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O RISO NA CONTEMPORANEIDADE: UMA ABORDAGEM EM UM COPO


DE CÓLERA, DE RADUAN NASSAR
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Juliana da Silva BELLO (UTFPR/CP)

Resumo: Este artigo tem como objetivo levantar algumas questões sobre o processo de
transformação do riso até a contemporaneidade com foco na literatura brasileira,
sobretudo no romance, tendo como corpus de análise a obra Um copo de cólera (1978),
de Raduan Nassar. Selecionou-se como principal suporte teórico Mikhail Bakhtin
(2008) e Georges Minois (2003), no que diz respeito às transformações do riso ao longo
do tempo.

Palavras-chave: Literatura contemporânea. Riso. Raduan Nassar.

Introdução
O homem controlou o riso, bem como dominou as
lágrimas.

Georges Minois, História do riso e do escárnio

O riso, mais antigo que o próprio homem, tem um histórico, de certa forma,
misterioso, pois já foi concebido como bom e mau, proibido, manipulado, mas que
acima de tudo, se modificou ao longo do tempo.

O riso, em sua mais pura essência, é tema de Bakhtin (2008) em A cultura


popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Nessa
obra o autor apresenta como o riso manifestou-se em diversas formas opondo-se à
cultura oficial, religiosa e conservadora da Idade Média. A comicidade era parte
primordial das manifestações da cultura popular, uma espécie de "segunda vida", que
incluía festejos carnavalesco, ritos e cultos cômicos, bufões e tolos, além da literatura
paródica. As festas ofertadas pela Igreja e pelo Estado feudal não trazia ao povo essa
"segunda vida", pois acabava por reforçar ainda mais o regime vigente, assim a festa
popular era "o triunfo de uma espécie de libertação temporária da verdade dominante e
do regime vigente, de abolição provisória de todas as relações hierárquicas, privilégios,
regras e tabus" (BAKHTIN, 2008, p.8).

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Aluna especial do programa de mestrado da Universidade Estadual de Londrina - UEL. e-mail
jubello16@gmail.com
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O riso medieval, aos poucos, vai incorporando o Renascimento pelo desejo de


renovação impregnando a sensação carnavalesca do mundo, durante esse período o riso
penetra na literatura por influência de autores como, Rabelais, Cervantes, Bocaccio e
Shakespeare. A partir disso, o riso passa a ser uma mistura do oficial e do não-oficial,
pois apresentava diferentes concepções, revelando verdades sobre o mundo, o homem e
a história. O riso passa a ter uma conotação livre, reveladora, criadora e crítica para a
época.

Nos séculos XVII e XVIII, a literatura agrega-se ao riso para tornar-se possível
uma compreensão mais realística do mundo, um realismo grotesco. Bebendo na fonte de
gêneros menores como o cômico, principalmente o romance, influencia-se pela cultura
popular e apropria-se de muitas vozes e línguas diversificadas, da experiência,
orientando-se no mundo e no tempo. Assim, o romance, em busca de formas mais
livres, se distância do gênero épico, pois é pelo cômico que se atualiza apresentando
uma nova personagem com linguagem coloquial popular, dando ao gênero livre
representação do mundo. Dessa forma, o romance passa a ter uma roupagem de menor
prestígio, pois “o riso popular e suas formas constituem o campo menos estudado da
criação popular” (BAKHTIN, 2008, p.3).

A partir disso, é possível perceber que, o riso alegre e festivo se tornou


desprezível e reduzido ao humor, sarcasmo, e a ironia, que, tempos depois, foi
incorporado, sobretudo pelo gênero romance. Em conformidade com o que diz Minois
(2003), que a festa na contemporaneidade se desliga do riso, pois já não apresenta
"solução coletiva para a angústia de um mundo que perdeu o sentido, torna impossível a
forma individual do riso, que é o humor" (p.605).

