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Portuguesa
Produção de Texto
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unidade 1 Construção do humor
unidade 2 Construção da verossimilhança
SARA ALENCAR
1 • 2 • 3 • 4
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Leia estas imagens.
Leitura de imagens
1 Construção do humor
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
9/15/15 8:19 AM
Estudo das imagens
1 Em sua opinião, com que intenção essas imagens foram produzidas?
Resposta pessoal.
Professor: Os alunos devem perceber que as imagens foram elaboradas com a intenção de produzir humor crítico.
As imagens da página ao lado, produzidas por Jean Galvão, são chamadas cartuns.
Cartum é um desenho humorístico ou uma espécie de anedota gráfica que critica e/ou
ironiza atitudes e comportamentos humanos. O cartum normalmente aparece em publi-
cações jornalísticas e algumas vezes acompanha um texto.
2 Observe novamente o primeiro cartum. Por que os pássaros fizeram seu ninho no chifre do boi?
Porque, com o desmatamento das áreas florestais para a utilização como pasto para o gado, não restaram
3 Agora observe o segundo cartum. Como pode ser explicada a expressão fisionômica dos personagens?
A expressão fisionômica deles revela perplexidade diante da situação: ter de segurar a árvore para se
proteger da chuva.
4 É possível dizer que os dois cartuns têm o mesmo tema? Justifique sua resposta.
Sim, pois ambos mostram a relação predatória que o ser humano ainda tem com a natureza. O primeiro
cartum pretende mostrar que as atividades econômicas praticadas pelo ser humano (no caso, criar pastos
para o gado) podem provocar desequilíbrios na natureza. O fato de os pássaros não terem as árvores para
construir seus ninhos poderia contribuir para sua extinção. O segundo cartum também mostra efeitos de
atividades econômicas (no caso, a extração de madeira). As árvores podem servir, entre outras coisas, para
para abrigo.
5 A quebra de expectativa é um dos recursos do humor. O que, em cada cartum, assume essa função?
No primeiro cartum, o fato de os pássaros terem feito o ninho no chifre do boi. No segundo, o fato de os
A cadeira do dentista
Fazia dois anos que não me sentava numa cadeira de dentista. Não que meus dentes esti-
vessem por todo esse tempo sem reclamar um tratamento. Cheguei a marcar várias consultas,
mas começava a suar frio folheando velhas revistas na antessala e me escafedia antes de ser
atendido. Na única ocasião em que botei o pé no gabinete do odontólogo – tem uns seis me-
ses –, quando ele me informou o preço do serviço, a dor transferiu-se do dente para o bolso.
Professor: As acepções dos – Não quero uma dentadura em ouro com incrustações em rubis e esmeraldas – es-
termos do glossário foram,
sempre que possível, pesqui- clareci –, só preciso tratar o canal.
sadas no Dicionário eletrônico
Houaiss da língua portuguesa. – É esse o preço de um tratamento de canal!
Para fins didáticos, foram fei-
tas as adaptações necessárias. – Tem certeza? O senhor não estará confundindo o meu canal com o do Panamá?
Adiei o tratamento. Tenho pavor de dentista. O mundo avançou nos últimos 30 anos,
mas a Odontologia permanece uma atividade medieval. Para mim não faz diferença um “pau
Incluso. de arara” ou uma cadeira de dentista: é tudo instrumento de tortura.
Dente, geralmente do
siso, recolhido dentro Desta vez, porém, não tive como escapar. Os dentes do lado esquerdo já tinham se trans-
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do maxilar. formado em meros figurantes dentro da boca. Ao estourar o pré-molar do lado direito, fiquei
Incrustação. restrito à linha de frente para mastigar maminhas e picanhas. Experiência que poderia ter
Enfeite embutido. dado certo, caso tivesse algum jeito para esquilo.
Nuance. A enfermeira convocou-me na sala de espera. Acompanhei-a, após o sinal da cruz, e en-
Detalhe. tramos os dois no gabinete do dentista, que, como personagem principal, só aparece depois
Obturação. do circo armado.
Fechamento do
orifício resultante do – Sente-se – disse ela, apontando para a cadeira.
tratamento de cárie. – Sente-se a senhora – respondi com educada reverência –, ainda sou do tempo em que
Odontólogo. os cavalheiros ofereciam seus lugares às damas.
Dentista.
GETTY IMAGES
Compreensão do texto
1 Suas previsões a respeito do tema da crônica feitas com base no título se confirmaram? Justifique.
Resposta pessoal.
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O próprio paciente.
7 O narrador afirma que “tem pavor de dentista”. Como ele justifica esse pavor?
Para ele, a odontologia é uma atividade medieval e a cadeira do dentista é um instrumento de
tortura.
Ele fez pressão para alcançar minha pobre gengiva. Permaneci segurando seu pulso.
Ele apoiou o joelho no meu baixo-ventre. Continuei resistindo, em posição defensiva.
Ele subiu em cima de mim. Miserável! Gemi quase sem forças. Ele afastou a mão que
agarrava seu pulso e desceu com a seringa. Lembrei-me de Indiana Jones e, num gesto
rápido, desviei a cabeça. A agulha penetrou a poltrona. Peguei o esguichador de água e
lancei-lhe um jato no rosto. Ele voltou com a seringa.
Respostas possíveis: o paciente querer trocar de lugar com a enfermeira; o paciente enfrentar o dentista no
corpo a corpo, colocá-lo em seu lugar como paciente e ameaçá-lo com a anestesia; o paciente comparar seu
3 Considere como o dentista e o paciente são caracterizados na crônica e responda às questões a seguir.
a) Por que é possível afirmar que há certo preconceito na maneira como o dentista é retratado na
crônica?
Porque nem todos os dentistas agem como o dentista da crônica, com indiferença e de forma
impositiva.
c) O fato de dentista e paciente se comportarem dessa forma torna a crônica mais divertida? Por quê?
Resposta pessoal.
Professor: Espera-se que os alunos percebam que a caracterização e o comportamento dos personagens tornam
o texto mais divertido, por causa do exagero das situações.
Entrelinha. O que
está implícito no
texto; dedução mental
que exige percepção
ou comentário.
