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No Espaço em que me Centro, em que me Identi-fico: sobre identidade e região

Durval Muniz de Albuquerque Júnior


Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Em viagem ao Japão, em seu encontro com este espaço outro do Ocidente,


espaço em que se misturam as experiências cotidianas lá vividas, mas também uma
grande dose do imaginário francês sobre aquele país, Roland Barthes chama atenção
todo o tempo para a forma diferenciada de se relacionar com os espaços, para os tipos
diferenciados de espacialidades que são construídas pelos japoneses, nas suas operações
cotidianas, as mais banais, como o gesto de dispor os alimentos numa bandeja, de
presentear o outro, de escrever, até nas operações espaciais mais amplas, como aquelas
responsáveis pela disposição dos cômodos e dos móveis numa casa ou pelo traçado da
cidade de Tóquio. As espacialiadades japonesas seriam marcadas pela conjunção do
longínquo e da fragmentação, pela justaposição de campos, pela descontinuidade e pela
abertura, pela ênfase no pontilhado, pela mobilidade, pela leveza, pela transitoriedade,
pela pequenez. Seria uma espacialidade marcada pelo grafismo, pelo desenho, pelo
império dos signos. Mas, acima de tudo, uma espacialidade descentrada, marcada por
inúmeras referências topográficas cruzadas. Espacialidade sem fechamentos, sem idéia
de grandeza, sem referência metafísica1.
A bandeja da refeição parece uma moldura que contém objetos variados,
dispostos de maneira a formarem um quadro de forma delicada (tijelas, caixas, pires,
palitos, montinhos miúdos de alimentos, um pouco de gengibre cinza, alguns fiapos de
legumes alaranjados, um fundo de molho marrom), tudo exíguo, tênue, frágil, dispostos
numa ordem a ser desfeita ou refeita a bel prazer de quem come. Esta bandeja que é um
quadro, no ato da alimentação vai se tornar o espaço de um tabuleiro, onde o comensal
joga com estas peças enquanto come. Com os seus palitos realizará um trabalho que se
aproxima ao da pintura, misturando estes pequenos pontos coloridos, desmanchando
estes montículos, fragmentando ainda mais este cenário e recompondo-o de diversas
formas, fazendo aleatórias combinações. Quadro que se pinta a sua frente, já que a
comida japonesa não se faz em um espaço distinto e distante de quem a consome, mas

1
BARTHES, Roland. O Império dos Signos. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
vai sendo desenhado diante de seus olhos nos atos de cortar, de picar, de reduzir tudo a
pequenos pedaços, de amassar, de juntar, preferencialmente com as mãos os alimentos
que ali se dispõem. Uma comida visual, sempre descentrada. Não há nenhum prato
principal, nenhum alimento tem privilégio na hora da ingestão, ali não se respeitam
cardápios, nem itinerários na hora de comer. A comida não é ornamentada como no
Ocidente, ela é inteiramente ornamento. Ela é marcada pela leveza, pelo império do
vazio, do interstício, é uma comida em renda. A comida aí parece não ter peso; parece
flutuar como bolhas, bolas, flocos; parece se constituir apenas do invólucro. A fritura
produz apenas contornos, não queima, não amassa, não encorpa, o alimento é aí uma
espécie de grafismo, signos para serem degustados, significados pelo paladar2.
Este império do invólucro também marca o ato de presentear. Pode-se ver pelas
ruas, nas lojas, nos cafés, as pessoas a carregarem pequenas embalagens, muito
trabalhadas, feitas com precisão, com atenção ao detalhe. O presente vale mais pelo que
o encobre, por sua moldura, mais por sua forma, que por seu conteúdo. O presente é
mais significante, que significado. Geométricos, rigorosamente desenhados, mas sempre
assinalados por uma dobra, um laço, ao invés de ser acessório do objeto a ser
transportado, os pacotes se tornam o próprio objeto. O invólucro se torna a coisa
preciosa, embora gratuita. Ao contrario do que dispõe a metafísica Ocidental, aqui a
aparência é tão valiosa quanto a essência. Pacotes que adiam, por suas várias camadas, o
encontro com o objeto, muitas vezes insignificantes, com o simples docinho, o pouco de
pasta de feijão, o souvenir vulgar, que transportam e transformam na suntuosidade de
uma jóia. Ao invés de proteger no espaço eles teriam a função de adiar no tempo,
prolongar o gesto da oferta, dotá-lo de uma elasticidade significativa. A caixa aí brinca
de signo, vale por aquilo que esconde, ela trapaceia. Ao invés de esconder o
significante, é ela mesma que assume este lugar, significante que se joga fora, signo que
se descobre vazio, profundidade do sentido do gesto que se dá pelas qualidades de
serem precisos, móveis e vazios3.
Barthes afirma que, no Japão, os objetos desmontam os espaços em que estão
situados de um modo inesperado e refletido. O quarto tem limites que são como traços
que podem ser apagados, que dá a ele um sentido de provisoriedade, de fragilidade. Os
limites do quarto podem ser dados por esteiras no chão, forrado de aberturas,
emoldurado de vazio, por um tapete colorido cheio de flores, pássaros, árvores, animais,

