Вы находитесь на странице: 1из 13

ANTROPOLOGIA DA MEDICINA: UMA REVISÃO TEÓRICA

Marcos de Souza Queiroz*


Ana Maria Canesqui**

QUEIROZ, M. de S. & CANESQUI, A.M. Antropologia da medicina: uma revisão teórica.


Rev. Saúde públ., S. Paulo, 20:152-64, 1986.
RESUMO: Foi feita revisão e análise da literatura antropológica mais importantes
sobre representações de saúde e doença e práticas de cura, tendo a Inglaterra, os Estados
Unidos da América e a França como referência. Tendo representantes nas principais es-
colas dentro do pensamento antropológico (tais como o funcionalismo, o funcional-estru-
turalismo, o estruturalismo, a teoria do rótulo, o interacionismo simbólico, a etnome-
todologia, o criticismo cultural), a história da antropologia da medicina se confunde
com a própria história da antropologia. Além de analisar a contribuição que essas
várias escolas fizeram para esse campo de estudo, aponta-se o impasse atual que se
está nele verificando. Atribui-se como principal razão para esse impasse à ausência de
uma teoria capaz de explicar como os processos sociais de pequena escala (apropriados
à metodologia antropológica) subordinam-se aos processos sociais recorrentes na so-
ciedade capitalista.
UNITERMOS: Antropologia da medicina. Medicina tradicional. Sociologia da
medicina.

INTRODUÇÃO
O objetivo desse artigo é rever criti- tropologia da medicina. Ele conceptua-
camente as principais linhas teóricas de- lizou este campo como um sub-sistema
senvolvidas na Antropologia da Medici- interno ao sistema cultural de uma so-
na, tendo como referência a Inglaterra, ciedade, antecipando assim a consolida-
os EUA e a França. Em outro texto ção das bases da teoria funcionalista.
(Queiroz e Canesqui24, 1986), esse mes- Desse modo, crenças sobre saúde e doen-
mo objetivo foi desenvolvido tendo co- ça de povos "primitivos" deixaram de
mo referência exclusiva o Brasil. ser encarados como fenômenos ilógicos,
O campo da antropologia da medicina bizarros ou irracionais, passando a ser
iniciou-se com a constatação do elo ine- percebidos como teorias da causação da
xorável entre doença, medicina, cultura doença que fazem sentido dentro do
e sociedade humana. Teorias da doença contexto cultural a que pertencem.
(científica ou religiosa), envolvendo etio- Para Rivers25, que recebeu influência
logia, diagnóstico, prognóstico, tratamen- marcante de Durkheim, essas teorias po-
to e cura são partes do repertório cultu- dem ser agrupadas em três categorias
ral de grupos humanos e variam no tem- básicas que ainda hoje são empregadas
po e no espaço em consonância com a na análise de "medicinas populares": a
variação cultural. humana, a espiritual ou sobrenatural e a
Rivers25 (1924), mais pelo fato de ter natural. A categoria humana engloba
sido também médico, além de antropó- crenças relacionadas com o fato de que
logo, realizou uma obra pioneira que crises e conflitos no relacionamento hu-
hoje em dia é clássica no campo da an- mano e social em geral provocam doen-
* Do Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Saúde e do Núcleo de Políticas Públicas da Univer-
sidade Estadual de Campinas — Caixa Postal 1170 — 13100 — Campinas, SP — Brasil.
* Do Departamento de Medicina Preventiva e Social, do Núcleo Interdisciplinar de Estudos em
Saúde e do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Universidade Estadual de Campinas —
Caixa Postal 1170 — 13100 — Campinas, SP - Brasil.
ças. As tão difundidas crenças em mau- mente no que se refere à lógica da acusa-
olhado, feitiço ou inveja, ou ainda as ção de feitiçaria. Ele mostrou que para
crenças de que o modo de vida e de os Azande (e para muitos outros povos
trabalho (que inevitavelmente envolvem africanos, como nos tem mostrado as
relacionamento e conflito humanos) afe- etnografias mais recentes), toda a doen-
tam de alguma forma a saúde, são exem- ça, assim como toda a má-sorte indivi-
plos dessa categoria. A categoria espiri- dual, provém de um feitiço feito por uma
tual ou sobrenatural engloba crenças de outra pessoa. O objetivo foi mostrar que
que espíritos ou entidades sobrenaturais esta crença reflete a estrutura de poder
podem provocar doenças. Essas crenças e suas divisões dentro da sociedade. Ao
remetem a restrições e prescrições de obedecer a uma lógica onde conflitos so-
ordem moral, as quais necessariamente cialmente estruturados se expressam e
se referem à ordem sócio-cultural. Final- se resolvem através de uma complexa in-
mente, a categoria natural engloba as teração sócio-política, a crença em fei-
crenças de que agentes naturais tais co- tiçaria deixou de ser encarada como re-
mo micróbios ou agentes tóxicos também sultado de uma mentalidade primitiva,
provocam doenças. Aqui, o modo como mas como uma expressão cultural de
uma sociedade conhece o mundo que a uma complexa realidade humana.
cerca, selecionando e combinando certos Desenvolvendo ainda mais as idéias
elementos em detrimento de outros, está lançadas por Evans-Pritchard 7 , Turner30
evidentemente relacionado com o modo (1977) mostrou que a medicina africana
como esta sociedade organiza e percebe utiliza-se de um paradigma baseado prin-
a si mesma, como enfatizara Durkheim. cipalmente em fatores sociais. Nele, não
Em comparação com a medicina cien- só as doenças como também as curas são
tífica ocidental, Rivers25 chegou inclusive percebidas como resultantes de crises e
a uma conclusão ousada, afirmando que reconciliações no relacionamento social.
