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P R O C E S S O C IVIL

Rodrigo Cunha Mello Salomão

A IMPORTÂNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL


54 DE JUSTIÇA NO NOVO SISTEMA DE
PRECEDENTES VINCULANTES
THE IMPORTANCE OF THE SUPERIOR COURT OF JUSTICE IN THE NEW
BINDING PRECEDENT SYSTEM
Rodrigo Cunha Mello Salomão

RESUMO ABSTRACT
Apresenta um estudo do recente sistema de precedentes vincu- The author presents a study of the new binding precedent
lantes inaugurado com o novo Código de Processo Civil, à luz da system created by the new Civil Procedure Code, in the light of
função desempenhada pelo STJ na instalação de um sistema de the role performed by the STJ in both the establishment of a
precedentes à brasileira e na concretização de suas finalidades. Brazilian precedent system and the fulfilment of its objectives.
Aponta as particularidades inerentes à formação das decisões He indicates the peculiarities intrinsic to the development of
no Brasil e a necessidade de adaptação do clássico sistema de rulings in Brazil and to the need to adapt the classic common
precedentes da common law ao nosso país. law precedent system to that country.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Direito Processual Civil; sistema de precedentes vinculantes; ju- Civil Procedure Law; biding precedent system; stare decisis;
risprudência; Superior Tribunal de Justiça – STJ. Superior Court of Justice – STJ.

Revista CEJ, Brasília, Ano XXI, n. 71, p. 54-77, jan./abr. 2017


Rodrigo Cunha Mello Salomão

1 INTRODUÇÃO vidade do sistema de precedentes à luz Utilizarei neste trabalho o conceito


Conforme indicado em seu título, do seu papel de uniformização da lei de “tradição”, pois a comparação entre
o presente trabalho buscará destacar federal. Destacando sua relevante função civil law e common law demanda mais
a importância do Superior Tribunal de nomofilática, indicar-se-ão os deveres do que a análise de sistemas jurídicos.
Justiça na concreta efetivação do sistema institucionais a serem cumpridos pelo Segundo Lênio Streck, a tradição jurídica
de precedentes implantado pelo novo STJ para o alcance das finalidades alme- encerra uma visão mais ampla do fenô-
Código de Processo Civil. Antes disso, jadas com a instalação de um sistema de meno, abarcando um conjunto de práti-
porém, faz-se necessário um recuo à ori- precedentes vinculantes. cas, costumes e hábitos profundamente
gem das tradições jurídicas da civil law Também nesse sentido, em respeito à arraigados em uma comunidade, histo-
e da common law, apontando suas dife- vinculação hierárquica e à função que lhe foi ricamente condicionados, a respeito da
renças e posterior aproximação. constitucionalmente atribuída, se defenderá natureza do direito, do papel do direito
Com esta breve retrospectiva histó- a necessidade de que os juízes e tribunais na sociedade e na política, a respeito
rica, pretende-se elucidar, no Capítulo 2, observem todas as decisões do Superior da organização e da operação adequa-
como a posição política dos juízes na ori- Tribunal de Justiça (não somente as ques- da de um sistema legal, bem como a
gem dos sistemas jurídicos mencionados tões sumuladas ou decididas no âmbito de respeito da forma que deveria criar-se,
refletiu na diferente amplitude de po- recursos repetitivos). Ademais, o presente aperfeiçoar-se, aplicar-se e ensinar-se o
deres decisórios (interpretativos) e, por estudo apresentará possíveis medidas que direito (STRECK; ABBOUD, 2014, p. 20).
conseguinte, na maior importância que possam facilitar o uso dessa nova sistemá- Assim, considerando que a tradição
foi conferida aos juízes da common law. tica, tais como o aperfeiçoamento dos re- relaciona o sistema legal com a cultura da
O Capítulo 3 irá desmistificar a falsa positórios de jurisprudência e a quebra do sociedade, passa-se a realizar uma sucinta
incompatibilidade entre o sistema de pre- paradigma do individualismo do juiz. contextualização histórico-cultural da ori- 55
cedentes e a civil law, ao esclarecer algu- Por fim, concluir-se-á que um siste- gem da common law e da civil law, o que
mas importantes diferenças conceituais ma de precedentes é consideravelmente certamente explicará as diferentes estrutu-
e desfazer premissas equivocadamente salutar para a segurança jurídica do orde- ras jurídicas adotadas por cada um1.
adotadas. Além disso, será demonstrada namento brasileiro e sua eficácia depen-
a contínua aproximação entre as tradições derá, em grande parte, do respeito dos 2.1 A ORIGEM DO DIREITO E SUAS
jurídicas em questão, o que também nos juízes e tribunais ao entendimento do IMPLICAÇÕES EM CADA TRADIÇÃO
levará a concluir pela possibilidade de ins- Superior Tribunal de Justiça. JURÍDICA
talação de um sistema de precedentes no De outro lado, diante da responsa- Como se sabe, a common law tem
ordenamento jurídico brasileiro. bilidade que lhe é conferida, o Tribunal origem na Inglaterra, país historicamente
Em seguida, o Capítulo 4 abordará Superior terá que observar todos os de- conhecido por sua base jurídica firmada
os aspectos gerais do precedente judicial. veres inerentes a uma corte de vértice que no direito não escrito. Assim, as normas
Após uma breve introdução acerca da va- tem a missão de uniformizar a aplicação legais eram extraídas das decisões proferi-
lorização da jurisprudência no Brasil, será do direito, mantendo sua jurisprudência das pelos Tribunais Reais e de Chancelaria,
esclarecida a importante distinção entre uniforme, estável, íntegra, coerente e cog- responsáveis por aplicar os costumes lo-
precedente, súmula e jurisprudência para, noscível perante os jurisdicionados e os cais a cada caso concreto. Estas decisões,
ao fim, apontar que não estamos diante demais órgãos do Poder Judiciário. por sua vez, serviam como parâmetro a
de um autêntico “sistema de preceden- ser seguido na resolução dos futuros
tes”, sendo mais adequado falarmos em 2 A HISTÓRIA DO PODER NAS TRADIÇÕES casos semelhantes, em uma verdadeira
decisões definidoras de teses jurídicas. JURÍDICAS DA CIVIL LAW E COMMON LAW construção jurisprudencial das normas.
Considerando a necessidade de Para que seja possível verificar a Nesse contexto, pode-se afirmar que
adaptação dessa sistemática ao direito compatibilidade do novo sistema de a inexistência de um corpo normativo
brasileiro, pretende-se fazer uma exposi- precedentes com o ordenamento jurídi- estático, codificado, conduziu ao inevi-
ção acerca dos elementos e das dimen- co brasileiro e, em seguida, apontar as tável recurso aos precedentes por parte
sões que compõem o precedente judi- imprescindíveis adaptações, mostra-se dos juízes e solicitadores (advogados).
cial, bem como das técnicas utilizadas necessária uma breve retrospectiva histó- Na ausência de uma norma escrita, o
para seu bom funcionamento. rica desse instituto, de forma a entender precedente era, por vezes, o único docu-
O Capítulo 5, por sua vez, abordará sua finalidade e as razões pelas quais mento jurídico que assentava uma pos-
a origem do Superior Tribunal de Justiça, sempre teve notória importância na tra- sível solução oficial para o conflito (LIMA
bem como a sua importância na efeti- dição jurídica da common law. JÚNIOR, 2015, p. 18-19).

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Fala-se, aqui, na denominada case law, já que o direito in- inglês viveu no século XVIII a era dourada do direito dos juízes,
glês é formado por costumes imemoriais e é evidenciado a momento em que se comungava a ideia de que a criação do
partir do caso, cujo resultado é um precedente que apenas direito deveria ser atividade do Judiciário, e não do Parlamento
declara o Common Law pré-existente (MITIDIERO, 2016, p. 31). (STRECK; ABBOUD, 2014, p. 30).
Em sentido oposto, por conta das suas raízes históricas no di- Além disso, vale mencionar que o Parlamento inglês não
reito romano canônico e no direito alemão medieval, a civil law pretendia impor um novo direito. Isto é, na Revolução Inglesa
sempre destacou a importância do Poder Legislativo, alçando a lei de 1688 não houve desejo de apagar o direito antigo, mas ape-
a uma posição privilegiada em relação às demais fontes do direito. nas intenção de confirmar e fazer o direito existente contra um
Diante disso, observa-se que a presença de um direito co- rei que não respeitava (PÁRAMO ARGUELLES; ANSUÁTEGUI
dificado reduziu a atuação dos tribunais, deixando de propiciar ROIG, 2003, p. 787 apud MARINONI, 2013, p. 51). Prova maior
um campo fértil à valorização de suas decisões. Em uma pala- disso foi a promulgação da Bill of Rights (1689) – Declaração
vra, na tradição jurídica da civil law, a jurisprudência foi relegada dos Direitos dos Cidadãos – que condicionou a suspensão de
a uma fonte subsidiária de direito. leis ao prévio consentimento do Parlamento inglês, bem como
Afastando-me da pretensão de exaurir a abordagem histó- estabeleceu a obrigatoriedade destas à autoridade real3.
rica da origem dessas famílias jurídicas, ressalto que, se de um Em outros termos, não houve a pretensão de estabelecer
lado os ordenamentos filiados à tradição romano-germânica a superioridade da lei (sobretudo em relação ao juiz), mas sim
instituem sistemas fechados (teoricamente completos), de ou- reafirmar o direito comum e a sua aplicação a todos. Deste pa-
tro, o direito da common law constitui um sistema aberto, cuja norama, Marinoni extrai que o magistrado inglês teve funda-
construção é permanente, pela atividade dialética dos tribunais. mental importância na consolidação do common law. O poder
do juiz era o de afirmar o common law, o qual se sobrepunha
2.2 O PAPEL POLÍTICO DOS JUÍZES NA CONSOLIDAÇÃO DOS ao legislativo, que, por isso, deveria atuar de modo a comple-
PRECEITOS DA COMMON LAW E DA CIVIL LAW mentá-lo (MARINONI, 2013, p. 33).
Além dos diferentes níveis de importância conferidos à lei Por outro lado, na França pré-revolucionária, como os car-
em cada tradição, há ainda outro fator que conduziu a civil law gos da magistratura eram comprados e herdados, eram eles
e a common law a caminhos distintos: o papel desempenhado utilizados como propriedade particular da classe aristocrática.
pelos juízes em importantíssimos momentos históricos. Com efeito, os juízes aplicavam as leis de acordo com seus in-
Embora em períodos diferentes, tanto a França quanto a teresses, o que suscitava constantes questionamentos acerca de
56 Inglaterra atravessaram revoluções contra o absolutismo de sua imparcialidade.
seus monarcas. No entanto, cada movimento contou com par- Essas características fizeram com que o Poder Judiciário, ao
ticipações opostas dos membros do Poder Judiciário. contrário do que se deu na Inglaterra, figurasse como alvo da
Revolução Francesa (1788) ao lado do monarca. Nesse contexto,
[...] por conta das suas raízes históricas no viu-se a necessidade de instituir um novo direito e de limitar a ativi-
direito romano canônico e no direito alemão dade do Judiciário, subordinando-o de forma rígida ao Parlamento.
Ilustrando bem esse cenário e fazendo alusão a sua clássica
medieval, a civil law sempre destacou a proposta de separação de poderes, Montesquieu chegou a afir-
importância do Poder Legislativo, alçando a lei mar que o poder dos juízes ficaria limitado ao afirmar o que já
havia sido dito pelo Legislativo, devendo o julgamento ser ape-
a uma posição privilegiada em relação às nas um texto exato da lei, sendo-lhes vedado realizar qualquer
demais fontes do direito. tipo de interpretação legal. Isto é, os juízes deveriam ser simples-
mente a boca da lei (juge bouche de la loi)4 (MONTESQUIEU,
Como bem observa Luiz Guilherme Marinoni, na Revolução 1973, p. 158 apud MARINONI, 2013, p. 51-52).
Gloriosa (1688) os juízes sempre estiveram ao lado do Em resumo, é possível afirmar que, na França, buscou-
Parlamento, chegando a com ele se misturar. Ou seja, na -se substituir o poder absoluto do rei pelo poder absoluto do
Inglaterra, os juízes fizeram parte da revolução, defendendo, Parlamento, já que se acreditava que a vontade do povo estava
juntamente com o Poder Legislativo, os direitos e liberdades efetivamente refletida na lei, e que esta deveria ser respeitada
dos cidadãos contra o arbítrio do monarca. literalmente pelos juízes.
Por esse motivo, o Poder Judiciário não era visto com des- De forma a concretizar essa intenção de limitar os poderes
confiança ao ponto de ser necessária a limitação de suas prer- dos julgadores à mera declaração da lei e criar um “direito à
rogativas2. Ao contrário: pode-se dizer, inclusive, que os juízes prova de juízes”, mostrou-se necessária a imposição de códigos
eram considerados aliados do movimento revolucionário, de tal claros, coerentes e (teoricamente) completos, capazes de re-
maneira que lhes foi permitido não só interpretar as leis como gular todas as situações5. Com isso, a tradição da civil law esta-
também extrair direitos da common law e consolidá-la. beleceu uma ideologia6 de codificação completamente distinta
O importante papel exercido pelos juízes ganhou contor- daquela concebida na common law, já que se pretendia que os
nos ainda mais amplos com a independência adquirida pelo códigos fechassem todos os espaços para o juiz pensar.
Poder Judiciário, sobretudo a partir do Act of Settlement, de Sintetizando as diferenças históricas aqui tratadas, Luiz
1701, que impediu a nomeação dos magistrados pela Coroa. Guilherme Marinoni afirma que como a lei era imprescindível
Nesse contexto, conforme ensina Caenegem, o common law para a realização dos escopos da Revolução Francesa, e os juízes

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não mereciam confiança, a supremacia percebeu que o momento para afirmar não eram dotadas de efeito vinculante
do parlamento aí foi vista como sujeição como a lei não deveria ser interpretada desde o começo. De acordo com Daniel
do juiz à lei, proibido que foi, inclusive, de também seria oportuno para afirmar Mitidiero (2016, p. 28), o precedente
interpretá-la para não distorcê-la e, as- como a lei deveria ser interpretada sempre foi ligado ao modo de formação
sim, frustrar os objetivos do novo regime. (MARINONI, 2013, p. 59). Como observa do direito case to case, contudo, inicial-
Ao contrário, tendo-se em vista que, na Luiz Guilherme Marinoni (2014, p. 52), mente a invocação das decisões anterio-
Inglaterra, a lei não objetivava expressar a Cassação, em virtude do seu natural res pelos juízes dava-se com o intuito
um direito novo [...], e ainda que o juiz era desenvolvimento e em razão da Lei de de simples ilustração ou explicação do
visto como “amigo” do poder que se ins- abril de 1837, transformou-se em órgão significado do Direito aplicado ao caso7.
talara [...], não houve qualquer intenção jurisdicional de cúpula, destinado a de- Segundo o citado autor, a partir dos
ou necessidade de submeter o juiz inglês finir a interpretação da lei e a zelar pela séculos XVI e XVII, o precedente passou
à lei. (MARINONI, 2013, p. 47) sua uniformidade. a incorporar o processo de tomada de
Das distintas histórias do poder na Além dessa aproximação, cada vez decisão, adotando uma função persuasi-
common law e na civil law e, consequen- mais acentuada, é preciso apontar algu- va (e não mais apenas ilustrativa). Nesse
temente, das diferentes funções atribuí- mas diferenças conceituais e esclarecer momento, ganhou força a clássica doutri-
das aos juízes desses sistemas jurídicos, falsas premissas que são corriqueiramen- na de Blackstone, segundo a qual o pre-
extrai-se que a adoção de um ordena- te adotadas para suscitar uma suposta in- cedente é a principal e mais autorizada
mento jurídico calcado nos precedentes compatibilidade entre o sistema de pre- evidência da existência do common law8.
e outro baseado na supremacia da lei, cedentes vinculantes e a tradição jurídica Mas foi apenas no século XIX, seguin-
não é um mero acaso. Na verdade, esta da civil law, especificamente em relação do a doutrina de Austin e Bentham, que o
divergência decorreu da opção adotada ao ordenamento brasileiro. É o que o precedente passou a ter força vinculante.
por França e Inglaterra diante do contex- presente capítulo se propõe a fazer. Nos dizeres de Mitidiero, o precedente
to histórico-cultural que vivenciaram. deixa a província da persuasão e irrompe
3.1 A IMPORTANTE DIFERENÇA ENTRE OS nos domínios da vinculação, converten-
3 COMPATIBILIDADE ENTRE O CONCEITOS DE COMMON LAW E STARE do-se em uma efetiva norma jurídica9.
SISTEMA DE PRECEDENTES E OS DECISIS Diante dessa evolução, é possível
ORDENAMENTOS JURÍDICOS DE ORIGEM É importante deixar claro, desde já, concluir que o stare decisis, concebido
ROMANO-GERMÂNICA que o significado de common law não com o desenvolvimento da doutrina dos 57
A retrospectiva histórica dos tópicos an- pode ser visto como algo indissociável precedentes10, é um fenômeno distinto
teriores serviu para expor as diferenças que do stare decisis. Isso porque a tradição e posterior ao common law, de modo
levaram a common law a conferir maior jurídica da common law existiu por lon- que a sua equiparação se mostra equi-
importância aos precedentes, enquanto a gos anos sem a presença de regras re- vocada. Esclarecido isto, percebe-se que
tradição da civil law optou pela supremacia lacionadas à estrita obrigatoriedade das o sistema de precedentes vinculantes
da lei. Contudo, é preciso observar que se decisões judiciais (premissa maior da ex- não é algo inerente e exclusivo da tra-
tratou de distinções presentes na origem pressão stare decisis et non quieta mo- dição jurídica da common law, sendo
de cada tradição e que, atualmente, não se vere, que significa mantenha-se a deci- possível a sua adequação aos sistemas
encontram tão demarcadas. são e não se moleste o que foi decidido). romano-germânicos.
Aliás, é bom dizer que não estamos Tanto assim, que a própria doutrina
falando de um fenômeno apenas da atua­ inglesa esclarece que qualquer identifi- 3.2 A ALTA PRODUÇÃO LEGISLATIVA NÃO É
lidade. Exemplo disso é a própria mutação cação entre o sistema do common law FATOR IMPEDITIVO DA INSTAURAÇÃO DO
da Corte de Cassação francesa, que foi e a doutrina dos precedentes, qualquer SISTEMA DE PRECEDENTES
concebida, originariamente, com o nítido tentativa de explicar a natureza do com- Outro ponto constantemente levan-
objetivo de limitar o poder judicial median- mon law em termos de stare decisis, é tado como aparente obstáculo à adoção
te a cassação das decisões que des­toassem condenada a parecer insatisfatória, uma de um sistema de precedentes vinculan-
do direito criado pelo Parlamento. vez que a elaboração de regras e princí- tes pelos ordenamentos jurídicos da civil
Nesse ponto, vale destacar que, pios que regulam o uso de precedentes law diz respeito ao excessivo número de
apesar do nome, esta Corte não era um e o seu status de “lei” é relativamente leis promulgadas nos países filiados a
órgão jurisdicional e sua função era uni- moderno, e a ideia de obrigatoriedade esta tradição. Todavia, à semelhança do
camente cassar a interpretação incorreta, dos precedentes é mais recente ainda. O que se esclareceu no último tópico, não
não sendo ela responsável por proferir common law já existia há séculos antes se passa de uma falsa impressão.
decisões substitutivas daquelas anuladas de alguém se interessar por essas ques- Isso porque, os países de tradição
nem muito menos declarar qual seria o tões [...] (SIMPSON, 1973, p. 77 apud anglo-saxônica também apresentam,
correto sentido da lei. A Cassation pro- MARINONI, 2013, p. 31). nos dias de hoje, relevante produção
feria decisões de cunho negativo, sem De fato, apesar de caracterizar-se legislativa. Nesse sentido, Lênio Streck
expor as razões pelas quais a decisão como um ordenamento construído a e Georges Abboud afirmam que não é
cassada estaria violando a lei. partir das soluções de cada caso con- correto apresentar o common law tão
Contudo, o ordenamento francês creto (case law), estas decisões judiciais somente como um direito não codifica-

