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A responsabilidade civil do Estado e o

dano moral

Jair José Perin

Sumário
1. Introdução. 2. Fundamento atual da res-
ponsabilidade objetiva do Estado. 3. A desne-
cessidade da denunciação da lide e a ação re-
gressiva. 4. O amparo para o dano moral e a
relatividade do direito. 5. A incompatibilida-
de da teoria da responsabilidade objetiva ante
o dano moral (teoria subjetiva). 6. Conclusão.

1. Introdução
A responsabilidade civil do Estado, no
decorrer da evolução do direito, passou por
diversas fases, começando por aquela em
que o Estado não podia ser responsabiliza-
do por qualquer lesão ao direito de alguém,
já que, na concepção absolutista, o Estado
não estava na mesma relação que as pesso-
as físicas e jurídicas. Passou, posteriormen-
te, para a fase da responsabilidade civilista,
surgida na França, quando da discussão
sobre a conceituação de atos de império e de
gestão, onde começou a ser firmada a res-
ponsabilidade da administração pública
por danos provenientes de atos de gestão,
no caso de culpa ou dolo do agente público.
Como evolução da teoria da responsabili-
dade civilista, passa-se para a fase da pu-
blicização da culpa administrativa, criação
do Conselho de Estado francês. Essa teoria
inova profundamente, pois passa-se para a
responsabilidade do Estado independente-
Jair José Perin é Advogado da União, PRU mente da falta do agente público, quando
4ª Região. originária da Administração, pelo mau fun-
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cionamento do serviço público ou pela sua as de direito privado prestadoras de serviços
inexistência, cuja decorrência deve ser con- públicos responderão pelos danos que seus
cretamente avaliada e analisada. Essa fase agentes, nessa qualidade, causarem a tercei-
marca a transição para a atual fase da res- ros, assegurado o direito de regresso contra o
ponsabilidade objetiva do Estado. O fato que responsável nos casos de dolo ou culpa”.
materializou essa nova concepção foi o jul- Por essa redação, existe a possibilidade
gamento do caso Blanco em 1873, na Fran- de o Estado, caso condenado a indenizar o
ça, quando somente as regras de direito pú- administrado, ingressar com ação regressi-
blico foram aceitas para a solução do caso, va, de rito ordinário, nos termos do Código
porquanto o Estado aparecia como causa- de Processo Civil, contra o agente público,
dor de dano a administrado. Nesse tipo de caso este tenha sido o responsável, por dolo
responsabilidade, segundo a doutrinadora ou culpa, pela condenação do Ente Público.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a idéia culpa Para ajuizar essa ação, portanto, há a ne-
é substituída pela de nexo de causalidade, entre cessidade de prévia condenação da pessoa
o funcionamento do serviço público e o prejuízo estatal à indenização de terceiros por ato
sofrido pelo administrado. É indiferente que o lesivo do agente, e anterior constatação, em
serviço público tenha funcionado bem ou mal, de processo regular, em que sejam respeitados
forma regular ou irregular. todos os princípios do devido processo le-
Nesse tipo de responsabilidade, não há gal, do comportamento doloso ou culposo
necessidade de apreciação do dolo ou culpa. É a do agente.
chamada teoria do risco, porquanto tem como A Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de
pressuposto que a atuação do poder público 1990, que dispõe sobre o Regime Jurídico
envolve um risco de dano, que lhe é ínsito. dos Servidores Públicos, confirma o expos-
Nas palavras de Heleno Taveira Tôrres, to quando expressa:
pela teoria do risco objetivo figura o enten- “Art. 122. A responsabilidade civil de-
dimento de que ao lesado não interessa co- corre de ato omissivo ou comissivo, doloso
nhecer o responsável pelo dano, ele almeja ou culposo, que resulte em prejuízo ao erá-
o ressarcimento, desde que estabelecido o rio ou a terceiro.
nexo causal entre ele e o Estado. (....)