as medicinas "primitivas" são, no plano Turner30 mostrou em particular como o
teórico, mais coerentemente organizadas médico Ndembu exerce as suas ativida-
do que a medicina científica ocidental e, des de cura mais concentrado no grupo
portanto, mais racionais. Em suas pala- social do que no paciente individual. Ele
vras, observou ainda que naquela cultura o
"A arte dessas sociedades é de algum paciente não melhorará enquanto as ten-
modo mais racional do que a nossa, sões e agressões nas inter-relações gru-
na medida em que os seus modos de pais não tiverem sido expostas à luz e
diagnóstico e tratamento seguem mais ao tratamento ritual. Nesse sentido, o
diretamente as idéias referentes à cau- papel do médico Ndembu é se deixar
sação de doenças" (Rivers25, 1924:52). sensibilizar pelas correntes sociais de sen-
Não é difícil perceber nessa citação timentos conflituosos e pelas disputas in-
uma antecipação do "relativismo cultu- terpessoais e sociais nas quais elas se
ral" que, de um modo ou de outro, in- expressam, e canalizá-las num sentido
fluenciou profundamente a grande maio- positivo. Assim, "as energias cruas do
ria das etnografias funcionalistas e estru- conflito são domesticadas à serviço da
turalistas, incluindo a área da antropolo- ordem social" (Turner30).
gia da medicina, como veremos adiante. O propósito de Turner30, nesse artigo,
Evans-Pritchard7 (1937) realizou uma foi mostrar que mesmo uma medicina
obra clássica dentro da antropologia. A "primitiva" como a dos Ndembu pode
sua preocupação envolvia de um modo oferecer, segundo a sua própria expres-
geral teorias de causação de infortúnios são, lições para a medicina científica oci-
individuais, inclusive doenças, principal- dental, muito embora ele resista a idéia
de romantizar a situação ao lembrar que corporando à anormalidade o critério es-
essa medicina convive com um baixíssi- tatístico, o que resultou em conferir ao
mo nível de saúde das populações a que comportamento anormal o caráter de des-
servem. vio da norma.
O relativismo cultural norte-america- A investigação da causa (cultural e
no levantou o interesse pelo estudo dos biológicia) dos fenômenos resultantes do
costumes e funcionamento das culturas, desvio da norma impôs a colaboração
enfatizando a relatividade das condutas conjunta da psiquiatria e da antropolo-
normais e patológicas. Os trabalhos de gia, abrindo assim o campo hoje deno-
Benedict2 (1934) podem ser considera- minado etnopsiquiatria. Linton17 (1956),
dos típicos desta linha, tendo mostrado por exemplo, combinando categorias
que aquilo que as sociedades ocidentais biológicas com antropológicas, distingue
consideram fatos patológicos podem ser as anomalias absolutas, válidas para to-
observados como perfeitamente normais das as sociedades, das anomalias relati-
em outras sociedades, e vice-versa. vas, capazes de expressar o normal e o
patológico próprios exclusivamente a uma
Dentro do paradigma funcionalista, cultura particular. Parsons21 (1951), re-
essa postura enfatizou ao extremo o pon- toma a questão do desvio como fenôme-
to de que cada elemento de uma orga- no sociológico e não psiquiátrico, defi-
nização cultural deve ser observado co- nindo-o como a recusa ou impotência do
mo tendo um sentido próprio e único, ego em interiorizar certas regras.
impossível de ser extrapolado para uma
outra organização cultural. Critica-se des- A teoria parsoniana, sob uma perspec-
sa forma tanto o evolucionismo que vê a tiva mais sociológica do que antropoló-
sociedade ocidental moderna, e dentro gica, a partir da década de 50, se inte-
dela a sua cultura hegemônica, como o ressou diretamente pelo problema do sis-
ápice da civilização, como o difusionis- tema médico. Parsons é conhecido como
mo que procura encontrar o significado um dos pais do funcionalismo, uma pos-
de elementos culturais de sociedades "pri- tura teórica que percebe a sociedade co-
mitivas" ou "atrasadas" na difusão a par- mo em equilíbrio mantido por padrões
tir de uma civilização mais adiantada. partilhados de normas e valores em cons-
Por outro lado, defende-se também o tante luta contra os processos desfuncio-
direito de cada sociedade de desenvol- nais como, por exemplo, o crime e a
ver-se de um modo autônomo, uma vez doença. Nesse sentido, a medicina é en-
que não existe nenhum caminho neutro carada como uma instituição indispensá-
e objetivamente superior que pudesse vel para a manutenção do equilíbrio so-
servir de modelo para o desenvolvimento cial por lutar contra uma das fontes mais
de todas as sociedades. perigosas de disfunção e desvio, ou seja,
as doenças.
A postura anti-etnocêntrica de Bene- Com o seu conceito de papel social
dict contribuiu bastante à psiquiatria que em geral e papel de doente em parti-
até então supunha a objetividade univer- cular, Parsons estabeleceu bases impor-
sal dos quadros mórbidos. Se na obra des- tantes para o desenvolvimento de estudos
sa autora ainda encontramos a utiliza- das ciências sociais em medicina. De
ção de categorias próprias da psiquiatria acordo com a sua teoria, o papel social
ocidental na análise de outras culturas e de doente evoca um conjunto de expec-
a concomitante presença de juízos de tativas padronizadas que definem as nor-
valor na conceituação do normal e do mas e os valores apropriados ao doente
patológico, outros autores vieram elimi- e aos indivíduos que interagem com ele.