Existem textos humorísticos que tornam cômicas as situações corriqueiras, aparente-
Estereótipo. Ideia
mente interessados apenas em divertir, sem deixar de fazer, nas entrelinhas, críticas a preconcebida sobre
assuntos importantes. algo ou alguém
e resultante de
Há ainda textos humorísticos que se baseiam em estereótipos, em julgamentos equivo- prejulgamento ou de
cados, e fazem generalizações falsas, reproduzindo preconceitos. falsas generalizações.
cria humor com a generalização de que todo dentista provoca dor, cobra caro etc. Podemos
Lembrei-me de Indiana Jones e, num gesto rápido, desviei a cabeça. A agulha pene-
trou a poltrona. Peguei o esguichador de água e lancei-lhe um jato no rosto. Ele voltou
com a seringa.
a) Quem é Indiana Jones? Por que ele teria sido citado pelo narrador?
O personagem Indiana Jones, protagonista de filmes, livros e videogames que levam seu nome, é um
arqueólogo que vive aventuras ambientadas especialmente nas décadas de 1930 a 1950. Entre seus
feitos, enfrentou vilões diversos e escapou de armadilhas elaboradas – o que pode ter inspirado o
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narrador a comparar sua própria destreza à do herói.
b) Saber quem é Indiana Jones é importante para compreender o que o narrador descreveu?
Por quê?
Sim, pois assim o leitor entende que a postura do paciente foi tão heroica quanto a de Indiana Jones.
Diz a lenda que Einstein descobriu um conceito fundamental da sua teoria da relati-
vidade enquanto andava de elevador. Parece que ele olhou para a lâmpada do elevador
e pensou em como a luz daquela lâmpada se deslocava dentro do elevador enquanto ele
subia, ou descia, sei lá. A inspiração de Einstein deve-se muito à timidez de sua acom-
panhante no elevador. Ela não puxou conversa sobre o clima, ficou aquele silêncio, ele
ficou constrangido, olhou para cima, viu a lâmpada e organizou todo o universo. O fato
de ele estar pensando naquilo todo dia há trinta anos também ajudou.
FURTADO, Jorge. Velásquez e a teoria quântica da gravidade. Em: Meu tio matou um cara.
Porto Alegre: L&PM, 2002. p. 103.
a) Assinale a alternativa que apresenta os fatores que melhor explicam o humor nesse texto.
( ) A linguagem debochada do autor e o absurdo da lenda sobre a teoria de Einstein.
( ) A linguagem debochada do autor e o comentário sobre o tempo dedicado por Einstein
na elaboração da teoria.
( X ) A linguagem debochada do autor, a explicação para a lenda sobre Einstein e o comentário
sobre o tempo dedicado por Einstein na elaboração da teoria.
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situação absurda e o segundo por desenvolver uma explicação improvável a respeito de uma teoria.
b) O tigre Haroldo afirma: “É um bom plano de autorrealização”. Ele realmente considera o plano
de Calvin bom? Justifique.
Não, porque a postura de Calvin – ficar omisso diante dos fatos – na verdade é um péssimo plano de
O tigre Haroldo responde a Calvin com ironia. A ironia é uma figura de linguagem
mediante a qual se diz o contrário do que as palavras ou as frases querem dar a entender.
Embora seja próxima do humor, a ironia tem intenção depreciativa ou sarcástica.
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bem mais velho do que é. Para se vingar, Hagar aperta exageradamente a mão do pretendente ao
cumprimentá-lo, dando provas de sua força física, o que leva o rapaz a desfazer o mal-entendido.
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cabeça, o suor, o destaque para as palavras avô e pai, nos balões, somados à atitude e à expressão
impassível de Hagar, que aperta a mão do rapaz sem dizer nada, contribuem para a situação de
d) Em sua opinião, como o jovem deveria ter se dirigido a Hagar, ao chegar, de modo a não
aborrecê-lo?
Resposta possível: “Boa noite! Eu sou Fulano de Tal. E o senhor?”.
e) Se o jovem tivesse se dirigido a Hagar de modo a não aborrecê-lo, a tira seria engraçada? Por quê?
Não, porque é justamente no desentendimento entre Hagar e o jovem que se dá o humor.
Atividades de linguagem
1 Releia estes trechos.
(1) O mundo avançou nos últimos 30 anos, mas a Odontologia permanece uma
atividade medieval.
(2) (...) quando ele me informou o preço do serviço, a dor transferiu-se do dente
para o bolso.
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Numa cadeira de dentista sinto-me tão frágil quanto um recruta diante do sargento
do batalhão.
– Não quero uma dentadura em ouro com incrustações em rubis e esmeraldas – es-
clareci –, só preciso tratar o canal.
– É esse o preço de um tratamento de canal!
– Tem certeza? O senhor não estará confundindo o meu canal com o do Panamá?
b) De que outra maneira o paciente poderia se dirigir ao dentista com a mesma intenção?
Resposta pessoal.
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Prova falsa
Casimira. Tecido
Quem teve a ideia foi o padrinho da caçula – ele me conta. Trouxe o cachorro de pre-
leve de lã usado para
roupas masculinas. A sente e logo a família inteira se apaixonou pelo bicho.
casimira inglesa é tida Ele até que não é contra isso de se ter um animalzinho em casa, desde que seja obe-
como excelente.
diente e com um mínimo de educação.
Chato de galocha.
Indivíduo muito – Mas o cachorro era um chato – desabafou.
incômodo.
Desses cachorrinhos de raça, cheios de nhe-nhe-nhem, que comem comidinha es-
Espinafrar. pecial, precisam de muitos cuidados, enfim, um chato de galocha. E, como se isto não
Criticar duramente.
bastasse, implicava com o dono da casa.
Exemplado.
Punido, castigado. – Vivia de rabo abanando para todo mundo, mas, quando eu entrava em casa, vinha
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Nhe-nhe-nhem. logo com aquele latido fininho e antipático de cachorro de francesa.
Expressão da Ainda por cima era puxa-saco.
linguagem coloquial
que tem, aqui, o Lembrava certos políticos da oposição, que espinafram o ministro, mas quando estão
sentido de cheio com o ministro ficam mais por baixo que tapete de porão. Quando cruzavam num corre-
de luxos, cuidados,
frescuras, nove-horas. dor ou qualquer outra dependência da casa, o desgraçado rosnava ameaçador, mas quando
Sopa. Gíria que, nesse
a patroa estava perto abanava o rabinho, fingindo-se seu amigo.
contexto, significa – Quando eu reclamava, dizendo que o cachorro era um cínico, minha mulher brigava
“facilidade”.
comigo, dizendo que nunca houve cachorro fingido e eu é que implicava com o “pobrezinho”.
Num rápido balanço poderia assinalar: o cachorro comeu oito meias suas, roeu a
manga de um paletó de casimira inglesa, rasgara diversos livros, não podia ver um pé
de sapato que arrastava para locais incríveis. A vida lá em sua casa estava se tornando
insuportável. Estava vendo a hora em que se desquitava por causa daquele bicho cretino.
