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VIRNO,  Paolo  |  Gramatica  de  la  multitud  -  Para  un  análisis  de  las  formas  de  vida 

contemporáneas| Madrid: Mapas, 2003  

   

  

Povo versus multidão 

Problema  que  fez  prevalecer  no  vocabulário  da  ciência  política  o  termo  "povo"  em  lugar  de 
"multidão".  Distinção  entre  os  conceitos  de  Hobbes  e  Espinosa.  Hobbes  acompanha  o 
processo de formação do Estado que se torna absolutista - evoca o povo, não a multidão.  Para 
Espinosa,  a multidão é salvaguarda das liberdades civis, indica pluralidade que persiste na cena 
pública,  que  se  manifesta  nos  fazeres  comuns  -  sem  convergir  em  unidade  política,  por 
exemplo, estatal. 

 
22 "Multidão é a forma de existência social e política dos muitos enquanto muitos: forma permanente, 
não intersticial ou episódica".  
 

Adotando  este  ponto  de  vista  hobbesiano,  a  categoria  de  pensamento  multidão  ajuda  a 
explicar  certo  número  de  comportamentos  sociais  contemporâneos. Nesta perspectiva, 'povo' 
corresponde  a  formas  de  vida  circunscritas  e  à  concepção  de  vontade  única;  já  a  multidão 
oferece  perigo  no  que se refere ao monopólio da decisão política. Para ele a esfera pública tem 
como  centro  gravitacional  povo  ou  multidão  e  esta  última  reflete  o  estado  de  natureza,  o  que 
precede  a  instituição  do  corpo  político  (que  define  a sociedade civil); é refratária à obediência, 
não  estabelece  pactos  duráveis,  não  atinge  o  estatuto  de  pessoa  jurídica,  não  transfere  seus 
direitos  naturais  ao  soberano.  É  perigosa  à  estabilidade,  é  antiestatal  e  antipopular;  quando se 
rebelam contra o Estado, os cidadãos são a multidão contra o povo.  

No  pensamento  liberal,  multidão  remete  ao  conceito  em  duplo  -  público  versus  privado. 
Privado,  no  sentido  de  'pessoal',  mas  também  despossuído,  privado  de  voz  e  de  presença 
pública. Os muitos não têm rosto e estão alheios à esfera dos assuntos comuns.  

No  pensamento  social  democrata  o  par  de  conceitos  que  parece  dar  conta  do  problema  da 
multidão  é  coletivo  versus  individual  (na  dimensão  individual). O povo é o coletivo, a multidão 
é  impotente,  não  são  cidadãos  nem  produtores  e  não  tendem  a  convergir  para  uma  forma 
pré-estabelecida.  

 
25  "Para  não  entoar  canções  (...)  de  cunho  pós-moderno  -  'o  múltiplo  é bom', é preciso entender que a 
multidão  não  se  opõe  ao  uno,  mas  o  redetermina.  Esta  unidade  já  não  é  o  Estado,  é  a  linguagem,  o 
intelecto,  as  faculdades  comuns  do  gênero  humano.  O uno não é mais uma promessa, é uma premissa. 
A  unidade  não  é algo a que se deva convergir; é algo que precede a ação da multidão. Existe e persiste o 
problema da relação uno versus muitos".  

O livro propõe três aproximações a modos de solucionar esta problemática:  


-  a  primeira  abordagem  é  quanto  à  busca  por  formas  de  proteção,  a  partir  da  experiência  da 
evolução do medo à angustia (constante). 

-  a  segunda  abordagem  é  quanto  a  um  processo  de  redução do intelecto a um intelecto geral, 


intrinsecamente  pragmático,  a  partir  das  esferas  anteriormente  autônomas  de  trabalho,  ação 
política e intelecto.  

-  a  terceira abordagem é quanto a aspectos subjetivos da multidão: o processo de constituição 
do  indivíduo  social,  os  danos  impostos  ao  caráter,  e  os  problemas  da  vida  inautêntica  -  o 
excesso da fala e a curiosidade.  

  

Capítulo 1 Temores e proteções 

  

O capítulo organiza-se desta forma: 

1.  desaparecimento  da  capacidade  significativa  provida  por  comunidades  de  pertencimento  e 
diluição dos contornos do medo. 

2.  o  fato  de  que  primeiro  se  procura  o  refúgio  e  depois  se experimenta o contato com o que é 
temível.  (Passa  a  existir  uma  linguagem  que  se  exerce  num  espaço  público.  Público,  mas  sem 
conotação política, este o refúgio buscado antes da experiência do medo e este o perigo). 

3.  o  risco  de  existirem  formas  desastrosas  de  se  lidar  com  o  medo  (qual  seria  a  referência  de 
unidade para a multidão - qual uno para os muitos?) 

 
43  "é  típico  da  multidão  pós-fordista  fomentar  o  colapso  da  representação  política,  não  como  gesto 
anarquista e sim como busca realista de novas formas políticas".  

  

1. Medo/ angústia. 

Estado  emocional  perturbado  como  definidor  da  multidão  contemporânea.  O medo seria uma 


experiência possível diante de situações de perigo - o medo como angústia que ainda encontra 
possibilidade  de  refúgio,  ligado  a  um  vestígio  de  vínculo  a  comunidade  dita  substancial  (da 
tradução para o espanhol), comunidades de experiências comuns. 

Já a angústia seria a experiência do que ele chama de multidão pós-fordista: não se deve a uma 
perda  ou  dano  específico,  não  também  a  um  risco  ou  perigo  específico  e  sim  ao  simples  fato 
de  se  estar  no  mundo  e  diante  do  indeterminado:  a  isso  ele chama de perturbação ansiosa. (A 
tradução em espanhol usa a palavra 'omniabarcativa', ideia de ameaça por todos os lados.). 

Esta  retirada  de  contornos  do  medo  corresponde  a  gradativa perda de significado daquilo que 


se  considera  vida  comunitária.  O  medo  era  circunscrito  e  nomeável  e  esta  ampliação  é 
consequência  do  abandono  do  significado ou da possibilidade significativa da vida comunitária 
e, então, do ingresso de cada individualidade mais ou menos estável no 'vasto mundo'.  

 
31  "o  medo  se situa no interior da comunidade, em suas formas de vida e comunicação. A angústia surge 
nos  que  se  afastam  dos hábitos compartilhados, dos jogos linguísticos conhecidos de todos, adentrando 
o  vasto  mundo.  Fora  da  comunidade  o  perigo  é  impredizível,  constante,  angustioso.  A  contraparte  do 
medo  é  a  segurança  que  a  comunidade  pode,  em  princípio,  garantir.  A  contraparte  da  angústia  -  da 
exposição ao mundo enquanto tal - é a proteção providenciada pela experiência religiosa." 

O  estranhamento  angustioso  elimina  a  esfera  pública  e  se  atém  à  'interioridade'  do  indivíduo, 
algo  como  estrangeiramento  e  encapsulamento.  Hoje  todas  as  formas  de  vida  experimentam 
este  não  se  sentir  em  sua  própria  casa  (origem  da  angústia).  Nada  mais  compartilhado  e 
comum, nada mais público do que não se sentir em sua própria casa.  

 
"O  que  separa  medo  e  angústia,  temor  relativo  e  temor  absoluto  é  precisamente  o  que  foi esboçado: o 
conceito  de  povo,  mesmo  com  suas  diversas  variações  históricas  está  associado  ao  duplo  fio  da  rede 
que  separa  um  lado  interno,  habitual,  e  um  lado  externo,  desconhecido  e  hostil.  Em  contraparte,  o 
conceito de multidão está ligado à dissolução desta separação.  A distinção entre medo e angústia, como 
aquela  entre  proteção  relativa  e  proteção  absoluta  perde  seu  fundamento  (...)  ninguém  está  menos 
isolado  do  que  aquele  que percebe a pressão pavorosa do mundo indeterminado. O sentimento no qual 
convergem medo e angústia é neste tempo um assunto dos muitos". 

Hoje  as  mudanças  não  atingem  comunidades  tradicionais  e  sim  indivíduos  acostumados  a 
mudanças  repentinas,  expostos  ao  insólito  e  ao  imprevisto.  "Para  diminuir  a  desorientação 
provocada  por  não  dispormos  de  ambiente  pré-fixado  ou  manejável  pelo  instinto  é  preciso 
administrar  racionalmente  o  contexto  vital."  O  perigo  se  define  a  partir da busca originária por 
proteção.  

O  pertencimento  sugere  a  estrutura  do  povo.  Pertence  como  corpo  social,  como  portador  de 
direitos.  O  povo  é  o  que  converge  e  se  protege  ainda  numa  opção  elementar  de  estar  sob 
proteção  civil.  Já  a  multidão  é  a  corporificação  da  experiência  da  angústia:  ela  não  parte  da 
forma  estatal,  não  converge  para  a  forma  estatal  e  tende  a  procurar  outras  formas  de 
organização  política  ou  social  que  diminuam  a  tensão  do  contato  imediato  com  o 
indeterminado e com o imprevisto. 

2. Busca por proteção.  

A  primeira  forma  de  proteção  é,  então,  o  refúgio  em  um  nível  estrutural da linguagem, em um 
nível  normativo,  que  deveria  estar  por  trás  da  linguagem  que  se  constrói  na  convivência 
confiável:  fundamentos,  mitos,  origens,  destino  comum,  jogos  de  linguagem.  Este  arcabouço 
estrutural,  normativo  é  o  que emerge para um primeiro plano - uma caixa de ferramentas para 
a sobrevivência, manejável convenientemente. 

A  angústia  tem  a  ver com a multidão, "mancomunada", o disperso no que tem em comum. "Os 


muitos  enquanto  muitos  são  os  que  partilham  o  sentimento  de  não  se  sentirem  em  casa  e 
colocam  essa  expressão  no  centro  de  sua  práxis  social  e  política."  O  povo,  ao  compor  o 
estado soberano, não tem necessidade dessa procura por outras estratégias de proteção. 
O  primeiro  recurso  então  da  multidão  que  não  está  adaptada  é  a  redução  da  linguagem  aos 
lugares  comuns,  "​formas  lógicas  e  linguísticas  de  valor  geral,  estrutura  óssea  dos  discursos. 
Comuns porque não é possível eximir se de seu uso​". 

