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Despentecostalização:
Um estudo sobre mudanças sócio-religiosas na Igreja Cristã Nova Vida
Rio de Janeiro
2017
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Despentecostalização:
Um estudo sobre mudanças sócio-religiosas na Igreja Cristã Nova Vida
Rio de Janeiro
2017
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Despentecostalização:
Um estudo sobre mudanças sócio-religiosas na Igreja Cristã Nova Vida
Aprovada em:
____________________________________________________
Orientadora: Prof.ª Dra. Cecília Loreto Mariz
Instituto de Ciências Sociais – UERJ
________________ ___________________________________
Prof.ª Marcia de Vasconcelos Contins Gonçalves
Instituto de Ciências Sociais – UERJ
____________________________________________________
Prof.ª Dra. Maria das Dores Campos Machado
Universidade Federal do Rio de Janeiro – URRJ
____________________________________________________
Prof. Dr. Paul Charles Freston
Universidade Federal de São Carlos – UFSCar–SP
Wilfrid Laurier University – WLU–Canadá
Rio de Janeiro
2017
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AGRADECIMENTOS
Nossa memória é seletiva e, muitas vezes, busca os registros mais recentes para
demonstrar reconhecimento pessoal pelo apoio que a gente tem para realizar determinado
trabalho. No caso dessa tese, certamente não conseguirei nem poderei citar e agradecer
satisfatoriamente a tantas pessoas que foram fundamentais, cada uma a seu modo, para que eu
chegasse até este estágio. No entanto, alguns destaques são absolutamente indispensáveis,
como registro abaixo.
À Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro,
FAPERJ, pelos recursos financeiros (“bolsa”) concedidos durante quatro anos de estudos.
Ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, PPCIS / UERJ, seus coordenadores e coordenadoras, assistentes como Sônia
Chaves Costa e Wagner Aguiar Souza, e seus professores e professoras. Dentre tais, destaco
aqueles/as com quem cursei disciplinas neste período: Bernardo Medeiros Ferreira da Silva,
Cecilia Loreto Mariz, Claudia Barcellos Rezende, Helena Maria Bomeny Garchet, Lia de
Mattos Rocha, Marcia de Vasconcelos Contins Gonçalves, Maria Claudia Pereira Coelho,
Ronaldo Oliveira de Castro e Valter Sinder. O privilégio do ambiente em sala de aula, com as
discussões dos textos indicados e mediação destes professores, respeitados intelectuais
brasileiros no campo das ciências sociais, são registros memoriais de grande contentamento.
À minha orientadora, a querida Cecília Mariz, personagem fundamental em minha
formação desde a graduação na UFF nos anos 1990, passando pelo mestrado nos anos 2000,
bem como agora no doutorado. A capacidade intelectual de Cecília, seu compromisso
“weberiano” com a sociologia, sua sofisticação analítica, para ficar nestes itens, são
inspirações e motivações para produzir ciências sociais. Agradeço ainda por sua persistência e
paciência para comigo, além das ricas e sábias orientações nesta tese, sem medir esforços,
estando no Rio, em Nova Iorque ou em Sidney. Distâncias que se extinguem via telefone, e-
mail, WhatsApp e Facebook. Cecília, muitíssimo obrigado, inclusive por sua amizade.
Aos membros da banca de qualificação, além de Cecília, Maria das Dores Campos
Machado – a cara Dodora, com quem aprendo muito desde a “iniciação científica” mediante
sua orientação e textos –, e Claudia Wolff Swatowiski, de convivência mais recente, porém
não menos rica, sobretudo pelas ótimas recomendações. Também a Paul Freston, uma
referência intelectual para tantas pessoas, para mim especialmente, desde os anos 1990. Seus
textos, conceitos, reflexões, sabedoria, além de provocar outros olhares e interpretações da
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Aos amigos que gastaram tempo para me ajudar, provendo informações que pedi e que
foram indispensáveis, como Rogério Rezende, Lyndon Santos e Raimundo Barreto. Também
Lourivaldo Santos.
Dentre tantos agradecimentos, faço aqui um memorial de reconhecimento aos
entrevistados que aparecem com nomes fictícios na tese e ainda outros sem identificações
nominais. Todos eles, que somam mais de duas dezenas, foram fundamentais e concederam
informações com grande presteza. De maneira singular agradeço aos fiéis entrevistados da
Catedral pelo tempo e esforços concedidos dividindo histórias de sua vida, além de
percepções de seu grupo religioso, para ajudar a compor dados de pesquisa do trabalho de um
estranho. Caso tenham acesso a esta tese, e reconhecendo-se ou não nas falas apresentadas,
reitero meu pleno agradecimento a vocês
Agradeço de igual modo, isto é, de maneira especial, aos bispos e pastores da Nova
Vida, tanto da Aliança quanto do Conselho. Seus nomes estão registrados nas várias partes da
tese, entretanto, destaco aqui alguns pelo relevo com que dedicaram de seu tempo e
conhecimento a este trabalho. Da parte da Aliança, agradeço ao bispo Tito Oscar, que me
recebeu generosamente em seu gabinete, antes de um culto dominical se iniciar. Além da boa
conversa, deu-me cópias de documentos bibliográficos e durante todo o ano de 2016
respondeu aos meus muitos e-mails de perguntas, com sobejas informações. Assim como o
pastor Martinho Lutero, também sempre atencioso na resposta aos vários e-mails que enviei,
sem falar na entrevista concedida em seu gabinete-biblioteca no templo de sua igreja.
Também o pastor Sebastião
Quanto aos líderes entrevistados da Aliança registro, com profundo agradecimento, o
pastor Ragner Chagas e o bispo Luiz Paulo, – este, inclusive, concedeu-me duas entrevistas –
ambos em seus gabinetes na antiga sede da Nova Vida, o histórico templo em Botafogo. De
maneira semelhante agradeço ao editor Andrew McAlister, da Catedral, e sua boa vontade em
todas as entrevistas, inclusive por meios eletrônicos. Também na sede nacional da ICNV fui
recebido pelo pastor Marcelo Maia, que deu longa entrevista, embora fosse um dia não usual
de trabalho seu na Catedral. Ao pastor John McAlister, meu reiterado e grande agradecimento
por sua atenção sempre generosa em atender aos meus pedidos. Tanto em relação às
conversas feitas e outras informações por e-mail, quanto em permitir acesso aos membros de
sua igreja, no contexto da catedral, para serem entrevistados. Sem falar nos almoços nas
dependências da igreja, após os cultos de domingo, dos quais participei como convidado, o
que facilitou contato com fieis para entrevistas. Finalmente, com saliente destaque, agradeço
ao bispo Walter McAlister. Desde o almoço que me ofereceu num restaurante na Cidade do
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Cabo, em 2010, sua generosidade tem sido grande para comigo. Principalmente em conceder
informações para este trabalho por meio de diversas entrevistas, tanto presencial quanto por
telefone e também pequenas conversas, embora dezenas delas, via Facebook. Minha gratidão,
plena, por sua disposição e disponibilidade em prover dados solicitados para esta tese.
Chego ao final desses agradecimentos prolixos, que são absolutamente necessários, no
entanto, certamente ainda devedor de muitas outras pessoas. Agradeço, afetivamente, à minha
linhagem familiar. Ao meu amado pai, seu João, de quase 80 anos, com quem passei alguns
dias de férias, no entanto a reta final desta tese me tirou muito de sua saudável companhia e
agradável conversa. À minha mãe, saudosa Joelina, in memorian, cujo conhecimento
intelectual e relacional foi libertador para mim. Aos meus irmãos queridos e suas famílias,
Cloris, Clemilson e Cleonice, especialmente meus sobrinhos. Particularmente à Boneca, por
seu apoio e suporte, sempre, assim como Clemilson e Alba-Lucia, que me ajudaram muito
com sua internet para esta tese. A querida d. Sebastiana por todo apoio e grandeza, bem como
a seu Elson, de saudosa e bela memória, que poderia está conosco contando suas divertidos
causos e sábias histórias. E à família Lima. Também aos queridos Isaías, Ester e toda
sua/nossa família.
Agradeço, sumamente, à elas, meu amores, minha vida, minha felicidade maior:
Elcivan, mulher única, de toda minha vida, e Aninha, filhota única, que singulariza nossa
vida. Ao registrar aqui este agradecimento com minha alma, lamento, muito, os muitos
instantes deste último ano que fiquei privado da companhia de vocês. Tantas vezes não puder
estar junto, nem acompanhá-las em muitos eventos e encontros. Como o tempo não volta,
espero aproveitar intensamente com vocês os dias e dezenas de anos por vir. Com plenitude
de alegria. Assim espero, assim peço a Deus, a quem agradeço, também, por tudo.
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RESUMO
ABSTRACT
Through the case study of a religious movement, this research describes the processo f
de-Pentecostalization by which the Igreja Pentecostal de Nova Vida, funded by Canadian
Robert McAlister and emerged from a specific doctrinal configuration that we call here
protoneopentecostalism, has experimented through the exchange of generational direction.
Under the leadership of his son, Walter McAlister, the Igreja Pentecostal de Nova Vida has
come to be called the Igreja Cristã Nova Vida, and undergoes a cultural campaign that has
brought about sensitive changes in theological and aesthetic-liturgical identity through the
adoption of the Calvinist matrix, leading him to propose a sui generis ecclesial model in the
scenario of Brazilian Protestantism: Pentecostal-Reformed.
AD – Assembleia de Deus
IN – Igreja do Nazareno
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 15
Reflexões preliminares: algumas questões problematizadoras, hipótese
e o objeto em estudo ............................................................................................................. 19
Campo de trabalho e caminhos da pesquisa ....................................................................... 23
Termos e diferenciações ........................................................................................................ 28
Os entrevistados .................................................................................................................... 30
1. DESPENTECOSTALIZAÇÃO: CAMINHOS TEÓRICOS DA CONSTRUÇÃO
DE UM CONCEITO ............................................................................................................ 34
1.1 Pentecostalismo, neopentecostalismo e sinais da despentecostalização .................... 37
1.2 Alguns referenciais de análise ....................................................................................... 50
2 TRAJETÓRIA DE ROBERTO MCALISTER E A IGREJA DE NOVA VIDA ....... 56
2.1 Protestantismo e pentecostalismo no Brasil e a singularidade da Cruzada
de Nova Vida ......................................................................................................................... 62
2.2 Primeiramente uma igreja eletrônica (ou virtual) ..................................................... 69
2.3 Sinais do protoneopentecostalismo .............................................................................. 80
2.4 Entre a enfermidade e a morte: Sabático, episcopado, Vaticano
e autonomia das igrejas ........................................................................................................ 98
2.5 Trânsito religioso .......................................................................................................... 108
3 PENTECOSTAL E REFORMADA: UMA IGREJA
EM PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO .................................................................... 113
3.1 Walter McAlister entre duas gerações ...................................................................... 113
3.1.1 Uma igreja de pai para filho .................................................................................... 118
3.1.2 Direção episcopal e divisão da igreja: Macedo como pivô involuntário ............... 121
3.2 Contexto brasileiro e pentecostal ................................................................................ 127
3.3 Em busca de outra identidade .................................................................................... 134
3.3.1 A Catedral, o bispo, a Aliança e o presbitério ........................................................... 148
3.3.2 A instituição de formação teológica e ministerial .......................................................158
3.3.3 A editora e a livraria .................................................................................................. 163
3.4 Liberdade para escolher: A clientela da igreja ........................................................ 170
3.5 Identificação e envolvimento profundo com a igreja .............................................. 174
3.6 Desconforto com a despentecostalização e calvinização ......................................... 184
14
INTRODUÇÃO
1
Anais de encontros acadêmicos demonstram isso, como da Asociación de Cientistas Sociales de la Religión Del
Mercosur (ACSRM), da Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR), da Associação Brasileira de
Antropologia (Aba), da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), do Congresso Internacional do Núcleo de Estudos da Américas
(Nucleas), da Asociación Latinoamericana de Sociología (Alas), dentre outros, demonstram a ausência de
estudos sobre a Nova Vida, seja qualquer um de seus ramos.
16
pesquisas específicas acerca de sua trajetória e atuação, que é a Igreja Cristã Nova Vida
(ICNV)2.
Não bastasse sua importância social, inclusive como predecessor de outra forma de
pentecostalismo surgida nos anos 1960, que veio a se configurar no chamado
neopentecostalismo, essa igreja teve como membros personagens que criaram movimentos
exponenciais que têm incidido na realidade brasileira3. Entre esses destacam-se Edir Macedo
e sua global – embora denominada Universal (IURD), pois presente apenas em todos os
continentes4, R. R Soares e a Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD), que, conquanto a
nomenclatura, nem seja tão amplamente presente para além do território nacional, e Miguel
Ângelo e sua Igreja Evangélica Cristo Vive (IECV), para ficar nessa trindade representativa
do neopentecostalismo nacional (e também made in Brazil). Embora com assimetrias diversas
entre si, sejam de quantidade de fieis, de templos, de ênfases doutrinárias e políticas, de
presença nas mídias, essas igrejas podem ser consideradas representativas de um tipo de
movimento do pentecostalismo brasileiro.
Ademais, não se trata de selecionar e enfocar uma denominação apenas porque tem
sido pouco explorada em investigações acadêmicas, até porque existe uma gama de grupos e
movimentos na vida social, que podem ser transformados em objetos de pesquisa, no entanto,
nem todos possuem ações e consequências sociais que despertem interesse ou justifiquem
sociologicamente um estudo mais acurado. Qual, porém, o destaque específico deste trabalho,
que no campo religioso pentecostal coloca em relevo a Igreja Cristã Nova Vida? Necessário
se faz uma mirada panorâmica no passado para que se possa chegar ao desenho do objeto
desta pesquisa. Antes, porém, é pertinente ratificar que o estudo se refere à denominação hoje
conhecida como Igreja Cristã Nova Vida (ICNV) liderada por um bispo primaz em torno da
Aliança das Igrejas Cristãs Nova Vida (ACNV) sem, no entanto, deixar de considerar o
cenário mais amplo que envolve grupos hoje cindidos, mas que eram um único sob o
2
Assim como a outra grande vertente, a Igreja de Nova Vida, que é resultado da divisão de 1994 da
denominação, também sem estudos acadêmicos específicos.
3
Influência que vai muito além dos aspectos estritamente de crescimento numérico, com redução do rebanho
católico e consequente alteração cultural da predominante identidade religiosa nacional. Na esfera política,
principalmente no Legislativo, essa influência já tem sido bastante salientada por estudiosos (CONRADO, 2001;
ORO, 2003; VITAL e LOPES, 2013; MACHADO e BURITY, 2006; 2014; MACHADO, 2015), porém ela
chega à esfera do poder Executivo. A recente eleição de Marcelo Crivella para a Prefeitura do Rio de Janeiro,
bispo licenciado da IURD e sobrinho de Edir Macedo, é o fato de maior destaque, por enquanto, dessa investida.
O céu, isto é, a presidência da República, com a possibilidade de indicações de ministros para o Supremo
Tribunal Federal, é o limite. Mas só por enquanto, apenas. (Sobre evangélicos mirarem o STF ver:
http://www1.folha.uol.com.br/poder/eleicoes-2016/2016/10/1827942-estrategia-evangelica-e-ocupar-o-
executivo-para-chegar-ao-judiciario-diz-pesquisadora.shtml
4
Segundo Oro (2004), citando fonte da própria IURD.
17
fundador Roberto McAlister. Mais especificamente nos detivemos nesta pesquisa em duas
unidades eclesiásticas, a Catedral, como recorte principal, e a igreja de Botafogo. A
identificação Nova Vida, no entanto, reúne outras igrejas e denominações que estiveram
unidas num único e mesmo grupo em torno da liderança carismática do fundador, Roberto
McAlister, até sua morte ou em tempos posteriores a esse fato, que se tornou uma espécie de
marco divisor – histórico e estrutural – da trajetória da denominação no Brasil. Atualmente,
além do grupo que é o objeto destacado deste estudo, a ICNV, existem outros, como a Igreja
de Nova Vida do Brasil (INVB), Igreja de Nova Vida Ministério É de Deus! (INVMD), que já
existe há 18 anos, a União das Igrejas de Nova Vida (UINV) além de várias independentes ou
conjunto de igrejas, como Igreja de Nova Vida Família da Fé (INVFF), liderada pelo Bispo
Jorcelino Queiroz – que engloba a Igreja de Nova Vida de Bonsucesso –, e o Tabernáculo de
Nova Vida (TNV), com várias igrejas na Região dos Lagos, no Estado do Rio de Janeiro, e
ainda outras várias comunidades que adotam a identidade de Nova Vida referenciando e
reverenciando Roberto McAlister.
O nome original e oficial da igreja fundada por Roberto McAlister foi Igreja
Pentecostal de Nova Vida (IPNV). As pessoas terminaram assimilando simplesmente Igreja
de Nova Vida, o que foi adotado informalmente pelo fundador. Na cisão litigiosa ocorrida
após a morte do bispo Roberto o grupo liderado pelo bispo Tito Oscar manteve e oficializou o
nome reduzido de Igreja de Nova Vida. O outro segmento, liderado pelo filho do bispo
Roberto, Walter McAlister, resgatou o termo legal original assumindo a identidade de Igreja
Pentecostal de Nova Vida.
Em 2008, conforme será explicado no capítulo 3, o nome pentecostal foi suprimido e
propositadamente substituído por outra designação – cristã – passando a se denominar Igreja
Cristã Nova Vida. Essa mudança poderia ser considerada como troca apenas de um epíteto,
porém, ela rechaça uma expressão – pentecostal – que é vista da perspectiva do
protestantismo histórico, mas, também, do senso comum da sociedade, ainda com resquícios
pejorativos. Além do mais, vincula pentecostal-neopentecostal, resultando em concepção
marcada por juízo de valor e mesmo categoria acusatória associada criticamente à “teologia
da prosperidade”5. Defende-se a hipótese que neste contexto crítico e adverso, que censura
práticas religiosas tidas como pouco éticas e incompatíveis com a tradição cristã, espremida
5
Para mais informações sobre essa corrente teológica surgida nos Estados Unidos e que relaciona a fé evangélica
com prosperidade econômica e outras riquezas materiais, ver, Freston (1993, p. 105), que diz ser “uma etapa
avançada de secularização da ética protestante”, Mesquita, (2007), Mafra, Swatowiski e Sampaio (2012), entre
outros.
18
provocar tal mudança de percurso, que seria contra ela mesma, no sentido de ver reduzir seu
crescimento e influência no cenário evangélico e nacional? Movimentos sociais e religiosos,
sobretudo os de natureza missionária visam recrutamento de novos integrantes. O
cristianismo, em especial o evangélico e particularmente os pentecostais são ávidos pelo
aumento de fiéis em suas fileiras. Numa igreja cuja direção superior tem passado de pai para
filho o que cada contexto conjuntural, identidade e interesses de cada personagem pode
contribuir, ou não, para explicação das mudanças, conforme tem acontecido na Nova Vida? O
que pode significar para o mundo evangélico e pentecostal a mudança de rota da Nova Vida?
Que interesses ou motivações levaram a igreja a fazer tais mudanças em seu percurso?
Relacionadas às perguntas acima surge a necessidade de discutir o que queremos dizer
com despentecostalização. Este conceito foi utilizado inicialmente pelo campo da teologia
mas também pela sociologia e tem em Paul Freston (2012) um importante teórico, conforme
será visto sobre a construção do referido conceito no capítulo 1. Quais as razões para a
despentecostalização? Esse processo resultaria em declínio numérico ou conquista reduzida,
porém de fiéis mais “qualificados”, principalmente do ponto de vista sócio educacional e
econômico? Um grupo religioso tem, geralmente, o afã de crescer, em particular no
cristianismo, – que é, por natureza, conquistador de mentes e espaços –, como, portanto, se
justifica ou se compreende uma campanha/projeto religioso que, ao menos, a curto prazo,
reduziria seu crescimento numérico? Porque indivíduos buscam despentecostalizar-se? Por
que grupos denominacionais buscam despentecostalizar-se? Como isso acontece? É o
indivíduo que procura se despentecostalizar ou ele se despentecostalizou interiormente,
involuntariamente, e considera justo, ou mais adequado, despentecostalizar a instituição? (Isso
no caso da liderança institucional do bispo Walter McAlister).
Em resposta a parte das questões acima elencadas sugerimos como hipótese que o
processo de despentecostalização e “historicização” – este entendido como adoção de
características das igrejas históricas –, de um grupo religioso mais místico e encantado, como
o pentecostalismo e neopentecostalismo brasileiro, estaria relacionado a um tipo de
mobilidade social ascensional por parte de líderes e fiéis. Supomos, por exemplo, que o
aumento do nível de instrução, resultará em despentecostalização10, conceito que, como foi já
dito será apresentado no capítulo 1. Hipótese semelhante a essa já tem sido tratada e
trabalhada por Freston (2013a, por exemplo), que aporta contribuição destacada a este estudo.
Para Freston, a “historicização” é uma das formas de despentecostalização (1996, 2013a, 2013b), como será
10
11
Um panorama conceitual dessa doutrina será apresentado no capítulo 3.
12
Informação de Paul Freston, dada no contexto do exame de qualificação deste trabalho. Porque embora Miguel
Ângelo da Silva Ferreira, de nacionalidade portuguesa (nascido em Luanda quando Angola era colônia), tenha
fundado a Igreja Evangélica Cristo Vive, em 1985, vivia no Brasil desde a década de 1970. Aqui se estabeleceu
na Igreja de Nova Vida, onde se tornou diácono e depois pastor, dela saindo para criar sua própria denominação.
http://www.ministeriocesar.com/2012/06/expansao-apostolica-brasil-1.html (acesso em: 30 jun. 2016). Portanto,
além de já viver no país não é um estrangeiro típico, pois que, português, gozando dos privilégios de
nacionalidade derivada concedidos pela legislação brasileira.
22
O presente trabalho parte do ramo da Igreja Nova Vida liderada por Walter McAlister
Jr. e tem por objetivo identificar e descrever razões, motivações, tensões, sucessos,
dificuldades e consequências deste processo de mudança, em seus diferentes níveis, tanto
entre as lideranças e entre os fiéis. Bem como nas possíveis distinções entre algumas igrejas
locais, a partir daquela que seria o paradigma ou modelo ideal da igreja, que é a sede
episcopal, ou seja, a Catedral de Nova Vida, hoje localizada no bairro do Recreio dos
Bandeirantes, no Rio de Janeiro, onde atua o pastor John McAlister e o bispo primaz Walter
McAlister Jr.
Diante das questões elencadas mais acima, também não se descarta a explicação, ou
outra hipótese, que um grupo religioso ou um líder religioso não se mobiliza apenas pela
vontade de fazer sua igreja crescer. Nesse sentido essas reflexões contribuiriam para
questionar pressupostos da teoria do mercado religioso (IANNACCONE, 1997; FRIGERIO,
2000; GUERRA, 2003, MARIANO, 2008) que as instituições religiosas agem em função do
sucesso que possa ter nesse mercado obtendo o maior crescimento e número de fiéis. O papa
Bento XVI, por exemplo, considerando os desafios da Igreja Católica em seu pontificado,
dizia que o importante não é ter grande número, mas ter fiéis de verdade13. É importante
considerar este argumento, pelo menos do ponto de vista do discurso, que deve ser
problematizado e analisado com outras ações e falas dos líderes religiosos.
Parece que ideia de que a igreja quer crescer a todo custo, sobretudo ao preço da
“verdade”, é uma visão reducionista e precisa ser mais problematizada. A própria Teologia da
Libertação católica também correu o risco de perder fiéis. Batizar crianças apenas quando pais
e padrinhos faziam cursos reduziu o número de batismos católicos, como nas paróquias
estudadas por Mariz (1994).
A despentecostalização pode se relacionar com processos identificados pela sociologia
no estudo da religião tais como, racionalização, desencantamento ou desmagização?
(WEBER, 2010; PIERUCCI, 2003). Despentecostalização corrobora o que seria secularização
ou a secularização seria uma das causas da despentecostalização? Despentecostalização pode
ser considerado uma espécie de rotinização do carisma ou não? Despentecostalização poderia
ser identificado como ascetismo (“contra” o mundo, mas ativo no mundo) em contraponto ao
misticismo, que na tipologia ideal de Weber se identificaria com a experiência de ser um
13
http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2010/september/documents/hf_ben-
xvi_spe_20100916_interv-regno-unito.html (acesso em: 28 out. 2016) e Ratzinger (2008).
23
receptáculo do divino e contemplação podendo levar, mas nem sempre à negação do mundo?
(WEBER, 2010)14.
Estaria o processo vinculado a uma ampliação do capital cultural das lideranças e um
diálogo com o mundo secular e intelectual? Seria um processo de dimensão internacional?
Estaria o suposto enfraquecimento da RCC nos Estados Unidos da América (EUA) e Europa
associado a um processo similar?
A Igreja de Nova Vida tem experimentado em anos recentes mudanças substantivas
em suas doutrinas e práticas, abandonando crenças associadas ao universo pentecostal e
assimilando concepções e ações próprias de igrejas protestantes históricas. Como apontam
livros de Walter McAlister (2009, 2012), o bispo primaz da igreja, e também entrevistas
concedida a esta pesquisa. Como já foi dito, estamos pressupondo que esta mudança pode ser
entendida como um processo de despentecostalização.
14
Para Weber (2010) também pode haver misticismo para esse mundo e ascetismo para outro mundo.
24
que pudessem vir a causar qualquer exposição pública da igreja. No entanto, consegui
autorização e fiz o trabalho de campo na sede em Botafogo, em 1997.
Na presente pesquisa fiz uma primeira entrevista com o bispo em novembro de 2013 e
fui ao campo, mais frequentemente, com observações etnográficas e entrevistas, entre
novembro de 2015 a abril de 2016. Nesse momento o contexto era outro e a igreja vivia uma
situação bastante diferente. Menos complicado ou mais simples,tanto que, inicialmente, nem
foi preciso um pedido formal de autorização para desenvolver este trabalho. Informalmente
dei início à pesquisa, inclusive com coleta de dados, visitando templos e participando de
cultos. E isso se deve não somente ao fato de a igreja viver um tempo em que conflitos e
disputas foram amainados, mas também pelo fato de ter conhecido Walter McAlister, o bispo
primaz da igreja. Creio ser importante fazer ligeira narrativa sobre isso para entender o
desenvolvimento da igreja e a possibilidade de realização da coleta de dados. Numa viagem à
África do Sul para um evento global cristão no segundo semestre de 2010, lá encontrei Walter
McAlister. Aproximei-me, apresentando-me ligeiramente e falei de minha monografia sobre a
Igreja de Nova Vida, feita nos anos 1990, como era de se esperar ele não se recordava. Na
ocasião, a autorização para realização das entrevistas nas dependências do templo havia sido
dada por um pastor que atuava na administração na Igreja Nova Vida de Botafogo, onde
ocorreu o trabalho de campo. Comentei de uma conversa informal que tive com ele, em 1999,
na referida Igreja Nova Vida de Botafogo em cuja ocasião não me apresentei como
pesquisador. Foi algo rápido, onde ele recebia e cumprimentava as pessoas, após o culto.
Trazendo a memória este fato, McAlister brincou chamando-me de “X-9”, por eu ter buscado
informações e ter realizado estudo acadêmico sobre sua igreja. Convidou-me para almoçar e,
junto com mais dois amigos, comemos e conversamos. Estabeleceu-se uma relação de
aproximação e mesmo de confiança que, creio, aconteceu por estarmos fora de nosso país. Era
um evento com mais de quatro mil participantes, de 198 países, sendo apenas 120 brasileiros.
Dificilmente nossos universos teriam se cruzado aqui no Brasil. Tornamo-nos, depois, parte
de contatos virtuais numa rede social, onde já trocamos diversas mensagens eletrônicas por
causa da pesquisa. Ele se tornou bem acessível e até interessado no trabalho15.
Em fins de 2012 solicitei uma entrevista com ele que, por problemas de agenda, se deu
por telefone. Fiz algumas perguntas e ele respondeu com muitas informações e reflexões,
falando por cerca de uma hora. Esta conversa não foi gravada, mas escrevi várias páginas, à
15
Como estudioso que também é, dá atenção e valoriza o saber acadêmico, de um modo geral. Ele concedeu, por
exemplo, longa entrevista a Paul Freston, com apoio de Robson Souza, em 2012, para uma pesquisa sobre
religião global, que do Brasil, teve entre os coordenadores o próprio Freston, Cecília Mariz, Maria das Dores
Campos Machado e outros pesquisadores.
26
mão, enquanto ouvia suas considerações. Em novembro de 2013, após assistir a um culto na
Catedral da Igreja Cristã de Nova Vida, ainda no antigo templo na Avenida das Américas no
Recreio dos Bandeirantes, tive uma breve conversa com ele sobre no âmbito da pesquisa. Na
mesma ocasião, também falei com o pastor da igreja, John McAlister, que é filho de Walter.
Comentei sobre tal pesquisa de doutorado, da conversa que tinha tido antes com o bispo, seu
pai, e do interesse de vir a entrevistá-lo. O que ele aceitou, de bom grado, concedendo-me
seus contatos de e-mail e telefone celular.
No segundo semestre de 2015 consegui marcar entrevista com Walter, que aconteceu
em seu amplo e confortável gabinete de trabalho nas dependências da nova Catedral da Igreja
de Nova Vida no Recreio dos Bandeirantes. Ele autorizou a gravação e por mais de 100
minutos falou sobre os assuntos que fui apresentando a ele, dentro do objetivo da pesquisa. Já
havia feito anteriormente outra entrevista com ele, por telefone, com duração de cerca de uma
hora, como relatado acima. Durante o ano de 2016, especialmente, mantive contato com ele
via Facebook, com dezenas de mensagens trocadas, solicitando informações. A todas ele
respondeu, mesmo de forma sucinta, como é um padrão desse tipo de rede social.
Para a entrevista aos membros, solicitei autorização ao bispo, que me remeteu ao
pastor John, que é o atual responsável pela igreja da Catedral. Conversei com pastor John,
que, de pronto, autorizou e deu até dicas sobre o melhor período de coleta desses dados, bem
como da abordagem aos crentes entrevistados se eram mesmo membros ou apenas visitantes
nos cultos da catedral. Por convite participei de alguns almoços da igreja, ocorridos após
cultos dominicais, o que facilitou bastante a aproximação com os crentes bem como mais
tempo para diálogos. Voltei a pedir informações ao pastor John, via e-mail, que foi sempre
atencioso nas respostas concedidas.
Já na Igreja Cristã Nova Vida de Botafogo, consegui entrevistar o pastor e o bispo.
Quanto aos crentes solicitei autorização desses líderes, que me foi concedida verbalmente
depois de renovadas tentativas. Embora tenham autorizado falar com os fieis, obispo e o
pastor decidiram indicar as pessoas, o que terminou não ocorrendo, embora diversas
investidas minhas junto aos pastores. Nunca negaram, mas não efetivaram as indicações e não
permitiram entrevistar não indicados por eles. Depois fiz contatos telefônicos e por e-mail,
porém sem respostas.
A metodologia consistiu em acompanhamento de alguns cultos para observar liturgias,
sobretudo pregações e as participações dos fiéis, visando identificar possíveis sinais do que
estamos considerando ser a despentecostalização. Fiz acompanhamento de cerca de 20 cultos,
sendo a ampla maioria na Catedral, outros em Botafogo e ainda outros na igreja em
27
Copacabana e da Tijuca. O primeiro culto de que participei na Catedral da Igreja Cristã Nova
Vida, sentei-me num local de fácil observação e dali fiz, discretamente, anotações num
caderno, durante todo encontro, acompanhando todas as suas partes. Às vezes, algumas
pessoas próximas me olhavam escrevendo e eu procurava ser ainda mais discreto, ficando
atento ao pastor que conduzia a reunião e fazer meus registros etnográficos. O segundo culto
que fiz observação foi na Igreja Cristã Nova Vida, em Botafogo, no primeiro semestre de
2014 (mesmo local onde fiz o trabalho de campo na pesquisa da graduação entre novembro e
dezembro de 1996) e que foi sede da denominação até a mudança para a catedral no Recreio
dos Bandeirantes, no Rio. De igual forma, acompanhei tudo desde a chegada das pessoas ao
templo, sua acomodação, até o encerramento e a saída delas do templo. No segundo culto que
pesquisei anotei com mais discrição e até constrangimento, pois, diferente da Catedral, que
são bancos coletivos, logo, dá para ficar mais distante das pessoas – pelo menos em tese –
caso haja pouca frequência, em Botafogo, são poltronas ligadas umas às outras. Como o
templo ficou cheio os lugares foram ocupados e uma pessoa ficou ao meu lado esquerdo.
Optei por numa poltrona do corredor lateral onde não havia ninguém, obviamente, do meu
lado direito. Sobre este culto faço observações em capítulo posterior.
No prosseguimento da pesquisa, aconteceram ações similares a estas para consecução
e construção dos dados tais como, a realização de entrevistas gravadas com o próprio bispo
primaz, com mais dois outros bispos e com o pastor-regente da catedral. Além disso, obtive
mais quatro entrevistas, sendo duas com pastores mais antigos, que não tiveram a formação
do Instituto Bispo Roberto McAlister de Estudos Cristãos (IBRMEC) e as outras com dois
pastores que cursaram o IBRMEC. Nos objetivos da tese é importante considerar os estudos
realizados nessa instituição teológica, pois as doutrinas e toda formação que ela oferece segue
a nova visão e orientação segundo a “campanha de mudança cultural” (no sentido dos
conceitos propostos por ORTNER, 1989a, 1989b), que estamos nominando de
despentecostalização e calvinização empreendida pela liderança do bispo primaz Walter
McAlister. Sobre uma conceituação de calvinização, adotamos este termo compreendendo um
processo de socialização de pessoas e grupos em crenças e práticas próprias da tradição
calvinista, visando torná-los adeptos dessa doutrina.
Todas essas entrevistas, tanto a realizada com o bispo primaz, as demais com pastores,
bispos e fieis, visaram identificar como cada um e todos
percebem/assimilam/rejeitam/conformam/adaptam, o quê e em que proporção, a campanha da
despentecostalização e mesmo como compreendem esta mudança na igreja. Como já foi dito,
além dessas entrevistas, também foram feitas observação participante/etnografias de
28
Termos e diferenciações
Para esclarecimentos sobre a leitura do texto, faço aqui um breve comentário sobre
palavras, conceitos e suas compreensões no contexto dos entrevistados para a pesquisa e do
ambiente evangélico.
Dois termos bastante utilizados durante toda a tese são igreja e denominação, portanto
se faz necessário lançar luzes sobre eles aqui. Niebuhr (1992), a partir de Max Weber e Ernst
Troeltsch, define igreja como “um grupo social natural semelhante à família ou nação”, onde
se nasce nela. E acrescenta afirmando que são “instituições inclusivas, frequentemente de
âmbito nacional”. Essa compreensão está inserida num contraponto a seita, entendida como
associação de adesão voluntária, de caráter exclusivo e que exige algum tipo de conversão
para ser aceito nela (NIEBUHR, [1929]1992, p. 19). Forjado a partir da realidade europeia de
mais de um século percebe-se como tal caracterização de igreja não corresponde ao que se
entende atualmente por essa instituição, sobretudo no contexto brasileiro. Já um texto recente,
de 2008, um antropólogo – também a partir de uma leitura de Weber e de outros autores16 –
constrói um panorama conceitual com definições de quatro tipologias: igreja, seita,
denominação e culto. Ali ele retrata denominação “como uma etapa intermédia entre seita e
Igreja” (RODRIGUES, 2008), que parece algo impreciso, mas, na sequencia há uma
descrição mais detalhada, em que mostra o processo inicial da seita com uma postura mais
radical. No entanto, com o passar dos tempos e gerações, “começa a tornar-se mais estável, a
institucionalizar-se, ou seja, a organizar-se de uma forma semelhante a uma Igreja e torna-se,
assim, numa denominação” (RODRIGUES, 2008, p. 27). No contexto brasileiro talvez seja
preciso afinar estes conceitos levando em conta as especificidades de um país de formação
16
Referências a Wilson (1970, 1982); Stark & Bainbridge (1985).In:
http://www.revista.ufpe.br/revistaanthropologicas/index.php/revista/article/viewFile/87/84
29
Os entrevistados
Para melhor caracterização de quem são e sobre suas trajetórias religiosas traçamos
um perfil básico das pessoas entrevistadas para a pesquisa identificando faixa etária, gênero,
estado civil, escolaridade, profissão, naturalidade e bairro onde reside. As falas dessas pessoas
30
tem prioridade na apresentação deste trabalho. Do total de 13 entrevistas com fiéis, cinco
eram jovens entre 22 e 30 anos, outros três eram jovens mais adultos entre 31 e 42 anos. Os
idosos ou de terceira idade foram cinco, compreendendo uma faixa etária de 60 a 82 anos.
Quanto ao gênero, as mulheres entrevistadas foram 6 e os homens, 11. Mesmo num
contexto religioso em que as pessoas estão num ambiente de maior possibilidade relacional,
inclusive por conta da doutrina cristã da comunhão, não foi simples o contato com elas e,
sendo o entrevistador homem, foi ainda mais difícil acessá-las para entrevistas. Algumas
chegaram a marcar e confirmar, mas não compareceram ao templo no dia marcado. Nem as
encontrei em outras ocasiões de culto de que participei na catedral.
Sobre o estado civil, os casados foram grande maioria: 14 pessoas. Os solteiros, 2 e
divorciado, um apenas. Tais números podem ser bem representativos do universo visualizado
pelo pesquisador no templo e outros espaços da catedral durante o período de coleta de dados
No quesito escolaridade, as pessoas de mais idade e que não são oriundas do Rio de
Janeiro formam o contingente das que não tinham nível superior: 5 pessoas. Os demais 12
entrevistados, todos com formação universitária.
Em relação à profissão e ocupação, 9 são ligados ao mundo corporativo,
principalmente em funções de gestão administrativa ou profissionais liberais. Dois são
estudantes de graduação, uma professora/diretora e 4 aposentados.
No que diz respeito à naturalidade, a maioria é do Rio de Janeiro: 14 pessoas, sendo
quase todos da capital. Duas pessoas idosas vieram para o Rio ainda crianças, uma oriunda do
Nordeste e a outra de um estado do Sudeste.
Acerca do bairro onde reside, a grande maioria mora na mesma região da catedral, isto
é, 9 vivem no Recreio dos Bandeirantes e Barra da Tijuca. Dois entrevistados contaram que
quando mudaram do interior do Estado para o Rio buscaram um apartamento o mais próximo
possível da igreja. Cinco outros moram em região adjacente ao templo, em bairros de
Jacarepaguá e outros dois residem mais distante, no Méier, Zona Norte do Rio.
Embora seja uma igreja que exista há mais de 50 anos e mesmo considerando que
foram menos de duas dezenas de pessoas entrevistadas e mesmo entre eles seis com trinta
anos ou menos, entretanto, não identificamos ninguém que tenha nascido já em uma família
evangélica ligado à Nova Vida. Dentre o contingente pesquisado, a extensão de tempo de
vínculo com a igreja varia de três a 42 anos. O tempo médio de experiência evangélica é de
mais do que o período em que estão na Catedral, pois os mais jovens, principalmente, vêm de
experiência religiosa de outras igrejas evangélicas pentecostais antes de migrarem para a
31
Nova Vida. Mas o período médio só na ICNV é de 19 anos, ou seja, quase duas décadas, que
é um período considerável de socialização religiosa e inserção institucional.
Os cinco pastores e bispos da ICNV formalmente entrevistados estão identificados
com um pequeno perfil no decorrer do texto no respectivo capítulo onde aparece com mais
dados de suas entrevistas.
Quanto aos pastores e bispos entrevistados, o perfil social é o seguinte:
Naturalidade:
RJ – 5 (sendo 1, o bispo primaz, naturalizado brasileiro)
Sexo:
Masculino – 5 (a igreja não ordena nem aceita pastoras)
Faixa etária:
32 a 58 anos (o mais novo é o pastor da Catedral e o mais velho é o bispo – filho e pai)
Estado civil:
Casado – 5
Escolaridade:
Superior – 5 (sendo o pai e o filho ambos com mestrado)
Profissão:
Cursos diversos como Engenharia, Direito, Psicologia e Teologia, mas todos com dedicação
exclusiva à igreja no trabalho eclesiástico
Onde mora:
Botafogo / Recreio (3) / Copacabana
Além destes cinco entrevistados todos ligados à ACNV, foram feitas mais duas
entrevistas com líderes da Nova Vida (Conselho), o bispo Tito Oscar de Almeida Júnior e o
pastor Martinho Lutero Semblano, que ajudaram a construir um mosaico que visamos
apresentar neste trabalho. Outras várias pequenas entrevistas, com fieis e pastores de outras
denominações ocorreram para esclarecer certos pontos e tais personagens serão identificados
no decorrer do texto. Durante o ano de 2016 troquei vários e-mails com o bispo Tito Oscar e
também com o pastor Martinho Lutero Semblano, que sempre foram generosos em conceder
informações solicitadas.
Na apresentação das entrevistas, cada fiel será identificado com informações básicas
de seu perfil a fim de ajudar compreender o local a partir do qual se manifesta. Os nomes, no
32
entanto, são fictícios para manter a confidencialidade conforme acordamos antes de fazer a
entrevista.
Quanto ao conteúdo desta tese, no primeiro capítulo será feito um itinerário da origem
e desenvolvimento preliminar do conceito de despentecostalização. Também será apresentado
um panorama dos principais autores e suas respectivas contribuições teóricas no recorte de
abordagem deste objeto de estudo além dos conceitos fundamentais que são orientadores de
todo o trabalho.
Nos três capítulos seguintes serão abordados os processos de implantação,
desenvolvimento, cisão e mudança sócio-teológica da Igreja de Nova Vida, com a nuança da
liderança de cada uma das três gerações de McAlister: Roberto, Walter e John. Assim, sendo,
no segundo capítulo será mostrada uma trajetória de Roberto, o fundador, desde sua origem
canadense, viagens missionárias pelo mundo, desembarque no Brasil, criação da Nova Vida,
de doutrina pentecostal, com ênfase em milagres, exorcismo e prosperidade. Sua caminhada
também passa por seu envolvimento com outros lideres pentecostais internacionais que
mantiveram diálogo de alto nível com o Vaticano, cuja influência vai resultar na adoção do
modelo episcopal para governança de sua igreja. Esta experiência inédita no pentecostalismo
brasileiro se tornaria uma marca do neopentecostalismo.
No capítulo 3, com foco especial na liderança do filho do fundador, a Nova Vida
enfrenta uma divisão ruidosa, que levará ao surgimento inicial de pelo menos dois grupos
denominacionais: O do bispo Tito Oscar e outro, de Walter McAlister, que resgata o nome
antigo dado por Roberto: Igreja Pentecostal de Nova Vida. Fustigado pelo ambiente
controverso do neopentecostalismo brasileiro, Walter, contrariando posição antiga de seu pai,
passa a fazer uma pós-graduação em Teologia nos EUA. Este curso, de base teológica
reformada, redundará em processo de assimilação da influência calvinista por parte de Walter
e o consequente processo de despentecostalização de sua igreja (Catedral) e uma campanha
geral para reformar a denominação. Para tanto conta com dois instrumentos básicos nesse
projeto de mudança: um seminário teológico e uma editora/livraria.
Finalizando a tese, o capítulo 4 fará uma abordagem desse processo de mudança na
Nova Vida, realçando a liderança do neto de Roberto e filho de Walter, John McAlister, na
condição de pastor-regente da Catedral e as transformações que tem implementado na direção
da igreja sede como modelo para outras igrejas da denominação. Neste e nos demais capítulos
os personagens-chave foram alvos de entrevistas, exceto o capítulo 2 sobre Roberto,
obviamente, morto há mais de 20 anos. No entanto, para se construir um panorama desses
períodos identificando semelhanças e diferenças a partir das visões de pentecostalismo e
33
17
A rigor, os primeiros protestantes a virem para o Brasil, os huguenotes franceses, aqui se estabeleceram na
chamada França Antártica, em 1557, pelos movimentos de invasão de europeus a terra dominada por Portugal.