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do de base tipicamente jurisprudencial. Em verdade, boa parte Para corroborar o que se expôs acima, vejam-se os ensina-
das regras de direito que se aplicam todos os dias na Inglaterra mentos de Michele Taruffo (2011, p. 139): Pesquisas desen-
e nos Estados Unidos são regras sancionadas pelo Legislativo volvidas em vários sistemas jurídicos têm demonstrado que a
ou pelo Executivo. Inclusive, nos Estados Unidos, chega-se a referência ao precedente não é há tempos uma característica
falar de um fenômeno designado pelo neologismo de staturi- peculiar dos ordenamentos do common law, estando agora
fication do direito, em alusão ao termo statute, que significa lei presente em quase todos os sistemas, mesmo os de civil law.
em sentido formal. (STRECK; ABBOUD, 2014, p. 28). Por isso, a distinção tradicional segundo a qual os primeiros
Guido Calabresi, ao abordar a questão do staturification, seriam fundados sobre precedentes, enquanto os segundos
observa que este fenômeno pode levar ao obsoletismo das leis, seriam fundados sobre a lei escrita, não tem mais qualquer
o que, por sua vez, demanda um papel ativo dos tribunais como valor descritivo. De um lado, na verdade, nos sistemas de civil
agentes de renovação do ordenamento jurídico. Nesse sentido, law se faz amplo uso da referência à jurisprudência, enquanto
afirma o professor norte-americano: There is an alternate way nos sistemas de common law se faz amplo uso da lei escrita e
of dealing with the problem of legal obsolescence: granting to inteiras áreas desses ordenamentos – do direito comercial ao
Courts the authority to determine whether a statute is obsolete, direito processual – são, na realidade, “codificadas”.
whether in one way or another it should be consciously reviewed Nesse mesmo sentido, Cândido Dinamarco destaca a apro-
[...]. The objective in all cases would be to permit Courts to keep ximação entre essas duas tradições jurídicas não só em razão do
anachronistic laws from governing us without thereby requiring aumento da produção legislativa nos países pertencentes à família
them to do tasks for which they are not suited, or denying to da common law, como também por conta da valorização da juris-
legislatures the decisive word in the making of constitutionally prudência nos sistemas romano-germânicos (tema este que será
valid laws. (CALABRESI, 1982, p. 3) melhor abordado adiante): Há algum tempo vem sendo questio-
Em igual sentido, reportando-se à tese de Calabresi, Richard nada a divisão em compartimentos estaques entre os sistemas
Neely assim dispõe: Professor Calabresi’s principal thesis is that our jurídicos da common law e da civil law, ou entre os sistemas li-
law is becoming increasingly rigid as a result of “statutorification”, gados à chamada família romano-germânica do direito e os da
by which he means a proliferation of statutes that over time família anglo-americana. São crescentes nos países de civil law
become obsolete. Although old statutes no longer reflect a political o prestígio e a força da jurisprudência, enquanto na common
consensus concerning the area they address, they will not be law as leis crescem em número e adquirem maior relevância
changed by the legislature because of inertia, and cannot be – relativizando-se com isso as tradicionais e notórias diferenças
58 changed by the courts because of “separation of powers”. In states entre esses dois sistemas. (DINAMARCO, 2016, p. 42)
with active legislatures, everything from eviction procedures to the
time within which a mother must bring a bastardy action is now 3.3 A INFLUÊNCIA DO NEOCONSTITUCIONALISMO E A
governed by one statute or another, many of which were passed APROXIMAÇÃO DO PODER JUDICANTE ENTRE OS JUÍZES DA CIVIL
long ago and are today entirely inconsistent with the prevailing LAW E COMMON LAW
legal landscape. Consequently, the flexibility that the common law Ultrapassada as falsas premissas abordadas acima, faz-se opor-
once had to respond to changes in economic and social conditions, tuno apontar, agora, a crescente aproximação entre as duas tradi-
or changes in moral values, is now confounded. Every social issue ções jurídicas, sobretudo no que se refere ao papel desempenhado
that has ever received legislative attention has become locked in pelos juízes. Nesse ponto, destaca-se que a constitucionalização do
stone unless an organized, militant lobby can be found to force Direito contribuiu, em grande parte, para esta aproximação.
legislative reconsideration. (NEELY, 1982, p. 272) De acordo com Luis Roberto Barroso (2007), o fenôme-
no do novo direito constitucional tem origem na Constituição
[...] o sistema de precedentes vinculantes não é Alemã de 1949 (Lei Fundamental de Bonn) e na subsequente
algo inerente e exclusivo da tradição jurídica da criação do Tribunal Constitucional Federal (1951). Afirma o
agora Ministro do Supremo Tribunal Federal que a partir daí
common law, sendo possível a sua adequação teve início uma fecunda produção teórica e jurisprudencial,
aos sistemas romano-germânicos. responsável pela ascensão científica do direito constitucio-
nal no âmbito dos países de tradição romano-germânica.
E isso não quer dizer que o sistema de precedentes vinculan- (BARROSO, 2007, p. 3).
tes tenha perdido força nos países da common law. Na verdade, No Brasil, o debate acerca da importância do Direito
os códigos e as decisões judiciais dotadas de efeito vinculante con- Constitucional se deu ao longo da década de 80, culminando
vivem, na maior parte das vezes, de forma harmônica na tradição com a promulgação da Constituição Federal de 1988.
jurídica da common law, na qual ainda se encontra plenamente Ao que aqui importa, o neoconstitucionalismo buscou
em vigor a regra do stare decisis. Aliás, como observa Calabresi, conferir normatividade aos princípios e a definição de suas
mesmo com a presença das leis, a atividade jurisdicional deve relações com valores e regras, bem como a formação de
permanecer ativa, renovando o obsoletismo da legislação. uma nova hermenêutica constitucional. Com efeito, a norma
Assim, cai por terra o mito de que o sistema de precedentes constitucional deixou de ser um documento político sujeito à
(leia-se o direito criado por meio das decisões judiciais) só é ne- discricionariedade do Poder Público e sem maior relevância
cessário e compatível com os sistemas jurídicos que apresentam perante o Poder Judiciário, passando a alcançar o status de
baixa produção de lei. norma jurídica. (IDEM, p. 5).

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Rodrigo Cunha Mello Salomão

Diante desse poder normativo e da No Brasil, como se sabe, adotou-se 4 NOÇÕES GERAIS DA TEORIA DOS
constitucionalização dos direitos fun- um sistema híbrido de controle de cons- PRECEDENTES
damentais, viu-se, nos países filiados a titucionalidade. Ou seja, além do con- 4.1 A CRESCENTE VALORIZAÇÃO DA
civil law, a ascensão de um modelo an- trole concentrado via ação principal jul- JURISPRUDÊNCIA NO BRASIL
corado na supremacia da Constituição gada diretamente pelo Supremo Antes de se fazer uma abordagem
em substituição à supremacia do Poder Tribunal Federal, há também o controle geral do tema, é oportuno esclarecer que
Legislativo. É dizer, a lei deixou de ser a difuso exercido incidentalmente pela os precedentes, ou de maneira geral, a
fonte maior do direito, passando a ficar magistratura ordinária e pela Corte jurisprudência, são classificados como
subordinada à Constituição. Suprema ao julgar os recursos extraordi- fonte do direito. De um lado, temos que
Em outros termos, Luiz Guilherme nários. Não é difícil notar, portanto, que na common law, o precedente é uma
Marinoni (2013, p. 66) assinala que o a adoção de um modelo híbrido no fonte primária do direito, sendo consi-
princípio da legalidade passa a se ligar Brasil conferiu amplos poderes aos juí- derado um corpo de normas separado,
ao conteúdo da lei, ou melhor, à con- zes, sendo-lhes permitido deixar de apli- tendo valor prático e facilitador na toma-
formação da lei com os direitos funda- car uma lei, no caso concreto, ao enten- da de decisões (MACÊDO, 2015, p. 344).
mentais, de maneira que o princípio da der que a mesma contraria determinada Na civil law, por outro lado, a ju-
legalidade formal deu lugar ao princípio norma constitucional. risprudência não era considerada uma
da legalidade substancial.
E esse novo paradigma trouxe conse- [...] o neoconstitucionalismo buscou conferir normatividade
quências diretas aos poderes dos juízes, aos princípios e a definição de suas relações com valores
os quais passaram a ser os responsáveis
por concretizar as normas constitucionais. e regras, bem como a formação de uma nova
Afinal, para dar efetividade à Constituição, hermenêutica constitucional.
o Poder Judiciário passou a ter que inter-
pretar as leis de forma a adequá-las aos Para não me alongar ainda mais nes- fonte formal de direito, mas apenas uma
preceitos constitucionais. sa abordagem, permito-me finalizar este fonte subsidiária de força meramente
Dito de outra forma, a interpretação tópico resumindo que o neoconstitucio- persuasiva. Contudo, observa Dinamarco
jurídica tradicional, calcada na premissa de nalismo aproximou o campo de atuação (2016, p. 44) que, após a evolução da
que o papel do juiz restringe-se à subsun- dos juízes da common law e da civil law jurisprudência que culminou na recente 59
ção da norma ao caso concreto, deu lugar pelos seguintes motivos: obrigatoriedade de observância de pre-
à hermenêutica constitucional na qual o i) tendo a Constituição adquirido cedentes judiciais, na ordem jurídico-
juiz-intérprete torna-se co-participante do status de norma jurídica, fez-se -positiva brasileira da atualidade a juris-
processo de criação do Direito, comple- necessário que os juízes passassem a prudência é uma fonte de direito.
tando o trabalho do legislador, ao fazer interpretar as leis de forma a adequá-las O fato é que, por se tratarem de fon-
valorações de sentido para as cláusulas aos preceitos constitucionais, deixando tes do direito, o estudo dos precedentes
abertas e ao realizar escolhas entre solu- de ser uma função mecânica de mera deveria pertencer ao campo da Teoria
ções possíveis (BARROSO, 2007, p. 9). subsunção do fato à norma; Geral do Direito. Contudo, de forma até
Nesse mesmo sentido, Eduardo ii) como consequência disso, curiosa, vê-se que o estudo dos prece-
Cambi afirma que a Constituição Federal mostrou-se necessária a atuação do dentes, no Brasil, vem sendo realizado
de 1988 deu maior relevo ao papel da Poder Judiciário no controle de cons- no âmbito do direito processual, sendo
jurisprudência, não apenas em razão da titucionalidade das leis, o que conferiu este tema amplamente debatido entre a
redemocratização do país, mas também amplos poderes aos magistrados (prin- doutrina processualista durante todo o
pela ampliação dos instrumentos de cipalmente no Brasil, diante do controle período de valorização da jurisprudência.
judicial review, a constitucionalização concreto-difuso); Isso porque, indo além do que foi
de novos direitos e a renovação da her- iii) e, por fim, a baixa densidade11 dito no capítulo anterior, pode-se dizer
menêutica constitucional com a valori- normativa das normas constitucionais que o sistema de precedentes vinculan-
zação dos princípios jurídicos (CAMBI; passou a demandar um papel mais ati- tes não só é compatível como é também
FOGAÇA, 2015, p. 337). vo dos aplicadores do direito diante dos almejado, há muito, por considerável
Ainda nesse contexto, como des- conceitos indeterminados. parcela dos aplicadores do direito no
dobramento do neoconstitucionalismo, Portanto, essa função criativa atu- Brasil. Com efeito, a valorização do res-
podemos citar o sistema de controle de almente presente nos juízes dos países peito às decisões judiciais é um fenôme-
constitucionalidade. Os países de tradi- de tradição romano-germânica pode no não tão recente e que vem ganhando
ção romano-germânica que inauguraram ser considerada como mais um fator cada vez mais força no direito brasileiro.
esse sistema, como Áustria e Alemanha, que nos leva a concluir que a insta- Cândido Dinamarco assinala que o
adotaram a criação de tribunais cons- lação de um sistema de precedentes ordenamento jurídico brasileiro sempre
titucionais para exercerem tal controle, mostra-se claramente compatível com foi tratado como um típico ordenamen-
o que ocorria de maneira abstrata por os ordenamentos jurídicos da civil law, to jurídico da civil law, em que a juris-
meio de ações diretas. sobretudo o brasileiro. prudência não constitui fonte do direito,

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mas essa é uma afirmação que, dada a evolução experimen- cínio que sustenta e aplica o precedente ao caso sucessivo é
tada nas últimas décadas, foi gradualmente se tornando insus- fundada na análise dos fatos.
tentável (DINAMARCO, 2016, p. 42). Por outro lado, percebe-se que as decisões que compõem
Nesse contexto, o citado autor aponta como marco ini- a jurisprudência brasileira não apresentam uma análise com-
cial dessa evolução a criação da Súmula da Jurisprudência parativa de fatos, principalmente quando estamos falando das
Predominante do Supremo Tribunal Federal, no ano de 1963. decisões proferidas pelas cortes superiores, responsáveis pela
Em seguida, destaca-se o incidente de uniformização da ju- uniformização da jurisprudência.
risprudência introduzido pelo Código de Processo Civil de 1973 Com efeito, as decisões do Superior Tribunal de Justiça, por
e, posteriormente, diversas leis que criaram mecanismos com o exemplo, não são analisadas a partir das peculiaridades fáticas de
intuito de se conferir celeridade ao processo e efeito uniformi- cada caso, mas são estudadas para descobrir onde está e qual é
zador à jurisprudência, tais como: a improcedência liminar do o princípio de direito, uma vez que o que se procura é a regra ju-
pedido, o impedimento de recursos e o seu julgamento mono- rídica a aplicar ao caso sucessivo (TARUFFO, 2011)13. Até porque,
crático pelo relator, quando existente súmula ou posicionamen- de acordo com a conhecida Súmula 7, do STJ, a análise de fatos é
to reiterado do tribunal. expressamente vedada no âmbito do recurso especial.
Mais adiante e evidenciando de forma mais clara a ten- Por sua vez, os enunciados de súmula, largamente utilizados
dência em aderir a obrigatoriedade dos precedentes, cite-se a em nossa cultura jurídica, apresentam-se ainda mais afastados
criação das súmulas vinculantes editadas pela Corte Suprema, dos fatos que lhes deram causa e, por conseguinte, do concei-
novidade instituída pela Emenda Constitucional n. 45/04. to clássico de precedente. De acordo com José Carlos Barbosa
Em suma, constata-se uma nítida tendência evolutiva no Moreira, a súmula seria o conjunto das proposições em que
sentido de se emprestar cada vez mais importância à jurispru- se resume a jurisprudência firme de cada tribunal (MOREIRA,
dência e aos precedentes judiciais, na esteira do que já ocor- 2007, p. 299-313). Em igual sentido, Eduardo Cambi (2015)
re em muitos ordenamentos filiados ao sistema continental- assinala que a súmula tem por objetivo veicular o resumo edi-
-europeu (DALLA, 2016). E o novo Código de Processo Civil tado, numerado e sintético das teses vencedoras componentes
representa um importante passo nesse caminho. da jurisprudência predominante de um Tribunal sobre uma
matéria específica, sobre o qual existiu considerável discussão
4.2 JURISPRUDÊNCIA, SÚMULA E PRECEDENTE: A SISTEMÁTICA em algum período histórico, esclarecendo a interpretação ven-
INAUGURADA PELO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL É cedora do debate.
60 VERDADEIRAMENTE UM SISTEMA DE PRECEDENTES? Por conta desse distanciamento entre os verbetes sumu-
Para que seja possível responder à pergunta inserida no tí- lares e as circunstâncias fáticas dos julgados que os informam,
tulo desta seção, é imprescindível esclarecer as diferenças entre grande parte da doutrina brasileira tem se mostrado bastante
o conceito de precedente cunhado na doutrina da common law crítica à utilização das súmulas na nova sistemática de prece-
e os institutos pertencentes ao ordenamento jurídico brasileiro, dentes judiciais. Por todos, Eduardo Cambi (2015)14 assim afir-
tais como a jurisprudência e as súmulas. ma: Com a ressalva de que a súmula não é precedente, causa
Conforme aponta Michele Taruffo (2011), “jurisprudência” estranheza a importância a ela atribuída pelo NCPC, pois sua
e “precedente” não podem ser tratados como sinônimos, uma existência está em sentido contrário à própria valorização do
vez que tais conceitos apresentam relevantes diferenças. De precedente judicial como referencial normativo de todo o siste-
acordo com o autor italiano, é possível identificar uma distinção ma processual. De fato, a incidência da norma jurídica no caso
de caráter quantitativo, na medida em que quando se fala em concreto faz nascer o precedente judicial e ele é que servirá à
precedente se faz normalmente referência a uma decisão re- edição do enunciado de súmula. Com efeito, na medida em
lativa a um caso particular, enquanto que quando se fala da que o precedente possui força obrigatória, a súmula perde sua
jurisprudência se faz normalmente referência a uma plurali- própria razão de existir.
dade, frequentemente bastante ampla, de decisões relativas a Dito isso, analisando o rol do art. 927 do novo Código de
vários e diversos casos concretos. Processo Civil – o qual, em tese, elenca as hipóteses de prece-
Em termos objetivos, enquanto a jurisprudência remete a dentes vinculantes no ordenamento jurídico brasileiro –, cons-
uma multiplicidade de decisões relativas a vários casos concre- tata-se que os juízes e os tribunais observarão, por exemplo:
tos, o precedente é um julgado individual, que poderá ou não enunciados de súmulas do STJ e do STF; decisões do STJ e STF
formar jurisprudência12. Em razão dessa diferença quantitativa, em recurso repetitivo; e a orientação do plenário ou do órgão
Taruffo observa que, na common law, é fácil identificar qual de- especial aos quais estiverem vinculados.
cisão de verdade faz precedente, o que não ocorre nos sistemas Ou seja, o referido dispositivo legal, ao prever que as sú-
que aludem à jurisprudência. mulas e determinadas decisões dos tribunais superiores serão
Fala-se, ainda, em uma distinção de caráter qualitativo entre dotadas de força vinculante, não reflete exatamente o concei-
os dois conceitos. Segundo Michele Taruffo (2011), o prece- to original de precedente. Afinal, como dito anteriormente, as
dente fornece uma regra universalizável que pode ser aplicada súmulas enraizadas em nossa cultura enunciam regras jurídi-
como critério de decisão no caso sucessivo em função da iden- cas abstratas aplicáveis aos casos futuros, sem uma necessária
tidade ou analogia entre os fatos do primeiro caso e os fatos do correlação ou referência aos fatos delineados nas causas que
segundo caso, sendo esta comparação fática realizada pelo juiz deram origem a sua edição.
do caso sucessivo. Ou seja, a estrutura fundamental do racio- Igualmente, as decisões proferidas na sistemática dos re-