nar esses resquícios "etnocêntricos", in- Nesse esquema, a norma é sempre refor-
çada e o desvio é sempre punido. Como De um modo geral, embora influen-
nenhuma parte pode definir o seu papel ciadas por Parsons, a maior parte das
independentemente do papel do parceiro, pesquisas sociológicas e antropológicas
o relacionamento humano em geral e o na área da medicina que se seguiram ten-
entre médico e paciente em particular, deram a adotar uma postura muito mais
longe de serem formas espontâneas de empírica, em oposição à grande teoria
interação social, são definidos por um parsoniana, o que permitiu que as mino-
jogo de expectativas mútuas que são sem- rias étnicas, os grupos de emigrantes, as
pre socialmente dadas. Portanto, médi- populações de origem mexicana e as clas-
cos e pacientes tendem a agir de um ses sociais pobres em geral fossem am-
modo estável e previsível no meio social plamente estudadas. A grande maioria
em que pertencem. dos trabalhos produzidos nos EUA nesse
O esquema parsoniano, embora criti- tempo observaram a doença como um
cado pela sua visão totalitária e sistê- fenômeno biológico objetivo tal como a
mica da sociedade (o que implica per- ciência médica ocidental a define, preo-
cepção de mudança social sempre adap- cupando-se assim apenas com a sua ex-
tativa e integrativa onde os desvios e periência subjetiva. O foco de interesse
conflitos se submetem à orientação va- das ciências sociais aplicadas à medicina
lorativa do consenso social), foi um mar- concentrou-se, portanto, nas diferenças
co dos mais importantes na área dos es- comportamentais dos doentes, atribuin-
tudos sociológicos e antropológicos da do-se essas diferenças a fatores como et-
medicina, influenciando um grande nú- nicidade, cultura, classe social, nível edu-
mero de trabalhos e de posturas teóri- cacional, escolaridade, idade, sexo e
cas. Dentro dessa linha, uma divisão teó- outros.
rica fundamental foi estabelecida entre Zborowski34 (1952) pode ser tomado
os aspectos objetivos e os subjetivos da como um exemplo desse tipo de postura.
doença, sendo que os primeiros depen- Realizando pesquisa pioneira na área, ele
dem das ciências médicas e biológicas verificou que as reações à dor variam
para a sua compreensão e os segundos conforme a cultura a que um indivíduo
das ciências sociais, uma vez que o pro- pertence. Assim, descendentes de judeus,
pósito dessas ciências é estudar como o italianos e americanos tradicionais fo-
processo da doença é percebido, avaliado ram estudados, sendo que os dois pri-
e interpretado por uma cultura, uma co- meiros grupos mostraram ser muito mais
munidade, uma classe ou um grupo social. sensíveis à dor do que o último grupo.
Assim, os campos da sociologia e da Os descendentes de italianos também
antropologia da medicina passaram a procuravam um alívio imediato à dor
concentrar-se no comportamento social enquanto os de judeus usavam-na como
com relação à doença e, particularmente, um meio para manipular o comporta-
ao "mal-estar", já que esse último con- mento dos outros e para receber maior
figura uma área bastante aberta para atenção. Em contraste, os americanos
diferentes interpretações cosmológicas e tendiam a se conformar com a imagem
diferentes padrões de comportamento, va- médica do paciente ideal, evitando ex-
riando conforme a experiência social do pressar dor em público e cooperando
indivíduo. A importância dos estudos so- com o pessoal do hospital. Eles também
ciais dos "mal-estares" foi freqüentemen- se preocupavam com o seu estado geral
te justificado pelo fato de ser a percep- a longo prazo, não se importando muito
ção subjetiva dos indivíduos sobre os com o alívio imediato dos sintomas.
seus sintomas que os levam a perceber Zola35 (1966), nessa mesma linha de
a doença e a procurar um médico. pesquisa, comparou pacientes america-
nos de origem irlandeza, italiana e anglo- a perspectiva de que a medicina cientí-
saxônica e constatou que os de origem fica ocidental é também inevitavelmente
italiana tendiam a dramatizar os seus sin- cultural, social e ideológica, eles fre-
tomas, os irlandezes a negá-los e os an- qüentemente deixaram-se impregnar de
glo-saxões a falar deles de modo impes- pensamento etnocêntrico. Assim, implí-
soal, neutro e sem ansiedade. cita ou explicitamente, os sistemas de me-
Dentro dessa linha de pesquisa, alguns dicina alternativas foram considerados na
trabalhos se fizeram em conjunção com melhor das hipóteses, como inefetivos e,
a perspectiva da medicina oficial, inte- na pior, como perigosos, enquanto a me-
grando o desempenho de sociólogos, an- dicina científica foi considerada como
tropólogos e médicos dentro de progra- sendo baseada em conhecimentos objeti-
mas de saúde pública em áreas perifé- vos, neutros e independentes de influên-
ricas. Assim, os pontos de vista socioló- cias sócio-econômicas e culturais.
gico e antropológico contribuiram para a Dentro da postura funcionalista que,
penetração mais efetiva das técnicas sa- de um modo ou de outro, influenciou a
nitárias em comunidades pobres. As pa- grande maioria dos estudos em ciências
lavras de Paul22 (1955:1) ilustram per- sociais em saúde nessa época, alguns en-
feitamente essa atitude: fatizaram o aspecto objetivo da realida-
"Se você quiser controlar pernilongos de dentro da tradição positivista, enquan-
você deve aprender a pensar como um to outros enfatizaram o aspecto subjeti-
deles. A irrefutabilidade desse argu- vo, dentro da tradição fenomenológica.