Mas não prevaleceram, pois alguns foram mortos e outros retornaram a Europa. Estudiosos como Mendonça
(2008, p. 823) classificam este grupo pioneiro como “protestantismo de invasão”.
18
Além dos luteranos, são também considerados parte do “protestantismo de imigração”, os anglicanos ingleses
que chegaram ao país junto com a família real portuguesa a partir de 1808 (MENDONÇA; VELASQUES
FILHO, 1990: 22).
19
Protestantismo de missão diz respeito aos grupos que chegaram a partir de 1859 com objetivos missionários,
isto é, alcançar adeptos para suas crenças, como congregacionais, presbiterianos, batistas e metodistas. Diferente
dos grupos ingleses e alemães que vieram como imigrantes e mantinham cultos e outros serviços religiosos entre
si e em suas próprias línguas (MENDONÇA; VELASQUES FILHO, 1990, p. 25-31).
20
Somente no Censo de 1980 o IBGE segmentou os grupos “tradicionais” de “pentecostais” (FRESTON, 1993,
p. 31), o que passou a fazer parte nos levantamentos censitários posteriores.
21
Igrejas renovadas, também chamadas de carismáticas, são de origem doutrinária protestante, mas com a
“renovação espiritual” tornaram-se adeptas do “dom de línguas” (glossolalia) e de expressões cúlticas próximas
das igrejas pentecostais. Essa chamada “renovação” propugnava tornar igrejas “antigas, tradicionais e
ritualísticas”, como as protestantes históricas, em “igrejas renovadas”, pelo Espírito Santo, segundo as crenças
pentecostais (FRESTON, 1993, p. 113, 114; FERNANDES, 1998, p. 18, 19; MENDONÇA, 1990, p. 258, 259;
MARIANO, 1999, p. 48, 49; ALMEIDA, 2004).
36
22
Em 2000 as igrejas evangélicas de missão tinham participação de 26% e caíram para 18% em 2010. Já as de
origem pentecostal representavam 74% e também sofreram perda de percentual, no mais recente Censo, indo
para 60%. Essa diferença se explica por uma categoria nova do Censo de 2010, “evangélicos não-determinados”
que somam aproximadamente 10 milhões de pessoas que não identificaram sua igreja ou denominação. Essa
nova categoria tem gerado debates, com diferentes hipóteses e explicações de estudiosos para tal fenômeno
(MARIZ e GRACINO JR., 2013, TEIXEIRA, 2013, CAMURÇA, 2013, CAMPOS, 2013, MARIANO, 2012, e
outros).
23
Dentre algumas tentativas de explicação tipológica do pentecostalismo brasileiro – como mostra uma análise
panorâmica crítica feita por Giumbelli (2001) – para os fins deste trabalho, cujo assunto não é central na tese,
opto por esta classificação de Freston (1993), como sendo de “ondas”, primeira, segunda e terceira. Esta última
tipificada pelo neopentecostalismo.
37
24
Para uma verificação ainda exploratória realizei seis pequenas entrevistas, contendo cinco perguntas
semiestruturadas, em encontros pessoais e por redes sociais, feitas de forma individual. As pessoas, mulheres e
homens, eram membros de igrejas pentecostais, como AD, Igreja Missionária Evangélica Maranata (AMEM),
38
possível afirmar ser necessário observar mais e melhor essas mudanças no campo para
formatar uma teoria que dê conta de conceituar o que se identifica atualmente como
pentecostalismo. E, quem sabe, neopentecostalismo também, que em geral é ainda mais
flexível em todas essas práticas como já mostrado pela literatura, conforme também será visto
neste trabalho.
Houve, portanto, mudanças significativas ou mais profundas que produziram
adaptação e mesmo rejeição de aspectos identitários centrais do pentecostalismo histórico,
resultando em outros movimentos pentecostais, para os quais se cunhou a categoria
neopentecostal25, já amplamente aceita e discutida em vários trabalhos (MACHADO, 1996;
ORO; SEMÁN, 1997; MARIANO, 1999; MAFRA, 2001, SOUZA; MARTINO, 2004).
Segundo uma caracterização feita por Mariano a partir de revisão bibliográfica que envolve
alguns destes autores acima citados e mais alguns outros como Bittencourt (1991), Freston
(1993) e Azevedo (1994), neopentecostalismo pode ser entendido como possuidor das
características gerais atinentes ao pentecostalismo, tanto de primeira quanto de segunda onda,
a saber, crença nos dons do Espírito Santo (glossolalia, milagres etc.), assim como
“antiecumenismo, líderes fortes, uso de meios de comunicação de massa, estímulo à
expressividade emocional, participação na política partidária, pregação da cura divina”
(MARIANO, 1999, p. 36). Para este autor, uma sistematização dos distintivos específicos do
neopentecostalismo seria:
Igreja do Nazareno (IN) e outras independentes. Com base em suas informações, torna-se possível algumas
reflexões, obviamente, isoladas e preliminares, mas reforçam percepções de mudanças. As falas têm várias
semelhanças e diferenças pontuais. Algumas delas mencionam poucas ou quase nenhuma manifestação de
línguas estranhas (glossolalia) nos cultos, e isso mais em igrejas de camada social média. Em outras, mais
periféricas, acontece com maior frequência. Um jovem pastor assembleiano, da Zona Norte do Rio de Janeiro
comentou que hoje o “dom de línguas” é pouco enfatizado pela liderança das igrejas. Mas acrescentou que nas
duas maiores denominações assembleianas, CGADB e CONAMAD, falar em línguas ainda é um critério para
consagrar pastores e evangelistas. De igual forma, dois mencionaram curas milagrosas e profecias como algo
“eventual”. Um entrevistado afirmou que não vê, mas genericamente disse: “Ouço muitos testemunhos de curas
extraordinárias”. De maneira semelhante uma jovem senhora, 38 anos, da AD disse: “a gente ouve falar, agora
ver e testificar na igreja que eu congrego ainda não vi”. Acerca de profecia, uma assembleiana contou:
“infelizmente em nosso meio existe muito profetadas, gente profetizando por si mesmo, e que nunca vai
acontecer”. Sobre “usos e costumes” conforme revelaram não há praticamente restrição, e que tal postura revela
neste quesito que os pentecostais são cada vez mais parecidos com a média da sociedade brasileira. Uma
entrevistada comentou que em igrejas da CONAMAD, onde participa e circula em outras desse grupo, não existe
cobrança por parte dos pastores e não sabe se é “por medo de perder dizimistas”. E acrescentou que as mulheres
“usam brincos grandes, maquilagem forte, unhas postiças, roupas apertadas”.
25
Chamado anteriormente de “pentecostalismo autônomo” por autores como Bittencourt (1991, 2003), o
vocábulo neopentecostalismo, segundo Nina Rosas (2015, p. 56), foi empregado inicialmente por “Leonildo
Campos, mas definitivamente consagrado pelas mãos de Ricardo Mariano”. Rosas registra ainda que “Segundo
Emerson Giumbelli (2001), na década de 60, o termo neopentecostal serviu para designar o movimento
carismático que atingiu igrejas protestantes históricas e a Igreja Católica. Posteriormente, tal termo foi utilizado
em outros contextos e passou a ganhar novos sentidos” (ROSAS, 2015, p. 56).
39
Outra teorização aponta semelhanças com as duas anteriores, mas agrega novas
características a este grupo evangélico como sendo os mais importantes:
Sobre essa natureza empresarial, tida como mais uma identificação de grupos
neopentecostais, com algumas igrejas até visando lucros conforme sugere Mariano, outros
autores assim compreendem e utilizam termos associados a esse universo corporativo como
empreendimento, mercado, marketing. Neste sentido, o neopentecostalismo tem sido
identificado por diversos autores (CAMPOS, 1997; ORO, CORTEN, DOZON, 2003;
SOUZA, 2011) mais claramente com a “teologia da prosperidade”, a maneira “empresarial”
de administração das igrejas e a flexibilidade na doutrina de usos e costumes para os fiéis,
para ficar nestes aspectos mais gerais.
Ser pentecostal hoje e, principalmente neopentecostal, assume ainda identidade
originária destas concepções religiosas, mas está para além das doutrinas clássicas que tornou
tais movimentos inicialmente conhecidos. As novas igrejas pentecostais, neopentecostais e
mesmo outras que não assumem ou não se designam por essas nomenclaturas, mas que
estariam aproximadas na mesma natureza sócio-doutrinária buscam variadas formas de ação e
identificação, relacionadas à realidade dos desafios do contexto cultural contemporâneo.
Dizendo de outra forma, esses segmentos religiosos procuram fazer alguma atualização e
flexibilização de certos valores e atos para ampliar sua penetração e aceitação entre diversos
40
grupos sociais. Entretanto, ainda encerram doutrinas e práticas associadas à glossolalia, curas
divinas e reuniões religiosas marcadas por maior fervor estético-emocional.
Quando do surgimento do pentecostalismo nos Estados Unidos e sua posterior
implantação no Brasil a partir de 1910, pela novidade surpreendente de suas ruidosas práticas
decorrentes de distintas concepções e interpretações bíblicas sobre a doutrina do Espírito
Santo, ele foi alvo de duras e continuadas críticas e mesmo enfrentamentos retóricos por
partes de igrejas protestantes históricas, que classificavam pejorativamente o movimento
como herético, sendo denominado pela imprensa evangélica brasileira sob a alcunha de “seita
pentecostista” (ALENCAR, 2010, p. 48, 49; 2014, p. 45). As tensões se avolumaram e não
ficaram apenas na relação com outros grupos protestantes, mas também se adensou com
católicos em razão de sua contundência no proselitismo e consequente crescimento numérico,
levando ao surgimento de congregações a partir do Norte e Nordeste para todo o território
nacional. Em citação de um dos fundadores da AD, Alencar registra que um folheto batista
contra os pentecostais, com 20 mil cópias impressas, foi enviado para as igrejas batistas no
Brasil e também para Portugal (VINGREN, citado por ALENCAR, 2014, p. 45).
Seguidamente o pentecostalismo conquistou fiéis oriundos do catolicismo, mas desde sua
origem atraiu muitos adeptos de igrejas protestantes, espraiando suas influências pentecostais
para outros grupos evangélicos, resultando, décadas depois (anos 1960) em grandes conflitos
que causaram cismas traumáticos entre igrejas do campo protestante.
Reações semelhantes àquelas dos protestantes aos pentecostais nos primórdios destes
no Brasil tornaram a ocorrer anos depois contra grupos neopentecostais, só que desta vez
tendo o envolvimento também de, além de igrejas históricas, segmentos pentecostais que se
sentiam pressionados pela religiosidade e rápido crescimento neopentecostal. A partir dos
anos 1970, e principalmente nas duas décadas seguintes, com a irrupção e avanço numérico e
midiático de igrejas desse tipo, sobretudo a IURD, mas também a IIGD, a Igreja Apostólica
Renascer em Cristo (IARC), a Igreja Sara Nossa Terra (ISNT), críticas ocorreram em
profusão. Evangélicos do protestantismo histórico e do pentecostalismo clássico escreveram
reativamente a esse cenário, tanto em periódicos denominacionais quanto em outros meios de
comunicação (ROMEIRO, 1997; 2005)26. Alguns autores das ciências sociais e da grande
mídia também enfatizaram essa temática (FRESTON, 1994, 2013; CAMPOS, 1996). As
26
Exemplar desse embate foi a condenação da Associação Evangélica Brasileira (AEVB), organismo que reunia
diversas denominações e lideranças evangélicas de diferentes setores, às práticas da Igreja Universal do Reino de
Deus em 1995, declarando em nota que suas práticas apresentam "elementos radicalmente contrários à fé
evangélica" (Jornal O Globo, 25/09/1995).
41
reações a esses grupos evangélicos midiáticos e às suas práticas se agravaram também por
influência de desaprovação e até condenação perpetrada por grandes grupos de comunicação,
cujas manifestações negativas aos neopentecostais se disseminaram e reproduziram por
diversos segmentos da sociedade27. O chamado “chute da santa”, em que um bispo da IURD
em seu programa de televisão na Rede Record performa batidas bruscas com sapato na parte
inferior de uma imagem de Nossa Senhora Aparecida é um desses casos notórios. O fato
ocorrido exatamente no dia 12 de outubro, feriado nacional dedicado à imagem católica, foi
exibido exaustivamente pelos diversos meios de comunicação, principalmente pela TV Globo
e veio a ser enfatizado por diferentes pesquisadores do estudo da religião (MARIANO, 1999,
p. 81; SILVA, 2007; VITAL DA CUNHA, 2015). O “chute da santa” ocorreu num dos auges
dessa crise, em 1995, menos de um mês após da exibição por parte da TV Globo de um
seriado chamado “Decadência”, cujo roteiro e destacado personagem, um pastor desonesto,
tinha verossimilhança com a trajetória da IURD e de seu bispo Edir Macedo. Muito embora,
como no jargão retórico desse tipo de produção televisiva, se afirmava que qualquer possível
semelhança com a realidade ou com quem quer que seja “terá sido mera coincidência”28.
A partir deste contexto tensionado no campo cristão, sobretudo evangélico, e num
cenário mais amplo do ambiente brasileiro de rejeição pentecostal, principalmente aos grupos
neopentecostais, desenvolveu-se um mal estar com a identificação lato sensu da nomenclatura
pentecostal. Inclusive por contar também com julgamento emitido por formadores de opinião
da sociedade e dialeticamente reproduzido através dos meios de comunicação. Além disso,
desenvolveu-se um processo de relativa “historicização” de segmentos pentecostais
(FRESTON, 1996, 1999, 2013), como será melhor explicado mais adiante. Neste sentido,
alguns grupos do campo pentecostal e também neopentecostal avançaram para uma crítica
que veio a desembocar num contraponto29. Esta perspectiva de mudança teve na então Igreja
Pentecostal de Nova Vida, como corpo institucional, um embrião desse movimento de reação,
principalmente na figura de seu líder Walter McAlister. Este publicou em seu blog, em julho
27
Considerando evangélicos em geral do contexto de favela, que são pentecostais e neopentecostais em grande
maioria, Vital da Cunha chama a atenção para o caráter “negativo” ou “poluição moral” imposto a esses grupos
em função da adesão religiosa associado ao vínculo espacial (2015, p. 51).
28
Além dessa informação que é protocolar e busca se eximir de possíveis problemas judiciais, na abertura do
seriado houve um editorial no qual a emissora carioca justificava que “Decadência não pretende fazer crítica a
nenhuma religião ou mesmo a qualquer um de seus representantes” (MARIANO, 1999, p. 82).
29
Um exemplo de mudança entre esses grupos é a Assembleia de Deus Betesda. Entrevista com um de seus
líderes e uma visita a um de seus cultos, num grande templo em São Paulo, em junho de 2015, reforça essa
tendência de mudança ao afugentar-se de práticas e doutrinas pentecostais. Inclusive mudou de nome, para Igreja
Betesda.
42
Alguns talvez estranhem que eu não esteja recomendando a própria igreja que lidero,
nem tampouco uma igreja pentecostal clássica. É claro que recomendo qualquer uma
das Igrejas Cristãs Nova Vida (ICNV). São ótimas. Mas, quando se faz uma
desintoxicação, é necessário se afastar de tudo o que pode te levar de volta ao vício.
Toda e qualquer igreja pentecostal, inclusive a nossa, usa termos, jargões e conceitos
que trazem ligeira semelhança com os do neopentecostalismo, mesmo que não
sejamos neopentecostais. Como um Presbitério, reconhecemos que em tempos
passados andamos perto de um neopentecostalismo tácito, só que há um bom tempo
esse não é mais o caso (MCALISTER, W, 2012).
Este texto de seu blog foi reproduzido em diversos sites, inclusive com reportagem no
conhecido espaço eletrônico do Instituto Humanitas da Unisinos31, mas foi removido do blog
original do autor. Ele consta, porém, no site da entidade denominacional de formação da
liderança da ACNV, o IBRMEC32.
As linhas básicas iniciais fazem fortes críticas e mesmo descartam doutrinas e práticas
que conformam um fenômeno que pode ser chamado genericamente de despentecostalização.
Embora não se constitua amplamente numa tendência crescente do ambiente evangélico e
religioso brasileiro, refletir acerca desse fenômeno pode lançar pistas sobre futuras mudanças
e transformações neste campo, como aponta o caso paradigmático da Igreja Cristã Nova Vida,
que, certamente, não é a única a apresentá-lo33, porém é o recorte utilizado no presente
trabalho para tipificar essa tese.
30
https://twitter.com/bp_walter/status/220214082056368128 (acesso em: 6 out 2016).
31
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/511461-bispo-pentecostal-sugere-qdesintoxicacaoq-em-igrejas-
historicas (acesso em: 6 out. 2016).
32
Texto integral disponível em: http://www.ibrmec.com.br/artigos/como-se-desintoxicar-do-neopentecostalismo/
(Acesso em: 20 nov. 2016).
33
Outras igrejas pentecostais e mesmo segmentos denominacionais associados ao pentecostalismo estariam
experimentando esse movimento de despentecostalização de suas práticas e assumindo uma identidade mais
aproximada da média das igrejas protestantes históricas. Como a Igreja Betesda, antes chamada Assembleia de
Deus Betesda, que excluiu o nome tão estimado por milhões de pessoas que fazem dessa identidade o maior
contingente religioso do Brasil, excetuando a Igreja Católica (entrevista com Gedeon Alencar, em maio de 2015
e visitas aos cultos da igreja em junho de 2015). Assim como a Igreja de Cristo, uma denominação cindida da
43
Qual, porém, a origem deste conceito e o que ele significaria, já que o mesmo estaria
em processo de construção?! Relativamente novo no contexto das ciências sociais, o termo
tem aparecido em alguns trabalhos, principalmente de Freston (2012, 2013) e de Machado
(2013)34, mas foram precedidos por pesquisadores do campo das ciências da religião e da
teologia, como Pommerening (2011), teólogo assembleiano e, antes ainda, Bobsin (2000).
Este autor, um teólogo luterano, é, possivelmente, o primeiro a utilizar o termo
despentecostalização numa publicação no Brasil e o faz num sentido próximo do que estamos
considerando o conceito, que:
Em alguns países da América Latina percebe-se um “cansaço” de algumas igrejas
pentecostais. Em círculos teológicos pentecostais há quem fale em
“despentecostalização” do pentecostalismo. O fogo do espírito está se apagando. O
templo do qual se fugiu volta a importunar os que buscaram uma realidade espiritual
pura. O carisma pode estar se rotinizando, para lembrar Max Weber (BOBSIN,
2000, p. 22, 23).
Pela informação de Bobsin, o termo não teria surgido no Brasil, mas seria oriundo,
possivelmente, da América Latina. Os dados deste trabalho, especialmente quanto a ICNV
como se verá principalmente nos dois capítulos seguintes, fazem aproximação com essa
análise de Bobsin do “cansaço de igrejas pentecostais” traduzido numa espécie de
“despentecostalização do pentecostalismo”.
Em site institucional católico do México há um texto recortado da antropóloga Renée
de la Torre que faz uma única menção ao termo, situando-o numa compreensão
aparentemente distinta:
Por ejemplo, la diócesis de Guadalajara ha buscado centralizar e institucionalizar al
Movimiento de Renovación Carismática estableciendo una sede en Guadalajara,
conocida como la Casa Cornelio, desde la cual se busca normar y
“despentecostalizar” los brotes evangélicos de las comunidades carismáticas. 35
AD na década de 1930 e mais presente em regiões do Nordeste brasileiro (Entrevista com Carlos Queiroz, pastor
dessa denominação, em novembro de 2014).
34
Na conclusão de um artigo e falando da metodologia a autora cita o termo dizendo: “Algumas entrevistas
revelaram também grupos em processo de “despentecostalização” e nos levaram a rever os sistemas
classificatórios que orientaram a elaboração do projeto de pesquisa.” Disponível em:
http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=4&ved=0CEoQFjAD&url=http%3A%
2F%2Fseer.fclar.unesp.br%2Festudos%2Farticle%2Fdownload%2F5972%2F4525&ei=q45cUqGSGses4AOH9I
DQAw&usg=AFQjCNEJfY2vURju-
p1Anav8qlW81GaveA&sig2=0RInLIrwixOs71myhq33mw&bvm=bv.53899372,d.dmg (acesso em: 14 out.
2013).
35
“Por exemplo, a diocese de Guadalajara buscou centralizar e institucionalizar o Movimento de Renovação
Carismática, estabelecendo uma sede em Guadalajara, conhecida como a Casa Cornélio, a partir da qual se busca
normatizar e “despentecostalizar” os brotos evangélicos das comunidades carismáticas” (tradução nossa). O
texto original está disponível em: http://www.arquidiocesisgdl.org/2014-2-8.php (acesso em: 20 set. 2014).
44
A presente citação não tem data e está em meio a um texto fragmentado da autora, o
que se supõe ter sido feito segundo economia interna da diocese católica do interior mexicano.
Interessante, porém, observar que em ambas as citações acima em que a palavra
despentecostalização se insere, elas aparecem sempre grafadas com aspas, como a denotar
uma categoria nova, em processo de construção. Certamente não é um termo próprio de
nativos, como se verificou no recorte da pesquisa de campo. Posteriormente descobri36 que o
referido fragmento do texto da antropóloga mexicana é parte de um livro seu chamado La
Ecclesia Nostra, que trata do protagonismo religioso e político dos leigos católicos no
ambiente da cidade de Guadalajara e os mecanismos de controle da hierarquia católica. No
contexto imediato da referida citação ela enfoca a temática da pluralização religiosa, inclusive
a presença pentecostal das igrejas protestantes na cidade bem como a reação católica para
controlar os leigos e afugentá-los dessas influências. A estratégia católica contou com a
Renovação Carismática no sentido de “despentecostalizar” comunidades leigas católicas de
qualquer influencia pentecostal protestante e normatizá-las conforme os padrões e doutrinas
da fé católica tradicional. Segundo destaca La Torre (2006), precisamente em Guadalajara
está a sede da maior denominação pentecostal do país, a Iglesia La Luz del Mundo, que
resulta em influência religiosa entre leigos católicos, muito embora a Igreja Romana seja
majoritária nesta região bem como em todo país.
No âmbito específico das ciências sociais é possível afirmar que o vocábulo tenha sido
utilizado pelo sociólogo Paul Freston, que o mencionou inicialmente em palestras e, depois,
em artigos, a partir do ano de 2012, também pioneiramente no contexto da teologia, campo
em que Freston também tem aproximações como estudioso37. No site de busca Google
acadêmico, há alguns poucos artigos em que aparece o termo despentecostalização, mas um
apenas é do campo da sociologia. Os dois demais são de autores da teologia/ciências da
religião, conforme anteriormente citados. No Google geral, além destes, tem mais outras raras
menções ao termo, com referências de Freston38. Na plataforma SciELO (Scientific Electronic
Library Online) não se encontrou qualquer registro desta palavra, seja em português, espanhol
ou inglês.
36
Fiz muitas tentativas para descobrir um contato da autora, o que somente ocorreu no final da redação da tese,
mediante rede de amigos das ciências sociais no Brasil. Ela me passou a referência do livro onde estava o texto.
37
Essa questão ajuda a refletir como os campos da teologia e das ciências sociais dialogam e constroem reflexões
que são utilizadas por ambas as áreas do saber. Sobre essa discussão, com um amplo panorama e análise, ver
Lopes Júnior (2014).
38
As referências de Freston já estão citadas neste trabalho.
45
39
Sobre a educação específica dada pelos pentecostais há investimento em formação teológica dos pastores feita
em seminários e institutos bíblicos espalhados pelo país, alguns, inclusive, com reconhecimento pelo Ministério
da Educação (GUERRA, 2015). Mas não apenas presencialmente, há também programas de educação à
distância, publicação de livros teológicos diversos, livrarias em várias partes do Brasil, mestres e doutores
pentecostais estudiosos do próprio pentecostalismo. Já algum tempo os estudos de ciências sociais e humanas
sobre pentecostalismo deixaram de ser feitos apenas por pesquisadores exógenos ao “mundo pentecostal”, como
já chamava atenção Fernandes (1977) em texto com o curioso título “O debate entre sociólogos a propósito dos
46
deslocam para um estrato social com maior formação cultural (FRESTON, 2013). Ao utilizar
“alargamento dos horizontes teológicos” Freston não faz julgamento de valor, como a dizer
inversamente que a visão pentecostal seria “estreita”, mas vincula intelectualização com
alteração na visão de mundo desse contingente pentecostal40. Acrescentando mais dados a
essa caracterização de historicização Freston (2013b) escreve:
A historicização pode se referir a instituições ou a indivíduos. Tanto pessoas como
instituições envelhecem; e tanto famílias como instituições passam por transições
geracionais. A existência ou ausência de grande sucesso numérico afeta não só a
composição das igrejas e as expectativas delas, mas também produz formas
diferentes de elitização do clero (correspondendo mais ou menos à distinção entre
liderança carismática e liderança racional ou tradicional). Por outro lado, os leigos
são suscetíveis a outros tipos de elitização: ou pela ascensão geracional de famílias
que se beneficiam de décadas de prática pentecostal, ou porque o pentecostalismo
em si ascende socialmente e se torna atraente para pessoas que já estão em outro
nível social (FRESTON, 2013b).
pentecostal no Brasil, mas um fenômeno em curso em outras latitudes, o que ele ilustra com
países asiáticos e também na América Latina, onde igrejas pentecostais estariam
experimentando essa mudança de afastar-se doutrinariamente da tradição pentecostal e se
aproximar e mesmo adotar práticas e concepções do calvinismo, portanto, passando pelo
processo da “reformed turn”:
But today the attraction is a local refraction of an international trend, which sees
charismatic churches in Singapore, Hong Kong, and Kuala Lumpur adopt the
(nineteenth-century neo-Calvinist) language of “cultural mandate”41 and the head
pastor of the Elim Pentecostal church in El Salvador say “don’t call me Pentecostal,
call me Calvinist” (FRESTON, 2013).42
41
“Mandato cultural”, aqui citado por Freston é um conceito atribuído a Abraham Kuyper, teólogo holandês, de
linha calvinista, que veio a ser primeiro ministro de seu país no início do século XX. Tal conceito diz respeito ao
mandamento de Deus dado aos seres humanos, conforme os primeiros capítulos do livro bíblico de Gênesis, de
dominar e cuidar da natureza, relacionando à idéia de produzir cultura visando influenciar todas as reflexões e
ações da vida em sociedade (RAMLOW, 2014).
42
“Mas hoje a atração é uma refração local de uma tendência internacional, que vê as igrejas carismáticas de
Cingapura, Hong Kong e Kuala Lumpur adotarem a linguagem neo-calvinista (do século XIX) de "mandato
cultural" e o pastor-chefe da Igreja Pentecostal Elim em El Salvador dizer "não me chame de pentecostal, me
chame de calvinista" (tradução nossa).
48
É possível considerar que este fenômeno que estaria ocorrendo entre assembleianos no
sentido de elitização sócio-educacional e “racionalização” religiosa ou redução do “fervor
pentecostal” em detrimento de maior “frieza litúrgica” teria aproximações com o processo de
mudança compreendido como despentecostalização na Igreja Cristã Nova Vida. Para avançar
na construção deste conceito, buscamos estabelecer caracterizações, apontar possíveis
paradoxos e, mesmo, contradições, a partir do referencial dos autores que tem utilizado e
forjado a conceitualização de despentecostalização, sempre em diálogo com dados empíricos
da pesquisa de campo.
49
específico da ICNV, com uma diferença de manter e ampliar posturas políticas mais
tradicionais em temas da agenda pública do que certa média do protestantismo histórico.
Portanto, resulta em um pentecostalismo despentecostalizado, mais ilustrado academicamente,
porém tanto ou mais politicamente conservador que a média do protestantismo e mesmo do
pentecostalismo brasileiro. Tal posição política, no entanto, dependendo de seu arcabouço
sócio-teológico pode ser radicalmente oposta em outro grupo que também experimenta a
despentecostalização43.
É importante lembrar que Weber destaca também que há misticismo dentro do mundo
e ascetismo fora do mundo. Embora o pentecostalismo combine ascetismo com misticismo,
pode-se considerar haver mais aproximações do modelo de pentecostalismo especialmente
elaborado e praticado no padrão da igreja formatado e conduzido por Roberto McAlister, em
43
Um exemplo de um grupo que também se despentecostaliza, mas não se calviniza e nem assume posições
políticas conservadoras, antes pelo contrário, é a Igreja Betesda, de São Paulo, liderada pelo pastor Ricardo
Gondim.
51
termos típico-ideais, com o misticismo, enquanto que ascetismo seria um equivalente teórico
para despentecostalização ou “pentecostalismo reformado” na forma como tem ocorrido sob a
direção de Walter McAlister. Como foi dito acima, sob a perspectiva desses tipos-ideais, o
pentecostalismo é místico e asceta voltado para o mundo, e no caso também o
pentecostalismo pioneiro de Roberto seria místico e também asceta, porém mais místico que
asceta, já a despentecostalização, no caso da ICNV sob a direção de Walter, seria asceta e
também místico, porém mais asceta do que místico.
Outra vertente da sociologia compreensiva de Weber que, certamente, traz aporte à
reflexão teórica desse suposto processo de despentecostalização é o conceito embutido em seu
conhecido sintagma “desencantamento do mundo”. São diversas e até antagônicas as
interpretações dessa construção, que aparece em diversos textos de Weber conforme mostrou
Pierucci (2013), mas que, de maneira geral, diz respeito a um processo histórico que se
desenvolveu no mundo ocidental, de natureza racional, e que conduz a uma espécie de
desmagificação da realidade social, em particular de corte religioso.
Para Weber, segundo Pierucci, a magia significa um estágio temporal anterior à
religião, num contexto em que a sociedade concebia viver em um mundo infestado de
espíritos que influenciava a vida cotidiana. Neste sentido, magia era o predomínio do sagrado
nas relações sociais; já religião diria respeito a um ritual e a uma doutrina, construídos numa
dimensão mais racional, típicos do contexto da modernidade. Foi exatamente o caminho
experimentado pelo protestantismo ascético que, imbuído dessa racionalização religiosa,
estabeleceu um processo moral de relacionamento com o sagrado, cujo código de ética não
reconhecia os espíritos, como na magia, mas unicamente o Deus único, próprio da religião
eticizada (PIERUCCI, 2013, p. 74).
Seguindo nesse encadeamento teórico, ainda conforme Weber, mas via interpretações
e reflexões feitas por Peter Berger (2001) tomaremos os conceitos de “modernização” ou
“racionalização” como fenômenos que podem ocorrer dentro de uma própria cultura religiosa,
como aponta o sociólogo austro-estadunidense, ao tratar das revisões e transformações
doutrinárias, éticas e litúrgicas verificadas no contexto da Igreja Católica a partir do
transcurso do Concílio Vaticano II (1962-1965).
Para analisar a postura da liderança episcopal, sobretudo falas e posicionamentos do
bispo primaz será utilizada como base a teoria weberiana das dominações, que é usada pelo
intelectual alemão para vários campos, como econômico e político, no intuito de fazer uma
análise sociológica da legitimação do poder, inclusive, de maneira teórica original, em sua
especificidade religiosa, que é um foco óbvio no presente trabalho. Três tópicos se destacam
52
nessa teorização, que são o poder, que “significa toda probabilidade de impor a própria
vontade numa relação social, mesmo contra a resistência, sejam qual for o fundamento dessa
probabilidade”, dominação, que Weber considera como sendo mais preciso que poder, pois
“só pode significar a probabilidade de obediência a uma ordem”, ou seja, “alguém mandando
eficazmente em outros”, e, disciplina, que “é a probabilidade de encontrar obediência pronta,
automática e esquemática a uma ordem, entre uma pluralidade indicável de pessoas, em
virtude de atividades treinadas”. Isto é, “inclui o “treino” na obediência em massa, sem critica
nem resistência” (WEBER, 1998, p. 33).44
Três facetas, bastante conhecidas, se apresentam nessa teoria weberiana da dominação,
a saber, a carismática, a tradicional e a racional. Na primeira, a liderança carismática não é
uma escolha dos liderados, “mas acontece o inverso: é o dever daqueles a quem dirige a
missão de reconhecê-lo como seu líder carismaticamente qualificado” (2002, p. 172, grifo no
original). Inicialmente trata-se de uma dominação carismática “pura”, sem vínculos
econômicos, por exemplo, mas tal autoridade passa para outro estágio num processo de
institucionalização, chamado por Weber de rotinização do carisma. Este acontece quando se
tradicionaliza, tornando-se uma estrutura relacional regular e continuada (1998, p. 161). Tal
processo de racionalização pode acontecer por razões diversas notadamente interesses
materiais, persistência das relações, assimilação das idéias pela comunidade e surgimento de
um quadro administrativo (p. 162). Um desafio se coloca quando da sucessão da liderança. A
“transmissão do carisma” ou a escolha do novo líder, pode se dar por hereditariedade,
capacidade vocacional, revelação, indicação do líder para transferência do carisma. E isso,
salienta Weber, “não se realiza, em regra, sem lutas” (p. 166).
A segunda, a liderança patriarcal é entendida como um processo em que a obediência à
pessoa se dá “em virtude de sua dignidade própria, santificada pela tradição: por fidelidade”
(WEBER, 1991, p. 131). A submissão às normas acontece por critérios familiares e
patriarcais, pela tradição que o líder representa, o que gera uma espécie de “docilidade” dos
liderados.
A última forma de dominação, a burocrática, caracterizada por Weber de diversas
maneiras, pode ser resumida na ideia de um modelo de governança marcado por estatutos,
regimentos, funcionários, hierarquia burocrática racionalizada visando eficiência e resultados.
44
Em diálogo com textos de Weber para essa reflexão teórica estabeleci relações neste parágrafo, bem como nos
três parágrafos posteriores com outros autores, sobretudo Alencar (2013) com suas ótimas reflexões sobre as
Assembleias de Deus no Brasil.
53
Quanto aos personagens da arena religiosa Weber elege três identidades de tipos ideais
para desenvolver sua análise, que são o sacerdote, o feiticeiro e o profeta. O primeiro “age por
vocação” com base num conhecimento teórico especializado, pois é funcionário de uma
empresa de salvação. O segundo, o profeta, desempenha suas funções mediante carisma
pessoal, tendo relação direta com a divindade. Tanto sacerdote quanto profeta podem ser
ligados a uma mesma religião, no entanto um será o conservador da estrutura institucional
enquanto o profeta será seu transformador ou renovador. Já o feiticeiro presta serviços
individuais, sem vinculação institucional, sem dogmas, restringindo-se a atender aos que o
procuram mediante a manipulação da “magia” (PIERUCCI, 2001).
Nas entrevistas com os fiéis e também na observação de suas posturas nas celebrações
religiosas procuraremos verificar como eles traduzem na prática a concepção religiosa dos
líderes em sua campanha de despentecostalização. Para tanto, a teoria de “habitus” de Pierre
Bourdieu (1974, 1983) se apresenta como uma possível chave de interpretação, procurando
perceber consonância ou dissonância entre projetos da liderança e práticas da base. Conforme
Bourdieu habitus diz respeito a uma “tomada de consciência” resultante de um
sistema de disposições inconscientes que constitui o produto da interiorização das
estruturas objetivas e que, enquanto lugar geométrico dos determinismos objetivos e
de uma determinação, do futuro objetivo e das esperanças subjetivas, tende a
produzir práticas, e por esta via, carreiras objetivamente ajustadas às estruturas
objetivas (BOURDIEU, 2001, p. 201, 202).
(THEIJE, 2002, p. 30, 31, 35, 36, 43). Ela chama atenção para a concepção weberiana de
mudança e do papel dos líderes na disseminação de uma nova prática religiosa (THEIJE,
2002, p. 56), como acontece na tarefa do profeta conforme teorizado por Weber (1994) e
trabalhado por Bourdieu (2001). A campanha é um processo intencional de mudança seja na
forma e ou no conteúdo de um determinado grupo social. Essa fundamentação de Theije se
baseia em Ortner e seu conceito de “política cultural”, uma prática desenvolvida por agentes
religiosos e que consiste em políticas de ideologia pública cuja disputa se dá “pelo controle da
verdade e do valor” (THEIJE, 2002, p. 69). Nas palavras de Ortner política cultural são “as
lutas sobre as representações simbólicas oficiais da realidade que prevalecerão numa dada
ordem social num dado tempo” (ORTNER, 1989b, p. 200). Segundo Theije, essas
“representações simbólicas oficiais da realidade” referem-se no contexto da religião a “uma
descrição excepcionalmente adequada das metas e dos objetivos dos especialistas religiosos”.
Conforme a antropóloga holandesa, nesse ambiente religioso a ideologia, como mencionada
acima:
aparece sob a forma de uma doutrina que é disseminada através do discurso e do
ritual, de regras e atividades simbólicas e organizacionais. As ações específicas
voltadas para mudança da ideologia pública podem ser vistas como campanhas
culturais, promovidas pelas partes interessadas (THEIJE, 2002, p. 69).
Para elucidar melhor as características da campanha Theije (2002, p. 70) destaca dois
elementos, a saber, “o processo de mediação (...) e o papel dos atores nesse processo”. Quanto
a esses últimos ela distingue dois tipos de personagens: os que conduzem uma campanha e os
que são alvos do processo de transformação cultural. Quanto a essa receptividade por parte
das pessoas alvo tal contexto “é tão importante para o resultado do processo quanto o próprio
conteúdo da campanha”, salienta Theije. Ela afirma que “uma campanha intencional de um
grupo pode revelar-se significativa em diferentes sentidos para outros grupos”, ou seja, “os
significados nunca são fixos, pois são contextuais e abertos à reinterpretação”. Como
reiterado pela antropóloga holandesa, nem sempre uma política cultural intencional alcança os
objetivos desejados ou pode até resultar em consequências opostas ao esperado 45 (THEIJE,
2002, p. 70). Sobre os que a conduzem, isto é, os mediadores, Theije assevera que eles são
parte essencial de qualquer campanha de mudança cultural e que tal processo é capaz de criar
e recriar a cultura. Uma questão, no entanto, comenta a autora, diz respeito a como as pessoas
reagem a novas idéias religiosas, se aceitam, rejeitam ou ficam num ponto intermediário.
“Seja qual for a sua reação, a ordem social e cultural sempre a modera”, explica Theije (2002,
45
Nesse contexto Theije (2002, p. 70) faz referência a M. Sahlins (1981) de que toda mudança cultural é uma
forma fracassada de reprodução.
55
p. 71). Ela completa afirmando que “o objetivo último de toda campanha de política cultural é
mudar as idéias, os sentimentos e as práticas do povo” (2002, p. 72).
Necessário se faz explicitar que o cenário analisado por Theije para falar de campanha
refere-se ao movimento da Teologia da Libertação e suas comunidades eclesiais de base no
contexto católico do interior nordestino, onde ela desenvolveu sua pesquisa de campo. Tal
movimento contava com a participação de mediadores, sobretudo os “basistas”, isto é,
lideranças diversas, atores sociais, especialmente militantes, estudantes e profissionais do
campo das ciências sociais, mas todos de identidade católica, obviamente. No caso da Igreja
Cristã Nova Vida há distinção, pois a campanha de mudança cultural visa, por um lado,
extirpar da igreja certas concepções e práticas pentecostais e neopentecostais, promovendo o
que estamos classificando como despentecostalização. Por outro lado a campanha objetiva
formar a igreja, a partir de seus pastores, dentro de uma visão teológica e doutrinária
aproximada do viés calvinista do ambiente protestante. O processo da campanha é conduzido
pelo bispo primaz com o suporte de outros atores, principalmente os dois pastores da equipe
da catedral e o responsável pela editora/livraria, que atuam também como espécie de
auxiliares do Primaz. Os pastores, além de servirem na condução da igreja, dirigem o instituto
de formação teológica da denominação, o IBRMEC.
Neste caso da ICNV a campanha conta com outros mediadores, que são, inicialmente,
alvos da formação para a mudança cultural, os pastores, para que venham a repassar as
concepções da política cultural para os fieis de suas igrejas. Nos capítulos seguintes será
considerado como os fiéis percebem e dão significado às práticas e influências religiosas dos
líderes. Também como assimilam ou rejeitam, dão forma ou transformam as sugestões da
campanha por despentecostalização. No encontro semanal do presbitério o bispo orienta tais
líderes nesta direção, mas, os melhores resultados advêm, sobretudo, por meio da nova
geração de ministros que são formados dentro desta visão da campanha pelo IBRMEC.
No próximo capítulo serão abordados os primórdios da Nova Vida, seu estilo de
pentecostalismo pelo protagonismo de seu fundador Roberto McAlister, bem como um
panorama de sua ação religiosa desde a América do Norte, passando por outras partes do
mundo, o destaque do Brasil até sua morte.
56
se transferir para o Brasil, onde o nome inglês seria aportuguesado pelos crentes para pastor
Roberto46.
A atuação de Roberto no Brasil desenvolveu um tipo de pentecostalismo que veio a
desembocar no que é atualmente conhecido como neopentecostalismo. Este é um segmento
evangélico com presença crescentemente marcante na sociedade brasileira, especialmente nos
últimos vinte e cinco anos, conforme mostram diversos autores, tais como Freston (1999),
Machado (2006), Almeida (2004), Almeida e Montero (2001), Vital da Cunha e Lopes
(2013).
Para buscar a gênese da Igreja de Nova Vida é necessário principiar pelo fundador,
Roberto McAlister, que nasceu em Ontário, a mais populosa das províncias do Canadá,
próxima da Costa Leste dos EUA. Conforme entrevista de seu filho Walter, e um texto
publicado no site do CMINVB, Roberto viveu sempre no contexto da igreja, entretanto era
tido como “rebelde”, especialmente em comparação aos outros dois irmãos. Na adolescência
chegou a ser um “beberrão”, mas aos 17 anos passou por uma experiência de “conversão”,
devotando sua vida à igreja e decidindo-se pelo trabalho missionário. Trabalhava como
inspetor de seguros de carro, deixou essa atividade e foi fazer um curso de formação bíblica
na escola da denominação liderada por seu pai, a Eastern Pentecostal Bible College, em
Peterborough, Ontário. Após três anos, concluiu o curso e veio a ser missionário. Mas tinha
um problema: era gago, conforme narra Walter, numa gramática típica da narrativa
testemunhal pentecostal:
Segundo Walter, Roberto descende de uma linhagem de líderes pentecostais. Seu pai,
também chamado Walter, assim como um tio-avô com o nome Robert, foram pastores
pentecostais no Canadá. “Mas a família é de origem escocesa, presbiteriana. Eu tenho
46
Neste trabalho optamos por grafar Roberto, muito embora outros estudiosos, como Paul Freston (1993) e
Ricardo Mariano (1999) tenham mantido a forma original e correta de seu nome: Robert. Já em meu trabalho de
1999, citado na introdução, utilizo a forma que foi consagrada pelos fieis e aceita pelo próprio fundador, que é
Roberto. Todos os livros publicados por ele bem como outros, obviamente de sua autoria, que foram relançados
pela editora Anno Domini, têm na capa o nome de seu autor, de forma abrasileirada: Roberto. O conjunto de
pessoas que entrevistei para este trabalho sejam pastores ou os demais crentes, adultos ou jovens, todos se
referem ao fundador da Nova Vida, invariavelmente como Roberto. Jamais falam Robert. Nasceu Robert no
Canadá e circulou pelo mundo com esse nome. No Brasil foi rebatizado pelos fieis ganhando a identidade de
Roberto.
58
47
Em um verbete de uma enciclopédia sobre o cristianismo na América do Norte, há uma referência a essa
ascendência escocesa da família McAlister (BARRETO JR, 2016, p. 1447).
48
Aqui Walter utilizou a tradução genérica da correspondente brasileira Assembleia de Deus, mas formalmente,
o nome é Assembleias Pentecostais do Canadá (The Pentecostal Assemblies of Canada – PAOC), como ele
mencionou em entrevista.
