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MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2018
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2018
BANCA EXAMINADORA
Ao meu marido Danilo, e aos nossos
filhos Gabriela e Enrico. Meus amores,
meu porto seguro, minha certeza de que
viver vale a pena.
AGRADECIMENTOS
Foram dois anos e meio de muito aprendizado, e mais uma vez pude
constatar que não existe conquista sozinha.
Agradeço aos meus pais, Roberto e Marilena, a quem devoto grande
admiração. Foi graças à ajuda deles que foi possível conciliar o sonho de cursar
mestrado com dois filhos pequenos. Por muitas vezes desempenharam o meu papel
de mãe com dedicação e amor. Todo meu amor e gratidão.
Ao Danilo, meu maior crítico e incentivador. A definição perfeita de parceria.
Agradeço aos amigos que o mestrado me deu, e que espero sejam para vida
toda. Felipe Moreira, Ana Maria Ferriani, Leticia Zuccolo, Arthur Arsuffi, Rodrigo
D´Orio, Igor Cabral, Victor Miranda, Ricardo Nacle, Ceres Linck Santos e Georgia
Maekava.
À minha companheira de assistência Sabrina Berardocco e ao trio: Bruna
Valentini Barbiero Rivaroli, Fernanda Machado Pillar e Verônica Estrella Holzmeinter,
por serem essenciais.
Não poderia deixar de mencionar aqueles que proporcionaram as melhores
manhãs de sexta-feira: Ronaldo Vieira Francisco, Raquel Coelho Dal Rio Silveira,
Luiz Augusto Sartori de Castro, Viviane Formigosa, em especial, Marcio Bellocchi
pelo auxilio na conclusão desse trabalho.
Ao amigo Rodrigo Dalla Pria, um apaixonado pelo Direito, que com grande
altruísmo cedeu por meses preciosas obras de sua biblioteca. Me faltam palavras
para agradecer, principalmente porque sei de seu apego por esses livros.
E durante esses anos na PUC/SP tive contato com grandes mestres. Inicio
agradecendo ao professor doutor William Santos Ferreira, que, mesmo pouco me
conhecendo, conferiu grande apoio ao meu ingresso no mestrado, posteriormente,
tive a satisfação de ser sua aluna em 3 créditos. Agradeço aos professores Anselmo
Pietro Alvarez, João Batista Lopes, Cassio Scarpinella Bueno pelos preciosos
ensinamentos durante as aulas. Não poderia deixar de mencionar os professores
que compuseram a minha banca de qualificação com pertinentes observações:
Arlete Inês Aurelli, Olavo Oliveira Neto e Sergio Seiji Shimura.
Reafirmo meus agradecimentos ao professor doutor Sergio Seiji Shimura pela
maneira instigante de incentivar o raciocínio, pela sempre disponibilidade, e pela
oportunidade de ser sua assistente. Minha eterna gratidão e admiração.
À professora doutora Teresa Arruda Alvim por ser uma inspiração. A
professora é demonstração de que os grandes são generosos.
E por fim, agradeço a minha orientadora professora doutora Arlete Inês
Aurelli, pelo incentivo e verdadeira orientação. Foi realmente um presente do
mestrado tê-la em meu caminho. Espero que assim permaneça.
RESUMO
The present paper has the purpose of analyzing the reasons why the incident of
disregard doctrine established in the cognizance phase has a preventive function. In
order to reach the aimed conclusion, the paper will analyze the disregard doctrine by
the material aspect, studying why an institute of procedural law, which seeks to
eliminate the autonomy of assets existing between a legal entity and its members,
preventing third parties from receiving credits for which they are entitled (financial
loss), can be set up at a procedural moment where there is still no credit (cognizance
phase).
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
INTRODUÇÃO
1 Cassio Scarpinella Bueno critica o nome dado ao mecanismo processual. Para o autor, o objeto do
incidente vai além do que ficou consagrado pela doutrina e jurisprudência como sendo casos de
desconsideração da personalidade jurídica, sendo forma de permitir, em um ambiente de amplo
contraditório, o redirecionamento da execução a qualquer pessoa que a lei preveja (administradores,
por exemplo), não necessariamente os sócios. (BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio
Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. Parte Geral. Vol. 1. São Paulo:
Saraiva, 2017. p.573).
2 “É imperioso compreender direito processual civil levando em consideração também as vicissitudes
do direito material. Não por inexistir identidade cientifica entre um e outro ramo do direito, mas, bem
diferentemente, porque direito processual civil volta-se, em última análise, a disciplinar o mecanismo
pelo qual o Estado-juiz aplica o direito material controvertido para prestar tutela jurisdicional”
(BUENO, Cassio Scarpinella. Cursos Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 2 tomo I, 7. ed.
São Paulo: Saraiva, 2014. p. 434).
3 O simples fato de haver situações que demandariam a desconsideração da personalidade jurídica,
como desvio de finalidade e confusão patrimonial, não autorizam o pedido, pois é preciso que exista
um direito creditório.
“A desconsideração da personalidade jurídica somente tem lugar, se de atos praticados por uma ou
mais sociedades, resultarem prejuízos a terceiros.” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Aplicabilidade
da teoria da desconsideração da pessoa jurídica no processo falimentar in Revista de Processo, vol.
87. São Paulo: Revista dos Tribunais, Jul.-Set. 1997. p. 211 – 220).
4 Flavio Luiz Yarshell defende a possibilidade de ser considerado um direito autônomo, no qual o
CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2015. p. 232).
5 No capítulo 3 será analisada a natureza de processo incidental do mecanismo processual que busca
2011. p. 63.
7 “Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da
No texto do Senado Federal (PLS n. 166/2010) no art. 77, par. único, inc. I constava a questão
material – “... Parágrafo único. O incidente da desconsideração da personalidade jurídica: I – pode ser
suscitado nos casos de abuso de direito por parte do sócio.”
8 “Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de
pressupostos legais previstos no direito material para a desconsideração (...) Não preenchendo tal
requisito, cabe ao juiz determinar a emenda da petição incial, indicando, precisamente, o que precisa
ser corrigido (art. 321). No caso de inércia, caberá ao juiz indeferir a petição incicial (art. 321,
parágrafo único).” (CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. In CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER,
Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2015. p. 236).
10 O estudo dos requisitos é de suma importância quando se analisa com profundidade a
11 ALMEIDA. Amador Paes de. Execução de bens dos sócios. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.15.
12 A pessoa jurídica pode ser constituída com as mais variadas finalidades, sendo comercial apenas
uma delas. A expressão pessoa jurídica significa coletividade de pessoas para um fim em comum,
mas que aqui se coloca como comercial porque é essa finalidade que interessa à teoria da
desconsideração da personalidade jurídica.
13 Embora o Código Civil utilize a expressão pessoa natural (arts. 6º, 21, 70, 71, 72, 73, 801 e 980-A
§2º), e a maioria das menções no Código de Processo Civil em vigor também seja essa (arts. 98, 99,
§3º e 138), opta-se por utilizar durante este trabalho a expressão pessoa física por algumas razões
que se destaca: (i) é expressão mais empregada pela doutrina que pessoa natural quando se trata de
desconsideração da personalidade jurídica; e (ii) é a terminologia empregada pela legislação tributária
e a maioria dos julgados do Superior Tribunal de Justiça utilizam pessoa física, sendo que pesquisas
com a expressão pessoa natural são remetidas a julgados cujo o uso é da expressão sinônima que
ora se adota.
Utiliza-se também a expressão pessoa física a partir do conceito desenhado por Hans Kelsen, pois,
ao dizer natural volta-se a forma de surgimento, não apresentando a melhor contraposição ao termo
pessoa jurídica: “Ao mesmo tempo contrapõe-se a pessoa física, como pessoa ´natural´ à pessoa
jurídica, como pessoa “artificial”, quer dizer, como pessoa não “real”, mas construída pela ciência
jurídica.” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Batista Machado. 8. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2011. p. 191).
A pessoa física surge naturalmente, tal qual a pessoa jurídica surge artificialmente.
Vale dizer que até mesmo a expressão pessoa jurídica, embora pacificamente aceita, guarda críticas.
Neste sentido Orlando Gomes: “Não há denominação única para esses grupos: pessoas morais,
pessoas civis, pessoas sociais e pessoas jurídicas. Todas essas expressões não revelam com
18
de quem se exercia (da coletividade daquelas pessoas físicas), imperiosa tanto para
fins de responsabilidade, pois não parecia correto uma pessoa assumir sozinha a
responsabilidade por um ato que, embora feito por ela, geraria benefício a todos;
como para possibilitar a participação em atividades comerciais não necessariamente
de maneira pessoal, mas somente financeira. Ambas as situações estimulavam o
crescimento comercial.
E então, observando-se as características humanas, através de uma
abstração (do latim abstracione, que significa separação), criou-se a pessoa jurídica.
A abstração é um fenômeno com o qual se escolhe um objeto de percepção e
isola-se o que interessa para a construção de algo novo 14, é o que aconteceu com a
pessoa jurídica. Escolheu-se o ser humano como objeto de percepção e isolou-se o
que interessava, criando a pessoa jurídica.
A dificuldade que se impõe no caso da pessoa jurídica é que não há somente
as características do objeto percebido naquele criado (consequência natural do
fenômeno da abstração), estando o objeto de percepção contido na criação.
A pessoa humana serviu tanto para se construir a ideia de pessoa jurídica
(abstração), como para formar a pessoa jurídica, e em virtude de as pessoas físicas
sempre estarem envolvidas com os atos da pessoa jurídica, uma vez que a prática
de atos é exclusiva dos seres humanos15, muitas vezes há dificuldade em
compreender a pessoa jurídica como ente autônomo e distinto das pessoas físicas
que a compõe16.
propriedade o ente que designam. A mais difundida – pessoa jurídica - é ambígua, porque
propriamente falando, todas as pessoas são jurídicas, no sentido de que a personalidade é um
conceito jurídico e seus atributos se regulam pelo Direito. Mas apesar disso, incorporou-se
definitivamente ao nosso vocabulário jurídico” (GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil.
Atualizada por Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p.
144).
14 “É a operação mediante a qual alguma coisa é escolhida como objeto de percepção, atenção,
observação, consideração, pesquisa, estudo, etc. e isola de outras coisas como que está numa
relação qualquer. (...) Assim como podemos considerar a cor de um fruto prescindindo do fruto, sem
por isso afirmar que ela existe separadamente do fruto, também podemos conhecer as formas ou
espécies universais do homem...” (ABGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins
Fontes, 2007. p. 4).
15 “O que não é crível admitir-se, porque fantasioso e ilógico, é o fato de emprestar à pessoa jurídica
atributo exclusivamente humano – a psyche – encontrando-se num campo místico em que tudo seria
possível” (ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A Pessoa Jurídica e os Direitos da
Personalidade. Rio de Janeiro: Inovar, 1998. p. 38).
16 Em relação a independência da pessoa jurídica importante destacar o posicionamento de Hans
Kelsen, o qual faz uma divisão do comportamento em dois elementos: material e pessoal, sendo este
segundo exclusivamente ligado aos indivíduos. Para Kelsen, por não deterem o elemento pessoa, as
pessoas jurídicas seriam incompletas, portanto impossível se falar em uma absoluta independência.
O elemento material (ação ou omissão) é atribuído as pessoas jurídicas prevendo seus estatutos o
19
elemento pessoal: “Quando a ordem jurídica estadual impõe deveres ou estabelece direitos que são
considerados como deveres e direitos de uma corporação, quando se fala de deveres e direitos de
uma corporação, apenas se pode tratar de deveres cujo cumprimento ou violação é operada através
da conduta de indivíduos, e de direitos cujo exercício se processa igualmente por meio da conduta de
indivíduos - indivíduos esses que pertencem à corporação. E, quando estes deveres e direitos são
atribuídos à corporação, têm esses indivíduos de cumprir ou violar os deveres ou exercer os direitos
em questão na sua qualidade de órgãos da corporação. Por isso, a ordem jurídica, quando - como se
diz - impõe deveres ou confere direitos a uma corporação, determina apenas o elemento material da
conduta que forma o conteúdo do dever ou do direito e deixa ao estatuto a determinação do elemento
pessoal. ” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Batista Machado. 8. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2011. p. 199).
17 “A personalização desses grupos é construção técnica destinada a possibilitar e favorecer- lhes a
abstratamente, pois se destaca de seus membros, constituindo um ser distinto. No entanto, não deixa
de ser uma realidade, criada pelo ordenamento jurídico, que a reconhece, lhe dando proteção e
assegurando o exercício de direitos e deveres. E quem a cria, lhe dá existência e a faz titular de
direito e obrigações, é o direito.
Efetivamente, o direito a reveste de personalidade, da mesma forma como atribui direitos e
obrigações ao ser humano” (RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil. 7. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p. 247).
20
é que Arnaldo Rizzardo considera possível uma existência real e abstrata, ao passo
que Orlando Gomes trata como opostos os conceitos de realidade e abstrato 19.
O que ocorre é que as palavras mais comumente empregadas para descrever
pessoa jurídica (ficção, realidade, abstrato), são utilizadas com diferentes
significações, e assim, muitas vezes vale-se de palavras diversas, mas se transmite
uma mesma mensagem.
Destarte, como o conceito de pessoa jurídica não interfere na teoria da
desconsideração da personalidade jurídica20, não convém apresentar digressões
sobre a relevância21, ou não22, de definir o que seria a pessoa jurídica do ponto de
vista de sua criação, apenas traçar-se-á uma definição como partida do presente
estudo.
Assim, opta-se por definir pessoa jurídica com sinônimos e antônimos mais
comuns a cada palavra. Abstrato é antônimo de concreto, assim como ficção será
utilizado como antônimo de realidade23 e abstração um fenômeno e não um adjetivo.
19 Eduardo Talamini e Luiz Rodrigues Wambier também tratam como sinônimos concreto e realidade:
“Mas a pessoa jurídica não é um ente concreto, real, como a pessoa natural. ” (TALAMINI, Eduardo;
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. Teoria Geral do Processo. 16. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p.372).
20 “Não é nosso objetivo, nem comporta o âmbito resumido dêste estudo, digressões sôbre as
fatigantes polêmicas sôbre a teoria da pessoa jurídica, máxime quando elas, segundo o testemunho
de Cunha Gonçalves, ´longe de esclarecerem o problema, só têm servido para o tornarem mais
confuso. ´ Como ponto de partida para conceituar a doutrina do “disregard” ou da penetração, é
necessário convir que as pessoas jurídicas, sobretudo no que concerne ao direito brasileiro,
constituem uma criação da lei. Como criação da vontade da lei refletem uma realidade, uma realidade
do mundo jurídico, e o da vida sensível. ” (REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da
Personalidade Jurídica. In Revista dos Tribunais, n. 410, São Paulo,1969).
21 “A questão da natureza das pessoas jurídicas é das mais controvertidas, havendo tantas teorias
quanto os autores que tratam da matéria. Se fazemos referência a esta polêmica é por ter ela as
maiores repercussões no campo prático, pois a necessidade ou não do Estado autorizar o
funcionamento das pessoas jurídicas é decorrência imediata da natureza que lhes atribuímos. ”
(WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro: Introdução e Parte Geral. 14. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015. p. 157).
“Tem, na verdade, profunda significação indagar como deve ser entendida a pessoa jurídica. Ao
espírito de investigação científica do jurista moderno não satisfaz encontra-la no exercício dos direitos
subjetivos e verificar que lhe permite a lei atuar como se fosse uma pessoa natural, adquirindo
direitos e contraindo obrigações. Daí aprofundar-se na pesquisa filosófica e precisar como se justifica
a sua existência.” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Vol. I. 30. ed. revista e
atualizada por Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 253).
22 “As especulações em torno do assunto pertencem antes ao campo da Filosofia do Direito, onde,
aliás, vão perdendo substância. ” (GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Atualizada por
Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 186).
“É singular, porém, que, após laboriosas dissertações, quase todos esses escritores somente
chegassem a resultados tão contraditórios como inúteis para a vida prática, o que vamos demonstrar
pelo rápido exame de suas opiniões”. (GONÇALVES, Luiz da Cunha. Tratado de Direito Civil in
Comentário a Código Português, Vol. 1, Tomo II. São Paulo: Max Limonad, brasileira, 1956.p. 904).
23 Arnoldo Wald faz interessante distinção ao destacar que, a crítica a teoria de que a pessoa jurídica
seria uma ficção, asseverando que necessariamente o que é real é corpóreo (WALD, Arnoldo. Curso
21
Sendo a pessoa jurídica25 uma realidade que não surge naturalmente, seu
nascimento26 se dá através de procedimentos formais conforme estipulam os arts.
45 e 1.150 do Código Civil. Esse procedimento de nascimento da pessoa jurídica é o
que se denomina de personificação27, que é diferente de personalidade, embora
muitas vezes seja utilizado como palavras sinônimas.
de Direito Civil Brasileiro: Introdução e Parte Geral. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p.
15).
24 Diferentemente das pessoas humanas em que cabe a ciência biológica estudar o surgimento, as
pessoas jurídicas têm o nascimento analisado pela ciência jurídica. Destaca-se ainda que as pessoas
físicas (qualidade que se dá as pessoas humanas como detentoras de direitos e obrigações), também
são objeto da ciência jurídica.
À ciência biológica cumpre estudar o nascimento da pessoa humana, e à ciência jurídica o
nascimento da pessoa física.
25 As pessoas jurídicas nos termos do art. 40 do Código Civil podem ser de direito público ou privado,
(art. 2º do CC), mas para praticarem alguns atos comuns da vida civil precisam existir juridicamente, e
essa existência jurídica se dá com a certidão de nascimento. Pontes de Miranda trata que o registro
das pessoas físicas serve tão somente para dar eficácia erga omnes (PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p.
281).
Uma pessoa humana que não tem certidão de nascimento não existe juridicamente e não pode
exercer diversos atos inerentes a personalidade, não chega a se tornar pessoa física.
Neste sentido coaduna-se com o posicionamento de Hans Kelsen, para quem a pessoa física, como
sujeito de deveres e obrigações (“define-se o conceito de pessoa como “portador” de direitos e
deveres jurídicos”), também é uma criação. Embora Kelsen não concorde com a existência real da
pessoa jurídica, diferentemente do que aqui se defende, concorda-se com parte de sua exposição de
que a pessoa física também é uma criação jurídica: “Na verdade, têm-se feito tentativas para
demonstrar que também a pessoa jurídica é uma pessoa “real”. Mas estas tentativas são tanto mais
baldadas quanto é certo que uma análise mais profunda revela que também a chamada pessoa física
é uma construção artificial da ciência jurídica, que também ela apenas é uma pessoa “jurídica”.
(KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Batista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2011. p. 191).
27 No português personificação significa “ato de conferir características humanas aos objetos
José Manoel de Arruda Alvim 32 também critica os termos do então art. 12, VII
do CPC/73 (atual art. 75, IX, CPC/15) dizendo: “não nos parece que tenha sido esta
30 Além das sociedades irregulares o art. 75 do CPC trata da legitimidade ativa de outros entes
despersonificados, a massa falida (inc. V), a herança jacente ou vacante (inc. VI) e o espólio (inc.VII).
31 OLIVEIRA, José Lamartine Correia de. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979.
p. 201-203.
24
a melhor orientação da tradição brasileira nem que tenha sido feliz o legislador em
acolhendo”, asseverando que até poderia se aceitar a legitimidade passiva (como no
direito alemão), mas não a ativa.
Já para Galeno Lacerda o que acontece não é que existe personalidade nos
entes despersonificados, mas a lei supre esta falta de personalidade autorizando a
ser parte no processo:
32 ALVIM, José Manoel de Arruda. Código de Processo Civil comentado. Vol. 2. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1975. p. 94.
33 LACERDA, Galeno. Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 111.
34 ALVIM, Thereza. O direito processual de estar em juízo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p.
15.
35 “A finalidade não é a de suprir a capacidade daquele que é parte: é, apenas, tornar factível a
atuação no processo de pessoas jurídicas, de direito público ou privado, e de alguns entes que não
têm personalidade jurídica.” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva;
MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros
comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 148).
Acredita-se que embora sejam todas situações presentes no artigo 75 do CPC, a situação das
pessoas jurídicas é diferente da dos entes despersonificados. Os entes personificados têm
capacidade postulatória, só precisam estar representados dado seu caráter abstrato, por isso,
realmente não se supri a capacidade, pois essa capacidade existe e a representação é que torna
factível a atuação no processo. Diferente é o que acontece com os entes despersonificados, porque
não existem, logo não teriam capacidade, e por isso não se trata de apenas tornar factível a atuação
no processo, mas de essencialmente suprir uma falta de existência formal.
25
36 Mais adiante será visto os casos da micro empresas e firmas individuais, que embora tenham
registro, não são consideradas pessoas jurídica.
37 Art. 45 CC – “Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição
mundo jurídico da mesma forma que as demais pessoas jurídicas.” (KOURY, Suzy Elizabeth
Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de
empresas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 8).
39 Este ponto será melhor abordado adiante, momento em que será demonstrado que sequer
40 “Há duas espécies de pessoas: a física ou natural, o homem, e a pessoa jurídica ou grupo social,
ao qual a lei também atribui capacidade. O traço comum de ambas as entidades é a personalidade; a
pessoa jurídica na vida civil, age como qualquer pessoa natural, nos atos com que elas são
compatíveis. Os grupos, portanto, que se unem para realizar determinados fins, ganham
personalidade no direito moderno, tornando-se sujeitos de direitos e obrigações.” (VENOSA, Silvio
Salvo. Direito Civil. Parte Geral. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 219).
41 A pessoa física se extingue com a morte, assim como a pessoa jurídica se extingue com o
(PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. Tomo I. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1984. p.267).
43 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 32. ed.
1994. p. 100.
44 Equivalente ao art. 40 do CC-02 - Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou
direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando
necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as
alterações por que passar o ato constitutivo.
46 Sem equivalente no CC-02, o art. 20 foi substituída pela ideia constante no art. 50 do CC-02 que
47 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1998. p. 11-13.
48 No artigo 20 do Código Civil de 1916 constava que “As pessoas jurídicas têm existência distinta da
dos seus membros”, e se tem vida distinta da de seus membros, tem patrimônio distinto. Este artigo
não consta no Código Civil de 2002, mas nem por isso a independência da pessoa jurídica deixou de
existir, pois, como menciona Leonardo Netto Parentoni, o art. 20 do Código Civil de 1916 “era a
positivação do princípio maior segundo o qual a pessoa jurídica constitui centro autônomo de
decisões, único responsável pelos direitos e deveres que contrair (no brocardo latino societas distat
singulis)” e “justamente por constituir um princípio, o qual transcende o Direito positivado, é que a
revogação do art. 20 do Código Civil de 1916 – que não encontra correspondente no atual Código
Civil – por si só não suprime o sistema jurídico.” (PARENTONI, Leonardo Netto. Desconsideração
contemporânea da personalidade jurídica – dogmática e análise científica da jurisprudência brasileira.
São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 50).
49 “Os bens corpóreos e incorpóreos integram o patrimônio da pessoa. Em sentido amplo o conjunto
jurídicas titulares de tais direitos”, que inclusive confronta com o teor do art. 52 do
CC, não há como negar que a pessoa jurídica tem alguns direitos personalíssimos50
que, tal qual ocorre com as pessoas físicas, são irrenunciáveis.
Faz-se essa ressalva para reafirmar a similitude da personalidade das
pessoas jurídicas com a das pessoas físicas, em que há direitos da personalidade
que em hipótese alguma podem ser desconsiderados, como o direito ao nome
empresarial.
No entanto, ao presente estudo a característica da personalidade jurídica que
importa é a independência de patrimônio ativo economicamente aferível 51. Esse
ponto é pacífico, e autores que estudam o tema, não costumam fazer referência aos
demais direitos também inerentes a personalidade da pessoa jurídica.
Fabio Ulhoa Coelho ao tratar sobre os efeitos da personalização52 coloca a
questão patrimonial 53 como a mais relevante:
50 “Por óbvio a pessoa jurídica somente poderia ser titular daqueles direitos compatíveis com sua
condição: portanto dos direitos patrimoniais, sendo inadmissível que fosse titular de direito
personalíssimos.” (BRUSCHI, Gilberto Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos
processuais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 7).
No entanto, o teor da súmula 227 do STJ “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral” demonstra que a
pessoa jurídica tem direitos além dos patrimoniais.
51 “Segundo a teoria clássica ou subjetiva, o patrimônio é uma universalidade de direito, unitário e
indivisível, que se apresenta como projeção e continuação da personalidade. Para teoria realista,
também denominada moderna ou da afetação, o patrimônio seria constituído apenas pelo ativo, e
também não seria unitário e indivisível, mas formado de vários núcleos separados, conjuntos de bens
destinados a fins específicos, como, por exemplo, o dote, os bens reservados, a massa falimentar, a
herança, etc.” (GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Saraiva. 2014. p.
280).
Quando se diz autonomia patrimonial se adota a concepção da teoria realista que considera o
patrimônio somente pelo ativo.
52 Essa foi a palavra utilizada pelo autor, no entanto, seguindo a coerência de vocabulário
anteriormente aventada, acredita-se que o melhor é dizer que são os efeitos da personificação.
53 O autor utiliza a locução responsabilidade patrimonial, mas faz no sentido material e não no sentido
55Embora sejam 5 títulos a numeração se faz com 4, pois há o título I-A que foi acrescentado pela Lei
n.12.441/11.
31
esclareceu: “Em se tratando de empresário individual, não há duas personalidades: uma física e outra
jurídica; há apenas a pessoa física que exerce atividade econômica na forma do art. 966 do Código
Civil, sendo o cadastro no CNPJ mera formalidade imposta pela Administração Tributária, decorrente
da necessidade de tratamento fiscal diferenciado.
Sendo assim, é até mesmo desnecessária a desconsideração da personalidade jurídica determinada,
para a persecução dos bens vinculados ao CNPJ do empresário individual, uma vez que não há duas
personalidades jurídicas distintas, apenas diferenciação para fins tributários.” (TJSP - Agravo de
Instrumento 2138066-33.2017.8.26.0000; Relator (a): Edgard Rosa; Órgão Julgador: 25ª Câmara de
Direito Privado; Foro Regional III - Jabaquara - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/11/2017; Data
de Registro: 10/11/2017).
No mesmo sentido: STJ - AgRg nos EDcl no REsp 1280217/SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira
Turma, julgado em 13/12/2011, DJe 01/02/2012.
32
Desta forma, a MEI e a firma individual (ME) são entes personificados, mas
não são pessoas jurídicas, “o empresário individual é a própria pessoa física ou
natural”58, de tal forma que nem ao menos subsidiariedade podem alegar59, muito
menos há de se falar em desconsideração da personalidade jurídica.
Assim, pessoas jurídicas são os entes personificados descritos no art. 44 do
CC e, embora pareça forçoso iniciar o estudo analisando o mencionado artigo, o
critério de qualificação empregado pelo Código Civil no art. 44 não é de grande valia
para a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Não obstante existam
posicionamentos que repelem a desconsideração relacionada a algumas pessoas
jurídicas descritas no art. 44 do CC60, a maioria se mostra favorável61, desde que,
58 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado. 5. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. p. 755, nota 3 ao art. 966.
59 “AGRAVO DE INSTRUMENTO - Execução Fiscal - Empresa individual Micro Empresa - Único
sócio - Decisão que indeferiu o pedido de penhora “on line” da pessoa física - Desnecessária a
desconsideração da personalidade jurídica da empresa - Sendo o patrimônio do empresário individual
o mesmo da pessoa natural, não há que se falar em inclusão do sócio da empresa no polo passivo da
Execução, pois os patrimônios se confundem, de modo que, no caso, podem os atos executórios
recaírem sobre o patrimônio pessoal do proprietário da firma - Precedentes - Decisão reformada -
Recurso provido.” (TJSP - Agravo de Instrumento 2258803-36.2015.8.26.0000; Relator (a): Maria
Laura Tavares; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Foro de Adamantina - 3ª Vara Cível;
Data do Julgamento: 29/03/2016; Data de Registro: 29/03/2016).
60 Julgados contrários a desconsideração da personalidade jurídica das associações (art. 44, I do
jurídica desconsiderada, e por essa razão, não irá pormenorizar no corpo do trabalho. Destarte,
destaca-se em nota de rodapé algumas decisões que se referem a alguns desses tipos de pessoas
jurídicas (exceto as sociedades, inc. II do art. 44 do CC e a empresas individuais de responsabilidade
limitada, inc. VI, que serão abordados durante o trabalho).
Art. 44, I – associações: “PLANO DE SAÚDE. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. ENTIDADE PATROCINADORA. CONFUSÃO PATRIMONIAL.
1. A desconsideração da personalidade jurídica é medida de caráter excepcional, cuja aplicação
somente é possível quando o desvio de finalidade, caracterizado pelo uso abusivo da autonomia
patrimonial da pessoa jurídica para fraudar terceiros, ou a confusão patrimonial, demonstrada pela
inexistência de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os dos seus integrantes. 2.
Havendo confusão patrimonial entre o plano de saúde e a associação patrocinadora, aplica-se a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica. 3. Deu-se provimento ao agravo de
instrumento.” (TJDF - Agravo de Instrumento AGI 20140020267004 relator Sergio Rocha, julgamento
17/12/2017, DJe 22/01/2015).
Art. 44, III – fundação: “REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. A inexistência de bens no patrimônio da executada para a satisfação
dos créditos e os indícios de abuso da personalidade jurídica autorizam o redirecionamento da
execução na pessoa do administrador da fundação. (TRT4 – AP 59920050064000 RS. Relatora
Vania Mattos, julgamento 21/05/2009).
Art. 44, IV – organizações religiosas: “AGRAVO DE PETIÇÃO DO EXEQUENTE. ORGANIZAÇÃO
RELIGIOSA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. TEORIA MENOR.
POSSIBILIDADE. As organizações religiosas, nos termos do inciso IV, do artigo 44, do Código Civil,
são pessoas jurídicas de direito privado. Por seu caráter de entidade sem fins lucrativos são
equiparadas ao empregador, ex vi do § 1º, do artigo 2º da CLT. Por tal razão, e por não haver
vedação expressa no ordenamento jurídico, aplicável a teoria menor da desconsideração da
33
personalidade jurídica na execução, quando não encontrados bens suficientes à satisfação dos
créditos do ex-empregado, de propriedade da reclamada. O caráter de entidade sem fins lucrativos,
não constitui óbice à desconsideração de sua personalidade jurídica. Agravo de Petição do
exequente conhecido e provido. (TRT1 - AP: 00102436720135010204, Relator: Marcia Leite Nery,
Data de Julgamento: 27/09/2016, Quinta Turma, Data de Publicação: 17/10/2016).
62 Talvez o incidente de desconsideração da personalidade jurídica altere alguns posicionamentos,
pois, observa-se que em alguns casos a desconsideração da personalidade jurídica não ocorria não
porque se tratava de entidade sem fins lucrativos, mas em decorrência da falta de provas da prática
de abuso: TRT12 - AP: 0005554-06.2011.5.12.0022/SC, Relator: Roberto Basilone Leite, 2A TURMA,
Data de Publicação: 10/09/2015; e TRT17 - AP 0014700-59.2012.5.17.0002, Rel. Desembargador
Cláudio Armando Couce de Menezes, DEJT 09/12/2016.
63 Conforme anteriormente mencionado, para o presente estudo, a pessoa jurídica que interessa é
com finalidade comercial. No entanto, não se pode ignorar que as pessoas jurídicas não se resumem
a sociedades comerciais, e, portanto, há um outro critério de classificação, o qual tem por base a
natureza dos atos, podendo a pessoa jurídica ser classificada como sociedade civil ou comercial.
Rubens Requião ao comentar o projeto do Código Civil atinente ao Livro sobre empresa, critica essa
forma de classificação distinguindo sociedades comerciais de civis: “Para os seus autores a
expressão ‘comercial’ é tabu, diante da preocupação unificadora, como já tivemos oportunidade de
registrar. O fato, porém, é que teremos na linguagem comum do mercado o ‘empresário comercial’ e
o ‘empresário civil’. Empresário civil é precisamente aquele definido no art. 1.001, parágrafo único:
‘Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou
artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão
constituir elemento de empresa’ (...) Toda a organização que contar com uma quantidade de
colaboradores, deveria ser tratada como empresa. Nela haverá a organização do trabalho alheio.
Difícil é conceber-se uma organização, mesmo intelectual ou científica, que pelo menos não se
dedique à pesquisa, esta sempre de utilidade econômica.” (REQUIÃO. Rubens. Projeto de Código
Civil. Apreciação crítica sobre o Livro II. Revista dos Tribunais. Vol. 478. São Paulo: Revista dos
Tribunais, Ago.1975).
De fato, trata-se de forma de classificação, mas que, afora ter perdido um pouco o sentido ao longo
dos anos em virtude de inexistir impacto prático, não interfere no estudo, haja visto que tanto as
sociedades empresárias como as sociedades simples (nomenclatura adotada pelo Código Civil para
se referir a sociedades não empresárias), podem se formar sobre o regime de limitadas: “A sociedade
limitada constitui tipo societário a ser adotado tanto pela sociedade empresária, como pela sociedade
não-empresária, tal como antes havia a sociedade civil por quotas, de responsabilidade limitada,
como sociedade mercantil por quotas, de responsabilidade limitada. E, antes como hoje, o regime
jurídico é o mesmo para ambas.” (LUCENA. José Waldecy. Das Sociedades Limitadas. São Paulo:
Renovar, 2005. p. 50-51).
64 “A distinção entre sociedades de pessoas e de capitais, embora frequentemente eleita, tem sido
considerada incorreta, porque não há sociedade empresária de fim lucrativo em que não coexista o
duplo elemento capitalista e personalista.” (FAZZIO JUNIOR. Waldo. Sociedades limitadas. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 2007. p. 17).
65 COELHO. Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 2. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 49
34
São esses graus de separação patrimonial que servem para classificar uma
sociedade em responsabilidade limitada e ilimitada, e, por conseguinte, que
determinam se é preciso o incidente de desconsideração da personalidade jurídica
para se atingir bens dos sócios ou não.
Toda pessoa jurídica formalmente constituída (personificada) tem separação
patrimonial, decorrência lógica da independência entre a pessoa jurídica e as
pessoas físicas que a compõe, no entanto, há diferentes graus dessa separação.
A separação patrimonial, ainda que em grau mínimo, é um dos atrativos para
estimular a formalização, pois as sociedades irregulares, embora tenham
capacidade processual (art. 75 CPC), não tem separação patrimonial, e sequer a
subsidiariedade podem alegar67. Fábio Ulhoa Coelho ilustra:
66 COMPARATO. Fabio Konder. O poder de controle da sociedade anônima. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1977. p. 271
67 Em sentido contrário: “Mesmo nas chamadas sociedades irregulares, a subsidiariedade é a regra,
ficando a responsabilidade pessoal direta por conta de quem celebrou o negócio em nome da
sociedade (FAZZIO JUNIOR. Waldo. Sociedades limitadas. 2. ed. São Paulo: Atlas. 2007. p 18).
35
Em alguns casos, a lei torna o sócio responsável pela dívida social, nada
obstante a personalidade própria e inconfundível da sociedade, decorrente
de seu registro (art. 985 do CC-02). É o que o dispõe o art. 592, II,
ensejando algumas considerações
(...)