mento é evidente. Ele se aplica, no Foster8,9 (1953, 1976) pode ser toma-
entanto, não apenas para as popula- do como um bom exemplo da postura
ções de pernilongo que se procura ex- positivista que não chega inclusive a ab-
terminar, mas também para popula- sorver inteiramente as virtudes do méto-
ções humanas que se procura benefi- do funcionalista. Apesar da riqueza em-
ciar. Se se deseja ajudar uma comu- pírica do seu material de pesquisa so-
nidade a melhorar a sua saúde, deve- bre a "medicina popular" de comunida-
se aprender a pensar como uma pes- des de origem mexicana nos EUA e na
soa dessa comunidade". América Central, a sua interpretação e
análise dos dados é comprometida pelos
A crítica que se pode fazer a essa pos- limites da sua postura teórica. Tomemos,
tura diz respeito ao fato dela considerar por exemplo, as suas idéias difusionis-
as informações transmitidas pela medici- tas e evolucionistas. Trata-se de idéias
na oficial como realidades naturais, neu- que foram amplamente criticadas nas
tras e universais, sem que as ciências so- ciências sociais antes mesmo da conso-
ciais pudessem analisá-las sob uma pers- lidação do método funcionalista. Como
pectiva histórica e cultural com o mes- salientou Boas4 (1966), a difusão e a evo-
mo status epistemológico dos sistemas lução de fenômenos culturais só podem
médicos historicamente anteriores ou de ser compreendidos em termos de imposi-
sociedades de tecnologia simples não oci- ção de significados no fluxo da expe-
dentais. De fato, ao se tornarem práticas riência. Evidentemente, um elemento de
subordinadas a finalidades de promover uma sociedade "A" ou de um momento
a expansão da medicina oficial, as ciên- histórico "X" não pode ser comparado
cias sociais limitaram consideravelmente com o mesmo elemento de uma socie-
as suas possibilidades de desenvolvimen- dade "B" ou de um momento histórico
to científico. "Y" se esses elementos carregam dife-
Estando ausente na grande maioria rentes significados em seus respectivos
dos trabalhos realizados nessa temática meios sócio-culturais.
Assim, não tem a menor força expli- do funcionalismo e propõe uma visão
cativa a interpretação de Foster de que onde os indivíduos desempenham as
o "sistema médico popular" de amplos ações relevantes. Assim, a ordem social
setores rurais da América Latina (princi- não é somente dada como propusera
palmente o sistema do "quente e frio") Durkheim, mas também criada na inte-
são legados da medicina Ibérica da época ração de membros da sociedade. Como
da colonização; muito menos ainda, a insistia Mead 20 (1967), o indivíduo não
sua classificação da medicina em três es- consiste somente de normas internaliza-
tágios evolutivos: a medicina personalís- das de conduta; ele sempre pode agir im-
tica, a medicina naturalística e a medi- pulsiva e inventivamente de maneira que
cina científica. Ao considerar a medici- não foi aprendida na sociedade. O indi-
na oficial, e dentro dela as suas terapias díduo pode também manipular as nor-
farmacológicas, como a mais evoluída mas e as regras sociais visando benefí-
possível, o autor perde a noção de que cios políticos e pessoais. Isso é o que
a ação de uma droga, por exemplo, além geralmente ele faz, como tem enfatizado
de ser induzida, pelo menos em parte, através de inúmeras pesquisas a escola
por expectativas culturais, como ocorre inglesa de Manchester, numa crítica à
com o efeito placebo, só adquire um sig- visão que percebe o indivíduo como uma
nificado terapêutico no interior de um marionete impulsionado pelas regras, nor-
contexto cosmológico maior. mas e leis de uma sociedade.
Duas outras teorias das mais impor- No campo da medicina, essas teorias
tantes para o campo da antropologia da ou metodologias têm produzido trabalhos
medicina enfatizaram o aspecto subjetivo interessantes como, por exemplo, o de
da realidade, dentro da tradição fenome- Rosenhan 26 (1980), cuja equipe de pes-
nológica, em oposição à perspectiva po- quisadores se internou como esquisofrê-
sitivista. Trata-se da "teoria do rótulo" nicos em 12 hospitais psiquiátricos em
(labelling theory) e do "interacionismo diferentes regiões dos EUA. A pesquisa
simbólico", em cujos âmbitos a maioria mostra que em nenhum dos casos a "far-
dos trabalhos na área da "medicina po- sa" foi descoberta. Todos os pesquisa-
pular" nos EUA e na Inglaterra têm si- dores, que foram diagnosticados como
do produzidos atualmente. esquisofrênicos apenas por dizerem na
A teoria do rótulo sugere que a socie- entrevista inicial que ultimamente esta-
dade é muito menos um sistema coeren- vam ouvindo vozes e sentiam a sua vida
te do que um arranjo pluralístico de vazia, tiveram esse diagnóstico mantido
grupos que competem entre si para im- ao longo dos 19 dias de estadia, em
por a sua visão de mundo. O que é le- média, nos hospitais, apesar do compor-
gítimo e correto para um grupo pode não tamento amigável, não disruptível e ab-
sê-lo necessariamente para um outro. As- solutamente normal que todos eles exi-
sim, temos uma relatividade total das biram. A pesquisa mostra que em várias
normas, que só são válidas para os gru- ocasiões esses comportamentos eram vis-
pos sociais que as sustentam. A simples tos como sintomas da doença. Assim, os
criação de uma norma implica necessa- fatos eram freqüentemente distorcidos in-
riamente a criação de desviantes, uma conscientemente de modo a se confor-
vez que não existem normas ou leis uni- marem com a teoria da dinâmica da rea-
versais, neutras e independentes de inte- ção esquizofrênica. Por exemplo, todos
resses específicos de grupos sociais, co- os falsos-pacientes tomavam notas publi-
mo enfatizou Becker1 (1963). camente e tal comportamento era visto
Já o interacionismo simbólico critica como um sub-conjunto dos comportamen-
o caráter determinista do sistema social tos compulsivos relacionados com a es-
quizofrenia. Este é só um exemplo en- tendem a interpretar qualquer comporta-
tre muitos arrolados pelo autor compro- mento, considerado normal em outro con-
vando que uma vez rotulado como doen- texto, como sinal de patologia. No en-
te mental não há nada que se possa fa- tanto, dentro do limite do papel de in-
zer para desmentir, pois a percepção da sano que o paciente é obrigado a exe-
realidade depende de uma configuração cutar, Goffman mostra que o comporta-
organizada por uma teoria ou um ró- mento desses pacientes é adequado ao
tulo. Assim, o autor conclui que a cate- contexto no qual eles atuam. Num am-
gorização psicológica da doença mental biente deprivador e punidor que ataca o
é, na melhor das hipóteses, inútil e, na mais íntimo senso de autonomia e priva-
pior, danosa, enganosa e pejorativa. cidade, o comportamento dos internados
Dentro da perspectiva do "interacio- em face dessa situação, mesmo que bi-
nismo simbólico", Roth27 (1963) analisa zarro em outros contextos, não deve ser
pacientes internados num sanatório de visto como sinal de demência mas como
tuberculose e a estratégia desses pacien- uma resposta compatível com as condi-
tes no sentido de impor uma ordem pre- ções em que são obrigados a viver.
