Вы находитесь на странице: 1из 9
2 CIENCIA E SENSO COMUM. A razdo & comum a todos mas as pessoas agem como se tivessem uma razdo privada, HERACLITO 2.1, Ruptura: a primeira ruptura epistemolégica ‘firma Bachelard que «a ciéncia se opde absolutamente & opi- ni» (1972: 14). Em ciéncia, nada é dado, tudo se constr6i. O «senso comum, 9 «conhecimento vulgar, a «sociologia espontinea», a (Hirschman in Elster, 1985b: 158). E de modo semelhante se pode interpretar a teoria de Schumpeter sobre 0 empresério capitalista, pois, em sua opiniao, o sistema capitalista funciona to bem por- que cria expectativas irrealistas sobre o éxito e dessa forma inspira muito mais esforgo da parte dos empresérios do que seria 0 caso se estes fossem espiritos mais prudentes (1976). No mesmo contexto, seria ainda de salientar a andlise de Kolakowski sobre os «erros felizes» de Lenine, erros de avaliago da forga do movimento revo- lucionério que, em parte, foram responsaveis pelo éxito da revolug0, (Kolakowski in Elster, 1985b: 161). A luz destas consideragées, forgoso é concluir que caminhamos para uma nova relagio entre a ciéncia ¢ o senso comum, uma relagdo ‘em que qualquer deles é feito do outro e ambos fazem algo de novo. Como? Antes de responder é preciso ter presente que a caracteriza- ¢40 do senso comum é usualmente feita a partir da ciéncia e que, por isso, nfo surpreende que esteja saturada de negatividade (ilusao, falsidade, conservadorismo, superficialidade, enviesamento, etc.). Se, no entanto, se fizer um esforgo analitico para superar esse etno- 0, a caracterizaglo a que se chega pode ser bem B outra e bem mais positiva. E desse esforgo que resulta uma caracteri- zagiio altemativa que desenvolvi noutro lugar: «O senso comum faz coincidir causa eintengao; subjaz-Ihe uma visio do mundo assente na acgiio € no prineipio da criati idades indivi- duais. O senso comum € pratico e pragmitico; reproduz-se colado as trajectérias e as experiéncias de vida de um dado grupo social e nessa correspondéncia se afirma de confianga e da seguranga, O senso ‘comum € transparente e evidente; desconfia da opacidade dos objec- tos tecnol6gicos © do esotetismo do conhecimento em nome do prinefpio da igualdade do acesso ao discurso, & competéncia cogni- fiva e A competéncia lingufstica. O senso comum é superficial por- ‘que desdenha das estruturas que esto para além da consciéncia mas, por isso mesmo, é eximio em captar a profundidade horizontal das relagdes conscientes entre pessoas ¢ entre pessoas e coisas. O senso comum é indisciplinar e imet6dico; nao resulta de uma pritica espe- cificamente orientada para produzir; reproduz-se espontaneamente no suceder quotidiano da vida, Por tiltimo, o senso comum € ret6rico € metaférico; nio ensina, persuade» (Santos, 1987: 56 e ss). Esta caracterizagao altemativa do senso comum procura salientar & positividade do senso comum, 0 seu contributo possivel para um projecto de emancipagio cultural e social. Em que con ccabe aqui falar sendio das condi¢&es te6ricas. A condigao teérica mais importante € que 0 senso comum s6 podera desenvolver em pleno a sua positividade no interior de uma configuracdo cognitiva em que tanto ele como a ciéncia modema se superem a si mesmos para dar lugar a uma outra forma de conhecimento. Dai o conceito de dupla ‘ruptura epistemolégica: uma vez feita a ruptura epistemolégica com © senso comum, 0 acto epistemolégico mais importante é a ruptura com a ruptura epistemolégica ©. Para compreender o alcance da (G) Madurcira Pinto refere também a necessidade de uma «nova rupture» (1.9840: 134), mas em sentido muito diferente daquele que € proposto por mim. A nova ruptura 6, segundo Madureira Pinto, a ruptura com o senso comum ow as pressuposiges espontinens acerca das condigées de observacio sociolégica. Ao 44 dupla ruptura epistemolégica deve ter-se em mente a ideia de Bache- lard de que os obstéculos epistemolégicos se apresentam sempre aos pares e que, por isso, se poderé falar de uma «lei psicolégica da polaridade dos erros» (1972: 20). Tal como sucede com os obsticulos epistemolégicos, a dupla ruptura nfo significa que a segunda ruptura neutralize a primeira e que, assim, se regresse ao statu quo ante, & ituago anterior A primeira ruptura, Se esse fosse 0 caso, regressar- -ia a0 senso comum e todo o trabalho epistemol6gico seriaem vio, Pelocontrério, « duplaruptura procede aum trabalho de transformagio tanto do senso comum como da ciéneia. Enquanto a primeira ruptura € imprescindivel para constituir a ciéncia, mas deixa o senso comum, tal como estava antes dela, a segunda ruptura transforma 0 senso comum com base na ciéncia constituida © no mesmo proceso transforma a ciéncia, Com essa dupla transformagao pretende-se um