O doutrinador Hely Lopes Meirelles ob- § 2º Tratando-se de dano causado a ter-
serva que a teoria do risco envolve duas ceiros, responderá o servidor perante a Fa-
modalidades: a do risco administrativo, ca- zenda Pública, em ação regressiva”.
racterizada essa por admitir as causas ex-
cludentes da responsabilidade do Estado: 3. A desnecessidade da denunciação
culpa da vítima, culpa de terceiros, caso for- da lide e a ação regressiva
tuito ou força maior; e a do risco integral, a
qual não admite as excludentes aceitas pela Em consonância com a posição majori-
teoria do risco administrativo. tária da doutrina e da jurisprudência, não
mais é obrigatória, e nem aceitável, a denun-
2. Fundamento atual da ciação da lide nos termos do art. 70, III, do
responsabilidade objetiva do CPC, na própria ação indenizatória, para
Estado funcionar como o direito de regresso. A ra-
zão para a sustentação desse entendimento
A Constituição atual da República Fe- reside no fato de que na ação indenizatória
derativa do Brasil adotou a teoria da res- baseada na responsabilidade objetiva do
ponsabilidade objetiva, na modalidade do Estado, segundo a teoria do risco adminis-
risco administrativo. O art. 37, § 6º, dispõe: trativo, somente é afastada a responsabili-
“As pessoas jurídicas de direito público e dade do Ente Estatal caso este prove a culpa

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exclusiva da vítima, de terceiros, caso for- de aniquilar o próprio direito material.
tuito ou força maior. Não existe, por exten- Precedentes. Agravo regimental im-
são, espaço nessa relação processual para provido” (Superior Tribunal de Jus-
discutir a culpa ou o dolo do agente público tiça, Segunda Turma, Decisão de 20/
que porventura tenha sido o causador do 11/2001, Agravo Regimental no Agra-
dano. A respeito, veja-se as seguintes juris- vo de Instrumento – 396230, Processo
prudências: nº 2001.00.82346-0/BA).
“1) CONSTITUCIONAL. Respon- “ADMINISTRATIVO. PROCESSO
sabilidade Civil do Estado. Seus pres- CIVIL. AGRAVO RETIDO. DENUN-
supostos. 2) Processual Civil. A ação CIAÇÃO À LIDE. ACIDENTE DE
de indenização, fundada na respon- AUTOMÓVEL. RESPONSABILIDA-
sabilidade objetiva do Estado, por ato DE OBJETIVA DO ESTADO. INDENI-
de funcionário (Constituição, Art. 107 ZAÇÃO. LUCROS CESSANTES.
e parágrafo único), não comporta obri- 1. Em ação de responsabilidade
gatoriamente denunciação a este, na civil por ato omissivo ou comissivo do
forma do art. 70, III, do Código de servidor da pessoa jurídica de direito
processo Civil, para apuração de público, a denunciação da lide pode
culpa, desnecessária a satisfação do ser indeferida pelo juiz. Nessa ação,
prejudicado” (Supremo Tribunal Fe- incumbe ao autor provar a ocorrência
deral, RE - 93880/RJ, Segunda Tur- do fato lesivo e o dano daí decorrente.
ma, Relator Ministro Décio Miranda, A culpa do servidor não é discutida.
DJ 05.02.82, pág. 10443). A Constituição Federal assegurou à
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO pessoa de direito público a ação de
DE INSTRUMENTO. ART. 70, III, DO regresso, independente de denunciar
CPC. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. a lide.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO 2. Abalroando o motorista do car-
ESTADO. DENUNCIAÇÃO À LIDE ro oficial, por não atentar para as con-
DO AGENTE PÚBLICO PRETENSA- dições de tráfego, no momento, o veí-
MENTE CAUSADOR DO DANO. DES- culo (táxi), que trafegava pela faixa que
NECESSIDADE. TEORIA OBJETIVA lhe era própria, em situação regular,
ABARCADA PELA CONSTITUIÇÃO responde o Estado pela indenização.
FEDERAL. 3. Tendo o automóvel, táxi, perma-
Tendo a Constituição Federal abar- necido parado, na oficina, para con-
cado a teoria objetiva da responsabi- serto, impossibilitando o seu proprie-
lidade, todo dano ocasionado ao par- tário de auferir renda com a sua utili-
ticular, por servidor público, há de ser zação, obrigado está o Estado a pagar
ressarcido, independentemente da os lucros cessantes.
existência de dolo ou culpa deste. As- 4. Agravo retido e apelação impro-
sim, pela via oblíqua, forçoso é de se vidos” (Tribunal Regional Federal da
concluir que a denunciação à lide, in 1ª Região, Terceira Turma, Relator Juiz
casu, embora recomendável, é desne- Tourinho Neto, Apelação Cível no
cessária à satisfação do direito do pre- Processo nº 1989.01.09213-1/DF, pu-
judicado, e não afasta a possibilidade blicado no DJ 04/06/1990, pág.
de o denunciante requerer o direito 11755).