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cursos repetitivos também não guardam tes exatamente igual ao stare decisis da bito das cortes e juízes inferiores. Por
estrita relação com os casos concretos. tradição anglo-saxônica, ainda se mostra sua vez, o precedente horizontal é pro-
Na verdade, trata-se de um mecanismo importante esclarecer alguns conceitos e veniente de órgão do mesmo patamar
de tutela recursal pluri-individual, por técnicas aplicáveis na instrumentalização hierárquico.
meio do qual o STJ e o STF, no exercí- dessa sistemática na common law. Até Em tese, fala-se que o precedente
cio de sua função nomofilática e a partir mesmo para que possamos compre- horizontal possui eficácia meramente
de um caso-piloto, proclamam a correta ender a finalidade de tal instituto, bem persuasiva. No entanto, entendo que
interpretação da legislação constitucional como adequá-lo ao direito brasileiro. esta questão deve ser observada à luz do
ou infraconstitucional, definindo teses Contudo, não há a pretensão, aqui, autoprecedente18 e da própria finalidade
jurídicas que serão aplicáveis a todos os de expor uma visão aprofundada da clás- do sistema de precedentes que, como se
jurisdicionados (e não apenas às partes sica doutrina de precedentes da com- verá adiante, busca conferir isonomia e
do recurso selecionado para representar mon law, mas apenas apontar alguns segurança ao ordenamento jurídico.
a controvérsia)15. elementos indispensáveis para a concre- É dizer, caso as decisões de determi-
Assim, à luz das críticas e dos con- tização de uma teoria dos precedentes nado órgão de um tribunal, sobretudo
ceitos vistos acima, entendo que não bem construída, de forma a relacioná-los em matérias novas, sejam de vinculação
estamos diante de um autêntico sistema com as disposições trazidas pelo novo meramente facultativa para outro órgão
de precedentes vinculantes, tal como se CPC e a função do Superior Tribunal de de mesma posição hierárquica, certa-
vê na common law. Como bem observa Justiça neste mister, o que será abordado mente estar-se-á abrindo caminho para a
Marcelo Veiga Franco (2015), no sistema no capítulo seguinte. existência de decisões divergentes dentro
da common law, a ratio decidendi é o
ponto de partida para a análise da sua [...] a adoção de um modelo híbrido no Brasil conferiu amplos
adequação às particularidades do caso poderes aos juízes, sendo-lhes permitido deixar de aplicar
concreto. No atual sistema brasileiro,
porém, a conclusão sintética e estanque uma lei, no caso concreto, ao entender que a mesma
de um enunciado de súmula é suficien- contraria determinada norma constitucional.
te para a aplicação da orientação nele
consignada, o que faz com que no Brasil Ao apontar suas linhas mestras de um mesmo Tribunal, o que acaba por
se julguem teses, e não causas. acerca do tema, José Rogério Cruz e enfraquecer o sistema de precedentes. 61
Nesse sentido, de acordo com o Tucci afirma que o precedente é uma Nesse aspecto, é bom lembrar que
Professor Humberto Dalla (2016, grifo realidade em sistemas jurídicos histó- o novo CPC inaugurou um inovador
nosso), o termo “precedentes judiciais” rica e estruturalmente heterogêneos, e procedimento especial para julgamento
não se revela como o mais adequado que apresenta características próprias de caso repetitivo em segundo grau de
para a realidade brasileira, onde há, na em diferentes legislações (TUCCI, 2015, jurisdição, fortalecendo os precedentes
verdade, uma imposição de decisões p. 455). Nesse contexto, assinala que o horizontais e buscando conferir unidade
definidoras de teses jurídicas, as quais regime de precedente judicial opera em à jurisprudência dos tribunais estaduais
passarão a condicionar a atuação futura todo sistema jurídico a partir da intera- e federais. Trata-se, aqui, do Incidente
de todos os juízes e tribunais16. ção de vários fatores, que podem ser de Resolução de Demandas Repetitivas,
Deixe-se bem claro que isso não classificados, segundo esquema traçado regulado nos arts. 976 a 987 do novo
quer dizer que o ordenamento jurídico por Michele Taruffo, pelos seguintes ve- Código de Processo Civil.
brasileiro não está preparado para rece- tores: 1. a dimensão institucional; 2. a di- Resumindo a dimensão institucional
ber um sistema de decisões vinculantes. mensão objetiva; 3. a dimensão estrutu- do precedente e ressaltando a importân-
Entendo, apenas, que precisamos com- ral; e 4. a dimensão da eficácia (IDEM). cia do precedente horizontal para o bom
preender como funciona esta sistemáti- funcionamento de um sistema de prece-
ca na tradição jurídica da common law 4.3.1 DIMENSÃO INSTITUCIONAL dentes, Guilherme Amaral assim asseve-
e adequá-la a nossa realidade, inclusive A dimensão institucional do prece- ra: A vinculação dos precedentes se dá
em relação aos enunciados de súmula17. dente é analisada à luz da organização em duas perspectivas. Sob a perspectiva
É exatamente o que o próximo sub- judiciária e da relação de subordinação vertical, tem-se a vinculação da Corte
capítulo se propõe a fazer, para que, de escalonamento hierárquico entre os hierarquicamente inferior e dos juízes
em seguida, seja analisado o papel do tribunais (MADEIRA, 2011, p. 533). Nesta de primeiro grau, que devem aplicar os
Superior Tribunal de Justiça na instalação dimensão, podemos falar em precedente motivos generalizáveis encontrados no
de um sistema de precedentes à brasilei- vertical e horizontal. precedente da Corte hierarquicamente
ra e na concretização de suas finalidades. De acordo com Daniela Pereira superior a uma questão a ser decidida
Madeira (2011), o precedente vertical em caso distinto e subsequente. Sob a
4.3 NOÇÕES BÁSICAS: O PRECEDENTE se baseia na estrutura burocrática de perspectiva horizontal, tem-se a vincu-
JUDICIAL E SUAS DIMENSÕES sobreposição de tribunais, sendo natural lação da Corte que deve seguir os mo-
Apesar de entender que não esta- que o precedente do Tribunal Superior tivos generalizáveis de suas próprias
mos diante de um modelo de preceden- exerça certo grau de influência no âm- decisões (ou seja, seus próprios prece-

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dentes), ainda que prolatadas por outros julgadores. Essa vin- mero de casos que serão regidos por ela. Por outro lado, a
culação horizontal é a base do princípio da stare decisis (stand formulação da ratio em termos muito amplos pode tornar seu
by what has been decided, ou manter e respeitar o que foi comando superinclusivo, abrangendo situações de fato que
decidido). (AMARAL, p. 5, grifo do autor) não chegaram a ser sequer consideradas. Nesta medida, a
perquirição sobre qual foi o conjunto de fatos sobre os quais
4.3.2 DIMENSÃO OBJETIVA E AS TÉCNICAS CORRELATAS se erigiu a solução do caso, proposta pelo método fático-con-
A dimensão objetiva do precedente diz respeito à deter- creto, pode ser fundamental para evitar a afirmação de um
minação de sua influência na decisão de casos futuros, sendo precedente abrangente demais. (BARROSO; MELLO, 2016, p.
examinada a relevância da ratio decidendi e dos obiter dicta 20-21, grifo dos autores)
(MADEIRA, 2011, p. 528). Esta classificação mostra-se de suma O método abstrato normativo aparenta ser o mais adequa-
importância na medida em que a única parte do precedente do ao direito brasileiro, pois, como dito antes, nosso sistema
que possui efeito vinculante (binding effect) é a ratio decidendi. aproxima-se mais da vinculação de teses do que de causas.
Nada obstante as inúmeras divergências acerca de sua defi- Dessa forma, a extração de uma ratio decidendi razoavelmente
nição, podemos conceituar a ratio decidendi, objetivamente, genérica é compatível com as regras jurídicas contidas nas deci-
como os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão. sões dos tribunais brasileiros.
Portanto, a holding (como é chamada pelos norte-americanos) Contudo, conforme alertado pelos próprios autores citados
é o núcleo do precedente, o qual poderá ser delimitado pelo acima, não podemos permitir a aplicação da ratio decidendi de
próprio julgador da causa ou pelo juiz do caso sucessivo. forma completamente genérica e dissociada dos fatos delinea-
dos no caso originário. Com efeito, as circunstâncias fáticas que
A dimensão objetiva do precedente diz respeito embasaram a regra jurídica extraída do caso anterior devem,
à determinação de sua influência na decisão de logicamente, ser análogas às do caso futuro.
De outro lado, o obiter dictum pode ser descrito como as
casos futuros, sendo examinada a relevância da considerações formuladas pelo julgador que não se mostraram
ratio decidendi e dos obiter dicta necessárias para alcançar sua conclusão. Por não ter papel rele-
vante na decisão final, diz-se que este elemento não é dotado
No entanto, é importante chamar a atenção para o fato de de eficácia vinculante. Nesse sentido, Tucci anota que o obiter
que esta delimitação não é algo tão fácil quanto parece. Pelo con- dictum é uma passagem da motivação do julgamento que
62 trário, a ratio decidendi é um elemento de complicada identifi- contém argumentação marginal ou simples opinião, prescin-
cação e figura como objeto de recorrente discussão doutrinária. dível para o deslinde da controvérsia. O obter dictum, assim
Em recente estudo sobre o tema, Luís Roberto Barroso e Patrícia considerado, não se presta para ser invocado como preceden-
Perrone de Campos Mello apontam dois métodos para sua iden- te vinculante em caso análogo, mas pode ser perfeitamente
tificação: Segundo um primeiro método, denominado fático- referido como argumento de persuasão (TUCCI, 2004, p. 177).
-concreto, a ratio decidendi deve corresponder à regra extraída Ainda no que toca à dimensão objetiva dos precedentes, é
de um conjunto de fatos, de forma a que se afirme que sempre preciso destacar a importância das técnicas de julgamento utiliza-
que estiverem presentes o fato A (relevante) e o fato B (relevan- das no sistema de precedentes da common law. A primeira delas
te), e mesmo que ausente o fato C (irrelevante), a decisão será é a denominada distinguishing, por meio da qual o juiz do caso
X. Para o método fático-concreto, importa o que a corte decidiu sucessivo deixa de aplicar o precedente ao entender que os fatos
com relação a determinado conjunto de fatos, não o que disse por ele analisados não são análogos aos do caso que originou o
ou os fundamentos que invocou para justificar a decisão. A uti- precedente. A segunda técnica é a chamada overruling, pela qual
lização do método fático-concreto tende a ensejar a elaboração o precedente deixa de ser aplicado em razão da sua superação.
de holdings bem restritivos e presos às particularidades do caso, Em ambos os casos, é imprescindível que o magistrado do
o que pode não favorecer uma abordagem sistemática do di- caso sucessivo exponha, de forma fundamentada, os motivos
reito. Além disso, a própria compreensão de quais são os fatos pelos quais está deixando de aplicar determinado precedente. É
relevantes de um caso – para definir o comando emergente da dizer, o dever de motivação é extremamente necessário para o
decisão – pressupõe considerar o que a corte disse e compreen- bom funcionamento do sistema de precedentes, na medida em
der minimamente as razões que a levaram a tal avaliação. que serve para justificar eventuais “desvios” da regra de vincula-
De acordo com o método abstrato normativo, quando o ção às decisões anteriores.
tribunal decide uma ação, ele produz a solução para o caso con- Nesse ponto, cabe ressaltar que o novo Código de Processo
creto e, ao mesmo tempo, decide como serão julgados os casos Civil representou importante avanço na matéria, ao considerar
futuros semelhantes. Portanto, sua decisão tem em conta a nor- como não fundamentada a decisão que deixar de seguir enun-
ma mais adequada para solucionar todas as demandas que se ciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela
encontrem dentro de uma apropriada categoria de similitude. parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em jul-
Nesta hipótese, os fundamentos da decisão são essenciais para gamento ou a superação do entendimento (art. 489, § 1º, VII).
compreender o entendimento que funcionou como pressuposto Trata-se, aqui, de clara alusão ao dever de motivação atrelado
para a solução concreta alcançada pelo tribunal e com que nível às técnicas do distinguishing e overruling, que deverá ser sempre
de generalidade a corte pretendeu afirmá-los. seguido em um sistema de precedentes vinculantes. Ressaltando
Quanto mais genérica for a ratio decidendi, maior o nú- a importância deste obrigatório dever de fundamentação, Marcelo

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Veiga Franco assim adverte: Destarte, em incidente de assunção de competência. ou eficácia normativa em sentido fra-
todas as hipóteses, compete ao órgão jul- Quanto aos precedentes obrigató- co: São dotados de eficácia normativa
gador motivar racionalmente e declinar rios, analisando a questão apenas sob em sentido forte: as súmulas vinculan-
de modo fundamentado as razões que o prisma do art. 927 do novo Código tes, os julgados produzidos em controle
o levaram a aplicar, afastar, restringir, de Processo Civil, poderíamos afirmar concentrado da constitucionalidade,
ampliar ou superar a aplicação de de- que este dispositivo legal elenca as hi- os acórdãos proferidos em julgamento
terminado precedente judicial, sempre póteses de decisões dotadas de eficácia com repercussão geral ou em recurso
possibilitando que as partes tenham a vinculante no ordenamento jurídico extraordinário ou especial repetitivo,
oportunidade prévia de manifestação brasileiro, quais sejam: as orientações oriundas do julgamento
(art. 10). Ademais, a fundamentação da I – as decisões do Supremo Tribunal de incidente de resolução de demanda
decisão judicial não é “sinônimo de men- Federal em controle concentrado de repetitiva e de incidente de assunção
cionar o número ou transcrever a emen- constitucionalidade; de competência. O desrespeito a estes
ta”, pois, diferentemente, a motivação de- II – os enunciados de súmula precedentes enseja a sua cassação, por
cisória requer a “comparação analítica” vinculante; meio de reclamação, junto à corte que o
entre as circunstâncias peculiares do caso III – os acórdãos em incidente de as- proferiu, nos termos do art. 988 do CPC.
concreto e o os motivos (ratio decidendi) sunção de competência ou de resolução Produzem eficácia intermediária ou
que ensejaram a formação do preceden- de demandas repetitivas e em julgamen- eficácia normativa em sentido fraco os
te19 (FRANCO, 2015, p. 531) to de recursos extraordinário e especial enunciados da súmula simples da juris-
Diante disso, fica facilmente afastada repetitivos; prudência do STF e do STJ sobre matéria
a falsa ideia de que o juiz brasileiro se IV – os enunciados das súmulas do constitucional e infraconstitucional, res-
tornará um mero “aplicador mecânico de Supremo Tribunal Federal em matéria pectivamente, e as orientações firmadas
julgados anteriores”. Na verdade, a im- constitucional e do Superior Tribunal de pelo plenário ou pelos órgãos especiais
plantação de um sistema de precedentes Justiça em matéria infraconstitucional; das cortes. Esses entendimentos são obri-
obrigatórios demandará um dever de V – a orientação do plenário ou gatórios e devem ser seguidos. Entretanto,
motivação ainda maior dos julgadores, do órgão especial aos quais estiverem sua inobservância não possibilita o ajuiza-
os quais deverão comparar o caso pre- vinculados. mento de reclamação. Por consequência,
sente com a decisão anterior para, então, Ocorre que, fazendo-se uma aborda- tal “dever” tenderá a funcionar, na pratica,
aplicar ou afastar o precedente, sempre gem mais aprofundada e à luz dos meca- como mera recomendação, ao menos no 63
de maneira fundamentada20. nismos processuais instituídos para con- estágio cultural em que nos encontramos
trolar a observância dessas decisões no que respeita à operação com preceden-
4.3.3 DIMENSÃO DA EFICÁCIA obrigatórias, percebemos que a discus- tes judiciais. (BARROSO; MELLO, 2016, p.
De acordo com José Rogério Cruz e são acerca da eficácia dos precedentes 16-17, grifo dos autores)
Tucci, a dimensão da eficácia deriva do ganha contornos bastante complexos. Hermes Zaneti Jr., por sua vez, refe-
grau de influência que o precedente exer- Isso porque, apesar de constarem no rol re-se aos precedentes normativos for-
ce sobre a futura decisão em um caso dos precedentes vinculantes, as súmulas malmente vinculantes fortes, os quais
análogo, ou ainda da técnica instituída simples do STF e do STJ e as orientações possibilitam a impugnação por via re-
pela legislação, quanto a sua respectiva firmadas pelo plenário ou pelos órgãos cursal (vias ordinárias) e por via autôno-
eficácia (vinculante ou simplesmente per- especiais das cortes não são encontradas ma diretamente nos tribunais superiores
suasiva). (TUCCI, 2015, p. 455) nas hipóteses de cabimento de reclama- per saltum (via extraordinária), quando
De maneira superficial, podemos divi- ção (art. 988 21). as decisões desrespeitarem a autoridade
dir os precedentes judiciais em vinculante
ou persuasivo, sendo o primeiro de ob- O método abstrato normativo aparenta ser o mais adequado
servância obrigatória e o segundo de força
ao direito brasileiro, pois, como dito antes, nosso sistema
meramente argumentativa. Os precedentes
persuasivos possuem forte atuação nos aproxima-se mais da vinculação de teses do que de causas.
sistemas jurídicos que adotam a cultura da
jurisprudência, tal como se dá no Brasil. Partindo dessa constatação, passou- do precedente, negando sua aplicação,
Contudo, diante da tentativa de ins- -se a aventar a existência de uma di- aplicando-o de forma equivocada ou
talação de um sistema de precedentes visão entre precedentes vinculantes e parcial22. (ZANETI JR., 2016, p. 326)
obrigatórios, imagina-se que os prece- precedentes normativos, uma vez que Entendo, contudo, que a situação é
dentes de eficácia meramente persuasiva a inobservância apenas destes últimos ainda mais complexa, na medida em que
perderão bastante força em nosso orde- é que acarretaria uma sanção legal di- o sistema de precedentes inaugurado
namento. De fato, serão reduzidos ape- reta, qual seja, a impugnação por meio pelo novo Código de Processo Civil não
nas às decisões dos juízes e dos tribunais de reclamação. Luís Roberto Barroso e é composto apenas pelo rol do art. 927
de segundo grau, desde que proferidos Patrícia Perrone falam em precedentes aliado ao controle por meio da reclama-
em casos não sujeitos ao incidente de de eficácia normativa em sentido forte ção. Com efeito, a formação dos prece-
resolução de demanda repetitiva ou ao e precedentes de eficácia intermediária dentes de observância obrigatória encon-