senso comum esclarecido ¢ uma ciéncia prudente, ou melhor, uma nova configurago do saber que se aproxima da phronesis aris- totélica, ou seja, um saber prético que dé sentido e orientagdo & cexisténcia ecria o habito de decidir bem. Aproximando-se emborada phronesisatistotélica, anova configuragao do saber dis tudo dela. A phronesis combina 0 cardcter préticoe prudente do senso comum com o cardcter segregado e elitista da ciéncia, uma vez. que 6 um saber que s6 cabe aos mais esclarecidos, isto é, a0s sabios. A dupla ruptura epistemolégica tem por objecto criar uma forma de conhecimento, ou melhor, uma configuracao de conhecimentos que sendo prética nflo deixa de ser esclarecida e sendo sabia nfo deixe de estar democra-ticamente distribuida. Isto, que seria utépico no tempo de Arist6teles, possivel hoje gragas ao desenvolvimento tecnol6gico da comunicago que a ciéncia modema produziu. De facto, a ampli- tude e a diversidade das redes de comunicagio que é hoje posstvel contrério, @ segunda ruptura epistemoligica por mim proposta incide sobre 0 conhecimento cientifico em si e no sobre o processo da sua aquisigfo, e visa precisamente romper com a ruptura ou rupluras com o senso comum em que ele 4s estabelecer deixam no ar a expectativa de um aumento generalizado da competéncia comunicativa. Sucede, contudo, que, entregue a sua prdpria hegemonia, a ciéncia que cria a expectativa é também quem a frustra. Dai a necessidade da dupla ruptura epistemolégica que permita destruir a hegemonia da ciéncia moderna sem perder as expectativas que ela gera. A nova configuraciio do saber é, assim, a ‘garantia do desejo e 0 desejo da garantia de que o desenvolvimento tecnol6gico contribua para o aprofundamento da competéncia cogni- ‘iva e comunicativa e, assim, se transforme num sabet pritico e nos ajude a dar sentido ¢ autenticidade & nossa existéncia. E 0 desejo de Socrates no Fédon de Plato, depois de o fil6sofo verificar que a investigagao das coisas tomada possivel pela ciéncia do seu tempo 0 deixava sem qualquer orientagao. A dupla ruptura epistemolégica € o modo operatério da herme- néutica da epistemologia. Desconstr6i a ciéncia, inserindo-a numa totalidade que a transcende. Uma desconstrugio que nfo é ingénua nem indiscriminada porque se orienta para garantir a emancipago © & criatividade da existéncia individual e social, valores que s6 a ciéncia pode realizar, mas que niio pode realizar enquanto ciéncia, A desconstrugao hermenéutica, que se realiza na dupla ruptura epis- temolégica, esté, assim, sujeita a alguns fopoi de orientagiio, O primeiro topos € que se deve progressivamente atenuar o que Foucault designa por desnivelamento dos discursos. Diz ele que se produz. regularmente nas sociedades um desnivelamento entre os discursos: «Os discursos que ‘se dizem’ na sequéncia dos dias e das, trocas e que passam com o acto em que so pronunciados; € os discursos que estio na origem de um certo mimero de actos novos de alavras que os retomam, os transformam ou falam deles, em suma, discursos que, indefinidamente, e para além da sua formulagfo, so ditos, permanecem ditos ¢ ainda ficam para dizerm (1971: 24). Os Primeiros discursos sio os discursos vulgares, sem eira nem beira, os discursos do senso comum; os segundos so os discursos anormais, agasalhados de muita roupa, os discursos eruditos. A dupla ruptura epistemolégica, sem querer abarcar a totalidade destes discursos, 46 pretende que cles se falem, que se tornem comensurdveis © nessa medida atenuem o desnivelamento que os separa. segundo topos & que se deve progressivamente superar a dicotomia contemplagao/acgo. Esta dicotomia subjaz. & filosofia grega e, desde entdo, tem dominado o pensamento ocidental, ati gindo a sua méxima expresso no paradigma da ciéncia moderna. também nele que as contradigées da dicotomia mais claramente se manifestam, Por um lado, os critérios de verdade do conhecimento cient interiores a0 processo cientifico e a tinica acgio relevante a este nivel é a acgao da investigacdo eda experimentacio. Qualquer outro tipo de acgo, nomeadamente a acco social, € exte- rior ao conhecimento, constitui ti0-s6 0 campo da sua aplicagao, é, em suma, tecnologia: Mas, por outro lado, o fosso que assim se cria entre a verdade cientifiea da ciéncia (a ciéncia-em-si) ¢ a verdade social da cigncia (a tecnologia) é um fosso falso; ainda que ideologi- ‘camente separadas, as duas verdades pertencem-se mutuamente, No que respeita a0 modelo de racionalidade, é sabido, desde Bacon Descartes, que a ciéncia modema pretende conhecer 0 mundo nao para 0 contemplar mas para o dominar e transformar, e neste sentido a sua racionalidade € instrumentalista (Bacon, 1933: 110; Descartes, 1984: 49). No que respeita &s