alegado, posteriormente, na via pró- “DIREITO ADMINISTRATIVO.
pria, haja vista não ter o art. 70, inc. REPARAÇÃO DE DANOS DECOR-
III, do Estatuto Processual Civil, nor- RENTES DE COLISÃO DE MOTOCI-
ma do direito instrumental, o poder CLETA COM VIATURA DO EXÉRCI-

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TO BRASILEIRO. RESPONSABILIDA- moral ante a atual sistemática de processa-
DE OBJETIVA DA UNIÃO. DENUN- mento dos pedidos de indenização por da-
CIAÇÃO DA LIDE DOS MILITARES nos decorrentes da responsabilidade objeti-
RESPONSÁVEIS. INVIABILIDADE. va agasalhada pelo texto constitucional.
A denunciação à lide dos milita- A Constituição Federal de 1988, refletin-
res envolvidos no acidente implicaria do a evolução do direito nacional e interna-
em evidente prejuízo ao apelado, pois cional em relação ao ser humano como in-
procrastinaria o reconhecimento de divíduo em si, ou considerado coletivamen-
um legítimo direito da vítima, em ra- te, garantiu a inviolabilidade de direitos que
zão da responsabilidade objetiva do o Poder Constituinte Originário reconheceu
Estado, fazendo com que dependa como essenciais, os quais, na sua grande
de solução de um outro conflito in- maioria, encontram-se arrolados no art. 5º.
tersubjetivo de interesses, entre o Esses direitos fundamentais fazem parte
Estado e os militares” (Tribunal Re- daquele núcleo constitucional imodificável
gional Federal da 4ª Região, Tercei- e inatingível pelo Poder Derivado, seja por
ra Turma, Relatora Juíza Luíza Dias intermédio de emenda constitucional, seja
Cassales, Apelação Cível no Proces- ou outro modo de reforma da Carta Magna,
so nº 94.04.39728-8/RS, publicado porquanto constituem cláusulas pétreas nos
no DJ DE 14/10/1998, pág. 580). termos do § 4º do art. 60. Somente por meio
De acordo com o doutrinador Humberto de outro poder constituinte originário isso
Theodoro Júnior, pela sistemática do Códi- será possível, o que não deverá ocorrer, com
go de Processo Civil, a denunciação da lide certeza, haja vista constituirem direitos con-
é medida obrigatória, que leva a uma sen- quistados pela própria evolução da huma-
tença sobre a responsabilidade de terceiro nidade e dos estados politicamente organi-
em face do denunciante, de par com a solu- zados, mais principalmente os democráti-
ção normal do litígio de início deduzido em cos de direito.
juízo, entre autor e réu. Consiste em chamar Como forma de garantir e dar efetivida-
o terceiro (denunciado), que mantém um vín- de à inviolabilidade dos direitos fundamen-
culo de direito com a parte (denunciante), tais consagrados constitucionalmente, a
para vir responder pela garantia do negó- Carta Fundamental prevê, além de outros, a
cio jurídico, caso o denunciante saia venci- possibilidade de ser pleiteada a indeniza-
do no processo. ção não só do dano patrimonial, mas tam-
Como se vê, existe substancial diferença bém do dano moral. Os incisos V e X do art.
entre a denunciação da lide prevista na Lei 5º da Carta Fundamental dispõem respecti-
Processual brasileira e a ação regressiva vamente:
constante no art. 37, § 6º , da Carta da Repú- “é assegurado o direito de resposta,
blica Federativa do Brasil, haja vista que proporcional ao agravo, além de in-
nesta, primeiro o Poder Público responde denização por dano material, moral
objetivamente à luz da teoria do risco admi- ou à imagem;”
nistrativo e, caso condenado, em provando “são invioláveis a intimidade, a vida
a culpa ou dolo do agente público, ingressa privada, a honra e a imagem das pes-
com uma ação contra este. soas, assegurado o direito a indeni-
zação pelo dano material ou moral
4. O amparo para o dano moral decorrente de sua violação.”
e a relatividade do direito Por estarem previstos no art. 5 º da Cons-
tituição da República Federativa do Brasil,
Feitas essas considerações, cabe enfren- são considerados direitos fundamentais,
tar a problemática da indenização por dano aos quais deve ser dado o máximo de con-

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cretização material, já que desfrutam de apli- pectativas das pessoas e da sociedade.
