1) Em meados do século XIX, a partir do momento em que a antropologia ganha status de
disciplina, não demora muito até que as premissas que norteavam esse primeiro movimento, em boa parte de caráter evolucionista, fossem criticadas. Franz Boas, que escreve suas principais obras já na última parte do século e um dos críticos mais importantes dessa escola, procurou desenvolver um método que se diferenciasse do método evolucionista, chamado por ele de "método comparativo". Essa crítica, junto a outros de seus escritos, fornecerão as bases para uma inovadora noção de cultura que influenciará de forma imediata, principalmente seus alunos, entre eles Margareth Mead e Ruth Benedict. Ambas publicam obras fundamentais para a antropologia nos anos 30 e, guardada as devidas proporções, podemos dizer que o método de análise que utilizam possui mais similaridades que oposições. Influenciadas por seu mestre, tanto aprofundam elementos já contidos em sua obra quanto desenvolvem noções fundamentais à disciplina. A importância fundamental de Franz Boas esteve mais na sua postura crítica diante das escolas antropológicas do que em sua pesquisa etnográfica propriamente dita. As bases da inovação boasiana estão contidas, ainda que não sistematicamente, em suas críticas ao evolucionismo, o racismo etc. Já na crítica ao "método comparativo da antropologia", Boas se pergunta se ao invés de supor que os fenômenos de cada sociedade pudessem ser atribuídos às mesmas coisas, como queriam os evolucionistas, não seria melhor pensar que teriam se desenvolvido independentemente, e não guiados por uma grande linearidade evolutiva. Aí estaria contido a inovação daquilo que viria a se chamar relativismo metodológico, ou seja, desenvolvendo-se de forma independente, a forma de pensar, de vestir-se etc, de cada um seria dada por sua cultura. Nesse sentido, seria mais adequado que falássemos em cultura no plural, e não no singular. A postura metodológica agora é, portanto, não comparar diferentes culturas para deduzir seu estágio evolutivo, e sim tomá-las individualmente para daí criar generalizações teóricas. Diante dessa inovação, Ruth Benedict, uma das alunas de Boas, desenvolve o conceito fundamental de "padrões de cultura". Assim como para seu mestre, Benedict percebe que cada cultura desenvolve seus próprios imperativos morais, artísticos, religiosos etc, todavia, ela também regula as personalidades, selecionando aquilo que seria mais adequado a seu desenvolvimento próprio dentro das múltiplas potencialidades humanas, criando formas apropriadas ou inadequadas. Exemplo disso é a diferença com que cada cultura trata aquilo que chamamos de adolescência, vendo-a como um processo violento de entrada na vida adulta ou algo mais pacífico, ou até mesmo não possuindo-a, já que não necessariamente precisariam desenvolver essa etapa da vida de um indivíduo. Por fim, em Mead encontramos também uma postura relativista em relação aos padrões atribuídos a cada cultura aos diferentes sexos. Se numa sociedade como a dos Tchambuli, os homens possuem características mais sentimentais e artísticas, na nossa seria justamente o contrário disso. Sua tese fundamental é que os papéis que cada um desempenha, o que chama de temperamento, nada teria a ver com sua condição biológica. Não seria por serem homens, portanto, que seriam rudes, nem por serem mulheres que seriam dóceis. Todavia, Mead não cai num relativismo absoluto e, apesar de entender, assim como Benedict, que os padrões são criados socialmente, sua proposta é que ao invés de serem destruídos, possam ser desempenhados de forma livre pelos membros daquela sociedade, sem oposições e padronizações extremas.
