Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Humberto R. Maturana
e Francisco J. Varela
Tradução
Humberto Mariotti e Lia Diskin
Biblioteca Particular
•
T
,.
Titulo origin;!l: EI drbol dei çOllOçiml'e1lto
Copyright O 1 984 by B ehnçke, M;!tur;ln;!,Y;ueb Sumário
2 004
Outro olhar, o ponto de panida desta obra é surpreendente-
outra visão mente simples: a vida é um processo de conheci-
mento; assim, se o objetivo é compreendê-la, é
necessário entender como os seres vivos conhe-
cem o mundo. Eis o que Humberto Maturana e
Francisco Varela chamam de biologia da cognição.
O modo como se dá o conhecimento é um
dos assuntos que há séculos instiga a curiosidade
humana. Desde o Renascimento, o conhecimen-
to em suas diversas formas tem sido visto como a
representação fiel de uma realicL1deindependen~
te do conhecedor. Ou seja, as produções artbti-
cas e os saberes não eram considerados constru-
ções da mente humana. Com alguns intervalos
de contestação (como aconteceu logo no início
do século 2 0, por exemplo), a idéia de que o
I
mundo é pré-dado em relação à experiência hu-
mana é hoje predominante - e L<;sotalvez mais
por mmivos filosóficos, políticos e econômicos
• do que propriamente por causa de descobertas
científicas de laboratório.
Segundo essa teoria, nosso cérebro recebe
passivamente informações vindas já prontas de
fOíd. Num dos modelos teóricos mais conheci-
dos, o conhecimento é apresentado como o re+
sultado do processamento (computação) de tais
8 A ARVORE DO COl'HECIMENTO PREFÁCIO 9
no mundo e por isso fazemos parte dele; vive- modo interativo, o que nos revela como as coisas
mos com os outros seres vivos, e portanto com- se determin:lm e se constróem umas às outras.
partilhamos com eles o processo vital. Construí- Por serem assim, a cad:l momento elas nos sur-
mos o mundo em que vivemos durante as nossas preendem, revelando-nos que aquilo que pensá-
vidas. Por sua vez, ele também nos constrói ao vamos ser repetição sempre foi diferença, e o
longo dessa viagem comum. Assim, se vivemos e que julgâvdmos ser monotonia nunca deixou de
nos comportamos de um modo que [orna insatis- ser criatividade.
f:Hória a nossa qualidade de vida, a responsabili- Tomemos ainda outra metáfora: não são só os
dade cabe a nós. timoneiros que dirigem os navios. O meio am-
Ao contrário das tentativas anteriores de con- biente também pilota as embarcações, por meio
testar pura e simplesmente o representacionismo, das correntes marítimas, dos ventos, dos aciden-
as idéias de J\Iaturana e Varela têm nuanças que tes de percurso, das tempestades e assim por dian-
lhes proporcionam uma leveza e uma perspicá- te. Dessa forma os pilotos guiam, mas também
cia que constituem a essência de sua originalida- são guiados. Não há velejador experiente que
de. Para eles, o mundo não é anterior à nossa não saiba disso. Portanto, pode-se dizer que cons-
experiência. Nossa trajetória de vida nos faz cons- truímos o mundo e, ao mesmo tempo, somos
truir nosso conhecimento do mundo - mas este constmídos por ele. Como em todo esse proces-
também constrói seu próprio conhecimento a so emram sempre as outras pessoas e os demais
nosso respeito. Mesmo que de imediato nao o seres vivos, tal construção é necessariamente
percebamos, somos sempre influenciados e mo- compartilluda.
dificados pelo que vemos e sentimos. Quando Para mentes condicionadas como as n05..<;asnão
damos um passeio pela praia, por exemplo, ao é nada fácil aceitar esse ponto de vista, porque
fim do trajeto estaremos diferentes do que está- ele nos obriga a sair do conforto e da passividade
vamos antes. Por sua vez, a praia também nos de receber informações vindas de um mundo já
percebe. Estará diferente depois da nossa passa- pronto e acabado - t:ll como um produto recém-
gem: terá registrado nossas pegadas na areia - sarda de uma linha de montagcm industrial e ofe-
ou terá de lidar [ambém com o lixo com o qual recido ao consumo. Pelo contrário, a idéia de
porventura a tenhamns poluído. que () mundo é construído por nós, num proces-
Do mesmo modo, as águas de um rio vão abrin- so incessante e intcrativo, é um convite à partici-
do o seu trajeto por entre os acidentes e as irre- pação ativa nessa construção. Mais ainda, é um
gularidades do terreno. Mas estes também aju- convite à assunção das responsabilidades que ela
dam a moldar o itinerário, pois nem a correnteza implica. Não se trata, porém, de uma escolha re-
nem a geografia das margens determinam isola- tórica, e sim do cumprimento de determina-
damente o curso fluvial: ele se estrutura de um ções que derivam da nossa própria condição de
12 A ÁRVORE DO CO~Hf.CIMENTO PREFÁCIO 13
viventes. Matur:ln~ e Varela mostram que a idéia com o ambiente, no qual, é claro, est;1O os
de que o mundo não é pré-dado, e que o cons- demais seres vivos. Em me'..ldos dos anos 60, Varela
truímos ao longo de nossa inreraç.lo com ele. não tornou-se aluno de Maturana. A seguir, já tam-
é apenas teórica: apója~se em evidências concre- bém professor, continuou a trabalhar com ele na
tas. Várias delas estão expostas - com a freqüen- Universidade do Chile. Juntos escreveram um
te utilização de exemplos e relatos de experimen- primeiro livro: De Máquinas y Seres Vivos: Una
tos - nas páginas deste livro.
Teona de la Orgemizacíón Biológica.3 Tempos
Em suma: se a vida é um processo de conhe- depois, a instauração do regime militar no país, a
cimento, os seres vivos constróem esse conheci-
partir de 1973, fez com que os dois autores fos-
mento não a partir de uma atitude passiva e sim
sem para o exterior, onde continuaram a traba-.
pela interação. Aprendem vivendo e vivem apren-
lhar separadamente.
dendo. Essa posiçào, como já vimos, é estranha a
Em 1980, de volta ao Chile, retomaram a cola-
quase tudo o que nos chega por meio da educa-
borJ.çào. Por essa época, a organização dos Esta-
ção formal.
dos Americanos COEM buscava novas formas de
abordar a comunicação entre as pessoas e o modo
como ocorre o conhecimento. Por intermédio de
As teorias de Matur.ma e Varela constituem uma Um pouco de
Rolf Dehncke, também chileno e ligado a essa
concepção original e desafiadora, cujas conse- história
qüências éticas agora começam a ser percebidas instituiçào, Maturana e Varela come(,-'amm a ex-
com crescente nitidez. Nos últimos anos, por por CÁ" resultados de suas pesquisas em uma série
exemplo, tal compreensão vem se ampliando de de palestras, assistidas por pessoas de fonnação
modo significativo e cem influenciado muitas áreas heterogênea. A transcrição e edição dessas apre~
do pensamento e atividade humanos. A Arvore sentações resultou num livro, publicado em 1985
do Conhecimento tornou-se um clá.ssico, ou me- em edição não-comercial para a OEA. Essa obr.l
lhor, recebeu o justo reconhecimento de seu clas- constitui, com algumas modificações, o que é hoje
sicismo inato. Por i& <;o,é importante contar aqui A Án'Ore do COrl!Jecimento. Desde a sua primeira
as linhas gcmis de sua história. 2 edi~'ào destinada ao público - em 1987 -, ela ja-
Tudo começou na década de 1960, quando mais deixou de despertar atenção, gerando co-
Maturana, professor da Universidade do Chile, mentirias, resenhas, análises, pesquisas, outros
intuiu que a abordagem convencional da biolo- livros. Tudo isso compõe hoje uma ampla biblio-
gia - que basicamente estuda os seres vivos a gmfia, espalhada por áre'J.s tão diversas como a
partir de seus processos internos - podia ser biologia, a :ldministração de empresas, a filoso-
fertilizada por outro modo de ver. Tal aborda- fia, as ciências sociais, a educação, as neurociên-
gem os concebe em termos de suas inter..lções cias e a imunologia.
14 A ÁRVORE DO COSHECI."IE~TO PREfACIO 15
o centro da argumentaçào de Maturana e Varela Desdobramentos obras - uma contribuiç~o relevante à compreen-
é consticuício por duas vertentes. A primeira, como são d3quilo que talvez seja o maior problema
vimos, sustenta que o conhecimento oio se limi- epistemológico de nossa cultura: a extrema difi-
1:.1 ao processamento de informações oriundas de culdade que temm de lidar Com tudo aquilo que
um mundo anterior à experiência do observador, é subjetivo e qualitativo.
o qual se apropria dele para fragmentá-lo e Mas temos outr3 Iimimção. Para nól'i, oito é
explorá-lo. A segunda gr.mde linha afirma que fácil aceitar que o subjetivo e o qU31itativomio se
os seres vivos são autônomos, isto é, autoprodu- propõem a ser superiores ao objetivo e ao quan-
lores - capazes de produzir seus próprios com- titativo; e que não pretendem del'icartá-Ios e subs-
ponentes ao interagir com o meio: vivem no co- titui-los, mas sim manter com eles um;), relação
nhecimento e conhecem no viver. complementar. Não entendemos que todas essas
A autonomb. dm seres vivos é uma a\terna[jva instâncias são necessárias, e que é essenci;),l que
à posição representacionista. Por serem autôno- entre elas haja um relacionamento trans:l.cional,
mos, eles não podem se limitar a receber passi- uma circularidade produtiva. Tal situaçào tem
vamente informações e comandos vindos de fora. produzido, como foi dito, conseqüências éticas
Nãa ~funcionam" unicamente segundo instruções import;),ntes. Parece incrível, mas muitas pessoas
externas. Conclui-se, entào, que se os conside- (inclusive cientistas e filósofos) imaginam que o
rarmos isoladamente eles são autônomos. Mas se trabalho científico deve afastar de suas preocupa-
os virmos em seu relacionamento com o meio. ções a subjetividade e a dimensão qualitativa -
torna-se claro que dependem de recursos exter- como se a ciência não fosse um trabalho feito
nos para viver. Desse modo, autonomia e depen- por seres humanos. Maturana e Varela mostram,
dência deixam de ser opostos inconciliáveis: uma com abundância de exemplos e constatações, que
complementa a outra. Uma constrói a outra e por a subjetividade (tanto quanto a objetividade), e a
ela é construída, numa dinâmica circular. qualidade (tanto quanto a quantidade), são na
f\.Ias o que fazer para que o ser humano se verdade indispensáveis ao conhecimento e, por-
veja t.'1mbémcomo parte do mundo natural? Para tanto, à ciência.
tanto, é preciso que ele observe a si mesmo en-
quanto observa o mundo. Esse passo é funda-
mental, pois permite compreender que entre o Hoje, Ol'idois autores seguem caminhos diferen~
observador e o observado (entre o ser humano e teso No entanto, a diversidade de suas linhas de
o mundo) não há hierarquia nem separação, mas trJ.balho atuais não elimina um tr.Iço básico do
sim cooperatividade na circularidade. Na verrla- ideário original: o que sustenta que os seres vi-
de, Maturana e Varela dão - não apenas com este vos e o mundo estão interligados, de modo que
livro, mal'i com o conjunto de suas respectiv31'i não podem ser compreendidos em l'ieparado.
PREFACIO 17
16 A ÁRVORE DO CO:-<HECIMENTO
Outro pomo de convergência é o que diz que, se a ciência (o universo da objetividade) da expe-
o conhecimento 03 0 é passivo - e sim construído riência humana (o domínio da subjetividade).
Há anos que a Associaçào Palas Athena, por
pelo ser vivo em suas interações com o mundo -,
a postura de só levar em conta o que é observa- meio de sua Editora, pretende lançar uma tradu-
do deb::a de ter sentido. A transacionalidade eo- ção d'A Án'Oredo Conhecimento. Esse desejo sem-
tre o observador e aquilo que ele observa, além pre traduziu a certeza não apenas da importância
de mostrar que um não é separado do outro, tor- da obra, m:IS também da afinidade entre as idéias
na indispensável a consideração da subjetividade dos cientistas chilenos e os princípios da Asso-
do primeiro, isto é, a compreensão de como ele cia~:io. Eis por que agora a concretização do proje-
to ê para todos nós um acontecimento da maior
cxperiencia o que observ,!.
[vtaturana permanece no Chile, de onde sai importância, que queremos compartilhar.
periodiC'dmente pam cursos, conferências e se-
Humberto l\Iariotti
minários em vários países do mundo, inclusive o
B rasil. Aprofunda seu pensamento sobre a biolo-
gia do conhecímcnto e a respeito de sua concep-
ção de alrericlade, que chama de biologia do amor.
A transacionalidade da biologia do conhecimen-
to com a biologia do amor compõe a base do
P.s. Este livro já estava traduzido e seu texto pre-
que ele denomina de J\fatriz B iológica da Exis-
tência Humana, parJdo quando recebemos a notícia do falecimen-
Varela trabalha em Paris, onde desenvolve duas to de Francisco Varela. É com pesar que registra-
linhas complementares de pesquisa. A primeira mos essa imensa perda. Que esta tradução se in~
consta de estudos experimentais sobre a integra- corpore às muitas homenagens que a sua memó-
ção ncuronal durante os processos cognitivos, A ria merece e certamente receberá. A elas soma-
mos tamhém a nossa gratidão, pelo privilégio de
outra consiste em investigações sobre a consciên-
cia humana Tais pesquisas proporcionam contri- ter convivido com seus ensinamentos e de poder
buições à sua escola de estudos cognitivos - a continuar aprendendo com eles.
ciência cognitiva enativa (teoria da atuação). Em
linhas gerais, essa teoria sustenta que é preciso
levar em conta não apenas a objetividade, mas
também a subjetividade do obselvador, que ha-
via sido preterida pelos modelos teóricos repre- É médico, psjcoter~pt'llta (' coordenador do Grupo de Estudos
sentacionistas de ciência cognitiva. Ou seja, pre- de Compte,~idade e Pt:llS<lmento Sisto"míco da As.<;oçiaçào Palas
tende lançar uma ponte sobre o fosso que separa Atlwna, em Sào Paulo. E.mail- hOIll<lrinl@uo1.cotil.br
- - .__._-~--~
REFERENClAS
I
r
10 ,
2 •
conhecer o conhecer
I-=r
organi~ação
unidade -,---,
estrutura
I LautoPoieseJ
ética
fenome1nOlOgia ---h
biológica
I
domínios linguístieos
fenômenos históricos
. 1 Essa representação tão pouco tradicional da
linguagem con5e~ação _ vJriação
I
1 _I coroação com espinhos piot;:\a cena quase em
conscil1mcia reflexiva reproduçao plano único, com grandes cabeças e, mais do que
retratar um incidente da Paix3.o,aponta para um
sentido universal do demoníaco em contraste com
o reino dos céus. No centro, Cristo expressa uma
8 4 imensa paciência e aceitação. Entretanto, seus
rgI ==--n
perturbações
fenõ~eniCUI~r~is tantas outras composições da época e do próprio
fenomenos SOCiaiS raCOPla~ento
estrutural ont en:J" Uosch, com figuras extr.. Herreoas que o agridem
unidades ~e terceira
ordem
I unidadJs de segunda ordem diretamente, puxando seus cabelos, ferindo a sua
1 .
clausura operacional carne. Os verdugos do Cristo aparecem com qua-
tro tipos humanos que, na mente medieval, re-
presentavam uma visão total da humanidade. Cada
7 5 um desses tipos é como que uma grande tenta-
atos cognitivos
- 1 . I
r filogenia çJo para a amplitude e a paciência da expressão
corre Iaçoes Internas ~
1
6 deriva história de
de Cristo. São quatro estilos de alienação e perda
natural interações da equanimidade interior.
ampliação do comportamento _ sistema
domínio de interações Há muito o que contemplar e refletir sobre
L J nervoso conselação selJçào
da adaptação-estrutural
essas quatro temaçôes. Para nós, porém, no início
plasticidade
i. I
+
aquilo que nos parece certo. Essa é nossa situa-
ção cotidiana, nossa condição cultural, nosso
modo habitual de ser humanos.
Pois bem, todo este livro pode ser visto como
um convite à suspensào de nosso hábito de cair
na tentação da certeza. Isso é duplamente neces-
sário. Por um lado, porque se o leitor não sus-
pender suas certezas, não poderemos comunicar
aqui nada que fique incorpor.ldo à sua experiên-
cia como uma compreensão efetiva do fenôme-
no do conhecimento. Por outra parte, porque
aquilo que este livro precisamente irá mostrar, ao
estud:.l.rde perto o fenômeno do conhecimento e
nossas ações dele surgidas, é que toda experiên-
cia cognitiva inclui aquele que conhece de um
modo pessoal, enraizado em sua estrutura bioló-
gica, motivo pelo qual toda experiência de certe-
za é um fenômeno individual cego em relação ao
ato cognitivo do outro, numa solid.."'loque (como
veremos) só é transcendida no mundo que cria-
mos junto com ele.
Portanto, em vez de falar sobre como a apa- zona da retina de onde .sai o nervo óptico, que
rente solidez de nosso mundo experiendal se portanto não tem sensibilidade 3. luz. É o chama-
torna rJ.pidamente suspeita quando o observ:J.- do ponto cego. Entretanto, o que muito raramen-
mos de perto, iremos demonstrar esse fato por te se destaca quando se chí essa explicação é: por
meio de duas situações simples. Ambas corres- que n:l0 andamos pelo mundo com um buraco
pondem ao âmbito de nossa experiência visual desses o tempo todo? Nossa experiência visual
cotidiana. corresponcle a um espaço contínuo e, a menos
Primeira situação: cubra seu olho esquerdo e que façamos essas engenhosas manipulações, não
olhe fixamente para a CnlZ desenhada na página percebemos que de fato há uma descontinuidade
2 3, mantendo-a a uma dist5.nda de cerca de qua- que deveria aparecer. Nesse experimento do pon-
renta centímetros. Você observará então que o to cego, o bscimnte é que não vemos que não
ponto negro da figura, de tamanho nada despre- vemos.
zível, desaparece de repente! Experimente girar Segunda situação: tome dois focos de luz e
um pouco a página ou abrir o outro olho. É tam- disponha-os como na Fig. 4 (isso pode ser feito
bém interessante copiar o mesmo desenho em simplesmente com um cilindro de cartolina, do
outra folha de papel e aumentar gradualmente o tamanho de uma pequena lâmpada potente,
ponto negro, até ver qual é o tamanho máximo e usando um papel celof:lOe vermelho como
necessário p:ua o seu desaparecimento. Em se- filtro). A seguir, interponha um objeto - sua
guida, gire a página, de modo que o ponto B mão, por exemplo - e olhe para as sombras
ocupe o lugar que antes ocupava A, e repita a projet;!das sobre a parede. Um;! delas pareced
obsen..-ação. O que aconteceu com a linha que azul-esverdeada! O leitor pode experimentar di-
cruza o ponto? ferentes papéis tr.lnsparentes de cores diversas
•
Com efeito, essa mesma situação pode ser ob- diante das lâmpadas, bem como diferentes inten-
servada sem nenhum desenho em papel: basta sidades de luz.
substituir a cruz e o ponto pelos polegares. O
dedo aparece como que sem sua última falange " '."
