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Problema que fez prevalecer no vocabulário da ciência política o termo "povo" em lugar de
"multidão". Distinção entre os conceitos de Hobbes e Espinosa. Hobbes acompanha o
processo de formação do Estado que se torna absolutista - evoca o povo, não a multidão. Para
Espinosa, a multidão é salvaguarda das liberdades civis, indica pluralidade que persiste na cena
pública, que se manifesta nos fazeres comuns - sem convergir em unidade política, por
exemplo, estatal.
22 "Multidão é a forma de existência social e política dos muitos enquanto muitos: forma permanente,
não intersticial ou episódica".
Adotando este ponto de vista hobbesiano, a categoria de pensamento multidão ajuda a
explicar certo número de comportamentos sociais contemporâneos. Nesta perspectiva, 'povo'
corresponde a formas de vida circunscritas e à concepção de vontade única; já a multidão
oferece perigo no que se refere ao monopólio da decisão política. Para ele a esfera pública tem
como centro gravitacional povo ou multidão e esta última reflete o estado de natureza, o que
precede a instituição do corpo político (que define a sociedade civil); é refratária à obediência,
não estabelece pactos duráveis, não atinge o estatuto de pessoa jurídica, não transfere seus
direitos naturais ao soberano. É perigosa à estabilidade, é antiestatal e antipopular; quando se
rebelam contra o Estado, os cidadãos são a multidão contra o povo.
No pensamento liberal, multidão remete ao conceito em duplo - público versus privado.
Privado, no sentido de 'pessoal', mas também despossuído, privado de voz e de presença
pública. Os muitos não têm rosto e estão alheios à esfera dos assuntos comuns.
No pensamento social democrata o par de conceitos que parece dar conta do problema da
multidão é coletivo versus individual (na dimensão individual). O povo é o coletivo, a multidão
é impotente, não são cidadãos nem produtores e não tendem a convergir para uma forma
pré-estabelecida.
25 "Para não entoar canções (...) de cunho pós-moderno - 'o múltiplo é bom', é preciso entender que a
multidão não se opõe ao uno, mas o redetermina. Esta unidade já não é o Estado, é a linguagem, o
intelecto, as faculdades comuns do gênero humano. O uno não é mais uma promessa, é uma premissa.
A unidade não é algo a que se deva convergir; é algo que precede a ação da multidão. Existe e persiste o
problema da relação uno versus muitos".
- a terceira abordagem é quanto a aspectos subjetivos da multidão: o processo de constituição
do indivíduo social, os danos impostos ao caráter, e os problemas da vida inautêntica - o
excesso da fala e a curiosidade.
1. desaparecimento da capacidade significativa provida por comunidades de pertencimento e
diluição dos contornos do medo.
2. o fato de que primeiro se procura o refúgio e depois se experimenta o contato com o que é
temível. (Passa a existir uma linguagem que se exerce num espaço público. Público, mas sem
conotação política, este o refúgio buscado antes da experiência do medo e este o perigo).
3. o risco de existirem formas desastrosas de se lidar com o medo (qual seria a referência de
unidade para a multidão - qual uno para os muitos?)
43 "é típico da multidão pós-fordista fomentar o colapso da representação política, não como gesto
anarquista e sim como busca realista de novas formas políticas".
1. Medo/ angústia.
Já a angústia seria a experiência do que ele chama de multidão pós-fordista: não se deve a uma
perda ou dano específico, não também a um risco ou perigo específico e sim ao simples fato
de se estar no mundo e diante do indeterminado: a isso ele chama de perturbação ansiosa. (A
tradução em espanhol usa a palavra 'omniabarcativa', ideia de ameaça por todos os lados.).
31 "o medo se situa no interior da comunidade, em suas formas de vida e comunicação. A angústia surge
nos que se afastam dos hábitos compartilhados, dos jogos linguísticos conhecidos de todos, adentrando
o vasto mundo. Fora da comunidade o perigo é impredizível, constante, angustioso. A contraparte do
medo é a segurança que a comunidade pode, em princípio, garantir. A contraparte da angústia - da
exposição ao mundo enquanto tal - é a proteção providenciada pela experiência religiosa."
O estranhamento angustioso elimina a esfera pública e se atém à 'interioridade' do indivíduo,
algo como estrangeiramento e encapsulamento. Hoje todas as formas de vida experimentam
este não se sentir em sua própria casa (origem da angústia). Nada mais compartilhado e
comum, nada mais público do que não se sentir em sua própria casa.
"O que separa medo e angústia, temor relativo e temor absoluto é precisamente o que foi esboçado: o
conceito de povo, mesmo com suas diversas variações históricas está associado ao duplo fio da rede
que separa um lado interno, habitual, e um lado externo, desconhecido e hostil. Em contraparte, o
conceito de multidão está ligado à dissolução desta separação. A distinção entre medo e angústia, como
aquela entre proteção relativa e proteção absoluta perde seu fundamento (...) ninguém está menos
isolado do que aquele que percebe a pressão pavorosa do mundo indeterminado. O sentimento no qual
convergem medo e angústia é neste tempo um assunto dos muitos".
Hoje as mudanças não atingem comunidades tradicionais e sim indivíduos acostumados a
mudanças repentinas, expostos ao insólito e ao imprevisto. "Para diminuir a desorientação
provocada por não dispormos de ambiente pré-fixado ou manejável pelo instinto é preciso
administrar racionalmente o contexto vital." O perigo se define a partir da busca originária por
proteção.
O pertencimento sugere a estrutura do povo. Pertence como corpo social, como portador de
direitos. O povo é o que converge e se protege ainda numa opção elementar de estar sob
proteção civil. Já a multidão é a corporificação da experiência da angústia: ela não parte da
forma estatal, não converge para a forma estatal e tende a procurar outras formas de
organização política ou social que diminuam a tensão do contato imediato com o
indeterminado e com o imprevisto.
A primeira forma de proteção é, então, o refúgio em um nível estrutural da linguagem, em um
nível normativo, que deveria estar por trás da linguagem que se constrói na convivência
confiável: fundamentos, mitos, origens, destino comum, jogos de linguagem. Este arcabouço
estrutural, normativo é o que emerge para um primeiro plano - uma caixa de ferramentas para
a sobrevivência, manejável convenientemente.
Uma das formas de se lidar com o medo, uma das procuras por proteção e que caracteriza
para Virno a multidão pós fordista é o resguardo da linguagem à região de ausência de risco.