49
Dados do arquivo histórico da denominação a que Walter Elmo McAlister esteve vinculado por toda sua vida,
a PAOC: https://www.archeion.ca/walter-e-mcalister-fonds (acesso em: 9 nov. 2016).
50
No Canadá os cristãos estão divididos em três grupos básicos: católicos, protestantes e evangélicos. Este
último reúne igrejas que enfatizam conversão e uma ética em geral mais conservadora, como pentecostais,
menonitas, batistas e outros grupos. A PAOC está no topo deste grupo de evangélicos. Estas informações estão
disponíveis em: http://www.evangelicalfellowship.ca/page.aspx?pid=7329 (acesso em: 9 nov. 2016).
51
Jack McAlister tinha um programa de rádio e a partir dele iniciou a Cruzada Mundial de Literatura, que,
segundo seu site (http://www.ehc.org/history) já fez campanhas de distribuição de material de propaganda
evangélica em mais de 192 países, desde a pioneira no Japão em 1953. A Cruzada Mundial de Literatura surgiu
como um empreendimento ou esforço (cruzada) de levar folhetos impressos (literatura) para diversos países do
mundo visando alcançar as pessoas com a mensagem evangélica. A CML mudou o nome em 1987 para Every
Home for Christ, embora no Brasil – onde atua desde 1963 – permaneça Cruzada Mundial de Literatura.
http://www.cruzadamundial.org.br/nossa-historia/ (acesso em: 3 nov. 2016).
59
Canadá, em 1946 e a transferido para os EUA, em 1952. Nessa organização evangélica ele
atuou como vice-presidente executivo até retornar ao Canadá em 1980. Segundo Walter
McAlister, em entrevista para esta pesquisa, a Cruzada Mundial de Literatura “chegou a ser a
terceira maior editora do mundo, após a do Partido Comunista Russo e a das Testemunhas de
Jeová”. E acrescentou que “foi por meio dos esforços missionários da Cruzada que ele [Jack,
seu tio] foi instrumento fundamental na fundação de inúmeras igrejas na Índia”.
Além do pai de Roberto, outro destacado parente do fundador da IPNV é seu tio-avô
Robert E. McAlister. Nascido em 1880 Robert E. é um dos mais importantes personagens do
pentecostalismo no Canadá. Esteve em dezembro de 1906 num encontro da Rua Azuza52, pois
disse que queria ver com seus próprios olhos o movimento pioneiro do pentecostalismo
moderno que irradiava informações espetaculares pela América do Norte. Ali teve uma
experiência pentecostal e falou línguas estranhas, entendida como “sinal do Espírito Santo”,
retornando ao Canadá e difundindo essa experiência, com suas doutrinas e práticas religiosas.
Um verbete sobre ele contido na recém-lançada Encyclopedia of Christianity in the
United States (KURIAN e LAMPORT, 2016) 53 registra sua importância e
contribuição:
A preacher, church planter, writer, editor, and administrator, McAlister became one
of the main architects of the Pentecostal Assemblies of Canada (PAOC), a
fellowship of Pentecostal Assemblies mainly from Ontario and the Quebec, which
has become the largest Pentecostal denomination in the country, currently counting
more than 1,100 congregations across the country. He was one of the original
signatories of the PAOC’s charter, in 1919, served as its first general secretary and
treasurer (1919–1932), and was the founder and first editor of its official
publication, Pentecostal Testimony, for fifteen years (BARRETO JR, 2016, p.
1447)54.
52
Azuza Street, referência sócio-espacial na cidade estadunidense de Los Angeles (CA) onde ocorreram
encontros cristãos com suposta manifestação de línguas estranhas, principalmente, que vieram a ser entendidas
como origem do pentecostalismo no século XX. Muitos foram os que acorreram para ver e experimentar os
fenômenos pentecostais ali ocorridos entre 1906 a 1915, liderados por um filho de ex-escravo, William Seymour
(HOLLENWEGER, 1976). Dentre tantos, destaque para Luigi Francescon, italiano que depois viria para o Brasil
e aqui organizaria a primeira igreja pentecostal do país, a CCB, em 1910 (YUASA, 2001), e os suecos Gunnar
Vingren e Daniel Berg, que, igualmente, viajariam dos EUA para o Brasil, onde fundaram a Assembleia de
Deus, em Belém do Pará, no ano de 1911 (ALENCAR, 2010).
53
Enciclopédia com cinco volumes, sendo que no terceiro há esse verbete, cuja autoria é de um brasileiro,
professor da Universidade de Princeton (EUA).
54
“Pregador, plantador de igrejas, escritor, editor e administrador, Maclister se tornou um dos principais
arquitetos das Assembleias Pentecostais do Canadá (PAOC), uma associação de Assembleias Pentecostais,
principalmente de Ontário e Quebec, que se tornou a maior denominação pentecostal no país, contando
atualmente com mais de 1.100 congregações em todo o país. Foi um dos primeiros signatários da carta
constitutiva do PAOC, em 1919, foi seu primeiro secretário geral e tesoureiro (1919-1932), e foi fundador e
primeiro editor de sua publicação oficial, Pentecostal Testimony, por 15 anos” (tradução nossa).
60
O verbete faz menção a seu sobrinho Walter Erno McAlister bem como ao filho deste,
Roberto, que é seu sobrinho-neto, situando-o na condição de fundador da Igreja Pentecostal
de Nova Vida, no Brasil, e destacando que dela saíram lideranças que vieram estabelecer as
maiores igrejas do neopentecostalismo no país (BARRETO, JR, 2016, p. 1448).
Walter McAlister acrescenta que um primo de Roberto “foi o pai do sistema
educacional do Quênia, onde também abriu a Casa Publicadora Pentecostal de Nairóbi” 55.
Tendo crescido nessa atmosfera religiosa, Walter relata que, “ainda garoto ele [Roberto]
tomou emprestado 100 dólares canadenses para dar de oferta a Mark Buntain, que foi um
missionário pentecostal na Índia e morreu lá”. Walter completa afirmando que Roberto “foi
cativado por essa visão e queria ser missionário, que era sua vida. Ele queria ser isso”.
Em um texto intitulado “Nossa história”, traz muitas informações – embora sem
autoria definida, mas com fundamentação bibliográfica, sobretudo de Araújo (2007)56 –
acerca da trajetória do fundador e consequentemente um panorama da Igreja de Nova Vida.
Este texto registra que Roberto, depois de formado pelo seminário bíblico e ordenado pastor,
começou a participar de “viagens missionárias”. Seu sonho era ir para a Índia, mas partiu com
um grupo norte-americano para pregar, primeiramente nas Filipinas, depois Taiwan
(Formosa), onde ficou por dois anos e onde teria iniciado “ministrações pentecostais” (1953).
Em Manila, começou a orar pelos enfermos, mas foi advertido pela direção do grupo que era
contrário a essas práticas. Deixou a missão e descobriu na capital filipina um líder
estadunidense já reconhecido, Lester Sumrall57, a quem se apresentou para ajudar e que viria a
ser importante apoio em seu futuro trabalho em terras brasileiras.
Retornando ao Canadá em 1955, seguiu no mesmo ano para os Estados Unidos onde
veio a realizar pregações pelo país, de costa a costa. Numa dessas viagens para fazer uma
cruzada evangelística, desembarcou na Carolina do Norte (EUA), onde conheceu uma moça,
Gloria Garr, “filha do primeiro missionário pentecostal na Índia, Dr. A. G. Garr” 58, com quem
se casou no mesmo ano. A viagem de casamento foi um cruzeiro que passou pelo Brasil.
55
Fiz diversas buscas na internet, mas ainda sem êxito para confirmar essa informação.
56
Publicado em: http://www.conselhonovavida.com.br/nossa-historia/ (acesso em: 15 out. 2013).
57
Lester Sumrall (1913-1996), pastor, evangelista e escritor pentecostal estadunidense, originário das
Assembleias de Deus, pregou em várias partes do mundo, sobretudo nas Filipinas. Em Manila, onde viveu
durante os anos 1950, criou a Catedral do Louvor, uma das maiores igrejas da capital, com mais de 20 mil
membros. Nos EUA ele é considerado um dos pioneiros no uso da TV para programas evangélicos, inclusive
com curas e exorcismo.
58
Alfred Goodrich Garr (1874-1944), estadunidense que foi influenciado pelo movimento pentecostal da Rua
Azuza, onde frequentou suas reuniões, seguiu para a Índia, onde se tornou missionário reconhecido:
http://enrichmentjournal.ag.org/200602/extra_Garr.cfm (acesso em: 7 out. 2016).
61
“Aqui, quando ancorado em Santos (SP), foi convidado a pregar na Assembleia de Deus
daquela cidade, o que o marcou”. Após a “lua de mel” e retorno aos Estados Unidos Roberto
partiu com Gloria para “fazer cruzadas de dois anos em países como França, Alemanha e
Hong Kong, onde implantou uma igreja a qual chamou New Life Church. Mas seu objetivo
era estabelecer-se na Índia, desde sua primeira viagem àquele país”. Segundo ainda o texto na
página do CMINVB, às vésperas da partir descobriu que a esposa como norte-americana não
conseguiu autorização para entrar na Índia, resultando em frustração. Mas continuaram
cruzando os Estados Unidos bem como viajando para outros locais, principalmente Paris, a
fim de Roberto cumprir sua agenda de pregações. Mediante convite de um destacado
evangelista norte-americano Lester Sumrall (1913-1996), conhecido por ações de “curas e
expulsão de demônios”, viajou ao Brasil, pela segunda vez, onde realizou cruzada
evangelística no ginásio do Maracanãzinho, do Rio de Janeiro, em 1958. Nessa viagem
McAlister teria tido uma revelação de que Deus tinha uma missão para ele no Brasil.
Terminado o período da campanha, voltou para os Estados Unidos. Um ano depois, com o
filho Walter, de dois anos, e a filha caçula, com alguns meses de vida, a família mudou-se
para o Brasil, radicando-se primeiro em São Paulo e, depois, no Rio de Janeiro, onde se fixou,
precisamente, no bairro carioca de Santa Teresa.59
Esse perfil evangelista de Roberto foi salientado por Walter na entrevista, que definiu
seu pai como um pregador, não necessariamente um sacerdote da igreja:
Ele era primeiro pregador. Ele nunca quis gerir uma igreja, formar uma
denominação, ele queria pregar. Tanto que você pode notar na arquitetura de
Botafogo, a plataforma não tem lugar para coral, não tem bastidor. É um púlpito. [O
templo de] Botafogo é um púlpito, com pouco espaço de plataforma, porque nunca
se preocupou em fazer uma igreja que não fosse principalmente para pregar. É uma
igreja que prioriza o papel do pregador (W. MCALISTER).
A entrevista de Tito Oscar converge para essa concepção de Walter: “A visão do bispo
[Roberto] não era abrir igrejas. O bispo não tinha visão denominacional, tanto é que a igreja
chegou como Cruzada de Nova Vida. A visão dele era ter um centro que pudesse influenciar o
país”.
Descendente de lideranças destacadas na estrutura do pentecostalismo canadense
Roberto, no entanto, com personalidade mais apressada e “rebelde”, conforme classificou
Walter, não chegou a ter uma educação superior formal:
59
A base dessas informações é um texto, laudatório, sem autoria mencionada, encontrado em diversos sites de
igrejas de Nova Vida, todas vinculadas ao Conselho de Ministros da Igreja de Nova Vida do Brasil, como este:
http://www.conselhonovavida.com.br/nossa-historia/ (acesso em: 8 jul. 2016)., além de entrevistas com Walter
McAlister e seu livro Neopentecostalismo (MCALISTER, 2012).
62
Ele nunca teve uma formação teológica. Meu pai não teve o benefício de uma
formação teológica, fora o colégio bíblico básico, que os pentecostais tinham lá no
Canadá. Mas ele era um pensador e lia tudo que chegava a sua mão e tinha amigos
na outra América que se reuniam às vezes uma vez por ano só para trocar livros (W.
MCALISTER).
Uma senhora que acompanhou Roberto desde os tempos de Botafogo declarou, nesta
mesma perspectiva: “Ele parecia ser muito intelectual; ele não era, mas ele parecia”, disse
num contexto em que discorreu, com muito afeto, sobre o antigo bispo. No entanto,
completou Walter: “Quando ele faleceu tinha dois doutorados honoris causa60. Dois
doutorados honoris causa, mas foi um homem que nunca terminou o segundo grau”.61
60
Araújo (2007) informa que um título de doutor honoris causa foi dado pela Oral Roberts University “em
função de seu trabalho literário eclesiástico”.
61
Atual Ensino Médio, ou seja, a fase que antecede a formação universitária.
62
Tendo já atuado na Nigéria, esse último chegara ao Rio em 1860 iniciando uma missão com africanos de fala
ioruba, que, mesmo não tendo prosseguido, abriu caminhos para outros conterrâneos seus. Como Richard
63
primeiramente, para anos depois desembarcar o casal William e Anne Bagby, que fundou a
Igreja Batista na Bahia em 1882. Com J. E. Newman, em 1867 os metodistas começam a
missão e depois com J. J. Ransom, em 1876, organizam a igreja no Brasil63.
Outros missionários de denominações protestantes também aportaram aqui até o final
do século XIX, o mesmo acontecendo nas primeiras décadas do século XX, montando suas
missões e igrejas, inclusive pentecostais. Como a Adventista do Sétimo Dia (1893), a
Episcopal Anglicana (1890), a Evangélica Luterana (1900)64, a Cristã Evangélica (1901), a
Congregação Cristã (1910), a Assembleia de Deus (1911), o Exército de Salvação (1922), a
Igreja de Deus (1923), a Igreja Holiness (1925) e outras, até a Igreja do Nazareno, em 195865.
Roberto McAlister foi, conforme afirmação de Freston66, o último estrangeiro a fundar
uma igreja (que veio a ser uma denominação67) no Brasil. E isso faz sentido, muito embora
Miguel Ângelo da Silva Ferreira68, que é de ascendência portuguesa e nasceu em Luanda,
Angola, tenha criado a Igreja Evangélica Cristo Vive (IECV), no Rio de Janeiro, um quarto de
século depois da chegada de R. McAlister. No entanto, Miguel Ângelo não veio ao país na
condição de missionário ou enviado por alguma entidade estrangeira com esse objetivo.
Raticliff, pastor que organizou uma pioneira igreja batista no interior de São Paulo em 1871 composta mais de
colonos que vieram do Sul dos EUA por conta da Guerra da Secessão.
63
Para mais informações sobre esse panorama pioneiro da inserção do protestantismo histórico, ver Mendonça
(1984), Mendonça e Velasques Filho (1990), Oliveira (2005), Souza (2012), Lima Neto (2010).
64
Este ramo do luteranismo veio dos Estados Unidos e formou outra igreja, a IELB. Como já informado, os
primeiros luteranos no Brasil chegaram a partir de 1824, vindos da Alemanha, e criaram a pioneira Igreja
Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB).
65
Para um quadro mais abrangente do protestantismo e pentecostalismo no Brasil ver CIN (1992), Mariano
(1999).
66
Comentário feito no contexto do exame de qualificação deste trabalho, em novembro de 2014.
67
Igreja e denominação são termos que muitas vezes se confundem, mas tem suas distinções, principalmente no
interior do campo religioso e evangélico. Para grupos de linha episcopal ou presbiteral como católica, luterana,
presbiteriana, metodista, universal, falar da igreja é falar da denominação. Ao dizer, por exemplo, Igreja
Presbiteriana do Brasil, refere-se à denominação, que diz respeito ao conjunto de congregações locais, isto é,
igrejas específicas de cada lugar, reunidas por essa identificação de IPB, e que possui um órgão de direção
nacional. Quanto aos grupos de governo eclesiástico não episcopal ou presbiteral, mas chamados de
congregacionais, equivale a entender igrejas locais autônomas, sem a imposição de uma direção nacional. Como
é o caso de batistas, congregacionais. No caso destes grupos, a denominação tem outra nomenclatura, que nunca
se confunde com o nome da igreja, sempre entendida como comunidade local, com designação específica. No
caso dos vários grupos batistas, a terminologia de algumas denominações, são Convenção Batista Brasileira (e
não “Igreja Batista Brasileira”), Convenção Batista Nacional, Convenção das Igrejas Batistas Independentes e
outras. Diferentemente, reitera-se, dos outros grupos como a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil,
uma denominação de governo também hierarquizado e não como as congregacionais em que a autoridade
máxima da gestão reside na assembleia democrática da própria comunidade ou igreja local. Para mais
informações sobre essas distinções, ver Niebuhr (1992).
68
Miguel Ângelo nasceu em 20 de março de 1953: http://igrejacristovive.com.br/apostolo-miguel-angelo_02/
(acesso em: 16 dez. 2016).
64
Tendo chegado ao Brasil na década de 1970, entrou depois para a Nova Vida, onde se tornou
pastor, dirigindo algumas congregações, tendo saído dessa denominação somente para
organizar sua própria igreja, a IECV, já em 1985.
Além de ter experimentado forte crescimento durante as suas duas décadas iniciais,
essa denominação fundada por McAlister se destaca por dela ter saído criadores de alguns dos
mais conhecidos, controversos e globalizados grupos neopentecostais brasileiros: Romildo R.
Soares – IIGD, Miguel Ângelo – IECV e Edir Macedo – IURD69, a mais antiga das três,
fundada em 1977 (menos de 40 anos) e que, conforme seu site, está presente em mais de 100
países.
Um panorama conciso do ambiente em que Roberto McAlister encontrou no Brasil no
final dos anos 1950 mostra que o país vivia um acelerado processo de migração de pessoas do
campo para as cidades, havia se redemocratizado a menos de 15 anos e sofrera muitos
percalços nessa trajetória que incluíam a tragédia do suicídio de Getúlio Vargas. A nação
tinha Juscelino Kubitschek como Presidente da República, construía a nova capital federal no
centro geográfico do território nacional e o governo enfrentava fortes denúncias de corrupção
nas esferas política e econômica. De um país predominantemente rural e de cultura bastante
tradicional, passou a uma realidade mais urbana, com costumes pouco menos conservadores,
portanto, mais aberto e plural a outras possibilidades éticas e estéticas70. Inclusive na
dimensão religiosa, o que vai facilitar a entrada e desenvolvimento de novas crenças por parte
da população.
Vindo dos Estados Unidos em 1959, Roberto McAlister se radicou na maior cidade do
Brasil, São Paulo, visando aprender a língua nacional e começar suas pregações religiosas. No
ano seguinte transferiu-se para o Rio de Janeiro, que vivia a realidade de perder o status
político de capital federal, mas mantinha-se como referência importante da cultura e
identidade brasileiras, tanto interna quanto internacionalmente. A população da cidade
contava pouco mais de três milhões de habitantes, conforme Censo de 1960 (IBGE). Naquele
contexto, o país com 70 milhões de pessoas era majoritariamente católico, com um percentual
de 93% que se declaravam pertencera essa denominação religiosa. Apenas 4% se afirmavam
protestantes, mas mesmo assim formavam o segundo maior grupo de fé. Esse grupo já era
fragmentadoem diversos segmentos como luteranos, anglicanos, presbiterianos, metodistas,
69
Dentre tantos trabalhos que enfocam a força sui generis da IURD, no Brasil e fora dele, inclusive sua
dimensão globalizada, ver Swatowiski (2013), Gracino Júnior (2016), Gomes (2011).
70
Diversos autores, tais como Santos (1979), Abranches (1985) e o brasilianista Skidmore (2010) produziram
textos de análise crítica do Brasil desse período.
65
71
Dados da pesquisa Novo Nascimento, cuja base de coleta é de 1994, revela pela amostra feita esse contingente
de denominações, o que não quer dizer que outros grupos evangélicos inexistiam no Rio de Janeiro em 1960.
Assim como, nem todos esses grupos mencionados estariam efetivamente implantados na cidade, pois foram
fundados antes da chegada da Cruzada de Nova Vida, mas alguns em outros estados do país. Como é o caso da
Igreja Pentecostal o Brasil para Cristo. Sua organização é de 1956, em São Paulo. Outro caso que chama atenção
é o fato da Igreja Luterana, que não é mencionada na amostra, mas que estava presente no Rio desde 1824.
72
A pesquisa Novo Nascimento optou por situar a Igreja Anglicana como de 1808, que data a chegada de
ingleses anglicanos que vieram ao país junto com a família real portuguesa. Entretanto, a igreja como um projeto
de missão somente iniciou suas atividades em 1890.
66
73
Inserimos aqui a Igreja Luterana que, por razões metodológicas, não aparece na mostra da pesquisa Novo
Nascimento, no entanto estava presente na cidade desde 1824.
74
A análise da pesquisa Novo Nascimento, realizada por Fernandes, Sanchis, Velho, Piquet, Mariz e Mafra,
registra a Igreja Batista, da CBB, como de 1882, o que é verossímil. Novas pesquisas, no entanto, revelaram que
a primeira missão batista chegou ao Rio em 1860 e a primeira igreja batista em solo brasileiro data de 1871, no
Estado de São Paulo (OLIVEIRA, 1985).
75
Como já dito, havia outras denominações no país, tanto históricas – como Igreja Evangélica Brasileira (1879),
Igreja Cristã Evangélica (1901), Exército de Salvação (1922) – quanto pentecostais – Igreja de Deus (1923),
Adventista da Promessa (1932), Igreja de Cristo (1934) – e mais outras, certamente.
67
sobre as igrejas evangélicas, com suas pregações, presença no rádio, livros e revistas
publicados e depois programas de TV. Até mesmo pastores de denominações históricas
abandonaram suas trajetórias ministeriais e aderiram ao projeto de Roberto, tornando-se
pastores pentecostais na Nova Vida. Três exemplos de pastores que descobri durante a
pesquisa, embora tenha conhecido outros casos, foram:
— Sebastião Estevam de Oliveira, 74 anos, pastor na tradicional e histórica Igreja
Congregacional. Saiu em 1972, abraçou o movimento de McAlister e pastoreou algumas
congregações da Nova Vida, inclusive a pioneira igreja de Niterói, de 1976 a 1983. Com a
divisão da denominação optou pelo ramo de Tito Oscar e atualmente é pastor da Nova Vida
do Méier76.
— Rudi John Kruger, outro pastor a deixar o protestantismo histórico em favor do movimento
de McAlister. Originário da igreja batista onde foi ordenado em 1968, tornou-se depois
luterano e pastoreou outras igrejas antes de adotar a Nova Vida, em 1984. Permaneceu nela
deste ano até 1990 atuando como pastor na Igreja Nova Vida da Tijuca77.
— João Santiago, ainda mais antigo do que estes dois, deixou a Igreja Congregacional pela
Cruzada de Roberto McAlister. Ele pastoreou durante anos a Igreja Nova Vida de Duque de
Caxias, RJ78, até hoje uma das maiores, ligada atualmente ao Conselho (Tito Oscar).
Já os grupos pentecostais, por englobarem o mesmo âmbito que Roberto McAlister e
disputarem um público afeito às experiências com dons do Espírito Santo, foram mais
incisivamente atingidos por sua militância. Um exemplo paradigmático configura-se na
pessoa de Walmir Ferreira Cohen. Nascido em Belém do Pará, em 1937, seu pai era um
importante pastor da Assembleia de Deus, que fundou ministérios destacados como o SETA79
e foi diretor da CPAD quando se transferiu para o Rio de Janeiro. Cohen também trabalhou na
76
Entrevista feita mediante duas conversas telefônicas e também mensagens gravadas por Whatsapp entre os
dias 13 e 20 de dezembro de 2016.
77
Entrevista feita em conversas via Facebook, entre os dias 11 a 15 de dezembro de 2016.
78
Dados da entrevista com o pastor Ragner Chagas, da Igreja Nova Vida de Botafogo, feita em 21/12/2015.
Sobre esta igreja de Duque de Caxias, bispo Tito Oscar informou que o pastor da mesma, Miguel Incutto, é
também o atual Bispo Presidente do CMINVB.
79
Seta – Serviço de Evangelização Tocantins e Araguaia, trata-se de uma das grandes convenções regionais da
Assembleia de Deus, que engloba estados do Norte e Nordeste do Brasil, especialmente banhados pela bacia dos
Rios Tocantins e Araguaia. Segundo seu site, possui mais de 800 igrejas-sede e cerca de 6.500 pastores.
http://ciadseta.com.br/ (acesso em: 21 dez. 2016).
68
80
Dados da entrevista com bispo Tito Oscar e http://www.feparatodos.com.br/pastores.html (acesso em 21 dez.
2016).
81
Em geral as denominações evangélicas brasileiras, sobretudo os grandes grupos históricos ou pentecostais,
sofreram divisões que levaram ao surgimento de outras denominações, exceto a Congregação Cristã no Brasil,
que não há registro de qualquer dissidência que tenha dado origem a outra igreja. Sobre essa denominação ver:
Yuasa (2001) e Foerster (2006).
82
Só o fato desta igreja ser fundada por uma mulher, nos Estados Unidos, e aqui no Brasil por um ex-ator de
Hollywood já diz algo da natureza menos tradicional desta igreja, em relação à CCB e AD, suas antecedentes no
país (ALENCAR, 2013; CESAR, 2000).
83
A Igreja Pentecostal O Brasil Para Cristo destacou-se no contexto dos anos 1970 e início dos 1980 como uma
igreja pentecostal mais brasileira, como o próprio nome diz, aberta para diálogo ecumênico e até postura crítica à
realidade política nacional, o que a fez, por exemplo, ser alvo de controle da Ditadura civil-militar e capa da
revista Veja, algo inédito entre igrejas evangélicas no país. Ver Cesar (2000).
http://www.convensul.com.br/obpc/historia/#.V6_T1fkrLcs (acesso em: 12 ago. 2016), http://obrasilparacristo-
psj.com.br/nossa-historia/ (acesso em: 13 ago. 2016).
84
Para um panorama das distinções entre essas igrejas do pentecostalismo brasileiro, inclusive a utilização dessa
expressão “moderna” na caracterização, ver Alencar (2013, p. 45, 46).
69
85
Para fins comparativos, tendo como base os dados do Censo de 2010, no Estado do Rio de Janeiro, a CCB
aparece na amostra com 36.061 membros. Enquanto a AD tem 1.408.979 fiéis.
http://www.ibge.gov.br/estadosat/temas.php?sigla=rj&tema=censodemog2010_relig (acesso em: 11 out. 2016).
86
Para mais informações sobre jornais e imprensa evangélica, em geral, nos primórdios do protestantismo no
Brasil, ver Reinaux (2007), Feitosa (2012), Leonel (2014). No âmbito pentecostal da Assembleia de Deus, ver
Alencar (2010).
70
passaram a utilizar esse massivo meio de comunicação para alcançar o povo com suas
pregações religiosas. Caso das igrejas Luterana e Adventista que, possivelmente, sejam
pioneiras nesse tipo de transmissão no país (FONSECA, 2010).
No contexto pentecostal, outros grupos buscaram as ondas do rádio para difusão de
suas convicções, caso da Assembleia de Deus, que após grande discussão e muitas
resistências, finalmente em sua Convenção Geral de 1937 aprovou o uso do rádio na
evangelização, embora tenha mantido a proibição dos crentes terem aparelho em sua casa.
(FONSECA, 2010; FAJARDO, 2011)87. Não obstante ter decidido pela utilização do veículo
como meio de propagação de sua fé, somente em 1955 a AD iniciou um programa radiofônico
com um pregador estadunidense. No ano seguinte, a Igreja Pentecostal o Brasil para Cristo,
fundada por Manoel de Melo, oriundo da Assembleia de Deus, lançou seu programa pioneiro
de rádio: “A voz do Brasil para Cristo”88, apresentado a partir de São Paulo89. Esta igreja, seu
programa de rádio e a trajetória de seu fundador ilustraram o crescimento vertiginoso dos
pentecostais e demais evangélicos no país, que resultou numa inédita reportagem de capa da
revista Veja, em 198190.
Num país de crescentes massas urbanas, os meios de comunicação social, com
destaque para o rádio, passaram a ser instrumentos muito importantes para os pentecostais na
difusão de suas concepções, que teve na Cruzada de Nova Vida uma novidade singular e que
viria a ser uma espécie de padrão paradigmático do chamado neopentecostalismo: a igreja foi
primeiramente eletrônica ou virtual e só depois se estabeleceu fisicamente. Não é possível,
portanto, entender o surgimento, crescimento e força das igrejas neopentecostais sem o
suporte decisivo de veículos de comunicação, como TV e rádio, principalmente, além de
jornais, revistas. Conforme tantos trabalhos já demonstraram, como Cunha (2007); Bellotti
(2009); Campos (1997), Figueredo Filho (2010).
87
Ver também: http://wwwalecksonmarcosblogspotcom.blogspot.com.br/2011/06/historia-do-radio-evange-
historia-do.html (acesso em: 15 ago. 2015).
88
Interessante notar a nomenclatura semelhante dos programas de diversas igrejas iniciada com o binômio “a
voz...”, que depois se distinguiam pela identificação da voz de cada igreja: “A voz das Assembleias de Deus”,
“A Voz da Igreja de Nova Vida”, “A voz do Brasil para Cristo”. Num país que pouco reconhecia ou ainda
discriminava muito “os crentes”, eles agora amplificam sua voz, para além dos templos, por meio das ondas
radiofônicas da comunicação. Chama atenção o fato de que a “Hora do Brasil”, programa de rádio do governo
brasileiro que começou em 1938, mudou o nome em 1962, exatamente para “A Voz do Brasil”, que permanece
no ar até hoje.
89
http://wwwalecksonmarcosblogspotcom.blogspot.com.br/2011/06/historia-do-radio-evange-historia-do.html
(acesso em: 15 ago. 2016)
90
Revista Veja, São Paulo, edição 683, de 7 de outubro de 1981, pág. 56-64. Disponível em:
https://acervo.veja.abril.com.br/index.html#/edition/683?page=56§ion=1&word=manoel%20de%20mello
(acesso em: 15 ago. 2016).
71
91
Curiosamente, nenhum site ligado à Igreja Cristã Nova Vida traz essas informações, mas apenas nas diversas
homepages de congregações vinculadas ao Conselho das Igrejas de Nova Vida. Algumas outras denominações,
grupos e igrejas independentes que também adotam a identidade de Nova Vida, e tributam sua origem a Roberto
McAlister, reproduzem o mesmo texto em suas páginas de internet. Alguns fazem ao final do texto um adendo
para inserir a história de sua igreja ou denominação específica dentro deste contexto maior da Nova Vida
fundada por Roberto. Como já informado, uma base destacada de informações deste texto é de Isael de Araújo
(2007) e a referência mais utilizada por ele são artigos sobre Roberto McAlister e a origem da Nova Vida, sem
autoria definida, publicados na revista Família Nova Vida (Ano 1, nº 1, abril-maio 2000), ligada ao CMINVB.
92
Disponível em: http://www.novavidaalphaville.com.br/igreja/historia.html (acesso em: 18 nov. 2014) e em:
http://www.novavida.org.br/historia-da-inv/ (acesso em: 11 nov. 2016). Neste último site o título do texto
aparece como “História da Igreja de Nova Vida” e é o mais abrangente em informações.
72
2011). A Nova Vida, portanto, tem seus primórdios diretamente vinculados às ondas
radiofônicas e somente depois é que iniciou reuniões presenciais. Entretanto, reitera-se, ela foi
inicialmente virtual. Dessa forma, a Nova Vida antecipou, mesmo embrionariamente, uma
prática que viria a se desenvolver a partir dos anos 1990, e que continua ativa, que são
programas de rádio como se fosse um culto. Eles são dirigidos a um público análogo ao de
uma igreja, com estrutura litúrgica semelhante à de um culto presencial, agregando muitas
pessoas nessa “igreja radiofônica”. Como exemplifica o programa chamado Cristo em Casa,
também conhecido como “Igreja Cristo em Casa”, apresentado diariamente numa emissora
evangélica, a Rádio Melodia. A estrutura do programa, conduzido pelo próprio dono da
emissora, segue o roteiro básico de um culto presencial, com orações, cânticos, pregações,
“pedidos de oração” por parte dos ouvintes que enviam cartas, emails e outras mensagens
eletrônicas. Os ouvintes têm, também, seus aniversários destacados, bem no estilo de uma
liturgia numa igreja evangélica93. A Rádio Melodia, na faixa de transmissão FM, alterna, há
vários anos, a liderança ou vice-liderança de audiência no Rio, segundo o Ibope94. Embora
com grade de programação totalmente evangélica, é uma rádio que tem fins comerciais, ou
seja, veicula propagandas diversas nos intervalos de seus programas. Ela é controlada por
Francisco Silva95, supostamente membro da Assembleia de Deus, tendo sido deputado federal
por três mandatos (RIBEIRO, 2015).
Roberto McAlister seguiu utilizando as ondas radiofônicas e alcançando mais pessoas
por meio de seus programas. Ele oferecia um livro de sua autoria intitulado “Perguntas e
respostas sobre a cura divina” a quem enviasse uma carta ao programa. Segundo entrevista de
Tito Oscar, bem como o dicionário de Araújo (2007, p. 728), “só no primeiro ano foram
recebidas doze mil cartas, que falavam de curas” e outros assuntos do programa. Roberto,
portanto, foi estabelecendo uma espécie de fidelização na relação religiosa com muitos
ouvintes, como conta seu filho Walter. Ele relatou que seis meses após a atuação de Roberto
93
Para mais informações sobre este programa, a Rádio Melodia, bem como outras rádios religiosas,
principalmente no Rio de Janeiro, ver: Ribeiro (2015) e http://www.melodia.com.br/audios/programa-cristo-em-
casa/22 (acesso em: 15 out. 2016).
94
Disponível em: http://www.aerj.com.br/noticia/444-disputa-pelo-topo-segue-acirrada-no-rio-de-janeiro.-jb-fm-
e-super-radio-tupi-avancam, http://www.radioemrevista.com/curiosidades/o-ibope-das-radios-do-rio-de-janeiro/
(acesso em: 15 out. 2016).
95
Mais informações: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/oliveira-francisco-da-silva
(acesso em: 22 nov. 2016). Registra-se ainda que seu filho, parte da bancada de apresentadores do referido
programa “Cristo em Casa” é deputado estadual, estando no quarto mandato na Assembleia Legislativa do Rio
de Janeiro: http://www.alerj.rj.gov.br/Deputados/PerfilDeputado/361?Legislatura=18 (acesso em: 22 nov. 2016)
e http://deputadofabiosilva.com.br/index.php/perfil (acesso em: 22 nov. 2016).
73
no rádio este “sentiu o desejo de saber se alguém estava ouvindo suas transmissões” e para
conferir, continua Walter:
Foi marcada então uma reunião ao ar livre no Jardim do Méier, praça da Zona Norte
do Rio de Janeiro. Ele foi de táxi e, ao se aproximar do local, viu uma multidão que
enchia toda a praça. Achou difícil ser por sua causa e pediu que o taxista a circulasse
antes de parar. Para seu espanto, a multidão tinha vindo de fato para ouvi-lo
(MCALISTER, W., 2012, p. 70).
As ondas do rádio fizeram Roberto McAlister chegar a muitas pessoas, que acorreram
pessoalmente até ele neste encontro real pioneiro daquilo que viria a ser sua futura igreja. O
público de ouvintes virtuais surgia agora com uma face física, como revelada na reunião no
bairro do Méier, que veio a ser entendida como o nascedouro existencial da Cruzada de Nova
Vida.
Quando começou a utilizar o rádio para transmissão de suas pregações, a cidade do
Rio tinha um aparelho em praticamente todos os lares, e o país inteiro era alcançado por
programas de rádio, enquanto a televisão tinha transmissões apenas restritas e localizadas,
para cidades como São Paulo, Rio, Recife, cuja totalidade de aparelhos estava ainda abaixo de
1 milhão (MATTOS, 1990; ROCHA, 2005).
Nesse contexto de comunicação dominado pelas ondas radiofônicas Roberto
McAlister foi ampliando sua presença mantendo dois programas diários, um às 6h30 e o outro
às 18h3096. Num país de tradição predominantemente católica como o Brasil, até os anos
1980, principalmente (a partir de quando aumenta a volatilidade da configuração religiosa em
particular pelo crescimento avantajado de igrejas evangélicas), a presença da religiosidade
católica nos meios de comunicação era bastante substantiva. Diversas emissoras de rádio e
mesmo TV pelo país reproduziam, por exemplo, a oração da “Ave Maria”, geralmente às 6
horas e às 18 horas, e voluntariamente, ou seja, sem ônus pecuniário para a cúria católica.
Propositadamente ou não, o programa de Roberto McAlister, na sequência desse “momento
católico”, era ousado e até provocador ao se distinguir pelo uso da expressão “é tempo de
ouvir uma mensagem de Nova Vida”. Sua pregação, no entanto, não necessariamente
anticatólica, mas com identidade precisamente evangélica e pentecostal, com pregação bíblica
e orações pelos enfermos.
Animado com os resultados obtidos pelas ondas radiofônicas, McAlister desejou
alcançar todo país com suas pregações, transferindo-se para a Rádio Mayrink Veiga, de
96
Sobre essa presença religiosa nos meios de comunicação ver:
http://www2.metodista.br/unesco/1_Eclesiocom%202011/Arquivos/Trabalhos/6.Diversidade%20Religiosa%20e
%20M%C3%ADdia%20Radiof%C3%B4nica_Jos%C3%A9Gomes.pdf (acesso em: 15 set. 2016),
http://www.usp.br/alterjor/ojs/index.php/alterjor/article/view/aj1-a5/pdf_17 (acesso em: 15 set. 2016),
http://www.wikiwand.com/pt/TV_Anhanguera_Goi%C3%A2nia (acesso em: 15 set. 2016).
74
alcance nacional, embora se mantendo na Rádio Copacabana até adquirir sua própria estação.
Dentre os programas produzidos, alguns são citados até hoje pelos fiéis e com saudosismo,
conforme dados das entrevistas. Como o “Café espiritual”, associando sua proposta religiosa
estrangeira ao nome da popular bebida entre brasileiros, ingerida muitas vezes logo cedo
como primeiro alimento do dia.
O uso do rádio associado à capacidade de comunicação de McAlister, levou a Nova
Vida a um crescimento exponencial que chegou a ter três reuniões religiosas semanais no
auditório do Centro da cidade. Como bem ilustra a entrevista de Tito Oscar, relatando os
primórdios na ABI:
Começou no domingo às duas e meia da tarde, um horário muito estranho para uma
igreja começar no nono andar de um edifício. Mas superlotava. Depois passamos a
fazer um culto pela manhã, também aos domingos. Então domingo pela manhã e a
tarde. E depois, mais tarde, [outro culto] quarta-feira, para pegar o pessoal que
trabalhava, queria deixar o rush passar... Também lotava (T. OSCAR).
Isso conduziu Roberto à ideia de adquirir uma emissora de rádio para ampliação da
“mensagem de Nova Vida”. Para tanto, segundo Tito Oscar, um auxiliar próximo de
McAlister (a ponto de na citação acima falar na primeira pessoa do plural logo na segunda
linha), este foi aos Estados Unidos para angariar recursos para o empreendimento, vindo a
adquirir a Rádio Relógio Federal, em 1967. Este foi um marco importante no adensamento da
Nova Vida, que representava ao mesmo tempo sua força e dinamismo. A rádio, atestou Oscar,
“contribuiu muito para o crescimento da Nova Vida”. Possivelmente a primeira igreja a ser
proprietária de uma rádio97, muito antes das controvertidas relações entre evangélicos e
concessão de rádios e TV, como aconteceu no governo de José Sarney (1985-1990)98.
Na citada entrevista, Tito Oscar ressaltou a importância da rádio na trajetória da igreja,
de um contato com a Rede Globo e o desejo de Roberto de fazer um programa na emissora de
televisão carioca:
Com a Rádio Relógio em mãos criamos o Bom Dia Brasil, um programa das 6 às 9
horas da manhã, ao vivo, que foi apresentado entre 1975 ou 1976 a 1978. Era ele
[Roberto McAlister], eu e um diácono advogado. E nós discutíamos temas do dia a
dia: “Você é a favor da pena de morte? Ligue para cá!” A pessoa ligava, respondia e
nós dávamos a nossa opinião. Então era interativo. Esse programa foi tão forte que
chamou a atenção da [TV] Globo. O Boni nos chamou na Globo, querendo comprar
os direitos de Bom Dia Brasil. Nós fomos lá, eu e o bispo Roberto. Então o bispo
disse, não, a igreja não vende nada, mas nós vamos doar para vocês o direito de
televisão, para vocês um dia se lembrarem de nós. Porque o bispo tinha paixão de
fazer um programa na Globo. E fizemos ali o contrato e até hoje a TV Globo usa o
Bom Dia Brasil. Esse nome foi registrado. Ainda está no nome da Nova Vida,
97
Em entrevista, Tito Oscar de Almeida afirmou que, de fato, a Nova Vida foi a primeira igreja a deter o
controle de uma emissora de rádio no Brasil.
98
Dentre diversos autores, ver especialmente Figueredo Filho (2010, p. 52)
75
[assim como] Boa Tarde Brasil, Boa Noite Brasil, que eram programas de oração
que a gente realizava (T. OSCAR).
Segundo Araújo (2007, p. 728), “em 1976 a pesquisa do Ibope informou que havia 29
mil ouvintes em cada faixa de 15 minutos e uma audiência de 200 mil pessoas, diariamente,
só no Grande Rio, para o [programa] Bom dia Brasil”. O sucesso no rádio foi tamanho que
um caminho natural, dada essa mencionada capacidade de comunicação de Roberto, seria sua
entrada na TV. O que terminou acontecendo, uma década depois da compra da Rádio Relógio,
com um programa chamado “Coisas da Vida”, apresentado por Roberto McAlister na extinta
TV Tupi, do Rio de Janeiro, “canal 6” como muitos entrevistados fizeram questão de destacar.
Alguns acrescentaram que o programa “marcou uma época”, grifando a história de pessoas
que assistiam ao “Coisas da vida”. Importante, salientar, outra vez, o caráter não religioso da
nomenclatura do programa. E não somente nessa identificação. Segundo contou para esta
pesquisa um dos produtores e apresentadores, bispo Tito Oscar, o programa era feito ao vivo,
com entrevistas e debates de assuntos da ordem do dia das pessoas, não assuntos
especificamente religiosos.
Coisas da vida foi um programa extraordinário. Foi o primeiro talk show. Não sei se
existia outro na televisão. Mas, foi um Jô Soares da época (risos). O bispo [Roberto]
tinha uma capacidade muito grande de comunicação. Nós fomos várias vezes aos
Estados Unidos para participar da PTL, de Jim Baker, na época em que ainda estava
salvo (risos)99. O bispo queria trazer esse tipo de programa, tanto é que montamos
um sistema de atendimento por telefones. 15 telefones. Na época eram comprados e
eram caríssimos. Nós montamos em Botafogo para atendimento na hora. E o
programa marcou presença mesmo (T. OSCAR).
Em função dessa produção textual Roberto criou uma editora da Nova Vida, a Carisma, que
publicou além de seus livros, produções de outros pastores da denominação, como Tito Oscar,
Miguel Ângelo, Luiz Paulo de Góis Cavalcante, entre outros. Mas não apenas de autores
nacionais, traduziu e publicou obras de pastores estadunidenses, com os quais estava
associado doutrinariamente, como seu amigo Earl Paulk, e Nicky Cruz. Na entrevista a esta
pesquisa Bispo Tito avaliou que “a pregação [presencial], a comunicação através de rádio [e
TV] e a literatura [livros e revistas] foi um tripé que sustentou a Nova Vida no seu início”.
Percebendo a importância da palavra escrita, Tito Oscar contou que “o Bispo começou a
escrever. Escrevia sobre cura divina, sobre batismo com Espírito Santo, sobre Reino de Deus
e publicava. Publicando, publicando. Uma produção física muito primária” (risos). E salientou
seu estilo de escrita e o de Roberto: “Eu tenho cerca de 20 livros, todos eles voltados para a
área mais devocional. Do Bispo Roberto, são todos doutrinários. O Bispo não escrevia livro
devocional, então eu fiquei com essa parte. Sou mais inclinado a escrever devocional do que
livros doutrinários”.