-. Aqui, a situação e tao surpreendente quanto
no caso do ponto cego. De onde vem a cor azul-
(experimente!). Por fabr nisso, foi assim que essa esverdeada, quando o que se espera é a branca,
observação se tornou popular: Marriot, um cien- Fig. J Os dois círculos desu 1
a vermelha ou mistur.l.sdas duas (rosado)? Estamos
tista da corte de um dos Luíses, mostrou ao rei, págin<l fOl":lm impressos COln ' acostumados a pensar que a cor é uma qualidade
<Imesma tinta, No enlanto, o dos objetos e da luz que deles se reflete. Assim,
mediante esse procedimento, como ficariam seus
de baixo parcçe rosado, por
súditos sem cabeça antes de decapit •.i-los. causa de st'1I entorno verde., se vejo verde deve ser porque uma luz verde
A explicação normalmente aceita para esse fe- MOr.l1 da histâria: a cor IlJO é' chega até meus olhos, ou seja, uma luz com um
uma propriedade tbs coisas,
nômeno c que, nessa posição específica, a ima- d:l é insepar:'ive1 de como es--
certo comprimento de onda. Agora, se usarmos
gem do ponto (ou do dedo, ou do süclito) cai na L"lJIlOS estruturada> p<lrJ vê-Ia. um aparelho para medir a composição da luz
26 A ÁRVORE DO CONHECIMENTO CONHECER. O CONHECER 27
nessa situaçào, descobriremos que oao há ne- explicação de como vemos as cores não é sim-
nhum predomínio de comprimentos de onda cha- ples e nio tentaremos fornecê-Ia com detalhes
mados verdes ou azuis na :-ombra que vemos aqui. Contudo, o essencial é que para entender o
como azul-esverdeada, e sim apenas a distribui- fenômeno devemos deixar de pensar que a cor
ção própria da luz bmnc:l. No entanto, a expe- dos objetos que vemos é determinada pelas ca-
riência de azul-esverdeado é, para cada um de racterísticas da luz que nos chega a partir deles.
nós, ineg:ível. Em vez disso, precisamos nos concentr..lr em com-
Esse belo fenômeno das chamadas sombras preender como a experiência de uma cor corres-
coloridas foi descrito pela primeira vez por Ono ponde a uma configuração específica de estados
voo Guericke em 1672 , quando ele nalOU que de atividade no sistema nervoso, determinados
seu dedo se tornava azul na sombra entre uma por sua estrutura. Com efeito, embor..l não o fa-
vela e o sol nascente. Em geral, diante desse fe- \-<1mosneste momento, é possível demonstf3.r que,
nômeno Ce de outros semelhantes) as pessoas como tais estados de atividade neuronal (como a
dizem: USem, mas qual é reahnente a cor?". como visio do verde) podem ser desencadeados por
se os dados fornecidos pelos instrumentos de uma variedade de perturbações luminosas (como
medição de comprimento de onda fossem a últi- as que tornam possível ver as sombras colori-
ma resposta. Na verdade, esse experimento sim~ das), é possível correlacionar o nomear das cores
pies não nos revela uma situação isolada, que com estados de atividade neuranal, porém nio
possa (com se faz com freqüência) ser considera- com comprimentos de onda. Os estados de ativi-
da marginal ou ilusória. Nossa experiência de um dade neuranal deflagr.ldos por diferentes pertur-
mundo feito de objetos coloridos é literalmente bações estão determinados em cada pessoa por
independente da composição dos comprimentos sua estrutura individual, e não pelas car..lcterísti-
de onda da luz que vem de cada cena que obser- cas do agente perturbador.
vamos. Com efeito, se levo uma laranja de dentro O que foi dito é válido para todas as dimen-
de casa até o pátio, ela continua sendo da mesma sões da experiência visual (movimento, textur..l,
cor. No entanto, no interior da casa ela era ilumi- forma etc.), bem como para qualquer outra mo-
nada por, digamos,.uma luz tluorescente, que tem dalidade perceptiva. Poderíamós falar de situa-
uma gmode quantidade de comprimentos de onda ções similares, que nos revelam, de um só golpe,
chamados azuis (ou curtos), enquanto que no que aquilo que tomávamos como uma simples
sol predominam comprimentos de onda chama- capta<,--ãode algo (tal como espaço ou cor) tr.lZ a
dos vermelhos (ou longos). Não há m:.Ineir..ls de marca indelével de nossa própria estrutura. Por
estabelecer uma correspondência entre a tremen- enquanto, teremos de nos contentar somente com
da estabilidade das cores com as quais vemos os as observações e experiências acima, e confiar
objetos do mundo e a luz que deles provém. A em que o leitor de fato as tenha feito e que,
28
- A ÁRVORE DO CONHECIMENTO CONHECER o CONHECER
m
29
conhecer o conhecer 1
I experiência cotidiana
ética I
I
fenômeno do conhecer
I
explicação
científica
I observador
açã!
9 3
dominios linguisticos fenômenos históri<os
8 4
ri fenô~enoi cult~r~iS
fenomenj
I
perturbações
,acoplamento t
estrutural on j"'01 :
I'
500,1 1 5
4
unidades de terceira unidade~ de segunda orde:i
ordem
clausura olperadonal I
7 5
atos cognitivos r filogenia
- I _
corre ,açoes Internas 6 deriva história d
I natural ;nteraç"
ampliação do I I -,
I
comportamento - sistema
conservação seleção
L
domínio de interações
ne7050 da adaptação-estrutur.J
plasticidade contabilidjde lógica I I -
''''"'"'''l
determinação estrutufll
representação f
solipsismo
•
.'"
Nosso ponto de punida foi tomar consciência de
que todo conhecer é um fazer daquele que co-
nhece, ou seja, que todo conhecer depende da
estrutur.l daquele que conhece. Esse ponto de
"
partida fornece a pista 00 que será nosso itinerá-
rio conceitual ao longo destas páginas: como OCOT-
re esse fazer surgir o conhecer por meio do fa-
zer? Quais são as raízes e os mecanismos desse -,
modo de operar?
Diante de rais perguntas, o primeiro passo de
nosso percurso é o seguinte; o fato de que o
conhecer seja o fazer daquele que conhece está
-, ., .,"
enrdizado na própria maneira de seu ser vivo,
em .sua organização. Sustentamos que as bases
" "
biológicas do conhecer não podem sef enten-
viagem por alguns marcos da transformação ma-
didas somente por meio do exame do sistema
terial que tornamm possível o aparecimento dos
nervoso. Parece-nos necessário compreender
seres vivos.
como esses processos se enraízam na totalidade
Na figura 6, pode-se admirar a galáxia chama-
do ser vivo.
da M104, da constelaç:.l0 de Virgem, popularmente
Em conseqüência, neste capítulo discutiremos
conhecida como galáxia-chapéu. Além de sua
alguns aspectos ligados à organização do ser vivo.
beleza, ela tem para nós um interes,se especial:
Notemos que essa discussão não é um adorno
nossa própria galáxia, a Via Láctea, nos pareceria
biológico, nem uma espécie de recheio academi-
ter uma forma muito semelhante, se pudéssemos
camente neces..<;áriopara os que não têm forma-
vê-la de longe. Como não podemos, devemos
ção em biologia. Neste livro, ela é uma peça fun-
nos contentar com um diagrama como o da figu-
damental para a compreensão do fenômeno do
conhecimento em toda a sua dimensão.
,.1 7, que inclui algumas dimensi)cs do espaço
estelar e das estrelas. Elas fazem com que nos
simamos humildes, quando as comparamos com
Breve história as nossas. As unidades da escala estão em quilo-
Para dar os primeiros passos no que se refere
da Terra parsecs, e cada um deles equivale a 3.2 60 anos-
à compreensão da organização do ser vivo,
luz. Dentro da Via Láctea, nosso sistema solar
veremoS primeiro como sua materialidade po-
ocupa uma posição bem mais periférica, está a
de servir-nos corno guia para o entendimento de
cerca de 8 quiloparsecs do centro.
qual é sua chave fundamental. Façamos uma
•
A ÁRVORE DO CONHECIMENTO 43
42
Nosso Sol é uma entre vários milhões de ou- Fig. 8. Esquenl:l d~ s("(jüênd2 em reações termoouc1eares, ao longo de um tem-
Je tr:lnsformaçôes de UllU
po de cerca de S bilhôes de anos. Quando uma
tras estrelas que compô em essas estruturas eSlreb d••",le :l su~ furmaçào.
multifacetadas que S;lO as galáxias. Como surgi- fração do hidrogênio condensado é consumida.
ram as estrelas? Uma proposta de reconstrução a seqüência principal termina num processo de
para essa história é a que se segue. tr.msformações mais dramáticas. Primeiro, a es-
O espaço interestelar contém enormes quanti- trela se transforma num gig:lnle vermelho, em
dades de hidrogênio. Turbulências nessas mas- seguida numa estrela pulsante e. finalmente, numa
sas gasosas produzem verdadeiros bolsões de supernova, quando emão explode num verda-
gases em alta densidade, que esr..'ioilustrados na deiro espirro cósmico, no qual se formam os ele-
primeira etapa d3 Fig. 8. Nesse estado, algo mui- mentos pesados. O que resta de matéria no cen~
to interessante começa a acontecer: produz-se um tro da estrela entra em co\:Ipso e se torna uma
equilíbrio entre a tendênci:.l à coesão pela gmvi- estrela menor, de densidade muito alta, chamada
(bde e a propensão à irradiação, fmIO de reações de ~anà branca",
termonuclcares no interior da estreb em form:.l- Nosso Sol está num ponto mais ou menos in-
ção. Essa irradiaçào, visível do exterior, permite- termediário de sua seqüência principal, e espera-
nos perceher as estrelas tal como as vemos no se que continue irradiando durante pelo menos
céu, mesmo a grandes distâncias. três bilhôes de anos antes de se consumir. Pois
Quando os dois processos se equilibram, a es- bem: em muitos casos. durante essa transforma-
treLi entrJ no que se chama ~seqüência princi- çào, uma estrela agmpa ao seu redor um halo de
pal" (Fig. 8), ou seja, em seu curso de vida como matéria que capta do espaço interesre1ar. Esse halo
estrela individual. Durante esse período, a maté- gira em torno dela, mas depende energeticamente
ria que se condensou é gr.ldualmente consumida do curso de transformações da estrela. A Terra e
--
44 A ÁIl.VORE DO CO:-<HECIMENTO A ORGA.'HZAÇÃO DO SER VIVO 45
outros planetas de nosso sistema planetário silo Fíg. 9. Comparação em esclla de modelos
mok'CUIart'sda :igua (na parte Sllpt:rior); um
desse tipo, e devem ter sido captados como re- aminoácido (lisina) no meio; e uma pWleina
manescentes da explosão de uma supernova, a ,(a enzima ribonude:tse) na parte inferior.
julgar por sua riqueza de átomos muito pesados.
Segundo os geofísicos, a Terr.l ,tem pelo menos
cinco bilhões de anos e uma história de inces-
sante transformação. Se a tivéssemos visitado há
quatro bilhões de anos e passeado por sua S tl~
perfície, teríamos encontrado uma aunosfera COI1..<;-
[jtuída por gases como merano, amônia, hidrogê-
nio e hélio. Com certeza, uma atmosfera muito
difereme da que conhecemos hoje. Distinta, eo-
tre outras coisas, por estar constantemente sub-
metida a um bombardeio energético de radiações
ultra violetas, raios gama, descargas elétricas, im-
pactos meteóricos e explosões vulcânicas. Todos
esses aportes de energia produziram (e continuam
produzindo), na Terra primitiva e em sua atmos-
fera, uma contínua diversificação das espécies
moleculares. No começo da história da estrela
havia, fundamentalmente, homogeneidade mo-
lecular. Depois da formação dos planetas, um
contínuo processo de transformação química pro-
duziu uma grande diversidade de espécies mole-
culares, tanto na atmosfera quanto na superfície
da crosta terrestre.
No entanto, dentro dessa complexa e contí-
nua história de transformações moleculares, para
nós é particubrmente interessante { ) momento
em que se acumulam e se diversificam as molé-
culas formadas por cadeias de carbono, ou mo-
léculas orgânicas. Dado que os átomos de Gl.f-
hono podem formar, sozinhos e com a participa-
ção de muitas outras espécies de átomo, uma
46 A ARVORE DO CO:..,.IlECL\IENTO
"A OItGA1'<IZAÇAo DO SER VIVO 47
I
os primeiros seres vivos fósseis, na verdade como
mitiva veria a contínua produção abiogênica (sem
fósseis de seres vivos que ainda hoje existem: as
a participaçào de seres vivos) de moléculas org~l~
bactérias e as algas.
oicas, tanto na atmosfera quanto em mares agita- •
dos, como verdadeiras Sopas de reações mole- ,--
culares. A Fig. 9 mostra UIll pouco dessa diversi-
~.
dade. Nela se vê uma molécula de água, que tem Distinções
apenas formas muito limitadas de associação, em
. ~ O ato de designar qualquer ente, objt'to, coisa ou
comparação com algumas moléculas orgânicas. unidade, est;í ligado à realização de um ato de dis-
tinção que separJ o designado e o distingue de um
fundo. Cada vez que fazemos referência a algo. im-
plícita ou explicilamente, eS!;lITIOS
espccifiamdo um
Quando, nos mares da Terra primitiva, as trans- o aparecimento critério de distinção que assinala aquilo de que fala-
o," mos e especifka suas propriedades como ente, uni-
formações moleculares chegaram a esse ponto, dos seres vivos dade ou objeto.
chegou-se também à situaçào na qual era possí- Essa é uma situação totalmente cotidiana e não
vel a formação de sistemas de reaçoes molecula- única, na qual estamos submer= de modo neces-
res de um tipo peculiar. Isto é: devido à diversifi- sário e pcmlanente_
d
, I
I,
48
A ÁRVORE DO CO""HECl.~I.ENTO 49
I
ria da biologia, foram propostos muitos critérios
ganização. Ê essa a idéia que determinará se
e todos eles apresentam dificuldades. Por exem-
aceitaremos ou não a resposta que nos for pro-
plo, alguns propuseram que o critério fosse a com-
posta. Para evitar que tal idéia implícita seja uma
posição química. Ou a capacidade de movimen- I armadilha que nos ofusque, devemos estar
to. Ou, ainda, a reprodução. Ou, por fim, alguma
conscientes dela ao considerarmos a resposta
combin;lçào desses critérios, ou seja, uma lista de
seguinte.
A ÁRVORE DO CONHECIMENTO A ORG!\."JluÇÁa DO SER VIVO 51
50
Fig.ll. o experimento de
o que é a organização de algo? É alguma coi- ~. Millercomo met:ifora dos even.
sa ao mesmo tempo muito simples e potencial+ 105da atm05ferd primitiva.
Quando falamos dos seres vivos, já est3mos essa membr;loa não apenas limita a extensio da
supondo que há algo em comum entre ele:;, do rede de tr.:msformaçõe:.; que produz seus compo-
contrário 0:10 os colocaríamos na mesma classe nentes, como também participa dela. Se não hou-
que designamos com o termo "vivo". O que não vesse essa arquitetura espacial, o metabolismo
está dito. porém, é qual é a organização que m celular se desintegraria numa sopa molecular, que
define como classe, Nossa proposta é que os se- se espalharia por toda parte e não constituiria
res vivos se caracterizam por -literalmente - pro- uma unidade separada como a célula.
duzirem de modo contínuo a si próprios, o que O que temos então é uma situação muito cs-
indicamos quando chamamos a organização que peci3.I, no que se refere às rebções de transfor-
os define de organizaçâo autopoiética. Funda- mação química: por um lado, é possível perceber
mentalmente, essa organização é proporcionaeb
por cert;:lSrelaçôes que passamos agora a deta-
lhar e que perceberemos mais facilmente no pla-
A origem das moléculas orgânicas
no celular.
Em primeiro lugar, os componentes molecula- úando se discute a origem das molé. surpreenderia com o resultado se não
r ias orgilnicas, que são comparáveis às tivesse acesso 1 1totalid<lded::!seqüência
res de uma unidade autopoié[Íca celular devedo
gue' se encontram nos seres vivos (como histórica.
estar dinamicamente relacionados numa rede con- "$ bases nucleotídicas, os ;Iminoácidos ou Uma das evidências mais clássicas de
tínua de interações. Atualmente se conhecem Jis ,cadeias protéicas), tende-se com fre- que não há descOntinuidade nessa trans-
qüência a pensar que a possibilidade de fonnação por etapas foi prOJX>Cionada por
muitas transformações químicas concretas dessa um experimento realiZ<ldopor MilIer,em
~qiie elas se tenham produzido espanta-
rede e o bioquímica as chama, coletivamente, de -eamenle é demasiado pequena, e que é 1 953, como se vê na Fig. 1 1 . A idéia de
metabolismo celular. reeiS<)que haja alguma diretivid::!deno Míller foi simples, colocar dentro de um
~rocesso_ Segundo a reconstruS:àoque es- frasco de laboratório um;! ;!tmosfera que
Pois bem: o que é peculiar a essa dinâmica :~mos, não se trata disso. Cad::!uma d::!s imitasse a primitiva, tanto em composição
celular, em comparação com qualquer outro con- i:iapas descritas surge, inevitavelmente, quanto em radiaçõcs energéticas. Ele a pôs
junto de transformaçôes moleculares nos proces- ""fômo conseqüência da ;mterior.• "'lesmo em prátiGl, fazendo com que uma descar-
1 :i6jeem dia, se tomamos uma imitação da ga elétrica atravessasse uma mescla de
sos naturais? É muito inleressantc: esse metabo- tinosfera primitiV<le produzimos a agita- amoní:tco, metano, hidrogênio e vapor
lismo celular produz componentes e todos eles São energética adequada, produzem-se d'água. Os resultados das transformações
'moléculas org5.nicas de complexidade mokcubres podem ser obtidos por meio
integram a rede de transformaçôes que os pro-
.tomparávd à dos seres vivos atuais. Do rb redrculação d::!águ:te análise (1 .1 s ubs-
duzem. Alguns formam uma fronteira, um limi- 'p:esmo modo, se concentrarmos sllfieien- tâncias ali dissolvidas. Pam surpresa de
te para essa rede de transformaçôes. F.mtermos .. ~ementeuma m<lssagasosa de hidrogênio, toda a comunitbde científica, MiIlerobte-
. prodUZt'm-se em St'll interior rt'ações ve uma produção ahund:tnte de molécu-
morfológicos, podemos considerar a estrutura que las como as tipic:tmente enconlmd:ts nos
"lermonucleares, que dào origem a novos
possibilita essa divageOl no espaço como uma . 'elementos atômicos que <lntes não eSla- organismos celulares aluais, tais como 05
memhrana. No entanto, essa fronteira membra- :vam presentes, A história que estamos es- aminokidos alanina e ácido aspártico e
Ixx-andoé o relato de seqüências que ocor- outms molé<.:ulasorgânicas, como a uréia
nosa não é um produto do metabolismo celular rem de modo inevitável, e alguém só se e o ácido suc;cínico.
tal como o tecido é o produto de um tear, porque
54 55
uma rede de transformações dinâmicas, que pro- O reconhecimento de que aquilo que caracte-
duz seus próprios componentes c é a condiç:1 o riza os scres vivos é sua organização auropoiética,
de possibilidade de uma fronteira; de outra parte permite relacionar uma grande quantidade de
vemos uma fronteira, que é a condição de possi- dados empíricos a respeito do funcionamento
bilidade para a operação da rede de transforma- celular e sua bioquímica. A noção de autopoiese,
ções que a produziu como uma unidade: portanto, não está em contradiç:1 o com essc cor-
po de dados. Ao contrário, apóia-se neles e se
I ~. propôc. explicitamente, 3. interpretar esses dados
Dinâmica Fromeira
a partir de um ponto de vista específico, que des-
(metabolismo) (membr.lna)
t I
taca o fato de que os seres vivos são unidades
autônomas.