Ao contrário dos cânones da época clássica do século XVIII, marcados pelo


distante e o limitado, o Romantismo do século XIX retoma o cômico e o grotesco da
Idade Média para descobrir um "indivíduo subjetivo, profundo, íntimo, complexo e
inesgotável", como observa Bakhtin (2008, p.39). A partir do Romantismo, a ironia
passa ter uma relevância maior na literatura e passou a ser a forma de riso mais
difundida pelo gênero.

Além disso, Bakhtin (2008) ao mencionar a carnavalização como celebração do


riso, define a paródia como elemento primordial do cômico, assim é através do deboche
e da sátira que se subverte a ordem e a realidade, relacionada ao universo da inversão,
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contradição e do deslocamento, pois a paródia nada mais era que os "ecos do riso dos
carnavais públicos que repercutiam dentro dos muros dos mosteiros, universidades e
colégios" (p.13). Os textos de caráter carnavalizado aglomeravam metamorfose, a
fantasia e o invento que rompiam regras e tabus com o intuito de libertar seus instintos e
desejos.

Para Linda Hutcheon (1991, p.58), o conceito de paródia é como um "contra-


canto", ou seja, um texto está sempre em confronto com outro, com a intenção de
zombar e caricaturar, sendo uma das maneiras de vincular a arte e o mundo. Assim,
dentro de uma esfera popular a paródia tem papel importante que, é crítica e criativa, em
relação à sociedade e a cultura predominante, estabelecendo entre o artista e sua plateia
uma relação dialógica entre a identificação e a distância, envolvendo-os numa
"atividade hermenêutica de participação".

Bakhtin (2008, p.10) aponta que é preciso se atentar ao fato de que a paródia
carnavalesca está muito distante da paródia moderna puramente negativa e formal; com
efeito, mesmo negando, aquela ressuscita e renova ao mesmo tempo. A negação pura e
simples é quase sempre alheia à cultura popular.

Para o historiador francês Georges Minois (2003), o riso faz parte da sociedade
contemporânea, sendo antídoto infalível de sobrevivência no que diz respeito aos
acontecimentos cotidianos, assim, em conformidade com Bakhtin (1988), o riso é fator
fundamental na compreensão do mundo e do tempo.

O historiador discorre sobre o fato de que o riso está em perigo, pois tornou-se
vítima diante da sociedade que o estampa como forma de camuflagem , um tipo de riso
obrigatório que "não corre o risco de matar o verdadeiro riso, o riso livre" (p.594). Rir
de tudo, nesse sentido, é conformar-se com tudo, assim a sociedade parece caminhar.

Então, é a partir do riso, do cômico que Bakhtin (1988) nos diz que, a forma
romanesca, ao incorporar vários gêneros - sejam altos ou baixos - ainda traduz
elementos do presente, pois pode representar momentos reais da vida no plano do
discurso do personagem e do autor nas suas mútuas relações dialógicas e nas
combinações híbridas.

Portanto, partindo desses conceitos, buscou-se analisar o riso na ficção literária


contemporânea, pensando em seu forte teor irônico, paródico e ressaltando o deboche
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como marca principal na relação amorosa dos personagens em Um Copo de Cólera


(1978), de Raduan Nassar.

1. Algumas considerações sobre a literatura contemporânea brasileira

O estudo da ficção brasileira contemporânea aponta para inúmeras dificuldades


no exercício da crítica literária, tendo em vista a heterogeneidade de sua produção, o
que caracteriza que toda forma de produção artística se constitui a partir da diversidade,
descartando-se a homogeneidade.

