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CAPÍTULO

1
Neuroanatomia

Vinícius de Meldau Benites / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Maria Aparecida Ferraz /
Cristina Gonçalves Massant / Mauro Augusto de Oliveira

A substância branca é dividida em:


1. Medula - Funículo anterior: entre a fissura mediana anterior e o
sulco lateral anterior;
A - Conceito - Funículo lateral: entre o sulco lateral anterior e o sulco
A medula faz parte do Sistema Nervoso Central (SNC) seg- lateral posterior;
mentar e inicia-se cranialmente no seu limite com o bulbo, - Funículo posterior: entre o sulco lateral posterior e o
sendo um plano horizontal que passa, medialmente, acima sulco mediano posterior.
do filamento radicular mais superior do 1º nervo cervical, ao
nível do forame magno. O limite caudal é variável com a ida-
de, situando-se aproximadamente ao nível da borda inferior
de L1, no adulto, podendo alcançar L2, principalmente em
indivíduos da raça negra, e L3 no recém-nascido.

B - Anatomia macroscópica
A medula possui a forma cilíndrica, sendo achatada no
sentido anteroposterior. Seu calibre é irregular, visto que
apresenta as intumescências cervical e lombar, as quais cor-
respondem às áreas de conexão entre a medula e os plexos
braquial e lombossacral, respectivamente. Além disso, ter-
mina afilando-se para formar o cone medular, que continua
com o filamento terminal, ambos revestidos pela pia-máter. Figura 1 - Corte transversal da medula espinal (esquemático)
Superficialmente, a medula apresenta os seguintes sul-
cos longitudinais:
C - Segmentos medulares
- Sulco mediano posterior;
- Fissura mediana anterior; Nos sulcos lateral anterior e lateral posterior, fazem co-
- Sulco lateral anterior; nexão os filamentos radiculares que se unem para formar,
- Sulco lateral posterior; respectivamente, as raízes ventral e dorsal dos nervos espi-
nais. Essas raízes se unem distalmente ao gânglio espinal,
- Sulco intermédio posterior.
localizado na raiz dorsal, para formar os nervos espinais.
Esse último existe apenas na medula cervical e situa-se Existem 31 pares de nervos espinais distribuídos em:
entre os sulcos mediano posterior e lateral posterior; ele - 8 cervicais;
penetra o funículo posterior para formar o septo intermé- - 12 torácicos;
dio posterior. - 5 lombares;
Ao corte transversal é possível identificar a substância - 5 sacrais;
cinzenta, internamente, e a substância branca, externa- - 1 coccígeo.
mente. A substância cinzenta tem a forma de um H e possui
as colunas ou cornos anterior, posterior e lateral, sendo que O 1º par cervical emerge entre o crânio e a 1ª vértebra
este só aparece na medula torácica. No centro da substân- cervical; já o 8º par cervical emerge abaixo da 7ª vértebra; o
cia cinzenta encontra-se o canal central da medula (Figura mesmo acontece com os outros nervos espinais que emer-
1), resquício da luz do tubo neural. gem abaixo da vértebra correspondente (Figura 2).

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NEURO LOG I A

2. Meninges espinais
Assim como o encéfalo, a medula também se encontra
envolvida pelas meninges, que são: dura-máter ou paqui-
meninge, aracnoide e pia-máter, que constituem a lepto-
meninge (Figura 3).
A meninge mais externa é a dura-máter, a qual é mais re-
sistente e espessa, sendo rica em fibras colágenas. Continua
cranialmente com o folheto interno da dura-máter craniana
e termina inferiormente em fundo de saco no nível da vér-
tebra S2. Forma o epineuro das raízes dos nervos espinais.
A aracnoide localiza-se entre a dura-máter e a pia-máter.
Está justaposta à dura-máter, formando um espaço virtual e
une-se à pia-máter pelas trabéculas aracnoides, sendo que
entre ambas está contido o líquido cerebrospinal (LCE) ou
liquor.
A pia-máter é mais interna e adere intimamente à medu-
la, penetrando, inclusive, nos seus sulcos e fissuras. Termina
caudalmente no filamento terminal, o qual perfura o fundo
do saco dural, recebendo algumas fibras da dura-máter. A
partir daí passa a ser chamado de filamento da dura-máter
espinal e, ao inserir-se no periósteo da superfície dorsal do
cóccix, constitui o ligamento coccígeo. A pia-máter emite de
cada lado da medula o ligamento denticulado que se dispõe
em um plano frontal ao longo de toda a medula. A margem
medial desse ligamento parte da face lateral da medula,
dispondo-se entre as raízes dorsais e ventrais. A margem
lateral apresenta cerca de 21 processos triangulares, que se
inserem na aracnoide e na dura-máter em pontes alternan-
tes com a emergência dos nervos espinais.
Entre a dura-máter e o periósteo do canal vertebral está
Figura 2 - Nervos espinais o espaço epidural ou extradural, o qual contém tecido adi-
poso e o plexo venoso vertebral interno. O espaço subdural
é virtual e está entre a dura-máter e a aracnoide. Já o espa-
D - Topografia vertebromedular
ço subaracnóideo ocorre entre a aracnoide e a pia-máter, e
O crescimento da medula e da coluna vertebral ocorre contém o liquor.
no mesmo ritmo até o 4º mês de vida intrauterina. Nesse
estágio, os nervos emergem da medula e penetram nos res-
pectivos forames intervertebrais, formando um ângulo de
90°. A partir daí, a coluna passa a crescer mais rapidamente
que a medula, causando um alongamento das raízes e di-
minuição do ângulo que elas fazem com a mesma. Dessa
forma, no indivíduo adulto, a medula termina no nível da
borda inferior da 1ª vértebra lombar e, abaixo dela, tem-se
a cauda equina, a qual é composta apenas de raízes nervo-
sas e filamento terminal.
Assim, para que sejam realizados diagnóstico, prognós-
tico e tratamento de lesões vertebromedulares, deve-se
saber a seguinte regra: entre as vértebras C2 e T10, adi-
ciona-se 2 ao número do processo espinhoso da vértebra
e tem-se o número do segmento medular subjacente. Aos
processos espinhosos das vértebras T11 e T12, correspon-
dem os 5 segmentos lombares e o processo espinhoso de
L1 corresponde aos 5 segmentos sacrais. Figura 3 - Meninges espinais

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N E U R O A N AT O M I A

3. Tronco encefálico tratos, fascículos ou leminiscos de substância branca. O


tronco encefálico participa do SNC segmentar e nele fazem
A - Conceito conexão 10, dos 12 pares de nervos cranianos. Pode ser
O tronco encefálico localiza-se entre a medula e o dien- dividido em bulbo (inferiormente), mesencéfalo (superior-
céfalo, ventralmente ao cerebelo. Sua estrutura interna mente) e ponte (entre ambos). A seguir, temos o estudo de
contém núcleos de substância cinzenta entremeados por cada parte separadamente.

NEUROLOGIA
Figura 4 - Corte sagital através do encéfalo

B - Divisões ponde ao núcleo olivar inferior. Do sulco lateral anterior,


emergem os filamentos radiculares do nervo hipoglosso
a) Bulbo (XII). Do sulco lateral posterior emergem os filamentos radi-
O bulbo ou medula oblonga continua-se inferiormente culares dos nervos glossofaríngeo (IX) e vago (X), além das
fibras craniais do nervo acessório (XI) que irá se unir com a
como medula espinal, separando-se desta por um plano
raiz espinhal que tem origem na medula (Figura 5).
horizontal imaginário que é traçado acima do filamento ra-
A metade caudal, ou porção fechada do bulbo, é percor-
dicular mais cranial do 1º nervo cervical, no nível do forame
rida por um canal contínuo com o canal central da medu-
magno.
la. Esse canal abre-se para formar parte do assoalho do IV
Superiormente separa-se da ponte pelo sulco bulbo- ventrículo, ou porção aberta do bulbo; dessa forma, o sulco
pontino (Figura 5). A superfície do bulbo é percorrida por mediano posterior termina à meia altura do bulbo (Figura
sulcos longitudinais, que são contínuos com os da medula, 6). Entre esse sulco e o sulco lateral posterior, localiza-se
e estruturais, que correspondem a núcleos e agrupamentos o fascículo grácil e o fascículo cuneiforme, separados pelo
de fibras nervosas. A fissura mediana anterior termina no sulco intermédio posterior. Esses fascículos são formados
forame cego e, de cada lado, aparecem as pirâmides bulba- por fibras ascendentes que terminam em 2 eminências: o
res, que correspondem ao trato corticospinal piramidal. Na tubérculo do núcleo grácil, medialmente, e o tubérculo do
parte inferior do bulbo, a maioria das fibras desse trato se núcleo cuneiforme, lateralmente (Figura 6). Em virtude do
cruza e forma a decussação das pirâmides. Entre os sulcos aparecimento do IV ventrículo, os tubérculos dos núcleos
lateral anterior e posterior, localiza-se a oliva, que corres- grácil e cuneiforme separam-se dos correspondentes con-

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NEURO LOG I A

tralaterais e continuam para cima, para formar o pedúnculo cerebelar inferior ou corpo restiforme, que se flete dorsalmente
para penetrar no cerebelo (Figura 6).

Figura 5 - Vista frontal do bulbo, ponte e mesencéfalo

Figura 6 - Vista dorsal do bulbo, ponte e mesencéfalo

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N E U R O A N AT O M I A

b) Ponte - IV ventrículo
Localiza-se entre o bulbo e o mesencéfalo, anteriormente É constituinte do sistema de drenagem liquórica ven-
ao cerebelo, e repousa sobre a porção basilar do osso occi- tricular, sendo delimitado anteriormente pelo bulbo e pela
pital e o dorso da sela túrcica do esfenoide. Sua base possui ponte e, posteriormente, pelo cerebelo. Continua inferior-
um sulco longitudinal, que geralmente aloja a artéria basilar,
mente com o canal central do bulbo e, superiormente, com
sendo assim chamado de sulco basilar; além disso, é estriada
o aqueduto cerebral, também chamado de aqueduto me-
devido aos numerosos feixes de fibras transversais, os quais
sencefálico ou de Sylvius, por meio do qual o IV ventrículo
convergem de cada lado para formar o pedúnculo cerebelar
médio ou braço da ponte, que penetra no hemisfério cerebe- comunica-se com o III ventrículo. A cavidade do IV ventrícu-
lar correspondente. Considera-se o limite entre ponte e bra- lo se prolonga de cada lado para formar os recessos laterais,
ço da ponte à emergência do nervo trigêmeo (V) (Figura 5). localizados na superfície dorsal do pedúnculo cerebelar in-
Anteriormente, separa-se do bulbo pelo sulco bulbo- ferior, os quais terminam nos forames de Luschka (abertu-
pontino, onde emergem, a partir da linha mediana, o VI ras laterais do IV ventrículo). Medialmente, existe o forame
(abducente), VII (facial) e VIII (vestibulococlear) nervos cra- de Magendie (abertura mediana do IV ventrículo), localiza-
nianos (Figura 5). Essa região é denominada ângulo ponto- do no meio da metade inferior do ventrículo. Através des-

NEUROLOGIA
-cerebelar. A parte dorsal da ponte contribui para a forma- ses forames, o liquor passa da cavidade ventricular para o
ção do assoalho do IV ventrículo. espaço subaracnóideo.

Figura 7 - Ventrículos do encéfalo, vista anterior e lateral

O assoalho do IV ventrículo, ou fossa romboide, forma- se perder no sulco mediano, existem finos feixes nervosos,
do pela parte dorsal da ponte e porção aberta do bulbo, denominados estrias medulares. Acima da fóvea superior e
limita-se inferolateralmente pelos pedúnculos cerebelares ao lado da eminência medial, encontra-se o lócus ceruleus,
inferiores e pelos tubérculos do núcleo grácil e do núcleo que se relaciona ao mecanismo do sono.
cuneiforme. Superolateralmente, limita-se pelos pedúncu- O teto do IV ventrículo é constituído na sua metade
los cerebelares superiores. O assoalho é percorrido pelo superior pelo véu medular superior, que é uma lâmina de
sulco mediano e, de cada lado desse sulco, é possível ver substância branca, localizado entre os 2 pedúnculos cere-
a eminência medial, limitada lateralmente pelo sulco limi- belares superiores. A metade inferior é formada pelo nó-
tante. De cada lado, o sulco se alarga para constituir a fóvea dulo do cerebelo e véu medular inferior, sendo uma lâmina
superior e a fóvea inferior. Medialmente à fóvea superior, de substância branca que parte lateralmente ao nódulo do
a eminência medial dilata-se para formar o colículo facial cerebelo. Uma estrutura chamada de tela coroide une as 2
que corresponde às fibras do nervo facial, contornando o formações anteriores às bordas da metade caudal do asso-
núcleo do abducente. Inferiormente à eminência medial, alho do IV ventrículo.
observa-se o trígono do nervo hipoglosso (XII) e do nervo
vago (X), respectivamente. Lateralmente ao sulco limitante, c) Mesencéfalo
em direção aos recessos laterais, existe a área vestibular, Localiza-se entre a ponte e o diencéfalo, do qual é sepa-
correspondendo aos núcleos vestibulares do nervo vestibu- rado por um plano que liga os corpos mamilares à comissu-
lococlear (VIII). Cruzando transversalmente o assoalho, para ra posterior. É atravessado pelo aqueduto cerebral (Figura

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NEURO LOG I A

4), que separa o teto (posterior) do pedúnculo cerebral Os pedúnculos cerebrais são 2 grandes feixes de fibras,
(anterior). Este, por sua vez, é dividido em tegmento, que que penetram profundamente no cérebro. Eles delimitam a
é dorsal e predominantemente celular, e a base do pedún- fossa interpeduncular, limitada anteriormente pelos corpos
culo, que é anterior e formada por fibras longitudinais. O mamilares (Figura 5). No fundo da fossa, existe a substância
tegmento é separado da base pela substância negra, forma- perfurada posterior que dá a passagem para vasos. A super-
da por neurônios ricos em melanina. Essa substância cor- fície do mesencéfalo possui ainda uma área escura denomi-
responde, na superfície, ao sulco lateral do mesencéfalo e nada substância negra.
ao sulco medial do pedúnculo cerebral. Desse último, parte
o nervo oculomotor (III) (Figura 5). 4. Cerebelo
O teto apresenta dorsalmente os colículos superiores e
inferiores, ou corpos quadrigêmeos, separados por 2 sul-
cos perpendiculares em forma de cruz. Na parte anterior A - Conceito
do ramo longitudinal encontra-se o corpo pineal. Abaixo de O cerebelo está alojado na fossa cerebelar do osso occi-
cada colículo inferior, emerge o nervo troclear (IV) (Figura pital, posterior ao bulbo e à ponte, participando da forma-
6), o único dos pares cranianos que emerge posteriormen- ção do teto do IV ventrículo. Está separado do lobo occipital
te. Esse nervo contorna o mesencéfalo e surge entre a pon- do cérebro pelo tentório ou tenda do cerebelo. Liga-se à
te e o mesencéfalo. Os corpos quadrigêmeos ligam-se a medula e ao bulbo pelo pedúnculo cerebelar inferior, à pon-
estruturas diencefálicas: o colículo inferior se liga ao corpo te pelo pedúnculo cerebelar médio e ao mesencéfalo pelo
geniculado medial pelo braço do colículo inferior e participa pedúnculo cerebelar superior. É um órgão essencialmente
da via auditiva; já o colículo superior se liga ao corpo geni- relacionado às funções motoras como o equilíbrio, a coor-
culado lateral pelo braço do colículo superior e participa da denação dos movimentos e o tônus muscular.
via óptica.
B - Anatomia macroscópica
O cerebelo (Figura 8) possui 2 estruturas distintas: o vérmis, que é mediano, e os hemisférios cerebelares, que são 2
massas volumosas que se ligam ao vérmis. Na região superior, o vérmis é pouco separado dos hemisférios, mas na região
inferior existem 2 sulcos bem evidentes.

Figura 8 - Cerebelo

A superfície cerebelar é percorrida por sulcos e fissuras que delimitam as folhas cerebelares e os lóbulos, respectiva-
mente.

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N E U R O A N AT O M I A

Ao corte sagital, observa-se que o cerebelo é consti- Observam-se 4 recessos com localizações óbvias na cavida-
tuído por um centro de substância branca, o corpo medular de ventricular: recesso do infundíbulo, recesso óptico, re-
do cerebelo, de onde irradiam as lâminas brancas do cere- cesso suprapineal e recesso pineal (Figura 7).
belo, revestidas pelo córtex cerebelar. No interior do corpo
medular, é possível ver 4 pares de núcleos de substância B - Estruturas
cinzenta: denteado, emboliforme, globoso e fastigial.
Do ponto de vista funcional, destaca-se a divisão filo-
genética do cerebelo, a qual divide o órgão em 3 partes:
arquicerebelo, paleocerebelo e neocerebelo.
O arquicerebelo relaciona-se a funções bastante primá-
rias, como o equilíbrio. Como tem conexões vestibulares,
também é denominado cerebelo vestibular e corresponde
ao lobo floculonodular. O paleocerebelo, predominante-
mente vermiano, relaciona-se a funções controladoras do
tônus muscular. Como faz conexões com a medula, tam-

NEUROLOGIA
bém é chamado de cerebelo espinal e corresponde ao lobo
anterior, à pirâmide e à úvula. O neocerebelo, cuja maior
parte localiza-se nos hemisférios cerebelares, relaciona-se
a funções mais elaboradas, como a coordenação para movi-
mentos delicados e assimétricos. Como faz conexões com o
córtex cerebral, também é chamado de cerebelo cortical e
corresponde ao resto do lobo posterior.
A divisão do cerebelo em lóbulos não possui importân-
cia funcional e, por isso, não será aprofundada.

5. Diencéfalo

A - Conceito Figura 9 - Cortes do telencéfalo e diencéfalo, evidenciando núcleos


O diencéfalo é único e mediano, sendo encoberto pelo da base
telencéfalo. A essas 2 estruturas, damos o nome de cére-
bro. O diencéfalo é dividido em: tálamo, hipotálamo, epi- a) Tálamo
tálamo e subtálamo, todos em relação com o III ventrículo. São 2 massas ovoides e volumosas de substância cin-
- III ventrículo zenta, unidas medialmente pela aderência intertalâmica
(ocorre na maioria dos indivíduos) e localizadas uma de
É uma cavidade mediana que se comunica inferiormen-
cada lado na região laterodorsal do diencéfalo. A extremi-
te com o IV ventrículo por intermédio do aqueduto mesen-
dade posterior apresenta o pulvinar, que recobre os corpos
cefálico e lateralmente com os ventrículos laterais através
geniculados lateral e medial. A porção laterossuperior do
dos forames interventriculares ou de Monro (Figura 7).
tálamo participa do assoalho do ventrículo lateral e é reves-
Ao corte sagital mediano podemos identificar o sulco hi-
tida por epêndima. A face lateral do tálamo é separada do
potalâmico, que liga o aqueduto mesencefálico ao forame
telencéfalo pela cápsula interna, feixe de fibras que liga o
de Monro. Esse sulco separa o tálamo superior e o hipotála-
córtex cerebral a centros nervosos subcorticais. A face infe-
mo inferior.
rior é contínua com o hipotálamo e subtálamo.
No assoalho do III ventrículo é possível identificar as es-
As principais funções talâmicas relacionam-se com as
truturas hipotalâmicas, que são quiasma óptico (anterior),
sensibilidades (exceto a olfatória). A estrutura talâmica
infundíbulo e túber cinéreo (intermediário), e corpos mami-
compreende vários núcleos, compostos fundamentalmen-
lares (posterior) (Figuras 4 e 5). te por substância cinzenta. Esses núcleos estão envolvidos
A parede posterior é formada pelo epitálamo, que está na transmissão dos impulsos sensitivos às suas respectivas
acima do sulco hipotalâmico. A partir dessa região, irra- áreas no córtex, integrando e modificando-os. Motricidade,
diam-se lateralmente as estrias medulares do tálamo, que comportamento emocional e ativação cortical são outras
são feixes de fibras nervosas em que se insere a tela coroide funções relacionadas.
que forma o teto do III ventrículo.
A parede anterior do III ventrículo é formada pela lâ- b) Hipotálamo
mina terminal, que é uma fina lâmina de tecido nervoso Localiza-se abaixo do tálamo (Figura 4) e relaciona-se
localizado entre o quiasma óptico e a comissura anterior. com funções associadas ao controle visceral. O hipotálamo

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NEURO LOG I A

inclui estruturas localizadas nas paredes laterais do III ven- ra longitudinal do cérebro, cujo assoalho é formado pelo
trículo, além das formações da base do cérebro, que são corpo caloso (principal estrutura de união entre os 2 he-
(Figura 5): misférios) e pela lâmina terminal e comissura anterior, que
- Corpos mamilares: massas arredondadas de substân- formam a parede anterior do III ventrículo.
cia cinzenta localizadas na região anterior da fossa in- Os hemisférios possuem os ventrículos laterais, que são suas
terpeduncular; cavidades, e apresentam 3 polos (frontal, occipital e temporal)
- Quiasma óptico: localiza-se na região anterior do asso- e 3 faces (superolateral, medial e inferior ou base do cérebro).
alho ventricular e integra a via óptica;
- Túber cinéreo: é mediano e localiza-se atrás do quiasma B - Sulcos e lobos
e dos tratos ópticos, entre estes, os corpos mamilares; A superfície cerebral (Figura 10) apresenta os giros ou
- Infundíbulo: fina trave nervosa que liga a hipófise ao circunvoluções cerebrais que existem para aumentar a su-
túber cinéreo; aloja-se na região da sela túrcica na perfície cortical. Esses giros, nem sempre constantes, são
base do crânio. delimitados por sulcos. Os mais importantes são:
- Sulco lateral ou de Sylvius: inicia-se lateralmente à subs-
c) Epitálamo tância perfurada anterior, na face inferior, separando o
Está situado na região posterior do III ventrículo, acima lobo frontal do lobo temporal, e segue superiormente
do sulco hipotalâmico, na transição com o mesencéfalo. pela face superolateral, em que termina dividindo-se
A estrutura mais evidente é a glândula pineal ou epífise em 3 ramos: anterior, posterior e ascendente;
(Figura 6), que é única e mediana, e pode encontrar-se cal- - Sulco central ou de Rolando: inicia-se na face medial do
cificada nos indivíduos mais velhos. A base da pineal pren- hemisfério e segue superiormente até atingir a face su-
de-se à comissura posterior, inferiormente, e comissura das perolateral, por onde desce obliquamente em direção
habênulas, superiormente. A comissura posterior é o limite ao ramo posterior do sulco lateral, do qual é separada
entre o mesencéfalo e o diencéfalo. A comissura das habê- por uma pequena prega cortical. Esse sulco separa o
nulas está entre os trígonos das habênulas que, por sua vez, lobo frontal do parietal e é margeado pelo giro pré-cen-
estão entre a pineal e o tálamo. tral (anterior) e pelo giro pós-central (posterior).
d) Subtálamo
Os sulcos cerebrais determinam lobos, que são: frontal,
É a zona de transição entre o diencéfalo e o tegmento do temporal, parietal, occipital e o lobo da ínsula que se situa
mesencéfalo. Localiza-se abaixo do tálamo, entre a cápsula profundamente no sulco lateral e não se relaciona a ossos
interna (lateral) (Figura 8) e o hipotálamo (medial) (Figura do crânio.
4). O elemento mais evidente é o núcleo subtalâmico. O lobo frontal localiza-se acima do sulco lateral e à fren-
te do sulco central. O lobo occipital separa-se dos lobos
6. Telencéfalo temporal e parietal por uma linha imaginária que vai do sul-
co parieto-occipital à incisura pré-occipital, ambos na face
superolateral. O lobo temporal está abaixo do sulco lateral
A - Conceito e de uma linha que é contínua com esse sulco e vai até a
O telencéfalo (Figura 4) é formado pelos 2 hemisférios metade da linha imaginária que separa o lobo occipital. O
cerebrais, que são incompletamente separados pela fissu- lobo parietal está entre os outros lobos.

Figura 10 - Vistas lateral e superior do cérebro

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N E U R O A N AT O M I A

C - Estudo das faces cerebrais - Corpo caloso: parte da comissura anterior, como ros-
tro do corpo caloso, dilata-se e passa ao joelho do
a) Face superolateral corpo caloso, segue posteriormente como tronco e
É a face que se relaciona com os ossos da calota crania- alarga-se posteriormente para formar o esplênio do
na, sendo, portanto, convexa. corpo caloso. Abaixo do rostro do corpo caloso e à
O lobo frontal apresenta 3 sulcos: frente da comissura anterior e da lâmina terminal está
- Sulco pré-central: paralelo ao sulco central; a área septal. O corpo caloso é a maior comissura in-
ter-hemisférica formada por fibras mielínicas, que co-
- Sulco frontal superior: parte, perpendicularmente, da municam áreas simétricas do córtex cerebral de cada
porção superior do sulco pré-central;
hemisfério;
- Sulco frontal inferior: parte, perpendicularmente, da - Fórnice: surge abaixo do esplênio do corpo caloso e se-
porção inferior do sulco pré-central.
gue em direção à comissura anterior. Não é totalmen-
Entre os sulcos central e pré-central, tem-se o giro pré- te visível ao corte sagital, pois se trata de um feixe de
-central que é a área motora primária. Acima do sulco fron- fibras distribuído em 2 metades laterais, que se unem
tal superior, tem-se o giro frontal superior. Entre os sulcos medianamente para formar o corpo do fórnice. As
frontal superior e inferior tem-se o giro frontal médio e,

NEUROLOGIA
extremidades que se estendem até o corpo mamilar,
abaixo do sulco frontal inferior, está o giro frontal inferior, cruzando a parede lateral do III ventrículo, são as co-
que é dividido pelos ramos anterior e ascendente do sulco lunas do fórnice; já as extremidades que seguem para
lateral em: porção orbital, que está abaixo do ramo ante- o corno inferior do ventrículo lateral para se ligar ao
rior; porção triangular, entre os 2 ramos; e porção opercu- hipocampo são chamadas de pernas do fórnice. Na re-
lar, entre o ramo ascendente e o sulco pré-central. O giro gião em que as pernas do fórnice se separam, algumas
frontal inferior do hemisfério esquerdo é chamado também fibras passam de um lado ao outro, sendo denomina-
de giro de Broca, sendo o centro cortical da palavra falada. do comissura do fórnice;
O lobo temporal apresenta 2 sulcos principais: - Septo pelúcido: situa-se entre o corpo caloso e o fór-
- Sulco temporal superior: corre paralelo ao ramo pos- nice, sendo formado por 2 lâminas delgadas de tecido
terior do sulco lateral, terminando no lobo parietal; nervoso, que delimitam a cavidade do septo pelúcido.
- Sulco temporal inferior: é paralelo ao sulco temporal
superior, mas nem sempre é contínuo. O lobo occipital apresenta 2 sulcos principais:
- Sulco calcarino: inicia-se abaixo da glândula pineal e
Entre esses sulcos, tem-se o giro temporal médio; abai- segue num trajeto arqueado em direção ao polo occi-
xo, o giro temporal inferior, que se limita com o sulco occipi- pital. Nos lábios do sulco calcarino está o centro corti-
totemporal, localizado na face inferior do cérebro; e acima, cal da visão;
o giro temporal superior, que forma a parte interna do sulco - Sulco parieto-occipital: surge no 1/3 proximal do sul-
lateral, sendo que na sua porção posterior é atravessado co calcarino e segue superiormente, separando o lobo
pelos giros temporais transversos, dos quais o anterior é o occipital do parietal.
centro cortical da audição (giro de Heschl).
Entre esses sulcos está o cúneo, que tem forma triangu-
O lobo parietal apresenta 2 sulcos principais:
lar e abaixo do sulco calcarino situa-se o giro occipitotem-
- Sulco pós-central: paralelo ao sulco central; poral medial que continua anteriormente com o giro para-
- Sulco intraparietal: é variável e perpendicular ao sulco -hipocampal no lobo temporal.
pós-central. Os lobos frontal e parietal apresentam 2 sulcos que pas-
Entre os sulcos central e pós-central está o giro pós-cen- sam de um lobo ao outro:
tral, que é a área sensitiva primária. O sulco intraparietal • Sulco do corpo caloso: contorna todo o corpo ca-
separa o lóbulo parietal superior do inferior. Nesse último, loso e continua-se posteriormente com o sulco do
visualizamos o giro supramarginal, que se curva na extre- hipocampo;
midade do ramo posterior do sulco lateral e o giro angular, • Sulco do cíngulo: é paralelo ao sulco do corpo calo-
que se curva em torno do sulco temporal superior. so, do qual é separado pelo giro do cíngulo.
O lobo occipital é pequeno nessa face e apresenta gi-
ros variáveis. Já o lobo da ínsula localiza-se profundamente Termina posteriormente, dividindo-se em ramo margi-
ao sulco lateral, sendo cônico com o ápice voltado inferior- nal, que segue superiormente, e ramo subparietal, que vai
mente. em direção ao sulco do cíngulo. Do sulco do cíngulo parte,
quase sempre, o sulco paracentral.
b) Face medial Entre o sulco paracentral, o sulco do cíngulo e seu ramo
É mais bem vista ao corte sagital mediano (Figura 4) e posterior está o lóbulo paracentral, que é onde termina o
apresenta, além dos giros, algumas formações telencefáli- sulco central. Entre os ramos marginal e subparietal do sul-
cas inter-hemisféricas, descritas a seguir: co do cíngulo e o sulco parieto-occipital está o pré-cúneo.

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NEURO LOG I A

c) Face inferior
Também chamada de base do cérebro (Figura 11), pode
ser dividida em 2 partes: a do lobo frontal, que repousa so-
bre a fossa anterior do crânio e a outra, muito maior, que
pertence quase toda ao lobo temporal e repousa sobre a
fossa média e a tenda do cerebelo.
O lobo temporal apresenta 3 sulcos principais:
- Sulco occipitotemporal: cone no sentido anteroposte-
rior na borda lateral do cérebro;
- Sulco colateral: inicia-se próximo ao lobo occipital e
segue anteriormente, podendo ser contínuo com o
sulco rinal, que separa a região mais anterior do giro
para-hipocampal do resto do lobo temporal;
- Sulco do hipocampo: origina-se na região do esplênio
do corpo caloso, sendo contínuo com o sulco do corpo
caloso. Figura 12 - Sistema límbico

No lobo frontal, o único sulco importante é o sulco olfa-


tório, que tem direção anteroposterior. Medialmente a ele,
há o giro reto e o resto da face é preenchida pelos sulcos e
giros orbitários. Alojados no sulco olfatório, estão o bulbo
olfatório, que é uma dilatação ovoide de substância cinzen-
ta, e o trato olfatório, que é contínuo ao bulbo olfatório, o
qual recebe filamentos que formam o nervo olfatório (I).
Esses filamentos atravessam a lâmina crivosa do etmoide
e formam o trato olfatório. Esse trato bifurca-se posterior-
mente, formando as estrias olfatórias medial e lateral que
delimitam o trígono olfatório. Entre o trígono e o trato óp-
tico (posterior) está a substância perfurada anterior, que dá
passagem a inúmeros vasos.

D - Estudo dos ventrículos laterais


Os ventrículos laterais esquerdo e direito (Figura 7) são
as cavidades dos hemisférios cerebrais revestidas por epên-
dima e que contêm o líquido cerebrospinal. Comunicam-se
com o III ventrículo pelo respectivo forame interventricular
ou de Monro, possuem 1 parte central e 3 cornos que se
projetam nos lobos frontal, occipital e temporal, denomi-
nados respectivamente de cornos anterior, posterior e in-
Figura 11 - Base do cérebro ferior.
Lateralmente ao sulco occipitotemporal, formando a a) Paredes ventriculares
borda do hemisfério, está o giro temporal inferior. Entre os O corno anterior situa-se à frente do forame de Monro.
sulcos occipitotemporal e colateral está o giro occipitotem- Sua parede medial é formada pelo septo pelúcido, que se-
poral lateral. Em meio ao sulco colateral, está o giro occi- para o corno anterior de ambos os ventrículos. O assoalho
pitotemporal medial, que é contínuo, anteriormente, com e a parede lateral são constituídos pela cabeça do núcleo
o giro para-hipocampal, cuja porção anterior curva-se em caudado; e o teto e a parede anterior são formados pelo
torno do sulco do hipocampo para formar o úncus. corpo caloso.
O giro para-hipocampal liga-se, posteriormente, ao giro A parte central estende-se do lobo parietal posterior-
do cíngulo pelo istmo do giro do cíngulo. Assim, úncus, giro mente ao forame de Monro até o esplênio do corpo caloso,
para-hipocampal, istmo do giro do cíngulo e giro do cíngulo em que a cavidade se bifurca em cornos posterior e inferior
circundam as estruturas inter-hemisféricas, sendo chama- na região chamada de trígono colateral. O teto é formado
da, por muitos, de lobo límbico, parte do sistema límbico pelo corpo caloso e a parte medial pelo septo pelúcido. O
(Figura 12), o qual se relaciona com o comportamento emo- assoalho apresenta o fórnice, plexo coroide, parte do tála-
cional e controle do sistema nervoso autônomo. mo, estria terminal, veia terminal e núcleo caudado.

10
N E U R O A N AT O M I A

O corno posterior tem sua parede formada quase que b) Centro branco medular do cérebro
exclusivamente por fibras do corpo caloso. É formado por fibras mielínicas divididas em:
O corno inferior tem seu teto formado pela substância - Fibras de projeção (Figura 13): são fibras que ligam o
branca do cérebro, e na margem medial a cauda do núcleo córtex cerebral a centros subcorticais e se dispõem em
caudado e a estria terminal. O assoalho apresenta 2 saliên- 2 feixes:
cias: a eminência colateral (formada pelo sulco colateral) e • Fórnice: liga o córtex do hipocampo ao corpo mamilar;
o hipocampo (que se liga às pernas do fórnice pela fímbria
• Cápsula interna: contém a maioria das fibras que
do hipocampo). O hipocampo se liga lateralmente ao giro
entram ou saem do córtex cerebral. Formam um
para-hipocampal pelo subiculum.
feixe compacto que separa o núcleo lentiforme (la-
b) Plexos coroides teral) do núcleo caudado e tálamo (medial).
É constituído pelo epêndima que reveste os ventrícu-
Acima do nível desses núcleos, as fibras da cápsula in-
los e a pia-máter (Figura 3). Esse plexo continua com o III
terna passam a constituir a coroa radiada. A cápsula interna
ventrículo por meio do forame de Monro e atinge o corno
possui uma perna anterior (entre o núcleo lentiforme e a
inferior por sobre o fórnice e a fímbria. Os cornos anterior e
cabeça do núcleo caudado), uma perna posterior (entre o
posterior não possuem plexos coroides.

NEUROLOGIA
tálamo e o núcleo lentiforme), e o joelho da cápsula interna
E - Organização interna dos hemisférios cerebrais que une as pernas da cápsula interna.
- Fibras de associação: são fibras que unem áreas corti-
Apresenta uma camada superficial de substância cin- cais situadas em pontos diferentes do cérebro, e podem
zenta, chamada de córtex cerebral, que recobre o centro ser inter-hemisféricas, como a comissura do fórnice, a
branco medular do cérebro (substância branca), também comissura anterior e o corpo caloso, ou intra-hemisfé-
chamada de centro semioval, dentro do qual existem os nú- rica que se unem, na sua maioria, em fascículos como
cleos da base do cérebro. o fascículo do cíngulo, o fascículo longitudinal superior,
a) Núcleos da base o fascículo longitudinal inferior e o fascículo unciforme.
São massas de substância cinzenta, também chamadas
de gânglios da base (Figura 9). São eles:
- Núcleo caudado: é alongado e relaciona-se em toda a
sua extensão com as paredes dos ventrículos laterais,
sendo que possui uma cabeça que forma o assoalho
do corno anterior e um corpo que forma o assoalho da
parte central do ventrículo lateral. A cauda do núcleo
caudado é afilada e segue até a extremidade anterior
do corno inferior;
- Núcleo lentiforme: é arredondado e sua região anterior
funde-se com a cabeça do núcleo caudado, e não apa-
rece nas paredes ventriculares. É dividido em putâmen
(lateralmente) e globo pálido (medialmente) pela lâmi-
na medular lateral. O globo pálido é subdividido pela
lâmina medular medial em partes externa e interna;
- Claustro: é uma lâmina situada entre a cápsula extre-
ma (lateralmente), que o separa do córtex da ínsula,
e a cápsula externa (medialmente), que o separa do
núcleo lentiforme;
- Corpo amigdaloide: é esférico, situado no polo tempo- Figura 13 - Tipos de tratos de fibras
ral e relacionado com a cauda do núcleo caudado, fa-
zendo uma saliência no teto da parte terminal do corno 7. Meninges do sistema nervoso central
inferior. Faz parte do sistema límbico e é um centro re-
gulador do comportamento sexual e da agressividade;
A - Conceito
- Núcleo accumbens: localiza-se entre o putâmen e a Trata-se do envoltório do SNC, constituídas em 3 membra-
cabeça do núcleo caudado; nas: dura-máter ou paquimeninge, a aracnoide e a pia-máter, às
vezes consideradas como uma formação única, a leptomeninge.
- Núcleo basal de Meynert: localiza-se entre a substân-
cia perfurada anterior e o globo pálido, numa região a) Dura-máter
chamada de substância inominata, que contém neurô- É a meninge mais externa, resistente e inelástica, já que
nios ricos em acetilcolina. é rica em fibras colágenas, além de vasos e nervos. Essa iner-

11
NEURO LOG I A

vação rica é que confere praticamente toda a sensibilidade - Cavidades da dura-máter


intracraniana, incluindo a maioria das cefaleias, visto que o Ocorrem em áreas onde os 2 folhetos da dura-máter se
encéfalo não possui terminações nervosas. A vascularização separam. Os principais são o cavo trigeminal, que abriga
ocorre pela artéria meníngea média, ramo da artéria maxilar. o gânglio trigeminal, e os seios da dura-máter, que serão
A dura-máter do encéfalo, ao contrário da dura-máter abordados a seguir.
espinal, possui 2 folhetos (externo e interno), sendo que só
o interno é contínuo com a dura-máter espinal. O folheto
- Seios da dura-máter (Figura 14)
Trata-se de túneis venosos revestidos de endotélio,
externo é muito aderido ao crânio e funciona como um pe-
mais rígidos que as veias e onde desemboca o sangue
riósteo sem capacidade osteogênica, o que evita a forma- das veias jugulares internas. Os seios comunicam-se com
ção de um calo ósseo. as veias da superfície craniana através das veias emissá-
- Pregas da dura-máter do encéfalo rias e podem estar relacionados com a abóboda ou com
Trata-se de pregas formadas quando o folheto interno a base do crânio. Assim sendo, os seios da abóboda cra-
se destaca do folheto externo e serve para dividir a cavida- niana são:
• Seio sagital superior: percorre a inserção da foice
de craniana em compartimentos. São elas:
do cérebro e termina na confluência dos seios, o
• Foice do cérebro: septo vertical mediano, que ocu-
qual é formado pela confluência dos seios sagital
pa a comissura longitudinal do cérebro, separando
superior, reto e occipital, e início dos seios transver-
os 2 hemisférios; sos esquerdo e direito;
• Tenda do cerebelo: septo transversal que separa os • Seio sagital inferior: acompanha a margem livre da
lobos occipitais do cerebelo, ou seja, a fossa média foice do cérebro e termina no seio reto;
da fossa posterior, determinando o compartimento • Seio reto: percorre a intersecção entre a foice do
supratentorial e o infratentorial. A borda anterior cérebro e a tenda do cerebelo, sendo formada pela
livre da tenda é chamada incisura da tenda e ajus- confluência do seio sagital inferior e pela veia mag-
ta-se ao mesencéfalo, fato que é importante, pois na. Termina na confluência dos seios;
pode relacionar-se à lesão do mesencéfalo ou dos • Seio transverso: é bilateral e parte da confluência
nervos troclear (IV) e oculomotor (III); dos seios até a porção petrosa do temporal, em que
• Foice do cerebelo: pequeno septo vertical mediano passa a se chamar seio sigmoide;
partindo da tenda que separa os hemisférios cerebe- • Seio sigmoide: é a continuação do seio transverso
lares; e drena quase todo o sangue da cavidade craniana
• Diafragma da sela: pequena lâmina horizontal que para veia jugular interna;
encena a hipófise na sela túrcica e possui um orifí- • Seio occipital: percorre a inserção da foice do cere-
cio para a passagem da haste hipofisária. belo até a confluência dos seios.

Figura 14 - Seios venosos da dura-máter

12
N E U R O A N AT O M I A

Os seios venosos da base craniana são (Figura 14):


• Seio cavernoso: é uma cavidade localizada ao lado
do corpo do esfenoide e sela túrcica, que recebe
o sangue proveniente das veias oftálmicas supe-
rior e central da retina, e algumas veias cerebrais.
Comunica-se com o seio cavernoso contralateral
por meio do seio intercavernoso e é atravessado
pela artéria carótida interna e nervos abducente,
troclear, oculomotor e ramo oftálmico do trigêmeo;
• Seio esfenoparietal: percorre a face interna da asa
menor do esfenoide e vai até o seio cavernoso;
• Seio petroso superior: percorre a inserção da tenda
do cerebelo, na porção petrosa do osso temporal e
drena sangue do seio cavernoso até o seio sigmoide;

NEUROLOGIA
• Seio petroso inferior: corre entre o seio caverno-
so e o forame jugular, local onde termina drenando
Figura 15 - Cisternas subaracnóideas
para a veia jugular interna;
• Plexo basilar: ocupa a porção basilar do occipital, - Granulações aracnoides
comunicando o plexo venoso vertebral interno aos
São pequenos divertículos de aracnoide no interior dos
seios petroso inferior e cavernoso.
seios da dura-máter, principalmente do seio sagital supe-
b) Aracnoide rior, que servem para a absorção do liquor pelo sangue. No
É uma fina membrana virtualmente separada da dura- adulto, podem estar calcificadas, sendo chamadas de gra-
-máter pelo espaço subdural e distanciada da pia-máter nulações ou corpúsculo de Pacchioni (Figura 15).
pelo espaço subaracnóideo, que é preenchido pelo liquor, c) Pia-máter
além de possuir as trabéculas aracnoides que se prendem A mais interna das meninges é uma membrana delicada
à pia-máter. que adere à superfície do encéfalo e da medula, inclusive
- Cisternas subaracnóideas (Figura 15) aos sulcos, às fissuras e aos vasos que penetram no teci-
Correspondem às dilatações do espaço subaracnóideo, do nervoso a partir do espaço subaracnóideo, formando os
preenchidas por liquor, que existem quando há um maior espaços perivasculares que contêm liquor e amortecem a
distanciamento entre a aracnoide que se justapõe à dura- pulsação das artérias sobre o tecido adjacente.
-máter e à pia-máter, que adere ao encéfalo. As principais
são: B - Liquor
• Cisterna magna ou cerebelomedular: corresponde O liquor, ou líquido cerebrospinal, é um fluido cristalino
ao espaço entre a face inferior do cerebelo e a face que ocupa as cavidades ventriculares e o espaço subarac-
dorsal do bulbo. É considerada a maior cisterna. nóideo. Tem a função de proteção mecânica contra cho-
Comunica-se com o IV ventrículo por intermédio do ques, ou seja, amortecimento, além de reduzir o peso do
forame de Magendie. É utilizada para a punção li- encéfalo que está submerso nesse líquido.
quórica suboccipital; O liquor normal do adulto é cristalino, apresenta de 0 a
4 leucócitos/mm3, menor quantidade de proteínas que no
• Cisterna pontina: localizada anteriormente à ponte; sangue e pressão de 5 a 20cmH2O, obtida na região lom-
• Cisterna quiasmática: localizada à frente do quias- bar com o paciente em decúbito lateral. Seu volume total
ma óptico; varia de 100 a 150cm3 e sua taxa de renovação é cerca de
30mL/h.
• Cisterna interpeduncular: situada na fossa interpe- O liquor é secretado principalmente pelos plexos coroi-
duncular; des, e pequena parte pelo epêndima. Os plexos coroides
existem nos cornos inferiores e porção central do ventrículo
• Cisterna superior: corresponde à cisterna ambiens
lateral, além do III e IV ventrículos, sendo que os ventrícu-
e localiza-se atrás do mesencéfalo, entre o cerebelo
los laterais são os principais produtores. Dos ventrículos,
e o corpo caloso;
o liquor passa ao espaço subaracnóideo pelos forames de
• Cisterna da fossa lateral do cérebro: corresponde Luschka e pelo forame de Magendie, por onde circula até
ao sulco lateral do cérebro. ser reabsorvido pelas granulações aracnoides. A circulação

13
NEURO LOG I A

liquórica ocorre pelo mecanismo de produção em uma ex- capacidade de amortecimento do choque da onda sistólica.
tremidade e absorção em outra. Outro dispositivo para amortecer a pulsação é a tortuosida-
de que as artérias apresentam. É importante lembrar que
8. Vascularização do sistema nervoso existem poucas anastomoses entre as circulações intra e ex-
tracranianas, o que incapacita a manutenção de circulação
central colateral útil no caso de obstrução da carótida interna.
- Artéria carótida interna
- Conceito
Surge na bifurcação da carótida comum no nível de C4,
O SNC requer um suprimento elevado e ininterrupto de sobe pelo pescoço e penetra no crânio pelo canal carotí-
glicose e oxigênio, o que exclui totalmente a possibilidade deo do osso temporal, e atravessa o seio cavernoso em que
de metabolismo anaeróbico. Dessa maneira, o fluxo sanguí- descreve o sifão carotídeo. A seguir, perfura a dura-máter
neo cerebral é muito intenso, sendo superado apenas pelo e a aracnoide e, no nível da substância perfurada anterior,
do rim e do coração. A parada da circulação cerebral por divide-se nos seus 2 ramos terminais.
7 segundos leva à perda da consciência; e após 5 minutos Os ramos colaterais são:
iniciam-se as lesões cerebrais, que são irreversíveis. Vale • Artéria oftálmica: emerge da carótida abaixo do
ressaltar que as primeiras áreas a serem lesadas são as fi- processo clinoide;
logeneticamente mais recentes, ou seja, o neocórtex será • Artéria comunicante posterior: participa da forma-
lesado antes do páleo e do arquicórtex, e o sistema nervoso ção do polígono de Willis;
suprassegmentar antes do segmentar, sendo que o centro • Artéria coróidea anterior: corre ao longo do trato
respiratório no bulbo é o último a sofrer lesões. óptico, penetra no corno inferior do ventrículo la-
O Fluxo Sanguíneo Cerebral (FSC) respeita a seguinte teral e irriga os plexos coroides e parte da cápsula
fórmula: interna.
FSC = PA - PV Os ramos terminais são:
RCV - Artéria cerebral média: é o principal ramo da carótida
uma vez que PV varia pouco, temos: interna e percorre o sulco lateral em toda a sua exten-
FSC = PA .
são, emitindo ramos que vascularizam a maior parte
RCV
da face superolateral de cada hemisfério cerebral. Esse
Sendo que: FSC (Fluxo Sanguíneo Cerebral), PA (Pressão território inclui a área motora, a área somestésica, o
Arterial), PV (Pressão Venosa) e RCV (resistência cerebro- centro da palavra falada e outras;
vascular). - Artéria cerebral anterior: dirige-se para frente e para
cima até a fissura longitudinal do cérebro, curva-se em
Sendo assim, a queda na PA afeta diretamente o FSC, torno do joelho do corpo caloso e emite ramos na face
assim como o aumento da RCV. A RCV é dependente de 4 medial do hemisfério cerebral desde o lobo frontal até
fatores: o sulco parieto-occipital.
- Pressão intracraniana;
- Condição da parede vascular; - Artéria vertebral e basilar
- Viscosidade sanguínea; As artérias vertebrais direita e esquerda partem das
- Calibre dos vasos cerebrais. subclávias direita e esquerda correspondentes, sobem no
pescoço dentro dos forames transversos das vértebras cer-
Assim, o calibre dos vasos é regulado por mecanismos vicais, perfuram a membrana atlantoccipital, a dura-máter
humorais e nervosos, sendo o CO2 o mais importante vaso- e a aracnoide, e penetram no crânio pelo forame magno.
dilatador. Isso explica a diferença entre os fluxos sanguíneos Percorrem a face ventral do bulbo e, no nível do sulco bul-
do córtex (onde tem mais sinapse, maior atividade meta- bopontino, unem-se para formar a artéria basilar.
bólica e, portanto, maior fluxo sanguíneo) e da substância
branca e entre as diversas áreas cerebrais. Os ramos colaterais das artérias vertebrais são:
- Artéria espinal anterior: é um tronco único formado
a) Vascularização arterial do encéfalo e da medula por 2 ramos recorrentes curtos que emergem das ver-
O encéfalo é irrigado pelas artérias carótidas internas tebrais direita e esquerda e ocupam a região da fissura
e vertebrais, que se anastomosam na base do crânio para mediana anterior até o cone medular, emitindo arté-
formar o polígono de Willis (Figura 16). As paredes das ar- rias sulcais que partem perpendicularmente e pene-
térias cerebrais são proporcionalmente mais finas, o que tram no tecido nervoso. Elas irrigam as colunas e os
as tornam mais sujeitas a hemorragias. A túnica média das funículos anterior e lateral da medula;
artérias cerebrais tem menos fibras musculares e a túnica - Artérias espinais posteriores direita e esquerda:
elástica interna é mais espessa, resultando em uma maior partem das vertebrais correspondentes, vão à região

14
N E U R O A N AT O M I A

posterior do bulbo e percorrem toda a medula, me- • Artéria cerebral posterior: contorna o pedúnculo
dialmente às radículas das raízes dorsais dos nervos cerebral, com direção posterior, percorrendo a face
espinais. Vascularizam a coluna e o funículo posterior inferior do lobo temporal até o lobo occipital, irri-
da medula; gando toda essa região.
- Artérias cerebelares inferiores posteriores: vasculari-
zam a porção inferoposterior do cerebelo, bem como a - Polígono de Willis
área lateral do bulbo. É uma anastomose arterial de forma poligonal localiza-
Os ramos colaterais da artéria basilar são: da na base do cérebro em torno do quiasma óptico e tú-
• Artéria cerebelar superior: nasce atrás das cere- ber cinéreo, abaixo da fossa interpeduncular e substância
brais posteriores e irriga o mesencéfalo e região su- perfurada anterior (Figura 16). É formado pelas porções
perior do cerebelo; proximais das artérias cerebrais anterior, média e posterior,
• Artéria cerebelar inferior anterior: vasculariza a re- artéria comunicante anterior e artérias comunicantes pos-
gião inferoanterior do cerebelo;
terior direita e esquerda. Cada comunicante posterior une
• Artéria do labirinto: penetra no meato acústico in- artéria carótida interna à cerebral posterior, ou seja, unem
terno junto com os nervos facial e vestibulococlear,
o sistema carotídeo ao vertebral. No entanto, em condições

NEUROLOGIA
e irriga estruturas do ouvido interno.
normais, não há passagem de sangue significativa de um
A artéria basilar bifurca-se na região proximal do mesen- sistema para o outro; a passagem ocorre apenas nos casos
céfalo, formando as cerebrais posteriores direita e esquerda. de obstrução.

Figura 16 - Polígono de Willis

b) Drenagem venosa do encéfalo tância branca adjacente, sendo que as veias que se
As veias encefálicas, em geral, não acompanham as ar- localizam na região superior do hemisfério drenam
térias, sendo maiores e mais calibrosas do que elas, com pa- para o seio sagital superior e as da região inferior
redes finas e desprovidas de musculatura. Elas drenam para drenam para os seios da base e no seio transverso;
os seios da dura-máter e daí para as veias jugulares internas. • Sistema venoso profundo: trata-se das veias que
A regulação da circulação venosa é feita pela aspiração da drenam o sangue de regiões localizadas profunda-
cavidade torácica, força da gravidade e pulsação das artérias. mente no cérebro (como cápsula interna, corpo es-
Vale lembrar que o leito venoso é muito maior que o arterial, triado, diencéfalo) e confluem para um único tronco
sendo, por esse motivo, mais lenta sua drenagem; além dis- venoso, mediano, denominado “veia cerebral mag-
so, a pressão venosa é muito baixa e varia pouco pela grande na” ou “veia de Galeno”, logo abaixo do esplênio do
capacidade de distensão das veias e dos seios. corpo caloso, a qual desemboca no seio reto.

- Veias cerebrais 9. Barreiras encefálicas


As veias cerebrais podem ser agrupadas em sistema ve-
noso superficial e sistema venoso profundo. - Conceito
• Sistema venoso superficial: trata-se das veias ce- São mecanismos seletivos para a troca de substâncias
rebrais superficiais que drenam o córtex e a subs- entre o tecido nervoso, sangue e liquor. Dessa forma, exis-

15
NEURO LOG I A

tem 3 barreiras, que são a hemoencefálica, a hemoliquórica e composta apenas por membrana celular consequente às
e a liquor-encefálica. A barreira liquor-encefálica é mais per- várias voltas que a célula de Schwann dá em torno do axô-
meável e fornece passagem a mais substâncias, enquanto que nio, sem conter citoplasma entre as voltas. Já o neurilema
as outras 2 barreiras impedem a passagem de agentes tóxicos é externo e composto pelo citoplasma e núcleo, que são as
para o cérebro. No entanto, nem sempre ocorre contenção to- estruturas restantes da célula. Essas bainhas de mielina são
tal de uma determinada substância, podendo ocorrer apenas interrompidas em intervalos aproximadamente regulares
maior dificuldade. Fica claro que o fenômeno de barreira não para cada tipo de fibra localizado entre eles e são chamados
é geral para todas as substâncias e varia para cada barreira. internódulos. Dessa forma, cada internódulo é ocupado por
apenas uma célula de Schwann. No SNC, não há formação
a) Barreira hemoencefálica do neurilema.
Essa barreira seria formada basicamente por 2 estru- A bainha de mielina, por ser originada da membrana
turas, a despeito da divergência entre alguns autores. Tais plasmática, é formada por lipídios e proteínas que confe-
estruturas seriam o neurópilo e capilar cerebral. O 1º, nada rem a ela uma capacidade isolante, permitindo, assim, que
mais é do que o tecido entre os vasos e os corpos celulares, o impulso seja conduzido mais rapidamente. Por ser assim,
que no encéfalo é muito estreito. Já o capilar cerebral, prin- o impulso é conduzido de forma saltatória e ocorrem po-
cipalmente o endotélio dos capilares cerebrais, são aponta- tenciais de ação apenas nos nódulos de Ranvier.
dos por alguns autores como o principal contribuinte para a
b) Fibras nervosas amielínicas
existência da barreira hemoencefálica, visto que no encéfa-
lo as células endoteliais são unidas por junções íntimas que No SNP, as fibras pós-ganglionares do sistema nervoso
impedem a passagem de macromoléculas – não possuem autônomo e algumas fibras sensitivas são envolvidas pelas
fenestrações e não são contráteis –, o que protege o cére- células de Schwann (neurilema), sem que seja formada a
bro na situação em que há grande liberação de histamina. bainha de mielina. No SNC, as fibras amielínicas não apre-
Em algumas regiões do encéfalo, essa barreira não existe, sentam envoltórios verdadeiros. Sendo assim, os prolon-
como é o caso da área póstuma, pineal, neuro-hipófise e gamentos dos astrócitos podem apenas tocar os axônios
plexos coroides, que são áreas de função endócrina com- amielínicos.
provada ou discutida. Existem também áreas que são mais Nessas fibras, não há como o impulso ser conduzido de
permeáveis a determinadas substâncias do que outras, maneira saltatória; portanto, o impulso é conduzido mais
como é o caso de certos fármacos que penetram com mais lentamente, já que os potenciais de ação não têm como se
facilidade no núcleo caudado e no hipocampo. distanciar.

b) Barreira hemoliquórica
Localizam-se nos plexos coroides, sendo que seus capi-
lares não participam do fenômeno, ou seja, existem subs-
tâncias que podem atravessar os capilares fenestrados dos
plexos coroides, mas serem barradas no nível da superfície
do epitélio ependimário voltada para a cavidade ventricu-
lar. Isso ocorre porque esse epitélio é provido de junções
íntimas que impedem a passagem das macromoléculas.

10. Fibras nervosas


A fibra nervosa é constituída de um axônio e seu reves-
timento glial, que pode estar ausente. O principal revesti-
mento é a mielina, que é formada por células de Schwann
no Sistema Nervoso Periférico (SNP) e por oligodendrócitos
no SNC. Nesses casos, têm-se as fibras mielínicas. Na ausên-
cia de mielina, encontram-se as fibras amielínicas.
No SNC, a substância branca contém principalmente fibras
mielínicas e neuroglia, enquanto a substância cinzenta é com-
posta por fibras amielínicas, corpos de neurônio e neuroglia.
No SNC, as fibras nervosas agrupam-se para formar os tratos e
fascículos e no SNP também se agrupam para formar os nervos.
a) Fibras nervosas mielínicas
No SNP, as células de Schwann formam, em geral, a bai-
nha de mielina e o neurilema. A bainha de mielina é interna Figura 17 - Homúnculo de Penfield sensorial

16
N E U R O A N AT O M I A

NEUROLOGIA
Figura 18 - Vascularização cerebral

17
NEURO LOG I A

CAPÍTULO

2
Semiologia e propedêutica neurológica

Maria Aparecida Ferraz / Cristina Gonçalves Massant / Mauro Augusto de Oliveira

1. Introdução - Síndromes sensitivas superficiais e/ou profundas;


- Síndromes motoras extrapiramidais – hipocinética/rí-
O exame neurológico é ferramenta fundamental para o gido-acinética (parkinsoniana), hipercinéticas (coreica,
diagnóstico em Neurologia. Associado a uma boa anamne- coreoatetose, balismo, distonia);
se, procurando informações sobre patologias pregressas e - Síndromes cerebelar-atáxicas;
atuais, e sintomas atuais, são formuladas as hipóteses diag- - Síndromes de pares cranianos.
nósticas sindrômica, topográfica e etiológica.
Com estas informações, consideraremos os diagnósticos
Obter informações sobre as medicações em uso é im-
diferenciais, solicitando-se exames complementares espe-
prescindível para se considerarem algumas hipóteses (por
cíficos para determinar a etiologia da doença.
exemplo, associações de anticoagulantes e acidente vascu-
lar encefálico hemorrágico, hipoglicemiantes e coma diabé-
tico). Não podemos deixar de enfatizar que o interrogatório 2. Exame do estado mental/funções cor-
sobre os diversos aparelhos e exame físico geral sempre ticais superiores
devem fazer parte da avaliação inicial em qualquer circuns-
A avaliação do estado mental do paciente ou consciên-
tância neurológica e são de suma importância.
cia é dividida em 2 partes principais: a avaliação do nível
Há várias formas de conduzir um exame neurológico. O
de consciência e da qualidade da consciência ou funções
importante é acostumar-se com um método e seguir uma corticais superiores.
sequência lógica para que nenhum item relevante seja
perdido. Pode-se avaliar um paciente por segmentos cor- I - Nível de consciência
porais: no segmento cefálico, avaliam-se pares cranianos,
sensibilidade, motricidade e sinais de irritação meníngea; O nível de consciência é caracterizado pelo grau de in-
em membros e tronco, examinam-se motricidade, coorde- teração que o indivíduo tem com o meio ambiente e a per-
nação, sensibilidade e funções autonômicas. Outra forma cepção de si, ou seja, o quão acordado ou alerta o paciente
está. Este deve sempre ser o passo inicial para o início do
de abordar o paciente neurológico seria avaliar cada sis-
exame neurológico e nos dará subsídios à realização de uma
tema funcional isoladamente (psiquiátrico, motricidade,
avaliação neurológica completa.
coordenação, sensibilidade, sinais de irritação meníngea e
A preservação do nível neurológico adequado é depen-
pares cranianos). O exame neurológico tem início já quando
dente anatomicamente da substância reticular ativadora
o paciente atravessa a porta do consultório, sendo possível ascendente que se localiza no tronco encefálico e parte
observar o tipo de marcha, por exemplo, marcha parético- do diencéfalo. Para que ocorra comprometimento são ne-
-espástica (ceifante) e/ou hemiparesia do indivíduo com cessários lesões no tronco encefálico (acidentes vasculares
lesão cerebral, marcha atáxica do cerebelopata e marcha encefálicos, romboencefalite, tumores de sistema nervoso
escarvante das lesões de nervos periféricos. central), tálamo bilateral (trombose venosa cerebral, isque-
Baseando-se nessas informações, chegamos aos diag- mia), hemisférios bilaterais (anóxia, metabólico/medica-
nósticos sindrômicos: mentoso, traumatismo cranioencefálico).
- Síndromes cognitivas, dolorosas, convulsivas, de hiper- Existem diversas formas de classificação no nível de
tensão intracraniana, de irritação meníngea etc.; consciência, de forma simplificada podemos dividir em:
- Síndromes motoras: piramidais/neurônio motor supe- - Vígil ou acordado: abertura ocular e interação com o
rior (hemi, para ou tetraplégica), síndrome da unidade meio espontânea;
neuromuscular (que inclui miopatias e neuropatias pe- - Sonolento: abertura ocular e interação após estímulo
riféricas/neurônio motor inferior); sonoro;

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S E M I O LO G I A E P R O P E D Ê U T I C A N E U R O L Ó G I C A

- Torporoso: abertura ocular e interação após estímulo folha de papel. Os desatentos não conseguem completar a
doloroso; tarefa, e os com heminegligência, só até a metade da folha.
- Comatoso: Não há abertura ocular ou interação mes- Diferente da extinção que só é percebida após estímulo bi-
mo após estímulo doloroso. lateral simultaneamente.
O estado confusional agudo (ou delirium) é uma patolo-
Em alguns casos como no traumatismo cranioencefálico gia típica de déficit de atenção agudo (em casos mais graves,
escalas são realizadas como objetivo de medir o nível de cursa com alucinações como em distúrbio de percepção de
consciência de fácil aplicação e reprodutibilidade como a patologias metabólicas e infecciosas), e a hiperatividade
escala de coma de Glasgow. pode estar relacionada a um déficit de atenção crônico. Ao
avaliar a atenção, é importante examinar também a orien-
Tabela 1 - Escala de coma de Glasgow tação. As perguntas necessárias e importantes a um pacien-
Abertura ocular te desorientado no tempo e no espaço são nome, local e
- Espontânea = 4 pontos; data, tentando dar-lhe uma 2ª oportunidade e mais tempo.
Nas doenças da atenção, a 1ª a ser comprometida é a
- Aos chamados = 3 pontos;
orientação temporal, seguida pelo espaço e, depois, quanto
- Com estímulo doloroso = 2 pontos; à pessoa.