É importante notar que não se trata de proces- Utilizamos a palavm autonomia em seu senti-
sos seqüenciais, mas sim de dois a.spectos de um do corrente. Vale dizer, um sistema é autônomo
fenômeno unitário. Não é que primeiro haja a se é capaz de especificar sua própria leg3.lidade,
fronteira, a seguir :1 dinâmica, depois a fronteir:1 aquilo que lhe é próprio. Não estamos propondo
etc. Estamos t3.lando de um tipo de fenômeno no que os seres vivos são os únicos entes autôno-
qual a possibilidade de discinguir algo do toelo mos; certamente não o são. Porém, é evidente
(alguma coisa que posso ver ao microscópio, por que uma das propriedades mais imediatas do scr
A ÁRVORE DO CO~HECIMEI'TO A ORGA.'Jlí'_.l,.ÇAo DO SER Vrvo 57
56
investigadas como sistemas. Entretanto, o que lhes
vivo é sua autonomia. propomos que o modo,
é peculiar é que sua organização é tal que seu
o mecanismo que faz dos seres vivos sistemas
único produto são eles mesmos. Donde se con-
autônomos, é a autopoiese, que os caracteriza
clui que não há separação entre produtor e pro-
como tal.
duto. O ser e o fazer de uma unidade autopoiética
A indaga'r'3.o sobre a autonomia do ser vivo é
são inseparáveis, e isso constitui seu modo espe-
tão velha quanto a pergunta sobre a condição de
cífico de organização.
estar vivo. Só os biólogos contemporâneos se sen-
Como toda organização, a autopoiética pode
tem incomodados diante da questão: como é
ser obtida por meio de muitas espécies diversas
possível compreender a autonomia do ser vivo?
de componentes. No entanto, devemos tomar
De nosso ponto de vista, porém, essa pergunta
consciência de que no âmbito molecular de ori-
se transforma em um fio condutor, que nos per-
gem dos seres vivos terrestres, apenas algumas
mite perceber que para compreender a autono-
espécies moleculares devem ter tido as caracte-
mia do ser vivo devemos entender a organização
rísticas que permitiram a constituição de unida-
que o define como unidade. Perceber os seres
des autopoiéticas, dando início à história estrutu+
vivos como unidades autônomas permite mos-
ral à qual nós próprios pertencemos. Por exem-
trar como sua autonomia - em gerJ.! vista como
plo, foi necessário contar com moléculas capazes
algo misterioso e esquivo - se torna explícita ao
de formar membranas suficientemente estáveis e
indicar que aquilo que os define como unidades
plásticas para serem, por sua vez, barreiras efica-
é a sua organização autopoiêtica, e que é nela
zes e de propriedades mutances que permitis..<;em
que eles, ao mesmo tempo, realizam e especifi-
a difusão de moléculas e íons por longos perío-
cam a si próprios.
dos, em relação às velocidades moleculares. As
Nossa abordagem, então, corresponde a pro-
moléculas que formam as lâminas de mica, por
ceder de modo científico: se não podemos for-
exemplo, formam barreiras de propriedades de-
necer uma lista que caracterize o ser vivo, por
masiadamente rígidas para permitir que elas par-
que então não propor um sistema que, ao fun-
ticipem de unidades dinâmicas (células), em rá-
cionar, gere toda a sua fenomenologia? A evi-
pidas e concínuas trocas moleculares com o meio.
dência de que uma unidade autopoiética tem
Somente quando, na história da Terra, ocorre-
exatamente essas características pode ser en-
ram as condições para a formação de moléculas
contrada olhando-se para tudo o que sabemos
orgânicas como as proteínas - cuja flexibilidade
sobre metabolismo e estrutura celular em sua
e possibilidade de complexificação é praticamence
interdependência.
ilimitada -, foi que aconteceram as circunstâncias
É claro que o fato de que os seres vi\ros têm
que tornaram possível a formação de unid1.des
uma organização não é exclusivo deles, mas sim
auropoiéticas. Com efeito, podemos supor que
comum a todas as coisas que podem ser
58 A AKVORE no COl';HECL\lEKTO 59
10 2
conhecer o conhecer 1
r-==I unidade
organização estrutura
I experiência cotidiana LautoPoieseJ
ética
I
I
fenômeno do conhecer fenome1nologia
biológica
eXPI!caçãO
dentifica
I observador
açâÁ
9
domínios linguisticos
.
linguagem
I
I
consciência reflexiva
8 4
rr-- perturbações
T.
rgI enl:J"
fenô~enotcult~r~is
racoPla~ento
fenomenos SOCIaiS
estrutural ont
I
unidades de terceira unidad~s de segunda ordem
ordem
clausura olperacional
7 5
atos cognitivos ' r filogenia I
(Orrelaçõels intl!rnas~ 6 deriva história de
I natural interações
ampliação do
I
comportamento - sistema
conse~açào selJção
L
domínio de interações nervoso
da adaptação-estrutural
plasticidade contabilidade IÓgj!a I .• I
I determmaçao estrutural
"'M""'l
representação I
solipsismo
66 A ÁRVORE DO CO.sH£ClME;-';TO 67
com um espermalozóide e nos deu origem. Por- se processo? Em geral, o fenômeno da reprodu-
tanto, a reprodução está inserida em nossa histó- ção consiste em que a p3rtir de uma unidade - e
ria como seres humanos e em relação com nos- por meio de um determinado processo - origina-
sos componentes celulares individuais - o que, se outra da mesma classe. Ou seja: origina-se
curiosamente, faz de nós e de nossas células se- outra unidade, que um observador pode reco-
res da mesma idade ancestral. Além disso, do nhecer como definida pela mesma organização
ponto de vista histórico o mesmo vale para todos que a original.
os seres vivos e todas as células contemporâ- É evidente, pois, que para que haja reprodu-
neas: compartilhamos a mesma idade ancestral. ção têm que ocorrer duas condiçocs básicas: a
Assim, para compreender os seres vivos em to- unidade original e o processo que a reproduz.
das as suas dimensões - e com isso entender a No caso dos seres vivos, a unidade original é
nós mesmos -, torna-se necessário entender os um viventc, uma unidade autopoiética. E o pro-
mecanismos que fazem do ser vivo um ser histó- cesso - que veremos adial)[e - tem de terminar
rico. Com essa finalidade, examinaremos primei- com a fomlaç5.o de pelo menos outra unidade
ro o fenômeno da reprodução. autopoiética. distinguível da que se considera
como a primeira.
O leitor atento (er:í percebido a esta altura que,
A biologia estudou o processo d3 reprodução a Reprodução: como ao ver assim o fenômeno da reprodw,:ão, est.amos
partir de muitos pontos de vista e, em particu13r, ela acontece? afirmando que ele não é constitutivo do ser vivo,
no plano celular. Mostrou, há muito tempo, que e que portanto - e como já deveria ser evidente-
uma céhila pode (!:.lrorigem a outra por meio de nio faz parte de sua organização. Est3ffiOStão
uma divisào, e então se fala em divisão (ou mitose) 3costumados a ver os seres vivos como uma lista
68 A ARVORE DO COSHECIMENTO
HEREDITARIEDADE 69
figo 15. Um eIS<) de réplica. dele mesmo. É importante notar que, em conse-
qüência de como ocorre o fenômeno (ti réplica,
as unidades produzidas são historicamente inde-
pendentes umas das outras. O que acontece a
qualquer delas em sua história individual não
afeta as que lhes sucedem na série de produção.
O que acontecer ao meu Toyota, depois que cu
o comprar, em nada afetará a fábrica Tayota, que
concinuará produzindo imperturbavelmente os
seus carros. Em suma: as unidades produzidas
por réplicas não constituem entre elas um siste-
ma histórico.
:
-
74 A ÁRVORE DO CONHECIMENTO óRlA, REPRODUÇÀO E HEREDfTARlEDAIJE 75
Há muitos sistemas que preenchem esses re- Fig. 17. lJm GlSO de reprodu-
quisitos, e por isso o fenômeno da reprodução é ,,;lo por fratura.
e que são função de sua história individual de DUrdnte a mitose, ou divisão celular, todos os
mudança estrutural. processos que ocorrem (b-i) consistem em uma
Por causa dessas características, o fenômeno descompartimentalização celular. Tal é facilmen-
da reprodução gera necessariamente unidades [e perceptível na figum, em que se vê a dissolu-
historicamente conectadas, que por sua vez so- ção da membrana nuclear (com uma réplica das
frem fraturas reprodutivas e formam, em conjun- duas grandes hélices duplas de DNA), e no des-
to, um sistema histórico. locamento de cromossomos c outros componen-
tes, o que possibilít:l. um plano de fratura. Tudo
isso acontece sem interrupção da autopoiese ce-
Em todo esse processo, o que acontece com as A reprodução celular lular e como resultado dela. A'õsim, como parte
células? Se tomarmos qualquer uma delas no que da dinâmica da célula, produzem-se modificações
se chama de csL.1.dode interfase. isto é, quando estruturais, como a formação de um fuso mitótico
nào está em processo de reprodução, e a fra(l1~ (d-h), que tornam possível uma divagem da cé-
rarmos, não obteremos duas células. Durante a lula assim disposta.
interfase. uma célula é um sistema compartimen- Visto dessa maneira, o processo de reprodu-
ralizado, ou sej:l, há componentes seus que estão ção celular é simples: uma fratura em um plano,
segregado.s do resto ou se apresentam em quan~ que gem duas unidades da mesma classe. Nas
[idades únicas, o que impossibilita um plano de células eucarióticas (com núcleo), mais recentes,
f
frarura reprodutiva. Isso acontece em particubr o estabelecimento desse plano e a mecânica da
com os ácidos desoxirribonucléicos (ONA), que fratura é um delicado e complexo mecanismo de
fazem parte dos cromossomos, c que na interfase coreografia molecular. No entanto, nas células
estão recolhidos ao núcleo e separados do resto mais antigas (ou procarióticas) - que não têm
da célula por uma membrana nuclear (Fig. 18 :1). a mesma compartimentalizaçào mostrada na
=O O~
h
" k
78 A ÁRVORE DO CONHECIME:-iTO
HEREDITARIEDADE
79
entre "pais", .'filhos" e "irmãos". Chamamos de entre indivíduos de um:! linh:lgem e, ao mesmo
hereditários aos aspectos eb. estnJtura inicial da tempo, há aspectos estmturais que variam conti-
nova unidade que avaliamos como idênrjcos aos nuamente e não permanecem constantes por mais
da unidade original. Aos :.Lspectos da estru(Ura de uma ou duas gerações. Assim, por exemplo, o
inicial na nova unid3de que julgamos diferentes modo de síntese das proteínas com a participa-
da unidade original, chamamos de V"driaçào re- çào do DNA permaneceu invariante em muitas
produtiva. Em conseqüência, cada nova unida- linhagens, mas o tipo de proteínas sintetizadas
de começa obrigatoriamente sua história indivi- mudou muito na história dessas linhagens.
duai com semelhanças e diferenças estruturais em O modo de distribuição da variância ou inv:l-
relação às suas ;lntecessoras. Tais diferenças S("- riância estrutural, ao longo de uma árvore de
rào consenladas ou perdidas de acordo com as linhagens históricas, determina as diferentes
circuostâncbs de slIas respectivas omogenias, maneiras segundo as quais a hereditariedade se
como veremos em detalhes adiante. Por enquan-
to, o que nos irucressa é ressaltar que o fenôme-
no da hereditariedade - e a produção de diferen-
ças estnlturais nos descendentes - é próprio do A idéia de informação genética
fenômeno da reprodução e, certamente, 0:10 é
menos válido na reprodução dos seres vivos. tos componentes celulares (os DNA$)de
grande estabilidade trJnsgeraciunal. .x,-
Na reproduçào celular, há muitas instâncias gundo, porque dizer que o DNA contém
nas quais é possível detectar com precisão as cir- (> neces$ário para especificar um ser vivo
cunstfmcüs estmturais que determinam tanto a relir:l esses componentes (pane d<lrede
autopoiélica) de sua inter-relação com
variação quanto a conservação da semelhança. toJo o resto da rede. É a totalidade da
Assim, há alguns componentes que admitem pou- rede de interJçõcs que constitui e espe-
as caracterislicas de uma determi-
cifi<.-""a
cas vari:H, ..ões em seu modo de participação na
nada célula, e não um de seus compo-
autopoiese, mas admitem muitas peculiaridades m~mes. É daro que modificações nesses
na m:meira como se realiza essa participação. Tais componentes - chamados genes - têm
conseqüências dramáticas pam a estru-
componentes participam de configuraçõcs estru- tura de uma célula. O erro está em con-
tur:lis fundamentais, que se mantêm de geração fundir participaç.ãoessenci:l! com respon-
a geração (do contrário, não haveria reprodução) sabilidade única. Com o mesmo argumen-
!o, seria possivel dizer que a constitui-
com apenas ligeiras variaçôes. ção política de um país determina a sua
Com freqüência, ouvimos que os genes
Os maLsconhecidos são os DNAs (ácidos nu- contêm a "informaçlo" que especifica um história. TrJta-se de um evidente absur-
cléicos) ou genes, cuja estmtura fundamental é ser vivo. Trata-se de um erro, por duas do, a constiluiç:l0 política é um compo-
razões fundamentais. Primeiro, (X)rque nente essencial quatquer que Stja a his-
replicada na reprodução com pouca varüção. Co- confunde o fenômeno da hereditarieda- tória, rrtlSnão contém a "informação" que
mo resultado, encontram-se gr.lndes invariflllcias de com o mecanismo de réplica de cer. especifica essa história.
82 A ÁRVORE DO CONHECIMENTO
ética
I experiência
I
cotidiana L autoPoieseJ
fenômeno do conhecer fenome1nOrOgia
I biológica
explicação
científica
I observador
9 açãÁ
3
domínios linguísticos fenômenos históricos j
I
linguagem
consciência
I
reflexiva
conse'lill;ào
I -
I
Vr;ação ; 'I'
reprodução -...
fi
fenamenos
8
fenô~enot cult~r~iS
I
'P'""~"ÓO'
racoplamento t I '"
--l .' "I
I "
50(1<115 estrutural. 00 g ema
O,
I
unidades de terceira I
unidades de segunda arde
ordem , I
clausura operacional
7 5
I" filogenia
'I wmT",m.",o6 - ~:~g~~~
atos cognitivos '
W''','''Ó;' ;"'~'
ampliação do
deriva
natural
história de
interações
I
'I'
L
domínio de interações conselaçãO selJção_
da adaptação--estrutural
plasticidade contabilidjde lógJa
I"
determlna~ao I
estrutural
"""'""'l
representação I
solipsismo
ArcimholJo_
,
86 A ÁRVORE O{ ) CO~HECI.\IENTO 87
ponta serio clpazes de gerar esporos, enquanto Em outras palavras, a vida de um indivíduo mul-
as da base 0:10 () 5:10,e se enchem de vacúolos e ticelular como unidade transcorre no operar de
paredes, o que proporciona um apoio mecânico seus componentes, mas não está determinada
:1 todo o sistema meracelubr. Aqui perce~mos pelas propriedades destes. Entretanto, cada um
que no dinamismo dessa íntima junção celular, desses indivíduos pluricelulares é o resultado da
como parte de um ciclo de vida, as rnud:mças divis30 e da segregação de uma linhagem de cé+
estruturais experimentadas em cada célub - em lu1:ls que se originam no momento da fecund;l-
sua história de ioter.lções com olltr.lS células - ç:io de uma única célula - ou zigoto -, que é
são necessariamente complementares entre si e produzida por alguns órgàos ou por partes do
limitadas por sua participaçào na constituição da organismo multicelular. Se não houver geração
unidade metacelular que integram. Em conse- de novos indivíduos, não haverá continuidade da
qüência, as modificações estrutumis ontogenéticas linhagem. E, p;lrd que haja novos indivíduos, é
de cada célula são necessariamente diferentes - preciso que sua formação comece a partir de uma
e dependem de como elas participam da consti- célula. É tão .simples assim: é a lógica de sua cons-
tuição da referkb unidade c do futuro de suas tituição que exige que cada organismo metacelu-
interações e relações de vizinhança. lar seja parte de U111 ciclo no qual há uma et;lpa
unicelular necessária.
Contudo, é na fase unicelular de um organis-
Insistamos: a íntima junção entre as células que Ciclos de vida mo multicellllar, durante a reproduçào, que acon-
descendem de uma única célula - e que resulta tecem as variaçôes geracionais. Portanto, não há
numa unidade metacelular - é uma condição in- diferença no modo de esl1.bclecimento das linha-
teiramente consistente com a continuação da gens dos seres vivos mlllticclulares e unicelulares.
autopoiese dessas células. J..Iascertamente não é Em outros termos, o ciclo de vida de um metace-
imprescindível, na medida em que na filogenia lular constitui uma unidade na qual a ontogenia
dos seres vivos muitos permaneceram como do organismo se dá em sua transformação de
unicelulares. Nas linhagens em que se estabe- unicelular a multice1ular até a reprodução. Mas a
lece um agregamento celular que resulta num reprodução e as variaçôes rcprodutiv;ls acon!e~
metacelular, as conseqüências para as respecti- cem passando pela etapa unicelular.
vas histórias de tr.lOsformaçôes estruturais são É preciso entender que todos os seres vivos
profundas. Vejamos mais de perto essa situação. multicelulares conhecidos sào varbçõcs elabo-
É evidente que a ontogenia de um metacelular radas sobre o mesmo tema - a org;lnização e a
serâ determinada pelo domínio de inter.lções que filogenia da célula. Cada indivíduo multicelular
ele especifica como unidade total, e n:.o pelas in- representa um momento elaborado da ontoge-
ter::lçõcs individuais de suas células componentes. nia de uma linhagem, cujas variaçôes continuam
94 A ÁRVORE 00 CONHECIMENTO VIDA DOS METACELt:1ARES
95
sendo celulares. r-;esse sentido, o aparedmemo
se enriquecem com os efeitos combinatórios das
da multice1ularidade não introduz, basicamente,
alrernari••.
':\s estruturdb de um grupo de seres vi~
nada de novo. Sua gr.1nde novidade consiste em
vos. Esse efeito de aumentar a variabilidade _
que torna possível muitas classes diferentes de
que por sua vez torna possível a deriva filogené-
indivíduos, ao possibilitar muitas linhagens di-
tica, como veremos no próximo capítulo -, expli-
versas como distintos modos de conservaçào do
ca por que a sexualidade é praticamente univer-
acoplamento estrutural ontogênico com o meio.
sal entre os seres vivos, por facilitar a mulriplica-
A riqueza e a variedade dos seres vivos sobre a çi'io das linhagens.
Terra se devem ao aparecimento dessa variante
ou desvio multicelular das linhagens celulares que
continuam até hoje, na qual nós mesmos estamos
Uma forma elegante de ver esse fenômeno vital
incluídos.
dos metacelulares e seus ciclos de vida, é compa-
Notemos, porém, que a reprodução sexuaeb.
de organismos multicelularcs não faz exceção à
rn rar o tempo que eles levam para cobrir um ciclo
vital completo de acordo com o seu tamanho. A
caracterização fundamental de reprodução que
figura 2 2 -a, por exemplo, mostra um diagrama
vimos no capítulo aOlerior. Com efeito, a repro ...
do mesmo ciclo que discutimos antes - o de um
dução sexuada requer que uma das células do
mixomice(o. Coloca num eixo o tempo que cada
organismo multicelular adquira uma dinâmica
etapa leva pard se completar e em outro o tama-
operacional independeme (como o espermato~
nho atingido. Assim, a formaçào de um corpo
zóide). A seguir, ela deve fundjr~se com outra
frutífero de 1 em demora mais ou menos um dia.
célula de outro organismo da mesma classe paíà.
O esporo, que mede cerca de 10 milionésimos
formar o zigoto, que constitui a fase unicelular
de metro, forma-se em aproximadamente um
desse ser vivo. Há alguns organismos multicelu- minuto.
lares que podem, além disso - ou exclusivamen-
Na figura 2 2 ~b observa~se a mesma história,
te - reproduzir-se por simples fraturà.. Quando
desta vez em relação à rã. O zigoto, que dá ori-
isso acontece, a unidade de variaçiio na linha-
gem a um adulto, forma-se em mais ou menos
gem não é celular: é constiruída por um organismo.
um minuto, enquanto que um adulto formado
As conseqüências da reprodução sexual resi-
leva quase um ano para crescer vários centíme~
dem na rica recombinaçào estmtuíJ.l que dela
tros. O mesmo é válido para a maior árvore do
resulta. Por um lado, isso permite o entrecruza-
mundo - a sequóia -, que alcança 100 metros de
mento de linhagens reprodutivas. Por outro, per-
altura com um tempo de formação de mil anos
mite um aumento muito grJ.nde nas variações
(Fig. 2 2 -c), ou para o maior animal do mundo _
estmturais possíveis em cada instância reproduti~ j.T. B onner. Size Imd
'./e, Princeton Univcrsity a b:liei:l azul -, que atinge até 40 metros em 10
va. Dessa maneira, a genériL"J.e a hereditariedade ress, 1965. anos (Fig. 2 2 -d).
96
A ARVORE DO CONHECl.\IEN"IO 97
a. c.
10 em
100 m
10m
I em
I~
Im
J mm O em
/
i
I em
l00~
I nUll
100M
!O,
!O,
I" I"
b. d.
10 em
10m
Icm m Im
,,
ordem por agregaçào celular é a necessidade de
tempo para o crescimento e a difcrenciação das
•
• "'lU",,"
h, células. Portanto, a freqüência de gerações sed
muito menor.
_.
,- •
,~;""",roo. • .wph.o"'
Essa visào torna claro para nós que há uma
.1, •• 0.., • nu",," "
grande semelhança entre os mctaceluiares, tal
,*"", ••
fn,. .1><._
,n•••
como h:í entre as células. Apesar de sua assom-
"
brosa diversidade aparente, todos eles conservam
a reproduçào por meio de um:1 etapa unicelular
como característicacentral de sua identidade como
sistemas biológicos. O fato de haver esse elemento
comum entre a organização de todos os organis-
mos não interfere na riqueza de SU:1diversidade,
j:í que est:l ocorre na vari:lçào est1 1 ..ltural.
Pcr ou-
tro lado, ela nos permite perceber que toda essa
variaç:l0 acontece em torno de um tipo funda-
mental, o que resulta em modos diferentes de
.
,'~ .r
'..'
diferentes unidades com a mesma organizaç;} o.
I ,
, I Isto é: toda vari:l.I.;:1ontogênica
o resulta em uma
,~. ---'.,1-
, li"", ,1'1-' ''"'''"Ih , r,,, '0 Y•• ", ,..., Y•• ", forma diferente de ser no mundo, porque é a
estrutura da unidade que determina como ela
interage com o meio e que mundo configura.
100 A ÁRVORE DO COl"HEClMENIO JDA DOS !•.
lET ..••
cEU!L\RES 101
Simbiose e metaeelularidade
o que dissemos neste capitulo pode ser as org:meJas de uma célula (Lsta é, as mito-
resumido assinalando que se duas unida- côndrias, os clorophstos e seu núcleo, por
des autopoiéticas estabelecem relações re- exemplo) parecem ler sido anceSU':llmenle
correntes, como se vê no diagrama abaixo. procariomes de vida livre.
.\-las é a alternativa (b) do diagrama que
mais nos interessa neste capítulo: a reCor.
rência de acoplamentos nos quais as célu_
las participantes conservam seus limites
- individuais, ao mesmo tempo em que eSla.~
bt:lecem, por meio desse acoplamento, Uma
nova coerência especial, que distinguimos
essas recorrências podem derivar, em prin- como unidade metaceluJar e que vemos
cípio, em du:!.'>direções; como sua forma.
9 açàJ
3
domínios linguisticos
. I
linguagem
,
consciência reflexiva
8 4
rr-- fenômenot culturais
perturbações
a(OPla~~mto !. I'
fenômenos
unidades ~e ten:eira
ordem
sociais
11 ""'"""
,
unidade~ de srun~aordem
'j'
ont0genl3
I'
'
clausura operacional
7
atos cognitivos '
'""'I"'..!' '"'~' I1
6
ampliação do comportamento - sistema
domínio de jntera~ões
I
L plasticidade contabilidjde
nejOso
lógica
Nos três capítulos anteriores, formamos uma idéia históricos de transformação estrutural não pode
de três aspectos fundamentais dos seres vivos. haver entendimento do fenômeno do conhecer.
