já se

O esforço monetário e a estabilidade z 5


fez sentir a partir do quarto trimestre de 2004, sinalizando o que viria a acontecer
em 2005 (Gráficos 1 e 2).2
De fato, o movimento do PIB é determinado pelo desempenho industrial. Entre
o terceiro trimestre de 2003 e o mesmo período de 2004, a produção industrial
cresceu cerca de 11%, e as vendas do setor, em torno de 19%. A partir daí, as
vendas estabilizaram-se até o final de 2005, quando apresentaram ligeira queda e
a produção passou a ter crescimento bem mais modesto, como mostra o Gráfico 3.
A diferença de comportamento entre as vendas e a produção industriais
remete a uma característica importante desse período: a trajetória dos estoques.
O Gráfico 4 apresenta dois indicadores diferentes de estoques na indústria que
mostram aproximadamente o mesmo comportamento:3 acúmulo no primeiro

GRÁFICO 1
PIB Trimestral, Série com Ajuste Sazonal

[PIB (1990=100)]
150
148
146
144
142
140
138
136
134
132
130
I 2003 II III IV I 2004 II III IV I 2005 II III IV

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

GRÁFICO 2
PIB Trimestral, Variação Percentual sobre Mesmo Trimestre do Ano Anterior

[variação percentual]
7
6 5,9
5,1
5 4,7
4,0 4,0
4
3 2,8

2 1,5 1,4
1 0,9 1,0
0,0
0
-0,2
-1
I II III IV I II III IV I II III IV
2003 2004 2005

Fonte: IBGE.

6 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 3
Indústria: Produção e Vendas

[média móvel de 3 meses das séries com ajuste para sazonalidade (dezembro de 2002 = 100)]
120

115

110

105

100

95

90
I II III IV I II III IV I II III IV
2003 2004 2005

Fontes: IBGE e Confederação Nacional da Indústria (CNI). Produção Vendas

GRÁFICO 4
Indicadores de Estoques na Indústria

20 5
18 4
16 3
14 2
1
12
0
10
-1
8
-2
6 -3
4 -4
2 -5
0 -5
-6
3 3 03 03 4 4 04 04 5 5 05 05 6
00 00 20 20 00 00 20 20 00 00 20 20 00
./2 ./2 ./ ./ ./2 ./2 ./ ./ ./2 ./2 ./ ./ ./2
Jan Abr Jul ut Jan Abr Jul ut Jan Abr Jul ut Jan
O O O
Fontes: IBGE, FGV e CNI. FGV/Sondagem Conjuntural da Indústria Variação na produção - IBGE menos variação nas vendas - CNI

semestre de 2003, redução no segundo semestre de 2003 e primeiro de 2004,


novo acúmulo no segundo semestre de 2004 e primeiro de 2005 e, finalmente,
nova redução no final de 2005. A observação do que se passou com os estoques
ajuda a explicar o comportamento da produção industrial e do PIB: a acumulação
de estoques ocorrida de meados de 2004 a meados de 2005 seria parte da expli-
cação da pior performance da economia em 2005, ao lado da elevação da taxa de
juros básica a partir de setembro de 2004 e do esgotamento da folga na capacidade
de produção.
Enquanto as vendas da indústria praticamente se estabilizaram entre 2004 e
2005, as do comércio varejista mantiveram tendência de crescimento durante os
mesmos anos (Gráfico 5). A continuidade do crescimento do setor em 2005 parece

O esforço monetário e a estabilidade z 7


GRÁFICO 5
Volume de Vendas no Comércio Varejista

[volume de vendas - série com ajuste para a sazonalidade (2003 = 100)]


120

115

110

105

100

95

n- 5

o- 05

t 05

05
z- 04

v 5

r 05
n- 4

o- 04

t 04
t 03

z- 03

v 4

r 04
v 3

r 03

n- 3

o- 03

ar 05

ai- 05

l 5

t 5

v- 05
n- 4
ai- 04

l 4

t 4

v 04
v 03

ar 04
n- 3
ar 03

ai- 03

l 3

t 3

Fe 200

Ju 200
Fe 200

Ju 200
Fe 200

Ju 200

Ju 200

Se 200
Ja 200
Ju 200

Se 200
Ja 200
Ju 200

Se 200

Ag -20

Ou -20

20
De -20

Ab -20
Ag -20

Ou -20
De -20

Ab -20
Ab -20

Ag -20

Ou -20

No -20
No -20

M -20

M -20
M -20
No -20

M -20
M -20

M -20
n-
Ja

Fonte: IBGE.

ter sido possível pelo aumento do crédito e pelo crescimento das importações.
Comparando-se o último trimestre do ano com o último do ano anterior, verifica-se
que as operações de crédito com recursos livres, contabilizadas pelo Banco Central
(Bacen), cresceram, deflacionadas pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA), 17% em 2004 e 18% em 2005. Já as importações medidas em quantidade
de bens de consumo duráveis (quantum) cresceram 42% em 2004 e 54% em
2005. O quantum de importações de bens de consumo não-duráveis, embora com
taxas menores, também apresentou aumento significativo nos dois anos, na mesma
comparação: 7% em 2004 e 9% em 2005.
Finalmente, sobre o nível de atividade, merece destaque a recuperação da
taxa de investimento em 2004 e 2005, quando ela atingiu, respectivamente, 19,6%
e 19,9% do PIB, a preços correntes,4 depois do nível especialmente baixo de
17,8% em 2003.

2.2 Emprego

Os anos de 2004 e 2005 apresentaram queda na taxa de desemprego, conforme


será apresentado no Capítulo 5, que trata do desempenho recente do mercado de
trabalho brasileiro. Segundo dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do
IBGE, a taxa média anual de desemprego caiu de 12,3% em 2003 para 9,8% em
2005, enquanto a população ocupada cresceu 3,2% em 2004 e 3,0% em 2005. O
crescimento da população ocupada com carteira de trabalho assinada foi inferior
à média em 2004, quando cresceu 1,9%, e bem superior a ela em 2005, quando
aumentou 5,9% (Gráfico 6).

8 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 6
Variação da População Ocupada

[mês x mesmo mês do ano anterior (%)]


7,5

5,0

2,5

-2,5
3 3 3 3 3 4 4 4 4 4 4 5 5 5 5 5 5 6
00 00 00 00 00 00 00 00 00 00 00 00 00 00 00 00 00 00
r-2 n-2 o-2 t-2 z-2 v-2 r-2 n-2 o-2 t-2 z-2 v-2 r-2 n-2 o-2 t-2 z-2 v -2
Ab Ju Ag Ou De Fe Ab Ju Ag Ou De Fe Ab Ju Ag Ou De Fe
Fonte: IBGE. Total Com carteira

2.3 Balança Comercial

Os últimos anos têm se caracterizado por forte crescimento do saldo da balança


comercial. Desde 2002, o saldo cresceu cerca de US$ 10 bilhões por ano e atingiu
US$ 44,8 bilhões em 2005, ante US$ 24,8 bilhões em 2003 (ver Bacen). O Gráfico 7
ilustra que esse crescimento se deu com o aumento simultâneo das exportações e,
em menor grau, das importações, de modo que a corrente de comércio (soma das
exportações e importações) alcançou, em 2005, a cifra de US$ 192 bilhões, depois
de ter flutuado em torno de US$ 100 bilhões entre 1995 e 2002. A Tabela 1
mostra que o crescimento das exportações e das importações se deu por efeito do
aumento dos preços e das quantidades, com predomínio das quantidades em 2004
e dos preços em 2005. É importante notar que as importações teriam crescido

GRÁFICO 7
Exportações, Importações e Saldo: Séries Dessazonalizadas

[em US$ milhões]


11.500
10.500 5.000

9.500 4.000
8.500
3.000
7.500
6.500 2.000
5.500
1.000
4.500
3.500 0
03 03 03 03 03 03 03 03 03 03 03 03 04 04 04 04 04 04 04 04 04 04 04 04 05 05 05 05 05 05 05 05 05 05 05 05
20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20
n- v- r- r- i- n- l- o- t- t- v- z- n- v- r- r- i- n- l- o- t- t- v- z- n- v- r- r- i- n- l- o- t- t- v- z-
Ja Fe Ma Ab Ma Ju Ju Ag Se Ou No De Ja Fe Ma Ab Ma Ju Ju Ag Se Ou No De Ja Fe Ma Ab Ma Ju Ju Ag Se Ou No De
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Saldo Exportações Importações

O esforço monetário e a estabilidade z 9


TABELA 1
Preço e Quantum das Exportações e Importações

Variação (%)

Ano Importações Exportações

Preços Quantum Preços Quantum

2002 -3,3 -12,2 -4,5 8,6

2003 6,1 -3,7 4,6 15,7

2004 10,1 18,1 10,8 19,2

2005 11,2 5,4 12,2 9,3


Fonte: Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).

mais, não fosse a imposição do Programa de Integração Social (PIS)/Contribuição


para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre os importados desde o
início de 2004, o que acabou atuando como aumento de proteção tarifária e
servindo para reforçar o superávit comercial.

2.4 Evolução Fiscal

Nos anos de 2004 e 2005, a principal variável-alvo fiscal continuou a ser a dívida
líquida total do setor público, e a principal variável de controle, o superávit
primário. Este seguiu trajetória ascendente, chegando a 4,8% do PIB em 2005. A
relação dívida/PIB transitou do patamar de 57% no segundo semestre de 2003,
para 51,5%, patamar em que se manteve ao longo de 2005 (Gráfico 8). Apesar do
crescimento do superávit primário e da queda na relação dívida/PIB, houve forte
expansão das despesas do governo. O gasto primário real do Governo Central

GRÁFICO 8
Dívida Líquida do Setor Público Consolidado: Total

[dívida (% do PIB)]
58
57
56
55
54
53
52
51
50
49
48
03 03 03 03 03 03 03 03 03 03 03 03 04 04 04 04 04 04 04 04 04 04 04 04 05 05 05 05 05 05 05 05 05 05 05 05
20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20
a n- ev- ar- br- ai- un- Jul- go- et- ut- ov- ez- an- ev- ar- br- ai- un- Jul- go- et- ut- ov- ez- an- ev- ar- br- ai- un- Jul- go- et- ut- ov- ez-
J F M A M J A S O N D J F M A M J A S O N D J F M A M J A S O N D
Fonte: Bacen/Departamento Econômico (Depec).

10 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


cresceu 7,1% em 2004 e 10,2% em 2005,5 financiado pelo aumento da carga
tributária, que passou de 23,8% para 25,3% do PIB no mesmo período.

3. A NECESSIDADE DE PRESERVAR A ESTABILIDADE

A combinação de alta inflação com baixo crescimento do PIB per capita, que
vigorou no país entre o final da década de 1970 e meados da década de 1990,
gerou a convicção de que a inflação é um processo extremamente nocivo para o
funcionamento da economia. O baixo crescimento desses anos não foi ocasionado
exclusivamente pela aceleração da inflação, mas, sem dúvida, também pela in-
certeza sobre a estrutura futura de preços relativos que a alta inflação provoca,
afetando negativamente as decisões de investimento e, por conseqüência, a ex-
pansão da produção.
Após a substancial redução da inflação a partir do segundo semestre de
1994, esperava-se que a economia conseguisse retomar uma trajetória de cresci-
mento acelerado com inflação controlada. Mas isso não ocorreu, embora o de-
sempenho econômico tenha sido superior ao do período de alta inflação. O fato é
que a limitada expansão do produto gerou insatisfação, provocando um debate
sobre os determinantes do crescimento.
Na edição anterior desta série, discutiram-se tanto os condicionantes do cresci-
mento sustentado quanto as explicações para o desempenho aquém do esperado no
período recente. Apresentaram-se ali algumas das reformas necessárias para permitir
que a economia brasileira retome a trajetória de crescimento sustentado. A baixa
inflação foi colocada como uma condição necessária para a criação de um ambiente
macroeconômico adequado ao crescimento, mas deixou-se claro que essa não é uma
condição suficiente para acelerar a taxa de crescimento de longo prazo da economia.
Como resultado da insatisfação com o crescimento do período recente, sur-
giram outros argumentos para explicar o desempenho do PIB brasileiro. Um deles
é que a busca de taxas de inflação muito baixas afetou negativamente a dinâmica
do crescimento da economia brasileira. Mais precisamente, defende-se que o ciclo de
aperto monetário iniciado em setembro de 2004, ao buscar atingir taxas de inflação
muito baixas tanto em termos internacionais como em relação a características
da economia brasileira, teria comprometido o desempenho econômico. A per-
gunta fundamental para verificar esse argumento é: as taxas de inflação no Brasil
têm sido mesmo muito baixas quando comparadas a outras economias?
A comparação com os dados internacionais mostra que a inflação brasileira não
é baixa, particularmente nesta década. Pelo contrário, ela poderia ser considerada

O esforço monetário e a estabilidade z 11


alta quando comparada com a média mundial, e até com as médias de grupos de
países em desenvolvimento, como as taxas de inflação observadas na América
Latina, por exemplo.
A Tabela 2 apresenta as médias de inflação para qüinqüênios dos últimos 25
anos. A queda da inflação anual no mundo tem sido generalizada, inclusive nos
países industrializados, mas também, e principalmente, nos países em desenvol-
vimento, cujas economias podem ser mais apropriadamente comparadas com a
brasileira. Esse desempenho foi motivado, especialmente, pela estabilização das
economias latino-americanas no período.
Comparar a inflação brasileira com as das economias latino-americanas é
pertinente, não apenas porque compartilham graus de desenvolvimento seme-
lhantes, como também porque estão sujeitas aos mesmos choques externos de
preços de commodities e de fluxos de capitais que afetam o comportamento da
inflação via taxa de câmbio e mudanças na demanda doméstica. A Tabela 3
mostra o comportamento da inflação em 17 países latino-americanos, inclusive o
Brasil, em anos selecionados dos últimos 25 anos. Os países foram agrupados por
faixas de acordo com as taxas anuais de inflação: taxas menores do que 3%;
entre 3% e 5%; entre 5% e 10%; entre 10% e 20%; e mais de 20%.
Os dados revelam que houve redução sistemática e generalizada da inflação
na região. Entre 1980 e 1995, verifica-se que em média 14,5 países do total de 17
apresentavam taxas de inflação superiores a 10% ao ano (a.a.). Entre 2000 e

TABELA 2
Evolução das Taxas Anuais de Inflação

Grupos de países da economia mundial – médias em períodos selecionados


a
1980-1984 1985-1989 1990-1994 1995-1999 2000-2004 2005 2006

Mundo 14,1 15,5 30,4 8,4 3,8 3,8 3,8

Países desenvolvidos 8,7 3,9 3,8 2,0 1,9 2,3 2,3

Países em desenvolvimento 31,4 48,0 53,2 13,1 6,3 5,4 5,4

África 16,8 17,9 39,8 20,6 10,6 8,5 9,1

Ásia 9,0 11,5 10,5 7,3 2,7 3,6 3,9

Países da Europa Central e do Leste 20,8 31,6 84,5 36,5 14,4 4,8 4,1

Comunidade de Estados
Independentes (CIS) e Mongólia 2,8 1,4 383,9 66,8 16,1 12,3 10,4

América Latina 82,4 185,9 232,6 17,2 7,7 6,6 5,8


Fonte: Base de dados do World Economic Outlook do FMI.
a
Projeção.

12 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 3
Número de Países por Faixa de Inflação

17 países latino-americanos – anos selecionados 1980-2005

1980 1985 1990 1995 2000 2004 2005

Inflação ≤ 3 0 1 1 2 2 4 2

3 < Inflação ≤ 5 0 1 0 0 4 2 7

5 < Inflação ≤ 10 2 1 0 2 7 9 3

10 < Inflação ≤ 20 6 1 2 6 3 2 5

Inflação > 20 9 13 14 7 1 0 0
Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
Obs.: Os países considerados são: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras,
México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.

2004, apenas 3,5 tiveram faixa no mesmo patamar, sendo que em 2004 e 2005
nenhum deles experimentou inflação superior a 20%. Em 2005, 9 dos 17 paises
apresentaram taxa de inflação inferior a 5%, mas também houve, como resultado
do choque de preços internacionais, um crescimento do número de países com
inflação entre 10% e 20%.
Apesar de terem em comum a alta inflação, os países latino-americanos
apresentam comportamento muito heterogêneo. Por isso, pode ser importante
observar diferentes grupos de países latino-americanos, destacando-se algumas
características que os aproximam do Brasil. A Tabela 4 apresenta o comporta-
mento da inflação e do crescimento nos últimos dez anos para o conjunto de
países latino-americanos analisados, para aqueles países com renda per capita
semelhante à do Brasil e para o grupo de países que implementaram o sistema de
metas de inflação no período recente.
Os países da América Latina, à exceção de Venezuela, Argentina e Brasil,
conseguiram reduzir a inflação de um patamar próximo a 20% a.a., em 1996,
para taxas médias inferiores a 5% nos últimos quatro anos.
Os países de renda per capita semelhante à do Brasil apresentaram inflação
superior à brasileira entre 1996 e 2000, mas, no período posterior, reduziram sua
inflação para um patamar médio inferior a 5% a.a. e inferior à brasileira. A
desaceleração norte-americana afetou seu crescimento em 2001 e 2002, mas nos
últimos anos eles conseguiram associar inflação sob controle com recuperação
do crescimento econômico.6 Os países que adotaram o sistema de metas de inflação
em anos recentes tiveram performance melhor tanto em termos de inflação quanto
de crescimento nos últimos cinco anos.
A conclusão a que se chega dessa comparação é que a inflação brasileira foi
relativamente baixa no final dos anos 1990 e começo da década atual, mas que,

O esforço monetário e a estabilidade z 13


TABELA 4
América Latina: Inflação e Crescimento

Grupos de países da região sem o Brasil comparados ao Brasil

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
a
Países da América Latina sem Venezuela e Argentina

Inflação 20,3 13,5 11,9 11,1 15,8 5,5 3,7 4,6 5,2 4,3

Crescimento 4,6 6,1 4,0 2,1 5,2 0,6 1,2 2,3 4,6 3,7
b
Países com renda per capita semelhante ao Brasil

Inflação 24,0 13,9 16,2 10,7 8,2 4,3 5,4 3,7 5,0 3,4

Crescimento 5,3 6,7 4,9 3,4 6,2 0,4 1,0 1,9 4,5 3,4
c
Países com sistema de metas de inflação em 2005

Inflação 25,7 16,2 17,6 11,0 9,0 5,1 6,0 4,7 5,5 3,7

Crescimento 4,8 6,4 3,9 2,3 5,8 0,5 1,3 2,1 4,4 3,7

Brasil

Inflação 9,6 5,2 1,7 8,9 6,0 7,7 12,5 9,3 7,6 5,6

Crescimento 2,7 3,3 0,1 0,8 4,4 1,3 1,9 0,5 4,9 2,5
Fonte: Cepal.
Notas: Médias ponderadas de taxas de inflação e crescimento por grupos de países. Seguindo o critério da Cepal, as taxas de inflação
são ponderadas pela população e as taxas de crescimento, pela participação do PIB de cada país (em dólares constantes) no total do
grupo, de acordo com as cifras calculadas pela própria Cepal.
a
Os países são: Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá,
Paraguai, Peru e Uruguai. Não foram consideradas nem a Argentina nem a Venezuela por terem sofrido nos últimos anos fortes
processos de instabilidade econômica e política.
b
Os países com renda per capita semelhante à do Brasil – entre US$ 3,000 e US$ 5,500 a.a. na média do período 1996-2004 – são:
Chile, Costa Rica, México e Panamá.
c
Os países com sistemas de metas em 2005 são: Chile, Colômbia, México e Peru.

a partir de 2001-2002, sofreu aceleração, sendo hoje relativamente alta vis-à-vis


os países da América Latina com renda semelhante e aqueles que implementaram
o sistema de metas de inflação. Em suma, a evidência empírica indica que o
Brasil teve, no período 2001-2004, inflação relativamente alta em termos inter-
nacionais, mesmo se comparada à média do período 1996-2000. Isso revela que
os últimos anos não pareciam ser o momento adequado para que a política eco-
nômica descuidasse do controle da inflação.
Além disso, a estabilidade monetária é importante para o crescimento eco-
nômico e para a melhora dos rendimentos reais da população. Países com
desequilíbrios macroeconômicos que resultam em alta inflação por períodos pro-
longados terminam crescendo menos e, o que é pior, deteriorando o poder de
compra dos salários.
No Gráfico 9 pode ser observada a relação inversa entre inflação e rendi-
mentos reais na economia brasileira entre 2003 e 2005. A aceleração da inflação

14 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 9
Rendimentos Reais e Inflação: Variações em 12 Meses

[rendimento real] [inflação]


18,0

2,00 16,0

14,0
-3,00 12,0
Rendimentos reais

-8,00 10,0

8,0
Inflação
-13,00
6,0

-18,00 4,0
03

03

03

03

03

03

04

05
04

04

04

04
04

05

05

05

05
05
20

20

20

20

20

20

20

20
20

20

20

20
20

20

20

20

20
20
v-

r-

n-

o-

t-

z-

n-

n-
r-

o-

t-

z-
v-

v-

o-

t-

z-
r-
Ab

Ou

Ab

Ou
De

Ou
Ab
De
Fe

Fe

De
Ag
Ju

Ju

Fe
Ag

Ju

Ag
Fonte: IBGE. Var. do rend. real Inflação (IPCA-12)

no final de 2002 deprimiu a atividade econômica e deteriorou os rendimentos


reais da população brasileira. Em 2003 foram verificadas quedas significativas
do rendimento real das pessoas ocupadas. Somente a redução das taxas anuais de
inflação, no início de 2004, permitiu a diminuição da deterioração do poder de
compra dos rendimentos. No final de 2004, a aceleração da variação anual dos
preços voltou a corroer os rendimentos reais da população, que só se recuperaram
após o controle da inflação na segunda metade de 2005.
A sociedade brasileira quer maior crescimento, mas não a perda do controle Demanda agregada é a
da inflação. Para lograr esse controle, a política monetária é o principal instru- procura total por todos os
mento. Seu papel não é acelerar o crescimento permitindo uma inflação maior, bens e serviços, e tem seu
comportamento
mas cuidar da estabilidade de preços minimizando as flutuações do nível de influenciado também por
produto. Para isso, a política monetária deve manter a demanda agregada em variáveis agregadas – ou
gerais – da economia,
torno da oferta ou produto potencial da economia, evitando pressões inflacionárias como nível geral de
ou excessiva desocupação. preços, taxa de juros e
taxa de câmbio. Assim, a
microeconomia estuda o
comportamento do
4. O PAPEL DA POLÍTICA MONETÁRIA EM PERSPECTIVA consumidor, das empresas
e dos mercados,
preocupando-se com a
Na discussão sobre a política monetária e seu papel no crescimento da economia demanda (ou procura) por
brasileira, faz-se necessário considerar três conjuntos de questões. Em primeiro um produto, a partir de
variáveis como renda e
lugar, quais seriam as conseqüências para a economia brasileira de uma eventual preço. Seu análogo na
troca de maior crescimento por menor rigidez da política monetária no combate macroeconomia – em que
se estudam as variáveis
à inflação. Em segundo, dado que qualquer economia precisa de uma política econômicas relativas a
monetária que cuide da estabilidade, é pertinente debater se o sistema de metas um país, como inflação,
PIB e balanço de
de inflação é um sistema adequado ou não para o Brasil e se seria possível iden- pagamentos – é a
tificar alternativas para a condução da política monetária. Por fim, é preciso demanda agregada.

O esforço monetário e a estabilidade z 15


identificar quais são os problemas da implementação do sistema de metas no
Brasil e que dilemas deveriam ser enfrentados para melhorar a combinação de
políticas macroeconômicas no país.
As conseqüências de curto e médio prazo de relaxar a política monetária
raramente são explicitadas com clareza. No curto prazo, é provável que a economia
experimente maior crescimento, mas logo acompanhado de maiores taxas de
inflação. É legítimo pensar que maior crescimento é capaz de compensar perdas de
renda real dos trabalhadores e de bem-estar da população resultantes da maior infla-
ção. Mas se isso pode ser legítimo para o curto prazo, não o é para o longo prazo.
A teoria macroeconômica moderna dá evidências de que não há possibilidades
de se lograr em caráter permanente aumentos da taxa de crescimento da economia
como contrapartida de uma postura mais flexível em relação à inflação. Não há
uma relação de longo prazo, positiva e estável, entre crescimento e inflação.
Portanto, trocar no curto prazo maior crescimento por maior inflação não implica
que essa relação se mantenha no longo prazo. E o mais grave: os custos para se
retornar ao mesmo patamar inflacionário podem ser tão elevados a ponto de
comprometer os ganhos obtidos no curto prazo.
Dada a impossibilidade de se realizar de forma perene um intercâmbio entre
inflação e crescimento, a moderna política monetária tem se centrado em cuidar
da estabilidade de preços. E isso conduz ao segundo ponto: há possibilidades de
arranjos monetários alternativos ao atual sistema de metas de inflação vigente
no país? Há alternativas melhores para se alcançar a estabilidade de preços no
Brasil? Se há, elas são adequadas às instituições e peculiaridades do país?
O balanço da experiência da implementação de metas no Brasil não parece
ser negativo do ponto de vista do controle inflacionário. O sistema conseguiu
controlar a inflação após a desvalorização de 1999, levando-a a 6% a.a. em
dezembro de 2000. Depois disso, o Brasil enfrentou dois anos consecutivos de
desvalorizações e forte volatilidade cambial que terminaram por reacelerar a in-
flação. Ainda assim, o sistema de metas conseguiu reduzir a taxa de inflação de
17% a.a., em abril de 2003, para uma taxa de 5,6% nos 12 meses que terminaram
em dezembro de 2005. De fato, isso afetou o ritmo de crescimento de curto prazo
da economia brasileira, mas qualquer política monetária teria produzido efeito
semelhante na tentativa de controlar a inflação. Vale notar também que foi o
sucesso inicial do combate à inflação no primeiro semestre de 2003 que abriu
caminho para o forte crescimento de 2004 – o mais elevado em dez anos.
O terceiro conjunto de questões refere-se aos problemas da implementação
do sistema de metas no Brasil, e a como melhorar a combinação macroeconômica

16 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


atual de maneira a manter uma inflação baixa e permitir maior taxa de investi-
mento na economia. Aqui parece central a promoção de um ajuste fiscal que
permita a redução da carga tributária, a redução dos gastos correntes e o aumento
do investimento público em infra-estrutura e na ampliação da capacidade produ-
tiva do país.
Com o objetivo de refletir sobre esses pontos, são discutidos nas próximas
subseções os efeitos da política monetária no longo prazo, as relações entre in-
flação e crescimento e as dificuldades que as inflações moderadas impõem à
administração macroeconômica. Na seção subseqüente, apresentam-se algumas ca-
racterísticas da moderna política monetária, em particular a idéia de que ela deve
se apoiar em mecanismos que limitem as possibilidades e os incentivos dos bancos
centrais para aumentar o produto no curto prazo à custa de maior inflação. Ali se
discutirão também as vantagens e desvantagens de outras âncoras nominais para
estabilizar os preços e evitar uma excessiva volatilidade do produto. A sexta seção
se ocupa de mostrar o desempenho e alguns dos dilemas do sistema de metas de
inflação no Brasil. Como conclusão e em retomada à discussão realizada na edição
de 2005 desta série, enfatiza-se a necessidade de promoção do ajuste fiscal de
longo prazo para que seja afastado o risco inflacionário implícito na atual situação
fiscal.

4.1 Os Efeitos de Longo Prazo da Política Monetária

Acreditava-se, nos anos 1950 e 1960, que a política monetária podia manter o
produto e o emprego próximos do seus níveis de plena utilização. Entendia-se
que existia uma relação de longo prazo negativa entre inflação e desemprego,
conhecida como curva de Phillips, que permitia obter maior nível de atividade
(ou menor nível de desemprego) ao custo de um aumento da inflação. Achava-se
assim que, por meio da política monetária, era possível escolher uma combinação
entre inflação e emprego de modo a estabilizar a economia nessa posição de
forma permanente.
Naquela mesma época, nos países da América Latina, o pensamento estrutu-
ralista ou desenvolvimentista aceitava a idéia de que havia uma relação positiva
entre crescimento econômico e inflação. Mas não apenas isso: julgava-se que a
inflação podia ser benéfica para o crescimento, porque reduzia o consumo, e com
isso, podia aumentar a taxa de poupança na economia.7
A partir de meados da década de 1970, as políticas monetárias ativas dos
anos 1950 e 1960 começaram a mostrar dificuldade crescente em conciliar cresci-
mento com controle da inflação. O baixo crescimento e a inflação moderada nos

O esforço monetário e a estabilidade z 17


países desenvolvidos de um lado e, de outro, o baixo crescimento e a alta inflação
nos países em desenvolvimento mudaram o pensamento dos formuladores da
política monetária sobre a relação entre inflação e crescimento.
Inicialmente continuou sendo admitido ser possível estimular a economia e
o emprego, mas exclusivamente no curto prazo. Uma expansão não esperada da
política monetária podia aumentar alguns preços e margens de lucros, especial-
mente pelo fato de os salários e os preços fixados por contratos não se ajustarem
automaticamente. Esse aumento das margens de lucros de algumas empresas na
economia permitiria estimular o emprego e a produção. Mas, posteriormente, o
aumento da inflação provocaria uma revisão dos salários e dos preços de bens e
serviços pautados por contratos, com ajustes espaçados, porém regulares. À me-
dida que salários e preços-chave, como os dos insumos básicos, fossem sendo
ajustados à nova realidade da inflação, as margens de lucro das empresas voltariam
à normalidade e os estímulos para maiores volumes de emprego e de produção
tenderiam a desaparecer. O drama é que nesse processo, contudo, se consolidaria
na economia uma taxa de inflação mais elevada.
No longo prazo, a expansão monetária afetaria somente a inflação, deixando
a taxa de crescimento do produto em níveis semelhantes aos existentes antes do
relaxamento da política monetária. Nessa visão, não há possibilidade de uma
relação positiva entre política monetária e crescimento econômico no longo prazo.8
Assim, uma política monetária ativa provocaria maior inflação sem produzir
ganhos de longo prazo nem para maior crescimento, nem para menor desemprego.
Foi justamente essa percepção dos resultados de longo prazo que acarretou o
gradual abandono das políticas monetárias ativas entre as autoridades monetárias.
Mais recentemente, tem havido questionamentos sobre a potência da política
monetária em expandir o produto também no curto prazo. O argumento é que
tentativas sistemáticas de expansão do produto via aumento da inflação levariam
a sociedade a adotar atitudes defensivas, tais como encurtamento dos contratos e
mudanças no processo de fixação de preços e salários. Nesse contexto, qualquer
tentativa de relaxamento da política monetária por parte da autoridade monetária
central seria percebida como política expansionista acionando o gatilho de rea-
justes de preços já no curto prazo.9
Em síntese, a moderna política monetária é muito cautelosa sobre as possi-
bilidades de afetar a atividade econômica de forma sistemática e no longo prazo.
A compreensão do que a política monetária pode ou não pode fazer tem levado
os bancos centrais a se concentrarem na estabilidade de preços como o objetivo
primordial, particularmente no longo prazo.

18 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


4.2 As Relações entre Inflação e Crescimento no Longo Prazo

A Tabela 5 apresenta as taxas médias de crescimento e inflação para três grupos


de países em três intervalos do período 1965-1990. Os intervalos foram escolhidos
porque representam diferentes momentos da economia mundial. A tabela, ao
contrário do que se imagina, destaca algumas evidências da associação inversa
entre inflação e crescimento. A inflação é menor nos países asiáticos, que têm as
maiores taxas de crescimento. A partir da análise dos dados da Tabela 5, faz-se
necessário enfatizar que as taxas de inflação se moveram no sentido inverso ao
crescimento econômico ao longo dos períodos, o que poderia indicar uma relação
inversa e não direta entre crescimento e inflação. O aumento da inflação parece
ter contribuído para a deterioração do desempenho macroeconômico da América
Latina e da África.
Nos estudos empíricos dos determinantes do crescimento não há nenhuma
evidência de relação positiva entre inflação e crescimento10 no longo prazo. O
que foi identificado é que, no curto prazo, inflação e crescimento podem aparecer
– embora nem sempre apareçam – positivamente correlacionados, na fase ascen-
dente do ciclo econômico. No longo prazo essa relação positiva jamais foi verificada
para países de alta inflação ou para casos de hiperinflação. Para países com taxas
baixas ou moderadas, os estudos não conseguiram identificar qualquer tipo de
relação entre inflação e crescimento. Em parte, isso pode ocorrer porque choques
de oferta podem mover simultaneamente inflação e crescimento em direções opos-
tas: uma abrupta redução de oferta reduziria o crescimento e aumentaria a infla-
ção; na situação inversa, aumentaria o crescimento e reduziria a inflação,
mascarando os efeitos distorcivos da baixa inflação e dificultando a identifica-
ção de uma relação estável.

TABELA 5
Inflação e Crescimento Econômico
[em %]

Períodos selecionados e grupos de países

África Ásia América Latina

1965- 1973- 1980- 1965- 1973- 1980- 1965- 1973- 1980-


1973 1980 1990 1973 1980 1990 1973 1980 1990

Crescimento do PIB 3,7 3,4 2,1 5,8 5,8 6,9 6,0 5,0 1,1

Crescimento do PIB per capita 1,1 0,4 -1,0 3,2 3,7 4,9 3,3 2,5 -0,9

Taxas de inflação 5,2 15,8 18,9 14,8 8,9 6,9 22,0 53,0 249,0
Fonte: Banco Mundial, extraído de Fischer (1993).

O esforço monetário e a estabilidade z 19


A evidência de associação negativa entre altas taxas de inflação e crescimento
deixa em aberto o problema de causalidade. No entanto, evidências adicionais
discutidas na literatura indicam que a causalidade dessa associação parece ir no
sentido da inflação para o crescimento, como resultado dos efeitos distorcivos da
alta inflação e da alta variabilidade de preços relativos associada ao aumento da
inflação sobre o crescimento.
Apesar de alguns modelos teóricos darem margem a efeitos positivos da
inflação sobre o investimento,11 as modernas discussões da relação entre moeda,
investimento e crescimento enfatizam que a inflação atua como um imposto que
reduz a disponibilidade de fundos para investimentos, diminuindo, portanto, o
crescimento da economia.12
A incerteza sobre o nível futuro da inflação tende a ser maior em países com
inflações moderadas ou altas.13 E isso tem impacto nos juros nominais da economia,
pois, para compensar os investidores pelo risco decorrente da aceleração inflacio-
nária, os juros nominais tenderão a incluir um prêmio por esse risco.14 Como a
incerteza sobre o nível futuro da inflação eleva os juros nominais, esse processo
tende também a aumentar os juros reais (diferença entre juros nominais e inflação
esperada), o que reduz a atividade econômica e o bem-estar da população.
A idéia por trás desse argumento é que, no caso dos processos inflacionários
crônicos, há aumento da incerteza quanto aos ganhos futuros, o que termina por
reduzir o nível de investimento da economia. Além disso, níveis elevados de inflação
desorganizam os preços relativos,15 com efeitos deletérios em termos de contratos
e horizonte de planejamento. Inflação alta limita as decisões de longo prazo,
como o investimento produtivo ou as estratégias de diversificação de mercados e
produtos. E ainda pode afetar o desenvolvimento tecnológico, comprometendo a
capacidade de competição da economia, em especial em setores em que a maturação
do investimento se dá em prazos mais longos.
Outra forma de a inflação afetar negativamente o investimento é por meio
do financiamento. Ela reduz o volume de empréstimos bancários e a atividade do
mercado de ações, por causa do aumento do risco e da dificuldade de projetar
rendimentos futuros em um contexto de incerteza de preços relativos. A experiência
dos países altamente inflacionários da América Latina ensina que a inflação também
compromete o financiamento das empresas ao encurtar prazos dos contratos e
instrumentos financeiros [ver Boyd, Levine e Smith (1996)].

20 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


4.3 Os Efeitos Negativos das Inflações Moderadas para o
Funcionamento da Economia

Faz sentido sair de inflações baixas para inflações moderadas?16 Conforme indicado
antes, a inflação no mundo é baixa atualmente. A dos países desenvolvidos está
caindo desde os anos 1980 e a dos latino-americanos desde os anos 1990. Qual é o
sentido de relaxar o controle da inflação em um mundo de inflações baixas? Deve
ficar claro que uma das conseqüências imediatas seria a perda de competitividade
da economia brasileira vis-à-vis seus parceiros comerciais, o que afetaria o resul-
tado da conta corrente, gerando pressões por desvalorização de nossa moeda. Conta corrente ou
transações correntes é
Isso provocaria pressão sobre os preços e realimentaria a inflação doméstica.
uma das contas que
A maioria dos países que passou de inflações baixas para inflações moderadas compõem o balanço de
pagamentos (ver glossário
o fez como resultado da perda de controle de sua economia, por choques externos à página 25). Essa conta é
– do petróleo, na década de 1970, por exemplo – ou por expansões monetárias a soma dos saldos de três
outras contas: da balança
resultantes de agudos problemas fiscais. Pelo fato de a aceleração da inflação não comercial, que é o saldo
ter sido um processo completamente voluntário e por ser percebida como um líquido de exportações
menos importações; da
produto negativo da perda de controle econômico, a maioria desses países buscou balança de serviços, que
arduamente controlar a inflação.17 inclui o saldo de fretes,
seguros, viagens
Uma questão central nesse debate é que as inflações moderadas têm efeitos internacionais, royalties,
nocivos sobre o funcionamento da economia. Primeiro, porque geram incertezas remessa de lucros e de
juros e outros serviços; e
sobre o comportamento do nível e da estrutura de preços da economia. Segundo, de transferências
porque a partir de uma inflação moderada os agentes tendem a criar mecanismos unilaterais, que
correspondem a uma
de indexação que aumentam a inércia do processo inflacionário, facilitando a conta composta por todas
transmissão de choques de oferta aos preços e reduzindo os impactos das políticas as doações e remessas de
dinheiro do país – por
de controle da demanda agregada. exemplo, a remessa que
um pai faz se seu filho
Em inflações moderadas e altas, a taxa de variação de preços torna-se mais está estudando no
sensível aos choques de oferta. Estes geram uma reação de ajustes de preços via exterior – ou para o país –
indexação que a política monetária tem dificuldade de controlar mediante a de- como o dinheiro que
brasileiros que vivem no
manda agregada. Esses fatores podem tornar a inflação mais instável e indeter- exterior enviam para suas
minada, gerando incerteza sobre a inflação futura com seus efeitos prejudiciais famílias residentes no
Brasil – não-relacionadas
sobre os juros nominais e as decisões de produção, investimento e emprego. com operações comerciais
ou de prestação de
O custo em termos de emprego e produto da redução de uma inflação moderada serviços.
é alto porque a fixação de salários e preços obedece a mecanismos de ajustes prede-
terminados e a demanda deve ser fortemente desaquecida para obrigar os agentes
econômicos a revisarem os contratos e as expectativas. O alto desemprego resulta
necessário para a redução dos reajustes salariais e do repasse da inflação passada
para a inflação presente. Nesse contexto, derrubar a inflação é um processo prolon-
gado e custoso, que exige perseverança da autoridade econômica e do governo.

O esforço monetário e a estabilidade z 21


QUADRO 1
A Experiência Brasileira de Crescimento com Inflação
entre 1950 e 1964
O Gráfico 10 apresenta as taxas de crescimento do PIB e as taxas de inflação da economia
brasileira no período 1950-1964.
Em 1950-1951, as taxas de inflação estavam um pouco acima de 10% a.a., não muito
distante dos níveis que vigoraram em 2002 e 2003. Entre 1950 e 1954, o crescimento da
economia oscilou entre 5% e 8% a.a., com taxas de inflação oscilantes, porém crescentes.
Pode-se observar no Gráfico 10 a dificuldade de manutenção de taxas de crescimento acima
de 6% com inflação estável nesses anos. Um crescimento acima de 6% acelerava a inflação até
a vizinhança dos 20% e obrigava a reduzir o ritmo de crescimento no ano seguinte para que se
conseguisse diminuir parcialmente a inflação.
A capacidade produtiva acumulada permitiu crescer com redução da inflação até 1958,
após o baixo crescimento de 1956. Mas a partir daquele ano, as tentativas de manter a economia
crescendo a taxas elevadas, acima de 8% a.a. geraram aceleração da inflação. Esta passou de
20% a.a. até quase 90% em 1964. E o que é mais importante: essa aceleração da inflação foi
acompanhada de redução sistemática das taxas de crescimento.

GRÁFICO 10
Taxas Anuais de Crescimento do PIB e da Inflação: IPC-RJ – 1950-1964

[taxas anuais de inflação (%)]


100
90
80
70
60
50
40
30
20
Trade-off: a expressão
10
designa o custo que se
0
incorre para se obter 0 2 4 6 8 10 12
algum benefício, e pode Taxas anuais de crescimento do PIB (%)
ser usada para uma
Fontes: IBGE/SCN e FGV.
infinidade de situações
em que indivíduos,
empresas ou governos
têm de tomar decisões. O trade-off positivo e de curto prazo entre inflação e crescimento do início dos anos 1950
Assim, por exemplo, se
um aluno deseja obter se transformou em uma associação negativa entre essas variáveis no período 1958-1964. A
boas notas e com isso aceleração inflacionária pós-1958, resultante do relaxamento da política macroeconômica de
estar habilitado a receber curto prazo, contribuiu para a deterioração da trajetória de crescimento da economia.
um prêmio (um benefício),
O foco na taxa de crescimento da economia, sem o correto tratamento das pressões infla-
é necessário que ele
deixe, pelo menos por cionárias e sem uma política monetária adequada, pode terminar gerando aceleração da inflação
algumas vezes, de assistir e desorganização da economia, com efeitos negativos sobre a taxa de crescimento. A aparente
à TV, ir ao cinema, associação positiva no curto prazo transforma-se em uma associação negativa e instável entre
namorar etc., para ficar inflação e crescimento.
estudando (um custo).

22 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


A análise teórica e a experiência internacional tendem a indicar que a eco-
nomia brasileira não encontrará um novo equilíbrio de longo prazo com maior
crescimento econômico se relaxar a política monetária. O mais provável seria
continuar com taxas de crescimento semelhantes às atuais e com uma inflação
maior, mais persistente e de mais difícil controle. Não faz sentido, portanto, sair
voluntariamente de um regime de baixa inflação para entrar em um regime de
inflação moderada.

5. A NATUREZA DA MODERNA POLÍTICA MONETÁRIA

O objetivo da política macroeconômica de curto prazo é manter a estabilidade de


preços e manter elevada a utilização de recursos da economia. Depois do surto
inflacionário da década de 1970, os bancos centrais das maiores economias in-
dustriais têm tido sucesso em manter a inflação em patamares baixos e estáveis.
A experiência mostra que o compromisso dos bancos centrais com objetivos
macroeconômicos mais restritos, como a estabilidade de preços, permitiu lograr
êxito, e que isso não implicou sacrifício permanente do crescimento; pelo contrário,
criou condições para crescimento maior e mais estável na década de 1990 do que
na década anterior [Woodford (2003)].
Apesar do consenso de que a autoridade monetária deve perseguir a estabi-
lidade de preços, a questão de como a política monetária deve atuar para atingir
esse objetivo ainda não foi completamente resolvida. Do ponto de vista conceitual,
é unívoco que uma política monetária moderna deve estar disciplinada por regras
ou âncoras nominais que ajudem a determinar o nível de preços de uma economia
e que limitem o comportamento discricionário das autoridades monetárias.
Atualmente, na maioria dos países com a macroeconomia organizada, a política
monetária é conduzida por algum tipo de regra. No caso brasileiro parece não haver
convergência em torno desse ponto. Os críticos da idéia de se adotarem regras explí-
citas para a condução da política monetária temem que estas funcionem como travas
à capacidade de maximização das possibilidades de crescimento do produto e de
respostas a choques na economia. E é esse o tema que será debatido a seguir.

5.1 Âncoras Nominais: a Importância de uma Regra para a


Condução da Política Monetária

Por que é necessário estabelecer regras ou âncoras nominais? O principal objetivo


é reduzir o poder das autoridades monetárias, bem como a influência dos governos
sobre sua gestão, limitando sua eventual preferência por perseguir políticas

O esforço monetário e a estabilidade z 23


expansionistas no curto prazo e aumentar o crescimento do produto e do emprego,
mesmo que isso, como já foi visto, não produza expansão do crescimento e do
emprego no longo prazo.18 Se a autoridade (ou o governo) age dessa forma, os
agentes econômicos percebem e a conseqüência é que a maior inflação no curto
prazo passa a ser incorporada nas expectativas das empresas e dos trabalhadores,
fazendo desaparecer os estímulos dessa expansão no médio prazo. As âncoras
nominais servem, portanto, para limitar pressões para que o banco central persiga
políticas monetárias excessivamente expansionistas.
Elas permitem também convencer os formadores de preços de que a autori-
dade monetária está efetivamente comprometida com a inflação baixa. Caso con-
trário, tenderão a pensar que o banco central escolherá um sacrifício menor da
economia, com inflação maior para evitar o desemprego e maximizar o produto
de curto prazo. Ao incorporarem essa possibilidade de inflação mais elevada em
suas expectativas, os formadores de preços acabarão produzindo inflação mais
elevada e a necessidade permanente de uma política mais restritiva do que aquela
que poderia vigorar na ausência dessas expectativas.
Dessa forma, o papel das regras é permitir que as autoridades tenham um
conjunto de princípios e critérios que orientem sua atuação de forma ordenada e
previsível diante de circunstâncias cambiantes, de maneira a influenciar as ex-
pectativas e coordenar a formação de preços na economia. Ou seja, ao deixar
explícito e de forma compreensível para o público o compromisso de seguir uma
regra de política monetária, hoje e no futuro, as pessoas podem prever as ações
futuras [Woodford (2003)]. À medida que a regra seja inteligível e as intenções
futuras do banco central sejam conhecidas devido ao compromisso com a regra
estabelecida, as autoridades podem influenciar as expectativas sobre o compor-
tamento futuro das variáveis relevantes para a formação de preços hoje.
Quando existe a possibilidade de a autoridade monetária oscilar seu com-
portamento, o público se previne contra isso por meio da formação de expectativas
de inflação maior. A conseqüência é que uma política sem regras terá sempre um
custo maior para estabilizar a economia, seja porque para cada ação de política
monetária os formadores de preços terão expectativas de inflação maiores, seja
porque uma contração da política monetária será menos crível, fazendo com que
a inflação decresça mais lentamente e com maior custo do produto.

5.2 Distintos Tipos de Regimes Monetários ou Âncoras Nominais

Existem diversas âncoras nominais para a condução da política monetária. Atual-


mente, identificam-se quatro tipos básicos de regimes monetários que são praticados

24 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


pelos bancos centrais: âncora cambial; metas monetárias; política monetária com Bens comercializáveis são
os que podem ser
âncora ou meta implícita; e metas inflacionárias. Veja-se a análise de cada tipo. transacionados no
mercado internacional. Por
isso, seus preços são
Âncora Cambial: Vantagens e Desvantagens fortemente afetados pelo
câmbio, pelo preço
internacional, pelo
A âncora cambial consiste em fixar a paridade da moeda doméstica à de um país crescimento das economias
de inflação baixa. 19 A fixação da paridade estabiliza os preços dos bens e pela expansão do fluxo
de comércio.
comercializáveis e isso afeta as expectativas e os custos na determinação dos
preços dos bens não-comercializáveis. Se o nível da taxa de câmbio for percebido Bens não-
comercializáveis são os
como crível, é possível fazer uma convergência da inflação doméstica para os que não podem ser objeto
níveis baixos de inflação do país âncora. de comércio internacional,
sendo influenciados
Essa é uma política apropriada para a estabilização de países que possuem altas apenas pela demanda e
pela oferta domésticas na
taxas de inflação e indexação ao dólar. Essa política foi útil na década de 1990 determinação de seus
para reduzir rapidamente a inflação em países em desenvolvimento, com inflações preços – quando não há
poder de monopólio.
crônicas e altas, como o Brasil e a Argentina e, antes deles, Israel na década de 1980.
Mas também foi utilizada em economias abertas, com grande proporção de bens Balanço de pagamentos é
comercializáveis na sua oferta e demanda agregada. Esse foi o caso da França e o registro das transações
dos residentes no país
da Inglaterra que ataram suas moedas ao marco alemão na década de 1980 com com os não-residentes.
o objetivo de forçar suas inflações domésticas para níveis próximos aos verificados Seu resultado é a variação
das reservas internacionais
na Alemanha quando da preparação da unificação monetária européia. do país e dos haveres dos
bancos em moeda
A principal vantagem dessa âncora é que ela proporciona uma regra auto- estrangeira. Quando entra
mática para a política monetária: o compromisso de manter a paridade, o que mais moeda estrangeira
no país do que sai, há
implica que deve ser restritiva quando houver pressões para desvalorização e superávit no balanço de
afrouxada quando existirem pressões para apreciação do câmbio – e que não pagamentos e aumento
nas reservas; na situação
pode ser utilizada para alcançar outros objetivos domésticos, como, por exemplo, inversa, há déficit e as
para se obter ganhos de emprego no curto prazo. reservas caem. Um de
seus principais subitens é
A principal desvantagem é a propensão a ataques especulativos contra a a conta corrente, que
representa a entrada ou
paridade. A implementação da âncora cambial é freqüentemente seguida pela
saída de um bem, serviço
acumulação de déficits na conta corrente do balanço de pagamentos, resultantes ou fluxo de pagamento
da apreciação da taxa de câmbio real e da expansão do gasto doméstico, que pela utilização de fatores
de produção. É um fluxo
pode ocorrer devido ao crescimento dos rendimentos reais que a redução da financeiro que tem uma
inflação provoca, da entrada de recursos externos, ou da antecipação de gastos contrapartida real. Outro
subitem importante é a
futuros, se a paridade é percebida como temporária. O déficit em conta corrente conta de capital, que
afeta a credibilidade da âncora e estimula os ataques especulativos contra a taxa mostra transações
envolvendo ativos e
de câmbio. Para evitar o risco, a autoridade econômica deve atuar para diminuir passivos, como no caso de
o crescimento, evitando acumulação de desequilíbrio e assim reduzindo a possi- investimentos e emprésti-
mos. Nesse caso um fluxo
bilidade de ataque especulativo. Para atrair divisas e se contrapor à saída delas, financeiro não tem
os juros domésticos devem ser altos e maiores do que no país da moeda âncora. contrapartida real.

O esforço monetário e a estabilidade z 25


A experiência brasileira com a âncora cambial ilustra seus alcances e suas
limitações. Após o Plano Real, a variação dos preços dos bens comercializáveis
diminuiu rapidamente, mas a variação dos preços dos bens não-comercializáveis
e dos salários apresentou convergência mais lenta para os níveis da inflação
internacional, provocando apreciação da taxa de câmbio real. A acumulação de
déficits em conta corrente e os desequilíbrios macroeconômicos tornaram a âncora
sujeita a ataques especulativos, que foram freqüentes no período 1994-1998.
Para evitar esses ataques, a economia experimentou taxas reais de juros muito
elevadas.

Metas Monetárias: Vantagens e Desvantagens

As metas monetárias, ou âncora monetária, consistem em fixar a taxa de variação


Agregados monetários de determinados agregados monetários com o propósito de controlar a quanti-
são medidas da riqueza
financeira da economia.
dade de moeda na economia e, por meio disso, afetar a taxa de variação de
Como há tipos de moeda preços. Nesse regime, a política monetária pode escolher objetivos inflacionários
que têm diferentes graus domésticos e levar em consideração as flutuações do produto.
de liquidez, definiram-se
agregados corresponden-
tes, ordenados de forma
Esse regime de política monetária enfrenta diversos problemas. O primeiro,
decrescente com a de difícil resposta, refere-se à escolha do agregado monetário a ser controlado. A
liquidez e abrangência. O
agregado M1 mede o total
resposta não é óbvia porque o controle desses agregados é cada dia mais difícil
de papel-moeda em poder em decorrência de inovações financeiras. Uma vez escolhido o agregado a ser
do público somado aos controlado, há uma dificuldade adicional: a relação entre agregados monetários
depósitos à vista nos
bancos comerciais. O M2 e inflação não é estável, o que pode tornar inócuo o controle do agregado para
refere-se ao M1 + controlar a inflação e comprometer a definição das expectativas que entram na
depósitos especiais
remunerados + depósitos formação de preços. O público simplesmente não percebe os efeitos da política
de poupança + títulos monetária sobre a inflação.
emitidos por instituições
depositárias. O M3 é o M2 Por conta dessas limitações, o controle dos agregados monetários perdeu
+ quotas de fundos de
renda fixa + operações influência entre os bancos centrais. Nos países onde foi implantado com sucesso,
compromissadas como na Alemanha, na Suíça e, mais recentemente, pelo Banco Central Europeu
registradas no Sistema
Especial de Liquidação e (BCE), acredita-se que a atuação dos bancos centrais foi muito relevante, pois
de Custódia (Selic) – ver explicitaram ativamente sua atitude antiinflacionária, o que compensou as difi-
glossário à página 29. Por
fim, o M4 é a soma do M3
culdades de coordenação das expectativas que o regime apresenta.
com títulos públicos de
alta liquidez.
Âncora Nominal Implícita: Vantagens e Desvantagens

No debate sobre a política monetária no Brasil, existe a idéia de que trabalhar


com uma âncora nominal implícita, como o faz o Federal Reserve dos Estados

26 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Unidos (Fed) – o banco central norte-americano –, seria positivo, porque daria
mais flexibilidade à condução da política monetária para levar em consideração
as necessidades de crescimento econômico. Mas esse sistema não está livre de
dificuldades, as quais só podem ser compensadas com alta reputação
antiinflacionária do banco central ou dos seus dirigentes.
A grande dificuldade do regime é administrar as expectativas de inflação,
particularmente quando um choque de oferta se propaga na economia, justa-
mente por não ter uma âncora explícita. Isso se dá porque um choque de oferta
gera uma pressão altista na formação de preços e a política monetária não tem
uma resposta explícita sobre qual seria a nova taxa de inflação a ser perseguida
após o choque de oferta. Nessa situação, a reação da política monetária em termos
de controle da inflação e de retorno a trajetórias normais de variação de preços
tende a depender da reputação do banco central e das autoridades monetárias.
Na década de 1990, a estratégia de uma âncora implícita funcionou bem nos
Estados Unidos. Com efeito, houve uma forte expansão econômica com queda da
inflação para 2% a.a. Mas é importante sublinhar que esta não é uma experiência
facilmente replicável em qualquer economia, pois dependeu muito da reputação
do Fed e do seu presidente, assim como dos ganhos de estabilização já conquis-
tados na década anterior. Países com tradição de instabilidade econômica e com
instituições monetárias sem reputação consolidada, como o Brasil, teriam grandes
obstáculos para coordenar as expectativas de inflação com um sistema de metas
nominais implícitas. No caso brasileiro, o público teria grandes dificuldades para
identificar o nível da inflação de longo prazo com o qual deve operar a economia
e as características da reação das autoridades monetárias ante a choques de ofertas.

O Regime de Metas de Inflação

O regime de metas de inflação atua fundamentalmente por seu efeito sobre as


expectativas dos agentes econômicos. Ele pode ser caracterizado por cinco ele-
mentos [Mishkin (1999)]:
z anúncio público de metas de médio prazo para a inflação, sem referências
a outras âncoras nominais;
z compromisso institucional com a estabilidade de preços como objetivo
primário do banco central;
z estratégia que inclua toda a informação possível para decidir sobre o
instrumento de política monetária;

O esforço monetário e a estabilidade z 27


z transparência da estratégia de política monetária via comunicação acerca
dos objetivos, planos e decisões da autoridade monetária com o público; e
prestação de contas (accountability) do banco central em atingir as metas
z
de inflação.
Hiato de produto é a Perseguir objetivos relacionados exclusivamente à meta de inflação – não
diferença entre o PIB
efetivo e o potencial. O
havendo, portanto, qualquer comprometimento com outras variáveis macroeco-
PIB efetivo é a soma de nômicas como preços de ativos ou âncoras, notadamente a taxa de câmbio – não
toda a riqueza produzida
pelo país e é calculado
significa desconsiderá-los nas decisões de política monetária, mas tomá-los em
trimestralmente pelo conta apenas à medida que afetem a trajetória futura da inflação.
IBGE. O produto
potencial (ver a seguir) é O banco central que persegue metas de inflação não pode ter metas de pro-
uma variável não- duto no curto prazo. Isso, entretanto, não implica desconsiderar toda e qualquer
observável, que representa
o que seria produzido na informação relevante, aí incluído o nível de produto e o hiato do produto, para
hipótese de pleno definir a variação do instrumento de política monetária.
emprego da capacidade
produtiva de um país. Além disso, a transparência é central para informar o público sobre o sentido
Contudo, raramente o
produto é idêntico ao
de suas decisões e seu compromisso com a meta. Agindo assim, as autoridades
potencial, e um dos monetárias buscam influir sobre as expectativas do público, reduzindo incertezas
objetivos da política quanto à forma de agir do banco central.
econômica é aproximá-los.
Por fim, o compromisso institucional com a estabilidade de preços significa
O produto potencial é que: a) as autoridades monetárias devem ser independentes para executar a polí-
uma variável construída e
por isso mesmo sua tica monetária; e b) o controle da taxa de juros nominal de curto prazo deve ser
definição não é tema exclusivo do banco central. O nível da meta, no entanto, pode e deve ser fixado
consensual entre
economistas. A palavra pelo Poder Executivo ou pelo Congresso ou por ambos, refletindo a natureza
potencial não representa política da escolha dessa variável.
um limite físico máximo
para a capacidade QUADRO 2
produtiva de um país –
este só seria relevante Condição da Política Monetária
numa situação A política monetária desempenha papel importante na economia por causa do seu impacto
emergencial, como, por
sobre variáveis macroeconômicas que afetam o bem-estar da população, tais como a inflação,
exemplo, em período de
guerra – mas um limite o nível de emprego e o nível da atividade econômica. Alterações na política monetária, indicadas
além do qual há pressões principalmente por mudanças na taxa de juros básica da economia (a taxa de juros Selic) e na
de preços. De forma taxa de câmbio, afetam as decisões das famílias quanto ao consumo e à poupança, e das empresas
simplificada, produto quanto ao nível de investimento e de endividamento. Tais efeitos irão se refletir no nível de emprego
potencial pode ser
e da atividade econômica, que por sua vez afetarão a inflação. Por atingir o câmbio, a política
definido como a
capacidade de oferta da monetária induz, ainda, alterações nas exportações e importações do país, assim como influi na
economia com pleno inflação ao alterar preços domésticos dos insumos e bens de consumo exportados e importados.
emprego dos fatores de Indicadores que meçam se a política monetária corrente é expansionista ou contracionista
produção (capital e
auxiliam o Bacen a determinar qual deve ser a trajetória da política monetária consistente com
trabalho), sendo que o
nível de pleno emprego a manutenção da inflação dentro das metas estabelecidas. Podem também ser úteis em estudos
será o máximo possível empíricos sobre o comportamento passado do Bacen, indicando períodos em que a política
sem gerar pressões monetária foi mais ou menos rigorosa.
inflacionárias. continua

28 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


continuação Selic é a taxa de juros
Há diversas maneiras de se construir um indicador que possa aferir a política monetária. utilizada pelo Bacen na
Uma delas é construir o indicador a partir do conhecimento detalhado de como o Bacen opera, compra e venda de títulos
ou seja, de como ele determina o nível dos instrumentos da política monetária (taxa de juros públicos com o objetivo
de regular a liquidez no
básica da economia, agregados monetários etc.), sem qualquer preocupação com o impacto da mercado financeiro. A
política monetária sobre variáveis macroeconômicas. Outra forma é construir o indicador do taxa Selic constitui a taxa
estado da política monetária a partir do conhecimento do seu impacto sobre o nível de atividade da básica de juros da
economia. Nesse caso a política monetária será expansionista ou contracionista se esse impacto for economia. Havendo
positivo ou negativo. Mais precisamente, o indicador deve refletir o impacto dos níveis obser- excesso de liquidez, o
Bacen vende títulos à
vados dos principais instrumentos utilizados pelas autoridades monetárias sobre a atividade. taxa Selic – em geral, com
O Ipea desenvolveu uma metodologia para construir um Indicador de Condições Monetárias o compromisso de
(ICM) para o Brasil seguindo a visão de que esse indicador deve refletir o impacto da política recomprá-los dentro de
determinado prazo. Se há
monetária no nível de atividade econômica do país. O ICM do Ipea mede o impacto dos valores
falta de liquidez no
observados dos principais instrumentos potenciais da política monetária (juros e câmbio) sobre o mercado, o Bacen compra
desvio do nível de atividade econômica corrente em relação ao seu nível potencial.20 O Gráfico 11 títulos à taxa Selic, com o
ilustra o ICM da economia brasileira para o período compreendido entre setembro de 2000 e compromisso de revendê-
dezembro de 2005. Os valores positivos ou negativos do ICM indicam uma política monetária los também em prazo
relativamente curto.
expansionista ou contracionista. É interessante notar que o ICM sugere que, apesar de o Brasil
Como essa taxa é o custo
apresentar taxas de juros elevadas no período, a política monetária alternou-se entre do dinheiro para os
contracionista e expansionista. bancos, eles emprestarão
GRÁFICO 11 para as empresas e
pessoas sempre a uma
Condição da Política Monetária no Brasil
taxa mais alta. Por essa
razão, quando ela varia,
0,05 todas as taxas de juros na
0,04 economia tendem a variar
0,03 Acima da linha 0 também na mesma
Região de política monetária expansionista
0,02 direção.
0,01
0,00
-0,01
-0,02 Abaixo da linha 0
-0,03 Região de política monetária contracionista
-0,04
-0,05
00 00 01 01 01 01 01 01 01 02 02 02 02 02 03 03 03 03 03 03 04 04 04 04 04 04 05 05 05 05 05 05 06 06
t./ v./ n./ r./ i./ l./ t./ v./ n./ r./ i./ l./ t./ v./ n./ r./ i./ l./ t./ v./ n./ r./ i./ l./ t./ v./ n./ r./ i./ l./ t./ v./ n./ r./
Se No Ja Ma Ma Ju Se No Ja Ma Ma Ju Se No Ja Ma Ma Ju Se No Ja Ma Ma Ju Se No Ja Ma Ma Ju Se No Ja Ma

Fontes: Bacen e IBGE.

Vantagens e Desvantagens do Sistema de Metas de Inflação

Uma das vantagens do regime de metas é que ele permite alguma flexibilidade da
política monetária. Esta advém da consideração de um conjunto de variáveis
domésticas para a determinação do nível do instrumento de política monetária a
ser adotado, o que dá condições para que a política monetária minimize a
volatilidade do produto. Assim, quedas da demanda agregada que gerem inflações
inferiores à meta podem ser compensadas pela política monetária, ou desvios das
metas podem ser acomodados por choques de oferta – por meio de cláusulas de

O esforço monetário e a estabilidade z 29


escape ou trabalhando com medidas de núcleos ou índices expurgados. Apesar
de importante, essa flexibilidade é limitada porque as decisões das autoridades
estão determinadas a atingir a meta de inflação em um determinado período.
Outra vantagem do regime é que o público pode visualizar a meta a ser
perseguida pelas autoridades, e o mecanismo de funcionamento da política mo-
netária pode ser entendido facilmente. A autoridade monetária tem incentivos
para ser transparente, porque isso facilita o trabalho de comunicação e a influência
sobre as expectativas do público. Quanto mais crível e melhor entendida a política
monetária, maior a influência das metas sobre as expectativas do público e maior
a possibilidade de reduzir a inflação com menor sacrifício do produto.
Uma limitação importante é que, em economias com passado inflacionário
ou com alta variabilidade das taxas anuais de inflação, é custoso estabelecer
metas realmente críveis para os formadores de preços ou consensuais para a
sociedade. Nesses casos, é difícil estabelecer um nível de inflação de longo prazo,
e isso pode diminuir a credibilidade da meta perseguida pelo banco central. Mesmo
quando é possível se chegar a um relativo consenso quanto aos níveis de inflação
a médio ou longo prazos, a velocidade para se atingir esse objetivo passa a ser
também motivo de controvérsias.
Outra limitação do sistema de metas é que a inflação não é tão facilmente
controlada pelas autoridades monetárias. Isso é particularmente importante em
países com inflações altas e que experimentam choques de oferta, como desvalo-
rizações e mudanças de preços externos. O Brasil, pela sua história recente de
estabilização, não conseguiu ainda consolidar uma inflação baixa e estável que
possa ser um ponto de convergência na formação de preços na economia.

O que Concluir?

A discussão das vantagens e desvantagens dos diferentes regimes monetários leva


à conclusão de que o sistema de metas de inflação é um regime mais adequado para
o Brasil pela existência de três características: experiência de estabilidade econô-
mica ainda muito recente, debilidade das instituições monetárias – conforme dis-
cutido no Capítulo 4 deste livro – e existência de volatilidade dos recursos externos.
Em economias nas quais as autoridades monetárias precisam construir tra-
dição de defesa da estabilidade, como a brasileira, é preferível que a autoridade
monetária explicite os objetivos antiinflacionários para mostrar à sociedade a
capacidade e a decisão de manter a inflação sob controle.
Também em economias sujeitas a fortes oscilações no mercado de câmbio –
em particular de saídas de recursos para o exterior, como a observada no Brasil

30 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


em 1999, 2001 e 2002 –, a combinação de regime de metas com flexibilidade cambial
permite ajustamentos via preços – em particular o preço da divisa –, reduzindo a
Superávit ou déficit das
volatilidade de produto. Nas situações de saídas das divisas mencionadas, uma contas públicas: o
âncora cambial dificilmente teria resistido ou, se o conseguisse, dar-se-ia à custa resultado fiscal é expresso
em dois conceitos
de forte alta das taxas de juros domésticas, com severas conseqüências para o principais – nominal e
nível de atividade da economia. primário. No primário, não
são considerados como
despesas o pagamento de
juros da dívida do setor
6. A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA COM O REGIME DE METAS DE público, nem como
INFLAÇÃO receitas os juros das
reservas internacionais do
país. No nominal, são
6.1 Breve Histórico do Sistema de Metas no Brasil levadas em conta todas as
despesas e receitas. O
cálculo pode ser feito
O abandono da âncora cambial em janeiro de 1999 determinou a busca de um para municípios, para
estados e para a União, ou
novo mecanismo de estabilização de preços e a reconstrução da credibilidade da pode agregar todas as
política de estabilização no país. Para atingir esses objetivos, o regime de metas esferas de governo.

de inflação no Brasil foi implementado a partir de junho daquele ano.


Lei de Responsabilidade
As características do sistema de metas de inflação no Brasil não diferem da Fiscal é a Lei Complemen-
tar 101/2000, que
prática internacional. Para um determinado ano as metas são estabelecidas com “estabelece normas de
antecipação de dois anos21 e a política monetária pode perseguir seu objetivo finanças públicas voltadas
para a responsabilidade
com uma margem de tolerância para cima e para baixo do ponto central da meta na gestão fiscal” nas três
de inflação. O índice de preços de referência para as autoridades monetárias é o esferas de governo. Fixa,
por exemplo, limite de
IPCA. A meta a ser perseguida pelo Bacen é fixada pelo Conselho Monetário Na- gasto com pessoal e de
cional (CMN). Foram implementados diversos mecanismos para assegurar trans- endividamento público,
parência e a prestação de contas (accountability), à semelhança do que ocorre em determina a definição de
metas fiscais anuais para
outros países com metas de inflação. os três exercícios
seguintes, estabelece
A adoção desse sistema foi acompanhada por várias medidas fiscais para mecanismos de compen-
melhorar o desempenho e a percepção da sustentabilidade das contas públicas. A sação para despesas
permanentes – o
principal mudança foi a geração de superávits primários, acompanhada de outras governante não pode criar
medidas, como a renegociação das dívidas com os governos estaduais, as reformas despesa continuada sem
indicar fonte de receita
no sistema de seguridade social e a Lei de Responsabilidade Fiscal. ou redução de outra
despesa – e cria
A Tabela 6 apresenta um resumo do desempenho da inflação e do crescimento dispositivo para controle
do produto para o período pós-1999. As metas iniciais foram altas e refletiam a das finanças públicas em
anos de eleição – impede
aceleração da inflação em 1999, como resultado da desvalorização que se seguiu operações de crédito por
à adoção do regime de câmbio flutuante, mas a estratégia previa um rápido recuo, antecipação de receita
orçamentária (ARO) no
procurando atingir taxas de inflação próximas a 6%, em 2000, e a 4% em 2001. último ano de mandato e
proíbe o aumento das
Apesar de se ter alcançado o centro da meta em 2000, a estratégia de rápida despesas com pessoal nos
desaceleração não foi cumprida. Em 2001 e 2002 verificou-se nova aceleração da 180 finais.

O esforço monetário e a estabilidade z 31


TABELA 6
Metas de Inflação
[em %]

Desempenho da inflação e do PIB – 1999-2005

Ano Data da fixação Meta Intervalo de tolerância IPCA Crescimento do PIB

1999 30/6/1999 8,00 +/- 2,00 8,94 0,79

2000 30/6/1999 6,00 +/- 2,00 5,97 4,36

2001 30/6/1999 4,00 +/- 2,00 7,67 1,31

2002 28/6/2000 3,50 +/- 2,00 12,53 1,93

2003 28/6/2001 3,25 +/- 2,00 - -


a
2003 27/6/2002 4,00 +/- 2,50 - -
a
2003 21/1/2003 8,50 +/- 2,50 9,30 0,54

2004 27/6/2002 3,75 +/- 2,50 - -


a
2004 25/6/2003 5,50 +/- 2,50 7,60 4,94

2005 25/6/2003 4,50 +/- 2,50 - -


b
2005 23/9/2004 5,10 - 5,69 2,41
Fontes: Bacen e IBGE.
a
Meta revisada.
b
Objetivo.

inflação, que ficou fora do intervalo de tolerância em torno do ponto central da


meta. Na carta aberta do Presidente do Bacen ao Ministro da Fazenda, de janeiro
de 2003, as metas para 2003 e 2004 foram reajustadas para cima, como decor-
rência do salto inflacionário de 2002. Porém, já em junho de 2003, houve retorno
à estratégia anterior de desinflação, fixando-se metas de inflação de 5,5% em
2004 e de 4,5% em 2005. Em 2004, o CMN retornou ao intervalo de tolerância
original em torno da meta: mais ou menos 2 pontos percentuais (p.p.).

Existe um Problema de Excessivo Conservadorismo na


Política Monetária?

Há a percepção de que as autoridades monetárias perseguiram as metas de forma


muito conservadora (estrita), sem considerar o estado da economia ou a existência
de fatores excepcionais. Essa percepção merece ser qualificada. Pelo desempenho
da inflação em relação às metas, a administração monetária não pode ser consi-
derada como fortemente conservadora. A inflação ficou acima da meta central
em quase todos os anos, com exceção de 2000, e em alguns anos até mesmo fora
do intervalo de tolerância. A administração do regime permitiu, em situações de

32 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


estresse, como em 2001 e 2002, uma inflação maior do que o limite superior, e
aumentou o centro e o intervalo da meta em 2003 e 2004, com o objetivo de sair
gradualmente da situação de maior inflação. Mais recentemente, o Bacen passou
a ajustar para cima a meta de um determinado ano de maneira a incorporar a
inflação maior do que a prevista no ano anterior, e assim evitar uma desinflação
muito brusca da economia. Ou seja, o sistema mostrou flexibilidade para lidar
com os choques inflacionários que afetaram a economia brasileira no período, e
a trajetória de desinflação foi gradual, para evitar que a política monetária influísse
muito negativamente no desempenho de curto prazo da atividade econômica e
do emprego.

As Metas Fixadas no Brasil São Muito Baixas?

Um outro argumento crítico é que o governo fixou metas de inflação muito


baixas e que a busca dessas metas teria imposto um sacrifício muito alto à ativi-
dade econômica. A evidência disponível não fornece indícios que sustentem essa
percepção. Em primeiro lugar, porque as metas não são baixas, ao menos em
termos de comparação internacional – tampouco em termos dos resultados de
estabilização alcançados pela economia brasileira na última década. Em segundo,
porque o esforço estabilizador dos últimos três anos foi necessário para reverter
a aceleração da inflação resultante dos choques de oferta induzidos pelas desva-
lorizações de 2001 e 2002. Certamente o processo de desinflação comprometeu a
atividade de curto prazo da economia, mas isso é parte dos custos de redução da
inflação. Isto, porém, não implicou redução do crescimento de médio prazo da
economia brasileira.
Conforme mencionado, as metas no Brasil são comparativamente altas em
relação às fixadas por outros países que praticam o regime de metas de inflação.
Na Tabela 7 se pode observar as metas para diversos países em desenvolvimento
e desenvolvidos para o ano de 2005. No caso brasileiro, a meta central era 4,5%,
com um intervalo de +/- 2,5%. As metas da maioria dos países em desenvolvi-
mento eram inferiores a esse valor: próximas a 3% a.a.
Em 1999, ao implantar o sistema de metas, o Brasil estava com uma inflação
crescente, nas proximidades de 9% a.a, e decidiu retornar em três anos para uma
inflação baixa, em torno de 4% a.a. Isso foi uma decisão arriscada, mas pode ser
entendida pelo fato de que a inflação brasileira, antes da saída da âncora cambial,
havia sido muito baixa (1,7% em 1998). Portanto, procurar voltar para níveis
baixos de inflação rapidamente tinha o objetivo de manter o nível de estabilidade
conquistado pela economia e evitar a volta de mecanismos informais de indexação,

O esforço monetário e a estabilidade z 33


TABELA 7
Países com Metas de Inflação e Níveis das Metas
a
Meta de inflação (data de adoção) Meta de inflação corrente (%)
Países emergentes

Israel 1º trimestre de 1997 1–3


República Tcheca 2º trimestre de 1998 3 (+/-1)
Coréia 1º trimestre de 1999 2,5 – 3,5
Polônia 2º trimestre de 1999 2,5 (+/-1)
Brasil 3º trimestre de 1999 4,5 (=/-2,5)
Chile 3º trimestre de 1999 2–4

Colômbia 3º trimestre de 1999 5 (+/-0,5)


África do Sul 1º trimestre de 2000 3–6
Tailândia 2º trimestre de 2000 0 – 3,5

México 1º trimestre de 2001 3 (+/-1)


Hungria 3º trimestre de 2001 3,5 (+/-1)
Peru 1º trimestre de 2002 2,5 (+/-1)
Filipinas 1º trimestre de 2002 5–6
Países industriais
Nova Zelândia 1º trimestre de 1990 1–3
Canadá 1º trimestre de 1991 1–3
Reino Unido 4º trimestre de 1992 2
Austrália 1º trimestre de 1993 2–3

Suécia 1º trimestre de 1993 2 (+/-1)


Suíça 1º trimestre de 2000 <2
Islândia 1º trimestre de 2001 2,5

Noruega 1º trimestre de 2001 2,5


Fontes: FMI (2005) e autoridades nacionais.
a
Essa data indica quando os países adotaram de fato a meta de inflação definida no World Economic Outlook de 2005. A data oficial
da adoção pode variar.

os quais podem ser gerados por inflações anuais na vizinhança de 10%. Adicio-
nalmente, entendia-se necessária a acomodação de preços relativos por conta da
desvalorização, porém em um ambiente de baixa inflação.
Mas a administração efetiva do sistema teve flexibilidade suficiente para
acomodar os choques de oferta que aconteceram nos anos seguintes22 e evitar um
alto sacrifício da atividade econômica caso se mantivesse o objetivo de atingir
estritamente as metas previamente estabelecidas. Dessa maneira, após o choque
inflacionário de 2002, as metas foram elevadas e o Brasil operou, nos últimos

34 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


anos, com metas inflacionárias relativamente altas na comparação internacional,
como atestam os dados da Tabela 7.

A Desinflação Produzida entre 2002 e 2005 foi Muito Brusca?

A desinflação observada entre 2002 e 2005 foi resultado da preocupação das


autoridades monetárias com o controle da inflação, mas não é uma novidade na
experiência de estabilização brasileira nem pode ser considerada como um com-
portamento excessivamente conservador das autoridades monetárias. Como se
pode observar na Tabela 8, durante o período da âncora cambial houve também
uma desinflação muito rápida em um período de três anos, trazendo a inflação
anual de 22% em dezembro de 1995 para 1,7% em dezembro de 1998, com queda
de quase 20 p.p. Já entre dezembro de 2002 e dezembro de 2005, a queda foi de
apenas 7 p.p. em um período similar, o que revela um ritmo bem mais lento.
Diante desse resultado, é comum se questionar: houve grande sacrifício da
atividade econômica de curto prazo para controlar a inflação sob o sistema de
metas de inflação? A evidência é ambígua. Em 2000, a redução de 3 p.p. na taxa
de inflação esteve associada a um crescimento do produto de 4,4% e, em 2004, a
queda da inflação em 2 p.p. foi acompanhada de uma aceleração do crescimento
do PIB.
Em realidade, o sistema de metas enfrentou nos últimos anos o desafio de
voltar para um patamar baixo de inflação, após a aceleração de 2002. Neste ano,
a taxa de inflação subiu entre 5 p.p. e 6 p.p. em relação aos valores médios de
2000-2001, chegando a 12,5%, o que na prática significou a duplicação dos níveis
inflacionários da economia brasileira. O sistema de metas reduziu gradualmente

TABELA 8
Comparação de Dois Períodos de Desinflação Recente na Economia Brasileira –
1995-1998 e 2002-2005

Taxa de inflação Taxa de inflação


Período Período
anual (%) anual (%)

Janeiro – dezembro/1995 22,4 Janeiro - dezembro/2002 12,53

Janeiro - dezembro/1996 9,56 Janeiro - dezembro/2003 9,30

Janeiro - dezembro/1997 5,22 Janeiro - dezembro/2004 7,60

Janeiro - dezembro/1998 1,67 Janeiro - dezembro/2005 5,7

Diferença em pontos percentuais (p.p.) 20,73 Diferença em p.p. 6,8

Inflação de 1998/inflação de 1995 7,5 Inflação de 2005/inflação de 2002 45,5


Fonte: IBGE.

O esforço monetário e a estabilidade z 35


a inflação ao longo de três anos para voltar para os níveis de 2000, que são mais
compatíveis com a realidade da inflação mundial e dos países latino-americanos
que mantêm sua inflação controlada. A autoridade monetária cuidou de fazer
essa redução de maneira gradual para evitar sacrifício severo do produto de curto
prazo da economia.
O Gráfico 12 mostra a evolução do PIB trimestral. A taxa média de cresci-
mento entre o quarto trimestre de 2002 e o quarto trimestre de 2005 foi de 0,59%
por trimestre, o que implicou uma taxa de crescimento anual média de 2,4% no
período. A economia brasileira reduziu em 6 p.p. sua inflação, experimentando
uma trajetória de crescimento não muito diferente do desempenho médio da última
década.
Outros indicadores de curto prazo não confirmam a percepção de excessivo
sacrifício do emprego de curto prazo. Por exemplo, entre 2002 e 2005, a taxa de
desemprego foi reduzida de uma média de 13% no início de 2003 para algo entre
9% e 10%, no final de 2005, conforme melhor apresentado no Capítulo 5 desta
edição.
Esse conjunto de informações indica que o sistema de metas não reduziu o
ritmo de crescimento da economia nem no período de desinflação (2003-2005)
nem ao longo de sua vigência, pois o crescimento médio da economia não foi
muito diferente do crescimento médio experimentado no período da âncora cambial.
Como esperado, a mudança de regime monetário, mesmo em processo de
desinflação, não teve influência decisiva na dinâmica de crescimento de médio
prazo da economia. Houve, no entanto, redução da volatilidade da economia,
como pode ser observado pela queda dos coeficientes de variação da taxa de
inflação e do crescimento do PIB (Tabela 9). Mesmo em um contexto de fortes
GRÁFICO 12
PIB: Preços de Mercado – Índice Encadeado – Dessazonalizado

[PIB (média de 1990 = 100)]


150

140

130

120

110

100

90
T1 T3 T1 T3 T1 T3 T1 T3 T1 T3 T1 T3 T1 T3 T1 T3 T1 T3 T1 T3 T1 T3 T1 T3 T1 T3 T3 T1 T3 T1 T3
T1

90 90 91 91 92 92 93 93 94 94 95 95 96 96 97 97 98 98 99 99 00 00 01 01 02 02 03 004 004 005 005


03

19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 20 20 20 20 20 20 20
20

2 2 2 2
Trimestres
Fontes: IBGE/SCN trimestrais e Ipeadata.

36 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 9
Taxas de Inflação e de Crescimento do PIB em Períodos Selecionados

Inflação PIB
Período Média Desvio-padrão Coeficiente Média Desvio-padrão Coeficiente
(por ano) de variação (por ano) de variação

Plano Real antes do sistema de metas de inflação

1994.4 - 1999.2 10,26 9,92 0,97 2,02 6,44 3,19

1996.1 - 1999.2 5,76 5,00 0,87 2,09 5,46 2,61

Sistemas de metas de inflação

1999.3 - 2002.2 7,13 3,16 0,44 2,35 3,82 1,63

1999.3 - 2002.4 8,77 6,36 0,73 2,59 3,62 1,40

2003.1 - 2005.4 7,46 4,72 0,63 2,36 3,91 1,66


Fontes: Bacen e IBGE.

desvalorizações, conseguiu-se tornar a inflação menos volátil, o que resulta po-


sitivo para a formação de expectativas sobre a inflação futura e para as decisões
de investimento, produção e emprego na economia. A menor volatilidade do
produto em um contexto de fortes choques externos significa que a taxa de
câmbio amorteceu seus efeitos sobre o produto.
Para completar a avaliação geral do sistema de metas, é preciso admitir que
a mudança de regime monetário após 1999 permitiu reduzir os juros reais da
economia, não obstante eles ainda permanecerem elevados. O Gráfico 13 apre-
senta as taxas de juros reais mensais ex post como resultado da deflação da taxa
Selic do mês pela variação acumulada em 12 meses do IPCA.

GRÁFICO 13
Taxa de Juros Real Básica (Selic)

[taxa de juros real (%)]


50
45
40
35
30
25 16,9%
20
15
10
5 9,5%
0
Jun./94 Abr./95 Fev./96 Dez./96 Set./97 Jul./98 Mai./99 Mar./00 Jan./01 Nov./01 Set./02 Jun./03 Abr./04 Fev./05 Dez./05 Out./06

Fontes: Bacen e IBGE.

O esforço monetário e a estabilidade z 37


6.2 Características da Inflação no Período de Metas

A primeira característica marcante da inflação brasileira entre 2002 e 2005 é que ela
foi alta se comparada à média de alguns países da América Latina ou de países de
igual grau de desenvolvimento. A segunda é que a inflação brasileira é particular-
mente alta em termos relativos, se levados em consideração os elevados juros reais.
Não existe resposta simples para esse paradoxo. Variações de preços acima
das metas de inflação em um determinado período podem ser resultantes de
diversos choques de oferta, mas tendem a desaparecer se controlados pela política
monetária. O Gráfico 14, porém, revela altas sistemáticas acima das metas para
particulares grupos de bens e serviços da economia. Os diferentes graus de reação
de preços setoriais ante os instrumentos da política monetária de curto prazo, ou
as diferentes percepções da determinação da política monetária, podem ajudar a
explicar essa conduta diferenciada, que acaba por pressionar a inflação.
A Tabela 10 apresenta a evolução, durante o regime de metas, das taxas de
variação em 12 meses do IPCA e de três componentes do IPCA, denominados
preços livres – subdivididos em comercializáveis e não-comercializáveis – e preços
administrados.
Os bens e serviços administrados têm seus preços regulados por contratos
ou normas legais, por envolverem freqüentemente concessões de serviços públicos.23
Esse mecanismo considera, principalmente, a variação acumulada dos compo-
nentes de custos entre as datas de reajuste, representados pelos índices gerais de
preços e pela taxa de câmbio. Os comercializáveis são influenciados no atacado
pelo preço internacional e pela taxa de câmbio, pois são bens que podem ser

GRÁFICO 14
Componentes do IPCA (Nível Geral, Livres e Monitorados) e Metas de Inflação –
1999-2005
[taxas de variação em 12 meses (%)]
25

20

15

10

0
01 03 05 07 09 11 01 03 05 06 07 09 11 01 03 05 07 09 11 01 03 05 07 09 11 01 03 05 07 09 11 01 03 05 07 09 11 01 03 05 07 09 11
99 99 99 99 99 99 00 00 00 00 00 00 00 01 01 01 01 01 01 02 02 02 02 02 02 03 03 03 03 03 03 04 04 04 04 04 04 05 05 05 05 05 05
19 19 19 19 19 19 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20
Centro da meta Limite superior IPCA–preços livres–var. (% a.a.)
Fonte: IBGE. Inflação - IPCA (a.a.) IPCA–preços monitorados–var. (% a.a.)

38 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 10
Evolução do Índice de Preços ao Consumidor
[taxas de variação em 12 meses no regime de metas de inflação – janeiro-dezembro (%)]

Índice cheio

Ano IPCA Preços livres Preços


geral Total Comercializáveis Não-comercializáveis administrados

1999 8,94 6,37 11,26 1,61 20,89

2000 5,97 3,69 3,64 3,71 12,90

2001 7,67 6,56 7,31 5,70 10,78

2002 12,53 11,49 14,88 7,47 15,32

2003 9,30 7,80 8,69 6,66 13,20

2004 7,60 6,54 6,31 6,84 10,20

2005 5,69 4,32 2,74 6,36 8,98

Acumulado 1999-2005 73,87 56,99 68,74 45,08 137,06


Fonte: IBGE.

transacionados no mercado mundial, mas as condições de demanda afetam o


repasse dessas variáveis ao consumidor. Por último, os bens não-comercializáveis
são os diretamente afetados pelas condições de oferta e demanda doméstica desses
bens, ainda que alguns tenham mercados de características imperfeitas, podendo
seus componentes de custo, portanto, ter peso relevante na determinação do preço.
Essa natureza diferenciada da determinação dos preços entre os grupos pode ser
observada na Tabela 10. Os preços administrados cresceram 137% entre fins de 1998
e dezembro de 2005, enquanto o IPCA acumulou alta de 74% no período – pouco
mais da metade do crescimento dos administrados. Os comercializáveis apresen-
taram taxas significativas e acima da média nos anos de desvalorização, como
em 1999 e 2002, mas nos dois últimos anos tiveram papel estabilizador, uma vez
que acompanharam a valorização da taxa de câmbio. Os bens não-comercializáveis,
que podem ser melhor controlados pela política monetária, cresceram 45% no
mesmo período, embora mais recentemente tenham apresentado forte resistência
para reduzir sua taxa de variação em um contexto de inflação candente.
Se analisarmos os produtos individuais que compõem o índice de preços, é
possível construir uma lista reduzida daqueles com participação significativa na
variação do índice geral. E se consideramos apenas aqueles produtos que, entre
2000 e 2005, tiveram participação na variação do IPCA maior do que 1,5% em
dois ou mais anos, chegaremos a um total de 25 produtos, em sua maioria das
categorias de administrados ou de não-comercializáveis. Eles explicam entre 58%
e 72% da inflação entre 2000 e 2005.

O esforço monetário e a estabilidade z 39


Os bens comercializáveis competitivos, como arroz e carne, têm participações
positivas significativas na variação do IPCA em anos de desvalorização, mas
freqüentemente apresentam participação negativa em anos de valorização cambial.
Os bens comercializáveis de mercados mais imperfeitos, como eletrodomésticos,
automóveis ou cigarros, não mostram a mesma flexibilidade e apresentam sempre
participações positivas na variação do índice geral.
Estudo recente [Parente Lameira e Giambiagi (2006)] indica que os bens e
serviços não-comercializáveis têm constituído foco de resistência inflacionária
nos últimos três anos, apresentando taxas médias de variação anual próximas a
7%. Não se observa desaceleração desses preços apesar do aperto monetário porque
eles foram absorvendo custos mais elevados originários dos aumentos do salário
mínimo (SM) e dos preços dos serviços administrados, que são de fato os compo-
nentes primários de seus custos operacionais. Como um dos fatores explicativos
centrais do comportamento altista desses bens e serviços, o estudo assinala a
baixa elasticidade de substituição da demanda, seja porque são produtos muito
específicos para as necessidades de sua clientela, seja porque são fornecidos via
contratos de longo prazo. Ainda segundo o estudo, a participação desses bens na
variação do IPCA passou de 20% em 2002 para 35% em 2005.
É possível identificar uma lista de produtos menor, composta por aqueles
que tenham participação na variação do IPCA acima de 5% em alguns dos seis
anos considerados. Chega-se a uma relação de sete produtos, apresentados na
Tabela 11. São cinco produtos com preços administrados (energia elétrica, ônibus,
gasolina, plano de saúde e telefone fixo) e dois produtos não-comercializáveis
(alimentação fora do domicílio e empregado doméstico). Esses produtos explicam
mais de 30% da inflação nos últimos três anos.
O comportamento dos bens e serviços cujos preços são administrados ou
monitorados pelo governo não é um fenômeno característico do sistema de metas
de inflação. De fato, esse grupo mostrou variações acima da média ao longo de
todo o período de estabilização recente da economia brasileira. Esse comporta-
mento pode ser observado no Gráfico 15, que apresenta as taxas acumuladas em
12 meses do nível geral do IPCA e dos preços monitorados e livres (comercializáveis
e não-comercializáveis).
Algumas características do comportamento dos monitorados merecem ser
destacadas. Em primeiro lugar, o diferencial entre a variação anual desses preços
e dos preços livres estende-se por todo o período, apresentando-se menor, contudo,
no período recente. O crescimento deles está relacionado com a taxa de câmbio e
o seu efeito sobre os índices gerais de preços, que por sua vez são utilizados como
indexadores nas fórmulas de ajuste. Acontece que a sensibilidade dos monitorados

40 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 11
Produtos com Participação na Variação do IPCA Maior que 5% em Maior Número de Anos – 2000-2005

Dez./2000 Dez./2001 Dez./2002 Dez./2003 Dez./2004 Dez./2005

Contribuição para a inflação dos produtos


escolhidos 2,80 2,59 3,10 3,29 2,46 2,37

Soma da participação dos produtos


escolhidos na variação do IPCA (%) 46,95 33,75 24,77 35,35 32,37 41,58

Alimentação fora do domicílio 2,46 5,64 4,08 4,75 5,16 5,50

Energia elétrica residencial 6,87 8,04 6,00 9,02 5,67 6,45

Ônibus urbano 5,46 8,55 4,26 10,06 3,04 8,93

Gasolina 17,87 3,94 3,85 0,84 7,43 5,67

Plano de saúde 2,34 1,40 1,66 2,16 3,28 5,18

Empregado doméstico 5,62 3,30 2,16 2,71 1,76 5,91

Telefone fixo 6,33 2,88 2,76 5,81 6,05 3,94

IPCA total 5,97 7,67 12,53 9,30 7,60 5,69


Fonte: IBGE.

GRÁFICO 15
Nível Geral do IPCA, Preços Monitorados e Livres

[taxas de variação em 12 meses]


45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
12 04 08 12 04 08 12 04 08 12 04 08 12 04 08 12 04 08 12 04 08 12 04 08 12 04 08 12 04 08 12
95 996 996 996 997 997 997 998 998 998 999 999 999 000 000 000 001 001 001 002 002 002 003 003 003 004 004 004 005 005 005
19 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2
Fonte: IBGE. Inflação–IPCA (% a.a.) IPCA–preços monitorados–var. (a.a.) IPCA–preços livres–var. (a.a.)

aos índices gerais tem variado no período recente. Na desvalorização de 1999, o


crescimento dos monitorados acompanhou de perto a variação do índice geral de
preços (IGP), mas em 2002-2003 a variação dos monitorados já não foi tão sensível
à variação do índice de preços no atacado (IPA) e do IGP. Em 2005, a queda dos
monitorados foi inferior à redução experimentada pelo IGP e o IPA.24
A atual persistência da alta dos bens e serviços não-comercializáveis não é um
fenômeno exclusivo dos últimos três anos. O Gráfico 16 mostra a evolução desde
1995 das taxas de variação em 12 meses dos preços livres e de seus componentes

O esforço monetário e a estabilidade z 41


GRÁFICO 16
Evolução dos Preços Livres

[taxas em 12 meses (%)]


40
35
30
25
20
15
10
5
0
-5
12 04 08 12 04 08 12 04 08 12 04 08 12 04 08 12 04 08 12 04 08 12 04 08 12 04 08 12 04 08 12
95 996 996 996 997 997 997 998 998 998 999 999 999 000 000 000 001 001 001 002 002 002 003 003 003 004 004 004 005 005 005
19 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2
Fonte: IBGE. Inflação–comercializáveis IPCA–não-comercializáveis IPCA–preços livres

– comercializáveis e não-comercializáveis. Os bens e serviços não-comercializáveis


reduziram fortemente sua taxa de variação entre 1995 e 1998, cumprindo impor-
tante papel no controle da inflação em 1999 e 2000 – ficando, inclusive, abaixo
do centro da meta. Mas isso não voltou a acontecer nos anos recentes, posto que
eles têm variado acima dos comercializáveis e se mantido próximos do limite
superior da meta desde agosto de 2004. Com a desaceleração da demanda agre-
gada em 1998, a variação de preços de todos os bens apresentou clara conver-
gência em patamares anuais muito baixos, mas a desvalorização de 1999 acelerou
o ritmo de aumento dos preços, especialmente entre os bens comercializáveis. A
desvalorização de 2002 provocou uma nova aceleração do ritmo de variação dos
preços, e o aumento de preços de bens não-comercializáveis, que crescia em
ritmo bem mais lento, aproximou-se de patamares próximos a 10% no final de
2002. A partir de 2003, o ritmo arrefece, mas não voltou aos patamares de 2001.
Na economia brasileira, há preços que a política monetária não é capaz de
influenciar diretamente. A âncora cambial, por exemplo, teve muita dificuldade
para fazer convergir os preços dos não-comercializáveis - que não são disciplinados
pela taxa de câmbio. Somente a redução da demanda agregada fez com que lenta-
mente os preços se alinhassem, efeito que perdurou até meados de 2001. Depois
disso, os preços desses bens passaram a variar em torno de 5% em 12 meses. A
aceleração da inflação, entre 2002 e início de 2003, elevou temporariamente sua
variação, e a restrição monetária só conseguiu fazê-la regredir parcialmente para
taxas anuais próximas de 7%, mesmo quando os juros reais da economia foram
elevados para atingir uma inflação anual de 5%. A resistência do preço desses bens
a se alinharem em patamares baixos reforça a necessidade de se elevar a concor-
rência nos diversos setores produtores de bens e serviços não-comercializáveis.

42 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Em relação aos preços monitorados, resulta claro que, quando um conjunto
de preços que pesa cerca de 30% no índice de referência para o sistema de metas
aumenta a 10% a.a., é necessário sacrifício maior da demanda e da atividade para
atingir inflações próximas a 5%. A alternativa, obviamente, não é relaxar no
cumprimento das metas, mesmo reconhecendo que a influência direta dos instru-
mentos de política monetária sobre tais preços é reduzida. A reação da política
monetária a esses aumentos administrados decorre, sobretudo, da sua repercussão
sobre os demais preços da economia via aumento de custos – sejam os diretos,
decorrentes do preço dos produtos, sejam os indiretos, pela demanda de reposição
salarial.
É certo que a estabilidade monetária em patamares de inflação baixa exige
análise detalhada dos preços monitorados. A busca de soluções regulatórias mais
satisfatórias para as partes envolvidas é uma alternativa que deve ser buscada, con-
siderando tanto o equilíbrio econômico-financeiro das empresas quanto as possibi-
lidades de expansão das quantidades demandadas desses serviços no longo prazo.

6.3 Dilemas do Sistema de Metas de Inflação no Brasil

A literatura sobre implementação do sistema de metas em economias emergentes


identifica três fontes de riscos [Fraga, Goldfajn e Minella (2003) e Mishkin (2000
e 2004)]: regimes fiscais fracos; sistemas financeiros imperfeitamente regulados;
e choques externos. Cada um pode resultar em uma forma de dominância sobre a
política monetária: fiscal, financeira ou externa.
Nos casos da dominância fiscal e financeira, o temor é o mesmo: a ruptura
de um equilíbrio precário no futuro pode gerar aumento da inflação. Essa pers-
pectiva dificulta o controle das expectativas de inflação pela política monetária e
inibe a identificação das metas como âncoras nominais na economia. Em adição,
a dominância fiscal, ao influir adversamente nas expectativas de inflação, reduz
a credibilidade da política monetária e impõe um custo adicional, posto que
exige mais rigor na administração da taxa de juros, o que pode afetar negativa-
mente o equilíbrio fiscal intertemporal, implicando, no limite, a total ineficácia
do regime de metas.
No caso da dominância externa, o risco e principal temor correspondem à
redução brusca da entrada de recursos, ou à inversão do fluxo de capitais. A
diminuição dos recursos externos pode gerar mudanças na percepção dos inves-
tidores internacionais ou agravamento da fragilidade dos fundamentos macroeco-
nômicos domésticos. As conseqüências preocupantes desses choques são a
desvalorização da taxa de câmbio e o aumento da inflação, impondo altas taxas

O esforço monetário e a estabilidade z 43


de juros para controlar as pressões inflacionárias. Como desdobramento desses
choques e da reação da política monetária, economias emergentes podem apre-
sentar alta volatilidade das taxas de juros e de câmbio. Por último, os choques
freqüentes podem dificultar o cumprimento das metas de inflação, afetando ne-
gativamente a sua credibilidade.
A implementação do sistema de metas no Brasil foi comprometida pela ope-
ração de mecanismos vinculados tanto à dominância externa quanto à fiscal. Em
2001, a dominância externa foi predominante. Primeiro, o início da crise da
conversibilidade argentina elevou a percepção de risco dos mercados emergentes
e acometeu particularmente a percepção de risco da economia brasileira, com
conseqüente redução da entrada de divisas e forte desvalorização da taxa de
câmbio. Além disso, fatores domésticos, como a crise energética, e internacionais,
como a desaceleração do crescimento norte-americano, também contribuíram
para acentuar a percepção de risco e a desvalorização da taxa de câmbio. Entre
março e julho de 2001, o Bacen aumentou significativamente a taxa de juros,
mas não foi capaz de impedir a alta de preços impulsionada pela desvalorização,
que só não foi mais intensa em virtude da maciça colocação de títulos cambiais
junto aos investidores.
A dominância externa combinada com os fatores domésticos dificultou a
operação da política monetária em 2001 e impediu que a inflação ficasse dentro
do limite de tolerância. A desvalorização e seus efeitos sobre os preços demandavam
um ajuste maior dos juros, mas a desaceleração da atividade, como conseqüência
do racionamento de energia elétrica, contribuiu para moderar a reação da política
monetária.
Em 2002, a perspectiva de um novo governo aumentou a incerteza associada
à dinâmica da dívida pública, elevando o risco país. Adicionalmente, houve
aumento da aversão ao risco dos investidores internacionais, o que elevou os
prêmios de risco da maioria das economias emergentes. Esses fatores colaboraram
para a redução da entrada líquida de recursos e pressionaram o mercado de câmbio.
A desvalorização subseqüente afetou a dinâmica inflacionária da economia e a
relação dívida líquida/PIB, reforçando ainda mais a percepção de riscos na traje-
tória da dívida pública.25
A política monetária encontrou dificuldades para reagir à combinação das
dominâncias fiscal e externa. A inflação anual em dezembro de 2002 chegou a
12,5%, muito acima do limite superior da meta, tendo sido quase metade em
função da desvalorização cambial. Nesse contexto de incertezas, em meados de
2002 a política monetária enfrentou o seguinte dilema: a alta de juros necessária
para compensar os efeitos da desvalorização nos preços poderia contribuir para

44 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


reforçar a percepção de fragilidade fiscal,26 mas não fazê-lo seria permitir a ace-
leração da inflação. A taxa de juros só foi aumentada a partir de outubro, após
um ajuste na meta de superávit primário, e o processo durou até março de 2003.
A combinação de compromisso com o ajuste fiscal e a manutenção da política
monetária permitiu a criação de um novo contexto de maior credibilidade no
governo e na manutenção do regime de metas.

Credibilidade e Flexibilidade no Sistema de Metas

A flexibilidade para enfrentar os choques de 2001-2002 – modificando metas e


evitando uma queda mais abrupta do ritmo de crescimento da economia – resultou
na aceleração da inflação e exigiu esforço estabilizador nos três anos seguintes.
O não-cumprimento da meta e a aceleração inflacionária em 2002 exigiram,
posteriormente, tenacidade redobrada das autoridades monetárias para restaurar
a credibilidade do sistema de metas e melhorar a capacidade do sistema de coor-
denar as expectativas de inflação.
Esse, aliás, é um dos dilemas característicos do regime de metas: conciliar
flexibilidade com credibilidade. No caso brasileiro, o regime tem se mostrado
flexível: acomodam-se os efeitos primários dos choques de oferta e combatem-se
seus efeitos de propagação. Assim, por exemplo, um aumento inesperado dos
preços do petróleo no mercado internacional seria absorvido incorporando-se o
impacto direto na meta. No entanto, alguma resposta da política monetária con-
tinuaria sendo necessária para impedir que o aumento se propague por toda a
cadeia de preços. Apesar de interessante, este é obviamente um mecanismo para
ser utilizado em casos excepcionais, pois caso contrário o sistema começa a sofrer
abalos em sua credibilidade.
Ancorar as expectativas de inflação futura no sistema de metas significa
trazer as expectativas para a meta. Para manter essa ancoragem é preciso que a
inflação efetiva da economia seja igual ou muito próxima à meta perseguida, ou
que sua trajetória seja consistente com a obtenção da meta ao final de um deter-
minado período. Trazer a inflação efetiva para o centro da meta perseguida dá
credibilidade às autoridades monetárias, permite influenciar as expectativas e
reduzir o custo de ajustes.
O Gráfico 17 apresenta a média das expectativas de inflação em 12 meses
para o período de novembro de 2001 até dezembro de 2005,27 assim como a
trajetória da inflação, também em 12 meses, consistente com a meta (limite inferior,
centro da meta e limite superior). Como se pode observar, no início de 2002 a
inflação esperada estava acima do centro da meta, mas, com a degradação das

O esforço monetário e a estabilidade z 45


GRÁFICO 17
Expectativas e Metas de Inflação em 12 Meses

[em %]
14,00000

12,00000

10,00000

8,00000

6,00000

4,00000

2,00000
0,00000
00 00 00 00 00 00 01 01 01 01 01 01 02 02 02 02 02 02 03 03 03 03 03 03 04 04 04 04 04 04 05 05 05 05 05 05
n/ r/ i/ l/ t/ v/ n/ i/ r/ l/ t/ v/ n/ r/ i/ l/ t/ v/ n/ r/ i/ l/ t/ v/ n/ r/ i/ l/ t/ v/ n/ r/ i/ l/ t/ v/
Ja Ma Ma Ju Se No Ja Ma Ma Ju Se No Ja Ma Ma Ju Se No Ja Ma Ma Ju Se No Ja Ma Ma Ju Se No Ja Ma Ma Ju Se No

Fonte: Bacen. Limite inferior Meta central Limite superior Expectativas em 12 meses

condições de financiamento da economia em outubro de 2002, o público passou


a esperar uma inflação maior do que o limite superior da meta. A partir de janeiro
de 2003, a alta de juros e a decidida ação antiinflacionária das autoridades mo-
netárias permitiram uma reversão da trajetória das expectativas. Entretanto, após
oscilarem próximas do centro da meta, as expectativas começaram novamente a
se elevar e a se afastar desse centro a partir de maio de 2004. Estas permaneceram
em patamar próximo a 6% até maio de 2005, enquanto o centro da meta estava
entre 4,5% e 5,1%. Como resultado da ação da política monetária e do declínio
da inflação efetiva, as expectativas de inflação futura declinaram até convergir
para o centro da meta em 2005.
Além da falta de cumprimento da meta em 2001 e 2002, dois outros fatores
contribuíram para que o sistema de metas tivesse dificuldades para ancorar as
expectativas de inflação e melhor alinhar o comportamento dos preços livres da
economia: a) risco de mudanças ou abandono do sistema de metas; e b) alta
relação dívida/PIB combinada com um forte crescimento dos gastos correntes,28
o que é visto como ameaça para o controle dos preços no futuro – refletindo
assim o risco de dominância fiscal já comentado aqui.
O sistema de metas de inflação operou sob fortes críticas durante todo o
período. As críticas públicas acompanhadas de recomendações dos passos a serem
seguidos pela autoridade monetária podem constituir em poderoso elemento ne-
gativo para a administração da política monetária, porque criam a percepção de
que existe uma opção efetiva de mudança de regime associada com aceleração
inflacionária. Nessas ocasiões é necessária ação firme e decidida da autoridade
monetária.29

46 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Apesar da ausência de elementos comprobatórios, há evidências de que a
possibilidade de mudança de regime afetou as expectativas de inflação de médio
prazo no período recente. De acordo com estudo de Lowenkron e Garcia (2005) as
expectativas inflacionárias de médio prazo são excessivamente sensíveis às sur-
presas na inflação corrente. Em outras palavras, as surpresas inflacionárias alteram
fortemente, para cima, as expectativas de inflação de médio prazo. Se o público
percebe que o Bacen encontrará resistências e críticas à ação necessária, então
pode entender que há possibilidades de mudança no regime monetário e de maior
inflação no futuro.
Outro fator que pode contribuir para o aumento do risco de mudança de
regime e, dessa maneira, manter elevadas as expectativas de inflação de médio
prazo é a falta de independência operacional do Bacen. A literatura e a experiência
internacional indicam que a credibilidade da política monetária é reforçada com
um marco institucional que outorga ao Bacen independência de facto e de jure para
perseguir a estabilidade de preços [Jácome e Vázquez (2005)].
A alta relação dívida pública/PIB restringe a operação da política monetária,
pois a alta de juros aumenta o montante dos compromissos do setor público,
posto que parcela importante da dívida é pós-fixada. Então, aumentos de juros
nominais que não sejam acompanhados por aumentos proporcionais do superávit
primário, supondo constantes os demais determinantes dessa relação, aumentam
a relação dívida pública líquida/PIB e exacerbam o temor de um descontrole
fiscal no futuro. Esse temor de possível descontrole fiscal no futuro é um fator de
pressão sobre as expectativas.
O Brasil tem feito esforço significativo para reduzir a relação dívida pública
líquida/PIB desde a implementação das metas de inflação. A política fiscal tem
procurado ajustar o superávit primário para manter uma relação dívida/PIB cons-
tante ou declinante. Desde 2003, a continuação e o aprofundamento da política
de superávits primários e a apreciação cambial possibilitaram a diminuição da
parcela da dívida ajustada pelo dólar, o que reduziu a conexão entre um eventual
choque externo e o risco de insolvência fiscal.
Um potencial risco ainda continua no front: nos últimos anos, a relação
gasto corrente/PIB tem aumentado sistematicamente em um ambiente de aumento
simultâneo da carga tributária. Esse aumento permitiu diminuir o impacto dessa
trajetória dos gastos sobre a dívida pública, mas parece improvável que seja
possível continuar financiando um tal crescimento com maior pressão tributária
no futuro. Essa situação abre uma interrogação sobre a dinâmica da dívida pública
e constitui uma ameaça para a política monetária, além dos efeitos deletérios
sobre o investimento privado e a renda do consumidor.

O esforço monetário e a estabilidade z 47


6.4 O Aperto Monetário de 2004-2005

Antes de 2004, os apertos monetários no regime de metas foram induzidos por


choques externos que resultavam em brusca redução do financiamento do balanço
de pagamentos e produziam altas das taxas de câmbio, que por sua vez pressio-
navam os preços domésticos e obrigavam a política monetária a reagir. O aperto
monetário de 2004-2005 foi iniciado em condições diferentes dos anteriores e
isso pode ajudar a explicar a dificuldade de entender a sua necessidade.
Por um lado, a abundância de recursos no mercado de câmbio determinava
uma tendência de apreciação cambial e de estabilidade do risco país. Por outro, a
economia tinha conseguido uma substancial redução da inflação em 12 meses,
caindo de 17,24% em maio de 2003 para 5,2% um ano depois. Essa redução tinha
permitido o afrouxamento da política monetária em 2003, levando a taxa Selic
de patamares superiores a 26% a.a., em março de 2003, para 16,5% em dezembro
do mesmo ano.
É verdade que a inflação em 12 meses estava relativamente baixa em maio
de 2004, mas começou a acelerar a partir dali, refletindo a alta não só dos preços
monitorados, mas também dos preços livres da economia. Isso é o que mostra o
Gráfico 18, que apresenta as taxas em 12 meses do IPCA cheio – que inclui todos
os produtos – e o IPCA dos preços monitorados e livres, assim como o limite
superior e a meta para os anos 2003-2005. As taxas de variação em 12 meses dos
preços monitorados praticamente triplicaram entre maio de 2004 e maio de 2005,
refletindo as variações dos índices gerais de preço, enquanto as taxas anuais dos
preços livres aumentaram em 1 p.p. e se mantiveram nesse patamar, mesmo depois
de vários meses de aperto monetário, começando a ceder somente depois do
primeiro semestre de 2005.
GRÁFICO 18
IPCA (Geral, Livres e Monitorados) e Meta de Inflação Acumulados em 12 Meses

[variação (% a.a.)]
25

20

15

10

0
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12
12

03 03 03 03 03 03 03 03 03 03 03 03 04 04 04 04 04 04 04 04 04 04 04 05 05 05 05 05 05 05 05 05 05 05 05
04

20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20
20

Fontes: IBGE e Bacen. Inflação–IPCA–geral IPCA–preços monitorados IPCA–preços livres Limite superior

48 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Três questões foram aqui debatidas em torno do aperto monetário de 2004-
2005. Primeiro, se havia realmente uma aceleração inflacionária ou se era um
fenômeno isolado, produzido pela alta dos preços de algumas commodities inter-
nacionais. Segundo, se a reação da política monetária, com conseqüente impacto
no ritmo de crescimento, era adequada para conter uma inflação que se julgava
fundamentalmente de custos. Resolvidas as duas anteriores, surgiu a terceira:
mantido o aperto monetário por muito tempo, este produziria um sacrifício muito
alto em termos de produto para reduzir a inflação Essas três questões são apre-
sentadas a seguir com mais detalhe.

A Natureza da Alta de Preços em 2004

A alta dos preços dos bens e serviços ao longo de 2004 foi resultado de diversos
fatores. No caso dos bens comercializáveis, um dos fatores foi a alta dos preços
das commodities exportadas pelo Brasil. Por exemplo, o preço do aço aumentou
quase 60% em 2004, refletindo o comportamento do mercado internacional. Outro
fator que pressionou a inflação desse grupo de produtos foi a imposição de PIS e
Cofins nas importações a partir do início daquele ano — medida de isonomia que,
na prática, equivaleu a um aumento da proteção tarifária. Mas não foram somente
os bens comercializáveis que mostraram tendência altista. O crescimento dos
não-comercializáveis foi também significativo e pareceu estar associado aos ren-
dimentos reais da população e à demanda das famílias.
O Gráfico 19 apresenta a trajetória da taxa de variação em 12 meses dos preços
livres e seus dois componentes: preços comercializáveis e não-comercializáveis.
Até meados de 2005, as taxas de variação desses preços permaneceram estáveis

GRÁFICO 19
Preços Livres, Comercializáveis, Não-Comercializáveis e Meta de Inflação

[taxas de variação em 12 meses (%)]


22
20
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
20 3 03
03 1
20 02

0 4
20 3 05
20 06
03 7
0 8
20 3 09
20 10

03 1
20 12

0 1
20 4 02
20 4 03

0 4
20 4 05
20 06
0 7
0 8
20 4 09
20 10

04 1
20 12

0 1
20 5 02
20 5 03

05 4
20 05
20 06
05 7
0 8
20 5 09
20 10

05 1
12
20 3 1

20 4 1

20 5 1
20 3 0

20 4 0

20 5 0
20 3 0

20 4 0

20 5 0
20 3 0

20 0

20 4 0

20 4 0

20 5 0

20 0
03

04

05
03

04

05
0

0
0

0
0

0
0
0

0
0

0
0
20

Fontes: IBGE e Bacen. IPCA–comercializáveis IPCA–não-comercializáveis IPCA–preços livres Limite superior

O esforço monetário e a estabilidade z 49


nos níveis anuais atingidos em agosto de 2004, mesmo após vários meses de
aperto monetário. Os bens comercializáveis oscilaram em taxas anuais próximas
de 6% e só começaram a cair em junho de 2005. Os não-comercializáveis perma-
neceram em 7% a.a. entre agosto de 2004 e julho de 2005, para cair para algo em
torno de 6% a.a., sem mostrar, porém, uma tendência definida de queda até
dezembro do último ano.
Os bens não-comercializáveis formam um grupo mais heterogêneo do que
os comercializáveis em relação a como são tomadas as decisões de preços e às
reações dos seus componentes diante da demanda agregada. Contudo, apesar de
serem em geral mais sensíveis às condições de demanda do que os comer-
cializáveis,30 suas variações anuais permaneceram altas – em torno de 7% a.a. –
até meados de 2005, para estacionar depois em um patamar levemente inferior.
Ainda que seja necessária mais pesquisa para entender a dinâmica recente
dos bens e serviços não-comercializáveis, é possível afirmar que muitos deles,
como educação ou serviços pessoais, por exemplo, têm condições de demanda
muito especiais,31 as quais permitem a manutenção das margens de lucro e repasses
maiores dos custos originários de mão-de-obra e de preços dos serviços adminis-
trados. Essas condições de demanda especiais explicariam a persistência dos
aumentos de preços mesmo em um cenário de desaceleração da demanda agregada.
Ainda outros fatores mais tradicionais também ajudam a explicar o com-
portamento dos não-comercializáveis. De um lado, a demanda dirigida aos bens
e serviços não-comercializáveis depende, entre outras coisas, do nível de ocupação
e da renda real da população. Como muitos desses bens e serviços são de natureza
não-essencial, um aumento do nível de renda real da população poderá produzir
um aumento significativo na demanda, pressionando seus preços. De outro, o
aumento de rendimento real pode também significar aumento de custos desses
bens. É possível esperar, portanto, uma associação positiva entre aumentos dos
preços dos bens não-comercializáveis e aumentos da renda real da população.
O Gráfico 20 mostra o índice de preços dos bens não-comercializáveis e um
índice que representa a evolução da massa de rendimentos reais da população.34
O que se observa é uma sincronia entre aumentos da massa de rendimentos reais
e variações de preços dos bens e serviços não-comercializáveis. Por exemplo,
entre janeiro e setembro de 2004, a massa de rendimentos reais aumentou 8%,
enquanto os preços dos bens não-comercializáveis cresceram 5%. Entre dezembro
de 2003 e dezembro de 2005, o índice de preços dos não-comercializáveis aumentou
13,6% e a massa de rendimento real, 14%.
Resulta claro que a combinação de choques de preços internacionais e a
melhora dos rendimentos reais no mercado de trabalho em 2004 pressionaram os

50 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 20
Índice de Preços de Não-Comercializaveis e da Massa de Rendimento Real

[título]
140,0 115,0

130,0 110,0

105,0
120,0
100,0
110,0
95,0
100,0
90,0
90,0 85,0

80,0 80,0
03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12

12
02 02 02 02 02 02 02 02 02 02 03 03 03 03 03 03 03 03 03 03 03 03 04 04 04 04 04 04 04 04 04 04 04 005 005 005 005 005 005 005 005 005 005 005005

04
20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2

20
Fonte: IBGE. Massa de rendimento real Indice de preços dos não-comercializáveis Núcleo de inflação é uma
medida de inflação que
busca levar em conta
somente aquelas
preços livres da economia. Essas pressões continuaram em 2005, mesmo depois variações de preços mais
próximas dos valores
da alta de juros.
centrais da distribuição de
freqüência de variação de
Indicadores convencionais do estado da demanda agregada também confirmam
preços, excluindo
a existência de pressões de demanda na economia. O indicador de utilização da variações extremas ou
capacidade instalada na indústria produzido pela CNI, entre agosto de 2003 e marginais. Existem
diversas metodologias
outubro de 2004, subiu de forma ininterrupta, atingindo o valor máximo no período para capturar esse
de metas de inflação. Também as estimativas de produto potencial disponível fenômeno (núcleos
simples, médias aparadas
indicavam que o produto efetivo estava superando o produto potencial no segundo etc.). Quando a inflação é
semestre de 2004, contribuindo para gerar pressões inflacionárias na economia. generalizada, os valores
tendem a se concentrar
Segue-se que a aceleração da inflação do segundo semestre de 2004 foi um em torno dos valores
médios, com pouca
fenômeno não apenas resultante da alta dos preços internacionais — um choque dispersão. Nesses casos,
de oferta passível de ser acomodado por elevação da meta —, mas também impul- os núcleos mostram a
mesma tendência de
sionado pela melhora dos indicadores de emprego e de rendimento na economia. variação dos índices
A melhora do consumo das famílias, o comércio exterior e o investimento forta- cheios e se aproximam
leceram as condições da demanda agregada na economia, aproximando o produto deles. Mas quando a
inflação é alavancada por
efetivo da capacidade de oferta da economia, como mostram os indicadores de extremos com ampla
utilização da capacidade e hiato do produto.33 É importante lembrar que o cresci- dispersão, ou seja, a
grande maioria dos preços
mento do investimento foi certamente um fator positivo ao longo do ano, mas está se alterando num
ele se materializa em capacidade de produção adicional com uma defasagem que patamar e alguns poucos
produtos estão variando
pode ser longa em alguns casos, como, por exemplo, a infra-estrutura. num patamar muito mais
elevado, então as medidas
Pela diversidade de pressões sobre as variações de preços, a aceleração da de núcleo de inflação se
inflação não foi um fenômeno isolado a um grupo pequeno de produtos e serviços, distanciam das medidas
de índice cheio – para mais
mas generalizado. Uma evidência disso foi a aceleração das diversas medidas de detalhes, ver Quadro 3.
núcleos da inflação e sua aproximação à variação do índice cheio em 12 meses.

O esforço monetário e a estabilidade z 51


O Gráfico 21 apresenta o comportamento de duas medidas de núcleo comparado
com o IPCA. No início de 2004 as medidas de núcleo refletiam uma tendência
inflacionária maior, o que estava sendo mascarado nos índices cheios pela pre-
sença de quedas extremas que deprimiam os índices em 12 meses. A partir de
meados de 2004, os índices se aproximam, apontando para uma generalização
das variações em torno dos valores médios.
O Gráfico 22 apresenta o desempenho das variações do núcleo dos preços
livres e o índice de preços dos preços livres. Na primeira metade de 2004, quedas
extremas de alguns produtos permitiram a aproximação do índice cheio dos preços
livres ao piso da meta. Na segunda metade, os índices mostram uma tendência de
elevação e se aproximam do teto do intervalo de variação em torno da meta,
indicando uma generalização das altas.
GRÁFICO 21
Núcleo Ipea de Médias Aparadas, IPCA Total e Metas de Inflação –
1999.12-2005.12
[variação anual (%)]
20
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
12 02 04 06 08 10 12 02 04 06 08 10 12 02 04 06 08 10 12 02 04 06 08 12 02 04 06 08 10 12 02 04 06 08 10 12
10

99 00 00 00 00 00 00 01 01 01 01 01 01 02 02 02 02 02 02 03 03 03 03 03 04 04 04 04 04 04 05 05 05 05 05 05
03

19 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20
20

Fonte: Ipea. Núcleo Ipea (% a.a.) Núcleo médias aparadas (% a.a.) IPCA acumulado Limite superior

GRÁFICO 22
Núcleo Preços Livres, IPCA Preços Livres, Centro e Limite Superior da Meta

[taxa de variação (%)]


18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
08
20 0 04
20 12
20 02

20 0 06
20 0 08
20 0 10
20 12
20 02
20 1 04

20 3 10
20 12
20 02
20 4 04
20 4 06

20 5 10
20 06

20 08
20 08

20 4 10
20 12
20 02
20 5 04
06

12
20 1 10
20 12
20 02
20 2 04
20 06
20 08
20 2 10
20 12
20 02
20 3 04
20 3 06
20 08

05
00

01

04

05
02

03
99

00

03
01

04
01

04

05
01

05
02
02

02

03
0

0
0

0
0
0
0
0

0
0

0
0
0

20
20
19

Fonte: Ipea. Núcleo preços livres–IPCA (% a.m.) IPCA preços livres Centro da meta Limite superior

52 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


QUADRO 3
Núcleos de Inflação
As medidas de núcleo da inflação têm por objetivo isolar os efeitos temporários ou localizados
causados por choques de oferta de forma a evitar que oscilações em preços de bens ou
serviços específicos influenciem a percepção em relação às variações do nível geral de preços,
as quais devem refletir o comportamento da demanda agregada. O cálculo de núcleo de
inflação é especialmente importante nos países que adotam o regime de metas inflacionárias,
uma vez que, ao isolar o efeito de choques localizados sobre a inflação, eles permitem iden-
tificar a tendência de mais longo prazo da variação do nível geral de preços, impedindo que
a política monetária reaja desnecessariamente diante de eventuais flutuações das taxas mensais
de inflação, ou, na situação contrária, dá espaço para que a autoridade monetária antecipe
seus movimentos de ajuste. Em ambos os casos, ajuda a reduzir a volatilidade econômica. O
cálculo dessas medidas de núcleo de inflação pode ser feito com base em diversas metodologias,
que têm vantagens e desvantagens. São apresentadas duas das mais usuais metodologias de
cálculo, assim como a metodologia utilizada pelo Ipea.
Núcleo por Exclusão
O núcleo por exclusão é em geral calculado simplesmente extraindo-se do índice os itens que
historicamente apresentam as maiores oscilações, como as commodities agrícolas e os deri-
vados de petróleo. Para o caso brasileiro, o Bacen adotou como metodologia o expurgo das
variações dos itens alimentação no domicílio e preços administrados. Após sua exclusão, os
demais itens são reponderados e o índice recalculado com os novos pesos. O pressuposto
dessa forma de calcular o núcleo é que as flutuações nos itens excluídos sejam realmente
transitórias, ou seja, que elas não se propaguem para o futuro. A utilidade do núcleo calculado
dessa maneira depende claramente de quão voláteis são os preços dos itens excluídos. Uma
das críticas atribuídas ao núcleo por exclusão é que, ao excluir de forma arbitrária do seu
cálculo um número relativamente grande de itens, ele pode estar deixando de captar infor-
mações importantes acerca da tendência inflacionária para os meses à frente.
Núcleo por Médias Aparadas
Pode ser que em alguns países os preços de determinados itens sejam mais voláteis, isto é,
tragam pouca informação sobre a tendência mais geral da inflação no futuro, enquanto em
outros isso não ocorre. Para evitar essa arbitrariedade no cálculo do núcleo de inflação, uma
alternativa é o cálculo do núcleo por médias aparadas. Nesse caso, extraem-se do índice
cheio os itens com as 20% maiores e as 20% menores variações de preços, assumindo que
variações muito distantes da média refletem fatores específicos daqueles produtos, e não
fatores ligados à demanda agregada. Assim como ocorre no núcleo por exclusão, os itens
remanescentes são reponderados e as novas contribuições são calculadas. Como não há itens
previamente definidos, nada impede que um item excluído em um determinado mês possa
fazer parte do núcleo de inflação no mês seguinte e vice-versa. Um ajuste importante que é
feito no cálculo dessa medida de núcleo é a suavização das variações de itens como combus-
tíveis, energia, educação e comunicação, entre outros, cujos reajustes se concentram em
determinados meses do ano. Como esses itens apresentam reajustes pouco freqüentes, poucas
ou apenas uma vez ao ano, a tendência é a de que, quando ocorressem, fossem proporcional-
mente elevados, fazendo com que ficassem sempre de fora do cálculo. Isso certamente seria
algo impróprio, pois sua variação traz informações importantes para a tendência da inflação.
A suavização é feita substituindo-se a variação efetiva no mês pela média geométrica das
continua

O esforço monetário e a estabilidade z 53


continuação
variações registradas nos últimos 12 meses, incluindo aí a do próprio mês para qual está sendo
feito o cálculo.
Núcleo IPEA
Nas duas metodologias de cálculo de núcleo da inflação expostas anteriormente há um certo
grau de arbitrariedade na construção: no núcleo por exclusão, a arbitrariedade está nos itens
excluídos; no núcleo por médias aparadas, no ponto de corte (no caso, os 20%). Essas arbitra-
riedades provocam em maior ou menor grau alguma perda de informação. Para se evitar esse
problema, foi desenvolvido no Ipea um método alternativo que equivale a reponderar pelo
inverso da variância todos os itens que compõem o índice cheio. Nesse caso, itens que histori-
camente possuem grandes volatilidades ao longo do tempo entram no cálculo com um peso
menor do que o original; itens com maior sensibilidade a choques, ou que apresentam caráter
sazonal, têm suas contribuições reduzidas, ao passo que outros, com menor variância e cujas
variações trazem implicitamente maior informação sobre a tendência da inflação, têm suas
contribuições aumentadas.
GRÁFICO 23
PCA versus Núcleo por Exclusão

[variação mensal (%)]


2,50

2,00

1,50

1,00

0,50

0,00

-0,50
Ag l.-2 03
Se .-20 3
Ou .-2 03
M r.-2 03

No t.-2 03

Fe -20 3
M v.-2 03
Ab .-20 3

De .-2 03
Ju -20 3

Ja .-20 3
Ju i.-2003

Ju i.-2004
M v.-2 04
Ab .-20 4

Se .-20 4
Ag l.-2 04

Ou .-2 04
No t.-2 04
v.- 004
Ja .-20 4
Fe .-20 4
M r.-2 04

Ju -20 4

Not.-2 05
M v.-2 05

M r.-2 05

Se .-20 5

Ja .-20 5

M v.-2 06

r.- 06
Ab .-20 5

Ju -20 5

Ou .-2 05

De .-2005

Ab .-20 6
Ju i.-2005

Ag l.-2 05

Fe .-20 5

06
o 00

n. 0
ar 00

n. 0

z 00

ar 00

o 00

z 0
n. 0

n 0

o 00

z 0
ar 00

n. 0

ar 00
n 0
0
Fe .-20

v 0
a 0

a 0

De 20

0
v 0
a 0

20
t
n

t
Ja

Fontes: IBGE e Ipea. Núcleo por exclusão IPCA

GRÁFICO 24
IPCA versus Núcleo por Médias Aparadasa
[variação mensal (%)]
2,50

2,00

1,50

1,00

0,50

0,00

-0,50
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40

Fontes: IBGE e Ipea.


aCom suavização. Núcleo por médias aparadas IPCA
continua

54 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


continuação
GRÁFICO 25
IPCA versus Núcleo Ipea

[variação mensal (%)]


2,50

2,00

1,50

1,00

0,50

0,00

-0,50
Ag l.-2 03
Se .-20 3
Ou .-2 03
M r.-2 03

No t.-2 03

Fe -20 3
M v.-2 03
Ab .-20 3

De .-2 03
Ju -20 3

Ja .-20 3
Ju i.-2003

M v.-2 04
Ab .-20 4

Ju i.-2004

Se .-20 4
Ag l.-2 04

Ou .-2 04
No t.-2 04
v.- 004
Ja .-20 4
Fe .-20 4
M r.-2 04

Ju -20 4

Not.-2 05
M v.-2 05

M r.-2 05

Se .-20 5

Ja .-20 5

M v.-2 06

r.- 06
Ab .-20 5

Ju -20 5

Ou .-2 05

De .-2005

Ab .-20 6
Ju i.-2005

Ag l.-2 05

Fe -20 5

06
o 00

n. 0
ar 00

n. 0

z 00

ar 00

o 00

z 0
n. 0

n 0

o 00

z 0
ar 00

n. 0

ar 00
n. 0
0
Fe .-20

v 0
a 0

a 0

De 20

0
v 0
a 0

20
t
n

t
Ja

Fontes: IBGE e Ipea. Núcleo Ipea IPCA

GRÁFICO 26
Comparação entre os Núcleos

[variação mensal (%)]


2,5

2,0

1,5

1,0

0,5

0,0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40

Fontes: IBGE e Ipea. Núcleo por exclusão Núcleo por médias aparadas Núcleo Ipea

A Oportunidade da Reação da Política Monetária

Se estivermos interessados em saber se foi ou não oportuna a reação da autoridade


monetária diante de um quadro de elevação da inflação, uma pergunta sobressai:
estava em curso em 2004 uma aceleração da tendência de inflação que pudesse
comprometer o cumprimento das metas? Conforme visto aqui, a aceleração in-
flacionária era generalizada e parece evidente que os riscos de não se atingir a
meta em 2005 eram elevados. Esse era o dilema da condução da política monetária.
Como justificar um não-cumprimento da meta em tempo de normalidade econô-
mica, sem choque externo ou de confiança? Caso isso ocorresse, provocaria im-
portante desgaste à credibilidade do sistema de metas e ao esforço de estabilização
que o país vem realizando.

O esforço monetário e a estabilidade z 55


Como discutido no inicio deste capítulo, inflações de 7% a 8% a.a. não
podem ser consideradas baixas no atual momento da economia mundial. E per-
mitir variações de preços nesse patamar por dois anos seguidos em uma sociedade
com forte memória inflacionária poderia gerar demanda por mecanismos de
indexação, com desastrosos efeitos sobre o controle monetário, além de inexorável
perda de credibilidade e de reputação da autoridade monetária, com riscos para
estabilizações futuras – se necessárias.
Um dos argumentos que poderia ser utilizado contra a oportunidade da
reação da autoridade monetária é que a inflação tinha origem em choques de
oferta – pelos aumentos dos preços internacionais – e que, portanto, controlar
apenas o lado da demanda seria ineficaz, além de inadequado. Ora, como foi
apresentado, havia um conjunto mais amplo de elementos a justificar a elevação
da inflação. A recuperação do mercado de trabalho e as condições gerais da
demanda agregada na economia estavam também contribuindo para a aceleração
inflacionária, pela sua influência sobre os bens e serviços não-comercializáveis e
pelo repasse das altas de preços na cadeia dos comercializáveis.
Nessas situações, a política monetária deve reduzir a taxa de crescimento da
demanda agregada, elevando os juros para diminuir os repasses dos custos mais
elevados — inclusive aqueles associados a serviços públicos e outros bens cujos
preços são monitorados ou administrados por contratos supervisionados pelo po-
der público —, e ajustar as expectativas na formação de preços. Para controlar uma
alta generalizada de preços, a política monetária exerce influência sobre os preços
de bens e serviços com maior sensibilidade às variações da demanda e, com isso,
orienta a formação das expectativas de preços na economia. Obviamente que se
poderia atuar sobre outros componentes, como, por exemplo, por meio de estímulos
à ampliação da oferta, mas isso não apenas está fora do escopo da política mone-
tária, como também o tempo de resposta dessas ações e a diminuta margem de
manobra por parte do Estado, dadas as severas limitações fiscais – como debatido
na edição de 2005 desta série –, fazem com que essas opções não estejam verdadei-
ramente disponíveis.
Por fim, é necessário se perguntar quais poderiam ter sido as conseqüências
de não elevar os juros no último trimestre de 2004. É razoável supor que a inflação
teria sido muito maior do que os 7% a 8% observados. A variação anual dos
preços livres da economia, mais afetados pelas condições de demanda, permane-
ceram em patamar de 6% a 7% entre agosto de 2004 e maio de 2005, para cair
gradualmente até 4,2% em dezembro. Isso indica que a alta dos juros foi neces-
sária para primeiro segurar e, depois, reduzir a taxa de crescimento dos preços
livres da economia.

56 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Os Custos do Controle da Aceleração Inflacionária

De acordo com o que foi visto neste capítulo, para diminuir a inflação o Bacen
tem o dever de aumentar os juros de curto prazo, reduzindo a demanda e ajustando
o crescimento efetivo da economia às possibilidades produtivas no curto prazo.
Logo, a política monetária no sistema de metas tem impacto direto no crescimento
de curto prazo. E isso ocorre também em economias com inflações moderadas ou
baixas. Por essa razão, sempre se discute a intensidade da política monetária em
termos de sua contundência e permanência.
Em termos de contundência, verificaram-se aqui evidências de que o aperto
monetário foi dado em dose adequada para reverter o quadro de inflação. Em
termos de permanência, é difícil julgar se o ajuste feito em 2004-2005 foi prolon-
gado ou não. A persistência do processo de aceleração da inflação iniciado em
meados de 2004, mesmo depois das primeiras altas das taxas de juros, indica que
era necessário um aperto prolongado da política monetária. De fato, a inflação
em 12 meses permaneceu em patamar acima do limite superior da banda de
janeiro até junho de 2005, o que pode explicar as altas de juros no início de 2005
e a manutenção de juros próximos de 20% a.a. por quatro meses no segundo e
terceiro trimestres do mesmo ano. Mesmo com juros reais elevados, a inflação
demorou a ceder e foi superior ao objetivo buscado pelo Bacen. Dessa maneira,
analisando sob a ótica dos objetivos perseguidos pela autoridade monetária, não
é possível afirmar que o ajuste monetário tenha se prolongado demais.
O sacrifício em nível de produto também não é uma questão de fácil resposta,
pois outros fatores afetam simultaneamente as decisões de produção. De fato, a
economia brasileira cresceu aproximadamente 5% em 2004, mas desacelerou seu
crescimento para 2,3% em 2005. Mas será que toda essa redução é explicada pelo
aperto monetário? É certo que a política monetária influi diferentemente sobre os
diferentes setores que compõem o PIB. Entre eles, o da indústria de transformação
pode ser o mais sensível aos movimentos da taxa de juros de curto prazo, pela
natureza das suas atividades e pelas características da sua demanda. Por isso,
uma outra maneira de observar o impacto do aperto monetário na atividade eco-
nômica é pela magnitude e pela duração da queda do produto industrial após o
aperto monetário.
O Gráfico 27 apresenta a série com ajuste sazonal da produção física da
indústria de transformação desde julho de 1994 até março de 2006. Nele podem
ser observadas as quedas da produção industrial que seguiram a apertos monetários
significativos na última década. A distância entre o pico e o vale da produção no
período imediatamente após o ajuste possibilita que se visualize a magnitude do

O esforço monetário e a estabilidade z 57


GRÁFICO 27
Índice da Produção Física da Indústria de Transformação – Julho de 1994 até
Março de 2006
[índice (séries dessazonalizadas)]
120

115

110

105
Alta da Selic
100

95

90

85
10 01
9 1
9 7
9 0

19 5 04
07

9 1
19 6 04
9 7
9 0
97 1
19 04
9 7
9 0
9 1
19 8 04
9 7
9 0
9 1
19 9 04
9 7
0 0
0 1
20 0 04
0 7
20 0 10
0 1
20 1 04
0 7
20 1 10
0 1
20 2 04
02 7
10

20 3 04
0 7
0 0
04 1
20 04
0 7
0 0
0 1
20 5 04
0 7
06 0
01
1994 0

1996 0

1997 0

1998 0

1999 0

2000 0

2001 0

2002 0

2003 0

2004 0

2005 0
19 5 0
19 4 1

19 0

19 6 1
19 7 0

19 7 1
19 8 0

19 8 1
19 9 0

20 9 1
20 0 0

20 1 0

20 2 0

20 3 1
20 4 0

20 4 1
20 5 0

20 5 1
95 03
95

96

0
19 20

0
19

19

20
Fonte: IBGE.

sacrifício de produção associado, ainda que não totalmente explicado, à alta dos
juros na economia. As quedas na década de 1990 são importantes, mas aquela
observada entre junho e outubro de 2005 – depois do aperto monetário iniciado em
setembro de 2004 – não parece profunda, ou de magnitude similar à das anteriores.
Para estimar a duração e os custos, em nível de queda da produção industrial,
dos ajustes monetários no período de estabilização, foram considerados os meses
transcorridos e a queda de produção acumulada entre o pico e o vale da produção
industrial no período imediato após o início da alta de juros. Os resultados estão
apresentados na Tabela 12. A queda da produção industrial no ajuste monetário
de 2004 foi a de menor duração e com a menor perda de produção acumulada no
período recente. O que essa evidência indica é que o controle da estabilidade em
2004 teve o menor custo em termos de queda da produção industrial desde 1994.

TABELA 12
Duração e Intensidade da Redução da Produção Industrial no Período Imediatamente Posterior a um
Ajuste Monetário na Economia Brasileira – 1994-2005

Crise de dezembro Crise Economia americana, Crise de Estabilização


de 1994 russa racionamento e crise argentina 2002 2004-2005

12-1994 05-1998 12-2000 11-2002 06-2005


Número de meses
até 05-1995 até 02-1999 até 10-2001 até 06-2003 até 10-2005

1 -2,32 -2,35 -1,34 -2,64 -1,76

2 -0,13 0,90 1,33 -1,81 0,95

3 -0,08 -1,60 -1,49 -0,67 -2,58

4 -1,29 -0,21 -0,36 0,20 0,04


(continua)

58 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


(continuação)

Crise de dezembro Crise Economia americana, Crise de Estabilização


de 1994 russa racionamento e crise argentina 2002 2004-2005

12-1994 05-1998 12-2000 11-2002 06-2005


Número de meses
até 05-1995 até 02-1999 até 10-2001 até 06-2003 até 10-2005

5 -9,00 -3,32 1,30 0,32

6 0,33 -1,90 -1,95

7 -4,18 -0,45 -1,22

8 3,74 0,24

9 -1,25 -2,02

10 -2,31

Total de meses 5 9 10 7 4

Queda acumulada da
produção da indústria
de transformação 12,40 8,02 6,50 7,52 3,35
Fonte: IBGE/PIM-PF.
Obs.: A primeira data corresponde ao pico da produção antes do episódio de queda do produto. A última data corresponde ao vale
da atividade.

7. A NECESSIDADE DE MELHORAR A COMBINAÇÃO DE POLÍTICA


MACROECONÔMICA

A inflação brasileira foi alta entre 2001 e 2004 tanto em nível internacional
quanto em relação ao próprio desempenho brasileiro no período 1996-2000. No
final de 2002, a política monetária iniciou um ajuste gradual para reduzir a
inflação que persistiu ao longo de 2003, utilizando metas anuais elevadas para
evitar um alto sacrifício da atividade econômica. Depois de um período de redução
da inflação, esta voltou a acelerar em meados de 2004.
A decisão do Bacen de apertar a política monetária em 2004 e 2005 foi,
apesar de difícil, correta. Não atuar teria sido desgastar a reputação da autoridade
monetária e seu compromisso com as metas. Deixar a inflação subir acima da
meta pode ser feito em circunstâncias excepcionais no regime de metas – como
de fato foram os choques externos e de confiança de 2001 e 2002 –, mas o Bacen
não podia deixar de combater uma alta de preços como a de 2004, que tinha
todas as características típicas de uma aceleração inflacionária – com pressões
originadas tanto em fatores de custo como de demanda. Muito foi discutido sobre
os custos da estabilização do ano passado, mas a evidência apresentada neste
capítulo mostra que os custos em termos de atividade não foram maiores do que
em experiências anteriores de desinflação.

O esforço monetário e a estabilidade z 59


A reação das autoridades monetárias em 2004-2005 foi adequada para superar
o desafio colocado à sua reputação e à credibilidade do sistema. Mas é preciso
avançar na construção de fundamentos mais permanentes para a estabilização
da economia brasileira que efetivamente reduzam seus custos e seus dilemas.
Duas iniciativas contribuiriam para reforçar a credibilidade do sistema de
metas e para reduzir os custos de manutenção de uma inflação baixa: um ajuste
fiscal que minimize os desequilíbrios estruturais existentes no setor público bra-
sileiro – tal como exaustivamente assinalado na edição de 2005 desta série – e a
independência operativa formal do Bacen. Estas duas iniciativas permitiriam me-
lhorar a combinação da política macroeconômica, diminuindo as pressões sobre
a taxa de juros como instrumento de estabilização e os riscos inflacionários pre-
sentes na economia brasileira.
Reduzir os desequilíbrios existentes no setor público brasileiro consiste, ba-
sicamente, em acelerar a redução da proporção dívida líquida/PIB, com melhor
composição de gastos e receitas do setor público. Essa iniciativa tem como pri-
meiro objetivo reduzir a dominância fiscal sobre o regime de metas de inflação,
ou seja, diminuir a probabilidade de descontrole fiscal no futuro que ameace a
política monetária. Isso teria um efeito positivo sobre as expectativas de preços e
sobre a credibilidade do sistema de metas, possibilitando controlar a inflação
com juros reais menores. Mas a melhor composição de gastos e receitas do setor
público teria adicionalmente uma série de efeitos positivos sobre a economia.
Em primeiro lugar, a redução do ritmo de crescimento dos gastos correntes
sobre o PIB34 permitiria aumentar os gastos de investimento, com seus desdobra-
mentos positivos sobre a infra-estrutura e sobre a capacidade de crescimento da
economia. O maior investimento do setor público teria uma relação positiva com
a oferta agregada da economia, ampliando as possibilidades de controle da inflação
com juros reais menores.
Em segundo lugar, a gradual diminuição da carga tributária sobre o setor
privado permitiria aumentar a renda disponível, com efeitos positivos sobre o
nível de vida da população e sobre o investimento das empresas. De fato, como se
pode constatar nas inúmeras sondagens de opinião junto a empresas e empresários
no período recente, o aumento da carga tributária dos últimos anos constitui um
dos principais fatores de inibição à expansão do investimento e da produção.
Por fim, a interação entre a política fiscal e monetária teria características
mais positivas do que no presente. Na atualidade, a alta relação dívida/PIB e a
elevada proporção dos gastos correntes em comparação aos gastos de investi-
mento pressionam a inflação. Por sua vez, os altos juros reais da política mone-
tária com o objetivo de controlar a inflação deterioram a dinâmica da dívida.

60 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Uma vez feita a opção por reduzir de forma consistente os desequilíbrios do setor
público, seria possível a redução sistemática dos juros reais com que opera a
política monetária, de modo que viesse a contribuir positivamente sobre a própria
dinâmica da dívida pública.
A independência operativa formal do Bacen aumentaria a credibilidade do
sistema de metas de inflação porque permitiria maiores garantias de que as autori-
dades monetárias teriam condições de cumprir a meta de inflação perseguida, sem
interferências de natureza política. É preciso destacar que, na prática, o Bacen já
vem operando com independência desde o início do regime de metas, o que indica
que a sociedade está preparada para uma discussão séria e desapaixonada acerca
da institucionalização. Isso aumentaria a credibilidade da meta e afetaria positiva-
mente as expectativas de preços do conjunto da economia, reduzindo os aumen-
tos acima da meta. Com maior número de preços convergindo para a meta, a taxa
de juros poderia diminuir, contribuindo para que a demanda agregada operasse
mais próxima do potencial de oferta da economia.
A redução dos desequilíbrios estruturais existentes no setor público brasileiro
permitirá não somente diminuir os custos atuais do controle da inflação, mas
também possibilitará a alocação de recursos e energia no sentido de ampliar a
capacidade de oferta da economia, com impactos positivos sobre a demanda e o
funcionamento do mercado de trabalho. Mas os desafios que enfrenta o mercado
de trabalho brasileiro não se esgotam nos condicionamentos macroeconômicos
impostos a seu funcionamento. É preciso também atuar sobre suas instituições e
sobre determinadas características que afetam os trabalhadores brasileiros, con-
forme apontam e discutem os capítulos seguintes neste livro.