cabilidade imediata, de acordo com o expres- Essas previsões constitucionais coloca-
so no parágrafo primeiro desse artigo. Cabe ram por terra todas vacilações que havia na
aqui trazer as considerações do doutrina- doutrina e jurisprudência a respeito do ca-
dor José Afonso da Silva, a respeito da apli- bimento ou não de indenização por dano
cabilidade e eficácia das normas que con- moral. Na feliz constatação do doutrinador
têm os direitos fundamentais. Assim lecio- Celso Ribeiro de Bastos: “Isso não quer di-
na o mestre constitucionalista: zer que já não houvesse uma longa teoriza-
“A eficácia e aplicabilidade das ção, antes de 1988, em torno da figura do
normas que contêm os direitos funda- dano moral. Já estava nas mentes dos auto-
mentais dependem muito de seu res que o dano não é apenas aquela agres-
enunciado, pois se trata de assunto são física, responsável por prejuízos mate-
que está em função do Direito positi- riais que deveriam ser indenizados. Havia
vo. A Constituição é expressa sobre o um outro tipo de dano mais sutil, mas nem
assunto, quando estatui que as nor- por isso menos agressivo e maligno, que é
mas definidoras dos direitos e garan- aquele fruto de ataques à honra, à dignida-
tias fundamentais têm aplicação ime- de, à reputação e mesmo aos sentimentos
diata. Mas certo é que isso não resolve humanos”.
todas as questões, porque a Constitui- Porém, essa previsão constitucional da
ção mesma faz depender de legisla- possibilidade de ser pleiteada a indeniza-
ção ulterior a aplicabilidade de algu- ção por dano moral, quando houver viola-
mas normas definidoras de direitos ção à intimidade, à vida privada, à honra e
sociais, enquadrados dentre os fun- à imagem das pessoas, não pode ser enca-
damentais. Por regra, as normas que rada de forma simplista, devendo ser leva-
consubstanciam os direitos funda- dos em consideração diversos fatores, valo-
mentais democráticos e individuais res em conflito e circunstâncias envolven-
são de eficácia contida e aplicabilida- tes, a fim de ser um instrumento de aceita-
de imediata, enquanto as que definem ção e de resignação por toda a sociedade.
os direitos econômicos e sociais ten- Há que se ter presente que a Carta Mag-
dem a sê-lo também na Constituição na impõe ao Estado e à Sociedade o dever
vigente, mas algumas, especialmente de garantir não somente os direitos de pri-
as que mencionam uma lei integrado- meira geração (a vida, a liberdade, a associa-
ra, são de eficácia limitada, de princí- ção, etc.), mas também os de segunda (o di-
pios programáticos e de aplicabilida- reito ao trabalho, à saúde, à educação, etc.),
de indireta, mas são tão jurídicas como e de terceira (direito ao desenvolvimento, à
as outras e exercem relevante função, paz, ao meio ambiente, etc.); ou seja, houve
porque, quanto mais se aperfeiçoam e um abandono da idéia individualista, pas-
adquirem eficácia mais ampla, mais sando a existir uma inquietude social mais
se tornam garantias de democracia e abrangente. Isso demanda, efetivamente,
do efetivo exercício dos demais direi- para o Estado, uma preocupação global, a
tos fundamentais.” fim de não ocorrer maior valorização de de-
Esses direitos fundamentais consagra- terminados direitos em prejuízo de outros.
dos na Carta Fundamental exigem do Esta- Logicamente que a viabilização dos direi-
do, por vezes, uma atuação negativa, no sen- tos de segunda, terceira e até de quarta gera-
tido de não agredir e/ou desrespeitar a es- ção, estes reconhecidos por apenas alguns
fera individual da pessoa ou da coletivida- doutrinadores, reflete diretamente sobre os
de considerada, e, em outras situações, uma de primeira geração, como estes, também,
atitude positiva para dar concretude às ex- repercutem em relação às demais gerações

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de direitos. Na verdade, percebe-se que existe dades dos demais, e de satisfazer as
uma verdadeira interação e interdependên- justas exigências da moral, da ordem
cia nessas gerações de direitos. pública e do bem-estar de uma socie-
O doutrinador Alexandre de Moraes nos dade democrática. Estes direitos e li-
traz as seguintes lições: berdades não podem, em nenhum
“Os direitos e garantias funda- caso, ser exercidos em oposição com
mentais consagrados pela Constitui- os propósitos e princípios das Nações
ção Federal, portanto, não são ilimita- Unidas. Nada na presente Declaração
dos, uma vez que encontram seus li- poderá ser interpretado no sentido de
mites nos demais direitos igualmente conferir direito algum ao Estado, a um
consagrados pela Carta Magna (Prin- grupo ou uma pessoa, para empreen-
cípio da relatividade ou convivência der e desenvolver atividades ou reali-
das liberdades públicas). zar atos tendentes a supressão de
Desta forma, quando houver con- qualquer dos direitos e liberdades
flito entre dois ou mais direitos ou proclamados nessa Declaração.”