Ele toma como referência o conceito de topoi idioi e topoi koinoi. O primeiro se refere a lugares
especiais - de linguagem - fruto da vivência comunitária que estabelece os jogos linguísticos
conhecidos das pessoas que pertencem à comunidade. O segundo são lugares comuns sem
conteúdo específico e que se referem a:
- noção de reciprocidade
Importa o caráter exterior, social, coletivo que compete a essa atividade intelectual uma vez
que se torne o verdadeiro recurso da produção de riqueza.
As linguagens de grupos específicos e duráveis (que ou deixaram de existir ou de fornecer o
equivalente a uma lógica, uma orientação para a vida) seriam, para o autor, a empréstimo do
termo de Aristóteles, os lugares especiais. E aquilo a que se reduz a linguagem que irá
caracterizar a multidão pós-fordista é o conjunto dos lugares comuns, não no sentido de falas
de pouca importância, mas no sentido de retorno à linguagem que se tece quase dentro de
uma grande máquina produtiva, como parte da máquina - máquina + insumo + investimento
(+ linguagem). Intelecto geral como um conjunto de conhecimentos que permitiria a
recuperação do trabalho vivo e que sendo recurso de produção de riqueza poderia liberar
tempo do trabalho produzindo a expectativa de uma qualidade de vida coletiva diferente,
melhor, com redução de tempo de trabalho e ampliação do tempo livre para aquisição
conhecimentos e habilidades. Não é o que ocorre.
Concluindo a questão da linguagem neste primeiro capítulo, ela é, então, reduzida a lugares
comuns e se torna totalmente acessível, pública, uma espécie de 'vida da mente', ponto de
partida da multidão.
"Intelecto público" passa a ser uma noção que subverte as noções usuais de atividade
intelectual: o trabalho intelectual sugere certo alheamento e distanciamento das atividades
comuns, da vida em comunidade, para posterior retorno possivelmente à vida comum. Esta
noção do pensador como estrangeiro é invertida na experiência desta multidão: ser
estrangeiro é hoje uma condição comum a muitos, condição durável e compartilhada.
A linguagem universal do estrangeiramento é então este general intellect - saber produtivo,
lugares comuns (de um ponto de vista cognitivo), publicidade (não particularidade) do
intelecto. É o dialeto da multidão pós-fordista.
Não é o pensador que se torna estrangeiro: agora é a multidão dos sem casa que adquire à
força o estatuto de 'pensadores', dos que têm que lançar mão de um intelecto geral para sua
orientação no mundo. E este intelecto comum é uma linguagem pragmática, com sobras,
digamos, mas restrita ao interesse do que se poderia dizer o capital.
Quanto a um sentido pueril do conteúdo da vida urbana, ligado à repetição para afirmação e
busca por segurança: a infância pode ser uma matriz de significados nesse sentido - a criança
se protege pela repetição (mesmos jogos e critérios) contra o imponderável e o imprevisto.
A publicidade da mente se refere a questões asseguradoras. Mas aí está o perigo que o autor
reconhece: a publicidade do intelecto não coincide com uma esfera de ações de natureza
política.
40-41 "O intelecto público é um tronco unitário do qual podem brotar tanto formas de proteção
horrendas quanto formas de proteção capazes de procurar um bem estar real na medida em que
salvaguardam das primeiras. (...) Minha tese, sinteticamente, é a seguinte: se a publicidade do intelecto
não se articula em uma esfera pública, em um espaço político no qual muitos possam se ocupar dos
assuntos comuns, ela pode produzir efeitos terríveis. Uma publicidade sem esfera pública, eis aqui a
versão negativa, "o mal, se se quer", na experiência da multidão. (...) O general intellect, o intelecto
público, se não se torna república, esfera pública, comunidade política, multiplica loucamente as formas
de submissão."
A multidão é a base da produção pós-fordista. Mas se a obrigatoriedade da habilidade
comunicativa não diz respeito ao que se refira ao reconhecimento das relações de poder
implicadas nesta forma informal e normativa de uso constante da linguagem o resultado é a
criação de laços pessoais (de dependência) em ambientes que deveriam respeitar limites de
interioridade, afetos, coisas ligadas ao que justamente é suprimido que são relações de
confiança e pertencimento e então o que se tem é a multiplicação de hierarquias, infundadas e
resistentes. O que deveria ser governado por regras anônimas se torna pessoal. O que deveria
ser pessoal se torna aprisionado pelo normativo, pela ausência de linguagem verídica (com
objeto correspondente, com princípio referencial) além dos "lugares comuns".
A multidão não despreza o universal, o comum, o Uno, mas o redetermina; este uno não é o
estado para o qual converge o povo. A multidão não converge em uma 'vontade geral'. Como
linguagem de totalidade já tem o intelecto geral. A vontade manifesta pela multidão é múltipla.
42 "O intelecto público, que no pós-fordismo se apresenta como mero recurso produtivo, pode
constituir sem dúvida um novo "princípio constitucional", pode ocultar uma esfera pública não estatal.
Os muitos enquanto muitos têm como base de sustentação, para o bem e para o mal, a publicidade do
intelecto.
Considera necessário manter noção das diferenças entre a multidão de Hobbes e a multidão
contemporânea. A multidão de Hobbes se refere ao período de consolidação dos Estados
absolutistas, corresponde a comunidades que, ao serem incorporadas, resistiam por meio do
que veio a ser chamado violência conservadora, uma noção positiva do uso da violência.
43-44 "Talvez este ius resistentiae - o direito a proteger qualquer coisa que já existe e que é digna de
persistir - é aquilo em que mais se assemelham a multidão do século XVII e a multidão contemporânea.
Nesta também não se trata de "tomar o poder", de construir um novo estado, um novo monopólio da
decisão política e sim de defender experiências plurais, formas de democracia não representativa, usos
e costumes não estatais. Quanto ao resto é difícil passar por alto as diferenças: a multidão atual tem
como pressuposto um uno que não é menos e sim mais universal que o Estado; o intelecto público, a
linguagem, os lugares comuns - se quiserem, pensem na web. Contudo, a multidão contemporânea leva
inscrita a história do capitalismo, está ligada estreitamente às vicissitudes da classe operária".
"é típico da multidão pós-fordista fomentar o colapso da representação política, não como gesto
anarquista, mas como busca realista de novas formas políticas. (...)nada intersticial,
marginal, residual: mais exatamente a concreta apropriação e rearticulação do saber/poder
hoje congelado nos aparatos administrativos do Estado".