condigdes de producdo do conheci- mento cientifico, é hoje mais do que nunca claro que as pretensdes de verdade social da ciéncia so constitutivas do processo de produgio da cigncia e sobredeterminam, por isso, as pretensGes de verdade cientifica, a tal ponto que nao faz hoje sentido distinguir entre ciéncia puraeciéncia apticada —uma questo que sera adiante desenvolvida no capitulo sobre a sociologia da ciénci ‘Masa separaco ideol6gica das duas verdades da ciéncia tem uma eficécia especifica. Porque a patticipagao interna (constitutiva) da verdade social da ciéncia nao é epistemologicamente assumida, cla exerce-se sem qualquer controlo pablico, nio & submetida ao teste piiblico da critica dentro e fora da comunidade cientifica e, por isso, € facilmente apropriada por quem detém poder politico e social para a fazer valer a seu favor. Esta auséncia de controlo pablico numa 41 sociedade de classes — que, alids, se reproduz enquanto tal gragas a essa auséncia — € responsavel pela redugao da praxis & técnica, que caracteriza a crise de degenerescéncia do paradigma da ciénc moderna, A superagao desta crise.nao pode ter lugar dentro do paradigma, porque ela pressupde que a pertenga miitua da verdade cientificae da verdade social da cigncia sejam explicitamente assumidas. O con- ceito pragmatista da verdade da ciéncia, o caminho dificil das Consequéncias para as causas, aponta nesse sentido. Parafraseando William James, podemos dizer que a fungao global da epistemologia pragmética consiste em saber «que diferenga faz, para ti ou para mim, em instantes precisos da nossa vida, se esta formula-mundo ou aquela {formula-mundo € verdadeira> (1969: 45). A ciéncia é uma incansével criadora de formulas-mundo (e nao apenas daquela em que a ciéncia modema se «especializou»), Para escolher entre elas no podemos deixar de pensar na reflexio de Ostwald, que James cita com apro- vaco: «Todas as realidades influenciam a nossa pritica, ¢ essa influéncia 60 significado delas parands» (1969: 44). Esta valorizagao global da nossa praxis toma possivel que a técnica — que, como jf referi, é um instrumento indispensavel na construgao da sociedade comunicativa — se converta numa dimensao da pritica e ndo, a0 con- twario, como hoje sucede, que a pritica se converta numa dimensao da técnica, 0 terceiro e Ultimo topos que orienta a dupla ruptura epis- temol6gica é que € necessério encontrar um novo equilbrio entre adaptagio e criatividade. Nao é hoje surpresa para ninguém que 0 conforto que a sociedade de consumo nos proporcionou (a todos os que tém uma procura solvente, pois s6 essa conta) tem um prego. invistvel (para além do que esté colado &s mercadorias): a nossa rentineia a liberdade de agir, ao fruir com autonomia. A produgao técnica da natureza € do meio ambiente bem como as tecnologias sociais que se foram acumulando para conformar, a niveis cada vez ‘mais fundos, 0 nosso quotidiano, criam dependéncias miiltiplas para © individuo ou o grupo que tornam dificil a conquista ea preservagao 48 dda identidade pessoal ou social. Dat o privilégio socialmente dado a0 poder adaptativo do homem em detrimento do seu poder criativo. Constitufram-se ciéncias, desenvolveram-se tecnologias, criaram-se instituigdes para ensinar 0 homem a exercitar 0 seu poder adaptativo (da psicologia ¢ da sociologia & psicandlise; das teorias da escolha racional as teorias da dissonancia cognitiva; dos hospitais psiquidtri- cos e do Bstado- Providéncia as universidades). Enquanto a formagao das preferéncias adaptativas se transformou num objecto de investi- gagJo importante (Elster 1985b: 109 e ss) a criatividade continua, como ja em Popper, a palmithar a lama da irracionalidade. E necessério, pois, encontrar um novo equilfbrio entre adaptagz0 € criatividade, € isso s6 serd possivel no contexto de uma praxis globalmente entendida ¢ servida por uma compreensio da ciéncia que, por privilegiar as consequéncias, obrigue © homem a reflectir sobre os custos e os beneficios entre o que pode fazer eo que the pode ser feito. Uma pritica assim entendida saber dar a técnica o que & da técnica e & liberdade 0 que ¢ da liberdade ‘A hermenéutica da epistemologia é 0 modo mais adequado de propiciar a transigo para uma epistemologia pragmética. E uma hermeneutica critica e sociolégica porque privilegia, por contrapeso, a reflexdo sobre a verdade social da ciéncia moderna como meio de questionar um conceito de verdade cientifica demasiado estreito, obcecado pela sua organizagdo metédica e pela sua certeza, e pouco ou nada sensivel a desorganizagao e incerteza porele provocadas na sociedade e nos individuos. E com este othar que se deve analisar a seguir a metodologia das ciéncias sociais. 49

Вам также может понравиться