garantias fundamentais, o intérprete O advogado Mário Lúcio Quintão Soa-
deve utilizar-se do princípio da con- res nos reporta:
cordância prática ou da harmoniza- “A Constituição brasileira, procu-
ção de forma a coordenar e combinar rando ser um instrumento de mudan-
os bens jurídicos em conflito, evitan- ça social, preconiza, expressamente,
do o sacrifício total de uns em relação princípios basilares de direitos huma-
aos outros, realizando uma redução nos, como: soberania, cidadania, dig-
proporcional do âmbito de alcance de nidade humana e valores sociais do
cada qual (contradição dos princípios), trabalho; a construção de uma socie-
sempre em busca do verdadeiro sig- dade justa, livre e solidária; a erradi-
nificado da norma e da harmonia cação da pobreza e da marginaliza-
do texto constitucional com sua fina- ção social; a prevalência dos direitos
lidade precípua.” humanos nas relações internacionais.
Apontando a relatividade dos direitos A Carta Magna evoluiu ideologi-
fundamentais, Quiroga Lavie afirma que es- camente em relação às Constituições
ses nascem para reduzir a ação do Estado anteriores, mesmo a liberal de 1946,
aos limites impostos pela Constituição, sem ampliando as garantias constitucio-
contudo desconhecerem a subordinação do nais aos direitos individuais e coleti-
indivíduo ao Estado, como garantia de que vos contemplados, estabelecendo um
eles operem dentro dos limites impostos pelo capítulo específico e moderno para os
direito. direitos sociais e introduzindo os di-
A própria Declaração dos Direitos Hu- reitos fundamentais de terceira gera-
manos das Nações Unidas, expressamente, ção, dispondo inclusive, no artigo 225,
em seu art. 29, afirma que: sobre o ‘direito ao meio ambiente eco-
“toda a pessoa tem deveres com a co- logicamente equilibrado’.
munidade, posto que somente nela Ocorreu incontestável avanço na
pode desenvolver livre e plenamente abordagem dos direitos fundamen-
sua personalidade. No exercício de tais, que devem integrar-se em uma
seus direitos e no desfrute de suas li- justaposição harmônica, evitando a
berdades todas as pessoas estarão deformação individualista, para
sujeitas às limitações estabelecidas abranger o rol de todos os direitos que
pela lei com a única finalidade de as- devem ser reconhecidos ao cidadão e
segurar o respeito dos direitos e liber- ao homem.”

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Portanto, referente à ação de indeniza- ção de um bem jurídico sobre o qual a vítima
ção por dano moral quando o Estado agride teria interesse reconhecido juridicamente”.
os direitos fundamentais, a honra, a ima- Em artigo publicado no Jornal Zero Hora
gem, a vida privada e a intimidade, deve (10 out. 1998), o Desembargador Décio Antô-
ocorrer o máximo de cuidado na apuração nio Erpen, do Tribunal de Justiça do Estado
do dano efetivo, à sua extensão, às suas cir- do Rio Grande do Sul, assim expressa:
cunstâncias, e outros aspectos relevantes, a “(...) De outro lado, a seara jurídica
fim de não haver um atropelo à necessária fomenta, hoje, um instituto que, igual-
harmonia com os demais direitos e princí- mente, instabiliza o próprio direito.
pios que precisam ser assegurados pelo Po- Refiro-me à indústria do dano moral.
der Público. Cabe trazer a seguinte jurispru- Sem uma definição científica do
dência a respeito: que seja, realmente, o dano moral, sem
“DANO MORAL. Necessariamen- uma norma estabelecendo as áreas de
te ele não existe pela simples razão de abrangência e sem parâmetros legais
haver um dissabor. A prevalecer essa para a sua quantificação, permite-se
tese, qualquer fissura de contrato da- o perigoso e imprevisível subjetivis-
ria ensejo ao dano moral conjugado mo do pleito, colocando o juiz numa
com o material. O direito veio para via- posição de desconforto. Ele, que deve
bilizar a vida e não para truncá-la, ser o executivo da norma, passou a
gerando-se um clima de suspense e personalizá-la.