Nenhuma aplicação tem essa regra, todavia, quanto à sociedade não
personificada (art. 986 do CC-02), apesar de dotada de personalidade
processual (art. 75, IXI), pois, em tal hipótese, a ´transparência´ da
sociedade gera responsabilidade primária dos sócios69. Neste caso, os bens
e as dívidas sociais formam, segundo o art. 988 do CC-02, ´patrimônio
especial´, respondendo os sócios, ´solidária e ilimitadamente pelas
obrigações sociais´(art. 990 do CC 02).70
68 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 2. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 35
69 No próximo capitulo será analisado com profundidade as formas de classificação da
responsabilidade e as diferenças em relação ao débito.
70 ASSIS, Araken de. Manual da execução. 19. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 308-
309
36
71 “Devemos deixar claro que toda sociedade empresária responde ilimitadamente por suas dívidas,
não existindo nenhuma regra que permita que ela deixe de honrar seus compromissos se
ultrapassado algum limite.
Quando se fala em limitação da responsabilidade, faz-se referência à possibilidade ou não dos sócios
virem a responder com seus próprios bens pelas dívidas da sociedade.” (COELHO, Fabio Ulhoa. A
sociedade limitada no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 190).
72 “É conveniente relevar que a responsabilidade limitada é dos sócios e não as sociedades, que
responde ilimitadamente pelas suas dívidas. Somos de parecer que o nome certo desse tipo de
sociedade deveria ser, no aspecto dogmático, sociedade de responsabilidade limitada dos sócios. No
direito italiano, francês, e alemão é chamada de responsabilidade limitada. A designação atual, que
lhe dá o Código Civil, é, porém, bastante simples, ficando a cargo da doutrina esclarecer o real
significado.” (ROQUE, Sebastião José. Da sociedade limitada. São Paulo: Ícone, 2011. p. 18).
37
73 Amador Paes de Almeida assevera que há duas espécies de sócios, de responsabilidade limitada
e de responsabilidade solidária, e embora o autor utilize a palavra solidária, conclui que a
classificação como sócio de responsabilidade solidária significa que o sócio responde de maneira
subsidiária (“os sócios solidários, ao revés do que ocorre com os sócios de responsabilidade limitada,
respondem ainda que em caráter subsidiário, ilimitadamente pelas obrigações sociais.”). Assim, em
decorrência de comumente as palavras solidariedade e subsidiariedade serem utilizadas em
contraposição, prefere-se utilizar a denominação sócios de responsabilidade limitada e ilimitada.
(ALMEIDA, Amador Paes de. Execução de bens dos sócios. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 58-
59).
74 “Art. 1.039. Somente pessoas físicas podem tomar parte na sociedade em nome coletivo,
jurídicas como visto alhures, mas formas muito comuns de exercer a atividade
empresária, que são os micro empresários individuais77.
77 Apenas a título ilustrativo, em pesquisa realizada no ano de 2015 havia cerca de cinco milhões de
microempreendedores individuais.
https://economia.uol.com.br/empreendedorismo/noticias/redacao/2015/06/17/brasil-tem-5-milhoes-de-
microempreendedores-individuais-sp-e-rio-lideram.htm
78 “O princípio da autonomia patrimonial, alicerce do direito societário. Sua importância para o
Responsabilidade Limitada (EIRELI), onde apenas um sócio se transforma em pessoa jurídica, sendo
a finalidade principal da novel estrutura societária a separação patrimonial, haja visto que já era
possível o empresário individual ser pessoa jurídica gozando de outros atributos da personalidade
jurídica.
39
É difícil falar em responsabilidade limitada quando resta claro que, uma vez
pago o capital social, pelos encargos sociais responde apenas a sociedade
com seu patrimônio. É evidente que os sócios não têm responsabilidade
perante terceiros, nem limitada, nem ilimitada. E de outro lado, não há como
referir-se à limitação da sociedade, se esta, com seu patrimônio, responde
ilimitadamente.
O sócio da limitada responde perante a sociedade, somente pelo débito da
quota subscrita, o que já exclui a ideia de limitação. Na verdade o sócio
nada deve a terceiro.83
80 “A regra limitativa existe, por outras palavras, para socializar, entre agentes econômicos, os riscos
de insucesso das empresas. Com efeito, qualquer negócio, por mais bem planejado e estruturado
que seja, pode não dar certo. O desenvolvimento da empresa é fato humano, depende de escolhas
de homens e mulheres, não inteiramente controlável de modo racional. Depende da conjuntura
econômica regional, nacional e planetária.” (COELHO, Fabio Ulhoa. A sociedade limitada no novo
Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 107).
81 “A responsabilidade do sócio pelo capital não integralizado tem impacto distinto na sociedade
terceiros, em outra oportunidade, assevera que quando não há total integralização é possível a
penhora de bens do sócio, ou seja, na prática atende-se objetivo do credor (terceiro perante o sócio
pelo prisma material). Se é admissível que o credor da sociedade penhore bens do sócio porque o
capital não foi totalmente integralizado, isso significa que o sócio estará respondendo perante
terceiro: “Em outras palavras, não integralizado o capital social, é válida a penhora que recai sobre
bens dos sócios por dívida da sociedade por cotas de responsabilidade limitadas, se não houver bens
sociais que respondam pela obrigação.” (FAZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 18.
ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 157).
83 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Sociedades limitadas. 2. ed. São Paulo: Atlas. 2007. p. 20.
40
84 COELHO, Fabio Ulhoa. A sociedade limitada no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 7.
85 “Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas
quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.”
86 A EIRELI, introduzida no Código Civil de 2002 pela Lei n. 12.441/11, trouxe grande inovação ao
permitir que uma pessoa jurídica (consta no art. 44 do CC), que não é sociedade, pois formada por
uma única pessoa, pudesse ter responsabilidade limitada.
87 Ressalva se deve as situações de responsabilidade pessoal dos sócios, e que não será objeto de
estudo. Em casos de responsabilidade pessoal dos sócios não se faz necessária a desconsideração
da personalidade jurídica para atingir o patrimônio dos sócios.
41
que seja a situação, ainda que o caso seja de responsabilidade pessoal88 do sócio é
preciso haver, no mínimo, uma explicação, isto é, não se pode simplesmente
penhorar o bem do sócio, tal qual pode ocorrer nas sociedades de responsabilidade
ilimitada.
O conceito de sociedades de responsabilidade limitada surgiu para
contemplar uma única exceção, somente respondendo o patrimônio dos sócios em
caso de não integralização completa do capital social, limitado aquela quantia. No
entanto, a função de ser da autonomia patrimonial (limitar os riscos empresariais),
começou a se deturpar quando a independência da pessoa jurídica de seus sócios
passou a ser aparente, servindo muitas vezes para a prática de fraudes.
José Lamartine Corrêa de Oliveira trata da situação acima descrita como o
segundo aspecto da crise da pessoa jurídica89:
88 André Pagani de Souza pormenoriza as situações de responsabilidade pessoal que não devem ser
confundidas com situações de desconsideração da personalidade jurídica. No Código Civil há os
artigos 1.010, §3º e 1.013, §2º; na Lei das sociedades anônimas os artigos: 115, §§3º e 4º, 117, caput
e §2º, 155, §3º, 158, caput e incisos I e II, art. 158, §§ 1º, 2º, 3º 4º e 5º e no Código Tributário
Nacional nos artigos 134, caput, incisos III e VII e art. 135, caput e incisos I, II e III.
O mencionado autor também menciona o art.2º, §2º da CLT, no entanto, discorda-se que seria o caso
de responsabilidade pessoal, mais se assemelhando com a situação de desconsideração expansiva
da personalidade jurídica que visa atingir grupos econômicos, como será visto mais adiante. (SOUZA,
André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 79-
85).
89 O primeiro aspecto, crise do sistema, foi sucintamente tratado quando versado sobre a capacidade
p. 608.
42
980-A do CC art. 980-A, cuja redação original era a seguinte:"§ 4º Somente o patrimônio social da
empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se
confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, confirme
descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente". Poder-se-ia extrair
que a intenção foi não incluir a EIRELI na disregard doctrine, no entanto, soaria de maneira
contraditória com a própria finalidade de criação desse novo tipo societário.
Em verdade o veto baseou-se em parecer do Ministério do Trabalho que criticou a expressão
“qualquer situação”: "Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão 'em qualquer
situação', que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração
da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil. Assim, e por força do § 6º do projeto
de lei, aplicar-se-á à EIRELI as regras da sociedade limitada, inclusive quanto à separação do
patrimônio."
93 Amador Paes de Almeida critica a existência de sociedades unipessoais denominando de “heresia
jurídica”, mas, assevera que com o tempo foi sendo aceita pelo ordenamento. O autor menciona
como exemplo as empresas públicas, as quais são formadas por um único sócio, e como ao tempo
de sua obra ainda não havia a EIRELI, o autor destaca que não se adotava o regime de
responsabilidade limitada aos empresários individuais, mas que poderia ser adotado, como já ocorria
43
the Laws of the United States, and Treaties made, or which shall be made, under their Authority;—to
all Cases affecting Ambassadors, other public Ministers and Consuls;—to all Cases of admiralty and
maritime Jurisdiction;—to Controversies to which the United States shall be a Party;—to Controversies
between two or more States;—between a State and Citizens of another State;10 —between Citizens of
different States, —between Citizens of the same State claiming Lands under Grants of different
States, and between a State, or the Citizens thereof, and foreign States, Citizens or Subjects.
Tradução livre da autora: “A competência do Poder Judiciário se estenderá a todos os casos de
aplicação da Lei e da Equidade ocorridos sob a presente Constituição, as leis dos Estados Unidos, e
os tratados concluídos ou que se concluírem sob sua autoridade; a todos os casos que afetem os
embaixadores, outros ministros e cônsules; a todas as questões do almirantado e de jurisdição
marítima; às controvérsias em que os Estados Unidos sejam parte; as controvérsias entre dois ou
mais Estados, entre um Estado e cidadãos de outro Estado, entre cidadãos de diferentes Estados,
entre cidadãos do mesmo Estado reivindicando terras em virtude de concessões feitas por outros
Estados, enfim, entre um Estado, ou os seus cidadãos, e potências, cidadãos, ou súditos
estrangeiros.”
95 “O precedente judiciário mais antigo de que se tem notícia sobre o tema é a decisão do Juiz
Marshall, proferida em 1809, nos EUA, no caso Bank of United States v. Deveaux. A despeito de
a Constituição Federal americana limitar a jurisdição das cortes federais às controvérsias entre
cidadãos de diferentes Estados, o magistrado conheceu da causa, tomando em consideração a
pessoa dos sócios individuais e, portanto, desconsiderando a pessoa jurídica.” (LOPES, João Batista.
44
A desconsideração da personalidade jurídica no novo Código Civil. Revista dos Tribunais. Vol. 818.
Dez. 2003. p. 37).
96 Tradução livre: “Retirada do véu da entidade corporativa”.
97 WORMSER, Maurice. Piercing the veil of the corporate entily. Columbia Law Review. Nova York:
É simplesmente necessário para o presente propósito notar que, em 1809, o Supremo Tribunal dos
Estados Unidos não considerou razoável que o conceito de pessoa jurídica pudesse permitir
desalojar os tribunais federais de sua importância e seu alcance jurisdicional sobre as sociedades
anônimas, um resultado que qualquer um mais zeloso e condizente com a teoria da pessoa jurídica
poderia inevitavelmente vincular. Já naqueles dias, ‘as cortes colocaram de lado a personalidade que
protege a sociedade anônima e olharam para as personalidades individuais dos membros que a
compõe
A quebra na muralha foi feita. O baluarte medieval tinha sido invadido. A decisão de Marshall, embora
mais tarde desconsiderada e superada - de fato, ele mesmo disse ter indicado sua impaciência com
ela - serviu para indicar que uma perspectiva mais clara frequentemente seguiu em que a rede (ou
como o Sr. Taylor seria provavelmente, a web de cob) da entidade corporativa foi sem medo
escovado de lado.”
98 SILVA, Osmar Vieira da. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. Rio de
100REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. In Revista dos
Tribunais, n. 410, São Paulo, 1969. p.12-24.
47
101 “The decision of the New York Court of Appeals in Booth v. Bunce' is one of the earliest in point. In
that case the members of a financially em barrassed partnership united in forming a manufacturing
tion, under the general incorporation laws. They then transferred to it the property of the partnership. X
was a boina fide creditor of the partnership; Y, of the corporation. The issue was, in sub stance, a
contest between them to secure their respective claims out of certain personal property transferred by
the partnership to the corporation. The court held that the property transferred might be taken on
execution by X, since it appeared that the corporation was formed in bad faith and with the intent to
defraud creditors.” (WORMSER. Maurice. Piercing the veil of the corporate entily. Columbia Law
Review. Nova York: Columbia University Press. n. 12. 1912. p. 498-499).
Tradução livre: “A decisão da corte de apelação de Nova York no caso Booth vs. Bunce foi um dos
primeiros casos. Nesse caso, os membros de uma parceria financeira uniram-se para formar uma
pessoa jurídica segundo as leis gerais de incorporação. Cada empresa então transferiu para a nova
pessoa jurídica seu patrimônio. X era um credor de boa-fé de uma das empresas existente antes da
incorporação. Y era credor da nova pessoa jurídica. A questão, em resumo, foi uma disputa entre X e
Y, para garantir seus respectivos créditos de certos bens pessoais transferidos pela parceria para a
pessoa juridica. O tribunal considerou que a propriedade transferida poderia ser tomada em execução
por X, uma vez que pareceu que a pessoa juridica foi formada de má fé e com a intenção de
defraudar os credores "
Este caso de 1865 é um dos casos citados por Rubens Requião: “No caso “Booth vs. Bunce”, no qual
os sócios de uma sociedade de responsabilidade ilimitada fundaram uma “corporation”, para a qual
transferiram todo o patrimônio das duas primitivas sociedades. O credor da sociedade limitada se
confrontou com o credor da “corporation”. E no litígio judicial surgido entre ambos, se deixou claro,
antes de mais nada, que o primeiro podia dirigir sua ação contra o patrimônio da “corporation”,
embora na realidade êle fôsse credor da sociedade ilimitada.” (REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e
Fraude Através da Personalidade Jurídica. In Revista dos Tribunais, n. 410, São Paulo, 1969).
102 Neste caso ocorrido em 1898 nos Estados Unidos a pessoa física Trebein criou juntamente com
seus familiares uma pessoa jurídica para colocar o patrimônio, e então, desconsiderando-se
inversamente a personalidade jurídica atingiu-se o patrimônio da pessoa jurídica para pagar dívida da
pessoa física: “In First National Bank of Chicago v. Trebein Company, an insolvent individual, one F.
C. Trebein, together with his wife, his daughter, his son-in-law, and his brother-in-law, formed a
corporation and then conveyed to it every vestige of tangible property which he owned. His creditors
insisted and proved that the purpose in creating the corporation was to hinder and defraud them. The
court held that “the corporation was in substance another F. C. Trebein” and that “his identity as owner
of the property was no more changed by his conveyance to the company than it would have been by
taking off one coat and putting on another”. (…); that circumstance quite properly did not deter the
Supreme Court of Ohio from deciding that the corpotarion was “in substance another F. C. Trebein “In
First Bank of Chicago.”
Tradução: "No caso First National Bank of Chicago v. Trebein Company, um indivíduo insolvente, FC
Trebein, juntamente com sua esposa, sua filha, seu genro e seu cunhado, formaram uma pessoa
jurídica e então transferiu todos os bens tangíveis que possuía. Os credores do FC Trebein insistiram
e provaram que o propósito da criação da pessoa jurídica era prejudicá-los e defraudá-los. O tribunal
afirmou que "a pessoa jurídica era substancialmente outro F. C. Trebein" e que "a sua identidade
como dono da propriedade não mudou porque foi transferida para a pessoa jurídica, foi como se
tivesse tirado um casaco e colocado outro". (...). Essa circunstância corretamente não impediu o
Tribunal Supremo de Ohio de decidir que a pessoa jurídica era "substancialmente outro F. C. Trebein"
no First Bank of Chicago ".
48
103 “Na common law, por exemplo, o direito é concebido essencialmente como jurisprudencial (case
law), de tal forma que suas regras são, fundamentalmente, as que se encontram na ratio decidendi
das deliberações tomadas pelos tribunais.
(...)
É fácil perceber, então, que a disregard é um procedimento normal na common law, onde é a análise
do problema concreto que conduz a um princípio especifico, sendo, ao contrário, de difícil aplicação
em sistemas jurídicos fechados, pertencentes à ´família´ romano-germânica, como o brasileiro, em
que se procura fixar um princípio de alcance geral que seja aplicável ao caso em exame. ” (KOURY,
Suzy Elisabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os
grupos de empresas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 79-80).
“A jurisprudência, sobretudo norte-americana, vem aplicando tranquilamente há várias décadas, para
espanto e indignação da doutrina jurídica tradicional, em outros países. Ela tem se ressentido de um
grande causuísmo, verdadeiramente insatisfatório para um sistema jurídico do tipo romano-
germânico, sem dúvida porque se trata em sua maior parte, de uma criação jurisprudencial, na linha
de influência equity e com sua preocupação de justiça do caso concreto, tornando o juiz autentico
criador do direito. ” (COMPARATO, Fabio Konder. O poder de controle da sociedade anônima. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p. 272).
Rubens Requião, entendia ser perfeitamente possível transportar uma teoria nascida em país de
tradição common law a sistemas que de civil law: “Conceituada assim a doutrina, vale perquirir se
pode ela adequar-se a qualquer sistema jurídico, ou é pertinente apenas às peculiaridades do direito
anglo-saxão.
O simples fato de estarmos versando tão interessante tema, numa conferência a que desejamos dar
um cunho prático, deixa transparecer desde já nossa convicção de que não é infenso ao nosso
direito. Aliás, essa mesma preocupação assaltou o Professor Serick, em relação ao direito germânico,
sem o que a tese se tornaria meramente especulativa, divorciada da realidade jurídica de seu país.”
(REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. In Revista dos
Tribunais, nº 410, São Paulo, 1969).
104 SERICK, Rolf. Aparencia y realidad en las sociedades mercantiles. Barcelona: Ariel, 1958.
105 VERRUCOLI, Piero. II superamento della personalitá giuridica delle societá de capitali - nella
106 “A assertiva de que a pessoa da sociedade não se confunde com a pessoa dos sócios é um
princípio jurídico, mas não pode ser um tabu, a entravar a própria ação do Estado na realização de
perfeita e boa justiça, que outra não é a atitude do juiz procurando esclarecer os fatos para ajustá-los
ao Direito”. (Tribunal de Alçada Cível.- Ap. 9.247. 4ª Câm. Cível, rel. des. Edgard de Moura
Bittencourt, Revista dos Tribunais 238/393).
107 REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. In Revista dos
pudesse se pautar: “Não temos lembrança, em nossas constantes peregrinações pelas páginas do
direito comercial pátrio, de haver encontrado doutrina nacional ou estudos sôbre o uso abusivo ou
fraudulento da pessoa jurídica, o que nós daria, se correta nossa impressão, o júbilo de apresentá-la
pela primeira vez, em sua formulação sistemática, aos colegas e aos juristas nacionais, realçando, só
por isso, a nossa frágil e modesta participação nestas homenagens.”, mas não deixa de mencionar a
prévia existência de posicionamento jurisprudencial brasileiro a respeito do tema, mencionando não
só o caso relatado pelo Des. Edgard de Moura Bittencourt, mas também a apelação n. 105.835 (RT,
vol. 343/181.), no mesmo Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo, onde, embora não tenha
ocorrido a desconsideração da personalidade jurídica, o desembargador Bandeira de Mello consignou
nuances da teoria, e o caso da apelação n. 164.678 (RT, vol. 387/138), no qual o autor considera que
houve uma equivocada desconsideração da personalidade jurídica (REQUIÃO, Rubens. Abuso de
Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. In Revista dos Tribunais, n. 410, São Paulo,
1969).
109 “O desprezo das formas de direito das pessoas jurídicas, o ‘Disregard of Legal Entity’, provém de
influências, conscientes e inconscientes, do capitalismo cego, que, chegando a negar, por vezes, a
‘pessoa’ jurídica privada prepara o caminho para negar a ‘pessoa’ do Estado. Tal internacionalismo
voraz e a metafísica da extrema esquerda empregam, de lados opostos, as mesmas picaretas”.
(PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. Tomo L. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1984.p.303)
110 COMPARATO, Fabio Konder. O poder de controle da sociedade anônima. 2. ed. São Paulo:
como diz Cunha Gonçalves, ‘a realização de um fim’ nada mais procedente do que se reconhecer ao
Estado, através de sua justiça, a faculdade de verificar se o direito concedido está sendo
adequadamente usado. A personalidade jurídica passa a ser considerada doutrinariamente um direito
relativo, permitindo ao juiz penetrar o véu da personalidade para coibir os abusos ou condenar a
fraude, através de seu uso.” (REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da
Personalidade Jurídica. In Revista dos Tribunais, n. 410, São Paulo, 1969. p. 44).
112 “O ponto de partida da teoria de Dworkin é uma crítica ao positivismo jurídico (...) Segundo
identificar nenhuma regra jurídica aplicável, a não ser por meio do recurso à discricionariedade
judicial. O juiz, nesses casos, cria direito novo. Dworkin argumenta que, ao lado das regras jurídicas,
há também os princípios. Estes, ao contrário daquelas, que possuem apenas a dimensão da
validade, possuem também uma outra dimensão: o peso. Assim, as regras ou valem, e são, por isso,
aplicáveis em sua inteireza, ou não valem, e portanto, não são aplicáveis. No caso dos princípios,
essa indagação acerca da validade não faz sentido. No caso de colisão entre princípios, não há que
se indagar sobre problemas de validade, mas somente de peso. Tem prevalência aquele princípio
que for, para o caso concreto, mais importante, ou, em sentido figurado, aquele que tiver maior peso.
Importante é ter em mente que o princípio que não tiver prevalência não deixa de valer ou de
pertencer ao ordenamento jurídico. Ele apenas não terá tido peso suficiente para ser decisivo naquele
caso concreto.” (SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma
distinção In Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, 2003. p. 610).
113 “Por se tratar de princípio, a revogação da regra que o explicitava não tem o condão de suprimi-lo
115COMPARATO, Fabio Konder. O poder de controle da sociedade anônima. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1977. p. 273.
52
116 REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. In Revista dos
Tribunais, n. 410, São Paulo, 1969.
117JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. Tradução Izidoro Blinkstein e José Paulo Paes.
TJRS - AI: 70048146252 RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Data de Julgamento:
02/04/2012, Nona Câmara Cível, Diário da Justiça do dia 05/04/2001.
TRT1 - AP: 02286002519965010005 RJ, Relator: Jose da Fonseca Martins Junior, Data de
Julgamento: 23/06/2015, Nona Turma, Data de Publicação: 06/07/2015.
TJSP - Agravo de Instrumento 0479722-72.2010.8.26.0000; Relator (a): Jacob Valente; Órgão
Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 29ª Vara Cível; Data do Julgamento:
19/01/2011; Data de Registro: 02/02/2011.
119 Na doutrina o uso da expressão desconsideração da pessoa jurídica:
de falência. Em ambas as situações o que o credor almeja é receber pelo seu crédito, mas no
primeiro quer que sejam mantidas as atividades da empresa e no segundo a pessoa jurídica será
extinta.
Calixto Salomão Filho trata em ambos os casos há insolvência e não mera impontualidade, mas que
“o real motivo que deve guiar a não vinculação da teoria da desconsideração à falência da sociedade
é teleológico. Desconsideração e falência são conceitos antinômicos. A desconsideração é, como se
verá, exatamente um método para permitir a continuação da atividade social.” (SALOMÃO FILHO,
Calixto. O novo direito societário. São Paulo: Malheiros. 2006. p. 216).
121 No Superior Tribunal de Justiça a expressão aparece em 37 ocorrências em decisões
monocráticas -
http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/toc.jsp?livre=Despersonifica%E7%E3o&&tipo_visualizacao=RES
UMO&b=DTXT&thesaurus=JURIDICO&p=true. Acesso em 04/07/2017).
Como visto, personificação é o ato formal de criação da pessoa jurídica a qual somente deixa de
existir com a sua completa extinção, portanto, considera-se que a expressão despersonificação não
revela, minimamente, a finalidade do instituto.
54
sócios que exerçam suas atividades com excesso de poderes e infração à lei ou ao contrato social, a
´disregard doctrine´ não visa igualmente à desconstituição da pessoa jurídica.” (KOURY, Suzy
Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos
de empresas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 88).
128 Ainda que não seja o escopo do presente trabalho, importante ressaltar que há autores que
O fundamental para tanto, é que a discussão observe o procedimento disciplinado pelos dispositivos
do incidente em exame, respeitando-se a ampla defesa e o contraditório.
Esse entendimento merece ser difundido e aplicado largamente, não cabendo ao intérprete deixar-se
levar pelo nome que o legislador acabou por dar ao instituto, limitando-o por força de sua enunciação
textual. Exigir o incidente para desconsideração da personalidade jurídica (art. 795, §4º) de forma a
sujeitar os bens do ´responsável´ a execução (art. 790, VII) não é excludente de querer sujeitar os
bens dos sócios nos termos da lei (art. 790, II), isto é, para além das hipóteses em que tal
responsabilização funda-se na desconsideração da personalidade jurídica. A exigência feita pelo §4º
do art. 795 apenas para o incidente aqui estudado merece ser interpretada de maneira ampla para
albergar outros casos de responsabilização que não sejam, não se limitem e não se confundam com
aquele instituto de direito material.” (BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella
(Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p.
573).
Vale dizer ainda, que, em uma primeira tentativa de sistematização do incidente de desconsideração
da personalidade jurídica, o PL n. 2.426/2003 de autoria do deputado federal Ricardo Fiuza (PP-PE),
continha do art. 1º a ideia apresentada por Cassio Scarpinella Bueno: “Art. 1º - A desconsideração da
personalidade jurídica, para fins de impugnar obrigação passiva da pessoa jurídica a seu membro,
instituidor, sócio ou administrador obedecerá aos preceitos desta lei. Parágrafo único. Aplica-se,
também, o disposto nesta lei às decisões da justiça comum, federal, estadual, e da justiça do trabalho
que implicarem na responsabilização direta, em caráter solidário ou subsidiário, do membro, do
instituidor, sócio ou administrador pelos débitos da pessoa jurídica.”
129 REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. In Revista dos
hipótese de execução do patrimônio de sócio por obrigação social, cuja a tendência é condicionar o
afastamento do princípio da autonomia a simples insatisfação de crédito perante a sociedade. Trata-
se da teoria menor, que se contenta com a demonstração pelo credor da inexistência de bens sociais
57
e da solvência de qualquer sócio, para atribuir a obrigação da pessoa jurídica.” (SILVA, Osmar Vieira
da. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. Rio de Janeiro: Renovar,
2002. p. 102).
131 Concebe-se também a classificação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica como
indireta e expansiva, que seriam situações para atingir sócios ocultos e grupos econômicos.
O que importa ao presente estudo, é que essas formas de classificação devem ser requeridas via
incidente. Nesse sentido o enunciado 11 da I Jornada de Direito Processual Civil organizada pelo
Conselho da Justiça Federal (CJF), sob a coordenação do Ministro do STJ Mauro Campbell
Marques: “Aplica-se o disposto nos arts. 133 a 137 do CPC às hipóteses de desconsideração indireta
e expansiva da personalidade jurídica.”
Ver o informativo 732/STF no qual consta a utilização da nomenclatura desconsideração expansiva
no julgamento do MS 32.494-MC/DF, relator Min. Celso de Mello, DJe de 13.11.2013.
132 Embora exista entendimento de que a Consolidação das Leis Trabalhistas exacerbaria a
desconsideração da personalidade jurídica pelo prisma da teoria menor, mormente porque muitas
vezes os Tribunais assim aplicam a disregard doctrine, ou seja, focados exclusivamente no
inadimplemento da pessoa jurídica, considera-se que não se trata expressamente da teoria menor.
Vale dizer que o art. 2º, §2º da CLT traz situação de desconsideração da personalidade jurídica em
decorrência da formação de grupos econômicos, que é diferente da aplicação da teoria menor, mais
se adequando a classificação de desconsideração expansiva.
133 “Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em
detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato
ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando
houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados
por má administração.”
“§ 5.º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de
alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”
134 Art. 18: “a personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser
desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei,
fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será
efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa
jurídica provocados por má administração”.
58
135 art. 4º: “poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo
ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.”
136 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. Tomo L. São Paulo:
consumidor, como hipossuficiente, conseguir demonstrar os requisitos do art. 50 do CC. Ocorre que o
teor do artigo 50 surgiu no Código Civil de 2002, 12 anos após o Código de Defesa do Consumidor.
De toda sorte, nunca é demais lembrar o longo período que o projeto de Código Civil permaneceu em
discussão, de maneira que, em 1990, como se verá mais adiante, já era possível saber as intenções
legislativas referente a desconsideração da personalidade jurídica. Destaca-se as palavras da autora
mencionada: “O legislador ordinário, ao elaborar o Código de Proteção e Defesa do Consumidor,
procurou estabelecer pressupostos que facilitassem a aplicação do instituto em benefício dos
vulneráveis. Isso porque os requisitos previstos no art. 50 do Código Civil pátrio suscitariam dos
consumidores diligências que se apresentam facilmente executáveis. Seria muito difícil para o
consumidor conseguir identificar a ocorrência de desvio de finalidade por parte da empresa, visto que
o público, em geral, não tem acesso aos atos constitutivos dos fornecedores sem maiores
dificuldades e obstáculos. Quanto à mescla indevida de bens dos sócios com os da empresa, ainda
mais difícil apresenta-se a possibilidade de o consumidor tomar conhecimento do fato e denunciá-lo
ao Poder Judiciário.” (SILVA, Joseane Suzart Lopes da. O incidente de desconsideração da
personalidade jurídica no novo CPC e a efetiva proteção dos consumidores In Revista de Direito do
Consumidor. Vol. 113, 2017. p. 213-248).
138 “Cabe, porém, falar em formulação menor, e não em desconhecimento dos exatos pressupostos
da teoria da desconsideração, por uma questão de método. Em outros termos, não seria propositado
apenas dizer que os juízes brasileiros, em momentos de descuido, não se dedicaram ao prévio e
suficiente estudo da matéria e passaram a fazer apressado e inadequado uso da expressão
‘desconsideração’.
(...)
A rigor, como a teoria maior nasce do esforço doutrinário, realizado a partir de decisões judiciais, o
mesmo método, adotado em vista da jurisprudência brasileira, conduziria ao resultado de uma
formulação diferente da teoria. Conforme já assinalado, o objetivo da investigação de Serick era a
identificação do critério a partir do qual os juízes norte-americanos consideravam-se autorizados a
ignorar a separação patrimonial entre sociedade e sócios. Assim, valendo-se do mesmo argumento, a
59
No que diz respeito a teoria menor cumpre esclarecer que tal formulação
não guarda relação com as construções doutrinárias da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica feitas por Rolf Serick, Piero
Verrucoli, Rubens Requião, Fabio Konder Comparato e Fabio Ulhoa Coelho,
citadas anteriormente. A chamada ´teoria menor´ é resultado da decretação
afobada da desconsideração da personalidade jurídica, pelo simples fato de
o credor não ter logrado êxito em receber o que lhe é devido, sem haver
qualquer indagação sobre a ocorrência de fraude, abuso de direito ou
confusão patrimonial. Por isso mesmo, tal formulação receber o adjetivo,
certamente pejorativo, de ´menor´: ausência de fundamentos teóricos e
doutrinários minimamente elaborados para sua aplicação no caso
concreto.140
Realmente a teoria menor não reflete as origens dos países de common law,
nem tampouco tem por base a doutrina de Rolf Serick e Rubens Requião, visa, em
verdade, proteger o hipossuficiente (no caso do consumidor), e colocar situações
consideradas de maior relevância (ambiental e ordem econômica), acima da teoria
da pessoa jurídica.
doutrina brasileira, ao se debruçar sobre os julgados relativos ao assunto proferidos pela Justiça
nacional, deve concluir que alguns juízes brasileiros se entendem autorizados a desconsiderar o
princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica tendo por pressuposto unicamente a frustração
do credor da sociedade.” (COELHO, Fabio Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da
desconsideração. In Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. Vol. 65, São Paulo:
Revista dos Tribunais, Jul. - Set. 2014. p. 21-30).
139 COELHO, Fabio Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. In Revista de Direito
Bancário e do Mercado de Capitais. Vol. 65, São Paulo: Revista dos Tribunais, Jul.- Set. 2014. p. 21-
30.
140 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2011. p. 71.
60
Ainda que seja uma criação nacional que se afasta das origens da disregard
doctrine, mais de 27 anos após a promulgação do Código de Defesa do
Consumidor, a aplicação da teoria menor é uma realidade141, tendo os Tribunais
pátrios adotado inclusive a denominação, como no célebre caso do Recurso
Especial n. 279.273/SP142 que analisou o caso da explosão de um shopping center
em Osasco.
No referido caso, o Ministério Público propôs ação em face da pessoa jurídica
causadora do dano e, também dos administradores, esses últimos ocupando o polo
passivo por ser, segundo o Código de Defesa do Consumidor, situação que
ensejaria a desconsideração da personalidade jurídica, pois, embora não existisse
141 É uma realidade que ganhou força não só na doutrina e na jurisprudência, fomentando a criação
de novas leis, como a a Lei n. 12.529/11 que no art. 34 também consagrou a teoria menor: “Art. 34. A
personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada
quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou
violação dos estatutos ou contrato social.
Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de
insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.”
142 “Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-
SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa.
Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos
sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos
causados aos consumidores. Art. 28, § 5º.
- Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao
Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses
individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum.
- A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada
com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas
obrigações.
Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria
subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da
desconsideração).
- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no
Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa
jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de
finalidade ou de confusão patrimonial.
- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado
pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta,
ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer
prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da
pessoa jurídica.
- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese
autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à
demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a
mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos
consumidores.
- Recursos especiais não conhecidos.”
(STJ - REsp 279.273/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/12/2003, DJ 29/03/2004, p. 230).
61
143 O ministro Ari Pargendler, relator do caso, asseverou que os administradores não poderiam ser
atingidos por desconsideração da personalidade jurídica, pois, embora o §5º do art. 28 do CDC
excluísse a necessidade de existência de abuso da personalidade jurídica, a interpretação deveria ser
em conjunto com o caput do art. 28 do CDC. Para dar respaldo ao seu posicionamento, o ministro
destacou as lições de Cândido Rangel Dinamarco, no sentido de que o caput do art. 28 do CDC não
traz situação diversa de desconsideração, mas na verdade de responsabilização direita dos sócios:
"Na realidade o caput do art. 28 está cuidando da responsabilidade direta dos sócios, em matéria que
conceitualmente não se integra no fenômeno da desconsideração da personalidade jurídica. É regra
comum de direito societário a de que os sócios respondem em nome próprio (e não por
desconsideração) quando atuem com abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, violação
dos estatutos societários ou quando pratiquem, na qualidade de sócios, certos atos ilícitos. Tal
ilicitude é sempre de direito societário e, para ter a consequência descrita no art. 28, sequer seria
necessário este" (parecer – fl. 1.692/1.693, 9º vol.). E concluiu: "... quando a lei manda desconsiderar
a personalidade jurídica como meio de remover obstáculos ao ressarcimento (CDC, art. 28, § 5º) as
formas pelas quais se houverem criado tais obstáculos não podem ser os mesmos fatos dos quais
haja emergido a obrigação de indenizar. Interpretação contrária significaria – tanto quanto a que se
repudiou no tópico precedente – haver por derrogada a regra da autonomia das pessoas jurídicas em
face dos sócios (CC, art. 20) e a limitação da responsabilidade nas sociedades anônimas ou por
quotas" (parecer, fl. 1.694, 9º vol.).”
