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UFRJ - Curso de História

Disciplina Historiografia da Antiguidade


Professora Marta Mega
Alunos André Lessa
Ian Bonze
Leticia Leite
Luciana Gomes
A educação das mulheres: entre o século XIX d.C. e o século IV a.C.
O presente trabalho se propõe a discutir de forma breve certos elementos da educação
feminina, tendo em vista o papel que se atribui para a mulher na sociedade. Como se trata de um
tema por si só bastante vasto, optamos por falar da sociedade brasileira no final do século XIX,
especificamente o Rio de Janeiro, capital do Império, e da sociedade grega do século IV a.C.,
principalmente no que concerne à cidade de Atenas. Essas opções foram feitas por conta das duas
fontes que selecionamos, sendo a primeira delas um discurso pronunciado por Amaro Cavalcanti
quando da inauguração de uma nova instituição de ensino e publicada no Jornal do Commercio.
O Jornal do Commercio começou a circular na capital do Império do Brasil em 1o de
outubro de 1827, inicialmente dedicando-se a assuntos comerciais e econômicos, mas já no ano
seguinte começou a noticiar questões políticas. Seu dono inicial, o tipógrafo parisiense Pierre
François René Plancher (1764-1844), vendeu o jornal para Junius Villeneuve (1804-1863) e Réol
Antoine de Mougenot em 1832 e já em 1835 Mougenot desiste da sociedade com Villeneuve. Em
1840 foi deixado aos cuidados de Francisco Antônio Picot (1811-1902), que havia se tornado sócio
de Villeneuve em 1837. Sob o comando de Picot, paulatinamente se tornou num jornal mais
abrangente, passando a influenciar a opinião pública. Em 1852 Picot foi para a França, mas
continuou orientando a equipe de colaboradores e os chefes de redação à distância, por meio de
correspondência, durante os próximos 38 anos.
Durante a década de 1880 passou a publicar romances estrangeiros em capítulos
diários, como, por exemplo, Os miseráveis, de Vítor Hugo, assim como novelas de autores
brasileiros, entre eles A moreninha, de Joaquim Manoel Macedo, atraindo muitos leitores. Em
1889 foi considerado pelo jornalista francês Max Leclerc, correspondente no Rio de Janeiro de um
jornal parisiense, um dos dois maiores jornais da capital, ao lado de A Gazeta de Notícias. Nesse
mesmo ano, entretanto, com a Proclamação da República, seus donos, monarquistas fieis a Pedro
II, venderam o jornal a José Carlos Rodrigues (1844-1923).
O Jornal do Commercio continuou existindo ainda por muitas décadas e, até sair de
circulação em 2016, foi o jornal de circulação ininterrupta mais antigo da América Latina. Foi
também o primeiro jornal brasileiro a ser totalmente microfilmado e todas as suas edições estão
disponíveis na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. Ao longo de sua existência muitos

1
homens politicamente influentes foram seus colaboradores, tais como José Maria da Silva
Paranhos (Barão do Rio Branco), Joaquim Manuel de Macedo, José Joaquim Vieira Souto, José
de Alencar, Homem de Mello, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Visconde de Taunay, Félix Pacheco
e Autregésilo de Athayde, entre outros. Segundo perfil dos assinantes apresentado no site dos
diários associados1, mais recentemente o jornal era acompanhado majoritariamente por homens,
com formação superior, na faixa etária entre 36 e 45 anos e da classe A, principalmente
empresários e administradores de empresas.
Podemos inferir disso que o discurso esteve acessível para os membros da elite da
sociedade carioca que por qualquer motivo não tenham estado presentes na inauguração. Julgamos
ser importante ressaltar que o evento foi relevante o suficiente para ocupar espaço relativamente
grande nas páginas de um jornal de grande circulação, ainda que não estivesse ocupando a primeira
página. A linha editorial do jornal, comentado acima, exerce certa influência nisso, assim como o
fato do discursante ser um homem importante no contexto da época.
O discursante, Amaro Cavalcanti Soares de Brito (Amaro Bezerra Cavalcanti ou
Amaro Bezerra Cavalcanti de Albuquerque)2, nasceu em 15 de agosto de 1848, no Rio Grande do
Norte e viveu até 28 de janeiro de 1922, tendo falecido no Rio de Janeiro. Filho de professor
primário e sem perspectivas em sua cidade natal, Caicó, viajou pelo Brasil, primeiro para a Paraíba,
onde exerceu a função de caixeiro, depois para o Recife, onde se voltou para o comércio, em
seguida para o Maranhão, onde se tornou professor de latim. Seguiu para Fortaleza e de lá para
Baturité, onde permaneceu sendo professor de latim e começou a envolver-se com a política local
e fundou jornais e escreveu artigos que começaram a lhe render renome. Por seus contatos
políticos, foi enviado para os Estados Unidos para estudar uma solução para o problema da
educação primária no Brasil. Nesse período cursou direito na Universidade de Albany, graduando-
se em 1881. Voltou ao Brasil e tornou-se professor de latim do Colégio Pedro II, em 1884, mesmo
ano que o discurso aqui analisado. Foi também inspetor-geral da Instrução Pública e diretor do
Liceu na província do Rio de Janeiro, além de senador constituinte, enviado extraordinário e
ministro plenipotenciário do ministério das Relações Exteriores, além de muitos outros cargos
políticos e ocupações voltadas para o mundo acadêmico e das letras, tendo publicado diversos
livros e artigos jornalísticos.3
Quanto a José Manoel Garcia, referido no discurso como fundador do curso no
externato do Colégio Pedro II, pouco conseguimos levantar de sua vida. Ao que parece, foi
nomeado repetidor4 interino de filosofia e de retórica desse colégio em 1857 e, no ano seguinte,