Em primeiro lugar, entendemos como eles se Na realidade, a chave da compreensão da ori-
constituem como unidades, como sua unidade gem da evolução repousa sobre algo que já nota-
fica definida pela organizaçào autopoiética que mos nos cap[tulos anteriores: a associação ine-
lhe é peculiar. Em segundo lugar, explicamos de rente que há entre diferenças e semelhanças em
que maneira es.sa identidade :lutopoiétiGI pode cada etapa reprodutiva, a conservaçào da organi-
adquirir complexidade reprodutiva, e assim ge- zaçJo e a mudança estrutural. Porque há seme-
rar uma rede histórica de linhagem produzidas lhanças, existe a possibilidade de uma série his-
pela reprodução seqüenci3l de unidades. Por úl- tórica ou linhagem ininterrupta. Porque há dife-
timo, vimos de que maneira os organismos celu- renças estruturais, existe a possibilidade de varia-
lares - como nós próprios - nascem do acopla- ções históricas nessas linhagens. No entanto, para
mento entre células descendentes de uma única. sermos mais precisos, por que se produzem e se
Vimos ainda que todos os organismos, como estabelecem cenas linhagens e n:1 o outras? Por
unidades metacelulares intercaladas em ciclos que, quando olhamos em torno, nos parece que
geracionais que sempre passam pelo estado o peLxe é tão natur.llmente aquático e o cavalo é
unicelular, nJo sào mais do que variações funda- tão adequado à planície? Para responder a essas
mentais do mesmo tema. perguntas, precisamos primeiro examinar mais de
Tudo isso resulta em que hâ ontogcnias de perto e mais explicitamente como ocorrem as
seres vivos que são capazes de se reproduzir c intemçõcs entre os seres vivos e o ambiente que
fl1 0geniasde diferentes linhagens reprodutiV'..Isque os rodeia.
se entretecem em uma gigantesca rede histórica
que, por sua vez, representa uma assombrosa va-
riação. Podemos constatar isso no mundo orgâ- Determinismo e A história das mudanças estruturais de um dado
nico que nos rodeia, composto de plantas, ani- acoplamento ser vivo é sua ontogenia. Nessa história todo ser
mais, fungos e bactérias, bem como nas diferen- estrutural vivo começa com uma estrutura inicial, que
ças que observamos entre nós, como seres hu- condiciona o curso de suas interações e delimita
manos, e outros seres vivos. Essa grande rede de as modificaçôes estruturais que estas desenca-
transformações históricas dos seres vivos é a tra- deiam nele. Ao mesmo tempo, o ser vivo nasce
ma de sua existência como seres históricos. Nes- num determinado lugar, num meio que constitui
te capítulo, retomaremos vários dos { emas dos o entorno no qual ele se realiza e em que ele
anteriores, para compreender essa evoluçào interage, meio esse que também vemos como
orgânica de maneira global e geral, já que sem dotado de uma dinâmica estrutural própria, ope-
uma compreensào adequada dos mecanismos raciollalmen/e distinta daquela do ser vivo. Isso
1 08 A ÁRVORE ])0 CONHEClMEl\:TO 109
sociais. Se assim não fosse, j:.lmais iríamos ao seres humanos. Mas, como é bem sabido, as
médico quando nos sentíssemos mal, nem mu- mesmas balas sào meras pcrturbações para a es-
daríamos a adminislíJ.çào de uma empres:l que trutura dos vampiros, que precisam de estacas de
n:to estivesse funcionando a contento. Na<.b dis- Jg. 2 5. A cum,,!a, como !rx.la
madcira no coração para sofrer uma alteração
so contradiz a possibilidade de que optemos por 'dade, tem seus quatro du- destrutiva. Ou, ainda, é óbvio que um choque
não explicar muitos fenômenos de nossa expe- as: :1) de mudanças dt' grave contra um poste é uma interação destrutiva
ado; b) dt' mudanças de.5-'-
riência humana. Entretanto, se decidimos propor :> 'tivas; c) de pcnurbaç;<'>ts; para uma motocicleta, mas é uma simples pertur-
uma explk-açào científica, tcremos de considerar ,de inter:I\'Ões des(futivas. baçào para um tanque etc. (Fig. 2 5).
as unidades que estudamos como estnlturalmcn-
te determinadas.
Tudo isso se torna explícito pela distinção de
quatro domínios (ou âmbitos, ou classes) espe-
cificados pela e.<;trutunde uma unidade específica:
.Ai
),r(~I/_:'~
'-"J\ & .••• ,
"" A ÁRVORE DO CO:-;HECL\{ENTO 12 5
conheter o conhl!'Cer 1
I experiência cotidiana
ética
I
fenômeno do conhecer
I
explicação
científica
I- observador
9 açã~
3
domíniOi linguisticos fenômenos históricos
" I I I""
consciência
,
linguagem
retlelliva
conservação - variação
Ireprodução I"
1
,J
j
8 4
r- fenõmenot culturais
perturbações
acopta~ento ,I "
fenômenos sociais ,
estTU ura
,
I
on ogema
j
unidades ~e terceira
unidade~ de segunda ordem
ordem
clausura olperadonal
7
atos cognitivos
<O'~I,\J,;"'~'
I 11 6
ampliação do
<omr",m,",O - ::'g' '.: _
L
domínio de interações
plasticidade contabilididelógi~
QU~lOdo nos encontramos com um adivinho Entretanto, é preciso tornar clara a distinçilo
profissional, que nos promete com sua arte pre- entre determinismo e previsibilitIade. Falamos em
dizer o futuro, em geral experimentamos senti- previsilo cada vez que, depois de consider..lr o
mentos COJltr:lditórios,Por um lado nos atrai a estado atual de um sistema qualquer que estamos
idéia de que alguém, olhando para nossas mãos observando, afirmamos que haveri um estado
e baseando-se num determinismo para nós subseqüente, que resulrará de sua din:1 mica es-
inescrutável, possa antecipar nosso futuro. De truturai e que também poderemos observar. Uma
outra parte, a idéb de sermos determinados, ex- previs;1 0, portanto, revela aquilo que nós, como
plicáveis e previsíveis nos parece inaceit(jvel. observadores, esperamos que aconteÇ!o
Gostamos do nosso livre arbítrio e queremos es- Dessa maneir..l, a previsibiHdade nem sempre
tar além de qualquer determinismo. J\Ias ao mes- é possível. Há diferença entre afirmar o car:iter
mo tempo queremos que o médico possa curar estruturalmente determinado de um sistema e sus~
nossos males, tratando-nos como sistemas estru- tentar a sua total previsibilidaoe. Is.so acontece
turalmente determinados. O que isso nos revela? porque, como observaoores, podemos não estar
Que relaç:io existe entre o nosso ser orgânico e o em condições de conhecer o necessário sobre o
nosso comportamento? Nosso propósito, neste e funcionamento de um certo sistema que nos ca-
nos próximos capítulos, é responder a estas per- pacite a fazer previsOessobre elc. Assim, ninguém
guntas. Para tanto, começaremos reexaminando discute que as nuvens e os ventos obedecem a
certos princípios relativamente simples de movi-
mais de perto como é possível compreender um
mento e transformação. Entretanto, a dificuldade
domínio comport~llnental em todas as suas possí-
veis dimensões. de conhecer todas as variáveis retevanres faz tIa
meteorologia uma disciplina com poderes limita-
dos de previsào. Nesse caso, nossa limitação de-
corre de incapacidade de observaçào. Em outras
Como P vimos, só podemos produzir uma expli- Previsibilidade e circunst:1 ndas, nossa incapacidade é de outra ín-
cação científica na medida em que tratarmos o sistema nervoso dole. Há fenômenos como a turhulência, para os
fenômeno que nos interessa explicar como resul- quais nem sequer [emas elememos que nos per-
tado do funcionamento de um sistema estrutural- mitam imaginar um sistema delerminist~ldetalha-
mente dcrerminado. Na verdade, a an(jlise do do que lhes dêem origem. Aqui, nossa limitaç:1 o
mundo e dos seres vivos que até agora apresen- de previsão revela nosso déficit conceitual. Por
tamos foi toda feita em tcrmos deterministas, fim, hi sistemas que mudam de estado quando
mostrando como o Universo visto dessa forma se são observados, de mooo que a própria intenção
torna compreensível, e como o ser vivo surge do observador de prever seu curso estnJtural os
dele como algo espontfmeo e natural. retira de seu domínio de previsào.
I
13X
A ÁRVORE DO COSHECL\lF.NTO
COMI'ORTAMEl--TAIS
139
Em outr..ls palavras, o que nos parece necessã- /
rio e inevit:íveJ permite 4ue nos vejamos como instante, como resultado de seu acoplamento es-
observadores capazes de fazer previsôes efica- tnnuraL Escrevemos estas linhas porque estamos
zes. Os fenômenos que vemos como :lJeatôrios constituídos de uma certa maneira e seguimos
fazem de nós observadores incapazes de propor uma certa ontogenia específica. Ao ler isto, o lei-
para eles um sistema explicativo ciemífico. tor entende o que entende porque sua estrutura
Ter em mente essas condições é particularmen- presente - e portanto, de modo indireto, sua his-
te importante, quando estudamos o que aconte- tória - assim determinam. Num sentido estrito,
ce com a ontogenia dos organismos multicelula- nada é acidental. No entanto, nossa experiência
res dotados de sistema ncn'oso, aos quais em é de liberdade criativa e, do nosso ponto de vis-
gemI atribuímos um vasto e rico domínio com- ta, o fazer dos animais superiores parece impre-
portamemal. Isso ocorre porque, mesmo antes visível. Como é possível essa imensa riqueza na
de esclarecer o que pretendemos ao falar do sis- conJuta dos animais dotados de sistema nervo-
tema nervoso, podemos estar certos de que ele _ so? Para entender melhor essa pergunta, precisa-
como parte de um organismo - ted de funcionar mos examinar mais de perto o funcionamento do
nesse organismo, contribuindo a Gld:.1mamemo sistema nervoso, em toda a riqueza dos domí-
para a sua determinação estrutural. Essa contri- nios de acoplamento estrutural possibilitados por
buiç:1 o refere-se tanto ;1 sua própria estrutura sua presenp.
4 uanto ao fato de que os resultados de seu fun-
cionamento (a linguagem, por exemplo) serão
p:.lrtedo meio. E este, a cada instante, funcionad Todas as variedades de sapos - tão conhecidos e
como seletor na deriva estnltuml do organismo populares em nossos campos - se alimentam de
que nele conserva a sua identidade. Com ou sem pequenos anim<lis,como minhocas, mariposas e
sistem:.l nervoso, o ser vivo funciona sempre em moscas, e seu comportamento alimentar é sem-
seu presente estrutural. O pas:;;;ado,como refe- pre o mesmo: o animal se volta para a presa,
rência de interações jã ocorridas, e o futuro como lança sua língua longa e pegajosa, recolhe-a com
referência a interações a ocorrer, sào dimensões a presa a ela aderida e a engole rapidamente,
valiosas para que, como ohsen"adores, nos co- Para essa fun~:ão,a conduta do sapo é sabidamente
muniquemos mUluaffiente. ,'vIasnão fazem parte precisa, e o observador vê que a direção em que
do funcionamento do determinismo estru(ural do ele lança a sua língua apont.1sempre para a presa,
org~lnjsmo :1 cada momento. fi As..<;im
s endo, é possível fazer com o sapo um
Dotados ou não de sistema nervoso, todos experimento muito revelador. Toma-se um girino,
os organismos, inclusive nós mesmos, funcio- ou larva de sapo, corta-se a borda de seu olho _
nam como funcionam e estão onde est:'ío a cada respeitando o nen'o óptico - e faz-se com ele um
giro de 180 graus. Deixa-se que o animal assim
14()
A ÁRVORE DO COSHF.CI.\IENTO CO~lr()RTAMENTAlS 141
constitui uma história particular de transforma- Todo ser vivo começa sua existência com uma
ções de uma estmtura inicial, na qual o sistema estrutura unicelular específica, que constitui seu
nervoso participa, ampliando o domínio de esta- ponto de partida. Por isso, a ontogenia de todo
dos possíveis. ser vivo consiste em sua contínua transformação
Se separarmos de sua mãe, por poucas horas, estrutural. Por um lado, trata-se de um processo
um cordeirinho recém-nascido, e em seguida o que ocorre sem interromper sua identidade nem
devolvermos, veremos que o pequeno animal se seu acoplamento estrutural com o meio, desde o
desenvolve de um modo aparentemente normal. seu início até a sua desintegração final. De outra
Ele cresce, caminha, segue a mãe e não revela
parte, segue um curso particular, selecionado em
nada de diferente, até que observamos suas inte-
sua história de interações pela seqüência de mu-
1J.çôes com outros filhotes de carneiro. Esses ani-
danças estruturais que estas desencadear.lm nele.
mais gostam de brincar correndo e dando mar-
Dessa maneira, o que foi dito para o cordeirinho
radas uns nos outros. Já o cordeirinho que sepa-
não é uma exceção. Como no exemplo do sapo,
ramos da mãe por algumas horas não procede
parece-nos mui(Q evidente, porque temos acesso
assim. Não aprende a brincar; permanece afasta-
a uma série de interações que podemos descre-
do e solitário. O que aconteceu? Não podemos
ver como "se1etor.lS" de um certo caminho de
dar uma resposta detalhada, mas sabemos - por
mudança estrutural que, no caso em pauta, reve-
tudo o que vimos até agora neste livro - que a
lou-se patológico quando comparado com o cur-
dinâmica dos estados do sistema nervoso depen~
de de sua estrutura. Portanto, também sabemos so normal.
que o fato desse animal se comportar de maneira O que foi dito também ocorre com os seres
diferente revela que .seu sistema nervoso é dife- humanos, como mostra o caso dramático das duas
rente do dos outros, como resultado da privaç:lo meninas indianas de uma aldeia bengali do norte
materna transitória. Com efeito, durante as pri- da Índia. Em 192 2 , elas foram resgatadas (ou ar-
meiras horas após o nascimento dos cordeirinhos, ranc::Jeias)de uma família de lohos que as haviam
as mães os lambem continuamente, passando a criado em completo isolamento de todo contato
língua por todo o .seu corpo. Ao separar um de- humano (Fig. 33). Uma das meninas tinha oito
les de sua mãe, impedimos essa interaç:1o e tudo anos e a outra cinco. A menor morreu pouco
o que ela implica em termos de estimulação tátil, depois de encontr.lda e a maior sohreviveu cerca
visual e, provavelmente, contatos químicos de de dez anos, juntamente com outros órfãos com
vários tipos. Essas inter.l~.ões se revelam no ex- os quais foi criada. Ao serem achadas, as meni-
perimento como decisivas para uma tran.sforma- nas não sabiam caminhar sobre os pés e se movi-
çào estrutural do sistema nervoso, que tem con- am rapidamente de quatro. Não falavam e tinham
seqüências aparentemente muito além do sim- c. MKLean. Tbe W"olf
rostos inexpressivos. Só queriam comer carne crua
'Cbildr£'tl, Penguin 1 3ooks,
ples lamber, como é o caso do brincar. Nova York, 1977. e tinham hábitos noturnos. Recusavam o contato
'44
COMroRT:\,\IE~TA[S
\ 145
Fig. 33. ;\) ,\Iodo JUpino d~
nJfTio'r d;l menin:l Llt'ng:ili, aI.
gum tempo depois dt' S<'r l'n.
cornr.u:b. CUrJ1pamr COm { }lI)-
bo da fotugrafia b. cl Cumen-
do romo :Iprt'nJeu. dl :-iUlll.
;l sentiralll <:orno l"ompit;:la.
ffit'nlt'hum'lil<l.
d
h
148 A ÁRVORE
149
tiva par;] nós, observadores, e 0:10 um v:l1 or
explicativo científico.
Se rd1 etirmos um pouco sobre os exemplos
que demos acima, perceheremos o seguinte: lU
verdade, nossa primeira tendência, ao descrever
n que acontece em cada caso, CeIl[r: H.e de uma
forma nu de outra na ulilízaçào de alguma 1111::,(<1-
fora ::;obrea obtençlo de "informaçôes" do meio.
A seguir. essas informaçôes seriam reprcsenradas
"internamente". Contudo, nossa :lrgumentaçào
anterior deixou claro que o funcionamento desse
lipo de metáfora contr:.lri3 tudo o que sahemos
sobre os seres vivos. Encontramo-nos, pois. diante
de dificuldades e resistências, porque nos parece
que a únka alternativa i:I visão do sistema nervo-
so como funcionando com representaçôcs é a
negação (b realidade circundante. Com efeito, se
o sistema nervoso não funciona _ c nem pode
funcionar - com representaçôes do mundo que
nos cerca, como ent;lo surgiu a extraordinária possível. Temos de aprender a anelar sobre
eficácia operacional do homem c dos animais, e uma linha mediana, sohre o próprio fio da na-
valha (Fig. 35).
sua imensa capacidade ele aprendizagem e mani-
pubção do mundo? Se negarmos a objl:'tividade De fato, por um lado temos a armadilha de
de um mundo cognoscível, não cairemos no caos Supor que o sistema nervoso funciona com re-
da total arbitrariedade, pois assim tudo se torna presentações do mundo. É uma cilada. porque
possível? nos cega para a possibilidade de explicar como
l~como andar sobre o fio de uma navalha. De funciona o sistema nervoso, momento ;1 momen-
um !::teloId uma armadilha: a impossibilidade de to, como um sistema determinado e com clausura
compreender o fenômeno cognitivo se assumi- operacional, como veremos no Glpítulo seguinte.
mos um mundo de objetos que nos informam. já Por outro lado, temos a outra armadilh:\, que
que' não há um mecanismo que de fato permite nega o meio circundante e' supõe que I) sbtema
tal "informa<.'ào",De outra parte, nova afm~\dilha: nervoso funciona totalmente no vazio, o que leva
o caos (' a arhitrariedade da ausênci<l do mundo a concluir que tudo vale e tudo é pnssivd. É o
objetivo, donde SI:' conclui que tudo parece ser extremo da solid~1 0cognitiva absoluta, nu solipsi<;_
mo (da tradiç.l0 fi]osótlca d:íssica, que afirmava
150
A ÁRVORE DO CO:\HECIMFNT
.. O
CO.\IPOIUAMEl'.iAIS 151
que só existe a imerioridade de cada um). Trdta- unidade segundo suas interações com o meio, e
se de uma cilada, porque 0:10 permite explicar a descrever a história de suas inter-relações com
adequação ou a comensurabílidade entre o fun- ele. Nessa perspectiva - na qual o ohseIVador
cionamento do organismo e o de seu mundo. pode estabelecer relaçôes entre certas caracterís-
Esses dois extremos - ou armadilhas _ existi- ticas do meio e o comportamento da unidade - a
ram desde as primeiras tentativas. de compreen- dinâmi<.."linterna desta é irrelevante.
der o fenômeno do conhecimento em suas raízes Nenhum desses dois domínios possíveis de des-
mais clássicas. Atualmente, predomina o extre- crição é problemático em si. Ambos são necessá-
mo rcpresentacionista; noutras épocas, prevale- rios para o pleno entendimento de uma unidade.
ceu a visão oposta. É o obseIVador quem os correlaciona a partir de
Queremos propor agora um modo de cortar sua perspectiva externa. É ele quem reconhece
esse aparente nó górdio, e encontrar uma manei- que a estrurura do sistema determina suas intera-
ra natural de evitar esses dois abismos que cer. ções, ao especificar que configuraçôes do meio
cam o fio da navalha. Na realidade, o leitor aten- podem desencadear no sistema mudanças estru-
to já deverá ter-se adiantado ao que vamos dizer, turais. É ele quem reconhece que o meio não
pois é o que está contido nas páginas ameriores. especifica ou instrui as mudanças estruturais do
A solução encontrada foi a de manter uma clar.l sistema. O prohlema começa quando passamos,
contabilidade lógica. Ela equivale a não perder sem perceber, de um domínio para o outro, e
de vista aquilo que vem sendo exposto desde o começamos a exigir que as correspondências que
começo: tudo o que é dito é dito por alguém. podemos estabelecer entre eles - pois podemos
Como todas as soluções par.l aparentes contradi- ver os dois ao mesmo tempo - façam de fato
ções, tudo consiste em sair do plano da oposição parte do funcionamento da unidade: nesse caso,
e modificar a natureza da pergunta, passando para o organismo e o sistema nervoso. Se mantiver-
um contexto mais abrangente. mos límpida a nossa contabilidade lógica, essa
Na realidade, a situação é simples. Como ob- complicação se dissipará. Tomaremos consciên-
servadores, podemos ver lima unidade em domí- cia dessas duas perspectivas e as relacionaremos
nios diferentes, a depender das distinçôes que num domínio mais abrangente por nós estabele-
fizermos. Assim, por um lado podemos conside~ cido. Dessa maneira, não precisaremos recorrer
rar um sistema no domínio de funcionamento de às representaçõcs nem negar que o sistema ner-
seus componentes, no âmbito de seus estados voso funciona num meio que lhe é comensurável,
internos e modificações estrutur.lis. Partindo des- como resultado de sua história de acoplamento
se modo de operar, para a dinâmica interna do estrutural.
sistema o ambieme não existe, é irrelevante. Por Talvez rudo isso se torne mais claro por meio
oU[ro lado, tanlbé.n podemos considerar um:! de uma analogia. Imaginemos uma pessoa que
I
152
A ARVORE DO CONHECL\IENlO C{ } MI'ORJA,~IF)\:T:\IS 153
viveu tocb a sua viua num suhmarino e lJuc, nunca
lógica, n:1 odevemos confundir o funcionamento
tendo saído dele, recebeu um treinamento per-
do submarino em si, SU:ldinâmica dI:' estados,
feito de como oper:í-Jo. Agora estamos na prai:l e
com seus deslocamentos e mudanças de posição
vemos que o submarino .se aproxima e emerge
no meio. A din5mica dos estados do submarino _
graciosamente. Pelo rádio, dizemos ao piloto:
com seu piloto que não conhece o mundo exte-
"Parabéns, você evitou os recifes e veio à tona
rior - nunca acontece num funcionamento com
com muita elegáncia: as nunobras do submarino
representaçôes de mundo vistos pelo ohservador
foram perfeitas". Dentro da embarcação, porém,
externo. N;lo implica "praias", nem "recifes", ncm
nosso amigo se surpreende: "Que história é essa
"superfície", mas apenas corrclaçôes entre indi-
de recifes e de emergir? Tudo o que fiz foi mover
cadores, dentro de celtos limites. Entidades como
alavancas, girar bOTões e estahelecer certas rela-
praias, recifes ou superfícies são válid~lSunica-
ções entre os indicadores de umas e de outros,
mente para um observador externo, n:'ío para o
na seqüênci:l prescrita à qual estou acostumado.
submarino nem para o pilQ(o,que funciona como
Não fiz manobra alguma c não sei de que sub-
um componente dele.
marino você está falando. Deve ser brincadeira".