Acompanhou o voto do relator o ministro Carlos Alberto Menezes Direito para quem “a expressão ‘de
alguma forma’ deve ser interpretada na linha mestra da doutrina, ou seja, para evitar que o devedor,
por manobra ilícita, escape da obrigação de pagar o que é devido.”, portanto, o §5º do art. 28 do
CDC, para o ministro Carlos Alberto Menezes Direito não deveria ser interpretado como dispensando
por completo posturas ilícitas.
62
confusão patrimonial. Para os casos que podem se submeter a teoria menor, basta
provar a insolvência da pessoa jurídica, o que pode ser feito no bojo do processo
principal. Dessa forma, à primeira vista, parece desnecessária a instauração do
incidente144.
Embora não se mostre necessária do ponto de vista de organização e
produção de provas, se trata de situação excepcional onde um terceiro (sócio)
passará a responder com seu patrimônio por dívida alheia (da pessoa jurídica).
Destarte exista a divisão entre teoria menor e teoria maior, não há qualquer
dissenso de que ambas se referem a desconsideração da personalidade jurídica. A
qualificação como menor ou maior da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica existe tão somente em relação aos requisitos necessários para atingir um
mesmo objetivo: alcançar patrimônio de sócio para responder por dívidas sociais.
Sendo uma mesma finalidade, seja a teoria menor ou a maior, deve haver
respeito ao mecanismo processual145, mormente por que há apenas alteração do
144 “Assim é que basta o estado de insolvência da pessoa jurídica para que o patrimônio pessoal dos
gestores responda pelas obrigações contraídas, despicienda a investigação do elemento subjetivo.
Vale dizer, a teoria objetiva da desconsideração da personalidade jurídica dispensa qualquer dilação
probatória, de modo que se assemelha a uma hipótese de responsabilidade secundária dos sócios,
aplicando-se, analogicamente, o procedimento disposto no art. 795 do CPC/2015.
De sorte que a instauração do incidente, nessas hipóteses, mostra-se desnecessária e inútil,
considerada a objetividade dos critérios adotados pela teoria objetiva.” (JORGE, Leonardo de Moura
Landulfo; JUNQUEIRA, Fernanda Antunes Marques. O incidente de desconsideração da
personalidade jurídica e a sua aplicabilidade no âmbito da processualística do trabalho: uma breve
incursão a respeito das teorias subjetiva e objetiva. In Revista de Direito do Trabalho Vol. 171, São
Paulo: Revista do Tribunais. Set-out. 2016. p. 35 – 56).
145 A jurisprudência segue nesse sentido: “AGRAVO DE INSTRUMENTO - Execução de Sentença -
diploma legal (e consequentemente dos requisitos), mas que pode ser modificado ao
longo do processo146, o que acarretaria em outros problemas.
Portanto, também para evitar eventuais problemas procedimentais contrários
a celeridade e economia processuais, em qualquer caso de desconsideração da
personalidade jurídica, ainda que a princípio submetidos a teoria menor, deve ser
instaurado o incidente.
Defesa do Consumidor, mas observa-se que a qualificação da relação como de consumo foi
equivocada, de forma que eventual pedido de desconsideração da personalidade jurídica deve se
pautar no Código Civil. Se fosse dado tratamento processual diverso para aplicação da teoria maior e
da teoria menor, certamente a situação descrita traria problemas, não só de ordem processual
estrutural (necessidade de instaurar o incidente), mas com reflexos práticos (momento de se
considerar a instauração do incidente como dies quo para fraude à execução).
64
147 “A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica não é uma teoria contrária à
personalização das sociedades empresárias e à sua autonomia em relação aos sócios. Ao contrário,
seu objetivo é preservar o instituto, coibindo práticas fraudulentas e abusivas que dele se utilizam.
A indisfarçável preocupação dos estudiosos do assunto diz respeito à reafirmação do princípio da
autonomia. Os pressupostos da desconsideração são a pertinência, a validade e a importância das
regras que limitam, ao montante investido, a responsabilidade dos sócios por eventuais perdas nos
insucessos da empresa, regras que, derivadas do princípio da autonomia patrimonial, servem de
estimuladoras da exploração de atividades econômicas, com o cálculo do risco.” (COELHO, Fabio
Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. In Revista de Direito Bancário e do
Mercado de Capitais. Vol. 65, São Paulo: Revista dos Tribunais, Jul. - Set. 2014. p. 21-30).
148 José Carlos Moreira Alves foi nomeado no ano de 1972 como Procurador Geral da República, no
ano de 1975 tornou-se ministro do Supremo Tribunal Federal ocupando o cargo até o ano de 2003,
quando atingiu o limite máximo de idade.
65
A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins estabelecidos no ato
constitutivo, para servir de instrumento ou a práticas de atos ilícitos, ou
abusivos, caso em que poderá o juiz, a requerimento de qualquer dos
sócios ou do Ministério Público, decretar a exclusão do sócio responsável,
ou tais sejam as circunstâncias, a dissolução da entidade.
Parágrafo único – Neste caso sem prejuízo de outras sanções cabíveis,
responderão conjuntamente com os da pessoa jurídica, os bens pessoais
do administrador ou representante que dela tiver se utilizado de maneira
fraudulenta ou abusiva, salvo se norma especial determinar a
responsabilidade solidárias de todos os membros da administração .
Nosso Código Civil149 contém, por exemplo, preceitos muitos sucintos sobre
a vida das associações. É uma das partes mais frágeis da codificação atual.
Sentimos que era preciso dar a essa matéria uma disciplina mais chegada
as exigências da concreção jurídica que caracteriza nosso tempo. Não
abandonamos o princípio que estabelece a distinção entre a pessoa jurídica
e os seus membros componentes, mas também não convertemos esse
princípio em tabu, até o ponto de permitir sejam perpetrados abusos em
proveito ilícito dos sócios e em detrimento da comunidade.
A todo instante nos deparamos com essa triste realidade, um dos
subprodutos da economia de consumo. Indivíduos há que organizam
empresas comerciais, e, valendo-se de técnicas modernas de propaganda,
sob a proteção da personalidade jurídica distinta, realizam vultuosas
operações, cujos resultados são imediatamente postos em seus nomes
individuais: a empresa quebra, mas os sócios enriquecem às custas dos
incautos. Cumpre, pois, pôr um paradeiro nesse estado das coisas, fazendo
que que o patrimônio pessoal dos sócios, que agirem dolosamente,
respondam pelas dívidas sociais, ainda que a sociedade seja de
responsabilidade limitada.150
Nota-se nas palavras de Miguel Reale que a intenção era realmente que o
sócio passasse a responder com seu patrimônio, e não que fosse punido
pessoalmente, no entanto, a redação original passava mensagem de punição
societária (“decretar a exclusão do sócio responsável”). A redação constante no PL
634/75 não refletia a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. O caput
falava em dissolução da entidade, que é exatamente o que não se busca na teoria
151 “O art. 50 do Projeto vai além da desconsideração da personalidade jurídica, pois admite, “tais
sejam as circunstâncias, a dissolução da entidade”. Mas o art. 51 trata dos “casos de dissolução da
pessoa jurídica “ou da cassação da autorização para seu funcionamento.” Convém, portanto,
caracterizar a “desconsideração” em artigo substitutivo. A evolução do direito e a preocupação do
legislador de preservar critérios éticos no conjunto das associadas recomendam essa caracterização
num Código Civil novo.
Os doutrinadores que julgam essa providência admissível no direito brasileiro salientam, geralmente,
que ela não envolve “a anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas apenas, a
declaração de sua ineficácia para determinado efeito em caso concreto” (Rubens Requião, Abuso de
Direito e Fraude através da Personalidade Jurídica, in Rev. dos Tribunais, Vol. 410, dez. 1969, p. 12,
cit. p. 17). Vale dizer: cumpre distinguir entre despersonalização e desconsideração da personalidade
jurídica. Nesta, “subsiste o princípio da autonomia subjetiva da pessoa coletiva, distinta da pessoa de
seus sócios ou componentes, mas essa distinção é afastada, provisoriamente e tão-só para o caso
concreto” (Fábio Konder Comparato, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, 3ª ed., Forense,
1983, p. 283). Demais, não basta que haja suspeita de desvio de função, para que se aplique o grave
princípio. Conforme advertiu professor Lamartine Corrêa de Oliveira, “não podem ser entendidos
como verdadeiros casos de desconsideração todos aqueles casos de mera imputação de ato”: é
necessário fazer com que a imputação se faça com predomínio da realidade sobre a aparência (A
Dupla Crise da Pessoa Jurídica, Saraiva, 1979, p.p. 610 e 613).
(...)
Consultamos um estudioso da matéria, com trabalho já publicado, professor Fábio Konder
Comparato, submetendo-lhe esboço do dispositivo. Assinalando, também, a necessidade de
diferençar despersonalização e desconsideração, o ilustre professor concorreu, valiosamente, para a
configuração tentada. Acentou, inclusive, que “a causa da desconsideração da personalidade jurídica
não é, apenas o desvio dos fins estabelecidos no contrato social ou nos atos constitutivos. O abuso
pode também consistir na confusão entre o patrimônio social e o dos sócios ou administradores ainda
que mantida a mesma atividade prevista, estatutária ou contratualmente. Justificou a menção, no
texto, ao Ministério Público, visto que “ele também pode intervir no processo sem ser parte”.
Buscando contornos claros, ressaltou: “É preciso deixar bem caracterizado o fato de que os efeitos da
desconsideração da personalidade jurídica são meramente patrimoniais e sempre relativos a
obrigações determinadas, pois a pessoa jurídica não entra em liquidação. A menção genérica a
“relações de obrigação justifica-se pelo fato de que o direito do demandante pode ser fundado em um
direito civil e não em contrato.” Em conclusão, observou: “Finalmente, a fórmula sugerida – extensão
dos efeitos obrigacionais aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica –
visa a superar a discussão sobre se esta resposta ou não, conjuntamente com os sócios ou
administradores. Na prática, como é obvio, recorre-se à superação da personalidade porque os bens
da pessoa jurídica não bastam para satisfazer a obrigação.” Daí o artigo substitutivo proposto
corresponder ao texto elaborado pelo douto professor, apenas empregado o vocábulo processo e não
“feito”, dada a proximidade da palavra “efeitos.” (LIMA, João Alberto de Oliveira; PASSOS Edilenice.
Memória Legislativa do Código Civil. Tramitação no Senado Federal, vol. 3. Brasília: Senado Federal,
2012. p. 247-248).
O deputado Ricardo Fiuza quando o projeto retornou a Câmara dos Deputados deu parecer
favorável: “Nessa linha de entendimento, a redação da emenda afigura-se mais consentânea à
construção da doutrina, melhor adequando a idéia do legislador ao normatizar a desconsideração da
pessoa jurídica. Demais disso, o texto proposto mais se coaduna com o alcance de permitir seja a
doutrina consolidada, em seus fins, pela prestação jurisdicional. Pela aprovação da emenda,
mediante subemenda de redação, deslocando-se a vírgula constante após a expressão “Ministério
Público” para sua colocação após o vocábulo “parte”, afastando a ambigüidade do texto, certo que a
67
a redação do artigo 50, que embora só tenha sido promulgada no ano de 2002,
desde 1984 já existia de forma latente.
O art. 50 do CC conseguiu refletir a teoria nascida nos países de common
law, primeiro pontuando de maneira objetiva o que seria abuso da personalidade
jurídica152 (desvio de finalidade153 e a confusão patrimonial154), e, segundo,
esclarecendo o fato de que o sócio responderá com seu patrimônio. Portanto, a
finalidade da desconsideração da personalidade jurídica é a quebra da autonomia
patrimonial, e não uma pura e simples punição do sócio que apresenta conduta
indevida.
Conclui-se que seja a teoria maior ou menor da desconsideração da
personalidade jurídica, a finalidade é a mesma, quebra da autonomia patrimonial,
apenas diferenciando-se em relação aos requisitos.
Infelizmente, o que deveria ser uma exceção, passou a ser a regra, e
observou-se de maneira crescente ao longo dos anos que o mero prejuízo, até
mesmo em casos que notadamente se submeteriam a teoria maior, já era suficiente
para invadir o patrimônio dos sócios. E isso, sem antes dar a oportunidade desses
sócios se defenderem. Penhorava-se bens e depois os sócios (e até ex-sócios)
ficavam a mercê de apresentarem embargos de terceiro ou embargos à execução
expondo as razões pelas quais não poderia sofrer o redirecionamento.
Havia uma verdadeira crise da desconsideração da personalidade jurídica.
parte intervém no processo, pela sua qualidade no composto litigioso enquanto que o órgão
ministerial atua, como custos legis sempre nas hipóteses previstas em lei.” (LIMA, João Alberto de
Oliveira; PASSOS Edilenice. Memória Legislativa do Código Civil. Tramitação no Senado Federal, vol.
3. Brasília: Senado Federal, 2012. p. 297).
152 O enunciado 146 aprovado na III Jornadas de Direito Civil ocorrida em 2004 tratou: “Nas relações
da matéria, a começar pelo Código Civil, é um procedimento de exceção e não uma regra geral.
Logo, só deve ser usada quando houver simulação, fraude, confusão patrimonial ou abuso da
personalidade jurídica.
Sua aplicação é mais do que válida para as pessoas jurídicas onde o patrimônio da empresa se
confunde com o patrimônio dos sócios.
(...)
Entretanto, tem havido um certo açodamento no uso da desconsideração da personalidade jurídica,
principalmente pela Justiça do Trabalho. A desconsideração muitas vezes tem sido decretada logo no
início da reclamação trabalhista.” (FERREIRA. Luiz Eduardo Martins. Desconsideração da
personalidade jurídica: uso e abuso. In Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. vol. 41.
Jul.-Set. 2008. p. 127 – 132).
157 SILVA, Osmar Vieira da. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. Rio de
159NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Método,
2012. p. 859.
SHIMURA, Sérgio. Título executivo. 2. ed. São Paulo: Método. 2005. p. 78.
71
Contrário, considerando que se trata de instituto de direito material, Leonardo Greco: “O direito civil
distingue em toda obrigação dois elementos: o débito e a responsabilidade. O débito é o dever de
cumprir a obrigação. A responsabilidade a destinação dos bens a garantir a satisfação coativa do
direito do credor. Ambos os elementos integram o direito material. (...) A regra do art. 591 do CPC
[atual art. 789], é portanto, de direito material.” (GRECO, Leonardo. O processo de execução, vol. 2.
Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 7-8).
No mesmo sentido Marcelo Abelha: “A responsabilidade patrimonial, é, sem dúvida, ontologicamente,
um instituto de direito material, um direito potestativo do credor, instrumental e garantidor de dívidas
contra inadimplemento do devedor, e que nasce junto com a obrigação, mas somente incide quando
acontece o seguinte fato jurídico (inadimplemento).” (ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. 6.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 79).
De fato, a responsabilidade patrimonial mostra-se como instituto processual, pois o sistema brasileiro
não contempla, via de regra, formas de expropriação extrajudicial. No entanto, interessante notar que
se trata dos dois lados de uma mesma moeda. A moeda é o negócio jurídico, quando há cumprimento
voluntário da obrigação não há consequência jurídica e quando não ocorre, surge dívida que enseja
responsabilidade patrimonial. A consequência jurídica de uma mesma situação (negócio jurídico) não
pode ter qualificações diferentes. Destarte, por essa dívida não poder ser satisfeita coercitivamente
sem um processo, a responsabilidade patrimonial acaba por ser considerada como instituto de direito
processual.
160 Rogerio Licastro Torres de Mello acentua que a responsabilidade sem dívida deve ser vista do
ponto de vista do credor, que não fica adstrito a satisfação através de uma única pessoa: “Essa
desvinculação entre os conceitos de dívida e responsabilidade antes inimaginável porque
naturalmente a responsabilidade pelo inadimplemento sempre foi vista como do devedor originário,
mostra-se muito mais compreensível se analisada pelo enfoque do credor, aquele que espera o
adimplemento da obrigação pelo devedor.” (MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Responsabilidade
executiva secundária. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 77).
161 “O direito brasileiro é um dos poucos sistemas que não restringem a responsabilidade patrimonial
à pessoa do devedor. Por força do disposto no artigo 592 do Código de Processo Civil, ficam também
sujeitos à execução os bens, dentre outros, dos sócios, nos termos da lei, em diversas situações.”
(TUCCI, Rogerio Cruz e. Finalmente a definição da desconsideração da personalidade jurídica no
STJ. In Revista Consultor Jurídico. https://www.conjur.com.br/2015-fev-24/paradoxo-corte-definicao-
desconsideracao-personalidade-juridica-stj 24/02/2015. Acesso em 10/08/2017).
162 “O nascedouro da teoria da dissociação entre dívida e responsabilidade como elementos insertos
no conceito de obrigação assumiu contornos mais claros, como dito, nas últimas décadas do século
XIX e início do século XX, e seus primeiros traços se devem a Brinz (1874), tendo também sido
evidenciada essa distinção com Von Amira (1882) e Gerke (1910), os quais sustentaram que dívida e
responsabilidade constituem dois conceitos distintos, que podem se apresentar de maneira conjunta
(em que se confundem devedor e responsável), mas também podem aflorar divorciadamente, sendo
possível, por conseguinte, a existência de uma dívida sem responsabilidade ou com responsabilidade
72
limitada, ou mesmo uma responsabilidade sem dívida.” (MELLO, Rogerio Licastro Torres de.
Responsabilidade executiva secundária. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 73).
163 Esta divisão entre dívida e responsabilidade já se encontrava presente no Código de Processo
Civil de 1939. Alfredo de Araujo Lopes da Costa assim sintetizou: “Só os bens do devedor estão
sujeitos a execução. É a regra. Há porém, exceções. O patrimônio de terceiro é às vezes atingido
pela execução. A obrigação e a responsabilidade se distinguem.” (LOPES DA COSTA, Alfredo de
Araujo. Direito Processual Civil Brasileiro Vol. IV. Rio de Janeiro: Forense, 1959. p. 135).
164 “Como o devedor não pode ser física e corporalmente coagido a cumprir a obrigação, é o seu
patrimônio que responde, em última análise pela satisfação do débito. Nota-se então um
desdobramento da obrigação em dois elementos distintos: a) um de caráter pessoal que é a dívida
(schuld); b) outro de caráter patrimonial, que é a responsabilidade (haftung), e que traduz pela
sujeição do patrimônio a sofrer a sanção civil. Normalmente esses dois elementos reúnem-se em uma
só pessoa, o devedor, sendo certo que não pode existir dívida sem responsabilidade. Mas o reverso é
possível, ou seja, o patrimônio de uma pessoa pode responder pela obrigação sem ser o devedor,
nesse particular o que há é sujeição e não propriamente obrigação.” (SHIMURA, Sérgio. Título
executivo. São Paulo: Método, 2005. p. 78).
165 A respeito de dívida sem responsabilidade há a dívida prescrita, o débito não deixa de existir
Licastro Torres de. Responsabilidade executiva secundária. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.
2015. p. 72).
167 Marcelo Abelha considera que a divisão entre dívida e responsabilidade somente surgiu quando
pelo recebimento de dívida, tal como ocorre com as execuções indiretas, dando como exemplo a
situação de prisão do devedor de alimentos. (ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. 6. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2016. p. 73).
Pode-se dizer que essa situação ganhou relevo com o Código de Processo Civil 2015 e as formas
atípicas de execução indireta (art. 139, IV). Não se trata propriamente de uma responsabilidade
pessoal, pois o débito não se esvai, no entanto, não deixa de ser uma maneira, talvez ainda mais
severa, uma vez o indivíduo além de ter privado direitos pessoais permanece com a dívida, em que
não há um caráter puramente patrimonial.
Ver: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de
obrigação de pagar quantia certa – art. 139, IV, do Novo CPC. In Revista de Processo. Vol. 265, Mar.
2017. p. 107-150; BRAGA, Paula Sarno. CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER JR., Fredie.
OLIVEIRA. Rafael Alexandria. Diretrizes para a concretização das cláusulas gerais executivas dos
arts. 139, IV, 297, 536, §1º, CPC. In Revista de Processo. Vol. 267, Mai. 2017. p. 227-272.
169 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Método,
2012. p. 860.
170 “O art. 591 culmina notável evolução história. Rompendo com as tradições romano-germânicas,
Ser devedor é ter ligação com a relação de direito material que originou a
dívida, e o responsável não necessariamente terá essa ligação172.
Quando uma mesma pessoa for devedora (Schuld) e seus bens responsáveis
(Haftung) estar-se-á diante de uma responsabilidade patrimonial primária. Mas,
quando não houver essa identidade, e o patrimônio que responder for de pessoa
que não era obrigada, estar-se-á diante de uma responsabilidade secundária. Tal
regramento consta expressamente nos artigos 789 e 790 do CPC, respectivamente.
Sergio Shimura ao comentar o art. 790 esclarece:
O art. 789, ao preconizar que o ´devedor´ responde com seus bens, está
dispondo sobre a dívida, sobre a responsabilidade patrimonial executiva
´primária´ do próprio partícipe da relação de direito material. Porém ao lado
da responsabilidade do próprio devedor, é possível que bens de terceiro
venha a ser afetados na execução. É a chamada responsabilidade
patrimonial ´secundária´.173
171 CÂMARA JUNIOR, José Maria. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR. Fredie;
TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo
Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1892.
172 “A responsabilidade patrimonial consiste na possibilidade dos bens de determinada pessoa serem
submetidos à expropriação executiva, pouco importando seja ela devedora, garante ou estranha ao
negócio substancial.” (CÂMARA JUNIOR, José Maria. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER
JR. Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de
Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1894).
173 SHIMURA, Sergio. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 3. BUENO, Cassio Scarpinella
174 CÂMARA JUNIOR, José Maria. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR. Fredie;
TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo
Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1894-1895.
175 “É evidente que o representante da pessoa jurídica não agiu nos limites dos poderes a ele
conferidos para praticar o ato ilícito, pois entre os poderes de representação, por óbvio, não figurava
aquele para agir com dolo ou culpa. Conclui que, analisando o problema sob esse enfoque que, seria
o representante, e não a pessoa jurídica, o responsável pelo ato ilícito praticado em nome desta.”
(BRUSCHI, Gilberto Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2009. p. 9).
176 PARENTONI, Leonardo Netto. Desconsideração contemporânea da personalidade jurídica –
dogmática e análise científica da jurisprudência brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2014;
SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. São Paulo: Malheiros. 2006; SOUZA, André
Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011.
177 “Com efeito, na desconsideração da personalidade jurídica o sujeito desconsiderado não é
Isto porque o sócio que desrespeita a autonomia patrimonial como centro de decisões, agindo como
se fosse titular de poder direto de disposição sobre o patrimônio social (ao invés de exercer simples
direito creditório), atrai para sua esfera de responsabilidade pessoal as consequências desse tipo de
conduta.” (PARENTONI, Leonardo Netto. Desconsideração contemporânea da personalidade jurídica
– dogmática e análise científica da jurisprudência brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 57).
178 “Quanto às questões de responsabilidade, (...) é possível e útil definir um método. Para precisá-lo,
é necessário fazer certas exclusões. A desconsideração entendida como método não pode ser
confundida com uma aplicação da teoria dualista da obrigação, ou seja, da imputação da
responsabilidade a pessoa diferente do devedor. (...) Característica fundamental da responsabilidade
sem dívida é a possibilidade de ressarcimento do sujeito obrigado a pagar perante o devedor. Nas
hipóteses de desconsideração aventadas, evidentemente não é possível imaginar a possibilidade de
ressarcimento do sócio perante a sociedade. Até mesmo do ponto de vista equitativo. Basta pensar
que, em se admitindo o regresso do sócio contra a sociedade, essa seria onerada por uma situação
que teve como beneficiário apenas o acionista controlador. Não é esse, portanto, o elemento
distintivo da desconsideração. Nela, o sujeito responde por dívida própria, decorrente não de um ato,
mas de uma atividade abusiva. Trata-se de uma responsabilidade societária, que não pode ser
confundida com a responsabilidade civil, nem tampouco com responsabilidade civil aplicada ao direito
societário.” (SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 201-
202).
179 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2.
180 Mais adiante se verá que não se insere em nenhuma das categorias, não é responsabilidade civil,
nem responsabilidade societária, mas sim responsabilidade patrimonial (cunho processual e não
material).
181 Também consideram que a responsabilidade do sócio em caso de desconsideração da
personalidade jurídica é secundária: ASSIS, Araken de. Manual da execução. 19. ed. São Paulo:
Saraiva, 2017; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Responsabilidade executiva secundária. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015; YARSHELL, Flavio Luiz. In CABRAL, Antonio do Passo;
CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:
Forense. 2015; VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC.
Salvador: Juspodivm, 2016.
182 Andre Pagani de Souza, que considera que o sócio passa a ser devedor, traz em sua obra o
seguinte exemplo: uma pessoa jurídica, JM Ltda, formada por dois sócios, João e Maria, faz um
empréstimo, e com este empréstimo em vez de investir na empresa, o sócio João utiliza o dinheiro e
constrói uma casa para ele. Ao executar o empréstimo inadimplido verifica-se que a pessoa jurídica
não tinha bens, e por haver confusão patrimonial desconsidera-se a personalidade jurídica, e a casa
do João é utilizada para adimplir a dívida. Conclui o autor que: “Ao aplicar a teoria da
78
patrimonial pode ocorrer que o sócio seja beneficiado pelo ato caracterizador do
abuso da personalidade jurídica, no desvio de finalidade seu patrimônio pode ser
atingido ainda que não tenha qualquer benefício, ainda que seu patrimônio não
tenha sofrido qualquer enxerto indevido da pessoa jurídica183.
Embora possa haver coincidência entre o ato que fomentou o pedido de
desconsideração da personalidade jurídica (negócio inadimplido) e o ato que
autoriza a desconsideração da personalidade jurídica (abuso da personalidade
jurídica), essa não é a regra, ao contrário, na prática é pouco verificável.
Por exemplo, uma pessoa jurídica faz uma compra de R$ 1.000.000,00 (um
milhão de reais) e deixa de pagar, e, quando o credor vai cobrar a dívida constata
que não havia bens em nome da pessoa jurídica. Esse credor verifica que mesmo
sem patrimônio, a pessoa jurídica continua ativa no mercado, sem qualquer
evidência de crise, e, para completar, os sócios ostentavam alto padrão de vida. Há
nessa situação indício de confusão patrimonial que é requisito para desconsiderar a
personalidade jurídica.
Ainda com base na hipotética situação acima descrita, a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica não visa anular o ato de compra e venda,
nem tampouco considerar que foi a pessoa física do sócio a real realizadora do ato
em seu nome próprio, as razões são externas, provenientes de outro ato do devedor
(confusão patrimonial). Pode inclusive serem sócios diversos, por exemplo, o sócio
“A” é responsável por fazer transações em nome da empresa e firmou o contrato de
compra e venda, e o sócio “B” responsável pelo financeiro e pratica atos de confusão
patrimonial.
Se pensar que com o levantamento do véu, a pessoa física passaria a ser
vista como a real realizadora do ato praticado pela pessoa jurídica e que causou
prejuízo, o sócio “A” é que teria o patrimônio invadido, no entanto não é desta
maneira que ocorre. Versa o enunciado 7 da I Jornadas de Direito Civil ocorrida em
2002 que: “Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver
a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela
hajam incorrido.” Ou seja, quem deve sofrer as consequências da desconsideração
da personalidade jurídica é quem efetivamente abusou da personalidade jurídica,
restando incólume as características do negócio jurídico inadimplido. No exemplo,
quem deverá sofrer invasão do patrimônio com a desconsideração da personalidade
jurídica é sócio “B” e não o sócio “A”.
O que motiva o pedido de desconsideração é um débito não honrado e o que
autoriza a personalidade jurídica ser desconsiderada é o abuso, verificável por
qualquer ato que seja.
Não basta existir um crédito não honrado para pedir a desconsideração da
personalidade jurídica, é preciso que, paralelamente ao não cumprimento da
obrigação por parte da pessoa jurídica, existam elementos que demonstrem abuso
da personalidade jurídica. Frise-se, paralelamente e não coincidentemente.
Mesmo que seja desconsiderada a personalidade jurídica, o sócio não
passará a ser quem realizou aquele contrato de compra, ele será apenas o
responsável patrimonial secundário. Somente uma característica da personalidade
da pessoa jurídica (autonomia patrimonial) será retirada, e não a característica da
personalidade jurídica que autoriza a firmar negócios. A pessoa jurídica continua a
ser um ente autônomo para a prática de negócios, inclusive com aquele mesmo
credor184 e será a responsável patrimonial primária.
185 ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Novo Contencioso Civil no CPC/15. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017. p. 109.
81
188 “A tutela jurisdicional executiva adota o método de sub-rogação preocupando-se apenas com o
patrimônio da pessoa que se submete aos atos de execução sendo irrelevante sua identificação
como participante da relação jurídica de direito material representada pelo título executivo.
(...)
Desse modo, no plano da tutela jurisdicional executiva, a relação jurídica processual considera que a
condição jurídica de parte pode ser assumida por quem não figura necessariamente na qualidade de
sujeito ativo ou passivo da relação obrigacional.” (CÂMARA JUNIOR, José Maria. In WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves
Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p.
1894).
189 ASSIS, Araken de. Manual da execução. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 312.
190 Rogerio Licastro Torres de Melo faz estudo sobre a condição de responsável secundário e a
colocação no polo passivo de um processo executivo, dividindo em três correntes: (i) afirmativa, na
qual o responsável secundário seria legitimado executivo e poderia manejar embargos à execução;
(ii) corrente intermediária que nega a condição do responsável secundário como parte legítima no
processo executivo, mas autoriza, como terceiro, a defesa através de embargos à execução e (iii)
posição negativa, no sentido de que o responsável secundário não seria parte na execução e,
portanto, não poderia apresentar embargos à execução.
O mencionado autor ainda apresenta o posicionamento de Sergio Shimura destacado das três
correntes, pois, segundo o autor, não seria possível enquadrar em nenhuma dela, pois para esse
último autor, o responsável patrimonial não seria parte legítima em uma execução, apenas seus bens
respondem por aquela ação. (MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Responsabilidade executiva
secundária. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 146-151).
83
adquirir algum bem que possa garantir a dívida responderá com esse bem e, portanto, aceitar o
posicionamento de que a pessoa jurídica deixa de existir para aquele momento é retirar uma
84
possibilidade a mais do credor conseguir receber seu crédito, que é através de bens futuros da
pessoa jurídica que continua a ser responsável patrimonial.
194 “São sujeitos à execução os bens: (...) VII do responsável, nos casos de desconsideração da
personalidade jurídica.”
195 Araken de Assis coloca o art. 790, II do CPC como sendo responsabilidade secundária direta do
sócio e o art. 790, IV do CPC como responsabilidade secundária indireta (ASSIS, Araken de. Manual
da execução. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 312).
196 “A hipótese do inciso II do art. 592 do CPC exige atenção redobrada para interpretá-la. Tal
dispositivo, que atribui responsabilidade patrimonial secundária ao sócio, não se refere à aplicação da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica, mas sim a outras hipóteses de
responsabilização dos sócios por dividas da sociedade.” (SOUZA, André Pagani de. Desconsideração
da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.p. 115/116).
197 Christian Garcia Vieira embora assevere que a responsabilidade do sócio atingida pela
Ainda há o art. 795 que ao estipular que “os bens particulares dos sócios não
respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei”, reforça a
autonomia da pessoa jurídica em relação às pessoas físicas que a compõe, e a
dúvida que poderia pairar se seria aplicável no caso da disregard doctrine, com o
teor do §4º199 do citado artigo, que fala expressamente na desconsideração da
personalidade jurídica, se esvai.
Outro ponto do Código de Processo Civil que reforça que o sócio é
responsável secundário foi a opção por requerer a desconsideração da
personalidade jurídica na fase de cumprimento de sentença e no processo de
execução. Flavio Luiz Yarshell, tratando sobre a diferença de débito e
responsabilidade assim sintetiza:
Não se trata de demanda que imponha dever de prestar ou, por outras
palavras, não se cuida de demanda condenatória. Ao acolher o pedido o
que o juiz faz é reconhecer a responsabilidade patrimonial, e, dessa forma,
liberar os meios executivos sobre patrimônio de pessoa que não figura
como devedor.201
apenas o resultado de atribuir aos sócios mera responsabilidade (Haftung) e não transferência da
obrigação (Schuld). Esse posicionamento foi acolhido pelo CPC/15, tanto que, para efeitos de
atribuição da responsabilidade patrimonial do sócio (ou sociedade) atingido pela desconsideração,
aplica-se o disposto nos arts. 790, II, e 796. Trata-se, portanto de responsabilidade executiva
secundária.” (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC.
Salvador: Juspodivm, 2016. p. 49).
198 Após explicar o inc. I do art. 790 do CPC, José Maria Câmara Junior assim trata: “Os demais
Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2015. p. 231.
86
Não há criação de qualquer vínculo jurídico entre credor e sócio, já que este
jamais esteve adstrito a satisfazer uma prestação. Nem mesmo obrigação
de pagar, porque o devedor é a pessoa jurídica. A desconsideração nada
mais é que uma forma de instituição de responsabilidade patrimonial por
dívida de terceiro. Ou como diz a doutrina, responsabilidade executiva
secundária.202
Os autores que, por exclusão, defendem que o sócio passará a ser devedor e
não responsável sem dívida, o fazem por considerar que em todos os casos de
responsabilidade sem dívida há direito de regresso. Assim, diante das razões que
autorizam a desconsideração da personalidade jurídica, seria descabido
proporcionar direito de regresso aquele que agiu de maneira indevida203.
Por isso faria mais sentido dizer que a responsabilidade é societária e o sócio,
com a desconsideração da personalidade jurídica, passará a ser devedor e não
mero responsável secundário. Sendo devedor, o sócio estará respondendo por
dívida própria com seu patrimônio, não havendo de se falar em direito de regresso.
Ocorre que essa conclusão é alcançada porque se analisa a responsabilidade
indireta (direito material) e transporta para o direito processual, sem verificar as
peculiaridades da situação do sócio, e de como tem o patrimônio atingido. A
situação não é de responsabilidade civil, nem de responsabilidade societária, ambas
situações de direito material, a responsabilidade do sócio insere-se na seara
processual.
Não se trata da concepção civil de responsabilidade sem dívida na qual
inexiste culpa. Responsabilidade indireta com consequente atingimento do
patrimônio de terceiro não se confunde com responsabilidade patrimonial
secundária.