NEUROLOGIA
- Ausente = 1 ponto.
Melhor resposta motora B - Linguagem
- Obedece à ordem = 6 pontos; As afasias são comprometimentos parciais ou totais da
- Localiza a dor = 5 pontos; capacidade de expressar e compreender pensamentos e
- Retirada específica à dor = 3 pontos; emoções por meio de símbolos linguísticos escritos ou fa-
- Reage à dor com flexão patológica (decorticação) = 3 pontos; lados, carregados de significado (chamado de semântica =
ideia), algumas vezes erroneamente diagnosticadas como
- Reage à dor com extensão (descerebração) = 2 pontos;
estado confusional. Apenas a área cortical relacionada com
- Ausente = 1 ponto. a linguagem está envolvida e não devem existir lesões de
Melhor resposta verbal vias sensitivas ou motoras relacionadas à fonação e ou au-
- Orientado = 5 pontos; dição, bem como alterações afetivas.
- Conversa, mas desorientado = 4 pontos; As áreas envolvidas na linguagem são principalmente
as regiões perissilvianas. Cerca de 95% dos indivíduos des-
- Palavras inadequadas = 3 pontos;
tros e 50% dos canhotos têm o hemisfério esquerdo como
- Emite ruídos = 2 pontos; dominante para a linguagem (surgido evolutivamente pela
- Ausente = 1 ponto. aquisição de habilidades manuais no ser humano). A área
Importante: coma = abaixo de 8 pontos; coma profundo = 3 pon- de Broca, que se localiza no giro frontal superior, relaciona-
tos; consciente = 15 pontos. -se com a programação da atividade motora da linguagem,
enviando as informações para o córtex motor primário, que
II - Qualidade da consciência realiza tal função. Então, liga-se por meio do fascículo longi-
tudinal ou arqueado com a área de Wernicke, que é ligada
à percepção e à compreensão da linguagem. Esse feixe ín-
A - Orientação e atenção tegro faz a comunicação da área que decodifica com a que
Para que as funções intelectuais possam manifestar- exprime a linguagem.
-se, é necessário o bom desempenho da atenção, que é a) Aspectos avaliados na linguagem
dependente de estruturas subcorticais (formação reticular
ativadora ascendente-mesencefálica, núcleos intralamina-
- Discurso: a fala espontânea, ou seja, a fluência ou a ve-
locidade de emissão de palavras (de 5 a 6 palavras por
res do tálamo), exercendo função ativadora sobre o córtex segundo) e conteúdo da fala; observando presença de
cerebral, e 2 regiões corticais importantes para atenção: a parafasias, que são substituições ou supressões de fo-
área pré-frontal, que seria responsável pelo planejamen- nemas, sílabas ou palavras. Existem as semânticas, em
to motor e comportamental do indivíduo, giros angular e que se troca uma palavra por outra relacionada (“xíca-
supramarginal – no lobo parietal direito, responsáveis pela ra” por “copo”), e fonêmicas, em que se trocam sílabas
exploração e percepção de ambos os lados do corpo e es- de uma palavra (“gata” por “lata”). Se muito intensas,
paço (o lado esquerdo só responde pela atenção do lado podem criar novas palavras (neologismos);
contralateral). Lesões à direita causam heminegligência ou - Prosódia: melodia da linguagem em que a pessoa con-
hemi-inatenção. segue exercer modulações das expressões (exclama-
Um exame aplicável é o teste de conexão de números ções, interrogações), proporcionando o sentido literal
para formar uma figura. Outra forma de avaliar concen- de frases e palavras;
tração e atenção é pedir ao paciente para fazer um traço, - Compreensão e repetição (palavras ou frases): aqui,
dividindo, ao meio, várias linhas colocadas ao acaso numa é importante para localizar a lesão nas áreas corticais,

19
NEURO LOG I A

além de permitir avaliar os níveis de consciência e me- C - Agnosias


mória;
É a incapacidade de reconhecer objetos e símbolos, apesar
- Nomeação de objetos: diferente das agnosias visuais, da adequada percepção na modalidade (por exemplo, visual,
em que o indivíduo pode reconhecer um objeto por
tátil, auditiva) na qual o objeto é apresentado. Incapacidade
outro estímulo sensorial, como o tato;
de identificar um objeto oferecido à percepção, não sendo
- Leitura: corresponde à compreensão oral ou em voz este distúrbio proveniente nem de um déficit sensitivo ou sen-
alta, que tem o valor da repetição, escrita.
sorial nem de um distúrbio de atenção ou da consciência.
Esse exame identifica afasias e as distingue das disfonias Os impulsos sensoriais chegam dos órgãos sensoriais
e disartrias, já que, nestas, a linguagem está preservada. (visão, sensibilidade, audição) até as áreas de aferência cor-
tical sensitivas, inicialmente primárias, que repassam para
b) Tipos de afasias áreas secundárias e, posteriormente, terciárias. A primária
- Afasia de Broca (motora, de expressão, verbal ou mo- recebe a informação inicial das fibras sensitivas, sensoriais
tora eferente): déficit da articulação da palavra, nome- visual, auditiva, somatossensitiva; nas secundária e terciá-
ação, repetição. O uso de regras gramaticais está alte- ria, ocorre progressiva integração de informação de outras
rado e há redução do vocabulário. Decorre das lesões áreas. A agnosia ocorre por lesão na área secundária. Na
na área de Broca (ou área motora); agnosia visual, o paciente vê o objeto, mas não o reconhece
- Afasia de Wernicke (de compreensão, sensitiva ou por meio da visão; pode reconhecê-lo por meio do tato ou
gramatical): afasia denominada sensitiva ou de com- da audição, por exemplo. Na prosopagnosia, o paciente tem
preensão, decorrente de lesão na área de Wernicke. incapacidade de reconhecer rostos familiares.
O paciente não reconhece seu problema e fala de
modo fluente, com prosódia normal, mas com poucos D - Apraxias
substantivos e verbos, havendo, também, parafasias e É a incapacidade de executar um ato motor aprendido
neologismos. As funções de nomeação e de repetição
e propositado com habilidade, na ausência de um distúrbio
costumam estar alteradas;
primário da atenção; compreensão; motivação; força; coor-
- Afasia de condução: é provocada por lesão do feixe ar- denação ou sensação, que pudesse evitar a consecução do
queado, este que conecta a área de Broca com a área ato espontaneamente. Assim, um indivíduo pode não ser ca-
de Wernicke; característica de lesões do lobo parietal, paz de abanar a mão, quando assim instruído, mas pode ace-
com lesão do fascículo arqueado. Aqui, há o déficit de nar, quando ele espontaneamente escolher fazê-lo. Distúrbio
repetição, com compreensão e fala espontânea menos da atividade gestual num indivíduo cujos aparelhos de exe-
afetadas; cução da ação encontram-se intactos (ausência de distúrbios
- Afasia global: ocorre por grandes lesões que envolvem motores) e com plena consciência do ato a cumprir.
área de Broca e Wernicke. Nessa afasia, o paciente pra- Ocorrem por lesões em áreas motoras secundárias, que
ticamente não compreende nem se expressa; estão próximas da área motora primária. São incapacidades
- Afasia nominativa anômica: giro angular esquerdo ou de executar um ato motor aprendido.
giro temporal medial posterior esquerdo. São afasias - Apraxia ideomotora: o indivíduo é incapaz de executar
parciais motoras, há dificuldade em nomear, mas o pa- uma ordem motora; porém, pode imitar o examinador
ciente sabe descrever o objeto; ou fazer de modo automático (por lesão parietal es-
- Afasias transcorticais: lesões circunjacentes à região querda inferior);
perissilviana de Broca ou de Wernicke motora (lesão - Apraxia ideatória: o indivíduo não executa nem imita
na área motora suplementar) e sensitiva (lobo parie- o ato motor (lesão parieto-occipital esquerda);
tal inferior esquerdo), cursando com dificuldade em
narrar ou descrever espontaneamente, tendo como
- Apraxia cinética dos membros: ocorre dificuldade de
realizar pequenos movimentos com as mãos;
característica a repetição normal; afasia transcortical
mista ou de isolamento – fala não fluente, compreen-
- Apraxia bucolinguofacial: há lesão próxima à área de
são alterada, boa repetição; Broca, e o indivíduo não consegue executar uma ordem
com essas regiões, mas pode fazê-la automaticamente.
- Afasia global: ocorre por grandes lesões que envolvem
área de Broca e Wernicke. Nessa afasia, o paciente pra-
ticamente não compreende nem se expressa;
E - Memória
- Afasia subcortical: ocorre por lesões, geralmente, vas- A memória é dividida em memória imediata, memória
culares no tálamo, caudado, putâmen e cápsula inter- recente e memória remota. A avaliação da memória ime-
na. Tem preservada a função de repetição e há ainda diata é feita no exame da atenção, sendo que esse tipo de
hemiplegia associada. Quando ocorre no tálamo, as- memória refere-se à memória de ultracurta duração.
semelha-se à afasia de Wernicke e, quando no núcleo A memória depende de várias áreas corticais e cada in-
caudado, tem semelhança com afasia de Broca. formação sensorial é armazenada em sua área específica.

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S E M I O LO G I A E P R O P E D Ê U T I C A N E U R O L Ó G I C A

O sistema límbico conecta-se com áreas subcorticais. Um - Monoparesia: perda parcial de força em um membro;
importante local é o núcleo basal de Meynert, predominan- - Hemiparesia: fraqueza em um hemicorpo;
temente colinérgico, que emite fibras para todo o córtex. - Paraparesia: membros simétricos são comprometidos;
Trata-se de um dos locais acometidos na doença de Alzhei- - Tetraplegia: 4 membros comprometidos com perda
mer. Há conexões do hipotálamo com o sistema límbico, de- total de força;
terminando as memórias do sistema autonômico relaciona-
do com estados emocionais.
- Diplegia: 2 hemicorpos são comprometidos com perda
total de força (duplicidade de lesões/tempos diferentes).
Lesões do sistema límbico, hipocampo e amígdalas oca-
sionam amnésia anterógrada, em que não há retenção de
novas memórias. Quanto às lesões diencefálicas, como na
B - As vias motoras
psicose de Korsakoff, causada por abuso de álcool, há defici- A via motora inicia-se no córtex motor (área motora pri-
ência de tiamina que lesa os corpos mamilares no hipotála- mária no giro pré-central, homúnculo motor). Seus axônios
mo e leva à amnésia anterógrada. Esta última é a situação seguem pelo centro, depois cápsula interna, descendo no
em que o indivíduo não se lembra do ocorrido antes da le- pedúnculo cerebral (mesencéfalo) e ponte. A via motora
são. Comumente, ocorre em traumatismo encefálico. cruza a linha média na decussação das pirâmides (bulbo).

NEUROLOGIA
Um exame que serve de triagem para a avaliação de dé- O trato corticonuclear termina nos núcleos motores dos pa-
ficits cognitivos é o miniexame do estado mental. Ele é de- res cranianos. O trato corticoespinal desce pela medula e
pendente do nível de escolaridade: em analfabetos, o score suas fibras terminam em neurônios motores espinais: alfa e
limite da demência é 14 a 16 pontos no minimental; para gama, que vão inervar, respectivamente, fibras musculares
indivíduos com 4 anos de escolaridade, o score é de 18 a 21 e fusos neuromusculares.
pontos; com ensino fundamental completo, 21 pontos; com A lesão do trato corticoespinal leva à perda de força
ensino médio completo, de 22 a 23 pontos; nível universitá- muscular voluntária e perda de reflexos cutâneos superfi-
rio completo, de 25 a 26 pontos. ciais (cutâneo-plantar e cutâneo-abdominal), com apareci-
- Miniexame do estado mental total = 30 pontos. mento de reflexos exaltados e patológicos (como sinal de
• Orientação temporal: Babinski).
* Dia = 1, ano = 1, mês = 1, estação do ano + 1, hora Lesões que afetam a mímica facial têm peculiaridades:
do dia + 1. o 1/3 superior da face recebe inervação cortical homo e
contralateral, preservando-se essa movimentação nas le-
• Orientação espacial: sões da via motora central, portanto (paralisia facial central
* Local em que está presente no momento da con- – comprometimento do 1/3 inferior da hemiface contrala-
sulta = 1, andar = 1, endereço = 1, cidade = 1, es- teral). Já nas lesões do nervo facial, todas as fibras estão
tado = 1, país = 1. agrupadas, comprometendo toda a mímica facial.

- Memória imediata: dar 3 palavras não relacionadas - Lesões


e pedir para repetir em seguida. Por exemplo: carro, - No córtex: resultam em hemiparesia de predomínio
vaso e janela = 3 pontos; braquifacial (cortical lateral) ou crural, dependendo do
- Atenção: soletrar a palavra mundo de trás para frente, local da lesão;
ou executar 5 cálculos de subtração = 5 pontos; - Na cápsula interna: acomete as fibras todas reunidas.
- Memória de retenção: lembrar as 3 palavras da me- Logo, a hemiparesia é proporcionada e acomete igual-
mória imediata = 3 pontos. mente membros superior, inferior e face;
• Linguagem: - No tronco cerebral antes da decussação das pirâmi-
* Nomear 2 objetos = 2 pontos, repetir = 1 ponto, des: gera lesão do tipo alterna (lesão do nervo crania-
copiar 2 pentágonos que se interseccionam em no ipsilateral e dos membros, contralateral);
um vértice = 1 ponto, repetir “nem aqui, nem ali, - No trato corticospinal na medula: em geral, há lesão
nem lá” = 1 ponto, compreender ordem “pegue concomitante das fibras sensitivas do trato espinotalâmi-
esta folha, dobre-a 1 vez ao meio e coloque-a so- co que ascende próximo ao funículo lateral da medula.
bre a mesa” = 3 pontos, ler uma frase e obedecer
à ordem de fechar os olhos = 1 ponto. A movimentação automática e ajustes posturais são re-
gulados pelos chamados extrapiramidais:
- Trato rubroespinal (origem no núcleo rubro): respon-
3. Motricidade sável pelos músculos distais dos membros;

A - Algumas definições
- Trato tetoespinal (origem no teto mesencefálico): res-
ponsável pelos músculos da cabeça;
- Paresia: fraqueza com déficit parcial de força muscular; - Trato reticuloespinal (origem na formação reticular):
- Plegia: perda ou déficit total de força muscular; responsável pelo controle (ritmicidade) da marcha.

21
NEURO LOG I A

As lesões desses tratos levam à hipertonia e hiper-re- - Manobra dos braços estendidos (Mingazzini para os
flexia. membros superiores): por 2 minutos, estender bra-
Lesões restritas ao corpo do motoneurônio medular ge- ços, antebraços, com dedos estendidos e abertos;
ram fraqueza, podendo ocorrer fasciculações (por exemplo, - Manobra de Raimiste para pacientes deitados: decú-
esclerose lateral amiotrófica, amiotrofia espinal progressi- bito dorsal, os antebraços são fletidos sobre os braços
va), com perda de reflexos e amiotrofia. Nas lesões medu- em 90° e as mãos são estendidas com os dedos separa-
lares, ainda há comprometimento de fibras que conduzem dos. Apenas estender os antebraços e dedos em ângu-
informações de sensibilidade com distribuição segmentar lo de 90° com o plano horizontal, por 2 minutos;
de importante significado localizatório, da mesma forma na - Manobra de Mingazzini para os membros inferiores:
lesão localizada em raízes ou plexos, ou nervos. coxas fletidas sobre a bacia em 90°; pernas dispostas
Em uma lesão aguda de metade medular (Síndrome de horizontalmente, fletidas sobre as coxas também em
Brown-Séquard), há, inicialmente, a fase de choque medu- 90° mantidas por 2 minutos;
lar: tônus ausente e arreflexia ipsilateral, associado a um
nível sensitivo (com perda da aferência de sensibilidade
- Manobra de Barré: paciente em decúbito ventral, per-
nas e pés em 90°, avalia déficits distais;
contralateral, abaixo daquele nível, o que localiza a lesão).
Após horas ou dias, aparecem sinais de liberação piramidal, - Manobra de Wartenberg para os membros inferiores
por lesão do trato corticospinal. (prova de queda do joelho): decúbito dorsal, com as
Chama-se de unidade motora o seguinte conjunto: coxas fletidas discretamente sobre o quadril e as per-
- Neurônio motor inferior (medular); nas sobre as coxas com os calcanhares sobre superfície
- Seu axônio (que corre pelas raízes nervosas, plexos, lisa e dura. Importante para avaliar força muscular em
nervos periféricos); membros inferiores de pacientes com hemorragia su-
baracnóidea (aneurisma), pois evita aumento da pres-
- Junção neuromuscular; são intracraniana em consequência do aumento da
- Placa motora; pressão intra-abdominal.
- Fibra muscular inervada pelo referido axônio.
A lesão em locais diferentes da unidade motora geral- E - Tônus e trofismo
mente ocasiona perda de tônus muscular, paralisia flácida, Com a realização de inspeção, palpação, movimentação
diminuição ou abolição dos reflexos tendinosos profundos. ativa e passiva do músculo examinado é possível avaliar o
Nas doenças musculares (distrofias, miopatias inflamatórias) tônus e o trofismo.
e da junção neuromuscular (miastenia grave, síndrome para- O trofismo pode ser classificado como:
neoplásica de Lambert-Eaton), os reflexos estão preservados. - Normotrófico:
A pseudo-hipertrofia é uma alteração muscular observada • Hipotrófico: devido lesão SNP ou desuso;
nas distrofias progressivas, em que os grupos musculares são • Hipertrófico: algumas distrofias musculares.
substituídos por tecido gorduroso em grande quantidade.
Nas miopatias, o déficit predomina onde há maior volume - Tônus pode ser classificado como:
muscular: nas regiões proximais dos membros. • Hipotônico: ocorrem lesões do sistema nervoso pe-
riférico ou lesões cerebelares;
C - Avaliação da força muscular pedindo para o • Hipertonia espástica (sinal do canivete): lesão do
paciente realizar manobras que permitam trato piramidal (exemplo: AVC, mielopatias);
graduar a força
• Hipertonia plástica (roda denteada): síndromes ex-
- Grau V: força contra ação da gravidade e resistência do trapiramidais (exemplo: doença de Parkinson);
examinador; • Hipertonias especiais: hipertonia de descerebra-
- Grau IV: o músculo vence a força da gravidade, mas ção/hipertonia de descorticação/tétano (opistóto-
não completamente a resistência do examinador; no), cãibras e psicogênica.
- Grau III: o músculo só vence a força da gravidade;
- Grau II: o músculo não vence a gravidade, mas faz al- F - Reflexos
guma contração visível, como mover o membro na la-
teral sem ação da força da gravidade;
- Reflexos profundos: obtidos pela percussão osteotendí-
nea ou fáscia do músculo avaliado, podem estar normais,
- Grau I: exibe contração visível, porém sem movimentá-lo; ausentes, diminuídos ou vivos (o reflexo é obtido mais fa-
- Grau 0: movimento e contração ausentes. cilmente, amplo e brusco). O reflexo exaltado ocorre com
a percussão de área maior do que a habitual em pontos
D - Manobras deficitárias de auxílio que comumente não desencadeariam o reflexo;
Podem ser usadas em caso de dúvidas sobre a presença - Características fisiológicas: período de latência, perío-
ou não de fraqueza. do refratário, fadiga, fenômeno de adição, princípio de

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S E M I O LO G I A E P R O P E D Ê U T I C A N E U R O L Ó G I C A

inervação recíproca e lei de localização (área reflexó- preferência no nível da união do 1/3 superior com o
gena). Baseados nessas características podem definir 1/3 médio. Resposta: elevação do testículo ipsilateral,
hiper-reflexia como diminuição do tempo de latên- nos casos de reflexos vivos também resposta contrala-
cia, aumento da amplitude de movimento, obtenção teral;
de varias respostas quando da aplicação de estímulo
único (reflexo policinético); pelo aumento da área de
- Outros reflexos patológicos:
obtenção do reflexo e pela impossibilidade de inibir • Hoffman: estímulo ungueal em falange distal do
voluntariamente o reflexo. dedo médio causa flexão dos outros dedos da mão,
significa liberação piramidal em MMSS. Similar ao
Clônus é um sinal típico de hiper-reflexia, pois, por esti- Watemberg e Trommer.
ramento muscular, obtém-se repetidas contrações rítmicas - Sinais de liberação frontal:
involuntárias esgotáveis ou inesgotáveis (aquileu e patelar
são exemplos); • Reflexo palmomentoniano: estímulo à palma da
- Reflexos da face: os reflexos profundos da face (men- mão (eminência tênar) com contração ipsilateral
toniano, o orbicular dos olhos e o orbicular dos lábios) dos músculos mentual e oro-orbicular, com discreta
elevação do lábio inferior;

NEUROLOGIA
dependem dos pares cranianos V e VII, e do nível de
integração do reflexo, que se encontra na ponte; • Reflexo oro-orbicular ou orbicular dos lábios;
• Reflexo de preensão (grasping reflex): o contato do
Tabela 2 - Principais reflexos profundos pesquisados no exame objeto na região palmar ou plantar determina o mo-
neurológico vimento de preensão;
Tendão dos Inerva- • Reflexo de perseguição (groping reflex): a visão de
Nervo Músculos
músculos ção um objeto nas proximidades da mão afetada deter-
Estilorradial Radial C5C6 Braquiorradial mina um movimento de perseguição para aprendê-lo;
Bicipital
Músculo
C5C6 Bíceps braquial
• Reflexo orbicular dos olhos ou glabelar (sinal de
cutâneo Myerson): oclusão da rima palpebral, paciente não
Tricipital Radial C7C8 Tríceps braquial consegue impedir o “piscar”.
Flexores Mediano e Flexor superficial
C8T1 G - Distúrbios do movimento
dos dedos ulnar dos dedos
Aquileu Tibial L5 a S2 Gastrocnêmio/sóleo Os distúrbios de movimento ocorrem principalmente
Patelar Femoral L2 a L4 Quadríceps femoral por lesão dos chamados núcleos/gânglios da base (dito sis-
tema extrapiramidal). Nesse item são importantes a obser-
Adutores da Adutor magno/lon-
Obturador L2 a L4 vação do paciente e os dados de história, pois os exames
coxa go/curto
de imagem não oferecem tanto auxílio. Seguem alguns con-
Costoabdominais Intercostais T5 a T12 - ceitos:
- Ileoinguinais L1 - - Tremores: movimentos rítmicos de contração alterna-
Íleo-hipogás- da de músculos agonistas e antagonistas (por exemplo,
- L1 - tremor essencial, fisiológico, tremor parkinsoniano);
tricos
- Coreia:movimentos involuntários bruscos, breves,
- Reflexos superficiais: cutâneo-abdominal (estímulo da migratórios e erráticos (por exemplo, coreia de Syde-
parede abdominal com espátula leva ao desvio do um- nham, doença de Wilson);
bigo para o lado estimulado); - Atetose: movimentos sinuosos lentos em torno de um
- Cremastérico superficial: em decúbito dorsal mem- eixo longo do membro afetado;
bros inferiores em extensão, há abdução em estimu-
lação cutânea da face medial da coxa, 1/3 superior) e
- Balismo: movimentos bruscos, breves, proximais, se-
melhantes a chutes e arremessos;
cutâneo-plantar (estimulação plantar com espátula na
região medial leva à flexão dos artelhos e hálux). Em - Mioclonias: contrações involuntárias súbitas (por exem-
caso de dorsiflexão lenta do hálux e abertura em leque plo, mioclonia pós-anóxia cerebral, doenças neurode-
dos artelhos, trata-se de um sinal patológico de libera- generativas) lembram pequenos sustos. São positivas
ção piramidal chamado sinal de Babinski. Crianças com quando causadas por contrações musculares súbitas e
até 1 ano de idade terão, ainda, dorsiflexão dos arte- negativas (asterixis da hepatopatia, encefalopatia urêmi-
lhos, pois o sistema piramidal está sofrendo o processo ca) quando há cessação abrupta da contração muscular;
gradual de mielinização; - Tique: movimentos estereotipados, breves, repeti-
- Cremastérico profundo: obtidos pela pressão digital tivos, suprimíveis. Podem ser motores e/ou vocais
sobre a musculatura da coxa em sua face medial, de (como síndrome de Gilles e síndrome de La Tourette);

23
NEURO LOG I A

- Distonia: causada por contração sustentada conco- - Equilíbrio dinâmico: é avaliado através do padrão da
mitante de músculos agonista e antagonista. Levam a marcha e pode ser classificada como na Tabela 4.
abalos lentos, movimento articular mantido e torção
ou postura anormal. Tabela 4 - Padrões de marcha
Tipo de Características
Patologia
H - Síndromes extrapiramidais marcha semiológicas
Base alargada, pisada com
Podem ser divididas em rígido-acinéticas ou hiperciné- energia ao solo com toque
ticas: Tabes dorsalis,
Talonante (ata- inicial do calcanhar, olhar
deficiência de
- Rígido-acinéticas (hipocinéticas): parkinsonismo (idio- xia sensitiva) em direção aos pés sen-
vitamina B12
pático, induzido por drogas como cinarizina, haloperi- do impossível com olhos
dol, alfa-metildopa, multi-infarto, pós-trauma de crânio fechados.
etc.). Há dificuldade em realizar movimento voluntário: Membro abduzido em Acidente vascular
acinesia/hipocinesia. De forma análoga, há micrografia Hemiplégico- relação ao quadril, produ- cerebral, tumores
-espástica zindo um movimento de de sistema nervo-
e hipomimia (diminuição da mímica facial, levando a
(ceifante): circundação. Associado as so central, neuro-
fácies em máscara), festinação (vários passos no mes- hemiplegias piramidais. toxoplasmose
mo lugar), com redução da amplitude dos movimentos
Ocorre devido a lesões
(bradicinesia), hipertonia muscular dita plástica, em
piramidais bilaterais,
que há uma rigidez homogênea em toda movimentação comumente no caso de
passiva. O movimento anormal que pode existir é o tre- Paraparética
lesões medulares. As 2 Mielopatia
(em tesoura)
mor associado, de repouso; pernas em adução fazem
- Hipercinéticas: são as síndromes coreicas, atetósicas, um movimento de cruza-
coreoatetósicas, que são basicamente movimentos mento entra as 2.
anormais. O diagnóstico etiológico relaciona-se à ida- Marcha instável com base
de de instalação da doença, história familiar e presen- Ataxia cere- alargada, sem grandes mu- Lesões cerebe-
belar danças com o fechamento lares
ça de doenças sistêmicas.
dos olhos.
Tabela 3 - Diferenças entre síndrome piramidal x síndrome extra- É caracterizada pelo en-
piramidal curvamento do tronco
Síndrome Síndrome Síndrome ex- para frente, passos curtos
Parkinsoniana Doença de Parkin-
piramidal periférica trapiramidal que são inicialmente len-
(pequenos son, parkinsonis-
tos e progridem na velo-
Força muscular Diminuída Diminuída Normal passos) mos atípicos
cidade, associado à perda
Hipertonia Hipertonia do balanço passivo dos
Tônus Hipotonia
espástica plástica membros.
Reflexos tendi- Hiporrefle- Normorre- O paciente anda com os
Exaltados Magnética Hidrocefalia de
nosos xia flexia pés juntos ao chão, não
(apraxia de pressão normal,
Reflexos cutâ- conseguindo executar o
Abolidos Presente Presente marcha) lesões frontais
neo-abdominais movimento do passo.
Flexão ou Ocorre uma elevação
Reflexo cutâ- Extensão (sinal
sem res- Flexão exagerada da perna para
neo-plantar de Babinski) Lesão de nervo
posta Escarvante evitar que o pé toque o
periférico
solo, e por vezes o bico do
pé toca o chão.
4. Equilíbrio estático e dinâmico (marcha)
O equilíbrio pode ser dividido em estático e dinâmico: 5. Coordenação e provas cerebelares
- Equilíbrio estático: é avaliado através da prova de
Romberg, pede-se ao paciente que com os pés apro- As alterações cerebelares caracterizam-se por incoor-
ximados feche os olhos. À queda imediata ao chão dá- denação com dismetria e decomposição do movimento. O
-se o nome de sinal de Romberg que significa a perda paciente erra o alvo, por exemplo, na manobra índex-nariz
de propriocepção consciente geralmente por lesão ou índex (dedo) do paciente, índex do examinador e/ou na
do funículo posterior (deficiência de vitamina B12 ou prova calcanhar-joelho.
neurossífilis). A queda após latência para um lado pre- Há tendência de desvio para o lado lesado e, ao contrá-
ferencial pode significar um “Romberg vestibular” ou rio das lesões sensitivas, não se altera com olhos abertos
pseudo-Romberg e indica lesão ipsilateral de vias ves- ou fechados. A fala pode ser afetada, tornando-se irregular
tibulares; (escandida). Há perda da capacidade de alternar rápidos

24
S E M I O LO G I A E P R O P E D Ê U T I C A N E U R O L Ó G I C A

movimentos (disdiadococinesia) e pode haver perda do - Mononeuropatia: apenas 1 nervo está lesado;
movimento coordenado entre o tronco e os membros, por - Mononeuropatia múltipla: vários nervos são compro-
exemplo, ao levantar-se/sentar-se no leito. metidos em tempos diferentes (por exemplo, diabetes,
arterites);
6. Sensibilidade - Polineuropatia: distribuição distal e simétrica, vários
nervos comprometidos na mesma relação temporal;
A sensibilidade é dividida em geral – tato, dor, tempe-
ratura, propriocepção, sensibilidade visceral – e especial:
- Lesões radiculares: ocorre perda de sensibilidade e é
em faixa no dermátomo relacionado à raiz.
visão, olfato, audição e paladar. Os conceitos mais usados
são:
B - Lesões centrais
- Hipo ou hiperestesia;
- Anestesia (perda total); Podemos classificar as lesões centrais quanto à sua to-
- Disestesia (sensação distorcida, desagradável); pografia e o tipo de acometimento:
- Alodínia (perceber como doloroso um estímulo não - Secção medular completa: há perda de todos os tipos
de sensibilidade abaixo do nível de lesão, com lesão do
doloroso);
sistema piramidal concomitante (perda de força). Os

NEUROLOGIA
- Hiperpatia (estímulos de baixa intensidade e sucessi- reflexos, embora abolidos numa fase inicial (choque
vos com dor violenta); medular), tornam-se exaltados, com sinal de Babinski
- Grafestesia (capacidade de reconhecer símbolos e le- e perda dos reflexos cutâneo-superficiais;
tras pelo tato); - Hemissecção medular (síndrome de Brown-Séquard):
- Estereognosia (reconhecer objetos por sua forma, ta- ocorre perda da sensibilidade profunda com síndrome
manho e textura; piramidal ipsilateral e perda contralateral da sensibi-
- Artrestesia (localizar posição de uma articulação). lidade térmica e dolorosa abaixo do ponto de lesão;
- Lesão do funículo posterior: como na tabes dorsalis
Conhecer o trajeto das fibras sensitivas permite localizar (neurossífilis) e lesão por deficiência de vitamina B12,
a lesão. No nervo periférico, as fibras que conduzem dor ocorre perda da sensibilidade profunda em ambos os
caminham juntas com as fibras motoras, tato e sensibilida- hemicorpos abaixo do nível acometido, além de perda
de superficial e profunda. Na medula, separam-se em vias da propriocepção consciente, sensibilidade vibratória
diferentes. e tato fino;
Os tratos grácil e cuneiforme estão no cordão posterior - Síndrome seringomiélica: há uma área de cavitação
da medula e conduzem a sensibilidade profunda (vibratória, do centro da medula ou crescimento de tumor nesta
artrestesia, tato), seguem ipsilateralmente até os núcleos topografia, destruindo a comissura central. É nesse
grácil e cuneiforme no bulbo, onde fazem sinapse para emi- segmento que decussam as fibras de sensibilidade tér-
tir prolongamentos que decussam no fascículo arqueado e mica e dolorosa, originando a anestesia suspensa res-
ascendem até o tálamo e, deste, até o córtex sensitivo. As trita à área de localização de lesão. Com preservação
vias que conduzem a dor e a temperatura até o corno pos- da sensibilidade profunda do funículo posterior, temos
terior da medula fazem sinapse e emitem prolongamentos a dissociação seringomiélica;
que cruzam a linha média na comissura anterior da medula, - Lesão das vias sensitivas no tronco cerebral: leva a
na frente do canal central desta. alterações contralaterais, pois houve decussação das
As pesquisas de sensibilidade tato devem ser feitas com fibras no bulbo. Dependendo do local da lesão, aconte-
algodão (com o dedo, pode haver pressão e, assim, estímu- ce, também, o envolvimento de nervos cranianos, vias
lo de sensibilidade profunda). Objetos pontiagudos causam cerebelares e piramidais;
dor, mas não perfuram o tecido, e devem ser descartáveis.
Na sensibilidade profunda vibratória, utiliza-se um diapasão
- Lesões da via sensitiva no tálamo: causam hipoestesia
contralateral, e, 4 a 6 semanas após a lesão, podem
de 64 a 128Hz, colocado sobre eminências ósseas, na posi-
aparecer crises espontâneas de dor, disestesia ou alo-
ção articular-artrestesia, alternando a posição dos artelhos dínia;
e a sensibilidade profunda, com equilíbrio estático e sinal
de Romberg. A sensibilidade térmica pode ser pesquisada
- Lesões corticais somatossensoriais: causam perda da
sensibilidade na área de representação do segmento
com tubo de água quente e fria.
do corpo. Se a lesão ocorre em áreas de maior inte-
gração sensorial, temos agnosia sensitiva e perda da
A - Lesões periféricas
capacidade de reconhecer o objeto pela palpação.
Nas lesões de nervo periférico ou craniano ocorre al- Áreas mais complexas envolvem distúrbios de atenção
teração sensitiva no território de sua distribuição, além de e comportamento, como área temporoparietal direita,
perda de sensibilidade e de motricidade. Quando um único em que o paciente deixa de perceber metade de seu
nervo está lesado, temos a: corpo.

25
NEURO LOG I A

7. Sinais meníngeos no. São recebidas pela retina e transmitidas pelo ner-
vo óptico ao córtex visual, com o controle adequado
Estão presentes quando nos quadros inflamatórios das da musculatura ocular extrínseca, permitindo que as
meninges, decorrentes de infecção (bactérias, fungos, ví- imagens incidam em pontos equivalentes ambas as
rus) ou sangramento. Denomina-se meningismo a síndro- retinas.
me com rigidez de nuca sem inflamação meníngea, que
ocorre em infecções sistêmicas, principalmente em crianças Com uma queixa de alteração visual, precisamos definir
pequenas. se o que se tem é lesão do sistema óptico ou das vias óp-
Nas inflamações das meninges, estão presentes sinais ticas, ou lesão da musculatura ou nervos que controlam os
e sintomas como dor, rigidez de nuca, cefaleia, fotofobia, movimentos dos olhos. Nesta última, avaliam-se, especial-
náusea, febre e calafrios. mente, os 2º, 3º, 4º e 6º nervos cranianos. A retina recebe a
- Rigidez de nuca: caracteriza-se por espasmo da mus- luz do ambiente e divide-se em 2 metades, temporal e nasal
culatura do pescoço com dor à flexão e resistência ao (que incide, respectivamente, na metade nasal e na meta-
movimento passivo, impossibilitando ao médico colo- de temporal da retina). Da retina saem as fibras do nervo
car o queixo do paciente no próprio peito, embora os óptico, que decussam parcialmente no quiasma óptico, e
movimentos laterais e rotatórios do pescoço estejam as fibras nasais passam para o lado contralateral e seguem
preservados (aqui, a dificuldade será em pacientes no trato óptico pela radiação até o córtex visual primário.
com artrose cervical). Rigidez extrema leva ao opis- • Lesões na retina causam escotomas (por descola-
tótono com a cabeça lançada para trás. No paciente mento de retina, infecções ou traumas);
em estado de coma profundo ou com meningite fulmi- • Lesões no nervo óptico causam amaurose (quando
nante pode estar ausente. A rigidez de nuca também total) ou escotomas (quando parciais). São exem-
pode ser encontrada em casos de herniação das tonsi- plos: glaucoma e neurite óptica associada ou não à
las cerebelares ou por aumento da pressão liquórica. E esclerose múltipla por desmielinização;
a restrição ao movimento do pescoço pode acontecer • Lesão do quiasma óptico medial resulta em hemia-
em abscessos retrofaríngeos e linfadenopatia cervical; nopsia bitemporal, em que os tumores de hipófise
- Sinal de Kernig: com o quadril e os joelhos flexiona- são a principal causa. Estes se iniciam inferiormen-
dos, há incapacidade de se estender o joelho bilateral- te, cursando com quadrantopsia bitemporal supe-
mente (diferente da irritação radicular lombossacra no rior;
sinal de Lasègue (elevação da perna estendida, geral- • Lesões laterais no quiasma são raras e fornecem a
mente unilateral); hemianopsia nasal;
- Sinal do pescoço de Brudzinski: na tentativa de flexio- • Lesão do trato óptico leva à hemianopsia homôni-
nar o pescoço com uma das mãos do examinador se- ma direita ou esquerda contralateral ao lado lesado;
gurando o tórax, provoca-se a flexão dos quadris e dos • Lesão no córtex visual e lesões da radiação óptica
joelhos bilateralmente. completa também resultam em hemianopsia ho-
mônima, sendo raras as últimas e, nelas, as qua-
drantopsias ainda mais comuns.
8. Nervos cranianos
A síndrome de nervos cranianos pode ocorrer isolada- A pesquisa visual é feita por:
mente ou associada a outras síndromes por lesões em ou- • Avaliação da acuidade visual, com discriminação de
tros sistemas de fibras localizados no tronco cerebral, no detalhes usando a tabela de Snellen, a 6m do pa-
cérebro, no cerebelo e na medula. ciente, ou o cartão de Jaeger, a 36cm;
- Nervo olfatório (1º nervo craniano): as alterações de • Campimetria de confrontação, em que se detectam
olfação podem ser ocasionadas por lesões no epitélio defeitos de campo visual. Nesta, o paciente olha
olfatório na concha nasal superior, ou por alteração no para os olhos do examinador e vice-versa, oclui-se
nervo e no trato olfatório ou no córtex entorrinal, e um dos olhos, movimenta-se um alvo a 60cm do
regiões do hipocampo (crises uncinadas olfativas com paciente, além da mira em cada campo visual, se-
uma percepção desagradável podem ser causadas por paradamente.
tumores de lobo temporal). Pode ocorrer por rinossi-
nusites ou tumores de fossa anterior craniana, como - III, IV e VI nervos cranianos:
meningiomas, ou mesmo por traumas de crânio. Hi- • São avaliados em conjunto;
posmia ou anosmia podem ser provocadas por várias • Controle das pupilas: apenas o III nervo;
drogas, antibióticos, inclusive meningites; • Movimentação ocular extrínseca;
- Nervo óptico (2º nervo craniano): a visão é possível • III nervo (oculomotor): inerva os músculos reto su-
em virtude das informações luminosas que atravessam perior, reto inferior, reto lateral e oblíquo inferior.
o sistema óptico da córnea, esfíncter pupilar e cristali- Sua lesão leva ao desvio ocular complexo, que, na

26
S E M I O LO G I A E P R O P E D Ê U T I C A N E U R O L Ó G I C A

maioria, associa-se a um estrabismo divergente e -se o funcionamento do trigêmeo pedindo ao pacien-


prejuízo da elevação e depressão do olho, além de te que abra e feche a boca, e morda uma espátula.
midríase por perda da inervação parassimpática do Quando há lesão, é mais fácil tirá-la do lado lesado. Em
esfíncter da pupila e ptose palpebral; lesões bilaterais, a mandíbula cai pela ação da gravida-
• IV nervo (troclear): inerva o oblíquo superior; de; em lesões unilaterais, a boca, aberta, desvia para
• VI nervo (abducente): inerva o músculo reto lateral, o lado lesado, devido à ação do músculo pterigóideo
e sua lesão leva ao estrabismo convergente; normal que desvia a boca para o lado oposto. Lesões
• No córtex cerebral, há áreas que controlam o mo- do trigêmeo causam disartria leve, com fala lenta, sons
vimento conjugado dos olhos, emitindo fibras que anasalados e, às vezes, incompreensíveis. O reflexo
conectam a movimentação do III nervo com o IV córneo palpebral é feito por meio de uma estimulação
nervo contralateral, através do fascículo longitudi- da córnea com algodão, que leva ao fechamento das
nal medial (ponte); pálpebras pelo músculo orbicular dos olhos (integra-
• Lesões corticais levam ao desvio conjugado do olhar ção do reflexo no tronco cerebral, aferência sensitiva
para o lado da lesão e contralateral à hemiparesia, e pelo V nervo, eferência motora pelo VII nervo);
lesão no centro do olhar conjugado pontino desvia - VII nervo facial (VII nervo craniano): inerva a muscu-

NEUROLOGIA
os olhos para o lado contralateral e para o lado da
latura da mímica facial e a parte sensitiva dos 2/3 an-
hemiparesia (Foville inferior);
teriores da língua. É responsável por ocluir a boca para
• Lesões pontinas comprometendo o fascículo longi- contenção de alimentos durante a mastigação. Nas
tudinal medial levam ao déficit de adução (dificul- paralisias periféricas, toda a metade facial fica com-
dade de movimento medial) do olho com nistagmo prometida quanto à motricidade, e, nas lesões ditas
do olho abduzido e preservação da convergência
centrais (como o 1/3 superior da face recebe inervação
ocular, que é controlada pelo III nervo. O IV nervo
bilateral das fibras corticais), não há perda de sua mo-
é mais difícil de ser avaliado isoladamente, pois o
vimentação. Lesões do nervo facial causam distúrbio
músculo oblíquo superior, por ele inervado, só abai-
de fonação, com dificuldades com fonemas labiais;
xa o olho quando este está aduzido por ação do reto
medial (inervado pelo III nervo). Os núcleos dos ner- - VIII nervo vestibulococlear (VIII nervo craniano): é um
vos cranianos podem ser afetados por isquemias ou nervo sensitivo. A hipoacusia por lesão periférica pode
tumores, e, como se encontram na ponte, há fibras ser de condução ou neurossensorial. Na 1ª, o som não
sensitivo-motoras e vias cerebelares que podem é transmitido da cóclea para o nervo (perfuração do
estar envolvidas dependendo do local da lesão. A tímpano, cerume, otosclerose); na 2ª, o som que che-
musculatura ocular extrínseca pode ser envolvida ga até a cóclea e não é percebido ou transmitido pelo
em patologias como síndromes miastênicas, ou do- nervo coclear. Um diapasão com 1.024 ou 512hz pode
ença de Graves com exoftalmia; ser usado para diferenciá-las. Na prova de Rinne, na
• É importante avaliar a presença de anisocoria em lesão neurossensorial, o diapasão colocado na mas-
ambiente claro e escuro. Pupilas normais têm de 3 toide não melhora a percepção do som. Contudo, na
a 5mm de diâmetro; acima de 5mm, são ditas midri- hipoacusia de condução, a percepção do som é melhor
áticas e, abaixo de 3mm, mióticas. Pupilas desiguais com o diapasão na mastoide. Na prova de Weber, ele é
são anisocóricas (que podem existir como fisiológi- colocado na linha média; na hipoacusia de condução, o
cas em 20% das pessoas normais). Lesão do nervo lado lesado funciona como uma caixa de amplificação
óptico (II) leva à perda do reflexo fotomotor direto do som, sendo este lateralizado para o lado anormal.
e preserva o consensual, e lesão do III nervo, a mi- Já na hipoacusia neurossensorial, a escuta é melhor no
dríase paralítica do lado lesado e perda do reflexo lado normal do que no lado lesado;
pupilar consensual e direto. Tal alteração é sinal
precoce de herniação do úncus hipocampal sobre - IX e X nervos cranianos:
esse nervo; • IX nervo (glossofaríngeo) inerva palato e língua;
• Possíveis causas de miose são neurossífilis, diabe- • X nervo (vago) inerva cordas vocais e palato.
tes, uso de levodopa, álcool e outras drogas, inclusi-
ve hematomas pontinos, que podem causar pupilas A pesquisa clínica é feita pelo reflexo nauseoso com es-
puntiformes. Existem causas oftalmológicas de mio- timulação por espátula da parede posterior da orofaringe,
se, como irritações, corpo estranho, sinéquias. e não há sensação de vômito na lesão dos IX e X nervos. O
IX nervo também é responsável pela gustação do 1/3 pos-
-V nervo trigêmeo (V nervo craniano): responsável terior da língua. O reflexo palatino é a elevação do palato
pela inervação sensitiva superficial e profunda da face com a estimulação da úvula e do palato mole. Nas lesões
e motricidade mastigatória. Seu núcleo sensitivo e mo- unilaterais, o palato e a úvula estão desviados para o lado
tor estende-se ao longo do tronco cerebral. Pesquisa- normal (sinal da cortina);

27
NEURO LOG I A

- XI nervo craniano (acessório): inerva a faringe, larin-


ge (parte cranial) e músculo esternocleidomastóideo
(parte espinhal);
- XII nervo craniano (hipoglosso): inerva a musculatura
da língua. O músculo genioglosso normal empurra a
língua para frente e para o lado contralateral. Numa
lesão unilateral, há desvio para o lado lesado à protru-
são da língua. Em inspeções estáticas, podem ser vis-
tas atrofias e fasciculações (como na esclerose lateral
amiotrófica).

9. Resumo
Quadro-resumo
- Exame neurológico:
· Avaliação cognitiva: atenção, linguagem, agnosia, apraxia,
memória;
· Equilíbrio e marcha;
· Avaliação motora: força, trofismo, movimentos anormais,
tônus;
· Reflexos profundos e superficiais;
· Avaliação cerebelar: coordenação apendicular, diadococcine-
sia, nistagmo;
· Exame dos nervos cranianos;
· Avaliação da sensibilidade;
· Sinais de irritação meningorradicular.
- Escala de coma de Glasgow: abertura ocular, resposta motora
e resposta verbal:
· Coma: abaixo de 8 pontos;
· Coma profundo: 3 pontos;
· Consciente e orientado: 15 pontos;
- Paresia: fraqueza com déficit parcial de força muscular;
- Plegia: perda ou déficit total de força muscular;
- Nervos cranianos:
· Nervo olfatório (I nervo craniano);
· Nervo óptico (II nervo craniano).
· III (oculomotor), IV (troclear) e VI (abducente) nervos cranianos:
* São avaliados em conjunto;
* Movimentação ocular extrínseca;
* Controle das pupilas: apenas o III nervo.
· Trigêmeo (V nervo craniano):
* Inervação sensitiva superficial e profunda da face;
* Motricidade mastigatória (músculos masseter e temporal).
· Facial (VII nervo craniano):
* Mímica facial;
* Sensibilidade dos 2/3 anteriores da língua.
- VIII nervo vestibulococlear (VIII nervo craniano);
- IX nervo (glossofaríngeo): inerva palato e língua;
- X nervo (vago): inerva cordas vocais e palato;
- XI nervo craniano (acessório): inerva a faringe, laringe (parte
cranial) e músculo esternocleidomastóideo (parte espinhal);
- XII nervo craniano (hipoglosso): inerva a musculatura da língua.

28
CAPÍTULO

3
Cefaleias

Marcelo Calderaro / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Maria Aparecida Ferraz /


Cristina Gonçalves Massant / Mauro Augusto de Oliveira

as características mais marcantes das cefaleias primárias


1. Introdução sejam sua recorrência e a estereotipia na apresentação clí-
O termo “cefaleia” se aplica a todo processo doloroso nica, o que em geral não ocorre nas cefaleias secundárias.
referido no segmento cefálico e que, portanto, pode ter ori- Em 1998, a Sociedade Internacional de Cefaleia publicou a
gem tanto nas estruturas faciais quanto nas cranianas. classificação e os critérios diagnósticos das cefaleias e al-
Cefaleia é uma das queixas mais frequentes na prática gias faciais, com sua 2ª edição em 2004, revisada em 2005.
clínica. Estima-se que 97% das mulheres e 94% dos homens Assim, as cefaleias primárias podem ser dividas em:
apresentam dor no segmento cefálico em algum momento - Enxaqueca;
da vida. Avalia-se ainda que 80% dos indivíduos de uma po- - Cefaleia tensional;
pulação apresentarão, pelo menos 1 vez ao ano, um episódio - Cefaleia em salvas e outras cefaleias trigeminoautonômicas;
de cefaleia, e metade deste número, mais de 2 episódios. - Outras cefaleias primárias.
É a 3ª queixa mais frequente em ambulatório de clínica
médica e a 1ª causa de procura por neurologista. Os moti- A implicação prática de seguir o que propõe a Sociedade
vos da procura ao médico variam desde uma simples expli- Internacional de Cefaleia é que há validação científica para
cação para o motivo de ocorrência das cefaleias primárias que, caso um paciente relate uma dor que preencha crité-
até a presença de cefaleias incapacitantes, primárias ou se- rios para cefaleia primária, não seja necessária uma investi-
cundárias. De acordo com estudo realizado, dos pacientes gação complementar.
que procuram serviço médico para avaliação de cefaleia, é Um dado epidemiológico útil nesse momento é que
mais importante descartar uma patologia secundária (como mais de 90% dos pacientes que procuram atendimento
neoplasia) para 70% deles, sendo, para os 30% restantes, o médico por cefaleia têm dores primárias, que se reúnem
alívio da dor. Em serviços de emergência, cerca de 2 a 4% de em 3 grandes grupos: enxaqueca (75% dos casos), cefaleia
todas as consultas devem-se à cefaleia. do tipo tensional e cefaleia em salvas. Portanto, saber fazer
O mais importante no manejo da cefaleia na emergên- o diagnóstico clínico adequado dessas 3 afecções é funda-
cia é distinguir se a mesma é primária ou secundária. Esta, mental para qualquer médico.
apesar de menos frequente (<10%), geralmente relaciona- A anamnese deve ser dirigida à confrontação da queixa
-se a afecções com grande morbimortalidade (hemorragia álgica do paciente com os critérios de cefaleias primárias. É
subaracnoide, meningite, tumores etc.). Assim, a anamnese particularmente útil iniciar uma anamnese de cefaleia ob-
e o exame físico têm importância fundamental em sugerir servando-se sua distribuição temporal. Existem 4 padrões
etiologias secundárias e selecionar pacientes para realiza- de distribuição de dor ao longo do tempo, conforme esque-
ção de exames de neuroimagem (em geral, TC de crânio matizados na Figura 1 e descritos a seguir.
sem contraste).

- Anamnese e diagnóstico
O 1º fato a ser entendido é que a cefaleia, assim como a
febre, é um sintoma e não um diagnóstico. Embora o trata-
mento sintomático seja frequentemente estabelecido, de-
vemos nos esforçar para elucidar o diagnóstico em todos os
casos, o que na maioria das vezes é alcançado por meio de
uma história clínica detalhada.
Genericamente, podem-se dividir as cefaleias em pri-
márias, quando não está evidente uma causa anatômica;
ou secundárias, quando se encontra um fator causal. Talvez Figura 1 - Padrões de distribuição temporal das cefaleias

29
NEURO LOG I A

a) Cefaleia aguda emergente são de difícil manejo terapêutico, pois frequentemente são
O paciente apresenta-se com uma dor nova ou franca- negligenciados no tratamento.
mente diferente das anteriores. Embora esse padrão pos-
sa ser encontrado em um 1º ataque de cefaleia primária, 2. Cefaleias primárias
deve-se sempre pensar em um diagnóstico secundário. Na
maioria das vezes, caso não haja qualquer outra indicação
de investigação, uma mera observação clínica evolutiva A - Enxaqueca sem aura
pode ser suficiente para esclarecer o diagnóstico. Na dúvi- A enxaqueca (ou migrânea) é uma doença crônica, co-
da, a investigação deve ser realizada. mumente mal iniciada e de alta prevalência – 18% em mu-
b) Cefaleia aguda recorrente lheres e 6% nos homens. A OMS considera a migrânea uma
Como dito anteriormente, a recorrência e a estereo- das doenças crônicas mais debilitantes, com uma frequên-
tipia da apresentação clínica são as características mais cia média de ataques de 1,5/mês e duração média de 24
marcantes das cefaleias primárias. Embora algumas vezes horas. Aura ocorre somente em 15 a 20% dos casos.
esse padrão seja encontrado em cefaleias secundárias (uso Na fisiopatologia da migrânea está implicada uma disfun-
de vasodilatadores, como nitrato; hipotensão intracrania- ção das vias de modulação sensitiva do tronco cerebral, com
na; cefaleia secundária a crises de feocromocitoma etc.), aumento da percepção da dor oriunda da dilatação dos vasos
a maioria das vezes indica benignidade. Cuidado deve ser cerebrais (evento neurovascular). Este efeito vasodilatador
tomado com pacientes que relatam mudanças de caracte- e de nocicepção é mediado pelos receptores de serotonina
rísticas de suas cefaleias crônicas, pois “mudanças de pa- 5-HT, sendo este o sítio de ação dos fármacos específicos
drão” nem sempre implicam novo diagnóstico e, portanto, para o tratamento agudo da enxaqueca – os triptanos.
nem sempre são indicativas de investigação adicional. Na Antigamente acreditava-se que a dor na enxaqueca era de-
maioria das vezes, os sintomas novos são apenas espectros corrente da vasodilatação que ocorre durante a crise, e a eficá-
de apresentação clínica da mesma doença. O algoritmo a cia do uso de vasoconstritores, como os derivados do “ergot”,
seguir demonstra a conduta inicial em pacientes com cefa- era justificada nesse contexto. Sabe-se, atualmente, que essa
leia aguda. teoria vascular não corresponde à realidade. Em outras pala-
vras, as alterações vasomotoras da crise de enxaqueca pare-
cem ser epifenômenos e não necessariamente causas da dor.
Critérios para Sim Não Conduzir como
Sinais de alerta? A fisiopatologia mais aceita atualmente leva em consideração
cefaleia primária? cefaleia primária
a teoria neurovascular proposta por Moskovitz. Esse pesqui-
sador notou que, ao estimular ramos do nervo trigêmeo que
Não Sim Refratário? inervam vasos sanguíneos da base do crânio, havia a liberação
Sim antidrômica de substâncias inflamatórias e neurotransmisso-
Investigação res que provocavam um processo inflamatório perivascular.
Havia a perpetuação desse processo por meio de alças nervo-
Figura 2 - Conduta em pacientes com cefaleia aguda
sas, que causava vasodilatação, aumento da pulsatilidade do
vaso e uma maior sensibilidade das terminações trigeminais
c) Cefaleia crônica progressiva a estímulos nociceptivos oriundos da periferia. Mais ainda,
Embora esse padrão seja mais raro, seu reconhecimento notou-se que algumas substâncias, classicamente usadas para
é fundamental, pois em geral não se associa a cefaleias pri- tratar crises de enxaqueca, como os derivados do “ergot”, blo-
márias, devendo ser investigado sempre. queiam o processo de inflamação neurogênica.
Durante a crise de migrânea, ocorre uma disfunção das
d) Cefaleia crônica não progressiva vias de modulação sensitiva do tronco cerebral, com au-
Nesse grupo estão os indivíduos com a chamada cefa- mento da percepção da dor oriunda da dilatação dos vasos
leia crônica diária. Caracterizam-se por apresentarem do- cerebrais (evento neurovascular). Este efeito vasodilatador
res por mais de 15 dias no mês, por pelo menos 3 meses e de nocicepção é mediado pelos receptores de serotonina
ou 180 dias ao ano. Embora possa estar presente em pa- 5-HT, sendo este o sítio de ação dos fármacos específicos
cientes com cefaleias secundárias (pseudotumor cerebral, para o tratamento agudo da enxaqueca – os triptanos.
meningites crônicas etc.), este padrão é mais comumente
encontrado em pacientes com história pregressa de enxa- Critérios diagnósticos
queca ou cefaleia do tipo tensional episódica, que progres- Os critérios diagnósticos são apresentados na Tabela 1 e
sivamente passam a apresentar aumento da frequência de alguns deles serão discutidos a seguir.
suas crises e redução da resposta a analgésicos. As dores,
então, passam a ser diárias ou quase diárias, e nem sempre
- Critério B
preservam as características anteriores. Dessa forma, em É fundamental a compreensão de que a enxaqueca gera
pacientes com enxaqueca transformada (tipo de cefaleia crises de cefaleia autolimitadas. Diante de uma crise que se
crônica diária que evolui da enxaqueca), as dores diárias prolonga por mais de 72 horas, há 2 possibilidades:
podem ter características de cefaleia do tipo tensional. As • Estado de mal enxaquecoso: situação frequente na
crises de exacerbação podem perder o caráter pulsátil e os emergência que, em casos extremos, pode levar à
fenômenos associados (náuseas, vômitos, fono e fotofobia) desidratação e a distúrbios metabólicos decorren-
podem ficar menos marcantes. Esses pacientes, em geral, tes de êmese;

30
CEFALEIAS

• Cefaleias secundárias: meningite, hemorragia su- - Aura: é um fenômeno progressivo (não súbito) que se
baracnoide ou mesmo hipertensão intracraniana relaciona anatomicamente a uma disfunção do córtex
podem se apresentar com dores semelhantes à cerebral ou do tronco encefálico, a qual se espraia gra-
enxaqueca, mas não têm seu caráter autolimitado. dativamente por contiguidade, sem respeitar limites
Dessa forma, as crises de cefaleia pouco responsivas anatômicos ou vasculares. Interessante notar que é
ao tratamento adequado devem ser investigadas. um fenômeno autolimitado, durando de 5 a 60 minu-
tos na maior parte dos casos. Almeida e colaboradores
- Critérios C e D relataram caso de uma família, na qual 4 membros são
As características clínicas descritas nos critérios C e D acometidos por uma forma de migrânea precedida por
são de conhecimento geral dos médicos, mas nunca é de- aura caracterizada por afasia motora.
mais dizer que não são patognomônicas, devendo ser anali- Cerca de 20% dos enxaquecosos apresentam sintomas
sadas no contexto global. Mais vale o peso do conjunto das aurais. Segundo descrito na Classificação Internacional das
características clínicas que cada uma delas isoladamente. Cefaleias:
- Critério E • Aura visual é a mais comum, geralmente como um
espectro de fortificação, isto é, uma figura em forma
Há, no mínimo, 1 dos seguintes:
de estrela próxima ao ponto de fixação, que gradu-
• História e exames físico e neurológico não sugesti- almente se expande para a direita ou para a esquer-

NEUROLOGIA
vos de cefaleias secundárias; da, e assume um formato convexo lateralmente com
• História e/ou exame físico e/ou neurológico suges- bordas anguladas cintilantes, deixando um grau vari-
tivos de tais distúrbios, mas que são afastados por ável de escotoma relativo ou absoluto, em seu traje-
investigação apropriada; to. Pode ocorrer, em outros casos, um escotoma sem
• Tais distúrbios estão presentes, mas as crises de en- fenômenos positivos, que frequentemente é perce-
xaqueca não ocorreram pela 1ª vez em clara relação bido como sendo de início agudo, mas que, num exa-
temporal com o distúrbio. me minucioso, alarga-se gradualmente;
Esses itens são óbvios. No entanto, devemos lembrar • O próximo sintoma que ocorre com frequência é o
que alguns aspectos do exame clínico frequentemente são distúrbio sensitivo na forma de agulhadas e alfine-
negligenciados no atendimento médico, tais como o exame tadas, que se movem lentamente a partir do ponto
do fundo de olho (sobretudo a procura por papiledema) e a de origem, e afetam uma área maior ou menor de
pesquisa de rigidez de nuca. um lado do corpo e da face. O amortecimento ocor-
re a seguir, mas também pode ser o único sintoma;
Tabela 1 - Critérios diagnósticos para enxaqueca • Menos frequentes são os distúrbios da fala (geral-
A - Pelo menos 5 crises preenchendo critérios B a D. mente disfásicos, mas muitas vezes difíceis de se-
B - Crises de cefaleia durando de 4 a 72 horas (não tratadas ou rem categorizados) e a fraqueza unilateral;
tratadas sem sucesso). Em crianças com menos de 15 anos, as • Os sintomas geralmente seguem um ao outro em su-
crises podem durar 2 a 48 horas. Se o paciente dormir e acordar cessão, começando pelos visuais, seguido pelos sinto-
sem a crise, a duração da mesma é considerada até a hora do mas sensitivos, disfásicos e de fraqueza, mas a ordem
despertar. reversa ou outras sequências já foram observadas;
C - A cefaleia tem, no mínimo, 2 das seguintes características: • Alguns pacientes podem apresentar fenômenos au-
· Localização unilateral (60% dos casos); rais relacionados à disfunção de tronco encefálico,
· Qualidade pulsátil; como ocorre naqueles indivíduos com migrânea ba-
· Intensidade moderada ou forte (limitando ou impedindo silar, também denominada enxaqueca de Bickersta-
atividades diárias); ff. Na fase de aura, os pacientes podem apresentar
· Agravamento por subir degraus ou atividade física semelhan- os seguintes sintomas: alteração do campo visual,
te de rotina. disartria, diplopia, vertigem, ataxia, parestesias bi-
D - Durante a cefaleia há, no mínimo, 1 dos seguintes sintomas: laterais, redução do nível de consciência.
· Náuseas e/ou vômitos;
· Fotofobia e fonofobia. A fisiopatologia mais aceita para a aura nos dias de hoje é
E - Não atribuível a outra patologia.
a ocorrência do chamado “fenômeno da depressão alastran-
te de Leão”, no córtex dos enxaquecosos. Aristides de Leão –
B - Enxaqueca com aura neurofisiologista brasileiro – notou, na década de 1940 que,
ao estimular o córtex de coelhos, observava-se uma onda de
A aura da enxaqueca é um sintoma ou sinal neurológico fo- depressão da atividade elétrica cerebral que se espalhava a
cal transitório e recorrente que geralmente se associa aos ata- partir do ponto de estimulação, como as ondas de um lago,
ques de cefaleia, mas que pode ocorrer independente deles. a uma velocidade de 2 a 3mm/min, sem respeitar limites
Qual a diferença entre pródromo e aura? anatômicos ou vasculares. Embora esse fenômeno seja fisio-
- Pródromos: (fase prodrômica da enxaqueca) são sin- lógico e decorrente da excitabilidade tecidual, os pacientes
tomas indefinidos que podem durar várias horas a dias com enxaqueca parecem apresentar manifestações clínicas
e estão associados a mudanças de humor, de apetite, ligadas a ele com maior frequência. Deve ser dito que até os
de retenção de líquido, fadiga, bocejo, sensibilidade à dias atuais temos apenas evidências indiretas da ocorrência
luz e ao som; deste fenômeno em seres humanos.

31
NEURO LOG I A

É importante diferenciar a aura de outros fenômenos


que também se caracterizam por disfunções neurológicas
focais transitórias, como crises epilépticas parciais (que são
de início mais rápido, em geral duram menos tempo e são
estritamente unilaterais antes da generalização) e episódios
isquêmicos transitórios (que têm início súbito, duram em
média 10 a 15 minutos e são sempre relacionados a um ter-
ritório arterial).
Particularmente no idoso, o diferencial entre aura de
enxaqueca e episódio isquêmico transitório pode ser pro-
blemático. Miller-Fisher descreveu o que chamou de equi-
valentes de enxaqueca que acontecem tardiamente na
vida, que são auras de enxaqueca sem cefaleia, e ressaltou
sua importância como diferencial de episódios isquêmicos
transitórios. Alguns fatores, segundo Fisher, ajudam no
diagnóstico diferencial: Figura 4 - Paciente com parestesias: 2º tipo mais comum de aura
- Episódios de escotoma cintilante, espectros de fortifi- sensitiva
cação isolados ou acompanhados de parestesias, afa-
sia, disartria ou paresias;
C - Cefaleia do tipo tensional
- Expansão gradual do déficit visual ou da parestesia;
- Progressão sequencial de um fenômeno para o outro, As cefaleias tensionais constituem a forma mais comum
e não sua instalação súbita; de cefaleia, e sua prevalência em adultos varia de 35 a
- Ocorrência de 2 ou mais episódios idênticos, muitas 78%. A cefaleia tensional episódica é a forma mais comum
vezes com vários anos de intervalo entre eles; de apresentação. É causada por contração dos músculos
pericranianos. O caráter típico da dor é em contração ou
- Associação com cefaleia; aperto, e a intensidade é fraca ou moderada. É bilateral e
- Duração entre 15 e 25 minutos; afeta qualquer região do crânio (algumas vezes, pode ser
- Curso benigno sem sequelas permanentes; unilateral). Não há relato de náuseas ou vômitos, não sendo
- Investigação negativa para doença cerebrovascular. agravada por exercícios físicos. Menos frequentemente que
na migrânea, foto e fonofobia podem ocorrer, mas apenas
Dados recentes do estudo de Framingham sugerem que uma de cada vez. Os critérios de classificação da cefaleia do
os equivalentes de enxaqueca descritos por Fisher são mais tipo tensional estão sumarizados na Tabela 2.
comuns do que se acreditava antigamente.
Devemos lembrar ainda das enxaquecas dos tipos: Tabela 2 - Critérios diagnósticos para cefaleia tensional episódica
acompanhada, complicada, oftalmoplégica, hemiplégica A - Pelo menos 10 crises de cefaleia que preenchem os critérios
(familiar) e basilar (da artéria). B a D. O número de dias desta cefaleia é menor ou igual a 180/
ano (menor que 15/mês).
B - Cefaleia durando 30 minutos a 7 dias.
C - Pelo menos 2 das seguintes características da dor:
· Qualidade de aperto/pressão (não pulsátil);
· Intensidade leve e moderada (pode limitar, mas não impede
atividades);
· Localização bilateral;
· Não é agravada por subir degraus ou atividade física seme-
lhante de rotina diária.
D - Ambos os seguintes:
· Ausência de náusea ou vômitos (anorexia pode ocorrer);
· Fotofobia e fonofobia estão ausentes, ou apenas um deles
está presente.
E - Não atribuível à outra patologia.

D - Cefaleia crônica diária


Denominamos Cefaleia Crônica Diária (CCD) as cefaleias
primárias que ocorrem mais de 15 dias/mês durante 6 me-
ses ou 180 dias/ano. Geralmente estamos diante de um
paciente com história pregressa de enxaqueca ou cefaleia
do tipo tensional episódica que progressivamente passa a
Figura 3 - Tipos de aura visual apresentar aumento da frequência de suas crises e redução

32
CEFALEIAS

da resposta a analgésicos. As crises nem sempre preservam C - A cefaleia é associada a pelo menos 1 dos seguintes sinais que
as características anteriores. Na unidade de emergência, deve estar presente com a dor:
frequentemente o paciente é medicado agudamente, po- · Injeção conjuntival e lacrimejamento;
rém é negligenciada a ocorrência da dor diária de base, que · Congestão nasal e/ou rinorreia;
nem sempre é referida pelo próprio paciente. É fundamen- · Edema palpebral ipsilateral;
tal orientar o paciente quanto aos fatores que levaram ao · Sudorese da fronte e da face ipsilateral;
aumento da frequência das crises, que na maioria das vezes · Miose e/ou ptose ipsilateral;
· Sentimento de inquietude e agitação.
são: abuso de analgésicos, derivados do “ergot” e cafeína, e
diagnósticos psiquiátricos como ansiedade e/ou depressão D - A frequência das crises varia de 1 dia a dias alternados e até
associados. Deve-se encaminhá-lo para realização de profi- 8 crises/dia.
laxia em regime de tratamento ambulatorial. E - Não atribuível à outra patologia.