Nessa analogia, o que é válido para o subma-
Para o homem dentro do suhmarino só exis-
rino o é tamhém para todos os sistemas vivos:
tem as leituras dos indicadores, suas transições e
para () sapinho de olho virado, para :.l mcnina-
as maneiras de obTer certas relações específicas
lobo e para c:lda um de nós, seres humanos.
entre elas. Somente nós, que estamos de fora,
vemos como mudam as relações entre o subma-
rino e seu ambiente. Percebemos que sua con-
duta existe e que ela pode parecer mais ou me-
o que chanUTllos de comportamento, ao obser-
var as mudanças de estado de um organismo em
nos adequada, de acordo Com as conseqüências
seu meio, correspondc à descrição que fazemos
que proouzir. Se temos de manter a contabilidade
dos movimentos do organismo num amhiente que
assinalamos. A conduta n50 é alguma coisa que
o ser vivo faz em si, pois nele só ocorrem mu-
danças c.<;!ruturaisinternas, c não algo assinalado
Comportamento por nós. Na medida em que as mudanças de es-
Chama-se <':OlIlpOt"taJllcnto às mudanças de pos-
tado dI:'um organismo (com ou sem sistema ner-
tu • ..! ou posiçào de um ser vivo, que um observa. voso) dependem de sua estnltura - e esta de sua
dor descreve como movimentos ou açàes em re- históri:l de acoplamento estrutural -, essas mu-
lJ.çào ;l um determinado ambiente.
danças de estado do organismo em seu meio se-
rão necessariamente congruentes ou comensur:í-
!
veis com ele, qU:lisquer que sejam as condutas e
154 A ÁRVORE DO CONHECI.\If.NTO
I
biológica
eXPllca~ãO
___I
cientifjea
observador
9 açãb
3
domínios linguísticos fenômenos históricos
. I
linguagem (onSe~açãO- ••.1riaçãO
I
consciência reflexiva !eproduçãJ
8 4
perturbações
I.
fenômenos culturais
I acopla~ento
fenômenos sociais estrutural ontrgema
.d I
Uni ades de terceira
ordem
li
unidadels de segunda ordem
dausura olperacianal
5
r filogenia
6 deriva história de
natural interações
comportamento _ sistema
I neíioso conselaçãa selJção
da adaptação--estrutural
F
contabitidide lógica
dete1rminaçãO estrJtural
representação I
salipsismo Fig_ 36 . .'Jeuronios. Desenhu de
.~Santiago Ramón y Caia!'
15H A ÁRVORE DO COl\HECIME:-ITO 159
um exemplo que poderfamos descrever como instâncias de compoltamento. O que nos interes-
comportamento. na medida em que h{ \modifica4 sa ressaltar é que em geral é mais fácil chamar a
ções estnJturús que são observáveis na forma da uma de comportamento e à outr-..1não, somente
planta, como compensação de certas pelturba- porque somos capazes de detectar movimento
ções recorrentes do meio. Todavia, essa situação na ameba mas nào na sagitária. Ou seja: há uma
é norm3lmente descrita como alterações no de- continuidade entre a motilidade da ameba e a
senvolvimento do vegetal e não como compolta- grande diversidade de condutas dos animais su-
menta. Por quê? periores, que sempre vemos como formas de
Comparemos o caso da sagitária com a con- movimento. Em contraste, as modificações de
dma alimentar de uma ameba prestes a ingerir diferenciaçào da sagitária parecem distanciar-se
um pequeno protozoário por meio da extensão do que nos é mais familiar como movimento, dada
de seus pscudópodos (Fig. 38). Tais pseudópodos a sua lentidão, e as vemos apenas como mucL'1l1-
são expansôes ou digiwções de protoplasma, ças de forma.
associáveis a mudanças na constituição físico- Na realidade, do ponto de vista do apareci~
químic\ local do córtex e da membrana celular. menta e transformação do sistema nervoso, a pos-
O resultado é que o protoplasma flui em celtas sibilidade de movimento é essencial, e é isso que
pontos e empurra o animal numa direção ou faz com que a história do movimento seja tão
noutra, configurando o seu movimento amebáide. fascinante. Exatamente como e por que motivo é
Em contraste com o que acontece com a sagitária, o que veremos pouco a pouco, ao longo deste
ninguém tem dúvidas em descrever essa situaçào capítulo. Antes, porém, examinemos de modo
como um comportamento. m:lis abrangente os casos gerais. Consideremos
Do nosso ponto de vista, é cbro que entre como ocorrem as possibilidades de movimento
ambos os casos h;\ urna continuidade. Ambas são Fig. 3H.Ingestão. em todo o âmbito natural.
rn Na Fig. 39, for:.\mpostos num gráfico o tama-
nho das distintas unidades naturais, em funçào
de sua capacidade de movimento, medido em
lermos de velocidades máximas, Dessa forma,
torna-se evidente que, nos extremos do grande e
do pequeno, as galáxias e as partículas elementa-
res são capazes de movimentos muito rápidos,
da ordem de milhares de quilômetros por segun-
do. No entanto, quando consideramos as molé-
culas gmndes, como as que constituem os seres
vivos, o movirnemo será cad;l vez mais lento, à
163
162 A ÁR\"ORE DO COSHECIMENTO '"lA NERVOSO E COl':HECIMEYHl
de vida ao encontrar condições locais de nutri- uma correlação recorrente ou invariante entre uma
ç:1oque lhes permitem a conservação da adapta~ área perturbada - ou sensorial - do organi.<;moe
ção - como ocorre nas plantas -, sem desloca- uma área capaz de produzir movimento - ou
mentos dU1.lnte a maior parte de sua ontogenia. motora -, que mantém invariante um conjunto
Para um observador, é evidente que no movi- de relações internas na ameba.
mento há múltiplas possibilidades, muitas das Outro exemplo pode tornar essa idéia mais
quais aparecem realizadas nos seres vivos como clara. A Fig. 40 mostra um protozoário que tem
resultados de sua deriva natural. Assim, os orga- uma estrutura muito especializada chamada
nismos móveis não só baseiam sua reprodução flagelo, que ao bater é capaz de deslocá-lo em
no movimento, como também sua alimentação e seu meio aquoso. Nesse caso específico, o flagelo
modos de inteídção com o meio. É em referência bate de tal forma que arrasta a célula por trás
a esses seres vivos, nos quais a deriva natural dele. Ao nadar assim às vezes o procozoário se
levou ao estabelecimento da motilidade, que o encontra com um obstáculo, com o qual colide.
sistema nervoso adquire importância. Veremos O que acontece nessa situação? Há um compor-
agorJ., com mais detalhes, esse aspecto. tamento interessante de ffiudanp de orientação:
o flagelo se dobra ao topar com o obstáculo. Essa
dobradura desencadeia modificações em sua base
Voltemos um pouco à ameba que está a ponto Coordenação inserida na célula, o que por sua vez deflagra
de engolir um protozoário. O que acontece nes- sensório-motora mudanças no citoplasma que o fazem girar um
sa seqüência pode ser resumido assim: a presen- unicelular pouco, de modo que ao reiniciar seus batimentos
ça do protozoário gera uma concentra~<10de subs- o flagelo leva a célula para uma direção diferen~
tâncias no meio que são capazes de interagir com te. Como resultado, vemos que o protozoário toca
a membrana da ameba, desencadeando mudan- o obstáculo e depois se torce e foge dele. Outra
ças de consistência protoplasmática que resultam vez, como no caso da ameba, o que ocorre é que
na formação de um pseudópodo. Este, por sua está sendo mantida uma certa correlação interna
vez, produz alterações na posição do animal, que entre uma estrutura (sensorial) capaz. de admitir
se desloca, modificando assim a quantidade de certas perturbações e uma estrutura (motora) ca~
moléculas do meio que interagem com sua mem- paz de gerar um deslocamento. O interessante
brana. Esse ciclo se repete, e a seqüência de des- desse exemplo é que as superfícies sensorial e
locamento da ameba, portanto, produz~se por motora são a mesma e, portanto, seu acopla~
meio da manutenção de uma correlação inter- menta é imediato.
na entre o grau de modificação de sua membra~ Vejamos ainda outro exemplo desse acopla-
na e as mudanças protoplasmáticas que percebe~ mento entre superfícies sensoriais e motoras. Há
mos como pseudópodos. Ou seja, estabelece-se bactérias (unicelulares) que têm, como alguns
_1 I I_
tentáculos e as células secretoras do interior, é entre si por meio da rede interneuronal para in-
preciso que haja algum tipo de acoplamento eo- tegrar, em seu conjunto, o sistema nervoso.
tre elas. Não basta que estejam simplesmente dis-
postas nessa dupla camaclt.
Para entender como se dá esse acoplamento, Os neurônios se distinguem por terem ramifica-
basta observar com mais detalhes o que há entre ções citopbsmáticas de formas específicas que se
as duas camadas celulares. Ali encontramos célu- estendem por enormes distâncias, da ordem de
las de um tipo muito peCllliar, com prolongamen- dezenas de milímetros no caso das maiores. Essa
tos que se estendem por distâncias consideráveis característica neuronal universal, presente em to-
dentro do animal. A peculiaridade dessas células dos os organismos dotados de sistema nervoso,
é que por meio de seus prolongamentos elas determina o modo específico pelo qual este par-
põem em contato elementos celubres topografi- [icipa das unidades de segunda ordem, que inte-
camente distante.s. Trata-se de células nentosas, gra ao pôr em contato elementos celulares situa-
ou neurônios, em sua fonna mais simples e pri- dos em muitas partes diferentes do corpo. Não
mitiva. A hidra tem uma das formas mais simpli- devemos desprezar a delicada série de tmnsfor-
fkadas de sistema nervoso que se conhece, cons- mações de crescimento necessárias para que uma
tituído por uma rede que inclui essa classe parti- célula que - medindo inicialmente uns poucos
cular de células, as..<;imcomo receptores e efetores. milionésimos de metro - chega a ter ramificações
Geralmente, o sistema nervoso desse animal apa- de forma específica que podem atingir dezenas
rece como um verdadeiro emaranhado de inter- de milímetros, numa expansão de várias ordens
conexões, que se estendem para todas as partes de magnitude (Fig. 44).
de seu corpo através do espaço entre as células. É por meio de sua presença física que os
Dessa maneira, ele possibilita a interação de ele- neurônios acoplam, de muitos modos distintos,
mentos sensoriais e motores distantes. grupos celulares que de outra maneira só pode-
Desse modo temos, em todos os detalhes, a riam acoplar-se pela circulação geral dos humo-
mesma situação existente no caso do comporta- res internos do organismo. A presença física de
mento unicelular. Uma superfície sensorial (nes- um neurônio permite o transporte de substâncias
te caso, células sensoriais), uma superfície motora entre duas regi()es por meio de um caminho muito
(aqui, células musculares e secretor..!s) e vias de específico, que não afeta as células circundames
interconexão entre ambas as superfícies (a rede e sua entrega local.
neuronal). O comportamento da hidra (aliment.."l- A particularid.tde das conexões e interações
ção, fuga, reprodução etc.) resulta das diferentes que as formas neuronais tornam possíveis consti-
maneiras como essas duas superfícies - a senso- tui a chave mestra do funcionamento do sistema
rial e a motora - se relacionam dinamicamente nervoso.
172 A ÁRVORE DO CONHECIMF.:-ITO 173
As influências recíprocas que ocorrem entre Estas são liberadas (ou recolhidas) nos terminais
. os neurônios são de muitos tipos. A mais conhe~ e desencadeiam mudanças de diferenciação e cres-
cida de todas é uma descarga elétrica, que se cimento nos neurônios, nos efetores e nos
1, propaga em alta velocidade pelo prolongamento sensores com os quais eles se conectam.
;1, neurooal chamado axânio, como se fosse um ras- Com que tipos de célula os neurônios se co-
tilho de pólvora. Ê por isso que freqüentemente nectam? Na realidade, eles se ligam a quase to-
se diz que o sistema nenroso funciona à base de dos os tipos celulares de um dado organismo,
trocas elétricas. Mas isso não é totalmente corre- porém o mais comum é que cheguem, com suas
I, to, já que os neurônios não interagem apenas expansões, a outros neurônios. Essas expansões
por meio desse tipo de trocas. Também o fazem nervosas - conhecidas como dendritos e termi-
- e de modo igualmeme constante _ por meio de nais axônicos - são por sua vez muito especiali-
substâncias transportadas no interior dos axônios. zadas. Entre essas zonas e os corpos celulares
174 A ÁRVORE DO CO:-JHEClMENTO E CO"lHEC1.\IENTO 175
sensório-motoras, mas na forma como essa rede variações em torno do mesmo tema. Nos vermes,
se implementa, por meio de neurônios e cone- por exemplo, o tecido nervoso - entendido como
xões que variam de uma espécie animal para urna rede de neurônios - foi separado como um
outra. Com efeito, o cadastro dos tipos neuronais compartimento em forma de cordão dentro do
que encontramos nos sistemas nervosos dos ani- animal, com nelVOS por onde passam conexões
mais revela uma enorme diversidade. A1~'Umas que vão ou vêm das superfícies sensoriais e
dessas variedades aparecem na Fig. 46. Além dis- motoras (Fig. 47). Cada variação no csodo motor
so, se pensarmos que no cérebro humano há do animal serJ. produto de uma certa configura-
cel1amente mais de 1010, e talvez mais de 1O1l de ção de atividade em certos grupos de neurônios
neurônios (dezenas de bilhões), e que cada um que se conectam aos músculos (neurônios moto-
deles recebe múltiplos contatos de outros res). 1'vlasessa atividade motora gera mudanças
neurônios - e por sua vez se conecta com muitas múltiplas, canto nas células sensoriais localizadas
células -, a combinatória de interações possíveis nos músculos, quanto na superfície de contato
é mais do que astronômica. com o meio e nos próprios neurônios motores.
Mas insistamos: a organização básica de um Fig, 46, Diver~idade neuronal Esse processo se realiza por meio de mudanças
sistema nervoso tão imensamente complexo como (d1 esquerda para a direila):-
célula hipob,r da relina, cor_
na própria rede de neurônios interpostos - ou
o do homem segue, no essencial, a mesma lógica po celular de um neurônio' interneurônios - que os interconecta. Dessa
que a da humilde hidra. Na série de transforma- motor d:J. medula espinhal, cé- maneira, há uma contínua correlação sensório-
lula milrJI do bulbo olfalário,
ções das linhagens que vão desde a hidra até os motora, determinada e mediada pela configura-
célula piramidal do córtex
mamíferos, depar.lmos com desenhos que sào cerebrJI dt' um mamífero. ção da atividade dessa rede interncuronal. Como
pode haver uma quantidade praticamente ilimi-
tada de estados possíveis dentro dessa rede, os
comportamentos possíveis dos org,mismos tam-
bém podem ser praticamente ilimitados.
Esse é () mecanismo-chave por meio do qual
o sistema nervoso expande o domínio de interJ.~
I
ç6es de um organismo: acopla as superficies
sensoriais e motoras, mediante uma rede de
neurônios cuja configuração pode ser muito
variada, Tal mecanismo é eminentemente sim-
ples. Mas, uma vez estabelecido, permitiu, na
filogenia dos meta zoá rios, uma variedade e lima
diversificação imensa de domínios comportamen-
tais. Com efeito, os sistemas nervosos de diversas
178 A ÁRVORE 00 tA NERVOSO E COl\HECII\IENTO 179
I
bolsa de valores (relações de atividade interna
vir dos equilibrios internos. Essa idéia é impor-
entre todas as projeções convergentes), na qual
tante, e pode ser ilustrada com o que ocorre no
cada participante ouve o que lhe interessa.
I, sistema visual. Em geral, pensamos na percepção
visual como uma determinada operação sobre a
imagem retiniana, cuja representação será em
á'usura operacional Começamos dizendo que o comportamento é a
seguida transformada no interior do sistema ner-
o sistema nervoso descrição - feita por um observador - das mu-
voso. Essa é a abordagem representacionista do
danças de estado de um sistema em relação a um
fenômeno. Entretanto, ela desaparece logo que
meio, ao compensar as perturbaçôes que dele
nos damos Conta de que, para cada neurônio da
recebe. Dissemos também que o sistema nervoso
retina projetado sobre o nosso córtex visual, co-
não inventa o comportamento, mas sim o expan-
nectam-se a essa mesma zona mais de cem
de de forma dramática. Agora deve estar mais
neurônios que provêm de outras partes do córtex.
claro o que 'lucremos dizer com "expandir". Sig-
E mai~: antes de chegar ao córtex _ quando a
nifica que o sistema nervoso surge na história
projeção da retina entra no cérebro, no chamado
fL1 0genéticados seres vivos como um tecido de
I .I I
A ARVORE DO COl"HFClMF~T •• O
L" NERVOSO E COI':HECIME"ITO 183
células pt'culiares, que se insere no org~mismo neurônios, que contribuem com sua mudança de
de tal maneira que aeorb pontos nas superfícies atividade p:ua as alteraçôe.s de esrados globais de
sensoriais com pontos nas superfícies mororas. toda a rede. Essas modificações podem ou n:l0
Assim, ao mediar esse acopl:lmento com uma rede resultar numa mudança em algum ponto das su-
de neurônios, amplia-se o campo das possíveis perfícies motoras. Por exemplo. uma baixa da ecm-
correlações sensório-motoras do organismo e se centração de glicose no sangue pode, mediante
expande o domínio do comport:unentn. CCrL:\Scorreb<.-'ôes internas, levar à secreção de
Torna-se claro, pois, que a superfície sensorial mais insulina pelas células do pâncreas. Corno
n:io apenas inclui as célubs que vemos externa- resultado, :l correlação sanguínea da glicose se
mente como receptores capazes de ser perturba- mantém dentro de certos limites.
dos pelo ambiente, como [:lrnbém todas as célu- Assim, o sistema nervoso conrribui ou partici-
las capazes de exercer influência sobre o estado pa no funcionamento de um rnctazoário ao se
da rede neuronal. Por exemplo, em algumas ar- constituir - por meio de múltiplos circuitos en-
léri;\s há células quimio-rcceptoras capazes de ser tremeados - num mecanismo que conserva as
especificamente modificadas por muebnças de constâncias internas, que são essenciais para a
conccmraçào no meio sangüíneo de um verte- manutençào da organização do organismo em .sua
brado. Essas células por sua vez modificam certos totalidade.
j Sob esse :'ingulo, é evidente que o sistema ner-
! voso pode ser definido, no que se refere à sua
Conexões da via visual organização, como dotado de uma clausura ope-
Ne~~c quadro, u diagrama iluslra as múl!i- xôes que recd>e de muitos lug;]feS dife- racional. Isto é, est:i constituído de tal maneira
pias runexÕ!:'s presentes nu núcleu geni- rentes do cérebro. Um diagrama semelhame que quaisquer que sejam suas mudanças elas
miado d", um mamífero. & se núclt."o é ;1 (com outros nomes) poJeria ser desenh:!o
regi:io rnai~proeminente de cunexões en- geram outí.lS modificações dentro dele mesmo.