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tra previsão em outros mecanismos processuais dispostos de com limites, justamente, nos textos legais. Todas essas questões
forma esparsa ao longo do Código, formando-se um verdadeiro serão melhor abordadas adiante.
microssistema de precedentes.
Nesse contexto, cite-se por exemplo o art. 332, que prevê 4.3.4 DIMENSÃO ESTRUTURAL
o julgamento liminar de improcedência com base nas decisões Finalmente, a dimensão estrutural diz respeito, em primeiro
elencadas no art. 927. Ainda, a possibilidade de concessão de lugar, ao número de precedentes referíveis, podendo ser único ou
tutela de evidência fundamentada em um desses tipos de pre- um conjunto. A invocação de um único precedente, como visto
cedente (art. 311, II). Igualmente, os arts. 496, § 4º e 521, IV, antes, é comum na tradição jurídica da common law, enquanto
que também fazem previsão expressa do uso de precedentes a menção a vários precedentes é vista nos sistemas romano-ger-
para, respectivamente, dispensar o duplo grau obrigatório de mânicos (jurisprudência consolidada ou dominante). Neste último
jurisdição e dispensar a exigência de caução nos casos de cum- caso, o fator temporal ganha notória importância, pois a orientação
primento provisório da decisão. Por fim, o alargamento dos pretoriana sedimentada reclama um longo período para ser fixada.
poderes monocráticos do relator diante das decisões de obser- Cabe, aqui, o mesmo comentário feito em relação aos prece-
vância obrigatória (art. 932). dentes de eficácia meramente persuasiva: com a adoção de um
Com base nesse microssistema, é interessante notar organizado sistema de precedentes vinculantes, espera-se que a
que as hipóteses previstas no art. 927, incs. IV e V, apesar invocação de um único “precedente” torne-se mais comum em
de não autorizarem, em princípio, o uso da reclamação, po- nossa cultura jurídica. Como exemplo, podemos imaginar que a
dem ser controladas pelo sistema recursal comum. Basta tese jurídica enunciada no julgamento de determinado recurso re-
ver que a sua inobservância autoriza providências concre- petitivo autorize, por si só, as decisões dos demais casos idênticos.
tas típicas de precedentes normativos, como a dispensa do Em segundo lugar, a dimensão estrutural refere-se à orien-
duplo grau obrigatório ou mesmo o julgamento liminar de tação dos precedentes, podendo haver precedentes contradi-
improcedência do pedido (DALLA, 2016). tórios que, em último grau, geram um “caos jurisprudencial”.
Além dessas medidas, destaque-se a possibilidade de ajuiza- Como se verá a seguir, a insegurança jurídica causada pelos
mento de ação rescisória contra decisões que contrariem as súmu- precedentes dissonantes deve ser combatida pelos tribunais,
las simples do STF e do STJ. Afinal, de acordo com o art. 966, inc. sobretudo por aqueles responsáveis pela uniformização da ju-
V, combinado com o § 5°, o enunciado de súmula é considerado risprudência no âmbito nacional.
como norma jurídica para fins de cabimento de ação rescisória.
64 Diante disso, há quem entenda que não há, de fato, essa 5 O IMPORTANTE PAPEL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NA
suposta diferença entre precedente vinculante e precedente EFETIVAÇÃO DOS SISTEMAS DE PRECEDENTES DO NOVO CÓDIGO
normativo. Até porque, em que pese não autorizarem o cabi- DE PROCESSO CIVIL
mento de reclamação, a observância das súmulas simples e das 5.1 A FUNÇÃO NOMOFILÁTICA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
orientações dos plenários é controlada pelos recursos e outros Inicialmente, é preciso apontar que as cortes superiores têm
mecanismos previstos em lei. acumulado relevante importância na jurisdição contemporânea.
Ainda nesse ponto, segundo Humberto Dalla (2016), uma for- Com efeito, o antigo papel de mera instância revisora mostra-
ma de evitar que alguns precedentes sejam duplamente protegidos -se completamente defasado, na medida em que os tribunais
(por recurso e por ação rescisória) e outros triplamente protegidos superiores da atualidade exercem suas atividades voltadas para
(recurso, reclamação e rescisória), seria compreender o rol do art. a garantia da uniformização da interpretação normativa e a
988 como exemplificativo, de modo a abarcar, ainda que implicita- busca da unidade e estabilidade na aplicação do Direito. Nesse
mente, todas as hipóteses dos universos de precedentes. sentido, Hermes Zaneti Jr. afirma que devemos perceber que a
Nesse sentido, aponta o autor que tanto a doutrina23 quanto função das Cortes Supremas migrou e vem migrando gradati-
a jurisprudência24 já apresentam certa tendência em reconhecer vamente em todos os ordenamentos jurídicos contemporâneos
a possibilidade de ampliação do uso da reclamação, entendi- de cortes de controle, preocupadas com a exata e “correta”
mento este que pode ser estendido para fins de controle de aplicação da legislação, vinculadas ao paradigma do forma-
observância dos precedentes em geral. lismo interpretativo, para cortes de interpretação, preocupadas
Para finalizar essa discussão, esclareça-se que o fato com a “uniformização do direito”, vinculadas ao paradigma
de as súmulas e os acórdãos proferidos no âmbito dos jul- realista interpretativo do “ceticismo moderado” no campo da
gamentos por amostragem (recurso repetitivo) não serem interpretação jurídica (ZANETI JR., 2016, p. 292).
propriamente “precedentes”, não é um impeditivo ao efeito Fala-se, aqui na noção contemporânea da nomofilaquia, se-
vinculante que se pretende conferi-los. gundo a qual o papel das cortes superiores não deve se limitar à
Na verdade, a obrigatoriedade de observância dessas de- interpretação da lei no caso concreto, mas deve se preocupar com
cisões e enunciados pelos órgãos hierarquicamente inferiores a formação de uma regra jurídica a ser uniformemente aplicada aos
encontra fundamento na própria finalidade dessa nova sistemá- casos futuros. Sobre o tema, é válido trazer os precisos ensinamen-
tica (isonomia e segurança jurídica), na função uniformizadora tos de Michele Taruffo, escorados, por sua vez, nas previsões de
constitucionalmente atribuída ao STJ e ao STF e à posição de Calamandrei: Em páginas claríssimas da Cassação civil, já em 1920,
vértice desses tribunais. Além disso, as teses jurídicas firmadas Piero Calamandrei sublinhava que a função de nomofilaquia da
nessas hipóteses não podem ser consideradas como criação de Corte de Cassação teria tido que se desenvolver, em conexão com
lei, mas sim uma reconstrução e complementação do Direito a função de garantir a uniformidade da jurisprudência, através da

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prolação de sentenças capazes não ape- ritório nacional. Vislumbra-se, aqui, uma de legislação infraconstitucional, é atri-
nas de assegurar a exata interpretação do clara relação com o papel desempenhado buída ao Superior Tribunal de Justiça.
direito, mas também de impor esta inter- pela Corte de Cassação francesa após sua Nesse contexto, o citado autor afirma
pretação como cânone de decisão dos mutação, conforme exposto no Capítulo 2. que a atribuição de força vinculante
casos sucessivos. Calamandrei apresen- E essa função nomofilática é atribuí- aos precedentes judiciais é sobrema-
tava a ideia de que a Corte de Cassação, da diretamente pela Constituição Federal, neira conveniente para a racionalidade
uma vez unificada, torna-se aquilo que pois, de acordo com o art. 105, inc. III, da da jurisdição em um país de dimensões
em termos modernos se chama de “corte CF/88, cabe ao STJ: julgar se determina- continentais, como o Brasil, no qual o
de precedentes” e assim desenvolveria as da decisão de um dos tribunais regionais grande número de tribunais estaduais
suas funções e, em particular aquela de federais ou de um dos tribunais de justi- e federais inspira, necessariamente,
nomofilaquia, através de decisões capa- ça contrariou ou negou vigência a lei fe- uma superior preocupação com a uni-
zes de orientar a jurisprudência sucessiva. deral; e definir a interpretação que deve formidade do Direito.
Ele antecipava, em verdade, aquela que é prevalecer quando a decisão recorrida ti- Isso tudo sem falar nos magistra-
hoje a função principal das cortes superio- ver dado à lei interpretação diversa da dos de primeiro grau, que igualmente
res em muitos ordenamentos, de common que lhe deu outro tribunal. aplicam as leis federais para solucionar
law e de civil law, que é a de assegurar o
controle de legitimidade através da fixação [...] considerando a função de uniformização da lei federal
de precedentes destinados a projetar-se
em todos os inúmeros tribunais brasileiros, não é difícil
como pontos de referência sobre decisões
dos outros juízes. Com feomular sintética perceber a importância do Superior Tribunal de Justiça no
se pode falar de “nomofilaquia através do sistema de precedentes vinculantes que está sendo instalado
precedente”, justamente para indiciar que
a função típica de uma corte superior é de e adaptado ao nosso país.
assegurar o uniforme respeito à lei através
de decisões “universalivázeis” e projetáveis Em última análise, o Superior os casos concretos que lhes são subme-
para o futuro. (TARUFFO, 2011, p. 7) Tribunal de Justiça é a Corte de vértice tidos. Segundo os mais recentes dados
Em igual sentido, a doutrina brasilei- no que se refere à lei federal, sendo ele o da pesquisa realizada pelo Conselho
ra destaca que a nomofilaquia deve ser responsável pela última palavra na inter- Nacional de Justiça (2016), o Brasil pos- 65
entendida como a função de assegurar pretação das normas infraconstitucionais sui 10.156 unidades judiciárias estaduais
a exata observância e a uniformidade na e, com isso, conferir unidade à aplicação e 976 unidades judiciárias federais, o que
interpretação da lei, o que, por toda a es- do Direito em âmbito nacional. aumenta consideravelmente a possibi-
trutura proposta pela Stare Decisis, o mo- Nesse contexto, é importante des- lidade de decisões judiciais divergentes
delo de precedentes tende a consolidar. tacar que a função nomofilática exer- em nosso país.
Sendo a tarefa dos tribunais superiores, cida pelo Superior Tribunal de Justiça Diante do que se expôs e consi-
pois, a uniformização da interpretação ju- ganha ainda maior relevância pelo derando a função de uniformização
dicial, é por demais compatível a adoção fato de que o Brasil possui notória ex- da lei federal em todos os inúmeros
do sistema de precedentes para se atingir tensão territorial e, em consequência tribunais brasileiros, não é difícil perce-
o seu escopo. (BERTÃO, 2016, p. 371) disso, são diversos os tribunais esta- ber a importância do Superior Tribunal
No que tange ao específico objeto duais e federais submetidos ao seu de Justiça no sistema de precedentes
deste estudo, diga-se que o Superior controle de uniformização. É o que vinculantes que está sendo instalado
Tribunal de Justiça foi criado com a observa José Rogério Cruz e Tucci e adaptado ao nosso país. Em termos
Constituição Federal de 1988, tendo (2015, p. 446): Ressalte-se, a pro- gerais, Hermes Zaneti Jr. é enfático ao
como objetivo a divisão de trabalhos pósito, que, nestes últimos anos, os dispor que a teoria dos precedentes é
com o Supremo Tribunal Federal e a nossos tribunais superiores passaram uma teoria para as Cortes Supremas.
solução do problema de abarrotamento a desempenhar papel relevantíssimo, Isto quer dizer duas coisas: primeiro,
de demandas pelo qual passava este úl- por duas diferentes razões. Em pri- que são as Cortes Supremas os prin-
timo Tribunal. Assim, com a Constituição meiro lugar, pela necessidade de uni- cipais destinatários de uma teoria dos
Cidadã, o Supremo Tribunal Federal ado- formizar a jurisprudência, diante das precedentes por serem cortes de vér-
tou a posição de guardião da Constituição incertezas e divergências de julgados, tice e delas depender a uniformidade
e o Superior Tribunal de Justiça ficou res- que conspiram contra a segurança da interpretação do direito; segundo,
ponsável pela uniformização da legisla- jurídica. São mais de 50 tribunais de porque também as Cortes Supremas
ção infraconstitucional. segundo grau, espalhados nos diver- devem ser vinculadas aos próprios
Como observa Luiz Guilherme sos Estados brasileiros. precedentes do ponto de vista argu-
Marinoni (2014, p. 119), fundamental- Pelos mesmos motivos, Humberto mentativo para afastar a aplicação
mente, o Superior Tribunal de Justiça tem Dalla (2016) adverte sobre a necessida- de um precedente ou superar um
a missão de definir o sentido da lei federal de de conferir uniformidade ao direito precedente antigo na aplicação atual.
e de garantir a sua uniformidade no ter- brasileiro, missão esta que, em termos (ZANETI JR., 2016, p. 290-291)

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Dito isso, passa-se, agora, a analisar as finalidades perse- (FIGUEIREDO NETO, 2006, p. 79), e que abarca diversos
guidas com a implementação de um sistema de precedentes outros, dentre os quais destacam-se a isonomia e a esta-
obrigatórios e os deveres institucionais a serem respeitados pelo bilidade, vistos como consequências lógicas e inafastáveis
Superior Tribunal de Justiça para sua efetiva consecução. da segurança jurídica. Sobre o tema, Eduardo Cambi é claro
ao ressaltar a importância de um sistema de precedentes
5.2 O PAPEL DA CORTE SUPERIOR, SUA RELAÇÃO COM A obrigatórios para que sejam alcançadas a segurança jurídica,
FINALIDADE DO SISTEMA DE PRECEDENTES E OS DEVERES a isonomia e estabilidade do ordenamento: O fortalecimen-
INSTITUCIONAIS to dos precedentes judiciais desempenha papel importante
De forma objetiva, é possível afirmar que a instalação de na preservação dos valores constitucionais da segurança
um sistema de precedentes vinculantes no Brasil decorre, jurídica e da isonomia entre os jurisdicionados. O sistema
em maior parte, da necessidade de impedir a cotidiana ocor- de precedentes promove estabilidade ao ordenamento jurí-
rência de decisões conflitantes no mesmo período de tempo dico, afasta a ocorrência da jurisprudência lotérica e evita a
e da intenção de se conferir efetividade ao processo judicial. ocorrência de julgamentos contraditórios, em prejuízo aos
Isto é, a inauguração desse sistema é norteada por importan- jurisdicionados. (CAMBI; FOGAÇA, 2015, p. 339)
tes finalidades, merecendo destaque a segurança jurídica, a Lucas Buril de Macêdo, por seu turno, observa que tais prin-
isonomia e a eficiência25. cípios se encontram expressamente previstos na exposição de
motivos do anteprojeto do novo Código de Processo Civil, o
[...] uma jurisprudência composta por tantas que evidencia a intenção do legislador brasileiro na instalação
de um sistema de precedentes. Veja-se: Consoante se con-
decisões é difícil de ser controlada e externada
signa na exposição de motivos, não se pode tolerar diversos
de maneira uniforme e coerente, o que não é posicionamentos jurídicos acerca de uma mesma situação ju-
salutar para um sistema de precedentes rídica substancial, em detrimento dos jurisdicionados, seja em
relação aos que estão em situações idênticas e recebem um
vinculantes [...] tratamento menos favorável ou àqueles que planejaram suas
atuações com fundamento na orientação dada pelos tribunais.
A segurança jurídica pode ser concebida como o objeti- Conforme se observou, a insegurança nas decisões judiciais
vo maior de qualquer ordenamento jurídico, revelando-se, “gera intranquilidade e, por vezes, verdadeira perplexidade na
66 assim, como um dos princípios mais importantes do direito. sociedade”. (MACÊDO, 2015, p. 467)
Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello chega, in- De fato, a existência de decisões contraditórias e de enten-
clusive, a afirmar que o objetivo do Direito é a segurança. dimentos que variam constantemente faz com que os cidadãos
O que o Direito visa é exatamente fornecer aos indivíduos percam a confiança no Poder Judiciário, de maneira que o prin-
pautas que serão seguidas e respeitadas para que as pes- cípio da segurança jurídica, da estabilidade e da isonomia se
soas saibam quando estão conforme à ordem jurídica e, encontram ligados, também, à credibilidade do Judiciário.
portanto, podem prever os eventos que daí se sucederão, Indo além, Daniel Mitidiero apresenta uma profunda análi-
e quando estão desconformes à ordem jurídica e podem, se do princípio da segurança jurídica, destacando a sua impor-
igualmente, prever as eventuais consequências que as atin- tância a partir de uma decomposição analítica em quatro fato-
girão. Se o Direito não fornecer isso aos indivíduos, ele não res: cognoscibilidade, estabilidade, confiabilidade e efetividade
forneceu absolutamente nada. (MELLO, 1995, p. 51) da ordem jurídica. Confira-se: A segurança jurídica pode ser
Da mesma forma, assim dispõe Daniel Mitidiero (2016, p. decomposta analiticamente em cognoscibilidade, estabilidade,
21): Portanto, para que o Direito seja capaz de proporcionar confiabilidade e efetividade da ordem jurídica. Nenhuma or-
uma sociedade livre, justa e igualitária (arts. 1.º, III, 3.º, I, e dem jurídica pode ser considerada segura se inexiste cognos-
5.º, caput, I e II, CF), é preciso resolver o problema central da cibilidade a respeito do que deve reger determinada situação
vinculação do exercício do poder à ordem jurídica. Esses ob- da vida. É necessário que o sistema jurídico viabilize certeza a
jetivos, no entanto, só são alcançáveis em uma sociedade respeito de como as pessoas devem se comportar, sem o que
pautada pela segurança jurídica. A promoção da segurança não se pode saber exatamente o que é seguro ou não. Sem
jurídica consubstancia-se, portanto, em um problema central e cognoscibilidade, não há como existir segurança de orienta-
perene de qualquer ordem jurídica. Sem um ambiente jurídico ção (“Orientierungssicherheit”), isto é, segurança a respeito
capaz de proporcionar segurança entre as pessoas, é impos- daquilo que nos é exigido pela ordem jurídica diante de dada
sível conceber um espaço para que se possam fazer escolhas situação concreta. A segurança jurídica depende igualmente
juridicamente orientadas. Sem um ambiente jurídico seguro, é da ideia de estabilidade (continuidade, permanência, durabili-
do mesmo modo impossível reconhecer qual o Direito vigen- dade), porque uma ordem jurídica sujeita a variações abrup-
te e que deve ser aplicado para todos uniformemente. Daí tas não provê condições mínimas para que as pessoas possam
a razão pela qual a segurança jurídica é normalmente com- se organizar e planejar suas vidas. Uma ordem jurídica segu-
preendida como uma das condições pelas quais o Direito se ra constitui ainda uma ordem confiável, isto é, que é capaz
torna possível – vale dizer, uma condição para que se possa de reagir contra surpresas injustas e proteger a firme expec-
conceber a própria existência do Direito. tativa naquilo que é conhecido e naquilo com que se concre-
Trata-se, na verdade, de um megaprincípio do Direito tamente planejou. A segurança jurídica depende, por fim, da