2
BARTHES, Roland. Op. Cit. pp. 19-38.
3
Idem. Ibidem.pp. 57-62.
que podem ser enrolados e voarem para longe dali, que podem ir habitar, decorar outros
locais. As janelas lisas, as divisórias montadas em ripas, onde se distinguem as portas
corrediças, os painéis de papelão pintado desenham um cômodo sempre instável e débil,
quase aéreo. As divisórias são frágeis, perfuráveis, as paredes deslizam, os móveis são
escamoteáveis, tudo pode ser rapidamente redisposto. Nunca se tem a sensação de
fechamento, de centramento, nunca se é sitiado pelo horizonte. No quarto, como na casa
inteira, não há nenhum lugar que designe a menor propriedade: nem cadeira, nem leito,
nem mesa a partir dos quais o corpo possa se constituir como sujeito ou dono de um
espaço. Nenhuma poltrona do papai, nenhuma cadeira da vovó, nenhum sofá onde se
possa dizer Eu me sento. O centro é recusado, nenhuma cama para se dizer: “aqui me
deito e fico”, “aqui me identifico”. Incentrado, o espaço é também reversível, pode-se
virar ao contrario o corredor e nada acontecerá, a inversão do alto e do baixo, da
esquerda e da direita nada mudará, pois não há nada para ser agarrado, para ser preso ou
nos prender4.
O mais inusitado para um estrangeiro que chega a Tóquio é verificar que suas
ruas não têm nome, que ele não terá nunca um endereço para se guiar. Apenas marcadas
por um código só acessível aos funcionários dos correios, as ruas têm que ser acessadas
por um estranho a partir das indicações topográficas e topológicas indicadas pelos
moradores ou rapidamente desenhadas por eles em pedaços de papel, em versos de
cartões postais, em qualquer superfície que tenham a mão. Nesta aventura que é se
deslocar pela gigantesca cidade é fundamental o papel das estações do metrô que
marcam o desembarque em cada bairro, estes sim nomeados. A partir destas estações
abrem-se verdadeiras aventuras para a localização do endereço buscado, percursos
contingentes, factuais mais do que legais, uma verdadeira atividade etnográfica, onde a
capacidade de leitura dos signos espaciais no momento da caminhada (um prédio, um
canal, uma via férrea, um letreiro) será decisiva, dando origem a uma localização
sempre intensa e frágil. Pode-se dizer, como Certeau5 que, aqui mais do que em
qualquer local, o caminhante ordinário escreve a cidade, pois nem sequer a escritura do
poder ele encontrará, espaço sempre liso em busca de suas estrias sempre provisórias6,
que se apagam junto com os passos que as traçam. Mas o que mais surpreende em