Tentou mandá-lo embora umas vinte vezes e era uma choradeira das crianças e uma
espinafração da mulher.
– Você é um desalmado – disse ela, uma vez.
Venceu a guerra fria com o cachorro graças à má educação do adversário. O cãozinho
começou a fazer pipi onde não devia. Várias vezes exemplado, prosseguiu no feio vício.
Fez diversas vezes no tapete da sala. Fez duas na boneca da filha maior. Quatro ou
cinco vezes fez nos brinquedos da caçula. E tudo culminou com o pipi que fez em
cima do vestido novo de sua mulher.
– Aí mandaram o cachorro embora? – perguntei.
– Mandaram. Mas eu fiz questão de dá-lo de presente a um amigo que ado-
ra cachorros. Ele está levando um vidão em sua nova residência.
– Ué... mas você não o detestava? Como é que arranjou essa sopa pra ele?
– Problema de consciência – explicou: – O pipi não era dele.
E suspirou cheio de remorso.
PORTO, Sérgio (Stanislaw Ponte Preta). Prova falsa.
Em: Dois amigos e um chato. São Paulo: Moderna, 1986. p. 52-56.
(Coleção Veredas.)
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2 As gírias e expressões coloquiais presentes na crônica ainda são usadas nos dias de hoje?
A maioria delas sim, apesar de haver palavras e expressões mais recentes que têm o mesmo significado.
Exemplo: sopa pode ser o mesmo que bico, fichinha, baba etc.
5 No final da história, o amigo do narrador “suspirou cheio de remorso”. Explique por quê.
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Porque o pipi encontrado nas diversas situações não era do cachorro, mas provavelmente do amigo do
casa.
puxa-sacos e fingidos.
9 Existe algum paralelo entre as crônicas "A cadeira do dentista" e “Prova falsa”?
As duas crônicas relatam situações do cotidiano com humor e linguagem simples.
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Antologia é uma seleção de textos em prosa e/ou em verso da qual podem participar
diversos autores.
A antologia pode ser organizada de acordo com o tema, a época, a autoria etc.
Aquecimento
1. Procure lembrar-se de algum fato engraçado que ocorreu com você ou com algum conhecido seu.
Planejamento e produção
2. Pense em como usar os recursos da ironia, do exagero, do duplo sentido das palavras, dos aconte-
cimentos inesperados.
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3. Dependendo da situação e do contexto, você também pode usar gírias e expressões coloquiais.
Avaliação
1. Peça a um colega que leia o texto que você escreveu e, juntos, avaliem-no, considerando os se-
guintes aspectos:
• Seu colega encontrou passagens engraçadas no texto?
• A narrativa ficou clara para ele?
• A linguagem está adequada ao contexto?
• Que recursos estudados nesta unidade você conseguiu empregar?
3. Ouça os comentários do colega a respeito de seu texto e faça as alterações que julgar necessárias.
Apresentação
1. Passe seu texto a limpo e junte-o aos dos demais colegas, para organizar uma antologia.
3. Organizem um sumário com o título de todas as crônicas e o nome dos autores por ordem alfabé-
tica de autor ou de título.
5. Elejam um colega para fazer a capa da antologia, que deve conter o título e ser ilustrada.
6. Façam cópias do material produzido para mostrar aos familiares e amigos. Ofereçam um exemplar
para o acervo da biblioteca da escola.
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Primeira etapa
4. Para aprofundar a pesquisa, entrevistem pessoas especializadas no tema dessa proposta, como
professores de Língua Portuguesa, linguistas etc., assim como pessoas ligadas às áreas de moda,
música, esportes etc.
5. Elaborem um cartaz com as gírias e as expressões coloquiais pesquisadas, assim como o(s) texto(s)
em que elas aparecem.
6. Desenhem ou colem imagens para ilustrar uma ou mais gírias e expressões coloquiais que com-
põem o cartaz de seu grupo.
Segunda etapa
1. Combinem o tempo que cada grupo terá para fazer a exposição oral do cartaz elaborado.
2. Ensaiem entre vocês a apresentação do grupo, combinando o que cada um vai falar e de quanto
tempo disporá.
4. Ouçam atentamente a apresentação dos outros grupos e esperem sua vez de falar. A ordem das
apresentações será definida pelo professor.
5. Terminadas todas as apresentações, os grupos podem trocar impressões entre si, comentando as
informações obtidas, as gírias e expressões que mais apareceram, quais acharam mais curiosas, o
contexto em que são usadas etc.
Terceira etapa
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da
verossimilhança
Leitura de imagem
Leia esta imagem.
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Ceci n’est pas une pomme [Isto não é uma maçã], 1964, de René Magritte.
Óleo sobre tela, 142 × 100 cm. Museu René Magritte, Bruxelas, Bélgica.
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2 O pintor belga René Magritte (1898-1967) nomeou o quadro com a frase Ceci n’est pas une pomme,
em francês, que significa “Isto não é uma maçã”. Que intenção ele deve ter tido ao dar esse nome
à obra?
Resposta pessoal.
Professor: Os alunos devem perceber que, ao retratar uma maçã, o quadro faz apenas uma representação.
3 Que elementos da pintura permitem responder prontamente que o objeto pintado é uma maçã?
A imagem figurativa da maçã, que a representa de maneira realista.
5 Pode-se dizer que a frase escrita na tela é apenas uma representação, como a maçã?
Sim, pois uma frase escrita é também a representação da linguagem verbal.
6 Se a frase escrita por Magritte fosse retirada da tela, seria possível chegar facilmente à mesma
conclusão que ele?
Não, pois é ela que sugere ao observador a análise de que uma imagem é apenas a representação
7 Se você fosse o responsável por nomear o quadro, que nome daria a ele?
Resposta pessoal.
8 Todas as afirmações abaixo podem ser associadas à obra de Magritte e a seu título, com exceção
de uma. Assinale-a.
( X ) A imagem de um objeto não é o mesmo que o objeto.
( X ) As coisas podem não ser o que parecem.
( X ) A obra de Magritte prima pela criação de imagens fantásticas.
( X ) O desenho de Magritte tem clareza e nitidez.
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A caçada
A loja de antiguidades tinha o cheiro de uma arca de sacristia com seus panos embo-
lorados e livros comidos de traça. Com as pontas dos dedos, o homem tocou numa pilha
de quadros. Uma mariposa levantou voo e foi chocar-se contra uma imagem de mãos
decepadas.
– Bonita imagem – disse.