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capacidade de  efetividade  normativa. entendimentos já proferidos pelos pela uniformização da legislação infra-
Vale dizer: de segurança de realização tribunais, eles não consumirão seu constitucional e, por isso, é ele quem
(“Realisierungssicherheit”). Isso porque tempo ou os recursos materiais de concebe os precedentes e as teses ju-
só é seguro aquilo que tem a capacida- que dispõem para redecidir questões rídicas a serem seguidas pelos órgãos
de de se impor acaso ameaçado ou efe- já apreciadas. Consequentemente, hierarquicamente inferiores.
tivamente violado. Isso explica a razão utilizarão tais recursos na solução Ademais, o Tribunal Superior terá a
pela qual a ideia de segurança jurídica de questões inéditas, que ainda não função de controlar se os demais tribu-
também é normalmente associada à receberam resposta do Judiciário e nais e magistrados estão, efetivamente,
noção de inviolabilidade normativa. que precisam ser enfrentadas. A ob- seguindo seu entendimento. De fato,
Nesse quadro conceitual, a cone- servância dos precedentes vinculantes somente assim será possível garantir a
xão existente entre segurança jurídi- pelos juízes, mesmo que não concor- desejada segurança jurídica do ordena-
ca, liberdade e igualdade é evidente. dem com eles, reduz, ainda, o traba- mento brasileiro e, também, a isonomia
O tratamento isonômico depende lho dos tribunais, que não precisam entre os jurisdicionados.
antes de qualquer coisa do prévio reexaminar e reformar as decisões Para tanto, por conta de sua posi-
reconhecimento de qual é o Direito divergentes dos entendimentos que ção de vértice e pelo importante papel
aplicável. Não é possível aplicar uni- já pacificaram. Tal ambiente contribui desempenhado, o Superior Tribunal de
formemente um Direito que não se para a redução do tempo de duração Justiça terá que cumprir os deveres dis-
conhece. A possibilidade de autode- dos processos, desestimula demandas postos no art. 926 do novo CPC, em grau
terminação está igualmente ligada aventureiras e reduz a litigiosidade. ainda maior que os demais tribunais. É
à prévia cognoscibilidade normativa, Tem ainda o condão de minimizar dizer, a Corte Superior deverá, mais do
porque sem conhecer o Direito não é a sobrecarga experimentada pelas que nunca, manter sua jurisprudência
possível fazer escolhas juridicamente cortes e a aumentar a credibilidade uniforme, estável, íntegra e coerente,
orientadas. Sem cognoscibilidade, e legitimidade do Judiciário, que são servindo como verdadeiro exemplo aos
a propósito, não é possível esco- comprometidas pela demora na en- tribunais de segundo grau.
lher nem os atos que se pretende pra- trega da prestação jurisdicional e por Como se passa a expor, a partir do
ticar, nem os efeitos jurídicos ligados aquilo que a doutrina convencionou cumprimento desses deveres, os demais
à prática desses atos. (MITIDIERO, chamar de jurisprudência lotérica: a tribunais conseguirão conhecer e seguir
2016, p. 22-23) produção de decisões díspares, confe- as teses firmadas pelo Superior Tribunal 67
Para finalizar esse ponto, cabe a ob- rindo tratamento desigual a jurisdicio- de Justiça, contribuindo para que o orde-
servação de que a relevância da seguran- nados em situações idênticas, muitas namento jurídico brasileiro se mantenha
ça jurídica é ainda maior no Brasil, pois, vezes até em um mesmo tribunal. seguro e uniforme.
como dito antes, existem inúmeros tribu-
nais espalhados ao longo de todo o país A segurança jurídica pode ser concebida como o objetivo
e, por conseguinte, são ainda maiores as maior de qualquer ordenamento jurídico, revelando-se,
chances de decisões conflitantes. Nesse
sentido, Tucci assinala que o expressivo assim, como um dos princípios mais importantes do direito.
número de tribunais e a ausência de
uma dogmática consistente sobre pre- Ressaltando a importância das deci- Em primeiro lugar, impõe-se o dever
cedente judicial acarreta evidente inse- sões do Superior Tribunal de Justiça na do STJ manter sua jurisprudência estável.
gurança jurídica, diante da divergência missão de conferir maior efetividade ao Nesse contexto, Tereza Arruda Alvim e
jurisprudencial acerca de inúmeras teses processo brasileiro, Cambi afirma que Bruno Dantas advertem que é desejável
importantes (TUCCI, 2015, p. 449). o projeto do NCPC, desde o início, teve que o mesmo juiz não mude de opinião;
Além da segurança jurídica e de como objetivos principais a simplifica- que os tribunais de 2º grau mantenham
seus subprincípios, aponta-se, ainda, ção e a celeridade do processo judicial, a jurisprudência firme e estável; mas é,
que um sistema de precedentes vin- para assegurar maior efetividade na principalmente, não só desejável, como
culantes busca conferir maior efeti- tutela dos direitos. Dentre as novidades imprescindível para o bom funciona-
vidade ao processo, finalidade esta apresentadas, inclui-se a busca pelo for- mento do sistema que os Tribunais
também almejada pelo novo Código talecimento das decisões dos Tribunais Superiores não alterem com frequência
de Processo Civil. A esse respeito, Superiores, garantindo unidade na apli- suas posições. Afinal, o direito não pode
confira-se, mais uma vez, as observa- cação (CAMBI; FOGAÇA, 2015, p. 336). se confundir com a sucessão de “opini-
ções de Luís Roberto Barroso e Patrícia Expostas as finalidades encontra- ões” diferentes, de diferentes juízes de
Perrone de Campos Mello (2016, p. das por trás de um sistema de prece- Cortes Superiores. A jurisprudência fir-
19): Por fim, o respeito aos preceden- dentes vinculantes, sobressai a impor- mada há de ser do tribunal, e não de
tes possibilita que os recursos de que tância do Superior Tribunal de Justiça cada ministro, individualmente conside-
dispõe o Judiciário sejam otimizados na concretização desses objetivos. rado. (WAMBIER; DANTAS, 2016, p. 279)
e utilizados de forma racional. Se os Afinal, como amplamente abordado no Nesse sentido, concluem os au-
juízes estão obrigados a observar os capítulo anterior, o STJ é o responsável tores que para que haja vinculação

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a precedente(s) de tribunais superiores, é imprescindível Justiça mantenha suas decisões e teses jurídicas dispostas de
a estabilidade – só a partir desta situação é que se pode maneira uniforme.
racionalmente exigir que a jurisprudência dos Tribunais Acerca da necessidade de uniformização interna na Corte
Superiores seja respeitada pelos demais órgãos integrantes Superior, José Rogério Cruz e Tucci assinala que se os órgãos
do Poder Judiciário. (IDEM, p. 133) fracionários dos aludidos tribunais superiores dissentirem sobre
Isso não quer dizer, contudo, que o entendimento da Corte questões de direito federal, a missão constitucional que lhes foi
Superior deve se manter imutável. Pelo contrário: a tarefa de confiada não estará sendo cumprida. Assim, exatamente para
construção do direito exige que o ordenamento jurídico acom- reforçar a previsibilidade e harmonia dos julgamentos e, até
panhe as mudanças sociais. Há, portanto, evidente tensão entre mesmo, a segurança jurídica. (TUCCI, 2015, p. 450)
a necessidade de que o direito seja previsível, de um lado, e, Aliás, diga-se que o próprio Superior Tribunal de Justiça,
de outro, igualmente capaz de transformar-se, adaptando-se, ao destacar a importância de sua função nomofilática, já reco-
surpreendendo o menos possível o jurisdicionado, a socieda- nheceu, há muito, a necessidade de manter uma jurisprudência
de26 (IDEM, p. 127). uniforme, garantindo-se a segurança jurídica do ordenamento
Nesse contexto, o novo Código de Processo Civil andou brasileiro. É nesse sentido, a adequada advertência do Ministro
bem ao regulamentar, nos §§ 2º27, 3º28 e 4º29 do art. 927, o Humberto Gomes de Barros quando do julgamento do AgRg
procedimento de superação dos precedentes (overruling). Ao nos EREsp 228.432/RS: PROCESSUAL. STJ. JURISPRUDÊNCIA.
possibilitar a alteração de entendimento do tribunal para aten- NECESSIDADE DE QUE SEJA OBSERVADA. O Superior Tribunal
der às mudanças sociais, mas desde que seja adequadamente de Justiça foi concebido para um escopo especial: orientar a
fundamentada e prevendo-se a possibilidade de participação aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação, em todo
pública bem como de modulação de efeitos, o legislador tenta o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência
equilibrar os princípios da estabilidade e da adaptabilidade, am- seja observada, para se manter firme e coerente. Assim sempre
bos de igual importância para o ordenamento jurídico brasileiro. ocorreu em relação ao Supremo Tribunal Federal, de quem o
Para que possa manter sua jurisprudência estável, adaptada STJ é sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário
à realidade social e, ao mesmo tempo, congnoscível perante os mantém sagrado compromisso com a justiça e a segurança.
jurisdicionados e os demais tribunais, o STJ terá que adotar cer- Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao sabor das con-
tas cautelas quando for necessária eventual modificação de en- vicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas
tendimento. Nesses casos, será preciso conferir forte argumen- instituições. Se nós – os integrantes da Corte – não observar-
68 tação e inequívoca publicidade, de maneira que tais alterações mos as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando
não ocorram de forma livre, recorrente e sem o conhecimento sinal, para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo.
da sociedade e dos demais órgãos do Poder Judiciário. Estou certo de que, em acontecendo isso, perde sentido a exis-
tência de nossa Corte. Melhor será extingui-la. (AgRg nos EREsp
[...] a obrigatoriedade das decisões do 228.432/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS,
CORTE ESPECIAL, julgado em 1º/2/2002, DJ 18/3/2002, p. 163)
Superior Tribunal de Justiça decorre
Em breves linhas, apesar de ser formado por alguns ór-
diretamente da Constituição, tanto no que se gãos fracionários, o Superior Tribunal de Justiça deve ser visto
refere a sua posição hierárquica quanto na como um só e deve pautar sua atuação em conformidade com
sua unidade. Isto é, deve assumir uma única posição sobre a
missão que lhe foi conferida. mesma questão jurídica e deve estar atento para eventuais
dissidências internas.
Além da estabilidade, o novo CPC exige a observância do Nesse ponto, destaque-se que a legislação processual brasi-
dever de uniformização. Trata-se, aqui, de dever extremamen- leira já prevê o recurso de embargos de divergência como uma
te importante, pois o entendimento do Superior Tribunal de ferramenta para uniformizar a jurisprudência interna do STJ.
Justiça somente será compreendido e, ato contínuo, aplicado Regulados no art. 1.043 do novo CPC e art. 266 do Regimento
pelos demais tribunais e juízes, caso as decisões de seus órgãos Interno do STJ, os embargos de divergência são cabíveis quan-
internos sejam convergentes sobre o mesmo assunto. do o acórdão do órgão fracionário divergir de qualquer outro
Ora, se dentro do próprio STJ há decisões conflitantes sobre órgão do mesmo tribunal.
o mesmo tema, qual delas deverá ser aplicada pelas instâncias Apesar de buscar a solução do caso concreto, os embargos de
ordinárias? Estarão os magistrados de primeiro e segundo graus divergência devem ser vistos como um meio de pacificar a inter-
livres para optar por qualquer uma delas, de acordo com suas pretação de determinada questão dentro do Superior Tribunal de
próprias ideologias? Permitir uma resposta positiva para essas Justiça. Destacando essa função prospectiva e uniformizadora dos
indagações seria reconhecer a total ineficácia do sistema de pre- embargos de divergência, Luiz Guilherme Marinoni assim dispõe:
cedentes vinculantes. O que impulsiona os embargos de divergência, à primeira vista,
É fácil perceber, então, que a ausência de uma jurisprudên- é o inconformismo da parte com a decisão que diverge de outra.
cia uniforme no âmbito do STJ acaba impedindo que os demais Nessa perspectiva os embargos permitem a correção da decisão
tribunais vinculem-se ao seu entendimento. Por isso, para o recorrida em face da decisão divergente. Porém, a função dos
bom funcionamento do sistema de precedentes que precisa ser embargos de divergência, numa Corte preocupada em atribuir
adaptado ao Brasil, é imprescindível que o Superior Tribunal de sentido ao direito e dar-lhe desenvolvimento, é viabilizar oportuni-