Se por um lado esta ficção busca acompanhar as transformações sociais e


políticas ocorridas no Brasil no final da ditadura militar, por outro tenta acompanhar as
novas formas de expressão artística. Daí as inúmeras formas de deslocamentos e
diálogos que passam a refletir sobre as novas vozes sociais incorporando outras
linguagens artísticas ou mesmo fortalecendo relações com os meios de comunicação de
massa.
Resende (2008, p.16), aborda a produção literária no Brasil a partir da década de
1960, localizando a literatura brasileira na “era da multiplicidade” e apresenta alguns
traços, tais como o da fertilidade, pois há despeito das queixas de que há poucos leitores
e vendas, é fácil constatar que se publica muito, ou seja, há muitos escritores e editoras
surgindo. Comenta-se e consome-se literatura em forma de expressão nos dias atuais.
Outro traço diz respeito à qualidade dos textos e o cuidado com a preparação da obra,
mesmo sob o risco de representar algum “namoro” extemporâneo com o cânone (p.17).
Como terceiro traço, a autora destaca a consequência da fertilidade da juventude e das
novas possibilidades editoriais, ou seja, a multiplicidade.

Multiplicidade e a heterogeneidade em convívio não excludente. Essa


característica se revela na linguagem, nos formatos, na relação que se busca com o
leitor, sendo algo realmente novo. São múltiplos tons e temas, sobretudo, múltiplos
convicções sobre o que é literatura (RESENDE, 2008, p.18).

Sob este ponto de vista, é possível afirmar haver na produção das últimas três
décadas o aspecto da pluralidade de discursos, surgindo com vozes variadas, múltiplas,
dissonantes, que evidenciam uma diversidade, na qual cada escritor busca sua própria
originalidade.
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Outro estudioso que tem se debruçado a tecer análises sobre essas questões é
Karl Erik Schøllhammer (2011), que estabelece, assim como Resende, a insistência do
presente nas produções mais recentes. As formas de narrativas curtas, os minicontos e
estruturas complexas e fragmentadas, por exemplo, são citadas por Schøllhammer como
forma de ilustrar a ponte que tem se criado entre a prosa, o poema e crônica,
demonstrando eficiência estética a ponto de serem capazes de reproduzir uma realidade
concreta, atualizada e híbrida. O que traduz, pois, uma “criação de presença”.

[...] na insistência do presente temporal em vários escritores da


geração mais recente, há certamente uma preocupação pela criação de
sua própria presença, tanto no sentido temporal mais superficial de
tornar-se a “ficção do momento” quanto no sentido mais enfático de
impor sua presença performática. (SCHØLLHAMMER, 2011, p.13,
grifo meu).

Assim, a prosa brasileira contemporânea, parece compor-se num todo líquido,


dissolvidos em temas, estilos e gêneros. Para Tânia Pellegrini (2008), essa nova
produção deixa de lado elementos temáticos que a acompanharam desde sua formação
para incorporar outros, ainda em consolidação, e se reapropriar de gêneros populares do
século XIX, como o romance histórico e o policial, por exemplo, transformando
significativamente nosso código estético-literário, que os críticos, cuidadosamente,
apontam aos poucos seus cânones particulares.

A literatura como representatividade da vida social do ser humano, cenário este


em que se faz necessário refletir sobre a temática do riso nessa contemporaneidade,
devemos considerar as reflexões de Candido (1972) entende ser a literatura uma arte
que possui uma função humanizadora de representar o homem através do ficcional os
seus desejos, angústia e forma de pensar, revelando também a cultura de uma
determinada sociedade. Sabe-se que a literatura sempre tratou de temas vinculados à
realidade humana, representando, através da arte, os sentimentos mais nobres ou
obscuros do ser humano.

A vida do homem está cada vez mais envolvida com um ritmo frenético, cujo o
tempo e o espaço são descontínuos. Um dos aspectos a serem observados é que, em
meio ao caos da vida, o homem aprendeu a rir de si mesmo e dos outros, principalmente
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em situações problemáticas. Nesse sentido, a prosa contemporânea abre mão do


contínuo e perene para mergulhar no descontínuo e na fragmentada representação
humana.