do par.! qualquer Olltro núcleo du sistema
tre a retina e o sistem;1nerv'ow n~mr:ll. Cada neryosu centraL Assim, seu modo de operar consiste em manter
um dos nomes indicados no diagrama ("or-
responde a um ::Igreg-.ldodislínguívd de
cóne.~ occipila]
~- certas relações entre seus componentes invariantes
diante das perturbaçdes que geralll, tanto na di-
.~
\I
neurunio$ em diferentes regiõcs do siste- /;.---- colírulo superior
ma nerv-OSQcentral. induindo u cónex ce- nâmica interna qU:ll1tonas interações do organis-
rebral. l--umo é evidente, a retina n:lo afeta
mo de que faz parte. Em outras palavras, o siste-
Q cérebro do mesmu modo que urna linha
telefônica encontra uma estação de relevo
rio NGL, pois para este convergem simul- D-. mic!c() relicubr
N"GL ""'---"'du l;íi;lmo
ma nervoso funciona como LImarede fechada de
mudanças de relaçõe." de atividade entre seus
I \
taneamente mültiplo..s t-aminhos de inler- retlna
componentes.
nmexões_ Em conseqüên,'ia, a relina pode
modular - m:iS não especifiC:lr _ o estado [)essa maneira. quando experimenr:1I110Suma
11Ipmalamu LO<.-1/.';caend"I/S
dos neurônios no núcleo geniculado, qtle press:1o excessiva num ponto do corpo, pode-
será cunstituído peb totalidade das cont'- NGL - núcleu genicul;ldo bleral mos dizcr, na condição de observadores: "Ah! A
1 84 A ÁRVORE DO COSHECI.\1E:-iTO MA NERvmO E CONHECIMENTO 185
lS6
A ÁRVORE DO CONHEClMI'.:'ITO
tA NERVOSO E COl'HECIMENTO 187
Mencionamos várias vezes que o sistema nervo- Plasticidade
5 0 está em contínua mudança estrutural, ou seja,
modificar dr.lsticamente o modo de operdr de
tem plasticidade. Na verdade, essa é uma dimen- grandes redes neuronais.
são fundamental de sua participaçào na consti- Imaginemos um exemplo. Tomamos a pata de
tuição do organismo. Com efeito, a presença dessa um rato e, localizando um dos músculos que acio-
plasticidade se traduz pelo fato de que o sistema nam os dedos, isolamos o nervo que desce da
nervoso, ao pal1icipar - por meio dos órgãos sen- medula espinhal e o inerva. A seguir, cortamos o
soriais e eEetores - no;.; domínios de interação do nervo e deixamos que o animal se recupere. De-
organismo que selecionam sua mudança estrutu- pois de um certo tempo o reabrimos e examina-
ral, participa também da deriva estrutur.J.l deste, mos o músculo. Veremos então que ele está
com conservação de sua adaptação. atrofiado, reduzido. No entanto, não fizemos ne-
Entretanto, a mudança estrutural do sistema nhuma alteração em sua alimentação e irrigação
nervoso normalmente não ocorre sob a forma de sanguínea. Só cortamos o tráfego elétrico e quí-
alterações radicais de Suas grandes linhas de co- mico que normalmente existe entre o músculo e
nexào. Em gemI, estas são invariantes e são habi- o nervo ao qual ele se conecta. Se deixarmos que
tualmente as mesmas em todos os indivíduos de o nervo cresça novamente e volte a inervar o
uma espécie. Entre o zigoto fecundado e o adul- músculo, este se recupemr.í e a atrofia desapare-
(o - no processo de desenvolvimento e dlferen- cerá. Outros experimentos revelam que algo pa-
ciaçj,o celular -, à medida que se multiplicam os recido acontece entre muitos (senão todos) os
neurônios vão se ramificando e se conectando, elementos neuronais que compôem o sistema
segundo uma arquitetura que é própria da espé- nervoso. O nível de atividade e o tráfego quími-
cie. O modo exato Como isso ocorre, mediante co entre duas células - nesse caso, uma muscular
processos de exclusiva determinaçào local, é um e um neurônio - modulam a eficácia e o modo
dos maiores e mais interessantes enigmas da bio- de interação que ocorre entre elas dur,mte sua
logia moderna. contínua mutação. Ao cortar o nervo, mostramos
Onde acontecem as mudanças estruturais, de maneira dramática esse dinamismo.
senão nas grandes linhas de conexão? A respos- A plasticidade do sistema nervoso se explica
ta é que elas não ocorrem nas conexões que porque os neurônios não estão conectados como
ligam grupos de neurônios, mas sim nas ca- se fossem fios com suas respectivas tomadas. Os
racterísticas locais dessas conexões. Ou seja, as pontos de interação entre as células constituem
modificações se dão no plano das ramificaçôes delicados equilíbrios din3micos, modulados por
finais e nas sinapses. Nesses lugares, as altera- um sem-número de elementos que desencadei-
ções moleculares resultam em mudanças na am mudanças estruturais locais. Estas são o resul-
eficácia das interações sinápticas, que podem tado da atividade dessas mesmas células, e tam-
bém de outras, cujos produtos viajam pela corrente
ISX A C OSHECIMENiO
Ál{\"()RE
[lO A i\EItVOSO f. CONHECIMENTO 189
A distinção está na história das estruturas que as No capítulo anterior, falamos de domínios com-
tornam possíveis. Port:.lnto, a possibilidade de portamenrais. Neste, examinamos os fundamen-
classificá-Ias como uma ou outra dependerá de tos da organização do sistema nervoso. Com isso,
termos Oll não acesso à história estrutural perti- movemo-nos mais e mais para perto dos fenô-
nente. No funcionamento presente do sistema menos que, no cotidiano, designamos como atos
nervoso não há tal distinção. de conhecimento. AgorJ. estamos em condições
, , É importante perceber que atualmente tende- de refinar nosso entendimento sohre o que signi-
mos a considerar ;] aprendizagem e a memória fica dizer que um ato é cognitivo.
---- como fenômenos de mudança de comportamen- Se pensarmos por um momento sobre o crité-
to que acontecem quando se "capta" ou quando rio que utilizamos para dizer que alguém tem
se recebe algo vindo do meio. Isso implica su- conhecimento, veremos que o que buscamos é
por que o sistema nervoso funciona com reprc- uma ação efetiva no domínio no qual se espera
sentaçôes. Vimos que essa suposição obscurece uma resposta. Isto é, espelJmos um comporta-
e complica muito o entendimento dos processos mento efetivo em algum contexto que assinala-
cognitivos. Tudo o que dissemos aponta para a mos ao fazer a pergunta. Assim, duas observa-
compreensão da aprendizagem como expressão ções do mesmo sujeito, sob as mesmas condi-
do acoplamento estrutural, que manterJ. sempre ções - mas feitas com perguntas diferentes -,
uma compatibilidade entre o funcion;tmento do podem atribuir diferentes valores cognitivos ao
organismo e o meio em que ele ocorre. Quando, que é vi<;tocomo o compollamemo desse sujeito.
como observadores, examinamos uma seqüên- Uma história da vida real ilustr.l claramente
cia de perturbaçôes compensadas pelo sistema esse ponto. Certa ocasião, num exame, foi pro-
nervoso de uma ou muitas maneiras possíveis, posto a um jovem estudante universitário o se-
parece-nos que ele internaliza algo do meio. Mas guinte: "Calcule a altura cL. torre da Universidade
já sabemos que fazer uma descrição como essa usando este altímetro". O estudante tomou o ins-
seria perder nossa contabilidade lógica. Seria trumemo e um barbante comprido, subiu à torre,
tratar algo que é útil à nossa comunicaçào entre amarrou o altímetro ao cordel e o deixou cair
observadores como um elemento operacional cuidadosamente até a base do edifício. Em segui-
do sistema nervoso. Descrever a aprendizagem da, mediu o comprimento do barbante: trinta
como uma intcrnalizaçào do meio confunde as metros e quarenta centímetros. No entanto, o pro-
coisas, porque sugere que na dinâmica estrutulJ! fessor considerou errada a resposta. O estudante
do sistema nervoso ocorrem fenômenos que só fez um pedido ao diretor de sua escola e conse-
existem no domínio de descrições de alguns or- guiu uma nova oportunidade. De novo o profes-
ganismos que - como os nossos - são capazes sor lhe disse: "Calcule a a!tur-J.da torre da Uni-
de linguagem. versidade com este altímetro". O jovem aluno
194 A ÁRV()R". "DO C O:-JHECIMENTO -\ NERVOSO E CONHECIMENTO 195
I
Notemos bem, entào, que a avaliação de se há sário examinar de perto o funcionamento do sis-
ou não conhecimento ocorre sempre num con- tema nervoso humano, o que não é a intenção
texto relacional, no qual as mudanças estruturais deste livro.
que as perturbações desencadeiam num organis- Resumindo, o sistema nervoso partICipa dos
mo aparecem para o observador como um efeito fenômenos cognitivos de duas maneirdS comple-
sobre o ambiente. É em relação ao efeito espera- mentares. Elas têm a ver com seu modo específi-
do por ele que o observador avalia as mudanças co de funcionar como uma rede neuranal com
estruturais que são desencadeadas no organismo. clausura operacional que faz parte de um orga-
Sob esse ponto de vista, toda interação de um nismo mcmcelubr.
organismo, toda conduta observada, pode ser ava- A primeira - e mais óbvia - ocorre peb am-
liada por um observador como um ato cognitivo. pliação do domínio de estados possíveis do orga-
Da mesma maneira. o fato de viver - de conservar nismo, que surge da imensa diversidade de con-
ininterruptamente o acoplamento estrutural como figurações sensório-motoras que o sistema ner-
ser vivo - corresponde a conhecer no âmbito do voso pode permitir. Essa é a chave de sua partici-
existir. De modo aforístico: viver é conhecer (vi- pação no funcionamento do organismo.
ver é ação efetiva no existir como ser vivo). A seguneb se dá pela abertura do organismo
Em princípio, isso é suficiente para explicar a para novas dimensões de acoplamento estrutu-
participa~:ão do sislema nervoso em todas as di- ral, ao possibilitar que ele associe uma gmnde
mensôes cognitivas. No entanto, se quisermos diversidade de estados internos com a grande di-
compreender a participação do sistema nervoso versidade de interações em que pode participar.
..,
,
1 96 A ÁRVORE DO CO:-lHECIMEN10
10 2
---I". ,u_nidade
1 orgilnluçao estrutura
L autoPoieseJ
(onhe<er o conhecer
I experiénda cotidiana
ética .I
fenômeno do conhecer fenome1nologia
I biol6gica
I!lCplicação
(ientifiu
I .I
observador
9 '<''' 3
domínios linguístioos fenômenos históricos
I I I ~j
,
linguagem conservação - varia~ão"1
consciência reflexiva ~eproduçãl :1
J
1
8
p,rt"~"Õ" j
fenômenos
I'.
fenômenos sociais
culturais
acopla~ento
estrutural
I.!
antol!!!!mil.;
I . I ~
unidades de terteira unidades de segunda ordem
ordem
clausura olperadonal i
1
7 5
atos cognitivos l filogenia
'O'''I''..!' i",~'
amplla~ão do
II 6 deriva
natural
história de ~
interações.
ner
comportamento - sistema
domínio de interações
I so con5e~açãO selJção"-
f
L da adjPtação-estritural
,,,ru""'l 1.
plasticidade contabilidjde lógica
determinação estrutural
representação I
salipsismo de
2 00 A ÁRVORE DO COl\'HECIMENTO •FE",ÓME:-lOS SOCWS 2 01
Consideremos uma situação completamente pa- é uma fenomenologia peculiar, da qual nos
ralela à do capítulo IV, a propósito da origem dos ocuparemos neste capítulo e nos seguintes. Tra-
metacelubres. Ou seja, em vez de examinar ape- ta-se da fenomenologia do.<;a coplamentos de ter-
nas um organismo com seu sistema nervoso, ceira ordem.
formas específicas. Como humanos, criados numa americanos, por exemplo, o macho se acasala com
cultura patri:lrcal, tendemos a pensar que o natu- um harém de fêmeas fpoliginia), caeb. uma das
°
ral é que a fêmea cuide dos filhotes e m;lcho se quais põe um 0\"0 dentro de um buraco. Uma vez
encarregue J:.l proteção e do sustento. É de su- este cheio, o macho se incumbe de cuidar deles.
por que es.<;;limagem est;i parcialmente baseada Essa inclinação doméstica do macho se en-
no fato de que somos mamíferos, com períodos contra, em forma mista, em outra ave sul-ameri-
mais ou menos longos de bct;lÇào, nos quais a cana, a jaçanà. Nesse caso, a fêmea define um
cri;lnça permanece necess;lriameme ligada ri mãe. território mais ou menos vasto, onde prepara vá-
---- Não há nenhuma espécie de mamífero em que a rios ninhos e ao qual permite a entí..lda do mes-
amamentaçào seja responsabilidade do macho. mo número de machos (poliandrkü. Depois da
Contudo, essa divisão tão nítida de papéis está fertilização, deposita um ovo em cada um dos
longe de ser universal. Entre os pássaros, h5. uma ninhos e constrói mais um para si mesma, no
grande variedade. Em muit:ls aves, tanto o ma- qual deposita outro ovo. Dessa maneira, tanto
cho quanto a fêmea podem produzir no papo fêmeas quanto machos têm ° prazer de criar os
uma espécie de produto leitoso que é regurgitado passarinhos (Fig. 51).
para os filhotes. Além disso, nos avestruzes sul- Entre os pingüins ocon'e outra variapl0 ainda
mais notável. Para eles, conseguir alimento paíJ
os filhotes é aparentemente mais difícil e requer
a participação de ambos os pais. Como são cui-
dados, porém, os pequenos pingüins? É interes-
sante: alguns dos adultos do grupo permanecem
por perto e cuidam do conjunto, formando uma
verdadeira creche.
No caso do pei.xe espinhoso, chega-se a um
extremo. O macho constrói um ninho, seduz a
fêmea para que ela ponha nele os ovos e a seguir
a expulsa (Fig. 52 ). Uma vez sozinho, vai agitan-
do a cauda e fazendo com que a água que banha
os ovos circule até que estes se rompam. Em se-
guida, passa a cuidar dos peixinhos até que eles
se tornem independentes. Ou seja, nesse caso é
o macho que se encarrega das crias, e sua rela-
ção com a fêmea dum apenas o tempo necessá-
Fig. SI. J:lçan;l. rio à corte e à desova.
204 A ÁRVORE no CONHECIMENTO . FENOMEl>:OS SOCWS 205
Há outros exemplos, nos quais o extremo está sistema nervoso, a variedade possível é imensa.
do lado da fêmea, que tem a maior pane da res- Em conseqüência, a história natural resu1t3.num3.
ponsabilidade pelos filhotes. Poderíamos comi~ lista também muito variada. É necessário ter isso
nuar cicando muitos outros casos de maneiras de em mente, para compreender a dlnâmicl social
satisfazer o acoplamento obrigatório para a pro- humana como um fenômeno biológico.
criação e a criação. É evidemc que não h,í papéis
fixos. Tampouco os há nas sociedades huma-
nas, em que existem numerosos casos tanto de Embora pratícameme universais, os acoplamentos
poliandria quanto de poliginia, e nos quais a di- comportamentais sexuais e de cria\-'ào de filhotes
ViS;lO das tarefas de criação dos filhos varia de não são os únicos possíveis. Há muitas outras
um extremo a outro. Com efeito, já que esses formas de acoplamento comportamental que os
acoplamentos ocorrem com a presença de um incluem e vão muito além deles, ao específiclr,
entre os indivíduos de um grupo, coordenações
comport.1.mentais que podem durar a vida inteira.
O caso mais clássico e notável de um acopla~
mento tão estreito que engloba toda a omogenia
dos organismos participantes é o dos insetos so-
ciais. Esses animais compreendem muitas espé-
cies entre as várias ordens de insetos. Em muitos
deles se originaram, de modo paralelo, mecanis-
mos muito semelhantes de acoplamento. A', for-
migas, os cupins, as vespas e as abelhas são exem-
plos bem conhecidos de insetos sociais.
Na Fig. 53, por exemplo, vêem-se vários indi-
víduos que se encontram entre as formigas
Ollrmidneas, um dos grupos bem estudados. Ve-
mos que há uma grande variedade de formas entre
os indivíduos participantes, e sua morfologia é
diversa de acordo com as atividades que normal-
mente realizam. Assim, a maior parte dos indiví-
duos da Fig. 54 são fêmeas estéreis, que desem-
penham tarefas como coletar alimentos, defesa,
figo 52 . Monwmos do com-
cuidado dos ovos e manutenção do formigueiro.
purtamento de corte do pei-
Xl' cspinhuoo. Os machos ficam recolhidos ao interior, onde se
206 A ARVORE no CO:-JHF.C!.\IF.:<:TO 2 07
encontra a fêmea que geralmente é a única fértil, o mecanismo de acoplamento entre a maio-
a rainha (Fig. 53, g). É notável ver que lü fêmeas ria dos insetos sociais se faz por meio do inter-
com mandíbulas enormes, capazes de exercer dmbio de suhst:l11cias. É, pUl1amo, um acopla-
grande pressão. São muito maiores que as fê- mento químico. Estabelece-se um fluxo contínuo
meas oper.í.rbs (Fig. 53, e e f). /I. maior parte das de secreções entre os membros de uma colônia:
formigas de lima colônia como essa 1 1 30 tem ne- eles trocam conteúdos gástrkns cada vez que se
nhuma participação na reprexluçào, que está restri- encontram, como se pode constatar observando
ta à minha e aos machos. ElUretanto, todos os qualquer fila de formigas na cozinha. Desse con-
indivíduos de um formigueiro estão estreitamente tínuo interdmbio químico - chamado trofolaxe
acoplados em sua dinâmica estrutural fisiológica. (Fig. 5.i) -, resulta a distribuição, por toda a po-
pulação, de uma certa quantidade de substân-
cias, entre elas os hormônios responsáveis pela
diferenciação e especifkação de papéis. Assim, a
rainha só é rainha na medida em que é alimenta-
da de um certo modo, e não por hereditariedade.
B asta retirá-la de seu lugar, para que, de imedia-
to, o desequilíbrio hormonal produzido por sua
ausência resulte na alimentação diferencial de
algumas larvas, que se desenvolverão como rai-
nhas. Vale dizer: toda a ontogenia de um dado
indivíduo, como membro da unidade social, está
atrelada à sua contínua história de interações
trofoláticas seletivas. Estas, de modo dinâmico,
encaminham, mantêm ou modificam sua manei-
,..I particular de desenvolvimento.
Os processos e mecanismos detalhados da de-
terminação das castas, dos m{ xlos de cooperação
entre diferentes espécies, de organização territo-
rial, e muitos outros aspectos da vida dos insetos
Fig. 53. Diferentes morfolo-
sociais, têm motivado muitos estudos. S ~IOUllla
gi;IS nas <.:;ls(as lWs formigas
mirmidneas (Pbcidole klngl fonte sempre renovada de circunstâncias, que
iIlJlllbilis). Indivíduo.' da cas- revelam as formas mais inesperadas de acopla-
ta opeciria; de (a) a ([l. Arai.
mento estrutural entre esses organismos. No en-
nha ap;'rece em (g) e o m~.
cho em (h). tanto, em todas elas é evidente um grau de ligidez
2 08 A ÁRVORE DO CO"lHECIMENTO FENÓMENOS SOCL-\lS 2 09
\
-_
tátil entre Iodos os indivíduos do grupo. Nesse
caso, o acoplamento intragrupal tende a estabe-
,
"..------- .••..,
..::--
lecer uma hierarquia de dominaçào entre os ma- / I "' ,,' o" \ ,
I I o' ~ 0'/'
chos. Essa hierarquia Cc a coesão do grupo) é
I
\0'0'0' ••.'
....
_-" _st,.
.•..
\
,
nítida quando observamos os animai.<; migrarem
I \
de um lUg'.lf para outro, ou enfrentar um preda-
dor como um leão. Assim, quando o grupo mi~
I
I (~H~\
.....
--
1---....•
9 f', 1
\ I o" o"
--- --_ ....•
\ \ ~9<1'9 ~9~9J
gra, os machos dominantes, as fêmeas e os filho- \ •••• '" ••••~~99 0"/ I
/
tes vão no <:entro; outros machos, adultos e jo- '.•._----------_ ..•.
vens, e as fêmeas, colocam-se estrategicamente 4.
3.
à frente e atrás (Fig. 57). Durante longas horas
do dia, os babuínos costumam brincar e catar
pulgas uns nos outros, mantendo uma contínua
interação. Nesses grupo.s, além disso, é possível :,58. Esquema compar.Jti- possível dá a cada grupo de babuínos um perftl
obselVar o que se pode chamar de temperamentos di.~!ribuição ue inuiví-
próprio. Cada indivíduo está continuamente ajus-
babuínos c chimpanzés.
individuais, que fazem de alguns babuínos indi- tando sua posição na rede de interações forma-
víduos irritadiços, outros sedutores, outros expio- das pelo grupo, segundo sua dinâmica particular,
fig. 57. Um grupo de
mdores etc. Toda essa diversidade componamental habuínos se desloca. que resulta de sua história de acoplamento estru-
turai grupal. Entretanto, mesmo com todas as di-
ferenças, há um estilo de organizar,.""ào
grupal dos
babuínos que se generaliza de bando a bando e
que, desse modo, reflete a linhagem filogenética
compartilhada por todos eles.