Uma  das  formas  de  se  lidar  com  o  medo,  uma  das  procuras  por  proteção  e  que  caracteriza 
para Virno a multidão pós fordista é o resguardo da linguagem à região de ausência de risco. 

Ele toma como referência o conceito de topoi idioi e topoi koinoi. O primeiro se refere a lugares 
especiais  -  de  linguagem  -  fruto  da  vivência  comunitária  que  estabelece  os  jogos  linguísticos 
conhecidos  das  pessoas  que  pertencem  à  comunidade.  O  segundo  são  lugares  comuns  sem 
conteúdo específico e que se referem a: 

- categorias de maior e menor 

- oposição entre contrários 

- noção de reciprocidade 

Importa  o  caráter  exterior,  social,  coletivo  que  compete  a  essa  atividade  intelectual  uma  vez 
que se torne o verdadeiro recurso da produção de riqueza. 

As  linguagens  de  grupos  específicos  e  duráveis  (que  ou  deixaram  de  existir  ou  de  fornecer  o 
equivalente  a  uma  lógica,  uma  orientação  para  a  vida)  seriam,  para  o  autor,  a  empréstimo  do 
termo  de  Aristóteles,  os  lugares  especiais.  E  aquilo  a  que  se  reduz  a  linguagem  que  irá 
caracterizar  a  multidão  pós-fordista  é  o  conjunto  dos  lugares  comuns,  não  no sentido de falas 
de  pouca  importância,  mas  no  sentido  de  retorno  à  linguagem  que  se  tece  quase  dentro  de 
uma  grande  máquina  produtiva,  como  parte  da  máquina  -  máquina  +  insumo  +  investimento 
(+  linguagem).  Intelecto  geral  como  um  conjunto  de  conhecimentos  que  permitiria  a 
recuperação  do  trabalho  vivo  e  que  sendo  recurso  de  produção  de  riqueza  poderia  liberar 
tempo  do  trabalho  produzindo  a  expectativa  de  uma  qualidade  de  vida  coletiva  diferente, 
melhor,  com  redução  de  tempo  de  trabalho  e  ampliação  do  tempo  livre  para  aquisição 
conhecimentos e habilidades. Não é o que ocorre.  

Concluindo  a  questão  da  linguagem  neste  primeiro  capítulo,  ela  é,  então,  reduzida  a  lugares 
comuns  e  se  torna  totalmente  acessível,  pública,  uma  espécie  de  'vida  da  mente',  ponto  de 
partida da multidão. 

"Intelecto  público"  passa  a  ser  uma  noção  que  subverte  as  noções  usuais  de  atividade 
intelectual:  o  trabalho  intelectual  sugere  certo  alheamento  e  distanciamento  das  atividades 
comuns,  da  vida  em  comunidade,  para  posterior  retorno  possivelmente  à  vida  comum.  Esta 
noção  do  pensador  como  estrangeiro  é  invertida  na  experiência  desta  multidão:  ser 
estrangeiro é hoje uma condição comum a muitos, condição durável e compartilhada. 

A  linguagem  universal  do  estrangeiramento  é  então  este  general  intellect  -  saber  produtivo, 
lugares  comuns  (de  um  ponto  de  vista  cognitivo),  publicidade  (não  particularidade)  do 
intelecto. É o dialeto da multidão pós-fordista. 

Não  é  o  pensador  que  se  torna  estrangeiro:  agora  é  a  multidão  dos  sem  casa  que  adquire  à 
força  o  estatuto  de  'pensadores',  dos  que  têm  que  lançar  mão  de  um  intelecto  geral  para  sua 
orientação  no  mundo.  E  este  intelecto  comum  é  uma  linguagem  pragmática,  com  sobras, 
digamos, mas restrita ao interesse do que se poderia dizer o capital.  
Quanto  a  um  sentido  pueril  do  conteúdo  da  vida  urbana,  ligado  à  repetição  para  afirmação  e 
busca  por  segurança:  a  infância  pode  ser  uma  matriz  de  significados  nesse  sentido - a criança 
se protege pela repetição (mesmos jogos e critérios) contra o imponderável e o imprevisto.  

3.Publicidade sem esfera pública. 

Segundo  nível  do problema: as formas de se buscar proteção podem ser o próprio mal do qual 


se  tenta  fugir  -  formas  de  nacionalismo,  supervalorização  de  questões  étnicas,  formulações 
passionais  que  justifiquem  manifestações  agressivas  ou  degradantes  de  zelo  pelo bem-estar - 
até o limite de se encontrar paz, ​finalmente​, sob governos totalitários. 

A  publicidade  da  mente  se  refere  a  questões  asseguradoras.  Mas  aí  está  o  perigo  que  o  autor 
reconhece:  a  publicidade  do  intelecto  não  coincide  com  uma  esfera  de  ações  de  natureza 
política.  

 
40-41  "O  intelecto  público  é  um  tronco  unitário  do  qual  podem  brotar  tanto  formas  de  proteção 
horrendas  quanto  formas  de  proteção  capazes  de  procurar  um  bem  estar  real  na  medida  em  que 
salvaguardam  das  primeiras.  (...)  Minha  tese,  sinteticamente,  é  a  seguinte:  se  a  publicidade  do  intelecto 
não  se  articula  em  uma  esfera  pública,  em  um  espaço  político  no  qual  muitos  possam  se  ocupar  dos 
assuntos  comuns,  ela  pode  produzir  efeitos  terríveis.  Uma  publicidade  sem  esfera  pública,  eis  aqui  a 
versão  negativa,  "o  mal,  se  se  quer",  na  experiência  da  multidão.  (...)  O  general  intellect,  o  intelecto 
público,  se não se torna república, esfera pública, comunidade política, ​multiplica loucamente as formas 
de submissão.​" 

A  multidão  é  a  base  da  produção  pós-fordista.  Mas  se  a  obrigatoriedade  da  habilidade 
comunicativa  não  diz  respeito  ao  que  se  refira  ao  reconhecimento  das  relações  de  poder 
implicadas  nesta  forma  informal  e  normativa  de  uso  constante  da  linguagem  o  resultado  é  a 
criação  de  laços  pessoais  (de  dependência)  em  ambientes  que  deveriam  respeitar  limites  de 
interioridade,  afetos,  coisas  ligadas  ao  que  justamente  é  suprimido  que  são  relações  de 
confiança  e  pertencimento  e  então  o que se tem é a multiplicação de hierarquias, infundadas e 
resistentes.  O  que  deveria  ser  governado  por  regras anônimas se torna pessoal. O que deveria 
ser  pessoal  se  torna  aprisionado  pelo  normativo,  pela  ausência  de  linguagem  verídica  (com 
objeto correspondente, com princípio referencial) além dos "lugares comuns".  

A  multidão  não  despreza  o  universal,  o  comum,  o  Uno,  mas  o  redetermina;  este  uno  não  é  o 
estado  para  o  qual  converge  o  povo.  A multidão não converge em uma 'vontade geral'. Como 
linguagem de totalidade já tem o intelecto geral. A vontade manifesta pela multidão é múltipla.  

 
42  "O  intelecto  público,  que  no  pós-fordismo  se  apresenta  como  mero  recurso  produtivo,  pode 
constituir  sem  dúvida  um  novo  "princípio  constitucional",  pode  ocultar  uma  esfera  pública  não  estatal. 
Os  muitos  enquanto  muitos  têm  como  base  de  sustentação,  para  o  bem  e para o mal, a publicidade do 
intelecto​. 

 
Considera  necessário  manter  noção  das  diferenças  entre  a  multidão  de  Hobbes  e  a  multidão 
contemporânea.  A  multidão  de  Hobbes  se  refere  ao  período  de  consolidação  dos  Estados 
absolutistas,  corresponde  a  comunidades  que,  ao  serem  incorporadas,  resistiam  por  meio  do 
que veio a ser chamado violência conservadora, uma noção positiva do uso da violência. 

 
43-44  "Talvez  este  ius  resistentiae  -  o  direito  a  proteger  qualquer  coisa  que  já  existe  e  que  é  digna  de 
persistir  -  é  aquilo  em  que  mais se assemelham a multidão do século XVII e a multidão contemporânea. 
Nesta  também  não  se  trata  de  "tomar  o  poder",  de  construir  um  novo  estado,  um  novo  monopólio  da 
decisão  política  e  sim  de  defender  experiências  plurais,  formas  de democracia não representativa, usos 
e  costumes  não  estatais.  Quanto  ao  resto  é  difícil  passar  por  alto  as  diferenças:  a  multidão  atual  tem 
como  pressuposto  um  uno  que  não  é  menos  e  sim  mais  universal  que  o  Estado;  o  intelecto  público,  a 
linguagem,  os  lugares comuns - se quiserem, pensem na web. Contudo, a multidão contemporânea leva 
inscrita a história do capitalismo, está ligada estreitamente às vicissitudes da classe operária".  

De todo modo, salvaguardadas as diferenças históricas,  

 
"é  típico  da  multidão  pós-fordista  fomentar  o  colapso  da  representação política, não como gesto 
anarquista,  mas  como  busca  realista  de  novas  formas  políticas.  (...)nada  intersticial, 
marginal,  residual: mais exatamente a concreta apropriação e rearticulação do saber/poder 
hoje congelado nos aparatos administrativos do Estado".  

  

Capítulo 2 - Trabalho, ação e intelecto 

  

Virno  indica  como  uma  das  marcas  definidoras  da  multidão  pos  fordista  a  redução  de  tres 
esferas  separadas  (da  atividade  social  humana)  a  uma  coisa  só.  O  que  seria  reservado  à  ação 
política  passa  a  ser  internalizado  como  instrumento  para  a  esfera  de trabalho, de produção de 
mercadoria  (material  ou  imaterial),  ou  de  produção  da  ação  em  si  como  mercadoria - então a 
ação  produtiva,  a  ação  política  e  o  trabalho  intelectual  (não  específico,  geral)  se  transformam 
em um intelecto público. 