2. O riso nas estreitas relações humanas em Um copo de cólera, de Raduan Nassar

Raduan Nassar, natural de Pindorama, interior paulista, é um autor


contemporâneo cuja obras são: Lavoura Arcaica (1975), a novela Um copo de cólera
(1978) e Menina a caminho (1997), livro de contos que reuni textos dos anos 60 e 70,
publicados até então de modo esparso. Essas poucas obras publicadas destacam-se na
cena literária contemporânea por apresentar uma narrativa diferenciada tanto na estética,
quanto pela ideologia aplicada em seus escritos, pois destoa dos demais escritores da
sua época em relação as temáticas utilizadas nos textos literários produzidos durante o
período dos anos 70.

A novela Um copo de cólera, Nassar não inovou só a estrutura formal do texto,


mas também em toda a linguagem utilizada, mesclada com expressões de baixo calão
com certo tom coloquial. Se entretece num vaivém constante, aparentemente desconexo,
labiríntico, rumo a uma metaficção de posicionamento crítico. A cólera a que remete o
título da novela corresponde ao fluxo verbal que toma conta das personagens nesse
momento de fúria, em que a razão e a emoção não mais se dissociam, e torna-se,
sobretudo, uma massa amorfa, que tem como alvo rir, ironizar e debochar um do outro,
ou ainda, de si mesmo. Como resultado do embate, resta nas almas desgastadas, um
barulhento silêncio e um abarrotado vazio.

O casal da história vive um amor irreconciliável, perturbador e erótico. Uma


paixão devastadora em que, os amantes tentam a todo instante abater um ao outro num
amor tumultuado fazendo do dia a dia uma guerra existencial. Diante dessa estreita
relação, é possível perceber o riso dos personagens, propositalmente, sendo substituídos
pelo riso agressivo, como bem menciona Minois (2003), que:

Há um aspecto do riso o qual os pesquisadores têm insistido muito, no


século XX: o riso como agressão. Eles tomam por base a mímica do
riso, que nos faz mostrar os dentes da mesma forma que um animal
que se sente ameaçado e se prepara para se defender ( p.617).
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Três curtos capítulos seguem-se, num aumento crescente da tensão entre o casal,
até chegar ao capítulo “O esporro”, no qual o clímax é atingido quando ele se depara
com o rombo na sua cerca viva, rombo perpetrado pelas formigas saúvas. A partir daí, a
agressividade é marcada na obra por um riso debochado e irônico que, na maioria das
vezes, parte da mulher afim de se proteger das agressões verbais do homem que também
ri para desmoralizá-la.

[...] malditas saúvas filhas-da-puta, e pondo mais força tornei a gritar


filhas-da-puta, filhas-da-puta, vendo uns bons palmos de cerca
drasticamente rapelados, vendo uns bons palmos de chão forrados de
pequenas folhas, é preciso ter sangue de chacareiro pra saber o que é
isso, eu estava uma vara vendo o estrago, eu estava puto com aquele
rombo [...]. (NASSAR, 1978, p. 31).

A ira surge a partir daí e toma conta do narrador homem que se enfurece, mais
ainda, quando vê a mulher disparando um riso histérico a fim de ironizá-lo quanto à
situação banal em que ele se deparava. O riso toma outras proporções quando torna-se
uma satisfação simbólica, antecipada da pulsão agressiva, como é possível verificar no
trecho:

[...] você ai, sua jornalistinha de merda" continuei expelindo o


vitupério aos solavancos, ela não se mexia junto ao carro, só a
bundinha dela se esfregava na maçaneta, e sorriu a filha-da-puta, um
'há-há-há' que eu esperava e não esperava, ela procurava me
confundir [...] (NASSAR, 1978, p.44).

A discussão se intensifica entre o casal, deixando o leitor com uma sensação


sufocante, pois o riso aqui, soa como uma espécie de liberdade destrutiva, conforme
discorre Georges Minois (2003) sobre a forma de riso frágil, muito próximo da tristeza
e do sofrimento. Com essa mistura de dor e riso, a sociedade contemporânea cria uma
espécie de "fraternidade humorística", cujo o objetivo é tornar os sofrimentos mais
suportáveis. Para o historiador, são “as desgraças do século que estimulam o
desenvolvimento do humor, como um antídoto ou um anticorpo diante das agressões da
doença” (MINOIS, 2003, p. 558).