de demandas. Ausência de dano mo- A prevalecer o instituto sem crité-
ral, no caso concreto. Recurso despro- rios legais definidos, os profissionais,
vido” (AC nº 596185181-RS, 6 ª Câma- em especial os prestadores de serviço,
ra Cível, Rel. Desembargador Décio exercerão seu mister com sobressalto;
Antônio Erpen, julgamento 05.11.96). os produtores não resistirão às inde-
Segundo Carlos Alberto Bittar, “danos nizações de valores imprevisíveis. Se-
morais são lesões sofridas pelas pessoas, quer as seguradoras assumirão a co-
físicas ou jurídicas, em certos aspectos de bertura ante a ausência de um refe-
sua personalidade, em razão de investidas rencial para a elaboração dos cálcu-
injustas de outrem. São aqueles que atin- los. Enfim, toda a sociedade estará
gem a moralidade e a afetividade da pes- submetida ao subjetivismo, o que
soa, causando-lhe constrangimentos, ve- conspira contra um valor supremo do
xames, dores, enfim, sentimentos e sensa- direito, a segurança jurídica.
ções negativas”. A corrente belicosa, se vitoriosa,
Para Wilson Mello da Silva, “dano moral gerará uma sociedade intolerante, na
é aquele que diz respeito às lesões sofridas qual se promoverá o ódio, a rivalida-
pelo sujeito físico ou pessoa natural (não jurí- de, a busca de vantagens sobre outrem
dica) em seu patrimônio de valores exclusi- ou até a exaltação ao narcisismo. A
vamente ideais, vale dizer, não econômicos”. promissora indústria do dano levará
Maria Helena Diniz observa que o “dano a esse triste quadro.(...)”
moral, ensina-nos Zannoni, não é a dor, a
angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a 5. A incompatibilidade da teoria da
humilhação, o complexo que sofre a vítima responsabilidade objetiva ante o dano
do evento danoso, pois estes estados de es- moral (teoria subjetiva)
pírito constituem conteúdo, ou melhor, a
conseqüência do dano (...). O direito não re- Percebe-se, sob a ótica supracitada, que a
para qualquer padecimento, dor ou aflição, responsabilidade do Poder Público quanto ao
mas aqueles que forem decorrentes da priva- dano moral necessita passar por uma avalia-

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ção subjetiva, a fim de levantar com detalhes consiga provar a culpa exclusiva da vítima,
o grau de culpa ou de dolo do agente público de terceiro, força maior ou caso fortuito.
causador do dano, bem como da vítima. A prova da culpa ou do dolo do agente
Quando envolver um agente público público em relação ao dano moral causado
como vítima de dano causado por outro à vítima pelo Estado é imprescindível, como
agente do Estado, o cuidado na avaliação também a existência da própria violação dos
do dano moral necessita aumentar ainda bens imateriais protegidos constitucional-
mais, devendo chegar, na maioria dos ca- mente (honra, vida privada, intimidade e
sos, a não existir, porquanto, na grande soma imagem).
dos casos, o agente é vítima de outro agente O direito à indenização por dano moral
que está envolvido diretamente nas circuns- deve fundar-se no art. 159 do Código Civil,
tâncias em que o fato ocorreu. Para exempli- pelo qual o autor precisará provar o ato cul-
ficar, tomemos a atividade policial e militar, poso do agente, o nexo causal entre o ato e o
na qual esses agentes assumem, ao toma- resultado, bem como o prejuízo decorrente.
rem posse nos cargos e funções, riscos ine- Significa dizer que, em princípio, para o
rentes à sua profissão, tais como, periculo- autor conseguir êxito na causa indenizató-
sidade, insalubridade e penosidade, muito ria tem o ônus e incumbência de provar a
acentuados, em que o limite entre a culpa ocorrência dos três requisitos retrocitados,
ou dolo do Poder Público, por intermédio tudo de acordo com o art. 333, inciso I, do
de seus outros agentes, e o próprio risco da Código de Processo Civil brasileiro.
atividade em si é muito tênue, exigindo do Não existe lugar na ação de indeniza-
Poder Judiciário, quando da prestação ju- ção pela responsabilidade objetiva para dis-
risdicional, muita parcimônia e sopesamen- cutir aspectos subjetivos, com ampla instru-
to de todos esses fatos envolvidos. Geral- ção processual, provas, contraditório e de-
mente, nesses casos, ocorre, também, uma fesa, que envolvem a responsabilidade por
compensação dos próprios bens protegidos dano moral.