 
47  "a  multidão  se  a  firma  como  modo  de  ser  onde  existe  justaposição  ou  hibridação entre âmbitos que 
não faz tanto tempo, já na era pós fordista mesmo, apareciam diferenciados. 

No  contexto  pós-fordista  o  trabalho  assimila aspectos que seriam próprios da ação política - e 


este é um "traço fisionômico chave da multidão contemporânea".  

O  sentido  de  uma  multidão  contemporânea  despolitizada  é  compatível  com  a  atribuição  de 
características  próprias  da  ação  política  tornadas  mera  ferramenta  de  trabalho.  Existe  um 
empobrecimento da ação política que a torna menos desejável. 

 
50  "A  inclusão  de  certos  aspectos  estruturais  da  práxis  política  na  produção  atual nos ajuda a entender 
por  que  a  multidão  posfordista  é  uma  multidão  despolitizada.  Já  existe  política  demais  no  trabalho 
assalariado  -  enquanto  trabalho  assalariado  -  para  que  a  política  como  tal  possa  gozar  ainda  de  uma 
dignidade autônoma." 

O  autor  parte  da  separação  entre  trabalho,  ação  e  intelecto,  para  dizer  da  percepção  da 
diluição  dos  limites  entre  essas  diferentes  esferas  de  intervenção  humana  sobre  o  mundo 
como tal - material, social, cultural.  

O  trabalho  como  a  intervenção  produtiva  sobre  a  materialidade  do  mundo  ou  o  trabalho 
intelectual  específico  (performático)  ou como o que deixa atrás de si produtos culturais; a ação 
política  como  ação  sem  obra,  com  a  finalidade  imbricada  à  execução,  sendo  necessária  a 
presença  do  outro  e  o  espaço  para  a  ação,  (possibilidade  de  começar  algo  novo,  visando  ao 
'comum');  e  o  trabalho  intelectual  visto  um  tanto  quanto reservado, ligado a um procedimento 
meditativo, não imediatamente vinculado a rigores e recursos de uma estrutura lucrativa. 

O  pós-fordismo  é  o  contexto  de  mudança  do  modelo  produtivo.  O  contexto  abarca  outras 
percepções  quanto  a  direitos  e  quanto  a  expectativas  no  que  se  refere  a  condições  de  vida  e 
condições  de  trabalho.  É  o  modo  de  se  constituírem  as  demandas  da  multidão  pós-fordista  o 
que  gradualmente  dilui  as  fronteiras  entre  a  atividade  política,  a  atividade laboral e a atividade 
intelectual,  onde  surge  a  figura  do  pensador  como  um  indivíduo  social  vinculado  a  uma 
atividade em fluxo em um mundo no qual a linguagem se torna estrutural e incessante.  

Retoma  o  argumento  de  Hannah  Arendt  segundo  o  qual  a  política  incorporou  ao  longo  do 
século XX os traços típicos da atividade de trabalho 'fabricando' formas e estruturas - o Estado, 
o  partido,  as instituições, a historiografia. Diz que seu raciocínio é simétrico e oposto ao dela no 
sentido  de  acreditar  que  foi  o  trabalho  que  incorporou  elementos  próprios  da  ação  política 
(performance, adestramento do espaço público).  

A  despeito  de  existir  alto  grau  de  individualização  no  contexto do trabalho pós-fordista, o que 


caracteriza  estas  relações  laborais  é  um  nível  de  comunicação  do  interesse  da  máquina 
produtiva.  Cooperação  como  linguagem  constante,  em  fluxo,  mas  nos  limites  do  interesse  do 
mercado e respeitando o cinismo e o oportunismo que são condições de sobrevivência. 

O  intelecto  do  processo  é  o  general  intellect  -  a  redução  da  potência  de  saber  a  contraparte 
imaterial do conjunto material da produção. 

 
48  ao  contrário  do  trabalho,  que  manipula  materiais  naturais,  a  ação  política  intervém  nas  relações 
sociais,  tem  a  ver  com  o  possível  e  com  o  imprevisto,  não  preenche  o  contexto  no  qual  opera  com 
produtos  subsequentes,  simplesmente  modifica  este  mesmo  contexto.  Diferente  também  da  atividade 
intelectual,  a  ação  política  é  pública,  associada  à  exterioridade,  à  contingencia,  ao  rumor  dos  muitos. 
Para  usar  as palavras de Hannah Arendt, implica na exposição aos olhos dos demais". 49. Sustento que o 
trabalho  pós-fordista,  o  trabalho  que  produz  mais-valia,  o  trabalho  subordinado  emprega  qualidades e 
requisitos humanos que tradicionalmente corresponderiam mais exatamente à ação política.  

Para  juntar  trabalho e ação política (ou para demonstrar como as duas coisas se tornaram uma, 


subtraindo  o  sentido da ação política em si) o autor lida com a dificuldade para se atribuir valor 
ao  trabalho  performático:  a  atividade  do  virtuoso  se  cumpre  em  si  mesma  e  exige  a presença 
de outros, ou se cumpre para a presença de outros.  

Descreve  então  o trabalho servil como improdutivo porque não produz mais valia, não tem um 


produto,  não  é  qualificado  e  é  pago  com  renda  e  não  com  a  uso  (inversão?)  de  capital.  E  diz 
que  para  Marx  o  trabalho  performático  acaba  sendo  classificado  de  modo  semelhante  ao 
trabalho  servil,  num  arranjo:  trabalho  assalariado  que  ao  mesmo  tempo  não  é  trabalho 
produtivo.  

Trabalho produtivo: não necessariamente fatigante, mas o que produz mais valia. 

Ele  menciona  o  trabalho  imaterial  que  deixa  atrás  de  si  obras  -  pintura,  poesia,  informação, 
entretenimento,  livro.  O  problema  do  valor  relativo  à  produção  cultural:  quanto  vale  o  tempo 
de  trabalho  do  produtor  cultural,  do  formador  de  opinião?  Quanto  vale  o  trabalho 
performance,  como  se  extrai  mais  valia  do  trabalho  do  corpo  de  dança,  da  companhia  de 
teatro, etc. Todo este aspecto da teoria do valor em Marx não é acessível tão prontamente. 

O  problema  é  uma  dupla negação. A primeira: a mais valia, o trabalho não pago. A rendição do 


tempo  da  vida  a  tempo  de  trabalho,  evidentemente  implica  em  uma  imensa  quantidade  de 
trabalho  não  pago.  "O  tempo  de  vida  passa  a  coincidir  com  um  tempo  produtivo".  (O  tempo 
de  produção  é  infinitamente  maior  do  que  o  tempo  de  trabalho.)  Isso  é  negado.  Então  o 
pós-fordismo elimina um dos sentidos da bifurcação (entre trabalho e ação política ou trabalho 
com  obra  e  trabalho  sem  obra)  fazendo  com que o trabalho escape ao investimento de capital 
em  alguma  medida,  que  o  trabalho  seja  identificado,  em  alguma  medida,  ao  trabalho  servil  - 
sem mais valia, à medida em que a vida é abarcada no trabalho.  

A  segunda  negação:  (considerando  que  o  trabalho  seja  em  alguma  medida  ou  servil  ou 
trabalho  virtuoso,  performático),  o  segundo  sentido  da  bifurcação  desaparece  nesta exigência 
pós-moderna  da  linguagem  em  fluxo,  como  ruído  de  fundo  (sem  obra  e  sem  sentido,  a  'ação 
política'),  trabalho  vivo,  mas  ao  custo  da  alma,  coordenando  o  tempo  de  produção  da 
máquina.  

(Um  tipo  de  traição  da  ideia  expressa  no  fragmento  das  máquinas,  que  o  autor  menciona, em 
que  o  trabalho  vivo  recuperado  e  o  tempo  recuperado  permitiriam  a  um  número  maior  de 
pessoas maior liberdade. O pós-fordismo engole o trabalho vivo e o tempo livre.) 

 
54.  "Em  relação  à  produção  contemporânea,  a  observação  de  Arendt  sobre  a  atividade  dos  artistas 
intérpretes  e  os  homens  políticos  é  clara:  para  trabalhar  é necessário um espaço com estrutura pública. 
No  pós-fordismo,  o  trabalho  reclama  um  espaço  com  estrutura  pública  e  se  parece  a  uma  estrutura 
assim.  A  este  espaço  estruturado  publicamente,  Marx  chama  cooperação.  Seria  possível  dizer  que  a 
certo  nível  de  desenvolvimento  das  forças  produtivas  sociais,  a  cooperação  laboral  introjeta  a 
comunicação  verbal,  assemelhando  se  a  uma  performance  virtuosa,  a  um complexo de ações políticas. 
Lembram  o  famosíssimo  texto  de  Max  Weber  sobre  a  política  como  profissão?  Weber  enumera  uma 
série  de habilidades que distinguem o homem político: saber colocar em perigo a saúde da própria alma, 
encontrar  um  equilíbrio  justo  entre  a  ética  da  convicção  e  a  ética  da  responsabilidade,  dedicar-se  ao 
objetivo.  Há  que  se  reler  este  texto  em  relação  ao  Toyotismo,  ao  trabalho  baseado  na  linguagem,  na 
mobilização  produtiva  das  faculdades  cognitivas.  A  sabedoria  de  Weber  nos  fala  dos  dotes  que requer 
hoje a produção material​."  

 
O  contexto  pós-moderno  a  que  se  refere  lida  com  potencialidades,  de  modo  que  o  que  é 
absorvido  é  o  corpo  todo  sendo  este  o  'tabernáculo'  que  guarda  a força de trabalho enquanto 
possibilidade, potência.  

O  paradigma  desta  coincidência  entre  'meio e mensagem' é buscado no modo de operação da 


indústria cultural por dois motivos.  

1.  Porque  os  trabalhadores  da  indústria  cultural,  a  despeito  de  produzirem  objetos  materiais, 
produtos  vendáveis,  tiveram  que  incorporar  à  sua  dinâmica  de  trabalho  elementos  de 
informalidade que criassem a disposição requerida pelo tipo de bem a ser produzido.   