A velha tirou um grampo do coque e limpou a unha do polegar. Tornou a enfiar o
grampo no cabelo.
– É um São Francisco.
Ele então se voltou lentamente para a tapeçaria que tomava toda a parede no fundo
da loja. Aproximou-se mais. A velha aproximou-se também.
– Já vi que o senhor se interessa mesmo é por isso. Pena que esteja nesse estado.
Esmaecido. Que O homem estendeu a mão até a tapeçaria, mas não chegou a tocá-la.
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perdeu a cor,
desbotado. – Parece que hoje está mais nítida...
Muxoxo. Tédio; – Nítida? – repetiu a velha, pondo os óculos. Deslizou a mão pela superfície puída.
desdém. – Nítida como?
Puído. Bastante gasto – As cores estão mais vivas. A senhora passou alguma coisa nela?
em decorrência do
uso prolongado. A velha encarou-o. E baixou o olhar para a imagem de mãos decepadas. O homem
Retesado. Esticado. estava tão pálido e perplexo quanto a imagem.
Seta. Flecha. – Não passei nada, imagine... Por que o senhor pergunta?
Touceira. Grande – Notei uma diferença.
agrupamento de
plantas; conjunto de – Não, não passei nada, essa tapeçaria não aguenta a mais leve escova, o senhor não
plantas da mesma vê? Acho que é a poeira que está sustentando o tecido – acrescentou, tirando novamente
espécie que nascem
o grampo da cabeça. Rodou-o entre os dedos com ar pensativo. Teve um muxoxo: – Foi
muito próximas.
um desconhecido que trouxe, precisava muito de dinheiro. Eu disse que o pano estava
por demais estragado, que era difícil encontrar um comprador, mas ele insistiu tanto...
Preguei aí na parede e aí ficou. Mas já faz anos isso. E o tal moço nunca mais me apare-
ceu.
– Extraordinário...
A velha não sabia agora se o homem se referia à tapeçaria ou ao caso que acabara de
lhe contar. Encolheu os ombros. Voltou a limpar as unhas com o grampo.
– Eu poderia vendê-la, mas quero ser franca, acho que não vale mesmo a pena. Na
hora que se despregar é capaz de cair em pedaços.
O homem acendeu um cigarro. Sua mão tremia. Em que tempo, meu Deus! em que
tempo teria assistido a essa mesma cena. E onde?...
Era uma caçada. No primeiro plano, estava o caçador de arco retesado, apontando
para uma touceira espessa. Num plano mais profundo, o segundo caçador espreitava
por entre as árvores do bosque, mas era apenas uma vaga silhueta cujo rosto se reduzira
a um esmaecido contorno. Poderoso, absoluto era o primeiro caçador, a barba violenta
como um bolo de serpentes, os músculos tensos, à espera de que a caça levantasse para
desferir-lhe a seta.
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Embuçado. Com
os maxilares numa contração dolorosa. Conhecia esse bosque, esse caçador, esse céu – o rosto tapado,
deixando de fora
conhecia tudo tão bem, mas tão bem! Quase sentia nas narinas o perfume dos eucaliptos,
apenas os olhos.
quase sentia morder-lhe a pele o frio úmido da madrugada, ah, essa madrugada! Quan-
Esgrouvinhado.
do? Percorrera aquela mesma vereda, aspirara aquele mesmo vapor que baixava denso do Desalinhado,
céu verde... Ou subia do chão? O caçador de barba encaracolada parecia sorrir perversa- desgrenhado.
mente embuçado. Teria sido esse caçador? Ou o companheiro lá adiante, o homem sem
cara espiando por entre as árvores? Uma personagem de tapeçaria. Mas qual? Fixou a
touceira onde a caça estava escondida. Só folhas, só silêncio e folhas empastadas na som-
bra. Mas detrás das folhas, através das manchas pressentia o vulto arquejante da caça.
Compadeceu-se daquele ser em pânico, à espera de uma oportunidade para prosseguir
fugindo. Tão próxima a morte! O mais leve movimento que fizesse, e a seta... A velha
não a distinguira, ninguém poderia percebê-la, reduzida como estava a um pontinho
carcomido, mais pálido do que um grão de pó em suspensão no arco.
Enxugando o suor das mãos, o homem recuou alguns passos. Vinha-lhe agora uma
certa paz, agora que sabia ter feito parte da caçada. Mas essa era uma paz sem vida, im-
pregnada dos mesmos coágulos traiçoeiros da folhagem. Cerrou os olhos. E se tivesse
sido o pintor que fez o quadro? Quase todas as antigas tapeçarias eram reproduções de
quadros, pois não eram? Pintara o quadro original e por isso podia reproduzir, de olhos
fechados, toda a cena nas suas minúcias: o contorno das árvores, o céu sombrio, o caça-
dor de barba esgrouvinhada, só músculos e nervos apontando para a touceira... “Mas se
detesto caçadas! Por que tenho que estar aí dentro?”
Apertou o lenço contra a boca. A náusea. Ah, se pudesse explicar toda essa familiari-
dade medonha, se pudesse ao menos... E se fosse um simples espectador casual, desses
que olham e passam? Não era uma hipótese? Podia ainda ter visto o quadro no original,
a caçada não passava de uma ficção. “Antes do aproveitamento da tapeçaria...”, murmu-
rou, enxugando os vãos dos dedos no lenço.
Atirou a cabeça para trás como se o puxassem pelos cabelos, não, não ficara do lado
de fora, mas lá dentro, encravado no cenário! E por que tudo parecia mais nítido do que
na véspera, por que as cores estavam mais fortes apesar da penumbra? Por que o fascínio
que se desprendia da paisagem vinha agora assim vigoroso, rejuvenescido?...
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agitado, que expressa molhado de suor. Ah, aquele calor e aquele frio! Enrolou-se nos lençóis. E se fosse o
desorientação artesão que trabalhou na tapeçaria? Podia revê-la, tão nítida, tão próxima que, se esten-
ou estado de
perturbação psíquica. desse a mão, despertaria a folhagem. Fechou os punhos. Haveria de destruí-la, não era
Gretado. Rachado
verdade que além daquele trapo detestável havia alguma coisa mais, tudo não passava de
(que tem fenda, um retângulo de pano sustentado pela poeira. Bastava soprá-la, soprá-la!
rachadura, greta).
Encontrou a velha na porta da loja. Sorriu irônica:
– Hoje o senhor madrugou.
– A senhora deve estar estranhando, mas...
– Já não estranho mais nada, moço. Pode entrar, pode entrar, o senhor conhece o
caminho.