1
Disponível em: < http://www.diariosassociados.com.br/home/veiculos.php?co_veiculo=35 >. Acesso em: 26 jun
2017.
2
Houve a publicação de um artigo jornalístico, quando Amaro Cavalcanti ainda era vivo, afirmando que ele teria
mudado de nome por causa de um caso amoroso que deu errado. Mesmo na época foi desconsiderada essa hipótese e
acreditou-se que o jornal buscava apenas manchar o nome de Cavalcanti. (LYRA, Anderson Tavares de. “Dr. Amaro
Cavalcanti”. In: História e genealogia. Disponível em: < http://www.historiaegenealogia.com/2016/11/dr-amaro-
cavalcanti.html>. Acesso em: 26 jun 2017.)
3
Disponível em: < ihgb https://ihgb.org.br/perfil/userprofile/acavalcanti.html >. Acesso em: 26 jun 2017.
4
O cargo de “repetidor” foi criado em 1857, pelo decreto 2006, de 24 de outubro, que aprovava a contratação, após
concurso, de repetidores de grego, alemão, ciências naturais, latim, francês, inglês e matemáticas. Conforme este
decreto, o repetidor é o funcionário do Internato do Colégio Pedro II encarregado de auxiliar “os alumnos nos seus

2
secretário do externato da mesma instituição. Posteriormente, na década de 1870, foi nomeado sem
concurso para a cadeira de português.5 E, ainda, que teria desaparecido deixando a família em
condições de pobreza na década de 18806, o que levou o Governo a comprar sua extensa biblioteca7
para suavizar as más condições de seus dependentes. Além disso há poucas informações sobre sua
vida, apenas algumas esparsas notícias nos jornais da época que citam seu nome, todas
relacionadas ao Colégio Pedro II ou ao externato de sua fundação, em geral sem relação direta com
o próprio.
O Collegio de Pedro II, por sua vez, foi fundado em 02 de dezembro de 1837 e
inaugurado em 25 de março de 1838, tendo sido chamado também – na documentação, como nos
programas de ensino, por exemplo – de Imperial Collegio de Pedro II, Externato do Imperial
Collegio de Pedro Segundo, Externato do Gymnasio Nacional e Instituto Nacional de Instrucção
Secundaria.8 Seu programa de ensino tinha base clássica e tradição humanística e os alunos que se
formavam adquiriam o diploma de Bacharel em Letras, não sendo necessário prestar exames para
ingressar no ensino superior. O ingresso era feito por meio de exame de admissão que levava em
conta idade, mérito adquirido e habilidades inatas. Durante o período aqui discutido o ensino nesse
Colégio não era gratuito: os alunos pagavam uma matrícula anual e pensões trimestrais, com
algumas exceções; gratuidades eram concedidas a órfãos pobres, filhos de professores com 10 ou
mais anos de serviço no magistério, alunos pobres que se destacaram no ensino primário e filhos
de militares mortos na Guerra do Paraguai.9 O conhecimento adquirido por meio dessa instituição
era próprio para quem pretendia dar continuidade aos estudos, já que, por décadas, ela foi
referência no ensino secundário no Brasil, o que não era compatível com o papel imposto à mulher,
destinada ao casamento, ao lar e à maternidade, de forma que o Colégio Pedro II foi pensado e
criado para abrigar e educar somente alunos do sexo masculino.10
Em 1881 o Ministro Homem de Mello modificou o regulamento desse estabelecimento
de ensino, porém sem alterar a duração do curso de bacharelado, de sorte que eram estudadas,
obrigatoriamente, as disciplinas Latim (2o ao 5o ano), Grego (6o e 7o ano), Inglês (4o e 5o ano),