E - Cefaleia em salvas
É uma cefaleia primária de origem neurovascular carac-
terizada por ser severa, estritamente unilateral, normal-

NEUROLOGIA
mente retro-orbitária, de curta duração, acompanhada por
alterações autônomas parassimpáticas crânio facial.
A cefaleia em salvas é uma condição rara, com prevalên-
cia entre 0,05 e 0,4%; acomete preferencialmente o sexo
masculino em proporção estimada entre 4:1 a 9:1, com
idade média de início entre 20 e 40 anos. A cefaleia em
salvas tem caráter bastante intenso e suas manifestações
são caracterizadas por episódios súbitos de dor unilateral
excruciante, com localização periorbital, associada a sinto-
mas autonômicos ipsilaterais. Caracteristicamente, há epi-
sódios periódicos (em salvas), com períodos mais sensíveis
às crises de dor e períodos de remissão. A ingestão de álco-
ol durante o período de crises quase sempre desencadeia Figura 5 - Homem passando por uma cefaleia do lado direito com
sintomas autonômicos associados
o quadro doloroso. Os critérios diagnósticos da cefaleia em
salvas encontram-se listados na Tabela 3. Oitenta por cen-
to dos pacientes com cefaleia em salva episódica tendem F - SUNCT (short-lasting unilateral neuralgiform
a manter esse tipo de apresentação. Cefaleia em salva epi-
sódica, eventualmente, transforma-se em cefaleia em salva headache attacks with conjunctival injection
crônica (4 a 13%). Formas mistas ou intermediárias podem and tearing)
ocorrer. Remissão espontânea prolongada tem sido descrita Trata-se de uma cefaleia rara de prevalência pouco co-
em até 12% dos pacientes em algumas séries, especialmen- nhecida, acomete mais o sexo masculino sendo seu início
te na episódica. Cefaleia em salva crônica é mais implacável entre 40 e 50 anos. É caracterizada como uma cefaleia, de
e pode persistir dessa forma em até 55% dos casos. Menos curta duração, unilateral, neuralgiforme com hiperemia con-
frequentemente, a cefaleia em salva crônica pode retornar juntival e lacrimejamento. Os surtos são relacionados com
para a forma episódica. Geralmente, a cefaleia em salva é território trigeminal (diagnóstico diferencial com neuralgia
um problema ao longo da vida. Intervenção farmacológica do trigêmeo 1º ramo – presença de períodos refratários)
pode desempenhar um papel na transformação da forma e os de ativação extratrigeminais. Por exemplo: estimula-
ção tátil da face e couro cabeludo, ato e mastigar, escovar
crônica para a episódica, não sendo verdadeiro o contrário.
os dentes, certos movimentos do pescoço dentre outros. A
Início tardio da doença, juntamente com o sexo masculino dor é de localização predominantemente orbitária, supra-
e uma história prévia de cefaleia em salva episódica, prevê orbitária ou temporal, de intensidade moderada a intensa,
um curso menos favorável. Neuroimagem com avaliação da tipicamente em pontada ou pulsátil. Usualmente não apre-
vascularização intracraniana e estudo das regiões cervical e senta períodos de refratariedade, os pacientes são capazes
selar e dos seios paranasais é recomendada para todos os de apresentar um ataque imediatamente após o outro. As
pacientes com apresentações de atípicas dores de cabeça crises têm duração de 5 a 240 segundos e frequência de 3 a
trigeminais autônomas. 200 ataques por dia, 90% dos episódios são diurnos. SUNCT
não foi incluída na 1ª edição da Classificação Internacional
Tabela 3 - Critérios diagnósticos para cefaleia em salvas das Cefaleias, pois não satisfazia os critérios de tipos de ce-
A - Pelo menos 5 crises preenchendo B a D. faleia. Na 2ª edição foi incluída no grupo das cefaleias em
salvas e outras cefaleias autonômicas trigeminais. SUNCT
B - Crises intensas de dor unilateral, orbitária, supraorbitária e/ não apresenta um tratamento padrão reconhecidamente
ou temporal, durando 15 a 180 minutos se não tratada.
eficaz. Medicamentos eficazes no tratamento da SUNCT:

33
NEURO LOG I A

indometacina, carbamazepina, gabapentina, topiramato, - Suspeita de sangramento ou processo inflamatório;


lamotrigina, fenitoína intravenosa e lidocaína intravenosa. - Suspeita de hipertensão ou hipotensão intracraniana
Várias tentativas terapêuticas devem ser utilizadas para mi- (para manometria);
nimizar os surtos. - Cefaleia associada a déficits de nervos cranianos
(quando a TC não esclarecer o diagnóstico e não con-
3. Cefaleias secundárias traindicar a punção);
- Cefaleia em pacientes com neoplasia ou HIV positivos
sem lesão intracraniana que contraindique a punção.
A - Introdução
De uma forma geral, pacientes que preencham crité- B - Critérios de investigação
rios para cefaleias primárias e que tenham exames clíni- Deve-se proceder à investigação diagnóstica com exa-
co e neurológico normais não necessitam de investigação mes complementares nos casos citados a seguir.
complementar. Os pacientes que se apresentam com dor
de cabeça com características de cefaleias primárias, mas a) A 1ª ou pior cefaleia da vida do paciente ou cefaleia
que têm algum sinal de alerta (Tabela 4) ou algum aspec- de início súbito
to atípico na apresentação clínica, tais como aura de enxa- É mandatória a investigação complementar em pa-
queca prolongada (maior que 1 hora) e aura atípica (súbita, cientes que se apresentam com queixa de cefaleia de ins-
estritamente unilateral ou associada a déficits motores, de talação súbita (pico de dor desde seu início). É necessário
linguagem ou de nervos cranianos), devem ser investigados investigar a possibilidade de hemorragia subaracnoide.
sempre. Dos pacientes com hemorragia subaracnoide que se apre-
sentam em bom estado geral e sem alterações ao exame
Tabela 4 - Lista de sinais de alerta (red flags)* clínico ou neurológico, 23 a 51% recebem outros diagnósti-
- Piora progressiva; cos. Contraditoriamente, sabemos que esses pacientes são
aqueles que mais se beneficiam de um tratamento precoce,
- Doenças sistêmicas (neoplasias, HIV);
quando comparados aos que se apresentam com alterações
- Interrupção do sono; do status neurológico. O erro diagnóstico em pacientes
- Sintomas gerais (febre, perda de peso); com hemorragia subaracnoide compromete o prognóstico,
- Exame neurológico alterado; uma vez que deixam de ser tomadas medidas que evitem
complicações. Outros sinais e sintomas que podem estar
- Nova (>50 anos); presentes são náuseas e vômitos (74%), perda transitória
- Início súbito; de consciência (53%), rigidez nucal (35%) e outros, como
- Agravada por Valsalva. rebaixamento de nível de consciência, sinais piramidais,
paresia de nervos cranianos, crise epiléptica e hemorragia
* Devem elevar suspeita de cefaleia secundária e recomendam
investigação adicional.
sub-hialóidea ao fundo de olho.
A investigação nesses casos consiste na realização de
Os exames necessários para investigação variam de uma tomografia computadorizada de crânio sem contraste,
acordo com a hipótese considerada. Assim, na suspeita de que tem alta sensibilidade nas primeiras 24 horas (mais de
arterite de células gigantes, o VHS pode ser mais impor- 90%). Essa sensibilidade cai progressivamente nos dias sub-
tante que a tomografia computadorizada, pois valores me- sequentes: cerca de 85% no 5º dia e praticamente zero de
nores do que 40mm/h ocorrem em menos de 4% destes 2 a 3 semanas após o icto. Além de definir o diagnóstico, a
pacientes, sendo, em grande número, de casos maior que tomografia pode constatar complicações, como hidrocefa-
100mm/h. Na maioria das vezes em que a investigação está lia aguda, ressangramento e estimar a gravidade do sangra-
mento, que se relaciona com a incidência de vasoespasmo.
indicada, um exame de imagem se faz necessário. Com ex-
Nos casos em que a tomografia é normal ou inconclu-
ceção dos casos de suspeita de sangramento intracraniano
siva, está indicada a coleta do líquido cerebrospinal (LCE),
e traumatismo de crânio, a ressonância nuclear magnética
procurando sinais de sangramento (hemorragia, xanto-
é superior à Tomografia Computadorizada (TC). No entanto, cromia). A diferenciação entre um LCE hemorrágico e um
o menor custo desta, aliado à sua maior facilidade de rea- acidente de punção nem sempre é possível, mas se sugere
lização e disponibilidade, a tornam o exame de eleição na observar o clareamento do sangue em tubos consecutivos
maioria dos casos na unidade de emergência. Geralmente a (teste dos 4 tubos), além de verificar a presença de xanto-
TC sem contraste é suficiente, sendo que a fase contrastada cromia a olho nu, ou por espectrofotometria, sugerindo a
acrescenta informações em apenas 1% dos casos. Se pos- presença de produtos de degradação da hemoglobina. O
sível, a administração de contraste deve ser realizada em LCE também fornece subsídios para o diagnóstico de hiper-
todos os casos de cefaleia a esclarecer que a suspeita não tensão intracraniana, além de doenças inflamatórias, infec-
seja trauma ou hemorragia subaracnoide. ciosas e neoplásicas do sistema nervoso central.
Outro exame frequentemente necessário é o do líquido Nos casos confirmados de hemorragia subaracnoide
cerebrospinal. Sua punção na unidade de emergência está está indicada a realização de angiografia cerebral para a
indicada para a investigação de cefaleias nas seguintes si- pesquisa de aneurismas, que são a causa mais comum de
tuações: hemorragia subaracnoide não traumática.
- Cefaleia de início súbito com TC de crânio normal; Pacientes portadores de cefaleia súbita com TC de crâ-
- Cefaleia acompanhada de sinais de infecção; nio e liquor normais têm a chamada cefaleia em trovoada,

34
CEFALEIAS

ou thunderclap headache. Contudo, é descrito que este tipo ções intracranianas em pacientes que procuraram a uni-
de cefaleia pode ser secundário à expansão de um aneuris- dade de emergência por queixa de cefaleia em um estudo
ma (sem sangramento) ou a sangramento na sua parede. prospectivo.
Devido a esse fato, alguns autores preconizam a realização As principais condições relacionadas às cefaleias secun-
de angiografia por ressonância magnética (angiorressonân- dárias que se iniciam após os 50 anos são: tumores intracra-
cia) ou por tomografia (angiotomografia) para rastreamen- nianos, hematoma subdural, doença cerebrovascular, arte-
to de aneurismas intracranianos não rotos. A realização de rite de células gigantes (arterite temporal) e as neuralgias
angiografia digital nesses casos não é indicada devido aos (principalmente a neuralgia de trigêmeo).
riscos do procedimento. - Tumores cerebrais: a cefaleia classicamente descrita
Outras condições podem manifestar-se clinicamente para tumores cerebrais (e hipertensão intracraniana)
com cefaleia súbita, tais como: hemorragias intraparenqui- é lentamente progressiva, de predomínio matinal e
matosas, hidrocefalia aguda, meningoencefalites, apoplexia que melhora após o vômito; embora típica, não é fre-
pituitária, trombose venosa cerebral e mesmo uma síndro- quente. Um estudo sobre prevalência de cefaleias em
me idiopática de cefaleia “em trovoada” ou thunderclap pacientes com tumores intracranianos assintomáticos
headache. (descobertos em estadiamento de tumores à distân-
b) Cefaleias de início recente cia) mostrou perfil diagnóstico semelhante ao da po-
pulação em geral (cefaleia do tipo tensional era a mais

NEUROLOGIA
A presença de cefaleia nova (há menos de 1 ano), fre- frequente), sugerindo que a algia não é um sinal pre-
quentemente está associada ao achado de doenças secun- coce nessa doença. Em outro estudo, apenas 8,2% dos
dárias. Um estudo prospectivo analisou 100 casos de pa- pacientes com tumores intracranianos apresentaram
cientes com cefaleia de início recente, 80% deles com exame cefaleia como sintoma inicial isolado, enquanto que
neurológico normal. Todos os pacientes foram submetidos à crises epilépticas ocorreram em 9%, e sinais e sinto-
TC de crânio e, em casos selecionados, punção de LCE, VHS, mas neurológicos focais em 57%. Uma duração maior
angiorressonância e biópsia de artéria temporal superficial. que 10 semanas sugeria outra causa para a cefaleia,
Tumores intracranianos foram iniciados em 21% dos pacien- que não a tumoral;
tes (16% daqueles com exame neurológico normal).
Em resumo, até 30% dos pacientes com cefaleia de iní-
- Hematoma subdural crônico: um diagnóstico extre-
mamente importante no idoso é o hematoma subdu-
cio recente apresentam afecções secundárias, justificando-
ral crônico. A maior incidência nessa faixa etária deve-
-se investigação complementar que deve incluir um exame
-se à atrofia cerebral própria da idade. Embora trauma
de imagem e outros, dependendo da suspeita clínica.
de crânio seja a causa mais comum de hematoma sub-
Devemos nos atentar, também, para outras etiologias
dural crônico, em apenas 50% dos casos consegue-se
de cefaleias secundárias que exigem alto índice de sus-
recuperar esse dado da história com pacientes ou fa-
peita clínica em seu diagnóstico. Destaca-se, entre elas, a
miliares. Cefaleia é o sintoma mais comum, podendo
hipertensão intracraniana idiopática (ou pseudotumor ce-
ocorrer isoladamente e sem características que a di-
rebral), que incide principalmente em mulheres obesas em
ferencie de outras etiologias. Assim, esse diagnóstico
idade fértil e manifesta-se com uma cefaleia difusa, diária
nunca pode ser descartado clinicamente, devendo ser
e não pulsátil. Nessa condição, existe aumento da pressão
realizado exame de imagem de rotina no idoso com
do LCE sem um distúrbio intracraniano, o que parece estar
cefaleia;
relacionado a uma diminuição da absorção do LCE. Além da
cefaleia, outros sintomas comuns são: amaurose fugaz (ge- - Arterite de células gigantes: outra situação que é
ralmente inferior a 30 segundos) mono ou binocular, náuse- praticamente exclusiva do idoso é a arterite de célu-
as e papiledema (quase sempre presente). Punção lombar las gigantes (arterite temporal). Para o diagnóstico da
revela pressão de abertura elevada. Outras condições asso- doença, o Colégio Americano de Reumatologia propôs
ciadas ao aparecimento da doença são a hipervitaminose A que os pacientes preencham pelo menos 3 dos seguin-
e a suspensão de corticoide. O tratamento envolve: perda tes critérios: idade igual ou superior a 50 anos; cefaleia
de peso, dieta hipossódica, acetazolamida VO e, em alguns localizada de início recente; artéria temporal dolorida
casos, derivação ventriculoperitoneal. à palpação ou diminuição de pulso; velocidade de he-
mossedimentação (VHS) maior ou igual a 50mm na 1ª
c) Cefaleia nova após os 50 anos de idade hora e biópsia confirmando o diagnóstico. Alguns pa-
Quando analisamos a incidência das cefaleias em di- cientes podem, ainda, apresentar febre baixa, dor arti-
versas faixas etárias, notamos que as de origem primária cular, perda ponderal, mialgia e rigidez articular (estes
raramente se iniciam após os 50 anos. Assim sendo, após últimos sintomas e sinais estão presentes também na
essa idade existe um aumento relativo do percentual de polimialgia reumática, na qual a ameaça de perda visu-
pacientes com cefaleias secundárias. Alguns autores reco- al é menor). Sintomas isquêmicos podem ocorrer, le-
mendam que, mesmo que o quadro clínico seja compatível vando à perda visual, paresias de nervos cranianos ou
com o de uma cefaleia primária, seja realizada investigação. até mesmo acidente vascular cerebral. O diagnóstico
Edmeades relata que as cefaleias primárias são as formas caracteristicamente é sugerido pela elevação do VHS,
predominantes em 66% da população idosa, contra cerca embora valores normais não o afastem. A Proteína C
de 90% daqueles com menos de 60 anos. Reativa (PCR) parece alterar-se mais precocemente no
As anormalidades ao exame neurológico e a idade aci- curso da doença. O tratamento geralmente se inicia
ma dos 55 anos foram os 2 maiores preditores de altera- após o diagnóstico com a introdução de prednisona

35
NEURO LOG I A

em dose de 1mg/kg de peso até haver retorno da VHS g) Cefaleias de esforço


a valores normais. A droga geralmente deve ser manti- Embora seja comum que as cefaleias primárias piorem
da por 6 meses a 1 ano (no mínimo). Faz-se necessário com o esforço e até mesmo que existam cefaleias benignas
um alto nível de suspeição clínica para o diagnóstico relacionadas ao esforço (como a cefaleia benigna da tosse
de arterite de células gigantes. Recomenda-se, de roti- e do orgasmo), a ocorrência de quadros álgicos desenca-
na, a realização de VHS e PCR em pacientes com cefa- deados por esforço está associada a um risco de 15% de
leias novas após os 50 anos de idade, mesmo que com achado de condição secundária. Neste grupo, devemos
características que não lembrem arterite de células lembrar-nos das malformações da transição occipitocervi-
gigantes; cal (Arnold-Chiari) e dos aneurismas intracranianos, cuja
ruptura muitas vezes ocorre durante esforço físico ou ato
sexual. Agudamente, esses pacientes merecem investiga-
ção com TC de crânio sem contraste e punção de LCE (se a
TC for normal). É ideal que sejam investigados com resso-
nância nuclear magnética (com atenção à transição occipi-
tocervical) e angiorressonância.
h) Cefaleias progressivas ou refratárias ao tratamento
Pacientes que se apresentam com queixa de cefaleia
inicialmente caracterizada como primária, que não estejam
respondendo ao tratamento instituído, devem ser investi-
gados. Há diversos relatos na literatura de pacientes com
cefaleias secundárias manifestadas clinicamente com carac-
terísticas de cefaleias primárias, com exceção da ausência
de resposta ao tratamento. Neste grupo, encontramos os
pacientes com estado de mal enxaquecoso refratário.
Define-se estado de mal enxaquecoso como cefaleia
com características de enxaqueca que perdure por mais que
72 horas, com períodos de acalmia menores que 4 horas,
excluído o sono. Devemos ressaltar, contudo, que a presen-
ça de cefaleia pulsátil, intensa, com náuseas e vômitos em
Figura 6 - Artéria temporal espessada. Fonte: www.uptodate.com paciente com história prévia de enxaqueca e exame neu-
rológico normal, não é exclusiva de enxaqueca, podendo
- Neuralgias: as dores neurálgicas são caracterizadas corresponder a episódio de meningite ou mesmo à hiper-
por seu caráter paroxístico, de curta duração (segun- tensão intracraniana.
dos), intenso, descrito pelos pacientes como choque
ou fisgada. Geralmente, apresentam pontos-gatilho
no território do nervo acometido; no caso do nervo
4. Tratamento das cefaleias primárias
trigêmeo, inclui: face, asa do nariz, olhos, gengiva e
mastigação. As dores neurálgicas devem sempre ser A - Tratamento agudo
investigadas, pois são indicativas de uma neuropatia.
a) Tratamento da crise aguda de enxaqueca
d) Cefaleia associada a alterações do exame neurológi-
co, rebaixamento do nível de consciência, rigidez de nuca De uma forma geral, podemos dividir os medicamentos
ou febre usados para tratar as crises de enxaqueca em não especí-
ficos e específicos, sendo que neste último grupo estão os
Esses achados de exame são, até que se prove o contrá- medicamentos que agem no sistema trigeminovascular – os
rio, evidências claras de um comprometimento secundário derivados do “ergot” (ergotamina e diidroergotamina) e os
e, portanto, determinam investigação.
triptanos. Recentemente, a Sociedade Brasileira de Cefaleia
e) Cefaleia nova em paciente com história de neopla- publicou recomendações para o tratamento da crise agu-
sia, infecção pelo HIV ou coagulopatias da de migrânea, que devem ser consultadas para maiores
Por constituir grupo de alto risco para ocorrência de detalhes, envolvendo o tratamento dessa cefaleia primária.
afecções do SNC, é necessário investigar com exame de Muitos esquemas terapêuticos podem ser administra-
imagem e, eventualmente, punção do LCE. dos, havendo espaço para alta maleabilidade, repetição e
associações de drogas. A escolha deve basear-se em opções
f) Cefaleia após traumatismo de crânio individuais, na intensidade da dor, na disponibilidade, na
Pacientes com cefaleias novas pós-traumatismo cra- tolerância e nas contraindicações específicas para cada pa-
niano, mesmo que este tenha sido leve, devem ser inves- ciente, não havendo regras definitivas. Atualmente, muito
tigados quanto à presença de hematomas intracranianos se discute se o tratamento sintomático deve ser realizado
(como hematoma subdural crônico), ou de fratura de base passo a passo, com uso de drogas progressivamente mais
de crânio que tenha evoluído com fístula liquórica e conse- potentes, ou se deve ser estratificado, optando-se pela dro-
quente hipotensão intracraniana. ga mais adequada em cada paciente, conforme a intensida-

36
CEFALEIAS

de e o pico de desenvolvimento da dor. A tendência atual • Zolmitriptana: 2,5 a 5mg/dia VO;


tem sido por esta 2ª opção. Também pode haver exigência • Rizatriptana: 5 a 10mg/dia VO;
de hospitalização para hidratação intravenosa se o paciente • Naratriptana: 2,5 a 5mg/dia VO;
estiver muito prostrado, como costuma acontecer no esta- • Eletriptana (ainda não disponível no mercado brasi-
do de mal enxaquecoso. leiro): 40 a 80mg/dia VO.
- Derivados do “ergot”: são substâncias purificadas a
partir da infecção do esporão do centeio pelo fungo Os efeitos adversos dos triptanos são leves e transitó-
Claviceps purpurea. Essas substâncias são agonistas rios e incluem: vertigens, tonturas, sensação de calor e de
não seletivos de diversos receptores e têm amplo uso fraqueza, náuseas, vômitos, dispneia e aperto no peito. As
na Medicina. O agonismo de receptores dopaminérgi- contraindicações principais são: gravidez, doenças corona-
cos propiciou o uso dessas substâncias para tratamen- rianas, insuficiência vascular periférica e hipertensão arte-
to de doença de Parkinson e prolactinomas (bromo- rial grave.
criptina). Mas, por outro lado, sua ação no trato gas- - Medicações não específicas: a seguir estão relaciona-
trintestinal é responsável pela ocorrência de náuseas dos os medicamentos mais comumente utilizados em
(efeito colateral). O agonismo de receptores de nora- nosso meio.
drenalina pode levar à hipertensão e vasoconstrição
• Antieméticos: seu uso é de grande valor mesmo
periférica, que em casos extremos pode até mesmo

NEUROLOGIA
nas crises sem vômitos, pois melhora a gastropa-
ocasionar necrose de extremidades, quadro conhecido
resia que acompanha a enxaqueca, aumentando a
como ergotismo. Com relação ao seu efeito terapêuti-
absorção oral dos analgésicos. Podem ser utilizadas
co na enxaqueca, sabe-se que é importante agonista
a metoclopramida 10mg IV/IM ou a domperidona
de receptores de serotonina, especificamente do tipo
10mg IM/VO;
5HT1B/1D. O receptor 5HT1B situa-se no vaso sanguí-
neo e, quando estimulado, causa vasoconstrição. Já o • Analgésicos comuns: neste caso, a preferência é
receptor 5HT1D encontra-se nos ramos trigeminais e, pela dipirona 500mg IV, pois muitos pacientes já fi-
quando estimulado, bloqueia o processo de inflama- zeram uso domiciliar de analgésicos comuns por VO
ção neurogênica, diminuindo a aferência sensitiva por como a aspirina, o paracetamol e a própria dipirona,
essa via. Apesar da sua boa eficiência na enxaqueca, inclusive em apresentações associadas a ergotamí-
atualmente o uso indiscriminado dos ergotamínicos nicos, isometepteno e cafeína, muito populares em
tem sido muito criticado pelos seus efeitos adversos, nosso meio;
como risco aumentado de cefaleia rebote, abuso de • Anti-inflamatórios Não Hormonais (AINHs): a maio-
analgésicos e piora dos vômitos. Como o efeito nau- ria é efetiva na enxaqueca, pois reduzem a inflama-
seoso é intenso, sempre há necessidade da associa- ção neurogênica perivascular. No pronto-socorro, a
ção de um antiemético (metoclopramida ou proclor- preferência pelas vias parenteral e intramuscular fa-
perazina) e, às vezes, dexametasona. A dose total de vorece o uso do diclofenaco 75mg IM, do cetoprofe-
ergotamínicos não deve exceder 10 a 12mg/semana no 100mg IM e do piroxicam 40mg IM. O tenoxicam
pelo risco de desenvolvimento de ergotismo e estão tem a vantagem da possibilidade de administração
contraindicados em pacientes com doença vascular tanto IV como IM na dose de 20 a 40mg. As con-
periférica, doença coronariana, insuficiência hepática traindicações dos AINHs são bem conhecidas, como
ou renal, hipertensão arterial grave, gravidez, hiperti- a úlcera péptica e a insuficiência renal;
reoidismo e porfiria. • Corticoides: a dexametasona na dose de 4 a 12mg
- Triptanos: são drogas de desenvolvimento recente; es- IV também é útil na crise aguda da enxaqueca e de
pecíficas para o tratamento da dor na enxaqueca, pois uso quase obrigatório no estado de mal enxaqueco-
atuam como agonistas superseletivos dos receptores so e na cefaleia crônica diária. Entretanto, não deve
serotonérgicos 5-HT1B e 5-HT1D do sistema trigemi- ser administrada isoladamente, e sim associada a
novascular, envolvidos na fisiopatogênese da doença. um analgésico, ou AINH, e um antiemético ou neu-
Os triptanos apresentam uma série de vantagens so- roléptico;
bre os ergotamínicos, com menor incidência de efeitos • Neurolépticos: são úteis em crises refratárias e
adversos; porém, têm custo mais elevado. Os triptanos no estado de mal enxaquecoso, particularmente
constituem, atualmente, o maior avanço no tratamen- quando há presença de vômitos intensos. Em nosso
to da enxaqueca, estando disponíveis em nosso meio meio, a preferência é pela clorpromazina, que deve
o sumatriptano, o zolmitriptana, o rizatriptana e o na- ser administrada em dose de 0,1mg/kg em infusão
ratriptana. A seguir, estão delineados os esquemas de venosa lenta diluída em 250 a 500mL de soro fisio-
tratamento, lembrando que os triptanos não devem lógico. A tolerância costuma ser boa, devendo-se
ser administrados com ergotamínicos no mesmo dia; ter cuidado com os efeitos hipotensores e com a
não devem ser usados concomitantemente com inibi- sedação. Outra opção que tem sido relatada é o uso
dores da MAO (pelo risco da síndrome da serotonina) do haloperidol em dose de 5mg IV diluído com soro
e que a associação com AINHs parece reduzir a recor- fisiológico;
rência da cefaleia: • Opiáceos: apesar dos analgésicos narcóticos pro-
• Sumatriptana: 6 a 12mg/dia SC ou 50 a 200mg/dia moverem rápido alívio da dor na enxaqueca, seu
VO ou spray nasal 10 a 40mg/dia; uso em cefaleias primárias é sujeito a muitas críti-

37
NEURO LOG I A

cas. Pacientes com enxaquecas intensas e frequen- do oxigênio puro, pois a vasodilatação craniana é um
tes são muito suscetíveis ao desenvolvimento de dos mecanismos fundamentais da dor na cefaleia em
abuso de analgésicos, levando ao grave problema salvas;
da cefaleia crônica diária, e não nos parece conve- - Ergotamínicos: o tartarato de ergotamina 1 a 2mg/via
niente “facilitar” esse processo com a administra- sublingual costuma dar alívio à dor, embora tenha ab-
ção de opiáceos. Além disso, na fisiopatogenia das sorção inconstante. Como a crise é curta, é desejável
cefaleias primárias provavelmente há uma desregu- que as drogas utilizadas tenham o efeito mais rápido
lação do sistema supressor de dor e uma disfunção possível e, neste caso, é preferível a diidroergotamina
serotoninérgica central; os opiáceos podem acen- (DHE) 0,5 a 1mg IV, que mostra a mesma eficácia do
tuar essas alterações. Assim sendo, sua utilização oxigênio a 100%. Por via IM ou inalatória, a DHE é me-
na crise de enxaqueca reserva-se às situações em nos eficiente;
que outras medidas falharam, por intolerância ou - Sumatriptano: deve ser utilizado pela via SC 6 a 12mg,
contraindicação aos medicamentos citados. Na uni- porque é necessário um efeito rápido que a apresenta-
dade de emergência pode-se utilizar a meperidina
ção oral não confere. Tem alta eficiência, com alívio da
100mg IM ou IV diluída, o tramadol 50 a 100mg IV
dor em 15 minutos em até 96% dos casos. Em relação
ou IM ou VO, e o butorfanol 1 a 2mg IM ou 10mg em
à utilidade dos outros triptanos na cefaleia em salvas,
spray nasal. Além destes, existem outros opiáceos
ainda não se tem uma experiência clínica suficiente. O
de uso oral em apresentações isoladas ou em as-
fato de serem drogas de uso exclusivamente oral não
sociação com analgésicos comuns como a codeína,
é favorável a eles. Há relatos recentes demonstrando
o dextropropoxifeno, a hidrocodona e a oxicodona.
efetividade do zolmitriptana, com alívio da dor em 30
b) Tratamento da crise de cefaleia do tipo tensional minutos; o rizatriptana também pode ser promissor,
Em geral, a crise aguda de cefaleia do tipo tensional não pois tem efeito por VO mais rápido que os outros trip-
oferece maiores dificuldades no seu tratamento. Podem-se tanos;
utilizar analgésicos simples, analgésicos combinados com - Lidocaína intranasal: existem relatos de que a instila-
cafeína, anti-inflamatórios não hormonais e miorrelaxan- ção tópica intranasal de lidocaína a 4% pode ser efe-
tes. Não está indicada a utilização dos medicamentos espe- tiva na crise de cefaleia em salvas, mas outros traba-
cíficos para enxaqueca, que têm sua ação mediada por ago- lhos não confirmam tais dados. O efeito se deveria ao
nismo de receptores serotonérgicos, tais como os derivados bloqueio anestésico do gânglio esfenopalatino, o que
do “ergot” e os triptanos. reduziria a realimentação aferente sobre o sistema
trigeminovascular. A infiltração do gânglio com agu-
c) Tratamento da crise de cefaleia em salvas lha é mais eficiente, mas requer conhecimento mais
A cefaleia em salvas (cluster headache), apesar de ser especializado. A instilação é feita com 1mL da solução
bem menos comum que a enxaqueca, tem a característi- na narina ipsilateral à dor, com o paciente em posição
ca de ser uma das dores mais intensas percebidas pelo ser supina, mantendo a cabeça virada para trás 30 graus
humano, causando grande sofrimento aos seus portadores. e girada para o lado da dor. O procedimento pode ser
Infelizmente, muitas vezes não tem sido iniciada adequada- repetido por mais uma vez após 15 minutos;
mente no nosso meio, sendo confundida com a neuralgia - Outros: há trabalhos mostrando melhora da dor com a
do trigêmeo, com sinusites, com problemas dentários, ocu- instilação intranasal de solução de capsaicina, mas são
lares e com a própria enxaqueca. De um modo geral, o diag- dados isolados. Em casos refratários podem ser admi-
nóstico é fácil, mesmo no 1º episódio, pelo quadro clínico nistrados corticosteroides por IV (dexametasona 8 a
típico, como: intensidade e unilateralidade da dor, curta du-
12mg ou metilprednisolona 1g), inclusive com pulso
ração dos ataques (frequentemente noturnos) e presença
inicial no tratamento profilático.
de alterações autonômicas na crise, como o lacrimejamen-
to, a congestão ocular e nasal, a rinorreia e eventualmente d) Tratamento da cefaleia crônica diária
síndrome de Horner parcial, todos ipsilaterais à dor. Cerca de 77% dos casos de CCD ocorrem em pacientes
Devido à curta duração da crise dolorosa (15 a 180 portadores do que se denomina enxaqueca transformada,
minutos), não é comum pacientes com cefaleia em salvas sendo que mais de 80% apresentam problema de abuso de
procurarem a unidade de emergência; a maioria dos que o analgésicos e/ou ergotamínicos, e também cafeína. O 1º
fazem, geralmente sofre de ataques mais longos que o usu-
passo é a desintoxicação da medicação de abuso, com sus-
al. Os medicamentos usados na crise de cefaleia em salvas
pensão imediata. Isso pode não ser fácil, pois a maioria dos
apresentam certas particularidades. Analgésicos comuns
pacientes tem morbidade psiquiátrica associada, sendo, al-
e opiáceos não funcionam e não devem ser prescritos. A
gumas vezes, necessária a internação. Podemos usar como
seguir, são relatados os métodos utilizados no tratamento
medicação de resgate os seguintes esquemas:
abortivo da dor:
- Oxigênio a 100%: a inalação com oxigênio constitui - AINHs: por qualquer via de administração;
um método simples, inócuo e deve ser considerada - Corticoides: por alguns dias (dexametasona 12 a
sempre como a 1ª opção na emergência, conseguin- 16mg/dia IV, IM ou VO);
do abortar 60 a 70% das crises em 5 a 10 minutos. - Sumatriptano: 6 a 12mg/dia SC ou 100 a 200mg/dia
Utiliza-se um fluxo de 5 a 7L/min, de preferência com VO;
máscara. O efeito se deve à forte ação vasoconstritora - Naratriptana: 2,5mg VO a cada 12 horas;
38
CEFALEIAS

- DHE: 0,5 a 1mg IV 8/8h; de fibrose cardíaca, pulmonar e retroperitoneal no uso


- Clorpromazina: 12,5 a 25mg IV 6/6h por 2 dias; prolongado. Nos casos crônicos (mais de 6 meses de
- Clonidina: transdérmica em patches de 0,1mg a cada 2 dor com períodos de acalmia inferiores a 2 semanas)
a 3 dias em casos de dependência de opiáceos. uma boa opção é o uso de carbonato de lítio.
- Prevenção: paciente deve evitar fatores de gatilho para
Ao mesmo tempo, deve ser iniciada rapidamente a dor, distúrbio no ciclo de sono pode induzir ataques,
medicação profilática, que pode requerer combinações de emoções fortes e excesso de atividade física pode in-
drogas, e o suporte psicológico, pois é alta a incidência de duzir ataques, fumo pode reduzir a resposta a medi-
comorbidades psiquiátricas, principalmente depressão, his-
camentos, narcóticos podem acelerar a transformação
teria e transtorno obsessivo compulsivo.
de salvas episódicas e crônicas.
B - Tratamento preventivo c) Tratamento das dores neurálgicas
Antes de traçar estratégias para o tratamento preventi- Diferentemente das demais dores mencionadas, as
vo das cefaleias primárias é importante entender os princí- dores neurálgicas são cefaleias secundárias, pois se rela-
pios que o regem. Mais que a frequência das crises, na indi- cionam a neuropatias. Após uma adequada investigação
cação do tratamento preventivo importa o grau de incapa- que se mostre negativa, pacientes com dor neurálgica (em

NEUROLOGIA
citação que a crise está causando ao indivíduo, pesando-se choque, lancinante, fisgada, com pontos-gatilho) no territó-
prós e contras do tratamento. Dessa forma, um indivíduo rio do nervo trigêmeo recebem o diagnóstico de neuralgia
que tenha 4 crises leves de enxaqueca ao mês, melhorando essencial do trigêmeo. O tratamento das dores neurálgicas
com baixa dose de analgésico sem incapacitá-lo, pode não tem como 1ª alternativa a utilização de anticonvulsivantes
ser candidato a tratamento preventivo, enquanto outro que
(carbamazepina, fenitoína, gabapentina, topiramato, lamo-
tenha apenas 1 crise ao mês, mas que persistentemente
trigina, oxcarbazepina, valproato, divalproato). Alternativas
precisa perder 1 dia de trabalho para receber medicações
parenterais em serviços de emergência, é forte candidato incluem a utilização de neurolépticos (clorpromazina, pimo-
a esse tipo de abordagem. O tratamento preventivo reduz zida) e até mesmo opções cirúrgicas (neurólise por balão ou
a incapacidade gerada pelas crises por reduzir sua frequên- por radiofrequência).
cia, intensidade e melhorar sua resposta aos medicamentos
abortivos. Deve-se iniciar o tratamento com dose baixa e 5. Resumo
aumentar lentamente no mínimo a cada 3 ou 4 semanas, na
medida necessária. Caso não se consiga sucesso com mo- Quadro-resumo
noterapia, pode-se trocar ou associar uma 2ª droga. É mui- - Cefaleia é uma queixa frequente e a maioria das pessoas
to útil reconhecer fatores que levam a insucesso na terapia apresentará pelo menos 1 episódio álgico durante a vida.
profilática, sobretudo o abuso de analgésicos/ergóticos/ Representa entre 2 e 4% das consultas em pronto-socorro;
triptanos/cafeína e psicopatologia associada não tratada.
- A maioria dos pacientes que procura assistência médica devido
De forma geral, o tratamento deve ser prolongado, sobre-
à cefaleia está mais preocupada em descartar distúrbio secun-
tudo em pacientes com cefaleia crônica diária.
dário do que obter alívio da dor;
a) Tratamento da enxaqueca - Os pacientes que preenchem os critérios para cefaleia primária
As drogas mais utilizadas são os beta-bloqueadores sem podem ser tratados com analgésicos. Nos casos em que houver
ação simpatomimética intrínseca (propranolol, metoprolol, sinais de alarme ou não preencherem os critérios diagnósticos,
nadolol, atenolol), os antidepressivos tricíclicos (amitriptili- deverão ser considerados exames complementares;
na, nortriptilina, imipramina) e os anticonvulsivantes (val- - Das cefaleias primárias, as mais prevalentes são enxaqueca
proato, divalproato e topiramato). Os antidepressivos ini- sem aura, enxaqueca com aura e cefaleia tensional;
bidores seletivos de recaptação de serotonina, embora in-
- A investigação da causa da cefaleia depende dos achados da
feriores, são úteis em alguns pacientes e podem ser opção
história, exame físico e hipóteses diagnósticas a partir desses
para pacientes que falharam em tratamentos de 1ª linha ou
achados;
não elegíveis para uso de outras medicações. Pode-se, ini-
cialmente, tratar os pacientes por 4 a 6 meses, mas tempos - Pacientes com cefaleia de início súbito, “a pior da vida”, mesmo
maiores, de 1 a 2 anos, podem ser necessários, sobretudo com bom estado geral, deverão ser submetidos à tomografia
em pacientes com cefaleia crônica diária. de crânio. Caso exista suspeita de hemorragia subaracnoide,
uma tomografia normal não descarta a hipótese diagnóstica,
b) Tratamento da cefaleia em salvas indicando-se punção do LCE;
- Independente do tratamento indicado, a utilização de - Pacientes com suspeita de meningite aguda, sem sinais neurológi-
corticoterapia nas primeiras 2 a 3 semanas é útil, pois cos localizatórios, devem ser submetidos imediatamente à punção
seu efeito é mais precoce que das demais medicações. do LCE, sem necessidade de tomografia prévia;
Entretanto, seu uso deve ser associado a medicações - O alívio da cefaleia com analgésicos não exclui causas secun-
de profilaxia, sendo a 1ª opção o bloqueador de canal dárias;
de cálcio (verapamil). Outras opções incluem o topira-
mato, o valproato, o divalproato e a metisergida, sen- - Os triptanos são medicações importantes no tratamento agudo
da migrânea.
do que esta tem seu uso limitado pelo potencial risco

39
NEURO LOG I A

Cefaleia no pronto-socorro

Anamnese e exame físico


Achados que sugerem que a cefaleia é secundária
sugerem cefaleia primária

Cefaleia aguda: a “pior da vida” TC de crânio*


Enxaqueca com aura
Enxaqueca sem aura
Cefaleia tensional
Cefaleia aguda: febre, irritação, Cefaleia em salvas
meníngea e ausência de sinais Punção liquórica
localizatórios

Tratamento do quadro:
Cefaleia progressiva: vômitos principais drogas e
TC de crânio
matinais tratamentos usados nas
cefaleias primárias

Cefaleia e confusão mental TC de crânio*

Cefaleia e coagulopatia ou
TC de crânio*
plaquetopenia

Cefaleia e infecção pelo HIV TC de crânio*

TC de crânio*
Cefaleia de início recente no
VHS
idoso
Biópsia temporal

* Se a TC de crânio for normal, deve-se coletar liquor

40
CAPÍTULO

4
Acidente vascular cerebral

Marcelo Calderaro / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Maria Aparecida Ferraz /


Cristina Gonçalves Massant / Mauro Augusto de Oliveira

1. Introdução B - Fisiopatologia
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é uma das princi- O AVCI se deve a uma redução parcial ou total do flu-
pais causas de mortalidade e a 1ª causa de incapacidade no xo sanguíneo encefálico. Dependendo da intensidade e
mundo. Em geral, apresenta-se de forma súbita e imprevisí- do tempo de redução, pode ocorrer disfunção tecidual
vel, levando o paciente à emergência. com perda reversível de função ou ter início uma cascata
Os AVCs são classificados em isquêmicos e hemorrági- de eventos metabólicos que levam à morte celular. Assim,
cos. O AVC Isquêmico (AVCI) é mais frequente, correspon- mesmo uma redução importante do fluxo sanguíneo re-
de a 80% dos casos em algumas estatísticas e é classificado gional pode gerar um déficit transitório caso seja de curta
com base nos mecanismos determinantes da lesão isquê- duração, como na presença de graves estenoses carotídeas
mica. Já os Acidentes Vasculares Cerebrais Hemorrágicos ou vertebrobasilar, em que pode haver uma trombose tran-
(AVCHs) correspondem a até 20% dos casos e podem ser sitória.
subdivididos, de acordo com o local de sangramento, em Tabela 1 - Relação entre sinais neurológicos e território arterial
hematoma intraparenquimatoso (HIP) e hemorragia suba- afetado nos acidentes vasculares cerebrais
racnoide (HSA).
Território carotídeo
A pronta identificação dos sinais e dos sintomas, inclu-
sive no ambiente pré-hospitalar, associada à correta inter- Artéria
Alteração visual monocular
pretação de exames subsidiários e à rápida adoção de me- oftálmica
didas terapêuticas, implicam um melhor prognóstico para Déficit motor
Artéria Predomínio braquifacial
o paciente. Déficit sensitivo
cerebral
média Afasia Hemisfério dominante
2. Acidente vascular cerebral isquêmico Negligência Hemisfério não dominante
Artéria Déficit motor
Predomínio crural
A - Introdução cerebral Déficit sensitivo
anterior Sinais de frontalização
O AVCI ocorre quando há redução do fluxo sanguíneo
cerebral abaixo de limites críticos, ocasionando perda de Território vertebrobasilar
função e, em última instância, morte celular. É definido, Náuseas, vômitos e tonturas/vertigens
segundo a Organização Mundial de Saúde, por déficit neu- Artéria
Acometimento dos nervos cranianos baixos
rológico focal (clássica e geralmente), às vezes global de vertebral
Alterações cerebelares
instalação súbita ou com rápida evolução, sem outra cau-
sa aparente que não a vascular, com duração maior que 24 Alterações de campo visual
Artéria Rebaixamento do nível de consciência
horas ou ocasionando morte sem outra causa aparente. O
cerebral
Ataque Isquêmico Transitório (AIT), por sua vez, é um insul- Déficit sensitivo
posterior
to isquêmico transitório e reversível, com regressão total Alteração de funções nervosas superiores
dos sinais e sintomas em menos de 24 horas. A maioria dos
Déficit motor
ataques dura de alguns minutos a 1 hora: por esse motivo, Frequentemente bilateral
uma definição mais moderna considera que os sintomas de- Artéria Déficit sensitivo
vam se reverter em até 1 hora e que não haja evidência de basilar Rebaixamento do nível de consciência
isquemia na investigação por imagem (ressonância). As ma- Alteração dos nervos cranianos
nifestações clínicas dependem da área encefálica acometi-
da, sendo útil o conhecimento do quadro clínico resultante Devido à presença de circulação colateral, a área afeta-
da obstrução dos principais territórios arteriais. da pela redução de fluxo sanguíneo não apresenta lesões

41
NEURO LO G I A

de intensidades uniformes. Em geral, o centro da lesão é fundamental para a manutenção de neurônios aviveis na
sofre maior redução de fluxo, sendo circundado por uma zona de penumbra.
área em que essa redução é insuficiente para comprometer Diversos mecanismos podem levar à redução do fluxo
a viabilidade celular, mas suficiente para comprometer sua sanguíneo cerebral regional, e sua identificação correta
função: é a zona de penumbra. Dessa forma, o quadro clíni- poderá ter impacto no direcionamento de exames comple-
co observado em um determinado momento é o somatório mentares, na vigilância clínica de eventuais complicações e,
de áreas de necrose e de outras ainda viáveis que poderão sobretudo, na profilaxia secundária.
recuperar sua função, caso se restabeleça o fluxo sanguí- a) Mecanismo aterotrombótico
neo. Alguns dados da hemodinâmica cerebral são impor-
tantes para sua compreensão: Ao longo do tempo, a ação nas artérias dos fatores de
- O fluxo sanguíneo cerebral corresponde a 20% do dé- risco vascular, como hipertensão arterial, diabetes mellitus,
bito cardíaco e a 50mL/min/100g de tecido cerebral; dislipidemia e tabagismo, gera um processo chamado ate-
rosclerose. A placa de ateroma obstrui gradualmente a luz
- O cérebro utiliza 25% do consumo total de oxigênio do arterial, predispondo à formação de trombose naquele ní-
corpo; vel, embolização distal de um trombo ali formado ou, mais
- A Pressão de Perfusão Cerebral (PPC) é de 70 a raramente, hipofluxo distal.
100mmHg: equivale à diferença entre a Pressão Arterial Deve-se suspeitar de mecanismo aterotrombótico
Média (PAM) e a Pressão Intracraniana Cerebral (PIC) quando são identificados fatores de risco cardiovascular, so-
– PPC = PAM - PIC. pro carotídeo, ou quando episódios isquêmicos transitórios
O esforço no atendimento do AVCI agudo visa preservar no mesmo território arterial antecedem o evento isquêmi-
a integridade e a capacidade de recuperação funcional da co atual.
zona de penumbra através do rápido restabelecimento do É importante ressaltar que, em geral, a doença ateros-
fluxo sanguíneo cerebral ou da adoção de medidas que fa- clerótica não é restrita às artérias encefálicas, tornando a
voreçam o metabolismo celular nessa região. Cabe comen- investigação de risco coronariano obrigatória para os pa-
tar, aqui, que o cérebro consome cerca de 150g de glicose cientes com esse tipo de mecanismo. Doença arterial co-
e 72L de oxigênio em 24 horas, ou seja, a manutenção de ronariana assintomática é comum em indivíduos com este-
aporte de glicose adequado, além da oxigenação, também nose carotídea.

Figura 1 - Mapa dos territórios arteriais dos hemisférios cerebrais. Fonte: Atlas de investigação e tratamento do AVCI

42
ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

b) Cardioembolismo C - Diagnóstico
Até 45% dos AVCs isquêmicos são de causa embólica, Deve-se suspeitar de AVC quando houver instalação
sendo 15 a 20% por embolias arterioarteriais e 20% de fon- súbita de déficit neurológico focal relacionado à obstrução
te cardíaca. Diversas condições têm sido implicadas como de uma artéria encefálica, com rápida progressão (minutos
fatores de risco cardioembólico. a horas). O conhecimento do quadro clínico resultante da
Deve-se suspeitar de mecanismo cardioembólico quan- obstrução das principais artérias é fundamental não apenas
do se identifica uma cardiopatia emboligênica ou quando para o diagnóstico, mas também para correlacioná-lo com
há evidências tomográficas ou clínicas de acidente vascular achados nos exames subsidiários.
ou episódio isquêmico transitório em diversos territórios
arteriais. Tabela 2 - Escala pré-hospitalar para AVC de Cincinnati
São fatores de alto risco para embolia cardiogênica: Peça para o paciente mostrar os dentes
- Prótese valvar mecânica; Queda facial
e sorrir.
- Fibrilação atrial; Normal Ambos os lados movem-se igualmente.
- Infarto de miocárdio há menos de 4 semanas; Um lado não se move tão bem quanto
- Acinesia de ventrículo esquerdo; Anormal
o outro.
- Endocardite infecciosa;

NEUROLOGIA
Peça para o paciente fechar os olhos e
- Doença do nó sinusal; Debilidade dos braços
estender os braços por 2 segundos.
- Miocardiopatia dilatada; Ambos os braços se movem igualmente
- Trombo de ventrículo esquerdo; Normal
ou não se movem.
- Trombo de auriculeta esquerda ou presença de con- Um braço não se move ou cai quando
traste espontâneo no átrio esquerdo; Anormal
comparado ao outro.
- Mixoma do átrio esquerdo; Peça para o paciente dizer: “O rato
- Forame oval patente. Fala
roeu a roupa do rei de Roma”.
c) Trombose de pequenas artérias Normal Pronúncia e sentidos claros.
O principal fator de risco para a trombose de pequenas Palavras inteligíveis, incorretas ou é
Anormal
artérias é a hipertensão arterial crônica, que gera um pro- incapaz de falar.
cesso chamado lipo-hialinose nas pequenas artérias ence- Se qualquer 1 desses 3 sinais se apre-
fálicas. As pequenas artérias estão situadas na profundida- Conclusão sentar alterado, há 72% de probabilida-
de dos hemisférios cerebrais, e, em geral, sua oclusão re- de de AVC.
sulta no quadro clínico das chamadas síndromes lacunares.
Devido à localização e à pequena extensão anatômica dos Nem sempre uma lesão observada em estudo de neu-
infartos cerebrais nessa situação, não há comprometimen- roimagem é a responsável pelo quadro clínico do paciente,
to de funções nervosas superiores (afasia, apraxia, agnosia, e pode ser necessária a solicitação de métodos mais sensí-
heminegligência etc.) nem do nível de consciência. veis (Ressonância Nuclear Magnética – RNM).
As principais síndromes lacunares descritas são: Quando não pode ser determinado o momento do iní-
- Hemiparesia pura; cio do AVC, deve ser considerado o último horário em que
- Hemi-hipoestesia pura; o doente foi visto (presencialmente) em condições normais.
- Hemiparesia-hemi-hipoestesia; Ao exame físico, além do exame neurológico, devem-se ve-
- Hemiparesia-hemiataxia; rificar hidratação, oxigenação, frequência, ritmo e ausculta
cardíaca, pressão arterial e frequência respiratória.
- Disartria-mão incoordenada. O nível de consciência deve ser observado e periodi-
Estima-se que cerca de 20% dos AVCs isquêmicos são do camente reavaliado. Alteração importante é sugestiva da
tipo lacunar. O achado clínico de uma síndrome lacunar não ocorrência de hemorragias, infartos hemisféricos extensos
anula a necessidade de investigação de outros mecanismos ou de tronco encefálico, sinalizando a necessidade de medi-
que não a trombose de pequenas artérias, uma vez que das de suporte mais agressivas (intubação orotraqueal para
uma embolia para pequenos vasos ou mesmo uma peque- proteger as vias aéreas, por exemplo).
na hemorragia podem gerar síndromes lacunares sem que A escala do NIH para AVC (NIHSS: National Institutes of
o mecanismo de lesão seja a trombose de pequenos vasos. Health Stroke Scale) é uma ferramenta útil, rápida e de fácil
aplicação à beira do leito que auxilia na decisão da terapia
d) Outros mecanismos trombolítica, além de uniformizar a linguagem para descri-
Outros mecanismos podem estar implicados na etiolo- ção do déficit neurológico do paciente. São avaliados fato-
gia dos AVCIs, como arterites (lembrar-se da arterite tem- res como linguagem, motricidade ocular, paresia em todos
poral), embolia paradoxal por forame oval patente, dissec- os membros, sensibilidade e presença de negligência, entre
ção arterial, trombofilias, entre outras. Deve-se suspeitar outros, como segue na Tabela 3. A pontuação na escala é
de mecanismos mais raros principalmente em pacientes jo- tanto mais elevada quanto mais grave o quadro clínico, sen-
vens, sem fatores de risco aterotrombótico ou cardioembó- do estabelecidos 2 pontos de corte em relação ao tratamen-
lico. Em até 30% dos casos, não se estabelece o mecanismo to trombolítico: NIHSS <4 (déficit muito leve, exceto afasia)
preciso do AVCI. e >20 (déficit grave), ambos de contraindicação relativa ao

43
NEURO LO G I A

r-TPA. A pontuação na escala, somada ao contexto clínico Orientação Definição da escala


do paciente (fatores de risco para sangramento, idade, tem- 3. Campos visuais 0 = normal
po de evolução) auxilia na decisão da contraindicação ao - Se houver cegueira mono- 1 = hemianopsia parcial, qua-
trombolítico. Pode ocorrer variabilidade entre examinado- cular, os campos visuais do drantanopsia, extinção
res, sendo considerada piora ou melhora neurológica quan- outro olho devem ser con-
do há diferença de 4 ou mais pontos no resultado final. siderados; 2 = hemianopsia completa
- Se o paciente for cego
Tabela 3 - Escala de AVC do National Institute of Health por qualquer outra causa,
marcar 3;
Orientação Definição da escala - Extinção, o paciente rece- 3 = cegueira cortical
1a. Nível de consciência 0 = alerta be 1, e os resultados são
- Escolher uma alternativa 1 = desperta com estímulo verbal utilizados para responder à
mesmo se avaliação pre- questão 11.
2 = desperta somente com estí-
judicada por tubo endo- 0 = normal
mulo doloroso
traqueal, linguagem ou 1 = paresia mínima (aspecto
4. Paresia facial
trauma; - Considerar simetria da normal em repouso, sorriso
- Dar 3, somente se não for 3 = respostas reflexas ou sem assimétrico)
contração facial em respos-
obtida resposta aos estímu- resposta aos estímulos dolorosos ta aos estímulos, dolorosos 2 = paresia/segmento inferior
los dolorosos. em paciente com alteração da face
1b. Orientação: idade e mês 0 = ambas corretas do nível de consciência.
3 = paresia/segmentos superior
- A resposta tem de ser cor- 1 = uma questão correta e inferior da face
reta e não há nota parcial;
0 = sem queda
- Paciente com afasia ou com 5. Motor membro superior
alteração do nível de consci- - Braços estendidos 90° 1 = queda, mas não atinge E
ência, que não compreende (sentado) ou 45° (deitado) o leito
as perguntas, recebe 2; 2 = ambas incorretas por 10 segundos; 2 = força contra gravidade,
- Intubação endotraqueal, - Iniciar com o lado não mas não sustenta
trauma, disartria grave ou parético; 3 = sem força contra gravi-
qualquer problema não - Em paciente afásico, utili- dade, mas qualquer movi- D
secundário a afasia, 1. zar gestos e não estímulos mento mínimo conta
dolorosos.
1c. Comandos 0 = ambas incorretas 4 = sem movimento
- Abrir e fechar olhos;
0 = sem queda
- Apertar e soltar a mão; 1 = uma tarefa correta
- Realizar com a mão não 1 = queda, mas não atinge E
parética; o leito
- Substituir por outro coman- 6. Motor membro inferior 2 = força contra gravidade,
do, se as mãos não pude- - Elevar perna a 30° deitado mas não sustenta
rem ser utilizadas; por 5 segundos. 3 = sem força contra gravida-
- Crédito se a tentativa for de, mas qualquer movimen- D
realizada, mas não com- 2 = ambas incorretas to mínimo conta
pletada, devido ao déficit 4 = sem movimento
neurológico;
- Se não responder ao co- 7. Ataxia apendicular 0 = sem ataxia (ou afásico, hemi-
- Fazer os testes com os plégico)
mando, devem ser utiliza-
olhos abertos. Índex-nariz e 1 = ataxia presente em 1 mem-
dos gestos.
calcanhar-joelho em ambos bro
2. Motricidade ocular 0 = normal os lados;
(Voluntária ou olhos de - Ataxia deve ser conside-
1 = paresia do olhar conjugado rada somente se estiver
boneca) 2 = ataxia presente em 2 mem-
- Somente olhar horizontal presente; bros
testado; - Se o paciente estiver afásico
- Se o paciente tem paresia ou plégico, não considerar.
do III, IV ou VI isolada, 8. Sensibilidade 0 = normal
marcar 1. Testar em pacien- - Paciente afásico ou com 1 = déficit unilateral, mas reco-
tes afásicos. Paciente com rebaixamento do nível de nhece o estímulo (ou afásico,
2 = desvio conjugado do olhar consciência recebe 0 ou 1;
trauma ocular, ou alteração confuso)
dos campos visuais deve - AVC de tronco com déficit
ser testado com movimen- bilateral = 2; 2 = paciente não reconhece o
tos reflexos; - Se o paciente não responder estímulo ou coma ou déficit
e estiver tetraplégico = 2; bilateral
- Todos os pacientes são
- Paciente em coma recebe 2.
testados.