Virno indica como uma das marcas definidoras da multidão pos fordista a redução de tres
esferas separadas (da atividade social humana) a uma coisa só. O que seria reservado à ação
política passa a ser internalizado como instrumento para a esfera de trabalho, de produção de
mercadoria (material ou imaterial), ou de produção da ação em si como mercadoria - então a
ação produtiva, a ação política e o trabalho intelectual (não específico, geral) se transformam
em um intelecto público.
47 "a multidão se a firma como modo de ser onde existe justaposição ou hibridação entre âmbitos que
não faz tanto tempo, já na era pós fordista mesmo, apareciam diferenciados.
O sentido de uma multidão contemporânea despolitizada é compatível com a atribuição de
características próprias da ação política tornadas mera ferramenta de trabalho. Existe um
empobrecimento da ação política que a torna menos desejável.
50 "A inclusão de certos aspectos estruturais da práxis política na produção atual nos ajuda a entender
por que a multidão posfordista é uma multidão despolitizada. Já existe política demais no trabalho
assalariado - enquanto trabalho assalariado - para que a política como tal possa gozar ainda de uma
dignidade autônoma."
O autor parte da separação entre trabalho, ação e intelecto, para dizer da percepção da
diluição dos limites entre essas diferentes esferas de intervenção humana sobre o mundo
como tal - material, social, cultural.
O trabalho como a intervenção produtiva sobre a materialidade do mundo ou o trabalho
intelectual específico (performático) ou como o que deixa atrás de si produtos culturais; a ação
política como ação sem obra, com a finalidade imbricada à execução, sendo necessária a
presença do outro e o espaço para a ação, (possibilidade de começar algo novo, visando ao
'comum'); e o trabalho intelectual visto um tanto quanto reservado, ligado a um procedimento
meditativo, não imediatamente vinculado a rigores e recursos de uma estrutura lucrativa.
O pós-fordismo é o contexto de mudança do modelo produtivo. O contexto abarca outras
percepções quanto a direitos e quanto a expectativas no que se refere a condições de vida e
condições de trabalho. É o modo de se constituírem as demandas da multidão pós-fordista o
que gradualmente dilui as fronteiras entre a atividade política, a atividade laboral e a atividade
intelectual, onde surge a figura do pensador como um indivíduo social vinculado a uma
atividade em fluxo em um mundo no qual a linguagem se torna estrutural e incessante.
Retoma o argumento de Hannah Arendt segundo o qual a política incorporou ao longo do
século XX os traços típicos da atividade de trabalho 'fabricando' formas e estruturas - o Estado,
o partido, as instituições, a historiografia. Diz que seu raciocínio é simétrico e oposto ao dela no
sentido de acreditar que foi o trabalho que incorporou elementos próprios da ação política
(performance, adestramento do espaço público).
O intelecto do processo é o general intellect - a redução da potência de saber a contraparte
imaterial do conjunto material da produção.
48 ao contrário do trabalho, que manipula materiais naturais, a ação política intervém nas relações
sociais, tem a ver com o possível e com o imprevisto, não preenche o contexto no qual opera com
produtos subsequentes, simplesmente modifica este mesmo contexto. Diferente também da atividade
intelectual, a ação política é pública, associada à exterioridade, à contingencia, ao rumor dos muitos.
Para usar as palavras de Hannah Arendt, implica na exposição aos olhos dos demais". 49. Sustento que o
trabalho pós-fordista, o trabalho que produz mais-valia, o trabalho subordinado emprega qualidades e
requisitos humanos que tradicionalmente corresponderiam mais exatamente à ação política.
Trabalho produtivo: não necessariamente fatigante, mas o que produz mais valia.
Ele menciona o trabalho imaterial que deixa atrás de si obras - pintura, poesia, informação,
entretenimento, livro. O problema do valor relativo à produção cultural: quanto vale o tempo
de trabalho do produtor cultural, do formador de opinião? Quanto vale o trabalho
performance, como se extrai mais valia do trabalho do corpo de dança, da companhia de
teatro, etc. Todo este aspecto da teoria do valor em Marx não é acessível tão prontamente.
A segunda negação: (considerando que o trabalho seja em alguma medida ou servil ou
trabalho virtuoso, performático), o segundo sentido da bifurcação desaparece nesta exigência
pós-moderna da linguagem em fluxo, como ruído de fundo (sem obra e sem sentido, a 'ação
política'), trabalho vivo, mas ao custo da alma, coordenando o tempo de produção da
máquina.
(Um tipo de traição da ideia expressa no fragmento das máquinas, que o autor menciona, em
que o trabalho vivo recuperado e o tempo recuperado permitiriam a um número maior de
pessoas maior liberdade. O pós-fordismo engole o trabalho vivo e o tempo livre.)
54. "Em relação à produção contemporânea, a observação de Arendt sobre a atividade dos artistas
intérpretes e os homens políticos é clara: para trabalhar é necessário um espaço com estrutura pública.
No pós-fordismo, o trabalho reclama um espaço com estrutura pública e se parece a uma estrutura
assim. A este espaço estruturado publicamente, Marx chama cooperação. Seria possível dizer que a
certo nível de desenvolvimento das forças produtivas sociais, a cooperação laboral introjeta a
comunicação verbal, assemelhando se a uma performance virtuosa, a um complexo de ações políticas.
Lembram o famosíssimo texto de Max Weber sobre a política como profissão? Weber enumera uma
série de habilidades que distinguem o homem político: saber colocar em perigo a saúde da própria alma,
encontrar um equilíbrio justo entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade, dedicar-se ao
objetivo. Há que se reler este texto em relação ao Toyotismo, ao trabalho baseado na linguagem, na
mobilização produtiva das faculdades cognitivas. A sabedoria de Weber nos fala dos dotes que requer
hoje a produção material."
O contexto pós-moderno a que se refere lida com potencialidades, de modo que o que é
absorvido é o corpo todo sendo este o 'tabernáculo' que guarda a força de trabalho enquanto
possibilidade, potência.
1. Porque os trabalhadores da indústria cultural, a despeito de produzirem objetos materiais,
produtos vendáveis, tiveram que incorporar à sua dinâmica de trabalho elementos de
informalidade que criassem a disposição requerida pelo tipo de bem a ser produzido.