Rogerio Licastro Torres Mello faz distinção entre responsabilidade patrimonial
como consequência da responsabilidade indireta (responsabilidade patrimonial por
fato de outrem) e responsabilidade patrimonial executiva (responsabilidade
patrimonial por débito de outrem):
Essa circunstância de responsabilidade patrimonial executiva por débito
alheio não se mescla com as hipóteses de responsabilidade patrimonial por
fato de outrem, no mais das vezes advinda de responsabilização solidária
de caráter civil.
O divisor de águas entre essas duas situações é a inexistência de débito
próprio na hipótese de responsabilidade executiva secundária, além de ser
esta materializável diretamente na seara executiva, ao passo que nos
cenários de responsabilidade patrimonial por fato de outrem, em geral há
estipulação legal responsabilizando alguém por agir alheio, geralmente em
caráter solidário, porém exigente de apuração judicial prévia com
203 “Também não faz sentido que o sócio após ter o seu patrimônio constrido e efetivamente alienado
e em decorrência da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, possa exercer
suposto direito de regresso em face da sociedade, exigindo ressarcimento daquilo que perdeu (...)
Ainda, outro desdobramento prático dos comentários feitos anteriormente traduz-se na imposição de
tratar-se o sócio – após a decretação da desconsideração da personalidade jurídica – como parte e
não como terceiro.” (SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos
processuais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.p. 91).
88
204 MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Responsabilidade executiva secundária. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015. p 213.
205 “Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago
daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou
relativamente incapaz.”
206 Direito de regresso do fiador – Art. 831 do CC: “O fiador que pagar integralmente a dívida fica sub-
rogado nos direitos do credor; mas só poderá demandar a cada um dos outros fiadores pela
respectiva quota.”
Direito de regresso do avalista – Art. 899 do CC: “O avalista equipara-se àquele cujo nome indicar; na
falta de indicação, ao emitente ou devedor final.
§ 1° Pagando o título, tem o avalista ação de regresso contra o seu avalizado e demais coobrigados
anteriores.”
Direito de regresso do endossante - Art. 914 do CC: “Ressalvada cláusula expressa em contrário,
constante do endosso, não responde o endossante pelo cumprimento da prestação constante do
título (...) § 2o Pagando o título, tem o endossante ação de regresso contra os coobrigados
anteriores.”
89
207VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 81.
208“O terceiro que suporta a indenização pode voltar-se contra o causador do dano para receber o
que pagou. Busca-se restabelecer o equilíbrio patrimonial. (...) Esse direito regressivo, estampado de
forma genérica pela actio in rem verso, é de justiça cristalina. Trata-se de regra genericamente aceita
pelas legislações.” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil. 10. ed. São
Paulo: Atlas, 2010. p.117).
90
Tanto é desta forma que, caso o terceiro tenha contribuído minimante para a
ocorrência do ilícito209, descaberá falar em ação regressiva. Mais similitude com a
situação do sócio é notada em relação a ausência de direito de regresso dos pais
em face do filho menor, isso porque os pais têm um dever moral de responder por
atos de seus filhos, ou seja, mesmo que os pais sejam obrigados a pagar
indenização por um ato ilícito cometido por seu filho não caberá direito de regresso.
Nota-se que na doutrina civil de responsabilidade indireta há exceção ao
direito de regresso, em que mesmo o terceiro sendo responsabilizado por ato que
não praticou, não haverá direito de regresso.
Esse é o primeiro ponto que descabe falar em direito de regresso do sócio em
face da pessoa jurídica. Embora o sócio não tenha ligação com o ato ilícito de
inadimplemento (o negócio jurídico foi validade realizado pela pessoa jurídica), tem
completa ligação com o ato que levará a sua responsabilização de maneira
secundária (abuso da personalidade jurídica).
Se observa no raciocínio dos que defendem que o sócio que tem o patrimônio
atingido em virtude da desconsideração da personalidade jurídica passa a ser
devedor, que, se une em um único ato a inadimplência e os atos caracterizadores do
abuso da personalidade jurídica. São dois atos distintos: o primeiro que caracteriza a
inadimplência da pessoa jurídica (culpa da pessoa jurídica que não cumpriu com sua
obrigação), e o segundo que caracteriza o abuso da personalidade jurídica (culpa do
sócio que abusou da personalidade jurídica).
O sócio que tiver seu patrimônio invadido não será considerado um simples
responsável sem dívida, mas um responsável sem dívida que agiu com culpa, e por
isso passou a ser responsável secundário.
Não há de se falar em responsabilidade civil por ato alheio no caso da
decisão que desconsidera a personalidade jurídica porque, embora a inadimplência
seja de terceiro (pessoa jurídica), o abuso da personalidade jurídica é realizado pelo
sócio. O abuso é percebido pela pessoa jurídica, mas quem abusa é a pessoa física,
haja vista a impossibilidade de um ser abstrato praticar atos volitivos.
209 Por exemplo, o empregador é responsável civilmente por ato de seus empregados, de tal sorte
que é um responsável indireto, e que, portanto, poderia voltar-se contra o empregado. No entanto, a
jurisprudência consagrou que se a atuação culposa do empregado foi mínima, não caberá direito de
regresso do empregador.
91
210 SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 236-237.
92
211 O cônjuge, por exemplo (art. 790, IV), tem a responsabilidade secundária ligada a fato de fácil
constatação: o credor somente precisa provar que o devedor é casado ou vive em união estável, e,
ainda que possa demandar a produção de provas para demonstrar que a dívida feita não foi em
proveito do casal, essa é a exceção, pois nos termos da lei civil (art. 1.644 do CC - “As dívidas
contraídas para os fins do artigo antecedente obrigam solidariamente ambos os cônjuges”) as dívidas
adquiridas na constância no casamento se comunicam.
Nesse sentido destaca-se o posicionamento de Cassio Scarpinella Bueno: “Se presume que a dívida
contraída por um dos cônjuges beneficia o casal, os bens comuns respondem pela dívida. É ônus do
cônjuge não executado comprovar que não houve qualquer benefício.“ (BUENO, Cassio Scarpinella.
Curso Sistematizado de Direito Processual Civil - tutela jurisdicional executiva. vol. 3. 5. ed. São
Paulo: Saraiva, 2011. p. 265), de igual forma Maria Helena Diniz: “Os cônjuges que contraírem
dívidas para adquirir bens necessários a economia doméstica (CC, art. 1643, I e II), responderão por
elas solidariamente, podendo o credor acionar qualquer deles para obter o que lhe é devido (CC arts.
275 e 285). O patrimônio de ambos ficará obrigado, tendo em vista que aqueles atos foram praticados
no interesse da família.” (DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 18. ed. São Paulo: Saraiva.
2017 p. 1286).
Assim sendo, é compreensível que o contraditório seja exercido via embargos de terceiro, pois a
regra da responsabilidade secundária nesse caso está ligada a simples condição do estado civil do
devedor.
212 “Mas as situações que legitimam passivamente o sujeito a execução forçada, seja em termos de
legitimidade de obrigados (art. 568) ou de meros responsáveis (art. 592) nem sempre são límpidas e
independentes de instrução probatória. É como acontece no caso examinado em que a credora
alegava ter havido fraude na retirada do sócio-gerente da sociedade devedora e subscrição de quotas
de uma outra sociedade. A fraude foi veementemente negada pela executada (a consulente) e sequer
foram alegados atos que realmente tivessem ocasionado alguma diminuição patrimonial lesiva a
credora. Em casos assim, não se mostrando clara a situação de fato perante o juiz do processo
executivo, não lhe será lícios aceitar prima facie a situação legitimadora a excussão de bens do
sucessor, ou do sócio, ou mesmo da sociedade por obrigações do sócio...” (DINAMARCO, Cândido
Rangel. Desconsideração da personalidade jurídica, fraude e ônus da prova. In Fundamentos do
Processo Civil Moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros. p. 1197).
93
213 A legitimidade ad causam divide-se em legitimação ordinária e extraordinária, e tem por critério a
ligação com o objeto litigioso. (DIDIER JR., Fredie. Fonte normativa da legitimação extraordinária no
Novo Código de Processo Civil: a legitimação extraordinária de origem negocial In
http://www.frediedidier.com.br/artigos/fonte-normativa-da-legitimacao-extraordinaria-no-novo-codigo-
de-processo-civil-a-legitimacao-extraordinaria-de-origem-negocial/. Acesso em 07/11/2017).
A pessoa jurídica tem legitimidade ordinária porque tem ligação com o débito que originou a
cobrança, e o sócio que vier a ser considerado como responsável secundário, após a
desconsideração da personalidade jurídica, terá legitimidade extraordinária.
Fabio Ulhoa Coelho, que como se verá no próximo capítulo, antes do Código de Processo Civil de
2015 e a criação do incidente, defendia a necessidade de um processo autônomo para apurar a
responsabilidade do sócio, reconhecendo assim a condição de terceiro desse sócio em relação ao
débito. No entanto, ao mencionar sobre a possibilidade de haver situação ensejadora de
desconsideração antes da propositura da ação de execução dizia que a pessoa jurídica passaria a
ser parte ilegítima: “Quando a fraude na manipulação da personalidade jurídica é anterior à
propositura da ação pelo lesionado, a demanda deve ser ajuizada contra o agente que a perpetrou,
sendo a sociedade a ser desconsiderada parte ilegítima.” (COELHO. Fabio Ulhoa. Curso de Direito
Comercial. Vol. 2. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2016).
Ocorre que considerar a pessoa jurídica como parte ilegítima é negar a sua condição de ente
independente capaz de firmar negócios. A pessoa jurídica, ainda que já exista fraude quando for
proposta ação de execução sempre será a devedora (Schuld) e o sócio tão somente o responsável
(Halftung), haverá no caso um litisconsórcio. Vale dizer, que se seguir o posicionamento de Sergio
Shimura o sócio nunca será parte, apenas responsável patrimonial, a apresentação de ação somente
em face do sócio seria extinta sem julgamento do mérito por ilegitimidade de parte (SHIMURA,
Sérgio. Título executivo. 2. ed. São Paulo: Método. 2005. p. 81).
94
Theodoro Junior esclarece que não se deve confundir sujeito de direito material
como sujeito processual:
217 LIMBORÇO, Lauro. Disregard of Legal Entety. In Doutrinas Essenciais de Direito Civil. Vol. 3. São
Paulo: Revista dos Tribunais, Out. 2010; DIDIER JR., Fredie. Aspectos processuais da
desconsideração da personalidade jurídica. In DIDIER JR., Fredie; MAZZEI, Rodrigo (Coord.).
Reflexos do novo Código Civil no direito processual. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2007; ARRUDA
ALVIM, Eduardo; GRANADO, Daniel Willian. Aspectos processuais da desconsideração da
personalidade jurídica. In Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense. Nov.- Dez. 2010. p. 63-84.
218 BRUSCHI, Gilberto Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2.
ed. São Paulo: Saraiva, 2009; PARENTONI, Leonardo Netto. Desconsideração contemporânea da
personalidade jurídica – dogmática e análise científica da jurisprudência brasileira. São Paulo:
Quartier Latin, 2014; SILVA, Osmar Vieira da. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos
processuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002; SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da
personalidade jurídica: aspectos processuais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
219 Seguindo o raciocínio de que o sócio seria um responsável primário, Leonardo Netto Parentoni,
mesmo constatando em sua obra que na prática 94% dos casos ocorriam em execução, defendia que
era necessário o sócio estar presente na fase de conhecimento: “Com efeito, na desconsideração da
personalidade jurídica o sujeito desconsiderado não é simplesmente responsável, mas verdadeiro
obligatio direto (...) Portanto, não pode ser incluído no processo apenas na fase de execução (como
ocorreria se houvesse responsabilidade patrimonial subsidiária, que se manifesta justamente nessa
fase).” (PARENTONI, Leonardo Netto. Desconsideração contemporânea da personalidade jurídica –
dogmática e análise científica da jurisprudência brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 57).
220 BRUSCHI, Gilberto Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2.
Relativo ao veículo também não havia harmonia. Alguns autores, como Fabio
Ulhoa Coelho223, Lauro Limorço224, Ada Pellegrini Grinover225, Sidnei Amendoeira
Junior226 e Fredie Didier Junior227, defendiam a necessidade de ação de
conhecimento autônoma para que fosse formado um título judicial capaz de tornar o
sócio parte, outros, como Gilberto Gomes Bruschi228, André Pagani de Souza229,
JR., Fredie; MAZZEI, Rodrigo (Coord.). Reflexos do novo Código Civil no direito processual. 2. ed.
Salvador: Juspodivm, 2007. p. 159.
“Todavia, como as situações embasadoras da desconsideração podem emergir no decorrer da
instrução do processo, deve-se aceitar a possibilidade de o Juiz desconsiderar a pessoa jurídica
independentemente de postulação da parte autora. Tal postura não irá colidir com o princípio da
iniciativa da parte, pois essa se refere à propositura da demanda. Por outro lado, estará preservado o
princípio da congruência porque a tutela jurisdicional será prestada no âmbito do pedido.”
(ALBERTON, Genacéia da Silva. A desconsideração da personalidade jurídica no Código de Defesa
do Consumidor: aspectos processuais. In Revista de Direito do Consumidor. Vol. 7, Jul. – Set. 1993.
p. 7 – 29).
222 Leonardo Netto Parentoni, em pesquisa, constatou que em 12% dos casos nos quais houve
desconsideração da personalidade jurídica havia ocorrido uma aplicação de ofício, repelindo este tipo
de postura. (PARENTONI, Leonardo Netto. Desconsideração contemporânea da personalidade
jurídica – dogmática e análise científica da jurisprudência brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2014.
p. 115).
De igual forma: SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos
processuais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p.187; BUENO. Cassio Scarpinella. Partes e Terceiros
no processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva. 2006. p. 106-107.
223 “A desconsideração não pode ser decidida pelo juiz por simples despacho em processo de
que se serve de uma empresa para negociação pessoal, com prejuízo para terceiros, terá de utilizar o
processo de cognição previsto nos arts. 282 e ss. do CPC, a fim de que, apurado o dolo, a simulação
ou a fraude, possa responsabilizar pessoalmente o fraudador. E, certamente, se não dispuser de
prova robusta, esbarrará na conservadora interpretação que tem sido dada ao caput do art. 20 do
CC.” (LIMBORÇO, Lauro. Disregard of Legal Entety. In Doutrinas Essenciais de Direito Civil. Vol. 3.
São Paulo: Revista dos Tribunais. Out. 2010. p. 1003-1009).
225 GRINOVER, Ada Pellegrini. Da desconsideração da pessoa jurídica: aspectos de direito material e
processual. In GRINOVER. Ada Pellegrini (Coord.). O processo. Estudos e Pareceres. São Paulo:
Perfil, 2005. p. 1033-1054.
226. “Fica também a ideia de que o uso da teoria da desconsideração da personalidade jurídica é
absolutamente excepcional e não pode ou deve ser banalizado. Ora, por mais que se pense em
efetividade e celeridade da execução e em uso dos poderes instrutórios e executivos do juiz, o limite
dos mesmos há de ser sempre o devido processo legal e a legalidade, sob pena de completo
desvirtuamento do sistema.” (AMENDOEIRA JUNIOR, Sidnei. Aspectos processuais da
responsabilidade patrimonial dos sócios e da desconsideração da personalidade jurídica. In
BRUSCHI, Gilberto Gomes; SHIMURA, Sérgio Shimura (Coord.). Execução civil e cumprimento de
sentença. Vol. 2. São Paulo: Método, 2007. p. 575).
227 “Não se pode, na ânsia por uma efetividade do processo, atropelar as garantias processuais
sentença deste, haver constrição dos bens de terceiros responsáveis pelos atos ilícitos.
98
Eduardo Arruda Alvim e Daniel Willian Granado230 que bastava pedido nos mesmos
autos. Também não havia consenso na jurisprudência231.
A maioria dessas divergências o Código de Processo Civil de 2015
solucionou, deixando sem margem a dúvida a necessidade de instauração do
incidente, sendo conforme assevera Arruda Alvim232, um “grande mérito” do novo
Código.
Pode-se resumir, mormente com base na vasta quantidade de estudos que
existiam antes do Código de Processo Civil de 2015 sobre os aspectos processuais
da desconsideração da personalidade jurídica, que o incidente foi criado não só para
explicitar e reforçar a necessidade de atenção ao contraditório e a ampla defesa,
que de alguma forma, ainda que mitigada (via embargos de terceiro) 233, acabava
acontecendo, mas principalmente para organizar, proporcionando um ambiente mais
limpo para produção probatória.
da personalidade jurídica. In Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense. Nov.- Dez. 2010. p. 75.
231 Dispensando o uso de ação autônoma: “O juiz pode determinar, de forma incidental, na execução
234O título que se formará em face do sócio refere-se a atribuição de responsabilidade secundária e
não ao direito material discutido na ação principal.
100
235 Interessante notar que o deputado Ricardo Fiuza foi quem emitiu parecer favorável a alteração do
art. 50 do CC proposta pelo Senado Federal, e que ficou com a redação proposta pelo senador
Josaphat Marinho que interpretou perfeitamente a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica.
236 “Art. 3º. Antes de declarar que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos
aos bens dos administradores ou sócios da pessoa jurídica, o juiz lhes facultará o prévio exercício do
contraditório, concedendo-lhes o prazo de quinze dias para produção de suas defesas.”
237 Justificativa apresentada pelo deputado Ricardo Fiuza na apresentação do PL n. 2.426/2003:
239 As audiências públicas ocorreram nas cidades de Belo Horizonte, em 26 de fevereiro; Fortaleza,
em 05 de março; Rio de Janeiro, em 11 de março; Brasília, em 18 de março; São Paulo, em 26 de
março; Manaus, em 09 de abril; Porto Alegre, em 15 de abril; e Curitiba, em 16 de abril.
240 Exposição de motivos do anteprojeto do Novo Código de Processo Civil.
241 “Então vamos .... Muito bem, vamos situar que nós vamos debater. Essa proposta de
desconsideração não estava na proposta do Prof. Humberto e do Prof. Medina. Então, basicamente a
desconsideração hoje passa por dois vetores: ou a teoria maior ou a teoria menor. Então a lei é clara,
quando os bens dos sócios não forem suficientes, da sociedade não forem suficientes, responderão
os bens dos sócios nas hipóteses previstas em lei: infração à lei, descumprimento do contrato, aquela
coisa...” (2ª reunião da comissão de juristas, responsável pela elaboração do anteprojeto de Código
de Processo Civil, instituída pelo ato nº 379, de 2009 realizada no dia 14 de dezembro de 2009, às 13
horas e 45 minutos. In Diário do Senado Federal. 10/03/2010. p. 263)
242 “Min. Luiz Fux: Qual seria a ideia? Ampliar a desconsideração da pessoa jurídica?
102
Sr. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro: Não. Eu acho que nós deveríamos regular isso, porque na prática
da jurisprudência o que tem ocorrido são coisas terríveis.
Sra. Teresa Arruda Alvim Wambier: Houve um certo abuso.
Sr. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro: Tem Juízes que desconsideram na execução, sem dar o direito ao
contraditório. ” (2ª reunião da comissão de juristas, responsável pela elaboração do anteprojeto de
Código de Processo Civil, instituída pelo ato nº 379, de 2009 realizada no dia 14 de dezembro de
2009, às 13 horas e 45 minutos. In Diário do Senado Federal. 10/03/2010. p. 263)
243 “Sr. Elpidio Donizetti Nunes: Eu tenho a impressão que é aspecto procedimental, não é? ” (2ª
do Fórum não. Sempre o Juízo houve, até não poderia ser diferente. Eu tenho a impressão quer a
questão é até mais grave. (...) É se deva inverter ou não na execução, o que tem feito é o
desconsidera a personalidade jurídica e deixo para que essa pessoa, que agora vai ser
responsabilizada na execução, que venha com embargo de terceiro, invertendo o ônus. Vai haver
contraditório sim. ” 2ª reunião da comissão de juristas, responsável pela elaboração do anteprojeto de
Código de Processo Civil, instituída pelo ato nº 379, de 2009 realizada no dia 14 de dezembro de
2009, às 13 horas e 45 minutos. In Diário do Senado Federal. 10/03/2010. p. 263)
245 CARNEIRO, Paulo Cesar Pinheiro. Debates durante a 2ª reunião da comissão de juristas,
responsável pela elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil, instituída pelo ato nº 379,
de 2009 realizada no dia 14 de dezembro de 2009, às 13 horas e 45 minutos. In Diário do Senado
Federal. 10/03/2010. p. 263
246 “O ministro Luiz Fux: Está bem, veja uma coisa, por exemplo, eu particularmente entendo que isso
247 Por exemplo, uma pessoa jurídica que doa patrimônio ao sócio e se torna insolvente, este sócio
responderá com aquele patrimônio recebido em doação por ser terceiro de má-fé (art. 790, V CPC),
mas também poderá responder com outros bens que não aquele objeto da fraude, se houver
desconsideração da personalidade jurídica (art. 790, IV).
248 THEODORO JUNIOR, Humberto. 2ª reunião da comissão de juristas, responsável pela
elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil, instituída pelo ato nº 379, de 2009 realizada
no dia 14 de dezembro de 2009, às 13 horas e 45 minutos. In Diário do Senado Federal. 10/03/2010.
p. 268.
104
essa é primeira proposição. ” (7ª reunião da comissão de juristas, responsável pela elaboração do
anteprojeto de Código de Processo Civil, instituída pelo ato nº 379, de 2009 realizada no realizada no
dia 09 de setembro de 2010, às 10 horas e 13 minutos, no auditório do Tribunal de Justiça de São
Paulo, na cidade de São Paulo. In Diário do Senado Federal, 02/12/2010. p. 415).
253 Permanece, contudo, alguns entendimentos de que é possível a instauração de ofício como se
sócios.
107
255 O Conselho da Justiça Federal na IV Jornada de Direito Civil, ocorrida em 2006, editou o
Enunciado n. 281 que diz: “A aplicação da teoria da desconsideração, descrita do art. 50 do Código
Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica. ”
108
256 RIBEIRO, Helio Rubens Batista. In Ata da 7ª reunião da Comissão temporária destinada a
examinar projeto de Lei do Senado n. 166, de 2010, que reforma o Código de Processo Civil.
http://legis.senado.leg.br/diarios/BuscaPaginasDiario?codDiario=2971&seqPaginaInicial=1&seqPagin
aFinal=674. Acesso em 05/03/2017. p. 425.
257 DIAS, Handel Martins. Análise crítica do projeto de novo Código de Processo Civil com relação à
desconsideração da personalidade jurídica. In Revista Síntese de direito Empresarial. Vol. 32. Mai.-
Jun. 2013. p. 69.
109
que fosse tratar sobre a desconsideração da personalidade jurídica (ainda que sem
assim dispor expressamente), e de igual maneira reforçou Humberto Theodoro
Junior260, é possível concluir que na verdade se trata de um processo incidental.
Destarte, antes de se posicionar a respeito da natureza jurídica do incidente
de desconsideração da personalidade jurídica, se seria um mero incidente
processual (como induz a literalidade do CPC), ou se tem natureza de ação,
necessário se faz analisar ensinamentos doutrinários sobre as duas situações
processuais.
Cândido Rangel Dinamarco define processo incidental:
própria para as responsabilidades da pessoa jurídica fossem atribuídas aos sócios. (...). Este autor,
conforme consta na 18ª edição do Curso Didático de Direito Processual Civil, também entendia que o
patrimônio dos sócios, por obrigação contraída pela pessoa jurídica, não poderia ser atingido sem
antes fosse proferida sentença em ação própria, sob pena de ofensa à coisa julgada. (...), Entretanto,
antes da publicação do novo diploma processual, a jurisprudência já admitia a desconsideração da
personalidade jurídica sem a necessidade de ação autônoma (...). O novo CPC, seguindo o
entendimento jurisprudencial, criou um capítulo especifico para tratar do “Incidente de
Desconsideração da Personalidade Jurídica” (Título III, Capítulo IV), elencando-o como uma nova
modalidade de intervenção de terceiro e pacificando a desnecessidade da propositura de ação
judicial própria para aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. (DONIZETTI,
Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 20, ed. 2017. p. 303).
260 “Sra. Teresa Arruda Alvim Wambier: É o seguinte. Nós estamos colocando aqui que seja essa
(...)
“Os incidentes de procedimento diferente fundamentalmente das questões incidentes por não serem
questões, mas modos de resolvê-las. Também não se confunde com os processos incidentes, porque
estes têm autonomia como relação processual, e os meros incidentes não – os quais fazem parte do
processo em que são suscitados e o ato que os julga é decisão interlocutória e não sentença, porque
não põe fim a processo algum (CPC, art. 203, §§ 1º E 2º).
Os exemplos mais típicos no Código de Processo Civil são o incidente inicial de insanidade do réu
(art. 245), o de admissão de um assistente ao processo (art. 120, par.), o de desconsideração da
personalidade jurídica (arts. 133 ss.)...”(DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito
Processual Civil. Vol. II. 7. ed. São Paulo: Malheiros. 2017. p. 543-544)
263 BUENO, Cássio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de
Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 581.
“Ainda que a opção legislativa tenha sido de resolver a desconsideração da personalidade jurídica de
forma incidental, não há obstáculo para que a pretensão de desconsideração seja decidida na
sentença, juntamente com o objeto do processo. Isso não equiparará os conceitos de débito e
responsabilidade. ” (YARSHELL, Flavio Luiz. In CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo
(Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2015. p. 238).
264 OLIVEIRA NETO, Olavo. Condenação ao pagamento de honorários na nova execução civil. In
268 “Ao contrário dos incidentes processuais que tiram sua causa de pedir de dentro da ação principal,
no incidente de desconsideração da personalidade jurídica a causa de pedir está presente na lei
material e é diversa. “O “incidente de desconsideração” é formado por uma nova causa de pedir, novo
pedido de tutela jurisdicional e, ainda, inclui novas partes mediante citação, logo se verá que ele não
se restringe à solução de mera questão incidente que adviria do tramite processual e precisaria
superada para alcançar uma decisão de mérito. “ (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da
personalidade jurídica no novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 87).
269 VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador:
271 Fabio Caldas de Araujo não chega a dizer que poderia ocorrer de maneira isolada, mas trata da
autonomia, no sentido de desvinculação com o processo principal, asseverando que não
necessariamente o processo ao qual o incidente de desconsideração da personalidade jurídica irá
aderir precisa estar ativo. Menciona o autor o caso da execução que está suspensa por não serem
encontrados bens, e mesmo nessa situação, nas qual o processo não está em trâmite efetivamente,
seria possível apresentar incidente de desconsideração da personalidade jurídica. (ARAUJO, Fabio
Caldas de. Curso de Processo Civil. Tomo I. Parte Geral. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 616).
272 YARSHELL, Flavio Luiz. In CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários
273 Nota-se que o CPC/15 não permite a ampliação subjetiva do polo contrário, apenas tratando de
maneira restrita a respeito da ampliação objetiva, a qual deve ocorrer até a citação independente de
consentimento do réu, ou então até o saneamento, mas nesse último caso desde que expressamente
autorizado pela parte contrária.
A modificação ou ampliação do polo passivo é permitida quando há provocação da parte contrária
nos termos do art. 338 do CPC: “Alegando o réu, na contestação, ser parte ilegítima ou não ser o
responsável pelo prejuízo invocado, o juiz facultará ao autor, em 15 (quinze) dias, a alteração da
petição inicial para substituição do réu. ” Veja-se que é o réu quem requer modificação do seu polo,
não é o autor, que teve a liberdade de escolher em face de quem iria litigar, que poderá, a qualquer
momento, realizar a modificação.
Veja-se que o art. 329 do CPC somente traz possibilidade de alteração objetiva: “O autor poderá: I -
até a citação, aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir, independentemente de consentimento
do réu; II - até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, com
consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no
prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova suplementar. ”
274 Contrário, o STJ aceitou denunciação da lide efetuada de maneira intempestiva: STJ -.
REsp 1.637.108 / PR, relatora Min. Nancy Andrighi, Terceira turma, data do julgamento 06/06/2017,
DJe 12/06/2017: “... 2. A denunciação da lide, em sua delimitação moderna, tem a função de
adicionar ao processo uma nova lide conexa e, assim, atender ao princípio da economia dos atos
processuais e evitar sentenças contraditórias. Consiste, por esse motivo, em mero ônus à parte que
não a promove, impossibilitando-a de discutir, num mesmo processo, a obrigação do denunciado de
ressarcimento dos prejuízos que venha a sofrer na hipótese de ser vencido na demanda principal.
3. A falta de denunciação da lide não acarreta a perda do direito de pleitear, em ação autônoma, o
direito de regresso.
4. Feita a denunciação pelo réu, o denunciado pode aceitar a denunciação e contestar o pedido do
autor, situação que o caracterizará como litisconsorte do denunciante, com a aplicação em dobro dos
prazos recursais, e que acarretará a resolução do mérito da controvérsia secundária e o resultado
prático de sujeitá-lo aos efeitos da sentença da causa principal.
5. O processo é instrumento para a realização do direito material, razão pela qual, se o denunciado
reconhece sua condição de garantidor do eventual prejuízo, não há razões práticas para que se exija
116
lide, bem como a do artigo 131, relativamente ao chamamento ao processo. Em ambos os casos,
condição sine qua non para a admissão da intervenção é que seja ela feita pelo autor, na petição
inicial, e pelo réu, na contestação, no que diz respeito à denunciação à lide, e também pelo réu, na
contestação, quando for o caso de chamamento ao processo.
Para essas duas hipóteses, pois, o terceiro quando ingressa no processo assume a condição de
parte, litisconsorte daquele que provocou o seu ingresso. ” (SAMPAIO, Marcus Vinicius de Abreu. O
incidente de desconsideração da personalidade jurídica e a coisa julgada: quais os seus limites? In
DANTAS, Bruno; BUENO, Cassio Scarpinella; CAHALI, Claudia Elisabete Schwerz; NOLASCO, Rita
Dias (Coord.). Questões relevantes sobre recursos, ações de impugnação e mecanismos de
uniformização de jurisprudência. Em homenagem a professora Teresa Arruda Alvim. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2017. p. 322).
276 No Código de Processo Civil português quando o réu almeja fazer reconhecimento jurídico do
pedido, mas acredita que há incorreção do polo ativo pode requerer a inclusão de um autor (art. 347-
“oposição pode também ser provocada pelo réu da causa principal: quando esteja pronto a satisfazer
a prestação, mas tenha conhecimento de que um terceiro se arroga ou pode arrogar-se direito
incompatível com o do autor, pode o réu requerer, dentro do prazo fixado para a contestação, que o
terceiro seja citado para vir ao processo deduzir a sua pretensão”) e se o provocado ficar inerte
sofrerá os efeitos da coisa julgada (“art. 349 1 - Se o terceiro não deduzir a sua pretensão, tendo sido
ou devendo considerar-se citado na sua própria pessoa e não se verificando nenhuma das exceções
ao efeito cominatório da revelia, é logo proferida sentença condenando o réu a satisfazer a prestação
ao autor. 2 - A sentença proferida tem, no caso previsto no número anterior, força de caso julgado
relativamente ao terceiro. 3 - Se o terceiro não deduzir a sua pretensão, sem que se verifiquem as
condições a que se refere o n.º 1, a ação prossegue os seus termos, para que se decida sobre a
titularidade do direito. 4 - No caso previsto no número anterior, a sentença proferida não obsta, nem a
que o terceiro exija do autor o que este haja recebido indevidamente, nem a que reclame do réu a
prestação devida, se mostrar que este omitiu, intencionalmente ou com culpa grave, factos essenciais
à boa decisão da causa”).
Lia Carolina Cintra Batista ao tratar sobre nomeação autoria (denominação presente no CPC/73),
assevera que o CPC/15 perdeu a oportunidade de também permitir a correção no polo ativo como em
Portugal. (CINTRA, Lia Carolina Batista. Analise crítica do vigente sistema brasileiro de intervenções
de terceiros. In Publicações da Escola AGU. Vol. 8 - n. 01. Brasília, Jan.- Mar. 2016.p 204).
Obviamente que a questão é polêmica porque interfere no direito constitucional da liberdade de litigar
em que ninguém pode ser obrigado a litigar se assim não almejar, tanto que há interessantes
discussões a respeito do litisconsórcio ativo necessário. De toda sorte, o referido artigo do Código de
Processo Civil português demonstra situação semelhante a desconsideração da personalidade
jurídica, em que o objetivo é ampliar o polo contrário, mas nota-se que até mesmo nessa situação há
um momento adequado para se requerer, e, portanto, há respeito ao princípio da estabilização da
demanda.
117
busca uma modificação do polo passivo pelo próprio autor, o qual, desde o início
tinha a oportunidade de colocar o sócio como réu277.
A questão da estabilização da demanda é tão séria que mesmo alterando-se
condições no plano material, mantém a estrutura processual intacta (art. 109
CPC278), e, no caso da desconsideração da personalidade jurídica, o que se busca
não é a substituição da pessoa jurídica pelo sócio279, mas a clara ampliação do polo
passivo em que ficarão figurando como parte pessoa jurídica e sócios280.
Destarte, embora não seja possível definir a natureza jurídica do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica sem ressalvas, a maneira que melhor se
enquadra é como processo incidental, pois, o único ponto que macularia essa
qualificação (desfecho por decisão interlocutória), com a sistemática do Novo Código
de Processo Civil que contempla as interlocutórias de mérito, fica amainado.
Não é de hoje que a definição do que é sentença e o que é decisão
interlocutória281 gera discussões, e ainda que com críticas, mormente diante da
277 Por essa razão Christian Garcia Vieira assevera que nesses casos não haveria de se falar em
princípio da estabilização da demanda. (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade
jurídica no novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 143).
278 “Art. 109. A alienação da coisa ou do direito litigioso por ato entre vivos, a título particular, não
transforma em devedor.
280 Christian Garcia Vieira coloca que: “Defender, portanto, a ideia de que o incidente de
desconsideração previsto pelo CPC/15 seria mero incidente no processo, implicaria ser necessário
admitir a possibilidade de a parte promover a inclusão de nova causa de pedir, novo pedido e, ao
mesmo tempo, ampliar subjetivamente a demanda. ” (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da
personalidade jurídica no novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 142). Embora concorde-se com o
autor que a incidente de desconsideração da personalidade jurídica não possa ser considerado como
um incidente processual, discorda-se de que o óbice seria porque há uma nova causa de pedir,
mormente porque há intervenção de terceiro que tem a característica de ampliação objetiva, como a
denunciação da lide, e se fosse realmente este o problema de se classificar o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica como um processo incidental, se esvairia essa
característica quando requerido na inicial.
281 Concebeu-se com o Código de Processo Civil de 1973 que a sentença era o ato que colocava fim
“A redação original do art. 162, §§ 1º e 2º, do CPC de 1973 traçava os conceitos de sentença e
decisão interlocutória com base em critério meramente formal e topológico. A primeira era ato
decisório que punha fim ao processo (com ou sem julgamento do mérito), e a segunda era o
provimento proferido no curso do processo (com propósito primordial de resolver questão incidente).
Ninguém duvidava que esta classificação original do Código de 1973 apresentava enormes falhas.
(SICA, Heitor Vitor Mendonça. Recorribilidade das Interlocutórias e Sistema de Preclusões no Novo
CPC- Primeiras Impressões. In Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. Vol. 11. n. 65.
Porto Alegre. Mar.-Abr. 2015. p. 33).
282 “Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e
despachos.
§ 1o Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o
pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase
cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução.
§ 2o Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre
no § 1o.”