Já a ironia, uma espécie de "estratégia discursiva", nos diz Hutcheon (1991),


transita entre o dito e o não-dito, declarado e não-declarado, pois faz uso de diferentes
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tipos de linguagem, assim devido à diversas possibilidades de interpretação, a ironia


concentra-se em si a ação de modificar o sentido de uma ação pronunciada.

[...] eu batia no peito e já subia no grito, mas um "ó! honorável


mestre!..." ela disse e foi um zá-trás sua língua peçonhenta saindo e se
recolhendo, era só de ver como trabalhava aquela peça bem azeitada, e
ouvindo o que ela disse eu tremi, não propriamente pela ironia, vazada
de resto na técnica primária do sumo apologético, era antes pela
obsessiva teima em me castrar, me chamando de "mestre" [...]
(NASSAR, 1978, p.44-45).

Minois (2003) aponta que o uso da ironia no humor o torna superficial sem
engajamento, isso porque o “ironista sempre pisa em falso, porque nunca adere
completamente ao presente. Ele toca de leve os problemas, jamais se engaja a fundo,
não corre o risco de desencanto, pois nunca toma como seu valor nenhum” (2003, p.
570), para o autor, o recurso mais utilizado pelo humor contemporâneo é a ironia que
está "próxima da consciência do nada" (2003, 567).

Na novela, o enredo trata, de um cenário líquido da vida moderna em que o casal


é movido por amor e paixão sem rumo, mostrando como a fragilidade dos laços
humanos podem desintegrar todas as relações consideradas como sólidas. Assim, a
desarmonia parece ser um aspecto recorrente na literatura contemporânea, com
personagens que não conseguem resolver os problemas, mas sim, rir deles com um tom
de denúncia e renúncia, para não chorar, ou apenas combater suas próprias tragédias.

[...] já foi o tempo em que reconhecia a existência escandalosa de


imaginados valores, coluna vertebral de toda 'ordem'; mas não tive
sequer o sopro necessário, e, negado o respiro, me foi imposto o
sufoco; é esta consciência que me libera, é ela hoje que me empurra,
são outras agora minhas preocupações, é hoje outro o meu universo de
problemas; [...] (NASSAR, 1978, p.54)

O personagem masculino da novela tem consciência de sua condição, sabe que


vive num mundo "estapafúrdio - fora de foco" (p.54), assim, ao retomarmos Bakhtin
sobre o homem, como personagem do gênero romanesco, apresenta-se como um ser
ideológico, um sujeito interior, subjetivo, pois torna-se "objeto de experiência e de
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representação" (1988, p.426), por isso esse homem é visto por si e pelos olhos dos
outros, não salvo do olhar cômico. Assim em conformidade com o que diz Minois
(2003) que:

O novo modelo humano, o herói pós-moderno, é "hiperatuante",


permanecendo emocionalmente distante; ele cumpre suas façanhas
como num jogo. O espaço crescente da imagem da síntese acentua
ainda o aspecto puramente lúdico do espetáculo (p.620).

A literatura carnavalizada reúne características de liberdade e oposição,


marcadas através do vocabulário e de múltiplas vozes no texto, nesse sentido, a
presença do o riso volta-se contra a ordem, o que é supremo exigindo mudanças de
poderes e de verdades, sendo profundamente universal diante de uma concepção de
mundo. Esse estado de carnavalização surge em Um copo de cólera (1978) quando o
narrador homem, para ironizar a mulher, faz referência ao carnaval engajado pelas
ideias de liberação individual.