58 O capitalismo - esta é a tese - mostra sua capacidade de mecanizar e segmentar a produção
espiritual assim como fez com a agricultura e o trabalho com metais. Produção em série, insignificância
da tarefa isolada, econometria das emoções e dos sentimentos, estes são os refrães recorrentes. Esta
abordagem crítica admitia que no caso particular da indústria cultural alguns de seus aparatos deveriam
permanecer refratários a uma completa assimilação à organização fordista do processo laboral. Na
indústria cultural era preciso manter um necessário espaço para o informal, o não programado, o
imprevisto, a improvisação comunicativa e improvisação de ideias: não para favorecer a criatividade
humana, mas para obter uma produtividade comercial satisfatória. Sem dúvida para a escola de
Frankfurt estes aspectos eram residuais (...). O que contava era somente a "fordização" geral da indústria
cultural. Contudo, me parece que, olhando as coisas a partir de uma perspectiva do presente, não é
difícil reconhecer que estes supostos resíduos - certo espaço concedido ao informal, ao imprevisto, ao
não programado - estavam carregados de futuro".
Para Guy Debord, o espetáculo expõe a racionalidade do sistema. O espetáculo seria uma
abstração semelhante ao dinheiro. Se a comunicação humana é transformada em mercadoria,
o espetáculo seria o equivalente na troca destas mercadorias linguísticas produzidas em um
sistema forçosamente cooperativo.
Cooperação pode ser pensada em um nível de divisão do trabalho, partes em um processo
coordenado hierarquicamente.
60. As forças que dão o espetáculo, por assim dizer, são as mesmas 'forças produtivas' da sociedade
enquanto coincidem, em medida sempre maior com as competências linguístico-comunicativas e com o
general intellect.
No 'fragmento das máquinas', Marx descreve um processo no qual o ser humano iria juntar à
máquina o trabalho vivo e estaria cada vez mais ao lado da máquina com funções de
supervisionar e orientar o seu funcionamento. Deste processo haveria um tempo livre
resultante. Mas a verdade da crescente automação da produção não é um resultado
socialmente positivo para uma imensa quantidade de potenciais trabalhadores.
Neste processo (modelo fordista) o atalho é parte do que se faz ou se descobre, mas uma parte
oculta que pode ser manifesta. No sistema seguinte, com outros parâmetros para a produção,
o sentido da cooperação é requerido à luz, faz parte de um jogo de cena no qual é boa política
comunicar o atalho, descobrir novos meios de fazer as coisas, manter a linguagem como fluxo.
A partitura para a 'execução virtuosa' desta linguagem é o general intellect, um acúmulo de
saber possível dentro de uma lógica que não diminui a contradição entre capital e trabalho.
Este general intellect seria da mesma forma que o dinheiro uma abstração real, um
pensamento que não é pensamento puro, que é intrinsecamente ligado a uma materialidade.
Este conjunto de saberes é atributo do trabalho vivo, coordenativo, criativo. Enquanto
equivalente o conjunto deste saber social determina o valor da linguagem mercadoria.
p.65 Em duas ocasiões Marx atribui ao pensamento um caráter exterior, uma índole pública. Primeiro
quando utiliza a expressão (...) "abstração real" e depois quando fala em "general intellect".
Ele fala em duas acepções diferentes do general intellect: uma como abstração real, outra
como uma espécie de partitura "lida" o tempo todo pelos trabalhadores pos fordistas que
trabalham dependendo de informações e conexões que a linguagem constante estabelece.
Nesse sentido não é o conjunto de saberes produtivos o que ele chama de general intellect: é o
pensamento em si, o modo de articular a linguagem. E neste sentido retoma exatamente o que
disse no primeiro capítulo: que se trata afinal da redução do pensamento aos lugares comuns,
ao desvio que transforma a caixa de ferramentas no objeto construído.
Uma abstração real é, por exemplo, o dinheiro. No dinheiro, de fato se encarna, se torna real
um dos princípios-guia do pensamento humano: a ideia de equivalência. Esta ideia (de
equivalência) por si abstrata, adquire uma existência concreta, material, como moeda física,
metálica. A capacidade que tem uma ideia de se tornar coisa (equivalência/metal): isto é uma
"abstração real".
A linguagem performance é a mercadoria. O general intellect é o 'equivalente' capaz de adquirir
a mercadoria. O general intellect adquire esta característica de abstração real, como o dinheiro.
(?) O que é indício desta interpretação é que, mesmo fora do ambiente de trabalho, a
linguagem interpessoal é continuamente submetida a um tipo de 'regime de fábrica'. O que
ocorre não é o estabelecimento de 'razões de Estado' (no processo de tornar iguais,
equivalentes ou niveladas realidades diferentes) e sim um tipo de 'estatização do intelecto':
com o excedente do general intellect, o que não é para a fábrica, digamos, se realiza o que
seria seu inverso. Este excedente de tempo e conhecimento poderia gerar agregação e
constituição de outros saberes, comunidades, outras formas de interdependência ou
autonomia eventualmente (poderia ter um sentido propriamente político). Mas este excedente
de conhecimento se concretiza no avesso do seu potencial, como uma corporificação
autoritária deste pensamento, como ponto de confluência entre saber e mando, como
hipertrofia do aparato administrativo do estado. Ao que Hobbes chamaria 'razão de estado'
(indivíduos transferem o direito ao soberano), pode-se chamar, na vigência do modo de vida
pós-fordista 'estatização do intelecto': o que se transfere é o caráter público do intelecto ao
poder regulamentar do Estado (que arbitra a favor do modo de produção).
O aspecto no qual o problema poderia ser o antídoto é que o intelecto público poderia não
estar submetido à lógica do trabalho assalariado e à lógica do Estado. Virno estabelece a
questão como uma fórmula: se o modo de vida ligado ao modo de produção do Toyotismo
leva a uma fusão em cada indivíduo social mais ou menos individuado entre trabalho, ação
política e intelecto, a proposta a ser formulada seria a possibilidade reversa, de separação
entre estas três esferas.
68 - "O intelecto se torna público quando se une ao trabalho, mas (...) uma vez enlaçado ao trabalho
assalariado sua típica publicidade é inibida (...). Evocada (a publicidade do intelecto) enquanto força
produtiva, seu caráter público se suprime enquanto esfera pública propriamente dita, eventual raiz da
ação política".