Foto do logotipo pioneiro da Carisma Editora. (Arte de Clemir Fernandes sob foto de Rogério
Rezende).
77
Foto da contracapa do livro Dinheiro, um assunto altamente espiritual, lançado pela Carisma Editora, em 1981.
No canto superior direito um Roberto McAlister ainda bem jovem e sem indumentária clerical, embora já fosse
bispo. O ícone da cruz, antes de sua assinatura, abaixo, indica sua condição episcopal. (Arte de Clemir Fernandes
sob foto de Rogério Rezende).
78
Imagem da capa de outro livro de McAlister com nova logo da Carisma Editora, a mesma utilizada como
símbolo da Nova Vida até o falecimento do fundador. A diferença da foto da imagem anterior não é apenas pela
idade, mas nesta o bispo já utiliza colarinho clerical e a cor roxa na camisa pela condição episcopal. A edição
deste livro, a primeira, é de 1987. (Arte de Clemir Fernandes sob foto de Rogério Rezende).
Roberto deu seguimento a uma prática tanto de seu irmão, que fundou a já mencionada
Cruzada Mundial de Literatura, quanto das igrejas no Brasil. Pois as denominações do
protestantismo histórico desde seus primórdios no país deram muita ênfase à palavra escrita,
utilizando os chamados “colportores” para divulgação e distribuição de material impresso de
propaganda religiosa (REINAUX, 2007). Portanto, investiram em casas publicadoras e
gráficas para produção de material impresso a fim de servir às suas igrejas e também a outros
grupos. De igual forma, criaram livrarias, sendo hoje muitas delas também com operação
virtual. A seguir, alguns desses grupos e os nomes de editoras e/ou livrarias dos respectivos
grupos denominacionais: Luteranos (Sinodal, Concórdia), presbiterianos (Casa Editora
Presbiteriana, Cultura Cristã, Pendão Real), metodistas (Metodista, Centro de Publicações da
Igreja Metodista Wesleyana), batistas (Convicção, Lerban, Editora Batista Independente),
adventistas (Casa Publicadora Brasileira), além de vários outros. Nos anos 1980, a Juerp,
79
editora dos batistas (CBB), chegou a ter um grande parque gráfico além de dezenas de
livrarias próprias espalhadas por todo país. Ela produzia e distribuía bíblias, hinários, livros
para todas as faixas etárias e de diferentes assuntos, folhetos etc.. Já as igrejas pentecostais
não tiveram a mesma envergadura nessa área, especialmente em seus primórdios. A pioneira
pentecostal Congregação Cristã no Brasil jamais teve esse tipo de iniciativa, até porque é uma
denominação que pode ser identificada até hoje mais pela oralidade. Além da bíblia e seu
hinário apenas um anuário com dados sobre as igrejas é impresso, mas não em gráficas
próprias. A Assembleia de Deus – CGADB, CONAMAD, ADVEC100 e outros grupos – que
formam o maior contingente do universo cristão no Brasil, excetuando a Igreja Católica,
detêm atualmente as maiores editoras do segmento evangélico. Como CPAD, Betel e Central
Gospel101, respectivamente vinculadas às três denominações assembleianas acima citadas. No
entanto, a Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD) teve origem somente 30 anos
após a fundação da igreja. Já os grandes grupos neopentecostais possuem editoras com amplo
catálogo e elevadas tiragens, como se destacam aquelas pertencentes à IURD (Unipro Editora)
e IIGD (Graça Editorial)102. Além de outras denominações, editoras independentes são
também diversas no contexto evangélico, movimentando um mercado que desembocou em
mega eventos comerciais, notadamente a Feira Literária Internacional Cristã (Flic)
(LEWGOY, 2004).
Com toda essa força de mídia (rádio, TV, livros e revistas) da Nova Vida no contexto
da década de 1960 até os anos 1990, conforme visto mais acima, é curioso que a literatura
acadêmica tenha, de certa maneira, invisibilizado McAlister e sua ação nos meios de
comunicação. Em artigo que tem como foco grupos evangélicos e pentecostais na utilização
do radio e TV, Campos (2004) cita vários personagens desse contexto, mas não menciona o
fundador da Igreja de Nova Vida. Será mesmo apenas porque enfoca mais o ambiente paulista
em sua pesquisa – embora agregue a carioca IURD – ou priorize apenas grupos maiores? De
forma semelhante, outros autores, tais como Rolim (1985) e Mariano (1999), mencionam a
100
Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), a mais antiga e também maior grupo;
Convenção Nacional das Assembleias de Deus Madureira (CONAMAD, uma divisão da CGADB, em 1989) e
Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC, também oriunda da CGADB, da qual se desligou para se tornar
uma denominação em 2010, sob a liderança do pastor Silas Malafaia).
101
Central Gospel é uma editora e produtora ligada a Silas Malafaia, que dirige a ADVEC.
102
O Apóstolo Miguel Ângelo também investe neste setor, sendo autor de mais de uma centena de livros,
publicados pela própria Igreja Evangélica Cristo Vive: http://www.livrariacristovive.com.br/product/162094/a-
biblia-e-o-poder-emocional (Acesso em: 22 dez. 2016). Muitos desses livros resultam de sermões e estudos
pregados na própria igreja, uma prática possivelmente aprendida ou copiada de Roberto McAlister.
80
INV de maneira relativamente sucinta ou apenas quando realçam que Edir Macedo 103 e
Romildo Soares vieram dela. A INV aparece mais de forma oblíqua ou em referência
periférica no contexto de maior visibilidade dos outros líderes e suas populares igrejas
pentecostais e neopentecostais.
Numa sociedade mais urbana e mais plural do contexto dos anos 60, tendo como
parâmetro comparativo o ambiente social dos anos anteriores, as possibilidades de novos e
diferentes movimentos surgirem e se afirmarem estavam dadas e foi o que aconteceu, também
no cenário religioso, que teve na Igreja de Nova Vida um desses destaques, principalmente no
Rio de Janeiro. Como já dito acima, havia espaço para outros grupos religiosos, em particular
os de identidade pentecostal que se apresentavam como alternativa mais dinâmica no já
tradicional e sedimentado espectro protestante. As igrejas históricas começavam a sentir com
maior intensidade a pressão por parte das pentecostais, conforme já mencionado, por sua
religiosidade ser criticada como por demais engessada, ritualista, racionalizada, fria, com
pouco espaço para “manifestações do Espírito”. O refúgio das massas – para lembrar
D’Epinay (1970) e seu estudo no contexto chileno – não estava, de fato, no estilo de
espiritualidade mais formal do protestantismo histórico, porém, na espontaneidade do
pentecostalismo. E mais ainda, no caso brasileiro, na irrupção do neopentecostalismo, que tem
em Roberto McAlister e sua Cruzada de Nova Vida seus sinais precursores.
No contexto brasileiro do pentecostalismo, qual seria, portanto, a especificidade
religiosa oferecida por Roberto McAlister por meio da Nova Vida? A rigor, ela mantinha
muitas semelhanças com os “bens de salvação” (BOURDIEU, 2001) oferecidos pelo mercado
religioso evangélico de então, mas detinha singularidades. Algumas destas já foram
apontadas, como flexibilização nos costumes, relativização de questões de estética e
indumentária – pois prevalecia um padrão moral bastante rígido de comportamento, em
particular entre as igrejas pentecostais –, bem como uma mensagem religiosa que se traduzia
em linguagem mais fluida. Dessa forma, conseguia estabelecer comunicação direta e plausível
103
Curiosamente no portal eletrônico da IURD no Brasil (http://www.universal.org/, acesso em: 14 out. 2016)
não consta qualquer menção a Roberto McAlister. Há uma seção sobre a história da IURD e outra com a
trajetória do Bispo Macedo. Mas em nenhuma delas ou em outra seção há registro do nome de Roberto
McAlister. Já no site em inglês da IURD na Austrália (http://www.uckg.org.au/about-us.aspx, acesso em: 14 out.
2016), foi identificado dois registros ao nome do Bispo Roberto. O primeiro, logo no parágrafo inicial, menciona
a sua importância na origem da IURD e o segundo diz que Macedo teve a benção de Roberto para desenvolver
seu trabalho em praças públicas do Rio de Janeiro. Talvez ter essa referência de um missionário canadense com
nome inglês facilite a aproximação de algumas pessoas no contexto australiano para a IURD!
81
com as pessoas, enfocando assuntos do cotidiano prático e existencial. Neste sentido, Freston
explica que McAlister “rompeu com a AD em 1960 para elaborar um pentecostalismo menos
legalista, no estilo da incipiente renovação carismática104 norte-americana” e que, portanto, “a
Nova Vida foi pioneira de um carismatismo de classe média, um tanto a frente do seu tempo
no Brasil” (FRESTON, 1993, p. 96). Mariano (1999, p. 51) ressalta as práticas distintivas da
igreja de McAlister como embrionária do neopentecostalismo: “intenso combate ao Diabo,
valorização da prosperidade material mediante a contribuição financeira, [e] ausência do
legalismo em matéria comportamental”. A própria nomenclatura do programa de TV, sem
explícita conotação religiosa, revelava seu conteúdo e propósito, “Coisas da vida”, além do
público-alvo que objetivava atingir, o externo, não necessariamente aquele já familiarizado de
sua igreja. Livros tratando não diretamente sobre dízimo, mas de “Dinheiro, um assunto
altamente espiritual”, “Perdão, o segredo da cura total”, como também as pregações de Robert
McAlister daquela época (cujos vídeos podem ser acessados na Internet no canal YouTube),
revelam um conteúdo bem diferente daquele enfatizado pelas igrejas da primeira onda do
pentecostalismo e por grande parte do protestantismo histórico. Esse conteúdo se
caracterizava por sua gramática típica do que foi chamado de “celeste porvir” (MENDONÇA,
1984), já que falava mais das virtudes do céu do que das realidades da terra. Nesse período,
esse também era o discurso do iniciante pentecostalismo de segunda onda, formado por
igrejas que atraiam classes socialmente mais pobres e marginalizadas tais como a BPC e
IPDA.
A Nova Vida nasceu como uma igreja mais afeita à estética e interesses das classes
médias urbanas, como demonstram o trabalho de minha monografia de graduação
(FERNANDES SILVA, 1999) e também Mariano (1999, p. 52). Outros autores ressaltaram,
mesmo com registros mais sucintos, porém não menos relevantes, essa singularidade
identitária da Nova Vida, como Freston (1993, p. 96), que classificou o estilo da igreja como
“um modelo pentecostal mais culturalmente solto”, cuja “mensagem devia ser sempre
positiva”. Esse autor conclui que a Nova Vida “era o transplante do que havia de mais recente
na religião americana, no estilo dos novos pregadores televisivos” (FRESTON, 1993, p. 96).
Usando a metáfora de mercado religioso (GUERRA, 2003), pode se afirmar que
Roberto McAlister encontrou um nicho de classe média – grupo social ao qual pertencia –
para sua mensagem religiosa, que se mostrava como novidade, ética e estética, no então
104
Ao falar da renovação carismática norte-americana, Paul Freston (1993, p. 96) se refere ao processo de
pentecostalização, isto é, “renovação carismática” de igrejas protestantes históricas, como veio a ocorrer também
no Brasil e mencionado neste trabalho. Não confundir, portanto, com a Renovação Carismática Católica.
82
ambiente pentecostal no Brasil. Uma ilustração personalizada dessa descrição pode ser
tipificada na adesão à Nova Vida de um personagem que viria a se destacar na trajetória da
igreja, que é Tito Oscar de Almeida. Oriundo de família católica de Minas Gerais pertencente
à classe média, ele seguiu para o Rio de Janeiro a fim de estudar e fazer faculdade, onde se
formou em Bioquímica. Na clínica em que trabalhava conheceu uma moça, da Assembleia de
Deus, que o convidou a ir à igreja para “ouvir um coral”. Ele conta que, “como gostava muito
de música, costumava frequentar o Teatro Municipal”, assentiu com ela, pois “para assistir a
coral eu vou”. Segundo sua narrativa, entrou pela primeira vez numa igreja evangélica, a
Assembleia de Deus, de São Cristóvão, em 1961. Já namorando essa referida moça, ele relata:
Como eu vinha de outra estrutura social e naquela época ainda predominava o
legalismo [na igreja], eu fui devagarzinho mexendo com minha então namorada e
noiva para cortar cabelo, para mudar o estilo de roupa e ela acabou cortando o
cabelo e foi excluída da igreja (T. OSCAR).
Tito Oscar explicou que esse episódio da exclusão causou muito dissabor e
constrangimento, porque a família da noiva era tradicional na igreja, e logo tiveram que
retornar à comunidade onde sua noiva foi levada a pedir perdão publicamente. Isso, no
entanto, continuou Tito:
Coincidiu, exatamente, com a chegada do pastor Roberto à ABI. Como eu estava
com aquele primeiro amor, eu queria ouvir o evangelho, falei: vamos ouvir esse
americano falar? Ele fala gozado... E começamos a frequentar a ABI, logo no início
(T. OSCAR).
O rádio, portanto, foi o meio fundamental utilizado por Roberto McAlister para iniciar
suas ações de pregação, em agosto de 1960 no Rio de Janeiro, visando alcançar pessoas com
sua “mensagem de Nova Vida”. O que resultou no êxito, nove meses depois, do
estabelecimento de reuniões regulares com frequência crescente de público no espaço alugado
da Associação Brasileira de Imprensa. Antes mesmo de iniciar as atividades na ABI Roberto
já mantinha um escritório, que também servia como estúdio para gravação dos programas e
ainda como “gabinete pastoral” onde recebia e atendia pessoas alcançadas por seus programas
de rádio, para oração e aconselhamento. Em entrevista Tito Oscar destacou a importância
desse atendimento personalizado de Roberto às pessoas que o procuravam. Em seu dicionário,
Araújo registra: “Os dois pilares que firmaram o edifício da denominação foram o rádio e o
gabinete pastoral” (2007, p. 369). Este espaço de múltiplas funções era constituído
inicialmente por duas salas no nono andar de um edifício na Avenida Graça Aranha, 174,
distante apenas cerca de 110 metros do edifício da ABI. Posteriormente transferiu este espaço
multifuncional para o Edifício Avenida Central, na Avenida Rio Branco, 156. Como registra o
mencionado texto do site do CMINVB: “A procura pelo gabinete foi tão grande que mais três
salas foram alugadas, em agosto de 1962, todas ficavam no 10º andar do Edifício Avenida
Central. As salas só foram fechadas quando houve a transferência para o templo de Nova
Vida em Botafogo, em abril105 de 1971” 106.
Sobre o local escolhido para realização dos cultos da Cruzada de Nova Vida, a ABI,
importante saber mais sobre esse espaço, que tem significado institucional e centralidade
geográfica na cidade do Rio de Janeiro. Ele fica situado numa área nevrálgica e histórica do
Centro do Rio, onde também se encontram a Biblioteca Nacional, o Teatro Municipal, o
Museu Nacional de Belas Artes, a Câmara Municipal, além de muitos outros imponentes
espaços, inclusive edifícios públicos federais quando o Rio ainda era capital da República,
como o Ministério da Educação e Saúde, o Ministério da Fazenda, o Ministério do Trabalho e
o Supremo Tribunal Federal. Fundada em 1908 a ABI é uma associação de classe formada
por jornalistas, que se tornou uma importante referência da sociedade civil nas lutas por
liberdade e democracia no Brasil107. Portanto, nesse espaço de reconhecida importância
105
Bispo Tito afirmou abril, mas foi, na verdade, no mês de maio, conforme outros dados seus, inclusive.
Durante a entrevista ele recomendou checar as diversas datas de acontecimentos, pois estas, segundo disse, “às
vezes já embaralham em minha cabeça”.
106
http://www.conselhonovavida.com.br/nossa-historia/ (acesso em: 13 dez. 2016).
107
Embora não tão conhecida como sua similar Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a ABI também
desempenha papel de reconhecido valor na sociedade brasileira. Um exemplo: A instauração do processo de
84
impeachment de Fernando Collor de Mello da Presidência da República, em 1992, partiu da ABI por meio de
seu então presidente Barbosa Lima Sobrinho.
85
geração. Os que foram atraídas pela Nova Vida nos anos iniciais, principalmente, mas
também durante todo o período de liderança de Roberto McAlister na igreja, corresponde com
mensagem pertinente ao cotidiano da vida, de cura supostamente milagrosa, libertação
entendida como quebra de maldições, sobretudo, de “possessões demoníacas”, aliada a uma
ética pentecostal menos rigorosa, especialmente quanto a costumes, usos e padrões estéticos.
Não era proibido, por exemplo, ir ao cinema, à praia, praticar esportes, assistir TV, torcer por
um time de futebol; quanto às mulheres, especificamente, tinham liberdade para decidir o
padrão do cabelo, utilizar maquilagem ou usar calça comprida, práticas que, em geral, outras
igrejas pentecostais tanto da primeira quanto da segunda onda do pentecostalismo, restringiam
muito a seus membros (MARIANO, 1999, p. 198-204; ALENCAR, 2010, p. 138, 139).
Conforme Walter McAlister relatou em seu livro (2012) e também repetiu na
entrevista que me concedeu, a pregação de Robert McAlister no pioneiro encontro do Jardim
do Méier, já mencionado, foi “cuidadosamente escrita” e durou “pouco mais do que três
minutos”. Explica ainda o filho que para seu pai essa foi a sua “primeira vez no Brasil a
pregar sem intérprete”, porque também no rádio tudo era escrito antes de falar. Portanto
decidiu repetir uma vez e outra vez a mesma mensagem que havia redigido, para tentar
atender à expectativa do público, embora só tenha totalizado nove minutos de fala. Por isso,
reitera Walter, anunciou: “Agora vamos orar”. Mas subitamente teria entrado “em pânico,
pois se lembrou de que não tinha escrito uma oração e não sabia conjugar os verbos na
segunda pessoa”. Ainda assim prosseguiu, como registra Walter:
Orou com seu português débil até que uma mulher começou a gritar o meio da
multidão: ‘Eu posso ver! Eu posso ver!’ Para espanto geral, uma deficiente visual
fora curada. A multidão se comoveu. Houve mais oração e foram muitos os que
receberam da boa mão de Deus um milagre de cura (MCALISTER, W., 2012, p.
71).
Estribilho
Avante pois, e sem parar
o evangelho anunciar
o evangelho Quadrangular
de Deus o nosso eterno Pai
pois Cristo salva, o pecador
para que seja um bom cristão
cura também, a sua dor
qualquer doença e aflição
com seu poder, quer batizar
do céu virá pra nos levar
e com Ele nós havemos sempre de reinar.
108
Este hino, atribuído à própria fundadora da IEQ, a estadunidense Aimée S. McPherson, consta em vários
sites, como http://ieqsinop.com/institucional/29 (acesso em: 16 out. 2016). Na primeira linha da última estrofe,
segundo a versão original, a palavra que agora é templos era, na verdade, tendas.
87
ministério, em 1951, tenho orado pelos enfermos em cinco continentes, presenciando curas
das mais milagrosas e radicais possíveis” (MCALISTER, 2010, p. 30)109. Ele detalha diversos
casos de supostas curas milagrosas ocorridas por sua mediação, em várias partes do mundo,
culminando com um relato sobre os primórdios da igreja, no mítico espaço da ABI:
Lembro-me ainda de centenas e centenas de pessoas curadas no auditório da
Associação Brasileira de Imprensa, no Centro do Rio de Janeiro, onde durante mais
de 10 anos ministrei o Evangelho de Jesus Cristo na Cruzada de Nova Vida. Curas
de toda sorte de doenças e enfermidades foram presenciadas (MCALISTER, 2010,
p. 31).
Como sendo algo espetacular e difícil para outros de acreditar, Walter conta mais
sobre supostos endemoninhados dos tempos na ABI, afirmando: “creia ou não, cheguei a ver
uma dessas pessoas levitar na minha frente”. E assume para si mesmo: “Eu sei o que vi”. Em
seguida ele escreve: “Há quem pergunte se já vi um milagre. De fato, já perdi a conta, não só
no ministério do meu pai, como no de outros e até no meu. Aquilo fez parte de nosso dia a
dia” (MCALISTER, W., 2012, p. 74). Interessante a narrativa do bispo sobre alguém
perguntar a ele se já viu um milagre. Quem seriam essas pessoas? Jovens ou crentes mais
109
Republicado pela editora da ACNV, a edição original é de 1981. Roberto não escreveu sobre a história da
igreja fundada por ele no Brasil. Alguns registros encontrados estão em detalhes de livros religiosos publicados
por ele. Alguns foram republicados pela Editora Anno Domini.
110
Entrevista de Walter McAlister para esta pesquisa, concedida em outubro de 2015.
88
novos dos tempos atuais da ICNV? Pessoas de outras igrejas? Descrentes em geral? Durante o
período de pesquisa na Catedral bem como na Igreja de Botafogo nada vi que se assemelhasse
ao que ele descreve da época de Roberto McAlister na condução da igreja. E mais ainda:
Embora diga que “até” no seu próprio ministério já teve milagre, a maneira como encerra a
narrativa, com o verbo no passado, é esclarecedor do momento atual da Nova Vida: “Aquilo
fez parte de nosso dia a dia” (grifo meu). É também a percepção de fiéis que conviveram com
Roberto McAlister, seja na ABI ou na igreja sede em Botafogo: Fez parte, mas daquele jeito
não ocorreu mais. Uma senhora que se converteu na Nova Vida quando a igreja já estava
radicada em Botafogo conta de experiências semelhantes às que são narradas sobre os tempos
na ABI, de milagres, com o bispo Roberto e, saudosa, reclama da realidade da igreja hoje,
referindo-se diretamente à Catedral onde é membro:
Lá em Botafogo tinha muita cura. Eu fui curada de vesícula lá. [...]. Ia fazer uma
cirurgia e nem fui para a mesa de cirurgia. Deus me curou antes. Foi maravilhoso.
Lá tinha muita cura. Agora aqui hoje não tem mais. Não se vê (ESTER).
Bispo Luiz Paulo, também de Botafogo afirmou que Roberto “Sempre orava pelos
enfermos. Na maioria dos cultos ele sempre orava pelos enfermos. E havia manifestações sim,
cura divina, muitos testemunhos”. Ilustra com uma experiência no seio de sua família:
O meu sogro veio para a igreja por causa do filho que foi curado. Na época meu
sogro era espírita e minha sogra, filha de pastor da Assembleia, foi criada na
Assembleia. Ela casou com ele, era espírita, e ela ficou assim meio afastada. Eles
tiveram um filho, o primeiro, que é mais velho que minha esposa, meu cunhado. Ele
teve uma doença que ninguém descobriu o que era. Correndo para médicos e
médicos até que o irmão de minha sogra falou para ele: “Olha eu ouvi falar que um
americano aí, que ora e as pessoas são curadas. Por que você não vai lá? Tenta lá. É
lá em Botafogo!”. Aí veio com ele, trouxe ele, nem crente era, veio para ajudar. E o
bispo Roberto orou por ele e foi curado. E daí ele ficou, viu o poder de Deus. Bispo
Roberto tinha esse dom. Ele buscava e Deus o usava muito, assim, em cura (L.
PAULO)111
Outra senhora contou que durante sua trajetória na igreja, na época do bispo Roberto,
viu “vários milagres, muitos”, ilustrando com o exemplo de uma irmã sua que, segundo ela,
“foi curada do câncer”. Uma mulher contou experiência envolvendo seu filho:
Há muitos anos, na época do bispo Roberto, meu filho tinha um nódulo. O bispo
Roberto estava na televisão, na hora da oração ele pediu que quem tivesse problema,
fosse a TV. Hoje ele tem 40 anos. Eu não disse nada, ele desceu no sofá e colocou a
mão na mão do bispo na TV e ficou curado (ANA).
Esse tipo de prática, conhecido na Nova Vida da época do bispo fundador chamado
“ponto de contato”, foi utilizado por Roberto McAlister em seus programas eletrônicos,
conforme relato de entrevistados mais antigos. Descrevendo essa prática, Walter procura
explicar:
Um dos métodos empregados por Pastor Roberto para inspirar a fé no povo foi o
chamado “ponto de contato”. Na ABI, ele impunha a mão sobre os enfermos e as
pessoas que pediam oração. Pela rádio, isso não era possível, naturalmente, então ele
passou a convidar as pessoas a pôr uma mão sobre o aparelho receptor – uma forma
simbólica de receber a imposição de mãos. Na Televisão ele fez a mesma coisa:
buscou um meio de estender ao meio tecnológico a imposição de mãos que realizava
nos cultos ao vivo. Passou então a pedir que o telespectador pusesse sua mão na tela
na hora da oração, enquanto ele, por sua vez, levantava a sua e enchia a tela com a
palma da mão. Foram as primeiras tentativas, por meio de um artifício tecnológico,
de tentar estender o ato de imposição de mãos – algo que ele invariavelmente
praticou nos cultos da ABI. Muitos foram curados dessa forma (W. MCALISTER).
Hoje algumas igrejas neopentecostais, como IURD e IIGD, grupos que tiveram sua
gênese associada à Nova Vida pela participação de seus destacados lideres a essa igreja e a
Roberto McAlister, mantêm práticas bastante semelhantes a estas acima mencionadas,
principalmente Romildo Soares, como mostra exaustivamente seu programa “Show da Fé”
(PATRIOTA, 2008), mas também Edir Macedo. Em programa da IURD, um culto transmitido
ao vivo pela TV, na noite do dia 30/07/2016, direto do Templo de Salomão, em São Paulo,
111
Entrevista concedida a esta pesquisa em 17 de março de 2016, na igreja em Botafogo.
90
Bispo Macedo dirigiu toda a reunião e inclusive pregou para um auditório lotado formado por
pastores e bispos, com suas respectivas esposas. Em determinado momento de oração ele
pediu aos que o assistiam que colocassem a “mão na TV, no celular, no smartphone, para
receber a oração”.112
Sobre esses fenômenos miraculosos, Neves (1984) explica que as curas milagrosas
somente podem ser entendidas enquanto práticas ritualizadas que expressam a relação das
pessoas com os poderes que atribuem às divindades no ambiente do mundo por elas
sobrenaturalizado. Corten (1998) ao analisar esse fenômeno chama atenção para possível
banalização dessa prática mágica. Isso faz todo sentido ao se assistir programas de TV como o
já mencionado “Show da fé” e similares exibidos pela IURD.
Além de curas, também pastores falaram de exorcismos. Bispo Walter contou sobre a
rotina dominical nos cultos na época da ABI: “tinha pregação do evangelho, seguido
geralmente por oração pelos enfermos, com imposição de mãos. Nesses contextos muitas
coisas aconteceram. Eu presenciei pessoas sendo libertas de espíritos demoníacos”. Sobre esse
assunto, Bispo Luiz Paulo contou que Roberto tinha também o dom de “libertação”, mas
ressaltou, “não nesse termo de toda hora cair demônio não”. Seguidamente mencionou uma
história famosa na Nova Vida:
Tinha uma pessoa aqui, que era uma mãe de santo, mãe Georgina, que eu conheci. Já
é falecida há bastante tempo. Ela dava estudos aqui para quem tinha vindo da
macumba, do candomblé. Eu até fiz na época um livro com a ajuda dela, partilhando
com ela. Ela se converteu aqui com a pregação da Palavra. O testemunho dela é que
no dia que ela veio ela sentou lá atrás. Estava insatisfeita com o candomblé, via que
tinha coisas erradas ali. Mas era mãe de santo, tinha as filhas de santo dela, tinha o
terreiro. Era uma quarta-feira, sentou ali atrás, num culto normal. Ela disse que ele
[Roberto] chegou e disse: “Olha eu tenho uma mensagem hoje, mas Deus está
pedindo que eu pregue uma outra mensagem. Quero falar para os insatisfeitos da
umbanda, do candomblé...”. E [a mensagem] foi no coração dela. Ele era muito
usado assim, em profecia e sempre Deus confirmava (L. PAULO).
Este caso mencionado pelo bispo Luiz Paulo se tornou notório e resultou na
publicação de um opúsculo da autoria de Roberto McAlister intitulado “Mãe-de-Santo:
História e testemunho de Georgina Aragão dos Santos Franco – a verdade sobre o candomblé
e a umbanda”, no qual narrava a trajetória religiosa de Georgina, desde os cultos afro-
brasileiros até a conversão evangélica na versão do incipiente neopentecostalismo de
McAlister. O livro lançado originalmente em 1968 teve pelo menos quatro edições e, a rigor,
é de dupla autoria, pois Georgina Aragão participa de boa parte, inclusive escrevendo na
primeira pessoa do singular. Analisando a literatura produzida no Brasil a partir de vieses
cristãos que demonizam as religiões afro-brasileiras, Wagner Gonçalves da Silva (2007)
112
Programa visto pelo autor, em: 30 jul. 2016.
91
identificou esta publicação de R. McAlister como pioneira nesse tipo de abordagem. Segundo
Silva (2007), verifica-se no livro de McAlister (1968) que uma de suas práticas consistia em
convidar praticantes de cultos do candomblé e umbanda à “libertação”. Silva (2007) registra
ainda: “McAlister parece ter sido também o primeiro a utilizar a possessão in loco dos fiéis,
durante sua pregação evangélica, como peça de enfrentamento dos demônios supostamente
advindos dos cultos afros”. Sua base para esta informação é Ricardo Mariano. Discorrendo
sobre exorcismos feitos pela IURD e IIGD, este afirma que o “modo de lidar com os
demônios e tratá-los não foi inventado por [Edir] Macedo e [Romildo] Soares”, antes, conta
ele, “aprenderam a proceder desse modo com o fundador da Nova Vida. McAlister desde os
anos 60 combatia a umbanda e o candomblé. Mãe de Santo, seu livro publicado em 1968,
atesta isso”. Mariano completa com dado que ele classifica de “mais revelador”, explicitando:
“McAlister naquela época já obrigava os demônios a se manifestarem nos cultos públicos,
conversava com eles, descobria seus nomes e os identificava com os cultos afro-brasileiros e
espíritas” (MARIANO, 1999, p. 131). A fonte dessa informação dada por Mariano (2007, p.
135) é o livro de R. McAlister “Crentes endemoninhados: a nova heresia”, de 1975, publicado
pela Editora Carisma, ligada à Igreja de Nova Vida.
De fato, Edir Macedo frequentou a Nova Vida, o que significa dizer que ouvia
pregações e via outras ações de McAlister, desde pelo menos 1963, ainda na época da
Cruzada de Nova Vida na ABI. Ou seja, apenas três anos após o início do trabalho do
missionário canadense no Brasil. Ali no auditório da Associação Brasileira de Imprensa, entre
as 500 pessoas que frequentavam as reuniões conforme relatou Macedo a Tavolaro (2007, p.
81), conheceu R. R. Soares, já em 1968, (TAVOLARO, 2007, p. 110), faltando três anos para
a saída da Nova Vida da ABI e a transferência para o templo em Botafogo. Tornaram-se da
mesma família mediante o casamento de Romildo Soares com Magdalena Macedo, irmã
caçula de Edir Macedo. Juntos saíram da Nova Vida, em 1975, para fundar a Cruzada do
Caminho Eterno, que depois se chamou Casa da Bênção113 e, finalmente, em 1977, IURD
(TAVOLARO, 2007, p. 80, 81, 109). Segundo entrevista do Bispo Tito Oscar, eles saíram da
Nova Vida, principalmente, pela ênfase de Macedo em querer abrir igrejas para “trabalhar na
área de confronto com o espiritismo” e religiões africanas; porém, explicou Oscar, a Nova
Vida em época nenhuma foi “de confronto”. Não achando espaço para este tipo de prática,
113
Embora com nome homônimo, esta igreja de Edir Macedo não possuía qualquer vínculo com a Igreja Casa da
Bênção, também chamada Tabernáculo Evangélico de Jesus, fundada por Doriel de Oliveira, em 1964, na capital
mineira Belo Horizonte.
92
saíram da Nova Vida114. Em 1980 Soares perdeu uma disputa de liderança da IURD para Edir
Macedo, resultando em seu rompimento, vindo a fundar no mesmo ano a Igreja Internacional
da Graça de Deus.
Em seu texto supracitado, Silva (2007) mostra convergências temáticas entre o livro
“Mãe de Santo”, de McAlister, e “Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?”, de Edir
Macedo, explicitando conexões diretas que os autores fazem dos demônios com os cultos
afro-brasileiros. Este livro do fundador da IURD tem diversas edições e já teria vendido mais
de 4 milhões de exemplares (TAVOLARO, 2007, p. 137, 138)115. A edição a que tive acesso
era a 15ª, de 2004. No site da editora da IURD, a Unipro, o livro está anunciado com uma
edição de 2013. Numa dissertação orientada por Leonildo Campos, a autora (SANTOS, 2010)
mostra as imbricações entre esses dois livros, numa análise detida e chega a algumas
conclusões: “Roberto McAlister, o fundador da Nova Vida, influenciou sensivelmente o
futuro discurso e a cosmovisão de Macedo a respeito do bem e do mal, do demônio e das
religiões afro-brasileiras e mediúnicas”. Embasada na comparação entre os dois autores, ela
afirma mais: “A retórica [de Macedo] basicamente tem sido uma repetição das crenças e
discursos de McAlister”. Ela completa declarando que “não seria exagero dizer” que o livro
de Macedo é “praticamente um plágio” de “Mãe de santo”, do pastor canadense (SANTOS,
2010, f. 16). Ela conclui afirmando que McAlister foi mentor, tanto de Edir Macedo quanto de
Romildo Soares, principalmente quanto a doutrinas, práticas rituais e “da identificação do
demônio com as religiões mediúnicas” (SANTOS, 2010, f. 44).
Voltando ao artigo de Wagner Gonçalves da Silva (2007), ele situa o protagonismo
que a IURD ganhou nesse campo e completa comparando o início da Nova Vida com
McAlister e a realidade atual da igreja: “O impacto das práticas da Igreja de Nova Vida no
desenvolvimento desse antagonismo contra as religiões afro-brasileiras foi, entretanto,
114
Tito Oscar relatou ainda na entrevista sobre Macedo: “Ele conta em um dos livros dele como se deu a saída
[da Nova Vida], que ele falou com o pastor Roberto...”. Oscar retrucou: “Pastor Roberto nem estava no Brasil.
Pastor Roberto estava nos Estados Unidos. Ele [Macedo] tratou comigo, no meu gabinete. Ele, R. R. Soares, que
na época era o Romildo e os irmãos [Samuel e Fidélis] Coutinho”. Comentou ainda na entrevista que Edir
Macedo não tinha cargo de liderança: “Ele não era nada na igreja, era simplesmente um membro, ninguém
conhecia ele. A família dele, sim, era amiga do Bispo Roberto. A família, mas ele não”. A família de Ester, que
viria ser esposa de Macedo, já era da Nova Vida. Sua irmã Elza, veio a se casar com Jorcelino Queiroz, que se
tornou pastor na Nova Vida e foi ordenado bispo por Roberto McAlister, em 1983, juntamente com Tito Oscar.
Portanto, verifica-se ligações familiares e religiosas bastante imbricadas entre esses personagens (Entrevistas
com pastor Martinho Lutero e pastor Sebastião Estevam de Oliveira, ambos do CMINVB (20 dez. 2016).
115
Douglas Tavolaro (2007, p. 137) informa que o livro de Macedo é um best-seller e “tornou-se o maior
sucesso na literatura evangélica no Brasil”, acrescentando que “rendeu a Edir vários processos” por conta dos
conflitos com religiões de matriz africana principalmente. Em reportagem de 2005 do jornal Folha de S. Paulo
registrava vendas de mais de 3 milhões de cópias.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u115122.shtml (acesso em 12 dez. 2016), além de Silva
(2007) e Santos (2010).
93
reduzido”. Para esta avaliação conclusiva sobre o assunto Vagner da Silva já considera o
período atual sob a direção de Walter e as mudanças ocorridas, conforme verificado em nossa
pesquisa. No período inicial da ABI, e mesmo posterior em Botafogo, a situação era outra.
Como narra bispo Tito:
A Nova vida sempre lidou com demônios. Tanto é que o bispo Roberto escreveu um
livro “possessão de demônios”. Sempre lidou. Mas era de uma forma muito
tranquila. A gente não costumava libertar a pessoa através do poder de Deus,
publicamente. A gente tirava a pessoa do ambiente. Lidava em ambientes fechados,
não públicos. Não fazia essa encenação. Porque quando a pessoa voltasse não ficaria
melindrada, não ficaria deslocada do ambiente. Então qualquer alteração, qualquer
manifestação, era tratado fora (T. OSCAR).
O bispo de São Paulo revelou, no entanto, que outras situações semelhantes àqueles
aventadas por Vagner da Silva e Ricardo Mariano também ocorriam, mas minimizou:
“Algumas vezes tinha que ser lidado no espaço [do culto público], mas era uma coisa
tranquila, sem gritos nem exageros. Sempre nos pautamos por essa forma de tratamento, mas
nunca agredimos”, justificou-se. Esta fala se deu no contexto em que criticou práticas do
Bispo Macedo, desde a época em que este queria desenvolver tais ações quando estava na
Nova Vida. Sobre o livro mencionado acima na citação por Tito, trata-se de “Crentes
endemoninhados: a nova heresia”, publicado por Roberto McAlister em 1975. Segundo
Ricardo Mariano (2007, p. 135), neste livro o fundador da Nova Vida “revela que obrigava
demônios a se manifestarem nos cultos públicos, interrogava-os, desvendava seus nomes e os
identificava com as entidades dos cultos afro-brasileiros e espíritas”. Ele prossegue afirmando
que tais práticas rituais foram depois copiadas por Edir Macedo.
Apesar de todas essas suas afirmações, Tito Oscar, tal como Walter, também procurou
negar qualquer relação da Nova Vida com os líderes midiáticos de grupos neopentecostais,
notadamente Bispo Macedo e R. R. Soares. O bispo Tito Oscar afirma: “Dizem que eles
saíram da Nova Vida. Não! Eles passaram pela Nova Vida. Não aprenderam nada do que nós
fizemos lá”. Seguidamente fez, no entanto, um aceno de reconhecimento a essas igrejas:
“Graças a Deus que o trabalho está aí, é grande, tem gente sendo salva, mas não tem nada a
ver conosco, digamos assim, de formação. Nada, nada, nada”, declarou Tito Oscar. Já Walter,
seja na entrevista ou em seus livros, somente tem críticas, e fortes, a esses personagens que
passaram pela Nova Vida e as práticas que desenvolveram. Essa sua posição será melhor
analisada no capítulo seguinte, mas a ilustro aqui com a citação a seguir: “Os fundadores do
neopentecostalismo não estavam na Nova Vida quando criaram esse movimento. Já não
estavam mais entre nós. Levaram eventos pinçados de uma história que nunca abalizou o que
acabaram praticando”. Walter situou criticamente que “eventos pinçados” foram esses:
94
Walter completa, lamentando, que “este foi o lado sombrio do ‘legado’” de Roberto,
pois destacados personagens do neopentecostalismo, disse ele, “se reportam a meu pai como
sendo quem os ensinou a fazer o que fazem”, o que “não é verdade”. E reagiu: “Ele [Roberto]
não é, como posso afirmar com veemência, “o pai do neopentecostalismo”. Arrematou
dizendo que este é um título que não lhe cabe. “E quem assim o faz, lamento informar, erra”
(MCALISTER, W., 2012, p. 48).
Quanto ao fenômeno das línguas estranhas Bispo Luiz Paulo contou que era algo
frequente nos tempos de Roberto: “Tinha culto com manifestação do Espírito Santo, em
línguas. Se bem que era muito disciplinado nessas coisas. Porque às vezes pessoas
extrapolavam demais, ele sempre orientava, na disciplina, mas ele nunca impediu ninguém de
falar em língua”. Interessante perceber como a leitura do passado é sempre ressignificada pelo
presente. Pois o bispo afirma que tinha “manifestação”, mas sempre comedida, acrescentando
que ele não proibia. Enquanto outros entrevistados falam do ambiente marcado por estas
práticas. Numa entrevista informal com um ex-membro da Nova Vida, Ronaldo116, 40 anos,
que atualmente é pastor batista, ele contou que ficou 13 anos na igreja, uma congregação na
Zona Norte do Rio. No entanto, relatou que freqüentou a sede em Botafogo, destacando que
“dominicalmente ouvia o bispo” e que “tinha uma admiração muito grande” por Roberto
McAlister. “Com o Bispo lembro-me das mensagens e das línguas. Falava muito em línguas.
Glossolalia”, declatou no ensejo de uma longa conversa, via Whatsapp. Saiu da IPNV, grupo
que era de Walter McAlister, em 1998, obviamente depois da divisão da denominação. Ele
elencou algumas razões: “Crise doutrinária117, mensagens de autoajuda e aquilo que hoje sei
que é a Teologia da Prosperidade” (Ronaldo, 40 anos, 14 dez. 2016). Em entrevista, Bispo
Tito comentou sobre prosperidade no tempo de atuação de Roberto e as diferenças: “Hoje se
fala muito em prosperidade. Nós pregamos prosperidade na época. Não tinha nada de
Teologia de Prosperidade” (riso). Bispo Walter (2012, p. 46) criticou líderes que “abraçam
116
Ronaldo, nome fictício. Apenas os pastores da Nova Vida, da Aliança ou do Conselho, aparecem com seus
nomes verdadeiros no decorrer do texto. Entrevista feita em 14/12/16.
117
Situou a crítica conforme retratada por Romeiro (1993, 1995) em seus livros, conforme citados no capítulo 4.
95
sem pudor a Teologia da prosperidade”, afirmando que eles “usam campanhas antibíblicas
para arrecadar dinheiro do povo e comprar aviões particulares”.
A doação financeira para a igreja pelos fiéis dentro do culto foi outro tópico
comentado pelos entrevistados. Conforme presenciei em todas as reuniões litúrgicas de que
participei nas diversas igrejas de Nova Vida, tanto da ACNV quanto do CMINVB, essa
doação tem uma centralidade e importância, como será mostrado posteriormente. A fala do
Pastor Ragner ilustra bem esse momento em que os presentes vão à frente e entregam o
envelope com o dízimo nas mãos do próprio pastor dirigente do culto:
Sempre foi assim. Sempre assim. Não me lembro de uma prática diferente. Sei que
há denominações em que certo fiel ou membro da igreja para entregar seu dízimo
vai à secretaria, mas aqui não, eram trazidas ao púlpito, no altar. Que tem um certo
simbolismo nisso: trazer ao altar sua oferta. Então não recordo de uma prática
diferente na Nova Vida. Nestes anos todos foi algo que persistiu (RAGNER).
118
Para uma compreensão da importância do mito numa perspectiva fenomenológica e antropológica ver M.
Eliade (2002) e numa leitura mais histórico-filosófica do mito fundador ver M. Chauí (2000).
96
119
Curioso como se dá as percepções acerca de fatos e dos tempos, especialmente a partir da identidade
religiosa. Em entrevista (20/12/2016) com pastor Sebastião Estevam de Oliveira, da Igreja Nova vida do Méier,
mas oriundo da Igreja Congregacional, cujo estilo de governo é democrático e reconhece um conjunto de fiéis
como sendo uma igreja, independente do templo, comentou sobre a ordem de surgimento das congregações de
Nova Vida. Segundo narrou em entrevista, a primeira Nova Vida é a Igreja de Botafogo, que começou na ABI,
em 1961. A segunda, Niterói, cujo templo foi inaugurado em 28 de novembro de 1964. Mas conforme ele, antes
a igreja já existia e circulou por outros espaços alugados, até chegar à inauguração do templo em 28/11/1964,
quando se estabeleceu no templo situado à “Rua Dr. Carlos Maximiano, 156, Fonseca”. Depois, a terceira,
conforme sua narrativa, a Igreja de Bonsucesso, inaugurada em 5/03/1965, na “Rua Teixeira de Castro, 312”.