283 VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador:
Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 235.
Complementa o autor que “Sem pronunciamento judicial em processo de cognição, não é legítimo
redirecionar a execução contra o sócio pela inexistência de título (nulla executio sine titulo). Quando o
sócio não participar da fase de conhecimento, a sentença que reconhecer a obrigação da pessoa
jurídica não é eficaz em relação a ele (art. 115, II) e a coisa julgada não lhe atinge (art. 506).”
(CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. In CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.).
Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 235).
119
arts. 485 e 487 e que, simultaneamente, põe fim a fase de conhecimento do pronunciamento comum
ou extinguem a execução (...) Também haverá decisões interlocutórias que, embora não sejam de
mérito, têm conteúdo de sentença, mas como tal não poderão ser classificadas, de acordo com a
terminologia empregada pelo NCPC, porque não põe fim a fase cognitiva do procedimento comum
nem extinguem a execução. ” (ALVIM. Teresa Arruda. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.).
Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 775).
120
288 Christian Garcia Vieira destaca que no incidente de desconsideração da personalidade jurídica são
possíveis todas as intervenções de terceiro: assistência simples e litisconsorcial, denunciação da lide,
chamamento ao processo e amicus curiae. (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da
personalidade jurídica no novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 128-134).
Acrescenta-se que também é possível a correção do polo passivo, denominada de nomeação a
autoria no CPC/73, que para Fredie Didier Junior, embora retirada do capítulo de intervenção de
terceiros ainda mantém essa característica, e, em decorrência da não mais necessária concordância
do réu, diz o autor que se trata de nova forma de intervenção de terceiro: “A regra, que confere um
direito processual de alteração do polo passivo da demanda, é muito boa e simplificadora. Trata-se de
uma modalidade nova de intervenção de terceiro, que tem por consequência a sucessão processual,
que não depende da concordância do réu. ” (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil.
Parte Geral e Processo de Conhecimento. Vol. 1. 19. ed. Salvador: Juspodivm. 2017. p. 647). Nesse
caso o sócio demandado no incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode alegar
ilegitimidade porque, por exemplo, não foi ele quem agiu com abuso de poder, indicando o sócio que
agiu indevidamente (arts. 338 e 339 do CPC).
289 Quando requerida na inicial o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não perde a
característica de ação de maneira destacada da principal, pois há novas partes (o réu será o sócio e
não a pessoa jurídica), nova causa de pedir e pedido. Comparativamente seria como uma
denunciação da lide.
290 Embora seja denominado de manifestação, formalmente é uma contestação devendo seguir as
pressupostos legais que autorizam a intervenção (art. 134, §4º, CPC), sob pena de inépcia (ausência
de causa de pedir, art. 330, §1º, I, CPC).
Não bastam, assim, afirmações genéricas de que a parte quer desconsiderar a personalidade jurídica
em razão do “princípio da efetividade” ou do “princípio da dignidade da pessoa humana”. Ao pedir a
desconsideração, a parte ajuíza uma demanda contra alguém; deve, pois, observar os pressupostos
do instrumento da demanda. ” (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Parte Geral e
Processo de Conhecimento. Vol. 1. 19. ed. Salvador: Juspodivm. 2017. p. 527).
121
292 “Há, portanto, apenas a exclusão do inc. V do art. 320, uma vez que não há exigência em se
atribuir valor à causa. Para efeitos práticos, e tal como ocorre com os embargos do devedor, poderá
ser adotado como parâmetro o valor da demanda principal se e quando o critério se mostrar
necessário. ” (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC.
Salvador: Juspodivm, 2016. p. 149-150).
293 O recolhimento de custas deverá seguir a legislação adequada a depender da competência:
estadual ou federal.
Pode se afirmar com segurança que no âmbito federal deverá haver recolhimento de custas inicias
nos termos da Lei n. 9.289/96, no âmbito estadual irá depender da legislação de cada Estado, e, em
havendo determinação de recolhimento de custas iniciais, deverá ser recolhido também para o
incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Não pode a omissão contida nos arts. 133 a
137 do CPC ser interpretada como isenção do recolhimento de custas iniciais.
Eventual isenção deve ocorrer de maneira expressa, como ocorre, por exemplo, no caso da
reconvenção no âmbito federal, em que mesmo tendo inegável natureza de ação, a Lei Federal n.
9.289/96 no art. 7º isenta de recolhimento de custas.
Nesse particular convém destacar as lições de Cassio Scarpinella Bueno que, em situação
semelhante, ao analisar os artigos 295 e 303, §3º do CPC, ambos dentro do livro que trata de tutelas
provisórias, critica o fato de a lei ordinária federal (Código de Processo Civil) dar isenção de custas
que é atribuição tributária estadual: “Resta saber se a lei ordinária federal pode impor à Justiça dos
Estados a isenção de custas (que tem natureza tributária). É uma questão multidisciplinar
interessante e de efeitos práticos indesmentíveis a ser debatida entre processualistas e tributaristas.
Entendo que não. Os Estados não estão inibidos, destarte, de legislarem sobre custas judiciais
inclusive na hipótese aqui identificada. O art. 295 fica, destarte, restrito aos processos que correm
perante a Justiça Federal.” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil:
inteiramente estruturado à luz do novo CPC, de acordo com a Lei n. 13.256, de 4-2-2016. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2016.p.253).
294 Tratando dos processos incidentais e não especificamente da desconsideração da personalidade
jurídica Olavo Oliveira Neto: “O entendimento até o momento predominante é no sentido de que deve
ocorrer a condenação ao pagamento de honorários quando a via utilizada apresentar a natureza de
processo; enquanto isso não deve acontecer quando se tratar de mero incidente processual, a não
ser em casos excepcionais, quando o incidente acaba por encerrar o feito ou fase processual.”,
destacando ainda o autor que o fato de se encerrar por decisão interlocutória não afasta a existência
de sucumbência: “pode ser considerada sentença aquela decisão (antes acoimada interlocutória) que
encerra uma fase processual (...) uma decisão que encerra fase processual pode ser considerada,
atualmente, como sentença, para os fins de estabelecer o regime jurídico de sua eficácia.” (OLIVEIRA
NETO, Olavo. Condenação ao pagamento de honorários na nova execução civil. In Revista do
Instituto dos Advogados de São Paulo. Vol.19. 2017. p. 230-246).
Especificamente sobre o incidente de desconsideração da personalidade jurídica e a condenação em
honorários: CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. In CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo
(Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2015. p. 245);
TALAMINI, Eduardo. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI234997,11049-
Incidente+de+desconsideracao+de+personalidade+juridica. Acesso em 03/09/2017; VIEIRA,
Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador: Juspodivm,
2016. p. 182-183.
122
processual), bem como por estar inserido dentro do título que trata de intervenções
de terceiro, a conclusão aqui tomada (natureza de processo incidental) não é indene
de posicionamentos diversos. Mas, enquanto não se pacifica o entendimento a
respeito da natureza do incidente de desconsideração da personalidade jurídica,
espera-se que haja, no mínimo, coerência entre as premissas e conclusões.
No julgamento do agravo de instrumento 2228856-97.2016.8.26.0000295 o
Tribunal de Justiça de São Paulo considerou que não deveria haver recolhimento de
custas no incidente de desconsideração da personalidade jurídica dada a
característica de incidente processual296, portanto a conclusão do julgado foi
coerente com a premissa da qual partiu. No entanto, em outra oportunidade, o
mesmo Tribunal fixou honorários sucumbenciais em incidente de desconsideração
295 Decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que não reconhece a natureza de ação do incidente
de desconsideração da personalidade jurídica e, consequentemente, afasta a necessidade de
recolhimento de custas: “PROCESSO CIVIL. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE CUSTAS INICIAIS.
EXAME DA LEI ESTADUAL 11.680/2003. DECISÃO REFORMADA. Extrai-se do exame dos autos
que, requerida a instauração do incidente da personalidade jurídica da empresa agravada, com fulcro
no artigo 133 do CPC, foi determinado o recolhimento das custas iniciais, sob pena de extinção.
Desconsideração que possui natureza de incidente processual e não de ação autônoma. Modalidade
forçada de intervenção de terceiros, que amplia subjetivamente a relação processual, sem alteração
do objeto litigioso. Inexistência de previsão de recolhimento de custas iniciais no atual Código de
Processo Civil e na Lei Estadual 11.680/03. Decisão reforma, nesse ponto. Questão relativa à
presença dos demais requisitos para instauração do incidente que não é objeto deste recurso. Agravo
provido para afastar a determinação de recolhimento de custas iniciais no incidente do art. 133 do
NCPC. ” (TJSP - Agravo de Instrumento 2228856-97.2016.8.26.0000; Relator (a): Luiz Arcuri; Órgão
Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 32ª Vara Cível; Data do Julgamento:
07/03/2017; Data de Registro: 07/03/2017).
296 No estado do Paraná, mesmo sendo considerada que a natureza é de incidente processual há
recolhimento de custas, isso porque naquele estado há determinação legal nesse sentido. Em
consulta realizada por advogado, o juiz auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de
Justiça do Paraná TJ/PR, Marco Antonio Massaneiro sintetizou:
“O consulente apresentou os seguintes questionamentos: “1) incide ou não incide as custas
processuais quando instaurado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica em MEIO
de processo? 2) caso esta colenda Corregedoria entenda pela incidência de tais custas, como e sob
qual código recolhê-la? (...) Nesse contexto, cotejando o instituto da desconsideração da
personalidade jurídica com o conceito doutrinário, é forçoso concluir que essa figura jurídica é espécie
do gênero incidente processual, uma vez que há fuga do desdobramento normal do processo sem
que, todavia, seja formada uma nova relação jurídica processual. O próprio Código de Processual,
confirmando essa conclusão, utilizou a expressão “Do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica” para nominar o instituto. Por ser incidente processual, a desconsideração da
personalidade jurídica é hipótese de incidência de custas processuais no Regime de Custas do
Estado do Paraná (“incidentes procedimentais” Tabela IX, anexa ao Regimento de Custas, inciso I),
cuja receita consta do Sistema Uniformizado de Recolhimento de Custas e Despesas Processuais.
(...) Finalizada essa digressão, cumpre reiterar que o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica é hipótese de incidência de custas processuais no Estado do Paraná,
devendo ser cobrado com base na receita “Incidentes procedimentais”. (MASSANEIRO,
Marco Antonio. Decisão sobre consulta a respeito do recolhimento de custas em incidente de
desconsideração da personalidade jurídica. In https://sei.tjpr.jus.br/validar informando o
código verificador 1374868 e o código CRC 2DF73FFB).
123
Câmara de Direito Privado, Foro Regional XV - Butantã - 3ª Vara Cível, Data do Julgamento:
20/02/2017, Data de Registro: 21/02/2017); (TJSP. Apelação 0039025-26.2014.8.26.0100. Relator
(a): Gilberto dos Santos, Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Privado, Foro Central Cível - 3ª Vara
Cível, Data do Julgamento: 27/08/2015, Data de Registro: 28/08/2015.
299 O Estado de São Paulo julgou desnecessário o recolhimento de custas no incidente de
300 VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador:
Juspodivm, 2016. p. 156.
301 Alexandre Freire e Leonardo Albuquerque, por considerarem que o mecanismo processual
descrito no art. 133 e seguintes do CPC é um incidente processual, não concebem o efeito da
litispendência e assim assinalam: “Acolhido o pedido de desconsideração formulado por dado credor
em relação a certo caso, a declaração não projeta seus efeitos para futuros litígios entre o requerente
e o requerido. Para futuras contendas, o interessado deverá apresentar novos requerimentos, com
nova demonstração do preenchimento dos requisitos específicos para cada caso, não podendo se
valer da decisão “emprestada” anterior. Com efeito, não podemos deixar que o instituto da
desconsideração é uma exceção ao princípio da autonomia patrimonial da sociedade empresaria
como tal deve ser tratado. O atendimento dos pressupostos da desconsideração é relacionar
incidindo apenas para dada relação jurídica delimitada singularmente no tempo e no espaço. Embora
nada impeça que a decisão beneficie mais de uma relação jurídica, eles devem estar devidamente
individualizados na petição inicial da demanda principal, no requerimento do incidente e na decisão
que o acolhe. É imprescindível, assim, a demonstração concreta que houve atendimentos aos
pressupostos, em caráter específico, no âmbito de dada relação jurídica, ainda que o credor e
devedor possuam outras relações em que tais papéis sociais se repitam. ” (FREIRE, Alexandre;
MARQUES, Leonardo Albuquerque. In STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo da
(Org.); FREIRE, Alexandre (Coord. Exe.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo:
Saraiva, 2017. p. 214).
302 Pode ocorrer de no decorrer do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ser
observada outra causa de pedir referente aquela mesma pessoa jurídica, o que afasta a tríplice
125
incidente, e não de uma ação autônoma, embora não mencionem que seria um processo incidental,
reconhecem a existência de formação de coisa julgada: “Segundo pensamos, a despeito de tramitar
incidentalmente, a questão será resolvida como principal, de mérito, e não incidental, incidindo no
caso, o disposto no art. 503, caput, do CPC. ” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz;
MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. 2. ed. atual e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2016. p. 246).
305 Coerentemente retirou-se a palavra sentença que continha no correspondente art. 467 do CPC/73.
306 No caso de improcedência do incidente de desconsideração da personalidade jurídica não haverá
Basta examinar así la figura del terceiro coadyuvante para compreender que
a sua respecto se plantea, substancialmente, um problema de cosa
juzgada.
constava no capítulo II, dentro do título IV, que tratava das partes e procuradores.
311 “O árduo problema dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada tem suas razões de ser nas
limitações de por imposição dos valores políticos representados pela garantia constitucional do
contraditório, impedem que a sentença projete eficácia direta ultra partes ou além do objeto do
processo. Repugnaria à ordem político-constitucional a imposição dessa eficácia direta a sujeitos que,
não tendo sido partes, não cooperaram no procedimento e não puderam exercer sua legítima
influência no espírito do juiz – daí a limitação subjetiva da coisa julgada material. ” (DINAMARCO,
Cândido Rangel. Intervenção de terceiros. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 13-14).
312 DINAMARCO, Candido Rangel. Intervenção de terceiros. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 15.
128
Si ele precepto res judicata tertio non nocet fuera absoluto, el terceiro nada
tendría a temer, por cuanto el día en que se fuera a ejecutar la sentencia, él
podría defender su interés al amparo del principio invocado y aduciendo la
existência de uns res inter alios judicata. Pero la experiência jurídica, mas
que iso textos expresos da ley, enseña que la máxima no es absoluta y que,
em numerosas circunstancias e hecho; terceiros resultan alcanzados por la
sentencia
(...)
La intervención del terceiro se liga inseparablemente ao lema de la cosa
juzgada, em razón de qye dicha intervencions, em si misma, no representa
sino uns antecipación preventiva a uma cosa juzgada adversa. ” 313 - 314
313 COUTURE, Eduardo J. Estudios de derecho procesal civil tomo III. 3. ed. Buenos Aires:
LexisNexis, 2003. p. 150-151.
314 Tradução livre da autora: “Basta examinar, assim como a figura do terceiro coadjuvante para o
caso, para compreender que a seu respeito repousa, substancialmente, um problema de coisa
julgada.
Se o preceito da coisa julgada de terceiro não for absoluto, o terceiro nada terá a temer, porquanto no
dia em que for executar a sentença poderá defender seus interesses amparado polo princípio
invocado e aduzindo a existência de coisa, entre outros, julgada. Porém a experiência jurídica, mais
que textos expressos de lei, ensina que a máxima absoluta é que, em numerosas circunstâncias,
terceiros são alcançados pela sentença.
(...)
A intervenção do terceiro se liga inseparavelmente ao tema da coisa julgada, em razão de que ditas
intervenções, em si mesmas, representam uma antecipação preventiva da coisa julgada adversa.
315 O amicus curiae, também inserido como forma de intervenção de terceiro (art. 138 do CPC), tem
função completamente diversa sem qualquer relação com a coisa julgada, seu interesse é
institucional.
316 “Um dos grandes dilemas, pois, para se definir quais os verdadeiros limites, objetivos e subjetivos
da coisa julgada, decorre do fato de que, especialmente nos dias atuais, é cada vez mais comum que
processos não reflitam relacionamentos envolvendo apenas àqueles que têm ligação direta com o
direito material, ou seja, as próprias partes ou os legitimados ordinários.
Assim, a regra do art. 506 do NCPC é absolutamente ineficiente para resolver inúmeras questões
envolvendo os limites da coisa julgada, a exemplo do que abaixo passaremos a demonstrar,
relativamente ao terceiro que integra o processo, por meio do Incidente de Desconsideração da
Personalidade Jurídica. ” (SAMPAIO, Marcus Vinicius de Abreu. O incidente de desconsideração da
personalidade jurídica e a coisa julgada: quais os seus limites? In DANTAS, Bruno; BUENO, Cassio
Scarpinella; CAHALI, Claudia Elisabete Schwerz; NOLASCO, Rita Dias. Questões relevantes sobre
recursos, ações de impugnação e mecanismos de uniformização de jurisprudência. Em homenagem
a professora Teresa Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 317).
317 Marcus Vinicius de Abreu Sampaio assevera que dados os limites subjetivos da coisa julgada a
decisão proferida em processo no qual o sócio não participou não poderá lhe atingir, assim, quando o
sócio ingressar na ação principal após a desconsideração da personalidade jurídica no processo
incidental, poderá discutir a decisão de mérito, e no caso de processo de execução discutir em
embargos à execução. (SAMPAIO, Marcus Vinicius de Abreu. O incidente de desconsideração da
personalidade jurídica e a coisa julgada: quais os seus limites? In DANTAS, Bruno; BUENO, Cassio
Scarpinella; CAHALI, Claudia Elisabete Schwerz; NOLASCO, Rita Dias (Coord.). Questões relevantes
129
secundário. Isso faz com que, mesmo sem haver provocação da parte contrária o
sócio tenha interesse em ingressar na demanda (intervenção de terceiro voluntária).
O sócio que não foi parte na relação material poderá ser executado (processo
de execução) e poderá também sofrer redirecionamento de um cumprimento de
sentença, isso porque poderá ser considerado responsável secundário, e até mesmo
ser incluído no processo de conhecimento movido em face de uma pessoa jurídica
da qual integra. O sócio ostenta a desconfortável posição de incerteza se sofrerá ou
não o redirecionamento de uma execução lato sensu, ou se será incluído em um
processo de conhecimento já em trâmite. Assim, notadamente, o sócio tem interesse
jurídico em ingressar nas demandas em face da pessoa jurídica da qual faz parte.
A situação que se descreveu no parágrafo anterior trata-se da intervenção de
terceiro assistente, pois, conforme define Arlete Inês Aurelli318 a função do assistente
(sócio) é ajudar o assistido (pessoa jurídica) a obter sentença favorável, da qual
também se beneficiará. O sócio terá sempre interesse de intervir em um processo
movido em face da pessoa jurídica da qual faz parte (art. 119 a 124 do CPC)319, uma
vez que poderá ser responsabilizado de maneira secundária 320. É melhor o sócio
de interesse jurídico. In Revista de Processo. Vol. 46, Abr. – Jun. 1987. p. 235 – 242.
319 TJSP - Agravo de Instrumento 2020793-67.2016.8.26.0000. Relator: Cesar Lacerda. 28ª Câmara
da possibilidade de o sócio ser assistente, com o qual se concorda, considerando que a categoria
seria de assistente simples, e não litisconsorcial:
“...O sócio da empresa, proprietária do imóvel objeto do contrato de locação, mesmo que não possua
poder de administração, detém interesse jurídico para integrar a lide como assistente. No entanto,
essa intervenção deverá se dar de forma de assistência simples, podendo, nessas circunstâncias,
pleitear providências necessárias à conservação dos interesses da pessoa jurídica (...). O dever do
sócio é de auxílio a bem dos interesses da sociedade e da organização do processo, já que sua
personalidade não se confunde com a da pessoa jurídica. ” (TJSP - Agravo de Instrumento 2020793-
67.2016.8.26.0000; Relator (a): Cesar Lacerda; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro
de Guarulhos - 9ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 23/03/2016; Data de Registro: 23/03/2016).
“IMPUGNAÇÃO AO PEDIDO DE ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL. Pedido de ingresso do sócio
falido nos autos, na qualidade de assistente litisconsorcial da massa falida corré. Assistência.
Cabimento, por haver interesse jurídico. Exegese do artigo 50 do Código de Processo Civil e do artigo
103 da Lei 11.101/05. Assistência que, no caso, é simples, e não litisconsorcial. Impugnação acolhida
para deferir o ingresso de Edemar Cid Ferreira na qualidade de assistente simples. ” (TJSP -
Impugnação ao Pedido de Assistência Litisconsorcial ou Simples 0038881-27.2015.8.26.0000;
130
cuidar para que a pessoa jurídica não seja condenada, e assim não nascerá a
obrigação, nem responsabilidade primária.
No entanto, embora o terceiro seja o mesmo (sócio), não é desse tipo de
intervenção do sócio que trata o capítulo IV do Título III da parte geral do Código de
Processo Civil de 2015, diferenciando-se a começar pela iniciativa.
Há as mais diversas formas de classificar as intervenções de terceiros,
destaca-se três: (i) de acordo com a iniciativa das partes que pode ser voluntária ou
provocada, essa última também denominada de coacta; (ii) considerando o objeto
que será tratado pelo interveniente, se ampliar o conteúdo do processo já existente
será ampliativa321 e (iii) de acordo com o interesse do terceiro322.
Quando o sócio intervém como assistente a intervenção é voluntária323, já
quando o sócio ingressa no processo através do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica a intervenção é provocada324. Também se diferencia a
atuação do sócio pelo critério do conteúdo, pois quando atua como assistente não
há ampliação do objeto, e quando há o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica sim.
Em verdade, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, como
já visto, é uma ação que visa, através de uma decisão interlocutória, definir se o
sócio será um terceiro, ou não, apto a intervir na demanda. Trata-se de uma ação
Relator (a): Jairo Oliveira Júnior; Órgão Julgador: 12ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Foro
Central Cível - 5ª VC; Data do Julgamento: 18/09/2015; Data de Registro: 19/09/2015).
321 Nesse sentido Lia Carolina Batista Cintra: “necessário ter em mente dois critérios tradicionalmente
adotados pela doutrina para classificar as intervenções de terceiros: (i) a depender de quem tomou a
iniciativa da intervenção, ela pode ser voluntária (iniciativa do próprio interveniente) ou costa
(iniciativa da parte ou do juiz); (ii) a depender de a intervenção veicular ou de uma nova pretensão,
deduzida pelo interveniente ou contra ele, ela pode ser objetivamente ampliativa ou não. ” (CINTRA,
Lia Carolina Batista. Analise crítica do vigente sistema brasileiro de intervenções de terceiros. In
Publicações da Escola AGU. Vol. 8 - n. 01. Brasília, Jan.- Mar. 2016. p. 187).
322 Esta última forma de classificação se faz necessária no CPC/15, pois até o CPC/73 havia a ideia
de que todo terceiro interveniente precisava ter interesse jurídico na demanda, no entanto, com a
inserção do amicus curiae no art. 138 do CPC, em que existe um interesse institucional e não jurídico,
a referida forma de classificação mostra-se necessária.
323 Via de regra a assistência é uma intervenção de terceiro voluntária, mas há posicionamento de
que poderia também ser provocada, como acontece na Lei de Locações a respeito dos sublocatários
que devem ser intimados da ação de despejo (art. 59, §2º Lei n. 8.245/91). Christian Garcia Vieira
também coloca que o INPI nas ações de nulidade, nos termos do art. 175 da Lei n. 9.279/96, também
seria um caso de assistência provocada, mas nesses casos embora o que se discuta seja a validade
de um ato administrativo, o que importaria em interesse jurídico do INPI, também há um interesse
institucional de forma a classificar o INPI como amicus curiae (BUENO, Cássio Scarpinella. Amicus
Curiae no Processo Civil Brasileiro: Um Terceiro Enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 288-321).
324 TALAMINI, Eduardo. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. In
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI234997,11049-
Incidente+de+desconsideracao+de+personalidade+juridica. Acesso em 03/09/2017.
131
325 “O primeiro momento é aquele do ingresso do terceiro (sócio ou sociedade, conforme o caso) na
demanda incidental de desconsideração e apenas nessa.
O segundo momento corresponde ao da inserção, na demanda principal, da pessoa que figurou como
ré na demanda incidental, em decorrência do reconhecimento da desconsideração da personalidade
jurídica. (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC.
Salvador: Juspodivm, 2016. p. 125).
326 Sócio ou pessoa jurídica a depender se a desconsideração for direta ou inversa respectivamente.
327 Em sentido diverso Arruda Alvim: “É interessante notar que o incidente de desconsideração da
Ocorre que o fato de ser responsável secundário e não ter ligação com o
débito (campo do direito material), não significa que o sócio não possa ser parte no
processo, e aqui encontra-se a diferença entre ser parte na relação de direito
material, que o sócio nunca será, e ser parte na relação de direito processual, que o
sócio poderá ser.
A importância de se conceituar quem é parte no processo se dá em virtude
das consequências jurídicas de ocupar essa posição329, que ganha relevo no tema
objeto de estudo. Pela definição de quem é parte no processo é possível estabelecer
se há litispendência, o alcance da coisa julgada e até mesmo as formas de
defesa330.
processual. O Código de Processo Civil se vale inúmeras vezes desse conceito, por exemplo no art.
15 quando trata da incapacidade processual das partes; no art. 14, quando define os deveres
atribuídos as partes e a seus procuradores; no art. 125, para dispor que o juiz assegurará as partes
igualdade de tratamento; ou ainda quando no art. 104, declara que a identidade quanto as partes e à
causa de pedir determina a continência de causar, se o objeto de uma for mais amplo que da outra;
ou quando declara, no art. 472, que a sentença faz coisa julgada entre as partes perante as quais é
dada, não beneficiando nem prejudicando terceiros.” (SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio
Luiz. Teoria Geral do Processo Civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 137).
330 ALVIM. J. E. Carreira. Teoria Geral do Processo. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 207.
133
Aqui não confundimos a parte com o titular do direito nem com o sujeito
passivo. O que é indispensável na caracterização da parte é que ela há de
agir em nome próprio, embora nem sempre defenda interesse próprio. O
direito de agir em nome próprio é o que a distingue do terceiro que ingressa
no processo não para defender interesses próprios nem em nome próprio,
mas para auxiliar uma das partes na defesa do interesse dessa mesma
parte. Enfim parte é todo aquele que postula em nome próprio.333
331 Não se diz todos diante da limitação de qualquer pesquisa, mas todos os autores consultados
utilizaram o conceito delineado por Giuseppe Chiovenda.
332 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. v. 2. Tradução de Paolo Capitanio.
a semelhança: “dizem respeito esses institutos ao agir processual; sempre em defesa (sentido lato)
de afirmação de direito de outrem; nunca os legitimados extraordinários ou representantes são
titulares da lide. ” Destacando ainda o fato de que quando se diz “não são titulares da lide” não se
está a dizer que não há interesse material na lide e não será aquele legitimado atingido pela coisa
julgada, dando a autora como exemplo o caso do condômino. Portanto, não pode ser considerada
como característica da legitimação extraordinária o fato de não ser beneficiado, sendo o ponto crucial
o fato de que, sem Lei que concedesse essa legitimação extraordinária, não seria possível ingressar
em juízo, o direito não é do legitimado ainda que ele seja atingido. (ALVIM, Thereza. O direito
processual de estar em juízo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p.91).
335 “Parte, comumente se afirma, é aquela que pede ou contra quem se pede a tutela jurisdicional.
Entretanto nem sempre pedida esta tutela contra o réu, como ocorre nas hipóteses de haver
legitimação extraordinária ou integração, em grau máximo, da capacidade daquele que deveria ser
réu, eis que deste, a despeito de ser parte nada deseja o autor.
O mesmo se pode dizer em relação àquela que pede, eis que nas mesmas hipóteses, nada pede ela
para si. Ou seja, há de se fazer distinção entre aquele que é titular da lide e o outro, que no seu lugar,
aciona a jurisdição, ou em última análise, quem integra (enquanto parte) a relação jurídico processual.
” (ALVIM, Thereza. O direito processual de estar em juízo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p.
9).
134
336 Ovidio A. Batista da Silva e Fabio Luz Gomes de igual forma tratam que o conceito de Chiovenda
deixa de lado a jurisdição voluntária: “Tendo-se o conceito de parte, no sentido mais restrito por nós
exposto, como sendo aquele que pede contra outrem uma determinada consequência legal, ficará ele
reduzido apenas ao processo contencioso, inexistindo, nesse sentido, partes verdadeiras na
chamada jurisdição voluntária. ” (SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio Luiz. Teoria Geral do
Processo Civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 143).
337 “Por outro lado, admitir-se que parte é aquele que pede contra quem se pede a tutela jurisdicional
(o que normalmente acontece), se estará admitindo como imprescindível, para caracterizar a parte, a
existência de contraditório (ou oportunidade deste), logo, na jurisdição voluntária só haveria
interessados. (...) Não há litigio, mas há diversidade de situações, de interesses, portanto, os
´interessados´, não se encontram em um só pólo da relação processual, mas em polos distintos, pelo
que incide, até mesmo na jurisdição voluntária, o princípio da bilateralidade das partes. ” (ALVIM,
Thereza. O direito processual de estar em juízo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 11-12).
338 AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real; BRUSCHI, Gilberto Gomes; NOLASCO, Rita Dias.
339 Na exposição de motivos do CPC de 1939 já constava um critica a falta de efetividade de maneira
tão contundente que parece que estamos lendo a exposição de motivos do NCPC: “O processo era
mais uma congérie de regras, de formalidades e de minúcias rituais e técnicas a que não se imprimira
nenhum espírito de sistema e, pior, a que não mais animava o largo pensamento de tornar eficaz o
instrumento de efetivação do direito. Incapaz de colimar o seu objetivo técnico, que é o tornar precisa
em cada caso a vontade da lei, e de assim tutelar os direitos que os particulares deduzem em juízo, o
processo decaíra da sua dignidade de meio revelador do direito e tornara-se uma arma do litigante,
um meio de protelação das situações ilegítimas, e os seus benefícios eram maiores para quem lesa o
direito alheio do que para quem em defesa do próprio. ”
340 No Código de 1973, o objetivo de sanar o problema de falta de efetividade permanecia, havendo
expressa menção aos problemas das execuções: “A execução se presta, contudo, a manobras
protelatórias, que arrastam os processos por anos, sem que o Poder Judiciário possa adimplir a
prestação jurisdicional.
Para coibir abusos, considerou o projeto atentatório à dignidade da Justiça o ato do executado: a) que
frauda a execução; b) que se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios
artificiosos; c) que resiste injustificadamente às ordens judiciais, ao ponto de o juiz precisar requisitar
a intervenção da força policial; d) que não indica ao juiz onde se encontram os bens sujeitos à
execução (artigo 612). Se o executado, advertido pelo juiz, persevera na prática de qualquer desses
atos, a sanção que o projeto lhe impõe é a de perder o direito de falar no processo. ” E o então
ministro da Justiça Alfredo Buzaid conclui finalidade do CPC/73: "Na reforma das leis processuais,
cujos projetos se encontram em vias de encaminhamento à consideração do Congresso Nacional,
cuida-se, por isso de modo todo especial, em conferir aos órgãos jurisdicionais os meios de que
necessitam para que a prestação da justiça se efetue com a presteza indispensável à eficaz atuação
do Direito. Cogita-se; pois, de racionalizar o procedimento, assim na ordem civil como na penal,
simplificando- lhe os termos de tal sorte que os trâmites processuais levem à prestação da sentença
com economia de tempo e despesas para os litigantes. Evitar-se-á, assim, o retardamento na decisão
das causas ou na execução dos direitos já reconhecidos em juízo. ”
341 “Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização
dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as
garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito.
Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real
efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de
sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo. ”
342 TUCCI, Rogerio Cruz e. Finalmente a definição da desconsideração da personalidade jurídica no
344 No tópico que discorrerá sobre fraude contra credores este ponto será melhor examinado.
139
345 “O NCPC, ao mesmo tempo em que não prevê mais as cautelares típicas, cita-as, ao mencionar
que a tutela urgente de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro,
arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem. O rol é exemplificativo, mas traz
consigo uma dificuldade: o que seria, então, “arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de
protesto contra alienação de bem”? O NCPC não dá a resposta.
Para entender que medidas são essas, será preciso recorrer ao CPC/73. Convém advertir, no
entanto, que os requisitos específicos previstos naquele Código para a concessão de tais medidas
devem ser desconsiderados, porquanto o NCPC abre a via para essas cautelares mediante a
presença de fumus boni iuris e periculum in mora. De todo modo, o procedimento previsto para elas
no CPC/73 deve servir de parâmetro para os operadores do direito, mesmo sob a égide do NCPC,
sob pena de não se ter qualquer padrão ou forma para as medidas de “arresto”, “sequestro”,
“arrolamento de bens” ou “registro de protesto contra alienação de bem.” (WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de; MELLO,
Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015. p. 502).
141
346 “Toda e qualquer tutela idônea para conservação do direito pode ser requerida pela parte a título
de tutela cautelar (art. 301). Daí que a alusão ao arresto, sequestro, arrolamento de bens e ao
registro de protesto contra alienação de bens são apenas exemplos de providências que podem ser
obtidas pela parte (...) O fato de o legislador não ter repetido as hipóteses de cabimento do arresto,
do sequestro, do arrolamento de bens e do registro de protesto contra alienação significa que essas
medidas cautelares se submetem aos requisitos comuns a toda e qualquer medida cautelar:
probabilidade do direito (“fumus boni iuris”) e perigo na demora (“periculum in mora”). Significa ainda
que o Código vigente incorporou o significado desses termos – tal como eram compreendidos na
legislação anterior. Desse modo, arresto é uma medida cautelar que visa a resguardar de um perigo
de dano o direito à tutela ressarcitória. ” (MITIDIERO, Daniel. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim;
DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo
Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 829).
347 “O arresto é, pois, a medida cautelar de garantia da futura execução por quantia certa, através da
qual apreendem-se judicialmente bens indeterminados do devedor, a fim de eliminar o perigo de dano
jurídico capaz de pôr em risco a efetividade da execução. ” (LUCON, Paulo Henrique dos Santos;
SILVA, Bruno Freire. Arresto cautelar: hipóteses exemplificativas. In Revista de Processo. vol. 159,
Mai. 2008. p. 345 – 354.
348 “Art. 495. A decisão que condenar o réu ao pagamento de prestação consistente em dinheiro e a
que determinar a conversão de prestação de fazer, de não fazer ou de dar coisa em prestação
pecuniária valerão como título constitutivo de hipoteca judiciária.
§ 1o A decisão produz a hipoteca judiciária:
(...)