Propõe a existência de um general intellect "amputado" da conexão inextrincável
aparentemente tanto com a produção de mercadorias quanto com o trabalho assalariado
(capaz de se ocupar da esfera pública). Porque "a subversão das relações de produção
capitalistas pode se manifestar somente como a instituição de uma esfera pública não estatal".
Neste sentido o autor se refere a um tipo de construção de pensamento que seria um
"virtuosismo não servil" (algo como o trabalho sem obra capaz de escapar ao rigor da
permanente extração de tempo não pago). "A esfera pública não estatal é a esfera pública que
adquire o modo de ser da multidão".
Uma noção contraditória: Marx poderia ser interpretado como autor de uma teoria do
indivíduo, não da sociedade.
No capítulo trata:
1. do processo de individuação - o que faz singular a uma singularidade, individual a uma
individualidade
2. a noção de biopolítica
3. características emotivas da multidão: o cinismo, o oportunismo (não como estado
psicológico, mas como modo de estar no mundo)
1. O processo de individuação
Parte de um tecido de relações sociais pré-individuais - idioma, moeda, hábitos, processo
educativo, conjunto do que é como um líquido amniótico social - até a pessoa conseguir, por
meio de experiências relativas ao afeto, constituir uma linguagem que diga dela própria.
Este seria o indivíduo que emerge do que pode ser considerado pré-individual. No que se
refere a características basicamente humanas - a capacidade de falar, de ouvir, de tocar, de
situar-se no meio ambiente - não existe passagem do pré-individual para a individuação. Mas
especificamente o idioma, a língua falada e as experiências constitutivas do afeto são
passagem do pré-individual para o processo de individuação - que tem um resultado sempre
reversível, sempre frágil.
Indivíduo social é o elemento que migra do conjunto do que é pré-individual para a condição
individual (de percepção e afirmação da singularidade) portando códigos sociais específicos
que deem conta de formas de agregação social. (O indivíduo não pode ser uma cápsula
autossuficiente, ele é indivíduo social porque é social).
As "tonalidades emotivas" desta multidão falante são ligadas a um grau de perda quanto ao
caráter - e não se trata de uma abordagem moral. A abordagem é ética, no sentido de "como
as coisas funcionam". Esta passagem do pré individual ao individual incorpora aspectos do
caráter adaptável ao modo de vida pós-moderno. (Virno não usa o termo 'pós-moderno'). O
texto sempre mantém movimento pendular entre 'o uno' e 'os muitos'. A individuação é um
processo que parte do pré individual e do coletivo. De modo que não existe ser humano capaz
de amadurecer a linguagem ou trazê-la a dizer o si mesmo sem a experiência pré individual,
genérica. Não existe individuação que se complete (mesmo que sempre de modo reversível)
sem que se traduza em capacidade de vinculação social.
Outro contraponto ao pensamento liberal (sendo o primeiro o que definiria a diferença entre
público e privado no que se refere à multidão) é que este (pensamento liberal) valoriza a
experiência individual, mas não o processo de individuação, que Virno consegue ver em uma
abordagem marxista. O pensamento liberal não concebe o indivíduo como dependente do
amadurecimento da experiencia coletiva.
1. o aparato sensorial humano - tato, potencialidade de fala, percepção visual e sonora, aparato
motriz. Um nível altamente não consciente de aquisição de informações. (E que não será ponte
de passagem para a individuação)
2. O idioma como recurso Inter psíquico (social, público), "fala-se" tal idioma em tal lugar, é um
recurso não individual ainda. Este recurso externo ao indivíduo (a linguagem que se fala) é o
que possibilita a individuação. Linguagem que se fala, idioma, general intellect, intelecto
público.
77 A ontogênese, a fase de desenvolvimento do ser vivente singular consiste na passagem da linguagem
como experiência pública ou Inter psíquica à linguagem singularizante e intrapsíquica. 78 Enquanto a
língua é de todos e de ninguém, a passagem do puro e simples poder dizer a uma enunciação particular
e contingente determina o espaço do propriamente meu.
3. O pré-individual também como modo de produção dominante: a realidade pré individual é
estritamente histórica.
81-82 No "fragmento das máquinas", Marx estabelece um conceito que, segundo creio, é central para
compreender a subjetividade da multidão contemporânea: (...) um conceito relacionado com a tese de
Simondon sobre a intersecção entre realidade pre-individual e singularidade. É o conceito de "indivíduo
social". Não é casual que Marx utilize esta expressão nas mesmas páginas nas quais discute o intelecto
público, o general intellect. O indivíduo é social porque nele está presente o general intellect. Ou
também: recorrendo de novo ao Marx dos Manuscritos, porque aí se manifesta, junto ao Eu singular, (...)
a existência genérica, o conjunto de requisitos e faculdades da espécie Homo sapiens sapiens. "Indivíduo
social" é um oximoro uma figura que representa a unidade dos contrários: poderia parecer uma mistura
hegeliana (...) se não contássemos com Simondon para decifrar o seu sentido. Social tem aqui o sentido
de pre-individual; indivíduo é o resultado último do processo de individuação. Dado que por
"pré-individual" é preciso entender a percepção sensorial, a língua, as forças produtivas, se pode
inclusive dizer que o indivíduo social é o indivíduo que exibe abertamente a própria ontogênese, a
própria formação - com seus diversos elementos constitutivos. Existe um tipo de cadeia lexical -
semântica - que conecta o ser muitos, a velha questão do princípio de individuação, a noção marxiana
de indivíduo social, a tese de Simondon sobre a convivência, em cada sujeito, de elementos
pre-individuais - língua, cooperação social - e elementos individuados. /Proponho denominar multidão
ao conjunto de 'indivíduos sociais'. Se poderia dizer - com Marx, mas contra boa parte do marxismo -
que a transformação radical do atual estado de coisas consiste em dar a máxima importância e o
máximo valor à existência de cada membro da espécie. Pode parecer paradoxal, mas creio que a teoria
de Marx poderia, deveria ser entendida hoje como uma teoria realista e complexa do indivíduo. Como
um individualismo rigoroso, quer dizer, como uma teoria da individuação."
2. biopolítica
Ele demonstra um equívoco na insistência de Foucault quanto a ser a biopolítica um tipo de
aprofundamento da sociedade disciplinar, um quadriculamento não visível do corpo, o
controle pela transferência do cuidado existencial para a esfera estatal.