4
BARTHES, Roland. Op. Cit.pp. 145-148.
5
CERTEAU, Michel de. Caminhadas pela Cidade. In: A Invenção do Cotidiano I: Artes de fazer.
Petrópolis: Vozes, 1994, pp. 169-192.
6
Sobre as noções de liso e estriado ver: DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil Platôs 5. São Paulo:
Editora 34, 1997, pp. 179-214.
Tóquio é que, ao contrário da maioria das cidades do mundo, ela não converge para um
centro, para um local onde se condensam os valores da civilização: a espiritualidade
(com as igrejas), o poder (com os escritórios), o dinheiro (com os bancos), a mercadoria
(com as grandes lojas), a fala (com as ágoras: os cafés, os passeios, as grandes praças).
Como no Ocidente a verdade está sempre num centro que se busca encontrar, a verdade
das cidades estariam em seus centros, aí encontraríamos suas identidades, as qualidades
particulares que as definiriam. No centro de Tóquio está o Palácio Imperial, território
sagrado, território proibido, território inacessível para os cidadãos, lugar vazio, em torno
do qual a cidade pode apenas circular. Local invisível, protegido pela vegetação,
protegido por um fosso de água, habitado por um imperador que pouco se vê. A cidade
e os cidadãos passam ao largo deste centro, apenas o contornam com indiferença. O
centro é aí apenas um anel opaco, de onde a cidade permanentemente se desvia7.
Esse regime de espacialidade difere fundamentalmente daquela que prevalece no
Ocidente, desde pelo menos o século XVII. A espacialidade cartesiana, geométrica,
centralizada, que desde a invenção da perspectiva conflui para um olhar central, o olhar
do sujeito racional e consciente, este grande olho que sobrevoa os espaços e podem dar
a eles uma visão de conjunto, pode pretensamente totalizá-los. Aí o fragmento vem se
integrar a um todo que lhe dá sentido e que o faz desaparecer como tal. Nesta
espacialidade busca-se suprimir o vazio, busca-se evitá-lo como perigoso para o poder,
para o conhecimento, para a civilização. Neste regime espacial, o espaço é extensão a
ser ocupada, colonizada, nomeada, fronteira a ser conquistada, dominada, apropriada.
Nesta espacialidade impera a fixidez, a sedentaridade, a localização, a identificação, a
identidade topográfica e toponímica, teme-se o nomadismo, a mobilidade, o
ilocalizável, o inindentificável, o sem nome, o sem endereço fixo. Espaço panóptico,
que vive a megalomania do olhar absoluto, da total claridade, do total esclarecimento,
do império da visibilidade total8. Olhar do Homem que olha a si e ao mundo como se
estivesse no lugar de Deus. Olhar onisciente, olhar permanente, que nem pisca. Olhar de
olhos redondos, de olhos pulados para fora. Nada destes olhos traços, destes olhos
chatos, olhos paisagem, olhos vírgulas de japoneses e chineses, de orientais. Esse olho
cova, olho câmera onde se busca capturar toda a realidade, onde a verdade do visível

7
BARTHES, Roland. Op. Cit. pp. 43-56.
8
Sobre a espacialidade moderna ocidental ver: FOUCAULT, Michel. Outros Espaços. In: Ditos e
Escritos. Vol. III. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, pp. 411-422.
vem se alojar e se guardar. Talvez, por isso, não precisemos tanto das câmeras
fotográficas como os japoneses9.
Para pensar as várias formas de espacialidades elaboradas nas sociedades
Ocidentais é preciso levarmos em conta este regime de espacialidade que nos rege.
Pensar a nação, a região, a cidade, a casa, a rua, nosso quarto, nosso corpo ou nossa
mesa de jantar, requer que atentemos para esta gramática espacial, para esta semântica
dos espaços, para a estrutura que os signos espaciais aqui obedecem. A fabricação de
espaços entre nós, desde espaços materiais até espaços imaginários, simbólicos, é
marcada por esta dada forma de concebermos as espacialidades. Desde a forma como
dispomos os pratos na mesa, que faz da cabeceira da mesa o lugar de poder em que o
dono da casa vem se sentar e na direção do qual todas as iguarias vêm se arranjar, até a
nossa forma de pensar a nação e a região está trabalhada por este regime de
espacialidade, por esta gramática da disposição espacial, por essa dada visibilidade e
dizibilidade do espacial.
Como se inventam regiões entre nós? Como historicamente se constituíram e
continuam se constituindo, se elaborando e se reelaborando regionalidades no Brasil,
esta parte nem sempre bem quista do Ocidente? As regiões emergiram aqui como fruto
de um movimento de fechamento de um dado espaço, na busca de se construir
fronteiras-muro, limites-barreiras para um dado devir histórico, para uma dada
temporalidade marcada pela mudança, pela mobilidade, pela transformação. As regiões
buscam fechar um dado território para a exclusividade de um domínio político, de um
domínio econômico, social, jurídico; buscam impedir a invasão de outras forças do
mesmo caráter que venham solapar a dominação que se almeja preservar. As regiões
visam isolar da história ou dotar de uma historicidade particular um dado pedaço do
território nacional, buscando a paralisia do processo histórico ou o movimento em uma
dada direção predeterminada. As regiões são produzidas nas atividades de controle, de
fiscalização, de classificação, de ordenamento, de imobilização dos fluxos sociais
exercidas pelo Estado ou por dadas instituições de cartografia do espaço. As regiões,
embora nasçam dos conflitos, das disputas, das lutas, dos embates que se dão em torno
do controle sobre o território, sobre os lugares, nascem para congelar estes conflitos,