Ainda segundo o pastor Sebastião, os primeiros pastores da igreja em Niterói foram Valdimir Barbosa e depois
Valmir Cohen, este tendo deixado a Assembleia de Deus para seguir com McAlister em seu projeto. Já em
Bonsucesso, os primeiros pastores foram Otávio Peterson, Dilênio Moreira de Rezende e depois Jorcelino
Queiroz.
97
perceber que de pai para filho há mudanças geracionais e rupturas sociais entre as igrejas do
tronco originário ‘mcalisteriano’ de Nova Vida.
Voltando aos entrevistados mais antigos, eles referiram-se com paixão e saudade
àquele ambiente fantástico dos primórdios da igreja sob Roberto, enquanto os mais jovens e
mesmo pastores da catedral não se reportam ou não realçam tal ênfase dessa espécie de mito
fundador alentado por pessoas que viveram aquele contexto. Uma experiência marcadamente
pentecostal que durou de agosto de 1961 a maio de 1971, quando foi inaugurado o templo
sede localizado na Zona Sul do Rio de Janeiro. Com essa mudança física e para um templo
arrojado para a época, avançava ainda mais o processo de institucionalização da Igreja
Pentecostal de Nova Vida, que passava a ter agora três unidades e um sistema de maior
organização estrutural a partir da sede em Botafogo. Embora fosse esse o nome oficial e
inclusive gravado no edifício eclesiástico, bem como nos documentos internos como
certificados de batismo, ela já era conhecida e reconhecida por seus líderes e fiéis
simplesmente como Igreja de Nova Vida, o que terminou constituindo sua identidade. Os
próprios templos assim exibiam o nome em suas fachadas.
Detalhe da fachada do templo da Nova Vida em Botafogo, no canto inferior à esquerda, onde estão gravadas
estas informações, em baixo relevo no granito. Em todos os livros de McAlister, seu nome aparece grafado na
forma aportuguesada: Roberto. Como ilustram imagens de capas acima colocadas neste capítulo. Já nesta placa
seu nome está gravado em pedra na maneira original: Robert. (Arte e foto de Clemir Fernandes).
98
Logotipo tido como mais antigo da igreja fundada por Roberto McAlister, utilizado em documentos oficiais,
inclusive certificado de batismo nas águas para membros da Nova Vida (Arte de Clemir Fernandes sob foto de
Rogério Rezende).
Nos anos 1980 e 90 esta é a logo encontrada em documentos como símbolo da Igreja de Nova Vida, inclusive
nos livros da Carisma Editora, que publicava os livros de Roberto e de outros pastores da denominação.
(Arte de Clemir Fernandes, sob foto de Rogério Rezende).
Com todas essas práticas, conforme mostradas até aqui, verifica-se sinais efusivos do
protoneopentecostalismo de Roberto McAlister a partir da experiência dos próprios pastores
bem como na dimensão institucional da denominação criada por ele. A seguir e mais ao final
deste capítulo bem como no seguinte com os depoimentos de diversos entrevistados esse
neopentecostalismo incipiente fica ainda mais evidente.
social e simbólico (BOURDIEU, 1987)120. A partir dos cultos na ABI, Roberto passou a
contar com ofertas dos frequentadores e novos crentes alcançados por suas pregações. Depois,
agregou donativos das igrejas estabelecidas e que estavam sob sua liderança. Pois embora nos
primórdios ainda não houvesse uma estrutura denominacional estabelecida, segundo
entrevista de Tito Oscar, informalmente o modelo já era de uma igreja centralizada na
administração. Assim, com esses e outros recursos proveu a construção do grande templo, um
prédio de sete andares, que passou a servir também como sede da denominação, localizado no
bairro de Botafogo, na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. Ele foi inaugurado em 9 de
maio de 1971 (LEITE FILHO, 1994)121, embora não totalmente concluído e apto para o uso,
conforme explicou Tito Oscar em entrevista. E não foi por acaso que o templo foi erguido em
Botafogo, um bairro integrante da área da cidade que concentra os segmentos socialmente
econômicos mais elevados, pois essa era uma camada que Roberto McAlister objetivava
particularmente alcançar. (MARIANO, 1999; FERNANDES SILVA, 1999). Avaliando a
geografia da cidade, tanto física quanto humana e sua classificação socioeconômica em
perspectiva da inserção protestante, Alencar (2013) mostra como as igrejas pioneiras de
missão se estabeleceram na região central122 e as pentecostais clássicas mais afastadas do
Centro e mesmo no subúrbio123. Já a Nova Vida, propositadamente construiu seu templo
central na Zona Sul (FERNANDES SILVA, 1999).
Após anos de intenso trabalho e em meio a desafios diversos, inclusive a “traição” de
um pastor auxiliar124 muito próximo no contexto da Cruzada, Roberto passou a sofrer
problemas cardíacos. Aos 39 anos foi acometido de um infarto, que superou em parte e
continuou sua agenda ministerial. Em 1973, segundo Walter, seu pai decidiu retirar-se por um
120
Disponível em: https://pt.scribd.com/document/61153309/Bourdieu-What-Makes-a-Social-Class (acesso em:
13 dez. 2016).
121
Além da referência dada, outras informações são do site do Conselho de Nova Vida do Brasil, que não é
vinculada ao bispo Walter McAlister: http://www.conselhonovavida.com.br/nossa-historia/ (acesso em: 9 jan.
2017).
122
Igreja Luterana, adjacente à Praça da Cruz Vermelha; Igreja Congregacional, na Rua Camerino, no entorno da
Praça Mauá e Porto do Rio; Catedral Presbiteriana, na Rua Silva Jardim, contígua à Praça Tiradentes; e Primeira
Igreja Batista, no bairro do Estácio, próxima ao complexo administrativo da Prefeitura. Todas fundadas no
século XIX, cuja região era a mais valorizada da cidade, onde também estavam concentrados os edifícios dos
mais importantes poderes públicos bem como a sede administrativa de grandes empresas privadas.
123
A primeira Assembleia de Deus, em São Cristóvão (quando o bairro já não era imperial), e a segunda no
subúrbio, a AD de Madureira, ambas fundadas na segunda década do século XX.
124
Walter fala desse episódio como algo que desestruturou seu pai, assim como o próprio Roberto também
comenta em um de seus livros (2010), mas sem citar nome. Tito Oscar também não quis falar desse caso,
informando que não comentam publicamente sobre o assunto. O fato resultou numa tragédia alguns dias depois.
O pastor que traiu Roberto morreu num acidente automobilístico (MCALISTER, W., 2013, p. 96).
100
“período sabático”, seguindo com a família para a Carolina do Norte (EUA). Ao deixar o
Brasil “a Nova Vida era ainda uma igreja sem uma clara hierarquia ou forma de governo”.
Tito Oscar relatou que foi uma decisão abrupta apressada, resultando num choque para todos,
especialmente a igreja em Botafogo. Tendo ficado como líder, Tito Oscar contou que
enfrentou muitas dificuldades para manter a igreja, sobretudo porque sofreu acusações de que
teria expulsado Roberto. Para amainar os conflitos, ele manteve o “bispo no ar”, reprisando
seus programas na Rádio Relógio, “como se ele estivesse viajando”. E ele viajava muito,
conforme lembrou Tito, inclusive nesse período sabático, que durou cerca de três anos.
“Pastor Roberto vinha duas vezes por ano para realizar campanhas conosco chamada de
Semana Carismática”. Isso que foi denominado de período sabático pode ser entendido
praticamente um retorno do pastor Roberto para a América do Norte, segundo relato de Tito
Oscar, que contou da preocupação do missionário canadense com sua família, em particular a
formação de seus filhos. “Os meninos [Walter e Heather] já estavam na fase de High School,
então foram para os Estados Unidos”, destacou Tito, que revelou o seguinte acerca da postura
de Roberto em relação à sede em Botafogo:
[Ele] entregou a igreja e, assim, não sei se por brincadeira, pegou a chave e disse:
‘Você vende, fecha, você faz o que você quiser da igreja. A igreja é sua’. E foi
embora. Isso no sábado. No domingo de manhã eu com a responsabilidade de pregar
três vezes – nós tínhamos dois cultos pela manhã e um a noite – e informar à igreja
que o bispo125 tinha viajado. Então houve muita confusão, o pessoal me acusando de
ter expulsado o bispo do Brasil. Um período muito difícil (T. OSCAR).
O fato é que quando Roberto decidiu voltar, animado também pela visão de implantar
o governo episcopal, Tito “devolveu” a igreja que havia recebido de Roberto. O próprio
Walter McAlister (2012) reconhece em seu livro que Tito teve o grande gesto de entregar a
igreja de volta para seu pai. É possível, portanto, aventar que, quando da morte do Bispo
Roberto, o Bispo Tito se sentisse mais do que o sucessor natural, na verdade via-se como
quase o “dono” de uma igreja que havia herdado em 1973 e que devolvera ao fundador após a
volta deste em 1976.
Dentre diversas ações durante o tempo nos Estados Unidos, Walter destacou o
pastorado que Roberto exerceu em uma igreja na cidade de Charlotte. Uma grande igreja, de
governo congregacional, que terminou destituindo Roberto do pastorado, principalmente por
seu estilo centralizador. Interessante lembrar aqui o que Weber (1994, p. 312) chama de
“religiosidade congregacional”, isto é, “quando os leigos encontram-se associados numa ação
comunitária permanente [...] e influem ativamente de alguma maneira”. O estilo centralizador
125
Bispo Tito referiu-se ao título com que Roberto é conhecido hoje, mas naquela ocasião ainda era o Pastor
Roberto.
101
de Roberto estaria, portanto, mais distante da “religiosidade congregacional”, o que pode ter
contribuído futuramente na escolha do modelo episcopal para sua igreja.
Tanto Walter quanto Tito relataram que, em seguida, ele começou uma nova igreja na
mesma cidade, onde comprou um antigo templo que havia pertencido ao avô de Billy Graham
e onde este tinha vivido sua infância: “Nessa época, um amigo dele que era líder de uma
igreja pentecostal em Roma faleceu repentinamente e surgiu a necessidade de alguém para
conduzir o trabalho”126. Roberto e um grupo de amigos seguiram para o funeral. Walter conta
que ao chegarem lá, “todos os amigos disseram [a Roberto]: ‘Olha você entende mais disso do
que qualquer de nós. Tome a frente’. Ele assumiu e ficou lá durante um ano colocando a
igreja em ordem e estabelecendo uma liderança”.
Em 1976 ele voltou para o Brasil e “a Nova Vida não tinha uma forma de governo”.
Walter continuou sua narrativa contando que várias congregações da Nova Vida havia
“nascido espontaneamente pelas mãos de pessoas que ele [Roberto] tinha ordenado”, então
“sentiu que a igreja precisava de uma visão mais clara de sua estrutura”. Em função dessa
necessidade, “eles estudaram as três formas principais: congregacional, presbiteriana e
episcopal, e sentiram que, por uma questão cultural, a forma episcopal teria, talvez, uma
aceitação ou uma relevância maior”. A decisão pelo estilo episcopal, segundo Walter, não
teria influência do modelo da igreja católica. “Já havia uma igreja pentecostal na América
Latina que já tinha se estruturado de maneira episcopal, que era a Igreja Pentecostal do
Chile”. Neste assunto, as memórias de Tito Oscar diferem ao considerar que a decisão pelo
episcopado como forma de gestão da igreja teve relações diretas com as aproximações feitas
por McAlister com a Igreja Católica, no contexto pós-Concílio Vaticano II (1962-1965). É
possível que a informação memorial de Tito prevaleça, pois ele viveu intensamente este
período, ao contrário de Walter, mais novo e que estava nessa época estudando nos Estados
Unidos.
126
Tito Oscar conta que esteve pregando nessa igreja, que funcionava “num belo cinema em Roma”. Walter
registra em seu livro (2012) que seu pai descobriu “práticas terríveis” do pastor morto, John McTernan, inclusive
“envolvimento com a máfia italiana”. Quanto a essa informação da igreja no cinema é interessante, pois o
próprio Roberto viria a estabelecer igrejas em cinemas no Rio de Janeiro, como exemplifica o caso do então
Pastor Walter McAlister. Este pastoreou na década de 1980 a Igreja de Nova Vida, no Engenho Novo, cujo
templo foi antes o belo cinema do bairro da Zona Norte do Rio. O próprio nome da igreja na fachada do
imponente prédio usava letras móveis do antigo cinema para informar sobre filmes em exibição. Esta prática de
utilizar cinemas se tornou usual entre igrejas neopentecostais no Brasil, principalmente a IURD de Edir Macedo,
durante os anos 1990, período em que os ‘cinemas de rua’ entraram em crise de público, que passou a preferir as
salas de cinema de shopping center. Uma boa ilustração dessa discussão é o caso ruidoso narrado por Claudia
Swatowiski (2013) sobre a disputa da IURD por adquirir cinema para usar como templo da igreja do Bispo
Macedo.
102
Dentre esses amigos de Roberto, aos quais Walter se referiu, alguns se constituíram
num grupo de apoio mútuo, formado por David DuPlessis, John Meares e Earl Paulk. O
primeiro, DuPlessis (1905-1987), um pastor pentecostal da África do Sul, tornou-se
conhecido pelo epíteto de “senhor pentecostes”, circulou entre muitas denominações cristãs
divulgando a “doutrina e prática do Espírito Santo”. Segundo Walter, ele foi um dos
responsáveis pela influência carismática entre católicos. A partir desse viés, manteve diálogo
ecumênico com o universo católico, sendo convidado pelo Vaticano, que buscava entender e
reduzir a perda de seus fiéis para igrejas pentecostais. Também estabeleceu relações e
convivência com o Conselho Mundial de Igrejas e suas denominações da tradição protestante.
Por conta disso foi alvo de muita crítica e repulsa de setores mais conservadores do ambiente
evangélico e pentecostal. Pois, como destaca Walter, em tese, “um pentecostal não é somente
um não católico ele é um anticatólico”. O outro líder, John Meares (1920-2011), foi um pastor
de tradição pentecostal que abriu uma igreja em Washington mesclada de brancos e negros, o
que lhe rendeu a expulsão de sua antiga denominação, a Igreja de Deus nos Estados Unidos.
Segundo Walter, este foi um dos amigos que juntamente com sua igreja, a Catedral
Evangélica, ajudou financeiramente e apoiou Roberto desde os primórdios da Cruzada de
Nova Vida no Brasil. O terceiro, Earl Paulk (1927-2009), pastor pentecostal também oriundo
da Igreja de Deus fundou a Chapel Hill Church, em Atlanta, que depois mudou o nome para
Catedral do Espírito Santo. Ela tornou-se uma megaigreja, com 10 mil membros, e construiu
um enorme templo gótico. Assim como Meares, Paulk127 enfrentou contrariedades por fazer
de sua igreja um espaço multiétnico, acolhendo pessoas brancas e negras. Na década de 1960
participou do movimento pelos direitos civis com Martin Luther King.
127
Ao final da vida, tanto Meares quanto Paulk enfrentaram escândalos nos Estados Unidos, com grande
divulgação pela mídia. Meares, por questões relacionadas à acusação de apropriar-se de recursos financeiros dos
fiéis, embora sem consequências tão drásticas para a igreja:
https://www.washingtonpost.com/local/obituaries/bishop-john-l-meares-of-evangel-cathedral-in-md-dies-at-
91/2011/05/26/AGuAGMCH_story.html (acesso em 12 nov. 2016). Após o falecimento de Meares a igreja
seguiu dirigida por sua família: http://www.evangelcathedral.net/ . Já Paulk teve problemas motivados por razões
sexuais, inclusive acusação de adultério e abuso infantil. Sua congregação se reduziu a mil pessoas e
posteriormente teve seu templo vendido: http://www.nytimes.com/2009/04/04/us/04paulk.html (acesso em 12
nov. 2016). Atualmente um filho dele, fruto de um relacionamento extraconjugal com sua cunhada, é pastor do
que restou, uma igreja inclusiva que diz acolher variadas tradições religiosas e de diferentes orientações sexuais:
http://www.mytruthsanctuary.com/ (acesso em 12 nov. 2016).
103
Foto da imagem contida no livro autobiográfico de Earl Paulk 128. Bispos membros do ICCC.
(Arte de Clemir Fernandes sob foto disponível na web).
Para discutir os rumos da igreja quanto ao seu modelo de governo, Roberto, segundo
conta Tito Oscar, o chamou para ir até Roma: “A questão era que em Roma, no diálogo com
os cardeais católicos, estes reclamavam que não sabiam a quem se dirigir na igreja evangélica,
porque todo mundo é pastor. ‘Quem é que manda? Todo mundo é pastor!”. E arremata Tito:
“Então chegamos à conclusão de que nós deveríamos mudar nosso sistema de organização,
deveríamos incluir o episcopado”. Com essa resolução ele afirmou ter recebido uma missão
de Roberto: “Você volta para o Brasil, dê uma série de aulas lá para a igreja sobre essa
mudança e nós vamos adotar o sistema, inclusive para facilitar a abertura, até mesmo da
igreja”. Segundo Tito, essa decisão foi “consenso entre eles”, isto é, o grupo de amigos de
Roberto e que mantinha diálogo ecumênico com cardeais e bispos no Vaticano. Tito relata
que voltou e deu várias aulas sobre estrutura da igreja e os pastores juntamente com as igrejas
aceitaram o episcopado, pois viram que “era um tema bíblico, pois o Novo Testamento fala
mais em epíscopos do que sobre pastor”. Essa informação sugere confirmar que o modelo
episcopal teve, sim, influência do Vaticano, conforme perspectiva de Tito, pois este fez parte
128
O título do livro: Unfinished Course. The inspiring history of Earl Paulk. Shippensbourg, PA, 2004. Um
subtítulo diz: “Amigo de Deus, Amigo de Presidentes e Amigo dos desprovidos de direitos”. Disponível em:
https://books.google.com.br/books?id=fntoi7WysXwC&pg=PA144&lpg=PA144&dq=john+meares+and+robert
+mcAlister&source=bl&ots=snmGVvp1FZ&sig=kxFkSatH-dWelPGWGAiPmKf4WQo&hl=pt-
BR&sa=X&ved=0ahUKEwjj7OHy6KbQAhWKIJAKHbQPACoQ6AEIMTAH#v=onepage&q=john%20meares
%20and%20robert%20mcAlister&f=false (acesso em: 12 nov. 2016).
104
da mudança do sistema de governo, enquanto Walter, que era mais jovem, não acompanhou
devidamente tal o processo.
Quando decidiram optar pelo governo episcopal, Walter comentou que “não sabiam
bem como funcionaria esse episcopado”, mas Roberto “foi reconhecido pelos pastores”,
portanto, seguiu-se a ordenação. Tito Oscar explicou que cuidou de todos os detalhes para que
isso acontecesse. Walter conta:
Para a ordenação veio o David DuPlessis e veio também o amigo dele, reverendo
John Meares, de Washington, para consagrá-lo bispo da igreja. Mas era um
episcopado, que era basicamente, digamos, uma institucionalização da autoridade
que ele já exercia como líder, de fato, desse grupinho de igrejas. Eram poucas
igrejas. Seis igrejas, algo assim (W. MCALISTER).
129
http://www.theiccc.info/ (acesso em: 12 nov. 2016).
130
http://www.theiccc.info/History (acesso em: 12 nov. 2016). Nesta página sobre a história do ICCC, embora
DuPlessis seja citado (nove vezes) como o responsável pela aproximação de pentecostais com católicos, o
personagem mais destacado e mencionado é Robert McAlister (15 vezes). Segundo o site, Roberto buscou um
reconhecimento oficial do Vaticano para seu episcopado, envolvendo inclusive a Igreja Anglicana. História
semelhante é registrada em outro site:
http://www.iamforsure.com/False%20Teachers/Huskins/HuskinsICCC.html (acesso em: 10 nov. 2016). Ao
105
Ao centro o papa Paulo VI, imediatamente à direta David Du Plessis e o terceiro à esquerda Robert McAlister
(Foto disponível na web)
Segundo Walter, seu pai “acabou sendo o secretário permanente do diálogo com o
Vaticano nos anos 1970 e sentou com teólogos jesuítas, beneditinos e pentecostais”. No
contexto do ICCC, dentre o Colégio de Bispos dirigente da organização, Roberto se tornou o
Bispo Primaz.131
Segundo Walter, também no Brasil Roberto manteve contato com católicos “e se
tornou mais simpático ao movimento da Renovação [Carismática Católica – RCC] por
conhecer pessoas como Dom Cipriano Chagas, Nelson de Souza, que era diretor das Edições
Louva a Deus, A. Maria José, do Mosteiro de São Bento”.
Tito descreveu o cenário brasileiro afirmando que após a ordenação de Roberto como
bispo, em 1976:
comentar sobre a adoção dos paramentos litúrgicos do episcopado, Walter discorreu sobre a tentativa de seu pai
de superar a origem numa igreja de pouco prestígio como a Pentecostal do Canadá, sem qualquer símbolos ou
pompa, por um modelo cuja estética incluía vestimentas especiais com estola, cinto, anel de bispo
(MCALISTER, 2012: 116-117). E na entrevista ele comentou: “Creio que ele desejava muito entender seu papel
à luz da história e participar da história, da construção de coisas relevantes. Acho que ele tinha muito esse
desejo”.
131
http://www.iamforsure.com/False%20Teachers/Huskins/HuskinsICCC.html (acesso em: 13 nov. 2016).
106
Houve um boom na igreja. A Nova Vida cresceu muito. Nós éramos cinco pastores,
de repente passou para 15 e a coisa foi explodindo, sem que ele desejasse abrir
igrejas. Nós tínhamos Bonsucesso, Niterói e Caxias, que hoje é uma das grandes
igrejas, e acho que era só. Campo Grande e Bangu eram grupinhos pequenos. Não
tinha mais. Então com o episcopado houve um crescimento muito grande. Muito
grande.
Walter frisou que “a Igreja de Nova Vida foi a primeira, de linha pentecostal, a adotar
esse tipo de governo eclesiástico no Brasil”. Com o crescimento e o surgimento de novas
igrejas Roberto decidiu ordenar dois bispos para auxiliarem no trabalho que crescia
vertiginosamente: Tito Oscar de Almeida, que atuava na sede em Botafogo, e Jorcelino
Medeiros de Queiroz, pastor da igreja de Bonsucesso, foram sagrados bispos em 1983, com
responsabilidades auxiliares. Oscar afirmou na entrevista que não queria ser ordenado bispo,
mas Roberto insistiu: “foi a visão da época”. E avaliou à luz do presente: “o termo perdeu
muito do seu valor. Hoje virou chacota ser chamado de bispo, com esse negócio de apóstolo,
não sei o quê”132, referindo-se aos títulos usados (e abusados) no contexto evangélico,
sobretudo neopentecostal.
Curiosamente, essas três primeiras igrejas de Nova Vida – Niterói, Bonsucesso e
Duque de Caxias – excetuando-se a sede, Botafogo – integraram o corpo denominacional
organizado por Roberto McAlister, mas já não fazem parte do grupo hoje liderado por Walter
McAlister, a ACNV. Na divisão de 1995, após a morte de Roberto, essas três igrejas optaram
por ficar com o grupo do bispo Tito Oscar, que veio se constituir no Conselho de Ministros
das Igrejas de Nova Vida do Brasil. Em 2011 a igreja de Bonsucesso rompeu também com o
CMINVB133 e se tornou independente134, assim como a igreja de Niterói, a pioneira
organizada como Nova Vida.
Em função desse crescimento, conforme salientou Oscar, Walter, por seu turno,
explicou que bispo Roberto “tentou preparar os pastores em cursos como a Escola Ministerial
no fim dos anos 1970 e início dos 1980. Mas eles duraram pouco [tempo]” (MCALISTER,
W., 2012, p. 120). Segundo John McAlister, em sua entrevista, houve essa “tentativa frustrada
na década de 1980 de montar uma escola ministerial em Botafogo, que não durou um ano”.
132
Sobre títulos e hierarquias no pentecostalismo, ver Smilde (2012).
133
Nestes dois vídeos no YouTube há dados para entendimento do rompimento do bispo Jorcelino Queiroz e sua
Igreja Nova Vida de Bonsucesso com o CMINVB: https://www.youtube.com/watch?v=IxJyKf7wsvY, (acesso
em: 16 nov. 2016) e a manifestação deste Conselho por parte de Tito Oscar
https://www.youtube.com/watch?v=DBnXby173IY, (acesso em: 16 nov. 2016).
134
Para dados desta igreja e sua caminhada independente, ver: http://www.invb.com.br/ (acesso em: 17 nov.
2016), embora em seu site mantenha informações históricas com a proeminência do fundador Roberto
McAlister.
107
Walter avaliou que “lançaram ao ministério homens”, muitos dos quais sem qualificação
necessária para o ministério e alguns outros que “sequer conheciam seu caráter, o que veio a
ser um grande problema mais tarde”. Uma estrutura foi montada em Botafogo para
administrar essas “trinta ou 40 igrejas” que havia na época e todas usavam o mesmo CNPJ da
sede. Segundo outro entrevistado, bispo na Igreja em Botafogo: “Alguns pastores deixaram de
fazer algum pagamento, aí uma vez Bispo Roberto foi ao banco fazer alguma coisa e estava
bloqueado. Ficou chateado e resolveu liberar para cada um cuidar de si”. Não sendo possível
gerenciar tantas igrejas, que cada vez mais demandavam estrutura da sede, em 1986 o bispo
Roberto resolveu dar autonomia a todas elas. Cada uma passou a ter seu próprio CNPJ e
assumir todas suas responsabilidades civis e jurídicas. Foi fechado o escritório do centro
administrativo em Botafogo após transferência de propriedades e bens para todos os pastores
e suas respectivas igrejas.
Depois disso, segundo Tito, “houve uma série de contratempos” potencializados pela
ausência do bispo Roberto “em razão de sua doença”, que se seguiu com seu retorno dos
Estados Unidos. Walter afirmou que ele procurava controlar tomando medicamentos
rotineiramente. A ampla área no bairro do Recreio dos Bandeirantes, por exemplo, tinha sido
adquirida “com a visão de criar, não uma igreja, mas centro de influência para o país, um
centro de evangelismo. Com seminários, conferências, workshops, congressos”. E lamentou:
“Só que ele não viu o sonho se concretizar porque acabou falecendo em 1993”.
Já tendo passado por outras cirurgias cardíacas, inclusive para colocação de ponte de
safena, Roberto McAlister aguardava um transplante, mas seu coração não resistiu. Faleceu na
própria sala de cirurgia em 13 de novembro de 1993, nos Estados Unidos, onde foi também
sepultado na cidade de Charlotte135.
135
Roberto McAlister (1930-1993) nasceu no Canadá e morreu nos Estados Unidos, onde foi também sepultado.
Sua esposa, Glória McAlister (1928-2008), tendo nascido nos EUA, morreu faltando apenas 6 dias para
completar 80 anos, e foi sepultada no Rio de Janeiro (Brasil). Dados de Walter McAlister em entrevista, e:
http://www.findagrave.com/cgi-bin/fg.cgi?page=gr&GRid=74808395 (acesso em: 20 dez. 2016).
108
Lápide de Roberto McAlister, com o ano correto de seu nascimento, 1930. Alguns textos (ARAÚJO,
2007; site do CMINVB, já mencionado e outros) afirmam, equivocadamente, que ele teria nascido em 1931.
(Foto disponível na internet)136.
136
http://www.findagrave.com/cgi-bin/fg.cgi?page=gr&GRid=74808171 (acesso em: 14 nov. 2016).
137
Vamos apresentar relatos de entrevistas realizadas no contexto da Catedral geralmente antes e mais ainda
após os cultos, entre fevereiro e abril de 2016.
109
conforme teorização de Berger (1985). Nesse sentido, a religião serviria para sustentar a
realidade do mundo socialmente construído a fim de possibilitar as pessoas existirem em sua
condição humana resistindo aos ataques anômicos da realidade circundante (p. 55). Pois “a
mesma atividade humana que produz a sociedade também produz a religião”, compreendida
como uma relação que “é sempre dialética” (p. 61). Portanto, “todo mundo religioso se baseia
numa estrutura de plausibilidade” o que o torna “intrinsecamente precário em sua realidade”.
Por essa razão dá-se a possibilidade de “conversão”, explicada por ele mesmo como
“transferência individual para outro mundo”, isto é, mudança, por exemplo, para um diferente
grupo religioso (Berger, 1985, p. 63).
Dentre as pessoas entrevistadas durante a coleta de dados, praticamente todas elas
viveram experiências de trânsito religioso e/ou “conversão” como se pode verificar nos
testemunhos a seguir. Como já observado, sobre a origem de crença das pessoas que
chegaram para a Nova Vida há uma distinção quanto à faixa etária, que também diz respeito
ao contexto histórico, doutrinário e de liderança de cada período da igreja. Os de idade mais
adulta e avançada são oriundos basicamente do catolicismo, do espiritismo e de grupos afro-
brasileiros. O que converge para os dados, embora não do contexto do Rio, mas da Região
Metropolitana de São Paulo, conforme trabalhados por Almeida (2004), que mostra todos
esses grupos religiosos (católicos, espíritas e afros) como “doadores” para o pentecostalismo,
ao terem seus fiéis fazendo trânsito religioso em direção preferencial às igrejas pentecostais.
Ambos os grupos etários (jovens/meia-idade e idosos138) fizeram críticas à crença que
mantinham e revelaram terem encontrado na Nova Vida uma renovada razão de conduzir sua
vida e espiritualidade, o que evidencia mudança religiosa para outra estrutura de
plausibilidade.
Uma senhora que era de família católico-espírita139, Ester, 60 anos, branca, sem
formação superior, contou que enfrentava depressão na juventude, até que uma amiga adepta
da Nova Vida a visitou e falou-lhe do “amor de Jesus”. Desde então, passou a frequentar a
igreja, com a idade de 18 anos, onde conheceu o pastor Roberto McAlister e ficou “em
Botafogo até ele morrer”, permanecendo na Nova Vida há mais de 40 anos, mesmo com todas
as mudanças verificadas na igreja.
Outra senhora, Flávia, 70 anos, formada pela escola secundária (Ensino Médio),
relatou sua trajetória religiosa começando pela origem católica, depois umbandista,
138
Ver sobre perfil dos entrevistados na Introdução, pág. ????
139
Apareceu aqui exemplo da teoria de dupla pertença religiosa, fenômeno não captado pelo Censo do IBGE, já
discutido por alguns autores, tais como (MENEZES, 2013, 2014; CAMURÇA, 2013; SANTOS, 2013;
FERNANDES SILVA, 2013), inclusive como múltiplo pertencimento religioso.
110
convertendo-se na IEQ, onde ficou 4 anos e foi para Nova Vida após assistir Roberto
McAlister pregando na TV. “Fiquei em Botafogo até ele morrer”. Depois ela passou um
tempo na IURD, voltou à Nova Vida, frequentou a Metodista Wesleyana, circulou pela AD e
retornou à Nova Vida.
Estava em casa e liguei a TV. Estava passando o programa Coisas da vida, do pastor
Roberto McAlister. Quando eu vi aquele homem falando, eu disse: Meu Deus!
Fiquei apaixonada porque ele pregou a Palavra de Deus, ali no canal 6. Quando
acabou de pregar ele disse, vamos orar, fazer um ponto de contato: Põe a tua mão na
minha e vamos orar. Eu coloquei a minha mão na dele, na TV, oramos e fiquei
encantada. Meu Deus... Ele deu o endereço, como eu morava em Copacabana, era só
atravessar o túnel velho e eu estava na [Rua] General Polidoro, onde fica a igreja.
Bem perto de meu apartamento (FLÁVIA).
Esta entrevistada, de múltiplos trânsitos religiosos, relatou como se deu sua primeira
transferência da igreja onde se converteu, a IEQ, no bairro carioca da Ilha do Governador,
Zona Norte do Rio, para a Nova Vida, situada na Zona Sul:
Falei com meu pastor e contei do bispo Roberto McAlister. Ele me abençoou e
disse, ‘Igreja de Nova Vida é uma benção. Pode participar lá’. Domingo pela manhã
eu já estava na Nova Vida. Isso em 1979, em Botafogo. Fui para lá e lá aconteceu
tudo de bom. Deus me usou muito. Meu marido se tornou um empresário, eu
também. Tivemos uma vida - temos até hoje - uma vida muito próspera e o bispo em
minha vida foi um Abraão. Foi um pai mesmo, que eu conheci. Acho que aquilo foi
uma coisa de Deus. Deus me fez ir para a sala, ligar a TV e achar a igreja e ele em
minha vida. Nunca faltei a um culto de domingo, segunda-feira, quarta-feira
(FLÁVIA).
do extremo pentecostal de uma Igreja Deus é Amor. Esta denominação, por exemplo, mantém
na área de seu templo-sede, em São Paulo, uma sala com muletas e cadeiras de rodas de
pessoas supostamente curadas140. Segundo a já citada reportagem da revista Veja, quando da
inauguração de um templo dessa denominação no Paraná, em 1975, uma propaganda de rádio
anunciava a “falência dos hospitais de Curitiba após a nossa chegada”. O que segundo essa
mesma matéria, “naturalmente, nenhum hospital fechou por falta de pacientes”, o que gerou
foi um “áspero atrito com o Conselho Regional de Medicina e o arcebispo católico de
Curitiba”141
A influência da Nova Vida fica clara na IIGD e na IURD conforme já visto neste
capítulo, sendo a primeira mais nesta área de milagres, e a segunda quanto à questão dos
demônios e da prosperidade financeira142. Milagres na área da cura são ênfases hoje dadas por
igrejas cujos líderes são oriundos e/ou tiveram passagem pela Nova Vida e contato com
Roberto McAlister. Caso típico é o de Romildo Soares e sua IIGD 143. Já Edir Macedo, da
IURD, embora fale de cura, enfatiza na IURD os milagres e no campo econômico, com
testemunhos de indivíduos que teriam superado graves carências materiais, tornando-se
“pessoas de sucesso” na área financeira. Também são comuns na IURD milagres no ambiente
familiar, com resolução de conflitos entre cônjuges e/ou com os filhos. Programas de TV, de
rádio e jornais dessas duas igrejas evidenciam fartamente essas informações.
Como pode se ver nesse capítulo, a era Roberto foi muito efervescente, especialmente
nos anos iniciais na ABI, mas também com certa continuidade após o estabelecimento da sede
140
Em alguns templos católicos existem salas com réplicas em gesso, por exemplo, de supostos milagres feitos
por santos (PEREIRA, 2003; 2011), como no Santuário da Penha, no Rio de Janeiro (já visto por este
pesquisador). David Miranda, fundador da IPDA, foi católico e “congregado mariano” antes de se converter ao
pentecostalismo (CÉSAR, E., 2000). Qualquer semelhança entre esse continuum religioso de milagres entre
catolicismo popular e pentecostalismo de cura divina pode não ser mera coincidência.
141
Revista Veja, São Paulo, edição 683, de 7 de outubro de 1981, pág. 56-64:
https://acervo.veja.abril.com.br/index.html#/edition/683?page=56§ion=1&word=manoel%20de%20mello
(acesso em: 15 ago. 2016).
142
Este sistema religioso praticado pelo Bispo Macedo, que conjuga especialmente estas duas vertentes –
libertação de demônios (exorcismo) e busca por superação de privações materiais (teologia da prosperidade) é
uma espécie de tipificação da concepção de Hervieu-Legér (2008, p. 49), quando afirma: “Acreditar no diabo é
uma maneira de exteriorizar esse sentimento de impotência identificando, para além do mal-estar pessoal, a ação
de um poder maléfico que manipula e ‘possui’. A grande maioria dos que procuram o exorcismo são pessoas em
situação de vulnerabilidade psicológica, desprovidos, geralmente, dos meios econômicos e culturais para
enfrentar uma condição que os esmaga”. Em relação à Nova Vida, quanto mais a igreja foi alcançando pessoas
de classes médias menos manifestações demoníacas ocorreram em seus cultos e concomitantemente menos
pregação sobre a teologia da prosperidade, práticas que foram assumidas especialmente pela IURD de Macedo.
143
A loja virtual Shopping do Povo, ligada à editora da IIGD, distribui, por exemplo, o livro Conselhos de um
Mestre. O pensamento do pastor Roberto McAlister. Um dos assuntos é cura divina. O organizador do livro,
conforme diz na capa, é o pastor Roberto Leal, genro de Robert McAlister: http://www.spovo.com.br/livro-
conselhos-de-um-mestre.html (acesso em: 11 dez. 2016).
112
Para introduzir este capítulo, passamos a uma breve exposição da caminhada do atual
bispo primaz da Igreja Cristã Nova Vida. Walter Robert McAlister Júnior nasceu no Estado
norte-americano da Carolina do Norte, em 1956, apenas 14 meses após o casamento de seus
pais Robert e Glória Garr McAlister. “Cresci no contexto de mais de uma campanha
evangelística feita por meu pai”, declarou no início da entrevista para esta pesquisa. Dois anos
e meio depois, ou seja, quando era ainda criança pequena sua família desembarcou no Brasil
visando atender ao projeto de Roberto de realizar pregações e outras ações pentecostais.
Seu pai nasceu no Canadá, mas foi nos Estados Unidos e a partir desse país que se
tornou liderança mais conhecida pela atividade religiosa que desenvolveu, depois,
reconhecido ainda mais no Brasil onde iniciou um movimento que veio a resultar na Igreja de
Nova Vida e no neopentecostalismo. Walter McAlister nasceu nos Estados Unidos, mas foi
no Brasil onde cresceu, tornou-se pastor, depois bispo, cindiu o movimento iniciado por seu
pai e criou uma denominação da qual se tornou líder primaz. Tornou-se, portanto, conhecido e
reconhecido, embora sem a dimensão estelar de seu pai, como ele mesmo reconhece. Apesar
de ver sua igreja como continuidade da criada por seu pai e possuir alguns traços em comum
com ele, como o estilo de cânticos, o recolhimento de recursos financeiros no culto, por
exemplo, o filho, no entanto, esposa atualmente uma ética religiosa (calvinismo conjugado
com despentecostalização) que se distancia histórica e socialmente do modelo original da
Cruzada e Igreja de Nova Vida conforme desenhado por seu pai (neopentecostalismo e
arminianismo). Como será apresentado, de forma mais específica, sobretudo pelas entrevistas
dos fieis no decorrer deste capítulo, mas também no seguinte.
Walter cresceu acompanhando, naturalmente, o trabalho de seu pai Roberto e recorda-
se que desde menino uma das coisas de que mais tinha prazer “era carregar a pasta” de seu pai
ao final de cada culto no auditório locado na Associação Brasileira de Imprensa144. Ele conta:
Lembro-me do dia em que completei 10 anos de idade. Meu pai me chamou para
ficar ao seu lado, enquanto sentado na plataforma do auditório da Associação
Brasileira de Imprensa (ABI), ele orou pelos enfermos – um por um, até terminar a
fila. Foi uma verdadeira aula de oração pelos enfermos (MCALISTER, W., 2009, p.
23).
Esse aprendizado se deu durante os dez anos em que estiveram na ABI, quando sua
mãe lhe dava papel e lápis para desenhar, a “fim de ficar comportado durante o cultos”
(MCALISTER, W., 2012, p. 73). Walter continuou sua narrativa lembrando-se dos cultos na
ABI e afirmando que “aos 12 anos de idade peguei um caderninho e disse ao meu pai que o
usaria para anotar todos os ‘bons versículos’ para usar em pregações quando crescesse”. E
144
Ele menciona este fato de orgulho infantil em relação ao pai, em dois livros (MCALISTER, 2009, 2012).
115
revelou que “de terninho de calça curta, cresci sem amigos na igreja” (MCALISTER, W.,
2009, p. 23).
Havia cultos na ABI, inicialmente aos domingos à tarde. Mas como não existia
atividade religiosa específica para crianças, surgiu uma preocupação na família, por conta de
Walter e de sua irmã. Ele conta na entrevista:
Depois de um tempo145, meu pai sentiu que eu iria sofrer por causa da falta de escola
dominical e acabou nos levando para a Igreja Batista do Leblon, para eu ter um
pouquinho de escola dominical146. Era uma igreja bilíngue. Mas foi por pouco
tempo. Isso durou um ou dois anos, no máximo (W. MCALISTER)147.
Essa vivência bilíngue também ocorria na escola. Ele estudou na Escola Americana do
Rio de Janeiro, onde completou os estudos em 1974, seguindo depois para os Estados Unidos
onde cursou Psicologia na Oral Roberts University148, instituição cristã de orientação
pentecostal, em Oklahoma, formando-se em 1977. Transferiu-se para o Canadá onde fez o
curso de Estudos Ministeriais, na mesma escola onde seu pai havia estudado, o Eastern
Pentecostal Bible College, em Ontário, formando-se em 1980. Retornou ao Brasil, foi
ordenado pastor ainda em 1980 e aqui atuou sob a supervisão de seu pai, organizando e
liderando igrejas nos bairros suburbanos do Méier e do Engenho Novo, até se tornar auxiliar
na sede em Botafogo. No ano seguinte, casou-se com Marta Ribeiro149, descendente de uma
tradicional família batista oriunda da Bahia que se radicou no Distrito Federal antes da
inauguração de Brasília. Walter e Marta Ribeiro McAlister têm dois filhos, John e Andrew.
Ambos nasceram no Brasil, mas curiosamente têm nomes anglo-americanos, enquanto o avô
145
Possivelmente no período de 1961-62, quando Walter estava com idade entre 5 e 6 anos e sua irmã com cerca
de três anos.
146
Interessante que Roberto não procurou uma igreja pentecostal com escola dominical, como Assembleia de
Deus, para seus filhos, mas uma igreja do protestantismo histórico. Buscou a Igreja Batista do Leblon
principalmente pela questão bilíngüe ou também pela classe social? Ou porque as igrejas históricas são
reconhecidas por seu programa de educação bíblica, conforme apontou o próprio bispo Walter no contexto do
capítulo 1 em que comentou sobre a desintoxicação neopentecostal?!
147
Entrevista a esta pesquisa.
148
O nome dessa universidade refere-se ao famoso televangelista estadunidense Oral Roberts, que influenciou a
atuação de Roberto McAlister, tendo inclusive estado no Brasil pregando em eventos da Cruzada de Nova Vida
(MCALISTER, 2009). Dados também oriundos de Walter na entrevista concedida a esta pesquisa.
149
O pai de Marta, Isaac Barreto Ribeiro (1924-2015), de origem nordestina, foi colega de escola e amigo do
escritor brasileiro Ariano Suassuna (1927-2014), (VICTOR e LINS, 2007). Formado em Medicina e também em
Direito se radicou no Distrito Federal, sendo um dos primeiros médicos de Brasília:
https://www.youtube.com/watch?v=f0_1BjCFVek (acesso em 18 dez. 2016). Dentre os irmãos de Marta destaca-
se Alex Dias Ribeiro, o ex-piloto de Fórmula 1 e um dos líderes do grupo evangélico Atletas de Cristo. Walter,
portanto, casou-se com uma brasileira de família de classe social média, como ele, e igualmente de tradição
religiosa protestante (batista). (Dados de breve conversa com Marta McAlister, após um culto na Catedral, em:
13 mar. 2016, e também de seu esposo Walter, via Facebook, em: 23 dez. 2016).
116
Robert, tenha aportuguesado sua identidade para Roberto150. Walter, que nasceu em Charlotte,
EUA, naturalizou-se brasileiro apenas em 1989 (MCALISTER, W., 2009).
Após a morte de seu pai foi ordenado bispo, quando passou a liderar formalmente o
conjunto de igrejas deixado por seu pai e, posteriormente, com a divisão da denominação,
criou sua própria associação de igrejas. Nesse contexto, voltou a estudar, o que sempre foi seu
desejo, ingressando num curso de mestrado em Teologia no Reformed Teological Seminary,
uma instituição fundada por um ramo da Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos tido como
um dos mais conservadores em matéria de doutrina. Tendo várias unidades nos EUA, Walter
fez seu curso no Campus de Orlando, na Flórida151. Viajava aos Estados Unidos para cumprir
os módulos do mestrado e retornava ao Brasil. Após completar dois terços do período de
formação Walter explicou que precisou trancar o curso quando seu filho John começou a
faculdade. “Porque eu não podia pagar tudo”, disse o bispo, que somente veio concluir essa
pós-graduação no ano de 2015.