2) O evolucionismo desenvolve-se como escola, principalmente, a partir da segunda metade do
século XIX. Tendo por base uma visão humanista, guiada principalmente pelos trabalhos de Rousseau, os evolucionistas acreditavam que os homens são iguais no que diz respeito as condições biológicas e intelectuais e, portanto, desenvolvem-se igualmente. A explicação, portanto, para determinados povos possuírem técnicas, religiões e arte diferentes, seria a ideia de que estão em estágios evolutivos diferentes, o que pode ser corrigido, entretanto, pois todo ser humano é capaz de aperfeiçoar-se e chegar, por fim, a um estágio avançado (que, de certo modo, guarda relações com o próprio estágio que a sociedade ocidental da época estava). A influência de Darwin também demarcaria uma grande influência, tanto na reafirmação dos aspectos já mencionados do evolucionismo cultural, quanto no fortalecimento da argumentação de uma teoria que desenvolve-se em paralelo de alto teor racista. O evolucionismo tem seu período de hegemonia dos anos 1871 à 1908. Podemos dizer que possui três figuras de maior destaque: Morgan, Tylor e Frazer. A publicação de suas obras fortaleceram imensamente a institucionalização da antropologia e a criação de suas bases metodológicas. Entretanto, a postura que a princípio assumiram, nada tem a ver com a postura do antropólogo atual. Se para eles, o mais fundamental estaria em fazer uma análise comparada das sociedades e deduzir disso os diferentes estágios evolutivos, para o antropólogo pós Boas e Malinóvski, o fundamental seria, ainda que por diferentes motivos, perceber os povos exercendo suas práticas culturais, ou seja, há uma ênfase maior no material empírico que denota também a percepção de cultura como algo múltiplo e não uno, como pretendiam os evolucionistas. Já em 1896, Boas publica sua crítica aos evolucionistas e aquilo que chama de "método comparativo da antropologia". Sua percepção acerca dessa escola reafirma os limites mencionados sobre a postura do antropólogo. Para Boas, as sociedades não progridem numa linha, desenvolvendo-se coletivamente, pois, afinal, não existiria nem uma linha propriamente dita. As culturas (agora no plural), em verdade, desenvolveriam-se individualmente, ou seja, criam seus próprios códigos e princípios de sua própria maneira. Portanto, em contraposição a uma humanidade única, uma sociedade humana, como queriam os evolucionistas, é fortalecido o relativismo cultural. Se para aquele o método desenvolve-se dedutivamente, criando inclusive o que chamou-se de "antropólogo de gabinete", para este o método tem mais caráter indutivo, ou seja, a precondição para generalizações teóricas estaria no estudo de culturas tomados individualmente. Toda essa inovação tem, por fim, consequência na dimensão ética da profissão do pesquisador: não podendo falar mais de cultura única, o antropólogo deve entender as culturas em seus próprios termos, tentando sempre desvencilhar- se das características que sua própria cultura legou, para poder ver com mais clareza o Outro. 3) O etnocentrismo, de certa forma, tendeu a ser uma forma de olhar o outro a partir dos moldes que a cultura que nos inserimos nos dá. Ou seja, olhamos os aspectos culturais de outros povos, de sua religião, de sua arte etc, a partir daquilo que entendemos por teologia e estética. Não poderia ser diferente, afinal, toda noção que temos sobre todos fenômenos sociais nos são dadas pela própria cultura em que nos inserimos, o que, portanto, nos leva a noção de que, em certa medida, todas culturas são etnocêntricas. Desde que a ruptura com o evolucionismo estabeleceu-se na antropologia, todavia, uma das consequências mais importantes da crítica ao método comparativo deu-se num sentido de mudança de conduta do pesquisador com relação ao objeto de estudo. Caberia agora ao antropólogo uma postura mais crítica acerca de toda percepção que já tem para que possa ver com mais clareza os padrões culturais do outro. Como aprendemos com Mead e Benedict, toda cultura seleciona dentro da multiplicidade de características humanas aquilo que lhe é mais adequado e cria, por fim, padrões sociais em que determinados indivíduos se inserem e outros não. Todavia, são justamente esses padrões que dão os indivíduos a possibilidade de criar códigos, desenvolver suas artes, possuir sistemas religiosos etc. De certa forma, a nossa cultura, ainda que limitadamente, nos oferece a possibilidade de vivermos em sociedade e nos diferenciarmos dos animais, por exemplo. No caso daquilo que Mead chama de "temperamento", fica claro como as culturas geram diferentes papéis para diferentes "sexos". O que pode ser problemático, no sentido de uma desigualdade, é também, para a autora, o que permite que os indivíduos se entendam justamente como indivíduos. Todavia, o antropólogo não deve conformar-se no fatalismo de que todas culturas são impermeáveis