44
ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

Orientação Definição da escala Tabela 4 - Avaliação inicial da emergência para casos de AVC
9. Linguagem 0 = normal - Eletrólitos;
- Descrever o que está acon- 1 = afasia leve-moderada (com- - Função renal;
tecendo em uma figura preensível) - Hemograma;
e nomear os objetos em
2 = afasia severa (quase sem - Coagulograma;
anexo. Também deve ler
troca de informações) - Glicemia;
frases;
- O paciente intubado deve - Eletrocardiograma;
ser solicitado para escrever - Raio x de tórax;
uma frase. O paciente em
3 = mudo, afasia global, coma - Tomografia de crânio.
coma recebe 3;
- Mutismo que não con- Embora a RNM forneça informações mais precisas sobre
segue realizar nenhum a natureza e a extensão da lesão, diversos fatores contri-
comando = 3. buem para que a tomografia ainda seja o exame de eleição
10. Disartria 0 = normal na fase aguda do acidente vascular. Apesar de a sensibili-
- O paciente deve ler as pala- 1 = leve à moderada dade desse método para lesões isquêmicas agudas ser re-

NEUROLOGIA
vras indicadas pelo médico, lativamente baixa nas primeiras horas, seu papel consiste,
2 = severa, ininteligível ou muda fundamentalmente, em descartar hemorragia e outros
como mamãe, tanque, rua
etc. X = intubado diagnósticos como tumores. É um exame de menor comple-
xidade, rápida execução e acessível à maioria dos centros
11. Extinção/negligência 0 = normal
de atendimento. Frente a um paciente com instalação agu-
- Se houver grave déficit 1 = negligência ou extinção em da de déficit neurológico focal, uma tomografia de crânio
visual e os estímulos sensi- uma modalidade sensorial normal fecha o diagnóstico de AVCI.
tivos forem normais, deve Não se deve protelar a tomografia de crânio. Em proto-
ser considerado normal; 2 = negligência em mais de 1
modalidade sensorial colos de atendimento de AVC agudo, recomenda-se que, da
- Se o paciente estiver afási- admissão do paciente até o laudo da tomografia de crânio,
co, mas percebe ambos os não se passem mais de 45 minutos. Não se deve passar de
<4 = stroke moderado;
lados, é considerado nor-
>20 = prognóstico pobre, apesar 60 minutos entre a chegada do paciente e o início da infu-
mal;
de tratamento. Risco alto para
são do r-TPA. É importante ter em mente que a TC apenas
- A negligência só é conside- mostrará a área infartada após 24 a 72 horas do evento,
hemorragia intracraniana depois
rada quando estiver pre- sendo útil num momento inicial para:
de t-PA
sente. 1 - Afastar AVCH, que aparece precocemente como hi-
perdenso (“branco”). A sensibilidade é de 100% para hema-
A Pressão Arterial (PA) deve ser periodicamente avalia- toma intraparenquimatoso.
da, pois seus níveis podem variar de forma rápida e espon- 2 - Avaliar sinais sutis de isquemia, como perda de defi-
tânea. A avaliação seriada desse parâmetro clínico pode nição entre substância branca e cinzenta cortical ou subcor-
evitar tratamentos anti-hipertensivos desnecessários (por tical, apagamento de sulcos e fissuras, sinal da artéria cere-
vezes prejudiciais, já que a viabilidade da área de penum- bral média hiperdensa que podem estar presentes mesmo
bra é dependente da PAM). Além disso, seu manejo deverá precocemente. Esses achados em áreas extensas implicam
basear-se em objetivos diferenciados para cada forma de maior risco de complicações para a trombólise (impacto na
AVC (Figura 1). decisão terapêutica).
Outros exames podem ser necessários em casos especí-
O exame de fundo de olho deve ser sempre realizado,
ficos ou para determinar o mecanismo do AVC, como:
pois pode auxiliar no diagnóstico de quadros hemorrágicos - Ecodoppler de artérias carótidas e vertebrais, Doppler
(por exemplo: presença de hemorragia sub-hialoide em transcraniano e angiorressonância: podem trazer in-
casos de HSA). A palidez retiniana pode ser observada em formações sobre possíveis estenoses arteriais extra e
alguns casos de perda visual monocular de causa isquêmica intracranianas. Pacientes com trombose sintomática
secundária à doença aterosclerótica carotídea. A palpação maior que 70% apresentam indicação de tratamento
de pulsos carotídeos, temporais e periféricos e ausculta com endarterectomia ou angioplastia. Em alguns ca-
carotídea podem ajudar no diagnóstico de estenoses arte- sos, esse procedimento pode ser indicado quando de
riais, comumente associadas à doença aterosclerótica. obstrução a partir de 50%. Em pacientes assintomá-
Cerca de 13 a 19% dos pacientes com suspeita clínica de ticos, o estudo ACAS demonstrou benefício da inter-
AVC apresentam, na verdade, outro diagnóstico neurológi- venção com obstruções maiores que 60%, desde que o
co (não vascular). Com base em tais dados, exames labora- paciente apresente baixo risco de complicações. Ainda
toriais e de imagem devem ser solicitados para a exclusão assim, grande parte da literatura não recomenda inter-
de diagnósticos diferenciais, como epilepsia, infecções sis- venção em pacientes assintomáticos;
têmicas, tumores cerebrais e distúrbios tóxico-metabólicos. - Liquor (quando se suspeita de etiologia infecciosa ou
A ocorrência isolada de sintomas como vertigem, tontura, hemorrágica);
náusea, síncope, confusão mental, amnésia e convulsão em - Ecocardiograma transtorácico e, particularmente,
geral se associa a outro diagnóstico que não AVC. Os exa- transesofágico: podem revelar alterações significati-
mes na Tabela 4 são indicados no manejo de pacientes com vas, determinando causa cardioembólica por meio da
acidente vascular cerebral. visualização de trombos, forame oval patente;

45
NEURO LO G I A

- Holter: pode demonstrar a presença de arritmias pa- nalização de artérias cerebrais foi publicado em 1995. Nele,
roxísticas, associadas a maior risco de desenvolver pacientes que receberam r-TPA IV dentro de uma janela te-
trombos; rapêutica de 180 minutos tiveram uma chance 30% maior
- Angiografia cerebral digital: pode trazer informações de ter mínima ou nenhuma sequela funcional ao final de 3
importantes em casos selecionados. É o exame de re- meses quando comparados com o grupo placebo. Em con-
ferência para identificar o mecanismo da HSA, permi- trapartida, o grupo tratado teve 10 vezes mais sangramento
tindo o diagnóstico de aneurismas cerebrais saculares intracraniano sintomático (6,1% versus 0,6%), algumas ve-
com maior sensibilidade e especificidade, fornecendo zes fatal. Na análise global, contudo, não houve aumento de
informações precisas quanto à sua localização, morfo- mortalidade do grupo tratado. Os critérios de inclusão são
logia e tamanho. Nesses casos, o exame deve ser siste- detalhados na Tabela 5.
maticamente realizado por meio dos 4 vasos cervicais
que nutrem a circulação intracraniana, possibilitando Tabela 5 - Critérios de inclusão e contraindicações à terapia anti-
o diagnóstico de aneurismas cerebrais múltiplos, que trombótica
ocorrem em, aproximadamente, 20% dos casos; Critérios de inclusão para terapia antitrombótica
- Perfil de autoanticorpos, dosagem de anticorpos anti- - Idade >18;
fosfolípides, pesquisa de trombofilias etc., a serem pes- - AVC com déficit neurológico mensurável;
quisados em indivíduos jovens ou com fator de risco; - Início dos sintomas há menos de 3 horas;
- Sorologia para doença de Chagas etc. - Contraindicações absolutas para terapia antitrombótica;
- Hemorragia intracraniana:
A escolha de tais exames deve ser criteriosa e direciona- · Suspeita de HSA;
da caso a caso, de acordo com a suspeita clínica. Em geral, · Hemorragia interna ativa.
esses exames têm impacto maior na prevenção secundária - Diátese hemorrágica aguda:
do que na conduta durante a fase aguda. · INR >1,7 e TP >15 segundos;
· Heparina há <48h e TTPA aumentado;
Observação: · Plaquetas <100.000/mm3;
- A avaliação laboratorial do paciente com AVC isquêmico dever · AVC prévio, trauma ou cirurgia intracraniana há <3 meses;
ser baseada nas comorbidades, bem como o potencial para · Politrauma ou cirurgia de grande porte nos últimos 14 dias.
AVC agudo. Testes laboratoriais adicionais são feitos sob me- Contraindicações relativas para terapia antitrombótica
dida para o paciente (baseada na história e achados clínicos - AVC com melhora clínica progressiva, exceto afasia;
individuais); - PAS >185mmHg ou PAD >110mmHg;
- RNI (alvo) intervalo:
- Punção lombar há <7 dias;
· Fibrilação atrial mais AVC isquêmico ou AIT: 2,5 (2 a 3);
· Trombose de seio venoso: 2,5 (2 a 3). - Punção arterial recente em local não compressível;
- Duração da terapia: longo prazo. - Antecedentes de hemorragia intracraniana;
· Fibrilação atrial mais AVC isquêmico ou AIT: longo prazo; - Malformação arteriovenosa, neoplasia ou aneurisma conhecidos;
· Trombose de seio venoso: 12 meses. - Convulsão no início dos sintomas;
- TC é a forma de neuroimagem mais utilizada na avaliação de - Hemorragia urinária ou gastrintestinal há <21 dias;
pacientes na fase aguda do AVC. RNM com ângio-RNM foi um - IAM há <21 dias;
grande avanço na neuroimagem do AVC; RNM não só fornece
grandes detalhes estruturais, mas também pode demonstrar - Pericardite posterior ao IAM;
áreas onde o metabolismo está alterado; - Glicemia >400mg/dL ou <50mg/dL.
- Doppler de carótidas é um dos testes mais úteis na avaliação
dos pacientes com AVC. Cada vez mais, está sendo realizada
A terapia trombolítica, entretanto, só deve ser realiza-
no início da avaliação, não só para definir a causa do AVC, mas da por profissionais capacitados e que estejam atuando
para estratificar pacientes para qualquer tratamento ou inter- em uma estrutura apta a lidar com complicações, incluindo
venção nas carótidas se houver estenose de carótidas; terapia intensiva e suporte neurocirúrgico e hematológico.
- Angiografia por subtração digital é considerada o método de- Os protocolos de conduta do estudo original devem ser
finitivo para demonstrar lesões vasculares, incluindo oclusões, seguidos rigorosamente. Há evidências de que quebras de
estenoses, dissecções e aneurismas. protocolo estão associadas a maior índice de complicações.
O esforço tem se concentrado atualmente no aumento
D - Conduta da janela terapêutica e na tentativa de selecionar o pacien-
te que melhor se beneficie de trombólise, minimizando o
a) Terapia trombolítica risco do procedimento. Atualmente, a trombólise deve ser
Como dito, a conduta na fase aguda do AVCI visa pre- realizada (com base nos fatores de inclusão e exclusão) nos
servar a integridade e a capacidade de recuperação funcio- pacientes com início dos sintomas:
nal da zona de penumbra. Sabe-se que em pouco tempo o - 0 a 4h30min: r-tPA IV na dose de 0,9mg/kg (dose má-
hipofluxo tecidual determina morte neuronal e inviabiliza xima de 90mg), sendo 10% da dose em bolus lento e o
a recuperação funcional: o ideal seria que pudesse recana- restante em 1 hora (bomba de infusão);
lizar a artéria obstruída o mais rapidamente possível. De - 4h30min a 6h: r-tPA intra-arterial (via angiografia).
fato, algumas vezes isso ocorre espontaneamente, como Score aspects: avalia a extensão do comprometimento
nos episódios isquêmicos transitórios. da ACM e risco de sangramento com o tratamento trombo-
O 1º estudo que demonstrou algum benefício na reca- lítico. Subdivide o território da ACM em 10 regiões padro-

46
ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

nizadas avaliadas em 2 cortes da TC de crânio: na altura do mia adequada incluem: craniectomia ampla com duroplas-
tálamo e núcleos da base e o próximo corte logo acima dos tia e sem ressecção rotineira de tecido cerebral.
núcleos da base. As complicações mais frequentes são a hidrocefalia, in-
Inicie com 10 pontos e retire 1 ponto para cada região fecções, convulsão, herniação paradoxal e a síndrome do
acometida. sinking skin flap quando a pressão atmosférica ultrapassa
- 7 a 10: baixo risco de hemorragia; a PIC.
- 5 a 7: risco alto de hemorragia.
Tabela 6 - Critérios para hemicraniectomia
Critérios de inclusão
- Diagnóstico de AVCI agudo em território de AVC de ACM, com
até 96 horas de sintomas;
- NIHSS ≥16 para lesão a direita ou ≥21 para lesão à esquerda;
- Diminuição gradual do nível de consciência (Glasgow ≤13 para
lesão à direita ou ≤9 com afasia para lesão à esquerda);
- Alterações isquêmicas na TC de crânio que afeta 2/3 ou mais do
território da ACM e edema com efeito de massa;

NEUROLOGIA
- Idade entre 18 e 60 anos.
Critérios de exclusão
Figura 2 - Score aspects - Diminuição do nível de consciência por outras causas que não
formação de edema (distúrbio metabólico);
Deve-se acrescentar que não se devem usar AAS e antico-
- Pupilas fixas e dilatadas;
agulantes nas primeiras 48 horas após a trombólise. Outras
drogas, potencialmente mais seguras, também têm sido - Uso de alteplase 12 horas antes;
testadas. O uso de antiagregantes plaquetários foi bastante - Distúrbio sanguíneo sistêmico conhecido;
testado para a profilaxia secundária, sobretudo nos casos de - Escala de Rankin pré-AVC >1 ou índice de Barthel <95;
AVC aterotrombótico. Diversos estudos com AAS, associação - Expectativa de vida menor que 3 anos.
de AAS e dipiridamol, ticlopidina e clopidogrel mostram be-
nefício nessa situação. Para a fase aguda do AVCI, contudo, c) Medidas gerais
só o AAS foi testado, mostrando um benefício modesto quan- Se, por um lado, a terapia trombolítica é reservada para
do administrado nas primeiras 48 horas do evento isquêmi- poucas situações (apenas cerca de 5% dos pacientes que
co. Quando não é indicada outra terapia, deve ser realizada a chegam ao pronto-socorro, mesmo em centros de referên-
administração de AAS, na dose de 100 a 300mg. cia, são elegíveis para a trombólise), por outro, diversas me-
Embora seja amplamente feito para prevenção secun- didas gerais têm impacto no prognóstico do paciente com
dária, sobretudo em casos de acidente vascular cardioem- AVCI, e isso deve ser enfatizado:
bólico, o uso de anticoagulantes na fase aguda do AVCI deve - Procedimento inicial: o paciente deve ser admitido em
ser cauteloso, devido ao risco de transformação hemorrá- unidade de terapia intensiva. Recentemente, tem-se
gica. Não há nenhum estudo controlado que demonstre discutido a necessidade de internação em unidade de
benefício na utilização de heparina na fase aguda do AVCI. AVC. Diversos estudos mostram benefício na implan-
Ainda assim, há especialistas que a recomendam em casos tação dessas unidades, pois nelas trabalham profis-
de acidente vascular em progressão e na trombose de arté- sionais capacitados para o pronto reconhecimento de
ria basilar. Deve-se atentar que heparina em doses profilá- sinais e sintomas de complicações do AVC, tornando
ticas (por exemplo, 5.000U, de 8/8h) está sempre indicada. mais ágil a adoção de medidas terapêuticas;
Nos casos de AVC cardioembólico, deve-se iniciar an- - Controle da glicemia: níveis glicêmicos altos ofereci-
ticoagulação a partir do 3º dia nos infartos pequenos e a dos a uma área isquêmica aumentam a acidose tecidu-
partir do 7º dia nos infartos maiores. Nos casos de transfor- al e pioram sua recuperação funcional. De forma geral,
mação hemorrágica, geralmente inicia-se a anticoagulação recomenda-se evitar níveis de glicemia superiores a
após 30 dias. 150mg/dL;

b) Hemicraniectomia descompressiva
- Temperatura: a correção da hipertermia (T >37°) com
antitérmicos tem impacto no prognóstico;
A hemicraniectomia descompressiva precoce é uma - Pressão arterial: há um conceito equivocado de que o
técnica que vem ganhando espaço no tratamento do AVCI pico hipertensivo na fase aguda do acidente vascular
malignos de artéria cerebral média, principalmente quando deva ser combatido de modo agressivo, quando todos
realizado precocemente dentro das primeiras 48 horas, pre- os dados atuais demonstram exatamente o contrário.
ferencialmente nas 24 horas iniciais levando a um melhor Atualmente, admite-se que a elevação da pressão na
desfecho em morbimortalidade. fase aguda do AVCI seja um mecanismo neuro-humo-
Os critérios para realização de craniectomia estão em ral fisiológico com o objetivo de manter a pressão de
anexo. As técnicas atualmente aceitas para uma craniecto- perfusão cerebral da área isquemiada. Em mais de 90%

47
NEURO LO G I A

dos casos, a pressão arterial no AVCI cai espontanea- - Prevenção de aspiração pulmonar: manter cabeceira
mente para níveis aceitáveis, sem qualquer medida a do leito elevada a 30°;
ser adotada. Em algumas situações, contudo, deve-se • Avaliação da deglutição: deve ser feita antes de ini-
pensar em reduzir a pressão arterial: ciar a alimentação oral. Em indivíduos com rebai-
• Suspeita clínica de infarto agudo do miocárdio ou xamento do nível de consciência ou disfagia grave,
dissecção de aorta concomitante ao AVC: a terapia deve-se passar sonda nasoenteral para alimentação
anti-hipertensiva deve seguir as recomendações precoce, a fim de evitar desnutrição;
para tais patologias;
• Hidratação: manter adequada com solução salina
• Pacientes candidatos à trombólise IV: devem- isotônica;
-se manter os níveis pressóricos abaixo de
185x110mmHg, pois níveis superiores estão asso- • Suplementação de oxigênio: para manter satura-
ciados a uma maior chance de complicações he- ção de O2 acima de 92%. Não há benefício na uti-
morrágicas no sistema nervoso central; lização de oxigênio suplementar em pacientes que
• Pacientes não trombolizados: níveis pressóricos de estejam saturando adequadamente;
até 220x120mmHg ou de pressão arterial média de • Profilaxia para trombose venosa profunda: mecâ-
até 130mmHg não devem ser combatidos na fase nica (meias elásticas) e química (heparina profiláti-
aguda. ca). Em pacientes submetidos à trombólise IV, o uso
Quando é necessário reduzir a pressão arterial aguda- de heparina subcutânea deve ser iniciado apenas
mente, deve-se dar preferência a drogas intravenosas (be- 24 horas após a administração do trombolítico, a
ta-bloqueadores, nitroprussiato de sódio). Devem ser evi- fim de evitar complicações hemorrágicas no siste-
tadas drogas que possam causar queda abrupta de pressão ma nervoso;
arterial, como bloqueadores de canal de cálcio sublingual • Reabilitação precoce do paciente: com suporte de
ou diuréticos de alça. fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional.
Pressão arterial no AVCI

Pacientes internados para trombólise Pacientes não candidatos à


ou que estão em trombólise trombólise

Tratar situações que aumentam a PA


Pré-trombólise: PAS >185mmHg ou (dor, ansiedade, cefaleia, náusea,
PAD >110mmHg vômitos, hipóxia, convulsões,
hipoglicemia)

1ª opção: labetol – 10 Aceitável: PA persistentemente elevada em


a 20mg IV, em 1 a nitroprussiato – bomba várias aferições
2min. A dose pode ser de infusão contínua,
repetida de 10 em iniciar com 0,1 a 0,3μg/
10min (dose máxima kg/min, aumentar a Não baixar a PA em mais de 10 a
de 300mg) cada 5min 15% da PAD

Durante ou após trombólise Manter PAS = 220mmHg ou PAD = 120mmHg


(monitorar a PA)

PAD >140mmHg PAS = 220mmHg ou PAS >220mmHg ou


PAD = 120mmHg PAD >120mmHg

Nitroprussiato BIC – iniciar


Não usar hipotensores 1ª opção: labetol – 10 a
com 0,3 a 0,5μg/kg/min,
20mg IV, em 1 a 2min,
aumentar a cada 5min até
manter 2 a 8mg/min
o efeito desejado
em BIC

PAS >230mmHg ou 121 <PAD <140mmHg


Aceitável: nitroprussiato
– BIC, iniciar com 0,1 a
0,3μg/kg/min, aumentar
1ªopção: labetol – 10 a Aceitável: nitroprussiato – a cada 5min
20mg IV, em 1 a 2min, BIC, iniciar com 0,1 a
manter 2 a 8mg/min 0,2μg/kg/min, aumentar a
em BIC cada 5min até o efeito
desejado

PAS entre 180 e 230mmHg ou PAD entre 105 e 120mmHg

* É imprescindível monitorar a PA:


- Primeiras 2h, 15/15min;
Aceitável: nitroprussiato –
1ªopção: labetol – 10 a - Da 2ª à 6ª hora, 30/30min;
BIC, iniciar com 0,1 a
20mg IV, em 1 a 2min, - Passando 6h, 1/1h.
0,2μg/kg/min, aumentar a
manter 2 a 8mg/min
cada 5min até o efeito
em BIC
desejado

Figura 3 - Manejo do paciente com AVC

48
ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

3. Ataque isquêmico transitório - Exames de imagem para IAT incluem: Doppler de carótidas, TC
crânio (ângio-TC) e RNM do encéfalo (ângio-RNM). O Doppler de
Classicamente, definia-se o AIT como o déficit neuroló-
carótidas pode ser usado para identificar pacientes que necessi-
gico focal de instalação súbita, com duração inferior a 24
tam de tratamento cirúrgico endovascular de urgência. Doppler
horas e presumidamente de origem vascular, limitado a um
transcraniano pode ser um exame complementar para avaliar a
território cerebral ou ocular e nutrido por uma artéria es-
permeabilidade dos vasos cerebrais e circulação colateral;
pecífica.
- Angiotomografia é de valor cada vez maior na identificação de
Essa definição traz alguns problemas. O 1º deles é que
doença oclusiva na circulação cerebral. A angiorressonância é
ela induz a um equivocado conceito de benignidade dos
eventos. Sabe-se que 10% dos pacientes com AITs desen- uma alternativa para avaliar imagens de ambos cérebro e pes-
volverão um AVCI nos primeiros 90 dias após o evento, me- coço. A angiografia convencional pode ser realizada quando as
tade nos primeiros 2 dias. Em um período de 5 anos, 30% outras modalidades não estão disponíveis ou produzem resul-
dos pacientes com AIT desenvolverão um AVCI. Assim, esse tados discordantes;
episódio é o maior fator de risco para AVCI. Além disso, a - EEG pode estar indicado em casos para avaliar atividade convulsiva.
presença de um déficit revertido não exclui a necessidade
de investigação complementar. Os diagnósticos diferenciais 4. Acidente vascular cerebral hemorrágico

NEUROLOGIA
dos AITs são os mesmos do AVCI, e os pacientes devem ser
submetidos à mesma bateria de testes diagnósticos em am-
bos os casos. Da mesma forma, não se deve adiar a investi- A - Hematoma intraparenquimatoso
gação complementar.
Um estudo que avaliou a duração dos AITs mostrou que a) Introdução
a média de duração dos sintomas era de 8 minutos para os O AVCH, também denominado Hemorragia Intracerebral
AITs no território vertebrobasilar e de 14 minutos para o (HI) ou hemorragia cerebral intraparenquimatosa (HIP),
AVC carotídeo. Mais de 80% dos casos regridem em menos apresenta elevada mortalidade: mais de 1/3 dos pacientes
de 1 hora, sendo menor que 15% a chance de um déficit morrem em 30 dias, e apenas 20% recuperam a indepen-
neurológico estável há 1 hora regredir antes de completar dência funcional após 6 meses.
24 horas. Por fim, estudos mais modernos de neuroima- O quadro clínico do HIP é o mesmo dos quadros isquê-
gem, envolvendo técnicas de RNM de difusão, mostram micos, a depender da topografia da lesão. A diferença con-
que parte dos déficits neurológicos transitórios apresenta siste em possíveis sintomas decorrentes da hipertensão
lesões estruturais. Com base nesses estudos, uma nova de- intracraniana (HIC), ausente nas fases iniciais do AVCI. Tais
sintomas incluem cefaleia intensa, náuseas, vômitos, rebai-
finição para AIT tem sido proposta: episódio breve de dis-
xamento intenso do nível de consciência e crises epilépti-
função neurológica provocada por isquemia cerebral focal
cas. Além disso, em geral os níveis de pressão arterial veri-
ou retiniana, com sintomas clínicos durando menos de 1
ficados na fase aguda do AVCH são superiores aos do AVCI.
hora e sem evidência de infarto. O volume do hematoma se correlaciona diretamente com
Preconiza-se que os pacientes com AIT recente sejam a intensidade e a gravidade do quadro clínico. Ao contrá-
internados para que se estabeleça, rapidamente, o provável rio do AVCI, em que, habitualmente, o déficit neurológico é
mecanismo de lesão isquêmica e, por conseguinte, a profi- máximo na sua instalação, no HI é comum a progressão, no
laxia secundária mais adequada. curso de algumas horas, dos déficits neurológicos focais e
da sintomatologia de HIC.
Observação: Nas hemorragias talâmicas e do núcleo caudado, assim
- É importante afastar etiologias metabólicas ou induzidas por como nos hematomas putaminais e lobares extensos, ob-
drogas para os sintomas consistentes com um AIT. Fazer sempre serva-se, com frequência, extensão do sangramento para
um teste (dextro) para avaliar hipoglicemia. Eletrólitos séricos o sistema ventricular. Na hemorragia talâmica, deve-se es-
devem ser realizados para afastar distúrbios hidroeletrolíticos; tar atento para a deterioração clínica abrupta causada por
- Na emergência realizar os seguintes testes: perfil bioquímico sérico, hidrocefalia, como resultado da obstrução do aqueduto de
incluindo estudos de coagulação, creatinina e hemograma completo; Sylvius por coágulo intraventricular.
- Os seguintes testes podem ser realizados em caráter de urgência: ve- O edema cerebral ao redor do hematoma, do tipo va-
locidade de hemossedimentação, perfil lipídico e enzimas cardíacas; sogênico, tem seu pico de ocorrência entre 24 e 48 horas
- Testes laboratoriais adicionais, com bases na história incluem: após o icto, mas a correlação com a deterioração do quadro
sorologia para sífilis, anticorpos antifosfolípides, testes toxicoló- neurológico é questionável.
gicos, eletroforese de proteínas plasmáticas e hemoglobina, LCR; No HIP associado à hipertensão, a evolução clínica des-
- Triagem para os estados de hipercoagulabilidade principalmen-
favorável está relacionada a maior idade do paciente, con-
dição neurológica à admissão, hematomas volumosos e sua
te em pacientes jovens sem fatores de risco incluem os seguin-
localização. As hemorragias intraventriculares primárias e
tes: proteína C, proteína S, antitrombina III ativada, proteína C
no núcleo caudado têm melhor prognóstico que as situadas
ativada, fator V Leiden, fibrinogênio, anticorpo anticardiolipi-
no tálamo e na ponte.
na, homocisteína, fator VIII, fator de von Willebrand, inibidor Contudo, os sinais e os sintomas associados à HIC não
1 de ativador de plasminogênio, anticoagulante lúpico e muta- são patognomônicos; portanto, não permitem o diagnós-
ção G20210A no gene da protrombina; tico diferencial exclusivamente pelo quadro clínico, sendo

49
NEURO LO G I A

necessária a realização de exames complementares, princi- da. Dá-se preferência para meios físicos, como compressão
palmente a tomografia, que apresenta alta sensibilidade na pneumática intermitente de membros inferiores.
identificação de HI. A conduta específica é relacionada a medidas para HIC,
condição ausente nas fases iniciais do AVCI, tratamento da
b) Fisiopatologia
hipertensão arterial, profilaxia de crises epilépticas e mane-
A hipertensão arterial crônica não controlada está as- jo cirúrgico.
sociada a HIs e a achados patológicos de microaneurismas
de Charcot-Bouchard, que podem romper-se e ocasionar e) Tratamento da HIC
o extravasamento de sangue para o parênquima cerebral. Uma particularidade do quadro clínico do HIP é a sú-
Localizam-se, de preferência, nas pequenas arteríolas per- bita elevação da pressão intracraniana. O uso de monito-
furantes do putâmen e do tálamo e menos comumente em ração da PIC de preferência intraventricular deve ser indi-
tronco, córtex cerebral e cerebelo. Um pico hipertensivo cado em pacientes com Glasgow ≤8, e quadro HIC levando
predispõe agudamente ao rompimento desses microaneu- à piora neurológica ou em caso de hidrocefalia associada,
rismas, gerando hematomas nas regiões descritas. sempre visando medidas proativas ao em vez de medidas
HIs acima de 80mL geralmente são letais, por lesarem reativas. A presença de sinais clínicos ou tomográficos de
estruturas vitais. HIC descompensada, sobretudo a presença de hérnias in-
tracranianas, constitui critério de gravidade. Medidas clíni-
c) Diagnóstico
cas simples, como intubação orotraqueal com realização de
A tomografia computadorizada de crânio é o exame hiperventilação leve a moderada, retificação do pescoço e
de eleição para o diagnóstico de HIP, com quase 100% de elevação do decúbito a 30°, têm impacto na redução ime-
sensibilidade diagnóstica na fase aguda, quando se observa diata da pressão intracraniana. Outras medidas podem ser
uma imagem hiperatenuante e homogênea no parênquima necessárias, como a administração de agentes osmóticos,
encefálico ou cerebelar. como o manitol IV (de 0,5 a 1g/kg de peso). Não há impacto
A RNM pouco acrescenta na avaliação dos pacientes. É na administração de corticosteroides nessa situação, embo-
importante nos casos atípicos, como hemorragias lobares ra seu uso seja preconizado quando há evidências tomo-
e pontinas em jovens, podendo detectar angiomas caver- gráficas de sangramento intraventricular ou subaracnoide.
nosos ou malformações arteriovenosas. Tumores intracra- Caso tais medidas sejam ineficientes, a sedação com diaze-
nianos também podem ser diagnosticados, particularmen- pínicos, propofol ou barbitúricos pode ser uma alternativa,
te quando há edema e efeito de massa desproporcional ao e a conduta cirúrgica deve ser considerada.
sangramento.
Exames de função renal, eletrólitos, hemograma, coagu- f) Tratamento da hipertensão arterial
lograma e glicemia, além de eletrocardiograma, devem ser Enquanto, no AVCI, os níveis pressóricos elevados ob-
realizados em todos os pacientes. servados na fase aguda são reacionais e retornam a valores
Quando o quadro clínico é muito sugestivo de HIP se- normais sem qualquer tratamento, no HIP os níveis pres-
cundário à hipertensão arterial, ou seja, a localização é tí- sóricos elevados são indesejáveis, pois são, na maioria das
pica e o paciente apresentou pico hipertensivo à admissão, vezes, a causa do sangramento, e sua manutenção implica
em geral nenhum outro exame é necessário para estabe- na progressão da extensão da lesão. Diretrizes internacio-
lecer a etiologia do HIP. Do contrário, deve-se realizar uma nais recomendam que os níveis pressóricos sejam mantidos
angiografia digital ou, em casos selecionados, a angiogra- abaixo de 180x105mmHg. Em pacientes com pressão intra-
fia por RNM, visando pesquisar causas mais raras de HIP, craniana muito elevada, a redução da pressão arterial deve
como malformações arteriovenosas. A RNM também pode ser muito cuidadosa, pois se pode reduzir, drasticamente, a
ser útil, sobretudo para a pesquisa de tumores de sistema pressão de perfusão cerebral. Em pacientes submetidos à
nervoso que tenham sangrado. monitorização da pressão intracraniana, deve-se manter a
Hematomas com mais de 30mL têm pior prognóstico de pressão de perfusão cerebral acima de 70mmHg.
uma forma geral. O cálculo do volume do hematoma é feito A droga mais utilizada, nessa situação, é o nitroprussiato
utilizando-se a fórmula (A x B x C) ÷ 2 = volume do hemato- de sódio, devido à sua rápida ação.
ma em mL, em que:
g) Profilaxia e tratamento das crises epilépticas
- A (cm) = maior diâmetro do hematoma;
- B (cm) = diâmetro perpendicular a A (utilizar a escala Enquanto, no AVCI, a administração de drogas antiepi-
de cm ao lado da imagem). lépticas é restrita aos pacientes que tenham apresentado
episódio convulsivo, no HIP, sua administração profilática
- C = somar os pontos obtidos com os cortes de 10mm deve ser realizada naqueles com hematomas próximos ao
em que o principal eixo do hematoma tenha:
córtex cerebral, naqueles com inundação ventricular ou
• 75 a 100% de A – pontuar cada corte com o valor 1; com sangramento subaracnoide. Caso o paciente não apre-
• 25 a 50% de A – pontuar cada corte com 0,5; sente crises, pode-se suspender a droga antiepiléptica en-
• ≤ 25% de A – pontuar cada corte com 0,0. tre 1 e 3 meses após o AVC.
d) Conduta h) Conduta cirúrgica
As medidas gerais no HIP são semelhantes às do AVCI, A drenagem cirúrgica do HIP pode parecer, inicialmente,
embora, geralmente, não se preconize a administração de uma alternativa racional para o alívio da pressão intracra-
profilaxia medicamentosa para trombose venosa profun- niana, mas ainda não há evidências claras de que pacientes

50
ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

efetivamente se beneficiem dessa terapia. De forma geral, A presença de sangue nos ventrículos é associada a uma
tem sido indicada drenagem cirúrgica nas seguintes situa- maior taxa de mortalidade. Em um estudo, a presença de
ções: sangue intraventricular foi associado um amento de 2 vezes
- Hematomas de fossa posterior maiores que 3cm de na mortalidade. Pacientes com anticoagulação oral asso-
diâmetro; ciada à HI têm maiores taxas de mortalidade e resultados
- Hematomas de fossa posterior menores que 3cm asso- funcionais limitados.
ciados à deterioração clínica; As diretrizes de 2010 para HI espontânea da American
- Hematomas lobares grandes (>80cm3) ou associados à Heart Association e da American Stroke Association obser-
deterioração clínica. vam que, nos estudos, a retirada de suporte médico ou or-
dem de não ressuscitação no 1º dia de hospitalização são
Em geral, pacientes com hemorragias pequenas (abaixo preditores de mau prognóstico independente de fatores
de 10cm3), sobretudo se neurologicamente estáveis, bem clínicos. Existe uma preocupação de que os métodos atu-
como indivíduos com grave comprometimento do nível ais de prognóstico inicial não levam em conta os efeitos de
de consciência, não têm benefício com conduta cirúrgica. limitar cuidados após uma estimativa de mau prognóstico.
Porém, na hemorragia cerebelar, a consideração de cirurgia Portanto, a terapia inicial deve, provavelmente, ser agressi-
de emergência deve ser colocada em 1º plano. É importan- va e novos pedidos de não ressuscitação provavelmente de-
te reconhecer sinais incipientes de herniação nas hemorra- vem ser adiados pelo menos até o 2º dia de hospitalização.

NEUROLOGIA
gias cerebelares, pois, nesse caso, a descompressão cirúrgi- Pacientes com ordem de não ressuscitação devem receber
ca pode salvar a vida do paciente. Na clínica, deve-se ficar todos os tratamentos médicos e cirúrgicos, a menos que a
atento a paresias oculares, ataxias, vertigens, náuseas e ordem seja explícita.
vômitos. Nos estudos de neuroimagem, devem-se observar
desvios do 4º ventrículo, obliteração de cisternas e dilata- B - Hemorragia subaracnoide
ção ventricular.
Apesar de, nos pequenos hematomas, o tratamento a) Introdução
conservador ser suficiente para a grande maioria dos pa-
cientes, não raro pode haver piora súbita após vários dias A HSA ou hemorragia meníngea é, sem dúvida, uma das
de evolução clínica estabilizada, com consequente evolução situações mais dramáticas que se apresentam na emergên-
para coma e óbito. cia. Corresponde a 5% dos AVCs e tem incidência anual de
Em relação à definição de prognóstico na fase aguda, 1/10.000 habitantes. Cerca de 10% dos pacientes sequer
podemos utilizar a escala de AVCH que se segue. Pacientes chegam ao hospital, 15% morrem em até 2 semanas e 40%
com pontuação abaixo de 2 têm melhor prognóstico e os morrem em 3 meses. A maior parte dos pacientes não volta
com pontuação maior que 3 têm prognóstico pior. a seu estado neurológico pré-sangramento.
A causa mais frequente de HSA é o trauma, e, dentre as
Tabela 7 - Escore de AVCH causas espontâneas, tem-se a ruptura de aneurisma sacular
Componente Pontos intracraniano, representando 75 a 80% dos casos.
Os aneurismas intracranianos ocorrem com frequência
3a4 2
de 2% em adultos. Mais de 90% são menores que 10mm e
Glasgow 5 a 12 1 permanecem assintomáticos durante toda a vida, com risco
13 a 15 0 anual de sangramento de 0,7%.
≥30 1 Seu quadro clínico típico envolve a instalação súbita de
Volume (cm³) cefaleia de forte intensidade (presente em 85 a 95% dos pa-
<30 0
cientes), que costuma irradiar-se para a região occipital ou
Sim 1 cervical e ser acompanhada de meningismo, devido à ocu-
Inundação ventricular
Não 0 pação do espaço subaracnoide por extravasamento de san-
Sim 1 gue. Frequentemente, a cefaleia é descrita como “a pior dor
Origem infratentorial da vida” do paciente; pode ser acompanhada de náuseas,
Não 0
vômitos, alterações transitórias ou mantidas de consciên-
≥80 1 cia, paralisia de nervos cranianos (principalmente, o III ner-
Idade (anos)
<80 0 vo), rigidez de nuca e crises epilépticas. Convulsões ocor-
Escore total 0a6 rem em 10 a 25% dos casos e podem sinalizar malformação
arteriovenosa ou tumor subjacente. Sinais focais são menos
O prognóstico do AVC hemorrágico varia dependendo comuns, uma vez que o sangramento ocorre no espaço su-
da gravidade do AVC e da localização e do tamanho da he- baracnoide e não no parênquima cerebral, mas são possí-
morragia. Menor pontuação na Escala de Coma de Glasgow veis. Embora o diagnóstico pareça claro quando o quadro
(ECG) está associada com pior prognóstico e maior morta- se instala em sua plenitude, casos mais sutis de cefaleias de
lidade, um maior volume de sangue no momento do diag- forte intensidade acompanhadas de náuseas são facilmen-
nóstico está associado a um pior prognóstico. Crescimento te confundidos com cefaleias primárias, como a enxaqueca.
do volume do hematoma está associado a um pior resulta- Em algumas casuísticas, o erro diagnóstico em pacientes
do funcional e aumento da mortalidade. Hemorragia peri- com HSA chega a quase 40%. Um diagnóstico equivocado
mesencefálica não aneurismática tem um curso clínico me- compromete o prognóstico do paciente, pois medidas que
nos grave e, em geral, um melhor prognóstico. evitam complicações não são adotadas. Três aspectos são

51
NEURO LO G I A

implicados no erro diagnóstico: falha na compreensão de de macrófagos hemáticos). A diferenciação entre um liquor
todo o espectro clínico da doença, no reconhecimento das hemorrágico e um acidente de punção nem sempre é pos-
limitações da tomografia de crânio nesse diagnóstico e na sível; porém, sugere-se observar o clareamento do sangue
realização e na interpretação de exame de liquor. em tubos consecutivos (teste dos 4 tubos), além de verificar
Estudos retrospectivos apontam que até metade do nú- a presença de xantocromia (esta, porém, só aparece após
mero dos pacientes com HSA relatam cefaleia semelhante, 12 horas), a olho nu ou por espectrofotometria, sugerindo
em geral súbita e explosiva, precedendo o quadro; a ela, a presença de produtos de degradação da hemoglobina.
dá-se o nome de cefaleia sentinela. Estudos prospectivos Depois de alguns dias, ocorrem pleocitose reativa e baixos
de cefaleias súbitas demonstram que cerca de 60% de tais níveis de glicose como resultado de uma meningite estéril
indivíduos apresentam doenças neurológicas graves, não pelo sangue.
apenas HSA. Outros diagnósticos incluem trombose venosa Para o diagnóstico etiológico, o padrão-ouro é a an-
cerebral, hidrocefalia aguda, meningoencefalites, apoplexia giografia cerebral digital, que evidencia uma causa para o
pituitária, inclusive aneurismas não rotos. sangramento na maioria dos casos. Quando o exame é ne-
Após um 1º sangramento aneurismático, a chance de gativo, recomenda-se repeti-lo em 4 semanas, quando se
um ressangramento aumenta, girando em torno de 4% no identifica um aneurisma previamente oculto em cerca de
1º dia e atingindo de 20 a 30% no 1º mês e 40% em 6 me- 1% dos casos. A angiografia pode, também, verificar a pre-
ses. Após esse período, o risco torna-se estável, em torno sença de outros aneurismas intracranianos e documentar
de 3% ao ano. Se houver um ressangramento, o risco de a presença ou não de vasoespasmo. Por fim, a angiografia
morte será de 50%. Além daquele, são complicações hidro- digital tem sido utilizada como recurso terapêutico.
cefalia (de 15 a 20%), vasoespasmo (70%), convulsões (de 5 A angiografia por RNM, embora seja um método pro-
a 10%) e edema cerebral.
missor, ainda não tem definição suficiente para ser método
A maior parte dos pacientes apresenta algum grau de
de eleição. E o Doppler transcraniano, por ser um método
hidrocefalia, que é visível aos exames de imagem. No en-
não invasivo, tem sido um dos mais utilizados no diagnósti-
tanto, algumas vezes a participação dessa complicação na
co e no acompanhamento do tratamento do vasoespasmo.
HIC do paciente é significativa. A opinião de um especialista
é necessária para determinar a necessidade de intervenção Todos os pacientes devem ter um perfil metabólico ba-
cirúrgica nesses casos. sal, com eletrólitos, função renal, hemograma e coagulo-
Entre o 3º e o 14º dias pós-sangramento, independen- grama, além de um eletrocardiograma, para a detecção de
temente da clipagem do aneurisma, pode haver uma cons- arritmias que mereçam tratamento.
trição das artérias intracranianas, gerando o chamado va- A HSA pode ser estadiada clinicamente e por meio de
soespasmo. exames de imagem. Essas classificações estão nas Tabelas
O quadro clínico, em geral, está relacionado à instala- a seguir.
ção de déficit neurológico focal, algumas vezes levando à Tabela 8 - Gradação de HSA da Federação Mundial de Neurocirurgia
isquemia cerebral verificada por imagem. Cerca de metade
dos pacientes com HSA desenvolve vasoespasmo assinto- Grau Glasgow Déficit focal
mático e 1/3 sintomático. Entre 15 e 20% desses pacientes 1 15 Ausente
desenvolvem um AVCI ou morrem. 2 13 a 14 Ausente
A causa mais comum de HSA espontânea (excluído trau-
ma de crânio) é a ruptura de um aneurisma intracraniano, 3 13 a 14 Presente
responsável por 80 a 85% dos casos. Na bifurcação dos va- 4 7 a 12 Presente ou ausente
sos da base do crânio, podem surgir dilatações aneurismá- 5 3a6 Presente ou ausente
ticas que podem romper, gerando um sangramento suba-
racnoide.
Tabela 9 - Sistema de gradação de Fisher
A prevalência de aneurismas não rotos na população
varia entre 0,5 e 1%, sendo de 1 a 2% a chance anual de Grau Sangramento à TC
sangramento. Outras causas incluem coagulopatias, mal- 1 Sem sangramento subaracnóideo
formações arteriovenosas, trombose venosa cerebral.
2 Difuso ou em lâmina de até 1mm
b) Diagnóstico 3 Coágulo localizado e/ou vertical >1mm
O exame de eleição para o diagnóstico da HSA é a tomo-
4 Coágulo intracerebral ou ventricular
grafia de crânio sem contraste, que mostra a presença de
material hiperdenso nos sulcos e cisternas encefálicas em
Escala de Hunt & Hess:
cerca de 90% dos pacientes no 1º dia de sangramento, cain-
do para zero em 2 a 3 semanas. Além de fazer o diagnóstico,
- Grau 1: assintomático, cefaleia leve, leve rigidez de
nuca;
a tomografia pode estimar a quantidade de sangue nas cis-
ternas, o que se correlaciona com o risco de vasoespasmo. - Grau 2: cefaleia moderada a severa, rigidez nucal, sem
Pode, ainda, verificar a presença de hidrocefalia aguda e de déficit neurológico, exceto paresia de NC;
sinais de infarto cerebral decorrentes de vasoespasmo. - Grau 3: sonolência, confusão, déficit neurológico focal
Nos casos em que a tomografia é normal ou inconclu- leve;
siva, é necessária a punção liquórica, procurando sinais de - Grau 4: torpor, hemiparesia moderada a severa;
sangramento (liquor hemorrágico, xantocromia, presença - Grau 5: coma, postura de descerebração.
52
ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL

c) Tratamento Alguns exemplos de alterações à tomografia de crânio


Todo paciente com HSA deve ser admitido em unidade sem contraste serão apresentados a seguir.
de terapia intensiva para monitorização clínica, vigilância e Na Figura 4, observa-se, na fase aguda de um paciente
tratamento de complicações. Anormalidades eletrocardio- com afasia e hemiparesia direita (território de artéria cere-
gráficas, como prolongamento de intervalo QT e arritmias bral média esquerda), o chamado “sinal da artéria hiper-
cardíacas, podem necessitar de tratamento. A hiponatre- densa”. Trata-se de um sinal tomográfico precoce no AVCI.
mia é uma complicação clínica frequente e constitui um in-
dicador independente de mau prognóstico. Uma imediata
avaliação neurocirúrgica é recomendada para intervenção
precoce sempre que possível.
Recomenda-se, a todos os pacientes com HSA, o uso
profilático de anticonvulsivantes, devido ao risco de ressan-
gramento em caso de convulsão.
O uso de corticosteroides é controverso na literatura.
Eles são úteis na analgesia e na prevenção de hidrocefalia
tardia, mas ainda faltam estudos controlados para docu-

NEUROLOGIA
mentar sua eficácia.
A maior parte dos pacientes com HSA abrigam um aneu-
risma intracraniano roto, cujo tratamento potencialmente
reduz a chance de ressangramento, diminuindo a morbi-
mortalidade da condição. Pacientes em más condições clí-
nicas e neurológicas não são candidatos a tratamento do
aneurisma, uma vez que, nessa situação, o impacto de uma
intervenção no prognóstico do paciente é praticamente
nulo, além de agregar o risco do procedimento. Para pa-
cientes em boas condições clínicas e neurológicas, o trata-
mento cirúrgico com clipagem do aneurisma ainda é o mais
adequado, na maior parte das vezes.
O momento da intervenção é alvo de debates na litera-
Figura 4 - Sinal da artéria hiperdensa
tura. A intervenção cirúrgica precoce reduz a chance de res-
sangramento, mas é um procedimento tecnicamente mais Na Figura 5, observam-se TC de crânio sem contraste
difícil; de forma geral, é preconizado em se tratando de um de AVCI, sequencialmente nos 1º, 2º e 5º dias de evolução.
neurocirurgião experiente. Uma alternativa à cirurgia é a
Na 1ª imagem, observa-se apenas discreto apagamento de
oclusão do aneurisma por técnica intravascular. Esse trata-
sulcos corticais e perda da diferenciação entre substância
mento, contudo, ainda não tem sido usado rotineiramente.
Embora com poucas evidências científicas de sua eficá- cinzenta (córtex cerebral – mais branco à TC) e substância
cia, o tratamento mais utilizado para o vasoespasmo inclui a branca subcortical (mais escuro à TC). Na 2ª e na 3ª ima-
hipertensão arterial farmacologicamente induzida, a hiper- gens, a lesão fica mais evidente, com progressiva hipoate-
volemia e a hemodiluição (terapia dos 3H). nuação. Nota-se, ainda, que na imagem correspondente ao
Para alcançar tais objetivos, utiliza-se a hiper-hidratação 5º dia de evolução, há certa compressão, pela área isquê-
com solução salina isotônica. Complicações da sobrecarga mica, do ventrículo lateral. Isso ocorre porque, nos primei-
hídrica podem ocorrer, e é recomendado o uso de cateter ros dias de evolução (pico entre o 3º e o 5º dias), ocorre o
de Swan-Ganz para monitorização. Em pacientes com aneu- chamado edema citotóxico, que causa aumento de volume
rismas não clipados, o tratamento do vasoespasmo, parti- da área lesada, podendo levar a sinais de HIC. Em infartos
cularmente, constitui um desafio, pois não são desejáveis muito extensos de artéria cerebral média, essa é uma com-
níveis elevados de pressão. Mais recentemente, tem sido plicação que pode levar a óbito na 1ª semana.
proposta a realização de angioplastia do vaso com espas-
mo, mas ainda é necessária maior experiência. A nimodi-
pina, em dose de 60mg VO a cada 4 horas por 3 semanas,
parece melhorar o prognóstico do vasoespasmo sem, con-
tudo, modificar sua incidência.

5. Imagem no acidente vascular cerebral


A tomografia de crânio sem contraste é o exame mais
importante para o diagnóstico diferencial dos quadros vas- Figura 5 - TC de crânio sem contraste de AVCI nos 1º, 2º e 5º dias
culares na emergência. Outros exames, como RNM, podem de evolução
ser necessários em situações específicas, e, apesar da RM
ser um exame mais sensível, sua disponibilidade ainda é Na Figura 6, tomografia de crânio sem contraste com di-
menor. versas lesões hiperatenuantes (sangue).

53
NEURO LO G I A

Figura 6 - TC de crânio sem contraste de AVCH

Em (A), tem-se a típica localização de um hematoma - O AVC é uma emergência neurológica, e o atendimento deve
intraparenquimatoso, localizado em tálamo, relacionado à ser rápido e preciso;
hipertensão arterial, em imagem que mostra ainda inun-
- O suporte clínico é essencial no manejo do AVC: priorizar vias
dação do ventrículo lateral com sangue (B). Os hematomas
aéreas (não hesitar em proceder à intubação orotraqueal, se
intraparenquimatosos ligados à hipertensão tipicamente
necessário) e circulação. Da mesma forma, evitar aspiração,
estão localizados no putâmen (E) e no tálamo (D), que são
tratar hipoglicemia ou hiperglicemia, corrigir hipoxemia, evitar
núcleos da base, assim como o núcleo caudado (F). O he-
hipertermia, manter hidratação isotônica;
matoma (C) está fora dos núcleos da base, portanto é cha-
mado hematoma lobar. Embora os hematomas lobares pos- - O esforço no atendimento do AVCI agudo visa preservar a in-
sam estar ligados à hipertensão, outras causas devem ser tegridade e a capacidade de recuperação funcional da zona de
lembradas. Na 3ª imagem, temos, também, um hematoma penumbra, pelo rápido restabelecimento do fluxo sanguíneo
lobar no lobo temporal (G), mas ainda sangramento nas cis- cerebral ou pela adoção de medidas que favoreçam o metabo-
ternas da base do crânio e fissuras (H), o que corresponde lismo celular nessa região.
a sangramento subaracnoide. O hematoma, nessa situação, - Deve-se ter em mente que a TC apenas mostrará a área infar-
mais provavelmente corresponde a sangramento decorren- tada após 24 a 72 horas do evento, sendo útil num momento
te da ruptura de aneurisma intracraniano. inicial para:
A Figura 7 consiste em uma imagem de difusão por res- · Afastar AVCH, que aparece precocemente como hiperdenso
sonância nuclear magnética. A imagem que brilha (branca) (“branco”). A sensibilidade é de 100% para hematoma intra-
corresponde à área isquêmica aguda. Tal técnica permite parenquimatoso;
identificar precocemente alterações no AVCI, diferencian- · Avaliar sinais sutis de isquemia, como perda de definição entre
do lesões novas de antigas, pois as lesões mais antigas não substância branca e cinzenta cortical ou subcortical, apagamento
brilham no exame. de sulcos e fissuras, sinal da artéria cerebral média hiperdensa
que podem estar presentes mesmo precocemente. Esses acha-
dos em áreas extensas implicam maior risco de complicações
para a trombólise (impacto na decisão terapêutica).
- Sempre considerar na trombólise com r-tPA em pacientes com
menos de 6 horas da instalação do AVCI, observados os crité-
rios de exclusão:
· 0 a 4h30min: r-tPA IV na dose de 0,9mg/kg (dose máxima de
90mg), 10% da dose em bolus lento e o restante em 1 hora
(bomba de infusão);
· 4h30min a 6 horas: r-tPA intra-arterial (via angiografia).
- AVCH pode ter quadro clínico idêntico ao AVCI.
- A hipertensão arterial crônica não controlada está associada a
hemorragias intracerebrais. As localizações mais frequentes são:
· Putâmen e do tálamo;
Figura 7 - RM de crânio · Tronco cerebral, cerebelo e córtex cerebral.
- A causa mais frequente de HSA é o trauma, e, dentre as causas
espontâneas, tem-se a ruptura de aneurisma sacular intracra-
6. Resumo niano, representando 75 a 80% dos casos;
Quadro-resumo - Pacientes com a pior cefaleia da vida, cefaleia súbita, cefaleia
- O AVC é uma das principais causas de mortalidade e a 1ª causa de início ao esforço físico, mesmo com tomografia normal,
de incapacidade no mundo; devem ser submetidos à punção liquórica (10% das HSA têm
tomografia normal).
- Todo déficit neurológico agudo deve ser conduzido como um
AVC, até que se prove o contrário;

54
CAPÍTULO

5
Coma e alteração do estado de consciência

Marcelo Calderaro / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Maria Aparecida Ferraz /


Cristina Gonçalves Massant / Mauro Augusto de Oliveira

vical e, até que exames radiológicos mostrem o contrário,


1. Introdução preconiza-se manter a proteção com colar cervical. Após a
Estados alterados de consciência são comuns na prática estabilização clínica (vias aéreas, respiração, manutenção
clínica e possuem alta mortalidade, o que justifica diagnós- pressórica), deve-se realizar a avaliação neurológica. Os
tico e tratamento apropriados, e de maneira rápida, consti- exames físico e neurológico do paciente com alteração de
tuindo, então, uma emergência médica. consciência devem ser rápidos e objetivos, levando a res-
De uma maneira simplificada, a consciência pode ser postas imediatas quanto à necessidade ou não de investi-
definida como a percepção de si próprio e do ambiente, gação e a conduta a ser tomada. Para fins práticos, podem
associada à interação entre ambos. Pode ser dividida em: ser divididos em:
a) Conteúdo de consciência
- Nível de consciência;
Somatório das funções nervosas superiores cognitivas
- Pupilas e fundo de olho;
do indivíduo (atenção, memória e linguagem) e das emo- - Motricidade ocular extrínseca;
ções, tendo como substrato anatômico o córtex cerebral. - Padrão respiratório;
b) Nível de consciência - Padrão motor.
Relaciona-se ao grau de alerta do indivíduo.
A Formação Reticular Ativadora Ascendente (FRAA) é
responsável pela manutenção da consciência. Situada no
2. Avaliação clínica do paciente em coma
tegumento paramediano da parte superior da ponte e me-
sencéfalo, faz projeções para os núcleos paramediano, pa- A - Nível de consciência
rafascicular, centromediano e intralaminar do tálamo. Seus Coma é a total ausência de consciência, mesmo quan-
neurônios recebem fibras sensitivas colaterais e enviam do o paciente é estimulado externamente (diferença entre
projeções difusas para todo o córtex. sono fisiológico). Sempre é uma alteração de instalação
Utilizando como divisor a tenda do cerebelo, podemos aguda e, normalmente, apresenta-se como síndrome, com
categorizar os diversos locais que levam a alterações da diversas causas. Compreende uma situação em que o indi-
consciência e suas etiologias. O estudo de Plum e Posner víduo não demonstra conhecimento de si próprio e do am-
divide tais alterações em: biente, caracterizada pela ausência ou extrema diminuição
- Encefalopatias focais infratentoriais: em torno de 15% do alerta comportamental (nível de consciência). O pacien-
dos casos; te permanece não responsivo aos estímulos internos e ex-
- Encefalopatias focais supratentoriais: em torno de ternos e com os olhos fechados.
20% dos casos; O coma pode resultar de lesão ou disfunção da FRAA,
- Encefalopatias difusas ou metabólicas e/ou multifo- do córtex cerebral difusamente ou ambos. Essa última
cais: em torno de 65% dos casos. informação é importante, pois as lesões restritas aos he-
misférios cerebrais precisam ser extensas para causarem
Deve-se sempre lembrar que o metabolismo cerebral é coma, ao contrário de lesões restritas à formação reticular
elevado, com necessidade alta de glicose e oxigênio. Assim, que podem ser pequenas, mas resultam em coma. Entre
doenças que levam ao coma precisam ser rapidamente re- a completa consciência e o coma, estão os estados altera-
solvidas para evitar lesões extensas e definitivas posterior- dos de consciência. Aqui, muitas vezes há confusão entre
mente. os conceitos de cada examinador: nessa situação, é ideal a
A história clínica e o exame físico geral são de extrema descrição pontual de cada avaliação para que os próximos
importância e devem ser dirigidos para as alterações que examinadores possam traçar a progressão do coma, facili-
possam dar pistas quanto à causa da alteração do nível de tando a comparação.
consciência. Sempre deve ser considerada a possibilidade Sonolência é um estado em que o indivíduo pode ser
de um paciente em coma apresentar lesão de coluna cer- despertado facilmente com estímulo leve (verbalmente) e

55
NEURO LOG I A

se mantém desperto por algum tempo, obedece aos co- lação à escala de Glasgow uma melhor correlação anatômi-
mandos, podendo responder a algumas perguntas, relati- ca (diferenciando alterações de perceptividade, disfunção
vamente complexas e está orientado temporoespacialmen- cortical, alteração de reatividade e disfunção de FRAA). Sua
te. Torpor é a situação em que o estímulo para despertar o grande desvantagem, porém, é ser de aplicação mais difícil,
paciente necessita ser mais vigoroso (estímulo mecânico), o que torna seu uso menos frequente.
responde a solicitações simples e está orientado autopsi- A atenção é uma função nervosa superior que pode ser
quicamente, mas em geral desorientado alopsiquicamente. definida como a capacidade de direcionar, preferencial-
Estupor paciente acorda com estímulo doloroso, voltando a mente, recursos de processamento mental e canais de res-
dormir quando o estímulo cessa. posta a estímulos relevantes. Devem-se diferenciar esses
A avaliação mais objetiva da consciência é feita por meio casos de quadros específicos: síndrome de hemi-inatenção
da aplicação da escala de coma de Glasgow, que avalia 3 (ou heminegligência), que é caracterizada pela presença de
parâmetros de resposta: abertura ocular, melhor resposta
um déficit atencional lateralizado.
verbal e melhor resposta motora.
A situação clínica em que há, agudamente, um déficit
Tabela 1 - Escala de coma de Glasgow global da atenção denomina-se delirium (estado confusio-
Parâmetro Resposta observada Score nal agudo, diferente de demência, em que há uma altera-
ção crônica da atenção). Nesses casos, normalmente não
Abertura espontânea 4
há sinais neurológicos focais, com a possível presença de
Estímulos verbais 3 tremores, mioclonias ou asterixis (flapping). Na grande
Abertura ocular
Estímulos dolorosos 2 maioria das vezes, tem origem metabólica e/ou infecciosa.
Ausente 1 Algumas manifestações, consideradas cardinais dos
Orientado 5 quadros de delirium, são:
Confuso 4
- Incapacidade de manter atenção, de instalação aguda;
Melhor resposta
Palavras inapropriadas 3
- Alteração do ciclo sono-vigília;
verbal
Sons ininteligíveis 2
- Incapacidade de manter coerência de pensamento;
- Incapacidade de executar uma série de movimentos
Ausente 1
com objetivo definido.
Obedece a comandos verbais 6
Localiza estímulos 5 Tabela 2 - Escala de nível reativo (RLS85)
Melhor resposta Retirada inespecífica 4 Paciente com responsividade mental
motora Padrão flexor (decorticação) 3 - Alerta. Resposta imediata;
Padrão extensor (descerebração) 2 - Sonolento ou confuso. Responsivo a estímulo leve;
Ausente 1 - Muito sonolento ou confuso. Responsivo a estímulo intenso.
Score: 3 (coma) a 15 (consciência preservada). Paciente com ausência de responsividade mental
- Localiza, mas não afasta estímulo doloroso;
O estímulo sensitivo deve ser feito em leito ungueal,
- Movimentos de retirada a estímulo doloroso;
clavícula, músculo trapézio, articulação temporomandibu-
lar (considerar estímulo dos 2 lados) e deve ser realizado de - Movimento flexor estereotipado a estímulo
modo a não deixar marcas arroxeadas no paciente, que po- Inconsciente doloroso;
dem ser interpretadas como resultado de desumanidade. - Movimento extensor estereotipado a estímu-
Deve ser considerado sempre o lado que tiver a melhor res- lo doloroso;
posta para ser feita a pontuação. É uma escala útil na ava- - Não responsivo à dor.
liação de fase aguda e com algumas condutas relacionadas
Fonte: Rossiti S, Starmark JE, Stalhammar D – Manual Operacional
dependendo do score obtido: resultado ≤8 indica neces- da Escala de Nível de Reatividade (RLS 85). Arq. Neuropsiquiatr
sidade de intubação orotraqueal. Muitas vezes, pacientes 1993, 15 51(1); 103-106.
que necessitam de transporte inter-hospitalar deverão ser
intubados se apresentarem escala de Glasgow abaixo de 10. Tabela 3 - Escala de Jouvet
Pacientes com alterações do conteúdo de consciência
Lúcido, obedece a ordens complexas e
podem ser erroneamente classificados como nível de cons- P1
até escritas.
ciência rebaixado, caso típico dos transtornos psiquiátricos
como catatonia, transtornos conversivos e afasias. Podem Desorientado temporoespacialmente
P2
ser observadas tais características nas afasias globais em e não obedece a comandos escritos.
que há comprometimento da compreensão e da expressão Perceptividade Obedece apenas à ordem verbal. P3
da linguagem, porém com preservação do nível de vigília, e Apresenta apenas blinking. P4
também na afasia de Wernicke, em que predomina o déficit Não apresenta blinking. P5
de compreensão.
Outra forma de avaliar a consciência é por meio da es- Aos estímulos verbais, acorda e orienta
R1
os olhos.
cala de Jouvet (Tabela 3). Apresenta como vantagem em re-

56
C O M A E A LT E R A Ç Ã O D O E S TA D O D E C O N S C I Ê N C I A

Aos estímulos verbais só acorda, sem ra aguda de doenças como a demência tipo Alzheimer na
R2 vigência de fatores clínicos gerais (infecções, distúrbio hi-
orientar os olhos para o estímulo.
Aos estímulos verbais – resposta nega- droeletrolítico).
Reatividade R3
tiva – sequer acorda. c) Trauma cranioencefálico
inespecífica
Aos estímulos dolorosos, acorda, retira Tanto como parte da síndrome concussional como nos
o estímulo, tem mímica de dor e voca- D1 estados determinados por sequelas fixas.
lização.
Acorda e retira os estímulos, porém d) Epilepsia
não apresenta mímica de dor ou voca- D2 Em estados pós-convulsivos ou em crises parciais com-
lização. plexas.
Reatividade Apresenta apenas retirada motora. D3 e) Massas expansivas
específica Resposta negativa. D4 Principalmente hematoma subdural crônico bilateral.
(dor) Aos estímulos dolorosos, apresenta
taquicardia, taquipneia autonômica e V1 f) Lesões focais
midríase. Geralmente de natureza vascular, afetando lobo parietal

NEUROLOGIA
Resposta negativa. V2 posterior direito, lobo pré-frontal direito e giro para-hipo-
Score total P1R1D1V1 a P5R3D4V2.
campal-fusiforme-lingual de qualquer lado.
Diversos diagnósticos diferenciais devem ser lembrados:
A Tabela 4 cita os critérios do Confusion Assessment - Psicose de Korsakoff;
Method (CAM). - Afasia de Wernicke: trata-se de uma situação particu-
larmente traiçoeira, pois uma avaliação pouco acura-
Tabela 4 - Aplicação do CAM para o diagnóstico de delirium da mostra um paciente com discurso fluente, embora
Critérios Características desconexo, que não entende o que lhe é dito. No en-
- Início agudo; existe evidência de uma alteração agu- tanto, geralmente o indivíduo tem a atenção preserva-
1 da do estado mental do paciente em relação ao nível da, o que pode ser evidenciado pela preservação do
de base. contato visual e esforço em tentar estabelecer uma
- Déficit de atenção: o paciente apresenta dificuldade comunicação;
2 para focar a atenção. Essa característica flutua du-
rante a consulta médica.
- Depressão;
- Demência: o critério de diferenciação é o tempo de
3 - Pensamento desorganizado. evolução. É importante lembrar que indivíduos com
- Alteração do nível de consciência: o paciente pode demência têm maior predisposição a desenvolver qua-
estar hiperativo (excessivamente sensível a estímu- dros agudos confusionais, reversíveis na maior parte
los do ambiente), letárgico (sonolento, porém fácil
das vezes se corrigida a causa, voltando ao estado de-
de acordar) ou em estupor (difícil de acordar).
mencial basal;
- Achados associados:
4
· Desorientação temporal ou espacial;
- Psicose aguda (esquizofrenia ou mania): as alucina-
· Alteração de memória; ções são, geralmente, auditivas (ao contrário do deli-
· Alterações da percepção (alucinações); rium, em que são mais comumente visuais), e o eletro-
· Agitação psicomotora ou retardo psicomotor; encefalograma costuma ser normal.
· Alteração do ciclo vigília-sono.
Delirium é diagnosticado pela presença de: O estado vegetativo persistente é definido como o es-
- Critérios 1, 2 e 3; tado crônico ou subagudo; em geral, acima de 2 a 4 sema-
- Critérios 1, 2 e 4. nas, de redução do nível de consciência em que o paciente
pode até recuperar o ciclo sono-vigília e com uma apa-
No delirium (estado confusional agudo), há transtorno rente total ausência de cognição (Jennet e Plum). Muitas
de vigilância com distração, incoerência de pensamento e vezes, o paciente segue com o olhar, mas sem comporta-
incapacidade de obedecer a ordens exatas, além de outros
mento voluntário.
transtornos como ilusões e alucinações, desorientação, dé-
ficit de memória, perda da capacidade de julgamento, apa-
tia ou agitação. B - Resposta motora
As causas mais importantes dos estados confusionais A via motora estende-se do giro précentral até a porção
agudos são: baixa do tronco (bulbo), onde decussa para o lado oposto
a) Encefalopatias tóxico-metabólicas para atingir a medula cervical. Pela extensão, é comumente
Correspondem à maior parte dos casos. afetada em lesões estruturais do sistema nervoso central.
Por isso, a presença de sinais motores focais, geralmente
b) Doenças cerebrais multifocais assimétricos, sugere doença estrutural, com raras exceções
Meningites, encefalites, anóxia, vasculites, coagulação (hipoglicemias, uremia), em que podem ser vistas paresias
intravascular disseminada (CIVD), embolia gordurosa e pio- ou plegias que revertem com a correção do distúrbio e se

57
NEURO LOG I A

devem, provavelmente, à presença de um território cere-


bral já levemente comprometido. A avaliação do padrão
motor deve ser sistematizada:
- Observação da movimentação espontânea do pacien-
te, movimentos ou contrações, como protrusão de
língua, giros de maxilar ou movimentos complexos de
membros podem ser crises focais; Figura 1 - Métodos para obter resposta dolorosa em paciente
- Pesquisa de reflexos, com atenção à sua presença e inconsciente. Estímulo nociceptivo pode ser obtido com (A) uma
pressão mínima da rima orbitária superior; (B) leito ungueal dos
simetria, analisando a presença de sinais patológicos
dedos da mão ou dedos do pé; (C) esterno; ou (D) articulação tem-
como sinal de Babinski e reflexo patológico de preen-
poromandibular
são palmar (grasp reflex);
- Pesquisa do tônus muscular, por movimentação e ba-
lanço passivos, com atenção à hipertonia, hipotonia e
paratonia (paratonia ou Gegenhalten é uma resistên-
cia ao movimento passivo que, ao contrário da rigidez
parkinsoniana, aumenta com a velocidade do movi-
mento e difere do sinal do canivete da espasticidade;
existe durante todo o movimento e se deve a uma le-
são difusa do prosencéfalo);
- Observação dos movimentos apresentados pelo pa-
ciente à estimulação dolorosa (leito ungueal, região
supraorbitária e esterno).

Com isso, caracterizamos alguns padrões motores loca-


lizatórios:
a) Hemiparesia com comprometimento facial
Lesão acima da ponte contralateral.
b) Rigidez de decorticação
Há postura de flexão e adução dos braços e extensão
das pernas. Figura 2 - Posturas de decorticação e descerebração

c) Rigidez de descerebração C - Padrão respiratório


Braços e pernas estão hiperestendidos.
De modo resumido, respiração de Cheyne-Stokes; hi-
As 2 posturas descritas em (b) e (c) estão associadas a
perventilação e apneia se alternam, presente em lesões ce-
comprometimento de hemisfério cerebral, incluindo ence- rebrais bilaterais ou encefalopatia metabólica ou lesões de
falopatia metabólica, mas podem ser por lesões de tronco tronco cerebral superior.
cerebral superior ou herniação transtentorial cerebral. O Hiperventilação prolongada se deve à acidose metabóli-
estado de descerebração tem pior prognóstico. ca, encefalopatia hepática, congestão pulmonar ou por dro-
d) Ausência de resposta gas analgésicas; raras vezes, por lesão no tronco cerebral
superior. Respiração com pausas inspiratórias (apnêustica)
Lesão periférica (síndrome de Guillain-Barré, casos gra- existem em lesões pontinas, enquanto respiração atáxica
ves também podem ter comprometimento de nervos cra- indica lesão no bulbo e pode evoluir para apneia. Perda da
nianos e simular coma), pontina (síndrome de encarcera- respiração automática e preservação da voluntária ocorrem
mento ou locked-in, por lesões na porção anterior da ponte) em lesões do bulbo: maldição de Ondina.
e bulbar.
Mesmo que um paciente pareça não estar acordado, D - Motricidade Ocular Extrínseca (MOE)
deve-se estimulá-lo a obedecer a ordens simples. A síndro-
Os nervos cranianos envolvidos na motricidade ocular
me de encarceramento apresenta lesão da porção anterior
são o III, o IV e o VI, cujos núcleos se localizam no mesencé-
da ponte, o que só compromete as fibras motoras para
falo e na ponte; portanto, com íntima relação com a FRAA.
os membros e musculatura craniofacial. A movimentação Os núcleos desses nervos estão intimamente relacionados
vertical dos olhos e o piscamento dependem de núcleos por meio do fascículo longitudinal medial. Pela proximidade
de nervos cranianos localizados no mesencéfalo e, como e associação desses núcleos com a FRAA, a análise adequa-
a formação reticular encontra-se intacta, o paciente está da da MOE extrínseca horizontal é fundamental em casos
consciente e poderá mover os olhos para cima ou para bai- de alteração do estado de consciência, permitindo concluir
xo e piscar. Muitos conseguem estabelecer códigos para se se há integridade dessa estrutura e a localização da lesão
comunicar com o examinador. estrutural.

58
C O M A E A LT E R A Ç Ã O D O E S TA D O D E C O N S C I Ê N C I A

O 1º movimento é o movimento conjugado horizontal a motricidade ocular extrínseca) e estão presentes em


dos olhos, de que participam o III (reto medial) e o VI ner- lesões focais supratentoriais ou em lesões difusas ou
vos, e está integrado no nível da ponte posterior, por meio multifocais que justifiquem o coma;
da Formação Reticular Pontina Paramediana (FRPP), que é - Movimentos oculares comprometidos: sugerem le-
o centro do olhar conjugado horizontal. Essa estrutura co- sões estruturais infratentoriais (lesões de tronco, se-
necta-se com o núcleo do VI nervo (também na ponte) e do jam primárias ou secundárias). Se a alteração é do
III nervo (no mesencéfalo), permitindo, assim, o movimen- olhar horizontal, possivelmente indica lesão pontina;
to conjugado horizontal bilateral. Tal movimento é regula- se a alteração é do olhar conjugado vertical, indica
do por vias supratentoriais frontais (área 8 de Brodmann) lesão mesencefálica que destrói áreas de controle da
que regulam e coordenam o olhar para o lado contralateral, MOE. Outra causa pode ser tóxica, relacionada a dro-
movimento de seguimento e sacádico, e por conexões com gas (drogas hipnótico-sedativas, curare, anestesia ge-
os núcleos vestibulares, portanto relacionados à posição da ral, difenil-hidantoína, primidona).
cabeça.
Em função da relação dessas vias com as piramidais, po-
demos identificar 2 síndromes clínicas: a lesão do FRPP de
um lado causa desvio do olhar para o lado oposto da lesão,
e a lesão piramidal leva à hemiparesia contralateral. Essa é

NEUROLOGIA
a chamada síndrome de Foville inferior (hemiparesia direita
com desvio do olhar conjugado para a direita). A lesão da
área 8 de Brodmann (e, portanto, desvio do olhar para o
lado da lesão) associada à lesão piramidal contígua com he-
miparesia contralateral (hemiparesia direita com desvio do
olhar conjugado para a esquerda), ocorre em lesões focais
supratentoriais, geralmente extensas, e é chamada de sín-
drome de Foville superior.
Nos pacientes inconscientes, o exame da MOE deve ser
realizado pela manobra dos olhos de boneca, mais bem de-
nominado reflexo oculocefálico. São realizados movimen-
tos bruscos da cabeça, para os lados direito e esquerdo e,
posteriormente, no sentido de flexão e extensão da cabeça
sobre o tronco. Os olhos movimentam-se em igual direção
e velocidade, porém em sentido contrário ao movimento
Figura 3 - Resposta oculocefálica
da cabeça. Em caso de suspeita de lesão de coluna cervical
(notadamente nos traumas), tal manobra não deve ser rea- - Resposta oculocefálica (olhos de boneca): este teste
lizada, pelo risco do agravamento de eventual lesão medu- não deve ser feito em pacientes com suspeita de lesão
lar associada. na coluna cervical. Observe o movimento dos olhos
Assim, realiza-se o reflexo oculovestibular, após otosco- enquanto movimenta a cabeça passivamente. Em pa-
pia (para excluir lesão timpânica), inclinando a cabeça do cientes comatosos é esperado movimento conjugado
paciente a 30°, instilando-se 150mL de água a 30°C (fria) dos olhos em direção oposta ao movimento da cabe-
ou a 44°C (quente) em um dos condutos auditivos externos
ça. Uma resposta ausente ou assimétrica em um pa-
(alternando os lados após 5 minutos).
ciente inconsciente significa uma disfunção do tronco
Em geral, apenas o teste com água gelada é realizado
cerebral. Resposta calórica: após visualização da mem-
em indivíduos em coma; nesse caso, a resposta obtida de
brana timpânica intacta, água gelada deve ser usada
desvio tônico e conjugado dos olhos para o lado irrigado
para irrigar o canal auditivo e deve produzir um desvio
com água fria mostra arco reflexo preservado. Na suspei-
ta de quadro psiquiátrico imitando coma, trata-se de um conjugado lento dos olhos em direção ao lado irrigado.
teste auxiliar, pois no paciente consciente, desencadeará Uma resposta ausente ou assimétrica indica disfun-
nistagmo, que não ocorre no indivíduo em coma. A água ção no tronco cerebral. Adaptado de: BATEMAN, D.E.
gelada inibe o labirinto, e a água quente estimula. O labi- Neurologic assessment of coma. J. Neurol Neurosurg
rinto desvia o olhar, quando estimulado, para o lado con- Psychiatry 2001; 71 Suppl. 1:13.
trário, por manter tônus para o olhar contralateral. Entre b) Fundo de olho e pupilas (motricidade ocular intrín-
as 2 manobras, a melhor é a oculovestibular. No início das seca)
encefalopatias metabólicas, o movimento ocular está pre-
servado, exceção feita para as intoxicações por barbitúricos A fundoscopia pode mostrar evidências de doenças
ou fenitoína sódica. clínicas (diabetes, hipertensão), apontar a presença de hi-
pertensão intracraniana (HIC) e demonstrar a presença de
a) De acordo com a MOE, podem-se concluir: doenças oftalmológicas que possam sugerir a etiologia da
- Movimentos oculares preservados: vistos pela motri- alteração de consciência (retinite por citomegalovírus). É
cidade espontânea, manobra oculovestibular ou ocu- proscrita a utilização de midriáticos para melhor visualiza-
locefálica. Sugerem integridade da transição pontome- ção do fundo de olho, pois isso prejudica a avaliação das
sencefálica (região anatomicamente relacionada com pupilas.