estudos e esclarecê-los sobre a intelligencia das lições dos professores”, fora do período das aulas. A figura do
“repetidor” teve origem nos pensionatos de alunos próximos das universidades européias, no final da Idade Média.
“Como muitas dessas casas acolhiam também os professores, que em troca repassavam as lições ou preparavam os
alunos para seguir os cursos das universidades, logo passaram a funcionar como pensionatos que eram também lugares
de ensino bem completos”. Como se pode constatar, a função do professor-repetidor está ainda ligada à própria gênese
dos colégios humanistas: “Pela atividade desses professores e repetidores, os pensionatos colegiais acabaram por
retirar o conteúdo das 7 artes liberais do âmbito das faculdades universitárias, organizando-se, ao longo do século XV,
como uma instituição específica e reconhecida – o colégio das 7 artes liberais –, onde os jovens realizavam todos esses
estudos preparatórios para as universidades.” (Hilsdorf, 2006, p. 62). Portanto, a introdução do repetidor no Internato
do Colégio Pedro II, em 1857, reforça ainda mais a preferência pelo modelo humanista na organização da instituição.
(Cortado e colado de RAZZINI, organizar e citar. P. 50 nota 08).
5
Razzini, Marcia de Paula Gregorio. "História da Disciplina Português na Escola Secundária Brasileira." revista
tempo e espaço em educação 4 (2010): p. 50 (nota 8. Não entendi a referencia)
6
Doria, E., & Accioli, R. B. (1997). Memória histórica do Colégio de Pedro Segundo, 1837-1937. Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais. p. 154.
7
Consta no jornal O Paiz que havia 3.232 obras, em 4.518 volumes, a maioria tendo sido encaminhada para a
Biblioteca Nacional e as demais para a biblioteca do Colégio Pedro II.
8
BONATO, Nailda Marinho da Costa, Presença Feminina no Colégio Pedro II, In: CBHE, 2009
9
Site do CPII. Período Imperial.
10
Bonato. CBHE. P. 2.