II - ainda que o credor possa promover o cumprimento provisório da sentença ou esteja pendente
arresto sobre bem do devedor; ”
349 Os Tribunais têm seguido as observações acima transcritas, no sentido de que os requisitos a
serem seguidos para concessão das tutelas provisórias de urgência são os mesmos para todas
(probabilidade do direito e risco de dano ou ao resultado útil do processo), sem qualquer
especificidade para os exemplos apresentados no art. 301 do CPC, no entanto, mantém-se a
utilização da palavra arresto: “TUTELA DE URGÊNCIA. Ação de cobrança. Arresto. Hipótese em que
não estão reunidos os pressupostos autorizadores da concessão da tutela de urgência, na forma
pretendida. Pedido indeferido em primeiro grau. Decisão mantida. Recurso improvido. ” (TJSP -
Agravo de Instrumento 2138001-38.2017.8.26.0000; Relator (a): João Camillo de Almeida Prado
Costa; Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ribeirão Preto - 9ª Vara Cível; Data
do Julgamento: 23/10/2017; Data de Registro: 27/10/2017).
142
350 SHIMURA, Sérgio Seiji. Arresto Cautelar. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1997. p. 135.
351 SHIMURA, Sérgio Seiji. Arresto Cautelar. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1997. P. 135.
143
352 THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 24. ed. São Paulo: Leud. 2008. p. 191.
353 “AÇÃO DE COBRANÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PEDIDO LIMINAR DE ARRESTO.
POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE EXECUÇÃO. DEVEDORES COM
FALÊNCIA DECRETADAS. Não é necessária a existência de um processo de execução para
formulação de pedido de arresto, podendo este ser formulado também em processo comum,
conforme prescreve o próprio Código de Processo Civil, quando regula as tutelas de urgência, no art.
301. Arresto possível em ação de conhecimento, mormente diante da notícia de que os sócios das
devedoras tiveram suas falências decretadas, bem como a empresa que controla as requeridas
encontra-se em liquidação judicial. O débito perseguido, ademais, é considerável. RECURSO
PROVIDO EM PARTE, mantendo-se o arresto, mas vedando a alienação dos bens. ”
(TJSP - Agravo de Instrumento 2164409-66.2017.8.26.0000; Relator (a): Maria Lúcia Pizzotti; Órgão
Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 39ª Vara Cível; Data do Julgamento:
08/11/2017; Data de Registro: 09/11/2017).
Interessante mencionar julgado em que não foi concedida a tutela provisória de arresto, mas no
relatório exacerbou o relator a inexistência: “Insta anotar, desde logo, que a nova legislação
processual não contém capítulo relativo aos procedimentos cautelares específicos, sendo certo que
os artigos 813 e seguintes, do Código de Processo Civil de 1973, que disciplinavam o arresto de
bens, não foram contemplados no novo códex.
Assim, a medida postulada pelo autor deve ser analisada à luz do disposto nos artigos 300, caput, e
301, do Código de Processo Civil de 2015, valendo destacar que a tutela de urgência pode ser
concedida tão somente quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o
perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. ” (TJSP - Agravo de Instrumento 2138001-
38.2017.8.26.0000; Relator (a): João Camillo de Almeida Prado Costa; Órgão Julgador: 19ª Câmara
de Direito Privado; Foro de Ribeirão Preto - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/10/2017; Data de
Registro: 27/10/2017).
354 “AGRAVO DE INSTRUMENTO. Tutela de urgência de natureza cautelar. Ação de cobrança.
Pedido de bloqueio de valores com fim de garantir futura execução. Pretensão cautelar de arresto.
Ausência de título certo e líquido. Inadmissibilidade da pretensão. Ação de cobrança proposta
justamente para constituir o título por meio de processo de conhecimento. Ausentes os requisitos dos
artigos 300 e 301 do Código de Processo Civil. ” (TJSP - Agravo de Instrumento 2107692-
34.2017.8.26.0000. Relator: Sá Moreira de Oliveira. 33ª Câmara de Direito Privado. Data do
Julgamento: 03/07/2017. Data de Registro: 03/07/2017).
144
355 “A doutrina discute se o arresto em questão goza ou não da mesma natureza do arresto previsto
como medida cautelar. Observe-se, nesse passo, que, embora o novo CPC não mais tipifique as
medidas cautelares, faz referência ao fato de que a tutela cautelar pode ser efetivada mediante
arresto (art. 301), o que coloca a questão ora discutida em termos semelhantes. Particularmente,
entendemos, na linha da doutrina majoritária, que o arresto aqui previsto não é cautelar tendo em
vista, principalmente, que não depende de ordem judicial e não está sujeito aos requisitos cautelares
(no CPC de 1973, há requisitos específicos para os arrestos cautelares; no CPC de 2015, a
providência cautelar que se concretize em arresto de bens está sujeita aos requisitos genéricos do
art. 300). ” (ASSIS, Carlos Augusto. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie;
TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo
Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 2007).
No entanto, muitas vezes há confusão como no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2155584-
36.2017.8.26.0000, no qual em seu voto o relator asseverou que: “O arresto, previsto no art. 301, do
CPC, só é admissível em relação a quem figura como parte na execução ou fase de cumprimento de
sentença. ” (TJSP - Agravo de Instrumento 2155584-36.2017.8.26.0000; Relator (a): Paulo Roberto
de Santana; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 36ª Vara Cível; Data
do Julgamento: 25/10/2017; Data de Registro: 30/10/2017).
356 MELLO, Rogerio Licastro Torres de. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie;
TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo
Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 2342-2343.
PEREIRA FILHO, Benedito Cerezzo. O novo código de processo civil brasileiro e a velha opção pelo
efeito "suspensivo" no recurso de apelação. In Revista Iberoamericana De Derecho Procesal | Vol. 2.
Jul. – Dez. 2015. p. 17 – 36.
145
357 A hipoteca judiciária é prevista desde o Código de Processo Civil de 1939: “Art. 284. Quando, em
virtude de sentença, recair sobre os bens do condenado hipoteca judiciária, a respectiva inscrição
será ordenada pelo juiz, mediante mandado, na forma da lei civil. ”
O Código de Processo Civil de 1973 tratou com mais detalhes no art. 466 do CPC/73: “Art. 466. A
sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa,
valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma
prescrita na Lei de Registros Públicos. Parágrafo único. A sentença condenatória produz a hipoteca
judiciária: I - embora a condenação seja genérica; II - pendente arresto de bens do devedor; III - ainda
quando o credor possa promover a execução provisória da sentença”, e, mais pormenorizado ainda
ficou no CPC/15: “Art. 495. A decisão que condenar o réu ao pagamento de prestação consistente
em dinheiro e a que determinar a conversão de prestação de fazer, de não fazer ou de dar coisa em
prestação pecuniária valerão como título constitutivo de hipoteca judiciária. § 1 o A decisão produz a
hipoteca judiciária: I - embora a condenação seja genérica; II - ainda que o credor possa promover o
cumprimento provisório da sentença ou esteja pendente arresto sobre bem do devedor; III - mesmo
que impugnada por recurso dotado de efeito suspensivo. § 2o A hipoteca judiciária poderá ser
realizada mediante apresentação de cópia da sentença perante o cartório de registro imobiliário,
independentemente de ordem judicial, de declaração expressa do juiz ou de demonstração de
urgência. § 3o No prazo de até 15 (quinze) dias da data de realização da hipoteca, a parte informá-la-
á ao juízo da causa, que determinará a intimação da outra parte para que tome ciência do ato. § 4 o A
hipoteca judiciária, uma vez constituída, implicará, para o credor hipotecário, o direito de preferência,
quanto ao pagamento, em relação a outros credores, observada a prioridade no registro. §
5o Sobrevindo a reforma ou a invalidação da decisão que impôs o pagamento de quantia, a parte
responderá, independentemente de culpa, pelos danos que a outra parte tiver sofrido em razão da
constituição da garantia, devendo o valor da indenização ser liquidado e executado nos próprios
autos. ”
358 BUENO, Cassio Scarpinella. In MARCATO, Antonio Carlos (Coord.). Código de Processo Civil
359 Já no CPC/73, ainda que com a menção de necessidade de ordem do juiz, a hipoteca era um
direito potestativo que independe de pedido das partes para ser concedido, não havendo
discricionariedade, bastando a mera existência de sentença condenatória.
“Dentre os denominados efeitos secundários ou acessórios da sentença, assim entendido os que, em
virtude da expressa previsão legal, decorrem do fato da sentença, isto é, pelo simples fato de sua
prolação e que, por isso mesmo, independem de pedido da parte, destaca-se a ´hipoteca judicial´ ou
´hipoteca judiciaria´. ” (BUENO, Cassio Scarpinella. In MARCATO, Antonio Carlos (Coord). Código de
Processo Civil Interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas. 2008. p. 1512).
Egas Dirceu Moniz de Aragão, analisando a hipoteca judiciária quando ainda vigorava o Código Civil
de 1916 também tratou que bastava a existência de sentença condenatória: “Apesar de o Código Civil
dispor que ela "depende de inscrição e especialização", nenhuma exigência formal se contém na lei
processual para assegurar a obtenção da hipoteca judiciária, senão a própria sentença condenatória.
Por se tratar de hipoteca "legal", ela decorre automaticamente da sentença, independente de a parte
tê-la pedido e de o juiz tê-la concedido (este, ainda que a repute incabível, não poderá negá-la;
concedendo-a explicitamente seu pronunciamento será inócuo).
Apresentando-se a situação típica pois, basta que o interessado requeira e o juiz terá de ordenar a
expedição de mandado para sua inscrição "na forma prescrita na Lei de Registros Públicos", que, no
entanto, é omissa a respeito. ” (ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz. Hipoteca Judiciária. In Revista de
Processo. vol. 51, Jul.-Set. 1988. p. 10 – 22).
Há, no entanto, posicionamento de que, mesmo sendo um direito potestativo do vencedor (futuro
credor), deve haver atenção ao contraditório, mormente em virtude do art. 805 do CPC (menor
onerosidade), neste sentido José Rogério Cruz e Tucci (TUCCI, José Rogerio Cruz e. Hipoteca
Judiciária e devido processo legal. In Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. Vol. 7, Jan.-
Jun. 2001. p.70-75) e o Superior Tribunal de Justiça apresenta posicionamento de que é preciso que
se estabeleça o contraditório antes de se realizar a hipoteca judiciária: “PROCESSO CIVIL.
HIPOTECA JUDICIÁRIA. EXIGÊNCIA DO CONTRADITÓRIO. Não obstante seja um efeito da
sentença condenatória, a hipoteca judiciária não pode ser constituída unilateralmente; o devedor deve
ser ouvido previamente a respeito do pedido. Recurso especial conhecido e provido. ” (STJ,
REsp 439648 /PR. Relator min. Ari Pargendler. Terceira Turma. Data do julgamento 16/11/2006. DJ
04/12/2006).
360 Coerentemente o CPC/15 substituiu a expressão sentença condenatória presente no art. 466 do
sentenças arbitrais e estrangeiras. ” (ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz. Hipoteca Judiciária. In Revista de
Processo. Vol. 51, Jul.-Set. 1988. p. 10 – 22).
Da mesma forma “réu” constante no art. 466 do CPC/73 e mantido no art. 495 do CPC/15 (acredita-se
que indevidamente) deve ser interpretado de maneira elástica, como diz Egas Dirceu Moniz Aragão,
podendo também o réu que obteve alguma condenação em seu favor, como por exemplo litigância de
má-fé, fazer; ou então o advogado do réu vencedor que terá direito a honorários sucumbências
fazerem uso da hipoteca judiciária. (ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz. Hipoteca Judiciária. In Revista de
Processo. Vol. 51, Jul.-Set. 1988. p. 10 – 22).
No mesmo sentido (primeiros comentários): BEDAQUE, José Roberto dos Santos. In WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves
Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p.
1319-1320.
147
Acredita-se que o que acontece não é que a hipoteca judiciária não tenha
função cautelar, pois soa contraditório dizer que é assecuratória e não acautela, o
que ocorre é que não é uma medida cautelar, a qual necessita de decisão judicial
para ser concedida363, e embora seja um efeito anexo da sentença condenatória, não
deixa de ser uma técnica cautelar ope legis.
De toda sorte, não se trata, ao menos não era sob a égide do CPC/73, de
instituto muito usado364, e talvez com a nova redação no CPC/15, principalmente
tratando expressamente do direito de preferência do credor com hipoteca judiciária,
essa realidade se altere.
Para Adriano Ferriani365 a hipoteca judiciária não tinha grande utilização
antes do Código Civil de 2002, pois o revogado Código Civil de 1916 no art. 824 366
tratava expressamente que a hipoteca judiciária não dava direito de preferência, e
assim, o credor hipotecário judicial conservava apenas o direito de sequela. Sem
correspondente no CC/02, que não traz a hipoteca judicial especificamente, o direito
de preferência do credor com hipoteca judicial passou a ser interpretação
doutrinária367 e jurisprudencial368, e com o §4º do art. 495 do CPC/15 pacificou-se.
362 JUSTEN FILHO, Marçal; MOREIRA, Ego Bockmann; TALAMINI, Eduardo. Sobre a Hipoteca
Judiciária. In Revista de Processo. Vol. 85, Jan.- Mar. 1997. p. 121-127.
363 Por esta razão não deve se submeter as consequências de um cautelar como a responsabilidade
objetiva em caso de reversão da decisão de primeira instância. (JUSTEN FILHO, Marçal; MOREIRA,
Ego Bockmann; TALAMINI, Eduardo. Sobre a Hipoteca Judiciária. In Revista de Processo. Vol. 85,
Jan.- Mar. 1997. p. 121-127).
364 “Instituto pouco utilizado e menos ainda conhecido, a hipoteca judiciária é meio hábil para
assegurar futura execução de sentença condenatória. Através da hipoteca judiciária, é gravado bem
imóvel (ou outro dos arrolados no art. 810 do CC/1916 de propriedade da parte condenada ao
pagamento de dinheiro ou entrega de coisa, estabelecendo-se em prol do Juízo e do vencedor um
instrumento que ajuda a tornar eficaz a sentença.” (JUSTEN FILHO, Marçal; MOREIRA, Ego
Bockmann; TALAMINI, Eduardo. Sobre a Hipoteca Judiciária. In Revista de Processo. Vol. 85, Jan-
mar. 1997. p. 121-127).
365 FERRIANI, Adriano. A hipoteca judiciária morreu? Disponível em:
http://www.migalhas.com.br/Civilizalhas/94,MI148646,61044-A+hipoteca+judiciaria+morreu Acesso
em 11/09/2017.
366 “Art. 824. Compete ao exequente o direito de prosseguir na execução da sentença contra os
adquirentes dos bens do condenado; mas, para ser oposto a terceiros, conforme valer, e sem
importar preferência, depende de inscrição e especialização."
367 “O CC em vigor não faz referência à hipoteca judiciária. Não há um equivalente ao art. 824 do CC
de 1916. Este dispositivo dizia respeito à hipoteca judiciária e estabelecia a regra de que esta
148
Neste sentido Paula Sarno Braga, Fredie Didier Junior e Rafael Alexandre de
Oliveira:
De igual maneira Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lucia Lins Conceição,
Leonardo Ferres da Silva e Rogerio Licastro Torres de Mello:
hipoteca não importava preferência. ” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres
da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros
comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 887).
Para Charle Edouard Khouri, a inexistência de dispositivo correspondente no CC/02 significa que a
hipoteca judiciária segue os ditames das demais hipotecas, havendo direito de preferência (KHOURI,
Charles Edouard. Da hipoteca judiciária. Disponível em:
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI30930,61044-Da+Hipoteca+Judiciaria. 04/10/2006. Acesso
em 10/11/2017.
368 Contrário ao direito de preferência - “HIPOTECA JUDICIÁRIA. Efeito secundário e imediato da
sentença cível condenatória, que não se sujeita ao efeito suspensivo do recurso de apelação.
Precedentes do C. STJ. Pedido que pode ser formulado pelo credor tanto em Primeira Instância,
antes ou depois do recebimento do recurso de apelação, ou mesmo em Segunda Instância,
diretamente ao Relator. Como a hipoteca judiciária é dotada de sequela, mas não de preferência,
perderia o instituto a sua função caso devesse aguardar o trânsito em julgado da sentença, momento
em que o credor já pode penhorar bens do devedor. Instituição independente da vontade do vencido
na demanda ordinária, bastando a existência de sentença condenatória, que vale como título
constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição é ordenada pelo juiz. Ausência de violação ao
princípio do contraditório. Excesso de garantia que não comporta acolhimento nesta fase processual.
Decisão que converteu o bloqueio em hipoteca judicial, incidente sobre os mesmos bens imóveis já
constritos. Recurso não provido. ” (TJSP - Agravo de Instrumento 0254633-60.2012.8.26.0000.
Relator: Francisco Loureiro. 6ª Câmara de Direito Privado. Data do Julgamento: 07/02/2013. Data de
Registro 07/02/2013).
Em julgamento de recurso especial, após a entrada em vigo do CC/02, a ministra Nancy Andrighi
tratou da hipoteca judiciária como efeito secundário da sentença, destacando a inexistência de direito
de preferência: “A hipoteca judiciária, prevista no art. 466 do CPC, constitui um efeito secundário da
sentença condenatória e tem por finalidade assegurar a efetividade do processo, impondo-se perante
terceiros a garantia do crédito por meio do direito de sequela (vale observar que a hipoteca judiciária
não enseja direito de preferência), servindo como forma de evitar fraude contra a execução.” (STJ -
REsp 715.451/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 06/04/2006, DJ
02/05/2006)
369 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandre de. Curso de Direito
Processual Civil. Teoria Geral da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e
Tutela Provisória. Vol. 2. 10. ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2015. p. 435.
370 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia
Lins Conceição de; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de
Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 887.
149
371AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real; BRUSCHI, Gilberto Gomes; NOLASCO, Rita Dias.
Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de
2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 165. p. 163-154.
150
372 O art. 797 menciona direito de preferência tratando de penhora, no entanto, há entendimento
doutrinário e jurisprudencial no sentido de que o arresto também está compreendido nos termos do
art. 797 do CPC e deve obedecer a anterioridade, ou seja, tem preferência no produto tanto quem
primeiro penhorou como quem arrestou, abrangendo o arresto cautelar e o arresto executivo (STJ -
AgRg no AgRg no AgRg no REsp 1.190.055 / MG. Agravo Regimental no Agravo Regimental no
Agravo Regimental no Recurso Especial 2010/0069277-4, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti,
quarta Turma, data do julgamento 11/10/2016, DJe 21/10/2016), mas desde que o arresto tenha sido
convertido em penhora, retroagindo-se a data do arresto para considerar a anterioridade, e aqui está
o primeiro problema, pois pode acontecer de haver liquidação do bem antes que seja possível a
conversão do arresto em penhora que, no caso do cautelar, poderá demandar um longo tempo.
Há ainda outro problema, qual seja, que ainda que o arresto se convertido em penhora seja marco de
preferência em um concurso de credores, o concurso se estabelece entre crédito de mesma natureza,
portanto, a anterioridade é relevante somente na mesma categoria, de tal sorte que poderá ocorrer de
um arresto acontecer anos antes, ser convertido em penhora, mas um processo novo com penhora
daquele mesmo bem ter preferência em virtude da natureza do crédito: “RECURSO ORDINÁRIO EM
MANDADO DE SEGURANÇA - DIREITO DE PREFERÊNCIA - PRODUTO DE ARREMATAÇÃO DE
BEM - ARRESTO EFETUADO POR CREDOR QUIROGRAFÁRIO - PENHORA POSTERIOR
EFETUADA EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS
CONDOMINIAIS - PREFERÊNCIA DO CRÉDITO CONDOMINIAL. I - O arresto, incidental ou
executivo, deve ser equiparado à penhora para fins de preferência em concurso de credores. II - O
crédito relativo a cotas condominiais constitui um ônus relativo ao próprio bem, assim, por tratar-se de
obrigação propter rem, prefere ao crédito quirografário anteriormente garantido por arresto. Recurso
improvido. ” (STJ - RMS 23822 / RJ recurso ordinário em mandado de segurança 2007/0061920-9,
relator Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, data do julgamento, DJe 15/04/2008).
373 Pode também ocorrer modificação antes do cumprimento da sentença do processo em que foi
374 AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real; BRUSCHI, Gilberto Gomes; NOLASCO, Rita Dias.
Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de
2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 161.
375 2ª reunião da comissão de juristas para elaboração do Novo Código de Processo Civil: “Sr.
Ministro Luiz Fux: Está bem, veja uma coisa, por exemplo, eu particularmente entendo que isso é
uma questão de responsabilidade que é o sucedâneo do descumprimento da obrigação, é
expropriação, é ato de processo.
Eu acho que a responsabilidade é um instituto de direito processual, mas isso não tem problema. Eu
acho que nós temos que votar, isso aqui é uma comissão, tem que votar.
Então a proposição ficou assim: a desconsideração da pessoa jurídica, ela tem de ser levada a efeito
no processo de conhecimento para poder ser exigida na execução na forma da lei civil, naqueles
casos da lei civil.
(...)
Sr. Adroaldo Furtado Fabrício: Até porque para os outros casos o conceito de fraude é suficiente, em
regra.
Sra. Teresa Arruda Alvim Wambier: Como é que é?
Sr. José Roberto dos Santos Bedaque: Mas se esse problema surge na execução?
Orador não identificado [00:48:13]: Aí é fraude à execução.
Sra. Teresa Arruda Alvim Wambier: Atitudes na execução, tem que haver um incidente de
conhecimento dentro da execução.
Sr. Ministro Luiz Fux: Pedir a execução extra.
Sr. José Roberto dos Santos Bedaque: Não, na execução, seja extra, seja--
Sr. Ministro Luiz Fux: Eu acho que se surge posteriormente ao processo de conhecimento--
Sr. José Roberto dos Santos Bedaque: O problema surge quando vai--
Sr. Ministro Luiz Fux: Houve alguma fraude aí é caso de execução--
Sr. José Roberto dos Santos Bedaque: --Penhorar o bem daquele que fora condenado ou do devedor
em título executivo e não encontra bens dele.
153
Sr. Ministro Luiz Fux: Não, mas aí é fraude à execução. ” (2ª reunião da comissão de juristas,
responsável pela elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil, instituída pelo ato nº 379,
de 2009 realizada no dia 14 de dezembro de 2009, às 13 horas e 45 minutos. In Diário do Senado
Federal. 10/03/2010. p. 266).
376 Exemplificando, no julgamento do recurso de apelação n. 2014.092264-4 determinada pessoa
jurídica emitiu 34 cheques, e quando emitiu esses cheques verificou-se que a empresa teria
conduções de solvê-los, pois era proprietária de 16 veículos e de mais 3 imóveis. No entanto,
verificou-se que um dos imóveis da pessoa jurídica teria sido utilizado para quitar dívida do sócio
majoritário da empresa oriunda de empréstimo, portanto nítida confusão patrimonial, motivação para
desconsideração da personalidade jurídica, mas a ação era de fraude contra credores em que se
buscou o desfazimento daquela transação, e isto ocorreu via ação pauliana porque não se poderia
dizer que a transação fraudulenta realizada pela pessoa jurídica foi em fraude à execução, pois, ao
que tudo indica, inexistia cobrança judicial dos cheques. (TJSC - Apelação Cível n. 2014.092264-4,
de Braço do Norte, rel. Des. Guilherme Nunes Born, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 16-07-
2015).
154
377Prefere-se utilizar a nomenclatura “campo material” a utilizar a diferença empregada por parte da
doutrina que diz que a fraude contra credores seria um instituto de direito privado e a fraude à
execução de direito público. Neste ponto concordamos com as lições: “...a natureza, de direito público
ou privado, é equivocada, pois tanto a fraude contra credores quanto a fraude de execução
pertencem ao campo do direito público, uma vez que disciplinam hipóteses de extensão da
responsabilidade executória, matéria que – como já muito demonstrou Carnelutti, em evolução a
teoria de Schuld und Haftung de Avoys Von Brinz – encontra-se exclusivamente no campo do direito
processual. ” (AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real. Fraude de Execução. São Paulo: Atlas, 2012.
p.15-16).
De maneira um pouco distinta assevera “A fraude contra credores é instituo de Direito Material,
regrado pelo Código Civil, que revela grande interesse para o Direito Processual; diz respeito à
responsabilidade patrimonial e pode repercutir na execução. ” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA,
Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito
Processual civil. Execução. Vol. 5. 5. ed. Salvador; Juspodivm, 2013. p. 309).
155
A previsão legal da fraude contra credores encontra-se nos art. 158 a 165 do
CC e, em suma, é verificável quando um devedor torna-se insolvente em
decorrência da alienação de determinado bem. Nessa situação (devedor insolvente),
o credor prejudicado poderá alegar a existência de fraude naquele negócio jurídico
que inviabilizou o recebimento do seu crédito, devendo demonstrar o consilium
fraudis entre o alienante e o terceiro adquirente, dispensando-se essa prova se o
negócio jurídico for gratuito (doação por exemplo) ou tiver ocorrido remissão de
dívidas.
Diferentemente da fraude à execução, a fraude contra credores não é
incidental e para ser alegada precisa de uma ação própria, a qual ficou conhecida
como ação pauliana ou revocatória. Outra diferença em relação a fraude à execução
é que a sentença da ação que discute fraude contra credores gera anulação do
negócio jurídico tido por fraudulento, ao passo que no caso da fraude à execução o
negócio jurídico é tido como ineficaz.
Foi apegando-se ao termo “anulados” contido no art. 158 que a doutrina
civilista entende que com a sentença de procedência na ação pauliana, os bens
alienados em fraude contra credores retornam ao patrimônio do devedor, todavia, há
um bom tempo existem controversas sobre o tema, como no julgamento do Recurso
Especial n. 5.307/RS379 de 1992.
378 “Para a configuração da fraude à execução é irrelevante o elemento subjetivo (consilium fraudis),
pois na sistemática processual brasileira basta a caracterização das hipóteses previstas no art. 593
do CPC.” (FERREIRA, William Santos. O ônus da prova na fraude à execução: a boa-fé objetiva e as
premissas de uma sociedade justa e solidária. In MOREIRA, Alberto Camiña; ALVAREZ, Anselmo
Prieto; BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Panorama Atual das Tutelas Individual e Coletiva:
Estudos em Homenagem ao Professor Sérgio Shimura. São Paulo: Saraiva, 2010. p.759).
379 STJ - Recurso Especial n. 5307/RS, Relator ministro Athos Carneiro. Quarta Turma. Data do
380 Exemplificando para melhor visualização, determinado bem de terceiro é penhorado e então este
terceiro ingressa com embargos de terceiro alegando que havia adquirido validamente aquele bem do
devedor. O credor então, como matéria de defesa em embargos de terceiro alega que aquele bem foi
alienado em fraude contra credores, e por isso, deve responder à execução.
381 “Sou capaz de aceitar que o nosso legislador civil, por mera impropriedade terminológica, tenha se
referido a anulação quando deveria ter tratado de ineficácia. Compreendo também que a ação
pauliana não deveria ter como consequência qualquer benefício ao devedor, nem acarretar para o
adquirente prejuízo maior do que o necessário para assegurar o pagamento do credor. ” (GRECO,
Leonardo. O processo de execução, Vol. 2. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 32).
382 Por exemplo, “C”, terceiro, adquire um imóvel de R$ 1.000.000,00 de “A”, e “A” torna-se insolvente
deixando de honrar com dívidas que tinha com “B”, de R$ 500.000,00. “B”, então, intenta com ação
alegando que o negócio jurídico entre “A” e “C” foi fraudulento, havendo consilium fraudis. Sobrevém
sentença de procedência e o imóvel retorna ao patrimônio de “A”, podendo “B” penhorá-lo em
eventual execução para satisfazer sua dívida de R$ 500.000,00. No entanto, o valor da dívida de “A”
com “B” era menor que o negócio firmado entre “A” e “C”, ou seja, “C” teve prejuízo de R$
500.000,00.
383 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 12. ed. São
385 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Saraiva 2014. p. 433.
386 "A fraude contra credores não gera a anulabilidade do negócio - já que o retorno, puro e simples,
ao status 'quo' ante poderia inclusive beneficiar credores supervenientes a alienação, que não vítimas
de fraude alguma, e que não poderiam alimentar expectativa legítima de se satisfazerem â custa do
bem alienado ou onerado", de modo que a procedência da ação pauliana 'não conduz a uma
sentença anulatória do negócio, mas sim à retirada parcial de sua eficácia, em relação a
determinados credores, permitindo-lhes excutir os bens que foram maliciosamente alienados,
restabelecendo sobre eles, não a propriedade do alienante, mas a responsabilidade por suas
dívidas". (STJ - REsp 506.312/MS, 1ª Turma. Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 31.8.2006).
No julgamento do Recurso Especial n. 971.884/PR os ministros Sidnei Beneti e Nancy Andrighi
consideraram que a sentença proferida em ação pauliana gera ineficácia em relação ao autor da
ação. Destaca-se os votos:
Min. Sidnei Beneti: “Pelo exposto, pelo meu voto dá-se provimento em parte ao Recurso Especial,
mantendo o reconhecimento da fraude contra credores e declarando a ineficácia relativa das doações
tão somente quanto à Caixa Econômica Federal e no limite do débito de Jayme Navarro. ”
Min. Nancy Andrighi: “Nesse aspecto, há de se considerar que, mesmo sendo o ato fraudulento, ele
se reveste de existência e validade. Tanto é assim que, não obstante o art. 167 do CC/02 determine
ser nulo o negócio jurídico simulado, ressalva que “subsistirá o que se dissimulou, se válido for na
substância e na forma”. A fraude não constitui vício apto a afetar a substância do ato jurídico,
tornando-o anulável. O ato jurídico praticado pelo devedor em fraude dos credores, válido em si
mesmo, não se esvai do mundo jurídico, embora sofra os efeitos da ação revocatória.
Diante disso, conclui-se que a sentença pauliana sujeitará à excussão judicial o bem
fraudulentamente transferido, mas apenas em benefício do crédito fraudado e na exata medida deste.
Naquilo em que não interferir no direito do credor, o ato permanece hígido, como autêntica
manifestação das partes contratantes. Até porque, a desconstituição do ato implicaria retorno ao
status quo ante, situação que, a rigor, viria em prol do próprio fraudador, ensejando-lhe novamente a
titularidade da coisa ou direito de que se despojara espontaneamente.
Em suma, a sentença revocatória conduz à ineficácia do ato apenas frente aos credores fraudados e
nos limites do seu crédito. Havendo, por exemplo, a remição da dívida pelo devedor, o ato de
alienação subsistirá, não havendo como sustentar a sua anulabilidade. Da mesma forma, a ineficácia
do ato somente alcançará os bens necessários à satisfação do débito, sem qualquer reflexo nos
demais. ”
Min. Massame Yueda: “A solução encontrada, preconizada, pela Sra. Ministra Nancy Andrighi me
parece ser a medida mais adequada. A declaração de nulidade das doações efetuadas pelo devedor
não será declarada ineficaz, a não ser em relação ao credor. Então, preserva-se o direito do credor e,
quanto ao mais, eventuais interessados é que se movimentam. ”
158
Nota-se que o artigo 158 do Código Civil utiliza as palavras credor e devedor
e, para existir estas figuras, é necessário que exista uma dívida vencida e não paga.
A corrente majoritária, até mesmo pela literalidade do §2° do art. 158 do
Código Civil, defende que para se ingressar com pedido de fraude contra credores
(art. 161 do CC) é necessário que a dívida seja exigível, caso contrário não haveria
interesse de agir387, bem como que a alienação seja recente388. Há, no entanto,
posicionamento de que a dívida não precisa estar vencida e pode ser considerada
fraude contra credores a alienação anterior ao vencimento389, já tendo dessa forma
se posicionado o Superior Tribunal de Justiça390.
De maneira intermediária, Candido Rangel Dinamarco391 apresenta
posicionamento no sentido de que somente o credor (dívida vencida) teria interesse
387 “A ação pauliana (Código Civil, art. 161) caracteriza-se por: (...) e) segundo os tribunais, reclamar
que o credor seja titular de crédito exigível, pois só assim terá interesse-necessidade. Antes da
exigibilidade da obrigação não haveria interesse na ação pauliana” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA,
Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito
Processual civil. Execução. Vol. 5. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. p.385-386).
388 “Só têm legitimação ativa nesta demanda os credores quirografários que já o eram ao tempo que
389.
159
de agir, mas defende que, caso a dívida venha a vencer no curso da ação pauliana
(antes de proferida sentença), com base no art. 493 do CPC, haveria fato
superveniente fazendo surgir interesse de agir392.
Assim, se alguém tem uma expectativa de receber determinado crédito e não
consegue (ou verifica que não conseguirá – débito não vencido - posição minoritária)
porque o devedor tornou-se insolvente, o ato de alienação que assim tornou o
devedor, poderá ser desfeito através da ação pauliana nos termos do art. 161 do
CC.
Normalmente observa-se a fraude contra credores como um momento
anterior a possibilidade de alegar fraude à execução, principalmente quando o
motivo é a insolvência do devedor393. O credor que ainda não intentou com ação tem
seu crédito frustrado por causa de alguma alienação do devedor, ou então o credor
que já tem ação, mas, observa que a alienação do bem que levou o devedor a
insolvência é anterior a ação, só lhe resta alegar fraude contra credores.
Importante tecer observação em relação ao termo credor, dado o seu uso
comum em contraposição a devedor. Embora o sócio nunca se transforme em
devedor (mesmo com a procedência do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica), o credor da pessoa jurídica, na medida em que poderá
garantir o recebimento da sua dívida com patrimônio de terceiros (responsáveis
secundários) também será credor do responsável secundário. O credor da pessoa
392 Portanto, para Cândido Rangel Dinamarco não é preciso que a alienação seja posterior ao
vencimento da dívida, mas é preciso que a dívida esteja vencida para ter interesse de agir na ação
pauliana. A alienação até pode ocorrer antes de vencida a dívida, mas a alegação de fraude contra
credores não.
393 Fala-se que a fraude contra credores é considerada um momento anterior a possível alegação de
fraude à execução, considerando-se os termos do inc. IV do art. 792 do CPC, mas a alegação de
fraude à execução não se limita a insolvência do devedor, podendo estar ligada ao próprio bem,
como é o caso do inc. I do art. 792 do CPC. Esclarece Marcelo Abelha: “É importante que fique bem
claro que a fraude à execução não possui uma simetria em relação à fraude contra credores, ou seja,
como se esta fosse aquela só que antes de instaurado o processo. Essa simetria não existe, porque
na fraude à execução, ao contrário da fraude contra credores, não se tutela apenas a
responsabilidade patrimonial, mas todo e qualquer bem sujeito à execução que dela venha a ser
retirado pelo devedor/responsável. É que a fraude à execução se presta: a) para situações em que a
execução é para a entrega de coisa; ou seja, sendo a coisa o fim a ser perseguido na execução e o
executado aliena ou onera o referido bem; b) para situações, bem mais comuns, em que o
reconhecimento da fraude tutela o direito à responsabilidade patrimonial deduzido em juízo, no qual a
coisa é mero instrumento para obter o dinheiro que servirá para garantir o adimplemento. ” (ABELHA,
Marcelo. Manual de execução civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p.107).
160
394 “Entende-se por responsabilidade patrimonial a situação jurídica subjetiva, da qual resulta a
sujeição de bens do responsável, com relevância econômica, a serem destinados a satisfazer o
credor que não recebeu a prestação devida, por meio do processo de execução forçada. ” (GUERRA
FILHO, Willis Santiago. Responsabilidade patrimonial e fraude à execução. In Revista de Processo.
Vol. 65, 1992. p. 174 – 181).