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NOTAS
1. Os dados são trimestrais e referentes aos meses de janeiro, abril, julho e outubro de cada ano.
2. Embora a análise esteja focada nos anos de 2004 e 2005, o ano de 2003 também está indicado nos
gráficos, para que os dados de 2004 possam ser vistos com um mínimo de perspectiva.
3. O indicador conjuntural da indústria da FGV se refere ao percentual de empresas que relatam haver
estoques excessivos menos o percentual que relata ter estoques insuficientes. O outro indicador é
obtido pela variação percentual em três meses da média móvel de três meses da produção industrial
dessazonalizada, menos a variação das vendas reais da indústria, na mesma transformação.
4. A partir de dados do PIB trimestral – Contas Nacionais anuais para o período ainda não disponíveis.
5. Em 2004, usou-se o deflator do PIB; em 2005, o IPCA médio anual, com base no Boletim de Conjuntura
do Ipea de março de 2006.
6. A economia mexicana tem um papel central no desempenho do grupo em foco.
7. Franco (2005, p. 260) enfatiza esse ponto e cita como exemplo dessa concepção estruturalista o
trabalho O falso dilema entre estabilidade e crescimento. Segundo Prebisch, o autor, “a espiral
inflacionária costuma ser o caminho mais rápido” para resolver os problemas de desenvolvimento,
ainda que seja “um processo socialmente custoso e regressivo de elevar o coeficiente de poupança”.
8. Friedman (1968 e 1977) desenvolveu essa idéia e fez essa discussão em termos de nível de atividade, e
não de crescimento. Para ele, existiria uma taxa natural de desemprego determinada pelas forças reais

64 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


da economia e que a política monetária poderia reduzir temporariamente, mas ao custo de gerar mais
inflação no longo prazo. Sem prejuízo, o argumento pode se estender para a análise do crescimento,
com as mesmas implicações.
9. Nessa visão mais recente, a inflação no presente é resultado das expectativas de inflação, da inflação
no período passado e da situação relativa da demanda agregada em relação à capacidade de oferta.
Um banco central pode ter incentivos para se engajar em políticas expansivas porque suas ações
podem ter algum impacto na atividade no curto prazo, mas não poderá fazer isso de forma sistemática.
O público aprenderá o comportamento do banco central e antecipará esse comportamento na fixação
de preços, criando um viés inflacionário na economia. Ver, por exemplo, Romer (1996).
10. Os principais estudos empíricos em que se analisam os efeitos das variáveis macroeconômicas sobre o
crescimento são: Fischer (1993); Barro (1996 e 2005); Levine e Zervos (1993); e Clark (1996).
11. Nesses modelos, a perda de valor dos recursos em caixa das empresas estimularia a aplicação em
ativos reais e produtivos [Tobin (1965)]. A acumulação de ativos reais era um mecanismo de proteção
contra a deterioração dos ativos monetários. Isso parece ter acontecido no Brasil no final dos anos 1980.
12. Ver, a respeito, De Gregório (1993) e Chari, Jones e Manuelli (1996).
13. Ver Golob (1994). Hess e Morris (1996) realizaram estudo com 42 países para um período de 25 anos,
associando taxas médias de inflação e medidas de volatilidade da inflação e encontraram forte relação
positiva entre elas.
14. A taxa de juros nominal sobre um título ou um ativo deve contemplar o rendimento real esperado
desse ativo, a inflação esperada no período de maturação desse ativo e um prêmio pelos riscos
associados a esse ativo. A incerteza sobre o comportamento da inflação implica acréscimo de risco e,
portanto, aumento da taxa de juros.
15. Temple (2000) assinala que as evidências empíricas mais recentes indicam que a variância de preços
relativos é tão maior quanto maior for a taxa de inflação, e está associada aos componentes não
antecipados da inflação.
16. A definição do que se entende por inflação baixa ou moderada não é estrita: depende, entre outras
coisas, do contexto histórico. Até o inicio da década de 1990, taxas de inflação baixas eram aquelas
inferiores a 10% a.a. e taxas de inflação moderadas eram aquelas que oscilavam entre 10% e 30% a.a.
Atualmente, são consideradas taxas de inflação baixas aquelas inferiores a 5% a.a. e são inflações
moderadas as que oscilam entre 10% e 15% a.a.
17. Dornbusch e Fischer (1991) analisam os principais processos de inflação moderada na economia
mundial. Poucos países, como a Colômbia, por exemplo, permaneceram com inflações moderadas por
período prolongado.
18. Para uma análise dos incentivos e razões para perseguir políticas expansionistas no curto prazo sem
efeitos duradouros no produto, ver Kydland e Prescott (1977) e Barro e Gordon (1983).
19. Uma alternativa à fixação é permitir uma desvalorização gradual da taxa de câmbio em relação à
moeda do país de inflação baixa de maneira a manter um diferencial de inflação.
20. Para a descrição detalhada da metodologia, ver Céspedes et alii (2005).
21. As metas para um determinado ano são fixadas no mês de junho de dois anos antes do ano de referência.
22. Apenas para lembrar um deles, entre o primeiro trimestre de 1999 e o último de 2005 os preços
internacionais do petróleo praticamente quintuplicaram.
23. As regras de ajuste de preços dos serviços privatizados tiveram como objetivo maximizar o preço de
venda – ao reduzir o risco para os investidores de controles de preços –, transferindo para os
consumidores o custo dessa decisão. Houve e ainda há muitas críticas sobre as regras de reajuste de

O esforço monetário e a estabilidade z 65


preços, até porque durante certo tempo os reajustes foram superiores à média de variação de preços.
E isso também reflete a necessidade de equilibrar o setor público. Com a estabilização da economia e
a apreciação mais recente do câmbio, os reajustes começam a ficar inferiores à média geral.
24. É preciso destacar o importante papel dos combustíveis na variação recente dos preços dos produtos
administrados. Diferentemente da maioria dos administrados, cujos preços são regidos por contratos,
no caso dos combustíveis o preço doméstico é vinculado ao preço internacional e à variação da taxa
de câmbio. A alta dos preços internacionais do petróleo não permitiu que a queda do dólar se refletisse
nos preços domésticos da gasolina.
25. Pastore e Pinotti (2006) analisam em detalhe a crise de 2002.
26. Blanchard (2006) discute como o aumento de juros nessas circunstâncias pode ter efeitos negativos
sobre a percepção da dinâmica da dívida pública e escassos impactos sobre o mercado de câmbio.
27. As expectativas de inflação em 12 meses começaram a ser divulgadas em novembro de 2001.
28. Cerisola e Gaston Gelos (2005) realizaram estudo sobre os determinantes das expectativas de inflação
e concluíram que as expectativas são sensíveis à conduta da política fiscal. A decisão de aprofundar
o ajuste fiscal e a meta de superávit primário em 2003 teve um impacto significativo nas expectativas
de inflação.
29. É nesse contexto que deve ser entendida a reação do Bacen no segundo trimestre de 2004. Naquele
momento, a aceleração da inflação indicava a necessidade de um novo ciclo de aperto monetário.
Mas existiam dúvidas sobre as condições do Bacen para implementar um novo aperto monetário, e
por isso a reação das expectativas foi esperar uma inflação maior do que a meta em 12 meses. O
Bacen não podia deixar a inflação de 2005 sair das metas porque isso teria reforçado essa percepção
e desgastado a credibilidade do regime de metas. Sua ação hoje é considerada por alguns como
superior à necessária. É possível, mas apenas demonstra que, sob risco institucional, a ação da autoridade
monetária deve ser superior à que seria necessária na ausência desse risco.
30. Para informações mais detalhadas sobre a resposta dos preços dos produtos comercializáveis e não-
comercializáveis a estímulos da demanda, ver Carvalho et alii (2006).
31. Essas condições especiais de demanda estão relacionadas ao fato de que esses bens não podem ser
substituídos rapidamente no consumo, seja porque são produtos específicos para as necessidades da
sua clientela, ou porque são fornecidos por contratos com prazos determinados.
32. Esse índice foi construído multiplicando a população ocupada nas regiões metropolitanas pelo valor
do rendimento médio real habitual da nova PME. O rendimento médio habitual captura a remuneração
normal, evitando os efeitos de sazonalidade e horas extraordinárias.
33. A economia brasileira operou com elevado hiato durante todo o ano de 2004 até meados de 2005.
34. Como proposto por Giambiagi (2005), Giambiagi e Tafner (2006) e Delfim Netto e Giambiagi (2005),
trata-se de que os gastos correntes cresçam menos do que o PIB nominal da economia. Isso implicaria
no médio prazo reduzir a carga tributária sobre o setor privado e o superávit primário, aumentando
o espaço para o investimento público.

66 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


2 A Oferta de Força de Trabalho
Brasileira: Tendências e Perspectivas
A Oferta de Força de Trabalho
2 Brasileira: Tendências e Perspectivas

1. INTRODUÇÃO

Mudanças expressivas ocorreram com a população brasileira ao longo do século


XX. Entre elas, recebeu destaque especial entre os estudiosos a diminuição da
mortalidade acompanhada pela queda na fecundidade. Comparado à experiência
européia, o movimento de passagem de um estágio de população relativamente
estável, em função de taxas de mortalidade e de fecundidade elevadas, a um
estágio de mortalidade e fecundidade baixas, estaria acontecendo no Brasil em
velocidade acelerada. A alta velocidade da queda da fecundidade e da mortalidade
acarreta mudanças rápidas no ritmo de crescimento da população, na distribuição
etária e, conseqüentemente, na oferta de força de trabalho. Em outras palavras, o
Transição demográfica é
Brasil estaria completando, de forma rápida, o que se convencionou chamar de o movimento de
transição demográfica. passagem de altos para
baixos níveis de mortali-
Como será enfatizado no Capítulo 4 deste livro, a oferta global de trabalho dade e de fecundidade, o
que muitas vezes é
de um país está intrinsecamente ligada ao seu processo demográfico. Neste capí- associado ao processo de
tulo apresenta-se um cenário prospectivo para a população em idade ativa e para modernização. Espera-se
que isto ocorra em três
a oferta de força de trabalho brasileira no período 2000-2030. Os elementos
fases: a primeira quando a
determinantes do tamanho e da composição por sexo e idade da população em fecundidade e a
idade ativa são a fecundidade e a mortalidade, no caso de população fechada, ou mortalidade são altas
(baixo crescimento
seja, quando não se consideram os que imigram e os que emigram. O efeito da populacional), a segunda
fecundidade se dá de forma defasada, isto é, a população que irá constituir a quando a mortalidade se
reduz e a fecundidade
força de trabalho brasileira no futuro próximo – digamos nos próximos 15 anos permanece constante
– já nasceu. O efeito da mortalidade, por outro lado, atua contemporaneamente (crescimento populacional
elevado) e a terceira
sobre o estoque de população, reduzindo-lhe a dimensão. A migração não tem quando a fecundidade e a
efeito sobre o total, mas desempenha importante papel na distribuição espacial mortalidade são baixas
(baixo crescimento
desse contingente. Por fim, a oferta de força de trabalho é determinada também populacional) [Pressat
pelas taxas específicas de atividade. (1985)].
A seção seguinte apresenta uma visão geral das tendências de crescimento
da população brasileira e dos componentes desse crescimento (fecundidade, mor-
talidade e migrações internacionais). Na seqüência são discutidas as mudanças
na composição da população por idade, sexo e situação de domicílio. As tendências
demográficas da população em idade ativa estão descritas na quarta seção, e os
principais movimentos da oferta de força de trabalho, na quinta seção. As pers-
pectivas de crescimento futuro desses dois segmentos encontram-se na sexta
seção. Os resultados são apresentados desagregados por sexo, grupos qüinqüenais
de idade e situação de domicílio (rural e urbana). As informações utilizadas são
provenientes dos Censos Demográficos de 1980 e 2000 e do sistema de mortali-
dade do Ministério da Saúde.

2. O CRESCIMENTO POPULACIONAL

2.1 Visão Geral

O Censo Demográfico de 2000 encontrou aproximadamente 170 milhões de habi-


tantes residentes no Brasil. Estima-se para 2006 um contingente populacional da
ordem de 186,8 milhões de habitantes. Esses são resultados de uma história
populacional que pode ser sintetizada em três fases – pode-se dizer que elas
correspondem às três etapas da transição demográfica. Na primeira, que abrange
desde o século passado até aproximadamente 1930, a população apresentava
taxas de natalidade e de mortalidade relativamente altas e, conseqüentemente,
A taxa de crescimento taxas moderadas de crescimento vegetativo, ligeiramente abaixo de 2,0% ao ano
vegetativo mediria o
ritmo de crescimento de
(a.a.) (ver Gráfico 1). Entretanto, entre 1870 e 1930, observou-se um incremento
uma dada população se
ela pudesse ser considera-
da fechada, isto é, sem
GRÁFICO 1
migrações. É o resultado Componentes da Dinâmica Demográfica Brasileira
da interação apenas da
[por 1.000]
natalidade e da 50
mortalidade.
40

30

20

10

-10
1860 1880 1900 1920 1940 1960 1980 2000 2020

TBN TBM
Fontes: Merrick e Graham (1979, p. 37) e IBGE/Censo Demográfico de 2000. Crescimento vegetativo Migração líquida Incremento líquido

70 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


populacional significativo, ou seja, taxas de crescimento acima de 2,0% a.a.,
como resultado da imigração internacional.
A partir de 1940, tem início a segunda fase dessa história quando os níveis
de mortalidade começaram a declinar e os movimentos populacionais de origem
internacional perderam importância no contexto da população nacional. A mor-
talidade passou a experimentar um declínio rápido e sustentável, o que, apesar de
ter beneficiado todos os grupos etários, foi mais expressivo na infância. A queda
da mortalidade se tornou responsável pela variação no ritmo de crescimento da Entende-se por fertilidade
a capacidade potencial de
população brasileira até 1970, levando a que esse crescimento atingisse o seu uma mulher gerar filhos e
ápice nas décadas de 1950 e 1960 (taxas médias anuais em torno de 2,9% a.a.), o por fecundidade a
realização desta
que foi possível, também, por conta dos altos níveis de natalidade prevalecentes. capacidade. Já o termo
natalidade refere-se ao
A terceira fase foi caracterizada pela redução dos níveis de fecundidade, total de nascimentos
bem mais acentuada que a redução, também, em curso, na mortalidade, impedindo numa dada população, o
que é afetado pela
que a taxa de crescimento da população brasileira continuasse a aumentar. Como fecundidade e pela
conseqüência da queda acelerada da fecundidade, a taxa de crescimento estrutura etária e por sexo
populacional também se reduziu expressivamente. Dos quase 3,0% a.a., observados da população.

entre 1950-1970, essa taxa passou para aproximadamente 1,5% a.a. na década
Taxa de fecundidade
de 1990 (ver Gráfico 1). total é um indicador
sintético do nível de
fecundidade. Indica a
2.2 Os Componentes do Crescimento Populacional média de filhos tidos por
uma mulher no final do
seu período reprodutivo,
2.2.1 Fecundidade ou seja, aos 50 anos se
ela tiver experimentado
ao longo da sua vida
Em uma população fechada, os componentes do crescimento populacional são reprodutiva o mesmo
conjunto de taxas de
fecundidade e mortalidade. Como se viu anteriormente, a redução da fecundidade fecundidade do ano
foi responsável pela redução no ritmo de crescimento da população brasileira e, mencionado.
como será visto adiante, pela mudança na sua distribuição etária.
Uma população atinge o
Há certo consenso de que a fecundidade iniciou um processo de redução seu nível de reposição
quando a fecundidade e a
contínua a partir do final dos anos 1960. No Gráfico 2, encontra-se uma série mortalidade alcançam
histórica de estimativas de taxas de fecundidade total por situação de domicílio.1 valores que resultariam
Para o Brasil como um todo, a taxa de fecundidade total, ou seja, a média de em uma taxa de
crescimento igual a zero.
filhos tidos por uma mulher ao final da vida reprodutiva, passou de 6,2 filhos por Ou seja, a população
mulher em 1930-1935 para 2,1 em 1999-2004. Esta última taxa sinaliza que a simplesmente se repõe.
Para a população
fecundidade brasileira está atingindo o nível de reposição. brasileira, dadas as taxas
de mortalidade vigentes,
Apesar de a fecundidade ter experimentado uma queda bastante expressiva, foi estimado que esse
sua intensidade não foi monotônica. Nas décadas de 1930 e 1950, ela apresentou nível seria alcançado
quando a taxa de
ligeiro acréscimo, sendo que na última década, devido, exclusivamente, às mu- fecundidade total fosse
lheres urbanas. A partir daí, ela iniciou um processo de decréscimo acentuado, igual a 2,1.

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 71


GRÁFICO 2
Brasil: Taxas de Fecundidade Total por Situação de Domicílio — 1930-2004

8,0
7,0
6,0
5,0
4,0
3,0
2,0
1,0
-
1930-1935 1940-1945 1950-1955 1960-1965 1970-1975 1981-1986 1990-1995 1994-1999 1999-2004

Fontes: IBGE/Censos Demográficos e Pnad de 2004. Urbano Rural Total

que se manteve até o início dos anos 2000. O comportamento da fecundidade


tem sido espacial e socialmente diferenciado. Comparando-se a situação rural
com a urbana, observa-se que as diferenças nas taxas de fecundidade são evidentes
desde o primeiro período estudado. Nele, as mulheres residentes nas áreas rurais
tinham em média 2,8 filhos a mais que as residentes nas urbanas. Entre as mu-
lheres do último qüinqüênio estudado, os diferenciais foram de 0,8 filho por
mulher. As mulheres urbanas tinham em média 1,5 filho e as rurais 2,3 filhos.
Essa diferença, por si só, já implica um crescimento vegetativo mais elevado nas
áreas rurais relativamente às urbanas (Gráfico 2).
Uma outra mudança no comportamento da fecundidade foi o seu rejuvenes-
cimento. Isto significa que, a despeito de a taxa de fecundidade das mulheres de
20 a 49 anos ter declinado no período em foco, a das mulheres de 15 a 19 anos
(adolescentes) aumentou, conforme se pode ver no Gráfico 3. Estas experimentaram
um aumento em termos relativos nas suas taxas de fecundidade desde 1960–
1965, até a primeira metade dos anos 1990. O maior incremento ocorreu nos
anos 1970 [ver Beltrão, Camarano e Kanso (2004), Rios-Neto (2005) e Berquó e
Cavenaghi (2005)]. Observou-se uma redução nessas taxas na segunda metade da
década de 1990.
A fecundidade na adolescência, bem como suas implicações sociais,
demográficas e as relativas à saúde da mãe e de seu nascituro emergem como
uma questão internacional. Há uma discussão sobre até que ponto a gravidez das
mulheres jovens pode ser considerada precoce e apresentar desvantagens, seja do
ponto da saúde das mulheres e/ou das crianças, seja pela questão social. Nesse

72 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 3
Brasil: Taxas Específicas de Fecundidade – 1960-1999

0,35

0,30

0,25

0,20

0,15

0,10

0,05

-
15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49

1960-1965 1970-1975
Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1970 a 2000 e Pnad de 2004. 1981-1986 1990-1995 1994-1999

tocante, menciona-se a interrupção da escolaridade, entrada precoce no mercado


de trabalho e, mesmo, pobreza [ver, por exemplo, Medeiros (1998), Melo (1996),
Camarano (1998) e Berquó e Cavenaghi (2005)]. Há também autores, como Heilborn
(1998), que consideram a gravidez na adolescência uma estratégia para aumentar
o status das adolescentes na família e na sociedade. A maternidade é um papel
social valorizado e estimulado pela sociedade. Já Rios-Neto e Miranda-Ribeiro
(1992) mostraram que a gravidez precoce pode ser uma estratégia das adolescen-
tes para chegar ao casamento.

2.2.2 Mortalidade

O outro componente mencionado como responsável pela dinâmica do crescimento


populacional é a mortalidade. As taxas de mortalidade da população brasileira
vêm apresentando um declínio acentuado em todos os grupos etários, desde o
período intra-uterino até as idades mais avançadas resultando em implicações ex-
pressivas de toda ordem na família e na sociedade. Embora se reconheça que esse
declínio tenha começado nos anos 1940, as informações disponíveis só permitem
traçar esse quadro a partir de 1980.
Uma medida sintética comumente usada para medir os níveis de mortalidade
é a esperança de vida ao nascer, que indica o número de anos que se espera que
um recém-nascido viva dadas as condições vigentes de mortalidade. O Gráfico 4
apresenta os valores da esperança de vida ao nascer por sexo e situação de domi-
cílio. Esse indicador aumentou em ambas as situações e para os dois sexos.

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 73


GRÁFICO 4
Brasil: Esperança de Vida ao Nascer segundo Sexo e Situação de Domicílio
— 1980, 1991 e 2000
[número de anos]
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Homens Mulheres Homens Mulheres
Urbano Rural
Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000 e Ministério da Saúde/
Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). 1980 1991 2000

Os maiores ganhos foram observados para a população feminina urbana. A espe-


rança de vida era ligeiramente maior nas áreas urbanas que nas rurais e esses
diferenciais se ampliaram no tempo.
Entre 1980 e 2000, a esperança de vida ao nascer da população masculina
passou de 58,4 anos para 66,0 anos e a das mulheres aumentou de 65,5 para 74,3
anos. As mulheres apresentavam, em 2000, uma esperança de vida 8,3 anos mais
elevada que a masculina. Os diferenciais entre os sexos cresceram ao longo do
período analisado devido, principalmente, ao aumento da mortalidade da população
adulta jovem masculina por causas externas, como será visto posteriormente.
Encontram-se na Tabela 1 as estimativas de esperança de vida ao nascer, aos
16 (início da vida ativa) e aos 60 anos. Os três indicadores apresentaram elevação
no período para ambos os sexos. Os maiores aumentos relativos foram verificados
entre a população idosa. Como já mencionado, os homens em idade ativa apre-
sentaram mortalidade relativamente muito mais alta do que as mulheres e, con-
seqüentemente, menores ganhos na esperança de vida.

TABELA 1
Brasil: Esperança de Vida ao Nascer, aos 16 Anos e aos 60 Anos por Sexo — 1980 e 2000

1980 2000

Homens Mulheres Homens Mulheres

E0 58,4 65,5 66,0 74,3

E16 49,3 55,9 52,5 60,5

E60 13,9 17,6 16,5 20,8


Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000 e Ministério da Saúde/SIM.

74 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


O Padrão Etário e por Causas da Mortalidade

A análise do padrão etário e por causas da mortalidade leva em conta apenas a


população total – não estão disponíveis as informações necessárias para uma
análise por situação de domicílio. Pode-se notar pelos Gráficos 5 e 6 que a queda
da mortalidade não se deu de forma homogênea entre os vários grupos etários.
Observa-se ali uma redução relativa bem mais significativa da mortalidade do
grupo etário 1-4, seguido pela população menor de 1 ano e pelo grupo 5-9 anos.
Os únicos grupos etários que não experimentaram queda foram aqueles compreen-
didos entre 15-24 anos para a população masculina, cujas taxas aumentaram.
Já foi observado que esse aumento na mortalidade dos grupos etários de 15 a 29

GRÁFICO 5
Brasil: Taxas Específicas de Mortalidade da População Masculina — 1980 e 2000

[escala log]
1,0000

0,1000

0,0100

0,0010

0,0001
<1 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80
e+

Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1980 e 2000 e Ministério da Saúde/SIM. 1980 2000

GRÁFICO 6
Brasil: Taxas Específicas de Mortalidade da População Feminina — 1980 e 2000

[escala log]
1,0000

0,1000

0,0100

0,0010

0,0001
<1 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80
e+

Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1980 e 2000 e Ministério da Saúde/SIM. 1980 2000

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 75


anos entre 1980 e 1991, decorre do crescimento da mortalidade por causas externas
[Camarano et alii (1997)].
Os padrões da mortalidade por causa,2 idade e sexo são bastante inter-
relacionados. Por exemplo, a comparação do padrão por causas de morte da popu-
lação brasileira, entre 1980 e 2000, aponta para uma redução da importância relativa
dos óbitos por doenças infectoparasitárias, que passaram de quarta causa em 1980
para décima segunda em 2000, assim como para um aumento dos óbitos por doenças
cardiovasculares e por causas externas. Como o primeiro grupo de doenças afeta
mais a população idosa e jovem e o último, a idosa, isso afeta o padrão etário da
mortalidade. Por outro lado, as mudanças na distribuição etária alteram o padrão
de causas de morte. Essa mudança no padrão por causas e por idade é chamada de
transição epidemiológica. O Gráfico 7 mostra a distribuição proporcional dos óbitos
brasileiros pelas cinco principais causas em 1980 e 2000, sendo que neste último,
essas cinco causas foram responsáveis por 73,6% do total de óbitos notificados.
Nos dois anos considerados, a principal causa de morte do total da população
brasileira foi o grupo formado pelas doenças do aparelho circulatório. Esse grupo
foi responsável por 26,5% dos óbitos ocorridos no ano de 2000. Em segundo
lugar, colocaram-se as mortes por sintomas, sinais e achados anormais de exames
clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte, 13,8%. Esta é uma
classe residual indicadora da qualidade da informação de óbitos, ou seja, de má

QUADRO 1
Transição Epidemiológica
A transição epidemiológica apresenta uma estreita correlação com a transição demográfica.
De acordo com Omram (1971) a transição epidemiológica consiste em mudanças no padrão
etário, de causas de morte e níveis que ocorrem em três fases: a) mortalidade alta em todas as
idades ocasionada por fome, pestes e guerras; b) mortalidade relativamente mais elevada nas
primeiras idades e entre as mulheres em idade reprodutiva ocasionada por doenças transmissíveis;
e c) substituição das doenças transmissíveis por doenças não-transmissíveis e causas externas
entre as principais causas de morte, concomitantemente ao deslocamento do maior peso rela-
tivo da mortalidade do grupo jovem para os mais idosos.
A transição epidemiológica no Brasil, ao contrário da observada em países desenvolvidos,
não tem ocorrido através de superação de etapas. Alguns autores [Yazaki e Saad (1990); Carmo
e Cols (2003) apud Chaimowicz (2006)] advogam a existência de um modelo brasileiro caracte-
rizado por: a) superposição entre os padrões nos quais predominam as doenças transmissíveis,
as causas externas e as doenças crônico-degenerativas, permanecendo a mortalidade elevada
em ambos; b) concomitância entre importantes reduções na incidência de doenças
imunopreveníveis e o surgimento, reaparecimento ou recrudescimento de outras doenças
transmissíveis (malária, hanseníase, hepatite e AIDS); e c) a “polarização epidemiológica”, com
importantes contrastes sendo observados em função de características geográficas e/ou
socioeconômicas.

76 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 7
Distribuição das Cinco Principais Causas de Morte da População Brasileira
— 1980 e 2000
30


25

20

15 2ª
3ª 4ª
10 3ª 5ª
5ª 6ª

0
Doenças do aparelho Sintomas, sinais e Neoplasias (tumores) Causas externas de Doenças do aparelho Outras
circulatório achados anormais de morbidade e mortalidade respiratório
exames clínicos e laboratoriais
Fonte: Ministério da Saúde/SIM.
Nota: As doenças infecciosas e parasitárias em 1980 ocuparam a quarta posição de maior freqüência relativa (9,3%). 1980 2000

declaração dos atestados de óbitos, anteriormente chamadas de mal definidas.


Pode estar associada a uma baixa qualidade da assistência de saúde. Em terceiro
lugar, encontram-se as neoplasias malignas, que foram a quinta causa de morte
em 1980. Embora os óbitos por causas externas tenham passado da terceira para
a quarta mais importante causa de morte, a sua participação no total de óbitos
aumentou de 9,4% para 12,0% no período considerado. Isso pode ser explicado
pela redução das taxas de mortalidade por determinadas causas como, por exemplo,
doenças infectocontagiosas, e pelo aumento por outras causas como doenças
cardiovasculares e pelas próprias causas externas.
O diferencial por sexo nas taxas de mortalidade é, parcialmente, explicado pelo
diferencial nas causas de morte. O Gráfico 8 apresenta a distribuição proporcional

GRÁFICO 8
Distribuição Proporcional dos Óbitos da População Brasileira pelas Cinco Principais
Causas de Morte e por Sexo — 2000
35

30

25

20 2ª
2ª 3ª
15 3ª


10 5ª

5

0
Doenças do aparelho Causas externas de Sintomas, sinais e achados Neoplasias (tumores) Doenças do aparelho
circulatório morbidade e mortalidade anormais de exames respiratório
clínicos e laboratoriais
Fonte: Ministério da Saúde/SIM.
Nota: A quinta maior causa feminina foram “algumas afecções originadas no período perinatal” (7,6%). Homens Mulheres

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 77


dos óbitos da população masculina e feminina pelas cinco principais causas refe-
rentes ao ano 2000. A principal diferença no padrão de mortalidade entre os
sexos está na proporção de óbitos por causas externas, seguida pela proporção de
óbitos por doenças cardiovasculares. Para os homens, causas externas foi a se-
gunda mais importante causa de morte, sendo responsável por 17,4% do total de
óbitos. Para as mulheres, essa foi a sétima causa, respondendo por 4,6% do total.
A menor proporção de mortes femininas por causas externas resultou em que as
mortes pelas demais causas tivessem um peso maior no total de óbitos comparados
aos masculinos.

2.2.3 Migração Internacional

Como se viu anteriormente, as migrações internacionais desempenharam um papel


importante na dinâmica demográfica brasileira entre 1872 e 1930. A partir daí,
os estudos demográficos passaram a considerar a população brasileira como fe-
chada até os anos 1980. Os resultados do Censo Demográfico de 1991 sinalizaram
O saldo líquido migratório para um saldo líquido migratório negativo nos anos 1980 [Beltrão e Camarano
é o resultado da diferença
entre as saídas e entradas (1997) e Carvalho (1996)]. Esse movimento perdurou nos anos 1990.
de migrantes em uma
dada população. Estimar saldos e taxas migratórias não é uma tarefa simples devido à pouca
Os valores apresentados disponibilidade de dados. Foi estimado um saldo líquido negativo de aproxima-
na Tabela 2 são resultados
de uma estimativa feita damente 1,9 milhão de pessoas para a década de 1980 e de 700 mil para os anos
por métodos indiretos. 1990, conforme se pode ver na Tabela 2. Em termos de impacto no crescimento
Salienta-se que esses
resultados são afetados da população brasileira, o provocado por esse fluxo é muito pequeno: menos de
por diferenças nas 1% da população em 1990 e menos de 0,5% em 2000. No entanto, as estimativas
coberturas dos censos
considerados [ver Beltrão se referem apenas aos grupos etários de 15 a 34 anos, dado que as relativas às
e Camarano (1998)]. demais idades não foram consideradas estatisticamente significativas.
A taxa líquida de
migração foi calculada
como a razão entre o TABELA 2
saldo líquido e a Brasil: Estimativas do Saldo Líquido Migratório por Idade e Sexo — 1980-1990 e 1990-2000
população do respectivo
grupo etário do início do Homens Mulheres Total
período. Idade
1980-1990 1990-2000 1980-1990 1990-2000 1980-1990 1990-2000

15-19 -125.259 118.871 80.140 158.545 -45.119 277.415

20-24 -354.582 -46.990 -247.652 -121.597 -602.234 -168.587

25-29 -413.968 -204.364 -446.471 -229.644 -860.439 -434.007

30-34 -166.981 -27.423 -229.186 -46.205 -396.166 -73.628

Total -1.060.790 -278.777 -843.168 -397.446 -1.903.958 -676.223


Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000.

78 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


O impacto do saldo na população dos grupos etários mencionados pode ser
visualizado no Gráfico 9, que apresenta as taxas líquidas de migração internacional
da população brasileira nas décadas de 1980 e 1990. Nos anos 1980, as mais
elevadas taxas se deram para o grupo etário de 20 a 24 anos, tanto para homens
quanto para mulheres. Esse fluxo foi responsável por 5,0% da população mas-
culina desse grupo etário e 3,5% do feminino. Já na década de 1990, observou-se
um decréscimo nas taxas de todas as idades e um deslocamento do ponto de
máximo para o grupo de 25 a 29 anos.
Outra diferença detectada no período analisado foi a mudança na composição
dos fluxos migratórios por gênero. Nos anos 1980, predominaram os homens e
nos 1990, as mulheres. O aumento da participação das mulheres no total de
fluxos migratórios já foi mostrado pela Cepal (2006). Esse aumento ocorreu, prin-
cipalmente, nos fluxos dirigidos para a Europa. Apesar das limitações das infor-
mações [Azevedo (2004) apud Rios-Neto (2005)], mostrou que os principais destinos
dos emigrantes brasileiros são Estados Unidos, Paraguai e Japão. Cresceu também
o fluxo que se dirige a Portugal, Espanha e Inglaterra.
Embora o volume de emigrantes brasileiros não seja expressivo quando com-
parado ao total da população do país, esse processo é seletivo quanto à idade e ao
nível educacional. Pode estar implicando perda de contingentes de jovens brasi-
leiros qualificados para países desenvolvidos, nos quais a População Economica-
mente Ativa (PEA) vem se reduzindo [Rios-Neto (2005)]. Outra implicação
importante diz respeito às remessas de recursos financeiros do exterior para o
Brasil. Em suma, a questão da imigração internacional é bastante complexa e
envolve questões relevantes como sistemas de previdência, direitos humanos,
regulação governamental, família etc.

GRÁFICO 9
Brasil: Taxas Líquidas de Migração Internacional por Sexo (Decenais) – 1980-1990
e 1990-2000
[em %]
0,03
0,02
0,01
0
-0,01
-0,02
-0,03
-0,04
-0,05
-0,06
15-19 20-24 25-29 30-34

Homens - 1980-1990 Homens - 1990-2000


Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000. Mulheres - 1980-1990 Mulheres - 1990-2000

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 79


QUADRO 2
Brasileiros no Exterior e as Entradas de Divisas
Uma das implicações importantes da emigração internacional é a entrada de remessas finan-
ceiras. Apesar de as remessas dos emigrantes brasileiros no exterior representarem apenas uma
pequena percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) (inferior a 1%), o Brasil ocupa a segunda
posição, dentre os países latino-americanos, tanto em montantes absolutos de remessas recebidas
quanto em valor médio enviado por migrante – perdendo apenas para o México. Dessas remessas,
os fluxos provenientes dos dekasseguis (descendentes de japoneses) que vivem no Japão têm
atraído atenção crescente, pois contribuem com aproximadamente 40% do total de remessas
recebidas. A população de brasileiros residentes no Japão representa em torno de 12% do total
de migrantes lá residentes. Estima-se que os dekasseguis enviem, em média, US$ 600 por mês
às suas famílias residentes no Brasil, valor superior aos enviados por imigrantes latino-americanos
residentes nos Estados Unidos, estimado em US$ 350, em média, por mês [BID apud Beltrão e
Sugahara (2006)].

3. COMPOSIÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA POR IDADE, SEXO


E POR SITUAÇÃO DE DOMICÍLIO

3.1 Distribuição Etária e por Sexo

As transformações demográficas em curso, queda da fecundidade e da mortalidade,


além de afetarem o ritmo de crescimento populacional, também, provocaram
importantes mudanças na estrutura etária da população. A mudança mais impor-
tante nos últimos anos foi o envelhecimento populacional. Esta pode ser visualizada
no Gráfico 10, que compara a distribuição por sexo e idade da população brasi-
leira em 1950 e 2000.
GRÁFICO 10
Distribuição Proporcional da População Brasileira por Idade e Sexo — 1950 e 2000

90 e +
85-89
80-84
75-79
70-74
65-69
60-64
55-59
50-54
45-49
40-44
35-39
30-34
25-29
20-24
15-19
10-14
5-9
0-4
0,10 0,08 0,06 0,04 0,02 0,00 0,02 0,04 0,06 0,08 0,10

Homens - 1950 Mulheres - 1950


Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1950 e 2000. Homens - 2000 Mulheres - 2000

80 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Sob o ponto de vista demográfico, o envelhecimento populacional é o resul-
tado da manutenção por um período de tempo razoavelmente longo de taxas de
crescimento da população idosa superiores às da população mais jovem. Isto gera
uma mudança nos pesos dos diversos grupos etários no total da população.
A proporção da população de 60 anos e mais no total da população brasileira
passou de 4,1% em 1950 para 8,6% em 2000. O processo do envelhecimento é
muito mais amplo do que uma modificação de pesos de uma determinada popu-
lação, dado que altera a vida dos indivíduos, as estruturas familiares, a sociedade
etc. Além disso, tem também implicações na demanda por políticas públicas e na
pressão pela distribuição de recursos na sociedade.
O envelhecimento é ocasionado sobretudo pela queda da fecundidade, que
acarreta uma redução na proporção da população jovem e, conseqüentemente,
um aumento na proporção da população idosa. Daí resulta outro processo, co-
nhecido como envelhecimento pela base. A redução da mortalidade infantil acar-
reta um rejuvenescimento da população, dada uma sobrevivência maior das
crianças. Por outro lado, a redução da mortalidade nas idades mais avançadas
leva esse segmento populacional, que passa a ser mais representativo no total da
população, a sobreviver por períodos mais longos, resultando no envelhecimento
pelo topo. Observa-se que esse envelhecimento foi mais expressivo entre as mu-
lheres, tendo em vista a maior mortalidade masculina. Um dos resultados é a
maior proporção de mulheres entre a população idosa.
A par do envelhecimento da população total, a proporção de “mais idosos”
(de 80 anos e mais) também aumentou, alterando a composição etária dentro do
próprio grupo, o que significa, que a população idosa também envelheceu
[Camarano, Kanso e Mello (2004)]. Em 2000, o grupo representava 12,6% do
total da população idosa. Isso termina por criar uma heterogeneidade da própria
população idosa.
A análise da composição da população brasileira por gênero conclui que a
sua composição não se modificou ao longo das décadas. Em 1980, 49,7% dela
eram compostos por homens e 50,3% por mulheres. Em 2000, essas proporções
foram de 49,2% e 50,8%, respectivamente. Quando essas proporções são
desagregadas por idade, observa-se predominância maior das mulheres, princi-
palmente, nas idades mais avançadas. Isso pode ser confirmado pela razão de Razão de sexo é a razão
entre o número de
sexos que diminui com a idade (ver Gráfico 11). Em 2000, por exemplo, entre os homens e o de mulheres
jovens de 15 a 19 anos, essa razão foi de 101 e entre a população de 80 anos e em uma certa população.
Expressa o número de
mais de 65,5. A mortalidade masculina mais alta observada desde o nascimento homens para cada
explica esse decréscimo nas razões de sexo. 100 mulheres.

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 81


GRÁFICO 11
Brasil: Razão de Sexos por Idade segundo a Situação de Domicílio — 2000

120
110
100
90
80
70
60
50
40
0-4 5-9 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-74 75-79 80 e +

Fonte: IBGE/Censo Demográfico de 2000. Urbano Rural Total

3.2 Distribuição Espacial: Rural-Urbana

Os indicadores de distribuição espacial da população brasileira revelam aumento


da concentração populacional nas áreas urbanas e nas grandes cidades ao longo
das últimas décadas.3 Em 1950, 36,2% da população brasileira residiam na zona
urbana. Em 2000, era 81,2%. Naquele ano, duas cidades, São Paulo e Rio de
Janeiro, respondiam por quase 17% da população brasileira. Já a população resi-
dente nas áreas rurais e em localidades com menos de 20 mil habitantes de-
clinou de 75,7% em 1950 para 34,0% em 2000. Desde os anos 1970, a população
rural vem apresentando diminuição absoluta. Entre 1980 e 2000, essa diminuição
foi de aproximadamente 7 milhões de pessoas (ver Gráfico 12).

GRÁFICO 12
Distribuição Percentual da População Brasileira por Situação de Domicílio —
1950-2000
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1950 1960 1970 1980 1991 2000

Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1950 a 2000. Urbana Rural

82 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Como o crescimento vegetativo é tradicionalmente mais baixo nas áreas
urbanas do que nas rurais, o crescimento bem mais elevado da população nas
primeiras é resultado tanto da continuação do intenso êxodo rural que tem ca-
racterizado o processo de urbanização brasileiro, como da migração de pequenos
centros para grandes cidades, além de, pela criação de novos municípios [ver, por
exemplo, Martine et alii (1990)].
Aproximadamente 16 milhões de pessoas deixaram a área rural na década
de 1970, o que correspondeu a 38% da população ali residente. Nos anos 1980,
esse volume decresceu para 12,5 milhões, o que constituía 32% do contingente
que residia nas áreas rurais em 1980 [Camarano e Abramovay (1998)]. A tendência
ao decréscimo em termos absolutos do contingente migrante continuou, mas a
participação relativa deste manteve-se aproximadamente constante. Na década
de 1990, em torno de 12 milhões de pessoas deixaram a área rural, equivalente a
31,4% da população rural de 1990.
O impacto da migração na população dos diversos grupos etários pode ser
visualizado pelas taxas específicas de migração líquida rural-urbana. Os Gráficos 13
e 14 mostram essas taxas para as décadas 1970-1980, 1980-1990 e 1990-2000
para a população masculina e feminina, respectivamente.4 As taxas de migração
decresceram entre 1970 e 1980 e voltaram a crescer nos anos 1990, não obstante
o saldo líquido migratório ter decrescido. Já foi visto aqui que, desde os anos
1970, a população feminina apresentou taxas de migração mais elevadas que a
masculina, principalmente, nos grupos etários mais jovens [Camarano e Abramovay
(1998)]. Esse processo continuou nos anos 1990. O predomínio feminino nos
deslocamentos do tipo campo-cidade provocou o aumento da presença masculi-
na no meio rural, que pode ser observado pela razão de sexos que cresceu de 1,06

GRÁFICO 13
Brasil: Taxas Decenais Específicas de Migração Líquida Rural-Urbana Suavizadas
da População Masculina — 1970-1980, 1980-1990 e 1990-2000
[em %]
0

-5

-10

-15

-20
10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70 e +

Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991 e 2000. 1970-1980 1980-1990 1990-2000

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 83


GRÁFICO 14
Brasil: Taxas Decenais Específicas de Migração Líquida Rural-Urbana Suavizadas
da População Feminina — 1970-1980, 1980-1990 e 1990-2000
[em %]
0

-05

-10

-15

-20
10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70 e +

Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991 e 2000. 1970 -1980 1980 -1990 1990 -2000

para 1,10 entre 1970 e 2000. A contrapartida desse processo é que no meio urbano
elevou-se a presença feminina, principalmente, entre a população de 15 a 30
anos e maior de 60 anos. Na área urbana, a referida razão foi 0,94, em 2000.
Outra característica do fluxo migratório rural-urbano é o seu rejuvenesci-
mento. Tem sido cada vez mais jovens os que deixam o campo. Entre os homens,
nas três décadas consideradas, o grupo etário de 20 a 24 anos apresentou a mais
elevada taxa de migração. Nos anos 1980, as taxas dos grupos 15 a 19 anos e de
20 a 24 anos foram quase iguais, com ligeira predominância do mais jovem.
Entre as mulheres, o grupo etário modal foi o de 15 a 19 anos. Uma das conse-
qüências demográficas desse processo é o envelhecimento relativamente maior
da população rural e o rejuvenescimento da oferta de força de trabalho urbana.
Isto levou a que a proporção da população idosa rural no total da população
fosse igual à da urbana, a despeito dos diferenciais na fecundidade e na mortalidade.

4. A POPULAÇÃO EM IDADE ATIVA E OFERTA DE FORÇA


DE TRABALHO

4.1 Conceituação

A oferta de força de trabalho é tradicionalmente definida pelas pessoas que estão


ocupadas e por aquelas que estão à procura de trabalho. O seu principal
determinante é a idade. É fato reconhecido e esperado que a população adulta,
especialmente a masculina, esteja trabalhando ou disponível para trabalhar. Assim,
a primeira questão refere-se à idade que começa e a que termina a vida adulta, ou

84 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


mais, precisamente, a vida laborativa. A Organização Internacional do Trabalho
(OIT) considera que a vida laboral está inserida na faixa etária de 16 a 65 anos.
A literatura mostra que educação, renda, condição no domicílio, composição
das famílias, sistema de previdência social, legislação, ciclos econômicos, grau
de urbanização, mortalidade e, particularmente, para as mulheres, estado conjugal
e fecundidade são variáveis que afetam as idades de entrada e saída na força de
trabalho bem como a proporção de pessoas que fazem esse movimento. Todas
essas variáveis são bastante sensíveis a gênero, etnias, contexto socioeconômico
e cultural e variam no tempo e no espaço.
A constituição brasileira e as legislações trabalhista e previdenciária delimitam,
em algum grau, as idades de entrada e saída da força de trabalho. A Constituição
Federal e a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) proíbem “qualquer trabalho
de menor de 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos”.
No entanto, de acordo com a Pnad de 2003, aproximadamente 70% dos brasileiros
que tinham 35 anos em 2003 e que estavam trabalhando entraram no mercado de
trabalho ainda durante a infância e cerca de 30% na juventude. Praticamente
ninguém entrou no mercado de trabalho após os 24 anos, ou seja, na fase adulta
[Ipea (2005)]. Essa entrada “precoce” no mercado de trabalho ainda continua. Por
exemplo, em 2001, 6,8% das crianças menores de 15 anos estavam no mercado
de trabalho, sendo que 1,8% tinha menos de 10 anos [IBGE (2003)].
A legislação sobre aposentadoria urbana por idade estabelece a idade mínima
de 65 anos para homens e 60 para mulheres. As aposentadorias rurais podem ser
requeridas cinco anos antes para os dois sexos. No caso das aposentadorias por
tempo de contribuição, a legislação só estabelece uma idade mínima para as
proporcionais, 55 anos para homens e 48 para mulheres.5 Apesar de o benefício
previdenciário ser uma compensação pela perda de capacidade laboral, no caso
brasileiro, a aposentadoria não significa necessariamente retiro da força de trabalho.
Em 2000, 16,4% dos aposentados estavam inseridos no mercado de trabalho.
A PEA levantada pelas pesquisas domiciliares do IBGE capta com certa pre-
cisão a oferta de força de trabalho tal como definida pela Organização Mundial
do Trabalho. Nos censos demográficos a partir do de 1980, são consideradas
participantes da PEA as pessoas de dez anos e mais que estavam trabalhando no
ano ou semana de referência ou procurando trabalho, também, no período de
referência. Essa definição delimita uma idade mínima, dez anos, mas não uma
idade máxima. Além disso, ela não inclui as pessoas que estão desempregadas há
mais de um ano e nem aquelas, que por desalento, não estão procurando trabalho.6
Com base nas informações que serão mostradas a seguir e na legislação brasileira,
definiu-se como população em idade ativa, a de 16 anos e mais.

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 85


4.2 A Inserção no Mercado de Trabalho ao Longo do Ciclo da Vida

Visando situar a discussão da inserção no mercado de trabalho numa perspectiva


de ciclo da vida e associá-la aos principais determinantes de entrada e saída na oferta
de força de trabalho masculina, escolarização, aposentadoria e morte, o Gráfico 15
mostra a proporção de indivíduos do sexo masculino que participam desses eventos.
Foi utilizada a metodologia de coorte sintética por se dispor apenas de dados de
período.7 Essas informações sugerem o fluxo nesses movimentos em dois mo-
mentos no tempo, 1980 e 2000. A perspectiva de ciclo de vida parte da premissa
de que os indivíduos experimentam mudanças qualitativas, psicológicas, cognitivas,
emocionais e de necessidades que estão associadas a diferentes etapas da vida
para as quais se considera a idade dos indivíduos como referência. Geralmente, a
análise dos movimentos do ciclo de vida numa perspectiva quantitativa leva em
consideração o timing, o quantum e a seqüência dos eventos [Billari (2001)].
Percebe-se uma clara divisão do ciclo da vida em três grandes fases de
acordo com o papel social predominante dos indivíduos: infância e adolescência
ou primeira idade (estudantes); vida adulta ou segunda idade (trabalhadores);
e velhice ou terceira idade (aposentados). Assume-se que o primeiro movimento
em direção ao mercado de trabalho é o de freqüência à escola e o último é a
morte. Para aquele ano, a freqüência à escola cresceu até os 12 anos, mas a
maioria dos homens permaneceu nessa condição até os 15 anos. Entre 16 e 59
anos, a maioria fazia parte da PEA, apesar de a taxa de participação começar a
declinar aos 32 anos. Ela atingiu o seu máximo em 97%. Assume-se que a partir
dos 32 anos, as saídas da PEA superaram as entradas. Entre 22 e 49 anos, mais de
90% dos homens brasileiros estavam envolvidos em atividades econômicas. Como

GRÁFICO 15
Brasil: Proporção de Indivíduos do Sexo Masculino em Diversos Eventos ao Longo
do Ciclo da Vida — 1980
[em %]
100

80

60

40

20

0
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80
e+

Fonte: IBGE/Censo Demográfico de 1980. Freqüência à escola Atividade econômica Morte Aposentadoria

86 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


será visto posteriormente, até os 50 anos, a mortalidade era responsável pela
maior proporção de saídas masculinas da força de trabalho. A partir dessa idade,
a aposentadoria passou a contribuir com a maior proporção de saídas. Conse-
qüentemente, a maioria dos homens de 65 anos e mais encontrava-se aposentada.
Apesar disso, 44% deles faziam parte do mercado de trabalho.
Verifica-se, também, que os homens brasileiros participavam simultanea-
mente de mais de um evento, tanto em 1980, quanto em 2000 (Gráfico 16). Esta
parece ser uma tendência crescente no tempo. Atualmente, pessoas de todas as
idades mudam de trabalho com muito mais facilidade e combinam diferentes
atividades [Martin e Pearson (2005)]. Para pelo menos 5% dos homens, freqüência
à escola e participação no mercado de trabalho coincidem dos 11 aos 26 anos.
A partir dos 53 anos, observou-se que pelo menos 5% dos homens brasileiros
participavam simultaneamente no mercado de trabalho e eram aposentados, si-
multaneidade essa que cresce até os 67 anos. Como já foi mencionado, a legislação
brasileira permite que o aposentado retorne ao mercado de trabalho. Isto só não
é possível para as pessoas que se aposentam por invalidez.
O padrão de participação nesses eventos não se alterou expressivamente
entre 1980 e 2000 (ver Gráfico 17). O mesmo não se pode dizer acerca do mo-
mento em que eles ocorreram e na sua duração. A principal mudança foi o alon-
gamento da vida, medido pelo aumento da esperança de vida ao nascer. Além
disso, a entrada na escola passou a ocorrer mais cedo,8 no mercado de trabalho
mais tarde e a saída do mercado de trabalho (aposentadorias) mais cedo, apesar
de a vida ter se alongado.9 Conseqüentemente, a duração expressa no tempo
médio despendido pelas pessoas nesses eventos também se alterou. Os homens

GRÁFICO 16
Brasil: Distribuição da População Masculina por Idade segundo as Categorias –
1980 e 2000
40
35
30
25
20
15
10
5
0
10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80
e+
PEA e estuda (não é aposentado e nem pensionista) - 1980 PEA e estuda (não é aposentado e nem pensionista) - 2000
PEA e é aposentado (não estuda nem é pensionista) - 1980 PEA e é aposentado (não estuda e nem é pensionista) - 2000
PEA, estuda e é aposentado (não é pensionista) - 1980 PEA, estuda e é aposentado (não é pensionista) - 2000
Estuda e é aposentado (não-PEA e não é pensionista) - 1980 Estuda e é aposentado (não-PEA e não é pensionista) - 2000
Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1980 e 2000 e Pnad de 1981.

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 87


GRÁFICO 17
Brasil: Proporção de Indivíduos do Sexo Masculino em Diversos Eventos ao Longo
do Ciclo da Vida — 2000
[em %]
100

80

60

40

20

0
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80
e+

Fonte: IBGE/Censo Demográfico de 2000. Freqüência à escola Atividade econômica Morte Aposentadoria

brasileiros estão passando menos tempo nas atividades econômicas e mais tempo
na escola e na condição de aposentados. Isso ocorre tanto em termos absolutos
quanto relativos10 (ver Gráfico 19). Outro fato a ser destacado é que a simultanei-
dade de participação em várias atividades é mais acentuada que em 1980: fre-
qüência à escola e participação no mercado de trabalho coincidem dos 12 aos 35
anos; trabalho e aposentadoria são coincidentes dos 47 aos 80 anos.
Comparada a 1980, em 2000 a entrada na escola se antecipou para os homens
brasileiros (ver Gráfico 18). Além disso, a maioria deles encontrava–se nessa con-
dição até os 17 anos. Entre 18 e 60 anos, a maior proporção deles estava inserida
no mercado de trabalho, apesar de a taxa de participação ter começado a declinar
aos 32 anos, tal como em 1980, mas sua participação máxima atingiu 94%, quando

GRÁFICO 18
Brasil: Idades de Entrada da População Masculina em Alguns Eventos Relacionados
ao Mercado de Trabalho — 1980 e 2000
80
70
60
50
40
30
20
10
-
Escola Mercado de trabalho Aposentadoria Duração da vida

Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1980 e 2000. 1980 2000

88 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 19
Brasil: Idades de Entrada da População Masculina em Alguns Eventos Relacionados
ao Mercado de Trabalho — 1980 e 2000
80
70
60
50
40
30
20
10
-
Escola Mercado de trabalho Aposentadoria Duração da vida

Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1980 e 2000. 1980 2000

em 1980, havia sido de 97%. A queda na participação masculina nas atividades


econômicas foi expressiva entre a população menor de 18 anos e maior de 49 anos.
A redução da participação masculina é uma tendência universal e está associada,
dentre outros fatores, à diminuição da proporção da PEA na agricultura [Durand
(1975)] e não apenas ao maior tempo passado na escola e a um adiantamento da
aposentadoria. Fatores associados ao desempenho do mercado de trabalho devem
estar contribuindo, também, para essa redução. Em 2000, entre 18 e 60 anos estar
na PEA era o status predominante dos homens brasileiros. A partir dos 61 anos, a
maioria deles encontrava-se aposentada, mas 59% ainda faziam parte do mercado
de trabalho. Como será mostrado adiante, saídas por aposentadoria passaram a
superar as por mortes aos 45 anos, cinco anos antes do que em 1980.

QUADRO 3
Tempo Despendido na Aposentadoria
Na última metade do século passado verificou-se em quase todo o mundo uma redução na
idade média do afastamento do mercado de trabalho paralelamente ao aumento da esperança
de vida ao nascer. Isso resultou em um incremento no tempo de recebimento dos benefícios de
aposentadoria. Essa situação, no entanto, apresenta diferenciais expressivos por sexo, categorias
ocupacionais, espaciais etc.
Entre 1950 e 1995, a idade média de aposentadoria dos trabalhadores do sexo masculino
declinou em aproximadamente cinco anos em países como Áustria, Bélgica, França e Espanha
[Auer e Fortuny apud Gauthier e Smeeding (2001)].11 Casos extremos foram observados nos Países
Baixos, onde esse indicador passou de 66,8 anos em 1950 para 58,8 em 1995 e no Japão, onde
a redução foi inferior a um ano. Ao mesmo tempo observou-se uma redução nas taxas masculinas
de participação no mercado de trabalho, principalmente entre os trabalhadores com idade superior
a 50 anos. Nos países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
continua

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 89


continuação
(OCDE), por exemplo, em 1970 menos de 1 em cada 6 trabalhadores com idade compreendida
entre 50 e 64 anos encontrava-se fora do mercado de trabalho. Em 2004, essa razão passou a
ser superior a 1 entre 4 trabalhadores [OCDE (2006)].
A situação entre as mulheres é bastante diferente. A partir da década de 1960 verificou-se em
todo o mundo a sua entrada maciça no mercado de trabalho, ou seja, um aumento expressivo na
taxa de participação feminina. Por outro lado, a idade média de aposentadoria também declinou ao
longo do tempo. De acordo com Blondal e Scarpeta (1999), esse declínio foi em média de 5,5 anos
para os países da OCDE, maior, portanto, do que o verificado para os homens. Na Espanha e na
Irlanda, por exemplo, a redução alcançou patamares próximos a dez anos entre 1950 e 1995.
O resultado foi um aumento no tempo de recebimento dos benefícios previdenciários.
Os Gráficos 20 e 21 ilustra o tempo médio de sobrevida à idade média à aposentadoria em alguns
países selecionados. Pode-se perceber que este aumentou expressivamente, tendo duplicado na
França, Espanha, Polônia e Portugal. No Brasil, esse aumento foi menor, no entanto, o período
em gozo do benefício é próximo ao observado nos países apresentados no gráfico mencionado.

GRÁFICO 20
Expectativa de Vida à Idade Média de Aposentadoria segundo Alguns Países:
Homens – 1970 e 2004
25

20,6
20 18,9
17,1 16,5 17,2
16,2
15 14,8
13,1
11,7 11,9
10,5 11,0
10 8,5
8,0

0 a
Alemanha Itália Estados Unidos Dinamarca Polônia Japão Brasil

Fontes: OCDE (2006) exceto Brasil e IBGE/Censos Demográficos.


a
Anos utilizados: 1980 e 2000. 1970 2004

GRÁFICO 21
Expectativa de Vida à Idade Média de Aposentadoria segundo Alguns Países:
Mulheres – 1970 e 2004
30

25 23,8 23,9 23,7


22,0 21,6
21,0 21,0
20 18,4

14,7 15,5 14,7


15 13,9 13,1
10,7
10

0 a
Alemanha Itália Estados Unidos Dinamarca Polônia Japão Brasil

Fontes: OCDE (2006) exceto Brasil e IBGE/Censos Demográfios.


a
Anos utilizados: 1980 e 2000. 1970 2004

90 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


É fato já por demais reconhecido que a inserção das mulheres no mercado
de trabalho é bastante diferente da dos homens. Essa inserção é afetada tanto
pelas variáveis consideradas no caso masculino, mas, também, pela nupcialidade
e pela fecundidade. Pode-se dizer que para os homens, o desenvolvimento eco-
nômico e social acompanhado da urbanização, a expansão das oportunidades
escolares e a ampliação da cobertura da previdência social resultam em sua en-
trada mais tardia e saída mais cedo no mercado de trabalho, diminuindo o tempo
em que passam na atividade econômica. Já a participação feminina no mercado
de trabalho parece ter uma relação positiva com o desenvolvimento social [Durand
(1975) Camarano (1985) e Mammen e Parson (2000)].
Como se observa no Gráfico 22,12 as três fases da vida das mulheres, já em
1980, eram também, bastante marcadas. Naquele ano, a sua participação no mer-
cado de trabalho era bastante baixa se comparada à dos homens, mas a freqüência
à escola não foi muito diferente. Também, entre as mulheres, essa freqüência
cresceu até os 12 anos e até os 17 anos ser estudante era o status feminino
predominante. A participação no mercado de trabalho cresceu até os 21 anos,
quando 40% das mulheres aí se encontravam. A partir dessa idade, as saídas
superaram as entradas. Ser casada e/ou mãe passou a ser o papel predominante
das mulheres até os 65 anos. Esses dois eventos não são incompatíveis com a
participação nas atividades econômicas, mas observa-se que desde os 21 anos a
proporção de mulheres casadas era mais alta que a de participantes na PEA,
indicando possível concorrência de eventos àquela época. A partir dos 65 anos,
as condições predominantes entre mulheres eram ser aposentadas e mães.
O movimento das mulheres ao longo do ciclo da vida entre 1980 e 2000 foi
muito semelhante ao dos homens: a vida se alongou, a entrada na escola e na

GRÁFICO 22
Brasil: Proporção de Indivíduos do Sexo Feminino em Diversos Eventos ao Longo
do Ciclo da Vida – 1980
[em %]
100

80

60

40

20

0
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80
e+
Freqüência à escola Atividade econômica Morte
Fonte: IBGE/Censo Demográfico de 2000. Aposentadoria Casamento Maternidade

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 91


aposentadoria ocorreu mais cedo e a no mercado de trabalho mais tarde. Apre-
sentou, porém duas diferenças: maior entrada na atividade econômica e perma-
nência mais longa (ver Gráficos 23, 24 e 25). Além disso, o alongamento da vida
foi maior entre as mulheres. Conseqüentemente, o tempo passado nos três eventos
estudados em relação à duração da vida aumentou.
O incremento na participação feminina ocorreu basicamente entre os 18 e
60 anos. O status de estudante predominou entre as mulheres até os 18 anos, um
ano a mais do que em 1980. Entre 18 e 23 anos, a maioria das mulheres estava no
mercado de trabalho. A partir daí, o papel predominante passou a ser o de mãe,
apontando certa separação entre maternidade e casamento em todas as idades.
No entanto, as taxas de atividade feminina continuaram a crescer e atingiram o

GRÁFICO 23
Brasil: Proporção de Indivíduos do Sexo Feminino em Diversos Eventos ao Longo
do Ciclo da Vida – 2000
[em %]
100

80

60

40

20

0
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80
e+
Freqüência à escola Atividade econômica
Fonte: IBGE/Censo Demográfico de 2000. Morte Aposentadoria Casamento Maternidade

GRÁFICO 24
Brasil: Idades Médias da População Feminina à Entrada em Alguns Eventos
Relacionados ao Mercado de Trabalho – 1980 e 2000
80
70
60
50
40
30
20
10
-
Escola Mercado de trabalho Aposentadoria Duração da vida

Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1980 e 2000. 2000 1980

92 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 25
Brasil: Distribuição Proporcional do Tempo Passado pela População Feminina em
Alguns Eventos – 1980 e 2000
[em %]
70

60

50

40

30

20

10

0
Escola Atividade econômica Aposentadoria

Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1980 e 2000. 1980 2000

seu máximo aos 34 anos, num nível bem mais elevado que o observado em 1980
(64% e 40%, respectivamente). Essa taxa ficou aproximadamente constante até
os 39 anos, quando começou a decrescer. A partir dos 59 anos, a proporção de
mulheres aposentadas era mais elevada que a de trabalhadoras.
De acordo com Soares e Izaki (2002), a mudança mais expressiva nas últimas
décadas entre as mulheres foi o aumento de sua participação no mercado de
trabalho. Esse aumento foi explicado pelo aumento das mulheres com marido e
não pelas mulheres chefes de domicílio. De acordo com os autores, a taxa de
participação feminina deve continuar crescendo, mas em menor ritmo, não che-
gando a ultrapassar em muito a taxa de 52%.

4.3 A Dinâmica da População em Idade Ativa

Como já mencionado, definiu-se População em Idade Ativa (PIA), como o con-


junto formado por indivíduos de 16 anos e mais. Numa população fechada, o
volume de entrada nesse grupo reflete principalmente, o número de nascimentos
com defasagem de 16 anos. Estes, por sua vez, relacionam-se com as taxas de
fecundidade e com o número de mulheres em idade reprodutiva no período cor-
respondente. Isto explica porque as taxas de crescimento ainda são relativamente
altas para esse segmento populacional, apesar da tendência de queda nas duas
últimas décadas. As saídas dependem da mortalidade, cujas taxas são, geralmen-
te, muito baixas nessas idades. Entretanto, como se viu no Gráfico 5, a taxa de
mortalidade da população masculina de 15 a 29 anos cresceu entre 1980 e 2000
devido à mortalidade por causas externas.

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 93


A taxa de crescimento da PIA, dividida em alguns grupos etários e compa-
rada às da população total e do grupo etário menor de 15 anos entre 1950 e 2000
está apresentada no Gráfico 26. Nos anos 1950, o mais baixo ritmo de crescimento
foi observado entre a população de 15 a 40 anos, devido, provavelmente, às altas
taxas de natalidade vigentes no período, que resultaram em um crescimento rela-
tivamente mais alto da população menor de 15 anos. Desde os anos 1960, o seu
ritmo de crescimento tem sido mais elevado que o da média nacional e, princi-
palmente, o da população mais jovem, menor de 15 anos, cuja taxa de cresci-
mento vem caindo consistentemente, tendo inclusive atingido valores negativos
entre 1991 e 2000. Esse desempenho já está afetando o crescimento dos vários
grupos que compõem a PIA, como pode ser visto nos Gráficos 26 e 27.

GRÁFICO 26
Taxas de Crescimento Anuais da População Brasileira segundo Grupos Etários –
1950-2000
[em %]
5

-1
1950-1960 1960-1970 1970-1980 1980-1991 1991-2000

Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1950, 1960, 1970, 1980, 1991 e 2000. < 15 15-39 40-59 60 e + Total

GRÁFICO 27
Brasil: Taxas de Crescimento da PIA por Idade e Sexo

[em %]
7

0
15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-74 75-79 80 e +

Homens – 1980-1991 Mulheres – 1980-1991


Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000. Homens – 1991-2000 Mulheres – 1991-2000

94 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Nos anos 1990, as taxas de crescimento da população de 25 a 45 anos foram
mais baixas que as observadas para os anos 1980. Dadas as ainda mais baixas
taxas do grupo menor de 15 anos, pode se esperar uma tendência mais generali-
zada de queda no ritmo de crescimento do segmento em idade ativa. O menor
crescimento dos grupos mais jovens comparativamente ao dos mais velhos leva
ao envelhecimento da PIA. Além da pirâmide etária, um outro indicador que
ilustra esse processo é a idade média da PIA: aumentou em 1,9 ano nos últimos
20 anos; em 1980 foi de 35,2 anos e passou para 37,1 anos em 2000.

4.3.1 Mortalidade

A principal causa de mortalidade da população em idade ativa do sexo masculino


são as doenças cardiovasculares seguida pelas causas externas. Causas externas
incluem homicídios, suicídios, acidentes de trânsito, de trabalho e outras causas.
As doenças do aparelho circulatório compreendem as isquêmicas e cerebro-
vasculares. Em 1980, foram responsáveis por 21,0% e 16,5% do total desse tipo
de óbito; em 2000, cada uma delas respondeu por aproximadamente 19% cada.
Como já se mencionou aqui, a causa de morte é bastante afetada pelo perfil
etário. A primeira atinge mais a população mais velha e a segunda a mais jovem,
apesar do envelhecimento da PIA. Os Gráficos 28 e 29 apresentam a distribuição
proporcional dos óbitos segundo causas em relação ao total de óbitos por idade
nos anos de 1980 e 2000.
Nos dois anos considerados, a principal causa de morte da PIA até 45 anos
foram as causas externas, tendo se elevado no período em razão do aumento,

GRÁFICO 28
Brasil: Distribuição Proporcional dos Óbitos da PIA por Grupos de Causas –
Homens – 1980
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80
e+
Doença isquêmica do coração Doença cerebrovascular
Fonte: Ministério da Saúde/SIM. Acidentes de trânsito Homicídios Outras causas externas

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 95


GRÁFICO 29
Brasil: Distribuição Proporcional dos Óbitos da PIA por Grupos de Causas –
Homens – 2000
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80
e+
Doença isquêmica do coração Doença cerebrovascular
Fonte: Ministério da Saúde/SIM. Acidentes de trânsito Homicídios Outras causas externas

sobretudo entre os homens, dos óbitos por homicídios. Em 1980, a maior proporção
de óbitos por homicídios foi registrada na idade de 22 anos, tendo sido responsável
por 21,3% dos óbitos desse grupo etário. Em 2000, o ponto máximo ocorreu dois
anos mais cedo e a referida proporção mais que dobrou: responderam por 48,9%
do total. As mortes por acidentes de trânsito foram expressivas entre os jovens de
19 a 27 anos nos dois momentos considerados. A partir dos 45 anos proporção de
mortes decorrentes do aparelho circulatório deve-se às doenças isquêmicas e
cerebrovasculares, cuja incidência cresce com a idade. Essas duas doenças foram
– as isquêmicas à frente – as mais importantes causas de morte na população
com 45 anos ou mais de idade, em ambos os anos considerados na análise.
As causas de morte de mulheres são bastante diferentes das masculinas. São
menos afetadas por causa externa, embora a proporção de óbitos por homicídios
tenha crescido, fazendo com que estivessem entre o grupo das cinco principais
causas de óbitos. Nesse grupo, para o conjunto da PIA, a que ocupou o primeiro
lugar foram as doenças do aparelho circulatório, sobressaindo-se as doenças
cerebrovasculares, mas em proporção declinante. Ao contrário do ocorrido para
os homens, a proporção de mortes por essas causas declinou de 23,8% para 20,9%,
entre 1980 e 2000. Já as doenças isquêmicas e cerebrovasculares apresentaram a
mesma tendência observada entre os homens. Em 1980, até os 32 anos, as outras
causas externas foram13 as mais importantes, a partir daí as doenças cerebro-
vasculares assumem esse posto. Em 2000, até 33 anos, as causas externas aí
incluindo homicídios e acidentes de trânsito predominaram no total de mortes
sendo substituídas a partir daí pelas mortes por doenças cerebrovasculares.

96 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


QUADRO 4
Homicídios entre os Jovens Brasileiros por Co-Etnia
Dentre os óbitos por homicídios que afetam, principalmente, a população jovem (de 15 a 29 anos)
predominaram, em 2000, os da população parda. Essa população foi vítima em aproximada-
mente 51% das mortes por homicídios notificadas. No caso da população negra 10% dos óbitos
por homicídios incidiram nesta população. No caso da população branca, tem-se que entre
jovens representa 51% da população e responde por 39% dos óbitos estudados (ver Gráfico 30).
Sumarizando, verifica-se que a violência cresceu e atinge todos os segmentos da população
jovem, mas constata-se que a violência atinge mais intensamente a população jovem negra e
parda comparativamente à branca.

GRÁFICO 30
Brasil: Distribuição Percentual do Óbitos e da População Masculina
de 15 a 29 Anos – 2000
60

50

40

30

20

10

0
Branca Preta Parda

Fontes: IBGE/Censo Demográfico de 2000 e Ministério da Saúde/SIM. População Óbitos

GRÁFICO 31
Brasil: Distribuição Percentual dos Óbitos da PIA por Grupos de Causas —
Mulheres – 1980
24
22
20
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80
e+
Doença isquêmica do coração Doença cerebrovascular
Fonte: Ministério da Saúde/SIM. Acidentes de trânsito Homicídios Outras causas externas

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 97


GRÁFICO 32
Brasil: Distribuição Percentual dos Óbitos da PIA por Grupos de Causas —
Mulheres – 2000
24
22
20
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80
e+
Doença isquêmica do coração Doença cerebrovascular
Fonte: Ministério da Saúde/SIM. Acidentes de trânsito Homicídios Outras causas externas

4.3.2 Composição da População em Idade Ativa por Situação de


Domicílio

A dinâmica da população em idade ativa por situação de domicílio é muito afe-


tada pelas migrações rurais-urbanas. Como se viu anteriormente, estas têm sido
seletivas por sexo e idade. São principalmente as mulheres e os jovens que mais
deixam o campo em busca das cidades. No Brasil, o predomínio feminino nos
processos migratórios rurais-urbanos tem gerado uma masculinização crescente
da população em idade ativa rural. Por outro lado, no meio urbano, o que se
observa é o reverso: ampliação da presença feminina. Outra característica, já
mencionada, do fluxo migratório rural-urbano é o seu rejuvenescimento. Ao migrar
do campo para a cidade, o jovem deixa para trás uma população com incidência
crescente de pessoas mais velhas. Logo, verifica-se um processo de envelheci-
mento relativamente maior da população em idade ativa rural.

5 A DINÂMICA DE CRESCIMENTO DA OFERTA DE FORÇA DE


TRABALHO

5.1 Os Movimentos de Entradas e Saídas

A oferta de força de trabalho, aqui definida como PEA, depende da PIA e das
taxas de atividade, ou seja, em quanto e quando (idade) as pessoas, efetivamente,
participam das atividades econômicas. Em síntese, esse conjunto é determinado
pelas taxas de ingresso e de saída do mercado de trabalho. Estas últimas podem
ocorrer por mortes e por motivos outros como a aposentadoria, ou como ocorria

98 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


no passado com muitas mulheres que deixavam de trabalhar quando passavam à
condição de mães. A metodologia de tábua de vida ativa14 permite estimar as
taxas médias de entrada e de saída da PEA por idade e sexo para um período
relativamente curto, um ano, por exemplo.
O Gráfico 33 apresenta as taxas de entradas e saída por morte e saída profis-
sional da população masculina entre 1980 e 2000. Observa-se uma redução nas
taxas de entradas masculinas em todas as idades, com exceção do grupo de 17 a
19 anos. Esse decréscimo se intensifica a partir dos 22 anos. Para efeitos de
cálculo, assumiu-se que as entradas ocorreriam apenas até os 30 anos, em 1980 e
até os 31 anos em 2000. Fato a se destacar é que em 2000 a entrada na PEA
ocorria mais tarde, e num nível inferior, ao que se observava em 1980. Essa
tendência deverá continuar pelo menos nos próximos dez anos. Por outro lado,
as taxas de saída profissional aumentaram entre 1980 e 2000 nas idades de 43 a
64 anos, reforçando o que já foi visto anteriormente que é a redução do período
laboral. O resultado é que em 1980, 45% dos aposentados tinham menos de 60
anos e essa proporção aumentou para 56% em 2000.
Até os 48 anos, as saídas da atividade econômica se deram predominante-
mente por morte. A partir daí, as taxas por outros motivos – aposentadoria, por
exemplo – passaram a ser mais elevadas. Em 2000, essa mudança ocorreu aos 43
anos. Isto pode ser explicado pela redução da mortalidade e pela maior cobertura
da seguridade social. É provável que parte das mortes que foi evitada tenha se
convertido em morbidade, e resultado no afastamento precoce do mercado de
trabalho. Os dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) apontam para um
crescimento nas concessões dos benefícios por invalidez em aproximadamente 61%
entre 1997 e 2004. Essa mesma taxa se verificou para os dois sexos, mas os

GRÁFICO 33
Brasil: Taxas de Entrada e Saída da População Masculina nas Atividades
Econômicas ao Longo do Ciclo de Vida – 1980 e 2000
[taxas (%)]
30

25

20

15

10

-
15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 45 47 49 51 53 55 57 59 61 63 65 67 69 71 73 75 77 79

Entradas – 1980 Entradas – 2000 Mortes – 1980


Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1980 e 2000. Mortes – 2000 Saída – 1980 Saída – 2000

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 99


homens respondiam pela maior parte dos benefícios (62%). Esses dados sugerem,
entre outros fatores, inadequação das condições de trabalho, bem como envelhe-
cimento funcional precoce.

QUADRO 5
Envelhecimento Funcional e seus Impactos sobre a Oferta de Força
de Trabalho
Em 1991, a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu como trabalhador em envelhecimento
aquele com idade igual ou superior a 45 anos, posto ser esta a idade em que se inicia a perda
de algumas capacidades funcionais [Fischer e Borges (2005)]. A avaliação do impacto do enve-
lhecimento funcional na saída precoce da força de trabalho é dificultada, muitas vezes pela
falta de informações.
Com base nos dados do INSS, observou-se que o número de aposentadorias por invalidez
previdenciárias concedidas a trabalhadores do setor privado entre 20 e 60 anos de idade no
momento da concessão aumentou entre 1997 e 2004 em 65% e 63%, respectivamente, para
mulheres e homens. Em 2004, foram concedidos 163 mil benefícios. Por outro lado, verificou-se
uma redução no número de concessões de benefícios acidentários para mulheres da ordem de
9%, enquanto entre os homens houve aumento de 32% no mesmo período. Em 2004, foram
concedidos 8.415 mil benefícios. Em seu conjunto, as concessões de benefícios por invalidez
(acidentárias e previdenciárias) aumentaram em aproximadamente 61% para ambos os sexos em
termos absolutos e passaram a representar 20% do total das aposentadorias concedidas em 2004.
Essa proporção foi 60% superior à observada em 1997, que fora de 12,5%.
Entre os servidores públicos da União, também foi observado aumento expressivo na pro-
porção de concessões de aposentadorias por invalidez dentre o total de aposentadorias conce-
didas. Entre 1994 e 2004, a participação dessas no total de benefícios pagos passou de 13,1%
para 46,6%, apesar do declínio no número absoluto de 3.485 para 3.401 no período considerado
[Tafner, Pessoa e Mendonça (2006)]. As mulheres foram responsáveis por aproximadamente
38% dos benefícios concedidos no setor privado e 45% no público.
De acordo com os dados do Ministério da Previdência Social as principais doenças geradoras
de concessões de aposentadorias por invalidez no setor privado em 2003 foram as consideradas
pela Classificação Internacional de Doenças (CID, versão 10) como doenças do aparelho circula-
tório. Essas foram responsáveis por 34% do total de concessões, seguidas pelas doenças do
sistema osteomuscular, cuja proporção foi de 31% e os transtornos mentais, que responderam
por 15%. O número de aposentadorias por invalidez previdenciárias concedidas por problemas
relacionados ao sistema osteomuscular aumentou em 46% entre 2000 e 2003. Passou de 26.514
casos para 38.723.
Outra possível inferência sobre o perfil da morbidade das pessoas que se afastaram preco-
cemente da força de trabalho pode ser obtida através dos dados do suplemento saúde da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 1998 e 2003.15 Das pessoas que foram
precocemente aposentadas, aproximadamente 63% dos homens e 71% das mulheres reportaram
experimentar pelo menos uma das 12 doenças crônicas investigadas pela Pnad de 2003. Doenças
da coluna, hipertensão arterial e, no caso das mulheres, as artrites e reumatismos foram as que
apresentaram as mais elevadas proporções.
Uma medida aproximada do impacto que essas doenças podem exercer na retirada da força
de trabalho pode ser obtida pela proporção de pessoas aposentadas com determinada morbidade
continua

100 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


continuação
na PEA. Essa medida pode ser considerada uma variável representativa (proxy) da probabilidade
de que, dado que o individuo contraiu certa doença, qual a chance de ele se retirar da força de
trabalho, via aposentadoria. Entre os homens, esse indicador passou de 7,0% para 8,1% entre
1998 e 2003 e, entre as mulheres, oscilou entre 8,3% e 8,5%. Dentre as doenças, as que afetaram
tanto homens como mulheres aposentados foram as do coração, as renais crônicas e as artrites.
Com exceção de problema de coluna e costas e das doenças renais crônicas, cuja incidência
aumentou entre os homens, as demais probabilidades apresentaram redução. Isso pode estar
sinalizando para uma melhora das condições de saúde da população trabalhadora, ou pelo menos,
um melhor convívio e adaptação às limitações impostas pelas doenças crônicas.
Outra medida de impacto pode ser obtida pela proporção em relação à PEA de aposentados
afastados do mercado de trabalho que reportaram sofrer de alguma das doenças crônicas por
idade. Nos dois anos considerados, como esperado, essa proporção cresce com a idade.
Em 2003, foi 12 vezes maior entre os trabalhadores do sexo masculino com mais de 55 anos do
que entre os de 40 a 44 anos. Foi, também, duas vezes maior entre as mulheres do que entre os
homens, principalmente, a partir dos 45 anos. Entre as mulheres de 45 a 49 anos, a proporção
foi de 3,4% na faixa etária de 45 a 49, passando para 27,4% entre as de 55 a 59 anos. Essas
proporções decresceram entre 1998 e 2003 (ver Gráfico 34).
Sintetizando, embora não se possa identificar uma tendência clara de crescimento dos
afastamentos precoces da PEA, foram observadas indicações de modificações no perfil da
morbidade ocupacional. Transformações no mercado de trabalho associadas ao envelhecimento
populacional e ao aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho podem re-
sultar em envelhecimento precoce dos trabalhadores, que aliado à excessiva liberalidade na
concessão de benefícios previdenciários e acidentários e ao acesso ainda restrito aos avanços
médicos e tecnológicos por parte dos segmentos mais desfavorecidos, podem estar amplificando
a dimensão dos afastamentos precoces da PEA.

GRÁFICO 34
Brasil: Proporção de Aposentados de 20 a 60 Anos que Reportaram Sofrer de
Doenças Crônicas em relação à PEA – 1998 e 2003
[em %]
30

25

20

15

10

0
20 - 24 25 - 29 30 - 34 35 - 39 40 - 44 45 - 49 50 - 54 55 - 59

Fonte: IBGE/Pnads de 1998 e 2003. Homens - 1998 Mulheres - 1998 Homens - 2003 Mulheres - 2003

Como já se mencionou anteriormente, a participação das mulheres na atividade


econômica é bem diferente da dos homens. Também o padrão de mortalidade é
completamente diferente. Apesar do mais baixo nível de participação nas atividades

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 101


GRÁFICO 35
Brasil: Taxas de Entrada e Saída da População Feminina nas Atividades
Econômicas ao Longo do Ciclo de Vida – 1980 e 2000
[taxas (%)]
30

25

20

15

10

-
15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 45 47 49 51 53 55 57 59 61 63 65 67 69 71 73 75 77 79

Entradas – 1980 Entradas – 2000 Mortes – 1980


Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1980 e 2000. Mortes – 2000 Retiro – 1980 Retiro – 2000

econômicas, as taxas femininas de ingresso cresceram em todas as idades e o


período de ingresso se alongou até os 34 anos, limite esse bem mais elevado do
que o estimado para 1980, 21 anos. Essas taxas indicam a continuação da ten-
dência de crescimento da participação feminina no mercado de trabalho.
Como também observado para os homens, as taxas de saídas femininas por
morte diminuíram e as por retiro profissional aumentaram. Aliás, estas últimas
foram mais elevadas do que as primeiras desde os 21 anos em 1980 e a partir dos
38 anos em 2000. Isto está associado à menor mortalidade feminina, especial-
mente no que diz respeito às causas externas e às saídas precoces do mercado de
trabalho pela nupcialidade e/ou fecundidade. O aumento das taxas de saída ocorreu
a partir dos 45 anos o que, associado a uma saída mais tardia, levou a um aumento
do tempo passado pelas mulheres na atividade econômica.16

5.2 Tempo Passado na Atividade Econômica

O tempo que uma dada população passa na atividade econômica é determinado pelas
taxas de atividade e de mortalidade. Enquanto a primeira aumenta, a mortalidade
reduz-lhe a dimensão. Em 1980, na ausência da mortalidade, um homem aos 16
anos podia esperar viver mais 49,3 anos e atingir a idade de 65,3 anos. Também
esperava passar 46,7 anos na atividade econômica, permanecendo nessa atividade
até os 62,7. No caso das mulheres, na mesma idade, esperavam viver mais 55,9 anos,
até 71,9 anos e participar de atividade econômica por 14,6 anos, até 30,6 anos.
Na prática, essa duração é menor pelo efeito redutor da mortalidade precoce,
que acontece antes do término da atividade econômica. O efeito da mortalidade
foi bem maior para os homens (7,1 anos), do que para as mulheres (0,8 ano).

102 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Note-se que o fato de o número líquido de anos que um homem passava na
atividade econômica em 1980 ter sido estimado em 39,6 anos – superior à exi-
gência de contribuição para obtenção de benefício previdenciário para o homem
– sugere ocorrência de retorno do aposentado ao mercado de trabalho, e/ou baixa
cobertura previdenciária – àquela época ainda restrita.
A comparação entre a esperança de vida aos 16 anos e o número líquido de
anos de vida ativa (última coluna da Tabela 3) permite inferir sobre o tempo não
dedicado à atividade econômica, motivado pelo retiro profissional ou ingresso
tardio. As mulheres apresentaram tempo muito maior do que o dos homens dedi-
cado a atividades não-econômicas (42,1 e 9,7). Em realidade, em 1980, em média,
as mulheres passavam 60% de seu tempo de vida dedicado a atividades não-eco-
nômicas, enquanto os homens apenas 15%. A Tabela 3 mostra esses indicadores.
Observa-se que entre 1980 e 2000 houve redução do número bruto e líquido
de anos passados na atividade econômica pelos homens brasileiros a despeito de
um aumento de 3,2 anos na esperança de vida aos 16 anos e aumento dos mesmos
indicadores para as mulheres. A redução na mortalidade diminuiu em 1,5 ano o
número de anos perdidos pelos homens na atividade econômica por morte. Como
se verá posteriormente, a mais alta mortalidade masculina, especialmente por
causas externas, explica parte desse diferencial. Não obstante a redução, esse
número ainda continuava alto em 2000; foram 5,6 anos perdidos (ver Tabela 3 e
Gráfico 37). Esse impacto deve-se, principalmente, à mortalidade por causas ex-
ternas que incide mais sobre a população masculina adulta jovem. O inverso
ocorreu com as mulheres. O seu tempo passado no mercado de trabalho aumentou

TABELA 3
Brasil: Número de Anos de Vida Ativa segundo o Sexo (aos 16 Anos) – 1980 e 2000

Esperança de vida e Expectativa de número de anos de vida ativa


Efeitos
idade esperada Bruto Líquido

Aos 16 anos Idade Bruto- E16-


Esperança Idade Esperança Idade
(E16) esperada líquido líquido

1980

Homens 49,3 65,3 46,7 62,7 39,6 55,6 7,1 9,7

Mulheres 55,9 71,9 14,6 30,6 13,8 29,8 0,8 42,1

2000

Homens 52,5 68,5 44,2 60,2 38,6 54,6 5,6 13,9

Mulheres 60,5 76,5 25,6 41,6 24,7 40,7 0,9 35,8


Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1980 e 2000.

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 103


em 10,9 anos, enquanto a esperança de vida aos 16 anos cresceu em 4,8 anos.
O Gráfico 36 apresenta os números bruto e líquido por idade individual e sexo
para a permanência na atividade econômica. A despeito desse avanço, mulheres
ainda despendem 40% de seu tempo de vida em atividades não-econômicas e os
homens, que reduziram a carga de trabalho, 20% de seu tempo de vida.
GRÁFICO 36
Brasil: Números Bruto e Líquido de Anos Passados na Atividade Econômica por
Sexo – 2000
45
40
35
30
25
20
15
10
5
-
16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80
e+
Bruto – homens Líquido – homens
Fonte: IBGE/Censo Demográfico de 2000. Bruto – mulheres Líquido – mulheres

GRÁFICO 37
Brasil: Número Líquido de Anos Passados na Atividade Econômica por Sexo –
1980 e 2000
45
40
35
30
25
20
15
10
5
-
16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80
e+
Homens – 1980 Homens – 2000
Fonte: IBGE/Censos Demográficos de 1980 e 2000. Mulheres – 1980 Mulheres – 2000

5.3 O Efeito da Mortalidade por Causas Externas no Tempo Passado


pelos Homens na Atividade Econômica

Dada a importância da mortalidade por causas externas no tempo passado pelos


homens brasileiros na atividade econômica e o fato de que pelo menos parte
delas poderem ser evitadas,17 foram realizadas algumas simulações para mensurar

104 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


o impacto da sua redução nos indicadores estimados. Consideraram-se as causas
externas no seu conjunto e os homicídios e acidentes de transporte, separada-
mente, visto serem as principais causas de morte por causa externa.
Tomando-se os dados de 2000, a eliminação dos óbitos por causas externas
resultaria em elevação de 3,2 anos na esperança de vida ao nascer e de 1,5 ano no
tempo passado na atividade econômica. Os homicídios contribuíram para uma
perda de 1,4 ano na esperança de vida ao nascer e 0,8 ano na atividade econômica.
Por fim, os acidentes de trânsito levaram a uma redução de um ano na esperança de
vida ao nascer e 0,4 ano no tempo passado na atividade econômica (ver Gráfico 38).

GRÁFICO 38
Estimativas da Esperança de Vida Simuladas para Homens Brasileiros – 2000

70

60

50

40

30

20

10

0
Ao nascer Aos 16 anos Ativa aos 16 anos

Observada Causas externas


Fonte: IBGE/Censo Demográfico de 2000. Homicídios Acidentes de transporte

6. PERSPECTIVAS DE CRESCIMENTO FUTURO DA PIA BRASILEIRA

Os resultados apresentados são projeções populacionais para os qüinqüênios com-


preendidos entre 2000 e 2030, desagregados por sexo, grupos qüinqüenais de
idade e situação de domicílio. A projeção da população foi feita através da pro-
jeção individual das três componentes demográficas: fecundidade, mortalidade e
movimentos migratórios do tipo rural-urbano.18 Para cada componente foi feita
hipótese específica, apresentada a seguir. A população total foi obtida pela soma
das populações rurais e urbanas.19

6.1 As Hipóteses

Para se pensar o futuro da população brasileira no médio prazo, o componente


demográfico mais importante é a fecundidade. Deve se considerar tanto as suas

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 105


tendências futuras quanto as passadas. Essa variável impacta não apenas o ritmo
de crescimento como, também, a distribuição etária. Os dados mais recentes,
coletados pela Pnad de 2004, indicam que o Brasil atingiu uma taxa de fecundidade
total de 2,1, o que equivale a níveis de reposição, ou seja, significa que se essa
taxa não aumentar, o ritmo de crescimento da população brasileira será nulo, o
que poderá acontecer dentro de aproximadamente 30 anos.
As evidências históricas internacionais não indicam que volte a crescer no
médio prazo, podendo-se mesmo esperar que o nível de fecundidade brasileiro
atinja valores próximos aos observados, atualmente na Espanha, Portugal, Itália
e Grécia. As hipóteses aqui adotadas assumem que a taxa de fecundidade total da
população urbana atingirá valores semelhantes aos observados hoje em países do sul
da Europa (1,4) no final do período projetado, 2025-2030.20 Já as da população rural
alcançariam valores observados para a população urbana brasileira em 2004 (1,9).
Quanto à mortalidade, a hipótese adotada pressupõe uma continuação da
sua queda, inclusive da mortalidade adulta jovem. Projetam-se ganhos nesse
indicador de 6,8 anos para os homens urbanos e de 8,1 anos para mulheres entre
2000 e 2030.21 Os ganhos projetados para a esperança de vida da população
masculina rural foram maiores que os projetados para a população urbana: 7,8
anos para homens e 8,0 para mulheres. Espera-se que a população masculina
residindo nas áreas urbanas alcance uma esperança de vida de 77,3 anos e a
população residente nas áreas rurais alcance 72,6. Já as projeções para a mulher,
indicam que poderá atingir 86,1 anos se moradora de áreas urbanas e 81,6 se
morar nas áreas rurais. Isto resultará em que a esperança de vida da população
masculina se aproxime dos 78 anos e da feminina de 85 anos, valores semelhantes
aos observados no Japão em 2000.
Dentre as três variáveis demográficas responsáveis pelo crescimento
populacional, a migração é a de mais difícil previsão, pois é muito sensível às
transformações socioeconômicas. Um outro pressuposto aqui adotado é o de po-
pulação fechada para a população brasileira como um todo. Embora, dificilmente,
o saldo líquido migratório vá se aproximar de 0, os seus valores devem ser sufi-
cientemente baixos de forma a não afetar expressivamente os resultados –
o ritmo de crescimento populacional e a distribuição etária. De qualquer forma, é
importante levar em conta a inserção futura do jovem brasileiro na economia
global. Certamente, essa inserção será “facilitada” pelo reduzido crescimento
populacional observado nos países europeus [Rios-Neto (2005)] e o crescimento
da escolaridade dos jovens brasileiros.
Como as projeções são realizadas por situação de domicílio, torna-se neces-
sário projetar as taxas de migração urbano-rural e rural-urbano para homens e

106 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


mulheres por sexo e grupos qüinqüenais de idade. As taxas utilizadas foram
obtidas por método direto através dos dados sobre migração numa data fixa que
foram coletadas pelo Censo Demográfico de 2000 para o período 1995-2000.
Dada a redução da população rural, assumiu-se que as taxas de migração rurais-
urbanas decresceriam em 5% a cada período projetado e as urbano–rurais se
manteriam constantes.

6.2 Os Resultados para a População Total

Caso se verifiquem as hipóteses adotadas, a população brasileira se aproximará de


225,3 milhões de pessoas em 2030 (ver Tabela 4), quando a taxa de crescimento
populacional poderá atingir valores próximos a 0,5%. A taxa de crescimento da
população rural continuaria mais baixa do que a da urbana, mas a população rural
voltaria a crescer, ainda que num ritmo bastante inferior ao da população urbana
(ver Gráfico 42 adiante). Esse mais baixo crescimento da população rural, a despei-
to da sua mais alta fecundidade, será devido às migrações rurais-urbanas.
As transformações demográficas em curso e as projetadas além de afetarem
o ritmo de crescimento populacional, afetarão também, significativamente, a dis-
tribuição etária. Esse efeito se dá de forma defasada afetando primeiro os grupos
etários mais jovens da população e se estendendo progressivamente aos demais.
O resultado final pode ser visto no Gráfico 39, que compara as pirâmides etárias
de 2000 e 2030. O envelhecimento populacional já evidenciado no Brasil desde

TABELA 4
Brasil: População Total Observada e Projetada por Situação de Domicílio — 2000 a 2030

Urbana Rural Total

Ano Taxa de Taxa de Taxa de


População crescimento População crescimento População crescimento
anual (%) anual (%) anual (%)

2000 138.912.538 32.118.977 171.031.515

2005 149.555.263 1,49 33.566.158 0,89 183.121.421 1,38

2010 159.406.658 1,28 34.744.436 0,69 194.151.094 1,18

2015 168.353.735 1,10 35.791.412 0,60 204.145.147 1,01

2020 176.194.722 0,91 36.529.678 0,41 212.724.400 0,83

2025 182.763.322 0,73 37.144.439 0,33 219.907.761 0,67

2030 187.900.052 0,56 37.416.632 0,15 225.316.684 0,49


Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1970 a 2000 e Ministério da Saúde/SIM.

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 107


GRÁFICO 39
Distribuição Proporcional da População Brasileira por Idade e Sexo – 2000 e 2030

80 e +
75 - 79
70 - 74
65 - 69
60 - 64
55 - 59
50 - 54
45 - 49
40 - 49
35 - 39
30 - 34
25 - 29
20 - 24
15 - 19
10 - 14
5-9
0-4
6,0 4,0 2,0 0,0 2,0 4,0 6,0

Homens – 2000 Homens – 2000


Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1970 a 2000 e Ministério da Saúde/SIM. Mulheres – 2030 Mulheres – 2030

os anos 1980 deve se acelerar e determinados grupos etários poderão experimentar


taxas negativas de crescimento.
Quanto à localização dessa população por situação de domicílio, o Censo
Demográfico de 2000 encontrou cerca de 81% da população brasileira residindo
nas áreas urbanas em 2000. Projetou-se que em 2030, essa proporção atingirá
valores próximos a 83%, continuando a tendência histórica à urbanização, ainda
que de forma mais reduzida.

6.3 Os Resultados para a PIA

No caso da PIA, aqui considerada como o contingente de 15 anos e mais,22 o


volume de entradas reflete principalmente, o número de nascimentos ocorridos
15 anos antes. Estes, por sua vez, relacionam-se com as taxas de fecundidade e
com o número de mulheres em idade reprodutiva no período correspondente. Isso
explica porque as taxas de crescimento ainda são relativamente altas para esse
segmento populacional, aproximadamente 2,0% a.a. entre 2000-2005, apesar
dessas taxas apresentarem nítido comportamento decrescente. Para o qüinqüênio
2025/2030, projeta-se uma taxa de 0,9% a.a. (ver Gráfico 40).
Além disso, a participação da PIA no total da população brasileira deverá
crescer, podendo passar de 70% para 81%, mantendo seu processo de envelheci-
mento (ver Gráfico 41). A participação do grupo jovem da PIA (15-29 anos)
declinará substancialmente, sendo que pelas hipóteses adotadas isto ocorrerá de
forma mais acentuada a partir de 2010. No final do período da projeção ela
apresentará valores absolutos próximos aos observados em 2000. Espera-se que

108 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 40
Brasil: Taxas de Crescimento da PIA segundo a Situação de Domicílio – 2000-2030

[em %]
2,5

1,5

0,5

0
2000-2005 2005-2010 2010-2015 2015-2020 2020-2025 2025-2030

Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1970 a 2000 e Ministério da Saúde/SIM. Urbana Rural Total

GRÁFICO 41
Brasil: Distribuição Percentual da PIA segundo Grupos Etários Selecionados
– 2000-2030
50

40

30

20

10


2000 2005 2010 2015 2020 2025 2030

Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1970 a 2000 e Ministério da Saúde/SIM. 15 - 29 30 - 44 45 - 59 60 e +

a participação da PIA adulta (30-44 anos) se mantenha aproximadamente estável


com algumas oscilações ao longo do período considerado e a PIA madura e idosa
deverá ser a que experimentará um aumento mais expressivo na sua participação.
Isto colocará pressões diferenciadas no mercado de trabalho. Os novos empregos
a serem gerados deverão se concentrar na população maior de 45 anos. Essa
população deverá ser responsável por aproximadamente 47% da futura PIA.
Os resultados das projeções não apontam para mudanças expressivas na
distribuição espacial da PIA por situação de domicílio. A sua participação não
será muito diferente da esperada para a população total. Os novos empregos a
serem gerados deverão ser nitidamente empregos urbanos. Em 2030, aí deverão

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 109


residir aproximadamente 85% da nova população em idade ativa. Já a distribui-
ção etária deverá se diferenciar ainda mais, como pode ser visto na comparação
das duas pirâmides etárias no Gráfico 42. A PIA urbana deverá ser mais envelhecida
do que a rural. Quanto à composição por sexo, pode-se esperar uma ligeira redução
na razão de sexos de ambas as populações sinalizando para uma proporção maior
de mulheres na PIA nas duas áreas (ver Gráfico 43).

GRÁFICO 42
Brasil: Distribuição Percentual da PIA por Idade e Sexo segundo a Situação de
Domicílio – 2030

80 e +
75 - 79
70 - 74
65 - 69
60 - 64
55 - 59
50 - 54
45 - 49
40 - 44
35 - 39
30 - 34
25 - 29
20 - 24
15 - 19
6,0 4,0 2,0 0,0 2,0 4,0 6,0

Homens – urbana Mulheres – urbana


Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1970 a 2000 e Ministério da Saúde/SIM. Homens – rural Mulheres – rural

GRÁFICO 43
Brasil: Razão de Sexos da PIA Projetada por Situação de Domicílio

120

100

80

60

40

20

0
2000 2010 2020 2030

Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1970 a 2000 e Ministério da Saúde/SIM. Urbana Rural

6.4 Perspectivas de Crescimento da PEA

Pode-se esperar que as entradas masculinas na força de trabalho no começo do


século XXI aconteçam a um ritmo inferior ao observado no passado recente e

110 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


estas ocorrerão a idades mais maduras. Na mesma linha, também se espera um
incremento na entrada da população feminina. Isso levará a uma mudança na
composição por sexo e idade da PEA.
A projeção da PEA partiu da projeção da PIA (vista na subseção anterior) e
assumiu que as taxas de retiro da força de trabalho, tanto por morte, quanto por
afastamento, estimadas pela tabela de vida ativa, vão manter-se constantes no
período da projeção. Com relação aos ingressos na PEA, considerou-se uma variação
negativa para os homens e uma positiva para as mulheres, tal como observado
entre 1980 e 2000. Para operacionalizar as variações, considerou-se, ainda, que
as taxas de ingresso da população masculina seriam reduzidas em 5% a cada
qüinqüênio e as femininas seriam aumentadas em 5%, em ambos os casos as
variações foram consideradas até 2020, ficando constantes a partir daí.
Os resultados para o total da PEA por sexo e anos projetados podem ser
vistos na Tabela 5. O Gráfico 44 apresenta as taxas de crescimento do segmento
projetado e o Gráfico 45 compara a distribuição etária entre 2000 e 2030.
A Tabela 6 apresenta um sumário dos resultados. A PEA deverá crescer a taxas
mais elevadas que a população total dadas as hipóteses formuladas acerca das
taxas de atividade feminina e do efeito das taxas de crescimento das coortes mais
velhas. No médio prazo, elas tendem a convergir.23
Os resultados apresentados anteriormente refletem a dinâmica demográfica
já em curso revelando em primeiro plano, clara desaceleração do ritmo de cresci-
mento populacional o que implica também redução do ritmo de crescimento da

TABELA 5
Brasil: PEA Observada e Projetada por Sexo — 2000 a 2030

Urbana Rural Total

Ano Taxa de Taxa de Taxa de


População População População
crescimento crescimento crescimento
masculina feminina total
anual (%) anual (%) anual (%)

2000 45.499.255 30.343.681 75.842.935

2005 51.898.520 1,0267 34.919.753 1,0285 86.818.272 1,0274

2010 56.379.413 1,0167 38.401.842 1,0192 94.781.255 1,0177

2015 60.210.972 1,0132 41.474.003 1,0155 101.684.975 1,0142

2020 63.387.771 1,0103 44.049.450 1,0121 107.437.221 1,0111

2025 65.749.397 1,0073 46.011.281 1,0088 111.760.678 1,0079

2030 67.312.949 1,0047 47.374.345 1,0059 114.687.294 1,0052


Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1970 a 2000 e Ministério da Saúde/SIM.

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 111


GRÁFICO 44
Brasil: Taxas de Crescimento da PEA por Sexo

[em %]
3

2,5

1,5

0,5

0
2000-2005 2005-2010 2010-2015 2015-2020 2020-2025 2025-2030

Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1980 a 2000 e Ministério da Saúde/SIM. Homens Mulheres Total

GRÁFICO 45
Brasil: Distribuição Proporcional da PEA por Idade e Sexo – 2000 e 2030

80 e +
75 - 79
70 - 74
65 - 69
60 - 64
55 - 59
50 - 54
45 - 49
40 - 44
35 - 39
30 - 34
25 - 29
20 - 24
15 - 19
10 - 14
0,10 0,08 0,06 0,04 0,02 0,00 0,02 0,04 0,06 0,08 0,10

Homens - 2000 Mulheres - 2000


Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1970 a 2000 e Ministério da Saúde/SIM. Homens - 2030 Mulheres - 2030

TABELA 6
Proporção da PEA na População Brasileira por Sexo e Valores Absolutos da PEA por Grupos Etários

2000 2005 2010 2015 2020 2025 2030

Proporção da PEA na população

Homens 54,0 57,7 58,3 58,2 57,5 57,0 56,5

Mulheres 34,9 37,5 40,2 41,8 43,0 43,8 44,3

PEA

15-29 31.495 37.964 40.835 40.101 38.894 37.825 36.756

30-59 41.058 45.615 50.827 57.359 62.672 66.911 70.094

60 e + 3.290 3.241 3.627 4.218 4.961 5.741 6.308


Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000 e Ministério da Saúde/SIM.

112 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


população em idade de trabalhar, com impacto sobre o envelhecimento da popu-
lação como um todo e também da força de trabalho. Uma segunda tendência,
mais tênue e de mais difícil previsão, destaca o crescimento da participação femi-
nina e o declínio da masculina na força de trabalho brasileira.
A participação das mulheres na PEA deverá aumentar como conseqüência
da taxas mais elevadas de crescimento da PEA feminina, enquanto a masculina
tenderá a diminuir em termos percentuais. Se as hipóteses assumidas se verifica-
rem, a participação de homens no total da PEA deverá se reduzir de 60% para
53% e a feminina aumentará de 40% para 47%, refletindo mais adequadamente a
estrutura populacional brasileira. Em termos de composição o segundo grupo etário,
deve-se observar redução relativa da presença dos segmentos mais jovens e au-
mento dos segmentos mais velhos, acentuando e consolidando o envelhecimento
da PEA, já em curso. Isto, como já mostrado por Rios-Neto e Wajnman (1998),
sinaliza que, em médio prazo, a oferta de força de trabalho deverá experimentar
substituição progressiva dos mais jovens pelos mais velhos, pressionando o mer-
cado de trabalho em termos de composição do emprego.
Quanto ao tempo líquido passado na atividade econômica, pode-se esperar
aumento progressivo, tanto para homens quanto para mulheres, a despeito da
tendência de redução na participação masculina. Esse efeito positivo sobre o
tempo líquido alocado à atividade econômica será devido, no caso masculino,
fundamentalmente à redução da mortalidade projetada; para as mulheres, o cres-
cimento será majoritariamente devido à continuidade de expansão da taxa de
participação. Por exemplo, como se pode ver na Tabela 7, o número líquido de
anos passado pelos homens brasileiros na atividade econômica24 deverá se am-
pliar de 38,4 para 39,4, entre 2000 e 2030, como resultado da queda da mortali-
dade, que deverá mais do que compensar a menor taxa de atividade da população
masculina. No caso das mulheres, projeta-se um aumento tanto no número bruto
quanto no líquido nesse tempo, sendo o incremento deste último de 5,6 anos.
No caso das mulheres, o crescimento será devido, na quase totalidade, à maior
taxa de participação.

TABELA 7
Brasil: Número Bruto e Líquido de Anos Passados na Atividade Econômica

2000 2030

Homens Mulheres Homens Mulheres

Bruto 44,2 25,6 41,9 31,8

Líquido 38,4 24,6 38,9 28,7


Fontes: IBGE/Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000 e Ministério da Saúde/SIM.

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 113


A oferta de força de trabalho futura que poderá ser delineada neste trabalho
é bem diferente da atual. Deverão predominar os grupos populacionais de idade
média e a participação feminina aumentará expressivamente. Esse envelhecimento
da população e, particularmente da PEA exigirá, no futuro não muito distante,
indispensáveis ajustes em termos de flexibilidade do mercado de trabalho de
modo a contemplar os requisitos necessários à uma PEA mais madura, mais su-
jeita portanto a riscos físicos e com menores agilidade e força física, além de
proporcionalmente menos instruída que os segmentos mais jovens da PEA, dada
a expressiva melhoria educacional brasileira em anos recentes (ver Capítulo 3).
Trata-se, assim, de um desafio não trivial que exigirá reflexão da sociedade e
medidas adequadas de ajuste institucional de amplo aspecto envolvendo o mer-
cado de trabalho e também ajustes para o período pós-laboral.

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NOTAS
1. A metodologia utilizada foi a proposta por Frias e Oliveira (1991).
2. As causas de morte foram classificadas de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID)
proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS). As de 1980 foram baseadas na nona revisão (CID
9) e as de 2000 na décima. A comparação nesse período não é direta, visto que houve mudanças
significativas entre as duas classificações. Além da alteração dos códigos, verificou-se um aumento no
detalhamento de doenças, o que é esperado, dada à alteração no padrão de mortalidade e melhoria na
qualidade da informação.
3. Segundo a localização do domicílio, a situação pode ser urbana ou rural, definida por lei municipal em
vigor em primeiro de setembro do ano censitário anterior. Na situação urbana foram consideradas as
áreas urbanizadas ou não, correspondentes às cidades (sedes municipais), às vilas (sedes distritais) ou às
áreas urbanas isoladas. A situação rural abrangeu toda a área situada fora desses limites, inclusive os
aglomerados rurais de extensão urbana, os povoados e os núcleos [IBGE (2000) – www.ibge.gov.br -
acessado em 07/04/2004]. Essa definição superestima a população urbana e, reciprocamente, subestima
a população rural. Com a criação de novos municípios, áreas antes rurais são administrativamente
reclassificadas como urbanas, o que dificulta a comparação entre os censos.
4. As taxas líquidas foram calculadas por métodos indiretos utilizando-se das razões intercensitárias de
sobrevivência [ver Moreira (1980) e Beltrão, Camarano e Kanso (2004)] e apresentam no denominador
a população do primeiro censo.
5. http://www.previdencia.gov.br (acessada em 01 de março de 2006).
6. Mais informações são fornecidas no Capítulo 5. Para uma discussão sobre a definição de desemprego
por desalento, consulte Jannuzzi (2001).
7. As medidas de coorte real requerem uma série longa de dados.
8. Os dados do Censo Demográfico de 1980 só investigaram a freqüência à escola para maiores de seis
anos. Apesar de o Censo de 2000 ter feito essa pergunta para a população de todas as idades, para fins

A oferta de força de trabalho brasileira: tendências e perspectivas z 117


de comparação foi considerada apenas essa população. Esse procedimento superestima a referida idade
média. Por exemplo, 24% das crianças menores de cinco anos estavam na escola em 2000.
9. O Gráfico 18 apresenta as idades médias de entrada nos eventos mencionados, calculadas a partir de
uma adaptação da metodologia do cálculo da idade média ao casar proposta por Hajnal [ver Newell
(1988)].
10. Essa proporção foi calculada dividindo o número líquido de anos passado em cada evento pela esperança
de vida ao nascer.
11. Para os países da OCDE o declínio médio foi de aproximadamente 4,3 anos entre 1950 e 1995 [Blondal
e Scarpeta (1998)].
12. No caso das mulheres foram também incluídas as proporções de mulheres casadas e mães, dada a
importância da nupcialidade e da fecundidade na participação feminina.
13. Ou seja, outras causas externas que não homicídios e acidentes de trânsito.
14. Essa metodologia descreve numericamente o processo ao longo do ciclo da vida de entradas e saídas
que a PEA experimenta, provenientes de uma coorte hipotética de 100 mil nascimentos, mantidas
certas condições para as taxas de atividade. Como se utilizou a metodologia de tabela de sobrevivência,
pode-se transformar proporções de ativos e inativos em indicadores de transição [ver, por exemplo,
Bush (1996)]. O período a que se referem às taxas deve ser curto porque se assume uma constância
das taxas de atividade e de mortalidade durante o período.
15. Ressalta-se que não é possível assumir alguma relação de causalidade nos dados apresentados, pois a
doença reportada refere-se à doença informada pelo entrevistado no momento da pesquisa. Por essa
fonte, não é possível saber a data da concessão da aposentadoria bem como o seu fator gerador.
Além disso, as informações referem-se apenas às doenças crônicas. Lesões físicas ou mentais, tais
como perda de membros, não foram consideradas.
16. Esse tempo é afetado também pelo aumento da participação feminina.
17. Assume-se que esses são óbitos que, sob regras, estímulo, incentivos e punições diferenciadas poderiam
ser evitados se não na sua totalidade, pelo menos em grande parte.
18. Foi realizada uma projeção populacional própria a despeito do reconhecimento de vários conjuntos
de projeções disponíveis, inclusive do IBGE e outra do próprio Ipea. A razão da realização de uma
nova projeção deve-se à incorporação dos resultados da Pnad de 2004 e à necessidade de se ter os
resultados desagregados por situação de domicílio.
19. Para um detalhamento da metodologia adotada, ver Beltrão, Camarano e Kanso (2004).
20. Portugal, Espanha e Itália [ver ONU (s/d)].
21. Para detalhes dessa metodologia, ver Beltrão, Camarano e Kanso (2004).
22. Embora se tenha definido a população em idade ativa como a de 16 anos e mais, para as projeções
está se considerando a de 15 anos e mais. Isto se deve ao fato de os resultados das projeções estarem
desagregados em grupos qüinqüenais de idade.
23. Resultados semelhantes foram encontrados por Rios-Neto e Wajnman (1998).
24. Considerou-se o número líquido aos 15 anos.

118 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


3 Educação no Brasil: Atrasos,
Conquistas e Desafios
Educação no Brasil: Atrasos,
3 Conquistas e Desafios

A teoria do capital
humano foi incorporada
na moderna teoria
econômica por Jacob
Mincer, e popularizada
por Theodore Schultz e
Gary Becker, ambos
ganhadores do prêmio
Nobel de economia, nas
1. INTRODUÇÃO décadas de 1950 e 1960.
A idéia fundamental da
teoria é que o trabalho
A primeira menção escrita de que a educação é como uma ferramenta que expande corresponde a mais do
a produtividade do trabalhador vem da Riqueza das nações, de Adam Smith. que apenas um fator de
produção, devendo ser
O tema feneceu e somente na década de 1960 a idéia de educação como capital considerado um tipo de
humano tomou corpo e as pesquisas empíricas se multiplicaram. Em anos poste- capital: o capital humano.
Esse capital é tão mais
riores, duas edições do prêmio Nobel consagraram a teoria do capital humano produtivo quanto maior
[Schultz (1973a e b) e Becker (1968)]. for sua qualidade, e esta é
dada pela intensidade de
Desde então, proliferaram os trabalhos empíricos sobre o assunto e os novos treinamento técnico-
científico e gerencial que
resultados não parecem se desviar de uma norma já bem entendida. Mostram cada trabalhador adquire
sempre que tratamos a educação como capital e usamos as ferramentas clássicas ao longo de sua vida.
para estimar o retorno econômico desse investimento – as taxas obtidas são pelo Assim, a melhoria da
qualidade do capital
menos tão altas quanto as encontradas para o capital físico. humano não apenas
melhora o desempenho
Também no Brasil, a partir da década de 1960, aparecem estudos dedicados individual de um
a estimar os retornos aos investimentos em educação. Seus resultados1 são bas- trabalhador – e, por
conseguinte, sua
tante consistentes entre si e não diferem muito daqueles obtidos em outros países. remuneração –, como é
Sabe-se então com segurança que as pessoas com níveis mais altos de educação têm fator decisivo para a
geração de riqueza e de
maior probabilidade de receber salários mais elevados. Esses resultados se repetem crescimento econômico.
ao longo do tempo e mostram que em média, no Brasil, a cada ano adicional de Por essa razão, políticas
que visam elevar a
estudo, tem-se acréscimo de renda de mais de 10%. E esse retorno está entre os
qualidade do capital
mais elevados do mundo. humano – como, por
exemplo, a melhoria nos
Mas a educação não está relacionada apenas à remuneração do indivíduo. sistemas educacionais –
Relaciona-se também com o desemprego. Em 2002, um indivíduo com nível médio são vistas como preferidas
e mais eficazes para
incompleto tinha 17,6% de probabilidade de estar desempregado. Ao completar reduzir níveis de pobreza
o ensino médio, suas chances de desemprego caíam para 10,9%. E caso tivesse o e de desigualdades
sociais, assim como para
superior incompleto, era de apenas 5,4% [ver Educação & Conjuntura (2004, p. 4)]. promover o desenvolvi-
Portanto, educação é também excelente seguro-desemprego. E isso é especialmente mento econômico.
importante quando o mercado de trabalho passa por períodos de ajustamento tal
qual o Brasil experimentou desde o início da década de 1990, como será visto
especificamente nos Capítulos 4 a 7 deste livro.
Há, contudo, uma inferência da teoria que é bem mais frágil. Observou-se
uma forte tendência de tomar os benefícios individuais da educação e extrapolá-
los para a sociedade. O perigo aqui é o que se denomina falácia de composição.
O que é verdade para o indivíduo – maior escolaridade implica mais renda pessoal
– pode não ser verdade para a sociedade com um todo. Ainda que se verifique
que, em geral, quanto maior a escolaridade média de uma sociedade maior é o
seu Produto Interno Bruto (PIB), analistas mais cuidadosos concordam que não
se pode usar dados sobre indivíduos para afirmar que, se todos tiverem mais educa-
ção, a economia crescerá, melhorando a renda de todos. Esse pode e parece ser o
caso, mas não fica demonstrado pela extrapolação do individual para o macrossocial.
Esse impasse metodológico deu mais força aos estudos comparativos entre
países, na busca de explicação para o efeito da educação sobre o desenvolvimento.
Muitos pesquisadores saíram atrás de estatísticas que permitissem comparar níveis
de renda per capita com níveis de educação. Os estudos mostram que países mais
educados têm mais renda [Hannum e Buchmann (2003), Bailey e Eicher (1993) e
Krueger e Lindahl (2004)]. Igualmente interessante é verificar que pontuação nas
provas internacionais de rendimento educativo se correlaciona positivamente
com taxas de crescimento do PIB per capita [Barro e Lee (2000, p. 13)]. Resultados
equivalentes foram encontrados no Brasil, por exemplo, quando se examina o
capital humano entre unidades da federação (UF). O fator preponderante para
explicar o crescimento do PIB entre estados é o capital humano. A cada ano
adicional de escolaridade média da UF está associada uma elevação de 36% a
38% do PIB [Souza (1999)].
GRÁFICO 1
Renda Individual de todas as Fontes e Renda Familiar de Pessoas com Diversos
Níveis Educacionais
6.000

5.000

4.000

3.000

2.000

1.000

0
Elementar (até 4 anos) Primeiro grau Segundo grau Superior Pós-graduação

Fonte: Schwartzman (2001).


Renda individual Renda familiar

122 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Não obstante, persistem ainda argumentos legítimos negando que esteja
cabalmente demonstrada a relação de causalidade entre educação e renda per
capita.2 Os resultados parecem mostrar que mais crescimento requer mais educação.
Há, porém, países com educação e sem crescimento. Isso é fácil entender, quando
vemos países com expressivas realizações na educação e que, por transtornos ou
disfunções na política ou na economia, pararam de crescer. A ex-União Soviética
é um exemplo claro. Apesar da excelência da maioria de suas escolas, limitações
na economia e na política bloquearam o crescimento do país por muitos anos.
A própria Argentina é também exemplo de país com boa educação, mas onde as
crises políticas causaram a estagnação econômica. Ou seja, a boa educação não
vacina o país contra crises e desmandos, entre muitas outras possibilidades que
podem travar o seu crescimento.
Outra vertente muito interessante e persuasiva para entender o nexo entre
educação e crescimento é a dos estudos históricos, particularizando alguns países.
Eles sugerem que países da segunda Revolução Industrial, como Estados Unidos,
Japão e Alemanha, tiveram políticas realistas, enérgicas e duradouras na educação.
Igualmente, os países emergentes do Sudeste Asiático (Coréia, Taiwan e Cingapura),
além do caso isolado e mais recente da Irlanda, dedicaram um esforço concentrado
em melhorar seus sistemas educacionais. Constatação também instrutiva é o fato
singelo de que não há hoje um único país de rápido crescimento que seja displi-
cente com a educação.3
Ao se refletir sobre as informações e idéias do longo debate sobre educação,
algumas conjecturas podem ser feitas. Uma hipótese bastante razoável é que hoje
as restrições na quantidade, na qualidade e na distribuição da educação são severos
condicionantes do crescimento. Mas expandir e melhorar a educação não serão
suficientes para o avanço da economia. Há muitos outros fatores em jogo e qualquer
um que se desarranje é suficiente para bloquear o progresso. Em síntese: educação
é necessária, mas não suficiente para o crescimento.
O caso do Brasil é interessante. Fala-se que a educação é o gargalo do nosso
crescimento. A escassez de educação seria uma chaga, impedindo o funciona-
mento mais eficiente de uma sociedade moderna e complexa. A história recente
parece contradizer essa tese. Até a década de 1980, nossa educação era muito
pior do que é hoje e não bloqueou o crescimento do país. Por décadas, o Brasil
liderou o crescimento mundial, apesar de ter uma educação pífia. Por que agora
a educação seria uma trava?
No passado o Brasil crescia com empresas grandes e com tecnologia relati-
vamente sofisticada, mas estável. Sabe-se que a demanda por educação e formação
depende do nível de complexidade da tecnologia e, ainda mais, da velocidade

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 123


com que ela muda. Quando muda pouco, é sempre possível ensinar alguém a
fazer o serviço à perfeição, mesmo que esse alguém não seja muito educado. Mas
quando a tecnologia muda permanentemente, como é o caso atual, a velocidade
de adaptação depende do nível de escolaridade. Isso porque, antes de tudo, a
educação é o ingrediente que concede ao indivíduo maior capacidade para aprender
ao longo da vida. Dada uma ocupação estável, há tempo para aprender a executá-la.
Mas se a tecnologia e os equipamentos mudam o tempo todo, só quem tem mais
educação consegue aprender o novo em um ritmo aceitável.
É ilustrativo voltar a idéias muito simples acerca de educação e produtividade.
Quando se toma a trajetória dos rendimentos individuais ao longo da vida pro-
dutiva, encontra-se um quadro muito claro. Para cada nível de educação, há uma
curva bem definida e com inclinação diferente. Os analfabetos terminam sua
vida produtiva com praticamente o mesmo nível de rendimento com que come-
çaram a trabalhar, isto é, a curva é quase paralela ao eixo do tempo. Os que têm
o fundamental começam com um pouquinho mais de rendimento e vão aumen-
tando seus salários pela vida afora, porém em ritmo lento. Os que completaram o
médio, embora tenham adiado sua entrada no mercado de trabalho para continuar
na escola, aceleram os acréscimos de rendimento ao longo de suas vidas. Para
quem obteve o diploma superior, o perfil idade-renda é ainda mais inclinado.
Quanto mais complexa a tecnologia e quanto mais rapidamente ela mudar,
mais chances há de se usarem os talentos cultivados pela via da educação. Isso
significa mais diferença de rendimentos entre os que têm educação e os que não têm.
Como anteriormente afirmado, não apenas a escolaridade média é importante,
mas também sua distribuição. O Brasil, por exemplo, tem quadros de bom nível,
mas convive com enorme desigualdade educacional, conforme foi discutido no
capítulo 8 da edição de 2005 desta série. A enorme base da pirâmide tem um nível
de educação que não chega a sete anos de escolaridade (Tabela 1). Considerando-se
que são menos de sete anos de péssima escola, isso é muito pouco.
Em geral, o trabalhador com escolaridade igual à média do país não tem
autonomia para buscar informações, para receber instruções mais complexas
ou produzir comunicações escritas de certa complexidade. Não é capaz de aprender
por conta própria, sem a tutela e a mediação de professores e tutores. Tem grande
dificuldade para tomar decisões complexas, com muitas variáveis envolvidas e
para as quais se requer certo nível de abstração. Além disso, como a maioria dos
empregos depende cada vez mais de empresas pequenas ou microempresas, o
baixo nível educacional dos seus proprietários e funcionários os isola da moder-
nidade, da informação, dos bons hábitos de trabalho.

124 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 1
Média de Anos de Estudos segundo Grupos de Idade

Anos de estudo 2001 2004

Média Brasil 6,1 6,6

10 a 14 anos 3,9 4,1

15 a 17 6,6 7,1

18 ou 19 7,9 8,4

20 a 24 8,0 8,7

25 a 29 7,5 8,2

30 a 39 7,1 7,5

40 a 49 6,4 6,8

50 a 59 5,0 5,6

60 anos ou + 3,3 3,5


Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2004.

O resultado da baixa escolarização é que, de maneira mais ou menos geral,


a população brasileira é formada por pessoas que podem ser tuteladas e podem
até atingir bons níveis de produtividade, mas têm baixa capacidade para realizar
tarefas mais complexas, liderar, criar novo conhecimento e tomar decisões que
exigem capacidade analítica mais sofisticada. Isso é particularmente grave em
um ambiente econômico que crescentemente depende do emprego gerado no
conjunto de micro e pequenas empresas.
O país fez muito nas últimas décadas em matéria de educação. Mas hoje há
relativo consenso de que o baixo nível educacional da nossa força de trabalho é
um dos fatores limitativos do crescimento. Essa conclusão é freqüentemente de-
safiada porque é custoso entender como antes o Brasil podia crescer com pouca
educação e agora não pode mais. Enquanto persistir a dúvida, continua-se enre-
dado em uma armadilha, pois não haverá consenso social de que a educação é
prioridade absoluta no país. Exigirá assim maior esforço de convencimento das
autoridades governamentais da importância da educação no processo de desen-
volvimento e tornará mais difícil a luta por uma educação de qualidade.
Esse é, portanto, o grande desafio do presente capítulo. A Seção 2 faz um
apanhado do que se sabe sobre a inclusão social por meio da educação e, além
disso, resume o histórico da educação no Brasil. Na Seção 3 são apontados e
discutidos os principais aspectos do desenvolvimento e do desempenho do ensino
fundamental no Brasil, com ênfase nos desafios que apresenta. A seção seguinte
aborda o polêmico tema do ensino superior, discutindo diversos tópicos a ele

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 125


QUADRO 1
Explicações Complementares
Além da teoria do capital humano, outras foram apresentadas para explicar o fenômeno de
diferenciais de rendimento. Na década de 1970, emergiu com vigor uma controvérsia: não
seriam os diferenciais de renda devidos a outros fatores, tais como inteligência, nível social ou
segmentação de mercados? Segundo essas hipóteses, estariam por trás dos aumentos de rendi-
mento elementos anteriores, tais como o fato de o indivíduo ser mais inteligente, por exemplo.
Nesse caso, os diferencias seriam atribuídos à inteligência, e não ao capital humano. A verda-
deira causa então seria a diferença de inteligência dos indivíduos.
À mesma época surge a chamada Screening Hypothesis, aqui conhecida como teoria do
credencialismo. É a mesma idéia de que por trás da educação há alguma outra variável em
jogo. Nesse caso, porém, a escolaridade, ou melhor, os diplomas obtidos por um indivíduo indi-
cariam aos recrutadores mais do que apenas escolaridade, e sim outros atributos não-observáveis,
como inteligência, tenacidade etc. O diploma, na verdade, sinalizaria as credenciais do candi-
dato. A educação seria apenas um filtro.
Uma outra interpretação possível é a de que o diploma não apenas apontaria as credenciais
de um indivíduo, mas que também ele próprio abriria as portas para ocupações nas quais se
aprende muito mais e há mais perspectivas de progresso. Sendo assim, como é ele que permite
chegar a tais ocupações, são turvas as conclusões possíveis. Nesse caso, o diploma seria um
filtro para ocupações em que haveria mais chances de progredir.
Muito se escreveu a favor e contra essas explicações, mas o que acabou se cristalizando é
que elas apenas complementam e relativizam a idéia central do capital humano. Muitas pes-
quisas, por exemplo, mostraram que o controle estatístico da inteligência e do status
socioeconômico realmente reduz – mas não elimina – os rendimentos imputáveis à educação.
Há aqui uma distinção importante a ser feita. O status socioeconômico é o mais forte
condicionante do êxito na escola e, portanto, do tempo de permanência e dos diplomas obtidos.
Essa é talvez a associação mais previsível e mais universal na educação. Quanto mais alta a
origem social do aluno, maior a probabilidade de que ele permaneça na escola por mais tempo.
Contudo, dentro do mesmo nível de escolaridade, as diferenças de rendimento monetário que
podem ser atribuídas a variações no status familiar são bem mais modestas.
A Screening Hypothesis tampouco sobreviveu incólume ao teste do tempo. Por exemplo: a
teoria fazia prever taxas de retorno bem inferiores ou negativas para os que estudaram, mas
não conseguiram obter um diploma. E não é isso o que acontece. Há sólida evidência de que os
retornos para cursos incompletos existem e são também elevados. Apesar das limitações, não se
pode rechaçar as hipóteses do credencialismo. Há o caso clássico de reservas de mercado, em
que a posse do diploma restringe a oferta, gerando um equilíbrio de mercado no qual as remu-
nerações são mais elevadas do que seriam caso não houvesse a reserva. Não obstante essas
considerações, o fato é que há consenso, hoje, de que a educação é o fator mais importante
para determinar rendimentos individuais.

associados, entre os quais a dinâmica de crescimento, a interação entre público e


privado, os custos do ensino superior no Brasil, sua qualidade e os aspectos de
eqüidade ali contidos. Avança também sobre questões desejáveis de um marco
regulatório para o setor. A Seção 5 aborda o virtuoso crescimento da pós-graduação

126 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


QUADRO 2
Educação e Violência
Episódios de violência e criminalidade afloram a todo momento na sociedade brasileira, gerando
um sem-número de discussões e tentativas de interpretação. Infelizmente, a compreensão do
fenômeno da criminalidade ainda está em sua infância. Daí a persistência de idéias simplistas,
meias verdades ou equívocos. Em particular, há duas explicações imprecisas, para não dizer
desalinhadas com o mundo real.
A primeira explica a violência pela falta de escolaridade da população. A segunda atribui
tudo à pobreza. Para entender as fragilidades de tais explicações, basta comparar os índices de
criminalidade das capitais brasileiras. Capitais violentas como Rio de Janeiro, São Paulo ou
Vitória, para os padrões brasileiros, além de não serem pobres, têm níveis elevados de educação.
Em contraste, os níveis mais baixos de criminalidade se encontram em Teresina, uma das capitais
mais pobres do país e onde a escolaridade está também entre as mais baixas.
Portanto, há que se procurar outras causas. Possivelmente, a mais persuasiva é a conexão
entre violência e o ritmo do fluxo migratório rural-urbano. As cidades cujas respectivas popu-
lações cresceram em ritmo acelerado dificilmente conseguiram evitar a degradação do seu
tecido social – conforme mostra o Capítulo 5 da edição de 2005 desta série. Esse inchaço das
megalópoles desestrutura a vida de grupos mais vulneráveis e cria o caldo de cultura da
criminalidade e violência. Tais problemas são agravados pela associação de governos fracos
com a expansão do crime organizado.
A educação parece ter um impacto crítico, mas aparece somente no longo prazo. Sabe-se
que a criminalidade é função inversa do nível individual de escolaridade. Isso se deve à maior
empregabilidade daqueles mais escolarizados, bem como à introjeção mais profunda de valores
de cidadania. Portanto, se educação é ineficaz no combate à violência e à criminalidade no
curto prazo, aprimorá-la é uma política essencial de qualquer solução duradoura para essas
questões, exigindo, porém, prazo mais longo de implementação. É importante frisar também
que ela tem de ser parte de um pacote integrado de ações.

no Brasil, destacando a forte conexão entre esse segmento e a provisão de pro-


fessores para a rede pública e, sobretudo, privada de terceiro grau. A penúltima
seção aborda as variadas formas da educação e da formação profissional e técnica
no Brasil, situando-as na perspectiva do mercado de trabalho nacional. Por fim,
na sétima e última seção procura-se o encontro do segmento educacional com o
mercado de trabalho, tema central deste livro.

2. EDUCAÇÃO E INCLUSÃO

Todos os debates sobre as conseqüências da educação têm dois lados. Há o im-


pacto direto sobre a economia, já discutido aqui, e há a questão da eqüidade ou
justiça social, em que – para o bem ou para o mal – a educação conta.
Em uma sociedade com economia tradicional, desde que minimamente aberta,
uma pessoa talentosa e com iniciativa pode vencer na vida. Ao cabo de alguns

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 127


anos, pode aprender um ofício; se for alfabetizado, pode abrir um pequeno negócio.
Contudo, a modernidade traz a necessidade de muito mais educação em pratica-
mente todas as posições que estão acima do patamar inferior.
A sociedade brasileira já atravessou esse umbral de modernidade. A conse-
qüência é que, por meio da escolaridade, foram criados os mais variados filtros
para o progresso individual. O acesso a melhores posições requer cada vez mais
escolaridade. No mais das vezes, os filtros de escolaridade refletem necessidades
reais no seu desempenho. Contudo, universaliza-se o paradigma de filtrar o acesso
aos empregos pela escolaridade, mesmo para as ocupações que realmente pres-
cindem dela. Lixeiro não precisa ir à escola para fazer seu trabalho. Na prática,
entretanto, os concursos o exigem. Para o argumento aqui desenvolvido, o que
interessa não são as razões para exigir escolaridade, mas o fato de que isso está
acontecendo, e de forma cada vez mais generalizada.
O resultado desse processo é que os caminhos para o progresso individual
sem escolaridade vão ficando cada vez mais estreitos. Para chegar próximo do
topo, praticamente somente os esportes e as artes – ou a beleza – conseguem
oferecer chances para quem não tem diplomas. Isso significa que, para a esmaga-
dora maioria da população, sua renda será determinada pelo investimento feito
em educação. De fato, segundo diversos estudos [ver, entre outros, Menezes-Filho
(2001), Ferreira (2000) e Ramos e Vieira (2000)], cerca de 1/4 da disparidade de
rendimentos no Brasil pode ser atribuído a diferenciais de educação, e essa pro-
porção é ainda maior ao se considerar apenas o rendimento do trabalho.
Diante desse quadro, quem não consegue vencer as barreiras de acesso e de
êxito dentro da escola está condenado a baixa mobilidade ocupacional e renda
restrita. A Tabela 2 registra duas correlações: entre renda e educação (positiva) e
entre idade e escolarização (negativa). Quanto menor a idade, maior a escolarização,
o que indica que as gerações mais novas estão se escolarizando mais, e quanto
maior a renda, maiores são os percentuais de permanência na escola.

TABELA 2
Brasil: Taxa de Escolarização das Pessoas de 0 a 24 Anos, segundo Grupos de Idade e Quintos de Renda
Per Capita – 2003
[em %]

Grupo etário 1º quinto 2º quinto 3º quinto 4º quinto 5º quinto

0 a 6 anos (pré-escola) 28,9 33,3 35,1 39,9 50,6

7 a 14 95,2 96,0 97,4 97,9 99,3

15 a 17 73,6 78,1 81,0 84,2 94,6

18 a 24 27,9 28,3 29,1 31,7 51,6


Fonte: IBGE/Pnad de 2004.

128 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Um aspecto particularmente importante de nosso sistema educacional é que
virtualmente todos entram na escola, mas somente 84% concluem a 4a série e
57% terminam o ensino fundamental. O funil se estreita ainda mais no nível
médio, no qual o índice de conclusão é de apenas 37%, sendo que, entre indivíduos
da mesma coorte, apenas 28% saem com diploma.4 E o aspecto mais dramático é
Coorte é um grupo de
que esse desbaste das coortes é muito seletivo. Na Tabela 2, vê-se que a proporção indivíduos que seguem
dos alunos do primeiro quinto de renda (20% mais pobres) que freqüentam a juntos no tempo ou idade.
escola cai de 95,2% – no grupo de 7 a 14 anos – para 73,6% – no grupo de 15 a Em geral, a coorte refere-se
ao grupo que apresenta a
17 anos –, e para 28% no grupo de 18 a 24 anos. Esse padrão se repete no mesma data de nascimen-
segundo quinto e, em menor medida, no terceiro e quarto quintos de renda. Note- to, o que não significa,
necessariamente, o
se que, nesse último, porém, a percentagem é praticamente a mesma. mesmo dia. É comum
definir uma coorte pelo
No primeiro ano do fundamental, cerca de 2/3 da turma vêm de segmentos ano ou mesmo pela
mais pobres. Já no ensino superior, menos de 5% têm essa origem. O processo de década de nascimento,
quando estão sendo
afunilamento continua para os níveis mais elevados, como mestrado e doutorado. analisados eventos muito
deslocados do tempo
Até pouco mais de uma década, havia um filtro já na entrada da escola, na atual. Nessa situação, por
forma de uma coorte maior do que o número de vagas. Na década de 1990, a exemplo, pode-se ter uma
coorte dos indivíduos
entrada se universalizou e o filtro passou para dentro da escola fundamental, nascidos na década de
mais à semelhança dos demais países com acesso universal. Apesar disso, há 1950, ou na década do
milagre brasileiro
muita desigualdade entre as crianças que vão para o fundamental, e isso ocorre (nascidos na década de
mesmo em países ricos. Portanto, a questão não é perguntar se os pobres estão 1970). Muitas vezes,
em desvantagem na escola desse ou daquele país, pois sabe-se que eles estão em define-se a coorte como o
grupo de indivíduos que
desvantagem em todos – qualquer que seja seu regime político ou ideologia. compartilham algum fato
A pergunta relevante é acerca do grau de desvantagem e do que se faz para reduzi-lo. marcante, como a entrada
no sistema escolar.
Nos países com escolas melhores, os pobres também estão em desvantagem, mas Portanto, num contexto
em grau muito menor. Nos países industrializados, praticamente todos conseguem de fluxo de alunos, a
coorte corresponde a um
terminar com sucesso dez anos de escolaridade, e com qualidade aceitável. grupo que inicia o
primeiro ano da educação
No Brasil, não apenas os mais pobres freqüentam escolas piores, mas, mesmo escolar básica num
quando estão nas mesmas escolas do que os menos pobres, têm maiores dificul- determinado ano,
independentemente da
dades em aprender e avançar dentro do sistema. Ou seja, a escola é incapaz de idade particular de cada
oferecer a eles um aprendizado razoável e é, assim, incapaz de reduzir a desigualdade um dos estudantes.
A palavra coorte é um
herdada dos pais. Tal como já indicado na edição de 2005 desta série, do ponto
termo de origem militar
de vista de uma política de eqüidade, deve-se estabelecer como maior prioridade utilizado para designar
para a educação brasileira a melhoria da qualidade do ensino fundamental. um grupo de aproximada-
mente 600 soldados
A agravar os problemas de acesso e de falta de qualidade da educação dos romanos que marchavam
juntos. Assim, a coorte
mais pobres estão as restrições econômicas. Quem tem mais renda pode freqüentar constitui um grupo de
escolas melhores, pode dedicar mais tempo aos estudos, tem acesso a livros, indivíduos que, dado um
determinado ponto de
revistas, computador e internet, e recebe apoio adicional quando tropeça nos referência, marcham
estudos. juntos no tempo.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 129


QUADRO 3
Uma Aproximação do Afunilamento Educacional e da Exclusão
Um exemplo do afunilamento educação/condições econômicas está apresentado na Tabela 3.
Trata-se de exemplo bastante simplificado, pois usa dados de um mesmo ano. Em 2004, 6
milhões de crianças cursavam a 1ª série do fundamental, mas apenas 2,8 milhões concluíram a 8ª
série (46,1%), e somente 1,6 milhão (26,6% do total) de jovens levaram a termo o ensino médio.

TABELA 3
Brasil: Simulação de Rendimento Escolar (Fluxo Estudantil) – 2004

Fundamental 1-4 N Perda (%) Fundamental 5-8 N Perda (%) Ensino médio N Perda (%)

Ingressantes 1ª 5.978.272 Ingressantes 5ª 4.763.018 Ingressantes 1ª 3.438.523

Aprovados 4ª 3.699.857 Aprovados 8ª 2.754.818 Concluintes 3ª 1.815.913

Perdidos 2.278.415 38,1 Perdidos 2.008.200 42,2 Perdidos 1.622.610 47,2


Fonte: Ministério da Educação (MEC)/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) – Censo Escolar.

Um aspecto particularmente grave desse afunilamento é que ele tende a perpetuar as


diferenças de renda entre as etnias. Como a maioria dos negros é pobre, fica retida no funda-
mental uma proporção bem maior deles do que da população como um todo. Aí está o maior
entre todos os nossos problemas de desigualdade entre indivíduos de cor diferente. As pesquisas
mostram que é mais por serem pobres do que por serem negros que estes vão ficando para trás
na escola, ou seja, o fator mais discriminante é a renda, e não a cor. O Gráfico 2 apresenta a
distribuição da população por cor e decis de renda per capita.

GRÁFICO 2
Distribuição da População por Cor e Decis de Renda Per Capita - 2003

[em %]
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º
Décimos de renda

Fonte: IBGE/Síntese dos Indicadores Sociais (SIS) de 2004. Cor branca Cor preta ou parda

Enquanto as informações do gráfico comprovam a forte predominância de pretos e pardos


nos décimos inferiores de renda per capita, a Tabela 4 indica que o grupo de cor preta/parda
enfrenta maiores dificuldades de progresso no sistema educacional: 31% de seus integrantes
ainda estão retidos no fundamental, e outros 50% estão cursando o nível médio. Em suma,
continua

130 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


continuação

menos de 20% desse grupo estão no nível de instrução ideal para a faixa etária (nível pós-
secundário). Em contrapartida, mais da metade (52,7%) dos que declararam cor branca está no
pré-vestibular ou no ensino superior.
TABELA 4
Estudantes de 18 a 24 Anos por Cor e Nível de Ensino Freqüentado – 2003
[em %]

Cor Total Fundamental Médio Pré-vestibular Superior

Preta e parda 3.626.733 30,9 49,8 3,9 14,1

Branca 4.258.209 11,6 35,3 6,3 46,4


Fonte: IBGE/SIS de 2004.

No limite, um pobre talentoso que conseguisse passar no vestibular de me-


dicina em uma universidade pública não poderia se sustentar durante o curso.
Daí a observação de que os poucos alunos de classe baixa que ingressam nas
universidades públicas o fazem em cursos que não exigem grande comprometi-
mento de tempo e dinheiro.
Nesse aspecto, há um caráter eminentemente discriminatório no nosso ensino.
No ensino fundamental público, freqüentado pelos mais pobres, os gastos por
aluno são 1/10 do que o governo gasta com suas universidades, freqüentadas Analfabetismo funcional
predominantemente pelos 40% mais ricos. corresponde à situação
educacional dos
Quando examinada a formação profissional, o quadro é mais favorável, ainda indivíduos que têm menos
de quatro anos completos
que também apresente problemas, como será visto adiante. O Sistema S5 oferece de estudo, segundo o
seus cursos de formação profissional gratuitamente para uma clientela de classe IBGE. O analfabetismo
bem mais modesta. Já nos cursos técnicos e de tecnólogos privados, freqüentados funcional diz respeito à
característica de
por alunos menos pobres na maioria dos casos, há cobrança de mensalidade. indivíduos que, mesmo
Ou seja, há um veio de progressividade desejável de ser encontrado em outros sabendo ler e escrever
palavras e frases simples,
setores, o que raramente acontece. O principal aspecto negativo é ser o Sistema S não possuem proficiência
relativamente pequeno para o tamanho da força de trabalho. Outra questão impor- e habilidade que lhes
permitam atender
tante que milita contra a eqüidade do sistema é o fato de que, cada vez mais, os satisfatoriamente
cursos profissionais pressupõem a alfabetização funcional por parte dos alunos, demandas do dia-a-dia,
como, por exemplo,
implicando que muitos fiquem de fora apenas por não atingirem o requisito compreensão de textos
mínimo para ler materiais didáticos e escrever as tarefas passadas pelo professor. com algum conteúdo
técnico ou mais
Como o analfabetismo funcional é muito elevado, atingindo, segundo algumas es-
especializado. Em casos
timativas, 120 milhões de indivíduos,6 este é o número – ou algo próximo dele – mais extremos, o
dos que não terão acesso aos cursos técnicos, mesmo gratuitos. analfabetismo funcional
equivale à incapacidade
Em resumo, houve uma gigantesca democratização no acesso e na permanência de redação e compreensão
de texto, ainda que o
na escola acadêmica e no acesso a cursos oferecidos enquanto complemento. indivíduo saiba escrever o
Do ponto de vista da eqüidade, também foi um grande salto. Mas há duas ressalvas. nome e algumas palavras.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 131


A primeira é que o país ainda está longe de um ensino que promova a
eqüidade – hoje menos longe, é verdade, mas há ainda muito terreno a cobrir.
A segunda é que a vastidão de cursos existentes atualmente não beneficia o extremo
inferior da hierarquia social. Alcança os que estão quase na base, mas não atinge
os últimos da fila. Para estes, o sistema continua oferecendo muito pouco.
No mundo empresarial, há uma clara tendência para que o número de cursos
concluídos seja tão maior quanto mais elevado na hierarquia da empresa estiver
o funcionário. Há algumas razões para isso. As posições mais elevadas são mais
complexas, exigem mais atualização e o impacto no restante da equipe é maior.
Além disso, há rotatividade maior nas posições mais baixas, agravada por insti-
tuições hoje inadequadas à dinâmica do mercado de trabalho, como será visto no
Capítulo 4 desta edição. Por essa razão, empresas não investem ou investem muito
menos do que poderiam em funcionários cuja probabilidade de abandonar a
firma é mais elevada, e essa ação, por sua vez, afeta negativamente a formação
dos jovens e dos mais pobres.
Em suma, a sociedade, corretamente, valoriza os méritos da educação como
ferramenta para a produtividade e como mecanismo de mobilidade social. Diante
disso, vão sendo forjados filtros que selecionam as pessoas em função do seu
capital humano. Mas esses mesmos filtros que premiam aqueles que têm mais
escolaridade punem os que não a têm. Portanto, a educação tanto é um fator de
mobilidade – para os que a têm – quanto de exclusão – para os que não a têm.
Para encerrar esta seção, há que se mencionar um aspecto virtuoso nessa
equação. Melhorar a educação básica é um imperativo econômico, pois as empresas
precisam de gente mais educada. Mas é também um imperativo social, uma vez
que a mobilidade social hoje depende de boas escolas. Em outras palavras, não
há aqui uma contradição entre os objetivos de eqüidade e os objetivos de cresci-
mento econômico. As políticas que promovem um são as mesmas que promovem
o outro.

2.1 Do Atraso Secular ao Crescimento Atabalhoado

A educação brasileira tem sido bastante estudada e seus números são razoavel-
mente conhecidos. Não obstante, vale a pena recordar seus contornos mais rele-
vantes, pois nem sempre podemos confiar nas interpretações usuais. Esta subseção
apresenta os movimentos de nossa educação e destaca alguns deles como verda-
deiros turbilhões ao longo de sua trajetória.
Talvez o mais importante que se possa dizer da educação brasileira é haver
padecido de um atraso secular. Mais sério do que os erros do presente foi a

132 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


crônica inação nos primeiros quatro séculos de vida do país. A escola se difundiu
rapidamente na Europa, a partir do século XVIII e, virtualmente, todos os países
daquele continente se aproximaram da universalização da escola ainda no século
XIX ou início do século XX.
Em contraste, em meados do século XVIII, estima-se que apenas 1 em cada
10 mil brasileiros freqüentava a escola, e que quase 70% de nossa gente eram
analfabetos em 1900 [Franco (2005)] (Gráfico 3). É fácil entender as razões para esse
atraso, quando consideramos que 2/3 da população de Portugal nessa época também
eram analfabetos. Portugal nos legou o que tinha de bom, mas também o que
tinha de ruim. No segundo caso, dele herdamos uma fraquíssima tradição educativa.
Portanto, o atraso educacional do Brasil data de fins do século XVIII e início
do XIX. Nem precisamos compará-lo com a Europa ou os Estados Unidos. Nossos
vizinhos ao Sul, Argentina e Uruguai, começaram um processo sério de
escolarização universal ainda na segunda metade do século XIX.
Essa situação permaneceu mais ou menos a mesma até a metade do século
passado. O crescimento que se deu depois disso é impressionante, mas não se
conseguiu compensar em 50 anos um atraso que se acumulou por séculos.
Ao crescer tão rápido, a partir de uma base tão reles, as dificuldades e limitações
foram inevitáveis. Portanto, uma primeira conclusão é que o atraso brasileiro na
educação é muito mais o resultado da inação por séculos do que do grande
avanço, aos trambolhões, dos últimos 50 anos. Mas também no período recente
cometeram-se erros.
Um deles é que, na expansão mais recente, o ensino superior adquiriu certa
proeminência em termos de prioridade, expresso pelo enorme crescimento da

GRÁFICO 3
Evolução da Taxa de Analfabetismo na População de 15 Anos ou
mais - 1900-2000
80

70

60

50

40

30

20

10
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000

Fonte: Franco (2005).