“Conheço o caminho”, murmurou, seguindo lívido por entre os móveis. Parou. Di-
latou as narinas. E aquele cheiro de folhagem e terra, de onde vinha aquele cheiro? E
por que a loja foi ficando embaçada, lá longe? Imensa, real, só a tapeçaria a se alastrar
sorrateiramente pelo chão, pelo teto, engolindo tudo com suas manchas esverdinhadas.
Quis retroceder, agarrou-se a um armário, cambaleou resistindo ainda e estendeu os
braços até a coluna. Seus dedos afundaram por entre galhos e resvalaram pelo tronco de
uma árvore, não era uma coluna, era uma árvore! Lançou em volta um olhar esgazeado:
penetrara na tapeçaria, estava dentro do bosque, os pés pesados de lama, os cabelos em-
pastados de orvalho. Em redor, tudo parado. Estático. No silêncio da madrugada, nem
o piar de um pássaro, nem o farfalhar de uma folha. Inclinou-se arquejante. Era o caça-
dor? Ou a caça? Não importava, não importava, sabia apenas que tinha que prosseguir
correndo sem parar por entre as árvores, caçando ou sendo caçado. Ou sendo caçado?...
Comprimiu as palmas das mãos contra a cara esbraseada, enxugou no punho da camisa
o suor que lhe escorria pelo pescoço. Vertia sangue o lábio gretado.
Abriu a boca. E lembrou-se. Gritou e mergulhou numa touceira. Ouviu o assobio da
seta varando a folhagem, a dor!
“Não...”, gemeu de joelhos. Tentou ainda agarrar-se à tapeçaria. E rolou encolhido, as
mãos apertando o coração.
TELLES, Lygia Fagundes. A caçada. Em: Os cem melhores contos brasileiros do século. Organização de Ítalo Moriconi.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. p. 265-269.
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Compreensão do texto
1 Você gostou do conto “A caçada”? O que mais lhe chamou a atenção no conto? Por quê?
Resposta pessoal.
Sim, pois segue o tempo cronológico, sem avanços no tempo nem flashbacks.
recuou alguns passos. Vinha-lhe agora uma certa paz, agora que sabia ter feito parte da caçada”.
O texto que você leu é um conto. Nesse gênero de tipo narrativo, o enredo é relati-
vamente curto, com número reduzido de personagens, além de tempo e espaço restritos.
Geralmente, o conto apresenta um ou poucos conflitos.
(...) Apertou os maxilares numa contração dolorosa. Conhecia esse bosque, esse
caçador, esse céu – conhecia tudo tão bem, mas tão bem! Quase sentia nas narinas o
perfume dos eucaliptos, quase sentia morder-lhe a pele o frio úmido da madrugada,
ah, essa madrugada! Quando? Percorrera aquela mesma vereda, aspirara aquele mesmo
vapor que baixava denso do céu verde... (...)
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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
a) Como a mulher vê a tapeçaria?
A mulher a vê como uma velha tapeçaria comida de traça, exatamente como estava no dia anterior.
7 O homem tem a sensação de ter participado de alguma forma da cena da tapeçaria. Que hipóte-
ses ele faz sobre sua participação?
Ele se imagina como o pintor do quadro que serviu de base para a tapeçaria, como o artesão, como um
dos caçadores.
8 Releia suas respostas às questões 6 e 7 e responda: No conto, qual dos personagens representa o
natural (o real) e qual representa o sobrenatural? Por quê?
A dona da loja representa o natural (o real) porque vê a tapeçaria apenas como um objeto desgastado
pelo tempo. O homem, ao contrário, a vê como um objeto vivo, fora da realidade natural, com sensações
24
– Já não estranho mais nada, moço. Pode entrar, pode entrar, o senhor conhece o caminho.
“Conheço o caminho”, murmurou, seguindo lívido por entre os móveis. (...)
(...) Parou. Dilatou as narinas. E aquele cheiro de folhagem e terra, de onde vinha
aquele cheiro? E por que a loja foi ficando embaçada, lá longe? Imensa, real, só a tapeçaria
a se alastrar sorrateiramente pelo chão, pelo teto, engolindo tudo com suas manchas
esverdinhadas. Quis retroceder, agarrou-se a um armário, cambaleou resistindo ainda e
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estendeu os braços até a coluna. Seus dedos afundaram por entre galhos e resvalaram pelo
tronco de uma árvore, não era uma coluna, era uma árvore! (...)
A loja pode ser entendida como um portal de acesso à tapeçaria e ao mundo sobrenatural. Expli-
que essa afirmativa.
O homem passa da loja, ambiente real, para a tapeçaria, um ambiente sobrenatural, fantástico. Sem a loja,
12 A ambiguidade do final da história é uma das características do conto fantástico. Em sua opinião, Professor: Esclareça aos alu-
nos que não há como saber
o que aconteceu ao homem e à tapeçaria? com certeza qual é o desfecho
da história. Explique que uma
Resposta pessoal. das características do conto
fantástico é justamente a am-
biguidade. Há uma disputa en-
tre real e imaginário. Sendo as-
sim, é natural que, no final da
leitura, restem muitas hipóte-
ses: O homem entrou de fato
na tapeçaria e viveu a situação
Análise da construção da verossimilhança ali estampada? Ou foi tudo
fruto de sua imaginação? O
homem tem apenas um mal-
1 Em um conto fantástico, as ações dos personagens produzem efeitos que levam a novos aconte- -estar físico e rola no chão da
loja ou realmente morre? Por
cimentos. É essa sequência de ações e de acontecimentos que constrói o enredo. Com base nisso, ser vítima da flechada do caça-
relacione cada atitude do homem a seu efeito. dor ou de causas naturais?
(a) O homem observa que a tapeçaria está ( b ) ... que o faz voltar à loja muito cedo no
mais nítida... dia seguinte.
(b) Sai da loja perturbado, vai para casa dor- ( c ) ... e se sente dentro da cena representa-
mir e tem um pesadelo... da na tapeçaria.
(c) Na loja, observa a tapeçaria... ( a ) ... e imagina que fez parte da cena repre-
sentada na tapeçaria.
25
fim trágico.
Professor: Discuta com os alunos a composição do conto. Ainda que o fato de o homem entrar na tapeçaria pareça inverossí-
mil, é a ambiguidade entre o natural e o sobrenatural e a incerteza desses elementos que o tornam verossímil.
A loja de antiguidades tinha o cheiro de uma arca de sacristia com seus panos embolo-
rados e livros comidos de traça. Com as pontas dos dedos, o homem tocou numa pilha de
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quadros. Uma mariposa levantou voo e foi chocar-se contra uma imagem de mãos decepadas.