395 “Antes da citação, o devedor ou responsável não fica imune às consequências da fraude, mas se
sujeita ao regime da fraude contra credores e não da fraude à execução. Há, não obstante,
mecanismos de proteção cautelar que preservam o credor dos riscos de desvio de bens e de
insolvência do devedor que podem ser utilizados, em qualquer caso, antes mesmo da citação
executiva (arts. 300 e 301). ” (THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil.
Vol. 1. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2015. p. 410-411).
“AÇÃO PAULIANA. FRAUDE CONTRA CREDORES. Ilegitimidade passiva não verificada. Réus são
os contratantes dos negócios que se pretende anular. Dívida oriunda de empresa da qual os
alienantes eram sócios. Impossibilidade de se afirmar pela falta do requisito objetivo da fraude contra
credores (eventus damni) baseado no simples fato de que as decisões de desconsideração da
personalidade jurídica em ações movidas contra a empresa são posteriores ao negócio dito
fraudulento. É suficiente que os requisitos para a desconsideração estivessem reunidos quando do
negócio. Natureza declaratória do decreto de desconsideração da personalidade jurídica. O instituto
da fraude contra credores é remédio que deve independer totalmente de ação ajuizada, tendo em
vista que os atos de fraude podem ser arquitetados antes da judicialização do problema. O que torna
o sócio devedor é a prática de atos autorizadores de desconsideração da personalidade jurídica e
não o decreto judicial que declara a ineficácia da personalidade jurídica. Necessidade de
demonstração do requisito objetivo da fraude (consilium fraudis) que envolve comprovar a intenção
dos contratantes de prejudicar os credores da pessoa jurídica, resguardando o sócio em futura
desconsideração da personalidade jurídica. Sentença anulada. Impossibilidade de julgamento
imediato. Prosseguimento do feito para dilação probatória. Recurso parcialmente provido. ”
(TJSP - Apelação 9091094-61.2009.8.26.0000; Relator (a): Mary Grün; Órgão Julgador: 7ª Câmara
de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo - 2. VARA CIVEL; Data do Julgamento:
08/11/2017; Data de Registro: 14/11/2017).
Em seu voto a relatora destaca: “Seria absurdo pensar que, sem qualquer risco de responsabilização,
um sócio poderia praticar atos que dilapidariam seu patrimônio com a interposição de sua empresa. A
lei certamente não é conivente com tal postura, de modo que o instituto da fraude contra credores é
remédio que deve independer de ação ajuizada, tendo em vista que os atos de fraude podem ser
arquitetados antes da judicialização do problema; do contrário, estar-se-ia deixando os credores
desamparados. ”
161
bem veículo da fraude não retornará ao devedor396, tão somente aquele bem de
terceiro responderá pela dívida. Trata-se de mais uma situação de responsabilidade
sem dívida.
Se em relação aos efeitos da decisão de fraude à execução não há
polêmicas, em relação ao marco para sua alegação há bastante discussão. Com o
Código de Processo Civil 2015 os debates ficaram ainda mais interessantes, uma
vez que o art. 792, §3º, traz regra totalmente na contramão.
A possibilidade de alegação de fraude à execução nos termos do art. 792, inc.
IV, do CPC, tem como marco a existência de ação, e, o complemento a palavra
fraude não se refere ao momento em que ocorre ato fraudulento (durante a fase de
execução), mas o momento em que se experimenta o resultado do ato fraudulento.
Como bem coloca Gilberto Gomes Bruschi, Rita Dias Nolasco e Rodolfo da Costa
Manso Real Amadeo397 a denominação refere-se ao tempo em que pode ser
declarada a fraude: “O instituto recebeu a denominação de fraude à execução em
razão de somente poder ser declarado no momento da tentativa infrutífera de se
encontrar bens passíveis de constrição do executado. ”
No entanto, o que poderia ser um marco fácil para separar a possibilidade de
alegação de fraude contra credores e fraude à execução (antes da existência de
ação o ato de alienação significa fraude contra credores, após a existência de ação
contra aquele devedor, significa fraude à execução), não é. Isso porque o art. 593, II,
do CPC/73 mencionava “corria contra”, e o correspondente artigo do CPC/15, art.
792, IV, tampouco traz expressão mais esclarecedora, substituindo por “tramitava”.
As discussões giram em torno de compreender o que é “correr contra”, agora
substituído por “tramitar ação”. Uma ação é considerada em trâmite desde a sua
distribuição, a partir do despacho que determina a citação, ou seria preciso citação
válida? Infelizmente, encontra-se posicionamento nos três sentidos.
396 Rogério Cruz e Tucci, embora considere que o ato em fraude à execução gera ineficácia, assevera
que o bem retorna ao patrimônio do devedor: “A consequência da configuração da fraude à
execução, portanto, é a ineficácia do negócio jurídico maculado pela fraude executiva, de modo que
os bens alienados ou gravados continuam a responder pela dívida contraída pelo transmitente, não
obstante já estarem registrados em nome de terceiro. Isto quer dizer que o ato de alienação ou
oneração é contaminado, retornando o bem ao patrimônio do devedor, como se de lá nunca tivesse
saído. ” (TUCCI, Rogerio Cruz e. Incomunicabilidade De Bem Imóvel. Alienação Em Fraude À
Execução. Ineficácia perante O Arrematante (Parecer). In Revista de Direito Contemporâneo. Vol. 10.
Jan – mar. 2017. p. 283-304).
397 AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real. BRUSCHI, Gilberto Gomes. NOLASCO, Rita Dias.
398 “A dificuldade de se delimitar o exato momento em que a alienação do bem pelo devedor pode ser
considerada em frade de execução decorre da redação imprecisa do at. 593 do CPC, que utiliza
expressões ‘pender ação’ e ‘correr demanda’, dando margem a interpretações distintas para fixação
do die a quo: data da distribuição da ação ou da citação válida do réu.” (ANDRIGH, Fatima Nancy;
GUARIENTO, Daniel Bittencourt. Fraude de execução: o Enunciado 375 da Súmula/STJ e o projeto
do novo Código de Processo Civil. In ARRUDA ALVIM; ARRUDA ALVIM, Eduardo; BRUSCHI,
Gilberto Gomes; CHECHI, Mara Larsen; COUTO, Monita Bonetti. Execução Civil e Temas Afins do
CPC/1973 ao Novo CPC – Estudos em homenagem ao professor Araken de Assis. São Paulo:
Revista dos Tribunais. p. 355).
399 Marcelo Abelha defende a citação válida como marco para configurar a fraude à execução: “A
citação é o ato pelo qual o réu ou interessado ou o executado são convocados a integrar a relação
jurídico processual (art. 238). Desde que tenha sido validamente citado o réu, já existe demanda
pendente, e como tal já está presente o primeiro requisito.” (ABELHA, Marcelo. Manual de execução
civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 107).
Araken de Assis, embora se curve ao entendimento do STJ de que seria preciso a citação, reconhece
a plausibilidade da simples distribuição da ação, pois nesse momento já existe uma relação entre
autor e Estado: “Inaugura-se a litispendência segundo os arts. 263, 2ª parte [312 do CPC] e 219 do
CPC [art. 240 CPC], mediante citação válida. Este efeito, que se destina a produzir a pendência da
lide perante o réu, não se relaciona, absolutamente, com a constituição da relação processual que já
existe, mas entre autor e o Estado, desde a distribuição (art. 263, 1ª parte). Mas o art. 593, II [ art.
792, IV do CPC], não alude a litispendência, empregando uma fórmula ambígua: ´quando ao tempo
da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda´. Por isso a interpretação de que basta o
ajuizamento, pois não interessa ao terceiro se ocorreu a citação, exibe seus méritos. Acontece que
uniformizando a interpretação do dispositivo, a jurisprudência do STJ estima imprescindível a citação.
Por conseguinte, da fraude contra a execução somente se congitará a partir da data da citação. Neste
sentido proclamou a 4ª Turma do STJ: ‘Para que se configure a fraude de execução, não basta
ajuizamento da demanda, mas a citação válida.’
Ademais, o art. 219, §1°, prevê a retroação ficta ao momento do ajuizamento somente do efeito
interruptivo da prescrição, não dá litispendência...” (ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 14. ed.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 300).
400 “O próprio art. 263 do CPC considera proposta ação a partir do momento em que ‘a petição inicial
seja despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, não havendo motivo plausível a justificar
interpretação diversa na hipótese de fraude de execução.
(...)
164
A expressão “tramitava ação” (art. 792, inc. IV, CPC), assim como a revogada
expressão “corria demanda” (art. 593, inc. II do CPC/73), está somente empregada
no artigo que trata sobre fraude à execução, o que causa divergência interpretativa,
uma vez que o artigo 312 do CPC fala em ação proposta (assim considerada no
momento da distribuição) e o art. 240 do CPC atribui ao ato da citação à litigiosidade
da coisa e a indução a litispendência, mas não a existência da ação.
Não há, assim, uma harmonia nos vocábulos, gerando dúvida com relação ao
que quis dizer o legislador com tramitava ação. Seria a mera propositura da ação,
que já gera efeitos, inclusive nos termos do art. 59 do CPC torna prevento o Juízo,
ou se seria necessário considerar os efeitos com relação ao réu, que somente se dá
com a citação válida?
Embora a corrente majoritária conte com fortes argumentos para ser
considerada pendência de ação somente após a citação válida, não se pode ignorar
a prática forense e muitas vezes a dificuldade imposta pelo réu ou executado para
efetivação da citação, e até mesmo, procedimentos internos dos cartórios que
tornam o ato moroso. Ademais, não se ignora a prática comercial de que o
adquirente quando compra determinados bens extrai certidões em nome do
alienante e pode verificar a existência de ação antes mesmo da formação triangular
do processo401.
Obviamente que existem formas de punir quem se oculta de maneira
proposital e inviabiliza a citação402, mas isto não garante o objetivo do inc. IV do art.
792 do CPC que é a efetividade da tutela jurisdicional. Existem processos que
Outrossim não se pode ignorar que a exigência de citação contrária a própria finalidade da fraude de
execução, de modo que privilegie o adquirente disidioso em detrimento do credor e do Estado.”
(ANDRIGH, Fatima Nancy; GUARIENTO, Daniel Bittencourt. Fraude de execução: o Enunciado 375
da Súmula/STJ e o projeto do novo Código de Processo Civil. In ARRUDA ALVIM; ARRUDA ALVIM,
Eduardo; BRUSCHI, Gilberto Gomes; CHECHI, Mara Larsen; COUTO, Monita Bonetti (Coord.).
Execução Civil e Temas Afins do CPC/1973 ao Novo CPC – Estudos em homenagem ao professor
Araken de Assis.São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 359).
401 José Maria Câmara Junior chama atenção para o fato de que considerar a citação válida como
marco da fraude à execução protege o devedor que realmente pode desconhecer a existência de
ação contra si, mas deixa de considerar a posição do adquirente que pode perfeitamente pedir
certidões e verificar a existência de ação em nome do alienante. Acrescenta o autor, como se
defende nesse trabalho, que a interpretação jurisprudencial atual de que seria preciso a citação válida
ainda pode prestigiar o devedor que propositadamente furta-se da citação. (CÂMARA JUNIOR, José
Maria. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno
(Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 1902).
402 “O réu que dificulta a citação opõe resistência injustificada ao desenvolvimento da relação
processual.” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. In MARCATO, Antonio Carlos (Coord.). Código
de Processo Civil Interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas. 2008. p. 61).
165
demoram meses e as vezes anos para ocorrer uma citação, demora que pode
ocorrer tanto por conduta indevida do réu ou executado, como em decorrência de
procedimento internos de cada cartório, principalmente quando o caso depende de
citação através de oficial de justiça, ambos fatores que fogem a atitudes do
autor/exequente.
Tratar de maneira contundente que para se considerar fraude à execução é
necessário que haja uma citação válida, é em muitos casos, tornar ineficaz os
termos do inc. IV do art. 792 do CPC, obrigando assim o autor, com ação distribuída
e que constatou a insolvência do executado ou réu, a ingressar com ação autônoma
(contrário a economia e celeridade processuais) em vez de alegar incidentalmente.
Trata-se da mesma teleológica do art. 59 do CPC. No CPC/73 o que tornava
o Juízo prevento era a citação válida, então, muitas vezes uma ação distribuída
antes acabava sendo extinta porque outra igual e posterior tinha a citação primeiro.
Aquele que antes agiu se prejudicava. Sem se aprofundar nos problemas que a
separação do art. 219 do CPC/73 nos arts. 240 e 59 do CPC pode trazer na prática,
o fato é que o art. 59 prestigia aquele autor que age primeiro ao distribuir a ação,
independentemente da citação.
Vale ainda mencionar a regra esculpida no art. 185 do Código Tributário
Nacional403, que é acompanhada pela jurisprudência404, assevera que para ser
considerado que a alienação se deu em fraude à execução basta haver inscrição em
dívida ativa, ou seja, sequer ação distribuída é necessário.
403 “Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo,
por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito
como dívida ativa.”
404 STJ - EDcl no AREsp 497776 / RS, relator Humberto Martins, DJe 12/06/2014 - “A Primeira
Seção, no julgamento do REsp 1.141.990/PR, de relatoria do Ministro Luiz Fux, submetido ao rito dos
recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), sedimentou o entendimento de que gera presunção absoluta
(jure et de jure) de fraude à execução a simples alienação ou oneração de bens ou rendas pelo
sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para quitação do débito,
destacando-se, no julgado que "a alienação efetivada antes da entrada em vigor da LC n. 118/2005
(09.06.2005) presumia-se em fraude à execução se o negócio jurídico sucedesse a citação válida do
devedor; posteriormente à 09.06.2005, consideram-se fraudulentas as alienações efetuadas pelo
devedor fiscal após a inscrição do crédito tributário na dívida ativa".
3. Assentou-se ainda que a lei especial, qual seja, o Código Tributário Nacional, se sobrepõe ao
regime do direito processual civil, não se aplicando às execuções fiscais o tratamento dispensado
à fraude civil, diante da supremacia do interesse público, já que o recolhimento dos tributos serve à
satisfação das necessidades coletivas.
4. Assim, no que se refere à fraude à execução fiscal, deve ser observado o disposto no art. 185 do
CTN. Antes da alteração da Lei Complementar n. 118/2005, pressupõe-se fraude à execução a
alienação de bens do devedor já citado em execução fiscal. Com a vigência do normativo
complementar, em 8.5.2005, a presunção de fraude ocorre quando já existente a inscrição do débito
em dívida ativa.”
166
405 “A fraude à execução fiscal é a mesma fraude de execução do direito processual, revestida de
algumas peculiaridades que visam atender e resguardar os interesses do Fisco.
Essas peculiaridades, do ponto que nos interessa, dizem respeito: a) ao sujeito ativo do ato
fraudulento, pois que, na execução fiscal, a penhora pode incidir sobre bens pertencentes aos sócios;
b) à inscrição do débito, como sendo momento a partir do qual o contribuinte se sujeita a uma relativa
redução na capacidade de disposição de seu patrimônio.” (CAHALI, Yussef Said. Fraudes contra
Credores. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 639).
406 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia
Lins Conceição de; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de
Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1264
167
407 “O NCPC nada trouxe que tenha o condão de modificar tal entendimento. Pelo contrário, o
disposto no § 3º o reforça, porquanto, pela sua dicção, na hipótese de desconsideração da
personalidade jurídica, a fraude à execução somente se consuma após (sic) a partir da citação da
parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO,
Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de; MELLO, Rogério Licastro
Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015. p. 1265)
Embora os autores repitam a literalidade do §3º do art. 792, CPC, ao dizerem que se segue o que
ficou consignado pela jurisprudência, não se prendem a expressão “cuja a personalidade se pretende
desconsiderar”, interpretando como sendo a citação do sócio.
408 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo
Civil Comentado. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 248.
409 CÂMARA, Alexandre Freitas. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI,
Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 436.
410 “O reconhecimento da fraude à execução, mesmo diante do art. 137, não pode ser entendido
como ‘efeito anexo’ da decisão que reconhece a desconsideração.” (BUENO, Cassio Scarpinella. In
Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.).
São Paulo: Saraiva, 2017. p. 586).
168
411 CÂMARA, Alexandre Freitas. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI,
Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 436.
412 Marcelo Abelha considera o marco a citação no incidente, mas ao descrever que a citação seria da
A interpretação correta, portanto, não deve ser, como pretende o art. 792,
§3º, ou seja, da citação para ação principal, nem da citação daquele que se
pretende responsabilizar para participar do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica, e muito menos do acolhimento do incidente como
define equivocadamente, o art. 137,
(...)
Assim, a alienação ou oneração de bens do sócio ocorrer após esse marco
inicial (admissibilidade do incidente e anotação no distribuidor) e dele
resultar frustração da atividade executiva, a fraude à execução estará
Este posicionamento, embora não seja o majoritário, tem sido aceito pela
jurisprudência, como no caso do julgamento do AgInt no REsp 887139, em que foi
considerada fraude à execução antes da ocorrência de citação válida:
417 “Parece-nos que o legislador estabeleceu que tal marco seria a citação ´da parte cuja a
personalidade se pretende desconsiderar´ é a pessoa jurídica na desconsideração ´usual´ e o sócio
na desconsideração inversa. Veja, embora tal previsão seja passível de críticas e possa ser taxada de
‘enérgica’, é a pessoa jurídica na desconsideração usual, que terá a sua ´personalidade
desconsiderada´ e não o contrário.” (PEREZ, Marcela Melo. Incidente de desconsideração da
personalidade jurídica e a fraude a execução no NCPC. In http://mulheresnoprocessocivil.com.br/o-
incidente-de-desconsideracao-da-personalidade-juridica-e-a-fraude-a-execucao-no-ncpc.html. Acesso
em 10/11/2017.
Cassio Scarpinella Bueno, embora considere que o marco seria a citação no processo principal,
acrescenta que seria preciso verificar caso a caso a existência de terceiros de boa-fé. (BUENO,
Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo
Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 586.
SHIMURA, Sergio. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord). Comentários ao Código de Processo Civil.
Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 563.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil
Comentado. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 280.
418 SHIMURA, Sergio. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord). Comentários ao Código de Processo
Flavio Luiz Yarshell analisa as razões pelas quais deve ter sido criada a
redação do art. 792, §3º, dizendo que faz sentido, no entanto, crítica a escolha
legislativa:
419 YARSHELL, Flavio Luiz. In CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (coord.). Comentários
ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2015. p. 249.
420 AURELLI, Arlete Inês. A evolução da fraude à execução na jurisprudência do STJ. In. GALLOTTI,
Isabel; DANTAS, Bruno; FREIRE, Alexandre; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; MEDINA, José
Miguel Garcia Medina (Coord.). O papel da jurisprudência no STJ. São Paulo: Revista dos Tribunais.
2014. p. 872.
173
421 Frisa-se que não é ser réu em qualquer demanda, mas demanda capaz de torná-lo insolvente (art.
792, IV CPC).
Por exemplo, no Recurso Especial 1.015.459/SP foi desconsiderado como marco para fraude à
execução existência de ação de interdição em face do alienante: “A pendência de processo de
interdição ajuizado contra o alienante é fato que, por si só, não induz à existência de fraude de
execução, pois não se busca, com tal medida judicial, a satisfação de crédito, mas, sim, a alteração
da capacidade do interditando. Recurso Especial improvido.” (STJ - REsp 1015459/SP, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/05/2009, DJe 29/05/2009).
422 "A chamada interpretação literal não é interpretação. É pressuposto da interpretação, pois é lendo
que o intérprete se aproxima do texto, para - desenvolvendo acurada atividade científica - desvendar
o conteúdo, sentido e alcance das normas contidas nos textos" (ATALIBA, Geraldo. Instituições de
direito público e república. São Paulo, 1984. p. 142).
423 “Na interpretação, em busca do real significado da norma a ser aplicada a um dado caso concreto,
será preciso repensá-la na perspectiva de uma noção integral do ordenamento jurídico. A correlação
fato, valor e norma é da própria essência do direito, para que, a tarefa interpretativa, se possa revelar
o real conteúdo da norma, tornando efetiva a intentio legis. Não se poderá desconhecer as relações
do texto legal com o seu contexto. Há parâmetros de razoabilidade tanto na leitura da disposição
normativa como na de seu contexto, traçando limites do plausível. Tais limites serão impostos pelos
princípios constitucionais, normas de valor genérico, que têm função argumentativa, pois permitirão
revelar o ratio da norma e buscar a justiça, abandonando a velha e retrógrada parêmia dura lex sede
lex. Isto é assim, por serem tais princípios guias seguros da atividade de aplicação jurídica e ideias
174
basilares da lei a ser aplicada além de esclarecerem o sentido e conteúdo da norma em sintonia com
os valores vigentes na sociedade.” (DINIZ, Maria Helena. A complexidade do autêntico ato
interpretativo. In GONZAGA, Álvaro Azevedo; GONÇALVES, Antonio Baptista (Coord.). (Re)
Pensando o Direito - Estudos em homenagem ao Prof. Claudio de Cicco. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 2010. p. 229-230).
424 Há inclusive dificuldade de um encaixe perfeito na descrição do que seria fraude contra credores.
Versa o art. 158, § 2º, do CC, que: "Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem
pleitear a anulação deles", e, como visto nesse trabalho, somente se pode dizer que o credor da
pessoa jurídica passa a ser “credor” do sócio após a desconsideração da personalidade jurídica
que é exceção a autonomia patrimonial.
175
425 BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de
Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 586.
426 “(...) 5. Destaca-se que a presunção de fraude à execução quando a alienação do bem do
devedor ocorre após a citação é relativa, ou seja, admite prova em contrário, sendo invertida pelo
adquirente que comprova que agiu com boa-fé na aquisição do bem, mediante a apresentação
de certidões pertinentes ao local onde se situa o imóvel, além de demonstrar desconhecer a
existência da Execução Fiscal ou da inscrição em dívida ativa em desfavor do alienante. Cabe, nestas
hipóteses, ao credor demonstrar o consilium fraudis, a culpa ou a má-fé por ocasião da alienação do
bem.” (STJ - EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1225829/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,
Primeira Turma, julgado em 14/02/2017, DJe 22/02/2017).
“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. ACÓRDÃO
RECORRIDO QUE SE AFINA À JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. FRAUDE À
EXECUÇÃO. S. 375/STJ. BOA-FÉ DO ADQUIRENTE DEMONSTRADA COM A APRESENTAÇÃO
DE CERTIDÕES DE DISTRIBUIÇÃO OBTIDAS NO DOMICÍLIO DA ALIENANTE E NO LOCAL DO
IMÓVEL. (...) - Está demonstrada a boa-fé do terceiro adquirente quando este junta aos autos
certidões de distribuição cível e de protestos obtidas no domicílio da alienante e no local do imóvel.
Não se pode exigir que o adquirente tenha conhecimento de ações ajuizadas em outras comarcas.”
(STJ - REsp 1015459/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/05/2009, DJe
29/05/2009).
176
427 “De fato a formação de processo autônomo não é requisito para o exercício de direito de ação. Há
casos frequentes no processo civil brasileiro de formação de incidentes processuais que veiculem
direito de ação, como a reconvenção, a ação declaratória incidental, a denunciação da lide e o
incidente de arguição de falsidade documental.” (AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real;
BRUSCHI, Gilberto Gomes; NOLASCO. Rita Dias. Fraudes patrimoniais e a desconsideração da
personalidade jurídica no Código de Processo Civil de 2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
p. 159).
428 Cassio Scarpinella Bueno classifica como curiosa a opção legislativa de mitigar a instauração do
incidente quando o pedido for feito na petição inicial. (BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio
Scarpinella (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo:
Saraiva, 2017. p. 576).
429 Luiz Henrique Volpe Camargo interpreta petição inicial como sendo exclusivamente o pedido no
430Reforça-se que, como exposto anteriormente, acredita-se que por uma questão de organização
essa não é a melhor forma de desenvolver o contraditório a respeito da desconsideração da
personalidade jurídica, no entanto é desta maneira que consta na Lei.
179
431 Os autores, mesmo reconhecendo a natureza de ação do incidente, asseveram que seria exceção
ao princípio do dispositivo e da limitação de cognição do juiz aos termos do pedido da parte: “O
incidente de desconsideração pode ser requerido pela parte interessada pelo Ministério Público, (nos
processos em que ele participa) ou determinado de ofício pelo juiz. Quando pleiteada pelo Ministério
Público, deve-se antes ouvir a parte que em tese teria interesse na desconsideração (normalmente o
autor da ação principal).
(...)
Trata-se de uma ação incidental (...) pela qual se pretende a desconstituição da eficácia da
personalidade de uma pessoa jurídica , para o fim de atingir o patrimônio dela (...) Mesmo quando
instaurado de ofício pelo juiz, é também esse o objeto do incidente – de modo que se tem na
hipótese, uma exceção ao princípio de que uma tutela jurisdicional não será outorgada senão
mediante pedido das partes legitimadas (art. 2º e 492 do CPC/2015).” (TALAMINI, Eduardo;
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. Teoria Geral do Processo. 16. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 374).
432 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo
Civil Comentado. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 269.
433 SILVA, Joseane Suzart Lopes da. O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica no
Novo CPC e a Efetiva Proteção dos Consumidores. In Revista de Direito do Consumidor. Vol. 113.
Set-out. 2017. p. 213-248.
434 ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Novo Contencioso Civil no CPC/15. São Paulo: Revista dos
instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica deve ser requerida pela parte,
em petição fundamentada, ou pelo Ministério Público do Trabalho, nas hipóteses que justificam sua
intervenção.” (JORGE, Leonardo de Moura Landulfo; JUNQUEIRA, Fernanda Antunes Marques. O
incidente de desconsideração da personalidade jurídica e a sua aplicabilidade no âmbito da
processualística do trabalho: uma breve incursão a respeito das teorias subjetiva e objetiva. In
Revista de Direito do Trabalho Vol. 171. São Paulo: Revista do Tribunais. Set-out. 2016. p. 35 – 56).
436 “DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INCIDENTE. PROCESSAMENTO. 1. O
cumulação de pedidos e de partes, constará como sendo pertencentes ao polo passivo todos réus,
181
sem pormenorizar o que é requerido de cada um, havendo um valor da causa global. Por exemplo, se
em um determinado processo há a cobrança total de R$ 100.000,00 (cem mil reais), mas há 2 réus, e
de um deles somente está sendo cobrado R$ 10.000,00 (dez mil reais), publicamente constará como
tramitando ação de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para ambos.
439 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia
Lins Conceição de; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de
Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 256-287.
440 CÂMARA, Alexandre Freitas. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI,
Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 457.
182
443 DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil Comentado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p.
119.
444 “Na hipótese de a demanda incidental ser proposta no curso do processo de conhecimento (como
faculta do art. 134, caput), não há nenhum sentido em suspender a instrução da demanda principal
para que se promova a do “incidente”. Por vezes, inclusive, o trabalho pode ser realizado
conjuntamente (identificação contábil do valor devido e análise de contas não contabilizadas).”
(VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador:
Juspodivm, 2016. p. 166).
445 Percebe-se que nas situações de suspensão do art. 313 do CPC há relação de dependência. Por
exemplo, quando há alegação de suspeição (art. 313, III, do CPC), que como visto anteriormente é
incidente processual e não processo incidental, não é possível decidir o processo antes de resolvido
o incidente, por isso suspende-se. Igualmente ocorre nas situações de prejudicialidade externa, art.
313, V, do CPC.
446 “A acessoriedade da demanda incidental em relação à principal, como exposto, somente terá
A regra do §3º do art. 134, embora seja harmônica com a genérica previsão
do art. 313, VIII, deve ser interpretada de maneira a não comprometer o
andamento do processo em face da parte original e, se for o caso, da
prática de atos executivo contra o seu patrimônio sem prejuízo da
instauração e desenvolvimento do incidente. Também não há como
entender que a suspensão do processo determinada pelo dispositivo em
referência inviabiliza o regular desenvolvimento do próprio incidente. 447
De igual maneira Rosa Maria de Andrade Nery e Nelson Nery Junior pela
suspensão do processo principal:
Também em atenção à boa lógica, não se pode fazer com que o processo
siga enquanto o incidente está sendo instaurado. Isso porque o polo passivo
da relação jurídica será modificado para dele fazer constar os sócios e
administradores. E, evidentemente é desnecessário cogitar de suspensão
do processo se o pedido é feito já na petição inicial. 450:
447 BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de
Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 577.
448 Os autores descrevem a situação da desconsideração inversa, pois no caso da desconsideração
do Processo. 16. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p.373-374.
450 NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado.
Ainda que sem a melhor técnica no uso do vocabulário, uma vez que como
assevera José Carlos Barbosa Moreira452 quando trata sobre o efeito suspensivo, é
indevido dizer que se suspende algo que sequer gerou efeitos 453, compreende-se o
significado empregado. “Suspender” o processo em relação ao sócio faz sentido
porque somente passará a responder com o patrimônio quando houver a
procedência do incidente de desconsideração da personalidade jurídica 454. Então o
processo principal fica “suspenso” tão somente em relação a quem se busca a
responsabilização secundária.
Em verdade, como mencionado, nada se suspende, porque aquele processo
principal ainda não existe em relação ao sócio.
O mesmo raciocínio deverá ser impresso em relação ao pedido realizado na
inicial. Embora o art. 134, §2º, assevere que não suspende o processo, essa não
suspensão não deve implicar em atos expropriatórios do patrimônio do sócio. A não
suspensão do art. 134, §2º, do CPC deve ser interpretada como a possibilidade de o
sócio apresentar sua defesa de maneira concentrada (como se verá no próximo
tópico – item 5.3), que o processo continuará a tramitar, mas não como forma de já
invadir o seu patrimônio.
Vale dizer que a situação supra descrita (a não suspensão pode ser
indevidamente interpretada como pronta invasão do patrimônio do sócio) é
verificável nos casos de inicial de processo de execução e de cumprimento de
sentença455 em que a não suspensão tem efeitos práticos imediatos (penhora), o
que não ocorre no processo de conhecimento.
A instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica
durante as fases de conhecimento, se externo (art. 134, §3º) significa que o sócio
não precisará apresentar defesa no processo principal.
452 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 12. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2005. p. 258.
453 Como visto, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica presta-se a responsabilizar
de maneira secundária o sócio, de tal sorte que, até a decisão no incidente o sócio não será parte no
processo principal. Assim sendo, soa ilógico dizer que se suspende, palavra que traz a ideia de deixar
algo que já existe pendente, quando aquele processo principal inexiste em face daquele sócio. O que
ocorre na verdade é que o processo principal não gera efeitos em relação aquele sócio, já que
perante ele ainda não se iniciou, não havendo, portanto, como suspender algo que sequer nasceu.
454 Ressalva se deve em relação a possibilidade de tutela provisória.
455 Não se trata propriamente de uma petição inicial com os requisitos técnicos descritos no art. 319
do CPC, mas como versa o art. 513, §1º do CPC de um requerimento do exequente, e nesse
requerimento poderá constar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
187
456 Gilberto Gomes Bruschi, Rita Dias Nolasco e Rodolfo da Costa Manso Real Amadeo
desaconselham a apresentar o pedido de desconsideração da personalidade jurídica na inicial,
asseverando que seria menos efetivo, demandando mais tempo na medida em que poderá ser
decidido por sentença da qual cabe apelação, recurso mais moroso que o agravo de instrumento.
(AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real; BRUSCHI, Gilberto Gomes; NOLASCO, Rita Dias.
Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de
2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.p. 174).
457 DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Teoria Geral do Processo. 2. ed. São Paulo: Método. 2007. p.
476.
458 “São diversas as classificações que a doutrina dá a litisconsórcio. O que é importante frisar desde
pronto é que elas nada mais são do que critérios para melhor compreender o instituto; distintas
propostas para melhor aproximar, para conhecer, analisar e sistematizar o tema em análise. (BUENO,
Cassio Scarpinella. Cursos Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 2 tomo I, 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. P. 448).
459 Sobre o polo passivo em casos de desconsideração da personalidade jurídica Silas Silva Santos
em trabalho monográfico destaca a dificuldade de definição: “Mesmo que se admita, embora com
reservas, a desconsideração da personaldiade jurídica no âmbito da própria execução (processo
executivo ou fase executiva), não se afasta a possibilidade de já na fase de conhecimento v ia à tona
o debate sobre a incidencia da disregard theory, caso em que a situação fático-jurídica pertinente a
um determinado sujeito (pessoa jurídica, p. ex) terá o condão de implicar consequencias na esfera de
outro sujeito (pessoa física, o. ex). Nessa perspectiva, irrompe a dúvida quanto à configuração do
polo passivo da demanda condenatória a ser proposta.” (SANTOS, Silas Silva. Listisconsórcio
eventual, alternativo e sucesso no processo civil brasileiro. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito
Processual) – Faculdade de Direito, Universaidade de São Paulo. São Paulo. doi:
10.22.0/D.2.2012.tde-29102012-140406. Acesso em 20/11/2017. p. 189).
188
460 “Não há destarte, nenhuma discussão ´incidental´ nos moldes disciplinados pelos arts. 133 a 137
mas, diferentemente, cumulação de pedidos e/ou causas de pedir que justificam, como já sustentava
mesmo antes do CPC DE 2015, a formação de litisconsórcio passivo, ainda que eventual ou
subsidiário.” (BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao
Código de Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 576-577).
“Não se descarta, contudo, que mesmo na hipótese de desconsideração da personalidade jurídica
possa encartar-se o litisconsórcio alternativo ou mesmo sucessivo.” (SANTOS, Silvas Silva.
Listisconsórcio eventual, alternativo e sucesso no processo civil brasileiro. 2012. Dissertação
(Mestrado em Direito Processual) – Faculdade de Direito, Universaidade de São Paulo. São Paulo.
doi: 10.22.0/D.2.2012.tde-29102012-140406. Acesso em 20/11/2017. p. 249).
461 Arruda Alvim considera que nessas situações não há de se falar em intervenção de terceiro,
havendo um litisconsórcio passivo inicial. (ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Novo Contencioso Civil
no CPC/15. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2017. p.113).
462 BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de
Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 577.
463 “Neste caso, de o requerimento ser formulado no próprio ajuizamento da petição inicial, não
haveria, tecnicamente falando, uma intervenção de terceiro, porque tal sujeito a ser atingido pela
desconsideração será citado na demanda como litisconsorte eventual, isto é, será litisconsorte do réu
cuja personalidade se pretende desconsiderar caso seja deferida a desconsideração.” (ABELHA,
Marcelo. Manual de Direito Processual. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 281.
189
464 BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de
Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 576.
465 “Um problema que se coloca à admissão do cúmulo subjetivo nas modalidades agora em estudo é
execução. Quando o executado é citado em processo de execução, é citado para pagar, e não há
como estender essa situação ao réu no incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Assim, deverá vir aos autos para se manifestar a respeito do incidente, não havendo prejuízo em
relação ao prazo para apresentação de embargos à execução, o qual só poderá começar a fluir a
partir do momento em que o réu (sócio) passar a ser parte no processo de execução.
467 “Art. 336. Incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões
de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende
produzir.”
468 Casos de desconsideração inversa.
190
469 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 56. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2015. p. 399.
470 BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de
Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 577.
471 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. In CABRAL, Antonio do Passo, CRAMER, Ronaldo (Coord.).
Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 240.