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 133


TABELA 5
Expansão das Matrículas no Ensino Superior em Relação ao Ensino Médio – 1970-2000
[em mil]

Ano Médio Superior Superior/médio

1970 1.119 425 0,38

1975 1.936 1.073 0,55

1980 2.189 1.377 0,63

1990 3.500 1.540 0,44

2000 3.680 2.694 0,73


Fonte: MEC/Inep.

rede de universidades federais. Foi, porém, um feito impressionante, sobretudo


considerando que no seu bojo criou-se a pós-graduação e pesquisa.
O crescimento foi mais rápido do que o do ensino médio, fazendo com que
sobrassem as novas vagas criadas nas universidades. De fato, entravam poucos
no início da escolarização e muitos ficavam no meio do caminho, de tal forma
que o médio permaneceu atrofiado por quase duas décadas (1975 a 1995), gerando
uma igual estagnação no crescimento do ensino superior.
Somente nos anos 1990 é que, realmente, tem lugar a grande revolução no
ensino básico. Em meados dos anos 1980, 86% da coorte de 7 a 12 anos já estava
na escola. Na segunda metade da década, 97% da coorte estavam freqüentando a
escola fundamental. Ao mesmo tempo, um enorme contingente de alunos que
tradicionalmente estava represado dentro do ciclo fundamental vai progressiva-
mente sendo capaz de concluir seus cursos. Programas de correção de fluxo,
como a criação do ciclo básico de alfabetização, aumentaram a taxa de cresci-
mento nas conclusões em torno de 2% ao ano (a.a.) [Castro (1998, p. 19)].
A expansão das matrículas e a melhoria do fluxo passaram a abastecer o
nível médio, que sempre foi ínfimo comparado a outros países. Mas, com o cres-
cimento das graduações no fundamental, o médio passa a crescer a um ritmo
elevado. Entre o início da década de 1990 e os anos 2000, a matrícula praticamente

TABELA 6
Evolução das Matrículas no Ensino Médio e Superior

1991 1996 1998 2000 2002 2004 Cresc. (%)

Médio 3.770.000 5.739.077 6.968.531 8.192.948 8.710.584 9.169.357 143,2

Superior 1.565.000 1.868.529 2.125.958 2.694.245 3.479.913 4.163.733 166,1


Fonte: MEC/Inep.

134 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


triplica. Inevitavelmente, essa expansão do médio eleva o número de formados
que permite ao superior crescer de forma acelerada, rompendo mais de uma dé-
cada de quase estagnação.
Nesse período, caem a deserção e a repetência. Os números que medem esses
dois fluxos, porém, ainda não são nada lisonjeiros. A distorção idade-série, que
reflete reprovações e repetência, se reduz muito lentamente. Enfim, é um sistema
que fica cada vez maior e produz cada vez mais, embora sua eficiência ainda seja
muito problemática e a qualidade precária.
Em suma, até o século XX, pouco se fez pela educação, mas durante ele, com
o surto de desenvolvimento e de industrialização, o sistema cresce a uma velocidade
que se acelera progressivamente. O grande salto começa com a criação de uma rede
nacional de universidades federais com ampla oferta de vagas, que não é seguida por
um crescimento correspondente nos níveis inferiores, bloqueando o avanço sub-
seqüente ao superior. Somente na década de 1990 há grande expansão nos níveis
fundamental e médio, dando uma feição mais equilibrada à pirâmide educacional.
O país vive hoje o desafio de lidar com a fraca qualidade desse sistema.

3. O PERFIL DA EDUCAÇÃO BÁSICA

Uma vez que se conseguiu matricular as crianças na escola fundamental, o pro-


blema seguinte passou a ser o que acontecia dentro da escola: a qualidade que já
não era boa foi diluída pela explosão das matrículas. Tanto a população quanto a
classe política mostraram-se igualmente indiferentes. Não houve na classe política
um compromisso sério para desenvolver a educação fundamental – muitas vezes
utilizada apenas como palco para troca de favores, por meio da nomeação de
professores e diretores, ou outros expedientes –, o que atrapalhou, e continua a
atrapalhar, o desenvolvimento da educação.
No passado, as dificuldades eram quantitativas e qualitativas. Hoje são prin-
cipalmente qualitativas. O Gráfico 4 mostra que em 2004 apenas três estados do
Norte (Pará, Roraima e Acre) apresentavam taxas de escolarização líquida inferiores
a 95% (abaixo da linha vermelha) – embora acima de 92%. O gargalo número um
– que antes era a falta de vagas – tornou-se o ritmo lento do avanço pelas séries
da escola fundamental, resultante das repetências que já começam nos primeiros
anos. E chama a atenção a perseverança dos alunos, forçados a repetir, mas
insistindo em permanecer na escola.7

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 135


GRÁFICO 4
Ensino Fundamental: Taxa de Escolarização Líquida
SC AC AM
RS 99 AP
98 PA
PR 97
96 RO
MT
95
94
MS 93 RR
92
GO 91 TO
90
89
DF AL

SP BA

RJ CE

MG MA
ES PB
SE PE
Fonte: IBGE/Pnad de 2004. RN PI Média Brasil

3.1 O Crescimento da Educação Básica

As estatísticas da educação básica começaram a mudar a partir da segunda metade


da década de 1970 e ganharam novo impulso na década de 1990. Em 30 anos, mais
do que duplicou o número de matrículas, como pode ser observado no Gráfico 5.
A mudança começou de forma lenta e local, ganhando velocidade no caminho.
Primeiro, alguns municípios começaram a reformar seus sistemas educacionais;
depois, alguns estados, especialmente Paraná e Minas Gerais, levaram a sério a
reforma e criaram novos estilos e fórmulas para aperfeiçoar a educação funda-
mental. Mas talvez os motores da mudança tenham sido a abertura e a moderni-
zação da economia, as quais geraram uma vigorosa demanda por trabalhadores
mais instruídos.
GRÁFICO 5
Evolução das Matrículas no Ensino Fundamental

[em mil]
40.000
35.793 35.718 35.258
35.000 34.229 34.012

30.000 29.204

25.000 24.770
22.598
20.000 19.549
15.895
15.000
10.000
5.000
0
1970 1975 1980 1985 1991 1997 1998 2000 2002 2004
Anos

Fonte: MEC/Inep/Diretoria de Estatística e Avaliação da Educação Superior (Daes).

136 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


A melhor notícia da educação brasileira é que as mudanças mais impressio-
nantes aconteceram no ensino fundamental. A taxa de graduações subiu e os
testes de desempenho indicaram que a qualidade não se deteriorou no processo,
como será visto mais à frente. Na Tabela 7 pode-se observar a queda da distorção
série-idade – um resultado direto do aumento das graduações.
Na verdade, a queda nas taxas de repetência reflete vários fatores, entre eles,
diferentes políticas de correção de fluxo que se disseminaram a partir de meados
da década de 1990, decorrentes da comprovação de que a repetência é, em si
mesma, uma das principais causas da repetência.8
O consenso anterior que responsabilizava o aluno pelo fracasso escolar come-
çou a ser substituído pelo princípio de que a escola e o professor só dão certo quando
TABELA 7
Taxa de Distorção Idade-Série no Ensino Fundamental

Série 1982 1991 1996 2000 2001 2003 Variação


1ª 71,9 59,5 40,0 27,8 25,3 19,3 -52,6
2ª 76,5 62,6 44,1 35,7 31,9 26,6 -49,9
3ª 77,2 63,3 46,4 41,6 38,0 31,7 -45,5
4ª 76,6 62,7 46,6 42,5 39,4 33,3 -43,3
5ª 80,4 70,2 55,6 50,4 50,0 43,4 -37,0
6ª 80,2 68,6 53,2 47,5 45,0 41,7 -38,5
7ª 79,8 67,4 49,2 48,6 47,5 42,2 -37,6
8ª 48,6 45,7 40,6
Dif. 1ª e 8ª 7,9 7,9 9,2 20,8 20,4 21,3
Fonte: MEC/Inep.

QUADRO 4
Classes de Aceleração
Entre 1999 e 2000, a Secretaria de Ensino Fundamental (SEF) do MEC analisou e recomendou o total
de 1.174 projetos de prefeituras municipais e secretarias estaduais de Educação. Com esses
projetos, foram atendidos 537.367 alunos de 1a a 4a séries, com distorção de dois ou mais anos,
e capacitados 32.894 professores, para atuarem nas classes de aceleração. Nesse mesmo período,
o MEC realizou a primeira avaliação do programa, e verificou que: a) o número de escolas com
classes de aceleração passou de 1.993, em 1997, para 8.044, em 1999 – um aumento de 300%
de escolas, em dois anos; b) triplicou o número de alunos beneficiados, de 158 mil, em 1997,
para 443 mil, em 1999; e c) o número de professores treinados para tais ações saltou de 13.318,
em 1997, para 29.343, em 1999. A partir de 1999, as classes de aceleração começaram a decair,
mas ainda somavam 1.072.648, em 2002. A reinserção dos egressos desse programa nas turmas
regulares pode ser difícil para professores, alunos e egressos, e não há estudos de acompanha-
mento. A questão que permanece é: Quais são as medidas cabíveis sendo adotadas para elimi-
nar as causas, e não apenas corrigir as distorções associadas à cultura/pedagogia da repetência?

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 137


o aluno dá certo. As políticas de regularização do fluxo – que já vinham sendo
tentadas, aqui e ali, desde 1968, em São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro etc.
– ganharam a ordem do dia. Uma das principais estratégias consistiu no atendimento
prioritário aos alunos com defasagem idade-série superior a dois anos [Oliveira (2005)].
Talvez a iniciativa de alcance mais profundo tenha sido a criação do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magis-
tério (Fundef), um programa federal que subsidia a educação – sobretudo entre as
UFs mais pobres – e que está sendo ampliado para incorporar a pré-escola e o ensino
médio, com o nome de Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica (Fundeb). Os estados ou municípios que realmente gastam com educação
a proporção de seus orçamentos determinada pela Constituição, mas não conseguem
atingir o patamar mínimo definido de custo por aluno, têm direito a receber do
fundo o dinheiro necessário para cobrir a diferença.9 Dos municípios que não
gastam a proporção determinada por lei, a diferença entre o que deveriam gastar
e o que já gastam será confiscada e usada para subsidiar outras comunidades.
As escolas municipais aumentaram suas despesas e quase 2 mil municípios
beneficiaram-se desses ganhos – municípios estes responsáveis por 66,4% das
matrículas municipais. Dois terços dos ganhos foram para o Norte e o Nordeste, as
regiões mais pobres do país. Em municípios nordestinos, o crescimento real das des-
pesas chegou a 89% e, pela mesma razão, o salário médio dos professores cresceu
12,9% entre 1997 e 1998 – o aumento no Nordeste foi de 49,6% –, agindo como um
poderoso elemento de eqüidade e de incentivo aos professores, ainda que a produ-
tividade escolar possa não depender exclusivamente – e de fato não depende – de
incentivos salariais (Quadro 5). O Fundef gerou 153 mil empregos, principalmente

QUADRO 5
Incentivos Salariais e Produtividade da Escola
Há um consenso crescente de que para melhorar a qualidade da educação é preciso alterar a
forma de remuneração do corpo docente. Na maioria dos países latino-americanos – aí incluído
o Brasil – a estrutura salarial não leva em conta as diferenças de esforços e competências dos
docentes, ainda que recentemente, no Brasil, tenha se iniciado processo de remuneração dife-
renciada por titulação. O fato é que a regra ainda é não se diferenciar remuneração segundo o
desempenho. Além disso, o salário está desvinculado da natureza das atividades desenvolvidas
nas escolas: não se distingue entre as especialidades em que escasseiam professores daquelas
em que existe excesso. Na prática, é o tempo de serviço que conta para os aumentos salariais.
Diante dessa situação, vários países – e, no caso do Brasil, estados e municípios – estão come-
çando a implementar mecanismos para premiar o bom desempenho docente e penalizar o mau.
Sistemas de pagamento por mérito envolvem mecanismos novos, relativamente complexos e
desenhados com o fim específico de premiar o bom desempenho docente. Isso demanda tempo.
Contudo, dentro das regras do magistério e, sobretudo, na gestão do cotidiano, pode haver
continua

138 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


continuação
prêmios, bem como penalidades para o desempenho. Não é preciso implantar um sistema for-
mal de pagamento por mérito para ter mecanismos que sinalizam e favorecem o bom desem-
penho dos professores.
O mecanismo de seleção inicial dos professores oferece uma excelente oportunidade de
pescar os melhores candidatos – o que equivale a premiar o seu mérito.
A carreira docente define o grau de estabilidade no emprego que tem o professor. Nesse âmbito,
os extremos não são desejáveis. O professor bóia-fria não é uma boa solução. Mas a completa
estabilidade, como é quase universal na América Latina, tira do administrador qualquer poder
para lidar eficazmente com um professor negligente ou incompetente. É interessante notar que o
Estado de Pernambuco criou uma carreira CLT para os professores estaduais. Tal iniciativa dá a eles
um nível intermediário de estabilidade, favorecendo muito mais a qualidade do seu desempenho.
Finalmente, há o clássico sistema de inspeção, praticamente marginalizado na maioria dos
países da América Latina, embora exista na Argentina e no Uruguai.
São poucos os países da América Latina que implementaram programas de incentivos para
docentes. Mas o número de experimentos cresce. O México, por exemplo, introduziu uma nova
carreira de magistério, aplicando incentivos econômicos e morais. Já a Colômbia tem regras
meritocráticas para regular o ingresso à carreira, bem como os mecanismos de permanência,
promoção e demissão do cargo. No Chile, foram criados incentivos para os docentes e implan-
tado sistema de informações que permite comparar o trabalho desenvolvido pelas escolas.
A situação do Brasil é variada, com soluções e fórmulas dentro de um sistema educativo onde
participam municípios, estados e governo federal. Vale a pena mencionar alguns casos.
No Ceará, entre 1992 e 1996, foram criados testes de português e matemática para avaliar
a educação no estado. As 50 melhores escolas recebem um prêmio em dinheiro. As 50 seguintes
recebem também um prêmio, equivalente à metade do valor das 50 primeiras.
O Estado do Paraná criou um sistema de avaliação do ensino, por meio de um boletim da
escola. Os resultados são comparados com escolas no mesmo município, o que ajuda a reduzir
o efeito de variáveis extra-escolares. Embora não fossem criados prêmios ou honrarias, foram
distribuídas cópias do referido boletim para 1,3 milhão de pais, e também para as escolas. Não
obstante os seus méritos técnicos e a engenharia de criação de um instrumento de pressão
política por parte dos pais, o novo governo abandonou o sistema.
Sergipe opera um sistema interessante de incentivos aos bons professores. Com o apoio da
Universidade de Brasília, foi criado um sistema de avaliação baseado em um questionário para
os professores, a avaliação dos seus supervisores e as notas dos alunos em testes. Entre outros
prêmios, 20% dos melhores mestres ganham ao fim do ano metade do preço de um computador
novo e um financiamento subsidiado para o pagamento da outra metade. Ainda é cedo para
avaliar os resultados do programa.
O Rio de Janeiro tem o projeto Nova Escola, ainda em implantação. Trata-se de um programa
amplo de avaliação, sendo completo, sofisticado e abrangente; porém, caro. Tem ainda os seus
problemas, mas pode ser aprimorado. O sindicato dos professores vem protestando, tentando
obstar a implantação de um sistema de avaliação de desempenho. Apesar dos protestos e das
dificuldades técnicas, alguns resultados iniciais são muito promissores.
Apesar da juventude desses programas, o fato é que os experimentos de remunerar o de-
sempenho se multiplicam, se tornam mais sólidos e começam a aparecer alguns resultados
positivos, o que permite antever que a idéia de premiar o bom desempenho do professor torna-se
cada vez mais factível.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 139


para professores. Em termos gerais, em um país no qual as despesas do governo
tendem a ser regressivas, o Fundef destaca-se como poderoso contra-exemplo.
Esse conjunto de desenvolvimentos, combinado com a introdução do Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), em 1990, e do Exame Nacional
do Ensino Médio (Enem) em 1998, evidencia que o principal problema do ensino
fundamental começou a ser resolvido.

3.2 A Exclusão Decrescente, mas ainda Enorme

Dado que houve uma virtual universalização do acesso e permanência na escola,


isso foi, sem dúvida, um enorme salto na eqüidade do sistema. Atualmente ninguém
fica de fora – exceto talvez em certos bolsões de pobreza no interior do Nordeste.
Não foi fácil, porém, superar as estruturas sociais responsáveis pela nossa entrada
tardia no mundo da educação. Ainda mais difícil será superar as forças mais
nebulosas que fazem com que os resultados acadêmicos dos mais pobres se dis-
tanciem daqueles obtidos pelos ricos. E isso também ocorre mundo afora.
O Coleman Report mostrou que, mesmo com a fortuna gasta pelos Estados Unidos
com educação básica, as escolas norte-americanas tendem a aumentar um pouco
a diferença entre raças. O mesmo foi observado em Israel. Diante disso, o que se
pode desejar é que, entre o primeiro dia de aula e o dia da formatura, as distâncias
aumentem o mínimo possível.
Análises dos dados levam à conclusão de que para os mais pobres a experiência
escolar é um salto em um mundo desconhecido e difícil. Não têm familiaridade
com livros e com a língua escrita. Seu vocabulário é muito menor. Os métodos de
ensino foram feitos para a geração escolar anterior, de classe média. Os primeiros
resultados foram ruins, acumulando frustrações. O que vai acontecendo é bem
conhecido. As notas fracas aumentam a probabilidade de reprovação e acabam
por atrasar a trajetória escolar, aumentando o desvio série-idade. Para muitos, o
abandono é inevitável. E isso ocorre, em geral, a partir dos 14 anos, quando escola
e trabalho concorrem pelo tempo e preferência dos jovens.10
A Tabela 8 ilustra as perdas de matrículas ao longo do ensino básico. Vê-se
que a quantidade de concluintes do ensino médio em 2003 não passa de 30,4%
da que ingressou na 1ª série do fundamental no mesmo ano. Feita uma simulação
com os números de 2003, são obtidos os seguintes percentuais de perdas de
alunos: do total de ingressantes na 1ª série do fundamental, 38% não concluem a
4ª série e 54% não concluem a 8ª série; dos ingressantes no ensino médio, 47,5%
não terminam a 3ª série.

140 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 8
Percentuais de Concluintes por Ingressantes na Educação Básica – 2003

N Perdidos “Sobreviventes”

Ingressantes 1ª E. F. 5.978.272

Aprovados 4ª E. F. 3.699.857

Concluintes 4ª E. F./ingress. 1ª E. F. 2.278.415 61,9

Ingressantes 5ª E. F. 4.763.018

Aprovados 8ª E. F. 2.754.818

Perdidos 2.008.200 42,2 57,8

Concluintes 8ª E. F./ingress. 1ª E. F. 3.223.454 46,1

Ingressantes 1ª E. M. 3.438.523

Concluintes 3ª E. M. 1.815.913

Concluintes E. M./ingress. E. M. 1.622.610 52,8

Concluintes E. M./ingress. E. F. 4.162.359 30,4


Fonte: MEC/Inep - Censo Escolar.

Mas a equação da evasão por necessidade de trabalhar é complicada, dado o


fato de que a curta duração da jornada escolar (menos de quatro horas por dia)
não chega a impedir as formas mais usuais de trabalho. Portanto, a concomitância
é comum. Contudo, esse mesmo fato milita em favor de uma hipótese ainda mais
preocupante: a de que a rejeição à escola é mais forte do que a atração pelo
trabalho, já que não é preciso deixar a escola para trabalhar.
Qualquer que seja a explicação, o resultado é um só: a deserção é fortemente
seletiva. Progressivamente, abandonam a escola os mais pobres. Como resultado,
entre o início do fundamental e o seu término, a proporção de jovens pobres se
reduz de 2/3 para 1/3 ou menos. No ensino médio, só sobraram 12,9% dos 20%
mais pobres na rede pública, e 2,4% na rede privada, ao lado de uma forte sobre-
representação do último quinto de renda na rede particular (Tabela 9).
Em resumo, a exclusão na entrada da escola desapareceu. Mas agora ela
acontece ao longo do ciclo escolar, por meio de uma progressiva erosão dos
TABELA 9
Estudantes do Ensino Médio pelos Quintos de Renda Familiar Per Capita e Rede de Ensino – 2003

1º quinto 2º quinto 3º quinto 4º quinto 5º quinto

Privado 2,4 4,6 9,5 22,3 61,1

Público 12,9 20,9 24,5 26,5 15,1


Fonte: IBGE/Pnad de 2004.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 141


grupos mais pobres. De maioria, entre os que iniciam a educação, a participação
dos pobres decresce drasticamente ao longo do percurso.

3.3 A Qualidade Cronicamente Fraca

Até a metade do século XX, os poucos que conseguiam entrar na escola e concluí-la
recebiam uma educação de qualidade relativamente boa. Havia um brutal elitismo
social, acompanhado de uma igualmente forte seleção intelectual. Podemos supor
que o desbaste das classes mais baixas da escola resultasse de um elevado nível
de exigências acadêmicas, ou, pelo menos, que a redução naturalmente triasse os
melhores.
A queda no elitismo social teve como contrapartida uma qualidade muito
pobre na última década. Quando se começa a medir as competências dos alunos
nas primeiras aplicações do Saeb no início dos anos 1990, a experiência então
nascente em avaliação foi atropelada pelo aumento explosivo na matrícula e a
pouca preocupação com a qualidade. Passou a ser bem menos social e intelectual-
mente elitista do que nas décadas passadas, ou seja, passou a exigir muito pouco
dos que sobrevivem e chegam ao fim.
Como indica o Saeb, os alunos sabem muito pouco.11 A primeira informação
que salta à vista é o desnível entre as médias anuais e os níveis de proficiência
esperados, os quais, na média, não são alcançados. Entretanto, não se pode negar que
tem havido uma certa estabilidade dos resultados – não há grandes melhoras, tampouco
grandes pioras –, apesar da rápida expansão das matrículas no período. Os melhores
resultados em língua portuguesa foram em 1995, e os de matemática, em 1997.

TABELA 10
Saeb: Português e Matemática

1995 1997 1999 2001 2003 Nível

Português

4ª E. F. 188,3 186,5 170,7 165,1 169,4 200

8ª E. F. 256,1 250,0 232,9 235,2 232,0 250

3ª E. M. 290,0 283,9 266,6 262,3 266,7 325

Matemática

4ª E. F. 190,6 190,8 181,0 176,3 177,1 225

8ª E. F. 253,2 250,0 246,4 243,4 245,0 325

3ª E. M. 281,9 288,7 280,3 280,3 278,7 400


Fonte: MEC/Inep.

142 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


O Brasil já participou de várias provas internacionais: do International
Assessment of Education Progress (Iaep) de 1992, do Escritório Regional da Unesco
de Educação para a América Latina e o Caribe (Orealc) de 1997, e do Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes [Programme for International Student
Assessment (Pisa)] da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) de 2000 e 2003. Os resultados confirmam tudo que o Saeb diz. O Brasil sai
em último lugar no Iaep de ciências (Tabela 11) e no teste do Pisa em 2000.
Nossos alunos melhoraram ligeiramente em matemática e ciências no Pisa
de 2003, mas não em leitura (Tabelas 12 e 13). A pior notícia das comparações
internacionais é a constatação de que a capacidade de compreensão de leitura
dos alunos das nossas elites é inferior ao nível obtido pelos alunos de classes
mais baixas da Europa. É inegável o nível lastimável da nossa educação básica.
Há, contudo, um aspecto positivo. Apesar do enorme influxo de novos alunos
– quase sempre de nível social mais baixo – e do aumento expressivo de diplomações,

TABELA 11
Brasil e Países Selecionados: Percentuais de Respostas Certas no Iaep II – 1992

Matemática Ciências
País/cidade
(%) Desvio-padrão (%) Desvio-padrão

Coréia 73,4 0,6 77,5 0,5

Espanha 55,4 0,8 67,5 0,6

Estados Unidos 55,3 1,0 67,0 1,0

Brasil/São Paulo 37,0 0,8 52,7 0,6

Brasil/Fortaleza 32,4 0,6 46,4 0,6

Moçambique 28,3 0,3 56,6 0,7

Média IAEP 58,3 66,9


Fontes: Iaep (1992) e Instituto Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Ifapesp) – Indicadores de CT&I em SP (2001).

TABELA 12
Comparação dos Resultados do Brasil no Pisa – 2000 e 2003

Áreas avaliadas 2000 2003

Ciências 375 390

Leitura 403 403

Matemática - total - 356

Espaço & forma 300 350

Mudança & relação 263 333


Fonte: Site MEC/Inep Notícias, 7 de dezembro de 2004.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 143


TABELA 13
Comparação dos Resultados do Brasil no Pisa – 2000 e 2003

Melhores colocados Pontuação global Piores colocados Pontuação global

Hong Kong 550 Indonésia 360

Finlândia 544 Tunísia 359

Coréia do Sul 542 Brasil 356


Fonte: Site MEC/Inep Notícias, 7 de dezembro de 2004.

o Saeb mostra que a qualidade não caiu, talvez a maior proeza do nosso ensino
nos últimos anos. Conseguir um grande crescimento sem queda de qualidade não
é uma realização menor.
O Saeb e o Enem – introduzido em 1998 com periodicidade anual – constituem
dois sistemas nacionais de avaliação que geram séries históricas e colocam à
disposição de secretarias estaduais dados que podem ser muito úteis. Ambos têm
efeitos salutares sobre a qualidade do ensino, a começar por estabelecer novos
parâmetros para a elaboração de questões de provas, novos enfoques de avaliação
dos alunos – que têm repercussão sobre conteúdos – e modos de ensinar. Certa-
mente não são suficientes para mudar, mas serão sempre reforços a mudanças.
Mas seja como for, o país permanece com o formidável desafio de melhorar
a qualidade do nosso ensino. Está totalmente descalibrado das nossas expectativas
de desenvolvimento econômico. Não há como pensar que haja outra prioridade
para a nossa educação.

4. ENSINO SUPERIOR: DIVERSAS VIRTUDES, VÁRIOS DEFEITOS

Na seção anterior, discutiu-se a educação básica e mostrou-se que o atraso do


Brasil é gravíssimo. Falou-se aqui do ensino superior, área controvertida e na
qual as discussões são mais acaloradas. Há pouco acordo sobre questões, grandes
e pequenas, e o colorido ideológico tinge a maioria dos debates, polarizados
pelas perspectivas parciais dos diferentes segmentos. Discussões inflamadas ser-
penteiam pelos meandros da eqüidade, do crescimento, do público versus privado,
da qualidade e dos papéis do Estado.

4.1 O Superior Cresceu demais ou de menos?

É interessante começar pelo contraste de duas visões opostas acerca do porte do


nosso ensino superior. Na primeira, o país é mais do que retardatário e tem um

144 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


déficit crônico de alunos no ensino superior. Na segunda, ele erra na mão e
investe demais nesse nível.
Tome-se a primeira visão. Enquanto Santo Domingo e Peru instituíram uni-
versidades no século XVI, nossos primeiros cursos superiores foram criados após
a vinda de D. João VI para o Brasil e se limitaram a algumas escolas profissionais
(direito, engenharia civil e medicina). A primeira universidade brasileira de ver-
dade foi a Universidade de São Paulo, criada em 1934, trazendo eminentes aca-
dêmicos franceses, italianos e alemães [Schwartzman (2001)]. A Universidade do
Brasil, criada no início da década de 1920 – principalmente porque o governo
queria dar um doutorado honoris causa ao rei da Bélgica em visita ao país – não
era mais do que uma colagem, sob um único reitor, de escolas profissionais exis-
tentes. Mas após esses esforços pioneiros, o progresso estancou.
A posição do Brasil certamente não é confortável: num rol de 17 países de
várias partes do mundo, o país encontra-se à frente apenas de El Salvador e
praticamente na mesma situação que o México. A taxa bruta de matrícula é de
22%, e a líquida, de aproximadamente 15%, o que é bem pouco [Schwartzman
(2001)].12 Apesar disso, a relação candidato/vaga nos vestibulares das universi-
dades públicas é relativamente elevada – ainda que a percepção da concorrência
seja superestimada em relação à concorrência efetiva e, para muitos cursos, o
grau de competição seja baixo. De fato, os dados da Tabela 14, extraídos das
estatísticas mais recentes da Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco), mostram que, mesmo em termos de taxa bruta de
matrícula no ensino superior, o Brasil está abaixo da média da América do Sul e
de México, Colômbia, Bolívia, República Dominicana, Chile e Argentina.

TABELA 14
Taxa Bruta de Matrícula no Ensino Superior – 2002-2003

País Taxa País Taxa


El Salvador 12 França 56
Brasil 21 Itália 57
México 22 Argentina 60
Colômbia 24 Espanha 62

República Dominicana 34 Reino Unido 64


Bolívia 39 Estados Unidos 83
Chile 42 Coréia do Sul 85
Japão 51 Finlândia 88
Portugal 56 Média América do Sul 29
Fonte: Unesco.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 145


Examine-se então agora a segunda visão do mesmo processo. Até meados
do século XX, o Brasil era equilibradamente atrasado em matéria de educação.
Pouquíssimas escolas primárias e quase nada de universidades. Com a prosperi-
dade do pós-Guerra, consolidam-se as percepções de que o país precisava de
lideranças superlativamente bem preparadas para dar o salto do desenvolvimento.
Inicia-se então um processo ambicioso de construção de universidades federais
em todos os estados. Possivelmente, nenhum país do continente teve uma arran-
cada tão vigorosa e cara. Entre 1960 e 1990 as matrículas passaram de 100 mil
para 1,4 milhão [Durham (2005)]. O governo federal liderou essa expansão ao
abrir pelo menos uma universidade em cada estado brasileiro, mas foi permanen-
temente acompanhado pela expansão do setor privado.
Sem dúvida alguma esta expansão mudou completamente o quadro da edu-
cação superior. Expandiram-se os campi – até os anos 1980 liderados pela iniciativa
governamental e, a partir de então, pelo setor privado –, em sua maioria afastados
das regiões centrais das cidades, e as matrículas cresceram rapidamente.
As universidades federais foram criadas com a ambição de se tornarem centros
de ensino, pesquisa e extensão. E, de fato, sua implantação se deu simultanea-
mente à criação muito bem-sucedida, e sem similar na América Latina, de um
sistema de cursos de pós-graduação em âmbito nacional em todas as grandes
áreas do conhecimento (Quadro 6).
TABELA 15
Evolução das Matrículas no Ensino Superior por Dependência Administrativa

Setor público Setor privado Total


Ano
Vagas (%) Vagas (%)

1933 18.986 56,3 14.737 43,7 33.723

1945 21.307 51,6 19.968 48,4 41.275

1960 59.624 58,6 42.067 41,4 101.691

1965 182.696 56,2 142.386 43,8 325.082

1970 210.613 49,5 214.865 50,5 425.478

1980 492.232 35,7 885.054 64,3 1.377.286

1985 556.680 40,7 810.929 59,3 1.367.609

1990 578.625 37,6 961.455 62,4 1.540.080

1995 700.540 39,8 1.059.163 60,2 1.759.703

2000 887.026 32,9 1.807.219 67,1 2.694.245

2004 1.178.328 28,3 2.985.405 71,7 4.163.733


Fontes: Durham (2005) e MEC/Censo e Sinopses do Ensino Superior.

146 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


QUADRO 6
Universidade, Pós-Graduação e Pesquisa
O modelo de universidade de pesquisa adotado pela Reforma Universitária de 1968 – que
atingiu as universidades federais, estaduais e as universidades católicas (PUCs), entre outras
existentes na época – é objeto de muita controvérsia. Sua maior e indisputável virtude foi
haver criado a pós-graduação, atrelada a um mercado cativo para os seus graduados. Por mais
de três décadas, cresceram mestrados e doutorados, impulsionados pelos fundos do Ministério
do Planejamento e pela existência de posições nas universidades que passam a exigir a pós-
graduação stricto sensu. Mas o modelo, que incluía a “indissociabilidade do ensino e da pesquisa”
para todos, contém certa dose de fantasia, pois a pesquisa exige muito mais do que a existência
de uma universidade. Uma referência é que, nos países avançados, a proporção de instituições
universitárias que realizam pesquisas tende a estar sempre abaixo de 5%. Ou seja, o imperativo
de que todas as universidades devam fazer pesquisa é irreal e sequer é sugerido nos países de
maior destaque na ciência. Quem acreditaria que todos os departamentos de todas as universi-
dades deveriam ou poderiam realizar pesquisas? Será que todo professor seria capaz de realizar
pesquisas? Seguramente, faz sentido promover uma política de encorajar a investigação cien-
tífica, sempre que haja precondições. Nas universidades mais antigas e mais bem dotadas de
recursos humanos, seria natural que a pesquisa fosse quase universalizada. Nas instituições
mais novas, porém, somente pequenos grupos, aqui e ali, se envolveriam em pesquisas. Na
verdade, foi isso exatamente o que aconteceu. Dez universidades mais importantes têm seg-
mentos consideráveis do corpo docente realizando pesquisas – isto é, publicando pelo menos
um título por professor e por ano. A maioria tem alguma ilha de pesquisa isolada, e as mais
fracas, praticamente nada. Portanto, há duas leituras da mesma realidade. De um lado, os la-
mentos justificados de que a pesquisa não se universalizou nas universidades públicas. De outro,
a constatação de que a produção dos melhores centros deixa o Brasil à frente de todos os
outros países latino-americanos, em termos do total de capacidade instalada, esforço e produção
de pesquisas publicadas – medido pela contagem de pesquisas arroladas pelo ISI Thomson
Scientific no seu Current Contents.
Diante da ausência de produção científica em muitas universidades federais e da rigidez
nos contratos de trabalho dos professores universitários, o dogma da ”indissociabilidade” tem

GRÁFICO 6
Publicações Brasileiras Indexadas (ISI) por Ano – 1973-2003

14000
12.627
12000 11.423
10.686
10000 9.676
9.052
8.037
8000
6.712
6.008
6000 5.482
4.650 4.4614.857
3.935
4000 3.142
3.597
2.521 2.815
2.220 2.329
1.923 2.360 2.565
2000 1.200 2.256
700
0
73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03
19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 20 20 20 20

Fonte: Guimarães (2005).


continua

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 147


continuação

uma grave conseqüência fiscal. Como a pesquisa não se materializa em todas as universidades,
fica o custo de pagar professores por mais tempo do que efetivamente produzem. É sempre
complicado falar linearmente da universidade, mas pode-se admitir como razoável que a docência
e a militância na vida institucional dificilmente ultrapassem 20 horas semanais. Somente para
os docentes que estejam engajados em pesquisa o contrato de 40 horas se efetiva. Para os
demais isso não ocorre. Estimando-se que, em 2001, a diferença entre contratos de 20 e 40
horas com dedicação exclusiva era da ordem de R$ 3 bilhões, verifica-se que é isso que o MEC
está pagando por uma pesquisa oriunda de cerca de 10% das instituições que de fato produzem
quase 90% das publicações. Ou seja, 90% dos R$ 3 bilhões não geram pesquisa.
A alta concentração da competência em pesquisa fica ainda mais evidente quando se
contextualizam os programas de pós-graduação (PPG) excelentes e bons (notas 7 e 5, respectiva-
mente) nas universidades federais. Vemos que são seis as universidades federais que realmente
demonstram competência em pesquisa em mais da metade de seus programas de pós-graduação
stricto sensu (Tabela 16). Já o setor privado é absolutamente incipiente em termos de pesquisa,
embora seja verdade que ele não tem acesso aos fundos públicos de financiamento da pesquisa,
totalmente concentrados nas universidades públicas. Ora, se nossos melhores cientistas ainda
vivem basicamente dos financiamentos públicos e se o Estado não financia a pesquisa nas
instituições privadas, estas precisam fazer seus alunos pagarem por ela, se quiserem realmente
fazê-la. E isso coloca um sério limite à expansão da pesquisa nas universidades privadas, posto
que as mensalidades presentes já levaram o sistema praticamente ao limite de seu crescimento.

TABELA 16
Universidades Federais com os PPGs Mais Bem Avaliados – 2004

Total de PPGs PPGs com nota 7 PPGs com nota 5 ou +

N (%) N (%)

UFRJ 83 8 9,6 47 56,6

UFMG 61 6 9,8 35 57,4

UFRGS 65 3 4,6 41 63,1

UFSCAR 19 2 10,5 11 57,9

UFV 24 2 8,3 15 62,5

Unifesp 41 2 4,9 22 53,7

UFF 39 1 2,6 12 30,8

UFPE 52 1 1,9 17 32,7

UFRRJ 12 1 8,3 3 25,0

UnB 50 1 2,0 15 30,0

UFSC 48 0 0,0 21 43,8

Total 494 27 5,5 239 48,4


Fonte: MEC/Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

148 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


4.2 A Expansão da Graduação e a Década Perdida

O crescimento das universidades públicas foi admirável e não há dúvida de que


tenha tido um grande impacto no país, entre eles, o abastecimento do mercado
com lideranças bem formadas. Contudo, o resultado foi a matrícula desalinhada
com os níveis inferiores. Durante anos, enquanto no Brasil ainda não havia sido
universalizada a educação fundamental e o ensino médio era especialmente res-
trito, o nível superior tinha capacidade para incorporar os oriundos daquele nível
sem grandes dificuldades. Tinha-se no país um ensino superior hipertrofiado,
quando contrastado com os níveis inferiores.
A matrícula no nível superior cresceu demais, tendo em vista o porte do
fundamental e do médio. A transição entre médio e superior chegou a ter taxas
acima de 65%, no início dos anos 1990. Note-se que, na Alemanha de hoje, essa
taxa é de 35%13 e poucos países ultrapassam 50%. A Tabela 17 mostra que, de
1980 a 1994, o ensino superior apresentava capacidade para absorver entre 62%
e 66% dos concluintes do ensino médio, o que é comparativamente muito elevado,
ainda que o volume de concluintes do médio seja de apenas 37% dos membros de
uma coorte.14
A partir de 1997, as conclusões no ensino médio crescem mais rapidamente
do que os ingressos no ensino superior, até que, a partir de 2001, o próprio ensino
médio começa a perder velocidade.15 Ao longo do processo, a matrícula no superior
cresce a um ritmo bastante lento, não respondendo ao crescimento da demanda.
O número total de matrículas, no entanto, responde de forma mais acelerada,
como pode ser observado na Tabela 18.

TABELA 17
Evolução das Taxas de Transição do Ensino Médio para o Ensino Superior

Concluintes do ensino médio Ingressantes no ensino superior (B)/(A)


Ano
(A) (B)

1980 541.000 356.667 65,93

1991 659.000 426.558 64,73

1994 749.000 463.240 61,85

1997 1.266.000 527.958 41,70

2001 1.836.130 944.157 51,42

2002 1.855.419 1.036.690 55,87

2003 1.851.834 1.163.843 62,85


Fontes: Durham (2005) e MEC/Inep.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 149


TABELA 18
Evolução das Matrículas por Nível de Ensino – 1970-2004
[em mil]

1970 1975 1980 1985 1991 1997 1998 2000 2002 2004

Fundamental 15.895 19.549 22.598 24.770 29.204 34.229 35.793 35.718 35.258 34.012

Médio 1.119 1.936 2.189 3.016 3.770 6.405 6.969 8.193 8.711 9.169

Superior 425 1.073 1.377 1.368 1.565 1.965 2.126 2.694 2.480 4.164
Fonte: MEC/Inep.

É somente na década de 1990 que o ensino superior volta a crescer, em


virtude da enorme expansão dos níveis fundamental e médio. Acontece que essa
segunda onda de crescimento encontra um ensino superior público caro, relati-
vamente pequeno e sem fôlego gerencial e financeiro, para a escala de expansão
que passou a ser possível. Somente o dinamismo do setor privado foi capaz de
retomar o crescimento (Tabela 19). É bem verdade que as instituições públicas de
ensino superior melhoraram seu desempenho durante toda a década de 1990,
como será visto adiante, mas ainda assim seu custo é relativamente elevado.
Como se pode verificar, a população de estudantes no ensino superior triplicou
desde 1980 – de 1,4 milhão para 4,2 milhões –, o número de instituições dobrou
e acentuou-se a predominância das instituições particulares. Elas hoje representam
praticamente 90% do universo das instituições de ensino superior do país, e
absorvem 72% dos estudantes. Entre elas surgiram alguns gigantes: 48 univer-
sidades com mais de 15 mil alunos, e duas com mais de 90 mil.
TABELA 19
Evolução das Matrículas e do Número de Instituições do Ensino Superior por
Dependência Administrativa

1980 1985 1990 1995 1998 2002 2003 2004

492.232 556.680 578.625 700.540 804.729 1.051.655 1.137.119 1.178.328


Vagas
35,7% 40,7% 37,6% 39,8% 37,9% 30,2% 29,2% 28,3%
Pública
108 128 138 128 131 129 146 224
Instituições
12,3% 14,9% 15,0% 14,4% 13,5% 9,3% 8,1% 11,1%

885.054 810.929 961.455 1.059.163 1.321.229 2.428.258 2.750.652 2.985.405


Vagas
64,3% 59,3% 62,4% 60,2% 62,1% 69,8% 70,8% 71,7%
Privada
773 731 780 761 842 1253 1.657 1.789
Instituições
87,7% 85,1% 85,0% 85,6% 86,5% 90,7% 91,9% 88,9%

1.377.286 1.367.609 1.540.080 1.759.703 2.125.958 3.479.913 3.887.771 4.163.733


Total
881 859 918 889 973 1.382 1.803 2.013
Fonte: MEC/Inep/Daes.

150 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Essa expansão atinge seu ritmo máximo entre 1997 e 2002. Nesse contexto,
é importante reconhecer que a pós-graduação brasileira continua, como visto,
marcadamente pública. É de longe o melhor setor de nosso ensino, e abastece
adequadamente a graduação com professores mestres e doutores, como será visto
mais à frente (Tabela 29).
Pode-se discutir se os mestres usam todo o seu potencial e se o regime
horista, que prevalece nas instituições privadas, é uma boa solução. Mas não se
pode deixar de apreciar o enorme avanço nas titulações do corpo docente, assim
como a enorme absorção desses docentes pelo setor privado, posto que 70% dos
professores com mestrado atuam nessas instituições. Isso revela que, mesmo com
a grande expansão recente, os quadros docentes são cada vez mais qualificados,
ou seja, não há problemas nem de suprimento de professores e nem de oferta de
vagas na graduação.

4.3 A Dinâmica do Setor Privado

Diante dos impasses nas universidades públicas e das dificuldades de resolvê-los,


é necessário analisar as possibilidades de ampliação do setor privado. Os problemas
de expansão desse setor sempre esbarraram nas peias legais. A burocracia que
regula a abertura e credenciamento de cursos é pesada, lenta e pouco transparente,
muito freqüentemente dissociada da realidade. De certa forma, a expansão da
oferta é determinada mais pela velocidade com que os pedidos de abertura de
cursos transitam dentro do MEC do que propriamente pela capacidade do setor
privado de responder a apelos da demanda.
O acúmulo de pedidos de abertura de cursos atinge os milhares, sendo um
tema muito conflituoso no Conselho Nacional de Educação (CNE). Além da buro-
cracia, existem dois outros fatores: de um lado, há temor e preocupação com as
conseqüências que um crescimento desordenado da educação privada pode pro-
vocar; de outro, medo da competição de novas escolas particulares. Também
militam a favor de uma expansão mais lenta as associações profissionais, ale-
gando proteger a qualidade, embora não seja fácil descartar a hipótese de que, na
verdade, desejem menos competição. Em suma, todos os grupos alegam estar
protegendo a qualidade. Isso é certamente verdade. Mas não necessariamente
toda a verdade. Também existem interesses em retardar a criação de novas escolas
e em restringir a concorrência. Por seu turno, impulsionando a expansão, há
diversos lobbies privados atuando, não necessariamente, em benefício dos que
mais merecem. A expansão é liderada pelas universidades privadas, cujo status
jurídico permite abrir cursos sem consultar o MEC (Tabela 20).

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 151


TABELA 20
Evolução das Matrículas no Ensino Superior por Condição de Autonomia das Instituições

Tipo de instituição 1980 1985 1990 1995 1998 2003


Autônomas: univ. e centros univ. 652.200 671.977 824.627 1.127.932 1.467.888 2.276.281

Não-autônomas: integradas e isoladas 725.086 695.632 715.453 631.771 658.070 1.611.490


Total 1.377.286 1.367.609 1.540.080 1.759.703 2.125.958 3.887.771
Fonte: MEC/Inep.

Na segunda metade dos anos 1990, mesmo o MEC, tornando mais rígidas as
exigências técnicas para a abertura de cursos, viu como resultado a aceleração do
crescimento das faculdades. E isso foi conseguido graças ao alívio das restrições
burocráticas, sobretudo o fluxo dos pedidos dentro do ministério. Por conta disso,
houve também um acelerado processo de abertura de vagas, o que, em anos
posteriores, apareceu como vagas não-ocupadas ou vagas ociosas. De fato, o
ritmo de acesso à educação superior arrefeceu em anos mais recentes, mas as
vagas ociosas são, em grande medida, vagas autorizadas pelo MEC e não neces-
sariamente vagas existentes. Ainda que haja algum descompasso entre oferta e
demanda no curto prazo, certamente este é bem inferior ao total de vagas oficial-
mente ociosas, posto que o setor privado não poderia sobreviver com espaço
ocioso e professores ganhando sem dar aula.
O Brasil vive diante de vários obstáculos à continuidade da expansão do
superior. O primeiro que chama a atenção é a desaceleração das diplomações no
ensino médio. Esse fenômeno deve ser passageiro, posto que a proporção da
coorte terminando o médio ainda é muito pequena, além, obviamente, do estoque
represado. O problema mais sério, porém, é o esgotamento das camadas sociais
que podem pagar por uma matrícula no setor privado. Os alunos com renda
familiar abaixo de um certo nível (a partir do 3º quinto de renda, Tabela 21)
desaparecem do sistema privado, só restando alguns poucos no setor público,
que é gratuito, e, entre os 40% mais pobres – que já estão sub-representados no

TABELA 21
Distribuição dos Estudantes pelos Quintos de Renda Familiar – 2004

Nível de ensino Total 1º quinto 2º quinto 3º quinto 4º quinto 5º quinto


Público 7.990.350 14,9 22,2 25,4 25,2 12,3
Ensino médio
Privado 1.381.091 2,5 5,0 10,7 24,4 57,4
Público 1.205.822 2,3 4,8 10,3 24,9 57,7
Ensino superior
Privado 3.375.882 1,2 2,1 6,6 20,8 69,3
Média de anos de estudo 6,4 3,9 4,8 5,4 7,2 10,4
Fonte: IBGE/Pnad, SIS de 2004.

152 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


ensino médio público (a representação perfeita seria 20% em cada quinto) –,
praticamente inexiste demanda para o ensino superior (público ou privado).
É de se destacar a impressionante similaridade entre o perfil dos estudantes
do ensino médio privado e do ensino superior público.16 É também surpreendente
o grau de elitização do superior privado – mais intenso do que o do setor público,
que é também elevado –, com 70% dos seus estudantes integrantes do segmento
dos 20% mais ricos. A expansão do ensino superior dependerá das possibilidades
de incorporação de camadas sociais de menor poder aquisitivo.
O atendimento via setor público exigiria um volume de investimento não-
desprezível e certamente não-disponível em prazo razoável. Contudo, a solução
pela expansão do setor privado tem também limitações: como as restrições dos
alunos são de ordem financeira e como para o setor os custos são praticamente
incomprimíveis – dadas as restrições ao número de alunos em sala de aula e a
exigência de considerável titulação dos professores –,17 a solução da equação
envolve esquemas de financiamento ao aluno pobre. Em qualquer caso, muita
discussão será necessária até que se chegue a uma solução de fato.
Alternativas como o Programa Universidade para Todos (ProUni), que resultou
na incorporação de cerca de 200 mil estudantes que não conseguiriam atender às
exigências de fiador do Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior
(Fies), são dignas de nota. No entanto, não responde ao problema em sua proporção
real. Os recursos do Fies atendem a menos de 10% da demanda, e as fórmulas do
crédito educativo excluem o contingente dos que não têm fiadores que ganhem
pelo menos o dobro da mensalidade.
É interessante comparar nossa situação com a dos Estados Unidos, onde
todo o ensino superior é pago e até metade dos estudantes de nível superior
recebe algum apoio financeiro. Lá, as instituições cujos egressos não pagam o
crédito educativo são penalizadas e perdem direitos de acesso aos recursos federais.
A premissa é que se a instituição é boa, o aluno obtém boa formação, é bem
aceito no mercado profissional e, portanto, poderá pagar o financiamento. Com
isso, todas as instituições possuem placement offices que cuidam da oferta de
estágios, cursos, visitas e encaminhamento profissional de seus alunos.
Tudo indica que a pressão pela expansão continue forte, pois apesar da
perda de fôlego em 2002, há enorme demanda represada por ensino superior
(Quadro 7). Os ajustamentos progressivos no setor privado estão em curso, pois
há muitas instituições pouco competitivas, permitindo aos mais agressivos ocupar
progressivamente os seus espaços. Nas instituições mais tradicionais, a gestão
profissional ainda está em fase embrionária e as mazelas das empresas familiares
travam as mudanças.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 153


QUADRO 7
Expanção de Matrículas no Superior e Demanda Reprimida
Nos últimos cinco anos vem ocorrendo um crescimento extremamente acentuado na matrícula
inicial na educação superior. O número de vagas para o ensino de terceiro grau cresceu mais de
15% a.a., e a matricula inicial, que era pouco inferior a 1/3 da matrícula total em 1999, passou
para cerca da metade do total de matrículas em 2004.
Hoje o número de vagas para o primeiro ano é de 1,6 milhão. Este número é ligeiramente
inferior ao número de jovens que terminam o médio a cada ano, 1,8 milhão. Apesar disso,
apenas 1/4 dos jovens com médio completo freqüenta ou já freqüentou a educação superior.
Como explicar esse aparente paradoxo?
A explicação está no desbalanceamento entre fluxo e estoque. Se, por um lado, é verdade
que o ensino médio gradua a cada ano 1,8 milhão de jovens que poderiam quase todos encontrar
vaga na educação superior, dada a oferta atual, por outro, tem-se que considerar que a demanda
por educação superior não se limita aos que completam o ensino médio no ano imediatamente
anterior. Dada a historicamente limitada oferta de vagas na educação superior, o país conta
hoje com mais de 25,6 milhões de pessoas que, tendo completado o médio, não freqüentam
nem jamais freqüentaram a educação superior. Destes, 11,95 milhões têm menos de 30 anos.
Assim, embora o número de vagas hoje oferecidas seja praticamente suficiente para atender
o fluxo corrente de graduados do médio, a insuficiência de oferta ao longo das últimas décadas
leva a que exista um substancial estoque de demanda não atendida. Isso explica por que apenas
1/3 deles tem efetivo acesso à educação superior, mesmo quando a disponibilidade de vagas já
é muito próxima ao número de jovens que terminam o médio a cada ano.
Além disso, vale ressaltar que uma coorte anual de jovens no Brasil conta com cerca de 3,5
milhões de indivíduos. Se o objetivo é garantir o acesso a 3/4 desses jovens à educação superior
– um parâmetro que seria aceitável internacionalemente – então uma vez acomodado o estoque
de demanda não-atendida nas últimas décadas, as vagas oferecidas na universidade deveriam
estabilizar-se em torno de 2,7 milhões e, portanto, 75% a mais que o atualmente disponível.
Em suma, a despeito da acelerada expansão na educação superior ao longo do último qüinqüênio,
será necessário que esse passo acelerado continue ao longo de toda a próxima década para que, ao
menos do ponto de vista quantitativo, a oferta de educação superior fique equacionada. Na medida
em que o elevado estoque de demanda não-atendida no passado concorra com o fluxo atual de
egressos do médio, para que todos sejam atendidos será necessário que a oferta de vagas supere
por vários anos o seu patamar de longo prazo. Em outras palavras, será necessário que o sistema de
educação superior se expanda no curto prazo além do que será sustentável no longo prazo. Dado
que em muitas situações a expansão da educação superior envolve investimentos irreversíveis, seja
em infra-estrutura, seja na qualificação dos recursos humanos, não é evidente como o sistema irá
atender ao elevado componente transitório da demanda atual. A questão é delicada e exige a
compreesnsão devida de sua complexidade e um marco regulatório adequado, que induza o ensino
superior a atender a essa demanda e incentive o setor privado a fazer os investimentos necessários.

4.4 A Conta do Ensino Superior

Não se pode julgar um sistema educacional pelo que custa, tampouco se pode
avaliá-lo sem boas indicações financeiras. O Brasil dispõe de informações

154 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


aceitavelmente confiáveis acerca do que custa cada um dos seus subsistemas.
Não obstante, há controvérsias em torno da evolução dos gastos nos últimos
anos e, também, acerca dos elementos que compõem o custo/aluno das universi-
dades públicas.

4.4.1 Gastos Privados

Dentro do ensino privado o nível superior tem faturamento de R$ 15 bilhões; o


fundamental atinge R$ 13,2 bilhões; o médio, apesar de corresponder à maior
fatia do mercado, tem faturamento de apenas R$ 4,6 bilhões.18 A educação infantil
tem um orçamento total de R$ 2,7 bilhões a.a.
Entre 1999 e 2005, os gastos com o ensino superior privado cresceram de R$ 8,8
bilhões para R$ 15 bilhões, com expansão nominal de 76%. Como houve grande
aumento do número de matrículas, a modesta expansão da receita em termos
reais (7% em seis anos) se deu à custa de considerável queda no valor das anui-
dades,19 decorrência da forte competição, com a entrada de novas faculdades
com anuidades mais baixas. As mais antigas e tradicionais foram obrigadas a
reduzir preços, para não perder alunos, mas muitas delas ainda com administração
familiar são muito lentas para se ajustar diante da concorrência.
É interessante notar que, entre 1999 e 2004 – anos para os quais dados do
setor público estão disponíveis –, o crescimento do setor privado foi de 64%, ante
56% para o público. Ou seja, o desempenho de ambos – medido em termos de
vagas – foi muito semelhante.

4.4.2 Gastos públicos

Ao lidar com recursos, deve-se lembrar que as fórmulas de financiar uma ativi-
dade têm conseqüências tanto no real direcionamento dos gastos como na eficiência
com que são feitos. Isso é pertinente, em vista dos elevados custos por aluno do
ensino superior brasileiro e pela ineficiência com que operam os programas de
graduação nas universidades. A origem dos problemas não está nas universidades,
mas nas regras sob as quais operam – em particular, cumpre acusar a mecânica
orçamentária que não oferece quaisquer incentivos à eficiência. Não há incentivos
financeiros para matricular mais alunos, para reduzir a deserção, para cortar
custos ou para alocações mais eficientes de recursos.
O Brasil gasta em educação algo equivalente a 4,3% do PIB, próximo da
média da OCDE e superior aos gastos de países com sistemas de educação mais
bem-sucedidos, como Uruguai, Chile e Argentina. Desse montante, 21% são

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 155


dedicados ao superior (0,82% do PIB), que, apesar de relativamente alto, não está
exageradamente fora de linha com os outros países. Só 16 países no mundo
gastam mais e praticamente todos são muito ricos. Sob essa medida, gastamos
mais do que Japão, China e Coréia [OCDE (2004)].
Isso não seria um problema se o 0,82% permitisse que muitos alunos estu-
dassem na rede pública. Mas esse não é o caso. Tais gastos permitem matricular
apenas 5,2% da população em idade universitária. Em contraste, com a média de
1% do PIB, os países da OCDE matriculam 41% da população em idade de estar
na universidade.
Pode-se verificar a mesma coisa por outro ângulo: o 0,82 % do PIB financia
uma educação com um custo/aluno muito elevado (Tabela 22). Apenas Alemanha e
Reino Unido gastam mais por aluno do que o Brasil. De fato, nossos dispêndios por
matrícula (1999) atingiam R$13 mil para as federais e R$10 mil para as estaduais.
É preciso notar que esses dados são controvertidos. O pomo da discórdia são os
hospitais universitários e o custo de inativos (aposentados) e pensionistas. Em
relação aos hospitais universitários pode-se argumentar que deveriam fazer parte dos
gastos do Ministério da Saúde. Já os gastos com inativos e pensionistas, parece
razoável que se entenda como custo educacional, pois é parte integrante da remu-
neração dos professores. Essa disputa, entretanto, perderá importância no futuro,
posto que, desde 2003, regulamentou-se que os custos previdenciários de funcio-
nários contratados a partir daí serão muito assemelhados aos da iniciativa privada.
É preciso entender que os números da Tabela 22 sofrem um ajuste pela
paridade do poder de compra – método usado para eliminar o efeito de flutuações
ou câmbios irrealistas. Portanto, não correspondem aos dados nominais em dólares,
reais ou qualquer outra moeda. Trata-se de um conceito pouco transparente para
não-economistas, mas inteiramente aceito nas comparações internacionais.
TABELA 22
Gasto por Aluno Universitário – 2001
[em US$ PPP]

Uruguai 2.201 Espanha 7.456

Índia 2.522 Itália 8.347

Argentina 3.775 França 8.837

Peru 4.230 Brasil 10.306

México 4.341 Alemanha 10.504

Coréia do Sul 6.618 Reino Unido 10.753

Chile 6.901 Média OCDE 10.052


Fonte: OCDE (2004).

156 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Para oferecer uma alternativa a esse caminho, pode-se tomar também as
relações entre custos de segundo e terceiro graus. É como tomar o custo do
segundo grau como unidade de moeda, que passaria a ser a base de comparação.
Os resultados são:20
z Brasil: o nível superior tem custo 10 vezes maior do que o médio;
z Estados Unidos: o nível superior é 2,4 vezes mais caro do que o médio;
z França: o nível superior é praticamente igual ao médio.
Fica evidente o descompasso entre o nível médio e o superior. Há diversos
fatores para isso, mas a baixa relação aluno/professor é um dos motivos do ele-
vado custo. Nas universidades federais, são 10,9 alunos por professor. Em con-
traste, a média da OCDE é de 16,4. Não é que sobrem professores, é que a sua
distribuição é muito errática. Um caso real ilustra a seguir:
Universidade Federal do Ceará [Pinheiro e Marques (1996)]:
z 18% das turmas com até 3 alunos;
z 41% das turmas com até 10 alunos; e
z 207 turmas com apenas 1 aluno.
É bem verdade que as universidades públicas federais, em resposta às pressões
sociais e governamentais por controle de gastos, envidaram louváveis esforços e
obtiveram espressivos ganhos de eficiência como pode ser observado na Tabela 23.
Os gastos aumentaram 95% em termos nominais, mas tiveram redução de quase
10% em termos reais.
Esse resultado, conjugado à expansão do número de matrículas, revela um
esforço considerável em termos de ganho de eficiência. Isso, porém, deve ser
contextualizado. A participação dos gastos do nível superior no total de gastos
do MEC foi declinante durante todo o período, mas praticamente retornou ao
patamar inicial em 2004, indicando que, naquele ano, a expansão de gastos do
ensino superior se deu pela redução proporcional dos demais programas.
Mas mesmo com essa grande melhora de desempenho, nossos custos por
aluno ainda são elevados e, a despeito da gratuidade, o sistema é ainda bem
limitado em termos de incorporação dos segmentos mais pobres, sobretudo nos
cursos mais concorridos e que requerem dedicação integral.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 157


TABELA 23
Gastos do MEC com a Educação Superior: Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes)
[em R$ correntes]

1995 1996 1998 2000


Universidades 5.415.265.258 5.402.951.219 5.832.607.016 6.829.107.142
Outras Ifes 246.127.173 285.628.821 341.121.457 323.310.289
a
Cefets 143.985.939 160.899.015 164.683.540 205.730.031
A) Total Ifes 5.805.378.370 5.849.479.055 6.338.412.013 7.358.147.462
B) Gasto total MEC 9.278.708.257 9.343.207.825 10.767.732.002 13.385.729.721

A/B 62,57 62,61 58,86 54,97


2001 2002 2003 2004
Universidades 6.886.833.386 7.931.532.708 8.656.470.032 10.424.682.608

Outras Ifes 369.255.766 380.565.124 416.110.832 545.082.130


Cefets 214.576.601 255.012.121 279.663.042 342.178.717
A) Total Ifes 7.470.665.753 8.567.109.953 9.352.243.906 11.311.943.455
B) Gasto total MEC 14.485.110.597 16.659.310.207 18.118.446.797 18.388.018.534
A/B 51,57 51,43 51,62 61,52
Fonte: Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi)/Sistema Integrado de Dados Orçamentários (Sidor).
a
Centros Federais de Educação Tecnológica.

4.5 Regulação, Controle e Eficiência no Ensino Superior

Tanto o ensino público quanto o privado requerem a presença do Estado para o


seu bom funcionamento. Mas necessitam de uma presença inteligente, distinta
para cada setor e apoiada na melhor experiência acumulada no passado – aqui e
em outras partes.
Um dos elementos que concorrem para a perda de eficiência nas universidades
públicas é a estrutura de incentivos aos professores. Eles são contratados por
exames competitivos, mas, no dia-a-dia, o aumento da produtividade ou da qua-
lidade do ensino não traz qualquer benefício a quem os promova, seja na sala de
aula, seja nas chefias. No extremo oposto, professores não sofrem penalidades
por faltarem às aulas ou serem desleixados. Para completar, a garantia da estabi-
lidade e o emprego vitalício desencorajam o envolvimento de todos com a insti-
tuição, sejam professores ou funcionários (ver Quadro 5).
Embora o custo da maioria dessas instituições seja incongruente com seus
resultados (ensino pouco inspirado e quase nenhuma pesquisa ou curso de extensão),
esse não é o caso de um grupo de cerca de dez universidades concentradas em
São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Elas têm custo/

158 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


aluno semelhante e produzem mais da metade de toda a pesquisa do Brasil. Uma
proporção significativa do corpo docente dessas instituições está voltada à pes-
quisa e disputa os fundos de pesquisa dos órgãos públicos. Para contornar a
rigidez dos regulamentos do serviço público, operam várias fundações que vendem
agressivamente treinamentos, serviços de consultoria e pesquisa e desenvolvimento.
As fundações da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por exemplo,
geram receita adicional que chega a quase metade do seu orçamento.
Do lado da educação superior particular, observou-se considerável diversifi-
cação e expansão, especialmente nos últimos 20 anos. Como a pública, ela oferece
hoje todos os níveis de qualidade. Estes vão de alguns poucos programas compa-
ráveis – e por vezes melhores – às melhores instituições públicas, a outros que são,
simplesmente, desonestos e deveriam ser fechados. Alguns são inacreditavelmente
lucrativos; outros mal conseguem sustentar-se. Mas todos têm em comum a falta
de variedade no desenho dos cursos, devido a políticas públicas restritivas e pouco
esclarecidas que forçam as instituições privadas a imitar as universidades públicas.
A diversidade crescente na Europa e na América do Norte está longe de ser
igualada pelas instituições brasileiras, privadas ou públicas. As daqui ainda são
pressionadas a fazer pesquisa e a ter um corpo docente titulado, muitas vezes
incompatível com as áreas profissionais para as quais estão vocacionadas. Diante
desse quadro, fica clara a necessidade da presença do Estado. Contudo, para que a
presença se dê em bons termos, é necessário, antes de mais nada, que se definam
com clareza as diferenças existentes entre o público e o privado. Na subseção
seguinte será examinada a regulação no setor público – onde até podem faltar
mecanismos de regulação. Em seguida, será vista a regulação do sistema privado.

QUADRO 8
Ensino Superior: Algumas Confusões em torno da Noção de Público
Parece existirem poucas dúvidas de que a educação superior tem ampla variedade de impactos
sobre produtividade, empregabilidade, remuneração, condições de saúde, entre outros. Também
não parece haver dúvidas de que os benefícios da educação superior apropriados privadamente
são substanciais. Muitos argumentos e indicadores poderiam ser apresentados em reforço a
essa assertiva. Mas basta uma: se educação superior não produzisse nenhuma vantagem estri-
tamente pessoal, existiria pouca razão para sua intensa demanda. Não é o que se verifica.
Algumas vezes se argumenta que a educação superior é um bem público. No entanto, para
que se possa caracterizá-la como um bem público, ela deveria satisfazer a duas condições: a) o
atendimento a uma pessoa não deve impedir o atendimento a outra; e b) todas as pessoas
interessadas poderiam ter acesso a ela. Entretanto, como o vestibular deixa muito claro, as
vagas na educação superior são limitadas de tal forma que o acesso não é livre e o atendimento
a uns impede o atendimento a outros. De fato, um serviço para o qual existe um mercado em
continua

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 159


continuação

que as pessoas pagam para serem atendidas não é tipicamente caracterizado como um bem
público, por mais que o setor público possa participar da provisão desses serviços e atue ativa-
mente na sua regulação.
Muito se argumenta também e muito se poderia argumentar corretamente sobre as
externalidades geradas pela educação superior. Infelizmente, entretanto, embora todas as esti-
mativas disponíveis indiquem a existência de externalidades, a magnitude e importância delas
permanecem pouco conhecidas. Em particular, inexiste evidência de que os ganhos sociais da
educação superior não sejam em sua vasta maioria privadamente apropriados. A diferença
entre os ganhos sociais e os privados da educação superior, isto é, a importância das
externalidades, é uma questão fundamental para a gestão da política pública, uma vez que, em
grande medida, é ela que justificaria a sociedade subsidiar a provisão de educação superior.
Mas ainda que não seja considerado um bem tipicamente público nem responsável por
consideráveis externalidades, pode haver razões para subsidiar o ensino superior. Como a educação
superior é um investimento, imperfeições no mercado de crédito podem recomendar que, para
garantir igualdade de oportunidade, ela seja subsidiada para os pobres, ou mesmo para todos.
Existem dificuldades, entretanto, com a idéia de subsídios à educação superior. Como esta
tem grandes retornos privados, mais recomendável que um subsídio seria a garantia de crédito.
Nesse caso todos poderiam ter acesso sem a necessidade de elevar o gasto público ou realizar
transferências a famílias predominantemente bem situadas na hierarquia social e de renda,
conforme pode ser visto na Tabela 21.
Educação superior gratuita é um grande investimento nos jovens. A um custo de R$ 5 mil
por ano – valor inferior ao das universidades públicas, mesmo considerando o custo restrito, ou
seja, aquele em que se desconsideram despesas com inativos, pensionistas e sentenças trabalhistas
judiciais –, educação superior completamente gratuita seria equivalente a uma transferência
de R$ 20 mil por jovem, com base em cursos de quatro anos. Se a educação superior não é um
bem público e a maioria de seus benefícios é privadamente apropriada, todos os jovens univer-
sitários deveriam receber esse benefício ou apenas os mais pobres? Por que apenas os estudantes
de universidades públicas deveriam ser contemplados? Por que os de universidades privadas
não deveriam ser igualmente tratados?
É inquestionável a importância de se garantir a cada jovem uma transferência de R$ 20 mil
para que possa iniciar sua vida, se se toma como imperativa a redução das desigualdades no
país. A questão é o custo de garantir essa transferência a todos os jovens e não apenas àqueles
que freqüentam educação superior pública. Atualmente, apenas estes recebem o benefício. Se
garantida a todos os jovens universitários brasileiros, este programa custaria R$ 25 bilhões a.a.
Se fornecida ao conjunto dos jovens, independentemente de se freqüentam ou não universidade,
o custo anual seria de R$ 70 bilhões. Se o benefício se limitasse aos jovens pobres, o custo
passaria a ser de R$ 28 bilhões a.a.

4.5.1 A Regulação no Setor Público

A universidade pública é uma instituição que desfruta de autonomia acadêmica e


opera por sistemas de gestão colegiada. É uma instituição formada por subunidades
que se auto-regulam. Apesar da autonomia acadêmica, boa parte da gestão de

160 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


pessoal e financeira é feita pelo governo. A administração superior também se
apóia em colegiados centrais, representativos das unidades e corpos sociais que
compõem a universidade. Os cargos de direção superior são eleitos, ou são pro-
duto de consultas e negociações entre as lideranças acadêmicas e a autoridade
superior, seja ela o governo federal, estadual ou conselhos superiores.
Uma característica da universidade pública brasileira é que seus segmentos
mais importantes são regidos por sistemas muito distintos. A graduação é buro-
crática, formalista e freqüentemente politizada. O segundo segmento é controlado
pelos prêmios e sanções de um sistema de quase mercados de ciência e tecnologia
(C&T), onde os incentivos são administrados pela Capes, pelo Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela Financiadora de Estudos
e Projetos (Finep) e por muitas outras instituições, programas e linhas de financia-
mento à pesquisa. Em sua maioria, remuneram o pesquisador diretamente, em
sua conta bancária pessoal. Ou seja, a pós-graduação e pesquisa funcionam pelas
regras meritocráticas do sistema de C&T, enquanto o ensino de graduação per-
maneceu na velha estrutura burocrática do MEC. Um terceiro componente mais
recente são as fundações universitárias, surgidas da necessidade de contornar os
impedimentos burocráticos para o financiamento de pesquisa, pagamentos e
contratações de serviços. Essas fundações operam basicamente com regras de
mercado.
Em primeiro lugar, as fundações universitárias e, em particular, o sistema de
pós-graduação e pesquisa provam que é possível montar um sistema público de
âmbito nacional e de boa qualidade, auto-regulado por um quase-mercado. Ali
entram um sistema de avaliação, com cotas de bolsas e outros benefícios financeiros
e simbólicos atrelados aos resultados. Entram também regras que regem os fundos de
pesquisa competitivos, premiando o mérito dos projetos e a pontualidade no
cumprimento de prazos. Há muitos incentivos e sanções induzindo ao bom compor-
tamento da pós-graduação. Ao longo dos anos, tem havido inúmeros refinamentos
nos critérios de pontuação dos programas e crescente compartilhamento de res-
ponsabilidades, inclusive sobre recursos financeiros. E há as penalidades: quem
perde nota na avaliação, perde bolsas. Quem se atrasou no projeto anterior, não
consegue o fundo de pesquisa no edital seguinte. Uma das razões do sucesso da
pós-graduação é a existência desse conjunto virtuoso de mecanismos de auto-
regulação, artificialmente criados, mas que simulam os incentivos de mercado –
é o que Hirschman (1970), com muita propriedade, chamou de “quase-mercado”.
Ao resto da universidade pública falta muito mais do que incentivos; faltam
critérios sobre o que é esperado e falta governabilidade. Quem manda na universi-
dade pública? O reitor é frágil e não tem controle sobre os institutos e departamentos.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 161


Sobram situações de conflitos de interesse e faltam estruturas de checks and balan-
ces. Há greves e dirigentes universitários eleitos por maiorias de grupos ínfimos de
votantes, menores que 20%. De outra parte, colegiados gigantes como os conselhos
universitários são excelentes para preservar o status quo e dificultar mudanças.
É impossível obter novos consensos num grupo tão grande e heterogêneo.
Os resultados são bem conhecidos, ainda que as universidades públicas não
gostem de reconhecer. Os custos por aluno são elevados – equivalentes aos de
países da OCDE e quase dez vezes os observados na Argentina. Contudo, os resul-
tados estão pouco em linha com tais custos. Nos indicadores de processo, o que
se vê é uma deserção elevada, classes pequenas, departamentos com mais professores
do que alunos, relações aluno-professor abaixo das verificadas nos países avan-
çados, absenteísmo e descumprimento do tempo integral, carga de aulas muito
pequena – não compensada por atividades reais de pesquisa –, aulas descuidadas,
e por aí afora.
Como se pode pensar em autonomia na universidade pública sem criar alguns
mecanismos de auto-regulação? A primeira pista é aproveitar a experiência bem-
sucedida de auto-regulação da pós-graduação.

QUADRO 9
Reformas de Ensino Superior na Europa – 1980-2000
A novidade dessas reformas foi a introdução de mecanismos de promoção da qualidade na
gestão por meio da avaliação institucional. Adaptou-se o modelo tradicional das agências regionais
norte-americanas que se baseia na elaboração, pela universidade, de um auto-estudo que tem
como referência os padrões de qualidade definidos pelo conselho superior das agências avaliadoras.
O estudo é submetido à validação in loco por comitês de pares – um procedimento interativo que,
em grande medida, constitui uma assessoria e uma alavanca ao desenvolvimento institucional.
No caso a seguir descrito, a auto-avaliação tinha como foco a demonstração dos mecanismos
pelos quais a universidade garantia a qualidade de seus processos e resultados.
As reações iniciais das universidades européias variaram de país para país, dependendo do
ambiente criado pela flexibilidade das políticas (prazos e tratamento dado) e, principalmente,
pela oferta de apoios para o realinhamento (recursos para profissionalizar a gestão, para con-
tratar gestores e/ou assistência técnica, e/ou capacitação em gestão e em sistemas de informação
etc.). Em alguns países – Suécia e Inglaterra, por exemplo –, a autonomia de gestão foi sentida
inicialmente como intrusão externa e/ou centralização interna, nos institutos e departamentos
universitários [Bauer (1994) e Trow (1993)]. De fato, essa nova avaliação institucional tem o
efeito de reforçar a dimensão institucional vis-à-vis a tradição de autonomia da gestão acadê-
mica (bottom heavy). Mas a interatividade do mecanismo permitiu as revisões necessárias para
completar a transição e consolidar o regime auto-regulado.
Dois outros aspectos muito relevantes da experiência são: a) a importância atribuída aos
aspectos logísticos e operacionais, que desenvolvem a confiança mútua entre as partes; e b) o
horizonte de tempo e as condições de continuidade que tais processos necessitam para se
continua

162 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


continuação

consolidarem, passando por refinamentos e ajustes. O êxito das experiências de transição para
a auto-regulação – das instituições e dos Sistemas de Ensino Superior – dependeu, crucialmente:
a) da atuação de secretarias (staff) de alto nível integralmente dedicadas à operação – a apoiar
os processos e rodadas de avaliação, tanto nas agências que coordenam o sistema de avaliação
como nas instituições, pois há um enorme trabalho de pré e pós-produção;
b) da drástica melhoria da informação disponível sobre o setor e sobre cada instituição, que
instauraram diretorias de análise e desenvolvimento institucional – o que aprofunda e dissemina
o conhecimento não só da comunidade acadêmica, mas dos alunos e suas famílias, qualificando-os
a exigir qualidade; e
c) da preocupação explícita com o desenvolvimento da confiança (trust), para o qual contribuem
a busca de economia de esforços, a flexibilidade e a desburocratização – a nova agenda da
avaliação no Reino Unido não tem nada a ver com uniformidade ou com gravar normas em
pedra. Tem a ver com contexto e diversidade; com a identificação do que é necessário e suficiente
para manter e elevar a confiança, evitando burocracia.
Some-se a isso a preocupação com o dimensionamento de tarefas factíveis de pleno cum-
primento e o envolvimento crescente da comunidade com as questões do sistema de ensino
superior, desenvolvendo sua responsabilidade pública e conhecimento de causa [Harris (2004)].

4.5.2 A Regulação do Setor Privado: Supervisão de Sistemas


Auto-regulados

Sistemas auto-regulados podem ser públicos ou privados e sua característica es-


sencial é que o desequilíbrio gera a sua própria correção. Toda vez que o erro
pesa no bolso de alguém que possa reagir, configura-se um sistema auto-regulado.
Não obstante, há formas de auto-regulação que não passam tão diretamente pela
conseqüência orçamentária imediata. Por exemplo, perda de prestígio ou opróbrio
são penalidades que podem ser equivalentes nos seus efeitos.
No ensino superior, a motivação e a mecânica dos sistemas auto-regulados
são sempre parecidas – qualquer que seja o status jurídico da instituição. Harvard,
que é privada e sem objetivo de lucro, funciona de forma muito parecida àquelas
que declaram objetivo de lucro. Seja nas públicas, seja nas privadas, o objetivo é
sempre maximizar o excedente. É a lógica de mercado. Mas para que essa lógica
traga efetivos ganhos à coletividade é necessária a presença de um fator impeditivo
da predação: a concorrência. Do entrechoque de todos tentando comprar barato
e vender caro, mas não podendo, é que o sistema se torna eficiente. Tal sistema
não requer a tutela próxima do Estado para funcionar, exceto para promover a
concorrência e garantir que os mais fracos sejam protegidos contra os mais fortes
– sejam alunos, sejam instituições menores.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 163


Em primeiro lugar, há o papel clássico do Estado de assegurar o cumprimento
de regras e contratos. Não se trata apenas de criar regras, mas de zelar pelo seu
cumprimento. O assunto começa com a necessidade de haver um contrato de
prestação de serviço entre o provedor da educação e o aluno. Tecnicamente, é um
contrato de adesão ou unilateral, pois o aluno não discute os seus termos, podendo
apenas aceitar ou não. Mas o importante, no caso, é o papel do Estado de obrigar
o ofertante a dizer exatamente o que vai oferecer, em que condições e quanto vai
custar. Desde 1997 há regulação exigindo isso. Estará sendo cumprido?
O Estado não pode dizer ao dono de escola particular o que ele irá oferecer.
Mas é excelente política educativa obrigar a escola a explicitar, de forma claríssima,
como será o ensino que vai oferecer. Sem um contrato de adesão explícito fica
comprometido o papel do Estado de dirimir possíveis desentendimentos posteriores.
Com um contrato claro, o aluno pode cobrar, se julgar que não foi cumprido.
Igualmente a escola pode se defender de cobranças acerca do que não prometeu.
Mesmo essa regra tão antiga e tão simples da economia de mercado não encontra
uma materialização nítida no ensino superior brasileiro. Uma corte de justiça –
ou o MEC – terá dificuldades de dirimir uma reclamação, pois não fica suficien-
temente explícito o que foi prometido.
É um papel claro e pouco controvertido do Estado impedir a propaganda
enganosa. No entanto, é muito difícil e delicado apreciar a qualidade do ensino.
Faltam, ao aluno individual, as ferramentas para ficar sabendo se a escola A é
melhor do que a escola B. Somente a competência técnica, o direito de acesso às
informações e a abrangência macrossocial do Estado permitem suprir os alunos com
boas informações sobre o que está sendo oferecido, tanto no setor privado quanto
no público.21 Portanto, cabe ao MEC, direta ou indiretamente, avaliar e tornar
público o que está sendo efetivamente oferecido em cada curso de nível superior.
Outro papel clássico do Estado é, como já foi dito, proteger os mais fracos de
abusos. Um exemplo é proteger alunos de faculdades inescrupulosas, pois há uma
infinidade de pequenas transgressões que podem ser cometidas. E, também, pro-
teger faculdades novas ou mais frágeis do abuso do poder econômico, como o
dumping por parte de outras maiores e mais agressivas.
Absolutamente vital para a saúde do sistema é garantir a entrada dos con-
correntes. Esta é a exigência mais fundamental para que possa funcionar o sistema
de mercado. Se não estiver garantida a abertura para novos concorrentes, estará
sendo assegurado o monopólio privado, eventualmente pior do que o monopólio
público. Este é um dos pontos mais controversos de toda a presença do setor
privado na educação superior. Mas é também um dos mais vitais. Ao MEC costuma
faltar clareza em torno da necessidade imperiosa de garantir a entrada de novas

164 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


escolas no mercado. De fato, não é incomum que mesmo ministros afirmem o
oposto, endossando reservas de mercado.
É perfeitamente compreensível que as associações profissionais e os sindi-
catos de classes profissionais lutem para frear a entrada de novos concorrentes,
pois isso claramente vai gerar mais concorrência entre os operadores de escola e
entre os graduados dos cursos em questão. Não admira que defendam tais posições,
advogando em causa própria. Ademais, que possam fazê-lo faz parte da liberdade
essencial em um sistema democrático. Acontece que o sistema capitalista só fun-
ciona bem quando os capitalistas fracassam nas suas tentativas de assegurar os
seus monopólios.22 Não obstante, há uma contradição na atitude tíbia e ambígua
do setor privado como um todo. Em meio às reivindicações monopolísticas de
alguns operadores, são muito poucas as vozes individuais e das associações a
defender a imperiosa necessidade da concorrência, com a sua imanente necessi-
dade de livre entrada no setor. Gera-se, então, um tácito pacto monopolista de
que é preciso conter o crescimento do setor privado, devido aos seus abusos
quando, na realidade, é exatamente a possibilidade de oxigenação via eliminação
de barreiras à entrada, entre outros, que reduz os abusos.
Finalmente, há um outro papel clássico – e delicado –, que é o de estabelecer
mínimos de qualidade aceitáveis. Uma qualidade mínima deve ser assegurada
enquanto política de proteção aos alunos, embora tal papel do Estado esbarre em
problemas práticos.
Em certas áreas sujeitas à averiguação científica há padrões internacional-
mente aceitos. Esse não é o caso da educação superior. Nessas situações, deve-se
obedecer alguns princípios básicos. Se o consumidor do serviço oferecido não
está em condições de avaliar as qualificações do diplomado ou se os riscos são
sérios, há boas razões para estabelecer mínimos mais rígidos. É o caso das profissões
da saúde ou do direito. Nas outras, é uma questão de bom senso, de realismo e de
aprendizado. Sendo os critérios assim tão vagos, não admira que seja conflituoso
o estabelecimento desses tais mínimos.
Complica muito a questão o fato de que um curso minimamente correto,
recebendo alunos fracos, pode apresentar resultados piores do que um outro ne-
gligente que recebe alunos melhores. Outro complicador é que menos da metade
dos graduados do ensino superior exerce a profissão do diploma. Essa proporção
desce para menos de 1/4 nas áreas sociais. Portanto, qual o conhecimento mínimo
de economia para uma turma de graduados onde somente 1 em 10 vai virar
economista? Considera-se bastante frágil o argumento de que deve haver um
limiar de conhecimentos para uma educação que, na verdade, seria um reforço da
formação geral dos anos anteriores.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 165


4.5.3 Avaliação da Qualidade

A avaliação do ensino público e do privado é uma fronteira que foi desbravada a


partir da primeira metade dos anos 1990 e avançou em termos irreversíveis.
A criação de uma cultura de avaliação talvez tenha sido o maior avanço do ensino
superior na década de 1990. O passo mais corajoso foi a criação do provão,23 um
exame realizado no último semestre antes da formatura. As notas nessa prova
não afetavam o recebimento do diploma. Em vez disso, eram usadas para computar
uma nota média para cada curso das instituições de educação superior. Esses resul-
tados eram ajustados numa curva normal e transformados em conceitos (A, B, C,
D e E). Os conceitos de cada instituição eram publicados na internet e em todos
os jornais. Há considerável evidência de que os cursos levaram a sério os resultados
e investiram em modificações, visando melhorar as suas notas [Conselho Federal
de Administração (2003)].
Há também uma variedade de evidências dispersas sugerindo que o provão
foi usado pelos vestibulandos para escolher o seu curso. É interessante registrar
que, entre o primeiro e o último provão, em 2003, o número de candidatos aos
cursos que obtiveram conceitos A e B aumentou, enquanto os cursos com os
piores conceitos perderam seus candidatos. Essas constatações indicam que os
alunos usam a informação oferecida e o fazem em busca de uma educação melhor.
Vinte e seis grandes carreiras, cobrindo mais de 90% do universo dos estu-
dantes do ensino superior, tiveram seus cursos avaliados e os resultados divulgados
anualmente (Tabela 24). A rejeição ao provão foi muito forte de início, mas aos
poucos ele foi sendo percebido como um instrumento útil e poderoso. Os cursos
particulares que recebiam conceito baixo entravam imediatamente em pânico e
tentavam melhorar o seu desempenho porque passavam a perder candidatos.
As escolas particulares são menos numerosas entre os cursos que conquistam
conceitos A. Porém, do B para baixo, oferecem uma educação de qualidade não

TABELA 24
Distribuição dos Conceitos por Dependência Administrativa das Instituições: Exame Nacional de Cursos
(ENC) – 2003

Instituição de ensino superior A+B C D+E Total C ou +

Federais 52,5 30,2 17,3 100 82,7

Estaduais 34,4 32,0 33,6 100 66,4

Privadas 19,3 49,8 30,9 100 69,1

Municipais 19,0 40,7 40,3 100 59,7


Fonte: MEC/Inep/Daes-ENC 2003.

166 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


muito diferente daquela oferecida pelo setor público. Com efeito, a diferença
entre a média das notas das instituições públicas e privadas é muito pequena.
Em geral, pode-se dizer com segurança que há um grande bloco de instituições,
situadas no centro da distribuição, onde as privadas e públicas se confundem.
Isso significa que o setor privado e o público diferem na cauda direita da distri-
buição, mas na grande maioria dos cursos os resultados não são diferentes. Usando
o provão de 2003, tem-se no bloco das instituições com desempenho C ou melhor:
82% das instituições federais; 69% das particulares; e 66% das estaduais.
Outro dado importante refere-se aos cursos com conceito D/E. Considerando
o elevado custo das instituições públicas, bem como a sua gratuidade, não se
deveria esperar que muitas obtivessem os piores conceitos, D e E. Não obstante, a
proporção de particulares situadas nesse nível (30,9%) é menor do que as estaduais
(33,6%) e municipais (40,3%), ficando atrás apenas das federais (17,3%). Esse
é um resultado importante, dado que o custo por aluno das instituições privadas é
cerca de 1/3 das públicas e que, praticamente, não há subsídios para as privadas.
Resta lembrar que os conceitos do provão refletem a posição de cada curso
na distribuição total dos escores. Há várias limitações que não podem ser ignoradas,
como, por exemplo: não é possível comparar notas entre cursos diferentes, as
provas não são comparáveis no tempo e as pontuações em si dizem muito pouco
– uma área do conhecimento obtém mais pontos do que outra, seja porque os
graduados sabem mais, seja porque a prova foi mais fácil.
O provão foi abandonado e substituído pelo Exame Nacional de Desempenho
do Estudante (Enade). Trata-se de um exame por amostragem, de caráter obrigatório
e desenhado para avaliar o desempenho de ingressantes (com 7% a 22% da carga
horária curricular) e concluintes (com ao menos 80% da carga horária total) em
uma mesma prova com 10 questões de conhecimentos gerais (peso 30) e 30 de
conhecimentos específicos (peso 60), sendo 4 discursivas, 2 em cada bloco.
A primeira edição do Enade, em novembro de 2004, examinou uma amostra
de 56% de ingressantes e concluintes em 13 carreiras.24 Houve problemas de
representatividade porque, além do comparecimento de 90,2% dos estudantes
amostrados, participaram também 10 mil estudantes como voluntários, por meio
de mandados de segurança, ou como inscritos fora do prazo – e não se sabe se os
resultados das provas desses dois grupos adicionais de estudantes, que segura-
mente deformariam a amostra, estão incluídos ou não nos cálculos das notas.25
Ademais, dos 2.184 cursos-alvo, só 1.427 receberam conceitos – ou seja, 757
cursos (34,7%) não receberam conceito, porque muitos cursos ainda não tinham
concluintes ou por outros motivos.26

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 167


O Enade teve resultados surpreendentes e, sobretudo, ininteligíveis. Surpreen-
dentes porque alunos ingressantes tiveram desempenho melhor do que os
concluintes tanto em conhecimentos gerais como em conhecimentos específicos,
em várias carreiras, inclusive medicina. Surpreendente ainda porque apenas 10,4%
dos cursos tiveram desempenho abaixo da média. E ininteligíveis devido aos
procedimentos usados para converter percentuais de acertos, ajustados a médias
nacionais, em uma nota de 0 a 5.27
Outro resultado curioso do Enade é o desempenho comparado entre públicas
e privadas. Nas profissões da área de saúde – foco do exame –, no nível mais
baixo estavam 15 privadas e 19 públicas. Não se pode concluir muito desse resultado,
pela coleção de falhas do Enade, mas não deixa de ser outro fator de surpresa.

4.5.4 O Mercado Atende ao Interesse Coletivo?


Regras do Jogo e Violações

Se a lei trava o funcionamento do mercado, ela é contraproducente – pior do que


ineficaz. Reservas de mercado, controles de preços e lentidão no processo buro-
crático são fatores que atrapalham o funcionamento do mercado, porque criam
barreiras de entrada e eliminam a concorrência. A função da lei é regular a
concorrência, não substituí-la ou eliminá-la. A lei tem de servir para orientar os
esforços de cada um para oferecer uma educação de melhor qualidade a um custo
mais baixo. Todos ganham quando, na batalha de conseguir mais alunos, as
armas são a qualidade melhor e o preço menor.
Obviamente, o setor privado tem as suas limitações. A qualidade do ensino
oferecido depende do que o aluno pode pagar. Portanto, há um problema de
eqüidade, intrinsecamente ligado à existência de um setor privado muito abrangente
e não-subsidiado. Somente alunos que têm a renda necessária podem optar por
uma educação de melhor qualidade.
Outra falha do mercado é que a iniciativa privada não oferecerá determinada
carreira só porque há um interesse social na preparação de profissionais com tal
perfil. Nenhuma faculdade vai abrir um curso que dá prejuízo. Nas situações em
que há interesse social, é necessário que o Estado subsidie a operação. Cabe ao
Estado decidir se subsidiará o aluno via abertura de uma instituição pública ou
por intermédio de crédito que pode ser utilizado no setor privado.
Ao querer controlar preços, o Estado está contrariando princípios elementares
de economia. Na educação, sobretudo na educação superior, não é diferente. O
que protegeu o nível das anuidades, durante muito tempo, foi o controle de
preços. No momento em que foram eliminados, em vez de subir, os preços se

168 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


estabilizaram ou mesmo baixaram. De fato, nos últimos anos tem havido uma queda
na anuidade média real. E isso aconteceu, sobretudo, em áreas como administração,
onde a oferta aumentou mais rapidamente. Em outras palavras, os mercados
funcionam e freqüentemente produzem resultados que são socialmente desejáveis.
O bom funcionamento da concorrência exige um marco legal inteligente,
que induza que o esforço de cada um focalize a redução de custos, a melhoria da
qualidade e a matrícula de mais alunos. Certamente não é para o Estado ficar de
fora, como mero espectador, e nem para inventar leis que substituam ou obstruam
as forças de mercado. É necessário que ele defina o marco regulatório e administre
incentivos, financeiros ou simbólicos, que promovam a concorrência e impeça
práticas predatórias. Em tese, o mercado poderia corrigir quase todos os vícios do
setor privado. Mas isso leva muito tempo ou custo desnecessário. Nesse sentido,
a presença do Estado pode ajudar a mitigar custos e abreviar soluções. E a regulação
deve estar focada na preservação e estímulo à concorrência e no controle de
qualidade. Nada menos do que isso, e também nada mais. Outros aspectos, como
os debatidos a seguir, podem e devem ser objeto da ação governamental, mas não
do arcabouço regulatório.

4.5.5 Eqüidade e Elitismo

É inevitável que se discuta a eqüidade do ensino superior. E isso por muitas


razões que, de uma forma ou de outra, têm a ver com o fato de ele não ser um
bem tipicamente público, ser caro, fortemente financiado pelo Estado e atender a
uma clientela socialmente muito elitizada. Além disso, o ensino superior reúne
um conjunto de carreiras e de modalidades de cursos muito mais heterogêneas do
que o ensino básico. Ademais, a maioria de sua clientela hoje é composta por
indivíduos que são a primeira geração em suas famílias a chegar no nível superior:
69% dos concluintes que participaram do provão de 2003 não tinham pais com
nível superior [MEC/Inep (2003)]. Essas características fazem com que a transpa-
rência e a qualidade da informação pública disponível sejam um fator muito
importante de nivelamento/eqüidade.
Em primeiro lugar, no ensino público superior, o Estado paga dez vezes mais
por aluno do que no fundamental ou médio. No setor privado, a média das men-
salidades baixou nos últimos anos por causa da concorrência (Tabela 25), mas
alunos dos três primeiros quintis de renda não têm recursos para pagamento das
mensalidades, ainda que estas se situem em patamares muito reduzidos.
As soluções-padrão para o financiamento do aluno pobre abrangem programas
oficiais e particulares de bolsas – por mérito e aos mais necessitados – e programas

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 169


TABELA 25
Evolução do Valor Médio das Mensalidades – 1999-2005
[em valores correntes]

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005*

Valor médio das mensalidades (R$) 532 521 509 495 476 457 425

Valor da diferença (R$) (11) (11) (12) (14) (19) (19) (32)

Evolução percentual -1,80 -2,10 -2,30 -2,80 -3,80 -4,00 -7,00


Fonte estimativa: Hoper Educacional.

de crédito educativo oficiais e privados. Até recentemente havia o crédito educativo


federal [Crédito Educativo do Ministério da Educação (Creduc)], muito limitado e
incapaz de se autofinanciar. A inadimplência atingiu 84% e, em junho de 1999,
foi substituído pelo atual Fies, que tem 22% de inadimplência. O Fies instituiu
salvaguardas, como fiador – com renda mínima igual ao dobro do valor da men-
salidade –,28 e já investiu R$ 3 bilhões, beneficiando cerca de 318,7 mil estudantes,
dos quais 6,7 mil com contratos já liquidados. Em 2001 a estimativa foi de que os
contratos do fundo atenderam a menos de 1/10 da demanda revelada. Em seu
décimo processo seletivo, em 2004, o Fies abriu 50 mil vagas e atraiu 260 mil
candidatos, dos quais 199 mil foram confirmados e 44 mil selecionados (17% do
total de candidatos).29
Desde 2001 há uma alternativa privada ao Fies – a Ideal Invest, que atende
a aproximadamente 25 mil alunos de 85 instituições, que juntas possuem mais de
300 mil alunos ou 11% do total de matrículas das instituições particulares.
As operações realizadas com recursos da própria Ideal Invest e dos fundos dos
quais é gestora totalizavam R$ 75 milhões em outubro de 2005. O movimento
anual atinge a cifra de R$ 130 milhões.30
A partir de agosto de 2005, o Fies, que financiava até 70% das mensalidades,
passou a financiar só 50% e registrou-se uma queda de quase 31% em sua procura.
O MEC recebeu apenas 135.167 pedidos de financiamento contra 196 mil inscrições
em 2004. Com o lançamento do ProUni em 2004 e do programa de expansão das
instituições federais, o quadro de oportunidades mudou substancialmente aos
olhos dos estudantes.
No fundo pode ser que o maior problema de todos, no caso do ensino superior,
seja a fragilidade da preparação com que os alunos lá chegam. Universidades e
faculdades não têm problemas de infra-estrutura física; não têm problemas de
encontrar mais mestres, doutores ou pessoas com experiência docente no mercado
de trabalho. Mas o nível dos alunos que ingressam no superior é o reflexo direto
da pobreza dos níveis anteriores.

170 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


QUADRO 10
O Ensino Público e Gratuito
Há uma retomada da idéia de prevalência da universidade pública no ensino de terceiro grau
no país. Há maior atendimento de demandas financeiras das universidades federais e expansão
da rede, com dez novos campi. O MEC destaca que o orçamento para as instituições federais em
2005 permitirá recuperar, em três anos, 75% das perdas acumuladas ao longo dos oito anos
anteriores. Além disso, 6 mil estão sendo preenchidos desde 2005.
Apesar desse esforço, talvez a mais corajosa e efetiva medida de eqüidade tenha sido a
criação do ProUni. Trata-se de uma política agressiva e progressiva em termos de distribuição
de renda. Pela primeira vez se subsidiaram estratos sociais que estavam abaixo do patamar de
acesso ao Fies. Na verdade, o ProUni fechou uma lacuna, que era a ausência de programas
competitivos de bolsas para a graduação. Dados da Receita Federal mostram que o custo anual
do ProUni, em renúncia fiscal, totaliza R$ 196 milhões, enquanto o gasto efetuado para bancar
a inadimplência do Fies composto por juros subsidiados, custos administrativos e encargos,
chega a R$ 300 milhões por ano. O ProUni distribuiu, em 2004, 112.416 bolsas e, em 2005,
outras 118 mil a jovens com renda familiar per capita de até três salários mínimos (SM).
As regras de seleção são razoáveis, por conjugar competência – medida pelo Enem –, com
necessidade – medida pela renda familiar –, rede escolar de origem etc. O programa permite
canalizar o Fies para uma faixa de renda um pouco superior, reduzindo o risco da inadimplência,
e também aumenta em cerca de 10% a oferta de ensino superior gratuito, sem comprometer o
orçamento do MEC, constitucionalmente assegurado.31

TABELA 26
Impacto das Bolsas ProUni na Expansão das Matrículas de Graduação por Rede de Ensino – 2004

2003 2004 ProUni 2004 = 112. 416 (%)

Setor público 1.136.370 1.178.328 9,54

Federal 567.101 574.584

Estadual 442.706 471.661

Municipal 126.563 132.083

Setor privado 2.750.652 2.985.405 3,8

Total 3.887.022 4.163.733 2,7


Fonte: MEC/Inep/Daes.

Isso leva a um dos grandes dilemas do ensino superior brasileiro. Será que
deveria ser adotada uma política elitista de restringir a matrícula porque os alunos
são fracos? Parece que essa seria uma política infeliz. É preferível um aluno fraco
que estudou mais quatro anos, do que outro que não o fez. As pesquisas mostram
que os fracos crescem tanto ao estudar quanto outros melhor preparados. Estudo
de Arias, Yamada e Tejerina (2002), apud Barbosa (2004) sugere que a equalização
do acesso à educação de boa qualidade – que inclui melhorias nos ambientes de

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 171


aprendizado infantil – é uma das chaves para reduzir as desigualdades inter-
raciais de rendimento no Brasil. A medida da qualidade da educação usada pelos
autores baseia-se largamente nas características dos professores, em especial o
seu treinamento.
Mas não pode haver fatalismo nesse assunto. A solução será sempre investir
mais e melhor nos níveis escolares anteriores. É eloqüente o exemplo da Univer-
sidade Federal de Santa Maria, que investe pesadamente na melhoria do nível
acadêmico dos alunos do ensino médio das regiões circunvizinhas. É isso o que
se esperará do ensino público superior.
Para encerrar a discussão da eqüidade pode ser instrutivo olhar para os seus
parâmetros internacionais, diante dos quais somos pobres e fracos [ver OCDE (2004).
z Nos países da OCDE, em média, um jovem de 17 anos pode esperar se
matricular em curso de ensino superior de 2,7 anos de duração, aí incluídos 2
anos em tempo integral. Na Finlândia, Coréia, e nos Estados Unidos, os estudantes
podem esperar entrar no ensino superior por aproximadamente 4 anos em tempo
integral e parcial.
zHoje, um entre dois jovens na zona da OCDE terá acesso a um curso
universitário ou de nível equivalente durante sua vida.
Com exceção da Áustria e da França, o acesso ao ensino superior cresceu
z
em todos os países da OCDE entre 1995 e 2002.
z A maioria dos estudantes do ensino superior está matriculada em estabe-
lecimentos públicos, mas na Bélgica, no Japão, na Coréia, nos Países-Baixos e no
Reino Unido, a maior parte dos estudantes está inscrita em instituições privadas.

4.5.6 Inovação e Diversificação

Uma das características marcantes das duas últimas décadas é o aumento de


flexibilidade do mercado de trabalho, com impactos positivos de flexibilização
no ensino superior. Em muitas carreiras, o currículo agora tem 20% de atividades
complementares.
Para entender a evolução do ensino superior no Brasil – e no mundo – é
preciso ver através do véu da desprofissionalização das carreiras profissionais.
Sabe-se que a oferta de vagas no superior cresce rapidamente em todo o mundo,
inclusive na América Latina e no Brasil. Suponha-se que as economias cresçam
entre 2% e 4% a.a. Ora, as taxas de expansão do ensino superior avançaram
muito mais rápido, tendo atingido, no caso do Brasil, 20% nas vizinhanças da
década de 1970 e voltando a atingir tais taxas em anos recentes. Se a matrícula

172 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


cresce mais rápido do que a economia, admitindo que haja formatura correspon-
dente, ocorrerá um resultado inevitável: vai sobrar gente com diploma que não
consegue entrar na ocupação correspondente. Para alguns isso é uma tragédia de
grandes proporções e serve de argumento para denúncias de saturação dos mer-
cados para universitários. Põe-se a culpa nos governos como se fosse possível, ao
mesmo tempo, aumentar a matrícula e garantir emprego na profissão.
Há que se ver o outro lado da medalha. Sabe-se também que mais da metade
das ocupações de nível superior não exigem conhecimentos específicos: são ocupa-
ções abertas. Requerem alto nível de educação, mas praticamente qualquer espe-
cialidade serve. A esse respeito, Macedo (1998)32 mostrou alguns resultados muito
interessantes. Em levantamento realizado entre funcionários de nível superior das
indústrias eletroeletrônicas, verificou-se que quase todos os cargos são ocupados
por profissionais com os mais variados diplomas existentes no mercado. À exceção
de carreiras muito técnicas – ou aquelas que exigem diploma de advogado –, não
há reservas de mercado para as profissões e sim mobilidade horizontal extrema.
Graduados de literatura ou história podem estar em quaisquer dos cargos nas
empresas eletroeletrônicas. Da mesma forma, há engenheiros fazendo quase tudo.
Em outras palavras, essas empresas tão prósperas e que poderiam dar-se o luxo
de escolher quem quisessem para o exercício dos cargos de seus quadros não têm
quaisquer pudores de embaralhar diplomas e cargos da forma mais promíscua
possível. A elas, mais do que um particular diploma, o que interessa é ter educação
superior.
Dados da Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e
Emprego (Rais/MTE) e pesquisas de seguimento de egressos da Universidade de
São Paulo (USP) mostram que, entre os graduados das áreas sociais e das huma-
nidades, a proporção dos que não trabalham na profissão varia entre 70% e 90%.
Esses resultados confirmam o que Roberto Macedo encontrou para os funcionários
da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Pode-se então
supor com segurança que mais da metade das posições requerendo ensino superior
são genéricas ou abertas. Isto é, nelas o que se requer é uma boa formação geral.
O resto aprende-se com a experiência e no local de trabalho. Logo, para uma fração
muito considerável do mercado do ensino superior, há a desprofissionalização
dos diplomas. Isso não é uma patologia.33
Outro aspecto a se considerar é que o número crescente de candidatos ao
ensino superior sugere que o investimento nesse nível de escolaridade continue
produzindo retornos generosos. De fato, há fortes indícios de que os retornos
para a educação superior nos últimos anos não apenas se mantiveram elevados,
como efetivamente aumentaram. Nesse sentido, o argumento de saturação não se

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 173


sustenta. É possível e mesmo provável que haja falta de empregos de economista,
mas não faltam empregos para os graduados em economia – se faltassem, a taxa de
retorno não poderia ser elevada. O mesmo se aplica para os demais cursos. E mais
ainda: a taxa de desemprego é menor para o ensino superior do que para qualquer
outro nível – conforme o leitor poderá verificar melhor no Capítulo 5 desta edição.
Portanto, falta entender o que está acontecendo e tirar as lições corretas.
Para a grande maioria dos que recebem certas modalidades de profissionalização,
na verdade, o que está sendo ministrado é educação geral vestida de educação
profissional. Se assim é, há que se perguntar quais conteúdos deveriam ser ofere-
cidos a essa modalidade de educação. De fato, não há boas razões para ignorar a
necessidade de repensar a estrutura de um curso em que somente 10% dos alunos
vão exercer a ocupação correspondente.
Se o mercado diz que essa formação profissional será tomada como educação
geral, é preciso entendê-la como tal. Nessa função geral, bem se sabe, o impor-
tante é aprender a escrever corretamente, ler criticamente, ler e, se possível, se
comunicar em outras línguas, e usar ferramentas quantitativas para analisar pro-
blemas. É claro, isso pode ser feito em muitas carreiras diferentes. De certa ma-
neira, todo curso superior contribui para desenvolver essas habilidades gerais.
Mas se o mercado predominantemente utiliza as habilidades gerais, os cursos
deveriam pensar mais nisso do que o fazem atualmente. Precisamos de cursos
mais generalistas, para um mercado que quer profissionais generalistas. Nesse
contexto, trata-se mais de ensinar o estudante a aprender do que fazê-lo dominar
esta ou aquela teoria.
Nesse terreno, duas importantes inovações foram feitas. A primeira talvez seja
a consolidação e expansão dos cursos de curta duração (dois a três anos).34 Embora
a matrícula ainda seja modesta (menos de 10%), as taxas de crescimento são
expressivas. A segunda é o amadurecimento e a expansão dos cursos à distância
no nível superior, nas públicas e nas privadas. Pelas estatísticas de 2004 existiam
da ordem de 159 mil alunos matriculados à época no ensino superior à distância.
Isso representa um crescimento de 107% com relação ao ano anterior [Instituto
Monitor (2005)]. E em linha com o que começa a acontecer em outras partes, são
os cursos semipresenciais que reservam mais potencial de expansão – a permissão de
oferecer 20% da carga horária à distância parece haver desencadeado um processo
irreversível, com 63% dos cursos credenciados utilizando a internet [Educação &
Conjuntura (2004)].
O que se tem pela frente são desafios ligados à diversificação do ensino
superior. Não faz mais sentido pensar em ensino superior voltado para poucos e
vocacionado para a formação de lideranças. Entretanto, imaginar que a universidade

174 z Brasil: o estado de uma nação z 2006

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deve ter apenas um produto e que este pode ser direcionado a todos é ingênuo e
desconectado da realidade. É necessário que uma gama a mais de produtos seja
oferecida aos jovens estudantes. De fato observa-se que, mesmo nos países mais
avançados, há uma preferência dos alunos mais modestos pelos cursos mais curtos,
apesar da existência e da gratuidade dos outros. Também aqui o Enem evidenciou
o seguinte em 2003: 45% dos estudantes indicaram que “gostariam de prosseguir
seus estudos, mas não tinham interesse em cursar uma graduação convencional.
Querem algo diferente” [Braga e Monteiro (2003)]. É necessário, portanto, que
estejamos abertos à flexibilização, sem oscilação e ambigüidade em termos de
políticas públicas na área de educação superior.

5. O CRESCIMENTO VIRTUOSO DA PÓS-GRADUAÇÃO

Até a década de 1960 a pós-graduação era quase inexistente. Doutorados e livre-


docências ao estilo europeu surgiram nos anos 1930, mas tinham funções rituais
de investidura em posições docentes. Em termos de ciência, o país era mais do
que inexpressivo.
O primeiro grande passo foi a definição – em dezembro de 1965, pelo Parecer
Sucupira – de um marco legal, estabelecendo parâmetros para os mestrados e douto-
rados.35 Este marco foi integralmente confirmado pela Reforma Universitária de 1968
e seguiu claramente as tradições norte-americanas – com níveis bem mais altos de
estruturação curricular, com disciplinas obrigatórias e aulas regulares –, substi-
tuindo o sistema europeu, mais baseado em relação tutorial e seminários de tese.
A criação de programas de pós-graduação coincide com a entrada maciça de
recursos do MPOG, que deslancha um programa de fomento a ciência e tecnologia
no país. Esse processo se acelera a partir de 1968, com a implantação da Reforma
Universitária e o crescimento contínuo dos recursos para a C&T (Tabela 27).
O custeio da pós-graduação envolveu basicamente três órgãos federais – a Finep, o
CNPq e, posteriormente, a Capes – e duas fontes de recursos: o Fundo Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) – de longe a principal
fonte em termos de volume de recursos até 1982 –, e dotações orçamentárias que

TABELA 27
Evolução das Matrículas na Pós-Graduação

1987 1989 1991 1994 1996 1998 2000 2002 2004

Mestrado 29.281 32.472 38.459 43.612 45.622 50.816 61.735 63.791 66.306

Doutorado 7.914 9.671 12.219 17.912 22.198 26.828 33.004 37.795 38.948
Fonte: MEC/Capes.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 175


proviam os recursos de órgãos como o CNPq, a Capes, e os próprios departamentos
universitários.
O fomento da C&T foi liderado pela Finep e a principal forma de financiamento,
em termos do montante de recursos, foi o apoio institucional. Esses projetos cobriam
despesas com montagem de laboratórios e bibliotecas, com contratação de pessoal
técnico e administrativo, com materiais de consumo para pesquisas, complementação
salarial dos professores-pesquisadores, e até a construção de prédios e instalações.
Apesar das dificuldades de negociar os projetos, é difícil imaginar um outro sistema
de financiamento que oferecesse ao pesquisador maior autonomia.
A compatibilidade entre o modelo stricto sensu do MEC e a política de fo-
mento à C&T (do MPOG e CNPq) gerou, com grande rapidez, um sistema de pós-
graduação fortemente ancorado na atividade de pesquisa e na atividade acadêmica
de boa qualidade. Em anos mais recentes, a implementação de novas regras que
vinculam titulação à progressão na carreira do magistério superior foi elemento
indutor de muito sucesso. Além de muito bem implantada, a pós-graduação ganhou,
a partir de 1976, um sistema de avaliação baseado no julgamento pelos pares
que, progressivamente, vai se tornando mais competente. Com a avaliação, a
pós-graduação passa a ter mecanismos de auto-regulação, permitindo ir identifi-
cando e corrigindo muitos de seus problemas. Com efeito, vem se elevando dras-
ticamente a participação do Brasil na produção científica internacional,
proporcionando ao país saltos tecnológicos em vários campos da economia e da
vida social. Não obstante, persiste um desequilíbrio muito significativo entre o
crescimento vertiginoso da pesquisa publicada e as atividades de tecnologia, ain-
da em patamares modestos – vale ver, sobre o assunto, o Capítulo 2 da edição
anterior desta série.

GRÁFICO 7
Recursos do Tesouro para o FNDCT: Valores Índices

[número índice (1978 = 100)]


160
146,8
140 133,2
120
100,0
100
86,1
80 89,2
81,3
71,4 60,1 59,3
60 70,0 58,2
59,2 40,3
40 44,9
37,5
20 23,4 30,1
17,1
0
1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988

Fonte: Finep, D.IV-DPO, transcrito de Klein e Delgado.

176 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Em termos de desempenho, a pós-graduação mostra invejável vitalidade. Em
15 anos dobrou o número de matrículas em mestrado e mais do que quintuplicou
no doutorado. Em 2004, registravam-se 66.306 matrículas no mestrado e 38.948
no doutorado. A procura pela pós-graduação continua crescendo rapidamente,
assim como os pedidos de autorização da Capes para a criação de novos mestrados.
Trata-se de um caso espetacular de crescimento acelerado, com sólida qualidade.
O resultado é que a produção científica não pára de crescer. Em 50 anos, passamos
de uma produção virtualmente igual a 0 para uma participação de 1,7% na ciência
mundial (Gráfico 8), à frente de praticamente todos os países não-industrializados
(à exceção da Índia e da China).
Ninguém duvida de que nossos mestrados e doutorados sejam as jóias da coroa
de nossa educação. Mas obviamente isso não quer dizer que a pós-graduação não
tenha problemas, ainda que em escala muito mais reduzida do que nos outros
níveis. Por exemplo, é antiga a preocupação com a forte concentração dos douto-
rados e da pesquisa na região Sudeste, especialmente em São Paulo. Também o
exagerado tempo demandado para a formação de mestres e doutores, fruto de
excesso de academicismo, era inibidor da expansão do sistema. Felizmente, a
desconcentração tem-se reduzido nos últimos anos e o tempo de formação tem
sido reduzido atrelando as bolsas a prazos de titulação mais curtos e rígidos, e à
atribuição, na avaliação, de pesos para indicadores de duração dos cursos. No
Gráfico 9 vêem-se as curvas de titulação ao longo do tempo. O crescimento médio
anual do mestrado é de 12,9%, e do doutorado, 15,4%, no período de 1987 a 2003.
Outro assunto a merecer atenção é a pós-graduação nas universidades privadas.
De um lado, tem-se a grande vocação da universidade pública para a pós-graduação.
Além dos financiamentos pela via dos orçamentos públicos e o respaldo legal

GRÁFICO 8
Crescimento da Produção Científica Brasileira em Relação à Mundial

0
81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03
19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 20 20 20 20

Fonte: Guimarães (2005). Mundo Brasil

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 177


GRÁFICO 9

para o tempo integral dos professores, todo o sistema de financiamento da pes-


quisa privilegia as instituições públicas. Mais ainda, cria um sistema competitivo
e meritocrático que permite uma das operações mais eficientes dentro do Estado
brasileiro. E vai mais longe: gera uma produção de mestres e doutores suficiente
para abastecer as necessidades do setor educacional, com folga.
Contudo, a lei exige a operação de mestrados para que uma instituição pri-
vada possa virar universidade. E o status de universidade dá uma liberdade de
abrir e fechar cursos, que é valiosíssima. Por essas razões, as instituições privadas
têm grande interesse em abrir mestrados.36 O problema é que o custo de um curso
de mestrado é particularmente alto e os alunos não podem pagar a mensalidade.
Só resta à universidade privada financiar seu curso de mestrado por meio de
overhead dos alunos de graduação ou por outras operações lucrativas [como
Master Business Administration (MBAs), especializações etc.]. Claramente, é uma
política que onera os custos da graduação, limitando assim ainda mais a possibi-
lidade de atendimento dos alunos de poucas posses.
O resultado é que dos 1.570 programas de pós-graduação oferecidos em
2003, 86% estavam em instituições públicas. Apenas 65 instituições privadas
oferecem mestrado ou doutorado. Entre elas, as PUCs e a Universidade de Vale do
Rio dos Sinos (Unisinos) respondem por mais da metade dos cursos particulares.

5.1. Disfunções, Ajustes e Reajustes da Pós-Graduação

Naturalmente, a pós-graduação é um setor muito caro da educação e sua sintonia


com as necessidades do ensino e da sociedade tem de ser considerada. A primeira
pergunta é saber para onde vão os mestres e doutores. Há que se perguntar também

178 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


se o sistema está bem dimensionado para atender às novas exigências de titulação
dos docentes de nível superior. Ou, ao contrário, está prestes a formar um exército
de jovens de meia-idade, sem mercado para a docência no ensino superior e
excessivamente qualificados para outras ocupações?
Embora a missão original da pós-graduação tenha sido a preparação de
docentes – e não podemos dizer que tal foco haja perdido o sentido –, pelo menos
a metade dos graduados vai para o setor produtivo,37 sem que os cursos hajam
sido recalibrados para tal. Três estudos com concluintes da pós-graduação foram
realizados desde 1998. Todos recolheram informações sobre a trajetória acadêmica
e profissional dos graduados, desde o início dos anos 1990, em 15 áreas de for-
mação.38 A Tabela 28 sintetiza os principais resultados dessas pesquisas. Em pri-
meiro lugar, notou-se que a maioria dos mestres não segue carreira acadêmica.
O mercado acadêmico só é o destino predominante em quatro das 15 áreas de
formação investigadas.39 Segundo, verificou-se que não há um padrão de ocupação
fora da academia: os mestres apresentam uma ampla dispersão entre ocupações
não-acadêmicas.

TABELA 28
Mestres: Padrão de Emprego nos Mercados Acadêmico e Não-Acadêmico por Área de Conhecimento

Área de conhecimento do mestrado Mercado acadêmico Mercado não-acadêmico

Advocacia 19,7 80,3

Medicina/clínica geral 22,0 78,0

Engenharia mecânica 32,4 67,6

Odontologia 32,7 67,3

Engenharia elétrica 33,9 66,1

Geologia 34,6 65,4

Administração 36,7 63,3

Economia 39,1 60,9

Engenharia civil 39,3 60,7

Bioquímica 45,4 54,6

Psicologia 45,6 54,4

Agronomia 51,3 48,7

Química 60,2 39,8

Sociologia 64,5 35,5

Física 66,7 33,3


Fonte: Velloso (2004).

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 179


Essas 15 carreiras foram agregadas em três grandes áreas que, de fato, apre-
sentam padrões de ocupação bastante diferentes umas das outras. São elas:
z Áreas básicas: agronomia, bioquímica, física, geociências, química e socio-
logia.
z Áreas tecnológicas: engenharia civil, engenharia elétrica e engenharia me-
cânica.
z Áreas profissionais: administração, clínica médica, direito, economia, odon-
tologia e psicologia.
Em todos os grupos, a docência no ensino superior não é a ocupação predo-
minante dos mestres. O trabalho na universidade só absorve em média 40% dos
mestres nas áreas básicas e menos de 1/3 dos mestres nas demais áreas. Já entre
os doutores, as médias dos que trabalham na universidade variam de 62% a 72%.
A pesquisa revelou ainda que 52% dos mestres nas áreas básicas trabalham
na universidade ou institutos de pesquisa. Os titulados nas áreas profissionais
trabalham predominantemente na administração pública (25%), como profissionais
liberais (22%) ou em empresas públicas ou privadas (16%). Já o destino principal
dos mestres das áreas tecnológicas é o setor empresarial (39,2%), seguido pela
universidade (31%) e pela administração pública (15%).
Um dos destinos mais nobres para um mestre ou doutor é a pesquisa nas
empresas, área em que o país está muito atrasado. A pequena proporção deles
nos institutos de pesquisa (oscilando entre 2% e 12%) é um dado preocupante.
Embora haja alguma pesquisa fora dos institutos de pesquisa, esta tende a ser
residual. Do ponto de vista de política pública, seria desejável ter uma proporção
muito maior de pós-graduados dedicados à pesquisa fora da universidade, pois
esta tende a ser mais aplicada e responder mais de perto às demandas da sociedade
– o Capítulo 6 deste livro discute sobre as empresas com departamento de P&D e a
absorção de mão-de-obra pós-graduada.
A criação de uma nova modalidade de mestrado – o mestrado profissional –
foi uma resposta um tanto atrasada às demandas “de uma variada gama de ativi-
dades profissionais”. A maioria dos novos mestrados profissionais permanece
como uma alternativa oferecida por quem já oferece um mestrado acadêmico.
Isso porque a Capes exige perfil acadêmico e linhas de pesquisa idênticos aos
exigidos nos mestrados acadêmicos. Como conseqüência, a grande maioria, tal
como os acadêmicos, está localizada também no setor público.
No entanto, o mestrado profissional seria o tipo de curso de pós-graduação
mais afim com o ensino ofertado pelo setor privado, e o que mais lhe interessa
oferecer. O natural é que crescesse mais no setor privado. Contudo, para que isso

180 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


acontecesse, a regulamentação deveria ser mais apropriada para esses mestrados.
Isso iria requerer a adoção de parâmetros de avaliação que atribuam peso adequado
aos trabalhos menos acadêmicos. Igualmente, seria necessário avaliar a congruência
entre o foco dos currículos e as características e necessidades das áreas profissionais
a que se pretende atender. Até mais importante, a exigência de doutores deveria
ser matizada, para permitir a presença muito maior de pessoas que têm ampla
experiência profissional, mas não diplomação. A Capes continua flexibilizando
as suas exigências para o mestrado profissional, mas é difícil dizer se já chegou a
uma fórmula satisfatória.
Com relação à adequação do dimensionamento da pós-graduação às neces-
sidades de professores para o ensino superior, há muitos fatores a considerar, mas
parece que aí o território está relativamente seguro. Um resultado auspicioso da
expansão dos programas pós-graduados é a elevação rápida no perfil dos docentes,
particularmente no setor privado. A Tabela 29 registra o teor da mudança de
composição do corpo docente das instituições de ensino superior (IES) privadas
em relação às públicas.
Esses números revelam que o setor privado já se converteu no principal
mercado de trabalho acadêmico para os mestres formados no Brasil, e constitui
uma importante alternativa de emprego para os nossos doutores. Não obstante,
se mudou o destino dos mestres, os mestrados mudaram pouco. Estamos produzindo
para as empresas mestres cuja formação está totalmente voltada para a pesquisa
acadêmica. Ora, à falta de coisa melhor, as empresas contratam os acadêmicos,

TABELA 29
Distribuição Percentual das Funções Docentes por Titulação e Dependência Administrativa – 1994-2002

Ano Titulação Setor público Setor privado Total

1994 Até especialização 42,9 57,1 86.625

Mestrado 63,4 36,6 33.531

Doutorado 79,0 21,0 21.326

1998 Até especialização 39,6 60,4 88.567

Mestrado 55,1 44,9 45.482

Doutorado 75,8 24,2 31.073

2002 Até especialização 28,6 71,4 101.153

Mestrado 29,7 70,3 77.404

Doutorado 65,1 34,9 49.287


Fonte: Balbachevsky (2004), baseado em MEC/Inep/Daes.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 181


embora já fosse mais do que tempo de converter os mestrados para que melhor
atendam o mercado empresarial.
Por fim, a antiga dificuldade de conversão da ciência em tecnologia continua
em pauta. Ao longo dos anos, a disseminação de incubadoras de empresas, o
financiamento para a abertura de pequenas empresas de base tecnológica, entre
várias outras iniciativas de articulação da competência científica da universidade
com prioridades da economia, mudaram os termos da discussão, mas não superaram
o problema. E, certamente, os programas de pós-graduação e pesquisa poderiam
fazer muito mais do que fazem hoje.

6. ENSINO PROFISSIONAL: CAMINHOS FORMAIS E PARALELOS

6.1 Educação Profissional em Perspectiva

Esta seção trata das variadas formas da educação e da formação profissional e


técnica no Brasil, situando-a na perspectiva do mercado de trabalho nacional.
Em alguns casos, são estabelecidas comparações com outros países.

6.1.1 Um “Não-Sistema Invisível”?

Para traçar o perfil da educação profissional no Brasil, é preciso ir além das


definições convencionais de cursos e de agências formadoras. Há enormes dife-
renças de níveis e modalidades em que são oferecidos os cursos. A rigor, não se
sabe onde termina a formação e onde começam as atividades de lazer e de desen-
volvimento pessoal.
Igualmente confusa é a imbricação da educação acadêmica com a preparação
para ocupações. Isso porque também desenvolvemos nosso intelecto aprendendo
ofícios, ao mesmo tempo em que os próprios ofícios requerem a latitude de visão
a que, por exemplo, as humanidades conduzem. Portanto, muita educação acadê-
mica é parte da formação necessária para um ofício e muito do que passa por
acadêmico é igualmente profissional – por exemplo, como usar um computador.
A legislação educacional brasileira (LDB/96 e Decreto 5.154/2004) estabelece
três níveis ou linhas de educação profissional: a inicial – originalmente denomi-
nada básica, sem requisitos de escolaridade nem certificação profissional –, a
técnica (de nível médio) e a tecnológica (superior).
O mercado da formação no país, entretanto, não se encaixa confortavel-
mente nessas categorias. Além do que está previsto em lei, sua oferta inclui uma

182 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


infinidade de cursos e treinamentos que podem ser considerados profissionalizantes,
pois de muitos modos ajudam a construir ou melhorar a empregabilidade dos
indivíduos, isto é, suas chances de entrar, ficar e progredir no mercado de trabalho.
Pelas mesmas razões, aumenta a competitividade das empresas.
Pode-se, em princípio, entender esse conjunto como um não-sistema invisível.
É um não-sistema por se tratar de uma coleção desconexa e heterogênea de
instituições e cursos, enlaçados em tramas informais e paralelas, mas raramente
orientadas por uma visão de conjunto do próprio segmento ou por políticas pú-
blicas. É invisível para fins de estatísticas oficiais e políticas públicas, ainda que
suas principais agências operem há mais de 60 anos.
O não-sistema funciona há décadas guiado pelas regras do mercado, entrelaçadas
com a ação do Estado que, direta ou indiretamente, subsidia a maior parte da
oferta de formação desde os anos 1940. Funciona porque oferece uma resposta
razoável ao perfil da economia e ao mercado de trabalho no país. Considere-se
apenas o que segue.
z Temos uma PEA de quase 93 milhões,40 com média de sete anos de escola-
ridade em escolas de baixa qualidade. Daí a sua enorme demanda de formação
compensatória ou suplementar de educação.
z O potencial de demanda para educação continuada também é grande, pois
cerca de 80% da PEA começam a trabalhar cedo, entre 15 e 16 anos de idade,
para obter renda própria e/ou reforçar o orçamento familiar e, desse modo, ter
como pagar os estudos e melhorar na ocupação, via conclusão do médio e superior,
além de muitos cursos profissionais.
z A instabilidade e rotatividade – voluntária ou compulsória – do mercado
mantêm as pessoas atentas a novas ou melhores alternativas de trabalho e renda,
sempre iniciando carreiras e negócios, em diferentes setores ou ocupações. Por
isso mesmo, é forte a busca de cursos e treinamentos profissionais.
z Há um vasto mercado paralelo de trabalhadores que têm de encontrar
saídas para se profissionalizar, pois são invisíveis para as políticas públicas e
empresariais de formação – 53% da PEA não têm cobertura previdenciária e 1/3
dos assalariados não tem registro em carteira, como será visto nos Capítulos 5 e
8 desta edição.
z As relações entre o formal e o informal, ao longo das cadeias produtivas,
impõem requisitos de produtividade e qualidade a cooperados, microprodutores,
autônomos, extrativistas e trabalhadores em domicílio, que precisam se qualificar
para prestar serviços a empresas formalmente estabelecidas.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 183


Previsivelmente, dada essa descrição, é muito difícil quantificar com precisão a
oferta de formação profissional no Brasil. Pode-se, no entanto, chegar a uma
aproximação razoável, baseada em estatísticas oficiais, bases de dados, referências
de estudos e pesquisas que envolvem algum tipo de levantamento primário da
oferta e demanda da formação no país (Tabela 30).
É, sem dúvida, um universo considerável. Se computado o nível superior
como alternativa de formação permanente – como de fato parece operar –, a
oferta de matrículas do não-sistema brasileiro ultrapassaria 39 milhões, com or-
çamento na casa dos US$ 26,3 bilhões (4% do PIB – de US$ 640 bilhões em
2005). É preciso notar que as estimativas aqui apresentadas foram baseadas nas
modalidades em que há alguma possibilidade de quantificação, embora se saiba

TABELA 30
Números Globais da Formação Profissional – Estimativas para 2004/2005

Gestão Número de Matrícula anual Orçamento anual


Grupos de agências/programas
estabelecimentos (em mil) US$ milhões

Ensino superior – universidades, faculdades, centros pública 224 1.178 10.000


tecnológicos privada 1.789 2.985 6.860

Sistema S privada 4.600 7.900 4.800

pública 800 295 336


Ensino técnico de nível médio
privada 2.200 412 464

a pública 16.000 6.570 1.350


EJA - Educação de jovens e adultos (alfabetização
e supletivos do fundamental e médio) privada 2.000 730 150

Escolas de/do governo – treinamento do


funcionalismo pública 300 600 90

Empresas privadas – treinamento de empregados privada 5.700 8.900 1.110

Ensino profissional livre privada 5.000 5.000 800

Sindicatos e associações profissionais privada 800 1.600 130

Terceiro setor privada 3.000 3.000 240

Total 42.413 39.170 26.330


Fontes: Estatísticas e bases de dados: FAT (2005); Dieese (2001); MEC (2000); MEC/Inep (2000, 2001-2005 e 2004); MTb/Sefor (1998);
MTE (2000a, b e c); MTE (2001 e 2006); Senai (2005a); Sesc (2003); Senar (2005); Sesc-SP (2003); Sescoop-SP (2005) (além das
páginas Web das várias entidades). Estudos e pesquisas (bases e parâmetros para estimativas): Banco Mundial (2003); Gife (1998); Leite
(2003a, b e c); MTE/FAT (2002a e b); Sabóia (2005); Senac (2004); Senai (2005b e c); Unesco/Unevoc (2004).
Nota: A quase totalidade dos dados de estabelecimentos e matrículas provém das fontes estatísticas e bases de dados indicados. Os
números de orçamentos são em maioria estimados a partir dessas fontes e dos estudos e pesquisas referenciados. Os valores em
dólares foram obtidos mediante conversão pelo câmbio comercial médio do ano para o qual se dispõe do dado. Para controlar duplas
contagens e superestimação, são adotadas premissas conservadoras, sobretudo em relação aos recursos (basta ver que somente o gasto
operacional do MEC, com a rede federal, chega a R$ 7 bilhões, em 2004 – ver Seção de Educação Superior).
a
A EJA está classificada na Educação Básica, porém, para efeitos desta análise, é mais conveniente tratar dela nesta seção.

184 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


da existência de muitas outras de porte significativo, para as quais não há como
fazer estimativas. Portanto, este é um número subestimado.
Em face da demanda potencial, essa oferta poderia representar alguma chance
de treinamento para 40% da PEA. Na prática, esse percentual é bem menor, não
devendo ultrapassar 20%, pois matrículas não equivalem a pessoas treinadas,
uma vez que o mesmo indivíduo pode – e, de fato, costuma – fazer vários cursos,
ou módulos do mesmo curso, e ser contado duas ou mais vezes por ano.
Se a oferta chegar a 20% da PEA, cada trabalhador brasileiro teria uma
chance de treinamento a cada cinco anos – intervalo muito longo diante do ritmo
de mudanças e inovações no mercado de trabalho e nas ocupações, conforme
detalhado adiante, no Capítulo 6 do livro. É pouco, muito, suficiente? Para res-
ponder, seria preciso buscar referências internacionais, mas as comparações são
complicadas, dadas as características da PEA, do mercado de trabalho e da própria
formação profissional no Brasil, como foi apontado inicialmente.
O Chile, em 1995, por exemplo, capacitava 8% de sua PEA e se propunha a
elevar esse índice a 20% até o ano 2000 [Sence (1995 e 1999)]. Essa meta, no
entanto, tomava por base um universo de apenas 6 milhões de trabalhadores (a
PEA chilena), a maioria com educação média (11 anos de estudo), atendida por
uma oferta quase exclusivamente privada de formação. A comparação é ainda
mais difícil em se tratando da União Européia (UE), pois lá a formação se dá em
sistemas e mercados formais, em bases negociadas, para uma PEA também de
alta escolaridade, com 12 ou mais anos de estudo.
Referências externas sem dúvida ajudam. Mas o fundamental é o país decidir
o que quer ser e o que precisa para chegar lá. Os casos de sucesso mostram que
formação profissional funciona melhor, com mais foco e eficácia, quando parte
de um bom alicerce de escolaridade básica. Depois que se sabe ler, escrever,
calcular e pensar, tudo o mais se aprende com rapidez e facilidade.

6.1.2 A Economia Política: Quem Comanda e Quem Paga a Conta

Ao contrário da linearidade do sistema acadêmico, polarizado em público e pri-


vado, praticamente sem pontes, o sistema de formação opera com abundância de
fórmulas de comando e financiamento.
É possível identificar, para fins analíticos, três combinações entre o público
e o privado, em matéria de gestão e financiamento da formação profissional no
Brasil (Tabela 31).

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 185


TABELA 31
Gestão e Financiamento da Formação no Brasil: o Público e o Privado (Estimativas)

Estabelecimentos Matrícula anual Orçamento


Modalidades/agências
(mil) (milhões) (US$ bilhões)

Perfil A – Incluindo ensino superior

1. Gestão e financiamento públicos (universidades,


faculdades e escolas técnicas federais, estaduais e
municipais; alfabetização e EJA; escolas de governo) 17,3 8,6 11,8

Participação no total 41% 22% 45%

2. Financiamento público e gestão privada – sem fins


lucrativos (Sistema S, sindicatos e associações
profissionais, terceiro setor) 8,4 12,5 5,2

Participação no total 20% 32% 20%

3. Gestão e financiamento privados – fins lucrativos


(universidades, faculdades e escolas técnicas, EJA,
ensino livre e treinamento nas empresas) 16,7 18,0 9,4

Participação no total 39% 46% 36%

Perfil B – Sem o ensino superior

1. Gestão e financiamento públicos 17,1 7,5 1,8

Participação no total 42% 21% 19%

2. Financiamento público e gestão privada – sem fins


lucrativos 8,4 12,5 5,2

Participação no total 21% 36% 55%

3. Gestão e financiamento privados – fins lucrativos 14,9 15,0 2,5

Participação no total 37% 43% 27%


Fontes: Estatísticas e bases de dados: FAT (2005); Dieese (2001); MEC (2000); MEC/Inep (2000, 2001-2005 e 2004); MTb/Sefor (1998);
MTE (2000 a, b e c); MTE (2001 e 2006); Senai (2005a); Sesc (2003); Senar (2005); Sesc-SP (2003); Sescoop-SP (2005) (além das
páginas Web das várias entidades). Estudos e pesquisas (bases e parâmetros para estimativas): Banco Mundial (2003); Gife (1998); Leite
(2003a, b e c); MTE/FAT (2002a e b); Sabóia (2005); Senac (2004); Senai (2005b e c); Unesco/Unevoc (2004).

Os números absolutos mudam bastante se for incluído o ensino superior.


Mas o perfil de gestão e controle pouco se altera: a formação tem comando
predominantemente privado – ainda que parte seja sem fins lucrativos –, enquanto
a maior parte da conta é paga pelo Estado, sendo assim, por toda a sociedade.
Esse tipo de arranjo entre público e privado é uma peculiaridade do Brasil,
mas o financiamento público da formação não é exceção no cenário internacional.
Sem investimento público elevado e continuado é difícil construir e manter uma
boa infra-estrutura física (escolas, oficinas, laboratórios, máquinas e equipamentos),
formar quadros (gestores, docentes, instrutores), desenvolver e inovar tecnologia

186 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


de ensino. Ademais, a maioria do público potencial para a formação vive com
orçamento apertado (média de três SMs no mercado formal, segundo a Pnad de
2004) e não poderia arcar com os custos de um ensino de qualidade.
Entre os muitos incentivos e subsídios para a formação no Brasil, ressalta-se
o regime de contribuições compulsórias sobre a folha de pagamento das empresas,
principal fonte de financiamento do Sistema S, sindicatos, entidades empresariais e
outros, analisados a seguir. Há modelos similares em vários outros países, mas o
nosso é o pioneiro na América Latina, existindo há mais de 60 anos. O Brasil se
diferencia de todos os outros países por manter o comando e a operação desse
regime em mãos privadas, com pouca ou nenhuma intervenção do governo e dos
trabalhadores.
Outras fontes importantes são os fundos sociais e as isenções fiscais, cana-
lizados para o terceiro setor. Muito importante também é o FAT, que mantém,
desde 1990, pelo menos três linhas de financiamento para a formação:
z Programas de treinamento de desempregados e outros grupos vulneráveis,
no âmbito do Sistema Público de Emprego (SPE) – objeto de discussão do Capítulo 7
desta edição.
z Empréstimos para expansão e modernização do setor produtivo, via orga-
nismos nacionais de fomento [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES), Finep, Banco do Brasil]. A maioria dos projetos contempla for-
mação e treinamento de gerentes, técnicos e trabalhadores, chegando inclusive aos
segmentos informais que integram as cadeias produtivas.
z Contrapartidas para empréstimos internacionais destinados a projetos de
modernização e expansão da educação profissional, sobretudo na área do ensino
técnico e tecnológico.
Apesar do elevado financiamento público, é significativa a contribuição do
setor privado – pessoas físicas e jurídicas – no financiamento da formação no
país, atingindo cerca de 36% do total (algo como US$ 9,4 bilhões), se incluído o
ensino superior.
Calcula-se que 2/3 dessa fatia correspondem a gastos diretos das empresas
privadas na formação e treinamento de seus empregados. O terço restante, que
deve passar dos US$ 3 bilhões anuais, sai diretamente do bolso familiar, para
pagar cursos técnicos, superiores e livres. É um esforço considerável, diante dos
reduzidos salários da maioria da população – a média do mercado formal, que paga
melhor, está na casa de três SMs. Um esforço que se explica pelo valor atribuído
à formação, em parte por pressões e apelos do mercado, em parte pela cultura da
profissionalização que predomina na sociedade. Seja para os próprios filhos, seja

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 187


para os dos outros, um curso profissional é uma espécie de seguro-desemprego,
garantia de futuro e eventual antídoto para problemas sociais [Leite (2003a)].

6.2 O Formal e o Paralelo

Para entender o perfil e funcionamento do não-sistema de educação profissional


no Brasil, podemos dividi-lo em dois blocos – o formal e o paralelo –, mesclando
diferentes tipos de agências, públicas ou privadas, e suas muitas linhas de educação
profissional, a saber:
z O lado formal, maior, mais visível e mais organizado do não-sistema abran-
geria o Sistema S – sobre o qual será discutido adiante –, o ensino técnico de
nível médio, a alfabetização e educação de jovens e adultos, bem como a formação
de funcionários civis e militares, além do ensino superior. Pode ser considerado
formal por várias razões: dispõe de sistemas de estatística e informação, está
sujeito a algum tipo de controle público (orçamentos, prestação de contas, registros),
mantém grandes redes escolares e assegura certificações reconhecidas pela legis-
lação educacional ou pelo mercado. Representaria, sem contar o ensino superior,
quase metade da oferta anual de matrículas e 3/4 dos recursos destinados à formação
profissional no país (Tabela 32).
z O lado paralelo, por sua vez, abrange as empresas privadas, a rede de
ensino livre, o terceiro setor e sindicatos/associações profissionais. Todos ofertam
cursos e treinamentos variados, sem certificação formal – com raras exceções –,
ainda que seus diplomas possam ser valorizados nos mercados em que operam.
Salvo o ensino livre, não são tipicamente oferecidos por agências de formação
profissional, mas atuam em grande escala nesse mercado. Garantem, em princípio,
mais da metade da oferta de matrículas do não-sistema e cerca de 1/4 do inves-
timento anual em formação.

6.2.1 O “Não-Sistema” Formal – Sistema S: a Vida depois dos 60


a) Composição
A expressão Sistema S, popularizada nos últimos dez anos, designa o conjunto
de serviços nacionais sociais e de aprendizagem que, até o presente, engloba nove
entidades: Senai, Sesi, Senac, Sesc, Senar, Senat, Sest, Sebrae e Sescoop. Mas esse
conjunto não opera de fato como sistema, nem mesmo no âmbito de cada serviço.
Seu estatuto legal é o mesmo que embasa o modelo sindical e trabalhista
[Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)] da era Vargas. Os mais antigos datam

188 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 32
O Não-Sistema de Formação Profissional do Brasil: o Formal e o Paralelo (Estimativas)

Estab. Matrículas Orçamento anual


Grupos de agências (públicas ou privadas)
(mil) (milhões) (US$ bilhões)

Não-sistemas formais

Sistema S 4,6 7,9 4,8

Ensino técnico de nível médio 3 0,7 0,8

Alfabetização e educação de jovens e adultos (EJA) 18 7,3 1,5

Escolas de governo (treinamento de funcionários) 0,3 0,6 0,1

Subtotal – sem ensino superior 25,9 16,5 7,2

-64% -47% -76%

Ensino superior 2 4,2 16,8

Subtotal com ensino superior 27,9 20,7 24

-66% -53% -91%

Não-sistemas paralelos

Empresas: EJA e treinamento de empregados 5,7 8,9 1,1

Ensino profissional livre (escolas privadas, mídia) 5 5 0,8

Terceiro setor (ONGs, fundações, associações) 3 3 0,2

Sindicatos e associações profissionais 0,8 1,6 0,1

Subtotal 14,5 18,5 2,3

-36% -53% -24%

Total (100%) 40,4 35 9,5

Total com ensino superior (100%) 42,4 39,2 26,3


Fontes: Estatísticas e bases de dados: FAT (2005); Dieese (2001); MEC (2000); MEC/Inep (2000, 2001-2005 e 2004); MTb/Sefor (1998);
MTE (2000a, b e c); MTE (2001 e 2006); Senai (2005a); Sesc (2003); Senar (2005); Sesc-SP (2003); Sescoop-SP (2005) (além das
páginas Web das várias entidades). Estudos e pesquisas (bases e parâmetros para estimativas): BM (2003); Gife (1998); Leite (2003a, b
e c); MTE/FAT (2002a e b); Sabóia (2005); Senac (2004); Senai (2005b e c); Unesco/Unevoc (2004).
Nota: As referências para cada grupo de agência/programa são detalhadas nas subseções a seguir, exceto no caso do ensino superior,
analisado em outra seção (para o superior foram consideradas as estatísticas do MEC para 2005, relativas a matrículas e
estabelecimentos; quanto ao orçamento, adotamos a média de US$ 8,5 mil/matrícula no setor público e US$ 2,3 mil no privado).

dos anos 1940 – Sesi/Senai (indústria) e Senac/Sesc (comércio e serviços, exceto


bancos e financeiras). Os demais são dos anos 1990, aproveitando aberturas da
Constituição de 1988. Estão subordinados a confederações (nacionais) e federações
(estaduais) de empresários da indústria, comércio, agricultura, transportes - exceto
o Sescoop, vinculado à Organização de Cooperativas do Brasil (OCB).
Os chamados Ss se organizam por setores, no geral aos pares: um cuida da
formação profissional (Senai, Senac, Senat); outro, de atividades socioculturais

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 189


(Sesi, Sesc, Sest). Mas a divisão não é rígida, pois os Ss sociais têm expandido sua
atuação na área de educação de jovens e adultos e treinamento profissional.
O Senar, o Sescoop e o Sebrae não separam a formação de outras linhas de
atendimento. Algumas confederações mantêm institutos de pesquisa e desenvolvi-
mento, que também oferecem formação profissional [Euvaldo Lodi e Roberto
Simonsen, para a indústria; Instituto de Desenvolvimento, Assistência Técnica e
Qualidade (Idaq), para o setor de transportes).
b) Perfil da formação
Embora, em sua origem, sejam serviços de aprendizagem, os Ss ofertam
principalmente treinamentos de curta duração (20 a 80 horas), que representam
cerca de 90% do total de matrículas no sistema. A matrícula na aprendizagem é
mínima (4% no Senai, o maior ofertante) e está em declínio desde a década de
1970. Apesar de mudanças recentes, seu estatuto legal é cada vez menos compa-
tível com o perfil do mercado e da população jovem, que antes, ao contrário,
buscava o curso para substituir ou completar a escolaridade básica.
Os Ss mais antigos, Senai e Senac, desde os anos 1970 oferecem formação
técnica de nível médio e, desde final dos anos 1990, aceleraram a escalada morro
acima, entrando no ramo do ensino superior (graduação e pós-graduação).
O ensino superior ainda é pequeno no sistema, mas está em expansão, em particular
no Senac e no Senai (Tabela 33).
c) Perfil da clientela
A clientela do sistema reflete o perfil da oferta e a própria composição da
força de trabalho setorial. No geral, apresenta três segmentos bem definidos, em
matéria de idade e situação profissional:
z Um pequeno grupo de adolescentes até 18 anos de idade, muitos ainda
cursando o ensino médio, concentrados na aprendizagem e cursos técnicos.
Uma grande massa de jovens entre 18 e 30 anos, desocupados, trabalha-
z
dores informais ou formais que querem melhorar profissionalmente. São
demandantes da formação por iniciativa e à custa próprias.
zOutro igualmente amplo contingente de trabalhadores entre 20 e 40 anos,
vinculados a empresas e entidades que patrocinam seu treinamento nas escolas
ou locais de trabalho.
A participação feminina depende do perfil setorial: no Senac, 60% do alunado
são mulheres; no Senai, a participação feminina está na casa dos 30%, podendo
ser muito maior em áreas como vestuário e moda.