59
NEURO LOG I A

Dois sistemas controlam o diâmetro das pupilas: o siste- - Lesão ou disfunção mesencefálica: há 3 possibilidades:
ma nervoso simpático e o parassimpático. • Lesão posterior ou tectal, que compromete os co-
- Sistema nervoso simpático: o 1º neurônio origina-se lículos superiores e, com isso, perde-se a aferência
no hipotálamo (diencéfalo) e dirige-se caudalmente visual, gerando pupilas midriáticas e fixas;
passando por todo o tronco encefálico (mesencéfalo, • Lesões pré-tectais, em que ocorre lesão parassim-
ponte e bulbo) e avançando pela medula cervical, fa- pática e simpática, gerando pupilas com disfunção
zendo a 1ª sinapse da via na coluna intermédia lateral simpática e parassimpática, médio e fixas;
da medula cervicotorácica. De lá, parte o 2º neurônio, • Lesões mesencefálicas tegmentares ou anteriores,
que forma o plexo simpático paravertebral e faz sinap- em que ocorre compressão unilateral do 3º nervo,
se no gânglio cervical superior. O 3º neurônio da via
gerando uma pupila uncal, midríase fixa unilateral.
envolve a carótida, com que retorna para dentro do
crânio e parte em direção à órbita com o 1º ramo do Nessa situação, podemos afirmar que há lesão intracra-
nervo trigêmeo (oftálmico). Ao atingir o olho, inerva
niana com compressão de tronco cerebral. A denominada
musculatura radial da pupila, responsável pela midrí-
hérnia transtentorial lateral apresenta-se clinicamente com
ase (dilatação pupilar). Lesão do sistema nervoso sim-
pático em qualquer ponto dessa via pode gerar a cha- midríase contralateral e hemiparesia, sinal que favorece o
mada síndrome de Claude-Bernard-Horner, caracteri- seu reconhecimento e que deve ser interpretada como evi-
zada por ptose palpebral, miose, anidrose e enoftalmia dência clínica de HIC descompensada, independentemente
ipsilaterais à lesão. Contudo, a associação de lesão do da etiologia da lesão que a causou.
sistema nervoso simpático com o parassimpático pode - Lesões pontinas: por ocorrer lesão simpática bilateral,
gerar outras alterações pupilares; observaremos pupilas mióticas, fotorreagentes.
- Sistema nervoso parassimpático: inicia-se no mesencé- Assim, dependendo do nível anatômico da lesão que
falo, núcleo de Edinger-Westphal, de onde saem as fi- está levando ao rebaixamento do nível de consciência, po-
bras que acompanharão o III nervo e atingem o gânglio demos encontrar diferentes tipos de pupilas. Nas encefalo-
ciliar na órbita, e deste, a musculatura concêntrica da patias difusas ou multifocais, as pupilas em geral são nor-
pupila, responsável pela miose (constrição pupilar). O mais, salvo as exceções já discriminadas.
sistema nervoso parassimpático funciona por meio de
estímulos luminosos, compondo o reflexo fotomotor.

O estímulo luminoso atinge a retina, e fibras do nervo e


trato óptico seguem em direção ao mesencéfalo, onde fa-
zem sinapse nos chamados núcleos pré-tectais, localizados
na altura dos colículos superiores no teto mesencefálico.
Desses núcleos, partem interneurônios que, ipsilateral e
contralateralmente, farão sinapse no núcleo parassimpá-
tico do nervo oculomotor, núcleo de Edinger-Westphal. O
cruzamento da linha média, realizado pelos axônios desses
interneurônios para alcançar o núcleo de Edinger-Westphal
contralateral, forma a comissura posterior, que é o substra-
to anatômico para ocorrer à reação pupilar de miose con-
tralateral ao olho estimulado pela luz (reflexo fotomotor Figura 4 - Herniação transtentorial. Fonte: PULM, F., POSNER, J.B. The
consensual). Do núcleo de Edinger-Westphal, partem fibras Diagnosis of Stupor and Coma III. FA Davis, Philadelphia 1982. p. 103
que compõem o 3º nervo craniano junto com as fibras en-
volvidas na motricidade ocular extrínseca. As fibras paras-
simpáticas atingem, então, os gânglios ciliares, de onde par-
tem fibras em direção à pupila, promovendo a constrição
ipsilateral e contralateral.
Assim, o chamado reflexo fotomotor tem uma via afe-
rente (2º nervo craniano), uma integração (mesencefálica)
e uma via eferente (3º nervo craniano). A integridade de tal
reflexo denota integridade das estruturas anatômicas que
o compõem.
A região do mesencéfalo e tronco cerebral são as áreas
que podem promover alterações pupilares. Na semiologia
das pupilas, observa-se o diâmetro das mesmas (medindo-
-o em milímetros), verifica-se sua simetria ou assimetria
(isocoria e anisocoria), assim como os reflexos fotomotor
direto e consensual. As situações mais frequentes são:
- Lesão ou disfunção diencefálica: indica disfunção sim-
pática, portanto, pupilas mióticas e fotorreagentes, Figura 5 - Resumo das alterações na pupila de pacientes com le-
pois o mesencéfalo está íntegro. sões que causam coma em diferentes níveis do cérebro

60
C O M A E A LT E R A Ç Ã O D O E S TA D O D E C O N S C I Ê N C I A

3. Investigação etiológica motricidade ocular, podendo ocorrer, também, choque e


até coma. Assim, quando estivermos diante de tais situa-
Como há uma ampla gama de etiologias que podem ções ou não tivermos informações, é obrigatória a adminis-
levar a alterações de consciência, um rastreamento tóxico- tração de tiamina, 50 a 100mg IM ou IV, antes da adminis-
-metabólico e infeccioso é essencial em todos os casos. tração de glicose hipertônica.
Devemos lembrar que 65% destes são atribuídos à encefa- Em caso de suspeita de intoxicações exógenas por opi-
lopatia multifocal ou difusa. Pacientes com encefalopatias áceos ou benzodiazepínicos, pode-se considerar a admi-
e dados que sugerem lesões focais devem sempre ser sub- nistração de antídotos. O uso de naloxona pode reverter
metidos a exame de imagem intracraniano. Exceto alguns coma por uso de opiáceos, e o flumazenil é útil em casos
casos de hipoglicemia, encefalopatia hepática e urêmica, o de intoxicação por benzodiazepínicos. Também, no coma
achado de encefalopatia focal se relaciona a causas estru- hepático, pode haver melhora do nível de consciência após
turais. a administração de flumazenil IV. Em ambas as situações, a
Diante de um paciente com alterações ao exame que resposta é transitória, mas tal procedimento é bastante es-
sugiram uma encefalopatia difusa ou multifocal, a investi- clarecedor do ponto de vista diagnóstico, e não como forma
gação está indicada nas seguintes situações: de tratamento.
- Ausência de história clínica: devem-se contemplar to- Quando a alteração de consciência ocorre no contexto
das as possibilidades etiológicas; de crises epilépticas e se constata um estado de mal epilép-

NEUROLOGIA
- Alteração do nível de consciência em pacientes com tico, as condutas específicas devem ser tomadas.
imunodepressão, neoplasias ou coagulopatias, por se- Quando o aumento da pressão intracraniana aconte-
rem esses pacientes de alto risco para apresentar afec- ce de forma aguda, alguns sinais clássicos estão ausentes,
ções intracranianas; como o papiledema. É importante lembrar que na fase
- Quando não há uma causa clínica provável que expli- aguda da HIC temos a tríade ou fenômeno de Cushing. O
que o rebaixamento de consciência ou quando ela foi reconhecimento de HIC descompensada deve ser feito por
corrigida sem a normalização do exame neurológico. meio de outros sinais, como rebaixamento de consciência e
tomografia simples de crânio, a qual poderá mostrar sinais
Em tais casos, os exames necessários incluem tomogra- específicos.
fia computadorizada de crânio, inicialmente sem contraste,
sendo esta realizada se necessário e, se há dúvida, a resso- - Morte encefálica
nância magnética pode ser útil. Nos casos em que o diag- A evolução de pacientes com alteração do nível de cons-
nóstico não é esclarecido com o exame de imagem, está ciência pode deteriorar para uma situação de irreversibili-
indicada a realização de punção liquórica (ou em casos em dade e ausência de funções encefálicas que caracteriza a
que há suspeita de infecção e a tomografia é normal). Além morte encefálica.
de fornecer a medida da pressão intracraniana, o líquido É de larga aceitação atual o conceito de que a confir-
cerebrospinal auxilia no diagnóstico de doenças inflamató- mação da morte encefálica deve basear-se em 4 princípios
rias, infecciosas e neoplásicas do sistema nervoso central, e fundamentais:
define situações de hemorragia subaracnoide. Em geral, TC - Perfeito conhecimento da etiologia da causa do coma;
precede a punção liquórica devido ao risco de herniação do
procedimento se há sinais radiológicos de HIC grave.
- Irreversibilidade do estado de coma;
Se, ainda assim, o diagnóstico não for estabelecido, - Ausência de reflexos do tronco encefálico e apneia;
pode-se realizar um eletroencefalograma, buscando iden- - Ausência de atividade cerebral cortical.
tificar crises epilépticas não convulsivas. A avaliação de morte encefálica está regulamentada
na resolução do CFM número 1.480/97. Além da avaliação
clínica, são necessários exames complementares para com-
4. Conduta provação na inatividade elétrica, metabólica ou de perfusão
As alterações de consciência na emergência são sempre cerebral (Tabela 7).
indicativas de gravidade, e, portanto, sua causa deve ser Para o diagnóstico de morte encefálica, o que importa e
corrigida o mais rapidamente possível. Assim, deve-se con- realmente interessa é documentar exclusivamente a arrea-
duzir o caso de alteração tratando, antes de tudo, hipóteses tividade supraespinal. A presença de sinais de reatividade
diagnósticas que possam comprometer precocemente o infraespinal (atividade reflexa medular) tais como: reflexos
prognóstico do paciente. osteotendinosos (reflexos profundos), cutâneo-abdomi-
O sistema nervoso depende, basicamente, de oxigênio, nais, cutâneo-plantar em flexão ou extensão, cremastérico
glicose e cofatores para manter sua viabilidade. Portanto, superficial ou profundo, ereção peniana reflexa, arrepio,
esses elementos devem ser fornecidos precocemente ao reflexos flexores de retirada dos membros inferiores ou su-
paciente. periores, reflexo tônico cervical, não excluem o diagnóstico
Quando não for possível aferir a glicemia capilar, deve- de morte cerebral.
-se administrar empiricamente bolus IV de glicose hiper- O exame neurológico deve ser repetido para se confir-
tônica. A administração de glicose deve ser precedida por mar o diagnóstico clínico, antes de solicitar a confirmação
reposição de tiamina; caso contrário, pode-se precipitar a por exame complementar, com intervalo de 6 horas para
chamada encefalopatia de Wernicke, que, classicamente, pacientes acima de 2 anos de idade. Abaixo dos 2 anos, esse
caracteriza-se por confusão mental, ataxia e alterações de intervalo varia conforme descrito a seguir:

61
NEURO LOG I A

- 7 dias a 2 meses incompletos: 48 horas; Tabela 6 - Situações que podem simular ou dificultar o diagnóstico
- 2 meses a 1 ano incompleto: 24 horas; de morte encefálica
- 1 a 2 anos incompletos: 12 horas. I - Intoxicações exógenas: principalmente barbitúricos (em do-
ses acima de 10mg/dL) e bloqueadores neuromusculares. Na
Os principais critérios para definição de morte encefáli- dúvida, realizar dosagem laboratorial.
ca estão na Tabela 5. II - Hipotermia: a temperatura do doente deverá estar acima de
35°C.
Tabela 5 - Critérios clínicos para o diagnóstico de morte encefálica
III - Choque: a pressão arterial sistólica deverá ser ≥95mmHg.
I - Diagnóstico da doença ou situação que precipitou a condição
IV - Encefalite de tronco: reflexos do tronco estão ausentes, mas
clínica.
existe atividade cortical.
II - Afastar situações que simulem morte encefálica.
V - Traumatismo facial múltiplo: dificulta o exame neurológico.
III - Exame neurológico:
VI - Síndrome do cativeiro: simula estado de coma, mas os refle-
a) Consciência: escala de coma de Glasgow = 3 (exceto respostas xos do tronco estão presentes.
medulares).
VII - Alterações pupilares prévias: utilização de drogas locais ou
b) Pupilas: médias ou midriáticas (diâmetro = de 4 a 5mm e au- sistêmicas, cirurgia ou traumatismo.
sência do reflexo fotomotor). Pupilas pequenas sugerem intoxi- VIII - Distúrbio metabólico grave.
cação.
IX - Crianças menores de 4 anos: resistem mais aos traumatis-
c) Motricidade ocular: manobras oculocefálica e oculovestibular mos encefálicos. O período de observação deverá ser maior.
negativas. X - Vítimas de assassinato: maiores problemas médico-legais
d) Resposta motora: sem resposta motora à estimulação doloro- para declarar a morte encefálica.
sa, podendo ocorrer respostas medulares.
e) Reflexos: axiais da face, corneano, mandibular e faríngeo au- Tabela 7 - Exames subsidiários (valor apenas confirmatório)
sentes. Reflexo cutâneo-plantar irrelevante. Demonstram falta de atividade encefálica
f) Respiração: realizar obrigatoriamente apneia oxigenada para - EEG, potencial evocado, dosagem de neuro-hormônios.
atingir o estímulo respiratório máximo (PaCO2 = de 55 a 60mmHg) Demonstram ausência de fluxo vascular encefálico
sem que ocorram movimentos respiratórios espontâneos. - Angiografia encefálica, por cateterismo, de ambas as artérias caró-
IV - Tempo mínimo de observação: 6 horas. tidas e vertebrais;
- Angiografia com isótopo radioativo, SPECT, Doppler transcraniano.
A avaliação do reflexo oculovestibular é feita por meio Demonstram inatividade metabólica encefálica
da prova calórica, que deve ser realizada da seguinte ma-
- PET CT cerebral, extração cerebral de oxigênio.
neira:
1 - Certificar-se de que não há obstrução do canal auditi-
Tabela 8 - Diagnóstico topográfico do coma
vo por cerume ou qualquer outra condição que dificul-
te ou impeça a correta realização do exame; Mesencé-
Diencéfalo Ponte Bulbo
2 - Manter a cabeça elevada em 30° durante a prova; falo
3 - Usar 50mL de líquido (soro fisiológico, água etc.) pró- Respira- Cheyne- Taquip-
Apnêustica Ataxia
ximo de 0°C em cada ouvido (injetar com seringa no ção -Stokes neia HNC
conduto auditivo); Médias pou- Midríase Midríase Midríase para-
Pupilas
4 - Constatar a ausência de movimentos oculares para co reativas arreativa puntiforme lítica bilateral
confirmação de morte cerebral. Quando o reflexo Oculo-
Presente Ausente Ausente Ausente
está preservado, ocorre movimentação conjugada dos cefálico
olhos em direção ao lado estimulado. Corne-
Presente Presente Ausente Ausente
A prova da apneia baseia-se no fato de que, no indiví- ano
duo em coma, há uma necessidade de maiores níveis de Respos- Decortica- Descere- Descere-
CO2 para desencadear estímulo respiratório (até 55mmHg), Flacidez
ta à dor ção bração bração
o que pode determinar um tempo de vários minutos entre
a desconexão do ventilador e o aparecimento de movimen-
tos respiratórios (no caso da integridade bulbar). Esta prova 5. Resumo
deve ser realizada seguindo-se o seguinte protocolo:
Quadro-resumo
1 - Ventilar o paciente com O2 de 100% por 10 minutos;
2 - desconectar o ventilador; 3 - instalar cateter traqueal - Após o atendimento inicial e a avaliação neurológica, o médico
de oxigênio com fluxo de 6L/min; 4 - observar se aparecem que assiste o doente com alteração de estado de consciência
movimentos respiratórios por 10 minutos ou até quando o deve estar apto a reconhecer as situações de lesão difusa ou
pCO2 atingir 55mmHg (colher gasometria arterial ao final multifocal do SNC e a presença de encefalopatias focais, seja
por lesões supratentoriais, seja por lesões infratentoriais.
dos 10 minutos).

62
C O M A E A LT E R A Ç Ã O D O E S TA D O D E C O N S C I Ê N C I A

- A avaliação inicial deve conter:


. Nível de consciência;
. Pupilas e fundo de olho;
. Motricidade ocular extrínseca;
. Padrão respiratório;
. Padrão motor;
. Na maioria das vezes, os pacientes apresentam encefalopatia
difusa ou multifocal, mas, em algumas situações, podem ser
necessários exame de imagem do encéfalo e avaliação por
neurologista;
. Lesões supratentoriais, embora possam comprometer o nível
e o conteúdo de consciência, excepcionalmente levam ao
coma. Exceção a essa regra são doentes com lesões extensas
com caráter hipertensivo e que geram herniações.
Paciente com rebaixamento
do nível de consciência

NEUROLOGIA
ABCD primário e secundário
Glicemia capilar

Colher hemograma, eletrólitos, Monitorização


função renal, gasometria arterial, Manter sinais vitais Glicemia <60mg/dL
TGO, TGP, coagulopatia

Anamnese e exame físico Anamnese e exame físico Suspeita de


sugerem causa metabólica sugerem causa neurológica intoxicação exógena
ou sistêmica

TC de crânio Antídotos:
Exames laboratoriais Benzodiazepínico: flumazenil
definem etiologia? Opioide: naloxona
Etiologia
definida?
Sim Não
Sim Não
Tratar a causa
Tratar a causa Liquor ECG

63
NEURO LOG I A

CAPÍTULO

6
Crise epiléptica e epilepsia

Aurélio Pimenta Dutra / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Maria Aparecida Ferraz /
Cristina Gonçalves Massant / Mauro Augusto de Oliveira

Quanto às diferenças entre os sexos, parece haver uma


1. Introdução tendência a uma prevalência masculina para as epilepsias
A epilepsia encontrou diferentes formas de definição, sintomáticas, criptogênicas e idiopáticas. As epilepsias de
diagnóstico e tratamento no decorrer da história. Sempre início tardio predominam no homem. Há uma maior pre-
existiram explicações religiosas em diferentes culturas e valência em crianças filhas de mães epilépticas, sendo, por-
períodos, desde os babilônicos (2.500 a.C.) até hoje, quan- tanto, a prevalência menor quando o pai é epiléptico.
do muitos pacientes buscam a cura na religião. Há rela-
tos de que nomes como Alexandre, o Grande, Júlio César,
Dostoievski, Gustave Flaubert, Machado de Assis, Napoleão 3. Definições
Bonaparte, van Gogh, entre outros, apresentavam a doen- Em 2006, a Associação Brasileira de Epilepsia (ABE) pu-
ça. Assim como a loucura, a epilepsia foi estigmatizada, im- blicou o Consenso Terminológico da Epilepsia, amparado nas
primindo marcas que persistem até hoje. Em decorrência definições da Internacional League Against Epilepsy (ILAE):
disso, muitos portadores podem ser vítimas de preconceito, a) Epilepsia: distúrbio cerebral causado por predisposi-
fato que colabora para que numerosas pessoas se tornem ção persistente do cérebro a gerar crises epilépticas e pelas
resistentes a admitir o diagnóstico ou a consentir em iniciar consequências neurobiológicas, cognitivas, psicossociais e
um tratamento adequado. sociais da condição, caracterizada pela ocorrência de, pelo
menos, 1 crise epiléptica.
b) Crise epiléptica: sinais e/ou sintomas transitórios
2. Epidemiologia decorrentes da atividade anormal excessiva ou sincrônica
A epilepsia é uma das doenças neurológicas graves mais de neurônios cerebrais. Podem ser divididas em 2 grandes
comuns: sua alta prevalência é estimada em cerca de 160 grupos:
doentes para cada 100.000 pessoas. Estima-se que 1% da - Crises focais ou parciais: as primeiras manifestações
população tenha epilepsia aos 20 anos de idade e que até clínicas e eletroencefalográficas envolvem apenas uma
os 80 anos mais 3% receberão o diagnóstico. Destes, 40 parte de um hemisfério cerebral. As crises parciais po-
milhões estão em países subdesenvolvidos: as baixas con- dem ser simples (motora, sensitiva, psíquica) ou com-
dições socioeconômicas dessas nações predispõem aos fa- plexas (nesta, ocorre comprometimento da consciên-
tores de risco para crises epilépticas: má nutrição, doenças cia), com ou sem generalização secundária;
infectoparasitárias, febre, doenças crônicas (hipertensão - Crises generalizadas: são caracterizadas pelo envolvi-
arterial ou acidente vascular cerebral), reduzido acesso ao mento difuso do cérebro desde a manifestação inicial.
atendimento médico-hospitalar, entre outros. A diferença A forma mais comum é a crise tônico-clônica genera-
racial não parece ser fator significativo na distribuição da lizada (comumente denominada convulsão). Outras
epilepsia; os fatores de risco, em contrapartida, são deter- formas incluem as crises de ausência, mioclônicas e
minantes dessa distribuição. atônicas.
Acredita-se que, no Brasil, pelo menos 25% dos pacien-
tes com epilepsia apresentem formas de difícil controle da
doença, com necessidade de medicações específicas para 4. Etiologia e fisiopatologia
toda a vida, internações frequentes e, eventualmente, in- Inúmeras causas estão relacionadas às epilepsias: trau-
tervenções cirúrgicas. Trata-se, portanto, de um grande ma cranioencefálico (TCE), infecções cerebrais e abuso de
problema de saúde pública, não somente pelos custos ele- drogas e álcool são fatores relevantes na etiologia da do-
vados à saúde, mas também por se tratar de doença inca- ença. Na maioria dos casos, porém, as causas que levam
pacitante ao trabalho em alguns casos, algumas vezes des- a seu surgimento são desconhecidas. No atendimento e
de a infância. A faixa etária de maior incidência é a infantil, seguimento de pacientes com crise epiléptica ou epilepsia,
principalmente as crianças abaixo de 2 anos, seguindo-se os deve-se sempre buscar um fator que possa estar relaciona-
idosos (maiores de 65 anos). do à origem da crise.

64
CRISE EPILÉPTICA E EPILEPSIA

Um episódio de crise generalizada ou focal pode resul- Idade Etiologias


tar de um processo agudo (crise aguda sintomática), de - AVC;
uma lesão intracraniana prévia (crise sintomática remo-
- Tumor cerebral (metástases);
ta), ou ser idiopática (sem etiologia definida). As epilepsias
idiopáticas decorrem da hiperexcitabilidade cortical, que é - Trauma;
possivelmente secundária a alterações da função de canais - Distúrbios metabólicos: hipo/hiperglicemia, hipo/
Acima de
iônicos, muitas vezes de caráter familiar. hipernatremia, hipo/hipercalcemia, hipo/hiper-
60 anos
As epilepsias secundárias são resultado de lesões cor- magnesemia e uremia;
ticais adquiridas em qualquer momento da vida: afecções - Encefalopatia hepática;
congênitas, doenças infecciosas do Sistema Nervoso Central - Anoxia;
(SNC), lesões vasculares ou neoplásicas, sendo a crise epi-
- Infecções.
léptica consequência da lesão cerebral antiga.
Vale ressaltar que uma crise tônico-clônica generalizada Gestantes - Eclâmpsia.
decorre de atividade elétrica paroxística cortical difusa, que
pode ser causada por: 5. Classificação
a) Disfunção tóxico-metabólica, intoxicação exógena

NEUROLOGIA
(principalmente, por drogas estimulantes do SNC) ou abs- As crises epilépticas podem ser classificadas de acordo
tinência de drogas depressoras do SNC, principalmente o com o padrão de acometimento neuronal: parciais ou gene-
álcool. ralizadas. Como já comentado, as primeiras acometem ape-
b) Lesão neurológica aguda, geralmente com acometi- nas 1 porção do cérebro, enquanto as últimas apresentam
mento cortical. padrão difuso; quando não é possível estabelecer diferen-
c) Manifestação inicial de epilepsia (idiopática ou de- ciação entre esses padrões, usa-se o termo crises epilépti-
corrente de lesão cortical prévia conhecida do doente ou cas não classificáveis. A Tabela 2 mostra os tipos e subtipos
não – também conhecida como crise epiléptica sintomática de cada uma dessas crises.
remota).
A maioria dos pacientes com 1ª crise epiléptica apre- Tabela 2 - Classificação das crises epilépticas
senta disfunções tóxico-metabólicas ou lesões neurológicas Crises parciais (ou focais)
agudas. As crises recorrem enquanto a causa não é corrigi-
Crises Parciais Simples (CPS)
da, porém a possibilidade de um paciente tornar-se epilép-
tico após uma crise aguda sintomática é pequena, desde - Com sinais motores;
que sejam possíveis a correção do fator causal e a ausência - Com sinais sensitivos somatossensoriais ou especiais;
de lesão cerebral permanente. - Com sinais ou sintomas autonômicos;
Entretanto, nem sempre é possível corrigir a causa das - Com sintomas psíquicos.
crises agudas sintomáticas decorrentes de lesão do SNC
Crises Parciais Complexas (CPC)
(sangramento em SNC, como no hematoma intraparen-
quimatoso), e a ocorrência de agressão ao SNC implica um - Início de crise parcial simples seguida de alteração da consciência;
maior risco de desenvolvimento futuro de crises espontâ- - Alteração de consciência no início.
neas recorrentes (epilepsia). Crises secundariamente generalizadas

Tabela 1 - Principais causas de epilepsias - CPS evoluindo para Crises Tônico-Clônicas Generalizadas
(CTCG);
Idade Etiologias
- CPC evoluindo para CTCG;
- Lesão pré ou perinatal;
- CPS evoluindo para CPC e, então, para CTCG.
- Distúrbios metabólicos;
Neonatos Crises generalizadas (desde o início)
- Malformação congênita;
até 3 anos - CTCG crises de ausência;
- Infecção SNC;
- Crises de ausência atípica;
- Trauma pós-natal.
- Crises mioclônicas;
- Predisposição genética (idiopática);
- Crises tônicas;
- Infecção;
3 a 20 - Crises clônicas;
- Trauma;
anos - Crises atônicas.
- Malformação congênita;
Crises não classificáveis (informações incompletas ou inade-
- Erros do metabolismo. quadas)
- Tumor cerebral;
20 a 60 - Infecção (neurocisticercose); Para a classificação do episódio de crise epiléptica, al-
anos guns dados são de extrema importância. O paciente pode
- Trauma;
apresentar desde perda de consciência até pequenos aba-
- AVC. los corporais ou ter percepções sensoriais estranhas.

65
NEURO LOG I A

As crises parciais simples não provocam perda da cons- As crises de ausência (pequeno mal) caracterizam-se
ciência e caracterizam-se por alterações relacionadas à dis- por lapsos de consciência que duram de 5 a 15 segundos. O
função cerebral localizada, que podem ser: na percepção paciente fica olhando a esmo e pode virar os olhos, embora
auditiva ou visual, desconfortos gástricos, sensação súbi- seja capaz de retomar normalmente suas atividades depois
ta de medo e/ou movimentos estranhos de uma parte do do episódio. Tais crises não são tipicamente precedidas por
corpo. Se uma crise parcial complexa ocorre em seguida, aura, o que as diferencia das crises parciais complexas, e
as sensações que a antecedem são denominadas aura (o costumam ocorrer na infância, desaparecendo por volta da
que, na verdade, são as crises parciais). As CPC têm início adolescência.
em um foco determinado no cérebro e espalham-se para
outras áreas, causando alteração parcial da consciência. O .
paciente apresenta confusão, fala sem coerência, sialorreia,
movimentos mastigatórios, movimentos de braços e pernas
sem uma finalidade definida e outros automatismos, como
puxar a roupa ou virar a cabeça de um lado para outro repe-
tidas vezes. As crises generalizadas têm como característica
principal a perda da consciência.

Figura 3 - EEG típico da crise de ausência da infância, com a presen-


ça dos complexos ponta-onda de 3Hz. Fonte: Medlink Neurology

As crises tônico-clônicas (grande mal) são crises gene-


ralizadas (com perda de consciência) e envolvem 2 fases:
na fase tônica, há rigidez muscular e queda corporal con-
sequente; na fase clônica, há contração e tremor de extre-
Figura 1 - Epilepsias parciais e achados clínicos midades. Recupera-se a consciência aos poucos. Apesar de
ser o tipo mais óbvio e aparente de epilepsia, não é o mais
A síndrome epiléptica focal mais comum do adulto comum.
(até 40% dos casos) é conhecida como Epilepsia do Lobo
Temporal (ELT), que pode ser subdividida em mesial (ELTM,
60% dos casos) e neocortical ou lateral. A ELTM é impor-
tante devido à grande proporção de pacientes refratários
aos medicamentos, tendo a esclerose mesial como princi-
pal etiologia. São bem característicos sintomas de dispepsia
súbita, cheiros fortes e automatismos – sintomas associa-
dos à disfunção do lobo temporal. À Ressonância Nuclear
Magnética (RNM), podem-se evidenciar sinais de compro-
metimento cerebral como esclerose (hipersinal) e atrofia hi-
pocampal. Eventualmente, alguns pacientes podem evoluir
com crises tônico-clônicas (generalização secundária).

Figura 4 - Epilepsia generalizada: observar o padrão de expansão


do distúrbio

Outras síndromes epilépticas específicas, eventualmen-


te exigidas em concursos:
a) Convulsão febril
Situação que ocorre no período neonatal ou na infân-
Figura 2 - Generalização secundária de epilepsia do lobo temporal cia (entre 3 meses e 6 anos), sendo a causa mais comum

66
CRISE EPILÉPTICA E EPILEPSIA

de convulsões em crianças, 2 a 5% nos EUA e 6 a 9% na da, e criptogenéticas cuja base é, provavelmente, orgânica,
Europa. Está associada à febre sem infecção intracraniana e porém não identificada.
são marcadas por grande chance de recorrências. A predis-
posição genética é importante, tendo sido identificados 4 Tabela 3 - Classificação internacional das epilepsias e síndromes
locus genéticos associados em estudos de grandes famílias.
epilépticas, e condições relacionadas
Algumas famílias apresentam predisposição à convulsão fe-
bril e, posteriormente, epilepsia (autossômica dominante). Síndromes e epilepsias localizadas (locais, focais e parciais)
b) Epilepsia Mioclônica Juvenil (EMJ) Idiopática (com início relacionado à idade)
É uma causa importante de epilepsia que começa na - Epilepsia benigna da infância com espícula centro-temporal;
adolescência (dos 8 aos 20 anos). Clinicamente, caracteriza- - Epilepsia da infância com paroxismos occipitais;
-se por instalação súbita de espasmos mioclônicos de om- - Epilepsia primária da leitura.
bros e braços, usualmente ao despertar, inteligência nor-
mal, história familiar e EEG com pontas generalizadas ou Sintomática
ponta-ondas de 4 a 6Hz ou polipontas. Até 90% dos pacien- - Epilepsia parcial contínua progressiva crônica.
tes podem ter crises tônico-clônicas generalizadas, e outros - Síndromes com quadros específicos de manifestação:
30%, crises de ausência. Em geral, é de excelente prognós- · Epilepsia lobo temporal;

NEUROLOGIA
tico, com a abolição das crises pelo tratamento (embora a
· Epilepsia lobo frontal;
suspensão dos medicamentos quase sempre implique re-
corrência das crises). O uso de algumas drogas antiepilépti- · Epilepsia lobo parietal;
cas como carbamazepina e oxcarbazepina piora o controle · Epilepsia lobo occipital.
de crises no paciente com EMJ. Criptogênica
- Síndrome e epilepsias generalizadas.
Idiopática (com início relacionado à idade)
- Convulsão familiar neonatal benigna;
- Convulsão neonatal benigna;
- Epilepsia mioclônica benigna do lactente;
- Epilepsia ausência da infância;
- Epilepsia ausência juvenil;
- Epilepsia mioclônica juvenil;
- Epilepsia com crises tônico-clônicas ao despertar;
- Outras epilepsias idiopáticas generalizadas;
- Epilepsias desencadeadas por modos específicos de ativação.
Criptogênica ou sintomática
Figura 5 - As pontas-onda generalizadas são comumente obtidas - Síndrome de West;
durante fotoestimulação na epilepsia mioclônica juvenil. Fonte:
Medlink Neurology - Síndrome de Lennox-Gastaut;
- Epilepsia mioclônico-estática;
c) Epilepsia rolândica (parcial benigna da infância) - Epilepsia com ausências mioclônicas.
Forma comum (21/100.000) de epilepsia na infância, Sintomática
geralmente iniciada por volta de 5 a 12 anos com crises Etiologia inespecífica
parciais simples durante o dia, com acometimento de lábio,
- Encefalopatia mioclônica precoce;
língua, gengiva (formas sensitiva e motora com anartria ou
perda de saliva) e, eventualmente, crise tônico-clônica ge- - Encefalopatia epiléptica infantil precoce com surto-suspensão;
neralizada à noite. Possui bom prognóstico com desapare- - Outras epilepsias generalizadas sintomáticas.
cimento das crises na idade adulta. Síndromes específicas
d) Síndrome de Lennox-Gastaut - Crises epilépticas complicando outras doenças.
Forma mais comum de encefalopatia infantil (5% das Síndromes e epilepsias indeterminadas se focais
epilepsias infantis), caracteriza-se por déficit cognitivo pro- ou generalizadas
gressivo, crises de múltiplos tipos (tônicas ou atônicas, de
Com crises focais e generalizadas crises neonatais
ausência); apresenta alterações eletroencefalográficas com
complexos difusos de onda lenta e “trens de ponta”. - Epilepsia mioclônica grave do lactente;
A Tabela 3 mostra a classificação internacional das epi- - Epilepsia com espícula-onda lenta contínua durante sono lento;
lepsias. O termo idiopático é usado para epilepsias com - Afasia epiléptica adquirida;
transmissão genética e mais vistas em algumas faixas etá-
rias. São sintomáticas epilepsias cuja etiologia é encontra- - Outras epilepsias indeterminadas.

67
NEURO LOG I A

Sem inequívocas características focais ou generalizadas em alguns casos, ser considerada um tipo de crise parcial
Síndromes especiais
simples. Durante a crise, incerteza, medo, cansaço físico e
mental, confusão e perda de memória são alguns dos senti-
Crises circunstanciais mentos mais comuns, embora a pessoa possa não sentir ab-
- Convulsões febris; solutamente nada ou não se lembrar do que aconteceu. Da
- Crises isoladas ou estado de mal isolado; mesma forma, quando a atividade do cérebro volta ao nor-
- Crises que ocorrem somente em evento tóxico ou metabólico. mal, em determinados casos o paciente sente-se bem o su-
ficiente para retomar o que estava fazendo; em outros, tem
dor de cabeça e mal-estar. Antes de caracterizar ou mesmo
6. Investigação diagnóstica aceitar o diagnóstico de uma crise epiléptica (ou epilepsia),
devem-se confirmar dados que são importantes e que aju-
As crises ocorrem por alteração das conexões neuronais
que passam a desencadear descargas elétricas anormais dam a diferenciar a crise epiléptica das não epilépticas.
em um grupo de células nervosas, que enviam sinais incor- A história do paciente ou acompanhante é muito impor-
retos a outras células ou ao restante do corpo, iniciando as tante. Deve-se, primeiramente, diferenciar o quadro clínico
crises. Cada pessoa tem um limiar convulsivo que a torna e, posteriormente, classificar o tipo de crise. Também se
mais ou menos resistente a excessivas descargas elétricas deve sempre tentar caracterizar as fases de uma crise epi-
no cérebro; por isso, qualquer um pode ter uma crise sob léptica:
determinadas circunstâncias. Os tipos de crise epiléptica - Pré-ictal: aura ou foco-sensação de vazio, cheiros, alu-
dependem da parte do cérebro onde começam essas des- cinação;
cargas anormais, e crises prolongadas podem causar danos - Ictus: crise e suas manifestações associadas, automa-
a ele. tismos;
O 1º passo na investigação de um paciente com suspeita - Pós-ictal: fraqueza, mialgia, paralisia de Todd, sonolên-
de epilepsia é determinar se ele apresenta ou não crises cia, confusão mental, liberação esfincteriana;
convulsivas. Um diagnóstico incorreto tem consequências
para o paciente, como uso de medicações caras e potencial- - História pregressa: questionamento sobre epilepsia,
mente tóxicas, perda do direito de dirigir e, às vezes, per- uso de drogas ou medicações, antecedentes pessoais
da de emprego. O diagnóstico diferencial inclui migrânea, prévios (infância) e atuais (doenças crônicas, HIV);
síncope, isquemia transitória, transtornos do movimento, - História familiar: presença ou não, mesmo que remota;
entre outras alterações. - Exame físico e neurológico: sinal focal, crise não con-
O diagnóstico de síncope costuma ocorrer quando o vulsiva, rigidez nucal.
paciente está em pé, com duração breve (cerca de 10 se-
gundos), tônus muscular flácido durante o evento, pele fria O diagnóstico da epilepsia é clínico, ou seja, não se apoia
e úmida, e ausência de alterações eletroencefalográficas. exclusivamente em exames complementares. O neurologis-
Quando há dúvida, a elevação de enzimas musculares como ta baseia-se na descrição do que acontece com o paciente
a CPK sugere o diagnóstico de crise convulsiva. antes da crise, durante e após o evento. Se o paciente não
Alguns aspectos favorecem o diagnóstico de crise epi- lembra, as pessoas que acompanharam o episódio são tes-
léptica verdadeira: crises durante o sono, crises em diversas temunhas úteis.
posturas, duração superior a 1 minuto, aumento de tônus Muitos paroxismos podem ser semelhantes a crises. Em
muscular durante o evento, incontinência urinária, morde- suma, enxaqueca, Acidente Intravascular Transitório (AIT),
dura de língua, pele quente e úmida, respiração estertoro- síncope (até 20% dos pacientes encaminhados para centros
sa, alterações eletroencefalográficas e história familiar de de epilepsia nos EUA), esclerose múltipla, ataques de hiper-
convulsão. ventilação (pânico), crise conversiva (transtornos somato-
Outro fator de confusão é a diferenciação entre crises formes), são comuns.
de ausência e crises parciais complexas, pois ambas apre- Diversas vezes, o diagnóstico diferencial entre as “cri-
sentam perda breve de consciência. A 1ª é sugerida pela ses” epilépticas e não epilépticas (pseudocrises) é desafia-
duração curta (menos de 10 segundos), com rápida recu- dor, sobretudo no pronto-socorro. Uma complicação é que
peração, ocorrendo sem sinais premonitórios, e o EEG com as pseudocrises são, inclusive, mais comuns em pacientes
padrão de espícula-onda na frequência de 3Hz confirma que já são epilépticos. Entretanto, alguns aspectos podem
o diagnóstico. Já as últimas têm duração de 1 minuto ou sugerir a ocorrência de crises não epilépticas, como antece-
mais, são precedidas ou não por alguma crise parcial sim- dentes de infância traumática ou doença psiquiátrica, movi-
ples (aura) e apresentam-se com confusão após o evento. O mentos pélvicos, mulheres jovens, consciência preservada.
EEG mostra lentificação na região temporal e ondas pontia-
gudas, confirmando o diagnóstico.
Há vários tipos de epilepsia ou crises epilépticas, e os 7. Diagnóstico diferencial de crises epi-
sentimentos variam conforme o tipo de crise. Antes de lépticas
uma convulsão ter início, algumas pessoas experimentam
uma sensação ou advertência chamada aura. Uma descri- - Síncope: a perda de consciência é rápida. Se prolonga-
ção apurada do tipo de aura poderá fornecer dados sobre da, podem ocorrer abalos motores semelhantes a uma
a parte do cérebro onde se originam as descargas elétricas crise por hipofluxo cerebral, inclusive com postura tô-
anormais. A aura pode ocorrer sem ser seguida de crise e, nica e liberação esfincteriana;

68
CRISE EPILÉPTICA E EPILEPSIA

- Enxaqueca: crises associadas à dor, e evolução lenta dendo do tipo de crise e diagnóstico. O uso de medicações
dos sintomas; tem eficácia diferenciada de pessoa para pessoa e depende
- Narcolepsia: ataques de sono, cataplexia, paralisia do do seu tipo de crise.
sono, alucinações; Em geral, cerca de 50% terão seus ataques totalmente
- Hipoglicemia: astenia, sudorese, taquicardia; controlados, 30% terão seus ataques reduzidos em frequên-
- Pânico: hiperventilação e síncope associada; cia e intensidade a ponto de poderem levar vidas normais, e
os outros 20% serão resistentes à medicação, ou precisarão
- “Tiques” ou distúrbios de movimentos: movimentos de uma dose tão alta que será melhor aceitar um controle
involuntários, estereotipados;
parcial.
- AITs ou AVC: episódios com sintomas negativos (pare- Atualmente, as substâncias mais usadas para tratar a
sias, afasias, plegias, hemianopsia), instalação abrupta; epilepsia são carbamazepina, clobazam, clonazepam, etos-
- Crise não epiléptica: hiperventilação pode ocasionar suximida, fenitoína, fenobarbital, primidona e valproato de
perda de consciência e hipertonia; sódio (ácido valproico). Medicamentos mais novos incluem
- Comorbidade psiquiátrica. lamotrigina, oxcarbazepina, topiramato, vigabatrina e ga-
bapentina. Às vezes, é necessário experimentar mais de 1
Após a definição da hipótese diagnóstica, baseada na medicamento ou combinar mais de 1 medicação para ob-
história clínica e no exame físico, está-se apto a classificar as ter o efeito desejado. Algumas drogas podem evitar que os

NEUROLOGIA
crises epilépticas e, então, buscar uma possível causa para impulsos nervosos anormais se espalhem, enquanto outras
a manifestação clínica. As crises epilépticas caracterizam aumentam o fluxo de íons de cloro, que estabilizam as cé-
um sintoma clínico e não um diagnóstico; portanto, deve-se lulas nervosas.
sempre pensar nos diagnósticos diferenciais e buscar uma A cirurgia pode ser uma solução quando a medicação
definição diagnóstica. Sob estresse, uma respiração rápida falha e há uma crise parcial, de forma que a área afetada
ocasiona alcalose, podendo causar sintomas semelhantes a possa ser removida com a segurança de não causar prejuízo
determinados tipos de crises. Hipoglicemia, abuso de dro- à personalidade ou a outras funções.
gas e febre, por exemplo, também podem ocasionar crises. Paralelamente ao tratamento médico, uma vida saudá-
O médico sempre deve ser consultado, pois são os exa- vel tem efeitos benéficos sobre a epilepsia. Isso inclui die-
mes e o histórico do paciente que determinarão o procedi- ta balanceada, exercícios, descanso, redução de estresse e
mento a ser seguido em relação às convulsões. de pressão, e a não utilização de álcool e de drogas ilegais.
Antes de iniciar a terapia medicamentosa, algumas conside-
8. Exames complementares rações devem ser estabelecidas.
Como já foi dito, o diagnóstico da epilepsia é clínico, ou a) Diagnóstico
seja, não se apoia exclusivamente em exames. Além dos Em torno de 20% dos pacientes atendidos em clínicas
exames neurológicos de rotina, um eletroencefalograma especializadas em epilepsias têm um diagnóstico equivo-
(EEG) pode reforçar o diagnóstico, ajudar na classificação da cado de epilepsia. Por isso, devem-se diferenciar as crises
epilepsia e direcionar a investigação da existência de uma primárias das de causas secundárias a outras doenças.
lesão cerebral. Considera-se epilepsia primária somente a partir da 2ª crise
Eletrodos fixados no couro cabeludo registram e ampli- primária apresentada pelo paciente.
ficam a atividade cerebral. Hiperpneia e fotoestimulação
podem mostrar anomalias nas ondas cerebrais e, por isso, b) Investigação etiológica
costumam integrar o exame. Na 1ª etapa, o paciente respi- Esta é realizada por meio de detalhada anamnese, exa-
ra fundo e simula estar cansado; na 2ª etapa, é estimulado me físico e neurológico, além de exames de imagem (TC ou
por algumas frequências de luz. Entretanto, um resultado RNM encefálica).
normal no EEG não descarta a epilepsia. Sabe-se que 25% O objetivo da neuroimagem é identificar a doença de
ou mais pacientes com epilepsia têm EEG normal entre as base, como tumor, malformação do desenvolvimento cor-
crises (baixa sensibilidade, porém alta especificidade). EEG tical, doenças inflamatórias ou infecciosas, malformação
normal, durante uma suposta crise, afasta diagnóstico de vascular, lesão pós-traumática, doença cerebrovascular, en-
crise epiléptica e levanta a possibilidade de pseudocrise. tre outras. A RNM é superior à TC, tanto em sensibilidade
Outros exames comumente solicitados na investigação quanto em especificidade dos achados, por isso a última é
da epilepsia são Tomografia Computadorizada (TC) e RNM, utilizada como alternativa.
principalmente para verificar se a epilepsia está ligada a um Quando adequadamente realizado, o EEG é um exame
tumor ou a outra lesão cerebral. Em casos atendidos em complementar muito informativo, que pode confirmar o
pronto atendimento, os exames laboratoriais são necessá- diagnóstico clínico (se anormal). Um 1º EEG pode mostrar
rios, buscando alterações metabólicas (em adultos, incluir anormalidades em 40 a 50% dos pacientes adultos com
avaliação hepática). Em pacientes com suspeita de quadro epilepsia. A repetição pode aumentar seus índices em até
infeccioso, é mandatória a análise do líquido cerebrospinal. 70 a 80%. A especificidade do EEG é estimada em 96%, e a
sensibilidade ao redor de 40%, aumentando até 70% com
a repetição e o sono. Monitorização eletroencefalográfica
9. Tratamento prolongada leva a diagnóstico definitivo em significativa
Algumas crises desaparecem com o tempo, e a medica- proporção de pacientes se é registrada uma crise.
ção pode ser suspensa; outros pacientes precisam de trata- Quando há suspeita de doença sistêmica, a investigação
mento durante toda a vida para controlar as crises, depen- laboratorial se impõe.

69
NEURO LO G I A

10. Princípios de tratamento e uso de Epilepsias de início generalizado


drogas antiepilépticas - Fenitoína;
- Fenobarbital.
O tratamento é prolongado, recomendando, inicialmen-
te, a monoterapia em doses usuais. De modo geral, a medi- Quando não se consegue o controle satisfatório das cri-
cação deve ser titulada gradualmente até o estabelecimen- ses epilépticas com as DAEs já apontadas, em monoterapia,
to de dose ideal para cada paciente ou até o surgimento de utiliza-se associação de 2 DAEs: politerapia. Poucos pacien-
efeitos adversos. Não existem valores definidos para dose tes beneficiam-se com tal medida. Por outro lado, o risco de
mínima, apenas parâmetros aproximados. A dose máxima efeitos adversos aumenta significativamente.
é aquela que o paciente toma sem apresentar efeitos cola-
terais “inaceitáveis”. B - DAEs de 2ª linha ou de uso adjuvante
Nenhuma droga antiepiléptica (DAE) deve ser suspen-
sa abruptamente, exceto em raras exceções, como nas Se as drogas de 1ª linha são ineficazes ou não toleradas,
reações idiossincráticas (alérgicas). Todos os fármacos an- utilizam-se outras drogas:
tiepilépticos podem causar efeitos adversos sistêmicos ou a) Crises de ausências: clobazam, clonazepam, lamotri-
neurotóxicos, o que justifica a monitorização clínica e labo- gina ou topiramato.
ratorial do paciente pelo médico prescritor da medicação b) Crises mioclônicas: clobazam, clonazepam, lamotri-
em intervalos variáveis. gina ou topiramato.
Quanto a pacientes que não obtêm o controle satisfató- c) Crises primariamente generalizadas tônico-clônicas:
rio das crises, devem-se rever o diagnóstico e a adesão ao clobazam, clonazepam, lamotrigina, gabapentina, topira-
tratamento. Além disso, observar se a dose máxima tolera- mato e vigabatrina.
da foi utilizada em monoterapia. d) Epilepsia mioclônica juvenil: tem a particularidade
Esgotadas as monoterapias, considerar a combinação de de responder bem ao valproato e mal a outros anticonvul-
2 drogas (politerapia). Poucos pacientes beneficiam-se da sivantes.
combinação de 3 drogas. Eventualmente, em determinadas A falha no uso de drogas de 2ª linha prediz que pacien-
condições (prevenção de crises agrupadas ou em períodos tes são de difícil controle ou refratários às medicações tradi-
de maior suscetibilidade, como o período perimenstrual), cionais. Há tratamentos alternativos para eles, dependendo
pode-se usar tratamento intermitente com benzodiazepíni- da síndrome epiléptica: cirurgia de epilepsia, dieta cetogê-
co ou acetazolamida. nica e outros.
Após iniciar droga anticonvulsivante, deve ser mantida
por, pelo menos, 2 anos, ainda que o paciente fique livre Tabela 5 - Medicamento de escolha conforme tipo de crise con-
de convulsões. O risco de recorrência é de 25% em pacien- vulsiva
tes sem fatores de risco e 50% com fatores associados; 80% Tipo de crise Efeitos colaterais pos-
das recorrências ocorrem com até 4 meses da suspensão Medicamento
convulsiva síveis
da medicação. Quando for decidido suspender a medicação
anticonvulsivante, a dose deverá ser diminuída 25% a cada Generalizada, Baixas contagens de
Carbamazepina
2 a 4 semanas. parcial leucócitos e eritrócitos
Baixas contagens de
Etossuximida Pequeno mal
A - DAEs de 1ª linha leucócitos e eritrócitos
Tabela 4 - Drogas antiepilépticas de 1ª linha Gabapentina Parcial Sedação
Generalizada,
Epilepsias de início parcial ou focal, com ou sem generalização Lamotrigina Erupção
secundária parcial
- Carbamazepina ou oxcarbazepina; Generalizada,
Fenobarbital Sedação
parcial
- Fenitoína;
Generalizada,
- Valproato de sódio; Fenitoína Hiperplasia gengival
parcial
- Fenobarbital.
Generalizada,
Epilepsias de início generalizado Primidona Sedação
parcial
- Valproato de sódio; Espasmos infan-
Aumento de peso, perda
- Etossuximida (apenas eficaz em crises de ausências); Valproato tis, pequeno mal,
de cabelo
- Carbamazepina; generalizada

Tabela 6 - Resumo das principais medicações anticonvulsivas


Drogas antiepilépticas
Via de administra- Dose de ataque Nível terapêutico
Droga Tipo de crise Dose diária (mg)
ção (mg/kg) (ug/mL)
Fenitoína VO, IV P, TCG 10 300 a 400 10 a 12
Fenobarbital VO, IM P, TCG - - 15 a 40

70
CRISE EPILÉPTICA E EPILEPSIA

Drogas antiepilépticas
Via de administra- Dose de ataque Nível terapêutico
Droga Tipo de crise Dose diária (mg)
ção (mg/kg) (ug/mL)
Fenobarbital sódico IV P, TCG 10 a 20 100 a 200 15 a 40
Carbamazepina VO P, TCG - 600 a 1.600 4 a 12
Ácido valproico VO Todos - 750 a 3.000 50 a 100
Divalproato VO Todos - 1.000 a 4.800 50 a 100
Divalproato IV Todos 10 a 20 - 50 a 100
Primidona VO P, TCG - 750 a 1.250 6 a 12
Clonazepam VO A, M - 1,5 a 4 0,02 a 0,08
Etossuximida VO A - 750 a 1.250 40 a 100
Lamotrigina VO Todos - 150 a 600 -
Gabapentina VO P, TCG - 900 a 3.600 -

NEUROLOGIA
Topiramato VO P, TCG - 100 a 400 -
Diazepam VR Todos 0,2 a 0,5 - -
Midazolam IV Todos 0,15 a 0,2 0,05 a 0,4mg/kg/h -
Tiopental sódico IV Todos 100 a 250mg 3 a 5mg/kg/h -
Propofol IV Todos 1a3 1 a 6mg/kg/h -
1,5 a 3,5mg/kg/h
Lidocaína IV Todos 1a2 (adultos) -
6mg/kg/h (crianças)
P = crises parciais; TCG = crises Tônico-Clônicas Generalizadas; A = Ausência; M = Mioclonais; VO = Via Oral; VR = Via Retal; IV = via
intravenosa; IM = via intramuscular

C - Tratamento cirúrgico craniana passada (AVC, trauma ou anóxia), situação em que


é referida como crise sintomática remota; ou ainda, pode
Um número crescente de pacientes com epilepsia refra- ser idiopática, isto é, sem etiologia definida. Crises agudas
tários ao tratamento medicamentoso tem indicação para sintomáticas são causadas por lesões agudas, danos neuro-
cirurgia. Esta pode ter varias modalidades, como a ressec- lógicos progressivos ou alterações metabólicas.
ção da zona epileptogênica (extirpação da lesão e da zona A causa metabólica mais comum de crises convulsivas é
limítrofe, geradora de epilepsia) – corticoamigdalo-hipo- a hipoglicemia; a hiponatremia e a hipocalcemia são causas
campectomia do lado da esclerose temporal mesial, a calo- importantes, mas menos frequentes. Outras causas de en-
sotomia (a separação da porção anterior do corpo caloso), a cefalopatias metabólicas, como uremia, coma hiperosmo-
hemisterectomia (ressecção de uma parte do hemisfério ce- lar, hipernatremia e encefalopatia hepática, podem originar
rebral lesado) e implantação de estimulador do nervo vago. tanto crises focais quanto generalizadas.
As evidências disponíveis no momento são insuficientes Dentre as causas tóxicas de convulsão, a ingestão de ál-
para afirmar se e qual abordagem cirúrgica é mais segura cool é a mais comum, seguida pelos antidepressivos tricí-
no tratamento da epilepsia. Porém, o tratamento cirúrgico, clicos, cocaína, anfetaminas, imipeném, anti-histamínicos,
parece ser mais viável e promissor do que drogas epilépti- teofilina e isoniazida. A abstinência de drogas e álcool, in-
cas. Não encontramos evidências que possam sugerir que o cluindo drogas anticonvulsivantes e benzodiazepínicos, é a
tratamento cirúrgico não seja evidente. Os danos por uma principal causa de crises recorrentes. As infecções agudas
cirurgia devem ser levados em condições ao submeter um do SNC são responsáveis por 4 a 12% das crises convulsivas
paciente a uma determinada abordagem intensiva, deven- isoladas e até por 25% dos casos de estados de mal epilé-
do ser consideradas suas vantagens e desvantagens para tico refratários. Nos pacientes HIV positivos, toxoplasmose
cada tipo de paciente e seu problema clínico. cerebral, criptococose e encefalite causada pelo próprio
HIV são os principais motivos de crises convulsivas.
Nos indivíduos jovens sem história prévia, a epilepsia
11. Crise convulsiva na emergência idiopática é a causa mais provável de crises genuínas, po-
rém não se devem esquecer abuso de álcool, drogas ou
A - Crises convulsivas isoladas estados de abstinência. Deve-se procurar por sinais de in-
fecção, meningismo, alterações cardiovasculares e metabó-
Crises convulsivas são, habitualmente, o motivo pelo licas, sinais de ingestão de drogas e trauma de crânio, reali-
qual os pacientes são levados ao pronto-socorro. Como já zar o exame neurológico, documentar o score da escala de
comentado, uma convulsão ou uma crise focal podem ser Glasgow e, se há confusão mental, anormalidades focais e
resultados de um processo agudo, e então se trata de uma papiledema à fundoscopia, e realizar exames: gasometria
crise aguda sintomática; pode resultar de uma lesão intra- arterial, ureia e creatinina, eletrólitos, função hepática e gli-

71
NEURO LOG I A

cemia e, se o paciente estiver com febre, hemograma com- conduta do médico que o acompanha, a menos que exis-
pleto e hemoculturas. É obrigatória a tomografia de crânio tam sinais de toxicidade ou o paciente tenha crises por não
nas crises de início focal ou se existem sinais de disfunção tomar a medicação. Nesta situação, recomenda-se instituir
neurológica focal, alteração do nível de consciência e sinais o tratamento na dose adequada, até que o indivíduo retor-
de TCE. Sempre realizar punção liquórica em caso de febre ne ao seu médico.
ou de qualquer possibilidade de infecção do SNC. É aconselhável, sempre que possível, comunicar-se com
Mesmo nos casos de crise tônico-clônica generalizada o médico do paciente, a fim de decidir a melhor conduta.
sem início focal, é aconselhável a realização da TC na maio- Nunca se deve mudar o esquema de drogas anticonvulsivan-
ria dos serviços com protocolos de atendimento do país, in- tes de que o doente faz uso, exceto nas situações citadas.
cluindo no HC/FMUSP. Em guidelines norte-americanos, há
recomendações da realização de exame de neuroimagem a
pacientes com 1ª crise epiléptica e possível lesão estrutural,
C - Algoritmo para pronto atendimento de crise
sugerida por déficits focais: permanente alteração mental, convulsiva
febre, cefaleia persistente, trauma, história de alteração de
imunidade; pacientes com coagulopatia ou em anticoagula- Paciente que teve convulsão e voltou ao normal
ção, também recomendada se o indivíduo tem mais de 40
anos de idade ou apresentou crise parcial, e crianças que Primeira vez?

apresentaram período pós-ictal prolongado.


Quando a crise convulsiva decorre de distúrbio meta- Sim Não

bólico como hiponatremia, hiperglicemia, hipernatremia, Semelhante a eventos


Verificar uso de drogas, sinais de TCE,
deve-se tratar o distúrbio metabólico de base. No caso de sinais de doenças sistêmicas, anteriores?
crises repetidas, deve-se administrar dose de ataque de an- medicamentos utilizados, gravidez

ticonvulsivante, como descrito a seguir, até que o distúrbio Sim Não


seja corrigido. Nesse caso, não é necessária a manutenção Colher glicemia, eletrólitos e realizar
teste de gravidez nas mulheres
da droga por longo prazo. Ajustar medicações Checar nível de AVC,
anticonvulsivantes
No caso de 1ª crise convulsiva ocorrer em paciente Considerar a necessidade de coleta
temperatura, sinais de
infecção ou consumo de
com lesão encefálica aguda (como TCE, meningoencefali- de sangue para realização de álcool, medicamentos ou
hemograma completo, teste de
te, tumores ou metástases cerebrais, AVC e outras causas), função hepática, Ca, P, Mg, detecção
drogas que baixam o
limiar convulsivo
deve-se administrar anticonvulsivantes de forma a evitar a de drogas e álcool

recorrência das crises. Iniciar dose de ataque com difenil-


-hidantoína (10 a 20mg/kg IV em velocidade não superior Paciente HIV+ ou Sinais de alteração
imunodeprimido
a 50mg/min) e, depois, prescrever dose de manutenção de focal ao exame
neurológico?
100mg, a cada 8h. TC/LCR
Descartando-se lesão encefálica aguda e tratando-se de
Sim Não
crise única, não se administram drogas anticonvulsivantes. O
paciente é encaminhado para seguimento clínico e investi- TC na UE TC na EU ou
gação complementar. Se a crise ocorrer, estará indicado iní- encaminhar
para posterior
cio do tratamento profilático se não for sugerida nenhuma avaliação
ambulatorial
doença. O paciente deve sair sempre com algum adulto res-
ponsável e ser encaminhado para seguimento ambulatorial e Figura 6 - Pronto atendimento de crise convulsiva
investigação complementar. Além disso, deve ser orientado a
não dirigir automóveis até que a investigação seja realizada.
12. Estado de mal epiléptico
B - Crises em epilépticos A - Definições
Os epilépticos que têm crises em público ou na compa- O Estado de Mal Epiléptico (EME) é uma emergência mé-
nhia de estranhos são trazidos com frequência à Unidade dica de alta morbidade e mortalidade (20%). Classicamente,
de Emergência (UE). Normalmente, nenhuma investigação era definido como crise epiléptica que persistia por mais de
e tratamento serão necessários se não houver alteração no 30 minutos, ou 2 ou mais crises sem recuperar consciência
padrão de crises que o paciente apresenta. Deve-se verifi- entre elas; porém, como a lesão cerebral acontece em tem-
car se houve modificação do controle de um paciente que po menor, houve redução inicial do tempo para 20 minutos
já estava bem controlado, o que pode acontecer por uso e, posteriormente, para 10 minutos.
inadequado da medicação anticonvulsivante, doença ou in- A maioria das crises tônico-clônicas cessa em até 1 a 2
fecção intercorrente, ingestão de álcool ou drogas. minutos, e, por essa razão, muitos autores adotam tal tem-
De modo geral, não é necessária a determinação dos po como limite para uma crise tônico-clônica isolada. É di-
níveis séricos dos antiepilépticos; porém, devem-se realizá- ferente de crises recorrentes, pois, nestas, há recuperação
-los quando há sinais de toxicidade ou o paciente não faz da consciência entre as crises.
uso da medicação nas doses indicadas. Deve-se orientar
seguimento adequado e, com o indivíduo totalmente recu-
B - Classificação
perado e o padrão de crises inalterado, pode-se permitir a
sua saída com os responsáveis. Não se deve interferir na Atualmente, reconhecem-se 2 tipos de EME:

72
CRISE EPILÉPTICA E EPILEPSIA

a) EME convulsivo, que compreende: D - Tratamento


- Estado de mal motor primariamente generalizado; - Passo I: diagnosticar, administrar oxigênio, estabilizar
- Estado de mal motor focal; níveis pressóricos e frequências cardíaca e respirató-
- Estado de mal motor generalizado com início parcial. ria, manter vias aéreas íntegras, estabelecer acesso
b) Estado de mal não convulsivo: venoso, monitorizar eletrocardiograma, colher exames
laboratoriais, avaliar níveis de drogas antiepilépticas,
- Estado de mal de ausência (antigamente, denominado avaliar intoxicações;
pequeno mal); - Passo II: administrar tiamina 100mg e glicose 50% (de
- Estado de mal parcial complexo (antigamente, deno- 40 a 60mL) para prevenir eventuais lesões por hipogli-
minado estado de mal psicomotor). cemia;
O EME motor generalizado é o mais grave e o mais fre-
- Passo III: administrar drogas para interromper estado
de mal; esperar resposta em 15 minutos para observar
quente. Ocasionalmente, o EME pode ser o modo de apre-
desaparecimento da atividade epileptiforme no ele-
sentação de um distúrbio convulsivo. A mortalidade do
troencefalograma (se viável na emergência);
EME motor generalizado sem tratamento situa-se ao redor
de 50% e, com tratamento, de 3 a 20%. Os efeitos sistêmi- - Passo IV: administrar benzodiazepínicos sem diluição:

NEUROLOGIA
cos do EME convulsivo podem ser divididos em 2 estágios: • Diazepam: 0,1 a 0,3mg/kg, 5mg IV em 1 ou 2 mi-
- Estágio I (0 a 30 minutos): fase inicial do EME. A autor- nutos, podendo repetir 5 a 10 minutos em caso de
regulação cerebral e a homeostase estão preservadas. novas crises, máximo de 30mg. Os principais efeitos
Há liberação maciça de catecolaminas, com aumento colaterais são depressão de consciência e depres-
da glicemia, aumento da pressão arterial e da frequên- são respiratória;
cia cardíaca, o que é acompanhado por um aumento • Lorazepam: 0,1mg/kg, nos países em que é dispo-
da pressão intracraniana. Ocorrem acidose metabólica nível para uso IV, 2 a 4mg IV a cada 5 minutos, máxi-
e hipertermia; mo de 10mg, duração de 12 a 24 horas;
- Estágio II (30 a 90 minutos): nessa fase, o mecanismo • Midazolam: 0,15 a 0,3mg/kg (IV, IM ou VR, no caso
de autorregulação do fluxo sanguíneo cerebral está de não se obter acesso venoso). Tem vantagens por
afetado e dependente da pressão arterial. Ocorrem ser uma droga de rápido início de ação (de 20 se-
piora da acidose metabólica, hipotensão arterial, di- gundos a 10 minutos), elevada eficácia, meia-vida
minuição do fluxo sanguíneo cerebral e hipoglicemia. curta (1,5 a 3,5 horas), poucos efeitos colaterais,
não ter metabólitos ativos e ser solúvel em água.
C - Etiologia - Passo V: fenitoína deve ser administrada logo após o
As causas mais comuns de EME são: benzodiazepínico, 10 a 20mg/kg – velocidade de infu-
- Lesões agudas do SNC como meningites, encefalites, são 50mg/min para adultos e 25mg/min em crianças,
AVC e hipóxia cerebral; pode ser feita dose complementar de 5 a 10mg/kg. Os
principais efeitos colaterais são arritmias cardíacas e hi-
- Suspensão de drogas antiepilépticas; potensão arterial. Espera-se que o estado de mal esteja
- Alterações metabólicas: insuficiência renal, coma hipe- controlado após 10 a 30 minutos de sua administração:
rosmolar, distúrbios hidroeletrolíticos;
• Fosfenitoína: 20mg/kg, infusão 150mg/min.
- Processos expansivos, abscessos, hematomas, tumo-
res e cisticercos; Se o estado de mal persistir após 30 minutos dos pro-
- Abstinência alcoólica, intoxicação (hexaclorobenzeno, cedimentos anteriores, deve-se intubar o paciente e passar
DDT, teofilina), terapêutica eletroconvulsiva; para os seguintes passos (vecurônio, 0,1 mg/kg):
- A incidência do EME é cerca de 6 vezes mais alta na - Passo VI: caso não haja resolução do estado de mal
epilepsia sintomática do que na epilepsia idiopática. com os passos anteriores, administrar fenobarbital, so-
lução aquosa (10 a 20mg/kg), infusão 100mg/min. Há
Alguns autores avaliam a duração média do EME em 2 risco de depressão de consciência e respiratória;
horas e 45 minutos. Quanto maior a sua duração, maior a - Passo VII: sedação contínua com midazolam (ataque
probabilidade de ocorrerem sequelas neurológicas graves. 0,3mg/kg e manutenção 0,05 a 0,6mg/kg/h). Em caso
Durante o evento agudo, ocorrem várias alterações meta- de persistência, pode ser empregada lidocaína por via
bólicas, como hipóxia, hipercapnia, hipoglicemia, hipercale- intravenosa (1 a 2mg/kg “em bolo” e, posteriormente,
mia e, nas fases mais tardias, acidose metabólica. 1,5 a 3,5mg/kg/h nos adultos).
O comprometimento respiratório no EME decorre de
vários mecanismos: as crises epilépticas podem levar a dis- Pacientes sem resposta devem ser intubados, e podem
túrbios da mecânica respiratória, e pode ocorrer a inibição ser consideradas as seguintes opções:
dos centros respiratórios do tronco encefálico pelas descar- - Propofol: ataque, 2mg/kg, e manutenção, de 5 a
gas epilépticas. Descargas autonômicas maciças também 10mg/kg/h;
acontecem, o que resulta em aumento das secreções brôn- - Tiopental: 100 a 250mg, em 2 minutos, e manutenção,
quicas e broncoconstrição. de 3 a 5mg/kg/h;

73
NEURO LOG I A

- Pentobarbital: ataque, 5 a 15mg/kg, manutenção, de a 72 horas sendo que o controle das crises ocorreu em 72
0,25 a 2mg/kg/h. a 96 horas.