2. Por causa da transformação da linguagem humana em mercadoria.  


 

58  O  capitalismo  -  esta  é  a  tese  -  mostra  sua  capacidade  de  mecanizar  e  segmentar  a  produção 
espiritual  assim  como  fez  com  a  agricultura  e  o  trabalho  com  metais. Produção em série, insignificância 
da  tarefa  isolada,  econometria  das  emoções  e  dos  sentimentos,  estes  são  os  refrães  recorrentes.  Esta 
abordagem  crítica  admitia  que  no  caso  particular da indústria cultural alguns de seus aparatos deveriam 
permanecer  refratários  a  uma  completa  assimilação  à  organização  fordista  do  processo  laboral.  Na 
indústria  cultural  era  preciso  manter  um  necessário  espaço  para  o  informal,  o  não  programado,  o 
imprevisto,  a  improvisação  comunicativa  e  improvisação  de  ideias:  não  para  favorecer  a  criatividade 
humana,  mas  para  obter  uma  produtividade  comercial  satisfatória.  Sem  dúvida  para  a  escola  de 
Frankfurt  estes  aspectos  eram  residuais  (...). O que contava era somente a "fordização" geral da indústria 
cultural.  Contudo,  me  parece  que,  olhando  as  coisas  a  partir  de  uma  perspectiva  do  presente,  não  é 
difícil  reconhecer  que  estes  supostos  resíduos  -  certo  espaço  concedido  ao  informal,  ao imprevisto, ao 
não programado - estavam carregados de futuro".  

Para  Guy  Debord,  o  espetáculo  expõe  a  racionalidade  do  sistema.  O  espetáculo  seria  uma 
abstração  semelhante  ao  dinheiro.  Se  a  comunicação  humana  é transformada em mercadoria, 
o  espetáculo  seria  o  equivalente  na  troca  destas  mercadorias  linguísticas  produzidas  em  um 
sistema forçosamente cooperativo. 

Cooperação  pode  ser  pensada  em  um  nível  de  divisão  do  trabalho,  partes  em  um  processo 
coordenado hierarquicamente.  

 
60.  As  forças  que  dão  o  espetáculo,  por  assim  dizer,  são  as  mesmas  'forças  produtivas'  da  sociedade 
enquanto coincidem, em medida sempre maior com as competências linguístico-comunicativas e com o 
general intellect.  

No  'fragmento  das  máquinas',  Marx  descreve  um  processo  no  qual  o  ser  humano  iria  juntar  à 
máquina  o  trabalho  vivo  e  estaria  cada  vez  mais  ao  lado  da  máquina  com  funções  de 
supervisionar  e  orientar  o  seu  funcionamento.  Deste  processo  haveria  um  tempo  livre 
resultante.  Mas  a  verdade  da  crescente  automação  da  produção  não  é  um  resultado 
socialmente positivo para uma imensa quantidade de potenciais trabalhadores. 

Mesmo  assim,  a  superação  da  prevalência  do  trabalho  morto  estabelece condições diferentes 


de  cooperação.  A  primeira  noção  de  cooperação  diz  de  uma  divisão  do  trabalho  tal  como  é 
imposta  e  orientada  pela  hierarquia  dentro  da  estrutura  produtiva  e  isso  corresponde  ao 
modelo  da  linha  de  montagem.  Neste caso, o que o trabalhador pode descobrir ou criar como 
atalho  ao  processo  produtivo  tende  a  ser  assimilado  por  superiores  hierárquicos  como  um 
ganho  a  ser  feito  perda  para  o  trabalhador.  Ele  descobre  um  modo  de  concluir  mais 
rapidamente  um  dado  processo  e  obter  um  tempo  a  mais  de  descanso.  O  superior,  ao 
perceber o atalho, cria outras formas de eliminar o tempo livre.  

Neste processo (modelo fordista) o atalho é parte do que se faz ou se descobre, mas uma parte 
oculta  que  pode  ser  manifesta.  No  sistema  seguinte,  com  outros  parâmetros para a produção, 
o  sentido  da  cooperação  é  requerido  à  luz,  faz parte de um jogo de cena no qual é boa política 
comunicar o atalho, descobrir novos meios de fazer as coisas, manter a linguagem como fluxo. 

A  partitura  para  a  'execução  virtuosa'  desta  linguagem  é  o  general  intellect,  um  acúmulo  de 
saber possível dentro de uma lógica que não diminui a contradição entre capital e trabalho. 

Este  general  intellect  seria  da  mesma  forma  que  o  dinheiro  uma  abstração  real,  um 
pensamento  que  não  é  pensamento  puro,  que  é  intrinsecamente  ligado  a  uma  materialidade. 
Este  conjunto  de  saberes  é  atributo  do  trabalho  vivo,  coordenativo,  criativo.  Enquanto 
equivalente o conjunto deste saber social determina o valor da linguagem mercadoria. 

 
p.65  Em  duas  ocasiões  Marx  atribui  ao  pensamento  um  caráter  exterior,  uma  índole  pública.  Primeiro 
quando utiliza a expressão (...) "abstração real" e depois quando fala em "general intellect". 

Ele  fala  em  duas  acepções  diferentes  do  general  intellect:  uma  como  abstração  real,  outra 
como  uma  espécie  de  partitura  "lida"  o  tempo  todo  pelos  trabalhadores  pos  fordistas  que 
trabalham  dependendo  de  informações  e  conexões  que  a  linguagem  constante  estabelece. 
Nesse  sentido  não é o conjunto de saberes produtivos o que ele chama de general intellect: é o 
pensamento  em  si,  o  modo  de articular a linguagem. E neste sentido retoma exatamente o que 
disse  no  primeiro  capítulo:  que  se  trata  afinal  da  redução do pensamento aos lugares comuns, 
ao desvio que transforma a caixa de ferramentas no objeto construído. 

Uma  abstração  real  é,  por  exemplo,  o  dinheiro.  No  dinheiro,  de  fato  se  encarna,  se  torna  real 
um  dos  princípios-guia  do  pensamento  humano:  a  ideia  de  equivalência.  Esta  ideia  (de 
equivalência)  por  si  abstrata,  adquire  uma  existência  concreta,  material,  como  moeda  física, 
metálica.  A  capacidade  que  tem  uma  ideia  de  se  tornar  coisa  (equivalência/metal):  isto  é uma 
"abstração real".  

A linguagem performance é a mercadoria. O general intellect é o 'equivalente' capaz de adquirir 
a mercadoria. O general intellect adquire esta característica de abstração real, como o dinheiro. 
(?)  O  que  é  indício  desta  interpretação  é  que,  mesmo  fora  do  ambiente  de  trabalho,  a 
linguagem  interpessoal  é  continuamente  submetida  a  um  tipo  de  'regime  de  fábrica'.  O  que 
ocorre  não  é  o  estabelecimento  de  'razões  de  Estado'  (no  processo  de  tornar  iguais, 
equivalentes  ou  niveladas  realidades  diferentes)  e  sim  um  tipo  de  'estatização  do  intelecto': 
com  o  excedente  do  general  intellect,  o  que  não  é  para  a  fábrica,  digamos,  se  realiza  o  que 
seria  seu  inverso.  Este  excedente  de  tempo  e  conhecimento  poderia  gerar  agregação  e 
constituição  de  outros  saberes,  comunidades,  outras  formas  de  interdependência  ou 
autonomia  eventualmente  (poderia  ter  um  sentido  propriamente político). Mas este excedente 
de  conhecimento  se  concretiza  no  avesso  do  seu  potencial,  como  uma  corporificação 
autoritária  deste  pensamento,  como  ponto  de  confluência  entre  saber  e  mando,  como 
hipertrofia  do  aparato  administrativo  do  estado.  Ao  que  Hobbes  chamaria  'razão  de  estado' 
(indivíduos  transferem  o  direito  ao  soberano),  pode-se  chamar,  na  vigência  do  modo  de  vida 
pós-fordista  'estatização  do  intelecto':  o  que  se  transfere  é  o  caráter  público  do  intelecto  ao 
poder regulamentar do Estado (que arbitra a favor do modo de produção).  

O  aspecto  no  qual  o  problema  poderia  ser  o  antídoto  é  que  o  intelecto  público  poderia  não 
estar  submetido  à  lógica  do  trabalho  assalariado  e  à  lógica  do  Estado.  Virno  estabelece  a 
questão  como  uma  fórmula:  se  o  modo  de  vida  ligado  ao  modo  de  produção  do  Toyotismo 
leva  a  uma  fusão  em  cada  indivíduo  social  mais  ou  menos  individuado  entre  trabalho,  ação 
política  e  intelecto,  a  proposta  a  ser  formulada  seria  a  possibilidade  reversa,  de  separação 
entre estas três esferas. 

 
68  -  "O  intelecto  se  torna  público  quando  se  une  ao  trabalho,  mas  (...)  uma  vez  enlaçado  ao  trabalho 
assalariado  sua  típica  publicidade  é  inibida  (...).  Evocada  (a  publicidade  do  intelecto)  enquanto  força 
produtiva,  seu  caráter  público  se  suprime  enquanto  esfera  pública  propriamente  dita,  eventual  raiz  da 
ação política". 

Propõe  a  existência  de  um  general  intellect  "amputado"  da  conexão  inextrincável 
aparentemente  tanto  com  a  produção  de  mercadorias  quanto  com  o  trabalho  assalariado 
(capaz  de  se  ocupar  da  esfera  pública).  Porque  "a  subversão  das  relações  de  produção 
capitalistas  pode  se  manifestar  somente  como  a  instituição de uma esfera pública não estatal". 
Neste  sentido  o  autor  se  refere  a  um  tipo  de  construção  de  pensamento  que  seria  um 
"virtuosismo  não  servil"  (algo  como  o  trabalho  sem  obra  capaz  de  escapar  ao  rigor  da 
permanente  extração  de  tempo  não  pago).  "A  esfera  pública não estatal é a esfera pública que 
adquire o modo de ser da multidão". 