Roberto e Walter tendo nascido em diferentes países da América do Norte se tornaram
fundadores de denominações evangélicas no Brasil. McAlister, o pai, estabeleceu a Igreja
Pentecostal de Nova Vida, e McAlister Júnior, o filho, organizou a Igreja Cristã Nova Vida.
Esta não é meramente uma continuação daquela com a adoção de outro nome, pois tem
diferenças como atestadas pelos próprios entrevistados e que serão enfocadas neste trabalho.
Entre 1993 e 1994, quando Walter assumiu a liderança da denominação organizada
por seu pai e que ainda era um só grupo ele já atuava há alguns anos na sede, a Nova Vida de
Botafogo. Para contextualizar esse ambiente numa dimensão mais ampla da vida nacional
segue um pequeno panorama daquela conjuntura.
O Brasil vivia politicamente a realidade da redemocratização ocorrida fazia pouco
tempo e a gestão de um presidente que chegara ao poder mediante o impedimento legal de
Fernando Collor, eleito nas primeiras eleições diretas para presidente após a ditadura civil-
militar (1964-1985). A população nacional, segundo o IBGE (1991), era de mais de 146
milhões, o dobro registrado quando Roberto iniciou sua Cruzada de Nova Vida em 1960. Os
dados de religião do mesmo Censo de 1991 ainda estavam em voga com o ascendente índice
de crescimento de evangélicos que chegaram a 9% da população. No Rio de Janeiro, dois
grandes fatos de violência policial marcaram a cidade e o país nesse ano da morte de Roberto
e início da ascensão de Walter na liderança denominacional: a chamada Chacina da
150
Perguntei ao bispo Walter quando seu pai havia adotado essa forma de identidade e ele respondeu, com
humor: “Não sei quando ele decidiu tupiquinizar seu nome” (23 dez. 2016, via Facebook).
151
https://www.rts.edu/orlando/ (acesso em: 23 dez. 2016).
117
Walter tinha apenas 37 anos de idade, enquanto os dois outros bispos possuíam mais
anos vividos do que ele e até mesmo mais capilaridade na relação com os pastores. Tito
Oscar de Almeida, por exemplo, estava com 48 anos e há uma década já era bispo, pois foi o
primeiro a ser ordenado ao episcopado após o líder maior Roberto McAlister. Analisando essa
situação Walter, no entanto, afirmou e reafirmou que “não queria ser bispo”. Segundo ele, “a
igreja tinha crescido de uma maneira um pouco desordenada”. E falou desse estilo de seu pai,
usando uma metáfora:
118
Ele foi um pioneiro, que vai para o meio da mata e derruba um monte de árvore.
Quando eu cheguei em cena, perguntei: o que vou fazer com toda essa madeira no
chão?! A clareira estava aberta, ele tinha desbravado. Com a morte dele eu tinha sob
minha responsabilidade [igreja de] Botafogo, uma emissora [Rádio Relógio] e duas
propriedades pelas quais eu tinha que me responsabilizar, aqui do Recreio e uma
vila, um lugar para idosos, no Lote XV, em Caxias (W. MCALISTER).
Imagens do que restou da estrutura da antiga Catedral, na Avenida das Américas, Recreio dos Bandeirantes, Rio
de Janeiro, RJ (Fotos: Google).
Uma dessas propriedades era a área que serviu como catedral até a construção da atual.
Um terreno de cerca de 30 mil metros quadrados, segundo dados de Andrew McAlister,
adquirido por Roberto em meados dos anos 1980, localizado na Avenida das Américas no
bairro da Zona Oeste do Rio, Recreio dos Bandeirantes152. Esta propriedade, conforme
entrevista de Tito Oscar, tinha como objetivo fazer um grande centro de eventos, congressos,
conferências da Nova Vida, mas o bispo morreu antes de a construção ficar pronta. Segundo
Walter, o terreno era baixo e o lençol freático raso causou problemas na estrutura da antiga
catedral, não sendo mais possível sua utilização. Tanto esta propriedade quanto a outra na
Baixada Fluminense, em Duque de Caxias, foram vendidas, além da Rádio Relógio. Tais
decisões e resoluções foram alvos de críticas de Tito Oscar, em sua entrevista, bem como de
um membro da catedral que disse ter convivido e colaborado com o trabalho de Roberto
McAlister.
152
Para visualizar a imagem do antigo templo, hoje depredado, ver: https://www.google.com.br/maps/@-
23.0174462,-
43.4798552,3a,75y,1.72h,92.07t/data=!3m6!1e1!3m4!1sGqaQ3F5_6rkNW6g2XyoOPQ!2e0!7i13312!8i6656
(acesso em 23 dez. 2016). A cruz celta, no centro do edifício, identifica a ex-catedral.
119
Walter assume com corajosa transparência que após a morte de seu pai não tinha um
projeto para a igreja que herdou e assumiu. Revelou que estava envolvido com pessoas e
movimentos por ele citado e classificado como “pentecostalismo esquisito”, possivelmente se
referindo a práticas identificadas como neopentecostais. Neuza Itioka e Walnice Milhomens
são, por exemplo, duas lideranças destacadas do contexto dos anos 1990, ligadas a
movimentos associados ao neopentecostalismo. Itioka, tendo tido certa penetração entre
jovens universitários, mas se envolvido posteriormente com lideranças neopentecostais dos
EUA e Brasil, publicara um livro com o título: Os deuses da umbanda: o baixo espiritismo
(1990). Assim sendo, tanto Walter, como ele aqui salientou, quanto seu pai Roberto –
segundo percepção do próprio neto John e que também é mencionado pelo Walter em seu
livro (2012) – estiveram bastante envolvidos com grupos de práticas tidas como
neopentecostais, tais como ênfase na teologia da prosperidade, demônios territoriais e teologia
153
Em entrevista posterior (18 dez 2016, via Facebook), Walter esclareceu que se referia ao Rev. David
Longobardo. Este pastor foi líder da igreja World Victory International Christian Center, na Carolina do Norte,
EUA: http://www.ilfarodelvangelo.it/news-eventi/32-david-longobardo (Acesso em: 19 dez. 2016).
154
Entrevista concedida a este pesquisador em: 3 dez. 2015.
120
construído por Roberto McAlister. Ele, muito mais do que líder de direito, afinal era o
fundador e bispo dirigente da denominação, tinha o reconhecimento dos demais bispos e
pastores com uma autoridade carismática típica do modelo teórico construído por Weber
(2002, p. 172). Walter, ao contrário, como o próprio reconhece, além de não possuir o carisma
do pai, era relativamente jovem, pois estava com apenas 37 anos de idade quando conseguiu
chegar ao topo da hierarquia da igreja. E já havia os dois outros bispos, ambos ordenados por
Roberto McAlister: Tito Oscar, guindado ao episcopado em 1983, então com 48 anos, e
Jorcelino Queiroz, em 1986, contando com 46 anos de idade.
Tendo, portanto, menos idade que os bispos, não possuindo experiência pastoral mais
alongada como a deles, nem tampouco o carisma do fundador, Walter tinha um sobrenome,
McAlister, por ser simplesmente o filho do bispo Roberto. E tinha uma formação nos Estados
Unidos e Canadá, além de ser pastor na Igreja em Botafogo, a sede da denominação. Isso tudo
pendeu para seu lado e após muitas discussões definiu-se pela ordenação de Walter ao
episcopado para assumir a função de bispo primaz da denominação. Porém, como contou na
entrevista, não recebeu apoio do grupo internacional de Roberto: “Os amigos do meu pai, lá
fora, o próprio [John] Meares, se recusaram a vir para minha ordenação porque achavam que
eu era idealista demais, que a igreja iria se quebrar em mil pedaços, o que não aconteceu”.
Tito Oscar relata:
Ficamos dois anos juntos, eu trabalhando com o Walter. Quem ordenou o Walter fui
eu, ao episcopado. Eu não tinha nenhuma restrição no sentido de eu querer ser. A
lógica seria eu o líder do trabalho. Mas como ele achou que Deus o estava
chamando, então naquela época para não romper, não criar uma divisão ali, seria
muito ruim, estava recente a morte do bispo, aí a gente tocou uns dois anos (T.
OSCAR).
transferência do carisma. E isso, salienta Weber (1998, p. 166), “não se realiza, em regra, sem
lutas”.
Como Roberto não teve tempo ou não quis indicar diretamente seu sucessor, os
conflitos inerentes à escolha do novo líder potencializaram fissuras, que já existiam, conforme
os próprios entrevistados apontaram – tanto Walter quanto Tito –, desembocando
posteriormente na ruptura e surgimento de dois grupos denominacionais. Mas antes houve
tentativas de se caminhar juntos, como já afirmado por ambos entrevistados, como nas
negociações e convergências que levaram à ordenação de Walter ao episcopado, abrindo
caminho institucional para se tornar o novo líder.
O templo no edifício de sete andares, a sede da denominação, ficou lotado para a
sagração de Walter McAlister, ocorrida em 1994. O Colégio de Bispos, um grupo consultivo
formado pelos membros do episcopado, promoveu oficialmente a cerimônia e Tito Oscar de
Almeida, a liderança mais antiga e que caminhara desde 1961 ao lado de Roberto McAlister,
conduziu a investidura de Walter à condição de bispo da Igreja de Nova Vida. Em entrevista
para esta pesquisa o pastor Martinho Lutero Semblano155, 46 anos, que esteve presente à
cerimônia, comentou: “Lembro-me que o pregador foi o Pr. Malcolm Smith, autor de
Esgotamento Espiritual156, e a tradução [do sermão] foi feita pelo Rev. Caio Fábio157. Pregou
sobre o peso da responsabilidade que o episcopado traria”. Com a presença de Malcolm
Smith, um pastor e conferencista inglês de tradição carismática e mais associado ao
calvinismo, Walter, consciente ou não, já sinalizava para mudanças identitárias que viria a
fazer na igreja que ora herdava de seu pai. De igual forma a presença destacada de Caio Fábio
na ocasião, um pastor ligado à tradição calvinista e ministro de uma das igrejas do
protestantismo histórico no Brasil, a presbiteriana.
Era a primeira vez que uma cerimônia tão marcante e concorrida não contava com a
presença física de Roberto. No entanto, o local, os presentes, a liturgia, o filho bispo, tudo
lembrava o velho McAlister. Pouco mais de três décadas havia se passado desde sua chegada
ao país e a Nova Vida era nesse contexto uma agremiação composta de cerca de uma centena
155
Entrevista concedida em 10 de junho de 2015, na sede da igreja em que é pastor, no bairro Tijuca, Rio de
Janeiro. Quando da divisão da denominação, em 1995, pastor Lutero decidiu ficar com o grupo que veio a ser o
CMINVB, de Tito Oscar.
156
Este livro foi publicado no Brasil pela Editora Vida: http://www.editoravida.com.br/p/277-esgotamento-
espiritual/ (acesso em 16 dez. 2016).
157
Caio Fábio d`Araújo Filho, à época pastor presbiteriano e liderança destacada entre evangélicos, inclusive
presidente da Associação Evangélica Brasileira (AEVB). Ele fazia contraponto critico ao Bispo Edir Macedo,
como registra Mariano (2004).
123
de igrejas, que vivia a transição traumática de sua liderança, pela morte do pioneiro bispo e a
ordenação e posse do novo primaz.
Este foi o último grande encontro da denominação e aparentemente fraterno da igreja
fundada por Roberto McAlister. Na formalidade das aparências tudo parecia bem, mas nos
bastidores os conflitos se intensificaram, as disputas internas cresceram, o fosso entre o
primaz e alguns bispos e pastores aumentou. Faltava um estopim para o desfecho da crise e
ele apareceu. O problema alegado para elevação do conflito, que resultou na cisão definitiva
em dois grupos foi curiosamente um personagem que passara pela Nova Vida, mas já não
estava na igreja havia quase duas décadas: Edir Macedo. Preso em 1992 o já controverso
Bispo Macedo conseguiu liberdade após 11 dias de reclusão, mas teve que enfrentar
acusações na mídia e processo na Justiça que se estendeu pelos anos seguintes. Naquele
contexto, diferentes líderes evangélicos se manifestaram, contra ou a favor, do fundador da
IURD. Walter descreveu sua percepção dos acontecimentos:
A [Igreja] Universal entrou em crise e começou uma maratona na televisão. Caio
Fábio foi à televisão denunciando eles [IURD] como uma igreja não-evangélica, o
que eu não aceitei fazer. Por isso saímos da AEVB. Mas o Tito [Oscar] mandou um
telegrama de apoio à Universal e eu liguei [para ele] e disse: você sabe que eu nunca
iria [me] levantar contra outra igreja numa tribuna pública como a televisão, mas
apoio, também não podemos dar. Aí ele disse: ah, se você quer brigar, chama a
reunião (W. MCALISTER).
Walter disse ter afirmado que não queria brigar, mas Tito teria insistido para ele
convocar o Colégio de Bispos, o que foi feito:
Chamei os bispos e ele [Tito] declarou que seria o bispo independente, mas dentro
da denominação. Leu uma carta de sete páginas e disse: eu vou ser independente, e
não vou ser do Colégio. São Paulo é minha região, mas eu vou manter o nome. Eu
disse: Mas é uma casa dividida, não pode! Ele disse: então vem brigar comigo, vai
me botar para fora?! (W. MCALISTER).
Num programa de 1995 na TV Record, emissora adquirida pela IURD em 1989, entre
os convidados, sobretudo, pastores, foi destacado o apoio de Tito Oscar, que na ocasião, além
de bispo da Igreja de Nova Vida em São Paulo, era também presidente do Conselho de
124
Pastores de São Paulo. Segundo conta, defendeu o direito de defesa de Edir Macedo, sem
entrar no mérito das acusações. Como visto, Walter McAlister referiu-se a esse episódio, em
entrevista, afirmando que Tito falara em nome da Igreja de Nova Vida sem autorização do
colégio de bispos nem mesmo dele, primaz. Resultado: tal atitude de Tito, vista por Walter
como insubmissão à sua liderança, levou ao aprofundamento da crise existente com mais
agudeza desde a morte do bispo Roberto, que se radicalizou a ponto de consolidar a cizânia
que estava em voga. Na sequência, bispo Walter convocou o colégio de bispos e também o
presbitério – um colegiado que reúne além dos bispos todos os pastores da denominação –
para resolver a questão, mas as tensões se avolumaram e não foi possível um entendimento.
Sem ter havido conciliação os fatos culminaram com Walter anunciando sua saída da
denominação, convidando os pastores e bispos que quisessem, reconhecendo sua liderança,
para acompanhá-lo: “Então eu disse: eu abro mão de ser bispo, de um nome, terão que fazer
uma aliança comigo. Aí nasceu a Aliança e 70% mais ou menos ficaram comigo e a dúvida
seria se a gente continuaria a ser Nova Vida”. Tito afirmou que a divisão foi equilibrada: “Ele
[Walter] ficou com 60 e poucos pastores na época e nós ficamos com 60 e poucos. A Nova
Vida foi dividida ao meio, certinho”. Portanto, como consequência, uma parte dos pastores e
bispos seguiu Walter e a outra parte se manteve em torno dos demais bispos, com destaque
para a figura de Tito Oscar. Desse desfecho tenso, que reverberou no mundo evangélico e em
seus meios de comunicação, surgiu a Aliança das Igrejas Pentecostais Nova Vida (APNV), de
Walter McAlister e, posteriormente, o Conselho de Ministros da Igreja de Nova Vida do
Brasil (CMINVB), sob a liderança de Tito Oscar. Como dito pelo próprio Walter, resgatou-se
o nome Pentecostal, que foi a identificação original e continuava oficial da igreja, formando –
ou retomando –, portanto, a nomenclatura Igreja Pentecostal de Nova Vida (IPNV).
Há algumas avaliações sobre todo esse imbróglio e se ele poderia ter sido evitado,
conforme comentaram alguns pastores entrevistados. Tito, no entanto, avaliou na entrevista
que se não fosse o problema em torno do bispo Macedo, certamente outro surgiria, pois as
discordâncias eram inexoráveis: “Viríamos a nos separar por razões doutrinárias, lógico! Eu
não abraçaria, não mudaria minha visão em razão da mudança dele. Deus sabe”. O fato é que
a igreja fundada por Roberto McAlister estava agora dividida e organizada em dois distintos
grupos. Como está claro desde o início deste trabalho, o foco do presente estudo é a
denominação criada e liderada por Walter, que desde 2008 se chama Aliança das Igrejas
Cristãs Nova Vida (ACNV), sem, no entanto, deixar de pontuar detalhes sobre o outro grupo,
o CMINVB, bem como tangenciar demais associações e igrejas independentes que vieram a
se formar nos anos seguintes.
125
Bispo Walter analisa a cisão destacando as disputas que se seguiram entre os dois
grandes grupos:
Como em todos os momentos de cisão, alguém fica com o ônus de se explicar. Eles
[CMINVB] protestam sua legitimidade como a verdadeira, os verdadeiros
sucessores do Bispo Roberto. Eu nunca entrei no mérito disso. Acho uma discussão
historicamente irrelevante. Cada um é o que é. Mas eles se dizem a verdadeira.
Então é uma maneira... Eles não têm um líder. Eles não têm um líder! Então o líder
deles é meu pai, que está morto há 20 anos. Eu sou McAlister! Então eu tenho que
brigar por quê?! Eu tô cuidando da minha casa. Eu só tô fazendo isso. Eu nunca
entrei no mérito do que eles são ou deixam de ser. Sempre proibi nossos pastores de
falarem contra o Conselho da Nova Vida do Brasil. Deixa eles. Não importa.
Simplesmente não importa. É irrelevante (W. MCALISTER).
Passados mais de 20 anos da divisão, as rusgas entre os grupos ainda persistem, como
se percebe nessa entrevista. Na ocasião comentei com Bispo Walter que em todos os cultos
que presenciei de igrejas do Conselho bem como entrevistas que realizei com pastores dessa
denominação eles se referiram ao Bispo Roberto de maneira muito respeitosa e afetiva. Ao
que Walter pontua:
É muito respeitosa por quê? Eles querem se legitimar. E a maneira de se legitimar é
dizendo: Nós somos a igreja que o Bispo Roberto fundou. E eles se reportam a mim
como traidor, digamos, da Nova Vida. Que eu traí meu pai, que eu desfiz a igreja.
Inclusive eles encomendaram uma matéria que foi publicada na Vinde158. Na época
da revista Vinde, escrita pelo Pavarini159, e ele disse – mostrando outras
denominações que continuavam fortes como Maranata 160 – mas que eu não tive
pulso, não tive liderança, não tive protagonismo suficiente para dar continuidade. A
verdade é que foi bem o contrário: eu redefini a denominação e eles não aceitaram
(W. MCALISTER).
158
Vinde foi uma revista evangélica, com viés jornalístico, que circulou durante a década de 1990 e estava ligada
ao pastor Caio Fábio d’Araújo Filho.
159
Sérgio Pavarini, jornalista, que atuou nas revistas Vinde e Eclésia, nos anos 1990.
160
Igreja Missionária Evangélica Maranata, do Rio de Janeiro, fundada pelo casal Acioly e Zenilda Brito, que
frequentou os encontros da Cruzada de Nova Vida, na ABI, mas oriundo da Igreja Presbiteriana. Os dois vieram
a se tornar pentecostais “mediante batismo com Espírito Santo”. Quando Roberto McAlister se transferiu para o
templo em Botafogo, Acioly resolveu assumir o espaço na ABI, embora não fosse pastor, para dar
prosseguimento a realização de cultos. Dali se originou a Igreja Maranata, fundada em 1972, e hoje liderada por
seu filho Paulo César Brito, igualmente médico como seu pai. A Maranata, uma igreja com perfil social de classe
média, semelhante à Nova Vida, tem atualmente 13 igrejas, todas no Grande Rio, totalizando aproximadamente
oito mil membros. A sede fica no bairro carioca da Tijuca (Dados coletados com Walter McAlister e
principalmente entrevista com Carlinhos Fernandes, membro da Maranata e jornalista da revista evangélica
Cristianismo Hoje).
126
virem algum momento a se reaproximarem: “Acho que não. Cada um tomou um rumo
diferente. Acho que não tem como juntar. É igual você subir num morro e jogar um monte de
pena. Depois juntar tudo isso é muito difícil”. É um milagre que parece impossível até para
Roberto McAlister. Pois mesmo sua memória não aproxima, antes, continua a cindir e
alimentar as disputas das duas vertentes da igreja criada por ele. Um exemplo disso diz
respeito um fato ocorrido em Brasília, na Câmara dos Deputados, por ocasião do aniversário
de 48 anos da Nova Vida. Trata-se de uma sessão solene ocorrida na Câmara Federal (CF), no
dia 22 de maio de 2009161, em homenagem a igreja fundada por Roberto McAlister. Solicitada
à Mesa Diretora da CF por um deputado de São Paulo (William Woo)162 a cerimônia foi
presidida pelo carioca Deputado Neilton Mulim. Ela contou com a presença de diversos
pastores do CMINVB, inclusive o bispo Tito Oscar – que fez uso da palavra no plenário163 –
e o pastor Martinho Lutero Semblano. Nas notas taquigráficas da CF há o registro deste
acontecimento, que aborda também sobre a história da igreja e de Roberto, utilizando o
mesmo texto “Nossa História”, já citado, contido da página eletrônica do CMINVB. Mas não
há registro da presença de qualquer pastor da ACNV, nem mesmo do bispo Walter McAlister.
Em entrevista164 perguntei ao filho de Roberto sobre esta homenagem e a razão pela qual ele
não esteve presente. Bispo Walter respondeu: “Não fui contatado. E se tivesse sido, não teria
aceitado”.
Em 30 de maio de 2013 o Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro165 publicou
resolução da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) decretando o “Dia
Estadual da IGREJA DE NOVA VIDA, a ser celebrado anualmente no dia 14 de maio”. A
iniciativa para aprovação dessa Lei foi o Deputado Waguinho. O nome da igreja em letra
161
http://www.camara.leg.br/internet/SitaqWeb/TextoHTML.asp?etapa=5&nuSessao=119.3.53.O&nuQuarto=2&n
uOrador=1&nuInsercao=2&dtHorarioQuarto=15:12&sgFaseSessao=HO&Data=22/05/2009&txApelido=NEILT
ON%20MULIM%20(PRESIDENTE),%20PR-RJ (acesso em: 20 dez. 2016).
162
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=423637 (acesso em: 20 dez.
2016).
163
Este é um caso incomum, pois quase somente deputados podem fazer uso da palavra no plenário da Câmara
Federal. A fala do pastor Tito Oscar está disponível aqui:
http://www.camara.leg.br/internet/SitaqWeb/TextoHTML.asp?etapa=5&nuSessao=119.3.53.O&nuQuarto=17&
nuOrador=1&nuInsercao=0&dtHorarioQuarto=15:57&sgFaseSessao=HO&Data=22/05/2009&txApelido=BISP
O%20TITO%20OSCAR,%20- (acesso em: 20 dez. 2016)
164
Conversa via Facebook, em 23 de dezembro de 2016.
165
http://www.jusbrasil.com.br/diarios/55161228/doerj-poder-legislativo-05-06-2013-pg-5 (acesso em: 20 dez.
2016).
127
maiúscula não resta dúvida que a homenagem se refere ao ramo denominacional da Nova
Vida que é o CMINVB e não a ACNV.
Embora sem precisar o número, autores como Mariano (2008) falam de “centenas de denominações” como
166
que o pentecostalismo brasileiro é, por natureza, radiofônico”. Se assim for, nesta mesma
linha é possível considerar que o neopentecostalismo, além de radiofônico, é marcadamente
televisivo. Exemplos são sobejos, notadamente com IURD e Edir Macedo por seus vínculos
com a Rede Record de Televisão, além de programas da Igreja Universal exibidos também em
outros canais de TV. A IIGD, com destaque para seu líder Romildo Soares que é reconhecido
como um dos personagens mais frequentes na tela da TV no país. Também Miguel Ângelo
(IECV) e Waldomiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, para ficar nestes
personagens de ativa participação na TV. Todos eles com ligação direta a Roberto McAlister,
exceto Santiago, cuja relação é indireta, pois saiu da igreja do Bispo Macedo167.
O próprio estabelecimento da Nova Vida em São Paulo está diretamente ligado a esse
apoio de mídia, precisamente da TV, que foi decisivo para sua implantação na metrópole,
conforme registro de Tito Oscar:
No início nós fizemos televisão aqui [em São Paulo]. Fui a Record, antes de o [Edir]
Macedo comprar. Eu fazia programa de televisão na Record. Foi o que deu um
impulso inicial a igreja. Aqui em São Paulo sem você ter comunicação de rádio,
televisão, é muito difícil. No boca a boca é muito difícil (T. OSCAR).
Atualmente na Igreja Cristã Nova Vida não há este tipo de recurso, sendo que quanto a
TV, particularmente, Walter McAlister é refratário a sua utilização, por achar que cria
superexposição, fazendo da pessoa uma celebridade. No tocante ao rádio, ele afirma que é um
veículo próprio para evangelização de massa, porque permite ouvir e refletir sobre a
mensagem (MCALISTER, 2009, p. 135). Conforme ele próprio afirma, fez programas de
rádio por muitos anos, mas atualmente utiliza outros meios, como redes sociais na internet.
Estas também conseguem atrair pessoas, só que como é um meio diferente de alcançar o
público, muito mais seletivo pela quantidade e diversidade de opções, o resultado é
relativamente proporcional ao contingente que opta por acessar o canal ou decidir seguir em
outras redes sociais. Facebook e Twitter são plataformas em que se encontram conteúdos
tanto do bispo primaz, como preleções, minicursos, depoimentos, quanto da Catedral da
ICNV, que veicula sermões dominicais pregados nos cultos, tanto de Walter bem como dos
pastores John e Marcelo. Em entrevista, Walter declarou: “já tive três milhões e oitocentas mil
visitas no meu canal de YouTube”, embora o número de inscritos em seu canal seja menor em
relação aos visitantes: 66.294168.
167
Sobre esse assunto, que está no campo de religião e mídia ver: Campos (1996; 2004, p. 125, 126), Freston
(1993, p. 135-147), Oro (1996), Fonseca, (1997), Mariano, (1999, p. 66-69), Budke (2005) apud Teixeira (2014),
Malheiros (2008), Machado (2014), Sant`Anna (2014).
168
https://www.youtube.com/user/BpWalterMcAlister (acesso em: 16 dez. 2016).
130
169
“Eu sou um homem da Igreja, sou do clero. O clero tem uma atuação bastante definida e restrita: pregar a
verdade e discipular, levar as pessoas a expressar sua fé e sua piedade no dia a dia. Esse é o meu trabalho”
(MCALISTER, W., 2009, p. 124). E reafirma: “Como clero, como sacerdote, minha missão é levar a Verdade
que transforma vidas” (p. 125).
131
melhores”, segundo sua própria avaliação: O encontro real; Sete dias, sete palavras;
Dinheiro, um assunto altamente espiritual; e, Perdão, o segredo da cura total (MCALISTER,
W., 2012, p. 154). Estes livros foram republicados com prefácio de Walter e epílogo de John
McAlister, numa coleção intitulada “3 gerações – A obra do pregador contextualizada para os
dias de hoje pelo filho, Bispo Walter McAlister, e o neto, Pastor John McAlister”170.
Em geral, os títulos das publicações de Roberto são voltados para um público sempre
mais abrangente e não exclusivamente os fiéis habituais da igreja. Com sua mensagem ele
queria alcançar pessoas de outras religiões, como aconteceu, e as entrevistas de pessoas mais
antigas aqui registradas mostram isso pela própria trajetória de vida delas e o trânsito religioso
que fizeram, em sua maioria oriundas da Igreja Católica e de religiões espíritas, incluindo
grupos afro-brasileiros. Já os livros de Walter, apesar de adotarem linguagem bastante
coloquial, semelhante aos de seu pai, se dirigem estritamente a pessoas do ambiente
eclesiástico evangélico. Como sua obra mais vendida e reconhecida, O fim de uma era171, que
faz uma abordagem crítica sobre a realidade da igreja evangélica, em particular no atual
contexto brasileiro. As pregações de Walter e seu filho John, que ouvi do púlpito da Catedral
durante o período da coleta de dados na igreja, bem como as que estão disponíveis no canal
YouTube, propõem-se a orientação religiosa para quem já é da igreja ou evangélico. Portanto,
não é um discurso voltado para pessoas ou grupos não cristãos, como acontece ainda com a
IURD e outras denominações neopentecostais, principalmente.
A importância e a valorização de Roberto McAlister, passadas mais de duas décadas
de sua morte, continua para os distintos grupos de igrejas que se declaram genericamente
como Nova Vida. Portanto, mesmo morto, várias denominações valorizam e tributam
reconhecimento a Roberto McAlister, que é, seguramente, um elo simbólico, embora
doutrinariamente elástico, entre as agremiações que agora cindidas estiveram outrora unidas
em torno de sua liderança. E, assumindo ou negando, disputam, mesmo com discrição, sua
memória e reinterpretação, assim como seu legado ou capital religioso e social.
Walter McAlister e sua Aliança Cristã Nova Vida sentem-se herdeiros verossímeis da
trajetória de Roberto, mas dizem não competir pela primazia e legitimidade dessa relação, até
porque, como filho, Walter julga não necessitar evocar a imagem ou memória do fundador.
Naturalmente seu sobrenome, sua tarefa (missão) e sua condição (bispo) assegurariam a
170
Conforme aparece na capa e/ou na contracapa de todos esses livros mencionados.
171
Segundo o diretor da editora Anno Domini, Andrew McAlister, em entrevista para esta pesquisa, o livro teve
duas reimpressões, com uma tiragem total de 8 mil exemplares. “Foi o mais vendido”. E ganhou o prêmio Areté,
como livro do ano e autor nacional, de 2011, da Associação de Editores Cristãos do Brasil (Asec).
132
autenticidade. A busca por identidade e legitimidade na Igreja Cristã Nova Vida não passa
pela figura emblemática de Roberto, que é até esmaecida em relação a igrejas do CMINVB,
pois está em outra dimensão histórico-teológica, e mesmo política, mais associada à tradição
reformada do protestantismo, particularmente a uma perspectiva da doutrina calvinista,
conjugada retoricamente com certo ideário pentecostal. Como já visto no capítulo anterior,
isso resultou da formação nos Estados Unidos numa instituição de linha doutrinária reformada
onde Walter refez sua perspectiva teológica, mesmo com choques conforme ele mesmo
revelou. Este, portanto, tem sido seu projeto “ao longo de 20 anos”, cujo objetivo, segundo
reiterou, é “reformar nossa igreja”. Tal projeto de mudança desenvolve-se numa campanha
continuada de redução de influência e estilo neopentecostal e embasada doutrinariamente no
viés calvinista.
Em perspectiva comparativa, outros grupos que adotam o nome Nova Vida buscam
reafirmar sua identificação com Roberto McAlister, principalmente aqueles do Conselho de
Ministros das Igrejas de Nova Vida do Brasil, que tem no bispo Tito Oscar de Almeida um
referencial destacado, com quem andou e conviveu com o fundador da igreja. Este ramo
denominacional se pensa mais fiel ou mais aproximado do modelo criado e desenvolvido por
Roberto. Na verdade se vê como a igreja fundada por Roberto, sendo que a ICNV seria outra
denominação, resultado de uma dissidência, embora não diretamente entendido assim por
Walter. Um pastor entrevistado, Martinho Lutero,172 que acompanhou o processo de cisão
conta que numa reunião do presbitério o bispo Walter McAlister convidou os pastores que
quisessem permanecer com ele a comparecerem a um encontro que foi marcado para duas
semanas depois, porque, conforme esse pastor, Walter teria dito que “estava saindo da Nova
Vida”. Pela distância do tempo, questionei o entrevistado sobre a exatidão dessa fala, ao que
ele reiterou a declaração de Walter, que teria sido: “Hoje eu saio da Igreja de Nova Vida”.
Com esta atitude, conforme o pastor Martinho Lutero, o bispo Walter tomava outro caminho:
Estava criando a Aliança Nova Vida, com três parâmetros: que reconhecessem a
liderança dele como alguém que tivesse a unção dobrada, quanto à unção que o pai
tinha, o bispo Roberto McAlister; a segunda, quanto a unificação doutrinária da
Nova Vida, principalmente, mas não unicamente, principalmente no que se refere a
questão arminiana ou calvinista; e, em terceiro lugar, que houvesse, digamos assim,
o comprometimento financeiro quanto a entrega dos dízimos nas reuniões semanais,
no presbitério (M. LUTERO).
172
Personagem que acompanhou parte desse processo, pois com a idade de 16 anos deixou a Assembleia de
Deus e se filiou à Igreja de Nova Vida. É pastor desde 1994 quando a denominação ainda era uma só. Quando
ocorreu a divisão ele optou por não seguir Walter, mas continuar com o grupo que veio a se denominar
CMINVB, de Tito Oscar.
133
No livro em que registra sua versão da história de Roberto, Walter narra essa situação
de conflito e ela converge com a entrevista de Lutero. Ele mesmo transcreve uma fala sua
gravada no dia da mencionada reunião do Presbitério Nacional:
Esse Colégio de Bispos está enfrentando já há dois anos (...) uma frustração muito
grande, porque nós não somos uma denominação. Nós somos o resultado de muitas
etapas, mas somos um grupo que inclui dissidentes, desinteressados,
descompromissados e muitos a favor. E todos bons homens. Mas que não estão
unidos a mim de coração e de espírito. Não tem meu espírito (MCALISTER, W,
2012, p. 168).
Essas tensões e dissensões resultaram naquilo que Lutero comentou acima, conforme
as palavras aqui do próprio Walter: “Diante de todos anunciei minha saída daquela Nova
Vida, que tinha se tornado desunida e esfarelada, cheia de ramificações”. Disse mais ele,
reiterando sua posição de saída e estabelecimento de um novo grupo: “Eu não mais serei da
Igreja de Nova Vida, eu serei da Aliança de Nova Vida. Então, eu hoje lanço, estabeleço a
Aliança Nova Vida” (MCALISTER, W, 2012, p. 168).
Uma das disputas pelo legado ou patrimônio de Roberto estava não necessariamente
nos recursos materiais como templos, rádio, as propriedades no Recreio dos Bandeirantes e na
Baixada Fluminense, mas num bem simbólico de valor mais elevado, o nome “Nova Vida”.
Walter registra sua fala na referida reunião do Presbitério Nacional quando disse: “Eu não vou
brigar mais por esse nome”. E comentando sobre isso, revelou: “Deixei claro que a igreja não
seria definida pelo nome, mas sim por uma aliança de pastores compromissados comigo e
com os padrões morais muito bem definidos”. E, como disse, foi ainda além: “Declarei que
não seria bispo de quem quer que fosse só porque determinado pastor tinha o nome “Nova
Vida” sobre a porta de sua igreja” (MCALISTER, 2012, p. 168-169). Na entrevista ele
esclareceu ainda, comentando sobre a reunião que selou a divisão:
Eu disse: eu sou Nova Vida, só não vou ser bispo de um nome na porta. [O pastor
que optar] tem que se aliançar comigo. Aí eles formaram a Igreja de Nova Vida do
Brasil, regida por um conselho, e nós voltamos ao nome original, que era Igreja
Pentecostal de Nova Vida, o nome que meu pai tinha dado bem no início, quando
começou a ser igreja (W. MCALISTER).
No site do Conselho (CMINVB) bem como de diversas igrejas a ele filiadas existem
páginas eletrônicas dedicadas à memória e história de Roberto McAlister e da Nova Vida
durante seu tempo de liderança com muitos detalhes e ilustradas com fotografias. Outra
idiossincrasia das igrejas do Conselho que buscam manter e legitimar a associação com o
fundador diz respeito à utilização por parte de vários pastores de uma frase criada e sempre
repetida por Roberto nos cultos e programas eletrônicos como forma de identificação: “Deus
o abençoe rica e abundantemente”. Já no site da Aliança (ACNV), e em outros de algumas
134
igrejas, não existe mais que poucas linhas sobre Roberto McAlister, embora haja na página da
igreja mais de uma centena de fotos, metade delas do fundador em vários momentos da
história da Nova Vida. Como em encontros no Maracanãzinho, na sede em Botafogo e,
inclusive, uma com o papa Paulo VI e outra com o papa João Paulo II173.
Sobre a expressão conhecida e repetida de Roberto, acima mencionada, “Deus o
abençoe rica e abundantemente”, nunca a ouvi em liturgias nas igrejas da Aliança em que
estive. Pela análise do discurso é possível identificar certo neopentecostalismo no escopo
dessa frase, ao explicitar palavras típicas do que veio a ser associado à teologia da
prosperidade, como benção, riqueza e abundância. No livro de Walter, em que ele trata da
história de Roberto e da igreja, a sentença aparece na última página, numa versão um pouco
ampliada: “Até nos vermos novamente, que Deus os abençoe rica e abundantemente!”
(MCALISTER, 2012, p. 183).
173
As fotos estão disponíveis em: http://www.icnv.com.br/conheca-a-icnv/historia/ (acesso em: 16 dez. 2016).
174
Reformado é uma categoria utilizada especialmente para autodesignação dos calvinistas, como fazem no
Brasil os presbiterianos e outros grupos vinculados a esta perspectiva doutrinária do protestantismo.
135
175
Cf. a matéria da revista Time, 10 ideas changing the world right now, de 2009:
http://content.time.com/time/specials/packages/article/0,28804,1884779_1884782_1884760,00.html. (Acesso
em: 3 jan. 2017). Esse dado está registrado em artigo já citado de Freston (2013a).
176
Em 2002 uma análise sobre o crescimento fundamentalista de corte calvinista nos Estados Unidos e também
no Brasil, principalmente entre batistas, já era apontado por Alexandre Castro (2003).
177
Essa compreensão teológica de “batismo com Espírito Santo” evidenciado pelo falar em línguas estranhas
como “segunda bênção” (a primeira bênção seria a conversão), foi um dos fatores de muito conflito e disputas
que conduziram a divisões entre igrejas evangélicas. De um lado, as pentecostais que defendem; e de outro, as
históricas que recusam. Ao tomar essa posição, Walter rejeita um caro princípio da identidade pentecostal e se
136
Ele situou o contexto em que decidiu por essa mudança de abandonar mais do que o
nome pentecostal, várias posturas e doutrinas inclusive clássicas dessa religiosidade conforme
mencionou também acima:
Nós sentimos, não levou muito tempo [após a divisão], acho que foi em 1996, 97,
nós já tínhamos sentido – porque naquela época, muita coisa especialmente gerando
ao redor da [Igreja] Universal... Eles estavam expulsando demônios na televisão.
Então a gente sentiu que o nome pentecostal, primeiro, fazia com que fôssemos
confundidos com coisas que não... nem meu pai abonou (risos). Então achamos que
seria menos sectário: Igreja Cristã Nova Vida. Nova Vida ainda falando das origens
do bispo Roberto. E existem tantas Nova Vida! E embora eu tenha registro de todos
os nomes eu permito que usem. Por que? Porque Nova Vida aponta para um
fundador em comum. Porém somos muitos diferentes, mas temos um fundador.
Então eu nunca protestei o uso, embora eu pudesse excluir, tirar o nome deles. Eu
nunca fiz isso. Por que? Nova Vida é uma coisa mais genérica, que aponta para o
fundador e não para, digamos, a doutrina, ou prática de uma igreja, que são muito
diferentes (W. MCALISTER).
Conforme se verifica nas duas citações acima, Walter afirma o desconforto com a
nomenclatura pentecostal, a negação de certas doutrinas e práticas pentecostais e a associação
destas com o viés neopentecostal. O contexto sócio-histórico que ele mencionou estava
realmente adverso para assumir essa identidade, pois tanto no ambiente endógeno quanto na
sociedade mais geral a condição de ser pentecostal/neopentecostal estava sob forte suspeição.
Criticas e disputas eram constantes, resvalando, inclusive, para a grande mídia. Isso pode ser
ilustrado por uma reportagem do jornal carioca O Globo, de 20 de setembro de 1995, cujo
título dizia: “Evangélicos rompem com a Igreja Universal”. O texto abordava os conflitos
entre a IURD e outros grupos evangélicos participantes da Associação Evangélica Brasileira
(AEvB) por conta da reação à minissérie Decadência, exibida pela TV Globo. O folhetim
televisivo evocava um personagem de pastor desonesto que foi entendido pelo público como
uma tipificação do bispo Macedo. Além da reportagem, que contou com entrevista do pastor
Caio Fábio D’Araújo Filho, presidente da AEvB na ocasião, o jornal publicou uma nota na
íntegra da referida Associação. Preenchendo três colunas do jornal, esses evangélicos
manifestavam suas críticas à liderança da IURD, sobretudo por conta de suas práticas
neopentecostais como a questão de recolhimento agressivo de dinheiro em seus cultos. A
repercussão da reportagem e do documento da AEvB, associado ao encerramento no dia
anterior da minissérie Decadência, foi causadora de outros embates e divisões. No dia 23 de
setembro, um dia após o encerramento da referida minissérie televisiva, outra matéria em O
coloca ao lado da concepção defendida pelas igrejas protestantes históricas. Estas entendem que não há “segunda
bênção” e que no ato da conversão ou “novo nascimento” a pessoa também recebe – é “batizada” – com o
Espírito Santo, mas sem manifestação de línguas estranhas. Para um panorama dessa questão teológica, ver Stott
(1993).
137
Globo afirmava no título: “Evangélicos repudiam igreja de Edir Macedo”. Esta teve,
inclusive, chamada na primeira página do jornal. Passado alguns dias dessas reportagens do
jornal carioca, a IURD mostrou sua força e articulação, ao publicar no jornal Folha de S.
Paulo, um documento com o seguinte título: “Manifesto ao Povo Evangélico do Brasil” (1º de
outubro de 1995). Ocupando metade da página, o texto foi publicado no primeiro caderno do
jornal. Ele se defendia das críticas feitas pela AEvB e questionava a autoridade de Caio Fábio
para as manifestações que vinha fazendo contrárias à liderança da Igreja Universal. Publicado
como matéria paga, o texto trazia ao final a assinatura de algumas lideranças evangélicas 178, o
que reiterava a força de Macedo e da IURD perante evangélicos e a sociedade em geral. Não
somente isso, na concorrida seção de Opinião, na página 3 do jornal paulista, da mesma data
(01/10/95, edição dominical), Edir Macedo assina um texto defendendo-se e reafirmando suas
posições como legítimas, além de embasadas na Bíblia, com o curioso título “A
contemporaneidade do diálogo”.
Essa exposição caracteriza um pouco o cenário vivido particularmente por evangélicos
no Brasil e as mudanças que serão provocadas, no caso em estudo, as grandes alterações na
então Igreja Pentecostal de Nova Vida. Indagado sobre as consequências das mudanças que
foram feitas, inclusive pela possível retração de crescimento numérico e estabelecimento de
novos templos e congregações – pois este é um apelo predominante no mundo evangélico –,
Bispo Walter explica, com algumas considerações:
Somos uma denominação diferente, uma comunhão de igrejas. Temos um curso pré-
batismal para novos membros. Que somente tomam a ceia, após serem batizados.
Não somos uma igreja que cresce no nível das outras pentecostais. Pois não é um
crescimento populista, mas pelo discipulado. Muitas pessoas querem algo
imediatista e por isso tem mais crescimento em outras igrejas. Nós optamos pela
catequização. Queremos fidelidade e não o sucesso (W. MCALISTER).