472 VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador:
ou a sociedade que seria atingido pela desconsideração, para que ele apresente sua contestação à
demanda incidental em quinze dias (...) No mérito, a defesa do sócio ou sociedade apenas poderá
versar sobre a (não) configuração dos pressupostos justificadores da desconsideração. Pelas razões
já expostas, não lhe é dado discutir o mérito da ação principal – que ou não lhe diz respeito (se não
couber desconsideração) ou o atingirá como se ele não tivesse personalidade jurídica própria (se
couber a desconsideração).” (TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de
Processo Civil. Teoria Geral do Processo. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 376).
191
O sócio nunca terá ligação com o direito material, será sempre responsável
secundário, e, embora possa ser parte no processo principal, essa condição
somente surge após a procedência do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica.
Alexandre Freitas Câmara demonstra com clareza essa situação ao acentuar
a necessidade de haver decisão:
474
CÂMARA, Alexandre Freitas. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI,
Eduardo; DANTAS, Bruno (Coords.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016 p. 456.
192
único problema é que o processo não para, e desta forma, perderá a oportunidade
de realizar alguns atos processuais, em compensação, se não houver a
desconsideração da personalidade jurídica, não terá realizado atos inúteis.
O ponto que mais depõe contrariamente à concentração da defesa é a
incongruência com a natureza de demanda do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica.
Christhian Garcia Vieira, defende a possibilidade de não somente nos casos
do art. 134, §2º, mas também do art. 134, §3º, ser possível a ampla arguição do réu,
não se limitando aos pontos referentes ao incidente da desconsideração da
personalidade jurídica:
475 VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador:
Juspodivm, 2016. p. 170.
476 Suponha-se que existam várias ações de conhecimento em face do mesmo réu, mas somente em
477 “Uma forma de evitar essa situação, seria reconsiderar a amplitude da demanda de
desconsideração e restringir a discussão aos requisitos da desconsideração. Situação remota se
admitidos os preceitos legais e doutrinários expostos anteriormente (limites subjetivos, art. 506). Na
hipótese de título executivo judicial, pela amplitude dos embargos do devedor, a solução poderia até
se adequar. Por outro lado, tratando-se de título judicial, a taxatividade da lei e a limitação das
matérias que podem ser deduzidas na impugnação ao cumprimento de sentença tornam essa
alternativa inviável.” (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo
CPC. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 173).
194
ocorrer a citação dos sócios para que se defendam a respeito dos termos do
incidente exclusivamente (art. 135 do CPC), e a menos que ocorra um pedido de
tutela provisória para inclusão prematura dos sócios no processo principal, os sócios
somente terão que se manifestar nos autos principais após a decisão de
procedência de desconsideração da personalidade jurídica.
A questão não fica tão simples se o processo já estiver em fase de recurso.
Isso porque embora os artigos constantes no capítulo do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica não mencionem explicitamente que o
pedido de desconsideração da personalidade jurídica deve acompanhar o processo
principal, há dois artigos que podem levar a essa interpretação: o parágrafo único do
art. 136, do CPC478 que versa sobre a possiblidade da decisão ser proferida pelo
relator, e o art. 932, VI479.
A redação dos mencionados artigos possibilita interpretação em dois
sentidos: (i) o incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser
apresentado na fase recursal; e (ii) os referidos artigos tratam de casos de
competência originária dos tribunais.
Considerando que o art. 136, parágrafo único e o art. 932, VI, ambos do CPC,
referem-se à possibilidade de instauração do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica em fase recursal, Humberto Theodoro Junior480, Gilberto
Gomes Bruschi, Rita Nolasco Dias, Rodolfo Manso da Costa Amadeo481, Maria Lucia
Lins Conceição, Teresa Arruda Alvim Wambier, Leonardo Ferres da Silva, Rogerio
Licastro Torres de Mello482, Luiz Gilherme Marinoni, Sergio Cruz Arenhart, Daniel
478 “Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão
interlocutória.”
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
479 “Art. 932. Incumbe ao relator:
(...)
VI - decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando este for instaurado
originariamente perante o tribunal;”
480 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 56. ed. Rio de Janeiro:
CPC/2015), o recurso cabível será o agravo interno ao órgão colegiado a que pertencer o relator (art.
136 do CPC/2015).” (AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real; BRUSCHI, Gilberto Gomes;
NOLASCO, Rita Dias. Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código
de Processo Civil de 2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 175).
482 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia
Lins Conceição de; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de
Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 286.
195
Abordando que os artigos 136, parágrafo único e o art. 932, VI, ambos do
CPC, referem-se aos casos de competência originária do Tribunal, Luiz Henrique
Volpe Camargo486, Christian Garcia Vieira487 e Flavio Luiz Yarshell488. Justifica esse
último autor:
483 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo
Civil Comentado. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.p. 379.
484 CÂMARA, Alexandre Freitas. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI,
Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 462.
485 CÂMARA, Alexandre Freitas. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI,
Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 462.
486 “Nas causas de competência originária de tribunal, a ação incidental pode ser proposta
diretamente na respectiva corte (art. 61), para decisão unipessoal do relator (art. 932, VI), contra a
qual caberá agravo interno (art. 136, parágrafo único c/c art. 1.021, caput)” (CAMARGO, Luiz
Henrique Volpe. In CABRAL, Antonio do Passo, CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo
Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p.24).
487 “A razão pela qual os dispositivos (arts. 134 e 136) fazem referência à possibilidade de a demanda
490 Sobre as funções dos Tribunais de Cúpula ver: ALVIM, Teresa Arruda; DANTAS, Bruno. Recurso
Especial, Recurso extraordinário e a nova função dos Tribunais Superiores no Direito Brasileiro. 4. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais. 2017. p. 308-318.
491 Atualmente tem se discutido até mesmo a atuação de ampla cognição dos Tribunais Superiores
ação. Portanto, tais demandas devem ser apresentadas ao juízo originariamente competente, ainda
que a causa esteja em fase recursal, e, portanto, a tramitar perante tribunal.” (YARSHELL, Flavio
Luiz. In CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de
Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2015. p. 247).
197
que se quer dizer é que o fato de constar no inciso IV que a decisão a respeito do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica é agravável, não deve se compreender como toda e
qualquer decisão ocorrida durante o andamento do incidente.
Nesse sentido: “É que, na verdade, esta interlocutória é a “sentença” do incidente. Tanto é assim que
as demais interlocutórias proferidas no curso deste incidente não são objeto de recurso autônomo:
serão impugnadas, se for o caso, no agravo de instrumento interponível da decisão “final” (de mérito)
do incidente.” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS,
Maria Lúcia Lins Conceição de; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo
Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 289).
Assim também decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: “É agravável a decisão de mérito proferida
no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, sendo certo que outras decisões
interlocutórias proferidas no curso do procedimento são irrecorríveis, só podendo ser impugnadas
juntamente com a decisão final, aplicando-se, por analogia, o disposto nos §§ 1º E 2º, do art. 1.009
do CPC”. (TJSP - Agravo de Instrumento 2154427-28.2017.8.26.0000; Relator (a): Renato Sartorelli;
Órgão Julgador: 26ª Câmara de Direito Privado; Foro de Nova Odessa - 1ª Vara Judicial; Data do
Julgamento: 19/10/2017; Data de Registro: 20/10/2017).
199
497 No caso do processo em fase de conhecimento, pelas razões que se detalhará no próximo
capitulo, não deve haver a inclusão automática do sócio, dependendo de pedido da parte.
498 Imagine-se a situação em que um mesmo autor ou credor tem dezenas de ações e face daquele
basta à parte a demonstração do fumus boni iuris e do perigo de ineficácia da prestação jurisdicional
para que a providência pleiteada deva ser deferida. Disciplina-se também a tutela sumária que visa a
proteger o direito evidente, independentemente de periculum in mora.
200
O Novo CPC agora deixa clara a possibilidade de concessão de tutela de urgência e de tutela à
evidência. Considerou-se conveniente esclarecer de forma expressa que a resposta do Poder
Judiciário deve ser rápida não só em situações em que a urgência decorre do risco de eficácia do
processo e do eventual perecimento do próprio direito. Também em hipóteses em que as alegações
da parte se revelam de juridicidade ostensiva deve a tutela ser antecipadamente (total ou
parcialmente) concedida, independentemente de periculum in mora, por não haver razão relevante
para a espera, até porque, via de regra, a demora do processo gera agravamento do dano.”
(exposição de motivos do CPC/15).
500 “Essas situações foram vertidas, em linhas gerais, mediante um amplo conceito de “tutelas
útil do processo (art. 300 do CPC) 501, no entanto a profundidade desses requisitos
irá variar a depender do momento da instauração.
Quando um incidente de desconsideração da personalidade jurídico é
instaurado em fase de execução, já existe um crédito com recebimento frustrado, de
forma que a probabilidade do direito se volta exclusivamente para a demanda
incidental: verificar se existem elementos de que houve abuso da personalidade
jurídica.
Se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica for requerido em
fase de processo de conhecimento, a probabilidade do direito não estará ligada
somente aos elementos da ação incidental, mas também a probabilidade de
procedência da ação principal (que fará nascer o direito creditório) e mais elementos
que demonstrem a probabilidade de frustração no recebimento do futuro crédito.
A inexistência de crédito não obsta a apresentação do incidente como
expressamente prevê o art. 134 do CPC, nem tampouco uma tutela provisória
concedida na ação principal (arresto de bens da pessoa jurídica, por exemplo)
impede a instauração do incidente como visto no item 4.1, no entanto são elementos
norteadores da concessão da tutela provisória no incidente.
Importante analisar qual seria a espécie de tutela provisória possível no
incidente de desconsideração da personalidade jurídica instaurado em fase de
conhecimento.
Suponha-se que o autor durante o trâmite do incidente de desconsideração
da personalidade jurídica verifica que o réu está dilapidando o patrimônio e, embora
seja possível a alegação de fraude à execução, melhor que se utilizar futuramente
de mecanismo repressivo, é evitar que os prejuízos sejam percebidos.
Embora se diga que a finalidade do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica é atingir os bens do sócio, em verdade essa é a consequência
prática da declaração da condição de responsável secundário do sócio.
A tutela almejada no incidente de desconsideração da personalidade jurídica
é declarar a condição de responsável secundário tornando possível a inclusão no
502 Este nome ao critério é dado por Leonardo Greco (GRECO, Leonardo. A Tutela da Urgência e a
Tutela da Evidência no Código de Processo Civil de 2015. In: DIDIER JR., Fredie (Org.).
Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 202).
Heitor Vitor Mendonça Sica assevera, sem utilizar a palavra critério, que a classificação em cautelar e
antecipada estaria levando em conta a aptidão da tutela provisória em permitir ao beneficiário fluir o
bem da vida objeto do litigio ou não. (SICA, Heitor Vitor Mendonça. Doze Problemas e Onze Soluções
quanto à Chamada “estabilização da Tutela Antecipada”. In DIDIER JR., Fredie Didier (Org.).
Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 181).
503 Se a situação fosse de processo de execução, a apreensão dos bens do sócio mais se
504 SHIMURA, Sergio. Titulo Executivo. São Paulo: Método. 2005. p. 54.
204
505 DIAS, Handel Martins. Análise crítica do projeto de novo Código de Processo Civil com relação à
desconsideração da personalidade jurídica. In Revista Síntese de direito Empresarial. Vol. 32, Mai.-
Jun. 2013. p. 69-70.
506 MELLO, Rogério Licastro Torres de. O responsável executivo secundário. São Paulo: Revista dos
responsabilidade por fato próprio), a responsabilidade indireta ou por fato de outrem é limitada
expressamente às hipóteses taxativas previstas no art. 932 do CC/02 (correspondente ao
art. 1.521 do CC/1916, e prescinde da apuração da culpa do terceiro.” (FARIA, Juliana Cordeiro de;
FARIA, Lívia Gonçalves Pinho Piana de; THEODORO JUNIOR, Humberto. Contrato de concessão
comercial de bebidas. Responsabilidade civil do fabricante por ato ilícito praticado por preposto da
concessionária. Acidente de trânsito. In Revista dos Tribunais. Vol. 892. Fev. 2010. p. 9-36).
205
de conhecimento para garantir que, caso aquela condenação não seja adimplida,
responderá com seu patrimônio.
Como visto no capítulo 2, a responsabilidade é situação que advém com o
inadimplemento, portanto a mera existência de uma sentença condenatória não faz
surgir a responsabilidade patrimonial. A pessoa jurídica poderá, logo após a
condenação, pagar, e assim não nascerá sequer a sua responsabilidade patrimonial
primária.
Pior, pode acontecer de o sócio ingressar no polo passivo da demanda
principal e ao final a ação ser julgada improcedente. Nessa situação, não chegará
nem a nascer a obrigação (com o título judicial de procedência).
Para manter os termos do Código de Processo Civil em que o sócio é
responsável secundário (art. 790, IV, do CPC), a condenação no processo principal
deve consagrar essa posição. Assim, quem deve pagar pela dívida é a pessoa
jurídica, e somente havendo inadimplemento é que o sócio passará a responder com
seu patrimônio de maneira subsidiária (art. 793, CPC).
Vale dizer que, ainda que o fito do presente estudo seja acadêmico, não se
ignora a realidade dos processos que envolvem a temática. Em grande parte dos
casos, quando se chega a necessidade de desconsideração da personalidade
jurídica é porque a pessoa jurídica não tem como responder pela dívida, de tal sorte
muito provavelmente não haverá cumprimento espontâneo da obrigação por parte
da pessoa jurídica, e assim surgirá a responsabilidade patrimonial.
No entanto, é preciso destacar tal fato, pois, o processo não pode servir como
meio de obter vantagens indevidas. A teoria da desconsideração da personalidade
jurídica não é situação de responsabilidade societária em que o sócio é punido
(relação entre a pessoa jurídica e o sócio), e não pode assim se transformar.
Considerar o sócio obrigado em solidariedade com a pessoa jurídica poderá
acarretar em comodismo da pessoa jurídica que deixará de cumprir com sua
obrigação, mesmo tendo meios para tanto.
O que se articula é que somente em caso de não cumprimento da obrigação
estipulada em sentença é que surge a figura do sócio como responsável secundário.
Quem deve cumprir espontaneamente com a condenação é a pessoa jurídica, e, em
não o fazendo o sócio responderá com seu patrimônio. Desta maneira estar-se-á se
equilibrando a excêntrica autorização de ingresso do sócio em fase de
206
conhecimento, que nos termos do art. 790, IV, do CPC é responsável secundário,
mas transforma-se em obrigado, o que significa uma ampliação do art. 932 do
Código Civil, notadamente indevida.
Em que pese haver razão nas palavras de Handel Martins Dias, acima
destacadas, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica na fase de
conhecimento, como visto no capítulo 4, é medida necessária, principalmente para
viabilizar alegação de fraude à execução, desta forma, o problema se insere no
cumprimento de decisão de desconsideração da personalidade jurídica em fase de
conhecimento.
207
508Francisco Wildo Lacerda Dantas assevera que as ações podem ser classificadas quanto ao grau
de cognição e ao momento de cognição. Quando ao grau de cognição divide em intensidade vertical
(exauriente, sumária e superficial), e, intensidade horizontal (plena e parcial); e quanto ao momento
de cognição em repressiva e preventiva. (DANTAS, Francisco Wildo Larcerda. Teoria Geral do
Processo. 2. ed. São Paulo: Método, 2007. p. 59)
208
509 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.
210.
510 “À cognição e à execução, com que a jurisdição realiza todo o ciclo de suas principais funções,
acrescenta-se uma terceira atividade, que tem um objetivo auxiliar e subsidiário, e que é atividade
cautelar. Ela se destina a assegurar, a garantir o curso eficaz e o resultado útil das outras duas,
concorrendo assim, indiretamente para a consecução dos objetivos gerais da jurisdição.” (LIEBMAN,
Enrico Tullio. Processo de execução. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 277).
511 “Por essa razão, acrescenta-se ao conhecimento e à execução – pelos quais a jurisdição cumpre o
ciclo de suas funções principais – uma terceira atividade, auxiliar e subsidiária, que visa assegurar o
êxito das duas primeiras: trata-se de atividade cautelar, desenvolvida através do processo que toma o
mesmo nome. Seu resultado específico é um provimento acautelatório.” (CINTRA, Antônio Carlos de
Araújo. DINAMARCO, Cândido Rangel. GRINOVER, Ada Pallegrini. Teoria Geral do Processo. 19.
ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2002. p. 317).
512 Há ainda a cautelaridade que visa distribuir de maneira mais correta o ônus do tempo no processo.
209
513 CALAMANDREI, Piero. Introduzione Allo Studio Sistemático Provvedimenti Cautelare. Padova:
Cedam, 1936. p. 8-9.
514 Daniel Mitidiero chama atenção para o fato de que “muitos outros importantes processualistas
concorreram para formação do processo civil na primeira metade do século XX na Itália. Francesco
Carnelutti, Enrico Allorio, Enrico Redenti, Salvatore Satta e Gian Antonio Micheli estão
indubitavelmente entre eles. O inventário da herança conceitual da doutrina italiana dessa época e
sua influência nos estudos processuais, inclusive no Brasil, ainda está por ser realizado. O destaque
dado a Chiovenda, Calamandrei e Liebman, todavia, deve-se ao fato da enorme influência de suas
ideias na construção dos conceitos básicos do processo civil e, especificamente, pelo fato de suas
obras terem fundamentado diretamente a estrutura do Código Buzaid, notoriamente separado, em
termos de esquema padrão para tutela dos direitos, em processo de conhecimento, processo de
execução e processo cautelar.” (MITIDIERO, Daniel. O processualismo e a formação do código
Buzaid. In Revista de Processo. Vol. 183. Maio.2010).
515 ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Anotações sobre alguns aspectos das modificações sofridas
pelo processo hidierdo entre nós. Evolução da cautelaridade e suas reais dimensões em face do
instituto da antecipaão de tutela. As obrigações de fazer e de não fazer. Valores dominante na
evolução dos nossos dias. In Revista de Processo. Vol. 97. 2000. p. 51-106.
516 No código de processo civil de 1939, o Livro V tratava dos processos acessórios trazendo
medidas acautelatórias de maneira geral no art. 675 (Art. 675. “Além dos casos em que a lei
expressamente o autoriza, o juiz poderá determinar providências para acautelar o interesse das
partes: I – quando do estado de fato da lide surgirem fundados receios de rixa ou violência entre os
litigantes; II – quando, antes da decisão, fôr provável a ocorrência de atas capazes de causar lesões,
de difícil e incerta reparação, no direito de uma das partes; III – quando, no processo, a uma das
partes fôr impossível produzir prova, por não se achar na posse de determinada coisa”), e
especificamente no art. 676, fazendo surgir, aquela época discussões se o art. 675 seria um poder
geral de cautela e o art. 676 apenas exemplificativo.
517 Exposição de motivos do CPC/73: “O processo cautelar foi regulado no Livro III, porque é um
518 CALAMANDREI, Piero, Introduzione Allo Studio Sistemático Provvedimenti Cautelare. Padova:
Cedam, 1936. p. 8-9.
Tradução livre: “Para sair desse beco sem saída, é necessário começar por compreender no sentido
justo o ensino segundo o qual “a atuação da lei no processo pode assumir três formas: conhecimento,
conservação, execução”. Nessa tripartição, que enfoca justamente a existência de uma função
cautelar (“conservação”) como forma autônoma de tutela, (isto) não quer dizer porém, que o critério
com base no qual os procedimentos cautelares se diferenciam de todos os outros procedimentos seja
homogêneo daquele pelo qual os procedimentos de cognição se diferenciam dos de execução;
enquanto, ao contrário, os provimentos cautelares podem ter, conforme os casos, efeitos declarativos
ou executivos (e entrar novamente por isso em um dos outros dois grupos da tripartição), ou vice-
versa, certos provimentos de conhecimento ou de execução podem, quando se considerem sob o
ponto de vista da sua finalidade, estar compreendidos no grupo dos provimentos cautelares. A
verdade, observada muitos anos atrás por Alfredo Rocco recentemente aprofundada por Carnelutti, é
esta: o critério que serve para distinguir os provimentos de conhecimento daqueles de execução é
diferente daquele que serve para distinguir os provimentos cautelares (de conhecimento ou de
execução) de todos aqueles outros provimentos (de cognição e de execução) (...) Esses dois critérios
de classificação, que são situados por assim dizer sobre duas diferentes dimensões, podem entre
eles intersecionar e combinar-se, mas não fundir-se em uma classificação única: o grupo dos
provimentos cautelares pode se distinguir nos dois subgrupos dos provimentos cautelares de
conhecimento (por exemplo, o decreto que concede o sequestro conservativo ou a sentença que o
convalida) e dos provimentos cautelares de execução (por exemplo, a execução do sequestro
conservativo: art. 930, Cód. Proc. Civ.).
211
Ainda que sob a alcunha de processo, cautelar nunca foi autônoma, sempre
existiu em função de outro processo sendo muito criticada a concepção de cautelar
satisfativa519.
José Manoel de Arruda Alvim sobre os termos do art. 273 e 461 do CPC/73
destaca o que denomina de “rigidez da divisão e mistura de funções num mesmo
segmento processual”:
Não resta dúvida de que pode haver situações que ensejam cautelaridade
dentro de um processo de conhecimento, assim como em um processo de
execução, da mesma forma que há em um processo de execução atividade
cognitiva. Há uma nítida mistura de funções em um mesmo segmento processual.
A atividade intelectual do magistrado será sempre de conhecimento (analisar
determinada questão). A atividade jurisdicional521 poderá ser puramente chegar a
uma solução (conhecimento), efetivar a solução alcançada pelo Poder Judiciário
(cumprimento de sentença), ou efetivar situação vinda “pronta” ao Judiciário
(processo de execução), e também proteger para que as duas anteriores atividades
519 “De consignar-se que, em rigor técnico, não se pode falar em cautelar satisfativa, uma vez que a
cautelaridade se caracteriza pela não satisfatividade, isto é, quem acautela não satisfaz. Diante
disso, falar em cautelar satisfativa é apagar as fronteiras que separam o processo cautelar do
processo de conhecimento, o que não pode ser admitido pela melhor técnica processual.” (LOPES,
João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 102).
520 ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Anotações sobre alguns aspectos das modificações sofridas
pelo processo hidierdo entre nós. Evolução da cautelaridade e suas reais dimensões em face do
instituto da antecipaão de tutela. As obrigações de fazer e de não fazer. Valores dominante na
evolução dos nossos dias. Revista de Processo. Vol. 97. 2000. p. 51-106.
521 “Posto que utilizadas frequentemente como sinônimos, entende-se por prestação jurisdicional,
mais propriamente, o serviço judiciário, ou seja, a atividade exercida pelos juízes e seus auxiliares. A
tutela jurisdicional tem relação com a qualidade jurisdicional e com o fim do processo.” (LOPES, João
Batista. A natureza jurídica do processo e o conceito de tutela jurisdicional. In YARSHELL, Flávio
Luiz; ZUFELATO, Camilo; (org.). Teoria Geral do Processo no Brasil – passado, presente e futuro.
São Paulo: Malheiros, 2013. p. 508).
212
522 “Função em direito é sempre uma atividade desenvolvida para atender às necessidades de
outrem.” (ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros.
2002. p. 85).
523 LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 123.
524 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo de execução e assuntos afins. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998. p. 9.
213
525 O nome dado ao Livro V do CPC/15 não é o mais adequado. Indubitavelmente não é fácil
encontrar uma palavra que defina, sem margem à crítica, a que assunto o Livro V se refere e esta
falta de consenso é observada desde o processo legislativo. No projeto do Senado Federal (PL n.
166/2010) denominava-se de Tutela de Urgência e Evidência, no substitutivo da Câmara dos
Deputados (n. 8.046/2010) o nome dado era “Da Tutela Antecipada”, e o texto aprovado restou como
Tutela Provisória.
O Livro V trata na realidade de tutelas não padrão. O padrão é que as tutelas sejam concedidas em
cognição exauriente e não sumária. Assim compreende-se que uma tutela não padrão é aquela que
não obedece ao transcurso regular e pode ser tanto definitiva como provisória.
526 Dividindo-se a tutela jurisdicional em definitiva e a provisória, tem-se que as tutelas definitivas
podem ser divididas em satisfativas (a tutela padrão) e não satisfativas (cautelares). A tutela
jurisdicional definitiva não satisfativa, embora não satisfaça o direito se distinguem das tutelas
definitivas padrão (de cunho satisfativo) pela instrumentalidade (é um instrumento, não o fim em si) e
temporariedade. (DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandre de. Curso
de Direito Processual Civil. Teoria Geral da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa
Julgada e Tutela Provisória. Vol. 2. 10. ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2015. p. 466).
O que importa é ter em mente que embora o nome do Livro V seja Tutelas Provisórias, este conceito
de efemeridade e transitoriedade não é absoluto, como acontece no caso das cautelares.
215
A tutela cautelar é tão definitiva quanto a tutela satisfativa. Nas duas formas
de tutela jurisdicional, as decisões finais estão submetidas à cláusula rebus
sic standibus – que marca os limites temporais de atuação e autoridade dos
respectivos provimentos. Mesmo quando à tutela cautelar não se segue a
tutela satisfativa e aquela perde a sua eficácia não se pode falar em
temporariedade, já que a não propositura da demanda para realização do
direito acautelado constitui condição resolutiva que, não concretizada,
apaga ex tunc a eficácia da tutela cautelar. 528
527 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandre de. Curso de Direito
Processual Civil. Teoria Geral da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e
Tutela Provisória. Vol. 2. 10. ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2015. p. 466.
528 MITIDIERO, Daniel Francisco. Antecipação da tutela: da tutela cautelar à técnica antecipatória. 3.
Calvosa são expostos no sentido de que a tutela cautelar deve, efetivamente, perder seus efeitos
quando da extinção do juízo de mérito, da rejeição da demanda ou mesmo de seu acolhimento,
porque, em verdade, em todos estes casos houve atuação concreta da tutela normativa.”
O mesmo autor destaca também a diferença entre temporariedade e provisoriedade: “a tutela
cautelar, igualmente, deve ter como elemento característico não a provisoriedade, mas sim a
temporariedade.” (TESSER, Andre Luiz Bäuml. Tutela cautela e antecipação da tutela. Perigo de
dano e perigo de demora. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 139).
530 TESSER, Andre Luiz Bäuml. Tutela cautela e antecipação da tutela. Perigo de dano e perigo de
O que se defende é que a função cautelar não deve ser analisada como um
fenômeno endoprocessual, nem a partir de um inflexível caráter acessório limitado
no tempo, em que a sua não efetivação geraria extinção.
Restou demonstrado no presente trabalho que há interesse de agir na
instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica na fase de
conhecimento, principalmente para possibilitar futura alegação de fraude à
execução. A finalidade cautelar é externa (preservar o futuro direito creditório no
processo principal), e ainda que não seja imediatamente efetivada, se, em algum
momento da fase de conhecimento, der cumprimento a decisão interlocutória
inserindo o sócio no polo passivo, não perde a função cautelar531.
531A este respeito interessante ver sobre a instrumentalidade atenuada: TESSER, Andre Luiz Bäuml.
Tutela cautela e antecipação da tutela. Perigo de dano e perigo de demora. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 2014. p. 149-157; TORRALBA, Alberto José Lafuente. La evolucion de la tutela cautelar
desde uma perspectiva internacional: hacia de la autonomia de las medidas antecipatórias. In Revista
de Processo. Vol. 156. 2008, p. 77-103.
217
532LOPES DA COSTA, Alfredo de Araujo. Direito Processual Civil Brasileiro. Vol. 1. Rio de Janeiro:
Forense. 2. ed. 1959. P. 152.
218
533 ARMELIN, Donaldo. Perdas e danos – responsabilidade objetiva pelo ajuizamento de cautelar
inominada e por litigância de má-fé – forma mais adequada de liquidação – indenização fixada pelos
índices ORTN. Revista de Processo. Vol 39. Jul.-Set. 1985. p.222-237.
534 THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 25. ed. São Paulo: Leud. p.173-174
535ABELHA, Marcelo. Manual de Direito Processual Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2016. p. 398;
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. In BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao
Código de Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017.p. 939; WAMBIER, Teresa
Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de;
MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. São
219
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 555 ; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 209.
536 MITIDIERO. Daniel. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo;
DANTAS, Bruno (coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016. p. 830.
537 Correspondente ao art. 302 do CPC/2015.
538 STJ - REsp 1.637.747/SP. Relator Min Nancy Andrighi. Terceira Turma. Data do julgamento
urgência terá o dever de indenizar o requerido. Antes de mais nada, convém registrar que o prejuízo
só se consumará com a efetivação da tutela de urgência concedida, e não com a sua simples
concessão. É preciso, pois, que a medida concedida seja executada.” (WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de; MELLO,
Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015, p.555).
220
Em que pese aprouver ilógico obter uma tutela de urgência e não efetivá-la
imediatamente (como falar em urgência?), trata-se de um sopesar de riscos. Nas
palavras de Galeno Lacerda:
“O dano que se há de indenizar é o resultante da execução da medida cautelar (art. 811, caput), isto
é, aqueles prejuízos diretamente ‘produzidos’ ‘pelo cumprimento do mandato’.” (THEODORO
JUNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 25. ed. São Paulo: Leud.. p. 175).
540 LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1992, vol.
8, tomo I, p. 244.
541 FERREIRA, William Santos. Responsabilidade objetiva do autor e do réu nas tutelas cautelares e
antecipadas: esboço da teoria da participação responsável. In Revista de Processo. Vol. 188. Out.
2010. p. 9-51.
221
542 Pedro Henrique Torres Bianchi defende que o réu atingido pela desconsideração da personalidade
jurídica somente é responsável pelo valor da dívida, e não pelos custos que o processo gerou até o
seu ingresso: “Todas essas obrigações pelo custo do processo e outras, cujos fatos constitutivos
nascem no decorrer do processo, só são de responsabilidade do sócio que sofre a desconsideração
quando sua incidência se dá após sua integração ao pólo passivo da demanda. Ou seja, todas as
obrigações criadas dentro do processo antes de seu comparecimento não são de sua
responsabilidade, porque se imporia a alguém que não participou do contraditório o custo por algo
que não deu causa. O fato de o sócio ser responsável pela dívida material executada não implica sua
responsabilidade por obrigações geradas dentro do processo. São fatos geradores totalmente
distintos e divisíveis.” (BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Desconsideração da personalidade jurídica
no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 174).
Este raciocínio não se aplica aos casos de processo de conhecimento.
O sócio é responsável secundário pela dívida, e diferentemente do que acontece nos casos de
cumprimento de sentença e processo de execução em que a dívida já existe, e, portanto, o
222
A parte autora poderá aguardar o nascimento do título judicial que fará nascer
a dívida em face da pessoa jurídica (responsável primária), para somente então dar
cumprimento à decisão interlocutória que, ao desconsiderar a personalidade jurídica
tornou o sócio responsável secundário com legitimidade. Com isso afastará a
incidência do art. 302 em caso de improcedência da ação principal.
Com a decisão no incidente há três opções: (i) o autor insere o sócio no polo
passivo do processo principal e assume o risco de eventual responsabilidade
objetiva; (ii) o sócio ingressa no processo principal na condição de parte
(responsável secundário) e exerce seu direito defesa, afastando com isso a
possibilidade de alegação de responsabilidade objetiva, afinal foi ele quem efetivou a
“tutela provisória” e (iii) o autor aguarda o transito em julgado da decisão no
processo principal e então insere o sócio como responsável secundário, não
havendo impedimento da participação do sócio como assistente simples no processo
principal.
Cumpre relembrar a tormentosa situação de quando o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica é requerido na petição inicial. Nesses
casos, o sócio constará como litisconsorte passivo da pessoa jurídica, de maneira
que haverá publicamente uma situação de cumprimento de decisão que ainda não
existe. Este problema surge mais por uma questão de organização procedimental de
dados constantes do distribuidor que por questões legais.
Reafirma-se que o ideal seria, mesmo nos casos de incidente de
desconsideração da personalidade jurídica realizado internamente, que se
constasse partes na ação principal (autor e pessoa jurídica), e partes na ação
incidental (autor e sócios), e o problema estaria resolvido. E somente após a decisão
(interlocutória ou sentença – possível nesses casos) é que o sócio poderia (ficando a
critério do autor) constar como parte na ação principal.
No entanto, no cenário atual, a improcedência da demanda principal quando o
pedido de incidente de desconsideração da personalidade jurídica foi requerido na
inicial sempre gerará submissão aos termos do art. 302 do CPC.
Com a decisão que desconsidera a personalidade jurídica o autor poderá dar
imediato cumprimento a sentença inserindo o sócio no polo passivo da ação
responsável secundário pode ter a oportunidade de solvê-la quando dela for responsabilizado sem os
ônus do processo, a dívida no processo de conhecimento ainda não existe, e em caso de
procedência todo o título judicial representará uma única dívida.
223
principal e com isso poderá, por exemplo, requerer outra tutela provisória, agora de
arresto nos autos principais. No entanto trata-se da assumpção de um risco de que,
em caso de improcedência, responderá de maneira objetiva ao sócio.
Destarte, embora até o momento tenha se pautado na improcedência da ação
principal, portanto não nascimento da obrigação, a responsabilidade objetiva
também poderá estar presente em caso de procedência com imediato cumprimento
da obrigada pela pessoa jurídica. Não se ignora, que essa situação, na prática, é
pouco provável, mas segue a tônica do raciocínio.
Com a sentença condenatória surge a obrigação, que é da pessoa jurídica 543,
se esta obrigação é cumprida não nasce a responsabilidade patrimonial primária do
sócio, de tal sorte que não há de se falar em responsabilidade patrimonial
secundária. Conquanto plausível a descrita situação, pouco verificável será na
prática, mas importante destacar porque poderia servir de estratégia544 para o sócio
dar cumprimento de sentença espontâneo, mais um motivo para, conforme
asseverado alhures, repelir nesses casos a responsabilidade objetiva.
Destarte nunca é demais reafirmar, dada a natureza de demanda do incidente
de desconsideração da personalidade jurídica, que pode ocorrer da decisão
interlocutória ser aplicada em outros processos e não somente ao que originalmente
aderiu (desde que se mantendo a tríplice identidade). Pode, por exemplo, acontecer
do processo de conhecimento ser julgado improcedente, e se tiver sido dado
cumprimento a sentença nos termos acima tratado, haverá responsabilidade
objetiva, no entanto, pode acontecer que surja um processo de execução e poderá,
sem problema algum haver o cumprimento de sentença, sem que signifique
responsabilidade objetiva.
A natureza de ação do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica comporta cumprimento de sentença em diversos processos “principais”, e
somente o cumprimento de sentença em um processo que esteja em fase de
conhecimento é que poderá gerar responsabilidade objetiva.
543 Conforme destacou-se no item 5.3, embora a sentença proferida na fase de conhecimento, caso o
sócio esteja no polo passivo, irá em face dele se formar, então teoricamente o sócio seria responsável
primário. Todavia, para equacionar com as situações do art. 932 do CC que tem rol taxativo, é preciso
manter a condição de responsável secundário.
544 Por exemplo, a pessoa jurídica tem patrimônio suficiente caso venha a ser condenada, então o
sócio, sem provocação do autor, ingressa propositadamente no processo principal, pois sobrevindo a
condenação e havendo cumprimento espontâneo da pessoa jurídica não surgirá a responsabilidade
primária, muito menos a responsabilidade secundária, e então o sócio poderia alegar a
responsabilidade objetiva.
224
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
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