Diferentes grupos de primatas mostram mo-
dos e estilos de interação muito variados. As
hamadríades do norte da África são habitualmen-
te muito agressivas, e suas hierarquias de domi-
nação são muito rígidas. Por sua vez, os chim-
p;.\nzés têm uma organização gmpal muito mais
fluida e variável e criam grupos familiares exten-
sos, que permitem muita mohilidade individual
(Fig. 58). Assim, cada grupo de primat;.\s tem suas
1. 2. peculiaridades.
2 14 A ÁRVORE DO COI"HECr.\IE~TO
,
S FENÔ.\lEl'>OS SOCl>\.IS 2 15
Entendemos como fenômenos sociais os ligados Fenômenos sociais e instintivo ou :1 prendido das condutas sociais, po-
às unidades de terceir:l ordem. Apesar da varie- comunicação deremos também distinguir eIllre formas filoge-
dade de estilos de acoplamento que temos nos néticas e oIllogenéticas de comunicaçào. Assim,
esforçado para apresentar, é evidente que ,lO fa- o peculiar da comunicação não é que ela resulte
lar de fenômenos sociais referimo-nos ao que de um mecanismo distinto dos demais comporta-
acontece num tipo particular de unidades. A for- mentos, mas sim que ocorra no domfnio do aco-
ma como se realizam as unidades dessa classe plamento social. Isso vale rambém para nós, como
varia muito, desde os in.setosaté os ungulados ou descritores de nossa própria conduta social, cuja
os primatas. O que é comum a todas das ê que, complexidade não significa que nosso sistema
quando se estabelecem acoplamentos de terceira nervoso funcione de modo difereme.
ordem, as unidades resultantes, embora sej:1 mtr..lJl-
sit6rias, geram uma fenomenologia interna espe-
cífica. Essa fenomenologia se baseia no fato cultural Um belo caso de comunicação ontogênica é coti-
de que os organismos participantes satisfa- dianamente acessLvel no canto de certos pássa-
zem suas ontogenias individuais principal- ros, entre outros o papagaio e seus parentes pró-
mente por meio de seus acoplamentos mútu- ximos. Em geral esses animais vivem na selva
os, na rede de interações recíprocas que for- densa, em meio à qual não estão em contato vi-
mam ao constituir as unidades de terceira or- sual. Ness:ls condiçoes, é o seu canto que permi-
dem. Os mecanismos medi:mte os quais essa rede te o estabelecimento de um cas31 , por meio da
e as unidades que :l constituem se cst.lbelecem produç:io de um cantar comum. Por exemplo, a
\':1 riamem cada GISO, mas mantêm sua coesão. Fig. 59 mostra o espectrograma de duas aves afri-
Toda vez que hi um fenômeno social lü um canas. (Espectrografia é urna forma de captar o
acopbmento estrutural entre indivíduos. Portan- som e pó-lo no papel em duas dimens()es, como
to, como observadores podemos descrever uma uma notaçào musical contfnua). Olhando um
conduta de coordenação recíproca entre eles.
Entendemos como comunicação o desencadea-
mento mútuo de comportamentos coordenados
que se dá entre os membros de uma unidade
25 metros 10 metros 40em
J~~,~~
social. Dessa maneira, entendemos como comu-
nicação uma classe particular de condutas que Freqüência
acontece com ou sem a presença do sistema
I
nervoso, no funcionamento dos organismos nos I
o 0.5 o o.; o ,).5
sistemas sociais. Como acontece com todo com-
tempo (segund05)
portamento, se pudermos distinguir o caf;Íter
., 216 A ÁRVORE DO COt\HEClMENTO 2 17
Organismos e sociedades ,i
Os organismo:>e as sociedldes penencem ã priedades das célubs que o compõem. A ~:cional kompol1 amental) desse siSlema. Os mento em meio a ele. isso ocorre numa con-
m~sma classe d~ rnel:lssisternas formados estabilidade genélica e ontogenélica dos pro- lorganismos reqr.erl:'m um acoplamento es- tinua aprendizagem social, que é definida
reLi agreg:lçlo de unidades autônomas. que cessos celulares que constituem (} I;0l"í<anis_ ,.. trutural nào-Iing(jí.stir.:oentre seus compo- por seu próprio funcionamento social (lin-
podem ser celulares ou metaceluLires. O ob- mos de cada espécie - e l:unbém a existl,tl_ ,.pentes: os sistemas sociais exigem compo- ,I1 ;übtico),e que é possível gra';as aos pro-
servador pode distinguir os diferentes me, Ci:lde processos urg;tnicos que podem eli_ .. 'nentes <lcopladosestruturalmente em uomí- cessos gent'ücos e ontog~'nicos que penni-
tassistemas membros dessa classe pelos di- minar as célubs que saem ,b norma _ mos_ Ílio~lingüislicos. nos 'luais eles (os compo- tem sua plasticidade estrutur.tl.
versos gf;jUS de autonomia que percebe tram que é assim que as coisas a{ 'onte{ 'em, nentes) possam oper~r com a linguagem e Org;mbmos e sístemas sociais humanos
como possívcis em sellS componentes. As- Nos sistemas soci<lishumanos o quadro ~er obsen'adores, Em conseqüênt"Ía. para o sào. pois, casos 0poslos na série de metas-
sim, se ele os ordena em s<'rie, segundo o é diferenle. Como comunidades humanas funcion,lrnento de um organismo o ponto sistemas formados pela awega~'ã<Jde siste_
grau em que sel,l.';r.:omponemcsdc-pendem eles taml"lt'mtêm clausura operacional, que çentr~l é ek próprio - e disso resulta a res- ma~celulares de qualquer ordem. Entre eles
- na sua reaJiz.aç;'locomo unid;jdes autôno- ocorre no acoplamento eSlnlturaI de seus trição d,lS propriedades de seus componcn- estão - além de diversos tipos de sistema,';
mas - de sua p,micipaçào no mela$sislema componentes, No ent;tnto, os sisremas so- tesoJá para a operaçào de um sis!Cmasocial ~ociais formados por OUtrosanimais _ cer-
qlle integram. m organi~mos e (} I;sistemas ciais humanos tamhém existem como uni- humano, o ponto central é o domínio Iin- las Çomlllliuadl's humanas. Por incorporar
sociais humanos se colocado nos extremos d:ldes para seus componente.s no domínio guístico ger.ldo por seus componentes e a mecanismos coercitivos de est<lbilizaçãoa
opostos da sáie. Os organismos seriam da linguagem, A identidade dos sistemas so- amplial,;;lOdas propriedades destes. Essa con- todas :lS dimensões do comportamento de
metassistemas com componentes de auto- ciais humanos depende, pol1 anto, da con_ dição é necessária para a reali7.açãoda lin- St:'USmembros, tais comunidades { 'onstitu_
nomia mínima, ou seja. com componentes servar;ão da :ldaptação dos seres humanos guagem, que conSlilrliseu domínio de ('xis- em siSlem:ls s(xiais humanos desvil1 uados,
de muito [Xluca ou nenhuma dimens;to de nào apenas como organismos -num sf'ntido , "tênria. O organismo reslringe a criativid:lde que rerderam suas car:lu<:,risticasespecífi-
existência independenre. J:l as sociedades geral-o mas também como componentes dos individual das unidades que o imegram, pois GlSe despcrsonaliz;lram seus r.:omponentes.
humanas seriam metassisremas com campo- domínios lingüísticos que eles constituem, ie5tas existem para cle; o siSlema social hu- Assumir.tlll, assim, a forma de organismos,
nem~s de autonomia máxima, isto é, com Pois bem: por estar as~ot"Íadaa serls com- mano amplia a criativid:ldeindividual de seus (;omo foi o caso de Esparta. Organislllos e
componentes de muitas dimensões de exis-
>
portamentos lingüísticos, a história evolutiva componentes, poi~esta existe P:lr.l eles. sislema.ssoci:lÍs humano$ n,ío podem, pois,
tência indepcndenlt". A~sociedades forma- do homem é uma hiMória na qU<llS t:'sete- A cocrência e a harmoni:l nas relaçOeSe t:f.juipar..lr-sesem distorcer O" negar as ca-
das por outros metarelubres, como as de cionou a pbsticid<lde compor1 :lmental on- inter.tçÓ<:'sdos componentes de cada orga- racterísticas próprias de seus respectivos
insetos, ficariamsituadas em diferentes pon- togênica que lorna pos~ívd O.Sdomínios nismo t'.spccífícose develll, em seu desen- { 'omponentes
tos intemlt'di:írios. : \0 emanro, ,lS dikren- lingüísticos - e na qu:t1 <l cOIlSt:'n<lçi:io
da , ;~,volvimenloindividual, a fatores gt'nt'tims e Qualquer an;iJise da fenomenulogia ~o-
ps entre es,;.cs diversos metassistemas s;m adaptação do ser humano como organismo ontogênicos que dt'mucam a plaslicidadt' ('ial hllmana 'lue não leve em conta as con-
opel"<lcionais.Dadas algumas transformaçàes requer que de funcione ness••s dominio~c . eSlrunlral de s.eus componentes. A u)erên- sideraçoes acima será deficienre. porque
nas resp<;'L1 i\'as
dinámit'as internas c de re- conserve t'.SS;.plasticid,lde, Dessa maneira, tia e a hamlonia n,IS rd:,,!;õe.~e interaçàes neg;lr.i os fundalllt'lllos biológicos dessa fe-
Iaçào, eles podem desloGlr-sc em urna ou assim como a ex;"têneia de um org:lllismo dos integr.mtes de um sistema s<xiai devem- nomenologia.
em outra direção (Llsérie. Vejamos agora as r~><luera eSl;l.bilidade operacional de St:'us . se il.coert-ncia e à h"rmonia de seu cl"('sci-
difcrenr,;;lsentre os org,lI1 ismos e os siste- l'omponenles, a exiSlt-ncia de um sistema
mas sociais humanos. s(x"Í;l1humano exige a plasticidade opera-
Na qualid:Ide de sistemas metacdulares,
os or~anismüs tem cbusura orlt"racional,que
acontece no acoplamento estrutural das cé-
lulas que os compàem. Na ürgani7~H;àode
um org:tnismo, o central está em Miamanei- _~I~
ra de ser unidade num meio em 'lue deve
funcion,lr { 'Olllpropriedades estáveis que lhe AutonOllliJ
permitam conservar sua adaplação nde, Org;mismos Insetos sociais EsparU Sociedades máxima dos
quaisquer que sej,lma$ propriedl,leS de seus Iiurn:m,l' t"omponenres
componenres. t\ conseqüência evolutiva fun-
dament;tl dessa circunsl:Ínci:1é que a con-
s"rva(;ão d,l :j(.lapl;l\,,~1dos
0 organismos de
uma dderminalLt linhagem sc!ecion,l, de
modo recorrente. a estabilização das pro-
222 A ÁRVORE DO COSHEClMENTO 223
10 2
~u.nidade
DOMíNIOS LINGüíSTICOS E
conhecer o conhecer 1 organlzaçao estrutura CONSCIÊNCIA HUMANA
I
ética experiência
I
cotidiana
L autoPoieseJ
fenõmeno do conhecer
fenome~ologia
I biológica
explicação
. =-- científica
[ observador
9 açà!
3
domlnios linguisticos
fenômenos históricos
. I
linguagem
I conse~ação - vJriação
consciência reflexiva
!eProdUÇãJ
8 4
fi fenô~enot tult~rais
penurbações
clausura olperacional
7 5
atos cognitivos '
r filogenia
correlaçõjs
I
intern<Js~ 6 deriva história de
ampliação do natural interações
<omT",m,",o - ::'~':~~
L
dominio de interações
conselação selJção
da adaptação-estrutural
plasticidade contabilidjde lógJa I I
"""'""'l
determinação estrutut<J!
representação I
solipsismo
228
A ÁRVORE DO COKHEClMF.NIQ
OMINIOS Li:-lGüisncos E CONSCIÊNCIA HU~Lo\NA
229
o gato de um amigo nosso o acordava todas as
fTh1.ohãsao nascer do sol, caminhando sobre o mente na realização de suas respectivas autopoie-
piano. Se esse amigo se levantava, encontrava~o ses. Dissemos que os comportamentos que ocor-
junto à porta que dava para o jardim para que ele rem nesses domínios de acoplamentos sociais são
a abrisse, e então saía, muito contente. Se o nos- comunicativos e podem ser inatos ou adquiridos.
so amigo não se levantasse, o gato voltava a an- Para nós, como observadores, o estabelecimento
dar sobre o teclado, produzindo um ruído não ontogênico de um domínio de condutas comuni-
muito harmonioso. cativas pode ser descrito como o estabelecimen-
Seria perfeitamente natural descrever o com- to de um domínio de comportamentos coorde-
portamento desse gato como se ele "significasse" nados associáveis a termos semânticos. Isto é,
o descjo de que seu dono o deixasse sair para o como se o determinante da coordenação com-
jardim. Isso corresponderia a fazer lima descri- portamental assim produzida fosse o significado
ção semântica dos comportamentos de nosso do que o observador pode ver nas condutas, e
amigo e de seu gato. No entanto, sabemos tam- não no acoplamento estrutural dos participames.
bém que as interações deles só ocorreram como É essa qualidade dos comportamentos comuni-
um desencadealllcnto mútuo de mudanças de cativos ontogênicos - de poderem aparecer
estado, segundo suas respectivas determinações como semânticos para um observador - que trata
estruturais. Trata-se de uma nova ocasiào pam cada elemento comportamental como se fosse
manter a clareza da nossa contabilidade lógica e uma palavra que pennite relacionar essas condu-
poder caminhar sobre o fio da navalha, fazcndo tas à linguagem humana. É tal condição que res.
a diferença entre o modo de operar de um orga- saltamos, ao designar essa espécie de classe de
nismo e a descrição de seus compol1amentos. condutas como constituintes de um domínio
Sem dúvida, há muitas circunstâncias, como a lingüístico que se forma entre os organismos
do nosso amigo, em que podemos aplicar uma participantes.
descrição semântica a um fenômeno social. Isso se O leitor não precisa de exemplos de domínios
faz freqüentemente como um recurso literário ou lingüísticos. Vimos vários deles no capítulo ante-
metafórico, que torna a situação compar.:í.vela uma rior. Mas não os assinalamos dessa maneira, por-
interação lingüística humana, como nas fábulas. que o tema era o social em geral. Por exemplo, o
Tal circunstância requer um exame mais preciso. cantar em dueto é um exemplo elegante de in-
terdçào lingüística. Um bom exercício para o lei-
tor será voltar atr.:í.se rever o capítulo anterior, com
No último capí[ul0, vimos que dois ou mais orga- o olhar disposto a descobrir quais dos comporta-
Descrições
nismos, ao intcragir de modo recorrente, gerdm mentos comunicativos ali descritos podem ser tra-
semânticas
um acoplamento no qual se envolvem reciproca- tados como lingüísticos, e verificar como neles
surge a possibilidade de descrições semânticas.
2 Jl
230 A ÁRVORE DO CO~HECL\lF"T .. , O
Ó=~
tamente () lexicografia 3. Uffi: l nova série de obJe-
a=~ 4=&
rias. Por sua vez, Sherman e Austin emm capazes
disso, como mostrara o experimento anterior.
Tornou-se claro que eles haviam sido treinados
num contexto inter.ltivo e exploratório de opera-
.-
cionalidade lingüística mais rica, por envolver
rn
rença fundamental em suas ontogenias em rela-
88 ção à de Lana.
Todos esses estudos sobre as capacidades lin-
güísticas dos primatas superiores - o gorila tam-
~It bém é capaz de aprender a interagir com os sig-
<> -1J ./
~~ nos do AmesJan - são muito importantes para a
compreensão da história lingüística do homem.
..
~ ~~~i~
Não conhecemos com precisão, e talvez n:lo
conheçamos nunca, os detalhes da história das
transformações estruturais dos hominídeos. Infe-
lizmente, a vida social e lingüística não deixa fós-
~
seis e não é possível reconstmi-la. O que pode-
mos dizer é que as mudanças nos primeiros
hominídeos, que tornaram possível o aparecimen-
to da linguagem, têm a ver com sua história de
animais sociais. de relações interpessoais afetivas
e estreitas, associadas à coleta e à partilha de ali-
mentos. Neles coexistiam as atividades aparente- 65. Nü~sa linhag<:lT1. A linhagem de hominídeos à qual peltence-
mente contraditórias de ser parte integrante de mos tem mais de quinze milhões de anos (Fig.
um grupo muito ligado c, ao mesmo tempo, sair 65). No entanto, não foi senão há cerca de três
e afastar-se por períodos mais ou menos longos, milhàes de anos que se consolidamm os tmços
coletando e caçando. Uma "trofolaxe" lingüística cstrutur..lis essencialmente idênticos aos atuais. En-
com capacidade de tecer (recursivamente) uma tre os mais importantes: o andar hípede e ereto,
trama de descrições, é um mecanismo que pcr~ o aumento da capacidade cmniana (Fig. 66), uma
mire a coordenação comportamental ontogênica, , conformação dentária específica - associada à
como um fenômeno que admite um caráter cul- I: alimentação onívora, mas baseada principalmen-
turdl, ao permitir que cada indivíduo "leve" o gru- te em sementes e nozes - e a substituiçào dos
po consigo, sem necessidade de interações físi- ciclos estrais de fertilidade das fêmeas por mens-
cas contínuas com ele. F~"{ aminemosisso um pou- truações. Estas fizeram com que a sexualidade
co mais de perto. feminina se tornasse contínua e não mais s37.onal,
A ÁRVORE no CA)NHEC"\lE~TO OMÍNlOS LiNGüíSTICOS E Co!'scrt:-;Cl.>' HUMANA 2 43
li
relho digestivo, como todo o resto do reino ani-
mal. Os achados fósseis indicam que seu com-
portamento de tr.:lOsportadoresera pane integr..ln-
te da conformação de uma vida social na qual
fêmea e macho - unidos por uma sexualidade
I
permanente e nào S:l.zonal como a dos outros
primatas - compartilhavam alimentos e coopera-
vam na criação dos filhotes. Isso ocorria no do-
mínio d3s estreitas coordenações comport3men-
tais aprendidas (lingüísticas) que acontecem na
incessante cooperação de uma família extensa.
ES.'iemodo de vida de constante cooperação c
coordcn3çào comporta mental aprendida teria
constituído o f1mbito lingüístico. Sua conserva-
ção teria levado a deriva estrutural dos hominídeos
pelo caminho do contínuo incremento da capa-
e possibilitou a cópula face :l face. É certo que cidade de fazer dístinçôes nesse mesmo àmbito
nem touas essas transformações - que distinguem de coordenações comportamentais cooperativas
os hominídeos de outros primatas - aconteceram entre indivíduos que convivem de modo íntimo.
de modo simultâneo, mas sim em momentos c Tal participaçào recorrente dos hominídeos nos
ritmos distintos, ao longo de vários milhões de domínios lingüísticos por eles produzidos em sua
anos. Em :llgum período, enquanto ocorriam es- socialização deve ter sido uma dimensão deter-
sas transiçõcs, o enriquecimento do domínio lin- minante na eventual ampliação desses domínios.
güístico associado a uma s<X'iabilidade recorren- Fig. 66, Compawçào da Até lJ.ue surgiu a ret1exão que deu origem à
çapaciuad~ craniana dos
te levou J. produção da linguagem. linguagem - o momento em que as condutas
hominiueos.
244 A ÁRVORE DO CONHECIMENTO OMiNIOS LiNGC!STICOS E CONSCIÊM.:JA HUMANA 2 45
10.000 a.C.
lingüísticas passaram a ser objeto da coordena-
ção compottamental lingüística, da mesma ma-
neira que as ações no meio são objetos das coor-
denações comportament:lis. Por exemplo, na in-
timidade das interações individuais recorrentes,
que personalizam o outro com uma distinção lin-
güística particular que funciona como apelativo
individual, poderiam ter ocorrido as condições
para o aparecimento da reflexão lingüística.
Essa foi, até onde podemos imaginar, a histó-
População mundial: 10 milhàcs ria da deriva estrutural dos hominídeos que le-
l'oK"entIgemd" çlçador"'-l'Ole!orc5: 1000/0
vou ao aparecimento da linguagem. É com essa
herança e com essas mesmas características fun-
damentais que funcionamos hoje em dia, numa
deriva estnJtural por meio da qual se conservam
a socialização e a conduta lingüística acima
descritas.