9
BARTHES, Roland. A Pálpebra. In: Op. Cit. pp. 135-139.
para esfriá-los, para remetê-los para o plano da naturalização, deslocá-los para o campo
da fidelidade ou não a uma dada identidade territorial naturalizada10.
As regiões embora sejam, em si mesmas, fragmentos de um todo, não deixam de
se construir como totalidades, como unidades homogêneas, como um significante que
deve ser lido em um só sentido. Embora nasçam de diferenças no interior de um todo,
nascem mascarando as diferenças de todo tipo que as constituem. As regiões nascem de
uma dizibilidade e de uma visibilidade que homogeneíza as diversidades de paisagens
naturais, de conteúdo étnico, econômico, cultural de um dado recorte espacial. As
regiões nascem de práticas e discursos regionalistas e regionalizantes que desconhecem
as diferenças, inclusive sociais, de classes, de poder, que constituem seu tecido social.
Elas aparecem como tendo interesses e reivindicações, que pertencem quase sempre às
elites que as elaboraram ou as sustentam. Todo região é pensada a partir de um centro,
como tendo uma parte central, mais importante, para onde devem convergir aqueles que
em nome dela se expressam. O Nordeste é uma invenção feita a partir do Recife, cujas
elites ainda o pensam e o enunciam como o centro desta região, para onde confluiriam
as atividades econômicas, políticas, culturais e intelectuais.
A fixidez que caracteriza nosso regime de espacialidade impede, inclusive, que
remanejemos com facilidade os sentidos que são construídos em torno de uma dada
região. Embora estes remanejamentos não cessem de ocorrer, estes são sempre inscritos
no universo da tradição, da memória, de uma temporalidade longa, que dá a estes
sentidos contingentes o estatuto de sentidos perenes, permanentes, a-temporais. Aqui os
espaços são pensados e feitos para durarem, para se fixarem no tempo e fixarem o
tempo, espaços monumentais. Conter a circulação dos sentidos, tentar impedir a
movência e a errância de que este é possuído, impedir os constantes deslocamentos
entre significados e significantes, tamponar a brecha, obturar a abertura, a falha, o vazio,
a falta que vem se alojar no seio dos signos regionais, evitar as fraturas que os
constituem, é o que buscam os discursos regionalistas, muitas vezes resvalando, nesta
tentativa de paralisar o movimento do sentido, na pura estereotipia, na caricatura, na
montagem de uma figura regional, de uma regionalidade farsesca, máscaras desbotadas
e amareladas pelo tempo, terminam por desenhar uma rostidade de lástima para estes
espaços regionais.