Descrição 2
Era uma caçada. No primeiro plano, estava o caçador de arco retesado, apon-
tando para uma touceira espessa. Num plano mais profundo, o segundo caçador
espreitava por entre as árvores do bosque, mas era apenas uma vaga silhueta cujo
rosto se reduzira a um esmaecido contorno. Poderoso, absoluto era o primeiro ca-
çador, a barba violenta como um bolo de serpentes, os músculos tensos, à espera
de que a caça levantasse para desferir-lhe a seta.
b) A descrição 1 evoca quais dos sentidos (visão, tato, audição, paladar, olfato)?
Visão (“Uma mariposa levantou voo e foi chocar-se contra uma imagem de mãos decepadas.”), tato
(“Com as pontas dos dedos, o homem tocou numa pilha de quadros.”) e olfato (“cheiro de uma arca de
decepadas.”; “Quase sentia nas narinas o perfume dos eucaliptos, quase sentia morder-lhe a pele o frio
texturas etc.
26
4 Por que o cenário – o espaço em que o enredo se desenvolve – é importante para a construção
da verossimilhança no conto “A caçada”?
Porque os objetos deteriorados que compõem a loja, seu aspecto de abandono, seu cheiro ajudam a
(...) Viu-se enredado nos fios e quis fugir, mas a tarja o aprisionou nos seus bra-
ços. No fundo, lá no fundo do fosso, podia distinguir as serpentes enleadas num nó
verde-negro. Apalpou o queixo. “Sou o caçador?” Mas em vez da barba encontrou a
viscosidade do sangue.
Acordou com o próprio grito que se estendeu dentro da madrugada. Enxugou o
rosto molhado de suor. Ah, aquele calor e aquele frio! Enrolou-se nos lençóis.
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a) Que pista esse trecho do sonho do personagem dá sobre o que poderá acontecer?
Esse trecho do sonho dá uma pista de que algo ruim está por vir. Ao procurar a barba no queixo e, em
seu lugar, encontrar sangue, o personagem poderia imaginar que não era o caçador da tapeçaria, como
6 O momento de uma narrativa em que a sequência de acontecimentos atinge o mais alto grau de
tensão chama-se clímax. Em que momento dessa narrativa o suspense chega ao clímax? Explique.
O clímax do suspense dá-se no momento em que o homem vê que está entrando na cena da tapeçaria. É o
instante em que há uma disputa entre o natural/real e o sobrenatural: o homem se debate entre se agarrar
27
Beco de flores
(...)
Sereia. Sirene de
barco. 2
Senti que Erínia estava por perto quando cheguei ao centro comercial de Paraty.
Embora fosse maio, a chuva caía sem parar; as pedras lisas impediam que os turistas
se aventurassem pelas ruas; além do mais, faltava luz em toda parte e as sereias dos
barcos soavam desoladas ao largo da costa.
Eu (...) caminhava em
SARA ALENCAR
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suspenso. Os tufos de
flores despencavam pe-
los muros e janelas; (...)
as casas (...) estavam fe-
chadas por causa do mau
tempo. Atraído pelo silêncio, entrei no beco como quem sobe num navio iluminado. O
perfume das plantas era muito mais forte do que eu imaginava – em poucos segundos
sentei-me intoxicado no chão. Creio que só nesse instante Erínia apareceu de corpo
inteiro diante de mim: a túnica branca escondia as sandálias de couro e uma luz de
vinho vazava dos seus olhos. Movido pela surpresa, eu lhe disse alguma coisa amável;
não tive resposta. Lembro-me apenas de que ela avançou pisando nas poças e enterrou
o punhal no meu pescoço.
CARONE, Modesto. Beco de flores. Em: Histórias fantásticas.
São Paulo: Ática, 2002. p. 141-142. (Coleção Para Gostar de Ler.)
verossimilhança.
9 De acordo com a mitologia grega, erínias são divindades que administram a vingança. De que
forma essa informação pode colaborar na interpretação do texto, considerando-se que Erínia é o
nome da algoz do narrador?
Resposta pessoal. Professor: Espera-se que os alunos compreendam que é provável que o autor tenha escolhido o nome
Erínia justamente em referência às divindades da vingança. Assim, o narrador personagem pode ter sido apunhalado em
represália por algo que fez – embora o texto apenas sugira a questão, mantendo sua aura de mistério.
28
11 Como pode ser interpretado o final do texto? O que deve ter acontecido em seguida?
Resposta pessoal.
Atividades de linguagem
1 Releia estes trechos da fala do narrador no conto “A caçada”.
A loja de antiguidades tinha o cheiro de uma arca de sacristia com seus panos em-
bolorados e livros comidos de traça.
(...) Vagou o olhar pela tapeçaria que tinha a cor esverdeada de um céu de tempesta-
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(...) A velha não a distinguira, ninguém poderia percebê-la, reduzida como estava a um
pontinho carcomido, mais pálido do que um grão de pó em suspensão no arco.
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Vagou pelas ruas, entrou num cinema, saiu em seguida e, quando deu acordo de si,
estava diante da loja de antiguidades, o nariz achatado na vitrina, tentando vislumbrar
a tapeçaria lá no fundo.
Quando chegou em casa, atirou-se de bruços na cama e ficou de olhos escancarados,
fundidos na escuridão. A voz tremida da velha parecia vir de dentro dos travesseiros, uma
voz sem corpo, metida em chinelas de lã: “Que seta? Não estou vendo nenhuma seta...”. (...)
Tempo
Quando deu acordo de si, quando chegou em casa (orações temporais), em seguida.
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b) Qual é a função dos advérbios, das locuções adverbiais e das orações adverbiais nesse caso?
Advérbios, locuções adverbiais e orações adverbiais modificam o significado de um verbo, um adjetivo
ou um advérbio, acrescentando informações de tempo, local, modo, intensidade etc. Esse acréscimo
de informação enriquece a narrativa, contribuindo, nesse caso, para a criação de um clima de suspense.
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Um caso estranho
Não sei se no momento eu contemplava as águas da enchente ou se pensava em ou- Autômato. Robô.
tras épocas, quando uma boca com dentes de ouro me interrompeu: Henry Fonda. Ator
norte-americano
– Tenho ordem de prendê-lo como envolvido no crime da mala. que fez sucesso nas
– Que mala? indaguei ainda surpreso, como alguém que acabasse de descer de Marte décadas de 1940 a
1960.
ou de outra região qualquer.