visível na incerta carreira hospitalar. Ele Sem dúvida alguma, tanto a "teoria
mostra como na ausência de certeza so- do rótulo" como o "interacionismo sim-
bre o curso do tratamento e sobre a re- bólico" são reações liberais ao conserva-
cuperação desses pacientes, eles se uti- dorismo funcionalista. As pesquisas con-
lizam de regularidades que existem em duzidas sob a influência dessas metodolo-
regimes de tratamento, na operação do gias, em particular o "interacionismo sim-
próprio hospital e no progresso de ou- bólico", dimensionaram um aspecto im-
tros pacientes para construir normas pa- portante da realidade social que é o seu
ra eles mesmos. Isto os permite estimar aspecto subjetivo, ou seja, o resultado do
o estágio que eles se encontram no ca- processo de interação entre membros da
minho até receberem alta. Roth27 mos- sociedade em contínua negociação, seja
tra também que a pressão da expectativa para projetar uma imagem do "eu" na
dos pacientes é freqüentemente forte pa- vida cotidiana, seja para definir uma es-
ra influenciar as decisões clínicas e te- tratégia diante de uma situação. Assim,
rapêuticas dos médicos. importantes trabalhos foram realizados.
13
A análise de Goffman (1974), de No entanto, a crítica que se pode fazer
hospitais para doentes mentais, é das mais a essas posturas diz respeito à reduzida
importantes. Como o lugar do doente é dimensão que dão para a estrutura social
fundamental nestas instituições, e como mais ampla.
esse lugar é organizado em função de Para o "interacionismo simbólico", não
uma lógica que beneficia a própria or- existe a preocupação de observar fatos
dem institucional, o papel do doente é relativos ao sistema social mais amplo,
dado sem oferecer margens para desvios. uma vez que a organização da sociedade
O paciente é obrigado a seguir esse pa- é vista como algo fluido, pouco consis-
pel depois de vários processos de "mor- tente e em constante mudança pela ma-
tificação do eu", ou seja, processos que nipulação e reação contínua de seus mem-
visam, de um lado, a perda de sua iden- bros. Para a teoria do rótulo, os grupos
tidade anterior tais como o uso de uni- sociais e as sub-culturas são observadas
forme, a raspagem da cabeça e a perda como tendo o mesmo peso e a mesma di-
do nome em favor de um número; e, de mensão de uma civilização, uma vez
outro, à conformidade com o novo pa- que tudo é tomado como relativo no mun-
pel de doente, tais como as atitudes de do cultural. Assim, a cultura de uma tri-
atendentes, enfermeiros e médicos que bo perdida no Amazonas, por exemplo,
teria a mesma ordem de importância da de ser controvertido o elo entre idioma
cultura ocidental moderna. Portanto, es- e cultura na extensão que pretendem seus
se método de pesquisa peca pela ausên- proponentes. É evidente que em alguns
cia de senso de proporção e escala, o que setores, esse elo é inevitável como, por
não permite reconhecer que fatores es- exemplo, o fato dos Esquimós, habitantes
truturais mais sólidos tais como classe so- do Ártico, terem vários vocábulos para
cial ou a forma capitalista de produção designar neve, e os Aztecas, habitantes
existem e dimensionam a realidade de dos trópicos, terem apenas uma palavra
comunidades, grupos sociais ou culturas. para designar frio, neve e gelo, como
A etnometodologia é outra postura observou Whorf. 32 No entanto, as inúme-
teórica desenvolvida nos EUA que tem ras pesquisas realizadas na área não têm
contribuído para o campo da antropolo- sido capazes de ir muito longe em pro-
gia da medicina. Ela originou-se a par- var de um modo mais definitivo essa re-
tir dos estudos de Boas4 que conside- lação. Em geral, as tentativas ficam res-
rava os fenômenos culturais e lingüísticos tritas a algumas peculiaridades empíri-
como estando relacionados entre si e cas setorializadas dentro da cultura estu-
tendo uma origem inconsciente comum. dada, sem espaço para enriquecimento
Dando ênfase exclusiva à questão do sig- teórico mais universal. Dentro de uma
nificado, o que confunde idioma com preocupação mais cosmopolita, a con-
cultura, Boas4 imprimiu uma nova dire- clusão de Frake, de que nas doenças de
ção à lingüística, abandonando a teoria pele os Subanum elaboram uma descri-
histórica segundo a qual os idiomas pro- minação mais elaborada do que a da
vêm de um idioma-mãe. Whorf 32 (1956) medicina científica ocidental, se dilui, por
foi outro autor importante que consoli- melhor que isso tenha sido provado.