190 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 33
Perfil do Sistema S – 2002-2004

Variáveis Senai Sesi Senac Sesc Senar Senat/Sest Sebrae Sescoop


a a b
Criação 1942 1946 1946 1946 1991 1993 1990 1999

Setores que Indústria de idem Comércio Idem Agropec., Transporte Todos que Cooperativa
atendem transformação, Senai (varejo e Senac agroind. rodoviário contrib. (todas,
da construção atacado) e (empresas de cargas e p/ Senai e exceto de
e extrativa serv. (exc. e pessoas passageiros Senac crédito)
mineral, serv. financeiros) físicas)
util. pública
c
Receita total 730 1.100 550 820 135 180 1.300 5

US$ milhões

Compulsório/
receita total (%) 75 80 70 80 90 90 85 85
d
Unidades 744 2.285 533 300 28 80 600 28

- Fixas 428 n.d. 474 n.d. - n.d. - -

- Móveis 316 n.d. 59 n.d. - n.d. - -


e
Matrículas 2.004,50 1.559,20 1.800 1.500 555,1 350,1 - 168,6

- Aprendizagem 73,6 - n.d. - - - - -

- Treinamento 1.858,00 745,2 n.d. n.d. 518,1 346,2 168,6

- EJA 16,7 814 n.d. n.d. 37 3,9 - -

- Técnico/sup. 56,2 - n.d. - - - - -


Fontes: MTb/Sefor (1998); Senai (2005a); Sesc (2003); Senar (2005); Sesc-SP (2003); Sescoop-SP (2005); páginas da web das entidades
(consultas entre 9/12/05 e 4/3/06) e consultas via correio eletrônico aos respectivos Departamentos Nacionais, em fev./2006 (com
retorno parcial do Sescoop e Sest/Senat).
a
Antecedentes: nos anos 1970, houve um Senar estatal – no Ministério do Trabalho; entre 1972 e 1990, o Centro Brasileiro de Apoio à
Pequena Empresa (Cebrae), ligado ao Ministério do Planejamento e ao BNDES.
b
O Sescoop foi criado pela Medida Provisória (MP) 1.175, de 3/9/98, que também criou o Programa de Revitalização de Cooperativas
do Brasil (Recoop). A MP foi reeditada em 2001 (2.168-40). O Decreto 3.017/99 foi recém-alterado pelo Decreto 5.315, de 17/12/04.
c
Receita: dados do Senai, Senac, Senar e Senat provêm dos orçamentos reformulados de 1997 [MTb/Sefor (1998)], convertidos em
dólares ao câmbio médio do ano (US$ 1 = R$ 1,10), último dado oficial disponível para o sistema. Os valores são coerentes com outros
estudos sobre as receitas do sistema (SRF, 2000). Para o Sesi e o Sesc, estima-se valor 50% maior do que os do Senai e do Senac, em
vista das respectivas alíquotas. Só o Sebrae divulga dados da receita (R$ 1,3 bilhão em 2005). Para o Sescoop, calcula-se que o
orçamento nacional represente pelo menos o dobro do de São Paulo, para o qual há dados de receita para 2004 (R$ 6 milhões).
d
Unidades: Senai, Sesi, Senac e Sescoop têm estatísticas para 2004. Para os demais, os números são estimados. O Sesc registra 30
unidades em São Paulo e 205 bibliotecas no país. O Senar opera por meio das respectivas federações estaduais (27) e realiza os
programas sobretudo em campo e/ou na sede de sindicatos rurais, de produtores e trabalhadores. O Senat/Sest atua em grande parte
por meio de postos móveis instalados nas principais rodovias do país. O Sebrae tem 600 balcões de atendimento, mas opera por meio
da rede Senai/Senac e outros parceiros em seus projetos.
e
Matrículas: também há estatísticas para esse item para Senai, Sesi, Senac, Senar, Sest/Senat e Sescoop, relativas a 2004. Não foram
incluídos: no Senai, 153 mil atendimentos e 1,4 milhão de horas em assessorias; no Sesi, 650 mil matrículas em educação básica. Para
os demais, os números são estimados. Para o Sesc, considera-se oferta próxima à do Sesi – embora o Relatório de 2002 indique 2,2
milhões de matrículas e 14 milhões de atendimentos na EJA e treinamentos. Para evitar dupla contagem, foi assumido que as
matrículas do Sebrae se distribuem entre os demais Ss e outras agências de educação profissional [escolas técnicas, universidades e
organizações não-governamentais (ONGs)], seus parceiros na maioria dos projetos.
n.d. = não-disponível.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 191


O perfil socioeconômico do público do sistema está concentrado nas classes
C/D. No Senac, por exemplo, 54% têm renda familiar até 6 salários mínimos (SM)
e 74% se originam de escolas públicas [Senac (2004)]. O padrão varia, naturalmente,
segundo o nível dos cursos, encontrando-se um perfil mais elevado nos cursos
técnicos e superiores, típico de quem conseguiu completar o ensino médio e
continuar estudando. Mas há também clientelas em situação mais precária, aten-
didas principalmente pelo Senar e por linhas de atendimento comunitário das
diversas entidades.
d) Financiamento: o peso do tributo compulsório
Os Ss contam, principalmente, com o tributo compulsório pago pelas em-
presas privadas que representa, na média, 85% do orçamento anual do sistema
(Tabela 33). O compulsório totaliza, no geral, 2,5% sobre a folha de pagamento
do setor atendido pelo Ss (1% para a formação profissional e 1,5% para a parte
social), mas há exceções (Quadro 11).
e) Fontes alternativas de receita
Apesar do volume e da continuidade, o compulsório tem sofrido perdas e
oscilações na última década, em função do encolhimento de sua base (a folha de
pagamentos), da informalidade, do achatamento salarial e do tímido crescimento
econômico. Medidas como a Lei Federal 9.601/98, que criou o contrato de trabalho
por tempo determinado, com redução do compulsório e outros encargos sociais,
também têm afetado a receita do sistema.
QUADRO 11

Recolhimento do Tributo Compulsório


O Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) recolhe, centraliza e repassa os fundos aos Ss,
retendo 3,5% para despesas de administração. No caso do Sest/Senat, o tributo incide também
nas contribuições previdenciárias de autônomos (motoristas) e, no Senar, sobre as vendas, pois
a folha de pagamentos do setor rural é reduzida. A alíquota do Sebrae é menor (0,3% sobre a
folha), mas incide sobre indústria e comércio. O Senai conta com um adicional de 0,5% pago
pelas empresas de mais de 500 empregados e recolhido diretamente ao seu Departamento
Nacional, para financiar P&D.
Vale observar que há tributos compulsórios para formação em outros setores, além dos que
são cobertos pelo Sistema S [SRF (2000)], a saber: para o Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra), destinados à formação no setor rural (Lei 2.613, de 23/09/55); para a
Diretoria de Portos e Costas (DPC), para o setor marítimo e portuário – Lei 5.461, de 25/06/68);
para o Fundo Aeroviário, em benefício da aviação civil (Decreto-Lei 1.305, de 08/01/74); e o
seguro obrigatório para acidentes de trabalho, gerido pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo
de Medicina e Segurança do Trabalho (Fundacentro/MTE). As alíquotas são de 2,5% sobre folha
de pagamentos; o seguro para acidentes varia de 1% a 3%, dependendo do grau de risco da
atividade.

192 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Para compensar a perda, os Ss têm intensificado iniciativas para reforçar o
caixa, tais como:
zCobrança de serviços de consultoria, trabalhos de laboratório e de oficina,
além de taxas e mensalidades de cursos – exceto os de aprendizagem, obrigato-
riamente gratuitos.
zExpansão de parcerias com o setor público, em projetos financiados pelo
FAT, BNDES e agências internacionais.
z Arranjos informais com empresas, sindicatos, prefeituras e comunidades.
Tais arranjos têm sido importantes para atender a demandas locais, inclusive de
setores não contribuintes ao sistema, permitindo levar qualificação a trabalhadores
informais que estão na ponta das cadeias produtivas.
No entanto, a soma dessas receitas, junto com ganhos de capital (rendimentos
financeiros), representa em média apenas 15% do orçamento total dos Ss, che-
gando no máximo a 30% no Senac, que tem uma prática e uma política mais
consolidada de venda de produtos e serviços, tendência que parece se definir
também no Senai.
f ) Perspectivas: a vida depois dos 60
O Sistema S brasileiro é o maior e mais consolidado agente privado de formação
profissional na América Latina, tendo inspirado e orientado a criação de similares na
maioria dos países da região. Mas nenhum persiste com o perfil, escala e dinamismo
dos Ss brasileiros [Cinterfor/OIT (2002a e b)]. Comparado aos vizinhos, nosso Sistema
S cresceu, modernizou-se e inovou, reforçando sua posição no mercado nacional da
formação e seu perfil exportador de tecnologia e produtos educacionais para países
menos desenvolvidos da América Latina e da África.
Não obstante, mesmo após mais de 60 anos de reconhecida atuação, de
tempos em tempos o sistema fica na berlinda política, em particular por causa do
seu modelo de gestão (privada) e financiamento (público). Os críticos ressaltam
certa falta de transparência, sobretudo dos dados financeiros, e a ausência de
participação dos principais atores sociais na sua gestão: governo, trabalhadores e
os próprios empresários, apenas parcialmente representados por suas federações.
O tributo compulsório é outro ponto frágil, em face das tendências de
liberalização econômica e flexibilização de encargos sociais. Mas os Ss resistem,
contando, além da imagem positiva e do apoio de parte da opinião pública, com
lobbies bem articulados no Congresso, tanto de empresários – que querem baixar
custos, mas não abrem mão do compulsório, que garante suas federações e con-
federações –, como de sindicalistas – muitos ex-alunos, que valorizam o sistema,
ainda que critiquem seu modelo de gestão.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 193


Há medidas recentes que preocupam o sistema, mas, de fato, trazem alguma
brisa de competição nesse mercado. Além da redução de encargos nos contratos
de trabalho por tempo determinado, abriu-se a possibilidade de ONGs e entidades
privadas ofertarem cursos de aprendizagem (Lei 10.097/2000), que é a razão de
ser original dos serviços e a base do respectivo compulsório, nos termos da CLT.
Esses e outros temas estão na pauta do Legislativo e de dois fóruns criados
pelo atual governo: o do Trabalho, que discute a legislação trabalhista (CLT), e o
do Sistema S, ambos reunindo empresários, trabalhadores e governo. Não há
conclusões nascendo desses fóruns, mas seus debates refletem o desafio de mudar
o sistema sem comprometer suas vantagens de relativa flexibilidade, agilidade,
estabilidade e qualidade, em princípio garantidas pela sua fórmula peculiar de
gestão e financiamento.

6.2.2 O Ensino Técnico de Nível Médio: Devagar, mas Chegando


aos 100 Anos

a) Perfil da oferta
A oferta total do ensino técnico não chega a 1 milhão de matrículas, mesmo
tendo crescido 20% entre 2003 e 2005. Cresceu mais no segmento privado, que
inclui o Sistema S, cuja participação no total de matrículas passou de 55% para
58% no período (Tabela 34).
Apesar do peso do setor privado, a face mais conhecida e consolidada desse
grupo é a rede de escolas técnicas federais, com 138 estabelecimentos e perto de
80 mil alunos em todo o país, só no nível técnico. A maior fatia da oferta pública,
no entanto, está na rede de escolas técnicas estaduais, com 553 estabelecimentos
e 165 mil alunos, com destaque para as 150 escolas técnicas e centros tecnológicos
da Fundação Paula Souza, em São Paulo, ligada à Universidade Estadual Paulista.

TABELA 34
Brasil: Números do Ensino Técnico de Nível Médio – 2003-2005

Variáveis 2003 2005 2005-2003 (%)

Estabelecimentos (mil) 2,8 3 7

Matrícula (mil) 589 707,3 20

Participação da oferta do setor privado (%) 55 58


a
Orçamento anual (US$ milhões) 706,8 848,8
Fonte: MEC/Inep - Censo Escolar de 2003 e de 2005.
a
Estimativa, considerando um gasto médio de US$ 1,2 mil/matrícula = 600 horas anuais x US$ 2/hora.

194 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Públicos ou privados, 2/3 do ensino técnico estão no Sudeste – 40% em São
Paulo –, resultado da própria concentração demográfica e econômica na região.
Há centenas de títulos de cursos, que são agregados, para fins estatísticos,
em 20 áreas ocupacionais. Destas, apenas cinco concentram 80% da oferta de
matrículas: saúde (cursos de enfermagem, protético), gestão, indústria (metal-
mecânica), informática (processamento, programação, manutenção) e agropecuária.
Se somadas às áreas de turismo e hotelaria, química, construção civil e telecomu-
nicações, tem-se 90% ou mais da oferta.
É notável o crescimento da área da saúde, que representava 11% da matrícula
em 1999, passando a 33% em 2004. A mudança decorre de novas exigências
legais para o exercício da profissão de auxiliar de enfermagem, que aumentou a
demanda por esses cursos e gerou intervenções em grande escala do poder público,
como o Programa de Formação de Auxiliares de Enfermagem (Profae). O Profae foi
implementado pelo MS,
com investimento previsto
b) Perfil da clientela
de cerca de US$ 370
milhões [50% do Banco
O crescimento da área da saúde mudou também o perfil da clientela. A matrícula
Interamericano de
feminina passou de 40% para 49% entre 1999 e 2003, superando os 70% na Desenvolvimento (BID),
própria saúde e em áreas como gestão, turismo e hotelaria. O avanço feminino no 25% do MS e 25% do
FAT] para 2000-2004. Sua
técnico, muito acima de sua participação na PEA (44%), explica-se também pela meta é formar 225 mil
escolaridade mais alta das mulheres – a PEA feminina tem oito anos de estudo, auxiliares e 90 mil
técnicos de enfermagem,
em média –, o que as habilita melhor para tais cursos. a maioria em risco de perda
do emprego por falta de
Outra característica da clientela é seu perfil relativamente maduro. Dado o escolaridade (média) e
atraso na escola básica e a inserção precoce no mercado de trabalho, 62% dos formação técnica exigidas
em lei (Formação, 2001;
alunos e quase 80% dos concluintes do ensino técnico têm mais de 20 anos de Portal Capes, acessado
idade. Um terço dos matriculados e 42% dos concluintes têm mais de 25 anos. em 1/3/06).

São indícios de que cursos técnicos funcionam menos como formação inicial –
para entrada no mercado – e mais como alternativa de educação continuada, o
que condiz também com os 80% da matrícula em cursos noturnos.
c) Tendências: 100 anos de indecisão?
O ensino técnico está perto dos 100 anos, considerando que a rede federal
começou a ser implementada em 1909, quando foram criadas 19 escolas de apren-
dizes e artífices, uma em cada estado, pelo Governo Nilo Peçanha – quase cen-
tenário, mas ainda sem foco definido. Na teoria, seria uma alternativa de formação
para o trabalho. Na prática, é um passaporte para a universidade. A confusão
aumentou nos anos 1970, quando o governo decretou (LDB 5.692/72) a
profissionalização obrigatória para todos os alunos do ensino médio (segundo
grau, à época).

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 195


A medida visava, em tese, atender a uma presumida escassez de técnicos no
mercado e conter a pressão sobre o ensino superior. Não adiantou. Não segurou a
busca pela universidade, minou a qualidade do ensino médio e gerou uma explosão
de cursos técnicos artificiais, baratos e sem compromisso com o mercado. O ensino
médio piorou porque perdeu seu foco – nem propedêutico, nem profissionalizante.
E as boas escolas técnicas tornaram-se redutos de educação de melhor qualidade
e, por isso mesmo, passaram a atrair a classe média, mais interessada em passar
no vestibular do que no diploma técnico.
A obrigatoriedade da profissionalização caiu em 1984, mas o perfil do ensino
médio/técnico só começou a mudar com a LDB/96, que estabeleceu a separação entre
educação profissional técnica e a escola média. Em 2004, porém, foi restabelecida a
possibilidade da integração entre ensino médio e técnico – mais um sinal da con-
fusão e contínua busca de rumos para esse curso. Desde a promulgação da LDB/96,
o curso técnico tem sido alvo de projetos de incentivo e modernização, com
prioridade ora para o setor semiprivado e comunitário, ora para o setor público.
d) Perspectivas: precisa-se de técnicos?
A matrícula nos cursos técnicos representa menos de 10% do total de alunos do
ensino médio regular (9,2 milhões em 2005, de acordo com dados do MEC/Inep)
e não chega a 1% da PEA com oito anos de estudo ou mais (46 milhões de
trabalhadores), que seriam candidatos potenciais aos cursos técnicos.
É curioso notar o contraste com a tradição européia. Afora os países que
adotam o sistema dual (Suíça, Áustria e Alemanha), todos têm uma fração muito
importante da coorte estudando em cursos técnicos. Matriculam minimamente
30% da coorte, mas esse número pode ser bem maior. Na Rússia, somente 1/3 ia
para o secundário acadêmico. Em contraste, o Brasil está travado abaixo de 10%.
Diante do potencial indicado, seria possível esperar uma explosão da demanda
– e da oferta – para esses cursos? É difícil fazer previsões, pois o curso técnico de
nível médio tem demandas muito diversas, tanto em matéria de público como de
conteúdo, conforme resumido a seguir.
zOs centros de excelência, sobretudo os federais e os do Sistema S, continuam
a ser procurados por jovens com duplo objetivo: obter formação de melhor qua-
lidade, capaz de melhorar suas chances de passar no funil de acesso à universidade
pública, e garantir um emprego que permita bancar estudos superiores, mesmo
quando a faculdade é gratuita.
z Empresas modernas demandam técnicos para suprir postos de supervisão
e chefia antes ocupados por pessoas de nível fundamental, inclusive por exigências
de programas de certificação de qualidade.

196 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


z A legislação, por seu turno, vem impondo – justificadamente, na maioria
dos casos – nível técnico para grandes categorias que antes mal chegavam ao
antigo primário e aprendiam na prática – ou em cursos livres, na melhor das
hipóteses, como é o caso de auxiliares de enfermagem e educadores infantis, de
creches e pré-escola.
Esse perfil de demanda reforça a condição transitória e indefinida do curso
técnico na vida profissional de jovens e adultos. Sua procura parece estar condi-
cionada à falta de qualidade no ensino médio e à baixa escolaridade da PEA. Por
ora, enquanto a maioria mal termina o fundamental, é mais fácil fazer o supletivo
e saltar para o nível técnico. A meta, no entanto, continua sendo o superior,
sobretudo nas modalidades mais curtas, que valem mais no mercado de trabalho
e têm status social mais alto do que o técnico.

6.2.3 Jovens e Adultos: Há Vida e Trabalho depois dos 30

a) Vale a pena educar adultos de baixa escolaridade?


Os especialistas divergem, as empresas agem. As maiores, modernas e com-
petitivas – e até boa parte das menores e que seriam consideradas tradicionais –
parecem determinadas a educar seus empregados adultos. Seja por exigências
técnicas e de segurança no trabalho, seja para credenciar-se a processos de certificação
de qualidade, não é mais possível operar com analfabetos absolutos ou funcionais.
Alfabetizar é o passo inicial, mas a meta é pelo menos o nível médio.
Trabalhadores formais e informais também estão na luta pelo diploma de
nível médio, requisito praticamente universal para entrar ou ficar no mercado
formal e para prestar qualquer concurso público. Essa dupla demanda – empresas
e indivíduos – explica a forte expansão da EJA, cuja matrícula cresceu 21% no
período 2001-2005, três vezes mais do que o curso médio regular (Tabela 35).
O crescimento da EJA vem se dando principalmente no nível fundamental, o
que é consistente com o fato de quase metade da PEA ter menos de oito anos de
estudo. Para essa clientela, de jovens e adultos ocupados ou em busca de trabalho,
a EJA é não apenas o caminho mais rápido, mas também mais atrativo do que o
ensino médio regular, em virtude de ambientes, horários e, em alguns casos, de
metodologias mais ajustadas ao seu perfil, como o Telecurso 2000, o Tecendo o
Saber e a Escola da Juventude.
De todo modo, a oferta atual de EJA (na casa de 5,6 milhões de matrículas)
ainda é pequena, em vista de seu mercado potencial de 45 milhões de jovens e
adultos que estão na PEA (ocupados ou não) e não completaram a escola funda-
mental.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 197


TABELA 35
Brasil: Números da Educação de Jovens e Adultos – 2001-2005

Variáveis 2001 2002 2004 2005 2005/2001 (%)

Matrícula no curso médio regular (milhões) 8,4 8,7 9,2 9 7

Matrícula EJA total - fundamental + médio - presencial (milhões) 3,8 3,8 4,6 4,6 21

Matrícula EJA nível médio – presencial (milhões) 1,1 1 1,2 1,2 9

Matrícula EJA semipresencial - fundamental + médio (milhões) 1,1 1

Matrícula EJA total geral (milhões) 5,7 5,6


a
Estabelecimentos (mil) 18 18

Participação do setor público na matrícula (%) 95 95


b
Orçamento anual (R$ bilhões) 1,7 1,7
Fonte: MEC/Inep - Censo Escolar de 2001 a 2005 (consulta na internet).
a
Abrange toda a rede de educação básica do país, pública e privada.
b
Estimativa, considerando um gasto médio anual de R$ 300 (matrícula = 300 h/ano). Os valores equivaleriam a US$ 680 milhões em
2004 e US$ 700 milhões em 2005 (tomando-se por base as médias de R$ 2,50 e R$ 2,20 por dólar, respectivamente).

b) O analfabetismo vai acabar?


Estima-se que, entre 2003 e 2004, quase 8 milhões de jovens e adultos foram
– teoricamente – alfabetizados (Tabela 36), o que teria sido suficiente para cobrir
perto de 90% da PEA com menos de um ano de estudo. Nesse ritmo, o analfabe-
tismo absoluto (total incapacidade de ler e escrever) poderia ser erradicado em
pouco tempo.
A questão, no entanto, é mais complexa, pois há dúvida sobre a eficácia da
alfabetização de adultos em programas curtos, sem continuidade no supletivo ou
em cursos profissionais. Além disso, persiste o problema do analfabetismo funcional.
De qualquer maneira, tendo em vista o acesso praticamente universal às
coortes mais jovens e o crescimento do número médio de anos de estudo dessas
TABELA 36
Números da Alfabetização de Jovens e Adultos – 2002-2004
Matrícula Investimento Principal programa Entidades gestoras/executoras
Ano
(milhão) (R$ milhões)
a b
2002 1,1 113,3 Alfabetização Solidária MEC, prefeituras e comunidade solidária (ONGs)
2003 1,9 175 Brasil Alfabetizado MEC, secretarias mun. e estad. de educação
a
2003 3,2 320 Vários ONGs, empresas, comunidades
a
2004 1,7 168 Brasil Alfabetizado MEC, secretarias de educ., universidades
Total 7,9 776,3
Fonte: MEC/Portal Secad (21/2/06).
a
Estimativa (considerando o valor médio de R$ 100/matrícula, calculado a partir do Brasil Alfabetizado em 2003 e 2004). Os dados de
2004 são previsões do MEC.
b
O Programa registra 4,9 milhões de formados entre janeiro de 1997 e dezembro de 2004 ( www.alfabetizacao.org.br, 1/3/06).

198 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


coortes, são razoáveis previsões otimistas em relação à erradicação do analfabe-
tismo no Brasil, em prazo bastante reduzido.

6.2.4 O Funcionalismo Vai à Escola

A formação profissional dos funcionários públicos não dispõe de estatísticas,


apesar de ser financiada e gerida pelo poder público (federal e estadual).
As academias que formam policiais e militares são a sua face mais antiga e
reconhecida. Mas, desde os anos 1990, surgem ou crescem várias escolas de governo
[Quadro 12, para treinamento de quadros civis, visando a atender demandas de
modernização dos serviços públicos e de políticas sociais (saúde, direitos humanos,
combate à pobreza)].
QUADRO 12
Escolas de Governo e do Governo: Treinamento do Funcionalismo Civil e Militar

Escolas/fundações federais: Escola Nacional de Administração Pública (Enap); Escola Superior


de Administração Fazendária (Esaf); Fundacentro; Banco do Brasil
Rede de agências e Fundações estaduais de administração pública: Fundação João Pinheiro/MG; Fundação do
escolas Desenvolvimento Administrativo (Fundap/SP) etc.
Escolas de governos municipais: por exemplo, em Campinas, Santo André e Porto Alegre
Academias militares (Marinha, Exército, Aeronáutica) e de polícia civil/militar (estaduais)

Fundos públicos (FAT, BNDES) + empréstimos internacionais (BID) + orçamentos públicos –


Financiamento
federal, estadual, municipal

Enap – 1996-2001: treinamento de 800 mil funcionários públicos entre 1996 e 2001 –
recursos do FAT e dos estados
Academias estaduais de polícia (PE, PR, RJ e MG): treinamento de 26 mil policiais em 2000,
com recursos do FAT, para melhorar o atendimento aos cidadãos
Ministérios e secretarias estaduais da área social e da saúde: formação de agentes de saúde
(programas Saúde da Família), cuidadores de idosos, educadores infantis
Exemplos de
Fundap/SP: oferta, em 2004-2005, de cursos para cerca de 40 mil funcionários do governo
programas recentes
paulista, nas áreas de informática, atendimento ao cidadão e gestão (estes para quase 7 mil
executivos públicos), com investimento estimado em R$ 17 milhões do governo paulista.
A meta para 2006 chega a quase 50 mil matrículas, nessas e outras áreas de cursos.
Secretaria de Educação/SP: estruturação da Rede do Saber, formada por 2 mil computadores,
100 salas de videoconferência e 100 laboratórios, instalados em 89 municípios do estado,
para garantir a educação permanente de seu quadro de mais de 180 mil docentes

Estabelecimentos = 300 (cerca de dez por estado, além das unidades federais)
Matrículas = 560 mil matrículas/ano (em torno de 10% do funcionalismo civil e militar, num
Números estimados
total de 5,6 milhões)
Investimento = US$ 90 milhões/ano (40 horas por matrícula, a US$ 4/hora)
Fontes (dados e bases para estimativas): MTE/FAT (2002); Pnad (2004); Conselho Executivo da Norma-Padrão (Cenp/SP) (consulta ao
site em 14/3/06); Casa Civil (consulta, via e-mail, em 21/03/06).

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 199


Expande-se, também, a oferta de cursos de informática, línguas estrangeiras,
liderança, atendimento ao público, além da própria EJA, uma vez que grande
parte do funcionalismo (pessoal mais antigo) tem baixa escolaridade.
A partir da LDB/96, que fixou exigências de escolaridade para o professorado,
tem crescido também o investimento em graduação e pós-graduação. Nessa linha,
é destacável a ação massiva dos estados, em especial os do Sul e Sudeste, na
formação do professorado de educação básica, mediante cursos de graduação,
exigidos pela legislação educacional, e pós-graduação, aproveitando em larga
escala o ensino livre à distância (EAD) (Quadro 12).

6.3 Não-Sistemas Paralelos

6.3.1 Uma Escola em cada Empresa


a) O Mundo de Treinamento nas Empresas
Pouco se sabe sobre os cursos e treinamentos realizados nas e pelas empresas.
Juntando dados e fatos, chega-se a 9 milhões de matrículas (Tabela 37). São
números subestimados, porque as empresas costumam treinar multiplicadores
para repassarem os conteúdos aos demais empregados em um regime ainda mais
informal e invisível.

TABELA 37
Estimativa da Formação nas Empresas Privadas – 1999-2000

Provedores Estab. Matr. Orçamento Bases para estimativas


(mil) (mil) anual
(US$ milhões)

Unidades na/da empresa (em 4,2 5 800 Estabelecimentos = 80% das empresas com + de
parceria c/ Sistema S e outras 500 empregados (5,2 mil)
agências) Matrículas = 50% dos empregados (10 milhões)
Orçamento = 40 h/matr. x US$ 4/h

Fornecedores de materiais, 1,5 2,6 210 Estabelecimentos = 80% das empresas c/ + de


equipamentos, sistemas mil empregados (1,9 mil)
Matrículas = pessoal c/ formação
técnica/superior = 10% do setor formal
(26,2 milhões)
Orçamento: 20 h/matr. X US$ 4/h

Consultores (autônomos, --- 1,3 100 Matrículas = gerentes/técnicos = 5% do mercado


microempresas) formal (cf. Rais-2000)
Orçamento: 20 h/matr. X US $4/h

Total 5,7 8,9 1.110


Fontes de dados e referências para estimativas: Rais (2000 e 2004); MTE/FAT (2002); Banco Mundial (2003); Leite (2003c);
Senai (2005b).

200 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Os recursos provêm de orçamentos dos setores de pessoal e P&D, empréstimos
para inovação e modernização (BNDES, Finep), incentivos públicos para implan-
tação de novas empresas e descontos na contribuição ao Sistema S, mediante
acordos de cooperação/isenção.
As empresas, cada vez mais, computam esses investimentos em seus balanços
sociais, que valorizam a responsabilidade social e a boa cidadania corporativa do
setor privado [Exame (2005)]. São, no geral, programas com foco preciso e apli-
cação imediata – não raro on the job –, contando também pontos para a estabi-
lidade, fundamental em tempos de crise, e eventuais promoções.
b) A “Pedagogia da Fábrica”
Para o pessoal de produção e apoio, que representa a grande massa dos empregados,
as empresas patrocinam principalmente dois tipos de programas. Um deles
corresponde aos cursos de alfabetização e supletivos, que utilizam em larga escala
o Telecurso 2000 e similares, como o Tecendo o Saber, por exemplo. Outra moda-
lidade são os treinamentos de curta e média duração (formação continuada), que
têm pelo menos quatro focos principais, em matéria de desenvolvimento, reforço
e/ou atualização de:
z habilidades básicas/gerais (leitura, escrita, matemática);
z habilidades técnicas (operação de máquinas, equipamentos, sistemas; novos
processos e materiais; controle de qualidade);
z atitudes e comportamentos (liderança, iniciativa, motivação e relaciona-
mento interpessoal); e
z procedimentos de saúde e segurança no trabalho (prevenção de acidentes,
doenças sexualmente transmissíveis (DST), Aids, alcoolismo e drogas).
Técnicos e executivos recebem, sobretudo, cursos nas áreas comportamentais
(liderança, iniciativa) e de gestão (técnica e financeira). Grandes corporações
começam também a patrocinar o ensino superior e pós-graduação, por meio de
universidades corporativas ou contratação de turmas fechadas com institutos,
fundações especializadas e centros de excelência, públicos e privados.

6.3.2 Ensino Livre: Cursos em todas as Casas

O ensino livre existe desde há muito – há escolas que passam dos 60 anos –, mas é
quase desconhecido, ainda que as entidades tenham registro formal [Cadastro Na-
cional de Pessoa Jurídica (CNPJ)]. Nos anos 1980, Paro (1981) chegou a identificar

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 201


mais de mil escolas livres no município de São Paulo, com base em registros do
Núcleo de Ensino Profissional Livre, da Secretaria de Educação. Em 1998-1999,
cadastros nacionais chegaram a identificar cerca de 5 mil dessas entidades em
todo o país, representando cerca de 1/3 do total de entidades cadastradas (Tabela 38).

TABELA 38
Estimativa da Oferta de Cursos Livres – 1999-2000

Total de Entidades de ensino Cursos Matrícula Orçamento


a b c
entidades livre, privado (títulos) anual anual
Fontes
cadastradas
(b) b/a
(a)

Cadastro FAT [MTE (2000a)]


Pesquisa – visitas, telefonemas, listas US$ 800
telefônicas, nas 27 UFs (1998/1999) 17,5 mil 5 mil 29% - 5 milhões milhões

Cadastro MEC (2000)


Convocatória e registro via Web
(base 1º semestre de 1999) 3,9 mil 1,2 mil 0,31 12,7 mil 962 mil -
a
Incluindo oferta de cursos técnicos (nível médio) e tecnológicos (superior).
b
No Cadastro FAT as entidades se autoclassificaram; no do MEC, contamos como “livres” as entidades privadas que ofertam educação
profissional continuada (formação básica, ver LDB/96), excluído o Sistema S.
c
Considerando média de 80/h por matrícula, a US$ 2/h.

a) Perfil da oferta
Os cursos livres são, na sua quase totalidade, de curta duração (até 80 horas) e
sem regulamentação curricular – na LDB/96 eram identificados como formação
básica; na terminologia atual, são chamados de educação continuada. Podem ser
ofertados na rede pública (escolas técnicas, tecnológicas, universidades) e no
Sistema S, mas a maior parte da oferta está nas chamadas escolas livres, operando
com gestão e financiamento privados.
Nessa categoria, encontramos quase 13 mil títulos de cursos livres privados,
enquadrados em 47 áreas ocupacionais [MEC (2000)]. Mas apenas quatro con-
centram mais da metade da oferta de matrículas e conclusões: informática, adminis-
tração, idiomas estrangeiros e metal-mecânica. Sua clientela é predominantemente
adulta (70% com mais de 20 anos e 53% acima dos 25 anos de idade), indicando
que os cursos livres também funcionam como educação ao longo da vida.
Idiomas e informática parecem estar em expansão, inclusive pelas franquias
de escolas e cursos, que contam com linhas de financiamento, para micro e pe-
quenos negócios, junto à rede bancária pública e privada. Os cursos de inglês
ainda dominam, mas o espanhol já se destaca, e outros mais exóticos (chinês,

202 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


russo, finlandês e sueco) começam a aparecer. Outra novidade é a explosão de
cursinhos preparatórios para concursos públicos e exames de ordens profissionais.
b) O Sucesso dos Pioneiros da EAD
Merecem destaque os institutos Monitor e o Universal Brasileiro, mais antigos do
que o Sistema S, pioneiros no EAD, inicialmente pelo correio e, cada vez mais,
pela internet. Sua oferta inclui também, em menor escala, a EJA e cursos técnicos
de nível médio.
Seu marketing visa, sobretudo, às classes C/D, servindo-se de revistas, pro-
gramas e apresentadores populares de TV, bem como de folhetos em agências dos
Correios. Estão ativos há mais de 60 anos, renovando métodos e técnicas e con-
tando apenas com as mensalidades pagas pelos alunos. É claramente um caso de
sucesso, pouco conhecido, mas reconhecido por especialistas do ramo.
c ) Uma escola em cada casa?
Paralelo ao paralelo, mais livre que cursos livres, há incontáveis opções de apren-
dizado chegando diariamente a milhares de domicílios, por meio da televisão, da
mídia impressa e da internet.
Televisão - Paga ou aberta, comercial ou educativa, a TV contém uma variada
oferta educativa, de grande alcance potencial: há 60 milhões de aparelhos de TV,
distribuídos entre 46 milhões de domicílios do país, segundo a Pnad de 2004. Na
escala do país, mesmo os programas de baixa audiência atingem públicos consi-
deráveis. Gratuitos em sua maior parte, costumam ser mais atrativos do que
cursos formais, em matéria de temas e metodologia, pois incluem aulas práticas,
com demonstração passo a passo, debates, entrevistas, consultas on line, reportagens,
dramatização, cinema e esquetes. Tudo isso forma um variado cardápio de
edutainment (educação com entretenimento), que pode ser classificada em três
blocos, conforme resumido a seguir.
z Emissoras exclusiva ou predominantemente educativas – como o Canal
Futura, Cultura, TV Senac e TV Escola –, com oferta estruturada de EJA, como os
citados Telecurso 2000 e Tecendo o Saber, formação profissional e continuada (o
Telecurso 2000 Profissionalizante, cursos de fotografia, desenho técnico, teatro,
idiomas, atualização de docentes, entre outros).
zCanais setoriais, que incluem altas doses diárias de informação e orientação
em áreas profissionais específicas, como o Canal Rural, Terra Viva, TV Justiça,
Câmara, do Senado e Justiça.
z TV comercial aberta, que veicula programação educativo-cultural, mas
também um vasto rol de programas populares, cujo potencial de informação e

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 203


orientação profissional não se deve desprezar – ainda que mesclados com muita
propaganda. Matutinos e vespertinos (uma a duas horas diárias por emissora),
focalizam, em geral, mulheres de classes C/D – nem tão pobres que não possam
comprar nada, nem tão ricas que não precisem economizar ou aumentar a renda.
Funcionam como cursos de economia doméstica, com forte apelo para o faça,
use, economize e venda – aí estão os doces e salgados, sabonetes e cosméticos,
roupas, bijuterias e objetos de decoração. Orientam para o empreendedorismo,
respeito ao meio ambiente (reciclagem) e medidas de segurança no trabalho. Trazem,
com certa regularidade, especialistas – alguns de renome – para sessões de infor-
mação e aconselhamento nas mais variadas áreas da vida familiar e profissional
(saúde, sexualidade, relacionamentos, direitos civis e trabalhistas, legislação tri-
butária e previdência social).
Bancas e livrarias – São uma alternativa menos acessível, pois dependem do
poder de compra, mas parece ter público assegurado, já que existem há décadas,
renovando-se na forma e temas dos cursos ofertados. Uma rápida pesquisa em
bancas e livrarias de capitais e interior (São Paulo, em 2006, e na região metro-
politana de Belo Horizonte, em 2003) revelou uma gama entre 20 e 40 títulos
diferentes, excluídos os exemplares da mesma série, na forma de revistas, livretos
e fascículos, em geral acompanhados de CD-ROMS e DVDs, que vieram em subs-
tituição às fitas cassetes e aos vídeos. Os temas são variados: informática, artesa-
nato (bordado, crochê, tricô, bijuteria, pintura, costura), culinária, idiomas,
empreendedorismo, franquias, vestibulares, concursos, história, ciências, pueri-
cultura, pedagogia, construção civil, mecânica, eletricidade, marcenaria, arte e
cultura. Há assuntos para todos os gostos e preços para todos os bolsos.
O mundo dos cursos on line - Ainda têm alcance limitado, mas seu potencial
é enorme, até por conta da escala do país. Segundo a Pnad de 2004, apenas 16%
dos domicílios têm computador e só 12% têm acesso à internet. Mesmo assim, os
números absolutos são expressivos: em outubro de 2005, 12 milhões de pessoas
usaram a web em casa, totalizando quase 19 horas de navegação no mês [Muniz
(2005)]. De olho nesse potencial, vem crescendo a oferta de cursos livres on line, nas
mais diversas áreas, como administração e negócios, arte e cultura, ciências,
comportamento, controle de qualidade, direito e legislação, educação, engenharia,
idiomas, informática, jornalismo, marketing, matemática e português (redação),
saúde e beleza. Uma passada pela web mostra grande variedade de ofertantes, que
podem ser instituições formais (universidades e suas fundações, Sistema S), mas
também entidades virtuais, com ofertas populares de preços e conteúdos variados.

204 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


6.3.3 Terceiro Setor: Escolas por todos os Cantos

a) O que é o Terceiro Setor?


Há polêmicas quanto à sua definição, mas este bloco é tratado aqui como o das
entidades sem fins lucrativos, não-governamentais e que visam prestar serviços
de caráter público, ainda que tenham gestão privada.
Trata-se de um quase incontável universo de organizações religiosas, políticas e
sociais, cujo número pode variar entre 14 mil e 220 mil, dependendo da fonte da
contagem. Ao que parece, envolvem 12 milhões de pessoas, entre gestores, vo-
luntários, doadores e beneficiários. Uma pesquisa com as 400 maiores entidades
do terceiro setor mostrou que, em 2000, elas mobilizaram cerca de 87 mil funcio-
nários, 400 mil voluntários e investiram quase R$ 2 bilhões [Kanitz (2005)].
Diante desses números, pode ser considerada conservadora a estimativa de
que o setor ofereça 3 milhões de matrículas em cursos e treinamentos, com inves-
timentos na casa de US$ 240 milhões por ano (Quadro 13).
Seu financiamento combina fundos públicos (FAT, dotações sociais e renúncia
fiscal) com aporte de associados, doações e fundos internacionais e, em pequena

QUADRO 13
Formação Profissional no Terceiro Setor

Redes religiosas – católicas, evangélicas, orientais e espíritas, inclusive transnacionais


(Kolping, Caritas, Salesiana, Jesuíta, Renascer, Universal, Brasil para Cristo, Sei-cho-no-ie)
Redes laicas/sociais (Lyons, Rotary, Família de Escolas Rurais, Viva Rio, Comunitas)
Agências
Fundações empresariais [Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), Empresários para
o Desenvolvimento Humano (EDH), Bradesco, Roberto Marinho]
Grupos locais: associações de moradores, escolas de samba, clubes e afins

Alfabetização e EJA (supletivos)


Formação ofertada
Treinamento

Público-alvo Populações vulneráveis, em situação de pobreza, desemprego e/ou risco social (jovens,
prioritário mulheres, portadores de deficiência, afro-brasileiros)

Fundos públicos (sociais, isenções fiscais, FAT)


Agências internacionais (religiosas e laicas)
Financiamento
Contribuições de associados e doações de pessoas físicas e jurídicas
Venda de produtos e serviços

Estabelecimentos = 3 mil
Números estimados Matrículas anuais = 3 milhões
Orçamento anual = US$ 240 milhões (40 horas/matrícula x US$ 2/hora, em média)
Fontes (dados e referências para estimativas): Leite (2003a e c); Gife (1998); MTE (2000a); MTE/FAT (2002a).

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 205


parcela, a venda de produtos e serviços. No período 1995-2001, por exemplo, o
terceiro setor foi responsável pela execução de 21% dos investimentos do Planfor,
bancados pelo FAT [MTE/FAT (2002a)].
b ) Menos Assistência, mais Formação?
Muitas entidades do terceiro setor existem há mais de um século, atuando em
escala transnacional, com foco em áreas críticas, como direitos humanos, ecolo-
gia e meio ambiente. O segmento, no entanto, parece estar se tornando menos
assistencialista e mais ativo na área de formação profissional, desde os anos
1990, incrementando sua oferta de alfabetização, supletivos e treinamentos, quase
exclusivamente gratuitos e dirigidos a clientelas em situação de pobreza e risco
social.
O estímulo para a mudança vem de oportunidades abertas por novos estatutos
legais (da Criança e do Adolescente, da Aprendizagem, do Idoso) e pelas ações de
responsabilidade social das empresas, que valorizam parcerias com ONGs e co-
munidades.
Comparado aos Estados Unidos, paradigma em matéria de desenvolvimento
do terceiro setor, o Brasil ainda engatinha [Coelho (2002)]. Mas se destaca no
contexto da América Latina, em matéria de escala, diversidade e dinamismo das
organizações, bem como por medidas que começam a valorizar a eficácia e a
qualidade das intervenções (Quadro 14).

QUADRO 14
Um Setor de Ensino “Informal” e Gigante
Nos Estados Unidos existem 40 mil fundações, das quais pelo menos 10 têm patrimônio igual
ou superior a US$ 10 bilhões. Aqui nenhuma fundação tem patrimônio equivalente [Kanitz
(2005)]. As 66 maiores e melhores fundações privadas do Brasil estão filiadas ao Gife, criado em
1995, com investimentos declarados de US$ 250 milhões por ano em projetos sociais, culturais
e educacionais de interesse público. Outro grupo, parceiro do Gife, é o EDH, criado em 2003,
que congrega um grupo seleto de maiores e melhores (Phillips Morris, Nokia, Credicard, Nestlé,
Oracle, Itaú, Unibanco, Estrela), com promessa de investir US$ 30 milhões na qualidade da
educação e erradicação do analfabetismo de jovens e adultos (Portal Gife, dez. 2005 e fev. 2006).
Várias entidades promovem concursos em prol da qualidade do terceiro setor. Um dos mais
divulgados é o Bem Eficiente, da Fundação Kanitz. O prêmio está na sua nona edição e, desde
2003, contempla as 50 ONGs com maior capacidade de inovação e gestão (www.filantropia.org.br).
No mesmo sentido, os Programas Capacitação Solidária e Alfabetização Solidária têm de-
senvolvido e aplicado, desde final dos anos 1990, metodologias de auditoria financeira, supervi-
são gerencial, monitoramento e avaliação de impacto dos cursos.

206 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


6.4 Sindicatos: Sindicalistas e Sindicalizados Fazem Treinamento

6.4.1 Uma “Pedagogia do Sindicato”?

O Brasil conta com 6 mil sindicatos de trabalhadores, dos quais 3,4 mil não-
filiados a centrais sindicais, e 2,6 mil de empregadores [MTE (2006)], além de
numerosas associações de categorias que exigem registro profissional. Calcula-se
que pelo menos 10% oferecem algum tipo de treinamento para filiados e interes-
sados (ver Quadro 15).
Sua oferta concentra-se em alfabetização, supletivos e treinamentos de curta
duração. Os programas são coloridos segundo a cartilha política de cada sindicato.
Com ou sem ideologia, porém, militância e disciplina fortalecem a formação, tal
como a pedagogia da fábrica.

QUADRO 15
Formação Profissional nos Sindicatos e Associações de Empregados e Empregadores

Escolas e centros de sindicatos e organizações de trabalhadores: Central Única dos


Trabalhadores (CUT); Central Geral dos Trabalhadores (CGT); Social Democracia Sindical
(SDS); Força Sindical, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag);
Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)
Associações empresariais: Associação Brasileira de Metalurgia e Minerais (ABM);
Agências Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq); Abinee;
Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon)
Conselhos profissionais: Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia
(Creas); Conselhos Regionais de Técnicos de Administração (CRTAs); Conselhos Regionais
de Contabilidade (CRCs); Conselhos Regionais de Enfermagem (Corens); Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB); Conselhos Regionais de Medicina (CRMs)

Formação Alfabetização, supletivos (EJA) e treinamentos

Associados e membros da categoria


Público-alvo
Populações vulneráveis, em situação de pobreza, desemprego e/ou risco social

Imposto sindical (compulsório)


Fundos públicos (FAT, Fundacentro)
Financiamento
Contribuições de associados (18% da PEA são associados a sindicato)
Doações de sindicatos de outros países (Estados Unidos, UE)

Estabelecimentos = 800 (10% do total de entidades sindicais)


Números estimados Matrículas anuais = 1,6 milhão
Orçamento anual = US$ 130 milhões (40 horas/matrícula x US$ 2/horas, em média)
Fontes: (Dados e referências para estimativas): Leite (2003c); Dieese (2001); MTE (2000a e c) e (2006); MTE/FAT (2002a e b) e
Pnad (2004).

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 207


A estrutura sindical tem a mesma origem (CLT) e modelo de financiamento
do Sistema S, contando com o imposto sindical compulsório para empregados e
empregadores. Para a formação, o setor utiliza também outros fundos públicos
(FAT, Fundacentro, fundo marítimo e aeroviário), somados a dotações internacionais
– de sindicatos dos Estados Unidos e da UE – e contribuições de associados – esta
não é muito expressiva, pois apenas 18% da PEA estão filiados a algum sindicato,
segundo a Pnad de 2004.

6.4.2 Formação: um Novo Negócio para o Sindicato?

A crescente atuação dos sindicatos de trabalhadores na formação é outro aspecto que


diferencia o Brasil de seus vizinhos da América Latina. Aqui, ao contrário do que
ocorreu na maioria dos países da região, os sindicatos expandiram-se e fortaleceram-
se a partir dos anos 1970, a despeito do regime militar. Com a democratização, a
reestruturação produtiva e a estabilidade econômica, que reduziram a margem
para negociações salariais, a formação profissional abriu uma nova frente de
atuação sindical.
No período 1995-2001, as grandes centrais e movimentos de trabalhadores
[CUT, CGT, Força Sindical, SDS, Contag, Associação Nacional de Cooperação
Agrícola (Anca)/MST] assumiram 25% dos investimentos do FAT em cursos e
treinamentos para empregados e desempregados. Em grandes centros, como São
Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre, as centrais sindicais mantêm
seus próprios serviços de intermediação de mão-de-obra, que parecem contribuir
para melhorar a pontaria dos cursos – direcionados a áreas de maior oferta de
vagas, como informática, comércio e serviços pessoais.

7. O ENCONTRO COM O MERCADO DE TRABALHO

Examinou-se o quebra-cabeça da educação brasileira, traçando as grandes linhas


do seu desenvolvimento. Passou-se em revista suas fraquezas seculares, seus saltos
recentes e o muito que está por fazer. Nesta seção final será tratado o encontro
desse sistema trôpego com um mercado de trabalho que se transforma rapida-
mente, à mercê de uma aceleração tecnológica substancial.

7.1 A Solução Truncada: Educação Permanente pela Via Espontânea

Na década de 1970, educadores europeus começam a chamar a atenção para a


necessidade de uma Lifelong Education, conceito que logo chegou ao Brasil, batizado
como educação permanente. Muito se escreveu sobre o tema. Como se dizia, em

208 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


uma economia moderna, a educação não acaba nunca, continuando pela vida
afora. Mas naquele momento o Brasil sequer conseguia colocar 2/3 de suas crianças
na escola. Portanto, voltar à escola seria o sonho para um futuro remoto.
Várias décadas mais tarde, finalmente o Brasil abraçou a educação perma-
nente. Só que não foi como se previa antes ou como pregava o livro Apprendre à
Être [Unesco (1972)]. Tivemos uma educação permanente espontânea, causada
por forças profundas e pujantes na nossa sociedade, diante de um Estado que
jamais compreendeu bem o que se passava.
Foram apresentadas aqui estimativas preliminares que indicam que essa
educação permanente matricula 40 milhões de brasileiros todos os anos. É um
sistema de aparência caótica e muita variedade, mas que tem lógica e funciona-
lidade. Para entender o quadro geral, é imperioso considerar o atraso crônico e as
fragilidades da educação inicial.
Avançou muito a escolarização formal dos jovens. Hoje, praticamente todos
entram na escola, bem mais da metade termina o fundamental e o médio tem
uma matrícula bruta que ultrapassa 2/3 da coorte correspondente. No nível superior,
a matrícula bruta já chega a 20% da coorte. Mas isso tudo acontece com um
enorme desvio idade-série. Esse atraso é a primeira pista para explicar o investi-
mento maciço, feito espontaneamente pelos jovens e mesmo adultos, financiado
por eles próprios ou por suas famílias.
Simplesmente, o mercado valoriza a educação. Um diploma do ensino médio
permite que os rendimentos médios dessa força de trabalho seja o dobro daqueles
que não têm escolaridade. E o superior quase triplica esse rendimento, comparado
com o médio. Portanto, há ampla racionalidade em gastar – investir – dinheiro
com educação.
Mas a educação avançou aos tropeços. A repetência é cronicamente alta,
resultando em um desvio idade-série de mais de dois anos para os que se formam.
Esse dado subestima a ineficiência do sistema, pois a reprovação é muito maior
para os que abandonam a escola. Muitos já são adultos ao terminar o fundamental.41
A idade mediana dos alunos da 8ª série na rede pública é 16 anos (Tabela 39).
TABELA 39
Idade Mediana de Conclusão segundo o Nível de Ensino - 2000

Rede pública Receita privada


Nível de ensino
Total Masculino Feminino Total Masculino Feminino

Fundamental 15 16 15 14 14 14

Médio 19 19 19 18 18 18
Fonte: MEC/Inep.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 209


Portanto, no mínimo 50% dos que concluem a 8ª série têm 16 anos ou mais e
dividem seu tempo entre o trabalho e o estudo (cf. MEC/Inep. Folder Brasil_01).
Portanto, os que ingressam no médio cursam predominantemente o turno da noite
(54,5% em 2002).42 E, com enorme freqüência, interrompem seus estudos, somente
voltando aos bancos escolares muito mais tarde.43 A média de idade no superior
está acima de 25 anos, sugerindo uma massa enorme de estudantes (37%) só
começando o superior mais de dez ou mais anos depois da idade correta – se não
houvesse os conhecidos acidentes de percurso.
Os mercados passam a exigir melhores qualificações – conforme se verá
com detalhes nos Capítulos 4 e 5 – mas, ao mesmo tempo, a educação oferecida
na escola é muito fraca. Como resultado, multiplicam-se os programas de
complementação escolar e formação profissional de todos os tipos e matizes,
oferecidos por uma gama estonteante de provedores públicos e privados. Como
já mencionado, as estimativas dos custos desse amontoado desconexo de cursos,
apesar das lacunas e fragilidades dos dados, indicam que gastamos duas vezes
mais do que os 5% usualmente mencionados nas estatísticas oficiais.
As razões dessa multiplicidade de cursos e programas não são misteriosas.
Embora as pesquisas não sejam tão abundantes, há evidência suficiente para
acreditar que é perfeitamente racional fazer cursos, pois trazem melhorias no salário,
na mobilidade ou, quando nada, reduzem a probabilidade de ficar desempregado.
Na prática, o Brasil tem uma massa gigantesca de programas de formação
que se estendem pela vida ativa da força de trabalho. Queira ou não, o país tem
uma oferta enorme de educação permanente, ainda que esse nome não seja usado.
Mas longe de ser uma massa caótica, é um sistema regulado pelo mercado, apesar
dos tropeços aqui e acolá.
Como há mecanismos de mercado em ação, onde há demanda, aparece a
oferta, nem sempre perfeita, mas aparece. Onde sobra oferta, o mercado se retrai.
O problema é a clássica falha dos mercados: pode haver necessidade e vontade de
se educar, mas se não há renda suficiente para pagar os cursos, não há oferta.
Nessa circunstância o mercado funciona, mas há problemas de eqüidade. Entram
aí os programas de governo para compensar as deficiências financeiras dos mais
pobres. E, no caso brasileiro, não são poucos os programas com fundos públicos,
embora a oferta tenda a ser privada ou quase privada – o que, em geral, é uma
boa solução. Os programas mantidos com recursos públicos, porém, têm os pro-
blemas crônicos da formação profissional em todo o mundo, a saber, não respondem
à demanda, mas sim à decisão governamental de financiá-los. Em particular os
programas financiados pelo FAT padecem da falta de mecanismos seguros e simples

210 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


de sinalização de demanda, ainda que esforços pontuais venham sendo feitos.
O leitor poderá examinar melhor esse aspecto no Capítulo 7.
Observa-se, portanto, uma multidão de programas de formação que trespassam
o umbral do início do trabalho, sendo oferecido para quem está ocupado ou
gostaria de estar. Como bem prescreviam os princípios da educação permanente,
as pessoas continuam fazendo cursos pela vida afora. Isso, em si, é uma constatação
muito positiva.
Contudo, há um outro fenômeno simultâneo, caminhando na direção oposta.
O início do trabalho precede de muito o fim da escola regular, qualquer que seja
o seu nível. Ou seja, os brasileiros começam a trabalhar muito cedo e param de
estudar muito tarde. Portanto, iniciam sua vida profissional muito antes de pararem
de estudar. Com muita freqüência, justapõem o ciclo acadêmico com a vida do
trabalho. Quase sempre, isso é ditado pela necessidade econômica de trabalhar, e
não raro até mesmo para financiar os estudos.
Com 15 anos, muitos já trabalham, legalmente ou não. Como se pode veri-
ficar na Tabela 40, em 2002, 31% dos jovens de 15 anos de idade e 50,4% dos
jovens de 17 anos já trabalhavam. Em 2001, 80,7% da população entre 5 e 17

TABELA 40
Situação Ocupacional de Crianças e Adolescentes – 2002

Ocupado Procurando Não População % Taxa de


Idade
trabalho trabalham total de ativos desemprego

5 14.776 3.174.893 3.189.669 0,5

6 28.595 3.282.736 3.311.331 0,9

7 55.373 3.305.595 3.360.968 1,6

8 83.790 3.191.843 3.275.633 2,6

9 132.331 3.073.233 3.205.564 4,1

10 169.073 7.440 3.030.209 3.206.722 5,5 4,2

11 248.490 13.576 2.905.109 3.167.175 8,3 5,2

12 343.276 28.013 2.957.293 3.328.582 11,2 7,5

13 477.594 58.358 2.826.619 3.362.571 15,9 10,9

14 628.194 124.494 2.754.496 3.507.184 21,5 16,5

15 841.439 213.218 2.364.279 3.418.936 30,8 20,2

16 1.115.627 347.828 2.072.587 3.536.042 41,4 23,8

17 1.334.634 379.873 1.687.968 3.402.465 50,4 22,2

Total 5.473.192 1.172.800 36.626.860 43.272.842


Fonte: Extraído de Schwartzman e Schwartzman (2003).

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 211


anos que trabalhavam, também estudavam. Dados da Pnad mostram que a pro-
porção de crianças que se declaram economicamente inativas e que não freqüentam
escola é equivalente à das que são economicamente ativas e não freqüentam
escola ou creche. Portanto, trabalhar está muito pouco associado a estudar
[Schwartzman e Schwartzman (2000)].
No nível superior, 21% dos alunos têm mais de 30 anos. Entre 25 e 29 anos
há mais 16%. Praticamente todos nessas faixas etárias trabalham. Portanto, a
concomitância do trabalho com o estudo é uma das características mais marcantes
da sociedade brasileira.
Como resultado dos atrasos dentro do ciclo acadêmico, há 7 milhões de
alunos nos supletivos (EJA) e esse número não pára de crescer, apesar da estag-
nação da matrícula no médio nos últimos dois anos. Pelas mesmas razões, 58%
dos alunos do superior estão em cursos noturnos. No médio e superior, as proporções
de matrícula bruta são o dobro das correspondentes à matrícula líquida, refletindo
o crônico desvio idade-série. Ou seja, a maioria dos que estão matriculados já
não se enquadra nas idades oficiais de freqüentar aquele nível.
Vale a pena reproduzir um gráfico da Seção 2 deste capítulo, agora em
versão simplificada, por captar exatamente o que se está dizendo. Mas é bom
levar em conta que, como sua elaboração foi baseada nas estatísticas usualmente
disponíveis, a redução na proporção dos que estão trabalhando deve ser muito
menor do que fariam sugerir os dados compilados na seção anterior.
Contudo, a política oficial não é concebida considerando tal perfil. Para
começar, o MEC trabalha com estatísticas de matrícula líquida – que estão fora
da realidade brasileira, pois há mais gente freqüentando a escola fora da faixa
oficial do que dentro. Ademais, metade dos gastos educativos sequer é contabilizada,

GRÁFICO 10
Proporção de Indivíduos do Sexo Masculino em Dois Eventos ao Longo do Ciclo
de Vida
[em %]
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
0 3 6 9 12 15 18 21 24 27 30 33 36 39 42 45 48 51 54 57 60 63 66 69 72 75 78 80
e+

Fonte: IBGE/Censo Demográfico de 2000. Freqüência à escola Atividade econômica

212 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


seja como educação ou como formação profissional, e os beneficiários de tais
cursos não entram em quaisquer estatísticas. Nas universidades públicas, somente
1/3 dos alunos está em cursos noturnos – apesar de 3/4 dos universitários traba-
lharem. Ninguém planejou uma educação para adultos que fosse qualitativamente
diferente, embora seja moda falar de educação permanente.
Em resumo, temos um sistema educacional marcado por duas tendências: a)
o começo prematuro do trabalho para uma proporção significativa da população
e, ao mesmo tempo, b) um espichamento, pela vida afora, na freqüência a programas
de educação e treinamento. A primeira tendência é um mal necessário, para aco-
modar as necessidades econômicas da família. A segunda é uma reação sadia da
sociedade às mudanças tecnológicas que requerem cada vez mais formação pro-
fissional, mas é também uma forma de compensação pela educação e formação
que não vieram antes com a qualidade devida.

7.2 Mais Escolaridade, em vez de Melhor Educação

Na década de 1990, houve uma extraordinária aceleração na matrícula escolar,


em todos os níveis. Passamos de um país com cerca de 1/4 da coorte freqüentando
a escola, em 1900, para a virtual universalização do acesso, no ano 2000.
O crescimento acelerado do fundamental, a partir do início dos anos 1990, passa
a gerar graduados que fizeram o médio triplicar sua matrícula em uma década.
O superior, que crescia letargicamente, explode no fim do milênio e, se fornecido
crédito adequado, tem demanda aquecida por mais uma década.
Diante de tal crescimento, seria de esperar uma queda dramática na qualidade.
Mas as estatísticas de um Saeb tecnicamente confiável permitiram contradizer
essa expectativa. A qualidade permaneceu praticamente constante, com base no
Saeb de 1993.
É verdade que a qualidade permaneceu constante, mas em nível péssimo.
Daí se dizer que a grande prioridade nos dias de hoje deveria ser melhorar a
qualidade do ensino fundamental, o elo mais fraco. Em qualquer série, um jovem
brasileiro tem um nível de competências educativas que corresponde aproxima-
damente a um europeu médio com cinco anos a menos de escolaridade.
Mas não é só isso. Assinar o nome e ler frases muito simples não tem qualquer
impacto na produtividade da economia ou, se tiver, é muito pouco. De resto, o
Saeb classificou a metade dos alunos da quarta série como incapazes de ler um
texto relativamente simples. Pesquisas recentes mostram que 3/4 dos adultos são
analfabetos funcionais. São indivíduos que, em sua maioria, já haviam freqüentado a
escola por vários anos, mas muito pouco obtiveram dessa experiência. É um

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 213


gigantesco estoque de pessoas inabilitadas para operar em uma economia mo-
derna, onde as competências de expressão escrita estão intimamente imbricadas
com o desempenho profissional, mesmo em ocupações manuais.
É curioso notar como a sociedade brasileira reagiu diante desse desencontro
entre educação e necessidades da economia. Implicitamente, sem que isso fosse
objeto de discussão ou política explícita, optou-se por oferecer mais anos de
escolaridade, em vez de oferecer mais qualidade. Como a qualidade estava nas
mãos das autoridades e estas quase nada fizeram, a reação espontânea da popu-
lação foi passar mais tempo na escola. No fundo, por esse processo, trocou-se
educação melhor por mais educação.
A equação que desencadeia esse processo é simples. Como as empresas pre-
cisam de mais competência, exigem mais escolaridade. Daí a explosão dos cursos
noturnos, dos cursos freqüentados por adultos, e de todas as formas pouco tradi-
cionais de ensinar e aprender.
É ilustrativo o contraste com a Suíça, onde 2/3 da coorte não têm um diploma
de secundário, havendo feito uma aprendizagem no local de trabalho. Como a
educação é boa, em todos os níveis, os suíços não precisam mais do que isso para
as ocupações para onde vão. Até recentemente, quase todos os funcionários e
gerentes de banco saíam da escola acadêmica na décima série e entravam em um
programa de três anos e meio com apenas um dia de estudo semanal. E ninguém
pode dizer que a força de trabalho suíça é mal-educada.
A falta de qualidade no Brasil parece gerar uma demanda adicional por
escolaridade. Muitos de nossos jovens vão para a faculdade porque aprenderam
pouco no nível médio. O outro lado da equação é que a exigência de um curso
superior resulta também da percepção dos empregadores de que os alunos saem
do médio insuficientemente preparados.
Contudo, o ciclo de ajustamento a uma educação frágil não pára aí. Muitos
terminam a faculdade malformados, procurando uma pós-graduação para re-
mendar a educação débil que receberam. Inúmeros executivos de empresas públicas
e privadas têm mestrado e doutorado, por ser esta a única formação de excelência
regularmente oferecida no país. De fato, menos de metade dos mestres e doutores
vai para o ensino ou para a pesquisa, destino precípuo dos cursos que fizeram.
Naturalmente, não é só a falta de qualidade que impulsiona o brasileiro a
permanecer ou voltar à escola. Esse é um dos fatores, mas não o único. Seja no
Brasil ou onde haja uma economia em modernização rápida, a necessidade de
mais educação e formação é uma constante, mesmo para os bem-formados desde
o início de suas vidas – e os graduados das melhores escolas são aqueles que mais
demandam cursos adicionais.

214 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Como, em geral, nossos alunos aprendem pouco na escola acadêmica, mul-
tiplicam-se os cursos de tudo que se pode imaginar, tal como ilustrado nas seções
anteriores. Curiosamente, trata-se de um assunto que não entra nas pautas de
discussão de política de educação. Em vez de melhorar a qualidade, são oferecidos
mais cursos de todas os matizes. Na verdade, nessas ofertas tanto há educação
como formação profissional. Como foi visto, 50 milhões estudam nos ciclos aca-
dêmicos. Além desses, 40 milhões estão fazendo algum tipo de curso – esse nú-
mero contém uma dupla contagem de magnitude desconhecida. Somos um país
de estudantes; nesse particular, nos aproximamos da Suécia, campeã mundial de
lifelong learning. Há inegáveis méritos nessa realização. Mas, ao contrário da
Suécia, as causas da nossa lifelong education cabocla é que educamos mal nossa
juventude, obrigando-nos a remendar sua formação pela vida afora.

7.3 A Complexa Interação entre Oferta e Procura por


Educação e Diplomas

Será que as empresas demandam mais formação por ser um imperativo engen-
drado pela tecnologia? Ou porque as escolas produzem jovens com mais escola-
ridade e as firmas redefinem suas necessidades, respondendo à existência desse
novo estoque de graduados com mais educação?
É verdade que parte do crescimento das exigências de escolaridade se deve
ao fato de que tem havido crescente oferta de mão-de-obra com mais escolarização.
Algumas ocupações passam a contratar gente mais educada, porque o processo
passou a ser mais complexo. Outras, simplesmente, porque há mais gente educada.
Algumas aumentam as exigências de escolaridade por mimetismo, já que todos
estão aumentando.
Essa é uma controvérsia que se arrasta por várias décadas, tanto no Brasil
como nos Estados Unidos. Há várias zonas de penumbra no assunto. Não se pode
afirmar ao certo se as empresas precisam de tantos diplomas ou quanto eles
ajudam. Serão vitais ou trata-se de uma solução econômica para restringir o
número de candidatos aos melhores empregos oferecidos no setor formal? Sabe-se
bem que selecionar é caro. Aumentando as exigências de escolaridade, o número
de candidatos se restringe. Mas sobejamente também se sabe que não é só isso,
pois uma economia mais complexa e em constante mutação não pode operar
com pessoas insuficientemente preparadas.
Esse é um tema difícil e controvertido. É verdade que as novas ocupações
requerem mais educação e mais formação técnica. A abertura da economia, no

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 215


início dos anos 1990, foi marcada por uma escalada nas exigências de escolari-
dade por parte das empresas.
Os movimentos de certificações da ISO 9.000 e 14.000, que incluem programas
de qualidade, exigem mais escolarização da força de trabalho. Em fevereiro de
2004, havia registro oficial de 3,5 mil certificados da ISO 9.000 no Brasil, segundo
dados do Comitê Brasileiro de Qualidade (CB-25) da Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT). Parece pouco, mas é quatro vezes mais do que havia
em julho de 1995, indicando o avanço dos processos de certificação no país.
Segundo pesquisa recente da revista Exame (2005, p. 14-17) abrangendo 222
empresas no país, cerca de 84% estão envolvidos com a ISO 9.000 e, destas, a
quase totalidade (90% ou mais) exige que fornecedores, distribuidores e/ou clientes
também apliquem os novos métodos. Desse modo, os efeitos se propagam por
toda a cadeia produtiva, atingindo a maioria da força de trabalho no mercado formal
e até mesmo parte do informal (extrativistas, produtores domésticos, cooperados).
As exigências da certificação têm a sua razão de ser. O chão de fábrica
tornou-se muito mais complicado para quem opera com essas certificações.
Os procedimentos estatísticos e o uso da língua escrita realmente exigem um diploma
de nível médio de quase todos. Por tais razões, as demandas por escolaridade não
param de crescer – aliás, em todos os países.
Afora as certificações, há mudanças tecnológicas de grande repercussão sendo
introduzidas por todos os lados. A revolução do microcomputador não requer
muita explicação. Vale apenas notar que, com ele, aumentam as comunicações
por escrito, matiza-se a linearidade de comando, criando-se uma rede de infor-
mações e instruções muito mais difusa e complexa. Por exemplo: automóveis de
luxo têm manuais de serviço com 3 a 5 milhões de páginas, só podendo residir
em CDs.
Além disso, há procedimentos que se tornam mais complexos e baseados em
protocolos escritos e estatísticos, como a manutenção de equipamentos. As próprias
máquinas e linhas de montagem têm manuais de instruções mais complexos e
combinam seus altíssimos custos com uma grande freqüência de defeitos (down
time), levando as empresas a políticas muito rigorosas, visando a reparações em
curtíssimo prazo.
As diferenças de requerimentos de escolaridade entre setores da economia
são marcantes. Uma olaria tradicional pode trabalhar com um plantel de analfa-
betos em quase todas as posições. Uma fábrica metal-mecânica precisa de uma
maioria de operários altamente qualificados. Quando se complicam os sistemas
de controle de produção ou aparecem as máquinas de controle numérico, aumentam
as necessidades de escolaridade formal para esse mesmo corpo técnico.

216 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


O setor serviços é ainda mais exigente. Uma camareira de hotel de luxo
precisa falar mais de uma língua e operar computadores. Os funcionários dos
novos bancos automatizados precisam de diplomas superiores para desempenhar
as funções que não foram seqüestradas pelos computadores.
É curioso notar a substituição de serviços tradicionalmente oferecidos indi-
vidualmente por empresas. Jardineiros e limpeza doméstica são substituídos por
empresas prestando o mesmo serviço e contratando as mesmas pessoas. Isso porque,
dado o baixo nível de instrução dos prestadores, há amadorismo e inconstância
nos serviços.
Uma tendência transversal, afetando praticamente todas as empresas, é o
aumento do nível de tecnologia e complexidade de certas operações secundárias,
sobretudo na área da administração e controle. Mesmo empresas que usam
tecnologias milenares no seu núcleo produtivo não podem evitar a informatização
da sua gestão. A camareira, cujo trabalho são as seculares tarefas de limpar
quartos, está enquadrada por um sistema de controles complexos, resultante da
padronização das tarefas e do fluxo de hóspedes. Assim vão se tornando todas as
empresas, mesmo as tradicionais, onde a tecnologia entra pela porta dos fundos.
Ou seja, não há mais empresas competitivas que não tenham, pelo menos, um
pedacinho de seu funcionamento com tecnologias de última geração.
Um caso dramático de transformação é a agricultura, onde a fotossíntese e o
processo de plantar e colher muda pouco em 5 mil anos. Mas a tecnologia tomou
conta da modificação das sementes, da correção do solo, das colheitadeiras con-
troladas por sistema de posicionamento global [Global Positeoning Sustem (GPS)],
dos controles de qualidade e do monitoramento e planejamento, em íntimo contato
com a bolsa de commodities de Chicago. Portanto, não é só a indústria de base
tecnológica que é afetada pela tecnologia. Todas as indústrias medianamente
modernas o são.
Daí a adoção de processos mais complexos, em algum ponto do processo
produtivo, influi profundamente nas necessidades de educação da força de trabalho.
O próprio uso banalizado dos computadores, hoje ubíquo em todas as empresas,
requer um nível de escolaridade que está acima da média da força de trabalho
brasileira (sete anos).
Uma pesquisa feita nos Estados Unidos, comparando investimentos em edu-
cação feitos em diferentes estados, lança algumas pistas interessantes, pois, sendo
estados do mesmo país, não são poucos os fatores que se mantêm constantes entre
eles. Observou-se que o crescimento estava estatisticamente associado a investi-
mentos em mão-de-obra altamente qualificada – no caso, cursos pós-graduados

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 217


e investimentos em ciência. Esse era o caso de estados avançados, onde o ciclo de
oferecer educação de qualidade nos níveis inferiores já havia sido completado.
Nos estados mais pobres, os melhores resultados vão justamente para aqueles que
investem em melhorar o seu ensino básico, quando este é deficiente.
Pesquisas sistematicamente mostram que não apenas os investimentos em
capital humano produzem taxas de retorno elevadas [Dowrick (2003)], mas o inves-
timento em P&D também gera resultados igualmente expressivos – o Capítulo 2
da edição de 2005 desta série trata do tema e aponta resultados de outros estudos
nesse sentido. Ou seja, para países como o Brasil, onde o longo e caro investi-
mento de criar uma infra-estrutura de pesquisa já foi feito, há boas razões para
crer que investir em tecnologia seja uma excelente decisão.
Dentro de todas as políticas requeridas para promover o desenvolvimento
brasileiro, há uma que clama por atenção. Trata-se da situação dos técnicos e
tecnólogos. Nos Estados Unidos, em 50 anos, a proporção de posições na força de
trabalho requerendo formação superior de quatro anos permaneceu mais ou menos
constante: em 20%. Em contraste, a necessidade de posições técnicas de nível
pós-secundário passou de 15% para 65%. Não surpreende que, de cada três en-
trando em cursos pós-secundários, apenas um esteja matriculado em cursos de
quatro anos [Hull (2003)].
Já no Brasil, a proporção dos que estão em cursos tecnólogos e seqüenciais
não atinge 10% da matrícula total no nível superior. Pode-se dizer que não existe
demanda para tais cursos? Como se pode saber, se as empresas não criam posições
para níveis profissionais que não existem? Não obstante, há uma relutância e
incapacidade das autoridades educacionais para sair de um impasse ideológico
que perdura por alguns anos. A notável exceção é São Paulo, cuja Fundação
Paula Souza tem uma política ambiciosa de expansão.
É bem verdade que do lado privado há muita atividade. O mercado reage de
forma positiva. Crescem, em ritmo acelerado, as matrículas nos técnicos e tecnólogos
privados. Mas se são expressivas as taxas de crescimento, os números absolutos
são ainda fora de linha, até com países latino-americanos, como Argentina, Chile
e Venezuela, onde cerca de 1/3 da matrícula pós-secundária se dá nesses níveis.
Ademais, em cursos cuja imagem ainda está pouco consolidada, os abusos de
alguns operadores privados são nocivos para todos.
Como aqui foi visto, a educação no Brasil apresentou avanços consideráveis.
O ensino básico se expandiu, chegando praticamente à universalização. A educação
superior cresceu a taxas significativas e nossas pós-graduações são destaque em
termos de desempenho e de integração com o setor produtivo e o setor de ensino
de segundo e terceiro graus. Tudo indica que nosso sistema educacional contribuiu

218 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


nos últimos anos para a queda do grau de desigualdade de renda, muito embora
em conjunto com outras políticas.
Mas muito ainda está por fazer. Não se pode ignorar que o salto dado pela
educação fundamental vem acompanhado da manutenção de níveis preocupantes
de qualidade, que a evasão escolar continua muito alta e que a defasagem idade-série
é elevada. É necessário repensar as prioridades, uma vez que o Brasil – que ainda
tem severos problemas na educação fundamental básica e média – gasta muito
com a educação superior, concorrendo com os demais níveis educacionais.
Apesar de o sistema educacional ser parcialmente responsável por uma me-
lhora na eqüidade, ainda guarda traços que acabam por gerar efeitos regressivos,
redistribuindo renda em direção a classes mais favorecidas.
O primeiro passo foi dado: o aumento da oferta de vagas disponíveis prati-
camente zera o déficit de vagas nas escolas. Tal qual ocorreu nos Estados Unidos,
na Coréia e no Japão, o salto na educação começou com a universalização. Mas
esse salto requer mais. A ordem do dia é investir incansavelmente em qualidade,
passando pela melhor qualificação dos professores, pela melhoria da infra-estrutura
de ensino e pela motivação de seus profissionais.
Galgado o degrau da universalização do fundamental, as prioridades são duas:
melhorar a qualidade e expandir ainda mais o ensino medio. Não se conseguirá
alcançar o desenvolvimento sem isso.

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NOTAS
1. Ver, a respeito, Langoni (1972 e 1973), Senna (1976), Branco (1979), Fishlow (1972 e 1973),
Hoffmann (1973) e Bacha (1978) – os três últimos contêm explicações alternativas aos três primeiros.
2. Contrapondo-se a tais críticas, Dowrick (2003) menciona que, quando a qualidade da educação é
levada em conta, muitas das anomalias encontradas desaparecem.
3. O caso excepcional parece ser a China, país sobre o qual ainda pouco se sabe. A distribuição da
população chinesa em níveis educacionais é: ensino superior, 4,7%; segundo grau, 12,5%; primeiro
grau, 37,7%; ensino fundamental (1ª à 4ª séries), 35%; e analfabetos, 10,2%. Fonte: China Economic
Quarterly, v. 9, 2004.
4. Com exceção desse último dado, todos os demais podem ser encontrados em Ipea (2005).
5. O Sistema S, que será discutido na Seção 6 deste capítulo, é composto pelas seguintes entidades:
Serviço Nacional de Aprendizado Industrial (Senai); Serviço Social da Indústria (Sesi); Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac); Serviço Social do Comércio (Sesc); Serviço Nacional
de Aprendizagem Rural (Senar); Serviço Nacional de Aprendizagem em Transportes (Senat); Serviço
Social dos Transportes (Sest); Serviço de Apoio à Pequena e Média Empresa (Sebrae); e Serviço
Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop).
6. De acordo com o método desenvolvido pelo Instituto Paulo Montenegro (2005), o analfabetismo
funcional afeta 2/3 da população brasileira. Para o cálculo são coletadas anualmente amostras
nacionais de 2 mil pessoas, representativas da população brasileira de 15 a 64 anos, residentes em
zonas urbanas e rurais em todas as regiões do país. Em entrevistas domiciliares, são aplicados
testes e questionários. Com base nos resultados do teste de leitura, o Índice de Analfabetismo
Funcional (Inaf) classifica a população estudada em quatro níveis de alfabetização em leitura e
escrita e em habilidades matemáticas.
7. “O graduado no ensino fundamental leva em média 11,4 anos para se formar, ou seja, 3,4 anos
além do tempo regular; o que também corresponde a um acúmulo de mais de 3 repetências”
[Ribeiro (1993, p. 67)].
8. Ver modelo Profluxo, de Ribeiro, Fletscher e Klein, que confronta estatísticas do IBGE com as do
censo escolar [Ribeiro e Klein (1992)].

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 225


9. Em 2001, R$ 363 para alunos de 1ª a 4ª séries, e R$ 381,14 para os de 5ª a 8ª séries e os da
educação especial. Os fundos federais para a educação provêm de recursos do Tesouro e do Fundo
Nacional de Educação (FNDE), que é em parte repassado a estados e municípios, por intermédio
do Fundef. Além disso, a área de educação recebe recursos de empréstimos internacionais, como
o programa Fundoescola, financiado pelo Banco Mundial [Castro (2002)].
10. Muito se debateu se os jovens são atraídos ao trabalho, forçados ao trabalho pelas necessidades
econômicas da família ou, simplesmente, rejeitam a escola, sem que se determinasse com precisão
o que de fato ocorre. Talvez o mais correto seja admitir que há uma combinação desses fatores.
11. Em 2003, o Saeb realizou o seu sétimo levantamento nacional consecutivo. No entanto, a série
histórica dos resultados começa em 1995, quando o sistema passou a adotar a metodologia da
Teoria da Resposta ao Item, que permite comparabilidade entre as provas e questões de provas.
12. Deve-se destacar que, para os países desenvolvidos, a taxa bruta é muito próxima da líquida,
posto que a defasagem série-idade é mínima.
13. The Economist, fevereiro de 2006.
14. Pesquisa realizada pelo Inep – Avaliação dos Concluintes do Ensino Médio – em novembro de
1997 junto a 430 mil concluintes do ensino médio em nove estados verificou que 60% dos
concluintes desse nível trabalharam durante o curso – o que sobe para 72% entre os matriculados
no turno da noite. Indagados sobre o que fazer após a conclusão do nível médio, apenas 31,5%
dos concluintes pretendiam continuar os estudos [Castro (1998)].
15. Em 2003, por motivos pouco conhecidos, o ensino médio perde concluintes em números absolutos.
16. Estudo da Hoper Educacional corrobora isso quando afirma que há uma taxa de transferência de
90% do ensino médio particular para o superior [Braga (2004)].
17. O MEC estabelece o limite de 40 alunos por sala de aula e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) exige que, nas universidades, 30% dos docentes tenham titulação de mestrado ou
doutorado e cumpram horário integral. Esse percentual cai para 10% no caso dos centros
universitários.
18. Dados apresentados em Braga e Monteiro (2006). Estimativas baseadas em uma amostra de 356
instituições sediadas em 72 cidades, nas cinco regiões do Brasil. O erro estimado é de 8 pontos
percentuais (p.p.).
19. Uma das causas da perda de faturamento das privadas é a inadimplência. A estimativa é de perda
anual de receita de R$ 600 milhões. Antes de tudo, é o resultado de uma lei que proíbe a exclusão
do inadimplente, permitindo apenas a recusa de sua rematrícula. Daí muitos alunos deixam de
pagar, ou o fazem somente ao término do semestre.
20. Fonte: OCDE, Education at a Glance, CREI. Reproduzido pelo Inep.
21. Nos Estados Unidos, onde o governo federal praticamente não interfere na educação superior, a
avaliação é feita por revistas semanais e empresas privadas (US News, Atlantic Monthly, Kaplan
etc.). Mas mesmo lá é difícil conseguir os dados que seriam necessários para uma boa avaliação.
22. Enganam-se os que acreditam que o governo está punindo o sistema privado quando proíbe ou
dificulta a abertura de novos cursos. Na verdade, tal ferrolho meramente garante a permanência de
monopólios pré-estabelecidos – premia os que chegaram primeiro, e não necessariamente os melhores.
23. Há diversas opiniões contrárias ao provão. Algumas divergem do princípio de avaliação; outras
apenas quanto ao instrumento de avaliação; outras ainda divergem do processo como foi implantado
o provão.
24. Agronomia, educação física, enfermagem, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia, medicina,
medicina veterinária, nutrição, odontologia, serviço social, terapia ocupacional e zootecnia.

226 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


25. Os voluntários deformam a amostra porque violam o requisito do sorteio para garantir as
probabilidades de representação.
26. O Inep teria plenas condições de saber de antemão, já que tem censo de ensino superior (Censup),
Sistema Integrado de Informações da Educação Superior (Sied-Sup), cadastro de instituições etc.
27. Para uma discussão da metodologia utilizada, ver Schwartzman (2005).
28. A taxa de juros determinada no ato da assinatura do contrato é fixa (9% a.a.) e o prazo máximo
de utilização do financiamento é igual ao período de duração regular do curso, descontados os
semestres já cursados. O pagamento se dá em duas fases. A primeira, imediatamente após a
formatura ou interrupção do curso, no valor de R$ 50 ao mês por um ano. Após esse período, o
saldo devedor poderá ser parcelado em até uma vez e meia o período em que o estudante foi
beneficiário do programa.
29. Ver Relatório de Gestão 2004, disponível em: <http://portal.mec.gov.br/sesu>.
30. Para maiores informações, acessar <http://www.idealinvest.com.br/historia.shtml>.
31. Ver Haddad (2005).
32. Ver também Fernandes e Del Tedesco (1999).
33. Essa é uma das razões pelas quais os cursos de graduação nos Estados Unidos não são realmente
profissionalizantes. De fato, o primeiro e o segundo anos são de formação geral, e os dois restantes
apenas oferecem uma profissionalização atenuada (chamada de major), comparada com os nossos
currículos.
34. Uma lacuna inexplicável no nosso ensino. Praticamente todos os países avançados têm mais
matrículas nos cursos curtos do que nos bacharelados tradicionais.
35. Trata-se do Parecer 977 da Câmara de Ensino Superior do Conselho Federal de Educação,
promulgado em 3 de dezembro de 1965 e posteriormente confirmado pela Reforma Universitária
de 1968. O enquadramento às novas normas não foi imediato. Houve resistências e simulações de
enquadramento, como foi o caso de doutorados de tradição francesa, onde “(...) todos os subterfúgios
foram utilizados para satisfazer de modo puramente formal as exigências que deveriam implantar
o modelo americano” [Durham (2005)]. Hoje, entretanto, as variações que existem são muito
menos associadas à resistência ao formato stricto sensu do que a peculiaridades das áreas do
conhecimento e das histórias dos programas [Castro (1991)].
36. Adicionalmente, dada a rigidez de horários da pós-graduação pública, abrir seus próprios mestrados
é uma solução para atender às exigências legais de titulação docente.
37. Ainda que não necessariamente na área científica, como será visto no Capítulo 6.
38. Foram aplicados questionários, em 15 áreas de conhecimento, a aproximadamente 6,1 mil mestres
e 2,7 mil doutores oriundos de universidades do Nordeste ao Sul do país, alcançando-se em média
73% e 82%, respectivamente, dos potenciais entrevistados. Na primeira etapa buscou-se entrevistar
todas as populações de egressos. A partir da segunda etapa, combinou-se essa estratégia a amostras
sistemáticas nos cursos com grande número de titulados. Embora os entrevistados não representem
os universos nas suas áreas, a ampla variedade das instituições e de sua localização geográfica
sugere que os dados são bastante ilustrativos do panorama em cada área, no período estudado
[Velloso (2004)].
39. Talvez a alteração digna de nota, desde que os dados foram coletados, seja a queda da taxa de
crescimento econômico e o aumento da oferta de titulados, reduzindo as oportunidades no mercado
acadêmico desde 1998. Como contrapartida, há o efeito compensador das novas exigências de
titulação dos professores de nível superior.

Educação no Brasil: atrasos, conquistas e desafios z 227


40. Dados extraídos da edição de 2004 da Pnad.
41. Mais de 60% dos alunos do ensino fundamental acumulam dois ou mais anos de defasagem em
relação à série que deveriam estar cursando, sendo que, anualmente, metade dos alunos repete as
duas primeiras séries do ensino médio [Parente e Lück (2004)].
42. Tinham idade superior a dois anos da idade esperada para a série 51,1% [ver Oliveira e Sousa. O
Ensino Médio Noturno. Faculdade de Educação da USP (www.tvebrasil.com.br/salto)].
43. O suplemento especial sobre trabalho infantil da Pnad de 2001 incluiu duas perguntas sobre o
abandono e a falta ocasional à escola. O motivo que mais aparece para o abandono é a decisão do
próprio aluno, sobretudo entre os mais velhos: “não quis freqüentar a escola”. O trabalho aparece
como segunda razão, com 20% das respostas entre os mais velhos. Problemas com a própria
escola (falta de professor, greve) são também significativos e afetam sobretudo o segmento de
mais idade [Schwartzman e Schwartzman (2004)].

228 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Instituições Trabalhistas e
4 Desempenho do Mercado de
Trabalho no Brasil
Instituições Trabalhistas e Desempenho
4 do Mercado de Trabalho no Brasil

1. INTRODUÇÃO

O estudo do mercado de trabalho envolve dificuldades e polêmicas peculiares


que praticamente acompanham o nascimento da ciência econômica. A grande
dificuldade está em definir o trabalho como uma mercadoria como outra qualquer
transacionada no mercado, com ofertantes e demandantes que, agindo livremente,
acabam definindo seu preço. Segundo uma ótica mais estreita e pragmática, a
importância fundamental do mercado reside no fato de ele ser o local onde os
indivíduos transacionam, aos preços assim determinados, o seu principal ativo –
e, na maioria das vezes, único –, que é a sua capacidade laboral. Daí a importância
desse mercado quando se discute pobreza, eqüidade e bem-estar. Uma visão mais
ampla considera o mercado de trabalho como sendo um mercado com imperfeições,
situação muito comum em vários outros mercados, de forma que os salários
sofrem influência de sua oferta e demanda, mas não são determinados exclusiva-
mente por elas.
Não se pode perder de vista, porém, que além do aspecto de natureza econô-
mica, o mercado de trabalho é antes de tudo um espaço de socialização do indi-
víduo. O trabalho tem em sua essência um valor social que o acompanha desde as
sociedades humanas mais primitivas. Entre indígenas brasileiros, por exemplo, o
trabalho dos homens na caça e na pesca e das mulheres na agricultura é
emblemático de como o trabalho e seu produto podem ser distribuídos entre os
membros da coletividade. Assumida a visão de que o trabalho possui uma di-
mensão social que antecede e supera a dimensão estritamente econômica, pode-se
asseverar que as ações relativas ao mercado de trabalho são fundamentais para
promover a eqüidade e o bem-estar de uma sociedade.
De forma simplificada, pode-se admitir que são três os determinantes do
mercado de trabalho. O primeiro, de cunho mais estrutural e que acaba sendo o
principal determinante da natureza do seu funcionamento, diz respeito à cultura,
ao ambiente social e, mais particularmente, às instituições que o regem. Utilizando
um conceito amplo, as instituições do mercado de trabalho são em boa parte
resultantes do fluido cultural em que está imerso cada país ou sociedade. Imagine-se
uma sociedade hipotética governada por radicais avessos ao trabalho feminino.
Nessa sociedade a participação formal das mulheres no mercado de trabalho seria
zero, e aquelas que se dispusessem a trabalhar o fariam de forma irregular ou
informal. Por esse simples exemplo, fica evidente que as instituições, a cultura e
a disposição social influenciam o funcionamento do mercado de trabalho. De
forma similar, se em uma dada sociedade os idosos não dispõem de nenhuma
proteção social, espera-se que a população continue trabalhando até a morte.
Disso decorre que, quando o Estado, a sociedade civil ou os sindicatos impõem
regulamentações, eles estão definindo a estrutura de funcionamento do mercado
de trabalho, deixando-o mais ou menos rígido, mais ou menos adaptado às exi-
gências e condições econômicas. Por isso mesmo, é de se esperar que quanto mais
ajustadas ao ambiente econômico e ao ambiente sociocultural de uma sociedade
forem as instituições do mercado de trabalho, menores serão as restrições dos
agentes envolvidos. Quando, ao contrário, isso não ocorre ou quando as exigências
econômicas são discrepantes da cultura ou do ambiente social, maiores serão as
restrições impostas aos agentes e maiores os custos de transação.
O segundo determinante do mercado de trabalho, mais sujeito a mudanças
súbitas do que o anterior, são as condições macroeconômicas – do país e do
exterior – que ajudam a definir ou a delimitar a demanda por trabalho, não
apenas em termos quantitativos, mas também qualitativos. Esses aspectos são
objeto dos Capítulos 1, 5 e 6 deste livro. Um exemplo de condicionante
macroeconômico é a inflação brasileira dos anos 1980. Ao desorganizar a sinali-
zação dos preços – o princípio basilar de uma economia de mercado –, ela emba-
çava a visão do horizonte de investimentos e, com isso, limitava a expansão do
emprego.
O terceiro e último determinante está mais ligado à capacidade do mercado
de trabalho de prover valor. Aqui os componentes principais são a quantidade e
a qualidade da força de trabalho, que vão definir em boa medida a sua capacidade
produtiva. A quantidade da força de trabalho é uma função do total da população
do país, da quantidade de adultos – e no caso do Brasil de idosos que retornam ao
trabalho –, da disposição ao emprego feminino – ver Capítulo 2 desta edição – e
dos salários pagos – dado que os trabalhadores decidirão o quanto ofertar de
trabalho de acordo com o que lhes é oferecido pecuniariamente. A qualidade da
força de trabalho é resultante do nível educacional dessa população (ver Capítulo 3)

232 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


que, em conjunto com o estoque de capital existente no país, irá determinar a
produtividade do trabalho. Esquematicamente, isto está apresentado na Figura 1.
Neste capítulo, que inaugura a temática de mercado de trabalho, emprego e
informalidade do livro, estaremos concentrados na análise do primeiro dos
determinantes: as instituições que regem o funcionamento do mercado de trabalho.
Parte-se do papel das instituições no desenvolvimento econômico e da evolução
das economias desde o segundo pós-guerra para identificar as origens e a evolução
das instituições do mercado de trabalho nos países ricos e na América Latina.
Com base nas características típicas do contrato de trabalho e das mudanças por
que têm passado as empresas, não resta dúvida de que as instituições trabalhistas
têm destacada importância não apenas sobre o mercado de trabalho, mas também
no desempenho das economias em geral.
Em seguida, analisam-se as transformações que sofreu a economia brasileira
desde o início da década de 1990, a fim de fazer uma primeira apreciação dos
fatores por trás do aumento do desemprego e da informalidade. O passo seguinte
é examinar em detalhe os possíveis efeitos de instituições trabalhistas (salário
mínimo, proteção do emprego, encargos trabalhistas, legislação trabalhista e pro-
cedimentos da Justiça do Trabalho) sobre o desempenho do mercado de trabalho
(desemprego, informalidade e eficiência produtiva).
A conclusão básica que se extrai é que no Brasil as instituições do mercado
de trabalho não são compatíveis com a necessária promoção do aumento dos
investimentos e da competitividade das empresas, para gerar empregos em quan-
tidade e qualidade adequados e para reduzir o grau de informalidade existente –
ainda que, neste último aspecto, movimentos conjunturais e esforços sempre

FIGURA 1

Resultados do mercado de trabalho


Sistema educacional

Macroeconomia Qualidade e quantidade


Desempenho do mercado de trabalho
(demanda de bens e serviços) da força de trabalho

Padrão demográfico
Funcionamento do mercado de trabalho

Instituições do mercado de trabalho,


regulamentações, intervenções

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 233


louváveis de fiscalização possam reduzir-lhe o tamanho. Enfatiza-se, portanto, a
necessidade de ajustes institucionais de modo a dotar nosso mercado de trabalho
de flexibilidade que permita a nossas empresas disputarem em condições de igual-
dade o mercado internacional e que, ao mesmo tempo, garanta a adequada pro-
teção do trabalhador.
Nos três capítulos subseqüentes, maiores detalhes sobre aspectos do mercado
de trabalho serão oferecidos ao leitor. O Capítulo 5 analisa o desempenho do
mercado de trabalho brasileiro durante a década de 1990 até nossos dias. Como
aqui assinalado, foi nesse período que diversos choques externos afetaram de
forma profunda a economia brasileira e, em especial, o mercado de trabalho. Em
seguida, no Capítulo 6, examinam-se as conexões existentes entre inovação e
tecnologia, desempenho do comércio exterior e emprego na economia brasileira.
O capítulo que encerra essa parte do livro dedica-se à análise das políticas públicas
de emprego, trabalho e renda no Brasil.

QUADRO 1
Uma Visão Panorâmica da Questão
No mundo do trabalho, a experiência dos países tem sido heterogênea. Nos Estados Unidos, o
emprego cresceu mais do que em qualquer outro país rico e a taxa de desemprego recuou para
níveis históricos. Isso em um ambiente de queda da participação relativa da indústria no pro-
duto interno bruto norte-americano — no passado o setor que mais empregava — e de vigoroso
aumento da produtividade. O dado negativo foi a crescente disparidade entre os salários de
trabalhadores com maior e menor níveis de instrução. Na Europa essa disparidade aumentou
menos do que nos Estados Unidos. Em compensação, com algumas poucas exceções, o emprego
cresceu pouco, a taxa de desemprego se manteve elevada e a produtividade do trabalho não
acompanhou o ritmo norte-americano.
Se no passado quase nenhuma atenção era dada ao papel das instituições que regulam o
mercado de trabalho, aos poucos isso foi mudando, e a idéia de que a legislação que regula o
mercado de trabalho – assim como a estrutura da negociação coletiva – combinada a eventos
externos pode afetar o desempenho do emprego e da renda ganhou corpo, e estudos sobre a
temática começaram a destacar o papel proeminente das instituições no desempenho do mer-
cado de trabalho. Em particular, em uma fase de transformações importantes como a que
vivemos desde o início dos anos 1990, em que as empresas estão expostas a maior concorrência
e novas tecnologias, sua necessidade de adaptação pode se chocar com as regras das relações
de trabalho. Por sua vez, os trabalhadores se tornam mais vulneráveis em um ambiente mais
mutável, no qual se intensifica a migração entre situações de emprego e desemprego e os
deslocamentos entre setores e regiões geográficas. O desafio então é aumentar a adaptabilidade
das empresas e atenuar os efeitos da vulnerabilidade dos trabalhadores.
Isso vale para o Brasil e também para diversos países da América Latina que, desde a década
de 1990, vêm passando por profundas transformações. Além da abertura das economias, muitos
países levaram adiante programas de privatizações, ajuste fiscal, estabilização e flutuação cambial,
paralelamente ao enfrentamento de várias crises externas. E, nesse ambiente muito mutante,
os mercados de trabalho sofreram. A grande dúvida é até que ponto o aumento do desemprego
continua

234 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


continuação
e da informalidade observado em quase todos os países da região é um resultado transitório –
embora prolongado – dessas transformações, ou algo mais permanente. Outra questão é se as
instituições que regulam o mercado de trabalho nesses países – em geral fortemente regulados
–, em vez de suavizar os efeitos do ajuste ao novo contexto, não têm reforçado os efeitos
perversos. Basicamente, a questão é saber se essas instituições estão adaptadas ao novo con-
texto de modo a reduzir o desemprego e a informalidade.
A região tem sido marcada por baixas taxas de crescimento econômico nos últimos 20 anos.
Depois de um período de vigorosa expansão no pós-guerra, as décadas de 1980 e 1990 experi-
mentaram estagnação da renda per capita em um grande número de países. Nesse cenário,
passam a compor a agenda a deficiência de poupança e de investimentos, a baixa produtividade,
a estrutura tributária e a regulação dos mercados – inclusive do mercado de trabalho — para o
aumento da eficiência produtiva.

2. INSTITUIÇÕES E ORGANIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO

As instituições são as regras do jogo em uma sociedade, e delas fazem parte a


ideologia e a mentalidade que se cristalizam nos costumes e nas leis que, por sua
vez, criam os incentivos para a ação e moldam o comportamento dos indivíduos
e organizações. Nas palavras de Douglass North, prêmio Nobel de economia,
“instituições são os limites inventados pelos humanos para estruturar a interação
entre eles. São formadas por restrições formais (regras, leis, constituições) e res-
trições informais (normas de comportamento, convenções, e códigos de conduta
auto-impostos) (...) Juntas elas definem a estrutura de incentivos das sociedades
e especialmente das economias” [North (1993, p.2)].
O que são as instituições do mercado de trabalho? São essencialmente as suas
regras de funcionamento, que tanto podem nascer do relacionamento direto entre
empresas e trabalhadores como podem advir da legislação trabalhista. As primeiras
aparecem porque as relações trabalhistas têm peculiaridades que induzem firmas e
trabalhadores a estabelecer contratos sobre as condições de trabalho – jornada de
trabalho, por exemplo – e remuneração (salário, horário, preço das horas extras,
bônus e participação nos lucros). As segundas resultam de pactos políticos e dizem
respeito a salários mínimos, proteção do emprego, seguro-desemprego, impostos
sobre os salários, representatividade dos sindicatos, padrões de negociações coleti-
vas, formas de arbitragem de negociações etc. Como as primeiras decorrem de
negociação entre as partes e são, por definição, flexíveis diante de condições
macroeconômicas, sociais e demográficas mais ou menos favoráveis a qualquer
das partes, será dedicada atenção aqui às segundas, que são mais perenes e, por
isso mesmo, menos reativas – ou, mais acertadamente, menos adaptativas – às
condições e requisitos dos objetivos do mercado.

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 235


2.1 Legislação Trabalhista

Os primórdios da atual legislação trabalhista na maioria dos países ocidentais


remontam ao início do século XX, e as razões para sua adoção são muito variadas.
Nos países europeus, de onde surgiu, foi o resultado de um pacto político entre o
setor empresarial e o operariado industrial. O crescimento das empresas e da
produtividade, de um lado, e o ideário marxista e as organizações sindicais, de
outro, criaram espaço para a reivindicação de melhores condições de trabalho
(redução da jornada de trabalho) e proteção para situações de desamparo (desem-
prego, doença, velhice). A legislação trabalhista também aparece como parte de
Padrão-ouro: é um uma onda ainda maior de proteção contra as ameaças da globalização anteriores
padrão monetário no qual
a moeda de cada país às duas grandes guerras mundiais: as ondas imigratórias, a concorrência de bens
mantém uma relação fixa importados, as flutuações da produção e do emprego devido à combinação de
com uma dada quantida-
de de ouro. Assim, as
choques com o padrão-ouro.
reservas que cada país
tivesse desse metal
Mesmo as idéias keynesianas tiveram seu papel na medida em que a proteção
determinava apreciação do emprego e o seguro-desemprego podem ser vistos como formas de amenizar o
ou depreciação da moeda
desse país. Além disso,
ciclo da demanda agregada. Atkinson (1999) nota que na década de 1950 “as
permitia estabelecer políticas de transferência eram vistas como contribuindo para o grau de estabili-
comparação entre moedas zação automática” (op.cit., p. 9).
de modo a facilitar o
comércio. O padrão-ouro
Na realidade, o principal motivo para que fossem adotadas leis de proteção
foi formalmente adotado
pela Inglaterra em 1816 e do emprego, seguro-desemprego e previdência social era reduzir as diferenças
vigorou até como padrão das chances da vida, atingir maior eqüidade entre gerações e diminuir a desi-
monetário internacional
durante todo o século XIX, gualdade entre raças, sexos, ou condições de saúde. De modo mais geral, esses
sendo, porém abandonado programas têm por objetivo ajudar as pessoas a realocar sua renda ao longo da
após a crise de 1929.
vida, ter um seguro contra eventos que causam perda de renda e prover um
Idéias keynesianas: John sentido de segurança para todos os cidadãos [Atkinson (1999, p. 6)].
Maynard Keynes
escreveu um dos mais Algumas das regras legais podem ser vistas ainda sob a ótica da eficiência.
importantes trabalhos Por exemplo, é possível argumentar que a proteção do emprego (aviso prévio e
em macroeconomia,
publicado em 1936, compensações rescisórias nas demissões) cumpre o papel de reduzir os incentivos
A teoria geral do emprego, à demissão e com isso aumentar o tempo de permanência no emprego, o que, em
juros e moeda. Nesse livro,
ele preconizava a
si, seria um fator a incentivar o investimento das empresas em treinamento. De
utilização de gastos forma similar, o seguro-desemprego permite ao trabalhador manter-se enquanto
públicos como forma de
transita entre dois empregos, sem ter que recorrer a empregos que não se adaptem
amenizar os ciclos
econômicos. Os gastos às suas habilidades e experiência. Em ambos os casos, tem-se a preservação ou
com seguridade social, um aumento da produtividade e da eficiência, o que conduz a maior crescimento
inclusive o seguro-
desemprego, passariam a econômico e geração de empregos.
ser vistos como mecanis-
mos estabilizadores As leis são oriundas de certas circunstâncias históricas, dos interesses polí-
dos ciclos. ticos em jogo e das ideologias. E assim como em determinadas circunstâncias faz

236 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


sentido adotar uma regra para o mercado de trabalho, em outras não faz. Ao
comentar teorias de desenvolvimento econômico, Porter (2000) argumenta que
“a aceitação de teorias equivocadas é algumas vezes uma questão de pura ideologia,
mas em algumas é uma conveniência associada a formas de controle político”
(op.cit., p. 23). O mesmo vale para as leis que, na verdade, traduzem em grande
medida as teorias de desenvolvimento do momento em que foram criadas. Douglass
North (1992, p.3) argumenta que “as instituições não são necessariamente, nem
mesmo usualmente, criadas para serem socialmente eficientes; em vez disso, elas,
ou pelo menos as regras formais, são criadas para servir ao interesse daqueles
com o poder de barganha para criar novas regras”. Em outras palavras, isso sig-
nifica que algumas regras e instituições não trazem resultados sociais desejáveis
(crescimento, eqüidade, eficiência), ou se o fazem em certas circunstâncias, podem
deixar de fazê-lo em outras.
Também é certo que as circunstâncias mudam, assim como as teses, as ideo-
logias e as forças políticas. E isso se aplica igualmente às leis e às instituições.
Por isso, com o tempo, leis e instituições também podem se tornar obsoletas.
Entre a Segunda Guerra Mundial e a década de 1970, as economias eram menos
integradas do que antes da Primeira Guerra, tanto do ponto de vista comercial e
financeiro quanto das migrações. As tarifas de importação eram elevadas, e havia
limites ao trânsito de capitais e trabalhadores. As economias cresceram na esteira
da reconstrução da Europa e do Japão, e as tecnologias empregadas provinham
essencialmente das inovações do período de guerra. Em grande parte, os Estados
Unidos financiaram o crescimento mundial, exportando tecnologias, produtos e
capital. Por sua conta, a União Soviética levava a cabo seu modelo de crescimento
à base do planejamento centralizado e a América Latina crescia implementando
o modelo de substituição de importações. Mesmo nas economias de mercado
predominava a visão de que o governo, as grandes empresas e as tecnocracias
pública e privada tinham meios eficazes para interferir no funcionamento dos
mercados e da economia de modo a produzir elevado crescimento econômico
com estabilidade [Galbraith (1967)]. Essas foram as décadas de ouro do cresci-
mento mundial sob a égide do pensamento keynesiano e social-democrata — com
variações, mas com traços comuns em várias partes do mundo, inclusive no
Reino Unido, berço do liberalismo, e nos Estados Unidos, seu sucessor.
Após a Segunda Guerra Mundial, tudo levava os países a um sistema de
maior planejamento e controle das economias, e a organização do mercado de
trabalho fazia parte desse projeto. Como argumenta Martin Wolf (2004, p. 126),
“desde o período da Primeira Guerra, os intelectuais expressavam dúvidas quanto
às ortodoxias do mercado livre (...) O capitalismo era crescentemente visto como
injusto, instável e ineficiente. As novas conquistas do estado na mobilização de

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 237


recursos para a guerra podiam, assim se argumentava, ser adaptadas ao período
de paz. Os socialistas e comunistas não estavam sozinhos ao acreditar nisso.
Muitos conservadores também aceitavam que para muitas questões as soluções
coletivistas e nacionalistas, eram certas para o novo tempo”.
Até as décadas de 1970 e 1980 as economias cresceram tendo por base as
Economias de escala: grandes empresas, cuja produtividade dependia essencialmente de economias de
Propriedade pela qual o
custo total médio cai à
escala. Nesse cenário, a organização do trabalho tinha como matrizes a especia-
medida que a quantidade lização em uma engrenagem hierarquizada e o pagamento de salários fixos, com
produzida aumenta. Em
pequena margem para a remuneração por resultados.
outras palavras, há
economia de escala
A partir da década de 1980, as circunstâncias mudaram e o modelo se esgotou.
quando a produção de
uma quantidade maior Essencialmente, o crescimento da produtividade e da renda diminuiu. Os fatores
possibilita a redução do usualmente apontados como responsáveis por ele são: o aumento do preço do
custo unitário de
produção. Apesar de petróleo, o baixo estímulo ao aumento da eficiência devido à falta de concorrência
aparentemente óbvio, o (doméstica e internacional), o abuso ao recurso do financiamento do crescimento
ganho ou economia de
escala não é evidente. Em via inflação, a fadiga da organização do mercado de trabalho baseado na combi-
muitas atividades, nação de salários fixos (independentes do desempenho da empresa), e o elevado
produzir 10 mil ou 100
mil unidades de um
grau de segurança dos trabalhadores (proteção do emprego e seguro-desemprego),
produto não traz nenhum segurança essa que terminava por desestimular o empenho por maior produtivi-
impacto em termos de
custo. Nesse caso,
dade. Esses fatores foram mudando ao longo dos anos até que, na década de
dizemos que não há 1990, configura-se um novo contexto. E é nele que as relações de trabalho e a
economia de escala. organização do mercado de trabalho devem ser agora examinados.
Hoje se conta no mundo com economias muito mais abertas, seja do ponto
de vista comercial ou financeiro. Há uma revolução tecnológica em curso que
reduz dramaticamente o custo da comunicação e do acesso à informação; há
maior crescimento da produtividade; a produção manufatureira desloca-se para
as economias emergentes – os países ricos não são mais economias industrializadas,
mas crescentemente desindustrializadas e pós-industriais; e ainda há a adoção de
câmbio flutuante em grande parte dos países. Todas essas circunstâncias exigem
das empresas enorme agilidade para se adaptar a inovações no campo da concor-
rência e da tecnologia. Sem essa agilidade não podem crescer, gerar lucros para
reinvestir e gerar empregos. A organização do trabalho precisa então se adaptar
a esse novo conjunto de fatores.
Em particular, as leis e negociações coletivas muito abrangentes, em nível de
indústrias ou setores, que estabelecem regras horizontais válidas para todas as em-
presas de todos os setores, reduzem a agilidade das empresas e, por vezes, impõem
custos que, se suportáveis para algumas, são severamente restritivos para muitas
outras. De forma similar, é possível que sistemas de proteção social muito abrangentes
possam trazer resultados indesejáveis em termos de perda de produtividade – e de

238 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


crescimento econômico – e segmentação do mercado de trabalho – entre empregados
e desempregados, adultos e jovens, formais e informais –, entre outros.
Em suma, um novo ambiente econômico mais competitivo combinado a
velhas instituições trabalhistas pode contribuir para menor crescimento do em-
prego e maior desigualdade de oportunidades de renda.

2.2 A Especificidade do Contrato de Trabalho

O mercado de trabalho não é como tantos outros. Não é, por exemplo, como o
mercado de peixes na feira. Neste, o peixe está ali, e pela consistência da carne e
pela cor das guelras um bom comprador sabe se é fresco ou não; além disso, há
outras barracas na feira vendendo peixes, havendo, portanto, espaço para a bar-
ganha de preço. Uma vez comprado, o consumidor sabe bastante bem o que tem
nas mãos e tem confiança de que pagou o que valia por aquele peixe.
O mercado de trabalho tem duas diferenças essenciais em relação a esse
mercado estilizado de peixes. Primeiro, a mercadoria, no caso as horas trabalhadas
e a dedicação do trabalhador – em resumo, seu esforço –, será entregue a prazo,
isto é, ao longo do tempo, e não instantaneamente. Em segundo lugar, no ato da
contratação, o trabalhador sabe melhor do que o futuro empregador do que é
capaz – pelo tanto que estudou, onde estudou, onde trabalhou, e pela sua dispo-
sição para o novo trabalho. Portanto, a principal diferença entre os dois mercados
é que, no de peixes, vendedor e comprador sabem de que se trata a mercadoria;
no mercado de trabalho, o comprador não está seguro do que está comprando.1
Logo, sua decisão de comprar é uma operação de risco cujo resultado vai ser
revelado ao longo do tempo.
A decisão de uma empresa de contratar um trabalhador é diferente da compra
de matéria-prima ou de energia elétrica, mas guarda semelhanças com a compra
de um equipamento, ou seja, a contratação de um trabalhador não deixa de ser
um investimento. Isso porque a contratação, assim como sua eventual demissão,
implica despesas e investimentos. Os mais evidentes são o treinamento e a adap-
tação do trabalhador não somente quando entra na empresa, mas também à
medida que novas técnicas são adotadas. Esse investimento é crescente à proporção
que o tempo passa. E é por esse motivo que em certas ocasiões as empresas
preferem usar horas extras a contratar novos trabalhadores, assim como dão
preferência também, para evitar os custos de demissão e recontratação, à manu-
tenção de empregados trabalhadores mesmo em fases de ociosidade.
Quanto mais sujeita estiver uma firma à concorrência e a inovações
tecnológicas, mais a contratação de um trabalhador se assemelha a um investimento,

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 239


dadas as incertezas quanto ao futuro e à capacidade do trabalhador. De modo a
reduzir tais riscos, as empresas tendem a estabelecer contratos em que esses mesmos
riscos são divididos com os trabalhadores. A forma mais difundida de distribuição
de riscos é a participação nos resultados ou nos lucros, vinculando assim a remu-
neração dos trabalhadores ao desempenho da empresa. Com isso o trabalhador se
torna como que um sócio da empresa, tanto no investimento quanto no risco.
Essa sociedade, ao mesmo tempo em que permite dividir os riscos entre empregador
e empregado, tem por meta alinhar os objetivos da empresa e do trabalhador, o
que, se bem-sucedido, resulta em maior produtividade e eficiência, assim como
em maior geração de emprego e renda.
Apesar de mais visível para firmas industriais e de prestação de serviços,
também a agricultura está sujeita à concorrência e às inovações. Em particular,
o ambiente de incertezas na agricultura pode ser especialmente agravado, ten-
do em vista particularidades decorrentes da sazonalidade típica dessa atividade.
A não-flexibilidade da legislação trabalhista de modo a incorporar essa dimen-
são reduz o volume de emprego agrícola e determina um volume de produção
inferior àquele que seria obtido caso houvesse flexibilidade (Quadro 2).

QUADRO 2
Legislação Trabalhista e Sazonalidade na Agricultura
A sazonalidade agrícola faz com que a contratação de mão-de-obra por curtos períodos seja
muito comum no setor, dando origem aos seguintes problemas: a) baixa qualificação da mão-
de-obra, já que não há incentivo nem para o empregador, nem para o empregado, em investir
na qualificação da força de trabalho devido à alta rotatividade; e b) incerteza quanto à oferta
de mão-de-obra, muitas vezes por um problema de comunicação entre as partes, inclusive
porque é cada vez mais comum que os trabalhadores provenham de regiões distantes das
regiões de demanda por essa mão-de-obra [ver a respeito Rezende (2006, p. 47-78)].
No passado, esse problema foi resolvido por meio de sistemas de emprego da mão-de-obra
como o colonato no café, no qual o colono recebia um lote de terra dentro da fazenda, onde
produzia a sua subsistência, e em troca ele tinha de trabalhar, recebendo uma remuneração em
dinheiro, quando atuava na atividade principal da fazenda (o café). Com a extensão da Conso-
lidação das Leis do Trabalho (CLT) ao campo em 1963, sistemas de emprego como esse foram
inviabilizados, já que se considerou uma obrigação do fazendeiro pagar salário ao empregado
durante todo o ano, e não apenas nos períodos em que ele trabalhava para a fazenda. Além
disso, com o Estatuto da Terra, instituído em 1964, o fazendeiro passou a correr o risco de
perder o direito de propriedade sobre a terra cedida ao trabalhador. Ambos os institutos legais
acabaram por inviabilizar sistemas de emprego adaptados às características da atividade agrícola.
O problema de incerteza quanto à oferta de mão-de-obra agrícola é também algo que
limita o crescimento do emprego na agricultura. A dificuldade de comunicação entre os dois
lados desse mercado de trabalho temporário cria a possibilidade de um intermediário, que tem
o nome, no Brasil, de turmeiro, gato ou empreiteiro, e que normalmente detém a informação
continua

240 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


continuação
sobre os dois lados e atua viabilizando o contato entre eles, inclusive por intermédio de uma
terceirização muito mais ampla do que meramente uma intermediação de mão-de-obra. Entre-
tanto, a Justiça do Trabalho vem impedindo que esse intermediário assine a carteira do traba-
lhador, o que, infelizmente, tem dificultado o desenvolvimento desse mercado de trabalho e,
mais geralmente, da terceirização agrícola.
O Papel da Justiça do Trabalho
O Enunciado 331, do Tribunal Superior do Trabalho (TST) define que “a contratação de traba-
lhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador
de serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 02/01/74)”. Embora o trabalho
sazonal agrícola seja também temporário, a exceção prevista nesse enunciado não o atinge,
aparentemente por duas razões: a) a legislação restringe a contratação de “trabalho temporário”
ao meio urbano; e b) considera-se que a atividade da “empresa interposta” não pode incluir
atividades-fim, como o corte de cana, por exemplo. Não bastassem esses motivos, o capital
inicial exigido para a abertura de uma “empresa de trabalho temporário” é de no mínimo R$ 100 mil
o que é incompatível com a realidade agrícola.
Essa atuação da Justiça do Trabalho decorre da interpretação de que esse empreiteiro seria,
na realidade, um mero preposto do fazendeiro, um artifício que este último teria inventado
para fugir da contratação direta do trabalhador. Mesmo na hipótese de que essa transação se
limitasse a uma mera intermediação de mão-de-obra – o que nunca acontece de fato, já que
pelo menos o transporte do trabalhador é fornecido pelo intermediário –, ainda assim não se
justifica o atual impedimento legal a que esse intermediário seja o contratante dessa mão-de-
obra. A realidade é que esse mercado, devido à sua própria natureza, pressupõe um mecanismo
qualquer de transmissão de informação entre os dois lados, ou seja, o do agricultor e o do
trabalhador, que em regra vivem distantes um do outro. Considerar que o gato é um mero
artifício que o agricultor usa para descumprir a lei é admitir que o agricultor pudesse de fato
dispensar esse intermediário, contratando diretamente a mão-de-obra de que ele necessita.
É fácil mostrar a vantagem que se poderia obter se mudasse essa legislação. Suponha que
10 cafeicultores precisem, cada um, de um grupo de 30 trabalhadores pelo período de um mês,
de maneira seqüencial. Caso cada fazendeiro contratasse esse grupo de trabalhadores, o custo
total de contratação será muito maior do que se esse mesmo grupo tivesse sido contratado
apenas uma vez, por um intermediário, que, então, o alugaria – inserido ou não em uma
terceirização mais ampla – a cada cafeicultor, separadamente. Sendo menor o custo da
contratação – posto que ocorreria apenas uma vez – por meio do intermediário, o resultado
poderia ser remuneração maior ao trabalhador e redução do custo de produção para cada
cafeicultor. Todos poderiam ganhar. Mas seria especialmente importante que uma das partes, o
trabalhador, que costuma provir de regiões muito pobres, pudesse ganhar, mesmo que não
fosse via aumento de salário, mas via maior estabilidade no emprego, podendo, assim, passar a
fazer jus ao seguro-desemprego – que é um direito concedido ao trabalhador contratado por
um período superior a seis meses – em momentos de ociosidade.
Note-se que essa inviabilização do empreiteiro afeta muito menos o grande empregador,
como é o caso do usineiro com produção própria de cana, já que ele consegue arcar com os
custos de contratação e de transporte dos trabalhadores de suas regiões de origem. Assim, a
política trabalhista acaba contribuindo para o padrão reconhecidamente concentrador de nossa
agricultura.
continua

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 241


continuação
Uma Análise Teórica dos Efeitos da Política Trabalhista Agrícola no Brasil
Uma decorrência da atual política trabalhista agrícola é a criação de uma grave distorção no
mercado de trabalho na agricultura, com a mão-de-obra sendo muito cara para o empregador,
embora o salário recebido pelo trabalhador seja muito baixo.
Essa cunha tem vários componentes, mas o mais importante é que, ademais dos encargos
trabalhistas, existe o custo administrativo em que o empregador incorre para cumprir todas as
exigências da CLT – como, por exemplo, abrir conta do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
(FGTS), manter atualizados os registros dos empregados, além das despesas com o deslocamento
campo-cidade. Esse custo administrativo, por trabalhador, é tão maior quanto menor for o
tamanho da força de trabalho e, por isso, atinge mais o pequeno e o médio empregador, com-
parativamente ao grande empregador. Esses custos que incidem sobre o setor produtivo, mas
que não são apropriáveis pela mão-de-obra, acabam operando como se fossem taxações sobre
essa mesma mão-de-obra, mas sem gerar receita para o governo. O resultado desse imposto
sobre a mão-de-obra é a redução do número de horas trabalhadas, diminuição do salário
líquido do trabalhador e elevação do custo da mão-de-obra para o empregador.
Não é de estranhar, portanto, que a informalidade nesse mercado de trabalho sazonal agrí-
cola seja muito maior do que no mercado de trabalho agrícola permanente, e também muito
maior do que a do mercado de trabalho urbano.

3. O EFEITO DAS INSTITUIÇÕES DO MERCADO DE TRABALHO

Como se viu aqui, as instituições do mercado de trabalho provêm de regras formais


previstas em leis e regras informais – às vezes inscritas em contratos – desenvol-
vidas a partir da interação direta entre empregadores e trabalhadores. Há diferentes
motivações por trás dessas instituições. Por um lado, elas respondem às caracte-
rísticas particulares da relação de trabalho, como a assimetria de informações
entre o trabalhador e o empregador, o fato de ser uma transação que ocorre ao
longo do tempo, e de envolver custos permanentes de adaptação do trabalhador
a inovações. Por outro, essas instituições respondem à interação de forças políticas,
teses e ideologias que forjam as leis. Tanto umas como outras podem se tornar
obsoletas frente a diferentes circunstâncias, não satisfazendo à nova correlação
de forças políticas, ou produzindo efeitos socioeconômicos indesejáveis.
Nem sempre, ou quase nunca, entretanto, as novas circunstâncias se traduzem
em reformas institucionais sem que haja conflitos entre ganhadores e perdedores,
e entre interpretações e visões sobre os seus benefícios sociais. No caso das ins-
tituições do mercado de trabalho isso é muito claro. Há hoje uma visão muito
disseminada, ainda que longe de ser consensual, de que as leis trabalhistas – de
regulação do emprego e de seguridade social – são importantes para o desempenho
das economias, mas que em alguns casos foram longe demais, impondo restrições

242 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


à operação das empresas, o que termina reduzindo a geração de empregos e
aumentando o desemprego e a segmentação do mercado de trabalho.
Existem, obviamente, pesquisadores que discordam dessa visão, vendo nela
um argumento para alterar o balanço de forças entre capital e trabalho, contra os
interesses dos trabalhadores, que se veriam enfraquecidos com a reforma da le-
gislação trabalhista. Para esses pesquisadores, outros fatores, externos à esfera
do mercado de trabalho, são os responsáveis pela piora no desempenho do em-
prego e da renda em alguns países. Segundo eles, nas décadas de 1970 e 1980,
por exemplo, quando aumentou o desemprego nos países europeus, a elevação
das taxas de juros e a redução na taxa de crescimento da produtividade teriam
sido fatores mais importantes no processo do que os excessos da regulação do
mercado de trabalho. No Brasil, a abertura da economia, a austeridade fiscal ou
as elevadas taxas de juros seriam os principais candidatos a vilões nesse caso.
No fim das contas, talvez a verdade esteja no meio do caminho: a combinação
de condições externas ao mercado de trabalho com os limites impostos pela le-
gislação trabalhista e de seguridade social é a responsável pela piora no desem-
penho do mercado de trabalho de alguns países.
Ao longo dos últimos 20 anos, os especialistas na matéria foram acumulando
conhecimento teórico e empírico sobre o papel das instituições do mercado de
trabalho. Com base nesses estudos, listam-se a seguir os principais efeitos da
legislação trabalhista sobre o desempenho do mercado de trabalho e o desempenho
econômico de modo geral.
z O crescimento do sistema de seguridade social (seguro-desemprego, seguro-
saúde e aposentadorias) induz à redução da taxa de poupança da economia e,
com isso, do potencial de crescimento econômico. Na medida em que os traba-
lhadores deixam de poupar para situações de desemprego, doença e aposentadoria,
e o governo financia esses benefícios taxando a renda dos trabalhadores ativos,
a taxa de poupança da economia e, assim, o crescimento potencial são menores
do que seriam se os benefícios fossem menores. Esse seria um fator externo ao
mercado de trabalho, mas, ainda assim, com efeitos flagrantes sobre ele.
z O trabalhador que recebe o benefício rescisório e o seguro-desemprego
tem menos incentivos para procurar outro emprego ou aceitar outros tipos de
empregos. Sendo assim, a combinação de regras de benefícios rescisórios em
casos de demissão com o acesso ao seguro-desemprego reduz a pressão de procu-
ra de novo emprego, o que eleva tanto a taxa quanto a duração do desemprego.
Os economistas chamam a renda do trabalhador quando está desempregado de
salário de reserva (Quadro 3), e afirmam que, quanto maior o salário de reserva,
menor o incentivo dos trabalhadores para aceitar empregos que fogem um pouco

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 243


QUADRO 3
Salário de Reserva e Taxa de Desemprego Natural
O salário de reserva é definido como o salário abaixo do qual o trabalhador prefere não aceitar
um emprego. Nesse caso, o indivíduo fica desempregado voluntariamente ao recusar propostas
de emprego consideradas insatisfatórias.
O salário de reserva tem implicações importantes, tanto para o nível salarial quanto para a
taxa de desemprego. Um indivíduo com alto salário de reserva tem uma expectativa de salário
elevado. No entanto, este mesmo indivíduo tem também menor probabilidade de encontrar um
emprego que considere aceitável, ou seja, que pague o salário que ele tem pretensão de receber,
o que tende a prolongar seu período de desemprego.
Em geral, em países em que o seguro-desemprego é maior do que o salário do trabalhador
enquanto estava empregado, maiores são a taxa de desemprego e a duração média do desem-
prego. Essa mesma relação é válida quanto à extensão do período de pagamento do seguro-
desemprego.
O salário de reserva é determinado por características individuais, como o desprazer de
trabalhar, por exemplo, que varia de indivíduo para indivíduo. Mas fatores institucionais também
são importantes. Os benefícios provenientes do seguro-desemprego aumentam a garantia de
renda do indivíduo quando desempregado e, portanto, o seu salário de reserva, fazendo com
que ele seja ainda mais seletivo na escolha do emprego. O mesmo argumento deve valer para as
políticas de transferências do governo para os trabalhadores de uma forma geral – no Brasil,
entre outros, o abono do Programa de Integração Social (PIS), as aposentadorias e pensões, e o
Bolsa Família.
Os economistas usam o termo taxa natural de desemprego para designar situações em que
o desemprego é resultado da decisão voluntária de desempregados de não aceitarem os empregos
que estão sendo oferecidos pelas empresas. É verdade que pode haver uma distância muito
grande entre os tipos de vagas abertas e as habilidades e expectativas dos trabalhadores de-
sempregados. Essa distância aumenta proporcionalmente ao tamanho do salário de reserva.
As evidências empíricas têm mostrado que a taxa natural de desemprego não é constante
para um mesmo país ao longo do tempo, assim como também difere bastante entre os países.
Fatores que influenciam o processo de busca por emprego e os fluxos de trabalhadores entre
postos de trabalho e entre as condições de empregado e desempregado dinamizam a taxa
natural de desemprego. A cobertura e o valor do seguro-desemprego, ao reduzir o incentivo
para a busca por emprego, pode influenciar positivamente a duração do desemprego, aumen-
tando a taxa natural de desemprego. Tanto instituições que impõem alta rigidez no mercado de
trabalho quanto o sistema de barganha sindical também podem contribuir para maior taxa
natural de desemprego ao dificultarem os fluxos de trabalhadores no mercado.

do que estão buscando ou que pagam menos do que estavam esperando, o que
aparece nas estatísticas como aumento da taxa de desemprego.2
As restrições à demissão e à contratação de trabalhadores em regime de
z
emprego temporário aumentam o poder de barganha dos trabalhadores empregados
por um salário mais alto, caso em que há uma redução da oferta de vagas pelas
empresas. Dada a concorrência com que se defrontam as empresas, quanto maiores

244 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


seus custos, inclusive salariais, menor seu incentivo de empregar mais trabalha-
dores. Isso teria elevada capacidade explicativa da menor geração de empregos,
do aumento do desemprego e da segmentação do mercado entre formais e informais,
adultos empregados e jovens desempregados.
z As várias regras do contrato individual (benefícios rescisórios, custo das
horas extras, bonificações legais como o décimo terceiro salário), negociações
coletivas acima do nível da empresa (nacionais ou setoriais), bem como a ação de
árbitros ou da Justiça do Trabalho que estabelecem condições uniformes para
trabalhadores de um setor ou de toda a economia reduzem a flexibilidade das
empresas. Isso diminui a capacidade das empresas de se adaptarem a variações
cíclicas da demanda, ao aumento da concorrência e a inovações tecnológicas,
com o que restam reduzidas sua eficiência, lucratividade e investimento. Como
resultado, cai a taxa de crescimento da economia, do emprego e da renda do
trabalho.
z Quanto mais abrangente a cobertura do salário mínimo, maior a probabi-
lidade de que certos grupos de trabalhadores – menos educados, mais jovens ou
residentes em regiões mais pobres, por exemplo – não se habilitem a concorrer a
vagas no mercado formal, com o que se cria maior segmentação no mercado de
trabalho. Nesse caso, os trabalhadores menos educados ou mais jovens ficariam
desempregados ou se empregariam informalmente.
z Quanto maior a cunha fiscal sobre o salário – definida como a diferença
entre o custo salarial e o salário que vai para o bolso do trabalhador –, menor o
incentivo das empresas para utilizar tecnologias intensivas em mão-de-obra e
maior o incentivo delas para a contratação informal. Ou seja, impostos que incidem
sobre a folha de salário, além das contribuições para a seguridade social, tendem
a reduzir a criação de empregos e aumentar a informalidade.

4. COMO IDENTIFICAR O EFEITO DAS INSTITUIÇÕES NA


EXPERIÊNCIA BRASILEIRA?

As análises empíricas, ao examinarem o desempenho do mercado de trabalho, se


defrontam com a difícil tarefa de distinguir os efeitos de fatores externos daqueles
das suas próprias instituições. Isso vale, por exemplo, para a extensa literatura
sobre o aumento do desemprego na Europa. Mas não é diferente no caso do
aumento do desemprego e da informalidade no Brasil ao longo dos anos 1990.
Antes de focar com mais detalhe as experiências internacional e brasileira, listam-se
a seguir os vários eventos, mudanças na política econômica e alterações

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 245


institucionais ocorridos no Brasil, de modo a identificar os candidatos à explicação
do que ocorreu com o mercado de trabalho.
z Abertura da economia, novas tecnologias e privatizações. Entre o final da
década de 1980 e meados da década seguinte, a economia brasileira passou por
um processo de privatização, de redução de tarifas e outras restrições de natureza
administrativa de importação, além da apreciação da taxa de câmbio entre 1994
e 1998. A abertura acelerou a adoção de novas tecnologias, principalmente nas
áreas de automação, comunicação e processamento de dados. Ao lado das
privatizações, a abertura e as inovações acarretaram profundo rearranjo setorial
e reestruturação empresarial, com alguns setores imergindo enquanto outros
emergiam. Determinados setores sucumbiram à concorrência externa, mas outros
se fortaleceram à medida que puderam ter acesso a insumos e novas tecnologias
importadas. Esse processo de destruição criadora gera uma enorme movimentação
dos trabalhadores entre setores e entre empresas, o que produz um aumento –
transitório, mas que pode durar anos – da taxa de desemprego, bem como efeitos
diferenciados sobre a renda e o emprego de trabalhadores com diferentes carac-
terísticas – notadamente idade e grau de instrução.
z Estabilização. A drástica redução da inflação a partir de 1995 também
afeta a estrutura produtiva e de empregos. Com a inflação, alguns setores e pro-
fissões são valorizados, mas quando ela se reduz, perdem importância. Além
desse efeito, a inflação – especialmente aquela taxa alta, como ocorreu no Brasil
até 1994 – pode mascarar resultados operacionais negativos das empresas que
ficam evidentes – e por vezes insustentáveis – quando a inflação é derrubada
subitamente.
zChoques externos. Os anos iniciais de abertura e estabilização vieram acom-
panhados de diversas crises importadas do exterior (México em 1995, Ásia em
1997, Argentina em 2002), associadas a episódios de elevação da taxa de juros e
oscilações cambiais após 1999 que afetaram a economia brasileira, conforme foi
visto no Capítulo 1 desta edição. Ou seja, o período entre 1995 e 2002 foi marcado
por ciclos de expansão e desaceleração que exigiram enorme capacidade de adap-
tação das empresas.
z Elevação da carga tributária. Por conta do aumento dos gastos de natureza
social (previdência, assistência e outros programas de transferência de renda), do
ajuste fiscal e da elevação dos juros, houve um aumento da carga tributária da
ordem de 10% do PIB desde 1994, o que retirou capacidade de investimento das
empresas e gerou incentivos para a informalização. Como forma de mitigar os
efeitos desse aumento, o governo introduziu dois sistemas alternativos de tribu-
tação: o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das

246 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (Simples), e a tributação sobre
lucro presumido, com efeitos sobre a alocação de investimentos e a escolha entre
pessoas físicas e jurídicas dos trabalhadores. Essas mudanças, como será visto
depois neste capítulo, têm efeitos sobre a eficiência produtiva dos trabalhadores
e empresas e, portanto, sobre o crescimento da economia.
z Constituição de 1988. Às vésperas de todas essas mudanças e choques que
aumentaram a concorrência e exigiram tamanha capacidade de adaptação e
reestruturação das empresas, foi votada a nova Constituição, que aumentou o
grau de regulamentação do emprego e elevou seu custo legal. É evidente que a
combinação de maior requerimento de flexibilidade com aumento da regulamen-
tação implica menor oferta de postos de trabalho e mais incentivos à informalidade.
z Aumento do salário mínimo. Ao longo da segunda metade da década de
1990, em meio a uma fase de baixo crescimento econômico e queda dos salários
reais, o governo promoveu uma política de aumento do poder de compra do
salário mínimo. O aumento da relação entre salário mínimo e salário de mercado
daqueles trabalhadores com rendimento em torno de um salário mínimo tornou
mais difícil para algumas empresas manterem ou aumentarem as vagas com car-
teira assinada.
Como se vê, houve uma combinação de fatores a influenciar o mercado de
trabalho, de tal sorte que é praticamente impossível dizer o peso relativo de cada
um deles no aumento do desemprego e da informalidade, assim como na redução
dos salários na segunda metade dos anos 1990 e nos primeiros anos subseqüentes.
O mais seguro é dizer que as causas são múltiplas, mas que a combinação de
aumento do custo do trabalho e da regulação do emprego só tornou mais difícil
a adaptação das empresas ao novo ambiente tecnológico e de concorrência – ver
Capítulo 6.

5. CRESCIMENTO ECONÔMICO E DESEMPENHO DO


MERCADO DE TRABALHO

Esta seção examina brevemente a relação entre ciclo econômico e geração de


empregos, valor do salário real e grau de informalidade no Brasil entre 1992 e
2002, para, em seguida, analisar a relação entre instituições e desempenho do
mercado de trabalho (Gráficos 1 a 5).
Os Gráficos 1 e 2 mostram que existe uma correlação positiva entre as variações
acumuladas a cada 12 meses da produção industrial – usada como medida de
atividade econômica mais cíclica – e do emprego. Observando-se o Gráfico 2,
nota-se a existência bem pronunciada da relação positiva entre crescimento do

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 247


GRÁFICO 1
Emprego e Produção Industrial

[variação mensal em 12 meses]


20

15

10

-5

-10

-15

m 01
m 93

m 94

se 1
m 92

se 3

se 4

m 98
se 2

m 02
se 8
m 95

m 96

se 2
se 5

m 99

m 00
se 6

m 97

se 9

se 0
se 7

jan 01
jan 3

jan 4
jan 2

jan 8

2
jan 5

jan 6

jan 99

jan 0
jan 7

0
9

9
9

9
9

0
9

t/0
t/9

t/9
t/9

t/9
t/9

t/9

t/0
t/9

/
ai/

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ai/

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/

/
ai/

/
ai/

ai/

ai/
ai/

t/
t/
jan

Fonte: IBGE. Taxa de variação acumulada do nível de emprego (12 meses) Taxa de variação acumulada da produção industrial (12 meses)

GRÁFICO 2
Emprego e Produção Industrial

[emprego (variação mensal em 12 meses)]


7
6
5
4
3
2
1
0
-1
-2
-15 -10 -5 0 5 10 15
Produção industrial

Fonte: IBGE.

produto e do emprego. A linha de tendência indica ainda que, quando a produção


cresce 10%, o emprego aumenta em 3%.
Os Gráficos 3 e 4 indicam que as variações do salário real são positivamente
correlacionadas com as variações da produção industrial e do nível de emprego.
Porém, notam-se dois diferentes regimes: até 1998, com inflação em queda, a
variação do salário real é positiva, enquanto depois, com inflação em elevação, o
salário real cai. E esta é uma forte evidência da importância da inflação na evo-
lução do salário real médio no Brasil.
Por último, o Gráfico 5 mostra que a informalidade é anticíclica, isto é, cai
quando o emprego aumenta. Contudo, ao longo de todo o período, há uma elevação
do grau de informalidade.

248 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 3
Rendimento Médio e Produção Industrial

[variação mensal em 12 meses]


30
25
20
15
10
5
0
-5
-10
-15
2 2 2 2 3 3 3 3 4 4 4 4 5 5 5 5 6 6 6 6 7 7 7 7 8 8 8 8 9 9 9 9 0 0 0 0 1 1 1 1 2 2 2 2
/9 r/9 l/9 t/9 /9 r/9 l/9 t/9 /9 r/9 l/9 t/9 /9 r/9 l/9 t/9 /9 r/9 l/9 t/9 /9 r/9 l/9 t/9 /9 r/9 l/9 t/9 /9 r/9 l/9 t/9 /0 r/0 l/0 t/0 n/0 r/0 l/0 t/0 n/0 r/0 l/0 t/0
jan ab ju ou jan ab ju ou jan ab ju ou jan ab ju ou jan ab ju ou jan ab ju ou jan ab ju ou jan ab ju ou jan ab ju ou ja ab ju ou ja ab ju ou

Fonte: IBGE. Rendimento médio Produção industrial

GRÁFICO 4
Emprego e Rendimento Médio

[variação mensal em 12 meses]


7,0 25,0
6,0 20,0
5,0
15,0
4,0
3,0 10,0
2,0 5,0
1,0 0,0
0,0
-5,0
-1,0
-2,0 -10,0
-3,0 -15,0
2 2 2 3 3 3 4 4 4 5 5 5 6 6 6 7 7 7 8 8 8 9 9 9 0 0 0 1 1 1 2 2 2
/9 i/9 t/9 n/9 i/9 t/9 /9 i/9 t/9 /9 i/9 t/9 /9 i/9 t/9 /9 i/9 t/9 /9 i/9 t/9 /9 i/9 t/9 /0 i/0 t/0 n/0 i/0 t/0 n/0 i/0 t/0
jan ma se ja ma se jan ma se jan ma se jan ma se jan ma se jan ma se jan ma se jan ma se ja ma se ja ma se

Fonte: IBGE. Emprego Rendimento médio

GRÁFICO 5
Emprego e Informalidade

[variação mensal em 12 meses]


10,0 7,0
8,0 6,0
5,0
6,0
4,0
4,0 3,0
2,0 2,0
0,0 1,0
0,0
-2,0
-1,0
-4,0 -2,0
-6,0 -3,0
m /01
se 1
jan 01
m 93
se 93
jan 3
m /94
se 4
jan 94

m /02
se 2
2
m 92
se 92
jan 92

m /98
se 8
jan 98
m 95
se 95
jan 95
m /96
se 6
jan 96

m 99
se 9
jan 99
m /00
se 00
jan 0
m 97
se 7
jan 97

0
t/0
t/9

9
9

t/0
9

ai/
t/

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ai/

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ai/
t/

ai/
t/

/
ai/
t/

ai/
/
ai/
t/
jan

Fonte: IBGE. Informalidade Emprego

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 249


É comum a alegação de que a falta de empregos, os baixos salários e a
informalidade são resultado do baixo crescimento econômico. Mas esta é uma
meia verdade e deve, sempre, ser vista com ressalvas. É claro que se a economia
brasileira tivesse crescido mais nos últimos anos, teriam sido criadas mais vagas,
os salários teriam crescido e a informalidade seria menor. Há, porém, dois fatores
a qualificar essa relação entre crescimento e mercado de trabalho.
Primeiro, em geral, crescimento econômico, geração de empregos e salários
mais elevados estão positivamente correlacionados, embora não se possa dizer
com precisão que um determina o outro. Não existe uma relação de causalidade
entre crescimento e desempenho do mercado de trabalho porque ambos são de-
terminados por um terceiro conjunto de fatores comuns que os afetam na mesma
direção, como mostra a Figura 2 adiante. Esses fatores são, entre outros, a quali-
dade das instituições, a política econômica, as políticas educacional e tecnológica,
e a própria organização do mercado de trabalho.
Em segundo lugar, há que se notar que a organização do mercado de tra-
balho – isto é, suas regras, características de funcionamento, seus participantes e
as políticas públicas – integra esse conjunto de fatores que explica tanto o cres-
cimento econômico como o desemprego, os salários e a informalidade. Ou seja, a
forma como o mercado de trabalho está organizado e funciona — por meio dos
incentivos que produz sobre empregadores e trabalhadores, assim como sobre a efi-
ciência produtiva — é parte das variáveis determinantes do crescimento econômico.
O que esses dois argumentos mostram é que não acrescenta muito à discussão
sobre determinantes do emprego, da renda e sobre outras medidas de desempenho
do mercado de trabalho, dizer que eles dependem do crescimento econômico.

FIGURA 2

l Qualidade das instituições


l Política econômica l Crescimento econômico
l Políticas fiscal e monetária l Desempenho do mercado de
l Estrutura tributária trabalho: geração de empregos,
l Regulação dos mercados salários, informalidade
l Políticas educacional e tecnológica

l Instituições trabalhistas
l Legislação
l Agentes (trabalhadores, firmas, sindicatos,
Justiça do Trabalho, agentes governamentais)

250 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Primeiro porque existem variáveis comuns que afetam ambos. Segundo porque o
crescimento econômico e a distribuição da renda entre trabalhadores – que por
sua vez depende da composição dos empregos entre setores e entre formais e
informais – também dependem da forma como está organizado e como funciona
o mercado de trabalho.
Ainda sobre o tema da relação entre crescimento e mercado de trabalho vale a
pena lembrar que existem essencialmente duas visões sobre o papel da política
econômica. Na primeira visão, as políticas que geram emprego são aquelas que pro-
movem a expansão da demanda (juros baixos, aumento dos gastos sociais, elevação
do salário mínimo e câmbio depreciado, entre outros). Na segunda, as políticas
que geram emprego são aquelas que garantem estabilidade de preços e baixa
volatilidade macroeconômica e, com isso, incentivam a poupança, o investimento
e a eficiência produtiva. Comparada à primeira visão, tem-se aqui um cenário
com juros mais elevados, câmbio mais apreciado e posturas mais conservadoras
no que tange à política fiscal – o Capítulo 1 deste volume discute o assunto com
detalhes. Este não é o lugar para dirimir a disputa entre as duas visões sobre a
macroeconomia. Porém, mesmo reconhecendo o papel da demanda agregada para
o crescimento, este capítulo, em consonância com o debatido no Capítulo 1, terá
como foco as relações de longo prazo em que os fatores determinantes da oferta
(poupança, investimento, produtividade e eficiência produtiva) são os mais im-
portantes. E, nesse sentido, como se verá aqui, a legislação trabalhista e as polí-
ticas de mercado de trabalho, ao afetarem as decisões de poupança e investimento,
oferta de trabalho, treinamento da força de trabalho etc., têm efeito decisivo
sobre o crescimento da economia.
Por fim, podemos dizer que, no caso do Brasil, vários fatores influenciaram o
desempenho do mercado de trabalho: a abertura da economia, a adoção de novas
tecnologias; as privatizações; a estabilização; os choques externos; a elevação da
carga tributária; a Constituição de 1988; e o aumento real do salário mínimo. Por isso
mesmo, não acrescenta muito ao debate dizer que houve aumento do desemprego e
da informalidade porque a economia cresceu pouco. Seria reduzir um problema com-
plexo a apenas uma dimensão, e sequer a mais importante. Como já exposto, ambos
os desempenhos, o do mercado de trabalho e o da economia, respondem a um con-
junto comum de fatores entre os quais se destacam a qualidade das instituições, as
políticas econômica, educacional e tecnológica, assim como a abertura da economia
e as regulamentações dos mercados, inclusive do mercado de trabalho.

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 251


6. DESEMPREGO

6.1 Painel Internacional

O esforço de padronização das informações sobre diversos países por parte da


Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do Banco
Mundial, assim como de pesquisadores individuais, permite trabalhar com um
painel de informações para comparar o desempenho dos mercados de trabalho. O
Quadro 4 apresenta dados sobre a taxa de desemprego, a taxa de participação e a
taxa de emprego.3 As informações aparecem na forma de dois rankings: no pri-
meiro estão apresentados os países com melhor desempenho; no segundo o con-
junto de países com pior desempenho.
Os países com melhor desempenho (menores taxas de desemprego e maiores
taxas de emprego e participação) são a Suíça, os países nórdicos (menos a Fin-
lândia), a Holanda e os Estados Unidos. Os de pior performance são a Espanha, a

QUADRO 4
Ranking de Melhores e Piores Desempenhos

Melhor desempenho

Ranking Menor taxa de desemprego Maior taxa de participação Maior taxa de emprego

1 Holanda Suíça Suíça

2 Suíça Noruega Noruega

3 Noruega Suécia Dinamarca

4 Áustria Dinamarca Suécia

5 Dinamarca Estados Unidos Holanda

6 Portugal Canadá Estados Unidos

Pior desempenho

Maior taxa de desemprego Menor taxa de participação Menor taxa de emprego

1 Espanha Itália Itália

2 Itália Bélgica Espanha

3 Finlândia Espanha Bélgica

4 França França França

5 Alemanha Áustria Alemanha

6 Canadá Portugal Finlândia


Fonte: OCDE.