– Siga-me que na delegacia tudo será esclarecido.
Diante do tom autoritário com que a boca com dentes de ouro me falava, resolvi
seguir o investigador. Atravessamos uma rua deserta, cruzamos uma praça cheia de
crianças brincando, desembocamos num largo e por fim entramos num prédio baixo
com aspecto de casa de comércio.
Quando menos esperava, fui empurrado para dentro de uma sala escura onde o dele-
gado de plantão me recebeu com ar teatral:
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– Então! Custou mas caiu nas mãos da justiça! Ninguém escapa da lei! Confesse, que
é a única coisa inteligente que tem a fazer!
A princípio achei graça em tudo aquilo. Pensei mesmo que estava sendo vítima de
uma brincadeira de mau gosto. Depois, diante da insistência do delegado, comecei a
suar frio. Que sabia eu do crime da mala? É bem possível que alguém, parecido comigo,
tivesse cometido o crime pelo que me acusavam. Há tanta gente parecida no mundo.
Ainda há tempos encontrei no bonde um cidadão tão parecido com Henry Fonda que
fiquei abismado. Tinha até o jeito de sorrir do simpático artista. Por um pouco não cha-
mei a atenção do cavalheiro para o fato. O próprio delegado, que me interrogava, tinha
qualquer coisa de semelhante com o investigador que me havia dado voz de prisão. O
verdadeiro culpado talvez se parecesse comigo. Não encontrava outra explicação para
tudo aquilo. De súbito fui despertado pela boca com dentes de ouro, que me disse:
– Acompanhe-me.
Segui como um autômato o investigador, que me fechou numa sala tão baixa que
tive que me curvar para não bater com a cabeça no teto. Justamente no momento em
que me curvei, dei com um morto estendido dentro de uma mala meio aberta. Recuei e
fiz grande esforço para não gritar. O morto parece que acusava com os olhos parados,
com seus olhos que vinham de um outro mundo. Tive a impressão de que estava sendo
vítima de uma alucinação. Os olhos do morto parece que se dilatavam cada vez mais.
Dominei-me a custo e debrucei-me sobre o morto para examinar melhor a sua fisionomia
e não pude conter um grito: o morto era eu. Era eu que estava dentro da mala meio aberta...
LOPES, Paulo Corrêa. Um caso estranho. Em: Os cem melhores contos de crime e mistério da literatura universal.
Organização de Flávio Moreira da Costa. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. p. 229-230.
Um texto do gênero conto fantástico deixa o leitor em dúvida sobre se a história ali
contada é ficção ou realidade. Essa dúvida cria uma atmosfera de suspense e expectativa,
colocando o leitor numa busca por explicações próprias para aquilo que está sendo rela-
tado.
31
1 No início do conto, o personagem principal é preso por “uma boca com dentes de ouro” que,
mais à frente, se descobre ser um investigador de polícia. Essa situação, no texto, é verossímil?
Por quê?
Sim, porque uma pessoa pode ser presa por engano.
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2 Que elementos do cenário contribuem para a verossimilhança do texto?
A sala escura onde fica o delegado; a sala tão baixa na qual o personagem teve de se curvar para não bater
(...) De súbito fui despertado pela boca com dentes de ouro, que me disse:
– Acompanhe-me.
Segui como um autômato o investigador, que me fechou numa sala tão baixa que
tive que me curvar para não bater com a cabeça no teto. Justamente no momento em
que me curvei, dei com um morto estendido dentro de uma mala meio aberta. Recuei e
fiz grande esforço para não gritar. (...)
Dominei-me a custo e debrucei-me sobre o morto para examinar melhor a sua fisio-
nomia e não pude conter um grito (...).
32
7 Que pistas foram dadas ao longo do conto para que se chegue ao final ambíguo e fantástico?
O momento da prisão, o desconhecimento do motivo pelo acusado, o local que não parece ser uma
Leia este trecho de um conto de mistério de Lygia Fagundes Telles. Note como o cenário e as perso-
nagens – uma pensão, a dona e duas estudantes do interior – são bem brasileiros.
As formigas
Adunco. Em forma
Quando minha prima e eu descemos do táxi, já era quase noite. Ficamos imóveis de gancho; curvo,
diante do velho sobrado de janelas ovaladas, iguais a dois olhos tristes, um deles vaza- recurvado.
do por uma pedrada. Descansei a mala no chão e apertei o braço da prima. Atulhado. Cheio,
– É sinistro. lotado, abarrotado,
entupido.
Ela me impeliu na direção da porta. Tínhamos outra escolha? Nenhuma pensão Balofo. Muito gordo;
nas redondezas oferecia um preço melhor a duas pobres estudantes com liberdade de de volume avantajado.
usar o fogareiro no quarto, a dona nos avisara por telefone que podíamos fazer refei- Creolina.
ções ligeiras com a condição de não provocar incêndio. Subimos a escada velhíssima, Desinfetante
cheirando a creolina. antisséptico e
germicida.
– Pelo menos não vi sinal de barata – disse minha prima. Desparelhado.
A dona era uma velha balofa, de peruca mais negra do que a asa da graúna. Vestia Disposto de maneira
desordenada.
um desbotado pijama de seda japonesa e tinha as unhas aduncas recobertas por uma
crosta de esmalte vermelho-escuro, descascado nas pontas encardidas. Acendeu um Graúna. Pássaro de
plumagem negra
charutinho. brilhante, com penas
– É você que estuda medicina? – perguntou soprando a fumaça na minha direção. estreitas e pontudas
na cabeça.
– Estudo direito. Medicina é ela.
Impelir. Empurrar,
A mulher nos examinou com indiferença. Devia estar pensando em outra coisa impulsionar.
quando soltou uma baforada tão densa que precisei desviar a cara. A saleta era escura, Sinistro. Temível,
atulhada de móveis velhos, desparelhados. No sofá de palhinha furada no assento, assustador.
duas almofadas que pareciam ter sido feitas com os restos de um antigo vestido, os Vidrilho. Canudinho
de vidro usado em
bordados salpicados de vidrilho. bijuterias, ornatos e
– Vou mostrar o quarto, fica no sótão – disse ela em meio a um acesso de tosse. Fez bordados.
um sinal para que a seguíssemos. – O inquilino antes de vocês também estudava medi-
cina, tinha um caixotinho de ossos que esqueceu aqui, estava sempre mexendo neles.
Minha prima voltou-se:
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garrafa – recomendou coçando a cabeça. A peruca
se deslocou ligeiramente. Soltou uma baforada
final: – Não deixem a porta aberta senão meu
gato foge.