constitucionalmente. Suponhamos que um Além do mais, se o agente público su-
agente policial, numa perseguição a bandi- postamente causador do dano moral não
dos, venha a ser alvejado por outro agente participa da relação processual, haja vista
policial envolvido na operação, resultando que não existe previsão constitucional e le-
no seu passamento. A sua família poderá gal de denunciação da lide ao mesmo, e o
ingressar com uma ação por dano moral, próprio Poder Público está coartado a so-
alegando a violação a algum bem protegido mente discutir aspectos restritos, como a
constitucionalmente. Ocorre que, simul- culpa exclusiva da vítima, força maior e caso
taneamente, outros bens imateriais (p. ex. fortuito, não pode haver espaço para o plei-
a honra e a imagem), certamente, estarão to de reparação de dano moral na ação por
em jogo, os quais, no final da equação, fi- responsabilidade objetiva, o que deve ser bus-
carão numa posição de realce a dignifi- cado, por conseguinte, em outra ação com
car essa vítima e sua família. fundamento na responsabilidade subjetiva.
Pode-se dizer que existe uma incompati- Para corroborar com o acima exposto,
bilidade evidente entre a forma de apura- veja-se a posição jurisprudencial do STJ:
ção da responsabilidade objetiva patrimo- “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
nial com aquela que deve nortear a investi- DANO MORAL. AGRESSÕES POR
gação em relação ao dano moral, em que SEGURANÇAS DE SHOPPING CEN-
nesta os aspectos subjetivos devem ser mui- TER. INDENIZAÇÃO. QUANTUM.
to bem provados e sopesados, enquanto HONORÁRIOS. CONDENAÇÃO.
naquela o Poder Público somente se exime OBSERVÂNCIA AO ART. 21, CPC.
de responsabilidade da indenização caso RECURSO DESACOLHIDO.

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I – A indenização deve ser fixada averiguação e fixação da indenização por
em termos razoáveis, não se justifican- dano moral, porquanto a análise dos aspec-
do que a reparação venha a constituir- tos subjetivos, que nesse caso exige, como o
se em enriquecimento indevido, com grau de culpa, as peculiaridades do caso,
manifestos abusos e exageros, deven- as circunstâncias em que ocorreu o dano, e
do o arbitramento operar com mode- outros detalhes, refogem por demais à alça-
ração, proporcionalmente ao grau de cul- da do rito restrito da apuração objetiva. O
pa e ao porte econômico das partes, próprio ônus da prova do fato constitutivo
orientando-se o juiz pelos critérios do direito do autor da ação de indenização
sugeridos pela doutrina e pela juris- por dano moral tem uma diferença substan-
prudência, com razoabilidade, valendo- cial em relação à ação de indenização patri-
se de sua experiência e do bom senso, monial pela teoria do risco administrativo
atento à realidade da vida e às peculia- adotada pela responsabilidade objetiva.
ridades de cada caso. Ademais, deve ela
contribuir para desestimular o ofen- 6. Conclusão
sor a repetir o ato, inibindo sua con-
duta antijurídica. Com o exposto acima, espera-se ter con-
II – Diante dos fatos da causa, ra- tribuído, de alguma forma, para aumentar,
zoável a indenização arbitrada pelo ainda mais, a inquietude em relação ao tão
Tribunal de origem, levando-se em polêmico assunto, que é a indenização por
consideração não só a desproporcio- dano moral, principalmente quando a ação
nalidade das agressões pelos segu- é ajuizada contra o Poder Público, seja por
ranças como também a circunstân- pessoa que não faça parte da Administra-
cias relevante de que os shopping cen- ção Pública, seja por agente público.
ters são locais freqüentados diaria- Ao que parece, a ação indenizatória por
mente por milhares de pessoas e fa- dano moral não pode aproveitar-se do rito
mílias. processual que segue a ação de reparação
III – Em face dos manifestos e freqüen- por dano patrimonial à luz da responsabi-
tes abusos na fixação do quantum inde- lidade objetiva, pela teoria do risco admi-
nizatório, no campo da responsabilida- nistrativo, porquanto nesta o Estado somen-
de civil, com maior ênfase em se tratan- te pode discutir aspectos restritos para exi-
do de danos morais, lícito é ao Superior mir-se da obrigação de indenizar, que é a
Tribunal de Justiça exercer o respectivo culpa exclusiva ou concorrente da vítima,
controle. de terceiros, caso fortuito e força maior.