10
Ver: ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. 3 ed. São Paulo:
Cortez; Recife: Massangana, 2006.
Frutos do processo de colonização de que fomos objeto, as nossas regiões trazem
as marcas deste processo: ocupação violenta e predatória, fruto da ânsia de preencher,
ocupar, dominar largos horizontes. Esta busca desesperada por atingir a última fronteira,
por ocupá-la, por domá-la à civilização, este horror ao vazio, que remete à nossa própria
imagem do divino - um ser que esta em todo lugar, olhar que nunca nos abandona,
vigilância que não conhece limites, uma divindade oniespacial, presença que preenche
todos os lugares, que não admite que existam territórios, gentes, que não estejam sob o
império de sua cruz -, dá origem a esta sanha ocupacional, esta fobia à abertura, à
imensidão, ao descontínuo, a esta rejeição ao sertão, ao desertão, visto como o local do
demoníaco, que deve ser conquistado, submetido, aniquilado, para que aí surja o
artifício humano, garantia da vitória do homem e de seus valores sobre o inóspito, o
selvagem, o estranho, o desconhecido, as brenhas. É preciso encher, povoar, ocupar,
inchar, aumentar, agigantar. Aqui, no Brasil, mesmo as regiões não se medem pela
escala do pequeno, elas são gigantescas como o gigante pela própria natureza de onde
foram recortadas.
As regiões são escritas e inscritas para ficarem, para serem a base de identidades
que se quer fixas e imutáveis. Nessa sociedade onde se busca a eternidade, onde a morte
é grande inimiga a combater, se verifica uma dificuldade de conviver com todas as
formas da finitude. Durante muito tempo, a própria historiografia, que não faz outra
coisa senão falar da morte, ensaiou com ela uma dança de disfarce e engano. A
historiografia se pretendia aquela que retirava do esquecimento provocado pela morte,
figuras, vultos e seus atos, que vinham novamente viver no presente. A historiografia,
por isso mesmo, durante muito tempo, ignorou os espaços, as espacialidades, em suas
preocupações, já que o espaço era visto em si mesmo como eterno, imutável, atemporal,
pura extensão, um a priori da experiência humana, um cenário onde as peripécias
humanas vinham ocorrer. Por isso, as regiões aparecerem, durante muito tempo, nas
obras feitas por historiadores, como recortes naturalizados, como identidades sem
história, nomes que apenas indiciavam uma realidade imutável, uma verdade já
conhecida que estava fora deles, simples espelhos do espaço que diziam. A linguagem
aí não era sequer tomada como participe destas construções. Embora fossem nomeadas,
os nomes eram tomados como simples substantivos, nomes próprios, que a elas
pertenciam de direito, que só serviam para dizer imediatamente o que eram. A
linguagem perdia sua qualidade de expressão. Ao dizermos Nordeste apenas
indicávamos um recorte natural, um fato geográfico que jazia lá só a espera deste nome.
Nenhuma suspeita que este nome, como todos, carrega sentidos, significações,
arregimenta um conjunto de imagens e de enunciados que sob ele estão subsumidos.
Nenhuma suspeita de que ao dizermos Nordeste, dizemos muito mais do que um
simples nome, mas nos referimos a um feixe de significações, que foram construídas
historicamente, em dado momento, sujeitas a sofrer remanejamentos, a combinações, a
releituras, permanentes. Nenhuma suspeita de que Nordeste é um conceito e como tal
deve ser pensado. O Nordeste, como todo conceito, deve ser pensado em sua
historicidade e quanto aos procedimentos que o estabeleceram e em relação a que visão
da realidade ele foi produzido para nomear. Nenhuma suspeita de que como conceito ele
é uma abstração da multiplicidade que constitui a realidade que pretende nomear, que
como tal carrega consigo pontos de vista político, cultural, social, que estão sempre em
mutação.
O Nordeste, como a bandeja de sukiyaki11, terá sempre novas configurações,
aparecerá com novos quadros, emergirá como um conceito que nomeia diferentes
figuras do regional, conforme aquele que dispõe e organiza os signos, conforme os
significantes que foram escolhidos e indiciados como pertencendo a nordestinidade,
como sendo típicos deste regional, como indícios de uma realidade regional através dos
quais a acessaríamos. Como num tabuleiro de xadrez teremos diferentes imagens e
diferentes falas de Nordeste, dependendo de quem joga os jogos de linguagem que
constituem nossas realidades, que as inventam e fabricam. O Nordeste, como o pacote
japonês, é apenas um invólucro que pode esconder diferentes conteúdos, é uma forma,
exerce uma função no discurso. Ele vem se alojar em distintos enunciados, tornando-se
outro, diferenciando-se, distinguindo-se, desviando-se de um pretenso si mesmo. A
tarefa da historiografia é tornar o Nordeste um signo vazio, que possa ver a ser
preenchido por distintos sentidos e significados, abri-lo para o indefinido e o
indeterminado. Torná-lo árido de sentido para que outras significações possam aí
florescer, brotar, se fazer ikebana12, árvore pequena e intersticial, feita apenas para ser
habitada pelo vento, deixando passar entre seus ramos miúdos, outros ares e outros
cheiros, menos apodrecidos do que aqueles que costumam emanar dos discursos que se
dizem nordestinos e das práticas que se nomeiam nordestinadas.

11
BARTHES, Roland. Op. Cit. pp. 29-31.
12
Idem. Ibidem. p. 145.

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