No estado de mal de ausência, o ácido valproico pode


ser usado por VO, retal ou sonda nasogástrica. O mesmo 13. Resumo
pode ser considerado para o estado de mal mioclônico.
Quadro-resumo
- Complicações - Crises epilépticas são comuns e podem indicar desde casos sem
• É aconselhável fazer monitorização eletrocardiográ- gravidade imediata até situações com risco de morte;
fica por 24 horas após correção do EME; - É necessário descartar crise por uso de medicamentos, drogas,
• Aminas vasoativas podem ser necessárias para cor- abstinência (principalmente aos sedativos e hipnóticos), de-
rigir hipotensão; pressores do SNC e álcool etílico;
• Rabdomiólise: hiper-hidratação para prevenir insu- - Um episódio convulsivo ou uma crise focal podem resultar de um
ficiência renal aguda; processo agudo (crise aguda sintomática), de uma lesão intra-
• Edema cerebral: considerar hiperventilação, corti- craniana prévia (crise sintomática remota) ou ser idiopática, sem
costeroides e manitol; etiologia definida;
• Hipotensão pelo uso das drogas pode ter boa res- - Em uma 1ª crise convulsiva, se o paciente tiver mais de 40 anos
posta à administração de volume. ou se apresentar sintomas focais, será obrigatório fazer tomo-
grafia de crânio (alguns autores recomendam a tomografia em
Em pacientes admitidos na UE com crise caracterizando todas as primeiras crises convulsivas);
estado de mal convulsivo, devem-se pular I, II, III e IV e par-
- Deve-se tentar o tratamento crônico com monoterapia como
tir para VII (drogas de 2ª linha serão administradas como
1ª escolha;
drogas de manutenção, embora sejam ineficazes no contro-
le inicial). - Atualmente, as substâncias mais usadas para tratar a epilep-
O estado de mal não convulsivo pode ser difícil de ser sia são carbamazepina, clobazam, clonazepam, etossuximida,
identificado clinicamente, há alterações abruptas de ativi- fenitoína, fenobarbital, primidona e valproato de sódio (ácido
dade mental e alterações de comportamento, e, com fre- valproico);
quência, é inicialmente diagnosticado como doença psi- - Medicamentos mais novos incluem lamotrigina, oxcarbazepina,
quiátrica. O diagnóstico depende de eletroencefalograma topiramato, vigabatrina e gabapentina;
enquanto o paciente está sintomático e é confirmado pela - Descartando-se lesão encefálica aguda e tratando-se de uma cri-
resposta à administração de benzodiazepínico (o EEG volta se única, não se administram drogas anticonvulsivantes;
ao normal, e há melhora do estado mental).
- Após iniciar uma medicação antiepiléptica, esta deve ser conti-
No estado de mal tipo ausência, devem-se utilizar ben-
nuada por, pelo menos, 2 anos. Nos casos em que a medicação
zodiazepínico IV e valproato VO. No estado de mal não con-
for suspensa, o mesmo deve ocorrer gradualmente;
vulsivo (parcial complexo e mioclônico) e convulsivo, deve-
mos usar o esquema citado anteriormente. - O EME é uma emergência médica de alta morbidade e mor-
Deve-se lembrar que o paciente que não volta ao nor- talidade (20%), definido como crise epiléptica que persiste
mal e que não está apresentando crises clínicas visíveis po- por mais de 310 minutos, ou 2 ou mais crises sem recuperar
derá estar apresentando crises documentadas apenas com consciência entre elas.
o eletroencefalograma.

E - Novas opções
Caso a 1ª medicação IV não surte resultado efetivo (in-
terrupção do EME), podemos lançar mão de outras medica-
ções como os anestésicos, que promovem depressão respi-
ratória e exigem suporte ventilatório. Atualmente dispomos
de drogas antiepilépticas para uso IV como o valproato e
levetiracetam (não disponível no Brasil). O topiramato e o
valproato têm sido usados por sonda nasogástrica (se con-
traindicada administração de fenitoína). O valproato IV em
breve estará disponível no Brasil para tratamento do EME,
devendo ser ministrado em 60 minutos (não ultrapassar
20mg/min) na dose 10 a 60mg/kg , mesma dose VO ou por
sonda nasogástrica. Não deve ser ministrado a pacientes
com doenças mitocondriais e naqueles com comprometi-
mento hepático. Outra droga útil para tratamento do EME
é o topiramato que pode ser ministrado via sonda nasogás-
trica em adultos nas doses de 300 a 1.600mg/dia em 3 to-
madas diárias e em crianças, doses 2 a 6mg/kg/dia (foram
administradas dose até 25mg/kg/dia) tituladas em 24 horas

74
CAPÍTULO

7
Demências

Tarso Adoni / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Maria Aparecida Ferraz /


Cristina Gonçalves Massant / Mauro Augusto de Oliveira

1. Introdução Tabela 1 - Prevalência de demência de acordo com a idade


60 a 64 anos 0,7%
Demência é a síndrome de perda das capacidades cog-
65 a 69 anos 1,4%
nitivas adquiridas pelo indivíduo com prejuízo funcional em
70 a 74 anos 2,8%
suas atividades de vida diárias, sejam estas profissionais ou
de relacionamento social. Define-se cognição como ato ou 75 a 79 anos 5,6%
processo de conhecer. 80 a 84 anos 10,5%
Segundo critérios do manual de diagnóstico e estatísti- 85 a 89 anos 20,8%
ca das perturbações mentais da Associação Americana de
90 a 95 anos 38,6%
Psiquiatria IV Edição (DSM-IV), para que o diagnóstico sin-
drômico de demência seja estabelecido, é necessário que
haja prejuízo da memória e de mais alguma outra habili-
dade cognitiva: linguagem, praxia, gnosia ou capacidade de
planejar e executar uma ideia.
Demência é uma condição adquirida, que não inclui os
casos de deficiência mental ou incapacidade em adquirir
habilidades cognitivas durante o período esperado para a
sua aquisição.
Não existem aspectos clínicos patognomônicos para o
diagnóstico de demência. O diagnóstico é essencialmente
clínico, assistido por neuroimagem e exames laboratoriais
com a finalidade de afastar afecções sistêmicas que cursam
com déficit cognitivo e que são potencialmente reversíveis
(até 15% dos casos em algumas séries), com destaque para Figura 1 - Prevalência de demência por idade e gênero (baseado
depressão, efeitos colaterais de medicações e deficiência em Lobo et al., para complementação). Fonte: Dementia – practi-
de vitamina B12. cal neurology – the bare essentials

2. Epidemiologia Estimativas mostram que a população mundial de in-


divíduos com demência aumentará dos 18 milhões atuais
Demência é uma condição que afeta principalmente in-
para 34 milhões em 2025. Tal aumento terá maior marca-
divíduos com mais de 60 anos de idade. Na última década,
ção nos países em desenvolvimento, pois a aquisição de
em decorrência dos casos de síndrome da imunodeficiência
adquirida, o número de casos em jovens aumentou. melhores condições gerais de vida está fazendo que mais
A prevalência de demência dobra a cada 5 anos a partir pessoas envelheçam. De maneira geral, existem alguns
dos 60 anos de idade, atingindo mais de 20% da popula- fatores considerados de risco para o desenvolvimento de
ção com mais de 85 anos. Tal aumento acontece em virtude demência, como idade (fator de risco mais consistente),
da ocorrência mais comum de condições predisponentes, nível educacional, história familiar, fatores genéticos e fa-
como doenças degenerativas e vasculares, entre outras, a tores de risco vascular (hipertensão, dislipidemia, diabe-
partir da 7ª década de vida. tes mellitus).

75
NEURO LOG I A

3. Classificação
As demências podem ser classificadas de acordo com sua
apresentação clínica, de acordo com sua causa e faixa etária.
Tabela 2 - Classificação das demências
Etiopatogenia Doenças

Associadas a - Coreia de Huntington;


outras doen- - Doença de Parkinson;
ças do sistema - Doença dos corpos de Lewy;
Primárias nervoso - Hidrocefalias.
- Doença de Alzheimer;
Expressão ma-
jor da doença - Degenerescência lobar frontotem-
poral.
- Endócrinas;
Figura 3 - Frequência relativa das causas de demência em maiores
- Déficits alimentares; de 65 anos de idade
Secundárias
- Infecções;
Conforme os dados das Figuras anteriores, podemos
- Intoxicações crônicas.
concluir que tanto na faixa etária pré-senil quanto na faixa
Topográficas etária senil (maior que 65 anos de idade) a principal causa
Etiopatogenia Doenças de demência é a Doença de Alzheimer (DA), representando
- Doença de Alzheimer; cerca de 60 a 80% dos casos.
Corticais Assim, declínio cognitivo insidioso em pacientes com
- Degenerescência lobar frontotem-
mais de 65 anos há pelo menos 1 ano, com déficit de me-
poral.
mória proeminente e precoce, além de comprometimento
- Coreia de Huntington; de mais outro domínio cognitivo, com exames de labora-
- Doença de Parkinson; tório preliminares normais e Tomografia Computadorizada
Subcorticais - Paralisia supranuclear progressiva; (TC) de crânio com ou sem o achado de atrofia cortical, per-
mite diagnóstico presuntivo de DA.
- Demência vascular (importante pela
Uma forma de avaliar a presença de alterações suges-
frequência).
tivas de quadro demencial é através do teste minimental
- Doença dos corpos de Lewy (caracte- ou exame do estado mental. Esse teste está sumarizado a
rísticas muito próximas da demência seguir; não é importante decorar cada passo, mas sim saber
Corticossubcorticais associada à doença de Parkinson); da existência e da utilidade de tal instrumento.
- Degenerescência corticobasal.
Tabela 3 - Minimental state examination (MMSE)
Multifocais - Doença de Creutzfeld-Jacob.
1. Orientação (1 ponto por cada resposta correta)
- De acordo com a faixa etária Em que ano estamos?
Em que mês estamos?
Quando se considera a causa de demência por faixa Em que dia do mês estamos?
etária, chama-se demência pré-senil aquela que tem início Em que dia da semana estamos?
antes dos 65 anos. As Figuras a seguir mostram as principais Em que estação do ano estamos?
causas de demência por faixa etária. Nota:____
Em que país estamos?
Em que estado vive?
Em que cidade vive?
Em que ambiente estamos?
Em que andar estamos?
Nota:____
2. Retenção (contar 1 ponto por cada palavra corretamente
repetida)
“Vou dizer 3 palavras; quero que as repita, mas só depois de eu
dizer todas elas; procure decorá-las.”
Pêra
Gato
Bola
Figura 2 - Frequência relativa dos diferentes tipos de demência
pré-senil Nota:____

76
DEMÊNCIAS

3. Atenção e cálculo (1 ponto por cada resposta correta. Se divíduos de alto nível intelectual, sendo necessária, muitas
houver uma errada, mas depois continuar a subtrair bem, são vezes, a avaliação neuropsicológica com testes mais abran-
consideradas as seguintes como corretas. Parar ao final de 5 gentes.
respostas)
“Agora, peço-lhe que me diga quanto são 30 menos 3. Depois de 4. Doença de Alzheimer
encontrado o número, volte a tirar 3 e repita, até eu lhe dizer que
pare.”
27_ 24_ 21_18_15 A - Histórico
Nota:____ A DA foi descrita em 1906 por Alois Alzheimer. A necróp-
4. Evocação (1 ponto para cada resposta correta) sia de uma 1ª paciente, por meio da análise do encéfalo
corado pela prata, evidenciou a presença de placas senis,
“Veja se consegue dizer as 3 palavras que pedi há pouco para
emaranhados neurofibrilares e atrofia cortical.
decorar”.
A partir dos anos 1960, o surgimento de estudos pros-
Pêra
Gato
pectivos pioneiros de Blessed e Roth em Newcastle mos-
Bola
trou a associação entre a quantidade de placas senis no
córtex cerebral e a gravidade das alterações cognitivas. Os

NEUROLOGIA
Nota:____ pacientes com DA apresentam depósito de proteína beta-
5. Linguagem (1 ponto para cada resposta correta) -amiloide, alterações intracelulares neurofibrilares e perda
a) “Como se chama isto?” Mostrar os objetos: neuronal.
Relógio
Lápis B - Quadro clínico
Nota:____ Em virtude da possibilidade de anosognosia (incapa-
b) “Repita a frase que eu vou dizer: ‘o rato roeu a rolha’.” cidade em reconhecer a própria doença), a história deve
Nota:____ sempre ser obtida com o paciente e algum familiar sepa-
radamente.
c) “Quando eu lhe der esta folha de papel, pegue-a com a mão
As primeiras alterações que surgem referem-se ao com-
direita, dobre-a ao meio e a coloque sobre a mesa”. Dar a folha
prometimento insidioso da memória para fatos recentes, a
segurando-a com as 2 mãos.
chamada memória declarativa ou explícita para fatos (por
Pega com a mão direita
exemplo, onde guardou um objeto, em qual cidade passou
Dobra ao meio
o final de semana passado etc.). Associadamente, pode
Coloca onde deve
surgir desorientação temporoespacial, que, via de regra, é
Nota:____ quase universal e bastante precoce.
d) “Leia o que está neste cartão e faça o que nele diz”. Mostrar Alterações de linguagem, como anomia e diminuição na
um cartão com a frase bem legível, “feche os olhos”. Sendo anal- fluência verbal, também são comuns, principalmente na DA
fabeto, lê-se a frase. pré-senil, que costumam ser precoces. Alterações de equi-
Fechou os olhos líbrio, marcha e força muscular estão ausentes, exceto no
Nota:____ período final da doença, quando o paciente acaba por ficar
restrito ao leito.
e) “Escreva uma frase inteira aqui”. Deve ter sujeito e verbo, e
Além dos sintomas cognitivos já descritos, também
fazer sentido; os erros gramaticais não prejudicam a pontuação.
Frase:
ocorrem sintomas neuropsiquiátricos que se encaixam em
um dos 4 grupos seguintes:
Nota:____
6. Habilidade construtiva (1 ponto pela cópia correta)
a) Distúrbios de humor
Deve copiar um desenho. Dois pentágonos parcialmente sobre-
Depressão acomete de 25 a 30% dos pacientes. A ocor-
postos; cada um deve ficar com 5 lados, 2 dos quais intersecta-
rência de sintomas depressivos chega a 70% dos indivíduos.
dos. Não valorizar tremor ou rotação. Outra forma de avaliar é b) Delírios e alucinações
pelo desenho de um relógio. Delírios de roubo e ciúme atingem mais de 30% dos
Nota:____ pacientes, principalmente em homens. Alucinações visuais
Total: máximo 30 pontos. podem ocorrer em até 20% dos pacientes, embora sejam
Considera-se com defeito cognitivo: mais comuns e precoces em pacientes com doença dos cor-
púsculos de Lewy.
- Analfabetos: ≤15 pontos;
- De 1 a 11 anos de escolaridade: ≤22; c) Alterações de personalidade
- Com escolaridade superior a 11 anos: ≤27. Apatia e desinteresse são bastante frequentes.
O teste perde poder de avaliação em pacientes de baixo d) Distúrbios de comportamento
nível cultural, mas, ainda assim, é uma ferramenta impor- Agressão física e verbal, agitação psicomotora e com-
tante na avaliação de pacientes com demência. Da mesma portamento sexual inapropriado podem surgir em 30 a 80%
maneira, pode não ser ferramenta suficiente para avaliar in- dos pacientes. É interessante notar que, de modo diferente

77
NEURO LOG I A

dos delírios e das alucinações, os distúrbios de comporta- nos, 80% e 90% mais frequentemente pode ser alcançada.
mento estão associados à gravidade da doença. EEG é valiosa quando a doença de Creutzfeldt-Jacob ou ou-
A DA apresenta critérios diagnósticos específicos, suma- tras doenças relacionadas com príon é um diagnóstico pro-
rizados a seguir: vável. Ondas periódicas de alta amplitude podem eventu-
- Perda gradual e contínua de função cognitiva, prejudi- almente ser detectadas na maioria dos casos da doença de
cando trabalho e convívio social; Creutzfeldt-Jacob. EEG também é útil se pseudodemência é
- Perda de memória recente e, pelo menos, mais 1 dos uma consideração realista quando um EEG normal em um
itens seguintes: linguagem, realização de atividades paciente que parece profundamente demente iria apoiar
motoras, alterações no processamento visual e função o diagnóstico. Múltiplas convulsões não visíveis raramente
executiva; podem apresentar-se como demência e um EEG seria valio-
- Déficit cognitivo não devido a alterações psiquiátricas so para avaliar essa possibilidade.
e orgânicas;
- Déficits que não ocorrem apenas na presença de de- C - Fatores de risco e genética
lirium (este é definido como uma síndrome caracte- Como já foi apresentado, o principal fator de risco para
rizada pelo déficit de atenção aguda, com instalação DA é a idade. Outros fatores que aumentam o risco de de-
dentro de horas ou dias, que também poderá se sobre- senvolvê-la são sexo feminino, baixa escolaridade, história
por a um quadro demencial prévio ou apresentar-se familiar de DA, doença coronariana, hipertensão arterial
isoladamente). sistêmica, níveis elevados de homocisteína no sangue, an-
- Avaliação dos pacientes tecedente de trauma craniano grave, dieta rica em gorduras
e presença de polimorfismo específico no gene da apolipo-
O foco principal dessas avaliações consiste em verificar proteína E (presença de 1 ou 2 alelos E4).
a confirmação inicial de leve perda de memória, levemente A maioria dos casos de DA é esporádica. Cerca de 3%
progressiva confirmando que há compromisso adicional da dos casos apresentam um padrão de herança genética
cognição e descartar outras possíveis causa de demência autossômica dominante, cujas principais características clí-
(por exemplo, doença cerebrovascular deficiência de B12, nicas que a distingue da forma esporádica são: a instalação
sífilis, doença de tireoide). Uma combinação de exame da doença na fase pré-senil (antes dos 65 anos de idade) e
clínico e exames de imagem auxiliares (por exemplo, TC, a presença de alterações de linguagem mais proeminentes
Ressonância Nuclear Magnética – RNM –, e em casos sele- e precoces. Nessas formas familiares, são herdadas muta-
cionados SPECT ou por PET) e de testes de laboratório pode ções no gene que codifica a proteína precursora do amiloi-
ser feita. Critérios de pesquisa foram apresentados para de- de (APP) ou nos genes que codificam as pré-senilinas 1 e 2,
finir DA pré-clínica, transtorno cognitivo leve, devido a DA, como veremos a seguir.
DA provável e DA possível, envolvendo PET, LCE (níveis de Numerosos estudos epidemiológicos têm sido con-
tau e A-beta-42) e análise genética a fim de facilitar estudos siderados no sentido de apurar o feito protetor de vários
futuros. Estes critérios não se destinam a servir como crité- fatores de estilo de vida (alimentação rica em frutas e le-
rios para fins diagnósticos. gumes, consumo preferencial de peixe, vitaminas ômega-3,
Recomendações indicam que neuroimagem estrutural, exercícios físicos, e mesmo atividade espiritual e religiosa),
TC sem contraste ou RNM, é recomendada para avaliação e ainda sobre inúmeros fatores de risco (educação, história
inicial dos pacientes com demência, a fim de detectar le- familiar, obesidade, diabetes, doença vascular, hipertensão,
sões que podem resultar em déficit cognitivo (por exemplo, níveis elevados de homocisteína e ingestão excessiva de
AVE, doença de pequenos vasos, tumor). Em pacientes com gorduras saturadas). Embora com peso variado, verifica-se,
DA, a RNM ou a TC do cérebro pode mostrar atrofia corti- assim, a existência de múltiplos fatores que podem, no de-
cal e/ou difusa, mas esses resultados não são diagnósticos correr da vida, vir a influenciar a ocorrência da doença. Um
da DA. Em estudos clínicos, atrofia do hipocampo (estru- risco maior continua a ser a idade.
tura importante na mediação dos processos de memória)
na RNM coronal é considerada um biomarcador válido de
DA. No entanto, a medição do hipocampo não é utilizada
D - Patologia, bioquímica e patogênese
no atendimento clínico de rotina no diagnóstico da DA. Do ponto de vista patológico, a DA caracteriza-se por
Varredura cerebral com SPECT ou PET não são recomenda- atrofia cerebral (mais acentuada nos lobos temporais),
dos para avaliação de rotina dos pacientes com apresen- emaranhados neurofibrilares intracelulares (ENFs) e Placas
tações típicas da DA. Estas modalidades podem ser úteis Senis extracelulares (PS).
em casos atípicos, ou quando alguma forma de demência Os ENFs apresentam localização intracelular (pericário
frontotemporal é um diagnóstico mais provável. Realizar ou corpo celular) e são constituídos, principalmente, por
punção lombar em casos selecionados para descartar do- proteína tau hiperfosforilada insolúvel. A proteína tau apre-
enças como hidrocefalia de pressão normal, neurossífilis, senta, fisiologicamente, 6 isoformas e está associada aos
criptococose. No LCE os níveis de tau e tau fosforilada são microtúbulos celulares. A ocorrência de hiperfosforilação
muitas vezes elevados em DA, enquanto que os níveis de provoca diminuição da ligação da proteína aos micro-
amiloides são geralmente baixos. A razão para isso não é túbulos, com consequente alteração do citoesqueleto e do
conhecida, mas os níveis são baixos, talvez porque o amiloi- funcionamento celular. Os ENFs não são exclusivos da DA e
de se deposita no cérebro em vez do LCE. Ao medir ambas podem ser encontrados em doenças priônicas e na demên-
as proteínas, a sensibilidade e especificidade de, pelo me- cia pugilística, por exemplo. Localizam-se, inicialmente, na

78
DEMÊNCIAS

região medial do lobo temporal e, com a evolução da doen- - Galantamina: a apresentação mais recente, ER (libera-
ça, tornam-se difusos no encéfalo. ção lenta), permite tomada única, sendo a dose inicial
As PSs apresentam localização extracelular e são consti- 8mg e a dose máxima 24mg/dia. Os efeitos adversos
tuídas, principalmente, por proteína beta-amiloide em sua mais comuns também são gastrintestinais.
porção central. Tal proteína é metabolicamente processada
a partir da APP, que é codificada por um gene localizado A memantina, inibidor do receptor N-metil-D-aspartato
no braço longo do cromossomo 21. A APP é uma proteína (receptor de glutamato), pode ser usada em casos de de-
transmembrana de papel fisiológico ainda não esclareci- mência moderada a grave, correlacionando-se a uma me-
do, sendo expressa em tecidos neurais e não neurais. Sob lhora modesta da função cognitiva por períodos de até 2
condições normais, a APP é clivada a partir da enzima alfa- anos e também dos sintomas psiquiátricos. Deve ser inicia-
-secretase, que dá origem a um fragmento solúvel da prote- da na dose de 10mg, chegando-se a 10mg 2x/dia.
ína beta-amiloide. Uma pequena parte desse fragmento é Os sintomas psíquicos e comportamentais devem ser
normalmente clivada pelas enzimas beta e gama-secretase, tratados com medidas não farmacológicas (mudança do
dando origem a formas insolúveis de proteína beta-amiloi- ambiente, evitar fatores que desencadeiam agressividade,
de. Na DA, há um shift na direção da beta e gama-secre- entre outros) e sintomaticamente. É importante atentar
tases, com formação preferencial e patológica das formas para associação frequente entre depressão e demência,
insolúveis da proteína amiloide, que formam o core das PSs. optando-se sempre por inibidores da recaptação de sero-

NEUROLOGIA
As PSs apresentam distribuição idêntica aos ENFs. tonina. Deve-se evitar o uso de antidepressivos tricíclicos,
Outras características da DA são a degeneração granulo- devido ao efeito anticolinérgico intrínseco dos mesmos.
vacuolar das células piramidais do hipocampo e angiopatia Os quadros de irritabilidade e agressividade podem ser
amiloide. tratados com ácido valproico ou carbamazepina, que têm
Do ponto de vista bioquímico, há predileção (de causa ação estabilizadora do humor. Podem ser necessários antip-
não esclarecida) pela degeneração dos sistemas colinérgi- sicóticos dependendo dos sintomas. Utilizamos preferen-
cos (perda de 50 a 90% da atividade da acetilcolina-transfe- cialmente os neurolépticos atípicos, que têm menos efeitos
rase nos neurônios colinérgicos dos núcleos profundos do colaterais extrapiramidais (risperidona, quetiapina, olanza-
septo próximo à faixa diagonal de Broca ao hipocampo e do pina). Insônia e ansiedade podem ser tratadas com trazodo-
núcleo basal de Meynert ao córtex); porém, ocorre, ainda, na (50 a 150mg/noite) com bons resultados práticos.
perda de neurônios glutamatérgicos (maior parte dos neu- É importante destacar também o fato de que a DA, mui-
rônios perdidos no córtex e no hipocampo), serotoninérgi- tas vezes, está associada a sinais extrapiramidais, mioclono,
cos e adrenérgicos ascendentes e descendentes. e assim como outros tipos de demência é um fator de risco
para desenvolvimento de epilepsia de instalação tardia.
E - Tratamento
O tratamento da DA baseia-se em medidas não farma-
cológicas e farmacológicas.
De maneira geral, o tratamento farmacológico da DA
baseia-se na tentativa de minimizar o déficit de acetilcolina
existente, o que na prática é feito com a utilização de dro-
gas chamadas inibidores da acetilcolinesterase (donepezila,
a rivastigmina e a galantamina). Elas agem aumentando a
disponibilidade de acetilcolina por diminuir a atividade da
acetilcolinesterase, enzima responsável por sua degrada-
ção. No Brasil, o SUS disponibiliza essas 3 drogas. A doença Figura 4 - Doença de Alzheimer: (A) atrofia do lobo temporal me-
evolui apesar do tratamento medicamentoso, mas a funcio- dial sendo esta a anormalidade mais típica da doença e (B) altera-
nalidade e a independência do paciente são preservadas ção menos frequente na doença: atrofia cortical posterior. As ima-
por mais tempo com o uso das medicações específicas. Esse gens são de ressonância nuclear magnética (RNM) em T1. Fonte:
efeito parece ser melhor quanto mais precoce o tratamen- Dementia – practical neurology – the bare essentials – 2009
to, que deve ser mantido em longo prazo.
- Donepezila: deve ser iniciado na dose de 5mg/dia, au-
mentando-se para 10mg/dia (dose única). Os efeitos
adversos mais comuns são náusea, vômitos, diarreia,
5. Demência vascular
insônia, fadiga e anorexia; A Demência Vascular (DV) é a 2ª causa mais comum de
- Rivastigmina: há apresentação em comprimidos, lí- demência, sendo responsável por, aproximadamente, 10%
quido e patch cutâneo, este com a vantagem de ser de todos os casos em nosso meio. O termo DV é genérico e
trocado a cada 24 horas e melhor tolerado em relação significa somente comprometimento cognitivo (demência)
aos efeitos colaterais. A dose inicial é de 1,5mg 2x/dia, secundário a doenças cerebrovasculares.
devendo-se aumentar progressivamente até 4g a 6mg Vários tipos de acometimento vascular do encéfalo po-
2x/dia, com as refeições (dose terapêutica). Os prin- dem ocasionar demência: infartos lacunares, infarto isquê-
cipais efeitos adversos são gastrintestinais (náusea, mico único em localização estratégica (tálamo, giro angular
vômito e diarreia). Deve-se ter cuidado em pacientes esquerdo, por exemplo), múltiplos infartos em território de
com doença do nó sinusal ou arritmias graves; grandes artérias, lesões extensas da substância branca (do-

79
NEURO LOG I A

ença de Binswanger) e acidentes vasculares hemorrágicos hipertensos. Este achado, bem como a perda da autorregu-
(hemorragias subdurais, subaracnóideas ou intracerebrais). lação cerebral na hipertensão crônica e DV, deve participar
Demência vascular e doença cerebrovascular têm os das varias tentativas para normalizar a pressão arterial em
mesmos fatores de risco incluindo idade, sexo masculino, paciente com DV. Tratamento com agentes antiplaquetários
diabetes mellitus, hipertensão arterial, cardiopatia, e os pode ser indicado conforme a natureza da patologia sub-
níveis de homocisteína, possivelmente. Até o momento, jacente do paciente vascular. Inibidores da colinesterase,
nenhuma relação entre colesterol, lipoproteínas séricas e que incluem donepezila, rivastigmina e galantamina, pro-
risco de demência vascular está provado. Evidências do ta- varam eficácia sintomática na DA e também podem ter pa-
bagismo como fator de risco para demência vascular são pel no tratamento da DV de acordo com estudos limitados.
conflitantes. No entanto, um estudo de base populacional Atualmente, seu uso pode ter alguma justificativa dada a
multiétnico publicado em 2010, sugeriu que o cérebro não prevalência de demência com patologia mista.
está imune em longo prazo a consequência do tabagismo A demência vascular também apresenta alguns critérios
pesado. Na verdade, 21.123 fumantes pesados de meia- diagnósticos específicos:
-idade foram seguidos por uma média de 3 anos e foram
encontradas mais de 2 décadas depois de ter um risco - Aparecimento dos déficits cognitivos associado com
maior do que 100% aumentado para demência, a DA e DV. AVC;
O consumo limitado de álcool pode conferir uma proteção. - Aparecimento abrupto dos sintomas, seguido de piora
O exame físico deve ser focalizado sobre o sistema car- progressiva;
diovascular e sinais neurológicos localizatórios. As artérias
temporais podem mostrar diminuição da pulsatilidade,
- Achados neurológicos consistentes com AVC prévio;
sensibilidade local e espessamento associado com arterite - Achados de imagem compatíveis com AVC.
de células gigantes. O exame de fundo de olho (fundosco-
pia) fornece informações importantes a respeito de órgãos
sob efeito da hipertensão ou diabetes. Ausculta cardíaca
pode detectar anormalidades valvares e do ritmo cardíaco.
Pontuações baixas em um instrumento padronizado (mi-
nimental) pode fornecer evidências que corroboram uma
perturbação cognitiva. Sinais de hemiparesia, espasticida-
de, alterações no campo visual, paralisia pseudobulbar e
extrapiramidais confirmam patologia focal.
Algumas características clínicas favorecem o diagnóstico
de DV e foram agrupadas na chamada escala de Hachinski.
Pontuação acima de 6 indica maior probabilidade de DV.
Tabela 4 - Escala de Hachinski
Início abrupto 2
Deterioração em “degraus” 1 Figura 5 - Demência vascular com (A) presença de hipersinal em
substância branca periventricular e 2 pequenas lacunas e (B) pre-
Curso oscilante 2
sença de infarto no lobo médio temporal inferior e uma zona de
Confusão noturna 1 penumbra de infarto anterior. Imagens de RM em FLAIR. Fonte:
Conservação relativa da personalidade 1 Dementia – practical neurology – the bare essentials – 2009
Depressão 1
Queixas somáticas 1
Incontinência emocional 1 6. Outras causas de demência
Hipertensão arterial 1 A demência frontotemporal é caracterizada por atro-
AVC anterior 2 fia focal de lobos temporais e frontais, na ausência de DA.
Evidência de aterosclerose 1
Apresenta vários subtipos: o 1º reconhecido é a doença
de Pick, caracterizada pela presença de corpos de Pick no
Sintomas neurológicos focais 2
neocórtex e no hipocampo. São pacientes com alteração
Sinais neurológicos focais 2 comportamental importante e, algumas vezes, se tornam
extremamente sexualizados. São critérios diagnósticos para
O tratamento dos pacientes com DV deve enfocar o con-
essa doença:
trole dos fatores de risco. Destes, o principal é a hipertensão
arterial sistêmica. Vale ressaltar que a coexistência de DA e
- Alterações comportamentais graduais e progressivas;
DV é bastante comum e é a 3ª causa mais prevalente de - Disfunção gradual e progressiva de linguagem;
demência em nosso meio, principalmente em idosos. Não - Déficit cognitivo não devido a alterações psiquiátricas
existe tratamento farmacológico aprovado pra DV. Dados e orgânicas;
retrospectivos indicam que os pacientes normotensos com - Déficits que não ocorrem apenas na presença de
DV podem ter maior declínio cognitivo do que os pacientes delirium.

80
DEMÊNCIAS

- TGO/TGP;
- Sódio e potássio;
- Cálcio e fósforo;
- T4 livre e TSH (alguns casos: autoanticorpos);
- VDRL/FTAbs;
- Vitamina B12;
- Raio x de tórax;
- ECG;
- TC ou RM encefálica;
- EEG;
- Líquido cerebrospinal*;
- Avaliação neuropsicológica*;
- Cobre sérico*, ceruloplasmina*, FAN*, anti-HIV*;

NEUROLOGIA
- Rastreamento toxicológico*.
* Indicam exames solicitados somente em certas situações.

História, exame físico, Sem demência


exame de estado mental
Não
Declínio cognitivo Não Suspeita de
afetando múltiplas
demência?
capacidades
Figura 6 - Demência frontotemporal: RM em FLAIR corte axial evi-
denciando atrofia bifrontal (flechas). Fonte: Dementia – practical Sim Sim
neurology – the bare essentials – 2009 Testes
Sim
Delirium ou
neurofisiológicos Seguimento e
depressão?
Algumas síndromes demenciais podem evoluir com reavaliação
sintomas de parkinsonismo, incluindo a própria doença de Tratar Não
Parkinson, mas a causa mais comum de tais síndromes é a Não
chamada demência com corpúsculos de Lewy. São achados Declínio da Perda de memória ou Não
função? sinais de perda em pelo
dessa síndrome:
- Demência progressiva e gradual; Sim
menos mais uma área?
- Flutuações na função cognitiva;
- Alucinações persistentes e bem formadas; Demência Sim
Sim
- Achados motores típicos de parkinsonismo.
Exames bioquímicos e de Declínio funcional relatado por Não
imagem, quando indicados alguém que não o paciente?
7. Investigação complementar
O diagnóstico de demência é clínico. A importância da Figura 7 - Diagnóstico de demência – UpToDate
investigação complementar refere-se à ocorrência das cha-
madas demências reversíveis, responsáveis por cerca de 10 No grupo das demências potencialmente reversíveis,
a 30% de todos os casos, a depender da casuística analisada. incluem-se algumas endocrinopatias (hipotireoidismo), as
Na Tabela 5, estão listados os exames geralmente solici- insuficiências hepática, renal e respiratória, algumas intoxi-
tados na investigação de demência. cações, deficiências nutricionais (carências de ácido fólico e
vitamina B12), hidrocefalia, hematoma subdural, depressão
Tabela 5 - Exames complementares nas demências associada à demência ou isolada, doença de Wilson e doen-
- Hemograma; ças infecciosas.
Entre as doenças citadas como causas secundárias de
- Velocidade de hemossedimentação (VHS); demência, destacaremos a hidrocefalia com pressão nor-
- Eletroforese de proteínas séricas; mal. Nessa condição, encontramos a tríade clássica de de-
- Glicemia; mência, déficit de marcha e incontinência urinária. TC de
- Creatinina; crânio revela ventrículos aumentados. Considerar deriva-
ção ventriculoperitoneal se os sintomas estiverem presen-
- Bilirrubinas; tes por menos de 2 anos.

81
NEURO LOG I A

Tabela 6 - Sinais e sintomas de importância para o diagnóstico - A apresentação abrupta com perda subsequente e progressiva
de demência e diagnósticos diferenciais (modificado por Kawas de função cognitiva sugere demência vascular (evolução em
(2006), para leitura complementar) “degraus”);
Sinais e sintomas Diagnósticos - A demência frontotemporal é associada a alterações comporta-
Começo abrupto Demência vascular mentais e de linguagem;
Deterioração gradual Demência vascular - A demência por corpúsculos de Lewy associa-se a sintomas de
Proeminentes mu- parkinsonismo e apresenta caracteristicamente alucinações vi-
Demência frontotemporal, demência suais com flutuação do quadro cognitivo.
danças do comporta-
vascular
mento
Demência frontotemporal, demência
Apatia profunda
vascular
Demência semântica, afasia progressiva,
Afasia proeminente
demência vascular
Demência vascular, hidrocefalia de pres-
Desordem progressi-
são normal, doença de Parkinson, doen-
va na marcha
ça demencial
Flutuações proemi-
-
nentes
Consciência -
Delirium por processo infeccioso, me-
dicações ou outras causas, demência
Habilidades cogni-
com corpos de Lewy, epilepsia de lobo
tivas
temporal, síndrome da apneia do sono,
distúrbios metabólicos
Delirium por processo infeccioso, medi-
Alucinações ou de-
cações ou outras causas, demência com
lírios
corpos de Lewy
Paralisia supranuclear progressiva, de-
Quedas frequentes
mência com corpos de Lewy
Sinais ou marcha de
Síndrome parkinsoniana e demência
liberação extrapira-
vascular
midal
Anormalidades no Paralisia supranuclear progressiva, ence-
movimento ocular falopatia de Wernicke
Fonte: Dementia – practical neurology – the bare essentials –
2009

8. Resumo
Quadro-resumo
- Demência é a síndrome de perda das capacidades cognitivas
adquiridas pelo indivíduo;
- O diagnóstico de demência é realizado pela presença de prejuízo
da memória associada a mais alguma outra perda de habilidade
cognitiva: linguagem, praxia, gnosia ou capacidade de planejar e
executar uma ideia;
- A DA é a causa mais comum de demência;
- As características neuropatológicas da DA são atrofia cerebral
(mais acentuada nos lobos temporais), emaranhados neurofi-
brilares intracelulares (ENFs) e Placas Senis extracelulares (PS);
- O tratamento farmacológico da DA baseia-se na tentativa de
minimizar o déficit de acetilcolina existente, com drogas ini-
bidoras da acetilcolinesterase (donepezila, a rivastigmina e a
galantamina);

82
CAPÍTULO

8
Doença de Parkinson

Aurélio Pimenta Dutra / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Maria Aparecida Ferraz /
Cristina Gonçalves Massant / Mauro Augusto de Oliveira

Devem-se ter 2 dessas características (uma delas, obri-


1. Introdução gatoriamente, tremor ou bradicinesia) para definir clinica-
Parkinsonismo, ou síndrome parkinsoniana, é uma sín- mente a síndrome parkinsoniana.
drome clínica caracterizada por tremor, rigidez, bradicinesia
e instabilidade postural. São necessários 2 desses sintomas A - Bradicinesia
para diagnosticar o quadro de parkinsonismo, que pode ter
como causas drogas, acidente vascular cerebral, toxinas, Bradicinesia refere-se à lentidão de movimentos, e hi-
Doença de Parkinson (DP) e outras doenças degenerativas pocinesia à redução da amplitude de movimentos, especial-
(por exemplo, atrofia de múltiplos sistemas, paralisia supra- mente os repetidos. É descrita como pobreza de movimen-
nuclear progressiva). A DP é uma condição crônica e pro- tos e lentidão na iniciação e na execução de atos motores
gressiva, neurodegenerativa, que se caracteriza pela perda voluntários e automáticos na ausência de paralisia. Sob esse
relativamente seletiva dos neurônios dopaminérgicos da termo, também estão incluídas a incapacidade de sustentar
substância negra. atos motores repetitivos (como por orientação do médico
examinador, abrir e fechar as mãos seguidamente), a fatiga-
bilidade anormal e a dificuldade em realizar atos motores
2. Epidemiologia simultâneos.
A prevalência da DP nos Estados Unidos é estimada em Amimia, hipomimia ou fácies em máscara (com perda
360 casos para cada 100.000 habitantes, com uma incidên- da expressão espontânea – Figura 1) também podem es-
cia de 18 casos por 100.000 habitantes a cada ano. A preva- tar presentes. Outras consequências incluem alterações na
lência e a incidência da DP aumentam com a idade, deixan- marcha (marcha em bloco, realizada a passos pequenos,
do claro o vínculo entre envelhecimento e maior risco de com perda do balanço normalmente associado dos braços),
desenvolver a doença. na postura (sentar-se imóvel), na fala (hipofonia e aproso-
Para se ter uma ideia, quando se consideram indivíduos dia – perda da inflexão da voz, quase monótona) e na es-
com mais de 60 anos, a prevalência (1 a 3%) da DP é cerca crita (letras pequenas e escrita lenta – micrografia), além
de 10 vezes maior que a taxa da população em geral. O pico daquelas observadas durante a realização de atos motores
de incidência situa-se por volta dos 60 anos. Há discreto complexos como vestir-se, escovar os dentes, engolir; pode
predomínio no sexo masculino (3:2), e, raramente, inicia-se haver salivação excessiva por disfagia.
antes dos 30 anos de idade. Em tais casos, há associação a
formas geneticamente herdadas, cada vez mais bem descri-
tas nos últimos anos em relação às mutações e aos padrões
de herança. A DP que começa antes dos 40 anos de idade é
chamada de DP de início precoce e, antes dos 21 anos, DP
juvenil (mais comum em homens).

3. Quadro clínico
Atualmente, a síndrome parkinsoniana é descrita como
uma combinação qualquer de 6 características básicas:
- Tremor de repouso;
- Rigidez;
- Bradicinesia ou hipocinesia;
- Postura flexionada;
- Perda dos reflexos posturais;
- Fenômeno de congelamento = freezing. Figura 1 - Hipomimia facial

83
NEURO LOG I A

B - Rigidez D - Tremor
Chamada de rigidez ou hipertonia plástica, compreende É descrito, classicamente, como tremor de repouso,
um aumento do tônus muscular, além de ser caracterizada ocorrendo principalmente nas mãos, com frequência de 4
por resistência homogênea, contínua ou intermitente, du- a 6 ciclos por segundo, em movimentos alternantes entre
rante a movimentação passiva de um segmento corpóreo supinação e pronação. Também é chamado movimento de
(movimento de extensão e flexão passivas do antebraço so- contar moedas. Envolve polegar e indicador, mas pode apa-
bre o braço), configurando o fenômeno da “roda denteada” recer nos lábios, na língua e/ou no mento. Tal tremor exa-
(Figura 2). cerba-se com a marcha e situações de estresse emocional
e atenua-se com a realização de atos motores voluntários e
sono. É caracteristicamente unilateral no começo da doen-
ça e assimétrico durante a evolução.

E - Instabilidade postural (perda dos reflexos


posturais)
Ocorre em virtude da perda dos reflexos de readaptação
postural, geralmente não acontece nas fases iniciais da DP
e, quando precocemente detectada, deve levar o médico
a suspeitar de outro diagnóstico. Nas fases tardias da DP,
a instabilidade postural é responsável pela dificuldade de
mudanças bruscas de direção ao caminhar, bem como a
ocorrência mais comum de quedas nessa fase da doença.
É também responsável pela festinação (precipitação) ao an-
dar: o paciente anda cada vez mais rápido, tentando mover
os pés adiante para acompanhar o centro de gravidade e
não cair.
Figura 2 - Rigidez em “roda denteada”
F - Fenômeno de congelamento: bloqueio mo-
C - Postura em flexão tor – freezing
Incapacidade transitória de realizar movimentos ativos:
Inicia-se nos braços e ocorre progressivamente em todo
hesitação no início do caminhar ou ao aproximar-se de algo,
o corpo. O aumento do tônus muscular mantém a cabeça e
dificuldade de abrir os olhos (apraxia de abertura ocular),
o tronco inclinados para frente, cifose torácica e cotovelos,
receio em lidar com barreiras percebidas no espaço e no
quadris e joelhos flexionados, achados que conferem ao tempo (portas giratórias, portas de elevador, atravessar
deambular uma marcha em bloco, com o tronco inclinado ruas, escadas rolantes). Mais comuns nas pernas. Os pés
para frente, como que à procura de seu centro de gravidade parecem ficar presos ao chão, de repente se descolam e o
(Figura 3). paciente anda novamente.

G - Outros achados
Em relação às manifestações não motoras da DP, cabe
dizer que são muito frequentes e bastante debilitantes.
As principais manifestações não motoras da DP são:
- Disautonômicas: constipação intestinal, urgência uri-
nária com ou sem incontinência, disfunção erétil, hi-
potensão postural e alterações da sudorese, disfagia,
intolerância ao calor;
- Cognitivas: diminuição da atenção e concentração,
perda da capacidade de planejamento, entre outras;
- Neuropsiquiátricas: demência, depressão e ansieda-
de, psicose;
- Do sono: movimentos periódicos de membros, pernas
inquietas, apneia, pesadelos, distúrbio comportamen-
tal do sono REM;
- Camptocormia: é uma perturbação de etiologia diver-
sa, caracterizada por uma postura anormal com flexão
pronunciada do tronco, que desaparece em supinação
Figura 3 - Postura parkinsoniana e agrava com a marcha. Embora inicialmente conside-

84
DOENÇA DE PARKINSON

rada como perturbação psicogênica, é já reconhecida Qualquer que seja o mecanismo etiopatogênico, gené-
como uma perturbação postural característica da DP, e tico ou ambiental, a característica neurodegenerativa cen-
foram descritos alguns casos relacionados também a tral é a agregação da alfa-sinucleína vista nos corpúsculos
miopatias focais lombares. de Lewy. A alfa-sinucleína é uma proteína distribuída por
todo o cérebro, mas com função ainda pouco conhecida.
Em cultura de tecidos, quando muito expressa, ocasiona
4. Etiologia a degeneração de neurônios dopaminérgicos cultivados e
A etiologia da DP não é conhecida, mas deve ser multi- aumenta a vulnerabilidade destes a outras toxinas. Uma
fatorial com contribuição de fatores ambientais e genéticos. provável deficiência no sistema natural de remoção (ubi-
Atualmente, é possível dividir os fatores etiopatogênicos da quitina-proteassomal), bem como a existência de uma
DP em 5 grupos. alfa-sinucleína “mutante” (estrutura terciária modificada),
- Mecanismos de lesão neural: 50% de perda das cé- acarretaria disparo de mecanismos neurotóxicos. Assim,
lulas da substância negra, levam a 80% de perda da tem-se incluído a DP no grupo das sinucleinopatias.
dopamina que chega ao estriado. O mecanismo des-
se processo degenerativo não está elucidado, porém
evidências recentes sugerem existência de defeitos no
5. Patologia

NEUROLOGIA
metabolismo dos neurônios da substância negra que A característica fundamental é a presença dos corpús-
podem desencadear processo degenerativo (determi- culos de Lewy – inclusões citoplasmáticas eosinofílicas que
nantes genéticos ou ambientais). apresentam uma região central mais densa e um halo peri-
férico pálido. Os corpúsculos são constituídos por proteínas
neurofilamentares hiperfosforiladas, lipídios, ferro, ubiqui-
Tabela 1 - Possíveis causas da DP tina e alfa-sinucleína. Tais corpúsculos são encontrados em
Radicais livres são produzidos em reações diversas regiões do encéfalo, com especial concentração na
químicas normais do organismo, que quando substância negra (pars compacta), que, à macroscopia, per-
reagem com outras moléculas causam oxi- de sua coloração habitual e se torna pálida.
dação. Em condições normais o organismo
Teoria do estres- livra-se desses radicais livres. Durante o pro-
se oxidativo cesso de síntese da dopamina são produzidas
quantidades consideráveis de radicais livres.
Na DP parece que ocorre acúmulo de radicais
livres na substância negra, podendo desenca-
dear ou agravar o processo degenerativo.
Mitocôndrias da substância negra funcionam
de maneira anormal na DP, podendo ser de-
Deficiência da terminada geneticamente ou secundaria-
mitocôndria mente a agressão por radicais livres ou toxina
ambiental. Devemos mencionar pelo menos
uma toxina, o MPTP, tóxica à mitocôndria.
Neurotransmissores (glutamato – excita-
tório; GABA – inibitório) outros podem ser
excitatórios ou inibidores, dependendo do
neurotransmissor tipo de receptor que vai
responder ao estímulo. A dopamina tem uma
Teoria da excito-
característica mista. Aumento da quantidade
toxicidade
de cálcio intracelular desencadeia processos
bioquímicos que levam à morte celular (ex-
citotoxicidade). Na DP ocorre uma somatória
desses fatores amplificando ou mantendo o
processo degenerativo.
Alterações genéticas herdadas determina-
riam a falência do sistema de degradação Figura 4 - Anatomia do mesencéfalo: notar localização da subs-
proteica ubiquitina-proteassomal, com con- tância negra
sequente acúmulo de toxinas endógenas.
Predisposição São exemplos os genes identificados PARK 1
genética (mutações no gene da produção da alfa-si-
nucleína), PARK 2 (defeito mais comum, e o 6. Diagnóstico
início dos sintomas ocorre antes dos 40 anos)
que codifica a parkina, proteína ubiquitina- Para o diagnóstico de parkinsonismo, deve haver ao me-
-ligase. nos 2 das manifestações cardinais (acinesia, rigidez, tremor,
A SNpc sofre progressiva perda de seus neu- instabilidade postural, postura em flexão e fenômeno de
Envelhecimento
rônios com o envelhecimento, de magnitude congelamento), como já descrito. DP é um diagnóstico clí-
cerebral
superior a outras regiões encefálicas.
nico, realizado facilmente diante daqueles com a apresen-

85
NEURO LOG I A

tação mais típica: tremor de repouso de início assimétrico, - Atrofia de múltiplos sistemas;
rigidez, acinesia, presença de significativa melhora com uso
- Degeneração corticobasal;
de L-dopa e ausência de outra causa conhecida de parkin- Síndromes
sonismo. Parkinson-plus - Paralisia supranuclear progressiva;
Diante de um paciente com uma síndrome parkinsoniana - Síndromes demenciais: demência por cor-
(ao menos 2 das manifestações cardinais), dizemos que ele púsculos de Lewy, doença de Alzheimer.
apresenta um parkinsonismo. Cerca de 80% dos indivíduos - Doença de Huntington;
com parkinsonismo têm um parkinsonismo primário, ou seja, Parkinsonismo
por doenças - Neuroacantocitose;
DP “clássica” (idiopática), com a apresentação típica já descri- heredodegene- - Doença de Machado-Joseph;
ta, que poderá ser esporádica ou familiar. Assim, a pergunta rativas
inicial a que o médico deve tentar responder é: tal paciente - Doença de Wilson.
apresenta DP (80% de todos os casos de parkinsonismo) ou
alguma outra causa (20% restantes) que explica os achados 7. Diagnóstico diferencial
de parkinsonismo?
O restante dos pacientes com parkinsonismo terá outro
A resposta à terapia com dopaminérgicos (levodopa e
diagnóstico, classificado como:
apomorfina) torna mais provável o diagnóstico de DP. Uma
meta-análise sugere que um teste com tais medicações pro-
A - Parkinsonismo secundário vavelmente é útil aos pacientes em que há dúvida diagnósti-
ca, mas deve-se acrescentar que até 30% dos doentes podem
Provocado pelo uso de algumas medicações (butirofe- não responder à terapia dopaminérgica, e de 20 a 30% dos
nonas, fenotiazínicos, cinarizina, flunarizina, lítio), intoxica- que respondem apresentam diagnóstico, feito nos próximos
ções exógenas (manganês, monóxido de carbono, organo- anos, de outra síndrome associada com parkinsonismo.
fosforados), pós-infecções (encefalites virais, LUES), trau-
matismo cranioencefálico, hematoma subdural, processos Alguns achados sugerem diagnóstico alternativo, como:
expansivos, alterações metabólicas (hipoparatireoidismo,
- Tendência a quedas logo na apresentação;
principalmente) ou múltiplos infartos subcorticais (parkin- - Pobre resposta à levodopa;
sonismo vascular). Em destaque, pela frequência, têm-se - Rápida progressão da perda de estabilidade postural,
neurolépticos (haloperidol), antivertiginosos (cinarizina) e em pacientes com doença moderada ou leve, em rela-
antieméticos (metoclopramida). ção aos outros achados da doença;
- Sintomas motores simétricos;
B - Parkinsonismo atípico (Parkinson-plus)
- Ausência de tremor;
- Disautonomia precoce.
É aquele que engloba outras doenças: atrofia de múlti- Com o objetivo de levantar a suspeita do médico para
plos sistemas, degeneração corticobasal, paralisia supranu- outra condição de parkinsonismo que não a DP idiopática,
clear progressiva, síndromes demenciais (Alzheimer, doen- foram criados os sinais de alerta (Tabela 3).
ças dos corpúsculos de Lewy) e outras.
Tabela 3 - Sinais de alerta para outras condições de parkinsonismo

C - Doenças heredodegenerativas - Bradicinesia e rigidez simétricas;


- Ausência de tremor;
Abrange outras doenças neurológicas cujo parkinso-
nismo não é a característica que domina o quadro clíni- - Ausência de resposta à levodopa;
co: doença de Huntington, doença de Wilson, doença de - Mioclonias proeminentes;
Hallervorden-Spatz, neuroacantocitose.
- Apraxia;
Tabela 2 - Classificação do parkinsonismo - Fenômeno da mão alienígena (estrangeira);
Parkinsonismo - Dificuldade no olhar conjugado para baixo;
primário (idio- - DP esporádica ou familiar.
pático) - Distonia facial;
- Induzido por drogas: neurolépticos, antie- - Perda precoce dos reflexos posturais;
méticos (metoclopramida), lítio, antivertigi-
nosas (cinarizina, flunarizina); - Disfagia precoce;
- Hidrocefalia de pressão normal; - Espasticidade;

Parkinsonismo - Infeccioso: pós-encefalítico, LUES, AIDS, - Demência ou alucinações precoces;


secundário príon;
- Disautonomia precoce e acentuada.
- Parkinsonismo vascular;
- Induzido por toxinas: Mn, CO, MPTP, metanol;
A - Tremor essencial
- Estrutural: tumores, TCE, hematoma subdural;
Aflige cerca de 5% da população, geralmente é simétri-
- Metabólico: hipoparatireoidismo. co, mas pode ser unilateral no início do quadro. Esse tre-

86
DOENÇA DE PARKINSON

mor é do tipo de intenção, na frequência de 4 a 12Hz, pode 8. Tratamento


envolver braços, boca, voz, pescoço, enquanto o tremor da
DP é, caracteristicamente, de repouso. Geralmente existe A descoberta da existência de baixos níveis de dopa-
história familiar e um dado propedêutico curioso é a me- mina no cérebro de indivíduos com DP por Hornykievitch,
lhora do tremor com uso de bebidas alcoólicas. Além disso, além do subsequente trabalho de Yahr e Cotzias mostrando
o paciente não apresenta outras características da DP, como melhora considerável dos pacientes após a administração
bradicinesia e instabilidade postural. de levodopa por via oral, estabeleceu a base do tratamento
da DP nos últimos anos.
B - Demência por corpúsculos de Lewy De forma geral, é importante saber que está em anda-
mento uma série de estudos clínicos com enfoque no teste
É a 2ª maior causa de doenças neurodegenerativas, e no desenvolvimento de drogas neuroprotetoras, possíveis
após a doença de Alzheimer, caracterizada, clinicamente, de serem utilizadas ainda em fase pré-sintomática. Ainda
por alucinações visuais, flutuações cognitivas e parkinsonis- assim, não há evidências científicas definitivas quanto ao
mo. Outros sintomas associados são tendência a quedas, benefício dessas medicações. Assim, serão citados, sucinta-
síncope, disfunção autonômica e hipersensibilidade a neu- mente, os principais fármacos disponíveis para o tratamen-
rolépticos. to sintomático, o seu uso racional, bem como os principais
efeitos colaterais.