IV – Calculados os honorários sobre a Por envolver dano moral, em que diver-
condenação, a redução devida pela sucum- sos aspectos devem ser levados em conside-
bência parcial nela foi considerada” [gri- ração, inclusive para a fixação do quantum
famos] debeatur, a ação deve ser ajuizada com base
(Resp nº 215.607 – RJ, Relator Mi- no art. 159 do Código Civil, ou seja, com base
nistro Salvio de Figueiredo Teixeira, jul- na responsabilidade subjetiva, pela qual o
gado ocorrido em 17/08/1999, publicado autor terá o ônus de provar o fato constituti-
no DJ 13/09/1999). vo de seu direito nos termos do art. 333, in-
Ante os termos expressos na ementa do ciso I, do Código de Processo Civil. Caso seja
acórdão referenciado, a qual muito bem sin- imputada a responsabilidade a algum agen-
tetizou a fundamentação constante do voto te público, esse deverá participar da relação
vencedor, percebe-se que, efetivamente, a processual, na condição de litisdenunciado.
forma de apuração da responsabilidade Quanto ao cabimento em si da indeniza-
objetiva é totalmente inadequada para a ção por dano moral, essa somente deverá

Brasília a. 39 n. 155 jul./set. 2002 151


ocorrer quando o Estado, por meio de seus tender harmonicamente outras gerações de
agentes, de fato, agredir os direitos funda- direitos fundamentais, que exigem atuações
mentais (a honra, a intimidade, a imagem e positivas por parte do Poder Público; e, in-
a vida privada) de forma evidente, antijurí- clusive, esse desequilíbrio, poder gerar,
dica, a fim de não se transformar em um ins- como alguns doutrinadores alertam, desar-
trumento de enriquecimento sem uma justa monização social e não pacificação.
causa. E quando essa indenização ocorrer,
precisará levar em conta todos os requisitos
firmados pelo Superior Tribunal de Justiça Bibliografia
no acórdão acima mencionado.
O pedido de indenização por dano mo- ANJOS, Luís Henrique Martins dos; JONE. Walter,
ral envolvendo como vítima agente público Manual de direito administrativo. Porto Alegre: Li-
deve merecer mais atenção do Poder Juris- vraria do Advogado, 2001.
dicional, haja vista que, na grande maioria ERPEN, Décio Antônio. A indústria do dono mo-
dos casos, o suposto dano ocorreu pelas cir- ral. Zero Hora, Porto Alegre, 10 out. 1998.
cunstâncias inerentes à sua própria ativi- MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo bra-
dade pública. sileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
Além do mais, o agente público, ao to- MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 5. ed.
mar posse em cargo ou função pública, as- São Paulo: Atlas, 1999.
sume os riscos imanentes à sua atividade,
PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito adminis-
não podendo, por isso, ser desconsiderados trativo. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1999.
quando da apreciação de pleito indenizató-
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fun-
rio por dano moral. damentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
Outro relevante aspecto a considerar, 1998.
quando existir agente público ou sua famí-
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucio-
lia como vítima, refere-se a que, na grande nal positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
quantidade dos casos, os valores imateriais
SOARES, Mário Lúcio Quintão. Direitos fundamen-
reverenciados e destacados pelo Poder Pú-
tais do homem nos textos constitucionais brasileiro
blico e a própria sociedade, quando ocorrer e alemão. Revista de Informação Legislativa, Brasília,
um dano a esse agente, suplantam, em mui- n. 115, 1992.
to, algum outro suposto direito protegido SOUSA, Alvaro Couri Antunes. O valor da causa
constitucionalmente pela ação de indeniza- nas ações indenizatórias por danos morais. Revista
ção por dano moral, alegadamente violado. dos Tribunais, 2001.
Por fim, na seara do pleito de dano mo- THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito
ral contra o Estado, deve ocorrer um cuida- processual civil. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
do todo especial, a fim de não haver uma
TÔRRES, Heleno Taveira. O princípio da responsa-
supervalorização desses direitos funda- bilidade objetiva do Estado e a teoria do risco ad-
mentais de primeira geração, prejudicando, ministrativo. Revista de Informação Legislativa, Brasí-
com isso, políticas públicas voltadas a en- lia, n. 126, 1995.

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