O problema da política de estado engolfante do corpo seria a regulamentação de um poder
que é exercido pelo capital, bem a ideia mais próxima a um conceito marxista de expropriação
da força de trabalho, mas este conceito elevado a maior potência.
Potência de falar, potência de realizar coisas ou conhecer ou produzir bens, materiais e
imateriais. Essa potencialidade calculada, pressuposta é o que passa a interessar como posse
da engrenagem produtiva. O que Virno define como biopolítica é a intervenção reguladora do
Estado a favor do interesse pleno que o capital passa a ter pelo corpo como 'tabernáculo' da
força de trabalho enquanto potencial.
p 83 -85 caberia perguntar-se de que modo a vida irrompe no centro da cena pública, de que modo e
por que o Estado a regula e a governa. (...) Só hoje a noção de força de trabalho não se reduz - como nos
tempos de Gramsci - a um conjunto de dotes e aptidões físicas, mecânicas, mas compreende dentro de
si, com pleno direito, a vida da mente. (...) A potência, a não presença, em lugar de permanecer como
um conceito abstrato, toma uma forma pragmática, empírica, socioeconômica. A faculdade como tal,
inclusive não aplicada, está no centro do intercâmbio entre capitalista e trabalhador. (85) Ao capitalista
interessa a vida do trabalhador, seu corpo, mas por um motivo indireto: este corpo, esta vida, é o que
contem a potência. O corpo vivente se converte em objeto a governar não tanto por seu valor intrínseco,
mas porque é o substrato da única coisa que verdadeiramente importa: a força de trabalho como a
soma das mais diversas faculdades humanas: potência de falar, pensar, recordar, atuar. A vida se coloca
no centro da política na medida em que o que está em jogo é a força de trabalho imaterial - que, por si,
é não presente. Por isso, só por isso é lícito falar de biopolítica. O corpo vivente do qual se ocupam os
aparatos administrativos do Estado é o sinal tangível de uma potência não realizada, o simulacro do
trabalho não objetivado, trabalho como subjetividade. Se poderia dizer que enquanto o dinheiro é o
representante universal do valor de troca, a condição que faz possível o intercâmbio dos produtos, a
vida faz as vezes da potência de produzir, do potencial não visível.
Há biopolítica onde advém, em primeiríssimo primeiro plano, na experiência mais imediata, aquilo que
tem a ver com a dimensão potencial da existência humana: não a palavra dita, mas a própria faculdade
de falar. Não o trabalho realmente realizado, mas a capacidade genérica de produzir."
Característica emotiva é o que é compreendido como uma disposição permanente em uma
multiplicidade de pessoas - em diferentes formas de atividade e diferentes formas de
inatividade.
A corrosão do crível decorre justamente da redução da linguagem à construção de
regularidades convenientes, sem fundamento moral. Ocorre um tipo de coincidência entre fato
e direito, estrutura e superestrutura. Nesta coincidência (abastecida pela constante evolução
tecnológica, o que se perde é a construção de um sentido referencial da linguagem.
A fala é seu próprio conteúdo e sendo moralmente nula a estrutura desta linguagem ambígua e
neutra pode se manifestar como conflito, mas a sua constituição ética visa à produtividade e ao
mercado.
Parte da perda moral da linguagem se deve à percepção da superficialidade das regulações
impostas como rearranjos.
O cinismo é a capacidade de prescindir de equivalências reais. O cínico se define justamente
pela conveniência da adesão momentânea a regras mutáveis e convencionais.
Nessa constituição do caráter cínico estão envolvidos os elementos de uma formação extra
laboral - a formação derivada da relação com o mundo, com os outros, consigo mesmo - que
é, contudo, o conjunto dos elementos requeridos para o trabalho.
Se o cinismo tem a ver com a supressão de uma referência de linguagem ou com a perda da
necessidade de equivalente real, o oportunismo tem a ver com uma multiplicidade de opções
cujo valor é equivalente.
O cinismo é um tipo de reação ao general intellect: capital fixo, máquinas, desenvolvimento
tecnológico material somado ao saber instrumental da realidade, o pensamento técnico ou
humanístico a favor da manutenção do sistema. Esta redução instrumental do pensamento leva
à perda da capacidade de se buscarem equivalentes reais.
Oportunismo tem a ver com uma multiplicidade de opções cujo valor é equivalente
O cinismo se justamente à desnecessidade de equivalente real para o discurso, para a fala,
para o saber que se limita a ser instrumental voltado para o desenvolvimento de máquinas e
produtos e regulações e abandona como sem necessidade de equivalente de valor, medida,
mensurabilidade, aferição a questão do que é real.
Cinismo ligado a instabilidade crônica das formas de vida / formas de produção. O cinismo
implica também em que os muitos mantêm conexões com regras em muitos contextos
singulares e que a base do cinismo implica nessa experiencia com as regras e reconhecer nelas
a convencionalidade e a carência de fundamentos. esses jogos de linguagem pervertidos pelo
descrédito são mesmo assim aquilo que o indivíduo dotado de cinismo usa para afirmar-se.
87. "Não existem dúvidas de que a situação emotiva da multidão se manifesta hoje como
"maus sentimentos": oportunismo, cinismo, desintegração social, inesgotáveis deserções,
formas conscientes de submissão. Sem dúvida, é preciso desprender se destes maus
comportamentos e ir até o nó central, o ponto neutro, ou seja, até o modo de ser fundamental
que, na medida em que é um princípio, poderia dar lugar também a desenvolvimentos bem
diferentes dos que hoje prevalecem. Oportunismo e cinismo: maus sentimentos sem dúvida.
Contudo é lícito estabelecer a hipótese de que cada conflito ou protesto da multidão deitará
suas raízes no mesmo modo de ser - o nó central, neutro, do qual falava no começo - que, no
momento, se manifesta com estas modalidades um pouco desagradáveis. O ponto neutro da
situação emotiva contemporânea, suscetível de manifestações diferentes consistem em um
adestramento para aceitar a dimensão do possível enquanto possível e em estreita
proximidade com as regras convencionais que estruturam os diversos contextos de ação. A
domesticação e a proximidade ao convencional das quais derivam as formas atuais do
oportunismo e do cinismo constituem um indelével sinal distintivo da multidão."