Ficamos nos olhando e rindo enquanto
ouvíamos o barulho dos seus chinelos de
Professor: Os alunos podem
ler a versão completa do con- salto na escada. (...)
to na Plataforma UNO.
TELLES, Lygia Fagundes. As formigas. Em: Pomba
enamorada ou Uma história de amor e outros contos escolhidos.
Porto Alegre: L&PM, 2001. p. 106-107.
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Aquecimento
1. Observe os elementos do cenário que sugerem um clima de mistério e de suspense: a casa velha,
a saleta escura com móveis desparelhados, o quarto no sótão, apertado, e o estranho caixotinho
de ossos.
2. Há três personagens no conto: as duas primas que vêm estudar na cidade e a dona da pensão,
personagem cujas características físicas são descritas no texto. Como seria sua personalidade? Que
influência ela teria na história?
3. As estudantes chegaram à pensão quando “já era quase noite”. O que será que aconteceu
depois? Após se instalarem no quarto, o que elas fizeram? Que fato estranho aconteceu logo
em seguida?
4. O título do conto é “As formigas”. Por quê? De que forma você acha que elas participam da história?
Planejamento e produção
1. Imagine as situações incomuns pelas quais devem ter passado as duas estudantes, que se hospe-
daram em um quarto que fica em um sótão e onde há um caixote de ossos.
2. Dê continuidade ao conto de Lygia Fagundes Telles, escrevendo também um final para a história.
Atente à verossimilhança e à relação espaço-tempo da narrativa.
Avaliação
2. Troque sua história com um colega da classe. O encerramento criado por ele é verossímil?
Apresentação
Com os colegas e com o professor, organize uma “sessão fantástica”, em que cada um fará uma leitura Professor: Se possível, organi-
ze um sarau com a turma, mar-
dramatizada de seu texto. cando uma data e criando um
ambiente propício, com velas,
cortinas e efeitos luminosos
especiais, utilizando materiais
Em uma leitura dramatizada, convém que o leitor escolha a melhor entonação para para a produção de sons de
chuva, de trovões, música am-
o narrador e para cada um dos personagens, além de criar recursos de voz para valorizar o biente etc.
suspense nos momentos de maior tensão.
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passa a levar em conta as
tecnologias e o impacto so- b) “aroeiras expõem seus galhos”.
cial da mídia.
c) “Sinais de seca brava, terrível!”.
d) “Toque de saída. Toque de entrada”.
Cinema para mim era um lugar sagrado, era como a Terra Prometida dos judeus que
fugiram do Egito liderados por Moisés. Eu atormentava minha mãe para que ela me
levasse para assistir a qualquer filme. Eu me sentia tão dentro da tela que muitas vezes
conversei com os personagens, e uma vez gritei para o mocinho que o bandido estava
escondido logo atrás dele.
Como todas as crianças, eu corria bastante pelos corredores e lá na frente da tela.
Certa tarde, antes que a sessão começasse, tomei coragem e passei por baixo da cortina
para entrar naquele mundo maravilhoso. Fiquei decepcionadíssimo, e berrei para minha
mãe me tirar daquele escuro.
Sim, naqueles tempos maravilhosos os cinemas tinham cortina! Quando a sessão ia
começar, um gongo tocava três vezes. As luzes se apagavam e a cortina se abria! O cine-
ma tinha mais magia, era teatral.
SOUZA, Flávio de. É uma pena!: aventuras de um roteirista versátil. São Paulo: Atual, 1996. p. 14.
Opiniões ou sentimentos: “Cinema para mim era um lugar sagrado”; “Eu me sentia tão dentro da tela”;
“Fiquei decepcionadíssimo”.
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A sombra do meio-dia
Acachapante.
A sombra do meio-dia é o belo título de um romance lançado recentemente, de autoria
Esmagador,
do diplomata Sérgio Danese. O livro trata da glória (efêmera) e da desgraça (duradoura) de opressor.
um ghost-writer, ou redator fantasma – aquele que escreve discursos para outros. A glória do Efêmero.
ghost-writer de Danese adveio do dinheiro e da ascensão profissional e social que lhe propor- Passageiro,
cionaram os serviços prestados ao patrão – um ricaço feito senador e ministro, ilimitado nas temporário.
ambições e limitado nos escrúpulos como soem ser as figuras de sua laia. A desgraça, da Laia. Espécie, tipo.
sufocação de seu talento literário, ou daquilo que gostaria que fosse talento literário, posto a Outrem. Outra
pessoa.
serviço de outrem, e ainda mais um outrem como aquele. As exigências do patrão, aos pou-
cos, tornam-se acachapantes. Não são apenas discursos que ele encomenda. É uma carta de Senhorio.
Proprietário.
amor a uma bela que deseja como amante. Ou um conto, com que acrescentar, às delícias do
Soer. Costumar.
dinheiro e do poder, a glória literária. Nosso escritor de aluguel vai se exaurindo. É a própria
personalidade que lhe vai sendo sugada pelo insaciável senhorio. Na forma de palavras, fra-
ses e parágrafos, é a alma que põe em continuada venda. (...)
TOLEDO, Roberto Pompeu de. A sombra do meio-dia. Veja, São Paulo, ed. 1.843, p. 110, 3 mar. 2004.
Autoavaliação
Reúnam-se em grupos e façam as atividades a seguir.
1 Busquem na Matriz Geral de Habilidades o texto dos Descritores trabalhados nas questões. Em
seguida, identifiquem qual(is) habilidade(s) é (são) trabalhada(s) em cada questão.
2 Vocês consideram importante trabalhar essas habilidades? Por quê?
Resposta pessoal.
Professor: Os alunos devem perceber, primeiramente, a importância de desvencilhar um fato das distintas opiniões, pontos
de vista e juízos pessoais e sociais desencadeados a partir de sua compreensão. Isso atende, por sua vez, às necessidades
comunicativas de cada gênero: a finalidade de cada produção depende de várias circunstâncias (enunciador, público-alvo,
momento histórico etc.).
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Para saber mais
Para ler
REPRODUÇÃO
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A jovem Esmeralda foi confundida com a filha de um milionário e leva-
da por três sequestradores para uma igreja abandonada. Vigiada pelo
corcunda a quem chamam de Bicho Preto e à espera de um resgate que
nunca será pago... O que acontecerá com ela? (Também disponível em
versão impressa.)
REPRODUÇÃO
Para assistir
• A.I.: Inteligência Artificial, de Steven Spielberg. EUA, 2001, 146 min.
978-85-8247-624-6
49018951