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dade para a discussão das teses divergen- uma cadeia histórica de decisões, que rão mostrar-se sempre bem fundamenta-
tes e para a definição daquele que deve vão agregando sentido e dando densi- das. Nesse passo, por exemplo, as teses
prevalecer, identificando-se o sentido do dade à norma jurídica geral construída jurídicas enunciadas no julgamento de
direito que deve imperar na Corte, orientar a partir de um caso concreto. A coerên- recurso repetitivo devem ter seu objeto
a sociedade e guiar os tribunais inferiores. cia impõe o dever de autorreferência, claro e limitado, para que as instâncias
(MARINONI, 2014, p. 214) portanto: o dever de dialogar com os ordinárias possam compreender o que
Prosseguindo, há ainda os deveres precedentes anteriores, até mesmo para efetivamente deve ser seguido. É o que
de integridade e coerência, os quais superá-los e demonstrar o distinguishing. dispõe o art. 256-Q, da recente Emenda
são impostos ao Poder Judiciário como O respeito aos precedentes envolve o n. 22 ao Regimento Interno do STJ31.
um todo. Por meio dessas orientações, ato de segui-los, distingui-los ou revogá- Dito isso, cabe fazer a seguinte inda-
pretende-se coibir a existência de en- -los, jamais ignorá-los. É bem conhecida gação: na prática, o Superior Tribunal de
tendimentos conflitantes entre tribunais a metáfora, elaborada por Dworkin, de Justiça conseguirá cumprir todos esses
localizados em diferentes regiões, bem que a construção judicial do Direito é deveres institucionais para, então, propor-
como entre as anteriores decisões de um um romance em cadeia: cada julgador cionar o bom funcionamento do sistema
mesmo tribunal. escreve um capítulo mas não pode dei- de precedentes vinculantes brasileiro?
Sobre o tema, Lucas Buril de xar de dialogar com o capítulo anterior30. Para responder a esta pergunta, é
Macêdo adverte que o Judiciário preci- (DIDIER JR., 2015, p. 391). preciso observar, desde logo, que o pa-
sa estar alinhado em sua atuação sob
duas perspectivas: geograficamente, [...] a função do juiz está subordinada ao sistema de
não se autorizando que a mesma si-
distribuição da justiça como um todo, o qual engloba a
tuação jurídica seja tratada de forma
injustificadamente diferente por órgãos Constituição Federal, as leis e os precedentes judiciais.
de locais díspares; e historicamente,
precisando respeitar sua atuação ante- Aqui também mostra-se de extre- norama atual do Superior Tribunal de
rior ou justificar a modificação da posi- ma relevância a função exercida pelo Justiça pode ser considerado um empeci-
ção que foi adotada com referência e Superior Tribunal de Justiça. Isso porque, lho ao cumprimento efetivo dos deveres
cuidado com o passado e suas conse- ao ter que fundamentarem suas decisões elencados acima. Isso porque, uma Corte
quências. (MACÊDO, 2015, p. 475) no que já foi decidido, as instâncias or- Superior que, anualmente, recebe milha- 69
Quanto ao primeiro ponto, é for- dinárias deverão fazê-lo com referência res de recursos para julgar e profere um
çoso reconhecer que se trata de dever aos precedentes (ou teses jurídicas) do número extremamente elevado de deci-
direcionado diretamente ao Superior Tribunal Superior, por conta de sua au- sões, certamente terá alguma dificuldade
Tribunal de Justiça. Afinal, sendo o STJ toridade hierárquica e também porque é em manter sua jurisprudência uniforme,
responsável pela aplicação uniforme da ele o responsável por manifestar os en- estável, íntegra, coerente e, ao fim, cog-
lei federal, terá ele a missão de manter a tendimentos que deverão ser seguidos noscível perante os demais órgãos que
jurisprudência nacional íntegra, evitando- pelos demais órgãos. deverão segui-la.
-se a ocorrência de decisões conflitantes Analisando a técnica da autorrefe- Apenas para se ter uma noção, de
entre os tribunais de diferentes regiões. rência aplicada na common law à luz acordo com seu último Relatório de
Nesse aspecto, chama a atenção o da autoridade das decisões proferidas Gestão, em 2015, o Superior Tribunal
dever do Tribunal Superior de controlar pelas Cortes Superiores, José Rogério de Justiça recebeu 327.841 processos
e uniformizar as decisões de todos os Cruz e Tucci faz o seguinte comentá- e publicou 94.581 acórdãos. Incluindo-
27 tribunais de justiça e dos 5 tribunais rio: Observe-se, por outro lado, que se os agravos regimentais e embargos
regionais federais espalhados no Brasil, o estilo de julgamento, no âmbito da de declaração, foram julgados, no total,
especialmente no que se refere aos en- common law, é caracterizado pela 461.490 processos (BRASIL, STJ, 2016, p.
tendimentos que serão definidos por “autorreferência” jurisprudencial. Na 37-38). Não precisa ser um especialista
eles no âmbito do novel Incidente de verdade, pela própria técnica do prece- para perceber que o número de proces-
Resolução de Demandas Repetitivas. dente Vinculante, impõe-se, na grande sos julgados anualmente pelos 33 minis-
Além disso, os deveres de integrida- maioria das vezes, a exigência de que tros do STJ não condiz e não colabora
de e coerência demandam que os órgãos a corte invoque, para acolher ou rejei- com a tarefa a ser desempenhada por
do Poder Judiciário não se afastem do tar, julgado ou julgados anteriores. Em uma Corte de Precedentes.
que eles mesmos vêm decidindo, isto é, outras palavras, a fundamentação de Trata-se, aqui, da mesma preocu-
não ignorem as decisões anteriores, so- uma decisão deverá, necessariamente, pação já externada por Michele Taruffo
bretudo, quando essas decisões tenham conter expressa alusão à jurisprudência (2011) ao comparar a atividade da
sido emanadas de um tribunal superior. de tribunal superior ou da própria cor- Corte de Cassação italiana com os tri-
É dizer, exige-se um dever de autorrefe- te. (TUCCI, 2004, p. 171) bunais superiores de países da com-
rência. Abordando essa questão, Fredie Em decorrência lógica do dever de mon law, como Inglaterra e Estados
Didier Jr. assevera que o direito dos pre- autorreferência, sequer precisaria ser dito Unidos: o número incontrolado das
cedentes forma-se paulatinamente, em que as decisões da Corte Superior deve- decisões favorece uma adicional de-

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generação, ou seja, a verificação amiúde de incoerência e, da Constituição Federal, inexiste obstáculo para limitá-lo por
frequentemente, de evidentes contradições e de repentinas conta de outras regras, desde que referendadas por emenda
mudanças de orientação, no âmbito da mesma jurispru- constitucional. Portanto, não há como pensar que filtros recur-
dência da Cassação. Trata-se, infelizmente, de fenômenos sais, tais como a repercussão geral, destinados a dar às Cortes
assaz conhecidos e frequentes, sobre os quais não pode- Supremas efetiva possibilidade de exercerem as suas funções,
mos aprofundar o raciocínio. Pelo que aqui interessa, esses espelhem violação ao direito fundamental de acesso à justiça33.
fenômenos nos levam a fazer do uso da jurisprudência uma Indo além, utilizando o exemplo de tribunais de outros paí-
atividade frequentemente complicada, difícil e arriscada. ses para destacar a importância de um filtro recursal não apenas
De um lado, é verdade, não se sabe quase nunca se de fato nas cortes constitucionais, o citado autor adverte que os exem-
se chega a conhecer toda a jurisprudência (o que é amiúde plos da Suprema Corte estadunidense, do Bundesgerichtshof
impossível) ou ao menos toda a jurisprudência relevante e do Tribunal Superior espanhol são mostras de que os filtros
sobre uma determinada questão. De outro lado, frequen- recursais não podem ser vistos como técnicas exclusivas das
temente se descobre que a jurisprudência é incoerente e Cortes Constitucionais, mas, na verdade, constituem instru-
contraditória: se tratará, então, de estabelecer se há ou não mentos relevantes para que uma Corte de vértice possa dar
há jurisprudência conforme, se há uma jurisprudência pre- unidade ao direito em uma perspectiva prospectiva – ou es-
valente, se a jurisprudência é incerta, ou se até mesmo é tabelecer o sentido do direito que deve orientar a solução de
uma situação de caos jurisprudencial. Estes problemas não casos futuros. (MARINONI, 2014, p. 150)
existem, ou surgem apenas em pouquíssimos casos limites, Portanto, sem querer me aprofundar no tema, a introdu-
nos ordenamentos que são de fato fundados sobre o uso ção de um filtro recursal poderia auxiliar o Superior Tribunal de
do precedente. A explicar esta diferença basta um dado: Justiça na sua função nomofilática, a qual se mostra ainda mais
atualmente a House of Lords pronuncia em média menos relevante no novo sistema de precedentes vinculantes. É dizer, a
de 100 sentenças ao ano, enquanto a Corte Suprema dos seleção mais restritiva dos recursos julgados pela Corte Superior
Estados Unidos, que é também juiz de constitucionalidade, facilitará seu dever de manter a jurisprudência uniforme, está-
pronuncia menos de 200. A nossa Corte de Cassação pro- vel, coerente e íntegra.
nuncia em média cerca de 50.000 sentenças ao ano.
Evidentemente, repita-se, a enorme quantidade de decisões 5.3 A FORÇA DA VINCULAÇÃO HIERÁRQUICA E A NÃO
proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça contraria a sua real TAXATIVIDADE DO ROL DE PRECEDENTES OBRIGATÓRIOS
70 função no ordenamento jurídico brasileiro, pois é inconcebível Como dito no Capítulo 4, as características dos preceden-
que uma Corte de Uniformização profira quase 95 mil decisões tes vinculantes elencados no art. 927, do NCPC, sobretudo as
colegiadas em um único ano. súmulas e os acórdãos proferidos na sistemática dos recursos
Como se disse, uma jurisprudência composta por tantas repetitivos, levam-nos a crer que não estamos diante de um au-
decisões é difícil de ser controlada e externada de maneira têntico sistema de precedentes judiciais. Com efeito, seria mais
uniforme e coerente, o que não é salutar para um sistema de adequado falar em decisões definidoras de teses jurídicas.
precedentes vinculantes, sobretudo quando esta jurisprudência No entanto, convém esclarecer que essa diferença concei­
pertence ao Tribunal responsável pela unidade de aplicação da tual não retira a força vinculante atribuída a tais decisões. E mais:
lei federal em todo o território nacional. é possível afirmar, inclusive, que o rol do art. 927 é meramente
Uma possível e discutida solução para este problema po- exemplificativo, sendo certo que outras decisões do Superior
deria ser a instalação de um filtro recursal, de modo que seja Tribunal de Justiça, apesar de não estarem expressamente pre-
realizada uma seleção mais restrita dos casos a serem anali- vistas no referido dispositivo legal, devem ser obrigatoriamente
sados pelo Superior Tribunal de Justiça. Aliás, a introdução da seguidas pelos demais tribunais quando estiverem analisando a
“repercussão geral” como requisito de admissibilidade do recur- legislação infraconstitucional.
so especial, nos moldes do que foi feito no Supremo Tribunal E isso se justifica por uma série de motivos, relacionados
Federal, é objeto da Proposta de Emenda Constitucional n. à contemporânea função constitucional conferida ao Superior
209/2012 32 e vem sendo atualmente bastante debatida. Tribunal de Justiça por meio do recurso especial, bem como à
A discussão é mais complexa do que parece, pois há quem finalidade e estrutura do sistema de precedentes vinculantes. É
defenda que a introdução deste filtro no âmbito do recurso es- o que se passa a argumentar.
pecial significaria uma violação ao princípio do acesso à Justiça. De início, cumpre mais uma vez ressaltar que, de acordo com
Em lado oposto, outros não vislumbram tal violação, como por a Constituição Federal de 1988, o Superior Tribunal de Justiça
exemplo Luiz Guilherme Marinoni (2014, p. 147): Os filtros tra- possui a função de uniformizar a aplicação da lei federal em todo
dicionais, assim como as técnicas semelhantes à repercussão o Brasil. Tal responsabilidade, como já se disse, exsurge das hipó-
geral, legitimamente eliminam a possibilidade de se discutir teses de cabimento do recurso especial, o qual, segundo Barbosa
determinadas decisões de tribunais ordinários. Não há um di- Moreira (2013, p. 593), é caracterizado como instrumento essen-
reito subjetivo à revisão das decisões proferidas em segundo cialmente destinado a proteger a integridade e a uniformidade
grau de jurisdição. Tanto é verdade que ninguém tem direito a de interpretação do direito federal infraconstitucional.
interpor recurso especial para rever matéria de prova ou para Com efeito, em que pese tenha a intenção de solucionar,
solicitar a revisão da “justiça da decisão”. Ou seja, se o recurso em princípio, cada caso concreto, o julgamento do recurso es-
especial já é restrito às três hipóteses do inc. III do art. 105 pecial é claramente envolvido por relevante interesse público:

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a definição de uma regra jurídica rela- em outros processos versando sobre se, subverter o sistema judicial concebido
cionada à interpretação da lei federal, a idêntica questão de direito. Do contrário, pela Carta Magna e, também, a finalidade
qual deverá ser uniformemente aplica- estar-se-ia chancelando uma prática ex- do sistema de precedentes vinculantes.
da pelas instâncias ordinárias34. tremamente perigosa e perniciosa, con- Isso porque, todo e qualquer orde-
Inclusive, o próprio Superior Tribunal ferindo à parte o poder de determinar namento jurídico encontra-se disposto
de Justiça já reconheceu o interesse pú- ou influenciar, arbitrariamente, a ativi- de maneira hierarquizada. No caso do
blico envolvido no recurso especial. Ao dade jurisdicional que cumpre o dever Brasil, o Superior Tribunal de Justiça
analisar a possibilidade de desistência constitucional do STJ, podendo ser ca- encontra-se no topo dessa hierarquia
de recurso especial em julgamento, a racterizado como verdadeiro atentado à no que se refere à legislação infracons-
Ministra Nancy Andrighi assim asseve- dignidade da Justiça. Com efeito, autori- titucional, sendo ele constitucionalmente
rou: Em outras palavras, a exegese do zar o recorrente a livremente desistir dos responsável pela uniformização da in-
art. 501 do CPC deve ser feita à luz da seus recursos especiais, viabiliza a ma- terpretação da lei federal. Não conferir
realidade surgida após a criação do nipulação da jurisprudência desta Corte, obrigatoriedade as suas decisões, inclu-
STJ, levando-se em consideração o seu conduzindo os rumos da sua atividade sive dos órgãos fracionários, tornaria o
papel, que transcende o de ser simples- de uniformização, pois a parte poderá sistema judicial, como um tudo, comple-
mente a última palavra em âmbito in- atuar no sentido de que sejam julgados tamente ineficaz.
fraconstitucional, sobressaindo o dever apenas aqueles processos em que, pela Em uma palavra: pelo fato de que
de fixar teses de direito que servirão de prévia análise do posicionamento de o Superior Tribunal de Justiça é uma
referência para as instâncias ordinárias cada Relator, Turma ou Seção, o resulta- Corte de vértice que exerce uma função
de todo o país. A partir daí, infere-se que do lhe será favorável. (REsp. 1.308.830/ nomofilática atribuída diretamente pela
o julgamento dos recursos submetidos RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Constituição, as decisões proferidas por
ao STJ ultrapassa o interesse individual TERCEIRA TURMA, julgado em 8/5/2012, quaisquer de seus órgãos internos pos-
das partes nele envolvidas, alcançando DJe 19/6/2012) suem autoridade hierárquica35 capaz de
toda a coletividade para a qual suas O que se quer dizer, em suma, é que vincular os tribunais e juízes que estão
decisões irradiam efeitos. [...] Aliás, no o Superior Tribunal de Justiça não pode submetidos a sua jurisdição.
julgamento de questão de ordem no ser visto como um órgão de terceira ins- Sustentando a necessidade de que
REsp 1.063.343/RS, minha relatoria, DJe tância ordinária. Pelo contrário: a os tribunais hierarquicamente inferiores
de 4/6/2009, a Corte Especial entendeu Constituição Federal colocou o STJ no sigam, obrigatoriamente, o entendimen- 71
por inadmissível pedido de desistência vértice do sistema judicial infraconstitu- to do Superior Tribunal de Justiça, Luiz
formulado em sede de recurso especial cional e lhe atribuiu a função de unifor- Guilherme Marinoni assim afirma: É
no qual tenha havido determinação de mizar a aplicação do direito federal em pouco mais do que absurdo atribuir a
processamento na forma do art. 543-C âmbito nacional, tratando-se, então, de uma Corte Suprema o poder de definir
do CPC. Naquela ocasião, após análise instância extraordinária. a interpretação que deve vigorar e, ao
da natureza dos processos repetitivos
– concluindo tratar-se de uma sistemá- A busca pela segurança jurídica e pela isonomia entre os
tica de coletivização “cuja orientação jurisdicionados não é um fenômeno recente e vem sendo
repercutirá tanto no plano individual,
resolvendo a controvérsia inter partes, paulatinamente implementada no direito brasileiro, por meio
quanto na esfera coletiva, norteando o de seguidos mecanismos processuais.
julgamento dos múltiplos recursos que
discutam idêntica questão de direito” Portanto, pode-se afirmar que a obri- mesmo tempo, permitir que os tribunais
– consignei que “a todo recorrente é gatoriedade das decisões do Superior ordinários não levem essa interpretação
dado o direito de dispor de seu interesse Tribunal de Justiça decorre diretamente da “a sério”. Isso seria uma inconcebível
recursal, jamais do interesse coletivo”. Constituição, tanto no que se refere a sua contradição lógica – interna ao siste-
Agora, numa reflexão mais detida so- posição hierárquica quanto na missão que ma judicial –, pois daria aos tribunais
bre o tema, vejo que essa premissa na lhe foi conferida. Dessa maneira, não se ordinários o poder de discordar das
realidade é válida de forma indistinta pode vislumbrar qualquer inconstituciona- decisões que constituem a razão de
para o julgamento de todos os recursos lidade na atribuição de efeito vinculante às ser do Tribunal Supremo. Um sistema
especiais, cujo resultado sempre abriga- decisões da Corte de vértice, cuja função que outorga à Corte Suprema o poder
rá intrinsecamente um interesse coletivo, constitucional é, justamente, a uniformiza- de definir a interpretação da lei e, ao
ainda que aqueles sujeitos ao procedi- ção da aplicação da lei. mesmo tempo, admite que os tribunais
mento do art. 543-C do CPC possam tê- E não se fala, aqui apenas das deci- ordinários decidam de acordo com as
-lo em maior proporção. Sendo assim, o sões expressamente previstas no art. 927 “suas vontades”, não se reveste de sen-
pedido de desistência não deve servir de do novo CPC. De fato, permitir que as tido. Essa lógica não só subverte o “bom
empecilho a que o STJ prossiga na apre- instâncias ordinárias desconsiderem as senso”, mas também ignora e viola a
ciação do mérito recursal, consolidando demais decisões da Corte Superior sobre Constituição Federal. Retenha-se o pon-
orientação que possa vir a ser aplicada a legislação federal seria, em última análi- to: dar ao Superior Tribunal de Justiça