dou a idéia de vínculo entre idioma e O estruturalismo teve em Lèvi-Strauss16
cultura. Segundo ele, a concepção da rea- (1970) um notável representante que che-
lidade depende da estrutura do idioma fa- gou a se preocupar diretamente com o te-
lado por uma sociedade. Assim, cer- ma medicina. Para esse autor, qualquer
tos idiomas seriam mais adequados do sistema cognitivo obedece primordialmen-
que outros para desenvolver certos tipos te à lógica classificatória binária do cére-
de atividades. Ele não considerava, por bro humano que determina como os ele-
exemplo, os idiomas indo-europeus ade- mentos da estrutura social são organiza-
quados ao estudo das ciências físicas em dos. Com isso, ele destrói as concepções
geral, enquanto louvava a precisão e a utilitaristas tão freqüentes no funcionalis-
racionalidade de alguns idiomas falados mo que explicava o sistema social a partir
por sociedades "primitivas". de necessidades humanas naturais de ca-
Na área da etnomedicina, Frake11 ráter biológico ou psicológico. Malinows-
(1977) pode ser considerado um autor ki19 (1954), por exemplo, afirmava que
bastante representativo, tendo analisado o sistema de parentesco parte da neces-
o sistema médico entre os Subanum de sidade sexual e do instinto de conserva-
Mindanao, nas Filipinas. Numa etnogra- ção, a religião da necessidade psicológi-
fia densa e rigorosa, ele mostra que em ca de proteção face ao desconhecido, o
alguns aspectos esse sistema de medicina sistema político, da necessidade de pro-
realiza uma descriminacão mais elabo- teção física, etc. Lèvi-Strauss16, refutan-
rada, principalmente entre os sintomas do esse reducionismo explicativo a fatos
de doença de pele, do que a da medicina biologicos ou psicológicos, afirmava que
científica. "o ser humano classifica o mundo porque
A crítica que se poderia fazer a esse o mundo é bom para ser pensado e não
método, no entanto, diz respeito ao fato por causa de qualquer tipo de constran-
gimento ou necessidade biológica ou psi- do. Com a exceção de Comaroff 6 (1978)
cológica". Nesse esquema, as necessida- que realizou um trabalho bastante inte-
des humanas naturais não só deixam de ressante sobre o aspecto placebo existen-
ser o motor da estrutura social como te em grande parte das consultas de clí-
passam a ser subordinadas a este: é a nicos gerais em Gales, não tem havido
estrutura social que modela as necessida- mais estudos na área sobre o assunto.
des humanas. Como a estrutura social A crítica que se pode fazer ao estrutu-
não é simplesmente um dado concreto, ralismo, no entanto, diz respeito à sua
diretamente observável, mas parte da or- dificuldade de lidar com a história e com
ganização simbólica imposta inconscien- os conflitos sociais. Para Lèvi-Strauss16,
temente pelo cérebro humano, em sim- as diferenças culturais são produtos das
biose com a cultura, estes elementos or- estruturas que se forjaram pelo acaso e
ganizam o pensamento, os sentimentos e não de forças sociais determinadas. Ao
as sensações humanas, condicionando, colocar a estrutura e não a efetiva inte-
assim, o sentido de necessidade humana. ração de grupos ou classes sociais como
No que essas idéias concernem à me- determinantes das regras, normas e va-
dicina, Lèvi-Strauss16 as expôs no seu ca- lores sociais, além do desenvolvimento da
pítulo "O feiticeiro e sua magia" (1970). própria história, o estruturalismo de Lè-
Nele, ele conta a estória anteriormente vi-Strauss mascara o fato de que tanto
coletada por Boas a respeito de um ín- a arbitrariedade da existência dos ele-
dio do noroeste americano chamado Que- mentos de uma cultura como o desenvol-
salid que havia se tornado um grande vimento histórico numa certa direção
curandeiro. Nesse estudo, Lèvi-Strauss16 inevitavelmente beneficiam os interesses
enfatiza o caráter da eficácia simbólica de certos segmentos de uma sociedade
no qual os símbolos socialmente podero- em detrimento de outros.
sos curam pacientes que, pela doença, O movimento crítico culturalista nor-
incorrem numa espécie de desvio social. te-americano tem exercido importante in-
Assim, o shaman torna-se um curandeiro fluência em vários trabalhos antropoló-
eficiente na medida em que seu desem- gicos sobre medicina. Em geral, essa in-
penho é reconhecido socialmente pelo fluência caracteriza-se, de um lado, por
grupo. Na expressão do autor, "Quesa- uma crítica radical à ciência e à prática
lid não se tornou um grande shaman por- médicas oficiais e, de outro, por uma va-
que ele curava seus pacientes; ele curava lorização das medicinas alternativas e
seus pacientes porque tinha se tornado das concepções populares sobre saúde e
um grande shaman". doença. Nesse sentido, a ciência e a prá-
Os '"insights" de Lèvi-Strauss16 na tica médicas são percebidas como algo
área da medicina sugerem um vasto cam- negativo que promovem dependência, es-
po de estudos relacionados tanto com o tigma e doenças.
caráter psicossomático da doença como Esse tipo de crítica começou a apa-
com o efeito placebo de inúmeros trata- recer na área das doenças mentais (ver,
mentos e terapias médicas científicas ou por exemplo, Laing 15 , 1975 e Szasz28,
não. Para ele, a integridade física não 1970), onde o caráter repressor, desuma-
resiste à dissolução da personalidade so- no e contrário à saúde contido na me-
cial. Além disso, pela simples virtude dicina oficial é denunciado. Atualmente,
de fazer parte de uma estrutura cognitiva, esse enfoque pode ser encontrado tendo
um elemento pode se tornar eficaz como, como referência a medicina oficial em
por exemplo, o uso de certas práticas geral que, como um agente de controle
terapêuticas que, isoladas de seu con- social, reproduz o "ethos" da sociedade
texto cultural, não fazem qualquer senti- burocrático-industrial e capitalista em
suas concepções "racistas", "machistas" até então dominantes nas contribuições
e engajadas em promover a dominância das ciências sociais à medicina. Nesse
de uma classe social sobre a outra. Nesse período, já se anunciava a crise nos paí-
esquema, a doença é promovida pela ini- ses capitalistas avançados que, especifi-
bição das possibilidades naturais e autô- camente na França (com o movimento
nomas de cura e pela iatrogenia, ou seja, de maio de 1968) e na Itália (com a
a responsabilidade pelo surgimento de reforma sanitária), trouxe à tona a poli-
doenças causadas pela própria prática te- tização da medicina, pondo em novas ba-
rapêutica da medicina (Illich14, 1975). ses a relação da medicina com a socie-
Ao mesmo tempo, o impacto social da dade.