3
Francês (1o ao 3o ano), Alemão (6o e 7o ano), Português (1o ao 5o ano), Italiano (7o ano), História
Geral (5o e 6o ano), Corografia do Brasil (7o ano), Geografia Geral (1o, 3o e 4o ano), Matemática
(1o ao 4o ano), Filosofia (6o e 7o ano) e História Natural (6o ano). Essa reforma também permitiu
aos não católicos não frequentar ou prestar exames de Religião e dispensa a aprovação em
Desenho, Música e Ginástica para a obtenção de grau de Bacharel em Letras, sem, contudo,
dispensa das respectivas aulas.11
Era esse o programa ainda vigente em 1883, quando o Dr. Cândido Barata Ribeiro fez
requisição para matrícula no 1o ano de suas filhas, Cândida e Leonor Borges Ribeiro, que foi
autorizada por Pedro Leão Velloso, então ocupante da Pasta do Império, no Gabinete Paranaguá,
já que não havia disposição legal proibitiva. Além das filhas de Barata Ribeiro, matricularam-se
também Maria Júlia Picanço da Costa, Maria Olympia e Zulmira de Moraes Kohn, totalizando 5
alunas, numa instituição que abrigava no mesmo ano 236 alunos em seu externato. Foi ainda em
1883 que Amaro Cavalcanti passou a lecionar latim no Colégio Pedro II na condição de professor
interino.12
Em 1885, Meira de Vasconcellos, novo Ministro do Império do Segundo Gabinete
Saraiva, recebeu ofício do reitor do Externato do Pedro II pedindo nomeação de inspetora para
atender à demanda formada pela existência de 15 alunas matriculadas e 5 ouvintes, ponderando ao
mesmo tempo se não seria conveniente encaminhar essas moças para a Escola Normal ou para o
Liceu de Artes e Ofícios. Nesse mesmo ano Meira de Vasconcellos foi substituído por Ambrósio
Leitão da Cunha, membro do Gabinete Cotegipe, Barão de Mamoré, que, ao fim do ano letivo,
ainda em 1885, estabeleceu que não seriam mais admitidas alunas no externato, já que o orçamento
vigente não possibilitava a contratação de inspetoras, sendo o Colégio destinado à formação de
pessoas do sexo masculino. Para não prejudicar as alunas existentes, estas deveriam ser
encaminhadas para a Escola Normal, para o Liceu de Artes e Ofícios ou para o curso noturno
secundário fundado pelo professor José Manoel Garcia.13 O discurso que nos propomos a utilizar
como fonte precípua foi declamado na ocasião da inauguração deste último. Dessa forma, acaba a
breve participação de pessoas do sexo feminino no corpo discente do Colégio Pedro II, o que só
voltará a acontecer de forma estável a partir de 1927.
Achamos ser digno de nota que o Ministro do Império era, entre outras atribuições,
responsável pela fiscalização do Colégio, não só internamente, como também da defesa pública da
instituição quando necessário, à menor acusação pública contra ela gerava uma imediata resposta
do Governo. O Colégio vivia sob um círculo de fiscalizações: do Imperador, do Ministro, do reitor,
de professores, dos jornais e, mais amplamente, de toda a sociedade, já que tinha grande
visibilidade naquele contexto. Os reitores, tanto do Internato quando do Externato, mantinham
constante correspondência com o Inspetor da Instrução Pública e com o Ministro do Império, para
quem eram encaminhados frequentes consultas e pedidos das reitorias, de forma que as mudanças
do Governo na Pasta do Império, da qual ele dependia, eram sensíveis para o Colégio.14

11
Doria não sei o que. P. 138.
12
Tb Doria. Pp. 152-153.
13
P. 155 do livro do Ian.
14
Pp. 153-156 passim.

4
Feitos os devidos comentários de natureza mais geral e entrando na discussão
propriamente dita de nossas fontes, inicialmente gostaríamos de comentar o quanto o título da
publicação do discurso no jornal pode induzir a erro o leitor desatento, já que faz questão de não
deixar clara a separação entre a recém fundada instituição e o Colégio Pedro II. O que é
compreensível, já que, tendo em vista o que já discutimos, esse último era, e ainda é, um
estabelecimento de ensino renomado enquanto a primeira foi tragada pelas brumas do tempo e
sequer conquistou muito renome enquanto permaneceu em atividade, considerando que não foi
possível encontrar qualquer referência a ela que não estivesse diretamente conectada ao Colégio
Pedro II.
Amaro Cavalcanti, logo em suas primeiras palavras, nos deixa perceber que tinha uma
visão linear e evolutiva do progresso da humanidade em direção à civilização e ao progresso, que
ele opõe à ignorância, com suas fatais consequências. Coloca o homem, em momentos passados,
como um tirano egoísta por ser mais forte que os outros entes, que para ele não passavam de
escravos, entre eles a mulher, cuja sublimidade do destino era menosprezada ou desconhecida.
Essa sublimidade está, no discurso, intrinsicamente relacionada à capacidade da mulher de gerar
outra vida, de ser mãe.
A mulher, segundo sua visão, é incapaz do mal, sempre amiga e benfazeja. É um dever
de justiça que ela seja educada e instruída, já que é a educação que traz progresso social e por
muito tempo reinou a ideia que a mulher devia ser conservada na ignorância enquanto o homem
era ensinado, o que o tornava mais apto a executar as tarefas que lhe cabiam. A “nobre missão” da
mulher, ser mãe, aparentemente não exigia dela instrução. A própria Igreja, ao enfatizar o papel
da Virgem Maria como mãe de Deus na Idade Média, contribuiu para a elevação da mulher.
Observemos, entretanto, que não é qualquer mulher, mas uma especialmente pura.
A Igreja convenceu-se que dando instrução ao sexo forte este repararia as injustiças
cometidas contra o outro sexo quando suficientemente elevado. Alguns séculos e vários
movimentos intelectuais, Renascimento, Reforma, Iluminismo e a própria Revolução Francesa,
não foram suficientes para mudar em muito as condições da mulher, contudo. Só no seio do
cristianismo havia reconhecimento do mérito e do grande destino reservado para ela.
No presente, não o nosso, mas o de Cavalcanti, os povos se empenham pelo
engrandecimento do sexo frágil, porque sabem que é disto que dependem a pureza dos costumes,
a dignidade da família e, até mesmo, a nobreza do caráter nacional. O Brasil, está muito atrás nesse
caminho, mas já se vislumbra a necessidade de percorrê-lo e já se ensaiam os primeiros passos,
como a fundação da instituição de ensino do Dr. José Manoel Garcia, que sempre esteve dedicado
à educação da mulher.
Percebemos que todo o discurso de valorização do papel da mulher restringe-se, na
realidade, a uma valorização relacionada muito diretamente à família e à casa: a mulher como mãe,
principalmente, a mulher como protetora e reprodutora dos costumes, encarregada da dignidade
da família e, em última instância, responsável pela formação do próprio caráter nacional. Em
nenhum momento é sequer cogitada uma igualdade entre homem e mulher, exceto dentro do
casamento, situação na qual há igualdade entre os cônjuges.