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a incumbência de definir o sentido da lei federal e dissipar a positivo, nada justifica que o juiz ou tribunal intermediário ig-
divergência interpretativa entre os tribunais é o mesmo do que nore o precedente de algum desses tribunais, especialmente
conferir às suas decisões força obrigatória perante os tribunais do pleno do STF e da Corte Especial do STJ. Com efeito, os
ordinários. (MARINONI, 2014, p. 120) deveres de integridade, coerência e de estabilidade impõem
No mesmo sentido, advogando pela constitucionalidade do que os órgãos judicantes que se encontrem em posição in-
efeito vinculante atribuído às decisões do STJ, Tereza Arruda ferior no circuito processual recursal respeitem os preceden-
Alvim e Bruno Dantas advertem que não se deve perder se tes daqueles que estão acima. [...] Mais ainda, em respeito
vista que o dever de se respeitar a posição do STJ ou do STF à segurança jurídica e à igualdade, é imprescindível que se
é, indiretamente, o dever de respeitar a lei e a Constituição estabeleça também o respeito aos órgãos fracionários do STJ
Federal, na interpretação dada pelos órgãos cuja função e do STF, também não mencionados no dispositivo, quando
constitucional e cuja razão de ser é dar a palavra final sobre inexista algum precedente dos órgãos maiores. Em respeito
o sentido da lei e da Constituição Federal. O que pode haver ao tanto estabelecido no art. 926, portanto, os precedentes
de inconstitucional nisso? (WAMBIER; DANTAS, 2016, p. 284) dos órgãos do STF e do STJ mão mencionados devem ser
Por sua vez, destacando a finalidade e a estrutura do siste- compreendidos como seguintes na lista de precedentes a
ma de precedentes, bem como entendendo que o rol do art. serem seguidos. [...] Em matéria infraconstitucional, é preci-
927 do novo CPC não pode ser considerado taxativo, Eduardo so respeitar os precedentes da Corte Especial do STJ e, não
Cambi assinala que os órgãos fracionários do Supremo Tribunal havendo nenhum, deve-se perquirir acerca do tratamento da
Federal e do Superior Tribunal de Justiça também poderão, evi- matéria na Secção competente ou por alguma das suas tur-
dentemente, originar precedentes, os quais igualmente preci- mas. Desse modo, realiza-se plenamente o dever de tutelar a
sarão ser respeitados pelos tribunais e juízes hierarquicamente segurança jurídica e a igualdade, e se põe em sérios termos a
inferiores no plano recursal. Assim é que, conquanto não men- confiança legítima. Interpretando-se extensivamente o inciso
cionados no rol do artigo 925 do NCPC, não havendo prece- V do art. 927, portanto, pode-se chegar ao stare decisis brasi-
dente do Plenário do STF ou da Corte Especial do STJ, buscar- leiro. (MACÊDO, 2015, p. 481-482)
-se-á a existência de um oriundo de um órgão fracionário de Para corroborar tudo que se afirma, tomem-se, como exem-
cada um dos tribunais, conforme a matéria seja constitucional plo, as decisões proferidas em embargos de divergência. Como
ou infraconstitucional, respectivamente. O sistema de respeito se adiantou, trata-se, aqui, de instrumento destinado a unifor-
ao precedente judicial, também chamado simplesmente de mizar o entendimento interno do Superior Tribunal de Justiça
72 stare decisis, exige do julgador a realização de pesquisa de po- acerca de determinada matéria e, por conseguinte, externar
sicionamento judicial anterior, em que possa se encontrar um uma regra jurídica a ser uniformemente aplicada pelas instân-
precedente aplicável ao caso concreto que se pretende decidir. cias ordinárias.
(CAMBI; FOGAÇA, 2015, p. 348). Por óbvio, não se mostra razoável permitir que os tribunais
Lucas Buril de Macêdo ressalta que a não taxatividade e magistrados deixem de aplicar o entendimento firmado por
do rol do art. 927 do NCPC deve ser encarada como uma uma das seções do STJ no âmbito de embargos de divergência,
ferramenta para concretizar a segurança jurídica almejada apenas porque este tipo de decisão não está previsto no art.
com o sistema de precedentes vinculantes. Nesse sentido, 927 do NCPC. É dizer, a obrigatoriedade da decisão exarada no
defendendo a obrigatoriedade das decisões do STJ que não julgamento deste recurso é consequência lógica das finalidades
estão elencadas no referido dispositivo legal, o citado autor e regras jurídicas que guarnecem um eficaz sistema de prece-
afirma que não se pode enxergar as formas instituídas para dentes vinculantes.
concretizar a segurança jurídica nas decisões judiciais como Por fim, cumpre afastar a falsa impressão de que, ao se
exaurientes. Sem dúvidas, caso elas sejam suficientes, não é conferir efeito vinculante às decisões do STJ, estar-se-ia permi-
preciso recorrer a outras formas de cumprimento dos deveres tindo que este tribunal “crie” lei e afronte a competência do
estabelecidos. Por outro lado, caso se tenha alguma situação Poder Legislativo. Basta dizer, aqui, que os frequentes conceitos
em que os deveres de uniformização, estabilidade, integrida- indeterminados e cláusulas gerais contidos na lei demandam
de e coerência sejam vulnerados, ou parte ou mesmo apenas que as atuais cortes superiores não se limitem apenas à mera
um deles, é indispensável que se recorra ao art. 926 para a interpretação da lei.
solução. Em síntese: os deveres gerais de segurança jurídica, Há, de fato, uma verdadeira reconstrução do direito, em
não podem ser desatendidos, mesmo que alguma situação que o Superior Tribunal de Justiça complementa o trabalho do
não encontre guarida na sua regulação específica (art. 927). legislador, preenchendo as lacunas e conferindo sentido ao tex-
Caso ocorra vulneração à segurança jurídica, o princípio to legal. Cite-se, por exemplo, a redação do art. 966, § 5º, do
deve ser concretizado e protegido, exista ou não previsão es- NCPC que equipara enunciado de súmula e acórdão proferido
pecífica. Esclarecido esse ponto inicial, deve-se perceber que em julgamento de casos repetitivos à norma jurídica.
é muito provável, com o texto final dado ao CPC/2015, que Assim, não há que se falar em violação à separação de po-
o art. 927 revela-se insuficiente para a tutela adequada da deres, na medida em que a eficácia obrigatória do precedente,
segurança jurídica nos atos jurisdicionais. Nesse sentido, e circunscrita à sua ratio decidendi, é mera consequência da fun-
conquanto inexista previsão do dever de seguir os preceden- ção da Corte de atribuir sentido e unidade ao direito federal,
tes do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal vale dizer, de criar algo de novo na ordem jurídica vinculante.
Federal, caso não se tenha uma decisão nos moldes do dis- (MARINONI, 2014, p. 158-159)

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5.4 POSSÍVEIS MEDIDAS PARA O BOM evolução acompanhou a própria trans- Merece destaque, aqui, a recen-
FUNCIONAMENTO DO SISTEMA DE formação da teoria dos precedentes ju- te Resolução 235/16, do Superior
PRECEDENTES VINCULANTES NO BRASIL diciais, sendo possível perceber nas suas Tribunal de Justiça, responsável pela
Finalizando o presente estudo à páginas as marchas e contramarchas criação do Núcleo de Gerenciamento
luz do que se expôs acima, permito-me que marcaram o passo das diferentes de Precedentes (Nugep), o qual será
apontar duas possíveis medidas a serem funções historicamente desempenha- responsável pela organização e gerencia-
tomadas para que o sistema de prece- das pelos precedentes judiciais ingleses. mento do banco de dados referente às
dentes brasileiro possa, efetivamente, (MITIDIERO, 2016, p. 40) decisões do Tribunal Superior.
alcançar as finalidades almejadas. Uma Evidentemente, não se trata de uma
de natureza objetiva e, outra, de nature- necessidade exclusiva daquela tradição. 5.4.2 QUEBRA DO PARADIGMA DO
za subjetiva. Também aqui teremos que nos acostu- INDIVIDUALISMO: UMA NECESSÁRIA
mar a organizar e conferir publicidade às MUDANÇA CULTURAL
5.4.1 APERFEIÇOAMENTO E teses jurídicas enunciadas pelos tribunais Além da medida objetiva de aperfei-
DESENVOLVIMENTO DOS REPOSITÓRIOS DE superiores, para que o sistema de prece- çoar o repositório de jurisprudência, há
JURISPRUDÊNCIA dentes brasileiro seja bem instrumenta- uma importante mudança subjetiva a
Paralelamente aos deveres institu- lizado. Até porque, ao se atribuir efeito ser implementada em nosso país para o
cionais explicitados acima, surge para o vinculante às decisões dessas cortes, elas bom funcionamento do sistema de pre-
Superior Tribunal de Justiça o dever de passam a compor formalmente o próprio cedentes. Refiro-me, aqui, à nociva ideia
conferir publicidade as suas decisões. direito brasileiro, sendo de imprescindí- de que o juiz possui ampla liberdade de
Afinal, de nada adianta manter uma juris- vel importância a disponibilização de decidir conforme sua convicção, estando
prudência uniforme e estável se ela não meios para consultá-las. limitado apenas à lei.
for conhecida por aqueles que a devem Daí porque, Lucas Buril de Macêdo, O novo Código de Processo Civil,
seguir e, muito menos, pelos cidadãos ressaltando a importância dos repositó- vale dizer, buscou enfrentar o conflito en-
que recorrem ao Poder Judiciário. rios de jurisprudência, afirma que só é tre os princípios do livre convencimento
Em outros termos, é preciso que as possível a construção de um sistema de motivado, e da independência funcional
teses jurídicas e os entendimentos da precedentes obrigatórias a partir de ins- garantida aos magistrados de um lado, e
Corte Superior sejam cognoscíveis, faci- trumentos eficazes de publicidade das da isonomia e da segurança jurídica, em
litando a sua compreensão e vinculação decisões. A cognoscibilidade do Direito é polo oposto36. E, ao que parece, optou-se 73
às instâncias ordinárias. requisito essencial do princípio da segu- pela prevalência destes últimos, confe-
Atento a essa necessidade, o novo rança jurídica e para a concretização do rindo-se forte importância ao sistema de
Código de Processo Civil dispõe, em seu ideal do Estado de Direito, sendo indis- precedentes vinculantes.
art. 927, § 5º, que os tribunais darão pensável que seja possível aos cidadãos De início, impende destacar
publicidade a seus precedentes, organi- conhecer os textos de onde serão coligi- que a atual cultura jurídica dos juízes
zando-os por questão jurídica decidida das normas jurídicas. A partir do momen- brasileiros mostra-se claramente incom-
e divulgando-os, preferencialmente, na to em que se tem a decisão judicial como patível com um sistema de precedentes.
rede mundial de computadores. Trata- fonte do direito, é indispensável inseri-la Com efeito, ao contrário do que se vê na
se, aqui, de um dever dirigido a todos os neste contexto: do ato judicial será extraí- common law, grande parte dos magistra-
tribunais, mas que ganha especial relevo da uma norma jurídica que terá aplicação dos brasileiros arvora-se nos princípios
nos tribunais superiores, os quais ditarão a todos os jurisdicionados, sendo direi- do livre convencimento e da indepen-
as regras jurídicas a serem seguidas. to fundamental destes, portanto, tomar dência funcional para decidirem de acor-
Como não poderia deixar de ser, nos conhecimento dos precedentes que ve- do com suas ideologias e sem atentarem
países de tradição jurídica da common nham a reger matérias de seu interesse. para o que já restou decidido sobre a
law, os deveres de publicidade e cognos- (MACÊDO, 2015, p. 489) matéria em análise.
cibilidade sempre se mostraram atrela- Nesse aspecto, coloca-se em nosso Abordando essa preocupante
dos ao sistema de precedentes. É dizer, favor a rápida evolução dos meios ele- questão e ilustrando com exemplos da
o desenvolvimento dos chamados “re- trônicos, que obviamente não estavam magistratura norte-americana, Guilherme
positórios de jurisprudência” representa, disponíveis na tradicional doutrina do Amaral dispõe expressamente que é no-
ao fim, a evolução do próprio sistema stare decisis. Em suma, propõe-se que tória a diferença cultural – e, portanto,
de respeito às decisões judiciais. Sobre o Superior Tribunal de Justiça, em nome comportamental – entre juízes brasilei-
o tema, Daniel Mitidiero assim observa: dos demais tribunais, mantenha sua juris- ros e juízes do common law. Um rela-
A história dos repositórios de casos judi- prudência sempre atualizada, organizada to do então juiz da Suprema Corte dos
ciais transpassa todo o desenvolvimen- e amplamente publicizada. Deve-se, por Estados Unidos, Lewis Powell Jr., é ilus-
to da teoria dos precedentes. Desde os exemplo, organizar todos os temas ob- trativo: ao acompanhar os demais juízes
primeiros Year Books, passando pelo pe- jeto de julgamento pela sistemática dos na manutenção de um precedente, afir-
ríodo dos repositórios pessoais (named recursos repetitivos, tanto aqueles que mou que se não houvesse decisão sobre
reports – authorized reports) até o dos já foram decididos quanto aqueles que o tema, estaria inclinado a concordar
repositórios atuais (law reports), a sua ainda serão julgados. com aqueles que votavam pelo novo en-

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tendimento, dada a persuasão dos argumentos apresentados. com as questões discutidas no processo. Portanto, quando os
Estes, no entanto, haviam chegado tarde demais, dado que o magistrados seguem precedentes adequadamente construí-
precedente já existente era maduro e recente, não se sentindo dos de Tribunais Superiores, conferindo unidade à interpreta-
o juiz livre para desconsiderá-lo. (AMARAL, p. 11-12) ção do direito, está-se subordinando a atividade jurisdicional
Ainda sobre o tema do livre convencimento irrestrito ao sistema constitucional de distribuição da justiça. (CAMBI;
dos juízes em contraposição à uniformização de jurisprudên- HELLMAN, 2014, p. 353-354)
cia, confira-se as lições de Teresa Arruda Alvim (2012, p. 40): As distorções oriundas desse individualismo atentam fron-
Interessante [...] haver juízes no Brasil que se sentem diminuí- talmente contra os princípios da isonomia e da segurança jurí-
dos, pelo fato de terem de curvar-se a jurisprudência dominan- dica, o que não pode ser tolerado. E, justamente por isso, é que
te de um tribunal superior ou a uma súmula vinculante. Há o título deste subcapítulo reporta-se a uma necessária mudança
quem reconheça, felizmente, que a dispersão da jurisprudên- cultural. Como bem pontua Hermes Zaneti Jr., temos que nos
cia e a falta de estabilidade comprometem fundamentalmente afastar do ranço existente na tradição do “direito jurispruden-
a credibilidade do Poder Judiciário como um todo. A uniformi- cial”, que, ao deixar o juiz livre para decidir como ele quiser, de
zação da jurisprudência é muito provavelmente uma prática acordo com suas concepções subjetivas de justiça, nega vincu-
que aumenta o poder da instituição cuja função é decidir [...] latividade do juiz e do próprio tribunal aos seus precedentes
harmonia ou coerência interna reforça a credibilidade externa. (ZANETI JR., 2015, p. 416-417).
Penso que isso ocorre no Brasil: excesso de dispersão jurispru-
dencial desacredita o Judiciário e decepciona o jurisdicionado. 6 CONCLUSÃO
É um mal para a sociedade. De tudo que se expôs, é possível extrair que o ordenamento
A manutenção desse pensamento certamente irá impedir jurídico brasileiro, há muito, reclama por um sistema jurídico
a plena eficácia da sistemática de respeito aos precedentes que que imponha a obrigatoriedade das decisões judiciais. A busca
se pretende instalar no Brasil. Por óbvio, não há a pretensão, pela segurança jurídica e pela isonomia entre os jurisdicionados
aqui, de ignorar por completo a independência funcional dos não é um fenômeno recente e vem sendo paulatinamente im-
juízes, mas apenas analisá-la sob outra perspectiva: a unidade plementada no direito brasileiro, por meio de seguidos meca-
do Poder Judiciário e a necessidade de conferir segurança jurídi- nismos processuais.
ca ao ordenamento e isonomia aos jurisdicionados. O novo Código de Processo Civil é, em bom tempo, um
Com efeito, a tutela jurisdicional prestada pelo Estado deve importante passo nesse sentido, sendo certo que a aproxima-
74 ser vista como uma obra coletiva, sendo os juízes peças desse ção com a tradição da common law é um fator que facilita a
grande organismo. É inconcebível que os magistrados analisem instalação de um sistema de precedentes vinculantes em nosso
os casos concretos de maneira individual e singular, sem consi- ordenamento jurídico. Contudo, há que se ressalvar que essa
derar todo o contexto jurídico composto pelas decisões anterio- sistemática deve ser adaptada e desenvolvida de acordo com
res e, sobretudo, pelas teses uniformizadoras enunciadas pelos a cultura jurídica brasileira, sendo inadequada uma importação
tribunais superiores. pura e simples do tradicional precedente judicial cunhado no
Em síntese, a função do juiz está subordinada ao sistema direito anglo-saxônico.
de distribuição da justiça como um todo, o qual engloba a E nesse contexto de necessária adequação sobressai a im-
Constituição Federal, as leis e os precedentes judiciais. E, no portância do Superior Tribunal de Justiça. Como Corte de vér-
nosso caso, incluem-se as decisões definidoras de teses jurí- tice responsável pela interpretação e unidade na aplicação da
dicas, emanadas pelas cortes superiores no exercício de sua legislação infraconstitucional, o STJ irá conceber as decisões de-
função constitucional de uniformização da aplicação do direito. finidoras de teses jurídicas que deverão ser, obrigatoriamente,
Demonstrando que o precedente judicial de observância seguidas pelas instâncias ordinárias.
obrigatória pelo juiz não viola sua independência funcional, Com efeito, não só as decisões elencadas no art. 927 do
Eduardo Cambi adverte: O juiz é independente para que não novo Código de Processo Civil, como também aquelas profe-
seja sujeitado a interferências ilícitas do poder político, do ridas pelos órgãos fracionários do Superior Tribunal de Justiça,
poder econômico, do poder da mídia e de todos e quaisquer deverão ser observadas pelos órgãos hierarquicamente inferio-
corruptores. Entretanto, enquanto membro de um Poder da res. Somente assim será possível conferir efetividade à sistemá-
República, o juiz está sujeito à Constituição, às leis e também tica que se pretende impor no ordenamento brasileiro.
aos precedentes judiciais. Tal sujeição não significa subordina- É dizer, ainda que não sejam consideradas verdadeiros pre-
ção indevida, já que o magistrado de primeiro grau deve ob- cedentes que encontram relação direta e inafastável com os fatos
servar as decisões dos Tribunais Superiores, cuja função é con- de cada caso concreto, as teses jurídicas encontradas em nosso
ferir unidade à interpretação do direito. Caso contrário, estaria direito podem muito bem funcionar em um sistema de vincula-
se estimulando a jurisimprudência. O juiz não tem o poder de ção, desde que sua obrigatoriedade seja efetivamente respeitada.
julgar como quiser sob o argumento de ser independente. As Mas para que isso seja possível, o Superior Tribunal de
decisões judiciais devem ser corretamente construídas, com a Justiça deverá ter plena consciência de sua responsabilidade,
observância das garantias constitucionais, cabendo aos ma- mantendo sua jurisprudência sempre uniforme e estável, bem
gistrados responder aos argumentos e provas trazidos pelas como promovendo a integridade e coerência dos tribunais bra-
partes de forma completa, sem subterfúgios, lugares-comuns, sileiros. E mais: o entendimento dos tribunais superiores deverá
com a utilização de expressões sem sentido ou desconectadas ser dotado de amplo e fácil acesso, atribuindo-se publicidade