NEUROLOGIA
C - Degeneração corticobasal Seis grupos de fármacos estão disponíveis para o tra-
Pacientes com sintomas de parkinsonismo, mas com tamento sintomático da DP: anticolinérgicos, amantadina,
apraxia, afasia, ausência de tremor e resposta à levodopa. L-dopa, inibidores da monoamino-oxidase (IMAOs), inibido-
Uma característica importante é a presença do fenômeno res da catecol-orto-metiltransferase (COMT) e os agonistas
da “mão alienígena”. dopaminérgicos.
Tabela 4 - Principais classes de medicações utilizadas no tratamen-
D - Atrofia de múltiplos sistemas to sintomático da DP
Os pacientes apresentam sintomas de parkinsonismo, - Anticolinérgicos: biperideno (Akineton®), triexifenidil (Artane®);
disautonomia, envolvimento cerebelar e sintomas pirami- - Amantadina (Mantidan®);
dais. O termo Atrofia de Múltiplos Sistemas (AMS) atual- - Levodopa: levodopa/carbidopa (Sinemet®), levodopa/bensera-
mente engloba as entidades que antigamente eram chama- zida (Prolopa®);
das de Shy-Drager, atrofia olivopontocerebelar e degenera-
ção nigroestriatal. - IMAOs: selegilina (Niar®, Jumexil®);
- Inibidores da COMT: tolcapona (Tasmar®), entacapona
E - Paralisia supranuclear progressiva (Comtan®);
- Agonistas dopaminérgicos: bromocriptina (Parlodel®), prami-
Os pacientes apresentam paralisia supranuclear do mo-
pexol (Sifrol®).
vimento conjugado do olhar vertical, com alterações da
motricidade ocular, instabilidade postural, quedas inexpli-
cáveis e paralisia pseudobulbar com disartria. Disfagia ocor- A - Anticolinérgicos
re em cerca de 80% dos pacientes. A bradicinesia e a rigidez Estas foram as primeiras drogas utilizadas no trata-
são, caracteristicamente, simétricas, mas é raro os pacien- mento da DP, há mais de 1 século. Seu uso baseia-se no
tes apresentarem tremor ao repouso. desequilíbrio existente entre as quantidades de acetilcolina
(aumentada) e dopamina (diminuída) no corpo estriado.
F - Parkinsonismo secundário Apresentam algum benefício em reduzir o tremor, mas sem
nenhum efeito sobre a acinesia. Seus principais efeitos co-
Uma variedade de condições pode evoluir com sinto-
laterais, associados à diminuição da disponibilidade de ace-
mas sugestivos de DP:
tilcolina no sistema nervoso, são boca seca, visão borrada,
- Medicações: nesse caso, o parkinsonismo é geralmen- constipação intestinal, retenção urinária, alucinações visu-
te reversível com a retirada das medicações, princi-
ais e confusão mental. Tais efeitos são mais comuns em pa-
palmente neurolépticos (haloperidol, clorpromazina,
cientes idosos, tornando essas drogas contraindicadas a in-
periciazina), antieméticos (metoclopramida) e antiver-
divíduos com mais de 65 anos ou com alterações cognitivas
tiginosos (cinarizina, flunarizina);
proeminentes. São particularmente eficazes em indivíduos
- Doenças metabólicas: doença de Wilson (erro inato com tremor intenso, principalmente em pacientes jovens
do metabolismo do cobre), hipoparatireoidismo, pseu- com função cognitiva preservada, e devem ser evitadas, se
do-hipoparatireoidismo e hemocromatose; possível, em muito idosos.
- Doenças estruturais: afetam os circuitos nigroestria- As drogas anticolinérgicas utilizadas são:
tais, como hidrocefalia e hematoma subdural; - Triexifenidil: iniciar na dose de 0,5 a 1mg, 2x/dia. Pode
- Infecções: encefalite letárgica, HIV, neurossífilis, toxo- ser aumentado gradativamente até 2mg, 3x/dia (6mg/
plasmose; dia);
- Toxinas; - Benzatropina: usar na dose de 0,5 a 2mg, 3x/dia, tam-
- Trauma. bém com aumento gradual;

87
NEURO LOG I A

- Biperideno: iniciar com dose de 2mg/dia. Pode ser minimizar o risco de efeitos colaterais agudos. A meia-vida
aumentado diariamente em 2mg; dose máxima de da droga é curta. É possível iniciar o tratamento com 2 ou 3
16mg/dia, dividida em 2 a 3 tomadas. tomadas, porém, com a progressão da doença, geralmente
há a necessidade de diminuir o período entre as doses.
Essa classe de medicações está contraindicada a pa-
cientes com glaucoma de ângulo fechado, miastenia gravis,
D - IMAO
úlcera péptica estenosante, megacólon e risco de retenção
urinária. Este grupo é representado pela selegilina, droga inibido-
ra irreversível da MAO-B, enzima que degrada a dopamina
B - Amantadina no SNC. Apresenta efeito muito modesto em potencializar
o efeito da levodopa. O efeito colateral mais comum é alu-
Inicialmente utilizada como medicação antiviral, seu cinação.
mecanismo de ação ainda é pouco conhecido, mas pode Há estudos que tentam provar o efeito protetor ou len-
envolver a estimulação da liberação dos estoques de do- tificador na DP apresentado pela selegilina. Contudo, até
pamina ou bloqueio da recaptação sináptica desse neuro- hoje não existem conclusões definitivas sobre esse efeito.
transmissor, além de modesta ação anticolinérgica. Sabe-se De qualquer forma, por esse motivo, a droga deveria ser
que bloqueia receptores N-metil-D-aspartato (NMDA) e de considerada tratamento inicial da DP, apesar de oferecer
acetilcolina. Seu efeito é transitório sobre os sintomas, com um efeito sintomático leve.
duração entre 6 meses e 1 ano, e pode melhorar as discine- A dose inicial deve ser de 5mg, 2x/dia, mas, em idosos,
sias induzidas pela levodopa. Os efeitos colaterais estão as- pode-se optar pelo início com doses mais baixas, até meno-
sociados ao efeito anticolinérgico, além da ocorrência bem res que 5mg/dia, a fim de evitar efeitos colaterais. A dose
comum de livedo reticular em membros inferiores. máxima é de 10mg, 2x/dia.
A droga deve ser iniciada em doses baixas, em especial
no paciente idoso, na dose de 50mg/dia, com aumento em E - Inibidores da COMT
2 semanas, monitorizando efeitos colaterais, até a dose
máxima de 100mg, 2x/dia. Em adultos jovens, a dose pode A levodopa é metabolizada, perifericamente, por 2 en-
chegar a 300mg/dia. zimas: a descarboxilase e a COMT. Mesmo sendo regular-
mente administrada em associação a um inibidor da des-
C - Levodopa carboxilase, a ação da COMT periférica converte a levodopa
em 3-O-metildopa (3-OMD), e somente 10% da droga che-
Utilizada desde 1967, atualmente é formulada com gam intactos ao cérebro.
benserazida (Prolopa®) ou carbidopa (Sinemet®), que são Os inibidores da COMT agem impedindo a degradação
inibidores periféricos da enzima dopa-descarboxilase, que da levodopa no sangue periférico e da dopamina no SNC,
transforma a levodopa em dopamina. Caso contrário, a pre- aumentando os níveis plasmáticos da primeira e garantindo
sença desta na circulação periférica determinaria a ocor- uma estimulação mais prolongada da segunda no SNC.
rência de efeitos colaterais intensos, além da diminuição da Em pacientes que usam levodopa e ainda apresentam
disponibilidade de dopamina no Sistema Nervoso Central sintomas parkinsonianos, a associação a um inibidor da
(SNC). Portanto, tal medicação é um precursor da dopami- COMT é benéfica principalmente para aqueles que apre-
na, neurotransmissor deficiente nos pacientes com DP. sentam flutuações motoras. Em alguns estudos, demons-
Apresenta eficácia antiparkinsoniana global tão acen- trou-se redução em até 40% dos períodos de função mo-
tuada, que a presença de resposta terapêutica à levodopa tora muito comprometida (períodos de off) com uso de
reforça o diagnóstico de DP, sendo, de longe, a droga mais inibidores da COMT.
eficaz no tratamento, com impacto na morbidade e na mor- Há, atualmente, uma nova linha de pesquisa que estuda
talidade dos pacientes. Tem o efeito de reduzir a incapaci- uma possível redução nas complicações motoras relaciona-
tação, prolongando a disposição do paciente em manter-se das ao uso de levodopa em longo prazo. Se isso for com-
independente. Os principais efeitos colaterais são náuseas, provado, será possível a indicação de que ela seja sempre
sedação, confusão mental e alucinações. O inconveniente usada associada a um inibidor da COMT, além do inibidor
de seu uso são as complicações em longo prazo, que englo- da descarboxilase.
bam as seguintes ocorrências:
- Redução da duração do efeito da droga (wearing off); São formulações dessas medicações:
- Discinesias de pico de dose; - Tolcapona (Tasmar®): a dose recomendada varia de
- Discinesias bifásicas; 100 a 200mg, 3x/dia, e não há necessidade de titula-
- Flutuações erráticas (on-off); ção da droga no início do tratamento. A dose de 200mg
já se mostra eficaz;
- Distonia matinal;
- Mioclonias. - Entacapona (Comtan®): devem ser administrados
200mg, juntamente com cada dose da levodopa, até a
O manejo dessas complicações não é o objetivo deste dose de 1.600mg.
texto; o leitor interessado deverá consultar bibliografia es-
pecializada. Os principais efeitos colaterais associados ao uso do tol-
O tratamento deve ser individualizado, iniciado com do- capona são piora das discinesias, alucinações e hepatoto-
ses baixas, que devem ser aumentadas gradualmente para xicidade (com relatos de hepatite fulminante e óbito), re-

88
DOENÇA DE PARKINSON

querendo a monitorização das enzimas hepáticas durante o - Ropinirol: dose inicial de 0,25mg 3x/dia, dose eficaz de
tratamento. O entacapona não apresenta hepatotoxicidade, 9 a 24mg/dia;
mas pode piorar as discinesias e provocar alucinações, diar- - Pramipexol: dose inicial de 0,125mg 2 a 3x/dia, dose
reia e descoloração da urina (urina alaranjada). Existem eficaz de 0,75 a 3mg/dia;
comprimidos com a associação levodopa + carbidopa + - Cabergolina: 0,25mg 4x/dia – 0,5 a 5mg/dia;
entacapona (Stalevo®) nas dosagens de 50mg + 12,5mg + - Lisurida: 0,2mg 4x/dia – 1 a 2mg/dia.
200mg/100mg + 25mg + 200mg/150mg + 37,5mg + 200mg.
Todos os agonistas dopaminérgicos podem levar à hipo-
F - Agonistas dopaminérgicos tensão ortostática; por isso, recomenda-se, no início do tra-
tamento, administrar doses ao deitar e manter alguns dias
Esta classe de drogas age estimulando diretamente re- e, posteriormente, acrescentar dose diurna.
ceptores dopaminérgicos no corpo estriado do cérebro,
sem a necessidade de conversão da droga para um metabó-
lito ativo que exerça seus efeitos farmacodinâmicos. Além
G - Recomendações
disso, a meia-vida da maioria das medicações dessa classe Podem ser utilizados, como droga inicial em pacientes
é mais longa que a das formulações de liberação regular da com DP que necessitem de tratamento sintomático, tan-
levodopa. to levodopa como agonistas dopaminérgicos, tentando-se

NEUROLOGIA
São drogas excelentes no controle dos sintomas car- usar a menor dose efetiva possível dos últimos. A levodopa,
dinais, com a vantagem de, em longo prazo, contribuírem principal medicação a ser utilizada nesses indivíduos, deve
menos frequentemente para a ocorrência de discinesias. ser utilizada sempre que o médico interpreta que a quali-
Assim, quando se opta por iniciar o tratamento sintomático dade de vida do paciente está significativamente afetada.
dos pacientes com DP, principalmente em jovens com sinto-
mas leves a moderados, são drogas de 1ª escolha, que po- Tabela 5 - Uso das medicações no tratamento sintomático da DP
dem ser usadas em monoterapia. Alguns estudos demons- Como ou quando ser
Medicamento Comentários
traram que pacientes tratados inicialmente com agonistas utilizado
dopaminérgicos apresentavam menor risco de desenvolver Principal tratamento da
complicações motoras quando comparados com aqueles DP. É administrada com
tratados com levodopa. Podem, ainda, ser associados a Levodopa (em
carbidopa para aumentar a Após alguns
qualquer uma das outras classes de drogas antiparkinsonia- eficácia e reduzir os efeitos anos, a sua
combinação com
nas, conforme necessidade de controle dos sintomas, inclu- colaterais, e iniciada com eficácia pode
a carbidopa)
sive com levodopa em pacientes com doença avançada e doses baixas, as quais são diminuir.
complicações motoras. Alguns estudos têm mostrado um aumentadas até ser obtido
possível efeito protetor dessas drogas sobre os neurônios o efeito máximo.
dopaminérgicos. Fazem parte desse grupo, até o momen- Droga com frequência ad-
to, no Brasil, a bromocriptina (Parlodel®) e o pramipexol ministrada juntamente com
(Sifrol®). Os efeitos colaterais são semelhantes aos obser- a levodopa no início do tra-
vados com a levodopa, exceto pela ocorrência mais comum tamento para aumentar a Raramente
Bromocriptina ou
de náuseas, hipotensão e sedação, mais bem manejados ação da levodopa, ou pode administrada
pergolida
com o início em baixas doses. Um efeito colateral exclusivo ser administrada posterior- isoladamente.
mente, quando os efeitos
desses agentes agonistas, embora raro, é a ocorrência dos
colaterais da levodopa se
chamados “ataques de sono”, em que, de forma súbita e tornam um problema.
inexplicada, o paciente adormece (sleep attacks).
A posologia usual dessas medicações é: No máximo,
a sua ação é
- Bromocriptina: derivado ergotamínico, iniciar em dose Com frequência, adminis- modesta. Pode
de 1,25mg à noite por vários dias e, então, aumentar a Selegilina trada juntamente com a aumentar a
dose em 1,25mg a cada 3 a 7 dias, dividindo as toma- levodopa. atividade de
das em até 4x/dia. Em idosos, manter a dose máxima levodopa no
abaixo de 15mg/dia, devido ao aumento dos efeitos cérebro.
colaterais e reações à retirada da droga; Medicamentos
- Pergolida:derivado ergotamínico, 1mg equivale a, anticolinérgicos: Podem ser administrados
aproximadamente, 10mg de bromocriptina. Iniciar benzatropina e sem a levodopa nos está- Podem causar
com 0,05mg até 4x/dia, aumentando a dose lenta- triexifenidil, certos gios iniciais da doença e uma ampla
mente. Doses consideradas elevadas são de 3mg/dia. antidepressivos, com a levodopa nos está- gama de efeitos
Em idosos, os efeitos colaterais começam a ser mais anti-histamínicos gios finais, e são iniciados colaterais.
(por exemplo, em doses baixas.
evidentes a partir da dose de 1,5mg/dia.
difenidramina)
Os derivados ergotamínicos precisam ser monitorizados Usada nos estágios ini- Quando utili-
pelos riscos de reações adversas, como pele vermelha e in- ciais da doença leve e, zada isolada-
flamada, reversível com a retirada da droga, fibrose retro- Amantadina nos estágios mais avan- mente, torna-se
peritoneal, pleural e pericárdica. Por isso, sua administra- çados, para aumentar os ineficaz após
ção deve ter monitorização rigorosa. efeitos da levodopa. alguns meses.

89
NEURO LOG I A

9. Tratamento cirúrgico interno/SNpr (Glu, excitatório). Essa via, que tem início atra-
vés do estímulo D2, é denominada de via indireta. A partir
Cirurgia estereotáxica – comum nos anos 1950 quan- do GPi/SNpr (via de saída), existem projeções inibitórias ga-
do não havia terapia adequada (levodopa). Retomada na baérgicas para o tálamo (núcleos ventral anterior e lateral)
década de 1980. Os pacientes candidatos a esse tipo de e, a partir de então, projeções excitatórias glutamatérgicas.
tratamento são aqueles refratários ao tratamento clínico, Assim, fecha-se o circuito dos núcleos da base.
com incapacidade funcional. A demência é contraindicação Do ponto de vista fisiopatológico, a partir do modelo
formal para o tratamento cirúrgico. da circuitaria dos núcleos da base, pode-se dizer que a sín-
Técnicas: (1) neuroestimulação – marca-passo cerebral; drome parkinsoniana, por exemplo, é ocasionada por uma
(2) cirurgia lesiva (destruição de um alvo para modificar sua hipoatividade da via direta (bradicinesia) e hiperatividade
função) talamotomia = tremor/palidotomia = bradicinesia, da via indireta (acinesia e rigidez). A via indireta hipoativa é
discinesias e rigidez. Mortalidade cirúrgica por volta de 1%. responsável pelo surgimento dos distúrbios hipercinéticos,
Novos procedimentos – Estimulação elétrica da medula como a coreia e o hemibalismo.
espinhal (estudos em animais – Miguel Nicolelis).
Vetores virais implantados diretamente no estriado para
produção de descarboxilase de aminoácidos aromáticos 11. Apêndice II: outros distúrbios do mo-
(teste em animais). vimento
Vetores virais implantados para produção de fatores
neurotróficos (teste em animais). - Doença de Huntington: é uma doença autossômica
Implante de células dopaminérgicas heterólogas da re- dominante que tem início na idade adulta. O núcleo
tina diretamente no estriado (primeiros resultados em pa- caudado e o putâmen são as regiões mais acometidas.
cientes não animadores). Causada pela repetição de um códon (trinca de nucle-
Implante de células-tronco para produção de dopamina otídeos – CAG) que codifica a glutamina, no locus cro-
(primeiros resultados em animais não são animadores). mossômico 4p16.3, muitas vezes chegando a 36 a 121
repetições, e o produto proteico anormal é denomina-
do huntingtina. Em oposição à DP, seu aspecto clínico
10. Apêndice I: conhecendo o sistema motor é o de uma síndrome hipercinética caracteriza-
da por coreia e atetose. Mudanças na personalidade,
extrapiramidal demência e depressão são aspectos proeminentes;
O termo extrapiramidal foi introduzido em 1912 por - Síndrome das pernas inquietas: doença comum e rela-
Samuel Alexander Kinnier Wilson para descrever um con- cionada a outros distúrbios do sono, é causa importan-
junto de estruturas do SNC relacionadas ao controle motor, te de insônia. Apesar de ser estudada juntamente com
mas que não faziam parte dos sistemas piramidal (trato cor- outros distúrbios do movimento, seu quadro é pre-
ticospinal) ou cerebelar. dominantemente sensorial. Os pacientes descrevem
Do ponto de vista funcional, tal termo apresenta diver- uma sensação profunda desagradável nas pernas, não
sas críticas, uma vez que todo o sistema motor, piramidal e propriamente dor, acompanhada de uma necessidade
extrapiramidal funciona de maneira integrada. Ainda assim, urgente de movimentar as pernas, que alivia imediata-
há interesse semiológico e clínico em que se mantenha tal mente o desconforto. Em geral, ocorre à noite, quan-
distinção, pois a lesão desses sistemas provoca síndromes do os doentes tentam iniciar o sono, cujo aprofunda-
clínicas bastante diferentes. mento é impedido pelos movimentos voluntários dos
O sistema extrapiramidal é formado pelas seguintes es- membros. Na maioria dos pacientes, há movimentos
truturas anatômicas: núcleo caudado, putâmen, globo pá- periódicos dos membros durante a polissonografia.
lido interno, globo pálido externo, núcleo subtalâmico de O diagnóstico é baseado no quadro clínico, e deve-se
Luys e substância negra (dividida numa porção mais celular solicitar um perfil de ferro, devido à associação bem
– pars compacta – e outra menos celular – pars reticulata). estabelecida entre a deficiência desse elemento e a
Em decorrência de suas semelhanças funcionais, agrupam- síndrome. Na síndrome idiopática, há redução da re-
-se putâmen e núcleo caudado sob a denominação de cor- serva de ferro no hipotálamo posterior e, em alguns
po estriado. Todo o sistema extrapiramidal funciona em es- casos familiares, deficiência na proteína transporta-
treita ligação com o córtex cerebral. dora de ferro, sendo benéfica a suplementação deste.
O corpo estriado é a via de entrada do sistema extra- Também foram encontrados movimentos periódicos
piramidal, recebendo aferências excitatórias (neuro- dos membros em uremia, artrite, neuropatia periféri-
transmissor: glutamato – Glu) do córtex cerebral e da subs- ca, lesões medulares espinais, uso de antidepressivos
tância negra pars compacta (SNpc). As aferências provindas e de cafeína. O tratamento de escolha são levodopa ou
da SNpc podem ser excitatórias ou inibitórias, a depender agonistas dopaminérgicos (pramipexol, por exemplo),
do subtipo de receptor de dopamina que será ativado (re- e a resposta costuma ser dramática;
ceptor D1: excitatório; receptor D2: inibitório). Assim, uma - Tremor essencial: distúrbio primário, em geral, não as-
vez feita a sinapse excitatória por meio da estimulação de sociado a outros déficits neurológicos de origem gené-
receptores D1, os neurônios estimulados se projetam para tica e ocorrência em famílias. O tremor afeta, predomi-
uma unidade funcional composta pelo globo pálido interno nantemente, as mãos e é caracterizado por piorar com
e pela substância negra pars reticulata (SNpr), sinapse ga- o movimento (tremor de intenção), diferentemente do
baérgica inibitória. Essa projeção é conhecida por via dire- Parkinson, em que o tremor ocorre principalmente em
ta. Já os neurônios estimulados via receptor D2 projetam-se repouso. Pacientes relatam melhora dos sintomas com
primeiramente para o globo pálido externo (onde realizam o consumo de álcool. O tratamento é feito com beta-
sinapse inibitória gabaérgica), depois para o núcleo subtalâ- -bloqueadores (propranolol), primidona, gabapentina,
mico de Luys (GABA) e, então, para o conjunto globo pálido benzodiazepínicos, topiramato e clozapina.

90
DOENÇA DE PARKINSON

12. Resumo
Quadro-resumo
- Classicamente, pacientes com DP e parkinsonismo apresentam 4 sintomas principais: tremor de repouso, rigidez, bradicinesia e insta-
bilidade postural. Além desses, há também o fenômeno de congelamento e postura flexionada;
- Várias doenças podem apresentar quadro semelhante, por isso esse quadro é denominado parkinsonismo;
- O parkinsonismo pode, ainda, ser secundário ao uso de medicações, toxinas, trauma, entre outras condições;
- A levodopa é a medicação com melhor benefício sintomático, mas está associada a flutuações motoras quando usada precocemente.
Devem-se evitar os anticolinérgicos em indivíduos acima de 70 anos, devido aos efeitos colaterais.
Drogas par-
Agente Vantagens Desvantagens Doses
kinsonianas
- Risco de complicações motoras
- Terapia padrão-ouro; - Inicial – 100 a 125mg 2 a 3x/dia;
e discinesias;
Levodopa + - Virtualmente alguma vez - Manutenção – 300 a 700mg/dia.
- Não melhora o balanço e o
carbidopa os pacientes usarão; No máximo 1250mg a 1500mg/
freezing;
- Melhora da incapacidade. dia.
- Não para a progressão da doença.

NEUROLOGIA
- Movimentos involuntários, epi- - Inicial – 50 a 100mg 2 a 3x/dia;
Precursora da Levodopa +
- Melhora da incapacidade. sódios psicóticos, angina pecto- - Manutenção – 300 a 600mg/dia.
dopamina benserazida
ris, constipação, perda de peso. No máximo 1.200 a 1.400mg/dia.
- Entacapona inibe a meta-
- Movimentos involuntários, - Inicial – 50mg de levodopa 2 a 3x/dia;
Levodopa + bolização da levodopa e
náuseas, mudanças mentais, - Manutenção – 300 a 400mg/dia levo-
carbidopa + aumenta o período on no
depressão, agravamento dos dopa. No máximo 900mg levodopa
entacapona tratamento com a levodo-
sintomas da DP. ou 1.200mg de entacapona.
pa.
- Inicial – 0,125mg 3x/dia;
- Quando em monoterapia, - Manutenção – dobrar a dose
retarda complicações semanalmente até atingir entre
motoras; - Menos potente que a levodopa 0,25mg a 1mg 3x/dia (quando
- Eficaz em monoterapia para sintomas motores; associado a levodopa);
em doença recente ou - Tem efeitos colaterais neuropsi- - Quando não associado a levodo-
Pramipexol
em doença avançada quiátricos “jogo patológico”; pa, 0,5mg a 1,5mg 3x/dia.
como adjuvante da levo- - Sedação;
dopa; - Não trata todos os sintomas. - Pramipexol ER (ação prolongada):
- Ajuda a aumentar a dis- · Inicial – 0,375 1x/dia;
ponibilidade da levodopa. · Manutenção – 0,75mg a 4,5mg
1x/dia.
- Menos efeitos colaterais
motores que a levodopa;
- Quando em monoterapia
- Requer titulação;
retarda complicações
- Menos potente que a levodopa
motoras; - Iniciar – com 0,25mg 3x/dia;
para sintomas motores;
- Eficaz em monoterapia - Manutenção – aumentos sema-
Ropirinol - Tem efeitos colaterais neuropsi-
em doença recente ou nais de 0,25mg 3x/dia até a dose
Agonistas quiátricos “jogo patológico”;
em doença avançada média de 2 a 6mg 3x/dia.
dopaminér- - Sedação;
como adjuvante da levo-
gicos (não - Não trata todos os sintomas.
dopa;
ergolínicos)
- Ajuda a aumentar a dis-
ponibilidade da levodopa.
- Menos efeitos colaterais
motores que a levodopa;
- Eficaz em monoterapia
em doença recente ou - Titulação necessária;
como adjuvante da levo- - Efeitos colaterais neuropsiquiá-
- Inicial – 1 patch de 2mg/dia;
Rotigotina dopa em doença avança- tricos;
- Manutenção – 4 a 12mg/dia.
da (aprovação para esta - Sedação;
indicação ainda é pen- - Irritação cutânea.
dente);
- Existe um patch de libera-
ção lenta (24 horas).
- Inicial – 0,1mg SC 1x/dia;
- Usada somente como terapia
- Atuação rápida e curta; - Manutenção – Aumentos graduais
Apomorfina de resgate;
- Terapia de resgate para podendo chegar 0,2mg a 0,4mg
(parenteral) - Droga parenteral;
casos severos de off. por aplicação - SC (no máximo
- Vômitos.
1mg/dia).

91
NEURO LOG I A

Drogas pa-
Agente Vantagens Desvantagens Doses
rkinsonianas
- Inicial – 1,25mg 1x/dia (ao deitar);
- Raramente usada devido a
- Usualmente como adju- - Manutenção – Aumentos sema-
Bromocriptina riscos de efeitos colaterais
vante da levodopa. nais de 1,25mg até atingir entre
relacionados ao “ergot”.
2,5mg 3x/dia a 10mg 3x/dia.
- Meia-vida longa;
- Usado como um adjuvan- - Tirada do mercado devido ao
- Dose recomendada é de 1,5 a
Agonistas do- Pergolida te da levodopa; risco de causar fibrose às válvu-
3,5mg/dia em 3 tomadas diárias.
paminérgicos - Eficaz no manejo das las cardíacas.
(ergolínicos) manifestações motoras.
- Meia-vida longa >24h
- Dose média – 3,6mg/dia (25,2mg/
permitindo dose única;
semana);
- Efeito benéfico sobre - Semelhantes aos dos demais
Cabergolina - A dose deve ser aumentada
os transtornos motores derivados ao “ergot”.
0,5mg/semana em intervalos
noturnos e discinesias
mensais.
matinais (dose noturna).
- Somente como terapia adju-
- Não necessita de titula- vante; - Inicial – 200mg junto com cada
ção; - Efeitos dopaminérgicos (espe- tomada de levodopa;
Entacapona
- Diminui o tempo off; cialmente discinesias); - Manutenção – 200mg junto a
- Aumenta o tempo on. - Benefício modesto; cada tomada de levodopa.
- Diarreia.
Inibidores da
COMT - Somente como terapia adju-
- Não necessita de titula- vante;
ção; - Efeitos dopaminérgicos (espe-
- Inicial – 100mg 3x/dia;
Tolcapona - Fácil administração; cialmente discinesias);
- Manutenção – 100mg 3x/dia.
- Diminui o tempo off; - Risco de diarreia;
- Aumenta o tempo on. - Requer monitoração da função
hepática.
- Modestos efeitos sinto-
- Apenas levemente eficaz;
máticos;
- Metabólitos anfetamina-like; - Inicial – 2,5 a 5mg 1x/dia;
- Adjuvante da levodopa;
Selerginina - Risco de interação com drogas; - Manutenção – 5mg 2x/dia (às 8h
- Aumento do tempo on;
- Efeito neuroprotetor não pro- e às 12h).
- Efetivo como monotera-
vado.
pia em idosos.
Inibidores da - Não produz metabólitos - Benefício modesto;
MAO-B anfetamina-like; - Não trata todas as característi-
- Pode retardar a necessi- cas;
dade da levodopa; - Efeito neuroprotetor não pro- - Inicial – 0,5 a 1mg 1x/dia;
Rasagilina
- Eficaz como monoterapia vado; - Manutenção – 0,5 a 2mg 1x/dia.
na doença precoce; - Restrições dietéticas;
- Adjuvante da levodopa na - Rico de interação com outras
doença avançada. drogas.
- Mais efetivo contra o
- Utilidade limitada;
Anticolinérgico tremor; - Inicial – 1 a 2mg 2x/dia;
- Efeitos cognitivos colaterais
(triexifenidil) - Melhor usado em pacien- - Manutenção – 2 a 5mg 3x/dia.
especialmente em idosos.
tes jovens com tremor.
- Eficácia limitada;
Outros - Edema maleolar, livedo reticu-
lar;
- Beneficio leve em idosos - Inicial – 100mg 2x/dia;
Amantadina - Boca seca;
com tremor na DP. - Manutenção – 100mg 2 a 3x/dia.
- Alucinações e delírio;
- Pode desenvolver tolerância/
efeitos cognitivos colaterais.

92
CAPÍTULO

9
Esclerose múltipla

Tarso Adoni / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Maria Aparecida Ferraz /


Cristina Gonçalves Massant / Mauro Augusto de Oliveira

1. Introdução Tabela 1 - Zonas de prevalência de esclerose múltipla, segundo


Kurtzke
A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença inflamatória
crônica imunomediada que acomete a mielina (substância Baixa (<5 ca-
América do Sul, México, maior parte da Ásia
sos/100.000
branca) do Sistema Nervoso Central (SNC). É a causa mais e da África.
habitantes)
comum de doença autoimune desmielinizante do SNC e
a principal causa de incapacidade em adultos jovens: se- Média (5 a 25 Austrália, sudoeste dos EUA, países do
casos/100.000 Mediterrâneo (exceto Itália), partes da
gundo dados norte-americanos, cerca de 400.000 pessoas
habitantes) América do Sul e da Ásia.
apresentam a doença. O dano axonal está sendo reconhe-
cido atualmente como parte da característica patológica da Alta (>30 ca-
Europa, sudeste do Canadá, nordeste dos
sos/100.000
esclerose múltipla. EUA, Nova Zelândia, sudoeste da Austrália.
habitantes)

2. Epidemiologia Outro fato que corrobora com a participação de fatores


Tipicamente, afeta adultos jovens, com pico de incidên- ambientais no desenvolvimento da EM é que populações
cia por volta dos 30 anos, sendo mais comum em mulheres imigrantes tendem a apresentar a taxa de EM de seu novo
(cerca de 2 mulheres para cada homem acometido). A razão local de residência, sobretudo quando ocorre a migração
para isso é desconhecida. O pico de instalação da doença é de áreas de alta para de baixa prevalência e especialmente
antes dos 15 anos.
5 anos mais cedo em mulheres em relação aos homens. EM
Uma predisposição familiar foi claramente estabelecida
remitente-recorrente tem um surgimento mais precoce, em
baseando-se em estudos de concordância de gêmeos – até
torno de 25 a 29 anos, já a primariamente progressiva surge 30,8% de concordância entre gêmeos monozigóticos e 4,5%
em torno de 35 a 39 anos. Raramente começa antes dos 10 para heterozigóticos. O risco de um filho de um paciente
ou após os 60 anos. É mais comum em populações de ori- com EM desenvolver a doença é de 2 a 5%, cerca de 50 ve-
gem caucasiana e mais rara em negros e asiáticos. zes mais que o risco relativo da população em geral.
Os estudos dividem o mundo em zonas de baixa, média
e alta prevalência. De modo geral, pode-se dizer que há um
gradiente de latitude: quanto maior a distância do trópico 3. Fisiopatologia
do Equador (maior a latitude), maior a prevalência de EM. Acredita-se que a autoimunidade desempenha um pa-
Tal achado suscita a especulação quanto à participação de pel relevante na EM. Durante a formação do sistema imu-
agentes ambientais na etiopatogenia da EM. nológico, existe a depleção clonal de células com potencial
de reagir contra os próprios antígenos. Em todos os indiví-
duos normais, algumas dessas células escapam da depleção
e são mantidas sob vigilância, o que se denomina tolerân-
cia. A perda da tolerância imunológica permite que células
com potencial de reagir contra antígenos próprios exerçam
sua ação autoimune deletéria.
A causa da perda da tolerância imunológica na EM ainda
é um assunto sem resposta. Especula-se que o mecanismo
de mimetismo molecular possa desempenhar algum papel
por meio da exposição do sistema imunológico a antígenos
(componentes virais) que compartilhem semelhanças es-
truturais com proteínas da bainha de mielina do SNC.
Outra maneira possível de perda da tolerância é a in-
Figura 1 - Esclerose múltipla no mundo, segundo Kurtzke fecção do SNC, o que causaria lesão tissular e liberação de

93
NEURO LOG I A

antígenos sequestrados no SNC para a circulação periférica, doença entre os surtos. É a forma menos frequente de
desencadeando a ação de células T autorreativas. apresentação.
Apesar das diversas tentativas de isolar um possível
agente infeccioso como “deflagrador” (trigger) da EM, ain- Não existem achados clínicos que sejam exclusivos de
da permanece especulativa qualquer associação entre in- EM, porém alguns são altamente característicos desta do-
fecção e EM. Os principais agentes tidos por suspeitos nos ença. Os sintomas iniciais mais comuns são alterações sen-
últimos anos, sem qualquer comprovação, são herpes-vírus sitivas (parestesias, hipoestesias ou hiperestesias) possíveis
tipo 6, vírus Epstein-Barr e a bactéria Chlamydia pneumo-
em qualquer distribuição e, com frequência, são migrató-
niae.
Do ponto de vista genético, há alguns genes candidatos rios.
para a ocorrência da EM, como o antígeno leucocitário hu- Tabela 2 - EM: sintomas clássicos
mano (HLA) e o gene que codifica o receptor da célula T,
entre outros. Choque ou formigamento precipita-
Sinal de Lhermitte
Assim, parece que a EM depende, para o seu apareci- do pela flexão do pescoço
mento, da ocorrência de interação entre fatores ambientais Perda sensitiva (pares-
Usualmente no início da doença
e um hospedeiro geneticamente suscetível. tesias)
Além de atingir a bainha de mielina, o dano axonal pare- Dores musculares secundárias à es-
ce fazer parte da patologia dessa doença. Com a progressão Medulares (motor)
pasticidade
da doença existe a fase degenerativa com atrofia cerebral e
Bexiga, intestino e sintomas de dis-
perda axonal. Medulares (autônomo)
função sexual
Mielite transversa par-
-
cial aguda
Cerebelares (tríade de
Disartria, ataxia, tremor
Charcot)
Especialmente fadiga (70% dos ca-
sos) e tontura. Fadiga deve ser dife-
Constitucionais renciada da depressão (que pode,
no entanto, coexistir), falta de sono,
exaustão
Capacidade de atenção, memória e
Figura 2 - Fibra nervosa e bainha de mielina Dificuldades subjetivas
julgamento
Depressão Sintoma comum
Euforia Menos comum que a depressão
4. Quadro clínico
Podem aparecer no final do curso da
A EM é uma doença que tem algumas formas de apre- Distúrbio bipolar e de-
doença, mas por vezes surgem no
sentação clínica: mência franca
início
- Recorrente-remitente (ou surto-supressão): como o Oftalmoplegia internuclear, lesão do
próprio nome diz, os sintomas surgem e desaparecem fascículo longitudinal medial – diplo-
com total recuperação ou deixando mínima sequela. Oculares
pia e adução incompleta do olho; nis-
Entre a recorrência (surto) dos sintomas, não há qual- tagmo no olhar horizontal
quer progressão da doença. Esse é o padrão de apre-
sentação mais comum da EM, acometendo cerca de Fraqueza facial bilateral ou dor no
Neuralgia do trigêmeo
85% dos portadores; território do trigêmeo
- Primariamente progressiva: a doença progride len- Mioquimia facial (es-
tamente desde a sua instalação, sem a ocorrência de pasmos dos músculos Pode ser também um sintoma inicial
sinais e sintomas de surgimento abrupto (surto). Essa faciais)
forma representa cerca de 15 a 20% dos casos de EM; Intolerância ao calor -
tem um pior prognóstico em termos de incapacidade Muito frequente. Sintoma inicial em
em relação a EM recorrente-remitente; 17% dos pacientes, e 50% o apresen-
- Secundariamente progressiva: após o início da doença Neurite óptica
tarão em algum momento da evolu-
sob curso recorrente-remitente, a doença progride, e ção. Caracteriza-se por diminuição
a incapacidade se agrava. Nesse período, pode ou não da acuidade visual, borramento e pa-
haver surtos. Este padrão acomete cerca de 50% dos lidez do nervo óptico, a fundoscopia.
pacientes após 10 anos do início;
- Progressiva primária com recorrências (surtos): doen- Tabela 3 - Características clínicas sugestivas de esclerose múltipla
ça progressiva desde o início, associada à ocorrência - Instalação entre 15 e 50 anos;
de períodos agudos de piora (surto), com total recupe-
- Evolução em recorrência e remissão;
ração ou permanência de sequelas; há progressão da

94
E S C L E R O S E M Ú LT I P L A

- Neurite óptica; Mesmo assim, diante de um paciente com dissemina-


ção temporal e espacial, é necessário excluir outras doen-
- Oftalmoplegia internuclear;
ças que possam se apresentar com o mesmo quadro clínico,
- Fenômeno de Uhthoff. sendo amplo o espectro de doenças neurológicas com esse
comportamento, entre elas, doenças inflamatórias, infec-
Tabela 4 - Sintomas comuns da esclerose múltipla ciosas, granulomatosas, desmielinizantes e degenerativas.
Sintomas sensoriais (alteração da sensibilidade) Em resumo, o diagnóstico clínico de EM exige:
- Dormência; - Uma história de 2 ou mais crises;
- Formigamento; - Evidências clínicas ou laboratoriais de 2 lesões distin-
- Outras sensações anormais (disestesias); tas do SNC.
- Distúrbios visuais;
A RNM do cérebro é o estudo mais sensível para o diag-
- Dificuldade de atingir o orgasmo, ausência de sensibilidade
vaginal, impotência sexual nos homens; nóstico de EM (85 a 95% dos pacientes apresentam anor-
malidade). Tipicamente, áreas focais de sinal aumentado
- Tontura ou vertigem.
em T2 e diminuído em T1 sugerindo conteúdo hídrico au-
Sintomas motores (alterações da função muscular)

NEUROLOGIA
mentado associado a placas desmielinizantes são os acha-
- Fraqueza, atitude desajeitada; dos mais frequentes. Outros aspectos sugestivos de EM são
- Dificuldade de marcha ou de manutenção do equilíbrio; a localização na substância branca periventricular, lesões
- Tremor; múltiplas (>3) e forma ovoide. A RNM também pode de-
- Visão dupla; monstrar lesões discretas na medula espinal de até 80% dos
- Problemas de controle intestinal ou da bexiga, constipação; pacientes com EM clinicamente definida.
- Rigidez, instabilidade, cansaço anormal.
Tabela 6 - Critérios radiológicos de Barkoff (RNM) para EM
A ocorrência de determinados sinais e sintomas (red flags) Devem ser preenchidos pelo menos 3 dos 4 critérios:
deve colocar em dúvida o diagnóstico de EM. - 9 lesões hiperintensas em T2 ou 1 lesão que capte gadolínio
em T1;
Tabela 5 - Red flags no diagnóstico de esclerose múltipla
- Pelo menos 1 lesão justacortical;
- Início antes dos 10 anos ou após os 50 anos;
- Pelo menos 1 lesão infratentorial;
- Alterações cognitivas graves e precoces;
- Pelo menos 3 lesões periventriculares.
Crises convulsivas
- Alterações corticais (afasia, apraxia, alexia e negligência); A análise do LCE também é uma ferramenta diagnósti-
- Déficits de instalação súbita.
ca valiosa. Pode ser observada linfocitose leve, geralmente
inferior a 50 células. O conteúdo proteico total encontra-
-se, com frequência, levemente aumentado; assim, níveis
5. Diagnóstico acima de 100mg/dL são considerados pouco comuns e de-
Os primeiros critérios diagnósticos de EM datam de mandam investigação em busca de diagnóstico alternativo.
1965, feitos por Schumacher. Após esse período, houve O índice e a taxa de IgG se encontram elevados, e o achado
a incorporação do auxílio laboratorial no diagnóstico por de 2 ou mais faixas oligoclonais únicas no LCE está comu-
meio dos critérios de Poser, de 1983. Atualmente, utilizam- mente associado a EM.
-se os critérios de McDonald, de 2001, e revisados em 2005 Estudos com potenciais evocados medem a velocidade
e 2010, os quais consideram os avanços proporcionados de condução ao longo das vias sensitivas do SNC e podem
pela Ressonância Nuclear Magnética (RNM) e mantêm o ser úteis em casos selecionados.
auxílio do laboratório proposto por Poser.
É de fundamental importância ter em mente o seguinte Tabela 7 - Diagnóstico diferencial da EM
conceito: EM é uma doença que exige, para o seu diagnós- Doenças inflamatórias
tico, a comprovação objetiva de disseminação no tempo e - Lúpus eritematoso sistêmico;
no espaço, desde que não haja melhor explicação para os - Doença de Sjögren;
achados.
- Doença de Behçet;
Chama-se disseminação no tempo a ocorrência de sinais
neurológicos separados no tempo por, pelo menos, 30 dias. - Poliarterite nodosa;
Já a disseminação espacial refere-se à comprovação obje- - Encefalomielite disseminada aguda.
tiva, ao exame neurológico, de sinais localizados em pelo Doenças infecciosas
menos 2 sítios diferentes no SNC. Como exemplo, têm-se - Neuroborreliose de Lyme;
a papila óptica pálida ao exame de fundo de olho (lesão de - Leucoencefalopatia multifocal progressiva;
nervo óptico) e oftalmoplegia internuclear (lesão localizada
no tronco encefálico). - Neurossífilis;

95
NEURO LOG I A

Doenças infecciosas Há alguns critérios clínicos para o diagnóstico da EM.


Um deles é o critério Poser, que utiliza características clíni-
- Mielopatia do HIV;
cas e exames laboratoriais, como LCE, neuroimagem e ele-
- Paraparesia espástica tropical (HTLV). troneuromiografia, que pode ser sumarizado a seguir:
Doenças granulomatosas
Tabela 8 - Critérios clínicos para o diagnóstico da EM
- Sarcoidose;
Esclerose múltipla clinicamente definida
- Doença de Wegener;
- 2 ou mais ataques e 2 lesões clínicas separadas;
- Granulomatose linfomatoide.
- 2 ataques e uma lesão clínica, separada por uma lesão paraclí-
Doenças da mielina
nica (evidenciada por alteração em teste por potenciais evoca-
- Leucodistrofia metacromática; dos, RNM ou testes urodinâmicos);
- Adrenomieloleucodistrofia. - EM clinicamente definida com evidência laboratorial;
Miscelânea - Critérios clínicos e alteração ou de LCE, presença de banda oli-
- Ataxias espinocerebelares; goclonal, ou IgG.
- Malformação de Arnold-Chiari;
Esses critérios foram modificados em 2001, revisados
- Degeneração combinada subaguda da medula por deficiência
em 2005 e 2010 e definidos como critérios de McDonald,
de vitamina B12.
usando a denominação de EM, definitivamente.

Tabela 9 - Critérios para diagnóstico de EM por McDonald, 2010


Apresentação clínica Informações adicionais necessárias para o diagnóstico de EM
≥2 ataques; evidência clínica objetiva de ≥2
lesões ou evidência clínica objetiva de 1 lesão Nenhuma.
com história condizente de 1 ataque prévio.
Disseminação no espaço, demonstrada por:
≥2 ataques; evidência clínica objetiva de 1 ≥1 lesão em T2 em pelo menos 2 de 3 regiões típicas de EM no SNC (periventricular,
lesão. justacortical, infratentorial ou medula espinal); ou aguardando um próximo ataque
implicando uma diferente área do SNC.
Apresentação clínica Informações adicionais necessárias para o diagnóstico de EM
Disseminação no tempo demonstrada por:
Presença simultânea de lesões assintomáticas com realce de gadolínio e áreas não
1 ataque; evidência clínica objetiva de ≥2
realçadas a qualquer momento; ou uma nova imagem em T2 e/ou realce com gadolínio
lesões.
em imagem de acompanhamento de RNM, independentemente de seu tempo com
referência a um exame inicial ou aguardando um 2º ataque.
Disseminação no espaço demonstrada por:
≥1 lesão em T2 em pelo menos 2 de 3 regiões típicas de EM no SNC (periventricular,
justacortical, infratentorial ou medula espinal); ou aguardando um próximo ataque
implicando uma diferente área do SNC.
1 ataque; evidência clínica objetiva de 1 lesão
(síndrome clínica isolada). Disseminação no tempo demonstrada por:
Presença simultânea de lesões assintomáticas com realce de gadolínio e áreas não
realçadas a qualquer momento; ou uma nova imagem em T2 e/ou realce com gadolínio
em imagem de acompanhamento de RNM, independentemente de seu tempo com
referência a um exame inicial ou aguardando um 2º ataque.
Fonte: Polman et al., 2010, Revisions to MS diagnosis – ANN NEUROL 2011;69:292-302.

96
E S C L E R O S E M Ú LT I P L A

Tratamento e Pesquisa da Esclerose Múltipla (BCTRIMS),


para o tratamento da doença, com o objetivo de acelerar
a melhora funcional (remissão dos sinais ou sintomas), a
droga de escolha é a metilprednisolona (1g/dia IV, por 3
dias consecutivos). O uso crônico de corticoides não altera
a evolução da doença.
Em 1993, surgiram drogas imunomoduladoras, usadas
na fase crônica da EM e que alteram a evolução desta:
- Beta-interferon-1b (Betaferon®);
- Beta-interferon-1a (Rebif® e Avonex®).
Todas parecem reduzir os ataques em 30%, com redu-
Figura 3 - (A) Axial T2-ponderada e (B) técnica de FLAIR – lesões ção também da gravidade desses ataques e efeitos sobre as
múltiplas, em forma oval, focos hiperintensos consistentes com lesões reveladas na RNM. A incapacidade em longo prazo
placas; (C) sagittal flair – lesões irradiadas para fora do corpo ca- foi menor. Não se mostraram benéficos nas formas progres-
loso; (D) axial pré-contraste T1-ponderada – lesões hipointensas sivas e podem apresentar efeitos colaterais, que devem ser
consistente com black holes e (E) axial pós-gadolínio saturação de conhecidos (sintomas gripais, agravamento de depressão).

NEUROLOGIA
gordura T1-ponderada – algumas dessas placas contrastam em Uma 2ª classe de drogas para uso na fase crônica é o
forma de anel, placas ativas. Fonte: UpToDate acetato de glatirâmer (Copaxone® ou copolímero I), uma
mistura de polímeros de 4 aminoácidos, com efeitos sobre
a clínica aguda da doença semelhantes aos dos interferons,
porém não tão bem claros quanto à evolução e às lesões da
RNM cerebral.
Acredita-se que os efeitos do interferon se devem à
diminuição da produção de gama-interferon, aumento da
produção de interleucina 10, diminuição da relação Th1/
Th2, diminuição na permeabilidade da barreira hematoen-
cefálica por ação sobre moléculas de adesão endotelial e
metaloproteases e efeito sobre as células gliais. O acetato
de glatirâmer apresenta efeito terapêutico por expansão de
células Th2-específicas com propriedades imunorregulado-
ras.
Nos EUA, a mitoxantrona foi aprovada para uso em EM
com forma grave e recidivas frequentes, ou progressiva.
Trata-se de uma antracenodiona antineoplásica com risco
de cardiotoxicidade, leucopenia e leucemia aguda. O nata-
lizumabe, também aprovado, compreende um anticorpo
monoclonal recombinante dirigido contra o receptor alfa-4
beta-1 integrina, que bloqueia a adesão dos linfócitos à mo-
lécula de adesão vascular.
Fingolimode (via oral), aprovado no Brasil recentemente
como medicamento de 1ª linha para formas tipo surto-re-
missão da EM para reduzir exacerbação clínica, frequência
e retardar quantidade de limitações físicas. Dose recomen-
dada 0,5mg/dia, VO, meia-vida de 6 a 9 dias. A aprovação
do fingolimode foi baseada em dados clínicos que com-
provaram que o medicamento demonstrou eficácia signifi-
Figura 4 - (A) T2-ponderado sagital (B) e axial – foco de hiperinten- cativa na redução de recaídas, risco de recaídas, risco da
sidade nas colunas posteriores da medula cervical; pós-gadolínio progressão da incapacidade, bem com no número de lesões
(C) T1-ponderada sagital e (D) axial – aumento consistente com cerebrais. É o 1º de uma nova classe de medicamentos cha-
uma placa ativa mada de moduladores de receptores esfingosina 1-fosfato
(S1PR). Na EM, o sistema imunológico danifica a mielina das
fibras nervosas do SNC. Seu mecanismo não é totalmente
6. Tratamento conhecido, mas acredita-se que atue reduzindo o ataque ao
SNC pelo sistema imunológico, retendo determinados gló-
O tratamento da EM pode ser dividido em fase aguda e bulos brancos (linfócitos) nos linfonodos, impedindo que
fase crônica. eles cheguem ao SNC e destruam a bainha de mielina. Pode
A fase aguda refere-se aos “surtos” (exacerbações ou desencadear efeitos colaterais no sistema cardiovascular,
recorrências), definidos pela ocorrência de sinal ou sin- como bloqueio de ramo e discreta alteração da pressão
toma neurológico com duração superior a 24 horas. De arterial. Em virtude desses efeitos colaterais, a 1ª dose da
acordo com o Consenso Expandido do Comitê Brasileiro de medicação só deve ser feita em nível hospitalar e deve ser

97
NEURO LOG I A

precedida de uma avaliação cardiológica. Está contraindi- na botulínica. A fadiga pode ser tratada com amantadina
cada em pacientes que já fizeram uso de ciclofosfamida ou e outras medicações; a depressão, com drogas específicas.
mitoxantrona. Contraindicada em gestantes. O tratamento da bexiga neurogênica previne as infecções
Natalizumabe (IV), é um anticorpo monoclonal. de repetição e permite uma independência funcional.
Recentemente disponível no Brasil como medicamento de Síndromes dolorosas, como neuralgias ou radiculopatias,
2ª linha para as formas tipo surto-remissão. Mecanismo de podem ser tratadas com carbamazepina, amitriptilina ou
ação – impede a adesão e a entrada de linfócitos no SNC, gabapentina.
atuando na barreira hematoencefálica. Sua eficácia está
bem comprovada no tratamento das formas graves de EM
surto-remissão que não responderam de forma adequada 7. Prognóstico
ao tratamento com Interferon e Acetato de Glatirâmer. É Há grande variabilidade individual em relação ao prog-
indicado como monoterapia para EM, para retardar o acú- nóstico da doença. De maneira geral, pode-se dizer que
mulo de deficiência física, reduzir a frequência das exacer- mulheres apresentam um curso mais benigno que homens;
bações clínicas em 3 anos de tratamento. Foram relatados 3 quanto maior a idade do diagnóstico, pior o prognóstico; a
casos de leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP)
forma recorrente-remitente é de melhor prognóstico que
associada ao uso de natalizumabe, o que levou à suspensão
a forma primariamente progressiva; o início da doença por
temporária no mercado em 2005, no entanto, mais tarde foi
neurite óptica ou alterações sensitivas é de melhor prog-
reintroduzido em um âmbito de distribuição especialmente
restrito. A droga tem agora um folheto (tarja preta) com os nóstico que o início por sintomas motores ou cerebelares.
potenciais riscos de infecção oportunista e com relação à Em geral, os portadores de EM morrem com a doença
LEMP, doença grave, que pode causar danos irreversíveis e e não em decorrência dela, embora haja alguns dados em
até mesmo a morte. O risco de desenvolver LEMP é apro- conflito na literatura.
ximadamente 1:1.000 em 18 meses de pacientes tratados.
Contraindicado a gestantes e a pacientes que fizeram uso 8. Apêndice – outras doenças desmielini-
de imunossupressor nos 6 meses que antecederam o início
do tratamento com natalizumabe. Uso IV, 1 vez a cada 4 zantes
semanas na dose de 300mg. A medicação só pode ser ad-
ministrada em âmbito hospitalar e com rigorosa monitori- A - Doença de Devic (neuromielite óptica – NMO)
zação do paciente.
A gamaglobulina também foi estudada na EM, com re- A neuromielite óptica, também chamada de doença de
sultados contraditórios. Em pessoas com 1º evento desmie- Devic, é uma desordem de caráter inflamatório/desmielini-
linizante sugestivo da doença, um estudo realizado com 91 zante, e caracteriza-se por preferencialmente afetar o nervo
pacientes demonstrou benefício em prevenir progressão óptico e a medula causando surtos severos de neurite óp-
para EM definitiva. Tal estudo é único e com benefício clí- tica bilateral e mielite transversa. A RNM de coluna geral-
nico questionável, e ainda não pode ser extrapolado para mente evidencia lesão acometendo 3 ou mais seguimentos
prática clínica. vertebrais. A dosagem sérica do anticorpo antiaquaporina 4
Em indivíduos com forma secundariamente progressiva (NMO-IgG) tem alta especificidade e faz parte dos critérios
de EM, um grande estudo foi publicado no Lancet em 2004, diagnósticos dessa doença.
com 318 pacientes randomizados para receber gamaglo-
bulina ou placebo. Não houve diferenças em nenhum dos
desfechos clínicos estudados, portanto a medicação não
deve ser usada para tal propósito. Pacientes com a forma
remitente-recorrente, entretanto, parecem ter benefício
com a Sandoglobulina®. Um grande estudo observacional
realizado por Haas demonstrou, em 308 pacientes, uma
diminuição da taxa de recidiva anual de 69%. Outros 4 pe-
quenos estudos randomizados demonstraram superiorida-
de da gamaglobulina em relação ao placebo, com pequeno
benefício clínico de significado incerto, como o estudo de
Stangel. O estudo de Visser comparou a eficácia da gama- Figura 5 - (A) RNM T2-ponderada sagital, medula cervical mos-
globulina em combinação com metilprednisolona com o tra alterações do segmento curto (setas) características da escle-
uso isolado de metilprednisolona, sem demonstrar diferen- rose múltipla; (B) T2-ponderada sagital, medula cervical de um
ça. O tratamento inicial dessa forma de EM continua a ser paciente com mielite aguda e neuromielite óptica mostra típica
com beta-interferon e metilprednisolona, sendo reservado lesão medular longitudinalmente extensiva, expansiva, com loca-
o uso da gamaglobulina para terapêutica de 2ª linha em ca- lização central que se estende para o tronco cerebral (setas); (C)
sos sem resposta. T1-ponderada sagital, tais lesões agudas podem ser hipointensas
As sequelas que aparecerem no decorrer da doença (setas), o que pode indicar necrose e cavitação, sendo realçadas
também deverão ser abordadas para oferecer ao paciente com administração de gadolínio intravenoso (pontas de seta), in-
uma melhor qualidade de vida. Assim, a espasticidade pode dicativo de inflamação ativa. Fonte: The spectrum of neuromyelitis
ser tratada com baclofeno, diazepam ou injeções de toxi- optica - Lancet Neurol 2007; 6: 805-15

98
E S C L E R O S E M Ú LT I P L A

B - ADEM: encefalomielite disseminada aguda - A doença pode se apresentar em 4 padrões diferentes, sendo o
mais comum a forma remitente-recorrente;
A encefalomielite disseminada aguda é uma doença des-
mielinizante aguda do SNC caracterizada pelo envolvimento - Os sintomas iniciais mais comuns são alterações sensitivas (pa-
multifocal da substância branca e se apresenta tipicamente restesias, hipoestesias ou hiperestesias) que podem ocorrer
como uma desordem monofásica (formas multifásicas ou em qualquer distribuição e com frequência são migratórios;
recorrentes já foram descritas). Geralmente é precedida - O tratamento da fase aguda é com corticoide parenteral;
por um processo infeccioso ou história de vacinação. Os - O tratamento da fase crônica envolve o uso de interferon e,
sintomas e sinais típicos do ADEM incluem um quadro de em pacientes com forma remitente-recorrente, pode-se usar
encefalopatia de instalação rápida acompanhada de déficits gamaglobulina.
neurológicos multifocais. Pode ocorrer em qualquer idade,
porém é mais comum na população pediátrica. A RNM de
crânio, comumente, mostra lesões em substância branca
subcorticais e profundas, múltiplas e bilaterais. Seu diag-
nóstico é baseado em características clínicas e radiológicas.

NEUROLOGIA
Figura 6 - Encefalomielite disseminada aguda com pequenas le-
sões: (A) RNM, axial T2-ponderada, mostrando lesões hipertensas
bilaterais, regularmente marginadas, em substância branca cen-
tral, periventricular e justacortical e (B) ainda lesões envolvendo
ambos os tálamos e cápsulas internas, em um menino de 17 me-
ses, 2 semanas após vacinação contra sarampo. Fonte: Acute dis-
seminated encephalomyelitis - Neurology 2007;68;23-36

C - Síndrome clínica isolada (CIS)


A CIS é o 1º evento neurológico indicativo de doença
desmielinizante inflamatória do SNC. Em geral, acomete in-
divíduos jovens e é caracterizada pela ausência de febre ou
infecção, duração sintomática mínima de 24 horas e pela
presença ou não de alterações identificáveis nos exames de
RNM e de LCE. Contudo, as alterações da RNM e do LCE
encontradas na CIS não são específicas. O paciente com
suspeita de CIS deverá ser submetido a uma grande bateria
de exames laboratoriais para afastar outras doenças. Outro
fator importante: alguns pacientes com CIS poderão desen-
volver EM. Dependendo dos resultados da RNM e do LCE, é
possível a identificação de pacientes com alto risco de de-
senvolver EM. Nestes pacientes com alto risco, indica-se um
tratamento preventivo.

9. Resumo
Quadro-resumo
- EM é uma doença inflamatória crônica imunomediada que aco-
mete a mielina do SNC;
- Acomete principalmente mulheres e adultos jovens;

99
NEURO LOG I A

CAPÍTULO

10
Paralisias flácidas agudas

Aurélio Pimenta Dutra / Rodrigo Antônio Brandão Neto / Maria Aparecida Ferraz /
Cristina Gonçalves Massant / Mauro Augusto de Oliveira

1. Introdução - O comprometimento anatômico nas PFA pode locali-


zar-se nas seguintes estruturas:
A Paralisia Flácida Aguda (PFA) é uma síndrome de rápi- • Trato corticoespinal e neurônio motor inferior (le-
da progressão, caracterizada por fraqueza muscular, flaci- sões medulares, por exemplo);
dez (hipotonia) e reflexos profundos geralmente hipoativos • Raiz e nervo periférico;
ou abolidos. A fraqueza muscular pode ocorrer por lesões • Junção mioneural;
no trato corticoespinal ou na unidade motora. As lesões
• Músculo.
do trato corticoespinal podem causar hipotonia no quadro
agudo (choque medular, por exemplo), mas, com o passar Algumas características das diversas síndromes que
de horas ou de dias, aparecem os sinais de liberação pira- ocorrem com PFA são citadas a seguir.
midal (disfunção do neurônio motor superior) com espas-
ticidade.
O termo agudo representa a evolução do déficit neuro-
A - Medula espinal
lógico em horas a semanas e é usado para progressão de O déficit neurológico aparece a partir do dermátomo
até 4 semanas, que é o período máximo de instalação da correspondente ao nível medular comprometido para bai-
Síndrome de Guillain-Barré (SGB), por exemplo. xo, sendo normal o exame acima do nível afetado. Além
No Brasil, a notificação da PFA é compulsória apenas disso, há manifestações esfincterianas (retenção urinária e/
para a faixa etária inferior a 15 anos, devido à vigilância de ou fecal).
poliomielite. Estudos nacionais retrospectivos mostraram Em caso de doença do neurônio motor (esclerose lateral
que, no período de 1990 a 1996, ocorreram 3.619 casos de amiotrófica, amiotrofia espinal progressiva, poliomielite),
PFA em menores de 15 anos, sendo a SGB responsável por os sinais são apenas motores e assimétricos, pois não há
46% dos casos. Outras etiologias foram mielite (3%), pólio comprometimento das vias sensitivas.
pós-vacinal (2%), tumores (1%), trauma (1%), causas diver-
sas (32%, entre elas, encefalite e doenças cerebrovascula- B - Raiz e nervo periférico
res). Em 14% dos casos, não foi possível a caracterização
etiológica. Geralmente, há sinais de comprometimento motor e
sensitivo, podendo também haver comprometimento
autonômico. O déficit neurológico é crescente, com pre-
2. Fisiopatologia domínio distal. As parestesias ocorrem pela geração de
É de grande importância que, diante de um quadro de impulsos ectópicos em todo o nervo (fibras de Meissner,
PFA, seja definido o local anatômico mais provavelmente Makel e Paccini), enquanto a arreflexia ocorre por disper-
comprometido. Para isso, é necessário relembrar alguns são e desmielinização devido à lentificação das fibras gros-
conceitos: sas aferentes.
- A unidade motora é formada pelo 2º neurônio motor As perdas sensitivas (caracteristicamente em padrão de
(corno anterior da medula), seu axônio com envoltório “botas e luvas”) decorrem de bloqueios de condução cumu-
de mielina, a junção mioneural e o músculo inervado; lativa de lesões desmielinizantes em série. Já a dor pode
acontecer por geração de impulsos ectópicos ao longo de
- As fibras responsáveis pelas sensibilidades superficial todo o nervo (fibras de dor e pressão).
(tato, dor e temperatura) e profunda (vibração e cinéti-
co-postural) trafegam juntamente com as informações
motoras no nervo periférico e chegam à raiz dorsal; C - Junção mioneural
- Na raiz dorsal, há apenas informações sensitivas; Tipicamente, ocorre fraqueza de predomínio proximal
quando essa informação chega à medula, as sensibili- nos membros, afetando comumente os das cinturas esca-
dades profunda e superficial seguem vias ascendentes pular e pélvica, além dos músculos cranianos. Se houver
anatomicamente distintas. comprometimento pré-sináptico (síndrome miastênica de

100
PARALISIAS FLÁCIDAS AGUDAS

Lambert-Eaton), poderão ocorrer sinais autonômicos e au- hipertensão) acontece em 50% dos pacientes e está relacio-
mento da força com o exercício; se pós-sináptico (miastenia nada a uma maior taxa de mortalidade.
gravis), haverá fatigabilidade e piora com esforço físico. Não É importante lembrar que existem formas menos fre-
ocorre alteração de sensibilidade, e o exame neurológico quentes:
pode ser normal fora da atividade da doença. - Atípicas: podem simular miastenia ou botulismo;
- Oftalmoplégica (5% dos casos): síndrome de Miller-
D - Músculo Fisher, em que o paciente apresenta déficit relativa-
mente simétrico da musculatura ocular extrínseca,
Há sinais exclusivamente motores com predileção por
ptose palpebral, ataxia de marcha e membros, com
acometimento da musculatura cervical e das cinturas (em
tremor cerebelar;
geral, o predomínio é proximal nos membros).
- Faringocervicobraquial (cerca de 15% dos casos): fra-
queza de musculatura faringocervicobraquial, déficit
3. Polirradiculoneurite aguda ou SGB proximal e progressivo muscular do pescoço, ombros,
membros superiores, orofaringe e diafragma;
A - Introdução - Pseudomedular ou paraparética: déficit progressivo
dos membros inferiores com arreflexia ou hiporrefle-

NEUROLOGIA
A SGB representa a causa mais comum de PFA, com in- xia nos membros inferiores, mantendo os membros
cidência anual de 0,4 a 4 por 100.000 habitantes. É uma superiores normais;
doença desmielinizante que acomete as raízes e os nervos - Disautonômica: disfunção simpática e parassimpática
periféricos e ocorre tanto em homens quanto em mulheres com arreflexia ou hiporreflexia.
(nestas, é um pouco mais comum).
É mais frequente entre 55 e 75 anos. Em cerca de 60
a 65% dos casos, a SGB se inicia num prazo de 1 a 3 se-
C - Diagnóstico
manas após um quadro de diarreia (classicamente, pelo
Campylobacter jejuni) ou de infecção viral (processos gri- a) Critérios diagnósticos da SGB clássica
pais são fatores precipitantes importantes). Outros fatores - Déficit simétrico em todos os membros, com fraqueza
relacionados são procedimentos cirúrgicos, doenças exan- muscular progressiva ascendente. O caráter descen-
temáticas agudas, infecções virais (CMV, HIV), infecção bac- dente do déficit motor é visto nas variantes da SGB
teriana aguda, linfoma de Hodgkin. que iniciam manifestações pelos nervos cranianos. O
A SGB é secundária a uma agressão imunológica do sis- pico do déficit costuma ocorrer em 2 semanas;
tema nervoso periférico, e a natureza dos antígenos que - Parestesias em pés e mãos;
desencadeiam a resposta inflamatória permanece desco- - Arreflexia ou hiporreflexia em todos os membros, por
nhecida. Contudo, o principal alvo da agressão é o comple- 1 semana;
xo glicolipídico do axônio e da mielina. Os autoanticorpos - Progressão que dura de vários dias a até 4 semanas;
contra esses antígenos atuam bloqueando a condução ner- - Líquido cerebrospinal (LCE) com dissociação proteico-
vosa. Nas formas desmielinizantes, o infiltrado macrofági- -citológica: pode ser normal até a 1ª semana, quando
co-linfocítico promove a desmielinização segmentar, com a concentração proteica começa a se elevar. O pico
participação do sistema do complemento. ocorre em 3 ou 4 semanas. Na maioria dos casos, a
celularidade é normal (até 4 células/mm3). Pleocitose
B - Quadro clínico pode ocorrer; entretanto, quando acima de 10 células/
Os principais sintomas são parestesias em extremidades mm3, deve-se considerar associação de outras doenças
(pés e mãos), seguidas de sensação de dormência e hipoes- (HIV, CMV, doença de Lyme, lúpus eritematoso sistêmi-
tesia (evoluem em 1 a 2 semanas e podem estar ausentes) co, doença de Hodgkin, entre outras);
na mesma região. Associadamente, há perda de força simé- - Eletroneuromiografia com evidências de desmieliniza-
trica que evolui em algumas semanas de forma ascendente, ção: diminuição da velocidade de condução, dispersão
inicialmente em MMII e posteriormente em MMSS, tronco temporal do potencial de ação, prolongamento da la-
e musculatura intercostal: 50% têm fraqueza máxima em 1 tência da onda F. O padrão de lesão axonal é menos
semana, 89% em 3 semanas e 90% em 1 mês. Cerca de 50% frequente e designa algumas formas variantes, como a
dos casos apresentam acometimento do nervo facial, 10% neuropatia axonal motora aguda (AMAN) mais comum
diplopia, podendo apresentar também disfagia (por lesão no Japão e China, e a neuropatia axonal motora e sen-
dos X e XI nervos). Em 75% dos casos, há envolvimento de sorial aguda (AMSAN).
algum nervo craniano.
Portanto, a SGB consiste em fraqueza relativamente si- b) Características fisiopatológicas
métrica, acometendo inicialmente MMII, posteriormente A partir do 3º dia de sintomas, o liquor pode apresen-
MMSS, face e músculos respiratórios e, menos frequente- tar dissociação proteico-citológica (proteinorraquia de 46 a
mente, a musculatura ocular extrínseca. Além disso, há pa- 300mg/dL), causada por quebra de barreira e denervação.
restesias inicialmente nos dedos dos pés e das mãos, que Assim, a proteína pode ser normal nos primeiros dias e ter
progridem proximalmente com arreflexia profunda. Cabe aumento gradual, com pico em 4 a 6 semanas, variando até
ressaltar que a disfunção autonômica (taquicardia e hipo/ 1.500mg/dL. O aumento não tem valor prognóstico.