  

  

Capítulo 3- A multidão como subjetividade 

  

Uma  noção  contraditória:  Marx  poderia  ser  interpretado  como  autor  de  uma  teoria  do 
indivíduo, não da sociedade.  

No capítulo trata: 

1.  do  processo  de  individuação  -  o  que  faz  singular  a  uma  singularidade,  individual  a  uma 
individualidade 

2. a noção de biopolítica 

3.  características  emotivas  da  multidão:  o  cinismo,  o  oportunismo  (não  como  estado 
psicológico, mas como modo de estar no mundo) 

4. a vida inautêntica (tagarelice e avidez por novidades) 

  

1. O processo de individuação 

  
Parte  de  um  tecido  de  relações  sociais  pré-individuais  -  idioma,  moeda,  hábitos,  processo 
educativo,  conjunto  do  que  é  como  um  líquido  amniótico  social  -  até  a  pessoa  conseguir, por 
meio de experiências relativas ao afeto, constituir uma linguagem que diga dela própria.  

Este  seria  o  indivíduo  que  emerge  do  que  pode  ser  considerado  pré-individual.  No  que  se 
refere  a  características  basicamente  humanas  -  a  capacidade  de  falar,  de  ouvir,  de  tocar,  de 
situar-se  no  meio  ambiente  -  não  existe  passagem  do pré-individual para a individuação. Mas 
especificamente  o  idioma,  a  língua  falada  e  as  experiências  constitutivas  do  afeto  são 
passagem  do  pré-individual  para  o  processo  de  individuação  -  que  tem  um resultado sempre 
reversível, sempre frágil.  

Indivíduo  social  é  o  elemento  que  migra  do  conjunto  do  que  é  pré-individual  para a condição 
individual  (de  percepção  e  afirmação  da  singularidade)  portando  códigos  sociais  específicos 
que  deem  conta  de  formas  de  agregação  social.  (O  indivíduo  não  pode  ser  uma  cápsula 
autossuficiente, ele é indivíduo social porque é social).   

As  "tonalidades  emotivas"  desta  multidão  falante  são  ligadas  a  um  grau  de  perda  quanto  ao 
caráter  -  e  não  se  trata  de  uma  abordagem  moral.  A  abordagem  é  ética,  no  sentido de "como 
as  coisas  funcionam".  Esta  passagem  do  pré  individual  ao  individual  incorpora  aspectos  do 
caráter  adaptável  ao  modo  de  vida  pós-moderno.  (Virno  não  usa  o  termo  'pós-moderno').  O 
texto  sempre  mantém  movimento  pendular  entre  'o  uno'  e  'os  muitos'.  A  individuação  é  um 
processo  que  parte  do  pré individual e do coletivo. De modo que não existe ser humano capaz 
de  amadurecer  a  linguagem  ou  trazê-la  a  dizer  o  si  mesmo  sem  a  experiência  pré  individual, 
genérica.  Não  existe  individuação  que  se  complete  (mesmo  que  sempre  de  modo  reversível) 
sem que se traduza em capacidade de vinculação social.  

Outro  contraponto  ao  pensamento  liberal  (sendo  o  primeiro  o  que  definiria  a  diferença  entre 
público  e  privado  no  que  se  refere  à  multidão)  é  que  este  (pensamento  liberal)  valoriza  a 
experiência  individual,  mas  não  o  processo  de  individuação,  que  Virno  consegue  ver  em  uma 
abordagem  marxista.  O  pensamento  liberal  não  concebe  o  indivíduo  como  dependente  do 
amadurecimento da experiencia coletiva. 

O universo pré individual se compõe de:  

1.  o aparato sensorial humano - tato, potencialidade de fala, percepção visual e sonora, aparato 
motriz.  Um  nível  altamente não consciente de aquisição de informações. (E que não será ponte 
de passagem para a individuação) 

2.  O  idioma como recurso Inter psíquico (social, público), "fala-se" tal idioma em tal lugar, é um 
recurso  não  individual  ainda.  Este  recurso  externo  ao  indivíduo  (a  linguagem  que  se  fala)  é  o 
que  possibilita  a  individuação.  Linguagem  que  se  fala,  idioma,  general  intellect,  intelecto 
público. 

 
77  A  ontogênese,  a  fase  de  desenvolvimento do ser vivente singular consiste na passagem da linguagem 
como  experiência  pública  ou  Inter  psíquica  à  linguagem  singularizante  e  intrapsíquica.  78  Enquanto  a 
língua  é  de  todos  e  de  ninguém,  a  passagem do puro e simples poder dizer a uma enunciação particular 
e contingente determina o espaço do propriamente meu.  

 
3.  O  pré-individual  também  como  modo  de  produção  dominante:  a  realidade  pré individual é 
estritamente histórica. 

No capítulo, o autor explica a individuação a partir de duas teses de Simondon (?)*:  

1ª) a individuação frequentemente não acontece de modo completo ou irreversível  

2ª)  a  pessoa  humana  só  manifesta  características  e  linguagem pessoais a partir da vivência em 


grupo. Isolado, o ser humano não se torna indivíduo social. 

 
81-82  No  "fragmento  das  máquinas",  Marx  estabelece  um  conceito  que,  segundo  creio,  é  central  para 
compreender  a  subjetividade  da  multidão  contemporânea:  (...)  um  conceito  relacionado  com  a  tese  de 
Simondon  sobre  a  intersecção  entre  realidade  pre-individual  e singularidade. É o conceito de "indivíduo 
social".  Não  é  casual  que  Marx  utilize  esta  expressão  nas  mesmas  páginas  nas  quais  discute  o intelecto 
público,  o  general  intellect.  O  indivíduo  é  social  porque  nele  está  presente  o  general  intellect.  Ou 
também:  recorrendo  de  novo  ao  Marx dos Manuscritos, porque aí se manifesta, junto ao Eu singular, (...) 
a existência genérica, o conjunto de requisitos e faculdades da espécie Homo sapiens sapiens. "Indivíduo 
social"  é  um  oximoro  uma  figura  que  representa  a unidade dos contrários: poderia parecer uma mistura 
hegeliana  (...)  se  não  contássemos  com  Simondon  para  decifrar o seu sentido. Social tem aqui o sentido 
de  pre-individual;  indivíduo  é  o  resultado  último  do  processo  de  individuação.  Dado  que  por 
"pré-individual"  é  preciso  entender  a  percepção  sensorial,  a  língua,  as  forças  produtivas,  se  pode 
inclusive  dizer  que  o  indivíduo  social  é  o  indivíduo  que  exibe  abertamente  a  própria  ontogênese,  a 
própria  formação  -  com  seus  diversos  elementos  constitutivos.  Existe  um  tipo  de  cadeia  lexical  - 
semântica  -  que  conecta  o  ser  muitos,  a  velha  questão  do  princípio  de  individuação, a noção marxiana 
de  indivíduo  social,  a  tese  de  Simondon  sobre  a  convivência,  em  cada  sujeito,  de  elementos 
pre-individuais  -  língua,  cooperação  social  -  e  elementos  individuados. /Proponho denominar multidão 
ao  conjunto  de  'indivíduos  sociais'.  Se  poderia  dizer  -  com  Marx,  mas  contra  boa  parte  do  marxismo  - 
que  a  transformação  radical  do  atual  estado  de  coisas  consiste  em  dar  a  máxima  importância  e  o 
máximo  valor  à  existência  de  cada  membro  da  espécie. Pode parecer paradoxal, mas creio que a teoria 
de  Marx  poderia,  deveria  ser  entendida  hoje  como  uma  teoria  realista  e  complexa  do  indivíduo.  Como 
um individualismo rigoroso, quer dizer, como uma teoria da individuação."  

  

2. biopolítica 

Ele  demonstra  um  equívoco  na  insistência  de  Foucault  quanto  a  ser  a  biopolítica  um  tipo  de 
aprofundamento  da  sociedade  disciplinar,  um  quadriculamento  não  visível  do  corpo,  o 
controle pela transferência do cuidado existencial para a esfera estatal. 

O  problema  da  política  de  estado  engolfante  do  corpo  seria  a  regulamentação  de  um  poder 
que  é  exercido  pelo capital, bem a ideia mais próxima a um conceito marxista de expropriação 
da força de trabalho, mas este conceito elevado a maior potência. 

O  corpo  é  resguardado  não  enquanto  indivíduo  ou  habbeas corpus como Agamben menciona 


em Homo Sacer mas enquanto potência produtiva.  

Potência  de  falar,  potência  de  realizar  coisas  ou  conhecer  ou  produzir  bens,  materiais  e 
imateriais.  Essa  potencialidade  calculada,  pressuposta  é  o  que  passa  a  interessar  como  posse 
da  engrenagem  produtiva.  O  que  Virno  define  como  biopolítica  é  a  intervenção reguladora do 
Estado  a  favor  do  interesse  pleno  que  o  capital  passa  a  ter  pelo  corpo  como  'tabernáculo'  da 
força de trabalho enquanto potencial. 

  
p  83  -85  caberia  perguntar-se  de  que  modo  a  vida  irrompe  no  centro  da  cena  pública, de que modo e 
por  que o Estado a regula e a governa. (...) Só hoje a noção de força de trabalho não se reduz - como nos 
tempos  de  Gramsci  -  a  um  conjunto de dotes e aptidões físicas, mecânicas, mas compreende dentro de 
si,  com  pleno  direito,  a  vida  da  mente.  (...)  A  potência,  a  não  presença,  em  lugar  de  permanecer  como 
um  conceito  abstrato,  toma  uma  forma  pragmática,  empírica,  socioeconômica.  A  faculdade  como  tal, 
inclusive  não  aplicada,  está  no  centro  do  intercâmbio  entre  capitalista  e  trabalhador.  (85) Ao capitalista 
interessa  a  vida  do  trabalhador,  seu  corpo,  mas  por  um  motivo  indireto:  este  corpo,  esta  vida,  é  o  que 
contem a potência. O corpo vivente se converte em objeto a governar não tanto por seu valor intrínseco, 
mas  porque  é  o  substrato  da  única  coisa  que  verdadeiramente  importa:  a  força  de  trabalho  como  a 
soma  das  mais  diversas  faculdades humanas: potência de falar, pensar, recordar, atuar. A vida se coloca 
no  centro  da  política  na  medida  em  que  o  que  está em jogo é a força de trabalho imaterial - que, por si, 
é  não  presente.  Por  isso,  só  por  isso  é  lícito  falar  de  biopolítica.  O  corpo  vivente  do  qual  se ocupam os 
aparatos  administrativos  do  Estado  é  o  sinal  tangível  de  uma  potência  não  realizada,  o  simulacro  do 
trabalho  não  objetivado,  trabalho  como  subjetividade.  Se  poderia  dizer  que  enquanto  o  dinheiro  é  o 
representante  universal  do  valor  de  troca,  a  condição  que  faz  possível  o  intercâmbio  dos  produtos,  a 
vida faz as vezes da potência de produzir, do potencial não visível.  