[...] você me faz pensar no homem que se veste de mulher no


carnaval: o sujeito usa enormes conchas de borracha à guisa de seios,
desenha duas rodelas de carmim nas faces, riscos pesados de carvão
no lugar das pestanas, avoluma ainda com almofadas as bochechas
das nádegas, e sai depois por ai com requebros de cadeira [...] isso me
leva apensar que dogmatismo, caricatura e deboche são coisas que
muitas vezes andam juntas, e que os privilegiados como você,
fantasiados de povo, me parecem em geral como travesti de carnaval
[...] (NASSAR, 1978, p.50).

Um Copo de Cólera (1978) mesmo não sendo uma obra que adote os estilos
estéticos e narrativos vigente da época anos 70, em que rege uma literatura de caráter
jornalístico e com finalidade informativa, é possível a partir de um olhar diferenciado
para obra, identificarmos uma metáfora irônica utilizada com os protagonistas para
assim representar o regime político da época, isso é possível se compararmos o homem
representando a ditadura militar com sua postura autoritária e irredutível. A mulher por
sua vez representaria o povo brasileiro com sua postura desafiadora, estaria
representando uma reação visível, de um povo sofrido e cansado que começa a reagir
contra o regime ditatorial estabelecido no país. Assim sendo, fica plausível fazermos
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uma analogia entre os protagonistas da novela com o regime político vigorante da


época.

[...] todo cidadão tem o direito, claro, de meter duas rodelas de


carmim nas faces, de arredondar a ponta do nariz numa bola vermelha,
de pendurar no braço um pau grosso e torto de bengala, e de ajustar
um chapéu-pituca, alto e pontudo, sobre a nuca, e, feito isso, sair em
praça pública fazendo graça... há-há-há... há-há-há... (NASSAR, 1978,
p.51).

Conforme Bakhtin, “a linguagem familiar da praça pública caracteriza-se pelo


uso frequente de grosserias, ou seja, de palavras injuriosas, às vezes bastante longas e
complicadas” (2008, p.15). Tal assertiva é possível de ser entendida nesse trecho em que
o personagem homem menciona a praça, local característico da carnavalização, pois
nela ocorre a mistura de estilos e pessoas com suas mais variadas formas de comunicar-
se.

Nesse sentido, é possível ressaltar que o humor irônico absorvido pela paródia,
chega com um tom de crítica ao passado e também ao presente, inferidos pelo
referencial histórico do qual se apropria. Sendo assim, a metáfora utilizada por Nassar,
no plano da linguagem, pode ser considerada uma paródia desse momento histórico
político.

A novela, em seus intensos diálogos, marca o uso do riso como disfarce, ou seja,
um riso causado pela ironia sempre bem calculada, intelectualizada e refletida. Na trama
a estreita relação do casal é a derrocada de suas fragilidades, angustias, mágoas, pois:
“O mundo deve rir para camuflar a perda de sentido. Ele não sabe para onde caminha,
mas vai rindo. Ri para agarrar-se a alguma continência” (MINOIS 2003, p. 554). Assim,
os personagens ao rirem um do outro, diante de um problema, mesmo sendo algo banal
do cotidiano, vão expondo o fato de que rir de uma situação dá ao homem a impressão
de tê-la dominado.

sem acesso à razão, ele agora se ressuscita ridiculamente como


Lúcifer... há-há-há... som e fúria... há-há-há... você não passa, isto sim,
é de um subproduto de paixões obscuras, e toda essa algaravia,
obsessivamente desfiada, só serve por sinal pra confirmar velhas
suspeitas [...] além, claro, do susto que te provoco como mulher que
atua... e quanto a esse teu arrogante 'exílio' contemplativo, a coisa
agora fica clara: enxotado pela consciência coletiva, que jamais tolera
o fraco, você só tinha que morar no mato; (NASSAR, 1978, p.63)
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Nas palavras da mulher, após intensa discussão seguidas de gargalhadas, é


possível perceber o tom irônico e disputado de uma relação que beira o abismo e que se
mantém por aparências, pois é através do riso dos personagens que fica evidente a raiva
de um pelo outro, em que, qualquer motivo é estopim para que verdades sejam ditas, e
com a maior carga irônica possível.