252 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Itália, a França, a Alemanha, a Bélgica e a Finlândia. É importante notar que as
principais economias da Europa Continental encontram-se entre as de pior de-
sempenho. Existe uma correlação positiva entre os indicadores: os países em que
as pessoas mais participam do mercado de trabalho – isto é, estão empregadas ou
procurando emprego – são também aqueles em que geralmente essas pessoas se
empregam mais (taxa de emprego elevada) e cuja probabilidade de estar desem-
pregada é menor. O mesmo vale para os países com pior desempenho.
Não aparece no quadro, mas vale registrar, que os países com maiores taxas
de desemprego são também aqueles em que a duração do desemprego (período
em que o trabalhador permanece desempregado) é maior. Ou seja, nesses países,
se um trabalhador fica desempregado, a probabilidade de não conseguir emprego
por um longo período é maior do que nos países com melhor desempenho.
Outra regularidade, mostrada por Cahuc e Zylberberg (2004), é que em vários
países existe uma correlação positiva entre a variação do emprego, do salário
real médio e da produtividade do trabalho. É importante chamar atenção para
esse fato porque em geral se associa o crescimento da produtividade à queda do
emprego e ao aumento do desemprego. O argumento usual é que quando se
introduzem técnicas que aumentam a produtividade, as empresas precisam em-
pregar menos trabalhadores para produzir. Mas, geralmente, uma economia que
experimenta aumento generalizado da produtividade está investindo e crescendo,
muitas vezes em outros setores criados a partir do aumento da produtividade, o
que explicaria o aumento do emprego e dos salários. Nos Estados Unidos, onde
tem crescido muito a produtividade do trabalho na indústria manufatureira, o
emprego tem crescido graças aos setores intensivos em tecnologia e de serviços.

GRÁFICO 6
Total de Empregados

[em milhão]
160
140
120
100
80
60
40
20
0
69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04
19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 20 20 20 20 20

Fonte: OCDE. França Japão Reino Unido Estados Unidos

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 253


A taxa de desemprego dos países ricos, com algumas exceções, cresceu nas
décadas de 1970 e 1980, e se mantém elevada desde então. A partir do primeiro
choque do petróleo no início da década de 1970 o desemprego aumentou muito
na maioria dos países. Em alguns casos, como nos Estados Unidos, a taxa de
desemprego recuou no final da década de 1980 após um período de grande ex-
pansão econômica. Em outros casos, tipicamente os dos países europeus, a taxa
de desemprego permaneceu elevada não apenas na década de 1980, mas também
na década seguinte. Houve exceções, como mostra a tabela: os países nórdicos, a
Áustria, a Suíça, o Japão e os Estados Unidos.
A taxa de desemprego na comunidade européia era de cerca de 3% antes do
primeiro choque do petróleo. A partir de então, o desemprego aumentou signifi-
cativamente, alcançando 11% em 1985. Apesar de uma redução para pouco mais
de 8% no final da década de 1980, a taxa de desemprego voltou a aumentar,
atingindo 10% no início dos anos 1990, quando se manteve a trajetória de cres-
cimento na maior parte dos países europeus. É importante frisar que há grande
heterogeneidade entre as taxas de desemprego dos países da Europa, como pode
ser visto no Gráfico 7.
As duas perguntas que os pesquisadores buscam responder são por que as
taxas de desemprego na OCDE foram baixas durante as décadas de 1950 e 1960
e aumentaram desde então na maioria dos países, e quais são as causas da grande
variação nas taxas de desemprego entre os países da OCDE. As respostas não são
simples, tampouco conclusivas. A pesquisa econômica vem evoluindo para tentar
lidar com elas.
Para explicar as diferenças de desemprego entre os países da OCDE as aná-
lises consideram uma série de mudanças nas condições econômicas (preços do

GRÁFICO 7
Taxa de Desemprego em Países da OCDE

[em %]
14

12

10

0
ha lia ia ica á ca ha os di
a ça da da lia pã
o
eg
a
di
a
id
o ia íça
an trá str lg ad ar an id
lân an lan an Itá Ja ru lân Un
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A Di do va ein
ta No
R
Fonte: OCDE. Es 1970 2000

254 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


petróleo, queda da produtividade, aumento da taxa de juros) e medidas
institucionais. De uma forma geral, os resultados encontrados mostram que algumas
dessas instituições são importantes para explicar a evolução das taxas de emprego
e desemprego.
Blanchard e Wolfers (1999) analisam o aumento do desemprego na Europa,
procurando conciliar essa trajetória com alguns fatos ocorridos na época. Segundo
eles, os choques (aumento no preço do petróleo e a redução na produtividade na
década de 1970, e o aumento da taxa de juros nos anos 1980) explicam o aumento
do desemprego em todos os países, mas não explicam as diferenças do processo
entre eles. As instituições de mercado de trabalho, por sua vez, parecem influenciar
a taxa natural de desemprego, tendo se tornado uma explicação comum para a
persistência do alto desemprego na Europa.
Enfim, as conclusões mais importantes sobre o desemprego nos países ricos
não diferem dos efeitos associados às instituições do mercado de trabalho antes
mencionados aqui:
z A rigidez dos salários à baixa diante de choques, que reduzem a rentabilidade
das empresas, termina por também reduzir a acumulação de capital e a geração de
empregos. Os efeitos da rigidez salarial são tão maiores quanto mais intensa for a
volatilidade dos mercados em que operam as empresas. Em um ambiente de maior
concorrência e inovações tecnológicas, as empresas precisam de flexibilidade para
adaptar-se, e é natural que haja maior mobilidade dos trabalhadores entre setores e
empresas. Se a flexibilidade e a capacidade de adaptação estão bloqueadas, as
empresas acabam perdendo market share e rentabilidade, com o que tendem a Market Share é um termo
utilizado para indicar a
reduzir investimentos, comprometendo assim a geração de novos empregos.
participação da empresa
em termos de vendas em
z A rigidez salarial é maior em países em que a barganha salarial se dá no
um particular mercado ou
nível intermediário (entre a empresa e a economia como um todo). O trabalho de de um particular produto.
Calmfors e Driffill (1988) argumenta que esta é uma causa importante da perma- A participação em um
mercado – o market
nência de elevadas taxas de desemprego nas grandes economias da Europa Con- share – tem sido,
tinental. A rigidez salarial também pode resultar da proteção do emprego (custo crescentemente, um dos
principais objetivos de
e dificuldade de demissão) e do nível e duração do seguro-desemprego. todas as empresas.

z Quanto maiores forem a proteção do emprego e a duração do seguro-


desemprego e seu valor, menor o incentivo dos trabalhadores de aceitarem pro-
postas de emprego, o que tende a aumentar a duração do desemprego.
z Em um ambiente de inovações, a taxa de depreciação das habilidades dos
trabalhadores desempregados aumenta, reduzindo dessa forma a taxa de cresci-
mento da produtividade, com os efeitos já discutidos neste capítulo e no Capítulo 3
deste livro, assim como também desenvolvido no Capítulo 6.

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 255


A incidência de inovações de vários tipos exige que as empresas possam se
adaptar com custos mínimos, sob o risco de perderem rentabilidade, reduzirem os
investimentos e ofertarem menos vagas no futuro. Por sua vez, os trabalhadores
precisam de proteção para que possam fazer a transição entre dois postos de
trabalho. Como lidar com esses dois objetivos? Talvez a melhor recomendação
venha de Blanchard (2005): “o que é importante é proteger os trabalhadores, não
os postos de trabalho”. Essa recomendação significa tornar o sistema de seguro-
desemprego mais eficiente – mais generoso, porém condicionado a programas de
treinamento e aceitação dos empregos disponíveis –, mas reduzir as medidas que
dificultam e encarecem os desligamentos de trabalhadores.

6.2 Como Está o Brasil?

No Brasil, a taxa de desemprego passou a aumentar a partir da década de 1990


(Gráfico 8). A Tabela 1 mostra a evolução do desemprego no Brasil durante o
período de 1990 a 2004.4 A primeira coluna mostra que, em 1990, apenas 3% da
PEA estava desempregada, enquanto em 2004 essa proporção chegou a 7,3%.
É claro que o baixo crescimento da economia é um fator a explicar o aumento
do desemprego na década de 1990. Mas outros fatores devem ter contribuído, ou
não seria possível explicar o fato de o desemprego não ter aumentado na década
de 1980, quando o crescimento econômico foi baixo e o aumento da força de
trabalho – isto é, da população em idade de trabalho – foi maior do que na
década seguinte – ver Capítulo 2 sobre a dinâmica demográfica no período. O que
houve de novo na década de 1990 foram a abertura da economia, a adoção de
novas tecnologias, a vigência da nova Constituição e o aumento da carga tributária.

GRÁFICO 8
Taxa de Desemprego

[em %]
9

2
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Fonte: IBGE/Pnad.
Nota: Os anos de 1991, 1994 e 2001 foram calculados por interpolação geométrica.

256 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 1
Taxa de Desemprego – 1999-2004

Taxa de desemprego Taxa de desemprego Participação do desemprego


Ano
de longo prazo de longo prazo no total

1990 3,03 0,79 26,01

1991 4,21 1,36 32,32

1992 5,85 2,35 40,17

1993 5,38 2,34 43,49

1994 5,31 2,17 40,96

1995 5,24 2,02 38,58

1996 7,58 4,04 53,33

1997 6,83 3,09 45,20

1998 7,59 3,84 50,66

1999 8,49 4,45 52,38

2000 8,20 4,18 51,00

2001 7,92 3,93 49,67

2002 7,52 3,64 48,33

2003 8,31 4,14 49,83

2004 7,29 3,99 54,71

Variação 4,26 3,20 28,70


Fonte: IBGE/Pnad. Na amostra estão incluídos os indivíduos com idade entre 25 e 64 anos, residentes nas áreas urbanas.
Nota: Os anos de 1994 e 2001 foram calculados por interpolação geométrica.

A reestruturação setorial e geográfica da produção devido à abertura e às novas


tecnologias produz uma realocação da força de trabalho que, evidentemente, esbarra
em fricções: é preciso tempo e esforço para que haja uma adaptação entre as novas
vagas sendo criadas e as aptidões e preparo dos trabalhadores. Em uma fase de
mudanças, a empregabilidade dos trabalhadores se reduz temporariamente.
Por sua vez, o aumento do custo do trabalho e da regulamentação do emprego
devido à nova Constituição, justamente em um período de inovações e maior
pressão da concorrência, tende a diminuir os incentivos e a capacidade das em-
presas para absorver trabalhadores, principalmente com contratos formais.
Por último, devido ao aumento do custo de demissão e das políticas de trans-
ferência de renda do governo, houve um incremento do salário de reserva, o que
tem o efeito de elevar a taxa de desemprego natural [Camargo e Maurício (2004)].

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 257


A coluna 3 da Tabela 1 mostra a proporção de trabalhadores desempregados
e que não tiveram emprego nos últimos 12 meses anteriores à entrevista em
relação ao total da PIA – a chamada taxa de desemprego de longo prazo. Entre
1990 e 2004 ela aumentou de 0,8% para 4%. A última coluna mostra a participação
do desemprego de longo prazo no total de desempregados, que também aumentou.
Visto com uma lupa, nota-se que o aumento do desemprego a partir de 1990 foi
bastante diferente entre grupos de idade, escolaridade, gênero, assim como entre
as áreas metropolitanas e não-metropolitanas.
A Tabela 2 mostra a evolução do desemprego de trabalhadores com três
níveis de escolaridade – dos menos educados aos mais educados. Embora todos
os grupos tenham experimentado aumentos do desemprego, a situação dos tra-
balhadores com menor escolaridade (baixa ou intermediária) piorou em termos
relativos. Essa evidência é consistente com o aumento na demanda por trabalha-
dores mais qualificados em relação aos menos qualificados devido à adoção de
novas tecnologias, e é também um fenômeno observado em várias partes do
mundo, conforme pode ser visto mais detidamente no Capítulo 5 adiante.
Ao longo dos anos, a taxa de desemprego aumentou muito mais nas regiões
metropolitanas do que nas cidades menores e nas regiões rurais. Em 1990, as
áreas não-metropolitanas apresentavam uma taxa de desemprego de 2,6% – um
ponto percentual (p.p.) menor do que a taxa de desemprego para as áreas metro-
politanas. Essa diferença foi se ampliando de tal forma que, entre 1990 e 2004,
registrou-se um aumento de 3,5 p.p. nas áreas não-metropolitanas e de 5,6 p.p.
nas áreas metropolitanas (Gráfico 10).
A Tabela 3 mostra diferenças extremamente acentuadas entre os trabalha-
dores jovens e os adultos. Para os trabalhadores com idade entre 16 e 18 anos e

GRÁFICO 9
Taxa de Desemprego por Escolaridade

[em %]
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Anos
Fonte: IBGE/Pnad.
Nota: Os anos de 1991, 1994 e 2000 foram calculados por interpolação geométrica. 0-3 anos 4-10 anos 11 anos ou +

258 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 2
Taxa de Desemprego por Escolaridade, Gênero e Área de Residência – 1999-2004

Ano 0-3 anos 4-10 anos 11 anos ou + Homens Mulheres Não-metropolitana Metropolitana

1990 2,81 3,61 2,35 3,39 2,43 2,55 3,61

1991 4,13 4,83 3,30 4,07 4,23 3,66 4,94

1992 6,07 6,47 4,63 4,90 7,35 5,25 6,76

1993 5,47 6,15 4,06 4,56 6,64 4,67 6,46

1994 5,57 5,97 4,04 4,48 6,54 4,82 6,04

1995 5,66 5,78 4,02 4,41 6,44 4,99 5,60

1996 7,89 8,86 5,75 6,04 9,80 5,56 6,91

1997 7,31 7,67 5,27 5,33 8,97 5,89 8,30

1998 8,09 8,54 5,92 5,98 9,88 6,37 9,51

1999 9,26 9,35 6,80 6,75 10,86 7,46 10,15

2000 9,11 9,18 6,37 6,49 10,51 7,21 9,77

2001 8,95 9,02 5,97 6,25 10,18 6,98 9,41

2002 8,37 8,37 6,10 5,89 9,71 6,37 9,34

2003 9,43 9,22 6,76 6,60 10,42 7,09 10,35

2004 8,17 7,99 6,19 5,39 9,68 6,07 9,23

Variação 5,36 4,38 3,85 2,00 7,25 3,52 5,62


Fonte: IBGE/Pnad. Na amostra estão incluídos os indivíduos com idade entre 25 e 64 anos, residentes nas áreas urbanas.
Nota: Os anos de 1991, 1994 e 2001 foram calculados por interpolação geométrica.

GRÁFICO 10
Taxa de Desemprego por Área de Residência

[em %]
11
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Fonte: IBGE/Pnad.
Nota: Os anos de 1991, 1994 e 2000 foram calculados por interpolação geométrica. Não-metropolitana Metropolitana

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 259


TABELA 3
Taxa de Desemprego por Faixa Etária – 1999-2004

Ano 16-18 anos 19-24 anos 25-29 anos 30-49 anos 50-64 anos

1990 9,74 8,22 5,25 2,67 1,59

1991 13,51 10,72 6,63 3,85 2,37

1992 18,74 13,98 8,37 5,56 3,53

1993 18,41 13,19 8,29 5,01 2,92

1994 18,66 12,89 7,95 5,00 3,10

1995 18,92 12,60 7,56 5,00 3,30

1996 20,91 13,10 8,34 5,82 4,58

1997 23,31 15,40 10,06 6,40 4,47

1998 27,21 18,15 10,84 7,21 5,39

1999 30,85 19,14 12,13 8,02 6,16

2000 29,37 18,92 11,84 7,69 5,99

2001 27,96 18,69 11,55 7,38 5,82

2002 28,54 18,35 10,98 7,08 5,39

2003 31,04 19,61 12,03 7,86 5,82

2004 29,51 18,41 10,89 6,88 4,88

Variação 19,77 10,19 5,64 4,22 3,29


Fonte: IBGE/Pnad. Na amostra estão incluídos os indivíduos com idade entre 25 e 64 anos, residentes nas áreas urbanas.
Nota: Os anos de 1991, 1994 e 2001 foram calculados por interpolação geométrica.

entre 19 e 24 anos as taxas de desemprego em 1990 eram de 9,7% e 8,2%,


respectivamente. Em contraste com essas taxas elevadas, os trabalhadores com
30 anos ou mais de idade possuíam taxas de desemprego inferiores a 3%. De
1990 a 2004 a situação dos trabalhadores jovens ficou ainda pior, como ocorreu,
aliás, em toda parte do mundo – maiores detalhes sobre o desempenho do mercado
de trabalho para os segmentos jovens podem ser vistos no Capítulo 8 da edição
de 2005 desta série, o qual se dedica à análise da juventude no Brasil.
É interessante explorar os possíveis motivos para que a taxa de desemprego
nas regiões não-metropolitanas não só seja consistentemente menor do que nas
metropolitanas, mas tenha crescido menos nos anos 1990. Uma possibilidade é a
migração de trabalhadores para as regiões metropolitanas, que aumenta a procura
por vagas justamente em um período de relativo esvaziamento dessas regiões –
esvaziamento este, por sua vez, devido ao aumento da concorrência externa, de
possíveis deseconomias de escala, e da guerra fiscal entre os estados, que deslocou
indústrias para regiões menos populosas.

260 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Outro motivo pode ser a menor intensidade de regulação dos mercados nas
regiões não-metropolitanas. Não só as empresas são menores nas áreas rurais e
cidades menores, e por isso menos visíveis para a fiscalização, como a ação de
sindicatos também é menor. Nesse sentido, supondo que a regulação explique
uma parte do desemprego ao impor restrições sobre a oferta de vagas e a oferta
de trabalhadores, a taxa de desemprego seria conseqüentemente menor.
O desemprego dos jovens é particularmente afetado pelo fato de estarem
entrando no mercado de trabalho, assim como por terem incentivos diferentes
dos adultos. Houve maior oferta de vagas nas escolas, daí uma proporção maior
de jovens vem terminando o primeiro grau, credenciando-os a continuar estu-
dando. Ou seja, os jovens podem optar por ficar mais anos na escola, e em geral
contam com a ajuda dos pais para a sua manutenção. Adicionalmente, como são
estreantes e não têm experiência de trabalho, são candidatos naturais a ficarem
na fila. E também são os primeiros a serem dispensados pelas empresas quando é
necessário. O custo de demissão dos trabalhadores mais antigos é maior do que
dos novos. Em primeiro lugar porque a multa de 40% do FGTS se aplica sobre
um valor maior. Depois porque a empresa já investiu mais na qualificação
deles. E por último devido ao conjunto de motivos anteriores, que aumenta o
custo de demissão dos mais velhos e o poder de barganha do sindicato para
proteger seus salários, diminuindo a oferta de vagas pela empresa.
Agora, é preciso dizer que são os jovens menos educados os que mais sofrem
no mercado de trabalho. Os jovens instruídos têm a vantagem de terem sido
educados para lidar com as novas tecnologias e, por isso, levam a melhor à
medida que as empresas passam a utilizá-las. Com o tempo, os jovens com mais
educação serão os grandes vencedores no mercado de trabalho, inclusive em
relação aos adultos que têm experiência, mas que não foram treinados para as
novas tecnologias.

7. INFORMALIDADE

7.1 Painel Internacional

A informalidade pode ser definida de várias maneiras, mas dificilmente se pode


ter uma medida mais rigorosa do que aquela que a associa a uma relação econô-
mica ou trabalhista à margem da lei – empresas que não pagam (todos os) impostos
ou o assalariamento sem carteira assinada. Neste capítulo, optou-se por esta de-
finição estreita de informalidade. Como será mostrado a seguir, existe forte
correlação positiva entre a informalidade das empresas e a informalidade das

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 261


relações de trabalho, isto é, empresas formais tendem a empregar mais os traba-
lhadores formais, e vice-versa. Portanto, vale a pena examinar as causas da
informalidade das empresas, além de fatores intrínsecos ao mercado de trabalho,
para entender a elevada incidência de trabalhadores informais no Brasil.
Há vários estudos sobre as causas da evasão fiscal. Em todos os países existe
informalidade, só que mais (às vezes muito mais) em uns do que em outros. O que
diferencia a incidência da informalidade entre os países? Simon Johnson e outros
especialistas na matéria mostram em estudo publicado em 1998 que a evasão é
maior em países em que o sistema tributário é muito complexo, a carga tributária
é elevada, o estado de direito é frágil, e a corrupção está disseminada. Segue um
breve resumo dos resultados do estudo.
z Países em que as leis interferem muito na vida das empresas têm mais
informalidade. O aumento de 1 p.p. na medida de regulação (dificuldades buro-
cráticas para abrir e fechar um negócio, excesso de regulação do emprego etc.)
pode explicar um aumento de 14,7 p.p. na taxa de informalidade. Nesse quesito,
de acordo com o índice criado pelos autores para medir regulação, a maioria dos
países da OCDE tem nível 2, enquanto a Rússia tem 5 e o Brasil, 4.
zNo item discricionariedade regulatória (se as leis e regras governamentais
são vagas e mudam muito), o Brasil teve um escore de 3,46 – em uma escala de 1 a
7, de pior para melhor –, enquanto a Rússia teve 2,0 e os países da OCDE tiveram
4,5. O aumento de 1 p.p. aqui reduz o tamanho do setor informal em 9,2 p.p.
z Quanto maior a simplicidade do sistema tributário, menor a informalidade.
O Reino Unido teve o maior escore, 4,60, o Brasil 2,22, e a Rússia, 1,80. Um p.p.
a menos nessa medida eleva em 11,7 p.p. a medida de informalidade.
z Quanto maior a alíquota do imposto de renda (IR) sobre o lucro das em-
presas, maior a informalidade.
z O respeito às leis (the rule of law), caracterizado por instituições políticas
sólidas, sistema judiciário forte e regularidade na sucessão política, reduz a sone-
gação. Em países em que há baixo nível de respeito às leis e as instituições são
fracas, tende a haver mais evasão. Nesse quesito, os países da OCDE têm índice
6,0 enquanto Brasil e Rússia têm 3,5.
zA corrupção, evidentemente, também está associada a elevados índices de
sonegação. A Dinamarca tem índice 9,94, a Bolívia, o índice mais baixo, 2,05, o
Brasil tem 3,56, e a Rússia, 2,27. Um p.p. a menos dessa medida aumenta a
evasão, segundo o estudo, em 8 p.p.
Quantificar a regulação, a complexidade do sistema tributário, a corrupção
etc., como fazem esse e outros estudos, é uma tarefa difícil e sujeita a erros.

262 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Portanto, os efeitos medidos por tais trabalhos têm de ser vistos com muito cui-
dado. Mas a lógica dos argumentos parece ser razoável: quanto mais complexas
e variáveis as regras do jogo e quanto menor a autoridade para fazê-las cumprir,
maior a informalidade.
O referido estudo faz uma compilação de outros que usam metodologias
semelhantes para gerar uma medida de tamanho do setor informal. Como se nota
no Gráfico 11, o Brasil figura como um dos países com maior setor informal,
atingindo 37% do PIB, e tem como vizinhos países da América Latina e do Leste
Europeu que recentemente fizeram a transição para o sistema de mercado.
O Brasil, não obstante a evolução das instituições políticas e econômicas
nos últimos anos, tem uma história de instabilidade, o que, certamente, compro-
meteu e ainda compromete o comportamento dos indivíduos e empresas frente
ao Estado. A evasão fiscal é, acima de tudo, uma atitude de não-reconhecimento
do Estado, cuja credibilidade e autoridade se baseiam na estabilidade e cumpri-
mento das regras do jogo.

GRÁFICO 11
Participação do Setor Informal no PIB

[em %]
70

60

50

40

30

20

10

0
ia a il ia i ia r la ria lia ia ha l
lív
á jão Pe
ru
ssi as ár ua mb do ue cia xico in
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ên ile ga
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H
Ar
g Ro Po
Az
Fonte: Johnson et alii (1998).

7.2 E o Brasil, Como Está?

Ao longo de toda a década de 1990, o mercado de trabalho brasileiro experimentou


um aumento da informalidade. Em 2004 o número de trabalhadores sem carteira
de trabalho assinada correspondia a aproximadamente 43% do total de emprega-
dos assalariados, sendo que esse percentual era de 47% nas áreas metropolitanas.
O grau de informalidade cresce de 1992 a 2001, e a partir de 2002 decresce um
pouco. A incidência e o aumento da informalidade não são, entretanto, homogêneos

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 263


entre as regiões metropolitanas e as demais, entre trabalhadores com diferentes
anos de estudos e entre empresas com maior ou menor número de trabalhadores.
Diante disso, as perguntas que se colocam são quais as possíveis causas do elevado
nível de informalidade e do seu crescimento, bem como das diferenças entre
grandes e pequenas empresas, regiões metropolitanas ou não, trabalhadores mais
ou menos qualificados?
Na Tabela 4 são apresentados, para o país e suas regiões e, dentro destas,
para as regiões metropolitanas e não-metropolitanas, e também para alguns atri-
butos do indivíduo, como gênero e escolaridade, e também da firma – seu tamanho
expresso em número de empregados –, a evolução da razão entre trabalhadores
sem e com carteira assinada. Fica bastante evidente a trajetória ascendente da
informalidade e a presença mais intensa nas regiões metropolitanas, entre mu-
lheres, entre os menos instruídos e também entre as menores empresas.
Na Tabela 5, segundo os mesmos atributos, é apresentada a evolução da
proporção de trabalhadores por conta própria e sem carteira assinada no total de
ocupados. Com exceção da distribuição por gênero – nesse caso há predominância
entre homens –, observa-se também a ocorrência da maior incidência – com
preponderância menor do que no caso anterior – desse tipo de trabalhador nas
regiões urbanas, entre os menos instruídos e entre as menores firmas.
Como se pode constatar, aumentou a incidência de empregos informais no
país, não obstante sua redução nas regiões não-metropolitanas. Ou seja, a origem
do aumento da informalidade está no ocorrido nas grandes cidades. Tomando-se
como referência a razão entre trabalhadores sem e com carteira assinada no
período de 1992 a 2004, o que se observa é uma redução de 10% no grau de
informalidade nas áreas não-metropolitanas, diante de um aumento de 36% nas
áreas metropolitanas do país. Portanto, toda a elevação observada no grau de
informalidade advém de aumentos nas áreas metropolitanas e, mais do que isso,
não fosse o processo de formalização observado nas áreas não-metropolitanas, a
elevação no indicador agregado teria sido ainda maior.
Também houve movimentos diferentes no grau de informalidade de acordo
com o grau de instrução dos trabalhadores. Como pode ser observado nos gráficos
e tabelas, o maior aumento na razão entre trabalhadores sem e com carteira
verificou-se entre os trabalhadores mais qualificados (com 11 anos ou mais de
escolaridade), tendo quase dobrado no período 1992-2004. Em contraste, esse
indicador se manteve praticamente inalterado entre os não qualificados (com
zero a três anos de escolaridade).
Por fim, a informalidade aumentou de forma especialmente significativa
entre as firmas de maior porte (com mais de dez empregados), que registraram

264 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 4
Informalidade: Evolução da Razão entre Trabalhadores com e sem Carteira

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 1992-2004
∆%

Brasil

Total 0,72 0,76 0,75 0,78 0,75 0,76 0,78 0,82 0,77 0,73 0,74 2,73

Não-metropolitana 0,98 1,04 1,00 0,99 0,97 0,89 0,99 1,00 0,93 0,88 0,88 -10,10

Metropolitana 0,39 0,41 0,43 0,46 0,46 0,46 0,49 0,58 0,55 0,52 0,52 36,16

Grandes regiões

Norte

Não-metropolitana 1,41 1,50 1,57 1,53 1,68 1,75 1,75 1,74 1,62 1,54 1,52 8,33

Metropolitana 0,85 0,84 0,88 1,07 1,05 0,97 0,97 0,95 1,19 1,04 1,03 21,45

Nordeste

Não-metropolitana 1,98 2,21 2,06 1,95 1,96 2,11 2,07 2,06 2,08 1,83 1,92 -2,76

Metropolitana 0,61 0,65 0,73 0,63 0,66 0,68 0,72 0,81 0,75 0,70 0,72 17,91

Sudeste

Não-metropolitana 0,71 0,75 0,72 0,71 0,71 0,69 0,71 0,69 0,63 0,62 0,60 -14,68

Metropolitana 0,33 0,36 0,37 0,42 0,41 0,41 0,45 0,53 0,51 0,48 0,50 48,57

Sul

Não-metropolitana 0,57 0,58 0,59 0,61 0,55 0,59 0,57 0,60 0,56 0,53 0,53 -7,05

Metropolitana 0,34 0,32 0,37 0,39 0,40 0,40 0,42 0,47 0,44 0,43 0,40 18,38

Centro-Oeste

Não-metropolitana 1,47 1,48 1,41 1,40 1,33 1,24 1,32 1,28 1,08 1,02 1,02 -30,88

Metropolitana 0,65 0,59 0,56 0,62 0,67 0,55 0,57 0,67 0,60 0,50 0,51 -20,66

Gênero

Homem 0,64 0,67 0,65 0,67 0,67 0,69 0,71 0,69 0,70 0,65 0,64 0,94

Mulher 0,89 0,94 0,94 0,92 0,90 0,89 0,91 1,02 0,90 0,86 0,90 1,12

Escolaridade

0 a 3 anos 1,58 1,70 1,68 1,57 1,60 1,64 1,72 1,70 1,65 1,57 1,61 2,25

4 a 10 0,63 0,68 0,69 0,74 0,75 0,77 0,81 0,91 0,89 0,89 0,90 42,02

11 ou + 0,21 0,24 0,26 0,30 0,29 0,32 0,34 0,40 0,38 0,36 0,38 82,51

Tamanho da firma

Até 10 empregados 1,42 1,54 1,37 1,31 1,29 1,28 1,30 1,19 1,36 1,27 1,29 -9,51

Mais de 10 0,15 0,16 0,15 0,18 0,18 0,19 0,20 0,20 0,22 0,19 0,21 37,74
Fonte: IBGE/Pnad, diversos anos.

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 265


TABELA 5
Informalidade: Evolução da Proporção de Trabalhadores por Conta Própria e sem Carteira no Total de
Ocupados

1992-2004
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004
∆%

Brasil

Total 46,67 47,42 47,67 48,03 48,14 48,63 48,87 54,95 49,08 48,41 48,39 3,69

Não-metropolitana 50,61 51,26 51,17 51,33 51,36 51,97 51,47 57,28 51,31 50,67 50,54 -0,14

Metropolitana 37,42 38,43 39,72 40,62 40,82 41,04 42,85 49,91 44,29 43,45 43,60 16,54

Grandes regiões

Norte

Não-metropolitana 55,97 58,13 57,74 58,10 58,68 60,43 58,64 67,20 60,27 58,53 57,19 2,19

Metropolitana 49,24 50,80 50,41 54,27 54,23 54,82 54,32 63,12 59,55 58,22 57,93 17,64

Nordeste

Não-metropolitana 59,11 59,98 59,19 59,05 59,66 60,71 59,66 68,19 61,42 60,36 61,05 3,29

Metropolitana 47,28 47,78 49,79 48,04 47,74 47,86 50,28 58,64 50,67 50,97 50,70 7,23

Sudeste

Não-metropolitana 45,49 46,18 46,43 46,16 46,17 46,26 46,44 50,07 44,53 44,50 43,61 -4,14

Metropolitana 34,96 36,51 37,51 39,10 39,26 39,48 41,39 48,10 43,11 41,91 42,49 21,53

Sul

Não-metropolitana 41,52 41,85 41,94 43,70 42,47 43,52 42,44 47,07 42,95 42,66 41,97 1,09

Metropolitana 35,48 35,19 37,06 38,31 38,51 39,86 40,67 45,85 40,33 39,98 38,95 9,79

Centro-Oeste

Não-metropolitana 56,11 54,97 55,94 56,32 55,32 54,14 54,93 62,20 53,50 52,21 52,64 -6,18

Metropolitana 38,46 36,51 36,89 35,71 39,25 35,77 37,68 45,51 37,66 36,27 35,48 -7,74

Gênero

Homem 47,72 48,43 48,80 49,52 49,73 50,62 51,00 54,28 50,77 50,01 49,43 3,58

Mulher 44,85 45,69 45,81 45,58 45,50 45,36 45,48 55,98 46,55 46,01 46,87 4,50

Escolaridade

0 a 3 anos 61,01 62,04 62,38 62,39 63,12 63,95 64,28 72,19 66,16 66,30 66,52 9,02

4 a 10 45,58 46,53 47,54 48,62 49,17 50,29 50,62 59,48 53,19 53,19 53,42 17,21

11 ou + 22,86 24,53 25,92 28,33 27,86 28,66 29,76 34,13 31,23 31,02 31,58 38,17

Tamanho da firma

Até 10 empregados 58,73 60,63 57,86 56,78 56,36 56,16 56,55 54,44 57,60 55,89 56,29 -4,16

Mais de 10 12,98 13,58 13,29 15,25 15,22 15,65 16,62 17,42 17,79 16,12 17,05 31,31
Fonte: IBGE/Pnad, diversos anos.

266 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


uma elevação de mais de 30% em ambos os indicadores considerados. Ao contrário,
o grau de informalidade apresentou uma pequena redução entre as firmas de
menor porte (com menos de dez), sendo que no caso da razão entre trabalhadores
sem e com carteira essa redução chegou a 9,5% em relação ao nível observado
em 1992.
Ou seja, o aumento da informalidade se deu entre os grupos mais protegidos:
nas regiões metropolitanas, nas empresas maiores e entre os trabalhadores mais
instruídos. Curiosamente, os trabalhadores mais protegidos e as empresas mais
visíveis, para as quais o risco de estarem informais é maior, foram aqueles mais
afetados pela onda de informalização. Por quê? Não é possível oferecer respostas
inequívocas até porque, como já visto, houve um grande número de mudanças
no Brasil no período. Algumas hipóteses podem ser aventadas.
Primeiro, a indústria manufatureira sempre apresentou a maior parcela de
trabalhadores formais por suas empresas serem maiores, localizadas nas regiões
urbanas e metropolitanas, e por empregarem trabalhadores mais qualificados e
sindicalizados. Todos esses motivos tornam a informalidade muito arriscada e
custosa pela visibilidade que têm essas empresas. Contudo, a manufatura foi o
setor mais afetado pela combinação de abertura com apreciação cambial – com-
binação que promoveu forte impulso na reestruturação das empresas. Logo, elas
se viram mais expostas ao aumento da concorrência externa, e seria razoável que
tivessem mais dificuldade para manter os elevados índices de formalidade. Já as
empresas menores, com maior incidência do setor de serviços e que empregam a
maior parte do contingente de trabalhadores menos qualificados, ao contrário, se
beneficiaram da apreciação do câmbio e da expansão do mercado doméstico pelo
menos até 1998.
Em segundo lugar, é possível que as empresas menores e de regiões não-
metropolitanas, cuja produtividade é relativamente baixa, já operassem com ele-
vada taxa de informalidade mesmo antes das mudanças introduzidas pela
Constituição de 1988. De fato, as regras pré-1988 já eram restritivas para uma
grande parcela dessas empresas e, por isso, elas já estavam na informalidade.
Portanto, quando vieram as medidas de aumento do custo trabalhista e maior
regulação do emprego, o impacto sobre elas teria sido menor do que sobre as
empresas grandes e das regiões mais urbanas, com cujos custos a legislação pré-
1988 era compatível, assim como com o ambiente tecnológico e competitivo
anterior à abertura.
O terceiro fator tem a ver com a correlação positiva entre a informalidade das
empresas e a informalidade das relações de trabalho. A determinação da informalidade
das firmas tem conseqüências importantes para o mercado de trabalho.

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 267


A Tabela 6, baseada na pesquisa sobre o setor informal de 2003 conduzida
pelo IBGE, apresenta características socioeconômicas de empregados com carteira
e sem carteira e o perfil das empresas a que estão ligados, segundo atributos de
formalidade. Os empregados informais são, em geral, do sexo masculino, mais
jovens, e com menos educação formal, salário médio mais baixo e com um vín-
culo menos duradouro.
Mas os indicadores que mais impressionam são aqueles referentes à
informalidade das firmas: 89% dos trabalhadores com carteira estão vinculados a
empresas com constituição jurídica e, no caso das empresas com licença municipal
ou estadual, esse percentual aumenta para 95%. Isto é, quase a totalidade dos
trabalhadores formais está vinculada a empresas formais. No caso dos trabalha-
dores sem carteira, entretanto, a situação é diferente. Apesar de haver um signi-
ficativo número de trabalhadores informais ligados a empresas formais, o
percentual é bem mais baixo, chegando a 58,9% no caso de firmas com licença
municipal ou estadual.
Em face dessa forte relação entre a informalidade das empresas e das relações
de trabalho, é razoável supor que a adoção do Simples tenha tido o efeito de
aumentar a formalização das empresas menores a partir de meados da década de
1990, como mostram as análises apresentadas no Quadro 5.

TABELA 6
Informalidades do Trabalho e de Firmas

Variáveis Empregado sem carteira Empregado com carteira Total

Número de empregados 978.834 1.094.785 2.073.619

% de homens 61,3 53,6 57,3

Idade média 27,7 29,6 28,7


o
% com 2 grau completo 33,3 50,4 42,3

Salário médio (R$) 325,64 448,73 390,84

Tempo médio do emprego (meses) 25,9 38,7 32,7

Jornada de trabalho média (horas) 43,7 43,8 43,7

% de firmas com constituição jurídica 43,9 89,0 67,7

% de firmas inscritas como microempresas 87,1 81,9 83,5

% de firmas que declaram IRPJ 74,9 82,0 79,8

% de firmas no regime do Simples 89,8 89,2 89,4

% de firmas com licença municipal ou estadual 58,9 95,4 77,7


Fonte: IBGE [Ecinf–Pesquisa Economia Informal Urbana (2003)].

268 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


QUADRO 5
O Simples e a Formalização das Pequenas Empresas
O Simples é uma lei sancionada em dezembro de 1996 que estabelece tratamento diferenciado,
simplificado e favorecido no recolhimento de impostos federais para as micro e pequenas em-
presas. No momento de implementação do sistema, a inscrição no Simples implicava o paga-
mento mensal unificado de seis impostos e contribuições federais: Imposto de Renda Pessoa
Jurídica (IRPJ), Programa de Integração Social/Programa de Formação do Patrimônio do Servidor
Público (PIS/Pasep), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para o Fi-
nanciamento da Seguridade Social (Cofins), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), e
contribuição para a seguridade social do proprietário da firma. A alíquota do imposto dependia
da receita bruta acumulada no ano calendário, variando de 3% a 5% do valor da receita bruta
para microempresas e de 5,4% a 8,6% para pequenas empresas. Aderindo ao Simples, as firmas
tinham uma economia de impostos de até 8% de sua receita bruta.
O efeito da implementação do Simples sobre a formalização das pequenas empresas pode
ser obtido por meio do percentual de firmas com licença antes e depois da introdução da lei.
Essas percentagens são apresentadas na Tabela 7, com as firmas separadas por setor de atividade
e por tamanho.

TABELA 7
Impacto do Simples sobre o Licenciamento de Firmas
[em %]

Firmas Firmas Firmas Firmas sem


Total
pequenas médias grandes capital declarado

Grupo de Antes 28 17 39 44 23
comparação
Depois 24 3 27 53 21

Grupo de Antes 22 9 24 51 13
tratamento
Depois 19 10 25 43 12

Comércio Antes 28 29 33 33 23

Depois 39 25 59 59 26

Construção Antes 11 2 2 27 3

Depois 5 0 13 10 1

Fabricação Antes 39 6 13 66 40

Depois 14 0 7 47 9

Transportes Antes 43 36 38 54 26

Depois 44 25 41 65 24

Serviços Antes 25 6 21 53 15

Depois 20 12 21 34 18
Fonte: Monteiro e Assunção (2006).
continua

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 269


continuação
O resultado natural caso a lei não tivesse tido nenhuma influência teria sido uma queda do
licenciamento no período após a implantação do Simples. A razão é que, segundo a amostra
utilizada na tabela, as firmas criadas antes do sistema têm entre 11 e 20 meses de existência, e
as criadas após a introdução da lei têm entre 1 e 10 meses. Logo, estas últimas tiveram muito
menos tempo para se legalizar, sendo natural que o percentual de licenças seja menor entre
elas. Dessa forma, a análise crua dos dados indica que as firmas do setor de comércio parecem
ter sido influenciadas pela lei, uma vez que o percentual de licenças passou de 28% para 39%.
Como o grupo de comparação obteve uma queda de 4% no percentual de licenças, uma esti-
mativa para o efeito do Simples sobre a formalização das empresas do comércio seria de 15%.
O corte de tamanho revela outros possíveis efeitos positivos – houve aumento do
licenciamento para as pequenas firmas de serviços, firmas médias de comércio, construção e
transportes, e grandes firmas de comércio e transportes. Note-se que, no grupo de comparação,
houve maior número de licenciamentos para as firmas grandes após a introdução da lei, embora
elas não fossem beneficiárias do incentivo fiscal.
Para obter um resultado mais preciso do impacto da política é preciso atentar para uma
série de variáveis que podem influir na decisão de ser ou não formalizada. Uma análise mais
acurada do efeito do Simples sobre a formalização aponta para um percentual estatisticamente
significativo de 13,7% para as empresas do comércio.

Finalmente, devemos analisar por que a informalidade cresceu até 2001 e


passou a cair desde então. Não se pode dizer que foi uma mudança no ritmo de
expansão econômica, dado que 2002 e 2003 foram anos de baixo crescimento.
Há três explicações possíveis. Primeiro, a maior parte do processo de reestruturação
associado ao aumento da informalidade se concentrou na década de 1990, e a
partir de então as empresas já estavam adaptadas às novas circunstâncias e leis.
Desse modo, as novas empresas e operações, bem como expansões, passaram a
operar de acordo com o novo contexto. A segunda hipótese é a de que a política
econômica, com câmbio flutuante, metas de inflação e ajuste fiscal se afigurou
mais consistente, de tal forma que as empresas passaram a operar em um ambiente
mais estável, o que estimula a formalização. Por último, a continuidade
institucional e econômica do atual governo – mantendo sólido o compromisso
com a estabilidade da economia – também contribuiu para reduzir incertezas
quanto ao futuro, incentivando as empresas a se formalizarem.

7.3 Salário Mínimo e Informalidade

A evolução do valor do salário mínimo real apresentou um formato de U ao


longo de 1992-2004, com um período de redução de 18,5% entre 1992 e 1997 e uma
posterior recuperação de 20,4% entre 1998 e 2004. O rendimento dos trabalha-
dores apresentou comportamento perfeitamente simétrico ao do salário mínimo

270 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


(formato de U invertido): no período 1992-1997 o rendimento dos trabalhadores
cresceu 28%, enquanto no período subseqüente acumulou queda de aproximada-
mente 20%.
De 1992 a 1996, a proporção de indivíduos que recebiam menos do que um
salário mínimo vinha decrescendo de forma expressiva na maior parte dos grupos
de trabalhadores, o que é compatível com a elevação do diferencial entre salário
médio e salário mínimo. No período que se segue ocorre o oposto, quando se
experimenta um aumento da proporção de trabalhadores recebendo menos do
que o mínimo em todas as categorias.
Como conseqüência, a razão entre salário médio e salário mínimo sofreu um
aumento no primeiro período e uma forte redução no segundo. Esse comportamento
foi mais acentuado nas regiões metropolitanas do que nas não-metropolitanas,
uma vez que as primeiras observaram uma maior redução – em termos relativos
– no rendimento real do trabalho. O mesmo fenômeno pode ser visto ao se ana-
lisar a evolução da razão entre o salário mínimo e a mediana, ou entre o mínimo
e o décimo percentil de distribuição de rendimentos. Esse seria um motivo Percentil de distribuição
de rendimentos: percentil
adicional para a informalidade crescer nas regiões metropolitanas e cair nas demais.
é uma medida de posição
relativa de uma unidade
O descolamento do comportamento do salário mínimo em relação aos de- de observação. É obtido
mais salários é particularmente preocupante neste segundo período (1998-2004), pela divisão da amostra
pois o fato de o mínimo apresentar uma forte elevação justamente quando os em 100 classes com o
mesmo número de
salários estão em queda pode ter efeitos adversos importantes sobre o mercado observações em cada
de trabalho. O salário médio ou mediano é uma medida do salário de mercado uma. É muito útil para
indicar a posição relativa
que as empresas estão pagando. Se o salário mínimo aumenta em relação ao de um indivíduo ou de um
salário médio é porque, para algumas empresas que pagam salários mais baixos, grupo de indivíduos no
conjunto de indivíduos.
Assim, por exemplo,
quando nos referimos aos
GRÁFICO 12 dois primeiros decis de
Evolução do Rendimento do Salário Mínimo e do Rendimento Médio do renda familiar, estamos
Trabalho Principal delimitando, do conjunto
[número-índice, 1992 = 100] de famílias, apenas
140
aquelas que estão entre
130 as 20% mais pobres.
120
110
100
90
80
70
60
50
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004

Fonte: IBGE/Pnad. SM Brasil Áreas metropolitanas Áreas não-metropolitanas

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 271


GRÁFICO 13
Indicadores de Restritividade do Salário Mínimo

[sm/mediana] [sm/10º decil]


0,7 3,5

0,6 3,0

0,5 2,5

0,4 2,0

0,3 1,5

0,2 1,0

0,1 0,5

0,0 0,0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004

Fonte: IBGE/Pnad. SM/mediana SM/10º decil

o mínimo ficou mais alto do que o salário de mercado. Se essas empresas não
podem pagar o mínimo, e antes pagavam, elas passam a operar no setor informal
(sem carteira assinada), se é que já não o faziam antes.
Os economistas falam de efetividade do salário mínimo para designar situações
em que o seu valor passa a impor uma restrição às empresas operarem no setor
formal. Como medida de efetividade usam a relação entre salário mínimo e salário
médio ou mediano. Evidentemente, a efetividade do salário mínimo varia de setor
para setor, de região para região, de trabalhador para trabalhador. Para um traba-
lhador com poucos anos de estudos da construção civil no Nordeste o salário
mínimo é mais efetivo do que para um trabalhador com segundo grau completo
que trabalha em uma empresa de celulares no Sudeste do país.
O gráfico a seguir mostra o conjunto de estados brasileiros, seus respectivos
indicadores de informalidade no eixo vertical, e uma medida de efetividade do
mínimo no eixo horizontal, para o ano de 2004.5 O que mostram os painéis do
gráfico é uma correlação positiva entre informalidade e efetividade do salário
mínimo,6 ou seja, nos estados em que a relação entre o mínimo e o salário de
mercado é maior, há maior incidência de informalidade. Em um país tão hetero-
gêneo quanto o Brasil, seria de se esperar que um salário mínimo de abrangência
nacional tivesse esse tipo de efeito.

272 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 14
Correlação entre Razão SM/Mediana e Indicadores de Informalidade
Painel A: Informalidade = sem Carteira/com Carteira
[sem carteira/com carteira]

2,0

1,5

1,0

0,5

0,0
0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0 1,1 1,2
SM/salário mediano

Painel B: Informalidade = (sem Carteira + Conta-Própria)/Total de Ocupados

[(sem carteira + conta-própria)/total de ocupados]


0,8

0,7

0,6

0,5

0,4

0,3
0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0 1,1 1,2
SM/salário mediano

Fonte: IBGE/Pnad de 2004.

7.4 Encargos e Informalidade

O aumento dos encargos trabalhistas – definidos como custos do trabalho que


não implicam benefícios diretos para o trabalhador (FGTS, previdência e contri-
buições para o Sistema S) — gera maior custo para as empresas. O efeito desse
aumento é a redução da oferta de vagas devido à perda de competitividade das
empresas expostas à concorrência internacional e à busca de tecnologias que
utilizem menos mão-de-obra.
No Brasil, a relação entre o total de encargos (divididos em previdência
social, FGTS e sistema S) e os rendimentos totais do setor industrial aumentou de
forma significativa: ela passou de cerca de 43% em 1986 para aproximadamente
57% em 1995, tendo ocorrido 65% desta elevação entre 1988 e 1990, provavel-
mente em função da nova Constituição [Fernandes e Menezes-Filho (2002)].

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 273


Alguns estudos apontam para efeitos importantes do aumento nos encargos
sobre o mercado de trabalho [Ulyssea e Reis (2005b)]. O efeito sobre o grau de
informalidade é substancial, em particular entre os trabalhadores qualificados,
ainda que seja necessária uma redução significativa da alíquota para gerar um efeito
mais forte – uma redução de 27,5% para 10% na alíquota reduziria a proporção
dos sem-carteiras no total de ocupados de 21,95% para 16,5% (Tabela 8).
Os efeitos sobre o desemprego são ainda mais expressivos, pois essa mesma
redução na alíquota resultaria em uma queda de 9,5% para 2,6% nesse indicador.
Essa queda seria especialmente acentuada entre os trabalhadores qualificados, o
que mostra que as firmas substituiriam trabalhadores não-qualificados por qua-
lificados. Como conseqüência desses efeitos, ocorreria uma elevação dos rendi-
mentos de todos os trabalhadores, sendo que em termos relativos o maior aumento
se daria entre os qualificados informais. Isso por serem os salários determinados
a partir de curvas de salários e por causa da transferência de trabalhadores qua-
lificados do setor informal para o setor formal.

TABELA 8
Impactos sobre o Grau de Formalização Decorrentes de Reduções dos Encargos sobre
a Folha de Salários

Observado (t = 27,5%) (t = 25%) (t = 20%) (t = 15%) (t = 10%)

Trabalhadores não-qualificados

Proporção de "com-carteira"
35,81 37,41 40,77 42,30 44,78
entre os ocupados

Proporção de "sem-carteira"
27,06 26,08 24,01 22,90 20,71
entre os ocupados

Proporção de "sem-carteira"
43,04 41,07 37,07 35,12 31,62
entre os assalariados

Trabalhadores qualificados

Proporção de "com-carteira"
45,00 46,68 49,88 51,94 52,09
entre os ocupados

Proporção de "sem-carteira"
14,77 14,16 12,84 12,32 10,47
entre os ocupados

Proporção de "sem-carteira"
24,70 23,27 20,47 19,17 16,74
entre os assalariados

Total de trabalhadores/Brasil

Proporção de "com-carteira"
39,63 41,29 44,61 46,33 47,82
entre os ocupados

Proporção de "sem-carteira"
21,95 21,10 19,30 18,48 16,46
entre os ocupados
Fonte: Ulyssea e Reis (2005b).

274 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


7.5 Proteção do Emprego e Informalidade

Com base na experiência dos países da América Latina e da OCDE, Heckman e


Pagés (2000) procuram examinar os impactos da proteção do emprego, isto é, das
restrições e custos para se demitir um trabalhador sem justa causa sobre a oferta
de vagas e a informalidade. O índice de segurança no emprego, que mede o custo
de demissão para a empresa em número de salários mensais em 36 países, é de
1,785 no Brasil, maior que em países como Estados Unidos, Nova Zelândia, Austrália,
Canadá, Noruega, Alemanha, França, Polônia, Suíça, Reino Unido, Bélgica e Áustria.
As principais conclusões do estudo são que a proteção do emprego tende a
diminuir a flutuação cíclica do número de vagas mas, ao mesmo tempo, inibe a
geração de empregos ao longo do tempo e produz segmentação no mercado de
trabalho, sendo mais uma vez os maiores prejudicados os jovens, que ficam desem-
pregados ou terminam se empregando no setor informal. Em uma escala que vai
de zero (Estados Unidos) a 4,75 (Bolívia), a redução de um ponto no índice de
custo de demissão está associada a uma redução de 1,8 p.p. na taxa de emprego,
o que na América Latina corresponderia a um ganho de 5,5% da população ativa.
No caso dos jovens, o efeito chega a 10 p.p. da população jovem que participa do
mercado de trabalho. No Brasil, aplicando-se esse resultado, o número de empregos
poderia crescer em cerca de três milhões se fosse zerado o custo de demissão.

8. PRODUTIVIDADE E EFICIÊNCIA

Ao longo do tempo, o crescimento de uma economia e da renda per capita de-


pende da expansão da capacidade produtiva (emprego e capital) e da produtivi-
dade, isto é, da capacidade de transformar a combinação de trabalho e máquinas
em produção e renda. Em países como o Brasil, parece claro que as restrições ao
crescimento estão na escassez de capital – há muitos trabalhadores que não dispõem
de equipamentos para trabalhar – e da baixa produtividade do trabalho. A taxa
de crescimento de longo prazo de um país – à guisa de exemplo, a taxa média
decenal anda em torno de 2,5% no Brasil – depende essencialmente da acumulação
de capital e do crescimento da produtividade. Em geral, os investimentos vêm
associados à maior produtividade porque incorporam novas técnicas. Mas há
outros fatores que elevam a produtividade: o aumento da concorrência força as
empresas a serem mais eficientes, assim como a organização do trabalho pode
incentivar os trabalhadores a serem mais produtivos (Figura 3).
Martin Baily e o prêmio Nobel de economia, Robert Solow (2001) discutem
os resultados de uma pesquisa sobre produtividade do trabalho feita pelo McKinsey

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 275


FIGURA 3

l Investimentos
l Concorrência (doméstica e internacional)
l Produtividade do trabalho
l Acesso a fornecedores internacionais
l Crescimento de longo prazo

l Organização do mercado de trabalho

l Incentivos tributários
l Legislação trabalhista
l Concorrência no mercado de trabalho

Global Institute em vários países do mundo. As Tabelas 9 e 10, nas quais os


diferentes países são comparados aos Estados Unidos (com índice 100), mostram
o Brasil com baixos índices de produtividade do trabalho nos setores estudados:
automotivo, siderúrgico, varejo de alimentos, telecomunicações, bancos, trans-
porte aéreo e construção civil. É preciso considerar que os dados dessas tabelas se
referem à primeira metade da década de 1990, e que depois disso houve impor-
tante avanço na produtividade de vários setores no Brasil, assim como no exterior.

TABELA 9
Comparação da Produtividade do Trabalho em Relação aos Estados Unidos
[Estados Unidos = 100]

País Produtividade do trabalho

Estados Unidos 100

Brasil 42

França 92

Japão 70

Coréia do Sul 36

Holanda 96

Rússia 24

Reino Unido 73

Alemanha Ocidental 92
Fontes: Baily e Solow (2001) e McKinsey Global Institute Studies.

276 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 10
Produtividade do Trabalho na Manufatura em Relação aos Estados Unidos – 1992-1996
[Estados Unidos =100]

Varejo de Varejo Companhias Construção


Automotivo Aço Telecomunicações
alimentos (bancos) aéreas civil

Estados Unidos 100 100 100 100 100 100 100

Alemanha 93 100 - 51 85 66 70

Japão 145 121 54 82 - - 45

Coréia do Sul 48 108 27 83 76 100 69

Brasil 30 68 14 41 40 47 35
Fontes: Baily e Solow (2001) e McKinsey Global Institute Studies.

Os determinantes da produtividade do trabalho podem ser decompostos em


três partes:
Disponibilidade de capital. A falta de equipamentos e instrumentos de
z
trabalho em geral torna os trabalhadores menos produtivos.
Nível de instrução. Quanto mais educados os trabalhadores, maior a sua
z
produtividade.
z Eficiência. Quanto maior o uso de tecnologias mais produtivas e a sua
melhor utilização, maior a produtividade.
Alguns estudos sugerem que a eficiência produtiva é muito relevante para
explicar as diferenças entre as produtividades dos trabalhadores e as rendas per
capita dos países. Não é que a disponibilidade de capital e a educação não sejam
importantes, mas a eficiência tem sido um fator cada vez mais estudado e alguns
pesquisadores chegam a argumentar que ela pode ser mais relevante do que os
demais para explicar o atraso dos países latino-americanos [Cole et alii (2004)].
A eficiência não depende apenas da capacidade de os trabalhadores terem habi-
lidade para lidar com equipamentos. Depende também dos incentivos e das opor-
tunidades para empreender, da capacidade de adaptação das empresas a mudanças,
do escopo dos parceiros produtivos e comerciais das empresas, dos desperdícios
incorridos para buscar benefícios junto ao governo e sonegar, assim como dos
incentivos para que empresas e trabalhadores busquem maior produtividade.
Há várias causas para a ineficiência e no que se segue ilustram-se cinco
delas no caso brasileiro:
z Excesso de regulação e inflexibilidade das empresas.
z Legislação trabalhista e o papel da Justiça do Trabalho.

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 277


z Informalidade.
z Interferência do sistema de imposto de renda sobre a organização do trabalho.
z Interferência do FGTS sobre a rotatividade do trabalho.

8.1 Regulação e a Dificuldade de “Fazer Negócios”

O excesso e a complexidade da regulação tornam complicadas e custosas as ati-


vidades empresariais, reduzindo sua eficiência. O Banco Mundial vem desenvol-
vendo estudos sobre as dificuldades para fazer negócios, com implicações sobre
o grau de concorrência e a capacidade das empresas de se adaptarem a mudanças
na tecnologia, na concorrência ou no nível de vendas. As Tabelas 12 e 13 mostram
áreas em que o Brasil desponta como um país em que é difícil e custoso empreender.
A Tabela 11 mostra que, entre 155 países pesquisados, o Brasil figura entre
os dez em que o número de procedimentos e o prazo para abrir uma empresa são
maiores, embora não se situe entre os países em que o custo como porcentagem
da renda per capita esteja entre os dez maiores. O Brasil também está entre os dez
países que mais regulamenta a obtenção de alvarás (Tabela 12). As dificuldades
burocráticas para abrir e fechar negócios reduzem as oportunidades de novos
empreendedores e, com isso, a concorrência na economia.
A Tabela 13 aponta o Brasil entre os países com maior participação dos
impostos sobre os lucros das empresas. Quanto menores os lucros depois de pagos
os impostos, menor a capacidade de investimentos das empresas. É claro que
para reduzir a carga tributária seria preciso reduzir os gastos públicos, ou seja,
aqui há uma limitação de natureza fiscal que afeta a capacidade de investimento
privado na economia.
TABELA 11
Quem Regulamenta Menos a Abertura de Empresas e Quem Regulamenta Mais?

Número de procedimentos

Menos Mais

Afeganistão 1 Argentina 15

Austrália 2 Bolívia 15

Canadá 2 Grécia 15

Nova Zelândia 2 Guatemala 15

Dinamarca 3 Ucrânia 15

Finlândia 3 Bielo-Rússia 16
(continua)

278 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


(continuação)

Número de procedimentos

Menos Mais

Suécia 3 Brasil 17

Bélgica 4 Paraguai 17

Irlanda 4 Uganda 17

Noruega 4 Chade 19

Prazo (dias)

Menos Mais

Austrália 2 Azerbaidjão 115

Canadá 3 Venezuela 116

Dinamarca 5 Angola 146

Islândia 5 Indonésia 151

Estados Unidos 5 Brasil 152

Cingapura 6 Moçambique 153

Afeganistão 7 República Democrática do Congo 155

Porto Rico 7 São Tomé e Príncipe 192

França 8 Laos 198

Jamaica 9 Haiti 203


Fonte: Doing Business, Banco Mundial (2006).

TABELA 12
Quem Regulamenta Menos a Concessão de Alvarás e Quem Regulamenta Mais?

Número de procedimentos

Menos Mais

Dinamarca 7 Guiné 29

Nova Zelândia 7 China 30

Suécia 8 Egito 30

Tailândia 9 República Tcheca 31

França 10 Cazaquistão 32

Irlanda 10 Taiwan 32

Alemanha 11 Turquia 32

Japão 11 Botsuana 42
(continua)

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 279


(continuação)

Número de procedimentos

Menos Mais

Quênia 11 Burkina Faso 46

Cingapura 11 Serra Leoa 48

Prazo (dias)

Menos Mais

Finlândia Madagascar 356

Coréia do Sul China 363

Nova Zelândia Camarões 444

Dinamarca Brasil 460

Estados Unidos Nigéria 465

Canadá Bósnia-Herzegovina 476

Japão Zimbábue 481

Mongólia Rússia 528

Noruega Costa do Marfim 569

Reino Unido Irã 668


Fonte: Doing Business, Banco Mundial (2006).

TABELA 13
Quem Torna mais Fácil o Pagamento de Impostos e Quem Dificulta?
[imposto total a pagar (% do lucro bruto)]

Mais baixo Mais alto

Arábia Saudita 1 Uzbequistão 76

Omã 5 Mauritânia 76

Iraque 6 Uruguai 80

Kwait 8 Argentina 98

Emirados Árabes 9 Bielo-Rússia 122

Malásia 12 Iêmen 129

Hong Kong 14 Congo 135

Irã 15 Brasil 148

Porto Rico 18 Serra Leoa 164

Cingapura 20 Burundi 173


Fonte: Doing Business, Banco Mundial (2006).

280 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


O Brasil também figura entre os dez países em que as empresas usam mais
tempo para efetuar o pagamento de impostos.

8.2 Legislação Trabalhista e o Papel da Justiça do Trabalho

Quando se examinam os efeitos da legislação trabalhista sobre o mercado de


trabalho, nota-se pela Tabela 14 que o Brasil está entre os países que impõem os
maiores custos sobre a demissão de trabalhadores. Como já foi visto aqui, quanto
maior o custo de demissão, maior o grau de segregação e informalidade no mer-
cado de trabalho, sendo os jovens os mais afetados. Além disso, o custo de de-
missão faz as empresas operarem com um conjunto de trabalhadores menor do
que o ideal em períodos de crescimento da demanda, e maiores do que o ideal em
fases de ociosidade. Em ambos os casos, a eficiência produtiva poderia ser maior
se os custos de demissão fossem menores.
A Tabela 15 mostra o Brasil como o país em que é menor a flexibilidade de
contratação (emprego temporário e tempo parcial) e de demissão (multa rescisória
e outros custos); ele também aparece entre os países com condições de emprego
(jornada de trabalho, férias e feriados, salário mínimo) mais restritivas. Esses
fatores reduzem a capacidade das empresas de se adaptarem a inovações, o que
também reduz a eficiência produtiva.
Neste momento vale a pena fazer uma incursão na legislação trabalhista no
Brasil e examinar por que o mercado brasileiro aparece nos diferentes estudos

TABELA 14
Custo para Demitir um Trabalhador
[semanas de salário]

Mais baixo Mais alto


Nova Zelândia 0 São Tomé e Príncipe 108
Estados Unidos 0 Turquia 112
Afeganistão 4 Equador 131
Austrália 4 Moçambique 141
Geórgia 4 Indonésia 145

Iraque 4 Egito 162


Nigéria 4 Brasil 165
Cingapura 4 Sri Lanka 176

Cazaquistão 8 Zâmbia 176


Suíça 12 Serra Leoa 188
Fonte: Doing Business, Banco Mundial (2006).

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 281


TABELA 15
Índices de Regulação do Emprego: Países com Maior Regulação

Flexibilidade de empregar Condições de emprego Flexibilidade para demitir Leis sobre o emprego

Menor índice Menor índice Menor índice Menor índice


China 17 Hong Kong 20 Hong Kong 1 Cingapura 20

Brasil 78 Nicarágua 90 Brasil 68 Paraguai 73

Chade 78 Mongólia 90 Panamá 68 Peru 73

Grécia 78 Paraguai 90 Peru 69 Moçambique 74

Guiné 78 Turquia 91 Ucrânia 69 Venezuela 75

Tailândia 78 Polônia 92 México 70 Bielo-Rússia 77

Venezuela 78 Hungria 92 Bielo-Rússia 71 México 77

El Salvador 81 Ucrânia 93 Rússia 71 Angola 78

México 81 Chade 93 Portugal 71 Brasil 78

Panamá 81 Ruanda 94 Panamá 73 Portugal 79

Taiwan 81 Bolívia 95 Angola 74 Panamá 79


Fonte: Doing Business, Banco Mundial (2006).

realizados nos últimos anos como sendo excessivamente regulado. As principais


leis trabalhistas no Brasil são a Constituição Federal (CF) e a CLT. Em comple-
mento a essa legislação, o TST emite enunciados que qualificam as leis em casos
de omissão.
Os três principais artigos da CF sobre questões trabalhistas são o 7º, o 8º e o
114. O artigo 7º estabelece os direitos dos trabalhadores. Este artigo, essencial-
mente, trouxe da CLT alguns direitos, tornando alguns mais generosos, e acres-
centando outros. Entre os que ficaram mais generosos estão o aumento da multa
rescisória em caso de demissão sem justa causa de 10% para 40% do FGTS, a
ampliação da licença-maternidade de três para quatro meses, da paternidade de
um para quatro dias, redução da jornada normal de trabalho semanal de 44 para
40 horas, abono de férias correspondente a 1/3 do salário mensal, e fixação da
remuneração da hora extra em, no mínimo, 50% da hora normal. Introduziu
ainda a participação nos lucros e a jornada de seis horas para trabalhos com
turnos ininterruptos.
Talvez o aspecto mais interessante deste artigo 7º seja o fato de ser tão
detalhista e sem flexibilidade quanto às condições de trabalho e remuneração e,
ainda assim, nos dois aspectos, que são a base do custo de trabalho para a empresa
e a renda do trabalhador (o próprio salário e a jornada de trabalho), deixar con-
siderável espaço de manobra para as negociações coletivas. Lê-se na CF que

282 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


(...) são direitos dos trabalhadores VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção
ou acordo coletivo (...) XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e
quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, me-
diante acordo ou convenção coletiva. (CF, Tít. VI e XIII)

Ou seja, a noção tão difundida de que o salário nominal é irredutível no


Brasil não está na CF, embora encontre entraves na CLT, como será visto a seguir.
Foi a redutibilidade do salário e a compensação de horas que deu origem à bem-
sucedida introdução do banco de horas em 1998.
O artigo 8º tornou a organização sindical muito mais livre, reduzindo as
restrições quanto às bases de categorias e territoriais, além de tornar mais fácil
seu registro junto aos órgãos do governo. O artigo 114 se refere às atribuições da
Justiça do Trabalho, em particular seu papel nos dissídios individuais e coletivos.
A CLT trata das normas da relação de trabalho (direitos individuais dos
trabalhadores), dos contratos individuais e coletivos, da organização sindical, da
organização da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho. Não é o
caso de entrar em detalhes sobre a CLT. Entretanto, sempre que se fala em reforma
trabalhista, há uma referência à necessidade de reformar a CLT. Quais, então, são
os pontos críticos da CLT que merecem destaque? Três foram escolhidos aqui: a) as
normas da relação de trabalho; b) os processos de julgamento de dissídios indi-
viduais; e c) os processos de arbitragem dos dissídios coletivos.

Normas das Relações de Trabalho

Além dos direitos que constam do artigo 7º da CF, a CLT dispõe sobre vários
aspectos das condições de trabalho e remuneração. A seguir destacam-se alguns
exemplos do grau de detalhe e discricionariedade da CLT, bem como de sua forte
interferência nas relações de trabalho.
Art. 68. O trabalho em domingo (...) será sempre subordinado à permissão prévia da autoridade
competente em matéria de trabalho.(...) Cabem ao Ministério do Trabalho autorizar e à autoridade
municipal regular o trabalho aos domingos.

A lei é omissa quanto à remuneração adicional do trabalho dominical mas a


Justiça do Trabalho aqui faz as vezes de legislador: o TST emitiu o Enunciado
146, segundo o qual “o trabalho prestado em domingos e feriados, não compen-
sado, deve ser pago em dobro (...)”.
Art. 73. Salvo nos casos de revezamento semanal ou quinzenal, o trabalho noturno terá remune-
ração superior ao do diurno, e para esse efeito, sua remuneração terá um acréscimo de 20% (...).

A CF de 1988 elevou esse acréscimo para 50%.


Art. 134. As férias serão concedidas por ato do empregador, em um só período, nos 12 meses
subseqüentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito.

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 283


Parágrafo primeiro. Somente em casos excepcionais serão as férias concedidas em dois períodos,
um dos quais não poderá ser inferior a dez dias corridos.
Art. 137. Sempre que as férias forem concedidas após o prazo de que trata o art. 134, o empre-
gador pagará em dobro a respectiva remuneração.
Art 224. A duração normal do trabalho dos empregados em bancos (...) será de seis horas (...)”.
Art. 226. O regime especial de seis horas de trabalho também se aplica aos empregados de por-
taria e de limpeza, tais como os porteiros, telefonistas de mesa, contínuos e serventes, empregados
em bancos e casas bancárias. Também têm jornada reduzida os operadores cinematográficos e os
jornalistas.
Art. 320. A remuneração dos professores será fixada pelo número de aulas semanais, na confor-
midade dos horários (...).
Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador,
na mesma localidade, corresponderá igual salário (...).
Parágrafo primeiro. Trabalho de igual valor, para fins deste Capítulo, será o que for feito com
igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de
serviço não for superior a dois anos.

Não apenas a legislação restringe a liberdade da empresa de ter uma escala


salarial, como a condiciona à noção de que “trabalho de igual valor” é o “feito
com igual produtividade e a mesma perfeição técnica” – duas medidas de dificí-
lima quantificação para fins de fiscalização.
Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições
por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resulte, direta ou indiretamente, prejuízos
ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente garantida.

Esse artigo permite a renegociação dos contratos desde que beneficie o tra-
balhador; caso contrário ela é ilegal. O artigo torna a redutibilidade do salário e
da jornada de trabalho de que fala a CF algo muito discutível, pois ambas podem,
mesmo circunstanciadas, ser consideradas prejudiciais ao empregado.
Art. 619. Nenhuma disposição de contrato individual de trabalho que contrarie normas de Con-
venção ou Acordo Coletivo de Trabalho poderá prevalecer na execução do mesmo, sendo consi-
derada nula de pleno direito.

Esse artigo implica que o contrato individual está subordinado ao contrato


coletivo, o que mais uma vez restringe a capacidade da empresa de moldar suas
relações de trabalho à especificidade das condições e dos diferentes trabalhadores.
A razoabilidade dessas regras evidentemente pode ser discutida. Mas é im-
portante destacar o grau de ingerência da lei sobre os contratos coletivos e desses
sobre os contratos individuais, o que implica uma enorme uniformidade das con-
dições de remuneração em um contexto em que as empresas se defrontam com
condições econômicas e tecnológicas cada vez mais diferenciadas, além, obvia-
mente, de lidarem com trabalhadores com habilidades, motivação e capacidade
de trabalho também diferentes.

284 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Dissídios Individuais

Quanto ao processo de julgamento de dissídios individuais pela Justiça do Trabalho,


o que chama atenção é o fato de a lei preconizar que o acordo entre as partes deve
prevalecer sobre o cumprimento da lei e do contrato. O artigo 746 da CLT diz que
(...) os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão
sempre sujeitos à conciliação.
Parágrafo 1º. Para os efeitos desse artigo, os juízes e Tribunais do Trabalho empregarão sempre os
seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos. (CF, art.746)

Somente depois de esgotado o recurso à negociação entre as partes o juiz proce-


derá ao julgamento, lançando mão das evidências e depoimento das testemunhas.
No caso dos dissídios coletivos, a conciliação é perfeitamente razoável, pois
sindicatos e empresas estão negociando um contrato a ser cumprido no futuro.
Mas no caso de dissídio individual, o que está em jogo é o pleito de uma das
partes de que a lei ou um contrato não foi cumprido, e, nesse caso, a prevalência
da negociação sobre o julgamento faz surgir incentivos indesejáveis. Pois se o
empregador sabe que haverá espaço para negociação de direitos legais ou
contratuais, sendo o teto aquilo que seria devido, que incentivo tem para cumprir
o contrato durante sua vigência? Este é, provavelmente, um dos motivos para o
enorme número de dissídios individuais no Brasil. Nos casos, portanto, de de-
mandas individuais, para se evitar o descumprimento da lei e o enorme número
de pleitos, a lei deveria determinar que o juiz procedesse ao julgamento com base
nas evidências e testemunhas, sem espaço para negociações.

Dissídios Coletivos e Arbitragem

Por último, é importante discutir o sistema de arbitragem nos casos de dissídios


coletivos. O dissídio é o último recurso quando empregadores e sindicatos não
chegam a um acordo coletivo. Nesse caso, o juiz do trabalho desempenha a função
de árbitro, e aqui evidentemente a tentativa de acordo é válida. Entretanto, em
não havendo acordo, o juiz tem inteira liberdade para arbitrar as cláusulas, seja
com base em outros processos ou nos dados de que dispõe naquele caso específico.
Ocorre que cada caso é um caso, e se as partes sabem que o juiz fará uma escolha
sem restrições, o incentivo natural é exagerar a demanda (no caso dos trabalha-
dores) e minimizar a oferta (no caso dos empregadores). Mesmo que o juiz faça
alguma escolha entre as duas propostas, a decisão pode ser muito prejudicial
para uma das partes. O ideal é que demanda e oferta sejam realistas em face das
circunstâncias. Uma forma de produzir esse resultado é limitando a escolha do
árbitro de modo a aproximar a demanda e a oferta.

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 285


8.3 Informalidade e Ineficiência: Qual o Custo de Sonegar?

As limitações impostas pelas regras de abertura e fechamento de empresas, de-


missão de trabalhadores, bem como a elevada cunha fiscal sobre a folha de salários
e a carga tributária contribuem para a informalidade das empresas e das relações
de trabalho. A informalidade, por sua vez, também tem implicações para a eficiência
das empresas.
Em qualquer país as empresas podem decidir sonegar impostos, isto é, ocul-
tar ilegalmente uma fração de seu rendimento do fisco. Entretanto, evitar a vigi-
lância das autoridades e ocultar receitas e lucros requer o dispêndio de recursos.
Esse volume de recursos pode ser considerável, na medida em que a empresa
deve se utilizar de métodos escusos, inclusive suborno e, acima de tudo, ineficientes,
seja na compra de insumos, seja no processo de comercialização dos produtos. O
custo da sonegação envolve ainda a penalidade e a probabilidade de ser autuado.
Em princípio, uma empresa terá incentivos para ocultar uma parcela de seu
faturamento sempre que o custo de sonegar for menor do que os impostos devidos.
Os diversos fatores de natureza institucional que definem a decisão de sonegar
– discutidos no início da Seção 7 deste capítulo (discricionariedade das regras
tributárias, desrespeito às leis, morosidade da justiça, corrupção, ou simplesmente
a postura antiética do empresário) – afetam a probabilidade de a empresa vir a
ser autuada. Evidentemente, há firmas que não seguem essa regra. Isto é, existem
firmas que, mesmo sendo baixo o custo potencial de sonegar, não sonegam.
Assim como há aquelas que estão dispostas a sonegar mesmo que a diferença
entre o custo de sonegar e os impostos seja pequena. Essa assimetria entre as
empresas pode ter efeitos significativos sobre a estrutura da concorrência em um
setor econômico, com conseqüências relevantes para o nível e a eficiência dos
investimentos e, assim, o crescimento do emprego e da renda.
Não obstante considerações éticas e socioeconômicas, a sonegação oferece
uma vantagem competitiva à empresa, assim como o emprego informal, por ofe-
recer maior flexibilidade, e também por poder torná-la mais competitiva. Em
alguns setores da economia com alta carga tributária sobre o preço do produto,
se duas empresas vendem quantidades iguais ao mesmo preço, o lucro da empresa
que sonega é maior do que o da empresa que não sonega. Se ambas as empresas
reinvestem seus lucros, a empresa que sonega tende a aumentar seu market share
ao longo do tempo.
Em princípio, parece não haver efeitos microeconômicos da sonegação para
o desempenho da economia como um todo, desde que ambas as empresas – as
que sonegam e as que não sonegam – tenham a mesma disposição para investir

286 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


a partir de seus lucros. Esse raciocínio, entretanto, deixa de ser válido se conside-
rada a diferença entre os custos de produção, ou a eficiência produtiva, das duas
empresas. A diferença entre os custos unitários das duas empresas é o custo de
sonegar ou de esconder uma parte do processo de produção e circulação de ser-
viços e mercadorias. Esses custos são improdutivos, ou seja, a eles não corresponde
o aumento da quantidade produzida do produto ou serviço, nem da sua qualidade
para o consumidor.
Um exemplo muito simples é de uma empresa que, para sonegar, tenha de
escolher um trajeto mais longo para transportar suas mercadorias. A empresa que
não sonega, por não incorrer nesse custo adicional de transporte, pode, com o
mesmo investimento, produzir e empregar mais, vendendo as mercadorias ao
mesmo preço. Ou vender a um preço menor, beneficiando o consumidor. Isto é,
a eficiência de seu investimento seria maior, bem como sua contribuição para a
capacidade produtiva e o crescimento potencial da economia.
Há várias situações em que a empresa que sonega é menos eficiente porque
precisa esconder suas atividades. Isso é verdade desde o sistema de registro das
atividades até a logística, passando pelo custo de vigilância paralela para evitar
fraudes. Em geral, essa necessidade faz com que o conjunto de métodos e parceiros
à sua disposição – desde a compra de insumos e a contratação de trabalhadores
até a distribuição das mercadorias e o acesso ao crédito – seja menor do que o
conjunto disponível para a empresa que não sonega. O fato do conjunto de escolha
ser mais restrito reduz a eficiência produtiva, pois muitas das opções mais eficientes
tornam-se indisponíveis. Por sua vez, os custos de transação e incertezas associadas
Valor adicionado:
a atividades informais, não amparadas pela força da lei e pela justiça, também também conhecido como
geram ineficiências. valor agregado, é a
diferença entre a soma
Suponhamos, para fins de análise, que o custo de sonegação seja igual à dos preços dos insumos
necessários para se
perda de eficiência em relação à atividade da empresa formal. Sendo assim, se produzir determinada
duas empresas, uma formal e outra não, investem em uma planta uma mesma quantidade de produto e o
preço dos produtos.
quantia, o valor adicionado da empresa formal será maior do que o da empresa
Assim, o valor adicionado
informal. Essa diferença entre os valores adicionados é uma medida da diferença é uma medida do ganho
entre a produtividade das duas empresas ou a eficiência de seus investimentos. obtido por meio do
beneficiamento das
Em um país como o Brasil, com baixa taxa de investimento, a eficiência do matérias-primas pelo
processo produtivo.
investimento passa a ser um fator crítico para definir a taxa de crescimento da Também pode ser
economia, o nível de exportações, a geração de empregos e assim por diante. Se entendido como custo de
produção, que é a soma
o argumento exposto for convincente, seu corolário é que, à medida que aumenta das remunerações ao
a participação de mercado das empresas informais, menores serão a eficiência do capital e ao trabalho,
além do custo das
investimento e a taxa de crescimento da economia. Nesse sentido, a sonegação matérias-primas
deixa de ser uma questão apenas ética, fiscal e distributiva, mas passa a ter propriamente ditas.

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 287


efeitos sobre o desempenho socioeconômico do país por meio de seus impactos
sobre a estrutura da concorrência e a eficiência dos investimentos.

8.4 Impostos e Ineficiência

Conforme dito e reiterado, condições externas ao mercado de trabalho podem


afetar o seu desempenho. Esse é o caso do sistema tributário. O Brasil tem uma
carga tributária elevada, maior do que a dos Estados Unidos, e equivalente à
média dos países europeus, o que tem várias implicações. Uma é reduzir a renta-
bilidade e o volume de lucros das empresas após o pagamento dos impostos, o
que diminui os incentivos para investir. Outra é que a carga elevada e o fato de a
qualidade dos gastos públicos não ser bem avaliada pela população induzem as
empresas a diferentes formas de elisão fiscal e sonegação de impostos.
O sistema tributário também tem efeitos sobre a eficiência produtiva. Sempre
que os impostos afetam a escolha das empresas e trabalhadores – por exemplo,
entre os setores onde operar, entre diferentes tipos de relação de trabalho, entre
permanecer ou não no mesmo emprego –, eles podem resultar em decisões mais
vantajosas para empresas ou trabalhadores, mas com efeitos socioeconômicos
potencialmente negativos. Esse é o caso dos incentivos engendrados pela dife-
rença entre o imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas e o acesso ao FGTS
dos trabalhadores demitidos.

8.5 IRPF versus IRPJ

A legislação do imposto de renda apresenta distorções que possibilitam a elisão


dos impostos devidos de algumas categorias profissionais. No caso brasileiro,
essa distorção surge dos custos de manutenção de uma pessoa jurídica e de perdas
de eficiência quando a alocação mais produtiva seria por meio de uma relação de
assalariamento, mas que, para se beneficiar de vantagens tributárias, o trabalhador
prefere ser um prestador de serviços. Principalmente para o caso de profissionais
liberais, os custos de elaboração do contrato social, manutenção sistemática de
registro contábil e aumento da burocracia para decisões – como mudança de
endereço da empresa, entre outros – podem representar componentes importantes
do custo de operação.
Por princípio, a escolha de organização das firmas deveria ser neutra em
relação aos mecanismos de taxação. Entretanto, o resultado dos estudos de
Barcellos, Assunção e Werneck (2005) sugere o oposto: alguns profissionais liberais
apresentam-se diante do fisco como pessoa jurídica para, dessa maneira, fugirem

288 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


das alíquotas mais altas de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). A explicação
para esse comportamento estaria na estrutura da taxação da renda que, depen-
dendo de algumas características do contribuinte, tributa de maneira mais vanta-
josa a pessoa jurídica. Assim, esses profissionais liberais estariam somente utilizando
um esquema de planejamento tributário, totalmente legal e previsível.
De fato, a comparação do Brasil com os países da OCDE revela uma situação
bastante particular (Tabela 16). O Brasil possui uma carga tributária semelhante à
dos países da OCDE, apesar de indicadores sociais substancialmente piores. En-
tretanto, mais intrigante é a situação da composição dos impostos. Enquanto nos
países daquela organização o imposto de renda responde por 35,3% de toda a
arrecadação, no Brasil constitui apenas 18,7%. Essa reduzida participação do IR
é compensada, de um lado, pelas contribuições de seguridade social e, por outro,
por outros impostos e contribuições como o Imposto sobre Operações de Crédito,
Câmbio e Seguros – mais conhecido como Imposto sobre Operações Financeiras
(IOF) e a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e
de Créditos e Direitos de Natureza Financeira — mais conhecida por Contribuição
sobre Movimentações Financeiras (CPMF) — que, apesar de estarem fora do escopo
deste capítulo, apresentam distorções importantes.
Mas o maior descompasso quanto à composição dos impostos se refere à
participação do IRPF. Enquanto nos países da OCDE ele corresponde a 1/4 da
arrecadação total, no caso brasileiro não chega a 1/8 do montante arrecadado
pelo governo. E mais: as informações da Receita Federal mostram que mais de
90% da arrecadação do IRPF constitui tributação na fonte, ou seja, de trabalha-
dores com reduzida capacidade de planejamento tributário.

TABELA 16
Brasil e Países da OCDE: Indicadores Tributários e Socioeconômicos – 2002

OCDE Brasil

Carga tributária 36,3 35,9

Composição dos impostos

IRPF 26,0 12,0

IRPJ 9,3 6,7

Contribuições de seguro social 22,9 36,6

Imposto sobre bens e serviços 31,9 30,2

Outros 9,8 14,5

PIB per capita 22.411 2.641

% de matrículas no ensino secundário 89,8 74,9


Fontes: OCDE, World Development Indicators (Banco Mundial), e Secretaria da Receita Federal (SRF).

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 289


A decisão de incorporação ao IRPJ é fortemente influenciada por variáveis
relacionadas à estrutura da taxação.7 A utilização da pesquisa Economia Informal
Urbana do IBGE (Ecinf/97) é interessante porque a participação de profissionais
liberais com negócio próprio na amostra está bem representada.
A Tabela 17 mostra o método de apuração escolhido pelas firmas ao pagar o
IRPJ. A grande maioria escolheu o método de apuração pelo lucro presumido,
seja por sua simplicidade ou por possibilitar uma alíquota efetiva mais baixa
para as atividades com lucro contábil alto.
A Tabela 18 aponta a forte relação das várias características da firma com
sua configuração jurídica. Na primeira linha, os 12% da amostra que possuem
constituição jurídica têm a receita média mensal mais do que duas vezes maior
do que o resto da amostra. Esse fato é compatível com o planejamento tributário
das firmas, pois profissionais com maior nível de renda têm mais incentivos a
constituir pessoa jurídica em função da maior economia de impostos. A segunda
linha mostra que é maior a proporção de firmas com constituição jurídica no
grupo dos empregadores do que no grupo dos conta-própria. O fator renda também
pode explicar isso, pois os empregadores tendem a ter uma renda maior do que os
conta-própria.
A tabela aponta também que os negócios que usam equipamentos próprios
mais freqüentemente têm constituição jurídica. Dois efeitos podem estar em ação
aqui. O primeiro é novamente o da receita, que tende a ser maior em negócios
com equipamentos próprios. O segundo, que se associa com outro parâmetro de
planejamento tributário, vem da permissão de dedução de despesas com aluguel
de equipamentos sob o regime de tributação de pessoas físicas com livro-caixa.
Logo, em negócios que alugam equipamentos deveria haver menos incentivo a
constituir pessoas jurídicas, tudo mais constante.

TABELA 17
Composição das Firmas segundo Modelo de IRPJ
[profissionais liberais na Ecinf (1997)]

Modelo de IRPJ Freqüência %

Lucro real 6.565 23,06

Lucro presumido 13.422 47,14

Isento 8.363 29,37

Ignorado 123 0,43

Total 28.473 100,0


Fonte: Barcellos, Assunção e Werneck (2005).

290 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 18
Perfil dos Profissionais Liberais segundo Constituição Jurídica: Ecinf – 1997

Constituição jurídica Sim Não Total

Receita média (R$) 5.112,10 2.303,94 -

Posição na ocupação

Conta-própria 17.640 227.685 245.325

7,2% 92,8% 100,0%

Empregador 24.995 101.459 126.454

19,8% 80,2% 100,0%

Equipamento

Próprio 37.386 248.501 285.887

13,1% 86,9% 100,0%

Alugado 3.619 50.547 54.166

6,7% 93,3% 100,0%

Não usa 1.629 30.096 31.725

5,1% 94,9% 100,0%

Sócios 0

Proprietário único 32.334 309.285 341.619

9,5% 90,5% 100,0%

Tem sócio 10.300 19.849 30.149

34,2% 65,8% 100,0%

Investimento 0

Investiu 16.778 83.499 100.277

16,7% 83,3% 100,0%

Não investiu 20.607 165.003 185.610

11,1% 88,9% 100,0%

Clientes 0

Pessoas físicas 26.583 274.871 301.454

8,8% 91,2% 100,0%

Empresas grandes 3.799 13.833 17.632

21,5% 78,5% 100,0%


(continua)

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 291


(continuação)

Constituição jurídica Sim Não Total

Empresas pequenas 11.389 36.514 47.903

23,8% 76,2% 100,0%

Governo 862 3.925 4.787

17,3% 82,7% 100,0%

Contas 0

Não registra 555 38.005 38.560

1,4% 98,6% 100,0%

Registra sozinho 17.177 22.3540 240.717

7,1% 92,9% 100,0%

Tem contador 24.190 63.695 87.885

27,5% 72,5% 100,0%

Total 42.635 329.144 371.779

12,0% 88,0% 100,0%


Fonte: Barcellos, Assunção e Werneck (2005).

Os dados também confirmam uma tendência maior dos profissionais que


prestam serviços para empresas (grandes e pequenas) a constituírem pessoas ju-
rídicas. Essa associação é compatível com a hipótese de que a estrutura do IR
afeta as relações trabalhistas, no sentido de aumentar a terceirização de forma
artificial. Não apenas os prestadores de serviços pagam menos IR, como também
a empresa que recebe os serviços reduz seus encargos trabalhistas.
Em resumo, há fortes evidências de interferência da estrutura tributária sobre a
organização dos prestadores de serviços, na medida em que vários atributos que têm
efeito sobre o montante de impostos a ser pago por esses profissionais liberais têm
expressiva relação com a constituição jurídica do negócio. A fonte de ineficiência se
traduz na dissociação entre características da natureza da atividade econômica e o
montante de impostos pagos. Por exemplo, o ambiente aqui descrito possibilita que
dois prestadores de serviços idênticos, exercendo tarefas exatamente iguais, sejam
tributados de forma diferente. Basta que para isso um deles ofereça uma nota fiscal
enquanto o outro preencha um recibo de pagamento a autônomo (RPA).
Se o custo implícito nesses dois documentos fosse igual, não haveria problemas
e todos optariam pela forma associada à menor alíquota de imposto. Entretanto,
na medida em que há um dilema envolvido nessa escolha, há uma perda de
eficiência. O prestador de serviço que se apresenta como pessoa jurídica, emitindo

292 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


uma nota fiscal, paga menos impostos, mas tem de arcar com um custo mais alto
de criação e manutenção de uma firma. Aquele que tem seu recebimento como
pessoa física, por sua vez, precisa apenas emitir um RPA, com o custo negligenciável
do próprio documento, mas passível de uma tributação bem mais alta.

8.6 O Efeito do FGTS sobre a Rotatividade do Trabalho

Da década de 1940 até 1966, a legislação trabalhista brasileira estipulava que, no


caso das demissões sem justa causa, a firma deveria pagar ao trabalhador demi-
tido uma indenização de um salário por ano trabalhado. Além disso, a lei garantia
estabilidade de emprego para trabalhadores que possuíam vínculos empregatícios
de mais de dez anos com uma mesma firma. Esses trabalhadores somente podiam
ser demitidos por justa causa, em julgamentos que não incluíam a baixa produ-
tividade nem absenteísmo como razões justas para a demissão. Em caso contrário,
a firma era obrigada a pagar uma indenização equivalente a dois salários por ano
no emprego, e somente quando acordado com o funcionário. De forma a eliminar
as distorções que o sistema causava à produtividade da força de trabalho e a
assegurar a provisão de fundos para cobrir os gastos com as indenizações no
caso das demissões sem justa causa, foi criado, em 1966, o FGTS.
O FGTS é um sistema criado para oferecer segurança ao trabalhador no caso
da demissão sem justa causa. O sistema obriga as firmas a depositar uma parcela
dos salários (8% entre 1966, quando foi criado, e setembro de 2001, e 8,5% desde
então) de seus trabalhadores formais em contas em nome de cada trabalhador,
que, salvo algumas exceções, só pode retirar os recursos do fundo quando se
aposentar ou se demitido sem justa causa – nesse caso, ao montante depositado
pela empresa é acrescida uma multa de 40% sobre o total. A lei determina, também,
que o saldo da conta seja compensado pela inflação – atualmente pela Taxa
Referencial (TR) –, além da correção por uma taxa de juros de 3% ao ano.
Pode-se destacar três características do sistema de FGTS que agem como
incentivos perversos por levarem um trabalhador a induzir sua própria demissão:
z o fundo é mantido a uma taxa de juros abaixo da taxa de mercado – isso
serve como incentivo para os trabalhadores tirarem seu dinheiro do sistema;
z a principal forma de obter acesso ao fundo é por meio da demissão do
trabalhador;
z a maior parte da multa de demissão é destinada ao próprio trabalhador.
Logo, o sistema oferece uma margem para falsas demissões, prática na qual
firmas e empregados entram em acordo para simular uma demissão sem justa

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 293


causa, possibilitando o acesso ao saldo do FGTS por parte do trabalhador e ganhos
também para a empresa, que acaba por não pagar a multa de demissão. Os dados
da Pnad e da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) mostram que cerca de 2/3 dos
desempregados que afirmam ter pedido demissão do seu antigo emprego – situação
em que o trabalhador não tem acesso ao saldo do fundo – também afirmam ter
tido acesso ao seu FGTS – um indício de falsas demissões.
Conseqüentemente, isso provoca um aumento na rotatividade do trabalho,
pois tanto firmas como trabalhadores podem lucrar no curto prazo com a ruptura
do contrato de trabalho. Mais grave ainda, nas situações em que é mais difícil
chegar a um acordo, a tendência é uma piora no ambiente de trabalho, com
impactos negativos sobre a produtividade. De fato, o não-pagamento de custos
de demissão por parte das empresas é a segunda razão mais freqüente para os
trabalhadores entrarem na Justiça do Trabalho, atrás apenas do não-pagamento
de benefícios não-salariais [Banco Mundial (2002)]. Esse estudo do Banco Mundial
chega a caracterizar o mercado de trabalho brasileiro como hiperlitigioso, além
de hiperativo, devido à alta rotatividade. Mecanismos como o desenho do sistema
do FGTS têm sido apontados entre os maiores vilões por trás desse desempenho.

9. SUMÁRIO E CONCLUSÕES

Este capítulo sugeriu algumas hipóteses e propôs algumas conclusões, reunidas a


seguir:
O contrato de trabalho, tanto coletivo quanto individual, tem características
próprias que decorrem da assimetria de informações entre o trabalhador e o em-
pregador e do fato da transação (entrega de esforço pelo trabalhador e pagamento
do salário e benefícios pelo empregador) ocorrer ao longo do tempo, envolvendo
despesas de treinamento e custos de encerramento do contrato. Assim, a contratação
de um trabalhador se assemelha a um investimento de risco por parte da firma.
As leis trabalhistas, concebidas de acordo com circunstâncias históricas e
políticas, se impõem sobre o contrato de trabalho. À medida que a estrutura de
concorrência, as opções tecnológicas e o grau de instrução dos trabalhadores se
modificam, tanto os contratos quanto as leis podem se tornar obsoletas, caso em
que podem afetar a lucratividade das empresas e a produtividade do trabalho.
Nos últimos 20 anos houve, de fato, mudanças importantes no entorno econô-
mico e tecnológico, e tanto os contratos quanto as leis de alguns países se mostraram
inconsistentes com a adaptabilidade das empresas a novas circunstâncias.

294 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


As leis trabalhistas devem ser avaliadas de acordo com as circunstâncias.
Os estudos sobre desempenho do mercado de trabalho mostram que é a combina-
ção de mudanças externas ao mercado de trabalho (choques de oferta, alterações
nos regimes cambiais, mudanças na combinação de políticas fiscal e monetária)
com a legislação trabalhista que produz diferentes efeitos sobre a geração de em-
pregos, a taxa de desemprego, a estrutura salarial e a informalidade.
No Brasil, nos últimos 20 anos, houve várias mudanças relevantes, com
implicações na relação de trabalho: novas regras trabalhistas da Constituição de
1988, abertura da economia, estabilização, aumento da carga tributária e choques
externos. Pode-se dizer que, com a Constituição de 1988, as leis trabalhistas
passaram por um aprofundamento do modelo social-democrata quando as eco-
nomias mundial e brasileira caminhavam para um modelo muito mais liberal de
mercado. Essa inconsistência está na raiz do desempenho do mercado de trabalho
desde o início da década de 1990, ainda que, como dito anteriormente, movimentos
conjunturais de melhoria do emprego e de redução da informalidade possam
ocorrer.
O aumento do desemprego e da informalidade no Brasil respondem a essa
combinação de alterações no ambiente econômico e ao aprofundamento da re-
gulamentação das relações de trabalho, além de a outros fatores como elevação
da cunha fiscal sobre a folha de salários e o aumento do valor real do salário
mínimo na segunda metade dos anos 1990. Algumas mudanças atenuaram esses
efeitos, notadamente a introdução do banco de horas em 1998.
O fato de o desemprego ter crescido mais nas regiões metropolitanas do que
no resto do país deve-se fundamentalmente a três fatores: são essas empresas que
estão mais expostas à concorrência externa – principalmente as do setor
manufatureiro; são também exigidas em termos de inovações tecnológicas; e,
finalmente, são muito mais sujeitas à fiscalização trabalhista. Quanto à
informalidade, duas razões têm sido apontadas para explicar o crescimento maior
ocorrido nas regiões metropolitanas: a) a elevação dos custos da mão-de-obra
desde a Constituição de 1988 fez com que as empresas ficassem mais propensas
a estabelecer contratos de trabalho não-formais; e b) o aumento da carga tributária
combinado maior exposição à fiscalização levou as pequenas empresas a operarem
informalmente com uso de mão-de-obra também informal.
O baixo crescimento da economia brasileira nas últimas duas décadas reflete
o baixo percentual de poupança e de investimento de nossa sociedade, assim
como o reduzido patamar de investimento público em infra-estrutura. Além disso,
esse crescimento discreto da economia resulta ainda do baixo crescimento da
produtividade do trabalho e da eficiência produtiva. O baixo crescimento da

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 295


produtividade do trabalho é conseqüência do reduzido ritmo de investimentos,
além da baixa qualificação da mão-de-obra, conforme discutido no Capítulo 3
desta edição. Quanto à ineficiência produtiva, explicam-na o elevado grau de
regulamentação dos mercados, com destaque para o mercado de trabalho (restrições
a contratações e demissões, excesso de regulação dos contratos individuais,
discricionariedade da justiça trabalhista).
A redução da taxa de desemprego e da informalidade nos últimos anos se
deve ao abrandamento do processo de reestruturação empresarial, à maior con-
sistência da política econômica e à continuidade das regras do jogo no atual
governo – além da ampliação da atividade de fiscalização –, todos fatores que
reduzem a incerteza e incentivam os investimentos, inclusive em trabalhadores
com carteira assinada. Contudo, eles não são suficientes para permitir a retomada
sustentada de níveis reduzidos de desemprego e de ampliação da formalização do
vínculo trabalhista, compatíveis com a proteção social adequada e com a
sustentabilidade fiscal dessa proteção, além, obviamente, de abrir espaço para
investimentos na mão-de-obra com ganhos de eficiência para as empresas e para
a economia.

10. DISCUSSÃO DA REFORMA TRABALHISTA

A partir da discussão ao longo deste capítulo, parece ter ficado claro que instituições
que interferem em demasiado no contrato de trabalho retiram das empresas a
capacidade de se adaptarem a inovações. Uma tal incapacidade de resposta se,
por um lado, preserva a estabilidade dos trabalhadores empregados, por outro,
pode provocar aumento das taxas de desemprego e de informalidade, assim como
queda do investimento e da eficiência produtiva – o que, por sua vez, tende a
reduzir o crescimento da empresa e sua capacidade de empregar e pagar salários. Em
um ambiente mais volátil, as empresas precisam de mais capacidade de adaptação.
O fato de as empresas poderem rever contratos, alterar jornadas de trabalho,
suspender o contrato de trabalho de parte dos trabalhadores temporariamente
etc. torna a vida dos trabalhadores mais insegura. O aumento da adaptabilidade
das empresas tem como preço o aumento da insegurança dos trabalhadores. Sendo
assim, qualquer proposta de reforma deveria considerar medidas que aperfeiçoassem
a rede de segurança e de proteção dos trabalhadores.
Antes de discutir alguns possíveis aprimoramentos das instituições traba-
lhistas tendo em mente esses objetivos, é importante ressaltar que, ao longo do
tempo, as medidas de proteção do emprego – ou dos trabalhadores empregados –,
como o elevado custo de demissão, bonificações rígidas (décimo terceiro, abono

296 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


de férias etc.) e toda uma série de direitos individuais previstos em lei no Brasil
se, por um lado, protegem os trabalhadores empregados e, entre eles, os que estão
mais organizados e contam com forte estrutura sindical, por outro, penalizam
sobremaneira os trabalhadores desempregados – posto que ao encarecerem o
custo de contratação e de eventual demissão reduzem os incentivos para os em-
presários contratarem –, entre os quais os jovens e os menos qualificados são a
maioria. A proteção dos empregos existentes, e dos trabalhadores empregados,
restringindo a concorrência no mercado de trabalho, pode não ser a melhor esco-
lha para o conjunto dos trabalhadores (empregados e desempregados).
Entre as várias instituições discutidas no capítulo, algumas podem e devem
ser reformadas, de modo a permitir que as empresas tenham mais flexibilidade de
alocação de mão-de-obra, com impactos positivos para o emprego e para a redução
da informalidade. É certo que não há consenso sobre como proceder, mas há
razoável entendimento de que devem ser aprimoradas.
O salário mínimo, por exemplo, é fixado em nível federal. Com exceção do
Bolsa Família, que beneficia as famílias pobres com filhos que freqüentam esco-
las, os demais gastos sociais do governo federal (aposentadorias, seguro-desem-
prego, abono do PIS, benefícios para deficientes e idosos de baixa renda) estão
indexados ao salário mínimo. Portanto, a política de salário mínimo tem enorme
impacto fiscal. Sob esse ponto de vista, aumentos do valor real do salário mínimo
têm impactos perniciosos sobre as contas públicas, posto que eleva simultanea-
mente o valor real de praticamente todos os benefícios sociais. Dadas as severas
restrições fiscais – já apontadas na edição de 2005 –, elevações desses gastos só
podem ser feitas à custa de maior carga tributária ou de reduções ainda maiores
no nível do já deprimido investimento público. Ora, o governo não precisa dessa
camisa-de-força para fazer política social. Suponha-se, por exemplo, que o go-
verno desejasse aumentar seus gastos com o Bolsa Família e com saneamento
básico. Se há uma restrição orçamentária, ele poderia manter constante o
poder de compra do seguro-desemprego, das aposentadorias e dos demais bene-
fícios sociais, e aumentar a dotação para o Bolsa Família e o saneamento básico.
Ao atrelar por lei todos os gastos ao valor do salário mínimo, perde esse grau de
manobra e, o que é pior, sua ação social tem como contrapartida aumentos da
carga tributária ou reduções de investimento, ambos indesejáveis. É, portanto,
razoável e oportuno que se discuta o que deve e o que não deve estar vinculado
ao salário mínimo.
Em síntese, política de salário mínimo não deveria impor restrições à políti-
ca fiscal. Se o governo quer aumentar o poder de compra das aposentadorias, não
precisa aumentar o salário mínimo, basta mandar para o Congresso um projeto

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 297


de lei propondo rever as aposentadorias. O mesmo vale para o seguro-desemprego,
os benefícios para deficientes e idosos, para o abono do PIS etc.
Outro aprimoramento que poderia ser submetido à discussão refere-se ao
acesso aos recursos do FGTS. Como se sabe, hoje o trabalhador só tem acesso ao
seu FGTS em circunstâncias específicas mas, de longe, a maior freqüência é nos
casos de demissão sem justa causa. Há evidências de que esse sistema promove o
desligamento de trabalhadores de seus empregos para ter acesso ao FGTS. Com
isso há prejuízo da qualidade das relações de trabalho com efeitos negativos
sobre a eficiência produtiva. Se o que se deseja é incentivar a estabilidade da
relação de emprego, com conseqüentes investimentos de ambas as partes (empre-
gadores e empregados), então seria razoável discutir modelos de acesso parcial
aos recursos do FGTS quando ocorresse a demissão sem justa causa, transforman-
do parte dos recursos em fundo previdenciário, resgatável quando da aposentado-
ria, mantidas as condições especiais de acesso (como tratamento de saúde ou
compra de casa própria). Também numa perspectiva de redução gradual da carga
tributária, seria saudável discutir alternativas para a multa recisória nos casos de
demissão. Esta poderia ser gradualmente reduzida – num calendário de cinco a
dez anos – para patamares nunca superiores a 10% ou 15%, dos quais a maior
parte – digamos 2/3 ou 3/4 – ficaria para o governo, sendo exclusivamente apli-
cado no aprimoramento do sistema de seguro-desemprego, de modo a garantir
maior proteção ao trabalhador desempregado.
Outro exemplo de aprimoramentos refere-se aos direitos individuais na CLT.
A lista de direitos individuais – chamados de normas de tutela do trabalho na CLT
— mostrada aqui deixa claro que as empresas estão sujeitas a regras muito estreitas.
Ao se engajarem em relações trabalhistas as empresas passam a estar sujeitas a
regras que limitam enormemente sua capacidade de se adaptar a mudanças ex-
ternas, além de constranger a prática de modelos de incentivos baseados no
desempenho individual dos trabalhadores. Na legislação também consta que os
contratos individuais estão sujeitos a contratos coletivos, o que também restringe
estratégias de diferenciação com o objetivo de aumentar a eficiência. Talvez um
caminho fosse simplificar a legislação, mantendo o estritamente necessário para
preservar a saúde do trabalhador com a preservação dos direitos básicos definidos
no artigo 7º da Constituição Federal.
Por fim, há que se repensar os procedimentos da Justiça do Trabalho nos
dissídios individuais e coletivos. Como visto, nos dissídios individuais, em geral
trabalhadores individuais pleiteiam direitos não-cumpridos pelos empregadores.
Para esses casos, a CLT exige que o juiz do trabalho promova a solução conciliatória.
Não deveria. Pois ao assim fazer, induz as partes a desvios de conduta, quando o

298 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


que é julgado é o descumprimento de uma das partes, da legislação ou de contratos.
Em particular, os incentivos para o empregador cumprir o contrato e a lei são
diminuídos em face da possibilidade de vir a negociá-los com o trabalhador.
Portanto, nesse caso, a recomendação de reforma da CLT é retirar a exigência de
buscar a conciliação e, em seu lugar, exigir que o juiz, com base em evidências e
testemunhas, verifique se foi cumprida a lei ou contrato e, caso não o tenha sido,
obrigar o pagamento com multa.
No caso dos dissídios coletivos, como se trata de negociação de contratos, o
esforço de conciliação parece o mais correto. Entretanto, em não havendo acordo,
o juiz deveria obedecer a critérios que incentivassem as partes a aproximarem
suas propostas. Uma forma de fazer isso é obrigar o árbitro a escolher uma das
duas propostas. Nessas circunstâncias, comportamentos irresponsáveis ou dema-
gógicos seriam fortemente desencorajados, incentivando a busca da conciliação.
Como visto ao longo de todo o capítulo, instituições são importantes
determinantes do desempenho do mercado de trabalho. Ainda que o desempenho
econômico possa minorar as dificuldades do mercado de trabalho no curto prazo –
como debatido no Capítulo 1 –, e que o desempenho demográfico possa determinar
em grande parte o perfil do mercado de trabalho – como visto no Capítulo 2 –, o
fato é que instituições desempenham papel relevante na conformação e no desem-
penho de médio e longo prazo desse mercado.
Procurou-se mostrar aqui que no Brasil as instituições do mercado de trabalho
não estão adequadas para promover o aumento dos investimentos e da competitividade
das empresas, de modo a gerar volume adequado de emprego e reduzir o grau de
informalidade existente – ainda que, nesse último aspecto, movimentos
conjunturais e esforços sempre louváveis de fiscalização possam reduzir-lhe o
tamanho. Procurou-se enfatizar, portanto, a necessidade de ajustes institucionais
de modo a dotar nosso mercado de trabalho de flexibilidade que permita que
nossas empresas disputem em condições de igualdade o mercado internacional e
que, ao mesmo tempo, garanta adequada proteção do trabalhador.

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NOTAS
1. Há mercados como, por exemplo, o de automóveis usados, ou o de reparos em automóveis, máquinas
e equipamentos, nos quais há evidente assimetria de informação entre as partes envolvidas. Isso, no
entanto, não faz desses mercados algo semelhante ao mercado de trabalho.
2. Sobre definições de desemprego, ver Capítulo 5 deste livro.
3. Taxa de desemprego = desempregados como porcentagem da PEA; taxa de participação = PEA sobre
PIA; e taxa de emprego = empregados como porcentagem da PIA.
4. Não incluem os dados de 1991, 1994 e 2000, anos em que a Pnad/IBGE não foi realizada. Fazem parte
da amostra os trabalhadores com idade entre 25 e 64 anos, residentes nas áreas urbanas.
5. A efetividade do salário mínimo é captada pela razão entre o valor do mínimo e a mediana da distribuição.
Os gráficos incluem a reta de regressão e o intervalo de confiança de 95%. Para computar essas retas
regrediram-se os indicadores de informalidade na razão entre o salário mínimo e a mediana da
distribuição de rendimentos e uma constante.
6. Esse mesmo resultado se mantém quando é feita uma análise de regressão com um painel de Unidades
da Federação (UFs) no período 1992-2004. Estima-se uma regressão tendo esses indicadores de
informalidade como variáveis dependentes e os indicadores de restritividade do salário mínimo e dummies
de ano e UF como variáveis explicativas. O resultado é um coeficiente altamente positivo e
estatisticamente significativo, o que novamente indica que, nos estados em que o salário mínimo é
mais restritivo, o grau de informalidade tende a ser mais elevado.
7. Os dados utilizados são da Ecinf/97. Essa base de dados representa bem a amostra de interesse, além de
permitir, com riqueza de detalhes, o cruzamento de informações do proprietário da firma com
informações da própria firma, necessário para o tipo de análise que se pretende fazer.

Instituições trabalhistas e desempenho do mercado de trabalho no Brasil z 303


11.0

99 03
01
02
98 04

8.0
97
Taxa de desemprego (%)

96

92
93
95

5.0
59,0 60,5

Taxa de participação (%)

5 O Desempenho Recente do
Mercado de Trabalho Brasileiro
O Desempenho Recente do Mercado
5 de Trabalho Brasileiro

1. INTRODUÇÃO

O estudo do mercado de trabalho contém em si mesmo algumas dificuldades e


polêmicas peculiares em relação a outros campos da economia. Na verdade, a
polêmica praticamente acompanha o nascimento da ciência e remonta aos trata-
dos de Adam Smith, que tanto deram origem às correntes que advogam que o
valor da mercadoria corresponde ao montante de trabalho utilizado na sua ela-
boração, quanto aos adeptos da teoria para a qual esse valor deriva da utilidade
que se usufrui de um bem.
A grande dificuldade inerente ao assunto está em definir o trabalho como
uma mercadoria como outra qualquer transacionada no mercado, e que por isso
teria um preço definido por sua oferta e demanda. Segundo uma ótica mais es-
treita e pragmática, a importância fundamental do mercado reside no fato de ele
ser o local onde os indivíduos transacionam, aos preços assim determinados, o
seu principal – e, na maioria das vezes, único – ativo, que é a sua capacidade
laboral. Daí a importância desse mercado para assuntos ligados a pobreza, eqüi-
dade e bem-estar. Uma visão mais ampla considera o mercado de trabalho como
sendo uma espécie de mercado com imperfeições comuns em outros mercados, de
forma que o valor dos salários pode sofrer influência, mas não tem como deter-
minação exclusiva sua oferta e demanda.
Não se pode perder de vista, porém, que além do aspecto de natureza econô-
mica, o mercado de trabalho é antes de tudo um espaço de socialização do indi-
víduo. O trabalho tem em sua essência um valor social que o acompanha desde as
sociedades humanas menos complexas até o mundo atual. Entre os indígenas
brasileiros, por exemplo, o trabalho dos homens na caça e na pesca e das mulheres
na agricultura é emblemático de como o produto do trabalho social pode ser
distribuído entre os membros da coletividade. Assumida a visão de que o trabalho
possui uma dimensão social que antecede e supera a dimensão estritamente eco-
nômica, pode-se asseverar que as ações relativas ao mercado de trabalho são
fundamentais para promover a eqüidade e o bem-estar de uma sociedade.
De forma simplificada, para fins ilustrativos, é possível admitir que são três
os determinantes do desempenho do mercado de trabalho. O primeiro, de cunho
mais estrutural e que acaba sendo o principal determinante da natureza do seu
funcionamento, diz respeito às instituições que o regem – regulamentações e
intervenções. Utilizando um conceito amplo, as instituições do mercado de tra-
balho são em boa parte resultantes do fluido cultural em que está imerso cada
país ou sociedade. Imagine-se uma sociedade hipotética. Ela pode ser uma socieda-
de governada pelos talebãs do Afeganistão. Nesse país ou sociedade hipotética a
participação feminina no mercado de trabalho seria zero, o que ilustra que, de
fato, as instituições, a cultura e a disposição social influenciam sobremaneira o
funcionamento do mercado de trabalho. Vai daí que, quando o Estado, a socieda-
de civil ou os sindicatos impõem regulamentações e intervêm, eles estão clara-
mente definindo a estrutura de funcionamento do mercado de trabalho conforme
discutido no Capítulo 4.
O segundo determinante do seu desempenho, menos perene e mais sujeito a
mudanças súbitas do que o anterior, são as condições macroeconômicas – do país
e de fora dele – que ajudam a definir ou a delimitar a demanda por trabalho.
Um exemplo é a inflação brasileira dos anos 1980. Ao desorganizar a sinalização
dos preços – o princípio basilar de uma economia de mercado –, ela embaçava a
visão do horizonte de investimentos. Outro exemplo são as crises que rondaram
os mercados emergentes na segunda metade dos anos 1990 (do México, da Ásia,
da Rússia e da Argentina), as quais influenciaram a percepção que os investido-
res estrangeiros possuíam sobre o Brasil.
O terceiro item está mais ligado à capacidade do mercado de trabalho de
prover em grandezas absolutas valor. Aqui os componentes principais são a quan-
tidade e a qualidade da força de trabalho, que vão definir em boa medida a sua
capacidade produtiva. A quantidade da força de trabalho é uma função do total
da população do país, da quantidade de adultos existente, da disposição ao em-
prego feminino e dos salários pagos – dado que os trabalhadores decidirão o
quanto ofertar de trabalho de acordo com o que lhes é oferecido pecuniariamente.
A qualidade da força de trabalho é resultante do nível educacional dessa popula-
ção que, em conjunto com o estoque de capital existente no país, irá determinar
a produtividade do trabalho.
Este capítulo quer mostrar como foi a evolução do mercado de trabalho no
Brasil no período que vai de 1992 até 2004, e que engloba a parte mais importante

308 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


FIGURA 1

Resultados do mercado de trabalho Sistema educacional

Macroeconomia Qualidade e quantidade


(demanda de bens e serviços) Desempenho do mercado de trabalho da força de trabalho

Funcionamento do mercado de trabalho Padrão demográfico

Instituições do mercado de trabalho,


regulamentações, intervenções

da transição de paradigma econômico em direção à abertura das fronteiras da


economia, em consonância com a nova ordem econômica internacional. Particular
atenção será dada aqui, além de à evolução no tempo per se, ao recorte espacial,
notadamente em termos do contraste regiões metropolitanas (RMs) vis-à-vis áreas
não-metropolitanas. Para tanto serão apresentados na próxima seção os principais
conceitos e indicadores para avaliação do desempenho do mercado de trabalho.
Antes, porém, é preciso esclarecer que a primeira informação que deve ter o
usuário de dados sobre a extensão e desempenho do mercado de trabalho brasi-
leiro é que ele guarda diferenças em relação aos dos países desenvolvidos. Esse
fato chegou a impor a criação de conceitos novos para a aferição de dados nos
países em desenvolvimento, tendo em vista que a metodologia estatística foi criada
pelos países desenvolvidos.
Uma das principais modificações que se fizeram necessárias na metodologia
está ligada à existência de um setor informal no mercado de trabalho. Até o
início dos anos 1970 prevalecia a visão do dualismo inspirada nos trabalhos de
Lewis (1955), depois incorporada ao diagnóstico dos estruturalistas cepalinos.
Estes asseveravam que o mercado de trabalho dos países em desenvolvimento é
definido pela existência de um setor moderno, dinâmico e integrado à economia
mundial, em meio a um setor pré-capitalista, de baixa produtividade, atrasado,
com menor integração à economia mundial. Nessa concepção, o setor atrasado
desapareceria com o decorrer do desenvolvimento econômico, o que foi objeto de
questionamento em 1972, com a publicação de um relatório da Organização
Internacional do Trabalho/Programa Regional de Emprego para a América Latina
e o Caribe (OIT/Preac) [ver ILO (1972)] criando o conceito informal, que viraria

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 309


um clássico da literatura sobre o tema. Não obstante as muitas críticas e polêmicas
que o conceito ainda carrega, ele corresponde a uma inovação ao superar a visão
dicotômica que antes prevalecia. O segmento inserido no setor informal seria
também composto por trabalhadores que, ao não conseguirem se empregar no
setor formal, dinâmico e protegido da economia – e não dispondo de um seguro-
desemprego nos padrões dos países da Europa Ocidental –, encontrariam nessas
atividades uma alternativa de subsistência. Longe de estarem desvinculados do
setor moderno, os trabalhadores informais contribuem de algum modo na economia
capitalista dos países do terceiro mundo. Os catadores de lata são um exemplo
dessa conexão. As estatísticas, ao incorporarem esse conceito, ampliaram sobre-
maneira seu escopo, que de outra forma seria embaçado por falta de instrumental
analítico. O senso comum, por exemplo, classificaria usualmente o guardador de
carro, o vendedor ambulante e o cambista de ingressos como desempregados ou
subempregados. Os desempregados que estão presentes nas estatísticas brasileiras
possuem, na verdade, uma definição mais específica, bem mais completa.

2. CONCEITOS E ILUSTRAÇÕES DO MERCADO DE TRABALHO

Nesta seção serão introduzidas algumas dessas definições do universo do mercado


de trabalho. Para uma compreensão mais clara das definições, dos desdobramentos
e da ordem de grandeza das variáveis do mercado de trabalho, o leitor poderá
consultar, no final desta seção, um fluxograma sintético com as informações da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) referente ao ano de 2004. A razão de ser da escolha
dessa base de dados como referência para o estudo sobre o mercado de trabalho
brasileiro está apresentada no Quadro 1, no qual se encontra também uma breve
descrição de outras fontes oficiais de informação.
Primeiramente, é crucial ter o nítido entendimento das características do
trabalho. Conforme definido pelo IBGE, é considerado trabalho em atividade eco-
nômica o exercício de:
a) ocupação remunerada em dinheiro, produtos, mercadorias ou benefícios
– como moradia, alimentação e roupas – na produção de bens e serviços;
b) ocupação remunerada em dinheiro ou benefícios no serviço doméstico; e
c) ocupação sem remuneração na produção, desenvolvida durante pelo menos
uma hora na semana (de referência).

310 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Assim como praticamente em todas as pesquisas domiciliares, a identificação
dos principais agregados do mercado de trabalho na Pnad está vinculada ao
conceito de semana de referência, que corresponde à semana – de domingo a
sábado – que precede a semana em que são feitas as entrevistas, e que definirá
seu recorte temporal. A Figura 2 apresenta uma visão geral das inter-relações
entre os conceitos e indicadores descritos no Quadro 1.

QUADRO 1

Fontes de Informação sobre o Mercado de Trabalho no Brasil


A análise do mercado de trabalho é, em grande medida, baseada nas informações de pesquisas
domiciliares (PDs) como, por exemplo, a Pnad e a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), produzidas
pelo IBGE e, em menor grau, nas informações de registros administrativos (RAs) como a Relação
Anual de Informações Sociais (Rais) e o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged),
ambos gerenciados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
A escolha entre a utilização das pesquisas domiciliares ou dos registros administrativos
depende do objetivo e do fenômeno em estudo, uma vez que esses dois tipos de fontes de
informação apresentam vantagens e restrições de uso. Entre as principais diferenças está a
finalidade com a qual cada base de dados foi criada. As PDs, que têm por metodologia uma
seleção aleatória de indivíduos que prestam as informações, são elaboradas a partir de planos
amostrais que garantem a sua confiabilidade de modo a permitir seu tratamento estatístico.
Por sua vez, os RAs são formados por informações prestadas pelas empresas, normalmente para
atender necessidades de fiscalização, monitoramento e administração, e não como fonte esta-
tística, o que pode comprometer a qualidade dos dados para outros objetivos. Sem dúvida o
caráter censitário, haja vista que as empresas formalmente constituídas são obrigadas a enviar
as informações ao MTE, confere alguma atratividade aos RAs, uma vez que as PDs são realizadas
a partir de amostras probabilísticas — o que propicia a redução de custos e o aumento do nível
de detalhamento da pesquisa, mas só garante representatividade até um determinado nível
geográfico — e, em geral, fornecem informações desagregadas até as unidades da federação
(UF) ou RMs. Não obstante, o fato de os RAs serem limitados ao setor formal restringe sobre-
maneira o escopo das investigações possíveis. As PDs, por coletarem as informações diretamente
com as pessoas, tornam possível levantar dados sobre aspectos mais variados do mercado de
trabalho, notadamente em relação ao setor informal, que, como será visto aqui, responde por
metade do mercado de trabalho brasileiro. Daí a preferência em geral pelo uso das PDs quando
o objetivo é uma análise abrangente do desempenho do mercado de trabalho.
Em termos de RAs, destacam-se a Rais e o Caged, que coletam dados dos trabalhadores
formais, embora possuam três diferenças importantes. Em primeiro lugar, o Caged compreende
apenas os trabalhadores formais celetistas – regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT) –, enquanto a Rais inclui também os trabalhadores estatutários, temporários e avulsos.
Em segundo lugar, a Rais considera o estoque de empregados com vínculo em 31 de dezembro
de cada ano, enquanto o Caged descreve o fluxo de admitidos e desligados no mês de referência.
Por fim, apenas as empresas que apresentaram movimentação respondem o Caged, diferente-
mente da Rais, na qual todas as empresas, independentemente de apresentarem movimentação
durante o ano, são obrigadas a declarar informações ao MTE.
continua

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 311


continuação
Considerando o universo das PDs, as pesquisas comumente utilizadas são a Pnad, divulgada
anualmente e com cobertura nacional – exceto pela área rural da região Norte –, e a PME, que
tem periodicidade mensal e abrange seis das principais RMs do país. No que se refere ao
monitoramento dos grandes agregados do mercado de trabalho, a PME recebe bastante atenção
por ser mensal e contemporânea, possibilitando uma análise da conjuntura do mercado de
trabalho. Há também a Pesquisa Mensal de Emprego e Desemprego (PED), com destaque para a
da região metropolitana de São Paulo (RMSP), produzida pelo Departamento Intersindical de
Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e pela Fundação Sistema Estadual de Análise
de Dados (Fundação Seade). Apesar de a PME abranger os centros mais importantes do país, o
conjunto dessas RMs representa apenas cerca de 1/4 da população ocupada. Diante disso, a
PME pode não captar a ocorrência de um descompasso entre a dinâmica dos mercados de
trabalho metropolitano e nacional, o que seria facilmente identificado por meio dos dados da
Pnad, que cobre todo o mercado de trabalho. Outra fragilidade da PME está na interrupção
verificada em sua série por conta de profundas mudanças em sua metodologia – nova série foi
iniciada a partir do ano de 2002.
A Pnad é uma pesquisa domiciliar de amostragem probabilística coletada em todas as UFs,
pesquisando anualmente – menos nos anos em que o censo é realizado e, excepcionalmente,
em 1994 - cerca de 100 mil domicílios e 300 mil indivíduos, e gerando informações para o
Brasil, UFs, grandes regiões e RMs. Por se tratar de uma pesquisa de propósitos múltiplos, a Pnad
investiga, em caráter permanente, características de demografia, educação, habitação, trabalho e
rendimento, abrangendo outros temas e tópicos com periodicidade variável na forma de suple-
mentos sobre, por exemplo, o tema de saúde, os tópicos de trabalho infantil e a participação
em programas sociais. A Pnad também passou por uma mudança metodológica em 1992, quando
o conceito de ocupação foi ampliado e o questionário de coleta reformulado, tendo sido mantida
desde então a comparabilidade das séries. A partir de 2004 a Pnad passou a cobrir todo o
território nacional, pois a abrangência geográfica foi estendida até a área rural da região Norte,
da qual anteriormente só a parte de Tocantins era coberta.
Em síntese, o fato de a Pnad possuir cobertura nacional, apresentar uma metodologia
inalterada desde 1992 e, além disso, propiciar a investigação de diversos aspectos estruturais
do mercado de trabalho de forma abrangente – inclusive as práticas informais – faz com que
ela seja a mais adequada para embasar este capítulo de descrição e análise do desempenho do
mercado de trabalho brasileiro no período recente.
A PIA corresponde à
população residente com
dez anos ou mais de No Brasil, em 2004, a população em idade ativa (PIA)1 era de 147,2 milhões
idade, que é a parcela da
população que pode de pessoas, enquanto a população residente como um todo era de 178,6 milhões.2
integrar a força de A PIA pode ser desmembrada em população economicamente ativa (PEA), que
trabalho.
era composta por 91 milhões de pessoas em 2004, e População Não-Economicamente
A PEA corresponde ao Ativa (Pnea), que é a parcela da PIA que não participa do mercado de trabalho,
subconjunto da PIA, conjunto em que se encontravam os 56 milhões restantes. Um conceito subjacente
também conhecido como
força de trabalho, que a essa divisão é o de condição de atividade, que classifica os indivíduos, com base
efetivamente decide na sua situação na semana de referência, em economicamente ativos (integrantes
participar do mercado de
trabalho. A PEA é formada
da PEA) e não-economicamente ativos (pertencentes à Pnea).
por trabalhadores
ocupados e desocupados,
Um conceito não adotado pela Pnad mas que, guardando alguma semelhança
ou desempregados. com a PME, será empregado aqui, é o de PEA marginal. A Pnad considera como

312 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


FIGURA 2
PIA
Pnea
PEA

PEA marginal

PEA efetiva Autoconsumo

Construção própria
Ocupação Desocupação
Composição por: Não-remunerado
- Sexo
- Idade Composição por:
- Escolaridade - Sexo
- Posição na ocupação - Idade
- Setor de atividade - Escolaridade
- Posição no domicílio - Posição no domicílio
- Recorte espacial - Recorte espacial

FIGURA 3

População
178.604.594

PIA
147.204.066

PEA Pnea
91.035.164 56.168.902

Fonte: IBGE/Pnad.

ocupados e participantes do mercado de trabalho as pessoas que exercem ativi-


dades voltadas para o autoconsumo, construção para fins próprios, bem como
qualquer tarefa não-remunerada, independentemente da jornada de trabalho. Dada
a natureza peculiar dessas atividades, que na verdade encerram uma idéia muito
difusa de mercado, optou-se aqui por separá-las das demais, classificando as
pessoas envolvidas com essas atividades como pertencentes à PEA marginal –
desde que não tivessem procurado outra forma de ocupação na semana de refe-
rência. De forma a poder tornar mais claro esse procedimento, é interessante
definir precisamente os conceitos de ocupação e desocupação, uma vez que a
PEA é constituída pela união dos contingentes de ocupados e desocupados.
Ocupados: foram classificados como ocupados na semana de referência os
indivíduos que exerceram trabalho remunerado naquela semana, assim como os

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 313


que exerceram trabalho não-remunerado durante pelo menos 15 horas naquele
período, e ainda os que tinham trabalho remunerado mas do qual estavam tempora-
riamente afastados. Não foram considerados ocupados os indivíduos que exerceram
trabalho para o próprio consumo ou construção própria na semana de referência.
Desocupados (ou desempregados): foram considerados como desocupados
os indivíduos que não exerceram trabalho na semana de referência, mas que
procuraram trabalho na mesma semana. Também foram considerados desocupados
os indivíduos que:
z exerceram trabalho não-remunerado na semana de referência e trabalharam
menos de 15 horas mas procuraram trabalho na mesma semana; e
exerceram trabalho para o próprio consumo ou construção própria na
z
semana de referência, mas procuraram trabalho na mesma semana.
Dessa forma, a PEA efetiva é dada pela soma de ocupados e desocupados,
sendo que as pessoas envolvidas com as atividades marginais supracitadas e que
não procuraram trabalho na semana de referência foram rotuladas como perten-
centes à PEA marginal.3 Em 2004, o tamanho da PEA efetiva era de 87,2 milhões,
enquanto a PEA marginal era de 3,87 milhões de pessoas, das quais 3,0 milhões
estavam envolvidas com atividades voltadas para o autoconsumo.
Assim, em 2006, a taxa de participação no mercado de trabalho, isto é, a parcela
das pessoas elegíveis para participar do mercado de trabalho (PIA) e que de fato o
fazem (PEA efetiva)4 – uma variável de grande relevância por refletir a pressão da
oferta sobre o desempenho do mercado de trabalho – foi de 59,2%. Mas note-se que,
utilizando-se o conceito de força de trabalho do IBGE, ela passa para 61,8%.

FIGURA 4

PEA IBGE
91.035.164

PEA marginal
3.869.780

PEA efetiva
87.165.384
Autoconsumo
3.008.969

Ocupados Desocupados Construção própria


78.693.978 8.471.406 66.021

Não-remunerado
794.790
Fonte: IBGE/Pnad.

314 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


A PEA em 2004 era composta de 78,7 milhões de pessoas ocupadas e 8,5
milhões de desempregados. Com isso, a taxa de desemprego nesse ano foi de
9,7% – se utilizado o conceito de força de trabalho do IBGE, ela seria de 9,0%,
um pouco menor em virtude de a PEA marginal ser considerada como população
ocupada segundo aquele conceito. O anexo deste capítulo oferece uma exposição
detalhada desses números. A taxa de desemprego é um indicador que, apesar de A taxa de desemprego é
relevante e ser utilizado comumente como uma espécie de termômetro do mercado a razão entre o número de
desempregados e a PEA.
de trabalho, deve ser analisado com outras variáveis – como, por exemplo, ocupação Reflete, portanto, o
e PEA. Isso porque, ao sintetizar o comportamento da oferta e da demanda por percentual desta que está
no mercado de trabalho
trabalho, ela acaba não fornecendo todas as informações necessárias para uma procurando emprego, mas
avaliação mais acurada sobre o mercado de trabalho. sem sucesso.

Algumas repartições, ou desagregações, dos contingentes de ocupados e


desocupados são bastante importantes para que se possa avaliar melhor o desem-
penho do mercado. Entre as que são comuns a ambos, cabe destacar idade, sexo
e escolaridade, além dos recortes espaciais e regionais.
No caso da ocupação em particular, a partição do total de ocupados segundo
a sua forma de inserção no mercado de trabalho merece atenção especial, tendo em
vista que, no mais das vezes, a natureza do vínculo está associada à qualidade do
posto de trabalho em questão. As principais formas de inserção, freqüentemente
denominadas posição na ocupação, são: trabalhadores assalariados com emprego
protegido, trabalhadores empregados sem carteira de trabalho, trabalhadores por
conta própria, empregadores e trabalhadores não-remunerados. Entende-se por tra-
balhadores protegidos os empregados com carteira de trabalho assinada, os traba-
lhadores domésticos também com carteira de trabalho assinada, os militares e os
estatutários, que estão, por assim dizer, ao abrigo – ou proteção – de alguma forma
de legislação trabalhista. Como trabalhadores sem carteira foram considerados os
empregados e trabalhadores domésticos sem carteira de trabalho assinada, e como
trabalhadores por conta própria aqueles que trabalhavam explorando o seu próprio
empreendimento, sozinhos ou com sócio(s), sem ter empregado, e contando ou não
com a ajuda de trabalhador não-remunerado.
Em que pese o conceito de informalidade apresentado en passant na seção
introdutória ser complexo e controvertido, na prática ele quase sempre é definido em
função da forma de inserção no mercado de trabalho. Mesmo assim há várias defini-
ções possíveis para o grau de informalidade, que na verdade representa a extensão
da incidência de relações informais. Se, por exemplo, o grau de informalidade for
definido como a razão entre trabalhadores sem carteira, por conta própria e não-
remunerados sobre o total, em 2004 o nível de informalidade era da ordem de
52%, ou seja, para cada posto de trabalho formal havia pelo menos um informal.

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 315


Além da posição na ocupação, os números da Figura 5 revelam que os ho-
mens respondem por quase 60% das ocupações no plano nacional, as RMs por
quase um um terço do total do emprego, enquanto os trabalhadores com pelo
menos o secundário completo (11 ou mais anos completos de estudo) estão um
pouco acima dessa marca, o que chega a ser um pouco surpreendente. Esses
pontos serão objeto de análise mais detalhada ao longo deste capítulo. Além
disso, os postos estão divididos de maneira balanceada entre chefe e demais
membros do domicílio, o que reafirma a importância dos primeiros para o orça-
mento doméstico.
Já quanto à composição do bloco dos desempregados, cabe destacar a super-
representação das mulheres, que corresponde a quase 60% do total, enquanto entre

FIGURA 5
Por escolaridade
0-3 anos 15.482.466
4-7 21.132.616
8-10 13.645.758
11 anos ou + 28.199.092
Por posição no domicílio
Chefe 36.833.977
Não-chefe 41.860.001
Por posição na ocupação
Ocupados Protegidos 32.754.239
Total 78.693.978 Sem carteira 19.928.674
Homens 46.625.902 Conta-própria 18.015.385
Mulheres 32.068.076 Não-remunerados 4.562.824
Empregadores 3.430.993

Por área
Metropolitana 24.844.487
Fonte: IBGE/Pnad.
Não-metropolitana 53.849.491

FIGURA 6
Por escolaridade
0-3 anos 1.080.942,0
4-7 2.288.282,0
8-10 2.270.911,0
11 anos ou + 2.785.093,0
Por faixa etária
Desempregados
10-14 anos 184.944
Total 8.471.406
15-24 4.084.720
Homens 3.719.741
25-49 3.666.111
Mulheres 4.751.665
50 anos ou + 535.631

Por posição no domicílio


Chefe 1.728.859
Não-chefe 6.742.547

Por área
Metropolitana 3.865.005
Não-metropolitana 4.606.401
Fonte: IBGE/Pnad.

316 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


os ocupados o que acontece é o oposto, de tal sorte que, se calculada separadamen- Rendimento médio real é
a média dos rendimentos
te, a taxa de desemprego entre as mulheres é quase o dobro daquela para os ho- do trabalho reais mensais
mens – 12,9% e 7,4%, respectivamente. Discrepância maior ainda é verificada para obtidos através da Pnad –
setembro é o mês de
o corte segundo a posição no domicílio, dado que os chefes estão bastante sub- referência da pesquisa – e
representados entre os desempregados – a taxa de desemprego é de 4,5% entre eles, corresponde ao valor em
dinheiro, produtos ou
contra 13,9% para os demais membros. Situação semelhante pode ser verificada mercadorias que os
entre áreas metropolitanas ou não, conforme se verá mais adiante. indivíduos ocupados
recebem normalmente
Por fim, o rendimento médio real, cujo deflator é a média ponderada do trabalhando um mês
completo no trabalho
Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) também produzido pelo IBGE, é principal, ou em todos os
outro agregado de interesse no acompanhamento do mercado de trabalho. Em trabalhos.
2004 a média dos rendimentos reais recebidos no trabalho principal foi de
R$ 662,05, em valores correntes de setembro daquele ano.

FIGURA 7
Por posição na ocupação
Protegidos 818,41
Sem carteira 367,88
Conta-própria 579,16
Empregadores 2.243,81

Rendimento dos ocupados


Total 662,05
Homens 765,31
Mulheres 512,43

Por escolaridade
0-3 anos 284,76
4-7 419,80
8-10 496,16
11 anos ou + 1.139,73
Fonte: IBGE/Pnad.

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 317


FIGURA 8
Dimensão do Mercado de Trabalho Brasileiro em 2004
PIA
Total 147.204.068
Homens 70.795.918
Pnea Mulheres 78.408.148
Total 56.168.904
Homens 19.142.412
Mulheres 39.026.490
PEA (definição IBGE)
Nos absolutos Taxa de particip. (%)
Total 91.035.164 61,8
Homens 51.653.506 73,0
Mulheres 39.381.658 51,5
PEA marginal
Total 3.869.780
Homens 1.307.863
PEA efetiva Mulheres 2.561.917
Nos absolutos Taxa de particip. (%) Autoconsumo 3.008.969
Total 87.165.384 59,2
71,1 Construção própria 66.021
Homens 50.345.643
Mulheres 36.819.741 48,2
Não-remunerados 794.790

Ocupados Desempregados
Total 78.693.978 Nos absolutos Taxa de desemp. (%)
Homens 48.625.902 Total 8.471.406 9,7
Mulheres 32.068.076 Homens 3.719.741 7,4
Mulheres 4.751.665 12,9

Posição na ocupação Faixa etária


Protegidos 32.754.239 Nos absolutos Taxa de desemp. (%)
Faixa etária
ESC 19.928.674 10-14 anos 184.944 14,5
Conta-própria 18.015.385 10-14 anos 1.092.844
15-24 4.084.720 19,3
Não-remunerados 4.562.824 15-24 17.059.582
25-49 3.666.111 7,2
Empregadores 3.430.993 25-49 47.305.615
50 anos ou + 535.631 3,9
50 anos ou + 13.232.058

Setor de atividade
Agricultura 12.791.789 Escolaridade - anos completos
Escolaridade - anos completos
Indústria 12.228.908 0-3 anos 15.482.466
Construção 5.193.801 4-7 21.132.616 Nos absolutos Taxa de desemp. (%)
Comércio 14.403.410 8-10 13.645.758 0-3 anos 1.080.942 6,5
Serviços 17.164.108 11 anos ou + 28.199.092 4-7 2.288.282 9,8
Administração pública 4.172.773 8-10 2.270.911 14,3
Outras atividades 8.657.782 11 anos ou + 2.785.093 9,0
Posição no domicílio
Recorte espacial Chefe 36.833.977
Não-chefe 41.860.001
Metropolitana 24.844.487
Posição no domicílio
Não-metropolitana 53.849.491
Nos absolutos Taxa de desemp. (%)
Chefe 1.728.859 4,5
Não-chefe 6.742.547 13,9

Recorte espacial
Nos absolutos Taxa de desemp. (%)
Metropolitana 3.865.005 13,5
Fonte: IBGE/Pnad.
Não-metropolitana 4.606.401 7,9

318 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


3. COMPORTAMENTO RECENTE DO MERCADO DE TRABALHO

Por larga margem, o indicador mais utilizado para a avaliação do desempenho do


mercado de trabalho é a taxa de desemprego.5 De modo geral, quando esse indi-
cador encontra-se em patamares baixos, a avaliação tende a ser de que o mercado
de trabalho passa por um bom momento, ao contrário de quando ele passa para
níveis mais elevados. Nesse sentido, o Gráfico 1 mostra a evolução da taxa de
desemprego medida a partir da Pnad no plano nacional, indicando um progressivo
desaquecimento desse mercado ao longo do período pós-Real até o ano de 2000
– posteriormente à mudança do regime cambial ocorrida em janeiro de 1999,
quando o país entra em um período de estabilidade.
Esse diagnóstico, mesmo que no mais das vezes razoavelmente correto, pode
eventualmente gerar equívocos, na medida em que a taxa de desemprego é um
indicador sintético resultante de movimentos nem sempre em direções análogas
às da oferta (PEA, taxa de participação) e da demanda por trabalho (nível da
ocupação, geração líquida de postos de trabalho). Para facilitar a compreensão
dessa relação e ilustrá-la para o passado recente, é conveniente apresentar uma
maneira fácil de visualizar essa evolução pela construção de um diagrama de
fases bastante simples. Para tanto, duas abstrações são necessárias: a) admitir a
existência de uma taxa natural, ou aceitável, ou desejável, ou tradicional, seja o
que for, mas que sirva como referência para avaliar se o mercado de trabalho está
tendo um bom desempenho sob esse prisma ou não; e b) de forma análoga,
pressupor a existência de uma taxa de participação normal, ou tradicional, de tal
forma que patamares superiores a ela signifiquem uma pressão acima do normal
sobre o mercado de trabalho em termos de geração de emprego – ocorrendo o
contrário para taxas inferiores a essa referência.
GRÁFICO 1
Evolução da Taxa de Desemprego

[em %]
12

11 10,5
10,4
9,9
10 9,7
10,1
9,7
9

8 8,5
7,2
7,6
7
6,8 6,7
6

5
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Fonte: IBGE/Pnad.

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 319


Isso feito, é possível construir o diagrama de fases mostrado na Figura 9,
grafando a taxa de desemprego no eixo vertical e a taxa de participação no eixo
horizontal, ambos com centro nas taxas de referência aqui mencionadas. Dessa
maneira são formados quatro quadrantes, que representam diferentes estados –
ou desempenhos – do mercado de trabalho:
a) No quarto quadrante (abaixo e à direita) é possível afirmar que o mercado
está em uma situação confortável, pois está mostrando um bom desempenho (a
taxa de desemprego é inferior à usual, ou natural), ainda que com uma pressão
da oferta acima do normal (a taxa de participação é a maior do que a usual), o
que significa que ele está criando empregos em quantidade mais do que suficiente
para absorver a oferta numa proporção aceitável, apesar de pressionado – existe,
portanto, espaço para acomodar, pelo menos na margem, eventuais contratempos.
b) No primeiro quadrante ocorre o contrário: o mercado de trabalho está em
uma situação desconfortável, uma vez que seu desempenho está aquém do acei-
tável (a taxa de desemprego é alta), mesmo sob uma pressão da oferta abaixo da
usual (a taxa de participação é baixa), refletindo assim uma capacidade de geração
de empregos bastante limitada. O mercado está debilitado e, portanto, é preciso
uma melhora considerável para que a taxa de desemprego retorne para níveis
toleráveis, principalmente se a oferta também voltar à normalidade.
c) No segundo e no terceiro quadrantes o diagnóstico é incerto, pois ou o
mercado está tendo uma performance inferior à desejável, mas está sob pressão
anormalmente elevada (segundo quadrante), ou está tendo um desempenho acima
do habitual, mas em condições do lado da oferta mais favoráveis do que o normal
(terceiro quadrante).

FIGURA 9
Estados do Mercado de Trabalho

Alta

Desconfortável Incerto
Taxa de desemprego (%)

Incerto Confortável

Baixa Alta
Taxa de participação (%)

320 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


O segundo diagrama (Figura 10) mostra, de acordo com essa visão, o com-
portamento recente do mercado de trabalho nacional (1991-2004). Para construí-lo,
cumpre ressalvar, foram utilizadas, de forma assumidamente arbitrária, as médias
do período como referências para as taxas de desemprego e participação normais.6
Feita a qualificação, o diagrama revela que, na primeira metade dos anos 1990, o
mercado de trabalho estava em uma situação relativamente confortável, apre-
sentando taxas de desemprego baixas no contexto do período como um todo,
mesmo sob pressão da oferta acima da média do intervalo analisado.
Uma ligeira tendência de deterioração é revertida após a implementação do
Plano Real, o que dura até 1996. Depois disso, entre 1996 e 1998, ocorre uma
brusca transição para uma situação de desconforto, com taxas de desemprego
relativamente elevadas, mesmo com taxas de participação bem menores que no
início. A deterioração torna-se mais flagrante em 1998, quando a súbita elevação
da taxa de desemprego ante uma taxa de participação estável leva o mercado de
trabalho ao quadrante de desconforto. Após a mudança do regime cambial a
situação apresenta pequena melhora em 1999 e, provavelmente, ela teria sido
mais acentuada em 2000 se houvesse dados da Pnad para esse ano. Após um
breve retorno à situação de desconforto em 2001, conseqüência direta dos efeitos do
racionamento de energia sobre o desempenho da economia e, portanto, da geração
de postos de trabalho, o mercado volta a melhorar paulatinamente, fixando-se
no primeiro quadrante e distanciando-se do segundo – a taxa de desemprego
permanece razoavelmente estável, não obstante a presença de um contínuo aumento
da pressão da oferta, que retorna aos níveis da década anterior.7
Em suma, em que pese os movimentos serem parecidos com os da taxa de
desemprego tomada isoladamente, e os estados inicial e final serem semelhantes,

FIGURA 10
Estados do Mercado de Trabalho

11.0

99 03
01
Taxa de desemprego (%)

98 04
02

8.0
97
96
92
93

95

5.0
59,0 60,5 62,0
Taxa de participação (%)
Fonte: IBGE/Pnad.

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 321


algumas transições específicas – 1998 e 2001, em particular – são bastante distintas.
Naturalmente a razão para que se obtenham avaliações diferentes em determinados
momentos se deve à combinação das dimensões da oferta e da demanda por
trabalho. Como esta última está embutida no diagrama, é necessário analisá-la aqui
de forma mais detalhada, assim como a oferta, o que será objeto das próximas seções.