5
A leitura desse discurso, pronunciado em pleno século XIX, não pôde deixar de nos
trazer à memória a nossa segunda fonte: o Econômico, de Xenofonte. Escrita na primeira metade
do século IV a.C, esta obra busca demonstrar através de diálogos qual seria a forma mais eficiente
de administração do oikos15. À mulher, parte integrante deste cenário, caberia uma série de
atribuições específicas que seriam importantes, senão vitais, para a boa administração dos bens e
das pessoas.
A principal diferença que identificamos entre as duas obras, o tratado de Xenofonte e
o discurso de Amaro Cavalcanti, no que tange ao preparo da mulher para a boa execução de seus
deveres é que no primeiro caso marido, ensinando, e esposa, aprendendo, devem juntos fazer o
que for possível para entender como melhor agir de acordo com sua esfera de atuação16 e, no
segundo, trata-se de um dever da sociedade e até mesmo do governo, responsável pela educação
pública de forma geral.
Para conseguirmos absorver efetivamente todas as nuances presentes nas nossas fontes
seria necessária uma análise muito mais extensa e mais detalhada do que é possível oferecer no
presente trabalho. De toda forma, pudemos perceber que em ambos os casos há subjacente às
palavras de fato utilizadas um ideal de qual deveria ser o espaço ocupado pela mulher na sociedade.
Apesar de ser um tanto um quanto óbvio, é importante ressaltar que esse ideal é apenas isso, um
ideal, um modelo de conduta, impossível de ser atingido na realidade.
Depreendemos que a mulher, para Xenofonte, deveria ser, segundo a própria metáfora
do autor, semelhante à abelha-rainha17, ordenando a execução dos trabalhos domésticos e enviando
ao trabalho externo aqueles que se ocupam dele, cuidando dos filhos para que cresçam bem,
enviando os filhos para o mundo no momento adequado, cuidando da casa para que a organização
permita o melhor aproveitamento de cada cômodo e objeto. Tudo isto devia aprender com o
marido.
Realidade não muito distante daquela encontrada no discurso de Amaro Cavalcanti.
Como dissemos, entretanto, seria um dever da sociedade, dos governantes, fornecer educação a
essa mulher. Quando o Colégio Pedro II começa a recusar a matrícula de pessoas do sexo feminino,
as alunas já matriculadas são enviadas para três outras instituições: o Liceu de Artes e Ofícios, a
Escola Normal e a escola de José Manoel Garcia. O Colégio Pedro II, com seu currículo
humanístico, voltado para as necessidades de quem planejava dar continuidade aos estudos, não
era a escola mais aconselhável para essas moças. Elas deveriam, ao contrário, ser preparadas para
a casa e a vida doméstica, para serem mães, sua função última.
A título de considerações finais reiteramos que muito mais a respeito do tema poderia
ser discutido e de forma bastante mais profunda. Isso não foi possível para nós, entretanto, pois o
propósito último deste trabalho é ser apresentado oralmente dentro de um tempo limitado e
relativamente pequeno, de forma que tivemos necessidade de nos concentrar naquilo que julgamos

15
Em simples tradução casa; família, pátria; fortuna. O oikos era um conjunto complexo, incorporando as propriedades
da família, as terras, os instrumentos, os parentes, os escravos, os dependentes, o gado, etc.
16
Xenofonte. 7: 7.
17
Xenofonte. 7: 32, 33.