88 "(...)que sejam dúcteis para a troca de regras do jogo, que saibam levar adiante conversas banais, que
tenham destreza para eleger e saibam manejar diversas alternativas. Pois bem: estes requisitos não são o
fruto do disciplinamento industrial, mas o resultado de uma socialização que tem o seu centro de
gravidade fora do trabalho. O profissionalismo efetivamente requerido e oferecido no mercado de
trabalho consiste nas destrezas que se adquirem durante uma prolongada permanência em um estado
pré-aboral ou precário, quer dizer: na espera atenta de um emprego se desenvolvem os talentos
genericamente sociais e o hábito de não ter hábitos duráveis, que se torarão depois, quando encontrado
um emprego, as verdadeiras ferramentas de trabalho".
89-90 "Oportunista é aquele que faz frente a um fluxo de possibilidades sempre intercambiáveis, que se
mantém disponível e atento ao maior número de eventualidades, que se adapta ao que está mais à mão
e muda rapidamente ao encontrar outra oportunidade mais conveniente. Esta seria uma definição da
multidão como subjetividade estrutural, não moralista do oportunismo".
Pertencer ao mundo não é contemplá-lo desinteressadamente, práxis adaptativa em lugar de
conceitos. Segundo Heidegger a relação com o mundo como canteiro de obras depende de
um comportamento que exclui a curiosidade e a tagarelice porque são coisas que impedem
que uma pessoa se concentre em uma tarefa, suspende o fazer se responsável. O impessoal é
ocioso e dedicado ao mundo como espetáculo.
"A vida autentica, para Heidegger, parece encontrar expressão adequada no trabalho. O mundo é, em
primeiro lugar, um mundo canteiro de obra, um conjunto de meios e finalidades produtivas."
Lembrando que tanto a tagarelice quanto a curiosidade se tornam relativamente ferramentas
de trabalho no contexto pós-fordista.
O discurso não precisa mais ter vínculo com a realidade, basta por si como acontecimento (e
de novo como acontecimento ligado ao espetáculo, à noção de performance). O que se perde
é uma estrutura referencial da linguagem, o mesmo tipo de perda que produz o cinismo.
Possibilidade de compreender tudo. Um rumor de fundo que no contexto útil pós-fordista
seria uma habilidade de manter o idioma audível de modo hábil e informal. Exige se o uso de
uma potencialidade genérica.
O autor cita Heidegger que cita Santo Agostinho quando descreve a curiosidade como
concupiscência dos olhos, uma paixão pelo saber, mas uma paixão degradada. O filósofo e o
curioso são comparáveis (os dois buscam algo que se encerra em si, que é finalidade em si)
mas o filósofo busca objetos imateriais e o curioso busca a distração dos olhos e dos sentidos.
A aproximação dos objetos que a curiosidade (bem como a reprodutibilidade técnica) torna
possível a aquisição de uma margem de liberdade e de escolha, mas tende a suprimir um
centro estável que deixe perceber as correlações entre plano de fundo e imagem, tende a criar
ilusões perceptivas e a constituir pessoas distraídas. "O curioso está permanentemente
distraído".
"Para Heidegger, a distração, correlacionada com a curiosidade é a prova evidente de um
desenraizamento total e a ausência de autenticidade. Distraído é quem sempre persegue possibilidades
distintas, mas equivalentes e intercambiáveis (o oportunista)."
Novamente multidão como expressão de um sentido específico oposto a povo. Um sentido
que não refere o tipo de percepção de unidade que caracteriza povo, mas sim
desmoronamentos e inovações: o estrangeiramento como condição, a prevalência dos lugares
comuns sobre os especiais, a importância dos aspectos não referenciais da linguagem.
Na década de 1970 acontecem na Itália manifestações populares diferentes e opostas à
organização sindical ou à cultura de oposição interna ao fordismo. A forma insurgente de
composição social é a de uma força de trabalho escolarizada, precária, móvel que também se
opõe à estratégia da esquerda histórica. Oposição à esquerda histórica e ao modo de vida e de
manifestação da estrutura de reação fordista.
Esta multidão era considerada inicialmente marginal e parasita. Existia o processo de
renovação do modo de produção que passava do fordismo ao Toyotismo.
o avanço do conhecimento tecnológico e científico deveria produzir uma redução no tempo de
trabalho necessário à produção de mercadorias. A teoria do valor, em Marx, seria
necessariamente revista.
A mudança no modo de valoração do trabalho levaria ao comunismo: mudança relativa à
produção baseada sobre o valor de troca.
As máquinas como saber objetivado incorporam um tempo de produção dissociado do
trabalho vivo requerido para o controle da máquina. O que não pareceu calculado foi que o
trabalho vivo que estaria ao lado da máquina iria gradualmente se transformar em parte da
máquina.
Passa a ocorrer então contraditoriamente que o processo de produção de riquezas gira em
torno do crescimento do aparato tecnológico e científico e por outro lado o valor continua a
ser atribuído e construído a partir da quantidade de trabalho (medida a partir do trabalho
simples em horas) investida na produção.
"O que salta à vista é a plena realização factual da tendência descrita por Marx, mas sem um aspecto
emancipador. (...) A desproporção entre o saber absoluto e a importância decrescente do tempo de
trabalho deu lugar a uma nova e estável forma de domínio."
A crise consiste em que a riqueza é produzida pelo general intellect e o trabalho devotado do
indivíduo (dependente) é considerado uma parcela mínima, um uso mínimo do tempo, uma
coisa de valor desprezível, de qualquer maneira. O saber cooperativo se torna a pilastra da
produção pôs-fordista. Contam como valor general intellect e cooperação linguística, não
mais o tempo de trabalho. Mas o tempo pago é medido considerando o tempo de trabalho
como base.
O tempo de trabalho continua valendo como parâmetro para medir a riqueza social; é a
medida vigente, mas não a verdadeira.
"O tempo que escapa ao rigor da sociedade de trabalho, o tempo não pago, excedente, à medida que se
expande como potencialidade que envolve a totalidade da linguagem possível de cada pessoa passa a
coincidir com o seu próprio avesso e essa é a crise da sociedade do trabalho".
Aquilo que Marx definiu como características do exército de reposição ou reserva para a
indústria capitalista se torna o conjunto de características da mão de obra ocupada, do
trabalho em si: fluido, latente, estagnado.
"Toda a força de trabalho pós-fordista pode ser descrita mediante a categoria 'desemprego', (...)
qualquer prestação de trabalho deixa transparecer a sua não necessidade, seu caráter de custo social
excessivo."