4. OFERTA DE TRABALHO

A queda na taxa de fecundidade a partir dos anos 1980 fez com que, nos últimos
tempos, a taxa de crescimento da PIA entrasse em declínio, tendência esta que deve
se tornar mais intensa nos próximos anos, conforme se pode depreender da leitura
do Capítulo 2 deste volume. Ao lado desse fenômeno, as mudanças por que passou
a economia brasileira, com os inexoráveis reflexos no mercado de trabalho, alte-
raram o processo de decisão de ingresso na força de trabalho, mormente em função
das crescentes necessidades de maior qualificação para que uma pessoa possa al-
mejar colocações de boa qualidade. O reflexo maior de tal mudança se dá por meio
da postergação do ingresso no mercado por parte dos jovens, que tendem a perma-
necer mais tempo na escola.8 Paralelamente, movimentos que já se faziam sentir há
mais tempo em decorrência do progressivo abrandamento de posturas
discriminatórias e segregacionistas prosseguiram seu curso. Com isso, por exemplo, a
participação das mulheres tem aumentado. O resultado desses diversos fatores acaba
por influenciar estruturalmente a taxa de participação e, conseqüentemente, a oferta
de trabalho. Além disso, há elementos de ordem conjuntural, como os efeitos desa-
lento e trabalhador adicional, que contribuem para afetar a taxa de participação e
a pressão da oferta sobre os indicadores de desempenho.
As informações contidas na Tabela 1 ilustram bastante bem as mudanças
potenciais na evolução da oferta de trabalho advindas da mudança do padrão
demográfico – ver também o Capítulo 2 deste volume. Embora no período como
um todo tanto a PIA quanto a PEA apresentem crescimento de forma quase
idêntica (30%), nesse mesmo período o ritmo de expansão da PIA diminui sobre-
maneira: de uma média de 2,3% a.a. na década de 1990 para 2,0% a.a. na atual,
valendo observar que entre 2003 e 2004 esse crescimento já era de apenas 1,8%.
Destaque-se ainda que esse fenômeno é espacialmente homogêneo, com exceção
das regiões Norte e Centro-Oeste, nas quais as taxas permanecem elevadas por se
tratar de áreas de fronteira de expansão da atividade econômica.
De fato, ainda não se fizeram sentir os efeitos da redução da pressão da oferta
sobre a necessidade de geração de postos de trabalho e, portanto, de maiores espaços
para queda do desemprego, porque a taxa de participação, mantida estável em

322 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 1
População em Idade Ativa (PIA) e População Economicamente Ativa (PEA)

Crescimento (% a.a.)
1992 1999 2001 2004
1992-1999 2001-2004

PIA

Brasil 113.295.184 133.172.799 138.859.293 147.204.066 2,3 2,0


Metropolitano 35.922.309 42.305.672 45.009.659 47.690.927 2,4 1,9
a
Metropolitano PME 30.418.338 35.499.092 37.015.642 38.936.662 2,2 1,7
Não-metropolitano 77.372.875 90.867.127 93.849.634 99.513.139 2,3 2,0
Urbano 54.439.381 66.242.236 73.592.369 78.931.538 2,8 2,4
Rural 22.933.494 24.624.891 20.257.265 20.581.601 1,0 0,5
Grandes regiões

Norte 4.829.948 6.480.837 7.631.199 8.591.123 4,3 4,0


Nordeste 32.093.307 37.405.255 38.461.233 40.505.210 2,2 1,7
Sudeste 51.061.586 59.794.788 61.817.887 65.148.763 2,3 1,8
Sul 17.799.210 20.253.347 21.226.916 22.486.762 1,9 1,9
Centro-Oeste 7.511.133 9.238.572 9.722.058 10.472.208 3,0 2,5
PEA

Brasil 65.977.197 77.243.166 80.346.975 87.165.384 2,3 2,8


Metropolitano 20.313.152 24.460.828 26.385.280 28.709.492 2,7 2,9
a
Metropolitano PME 17.099.161 20.461.572 21.660.302 23.437.665 2,6 2,7
Não-metropolitano 45.664.045 52.782.338 53.961.695 58.455.892 2,1 2,7
Urbano 31.168.366 37.794.927 42.058.271 46.351.860 2,8 3,3
Rural 14.495.679 14.987.411 11.903.424 12.104.032 0,5 0,6
Grandes regiões

Norte 2.719.508 3.664.176 4.203.231 4.914.259 4,4 5,3


Nordeste 18.314.010 21.173.413 21.088.859 22.815.027 2,1 2,7
Sudeste 29.146.295 34.262.006 36.057.691 38.824.523 2,3 2,5
Sul 11.226.814 12.561.608 13.084.127 14.168.877 1,6 2,7
Centro-Oeste 4.570.570 5.581.963 5.913.067 6.442.698 2,9 2,9
Fonte: IBGE/Pnad.
a
As seis RMs pesquisadas pela PME são: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador. As demais que
constam da Pnad são: Curitiba, Fortaleza, Belém e Brasília.

torno de 58% na década anterior, cresceu no período recente, atingindo 59,2%


em 2004. Com isso a PEA ainda vem apresentando um crescimento mais subs-
tantivo, com um alcance da taxa média de expansão entre 2001 e 2004 de 2,8%
a.a., consideravelmente acima daquela da PIA.

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 323


QUADRO 2
A Mulher Aumenta sua Participação no Mercado de Trabalho
A evolução da taxa de participação no mercado de trabalho apresentou tendências diferentes
na desagregação por gênero. Enquanto a taxa de participação dos homens declinou de forma
praticamente contínua, acumulando uma queda de aproximadamente 4 pontos percentuais
(p.p.) – de 75,0% em 1992 para 71,1% em 2004 –, a taxa de participação feminina apresentou
aumento, também de modo paulatino, de cerca de 6 p.p. no mesmo período, partindo de
42,4% em 1992 e atingindo 48,2% em 2004.
Esses movimentos estão, é claro, associados a transformações de ordem cultural e
socioeconômica, bem como às alterações estruturais na economia como um todo e que reper-
cutiram no mercado de trabalho. No que se refere às mulheres, a sua crescente participação é,
em grande medida, decorrente da redução de obstáculos de natureza não econômica ao seu
ingresso no mercado de trabalho e, também, da necessidade de complementação dos orça-
mentos familiares, fator que por certo influenciou muito a mudança de postura cultural em
relação ao trabalho feminino. Quanto aos homens, a queda da participação na força de trabalho
está, plausivelmente, vinculada à maior seletividade do mercado, que privilegia e demanda
cada vez mais trabalhadores com maior nível de escolaridade – ver Capítulo 6 desta edição.
Com isso ocorrem mudanças na participação no mercado ao longo do espectro etário. Nas
faixas mais altas, onde há maior incidência de indivíduos com baixa escolaridade, a atividade
laboral dos homens cai por falta de oportunidades, o que acaba forçando a sua transição para
a inatividade (Pnea). Já os mais jovens tendem a adiar seu ingresso no mercado de trabalho
com o objetivo de adquirir mais qualificação e aumentarem sua chance de empregabilidade no
futuro. O Gráfico 2 ilustra bem a convergência entre as taxas de participação feminina e mas-
culina: em 1992 a diferença entre elas era de 32,6 p.p., e não mais que 22,9 p.p. em 2004.

GRÁFICO 2
Taxa de Participação por Sexo

[em %]
80
75
70
33 p.p. 23 p.p.
65
60
55
50
45
40
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Fonte: IBGE/Pnad. Masculina Feminina Total

Talvez o resultado mais importante dessas tendências opostas é que, no frigir dos ovos, elas
praticamente se compensam, de tal sorte que a taxa de participação total se apresentou pratica-
mente estável: de ponta a ponta a variação foi de apenas 1 p.p. ao longo do período, e assim mesmo
em função do aumento em 2004, pois na comparação com 2003 a diferença é virtualmente
continua

324 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


continuação
nula. A relevância do fato reside na implicação de que, ao contrário daquilo muitas vezes
afirmado, as transformações socioculturais responsáveis pelo aumento da participação das
mulheres não estão criando pressão adicional da oferta no desempenho do mercado de trabalho.
Na verdade, esses efeitos atuam na mesma direção quando a questão é o crescimento da
presença das mulheres no mercado de trabalho. Tanto é que em 1992 as mulheres representavam
37% do total de ocupados e passaram a ocupar 41% dos postos de trabalho em 2004 – um
aumento de 4,2 p.p da sua participação no total da ocupação. Pela mesma moeda, sua presença
no contingente de desempregados também aumentou, apresentando um crescimento de 108%,
enquanto a média foi de 78% no período.

QUADRO 3
A Participação dos Jovens no Mercado de Trabalho
Os jovens de 15 a 24 anos de idade vêm experimentando uma queda na taxa de participação
quase contínua desde a década de 1990, segundo os dados da Pnad. Conforme demonstrado
no Gráfico 3, essa taxa era de 65% em 1992, chegou a 60% em 2001 e manteve-se próxima
desse patamar nos anos mais recentes. Para alguns esse fato desperta preocupações sobre a
questão da inserção da população jovem no mercado de trabalho. Contudo, o aumento na taxa
de freqüência escolar nessa faixa etária pode indicar que os jovens estão optando por adiar seu
ingresso no mercado de trabalho, de forma a permanecerem na escola por mais tempo, com o
objetivo de acumular mais anos de estudo em função da exigência de mais qualificação por
parte dos empregadores. Naturalmente esse é um ponto que requer investigações mais
aprofundadas para que se obtenha um diagnóstico mais apurado.

GRÁFICO 3
Taxa de Participação e Freqüência Escolar dos Jovens de 15 a 24 Anos

[em %]
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Fonte: IBGE/Pnad. Taxa de participação Freqüência escolar

5. OCUPAÇÃO

Os dados sobre a evolução do nível da ocupação no período em foco, conforme


retratado no Gráfico 4, mostram um intervalo de marcante estagnação entre 1995

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 325


GRÁFICO 4
Nível de Ocupação: Total, Metropolitano e Não-Metropolitano

[em milhões]
90
80
70
60
50
40
30
20
10
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Fonte: IBGE/Pnad. Brasil Metropolitano Não-metropolitano

e 1998, seguido do esboço de recuperação em 1999, que seria interrompido em


2001 e retomado a partir de então. Fica claro que nesse intervalo intermediário a
taxa de desemprego, na ausência de geração de empregos, foi comandada pelo
comportamento da oferta, bem como pela atuação no sentido de atenuar as variações
da demanda em 1999 e em 2001. Neste último em particular, a taxa de desemprego
provavelmente teria sido substantivamente mais alta não fosse a queda observada
na pressão da oferta, conforme identificado no diagrama de fases anteriormente
discutido (Seção 3, Figura 10).
A Tabela 2 permite analisar com mais clareza o comportamento do nível da
ocupação entre 1992 e 2004, ratificando e dando contornos mais sólidos à ten-
dência vislumbrada no gráfico. Há uma nítida diferença no padrão de evolução
da ocupação nas décadas anterior e atual, com as taxas médias de crescimento
subindo de forma expressiva de 2001 para cá tanto nos mercados de trabalho
TABELA 2
Pessoas de 10 Anos e mais de Idade: Ocupadas

Crescimento (% a.a.)
Ocupadas 1992 1999 2001 2004
1992-1999 2001-2004

Brasil 61.229.427 69.181.057 72.270.922 78.693.978 1,80 2,90

Metropolitano 18.333.313 20.947.458 22.952.644 24.844.487 1,90 2,70


a
Metropolitano PME 15.414.073 17.489.766 18.819.143 20.197.688 1,80 2,40

Não-metropolitano 42.896.114 48.233.599 49.318.278 53.849.491 1,70 3,00


Fonte: IBGE/Pnad.
a
As seis RMs pesquisadas pela PME são: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador. As demais que
constam da Pnad são: Curitiba, Fortaleza, Belém e Brasília.

326 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


metropolitanos quanto, principalmente, fora deles, de tal forma que no plano
nacional ocorre um salto de 1,8% a.a. para 2,9% a.a. de um período para outro.
A população ocupada total teve um crescimento de 28,5%, passando de 61,2
milhões em 1992 para 78,7 milhões em 2004, o que significa a geração de 17,5
milhões de postos de trabalho em termos líquidos. Em termos espaciais esse aumento
esteve mais concentrado em algumas áreas e regiões do que em outras. Esse é o
caso, por exemplo, das áreas metropolitanas vis-à-vis as não-metropolitanas.
Enquanto as seis RMs pesquisadas pela PME, conforme mostrado na Tabela 3,
experimentaram um aumento de aproximadamente 31,0% (o equivalente a cerca
de 4,8 milhões de ocupados),9 percentual semelhante ao agregado das dez metró-
poles brasileiras (35,5% – equivalente a 6,5 milhões de ocupados), o Brasil não-
metropolitano apresentou um crescimento de 25,5% (equivalente a 10,95 milhões
de ocupados). Como resultado desse crescimento diferenciado, as áreas metropo-
litanas aumentaram sua participação na ocupação total em 1,63 p.p. – o
subconjunto da PME, considerado isoladamente, aumentou sua participação em
cerca de 0,49 p.p.

TABELA 3
Pessoas de 10 Anos e mais de Idade Ocupadas e Desocupadas: Variações Espaciais

Crescimento na
Diferença absoluta Crescimento (%)
Ocupadas 1992 2004 participação (p.p.)
(1992-2004) (1992-2004)
(1992-2004)

Brasil 61.229.427 78.693.978 17.464.551 28,5 -

Metropolitano 18.333.313 24.844.487 6.511.174 35,5 1,63


a
Metropolitano PME 15.414.073 20.197.688 4.783.615 31,0 0,49

Não-metropolitano 42.896.114 53.849.491 10.953.377 25,5 -1,63

Urbano 28.671.843 42.119.420 13.447.577 46,9 6,70

Rural 14.224.271 11.730.071 2.494.200 -17,5 -8,33

Grandes regiões

Norte 2.478.843 4.461.408 1.982.565 80,0 1,62

Nordeste 17.052.167 20.512.583 3.460.416 20,3 -1,78

Sudeste 26.803.742 34.558.310 7.754.568 28,9 0,14

Sul 10.631.177 13.271.186 2.640.009 24,8 -0,50

Centro-Oeste 4.263.498 5.890.491 1.626.993 38,2 0,52


Fonte: IBGE/Pnad.
a
As seis RMs pesquisadas pela PME são: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador. As demais que
constam da Pnad são: Curitiba, Fortaleza, Belém e Brasília.

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 327


É importante chamar a atenção para o fato de que o menor crescimento da
ocupação não-metropolitana é decorrência direta do desempenho nas áreas rurais,
nas quais ocorreu um encolhimento de 17,5% nesse período de 12 anos. De fato,
se tomada apenas a parte urbana das áreas não-metropolitanas, observa-se uma
geração expressiva de ocupações – foram criados 13,45 milhões de postos de
trabalho entre 1992 e 2004, o que significa uma expansão de 46,9%. Tal cresci-
mento implicou um aumento na participação de 6,7 p.p., fazendo com que esta
passasse a ser superior a 50% da ocupação nacional em 2004.
Também no plano das grandes regiões geográficas observam-se diferenças
no padrão de crescimento da população ocupada no período. A expansão na região
Norte chegou a 80,0% – a maior de todas – e aumentou sua participação em 1,62
p.p., enquanto, no extremo oposto, a região Nordeste cresceu tão-somente 20,3%,
com sua participação encolhendo até 1,78 p.p. Em escala menor, a ocupação na
região Sul também cresceu abaixo da média nacional e, portanto, teve sua parti-
cipação no total reduzida, enquanto o Sudeste e o Centro-Oeste, mesmo que
modestamente, aumentaram sua fatia no total de ocupados.
QUADRO 4
Trabalho Infantil: a Lei e a Prática
Conforme destacado na nota1, em que pese a existência de uma regulamentação trabalhista
que proíbe o trabalho para menores de 16 anos, na verdade essa disposição é infringida e a
prática do trabalho infantil é uma realidade. Como tal, as pesquisas domiciliares como a Pnad
o registram, tendo em vista seus propósitos estatísticos e informativos. Esses dados permitem
também que se possa formar juízo a respeito da extensão de sua incidência e identificação de
núcleos onde é mais intenso, de forma a subsidiar a concepção e implementação de políticas
destinadas a erradicá-lo.
Nas últimas duas décadas um destaque especial deve ser conferido ao decréscimo substan-
tivo da quantidade de mão-de-obra infantil, particularmente no recorte de 10 a 14 anos de
idade, conforme sumariado na Tabela 4. Em 2004 a Pnad registrou que 1.092.844 do total de
ocupados pertenciam a essa faixa etária, em vivo contraste com os 2.922.666 de 1992 – o que
significa uma redução absoluta de quase 60% no período. Essa variação fica mais evidenciada
se avaliada em termos proporcionais: em 1992 a mesma faixa etária constituía 4,77% dos
ocupados, caindo para 1,4% em 2004. Os progressos alcançados nessa frente servem, por um
lado, para atestar a eficiência de alguns programas e políticas voltados à erradicação do trabalho
infantil nesse intervalo de tempo – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), Bolsa
Escola, Bolsa Família, fiscalização trabalhista, entre outros. Por outro, o fato de haver mais de 1
milhão de crianças trabalhando empana ao menos em parte esses progressos, indicando que há
que se aprimorar as políticas no sentido de torná-las mais eficientes. Essa preocupação ganha
algum respaldo adicional quando se observa que o ritmo da redução absoluta vem diminuindo
na década atual: era de 161 mil por ano, em média, na anterior, tendo passado para 126 mil na
atual. Naturalmente há que se ter em conta que, à medida que o contingente diminui, quedas
adicionais se tornam mais árduas. Não obstante essa qualificação, o patamar ainda é bastante
elevado e, ainda que possa parecer extremada, a necessidade de uma postura de tolerância
continua

328 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


continuação
zero em relação ao trabalho infantil faz com que a redução no ritmo seja encarada como um
retrocesso.
Na sua dimensão espacial, a Tabela 4 revela que o trabalho infantil é um fenômeno essen-
cialmente não-metropolitano, incidindo de forma mais marcante no meio rural (quase 50% do
total), sendo que as reduções proporcionais têm ocorrido de maneira semelhante. Quanto às
grandes regiões geográficas, a utilização da mão-de-obra infantil é um traço mais característico
do Nordeste, que responde pela metade do total. Mais preocupante, o ritmo de renúncia à
exploração dessa forma de trabalho vem sendo menor no Nordeste, tanto que a sua participação
cresceu 3,6 p.p. no agregado nacional. Nesse particular, o destaque positivo fica por conta da
região Sudeste, que apresentou uma redução percentual superior à média nacional e, com isso,
reduziu sua participação em 5,3 p.p. Do ponto de vista de redução absoluta, a nota negativa
cabe à região Sul, na medida em que a queda média anual de renúncia na presente década é
inferior a 20% do que vinha sendo observado na anterior.
TABELA 4
Pessoas Ocupadas com 10 a 14 Anos de Idade

Redução média
Ocupadas 1992 2001 2004
1992-2001 2001-2004

Brasil 2.922.666 1.471.791 1.092.844 161.208,3 126.315,7

Metropolitano 303.310 163.603 126.252 15.523,0 12.450,3


a
Metropolitano PME 228.206 119.589 92.547 12.068,6 9.014,0

Não-metropolitano 2.619.356 1.308.188 966.592 145.685,3 113.865,3

Urbano 1.078.946 606.711 465.708 52.470,6 47.001,0

Rural 1.540.410 701.477 500.884 93.214,8 66.864,3

Grandes regiões

Norte 126.473 76.713 66.437 5.528,9 3.425,3

Nordeste 1.333.336 770.552 537.995 62.531,6 77.519,0

Sudeste 774.665 327.845 231.304 49.646,7 32.180,3

Sul 485.009 205.031 188.996 31.108,7 5.345,0

Centro-Oeste 203.183 91.650 68.112 12.392,6 7.846,0


Fonte: IBGE/Pnad.
a
As seis RMs pesquisadas pela PME são: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador. As demais que
constam da Pnad são: Curitiba, Fortaleza, Belém e Brasília.

5.1 Ocupação na Indústria

Um segmento emblemático é o setor da indústria, por ser tradicionalmente enca-


rado como segmento líder e indutor do processo de desenvolvimento econômico.
O crescimento do emprego industrial se deu de forma relativamente tímida no

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 329


período aqui examinado, tendo passado de 10,2 milhões de postos de trabalho
em 1992 para 12,2 milhões em 2004, como pode ser visto na Tabela 5. Isso
representa um crescimento de 20,4%, inferior aos 28,5% constatados para a
ocupação como um todo. A criação de empregos na indústria respondeu, assim,
por apenas 11,9% do total de novos postos de trabalho. Esse resultado não chega
a constituir surpresa, haja vista o processo de reestruturação e enxugamento da
estrutura produtiva do setor para a obtenção de ganhos de produtividade – ver
glossário no Capítulo 6, Seção 1 – e, assim, lograr maior competitividade inter-
nacional em um contexto de uma economia em franco processo de abertura.
Tanto é que o ganho automático e espontâneo de competitividade proporcionado
pela mudança de regime cambial, com conseqüente desvalorização da nossa moeda,
funcionou como um divisor de águas para o desempenho do emprego na indústria:
no período 1992-1999 o crescimento anual médio foi nulo, refletindo a estagnação
do nível da ocupação industrial no plano nacional, e passou para 3,4% a.a. na
década presente; o contraste é ainda mais intenso para as metrópoles, que haviam
experimentado uma redução desse tipo de emprego na década anterior, passando
a crescer na atual.
A Tabela 6, mais desagregada em termos regionais, confirma essa primeira
evidência concreta de descentralização do emprego industrial: enquanto o saldo
nas RMs foi a criação virtualmente nula (30 em termos líquidos) de postos de
trabalho na indústria – já para as regiões da PME houve uma destruição de quase
180 mil –,10 no Brasil não-metropolitano houve a geração de 2,043 milhões de
empregos. Vale notar que como o desempenho nas áreas rurais também foi nega-
tivo, o saldo nas áreas urbanas fica ainda mais expressivo, com a criação de
2,227 milhões de postos. Em termos de participação no emprego industrial, isso
significa perdas de 6,46 p.p. na fatia metropolitana e 3,11 p.p. no meio rural,
contrapostas por uma expansão de 9,56 p.p. nas áreas urbanas.
TABELA 5
Ocupação na Indústria

Crescimento (% a.a.)
Ocupados 1992 1999 2001 2004
1992-1999 2001-2004

Brasil 10.155.849 10.151.495 11.070.593 12.228.908 0,0 3,4

Metropolitano 4.012.834 3.530.470 3.828.998 4.042.348 -1,8 1,8

Metropolitano PMEa 3.530.513 3.010.293 3.229.340 3.357.949 -2,3 1,3

Não-metropolitano 6.143.015 6.621.025 7.241.595 8.186.560 1,1 4,2


Fonte: IBGE/Pnad.
a
As seis RMs pesquisadas pela PME são: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador. As demais que
constam da Pnad são: Curitiba, Fortaleza, Belém e Brasília.

330 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 6
Ocupação na Indústria: PNADs de 1992 e 2004

1992 2004 Diferença Crescimento Crescimento na


Ocupados absoluta (%) participação (p.p.)
(1992-2004) (1992-2004) (1992-2004)

Brasil 10.155.849 12.228.908 2.073.059 20,4 -

Metropolitano 4.012.834 4.042.348 29.514 0,7 -6,46

Metropolitano PME 3.530.513 3.357.949 172.564 -4,9 -7,30

Não-metropolitano 6.143.015 8.186.560 2.043.545 33,3 6,46

Urbano 5.182.185 7.409.465 2.227.280 43,0 9,56

Rural 960.830 777.095 183.735 -19,1 -3,11

RMSP 1.901.426 1.679.202 222.224 -11,7 -4,99

SP não-metropolitano 1.499.281 2.109.591 610.310 40,7 2,49

Grandes regiões

Norte 337.447 607.338 269.891 80,0 1,64

Nordeste 1.826.008 2.075.628 249.620 13,7 -1,01

Sudeste 5.549.166 6.280.557 731.391 13,2 -3,28

Sul 1.978.667 2.609.410 630.743 31,9 1,86

Centro-Oeste 464.561 655.975 191.414 41,2 0,79


Fonte: IBGE/Pnad.

O painel intermediário revela uma dimensão adicional do processo de


despolarização do emprego industrial, deixando claro que o esvaziamento das
áreas metropolitanas é decorrência direta do desempenho da RMSP, principal
pólo industrial do país: entre 1992 e 2004 houve uma perda líquida de 222 mil
vagas no setor industrial na RMSP, o que representou um encolhimento de 11,7%
e uma redução de 4,99 p.p. na participação no emprego industrial. É interessante
notar que essa perda de postos de trabalho na RMSP é totalmente compensada
pela geração líquida ocorrida no interior do estado, de tal maneira que o emprego
industrial no Estado de São Paulo fica estável no período. Pode-se falar, desse
modo, da existência de um processo de migração industrial da RMSP para, entre
outros destinos, o interior do próprio estado.

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 331


QUADRO 5
Escolaridade e Ocupação
Os dados da ocupação por grau de escolaridade indicam um maior grau de exigência e
seletividade no mercado de trabalho brasileiro. A parcela da população ocupada com pelo
menos 11 anos completos de estudo foi a que mais cresceu entre 1992 e 2004 (137,3%), pas-
sando de 11,9 milhões para o nível de 28,2 milhões de trabalhadores do início ao final do
período. Em especial, o ano de 2004 foi o de maior crescimento absoluto desse contingente, na
comparação com anos anteriores, tendo sido registrada a criação, em termos líquidos, de 2,3
milhões de postos de trabalho ocupados por pessoas com esse nível de escolaridade. De forma
até certo ponto surpreendente, esse crescimento foi mais acentuado fora das RMs, atingindo
152,3% – comparado a 119,2% nas metrópoles.
Em contrapartida, os trabalhadores menos escolarizados vêm perdendo espaço no contin-
gente total de ocupados, ano após ano: em 1992 a participação desse grupo de pessoas era de
25,6%, reduzindo-se para 19,9% em 2004. Apenas no ano de 2004, esse mesmo contingente
perdeu 399 mil vagas de trabalho – única parcela da população que perdeu empregos em
termos líquidos. No intervalo de 12 anos em questão, a retração absoluta foi de 6,3 milhões de
trabalhadores na categoria, o equivalente a 28,8% da quantidade inicial – no caso igualmente
distribuída entre RMs e áreas não-metropolitanas (27,3% e 29,1%, respectivamente).

GRÁFICO 5
Composição da Ocupação por Escolaridade

[em %]
40
0 a 3 anos 11 anos ou +

35

30

25

20

15
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Fonte: IBGE/Pnad.

6. DESEMPREGO

A evolução da taxa de desemprego foi brevemente discutida logo no início deste


capítulo. Como frisado, após ligeira queda no período imediatamente pós-Real,
houve um período prolongado de ascensão contínua (1996 a 1999), quando foi
cunhada a expressão desemprego estrutural – expressão essa que teria a ver com
as mudanças na estrutura produtiva ditadas pela nova ordem econômica interna-
cional em que o Brasil se inseria no bojo do processo de abertura econômica (ver

332 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


também Capítulo 4). Independentemente do quão adequado possa ser esse diag-
nóstico, o fato é que após a mudança do regime cambial houve uma reorganização
do processo produtivo e, na década atual, a taxa de desemprego vem se mostrando
bem mais estável, em patamar pouco inferior ao atingido em 1999.
Uma hipótese bastante aventada durante o período de crescimento da taxa
de desemprego é que o fenômeno era típico, e mais flagrante, nas grandes metró-
poles. Como as taxas de desemprego da PME, em função da periodicidade e
contemporaneidade dessa pesquisa domiciliar, tinham um impacto bastante forte
na formação de opiniões e expectativas da sociedade em geral e agentes econô-
micos em particular, caso a hipótese fosse verdadeira, o diagnóstico daí inferido
a respeito do dinamismo do mercado de trabalho poderia estar seriamente equi-
vocado. O Gráfico 6 indica, todavia, que tais preocupações eram improcedentes,
pois embora as taxas metropolitanas sejam, de fato, mais elevadas, as variações
tendem a ser bastante similares. Em outros termos: se havia discrepâncias nas
taxas da PME, elas se deviam à natureza da pesquisa – esquema amostral, con-
ceitos e fluxo do questionário, conforme detalhado no Quadro 6 –, mas não eram
decorrência da sua cobertura propriamente dita.
No que diz respeito ao contingente de desempregados, de forma análoga ao
observado para o nível de ocupação, o aumento entre 1992 e 2004 foi maior nas
RMs (95,2%) do que nas áreas não-metropolitanas (66,4%), tendo sido de 78,4%
a média nacional – maior do que o crescimento da ocupação, o que acarretou o
aumento da taxa de desemprego observado no Gráfico 6.
Um outro aspecto acerca do desemprego está relacionado com a sua inci-
dência conforme grupos ou estratos populacionais. Em relação às regiões geo-
gráficas, o padrão é de uma até surpreendente homogeneidade entre todas elas,

GRÁFICO 6
Taxa de Desemprego: Total, Metropolitano e Não-Metropolitano

[em %]
16

14

12

10

4
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Fonte: IBGE/Pnad. Brasil Metropolitano Não-metropolitano

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 333


com exceção da região Sul, onde o total de desempregados cresceu apenas 50%,
comparados a cerca de 80% em todas as quatro outras.
As mulheres foram especialmente afetadas pelo desemprego, que entre elas cresceu
107,7%, tendo ficado acima da média nacional em todos os recortes espaciais
selecionados. Vale citar que as mulheres também aumentaram a sua presença
relativa entre os ocupados – expansão de 43,3% vis-à-vis 20,0% para os homens,
conforme pode ser visto no quadro resumo ao final do capítulo. Segue daí que o
maior crescimento do desemprego entre elas é fruto, também, do aumento de sua
taxa de participação no mercado. Não obstante a qualificação, conforme anterior-
mente mencionado, a taxa de desemprego feminino em 2004 era de 13,5%, quase
o dobro dos 7,9% de taxa de desemprego entre os homens.11

TABELA 7
Composição dos Desempregados

Diferença Crescimento
Desempregados 1992 2004 absoluta (%)
(1992-2004) (1992-2004)

Brasil 4.747.770 8.471.406 3.723.636 78,4

Metropolitano 1.979.839 3.865.005 1.885.166 95,2

Metropolitano PME 1.685.088 3.239.977 1.554.889 92,3

Não-metropolitano 2.767.931 4.606.401 1.838.470 66,4

Grandes regiões

Norte 240.665 452.851 212.186 88,2

Nordeste 1.261.843 2.302.444 1.040.601 82,5

Sudeste 2.342.553 4.266.213 1.923.660 82,1

Sul 595.637 897.691 302.054 50,7

Centro-Oeste 307.072 552.207 245.135 79,8

Mulheres 2.288.264 4.751.665 2.463.401 107,7

Metropolitano 954.311 2.153.715 1.199.404 125,7

Metropolitano PME 810.635 1.804.375 993.740 122,6

Não-metropolitano 1.333.953 2.597.950 1.263.997 94,8

Chefes de domicílio 973.864 1.728.859 754.995 77,5

Metropolitano 409.288 808.131 398.843 97,4

Metropolitano PME 350.602 651.450 300.848 85,8

Não-metropolitano 564.576 920.728 356.152 63,1


Fonte: IBGE/Pnad.

334 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Já os chefes de domicílio, que constituem um grupo em que a incidência do
desemprego é ainda mais grave por serem em geral os principais responsáveis pela
provisão de recursos para o orçamento familiar, acabaram sendo afetados pelo
desemprego, que cresceu 77,3% entre eles, de forma praticamente neutra em relação

QUADRO 6
Conceitos e Definições da Taxa de Desemprego
O conjunto de desempregados é definido como o número de indivíduos que, em determinado
período de referência, estava procurando emprego, porém sem sucesso. Embora, à primeira
vista, possa parecer simples, o conceito de desemprego está longe de ser trivial. De início é
preciso esclarecer o significado da expressão procurar emprego, uma vez que isso pode vir a
alterar o cálculo do contingente de desempregados e, portanto, influenciar a taxa de desem-
prego – definida como a razão entre o total de desempregados e a força de trabalho total.
Qualquer providência efetiva na procura por uma ocupação, ou seja, o contato estabelecido
com empregadores, por iniciativa própria ou em resposta a anúncio de emprego, ou a consulta
a uma agência de emprego, sindicato ou órgão similar, são considerados como iniciativas efe-
tivas de procura por emprego. Também podem e normalmente são assim consideradas a mera
solicitação de trabalho a um parente, amigo, tomada de providências para abertura de negócio
próprio, ou mesmo a inscrição e prestação de concurso.
Quanto ao período de referência para a procura, não existe um padrão determinado, embora
uma semana ou um mês sejam os mais utilizados – há casos em que a pergunta é feita para o
período de um ano, mas normalmente essas respostas são utilizadas apenas para fornecer um
entendimento mais amplo da questão. Entre as pesquisas domiciliares do IBGE, a Pnad usa o
intervalo de sete dias como período de referência, enquanto a PME, desde março de 2002,
utiliza o período de 30 dias. A metodologia antiga da PME, descontinuada em 2002, utilizava os
dois períodos – é bem verdade que apenas o de uma semana era destacado na divulgação –, e
os resultados eram bastante parecidos, com a diferença situando-se, no mais das vezes, em
torno de 1 p.p. apenas.
Existem ainda outros conceitos de desemprego de cunho complementar a esse, conhecido
como desemprego aberto, que são calculados em algumas pesquisas – com destaque para a
Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED/Dieese) –, trazendo informações adicionais como o
desemprego oculto por precariedade e por desalento, por exemplo. O primeiro inclui as pessoas
que, para sobreviver, exerceram algum trabalho de forma descontínua e irregular – o que carac-
teriza uma debilidade na sua inserção no mercado – e que, além disso, tomaram providências
efetivas, nos 30 dias anteriores ao da entrevista ou até 12 meses atrás, para conseguir um
trabalho diferente deste. Ao classificar como desempregados os indivíduos com inclusão errática
e precária, é natural que a taxa de desemprego total seja superior àquela classificada como de-
semprego aberto. Já a segunda forma de desemprego oculto inclui pessoas que não possuem
trabalho e nem procuraram no período de referência, por desestímulos profissionais e/ou pessoais
ou por circunstâncias fortuitas, mas estavam querendo conseguir trabalho e, se lhes fosse ofere-
cido um, teriam disponibilidade para iniciá-lo de imediato. Esse tipo de desemprego oculto por
desalento, se também considerado, aumenta a taxa de desemprego total – é bem verdade que,
nas pesquisas, o desemprego oculto em geral apresenta magnitude reduzida.
Afora o conceito de desemprego per se, há pelo menos mais dois aspectos que influenciam
a taxa de desemprego. Um, bastante simples, é a definição de ocupação que, como visto na
continua

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 335


continuação
segunda seção, pode englobar determinadas atividades – como aquelas voltadas para o
autoconsumo, ou não –, alterando o tamanho da PEA e, por conseguinte, o valor da taxa de
desemprego. Outro aspecto, menos tangível, está ligado ao desenho do questionário, ou seja, à
maneira como as perguntas são encadeadas e a como as respostas são objeto de certificação e
confirmação por meio de quesitos complementares, de forma a aumentar a confiabilidade das
informações levantadas. É possível, por exemplo, que a ausência de crivos mais severos induza
a classificação de uma pessoa como economicamente inativa quando, talvez, fosse mais apro-
priado classificá-la como desempregada, o que afeta a taxa de desemprego. Independente-
mente de discutir o mais certo, ou o menos errado, o fato é que o fluxo do questionário pode
– e parece lícito supor que esta seja a norma – influenciar a resposta.
O importante para se manter em mente é que não existe uma única taxa de desemprego,
tampouco se pode ordenar de forma inequívoca as diversas taxas existentes em termos de
qualidade e correção. Sem dúvida isso é um pouco frustrante, principalmente em função da
importância que o indicador possui no acompanhamento do funcionamento da economia e
julgamento da adequação das políticas econômicas.
Menos mal, todavia, é que na grande maioria das vezes as discrepâncias nos níveis das taxas
de desemprego não são acompanhadas por divergências nas suas variações em termos qualita-
tivos, o que faz com que a natureza dos diagnósticos baseados em uma ou outra, ao menos em
termos de acompanhamento de conjuntura, não seja discordante.

ao agregado – semelhante ao ocorrido na expansão do emprego. Com isso, a taxa


de desemprego nesse grupo manteve-se bem abaixo da média, tendo sido de 4,5%
em 2004, comparados com os 13,9% para os demais membros do domicílio.

7. INFORMALIDADE

Entre as várias mudanças no funcionamento do mercado de trabalho nacional a


partir dos anos 1990 que implicaram rupturas no padrão histórico, um dos fenô-
menos mais marcantes, e que mais atenção despertou entre especialistas e socie-
dade em geral, foi a proliferação das práticas informais. O crescimento do assim
chamado setor informal, normalmente associado à precarização da qualidade do
trabalho, fragilização da inserção no mercado e banalização dos vínculos
empregatícios, foi uma das tônicas do período e merece ser analisado com algum
grau de detalhe.

7.1 Caracterização do Setor Informal

O dimensionamento do setor informal não é uma tarefa trivial, haja vista a gama
de concepções alternativas associadas à sua definição e, portanto, caracterização.
Conforme discutido em Camargo (1989), o segmento informal pode ser entendido

336 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


de uma forma mais abrangente como determinado pela natureza e estrutura do
processo produtivo, pela ótica da obediência do vínculo trabalhista ao marco
regulatório – ou uma variante, que é a contribuição ou não para a previdência –, e
pela diferenciação da sua inserção no mercado de trabalho vis-à-vis o mercado
de produto – caso de profissionais autônomos, prestadores de serviços e do pe-
queno comércio, entre outros (ver o Capítulo 4). A linha aqui privilegiada –
como, de resto, no debate em geral – segue a visão intermediária e considera
como pertencentes ao setor informal o contingente de trabalhadores que não
estão ao abrigo da proteção da legislação trabalhista na sua inserção no mercado.

7.2 Malefícios da Informalidade

A informalidade é um fenômeno que chama a atenção de especialistas,


formuladores de política e da sociedade em geral por uma série de motivos. Na
sua expressão mais direta, o setor informal é encarado como gerador de empregos
de baixa qualidade e remuneração, ineficiências e custos econômicos adicionais,
constituindo uma distorção a ser combatida.
Sob um prisma econômico mais amplo, a evasão de recursos via
descumprimento da lei, principalmente encargos trabalhistas e contribuição
previdenciária, possibilita a permanência no mercado de firmas menos produtivas,
o que tolhe a expansão de firmas mais produtivas que respeitam a legislação e,
conseqüentemente, têm custos de produção majorados. Há que ter em conta o
agravante de que um menor grau de formalização reduz a base para taxação,
induzindo maiores tributos e criando, como resultado, maior penalização para as
firmas mais produtivas – daí gerando incentivos para incremento da própria
informalidade, e assim por diante.
A informalidade contribui, também, para fomentar uma cultura de sonegação
e desrespeito às normas legais, que é, em última análise, a razão de ser de sua
existência. A difusão desse processo acarreta a banalização de princípios e valores,
o que esgarça o tecido social, gera perda de credibilidade das instituições, propicia
o alastramento da marginalidade, e até mesmo alguma tolerância em relação a ela.

7.3 Atrativos da Informalidade

Em que pese essa série de conotações indesejáveis associadas à informalidade, o


fato concreto é que ela existe e tem tamanho apreciável. Ela é, inclusive, bem
vista por alguns, na medida em que o setor informal tem capacidade de absorver
contingentes de mão-de-obra menos qualificada que não encontram colocação
no setor protegido, contribuindo, assim, para a redução da taxa de desemprego.

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 337


Cabe, então, avaliar brevemente a questão da atratividade do emprego informal
sob o prisma dos agentes envolvidos.
Do ponto de vista das firmas, ou empregadores, o ônus associado aos encargos
sociais do trabalho tende a produzir um incentivo a sua sonegação como forma
de redução de custos e aumento, ou manutenção, de margens de lucros, particular-
mente em tempos de retração da atividade econômica. Parece razoável supor,
A teoria do labor dentro do espírito que norteia a teoria do labor hoarding, que tal incentivo seja
hoarding argumenta que inversamente proporcional à qualificação da mão-de-obra, dados os crescentes
em momentos de
contração do ciclo custos de treinamento e dificuldades de reposição com o nível de qualificação e
econômico, as firmas especialização. Esse incentivo deve também variar inversamente com o tamanho
tendem a reter por mais
tempo os trabalhadores da firma, tendo em vista que os custos do fator trabalho tendem a diminuir em
mais qualificados, em termos relativos, as firmas ficam mais visíveis para fins de fiscalização, com mais
decorrência de terem
investido mais neles, além
propensão de se tornarem mais intensivas em capital e, por conseguinte, em
de terem incorrido em mão-de-obra qualificada.12 Assim, do ponto de vista das firmas, o incentivo à
maiores custos de
seleção. Por outro lado,
informalidade deve ser tanto maior quanto menor o seu tamanho, menos qualifi-
trabalhadores menos cada a mão-de-obra demandada e pior o desempenho da economia.
qualificados estariam
estruturalmente mais Para os trabalhadores sem carteira, partindo da premissa de que os empregos
sujeitos ao risco de perda formais sejam, de fato, de melhor qualidade e remuneração, é lícito admitir uma
de emprego em momen-
tos em que a atividade preferência pelos empregos com carteira. Isso não implica, todavia, que fiscali-
econômica se retraísse. zação mais intensa e maior cumprimento da lei os beneficiariam, pois poderiam
Para maiores detalhes, ver
Oi (1962).
inviabilizar uma série de atividades de baixa produtividade que só são possíveis
no setor informal, e terminar por gerar desemprego.
No caso dos trabalhadores autônomos, a informalidade também proporciona
oportunidade de fuga da taxação como forma de viabilizar ocupações de baixa
produtividade. Vale lembrar aqui que certos fatores diminuíram o apelo da posse
da carteira de trabalho assinada: as mudanças no sistema de previdência e seguridade
social que asseguram acesso universal aos serviços de saúde, bem como o direito
de benefícios de aposentadoria a partir dos 65 anos, mesmo sem contribuição
anterior ao sistema. Isso é particularmente verdadeiro para os trabalhadores pouco
qualificados, cujos rendimentos do trabalho são normalmente baixos, o que faz
com que sua propensão a consumir de imediato (taxa de desconto) seja maior.

7.4 Evolução da Informalidade

O Gráfico 7 mostra que a percepção bastante disseminada de que houve um


aumento substantivo do grau de informalidade ao longo dos anos 1990 se deve
basicamente ao seu comportamento no âmbito metropolitano, de maior conheci-
mento e repercussão, dada a atualidade e freqüência da PME, que, como já dito

338 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 7
Grau de Informalidade: Total, Metropolitano e Não-Metropolitano

[em %]
65

60

55

50

45

40

35
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Fonte: IBGE/Pnad. Brasil Metropolitano Não-metropolitano

aqui, acaba por afetar sobremaneira as impressões e a formação de juízos. É fato


que, no âmbito da Pnad, existe uma elevação de quase 6 p.p. (de 38,3% para 44,1%)
na informalidade metropolitana no período. Todavia, nas áreas não-metropolitanas
há redução de cerca de 4 p.p. (de 58,5% para 54,6%) desse indicador entre 1992 e
2004, de modo até marcante nos últimos dois anos da série (56,4% em 2002). A
combinação desses movimentos convergentes entre o grau de informalidade me-
tropolitano e não-metropolitano assegurou uma estabilidade da informalidade
do mercado como um todo e, mais recentemente, acarretou uma ligeira tendência
de redução – em 1992 o percentual de informalidade era de 51,9%, atingiu 53,9%
em 1998, voltando a 51,7% em 2003 e caindo para 51,2% em 2004.13
O fato de o grau de informalidade ter ficado constante no mercado de trabalho
nacional pode, é verdade, trazer uma conotação de alívio, mas por si só não constitui
necessariamente boas notícias. É preciso levar em conta que o patamar dessa
estabilidade é bastante elevado, de tal sorte que pouco mais da metade da força de
trabalho ocupada está inserida no setor informal e, além de não haver queda no
agregado, é significativo o crescimento das práticas informais no âmbito das RMs.
É fundamental ter clara a gravidade da situação, até porque algumas vezes a
informalidade é defendida como “uma solução, e não um problema”. É importante
destacar aqui: boa parte da informalidade – o assalariamento sem carteira – é, na
verdade, ilegalidade, visando ao não pagamento de encargos. Adicionalmente, o
trabalho autônomo, o outro componente do contingente de trabalhadores do setor
informal, por vezes é sinônimo de trabalho precário, resultado de uma estratégia
de sobrevivência em circunstâncias em que o mercado de trabalho não consegue
gerar empregos com um mínimo de qualidade em quantidade suficiente, e com
características adequadas aos seus atributos/dotações/habilidades. Nesses termos,

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 339


é difícil aceitar a tese da informalidade como solução. Mais apropriado parece,
seria caracterizá-la, ao menos parcialmente, como grande reveladora da gravidade
do funcionamento deficiente do mercado de trabalho, seja por questões mais
conjunturais ligadas ao desempenho econômico ou, mais preocupante, como de-
corrência de inflexibilidades e custos introduzidos pela legislação trabalhista e
demais instituições que o afetam, além da carga tributária excessiva.
A Tabela 8, no seu painel inferior, mostra que as grandes regiões geográficas
não apresentaram maiores mudanças no grau de informalidade no período.

TABELA 8
Grau de Informalidade: Anos e Recortes Selecionados
[em %]

1992 1999 2001 2004

Brasil 51,9 53,5 52,5 51,2

Setor

Indústria

Total 33,0 36,5 35,3 33,9

Metropolitano 24,0 31,2 32,6 32,8

Não-metropolitano 39,0 39,3 36,8 34,5

Serviços

Total 53,5 51,2 52,7 52,4

Metropolitano 48,9 47,4 49,5 48,8

Não-metropolitano 55,9 53,2 54,5 54,4

Comércio

Total 57,7 57,6 55,5 53,5

Metropolitano 52,3 54,3 53,0 51,8

Não-metropolitano 61,0 59,6 56,9 54,5

Agricultura

Total 81,6 80,6 80,2 78,5

Grandes regiões

Norte 59,7 62,3 61,8 59,9

Nordeste 68,6 69,2 67,8 66,7

Sudeste 42,7 45,9 44,8 44,0

Sul 47,4 47,2 46,8 44,7

Centro-Oeste 57,6 55,0 54,0 51,6


Fonte: IBGE/Pnad.

340 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


A única que apresentou uma alteração um pouco mais expressiva foi a região
Centro-Oeste, onde pôde ser observada uma redução de cerca de 6 p.p. na infor-
malidade. Vale destacar também o aumento de 1,3 p.p. na região Sudeste, que é
explicado pelo fato de estarem aí localizadas as três maiores RMs do país. Não
obstante o retrocesso, ela permanece, com a região Sul, em níveis de informalidade
bem abaixo da média nacional.
O recorte por setores de atividade econômica revela alguns aspectos interes-
santes da evolução da informalidade dentro da Pnad. Em primeiro lugar, quando
apreciados os resultados para o plano nacional, dos quatro setores listados na
Tabela 8, apenas a indústria apresenta uma deterioração na informalidade, apesar
de permanecer sendo o segmento mais formalizado. Os setores de serviços, comércio
e agricultura mostraram alguma queda, um pouco mais pronunciada nas atividades
ligadas ao comércio, nas quais a redução chegou a 4,2 p.p. Todos os setores, não
obstante, têm uma incidência de relações informais acima de 50%, chegando a
quase 80% no agrícola. Mesmo ignorando este último, que possui características
bastante peculiares, a diminuição do hiato setorial é grande: a diferença entre os
setores de indústria e comércio caiu de 25 p.p. em 1992 para 19 p.p. em 2004,
enquanto a comparação entre indústria e serviços mostra um estreitamento redu-
zido, de pouco mais de 1 p.p. A faceta mais interessante é que em todos os casos
os progressos nas áreas não-metropolitanas foram atenua-dos, ou mesmo rever-
tidos, como ocorreu para a indústria por seu desempenho ruim nas RMs.
Por fim, um aspecto que merece ainda ser destacado é que a estabilidade do
grau de informalidade no período se deve a uma convergência que não representa
propriamente o processo ideal: os segmentos socioeconômico-geográficos com
maior incidência de informalidade apresentam, em geral, alguma melhora, enquanto
os núcleos que tradicionalmente tiveram um melhor desempenho nesse particular,
alguns reputados até como redutos de empregos de qualidade, experimentaram
uma deterioração.14 A melhora nas áreas não-metropolitanas, nas regiões Nordeste
e Centro-Oeste, nos segmentos agrícola e de comércio, é, sem dúvida, bem-vinda.
Melhor seria, todavia, se ela não viesse acompanhada de aumentos não-desprezíveis
da informalidade nas metrópoles e na indústria, entre outros segmentos.

8. RENDIMENTOS

A trajetória de evolução dos rendimentos reais médios a partir dos anos 1990
apresenta uma gama de variações e comportamentos. O advento do Plano Real
em 1994 fez com que os rendimentos médios do trabalho principal15 subissem
quase 25% em dois anos, saltando, em valores de setembro de 2004, de R$ 616

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 341


em 1993 para R$ 754 em 1995.16 Essa foi, por assim dizer, uma espécie de fase
áurea daquele plano. No triênio que se seguiu, houve uma alta bem menos pro-
nunciada em 1996 para um patamar que se manteve em 1997 e 1998, seguido de
declínio em 1999 – bem acentuado, aliás, nas RMs.
Até esse ano o comportamento no Brasil metropolitano e não-metropolitano
vinha sendo muito parecido. Dali em diante a tendência de queda foi mais pre-
sente nas RMs, que, entre 1998 e 2004, experimentaram uma redução de mais de
15% nos rendimentos reais do trabalho principal. Enquanto isso, a queda nas
áreas não-metropolitanas ficou limitada a 7%. Mais importante, todavia, é que
em 2004 a Pnad indicou uma leve recuperação nessas últimas áreas e uma forte
desaceleração no ritmo da queda observado nas RMs até então.
A Tabela 9 destaca essa evolução global, com a desagregação por posição na
ocupação. Uma observação interessante é que, na comparação do ano imediata-
mente pré-Real com 2004, há um ganho real em torno de 8% em nível nacional,
resultado de uma evolução positiva em torno de 15% nas áreas não-metropolitanas
e uma pequena retração – próxima a 3% – nas áreas metropolitanas. No plano
nacional o aumento deveu-se aos ganhos dos trabalhadores assalariados sem
carteira, haja vista que os trabalhadores protegidos ficaram praticamente estáveis
em termos de rendimentos e os autônomos sofreram alguma perda. Já nas metró-
poles o desempenho foi mais heterogêneo, pois os trabalhadores autônomos, depois
de perceberem ganhos de quase 50% devido às mudanças de preços relativos no
período imediatamente pós-Real, chegaram a 2004 com uma perda acumulada
próxima de 10%, e acabaram sendo o grupo que causou a perda de rendimento
no agregado. O traço comum, e até certo ponto surpreendente, é que os diferenciais

GRÁFICO 8
Rendimento Médio do Trabalho Principal dos Ocupados: Total, Metropolitano e
Não-Metropolitano
[em R$ de 2004]
1.400

1.200

1.000

800

600

400

200
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Fonte: IBGE/Pnad. Brasil Metropolitano Não-metropolitano

342 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 9
Rendimento Médio do Trabalho Principal: Posição na Ocupação
[em R$ de setembro de 2004]

1993 1996 1998 2004

Brasil 616,5 788,6 777,4 662,1

Conta-própria 599,3 821,8 716,4 579,2

Protegidos 835,3 961,8 984,1 818,4

Sem carteira 280,2 402,4 416,1 367,9

Metropolitano 915,9 1.164,9 1.165,1 884,8

Conta-própria 841,1 1.227,4 1.079,9 771,3

Protegidos 994,2 1.183,5 1.211,4 985,3

Sem carteira 434,8 600,5 651,5 499,3

Não-metropolitano 488,2 621,6 609,7 562,0

Conta-própria 517,1 679,1 590,8 505,6

Protegidos 716,5 804,1 827,7 715,6

Sem carteira 232,6 332,7 336,6 316,2


Fonte: IBGE/Pnad.

de rendimento entre os trabalhadores protegidos e os sem carteira diminuíram,


passando de 198% em 1993 para 122% em 2004.
No caso das desagregações dos rendimentos segundo gênero e escolaridade,
que são importantes por estarem associadas à iniqüidade distributiva via desi-
gualdade de tratamento e oportunidades, a evolução no período recente, mostrada
por inteiro no anexo deste capítulo, é um tanto alentadora. Após um pico em
1993, foram reduzidos tanto os diferenciais de rendimentos dos homens em relação
às mulheres quanto os dos grupos mais escolarizados em relação aos trabalhadores
com no máximo três anos completos de estudo.
No caso dos diferenciais por gênero, que eram de 80,5% em 1993 – ou seja,
os homens ganhavam, em média, 1,8 vez mais do que ganhavam as mulheres –,
esses indicadores vieram diminuindo de forma paulatina até atingirem 49,3% em
2004, quase a metade da marca inicial.17 O padrão temporal do estreitamento dos
diferenciais por escolaridade foi diferente, na medida em que a redução foi bem
mais concentrada na década atual. Tomando como exemplo o rendimento dos
trabalhadores ocupados que tinham pelo menos o segundo grau completo, o
diferencial em relação ao grupo com no máximo três anos de estudo era de 462%
em 1993, tendo caído para 414% em 1999 e 300% em 2004. Sem dúvida ainda é
um diferencial elevado, mas é interessante apontar que a queda nesse intervalo

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 343


foi fruto da combinação de um aumento no rendimento médio dos pouco instruídos
– passaram de R$ 263 em 1993 para R$ 285 em 2004, sempre em valores correntes
de setembro deste último ano – com uma redução nos ganhos dos mais
escolarizados – eram de R$ 1.481 em 1993 e diminuíram para R$ 1.140 em 2004.
A redução dos retornos à escolaridade, bem como a progressiva eliminação
de distorções de remuneração potencialmente associadas a práticas discriminatórias
têm, por certo, efeitos benignos em termos de promoção de igualdade na distri-
buição de rendimentos no âmbito do mercado de trabalho. De fato, eles já vêm se
fazendo sentir em termos da desigualdade da distribuição dos rendimentos indi-
viduais e, na década atual, também no que se refere à distribuição dos rendimentos
(do trabalho) familiares per capita, conforme mostrado no Gráfico 9.
O coeficiente de Gini para a distribuição individual dos rendimentos totais
do trabalho, tendo como universo os trabalhadores ocupados com rendimentos
positivos, diminuiu de 0,557 para 0,538 entre 1995 e 1999 e, depois de subir,
voltou a se reduzir de 0,540 para 0,523 entre 2001 e 2004. No primeiro período a
queda na distribuição individual não se refletiu na distribuição familiar per capita
dos rendimentos do trabalho, cujo coeficiente de Gini ficou praticamente estável
em torno de 0,600. Nos anos recentes a queda estendeu-se também a essa distri-
buição, com o Gini passando de 0,599 em 2001 para 0,583 em 2004.
Esse comportamento ligeiramente diferenciado das duas distribuições nos dois
períodos, sem dúvida, desperta a atenção. Vale lembrar que, entre 1995 e 1999 a taxa
de desemprego cresceu de forma palpável e continuada, tendo se estabilizado no
patamar em torno de 10% entre 2001 e 2004, conforme mostrado no Gráfico 1. Essa
constatação é sugestiva de que o aumento do desemprego no final da década passada

GRÁFICO 9
Desigualdade de Rendimentos do Trabalho – Coeficiente de Gini

0,62

0,60

0,58

0,56

0,54

0,52

0,50
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Fonte: IBGE/Pnad. Gini per capita Gini Individual

344 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


ocorreu mais intensamente nas famílias mais pobres, de forma a anular os progressos
distributivos observados nos rendimentos individuais. No período mais recente, con-
tudo, esses progressos foram transmitidos à distribuição familiar per capita e, como o
trabalho é a principal fonte de renda captada nas Pnads, acabaram por impactar a
distribuição de renda como um todo que, conforme documentado por diversos trabalhos
[ver, entre outros, Ramos, Soares e Avila (2005) e Soares (2006)], atingiu o menor
nível de desigualdade desde que a Pnad começou a ser coletada.

QUADRO 7
Produtividade do Trabalho e Produtividade Total dos Fatores
O nível da produtividade de uma economia tem implicações importantes para o desempenho
do seu mercado de trabalho. Aumentos da produtividade devem se refletir, em médio e longo
prazos, em maiores níveis de demanda agregada por trabalho e, conseqüentemente, em reduções
da taxa de desemprego e aumento dos salários. Portanto, a mensuração da produtividade é
uma questão extremamente relevante para a análise do comportamento das principais variáveis
do mercado de trabalho.
As duas medidas para produtividade utilizadas com mais freqüência na literatura econômica
são: a produtividade do trabalho e a produtividade total dos fatores (PTF). A produtividade do
trabalho é definida pela razão entre o nível de produção e o total de trabalhadores empregados.
A PTF apresenta a vantagem em relação à produtividade do trabalho de considerar variações no
uso de outros fatores de produção, como os estoques de capital físico e humano, e não apenas
do trabalho.
O Gráfico 10 apresenta a trajetória da PTF no Brasil, de acordo com as estimativas de Bonelli
e Fonseca (1998). Para calcular esses resultados os autores utilizaram dados anuais da PEA
fornecida pela Pnad como medida do nível de emprego. Outro fator incluído na análise foi o
estoque de capital físico, medido pelo estoque de máquinas e equipamentos. O Produto Interno
Bruto (PIB) real é a variável que representa o nível de produto. Todas as variações no produto

GRÁFICO 10
Crescimento da Produtividade Total dos Fatores Agregada - 1971/1997

[em %]
4,00
3,50
3,00
2,50
2,00
1,50
1,00
0,50
0,00
71 73 75 77 79 81 83 85 87 89 91 93 95 97

Fonte: Bonelli e Fonseca (1998).


continua

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 345


continuação

que não são determinadas pelo comportamento do estoque de capital e pelo trabalho são
atribuídas à PTF.
De acordo com os resultados, a PTF cresceu 3,7% a.a. entre 1971 e 1973, período do milagre
econômico. Entre 1974 e 1980, ocorreu uma desaceleração do crescimento, acompanhada pela
redução da PTF, em uma economia com elevado estoque de capital. O período 1981-1983 foi de
recessão, com queda da PTF. A recuperação do PIB real de 1984 a 1989 foi impulsionada pelo
crescimento do emprego, com pouca participação da PTF. Apesar de o início dos anos 1990 ter
se caracterizado como um período recessivo, com redução do emprego, a queda no PIB entre
1990 e 1992 foi marcada pelo aumento da PTF. A partir de 1993, os aumentos do produto
podem ser atribuídos ao crescimento da PTF. Nesse período os estoques de trabalhadores e de
capital permaneceram praticamente constantes, exceto em 1997, quando esses fatores tiveram
uma participação maior no crescimento do produto.
Portanto, entre 1970 e 1997 o crescimento médio da PTF foi de 1,7% a.a. O produto cresceu
5,4% a.a., e a PTF explica 31% desse aumento. Apenas para o período 1993-1997, no entanto,
o produto cresceu 2,75% a.a. A PTF, com um crescimento de 2% a.a., representa 72% desse
aumento no produto.

9. SÍNTESE E CONCLUSÃO

Este capítulo apontou inicialmente as duas dimensões do trabalho, a econômica


e a social, concluindo pela forte influência do mercado de trabalho sobre a eqüi-
dade e o bem-estar social. Nesse contexto, procedeu-se a uma descrição analítica
do mercado de trabalho no país entre 1992 e 2004, mas, antes disso, buscou-se
apresentar um embasamento conceitual desejável a uma leitura mais proveitosa,
que incluiu também a descrição dos indicadores estatísticos disponíveis no Brasil,
tendo-se optado aqui pela utilização de pesquisas domiciliares, notadamente da
Pnad, embora também tenha sido feito uso de dados da PME. Chamou-se a atenção
aí para a existência de indicadores criados especialmente para mensurar o mer-
cado de trabalho nos países em desenvolvimento, com especial destaque para a
introdução do conceito de informalidade.
De fato, a informalidade, aqui definida basicamente como o contingente de
trabalhadores que não estão ao abrigo da proteção da legislação trabalhista,
reveste-se de especial destaque nas análises do mercado de trabalho brasileiro,
pois ela representa no país praticamente a metade da PEA, motivo pelo qual
também foi merecedora de um capítulo específico. A estabilidade desse contin-
gente, assim como sua expressiva grandeza no universo estudado, induzem ao
debate acerca de implementação e ajustes de políticas públicas relacionadas com
o mercado de trabalho, tendo sido sublinhado que a existência dessa parcela de
trabalhadores à margem do sistema não pode em nenhuma hipótese ser encarada
como uma solução para o mercado como ainda defendem alguns, mas sim como
um problema a ser enfrentado.
Mas não somente a informalidade gera inquietudes. A persistência do trabalho
infantil, não obstante encontrar-se em processo de franco declínio, que faz supor

346 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


eficiência nos programas de sua erradicação, apresenta valores absolutos ainda alar-
mantes, clamando por soluções mais eficazes, com efeitos mais imediatos.
Outros indicadores, porém, podem animar o leitor. A crescente participação
da mulher no mercado de trabalho e a permanência dos jovens mais tempo na
escola são exemplos nítidos nesse sentido. No segundo caso, a conseqüência se
dá no nível da qualificação da mão-de-obra e, portanto, na melhor remuneração
e condições de trabalho do empregado, por um lado, e, por outro, no ajuste do
perfil dos trabalhadores à abertura ao comércio internacional das firmas, impondo
a estas últimas a implantação de processos de produção inovadores que requerem
mão-de-obra afinada com o uso de equipamentos mais sofisticados e modos de
produção mais avançados.
Em suma, tendo sido tomadas em consideração aqui as variáveis geográficas
(grandes regiões), etárias, de nível de instrução, gênero e setor de atividade, além
dos cortes por áreas metropolitanas e não-metropolitanas e por indivíduos chefes
ou não de domicílios, este capítulo procurou fornecer uma visão abrangente do
desempenho do mercado de trabalho no país nesses 12 anos estudados, por meio
da focalização dos seguintes tópicos pertinentes: oferta de trabalho; ocupação –
que exigiu o exame mais específico do setor industrial; desemprego; informalidade;
e rendimentos. O que se espera é que as informações e análises aqui apresentadas
possam contribuir não apenas para o conhecimento sobre o desempenho do mer-
cado de trabalho propriamente dito, mas também para, compondo o conjunto da
obra, subsidiar o leitor para o dimensionamento real da temática no Brasil de
hoje, inserido em um mundo globalizado.

REFERÊNCIAS
BONELLI, R., FONSECA, R. Ganhos de produtividade e de eficiência: novos resultados para a economia
brasileira, Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 28, n. 2, 1998.

CAMARGO, J. M. Informalidade e renda no mercado de trabalho. In: SEDLACEK, G., BARROS, R. Mercado
de trabalho e distribuição de renda: uma coletânea. Ipea, 1989.

ILO. International Labour Office. Employment, incomes and equality: a strategy for increasing productive
employment. Kenya. Genebra, 1972.

LEWIS, A. Economic development with unlimited supplies of labor. Manchester School of Economics
and Social Studies, 1954.

OI, W. Labour as a quasi-fixed factor. Journal of Political Economy, 1962.

RAMOS, L., FERREIRA, V. Geração de empregos e realocação espacial no mercado de trabalho brasileiro:
1992-2003. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 35, n. 1, 2005.

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 347


RAMOS, L., SOARES, S., AVILA, M. Avaliação geral dos resultados da Pnad 2004. Mercado de trabalho –
Conjuntura e Análise, n. 29, Ipea, Rio de Janeiro, 2005.
REZENDE, F., TAFNER, P. (eds.). Brasil: o estado de uma nação. Rio de Janeiro, Ipea, 2005.
SOARES, S. Distribuição de renda no Brasil de 1976 a 2004 com ênfase no período entre 2001 e 2004.
Ipea, Brasília 2006 (Texto para Discussão, 1.166).

ANEXO

TABELA A.1
Evolução do Nível e Composição do Emprego segundo Características Selecionadas

Ocupados

Crescimento (%)
1992 2002 2004
1992-2002 1992-2004

Total 61.229.427 74.854.800 78.693.978 22,3 28,5

Gênero

Homem 38.846.506 44.990.071 46.625.902 15,8 20,0

Mulher 22.382.921 29.864.729 32.068.076 33,4 43,3

Grupos de idade

10 a 14 anos 2.922.666 1.370.481 1.092.844 -53,1 -62,6

15 a 24 15.743.252 16.775.145 17.059.582 6,6 8,4

25 a 49 33.780.252 44.530.102 47.305.615 31,8 40,0

50 e + 8.779.449 12.168.100 13.232.058 38,6 50,7

Anos de estudo

0a3 21.752.874 16.707.815 15.482.466 -23,2 -28,8

4a7 19.767.558 21.463.084 21.132.616 8,6 6,9

8 a 10 7.682.645 12.307.837 13.645.758 60,2 77,6

11 e + 11.881.169 24.059.135 28.199.092 102,5 137,3

Posição no domicílio

Chefe 27.942.545 35.047.545 36.833.977 25,4 31,8

Outros moradores 33.286.882 39.807.255 41.860.001 19,6 25,8

Posição na ocupação

Trabalhador protegido 24.018.947 29.790.872 32.754.239 24,0 36,4

Trabalhador sem carteira de 14.400.413 19.158.070 19.928.674 33,0 38,4


trabalho assinada
(continua)

348 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


(continuação)

Ocupados

Crescimento (%)
1992 2002 2004
1992-2002 1992-2004

Conta-própria 14.137.357 17.570.905 18.015.385 24,3 27,4

Empregador 2.399.348 3.351.629 3.430.993 39,7 43,0

Trabalhador não-remunerado 6.247.580 4.974.701 4.562.824 -20,4 -27,0

Setor de atividade

Agricultura 14.912.835 12.701.417 12.791.789 -14,8 -14,2


Indústria 10.155.849 11.175.449 12.228.908 10,0 20,4
Construção 4.040.123 5.459.833 5.193.801 35,1 28,6

Comércio 9.696.806 13.416.719 14.403.410 38,4 48,5


Administração pública 3.107.686 3.869.051 4.172.773 24,5 34,3
Serviços 11.292.613 16.226.467 17.164.108 43,7 52,0

Outras atividades 7.798.814 11.805.520 12.518.851 51,4 60,5


Desocupados
Total 4.747.770 8.195.453 8.471.406 72,6 78,4

Gênero
Homem 2.459.506 3.819.651 3.719.741 55,3 51,2
Mulher 2.288.264 4.375.802 4.751.665 91,2 107,7

Grupos de idade
10 a 14 anos 344.023 239.393 184.944 -30,4 -46,2
15 a 24 2.279.733 3.912.004 4.084.720 71,6 79,2

25 a 49 1.906.795 3.501.109 3.666.111 83,6 92,3


50 e + 217.219 542.947 535.631 150,0 146,6
Anos de estudo

0a3 1.145.565 1.199.222 1.080.942 4,7 -5,6


4a7 1.931.378 2.494.920 2.288.282 29,2 18,5
8 a 10 878.834 2.051.845 2.270.911 133,5 158,4

11 e + 770.681 2.396.115 2.785.093 210,9 261,4


Posição no domicílio
Chefe 973.864 1.731.244 1.728.859 77,8 77,5

Outros moradores 3.773.906 6.464.209 6.742.547 71,3 78,7


Fonte: IBGE/Pnad.

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 349


TABELA A.2
Pessoas Ocupadas por Posição na Ocupação
[em milhões]

Crescimento (% a.a.)
1992 2001 2004
1992-2001 2001-2004

PIA 113,30 138,84 147,20 2,3 2,0

PEA 69,71 83,95 91,04 2,1 2,7

Taxa de participação 61,5 60,5 61,8 -0,2 0,7

Taxa de desemprego 6,5 9,4 9,0 4,1 -1,3

Ocupação total 65,40 78,96 82,82 2,1 1,6

Empregado e trabalhador domésticos 38,58 47,23 52,68 2,3 3,7

Com carteira de trabalho assinada 20,12 23,93 27,22 1,9 4,4

Militares e estatutários 3,97 4,91 5,53 2,4 4,0

Outros sem carteira de trabalho assinada 14,46 18,39 19,93 2,7 2,7

Empregado 34,22 41,29 46,27 2,1 3,9

Com carteira de trabalho assinada 19,36 22,38 25,56 1,6 4,5

Militares e estatutários 3,97 4,91 5,53 2,4 4,0

Outros sem carteira de trabalho assinada 10,87 13,99 15,18 2,8 2,7

Trabalhador doméstico 4,36 5,94 6,42 3,5 2,6

Com carteira de trabalho assinada 0,76 1,55 1,66 8,2 2,4

Sem carteira de trabalho assinada 3,59 4,39 4,75 2,3 2,7

Conta-própria 14,20 16,97 18,02 2,0 2,0

Empregador 2,41 3,21 3,43 3,3 2,2

Não-remunerado 6,85 5,63 5,41 -2,2 -1,3

Trabalhador na produção para o próprio consumo 3,21 2,90 3,18 -1,1 3,1

Trabalhador na construção para o próprio uso 0,16 0,15 0,10 -0,5 -12,6
Fonte: IBGE/Pnad.

350 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA A.3
Rendimento Médio do Trabalho Principal por Sexo e Escolaridade
[em R$ de setembro de 2004]

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004

Total
Brasil 592 616 754 789 782 777 718 723 703 658 662

Metropolitano 891 916 1.121 1.165 1.160 1.165 1.044 979 979 892 885
Não-metropolitano 472 488 592 622 617 610 579 576 576 553 562
Mulheres

Brasil 404 409 525 575 566 575 540 553 542 504 512
Metropolitano 624 632 783 856 860 854 803 781 767 697 704
Não-metropolitano 301 302 397 434 423 437 415 435 427 406 416

Homens
Brasil 701 738 893 918 912 901 829 834 809 761 765
Metropolitano 1.031 1.104 1.358 1.380 1.367 1.386 1.217 1.191 1.140 1.042 1.028
Não-metropolitano 567 591 704 739 728 709 676 684 670 645 657
0 a 3 anos de estudo
Brasil 266 263 314 336 324 314 292 301 291 281 285

Metropolitano 424 403 497 559 547 513 465 439 416 382 375
Não-metropolitano 233 235 277 291 278 276 260 272 265 260 266
4 a 7 anos de estudo

Brasil 450 449 535 550 526 510 477 456 442 413 420
Metropolitano 552 542 670 692 657 640 588 545 532 484 487
Não-metropolitano 405 409 475 492 475 459 435 421 408 387 396

8 a 10 anos de estudo
Brasil 652 636 751 761 743 702 632 600 554 510 496
Metropolitano 737 706 854 872 865 809 734 678 633 576 546
Não-metropolitano 594 588 679 686 664 634 569 553 507 475 470
11 ou + anos de estudo
Brasil 1.383 1.481 1.758 1.723 1.708 1.668 1.502 1.394 1.309 1.169 1.140

Metropolitano 1.630 1.771 2.119 2.072 2.051 2.044 1.798 1.684 1.564 1.372 1.339
Não-metropolitano 1.182 1.240 1.468 1.443 1.441 1.380 1.285 1.182 1.123 1.026 1.002
Fonte: IBGE/Pnad.

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 351


NOTAS
1. Pelo artigo 403 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com redação dada pela Lei 10.097, de 2000,
o trabalho de menores de 16 anos é proibido, salvo em condição de “menor aprendiz”, a partir dos 14
anos de idade, ressaltando que as condições de trabalho não podem prejudicar nem o seu
desenvolvimento, nem a sua freqüência escolar. As pesquisas domiciliares do IBGE, porém, investigam
e publicam os resultados considerando como PIA a população a partir dos dez anos de idade. Por que
isso? Apesar dos progressos em tempos recentes (Quadro 4 adiante), o trabalho infantil ainda faz parte
do complexo de chagas sociais que o desenvolvimento econômico no país não conseguiu debelar
completamente. Pode parecer paradoxal que o mesmo Estado que proíbe o trabalho infantil e torna
compulsório o acesso universal à escola tenha um dos seus mais importantes órgãos de pesquisa
investigando o trabalho infantil, ao mesmo tempo em que o governo promove programas do tipo do
Bolsa Escola para desestimular o trabalho do menor. Assim como a admissão do setor informal auxilia
a compreensão do sistema econômico na íntegra, e não apenas do setor formal, a admissão do trabalho
infantil como realidade de fato permite estudos e análises mais condizentes com a realidade do mercado
de trabalho brasileiro. Em muitos países se consideram as idades de 65 ou 70 anos como limites
superiores da PIA. No caso das estatísticas brasileiras, não há limite superior.
2. Esses números não incluem as áreas rurais da região Norte, com exceção de Tocantins, que até 2003
não eram investigadas pela Pnad. Incluídas essas áreas, os totais seriam de 149,8 milhões e 182,1
milhões, respectivamente.
3. A desconsideração do trabalho para autoconsumo e da construção para fins próprios como ocupação
altera, é claro, a distribuição espacial em um instante de tempo qualquer, pois penaliza as áreas rurais,
nas quais essas atividades tendem a ser mais importantes. Não há razão, todavia, para que esse
procedimento introduza viés no que tange a mudanças ao longo do tempo. De modo similar, as definições
utilizadas para ocupação e desocupação tendem a elevar a taxa de desemprego em um determinado
instante, mas não afetam a natureza das variações dessa taxa no tempo. Para maiores detalhes a
respeito, ver Ramos e Ferreira (2004).
4. Doravante a PEA efetiva será chamada aqui simplesmente de PEA, por questões de simplicidade.
5. Ver Quadro 6 para diferentes conceitos e definições da taxa de desemprego.
6. De qualquer maneira, o mais importante é a direção da trajetória, que não é afetada por essa escolha.
7. Cabe destacar que, apesar de as taxas de desemprego serem idênticas em 1999 e 2004, o diagrama
indica que nesse ínterim houve uma melhora apreciável do estado das artes no mercado de trabalho.
8. Para maior compreensão do processo, ver o Capítulo 8 (Juventude no Brasil) da edição anterior desta
série [Rezende e Tafner (2005)].
9. É importante frisar que esses números são gerados a partir das próprias Pnads para as seis regiões da
PME.
10. Registre-se novamente que esses valores são obtidos a partir da Pnad, considerando o universo da PME.
11. Ver quadro geral sobre o mercado de trabalho em 2004 no final da Seção 2.
12. É verdade que parte desse maior peso da mão-de-obra qualificada se deve a práticas de terceirização
das atividades mais corriqueiras por meio da contratação de firmas prestadoras de serviços, que
tendem a ser de menor porte e nas quais, plausivelmente, a incidência de práticas informais é maior.
Com isso são evitados custos relacionados à carga tributária e a inflexibilidades introduzidas pelas
normas e legislação trabalhistas, conforme analisado neste livro no Capítulo 4.
13. É importante destacar que a informalidade metropolitana, de acordo com as informações da PME,
caiu ao longo de 2005 e início de 2006, o que torna lícito esperar uma queda mais apreciável no
plano nacional em 2005.

352 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


14. É claro que há uma certa tautologia aqui, o que, todavia, não invalida o cerne do argumento.
15. Enfocaremos aqui os rendimentos do trabalho principal, mas cabe ressaltar que comportamento e
variações observados para o rendimento de todos os trabalhos foram bastante similares.
16. Esse talvez seja o indicador agregado para o qual a inexistência da Pnad em 1994 mais se faça sentir.
17. Cumpre lembrar que esse é o diferencial bruto, sem levar em conta, por exemplo, o fato de as mulheres
estarem sobrepujando os homens em nível de instrução, o que torna a situação ainda mais díspar.

O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro z 353


6 Tecnologia, Exportações e Emprego
6 Tecnologia, Exportações e Emprego

1. INTRODUÇÃO

Os últimos anos foram palco de importantes transformações no funcionamento


do mercado de trabalho no Brasil. Algumas modificações pelas quais passou a
estrutura produtiva brasileira tiveram importantes conseqüências sobre esse mer-
cado, originando novos desafios para a geração de emprego no país, muitos deles
analisados no Capítulo 5 deste livro.
Uma dessas modificações foi o expressivo processo de abertura da economia
brasileira no início dos anos 1990, processo esse que continua acontecendo gra-
dualmente, por meio da ampliação cada vez maior da participação dos fluxos de
comércio exterior no Produto Interno Bruto (PIB). Embora possivelmente os prin-
cipais efeitos da abertura sobre o emprego já se tenham esgotado, não há dúvida
sobre sua relevância na reestruturação das atividades econômicas do país. A
maior exposição à concorrência internacional, aliada aos requisitos de compe-
titividade necessários para ganhar novos mercados, resultou na perda de impor-
tância de algumas atividades menos competitivas na estrutura produtiva brasileira,
assim como no aumento da participação de outras atividades. Todo esse processo
trouxe modificações, é claro, na forma como se distribui e se organiza o emprego
no Brasil.
Outro elemento fundamental em relação aos seus possíveis impactos sobre o
mercado de trabalho é a incorporação de novas tecnologias aos processos produ-
tivos. No Brasil, assim como no exterior, a tecnologia e a inovação têm modifica-
do constantemente velhos padrões de organização da produção, criado novas
formas de produzir os mesmos produtos, ou mesmo novos produtos antes
inexistentes. As inovações tecnológicas, especialmente as inovações nos processos
produtivos, costumam substituir o trabalho, em particular o trabalho menos qua-
lificado. Além disso, a existência de mão-de-obra mais qualificada e capaz de
auxiliar nos processos de criação e modernização tecnológica pode contribuir
para a ampliação da capacidade de inovação e da competitividade da economia.
Como conseqüência da abertura e da modernização tecnológica, a economia
Produtividade, brasileira tem experimentado ganhos substanciais de produtividade nos últimos
em termos gerais, está
relacionada com anos. Esses ganhos de produtividade, ao mesmo tempo em que ampliam a eficiência
eficiência e diz respeito à produtiva da economia e a demanda agregada no longo prazo, também fazem
quantidade de produto
obtida com a utilização de
com que o mesmo volume de produção requeira um número menor de trabalha-
determinados recursos dores. Nesse sentido, é muito provável que o crescimento de alguns setores crie,
produtivos ou fatores de
hoje, menos empregos do que criaria há alguns anos.
produção, como
funcionários, máquinas e
equipamentos e demais
Dadas essas questões, o objetivo deste capítulo é analisar as principais mu-
insumos. Neste capítulo, danças ocorridas no mercado de trabalho a partir das características dos traba-
estamos tratando da lhadores ocupados com carteira assinada e dos seus respectivos empregadores.
produtividade do trabalho,
que representa a Busca-se também observar como as mudanças ocorridas na estrutura produtiva
quantidade de produto, brasileira modificaram o comportamento das empresas, melhor dizendo, daqueles
medida em valores
monetários, produzida por que demandam mão-de-obra na economia.1
trabalhador. Para chegar
ao valor da produtividade Sendo assim, em primeiro lugar procura-se saber onde estão e como são os
de uma empresa, levamos empregos formais gerados atualmente na economia brasileira. Quais foram os
em consideração o valor
da produção da empresa setores e as atividades econômicas que mais ganharam espaço nos últimos
descontado de tudo que anos? Quais são as firmas que mais empregam mão-de-obra e que mais têm
foi gasto em matérias-
primas, peças, componen-
gerado novos postos de trabalho? Como se diferenciam as firmas exportadoras
tes e serviços de terceiros das não- exportadoras em termos de número e características dos seus funcio-
– o que chamamos de
nários? As empresas inovadoras e mais avançadas tecnologicamente demandam
valor adicionado. A
produtividade é, portanto, trabalhadores diferentes das demais firmas brasileiras?
o valor adicionado pela
firma dividido pelo Em segundo lugar, pretende-se aqui também avaliar algumas características
número de trabalhadores. relacionadas com a qualidade do emprego gerado nessas firmas. Que tipo de
firma oferece melhores salários e mais benefícios aos seus funcionários? E por
quê?
Por fim, e esta é uma das questões centrais do capítulo, examina-se o papel
que exercem a qualificação da mão-de-obra, a acumulação de capital humano
(sobre o assunto, ver Capítulo 3) e o aprendizado tecnológico no desempenho
competitivo das empresas e, conseqüentemente, do país.

2. ONDE ESTÃO OS EMPREGOS?

O Brasil tem 91 milhões de pessoas economicamente ativas, das quais 84,6 milhões
estavam trabalhando em 2004.2 Desse universo, cerca de 30,7 milhões de pessoas
possuem carteira assinada e trabalham em 1,9 milhão de empresas. Destas, mais

358 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


de 15 mil são exportadoras – a maior parte delas concentradas na indústria –, e
mais de 5 mil são estrangeiras – também em sua maior parte circunscritas na
indústria, mas com uma elevada participação nos serviços e no comércio.
O setor de serviços detém a maior parte dos empregos, absorvendo cerca de
47% da população ocupada e 61% dos trabalhadores com carteira assinada. A
agricultura é o segundo maior setor em termos de ocupação total, respondendo
por 21% da população ocupada. Entretanto, nesse setor, o número de pessoas
com carteira assinada é bastante reduzido: aproximadamente 1,2 milhão em um
universo de 17,7 milhões de trabalhadores. Isso representa cerca de 4% do total
do emprego com carteira no Brasil. Por fim, tem-se a indústria e o comércio,
absorvendo, respectivamente, cerca de 19% e 16% do total de empregos com
carteira assinada no país.3
Na última década, o emprego com carteira cresceu cerca de 28%, o que
representa mais de 6 milhões de novos empregos formais, 5 milhões deles gerados
a partir do ano 2000, quando começou a se reverter a tendência anterior de baixo
crescimento do emprego. Substancialmente, esses números mostram um processo
de recuperação da atividade econômica após o ano 2000.
Os setores de serviços e de comércio foram os maiores responsáveis pelos
novos empregos na última década, apresentando um aumento de 60% e 30% no
número de empregos formais, respectivamente, o que fez com que eles ampliassem
sua participação na estrutura produtiva brasileira. Esse ganho é natural em países

TABELA 1
Brasil: População Ocupada Total e com Carteira Assinada – 2004
a
Setor Agricultura Comércio Indústria Serviços Total

População ocupada total 17.733.835 14.653.228 12.402.692 39.806.539 84.596.294

(%) 21 17 15 47 100

População ocupada com carteira assinada 1.246.061 4.962.189 5.816.189 18.745.471 30.769.910

(%) 4 16 19 61 100

Grau de formalização (%) 7 34 47 47 36

Número de empresas 22.910 934.116 251.843 750.383 1.959.252


b
Número de empresas exportadoras 402 3.288 10.849 1.635 15.129

Número de empresas multinacionais 142 1.137 2.016 1.736 5.031


Fontes: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), MDIC/Secex, Bacen/Censo de Capitais Estrangeiros no Brasil (CEB)
MTE/Relação Anual de Informações Sociais (Rais).
a
Inclui administração pública.
b
Dessas, 963 são empresas exportadoras de bens (que podem ou não exportar serviços), enquanto as 672 restantes são empresas
exportadoras exclusivamente de serviços, como os de consultoria, engenharia e software.

Tecnologia, exportação e emprego z 359


em processo de desenvolvimento, como o Brasil. É um fato característico das econo-
mias desenvolvidas a maior participação do setor de serviços em detrimento da
indústria e da agricultura: nos Estados Unidos, por exemplo, o setor responde por
80% do emprego. Isso reflete maior complexidade da estrutura produtiva, na
qual, crescentemente, os serviços adquirem importância como atividade de su-
porte à produção industrial. No caso brasileiro, a maior exposição à concorrência
internacional impeliu as firmas industriais a um processo intenso de reestruturação
produtiva, muitas vezes caracterizada pela terceirização de atividades antes de-
senvolvidas dentro da própria firma. Atividades como serviços de limpeza e ma-
nutenção, ou mesmo marketing e comercialização, vão sendo, paulatinamente,
realizadas por empresas especializadas, e não mais pela empresa industrial.
Segundo a Pesquisa Anual de Serviços (PAS)4 do IBGE, as atividades que mais
empregam dentro do setor são as de limpeza, com 9% do emprego, e as lancho-
netes e os restaurantes, com 8% cada um. Esses números indicam que essas ativi-
dades são importantes na criação de emprego e renda para uma parcela significativa
da população. Mas vale lembrar, entretanto, que existem ocupações no setor de
serviços mais intensivas em tecnologias e muito importantes do ponto de vista
da eficiência da economia. Aquelas em empresas especializadas na prestação de
serviços para outras empresas, como de telecomunicações e de transporte, são
exemplos de ocupações de maior dinamismo tecnológico.
Na agricultura, os empregos com carteira cresceram 29% nos últimos dez
anos, sendo que o crescimento mais forte se deu após 2001. A evolução do em-
prego agrícola na década reflete dois movimentos distintos. Por um lado, existe
um processo de mecanização da produção, aliado à introdução de tecnologias
poupadoras de mão-de-obra e à difusão de técnicas de produção e manejo inten-
sivas em capital, sobretudo nas culturas vinculadas aos mercados internacionais,
como soja, algodão e cana-de-açúcar. Esses fenômenos tendem a aumentar o
tamanho médio das propriedades e a produtividade da mão-de-obra, o que tem
como conseqüência menor demanda por trabalhadores.
Por outro lado, há um movimento de expansão da fronteira agrícola, especial-
mente nas regiões Centro-Oeste e Norte, muito concentrado em culturas voltadas
para o mercado externo, como soja e algodão no Centro-Oeste, por exemplo.
Essas culturas se beneficiaram, no início desta década, de uma conjuntura de
preços internacionais elevados, o que ampliou a sua rentabilidade e, provavel-
mente, incentivou novos investimentos e a ocupação de novas áreas. Esses últimos
fatores contribuíram para o aumento, entre 2001 e 2004, do nível de ocupação da
mão-de-obra nas atividades agrícolas, com e sem carteira assinada.

360 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 1

Esse movimento recente superou a tendência histórica, já comentada aqui,


de redução da mão-de-obra ocupada nessas atividades por conta de desdobramen-
tos da modernização da produção.
No meio rural, a mão-de-obra é ocupada em atividades agrícolas e não-
agrícolas. Cerca de 75% da população rural brasileira encontram-se ocupados
Atividade (ou ocupação)
em atividades tipicamente agrícolas, e esse percentual manteve-se estável na rural não-agrícola é
última década [Ferreira et alii (2006)]. aquela exercida por
pessoas residentes na
Já no que tange à evolução do emprego industrial, este foi o que menos área rural em atividades
fora da agricultura, sejam
cresceu no Brasil durante a última década: apenas 8%. Observa-se nos últimos elas desenvolvidas na área
anos, porém, uma modificação na tendência que predominou na segunda metade rural ou na urbana. Isso
porque o fato de as
dos anos 1990.
pessoas residirem no meio
rural não significa que lá
O emprego industrial com carteira assinada caiu mais de 13% entre 1995 e
também exerçam suas
1999, e caiu persistentemente em todos os anos desse período. Essa redução do atividades. Assim, um
emprego na indústria esteve associada, em grande medida, aos processos de pedreiro ou uma
empregada doméstica que
reestruturação produtiva, fortemente baseados em redução de pessoal ocupado, e declare residir no meio
que tiveram como conseqüência substanciais aumentos de produtividade durante a rural pode perfeitamente
ter o seu local de trabalho
década. Não deve ser negligenciada, nesse processo, a modernização proveniente no centro urbano
das novas tecnologias e os seus impactos sobre a demanda de mão-de-obra. Uma próximo. Por contraste, as
atividades agrícolas são
parte importante dos investimentos realizados na modernização das empresas, prin- aquelas desenvolvidas
cipalmente aqueles voltados para compra de máquinas e equipamentos, é poupa- pelos residentes rurais em
atividades da agricultura,
dora de mão-de-obra, principalmente de mão-de-obra pouco qualificada. no sentido amplo da
palavra, ou seja,
A partir de 2000, entretanto, o emprego industrial voltou a crescer, eviden- agricultura, silvicultura,
ciando tanto o esgotamento do processo de reestruturação produtiva via redução pecuária, caça e
de pessoal ocupado como, e talvez mais importante, o crescimento refletido pelo piscicultura.

Tecnologia, exportação e emprego z 361


boom exportador que se seguiu à desvalorização cambial, especialmente nos úl-
timos três anos, e que favoreceu o crescimento da produção e do emprego no
setor: destaque-se que em 2004 o emprego com carteira assinada na indústria
brasileira cresceu 7%.
A despeito desse recente crescimento, a manutenção, durante boa parte dos
anos 1990 e início desta década, de taxas de desemprego em níveis persistente-
Complexo industrial pode mente elevados levou alguns analistas a questionar a capacidade da estrutura
ser definido como um produtiva brasileira para gerar novos postos de trabalho. A hipótese aventada na
conjunto de setores e
atividades produtivas que época era que havia se reduzido o impacto potencial que o crescimento da produção
são fortemente inter- poderia ter sobre o emprego. Em outras palavras, se isso fosse verdade, a economia
relacionadas umas com as
outras. Assim, no
brasileira, e particularmente a indústria, teria de crescer mais do que antes para
complexo agroindustrial gerar o mesmo número de empregos.
estão incluídas desde as
atividades agrícolas e Para avaliar essa questão, estudo recente do Ipea [Bahia (2006)] analisou os
pecuárias até as
atividades industriais –
cinco complexos industriais brasileiros responsáveis por 44% do emprego – formal
como a fabricação de ou informal – gerados no país e por 42% do PIB brasileiro. São eles: a) o complexo
alimentos – que agroindustrial; b) o da construção; c) o metal-mecânico; d) o químico; e e) o têxtil.
processam as matérias-
primas produzidas pelo
setor agropecuário.
O complexo metal-
mecânico compreende a
TABELA 2
fabricação de materiais de
Participação dos Complexos Industriais no Emprego e no Produto – 1997 a 2003
transporte (incluindo [em %]
aviões e automóveis, por
exemplo), máquinas e Complexo 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
equipamentos, aparelhos
elétricos e eletrônicos, Participação no emprego
bem como os setores de
metalurgia e siderurgia. Agroindustrial 26,03 25,07 26,10 23,75 21,92 21,83 21,71
No complexo de
Construção 8,96 8,96 8,56 8,56 8,53 8,55 7,92
construção estão a
construção civil, Metal-mecânico 3,92 3,84 3,55 3,95 4,05 3,93 4,08
propriamente dita, e os
setores produtores de Químico 6,97 6,94 6,91 6,91 6,91 6,88 6,89
materiais para a
construção, como o de Têxtil 3,34 3,25 3,24 3,57 3,63 3,58 3,42
minerais não-metálicos
(cerâmica, cimento etc.) e Participação no PIB
madeira. A fabricação de
Agroindustrial 12,57 12,54 13,26 13,23 13,40 13,67 15,07
vestuário, tecidos e
calçados compõe o Construção 11,53 11,64 11,15 10,62 10,15 9,66 9,03
complexo têxtil.
Finalmente, o complexo Metal-mecânico 7,37 6,46 6,22 7,46 7,35 7,36 7,71
químico compreende,
além da fabricação de Químico 5,25 5,48 6,33 7,07 7,65 8,38 9,53
produtos químicos e
farmacêuticos, a Têxtil 1,29 1,19 1,22 1,52 1,36 1,35 1,09
petroquímica. Fonte: Bahia (2006).

362 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Alguns desses complexos produtivos, tradicionalmente caracterizados pelo
uso intensivo de mão-de-obra, reduziram a sua participação no PIB brasileiro
nos últimos anos. O complexo da construção, por exemplo, era responsável por
11,53% do PIB em 1997 e passou a ter uma representação de pouco mais de 9%
em 2003. Da mesma forma, a participação desse complexo produtivo no emprego
total do país se reduziu de 9% para 8% no mesmo período. O complexo têxtil
também viu reduzida a sua participação, de 1,29% para 1,09% do PIB entre 1997
e 2003, embora tenha mantido sua participação no emprego total relativamente
constante.
Vendas finais:
Por sua vez, o complexo agroindustrial, responsável por 22% do emprego para compreender o
brasileiro, ampliou sua participação no PIB de 12,6% para 15,1% no mesmo conceito é preciso
entender a diferença
período. Apesar desse crescimento, sua participação no emprego vem declinando entre bens finais e bens
consistentemente desde 1997, o que pode significar que o setor vem ganhando intermediários. Em termos
simplificados, os bens
produtividade e incorporando progresso técnico de forma relativamente mais finais são aqueles que
profunda do que o restante da economia. servem diretamente ao
consumo enquanto os
As simulações realizadas no estudo do Ipea mostram que, atualmente, para bens intermediários são
cada crescimento de 1% nas vendas finais da indústria, há um aumento do em- matérias-primas, peças e
componentes utilizados
prego total no país de 0,18%.5 É interessante observar que esse mesmo cresci- na fabricação de outros
mento das vendas em 1996 ocasionaria um aumento de 0,28% no emprego. Dito bens. Os automóveis, por
exemplo, representam um
de outra forma, o mesmo crescimento das vendas geraria 222 mil novos empregos tipo de bem final
em 1996 e cerca de 142,5 mil novos empregos no período atual, ou seja, 35,8% produzido pelo complexo
metal-mecânico, enquan-
menos postos de trabalho do que eram gerados há quase dez anos. to o aço, produzido pela
siderurgia, é um bem
O Gráfico 2 mostra o impacto do crescimento de cada complexo industrial intermediário do mesmo
no emprego, isoladamente. O crescimento das vendas de todos eles, exceto o complexo industrial. Nas
simulações realizadas pelo
estudo, o aumento de 1%
nas vendas considera
GRÁFICO 2 apenas as vendas de bens
finais. Isso não significa
que não se considere o
aumento nas vendas de
produtos intermediários,
mas sim, que esse
aumento pode ser menor
do que o que se observa
nas vendas finais.
Utilizando novamente o
exemplo do complexo
metal-mecânico, um
aumento de 1% nas
vendas de automóveis
implica maior consumo de
aço, mas o aumento nas
vendas de aço pode ser
menor do que 1%.

Tecnologia, exportação e emprego z 363


químico, tem hoje um impacto menor sobre o emprego do que teria em 1996. O
complexo agroindustrial parece ser aquele no qual a relação entre crescimento
do produto e crescimento do emprego mais diminuiu: em 1996, um crescimento
de 1% da agroindústria geraria um crescimento de 0,12% no emprego total do
país. Hoje, esse mesmo crescimento da produção agroindustrial aumentaria o
emprego total do país tão-somente em 0,05%.
Em função de o complexo agroindustrial ser o mais representativo de todos
em termos de emprego, conforme acabou de ser visto aqui, a mudança observada
na relação entre crescimento do produto e crescimento do emprego para o con-
junto dos complexos industriais está sendo fortemente influenciada por aquele
complexo produtivo. De fato, se retirado o complexo agroindustrial da análise, o
crescimento de 1% nas vendas finais de todos os demais complexos geraria um
aumento de 0,17% no emprego em 1996 e de 0,13% no emprego em 2003. Ainda
assim, a relação entre produto e emprego na economia brasileira apresenta uma
redução, embora menor do que quando considerado o complexo agroindustrial,
o que aponta para a necessidade de um maior crescimento do produto a fim de
alcançar o mesmo crescimento do emprego.
Finalmente, do ponto de vista da localização regional do emprego, ressalte-se
que uma das características mais marcantes da estrutura produtiva brasileira é a
expressiva concentração regional das atividades produtivas, especialmente as in-
dustriais. Mais da metade do emprego formal no Brasil se encontra na região Su-
deste. Essa concentração das atividades econômicas, se por um lado pode gerar
ganhos de produtividade, como será visto adiante, por outro é um dos grandes
dilemas da economia brasileira. Assim como a produção, o emprego também é
extremamente concentrado na região, conforme se pode depreender do Gráfico 3.
No meio rural, contudo, a maior parte dos trabalhadores (formais e infor-
mais) está localizada no Nordeste: 47% das pessoas ocupadas em atividades tipi-
camente agrícolas e 35% em atividades não-agrícolas. Além disso, cerca de 46%
da população rural brasileira estão no Nordeste [Ferreira et alii (2006)]. Esses
números evidenciam a elevada concentração da população rural justamente em
uma região na qual as relações de trabalho nesse meio são marcadas pelo alto
grau de informalidade.
A despeito da concentração na região Sudeste, a evolução da distribuição
do emprego nos últimos anos mostra novas tendências. A primeira tendência
marcante é o fato de que as regiões em que houve um maior incremento do
emprego formal no país foram a Norte e a Centro-Oeste. Nelas o emprego cresceu
62% e 60% na última década, respectivamente. Esse crescimento foi fortemente
impulsionado pelo aumento do emprego agrícola, processo esse, por sua vez,

364 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 3

derivado da expansão da fronteira agrícola em direção a essas regiões. Como


conseqüência natural da expansão agrícola, observa-se também forte crescimento
do comércio nessas mesmas regiões.
Outro fato novo na evolução do emprego nos últimos anos é a redução da
importância do Sudeste na produção e no emprego industrial. Muitos estudos já
mostraram um processo que se convencionou chamar de relocalização industrial.
Esse processo nada mais é do que a migração de empresas industriais da região
Sudeste para as outras regiões brasileiras, claramente perceptível a partir da re-
dução de 6% do emprego industrial na região na última década. A explicação
fundamental para esse deslocamento regional é o fato de que, até certo ponto, a
concentração das atividades industriais é benéfica para a produtividade das em-
presas. Porém, quando essa elevada concentração passa a representar custos

TABELA 3
Taxas de Crescimento do Emprego nos Setores e Regiões Brasileiras entre 1995 e 2004
[em %]

Região/setor Agricultura Comércio Indústria Serviços Total

Centro-Oeste 103 112 65 48 60

Nordeste 27 74 30 36 37

Norte 101 141 50 55 62

Sudeste 25 48 -6 23 18

Sul 2 60 28 31 32

Total 29 60 8 30 28
Fonte: MTE/Rais.

Tecnologia, exportação e emprego z 365


maiores, seja de mão-de-obra ou de serviços relacionados à produção, a mesma
concentração deixa de ser benéfica.6 Assim, as empresas industriais têm migrado
para outras regiões em busca de custos de produção menores e, por vezes, de
incentivos fiscais de outros estados.

3. COMÉRCIO EXTERIOR, TECNOLOGIA E GERAÇÃO DE EMPREGOS

Sabe-se que o comércio exterior e a tecnologia têm efeitos diretos e indiretos


sobre o volume e a qualidade do emprego. Boa parte dos fenômenos que foram
constatados na seção anterior se deve a esses dois fatores.
O maior grau de internacionalização da economia brasileira pode ser con-
Grau de siderado como uma das causas para as transformações no mercado de trabalho
internacionalização no período recente. De fato, a economia brasileira era, até a década de 1980,
representa o quanto uma
economia está ou não bastante fechada ao comércio internacional, e vivenciou um rápido processo de
aberta aos fluxos abertura, cujo impacto no mercado de trabalho não foi desprezível (Quadro 1).
internacionais de
comércio. É medido como Na primeira metade da década de 1990 o emprego na economia brasileira
a participação dos fluxos
de comércio (ou seja, da foi afetado, também, pela instabilidade política e macroeconômica. Não é trivial,
soma das exportações portanto, afirmar que a abertura da economia tenha sido a única responsável
mais importações) no PIB
do país.
pela queda no nível de emprego na economia,7 apesar de a valorização do real na
segunda metade da década de 1990 ter amplificado os impactos negativos da
abertura sobre o mercado de trabalho. Após mais de uma década do início desse
processo, os efeitos negativos sobre o emprego já não são sentidos com a inten-
sidade inicial, e a estrutura produtiva na qual ele resultou – mais internacionaliza-
da e, nessa medida, também mais competitiva – pode ser promissora em termos
de outras fontes de dinamismo e de crescimento do emprego.
Uma dessas fontes de dinamismo, a propósito, está relacionada com as ex-
portações. Hoje, uma boa parte das empresas brasileiras está, de alguma forma,
inserida no mercado internacional e é responsável por uma parcela considerável
do emprego na economia brasileira. Nas firmas exportadoras contínuas, que são
aquelas que exportaram ininterruptamente entre 2000 e 2004, trabalha um em
cada dez trabalhadores brasileiros. Se tomadas em consideração também as em-
presas que entraram e saíram do mercado externo no período, elas empregam um
em cada oito trabalhadores do país.
Quanto às suas características, sabe-se que as empresas exportadoras são
mais produtivas do que as firmas que não exportam, isto é, geram mais valor
agregado para um mesmo número de trabalhadores. Sabe-se também que essa
maior produtividade é um dos fatores que faz com que a firma possa entrar no

366 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


QUADRO 1
Quais Foram os Efeitos da Abertura Comercial sobre o Emprego?
O processo de abertura comercial do Brasil teve início no final da década de 1980 com o fim
das medidas que tornavam as importações proibitivas. No início da década seguinte começou
a ser implementado o cronograma de redução das alíquotas do imposto de importação. O au-
mento mais expressivo das importações foi impulsionado com a valorização da taxa de câmbio,
em meados da mesma década. A maior penetração dos bens importados fez com que muitas
empresas menos eficientes e de menor capacidade competitiva se retirassem do mercado, o
que, é claro, afetou o nível de emprego da economia.
No início do processo de abertura, as principais características do esforço do setor produ-
tivo brasileiro para reduzir custos e permanecer num mercado mais competitivo foram a redu-
ção do pessoal ocupado e a terceirização de atividades antes desenvolvidas na própria empresa.
O resultado foi uma queda significativa do número de trabalhadores ocupados, especialmente
nas atividades industriais.
Uma outra fonte de perdas de emprego derivada da abertura comercial foi o acesso a
importações de insumos, máquinas e equipamentos utilizados pelas empresas, os quais, impor-
tados, além de serem mais baratos, de modo geral possuíam tecnologia mais avançada, neces-
sitando menos trabalho para produzir os mesmos bens. Evidentemente, a modernização das
técnicas de produção possibilitada pela importação desses equipamentos teria, e de fato teve,
impactos negativos no nível de emprego, embora esse mesmo processo também possa gerar
outros tipos de emprego – em serviços de apoio à produção, por exemplo.
Esperava-se, entretanto, que o impacto negativo no emprego fosse temporário e que, no
longo prazo, o efeito se invertesse. A razão para isso estava no fato de o Brasil ser um país com
abundância de mão-de-obra e recursos naturais. Em virtude disso, poderia produzir bens in-
tensivos em mão-de-obra de forma mais barata do que outros países, aproveitando os seus
menores salários vis-à-vis os do mundo desenvolvido. Conseqüentemente, no longo prazo, as
atividades nas quais o país se especializaria no comércio mundial e que sobreviveriam ao pro-
cesso de abertura seriam justamente aquelas que precisam de mais mão-de-obra, contribuindo
para a ampliação do nível de emprego.
Passada mais de uma década do início do processo de abertura, sabe-se que ela gerou
perdas de emprego devidas a dois fatores [Soares, Servo e Arbache (2001)]. Em primeiro lugar,
a concorrência direta com os produtos importados realmente retirou do mercado brasileiro
alguns produtores menos competitivos. Entretanto, o efeito mais importante parece mesmo ter
sido o efeito indireto relacionado aos aumentos de produtividade, que ampliaram o valor (ou a
quantidade de produto) produzido por trabalhador. O acesso a insumos e equipamentos im-
portados mais baratos e avançados, bem como o esforço das firmas brasileiras para reduzir seus
custos de produção foram os grandes responsáveis por esse processo.
Apesar dos impactos negativos em termos de emprego, esses ganhos de produtividade
contribuíram para aumentar a eficiência do setor produtivo doméstico. Hoje, pode-se dizer
que o país tem demonstrado capacidade de inserção internacional em setores intensivos em
escala e tecnologia, além dos setores tradicionais. Desse ponto de vista, pode-se ampliar a
capacidade de geração de emprego em segmentos de mercado tradicionalmente dominados
pelos países desenvolvidos.

Tecnologia, exportação e emprego z 367


mercado internacional, ou seja, as firmas mais produtivas têm maiores chances
de exportar do que as menos produtivas. Entretanto, também pode haver o efeito
inverso, qual seja, que a entrada da firma no mercado internacional contribua
para aumentar a sua produtividade.
Isso pode acontecer por vários motivos relacionados com o aprendizado da
empresa quando ela começa a exportar. A exposição da empresa ao mercado
internacional e as exigências de um mercado consumidor mais sofisticado são
algumas das fontes de aprendizado importantes para as empresas. Além disso, os
exportadores exploram potencialidades oriundas da importação de insumos e
equipamentos e tendem a adequar seus padrões tecnológicos e de qualidade às
exigências dos mercados externos. A par dessa exposição à concorrência, a
internacionalização da empresa via exportações também amplia as possibilidades
de cooperação e relacionamento com outras empresas, em nível mundial.
Estudo recente do Ipea [Araújo (2006)] mostra, para firmas que começaram a
exportar entre 1998 e 2000, que existiram fortes ganhos de produtividade associados
à sua entrada no mercado internacional. No ano seguinte ao ingresso nesse mercado,
as firmas aumentaram em 12,2% a sua produtividade. Esse ganho não se esgotou
logo depois de a firma começar a exportar: continuou ocorrendo por até dois anos
depois da entrada. O fato pode evidenciar que há um processo contínuo de ganhos
de produtividade relacionado com as exportações, provavelmente devido à maior
exposição à concorrência e às demais razões já citadas aqui.
À primeira vista, pode-se pensar que esses ganhos de produtividade tiveram
impactos negativos no emprego. No entanto, o mesmo estudo mostra que, além de
aumentar sua eficiência, as empresas que começaram a exportar fizeram mais
contratações do que as que ficaram confinadas ao mercado doméstico (ver também
Capítulo 4). Evidentemente também o crescimento das vendas derivado da con-
quista de novos mercados, em uma conjuntura de crescimento do comércio inter-
nacional, pode explicar por que essas firmas cresceram mais do que as que nunca
exportaram. As firmas que estrearam nas exportações nesse período e que conti-
nuaram exportando tiveram aumentos de mais de 50% nas suas vendas no primeiro
ano e no segundo ano posterior à expansão de suas fronteiras. O emprego, por sua
vez, cresceu mais de 20% em cada um dos dois anos seguintes. Como as receitas
cresceram mais do que o emprego, isso explica por que essas empresas ganharam
produtividade ao mesmo tempo em que contrataram mais trabalhadores.
Os trabalhadores, contudo, não tiveram imediatamente reflexo desses ganhos
de produtividade repassados a eles sob forma de maiores salários. Isso não significa
que firmas exportadoras não paguem maiores salários (veremos adiante que o
salário médio das exportadoras é superior ao das não-exportadoras), mas apenas

368 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


que isso não acontece no momento seguinte à entrada da firma no comércio
internacional, e sim num prazo mais longo. O movimento inverso – de destruição
de postos de trabalho –, este sim acontece quando a firma não é bem-sucedida
nas exportações. As firmas que, por alguma razão, desistiram do mercado inter-
nacional demitiram, no ano seguinte à saída, 9,6% mais empregados do que as
firmas que nunca exportaram. Talvez seja essa a razão para que o crescimento do
emprego no conjunto das firmas exportadoras – que inclui tanto as que se man-
têm exportando quanto as que não foram bem-sucedidas nas exportações – te-
nha sido menor do que nas exportadoras contínuas,8 que são aquelas que já estão
consolidadas no mercado internacional (Tabela 4, para o crescimento total do
emprego, e Gráfico 4, para o crescimento médio do emprego por firma).
Tudo isso evidencia que o comércio internacional, especialmente as expor-
tações, pode ter impactos positivos sobre o emprego na economia. Também aponta
para o fato de que pode ser benéfico para o crescimento do país ampliar o número
de firmas exportadoras e, principalmente, mantê-las no mercado internacional. É
claro, entretanto, que a maior parte do emprego no país está no setor de serviços

TABELA 4
Número de Trabalhadores com Carteira em Firmas Multinacionais, Exportadoras e nas Grandes
Empresas Industriais – 2000 e 2004

Participação Crescimento
Firmas Número 2000 2004
percentual (%)

Todas Firmas 1.638.566 1.959.252 19,6

Trabalhadores 25.843.993 30.769.910 19,1

Multinacionais Firmas 5.031 5.031 0,3 0,0

Trabalhadores 1.222.666 1.315.998 4,3 7,6

Exportadoras Firmas 16.017 17.743 0,9 10,8

Trabalhadores 3.466.139 3.945.843 12,8 13,8

Exportadoras contínuas Firmas 8.144 8.144 0,4 0,0

Trabalhadores 2.601.852 3.045.744 9,9 17,1

Industriais Firmas 225.433 251.843 0,8 11,7

Trabalhadores 4.887.517 5.816.190 18,9 19,0

Industriais com mais de 500 funcionários Firmas 1.175 1.368 0,0 16,4

Trabalhadores 1.701.068 2.189.484 7,1 28,7


Fontes: IBGE/Pesquisa Industrial Anual (PIA), PAS, Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec) e Pnad, MDIC/Secex,
Bacen/CBE, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi)
e MTE/Rais.
Obs.: Existe sobreposição entre as categorias de firmas expressas na tabela – por exemplo: o conjunto das firmas exportadoras contém
todo o conjunto das exportadoras contínuas.

Tecnologia, exportação e emprego z 369


GRÁFICO 4

e em empresas não exportadoras – incluindo as pequenas e médias empresas. De


qualquer maneira, o efeito das exportações sobre o emprego não é desprezível. A
título de ilustração, entre 2000 e 2004, as empresas exportadoras contínuas geraram
aproximadamente 400 mil novos postos diretos de trabalho. Se levarmos em
consideração o emprego indireto gerado pelo aumento das exportações, esse nú-
mero pode ser ainda maior.
O crescimento de 19% do emprego formal no país nos últimos quatro anos é
o resultado de um processo de contratações maior do que demissões de trabalhadores
pelas firmas. Uma parte dessas contratações e demissões é realizada por firmas que
já estão consolidadas no mercado. Entretanto, uma parcela não-desprezível dessas
contratações ou demissões ocorre devido ao nascimento ou morte de empresas.9
Nesse sentido, pode ser que uma parcela desse crescimento do emprego se deva à
constituição de novas firmas. Como mostra a Tabela 4, o número total de empresas
no Brasil cresceu 20%, ou seja, mais do que o emprego no período, o que resultou
em um crescimento médio de empregos, por firma, negativo (-0,4%, Gráfico 4).
Isso indica que, para o conjunto da economia, o crescimento do emprego parece ter
sido resultado de um movimento de criação de novas firmas mais intenso – mais
do que de contratações por parte das firmas já estabelecidas.
No entanto, isso não é verdade para alguns grupos de empresas, nas quais o
emprego aumenta mais do que o número de firmas, evidenciando o crescimento
dessas empresas. Esse dado fica mais claro quando se calcula a taxa de cresci-
mento do número médio de empregados por firma (número de trabalhadores divi-
dido pelo número de firmas), expressa no Gráfico 4.

370 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Por esse critério, as empresas exportadoras mostraram ser mais dinâmicas na
criação de empregos do que o conjunto das empresas brasileiras. O emprego nas
exportadoras contínuas cresceu 17,1%, tanto no total quanto na média por firma.10
Esse resultado também foi obtido por um estudo do Ipea que constatou que as
firmas exportadoras que se mantiveram no mercado internacional entre 1997 e
2003 geraram mais empregos no período do que empresas similares que não ex-
portam [Homsy e Costa (2006)]. Por sua vez, o conjunto das empresas exportadoras
– que inclui as que entraram e saíram do mercado internacional no período – criou
menos empregos do que as exportadoras contínuas. Na média, cada uma delas
gerou 2,8% a mais de empregos entre 2000 e 2004. Isso pode ser resultado do
movimento de destruição de empregos ocasionado pelas firmas que desistiram ou
não foram bem-sucedidas nas exportações, como argumentado anteriormente. Não
se pode esquecer que o bom desempenho das empresas exportadoras, nesse período,
está relacionado também com a conjuntura internacional de crescimento do co-
mércio mundial e com a taxa de câmbio favorável desse período.
Quanto às empresas estrangeiras, um fato relevante na estrutura produtiva
brasileira é que a sua presença na economia brasileira é, hoje, muito maior do
que há alguns anos. Elas representam uma grande parcela da produção brasileira
– quase metade das vendas da indústria são de empresas multinacionais – e
empregam um em cada 20 trabalhadores brasileiros. O emprego médio nessas
empresas cresceu cerca de 7,6% no período.11
A par da inserção externa, outro fator importante para a geração de emprego
e para a qualidade dos postos de trabalho no setor produtivo brasileiro é a
tecnologia. O sentido amplo de tecnologia está relacionado aos processos e técnicas
utilizados nas atividades humanas, a fim de torná-las mais eficientes e menos
custosas. A evolução das técnicas e dos processos utilizados para produzir os
bens e serviços de que necessitamos é um fenômeno mundial e que acompanha
toda a história da humanidade. Nos últimos anos, contudo, a evolução tecnológica
vem acontecendo de modo cada vez mais rápido, modificando não apenas a
forma pela qual se produz, mas também criando novos produtos e serviços. Isso
vem acontecendo tanto nos países desenvolvidos quanto em países menos de-
senvolvidos como o Brasil. O impacto de tais mudanças sobre o emprego e sobre
as relações de trabalho é imenso. As novas tecnologias permitem produzir as
mesmas coisas com menos esforço, ou seja, menos trabalho. Além disso, as em-
presas que empregam novas tecnologias necessitam de mão-de-obra mais quali-
ficada para operá-las.
Na indústria brasileira, existem 84 mil firmas com mais de dez funcionários.
Cerca de 30 mil – ou pouco mais de 1/3 delas – realizaram, entre 2001 e 2003,

Tecnologia, exportação e emprego z 371


Inovação tecnológica é algum tipo de inovação tecnológica ou possuem um projeto de inovação em an-
definida como a criação
de um produto (bem ou damento. Entre as firmas brasileiras com mais de 500 funcionários, entretanto, o
serviço) ou a percentual de firmas que realizaram algum tipo de inovação tecnológica é subs-
implementação de um
processo produtivo tancialmente maior: pouco mais do que sete em cada dez firmas. Ou seja, das
tecnologicamente novo 1.368 firmas com mais de 500 funcionários da indústria brasileira, cerca de 990
ou substancialmente
aprimorado. A inovação
implementaram inovações de produtos ou processos. Por essa razão, esse conjunto
de produto abarca desde de firmas – que representa uma fatia muito pequena do número total de firmas
modificações
(menos de 0,01%), mas ao mesmo tempo responde por 7,7% do emprego – está
incrementais no produto
fabricado pela firma, caso sendo usado como uma amostra das firmas inovadoras na indústria brasileira.
representem uma melhora
substancial do produto A menor parte das inovações realizadas pelas firmas brasileiras é constituída
existente, até a criação, de inovações de produto. Estas podem ser a criação de um produto inexistente no
propriamente dita, de um
novo produto mercado ou que já existe, mas ainda não é fabricado pela firma. Podem ser ainda o
tecnologicamente aprimoramento substancial de um produto já existente no portfólio da empresa.
diferente dos anteriores.
Uma inovação de
Entretanto, a maior parte das firmas inovadoras realiza inovações de processo, que
processo vai desde a vão desde a compra de máquinas e equipamentos diferentes dos anteriormente
compra de máquinas e
equipamentos diferentes
utilizados até mudanças no processo técnico de transformação do produto.
dos anteriormente
utilizados até mudanças
O que esse panorama mostra é que o desenvolvimento tecnológico é um
no processo técnico de fenômeno incorporado à rotina de uma boa parte das firmas brasileiras. Um dos
transformação do efeitos desse fato sobre o mercado de trabalho diz respeito à qualificação de
produto. A inovação
tecnológica pode resultar mão-de-obra de que as firmas necessitam antes e depois de realizar a inovação.
de novas pesquisas e
desenvolvimentos Um outro efeito comumente lembrado quando se fala da incorporação de
tecnológicos ou mesmo progresso técnico à economia são as possíveis conseqüências negativas em termos
de novas combinações de
tecnologias já existentes. de emprego. As inovações são sempre associadas a demissões de trabalhadores. O
Gráfico 4, porém, revela de maneira cabal que as grandes firmas brasileiras –
aquelas com mais de 500 funcionários e que são mais inovadoras e mais avançadas
tecnologicamente – geraram muito mais empregos do que a média do país. O cres-
cimento do emprego nessas firmas foi de 29%, o que significou a criação de quase
500 mil novos postos de trabalho. Esses resultados sugerem que, apesar de ser
poupadora de mão-de-obra, a tecnologia – especialmente quando relacionada a
inovações de produto – pode abrir novas oportunidades de crescimento para as
empresas que, talvez, compensem o efeito negativo inicial sobre o emprego.

4. COMO SÃO OS EMPREGOS E OS TRABALHADORES?

Assim como as firmas são diferentes em termos do uso que fazem da tecnologia
e de sua inserção no mercado externo, por exemplo, os empregos gerados por
essas firmas também são diferentes – não só os empregos, mas também as quali-
ficações e as características dos trabalhadores que são necessárias para que eles

372 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


ocupem esses ou outros postos de trabalho. Assim, esta seção quer verificar quais
são e como têm evoluído as principais características da mão-de-obra ocupada
no país. Em primeiro lugar serão focadas as diferenças existentes entre os grandes
setores econômicos.
Sabe-se que existem diferenças na remuneração de homens e mulheres na
economia brasileira, mesmo para trabalhadores com qualificações similares.12 A
Tabela 5 mostra que as mulheres também têm uma menor participação no mercado
de trabalho formal. Cerca de 61% das pessoas que trabalham com carteira assinada
no Brasil são homens, e esse percentual é ainda maior na agricultura e na indústria:
84% e 72%, respectivamente. Nas atividades agrícolas, onde a participação femi-
nina é a menor, um homem possui 47% a mais de chances de ingressar no mer-
cado de trabalho do que uma mulher (Quadro 3 adiante).
Em relação à idade, nota-se que os trabalhadores mais jovens estão no co-
mércio, enquanto os mais experientes se encontram no setor de serviços, onde a
média de idade dos trabalhadores é de 38 anos. No caso da agricultura, setor no
qual a idade média é de 35 anos, vem ocorrendo um envelhecimento da população
ocupada nos últimos anos. Os jovens com menos de 18 anos vêm reduzindo sua
participação no meio rural, especialmente nas atividades agrícolas, evidenciando,
provavelmente, um processo de migração dos jovens para as áreas urbanas.
O tempo durante o qual um trabalhador permanece no mesmo emprego é
um importante indicador de rotatividade da mão-de-obra. Ele pode sinalizar que
as empresas incorrem em custos irrecuperáveis por treinar a sua mão-de-obra ou
que existe algum processo de aprendizado tecnológico no interior da firma. Isso
tornaria a rotatividade dos trabalhadores relativamente mais cara para a firma.
Sendo assim, é razoável acreditar que o processo de aprendizado se reflita nesse
tempo de permanência, pois as empresas têm dispêndios de treinamento que
seriam perdidos com uma rotatividade alta. Além disso, o emprego mais estável

TABELA 5
Brasil: Principais Características da População Ocupada com Carteira Assinada – 2004

Serviços sem Setor


Indicador/setor Agricultura Comércio Indústria Total
setor público público

Escolaridade (anos) 5,2 9,2 8,4 9,3 10,8 9,3

Idade média (anos) 35,4 31,0 33,3 35,5 41,1 35,7

Tempo de emprego (meses) 39,3 36,0 54,2 54,6 130,4 68,9

Percentual de homens 84,5 60,0 72,3 63,8 41,9 61,6


Fontes: IBGE/PIA, PAS, Pintec e Pnad, MDIC/Secex, Censo de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE) e Bacen/CEB, MPOG/Portal de
Compras do Governo Federal (ComprasNet), Capes, Inpi e MTE/Rais.

Tecnologia, exportação e emprego z 373


favorece o aprendizado tecnológico e retroalimenta as potencialidades da firma,
ao mesmo tempo em que reduz os dispêndios de treinamento, atração e demissão
de pessoal.
Em média, um trabalhador brasileiro permanece empregado numa mesma
empresa por 69 meses, ou aproximadamente seis anos. O tempo de permanência,
contudo, é a metade desse para trabalhadores do comércio, e cerca de 40 meses
para trabalhadores agrícolas. Nos serviços, um trabalhador permanece em média
65 meses numa mesma empresa. No cálculo desses indicadores, a administração
pública foi retirada do setor de serviços e analisada separadamente. Observe que,
no setor público, como era de se esperar, a permanência dos trabalhadores é
substancialmente maior: em torno de 130 meses.
Existem também, como se sabe, relações muito fortes entre tecnologia e
qualificação da mão-de-obra. Essa relação acontece nos dois sentidos: firmas
que utilizam tecnologias mais avançadas tendem a empregar trabalhadores mais
qualificados, capazes de entender e operar essas tecnologias, assim como traba-
lhadores mais qualificados são capazes de melhorar o desempenho tecnológico e
competitivo das firmas, contribuindo para o seu potencial criativo. Firmas que
ocupam mão-de-obra mais qualificada têm mais condições de diferenciar e ga-
rantir a qualidade do produto gerado. Por isso mesmo, a escolaridade média dos
trabalhadores da firma é um indicador importante para o seu nível tecnológico.
Nesse sentido, um dos fatos novos que pode ser observado no mercado de
trabalho nacional é justamente um aumento da qualificação entre os trabalhadores
empregados no setor produtivo. Os trabalhadores brasileiros com carteira assinada
estudaram, em média, nove anos, ou seja, completaram o primeiro grau. Os tra-

GRÁFICO 5

374 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


balhadores agrícolas são os menos qualificados da estrutura produtiva: em mé-
dia, eles estudaram apenas 5,28 anos. No extremo oposto, os maiores níveis de
qualificação estão nos setores de serviços e comércio. As pessoas que trabalham
nessas atividades estudaram em média 9,92 anos no setor de serviços, e 9,17
anos no comércio. Evidentemente esses números escondem uma heterogenei-
dade muito grande em termos de qualificação da mão-de-obra. Isso ocorre espe-
cialmente no setor de serviços, no qual convivem desde trabalhadores do sistema
financeiro, telecomunicações, educação e administração pública – setores em
que os trabalhadores possuem uma qualificação maior – até os serviços pessoais,
tradicionalmente de menor qualificação.
Esse movimento de maior qualificação da mão-de-obra também vem ocor-
rendo em setores específicos. Na agricultura, por exemplo, apesar da menor qua-
lificação dos trabalhadores ocupados, a escolaridade média também vem
aumentando. O Gráfico 6 mostra a evolução da escolaridade da população resi-
dente no meio rural, empregada em atividades agrícolas e não-agrícolas. Percebe-se
que, tanto entre os trabalhadores de atividades agrícolas quanto não-agrícolas,
diminuiu a proporção daqueles com menos de três anos de estudo. Entre os tra-
balhadores agrícolas, aumentou muito a participação de pessoas que têm entre
quatro e sete anos de estudo. Para os residentes no meio rural que trabalham em
outras atividades que não a agricultura, aumentou, principalmente, a participação
de trabalhadores com mais de 11 anos de estudo.
Assim como na agricultura, os trabalhadores industriais estão se tornando cada
vez mais qualificados. O Gráfico 7 mostra o tempo de estudo médio dos trabalha-
dores industriais entre 1998 e 2004. Esse aumento na escolaridade resulta em um
crescimento na proporção entre trabalhadores qualificados e não-qualificados

GRÁFICO 6

Tecnologia, exportação e emprego z 375


GRÁFICO 7

nas firmas da indústria brasileira. Estudo recente do Ipea mostra que, em 1996,
existiam aproximadamente sete trabalhadores não-qualificados – trabalhadores
com escolaridade inferior a cinco anos de estudo – para cada trabalhador quali-
ficado – aqueles com mais de 11 anos de estudo [Giovannetti e Menezes-Filho
(2006)]. Em 2002, para cada trabalhador qualificado na indústria, existiam apenas
quatro trabalhadores não-qualificados.
Este mesmo estudo argumenta que grande parte da explicação para essa
dinâmica está na ampliação da demanda por trabalhadores qualificados por parte
das firmas brasileiras. O desenvolvimento tecnológico é o fator fundamental para
explicar esse crescimento da demanda por qualificação. Pode-se observar que
empresas inovadoras possuem mais trabalhadores qualificados para cada traba-
lhador não-qualificado do que firmas idênticas a elas com a única diferença de
não terem inovado. A mesma diferença pode ser encontrada em firmas que in-
vestem em pesquisa e desenvolvimento (P&D) vis-à-vis as que não investem.
Ademais, a maior demanda por qualificação parece estar sendo acompanhada,
também, por uma oferta de trabalho mais qualificada, como mostra o Capítulo 5
deste livro.
Ainda mais evidências a esse respeito podem ser obtidas com a observação
das características da mão-de-obra ocupada nas empresas mais competitivas da
indústria brasileira. Verifica-se que existe uma relação muito estreita entre o
perfil da mão-de-obra e o desempenho das firmas.
Existem diferentes estratégias competitivas das firmas na indústria brasileira.
De modo geral, pode ser considerado que as firmas competem por preço ou por
diferenciação de produto. A estratégia de diferenciação de produto via inovação

376 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


é a mais promissora para os empregados, para a empresa e para o país. Essas
empresas estabelecem estratégias menos sujeitas à concorrência via menores
salários, maiores jornadas de trabalho ou derivadas de recursos naturais
(commodities) muito vulneráveis a flutuações de preços.
As estratégias de competição das firmas na indústria brasileira foram aqui
classificadas em três categorias:13 a) firmas que inovam e diferenciam produtos; Produtos diferenciados
b) firmas especializadas em produtos padronizados; e c) firmas que não diferenciam são produtos que – por
alguma especificação
produtos e têm produtividade menor. técnica, característica
própria, qualidade ou
Entre as 72 mil firmas com mais de dez funcionários da indústria brasileira, mesmo pela sua marca –
mais de 55 mil competem basicamente por preços em mercados preponderante- não encontram, no
mercado, outros produtos
mente localizados. São firmas que não exportam, não diferenciam produtos e completamente iguais a
têm indicadores de produtividade da mão-de-obra menores do que a média da ele. Em virtude disso, os
produtos diferenciados
indústria. Respondem por apenas 11% do total das vendas da indústria, mas, podem ser vendidos a um
apesar de serem firmas pequenas, empregam 38% dos trabalhadores industriais. preço superior aos seus
Estes são, em média, menos qualificados do que os do restante da indústria, o que similares, o que faz com
que o preço não seja o
por certo tem relação com a baixa produtividade dessas firmas. Além disso, os fator mais importante em
trabalhadores dessas empresas passam menos tempo empregados na mesma fir- sua comercialização.
Muitos dos produtos
ma, evidenciando uma situação de emprego menos estável do que no restante da industriais que consumi-
indústria. mos diferenciam dos seus
concorrentes por alguma
O preço também desempenha um papel importante na competitividade para das características
citadas: eletrônicos,
as firmas especializadas em produtos padronizados. A diferença é que essas fir- automóveis, eletrodomés-
mas são maiores e muito mais produtivas do que as primeiras. Algo como 63% ticos ou até mesmo
vestuário e acessórios.
das vendas da indústria são feitos por firmas como estas, que empregam 49% dos
trabalhadores industriais, ou seja, a maior parte da indústria brasileira é consti- Produtos padronizados
tuída de firmas com essas características. A escolaridade da mão-de-obra e o (ou homogêneos): ao
contrário dos diferencia-
tempo de permanência no emprego são maiores entre essas firmas do que entre dos, esse tipo de produto
as firmas com produtividade menor. possui especificações
padronizadas, indepen-
Por fim, as firmas mais avançadas do ponto de vista tecnológico são as dentemente de quem o
produz e, portanto, não se
exportadoras, que introduzem inovações tecnológicas e que diferenciam os seus diferencia dos demais
produtos. Esses fatores fazem com que elas usem uma estratégia de competição concorrentes no mercado.
Dessa forma, o principal
marcada mais pela qualidade e diferenciação do seu produto do que propriamen- fator de competição para
te por preços mais baixos. Os trabalhadores dessas empresas são mais qualifica- que um fabricante desse
tipo de produto ganhe
dos do que os da média da indústria. Também ficam mais tempo na mesma firma, mercado dos seus
o que possibilita ganhos de produtividade associados com o aprendizado do tra- concorrentes é o preço.
balhador dentro da própria empresa. Produtos como soja, aço e
outras commodities são
os exemplos mais
Os diferentes perfis da mão-de-obra nos diversos tipos de firma deixam explícitos de produtos
claro ser esse um fator estreitamente relacionado com o desempenho das empresas homogêneos.

Tecnologia, exportação e emprego z 377


e da indústria brasileira. Um dos seus desdobramentos é que essas firmas acabam
por remunerar melhor os seus trabalhadores.
A inovação tecnológica nas empresas pode ter diferentes graus de comple-
xidade. Existem inovações de processos e de produtos.14 As primeiras são, em sua
grande parte, mais simples porque podem estar relacionadas com a compra de
equipamentos mais sofisticados, por exemplo. Existem também inovações pura-
mente adaptativas, no sentido de que são novidades para a firma mas constituem
produtos ou processos já conhecidos no mercado nacional. As inovações de pro-
duto novo para o mercado são aquelas que envolvem a criação efetiva de um
produto que não existe no mercado brasileiro, e caracterizam-se por uma com-
plexidade muito maior, dado que requerem um volume superior de informações,
tanto qualitativa como quantitativamente.
No que diz respeito à inovação tecnológica nas firmas industriais, percebe-se
uma clara tendência de maior escolaridade da mão-de-obra em firmas que inovam
de forma mais agressiva. Empresas que, entre 1998 e 2000, criaram um produto
novo que não existia no mercado brasileiro têm trabalhadores mais qualificados
e mais estáveis do que as que apenas inovaram. Estas últimas, por sua vez, possuem
mão-de-obra mais escolarizada do que as empresas que não implementaram
qualquer tipo de inovação.
A mesma relação pode ser observada nas firmas exportadoras ante as não-
exportadoras. A participação em mercados externos exige hoje das empresas
requisitos de competitividade que vão além da oferta de preços mais baixos.
Portanto, a mera redução de custos de mão-de-obra por meio da contratação de
trabalhadores menos qualificados não garante às empresas exportadoras um melhor
desempenho competitivo. Na verdade, a competição no mercado internacional,
mesmo com relação a produtos de menor intensidade tecnológica, requer padrões
técnicos e de qualidade que não podem prescindir de trabalhadores mais qualifi-
cados. Esses trabalhadores são mais capacitados para operar equipamentos mais
complexos tecnologicamente, o que confere a essas firmas padrões de competi-
tividade superiores.
Uma outra forma de uma empresa internacionalizar sua produção é, além de
exportar, produzir diretamente em outros países por meio do investimento direto
externo. No Brasil, ainda é muito pequeno o número de firmas que internaciona-
lizaram a sua produção: segundo o Bacen, apenas 297 empresas industriais bra-
sileiras possuem investimentos fora do país. Em contrapartida, o número de
empresas estrangeiras no Brasil é bastante elevado, sendo que a maior parte das
grandes corporações internacionais já está instalada aqui.

378 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 6
Tecnologia, Comércio Exterior, Investimento Direto e Características da Mão-de-Obra Empregada
nas Empresas – 2003

Escolaridade do pessoal Tempo de emprego do


Tipos de empresas
ocupado (anos) pessoal ocupado (meses)

Segundo inovação tecnológica

Empresas industriais não-inovadoras 6,9 38,3

Empresas industriais inovadoras 7,6 37,9

Empresas industriais inovadoras de produto novo para


o mercado 8,6 49,8

Segundo inserção no mercado externo

Empresas não-exportadoras 8,5 69,7

Empresas exportadoras 9,9 69,8

Segundo investimentos fora do país

Empresas industriais brasileiras 7,1 37,7

Empresas industriais brasileiras com investimento fora


do país 9,1 67,3

Empresas industriais transnacionais 9,8 57,2

Segundo estratégias competitivas

Empresas que inovam e diferenciam produtos 9,1 54,1

Empresas especializadas em produtos padronizados 7,6 43,9

Empresas que não diferenciam produtos e têm


produtividade menor 6,9 35,4
Fontes: IBGE/PIA, PAS, Pintec e Pnad, MDIC/Secex, CBE e Bacen/CEB, ComprasNet/MPOG, Capes, Inpi e MTE/Rais.

Nessas empresas internacionalizadas verifica-se novamente uma relação muito


forte entre as características da mão-de-obra e o desempenho da firma. Firmas que
investem no exterior são, de modo geral, mais competitivas e consolidadas nos
seus mercados de origem. Também costumam ser empresas líderes mundialmente
nos seus setores de atuação. Uma tal liderança competitiva tem reflexo no perfil
da sua mão-de-obra, que, de modo geral, é também mais qualificada e mais estável
do que nas empresas puramente domésticas.

5. ONDE ESTÃO OS MELHORES SALÁRIOS?

As características diferenciadas dos trabalhadores ocupados nas empresas mais


competitivas devem repercutir, em algum grau, em maiores salários. Sabe-se que

Tecnologia, exportação e emprego z 379


existe um prêmio salarial associado à maior escolaridade do trabalhador, ou seja,
espera-se que o salário de um trabalhador aumente à medida que aumenta o seu
nível de qualificação. Da mesma forma, a experiência desse mesmo trabalhador
no mercado de trabalho, e mais especificamente na mesma firma, conta positiva-
mente sobre o salário que ele recebe no final do mês.
Mas vale observar que uma parte das diferenças salariais observadas no
setor produtivo brasileiro se deve não apenas ao perfil dos trabalhadores, mas ao
das empresas. Ou seja, algumas empresas pagam melhores salários do que outras
pagariam para trabalhadores absolutamente iguais (Quadro 2). Sendo assim, a
pergunta fundamental desse tópico é: quais são as empresas ou atividades eco-
nômicas que pagam maiores salários aos seus trabalhadores e por que o fazem? A
primeira diferença significativa pode ser observada nas remunerações entre seto-
res econômicos e regiões.
Em termos regionais, os maiores salários estão nas regiões Centro-Oeste e
Sudeste, seguidas das regiões Sul e Norte. Os salários mais baixos estão na região
Nordeste. Essas diferenças podem ser explicadas em parte pelos perfis dos traba-
lhadores de cada uma dessas regiões, bem como pelas atividades preponderantes
em cada uma delas. O Centro-Oeste, por exemplo, concentra boa parte dos serviços
relacionados à administração pública federal. A região Sudeste, por sua vez, con-
centra mais de 55% da produção industrial brasileira, setor no qual as remunerações
são, em média, superiores – o salário médio dos trabalhadores industriais é de
aproximadamente R$ 1 mil, segundo dados de 2004.
O setor público paga, em média, salários superiores aos dos demais setores.
Os trabalhadores ocupados no setor recebem aproximadamente R$ 1.200, em
média. No comércio e na agricultura os salários tendem a ser menores: em média

GRÁFICO 8

380 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


QUADRO 2
Por que Trabalhadores Similares Recebem Salários Diferentes?
Por que os salários dos trabalhadores são diferentes? Sabe-se que existe uma série de caracte-
rísticas individuais que influenciam o quanto o trabalhador recebe no final do mês pelo seu
trabalho. A principal delas talvez seja a escolaridade. Pessoas com maior escolaridade recebem
salários maiores do que pessoas que estudaram menos. Além disso, a profissão escolhida tam-
bém interfere no nível de salários, a par de outras características como, entre outras, a idade, a
experiência no mercado de trabalho e na empresa, o fato de ser um trabalhador em tempo
parcial ou integral, ter ou não carteira de trabalho etc. Por fim, ser homem ou mulher, branco
ou negro também gera remunerações diferentes, evidenciando também a indesejável existên-
cia de discriminação de gênero e cor no mercado de trabalho.
Entretanto, mesmo trabalhadores iguais em termos de todas essas características podem
receber salários diferentes. Qual seria a explicação para a existência dessas diferenças de remu-
neração entre trabalhadores absolutamente idênticos? Uma das explicações é que, na verdade,
os trabalhadores não são idênticos. Há algumas características, como competência, empatia e
outras de caráter mais subjetivo que não são observáveis num primeiro momento. Essas carac-
terísticas poderiam explicar as diferenças de salários entre pessoas supostamente iguais.
Podem-se identificar ainda outras explicações decorrentes não mais das características dos
trabalhadores, mas sim das características das empresas nas quais trabalham. Uma delas está
relacionada ao fato de que algumas empresas são mais produtivas do que outras. Nesse caso,
uma parte dessa produtividade poderia ser repassada ao trabalhador em forma de maiores
salários. Por isso um trabalhador idêntico a outro poderia perceber uma remuneração maior ao
trabalhar em uma empresa mais produtiva.
Uma outra possível explicação diz respeito a uma decisão da firma ao contratar um fun-
cionário. Para incentivá-lo a trabalhar mais e melhor e, portanto, ser mais produtivo, uma
empresa tem duas opções. A primeira seria fiscalizar os seus funcionários. A segunda alternati-
va seria pagar salários maiores. Esse salário, superior ao salário médio do mercado, teria dois
resultados. Um seria atrair para a empresa os profissionais mais capacitados. Além disso, ciente
de que o seu salário é maior do que o salário de trabalhadores iguais a ele, o trabalhador teria
um incentivo para trabalhar mais e melhor. Ele saberia que, caso não trabalhasse da melhor
maneira possível e viesse a ser demitido em virtude disso, seu salário no mercado seria igual ao
de trabalhadores iguais a ele, ou seja, menor do que o seu salário atual.
Por fim, pode-se explicar ainda a remuneração diferente para trabalhadores iguais em
função do seu poder de barganha. Funcionários de firmas mais lucrativas poderiam, por meio
da sua organização ou dos sindicatos, exercer certa pressão sobre a empresa para que ela
dividisse seus lucros com seus funcionários, na forma de maiores salários. Evidentemente que,
para isso acontecer, é necessário que os trabalhadores disponham de mecanismos de pressão
sobre as empresas, ou seja, poder de barganha.

R$ 650 no comércio e R$ 520 na agricultura. Como a qualificação dos trabalha-


dores agrícolas é menor do que a média brasileira, a menor remuneração desses
trabalhadores pode ser parcialmente explicada por sua escolaridade.

Tecnologia, exportação e emprego z 381


Outra questão importante associada à remuneração dos trabalhadores agrí-
colas é o alto índice de pessoas ocupadas sem remuneração. Segundo a Pnad de
2004, em torno de 30%, ou aproximadamente 3,5 milhões das pessoas ocupadas
em atividades agrícolas, com ou sem carteira assinada, não recebem remuneração
alguma. Apesar de tão alto número, percebe-se uma redução gradual do contin-
gente de não-remunerados nessas atividades: em 1993, o percentual de pessoas
sem remuneração era de 35%.
Como já foi visto, as pessoas dentro da população rural ocupadas em ativida-
des não-agrícolas possuem maior qualificação do que aquelas ocupadas em ativi-
dades tipicamente agrícolas. Entretanto, trabalhadores iguais em termos não apenas
de anos de estudo, mas também de outros atributos, são mais bem remunerados nas
atividades agrícolas do que nas atividades não-agrícolas dentro do meio rural
[Ferreira et alii (2006)]. Em termos regionais, os trabalhadores residentes no meio
rural recebem salários maiores na região Centro-Oeste do que receberiam em outra
região do país. Esse diferencial pode estar associado à recente expansão agrícola na
região, que é bastante caracterizada por culturas voltadas para a exportação.
Entre as atividades econômicas do setor de serviços existe uma grande
heterogeneidade de remunerações, com algumas atividades pagando maiores sa-
lários do que outras. Em geral, os maiores salários estão em setores mais intensivos
em tecnologia e com maior grau de concentração, como holdings, agências de
notícias, informática, distribuição de filmes e vídeo, e transportes aéreos [Gottschalk
e Alves (2006)]. Já os menores salários residem principalmente nos serviços rela-
cionados a pecuária e silvicultura e a serviços pessoais, pouco intensivos em
tecnologia e bastante pulverizados. Essas diferenças de salários entre atividades
econômicas não se devem a nenhuma característica do trabalhador. O que se
quer dizer aqui é que, se um mesmo trabalhador migrasse de um setor menos
dinâmico para um outro mais avançado tecnologicamente, receberia um salário
maior, mantidos os seus atributos profissionais.
De modo geral, firmas mais avançadas do ponto de vista tecnológico e mais
inseridas no mercado internacional tendem a remunerar melhor os seus trabalha-
dores do que as firmas menos competitivas. Esses diferenciais de remuneração
derivados de diferenças no desempenho das empresas podem ser muito bem de-
monstrados pelo que acontece na indústria brasileira. A Tabela 7 mostra os salários
por hora dos trabalhadores industriais nos diferentes tipos de firmas.
As firmas inovadoras pagam uma remuneração maior por hora de trabalho
do que as não-inovadoras, independentemente de serem ou não inseridas no
mercado internacional. Entre as firmas inovadoras, existe um subgrupo capaz de
realizar inovações mais radicais, marcadas pela criação de um produto inédito no

382 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 7
Remuneração dos Trabalhadores Empregados nas Empresas Industriais Brasileiras – 2000
[em R$/hora]

Inovação tecnológica
Características das empresas Não-inovadoras Inovadoras Inovadoras de produto Todas
novo para o mercado

Inserção Exportadoras 4,02 5,32 7,02 5,55


externa
Não-exportadoras 3,32 3,48 5,27 3,52

Importadoras 4,83 5,42 7,02 5,83

Não-importadoras 2,79 2,86 4,27 2,88

Estrangeiras 7,04 6,52 9,06 7,20

Nacionais 3,43 4,57 6,78 4,67


Fonte: De Negri e Freitas (2006).

mercado nacional. Esse subgrupo não faz uma inovação simplesmente adaptativa,
copiando as tendências já existentes no mercado. Para ele, o salário por hora é
ainda maior do que para o conjunto das empresas inovadoras.
Um bom exemplo desse diferencial pode ser visto pela comparação apenas
entre firmas exportadoras: as que não são inovadoras pagam um salário médio de
R$ 4,02 por hora de trabalho, as firmas inovadoras pagam R$ 5,32, e as firmas que
introduziram novos produtos no mercado brasileiro pagam, por sua vez, R$ 7,02
pela hora trabalhada.
Se a comparação é feita entre firmas exportadoras e inovadoras de produtos
novos para o mercado com firmas que não exportam nem inovam, o diferencial se
torna ainda maior. As firmas que não exportam e que também não realizam nenhum
tipo de inovação tecnológica remuneram os seus trabalhadores com R$ 3,32 a hora
de trabalho. As que são simultaneamente exportadoras e inovadoras pagam os
R$ 5,32 por hora supracitados.
É claro que essas diferenças podem ser, em parte, derivadas do fato de que
os trabalhadores dentro dessas firmas são, também, diferentes. Isso, a propósito,
foi examinado na Seção 4 deste capítulo. Porém, mesmo se consideradas todas
essas características, ainda assim persistem diferenças de remuneração associadas
à inovação e à inserção externa das firmas. Alguns resultados de trabalhos re-
centes do Ipea, já mencionados aqui, evidenciam esses diferenciais.
Empresas que inovam e diferenciam produtos pagam um salário 12,1% superior à
média da indústria, enquanto as especializadas em produtos padronizados pagam
0,7% a mais (mais próximas à média). Enfim, as que não diferenciam produtos e têm
produtividade menor pagam 11,4% a menos do que a média da indústria.

Tecnologia, exportação e emprego z 383


Firmas exportadoras pagam salários 24,7% superiores aos das não-exporta-
doras. Isso significa que, se um trabalhador empregado em uma empresa não-
exportadora recebe, por exemplo, R$ 10 por hora de trabalho, um outro igual a
ele recebe, em uma firma exportadora, R$ 12,47 pela mesma hora de trabalho [De
Negri e Freitas (2006)].
Do mesmo modo, uma firma estrangeira na indústria brasileira paga 38,3%
a mais do que uma firma idêntica controlada por capital nacional paga para
trabalha-dores também idênticos. No setor de serviços, as empresas estrangei-
ras também remuneram melhor seus trabalhadores, embora essa diferença seja
menor do que na indústria: 31,5%. A diferença entre nacionais e estrangeiras é
maior entre as não-exportadoras do que entre as exportadoras: 25,7% no grupo
das exportadoras vis-à-vis 42% no grupo das não-exportadoras, mostrando
que as nacionais exportadoras estão mais próximas das multinacionais em ter-
mos de remuneração do que as na-cionais não-exportadoras. Um outro aspecto
interessante da diferença salarial entre as empresas nacionais e estrangeiras é
que ela favorece especialmente os trabalhadores administrativos [Hiratuka e
Fracalanza (2006)]. Ou seja, os salários dos trabalhadores diretamente ligados à
produção (ao chão de fábrica) nas estrangeiras não são tão superiores aos das
nacionais quanto o são os salários do pessoal administrativo.
Um dos possíveis efeitos derivados da maior participação estrangeira na
estrutura produtiva brasileira está relacionado justamente com os maiores salários
pagos por essas empresas. É possível que, ao pagar maiores salários, as empresas
estrangeiras elevem o patamar salarial médio na estrutura produtiva brasileira,
forçando assim a que as empresas domésticas também paguem salários maiores.
Esse efeito é comumente chamado de transbordamento, caracterizado pela disse-
minação de práticas adotadas nas empresas estrangeiras para empresas domésticas.
Na indústria brasileira, existe o efeito transbordamento entre estrangeiras e do-
mésticas na tecnologia e na produtividade. As empresas nacionais aprendem
novas tecnologias e acabam se tornando mais produtivas em virtude da convi-
vência com empresas estrangeiras. Entretanto, quando se observam os salários
dos trabalhadores, os efeitos de transbordamento são positivos, mas muito pe-
quenos, ou seja, não na mesma proporção [Hiratuka e Fracalanza (2006)].
Todos esses números estão evidenciando que empresas mais dinâmicas do
ponto de vista tecnológico e mais competitivas acabam remunerando melhor os
seus trabalhadores. Isso, evidentemente, tem implicações de política importantes,
na medida em que mostra que certas estratégias competitivas têm mais sucesso,
tanto em termos da inserção externa quanto em termos da qualidade do emprego
gerado no país.