ação terapêutica da medicina oficial é O direcionamento dessas novas abor-
considerado de proporção insignificante dagens pelas ciências sociais marcou-se
em relação à melhoria nas condições de pela incorporação da tradição marxista,
saúde da população causadas por outros que passou a assumir importância ana-
fatores tais como a disponibilidade de lítica cada vez maior. No entanto, se no
alimentos ou o controle ambiental (Pow- desenvolvimento da antropologia social
les23, 1973; Mackeown18, 1976). em geral encontramos a presença dessa
No que diz respeito à valorização das linha de análise em autores como Gode-
medicinas alternativas e populares, esse lier12 (1973), Terray 29 (1975), Bloch3
tipo de enfoque tende a enfatizar o as- (1975) e outros, no que diz respeito ao
pecto holístico desse tipo de medicina campo específico da antropologia da me-
que se baseia no equilíbrio do indivíduo dicina, ao contrário do que se verifi-
com o seu meio natural e social para ex- cou no campo da sociologia da medicina,
plicar a doença ou para promover a cura. as análises com esse referencial teórico
Trata-se em geral de uma postura ro- quase inexistem. De fato, esse campo con-
mântica e individualista que acredita po- tinuou permeável aos marcos teóricos an-
der transformar amplos setores da socie- teriores, avançando mais suas análises
dade (no caso a instituição médica) atra- pela incorporação do estruturalismo.
vés de uma revolução cultural, sem per- Podemos, contudo, apontar as contri-
ceber os aspectos estruturais da socie- buições de Foucault 10 (1977) que servi-
dade mais ampla da qual a instituição ram de referência para muitos estudos no
médica é em grande parte apenas uma campo das ciências sociais e medicina,
expressão. No entanto, essa postura é especialmente aqueles voltados para a
mais importante do que julgam certos se- historicidade dos saberes e das institui-
tores marxistas que não levam a questão ções médicas, que têm servido de refle-
cultural em consideração ou, quando a xão aos aspectos culturais, ideológicos e,
levam, a percebem apenas como um epi- principalmente, políticos da medicina,
fenômeno dentro de um quadro onde fa- sem contudo constituir-se numa contri-
tores infra-estruturais ou econômicos pre- buição antropológica exclusiva.
valecem. Em realidade, fatores culturais Recentemente, o campo da antropolo-
não podem ser separados de fatores eco- gia da medicina tem-se desenvolvido
nômicos e ambos ocorrem simultanea- em múltiplas direções, empregando di-
mente na infra-estrutura social, como en- versos princípios teóricos e metodoló-
fatizou Worsley33 (1982). gicos, cujas bases estão nos autores re-
A relação da medicina com a socieda- vistos nesse texto. Autores de orientação
de foi colocada em novas bases no final empiricista como Wellin31 (1977: 47),
da década dos anos 60, resultando num embora não considerem esse aspecto um
conjunto de trabalhos que criticaram as problema, o reconhecem como um fato.
formulações funcionalistas e positivistas Em suas palavras,
"Nós não temos muita teoria em an- e ideologias de cura alternativas só podem
tropologia em geral ou em antropolo- se manifestar de modo subordinado ou
gia da medicina em particular. O que até mesmo respondendo, parcial ou total-
nós temos são orientações teóricas, mente, a certos vazios não preenchidos
postulados amplos que envolvem mo- pela extensão do cuidado médico oficial.
dos de selecionar, conceptualizar e or- No entanto, o objeto da antropologia
denar dados em resposta a certos tipos na área da medicina não se circunscreve
de questão". apenas às formas alternativas de medici-
na, como que numa procura incessante
Sem dúvida, se Wellin tem razão quan- pelo exótico. Na medida em que a medi-
do observa a precariedade teórica de um cina oficial na sociedade capitalista com-
grande número de trabalhos atuais na porta processos culturais e ideológicos
área, ele deixa de tê-lo quando não vê (perfeitamente adequados à metodologia
problema nesse fato. Em realidade, sem antropológica) permeando não só a pro-
uma teoria que formalize certas questões dução, distribuição e consumo de bens
fundamentais, o resultado é o empiricis- e serviços de saúde como também a com-
mo que não leva a parte alguma. posição da força de trabalho nessa área,
abre-se um campo novo e fértil à inves-
COMENTÁRIOS FINAIS
tigação antropológica, cujo estudo requer
Recentemente, uma contribuição im- uma conjugação interdisciplinar de esfor-
portante no campo da antropologia que ços no campo das ciências sociais apli-
se valeu do paradigma teórico de Grams- cadas à medicina.
ci em conjunção com a metodologia an- Muito está ainda por ser feito no cam-
tropológica foi o estudo de Canclini 5 po da antropologia da medicina, princi-
(1983) sobre culturas populares no Mé- palmente quando ela passar a se preo-
xico. A nosso ver, esse estudo abre pos- cupar com a produção, distribuição e
sibilidades frutíferas ao campo da antro- consumo de atos médicos, medicamentos
pologia da medicina, uma vez que um e serviços de saúde, assumindo assim co-
dos problemas que ainda se coloca para mo objeto de estudo processos sociais
essa disciplina é lidar com as práticas e integrados à dinâmica capitalista. Assim,
as ideologias de cura alternativas em re- o consumo das chamadas medicinas "al-
lação à medicina oficial. Cabe, nesse ca- ternativas" ou "populares" terá de ser
so, entendê-las não como formas de pro- visto em relação com o padrão de con-
dução, circulação e consumo de serviços sumo de diferentes categorias sociais im-
de cura em oposição à medicina oficial, pulsionado pelo modo de produção ca-
mas como em articulação com o pro- pitalista. A perspectiva antropológica,
cesso capitalista de produção, embora nesse caso, traria a compreensão da si-
elas mantenham algumas especificidades, tuação de pequena escala sem perder a
principalmente no campo da cultura, da dimensão do processo de mercantilização
religião e da ideologia. Portanto, o mo- capitalista em que esta situação está su-
do de produção capitalista articula a bordinada. A nosso ver, esse é o grande
produção do cuidado à saúde seja no desafio aberto a essa área de estudos que
plano "oficial", seja no plano "popular" certamente só poderá produzir avanços
ou "alternativo". Nesse caso, as práticas teóricos se houver sucesso nessa empresa.