Há  biopolítica  onde  advém,  em  primeiríssimo  primeiro  plano,  na  experiência  mais  imediata,  aquilo  que 
tem  a  ver  com  a  dimensão  potencial  da  existência  humana:  não  a palavra dita, mas a própria faculdade 
de falar. Não o trabalho realmente realizado, mas a capacidade genérica de produzir."  

  

3. Características emotivas: oportunismo e cinismo 

  

Característica  emotiva  é  o  que  é  compreendido  como  uma  disposição  permanente  em  uma 
multiplicidade  de  pessoas  -  em  diferentes  formas  de  atividade  e  diferentes  formas  de 
inatividade.  

Essa  condição  emotiva é orientada pelo niilismo - ausência de reconhecimento de algo em que 


se possa acreditar.   

A  corrosão  do  crível  decorre  justamente  da  redução  da  linguagem  à  construção  de 
regularidades  convenientes,  sem fundamento moral. Ocorre um tipo de coincidência entre fato 
e  direito,  estrutura  e  superestrutura.  Nesta  coincidência  (abastecida  pela  constante  evolução 
tecnológica, o que se perde é a construção de um sentido referencial da linguagem.  

A  fala  é  seu próprio conteúdo e sendo moralmente nula a estrutura desta linguagem ambígua e 
neutra pode se manifestar como conflito, mas a sua constituição ética visa à produtividade e ao 
mercado.  

Parte  da  perda  moral  da  linguagem  se  deve  à  percepção  da  superficialidade  das  regulações 
impostas como rearranjos.  

O  cinismo  é  a  capacidade  de  prescindir  de  equivalências  reais.  O  cínico  se  define  justamente 
pela conveniência da adesão momentânea a regras mutáveis e convencionais.  
Nessa  constituição  do  caráter  cínico  estão  envolvidos  os  elementos  de  uma  formação  extra 
laboral  -  a  formação  derivada  da  relação  com  o mundo, com os outros, consigo mesmo - que 
é, contudo, o conjunto dos elementos requeridos para o trabalho.  

Essa  totalidade  de  uma  linguagem  auto  referencial  leva  à  constituição de um tipo de aceitação 


da  capacidade  de  validar  só  o  que  é  objetivamente  manejável,  mesmo  que  este  manejo 
implique  em  ter  que  prescindir  do  sentido  crível.  Daí  que  o  niilismo  seja um traço presente na 
multidão  pós-  fordista.  Niilista  é  a  prática  que  não  tem  fundamentos  sólidos  e  se  ampara  em 
hábitos  que  sirvam  de  salvaguarda,  é  como  um  hábito  de  não  ter  hábitos  que  se  torna 
ferramenta de trabalho, um tipo de adestramento na precariedade e na variabilidade.  

No  pós-fordismo  se  tornam  recursos produtivos o que na modernidade eram consequências - 


incerteza  de  expectativas,  contingência,  identidades  frágeis,  valores  sempre  mutáveis,  O 
pensador  é alguém que simplesmente usa o tempo todo todas as ferramentas disponíveis. Para 
recuperar o sentido referencial a realidade se limita a ser dita. 

Se  o  cinismo  tem  a  ver  com  a  supressão  de  uma  referência  de  linguagem  ou  com  a  perda  da 
necessidade  de  equivalente  real,  o  oportunismo  tem  a  ver  com  uma multiplicidade de opções 
cujo valor é equivalente.  

O  cinismo  é  um  tipo  de  reação  ao  general  intellect:  capital  fixo,  máquinas,  desenvolvimento 
tecnológico  material  somado  ao  saber  instrumental  da  realidade,  o  pensamento  técnico  ou 
humanístico a favor da manutenção do sistema. Esta redução instrumental do pensamento leva 
à perda da capacidade de se buscarem equivalentes reais.  

Oportunismo tem a ver com uma multiplicidade de opções cujo valor é equivalente 

O  cinismo  se  justamente  à  desnecessidade  de  equivalente  real  para  o  discurso,  para  a  fala, 
para  o  saber  que  se  limita  a  ser  instrumental  voltado  para  o  desenvolvimento  de  máquinas  e 
produtos  e  regulações  e  abandona  como  sem  necessidade  de  equivalente  de  valor,  medida, 
mensurabilidade, aferição a questão do que é real.  

Cinismo  ligado  a  instabilidade  crônica  das  formas  de  vida  /  formas  de  produção.  O  cinismo 
implica  também  em  que  os  muitos  mantêm  conexões  com  regras  em  muitos  contextos 
singulares  e  que a base do cinismo implica nessa experiencia com as regras e reconhecer nelas 
a  convencionalidade  e  a  carência  de  fundamentos.  esses jogos de linguagem pervertidos pelo 
descrédito são mesmo assim aquilo que o indivíduo dotado de cinismo usa para afirmar-se. 

O  fato  de  que  o  conhecimento  abstrato  é  o  que  vem  para  colocar ordem nas relações sociais, 


em  vez  da  troca  de  equivalentes,  está  refletida  na  figura  contemporânea  linha  do  cínico.  Por 
quê?  Porque  o  princípio  da  equivalência  foi  a  base,  embora  talvez  contraditória,  para  as 
ideologias  defensores  da  igualdade  do  ideal  de  reconhecimento  recíproco  sem  restrições,  e 
mesmo  o  de  uma  comunicação  linguística  universal  e  transparente.  Pelo  contrário,  o  intelecto 
geral,  como  uma  premissa  apodítica da práxis social, não oferece qualquer unidade de medida 
para  uma  equalização  O  cínico  reconhece,  no  contexto  particular  em  que  opera,  o  papel 
preeminente  implantado  por  certas  instalações  fatores epistêmicos e a ausência simultânea de 
equivalências  real.  Preventivamente  comprime  a  aspiração  para  um  Comunicação  dialógica 
entre pares. 

87.  "Não  existem  dúvidas  de  que  a  situação  emotiva  da  multidão  se  manifesta  hoje  como 
"maus  sentimentos":  oportunismo,  cinismo,  desintegração  social,  inesgotáveis  deserções, 
formas  conscientes  de  submissão.  Sem  dúvida,  é  preciso  desprender  se  destes  maus 
comportamentos  e  ir  até  o  nó  central,  o  ponto  neutro, ou seja, até o modo de ser fundamental 
que,  na  medida  em  que  é  um  princípio,  poderia  dar  lugar  também  a  desenvolvimentos  bem 
diferentes  dos  que  hoje  prevalecem.  Oportunismo  e  cinismo:  maus  sentimentos  sem  dúvida. 
Contudo  é  lícito  estabelecer  a  hipótese  de  que  cada  conflito  ou  protesto  da  multidão  deitará 
suas  raízes  no  mesmo  modo  de  ser  -  o  nó central, neutro, do qual falava no começo - que, no 
momento,  se  manifesta  com  estas  modalidades  um  pouco  desagradáveis.  O  ponto  neutro  da 
situação  emotiva  contemporânea,  suscetível  de  manifestações  diferentes  consistem  em  um 
adestramento  para  aceitar  a  dimensão  do  possível  enquanto  possível  e  em  estreita 
proximidade  com  as  regras  convencionais  que  estruturam  os  diversos  contextos  de  ação.  A 
domesticação  e  a  proximidade  ao  convencional  das  quais  derivam  as  formas  atuais  do 
oportunismo e do cinismo constituem um indelével sinal distintivo da multidão." 

A  coisa  difícil  de  entender  é  que  o antídoto, por assim chamá-lo, só se pode encontrar naquilo 


que no momento se dá a conhecer como veneno.  

 
88  "(...)que  sejam dúcteis para a troca de regras do jogo, que saibam levar adiante conversas banais, que 
tenham destreza para eleger e saibam manejar diversas alternativas. Pois bem: estes requisitos não são o 
fruto  do  disciplinamento  industrial,  mas  o  resultado  de  uma  socialização  que  tem  o  seu  centro  de 
gravidade  fora  do  trabalho.  O  profissionalismo  efetivamente  requerido  e  oferecido  no  mercado  de 
trabalho  consiste  nas  destrezas  que  se  adquirem  durante  uma  prolongada  permanência  em  um  estado 
pré-aboral  ou  precário,  quer  dizer:  na  espera  atenta  de  um  emprego  se  desenvolvem  os  talentos 
genericamente  sociais  e  o hábito de não ter hábitos duráveis, que se torarão depois, quando encontrado 
um emprego, as verdadeiras ferramentas de trabalho".  

  
89-90  "Oportunista  é  aquele que faz frente a um fluxo de possibilidades sempre intercambiáveis, que se 
mantém  disponível  e  atento  ao  maior  número de eventualidades, que se adapta ao que está mais à mão 
e  muda  rapidamente  ao  encontrar  outra  oportunidade  mais  conveniente.  Esta  seria  uma  definição  da 
multidão como subjetividade estrutural, não moralista do oportunismo".  

  

4. A frequência da fala e a avidez por novidades. 

  

Virno  cita  Heidegger  que  considera  a  tagarelice  e  a  avidez por novidades como expressões da 


vida inautêntica e do nivelamento simplificado do discurso (a despeito da ausência de sentido).  