6
ser de mais interesse, mas sem ignorar a apresentação das fontes e do contexto de sua produção,
dando mais ênfase ao discurso de Amaro Cavalcanti do que ao Econômico por ser menos
conhecido e discutido, de forma que o ouvinte contará apenas com as informações que fornecermos
e não um conhecimento prévio.

Referências Bibliográficas
LEAL, Carlos Eduardo; SANDRONI, Cícero. “Jornal do Comércio”. In: ABREU, Alzira Alves
de et al (coords.). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – Pós-1930. Rio de Janeiro:
CPDOC, 2010. Disponível em <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-
tematico/jornal-do-comercio>. Acesso em: 14 jun 2017.
Razzini, Marcia de Paula Gregorio. "História da Disciplina Português na Escola Secundária
Brasileira." revista tempo e espaço em educação 4 (2010): 43-58.
Doria, E., & Accioli, R. B. (1997). Memória histórica do Colégio de Pedro Segundo, 1837-1937.
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais.
BONATO, Nailda Marinho da Costa, Presença Feminina no Colégio Pedro II, In: CBHE, 2009.

Anexo I
Jornal do Commercio, sexta-feira, 15 de fevereiro de 1884, edição 0046, página 02 de 06, canto
superior direito. Link: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_07/9782.
Discurso proferido pelo Dr. Amaro Cavalcante na inauguração do curso nocturno gratuito,
fundado pelo Dr. José Manoel Garcia, no externato de Pedro II, para ensino secundario do
sexo feminino.
Senhores. – A illustrada congregação do curso nocturno de ensino secundario para o
sexo feminino encarregou-me de vir a esta tribuna prestar um testemunho solemne de sua adhesão,
inteira e sincera, á nobilissima instituição que se inaugura. Para cumprir dever que me é tão grato,
permittir-me-heis que offereça á vossa consideração algumas observações que se me affigurão
opportunas.
As condições actuaes da humanidade representão a summa dos labores constantes e
progressivos da civilisação: sabeis que, antes desta, tudo era impossivel, excepto a ignorancia com
as suas tristes e fataes consequencias.
O itinerario da humanidade através do tempo e do espaço é assignalado por uma
gradação sucessiva de civilisação que só começou a ser verdadeiramente digna deste nome quando
illuminada pela idéia do direito e da justiça.
Antes de ser conhecida esta grande idéia, era o egoismo a norma unica de proceder do
homem, e eis ahi porque, sendo elle o mais forte, vêmo-lo, então, logicamente, consituido no
déspota e no tyrano, ao redor do qual todos os demais entes são apenas vis escravos.
7
Entre os ultimos figurava tambem a mulher, a quem a sublimidade de seu destino,
ainda então menosprezada ou desconhecida, não podia salvaguardar de tão dura condição. E assim
passárão-se de facto muitos seculos sem que o homem reflectisse que nessa mulher, que elle hoje
amava com excesso e amanhã repudiava na miseria ou assassinava na furia do despeito, havia
tambem um outro ser, incapaz do mal, sempre amigo e bemfazejo – aquella que produz na vida a
infancia e a innocencia – a mãi!...
Felizmente não é apenas do seculo presente a concepção dos grandes destinos da
mulher, idéia que hoje cala os espiritos, não só como uma condição de civilisação, senão tambem
como um dever de justiça, admittida a incontestavel verdade pratica de que a verdadeira elevação
e progresso social é um resultado directo da educação da humanidade.
E todavia, por uma logica contraditoria, reinou por muito o principio commum a todos
os povos que, emquanto o homem tanto mais aprendia, tanto mais apto se tornava para os encargos
da vida, a mulher, pelo contrario, devia ser conservada na ignorancia, como o meio mais proficuo
ao desempenho de sua nobre missão! Seria incrivel, se não fôra um facto sabido, ostente da historia
e da legislação de todos os povos. Pondo de parte o que respeita á antiguidade, não posso deixar
de notar que na Idade média a igreja, collocando-se á testa do movimento intellectual, tomou a si
a grande responsabilidade da educação dos povos, sendo de justiça reconhecer que ella teve em
vista a elevação da mulher, instituindo o dogma de uma mulher como a mãi de um Deus, e
prégando os preceitos de amor e respeito filial, e os deveres severos de esposo fiel, e até a igualdade
de direitos entre os conjuges.
Mas ainda então, excepto o propagandista e o apostolo, ninguem mais acreditava que
a grandeza social proviesse directamente do engrandecimento da familia, da cultura especial da
mulher!
Além disso, a igreja tinha, nessa época, de lutar principalmente, de um lado contra o
espirito pagão que renascia, do outro contra os preconceitos dos barbaros que não podião acreditar
devéras na efficacia de uma doutrina que os despia de toda a violencia, esse poder supremo, essa
razão de merito, em que tinhão sido educados, desde tantos seculos e gerações!
Nestas condições a Igreja entendeu fazer quanto podia em favor da mulher, limitando-
se a prégar a doutrina de seus direitos, e tomando por tarefa primeira adoçar e instruir o sexo forte,
na convicção de que este, quando mais tarde culto ou civilisado, não deixaria de reparar as graves
injustiças da condição do outro sexo.
Mas o facto é que, ao terminar a Idade média, veio a Renascença, depois a Reforma,
após o philosophismo e, emfim, a Revolução; e apezar de tantas evoluções que os enthusiatas
apregoão verdadeiras eras de civilisação, e que estou longe de contestar, comtudo muito pouco de
melhor proviera de tudo isso para as condições da mulher; além dos felizes preceitos dessa grande
lei que se chama o Evangelho christão... É certamente um espirito de justiça que faz o sexo
feminino ser tão amante e obediente em relação ás maximas do christianismo porque, em verdade,
foi este o primeiro poder moral que teve força bastante para impôr á consciencia dos povos o
reconhecimento do merito e do grande destino daquelle sexo na vida.