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8 Judicial decisions are the principal and most similares. (FRANCO, 2015, p. 530). Confira-se
e cognoscibilidade às decisões que deve- authoritative evidence, can be given, of the também: Macêdo (2015, p. 476-480).
rão ser seguidas. existence of such a custom as shall form a 15 Por conta dessas características, a doutrina vem
Por fim, para o efetivo funciona- part of the common law. (BLACKSTONE, discutindo bastante se as decisões tomadas na
1979, p. 69 apud MITIDIERO, 2016, p. 33) sistemática dos recursos repetitivos podem ser
mento desse sistema, é preciso que os 9 […] a doutrina aponta pacificamente ape- consideradas como precedentes. Humberto
magistrados brasileiros percebam a im- nas o caso London Tramways Co. v. London Theodoro Jr. posiciona-se a favor da vincula-
prescindibilidade do efeito vinculante County Council (1898) como sendo aquele ção dessas decisões, afirmando o seguinte: A
em que inequivocamente a House decidiu meu ver, porém, não é o filtro da “repercussão
atribuído aos precedentes judiciais das geral” que confere a força de precedente ao
pela vinculação aos seus próprios prece-
cortes superiores, de modo que a segu- dentes. É apenas a partir desse momento, decidido pelo STF nos recursos extraordinários
rança jurídica e a isonomia possam estar portanto, que os precedentes adquirem força repetitivos; é, isto sim, a função institucional,
vinculante no direito inglês – isto é, passam que a Constituição confere àquela Corte, de
sobrepostas à nociva ideia de livre con-
a valer independentemente da adesão do guardião da Constituição, da qual decorre a
vicção e independência funcional. julgador à bondade das razões formuladas competência para julgar, mediante recurso
para a solução do caso anterior. (MITIDIERO, extraordinário, as causas que em decisão de
2016, p. 37, 42-43) última ou única instância tenham contrariado
10 A referida doutrina dos precedentes não pode dispositivo da Carta Magna (CF, art. 102, III).
NOTAS ser confundida com a estrita doutrina do stare Essa missão fundamental vai além da mera
1 O civil law e o common law surgiram em cir- decisis, que surgiu no século XIX, quando a correção do decisório recorrido, e se destina
cunstâncias políticas e culturais completamen- apreciação de um determinado caso passou – no enfrentamento das questões de direito
te distintas, o que naturalmente levou à forma- a ser tratada como obrigatória em um tribunal (não de fato) que lhe são submetidas –, a tu-
ção de tradições jurídicas diferentes, definidas no julgamento de um caso semelhante mais telar a Constituição, interpretando-a e dando
por institutos e conceitos próprios a cada um tarde. A doutrina do stare decisis origina-se da sentido às suas normas, em palavra final. Pela
dos sistemas. (MARINONI, 2013, p. 21) doutrina dos precedentes, contudo, ela almeja- matéria que decide e pelo interesse geral que
2 No direito inglês não houve necessidade de va fazer com maior clareza a distinção entre a todos têm no conhecer, observar e fazer cum-
elaborar o dogma da aplicação estrita da lei holding e a dictum. [...] Numa palavra, o stare prir a Constituição, é que os pronunciamentos
ou de imaginar que o juiz apenas poderia decisis pode ser conceituado como a designa- do STF, na solução dos recursos extraordiná-
atuar mediante a mera descrição dos termos ção dada para descrever o desenvolvimento rios repetitivos, não podem deixar de prevale-
da lei. (MARINONI, 2013, p. 34) que a doutrina dos precedentes do common cer para todos os demais processos pendentes
3 That the pretended power of suspending the law obteve no século XIX, tanto nas cortes em que a mesma questão constitucional esteja
laws or the execution of laws by regal authority da Inglaterra quanto nos Estados Unidos. em discussão. O caráter repetitivo, in casu, é
without consent of Parliament is illegal; That (STRECK; ABBOUD, 2014, p. 44-45) apenas um dado a mais a evidenciar que na
the pretended power of dispensing with laws 11 Como se percebe claramente, a menor densi- questão de direito disseminada por numero-
or the execution of laws by regal authority, as dade jurídica de tais normas impede que delas sas causas estão, particularmente, acentuados
it hath been assumed and exercised of late, is se extraia, no seu relato abstrato, a solução o interesse geral e os reclames de segurança
illegal. (ENGLISH BILL OF RIGHTS, 1869) completa das questões sobre as quais incidem. jurídica. (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 370) 75
4 Montesquieu (1973 apud MARINONI, 2013) Também aqui, portanto, impõe-se a atuação 16 O termo “precedentes judiciais” não se reve-
afirma ainda que os juízes seriam seres inani- do intérprete na definição concreta de seu sen- la como o mais adequado para a realidade
mados que não poderiam moderar nem a sua tido e alcance. (BARROSO, 2007, p. 10) brasileira, notoriamente diversa daquela há
força nem seu rigor, daí porque exerciam um 12 Para Eduardo Cambi, a jurisprudência compre- muito arraigada nos ordenamentos filiados
poder na verdade invisível, inexistente e nulo. ende um conjunto de decisões concordantes, à common law. Ciente da conveniência – ou
5 O medo do arbítrio judicial, derivado da ex- proferidas pelos órgãos judiciários de modo mesmo da real necessidade – de promover a
periência do Ancien Régime, não só apenas reiterado e uniforme, o que lhes dá força harmonização dos entendimentos emanados
exigia a separação entre o poder de criar o persuasiva no sistema jurídico. Assim, resulta do Poder Judiciário, o legislador pátrio veio
direito e o poder de julgar, como também do conjunto de decisões judiciais harmônicas a ampliar, por intermédio do novo CPC, as
orientava a arquitetura legislativa desejada. em relação a uma mesma questão jurídica. hipóteses em que algumas decisões judiciais
(MARINONI, 2013, p. 52-53) (CAMBI; FOGAÇA, 2015, p. 337). Também: revestir-se-ão da qualidade de verdadeiras de-
6 Chamando a atenção para a existência de có- Macêdo (2015, p. 469) cisões definidoras de teses jurídicas, as quais
digos norte-americanos, Merryman destaca 13 Nesse sentido, Humberto Dalla (2016) tam- passarão a condicionar a atuação futura de
que mesmo que isso pareça com códigos bém compara a formação do precedente na todos os juízes e tribunais. (DALLA, 2016)
em países que aplicam o civil law, a ideologia common law com o direito italiano, o qual 17 Com o devido respeito às críticas apontadas
subjacente – a concepção do que um código é seguido no Brasil: o modelo brasileiro de anteriormente, entendo que a utilização dos
é e das suas funções que deve desempenhar construção de “precedentes”, tal como o em- verbetes sumulares não contraria frontalmen-
no processo – não é a mesma. Existe uma pregado na Itália, distancia-se consideravel- te o sistema de precedentes a ser implantado
ideologia de codificação completamente di- mente da lógica desenvolvida pelos ordena- no ordenamento jurídico brasileiro. Isso por-
ferente funcionando no mundo do civil law mentos tradicionalmente filiados à common que essa nova sistemática deve ser encarada
(MERRYMAN apud STRECK; ABBOUD, 2014, p. law. Com efeito, ao contrário do imprescindí- de acordo com a nossa cultura, ancorada no
27-28). Até porque, observa Marinoni (2013, p. vel cotejo entre o caso no qual restou forma- julgamento de teses jurídicas e não causas.
54), que na common law nunca se pensou em do o precedente e o caso concreto que tem Ademais, o art. 926, § 2º, do NCPC já prevê
negar ao juiz o poder de interpretar a lei. que ser julgado, atentando-se às circunstân- uma adequação do modo de formação das
7 Nesse mesmo sentido, Mitidiero (2016) cita cias específicas de ambos, o “precedente” súmulas, razão pela qual entendo que não se
ainda a passagem de Lord Mansfield afirman- emanado da Corte de Cassação italiana re- trata, aqui, de um obstáculo intransponível ao
do que precedents serve to illustrate principles, veste-se da característica de uma máxima ou sistema de precedentes.
and to give them a fixed certainty. Nessa mes- ementa de poucas linhas que enuncia uma 18 É claro que o denominado auto-precedente,
ma linha, Lênio Streck assinala que o common regra em termos gerais e abstratos. via de regra, também se impõe, interna cor-
law, mesmo antes do surgimento da doutrina 14 Na mesma esteira: A rigor, na tradição da porais, como medida de coerência, além, é
dos precedentes ou do stare decisis, sem- common law, a aplicação de um precedente claro, da segurança jurídica que deve ser pre-
pre embasou-se na casuística, vale dizer, na judicial está diretamente relacionada às cir- servada pelos tribunais. (TUCCI, 2015, p. 456)
análise de prévias decisões judiciais para se cunstâncias particulares do caso concreto. Por 19 Nesse sentido, Lucas Buril de Macêdo afirma
alcançar o deslinde da demanda. Essas deci- via de consequência, a conclusão sintética e que não é aceitável que o juiz decida descon-
sões prévias não constituíam verdadeiramente fechada de um entendimento jurisprudencial, siderando as normas dos precedentes e, se
precedentes, mas exemplos de modo como o encerrada em um enunciado de súmula, decidir contrariamente a elas, deve, ao me-
direito havia sido aplicado naqueles casos par- não é suficiente para permitir a aplicação da nos, justificar adequadamente porque o fez.
ticulares. (STRECK; ABBOUD, 2014, p. 42) orientação nele contida em todas as causas (MACÊDO, 2015, p. 467)

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20 O afastamento ou a superação do precedente omnes e de efeito vinculante anteriormente comunidade onde está imerso.
somente será possível mediante um ônus ar- proferidos em sede de fiscalização normativa 31 Art. 256-Q. No julgamento de mérito do tema
gumentativo maior por parte do julgador, pois abstrata. Idoneidade processual da reclama- repetitivo, o relator ou o Ministro relator para
aplicável o “princípio de presunção a favor do ção “como instrumento de (re) interpretação acórdão delimitará objetivamente a tese fir-
precedente”. (ZANETI JR., 2016, p. 299) da decisão proferida em controle de constitu- mada pelo órgão julgador.
21 Art. 988. Caberá reclamação da parte interes- cionalidade abstrato” (Rcl 4.374/PE, Rel. Min. 32 A referida Emenda Constitucional propõe a
sada ou do Ministério Público para: I– preser- GILMAR MENDES, Pleno). [...] (Precedentes. seguinte redação ao art. 105, § 1º: No recur-
var a competência do tribunal; II– garantir a Reclamação julgada procedente. Rcl 18.636/ so especial, o recorrente deverá demonstrar
autoridade das decisões do tribunal; III– ga- PB, Ministro CELSO DE MELLO, decisão pu- a relevância das questões de direito federal
rantir a observância de enunciado de súmula blicada no DJe de 16/11/2015. Informativo n. infraconstitucional discutidas no caso, nos
vinculante e de decisão do Supremo Tribunal 813 do STF) termos da lei, a fim de que o Tribunal exami-
Federal em controle concentrado de consti- 25 Três valores principais justificam a adoção de ne a admissão do recurso, somente podendo
tucionalidade; IV– garantir a observância de um sistema de precedentes normativos ou recusá-lo pela manifestação de dois terços
acórdão proferido em julgamento de inciden- vinculantes: a segurança jurídica, a isonomia dos membros do órgão competente para o
te de resolução de demandas repetitivas ou de e a eficiência. A obrigatoriedade de observar julgamento.
incidente de assunção de competência. as orientações já firmadas pelas cortes au- 33 Também defendendo a introdução de filtro
22 Ainda segundo Zaneti Jr., vinculação formal menta a previsibilidade do direito, torna mais recursal no recurso especial, Tereza Arruda
significa que um julgamento que não respeita determinadas as normas jurídicas e antecipa Alvim Wambier e Bruno Dantas afirmam que
um precedente vinculante com relevância ins- a solução que os tribunais darão a determi- a criação do STJ, em 1988, não foi acom-
titucional, ou seja, com relevância constituída nados conflitos. O respeito aos precedentes panhada de instrumentos eficazes de con-
e regulada por normas jurídicas, não pode constitui um critério objetivo e predetermina- trole do número de recursos a ele dirigidos,
ser considerado juridicamente correto. Neste do de decisão que incrementa a segurança tornando-o, na prática, uma corte de terceira
caso, a decisão será contrária ao direito (not jurídica. A aplicação das mesmas soluções instância, à qual qualquer pessoa pode sub-
lawful; illegitimo) e, portanto, poderá/deverá a casos idênticos reduz a produção de deci- meter seu caso. A votação da EC 45/2004,
ser objeto de reversão pelos meios de impug- sões conflitantes pelo Judiciário e assegura como bem observa Arruda Alvim, desperdi-
nação disponíveis no ordenamento jurídico. àqueles que se encontram em situação se- çou a chance de estender ao recurso especial,
Portanto, a vinculação formal será sinônimo melhante o mesmo tratamento, promovendo o requisito de admissibilidade da repercussão
de vinculação de iure e implicará o reconhe- a isonomia. (BARROSO; MELLO, 2016, p. 17) geral. (WAMBIER; DANTAS, 2016, p. 305)
cimento dos precedentes como fonte norma- 26 Nesse mesmo sentido, Tucci afirma que a 34 Sobre esse assunto, Marinoni assinala que no
tiva primária formal, independentemente de preservação, na medida do possível, das julgamento do recurso especial há interesse
seu conteúdo. (ZANETI JR., 2016, p. 326) correntes predominantes da jurisprudência, privado em ter o litígio resolvido mediante a
23 Nota-se, por exemplo, que o STF tem elaste- constitui obra de boa política judiciária, adequada aplicação da lei. Não obstante, a
cido o cabimento da reclamação, passando porque infunde na sociedade confiança no própria colocação da Corte numa posição de
a admiti-la a algumas hipóteses nas quais, Poder Judiciário. Mas é evidente, por outro vértice, em que importam apenas as questões
tradicionalmente, não seria cabível. As deci- lado, que a jurisprudência deve evoluir, dan- de direito federal e não a “justiça da decisão”,
sões tomadas pela Suprema Corte nos au- do resposta, realista e tempestiva, às exigên- demonstra que tal interesse privado é subordi-
76 tos das Reclamações 4.335/AC e 2.280 bem cias sociais em constante transformação. nado ao interesse público no desenvolvimento
ilustram a tendência. Dos votos proferidos (TUCCI, 2015, p. 456) do direito. (MARINONI, 2014, p. 137)
nos autos da Rcl 4.335/AC (Rel. Min. Gilmar 27 § 2º A alteração de tese jurídica adotada 35 Nesse ponto, Daniela Pereira Madeira afirma
Mendes), ficou clara a tendência à admissi- em enunciado de súmula ou em julgamen- que a força do precedente se baseia na au-
bilidade de reclamação para todos os que to de casos repetitivos poderá ser precedida toridade do órgão que emitiu a decisão, ou
demonstrarem prejuízo resultante da con- de audiências públicas e da participação de seja, quanto mais elevado é o nível da corte
trariedade de decisão tomada em controle pessoas, órgãos ou entidades que possam que emana o precedente, mais influente é a
difuso. Como se fosse atribuída eficácia erga contribuir para a rediscussão da tese. sua decisão. As verdadeiras “cortes de prece-
omnes ao que decidido em controle difuso. 28 § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudên- dentes” são as cortes supremas, nas quais as
Do voto do relator merece destaque a con- cia dominante do Supremo Tribunal Federal decisões se impõem a todos os órgãos judiciais
sideração de que o STF tendo apreciado a e dos tribunais superiores ou daquela oriun- de grau inferior. (MADEIRA, 2011, p. 527)
constitucionalidade de uma norma, em con- da de julgamento de casos repetitivos, pode 36 Nesse sentido, veja-se o que consta na Exposição
trole difuso ou concentrado, independen- haver modulação dos efeitos da alteração no de Motivos do novo CPC: se, por um lado, o
temente da suspensão da lei pelo Senado interesse social e no da segurança jurídica. princípio do livre convencimento motivado é ga-
Federal (que seria um ato político), cabível 29 § 4º A modificação de enunciado de súmu- rantia de julgamentos independentes e justos, e
a reclamação para impor a observância la, de jurisprudência pacificada ou de tese neste sentido mereceu ser prestigiado pelo novo
da decisão tomada pelo STF. Nos autos da adotada em julgamento de casos repetitivos Código, por outro, compreendido em seu mais
Rcl 2.280 (Rel. Min. Joaquim Barbosa), no observará a necessidade de fundamentação estendido alcance, acaba por conduzir a distor-
mesmo sentido, observou-se a tendência adequada e específica, considerando os prin- ções do princípio da legalidade e à própria ideia,
à ampliação do cabimento da medida. O cípios da segurança jurídica, da proteção da antes mencionada, de Estado Democrático de
colegiado admitiu a reclamação para cas- confiança e da isonomia. Direito. A dispersão excessiva da jurisprudência
sar decisão do STJ que teria desrespeitado 30 Para Marcelo Veiga Franco (2015, p. 524), produz intranquilidade social e descrédito do
precedente do STF tomado em (outro) caso como cada caso concreto pertence a uma Poder Judiciário. Se todos têm que agir em con-
concreto. (CÔRTES, 2016, p. 323) dimensão maior de coerência histórico-insti- formidade com a lei, ter-se-ia, ipso facto, respei-
24 Reclamação. Função constitucional desse tucional, compete ao magistrado decidir le- tada a isonomia. Essa relação de causalidade,
instrumento processual (RTJ 134/1033 – RTJ vando em consideração o presente, mas em todavia, fica comprometida como decorrência
166/785). Alegado desrespeito à autoridade consonância com os direitos conquistados da liberdade que tem o juiz de decidir com base
da decisão proferida pelo Supremo Tribunal no passado, e com o objetivo de progredir em seu entendimento sobre o sentido real da
Federal no exame da Rcl 4.374/PE. Julgamento para as gerações futuras. A integridade da norma. (EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO NOVO
plenário no qual esta Suprema Corte proce- decisão judicial está presente na “conexão CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 2010, p. 20)
deu, expressamente, à reinterpretação dos com a história, evoluções, necessidades, ten-
comandos emergentes de decisão anterior- dências e ideias da sociedade” projetadas na
mente proferida na análise da ADI 1.232/DF. Constituição. Ao juiz cabe exercer a jurisdição
A questão da parametricidade das decisões como uma “obra coletiva”, na condição de REFERÊNCIAS
emanadas desta Suprema Corte no âmbito participante que dialoga com a sociedade AMARAL, Guilherme Rizzo. Precedentes e a te-
de ações reclamatórias, quando o Tribunal, mediante a reinterpretação construtiva do tralogia de Streck. Academia.edu. s.d. Disponível
em virtude de evolução hermenêutica, vem Direito, o respeito à Constituição e a apli- em: <https://www.academia.edu/29309760/
a redefinir, nelas, o conteúdo e o alcance cação dos princípios jurídicos adquiridos ao Precedentes_e_a_Tetralogia_de_Streck>. Acesso
de julgamentos revestidos de eficácia erga longo da tradição histórico-institucional da em: 26 set. 2016.

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