O caráter fluido, latente e estagnado da mão de obra ativa no mundo pós fordista pode ser
percebido respectivamente como: 1) fluido: temporalidade dos contratos e fragilidade
crescente das garantias aos empregados, redução do custo social do empregado,
suscetibilidade à aposentadoria compulsória; 2) latente: mão de obra ativa que guarda
continuamente a possibilidade de desemprego pela extinção de uma função devido ao
desenvolvimento tecnológico e 3) estagnada: o mercado informal, os empregos de meio
período ou tempo reduzido.
Ao contrário do que acontece na vigência do fordismo (no qual a mente não precisava
participar do esforço mecânico), no fordismo, a vida da mente está incluída no espaço tempo
da produção (diferente do tempo de trabalho).
Do ponto de vista de como se faz e o que se faz não existe mais diferença entre emprego e
desemprego; o desemprego é o trabalho não remunerado; o trabalho é o desemprego
remunerado. Trabalha se menos e nunca se deixa de trabalhar. A diferença anterior entre
trabalho e não trabalho se torna diferença entre vida retribuída e vida não retribuída. E a
diferença entre uma coisa e outra passa por decisões políticas (é mutável e arbitrário).
Produção e cooperação ou interação produtiva incluem todo o tempo de não trabalho. O
tempo de trabalho se torna um detalhe. A força de trabalho valoriza o capital porque não perde
mais a sua qualidade de "não trabalho" (cooperação produtiva não vista como trabalho).
Trabalho e não trabalho desenvolvem idêntica produtividade baseada sobre o exercício de
faculdades humanas genéricas: linguagem, memória, sociabilidade, inclinações éticas e
estéticas, capacidade de abstração e de aprendizagem.
Já que a cooperação do trabalho precede e excede ao processo de trabalho, o trabalho
pós-fordista é sempre trabalho invisível - entendido aqui como a parte da atividade humana
que homogênea em tudo à vida trabalhadora não é computada como força produtiva. Pode se
negar que exista este quantum de trabalho não pago incluído no modo de produção ou negar
que seja este o modo de produção.
A diferença entre tempo e produção e tempo de trabalho tem também a implicação de forçar a
convivência entre padrões tecnológicos e informacionais diferentes - a proliferação de
diferenças e formas organizativas, a multiplicação de modelos de trabalho. Paradoxalmente,
entre pessoas extremamente bem empregadas e pessoas que vivem em condições laborais
precárias o que passa a existir em comum é a disponibilidade de uma cultura extra laboral
semelhante e a permanente exigência do uso de faculdades humanas genéricas para atividades
laborais e extra laborais.
"Só que este ethos homogêneo, enquanto nos setores avançados está incluído na produção e delineia
perfis profissionais, para aqueles que estão destinados a setores profissionais, como para o diarista
tradicional que oscila entre trabalho e desocupação, incorpora-se ao mundo da vida.
Marx identificou o general intellect (saber enquanto principal força produtiva) ao capital fixo
(?): capacidade científica objetivada no sistema de máquinas. A conexão entre saber e
produção não se esgota no sistema de máquinas, continua na cooperação linguística
permanente entre as pessoas que trabalham. A palavra dialógica instala se no centro da
produção capitalista derrubando a fronteira suposta entre ação instrumental e ação
comunicativa. A linguagem tem uma função instrumental, a comunicação é em si instrumental,
o trabalho não é mais ligado à ideia de uma astucia taciturna. Astucia suposta por Hegel
suplantada pela tagarelice suposta por Heidegger.
Tese 8: mesmo a mão de obra mais desqualificada é intelectual, é parte de uma
"intelectualidade de massa".
Todo trabalho acaba sendo trabalho complexo porque qualquer possibilidade de
sobrevivência exige um nível de interações que corresponda ao padrão de um intelecto geral, a
um conjunto de códigos necessariamente em uso sempre em toda e qualquer forma de
trabalho ou processo produtivo.
Mesmo assim, o mero dispêndio da energia psicofísica humana em sua totalidade, o trabalho
simples, continua a ser a medida da força de trabalho.
Isso não significa que o trabalho intelectual mantém de fato um nicho especializado: significa
que a exigência de controle do conhecimento e uso genérico da linguagem e de códigos e
jogos específicos é mais forte do que a especialização. O trabalho passa a ter a característica
fragmentada da multidão, não o sentido de possibilidade de categorização e padronização do
fordismo, do "povo".
A ideia de comunismo do capital remete à apropriação, pelo aprofundamento dos rigores do
capitalismo, de formas de ideação e significação próprias do socialismo ou próprias de
expectativas relativas ao socialismo. Abolição do trabalho assalariado, eliminação do Estado
enquanto indústria da coerção e monopólio da decisão política, valorização da singularidade
do indivíduo no sentido de realização de potencialidades que o trabalho alienado destrói.
A ideia da redução do tempo de trabalho que aparece no fragmento das máquinas é
apropriada pelo pós-fordismo de modo perverso. O tempo necessário pode ser reduzido, mas
a jornada é a mesma e isso acarreta a exclusão de pessoas. Os trabalhadores empregados é
que são hoje o exército industrial de reserva; a desagregação dos Estados nacionais reproduz a
forma estado. Reprodução do modelo hierárquico, mas de modo desordenado pela falta de
equivalentes de sentido, pela falta de necessidade de uma linguagem efetivamente vinculada
de modo referencial à realidade. Na falta de fundamentos objetivos para a regulamentação das
relações de trabalho, elas se tornam perversamente pessoais.
O pós-fordismo é uma resposta que incorpora demandas de uma revolução que ocorre na
Itália nos anos setenta e oitenta, mas que incorpora estas demandas com um tipo de sinal
invertido. Ele considera estes movimentos dos anos setenta e oitenta (enfrentamento que
acontece tanto na Itália quanto em outros países, em escolas e fábricas, de dois modos de
pensamento contrapostos) um tipo de revolução derrotada e que cede ao modelo de
produção vigente um tipo de léxico próprio de uma demanda revolucionária.
Em um contraponto entre socialismo e comunismo, VIrno acentua que os movimentos dos
anos setenta e oitenta na Itália tinham como característica demandas que não colocavam o
trabalho como centro do sentido da vida humana. E buscam formas de vida não estatais.
Incorporando a diversidade de demandas e formas de organização que não confluem para o
Estado, o pós-fordismo se desvia do socialismo do capital proposto pelo welfare state e se
difunde como um tipo de comunismo do capital.