8
Chegando, porém, ao presente seculo, a idéa de justificação não podia deixar de ter
uma applicação mais constante e correcta, e ao sol brilhante da civilisação actual todos querem a
elevação da mulher pela educação, pela cultura, porque todos se sentem obrigados a satisfazê-lo
como uma grande divida de justiça.
No presente, – é uma verdade, todos os povos se empenhão pelo engrandecimento do
sexo fragil, todos elles convictos de que é sobretudo d’ahi que depende a pureza dos costumes, a
dignidade da familia, a até a nobreza do caracter nacional.
Temos, com effeito, chegado a esta conclusão brilhante de civilisação e de justiça: –
O homem, elle o forte, o poderoso, reconhecendo a superioridade do sexo fraco na obra de seus
destinos, na vida social! E é tambem esta a razão capital por que a instrucção da mulher se tornou
actualmente a preoccupação constante dos maiores homens e dos governos mais sabios.
Neste ponto, escuso declarar que nós os brazileiros nos achamos ainda muito aquem
do terreno desejavel; mas, já ha uma cousa que, por certo, nos deve muito animar: – é que já se
sente, já se confessa, já se affirma a efficacia da idéa, e até já vemo-la, em algumas partes, levada
á execução... E eis que na côrte do Imperio surge no dia de hoje uma instituição nova,
exclusivamente votada á cultura moral e scientifica da mulher brazileira, de um modo, senão o
mais completo, certamente satisfatorio em nossas condições. E esta insituição, oriunda da nobre
iniciativa particular, já se nos apresenta, no primeiro dia de vida, sob a augusta protecção da familia
imperial, sob os auxilios do governo e apoiada pela illustre sociedade fluminense, tão
brilhantemente representada neste auditorio. Não vos cansarei a generosa attenção para encarecer
a necessidade e merito real desta insituição, tanto mais quanto já o fizerão de modo brilhante e
concludente os oradores que me procedêrão. Mas, senhores, se tal é a instituição e tamanho o seu
alcance, não posso, e nem devo, concluir sem dirigir uma palavra ao seu digno fundador.
Ei-lo alli (apontando para o Sr. Dr. Garcia): considero-o muito digno de todas as nossas
attenções neste momento! É o mesmo que vistes na juventude e vêdes hoje, ao entrar na velhice,
sempre devotado á causa do saber e da instrucção nacional! É o fundador do collegio Santa Rita
de Cassia, em 1862, nesta côrte, especialmente dedicado á cultura da mulher brazileira, essa idéa
feliz, que outr’ora o reduzio a verdadeiros sacrificios! Elle, porém, persevera!
...É de esperar que, no presente, as suas esperanças e aspirações tenhão o desejado
successo ao seio desta sociedade, que tem o coração sempre aberto a todos os commettimentos
nobres, a todas as idéas de patriotismo, de civilisação e de justiça.

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