O riso parece mesmo ter se modificado ao longo do tempo, pois em um outro


momento, o homem ria como uma "verdadeira tempestade" acompanhado de
gesticulações, e ao compararmos ao riso moderno não passa de um "esboço de
hilaridade", perdeu-se a seriedade. Nesse sentido, o riso

parece estar por toda parte, mas não é mais que uma máscara. O
virtual mistura-se ao real, e este só é considerado como um cenário.
Nada é verdadeiramente sério nem verdadeiramente cômico. O riso
voluntário dosado e calculado, substitui, cada vez mais, o riso
espontâneo e livre porque é preciso representar bem a comédia. [...]
Mas o verdadeiro riso refugia-se no interior de cada um; torna-se um
fenômeno de consciência que só alguns privilegiados possuem e ao
qual se dá o nome muito desonrado "humor" (MINOIS, 2003, p.627).

Em Um copo de cólera (1978), assim como em tantas ficções contemporâneas,


fica perceptível essa falta de seriedade no riso, cuja função tem sido utilizada para
proteger-se contra a infelicidade, um espécie de mecanismo de defesa da vida cotidiana.

Considerações finais

Em Um copo de cólera (1978) há um esvaziamento expressivo dos personagens


marcado nos diálogos, pois todo agressão verbal é seguida de risos irônicos, na qual se
trava uma disputa pela razão, por quem é melhor que o outro. Assim, fica evidente que,
o que se apresenta na ficção contemporânea é uma espécie de mundo "raso", no qual a
sociedade parece estar cada vez mais "humorística", pois se ri de tudo, porém esse riso,
na maioria da vezes, é solitário, agressivo, irônico, sarcástico, ríspido.

O que se vê na contemporaneidade é uma certa indiferença e desmotivação, cuja


a "ascensão do vazio existencial e a extinção progressiva do riso são fenômenos
paralelos: por toda parte é a mesma desvitalização que aparece, a mesma erradicação
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das pulsões espontâneas, a mesma neutralização da emoções" [...] (MINOIS, 2003,


p.626), assim a capacidade de rir parece estar se atrofiando.

O riso, não mais natural, se distancia da familiarização cômica do mundo e do


homem, pois vai se findando numa "realidade atual, inacabada e fluida" (BAKHTIN,
1988, P.427). Na obra de Nassar, através de uma poesia bruta, na profusão de
sentimentos íntimos que se forma a prosa livre recheada de comiserações tensa e
contundente, vai revelando em cada frase a energia concentrada de um encontro
amoroso que degenera em risos furiosos.

Referências
BAKHTIN, Mikhail. Epos e romance. Questões de literatura e de estética: a teoria do
romance. Tradução de Aurora Bernardini et al. 4. ed. São Paulo: Editora UNESP, 1988.
BAKHTIN, Mikhail. Introdução. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento:
o contexto de François Rebelais. 6. ed. Tradução de Yara Frateschi Vieira. São
Paulo/Brasília: Hucitec/Editora Universidade de Brasília, 2008.
BAKHTIN, Mikhail. Rabelais e a história do riso. A cultura popular na Idade Média e
no Renascimento: o contexto de François Rabelais. 6. ed. Tradução de Yara Frateschi
Vieira. São Paulo/Brasília: Hucitec/Editora Universidade de Brasília, 2008.

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PELLEGRINI, Tânia. Despropósitos: estudos de ficção brasileira contemporânea. São


Paulo: Annablume; Fapesp, 2008.

RESENDE, Beatriz. Contemporâneos: expressões da literatura brasileira no século


XXI. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2008.
SCHØLLHAMMER. Karl Erik. Ficção brasileira contemporânea. 2 ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2011.

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