384 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Além de pagar salários mais altos, as firmas mais competitivas da indústria
brasileira também concedem mais benefícios extra-salariais do que firmas menos
competitivas. No Brasil, existe um intenso debate sobre a importância dos custos
trabalhistas na geração de emprego e na competitividade da economia brasileira.
Argumenta-se, com as mais variadas estimativas, que a relação entre encargos e
salários é muito elevada. A partir da análise da indústria de transformação brasi-
leira, procurou-se mais identificar como essa relação entre encargos e salários
pode variar em firmas diferentes do que tentar chegar a um número definitivo
sobre o quanto se paga de encargos trabalhistas para cada R$ 1 pago na forma de
salários [Noronha, De Negri e Arthur (2006)].
O Gráfico 9 mostra que, nas firmas que não diferenciam produtos e têm pro-
dutividade menor, para cada R$ 1 pago diretamente ao trabalhador – na forma de
salários, férias, décimo terceiro, participação nos lucros e comissões –, são pagos
cerca de R$ 0,40 de benefícios indiretos: contribuições ao Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço (FGTS); Instituto Nacional do Seguro Social (INSS); seguro-
saúde; auxílio-alimentação; e outros benefícios. Nas firmas que inovam e dife-
renciam produtos, que são as mais competitivas da estrutura industrial, para
cada R$ 1 pago diretamente ao trabalhador, são pagos mais de R$ 0,50 em bene-
fícios indiretos. Essa maior proporção de benefícios indiretos se deve não a en-
cargos obrigatórios, como INSS ou FGTS, mas a benefícios espontâneos, como
auxílio-alimentação ou plano de saúde. Ao mesmo tempo, percebe-se que nas
firmas menos competitivas o peso dos gastos com pessoal nos custos totais da
firma é muito superior do que nas mais competitivas. Firmas menores e menos
competitivas chegam a gastar com pessoal um montante equivalente a 20% dos
seus custos totais, enquanto nas firmas maiores e mais dinâmicas os gastos com
pessoal representam pouco mais de 10% dos seus custos.
GRÁFICO 9

Tecnologia, exportação e emprego z 385


A relação entre dinamismo tecnológico das empresas e remuneração dos tra-
balhadores também afeta os diferenciais regionais de salários no Brasil. A localiza-
ção dos maiores salários está estreitamente relacionada com a maior concentração
de firmas inovadoras.
Ademais, a concentração de atividades econômicas dentro de um município
interfere positivamente não só na sua taxa salarial, mas também na de municípios
vizinhos [Galinari, Lemos e Amaral (2006)], o que vale tanto na indústria quanto
em serviços industriais. A concentração, no mesmo município, de empresas en-
volvidas com atividades produtivas similares gera, para todas elas, benefícios
decorrentes dessa aglomeração. Esses benefícios são caracterizados pela maior
produtividade dessas empresas e por custos operacionais menores, o que acaba se
refletindo em salários maiores.
Também existem efeitos de transbordamento ou de contágio entre os mercados
de trabalho próximos, que vão resultar em maior convergência das taxas salariais
dos municípios vizinhos. Ou seja, municípios cujos vizinhos possuem salários
mais altos tendem a ter salários também maiores.
Uma outra possível razão para que firmas diferentes remunerem diferente-
mente seus trabalhadores está na maior lucratividade. Conforme já explicitado
ao final do Quadro 2, é possível que trabalhadores de empresas mais lucrativas
exerçam pressão no sentido de se apropriar de uma parcela dos lucros. Assim, se
o poder de pressão dos trabalhadores é grande, uma parte dos lucros das empresas
poderia se converter em maiores salários para os trabalhadores. Essas questões
foram analisadas em estudo recente do Ipea que busca responder se firmas mais
lucrativas efetivamente remuneram melhor os seus trabalhadores [Martins e Esteves
(2006)]. A conclusão é que esse fenômeno de fato existe na indústria brasileira.
O estudo mostra que existe algum grau de transferência de lucros para o
salário dos trabalhadores da indústria, embora essa transferência seja menor no
Brasil do que nos países desenvolvidos. Na indústria brasileira, um trabalhador que
migrasse da firma menos lucrativa do seu setor de atividade para a mais lucrativa
passaria a receber um salário entre 3,5% e 5,4% maior. Entre os países desenvolvi-
dos, o ganho salarial dessa mudança seria de 24% nos Estados Unidos, de 16% no
Reino Unido, e entre 12% e 24% na Suécia. Isso sugere que, apesar de existir no
Brasil alguma divisão de lucros entre empregadores e empregados, o poder de
barganha dos trabalhadores brasileiros é menor do que nos países desenvolvidos.

386 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


QUADRO 3
Tecnologia e Diferenciais de Gênero na Remuneração e na
Progressão Profissional
Na literatura empírica brasileira existe um consenso de que o diferencial salarial entre homens
e mulheres é elevado e persistente. Um outro consenso é de que esse diferencial em favor dos
homens é, em grande parte, devido à segmentação ocupacional, ou seja, à concentração da
força de trabalho feminino em postos de trabalho mais mal remunerados [Coelho (2006)].
Como resultado, as mulheres ocupam apenas 14% de todos os cargos de comando (diretores e
gerentes) existentes nas grandes empresas industriais brasileiras. O restante desses cargos (86%)
é ocupado por homens. Apesar dessa diferença expressiva, percebe-se uma evolução favorável
às mulheres nos últimos anos. Em 1996, elas só ocupavam 8% dos cargos de comando nessas
empresas. A análise das empresas com mais de 500 funcionários (grandes empresas) é relevan-
te, pois estas são empresas tecnologicamente mais avançadas do que o restante da indústria
brasileira, o que mostra que mesmo em empresas com essas características prevalecem diferen-
ciais expressivos entre homens e mulheres no mercado de trabalho.
Em relação ao tempo adicional que uma mulher teria de esperar para ser promovida, o mesmo
estudo constatou, por exemplo, que os engenheiros demoram, em média, 35% a menos para serem
promovidos do que as engenheiras. Isso significa que, se uma engenheira é promovida a gerente ou
a diretora em dez anos, um engenheiro com a mesma experiência profissional e com qualificações
iguais para o cargo esperaria apenas seis anos e meio para alcançar aquela mesma promoção.
Além disso, registrou-se ainda que os homens recebem salários superiores ao salário de
mulheres com as mesmas qualificações e experiência. Essa vantagem salarial masculina é maior
na indústria do que no setor de serviços. Na indústria, os homens recebem, em média, 33% a
mais do que as mulheres. No setor de serviços, o salário dos homens é 14,3% superior ao das
mulheres com as mesmas qualificações.

GRÁFICO 10

Tecnologia, exportação e emprego z 387


6. TRABALHADORES MAIS QUALIFICADOS MELHORAM O
DESEMPENHO TECNOLÓGICO DAS EMPRESAS?

O que esta seção quer mostrar, à guisa de conclusão, é que, além de as empresas
mais competitivas e avançadas tecnologicamente demandarem mão-de-obra mais
qualificada e remunerarem melhor os trabalhadores, sua própria competitividade
também depende de profissionais mais qualificados. Ou seja, as evidências apre-
sentadas constituem uma via de mão dupla. Ao mesmo tempo em que a maior
competitividade e lucratividade permitem às firmas oferecer empregos mais bem
remunerados, são trabalhadores mais qualificados e com maior permanência nas
empresas que ajudam a construir essa competitividade.
O sucesso tecnológico de vários países, especialmente dos países asiáticos
que lograram alcançar de modo muito rápido um alto grau de desenvolvimento
tecnológico, é creditado, entre outros motivos, ao chamado capital humano. Os
investimentos em educação e na qualificação profissional dos seus trabalhadores
são freqüentemente citados como uma das causas principais da aproximação desses
países em desenvolvimento aos padrões tecnológicos de países desenvolvidos.
Especialmente importante nesse contexto é a formação de recursos huma-
nos altamente capacitados para contribuir na capacidade inventiva do país. O
processo de formação desses recursos pode ser proveniente de três fontes [Gusso
(2006)]: a) do sistema educativo formal, abordado no Capítulo 3 deste livro; b) de
um sistema de aprendizagens organizacionais, caracterizado pelos gastos em trei-
namento dentro das firmas e potencializado pela maior permanência do traba-
lhador dentro dela; e, por fim, c) da mobilidade de recursos humanos qualificados
entre países e organizações.
No que diz respeito à primeira dessas fontes, o Brasil forma, todos os anos,
em programas de pós-graduação da Capes, cerca de 30 mil novos mestres e dou-
tores. Entretanto, o número de profissionais com esses atributos atuando direta-
mente no setor produtivo, em atividades de P&D, ainda é muito restrito, o que é
reflexo do pequeno número de firmas que possuem departamentos de P&D. Em
2000, as empresas industriais brasileiras empregavam apenas 2.900 profissionais
pós-graduados em seus departamentos de P&D. Em 2003, pouco mais de 3.100
profissionais com pós-graduação atuavam diretamente em P&D na indústria.
Isso não significa, contudo, que não exista um número maior de profissionais
detentores de pós-graduação trabalhando nas firmas brasileiras em outras ocupações
que não as diretamente ligadas a P&D, ou mesmo em pesquisa mas sem, todavia,
integrar o departamento de P&D da empresa. De qualquer forma, ainda que com

388 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


tais ponderações, o número de pós-graduados que estão desenvolvendo atividades
inovativas nas firmas brasileiras é muito pequeno.
Uma boa forma de verificar até que ponto os profissionais com pós-gradua-
ção têm contribuído para o desempenho tecnológico do país é a partir do número
de patentes solicitadas por esses profissionais [Baessa (2006)]. Menos de 1% do
número total de patentes depositadas no Instituto Nacional de Propriedade Intelec-
tual (Inpi) é feito por inventores que tenham saído, recentemente, de programas
de pós-graduação. Apesar dessa ainda pequena participação no esforço inventivo
do país, existe uma diferença significativa de qualidade e inovatividade nas pa-
tentes registradas por titulados vis-à-vis as patentes registradas por outras pessoas
ou firmas. Entre as patentes registradas por egressos da pós-graduação encontra-se
uma parcela muito maior de invenções: 65% das patentes registradas por mestres
e doutores são patentes de invenção, que são consideradas inovações mais radicais.
Em contrapartida, no total de patentes registradas no Inpi por pessoas ou firmas
residentes no Brasil, apenas 35% são patentes de invenção. Ou seja, os egressos
da pós-graduação no Brasil ainda parecem inovar muito pouco; entretanto, suas
inovações são, proporcionalmente, muito mais radicais do que as demais inovações
registradas.
A pouca utilização desses profissionais diretamente no setor produtivo pode
ser, portanto, uma das explicações para a reduzida taxa de inovação na economia
brasileira. De fato, a existência de profissionais mais qualificados dentro de uma
firma tem impactos muito expressivos na sua capacidade criativa e aumenta
substancialmente as chances de que a empresa seja uma inovadora de produtos
ou processos.
Quanto mais profissionais com nível superior a firma possui no seu quadro
de funcionários, maiores são as chances de que ela venha a criar produtos e
processos inovadores no futuro [De Negri (2006)]. Da mesma forma, a diversidade
de formações profissionais entre os trabalhadores com curso superior também
aumenta as chances de sucesso na criação de novos produtos. Uma das razões
para esse fato é que tanto a qualificação quanto a diversidade da mão-de-obra
são componentes importantes para o aprendizado tecnológico das firmas. Em-
presas assim têm maior capacidade de aprender novos conhecimentos no mercado
ou em instituições de ensino e pesquisa e, posteriormente, aplicá-los para fins
comerciais na forma de inovações.
A segunda fonte de formação de recursos humanos capacitados para a ino-
vação reside nos esforços das firmas em treinar seus trabalhadores. Infelizmente
ainda se gasta muito pouco no Brasil em treinamento da mão-de-obra. Mesmo as
firmas industriais brasileiras que investem em atividades de P&D possuem gastos

Tecnologia, exportação e emprego z 389


em treinamento – voltados ao desenvolvimento de inovações – inferiores a 0,1%
da sua receita líquida de vendas. Isso significa que, em 2000 e 2003, as firmas
brasileiras investiram cerca de R$ 417 e R$ 475 milhões em treinamento de pessoal
para a inovação tecnológica.
Mesmo considerando que o volume de gastos em treinamento é reduzido, é
possível verificar que os gastos em treinamento têm efeitos importantes para as
firmas que o fazem. Quando aliado à maior permanência dos trabalhadores na
firma, esses gastos ampliam as chances de as empresas inovarem. Em firmas com
elevada rotatividade da mão-de-obra, porém, o treinamento no nível da firma
perde importância como fator da sua capacidade tecnológica.
Finalmente, a terceira fonte potencial de recursos humanos altamente qua-
lificados está na mobilidade desses trabalhadores entre empresas e países. Espe-
cialmente as empresas transnacionais recorrem, por exemplo, ao recrutamento de
pessoas em firmas rivais ou em países onde os agentes de inovação são remune-
rados em padrões inferiores aos seus. Entretanto, também pode acontecer o mo-
vimento inverso, como mostra estudo do Ipea para o caso brasileiro [ver Araújo e
Mendonça (2006)]. É possível que recursos humanos qualificados que saem de
empresas estrangeiras venham a trabalhar em empresas domésticas.
As transnacionais possuem, no Brasil, indicadores de produtividade 62% su-
periores aos das empresas domésticas. Assim, é possível que os trabalhadores acos-
tumados com os padrões técnicos e de qualidade dessas empresas, ao migrarem
para empresas nacionais, contribuam para o aprimoramento tecnológico e compe-
titivo dessas últimas.
Com efeito, as empresas brasileiras que contratam trabalhadores qualificados
provenientes de empresas estrangeiras vêem a sua produtividade aumentar em
virtude dessas contratações [Araújo e Mendonça (2006)], as quais também lhes
aumentam as chances de se tornarem empresas inovadoras.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda é corrente o pensamento de que o avanço da tecnologia compromete a


demanda pela mão-de-obra. Menos corrente, porém também conhecida, é a dis-
cussão sobre efeitos negativos da abertura comercial brasileira sobre o mercado
de trabalho. Este capítulo buscou o exame empírico dessas questões.
O diferencial das análises aqui desenvolvidas está relacionado com o uso de
variáveis com freqüência desprezadas – ou menosprezadas – no debate, entre as
quais destacam-se: a) a qualificação da mão-de-obra, que se desdobra em

390 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


capacitação (Capítulo 3 desta edição), que por sua vez se associa a maior ou
menor estabilidade no emprego – em função do investimento das firmas em
treinamento, por exemplo – etc.; e b) os ganhos de produtividade (glossário,
Seção 1) derivados da inserção internacional, na medida em que as firmas, ex-
postas a um mercado mais exigente, precisam se adequar a novas formas de
organização e de produção, aí incluído naturalmente o seu capital humano, ou o
perfil da sua mão-de-obra.
No primeiro caso, a tecnologia é, de fato, poupadora de trabalho, especial-
mente de trabalho menos qualificado. Entretanto, como pôde ser observado no
decorrer do capítulo, as inovações tecnológicas no nível da firma também abrem
novas oportunidades às empresas inovadoras. Essas oportunidades estão relacio-
nadas com a conquista de novos mercados e com um desempenho econômico
que permite às firmas crescerem mais do que suas congêneres não inovadoras.
Esse crescimento acaba fazendo com que o emprego nessas firmas volte a crescer,
com um nível de qualidade e remuneração superior ao que se tinha anteriormente.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado às relações entre inserção externa e
emprego. Se, por um lado, os impactos da abertura comercial no Brasil sobre o
emprego foram negativos, por outro as exportações brasileiras parecem, hoje,
estar desempenhando um papel positivo na geração de emprego e renda na eco-
nomia brasileira. Ou seja, a economia brasileira pode encontrar novas fontes de
dinamismo, de criação de emprego, e melhoria da renda dos trabalhadores.
Em suma, todas as evidências e indicadores apresentados durante este capí-
tulo parecem convergir em uma direção muito clara: a de que a qualidade da
mão-de-obra e o desempenho tecnológico e competitivo da economia brasileira
são elementos que se retroalimentam, e de que a atuação orgânica desses elementos
é promissora no sentido de contribuir efetivamente para um melhor cenário do
mercado de trabalho no Brasil.

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Tecnologia, exportação e emprego z 391


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392 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


NOTAS
1. Este capítulo foi elaborado com informações das empresas e dos trabalhadores a elas vinculados. Nos
últimos anos o Ipea organizou o maior conjunto de informações sobre as empresas no Brasil, que reúne
os dados de várias pesquisas e registros administrativos provenientes das mais diversas fontes. O Ipea
não tem a posse física das informações e, portanto, a realização de trabalhos como este só é possível
devido às parcerias estabelecidas entre o Ipea, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Banco Central do Brasil (Bacen), o Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão (MPOG) e a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). O acesso aos dados seguiu rigorosamente os
procedimentos que garantem o sigilo de informações restritas. Maiores detalhes sobre a constituição
da base podem ser obtidos em De Negri e Salerno (2005).
2. O Capítulo 5 deste livro contém as definições de População Economicamente Ativa (PEA) e de população
ocupada. A população ocupada de 84,6 milhões considera, inclusive, os trabalhadores para o
autoconsumo, o que difere da definição adotada naquele capítulo.
3. É importante observar que a ocupação sem carteira assinada não necessariamente representa ilegalidade
ou emprego precário. Nos últimos anos o mercado de trabalho tem gerado novas formas de contratação
de pessoal. Diversas atividades que antes eram diretamente realizadas pelas empresas passaram a ser
contratadas de trabalhadores autônomos, de cooperativas etc. Trabalhos especializados de alto conteúdo
tecnológico são também ofertados por consultorias que não formalizam suas atividades com a assinatura
de carteira. Chama a atenção, entretanto, o baixíssimo grau de formalização no setor agrícola em
comparação com o restante da economia. Uma parte desse diferencial pode ser atribuída a atividades
como a agricultura familiar ou de subsistência. Entretanto, nesse setor a incidência de ilegalidade na
contratação da mão-de-obra é um problema recorrente. Os Capítulos 4 e 5 deste livro discutem essas
questões de maneira mais detalhada.
4. Na PAS não estão incluídas atividades como educação, saúde, governo, organizações não-governamentais
(ONGs), energia, gás, água e setor financeiro, cuja participação no emprego não é desprezível.
5. Consideram-se aí todas as formas de contratação, formal ou informal.
6. Esse fenômeno é chamado de deseconomias de aglomeração e é tratado no Capítulo 5, intitulado
Território e Nação, da edição anterior desta série [Rezende e Tafner (2005)].
7. Ver o Capítulo 4 deste livro, no qual esse tema também foi abordado.
8. Definem-se aqui como exportadoras contínuas aquelas empresas que permaneceram exportando durante
todo o período que vai de 2000 a 2004.
9. No Brasil, estima-se que cerca de 40% da realocação de postos de trabalho – que consiste na soma de
postos de trabalho criados e destruídos – foram resultado, no período 1996 a 1998, do nascimento e
morte de empresas [Corseuil et alii (2001)].
10. Pela própria definição aqui utilizada para exportadoras contínuas, o número de firmas não se altera
entre 2000 e 2004, o que faz com que o crescimento do emprego total nessas firmas seja igual ao
crescimento médio do emprego em cada uma delas.
11. O número de firmas estrangeiras é o mesmo em 2000 e 2004 devido à inexistência de informações
sobre quais são as empresas multinacionais em operação no país em 2004. A última informação
disponível data de 2000, e foi essa a utilizada neste trabalho.
12. O Capítulo 5 deste livro mostra como as características individuais influenciam os rendimentos dos
trabalhadores.

Tecnologia, exportação e emprego z 393


13. Detalhes dos procedimentos estatísticos usados para a classificação das firmas na indústria brasileira
podem ser vistos em De Negri e Salerno (2005).
14. Sobre a matéria, ver também o Capítulo 2, intitulado Inovação e competitividade, da edição de 2005
desta mesma série [Rezende e Tafner (2005)].

394 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


7 Políticas Públicas de Emprego,
Trabalho e Renda no Brasil
Políticas Públicas de Emprego,
7 Trabalho e Renda no Brasil

1. INTRODUÇÃO

Para entender a posição e a situação das políticas públicas de emprego, trabalho e


renda no Brasil atual é necessário fazer um breve histórico de suas origens e
desenvolvimento, de modo a identificar os problemas que são considerados in-
dispensáveis para antever os desdobramentos futuros de um sistema público de
emprego, trabalho e renda (SPETR) no país. Por isso priorizou-se neste capítulo
uma abordagem temática, com destaque para aqueles problemas que suscitam
maior debate e polêmica. Assim, com essa estrutura, os diversos programas do
Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE) puderam ser abordados de maneira
mais organizada, em função dos temas de relevância adotados.
A seção seguinte traz uma recuperação histórica da montagem das principais
políticas brasileiras de emprego, trabalho e renda em nível federal. A Seção 3
descortina alguns aspectos relevantes da criação e do estabelecimento do Fundo
de Amparo ao Trabalhador (FAT) como principal – e quase exclusiva – fonte de
financiamento daquelas políticas. E a última seção faz uma breve avaliação de
desempenho (físico e financeiro) dos principais programas federais de emprego,
trabalho e renda, com o intuito de destacar três aspectos de interesse, a saber:
a) incipiente integração entre os principais programas do nosso SPETR; b) seu
baixo impacto agregado diante dos principais problemas de um mercado caracte-
rizado por grande heterogeneidade e, em alguns casos, também por precariedade
de condições; e c) necessidade de maior sintonia entre os programas do SPETR e
as políticas nacionais de desenvolvimento.
As especificidades brasileiras na área revelam a necessidade de soluções
inovadoras no âmbito das políticas públicas de emprego, trabalho e renda. À
guisa de conclusão, pode-se dizer que a principal lição proveniente deste capítulo
reside na ênfase que deveria ser dada às políticas ativas direcionadas ao lado da
demanda por trabalho, pois é nesse campo que se concentram as chances de se
incrementar a oferta de vagas de boa qualidade no mercado de trabalho.

2. BREVE HISTÓRICO DA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

Apesar do longo caminho trilhado pelas economias desenvolvidas desde o final


da II Guerra Mundial na estruturação de seus sistemas públicos de emprego, a
experiência brasileira nesse campo ocorreu muito mais recentemente. Pode-se
dizer que as primeiras políticas de proteção ao trabalhador só começaram a ser
implantadas no Brasil na década de 1960.1
Nessa época, o crescimento populacional, a migração rural e o crescimento
dos grandes centros urbanos provocaram uma expansão significativa da mão-
de-obra disponível nas cidades. As altas taxas de crescimento econômico do
período possibilitaram a incorporação de parcelas expressivas da População
Economicamente Ativa (PEA) ao mercado formal de trabalho, sobretudo no setor
industrial e nos aparelhos de Estado.
Em um período em que a economia mundial vivia um surto de crescimento
econômico sem precedentes, acreditava-se no Brasil que a melhoria das condições
de vida da população seria conseqüência direta do crescimento econômico. O de-
semprego existente era entendido como uma imperfeição decorrente do baixo ní-
vel de desenvolvimento econômico que marcava o país. O predomínio dessa
concepção parece explicar a quase ausência no Brasil de programas públicos de
emprego e renda ainda no decorrer dos anos 1960 e 1970.

2.1 Primórdios: Décadas de 1960, 1970 e 1980 no Brasil

Apesar de a Constituição de 1946 já colocar a assistência ao desempregado


como um direito do trabalhador, a primeira tentativa de criação de um seguro
para o trabalhador desempregado foi feita apenas em 1965, com a Lei 4.923/65,
que criou o Cadastro Permanente de Admissões e Dispensas de Empregados e
instituiu um plano de assistência ao desempregado. Esse benefício deveria ser
custeado pelo Fundo de Assistência ao Desempregado (FAD), com recursos pro-
venientes da arrecadação de 1% da folha salarial da empresa e de uma parcela
das contribuições sindicais.2 Para usufruir o benefício, o trabalhador deveria ter sido
demitido sem justa causa ou então a empresa onde estava trabalhando ter fechado
total ou parcialmente.

398 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


O benefício não durou muito. No ano seguinte, criou-se o Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço (FGTS), e os recursos do FAD referentes a 1% da folha
salarial foram drenados para esse novo fundo. A diminuição dos recursos obrigou
o governo a restringir a cobertura do programa, que passou a conceder benefícios
apenas a trabalhadores desligados em dispensas coletivas, isto é: trabalhadores
desligados em empresas que tivessem demitido pelo menos 50 trabalhadores
em um período de 60 dias.
O FGTS tinha por objetivo flexibilizar o processo de demissão dos traba-
lhadores, já que a legislação da época impunha pesadas indenizações para os
empregadores que demitissem sem justa causa [Ferrante (1978)]. Quanto maior
o tempo de serviço do empregado, maiores eram as indenizações pagas pelas
empresas, e aquele trabalhador que ficasse mais de dez anos trabalhando na
mesma empresa teria assegurada a sua estabilidade no emprego.
Com o FGTS, o empregador passou a depositar, mensalmente, 8% do salário
do trabalhador numa conta vinculada ao contrato de trabalho, a cujos fundos o
trabalhador poderia ter acesso no momento da sua demissão. As restrições im-
postas nas regras de concessão do auxílio-desemprego fizeram com que o FGTS
passasse a representar praticamente a única fonte de proteção financeira efetiva
ao trabalhador desempregado.
A criação do FGTS representou um enorme estímulo à rotatividade, já que
os empregadores não precisavam mais pagar grandes indenizações no momento
da dispensa do trabalhador. Como conseqüência, reduziu-se a proteção finan-
ceira ao trabalhador desempregado. Isso porque os critérios do fundo foram
feitos para garantir ao trabalhador algo como um salário por ano trabalhado. No
entanto, dada a instabilidade do mercado de trabalho brasileiro, grande parte dos
trabalhadores permanecia menos de um ano em um mesmo emprego, obrigando-os
a sacar constantemente os recursos do FGTS. O resultado é que a proteção fi-
nanceira no momento do desemprego, oferecida como substituto da estabili-
dade, deixou de existir.
Em 1970 foram criados o Programa de Integração Social (PIS) e o Programa
de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep). Esses fundos foram ins-
tituídos com o objetivo de formação de patrimônio para o trabalhador e estímulo
à poupança interna, sendo o PIS dirigido aos trabalhadores da iniciativa privada e
o Pasep aos servidores públicos nos três níveis de governo. Os recursos desses
fundos seriam aplicados de forma unificada por intermédio do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE) em projetos de desenvolvimento, cabendo
à Caixa Econômica Federal (Caixa) e ao Banco do Brasil (BB) a administração das
contas individuais, respectivamente, do PIS e do Pasep. Os trabalhadores teriam

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 399


acesso aos recursos desses fundos por ocasião do casamento, aposentadoria,
invalidez permanente ou morte do participante. Junto com a criação deles, ins-
tituiu-se o pagamento adicional de 1 salário mínimo (SM) por ano para os traba-
lhadores com carteira assinada que recebiam até 5 SMs, naquilo que ficou
conhecido como abono salarial. Em 1975 procedeu-se à unificação dos fundos
PIS/Pasep.
Para o trabalhador, no entanto, esses fundos trouxeram poucos benefícios.
Seus recursos não propiciaram a formação de qualquer patrimônio significativo.
De fato, o único benefício importante por eles criado ficou sendo o abono salarial,
o qual, no entanto, permaneceu completamente isolado de qualquer outro pro-
grama ou serviço público.
Em 1975, atendendo a determinações da Convenção 88 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT),3 criou-se o Sistema Nacional de Emprego (Sine),
por intermédio do Decreto 76.403/75. O sistema tinha por objetivo prover ser-
viços de intermediação de mão-de-obra, orientação profissional, qualificação
profissional e geração de informações sobre o mercado de trabalho. Seu finan-
ciamento se daria com recursos do FAD e sua estrutura seria erguida por meio
de postos de atendimento mediante parceria entre o Ministério do Trabalho e
governos estaduais.
Por conta da fragilidade da fonte de financiamento do Sine e do caráter
descentralizado de sua implementação, os resultados inicialmente alcançados
foram bastante incipientes e heterogêneos entre os estados. Dos serviços pre-
vistos, apenas a intermediação de mão-de-obra se consolidou. Após um período
inicial de expansão do sistema (1975 a 1982), seguiu-se uma fase marcada por
incertezas e descontinuidades políticas (1983 a 1993), o que provocou a desar-
ticulação das ações do Sine, a queda brusca do número de trabalhadores colo-
cados no mercado de trabalho, a desestruturação das equipes técnicas e a perda
de boa parte do conhecimento e experiência adquiridos, tanto na esfera federal
como na estadual.
Assim, pode-se dizer que as políticas públicas de emprego desenhadas nos
anos 1960 e 1970 se orientaram muito mais no sentido de indenizar o trabalhador
demitido do que no de fornecer alguma proteção efetiva ao trabalhador desem-
pregado. Por isso, as primeiras tentativas de implantação de um programa de
seguro-desemprego e de um sistema de emprego abrangente não vingaram. O
entrave fundamental ao desenvolvimento dessas tentativas foi o fato de não terem
contado com uma base de financiamento estável e segura. Quando encontraram
algum espaço, essas tentativas foram financiadas com recursos do Orçamento
Geral da União, aplicados de acordo com critérios políticos e discricionários.

400 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


A situação perdurou enquanto as elevadas taxas de crescimento da economia
possibilitaram a expansão do setor formal e a manutenção de baixas taxas de
desemprego aberto. Com a crise do início dos anos 1980, no entanto, a realidade
do mercado de trabalho mudou completamente. Observa-se um crescimento da
taxa de desemprego, ao mesmo tempo em que ocorre uma estagnação do em-
prego formal e o alargamento das ocupações informais como fonte de absorção
de mão-de-obra. A crise da dívida e a falência das finanças públicas minaram a
capacidade de investimento do Estado, sobretudo em áreas de infra-estrutura
que permitem outros investimentos do setor privado, reduzindo, assim, o po-
tencial de crescimento da economia. Tais transformações aconteceram sem que
o país dispusesse de instrumentos consolidados de proteção aos desempregados.
Em 1986, passado o pior momento da crise do início dos anos 1980, e
refletindo também o ambiente político favorável trazido pela redemocratização
do país, o governo federal instituiu o seguro-desemprego (Decreto-Lei 2.284/
86) como parte do Plano Cruzado. A finalidade era prover assistência financeira
temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa
ou paralisação total ou parcial das empresas. A regulamentação do seguro previa,
como atribuição do Sine, a recolocação do trabalhador no mercado de trabalho
e a requalificação do desempregado que estivesse recebendo o benefício.
Pelo decreto-lei, o financiamento do seguro-desemprego seria feito pelo
FAD, mas, durante o exercício de 1986, excepcionalmente, seria custeado com
recursos provenientes do Orçamento Geral da União. Previa-se a criação de uma
comissão tripartite – com representantes do governo, dos trabalhadores e dos
empresários –, sob coordenação do Ministério do Trabalho, para elaborar a pro-
posta de financiamento do seguro, com recursos provenientes de contribuições
da União, dos empregadores e dos empregados, nos moldes existentes nos países
desenvolvidos, de forma tal que estivesse em condições de produzir efeitos já a
partir de 1987. A comissão, contudo, nunca chegou a se reunir, e parte dos
custos passou a ser coberta com recursos ordinários do Tesouro Nacional, além
das receitas provenientes da contribuição sindical e da colocação de títulos
públicos no mercado.
Talvez por causa dessa ausência de uma fonte de financiamento específica
para o seguro-desemprego, os critérios de pagamento e de acesso ao benefício
foram ainda bastante restritivos: o trabalhador deveria comprovar a condição
de assalariado no mercado formal durante os últimos seis meses e ter contribuído
para a previdência social durante pelo menos 36 meses nos últimos quatro anos.
O tempo de duração do benefício não poderia ultrapassar quatro meses e haveria
um período de carência de 18 meses para o recebimento de um novo seguro.

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 401


Essas regras acabaram por resultar em uma baixa cobertura nos primeiros anos
da implantação do programa. Isso porque os trabalhadores menos qualificados,
em geral os que sofrem de maior instabilidade no mercado de trabalho, não
conseguiam satisfazer as regras para a obtenção do benefício. Aqueles que tinham
baixos valores a sacar do FGTS e menores alternativas de auto-sustento nos
períodos de desocupação eram justamente os trabalhadores com maiores difi-
culdades para cumprir os requisitos de acesso ao seguro. Além disso, na regula-
mentação do programa feita pelo Ministério do Trabalho, estabeleceu-se que os
trabalhadores teriam que estar desempregados há no mínimo 60 dias para requerer
o benefício. Esse prazo, somado à demora para o processamento do pedido e
para a liberação do primeiro pagamento, obrigava o trabalhador a ficar um longo
período sem proteção, contrariando os objetivos formais do programa.

2.2 Desenvolvimento: Décadas de 1990 e 2000

À época da Assembléia Nacional Constituinte, o sistema público de emprego


ainda não havia se consolidado no Brasil. De um lado, existiam os benefícios
que dispunham de um esquema de financiamento claro, mas que se limitavam
de forma geral à indenização por dispensa ou outro evento que resultasse em
impedimento para o trabalho. De outro, havia tanto a rede de agências do Sine
quanto o seguro-desemprego, ambos em tese voltados para apoiar a reinserção
do trabalhador desempregado, podendo ser considerados como os primeiros
passos na construção do SPETR, mas que na prática atuavam de forma paralela,
sem articulação.
Ademais, a ausência de uma fonte estável para o financiamento das políticas
de emprego limitou muito o seu alcance até o início da década de 1990. A definição
das fontes financiadoras do seguro-desemprego e demais políticas de emprego se
consolidaria apenas na Constituição de 1988, quando, nas Disposições Constitu-
cionais Gerais, o artigo 239 possibilitou dar um formato mais acabado às iniciativas
existentes, estabelecendo o PIS e o Pasep como lastro para as políticas da área e
criando as bases para a organização do SPETR tal como existe hoje.
Segundo o artigo 239 da Constituição Federal (CF), a arrecadação do PIS/
Pasep, em vez de ser acumulada com o objetivo de formação de patrimônio indi-
vidual do trabalhador, passaria a financiar o Programa do Seguro-Desemprego e o
Programa do Abono Salarial, este último restrito aos trabalhadores que tivessem
recebido até 2 SMs mensais no ano anterior. Adicionalmente, pelo menos 40% da
arrecadação dessas contribuições seriam destinados ao financiamento de progra-
mas de desenvolvimento econômico pelo Banco Nacional de Desenvolvimento

402 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Econômico e Social (BNDES). Previa-se que as empresas com maior rotatividade
da força de trabalho, em face do índice médio do setor, deveriam dar uma contri-
buição adicional para o seguro-desemprego, dispositivo que, no entanto, jamais
foi regulamentado. As modificações no PIS/Pasep foram feitas com o objetivo de
assegurar a proteção do trabalhador em caso de desemprego involuntário, sem,
contudo, criar um novo tributo para essa finalidade.
A regulamentação da nova estrutura institucional de financiamento do
seguro-desemprego só ocorreu em 1990, pela Lei 7.998/90, que criou o FAT e o
Conselho Deliberativo do FAT (Codefat). Nesse novo esquema de financiamento,
o faturamento das empresas consagrava-se como a principal base de incidência
do fundo, como pode ser depreendido do Quadro 1.
A Lei 7.998/90 também estendeu as atribuições do programa do seguro-
desemprego, que passou a ter por finalidades prover assistência financeira tem-
porária ao desempregado e auxiliá-lo na busca de um novo emprego, podendo,
para isso, promover a sua reciclagem profissional. Ou seja, pela primeira vez
adotava-se uma concepção de seguro-desemprego que ia além do auxílio fi-
nanceiro, incorporando também os serviços de intermediação de mão-de-obra
e de qualificação profissional, nos termos dos sistemas adotados nos países
desenvolvidos. Pelos novos critérios, o trabalhador teria de demonstrar a com-
provação de emprego com carteira durante pelo menos 15 meses nos últimos
dois anos. O tempo de carência foi reduzido de 18 para 16 meses. Também se
aumentou o valor do benefício, de maneira a elevar a reposição da renda anterior
do trabalhador.
Dessa forma, pode-se afirmar que a CF de 1988 estabeleceu as bases para a
organização de um efetivo programa de amparo ao trabalhador desempregado.
Mais que isso, o Programa do Seguro-Desemprego daí resultante e sua forma de
financiamento vieram a representar o grande eixo organizador de um conjunto
de benefícios e serviços no que se refere às políticas de emprego. Em termos gerais,
a existência de uma fonte de financiamento como o FAT permitiu ampliar o
escopo das políticas públicas de emprego, a fim de que fossem além da mera
concessão temporária de benefício monetário contra o desemprego.
Dentro do processo de melhoria do seguro-desemprego, a Lei 8.352/91
flexibilizou os critérios de elegibilidade do programa. Ela dispensou a compro-
vação de trabalho com carteira durante 15 meses nos últimos dois anos. Para
receber o benefício, bastava comprovar carteira assinada nos últimos seis meses.
Com isso, adotou-se um critério que permitiu a ampliação de sua cobertura, em
especial sobre aqueles trabalhadores sujeitos a maior instabilidade do vínculo
empregatício e com baixa proteção no momento do desemprego.

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 403


QUADRO 1
Composição das Fontes de Financiamento do FAT
Fontes Base de arrecadação
PIS: o faturamento (receita operacional bruta) das empresas privadas com ou sem fins
lucrativos, a utilização do trabalho assalariado ou quaisquer outros que caracterizem a
relação de trabalho, a entrada de bens estrangeiros no território nacional, ou o pagamento, o
crédito, a entrega, o emprego ou a remessa de valores a residentes ou domiciliados no
exterior como contraprestação por serviço prestado.
Contribuintes pelo faturamento: empresas do setor privado com fins de lucro, sociedades civis
de prestação de serviços relativos ao exercício de profissões legalmente regulamentadas,
sociedades cooperativas que praticam operações com não-cooperados, serventias
extrajudiciais não-oficializadas.
Contribuintes pela folha de pagamento: entidades sem fins lucrativos que tenham
empregados e que não realizem habitualmente venda de bens ou serviços, sociedades
PIS/Pasep cooperativas que praticam operações com cooperados, condomínios em edificações.
Alíquota sobre faturamento: 1,65% para as empresas que declaram com base no lucro real e
0,65% para aquelas que declaram com base no lucro presumido.
Alíquota sobre folha de pagamento: 1% sobre folha de salários.
Pasep: arrecadação efetiva de receitas correntes da União, estados, Distrito Federal e
municípios; e as transferências correntes e de capital realizadas a entidades da administração
pública.
Contribuintes: pessoas jurídicas de direito público interno, com base no valor mensal das
receitas correntes arrecadadas e das transferências correntes e de capital recebidas; e as
entidades sem fins lucrativos definidas como empregadoras pela legislação trabalhista,
inclusive as fundações, com base na folha de salários.
Alíquota: 1% sobre o total da folha de pagamento mensal dos empregados da pessoa jurídica.
BNDES: juros e correção monetária pagos pelo BNDES sobre os repasses constitucionais (40% da
arrecadação).
Depósitos especiais: juros e correção monetária pagos pelos agentes executores [BNDES, BB,
Receitas
Caixa, Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e Banco
financeiras
da Amazônia S.A. (Basa)] sobre os depósitos especiais.
BB extramercado: juros e correção monetária sobre aplicações financeiras próprias do FAT.
Recursos não-desembolsados: juros e correção monetária sobre recursos não-desembolsados.
Cota-parte da contribuição sindical.
Restituição de benefícios não-desembolsados.
Outras receitas Restituição de convênios.
Multas e juros devidos pelos contribuintes ao FAT.
Devolução de recursos de exercícios anteriores e multas judiciais.
Contribuição Arrecadação adicional das empresas cujo índice de rotatividade da força de trabalho for
pelo índice de superior à média do setor.
rotatividade
Obs.:
1) Fundamentos legais: Artigo 234 da CF; leis complementares 7 e 8 de 1970; Lei Complementar 26/75; Lei 9.715/98; Lei 10.637/02;
Decreto 4.524/02; e Lei 10.865/04.
2) Até a legislação de 2002, que alterou as alíquotas de contribuição e a base de incidência do PIS, as empresas privadas recolhiam
uniformemente 0,65% das suas receitas operacionais brutas.
3) A contribuição adicional dos empregadores pelo índice de rotatividade jamais foi regulamentada e, portanto, não existe na prática.

A Lei 8.900/94, por sua vez, tornou permanente essa regra de acesso e, além
disso, promoveu o aumento do número de parcelas do seguro para aqueles traba-
lhadores com mais tempo de inserção no mercado de trabalho. Pode-se dizer que,
a partir daí, o programa foi estendido até próximo de seu limite, permitindo o
acesso àqueles que tivessem carteira assinada a partir de seis meses. A nova lei

404 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


abriu a possibilidade de, a critério do Codefat, ser prolongado excepcionalmente
o período do benefício em até dois meses, respeitando-se a disponibilidade fi-
nanceira do FAT, a evolução geográfica e setorial das taxas de desemprego e o
tempo médio de desemprego.
A abrangência do seguro-desemprego foi também ampliada pela incorpo-
ração de algumas novas clientelas. Em 1992, foi criado o seguro-desemprego
para o pescador artesanal que estivesse impedido de trabalhar por conta da
decretação de defeso.4 Em 2001 as empregadas domésticas passaram a ter direito
ao benefício, desde que o empregador também recolhesse o FGTS. E em 2003
criou-se o seguro-desemprego para o trabalhador libertado de condição análoga
à de escravo. Em todos esses casos ficou estabelecido que o programa teria por
finalidades prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado
em virtude de dispensa sem justa causa e auxiliar os trabalhadores na busca de
emprego, promovendo, para tanto, ações integradas de orientação, recolocação
e qualificação profissional. Dessa forma, se a lei anterior restringia os serviços
de intermediação e treinamento apenas aos requerentes do seguro-desemprego
– e, portanto, apenas aos trabalhadores formais do mercado de trabalho –, a
nova lei abriu a possibilidade de se oferecerem esses serviços aos trabalhadores
em geral, independentemente da sua condição de segurado do programa.
Permitiu-se, com isso, a alocação de recursos do FAT para programas de
qualificação profissional que eram destinados aos trabalhadores em geral, e não
apenas àqueles que requeriam o seguro-desemprego. Foi nesse contexto que se
criou, em 1995, o Plano Nacional de Formação Profissional (Planfor), elaborado
pelo MTE por intermédio da Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profis-
sional.5 Seu objetivo consistia em aumentar a oferta de educação profissional,
de forma a atingir, anualmente, pelo menos 20% da PEA. O público-alvo seria
composto por desempregados, trabalhadores formais e informais, micro e pe-
quenos produtores urbanos e rurais, jovens à procura de emprego, jovens em
situação de risco social, mulheres chefes de família, portadores de deficiência,
entre outros. Em adição aos esforços em qualificação profissional, introduziu-se
nas políticas de emprego a preocupação com grupos marginalizados e discrimi-
nados no mercado de trabalho.
A implementação do Planfor se dava de forma descentralizada, por meio
de planos estaduais de qualificação, coordenados pelas secretarias estaduais
de trabalho. O Planfor estabelecia parcerias mediante convênios, termos de
cooperação técnica e protocolos de intenção entre o MTE e a rede de educação
profissional do país, que compreendia: os sistemas de ensino técnico federal,
estadual e municipal; universidades públicas e privadas; Sistema S; sindicatos

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 405


de trabalhadores; escolas e fundações de empresas; e organizações não-gover-
namentais (ONGs).
Embora o modelo de implementação do Planfor tenha representado uma
importante experiência de descentralização nas políticas de emprego, as fraudes
encontradas no Distrito Federal em 1999 revelaram problemas de controle, no
âmbito do MTE, na aplicação dos recursos pelos estados. Foram, então,
implementadas medidas que envolveram a obrigatoriedade de que os recursos
recebidos pelos estados fossem depositados em uma conta no BB, a especificação
mais clara dos critérios de transferência dos recursos para os estados e a criação de
uma ouvidoria no MTE para receber denúncias. Essas ações melhoraram a trans-
parência do Planfor, mas não acabaram completamente com as questões de
malversação dos recursos. Assim, em 2003, o Planfor foi substituído pelo Plano
Nacional de Qualificação (PNQ), com o aumento do monitoramento e controle
de suas ações, estabelecimento de uma carga horária mínima e conteúdos pedagó-
gicos específicos para os diversos cursos de qualificação.
Também dentro do movimento de utilizar os recursos do FAT para incrementar
as políticas de emprego no país, a Lei 8.352/91 determinou que as disponibili-
dades financeiras do FAT poderiam ser aplicadas em depósitos especiais remu-
nerados, a cargo das instituições financeiras oficiais federais. Os depósitos
especiais abriram espaço para a implementação de novas políticas voltadas para
a geração de emprego e renda. Ademais, o poder do Codefat foi ampliado, fi-
cando em suas mãos as atribuições relacionadas à definição de novas aplicações
do FAT e à escolha de outros agentes financeiros aptos a operacionalizar os
referidos empréstimos do fundo.
Instituídos pelo Codefat, esses depósitos especiais deram origem aos Progra-
mas de Geração de Emprego e Renda (Proger) do governo federal, os quais tinham
por objetivo oferecer alternativas de geração de emprego e renda e de inserção no
processo produtivo por meio de estímulos à capacidade empreendedora e à busca
da auto-sustentação do empreendimento. A implementação desses programas foi
feita via concessão de linhas especiais de crédito a setores com pouco ou nenhum
acesso ao sistema financeiro convencional, como micro e pequenas empresas,
cooperativas e formas associativas de produção, além de iniciativas de produção
próprias da economia informal. Eles passaram a ser efetivados a partir de 1995,
tendo como agentes financeiros, inicialmente, o BB e o BNB. Posteriormente, foram
incluídos a Finep e, mais recentemente, o próprio BNDES, a Caixa e o Basa.
Criaram-se programas para o financiamento de projetos para as áreas urbanas,
naquilo que ficou conhecido como Proger Urbano, e rurais, por intermédio do Proger
Rural. Nos primeiros anos, verificou-se um número de operações de crédito

406 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


bem abaixo do que se esperava. Uma das principais razões levantadas era que,
na prática, os procedimentos para análise de crédito por parte das instituições fi-
nanceiras privadas dificultavam a liberação dos empréstimos, o que acabou
por prejudicar os pequenos tomadores – justamente aqueles que deveriam ser
beneficiados pelo programa. Em resposta, criou-se em 1999 o Fundo de Aval
para a Geração de Emprego e Renda (Funproger), com a finalidade de garantir
parte do risco dos financiamentos concedidos pelas instituições financeiras.6 A
ação trouxe um efeito positivo, expresso por grande expansão do número de ope-
rações de crédito entre 1999 e 2005, mas o programa ainda apresentava trans-
tornos, como o fato de a taxa de sobrevivência dos empreendimentos não ser
satisfatória. A dificuldade de acesso aos empréstimos pelos pequenos tomadores
e a mortalidade precoce dos seus empreendimentos ainda persistem, embora
seja possível encontrar evidências de melhora no seu desempenho agregado.
Também foram alocados recursos do FAT para o Programa de Fortaleci-
mento da Agricultura Familiar (Pronaf), operado, primeiramente, pelo BB e, atual-
mente, também pelo BNB e pelo BNDES, com o objetivo de fornecer apoio
financeiro ao pequeno empreendimento agrícola e familiar. O Pronaf tem con-
seguido atingir as metas de democratizar o crédito de forma bem mais eficaz do
que o Proger Rural, que tem apresentado redução no número de operações de
crédito. Um dos fatores que parece ter contribuído para o maior sucesso relativo
do Pronaf foi o fato de os empréstimos terem sido facilitados por um conjunto
amplo de normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) com o
intuito de melhor precisar os diversos segmentos sociais que compõem o grande
setor de economia familiar rural do país.
Ainda na área de geração de emprego e renda, o Codefat, a partir de 1996,
liberou recursos para o BNDES no âmbito de um outro programa, o Programa de
Expansão do Emprego e Melhoria da Qualidade de Vida do Trabalhador
(Proemprego), que pretendia financiar empreendimentos de maior porte e, ao
mesmo tempo, com potencial de geração de empregos. O programa, no início,
concedeu financiamentos às seguintes áreas: a) transporte coletivo de massa; b)
saneamento ambiental; c) infra-estrutura turística; d) obras de infra-estrutura
voltadas para a melhoria da competitividade do país; e e) revitalização de
subsetores industriais em regiões com problema de desemprego. Em 1999, o
Proemprego incorporou também as rubricas de saúde pública, educação, projetos
multissetoriais integrados, administração tributária, infra-estrutura, comércio,
serviços e exportação, e ainda as pequenas e médias empresas.
Numa linha semelhante à do Proemprego, mas circunscrito apenas à área
que compreende a região Nordeste e o norte de Minas Gerais, foi criado em

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 407


1998 o Programa de Promoção do Emprego e Melhoria da Qualidade de Vida do
Trabalhador na Região Nordeste e Norte do Estado de Minas Gerais (Protrabalho),
cuja execução ficou a cargo do BNB.
Em 2002, começaram a funcionar o FAT Habitação, que busca gerar emprego
na cadeia produtiva da construção civil – setor relativamente mais intensivo
em mão-de-obra –, e o FAT Pró-inovação, em apoio às empresas de capital
nacional. Em 2003, mais quatro novos programas foram abertos: FAT Revitalização,
para recuperação de imóveis em centros urbanos degradados e sítios históricos;
FAT Exportação, para empresas exportadoras; FAT Fomentar, para pequenas e
médias empresas; e FAT Infra-estrutura. Em 2004 foi instituído o Programa de
Modernização do Parque Industrial Nacional (Modermaq), com o objetivo de
promover a modernização da indústria e a dinamização do setor de bens de capital
no país. O programa se estrutura em linhas de financiamento com recursos do BNDES
e do FAT, sendo permitidas operações de crédito com taxas de juros fixas e
tendo o risco das variações da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) coberto pela
União por meio de dotações orçamentárias específicas. Paralelamente a esses
programas, novas linhas especiais de crédito foram lançadas, as quais não cons-
tituem formalmente novos programas, mas que se mostram relevantes na con-
cessão de empréstimos, com objetivo declarado de gerar emprego e renda, como,
por exemplo: FAT Integrar; FAT Integrar Norte; FAT Vila Pan-americana; FAT
Inclusão Digital; e FAT Cédulas de Produto Rural Financeira (CPRF)/Certificado
de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA).7
O FAT, na área de microcrédito, liberou em 1996 recursos para o BNDES no
âmbito do Programa de Crédito Produtivo Popular (PCPP), o qual busca formar uma
rede de instituições privadas capazes de financiar pequenos empreendimentos.
Todavia, esse programa havia fomentado apenas 300 mil empreendimentos até
2001. Assim, em 2002, foi criado um novo programa de microcrédito com re-
cursos do FAT, o FAT Empreendedor Popular, que procura expandir a capacidade
de financiamento de pequenos empreendimentos no Brasil. Um ponto novo do
programa era o financiamento de operações de capital de giro, pois o diagnós-
tico do MTE era que financiar somente investimentos em capital fixo retirava
do universo de beneficiários muitos empreendedores populares, justamente os
que mais precisavam desse tipo de recurso em um primeiro momento. Porém,
pode-se dizer que os resultados desses programas de microcrédito ainda são
muito tímidos no que tange à criação, de fato, de uma rede de microcrédito no
país, que atinja os mais pobres. E na mesma linha do microcrédito, mas no
âmbito do próprio MTE, criou-se em 2004 o Programa Nacional de Microcrédito
Produtivo Orientado (PNMPO), instituído com o objetivo de incentivar a geração
de trabalho e renda entre os microempreendedores populares. Por microcrédito

408 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


produtivo entende-se aquele baseado em metodologia na qual existe o relacio-
namento direto do chamado agente de crédito com os empreendedores no local
onde é executada a atividade econômica.
Em 2003, foram criados dois novos programas que procuraram alcançar
segmentos insuficientemente cobertos. O primeiro, voltado para a inserção
laboral de jovens de baixa renda e escolaridade e entre 16 e 24 anos, tem sido
financiado majoritariamente com recursos ordinários do orçamento. Há priori-
dade para jovens afrodescendentes, para portadores de necessidades especiais e
para jovens em conflito com a lei. O segundo busca o fortalecimento da Economia
Solidária, segmento constituído por empreendimentos administrados pelos
próprios trabalhadores. Suas ações incluem o mapeamento dos empreendimentos
existentes, a constituição de uma rede de incubadoras e o apoio a fóruns de
articulação das redes de economia solidária.
Em suma, na área de geração de emprego e renda, pode-se dizer que vários
programas ganharam corpo desde 1995. Porém, é ainda questionável a capaci-
dade desses programas de atingir efetivamente um universo significativo de
pequenos empreendimentos. Isso leva a uma outra questão, que é a baixa co-
bertura dos mesmos ou, em outras palavras, o seu reduzido peso para contraba-
lançar efeitos negativos de oscilações macroeconômicas sobre o emprego. Na
realidade, as flutuações do emprego no Brasil no período 1995-2005 estiveram
mais ligadas às políticas macroeconômicas do que aos resultados desses pro-
gramas. Assim, pode-se perguntar se o seu surgimento vem atendendo ou não a
alguma estratégia clara de geração de emprego no país.
O Quadro 2 dá um resumo da situação atual concernente às políticas de
emprego, trabalho e renda operantes a partir do MTE.
A partir do histórico das políticas de emprego aqui narrado, pode-se entender
a atual estrutura organizacional do sistema de emprego brasileiro (Quadro 3).
Esse quadro mostra que o sistema apresenta uma política de diretrizes centrali-
zadas no nível do MTE, ainda que a implementação dos programas tenha que
ser feita de forma descentralizada, a partir das unidades estaduais do Sine e
seus escritórios locais.
A gestão administrativa possui, hoje, um conselho tripartite (Codefat), que
delibera sobre a alocação dos recursos aos diversos programas de intermediação-
capacitação, seguro-desemprego e projetos de geração de emprego e renda. As
atribuições de cada instância de operação do Sine em âmbito estadual, no entanto,
seguem uma estrutura hierárquica que responde ao centralismo das diretrizes
propostas pelo MTE e pelo Codefat.

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 409


QUADRO 2
Principais Programas Federais de Emprego, Trabalho e Renda
Atualmente Operantes
Nome Descrição Ano de início
Abono salarial Benefício no valor de 1 SM anual, assegurado aos 1989
empregados que percebem até 2 SMs de remuneração (1970 para contas
mensal, desde que cadastrados há cinco anos ou mais no individuais)
PIS/Pasep e que tenham trabalhado pelo menos 30 dias
em um emprego formal no ano anterior.
Intermediação de Captação de vagas junto a empresas e encaminhamento de 1977
mão-de-obra/Sine trabalhadores em busca de emprego.
Seguro-desemprego Assistência financeira temporária ao trabalhador 1986: trabalhador formal
desempregado, em virtude da dispensa sem justa causa.
Concedido em parcelas mensais, que variam de três a cinco, 1992: pescador artesanal
dependendo do número de meses trabalhados nos últimos 2001: trabalhador
36 meses, para um período aquisitivo de 16 meses, ou seja: doméstico
z três parcelas, se trabalhou pelo menos seis dos últimos 36
meses; 2003: trabalhador
z quatro parcelas, se trabalhou pelo menos 12 dos últimos resgatado
36 meses;
z cinco parcelas, se trabalhou pelo menos 24 dos últimos
36 meses.
Qualificação Oferta de cursos de qualificação profissional para 1995
profissional trabalhadores desempregados ou em risco de desemprego
e para microempreendedores.
Geração de emprego Concessão de crédito produtivo assistido a micro e pequenas 1995
e renda empresas, cooperativas e trabalhadores autônomos.
Primeiro emprego Promoção do ingresso do jovem no mundo do trabalho 2003
para a juventude por meio de qualificação profissional, estímulo financeiro
às empresas contratantes, parcerias para contratação de
aprendizes e apoio à constituição de empreendimentos
coletivos pelos jovens.
Economia solidária Apoio à formação e divulgação de redes de empreendi- 2003
mentos solidários pelo fomento direto, mapeamento das
experiências e constituição de incubadoras.

As atividades clássicas de intermediação de mão-de-obra são de responsa-


bilidade pública, enquanto as de formação profissional são compartilhadas entre
os setores público e privado, onde o conhecido Sistema S desempenha papel de
relevo. Ambas as atividades dependem basicamente de recursos do FAT, que
desde a Constituição de 1988 reúne os fundos do sistema PIS/Pasep. Cabe também
ao MTE a alocação de parte desses recursos à geração e à análise de informações
sobre o mercado de trabalho, com base principalmente nos registros adminis-
trativos oriundos da Lei 4.923/65 – Cadastro Geral de Emprego e Desemprego
(Caged) e Relação Anual de Informações Sociais (Rais).
Quanto ao seguro-desemprego propriamente dito, o Quadro 3 mostra que a
origem dos recursos também é o FAT, sendo que a sua gestão tem como pública a

410 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


QUADRO 3
Características Gerais do Sistema Público de Emprego no Brasil
Estrutura organizacional Gestão administrativa
Diretrizes Implementação Conselho Atribuições
Centralizadas Descentralizada Tripartite Hierarquia
Atividades de intermediação-capacitação
Intermediação-capacitação Relação
Recursos Cobertura público/privado

Intermediação = pública
FAT Desempregados
Capacitação = público/privado
Programa de seguro-desemprego
Origem dos recursos Gestão Cobertura
Administração = pública Desemprego
PIS/Pasep (FAT)
Pagamento = centralizado sem justa causa
Fonte: MTE.

sua administração e como centralizado o pagamento dos benefícios pelo MTE. O


nível de cobertura refere-se aos desempregados sem justa causa. Portanto, inclui
apenas os trabalhadores que tiveram carteira assinada antes de serem demitidos.
Com a criação do FAT em 1990, o país passou a dispor de um conjunto
abrangente de políticas de emprego, tais como aquelas implementadas pelos
países desenvolvidos entre as décadas 1940 e 1970. Entretanto, o alcance des-
sas políticas, no caso brasileiro, torna-se limitado pela natureza heterogênea e
precária do mercado de trabalho nacional, ponto que será retomado na última
seção deste capítulo. Antes disso, porém, é crucial detalhar características ge-
rais do FAT, as quais o tornam tanto uma fonte privilegiada de recursos como
uma fonte potencial de problemas para o desenvolvimento futuro das políticas
de emprego, trabalho e renda no Brasil, o que será feito a seguir.

3. O FAT COMO FONTE PRIVILEGIADA DE FINANCIAMENTO

Se por um lado é possível afirmar que a atual arquitetura de programas e ações


governamentais na área de trabalho e renda jamais existiria sem a fonte de recursos
propiciada pelo FAT, por outro, caso se deseje a expansão do sistema, principal-
mente se o objetivo da inclusão de segmentos heterogêneos e precários do mer-
cado de trabalho nacional estiver em seu horizonte, serão necessários novos
recursos, que poderão advir do próprio FAT, mediante redução da parcela desti-
nada ao BNDES, ou de outra fonte de financiamento, via aumento de impostos
ou cortes em outras despesas do programa.

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 411


Por motivos que serão mais bem discutidos ao longo das subseções a seguir,
o FAT não deveria ser tratado como fonte exclusiva de recursos para essas políticas
no Brasil, tanto porque a totalidade de suas receitas correntes já está sendo
utilizada, como porque a lógica de remuneração que lhe dá sustentação
patrimonial dificulta que essa fonte seja usada, por exemplo, em programas de
qualificação profissional e seguro-desemprego de maior cobertura, ou ainda em
programas de inclusão financeira desatrelados da lógica privada, como o são os
de microfinanças e microcréditos produtivos efetivamente populares, entre outros.

3.1 Natureza e Características Gerais do FAT

A definição das fontes financiadoras do seguro-desemprego, conforme já visto,


foi obra da CF de 1988, quando, nas Disposições Constitucionais Gerais, o artigo
239 estabeleceu como sendo essa a função do PIS/Pasep. Este artigo determinou
que o PIS/Pasep passaria a financiar os programas do seguro-desemprego e do
abono salarial. Adicionalmente, pelo menos 40% da arrecadação seriam desti-
nados ao financiamento de programas de desenvolvimento econômico, por in-
termédio do BNDES, com critérios de remuneração que preservassem o valor
dos empréstimos. A CF também garantiu que o patrimônio PIS/Pasep acumulado
do até então nas contas individuais existentes fosse preservado.8
Em janeiro de 1990 foi efetivamente criado o FAT, pela Lei 7.998/90, que
veio regulamentar o artigo 239 da CF. A Lei 8.019/90 garantiu que os recursos
repassados ao BNDES, “ao amparo do § 1o do art. 239 da Constituição Federal,
antes da vigência da Lei no 7.998, de 1990, acrescidos de correção monetária
pela variação do IPC e do juro de 5% ao ano, constituirão direitos do FAT e
serão contabilizados na forma do disposto no art. 2o desta Lei”. O artigo 2 o, por
sua vez, afirmava que ficaria a cargo do BNDES o risco das operações financeiras
realizadas com a parte que lhe fosse repassada.
Dessa forma, o patrimônio inicial do FAT foi formado pela diferença entre
o que foi arrecadado pelo PIS/Pasep – entre outubro de 1988 e a efetiva
implementação do FAT em 1990 – e aquilo que foi pago ao seguro-desemprego
e ao abono salarial no período. Ainda compuseram o patrimônio inicial os juros
e a correção monetária incidentes sobre os 40% da arrecadação, repassados ao
BNDES no mesmo período.
Do momento de sua criação até 1994, o fundo experimentou uma situação de
significativa folga financeira, tendo conseguido acumular um grande patrimônio.
As despesas totais de custeio, aí incluídos o seguro-desemprego, o abono salarial
e os demais programas de apoio ao trabalhador, somadas às transferências ao

412 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


BNDES, foram quase sempre inferiores à arrecadação líquida do PIS/Pasep. A
partir de 1995, entretanto, houve forte aumento de dispêndios em decorrência
da expansão do seguro-desemprego. Como, por um lado, o BNDES manteve
preservada sua fatia no bolo e, por outro, houve retenção de parte da receita
bruta do PIS/Pasep pelo Fundo Social de Emergência (FSE) – posteriormente
rebatizado de Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, atualmente, de Desvinculação
de Receitas da União (DRU) – visando ao equilíbrio fiscal,9 desapareceu o superávit
do fundo.
Além disso, diversas medidas provisórias foram enviadas pelo governo ao
Congresso Nacional com o objetivo de captar parte dos recursos do FAT, a título
de empréstimo, como para o custeio da safra agrícola via BB e para pagar as
unidades prestadoras de serviço ao Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo.
A utilização dos recursos do fundo para financiamento de gastos com saúde e
custeio agrícola pode ser entendida como um problema, pois desvia recursos do
FAT dos objetivos principais para os quais ele foi criado.
Com isso, o governo acabou permitindo uma mudança significativa nas
possibilidades de utilização dos recursos do FAT. A Lei 8.352/91 determinou
que parte das disponibilidades financeiras do fundo formasse a reserva mínima
de liquidez, destinada a garantir, em tempo hábil, os recursos necessários ao
pagamento das despesas referentes ao seguro-desemprego e ao abono salarial.10
Determinou-se também que os recursos da reserva mínima de liquidez somente
poderiam ser aplicados em títulos do Tesouro Nacional, por intermédio do Banco
Central do Brasil (Bacen). Por último, a Lei 8.352/91 definiu que o montante das
disponibilidades financeiras do FAT que excedesse o valor da reserva mínima de
liquidez poderia ser aplicado em depósitos especiais remunerados nas instituições
financeiras oficiais federais.11 É importante ressaltar que o resultado dessas re-
munerações constituiria receita corrente do FAT.
Essa lei, como bem destacou Azeredo (1998), foi um marco na legislação
do FAT por dois motivos. O primeiro foi a instituição de um mecanismo de
defesa dos recursos do fundo e dos programas por ele financiados, calculado
com base na necessidade de pagamento do seguro-desemprego e do abono
salarial. O segundo motivo foi que a criação dos depósitos especiais ampliou a
possibilidade de utilização dos recursos do FAT e concentrou no Codefat o poder
decisório sobre essa utilização. Foi com os depósitos especiais que se possibilitou,
a partir de 1993, a alocação de recursos nas instituições financeiras oficiais
federais para uso em programas de geração de emprego e renda.
Enfoque-se agora a estrutura orçamentária simplificada do PIS/Pasep (FAT)
para entender melhor o funcionamento do fundo. As fontes de financiamento

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 413


do FAT estão compostas, basicamente, pelos seguintes itens: a) receita primária;
b) receitas financeiras; e c) outras receitas de menor importância, conforme dis-
posto no Quadro 4. A receita primária do FAT é formada pelo PIS/Pasep e pela
cota-parte da contribuição sindical, enquanto outra parcela fundamental são as
receitas financeiras, advindas basicamente da remuneração sobre os depósitos
especiais, dos retornos oriundos dos recursos transferidos ao BNDES para pro-
gramas de desenvolvimento econômico e dos retornos decorrentes dos recursos
próprios do FAT investidos no BB Extramercado.
Pelo lado das despesas, há um grupo que são as desvinculações de recursos
do PIS/Pasep e um outro grupo que reúne o repasse constitucional ao BNDES
para programas de desenvolvimento, os depósitos especiais, e os recursos da reser-
va mínima de liquidez, que são aplicados no BB Extramercado, no sentido em que
são despesas que geram remuneração para o FAT.12 O retorno dos empréstimos ao
FAT nessas três modalidades, conquanto assuma um formato final estritamente
financeiro, na verdade poderia ser dividido em dois componentes diferentes.
QUADRO 4
Estrutura Orçamentária Simplificada do PIS/Pasep (FAT)
Principais fontes (receitas) Principais usos (despesas)
1. Receita primária 1. Desvinculações de Recursos do PIS/Pasep
1.1 Arrecadação PIS/Pasep 1.1 FSE (EC 01: 01/04/94 a 31/12/95)
1.2 Cota-parte da contribuição sindical 1.2 FEF (ECs 10 e 17: 01/01/96 a 31/12/99)
2. Receitas financeiras 1.3 DRU (EC 27: desde 21/03/2000)
2.1 Remuneração (juros + correção monetária) paga 2. Repasse constitucional ao BNDES (BNDES 40%)
pelo 2.2 BNDES sobre os repasses 2.1 Programa de Desenvolvimento Econômico e Social
constitucionais 3. Depósitos especiais remunerados
(BNDES 40%) 3.1 BNDES
2.2 Remuneração (juros + correção monetária) paga 3.2 BB
pelos agentes executores (BNDES, BB, Caixa, 3.3 Caixa
BNB, Finep e Basa) sobre os depósitos especiais 3.4 BNB
2.3 Remuneração (juros + correção monetária) de 3.5 Basa
aplicações financeiras próprias do FAT (BB 3.6 Finep
Extramercado) 4. Reserva mínima de liquidez
2.4 Remuneração (juros + correção monetária) de 5. Despesas correntes de natureza constitucional
recursos não-desembolsados 5.1 Seguro-desemprego
3. Outras receitas 5.2 Abono salarial
3.1 Restituição de benefícios não-desembolsados 6. Outras despesas correntes no MTE e outros órgãos
3.2 Restituição de convênios 6.1 Intermediação de mão-de-obra (Sine)
3.3 Multas e juros devidos ao FAT 6.2 Qualificação profissional
3.4 Outras receitas patrimoniais: devolução de 6.3 Fiscalização laboral
recursos de exercícios anteriores + multas 6.4 Segurança no trabalho
judiciais 6.5 Erradicação do trabalho escravo
6.6 Erradicação do trabalho infantil
6.7 Outras despesas correntes: operações especiais
(sentenças judiciais e encargos especiais),
pagamento de tarifas às instituições financeiras,
transferências às Delegacias Regionais do Trabalho
(DRTs), variação do saldo de recursos aplicados no
BB e Caixa, outros programas não-finalísticos
Fonte: MTE/Coordenadoria-Geral de Recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CGFAT).

414 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Uma parte é a remuneração sobre as operações de crédito (empréstimos) efetiva-
mente realizadas pelo BNDES e agentes executores dos depósitos especiais, tendo
o FAT como funding e a TJLP como taxa referencial. Outra parte é de natureza
estritamente financeira e diz respeito tanto às aplicações feitas pelo BB (BB
Extramercado) em títulos do Tesouro Nacional, como à taxa Sistema Especial de
Liquidação e de Custódia (Selic) incidente sobre aquela parcela dos emprésti-
mos FAT não convertidos em operações de crédito pelo BNDES e agentes execu-
tores dos depósitos especiais.
Nos itens 5 e 6 do quadro estão despesas correntes com as políticas de
trabalho e renda do MTE. Deve-se destacar aí o seguro-desemprego e o abono
salarial, que são despesas determinadas constitucionalmente e que, por isso,
não estão sujeitas a restrições ou eventuais contingenciamentos de recursos. Já
as outras despesas correntes só são feitas com os recursos que porventura exce-
derem a reserva mínima de liquidez do FAT. Isso, aliado ao fato de que todos os
componentes do patrimônio do fundo – inclusive aqueles de natureza estrita-
mente financeira – precisam remunerar e preservar os valores originais dos em-
préstimos, gera uma situação na qual, a despeito do tamanho do patrimônio
total (cerca de R$ 116 bilhões em 2005), apenas as receitas financeiras de cada
período podem ser usadas para financiar novos gastos correntes, isto é, aqueles
que excedem os montantes gastos obrigatoriamente com seguro-desemprego e
abono salarial.

3.2 Desempenho Financeiro e Principais Limitações

Como pode ser visto no Gráfico 1, o patrimônio do FAT tem crescido de forma
praticamente contínua ano após ano.13 Entre 1995 e 2005, sua taxa de crescimento
foi de 8,8% ao ano (a.a.), com uma única queda em 2002. Esse desempenho é
surpreendente porque está longe de refletir o ciclo econômico do período, que teve
taxa anual média de crescimento de apenas 2,4% do Produto Interno Bruto (PIB).
Isso significa que outros determinantes devem ter tido maior peso nessa
explicação, destacando-se aqui dois fatores. De um lado, o próprio aumento da
arrecadação PIS/Pasep, que, como será visto mais à frente, constitui a principal
fonte de abastecimento do FAT. De outro, e talvez mais importante, a dinâmica
de autovalorização dos elementos que compõem o patrimônio do FAT, a saber:
a) repasses constitucionais de 40% da arrecadação PIS/Pasep para o BNDES; b) de-
pósitos especiais remunerados do FAT em instituições legalmente habilitadas
(BNDES, BB, Caixa, BNB, Basa e Finep); e c) aplicações ativas no mercado fi-
nanceiro, por meio do BB (BB Extramercado).

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 415


GRÁFICO 1
Evolução do Patrimônio do FAT segundo seus Principais Componentes

[em R$ milhões de dezembro de 2004 (IGP-DI) e, em 2005, valores correntes]


140.000

120.000

100.000

80.000

60.000
40.000

20.000

-
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Fonte: MTE/CGFAT. Depósitos especiais BNDES (40%) BB extramercado

O segundo fator pode ser considerado a principal fonte de valorização do


patrimônio do FAT, porque a taxa anual média de crescimento da arrecadação
bruta do PIS/Pasep foi de 2,9% no período 1995-2005, bem próxima da supracitada
taxa de crescimento anual médio do PIB (2,4%), o que indica uma certa correlação
pró-cíclica e proporcional entre ambas. Enquanto isso, como o patamar das taxas
de juros oficiais foi, no período em foco, bastante superior ao patamar de cresci-
mento do PIB e da inflação corrente, pode-se dizer que o crescimento anual médio
de 8,8% do patrimônio do FAT entre 1995 e 2005 estaria sendo determinado,
predominantemente, pelo retorno financeiro – parte indexado à taxa Selic e parte
indexado à TJLP – das aplicações do FAT relativas aos repasses constitucionais
(BNDES 40%), depósitos especiais (BNDES, BB, Caixa, BNB, Basa e Finep) e apli-
cações do BB (BB Extramercado). Ao contrário dos gastos correntes do FAT, todos
aqueles três tipos de destinações de recursos do fundo exigem uma remuneração
tal que preserve os valores originais dos respectivos empréstimos. Isso tem ensejado
uma situação na qual o patrimônio do FAT cresce ancorado numa lógica de valo-
rização, em grande medida, financeira.
Vejam-se agora alguns números que ajudam a descortinar a importância
dos recursos do FAT dentro da realidade das políticas públicas brasileiras, em
especial para o SPETR. O total do Gasto Social Federal (GSF) – incluindo rubricas
significativas como previdência e saúde – montou em aproximadamente R$ 258
bilhões em 2004, enquanto o total do PIB brasileiro naquele ano se situou em
aproximadamente R$ 1,745 trilhão. Com isso, os recursos totais arrecadados
pelo PIS/Pasep representaram em 2004 algo como 8% de todo o GSF,
correspondendo a cerca de 1,2% do PIB. Esse percentual PIS/Pasep sobre o PIB
coloca o Brasil em uma posição comparável a países como Canadá, Reino Unido

416 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


e Portugal (em torno de 1,2%), superior a países como Estados Unidos, República
da Coréia, República Tcheca, Grécia, Hungria e Japão – todos com percentuais
inferiores a 1% do PIB –, mas em posição inferior aos demais países-membros
da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), tais
como Dinamarca, Finlândia, Suécia, Holanda (superiores a 4% do PIB) e Irlanda,
Alemanha, Bélgica, França, Suíça e Nova Zelândia, com gastos entre 2% e 4%
do PIB.14
Em grande parte, a posição brasileira apenas se fez possível, como já visto
aqui, a partir da constituição do FAT como fonte privilegiada de financiamento
das suas políticas de trabalho, emprego e renda. Contudo, assim como isso é um
aspecto positivo da arquitetura institucional do nosso SPETR, também coloca
problemas de difícil solução para a consolidação das políticas num sistema de
fato integrado e mais abrangente do que o atual. Sobre esse ponto, um primeiro
aspecto importante refere-se às destinações dos recursos recolhidos em nome
do PIS/Pasep. Pela Tabela 1 é possível verificar que a arrecadação bruta cresce
em média 2,9% a.a. no período 1995-2005, com destaque para dois subperíodos
bem nítidos, a saber: a) entre 1995 e 2000 há movimentos de alta e redução da
arrecadação total sem tendência nítida, refletindo, provavelmente, o contexto
macroeconômico incerto do período; e b) depois, entre 2001 e 2005, a tendência
é predominantemente positiva, relacionada tanto a um quadro macroeconômico
mais favorável como a mudanças introduzidas na alíquota e na base de incidência
do PIS.
Em segundo lugar, há que se destacar que a receita primária do FAT não
corresponde ao total da arrecadação PIS/Pasep porque, desde 1994, vigoram as
desvinculações de recursos (FSE, FEF e DRU) sobre essa e outras fontes de finan-
ciamento do gasto público – parte integrante da estratégia de estabilização mo-
netária deflagrada no ano anterior ao lançamento do Plano Real – e também
porque 40% dos recursos remanescentes destinam-se ao BNDES.
Entre 1999 e 2002, o corte dos gastos públicos, em termos reais, atingiu
fortemente itens de custeio da máquina pública, gastos em educação e saúde, e
investimentos em habitação e saneamento, entre outros. Por sua vez, o aumento da
carga tributária disponível em âmbito federal se deu com aumento da arrecadação
de impostos e principalmente das contribuições sociais, o que permitiu a essa
espécie tributária ampliar sua participação na composição total das receitas de
governo. Essa estratégia foi escolhida por serem as contribuições sociais tributos
não-repassáveis para estados e municípios.
Também as desvinculações comportaram-se distintamente: a) de 1995 a 1999,
sob a vigência inicial do FSE e depois do FEF, recolheram-se percentuais elevados

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 417


TABELA 1
Arrecadação PIS/Pasep e Principais Destinações entre 1995 e 2005
a
[em R$ milhões ]

Arrecadação Variação Desvinculação % FSE/FEF Receita Repasse % BNDES s/ Receita % MTE s/


PIS/Pasep anual (%) FSE/FEF/DRU /DRU primária BNDES PIS/Pasep MTE PIS/Pasep
1995 16.646,8 - 4.332,7 26,0 12.314,1 4.925,6 29,6 7.388,5 44,4
1996 18.041,6 8,4 4.376,9 24,3 13.664,7 5.465,9 30,3 8.198,8 45,4
1997 16.972,3 -5,9 4.391,3 25,9 12.581,0 5.032,4 29,7 7.548,6 44,5
1998 15.946,2 -6,0 4.252,1 26,7 11.694,1 4.677,6 29,3 7.016,4 44,0
1999 19.490,1 22,2 7.122,8 36,5 12.367,4 4.946,9 25,4 7.420,4 38,1
2000 17.052,1 -12,5 2.611,3 15,3 14.440,8 5.776,3 33,9 8.664,5 50,8
2001 18.077,0 6,0 3.615,4 20,0 14.461,6 5.784,6 32,0 8.676,9 48,0
2002 18.068,0 0,0 3.613,6 20,0 14.454,4 5.781,8 32,0 8.672,6 48,0
2003 19.330,9 7,0 3.866,2 20,0 15.464,7 6.185,9 32,0 9.278,8 48,0
2004 20.517,1 6,1 4.103,4 20,0 16.413,7 6.565,5 32,0 9.848,2 48,0
2005 21.240,4 3,5 4.248,1 20,0 16.992,3 6.796,9 32,0 10.195,4 48,0
Total 201.382,4 2,9 46.533,6 23,2 154.848,8 61.939,5 30,7 92.909,3 46,1
Fonte: MTE/CGFAT.
a
Os valores até 2004 foram corrigidos pelo IGP-DI, para preços de 31/12/2004. Em 2005, valores expressos em moeda corrente. De
01.04.94 a 31.12.95, FSE (EC 1). De 01.01.96 a 31.12.99, FEF (ECs 10 e 17). A partir de 21.03.2000, DRU (EC 27).

da arrecadação PIS/Pasep, com destaque para o ano de 1999, quando o percentual


de 36,5% representou um montante de mais de R$ 7 bilhões; e b) de 2000 a 2005,
já sob influência da DRU, o limite foi de 20% de desvinculação anual.
Em ambos os casos, no entanto, a conseqüência da aplicação das desvinculações
sobre a arrecadação bruta PIS/Pasep é uma perda anual não-desprezível de re-
cursos da receita primária do FAT (Gráfico 2).
Em termos agregados, caso não houvesse desvinculação, tanto o MTE como
o BNDES disporiam de montantes adicionais expressivos em seus respectivos
orçamentos anuais – da ordem de R$ 1,7 bilhão para o BNDES e de R$ 2,5
bilhões para o MTE.
Atendo-se apenas ao MTE, nota-se pela Tabela 2 que o déficit primário
anual do FAT se deveu, em sete dos 11 anos analisados, exclusivamente à apli-
cação das desvinculações, posto que a parcela percentual do BNDES manteve-se
constante. Sem elas, segundo o exercício aqui realizado, a execução financeira
anual do FAT teria se apresentado com uma configuração bem menos proble-
mática: até mesmo com saldos positivos significativos nos últimos três anos da
série (Tabela 2 e Gráfico 3).

418 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 2
Destinações da Arrecadação do PIS/Pasep

[em R$ milhões de dezembro de 2004 (IGP-DI) e, em 2005, valores correntes]


25.000

20.000

15.000

10.000

5.000

0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Fonte: MTE/CGFAT. Receita do FAT Repasse do BNDES (40%) Desvinculação do FSE/FEF/DRU

TABELA 2
Execução Financeira do FAT e Comparativo de Saldos Finais com e sem Desvinculações
a
[em R$ milhões ]
b
Receita Receita do MTE c/ Receita do MTE s/ Custeio de Saldo com FSE, Saldo sem FSE,
Ano c
primária FAT FSE, FEF e DRU FSE, FEF e DRU programas FEF e DRU FEF e DRU

1995 12.314,1 7.388,5 9.988,1 9.565,4 -2.176,9 422,7

1996 13.664,7 8.198,8 10.824,9 10.767,4 -2.568,6 57,5

1997 12.581,0 7.548,6 10.183,4 10.675,2 -3.126,6 -491,8

1998 11.694,1 7.016,4 9.567,7 12.025,8 -5.009,4 -2.458,1

1999 12.367,4 7.420,4 11.694,1 10.640,5 -3.220,1 1.053,6

2000 14.440,8 8.664,5 10.231,2 9.988,4 -1.323,9 242,8

2001 14.461,6 8.676,9 10.846,2 11.155,5 -2.478,6 -309,3

2002 14.454,4 8.672,6 10.840,8 11.287,4 -2.614,8 -446,6

2003 15.464,7 9.278,8 11.598,5 10.253,2 -974,4 1.345,3

2004 16.413,7 9.848,2 12.310,3 10.462,6 -614,4 1.847,7

2005 16.992,3 10.195,4 12.744,2 11.920,8 -1.725,4 823,4

Total 154.848,8 92.909,3 120.829,4 118.742,2 -25.832,9 2.087,2


Fonte: MTE/CGFAT.
a
Os valores até 2004 foram corrigidos pelo IGP-DI, para preços de 31/12/2004. Em 2005, valores expressos em moeda corrente. De
01.04.94 a 31.12.95, FSE (EC 1). De 01.01.96 a 31.12.99, FEF (ECs 10 e 17). A partir de 21.03.2000, EC 27.
b
Receita Primária do FAT já com aplicação das desvinculações (FSE, FEF e DRU), e Receita Líquida do MTE já com repasse ao BNDES.
c
Custeio de Programas diz respeito ao MTE: seguro-desemprego, abono salarial, intermediação de mão-de-obra, qualificação
profissional e outras despesas operacionais e com demais programas. Não inclui programas de desenvolvimentio econômico
custeados com o repasse ao BNDES.

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 419


GRÁFICO 3
Comparação entre Saldos Finais no FAT, com e sem Aplicação das Desvinculações
(FSE/FEF/DRU)
[em R$ milhões de dezembro de 2004 (IGP-DI) e, em 2005, valores correntes]
3.000
2.000
1.000
0
-1.000
-2.000
-3.000
-4.000
-5.000
-6.000
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Fonte: MTE/CGFAT. Saldo com DRU Saldo sem DRU

Ainda sobre a execução financeira do FAT, dois outros aspectos merecem


comentário. O primeiro diz respeito à evolução da receita do fundo em termos
reais. Descartadas quedas conjunturais de arrecadação, nota-se um crescimento
quase monotônico de 1999 a 2002, a partir de quando há saltos mais significativos
nas arrecadações auferidas. Detendo-se apenas sobre o período mais recente
(2000-2005), tem-se um incremento real da receita líquida do MTE da ordem de
5,6% a.a., para um crescimento real das despesas com custeio de programas
(seguro-desemprego, abono salarial, intermediação de mão-de-obra e qualifi-
cação profissional) em torno de 2,3% no mesmo período. Esse crescimento da
arrecadação está relacionado ao bom desempenho do emprego formal desde 2001
– especialmente no biênio 2004/2005 –, bem como à elevação de alíquota do
PIS com mudança da sua base de incidência e sistemática de arrecadação.
O segundo aspecto importante a ser destacado aqui se relaciona com o
movimento recente de redução do saldo corrente negativo do fundo. Esse fenô-
meno pôde ser observado em 2003 por um efeito combinado da forte queda das
despesas e de um aumento vigoroso das receitas. Em 2004, ano de forte cresci-
mento econômico, houve um aumento mais do que proporcional da arrecadação
ante as despesas correntes, verificando-se o inverso em 2005, quando o cresci-
mento do PIB arrefeceu. A sinalização que emerge, então, é de que, supondo
inalterada a fiscalização, há uma correlação positiva entre a evolução do nível
de arrecadação PIS/Pasep e o nível de atividade da economia em geral. Conforme
já apontado aqui, no período 1995-2005, enquanto a taxa anual média de cres-
cimento da arrecadação PIS/Pasep foi de 2,9%, a taxa anual média de cresci-
mento do PIB foi de 2,4%. Em outras palavras, sempre que o sistema econômico
estiver em aquecimento, é de se esperar um aumento da base de tributação do

420 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


PIS/Pasep, com o que se pode dizer que o seu potencial financeiro é pró-cíclico.
O mesmo deve ser verdade em contextos de retração do nível de atividade,
ainda que simulações específicas sejam necessárias para dimensionar a intensi-
dade desses efeitos. Pelo exposto, é possível supor que uma trajetória persisten-
temente recessiva para a economia poderia comprometer, pelo lado da receita
no longo prazo, a saúde financeira do fundo. Além disso, em contextos
recessivos, o lado das despesas também seria um fator de pressão, por serem
contracíclicas, já que boa parte das destinações do fundo se deve à cobertura
do seguro-desemprego e do abono salarial, que, juntos, representam cerca de 2/3
dos desembolsos anuais dos recursos do FAT (Gráfico 4).
Nesse ponto, é preciso chamar a atenção para o fato de que a receita pri-
mária do FAT não é – como alguns poderiam supor – a única fonte de recursos
do MTE para financiar o conjunto de suas ações, embora seja, realmente, a mais
importante. Além dela, contribuem decisivamente, para cobrir o conjunto de
despesas correntes, as receitas financeiras do próprio FAT, os recursos fiscais
ordinários do Tesouro Nacional e outras fontes de menor importância (Quadro 5).
Essa observação é relevante porque ajuda na compreensão de como é que,
a despeito dos saldos recorrentemente negativos do FAT no período 1995-2005,
o MTE pôde cobrir a diferença com a utilização das receitas financeiras do próprio
FAT, vindo em seguida os aportes do Tesouro Nacional e, por fim, outras fontes
de menor importância.
Concretamente, no caso dos programas de intermediação de mão-de-obra,
seguro-desemprego e abono salarial, tem-se uma situação na qual as receitas
primárias do FAT são as principais provedoras do financiamento (Gráfico 5).

GRÁFICO 4
Composição da Despesa do FAT segundo suas Principais Destinações

[em % do total de despesas]


100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Fonte: MTE/CGFAT. Intermediação + qualificação Seguro + abono BNDES (40%)

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 421


QUADRO 5
Principais Fontes de Financiamento dos Programas do MTE
1. Receita primária do FAT, descontados 20% anuais para a DRU e 40% anuais para o BNDES
2. Receitas financeiras do FAT, decorrentes do retorno de aplicações pelo uso dos recursos
2.1 Juros e correção monetária pagos pelo BNDES sobre os repasses constitucionais
2.2 Juros e correção monetária pagos pelos agentes executores sobre os depósitos especiais
2.3 Juros e correção monetária de aplicações financeiras próprias do FAT (BB Extramercado)
2.4 Juros e correção monetária de recursos não-desembolsados pelos agentes executores.
3. Recursos ordinários do Tesouro Nacional
4. Fontes de menor importância na composição final do financiamento do MTE
4.1 Saldos de exercícios anteriores
4.2 Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins)
4.3 Contribuição para o plano de seguridade do servidor
4.4 Contribuição de trabalhadores e empregadores para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
4.5 Outras contribuições sociais
4.6 Fundo de combate à pobreza
4.7 Devolução de recursos do FSE, FEF e DRU
4.8 Taxas pelo poder de polícia
4.9 Recursos de convênios
4.10 Outros recursos diversos
Fontes: Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi)/Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e Sistema
Integrado de Dados Orçamentários (Sidor)/Secretaria de Orçamento Federal (SOF).

Já no caso da qualificação profissional, ocorre o inverso: as receitas finan-


ceiras do FAT, seguidas dos aportes ordinários do Tesouro Nacional garantem a
cobertura dos gastos realizados (Gráfico 6).
E há também os programas criados em 2003 – Primeiro Emprego e Economia
Solidária –, que nem mesmo utilizam o FAT para se financiarem.15 Em ambos os
casos, a tendência é que esses programas se fiem em recursos ordinários do Te-
souro, a despeito do seu caráter discricionário – e supostamente mais frágil.
Essa situação não significa que a saúde financeira do fundo esteja em risco
absoluto no momento, dado que o déficit expresso na Tabela 2 está sendo co-
berto pelos retornos dos depósitos especiais e demais aplicações financeiras do
FAT. A questão é que, idealmente, a arrecadação do PIS/Pasep deveria ser sufi-
ciente para cobrir os gastos com o seguro-desemprego e o abono salarial, ambos
finalidades constitucionais do fundo, e, adicionalmente, os gastos com os pro-
gramas de intermediação de mão-de-obra e qualificação profissional, enquanto

422 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 5
Fontes de Financiamento do MTE para os Programas de Intermediação de
Mão-de-Obra, Seguro-Desemprego e Abono Salarial
[em % do total de fontes]
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Fontes: STN/Siafi e SOF/Sidor. Outras fontes Recursos ordinários Receitas financeiras PIS/Pasep (FAT)

GRÁFICO 6
Fontes de Financiamento do MTE para as Ações de Qualificação Profissional

[em % do total de fontes]


120

100

80

60

40

20

0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Fontes: STN/Siafi e SOF/Sidor. Outras Fontes PIS/Pasep (FAT) Recursos ordinários Receitas financeiras

os depósitos especiais e seus retornos financeiros, também idealmente, deveriam


cobrir os gastos com os programas de geração de emprego e renda.16
Por fim, quanto aos programas de geração de emprego e renda (Proger
Urbano, Proger Rural, Pronaf, Protrabalho, Proemprego e demais linhas especiais
de crédito com recursos do FAT),17 vê-se pelo Gráfico 7 que em 2005 eles foram
majoritariamente executados pelo BNDES (57% do total) e pelo BB (32%).
Minoritariamente também agem como repassadores dos recursos do FAT a Caixa
(7% do total), o BNB (3%), a Finep (1%) e o Basa (menos de 1%).
É importante notar que as referidas linhas de crédito relativas aos depósitos
especiais remunerados do FAT não são executadas necessariamente por todas as
instituições citadas. O BNDES, por exemplo, concentrou-se, em 2005, na execução

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 423


GRÁFICO 7
Composição dos Depósitos Especiais do FAT, por Principais Programas e Agentes
Executores - 2005
[em R$ milhões de dezembro de 2004 (IGP-DI) e, em 2005, valores correntes]
25.000

20.000

15000

10.000

5.000

0
BNDES BB CEF BNB Finep Basa

Fonte: MTE/CGFAT. Proger urbano Proger rural Pronaf Protrabalho Proemprego Linhas especiais de crédito

do Proemprego e na aplicação dos recursos aqui reunidos com a rubrica de linhas


especiais de crédito (FAT Exportar, FAT Fomentar, FAT Infra-estrutura, FAT Capi-
tal de Giro). O BB, por sua vez, tem sido a principal instituição a executar o Proger
Urbano e o Pronaf, além de também contar com importantes linhas especiais de
crédito (Proger Exportação, FAT Habitação, FAT Eletrodomésticos, FAT Integrar
Urbano e Rural, FAT Capital de Giro e FAT Inclusão Digital).
Já Caixa e BNB apresentam estratégias diferentes de atuação junto aos
recursos do FAT. Enquanto a primeira se concentrou, em 2005, em Proger Urbano
e linhas especiais de crédito (Proger Exportação, FAT Habitação, FAT Eletrodo-
mésticos, FAT Inclusão Digital, FAT Revitalização e FAT Vila Pan-americana), o
BNB preferiu pulverizar a sua carteira, com destaque, no entanto, para a execução
do Protrabalho, do qual é o único repassador.

4. DESAFIOS À EFETIVAÇÃO DO SPETR NO BRASIL

A heterogeneidade é marca distintiva do padrão de estruturação do mercado de


trabalho brasileiro e, a despeito das alterações trazidas pela CF de 1988, ela se
aprofundou ao longo das décadas de 1980 a 2000. Como amplamente reconhecido,
a CF de 1988 é um marco na história das políticas sociais brasileiras. Em seu
capítulo dedicado aos direitos sociais, promoveu uma mudança formal sem pre-
cedentes na trajetória de construção da ação do Estado no campo social. Trata-se
de uma alteração qualitativa muito importante em termos da concepção de pro-
teção que vigorava no país até então, pois inseriu os princípios da seguridade
social e da universalização em áreas consideradas vitais da reprodução social.

424 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


No âmbito próprio às políticas de mercado de trabalho, destaca-se a insti-
tuição do FAT, a partir do qual se pôde viabilizar financeiramente a construção
de um sistema público de emprego, composto de políticas de transferência tem-
porária de renda (seguro-desemprego e abono salarial), prestação de serviços
(intermediação de mão-de-obra e qualificação profissional) e concessão de crédito
produtivo. Todavia apesar dos avanços institucionais nesse campo da proteção
social, constata-se uma baixa eficácia geral dessas políticas em termos
macroeconômicos, por motivos que lhe são parcialmente exógenos. Nesse par-
ticular, esta seção identifica as fontes principais de insuficiência do SPETR mon-
tado recentemente no país, sob a perspectiva das alterações experimentadas
pelo mercado de trabalho.18
A partir da especificidade mais visível do mercado de trabalho brasileiro,
qual seja, de uma oferta estruturalmente abundante de mão-de-obra, inclusive
durante o ciclo de crescimento acelerado das décadas de 1930 a 1980, chegamos
a um certo padrão de estruturação do trabalho no país que se caracteriza pelos
seguintes aspectos:
a) Composição setorial da ocupação: participação do setor terciário (co-
mércio varejista e ambulante, serviços pessoais e domésticos etc.) muito grande
na composição setorial da força de trabalho.
b) Grau de formalização das relações de trabalho: difusão parcial de relações
de trabalho de assalariamento formal, concentrado nos setores mais dinâmicos
da economia e no setor público.
c) Nível de emprego: não-desprezível subocupação da força de trabalho, se
utilizado o conceito de desemprego que inclui o aberto (definição dada no Ca-
pítulo 5, tradicionalmente comparável) e o desemprego oculto decorrente do
trabalho precário e do desalento, ainda que, devido a fatores demográficos,
tenha se reduzido nos últimos dois anos e apresente perspectivas mais favorá-
veis no futuro – conforme apontado nos capítulos 2, 4 e 5.
d) Qualidade da ocupação: duração das jornadas de trabalho relativamente
elevadas se comparadas internacionalmente – ainda que haja evidências de jor-
nadas superiores em países emergentes da Ásia e, especialmente, na China.
e) Nível de remuneração: níveis muito baixos, se medidos no nível do poder
de compra real.
f) Estrutura de rendimentos: dispersão muito grande entre os rendimentos
do trabalho, notadamente entre os chamados salários de base – formados pela
pressão de oferta abundante do trabalho, normalmente pouco qualificada, nos
segmentos pouco estruturados do mercado – e os salários formados por pressão

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 425


da demanda por trabalho mais qualificado, existentes, em geral, no interior do
chamado segmento estruturado do mercado de trabalho, composto, por sua vez,
tanto por empresas privadas de médio e grande porte quanto pelo próprio Estado.
g) Vários tipos de segmentação ou de discriminação no mercado de trabalho:
espacial (urbano versus rural); de gênero (homem versus mulher); de cor (branco
versus não-branco); por idade (jovem versus idoso); por grau de instrução (qua-
lificado versus não-qualificado) etc.
O fenômeno da reorganização do mercado de trabalho no Brasil tem, então,
suscitado a necessidade de se buscar maior articulação das diversas políticas de
emprego, e entre elas e as políticas macroeconômicas. Também deve ser vis-
lumbrada a necessidade de aprimoramentos das instituições que regulam o mer-
cado de trabalho de modo a torná-las mais adaptadas à nova realidade, como
debatido no Capítulo 4 deste livro.
Durante todo o século XX até a década de 1980, o Brasil apresentou taxas
superlativas de crescimento econômico e elevadas taxas de assalariamento, com
presença marcante da mobilidade social ascendente. Isso levou a um relativo
descuido em relação à incorporação social que não passasse pela via do trabalho,
ou melhor, pela via do emprego assalariado formal.
Posteriormente, entre o período constituinte e o início dos anos 1990, já
estando o modelo brasileiro de crescimento econômico em transformação e o
Estado em crise, teve início o desenrolar do processo de constituição de políticas
públicas de emprego e renda, consubstanciadas na formação do chamado SPETR,
tal como já ocorrera na experiência dos países centrais.
É consenso entre os estudiosos da área que a década de 1990 representou
uma mudança sem precedentes na trajetória brasileira de estruturação de políti-
cas públicas voltadas ao mercado de trabalho. Contudo, a despeito dos avanços
constatados, há que se reconhecer que os programas pertencentes ao SPETR
brasileiro continuam, em sua maioria, presos à regulação do setor formal da
economia, que atualmente ocupa menos da metade da PEA no mercado de tra-
balho.19 Em outras palavras, é preciso atentar para o fato de que o conjunto de
políticas nacionais de emprego nasceu e se desenvolveu restrito aos programas
governamentais pertencentes exclusivamente ao seu SPETR.
Por isso mesmo, os instrumentos clássicos do SPETR tornam-se, em grande parte,
compensatórios, atuando principalmente sobre os condicionantes do lado da oferta do
mercado de trabalho (intermediação e capacitação profissional). Obviamente, essas ações
são incapazes de gerar a abertura de novas vagas, mas podem dotar o trabalhador de
melhores ferramentas na disputa pelas vagas existentes.

426 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Há, evidentemente, pressões para que o SPETR assuma papéis mais proe-
minentes na integração de suas políticas específicas com aquelas da esfera
macroeconômica, o que lhe impõe um desafio: esperar por uma reversão da
trajetória vigente no mercado de trabalho – o que em parte deve ocorrer por
efeitos meramente demográficos, como apontado no Capítulo 2 –, reorientar
seu leque de prioridades, no sentido de direcionar o sistema de programas e
recursos para políticas voltadas à dinamização do mercado de trabalho, ou ainda
ajustar seus programas direcionando sua ação e seus recursos para o conjunto
de trabalhadores independentemente de seu grau de formalização.

4.1 Desempenho Orçamentário e Aderência dos Principais Programas


ao Mercado de Trabalho Heterogêneo e Precário do País

Passados dois anos da execução orçamentário-financeira do novo Plano Plurianual


(PPA) de 2004-2007, torna-se oportuno proceder a uma primeira avaliação global
do desempenho financeiro de alguns dos principais programas geridos pelo
MTE.20 Com esse objetivo, a Tabela 3 apresenta dados da execução orçamentária
e valores liquidados dos mais importantes programas do MTE para os biênios
2002/2003 e 2004/2005. Entre as várias possibilidades de abordagem, optou-se
aqui por uma que prioriza a comparação entre os respectivos níveis de execução.
Um primeiro aspecto que parece interessante destacar é que o nível de
execução de 2003 foi o mais baixo da série para todos os programas listados.
Quanto aos valores reais liquidados, houve, na verdade, um acréscimo ao final
do exercício financeiro de 2005 para os programas mais importantes, ainda que
o nível de execução entre eles tenha se mantido de forma irregular.
Desses programas, é provável que em 2003 o aumento de gastos com
intermediação de mão-de-obra e seguro-desemprego tenha estado relacionado
à queda da ocupação e aumento do desemprego naquele ano. Já em 2005, ape-
sar da queda na taxa de desocupação registrada pelo IBGE, os gastos com o
seguro-desemprego aumentaram cerca de 13% em relação ao ano anterior, pro-
vavelmente pela combinação entre o reajuste do valor do benefício e o acesso
de um maior número de trabalhadores ao seguro, permitido pelo cumprimento
do período aquisitivo.
A queda dos rendimentos médios reais em 2003 deve ter influenciado, por
sua vez, o aumento de desembolsos do FAT, responsável que é pelo pagamento
do abono salarial a trabalhadores oriundos do setor formal com rendimentos
médios mensais inferiores a 2 SMs. O Gráfico 8 complementa a informação anterior,

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 427


TABELA 3
Valores Liquidados e Nível de Execução Orçamentário-Financeira do MTE – 2002-2005
[valores liquidados (R$ milhões de dezembro de 2005) e nível de execução orçamentária (%)]

Principais programas do Nível de execução Principais programas do Nível de execução


a a
MTE/PPA 2000-2003 2002 2003 MTE/PPA 2004-2007 2004 2005
Novo emprego e seguro-
desemprego 99,7 98,0 Integração das políticas públicas 96,7 99,5
b
de emprego, trabalho e renda
Valores liquidados 9.324,1 8.319,9
Assistência ao trabalhador
(abono salarial) 99,3 94,5 Valores liquidados 10.133,2 11.464,0
Valores liquidados 2.063,3 2.211,9
Qualificação profissional do Qualificação social e
trabalhador 49,5 42,1 profissional 74,2 68,3
Valores liquidados 249,7 59,2 Valores liquidados 84,7 88
Trabalho seguro e saudável 94,0 68,8 Segurança e saúde no trabalho 91,3 86
Valores liquidados 40,1 42,3 Valores liquidados 38,0 37,7
c
Jovem empreendedor Primeiro emprego 31,9 71,8
Valores liquidados Valores liquidados 54,0 100,1
Economia solidária 60,8 77,4
Valores liquidados 19,4 10,2
Fontes: STN/Siafi e SOF/Sidor.
a
A reordenação de programas e nomenclaturas entre os PPAs torna-os não perfeitamente comparáveis, motivo pelo qual se optou
por dividir a tabela.
b
Este programa incorporou todas as ações relativas ao seguro-desemprego, abono salarial e intermediação de mão-de-obra.
c
O Programa Primeiro Emprego incorporou as ações do Programa Jovem Empreendedor.

GRÁFICO 8
Evolução do Número de Benefícios Emitidos pelo MTE: Seguro-Desemprego e
Abono Salarial
[benefícios emitidos (em milhares)]
9.000
8.000
7.000
6.000
5.000
4.000
3.000
2.000
1.000
0
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Fonte: MTE. Abono salarial Seguro-desemprego

ao mostrar que o aumento dos gastos realizados com seguro-desemprego e


abono salarial está diretamente ligado ao aumento de cobertura dos respectivos
programas, além, é claro, do reajuste real do valor dos benefícios.
A quantidade de abonos emitidos subiu do patamar de 4 milhões a.a., entre
1993 e 2001, para a casa dos 5,6 milhões em 2002, 6,7 milhões em 2003,

428 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


7,8 milhões em 2004 e 8,4 milhões em 2005, num ritmo que impressiona, mas
não surpreende. Uma das causas desse crescimento contínuo está ligada a um
incremento no padrão de divulgação do programa, pois, até recentemente, muitos
trabalhadores com direito ao benefício, identificados pelo MTE pelo respectivo
número do PIS/Pasep no sistema Rais/Caged, simplesmente deixavam de com-
parecer em tempo hábil às agências da Caixa/BB para receber o abono salarial.
Um outro motivo estaria relacionado ao período de sete anos consecutivos (1996-
2003) de queda relativa dos rendimentos médios dos trabalhadores ocupados
em relação ao SM, inclusive dos trabalhadores assalariados com carteira, que,
recebendo ao longo do ano menos de 2 SMs mensais, fazem jus ao benefício.
Esse contingente de trabalhadores passou de 13,1% para cerca de 25,2% do
total de ocupados do país entre 1995 e 2005. Em termos absolutos, significou
um salto de 7,3 para 17,4 milhões de trabalhadores com carteira e renda de até
2 SMs mensais.
Com relação ao seguro-desemprego, nota-se que o número de benefícios
emitidos anualmente salta da casa dos 4 milhões entre 1993 e 2002, para a dos
5,5 milhões em 2005. Uma pequena parte desse movimento se explica pelo
alargamento da cobertura propiciado pelo surgimento de novas modalidades de
seguro ao longo do tempo, notadamente: a) para pescador artesanal – vigente
desde 1993; b) para trabalhadores domésticos – vigente desde 2001; e c) para
trabalhadores resgatados de relações de trabalho análogas às de escravos – vi-
gente a partir de 2003. Em 2005, essas três categorias responderam por 36% do
incremento do total de benefícios emitidos pelo MTE em nome do programa.
Avançando um pouco mais na avaliação dos principais programas finalísticos
do MTE, a Tabela 4 apresenta alguns indicadores de desempenho do seguro-
desemprego e das atividades de intermediação de mão-de-obra.
Em linhas gerais, os indicadores apontam para um certo distanciamento entre
a efetividade e a eficácia das ações governamentais. Ou seja, embora um pro-
grama, como por exemplo o seguro-desemprego, consiga cumprir as prescrições
contidas em seu marco legal e institucional – atender temporariamente com
recursos financeiros os desempregados oriundos do setor formal da economia –,
ele é pouco eficaz para fazer frente às dimensões do problema contemporâneo
do desemprego. Por conta disso, apesar de a sua taxa de habilitação (segurados/
requerentes) ter estado próxima dos 100% ao longo de todo o período estudado,
a sua taxa de cobertura (segurados/demitidos sem justa causa do setor formal)
tem girado em torno de 64,7%, devendo ser bem menor se considerada uma
taxa de cobertura ampliada, que ponderaria os segurados sobre o conjunto in-
distinto de desocupados sem justa causa da economia. Em contrapartida, a taxa

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 429


TABELA 4
Brasil: Indicadores de Desempenho dos Principais Programas do SPETR
[em %]

Principais programas do SPETR 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Média
brasileiro 1995-2005
Seguro-desemprego
Taxa de habilitaçãoa 98,9 99,2 99,4 99,1 97,7 98,1 98,3 98,4 98,5 98,4 98,0 98,5
b
Taxa de cobertura 65,9 63,4 65,5 65,6 67,2 62,1 63,9 66,3 67,0 62,4 62,3 64,7
c
Taxa de reposição da renda 51,0 49,4 50,6 44,5 45,5 51,3 53,9 57,2 60,3 61,3 64,0 53,5
Intermediação de mão-de-obra
via Sine
Taxa de aderênciad 39,2 40,1 46,5 44,1 40,5 45,4 51,8 52,7 54,1 53,6 52,0 47,3
Taxa de admissãoe 1,5 1,9 2,5 3,6 5,2 6,0 7,2 8,9 8,6 7,9 7,3 6,0
Fonte: MTE.
a
Segurados/requerentes.
b
Segurados/demitidos sem justa causa.
c
Valor médio do benefício/valor médio de demissão.
d
Colocados via Sine/vagas captadas pelo Sine.
e
Colocados via Sine/admitidos segundo o Caged.

de reposição da renda (valor médio do benefício/valor médio do salário de de-


missão do segurado) vem crescendo continuamente desde 1998.
No que tange às atividades de intermediação de mão-de-obra, que agora
fazem parte do Programa Integração das Políticas Públicas de Emprego, Trabalho
e Renda,21 dois indicadores são suficientes para demonstrar a distância entre a
efetividade e a eficácia do programa no contexto atual: a) a taxa de aderência,
que mede o percentual de colocações no mercado de trabalho pelas vagas ofe-
recidas pelo Sine; e b) a taxa de admissão, que mede o percentual de colocações
via Sine ante o total de admitidos pela economia segundo o Caged.22 No primeiro
caso, tem-se uma taxa situada no patamar dos 47% entre 1995 e 2005, mas,
concomitantemente, uma taxa de admissão ainda muito baixa, não superior a
9% em nenhum ano da série estudada. Apesar disso, o número de colocados no
mercado de trabalho formal via Sine tem crescido continuamente desde 1995,
em resposta aos aperfeiçoamentos do programa ao longo do tempo, como pode
ser visto no Gráfico 9.
Esse último aspecto está parcialmente refletido no processo de diversificação
dos agentes executores, que até 2000 estavam restritos aos estados e que paula-
tinamente passaram a contar também com a inclusão das centrais sindicais. No
final de 2004, foram ainda incorporados como novos parceiros do programa os
municípios de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
Essa expansão dos agentes executores para além dos tradicionais governos
estaduais se deu com o argumento de melhoria da eficiência do Sine por meio

430 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 9
Movimentação de Vagas e Trabalhadores pelo Sine

6.000.000

5.000.000

4.000.000

3.000.000

2.000.000

1.000.000

0
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Fonte: MTE. Trabalhadores inscritos Vagas captadas Trabalhadores colocados

de um tipo de “competição administrada”. Mas, para que funcione a contento, é


preciso que o MTE exerça melhor coordenação entre os níveis de governo e
agentes executores, de forma a evitar uma competição irracional do ponto de
vista do sistema.23
Ainda com base no Gráfico 9, vê-se que a atratividade do Sine tem sido
maior para os trabalhadores do que para as empresas, pois enquanto a relação
inscritos/vagas girou em torno de 3,5 na média entre 1995 e 2005, a relação
colocados/vagas foi de apenas 0,47 no mesmo período, do que resulta uma con-
corrência de cerca de 7,5 trabalhadores inscritos para cada trabalhador recolocado
pelo Sine no mercado de trabalho.
Já dos programas que tiveram desembolsos inferiores em 2003 ante 2002,
destaque-se, pelo montante de recursos envolvidos e importância estratégica, o
caso do Programa de Qualificação Profissional do Trabalhador. Esse programa está
passando por uma reavaliação geral de objetivos e procedimentos que implicaram,
entre outros, uma redução – com reorientação qualitativa – do gasto (Tabela 3).
Com a instituição do PNQ em julho de 2003, a política de qualificação
profissional sofreu uma inflexão conceitual e de prioridades, as quais passaram
a dar preferência a cursos de mais longa duração e incluíram na agenda um
esforço maior na integração com os demais programas do SPETR. Também ga-
nharam importância a certificação profissional e o apoio ao desenvolvimento
de metodologias de qualificação.
O desenho original do PNQ foi ampliado em outubro de 2004 pela Reso-
lução 408 do Codefat, que criou os Planos Setoriais de Qualificação (Planseqs)
como um terceiro eixo, ao lado dos planos territoriais e dos projetos especiais.

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 431


Os Planseqs destinam-se a demandas de qualificação de cadeias produtivas e
arranjos produtivos locais, atualmente não-atendidas no âmbito dos planos es-
taduais e municipais. Pretende-se que nessa vertente do programa o investi-
mento em qualificação funcione por meio de parcerias com o setor privado, e
que os projetos estejam ligados diretamente à geração de novos postos de tra-
balho. Os proponentes podem ser órgãos governamentais, entidades sindicais
ou empresas privadas. A seleção dos trabalhadores deverá passar preferencial-
mente pelo Sine, e os proponentes deverão chamar audiências públicas para
debater os projetos antes de submetê-los ao MTE.
Cabe destacar a recente criação de um Planseq destinado às trabalhadoras
domésticas, ainda em caráter de projeto-piloto. Intitulado “Trabalho Doméstico
Cidadão”, esse plano prevê ações de elevação da escolaridade e capacitação
para o fortalecimento da auto-organização das trabalhadoras domésticas e o
desenvolvimento de projetos para intervenção em políticas públicas. Apesar de
atender um número inicialmente pequeno de trabalhadoras, esse plano amplia a
cobertura de políticas de trabalho e renda a um segmento expressivo e, por
vezes, marginalizado do mercado de trabalho.24
No que se refere aos resultados dos dois primeiros anos desse novo formato
da qualificação profissional, há indicações positivas qualitativamente falando,
embora ainda tímidas do ponto de vista numérico. O principal indicativo da
mudança de qualidade é a extensão da carga horária dos cursos, aproximando-se
da meta de 200 horas, enquanto em 2002 essa média havia caído para pouco
mais de 60 horas, do que resultava que, em muitos casos, as oportunidades de
formação ofertadas aos trabalhadores eram totalmente insuficientes para influir
significativamente na sua inserção no mercado de trabalho. Os indicadores do
programa também mostram um nível aparentemente alto de articulação com
outras políticas: cerca de 3/4 dos educandos são beneficiados por outras políticas
de inclusão social ou de trabalho e renda. Por fim, acentuou-se a focalização em
grupos mais vulneráveis, como desempregados, mulheres e jovens: os educandos
desempregados passaram de 55,5% do total em 2000 para 64,4% em 2005. A
participação de mulheres cresceu de 58,7% em 2002 para 61,1% em 2004, e a
participação de jovens ampliou-se de 40,3% para 52,4% no mesmo período.
Porém, embora se observe crescimento do investimento no biênio 2004/
2005, o número total de educandos abarcados por essas ações ainda é relativa-
mente pequeno em relação à PEA. Em grande medida, isso ocorre por causa da
escassez de recursos disponíveis, que vêm diminuindo nos últimos anos: do seu
pico histórico de R$ 883,5 milhões, no ano de 1998, o gasto com qualificação
reduziu-se para R$ 88,9 milhões em 2005.25

432 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Ainda sobre a nova composição de programas do MTE no âmbito do PPA
de 2004-2007, julga-se relevante destacar que os programas Economia Solidária
e Primeiro Emprego apresentaram um nível de execução orçamentária bem abaixo
do esperado. Deve ser ressaltado que, embora tenham elevado seu nível de exe-
cução em 2005, os patamares de gasto de ambos os programas permanecem mo-
destos. No caso do Economia Solidária, os recursos efetivamente gastos caíram
quase pela metade em termos reais; assim, percebe-se que, na verdade, o programa
perdeu importância no conjunto dos gastos do MTE. É também digno de nota que
o Primeiro Emprego tenha gasto em torno de R$ 100 milhões em 2005, mais do
que todos os gastos realizados no ano com o Programa de Qualificação Profissional.
Sabe-se que o Primeiro Emprego ampliou sua execução basicamente pelo crescente
peso das ações ligadas aos consórcios sociais da juventude (qualificação e auxílio-
financeiro), cujo número saltou de seis em 2003 para 31 no final de 2005. A ação
de estímulo financeiro para contratação de jovens continua com nível de execução
baixo, refletindo a pouca atratividade dessa modalidade junto às empresas.
Finalmente, quanto aos programas de geração de emprego e renda, manteve-
se a política de expansão das linhas de crédito com recursos dos depósitos especiais
remunerados do FAT.26 De acordo com essa orientação, destaque-se a criação
do PNMPO, instituído com o objetivo declarado de incentivar a geração de trabalho
e renda entre os microempreendedores populares. Por microcrédito orientado
entende-se aquele baseado em metodologia na qual existe o relacionamento
direto do chamado agente de crédito com os empreendedores no local onde é
executada a atividade econômica. Essa exigência do agente de crédito na relação
que se estabelece entre o MTE e os microempreendedores de baixa renda é
provavelmente o aspecto mais evidente a diferenciar esse tipo de programa de
um outro conjunto de iniciativas que ganhou corpo a partir de 2003. Isso diz
respeito aos programas e projetos de bancarização, tais como ficaram conhecidas
as modalidades de concessão de microcréditos populares de natureza não-assistida
pelos agentes executores, notadamente o Banco Popular do Brasil e a Caixa. Em
ambos os casos, inexiste a obrigatoriedade do agente de crédito e os juros foram
fixados em 2% ao mês (a.m.). Outra diferença importante diz respeito ao fundo
financeiro que avaliza essas operações, constituído pelo limite de 2% dos depó-
sitos à vista das instituições financeiras participantes. 27 A expansão das
microfinanças e de outras formas de crédito, como aquela com desconto em
folha, serviu para expandir o volume de crédito em 2004 e 2005 e, dessa forma,
ajudou a atenuar parcialmente os impactos recessivos das sucessivas altas das
taxas de juros referenciadas à Selic.
No tocante à evolução global dos programas de geração de emprego e
renda financiados com recursos de depósitos especiais remunerados do FAT,

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 433


observa-se que, no período 1995-2005, foram realizadas 11,2 milhões de ope-
rações de crédito, que representaram empréstimos no valor total de R$ 75,6
bilhões. Com isso, o valor médio dos empréstimos foi de R$ 6,7 mil. Cabe salientar,
contudo, que o valor médio do empréstimo varia muito entre os programas, ou
mesmo entre as diferentes linhas de crédito de um mesmo programa.28
Como expresso no Gráfico 10, nota-se um volume crescente de operações
de crédito, que por sua vez significa também um aumento expressivo do valor
total dos empréstimos realizados. Tal fato reflete, entre outros fatores, o crescente
número de programas e linhas de créditos com recursos do FAT e a criação do
Funproger, que dá mais garantias finais aos agentes executores do programa
contra riscos e inadimplência.
Embora esses programas representem uma injeção expressiva de crédito na
economia, constituem-se, atualmente, em um conjunto confuso de linhas de fi-
nanciamento, sobretudo em função da sobreposição existente entre alguns deles.
Esse aspecto torna obscura a alocação de recursos do FAT, dado o leque de áreas
de atuação e de setores atendidos, dificultando uma avaliação geral de desempenho
sobre as referidas alocações. A amplitude excessiva de programas também abre
espaço para demandas políticas questionáveis do ponto de vista da geração de
emprego e renda, como financiamento de imóveis usados, bens de capital com
até dez anos de uso e empréstimos para consumo.29 Na realidade, a abertura de
novas linhas de crédito tem uma dinâmica política que tende a ampliar o conjunto
de programas ao longo do tempo, seja pela resistência posterior à extinção de
certas linhas, seja pela tentação ou pressão para a abertura de novos programas.
Em síntese, como balanço geral da execução orçamentário-financeira dos pro-
gramas do MTE para o período 2002-2005, pode-se dizer que foram alcançados

GRÁFICO 10
Evolução do Número de Operações de Crédito com Recursos do FAT e Respectivos
Valores Anuais
[número de operações (em milhares)] [valores anuais (R$ milhões correntes)]
3.500 25.000

3.000
20.000
2.500

2.000 15.000

1.500 10.000
1.000
5.000
500

0 0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Fonte: MTE. Números de operações Valores pagos

434 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


os patamares tradicionais de execução financeira apenas daqueles programas já
consolidados no âmbito do ministério, e que contam, portanto, com um forte
componente de inércia institucional (seguro-desemprego, abono salarial,
intermediação de mão-de-obra, segurança e saúde no trabalho). Por seu turno,
os programas recém-criados – notadamente Economia Solidária e Primeiro
Emprego – ou que estão passando por algum tipo de reformulação conceitual –
notadamente qualificação social e profissional – apresentaram performance fi-
nanceira abaixo do esperado.
Cabe lembrar que o nível de execução é influenciado não apenas pela capa-
cidade da gerência de cada programa em cumprir suas metas, mas também pela
dinâmica de liberação de recursos, a qual, submetida à necessidade de
contingenciamentos relativos ao superávit fiscal, tem tornado indisponíveis os
recursos previstos no orçamento ou os tem tornado disponíveis apenas perto do
final de cada ano. Como se sabe, isso afeta as despesas discricionárias, particular-
mente aquelas que não se referem a ações continuadas. Assim, os programas mais
atingidos tendem a ser os que contam com projetos de qualificação e de fomento
ao empreendedorismo, por oposição àqueles em que predominam despesas obri-
gatórias, caso do Programa de Integração das Políticas de Emprego, em que se
localizam os pagamentos referentes ao seguro-desemprego e ao abono salarial.
Assim sendo, os indicadores de avaliação aqui reunidos e examinados per-
mitem clarificar o tipo de limitação ao êxito do SPETR nacional que se impõe
sobre seus principais programas. Mas ainda restam pelo menos duas outras fontes
de limitações que se poderia dizer intrínsecas à forma de estruturação e funcio-
namento das atividades contidas no SPETR nacional. Uma delas está ligada ao
caráter tardio da sua montagem no país. A outra se relaciona de perto com a
natureza imitativa do SPETR brasileiro relativamente aos sistemas de emprego
dos países centrais. Ambos os aspectos estão interligados, motivo pelo qual
serão tratados conjuntamente a seguir.

4.2 Programas Federais: o Processo de Adaptação à Realidade


Brasileira

De um ponto de vista mais geral, é possível mostrar que o processo de consoli-


dação dos sistemas de emprego nos principais países da OCDE, ao longo do
período que se estende do pós-Segunda Guerra Mundial até meados dos anos
1970, atendia aos requisitos tanto do padrão de acumulação (o boom fordista)
quanto da institucionalidade no campo das políticas sociais (o welfare state)
então vigentes, de sorte que o formato assumido pelas três dimensões clássicas

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 435


dos sistemas de emprego (intermediação, capacitação e seguro-desemprego)
estava colado ao tipo de desemprego predominante à época, isto é, baixas taxas
de desemprego aberto e desemprego de curta duração, sem atingir, de maneira
mais dramática, nenhum grupo social específico.30
Em outras palavras, o formato dos sistemas de emprego era reflexo de um
contexto econômico particular, onde prevaleciam altas taxas de crescimento
agregado do produto, do emprego, da produtividade e dos salários reais. Esse
momento virtuoso do padrão de acumulação fez com que os requerimentos em
termos de políticas de emprego se concentrassem, quase exclusivamente, em tor-
no das atividades de intermediação da mão-de-obra temporariamente desocu-
pada. Em segundo lugar estavam as atividades ligadas à concessão do
seguro-desemprego, cujo grau de cobertura era bastante grande devido aos ele-
vados índices de formalização dos contratos de trabalho, e cuja disponibilidade
de fundos era garantida pela institucionalidade fiscal do período. Apenas por
último havia as atividades voltadas à capacitação profissional, uma vez que as
exigências do fordismo em termos de formação podiam ser atendidas com trei-
namentos específicos nos próprios locais de trabalho.31
Em resumo, as atividades dos sistemas de emprego estavam articuladas em
torno de políticas passivas (seguro-desemprego) ou políticas ativas (intermediação
e capacitação) pelo lado da oferta do mercado de trabalho. Ora, num período de
grandes possibilidades de crescimento econômico sustentado, baixas taxas de
desemprego aberto eram a contrapartida da inexistência de problema crônico
de demanda efetiva por mão-de-obra. Isto é, políticas públicas de emprego ativas,
que atuassem pelo lado da demanda por trabalho, não existiam – ou não eram
relevantes – porque não eram necessárias no contexto dos anos dourados do
capitalismo ocidental.
Os sistemas de emprego passam a ser mais exigidos e a demonstrar fragilidade
ou inadequação a partir da segunda metade da década de 1970, quando uma crise
econômica mais geral começa a se configurar no cenário mundial, e profundas
mudanças tomam lugar nos campos produtivo (novo paradigma tecnológico),
financeiro (financeirização da riqueza) e institucional (nova hegemonia norte-
americana). Os reflexos principais são a diminuição do ritmo de crescimento eco-
nômico e o aumento das taxas de desemprego aberto e oculto, alterando-se inclusive
o tipo do desemprego em relação àquele do período anterior.
Fundamentalmente, os sistemas de emprego nos países da OCDE tornam-se
mais ineficazes por terem sido formatados para atuar numa outra realidade eco-
nômica, sob o prisma de uma institucionalidade fiscal diversa, com baixos níveis
de desemprego agregado. Por isso, as mudanças que vão se verificando nas

436 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


estruturas dos sistemas de emprego desde o início dos anos 1980 tendem a
refletir uma dupla contradição.
A primeira contradição está ligada ao fato de que, se por um lado, em um
contexto de liberalização geral dos mercados, a lógica passa a ser a de não-
interferência e de flexibilização dos mecanismos de realocação da força de tra-
balho, por outro, os instrumentos de intermediação de mão-de-obra passam a
ser tão mais demandados quanto mais inaptos a responder ao novo tipo de
desemprego vigente.
A segunda contradição é que, ao mesmo tempo em que o novo contexto
econômico produzia mais desemprego de um tipo que tem duração e intensidade
maior e afeta distintamente os diversos segmentos do mercado de trabalho –
desemprego de exclusão para os idosos e desemprego de inclusão para os jovens,
por exemplo –, os sistemas de emprego passavam a ter que oferecer mais polí-
ticas ativas pelo lado da demanda por trabalho, sem que instrumentos para
tanto tivessem sido constituídos. Mesmo os países que já possuíam alguns meca-
nismos desse tipo, ou aqueles que os criaram posteriormente, tiveram que con-
viver com resultados decepcionantes sempre que descolados de conjunturas
macroeconômicas próximas do pleno emprego.
Diante disso, a natureza tardia e reflexa do SPETR no Brasil sugere que o seu
formato tradicional era de partida inadequado ao país, seja em função das contradi-
ções que acabaram de ser expostas, seja diante da realidade de seu próprio mercado
de trabalho, vítima de um processo intenso de modificação que corre em paralelo
à montagem do sistema nos anos 1990. O Brasil começa a montar seu sistema em
um momento no qual o formato tradicional de sistema de emprego já demonstrava
sinais de esgotamento nos países centrais, dadas as transformações que configu-
ravam o novo contexto econômico mundial desde princípios da década de 1980.
Ademais, o campo das políticas públicas de emprego no Brasil segue de
perto as tendências atuais em outras áreas da política social, entre as quais
pode-se destacar três grandes movimentos: a) a descentralização das políticas
para os níveis locais, englobando a atuação de estados e municípios; b) a
terceirização, ou aumento da participação não-estatal na execução das políticas
públicas de emprego, trabalho e renda, notadamente nos campos da intermediação
de mão-de-obra e qualificação profissional; e c) a focalização dessas políticas
sobre os grupos sociais considerados mais vulneráveis às transformações eco-
nômicas em curso.
Contudo, há também ao longo dos anos 1990 uma espécie de reconhecimento
informal quanto à necessidade de se buscar um certo grau de adaptação entre
as políticas do SPETR e os problemas especificamente nacionais do mercado de

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 437


trabalho. O movimento que já se pode identificar no seio do sistema nacional,
ainda que não totalmente consciente ou deliberado, aponta para uma certa
flexibilização dos critérios de elegibilidade dos programas, de forma que não só
o mundo do emprego, mas sobretudo o mundo do trabalho, em sua complexi-
dade e heterogeneidade, passam a ser referência nas discussões sobre o alarga-
mento da cobertura e o atendimento das políticas do SPETR. É claro que esse
movimento é ainda bastante tímido, mas alguns de seus desdobramentos co-
meçam a ser notados.
No âmbito dos programas de intermediação de mão-de-obra, qualificação
profissional e concessão de crédito (programas de geração de emprego e renda),
já há uma ampla aceitação de trabalhadores não-vinculados ou não-oriundos
do mercado formal de trabalho. Porém, no caso do seguro-desemprego, embora
seguidas resoluções do Codefat estejam buscando flexibilizar os critérios de
elegibilidade, ampliar a cobertura efetiva e alongar o período de concessão do
benefício, sabe-se que o raio de abrangência do programa está bem perto do
seu limite físico (de cobertura) e financeiro (de gasto).32
Em essência, a questão é que ainda não existem no Brasil medidas que
permitam a dinamização do mercado e a geração de trabalho e renda para seg-
mentos expressivos da população em idade ativa que esteja ou desempregada
por longo período – tanto no conceito de desemprego aberto como pelo desa-
lento – ou subempregada em condições precárias – em termos de estabilidade
na ocupação, regularidade de rendimentos e contribuição previdenciária – apenas
para ficar nos aspectos mais importantes. As políticas tradicionais do SPETR são
pouco eficazes para enfrentar essa situação de heterogeneidade e precariedade do
mercado de trabalho nacional, e esse é justamente o desafio posto para a nova
geração de políticas e programas governamentais no campo do trabalho.33
Visando enfrentar esse desafio é que o tema da reorganização das políticas
públicas de trabalho e renda em torno de um sistema integrado e participativo
foi colocado em pauta a partir da realização do II Congresso Nacional do SPETR em
julho de 2005.34 O II Congresso teve o propósito explícito de elaborar resoluções
para a normatização do sistema, englobando as políticas de seguro-desemprego,
intermediação de mão-de-obra, qualificação e certificação profissional, geração
de emprego e renda, e inserção da juventude no mundo do trabalho.
Apesar de constituir-se em iniciativa inédita e das mais promissoras, para o
que interessa a este capítulo é importante destacar que restam pontos importantes
por serem equacionados dentro dessa proposta de rearticulação do nosso SPETR.
Tanto as ações de qualificação para o empreendedorismo quanto a concessão
do crédito continuariam funcionando bastante à parte do restante do SPETR.

438 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


No que se refere a grupos vulneráveis, conquanto se prevejam metas específicas
para mulheres, trabalhadores acima de 40 anos de baixa escolaridade, trabalha-
dores domésticos, afrodescendentes e jovens, as ações desenvolvidas atual-
mente pelo MTE junto a este último segmento (Programa Primeiro Emprego),
por exemplo, não foram objeto de resolução, embora consistam basicamente
em qualificação e intermediação.
O problema da relação do SPETR com o setor não estruturado do mercado
de trabalho, hoje coberto por iniciativas isoladas, foi abordado em algumas
resoluções, que remetem fundamentalmente à articulação do sistema com outras
iniciativas, especialmente àquelas que pretendem estimular o desenvolvimento
territorial, como os investimentos dos fundos constitucionais e as agências de
fomento, cujos programas devem passar a ter metas de emprego.
Assim, ao relacionar o problema da informalidade e da inclusão de grupos
vulneráveis com a conjuntura econômica, o II Congresso abordou a principal
limitação do SPETR: ele pode apenas tentar gerenciar um determinado nível de
emprego. Os determinantes do desemprego e da precariedade das ocupações
não estão ao alcance das políticas tradicionais de emprego, pois estas agem,
sobretudo, sobre a oferta de mão-de-obra.
No lado da integração com políticas de desenvolvimento territorial, a questão
ultrapassa o escopo dos serviços públicos de emprego, e a governabilidade do
MTE atualmente é pequena, uma vez que: a) a arquitetura dos programas de
geração de emprego e renda ancorados no FAT deixa o poder de decisão com as
instituições financeiras; e b) as iniciativas de desenvolvimento territorial estão
dispersas por uma variedade de entes governamentais, exigindo algum grau de
pactuação entre os níveis federativos. Assim, embora existam experiências bem-
sucedidas de convergência das ações federais em determinados locais, isso ge-
ralmente ocorre em circunstâncias específicas e por indução de um ator local
suficientemente articulado. Compreende-se, portanto, que o SPETR carece dos
mecanismos institucionais para atuar nos territórios onde as oportunidades de
emprego são mais restritas.
Outro ponto crítico é que os ganhos potenciais dessa proposta de reorgani-
zação do SPETR podem se perder em função da instabilidade do fluxo de recur-
sos. É por isso que o financiamento do SPETR foi uma das discussões centrais do
II Congresso, dando origem a propostas de mudança.35
No seu conjunto, as resoluções do II Congresso lograram consolidar a agenda
de mudanças discutidas nos últimos anos para as políticas mais estruturadas do
SPETR, que são as desenvolvidas com recursos do FAT e razoavelmente cobertas

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 439


pela normatização do Codefat. Aqui, o desafio central é formar um todo coerente de
ações, além de separar os papéis da gestão tripartite e da execução, que se con-
fundiam entre os atores sociais. Enfatizou-se muito a necessidade de integração e
os mecanismos gerenciais para fazê-la – por exemplo, extensão a todos os agentes
executores de sistemas informatizados e o uso do PIS como identificador do
beneficiário, entre outros. A questão do financiamento foi abordada pela ótica de
garantir a sobrevivência das políticas ativas de emprego. Porém, o II Congresso
não se aprofundou igualmente nos temas relativos à extensão do SPETR para os
segmentos que não pertencem ao núcleo estruturado do mercado de trabalho.
Resta uma agenda importante a ser enfrentada para que o SPETR possa definir
sua atuação junto a esses segmentos sociais para além de iniciativas isoladas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste capítulo, foram abordados dois temas principais: a) a história da


montagem do SPETR no país; e b) a centralidade do FAT na montagem de um
esquema de financiamento para as políticas de emprego e renda no Brasil.
Adicionalmente, procedeu-se a uma contextualização de desempenho (físico e
financeiro) dos principais programas do SPETR, com vistas a destacar três aspectos
principais: a) dado o caráter tardio, ele ainda carece de integração entre seus prin-
cipais programas e de maior participação social em suas mais importantes reso-
luções, aspectos que começaram a ser enfrentados recentemente com a proposta
de reorganização do sistema; b) dado o caráter imitativo, não é de estranhar o
seu baixo impacto agregado ante os principais problemas de um mercado de
trabalho ainda marcado por grande heterogeneidade e precariedade de condi-
ções; e c) para ser mais eficaz e efetivo, suas políticas e programas precisam ser
mais integrados e melhor sintonizados com o conjunto de políticas de desen-
volvimento socioeconômico do país.
Ainda com relação a esse último ponto, e também levando em consideração os
anos mais recentes, experimentou-se um biênio 2004/2005 positivamente atípico
para a economia brasileira. Em primeiro lugar, controlado o surto inflacionário
de 2002 e início de 2003, e aproveitando-se de um contexto internacional fa-
vorável (crescimento do mercado mundial e grande liquidez em moeda estran-
geira), foi possível combinar, internamente, crescimento do investimento e do
PIB, crescimento das exportações, controle da inflação, expansão da ocupação
e redução do desemprego aberto.
Em segundo lugar, considerando-se o quadro estrutural de heterogeneidade,
precariedade e desigualdade que domina o mercado de trabalho nacional, não

440 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


deixa de ser extremamente positiva a avaliação final que se pode fazer do com-
portamento do emprego – inclusive o formal, com carteira assinada – e dos
rendimentos no biênio 2004/2005, com reflexos positivos sobre o grau de
formalização, a arrecadação previdenciária e do fundo PIS/Pasep (FAT), e a redu-
ção da desigualdade, tal como destacado no Capítulo 5.
Entretanto, a sustentabilidade temporal desses resultados positivos sobre
o mercado de trabalho brasileiro depende de fatores que, em parte, independem
das políticas do SPETR, sendo resultantes, como visto no capítulo 4, em parte
do crescimento econômico e, em parte, do aprimoramento das instituições que
regulam o mercado de trabalho. Nesse contexto, as diversas políticas sociais de
cunho setorial, em particular as que agem sobre o mundo do trabalho, porquanto
indispensáveis para combater as mazelas da sociedade brasileira, são em si mesmas
insuficientes para contrabalançar os efeitos do desempenho econômico modesto
– limitado pelas restrições estruturais de natureza fiscal, como amplamente dis-
cutido na edição de 2005 –, assim como também são inócuas sem o aprimora-
mento das instituições, tal como discutido no Capítulo 4 da presente edição.
Ao mesmo tempo, no entanto, há uma fronteira possível de expansão para
políticas de trabalho e renda, ativas de criação atuando complementarmente
pelo lado da demanda, além de reformas na área trabalhista, de modo a ampliar
o potencial de geração de novos postos. O principal instrumento para dinamizar
o mercado de trabalho, até o momento, tem sido a multiplicação de linhas de
crédito com recursos do FAT, o que evidencia a importância dessa fonte de
financiamento. Porém, o fato de esse crédito ser operado por instituições finan-
ceiras que priorizam as atividades e os empreendimentos de menor risco e maior
lucratividade tem limitado o impacto sobre a geração de emprego. Esse instru-
mento poderia ser aprimorado, condicionando a concessão de empréstimos à
geração líquida de novos postos de trabalho e priorizando os setores e os seg-
mentos com maior potencial de geração de empregos.
Ao lado da reorganização dos serviços de emprego mais tradicionais (seguro-
desemprego, intermediação de mão-de-obra e qualificação profissional), a re-
forma trabalhista, o aprimoramento das demais instituições que regulam o
mercado de trabalho, assim como o aprimoramento dos programas de crédito
parecem ser as principais tendências a serem exploradas no âmbito do governo
e, em especial, do SPETR.

REFERÊNCIAS
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Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 441


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442 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


NOTAS
1. A rigor, o aparato institucional de regulação das relações e condições de trabalho começou a ser
desenhado no Brasil durante a Primeira República, estabelecendo-se no Estado Novo por meio da
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) em 1943. Entretanto, políticas públicas como as descritas neste
capítulo só entraram na agenda governamental a partir dos anos 1960. Para uma discussão completa
sobre as origens e o desenvolvimento do sistema público de emprego no Brasil, ver Azeredo (1998) e
Barbosa e Moretto (1998).
2. O FAD era estritamente contábil: seus recursos advinham do Tesouro Nacional, pois não possuía receita
vinculada.
3. A Convenção 88 da OIT trata da constituição dos sistemas públicos de emprego, em especial os que visam
atender os trabalhadores desempregados.
4. Situação em que, por questões de preservação ambiental, é proibido pescar em determinadas áreas.
5. Cabe ressaltar que a educação profissional já existe no país pelo menos desde a década de 1940, após a
criação dos primeiros órgãos do chamado Sistema S, já discutido no Capítulo 3 deste livro. Entretanto,
essas experiências restringiam-se aos segmentos do mercado de trabalho formal e não se articulavam
com outras políticas de emprego. Além de Azeredo (1998), ver também Posthuma (1999).
6. Apesar do surgimento do Funproger, que na prática reduz o risco de crédito das instituições financeiras
que operam esses depósitos especiais remunerados do FAT, a decisão final sobre o direcionamento das
operações de crédito continua a ser uma atribuição de exclusiva responsabilidade das instituições
financeiras, que minimizam o risco de inadimplência, o que, por vezes, implica a não utilização plena dos
recursos.
7. As linhas FAT Integrar e FAT Vila Pan-americana foram criadas, respectivamente, pelas Resoluções do
Codefat 371, de 26 de novembro de 2003, e 380, de 17 de março de 2004. A linha especial FAT Integrar
Norte foi instituída por meio da Resolução 421 do Codefat, de 21 de janeiro de 2005. Nos últimos três
anos se acelerou a criação de linhas especiais e ainda foram criadas mais duas novas: FAT Inclusão Digital
e FAT CPRF/CDCA. A linha de crédito especial FAT Inclusão Digital foi criada pela Resolução do Codefat
435, de 2 de junho de 2005, com o objetivo de financiar a aquisição de microcomputadores no âmbito do
Programa Brasileiro de Inclusão Digital – a idéia do programa é propiciar oportunidades para pessoas de
baixa renda com pouco ou nenhum conhecimento de informática. A linha de crédito FAT CPRF/CDCA foi
criada por meio da Resolução 436 do Codefat, de 2 de junho de 2005, sendo seus recursos destinados à
concessão de financiamentos mediante a aquisição de CPRF. Na prática, essa linha de crédito foi criada
para refinanciamento dos agricultores afetados por problemas de estiagem, em especial aqueles que
atuam no Sul do país. Para maiores detalhes, ver Costanzi (2005).
8. Ver mais detalhes sobre a matéria em Amorim e Servo (2004).
9. FSE [Emenda Constitucional (EC) 01: 01/04/94 a 31/12/95]; FEF (ECs 10 e 17: 01/01/96 a 31/12/99); e
DRU (EC 27: desde 21/03/2000). O repasse para o FEF ocorreu até 31 de dezembro de 1999. Nos meses de
janeiro e fevereiro de 2000, o FAT recebeu a arrecadação das contribuições para o PIS/Pasep integral.
Com a edição da EC 27, de 21 de março de 2000, desvinculam-se do fundo, a partir dessa data, apenas
20% do total da arrecadação da contribuição PIS/Pasep, seus adicionais e respectivos acréscimos legais,
relativos à DRU.
10. O montante dessa reserva não poderia ser inferior ao maior entre os seguintes valores: a) a diferença
positiva, no exercício financeiro em curso, entre o produto da arrecadação das contribuições do PIS/
Pasep e o montante global dos pagamentos efetuados por conta das dotações orçamentárias para
atender as despesas com o Programa do Seguro-Desemprego, com o Programa Abono Salarial e com o
financiamento de programas de desenvolvimento econômico a cargo do BNDES; b) o resultado da
adição de: i) valores pagos a título de benefícios do seguro-desemprego nos seis meses anteriores,

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 443


atualizados mês a mês pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), ou, na sua
ausência, pela variação de índice definido pelo Conselho Deliberativo do FAT; e ii) 50% dos valores
pagos a título de abono salarial nos 12 meses anteriores, atualizados da mesma forma descrita em (i).
11. A Lei 8.352/91 também determinou que esses depósitos seriam remunerados, “no mínimo, pelos mesmos
critérios e prazos aplicados aos depósitos das disponibilidades de caixa do Tesouro Nacional (...) ou, na
sua ausência, pela remuneração média diária paga pelos títulos do Tesouro Nacional, acrescidos, em
ambos os casos, de juros de cinco por cento ao ano, calculados pro rata dia”.
12. Evidentemente, a natureza dos programas financiados pelos repasses constitucionais e pelos depósitos
especiais é muito diferente. Mas eles se assemelham como geradores de remuneração para o fundo.
13. Um trabalho de acompanhamento sistemático das transformações do FAT e das políticas de trabalho e
renda do MTE pode ser visto em Ipea (vários números).
14. Conforme dados extraídos do ano de 1997 por Thuy, Hansen e Price (2001, p. 240).
15. O Programa Primeiro Emprego utilizou, em 2004, recursos do Fundo de Combate à Pobreza (84% do
total) e recursos ordinários (16%). Em 2005, 100% dos seus gastos foram bancados por recursos
ordinários. No caso do Programa Economia Solidária, a fonte recursos ordinários foi absoluta em 2005
e majoritária em 2004 (72,2%, contra 27,8% do Fundo de Combate à Pobreza).
16. O fato de a sustentação financeira do FAT apoiar-se muito em receitas financeiras, as quais se relacionam
positivamente com a taxa de juros Selic, contradiz a pretensão de se gerar mais empregos e acaba
contribuindo, indiretamente, para o aumento dos gastos com as demais políticas, notadamente a do
seguro-desemprego.
17. Por linhas especiais de crédito estamos considerando as seguintes linhas do FAT, por agente executor:
BNDES: FAT Exportar, FAT Fomentar, FAT Infra-Estrutura, FAT Capital de Giro; Banco do Brasil: Proger
Exportação, FAT Habitação, FAT Eletrodomésticos, FAT Integrar Urbano e Rural, FAT Capital de Giro e
FAT Inclusão Digital; Caixa: Proger Exportação, FAT Habitação, FAT Eletrodomésticos, FAT Inclusão
Digital, FAT Revitalização e FAT Vila Pan-americana; BNB: Protrabalho e FAT Estiagem; Finep: Programa
de Melhoria da Competitividade e Pró-Inovação. Já a linha FAT Empreendedor Popular foi somada ao
Proger Urbano.
18. Outros tipos de abordagem podem ser vistos em Ricca (1983), Martínez (1996), Ramos (1997a), Oliveira
(1998), Thuy, Hansen e Price (2001), Borges (2003), Dedecca (2004) e OIT (2005).
19. Em 2004, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), 61,5% do total de pessoas ocupadas de 10 a 59 anos de idade não
possuíam vínculo empregatício formal de qualquer tipo. Eram trabalhadores assalariados sem carteira
assinada (18,7%), trabalhadores por conta própria (20,9%), domésticas sem carteira (5,9%), trabalhadores
não-remunerados (5,3%) e trabalhadores na produção para autoconsumo e na construção para uso
próprio (2,7%).
20. Alguns programas do MTE dispõem de recursos que não aparecem no Orçamento Fiscal e da Seguridade
Social. São os casos, por exemplo, do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) e dos programas
de geração de emprego e renda (Proger, Pronaf etc.). No caso do PAT, parte significativa dos recursos
provém das parcerias com o setor privado. Em relação aos programas de geração de emprego e renda,
a maior parcela dos recursos é composta de créditos concedidos pelas instituições financeiras oficiais,
que, por sua vez, são financiadas com aportes do FAT por meio dos depósitos especiais remunerados.
Com isso, ao observar a base Siafi/Sidor, verifica-se um montante muito inferior àquele efetivamente
alocado para esses programas. Portanto, para uma correta análise dos mesmos, é fundamental a
compreensão de que eles são financiados com recursos chamados extra-orçamentários, motivo pelo
qual não estão explicitados na Tabela 3. Os demais programas do MTE cujas fontes de financiamento
possuem expressão orçamentária e são perfeitamente captados pela base Siafi/Sidor, estão explicitados
na referida tabela.