QUEIROZ. M. de S. & CANESQUI, A.M. [Anthropology of medicine: a theoretical review].
Rev. Saúde públ., S. Paulo, 20:152-64, 1986

ABSTRACT: An analysis was made of the most representative literature on both


c u r i n g practices of cure and health and illness representations, taking England, the
United State of America and France as references. With representatives of the main
schools of anthropological thought (such as functionalism. functional-structuralism,
structuralism, labelling theory, symbolic interactionism, ethnomethodology and cultural
criticism), the history of Anthropology of Medicine runs into the history of Anthropo-
logy itself. Besides a n a l y s i n g the contribution these various schools have made to this area
of study, the current deadlock which is arising within, it is also indicated by this article.
It is considered that the absence of a theory capable of explaining how small scale
social process (which are appropriate to anthropological methodology) are subordinated
to the large-scale social processes which are recurrent in capitalist society is the main
reason for this deadlock.

UNITERMS: A n t h r o p o l o g y , m e d i c a l . M e d i c i n e , t r a d i c i o n a l . Sociology, medical.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. B E C K E R . H. S. Outsider: studies in the 12. GODELIER, M. Modes of production,


sociology of deviance. New York, Free kinship and demographic structures. In:
Press. 1963. Symposium on Population and the Fa-
2. BENEDICT, R. Patterns of culture. New mily. New York, U n i t e d Nations, 1973.
York, Houghton Mifflin, 1934. 13. GOFFMAN, E. Manicômios, prisões e
conventos. São Paulo, Perspectiva, 1974.
3. BLOCK, M. Marxist analysis and social
anthropology. London. M a l a b y Press. 14. ILLICH, I. Medical Nemesis: the expro-
1975. priation of health. London, Calder &
Boyars, 1975.
4. BOAS, F. Race, language and culture. New
York, Free Press, 1966. 15. LAING, R. D. O eu divino. Petrópolis, Vo-
zes, 1975.
5. CANCLINI, N. G. As culturas populares
no capitalismo. São Paulo. Ed. Brasilien- 16. LÈVI-STRAUSS, C. Antropologia estrutu-
se, 1983. ral. São Paulo, Tempo Brasileiro, 1970.
6. COMAROFF, J. A Bitter Pill to Swallow: 17. LÍNTON, R. Culture and mental disorders.
placebo therapy and general practice, Springfield, I 1 1 , 1956.
Social. Rev., (76), 1978. 18. MacKEOWN, T. The role of medicine:
7. EVANS-PRITCHARD, E. E. Witchcraft, dream, mirage or nemesis. London, The
oracles and magic among the Azande. Nuffield Provincial Hospitals Trust.
Oxford. Claredon Press, 1937. 1976.
8. FOSTER, G. M. Relationship between 19. MALINOWSKI, B. Magic, science and re-
Spanish and Spanish-American folk me- ligion. New York, Doubleday, Anchor
dicine. J. Amer. Folk., (66), 1953. Books, 1954.
9. FOSTER, G. M. Disease etiologies in non- 20. MEAD, G. H. Mind, self and society. In:
western medical systems. Amer. anthro- Morris, C. W., ed. Mind, self and so-
pol., 78: 773-82, 1976. ciety. Chicago, Chicago U n i v e r s i t y Press.
1967.
10. FOUCAULT, M. O nascimento da clínica.
Rio de Janeiro, Forense Universitária, 21. PARSONS, T. The social system. New
1977. York. Free Press, 1951.
22. PAUL, B. D. Health, culture and commu-
11. FRAKE, C. O. The diagnosis of diseases
nity. New York, Russel Sage Founda-
among the Subanum of Mindanao. In:
tion, 1955.
Landy, D., ed. Culture, disease and hea-
ling: studies in medical anthropology. 23. POWLES, J. On the limitation of mo-
New York. acMillan, 1977. p. 183-94. dern medicine. Sci. Med. Man, 1, 1973.
24. QUEIROZ, M. S. & CANESQUI, A. M. 31. WELLIN, E. Theoretical orientation in
Contribuições da antropologia à medi- medical anthropology: continuity and
cina: uma revisão de estudos no Brasil. change over the past half-century. In:
Rev. Saúde públ., S. Paulo, 20:141-51, Landy, D., ed. Culture, disease and hea-
1986. ling: studies in medical anthropology.
25. RIVERS, W. H. R. Medicine, magic and New York, MacMillan, 1977, p. 47-58.
religion. London, Kegan Paul, 1924. 32. WHORF, B. L. Language, thought and rea-
26. ROSENHAN, D. L. On being sane in insa- lity. Cambridge, Mass., The MIT Press,
ne places. In: Mechanic, D., ed. Rea- 1956.
dings in medical sociology. New York, 33. WORSLEY, P. M. Marxism and culture.
The Free Press, 1980. Manchester, University of Manchester
27. ROTH, J. A. Timetables. London, Bobbs- Press, 1982. (Occasional Paper, 4).
Merril, 1963. 34. ZBOROWSKI, M. Cultural components in
28. SZASZ, T. The manufacture of madness. responses to pain. J. soc. Issues, ( 8 ) ,
New York, Dell Publishing, 1970. 1952.
29. TERRAY, E. Classes and class conscious- 35. ZOLA, I, K. Culture and symptons. In:
ness in the Aeron Kingdon of Gyaman. Cox, C. & Mead, A., eds. A sociology
In: Bloch, M., ed. Marxist analyses and of medical practice. London, Collier/
social anthropology. London. Malaby MacMillan, 1975.
Press, 1975.
Recebido para publicação em 11/10/1985
30. TURNER, V. W. The forest of symbols.
London, Cornell University Press, 1977. Aprovado para publicação em 06/01/1986

Вам также может понравиться