ao "estranho", já que ele não teria capacidade de desvencilhar-se de seus padrões em detrimento dos da cultura analisada. Em verdade, é justamente do choque com relação ao "estranho" que a antropologia faz-se como disciplina. O etnocentrismo, de certa forma, sempre aparecerá, em menor ou maior medida, devendo ser sempre alvo de autocrítica por parte do estudioso. Entretanto, o choque com o Outro, guarda também uma lição sobre si próprio: se achamos confuso ou no mínimo interessante o papel das mulheres entre os Tchambuli não seria por que acharíamos normal ou até mesmo natural o papel das mulheres em nossa sociedade? O estudo de outras culturas, portanto, é quase uma metáfora acerca de nós mesmos, ainda que sem deixar de ter o outro como objetivo. Por fim, é importante evidenciar que ainda que todas culturas sejam etnocêntricas, as vezes vendo a si próprio como os únicos seres humanos, ou os único dotados de hábitos corretos, nem todas elas adotam uma postura, ou melhor, uma vontade de aniquilação do outro. O que um pouco depois da antropologia cultural estadunidense Pierre Clastres chamará de "etnocida", só seria uma característica própria da nossa cultura. Portanto, os Tchambuli não possuem cabeças de outros seres humanos pois desejam subjugá-lo do ponto de vista cultural, mas analisando o holocausto judeu feito por nossa sociedade, podemos dizer que sim. 4) Desde o século XVII, principalmente com a hegemonia dos autores que ficariam conhecidos como jusnaturalistas a diferenciação entre estado de natureza e sociedades políticas, noutros termos, natureza e cultura, estabeleceu-se como um elemento importante. O ponto mais crítico desse processo é alcançado através de Rousseau, autor essencial para a antropologia e para as ciências humanas de forma geral, que percebe não só na diferenciação desses dois estágios fases diferentes nas relações humanas, mas justamente em como as relações humanas e as técnicas desenvolvidas elevam ou degeneram a cultura humana, mudando até a própria constituição física dos indivíduos. Já em fins do século XIX até a primeira parte do século XX, Franz Boas junto a seus alunos desenvolvem noções inovadoras acerca do tema cultura. Contrapondo-se as visões comuns à época, do evolucionismo cultural e do racismo científico, Boas critica a ideia o método comparativo do evolucionismo e desenvolve um método que parta das observações de cada cultura individualmente, em seus próprios termos, dando assim uma ênfase maior nos aspectos empíricos da pesquisa e não a dedução. A importância dessa ruptura provocada por Boas incide na multiplicidade com que, agora, as culturas podem ser vistas, sem a "camisa de força" da linha evolutiva dos evolucionistas. Embora nunca tenha desenvolvido uma teoria sistemática, as análises pontuais de Boas e nesse caso, a sua crítica ao evolucionismo, nos legaram alguns pontos importantes no que diz respeito as análises das culturas (agora vistas de forma plural). A importância recai no seu aspecto individual, ou seja, em como as culturas formam suas próprias características e que, não necessariamente, elas estariam em relação direta com outra cultura, caindo por terra, assim, a ideia de uma linha evolutiva. O relativismo metodológico, portanto, possibilita ver as culturas em seus próprios termos e diferenças, sendo assim, possibilita vê-las em sua diversidade e riqueza. Em Sexo e Temperamento, Mead argumenta nesse mesmo sentido. Apesar da alta padronização contida nos papéis desempenhados pelos diferentes sexos na nossa sociedade, não quer dizer que em outras culturas sexos opostos não possuam temperamentos diferentes, ou que até não os possuam de forma alguma. Mead, portanto, evidencia a distinção entre natural e cultural, ou seja, o comportamento das pessoas em determinadas culturas é determinado culturalmente e não biologicamente, não podendo assim, dizer que uma mulher é sensível naturalmente ou que um homem é virilmente também naturalmente. Em verdade, as culturas selecionam padrões dentre as inúmeras características humanas, e daí dão aos indivíduos papéis a desempenhar na sociedade. Não sendo Deus nem a biologia que legou as características que possuímos, só nos resta perceber que é nossa própria cultura que nos dá os "temperamentos" que temos. Perceber isso é também abrir-se para a diversidade cultural, tanto a presente nas diferentes sociedades quanto na nossa própria. Se a sociedade cria padrões, ela também cria indivíduos que não conseguem alcançá-los, não sendo, de todo modo, indivíduos aculturados. A solução dada por Mead e em certa medida por Benedict, é a criação de uma sociedade onde os padrões sejam menos rígidos e extremos. A questão aqui não seria destruir através da relativização absoluta os temperamentos, mas sim fazer com que a sociedade seja uma gama rica e colorida de temperamentos transitando livremente entre os indivíduos.