Pertencer  ao  mundo  não  é  contemplá-lo  desinteressadamente,  práxis  adaptativa  em  lugar  de 
conceitos.  Segundo  Heidegger  a  relação  com  o  mundo  como  canteiro  de  obras  depende  de 
um  comportamento  que  exclui  a  curiosidade  e  a  tagarelice  porque  são  coisas  que  impedem 
que  uma  pessoa  se  concentre  em  uma  tarefa,  suspende  o fazer se responsável. O impessoal é 
ocioso e dedicado ao mundo como espetáculo. 

 
"A  vida  autentica,  para  Heidegger,  parece  encontrar  expressão  adequada  no  trabalho.  O  mundo  é,  em 
primeiro lugar, um mundo canteiro de obra, um conjunto de meios e finalidades produtivas."  
 

Lembrando  que  tanto  a  tagarelice  quanto  a  curiosidade  se  tornam  relativamente  ferramentas 
de trabalho no contexto pós-fordista. 

O  discurso  não  precisa  mais  ter  vínculo  com  a  realidade,  basta  por  si  como  acontecimento  (e 
de  novo  como  acontecimento  ligado  ao  espetáculo,  à noção de performance). O que se perde 
é  uma  estrutura  referencial  da  linguagem,  o  mesmo  tipo  de  perda  que  produz  o  cinismo. 
Possibilidade  de  compreender  tudo.  Um  rumor  de  fundo  que  no  contexto  útil  pós-fordista 
seria  uma  habilidade  de  manter  o  idioma  audível  de  modo  hábil  e  informal.  Exige  se  o  uso  de 
uma potencialidade genérica. 

Quanto  à  curiosidade,  a  liberação  do  mundo  da obra faz com que a visão se nutra de qualquer 


coisa.  

O  autor  cita  Heidegger  que  cita  Santo  Agostinho  quando  descreve  a  curiosidade  como 
concupiscência  dos  olhos,  uma  paixão  pelo  saber,  mas  uma  paixão  degradada.  O  filósofo  e  o 
curioso  são  comparáveis  (os  dois  buscam  algo  que  se  encerra  em  si,  que  é  finalidade  em  si) 
mas o filósofo busca objetos imateriais e o curioso busca a distração dos olhos e dos sentidos.  

A  aproximação  dos  objetos  que  a  curiosidade  (bem  como  a  reprodutibilidade  técnica)  torna 
possível  a  aquisição  de  uma  margem  de  liberdade  e  de  escolha,  mas  tende  a  suprimir  um 
centro  estável  que  deixe perceber as correlações entre plano de fundo e imagem, tende a criar 
ilusões  perceptivas  e  a  constituir  pessoas  distraídas.  "O  curioso  está  permanentemente 
distraído".  

 
"Para  Heidegger,  a  distração,  correlacionada  com  a  curiosidade  é  a  prova  evidente  de  um 
desenraizamento  total  e  a  ausência  de  autenticidade.  Distraído  é  quem sempre persegue possibilidades 
distintas, mas equivalentes e intercambiáveis (o oportunista)." 

A  distração  é  um  obstáculo  para  a  aprendizagem  intelectual.  A  curiosidade  e  a  tagarelice  são 


atributos da multidão contemporânea carregados de ambivalência. 

  

  

Capítulo 4: Dez teses sobre a multidão pós-fordista. 

  

Novamente  multidão  como  expressão  de  um  sentido  específico  oposto  a  povo.  Um  sentido 
que  não  refere  o  tipo  de  percepção  de  unidade  que  caracteriza  povo,  mas  sim 
desmoronamentos  e  inovações:  o  estrangeiramento  como condição, a prevalência dos lugares 
comuns sobre os especiais, a importância dos aspectos não referenciais da linguagem.  

Tese  1:  Esta  multidão  (coincidente  com  o  pós-fordismo) aparece na Itália com os movimentos 


sociais de 1977. 

 
Na  década  de  1970  acontecem  na  Itália  manifestações  populares  diferentes  e  opostas  à 
organização  sindical  ou  à  cultura  de  oposição  interna  ao  fordismo.  A  forma  insurgente  de 
composição  social  é  a  de  uma  força  de  trabalho  escolarizada,  precária, móvel que também se 
opõe  à  estratégia  da  esquerda histórica. Oposição à esquerda histórica e ao modo de vida e de 
manifestação da estrutura de reação fordista.  

Esta  multidão  era  considerada  inicialmente  marginal  e  parasita.  Existia  o  processo  de 
renovação do modo de produção que passava do fordismo ao Toyotismo. 

O  movimento  tinha  a  característica  de  virtuosismo  (trabalho  não  necessariamente vinculado a 


produção) não servil (tempo desvinculado da mais valia).  

  

Tese 2 - O pós-fordismo é a realização prática do fragmento das máquinas. 

o  avanço do conhecimento tecnológico e científico deveria produzir uma redução no tempo de 
trabalho  necessário  à  produção  de  mercadorias.  A  teoria  do  valor,  em  Marx,  seria 
necessariamente revista.  

A  mudança  no  modo  de  valoração  do  trabalho  levaria  ao  comunismo:  mudança  relativa  à 
produção baseada sobre o valor de troca.  

As  máquinas  como  saber  objetivado  incorporam  um  tempo  de  produção  dissociado  do 
trabalho  vivo  requerido  para  o  controle  da  máquina.  O  que  não  pareceu  calculado  foi  que  o 
trabalho  vivo  que  estaria  ao  lado  da  máquina  iria  gradualmente  se  transformar  em  parte  da 
máquina.  

De  modo  que o general intellect não corresponderia somente ao saber objetivado, mas agora a 


uma soma de saber objetivado e trabalho vivo.  

Passa  a  ocorrer  então  contraditoriamente  que  o  processo  de  produção  de  riquezas  gira  em 
torno  do  crescimento  do  aparato  tecnológico  e  científico  e  por  outro  lado  o  valor  continua  a 
ser  atribuído  e  construído  a  partir  da  quantidade  de  trabalho  (medida  a  partir  do  trabalho 
simples em horas) investida na produção. 

 
"O  que  salta  à  vista  é  a  plena  realização  factual  da  tendência  descrita  por  Marx,  mas  sem  um  aspecto 
emancipador.  (...)  A  desproporção  entre  o  saber  absoluto  e  a  importância  decrescente  do  tempo  de 
trabalho deu lugar a uma nova e estável forma de domínio.​" 

  

Tese 3: A multidão reflete em si a crise da sociedade de trabalho. 

A  crise  consiste  em  que  a  riqueza  é  produzida  pelo  general  intellect  e  o  trabalho  devotado do 
indivíduo  (dependente)  é  considerado  uma  parcela  mínima,  um  uso  mínimo  do  tempo,  uma 
coisa  de  valor  desprezível,  de  qualquer  maneira.  O  saber  cooperativo  se  torna  a  pilastra  da 
produção  pôs-fordista.  Contam  como  valor  general  intellect  e  cooperação  linguística,  não 
mais  o  tempo  de  trabalho.  Mas  o  tempo  pago  é  medido  considerando  o  tempo  de  trabalho 
como base. 

O  tempo  de  trabalho  continua  valendo  como  parâmetro  para  medir  a  riqueza  social;  é  a 
medida vigente, mas não a verdadeira. 
"O  tempo  que  escapa ao rigor da sociedade de trabalho, o tempo não pago, excedente, à medida que se 
expande  como  potencialidade  que  envolve  a  totalidade  da  linguagem  possível  de  cada  pessoa  passa  a 
coincidir com o seu próprio avesso e essa é a crise da sociedade do trabalho".  

Aquilo  que  Marx  definiu  como  características  do  exército  de  reposição  ou  reserva  para  a 
indústria  capitalista  se  torna  o  conjunto  de  características  da  mão  de  obra  ocupada,  do 
trabalho em si: fluido, latente, estagnado.  

 
"Toda  a  força  de  trabalho  pós-fordista  pode  ser  descrita  mediante  a  categoria  'desemprego',  (...) 
qualquer  prestação  de  trabalho  deixa  transparecer  a  sua  não  necessidade,  seu  caráter  de  custo  social 
excessivo." 

O  caráter  fluido,  latente  e  estagnado  da  mão  de  obra  ativa  no  mundo  pós  fordista  pode  ser 
percebido  respectivamente  como:  1)  fluido:  temporalidade  dos  contratos  e  fragilidade 
crescente  das  garantias  aos  empregados,  redução  do  custo  social  do  empregado, 
suscetibilidade  à  aposentadoria  compulsória;  2)  latente:  mão  de  obra  ativa  que  guarda 
continuamente  a  possibilidade  de  desemprego  pela  extinção  de  uma  função  devido  ao 
desenvolvimento  tecnológico  e  3)  estagnada:  o  mercado  informal,  os  empregos  de  meio 
período ou tempo reduzido.  

Assim  como  a sociedade anônima não era o início do socialismo, a flexibilização não é o fim do 


trabalho assalariado, é a degradação deste; são formas de aprofundamento do capitalismo.  

  

Tese  4:  Para  a  multidão  pós-fordista  há cada vez menos diferença entre o tempo de trabalho e 


o tempo de não trabalho. 

  

  Ao  contrário  do  que  acontece  na  vigência  do  fordismo  (no  qual  a  mente  não  precisava 
participar  do  esforço  mecânico),  no  fordismo,  a  vida  da  mente  está  incluída  no espaço tempo 
da produção (diferente do tempo de trabalho). 

Do  ponto  de  vista  de  como  se  faz  e  o  que  se  faz  não  existe  mais  diferença  entre  emprego  e 
desemprego;  o  desemprego  é  o  trabalho  não  remunerado;  o  trabalho  é  o  desemprego 
remunerado.  Trabalha  se  menos  e  nunca  se  deixa  de  trabalhar.  A  diferença  anterior  entre 
trabalho  e  não  trabalho  se  torna  diferença  entre  vida  retribuída  e  vida  não  retribuída.  E  a 
diferença entre uma coisa e outra passa por decisões políticas (é mutável e arbitrário). 