Walter aponta sua igreja pentecostal, mas procura se distinguir dos demais grupos
desse segmento evangélico – que teriam “crescimento populista” e “imediatista” – pelo
investimento num modelo de igreja que dá ênfase à formação bíblica e teológica dos fiéis. E
faz isso por meio de um processo continuado de qualificação para virem a ser conscientes – e
reprodutores das crenças que abraçam. O apelo pelo crescimento numérico seria menos
prioritário que o embasamento doutrinário dos participantes da igreja. Como também mostrou
em entrevista o pastor Marcelo Maia, responsável pela área de ensino e educação doutrinária
da Catedral, um programa pedagógico que envolve pessoas desde a faixa etária infantil até os
178
Dentre os signatários do documento em apoio a Edir Macedo e a IURD, todos pastores, estão: Silas Malafaia
(Assembleia de Deus), Nilson do Amaral Fanini (presidente da Aliança Batista Mundial), Isael Teixeira (Projeto
Vida Nova), Jabes de Alencar (vice-presidente da AEvB). Esta última assinatura mostrava a fissura na entidade
presidida por Caio Fábio e a crise da tomada de posição no ambiente evangélico.
138
idosos. Walter, no entanto, não descarta o crescimento quantitativo, pois arremata sua
informação, acrescentando: “Mas temos crescido e se multiplicado. Às vezes sou o último a
ficar sabendo do surgimento de novas igrejas, pois não coordeno isso”.
Traçando um perfil de como vê sua igreja a partir dessas mudanças que têm sido
implementadas, McAlister explica: “Abraçamos a tradição histórica. Somos filhos de
Jerusalém, Antioquia, Genebra. Não começamos em 1960, nem em 1906, mas no Pentecostes.
Neste sentido, somos uma igreja católica, una, apostólica, universal”. E conclui sobre a nova
identidade da Nova Vida: “Nossa igreja tornou-se reformada, litúrgica, episcopal, mas
pastoral. Como denominação, somos os únicos no mundo a fazer essa mudança”.
Ao afirmar a identificação da ICNV com Jerusalém e Antioquia, cidades
paradigmáticas do cristianismo do primeiro século, segundo o Novo Testamento, McAlister
procura vincular sua igreja à gênese da fé apostólica. Já ao se referir a Genebra, ele busca se
associar à tradição protestante clássica, sobretudo a João Calvino, o reformador suíço de
Genebra. E ao insistir que a igreja não começou em 1960 – quando efetivamente a Nova Vida
teve seus primórdios – nem em 1906, ano reconhecido como da origem histórica do
pentecostalismo moderno nos Estados Unidos (segmento a que a Igreja de Nova Vida está
relacionada historicamente), McAlister reitera sua natureza com o Pentecostes bíblico do
século 1, que é tido como o episódio fundante de organização da igreja cristã (BÍBLIA, 1987;
WALKER, 2006; CÉSAR; SHAULL, 1999). O bispo primaz diz mais, que a ICNV é uma
igreja “católica, una, apostólica”, uma citação textual do chamado Credo Niceno, reconhecida
afirmação doutrinária tida como derivada do Concílio de Nicéia, do ano 325 (BETTENSON,
1998, p. 63, 64). Tal dogma é aceito e recitado em celebrações religiosas pelas igrejas
Católica, Ortodoxa e algumas outras da Reforma Protestante, como Anglicana, Luterana e
Presbiteriana. Já outros grupos evangélicos, a saber, batistas, adventistas, pentecostais e
neopentecostais ignoram tal documento como dotado de autoridade doutrinária. Portanto, é
com esse rol de igrejas cronologicamente mais antigas que McAlister vincula sua igreja. E
não apenas pela aceitação e menção do Credo Niceno. Nos cultos dominicais da ICNV,
precisamente na Catedral179, tal afirmação de fé é feita liturgicamente pelos presentes, sob a
liderança entusiasmada do dirigente, no geral o pastor John McAlister. Uma prática que é
comum e rotineira nas igrejas acima mencionadas que reconhecem o referido dogma.
179
Em outras ICNVs em que estive durante a pesquisa de campo jamais vi a recitação do Credo nos cultos. Na
entrevista do bispo da igreja em Botafogo para esta pesquisa ele disse não utilizar o credo nos cultos ou em
qualquer outra reunião da igreja.
139
180
“Templo de Salomão”, localizado na cidade de São Paulo e pertencente à IURD é uma espécie de réplica
perfeita, segundo a tradição bíblica, do suposto edifício judaico construído pelo rei Salomão cerca de mil anos
antes de Cristo. http://sites.universal.org/templodesalomao/ (acesso em: 9 jan. 2017).
140
decisão, nem sempre dialogadas, por parte de Roberto. Walter comentou, por exemplo, da
retração de seu pai à formação superior em Teologia181 para os pastores da Nova Vida, por
julgar que tal curso arrefeceria o fervor pentecostal dos líderes. O pentecostalismo da primeira
geração no Brasil era refratário ao estudo teológico por acreditar que a capacitação do pastor
viria do Espírito Santo (ALENCAR, 2013, p. 109). A pioneira igreja pentecostal brasileira,
Congregação Cristã no Brasil, não tem instituição de formação bíblica ou teológica para os
seus líderes desde sua origem em 1910 até hoje. A Assembleia de Deus, de igual forma,
também era contrária a esse tipo de formação. Abertura discreta para mudança, embora
manutenção de resistência, somente viria a ocorrer quase 50 anos após a origem da AD, com
uma instituição de educação ministerial no interior de São Paulo, o Instituto Bíblico das
Assembeias de Deus (IBAD). Ele surgiu não do empenho direto das ADs no Brasil, mas
persistência de um casal mantido por uma missão assembleiana estadunidense (ALENCAR,
2013, p. 185, 186).
Walter revela na entrevista que tinha o desejo de fazer pós-graduação, mas que
Roberto o teria impedido de estudar para ter tal título acadêmico. E com essa decisão ilustrou
sua tristeza em relação a postura de seu pai. Somente anos depois de sua morte, Walter faria o
curso de mestrado nos Estados Unidos. Esta formação em centro de pós-graduação de linha
teológica calvinista viria causar mudanças na trajetória pessoal bem como nos caminhos da
Igreja Pentecostal de Nova Vida, segundo sua narrativa. Verifica-se que os dons e mesmo o
fervor do filho não são o mesmo do pai, como atestam comparações de pregações feitas por
ambos e testemunhos de pessoas próximas a eles, além do reconhecimento do próprio
Walter182. Talvez seu estilo de espiritualidade possa ser marcado por um fervor mais
intelectual do que necessariamente carismático ou pentecostal. Numa pregação na catedral,
durante uma “Manhã Teológica”183, evento para formação de liderança, Walter comentou da
importância dos livros e das leituras. Disse que não é fácil, mas é um esforço necessário e
fundamental. Destacou que mantém vários livros ao lado de sua mesa de trabalho, separados
para as próximas leituras.
Na perspectiva de neto de Roberto e filho de Walter, John McAlister comenta e
interpreta esse cenário de mudanças a partir do que ouviu e leu, bem como de sua experiência
181
O curso que Walter fez no Canadá, na mesma escola em que estudou seu pai Roberto, era uma capacitação
ministerial, não uma formação acadêmica em teologia.
182
Regina Novaes trata desse esvanecimento da fé na passagem de uma geração para outra, especialmente no
contexto de uma família (NOVAES, 1985).
183
Ocorrida em 31 de outubro de 2015, pela manhã, na Catedral da Igreja Cristã Nova Vida, situada na Avenida
Alfredo Balthazar da Silveira, 1800, Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro, RJ.
141
desde criança vendo o trabalho do pai, especialmente na igreja em Botafogo, após a morte de
Roberto:
Notamos certas mudanças propostas por ele, em nível da liturgia, assim como
pleiteando a celebração da ceia semanal, e fazendo uma série de mensagens que
ficaram em minha memória sobre o Credo Apostólico. Então eram mudanças bem
perceptíveis na ordem do culto. E aí, coincidindo com minha fase no Ensino Médio
e preparação para a faculdade eu o vi voltar a estudar teologia, após o falecimento
do meu avô, seguindo para o Reformed Theological Seminary, nos Estados Unidos.
E eu, curioso, já fui pegando carona com ele na redescoberta da tradição Reformada.
Então, para mim são memórias muito mais próximas de acompanhar o início deste
processo de reavaliação litúrgica e doutrinária da denominação a partir de Botafogo
(J. MCALISTER).
John interrompeu sua fala para fazer uma justificativa da postura de seu pai em relação
a Roberto, em função do que havia dito antes:
O que não representa, a meu ver, uma ruptura radical com meu avô. Porque ele
[Roberto] foi um questionador (risos), ele reavaliou a tradição pentecostal que ele
recebeu de seus pais e avós. Então se tem uma linha de continuidade é essa: Esse
espírito questionador e reformador, de sempre reavaliar tudo à luz da história e da
Palavra de Deus, acima de tudo. Então, vi meu pai seguindo esta veia. Mas as
conclusões às quais ele chegou são bem diferentes das do meu avô (risos) (J.
MCALISTER).
Esta narrativa de John tem sido utilizada também por Walter para explicar e legitimar
as mudanças que tem efetivado, porque Roberto foi também um “questionador” e alguém que
reavaliou o pentecostalismo que recebeu de seus pais. Certamente tem as diferenças culturais
inerentes a cada geração o que determina mudanças; no entanto, o que foi questionado por
Roberto tem basicamente a ver com formas ou estética, não necessariamente a conteúdo,
resultando num pentecostalismo mais contextualizado com o ambiente urbano dos anos 1960,
porém mantendo em geral as mesmas práticas doutrinárias do pentecostalismo. O próprio
John, no entanto, reconhece e explica que “as conclusões” a que cada um chegou, a síntese
que deram a seu sistema religioso são essencialmente distintas. E isso se deve a uma diferença
fundamental entre os dois, que é a questão da formação acadêmica: “Pelo benefício de meu
pai ter passado por uma instituição com uma linha confessional clara, ter tido benefício deste
estudo, algo que meu avô nunca fez”.
As mudanças pelas quais a igreja vinha experimentando sob a condução de Walter se
ampliaram e avançaram após os estudos de pós-graduação. Teologia, doutrina e liturgia são
áreas fundamentais onde se processaram as alterações, chegando ao ponto de as
transformações atingirem o próprio nome da igreja e sua identidade visual simbólica. De
Igreja Pentecostal de Nova Vida ela passou a se chamar Igreja Cristã Nova Vida, excluindo,
portanto, a designação original pentecostal e adotando a expressão adjetivada cristã. Não é,
portanto, uma troca de vocábulos por questões semânticas. É uma mudança pelo viés da
142
Identidade visual da Igreja Pentecostal de Atual logotipo: Igreja Cristã Nova Vida
Nova Vida, sob a liderança do Bispo Walter,
adotada após a divisão da denominação (Imagens: Google).
Segundo Walter, as três igrejas da Aliança é a aliança de igrejas. “Onde dois ou três
estão reunidos...” [Evangelho segundo Mateus 18.20]. O símbolo nasceu, portanto, como
logotipo da ACNV. “Eu fiz aquilo à mão, com uma caneta piloto, xerocamos e acabou sendo
gravado na pedra. Agora virou marca. Virou a marca da igreja”.
Refletindo sobre essas mudanças, particularmente de nomenclatura, McAlister explica:
Chegamos à conclusão de que o termo pentecostal tinha se tornado tão tendencioso
que não representava mais o que somos. A grande maioria confunde o
pentecostalismo com o neopentecostalismo. Simplesmente era associado a práticas e
conceitos que não podíamos abonar. Com a volta ao termo cristão afirmamos a
nossa identificação com a igreja histórica (W. MCALISTER). 185
Um fato que se verifica até então é que de pai para filho – de Roberto para Walter – a
Igreja de Nova Vida teria menos sinais evidentes de manifestações do Espírito Santo, pelo
menos na perspectiva predominante das crenças e práticas pentecostais e neopentecostais. E
essa diferença se amplia ainda mais quando se compara Walter com seu filho John, sendo este
184
Além da entrevista com Walter, outros dados estão disponíveis em:
http://www.icnvcatedral.com.br/novo/ipnv-ou-icnv/(acesso em: 23 jul. 2014).
185
Entrevista concedida ao pesquisador, por telefone, em: 5 de dez. 2012.
143
ainda mais distante das práticas comumente pentecostais do que seu pai. Considerando as
mudanças geracionais e as reconfigurações que as doutrinas sofrem historicamente, é possível
afirmar que entre a igreja de Roberto e a igreja sob John – avô e neto – existam diferenças
basilares e agudas quanto às concepções doutrinárias e as práticas religiosas na Igreja
chamada de Nova Vida.
Avaliando este cenário, Andrew McAlister comenta:
Meu irmão [John, pastor da Catedral], neste sentido é muito mais pastor local. De
sentar com cada um. A gente continua toda semana orando pelos enfermos, mas não
é nosso cartão de visita: “Olha, venha para a Nova Vida e receba oração pelo
enfermo!”. Talvez fosse há 30, 40 anos. Não é o caso hoje. Então, a grosso sim, o
Espírito Santo..., a gente tá menos Espírito Santo, por assim dizer, nos moldes
pentecostais (A. MCALISTER).
Quem observa nossa liturgia domingo de manhã vai dizer que a gente sequer é
pentecostal! Mas é difícil fazer essa avaliação particularmente do meu avô com
quem não tive tanto contato. Mas eu enxergo hoje, na denominação, eu falo da
denominação, orientação do meu pai e do meu irmão, tanto igreja local quanto
denominacional, uma busca intencional pelo Espírito Santo, pessoalmente:
Santidade, devoção. Não são termos, não são conceitos que eu ouço como sendo
associados ao ministério do meu avô. Se eu puder usar essa imagem: meu avô era
muito mais público. A atuação do Espírito Santo era pública e hoje em dia a gente
promove uma atuação do Espírito Santo privada, por assim dizer (A. MCALISTER).
Em sua trajetória de atuação institucional Walter foi pastor das igrejas de Nova Vida
no Méier, depois no Engenho Novo, posteriormente em Botafogo e depois na Catedral,
situada no Recreio dos Bandeirantes, todas na cidade do Rio de Janeiro. Em 2008 ele deixou o
pastorado local ou específico desta igreja e passou a atuar exclusivamente na condição de
bispo. Ou seja, como líder primaz da denominação, porém sem exercer funções sacerdotais de
responsabilidade regular numa igreja específica.
A “campanha” por mudanças que Walter McAlister desenvolve em sua igreja tem
estratégias claras com objetivos definidos e dentre tais estratégias se destaca a formação dos
novos pastores para servirem nas igrejas. Essa capacitação ocorre numa escola teológica, cujo
curso tem duração de quatro anos e é ministrado por pastores da denominação. Seu presidente
é o bispo Walter McAlister e o deão acadêmico é o pastor John McAlister, filho de Walter.
Ele é também o pastor-regente da Catedral das Igrejas Cristãs Nova Vida, função que ocupou
após a saída de seu pai, quando este passou a se dedicar primordialmente à tarefa de bispo
primaz da denominação.
Pertinente explicitar que usamos o termo “campanha” para designar esse processo
continuado de mudança projetado para se realizar pela liderança de um grupo ou movimento.
Necessário se faz elucidar que “campanha”, neste caso que ocorre na ICNV, não possui
144
qualquer relação com a ideia de “campanha de fé” promovida pela IURD. Na denominação de
Edir Macedo estas práticas são recorrentes e mobilizam fiéis a participarem no sentido de
fazerem um esforço pessoal em busca de solução para um problema. Este esforço inclui,
geralmente, ações espirituais associadas a doações financeiras para a igreja. Campanha,
também, não tem conotação com questões eleitorais, típicas dos períodos de escolha
democrática de líderes políticos e gestores para as diversas esferas de poder no país.
Conforme já explicado na introdução, campanha se aproxima do sentido conforme a
apropriação feita por Theije (2002) do conceito de política de mudança cultural de Ortner
(1989b).
Bispo Walter explicou que as mudanças ocorridas na igreja resultam de um longo
processo, marcado por muito diálogo com os sacerdotes da Nova Vida. “Fui trabalhando com
meus pastores sobre a doutrina da graça, tirando a ideia de segunda bênção, mas mantendo a
doutrina do batismo com plenitude do Espírito Santo”. Ele contou que embora todo esse seu
esforço, há igrejas que ainda mantém certa conduta da época em que a igreja possuía
comportamentos e práticas mais pentecostais e neopentecostais. Essas ações destoam do
modelo que seria o ideal como o padrão litúrgico e doutrinário, conforme se verifica no estilo
da Catedral. “Nem todas as igrejas estão plenamente alinhadas comigo. Mas isso é um
processo de duas gerações”, revela e acredita McAlister. Aqui ele se referiu a igrejas e líderes
que, mesmo no contexto de sua denominação e reconhecendo formalmente sua autoridade
como bispo primaz da Aliança das Igrejas Cristãs Nova Vida, na prática, seguem critérios
doutrinários e litúrgicos independentes. No que também, oficialmente, Walter afirma
respeitar. Nas entrevistas com Marcelo Maia e também John, estes já revelaram mais
desconforto com pastores no âmbito da Aliança que estariam mantendo concepções teológicas
distante do modelo calvinista e com práticas consideradas como mais próprias ou próximas do
neopentecostalismo.
Refletindo sobre essas mudanças ocorridas em sua igreja, o bispo primaz fez avaliação
crítica ao neopentecostalismo predominante, tanto em outros segmentos da Igreja de Nova
Vida que romperam ou não reconheceram sua liderança episcopal, como igrejas midiáticas
cujos líderes saíram da Nova Vida onde conviveram, aprenderam e foram influenciados por
Roberto McAlister.
Os neopentecostais são irrelevantes, são como fogo de palha. Em duas gerações não
se falará mais de IURD. Esse pessoal está perdidão. Qualquer igreja pentecostal hoje
segue, com mais ou menos disfarce, a teologia da prosperidade. O pentecostalismo é
algo que tem pouco ou nada de cristianismo (W. MCALISTER). 186
186
Entrevista concedida ao pesquisador, por telefone, em 5 de dezembro de 2012.
145
Ele continuou com sua crítica: “Uma das vertentes da Nova Vida é neopentecostal,
fazendo uso de descarrego, sal grosso... coisas absurdas”.
Aqui McAlister demonstrou, com clareza, sua visão desse tipo de religiosidade que
pode, inicialmente, reunir muita gente, mas como entende ser uma forma enganosa e
superficial, se arrefecerá e mesmo acabará. Quanto ao seu modelo de igreja, pela campanha
que desenvolve na ICNV, ele compreende que pode perder fieis agora, mas tem convicção
que essa é a verdade e que, portanto, será vitoriosa e perdurará historicamente.
Falando sobre líderes que saíram da Nova Vida, criaram suas próprias igrejas, se
tornaram destacados pastores, sobretudo pela presença na mídia e detentores de grandes
grupos religiosos do neopentecostalismo, Walter analisa: “Muitos filhos espirituais de meu
pai, assim como netos e bisnetos, abandonaram a devocionalidade da fé e somente querem o
poder financeiro, midiático e político”. E avalia ainda mais criticamente: “O
neopentecostalismo está morrendo. Não tem futuro. Está morrendo”. Questionado sobre a
força de igrejas desse segmento evangélico, ele reafirma: “Bem, olha o [Edir] Macedo? Ficou
uma coisa esquisita. É uma seita. Virou uma seita, não é uma igreja. Está morrendo. Segundo
eu entendo, está morrendo”. Insisti que, embora sendo seita, conforme a classificação dele,
parece ser algo de muito futuro, ao que ele retrucou:
Não sei... São pessoas muito ambiciosas, são pessoas pouco éticas. Acho que no dia
em que [Edir] Macedo fechar os olhos aquilo vai ser repartido entre mil. Vai cair,
vai ser destruído, vão se devorar uns aos outros. Aquele do chapéu de caubói
[Valdomiro Santiago, Igreja Mundial do Poder de Deus] já é um desafeto do
Macedo. Então é só uma questão de tempo. Aquilo acabou (W. MCALISTER) .
Walter não fez referências explícitas a Romildo R. Soares, mas sobre Miguel Ângelo
disse que ele “disfarça” de reformado. “A formação dele é da seita Perfeita Liberdade. Aquilo
é Perfeita Liberdade187. Ele não tem uma linha teológica”, censura Walter. Face a este cenário
que descreve, ele faz uma curiosa distinção antagônica de sua denominação em comparação a
outros grupos que saíram da Nova Vida: “Neste sentido, somos uma igreja antievangélica”.
Além do processo de despentecostalização McAlister seguiria também um caminho de
“desevangelicalização”? 188.
187
Perfeita Liberdade ou Perfect Liberty, religião de origem japonesa, surgida no início do século XX.
188
O rótulo evangélico é uma identidade que tem sido alvo de críticas no interior do próprio ambiente evangélico
por conta de grupos e pessoas desse segmento cristão que não se veem mais como parte dele, principalmente por
conta de discordâncias quanto a práticas e concepções doutrinárias. Dentre diversos exemplos se destacam
pastores conhecidos nacionalmente, em particular no contexto evangélico, como Ariovaldo Ramos, Ed René
Kivitz, Ricardo Gondim, todos em São Paulo. Este último é líder da Igreja Betesda (que já foi Assembleia de
Deus), e já não se diz nem evangélico nem pentecostal. Embora alguns dos motivos destes nomes citados se
aproximem das razões de Walter, todos têm diferenças teológicas, eclesiais e políticas. Portanto, as motivações e
146
Nesse ponto, o bispo passa a focalizar sua igreja, fazendo algumas considerações
preliminares sobre ele próprio como uma espécie de reformador, buscando conexões de sua
postura e a perspectiva doutrinária atual com a trajetória histórica de seu pai. Considerou os
primórdios de formação de Roberto na Assembleia de Deus canadense e as mudanças que ele
foi experimentando ao longo da vida, as quais Walter interpreta como já sendo associadas ao
protestantismo histórico em bricolagem com a perspectiva pentecostal:
Meu pai sempre foi um reformador. Sempre questionou. Tanto que ele chegou ao
Brasil um pentecostal, dispensacionalista, com todos os acessórios de um
pentecostal, mas ele logo começou a questionar várias coisas da doutrina. Ele
reavaliou os sacramentos, escatologia e outras doutrinas. Ele tinha amigos
reformados, teve contato com autores reformados e luteranos. E chegou a discutir o
falar em línguas como batismo do Espírito Santo com eles (W. MCALISTER). 189
Ao afirmar que seu pai “sempre foi um reformador”, que reviu doutrinas e teve
contatos com autores reformados, Walter constrói uma memória identificando Roberto
McAlister consoante com as perspectivas doutrinárias que atualmente defende. O que lembra
Pollak (1992), para quem existe uma ligação bem estreita entre memória e identidade. No
entanto, outro entrevistado afirmou que Roberto McAlister “sempre foi arminiano190”, que é
um contraponto à identidade calvinista.
Quanto a sua mudança de rota e convivência com outros grupos mantendo
interlocução doutrinária diversa, Walter informa:
Atualmente estou andando mais em círculos tradicionais e falo como reformado para
os tradicionais: “Abram-se para o Espírito Santo, não fiquem tão iluministas e
secularizados. O Espírito Santo é essencial para a existência da igreja”. E para os
pentecostais, digo: “Vão ler, vão estudar, vão refletir”. Chamamos os pentecostais
de volta ao cristianismo e os históricos de volta ao Espírito Santo, aquele dos
apóstolos. Pois damos mais ênfase a segunda pessoa da Trindade e pouco falamos da
terceira, o Espírito Santo (W. MCALISTER). 191
E revelou mais sobre essa sua campanha, bem como o livro que está escrevendo
acerca dessa síntese entre pentecostalismo e calvinismo:
Nós somos essa ponte, como estou trabalhando no livro “O pentecostal reformado.
De Azuza a Genebra e de volta”, mostrando até onde um pentecostal pode ser
reformado e até onde um pentecostal reformado ainda é pentecostal. Então é um
livro bem difícil porque é um tanto quanto filosófico pela dialética entre essas duas
explicações para a negação da adesão evangélica são distintas. Mas um ponto comum para todos esses
mencionados está no fator ético (ou antiético) de pessoas e grupos do segmento evangélico.
189
Entrevista concedida para esta pesquisa em 5 de dezembro de 2012, por telefone.
190
Arminiano é alguém vinculado à concepção doutrinária de Jacobo Armínio, teólogo holandês cujo sistema
doutrinal sobre a salvação pode ser resumido em cinco tópicos: eleição ou perdição depende da fé ou não-fé do
ser humano (Livre-arbítrio); expiação ilimitada (Cristo morreu por todos), graça resistível (as pessoas podem
resistir ao evangelho), possibilidade de negar a fé (é possível apostatar da fé e cair da graça). Disponível em:
http://deusamouomundo.com/o-que-e-arminianismo/ (acesso em: 3 jan. 2017).
191
Entrevista concedida para esta pesquisa em 5 de dezembro de 2012, por telefone.
147
uma maneira de nos distinguir do marasmo neopentecostal, sem ter que negar por
completo a nossa convicção continuísta192 – a da contemporaneidade dos dons
espirituais (W. MCALISTER).
encontra liderança episcopal com autoridade para o magistério a ser considerado pelos
liderados. As igrejas de tradição congregacional196, cuja autoridade ou poder de decisão reside
na assembleia democrática da própria igreja local, não reconhecem ou não possuem esse tipo
de liderança hierárquica. Já as igrejas de governo episcopal, como é o padrão da ICNV, se
organizam por este tipo de governança em que a primazia da autoridade reside na cátedra do
bispo. No caso da tradição católica e anglicana, por exemplo, a estruturação da hierarquia
exige votos de obediência dos sacerdotes em relação aos bispos, que representam o governo
da igreja. É neste sentido que se compreende a Catedral da Igreja Cristã Nova Vida.
Embora tenha instituído o governo episcopal entre denominações pentecostais no
Brasil e sido o primeiro bispo da Nova Vida Roberto McAlister não teve uma Catedral. O
templo em Botafogo se tornou a sede da denominação, mas não foi designado por esta
identidade, nem mesmo após a adoção do modelo episcopal que se deu cinco anos após a
inauguração do edifício. De igual modo, Walter não alterou o status do templo de Botafogo,
mas buscou concluir um espaço para cultos da ampla edificação já iniciada por Roberto
McAlister na área por ele adquirida na Avenida das Américas, no bairro do Recreio dos
Bandeirantes. Deixando a igreja em Botafogo sob a liderança de outro pastor, Walter iniciou
uma nova igreja que se tornou a Catedral, desde então assim chamada, na Páscoa de 1999,
precisamente em 4 de abril. Este espaço serviu como sede episcopal até a instalação da nova
catedral, também no Recreio dos Bandeirantes, na Avenida Alfredo Baltazar da Silveira,
1800, antes de as obras estarem todas elas completadas. O templo da atual Catedral foi
inaugurado mediante dois importantes encontros, sendo um voltado para a denominação e
outro para a igreja local.
O primeiro foi a reunião anual da Aliança Cristã Nova Vida, quando os membros do
presbitério nacional renovam seu compromisso com o bispo primaz mediante assinatura
solene no livro próprio da Aliança. Este encontro, do qual não participei, se deu no sábado, 22
de agosto de 2015, com a presença de 270 pastores e bispos de todo Brasil, segundo o bispo
Walter. A reunião consistiu, basicamente, em um culto com pregação e orientações gerais do
bispo seguindo-se a celebração da Ceia eucarística e assinatura por parte de cada um dos
196
São diversos e nuançados os tipos de governo eclesiástico, mas, genericamente, congregacionais se baseiam
na autonomia da igreja local, sem submissão hierárquica formal a qualquer outra instância, como é o caso de
igrejas batistas e congregacionais. Weber (1994, p. 312, 313) trata desse tipo de governança, entre religiões e
para além delas. Numa interseção ou misto entre os governos congregacional e episcopal, com muitas variantes,
são as Assembleias de Deus, as luteranas, as presbiterianas, as metodistas e outras. As igrejas neopentecostais ou
da terceira onda do pentecostalismo no Brasil são quase todas estruturadas a partir do modelo episcopal, embora
com diferenças pontuais, cujo padrão brasileiro descende da Nova Vida, que sob Roberto McAlister, inaugurou
este formato. IURD, Internacional da Graça de Deus, Cristo Vive, Renascer, Sara Nossa Terra, Bola de Neve,
Mundial do Poder de Deus são todas variantes desse estilo de governança eclesiástica.
150
197
Essa autonomia certamente tem seus limites institucionais e tradicionais, como ilustra o caso de um pastor de
uma igreja da Aliança a quem solicitei uma entrevista. Ele disse que precisava “pedir autorização” ao bispo
Walter. Voltei a fazer diversos contatos com ele, por e-mail e por telefone, mas ele não respondeu nem atendeu
às chamadas telefônicas.
152
E detalhou ainda a destinação desses 10% de recursos que recebe das igrejas: “Ajuda,
inclusive a manter o campus da Catedral. Porque a igreja local não tem condições de manter
uma coisa desse tamanho”, isto é, o amplo espaço, com edificações no local onde fica a
Catedral. Além do próprio templo, salas para estudo, capela, gabinetes, escritórios, cozinha,
refeitório, estacionamento, parque para crianças, áreas livres.
153
Fachada da Catedral da ICNV, cuja área do campus se estende à direita, à esquerda e aos fundos. Detalhe da cruz
celta no fundo espelhado (Foto de Clemir Fernandes, feita em: 9 dez. 2015).
Na entrevista dada em seu gabinete, bispo Walter mostrou uma pilha de livros
assinados pelos pastores e bispos nos encontros passados, desde o primeiro em 1995. Folheei
um dos livros que ele me cedeu para observar e verifiquei que estava completo de signatários
de alguns desses encontros. Os livros são, na verdade, grandes cadernos de capa dura com um
texto inicial enfocando o compromisso com a Aliança, seguido por autógrafos dos pastores e
bispos, um em cada linha. Walter dá grande valor a esse encontro e cerimônia de assinatura,
que reafirma a relação de lealdade com ele e sua direção episcopal.
Não se trata de um documento com valor legal, pois não é registrado em cartório civil.
Não é esse o objetivo, até porque, como reiterou Walter, é uma “adesão voluntária”, no
entanto, a assinatura pública num encontro coletivo celebrado mediante culto na Catedral dá a
ele o tom e a natureza objetivados pelo primaz. O objetivo do evento é comprometer
socialmente todos a praticarem o que assinaram, mantendo a relação de fidelidade ao bispo.
Porque formalmente e legalmente ele não tem poder sobre as igrejas e seus pastores.
Diferente, por exemplo, do caso católico, no qual um sacerdote deve obediência ao bispo, mas
caso queira romper seus votos, a igreja ou paróquia onde ele atua não lhe pertence, mas sim à
cúria diocesana católica. Entre igrejas evangélicas congregacionais, como batistas, quando um
pastor rompe com a denominação e/ou com a igreja local ou então é excluído por algum tipo
de desvio, esta segue sob a direção da liderança legal da própria igreja.
154
Sobre a realidade atual da Aliança Cristã Nova Vida, num panorama numérico,
McAlister informou, de forma livre: “Hoje somos, mais ou menos, 60 mil fiéis. Mas, podem
ser 15 mil membros. Porém a frequência aos cultos é maior. Há muito tempo deixamos de
manter as estatísticas em dia. Não ligamos para isso”. A igreja está presente em 8 estados
brasileiros nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. Não há igrejas filiadas à Aliança em
São Paulo.
Discorrendo acerca da estrutura organizacional o bispo explicou que a Aliança das
Igrejas Cristãs Nova Vida é composta por cerca de 170 igrejas, 230 pastores e 7 bispos, que
formam o Colégio de Bispos. A adesão à Aliança é voluntária e os bispos atuam como
pastores auxiliares e também conselheiros do bispo primaz. McAlister diz que “não há feudo,
baixo clero, nem disputa de poder”. As igrejas dizimam para a Aliança, que mantém uma
editora – Anno Domini –, o Instituto Bispo Roberto McAlister de Estudos Cristãos, o setor de
missões, com dois missionários (um em Portugal e outro no Canadá) e o bispo primaz.
Embora Walter pontue que não tem havido cisão, igrejas e pastores têm saído da
Aliança, por vontade própria ou ainda por decisão unilateral do próprio bispo. Como
aconteceu no segundo semestre de 2015. Ele chegou a escrever sobre o caso numa rede social
lamentando ter que excluir pessoas, cujas identidades ele não revelou, mas, depois apagou a
postagem do texto. Perguntei a ele sobre o que teria acontecido e ele explicou, embora sem
muitos detalhes: “Foi penoso porque envolveu pessoas... Eles não me tinham mais como
bispo, suas atitudes... Houve vários embates”. Inquiri se as razões da exclusão tinham relações
com questões doutrinárias, litúrgicas ou outras, ao que ele respondeu:
Também. Doutrinário, missional. Um dos irmãos eu proibi que abrisse [igreja] em
Lisboa. Ele vai abrir uma igreja em Setúbal. Foi para Portugal na condição de abrir
uma igreja em Setúbal. Já tínhamos uma igreja em Lisboa. E ele é um homem que
não tem uma ética, digamos, a toda prova. Ele alicia membros de outras igrejas e já
tinha sido pastor em Lisboa. Eu sabia que ele iria canibalizar a velha igreja para
plantar uma nova. Então mandamos ele plantar [igreja] num lugar diferente. E ele
plantou em Lisboa mesmo. Pra mim foi a última gota. E o irmão dele, também, era
pastor de uma igreja de mil membros, em Campina Grande [PB]. Tinha uma
resistência doente. E os dois são parte de uma mesma moeda que estava criando
muita confusão entre os colegas, e revolta. Até que finalmente eu disse: olha,
intratável, não consigo mais tratar esses dois. Então saíram. Agora eles plantaram
uma Igreja Bíblica Semear (W. MCALISTER).
Segundo o bispo, os dois pastores trocaram o nome da igreja, de Cristã Nova Vida por
Bíblica Semear, o que ele avaliou como positivo: “Graças a Deus. Mais uma Nova Vida só
para confundir o meio de campo?! Terrível”. Um fato como esse, por mais que o bispo avalie
em termos doutrinários ou morais, é, no entanto, uma perda para a Aliança, que suprime de
seu rol uma grande igreja, como é o caso da congregação de Campina Grande, uma cidade
155
198
http://www.igrejabiblicasemear.org/ (acesso em: 28 out. 2016).
199
Não existe presbitério estadual, nem seções regionais da Aliança, somente estas estruturas de nível nacional.
156
ignorando, assim, o genuflexório200. Nos templos outros da Nova Vida que frequentei durante
a pesquisa em nenhum deles existem genuflexórios. Na verdade em todos eles, sejam da
Aliança – Botafogo, Copacabana, Tijuca (todos no Rio) – ou do Conselho – São Paulo, Tijuca
e Catete (estes dois últimos no Rio), todos os assentos no templo são cadeiras individuais, não
bancos coletivos.
Na prédica do bispo ele leu um texto bíblico sobre “uma geração perversa e adúltera
que quer um sinal do céu”. Criticou crentes que buscam sinais miraculosos dizendo que “toda
quarta-feira tem gente querendo um arrepio, um sal grosso, um cair”, referindo-se a práticas
associadas ao pentecostalismo e neopentecostalismo. Quarta-feira é o dia tradicional do culto
semanal de oração nas igrejas da ICNV. Conforme Walter já havia comentado na entrevista,
confessou aos pastores do presbitério: “Eu já caminhei com Neuza Itioka, Marco [Antonio,
pastor] da Comunidade da Zona Sul, [apóstolo] Ezequiel Teixeira [Projeto Vida Nova], mas
vejam, aquilo não tinha nada de fundamentação bíblica. Esse mundo neopentecostal está
cheio de coisas estranhas”. Fez esses comentários no tom de orientação aos pastores para que
eles mudem suas práticas também. Porque as influências do universo neopentecostal
alcançam os pastores de sua denominação, conforme ele mesmo revelou na entrevista a esta
pesquisa, anteriormente citada: “Eles ouvem a mim e ao [Silas] Malafaia”. Sobre tais “coisas
estranhas”, o bispo declarou: “Nossas igrejas não fazem mais isso”. À luz de sua pregação
entendi que ele fez tal afirmação, embora no passado – “não fazem mais isso” admoestando
pastores recalcitrantes a aniquilarem resquícios dessas práticas em suas igrejas. Pois na
sequência desta palavra ele comentou como que chamando os pastores a esse compromisso:
“Mas ainda temos coisas que precisamos acertar em nossas igrejas”. Walter seguiu com sua
palavra, orientando e desafiando os presentes: “Temos que pregar a cruz”. Ele ainda
contrastou sua denominação com outras do ambiente pentecostal-neopentecostal: “Nossa
igreja não é igreja de mercado. Não vamos fazer luz colorida, gelo seco, anúncio de noite de
poder e milagres. Nada disso”, falou com ênfase. E completou asseverando os pastores de que
é preciso “fugir e se livrar da tagarelice pentecostal”.
O encontro se encerrou com a celebração eucarística, conduzida pelo primaz e
distribuída por dois bispos, Luiz Paulo Cavalcante, de Botafogo, e Carlos Alberto José, de
Nilópolis, RJ. Após o encontro, participei do almoço dos pastores, que é servido na área de
200
Genuflexórios são parte de assentos coletivos destinados a orações, quase que somente encontrado em igrejas
católicas no Brasil. Em igrejas mais antigas do protestantismo histórico, como presbiterianas e anglicanas, é
possível encontrar, mas é raro.
158
alimentação do complexo da Catedral, cercado por aprazível área verde. Cada pastor paga
pelo seu almoço, que é feito por fiéis da própria igreja local.
Fundado em 2006 por Walter McAlister, após a formação teológica de seu filho John
nos Estados Unidos, o Instituto Bispo Roberto McAlister de Estudos Cristãos (IBRMEC) tem
como objetivo formar futuros ministros da Aliança de Igrejas Cristãs Nova Vida. Segundo
Walter, o curso é “requisito impreterível” para quem deseja ser pastor na denominação. Do
site, retiramos mais informações, conforme apresentamos a seguir. O Instituto iniciou suas
atividades nas dependências da Catedral da ICNV, com a primeira turma presencial. Mantinha
também o ensino a distância com o envio pelo correio de CDs contendo o áudio das aulas
ocorridas na catedral. Depois, crescendo o interesse de vários membros em todo o território
nacional e até em Portugal, foi necessário redirecionar o curso para que este fosse ministrado
também em ambiente virtual. Assim, em 2008, teve início a primeira turma totalmente virtual.
Em 2010 foi formada a primeira turma envolvendo também mulheres, “visando à formação de
lideranças leigas na ICNV”. Essa informação equivale dizer que mulheres são aceitas no
curso, porém não para se tornarem pastoras, mas apenas como “lideranças leigas”, segundo
confirmaram em entrevistas o bispo e o diretor administrativo do instituto. Conforme o
referido site, são oferecidos regularmente dois cursos, o Curso Básico em Teologia, com
duração de três anos, voltado para líderes em geral, e o Curso de Capacitação Ministerial,
exclusivo para futuros ministros da Aliança, com um período de mais dois anos. Uma
plataforma eletrônica oferece possibilidade de download do manual do aluno, atualizado de
2014, e dos diversos módulos dos dois cursos, além de informações gerais, inclusive preços
dos módulos e de todo o material de estudo. A direção do Instituto é formada por três líderes:
presidente, deão acadêmico e diretor administrativo. Os dois primeiros cargos, os maiores na
hierarquia, são assumidos respectivamente por Walter McAlister e por John McAlister. O
cargo de diretor administrativo é exercido pelo pastor Marcelo Maia. Formado em Direito
(UERJ), ele foi funcionário concursado da Justiça Federal no Rio de Janeiro durante 11 anos.
Mediante convite do bispo Walter, deixou o emprego seguro, “com cargo de confiança,
amizade do juiz” e passou a se dedicar exclusivamente à ICNV na condição de auxiliar no
IBRMEC e na Catedral. De origem católica, “praticante”, na juventude circulou por outros
grupos religiosos como Testemunhas de Jeová, esoterismo, até tornar-se congregacional,
igreja da namorada que veio a ser esposa. Mudando residência da Zona Norte para a Zona
159
Oeste, buscaram uma igreja, mas não havia nenhuma congregacional entre os bairros do
Recreio e Barra da Tijuca. Visitaram Batista, Maranata e Nova Vida, quando ainda estava na
Avenida das Américas e terminaram se afeiçoando à ICNV, para onde migraram no final de
2005 e vieram a se tornar membros em 2006. Comentou do impacto que a igreja causou em
sua vida quando a visitaram pela primeira vez:
Aqui ouvi os hinos antigos sendo cantados com muito fervor, muita devoção,
auditório cheio, pessoas levantando as mãos, postura do povo muito respeitosa,
ordeira, um culto muito ordenado, fora daquela coisa meio [desorganizada]. Pela
primeira vez eu vi recitarem o credo apostólico num culto protestante. "Que tá
havendo aqui!" [risos]. Achei estranho, nunca tinha ouvido isso na tradição
protestante. Aquele homem lá na frente com o colarinho clerical. Então foi essa
impressão geral. Na saída nós nos sentimos assim como que tomados por uma onda.
Virei para minha esposa e disse: o que foi isso, o quê que aconteceu aqui?! Então foi
bem marcante (MARCELO)201.
Segundo Marcelo, o Instituto tem atualmente cerca de 150 alunos em todas as suas
turmas. Sobre quantos destes tem feito o curso de complementação para virem a ser pastores,
ele respondeu: “Muito pouco. Na primeira turma tivemos entre 12 ou 13 alunos. Já nas
seguintes vieram mais 2, mais 1. Nessa agora nós já temos uns 3 ou 4. Não foi aquele boom
não que a gente esperava”. O curso está disponível para todo o Brasil e Portugal, onde a
ICNV tem uma igreja. Somente pessoas de congregações da Aliança Cristã Nova Vida estão
aptas a fazer o curso.
Sobre o método utilizado, o curso é estruturado no modelo de educação à distância,
com aulas gravadas em forma de módulos. São dois áudios por semana, que estão
disponibilizados na plataforma virtual do IBRMEC. Os módulos têm carga horária
201
Entrevista concedida a esta pesquisa em 10 de fevereiro de 2016, na Catedral da ICNV.
160
diferenciadas. Falando acerca dos módulos que são de sua responsabilidade ensinar, Marcelo
Maia explicou:
Meus módulos são Panorama do Antigo Testamento e Panorama do Novo
Testamento. Cada um dura um semestre. No primeiro semestre eu dou Antigo e no
segundo semestre eu dou o Novo Testamento. O Panorama do Antigo tem ao todo
17 semanas, sendo quatro delas dedicado somente a prova. As outras [semanas] são
de aulas. A cada semana tem dois áudios. Tem semana que tem áudio sobre Êxodo e
sobre Levítico. É um áudio para cada livro ou um conjunto de livros do Antigo. E no
Novo é o mesmo critério (MARCELO).
Para aqueles que aspiram ser pastor, existe uma complementação que dura ainda dois
anos, com aulas não mais a distância, porém presenciais, que acontecem na Catedral. Os
candidatos ao sacerdócio vêm de todas as partes do Brasil para o Rio, a fim de cumprirem esta
exigência
O [curso] presencial é só para os que vão ser pastores. Até o ano passado nós
fazíamos uma semana intensiva com dois módulos, de segunda a sexta. Só que isso
era muito cansativo. Eram quatro semanas intensivas, uma a cada semestre, o que
levava dois anos. Eles vinham em fevereiro e agosto, depois em fevereiro e agosto, e
completavam a série de módulos específica desse curso. Neste ano a gente vai
mudar. Ao invés de semanas intensivas, vamos fazer aos sábados. Assim, quem tem
seu trabalho pode vir, não necessita tirar férias ou mudar escalas, enfim. Vamos
fazer dois sábados no final desse mês de fevereiro, dois em maio, dois em agosto,
dois em novembro. E no ano seguinte, dois em fevereiro e por aí vai. Ainda são dois
anos (MARCELO).