101
NEURO LOG I A

A celularidade geralmente não se modifica ou tem um b) Gamaglobulina


aumento discreto. Nos casos em que é maior que 10 célu- Dose de 0,4g/kg/dia por 5 dias consecutivos, com be-
las/campo, deve-se pensar em quadro infeccioso meníngeo nefício semelhante à plasmaférese nos estudos clínicos. A
associado, relacionado a CMV, HSV, Lyme, HIV. eficácia do tratamento não aumenta com a associação de
A eletroneuromiografia (ENMG) poderá ser normal do ambas. A falta de resposta ou deterioração neurológica
início do quadro até os primeiros 15 dias. As alterações co- ocorre em 25% dos casos, apesar do tratamento (com plas-
meçam a partir do 10º dia, quando se evidencia redução da maférese ou imunoglobulina). A escolha entre plasmafére-
amplitude e da velocidade de condução neural, dependen- se e gamaglobulina depende da disponibilidade e experiên-
do do tipo de comprometimento:
cia do serviço. De uma forma geral, a gamaglobulina é mais
- Mielina: bloqueio de condução com dispersão tempo- prática, mas não há superioridade entre os métodos.
ral, dessincronização e redução da velocidade de con-
dução (VCM);
- Axonal: fibrilações e ondas positivas indicam dano Campylobacter jejuni
Epstein-Barr vírus
axonal. Nervos motores inexcitáveis com baixa ampli- Citomegalovírus
tude estão relacionados a pior prognóstico. Mycoplasma pneumoniae
(?) Haemophilus influenzae
c) Diagnóstico diferencial Vacinas (anedóticas)
Sem evento antecedente em 1/3 dos casos
A SGB é facilmente reconhecida em sua forma típica, 2 a 4 semanas
porém as manifestações atípicas se confundem com outras
Sintomas neurológicos
neuropatias, miopatias e doenças neuromusculares: progressivos envolvendo o
- Doenças da junção neuromuscular: botulismo, mias- sistema nervoso periférico com
tenia gravis; nadir em menos de 4 semanas

- Doenças musculares inflamatórias: polimiosite, ou-


tras miopatias; Confirmação diagnóstica com punção lombar e estudo de
- Vasculites: PAN (poliarterite nodosa), Churg-Strauss condução nervosa. Subclassificação clínica e com neurofisiologia

com manifestação neurológica;


- Infecciosa: Lyme, poliomielite, botulismo, raiva, tétano; Desmielinização Síndrome de Miller-Fisher e Variantes axonais.
- Toxinas de animais e plantas: toxina de cobras, ani- polirradicular neuropática
aguda idiopática de doença
outras variantes de formas
frustas frequentemente há
Por exemplo: neuropatia
axonal motora aguda e
mais marinhos; desmielinizante em estudos pequenos potenciais de ação neuropatia axonal motora
- Toxinas e drogas do ambiente: envenenamento por de condução nervosa sensitivos e muito pouco
além disso nos estudos da
e sensitiva aguda

organofosforado, tálio, arsênio, chumbo, bário; condução nervosa


- Anomalias dos canais iônicos: paralisias periódi- IV Ig 0,4g/kg/dia
durante 5 dias, ou
IV Ig 0,4g/kg/dia
durante 5 dias, ou
cas, miopatia hipocalêmica, hipertireoidismo, hipo- plasmaférese nas Igualmente não plasmaférese nas
fosfatemia; primeiras 2 semanas tratado, a não ser em primeiras 2 semanas
- SIRS: miopatia de filamentos grossos, polirradiculo- se não ambulante não ambulantes se não ambulante

neurite axonal do doente crítico; Se não houver melhora em 10 dias


- Transtorno conversivo; IV Ig 0,4g/kg/dia durante 5 dias IV Ig 0,4g/kg/dia durante 5 dias
- Síndromes medulares agudas: mielite aguda;
- Amiotrofias espinhais. Figura 1 - Subclassificação prática da SGB. Fonte: Practical
Neurology, 2006; 6: 208-217
D - Tratamento, evolução e prognóstico
c) Corticoides
A remissão é completa na maioria dos pacientes. Cerca Prednisona ou metilprednisolona não melhoram a evo-
de 30% necessitam de ventilação mecânica, que é o ponto lução, exceto em casos relacionados a vasculites.
essencial do tratamento, além de cuidados gerais, alimen- A recuperação é lenta, com início entre 1 e 3 meses de-
tação e fisioterapia. Além disso, 20% dos pacientes apresen- pois de atingida a estabilidade da doença. Caso haja dege-
tam disfunção autonômica grave necessitando de suporte neração axonal, poderá haver recuperação em 6 a 18 me-
em UTI, por isso aos pacientes com fraqueza progressiva é ses. Cerca de 10% dos pacientes apresentam sequela grave,
recomendada monitorização cardíaca e pressórica. O trata- geralmente associada ao dano axonal grave.
mento atualmente disponível mostra benefícios quando re- A mortalidade gira em torno de 3 a 5%, comumente por
alizado no início do quadro, principalmente para os pacien- disautonomia e embolia pulmonar.
tes mais graves que necessitem de ventilação mecânica. O
tratamento com gamaglobulina ou plasmaférese diminui a
necessidade de ventilação mecânica, mas não muda a evo- 4. Outras paralisias flácidas
lução da doença em relação ao tempo de recuperação e se-
quelas. Os tratamentos preconizados são: A - Polirradiculoneurite aguda do paciente críti-
a) Plasmaférese co e outras neuropatias
Até 2 semanas do quadro, 200 a 250mL/kg, reduz o tem- Durante o curso da síndrome da resposta inflamatória
po de hospitalização e de ventilação mecânica. sistêmica (SIRS), podem ocorrer disfunções de nervo perifé-

102
PARALISIAS FLÁCIDAS AGUDAS

rico, da junção mioneural e músculo. Os pacientes com qua- - Forma ocular: ocorre em 15% dos casos, com compro-
dro séptico grave, intubação orotraqueal por longo período, metimento isolado da musculatura ocular extrínseca.
SIRS e falência de medula óssea apresentam maior risco. Uma boa parte dos pacientes evolui com generalização;
A disfunção pode ser acentuada pelo uso de corticos- - Forma generalizada: comprometimento dos mem-
teroides e bloqueadores neuromusculares. Não há trata- bros;
mento específico, exceto suporte clínico, sendo necessário - Forma bulbar: inicia-se com disfagia e disfonia, evo-
descartar outras causas de paralisia. A polineuropatia da luindo também com comprometimento ocular.
doença crítica acontece em cerca de 50% dos pacientes que
permanecem sépticos por mais de 2 semanas. Geralmente, b) Diagnóstico
os nervos cranianos e o sistema nervoso autonômico são Baseia-se em:
poupados. O principal diferenciador com a SGB é que o li- - Teste terapêutico com edrofônio (Tensilon®) ou gelo;
quor não tem aumento importante de proteína. A ENMG - Eletroneuromiografia, que mostrará padrão de decrés-
evidencia o acometimento axonal puro. cimo da amplitude da contração muscular, com sensi-
Outro diagnóstico a ser lembrado é a miopatia do pa- bilidade de 95%;
ciente crítico, relacionada, principalmente, ao uso de cor- - Dosagem de anticorpos antiacetilcolina, presentes em
ticosteroides e de bloqueadores musculares (curarizantes). 80% dos pacientes. O anticorpo está presente em cer-
ca de 85% dos casos na forma generalizada e em cerca

NEUROLOGIA
Os pacientes apresentam aumento importante de CPK, e a
ENMG apresenta padrão miopático. de 50% dos casos na forma ocular. Acima de 70% dos
As neuropatias tóxicas são outra causa de paralisias flá- pacientes são soronegativos, ou seja, com o anticorpo
cidas. Inúmeros agentes químicos podem afetar os nervos contra receptor de acetilcolina negativo, apresentam
periféricos, entre eles os metais pesados, como o arsênio e positiva para a tirosinaquinase específica do músculo
o tálio, que ocasionam náuseas, vômitos, dor abdominal, (MuSK). Essa forma apresenta-se mais na forma bulbar
distúrbios psíquicos e crises convulsivas, além do déficit e ocular e apresenta pior resposta ao tratamento, que
motor que tem início pelos membros inferiores. Na intoxi- não seja plasmaférese.
cação pelo chumbo, é clássica a descrição dos sintomas que c) Tratamento
começam pelos membros superiores. O etanol pode provo-
car miopatia aguda ou lesar o sistema nervoso periférico,
- Medicamentoso:
provocando quadro semelhante ao da SGB. Não há trata- • Anticolinesterásico (piridostigmina): melhora a dis-
ponibilidade da acetilcolina na fenda sináptica;
mento específico, devendo-se retirar o fator de exposição.
A paralisia da picada do carrapato é provocada por toxi- • Corticosteroide (prednisona): em geral, é a medica-
na que afeta fibras nervosas de maior calibre, bloqueando a ção de 1ª escolha para controle do processo autoi-
transmissão do impulso nervoso. Os sintomas neurológicos mune, desde que não haja contraindicação (diabe-
tes, hipertensão arterial grave, obesidade). A dose
surgem de 5 a 10 dias após a infestação, com pródromo de
inicial é, em geral, de 20mg/dia, podendo-se chegar
irritabilidade, anorexia, dores e parestesias, seguido pela
a 1mg/kg/dia. Inicialmente, pode ocorrer piora clí-
PFA em 12 a 36 horas. Em geral, a paralisia se resolve rapi- nica, por efeito direto do corticoide na junção neu-
damente após a remoção do artrópode. romuscular, seguindo-se melhora pelo controle da
produção dos autoanticorpos. Efeitos colaterais de-
B - Miastenia gravis e outras afecções neuro- vem ser monitorizados (diabetes, hipertensão, au-
musculares mento de peso, osteopenia/osteoporose) e podem
Miastenia gravis é uma doença da junção neuromuscu- ser limitantes no tratamento em longo prazo;
lar que se caracteriza por fraqueza muscular e fadiga flutu- • Imunossupressores: indicados quando ocorre fa-
antes, que pioram com o esforço físico repetitivo. Há 2 picos lha terapêutica com corticoide, contraindicação ou
de incidência: em mulheres entre a 2ª e a 3ª décadas e em efeitos colaterais relacionados ao medicamento. Em
geral, segue-se um escalonamento com as medica-
homens entre os 50 e os 70 anos. A doença é autoimune,
ções, iniciando-se com a azatioprina, seguindo-se
relacionada a anticorpos antirreceptor de acetilcolina (Ach),
ciclosporina (ambas por via oral) e ciclofosfamida
presentes em 86% dos casos. O papel do timo é importante:
intravenosa. O micofenolato de mofetila também
70% dos pacientes têm aumento do timo, e de 10 a 15% pode ser utilizado.
têm timoma. Assim, a tomografia de tórax é obrigatória na
avaliação diagnóstica. - Cirúrgico: timectomia.
a) Manifestações clínicas • Formas oculares puras: não indicado;
• Pacientes sem timoma: boa resposta em miastenia
Diplopia (92%), disfagia e fraqueza muscular progressiva generalizada, com remissão ou melhor controle da
associada ao esforço repetitivo são as principais queixas. Ao doença;
exame físico, encontram-se paresia de musculatura ocular
• Pacientes com timoma: cirurgia sempre indicada,
extrínseca (poupando a musculatura pupilar), ptose palpe- porém com maior mortalidade. Em alguns casos, é
bral, disfagia e paresia muscular (principalmente proximal) indicado associar radioterapia.
com fatigabilidade (piora aos movimentos repetitivos). Os
reflexos profundos e a sensibilidade estão normais. - Plasmaférese e gamaglobulina: devem ser utilizadas
Existem formas clínicas da doença: nos quadros de crise miastênica, condição que se ca-

103
NEURO LOG I A

racteriza por fraqueza muscular aguda com insuficiên-


cia respiratória, que é uma urgência neurológica.

Cabe ressaltar que a síndrome de Eaton-Lambert é uma


condição paraneoplásica que decorre da agressão imuno-
mediada da membrana pré-sináptica. É clinicamente similar
à miastenia gravis e em geral associa-se ao carcinoma de
pulmão. O padrão eletroneuromiográfico com incremento
do potencial de ação muscular é o achado típico dessa sín-
drome.
Aminoglicosídeos, tetraciclinas, penicilamina, difenil- Figura 3 - Paciente miastênica apresentando ptose palpebral à es-
-hidantoína podem causar bloqueio neuromuscular pré- querda. Fonte: Practical Neurology, 2002, Jun: 173
-sináptico e, consequentemente, causar sinais e sintomas
miastênicos.

Figura 4 - Eletroneuromiografia com padrão decremental: achado


sugestivo de miastenia. Fonte: Practical Neurology, 2002, Jun: 173

C - Miopatias inflamatórias: polimiosite e mio-


patias infecciosas
A polimiosite é uma doença muscular inflamatória au-
toimune que leva à fraqueza e astenia. A fraqueza é inicial-
mente proximal, geralmente aguda, acompanhada de dor
muscular e mioglobinúria. A face geralmente é poupada,
porém podem ser acometidas as musculaturas da degluti-
ção e faríngea.
Na dermatomiosite, outra doença inflamatória muscu-
lar, há erupções cutâneas nas mãos, dedos e joelhos.
Ambas acometem mais frequentemente mulheres en-
tre 20 e 40 anos, com outro pico de incidência após os 65
anos. Podem estar associadas a condições como carcino-
mas, linfomas e doenças autoimunes.
O diagnóstico é feito por:
- Elevação de CPK/aldolase/transaminases e VHS;
- ENMG: presença de unidades polifásicas, indicando
acometimento miopático primário;
- Biópsia muscular: em 85 a 90% dos casos, mostra ne-
crose muscular e infiltrado inflamatório, que é perivas-
cular (vasculite) na dermatomiosite e entre as fibras
na polimiosite.

O tratamento é feito com corticosteroides (prednisona,


0,5 a 2mg/kg/dia). Azatioprina e metotrexato são opções
Figura 2 - (A) Ptose evidente no olho direito (B) antes de colocar para diminuir a dose de corticosteroides ou para casos re-
gelo sobre os olhos durante 2 minutos; (C) a ptose foi resolvida; fratários.
teste do gelo (Ice pack test). Fonte: Practical Neurology, 2007; Deve-se estar atento para miopatia por corticoide quan-
7:109-111 do o quadro clínico piora, sem elevação da CPK.

104
PARALISIAS FLÁCIDAS AGUDAS

As miopatias infecciosas podem ser de etiologia viral generalizada, fraqueza muscular bulbar, miastenia gravis,
(influenza A e B, vírus HIV, vírus Epstein-Barr, herpes-vírus), paralisia periódica tireotóxica e oftalmopatia tireoidiana.
bacteriana (S. aureus, C. perfringens), fúngica (C. albicans) Também são comuns as miopatias metabólicas, como a do-
ou parasitária (toxoplasmose, triquinose, cisticercose). ença de McArdle, que a deficiência da miofosforilase e a
deficiência de carnitina-palmitil-transferase.
D - Paralisia Periódica (PP) hipo ou hipercalêmica b) Miopatias tóxicas
a) PP hipocalêmica familiar Podem resultar da agressão direta ou indireta (por dis-
túrbio eletrolítico) de inúmeras substâncias. Como exemplo,
Esta é uma doença autossômica dominante (3 ho- podem-se citar barbitúricos, clorpromazina, lítio, anfetami-
mens:1 mulher) que afeta receptores diidropiridínicos (ca- nas, salicilatos, corticosteroides, zidovudina, entre outras.
nais de cálcio voltagem-dependentes). Inicia-se na adoles- A miopatia associada ao alcoolismo pode apresentar-se de
cência, com ataques noturnos ou no início da manhã, ge- forma aguda ou crônica. A 1ª ocorre em 5% dos pacientes e
ralmente após um dia de atividade física importante e após desenvolve-se em horas a dias. Ocorre dor, a concentração
refeição rica em carboidratos. Acompanha sintomas como de creatinoquinase se eleva, e é comum mioglobinúria.
sede, fome, palpitações, diarreia. Ocorre paresia proximal,
primeiramente em MMII e depois em MMSS. Os reflexos c) Miopatias hereditárias

NEUROLOGIA
apresentam-se abolidos ou diminuídos, mas a sensibilidade As miopatias hereditárias, como distrofias ligadas ao X,
é normal. Os ataques duram de 1 a 36 horas, e a fraqueza distrofia miotônica, deficiência de maltase ácida e miopa-
pode durar dias. Além disso, poupa a face e a musculatura tias mitocondriais, são condições de evolução crônica que
respiratória. podem entrar na sala de emergência por deterioração clí-
- Diagnóstico: nica, com fraqueza muscular generalizada e insuficiência
• Laboratorial: hipocalemia (potássio próximo da respiratória.
normalidade ou até níveis de 1,8mEq/dL);
• ENMG: hipoexcitabilidade muscular; F - Botulismo
• Biópsia muscular: evidencia musculatura esquelé- Trata-se de intoxicação pela exotoxina do Clostridium
tica vacuolizada; botulinum. A toxina produzida atua na placa motora pré-
• Devem ser investigadas causas secundárias: tireo- -sináptica, causando bloqueio alfa-2 que controla a libera-
toxicose e aldosteronismo; ção de acetilcolina.
• Tratamento de ataque: 5 a 10g de K+ VO ou 40 a O quadro clínico caracteriza-se por sintomas gastrintes-
60mEq IV; tinais, evoluindo com:
• Tratamento profilático: espironolactona, dieta rica - Sintomas bulbares e oftalmológicos;
em potássio e baixa em carboidrato e sódio. - Fraqueza progressiva da motricidade ocular extrínseca
e intrínseca;
b) PP hipercalêmica familiar
- Fraqueza da musculatura da faringe;
Esta é uma doença autossômica dominante (sem predo- - Tetraparesia descendente;
mínio por sexo) que afeta canais de sódio. Inicia-se na infân-
cia, com crises mais curtas, durando de 30 a 90 minutos, e
- Insuficiência respiratória;
pode apresentar fenômeno miotônico. - Ausência de sintomas sensitivos.
- Diagnóstico: Tem curso rápido (18 horas), que pode ser benigno e
• Laboratorial: potássio alto ou normal (no limite su- depende da quantidade de toxina liberada e absorvida. O
perior da normalidade); diagnóstico é feito pela determinação de toxina no soro, fe-
• ENMG: hiperirritabilidade, com presença de descar- zes e cultura para Clostridium botulinum. Apresenta 80% de
gas miotônicas. sobrevida. A ENMG evidencia baixa amplitude de potencial
- Tratamento de ataque: infusão contínua de gluconato de estimulação, porém com facilitação após repetição do
de cálcio; estímulo. O LCE é normal ou apresenta discreto aumento de
- Tratamento profilático: acetazolamida, hidroclorotia- proteínas, e o tratamento é feito com antitoxina e suporte
zida. respiratório.

E - Miopatias metabólicas, tóxicas e hereditárias G - Porfiria aguda intermitente


Esta é uma doença autossômica dominante do metabo-
a) Miopatias metabólicas lismo da porfirina e cursa com ataques recorrentes de dor
Muitos distúrbios endócrinos ou iatrogênicos podem abdominal e sintomas neurológicos. O quadro clínico se
levar à doença muscular. A disfunção tireoidiana está fre- deve à deficiência de porfobilinogênio deaminase.
quentemente associada à miopatia, que ocorre em 30 a Os sintomas geralmente ocorrem 10 a 30 anos após a
80% dos casos de hipotireoidismo, geralmente com fraque- puberdade, sendo mais comum em mulheres. Os ataques
za proximal, rigidez muscular e cãibras. agudos apresentam dor abdominal e constipação, seguidas
As manifestações neuromusculares associadas ao hiper- de polineuropatia periférica (quadriplegia e insuficiência
tireoidismo são mais variadas e incluem fraqueza muscular respiratória), paresia de nervos cranianos, psicose, depres-

105
NEURO LOG I A

são, coma ou crises epilépticas, podendo levar a quadro de A doença geralmente é esporádica, porém podem
polineuropatia periférica progressiva ou disfunção psiquiá- ocorrer casos com herança familiar, com traço dominante.
trica. Podem acompanhar distúrbios metabólicos, principal- Acomete mais homens, iniciando-se, geralmente, entre 40
mente hiponatremia. e 50 anos, com evolução e progressão rápidas.
- Diagnóstico: dosagem na urina de ácido aminole- O diagnóstico diferencial principal é com compressão
vulínico (ALA) e porfobilinogênio deaminase, além de medular cervical e neuropatia motora multifocal com blo-
pesquisa de mutações genéticas. queio de condução. Assim, a investigação deve ser feita
com ressonância nuclear magnética da medula cervical e
São causas que podem desencadear crises: ENMG.
• Drogas: anticonvulsivantes (fenobarbital, fenitoína, Os pacientes que têm doença do sistema motor geral-
primidona), sulfas e álcool; mente evoluem para óbito em 3 a 5 anos. Ocasionalmente,
• Hormônios: estrogênios e progesterona; a evolução é lenta, por até 10 a 15 anos. O tratamento
medicamentoso específico é feito com riluzol, um inibidor
• Infecções;
da liberação de glutamato que retarda a progressão da
• Dieta (baixa ingestão de carboidrato). doença.
- Tratamento: 400 a 650mg de carboidrato através de I - Mielopatias
soro glicosado IV; hematina, 80 a 100mg IV, para dor
abdominal (por cateter central para evitar flebite); Mielopatia é o termo utilizado para diferentes distúrbios
Amplictil® (clorpromazina) para psicose; benzodiazepí- que acometem a medula espinal ou parte dela. Algumas das
nicos para crises epilépticas. afecções que causam mielopatia serão discutidas a seguir.
- A poliomielite afeta cerca de 1/1.000 a 1/100 indivídu-
os. Os pacientes apresentam doença paralítica quando
são expostos ao vírus selvagem, e a infecção é subclíni-
ca em 72% dos casos. A doença pode expressar-se com
padrão monofásico em adultos. Nos indivíduos com
menos de 15 anos, a doença é bifásica. Inicialmente, há
febre, fadiga, obstipação, vômitos, rigidez de nuca e do-
res nos membros inferiores. A seguir, surge a paralisia,
que progride em 24 a 48 horas. Caracteristicamente, o
padrão de acometimento nervoso é de déficit motor
puro, assimétrico e com predomínio proximal. O LCE
mostra pleocitose, e a concentração proteica está le-
vemente aumentada.

Desde a erradicação do poliovírus selvagem, os epi-


sódios de poliomielite estão associados a vacina em mais
Figura 5 - Urina na porfiria intermitente: (A) indivíduo normal e (B)
de 70% dos casos, com risco de desenvolvimento de pólio
indivíduo com porfiria aguda intermitente em comparação com (C)
vinho tinto diluído em água. Fonte: UpToDate
pós-vacinal de 1 caso para 2,5 milhões de doses da vacina
oral. Os enterovírus não pólio (ecovírus, coxsackie vírus A e
B, enterovírus 70 ou 71) podem apresentar manifestações
H - Doenças do sistema motor neurológicas similares à poliomielite paralítica e, usualmen-
te, ocorrem surtos regionais. E o vírus da raiva e as famílias
São doenças que apresentam, como característica, de- herpes-vírus, arbovírus e outras podem afetar o neurônio
generação exclusiva dos neurônios da coluna anterior da motor e outras porções da medula espinal;
medula espinal e de motoneurônios do córtex cerebral. Há - A mielite transversa tem incidência anual de 1 caso
várias formas de doenças do sistema motor, dependendo para 2 milhões de habitantes. Há fase inicial de fra-
das partes mais envolvidas.
queza muscular flácida, com hipo/arreflexia, retenção
- Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) urinária e alterações sensoriais. Após 2 a 3 semanas,
É a forma mais comum de doença do sistema mo- surgem sinais de liberação piramidal. Um terço dos pa-
tor, de etiologia desconhecida e de fácil reconhecimento. cientes apresenta recuperação neurológica total, e ou-
Caracteriza-se por atrofia, fraqueza e espasticidade pelo tro 1/3 tem recuperação parcial. Os agentes infecciosos
acometimento do neurônio motor superior e inferior, sem, mais frequentemente identificados são Mycoplasma
portanto, apresentar sintomas sensitivos. Poupa esfíncte- pneumoniae e herpes-vírus. Em nosso meio, devem
res e musculatura extraocular e pode iniciar-se com com- ser lembradas a esquistossomose e a cisticercose. As
prometimento bulbar exclusivo, manifestado por disartria doenças do tecido conectivo, particularmente o lúpus
e disfagia progressiva. Também são encontradas fascicula- eritematoso sistêmico, podem expressar-se, neurolo-
ções musculares. Apesar de ser mencionada neste capítulo, gicamente, como mielite transversa. O tratamento é
é de evolução crônica. realizado com corticosteroides.

106
PARALISIAS FLÁCIDAS AGUDAS

5. Resumo - Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA): é uma deterioração crôni-


ca e progressiva dos neurônios motores superiores (piramidal)
e dos neurônios motores inferiores. Produz fraqueza muscu-
Quadro-resumo
lar, espasticidade, sinal de Babinski e hiper-reflexia (neurônio
- As PFAs incluem, em seu diagnóstico diferencial, doenças que motor superior). Flacidez, atrofia, fasciculações e hiporreflexia
atingem diferentes locais do sistema nervoso: (neurônio motor inferior). Os déficits são estritamente moto-
· Trato corticoespinal e neurônio motor inferior (lesões medu- res, sem perda sensitiva significante. Não ocorre comprometi-
lares, por exemplo); mento da movimentação ocular e função esfincteriana (razões
· Raiz e nervo periférico; não explicadas).
· Junção mioneural;
Paralisia flácida aguda
· Músculo.
- A SGB é o principal diagnóstico diferencial e pode apresentar-se Paralisia flácida aguda
na forma clássica ou em suas variantes;
· O diagnóstico depende de história, exame físico e exames com-
plementares, como LCE e eletroneuromiografia; Com comprometimento Sem comprometimento
sensitivo sensitivo
· Plasmaférese ou imunoglobulina intravenosa são indicadas a
pacientes com insuficiência respiratória ou déficit neurológi-
Miopatia inflamatória
co importante. Nível sensitivo: medula Padrão em botas e luvas: Miastenia gravis

NEUROLOGIA
- Nervos periféricos Paralisia periódica
- Polirradiculoneurite aguda (SGB): consiste de paralisias axo- - SGB SGB
Ressonância magnética
nais agudas dos nervos periféricos mielinizados, os quais per- LCE, se suspeita de
- Neuropatias tóxicas Miopatia metabólica
- Porfiria aguda
dem sua bainha de mielina, que resulta em diminuição da velo- etiologia inflamatória/ intermitente
cidade de condução dos nervos, principalmente na parte distal infecciosa Exames gerais (K, Mg,
Ca), CPK, aldolase, VHS,
de suas fibras; PCR, TGO, TGP
- Miastenia gravis: a transmissão sináptica mediante acetilcoli- Rever anamnese,
exposição a tóxicos,
na, das fibras nervosas às fibras musculares estriadas, pode ser história familiar CPK normal CPK aumentada
inibida por um processo imunológico que bloqueia os recep-
tores da membrana pós-sináptica das fibras musculares, resul- Suporte clínico
Não: SGB
tando em fatigabilidade anormal dos músculos; Biópsia muscular
K alterado K normal
- Paralisia periódica progressiva: apresenta 3 características - Exames gerais,
principais: (1) ataques transitórios de fraqueza, (2) miotonia sorologias virais, perfil Suporte clínico
(sintomática somente na paralisia periódica sensível ao potás- reumatológico, LCE; Correção
ENMG
- ENMG após 15 dias. Suporte clínico
sio) e (3) fraqueza entre os ataques, que pode ser progressiva. LCE
São classificadas em primárias – hipocalêmica, hipercalêmica,
ou normocalêmica e secundárias – depleção de potássio, tireo- - Plasmaférese ou
imunoglobulina humana IV; SGB
tóxica, (hipocalêmica) hipernatremia com distúrbio na sede em - Suporte em UTI.
Miastenia gravis

lesões hipotalâmicas ou envenenamento por bário;


- Botulismo: apresentação clínica – a toxina botulínica evita a
liberação pré-sináptica de acetilcolina. O paciente está habi- Miopatias inflamatórias
tualmente alerta, orientado e afebril, mas com náuseas e vô- - Dermatomiosite: há pacientes com envolvimento muscular
mitos; tonturas; boca seca; hipotensão ortostática; e retenção
acompanhado de dor. A fraqueza evolui de forma bem variada,
urinária. No 1º dia pode desenvolver fraqueza progressiva, in-
cluindo paralisia dos músculos respiratórios. O exame sensitivo desde dias até meses. Os primeiros músculos são os proximais
permanece normal; dos membros, incluindo os flexores do pescoço. Somente após
um variável tempo de evolução, os músculos distais são atingi-
- Porfiria Aguda Intermitente (PAI): e uma doença genética rara,
autossômica dominante, decorrente de um distúrbio na via he- dos. Disfagia é outro sintoma frequente. O acometimento dos
pática da biossíntese do grupo heme, causado pela redução de músculos respiratórios é raro;
níveis da enzima porfobilinogênio desaminase. Caracterizada - Polimiosite: a doença se estabelece de forma subaguda ou crô-
por sinais e sintomas, geralmente intermitentes, que inclui nica, sendo bem rara a forma fulminante. Também é bem in-
dor abdominal, náuseas, vômitos, constipação ou diarreia, dis- comum surgir antes dos 20 anos. Acomete caracteristicamen-
tensão abdominal, íleo adinâmico, retenção ou incontinência
urinaria, taquicardia, sudorese, tremores, febre, neuropatia te a musculatura proximal, incluindo os flexores do pescoço.
periférica, distúrbios hidroeletrolíticos e psiquiátricos. Existem Músculos distais são atingidos de forma mas leve; porém, se
muitos fatores desencadeantes de crise de PAI, dieta hipocaló- eles estiverem normais, certamente não se trata de polimio-
rica rica em carboidratos. Devemos lembrar que todos os pro- site.
cedimentos cirúrgicos utilizados para tratamento da obesidade Mielopatia
mórbida podem desencadear crise de PAI;
- Mielite transversa – diagnóstico diferencial: síndrome de
- Poliomielite aguda: consiste em um processo inflamatório da
Guillain-Barré, infarto por oclusão da artéria cerebral anterior
substancia cinzenta da medula espinal, devido a infecção dos
motoneurônios alfa pelo vírus da poliomielite. A infecção é se- quando esta fornece ambas as artérias calosas marginais – in-
guida formação de anticorpos específicos, os quais conferem farto dos lobos parietais (paraplegia aguda com perda do con-
imunidade definitiva. A paralisia afeta ora um único músculo, trole esfincteriano, hidrocefalia de pressão normal e histeria.
ora um grupo de músculos, 1 membro superior ou inferior ou
os 2 membros inferiores (forma paraplégica da poliomielite).
Os músculos de um mesmo miótomo não são afetados de ma-
neira uniforme;

107
NEURO LOG I A

CAPÍTULO

11
Tumores do sistema nervoso central

Rodrigo Antônio Brandão Neto / Maria Aparecida Ferraz /


Cristina Gonçalves Massant / Mauro Augusto de Oliveira

1. Classificação Linfomas e outros neoplasmas do tecido hematopoético


Tumores de células-tronco
Há diversas maneiras de classificar os tumores do Sistema
Nervoso Central (SNC): primário versus secundário (tumores Tumores da região selar
metastáticos), pediátrico versus adulto, por localização no Tumores metastáticos
sistema nervoso, pela célula de origem ou por síndromes tí- Fonte: OMS (2007).
picas causadas pelo tumor. Não há um esquema de classifica-
ção ideal. A classificação WHO (World Health Organization)
cita mais de 150 tipos diferentes de tumores cerebrais pri- 2. Quadro clínico
mários divididos em 7 categorias. Aqui, serão divididos os tu- Independente do tipo histológico da lesão, as manifes-
mores mais frequentes em primários (benignos e malignos) tações dos tumores intracranianos podem dever-se a inva-
e secundários (metástases do SNC). Até 50% de todas as ne- são cerebral local, compressão de estruturas adjacentes ou
oplasias do SNC são metástases de cânceres de outros sítios, aumento da pressão intracraniana, podendo levar a edema
destacando-se pulmão e mama. Dos tumores primários do perilesional, hidrocefalia ou desvio de estruturas críticas. O
SNC, 35% são de linhagem glial (astrocitomas, por exemplo), quadro neurológico pode ter, como sintomas:
40% meninges e 25% outros (neurônios, linfócitos). Os tu- - Déficit neurológico progressivo: é a apresentação
mores cerebrais primários incluem tumores do parênquima mais comum (68%), frequentemente fraqueza motora;
cerebral, meninges, nervos cranianos e outras estruturas in-
tracranianas (como hipófise e glândula pineal).
- Cefaleia: em 54%, normalmente, na forma de cefaleia
do tipo tensional;
Tabela 1 - Classificação dos tumores cerebrais - WHO abreviada - Convulsão: em cerca de 26% dos casos.
Tumores do tecido neuroepitelial
O diagnóstico é obtido pela característica evolutiva e pro-
- Tumores dos astrócitos; gressiva dos sintomas e, principalmente, por meio dos exa-
- Tumores oligodendrogliais; mes de neuroimagem, como Tomografia Computadorizada
- Tumores dos oligoastrócitos; Contrastada (TCC), e pela Ressonância Nuclear Magnética
- Tumores das células ependimárias; (RNM) com contraste (gadolínio), que hoje constitui o exa-
me de escolha para a avaliação das lesões. Em linhas gerais,
- Tumores do plexo coroide;
tumores de alto grau histológico manifestam-se com acha-
- Outros tumores neuroepiteliais; dos neurológicos focais e alterações progressivas do estado
- Tumores neuronais e neurogliais mistos; mental; cefaleia e vômitos são comuns. Em tumores de baixo
- Tumores da região da glândula pineal; grau histológico, a apresentação inicial mais característica é
de convulsões, podendo não haver cefaleia, náuseas ou si-
- Tumores embrionários.
nais focais possivelmente ocasionados por edema discreto.
Tumores craniais e dos nervos paraespinhais
- Schwannomas; Tabela 2 - Apresentação neurológica dos tumores cerebrais
- Neurofibromas; Generalizadas Focais
- Tumores malignos da bainha de nervos periféricos. Dor de cabeça Crise convulsiva
Tumores das meninges Crise convulsiva Fraqueza
- Meningiomas; Náuseas e vômitos Perda sensitiva
- Tumores mesenquimais; Depressão do nível de consciência Afasia
- Lesões melanocíticas primárias; Disfunção neurocognitiva Disfunção visuoespacial
- Outros. Fonte: UpToDate.

108
T U M O R E S D O S I S T E M A N E R VO S O C E N T R A L

3. Tumores benignos primários Tabela 3 - Resumo


- Origem nas células meningoteliais da aracnoide;
- Grau variável de malignidade (semelhante aos gliomas): benig-
A - Meningioma no, atípico e maligno ou anaplásico;
O meningioma constitui um tumor de crescimento len- - Meningioma atípico: atividade micótica aumentada;
to extra-axial. Origina-se da aracnoide (não da dura-máter), - Meningioma anaplásico: sinais positivos de malignidade.
localiza-se mais comumente ao longo da foice, mas pode
ocorrer em qualquer local onde haja células aracnoides B - Neurinoma do acústico
(entre o cérebro e o crânio, ângulo pontocerebelar, forame
magno, dentro dos ventrículos e ao longo da medula espi- O termo schwannoma vestibular tem sido proposto
nal). Tem crescimento lento, circunscrito (não infiltrativo) como a denominação de escolha, uma vez que o tumor se
e caráter potencialmente benigno. Pode ser múltiplo em origina da bainha neurilemal da divisão superior do ner-
até 8% dos casos, achado mais comum na neurofibroma- vo vestibular (VIII nervo craniano), não a divisão acústica.
tose. Frequentemente se calcifica e causa hiperosteose do Tipicamente, torna-se sintomático após os 30 anos. Pelo
osso adjacente. Ocorre, principalmente, entre os 40 e os 50 menos 95% são unilaterais; na neurofibromatose tipo 2,

NEUROLOGIA
anos, com pico de incidência aos 45 anos. A proporção mu- são bilaterais. Os sintomas estão relacionados a tamanho
lher X homem é de 1,8:1. do tumor, e os mais frequentes são zumbido, perda auditiva
O tipo histológico mais comum é o meningoteliomatoso neurossensorial e dificuldades de equilíbrio. Tumores maio-
ou sincicial. O quadro clínico dependerá da localização da res podem causar dormência facial ou sintomas de tronco;
lesão, porém não é raro haver sintomas inespecíficos, ou raramente, produzem hidrocefalia. Na patologia, os tumo-
mesmo como achado de exame. res são compostos de fibras de Antonio A (células bipolares
À TCC, aparece como massa de impregnação densa e estreitas e alongadas) e B (reticuladas frouxas). O principal
homogênea, com uma ampla base de ligação ao longo da diagnóstico diferencial é o meningioma e, menos frequen-
borda dural. Pode haver pouco edema cerebral, ou este ser temente, com o neurinoma do nervo trigêmeo. A avaliação
acentuado e estender-se através da substância branca de auditiva prévia é importante para o tratamento. A RNM é
todo o hemisfério. À RNM, uma boa sequência para estu- o exame de escolha, sendo uma lesão ovalada ou redonda
dar essa lesão é o T2WI. Além de avaliá-la em vários planos com impregnação homogênea, centrada no canal auditivo
(axial, sagital e coronal), mostra a relação com os seios du- interno. Grandes lesões podem mostrar áreas de aspecto
rais, que podem estar invadidos pela lesão; são isointensos cístico. O tratamento pode ser expectante, radioterápico ou
na RM tanto em T1 como em T2. A imagem com contraste cirúrgico. O tumor é, quase sempre, ressecável.
mostra realce brilhante e vascularização proeminente. A
angiografia por subtração digital é importante para avaliar
a irrigação da lesão e possibilita, por meio de procedimen-
to endovascular, uma desvascularização de sua irrigação,
facilitando o controle do sangramento transoperatório e
favorecendo um melhor plano de clivagem. A cirurgia é o
tratamento de escolha para os meningiomas sintomáticos,
e a sobrevida em 5 anos a pacientes com meningiomas é
de 91,3%.

Figura 2 - Neurinoma do acústico em crianças sem associação a


neurofibromatose. Fonte: Arq. Neuro-Psiquiatr. vol. 57, n. 1, São
Paulo, Mar., 1999

Tabela 4 - Resumo
- Neurinoma (schwannoma) acomete mais comumente o VIII
nervo, mas também podem ter sua origem no V par;
- Neurinoma do acústico pode alargar o meato acústico interno;
- Devido ao seu crescimento lento, pode comprimir estruturas
adjacentes (no neurinoma do acústico, pode haver manifesta-
ções clínicas relacionadas ao nervo facial e/ou trigêmeo).
Figura 1 - RNM axial T1 com contraste: meningioma parietal direito

109
NEURO LOG I A

C - Adenoma de hipófise 4. Tumores malignos primários


Os tumores da hipófise originam-se, primariamente, São classificados em tumores gliais (gliomas), heman-
na adeno-hipófise e podem ser classificados pela função gioblastomas, meduloblastomas e linfomas primários do
endócrina (funcionais – prolactinomas, tumores produto- SNC. Os gliomas podem ser divididos, principalmente, em
res de ACTH, tumores produtores de GH e não funcionais) astrocitomas (astrocitoma pilocítico, anaplásico e glioblas-
ou pelo tamanho (microadenomas e macroadenomas). toma multiforme) e oligodendrogliomas.
São mais comuns na 3ª e na 4ª décadas de vida e afetam
igualmente ambos os sexos. O quadro clínico mais comum A - Astrocitoma pilocítico
é o distúrbio endócrino, com secreção aumentada em Também chamado de astrocitoma cístico cerebelar ou
75% dos pacientes com adenoma hipofisário. Em tumo- astrocitoma pilocítico juvenil, constitui um dos tumores
res maiores, pode ocorrer efeito compressivo no quiasma cerebrais pediátricos mais comuns e compreende de 27 a
óptico, levando a uma hemianopsia bitemporal. O diag- 40% dos tumores pediátricos da fossa posterior. É classifi-
nóstico requer um perfil hormonal e exames de neuroima- cado como grau I, com bom prognóstico. Frequentemente
gem. O adenoma hipofisário é hipodenso na ressonância cístico, metade tem nódulos murais. O tratamento cirúrgico
magnética no estudo com contraste, e o tratamento clíni- quase sempre é curativo.
co é indicado, aos casos de prolactinomas, com agonistas
dopaminérgicos, como a bromocriptina e a cabergolina.
No caso de lesões maiores, o tratamento cirúrgico é reco-
mendado e pode ser abordado por via transesfenoidal ou
mesmo por craniotomia.
A Figura a seguir mostra a hipófise e suas relações com
as diferentes estruturas:

Figura 4 - Ressonâncias magnéticas de astrocitomas nos cortes:


(A) sagital; (B) e (C) coronal e (D) axial
Figura 3 - (1) Glândula hipofisária; (2) haste hipofisária; (3) quias-
ma óptico; (4) nervo oculomotor; (5) giro reto; (6) crista etmoidal;
(7) seio esfenoidal; (8) célula etmoidal; (9) bulbo olfatório B - Astrocitoma anaplásico
É classificado como grau III e tem evolução agressiva,
Tabela 5 - Resumo com aspecto heterogêneo. É o 2º tumor mais comum.
- Microadenomas: (1) galactorreia; (2) acromegalia/gigantismo;
(3) Cushing; (4) hipertireoidismo com TSH elevado (raro); (5) C - Glioblastoma multiforme (GBM)
falha primária da tireoide; (6) hormônio basal baixo/normal;
É o tumor cerebral primário mais comum e o astrocito-
- Macroadenomas e carcinoma da hipófise: (1) paralisia dos ma mais maligno, classificado como grau IV. Tem péssimo
movimentos oculares, causando visão dupla ou visão turva; (2) prognóstico, devido a seu comportamento agressivo e infil-
perda da visão periférica; (3) cegueira súbita; (4) dormência ou trativo, e apresenta-se nos exames de imagem com morfo-
dor facial; (5) dor de cabeça; (6) tontura; (7) perda de consci- logia multiforme, impregnação heterogênea do contraste e
ência (desmaio). áreas de necrose. Possui sobrevida média de 5 meses.

110
T U M O R E S D O S I S T E M A N E R VO S O C E N T R A L

O GBM ocorre mais habitualmente na substância branca


subcortical dos hemisférios cerebrais. A localização combi-
nada frontotemporal é particularmente típica. A infiltração
do tumor muitas vezes se estende para o córtex adjacente
ou gânglios da base. Quando um tumor no córtex frontal
se espalha através do corpo através do corpo caloso para o
hemisfério contralateral, que cria a aparência de uma lesão
bilateral simétrica, surge o termo “glioma em borboleta”.
Locais menos frequentes de GBM são tronco cerebral (que
muitas vezes é encontrada em crianças afetadas), cerebelo
e da medula espinhal.
Claramente, são necessárias novas abordagens para o
tratamento do GBM. Um maior número de pacientes em
estudos clínicos gerará novas informações sobre terapias
em investigação. Novas abordagens, como uso de terapia
gênica e imunoterapia, bem como métodos aperfeiçoados

NEUROLOGIA
para o surgimento de terapias antiproliferativa, antiangio-
gênica e não invasivo, são auspiciosas.

Figura 6 - Correlação radioanatomopatológica dos tumores ence-


fálicos. Fonte: Neurology and Clinical Neuroscience

G - Linfomas do SNC
Podem ser primários ou secundários, ambos os tipos pa-
tologicamente idênticos. Suspeita-se deles nas lesões que
Figura 5 - TC com contraste: glioblastoma multiforme de corpo
se contrastam homogeneamente na porção central da mas-
caloso
sa cinzenta ou corpo caloso. Podem apresentar-se com pa-
ralisias múltiplas dos nervos cranianos e estar relacionados
D - Oligodendrogliomas à AIDS. Seu principal diagnóstico diferencial é obtido com
São tumores de crescimento lento e habitualmente se neurotoxoplasmose. Tem boa resposta com radioterapia e
apresentam com convulsões. Calcificações são comuns. corticoterapia, porém o prognóstico não é bom, devido à
Apresentam características histológicas clássicas de cito- alta taxa de recorrência (78%).
plasma de “ovo frito” e vascularização “em tela de arame”.
Seu tratamento envolve cirurgia para alguns, quimioterapia 5. Metástases do SNC
para todos e radioterapia para transformação anaplásica.
São os tumores mais comumente vistos clinicamente.
E - Hemangioblastoma Segundo dados de necrópsia, 25% dos indivíduos com neo-
plasias sistêmicas têm metástase cerebral. A via de dissemi-
É o tumor intra-axial mais comum na fossa posterior em nação é principalmente hematogênica. As fontes mais co-
adultos. Pode ocorrer esporadicamente ou como parte da muns são câncer de pulmão (44%), mama (10%), rim (7%),
doença de von Hippel-Lindau e estar associado à eritrocito- TGI (6%) e melanoma (3%).
se (policitemia). O tumor com maior taxa de sangramento é o melano-
F - Meduloblastoma ma. Nos exames de imagem, apresenta-se como lesão ar-
redondada, originando-se na junção da substância branca/
É o tumor maligno do SNC mais comum na Pediatria, cinzenta, com edema profundo da substância branca (“de-
com pico de incidência na 1ª década de vida. Geralmente, dos de edema”); pode ter impregnação anelar, que pode
origina-se no vermis cerebelar, no assoalho do IV ventrícu- ser confundida com abscesso. Múltiplas lesões em exames
lo – localização que predispõe à hidrocefalia precoce –, e de imagem sugerem o diagnóstico de metástases, porém
aparece como uma lesão sólida, mediana, que se intensi- estas podem manifestar-se como lesão solitária em 50%
fica com contraste. É altamente radiossensível e modera- dos casos.
damente quimiossensível. Tem alta disseminação no eixo Lesões únicas com controle tumoral primário podem ter
cranioespinal, e a recorrência é comum. Recomenda-se o tratamento cirúrgico. Em lesões múltiplas, o tratamento é
tratamento cirúrgico. feito com radioterapia ou radiocirurgia estereotáxica, sem

111
NEURO LOG I A

cirurgia. Quimioterapia tem valor limitado para tumores do aspecto importante do tratamento.
SNC, devido à barreira hematoencefálica. Processos malignos sólidos e hematológicos podem ge-
rar metástases nas meninges, produzindo carcinomatose
leptomeníngea. Os sinais e sintomas incluem alteração do
estado mental, hidrocefalia, neuropatias cranianas, fraque-
za e dor radicular. RNM é o exame de escolha nesses ca-
sos, e as metástases aparecem como área de impregnação
anômala dos meios de contraste, com aspecto nodular ou
linear, sendo focais ou difusas.
O exame citológico do LCE tem sensibilidade de 60%,
que pode elevar-se para até 90% com 3 punções.

6. Resumo
Quadro-resumo
- Cefaleia e convulsões são 2 das principais formas de apresenta-
Figura 7 - RNM axial T1 com contraste: múltiplas metástases ção dos tumores do SNC;
- Podem ocorrer hidrocefalia e sintomas focais que dependem do
Os glicocorticoides reduzem o edema vasogênico rela- tamanho e da localização dos tumores;
cionado com o tumor e são úteis no tratamento de alguns
pacientes com tumores intracranianos. Entretanto, não são - O meningioma é um tumor benigno, de crescimento lento, com
necessários em todos aqueles com neoplasia intracraniana, calcificações e frequentes hiperosteoses do osso adjacente;
a menos que haja evidência de hipertensão intracraniana, - O glioblastoma multiforme é o tumor cerebral primário mais
cujos sinais e sintomas incluem cefaleia e vômitos, rebaixa- comum e o astrocitoma mais maligno. Apresenta-se nos exa-
mento do nível de consciência, papiledema e evidência, em mes de imagem com morfologia multiforme e impregnação
neuroimagem, de efeito de massa significativo, apagamen- heterogênea do contraste em áreas de necrose;
to de sulcos, ou desvio da linha média. Um neurocirurgião - Os tumores cerebrais mais vistos clinicamente são as metásta-
deve ser consultado em adição à administração de corticoi- ses para SNC. As principais fontes são pulmão, mama, rim, TGI
de, uma vez que a deterioração produzida pela hipertensão e melanoma.
intracraniana pode evoluir rapidamente. O esquema usual - Com relação a metástases, os fatores de resultado associados
compreende dexametasona, 10mg IV, seguida por 4mg de a melhor prognóstico são: pontuação de Karnofsky alta, >70%;
6/6h, podendo ser diminuída posteriormente, na depen- idade <70 anos; nenhuma doença sistêmica ou doença sistêmi-
dência da resposta clínica. ca controlada; nenhuma metástase sistêmica dentro de 1 ano
Outro sítio de metástase para o SNC é a medula. Deve- após o diagnóstico da lesão primária; paciente do sexo femi-
se suspeitar de metástases vertebrais em todo paciente nino.
com história de malignidade, com dor na coluna vertebral
- Cirurgia e WBRT (radioterapia em cérebro total) permanecem o
de início subagudo, independente de achados neurológicos
padrão de tratamento.
ao exame. A compressão da medula espinal secundária à
· Dados emergentes sugerem que a quimioterapia e a radioci-
metástase ocorre em 5% de todos os pacientes com pro-
rurgia são tão promissoras quanto a cirurgia e WBRT, espe-
cessos malignos ou pode ser a 1ª manifestação de uma ne-
cialmente em pacientes com mais de 1 lesão cerebral;
oplasia subjacente. Tumores mais comumente associados
· Além disso, nenhuma diferença significativa foi observada en-
a essa complicação têm origem no pulmão, na próstata e
tre a radiocirurgia estereotáxica e a quimioterapia combina-
na mama.
das e a radiocirurgia nesta população de pacientes;
Na apresentação inicial, 95% dos pacientes têm dor,
· Assim, os doentes de RAP (analise de participação de recur-
localizada na coluna vertebral, 75% têm fraqueza neurogê- sos) classe 2 ou 3 podem não ter vantagem de sobrevivência
nica, e um nível sensitivo pode estar presente, indicando com o tratamento agressivo e prolongado, e a radiocirurgia
comprometimento medular. Sinais inequívocos de mielopa- sozinha pode ser uma opção terapêutica mais sensata.
tia (Babinski, retenção urinária) não devem ser aguardados
para solicitar neuroimagem, uma vez que, na ocasião em
que esses sintomas aparecem, já pode haver incapacidade
permanente.
Radiografias da coluna podem mostrar evidências de
metástases em até 80% dos casos, porém o exame de es-
colha, na suspeita, é a RNM. A compressão da medula es-
pinal é uma emergência neurológica, e o tratamento deve
ser iniciado antes que se desenvolvam déficits neurológi-
cos. Altas doses de dexametasona constituem o tratamento
inicial de escolha. Radioterapia deve ser instituída o mais
precocemente possível. A cirurgia pode ser indicada a casos
de instabilidade medular. E a analgesia adequada é outro

112
CAPÍTULO

12
Insônia e distúrbios do sono

Maria Aparecida Ferraz / Cristina Gonçalves Massant / Mauro Augusto de Oliveira

menor tempo possível, evitar drogas em gestantes, etilistas


1. Insônia e doentes pulmonares, nefropatas ou hepatopatas e na-
A insônia é o distúrbio do sono mais frequente (35% dos queles que se queixam de roncos. Deve-se lembrar que os
indivíduos queixam-se de alteração do sono, 10% têm in- benzodiazepínicos apresentam risco de dependência, insô-
sônia persistente) e pode ser um fator agravante de outras nia rebote, sedação diurna, depressão respiratória, quedas
doenças associadas. e fraturas em idosos. Os indutores de sono não benzodiaze-
Definida como a incapacidade de se ter um sono repa- pínicos (zolpidem, zopiclona) são inferiores aos benzodiaze-
rador de energia, caracteriza-se por queixas de dificuldade pínicos e mais caros. A polissonografia e a investigação com
de dormir (em iniciar ou manter o sono) ou acordar mais especialista são indicadas apenas a casos refratários e na
cedo. Pode ser aguda, com menos de 30 dias de duração, suspeita de outros distúrbios do sono.
ou crônica, com duração superior a 1 mês; primárias (1/3) Em idosos, a terapia cognitivo-comportamental pode
ou secundárias (mais frequentes, ligadas a doenças clínicas ser benéfica, assim como a higiene do sono. Apesar de se-
ou psiquiátricas em 50% das vezes). Deve-se lembrar que in- rem eficazes, medicações benzodiazepínicas causam efeitos
sônia crônica primária não tem sonolência diurna excessiva adversos e apresentam risco de dependência. Zaleplona,
e, na sua presença, deve-se investigar insônia secundária. zolpidem e zopiclona podem melhorar a latência de sono
O diagnóstico de insônia é clínico, obtido por meio de em idosos, mas não se conhecem os efeitos em longo prazo.
anamnese e exame físico. Assim, é importante questionar Orientação para higiene do sono inclui evitar bebidas
sobre o uso de medicações que podem causar esse distúr- com álcool e cafeína (chá, chocolate, guaraná, café) de 4 a
bio (lamotrigina, bupropiona, fluoxetina, tranilcipromina, 6 horas antes de dormir, evitar cigarros pouco antes de dor-
venlafaxina, beta-bloqueadores, broncodilatadores, este- mir, fazer exercícios, pelo menos, 20 minutos ao dia, evitar
roides, metanfetamina) e caracterizar os hábitos relacio- exercício intenso próximo à hora de dormir, levantar sem-
nados ao sono; além de abordar, também, sobre doenças pre no mesmo horário.
cardiopulmonares, síndromes dolorosas crônicas, distúr- E, ainda, evitar cochilos diurnos, controlar estímulos,
bios psiquiátricos (depressão, ansiedade, abuso de drogas), não ficar na cama se não tiver sono; caso fique 20 minu-
refluxo gastroesofágico. tos acordado na cama, levantar e procurar uma atividade
As consequências diurnas da insônia são queixas de fa- relaxante, não ler ou assistir à TV na cama. Tudo isso evita
diga, dificuldade de memória e atenção, com prejuízo so- condicionamentos para o ato de dormir.
cial, escolar ou ocupacional, irritabilidade, alterações do
humor, sonolência diurna, propensão a erros e acidente de
trabalho, cefaleia e sintomas gastrintestinais. 2. Distúrbios do sono
Algumas questões podem ajudar no diagnóstico e no Podem ocorrer sozinhos ou associados a outras doen-
tratamento. Número de horas de sono suficiente para ças. Praticamente todas as doenças afetam o sono ou são
este ser reparador, horário em que se deita, uso de cafeí- influenciadas por ele. Aqui, serão abordados apenas os
na e álcool à noite, assistir à TV e/ou jogar video game na principais distúrbios do sono, seguindo a classificação da
cama, comer ou exercitar-se durante o período que seria Academia Americana de Medicina do Sono (AAMS).
para o sono, realizar atividades do dia à noite são fatores
condicionantes para insônia. Deve-se questionar quanto a A - Sonolência diurna excessiva e privação de
sintomas que indiquem outras doenças do sono: sensação sono crônica
de desconforto nas pernas que seja perturbadora, ronco,
apneia durante o sono, xerostomia ao acordar pela manhã, Segundo a AAMS, é a situação em que o indivíduo apre-
inadequação da respiração (respiração oral), dificuldade em senta comprometimento da vigilância, ficando acordado
acordar pela manhã, trabalho em turnos alternados. na maior parte do período de vigília diurna, com períodos
O tratamento da insônia deve envolver a causa e as de entradas de sono ou sonolência involuntária. Cerca de
comorbidades associadas e depende da idade. Algumas 15% da população geral apresentam tal problema. Pode
recomendações no tratamento são: usar medicações pelo ser decorrente da privação crônica de sono ou em razão do

113
NEURO LOG I A

paciente ser um dormidor longo (mais de 7 ou 8 horas de te) de pelo menos 10 segundos, decorrentes da obstrução
sono). Tais casos poderão ser corrigidos se houver um perí- parcial ou total da via aérea. São definidas como síndromes
odo mais prolongado de sono por 8 a 10 dias. Pessoas com obstrutivas quando da presença de 15 eventos obstrutivos
sonolência diurna excessiva apresentam estresse psicológi- (apneia, hipopneia ou microdespertares com esforço respi-
co, diminuição da produtividade no trabalho e/ou na escola
ratório) por hora de sono ou 5 eventos por hora de sono
e leva a um aumento do risco de acidentes.
Em geral, reflete uma disfunção orgânica (hipotireoidis- associados a uma queixa: sonolência ou fadiga diurna, sono
mo, insuficiência hepática ou renal, anemia, dor crônica, não reparador, insônia, despertares noturnos por sensação
DPOC, apneia obstrutiva do sono, ortopneia, refluxo gastro- de sufocamento. A polissonografia fornece o diagnóstico.
esofágico, doenças psiquiátricas). Encefalites, tumores do
tálamo e do 3º ventrículo podem ser os fatores desenca-
deadores, porém são raros e associados a outros achados
neurológicos.
A privação de sono crônica constitui a causa mais co-
mum de sonolência diurna excessiva, sendo o prejuízo fun-
cional cognitivo (por exemplo, pré-vestibulares) proporcio-
nal às necessidades individuais. A privação de sono crônica
reduz capacidades cognitivas e gera um comprometimento
importante da qualidade de vida do paciente. A sonolên-
cia diurna excessiva é uma patologia que tem repercussões
tanto do ponto de vista na qualidade de vida do indivíduo
Figura 1 - Polissonografia demonstrando padrão compatível com
como sociais, tendo grande importância nos acidentes au-
tomobilísticos, ressaltando a necessidade do acompanha- apneia obstrutiva do sono. Fonte: http://www.josemol.com.br/ap-
mento mais rigoroso dos motoristas profissionais, levando neiadosono.htm
a alterações das leis de trânsito e uma modificação na abor-
dagem desse paciente. Ressaltando ainda que existem vá-
rias causas para sonolência excessiva, porém a maioria tem
tratamento.
Deve-se quantificar a sonolência com a escala de
Epworth (Tabela 1). Cada questão é graduada de 0 a 3 pon-
tos; sendo que escores acima de 10 são sugestivos de sono-
lência diurna significativa e acima de 15 estão associados
à sonolência patológica presente em condições específicas,
tais como apneia do sono e narcolepsia.
Tabela 1 - Escala de Epworth
Situações possíveis de dormir ou cochilar
Frequência:
0: nenhuma chance
1: baixa chance
2: chance moderada
3: alta chance
1 - Sentado e lendo 0 1 2 3
2 - Assistindo à TV 0 1 2 3
3 - Sentado e inativo em local público (teatro) 0 1 2 3
4 - Como passageiro de carro ou ônibus em movi-
0 1 2 3
mento por 1 hora sem parar
5 - Deitando-se para descansar à tarde quando
0 1 2 3
circunstâncias permitem
6 - Sentado e conversando com alguém 0 1 2 3
7 - Sentado calmamente após almoço sem inges-
0 1 2 3
tão de álcool
8 - Em um carro, parado por alguns minutos no
0 1 2 3
trânsito

B - Distúrbios respiratórios associados ao sono


As apneias e as hipopneias são pausas respiratórias (ces- Figura 2 - Distúrbio respiratório: apneia. Fonte: Neurology and
sação completa ou parcial do fluxo aéreo, respectivamen- Clinical Neuroscience, 2007

114
INSÔNIA E DISTÚRBIOS DO SONO

C - Transtorno de ritmo circadiano E - Parassonias


Aqui, há alteração do relógio circadiano normal; nos - Parassonias associadas ao sono não REM: sintomas
mamíferos, é encontrado no núcleo supraquiasmático no ou comportamentos anormais associados ao sono;
hipotálamo. Ocorre nas alterações de sono associada a via- há interposição entre o sono não REM e os sintomas:
gens por meio de fusos horários (jet-lag), em trabalhadores despertares confusionais, enurese, sonambulismo,
em turnos, na privação do sono. Causas secundárias são le- solilóquio, pesadelos, terror noturno e bruxismo. Em
sões de hipotálamo ou cegueira, enquanto as primárias são crianças, a prevalência varia de 1 a 17%, sendo 4% em
atribuídas a alterações nos genes hipotalâmicos. adultos. São tratadas apenas em casos de consequ-
ências do comportamento, lesões físicas ou prejuízo
D - Narcolepsia social. Os antidepressivos tricíclicos são a 1ª escolha
do tratamento. Às vezes, pode ser necessária video-
Síndrome clínica rara (de 0,03 a 0,16%), com início na 1ª polissonografia associada à eletroencefalografia para
década de vida até 50 anos. Tem sido relatada em crianças
diagnóstico diferencial de epilepsia. Diagnósticos di-
a partir dos 2 anos. A distribuição etária de início é bimo-
ferenciais: depressão maior, ansiedade, síndrome da
dal. O pico mais alto ocorre aos 15 anos, enquanto um pico
apneia obstrutiva do sono, síndrome do pânico, es-
menos pronunciado ocorre aos 36 anos. Pacientes adultos
tresse pós-traumático, desordens geriátricas do sono
muitas vezes não percebem os sintomas da narcolepsia

NEUROLOGIA
(distúrbios do sono em idosos podem surgir de múlti-
como embaraçosos, isolamento social. Eles podem encon-
plos e diversos fatores);
trar o estresse nas relações interpessoais, disfunção sexual
e dificuldade no trabalho devido a doença ou seu tratamen- - Distúrbios comportamentais do sono REM: perda da
to, eles podem experimentar comprometimento no traba- inibição motora própria do sono REM, o que permite
lho de ataques de sono, problemas de memória, cataplexia, uma atuação motora do sonho; a queixa típica é de
problemas interpessoais, e alterações de personalidade. sonhos vívidos e comportamento violento associado.
Esses sintomas podem levar colegas a perceber narcolépti- Podem provocar lesões no paciente e, também, no
cos como sem motivação, perigosos, desatentos e carentes, cônjuge. Predominam em homens acima de 50 anos.
por vezes, suspeitos de serem usuários de drogas ilegais. Podem ser desencadeados por tricíclicos e inibidores
Os pacientes devem informar os empregadores sobre sua de recaptação de serotonina, associados ou não à
medicação estimulante, porque eles podem ter teste posi- doença de Parkinson ou à de Lewy. São tratados com
tivo para anfetaminas em exame pré-admissional. Em um doses baixas de clonazepam; melatonina e pramipexol
estudo, 24% dos narcolépticos tiveram que parar de traba- são medicações alternativas.
lhar e 18% deixaram o emprego por causa da doença. Não
tratada, a narcolepsia pode ser psicossocialmente devasta- F - Síndrome das pernas inquietas
dora. Morbidade em crianças com narcolepsia inclui mau
desempenho escolar, comprometimento social e disfunção A Síndrome de Pernas Inquietas (SPI) é uma patologia
em outras atividades do desenvolvimento infantil normal. crônica e progressiva, nem sempre bem caracterizada pelo
Pode estar associada ou não à catalepsia. A 1ª é decor- doente, mas com impacto importante na sua qualidade de
rente da degeneração de neurônio hipotalâmico secretor vida. O seu reconhecimento clínico é fácil, baseando-se
de orexina/hipocretina; enquanto a fisiopatologia da 2ª principalmente em elementos recolhidos na história clíni-
ainda é incerta. Há combinações entre sonolência diurna e ca do doente. Porém, apesar de se conhecer a sua elevada
manifestações do sono REM (atonia de musculatura anti- prevalência, permanece ainda muito subdiagnosticada e
gravitacional, produção intensa de sonhos, ativação cortical subtratada.
e alterações de ativação catecolaminérgica). Os sintomas da SPI são caracterizados por: sensação
Os episódios de sonolência são incontroláveis, e o cochi- desagradável nas pernas logo antes de iniciar o sono, com
lo para o paciente o faz recuperar sua energia. A catalepsia necessidade de movimentá-las ou estimulá-las; os critérios
envolve a perda do tônus da musculatura antigravitacional diagnósticos são baseados em 4 itens essenciais (Tabela 2).
após reação emocional: riso, choro ou tristeza. Incide em 10% da população, mais em idosos. Pode ser vista
Há presença de paralisia do sono (despertares com atra- em insuficiência renal crônica, neuropatias periféricas, de-
so de reversão da atonia muscular), alucinações no início ou ficiência de ferro e anemias, e lesões neurológicas. O trata-
no final do sono (alucinações hipnagógicas), entrada preco- mento pode ser feito, após excluída a deficiência de ferro,
ce de sono REM. O critério diagnóstico da AAMS exige a pre- com agonistas dopaminérgicos (levodopa, pramipexol, ca-
sença de alterações por, no mínimo, 3 meses. O diagnóstico bergolina), valproato, gabapentina, opioides e carbamaze-
é obtido por meio da polissonografia com teste de latência pina nas síndromes primárias. O principal efeito colateral
múltipla (latência média de iniciar sono de 8 minutos ou dos agentes dopaminérgicos é conhecido como síndrome
menos e, pelo menos, 2 entradas precoces de sono REM). do aumento dopaminérgico que é caracterizado como a
O tratamento da sonolência é realizado com metilfeni- piora dos sintomas além do basal do paciente devido a um
dato ou modafinila, enquanto, para a catalepsia, utilizam-se efeito ainda não conhecido completamente.
agentes tricíclicos e inibidores de recaptação de serotonina, - Movimento periódico das pernas em sono (PLMS)
por reduzirem o sono REM; hipnóticos podem ser usados Às vezes, associado à síndrome das pernas inquietas,
para melhorar o sono noturno. O gama-hidroxibutirato, hip- não incomoda tanto o paciente como o cônjuge. Sua inci-
nótico de ação curta não disponível no Brasil, pode reduzir a dência aumenta com a idade. Associam-se exercícios físicos
catalepsia e a sonolência diurna. ao uso de agonistas dopaminérgicos (devem ser administra-

115
NEURO LOG I A

dos com cuidado, devido a efeitos colaterais). Alguns auto- - O diagnóstico de insônia é clínico, sendo importante questio-
res recomendam manter ferritina acima de 50ng/mL. nar o uso de medicações que podem causar insônia e caracteri-
zar os hábitos relacionados ao sono, além de abordar doenças
Tabela 2 - Critérios essenciais para SPI cardiopulmonares, síndromes dolorosas crônicas, distúrbios
1 - Necessidade imperiosa de mexer as pernas acompanhada ou psiquiátricos (depressão, ansiedade, abuso de drogas), refluxo
causada por desconforto ou sensação desagradável, sentida pro- gastroesofágico;
fundamente, quase sempre de difícil descrição (dor tipo quei- - As consequências diurnas da insônia são queixas de fadiga, di-
madura, picadas, formigamentos, pontadas, comichão, cãibras, ficuldade de memória e atenção, com prejuízo social, escolar
entre outras designações). ou ocupacional, irritabilidade, alterações do humor, sonolência
2 - Os sintomas iniciam-se ou agravam com períodos de repouso diurna, propensão a erros e acidente de trabalho, cefaleia e
ou inatividade, tanto com o doente deitado como sentado. sintomas gastrintestinais;
3 - Os sintomas aliviam parcial ou totalmente com o movimento, - A privação crônica do sono é a causa mais comum de sono-
explicando a realização de movimentos de flexão e extensão dos lência excessiva diurna;
membros afetados, bem como a necessidade do doente se levan- - A síndrome das pernas inquietas é uma entidade subdiagnos-
tar e andar ou o alívio sentido com massagens ou banhos frios. ticada e com tratamentos efetivos. É caracterizada por sensa-
4 - Padrão circadiano dos sintomas, agravando geralmente ao ções desagradáveis e uma vontade impetuosa de movimenta-
final do dia e durante o início da noite. ção dos membros inferiores principalmente;
- A apneia obstrutiva do sono caracteriza-se por pausas res-
piratórias recorrentes por mais de 10 segundos, secundárias
3. Tratamentos da sonolência excessiva à obstrução das vias aéreas durante o sono. O diagnóstico é
Tabela 3 - Tratamentos da sonolência excessiva feito por polissonografia.
Causas Tratamento
Privação crônica do
- Higiene do sono.
sono
Síndrome da - Continuous Positive Airway Pressure
Apneia e Hipopneia (CPAP), aparelhos que promovem o avan-
Obstrutiva do Sono ço da mandíbula e cirurgia são reserva-
(SAHOS) dos para casos selecionados.
- Higiene do sono, cochilos programados;
- Uso de medicação: modafinila, metilfe-
Narcolepsia nidato, dexa-anfetaminas, pemolina, an-
tidepressivos (recente), oxobalmato de
sódio (cataplexia).
- Exercícios regulares, suplementação de
ferro (se necessário) e retirada de medi-
cações que exacerbam MP (antidepressi-
vos tricíclicos/lítio);
SPI/MPM - Uso de medicação: agentes dopaminér-
gicos – levodopa, pergolida; agonistas
dopaminérgicos – pramipexol, ropinirol;
opioides/carbamazepina/clonazepam/
clonidina.
- Higiene do sono, fototerapia (2.000 a
Distúrbios do ritmo 10.000Lux) em horários predetermina-
circadiano dos para cada tipo de distúrbio e melato-
nina (0,5 a 10mg) têm sido utilizada.
- Uso de medicação: anfetamina (2,5mg/
dia), metilfenidato (5mg/dia), pemolina
Hipersonolência
(em desuso devido ao risco de insuficiên-
idiopática
cia hepática), modafinila (100 a 300mg/
dia – 1ª escolha).

4. Resumo
Quadro-resumo
- A insônia é o distúrbio do sono mais frequente e pode ser um
fator agravante de outras doenças associadas;

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