Produção  e  cooperação  ou  interação  produtiva  incluem  todo  o  tempo  de  não  trabalho.  O 
tempo de trabalho se torna um detalhe. A força de trabalho valoriza o capital porque não perde 
mais a sua qualidade de "não trabalho" (cooperação produtiva não vista como trabalho). 
Trabalho  e  não  trabalho  desenvolvem  idêntica  produtividade  baseada  sobre  o  exercício  de 
faculdades  humanas  genéricas:  linguagem,  memória,  sociabilidade,  inclinações  éticas  e 
estéticas, capacidade de abstração e de aprendizagem.  

Já  que  a  cooperação  do  trabalho  precede  e  excede  ao  processo  de  trabalho,  o  trabalho 
pós-fordista  é  sempre  trabalho  invisível  -  entendido  aqui  como  a  parte  da  atividade  humana 
que  homogênea  em  tudo  à  vida  trabalhadora não é computada como força produtiva. Pode se 
negar  que  exista  este  quantum  de  trabalho  não  pago  incluído  no  modo  de produção ou negar 
que seja este o modo de produção.  

  

Tese  5:  Pós  fordismo:  afastamento  permanente  entre  tempo  de trabalho e tempo de produção 


(que é cada vez mais amplo). 

Na  agricultura  fica  clara  a  relação  entre  tempo  de  trabalho e tempo de produção por causa do 


tempo  de  maturação,  distante  do  momento  do  plantio.  No  pós  -fordismo  o  tempo  de 
produção  corresponde  ao  tempo  de  não  trabalho,  cooperação  social  que  se  enraíza  nele. 
Tempo  de  produção  como  unidade  indissolúvel  entre  vida  paga  e  vida  não  paga,  cooperação 
social visível e cooperação social invisível.  

O  tempo  de  trabalho  é  parte  do  sistema  de  produção no qual o tempo é o tempo da máquina. 


O  valor  que  gera  o  lucro  do  sistema  continua  a  vir  do  trabalho  não  pago  (diferença  entre  o 
trabalho  necessário  e  o  conjunto  da  jornada  de  trabalho).  No  pós-fordismo  contam,  então,  a 
separação  entre  trabalho  necessário  e mais valor e conta, também, o afastamento entre tempo 
de produção e tempo de trabalho. 

  

Tese 6: socialização extra tempo de trabalho essencialmente homogênea.  

A diferença entre tempo e produção e tempo de trabalho tem também a implicação de forçar a 
convivência  entre  padrões  tecnológicos  e  informacionais  diferentes  -  a  proliferação  de 
diferenças  e  formas  organizativas,  a  multiplicação  de  modelos  de  trabalho.  Paradoxalmente, 
entre  pessoas  extremamente  bem  empregadas  e  pessoas  que  vivem  em  condições  laborais 
precárias  o  que  passa  a  existir  em  comum  é  a  disponibilidade  de  uma  cultura  extra  laboral 
semelhante e a permanente exigência do uso de faculdades humanas genéricas para atividades 
laborais e extra laborais.  

 
"Só  que  este  ethos  homogêneo,  enquanto  nos  setores  avançados  está  incluído  na  produção  e  delineia 
perfis  profissionais,  para  aqueles  que  estão  destinados  a  setores  profissionais,  como  para  o  diarista 
tradicional que oscila entre trabalho e desocupação, incorpora-se ao mundo da vida.  

Trata-se  do  oportunismo  posto  a  trabalhar ou do oportunismo universalmente solicitado da experiência 


metropolitana. " 

 
  

Tese 7: General intellect como trabalho vivo. 

Marx  identificou  o  general  intellect  (saber  enquanto  principal  força  produtiva)  ao  capital  fixo 
(?):  capacidade  científica  objetivada  no  sistema  de  máquinas.  A  conexão  entre  saber  e 
produção  não  se  esgota  no  sistema  de  máquinas,  continua  na  cooperação  linguística 
permanente  entre  as  pessoas  que  trabalham.  A  palavra  dialógica  instala  se  no  centro  da 
produção  capitalista  derrubando  a  fronteira  suposta  entre  ação  instrumental  e  ação 
comunicativa.  A  linguagem  tem  uma  função instrumental, a comunicação é em si instrumental, 
o  trabalho  não  é  mais  ligado  à  ideia  de  uma  astucia  taciturna.  Astucia  suposta  por  Hegel 
suplantada pela tagarelice suposta por Heidegger. 

  

Tese  8:  mesmo  a  mão  de  obra  mais  desqualificada  é  intelectual,  é  parte  de  uma 
"intelectualidade de massa".  

refere  se  às  atitudes  mais  genéricas  da  mente, não a uma intelectualidade hiperdesenvolvida e 


ligada  ainda  ao  trabalho  dependente.  Atitudes  genéricas  são  o  que  se  refere  à  memória,  à 
capacidade  de  aprendizagem,  ao  domínio  de  linguagens  e  interações  básicas,  capacidade  de 
abstração  e  correlação.  Não  é  o  intelectual  orgânico  nem  a  aristocracia  sindical,  são  outras 
formas  de  pensamento,  este  intelecto  em  questão  é  a  "soma  de  todas  as  aptidões  físicas  e 
intelectuais  existentes  na  corporeidade."  O  aspecto  central  da  intelectualidade  de  massas  não 
está  diretamente  ligado  a  aspectos  do  trabalho,  trata-se  de  modos  de  vida,  padrões  de 
consumo  cultural.  O  sentido  econômico  e  produtivo  não  é  mais  o  definidor  da  identidade  (da 
pessoa  que  pertenceria  à  sociedade  através  da  corporação  de ofício, da linha de montagem, o 
profissional tal), importam aspectos subjetivos e o que se refere a inclinações éticas. Multidão é 
outro  nome  para  intelectualidade  de  massa  e  escapa  a  uma  conceituação  econômica  e 
produtiva. 

Tese 9: a multidão coloca fora de questão a teoria da proletarização 

  

A  teoria  da  proletarização corresponde à teoria da especialização de todos os tipos de trabalho 


no contexto do modo de produção capitalista.  

Trata  se  de  trabalho  complexo  irredutível  a  trabalho simples. "O que não é redutível a trabalho 


simples  é,  se  quiserem,  a  qualidade  cooperativa  das  operações  concretas  executadas  pela 
intelectualidade de massa".  

Todo  trabalho  acaba  sendo  trabalho  complexo  porque  qualquer  possibilidade  de 
sobrevivência exige um nível de interações que corresponda ao padrão de um intelecto geral, a 
um  conjunto  de  códigos  necessariamente  em  uso  sempre  em  toda  e  qualquer  forma  de 
trabalho ou processo produtivo.  
Mesmo  assim,  o  mero  dispêndio  da  energia  psicofísica  humana  em  sua  totalidade,  o  trabalho 
simples, continua a ser a medida da força de trabalho.  

Fica fora de questão a equiparação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual. 

Isso  não  significa  que  o  trabalho  intelectual  mantém  de  fato  um  nicho  especializado:  significa 
que  a  exigência  de  controle  do  conhecimento  e  uso  genérico  da  linguagem  e  de  códigos  e 
jogos  específicos  é  mais  forte  do  que  a  especialização.  O  trabalho  passa  a  ter  a  característica 
fragmentada  da  multidão,  não  o  sentido  de  possibilidade  de  categorização  e  padronização  do 
fordismo, do "povo".  

  

Tese 10: O pós-fordismo é o comunismo do capital.  

  

A  ideia  de  comunismo  do  capital  remete  à  apropriação,  pelo  aprofundamento  dos  rigores  do 
capitalismo,  de  formas  de  ideação  e  significação  próprias  do  socialismo  ou  próprias  de 
expectativas  relativas  ao  socialismo.  Abolição  do  trabalho  assalariado,  eliminação  do  Estado 
enquanto  indústria  da  coerção  e  monopólio  da  decisão  política,  valorização  da  singularidade 
do indivíduo no sentido de realização de potencialidades que o trabalho alienado destrói.  

A  ideia  da  redução  do  tempo  de  trabalho  que  aparece  no  fragmento  das  máquinas  é 
apropriada  pelo  pós-fordismo  de  modo perverso. O tempo necessário pode ser reduzido, mas 
a  jornada  é  a  mesma  e  isso  acarreta  a  exclusão  de  pessoas.  Os  trabalhadores  empregados  é 
que  são  hoje  o exército industrial de reserva; a desagregação dos Estados nacionais reproduz a 
forma  estado.  Reprodução  do  modelo  hierárquico,  mas  de  modo  desordenado  pela  falta  de 
equivalentes  de  sentido,  pela  falta  de  necessidade  de  uma  linguagem  efetivamente  vinculada 
de modo referencial à realidade.  Na falta de fundamentos objetivos para a regulamentação das 
relações de trabalho, elas se tornam perversamente pessoais.  

O  pós-fordismo  é  uma  resposta  que  incorpora  demandas  de  uma  revolução  que  ocorre  na 
Itália  nos  anos  setenta  e  oitenta,  mas  que  incorpora  estas  demandas  com  um  tipo  de  sinal 
invertido.  Ele  considera  estes  movimentos  dos  anos  setenta  e  oitenta  (enfrentamento  que 
acontece  tanto  na  Itália  quanto  em  outros  países,  em  escolas  e  fábricas,  de  dois  modos  de 
pensamento  contrapostos)  um  tipo  de  revolução  derrotada  e  que  cede  ao  modelo  de 
produção vigente um tipo de léxico próprio de uma demanda revolucionária.  

Em  um  contraponto  entre  socialismo  e  comunismo,  VIrno  acentua  que  os  movimentos  dos 
anos  setenta  e  oitenta  na  Itália  tinham  como  característica  demandas  que  não  colocavam  o 
trabalho  como  centro  do  sentido  da  vida  humana.  E  buscam  formas  de  vida  não  estatais. 
Incorporando  a  diversidade  de  demandas  e  formas  de  organização  que  não  confluem  para  o 
Estado,  o  pós-fordismo  se  desvia  do  socialismo  do  capital  proposto  pelo  welfare  state  e  se 
difunde como um tipo de comunismo do capital.  

  

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