• se expandem por todo o córtex, sem nenhuma fixamos o olhar de um indivíduo e controlamos a
regulação (Fig. 69). localização em seu campo visual das imagens-
Como conseqüência, a pessoa sofre convul- estímulo, podemos escolher entre interagir pre-
sões e perda de consciência, além de uma série ferencialmente com o córtex direito ou o esquerdo.
de outros sintomas bastante incapacitantes. Em Nessa situação experimental, descobrimos que
casos extremos dessa doença, tentou-se, há al- é possível encontrar distintos comportamentos,
guns anos, evitar a invasão transcortical da ativi~ caso a interação com a pessoa ocorra pela direita
dade epiléptica cOl1ancto a conexão mais impor- ou pela esquerda. Por exemplo, um indivíduo se
tante entre os hemisférios cerebrais, o corpo senta di:lnte de uma teia, com a instrução de es-
c;lloso (Fig. 70). O resultado foi que a epilepsia colher, entre vários obje(Qs - que não pode ver -
do indivíduo melhorou até certo ponto, mas os aquele que corresponde à im;lgcm projetada (Fig.
hemisférios deb:aram de funcionar como lima uni- 72 ). Se no lado esquerdo (hemisfério direito) pro-
dade, como acontece nas pes..<;oasnormais. " figo 69. Ataqut" t:pilético de jetamos a imagem de uma colher, ele não terá
Já mencionamos que certas zonas do córtex fI uma inca, ~t:gllndo grJ.vurJ. lLt dificuldade par..! encontrar, pelo (.1.to,a colher que
época. está sob sua mão e mostrá-la. Mas se agor.!, em
precisam estar intactas pam que a fala seja possí-
vel. Na realidade, em quase todos os humanos vez da ímagem de uma colher, mostr..!mos a pala-
basta que haja integridade dessas regiões num só vr.! "colher", o indivíduo não reage. Quando ques-
lado preferencial, mais comumente o esquerdo. tionado, confessa que não viu nada. Interações
É por isso que se diz que há uma lateralização na faladas ou escritas que só envolvem o córtex di-
línguagem. O que acontece, então, em relação à rei(Q são, em geral, in inteligíveis para adultos
interação lingüística, com os indivíduos em que depois da secção do corpo caloso. Nesses casos,
os hemisférios foram desconectados? eles não podem interagir com o cól1ex esquerdo
Nas situações do dia-a-dia não se nota nenhu- na linguagem escrita, do mesmo m(xlo que um
ma diferença. Com efeito, esses pacientes opera- bebê ou um macaco. Contudo, pessoas assim são
dos podem retomar suas vidas habituais, e não perfeitamente capazes de participar, pelo campo
seria possível distínguir uma pessoa oper.ada se a visual esquerdo, de outros domínios lingüísticos,
encontrássemos num coquetel. Mas há maneiras como mostr..!rn os mesmos experimentos.
de produzir, em laboratório, uma interação pre- Imaginemos agor..! que em vez de mostrar a
ferencial com o hemisfério esquerdo e direito do essa pessoa uma colher, em seu hemisfério direi-
cérebro em separado. Esses experimentos se ba- to, lhe mostremos a imagem de uma bela mode-
seiam na anatomia do sisten13.visual, no qual rudo lo nua, diante da qual ele se ruboriza. Ato contí-
o que vemos com o lado esquerdo estimula neurô- nuo, perguntamos; "O que aconteceu?" A respos-
ta do indivíduo ê: "Mas dou(Qr, que máquina di-
nios que se em:ontI'".!m no córtex direito e vice-
m ItW, Sperry, 'l1;c lIame}'
vertida essa sua ..." Ou seja, a pessoa com quem
versa (ver diagrama na Fig. 71). Desse modo, se üxtures 62 : 2 93, 1%8.
250 A ÁRVORE DO CONHECrME~TO DO,\lí"ros LíNGÜiSTICOS E CONSCIENCl". Hl'l\l'.NA 2 51
v •
\
!
!
"/
ti
.~
'11 '\ \
/ ..'i .~r!
-.
.,.
,"
nos qu:.tis existe apenas um:] leve lateralização.
tória e diz; "Que 01 3qujna divertida o senhor tem". Comel! Universily Press, NoY:1
York, 197H. Felizmente para nós, uma dessas raras pessoas
2 52 A ÁRVORE DO COl\"HECI.\IENTO D().\lí~IOS Lí: -;(;üísTI(: OS E CONSCI~: NCI.-\HUMANA 2 53
Todos esses experimentos nos dizem algo fum.b- o mental ea conserva como unid3de sob as comínuas pertur-
mental sobre a maneira como, na vida diária, or- consciência bações do meio e as de seu próprio funciona-
ganizamos e damos coerência a essa contínua mento. Depois, vimos que o sistema nervoso gera
concatenação de reflexões que chamamos de uma dinâmica comportamental ao produzir rela-
consciência, e que associamos à nossa identida- ções de atividade neuronal interna em sua clausuf'"J.
de. Por um lado, mostram-nos que o modo de operacionaL O sistema vivo, em todos os níveis,
0pcrJ.r recursivo dJ. linguagem é condição sine organiz3-se de maneirJ. a gerar regularidades in-
qlla non para a experiênda que associamos ao ternas. No domínio do acoplamento social e da
mental. De outra parte, essas experiências funda- comunicação (na "trofolaxe" lingüística), produz-
mentadas no lingüístico se organizam com base se o mesmo fenômeno. Só que a coerência e a
numa variedade de estados de nosso sistema ner- estabilização da sociedade como unidade se pro-
voso aos quais, como observadores, não temos duzirá, dessa vez, mediante os mecanismos tor-
necessariamente acesso direto. No entamo, nós nados possíveis pelo funcionamento lingüístico e
sempre os organizamos de maneira que elas se sua ampliação na linguagem. Essa nova dimen-
encai;xem na coerência de nossa deriva ontogê- são de coerência operacional é o que experimen-
nica. No domínio lingüístico de Paul, não é pos- tamos como consciência e como "nossa" mente.
sível que ele ria sem uma explicação coerente Sabemos que as palavras são ações, e não coi-
para essa ação. POrt.,lOtO,s ua vivência atribui a sas que passam daqui para ali. É no..<;sahistória de
esse estado alguma L'ausa como "é que vocês são interações recorrentes que nos permite um efeti-
engraçados", conservando com essa reflexão a vo acoplamento estrutural interpessoal. Permite-
coerênda descritiva de sua história. nos também descobrir que compartilhamos um
Aquilo que, no caso de Paul, pode revelar-se mundo que especificamos em conjunto, por meio
até certo ponto como consciências desconectadas de nossas açôes. Isso é tão evidente que é literal-
que funcionam por meio do mesmo organismo, mente invisível para nós. Só quando nosso aco-
mostrJ.-nos um mecanismo que opera constante- plamento estrutural fracassa em alguma dimensão
mente dentro de nós. Tudo isso nos mostra que, do nosso existir, refletimos e nos rulmos conta de
na rede de interações lingüísticas na qual nos mo- até que ponto a trdma de nossas coordenações
vemos, mantemos UUla contínua recursão des- comportamentais na manipulação de nosso nlllO-
critiva - que chamamos de "eu" -, que nos do - e a comunicação - são inseparáveis de nos-
permite conservar nossa coerência opera- sa experiência. Esses fracassos circunstanciais em
cional lingüística e nossa adaptação ao do- alguma dimensão de nosso acoplamento estrutu-
mínio da linguagem. rai são comuns em nossa vida cotidiana, desde
A esta altura de nossa apresentação, tal não comprar um pão até educar uma criança. Cons-
nos deve surpreender. Vimos que um ser vivo se tituem a motivação para novas maneiras de
256 A ÁRVORE no CONHEClI>IENTO Dmli~I()S LiNGüisTICn~ E CONSCIÊNCLA, HUMANA 2 57
acoplamento e novas descrições - e assim ad um calendário e ler a B iblia todas 3Stardes, isso só
ínfinilul1I. A vida humana cotidiana e o acopla- é possível se nos comportarmos como se existis-
mento estrutural mais atual estão tào cheios de sem outros, já que é a rede de interações lingüísti-
textura e estrutura que nos assombramos ao cas que faz de ná<;o que somos. Nós, que como
examiná-los. Por exemplo, o leitor ter:í prestado cientistas dizemos t(x!as essas coisas, nào somos
atenção :1 incrível trama subjacente à conversa- diferentes.
ção mais banal, em relaçào aos tons de voz, 3S A estruturA obriga. Por sermos humanos, so-
seqüências de uso da palavra, às superposiçôes mos inseparáveis da trama de acophmcntos estru-
de ação entre os interlocutores? Em nossa onto- turais tecid3 por nOSS3permanente "trofolaxe~lin-
gertia, temos nos acoplado assim por tanto tempo güística. A linguagem não foi inventada por um
que ela nos parece simples e direta. ,\J:.lverdade, indivíduo sozinho na apreensão de um mundo
a vida comum de rodos os di:.lsé uma filigrana de externo. Portanto, eb não p<x1eser usada como
especificidades na coordenação comportamental. fermmenta para a revelac;'àodesse mundo. Ao con-
Dessa maneira, o aparecimento da linguagem tr:irio, é dentro da própria linguagem que o ato de
no homem, e também no contexto social em que conhecer, m coordenaçào comport3mental que é
ela surge, gera o fenômeno inédito - :.lté onde a linguagem, faz surgir um mundo. Percebemo ...
sabemos - do mental e da autoconsciência como nos num mútuo acoplamento lingüístico, não por-
a experiência mais íntima do ser humano. Sem o que a linguagem nos permita dizer o que somos,
desenvolvimento histórico das estruturas adequa- 01.1.5 porque somos na linguagem, num contínuo
das, não é possível entrar no domínio humano - ser nos mundos lingüísticos e semânticos que
como aconteceu com a menina-lobo. Por outro geramos com os outros. Vemo-nos nes,';e acopla-
lado, como fenômeno na rede de acoplamento mento, nào como a origem de uma referência nem
social e lingüístico, o mental não é algo que está em relação a uma origem, mas como um modo
dentro de meu cdnio. Não é um fluido do meu de contínua transformac;~àono devir do mundo
cérebro: a consciência e o mental pertencem ao lingüístico que COnstruÚI10S com os outros seres
domínio de acoplamento social, e é nele que ocorre humanos.
a sua din:nnk"a. É também nesse domínio que o
mental e a consciência funcionam como scletores
do caminho que segue nossa deriva estrutural
Ofi(ogênica. Além dbso, dado que pertencemos a
um domínio de acoplamento humano, podemos
considerAr-nos como fontes de interJçôes lin-
güísticas seletoras de nosso devir. Contudo, como
Robinson Cmsoé entendeu muito bem ao manter
'1'
10 2 ... ,
r-==c
•
unidade A ÁRVORE DO CONHECIMENTO
,
conhecer o conhecer 1 organização estrutura
ética ,
experiência cotidiana L autopoieseJ
fenômeno do conhecer fenome1nologia
I biológica
explicação
científica o conhecer eo Como as mãos do gravador de Escher (Fig. S),
1 __ observador
conhecedor este livro t:nnbém seguiu um itinerário circular.
açã!
9 3 Partimos das qualidades de nossa experiência,
comuns à nossa vida .socialconjunta. A partir daí,
domínios linguísticos fenômenos históricos fizemos um longo percurso pela autopoiese ce-
. I
,
linguagem conseJação - v~riação lular, a organização dos metacelulares e seus do-
consciência reflexiva ~eproduçã! mínios comporramentais, a clausura operacional
do sistema nervoso, os domínios lingüísticos e a
linguagem. Ao longo desse percurso fomos ar-
mando, gmdualmente e com peças simples, um
8 sistema explicativo capaz de mostrar como sur-
4
rr--
gem os fenômenos próprios dos seres vivos. Dessa
perturbações -----rl maneira, terminamos mostr.mdo como os fenô-
fenô~enot cult~r~is
fenomenos sociais
lacoPla~ento l,o~l~1I menos sociais - fundamentados num acoplamento
estrutural ontrgen:J"
unidades ~e terceira unidade's de segunda ordem
lingüístico - dào origem à linguagem. J'o.lostramos
ordem também como a linguagem, partindo de nossa
clausura O~eracional
experiência cotidiana do conhecer nela, nos per-
mite gerar a explicação de sua origem. O come-
ço é o final.
7 5
i"'~r II
Assim, cumprimos a exigência que nos pro-
atos cognitivos ' l filogenia pusemos ao começar, isto é, que a teoria do co-
6 deriva história de
nhecimento deveria mostrar como o fenômeno
,"""",J, natural interações
I
ampliação do comportamento - sistema do conhecer gera a pergunta que leva ao conhe-
domínio de interações conse~ação selJção
L
nervoso
da adaptaçãoestrutural cer. Essa situação é muito diferente das que en-
plasticidade contabilidjde lógiL I I contramos comumente, em que o fenômeno de
detenninação estrutural
"""'""'l
representação I perguntar e o questionado pertencem a domí-
solipsismo
nios diversos.
262 A ÁRVORE DO CO:-lHECIMENTO A ÁRVORE DO COl"HECI.\IENTO 2 63
linguagem e a1tef'Jr a natureza do porvir, ou seja, biológica e sua cultura. A tmciição é ao mesmo
a natureza da n~ltureza. Estamos continuamente tempo uma maneira de ver e de agir, e também
imersos nesse circular de um:l intcraçào a outra, uma forma de ocultar. Toda trddiçào se baseia
(:ujos resultados dependem da história. Todo fa- naquilo que uma história estrutural acumulou
zer leva a um novo fazer: é o círculo cognitivo como óbvio, como regular, como estável, e a re-
que caracteriza o nosso ser, num processo cuja flexão que permite ver o óbvio só funciona com
realização está imersa no modo de ser autônomo aquilo que perturba essa regularidade.
do ser vivo. Tudo aquilo que, como seres humanos, temos
Por meio cles..'i3 contínua recursividade, todo em comum, é uma tr.ldiçào biológica que come-
mundo produzido oculta necessariamente suas çou com a origem da vida e se prolonga até hoje,
origens. Do ponto de vista biológico, 0;10 há como nas variadas histórias dos seres humanos deste
descobrir o que nos aconteceu para que obtivés- planeta. Por causa de nossa herança biológica
semos as regularidades do mundo com as quais comum temos os fundamentos de um mundo
escamos acostumados, desde os valores ou pre- comum, e não nos parece estranho que para to-
ferências até as tonalidades das cores e os odo- dos os seres humanos o céu seja azul e que o sol
res. O mecanismo biológico nos indica que uma nasça a cada dia. De nossas heranças lingüísticas
estabilização operdcional na dinâmica do orga- diferentes surgem [odas as diferenças de mundos
nismo não incorpora a maneira como ele se ori- culturais, que como homens podemos viver e que,
ginou. Nossas visões de mundo e de nós mes- dentro dos limi[es biológicos, podem ser tão di-
mos não guardam registros de suas origens. As versas quanto se queira.
pabvras na linguagem (na reflexão lingüística) Todo conhecer humano pertence a um desses
passam a ser objetos que ocul[am as coordena- mundos e é sempre vivido numa tradição cultu-
çôes comportamcnt:.lis que as constituem operd- ral. A explicação dos fenômenos cognitivos que
cionalmente no domínio lingüístico. Por isso, apresentamos neste livro se localiza na trddição
nossos "pontos cegos" cognitivos são continua- da ciência e se valida por meio de seus critérios.
mente renovados e não vemos que não vemos, No entanto é uma explicação singular, pois
n;'io percebemos que ignordmos. Só quando al- mostra. que ao pretender conhecer o conhecer, .
guma interação nos tira do óbvio - por exemplo, encontramo-nos nitidamente com nosso próprio
quando somos bruscamente transportados a um ser. O conhecer o conhecer não se dispõe como
meio cultural diferente -, e nos permitimos refle- uma árvore com um ponto de partida sólido, que
tir, é que nos damos conta da imensa quanticlade cresce gradualmente até esgotar tudo o que há
de relaçôes que consideramos como garantidas. para conhecer. Assemelha-se mais à situação do
A bagagem de regularidades próprias do aco- rapaz na Galen'(/ dos Quadros de Escher (Fig. 73).
plamento de um grupo Social é sua tradição O quadro que ele vê tr:.\l1sforma-se de modo
2 66 A ARVORE DO CO:-;HECr.~!ENTO A ARVORE 1)0 C.OC'iI-Il':CL\!EJ','TO 2 67
história de seres vivos de mais de três bilhões c por meio dele.••, num processo que configura o
meio de anos nos diz c nos legou. Não prestar nosso porvir. Cegos diante dessa transcendência
atenção ao fato de que todo conhecer é um fa- de nossos atos, pretendemos que o mundo tenha
zer, não perceber a identidade entre ação e co- um devir independente de nós, que justifique nos-
nhedmento, não ver que todo ato humano, ao sa irresponsabilidade por eles. Confundimos a
constniÍr um mundo na linguagem, tem um cará- imagem que buscamos projetar, o papel que re-
ter ético porque ocorre no domínio socbl- tudo presentamos, com o ser que verdadeiramente
isso é igual a não permitir-se ve[ que as maçãs construímos no nosso viver cotidiano.
caem para baixo. Proceder assim, sabendo que Chegamos ao final. O leitor não deve buscar
sabemos, seria um auto-engano, lima negação aqui receitas para o seu fazer concreto. A inten-
intencional. Para nós, portanto, tudo o que disse- ção deste livro foi convidá-lo a uma reflexão que
mos neste livro não só tem o interesse de toda o leve a conhecer o seu conhecer. A responsabi-
exploí.lçâo científica, como o de proporcionar- lidade de transformar esse conhecimento na car-
nos a compreensão de que somos humanos na ne e no osso de suas ações está em suas mãos.
dinâmica social. LiberE3-0os de uma cegueira fun- Conta-se que havia uma ilha, que ficava em
damentai: a de não percebermos que só temo .••o Algum Lugar, em que os habitantes desejavam
mundo que criamos com os outros, e que só o intensamente ir para outra parte e fundar um
amor nos permite criar um mundo em comum lJ.l mundo mais sadio e digno. O problema era que
com eles. Se conseguimos sedu:zir o lei[Qr a fazer a arte e a ciência de nadar e navegar ainda não
essa reflexão, este livro cumpriu seu segundo tinham sido desenvolvidas - ou talvez tivessem
objeüvo. sido há muito esquecidas. Por isso, havia habi-
Afirmamos quc, no âmago das dificulda- tantes que simplesmente se negavam a pensar
des do homem atual, está seu desconhecinlcn- nas alternativas à vida na ilha, enquanto que ou-
to do conheccI'. tros tentavam encontrar soluções para os seus
Nilo é o conhecimento, mas sim o conheci- problemas, sem preocupar-se em recuperar o
mento do conhecimento, que cria o comprome- conhecimento de como cruzar as águas. De vez
timento. Não é saher que a bomba mata, e sim em quando, alguns ilhéus rcinventavam a arte de
saber o que queremos fazer com ela que de[er~ nadar e navegar. Também de vez em quando
mina se a faremos explodir ou não. Em geral, chegava a eles algum estudante, e então aconte-
ignoramos ou fingimos desconhecer isso, para cia um diálogo assim:
evitar a responsabilidade que nos cabe em todos "Quero aprender a nadar."
os nossos atos cotidianos, já que todos estes - "O que quer fazer para conseguir isso?"
sem exceção - contribuem para formar o mundo
m '-Shah, 71JeSu.frs, Anchur "Nada. Só quero levar comigo uma tonelada
B ooks, Nova Yurk, 1964. pâgs,
em que existimos e que validamos precisamente 2 -15. de repolho."
272 A ARHlIU: no CO~HECI.\lEr-;TO
10
conhecer o conhe<er 1
I experiência cotidiana
ética I
fenômeno do conhecer
eXPI!ca~ão I
9
científica
I
açao
., observador
domínios linguisticos
I
linguagem
I
consciência reflexiva
"Que repolho~" 8
"A comida de que vou precisar no outro lado,
ou seja Jj onde for," fenômenos culturais
"Mas há outras coisas para comer no outro
I
fenômenos sociais
lado." unidades ~e terceira
"Não sei o que quer dizer. 0iâo tenho certeza. ordem
II
repolho é uma carga. Para mim, é um alimento
essencial." m'''I",J, ; " t~' 6 deriva
natural
história de W
intera~ôes 1'!
"Suponhamos que - como numa alegoria - os ampliação do I
conservação I. "~
seleção
dominio de intera~ôes mmT""m.",o - ~::=J;'O:~
repolhos representem idéias adquirilbs, pressu-
postos ou certezas."
L plasticidade contabilidrde lógica
da adapta~ão-estrutural
I I ; •
determina~ão estruturalJj
Glossário
Unidade descritiva hereelitâria na genética dos âcidos Unidade multi celular resultante da fusào de vários in-
divíduos unicelulares,
nucléicos, que corresponcle a um segmento de ADN.
Prc'C;\ci('llf,-"~ Células sem compartimento nuclear.
Cada uma elas porções encefálicas simétricas do siste- ! I ,'n IJ'->teri, ,~,
ma nervoso dos vertebrados.
'{ ,+. -.:li. Pl"oh,.'Ul' J\IolêcuJas orgânicas form::tdas pela união em cadeia
Conjunto das espécies do homem atual e suas formas de numerosos aminoácidos. Essa cadeia se dobL.l es-
ancestrais, pacialmente de m::tneiras diversas, segundo sua com-
posiçào de aminoácidos.
2 78 A ÁRVORE DO CONHECL\IENTO
i
Humberto R. Maturana - Ph.D. em
Biologia (1-Iarvard, 1958). Nasceu no Chile.
Estudou Medicina (Universidade do dúle)
edepois Biologia na Inglaterra e EVA Como
biólogo, seu interesse se orienta para a com-
preensão do ser vivo e do funcionamento do
sistema nervoso, e também para a extensão
dessa compreensão ao âmbito social huma-
no. t professor da Universidade do Chile.