444 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


21. Na reordenação de nomenclaturas e programas trazida pelo PPA de 2004-2007, houve, como procedimento
acertado do MTE, a junção – para efetiva tentativa de integração – dos Programas de Intermediação de
Mão-de-Obra, Abono Salarial e Seguro-Desemprego.
22. Um conjunto mais amplo de indicadores de avaliação de eficácia do sistema de intermediação capitaneado
pelo Sine, incluindo os indicadores deste trabalho, pode ser visto em Ramos e Freitas (1998).
23. A título de exemplo, é fundamental que o MTE coordene a abertura de postos de atendimento ao
trabalhador entre agentes executores que atuam em uma mesma área geográfica.
24. O segmento trabalhador doméstico soma cerca de 6 milhões de pessoas, das quais mais de 70% não têm
carteira assinada.
25. Na verdade, o problema é que a sistemática de contingenciamentos orçamentários, ao provocar atrasos
na liberação de recursos ao longo do ano fiscal, compromete o desempenho físico daqueles programas
que se caracterizam por ações de execução continuada, cuja qualidade depende do cumprimento do
calendário de desembolsos financeiros conforme programado.
26. Esse programa é executado por meio de depósitos especiais remunerados do FAT, e não por ações de
expressão orçamentária. Por esse motivo as ações e valores realmente relevantes do programa não estão
listados na Tabela 3.
27. Nesse ponto, é importante mencionar que o PNMPO também poderá usar como funding o saldo de 2%
dos depósitos à vista, além dos recursos do FAT, o que não é permitido aos programas de microcrédito
não-orientados.
28. Para uma discussão completa sobre o assunto, ver Costanzi (2005).
29. No programa FAT Habitação existe linha de financiamento para imóveis usados, cujo impacto sobre o
emprego é duvidoso ou pequeno. Em 2003, foi criada linha de crédito emergencial para financiamento,
ao consumidor, de fogões, geladeiras, máquinas de lavar e televisores, fato que ampliou ainda mais o
leque de atuação do FAT ao permitir financiamento de bens de consumo duráveis, quebrando uma
tradição do fundo de empréstimos vinculados à atividade produtiva. Essa linha de crédito foi criada
pela Resolução 359 do Codefat, de 17 de setembro de 2003. A Lei 10.978, de 7 de dezembro de 2004, que
criou o Modermaq, determina que até 10% dos recursos serão destinados a bens de capital usados com
no máximo dez anos.
30. Todo o desenvolvimento desta subseção está fortemente ancorado em Cardoso Jr. e Faro (1997) e
Pochmann (1998). Alguns estudos de caso referentes a países da OCDE podem ser vistos em Ramos
(1997b). Por fim, dois trabalhos seminais da OIT sobre a evolução dos sistemas de emprego no mundo
são Ricca (1983) e Thuy, Hansen e Price (2001).
31. No fordismo, o principal da capacitação é obtido ex post, ou seja, já no interior do processo de trabalho.
Daí ser comum dizer que o fordismo cria o nível de qualificação de que precisa.
32. Com relação ao abono salarial, parece haver certo consenso no fato de que, estando o valor do benefício
limitado a 1 SM anual por trabalhador contemplado, ele é pouco eficaz para combater a pobreza ou
amenizar a desigualdade de rendimentos do trabalho, a despeito de ser um benefício concedido a
trabalhadores pobres oriundos do setor formal da economia. Como o valor total gasto com o programa
já ultrapassou o montante anual de R$ 2 bilhões, talvez esta pudesse ser uma quantia aplicada de forma
mais racional (efetiva, eficaz e eficiente) em outra(s) política(s) de proteção ao trabalhador, como o
próprio seguro-desemprego, caso o objetivo seja manter o espírito de priorizar a transferência de
benefícios na forma monetária.
33. As propostas recentes em torno da idéia de economia solidária parecem promissoras, mas são ainda
muito incipientes para afetar a magnitude dos problemas presentes em nosso mercado de trabalho. Por
sua vez, a família de programas de concessão de bolsas (ou transferência direta de renda com
condicionalidades), visando ao combate direto e imediato à fome e à pobreza, nasceu e está se

Políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil z 445


desenvolvendo mais pelos campos da assistência social, saúde e educação, o que torna os programas
pouco eficazes para enfrentar a questão da inserção pelo mundo do trabalho.
34. O II Congresso foi precedido de cinco congressos regionais ao longo de 2005. O I Congresso ocorreu em
dezembro de 2004. Ver MTE (2004) para os resultados e resoluções do I Congresso, e MTE (2005) para os
resultados e resoluções do II Congresso.
35. Duas resoluções propõem que se vede o contingenciamento de todas as funções do SPETR, tornando sua
despesa obrigatória, da mesma forma como ocorre o pagamento do seguro-desemprego. Além disso,
propõe-se que sejam assegurados 8% da arrecadação primária do FAT exclusivamente para as funções
do SPETR, exceto seguro-desemprego e abono salarial. Em essência, propõe-se criar nova vinculação
orçamentária com vistas a garantir o financiamento das políticas ativas (sobretudo qualificação e
intermediação), as quais têm recebido parcela cada vez menor dos recursos do FAT nos anos recentes.

446 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


8 O Período Pós-Laboral: Previdência
e Assistência Social no Brasil
O Período Pós-Laboral: Previdência e
8 Assistência Social no Brasil

1. INTRODUÇÃO

A seguridade social é um arranjo institucional das sociedades contemporâneas


que busca dar apoio aos cidadãos que não possam se sustentar com base na sua
capacidade de trabalho. No Brasil, a seguridade social abrange as políticas de
saúde, assistência e previdência, e pode ser gerida pelo Estado ou pelo mercado.
A parte de responsabilidade do setor público é o foco das atenções neste capítulo,
tendo em vista sua maior abrangência de cobertura. Porém, sempre que adequado
ou necessário serão feitas alusões aos aspectos mercantis. E o mais importante:
quando for mencionada aqui a seguridade social, a preocupação estará centrada
nas transferências de renda via aposentadorias, pensões ou benefícios assistenciais
para idosos ou famílias de baixa renda integradas por pessoas portadoras de
necessidades especiais.
De pronto, é necessário formular duas pergunta centrais: a) a seguridade,
que abrange transferências de renda da previdência e da assistência, está ade-
quadamente organizada para dar apoio e proteção aos trabalhadores no contexto
econômico e social brasileiro? b) esse suporte é sustentável do ponto de vista
fiscal de longo prazo, ou, em outras palavras, será possível manter, no longo
prazo, a promessa de pagamento de benefícios, mantidas as condições atuais?
Para que o leitor tenha perfeita compreensão dessas questões e possa tirar suas
próprias conclusões, é preciso, antes de tudo, situar o problema em termos histó-
ricos, lógicos e conceituais e também oferecer informações sobre diversos aspectos
que afetam a seguridade e, em particular, a previdência. Nesse sentido, serão
apresentados dados sobre seu financiamento e os desafios que se colocam para as
gerações futuras. É o que será feito nas próximas seções.
2. SEGURIDADE, MERCADO DE TRABALHO E COMPETITIVIDADE:
EM BUSCA DE SIMBIOSE

A seguridade social é inerente à história contemporânea. A revolução industrial


iniciada no século XVIII e consolidada no século seguinte impulsionou mudanças
de caráter econômico, social e político. Com a urbanização, os laços comunitários
tradicionais foram desfeitos. Nesse processo, os problemas relativos a invalidez,
morte prematura e velhice se tornaram ainda mais urgentes, pois o fardo tinha de
ser suportado por um número menor de familiares. A esse problema se somaram
outros, como os acidentes de trabalho e o desemprego, por exemplo. Em suma, a
questão social se tornava mais complexa e perturbava a harmonia necessária a
um ambiente economicamente próspero e socialmente estável.
No início, a jurisprudência buscou, sobretudo nos casos de acidentes de
trabalho, imputar culpa e, partindo do que foi arbitrado na Justiça, sentenciar
patrões, empregados ou mesmo o Estado pelo problema ocorrido. Na maioria dos
casos, a culpa era atribuída ao trabalhador, o problema acabava recaindo sobre o
grupo familiar, e o resultado, na maior parte das vezes, era o empobrecimento,
quando não a miséria. Isto criava um ciclo vicioso de pobreza, aumento das
desigualdades sociais e instabilidade social.
Essa temática remete aos direitos sociais e como eles evoluíram ao longo do
tempo. Segundo um importante jurista francês [Ewald (1986)], a questão social
ao longo do século XIX vinha sendo resolvida de forma insatisfatória, pois a
atribuição de culpa, muitas vezes de difícil identificação, não eliminava os pro-
blemas decorrentes dos riscos de invalidez, morte prematura ou velhice. Apesar
das dificuldades de identificação individual de responsabilidade e culpa, o fato é
que esses terríveis eventos se repetiam com regularidade estatística, o que permitia
que se previsse o volume de incidência e, portanto, os riscos sociais. Ninguém é
capaz de saber se será ou não atingido por invalidez ou morte prematura, assim
como ninguém é capaz de saber se um particular indivíduo será ou não acometido
desse males. Não obstante a ignorância acerca de cada agente individual é possível
fazer previsões sobre a ocorrência desses eventos para o conjunto da sociedade,
posto que esses fenômenos acontecem com regularidade. Daí decorre que, se o
fenômeno é somente previsível no âmbito coletivo, não é cabível tratar a questão
sob a ótica da culpa ou responsabilidade individual. Esta é a origem do direito
social, tal como modernamente o conhecemos.
Como esses riscos podem ser socialmente mensurados e como a atribuição
de responsabilidade individual é difícil e muitas vezes impossível, a opção social
foi por mitigar seus efeitos pela via da solidariedade. Vem daí a organização de

450 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


um sistema elaborado na técnica dos seguros, baseada em contribuições de todos
e cobertura para os segurados – que passam a ser chamados beneficiários caso
atingidos pelos riscos de perda de capacidade de trabalho. Esta é a lógica que
regeu a consolidação do seguro social implementada pelo chanceler Bismarck na
Alemanha a partir de 1883.
Com o tempo passou a se impor a idéia de seguridade social, segundo a qual Seguro social é a forma
a prestação é devida não apenas para quem se inseriu no mercado de trabalho, de proteção que atribui
benefícios para quem
mas para todos os que não podem ou não conseguem encontrar meios de sustento contribui e fixa o seu
pelo trabalho. A argumentação foi consolidada por William Beveridge, econo- valor de acordo com a
contribuição total
mista inglês. As novas abordagens foram disseminadas entre os países mais in- efetuada. Muitas vezes é
dustrializados e alguns poucos países em desenvolvimento, entre os quais o Brasil. confundido como
seguridade social, o que é
Entre nós a incorporação desse ideário se iniciou nos anos 1970 e foi consolidado um equívoco, pois aqui,
na Constituição de 1988, com a inclusão da expressão e do conceito seguridade para obtenção do
benefício, há o requisito
social, em termos jurídicos formais. de participação e
contribuição. A forma
Com a abertura e internacionalização das economias, o processo de expansão mais comum de inserção
da proteção social foi refreado. Desde os anos 1980, nas administrações Thatcher, no seguro social é por
no Reino Unido e Reagan, nos Estados Unidos, foi criada a oportunidade para meio da participação no
mercado de trabalho.
rever uma legislação que regulava a proteção social que consumia parcelas cres-
centes da renda nacional, diminuindo a disponibilidade de recursos para investi- Seguridade social é a
mentos. Esse movimento de revisão foi generalizado e teve profundas conseqüências forma de proteção que
atribui benefícios para
na América Latina, onde as reformas tenderam a substituir sistemas públicos quem pertence a uma
baseados na solidariedade entre gerações por modelos mais fortemente geridos comunidade, sem vincular
o valor do benefício ao
pelo mercado, ainda que regulados pelo setor público. A lógica das reformas da valor da contribuição,
seguridade social dos anos 1990, conforme demonstrou Pierson (2000), buscou exigindo apenas a
participação ativa ou
atingir os objetivos de contenção de gastos, de ampliação do papel do mercado potencial ao sistema,
na atividade de seguro social, e de reorganização das regras referentes a benefícios algumas vezes segundo
alguns critérios de acesso
– recalibration, segundo a sua definição. ao benefício. É uma forma
de proteção que privilegia
Diversos países fizeram reformas em seus sistemas desde então. Estas variaram a necessidade do cidadão.
em estilo, profundidade e abrangência. Algumas ajustaram parâmetros técnicos
para obtenção de benefícios, ampliando limites de idades e de tempo de contri-
buição; outras combinaram ajustamento técnico com abertura de mercado à ini-
ciativa privada, estabelecendo sistemas híbridos; outras ainda, mais radicais, como
o Chile em 1981, transferiram o sistema por completo para a iniciativa privada.
Passado o ímpeto reformista e o tempo necessário para avaliação dos resul-
tados, mais recentemente as reformas dos anos 1990 passaram a ser avaliadas e
algumas críticas foram estabelecidas por organizações internacionais e multila-
terais bastante díspares. Nessa revisão dos processos de reforma a estratégia bra-
sileira foi considerada mais bem-sucedida do que a de países vizinhos. Segundo

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 451


apontam estudos técnicos do Banco Mundial e da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), no caso brasileiro não houve custo de transição entre regimes que
afetassem as finanças públicas, e as despesas de gestão foram e continuam sendo
menores.
Partindo-se das análises das instituições multilaterais que utilizam a estimativa
do Ministério da Previdência Social, o sistema de seguridade brasileiro, ao garantir
uma pensão mínima para a quase totalidade da população, tem efeito muito pode-
roso como redutor de pobreza nas famílias brasileiras: em 2003, seu efeito é reduzir
de 46% (sem benefícios) para 34% (com benefícios) o número de famílias pobres.
Em síntese, a seguridade social é considerada pela maioria dos analistas como um
programa social de transferência de renda que impacta a vida familiar, reduzindo
efetivamente o grau de pobreza no país, ainda que o mesmo resultado em termos
de pobreza pudesse ser obtido com custos menores, caso houvesse maior flexibili-
dade na fixação do valor de benefícios e maior rigor na sua concessão.
É inaceitável permitir que alguém possa se aposentar prematuramente ou
ser pensionista com idade reduzida. Também parece inconcebível que beneficiários
que recebam aposentadoria ou pensão possam acumular esses proventos com os
do trabalho, ou que se possa acumular benefícios de aposentadoria e pensão.
Sem qualquer redução de cobertura, parece necessário estabelecer limites à con-
cessão de benefícios, sobretudo em um país fortemente marcado por elevado
grau de pobreza e desigualdade, assim como também elevados índices de desem-
prego entre os mais jovens. Afinal, um país que conta com muitos pobres e é
marcado pela desigualdade tem que ser seletivo com os recursos destinados às
políticas sociais, bem como monitorá-los com cautela, sob pena de reforçar as
iniqüidades existentes.
Já quanto ao financiamento, a legislação criou múltiplas fontes de recursos
para atender à seguridade social, com o conjunto das receitas superando as des-
pesas, embora não ocorra o mesmo quando se avalia a parcela exclusiva de
seguro social nos diversos sistemas. Mas tal situação se deve a um arranjo
institucional bem peculiar e, segundo muitos analistas, insustentável no longo
prazo. Além disso, a mera existência de déficits ou superávits no curto prazo não
é um bom indicador para se determinar se políticas voltadas para a redução das
desigualdades criam ou não obstáculos para as finanças públicas e para o cresci-
mento sustentável de longo prazo.
Assim, já é possível dar uma resposta ainda que sumária às perguntas iniciais:
as transferências da seguridade de fato reduziram as carências sociais de renda
num período marcado por um nível de atividade econômica modesta com impactos
inequívocos sobre a pobreza, mas o crescimento das despesas, no ritmo que vem

452 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


se dando nos últimos anos, passará a comprometer daqui para a frente o equilíbrio
estrutural das finanças sem que nenhum ganho adicional em termos de redução
da pobreza seja obtido. Por conseguinte, novas reformas serão imprescindíveis e
inadiáveis.
Para que o leitor possa apreender melhor essa temática,1 que está repleta de
detalhes técnicos – além de forte dose de emoção – e que tem ocupado o centro
dos debates nacionais há bastante tempo, será necessário cumprir quatro etapas
que se sucedem e se complementam:
1. Apresentar a trajetória com ênfase nas reformas efetuadas.
2. Descrever os aspectos básicos do debate público.
3. Analisar os problemas e contradições da legislação da seguridade social,
especialmente aqueles mais diretamente ligados à previdência, enfatizando suas
relações com o mercado de trabalho.
4. Evocar de que modo elementos externos à órbita da seguridade são deci-
sivos para explicar as características imanentes ao Brasil.
Cumprindo esse roteiro, espera-se que ao final do capítulo o leitor tenha
uma idéia bastante precisa da questão, de modo a absorver satisfatoriamente a
síntese conclusiva apresentada que, longe de ser exaustiva, buscará apenas apontar
os principais desafios e alguns possíveis caminhos.

3. TRAJETÓRIA DA SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL2

Não é possível entender a configuração atual da seguridade social no Brasil sem


que se conheça a trajetória do sistema, os principais elementos que marcaram sua
evolução, as reformas já empreendidas e seus resultados. É o que se verá a seguir.

3.1 Do Seguro à Seguridade Social

A existência de aposentadorias no Brasil é contemporânea da colonização. Regis-


tros conhecidos revelam que em 1554 a Santa Casa de Misericórdia de Santos já Montepio é uma
dispunha de um montepio. A instalação da corte portuguesa no Rio de Janeiro instituição criada para dar
à família do contribuinte
também impulsionou a cobertura de alguns segmentos de servidores públicos. uma determinada pensão
mensal em caso de óbito
Em 1919 foi instaurada a cobertura para acidentes de trabalho, seguindo ou invalidez. Os principais
uma convenção do recém-criado Bureau Internacional do Trabalho, prevendo a montepios criados no
Brasil foram constituídos
indenização patronal compulsória em situações e para atividades previstas em lei a partir de categorias
– na maioria urbanas ou que utilizassem maquinaria com base em instrumentos profissionais.

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 453


QUADRO 1
Benefícios da Seguridade: Causalidades, Modalidades, Temporalidades
e Situação
Causalidades - os benefícios no Brasil podem ser:
z previdenciários, como doenças, invalidez, morte prematura, tempo de contribuição ou
idade. Os benefícios por seguro-desemprego no Brasil são tratados à parte, mas são considerados
previdenciários na maioria dos países (com benefícios proporcionais às contribuições);
z assistenciais, quando concedidos a idosos ou portadores de necessidades especiais com
renda familiar inferior a 1/4 do salário mínimo (SM) vigente – sem vínculo com contribuições; ou
z acidentários, quando decorrentes de acidentes de trabalho ou no trajeto para o trabalho,
que, em alguns países, não são consideradas de modo separado.
Modalidades - os benefícios podem ser:
z previsíveis, se podem ser previstos para um segurado qualquer, como a data em que ele
completa o tempo de contribuição ou aquela em que ele atinge uma determinada idade; ou
z de risco ou imprevisíveis quando um segurado individual é vitimado por invalidez tempo-
rária ou permanente ou por morte prematura que ele não pôde prever.
Temporalidade, ou seja:
z temporários, quando são pagos por um período curto e que será descontinuado após um
prazo prefixado (maternidade, reclusão ou encarceramento, filhos menores de idade) ou por
perícia, como as doenças em geral; e
z permanentes, quando devem ser pagos até a cessação do benefício em função da morte
do segurado ou de seus dependentes (aposentadorias ou pensões por morte).
Situação - os benefícios podem ser:
z concedidos, quando o segurado passa a ter direito aos mesmos;
z ativos ou mantidos, quando é considerado o total dos benefícios em termos de quantida-
de ou dos valores pagos; e
z cessados, quando os benefícios são encerrados por causas devidas a mortalidade, irregu-
laridades ou no final do período previsto.
Aqueles que desejarem analisar a temática com mais profundidade e detalhe devem con-
sultar o Anuário Estatístico da Previdência Social (Aeps).

mecânicos. Apesar de seu caráter pontual, foi esta a primeira manifestação de


cobertura de riscos tipicamente previdenciária.
A trajetória é longa, mas para situar o tema basta fazer algumas referências
fundamentais. Em termos institucionais, duas merecem destaque. As Caixas de
Aposentadorias e Pensões (CAPs) foram criadas a partir de 1923 e hegemônicas
até 1933. A partir de então passou a existir um modelo baseado em Institutos de
Aposentadorias e Pensões (IAPs), modelo que se estabeleceu de forma exclusiva a
partir de 1953, deixando de existir em 1966. Esses institutos foram finalmente
centralizados e unificados no sistema público de previdência social. Os aspectos

454 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


fundamentais da estrutura jurídico-institucional de cada modalidade são expos-
tos sumariamente no Quadro 3. A nomenclatura pode ser analisada com base nos
Quadros 1 e 2.
A evolução dos principais marcos da legislação descrita no Quadro 4 para o
período iniciado em 1919 revela que o foco foi regulamentar nos principais as-
pectos referentes ao custeio e aos benefícios, com níveis crescentes de detalhamento
e de intervencionismo. Algumas características como a centralização e a
universalização da cobertura para as categorias com relações de trabalho mais
precárias merecem atenção, pois foram previstas já em 1945, influenciadas pelo
ideário de Beveridge – nos termos mencionados na Seção 2 –, mas as condições
brasileiras somente permitiram a sua efetivação nos anos 1960 e 1970. De início,
a regulamentação esteve muito atrelada à legislação trabalhista, mas, com o tempo,

QUADRO 2
Regimes Financeiros e Planos de Benefícios
Regimes Financeiros
O regime de capitalização prevê a constituição de um fundo de reservas financeiras que custeará
os pagamentos de benefícios. Esse fundo deve ter recursos suficientes para pagar todos os
compromissos assumidos junto aos segurados que sejam elegíveis à condição de beneficiários.
O regime de contas previdenciárias individuais (CPI) é um regime de capitalização onde os
fundos são apropriados nas contas de cada contribuinte e não sob a forma de um fundo de
capitalização coletiva, como o existente no Brasil entre 1923 e 1966.
O regime de repartição, em sua forma mais pura, prevê a transferência de recursos de
contribuintes para os beneficiários sem a criação de reservas.
Além dos regimes de repartição e capitalização existe uma grande variedade de outras
modalidades com extensa taxonomia, as quais, em geral, se distinguem pela dimensão atribuída
ao nível de reservas.
Planos de Benefícios
Os planos de benefícios definidos estabelecem o valor exato de uma aposentadoria, de acordo,
por exemplo, com o valor e o volume de contribuições efetuado.
Os planos de contribuição definida são o oposto, pois definem rigorosamente os valores
das transferências de recursos ou tributos e é o valor do benefício que representa a incógnita.
Existem ainda planos de contribuição mista que prevêem garantias até um determinado
patamar e, se o desempenho dos fundos capitalizados superar esse patamar, o valor pode superar
o mínimo contratualmente estabelecido.
Recentemente, a literatura vem dando destaque aos notional defined accounts, ou contas
individuais nocionais (capitalização escritural), parecidos com planos de contribuição definida.
As contribuições são contabilizadas e corrigidas por índices de preços, salários e/ou desempenho
econômico, e é fixado um juro escritural. É o valor do fundo virtual que determinará o valor das
prestações em função da expectativa condicional de vida referente à idade de concessão do
benefício. O fator previdenciário do Brasil se aproxima das notional defined accounts.

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 455


QUADRO 3
Características Jurídico-Institucionais Fundamentais da Seguridade
– 1923-2006
Estrutura CAP (1923-1931) IAP (1931-1967) RGPS desde 1967

Custeio Capitalização coletiva e benefícios definidos (BD) Repartição e BD

Benefícios Uniforme (IVM) Por categoria nacional Uniforme

Gestão Empresas patrocinadoras Nomeação estatal

Cobertura Empresas autorizadas por lei Urbana assalariada Universal (com domésticos,
(autorizada por lei) rurais e autônomos)

Servidores públicos Por órgão (nem todos) Instituto de Previdência e Ipase (1978), Instituto
Assistência dos Servidores Nacional do Seguro Social
do Estado (Ipase) (INSS) e estatutos

Regulamentação Coordenação Ministério da Depto. Ministério do Status de ministério


Fazenda Trabalho
Fonte: Aeps (2000).

os aspectos mais especificamente previdenciários e típicos do direito social pas-


saram a se revelar hegemônicos e a adquirir identidade jurídica própria.
A universalização da cobertura com uniformidade de tratamento dos traba-
lhadores somente se consolidou com a Constituição de 1988. Os anseios da
redemocratização do Brasil se refletiram no inovador e controverso Capítulo da
Ordem Social. Muitos foram os dispositivos considerados onerosos para as finanças
públicas, e de eficiência questionável para a promoção de medidas que pudessem
garantir a retomada sustentada da atividade econômica, considerando os focos
potenciais de viés sobre o mercado de trabalho, conforme já apontado nos Capí-
tulos 4 e 5 deste volume. Entretanto, os que defenderam as medidas consideraram
que seu alcance seria efetivo para redistribuir renda e reduzir as desigualdades
que sempre marcaram o Brasil. Muitas foram as inovações, mas para entender o
debate, cabe destacar que:
O plano de benefícios para todos os trabalhadores foi equiparado, tendo
sido fixado o piso em 1 SM – desde 1991.
Os trabalhadores rurais passavam a poder se aposentar com cinco anos a
menos de idade que os urbanos – desde 1991.
As mulheres teriam sempre o direito de se aposentar, com cinco anos a
menos de serviço (ou contribuição) – desde 1998.
Para conferir credibilidade ao novo sistema de proteção social foi criado o
Orçamento da Seguridade Social (OSS). Os recursos do OSS seriam múltiplos e de

456 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


QUADRO 4
Evolução dos Principais Marcos da Legislação de Seguridade entre
1919 e 1988
Ano Caracterização sumária da legislação Status

1919 Assinatura da Convenção da OIT sobre acidentes de trabalho (seguros contratados) Vigente

1923 Lei Eloy Chaves, disciplinando regulamentos de aposentadorias e pensões Ativo até 1966

1931 Criação do Ministério do Trabalho (responsável pela previdência social) Vigente até 1967

1940 Criado o SM – referência para os pisos previdenciários Vigente

1943 Consolidação da Leis Trabalhistas (CLT), garantindo direito à previdência Vigente

1945 Criação do Instituto dos Serviços Sociais do Brasil (ISSB) – unificando e


universalizando a previdência Sem efeito

1947 Proposta de unificação dos IAPs Sem efeito

1952 1º estatuto consolidado dos servidores públicos, tratando de previdência Vigente

1953 Extinção das CAPs e sua incorporação aos IAPs Vigente até 1967

1960 Lei Orgânica da Previdência Social (Lops) Vigente

1962 Extingue a idade mínima para aposentadorias por tempo de serviço Vigente

1963 Determina a criação do Prorural, para trabalhadores rurais Sem efeito

1966 Centralização dos IAPs no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) Vigente no INSS

1967 Criação do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MPAS) Vigente até 1977

1967 Incorpora acidentes de trabalho ao INPS, extinguindo seguros contratados Vigente

1971 Cria o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), para atender


trabalhadores rurais Vigente até 1988

1974 Cria o MPAS Vigente

1977 Legislação dos fundos de pensão fechados (empresas) e abertos (bancos e Vigente
seguradoras)

1978 Extingue o Ipase e discrimina servidores estatutários [Regime Próprio de


Previdência (RPP)] e não-estatutários [Regime Geral de Previdência Social (RGPS)] Vigente até 1988

1982 Cria a contribuição sobre faturamento [atual Contribuição para o Financiamento


da Seguridade Social (Cofins)] para financiar ações sociais Vigente

1988 Constituição equiparando direitos para todos e criando a seguridade social Vigente em parte
Fonte: Aeps (2002).

destinação exclusiva, contando com a folha salarial, contribuições sociais sobre


o faturamento e lucro líquido e, mais tarde, em 1993, com a chamada Contribuição
Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 457


Assim, os problemas sociais e financeiros da saúde, assistência e previdência
social, que compõem a seguridade segundo a nova definição legal, seriam, po-
tencialmente, equacionados ao mesmo tempo, criando condições adequadas para
uma atuação mais efetiva em relação à questão social. Os efeitos da Constituição
de 1988 foram fundamentais para compreender as controvérsias das décadas
posteriores.

3.2 Aposentadorias no Brasil: um Processo de Reformas


Continuadas

A inflexão da trajetória do sistema de previdência do Brasil em relação aos demais


países da América Latina se dá nos anos 1990, quando são feitos vários rounds
de reformas paramétricas no país, enquanto a maioria dos vizinhos opta pela
reforma estrutural (Quadro 5).
A Constituição de 1988 deu início a um processo de reformas na legislação
que foi importante e bastante intenso. Esse processo ainda não terminou, sendo
difícil prever a configuração da seguridade social no horizonte de uma geração.
É certo, porém, que a política de combate à desigualdade via sistema de seguridade
está com seus dias contados, seja porque sua potência enquanto redutor da desi-
gualdade é muito limitada ou mesmo nula, seja porque, como já cobre pratica-
mente toda a população, qualquer redução adicional de desigualdade somente
seria possível com aumentos ainda maiores no valor dos benefícios, o que esbarraria
em limites das finanças públicas.
QUADRO 5
Reformas Estruturais e Reformas Paramétricas
A novidade introduzida pelas reformas efetuadas na América Latina nos anos 1990 – precedidas
pela de 1981 no Chile –, segundo os estudos de Mesa-Lago (1994, 1996, 1997 e 2004), é a
criação de um novo sistema de Capitalização Plena e Individual (CPI).
Assim, consideram-se reformas estruturais ou paradigmáticas as que:
z revogam o sistema público e o substituem pela CPI, como no Chile ou México;
z incorporam um componente de CPI como parte integrante de um sistema misto, que
também possui um componente público – reformulado, como o Uruguai ou Argentina –; ou
z estabelece uma CPI como alternativa ao sistema público – o qual pode ser reformado ou
não – sem extingui-lo, criando dois sistemas paralelos – caso do Peru e da Colômbia.
E consideram-se reformas não estruturais ou paramétricas as que tentam aperfeiçoar ou
melhorar o sistema previdenciário público (preservando-o), mediante uma série de modificações,
tais como tornar mais rigorosas as condições de acesso aos benefícios, aumento das contribuições,
redução de custos, aumento da eficiência etc. O sistema público também pode ser combinado
com um programa voluntário de aposentadorias suplementares – caso brasileiro.

458 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


De toda a maneira, a análise da legislação permite observar duas características
importantes: a) o sistema procurou ampliar os mecanismos de elevação da arre-
cadação e, com isso, postergou em parte os graves problemas fiscais; e b) simul-
taneamente, nosso sistema estendeu a proteção a praticamente toda a população
idosa e a portadores de necessidades especiais que vivam em famílias com renda
per capita inferior a 25% do SM. O crescimento das fontes de financiamento da
seguridade social se deu com recorrentes elevações nas alíquotas e criação de
novas contribuições sociais, contrabalançadas apenas pelo Sistema Integrado de
Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de
Pequeno Porte (Simples), conforme aponta o Quadro 6. A extensão dos benefícios
se deu ao longo da década de 1990, em decorrência da regulamentação de artigos
constitucionais.
A proteção social, depois de se alargar durante toda a década de 1990, apre-
sentou no mesmo período sinais de esgotamento do ponto de vista fiscal, posto

QUADRO 6
Evolução dos Principais Elementos da Legislação de Seguridade entre
1988 e 2005
Ano Caracterização sumária da legislação Status

1989 Cria a Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) Vigente

1990 Aprova o RPP para todos os servidores (Lei 8.112 para servidores federais) Vigente

1991 Aprova novas leis de custeio (8.212) e benefícios (8.213) Vigente em parte

1993 Cessa transferência de recursos sobre folha para a saúde Vigente

1993 Cria tributação sobre movimentação financeira, para financiar a saúde (atual CPMF) Vigente

1994 Revisão constitucional autoriza destinar recursos do OSS para outros fins [atual
Desvinculação de Receita da União (DRU)] Vigente até 2007

1995 Consolida a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) para idosos e deficientes Vigente

1996 Cria o Simples – regime especial de tributação para micro e pequenas empresas Vigente

1998 Aprovação da Emenda Constitucional (EC) 20 Vigente em parte

1999 Cria a legislação do fator previdenciário (notional defined accounts) Vigente

1999 Instaura a contribuição do servidor inativo (sem efeito após julgamento do STF 1999) Vigente em 2004

2003 Aprovação da EC 41 Vigente em parte

2003 O Estatuto do Idoso reduz de 67 para 65 anos a concessão de benefícios da Loas Vigente

2005 Transfere a receita previdenciária para a Receita Federal (Ministério da Fazenda) Em transição
Fonte: Aeps.

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 459


que elevou os gastos do INSS de 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1988
para 7,1% em 2004. O quadro de deterioração se acelera, sobretudo após a esta-
bilização de preços decorrente do Plano Real, que retirou do sistema ganhos
financeiros decorrentes da inflação. A partir de 1994 o sistema inverte o sinal,
passando a apresentar déficits cada vez maiores. Isso motivou o governo e parte
do público especializado a debater alternativas a esse crescente déficit que se acumu-
lava. As mudanças na legislação ao final da década de 1990 tentaram equacionar
esse desequilíbrio, definindo cláusulas mais severas para obtenção de benefícios
e eliminação de alguns privilégios inaceitáveis (Quadro 7) – o que, para alguns
analistas e críticos das reformas, representou uma retração da proteção social.
Em realidade, as reformas não tocavam nos chamados direitos adquiridos e
propunham ajustes nos critérios de concessão de benefícios. Em síntese, além de
fazer ajustes no RGPS e de atacar distorções do regime público e de fundos de
pensão patrocinados com recursos públicos, eram também objetivos da reforma a
ampliação do papel do mercado, a contenção de custos e a readaptação dos
regulamentos às novas realidades (recalibration) apontadas por Pierson e Myles
(2000).3 No âmbito do regime público ou de fundos patrocinados pelo poder
público, as reformas visavam:
z desvincular os reajustes de aposentadorias e pensões do setor público dos
reajustes salariais do pessoal ativo, vinculando os benefícios ao índice de variação
de preços;
zlimitar o valor dos benefícios concedidos ou a conceder no âmbito do
setor público a um valor teto fixado em comum acordo entre os três poderes; e
z ajustar o plano de benefícios dos fundos de pensão patrocinados pelo
setor público à disponibilidade patrimonial dos mesmos.
Passados cinco anos desde a Reforma de 1998 e diante dos seus resultados,
muitos analistas passaram a entender que seus desdobramentos em termos do
regime dos funcionários públicos tinham sido tímidos, impedindo o crescimento
dos gastos para custear o plano de benefícios do setor público. O argumento para
nova reforma centrou-se no objetivo de reduzir as diferenças entre o valor de
aposentadorias de servidores públicos e aquelas recebidas pelos trabalhadores
que se aposentam pelo regime do INSS. Para remover parte dessas diferenças a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 40 sugeriu mudanças importantes, que
afetaram os RPPs.
As mudanças implementadas pelo atual governo podem ser resumidas no
Quadro 8, que facilita a comparação entre as situações existentes até dezembro
de 1998, quando o governo anterior aprovou a reforma da previdência, e as

460 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


QUADRO 7
Principais Reformas Constitucionais no Sistema de Seguridade Social
na Década de 1990
Aprovado no Congresso
Parâmetros das reformas Situação em 1995 Propostas (PEC 33A)
Nacional em 1998 (EC 20)
Ordinárias – 35 anos para Tempo de serviço Tempo de contribuição Tempo de contribuição
homens e 30 para mulheres
Proporcionais – 30 anos para Regulares Extinguir Extinta para novos segurados
homens e 25 anos para
mulheres
Especiais por categoria Regulares (a partir de 15 Por insalubridade Insalubridade e professores de
profissional anos de serviço) 1º e 2º graus
Idade mínima Não havia 60 anos para todos Servidores públicos (60 anos
homens e 55 anos mulheres)
Aposentadorias por idade 65 anos homens e 60 65 anos para todos 65 anos homens e 60 anos
anos mulheres mulheres
Aposentadorias por idade 60 anos homens e 55 65 anos para todos 60 anos homens e 55 anos
rurais anos mulheres mulheres
Piso previdenciário SM Eliminar da SM
Constituição
Teto previdenciário 10 salários de Eliminar da 10 salários de contribuição
contribuição Constituição
Período para calcular os 36 últimos meses Todo o período Depois de julho de 1994
benefícios
Fórmula de cálculo 100% das contribuições Tempo de contribuição Idade e tempo de contribuição
corrigidas por preços (fator previdenciário)
Custeio via folha salarial Disponível para a Não tratou Vincular ao regime geral
seguridade
Regimes estatutários – RPP Último salário Equiparar ao INSS Último salário
Entidade Fechada de Não havia Criar Previstos na EC 20
Previdência Complementar
(EFPC) para RPP
Participação do empregador Sem limites Até 50% Até 50%
em empresas estatais
Portabilidade para EFPC Não havia Não tratou Previstos na EC 20
Vesting para EFPC Não havia Não tratou Previstos na EC 20
Fontes: Lei 8.213/91, PEC 33 A e EC 20.

mudanças constitucionais aprovadas no governo atual no final de 2003. Os dados


revelam que a mudança mais substantiva foi a possibilidade de se criar fundos de
pensão com planos de contribuição definida para os servidores contratados após

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 461


QUADRO 8
Tempo de Contribuição e Valor das Aposentadorias de Servidores
Públicos Civis com RPP – 1998-2003

Parâmetros para a idade e EC 20 PEC 40 enviada pelo EC 41 aprovada no


o valor dos benefícios (governo anterior) governo atual Congresso Nacional e
ratificada pelo Supremo
Tribunal Federal (STF)

Tempo de contribuição no 10 anos no cargo e 5 na 35 anos no serviço público, 20 anos no serviço público
serviço público para função 20 anos na função e 10 e 10 anos na função. Ter
aposentadoria integral anos no cargo um total de 35 anos de
contribuição

Idade mínima para 53 anos, antigos Não modifica Não modifica, sendo
aposentadoria integral servidores, 60 anos para mantida as diferenças para
novos concursados as mulheres com 5 anos a
menos de contribuição e
idade

Valor das aposentadorias Último salário (não Média de todas as Média de todas as
integrais mudou) contribuições contribuições desde julho
de 1994 (Plano Real)

Valor das aposentadorias Equivalente ao último Redução de 5% ao ano Redução de 3,5% a.a. e
aos 53 anos de idade salário (a.a.) 5% a partir de 2005

Valor das pensões no Idêntico ao último salário Redução de 30% ou mais 70% para valores das
serviço público acima de 6 pisos aposentadorias ou salários
acima do teto do INSS

Contribuição dos inativos Não existia 11% para todos 11% para valores acima
do teto do INSS

Previdência complementar Prevista, com Novos contratos e ganhos Novos contratos e ganhos
de servidores públicos aposentadorias integrais acima do teto do INSS acima do teto do INSS.
Planos de contribuição
definida e gestão pública
Fontes: Lei 8.112/90, EC 20, PEC 40 A e EC 41.

as reformas, introduzindo uma importante modificação em relação ao cenário


existente até então. As garantias formais para os servidores públicos contratados
após as reformas em 2003 passariam a ser limitadas ao teto de benefícios para o
INSS.
As novas regras eliminaram a paridade com os salários dos servidores em ativi-
dade para os novos contratados a partir da promulgação das reformas, mantendo-a

462 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


para os antigos segurados. Elas forçaram os antigos servidores a permanecer em
atividade até os 60 anos de idade para evitar a redução no valor das aposentadorias.
É preciso destacar que essas regras não foram aplicadas aos militares e policiais,
mas atingem todos os demais. Ao contrário da parte paramétrica da reforma, a
parte estrutural baseada na criação de fundos via contas individuais e contribuições
definidas ainda não surtiu efeitos, pois os regulamentos da EC 41 não foram
colocados em prática.
Apesar de não estar encerrado, já é possível prever muitas dificuldades para
seguir com o processo e a expectativa geral de todos os atores envolvidos nessa
arena é que a reforma da previdência passe por novos rounds nas próximas
décadas.

4. IDENTIFICANDO AS PRINCIPAIS QUESTÕES DEBATIDAS

Quando o tema é seguridade social, o público recebe informações importantes e


muitas vezes contraditórias: de um lado, os que defendem o atual sistema postulam
que seus efeitos sociais são importantes e ajudam a reduzir a pobreza; do outro
estão aqueles que, embora reconheçam os efeitos positivos ocorridos no combate
à pobreza, consideram que esses efeitos hoje são inexistentes e indicam que os
custos crescentes e as falhas de focalização das ações governamentais tendem
mesmo a comprometer a existência futura do sistema. O dissenso é a marca do
debate. Não se trata obviamente de resolver a questão ou eliminar o debate – até
porque parte dele decorre de posições político-ideológicas e não de aspectos
técnicos ou factuais da questão –, mas é necessário apresentar os principais argu-
mentos e indicadores sociais disponíveis para, posteriormente, detalhar as questões
com vista à busca de novos caminhos. É o que será visto na subseção seguinte.

4.1 Cobertura de Contribuintes e Beneficiários: a Origem do


Desequilíbrio

Se for possível resumir os problemas da seguridade social sob a ótica da técnica


do seguro social, a principal razão que está na origem dos desequilíbrios se deve
ao fato de a cobertura da população idosa ser quase universal, enquanto a de
contribuintes é muito restrita.
A universalização dos direitos não veio acompanhada da busca da integração
hegemônica da População em Idade Ativa (PIA)4 à condição de contribuinte, ao
contrário do que aconteceu nos países desenvolvidos da Europa após a Segunda

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 463


Guerra, quando os postulados de Beveridge foram a inspiração para a reforma
dos sistemas de proteção social com base no foco sobre a cidadania.
O Boletim de Políticas Sociais do Ipea vem revelando essa realidade para os
últimos anos, com base em dados comparáveis da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (Pnad/IBGE), para o
período posterior a 1992. Os dados relativos a inativos, na condição de aposentados
e pensionistas, excluídos, portanto, casos de afastamento temporário como os
relativos à maternidade e às doenças, revelam que a cobertura direta é alta e
tendeu a se elevar nos últimos anos, sobretudo no caso das mulheres, conforme
aponta o Gráfico 1.
Os dados do Gráfico 1 não revelam qual é a cobertura indireta, ou seja,
aquela oferecida para quem depende de um segurado, seja ele contribuinte ou
beneficiário, para a população com 60 anos de idade ou mais. Na Tabela 1 os
dados mostram que no Brasil a cobertura de idosos com 60 anos ou mais é alta e se
eleva com a idade, mas não é integral, ao considerar a cobertura direta dos segu-
rados titulares e a indireta composta por seus dependentes – o cônjuge, em geral.
A distinção entre os indicadores da Tabela 1 e do Gráfico 1 é importante
porque nem todos os beneficiários podem ser atendidos aos 60 anos. A maioria
da população passa a ter acesso a benefícios de aposentadoria previdenciária ou
assistencial a partir dos 65 anos. Além disso, nas gerações mais velhas era muito
comum a esposa se encarregar dos afazeres domésticos, sendo dependente dos
rendimentos do marido ou de algum filho para a sua sobrevivência. Com o aumento
da idade, vale registrar, a cobertura se eleva e atinge patamares significativos.

GRÁFICO 1
Pagamento de Benefícios para Idosos Brasileiros com 60 Anos ou mais

[em %]
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003

Fonte: IBGE/Pnad, apud Ipea (2005). Homens Mulheres

464 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 1
Pagamento de Benefícios para Idosos Brasileiros com 60 Anos ou mais – 2001
[em %]

Faixa etária 60 a 64 65 a 69 70 a 74 75 a 79 80 a 84 85 a 89 90 e +

Segurado titular (a + b + c) 60 70 75,9 76,4 75,4 71,9 78,8

Aposentado (a) 47,8 61,1 67,9 68,5 68,4 66,6 71,7

Aposentado e pensionista (b) 2,9 5,8 7,4 7,5 6,6 5 7,1

Contribuinte (c) 9,3 3,1 0,6 0,4 0,4 0,3 -

Dependente de segurado (d + e + f) 22,6 20,8 20 19,9 21 23,4 16,6

Dependente de aposentado (d) 11,1 9,7 7 5,5 2,6 1,1 -

Dependente de contribuinte (e) 2,4 0,8 0,2 0,2 0,1 - 0,1

Pensionista (f) 9,1 10,3 12,8 14,2 18,3 22,3 16,5

Cobertura (a + b + c + d + e + f) 82,5 90,8 95,9 96,2 96,4 95,2 94,8

Não-cobertura 17,5 9,2 4,1 3,8 3,6 4,8 5,2


Fonte: IBGE/Pnad. Elaboração: Cordero (2005).

Assim, se para esse grupo etário a cobertura não é universal, esse patamar
está próximo e representa um feito praticamente sem par no rol dos países em
desenvolvimento. Esse resultado estimulou as organizações internacionais, como
a OIT e o Banco Mundial, em estudos recentes, a considerarem o caso brasileiro
como uma referência em termos de cobertura de idosos [Bertranou, Solorio e Van
Ginneken (2002) e Gill et alii (2004)].
O mesmo não ocorre com os riscos que podem afetar a PIA (grupo composto
por segmentos mais jovens da população), em que os patamares de cobertura,
para contribuintes e seus dependentes, sempre foram inferiores a 70% e vêm
regredindo velozmente para os homens desde 1992, conforme é possível obser-
var no Gráfico 2. Embora menos intenso, também entre mulheres se verifica a
mesma tendência. Contudo, a situação das mulheres ainda é mais frágil, embora
a precarização das relações de trabalho que caracterizaram o período – debatidas
no Capítulo 5 deste livro – tenham sido mais intensas para os homens.
Os resultados do Gráfico 2 poderão ser melhor compreendidos se analisados
em conjunto com o Gráfico 3. Ali é apresentada a probabilidade de acesso da
População Economicamente Ativa (PEA) aos benefícios da previdência, acesso
esse que depende de contribuição para o sistema por tempo suficiente que dê
direito a benefícios por doença, invalidez ou morte prematura (Capítulos 4 e 5
deste volume).

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 465


GRÁFICO 2
Cobertura Previdenciária Direta e Indireta da PIA

[em %]
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003

Fonte: IBGE/Pnad, apud Ipea (2005). Homens Mulheres

GRÁFICO 3
Probabilidade de Contribuição Previdenciária da PEA

[em %]
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003

Fonte: IBGE/Pnad, apud Ipea (2005). Homens Mulheres

Os dados de concessão de benefícios do INSS – que congrega todos os traba-


lhadores da iniciativa privada e de municípios que não contam com regimes
previdenciários próprios – são reveladores. Eles evidenciam de modo preciso a
intensidade em que se dá a precarização do mercado de trabalho. Isto pode ser
captado, ao menos em parte, pelo tipo de concessão de aposentadorias para os
segurados. O Gráfico 4 expressa os problemas apontados. A queda da taxa de
participação das aposentadorias por tempo de serviço, que deveria ser a regra
geral, foi afetada por condições de acesso mais rígidas decorrentes da reforma
constitucional de 1998, mas seu patamar já era declinante antes de 1995, quando a
reforma foi iniciada. Os benefícios por idade rurais também perderam importância,
mas seu montante ainda é alto em relação à população rural. Já os benefícios por

466 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 4
Distribuição da Concessão de Benefícios Previsíveis do INSS

[médias periódicas (%)]

12,0
25,5 24,0 28,0 31,0

49,4
33,4 24,7
37,0
36,8
12,4
13,2 20,8 16,7
15,4
34,9
24,2 21,8 21,8 16,8

1980 a 1984 1985 a 1989 1990 a 1994 1995 a 1999 2000 a 2004

Fonte: Anuário Estatístico da Previdência Social (Aeps). Tempo de contribuição Idade urbana Idade rural Assistencial

idade, que exigem menos anos de contribuição, tiveram um acréscimo notável, e


o mesmo se aplica aos benefícios assistenciais, que já representam a maior parcela
entre os benefícios previsíveis. Assim, quando as regras dizem respeito a benefícios
previsíveis e não de risco, é possível observar como as dificuldades econômicas
dos anos 1990 se refletiram sobre o mercado de trabalho, e isso pode ser apreen-
dido por intermédio dos dados do INSS.
Em suma, a seguridade social protege de modo amplo os idosos, mas apre-
senta sérias limitações devido ao reduzido e cadente contingente de contribuintes.
Esse processo, se não for revertido rapidamente, implicará custos e déficits cres-
centes, podendo a médio prazo comprometer a solvência do sistema e mesmo os
ganhos sociais obtidos no passado.

4.2 Seguridade e Situação Social: Opiniões Divergentes

Estudos do governo, do Ipea e de diversos centros de pesquisa vêm apontando


como se dá a atuação da seguridade social no Brasil para tratar da temática social.
O debate, mesmo quando tem lugar dentro de uma mesma instituição, permite
apresentar os diferentes pontos de vista existentes. Partindo desses estudos, parece
haver consenso de que, após o pagamento de aposentadorias e pensões para as
famílias, a pobreza – aqui entendida como as famílias com renda inferior a 50% do
SM per capita – se reduz, conforme aponta o Gráfico 5.
É importante observar dois fenômenos apresentados no gráfico. Em primeiro
lugar, a tendência de redução do nível de pobreza no país. Em segundo, que em
termos relativos, a importância da seguridade na redução dos níveis de pobreza

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 467


GRÁFICO 5
Pobreza Familiar antes e depois do Pagamento de Aposentadorias e Pensões

[em %]
60

50

40

30

20

10

0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003

Fonte: IBGE/Pnad, apud Paiva et alii (2005). Depois Antes

aumentou ao longo dos anos, tendo em vista dois fenômenos simultâneos: de um


lado, a oferta, ou concessão de benefícios, continuou a crescer em ritmo acelerado,
sobretudo aqueles cujo valor é o piso, e de outro, é que o valor real do benefício
básico tem crescido a partir da segunda metade da década de 1990.
Menor nível de pobreza não significa necessariamente que a ação pública
esteja atuando sobre os mais pobres, ou pelo menos que esteja atuando entre os
mais pobres. Observe-se que, se houver dois indivíduos pobres, sendo que um
deles é muito mais pobre do que o outro, caso uma política pública dedique
recursos ao menos pobre, certamente diminuirá a pobreza, mas não atingirá o
mais pobre deles. Por essa razão reduzir a pobreza não significa necessariamente
atender aos mais pobres, mas apenas os pobres. Para diversos autores,5 por exemplo,
a política social brasileira tem falhado em atingir os mais pobres. O argumento é
que os recursos disponíveis são suficientes para solucionar a pobreza, mas deveriam
se concentrar no atendimento prioritário dos mais pobres entre os pobres. Para
tanto, a efetividade da política social brasileira para o combate à pobreza neces-
sita de focalização nos mais pobres. No caso da previdência, parte do problema é
que a concepção do sistema se concentrou entre os empregados com carteira,
deixando à margem trabalhadores que não são formais.
Além disso, a atual política de transferência de renda, ao fixar o valor do
benefício do Bolsa Escola em R$ 15 mensais por criança e o valor do benefício de
prestação continuada ou previdência rural em 1 SM por beneficiário, introduz
um viés entre gerações na política social brasileira, privilegiando a população
idosa em detrimento da população infantil. Nesse sentido, o aumento do SM não
é uma política efetiva quando se trata de combater a pobreza, pois os idosos já

468 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


recebem um elevado nível de transferências de renda por parte do Estado, trans-
ferência esta que supera o volume necessário para o combate à pobreza (Gráfico 6).
Se a meta é combater a pobreza, seria mais adequado, ao se transferir renda
para segmentos pobres da população, reduzir o montante transferido para idosos que
recebem benefícios equivalentes ao piso, e elevar as transferências via Bolsa Família
para famílias que tenham crianças entre 0 e 14 anos de idade. Uma redução de 20%
nas transferências para idosos, conforme aponta o Gráfico 7, aumenta o volume de
pobres entre os idosos, mas esse aumento é compensado por larga margem pela
redução da pobreza nas demais famílias compostas por crianças.
Em síntese, apesar dos efeitos positivos na redução da pobreza, existe a
pertinente questão envolvendo a eficácia na utilização dos recursos e a efetividade

GRÁFICO 6
Transferências de Renda do Governo Federal e Gastos com o Ensino Fundamental

[em R$ de 2003]
250

200

150

100

50

0
Idosos (Loas e rural) Linha de pobreza Linha de extrema pobreza Transferência para
crianças pobres
Fontes: Pnad de 2003 e Ministério do Planejamento, Idosos (Loas e rural) Linha de pobreza
Orçamento e Gestão (MPOG). Linha de extrema pobreza Ensino fundamental Bolsa Família

GRÁFICO 7
Impacto de uma Redistribuição de 20% das Transferências Públicas dos Idosos
para as Crianças
[em % de pobres]
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80
Idade (em anos)

Fonte: IBGE/Pnad de 2003. Aumento na pobreza Redução na pobreza

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 469


da ação governamental que são polêmicas e, sem dúvida, devem sempre estar em
pauta. Se os recursos são esgotáveis, isto significa que a sociedade deve fazer
escolhas com as quais, para se obter o ganho pretendido, é necessário abrir mão
de algo.

4.3 Financiamento, Gasto e Equilíbrio de Longo Prazo

Cabe destacar, de pronto, que sobre a questão de financiamento, de gastos e de


equilíbrio fiscal de longo prazo há duas grandes correntes de pensamento no
Brasil. Uma delas entende que há problemas graves e estruturais que justificaram
a realização de reformas da seguridade social no país e continuam a justificar
novas reformas, posto que os fundamentos do desequilíbrio não foram alterados
de forma duradoura e sustentável.6 A outra posição entende que, apesar do cres-
cimento de gastos, estes aumentaram em ritmo inferior ao crescimento do total
de receitas do chamado OSS, baseados em contribuições que tiveram excelente
desempenho nos últimos anos. É válido que se resuma, na ordem, os principais
pontos de cada uma dessas avaliações.
Em 1988, a arrecadação foi suficiente para pagar as despesas com benefícios,
gestão, e ainda financiou o atendimento médico-hospitalar prestado pelo governo
federal. Esta folga de recursos foi se exaurindo no tempo e, desde 1995, o cresci-
mento dos gastos com benefícios consumiu toda a arrecadação, e as operações do
INSS passaram a ser deficitárias. O déficit entre a arrecadação do INSS e RPP e as
despesas com benefícios foi a principal causa da crise financeira do Estado, que
ficou, mais e mais, vinculado a compromissos previdenciários, podendo cada vez
menos investir. Isso pode ser observado no Gráfico 8. Essa análise do sistema

GRÁFICO 8
Déficit Operacional: INSS e RPP

[% sobre o PIB]

1,8
1,1 1,2 1,7
1,0 0,9
0,1 0,7
0,3 4,2
3,9 4,0
3,7 3,7 3,7 3,8 3,6
0,0 3,4
2,8

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Fonte: MPOG, apud Giambiagi et alii (2004). Servidores INSS

470 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


previdenciário brasileiro, além de disseminada na maioria dos centros de pesquisa
econômica do país, é também compartilhada por especialistas, pelos mercados de
capitais e pelos organismos financeiros internacionais.
O problema central, segundo essa argumentação, diz respeito à legislação
que rege os benefícios. Esses preceitos legais seriam onerosos – considerados os
gastos – e regressivos, pois são arrecadados recursos dos indivíduos menos abas-
tados para pagar os inativos que auferem maiores rendimentos. O problema central
são as aposentadorias precoces por tempo de contribuição, pois seu valor médio
e o seu tempo médio de duração são elevados e aquelas concedidas por idade são
também generosas, posto que o limite de idade é baixo. E não só isso: existem
benefícios concedidos aos trabalhadores rurais ou idosos e inválidos com reduzida
renda familiar que não possuem contrapartidas em termos de contribuição.
Diante disso, a solução seria adotar novas reformas constitucionais e da
legislação ordinária, buscando criar mecanismos para que o valor dos benefícios
seja proporcional ao de contribuições e que seja postergada a sua concessão,
ampliando a idade para sua obtenção e evitando a distribuição irrestrita de bene-
fícios assistenciais que diminuem a propensão para contribuir à previdência e,
em última instância, diminuem o esforço de poupança da sociedade.
Por fim, de acordo com essa corrente de pensamento, as iniciativas empreen-
didas desde 1993, aí incluídas as reformas constitucionais de 1998 e 2003, apesar
de válidas e meritórias, foram insuficientes para superar os riscos atuariais da
seguridade, o que exigiria uma nova rodada de reformas.
A segunda corrente de pensamento advoga que as despesas da seguridade
social, especialmente as do sistema previdenciário e assistencial, embora tenham
dobrado em termos reais ao longo do período 1995-2004, foram absorvidas no
OSS. Isto se deveu à estratégia posta em prática desde 1994, qual seja, a de elevar
as fontes de tributação via contribuições sociais. Para o futuro não se pode mais
contar com essa opção.7
Na verdade, houve um aumento dos gastos sociais totais em relação ao PIB
(previdência, RPP, saúde, assistência, educação, habitação, transporte, desemprego,
proteção ao trabalhador) entre 1995 e 2002 em ritmo inferior ao crescimento das
receitas constitucionalmente vinculadas à área social (Gráfico 9).
Assim, tratando a questão apenas por esse prisma, é possível afirmar que a
estratégia de financiamento federal dos anos 1990 no Brasil deslocou recursos
potenciais do orçamento social para o ajuste macroeconômico no período iniciado
em 1995. Isto permitiu dar sustentação ao Plano Real, induzindo o governo federal
a expandir o peso das contribuições sociais do OSS de acordo com as determinações

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 471


GRÁFICO 9
Gastos Sociais e Receitas Sociais com Vinculações Constitucionais

[em % sobre o PIB]


15,0 15,2
14,3
13,7 13,2
12,8
11,9 11,6 12,1 11,8 12,3 12,3 12,1
10,9 10,7 11,2

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Fonte: IBGE/Censo Demográfico, apud Castro e Cardoso (2005). Gastos Receitas

constitucionais [CPMF, Cofins, CSLL, Programa de Integração Social (PIS/Pasep),


Contribuição à Previdência Social] na composição total da carga tributária, já
que a receita destes tributos não é repassada a estados e municípios.
Dadas as divergências conceituais na abordagem sobre o tema, a análise
baseada em indicadores financeiros apresenta dissensos difíceis de contornar, e
isso dificulta o encaminhamento dos problemas existentes. Nesse sentido, as
questões financeiras e a ação social da seguridade são equiparáveis em matéria
de controvérsia. Diante disso, é necessário mudar o foco da análise para apresentar
novas perspectivas.

5. ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL DA SEGURIDADE BRASILEIRA E


COMPETITIVIDADE: ENTRE A MODERNIDADE E A TRADIÇÃO8

A competitividade é um fator-chave para uma integração bem-sucedida de um país


num contexto de globalização, conforme já apontado especialmente no Capítulo 6
deste volume. Tendo em vista que, isoladamente, as transferências de renda da
seguridade representam a mais importante fonte de gastos do orçamento público,
é fundamental explicar como o sistema opera numa perspectiva comparativa
com sistemas internacionais, para então colocar em evidência os problemas exis-
tentes e buscar alternativas que possam tornar mais compatíveis os objetivos de
busca da competitividade e de proteção social.9 Para atender as metas propostas,
serão analisados aspectos relativos a benefícios, custeio, gestão e gastos, sempre
recorrendo a experiências de outros países.

472 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


QUADRO 9
As Três Economias Políticas do Welfare State
A classificação dos modelos de welfare state coube a Esping-Andersen, conforme apontaram
Merrien, Parchet e Kernen (2005). Esping-Andersen (1999) busca relacionar uma série de indi-
cadores e de informações sobre a matéria, a saber:
z evolução histórica do sistema;
z relação da proteção com a forma de estruturar o mercado de trabalho;
z grau de abrangência da proteção; e, sobretudo,
z participação do mercado e da iniciativa privada na oferta e promoção de proteção social.
Esping-Andersen classifica três tipos essenciais de welfare state:
Liberal - Cobertura residual; a proteção do Estado é efetuada para sanear as lacunas de
mercado, e após a sua ação, estimula a promoção mercantil de serviços sociais. Os países que
contam com essa modalidade seriam os de origem anglo-saxã. O exemplo mais relevante são os
Estados Unidos.
Conservador - Elevada cobertura para a reposição de renda e estabilidade dos trabalhadores
incorporados ao mercado de trabalho, e fraca abrangência de serviços sociais, sem estímulos à
promoção desses serviços via iniciativa privada. Os países da Europa Ocidental, como a Alemanha,
que é o caso típico, e os de origem latina, como Portugal ou Itália, seriam os principais exemplos
dessa modalidade.
Social-democrata - Elevada cobertura de reposição de renda e serviços sociais com políticas
de ativação do emprego, com ampla promoção pública desses serviços por intermédio do Estado.
Os países nórdicos são os maiores representantes da modalidade, com destaque para a Suécia.
O Brasil se aproxima do modelo conservador, no qual se inserem países latinos de influência
católica, como a Itália e Portugal. Mas os problemas relativos à cobertura e à precariedade da
questão social são elementos que dificultam a caracterização de welfare state e inibem a adoção
da tipologia apresentada para a América Latina, embora existam estudos de boa qualidade
analítica para tratar do tema, como, por exemplo, o de Barrientos (2001).
Os referidos modelos servem de base para a promoção de comparações internacionais entre
sistemas de proteção social, quando, ao longo deste capítulo, forem focados países desenvolvidos.

5.1 Acesso aos Benefícios da Seguridade: na Contramão da


Competitividade

Não é possível entender os problemas que afetam a seguridade social no Brasil


sem considerar os problemas relativos ao acesso aos benefícios. Desde logo, as
regras tendem a ser, ao menos sob o prisma formal, bastante generosas com
relação às normas internacionais, tanto em termos dos valores relativamente à
estrutura de remuneração do país, quanto às doutrinas que deram origem à pro-
teção social (Quadro 10).
A previdência responde por benefícios de risco (invalidez, morte prematura),
temporários (doença, maternidade, reclusão) e por idade (tempo de serviço/

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 473


QUADRO 10
Acesso aos Principais Benefícios dos Regimes Geral e Especiais

Acesso ou elegibilidade Benefício Acesso ou elegibilidade Tempo de contribuição Taxa de reposição


são as condições
requeridas pela Aposentadoria por tempo 53 anos de idade para 35 anos para homens Média dos 80% dos melhores
seguridade para ter direito de contribuição integral homens e 48 para as e 30 para as mulheres salários de contribuições (SC)
a um benefício. Elas (ATC) mulheres no serviço vezes o fator previdenciário.
podem estar relacionadas público e sem limite no 100% da média do salário no
a idade, tempo de filiação
regime geral serviço público. Contagem se
ou nível de renda.
inicia sempre em julho de 1994

Taxa de reposição é o Aposentadoria por tempo 53 anos de idade para 30-34 anos para Entre 70% e 94% do total da
valor do benefício de contribuição homens e 48 para as homens e 25-30 para ATC no INSS e 65% a 93%
comparado ao salário ou à
proporcional mulheres as mulheres para servidores com estatutos
média das remunerações
atualizadas por índices de próprios
correção ao longo do
Aposentadoria por idade 65 anos de idade para 160 meses (não há Idêntica à ATC sem fator
tempo.
homens e 60 para para segurados rurais) previdenciário e um 1 SM para
mulheres, com redução de segurados rurais
5 anos para segurados
rurais

Aposentadoria por Perícia médica 12 meses Idêntico à aposentadoria por


invalidez idade sem fator previdenciário
e teto do último SC

Pensões por morte Morte do titular 12 meses 100% da aposentadoria do titular


no INSS. Para os servidores
públicos civis, somar 59% do valor
que exceder o teto do INSS

Auxílio-doença Perícia médica 12 meses Idêntico à aposentadoria por


invalidez

Salário-maternidade Nascimento de filho 10 meses 100% do último SC por 120 dias

Assistenciais por idade Maiores de 65 anos ou Não há 1 SM para o


ou invalidez invalidez permanente com restante da vida
permanente renda per capita familiar
menor que 1/4 do SM
vigente

Benefícios acidentários Perícia médica Não há 100% do último salário de


contribuição
Fontes: Leis 8.112/90, 8.213/91, 9.876/99, EC 20 e EC 41.

contribuição e idade). Em razão da elevada precariedade do mercado de trabalho


brasileiro, precariedade esta expressa pela predominância dos baixos salários e
pelo reduzido número de trabalhadores que contribuem para a previdência, as
fronteiras entre previdência e assistência social são pouco definidas. Isto acontece

474 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


porque o sistema convive com uma parcela dos trabalhadores que contribui sis-
tematicamente – ainda que vez por outra possa haver interrupção, decorrente do
desemprego, por exemplo –, outra que o faz de modo esporádico e outra que
praticamente está alijada da condição de contribuinte para a previdência.
Segundo alguns, dado esse cenário, não deixa de ser coerente que certas
regras de acesso sejam brandas em relação às de outros países. O argumento, no
entanto, padece de dois graves erros conceituais: o primeiro é que desconsidera o
fato de que, tal como está estruturado, nosso sistema desincentiva a contribuição
daqueles que recebem remunerações próximas ao SM (aproximadamente 40%
dos trabalhadores), pois não trata diferentemente os que contribuem e os que não
contribuem ao longo da vida, e ambos irão receber praticamente a mesma coisa
– no mais das vezes, com idades semelhantes; o segundo equívoco é que não
considera se as regras como foram definidas atendem às necessidades da seguridade
social, ou seja: transferir renda para aqueles que não podem se sustentar com
base em sua capacidade para trabalhar.
Entre as imperfeições do sistema, uma das mais propaladas está relacionada
à idade em que se dá o acesso à aposentadoria. No Brasil, onde a regra ordinária
prevê o acesso por tempo de contribuição que não define uma idade mínima,
existem muitas propostas para fixar esse parâmetro, que já é uma realidade para
os RPPs. A Tabela 2 apresenta dados que ajudam a entender a dimensão do
problema.10 Deve-se destacar ainda que, num contexto de envelhecimento da
população, regras muito generosas exigem maior esforço fiscal para arcar com
suas conseqüências.
Os dados da Tabela 2 deixam evidente que, comparando o Brasil a países
europeus, existe entre nós, de fato, um acesso prematuro à condição de inativo.
Mas, ao considerar esse contingente acrescido dos que se aposentam por idade,
sem discriminação por sexo, o Brasil atinge uma posição intermediária em termos
de idade de obtenção do benefício.
Se nesse aspecto o resultado parece satisfatório, ele encobre um problema
grave. Na verdade, entre desajustes e incentivos errados, o problema maior está
nas aposentadorias por idade. E isso por duas razões: a) porque exigem apenas
12,5 anos de contribuição em 2006, período particularmente reduzido se compa-
rado ao tempo potencial de duração do benefício (tempo de permanência na
condição de aposentado); e b) porque a taxa de reposição atinge 83% (em 2006)
daquilo que seria pago a alguém que contribuiu por 35 anos e atingiu os 60 anos
de idade, segundo as regras do fator previdenciário. Esse patamar é elevado demais
em relação ao volume de contribuições, conforme apontou o Banco Mundial
(2001), o que aumenta o potencial de desequilíbrio atuarial do sistema no Brasil.

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 475


TABELA 2
Média de Idade, Idade Legal e Taxa de Reposição da Aposentadoria para 2001
[em anos]

Aposentadorias segundo o Média de idade da Idade legal de aposentadoria (anos) Renda do benefício sobre
país ou a modalidade aposentadoria (anos) Homens Mulheres a renda do trabalho (%)

Brasil (tempo de
a a
contribuição) 53,7 65 60 92 (Aeps) - 88 (PME)

Bélgica 58,1 65 62 75

França 58,7 60 60 75

Itália 60,4 65 60 65
b
Brasil (a + idade urbana) 60,8 65 60 91 (Aeps) - 74 (PME)

Espanha 61,4 65 65 65

Alemanha 61,6 65 65 75

Dinamarca 63,6 65 65 67

Densidade de Suécia 63,2 65 65 n.d.


contribuições é o número
Reino Unido 63,2 65 65 48
médio de contribuições
mensais que cada Portugal 64,5 65 65 54
contribuinte faz ao longo
Fontes: Aeps e IBGE/PME e Eurostat. Dados de 2004 para o Brasil no INSS (excluiu RPP).
de um ano. Esse número, a
além de ser parcialmente Comparado a assalariados contribuintes.
b
definido pelas regras que Comparado à população ocupada.
regem a estrutura de n.d. = não-disponível.
contribuições, está
também estreitamente
Ainda com foco na Tabela 2, vê-se que a taxa de reposição se encontra em
ligado às condições do patamares que podem ser considerados muito altos, sobretudo quando se leva em
mercado de trabalho.
Quanto maior a
conta a reduzida densidade de contribuições do Brasil. O valor das aposentadorias
rotatividade, por exemplo, por tempo de contribuição atinge um total de 88% do rendimento médio dos
menor tende a ser a assalariados com carteira e de 74% para esse mesmo grupo, somado às aposenta-
densidade de contribui-
ções, dado que o dorias por idade urbanas em relação à população ocupada total. Tais valores
trabalhador ficará algum aumentam para 92% e 91% quando considerado o Cadastro Nacional de Infor-
tempo desempregado –
portanto, sem contribuir mações Sociais (CNIS) – via Aeps. Com o CNIS considera-se a média mensal de
para o sistema. De forma contribuições para a totalidade dos contribuintes para a previdência do Brasil, e
semelhante, quanto maior
o nível de desemprego, não apenas para as regiões metropolitanas RMs da PME, as quais pagam rendi-
menor tenderá a ser a mentos maiores.
densidade de contribui-
ções. No Brasil, a Os benefícios da Loas, que passaram a ser pagos em 1996, representaram
densidade média é de 8,4
contribuições por ano, por
uma parcela importante das concessões de benefícios e, desde 2003, podem ser
contribuinte, significando concedidos aos idosos de 65 anos com famílias cuja renda per capita seja inferior
que, em média, cada
a 1/4 do SM. Como o piso de benefícios e o valor pago aos assistidos pela Loas
contribuinte do sistema
contribui por pouco mais equivalem a um SM, existe muita polêmica no Brasil sobre a adequação da legis-
de oito meses a cada ano. lação (Quadro 11).

476 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


QUADRO 11
Salário Mínimo, Piso Previdenciário e Renda de Cidadania
Os argumentos referentes à equivalência entre o SM, o piso da previdência e o valor do paga-
mento dos amparos assistenciais da Loas a idosos e portadores de necessidades especiais, ou
ainda para trabalhadores rurais que exploram suas atividades em regime de economia familiar,
são muito polêmicos no Brasil, e o tema está sempre na agenda de debates.
Os que defendem o piso de 1 SM para todos alegam que existe eficácia nas transferências
de renda, pois houve redução da pobreza e estímulos para as economias das regiões menos
dinâmicas. Esse grupo de analistas argumenta que a desvinculação do SM do piso de benefícios
da seguridade pode deteriorar as condições de vida dos inativos, trazendo de volta o cenário
anterior à Constituição de 1988.
Os críticos da vinculação entre o SM e o piso previdenciário alegam que contribuintes e
não-contribuintes acabam tendo tratamento equiparado, não incentivando assim o esforço
para contribuir e deteriorando as finanças da seguridade social. O resultado dessa deterioração
é o comprometimento das finanças públicas e a redução de recursos disponíveis para investi-
mentos. A desvinculação entre o piso previdenciário e o SM representa uma necessidade para
esses estudiosos. Com a estabilidade da economia, não existe motivo para repudiar uma legis-
lação que reponha as perdas de poder de compra do piso sem a necessidade de manter a
paridade entre esses dois valores.
Barros e Carvalho (2005) aprofundam o debate e argumentam que os empregados com
remuneração próxima ao mínimo não estão concentrados nas famílias pobres porque mais de
30% dos trabalhadores brasileiros recebem remunerações abaixo do SM. Além disso, quase 60%
dos empregados com remuneração próxima ao SM não são chefes das famílias, e quase 80%
deles não são chefes de família pobre. Apenas 15% desses idosos vivem em famílias pobres,
sendo que menos de 1/4 dos ganhos gerados por um aumento de 10% no piso previdenciário
beneficia esse tipo de família. Assim, uma elevação do SM é um instrumento pouco efetivo no
combate à desigualdade.
O estabelecimento de linhas que definam de forma clara e consensual o que é pobreza ou
o mínimo vital para garantir condições de vida apropriadas ao cidadão é que está de fato na
raiz do debate. Sob um prisma exclusivamente conceitual, o SM é devido a trabalhadores que
estão em atividade e possuem obrigações familiares em relação ao sustento dos dependentes.
Para os aposentados, a renda deveria ser individual, pois não existem mais filhos, e as mulheres,
cada vez mais, ocupam posições no mercado de trabalho. O piso deve considerar as condições
de vida específicas de um inativo e as necessidades financeiras para ter acesso a condições
dignas.
Também não existe consenso sobre o importante debate em torno da redução de valores de
alíquotas ou dos salários de contribuição como forma de evitar a arrecadação e coibir compor-
tamentos oportunistas de quem possa querer se beneficiar sem contribuir (free riding).

As aposentadorias rurais (regime de economia familiar) ainda representam


cerca de 1/3 das concessões de benefícios previsíveis e precisam ser analisadas à
luz de dados específicos para esse universo. Até o momento não houve esforço
oficial para tratar da questão sob a ótica atuarial, e os dados existentes não
permitem a elaboração de políticas públicas coerentes.

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 477


Outro aspecto importante a ser considerado diz respeito à antecipação da
idade de aposentadoria da mulher. Nas condições brasileiras, ela se dá para as
aposentadorias por idade e tempo de contribuição e atinge as áreas urbana e
rural. Os dados apresentados até aqui mostram que essas diferenças de idade
foram removidas na maioria das sociedades mais avançadas. A diferença é de-
fendida com base no argumento de que a mulher tem dupla jornada de trabalho:
na ocupação e no lar. A opção por antecipar a aposentadoria das mulheres não
parece ser efetiva, pois ela se dá apenas na terceira idade. Além do mais, as
mulheres vivem mais do que os homens, o que desqualifica o argumento sobre
um potencial desgaste devido à dupla jornada. Os direitos sociais, para atenderem
a problemas existentes, devem focalizar a maternidade e a criação dos filhos,
quando as circunstâncias demandam, criando condições mais adequadas para a
mulher.
Os benefícios de risco, como os relativos à morte prematura do segurado,
invalidez total ou parcial e doenças vêm sendo negligenciados no Brasil, embora
isso afete a competitividade. O problema mais sério diz respeito a indicadores de
referência (benchmarks). Ao contrário de outras áreas envolvidas na temática
social, como saúde e educação, a produção de dados quantitativos e qualitativos
é precária no contexto das organizações internacionais, quando não inexistente.
Assim, é difícil encontrar indícios se um país concede benefícios de risco demais
e, dessa maneira, buscar as origens do problema.
Sob o prisma da técnica dos seguros sociais, conforme apontaram Gillion et
alii (2000), é preciso lembrar que todas as sociedades possuem singularidades
culturais, não sendo adequado impor padrões pré-concebidos em matéria de di-
reitos sociais e da família. Nesse sentido, os autores apontam que a adoção de
regras severas demais para o acesso a aposentadorias pode ter por contrapartida
uma redução na concessão de benefícios previsíveis em detrimento aos de risco.
Mas existem problemas também em relação aos regulamentos vigentes. No
caso das pensões por morte, as prestações são concedidas ao cônjuge brasileiro
sem considerar sua idade, a necessidade da família e os demais rendimentos.
Male breadwinner é a Mesmo em sociedades que ainda pautam a sua legislação pelo modelo male
expressão anglo-saxã
para caracterizar uma
breadwinner, o benefício é concedido somente se comprovada a dependência
família onde o marido tem econômica, a necessidade familiar e a incapacidade parcial ou total do beneficiário
a responsabilidade de em potencial para auferir rendimentos que tenham por origem o seu próprio
trabalhar para sustentar a
esposa, filhos ou outros esforço de trabalho (Quadro 12).
dependentes que não
participam do sustento do No Brasil, as justificativas adotadas a esse respeito falam que a pensão por
lar, sobretudo no
morte deve ser paga por ter havido contribuição. A lei é lacônica sobre o assunto,
caso da mãe.

478 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


QUADRO 12
Carências, Taxa de Reposição e Cessação de Pensões por Morte em
Países Selecionados
Países Carências Taxa de reposição Cessação

Suécia 3 anos de residência 55% da aposentadoria do 10 meses ou maioridade dos filhos


titular (até 100% com filhos)

Itália 5 anos (3 anos antes da morte) 60% para viúvo de mais de 65 Novo casamento ou maioridade
ou 15 anos a qualquer tempo anos e sem aposentadoria e
20% para órfãos

Portugal 3 anos de contribuição 60% para viúvo mínimo de 1 Novo casamento ou maioridade e
ano de casamento ou 2 anos em 5 anos para viúvo até 35 anos
de união consentida de idade

Estados 6 trimestres nos 13 anos que 60% para viúvo com mínimo Novo casamento ou maioridade
Unidos precederam a morte de 10 anos de casamento e
20% até 2 órfãos

Uruguai Não dispõe 70% no pilar 1 e proporcional Morte do cônjuge ou maioridade


à anuidade no pilar 2 dos filhos

Colômbia 50 semanas nos últimos 3 anos e Entre 45% e 75% para o Morte do viúvo ou maioridade dos
20% do tempo decorrido desde viúvo e 20% a 30% para filhos
os 20 anos de idade órfãos

México 150 semanas de contribuição 90% do benefício e até 30% Morte do viúvo, novo casamento
disso para os órfãos ou maioridade dos filhos

Chile Não dispõe Depende das contribuições e Morte do viúvo ou maioridade dos
pode ser rateado entre 50% para filhos
o viúvo e 50% para os órfãos
Fonte: ISSA–SSW Databases (2005), apud Coutinho e Ribeiro (2006).

pois a doutrina jurídica e a técnica do seguro social não apontam para essa
direção. A pensão por morte é tratada mundialmente com base na necessidade
familiar.
A morte prematura do cônjuge é um benefício de risco, conforme apontam
as reformas estruturais na América Latina. Em todos os países, o risco é coberto
por seguradoras contratadas por administradoras de fundos de pensão.11
A problemática não passa despercebida, embora o debate não tenha alcan-
çado o público e o Congresso Nacional brasileiros. A Tabela 3 revela que as
Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs) substituem as pensões
por morte por outros tipos de benefícios que não coloquem em risco a estabilidade
dos planos.

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 479


TABELA 3
Principais Benefícios das EFPCs do Brasil com Renda Predeterminada – 2004
[em %]

Formas de pagamento Estatal Privada nacional Privada estrangeira

Renda vitalícia com continuação para o cônjuge 86 66 66


Renda vitalícia sem continuação para o cônjuge 29 27 26
Renda por um período prefixado de anos
e correção pela rentabilidade 29 39 36
Renda por um período prefixado de anos
e correção pela inflação - 9 9

Renda vitalícia com período mínimo garantido - 20 24


Possibilidade de transferir, na data da
aposentadoria, o saldo para uma EAPC - 20 27
Fonte: Towers & Perrin Consultores.

O novo padrão etário já vem sendo considerado nas EFPCs e deverá ser
objeto de reflexão para o sistema público. Não se justifica legar pensões por
morte para todos os cônjuges sem exceção. A proteção deve considerar que a
transferência envolve todos os serviços sociais, e não enfatizar unicamente a
transferência direta de renda.
Em relação à concessão de pensão por morte, o direito da família brasileiro
deverá se pronunciar e ser readaptado para definir claramente as regras de de-
pendência econômica dos cônjuges e filhos e os patamares de renda familiar
socialmente aceitáveis para conceder esse benefício.
Para as aposentadorias por invalidez as legislações são igualmente discre-
pantes em relação às que existem no plano internacional. Na verdade, no sistema
Carência é o período que previdenciário brasileiro as carências são baixas, sendo incompatíveis também
um segurado deve
com as demais existentes na América Latina. As carências e as regras de acesso
aguardar para ter direito a
um benefício. Para cada criam barreiras para evitar comportamentos oportunistas, os quais buscam
benefício é definida uma aproveitá-las em benefício próprio, passando a contribuir por pouco tempo para,
carência específica
(ver Quadro 13). a seguir, ter acesso a aposentadorias, contornando as dificuldades inerentes a
uma perícia médica (Quadro 13).
Ao se comparar a situação do quadro legal brasileiro com o existente na
experiência internacional, detectam-se discrepâncias na legislação para benefícios
relativos à idade e de concessão de pensões por morte – um tema negligenciado,
mas com grandes impactos sobre o gasto. Os demais benefícios de risco não
parecem ter problemas sérios relacionados com a legislação, a qual pode ser
alterada de forma mais pontual, mas que merece atenção por parte da gestão via
monitoramento das ações e condições de vida dos inativos.

480 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


QUADRO 13
Carências, Taxa de Reposição e Cessação de Aposentadoria por Invalidez em
Países Selecionados

Países Carências e perdas da capacidade laboral Taxa de reposição

Suécia Somente perícia médica com perdas acima de 25% Até 1.756 euros mensais
Itália 5 anos de contribuição (nada para acidentárias) Piso de 393 euros e adicional por tempo de
com perdas acima de 33% contribuição
Portugal 5 anos de contribuição com perdas acima de 66% Depende da contribuição e recebe até 9 anos se
for por invalidez não-acidentária

Estados 4 anos de contribuição com perdas aferidas por Valor entre US$ 552 e US$ 1.952
Unidos perícia
Uruguai Mínimo de 2 anos e 6 meses anteriores à Pilar 1: 65% da média de renda dos últimos 10
concessão para perdas aferidas por perícia anos e pilar 2 com 45%
Colômbia 50 semanas em 3 anos e perdas acima de 50% Entre 60% e 80% de quem cumpriu as carências
México 150 semanas com perdas acima de 50% e 75% no Entre 60% e 80% de quem cumpriu as carências
setor privado
Chile 50 semanas de contribuição (40% nos últimos 5 Entre 50% e 70% de quem cumpriu as carências
anos) com perdas de 66%
Fonte: AISS–SSW Databases (2005), apud Coutinho e Ribeiro (2006).

5.2 Financiamento e Competitividade: um Tema Polêmico e


Mal Resolvido

Para melhor lidar com a situação de heterogeneidade da condição de contribuinte


para a previdência foi criado o OSS (Quadro 14). Os recursos do OSS seriam
múltiplos e de destinação exclusiva, não contando apenas com a arrecadação
sobre a folha salarial, mas sendo complementados por contribuições sociais sobre
o faturamento e lucro líquido. A inclusão de toda a população nos direitos de
cidadania requeria uma decisão de foro legal para beneficiar as gerações que,
embora não houvessem participado do custeio da seguridade, ajudaram com seu
trabalho a desenvolver o país. Os países da OCDE dotados de sistemas avançados
de proteção social, aliás, não haviam agido de forma diferente.
O financiamento da seguridade por fontes não incidentes sobre a folha salarial
é comum na experiência internacional. As ações sociais mesclam operações típicas
de um seguro social, no qual a contribuição deve ter como contrapartida um
benefício cujo valor guarde proporcionalidade com a contribuição, com outras
para a redistribuição de recursos na forma de transferência direta de renda para
pessoas, ou com a promoção de serviços sociais e equipamentos públicos.

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 481


QUADRO 14
Fontes de Financiamento da Seguridade Social
Contribuição Base de incidência Alíquota
Contribuições dos empregados Salário bruto até o teto de cerca 7,65% até 3 SCs
de 10 SCs
8,65% de 3 SCs a 3 SCs
9% de 3 SCs a 5 SCs
11% de 5 SCs a 10 SCs

Contribuições dos empregadores Folha salarial 20% sobre o total (incluindo autônomos)
1% a 3% para acidentes de trabalho
15% ao contratar autônomo

Contribuições de autônomos Classes de rendimentos até o teto 20% sobre a classe de rendimentos
(contribuintes individuais) de 10 SCs subdividida em múltiplos do SC
Contribuições de segurados Resultado da comercialização da 2% com mais 0,1% a título de acidentes
especiais rurais, pesca e produção de trabalho
mineração (economia familiar)
Cofins Valor adicionado, faturamento; Valor adicionado de 7,6% ou via lucro
isenção para instituições presumido; 3% do faturamento
financeiras

CSLL Lucro líquido das empresas. Lucro 8% para as empresas em geral e 18%
presumido de 32% (com IR) para instituições financeiras
Repasses da União (Tesouro Orçamento fiscal, excluindo o Depende das necessidades de
Nacional) que existe para o OSS financiamento
Receitas de concursos de Receita líquida Deduzidos os valores de prêmios, impostos,
prognósticos administração e crédito educativo
CPMF Movimentações bancárias 0,38% sobre cada transação, exceto
entre contas de um mesmo titular
a
Simples Faturamento de microempresas 2% a 2,7% (conforme o faturamento)
(a partir de 5%) e das empresas a título de contribuição de
de pequeno porte (até 10%) empregadores sobre a folha,
2% a título de Cofins e 1% a título de CSLL
Outras receitas Receitas com títulos e valores Depende da remuneração de cada título,
mobiliários ou imobiliários do aluguel ou da venda de imóveis
Fontes: Lei 8.212/91, atualizada pela EC 20/98, e Lei 9.876/99.
a
O Simples substitui a Cofins, a CSLL e as contribuições dos empregadores sobre a folha.

Não existe, portanto, anomalia em utilizar impostos para financiar a


seguridade, conforme aponta a experiência da União Européia (UE) para 2000.
Esta, aliás, é a via mais correta para distribuir recursos entre os diversos estratos
da sociedade (Tabela 4). Mas, é fundamental assinalar, os tributos sobre o

482 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 4
União Européia: Financiamento das Transferências de Renda da Seguridade – 2000

Composição das despesas (%)


Países Em % do PIB
Empregadores Empregados Impostos Outras

Alemanha 36,9 28,2 32,5 2,4 29,5

Áustria 37,1 26,8 35,3 0,8 28,7

Bélgica 49,5 22,8 25,3 2,4 26,7

Dinamarca 9,1 20,3 63,9 6,7 28,8

Espanha 52,7 16,4 26,9 4 20,1

Finlândia 37,7 12,1 43,1 7,1 25,2

França 45,9 20,6 30,6 2,9 29,7

Grécia 38,2 22,6 29,1 10,1 26,4

Irlanda 25 15,1 58,3 1,6 14,1

Itália 43,2 14,9 39,8 2,1 25,2

Luxemburgo 24,6 23,8 47,1 4,5 21

Países Baixos 29,1 38,8 14,2 17,9 27,4

Portugal 35,9 17,6 38,7 7,8 22,7

Reino Unido 30,2 21,4 47,1 1,3 26,8

Suécia 39,7 9,4 46,7 4,2 32,3

Europa dos 15 38,3 22,4 35,8 3,5 27,3


Fonte: Eurostat, apud Dain e Ribeiro (2006).

faturamento (Cofins), lucro líquido (CSLL) e a CPMF são, na verdade, impostos,


pois uma contribuição stricto sensu deve ter por contrapartida um benefício de
valor proporcional ao esforço contributivo. A denominação de contribuição foi
adotada no Brasil como um artifício jurídico para separar as atribuições dos
orçamentos fiscais e da seguridade.
Para promover comparações entre países, dado que os recursos sobre a folha
salarial no Brasil são utilizados para pagamento de benefícios da previdência, é
possível montar um indicador comparável ao da UE. Os resultados da Tabela 5
revelam que os valores não são discrepantes em relação àqueles da UE. A parcela
do empregado brasileiro é um pouco menor, enquanto a do empregador e a de
outros tributos, incluindo outras fontes do OSS, é maior, se for levado em conta
o resultado da média da UE. Contudo, em vários casos, o peso dos impostos e da
parcela dos empregadores é superior à do Brasil.

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 483


TABELA 5
Brasil: Financiamento das Despesas de Aposentadorias, Pensões e Loas
a
[em % ]

Custeio 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Empregados 18 19,2 18,6 18,1 17,6 17,7 17,3 17,2 16,4 16,9

Empregadores 45 48,1 46,6 45,4 44,1 44,4 43,4 43,1 41,1 42,3

Outros tributos 38,3 34 36,1 37,7 39,5 39,1 40,4 40,9 43,6 42
Fonte: Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi).
a
O rateio considera um total de 29,1% para empregados e de 70,9% de empregadores (média de contribuição de 9% para
empregados e 22% para empregadores). O INSS e o Siafi não discriminam a parcela dos empregados e de empregadores na
arrecadação incidente sobre a folha salarial em seus demonstrativos financeiros.

Mas, mesmo mantendo intacta a sistemática de financiamento da seguridade


prevista em 1988, é essencial aumentar o número de contribuintes de modo a
conservar pelo menos constante a relação beneficiário/contribuinte. É sempre
oportuno lembrar que mesmo o Plano Beveridge, que sustentava a necessidade
de adoção do conceito de seguridade social, portanto mais à semelhança do modelo
brasileiro, exigia, para que o sistema fosse viável, crescente número de segurados
da previdência (contribuintes) e decrescente número daqueles que dependiam da
transferência de recursos via assistência (beneficiários assistenciais).
Em termos da composição do financiamento da seguridade não existe, con-
forme apontou Euzéby (2000), uma regra ideal. Em países com salários mais
baixos, é provável que as parcelas do empregador ou do Estado sejam elevadas
para compensar a baixa capacidade contributiva do empregado. Se a previdência
social for responsável por uma parcela preponderante da cobertura, porque os
rendimentos médios do país se encontram próximos ao nível de subsistência, é
provável que as alíquotas sejam elevadas, tendo em vista que o valor dos benefícios
deve se aproximar daqueles dos salários. Quando existe uma previdência com-
plementar e a parcela da previdência pública é menor na composição da renda
dos idosos, as alíquotas podem ser mais reduzidas. Contudo, a participação do
custeio sobre a folha é importante em sociedades desenvolvidas, conforme evi-
denciam os dados da Tabela 6.12
A experiência de países europeus revela que a contribuição sobre a folha
corresponde a algo como 60% do financiamento da proteção social. Seguindo a
análise de Esping-Andersen (2003), nos casos em que essa participação é menor,
segundo dados da Tabela 6, é maior o viés redistributivo, como em países
escandinavos – modelo de proteção social-democrático –, ou então os valores de
benefícios são menores, como no Reino Unido e na Irlanda – modelo liberal. Em
todos os lugares onde existe muita preocupação com a reposição e o nível de
renda, a parcela incidente sobre a folha salarial tende a ser mais elevada. Essa é

484 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 6
Fontes de Custeio e Características da Previdência para Idosos – 2004

Fontes de financiamento (%) US$ de janeiro de 2004


Países
Empregado Empregador Piso de benefícios Teto de contribuições

Argentina 7/nov. 17-21 70 1.568

Brasil 7,65-11 20 82 820

Chile 10 Não 105 1.411

Colômbia 3,5-4,6 11,25 49 Não há

Costa Rica 2,5-3,5 4,5-7,75 91 Não há

México 1,125 1,6 139 Não há

Portugal 11 23,75 202 4.287

Espanha 4,7 23,6 402 2.884

Itália 8,9 23,8 740 7.135

Alemanha 9,55 9,55 390 5.040

Estados Unidos 6,2 6,2 Não 7.250

Suécia 7 10,21 3.630 27.227


Fonte: Social Security Programs Through the World, apud Dain e Ribeiro (2006).

a essência do modelo (conservador) vigente no continente europeu, que serve de


inspiração para o Brasil.
Aqui, a precariedade ocupacional, da intervenção estatal e, sobretudo, do
arcabouço jurídico e institucional resulta em perdas de arrecadação, porque os
segurados devem aceitar ocupações em que os direitos sociais são desrespeitados.
Este cenário eleva a sonegação, a inadimplência e a renúncia fiscal, e também
reduz a disponibilidade de recursos para a promoção de investimentos produtivos
(Tabela 7).
Considerando os dados da Tabela 7, é possível observar que as perdas são
grandes de acordo com os indicadores do governo federal. Parte dessas perdas se
deve a renúncias fiscais para entidades filantrópicas ou exportadores e possui
caráter legal, embora esse tipo de procedimento seja controverso, pois uma con-
tribuição não deve ter viés distributivo e não é adequada para dar incentivos
tributários. As perdas por inadimplência também são de difícil recuperação.
É preciso assinalar que as perdas de arrecadação possuem um papel decisivo.
Além disso, algumas proposições foram controversas, como a desoneração parcial
ou mesmo a substituição da base de incidência do custeio da previdência sobre
fontes alternativas em relação à folha salarial (Quadro 15).

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 485


TABELA 7
Arrecadação Aferida do INSS e Perdas Estimadas
[em R$ bilhões correntes]

Categoria 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Sonegação (subdeclaração) (a) 17,2 18,9 20 21,9 27,3 31

Renúncia fiscal (b) 7,2 6,9 8,9 9,1 9,3 10,6

Inadimplência de contribuintes (c) 2,1 2,8 2,5 2,2 5,3 4,2

Arrecadação aferida (d) 44,2 46,5 49,1 55,7 62,5 71

Arrecadação potencial (e = a + b + c + d) 70,7 75,1 80,5 88,9 104,4 116,8

Perdas totais estimadas (f = e - d) 26,5 28,6 31,4 33,2 41,9 45,8


Fonte: INSS/Divisão de Arrecadação.

QUADRO 15
Desoneração da Folha Salarial e Reforma da Previdência na América Latina
A redução de alíquotas de contribuições incidentes sobre o salário, com vista a elevar o número
de contribuintes, não foi bem-sucedida na América Latina. O Gráfico 10, partindo de dados
coletados por Gill et alii (2004), revela que os patamares de contribuição à previdência em
relação à PEA são estáveis. Eles não alteraram o que existia em 1980, quando todos os regimes
eram de repartição, apesar da redução das alíquotas incidentes sobre a folha salarial ou mesmo
com a eliminação da parcela do empregador. Na verdade, o tipo de reforma e a redução de
alíquotas sobre a folha salarial não reverte uma tendência histórica e mantém os baixos pata-
mares de contribuição à previdência preexistentes.
O resultado para o Brasil, que não alterou os encargos, ou para o México, que elevou as
alíquotas, ou ainda para o Chile, cuja opção foi a de reduzi-las, foi muito similar à tendência
histórica, ao contrário do que pressupunham os defensores de reformas paradigmáticas, segundo
apontou o Banco Mundial (2004), apud Matijascic e Kay (2006).

GRÁFICO 10
Contribuições para a Previdência entre 1981 e 2003 (Anos Ímpares)

[em % da PEA]
70

60

50

40

30

20

10

0
Chile Argentina Brasil México

Fonte: Banco Mundial (2004), apud Matijascic e 1981 1983 1985 1987 1989 1991
Kay (2006). Baseado em dados de cada país. 1993 1995 1997 1999 2001 2003

continua

486 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


continuação
O exemplo argentino merece destaque. Os índices de evasão e de trabalhadores não contri-
buintes cresceram de forma permanente entre 1990 e 2002. Essa tendência não se alterou com
a diminuição, em 1994, das contribuições patronais sobre a folha de salários de 36% para 24%.
Inexiste consenso na literatura e na execução de políticas de países da América Latina de que a
redução dos encargos sobre a folha de salários possa implicar, necessariamente, a geração de
empregos e o aumento da contribuição para a previdência em qualquer país [Matijascic e Kay
(2006)].

Em síntese, considerando as dificuldades do mercado de trabalho, associadas


ao baixo valor das remunerações pagas decorrentes do perfil salarial e da
informalidade prevalecente, foi criado um sistema de financiamento múltiplo,
dotado de orçamento próprio para lidar com as características peculiares do Brasil.
O sistema permite acomodar as tensões por gastos com a precariedade da base de
arrecadação. Contudo, ainda que seja relativamente bem-sucedido em termos de
organização financeira e não seja incompatível com a experiência de outros países,
isso não elimina a necessidade de cuidadoso monitoramento dos gastos.

5.3 Indicadores de Gestão e Avaliação da Ação Estatal

A eficiência operacional de um sistema previdenciário pode ser medida, em parte,


pelos custos operacionais e despesas com pessoal. A trajetória desses gastos no
INSS apresentou resultados positivos, a julgar pela sua performance, segundo a
Tabela 8.
Os custos brasileiros de 4,3%, no entanto, ainda são mais elevados do que os
de outros países, como os Estados Unidos, cujos gastos administrativos e com
pessoal do sistema público representam 0,7%, conforme apontou o Banco Mundial

TABELA 8
Gastos com Pessoal e Operacionais do INSS em Relação ao Total de Benefícios Pagos
[em %]

Gastos/ano 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Pessoal/benefícios (a) 9,2 6,4 5,1 6,3 7,5 5 4,2 3,9 3,7

Custo operac./benefícios (b) 5,5 3,7 3,5 3,3 3,3 3,4 3,3 2,7 2,6

Custo administr. total c = (a + b) 14,8 10,1 8,5 9,6 10,8 8,4 7,5 6,6 6,2

Serv. ativos do INSS/pessoal (d) 58,9 79,1 59,4 44,2 58,2 50,3 45,4 42,3 n.d.

Inativos do INSS/pessoal (e) 41,1 20,9 40,6 55,8 41,8 49,7 54,6 57,7 n.d.

Custo administr. efetivo (c-b x e) 11 8,8 6,4 6,1 7,7 5,9 5,2 4,3 n.d.
Fonte: Fluxos de Caixa do INSS/Aeps.
n.d. = não-disponível.

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 487


(1994, p. 312), ou ainda 0,8% para a Suíça, 0,3% para o Japão, ou 3,4% para a
Itália, em 1992. Vale lembrar que o Brasil deveria obter ganhos por trabalhar em
grande escala. De fato, conforme apontaram Matijascic e Kay (2006), apesar de
tudo, a situação brasileira era melhor do que em outros países da América Latina
em 2004, nos quais os custos eram de 16% para a Argentina, 10,4% para o Chile,
24,9% para o México e 13,9% para o Uruguai.
Recentemente passou a ser possível dar entrada e até mesmo fazer pedidos
para alguns benefícios pela internet ou por telefones que não cobram tarifas, sem
deixar de mencionar o crédito consignado, que permitiu o acesso a empréstimos
de instituições financeiras com valores mais reduzidos e desconto direto sobre o
pagamento mensal.
Já no que diz respeito aos sistemas de aposentadorias e pensões dos servidores
públicos, não existe nenhum tipo de indicador divulgado que permita a realização de
uma análise assemelhada, pois o pagamento de benefícios é gerenciado em conjunto
com o pagamento dos servidores em atividade, não sendo aferido o seu custo.13
Para as EFPCs, não são divulgados, regularmente, indicadores oficiais sobre
o desempenho administrativo. No entanto, o levantamento realizado pela empresa
de consultoria Towers e Perrin (apud Banco Mundial, 1995) permite observar o
desempenho das EFPCs com base em uma sondagem. Não foi possível encontrar
nenhum indicador dessa natureza para as EAPCs. A Tabela 9 apresenta os resul-
tados da Towers e Perrin para as EFPCs brasileiras que destacam indicadores
heterogêneos em termos de custo, ao considerar os fundos patrocinados por em-
presas privadas nacionais, estrangeiras ou estatais.
Quando se trata de aferir a qualidade da gestão, e não somente os custos, a
avaliação tende a ser mais subjetiva. No entanto, qualquer brasileiro apontaria
casos de irregularidades e fraudes com aposentadorias. Esse cenário estimula o
oportunismo e a contravenção. Os sucessivos governos vêm prometendo resolver
o problema desde meados dos anos 1960.14

TABELA 9
Custos Administrativos das EFPCs – 1994
[em %]

Custo administrativo Privadas nacionais Privadas estrangeiras Estatais e economia mista

Até 6 59 69 26

6,1 a 12 23 27 35

Mais de 12 18 4 39
Fonte: Towers e Perrin, apud Banco Mundial (1995).

488 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


No período recente o tema voltou a ter destaque. Apesar da oportuna conso-
lidação do CNIS em 1999, o quadro de precariedade se manteve inalterado, con-
siderando a atuação governamental para desbaratar quadrilhas que fraudam as
atividades do INSS. Ainda que os dados estatísticos não sejam totalmente confiáveis
em termos de seguridade e previdência, existe um novo consenso que se forma
sobre a urgência que a questão merece. Dada a dimensão do sistema de seguridade
em termos de números de contribuintes e beneficiários e do volume de recursos
envolvido, a previdência social é uma área prioritária de choque de gestão. Afi-
nal, ela consome 31% das verbas federais e, segundo o próprio INSS, cerca de
20% das aposentadorias e pensões são pagas indevidamente. O choque de gestão
deveria unificar os dados do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e do INSS e atingir
todos os procedimentos gerenciais e o atendimento ao público.
O diagnóstico está em pauta e seu principal desdobramento é o censo
previdenciário, no momento em execução. O problema, no entanto, é saber se a
iniciativa será efetiva. Vale lembrar que, em 1993, o então ministro Antonio
Britto promoveu um recadastramento dos benefícios, com repercussões positivas,
mas os problemas voltaram a ocorrer.
Diante da importância de se adotarem estratégias que tornem o Estado bra-
sileiro mais ágil, moderno e empenhado na criação de condições favoráveis para
o desenvolvimento econômico e social, a edição de 2007 desta série Brasil: o
estado de uma nação tratará da eficiência do Estado, inclusive no âmbito da
seguridade social.

5.4 Gastos com Seguridade Social e Competitividade

Como a questão referente à existência ou não de déficits para o INSS, ou ainda a


existência de superávits para o orçamento social conduziu ao impasse, o foco das
críticas está mudando, acertadamente, para a dimensão dos gastos com benefícios.
Gastos reduzidos agravam a desigualdade gerada pela ação do mercado.
Entretanto, um gasto excessivo transfere recursos que podem ser utilizados de
forma mais eficaz em investimentos e outras atividades capazes de elevar a ri-
queza ou estimular o emprego via intercâmbio comercial entre os países.
Ainda merece atenção uma regra: países com crescimento lento e com aumento
da precariedade das relações de trabalho tendem a apresentar um gasto social maior
sobre o PIB do que ocorreria em circunstâncias opostas. A questão é simples, pois
todos os que perdem renda buscam compensar as perdas, e o fato de um programa de
reposição de renda ser público ou mercantil não modifica o quadro.

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 489


Embora o Brasil tenha uma população com mais de 60 anos de idade pouco
elevada em relação à de países mais desenvolvidos, o envelhecimento se processa
de modo bem mais veloz, exigindo cautela, conforme disposto no Capítulo 2
deste volume. Ademais, o baixo nível de dinamismo econômico dos anos recentes
reduziu o crescimento do PIB e pressionou os gastos sociais para compensar a
queda da atividade econômica.
Os gastos brasileiros ainda são inferiores aos de países desenvolvidos e nada
comprova que estejam em patamares diferenciados em relação a países vizinhos.
Os valores para o Brasil superam apenas os do México. No caso dos Estados
Unidos, o problema é diferente porque o país possui um sistema de proteção
social menos abrangente devido à elevada cobertura oferecida pelo mercado via
fundos de pensão, substituindo uma parcela relevante do gasto público. Não
existem dados comparáveis para outros países que não compõem a OCDE.
Qualquer tipo de análise sobre o gasto social precisa considerar o total, que
inclui o setor privado e a filantropia. Esse gasto precisa ser ponderado pelo perfil
etário da população, para que se possa aferir se ele é grande ou não em relação à
população coberta. Em outras palavras, o gasto público pode ser menor se for com-
pensado por outras formas de proteção mercantis ou por vínculos familiares sólidos.
Mas, ainda que o gasto público seja menor, se for grande a dotação para manter os
que não podem trabalhar ou atender às necessidade sociais mais diversas, existe uma
redução dos recursos para usos alternativos, com destaque para os investimentos.
Conceitualmente, se um país com baixa cobertura apresenta resultados em
termos de gastos sobre o PIB similares aos de um país com elevado número de
contribuintes, por exemplo, o problema requer atenção. Ainda não existem estudos
com esse grau de precisão para fornecer indicadores de referência (benchmarks),
mas dados divulgados na Tabela 10 permitem fazer indicações importantes.
Os gastos com benefícios destinados a pessoas de idade, incluindo as apo-
sentadorias por tempo de contribuição, para o Brasil, são ainda inferiores à média
de países desenvolvidos, o que é normal, uma vez que o país ainda conta com
uma parcela substantiva da população ainda jovem.15
O problema referente a idosos é em parte compensado para os gastos com as
transferências para famílias com menores rendimentos. Nesse caso, o Brasil está
aumentando. A primazia da Suécia é típica de um modelo que privilegia a conju-
gação das transferências de renda com a oferta de serviços sociais focalizados em
segmentos mais frágeis. No caso brasileiro, as políticas como o salário-família ou
a Loas – precedidos pela renda mensal vitalícia nos anos 1970 – estão consolidadas,
mas os programas de renda mínima familiar ainda representam uma novidade, o
que contempla um amplo horizonte para o aumento do gasto.

490 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


TABELA 10
Despesas Sociais com Transferência de Renda
a
[em % do PIB ]

Estados
Alemanha Itália México Polônia Portugal Suécia Brasila
Benefício Unidos

1995 2001 1995 2001 1995 2001 1995 2001 1995 2001 1995 2001 1995 2001 1995 2001 2004

Idade 11,1 11,7 10,7 11,3 3,3 7,4 8 8,5 6,4 7,9 9,9 9,2 5,4 5,3 4,6 5,5 5,3

Pensões 0,5 0,4 2,6 2,6 0,2 0,2 2 2,1 1,3 1,5 0,7 0,6 1 0,8 2,2 2,8 2,6

Invalidez 2,2 2,3 2,4 2,1 0,1 0,2 6 5,5 2,5 2,5 5,1 5,2 1,2 1,1 1,1 1,3 1,6

Famílias 2 1,9 0,8 1 0,3 0,3 1,1 0,9 1 1,2 3,7 2,9 0,6 0,4 0,6 0,5 1,1

Desemprego 1,5 1,2 1 0,6 1,7 1 0,4 0,5 2,1 1 0,3 0,3 0,5 0,4 0,4

Habitação 0,2 0,2 0 0 0,6 0,8 0,1 0,2 0 0 1,1 0,6 0 0 0,1

Total 15,8 16,3 16,5 17 3,9 8,1 17,1 17 11,2 13,1 19,4 17,9 8,2 7,6 8,4 10 10,5

Fontes: OCDE, MPS e MPOG.


a
Para o Brasil estão incluídos gastos com servidores e aposentadorias por tempo de contribuição. A rubrica invalidez inclui doenças e
para os RPPs foram estimados em 17,8% do total de benefícios pagos, levando em conta a concessão de benefícios desde 1998. Os
gastos com habitação aqui expressos são somente os federais.

O gasto brasileiro com pensões por morte chama a atenção pela sua dimensão,
que é superior à dos demais países, deixando entrever que a legislação é benevo-
lente, tendo pouca ou nenhuma relação com a perda de capacidade de trabalho.
Os gastos com invalidez permanente e doenças não devem ser elevados
quando existe uma população reduzida de contribuintes. A cobertura legal no
Brasil foi de 34% para 2003, considerando a legislação e os períodos de carência
necessários para se ter acesso aos benefícios num momento determinado. Assim,
os gastos com invalidez brasileiros em proporção ao PIB não são baixos, compa-
rados com países de extensa cobertura de contribuição para a previdência. Em
países da UE, a cobertura em relação à população trabalhadora para as aposenta-
dorias era de 5,8% em 1910, 67% em 1950, e 96% em 1990, segundo Tomka
(2003).
Tafner et alii (2006) apontaram de modo nunca antes mensurado e analisado
que, desde 1999, a iminência de reformas constitucionais para o setor público
federal elevou o número de aposentados por invalidez para patamares superiores
a 25% do total de concessões, tendo atingido 54,9% do total de concessões em
2003, quando foi encaminhada a reforma constitucional. Os dados apresentados
fogem a qualquer padrão de risco atuarial, denotando problemas de gestão da
maior relevância. No mais, é possível observar, ainda, os efeitos das reformas nos
anos 1990 sobre a concessão de benefícios, sobretudo a forte redução dos propor-
cionais em virtude das regras da reforma apontadas anteriormente (Gráfico 11).

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 491


GRÁFICO 11
Brasil: Número de Aposentadorias por Invalidez no Serviço Público Federal

30.000

25.000

20.000

15.000

10.000

5.000

0
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Fonte: Siafi, apud Tafner et alii (2006). Por invalidez Integral ou compulsória Proporcional

Isso resulta, possivelmente, em desperdício de recursos e na redução da


competitividade externa do Brasil. Esse alerta sugere que ou os gastos apresentam
problemas referentes à qualidade sanitária e às condições de trabalho da população,
ou ainda que existe um problema de fraude, pois a incidência de invalidez obedece
a leis probabilísticas e os desvios em relação à média precisam ser monitorados,
sinalizando a presença ou não de possíveis desvios.16 Na verdade, é provável que
a situação represente um misto das duas possibilidades. Aliás, a constância dos
gastos com invalidez num contexto em que as regras de acesso às aposentadorias
por tempo de contribuição ou idade foram liberais e o envelhecimento foi per-
ceptível representa, por si só, um sintoma de que a concessão de benefícios apre-
senta problemas (Gráfico 12).

GRÁFICO 12
Valor Pago aos Benefícios Ativos segundo a Modalidade

[em %]
100
12 12 11 11 10 9 9 9 7 7 6 5 5 5 5 5 5 5 4 5 6 7 8 9
90
80
39 38 38 38 39 39 39 42 43 39 41 45 40 37 37 36 36 35 36 36 34 35 35 35
70
60
50
40
49 50 51 51 52 53 52 49 50 54 53 50 55 58 58 59 59 60 60 60 60 58 57 56
30
20
10
0
82

83

86

87

88

89

90

92

93

94

95

96

97

98

99

00

03

04
81

02
91

01
85
84
19

19

19

19

19

19

19

19
19

19

19

19

19

19

19

19

19

20

20

20

20

20
19
19

Fonte: Aeps. Previsíveis Risco Temporários

492 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Sob o prisma das finanças públicas, este é o aspecto a ser considerado, pois
é o que onera o contribuinte, de forma provavelmente indevida. Se o problema
não existisse, ou tivesse uma dimensão menor, haveria mais recursos disponíveis
para outras atividades, o que poderia diminuir o sofrimento dos portadores de
necessidades especiais decorrentes de doenças ou de acidentes de trabalho, ou
permitiria punir os que fraudam a boa fé dos brasileiros.
Dois outros aspectos pouco presentes no debate sobre previdência são a
legislação que permite aos inativos trabalhar, excetuados os casos de invalidez e
a possibilidade de acúmulo de dois benefícios diferentes – como o caso de uma
viúva aposentada que acumula pensão do ex-marido. Ambos os casos não têm
similar na experiência internacional. No primeiro caso, como permitir a concessão
de aposentadorias por tempo de contribuição para pessoas que tenham plena
capacidade de trabalho? No segundo, o que justificaria a generosa concessão de
pensões por morte para aqueles que já recebem outro benefício? É preciso destacar
que a seguridade tem por meta transferir renda da sociedade para quem não pode
se sustentar com base na própria capacidade de trabalho. Postulados divergentes,
como os da legislação de Bismarck e os baseados nos princípios de Beveridge até
convergem sobre essa questão básica. Num país que não é afluente, como o
Brasil, é preciso ponderar se esse tipo de transferência de renda é regressivo, pois
privilegia os que possuem melhores condições de trabalho.17
A Tabela 11 apresenta resultados que tornam a argumentação precisa. Quando
se considera a população com 65 anos de idade ou mais, os números revelam que
64% dos gastos e 54% dos benefícios são pagos àqueles que possuem uma idade
inferior a 65 anos. Assim, é procedente dizer que a maioria das aposentadorias não
se concentra entre os idosos e que esse perfil onera demais o erário público.
A manutenção de um contrato de trabalho concomitante com o status de
aposentado ou pensionista é defendida por considerar que o valor da aposenta-
doria é reduzido, e não resta outra opção ao cidadão senão retornar ao mercado
de trabalho. Mas os resultados da Tabela 12 apontam o contrário. Quando con-
sultados os dados da Pnad, o resultado não confirma o pressuposto, segundo
mostra a Tabela 11, pelos seguintes motivos:
z os inativos com prestações menores são justamente aqueles que não pos-
suem nenhuma ocupação;
z os aposentados ocupados que não contribuem para a previdência possuem
rendimentos superiores aos que não possuem nenhuma ocupação; e
z aqueles que possuem aposentadorias com valores maiores são também os
que contribuem para a previdência ao retornar ao mercado de trabalho.

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 493


TABELA 11
Contingente e Gastos com Aposentados e Pensionistas por Faixa Etária
[em %]

Freqüência Até 20 20-25 25-30 30-35 35-40 40-45 45-50 50-55 55-60 60-65 65-70 70-75 75-80 80 e +

Valores 0,5 0,4 0,6 1 1,9 4 8,9 15,2 15,4 16,3 13,7 10,4 6,4 5,3

Beneficiários 1,2 0,6 0,9 1,3 2,1 3,5 6,4 9,6 12,3 16,2 16,2 13,2 8,4 8
Fonte: IBGE/Pnad de 2001.

TABELA 12
Rendimentos dos Inativos segundo o Perfil de Ocupação e Sexo – 2001

Rendimento (R$)
Perfil de ocupação Condição Sexo Total
Trabalho Benefício

Homens 0 599 599


Aposentados
Mulheres 0 359 359
Somente inativos
Homens 0 333 333
Pensionistas
Mulheres 0 414 414

Homens 421 843 1.264


Aposentados
Mulheres 129 416 545
Trabalha sem contribuir
Homens 269 541 810
Pensionistas
Mulheres 183 462 645

Homens 1.485 2.360 3.845


Aposentados
Mulheres 1.129 1.932 3.062
Trabalha e contribui
Homens 1.004 1.416 2.420
Pensionistas
Mulheres 602 951 1.552
Fonte: IBGE/Pnad de 2001.

Não são, portanto, os mais pobres os que se beneficiam da acumulação de


benefícios e rendimentos do trabalho.
A não observância de critérios legais adotados universalmente para benefícios
de risco, muitos dos quais previstos no Brasil mas cuja eficácia está comprometida
pelo débil monitoramento gerencial – ou ainda pela liberalidade na manutenção
de benefícios para quem trabalha – requer mais atenção por parte das autoridades.
Se isso não ocorrer, as finanças públicas se deterioram e é colocada em xeque a
noção de direito social ao se estimular a adoção de comportamentos oportunistas.

494 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


6. ASPECTOS EXTERNOS QUE INFLUENCIAM A SEGURIDADE
SOCIAL

Ainda que a estrutura institucional de um sistema de seguridade social seja exemplar


e aceita pelos valores culturais de uma determinada sociedade, elementos externos
à sua órbita podem afetar o sistema e impedir que uma tal estrutura seja viável
no longo prazo [Tafner (2005)]. Os elementos externos podem ser múltiplos, quando
o foco é a transferência de renda entre pessoas e gerações, mas são três os que
merecem destaque: condições etária e sanitária da população, atividade econômica
e a distribuição de renda, e o perfil de ocupação de uma determinada sociedade.
Essas questões foram tratadas de forma detalhada nos Capítulos 1, 2, 4 e 5 da
presente publicação. Os argumentos aqui apresentados apenas aprimoram o con-
teúdo deste capítulo.

6.1 Perfil Demográfico e Condições de Saúde

Um dos principais problemas apontados para mostrar o potencial de crise financeira


da seguridade social no Brasil é o envelhecimento acelerado da população brasi-
leira. Como o regime financeiro é de repartição no segmento público, ou seja, as
contribuições arrecadadas são repassadas para os inativos sem a constituição de
reservas, o crescente número de idosos reduz a população contribuinte e, ao
mesmo tempo, eleva o de beneficiários. Diante dessas circunstâncias, os traba-
lhadores em atividade deverão contribuir com quantias cada vez maiores para
sustentar os inativos, sem que isso lhes dê direito a um benefício maior.
A situação do Brasil é a melhor entre os países desenvolvidos ou do Cone
Sul. O momento atual representa a melhor fase populacional, pois o contingente
de população em idade de trabalhar supera o da população dependente e, mesmo
em 2050, essa relação deverá ser favorável.
Mas o processo exige a adoção de medidas preventivas, considerando que o
número de pessoas em idade ativa em relação ao daquelas com 60 anos ou mais
cai pela metade, sendo mais veloz do que o observado na OCDE (ver Capítulo 2).
O envelhecimento é uma questão desafiadora, pois a estrutura etária madura
requer a reorganização dos serviços sociais para atender os idosos, que possuem
necessidades diferenciadas em termos de saúde e previdência em relação à popu-
lação não idosa.
E não se pode deixar de levar em conta que o Brasil é um país em que o índice
de mortalidade é alto e as condições sanitárias ainda são precárias, considerando

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 495


a sua renda per capita. Essa mortalidade é devida a um sistema de saúde igual-
mente precário. Isso se traduz em menor esperança de vida saudável, o que ace-
lera as mortes, que vêm seguidas de doenças, tratamentos onerosos, perda da
capacidade de trabalho, e dispêndios elevados e prolongados para os sistemas
previdenciários. A alarmante situação da saúde, ocasionada por problemas de
atendimento, epidemiológicas e também por doenças e acidentes de trabalho, é
um problema que se configura sério, conforme sugere a Tabela 13, baseada em
dados da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Para a previdência e a assistência social as informações contidas na Tabela 13
representam um problema, devido ao potencial de gastos com benefícios por
invalidez ou acidentários. Os dados permitem fazer inferências sobre a situação
sanitária e das condições de trabalho. Assim, a concessão de benefícios por
invalidez, doença e pensões por morte cresce e infla em demasia o contingente de
inativos. Isto demonstra que a previdência e a assistência dependem de um con-
junto de políticas coesas para controlar os gastos e evitar a vulnerabilidade
macroeconômica.
Além disso, o Brasil é um país em que é maior a probabilidade de morte
antes dos 65 anos de idade do que a de países mais desenvolvidos ou de países
vizinhos. Os problemas de saúde e os decorrentes de acidentes de trabalho esti-
mulam a concessão de benefícios por morte prematura.
Os problemas demográficos e as condições de saúde e mortalidade do Brasil
demonstram que a seguridade social, as demais políticas sociais e as políticas

TABELA 13
Esperança de Vida e Mortalidade em Países Selecionados para 2002

Perdas de esperança de vida saudável Mortalidade até os 65 anos


Países
Homens Mulheres Homens Mulheres

Argentina 14 16 28 15

Brasil 20 15 41 24

Colômbia 17 17 29 20

México 9 11 29 18

Portugal 12 13 23 11

Itália 9 11 18 10

Estados Unidos 11 13 22 14

Suécia 9 11 14 9
Fonte: OMS.

496 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


públicas como um todo requerem uma ação integrada. Somente assim será pos-
sível diminuir a transferência de renda para as famílias e reduzir o sofrimento
humano, que, além de desnecessário, onera em demasia as finanças públicas e
reduz a população que poderia estar produzindo riqueza.

6.2 Atividade Econômica, Distribuição de Renda e Seguridade


Social

Qualquer tipo de sistema previdenciário ou de transferência de renda tende a


possuir melhores condições num período de crescimento econômico e vice-versa,
independentemente do tipo de regime financeiro ou do plano de benefícios. Isto
se dá porque, quando ocorre o crescimento, a arrecadação de contribuições sociais
tende a subir, enquanto a demanda por benefícios fica estável ou até um pouco
menor, uma vez que as condições favoráveis da economia podem estimular a
permanência no mercado de trabalho dos que podem se aposentar.
No Brasil, o problema se deve, segundo o Gráfico 13, ao fato de o PIB ter
apresentado um crescimento menor no período, que ainda coincide com a elevação
média anual acentuada da PEA, dificultando a criação de empregos e outras
condições mais favoráveis para efetuar uma distribuição mais eqüitativa da renda.
A Tabela 14 apresenta dados referentes às contas nacionais do IBGE e aponta
reflexos da perda de dinamismo sobre a distribuição da renda: a parcela dos
salários e da remuneração dos autônomos se reduziu em detrimento à maior
participação dos impostos – após as transferências para pessoas – e ao excedente
econômico.

GRÁFICO 13
Crescimento Médio Anual do PIB, da PEA e do PIB Per Capita

[em %]

8,6
7,7
7,1
6,2

4,5
3,9
3,1 3,2
2,2 2,5
2,0
1,4 1,6
1,1 0,8 1,0
0,5 0,5

1951-1960 1961-1970 1971-1980 1981-1990 1991-2000 2001-2003

Fonte: IBGE. PIB per capita PEA PIB

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 497


TABELA 14
Brasil: Distribuição Funcional Anual do PIB Entre 1991 e 2003
[em %]

PIB 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Salários 32 34,6 35,9 32 29,6 28,8 27,4 26,9 26,5 26,8 26,4 26,2 25,7

Contribuições sociais 9,7 8,9 9,2 8,1 8,7 9,7 9,5 9,6 10,9 11,1 10,6 10 9,9

Autônomos 7 6,3 6,3 5,7 5,9 5,7 5,7 5,5 5,1 5,3 5 4,6 4,5

Excedente 38,5 38 35,4 38,4 40,3 41 42,9 44 41,4 40,6 40,9 41,9 43

Carga tributária líquida 12,9 12,2 13,2 15,8 15,6 14,8 14,6 14 16 16,2 17 17,3 16,9
Fonte: IBGE/Contas Nacionais.

As condições para a incorporação de novos contribuintes e para o aumento


da arrecadação não foram propícias, tendo em vista que os salários, base de
incidência das contribuições sociais por excelência, perderam participação na
renda entre 1991 e 2003.
A perda de participação dos salários na renda nacional brasileira desde 1991
não teve por contrapartida a redução da parcela destinada aos encargos sociais,
como se pode depreender dos dados da Tabela 14. Assim, o esforço para contribuir
dos assalariados foi elevado em relação à sua participação na renda.
Embora a perda de participação da massa salarial sobre o PIB tenha sido
uma realidade em quase todos os países ocidentais, as diferenças do Brasil em
relação às sociedades dotadas de proteção social mais evoluída permaneceram
elevadas e explicam a fragilidade financeira inerente à previdência brasileira. A
relação de trabalho baseada hegemonicamente no salário enquanto forma de
ocupação e a parcela do PIB destinada a ele é uma das condições imprescindíveis
para a viabilidade atuarial de modelos baseados no seguro social. Se a parcela
dos salários for reduzida, os recursos tendem a ser escassos para atender às de-
mandas, especialmente num contexto de renda reduzida e grande desigualdade
no acesso às riquezas (Gráfico 14).
O Brasil sempre teve por característica a marca da precariedade em termos de
ocupação, por um lado, e a da concentração da renda, por outro, sem mencionar a
fragilidade das contas públicas devido ao endividamento. Ou seja: as condições
sempre foram difíceis. Nesse cenário, a abertura comercial apenas aumentou as
distorções e dificultou a busca de mecanismos de financiamento equilibrados.
Em síntese, a evolução da economia não foi favorável para a seguridade
social e para a previdência em particular, considerando o descompasso entre a
mudança da estrutura populacional e a evolução do PIB. A par desse quadro, a
estrutura de distribuição da renda não permite que o financiamento das ações

498 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


GRÁFICO 14
Salário e Encargos Sociais sobre o PIB

[em %]
74,8
66,9 68,9
65,5 65,2 64,4
60,4

36,1

Brasil Portugal Espanha França Alemanha Reino Unido Suécia Zona do Euro

Fontes: IBGE/Contas Nacionais e Eurostat.

seja estável. Com efeito, os problemas apontados sempre estiveram presentes no


contexto brasileiro.

6.3 Perfil de Ocupação da População e Seguridade Social

Embora o desempenho demográfico e as questões relativas à produção e distri-


buição da riqueza sejam essenciais na determinação da condição estrutural da
seguridade, não é possível entender os problemas que a afetam sem levar em
conta o perfil da ocupação e sua evolução no tempo, sobretudo no período recente.
Este é mais um conjunto de variáveis exógenas ao universo da seguridade social
e que ajudam a definir o desempenho do sistema.
Nunca é demais insistir que existe a necessidade de um mercado de trabalho
baseado no assalariamento para garantir a viabilidade de longo prazo de um
sistema de proteção social. O assalariamento se baseia em relações de trabalho de
longa duração. Tais condições são fundamentais para sistemas de seguridade
social que precisam de fontes de custeio estáveis.
As mudanças realizadas nas últimas décadas com o aumento da exposição
externa das economias, internacionalização dos processos de produção e aumento
da parcela de serviços na atividade econômica reduziram a importância do
assalariamento. Esse conjunto de fenômenos, associado à instabilidade do cresci-
mento do PIB e ao envelhecimento populacional do país, acabou por deteriorar
as condições de sustentação de um sistema de proteção cujo eixo sempre foi o
seguro social.

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 499


Ao comparar países segundo a sua escala de desenvolvimento socioeco-
nômico, a relação entre a estabilidade da seguridade social e o perfil de ocupação
se traduz de forma nítida, conforme aponta o Gráfico 15.
Os países com maior número de assalariados e, por conseguinte, com o menor
contingente de trabalhadores domésticos ou autônomos são os que apresentam
maior grau de cobertura e melhor qualidade das prestações, mantendo, ao mesmo
tempo, mais estabilidade financeira. Quando se analisa o caso brasileiro, como
mostra o Gráfico 16, é possível perceber que a posição do país sempre foi precária.
O número de empregados contribuintes no Brasil sempre esteve em patamares
menores do que o dos países europeus, e a contrapartida disso foi um número
maior de trabalhadores empregados sem carteira [Carteira de Trabalho e Previ-
dência Social (CTPS)] ou conta-própria.
GRÁFICO 15
Perfil de Ocupação da População Trabalhadora – 2002

[em %]
100

80

60

40

20

0
Brasil Portugal Itália Alemanha Reino Unido Suécia

Fontes: Cepal e Eurostat. Assalariados Domésticos Autônomos

GRÁFICO 16
Brasil: Ocupação nas Regiões Metropolitanas

[em % médios anuais sobre a PEA (1982-2002, anos pares)]


60

50

40

30

20

10

-
Empregador Empregado com CTPS Empregado sem CTPS Conta-própria Desempregados

Fonte: IBGE/PME. 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002

500 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Assim, a redução no contingente de empregados com carteira de trabalho
teve uma queda acentuada, explicando porque é baixo o número de contribuintes
para a previdência. Mas os dados do Gráfico 16 também indicam que houve uma
deterioração nas condições de ocupação, pois o número de desempregados se
elevou com a abertura comercial brasileira de 1990, embora isso possa ter sido
estimulado pelo aumento das aposentadorias, segundo o estudo de Camargo e
Reis apresentado no Quadro 16.
A estrutura de ocupação, bem como a da população, de suas condições sani-
tárias ou o nível de atividades e a distribuição da renda são fatores limitantes
para a promoção de políticas de transferência de renda via seguridade. Isto é
consensual na literatura internacional, tanto comparada como referente a casos
nacionais, e por toda a parte esse tipo de limitação atua de modo a criar obstáculos
para que o sistema de proteção social tenha uma convivência menos litigiosa
com os interesses dos setores ligados à produção e à distribuição de riqueza.
Existe conflito entre os setores empresariais e as políticas sociais em todo o
mundo e a reforma está na ordem do dia em todos os países. Mas as estruturas de

QUADRO 16
Aposentadoria, Pressão Salarial e Desemprego por Nível de Qualificação
Apesar de sempre destacadas, as conexões entre benefícios de aposentadoria, desemprego segundo
qualificação da mão-de-obra são de difícil mensuração. Um dos poucos estudos foi realizado
por Camargo e Reis (2005, p. 36-37). A principal conclusão do estudo sublinha que “o compor-
tamento do trabalhador no mercado de trabalho pode ser alterado pelo efeito da aposentadoria
sobre a renda domiciliar per capita”. Esse efeito é observado mesmo quando a “aposentadoria é
recebida por outros membros da família no domicílio, que não participam da força de trabalho”.
Os efeitos da aposentadoria sobre as variáveis de desemprego foram estimados por meio de
regressões cross-sections repetidas de coortes (ver glossário no Capítulo 2) de nascimento e
qualificação. Foram estimados, também, os impactos da aposentadoria sobre as probabilidades
de desemprego e de desemprego de longo prazo.
A análise empírica foi baseada nos dados da Pnad para o período 1981-1999. De acordo
com os resultados estimados, maiores aposentadorias têm efeitos positivos e significativos
sobre o desemprego dos trabalhadores não qualificados. Aumentos na aposentadoria domiciliar
per capita nos anos 1990 parecem ter gerado elevações na taxa de desemprego, na taxa de
desemprego de longo prazo e na proporção de desempregados de longo prazo para esses traba-
lhadores. No caso dos semiqualificados, foram encontradas algumas evidências de que as apo-
sentadorias influenciaram a taxa de desemprego de longo prazo desse grupo. Para os qualificados
não foram encontrados resultados significativos. (...)
Esses resultados sugerem que o crescimento do desemprego ao longo dos anos 1990 pode
ter tido efeitos do ponto de vista de bem-estar social dos trabalhadores menos qualificados,
que são os mais pobres na distribuição da renda, menos deletérios do que inicialmente se supõe.
Uma parte importante desse aumento decorre exatamente da melhoria da renda familiar per
capita como resultado da crescente importância da renda da aposentadoria para a família.

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 501


produção, população e ocupação mais desequilibradas aumentam o potencial de
conflito. Resta encontrar soluções que possam ser mais adaptadas a cada situação
específica, como é o caso para o Brasil.

7. SEGURIDADE SOCIAL, MERCADO DE TRABALHO,


MUNDIALIZAÇÃO E COMPETITIVIDADE EM PERSPECTIVA

Quando são consideradas as políticas de transferência de renda para idosos e


pessoas com necessidades especiais, o Brasil apresenta tantos problemas e conquistas
ao mesmo tempo que o país se credencia a ser considerado um caso exemplar
para fins de estudo no contexto internacional. As contradições e a heterogeneidade
social são as marcas de um país que avança de modo hesitante entre as possibi-
lidades oferecidas pelas circunstâncias e os limites de sua crônica hesitação.
Por um lado, estudiosos filiados a instituições como o Banco Mundial ou a
OIT, que têm se confrontado em termos de proposições de reforma para a seguridade
social nas últimas décadas, começam a ter pontos de vista mais convergentes.
Entre essas questões vale destacar a busca de universalização no Brasil, reconhe-
cidamente uma política bem-sucedida.
Por outro lado, é impossível deixar de reconhecer também que o sistema
possui um elevado número de distorções em seus regulamentos, distorções essas
que atingem as atividades gerenciais, a legislação ordinária e os preceitos cons-
titucionais. Quando são consideradas essas variáveis é possível observar que o
nível de focalização sobre os mais necessitados ainda é deficiente na PEA e, se
mantido, vai ser um obstáculo às tentativas de promoção da competitividade e da
reorganização das finanças públicas.
Não é possível, no presente momento, retomar toda a argumentação. Mas é
possível relacionar medidas que podem ter efeitos positivos nas duas dimensões
assinaladas. Como resultado da discussão do capítulo, a reforma constitucional
não é a única via para reformar a seguridade, embora ela não possa ser dispensada.
Reformas das leis infraconstitucionais e medidas de cunho administrativo têm
papel importante e podem apresentar resultados financeiros de forma ágil, po-
dendo ser revistas a todo o instante e não apenas nos primeiros anos de mandato,
quando as chances de reformas na Constituição tendem a ser maiores.
Cabe destacar assim algumas linhas de conduta para os próximos anos.
Entre as medidas de cunho administrativo, é preciso:
zEliminar benefícios de risco que estejam sendo concedidos para quem não
necessita deles. Se a pessoa continua trabalhando, ela não está incapacitada.

502 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


z Fazer valer critérios para a incapacidade parcial, prevista em lei, mas que,
no Brasil, na prática, existe apenas enquanto afastamento total do trabalho.
z Monitorar as atividades de empresas e o sistema de saúde para evitar
situações de insalubridade ou perigo.
z Manter registros mais rigorosos referentes à filiação à previdência e ao
valor pago a título de contribuição.
Existem, ainda, problemas de ordem legal, mas que não precisam de reformas
constitucionais, bastando alterar a legislação ordinária, como:
z A acumulação de aposentadorias e pensões ou trabalho remunerado sem a
fixação de critérios.
z A pensão por morte deve considerar a existência de filhos menores de
idade no grupo familiar e a capacidade de trabalho da pessoa que ficou viúva.
z Mesmo na presença de filhos, a freqüência à escola deve ter monitoramento
pelas autoridades responsáveis pelas ações sociais para assegurar a manutenção
de uma pensão.
Em questões relativas a gênero e demografia, seria muito útil promover um
debate nacional que esteja baseado em estudos amplos, abrangentes e que possam
contar com indicadores confiáveis para empreender reformas constitucionais. Os
dados referentes a sistemas de seguridade são restritos e, com freqüência, precários
– no caso do IBGE –, ou não estão tabulados e disponíveis para a população – no
caso do INSS –, dificultando a elaboração de diagnósticos confiáveis.
Quando são consideradas as condicionantes externas aos sistemas de
seguridade é preciso destacar que o perfil de contribuição à previdência está se
alterando no mundo numa direção já conhecida no Brasil há décadas:
zParte da força de trabalho precisa se submeter, de forma quase integral, a
ocupações que não cumprem os preceitos relativos aos direitos sociais.
zOutra parcela consegue integrar ocupações que respeitam os direitos sociais
durante um período restrito, mas suficiente para permitir o acesso a benefícios de
valor modesto.
z Uma reduzida fração consegue cumprir os requisitos clássicos de um mo-
delo baseado no seguro social.
Essa é a realidade, conforme apontaram Merrien, Parchet e Kernen (2005) e
Matijascic e Kay (2006), que precisa ser considerada na promoção de reformas.
Nesse sentido, a estrutura geral existente já atende, em grandes linhas, o que é
exigido pelo novo contexto. A estrutura jurídico-institucional, por um lado, não

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 503


pode prescindir da proteção aos que dela precisam e, por outro lado, não pode
distribuir prestações injustificáveis sob o prisma do direito social num mundo
marcado pela premência da competitividade e da estabilidade das regras.
É ai que estudiosos do Banco Mundial e da OIT parecem, finalmente, começar
a convergir. As formulações baseadas em camadas18 - ou pilares, segundo grande
parte dos estudos do Banco Mundial – de proteção social exercem um papel
fundamental para a reorganização das condicionantes jurídicas e institucionais.
Todos reconhecem que a cidadania é um fundamento da seguridade social e
é preciso dar garantias de uma condição digna dos que não conseguem sobreviver
com base na utilização de sua força de trabalho. Como essa é uma situação que
pode afetar a todos, é justo que todos possam receber as prestações que integram
uma primeira camada.
A segunda camada deve vincular estritamente as contribuições aos benefícios
de forma similar à adotada pelos notional defined accounts. Essa camada deve
conferir garantias de rendimento ao segurado, mas desde que compatíveis com
as condições macroeconômicas. É impossível imaginar que algum sistema seja
viável com taxas de retorno elevadas demais em longo prazo e sem relação com
o desempenho de uma economia. Contudo, é preciso destacar que essa mesma
camada pode estimular a economia, dado que segurados e empresas que conseguem
transferir recursos para o sistema de forma regular representam uma parcela da
população com renda estável que pode ter acesso ao crédito em melhores condições
com menores taxas de risco. As experiências recentes de reformas microeconômicas
com crédito consignado no Brasil seguem uma rota promissora, embora os pri-
meiros resultados ainda não possam ser avaliados em termos de efetividade.
Por fim, na terceira camada, podem ser atendidos os que desejam auferir
rendimentos maiores quando se der a inatividade e, para que isso seja possível, é
preciso contribuir para instituições que seguem as regras tradicionais de mercado.
As formas de proteção mercantil podem ser mais adaptadas aos gostos ou neces-
sidades individuais ou da inserção ocupacional dos segurados, o que não é pos-
sível fazer pela via pública, que deve tratar a todos igualmente.
A constituição de camadas deixa entrever, ainda, que não é possível realizar
reformas fazendo referência à estreita dicotomia entre o sistema público de re-
partição e um sistema de capitalização via contas individuais. As opções inter-
mediárias são muitas e podem apresentar alternativas que se adaptem às novas
necessidades das sociedades. As formas de interação entre o público e o mercan-
til devem ser consideradas numa perspectiva mais abrangente para superar os
desafios atuais.

504 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


Para finalizar a argumentação, não é possível deixar de registrar aqui algumas
das reflexões mais recentes. Partindo dos modelos referentes às três economias
políticas do welfare state formuladas e analisadas por Esping-Andersen (1999),
Merrien, Parchet e Kernen (2005) concluem que, ao contrário do que imagina o
senso comum, não são os modelos mais generosos os que mais problemas possuem
em relação à competitividade.
O modelo social-democrata se mostrou compatível com as novas condições,
pois, apesar do seu alto custo, existem contrapartidas positivas em termos de
previsibilidade nas questões contratuais e uma elevada produtividade dos traba-
lhadores decorrente da ampla gama de proteção oferecida. É revelador o fato que
parte importante dos países mais competitivos seja oriunda dos países nórdicos.
O modelo liberal foi dinâmico, pois ativou um leque de serviços para as
famílias que não é fornecido pelo Estado, tendo sido importante para apresentar
menores índices de desemprego, maiores taxas de poupança, com impactos posi-
tivos sobre o investimento.
E são os modelos conservadores, que, em parte, podem ter paralelos com o
Brasil, que apresentam as maiores dificuldades, pois quem se insere no mercado
de trabalho formal possui garantias em padrões elevados (welfare without
workfare), enquanto os demais – todos quantos ficam no setor informal – não
conseguem se integrar – principalmente porque o critério básico de adesão é o
mercado de trabalho formal – acabando por criar uma situação de exclusão es-
trutural e duradoura. São esses os países que menos se adaptam ao ritmo de
mudanças nas esferas da família e das relações de trabalho.
Não se pode também deixar de assinalar que a promoção de reformas da
previdência sem indicadores confiáveis e diagnósticos muito detalhados e
abrangentes causou danos sociais e fiscais sérios em países da América Latina.
Tal tipo de iniciativa dificulta a realização de novas reformas, pois os resultados
obtidos não coincidem com as promessas feitas. Os países que promoveram um
número de rounds muito grande e sem a busca de uma articulação que pudesse
dar estabilidade social ao cenário institucional não conseguiram eliminar os pro-
blemas preexistentes e os desafios para promover a competitividade continuam
em aberto.
Os elementos aqui apontados estão longe de representar uma listagem exaus-
tiva ou completa da agenda requerida para que o Brasil possa retomar a rota do
crescimento com menos heterogeneidade social. Mas os desdobramentos do de-
bate envolvido na seguridade social revelam que o processo continuará sendo
demorado e exigirá um grande esforço por parte da sociedade.

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 505


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NOTAS
1. Sobre o assunto, ver também Rezende e Tafner (2005).
2. A seção foi elaborada com base em Matijascic (2002) e, para a Emenda Constitucional 41, está
fundamentada em Matijascic et alii (2003).
3. Esses mesmos objetivos que estiveram presentes na reforma brasileira também estiveram na
maioria dos países da América Latina que empreenderam reformas.
4. Para maiores detalhes, ver Capítulos 2 e 5 deste livro.
5. Ver, por exemplo, Barros e Carvalho (2005) e Barros, Henriques e Mendonça (2000).
6. O estudo mais abrangente é o de Giambiagi et alii (2004). Em relação a questões de caráter fiscal,
Veloso (1999) apresenta argumentos importantes para o debate nacional. Ver também Tafner
(2005).
7. Em relação a essa ordem de argumentos, ver Castro e Cardoso Jr. (2005).
8. Os dados e argumentos relativos a acesso a benefícios da seção tomarão por base Coutinho e
Ribeiro (2006), e os relativos a custeio partirão de Dain e Ribeiro (2006), que organizaram estudos
de apoio ao presente capítulo. Os argumentos relativos às informações de cada país podem ser
comprovados com base nos quadros que utilizaram dados da Associação Internacional de Seguridade
Social (AISS).
9. Os argumentos internacionais para fins de comparação tomarão por base os estudos e análises de
Gillion et alii (2000) e OIT (2002).

508 z Brasil: o estado de uma nação z 2006


10. Os dados brasileiros podem ser cotejados com os da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) ou do Eurostat. Os países focalizados serão Argentina, Colômbia, México, Portugal,
Itália, Suécia e Estados Unidos. Algumas vezes serão utilizados dados do Chile, que é um pioneiro das
reformas, Uruguai ou do Reino Unido, quando não houver dados para a Argentina ou para os Estados
Unidos. A inclusão de outros serve para melhor ilustrar pontos específicos.
11. Uma exceção é o caso mexicano, onde o Instituto Mexicano de Seguridad Social (IMSS), que geria o
sistema público anterior às reformas, manteve essa atribuição para trabalhadores da iniciativa privada.
Mas, mesmo no caso mexicano, o assunto é tratado como um benefício de risco.
12. Merrien, Parchet e Kernen (2005) apontam que as contribuições incidentes sobre folha são essenciais
porque geram direitos e garantem o acesso ao pagamento de prestações. Sistemas baseados em
impostos estão muito sujeitos às manipulações orçamentárias inerentes à sociedade com problemas
de credibilidade das instituições.
13. É possível cogitar que, por meio de uma contabilidade de custos assemelhada à adotada por grandes
organizações industriais, poder-se-ia aferir, ainda que de modo aproximado, esse tipo de indicador.
14. Essa reflexão poderia, por exemplo, ser derivada do importante estudo de Fagnani (2005), que relatou
a evolução das políticas sociais brasileiras dos últimos 40 anos.
15. Zockun e Zylberstajn (2006), em estudo com grande repercussão, afirmam que o gasto é elevado em
relação à população com mais de 65 anos. Embora isso possa ser aceito, é necessário alertar para o
fato de que os benefícios de risco estão na origem de grande parte dos gastos. A fixação de uma
idade mínima ou novas fórmulas de cálculo focalizando os benefícios previsíveis não podem equacionar
o problema em sua totalidade.
16. Aliás, ao fazer associações entre o contingente populacional de uma determinada faixa etária e o
volume de gastos em relação ao PIB, é necessário ter muita cautela, pois é preciso considerar as
condições intrínsecas da população, economia, sociedade e estrutura de ocupação de um país. Aqueles
que têm acesso a benefícios acabam obtendo rendimentos com elevada taxa de reposição, pois os
níveis estão próximos aos de subsistência para a maioria da população a ser coberta, elevando
potencialmente os gastos. Isto não significa, como será visto adiante, que não existam subsídios
implícitos às classes médias.
17. Esse problema foi abordado com mais detalhe em Draibe e Matijascic (2001).
18. A proteção promovida pela seguridade social pode ser agrupada em pilares ou camadas, segundo a
denominação do Banco Mundial ou da OIT. Em grandes linhas, a:
z camada 1 pagaria benefícios universais próximos ao nível de renda de cidadania para combater a
pobreza entre idosos ou pessoas portadores de necessidades especiais;
z camada 2 fixaria o valor de uma prestação segundo o volume de contribuições efetuado e a
filiação seria compulsória; e
z camada 3 seria de adesão voluntária e se destinaria aos que desejam benefícios de valor superior
ao previsto nas camadas 1 e 2.
A forma de organização, em termos de regime financeiro e plano de benefícios entre as camadas ou
pilares é que esteve no centro da maioria dos debates sobre reformas da seguridade nos anos 1990.
Mas o pilar/camada intermediário é que foi, de fato, o foco da discussão.

O período pós-laboral: previdência e assistência social no Brasil z 509


BRASIL: O ESTADO DE UMA NAÇÃO 2005
Fernando Rezende e Paulo Tafner (editores)
Inaugurando a série anual, o livro envolveu cerca de 60
pesquisadores de diversas áreas temáticas e instituições.
Desenvolvimento e inclusão social, hoje e no futuro, foram
os temas centrais, analisados em oito capítulos:
I - Estabilidade e Crescimento;
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