Sobre o Vaticano, Andrew se referia ao diálogo mantido por seu avô, na condição de
pentecostal, com líderes católicos em Roma após o Concílio Vaticano II, como registra Walter
(MCALISTER, 2012, p. 135, 142, 143). O neto de Roberto continuou comentando da
avaliação que seu avô poderia ter dos rumos tomados pelas gerações que o sucederam na
direção da igreja, isto é, Walter, o primaz da Aliança bem como John e ele Andrew na
regência da catedral e na gestão da editora:
Eu não sei se ele concordaria com a forma com que a gente trabalha hoje, mas eu
tenho muita dificuldade em pensar que ele não concordaria no que está por trás de
162
tudo isso. Porque ele produziu livros, ele lia muito, ele buscava as informações. E a
gente continua fazendo tudo. Agora como isso funciona, como isso acontece, eu não
sei se ele concordaria 100% da maneira como a gente trabalha hoje (A.
MCALISTER).
Sobre a identidade teológica do IBRMEC, Marcelo fez uma abordagem a partir de sua
própria condição de estudante na entidade, quando inclusive disse ter descoberto a doutrina
calvinista:
O IBRMEC tem a visão doutrinária reformada, calvinista. [Ali] eu ouvi coisas que
nunca haviam me apresentado antes em igreja de tradição mais arminiana. Então
quando começou a falar sobre soberania de Deus, predestinação, até mesmo
escatologia... Eu lembro que cheguei ao final de uma aula e falei para o pastor John:
olha nunca me disseram isso e agora estou descobrindo isso tudo! Então foi um
momento de boa crise. Então você vai estudando. História da igreja, nunca tinha
ouvido falar sobre História da Igreja. Para mim, para todo crente mediano brasileiro,
quando fala em História na igreja, no máximo a gente pensa de Lutero para cá,
nunca vai antes, porque é católico! Então fiquei deslumbrado com aquilo, comecei a
conhecer esses vultos do passado, Agostinho, Cipriano. Falei, gente, isso tudo é
muito novo para mim! Então fiquei maravilhado (MARCELO).
(CMINVB), por exemplo, aceitam e reconhecem pastoras, portanto, elas podem cursar a
formação integral da instituição, que funciona no Rio de Janeiro, com curso presencial e à
distância.
Na formatura do IBRMEC seis alunos eram do curso de formação ministerial. Eles
todos usando terno escuro, assim como as mulheres portando terninho ou blazer, também em
cores escuras. Alguns já eram pastores e usavam o colarinho clerical, como os demais
pastores e bispo presentes. A cerimônia se desenvolve como um culto, com pregação do bispo
Walter, direção litúrgica do pastor John e condução da entrega dos diplomas pelo pastor
Marcelo Maia. Enquanto os alunos sobem à plataforma para pegar os certificados, de maneira
bastante organizada, pastor Marcelo reitera, “venham pela direita, porque é sempre melhor
pela direita”, sentencia com ironia quanto ao contexto da política.
Seguindo os passos de seu pai, que montou estrategicamente uma editora, de seu tio,
que criou a Cruzada Mundial de Literatura, conforme visto no capítulo anterior, bem como
uma tradição das igrejas evangélicas no Brasil, tanto históricas quanto pentecostais, Walter
criou sua própria editora, ou da ACNV. Embora não estivesse inicialmente em seus planos,
segundo ele mesmo conta na entrevista:
A motivação foi para publicar um livro só, que ninguém aceitou publicar, “O fim de
uma era”. Então, assessorado pelo Maurício Zágari, que eu chamei para ser o diretor
de comunicações, perguntei se precisávamos ou não de uma editora. E ele insistiu
muito que precisávamos de uma editora (W. MCALISTER).
Andrew McAlister, filho caçula de Walter e diretor da editora, detalhou um pouco essa
história que conduziu à origem da editora-livraria Anno Domini.
Em 2009 meu pai começa a escrever O fim de uma era202, isto é, começa o processo
de entrevistas com Maurício Zágari, que foi o compilador do livro. Originalmente a
ideia era publicar o livro, submetendo-o a uma editora. Mas nenhuma editora quis o
livro. A gente buscou as grandes [editoras] – não vou citar nomes, mas você conhece
todas – e ninguém quis publicar o livro. Então, na época, algumas pessoas que
estavam com meu pai disseram: por que a gente não funda nossa própria editora? E
meu pai não queria fundar editora. Mas conversando com as pessoas, disse, é isso
mesmo?! A gente tem cacife, tem recurso, tem material? Temos! Então vamos
fundar uma editora. Então se começou a montar uma equipe, literalmente no final de
2009, quando eu estava terminando a Faculdade de Letras [PUC-Rio]. O editor-
chefe Maurício Zágari me chamou para trabalhar como editor-assistente da editora e
aceitei (A. MCALISTER)203.
202
Título do livro pioneiro de Walter McAlister e que deu origem à editora Anno Domini, resultado de
entrevistas feitas pelo jornalista Maurício Zágari. Ligado à ICNV, também cursou o IBRMEC.
203
Entrevista concedida em 16 de dezembro de 2015, na sede da editora, que funciona nas dependências da
Catedral.
164
204
http://www.editoraannodomini.com.br/site/quem-somos/ (acesso em: 29 set. 2014).
205
http://www.editoraannodomini.com.br/site/quem-somos/ (acesso em: 29 set. 2014).
165
de apresentação geral do site, envolvendo também missão, visão, valores, aparece qualquer
referência ao Espírito Santo ou a qualquer termo da gramática associada ao universo
pentecostal. Pelo contrário, todo o jargão predominante é típico do protestantismo histórico.
Uma editora cuja igreja faz um caminho ao passado na expectativa de chegar ao futuro, como
comentou Walter em sua entrevista.
Além de O fim de uma era, Walter publicou ainda outros livros seus pela Anno
Domini, como o já mencionado Neopentecostalismo, uma história não contada e
Prosperidade. Curiosamente a capa deste opúsculo é uma imagem de moedas e barras de
ouro, embora no texto o bispo faça críticas à Teologia da Prosperidade como sendo
incompatível com a fé cristã, oferecendo uma espécie de visão espiritual de prosperidade.
Importante ainda verificar os títulos/autores que têm sido publicados e sua respectiva
linha teológica, claramente vinculada ao movimento do protestantismo histórico, sobretudo a
doutrina reformada ou calvinista. Como exemplificam Escolhidos: Uma exposição da
doutrina da eleição, de Sam Storms e Firme fundamento: A inerrante Palavra de Deus em um
mundo errante, de vários autores da tradição histórica do protestantismo norte-americano e
europeu. Quanto aos títulos mais vendidos, Andrew informou:
Na história toda da editora O fim de uma era foi o mais vendido. A gente já
reimprimiu duas vezes. A primeira tiragem foi três mil, depois dois mil e depois três
mil de novo. Então ele foi o que mais vendeu no total. Agora o que vendeu mais em
menos tempo foi Os dons espirituais, que vendeu três mil, de Sam Storms. De um
autor calvinista carismático, como ele se define. Inclusive ele foi professor do John
[McAlister] na Faculdade [nos EUA]. Então por aí a gente conheceu mais o trabalho
dele. Ele é um dos mais conhecidos, foi um dos que hasteou esta bandeira nos
Estados Unidos [pentecostal-reformado] e a gente encontrou no material dele
respaldo para muito do que a gente estava precisando. Então há dois anos vendemos
três mil cópias e neste mês se esgotou. Aí começou a revelar, eu acho, a voz
exclusiva da Anno Domini, que é o pentecostal reformado, livro que vai ser
escrito206 (A. MCALISTER).
Acima estão listados nove dos catorze títulos. Os outros cinco são livros sobre família,
meditação, aventura e infantis, sem conotação pentecostal. A livraria oferece ainda obras de
outras editoras, nenhuma delas, no entanto, estão associadas diretamente ao campo
pentecostal, antes, são, em geral, vinculadas a defesas calvinistas. Algumas das editoras são:
167
Fiel, Cultura Cristã, Vida Nova, Mundo Cristão e Sociedade Bíblica do Brasil (SBB). Quanto
aos autores destacados no site, cujos livros dessas editoras e/ou da AD estão disponibilizados
são: Augustus Nicodemus (presbiteriano), John Piper (batista reformado), D. A Carson
(reformado), Sam Storms (reformado), Timothy Keller (presbiteriano). Dentre esses autores
não há nenhum de perspectiva arminiana, que é a tradição clássica do pentecostalismo. E o
único autor mais associado ao universo pentecostal, S. Storms, é de linha doutrinária
calvinista208.
Nota-se que dos quatro títulos de Roberto McAlister relançados pela AD nenhum
deles consta atualmente de seu catálogo disponível na livraria virtual. Segundo entrevista de
Andrew McAlister, não existe projeto para novas edições.
A Anno Domini promove eventos de reflexão e divulgação de seus livros, como
conferências teológicas, chamados de “Manhã Teológica” e “Café Teológico”, às vezes com
duração de um dia todo ou apenas no período da manhã, como se firmaram os encontros.
Quando da coleta de dados haviam ocorrido um total de 10 edições destes eventos, que
acontecem na catedral, aos sábados, iniciando com um café da manhã para todos os
participantes. Já foi gratuito, mas atualmente é cobrado um valor simbólico pela inscrição.
Estive presente em um desses encontros em 2015, ocorrido na data simbólica de 31 de
outubro, que é lembrado como o Dia da Reforma Protestante. Os participantes são em grande
maioria filiados a igrejas da ACNV, mas pessoas de outras denominações também participam
conforme foram identificadas no encontro. Conversei informalmente com algumas pessoas
nos intervalos do encontro. O público é formado por pastores, crentes em geral e estudantes
de teologia, sobretudo do IBRMEC. A quantidade de jovens chama a atenção, com seu
interesse ávido pelos livros e as ideias defendidas pelos palestrantes. Eles formavam a maioria
dos presentes, no auditório lotado da Catedral em pleno sábado pela manhã. O evento se
estrutura com duas palestras sobre temas abordados pela igreja e a editora, geralmente na
linha de doutrinas calvinistas. Os presentes participam com muito interesse e atenção, às
vezes fazendo anotações daquilo que ouvem. O primeiro palestrante foi um pastor
presbiteriano e o outro foi o bispo Walter McAlister que discorreu acerca do “pentecostal
reformado”. Ao lado do templo, há um amplo hall em que a editora Anno Domini expõe seus
livros para venda, onde as pessoas circulam durante o lanche no intervalo entre as palestras.
Duas outras editoras, Fiel e Vida Nova, ambas de São Paulo, também de linha mais calvinista,
estavam presentes oferecendo seus livros. Dialoguei com algumas pessoas e ouvi comentários
208
Conforme dados da Editora Anno Domini e Editora Vida Nova: https://vidanova.com.br/ (acesso em: 15 dez.
2016).
168
209
Conferências Fiel e da Sepal (Servindo Pastores e Líderes), entidades evangélicas radicadas em São Paulo,
são grandes encontros para formação de liderança, geralmente na cidade de Águas de Lindóia, SP, que, como
disse Andrew, são “bastante caras”, dificultando a participação de muita gente. Por isso resolveram fazer algo
aproximado, no Rio de Janeiro, a partir da Anno Domini.
210
Várias palestras das edições do programa “Abertos para reforma” estão disponíveis na internet. Elas seguem
fazendo formação virtual, via canal YouTube, numa conta específica chamada exatamente “Abertos para
reforma”: https://www.youtube.com/channel/UCFxRw-dFOO1zLjnpzArrRkg (acesso em: 23 dez. 2016).
169
falou das dificuldades financeiras porque passava o país, sobretudo o mercado editorial,
inclusive evangélico, acrescentando que houve muitos esforços e tentativas estratégicas para
superar dificuldades. No entanto, todas elas não resultaram em soluções conforme planejaram.
Por tudo isso, decidiram encerrar as atividades da Anno Domini como editora, mantendo
apenas a livraria, que segue com o mesmo nome. Uma parte dos títulos foi transferida para a
Editora Vida Nova, de São Paulo, que passa a produzir e distribuir tais livros. Reiterou que
em comparação a outras casas editoriais do segmento evangélico, a AD teve “bons resultados,
mas a crise foi mais forte”. Ele completou com uma justificativa compensatória: “Nossos
livros vão estar agora na melhor editora do país”. Em seguida, o bispo retomou a direção da
reunião e elogiou o Andrew e seu trabalho. Disse que os livros da AD e seus autores estarão
na Vida Nova, que é “a melhor e mais respeitada do país”. E acrescentou: “Eles não publicam
autoajuda, mas só coisa séria. Estaremos no mesmo catálogo que Augusto Nicodemus, o autor
mais respeitado, uma referência”.
Em sua alocução Walter se mostrou muito satisfeito e mesmo honrado de ver títulos da
AD virem a ser incorporados pela Edições Vida Nova, sobretudo de estar em companhia de
autores da tradição do protestantismo histórico, como Augusto Nicodemus. Ele é líder
presbiteriano, membro da diretoria do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil
(IPB) e já foi chanceler da Universidade Mackenzie, de São Paulo. Reconhecido e
referenciado líder entre segmentos calvinistas e fundamentalistas no contexto de igrejas
evangélicas no Brasil.
As Edições Vida Nova e a Igreja de Nova Vida tem nomes assemelhados que,
obviamente, se confundem, mas são projetos diferentes e sem conexão direta entre si. A
origem e trajetória da igreja já foram abordadas neste trabalho. Quanto à editora, ela tem seus
primórdios em Portugal, resultado de trabalho de missões protestantes estadunidenses naquele
país europeu em 1958. Conforme dados da página da editora na web211, que relata o interesse
pioneiro do fundador Arthur Brown, de publicar livros bíblicos e teológicos em língua
portuguesa, a editora se transferiu para o Brasil, em 1962, que, segundo seu site, tinha custos
menores de produção. Aqui ela começa com outro missionário de origem também norte-
americana, mas nascido na Bolívia, Russel Shedd, presidente emérito da editora. Este pastor e
escritor produziu a apresentação do livro de Walter, O fim de uma era. Shedd morreu aos 87
anos212 amplamente reconhecido no contexto evangélico brasileiro por sua capacidade e
211
https://vidanova.com.br/content/6-quem-somos (acesso em: 28 out. 2016)
212
Russel Shedd faleceu em 26 de novembro de 2016, em São Paulo, curiosamente a mesma data da morte de
Fidel Castro. Walter McAlister publicou um texto em sua página no Facebook em homenagem a R. Shedd.
170
compromisso na exposição da Bíblia. Portanto, tendo ligado sua denominação a Edições Vida
Nova, bem como a seus autores e diretores, Walter McAlister avalia que fortalece, legitima e
autentica suas conexões com movimentos respeitados do segmento do protestantismo
histórico. Ou seja, ele se referencia neste passado ao qual busca se vincular, além de
corroborar a campanha de formação de sua liderança segundo os vieses calvinistas conforme
recortados e entendidos pela ACNV.
Foto da capa do livro, de 2009, que foi rejeitado por editoras evangélicas no Brasil e motivou a criação
da Anno Domini, tornando-se seu título mais vendido213 dentre os 29 do catálogo da editora. A proposta da capa
com a imagem do bispo Walter, conforme explicação na página 5, objetiva estabelecer um contato olhos nos
olhos com o leitor para um diálogo de ideias. (Arte e foto de Clemir Fernandes).
213
Andrew explicou na entrevista que a editora possui uma publicação que tem uma tiragem anual de 15 mil
exemplares, no entanto não é vendida individualmente, mas adquirida em grandes quantidades pelos pastores
para distribuição em suas igrejas. Portanto, não é considerado como o mais vendido. Intitulado “A cada dia uma
nova vida”, trata-se de um volume com meditações diárias escritas por pastores da Nova Vida vinculados à
Aliança.
171
214
Para fins deste trabalho, conforme mostrado na introdução, consideramos jovens, as pessoas solteiras ou
casadas, na faixa etária entre 20 e 30 anos. Quando nos referimos a jovens adultos, estamos falando de
entrevistados com idade entre 31 e 42 anos, também mencionados, às vezes, como pessoas de meia-idade.
Finalmente, quando escrevemos: senhor ou senhora, idoso ou idosa ou ainda pessoa de terceira idade, estamos
identificando a faixa etária de 60 anos em diante.
172
Uma jovem, Denise, 26 anos, branca, de nível superior (fisioterapeuta), casada e sem
filhos, oriunda de família evangélica tradicional, conta sua trajetória:
Sai da Batista onde eu estava para a Nova Vida [quando ainda era IPNV], porque era
uma igreja muito tradicional e a gente tinha dificuldade como juventude porque o
pastor era muito rigoroso, muito rígido. Não conseguia fazer muitas coisas. E eu vi
na Nova Vida uma igreja mais animada, um louvor mais voltado para a juventude
(DENISE).
Tanto David, o jovem de origem assembleiana, quanto Denise, essa jovem de tradição
batista, saíram de suas igrejas em direção à Nova Vida motivados pela flexibilização dos
costumes e maior liberdade no culto, que foi uma tendência já bastante observada na
comparação entre diferentes gerações e outras igrejas, sobretudo pentecostais215.
Outro jovem, Ângelo, 25 anos, branco, solteiro, concluindo a faculdade na área de
saúde (Farmácia), que trabalha em empresa de sua família na manipulação de medicamentos
personalizados, contou de sua trajetória religiosa. Nascido numa família católica, disse que foi
batizado, fez a “primeira comunhão” e participou ativamente da igreja. Aos 18 anos, levado
por colegas da escola, converteu-se na Igreja Evangélica Cristo Vive e depois se transferiu
para a ICNV, cuja mudança teve influência mediante sua descoberta da “doutrina reformada”:
Começou no meu meio a se divulgar o protestantismo reformado. Lá dentro mesmo
[Cristo Vive] a gente começou estudar, ver, questionar a nossa fé, a teologia. E foi
Deus. Foi a revelação de Deus que tirou essa cegueira de nós. Porque você via
claramente que lá não seguia as Escrituras (ÂNGELO).
Estes registros mostram uma consciência mais crítica de jovens em relação a certas
ideias e doutrinas do pentecostalismo, e principalmente do neopentecostalismo, por isso
215
Um exemplo disso diz respeito a bandas de música, com som mais próximo de pop-rock, como o grupo
evangélico Rebanhão, que conquistou muitos jovens e provocou elevado furor entre mais velhos no contexto das
igrejas, principalmente nos anos 1980-90. Este grupo, que gravou vários discos e vendeu milhares de cópias,
tinha entre seus integrantes crentes presbiterianos e também, como informa Mariano (1999, p. 214, 215),
membros da Igreja de Nova Vida. Confirmei esta informação com um dos membros do Rebanhão, Pedro
Braconnot. Via Facebook (21 nov. 2016) ele revelou que Carlinhos Félix, um dos músicos do grupo, foi membro
da Igreja Nova Vida da Tijuca. Esta igreja foi pastoreada de 1984 até 1990 pelo Pr. Rudi John Kruger, quando se
desligou da Nova Vida, conforme informou em entrevista, também via Facebook (14 dez. 2016). Ele destacou
que a razão foi por “diferença de interpretação” bíblica. Mas explicou a reação do bispo Roberto: “Após meu
posicionamento ele me abençoou e me honrou diante do presbitério”.
173
revelam terem buscado outra perspectiva dessa religiosidade com maior embasamento
teológico e aprofundamento reflexivo. E afirmam terem encontrado o que almejavam na
ideologia calvinista, em particular na chamada “doutrina da graça”216, evidenciada nos
ensinos e práticas da ICNV. Como disse um jovem, César, 22 anos, do Rio, pardo, casado,
sem filhos, que trabalha com desenvolvimento de web: “Na Nova Vida eu vejo isso, um
compromisso muito grande com tudo o que foi ensinado anteriormente na história [da igreja],
uma redescoberta das doutrinas da graça”. Esta razão, segundo contou, levou-o a
comprometer-se ainda mais com a ICNV.
Um jovem de família católica, Eliseu, 24 anos, pardo, oriundo do Estado do Rio,
formado em Ciências Contábeis, área em que também trabalha, contou que no final da
adolescência, após a separação de seus pais, foi para o espiritismo kardecista por influência de
uma tia. Na escola, uma colega que era evangélica, falou-lhe sobre a Bíblia e a doutrina da
salvação, o que o levou, conforme reiterou, a questionar a doutrina da reencarnação.
Seguidamente, alguns primos que eram da Nova Vida insistiram com ele até que um dia
aceitou o convite e foi à igreja sem jamais ter entrado num templo evangélico. Era a IPNV,
onde disse ter se convertido na primeira vez que visitou. Quando a denominação mudou de
nome e de práticas, essa igreja optou por não se tornar ICNV. Posteriormente ele migrou para
a ICNV, a Catedral, onde permanece, afirmando conhecer e defender as “doutrinas da graça”
e faz fortes criticas às crenças e práticas da antiga igreja, que se tornou um outro grupo,
independente, mantendo o nome genérico de Nova Vida, mas sem vínculos com as demais
denominações, seja ACNV ou CMINVB.
No país em que os jovens estão entre os mais religiosos do mundo217 a trajetória desse
rapaz, com menos de 25 anos de idade e já tendo passado por quatro experiências ou grupos
religiosos, embora todas no grande campo cristão, é ilustrativo dessa realidade de buscas e
216
Doutrinas da Graça, também conhecida como Os Cinco Pontos do Calvinismo, podem ser resumidas em: 1)
Depravação Total – o ser humano é totalmente escravo do pecado, 2) Eleição Incondicional – Deus escolheu
desde a eternidade aqueles a quem concedeu a graça da salvação numa decisão soberana, incondicional,
insondável e irrevogável, sem qualquer mérito humano, 3) Expiação limitada – A obra redentora de Cristo é
particular, não universal, pois foi destinada apenas àqueles que foram alvo da graça da salvação, 4) Graça
Irresistível – Quando Deus soberanamente visa salvar alguém, a pessoa não tem opção, ou seja, ela é atraída pelo
Espírito Santo, não tendo jamais como resistir à graça da vida eterna com Deus, e, 5) Perseverança dos Santos –
também chamada de preservação dos santos, compreende que os eleitos para salvação e para comunhão eterna
com Deus não podem cair em desgraça e perder a sua salvação. Se alguém cair em erro e não demonstrar
arrependimento, pode ser um sinal de que nunca foi salvo e, portanto, não pode ser contado entre os eleitos de
Deus. Para mais informações: Boice; Ryken (2014).
217
Conforme levantamento de instituto alemão que revela ser o Brasil o terceiro país mais religioso entre jovens.
65% dos jovens brasileiros declararam ser “profundamente religiosos”.
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2008/07/425463-brasil-e-o-3-pais-mais-religioso-entre-os-jovens-diz-
pesquisa.shtml?mobile (acesso em: 10 ago. 2016).
174
trânsitos religiosos. Especialmente por alterações em sua história pessoal, como a separação
dos pais e a mudança de cidade, para ficar nestes dois casos narrados por ele.
As razões para buscar e permanecer na ICNV são questões que enfocamos nas
entrevistas e as respostas dos entrevistados revelam uma nuance de possibilidades para
justificarem a opção pela igreja, o que valorizam, bem como o que mais gostam nela. Um
jovem, Ângelo, contou de sua origem, mudanças e interesse em optar pela igreja:
Muitos amigos meus divulgavam sites reformados. Esses sites passavam uma
teologia que a gente nunca tinha visto. Que tinha uma lógica coerente. Não era uma
teologia rasa, não era uma teologia diluída. Era uma teologia profunda, com
embasamento bíblico.
Esses irmãos que estavam lá na [Igreja] Cristo Vive começaram a procurar igrejas
que tinham doutrinas adequadas à reforma, à doutrina reformada. E uma das igrejas
que um irmão indicou foi a Cristã Nova Vida. Visitei uma vez, visitei outra e fiquei
(ÂNGELO).
Questionado sobre o que mais chamou sua atenção para decidir ficar na ICNV, ele
esclareceu:
Foi a pregação voltada para glorificar a Deus. A pregação com exegese, com
hermenêutica, pregação bíblica. A pregação genuína do evangelho, do Deus que é o
mesmo ontem, hoje e sempre. O Deus bíblico, de Abraão, Isaque e Jacó. O Deus que
ama, mas também corrige, disciplina. E também é um Deus que ama e quem ama
também odeia. Quem ama também odeia o mal (risos), (ÂNGELO).
Interessante verificar na fala deste jovem, típico de classe média, que faz uma busca
pela igreja não em função de necessidades do tipo “pare de sofrer” ou por outros interesses de
resolução de questões pessoais, material ou de carência humana, porém, afirmando uma
demanda mais racional ou espiritual. Coerente, portanto, com sua condição social de
universitário, branco, de uma família economicamente estruturada, além de bolsista do CNPq.
Quanto a questão de “glorificar a Deus” como ênfase na pregação, tida como uma das
caracterizações da doutrina calvinista, é muito evidenciada nos sermões do bispo Walter e
mais ainda nas homilias do pastor John McAlister. O que demonstra um sinal bem diferente
do conteúdo pregado em igrejas neopentecostais, mesmo pentecostais e inclusive algumas do
protestantismo histórico, que enfocam problemas comuns da vida cotidiana. Esta
particularidade enfática de relacionar a bíblia com questões existenciais foi uma das
inovações de Roberto McAlister, causando interesse de muitas pessoas para suas pregações e
consequente envolvimento com a Cruzada de Nova Vida. As várias prédicas que ouvi nos
175
cultos da ICNV seguem um padrão de falar sobre Deus e/ou celebrar Deus de uma maneira
que parece até que a comunicação do pregador volta-se preferencialmente para o divino e que
as pessoas presentes servem como mediadoras para a glorificação por ele conduzida. Não é
uma pregação no estilo de tantas igrejas midiáticas neopentecostais, cujo teor da mensagem
volta-se claramente para os ouvintes e seus problemas humanos. Nos cultos da ICNV os
ouvintes são levados a uma “vida de santidade” e a celebrarem a Deus na medida em que
ouvem sobre Deus, sua natureza, atributos ou caráter. Não há nada que se aproxime de uma
pregação da teologia da prosperidade em que o pregador tentar convencer o fiel ou ouvinte a
assumir uma estratégia para alcançar certo benéfico da divindade. Em um sermão pregado
pelo bispo na manhã do dia 20 de março de 2016, ele conclui dizendo: “Nossa fé aponta para
Deus, para o céu, não para a prosperidade material”.
Assim sendo, no contexto da ICNV, tanto pregações, cânticos, orações e toda a
estrutura de comunicação visa falar de Deus ou sobre Deus e para Deus. Os ouvintes são
ouvintes. Meros ouvintes em comparação a outras igrejas do espectro evangélico em que os
fiéis participam diretamente das liturgias com oportunidades para orar, cantar, dar
testemunho, fazer uma comunicação. Nada disso existe na ICNV, pelo menos na Catedral e
em Botafogo. Todo o culto, em todas as suas partes, é conduzido exclusivamente pelo pastor
ou bispo celebrante.
Este ordenamento do culto é uma prática bastante padronizada no contexto da
Catedral. Dentre as diversas liturgias de que participei, ela sempre começa com um momento
que antecede a abertura, em que o pastor, o bispo e outros líderes condutores da música se
reúnem discretamente próximo aos instrumentos musicais, ao lado do batistério, para um
momento de oração. Pontualmente às 10 horas o pastor John assume o púlpito, iniciando a
celebração e a conclui ao meio dia. Não há qualquer atraso para iniciar nem para encerrar. No
final do capítulo 4 apresentaremos uma etnografia de um culto do qual participei em 2013.
Aqui faço alguns registros para melhor compreensão deste ritual que é central na vida
religiosa dos fiéis e da igreja como um todo.
Os cânticos e hinos entoados pela congregação sob a direção do pastor John são
acompanhados pelos músicos que tocam discretamente. O instrumento utilizado é geralmente
um teclado eletrônico. Na capela tem um instrumento de percussão, como bateria, utilizado
nos cultos de quarta-feira que acontecem lá, pois tem menos público. Os cânticos, chamados
também de louvores, são, geralmente, hinos clássicos da tradição cristã retirados de hinários
176
de igrejas protestantes históricas218 ou cânticos, em geral, dos anos 1970 e 1980 mais
tradicionais, já consagrados pelas igrejas evangélicas. Pastor John prossegue fazendo
comunicações e avisos de atividades da igreja e da denominação e depois passa ao momento
de contribuições financeiras. Este é um dos itens importantes na liturgia e é dividido em duas
partes. Primeiro ocorre a contribuição dos dizimistas. Pastor John desce da plataforma e fica
no nível dos bancos onde as pessoas estão sentadas, em frente ao corredor central do templo, e
de frente para a congregação. Uma música suave é tocada enquanto os fiéis saem dos seus
lugares e fazem uma fila para entregar seus envelopes com os donativos para a igreja. O
pastor recebe individualmente cada uma dessas pessoas e as cumprimenta, dando uma palavra
pastoral a cada uma após receber o envelope de suas mãos. Ao final ele volta ao púlpito com
os envelopes em mãos, todos devidamente organizados e faz uma oração. Segue-se o segundo
momento em que os líderes vestidos de preto, homens e mulheres, passam em todas as fileiras
pequenas sacolas de tecido na cor vinho, presas em suas bordas por um suporte de madeira.
As pessoas vão depositando suas contribuições. Ao final o diácono recolhe todas essas sacolas
e o pastor John faz outra oração em razão das ofertas e dízimos dados pelos presentes. Esta é
uma prática observada religiosamente, sem alteração, em todas as igrejas do tronco da Nova
Vida e segundo pastores entrevistados, como Ragner, “foi sempre assim”, desde o Bispo
Roberto, que implantou este modelo. Conforme ele mesmo diz em seu livro já citado, recolher
ofertas exige preparação, não pode ser feito de forma aleatória ou despreparada por parte do
pastor (MCALISTER, R, 1981). Vi o ritual em dois momentos, exatamente como acaba de ser
descrito na experiência da Catedral da ICNV, ser praticado da mesma maneira em outras
congregações da Aliança (Botafogo, Tijuca e Copacabana). Também nas igrejas do Conselho
nas quais acompanhei alguns cultos, como a igreja do Bispo Tito, em São Paulo, e duas outras
no Rio: Tijuca e Catete. Igualmente vi acontecer na Igreja Nova Vida de Bonsucesso, que não
é vinculada atualmente a nenhum dos dois maiores ramos da igreja fundada por Roberto
McAlister. Pelas observações feitas, há diferenças nas liturgias das igrejas dos diferentes
troncos de Nova Vida, seja quanto ao tipo de música cantada, da teologia enfatizada, das
práticas valorizadas. Um rito, no entanto, permanece original do modelo implantado pelo
fundador: a forma de recolher as contribuições financeiras nos cultos públicos.
No culto noturno de domingo, segue a mesma ordem, mas a pregação é feita pelo
pastor John e, às vezes, pelo pastor Marcelo Maia. John também prega pela manhã, embora
Dentre estes hinos, destacam-se composições do século XIX, como “Firme nas promessas do meu Salvador”;
218
“Louvamos-te, ó Deus, pelo dom de Jesus”, e, “Vivifica tua igreja, ó bendito Salvador”, todos estes cantados no
domingo 13 mar. 2016.
177
seja mais raro, pois é o espaço primordial da prédica do bispo primaz. O sermão tem duração
média de 50 minutos e uma de suas marcas, seja ele pregado pelo bispo ou pelo pastor
regente, é chamar os presentes ao compromisso com a fé, numa dimensão mais pedagógica de
edificação dos crentes do que de conversão. O próprio pastor John comentou na entrevista que
não fazem “apelo”, uma prática típica de igrejas mais associadas à teologia arminiana, que
julga necessitar convidar claramente as pessoas a uma tomada de posição ou “decisão por
Cristo”. A linha de conteúdo de muitas pregações que ouvi na Catedral, tanto do bispo quanto
do pastor regente, enfatiza a “depravação humana pelo pecado”. No culto do dia 3 de abril de
2016, por exemplo, em seu sermão pela manhã, o primaz afirmou: “Ninguém pode afirmar
estar bem diante de Deus. Vire para seu vizinho e diga: Você não presta.” As pessoas riem
discretamente, olham para a pessoa ao lado e repetem sem convicção ou constrangidas: “Você
não presta”. A maioria não fala de maneira audível, apenas faz um aceno com a cabeça e
olhar. A pregação acentua a natureza “má e pecaminosa” do ser humano. E insiste que
somente Cristo justifica as pessoas de seus pecados. No período das entrevistas, Flávia, uma
senhora da Catedral, havia feito duras críticas a esse tipo de pregação que tem ouvido lá.
Achei estranho, mas cheguei a presenciar, conforme relato acima. Flávia contou:
E essas pregações em que o pregador manda a gente dizer que a gente não vale nada,
que aquele que está ao lado não presta? Eu não posso gostar disso! E não gosto. Não
digo, minha boca não abre. E eu não gosto de ouvir. Meu ouvido dá dor. Eu não
gosto. ‘Diz pro teu irmão que você não presta: Você não presta! Diz para ele que
você não vale nada: Você não vale nada’. Eu não falo, nem olho para o irmão. Não
dá, não dá! Porque eu não vejo Jesus dentro desse quadro. Eu não valia nada, mas
quando Jesus me chamou eu passei a valer alguma coisa. É o meu raciocínio. Agora
que eu estou em Cristo, eu digo que está tudo bem. Eu tenho o maior de tudo, do que
há no céu e na terra, como é que eu vou dizer que não presto?! Eu não vou tirar o
evangelho da minha vida (FLÁVIA).
Além das ofertas, do sermão e da Ceia, outro importante momento do culto, que não vi
na experiência litúrgica da antiga Catedral, em 2013, nem em nenhuma outra Nova Vida, seja
da Aliança ou do Conselho, é a recitação do Credo Apostólico por parte da congregação. O
texto dos apóstolos é projetado e o pastor John conduz todos à leitura, feita com vigor e
ênfase, sendo um dos momentos em que a congregação demonstra grande convicção no que
recita. Também oram coletivamente o “Pai Nosso”, e antes da bênção final o pastor faz uma
oração convidando cada um a colocar a mão em seu próprio coração, quando ele roga pela
vida de todos para que tenham uma semana abençoada e de paz.
Sobre o que mais gosta na ICNV uma senhora, Ana, 74 anos, branca, aposentada, de
origem evangélica tradicional (IEC), mas ativa na Nova Vida desde 1980, justificou que é
“uma igreja que prega a Palavra, uma igreja séria, que não se envolve com coisas que nada
tem a ver com a igreja, como política. É uma igreja correta”. Semelhantemente, um senhor de
178
82 anos, Simeão, com ensino médio no grau de instrução, aposentado, revelou: “Gosto da
Palavra, a gente confere o que eles pregam. É uma igreja séria”. Sobre esse apego à Palavra,
isto é, à Bíblia, que é um tipo de discurso próprio das igrejas do protestantismo histórico –
“Sola Scriptura”219 – outros entrevistados afirmaram de modo semelhante: “É uma igreja
pentecostal que você vê o equilíbrio, a constância, a Palavra é pregada, não negligenciada em
função da prática. Fui batizada em outra ICNV, que sempre foi uma igreja equilibrada, a
estrutura do culto, a acolhida e sempre valoriza a Palavra. E isso eu sempre gostei”, disse
Brenda. Ela tem 42 anos, casada, com filhos, marido atuante também na Catedral. Oriunda de
família espírita kardecista, tinha outros parentes de tradição protestante, com quem viajava
para participar de acampamentos evangélicos. Aos 16 anos se converteu e desde então
participa ativamente da Nova Vida. Era de outra congregação e está na Catedral há 7 anos.
Abro um parêntese na narrativa das identificações para abordar a questão da política
mencionada acima, pela postura sui generis do bispo primaz no conjunto das igrejas históricas
e pentecostais brasileiras. Walter McAlister manifesta posição radicalmente contrária à igreja
se manifestar sobre qualquer assunto político, entendendo que são de esferas diferentes. O que
é competência do Estado deve ser cuidado por ele e o que for de responsabilidade da igreja,
de igual forma. Por isso afirmou que a igreja não deve se envolver em qualquer assunto de
natureza política, mesmo que seja uma manifestação pelo bem comum. E ilustrou:
Fui convidado uma vez por um padre para fazer uma manifestação na rua pedindo à
Prefeitura mais policiamento. Pode ter mais policiamento, mas um alcoólatra ainda
vai chegar em casa e bater na sua mulher. Se o coração dele não mudar, o que
importa? Isso tudo é muito transitório, minha missão não é essa. Isso é missão do
governo. Como clero, como sacerdote, minha missão é levar a Verdade que
transforma vidas (W. MCALISTER).
Acrescentou que um membro de sua igreja poderá vir a ser um líder comunitário e até
um deputado federal, porém jamais poderá pedir votos no ambiente de sua igreja. E sobre o
líder religioso, foi ainda mais taxativo: “Para mim, o sacerdote que se engaja na política é um
traidor” (MCALISTER, W., 2009, p. 127)220.
Essa crítica atroz e uma espécie de rejeição da política, especialmente por parte dos
líderes religiosos, revela-se nas entrevistas e também em seus livros já citados. A política é
vista como algo menor, transitória, muito aquém da missão supostamente elevada e de
219
Sola Scriptura ou Somente a Escritura, a Bíblia, é um dos pilares doutrinários da Reforma Protestante no
século XVI e adotada por sucessores, como as igrejas históricas no Brasil.
220
Sob a égide de Roberto McAlister, um pastor da Nova Vida, Leonardo Abbud, chegou a ser candidato a
deputado estadual no Rio de Janeiro, com apoio da igreja, conforme entrevista do pastor Ragner Chagas, da
ICNV de Botafogo: “Na época, quando tivemos um grande encontro no Maracanãzinho – um dos nossos grandes
encontros – ele foi apresentado e isso não fez bem para igreja. Ele não foi eleito, mas só o processo causou muita
dor de cabeça. Foi início dos anos 1980, certamente. Isso fez mal”.
179
consequências eternas do sacerdote. Assim sendo, Walter (2009, p. 125, 126) defende que o
trabalho da igreja é “levar pessoas para o céu”, não buscar promover ação social, pois esta não
seria uma tarefa da igreja. “Se a sociedade melhorar, isso é um benefício secundário. Se as
condições, por mais desesperadoras que sejam, melhorarem, mas nós não formos para o céu,
toda melhoria não passará de maquiagem histórica”. No entanto, dos vários cultos que
acompanhei na catedral, muitas vezes houve menções ao contexto político do país, que vivia a
realidade das manifestações populares contra ou a favor do governo Dilma Rousseff e todas
as reverberações disso na grande mídia, embora Walter mantivesse postura sempre discreta,
tecendo apenas lacônicos comentários sobre a situação política e social do país. E sempre
inserindo a igreja evangélica em geral como um ator que se corrompeu também e que precisa
de arrependimento. Já o pastor da Catedral, John McAlister, em diversas ocasiões, também
criticou a igreja evangélica juntamente com a nação e o governo, como grupos que teriam se
corrompido. Porém, num tom incisivo e mais explícito e alongado, demonstrando um
posicionamento crítico ao governo vigente, bem como apoio aos protestos públicos contrários
à presidenta, além de assentimento ao juiz, procuradores e equipe de condutores da propalada
“operação lava jato”, da Polícia Federal. No culto dominical de 13 de março de 2016, por
exemplo, pastor John fez uma longa oração, rogando pelo Brasil, lamentando “essa maldade
que tomou conta de nosso país há mais de uma década”, numa referência aos governos da
coalização PT-PMDB no poder central. “Para que todos quantos saquearam o país sejam
punidos”, rogou em sua prece. Em seu sermão no dia 20 de março de 2016 bispo Walter teceu
os comentários sobre esse contexto político, dizendo que “nosso problema é a falência moral
da nação”, afirmando que os governantes se corromperam, “mas você também”, disse à sua
congregação. Sem muita esperança, declarou: “Somos uma nação corrupta e iníqua regida por
governantes corruptos e iníquos. E os próximos [governantes] que entrarem também”. Tanto
Walter quanto John no tocante a estes assuntos sempre chamam a igreja à mudança. O primaz
afirmou que “aconteça o que for em Brasília, a igreja ainda precisa de um avivamento”,
entendendo que esperança em instituições humanas são sempre inseguras.
Acerca da especificidade da identidade no ambiente evangélico, várias pessoas se
afirmaram pentecostais, coerente com a afirmação da liderança da igreja de que a ICNV é
uma igreja pentecostal. No entanto, não enfatizaram pontos distintivos da prática pentecostal
como glossolalia, milagres, rigor comportamental. Nada disse se vê ou se ouve na Igreja
Cristã Nova Vida. A tônica nas falas dos entrevistados e dos pastores segue a linha corrente
180
E reafirmou seu interesse no estudo da Bíblia como fundamental para optar e ficar na
ICNV, já que vinha de outra igreja pentecostal:
Antes eu escutava mais pregações temáticas ao invés de pregações expositivas e
aqui o Pastor John prega muito expositivamente 222. E eu gostei muito porque você
vai aprendendo cada livro da bíblia, cada versículo por versículo e você vai
aprendendo mais sobre a Palavra de Deus. E isso me chamou bastante atenção, a
Palavra de Deus (BRUNO).
A Bíblia e seu estudo, inclusive com apoio de outros livros, ganham destacada
importância nas falas dos entrevistados. Algo que é mais comum nos contextos protestantes,
mas que não é tão corriqueiro ou acontece em menor proporção nos ambientes pentecostais e
neopentecostais. Embora tenha havido mudanças nos últimos tempos, inclusive na
Assembleia de Deus, que possui atualmente uma das maiores estruturas de produção (editora
e gráfica) e venda de livros (livrarias e megastores) no contexto evangélico brasileiro223.
O jovem César, cuja mãe era participante da IURD quando ele nasceu, passou a
frequentar a Nova Vida após ir morar com seu pai, que era dessa igreja. Ele contou que “foi
um afeto, um afeto natural por ter convivido desde tão cedo, desde sete anos de idade”,
embora não ainda na Catedral, mas numa outra igreja também Cristã Nova Vida. Ele
acrescentou: “só recentemente, consciente, sabendo do que se trata a igreja e tudo mais,
estudando teologia, comecei a ter uma afeição não só natural, porque é uma igreja muito
compromissada com a história da igreja cristã, com tudo que foi ensinado anteriormente na
história”. E realçou sua razão de manter-se nesta igreja:
Hoje a Nova Vida se define e se identifica como uma igreja reformada. Então, além
desse carinho que vem desde bem pequeno, que já seria o suficiente pra dizer que eu
221
Tal concepção revela uma identidade semelhante ao que foi teorizado por Alves (1979) como um tipo ideal
chamado de “reta doutrina”. Resultando em reflexões de outros autores como Campos (2008).
222
Pregações temáticas e pregações expositivas, jargões do ambiente evangélico que distinguem um sermão com
base em sua estrutura. “Temático” seria aquele em que o pregador discorre acerca de um assunto que ele elege,
buscando o necessário embasamento bíblico. Já o sermão “expositivo” teria como diferencial a seleção de um
determinado recorte do texto bíblico, tratando detidamente de seu assunto e contexto, buscando também outras
passagens bíblicas e autores para referendar o assunto contido no próprio texto bíblico (BLACKWOOD, 1984).
223
Dados da revista Veja: http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/cultura/a-amazon-ignora-as-editoras-
evangelicas/ e site da própria CPAD: http://www.cpad.com.br/nossas-lojas (acessos em: 29 out. 2016).
181
amo muito essa igreja, eu acho que é ver esses frutos de doutrina surgindo. E coisas
muito legais têm acontecido, como o lançamento dessa confissão de fé, o Geração
Ação, que está cada vez mais ativo, fazendo projetos pelo Brasil (CÉSAR).
para a Nova Vida após seu casamento, pois o esposo já era da igreja há alguns anos. “Para
mim ainda estou caminhando, ainda me habituando”. E acrescentou:
Tem horas que às vezes eu sinto falta dessa liberdade, mas para mim tá sendo
produtivo a parte do conhecimento, muito bem pautado na Palavra, em livros [sic].
Isso tá abrindo para mim uma nova visão. Que antes – não que não tivesse
ensinamento – mas era uma linha diferente. Então para mim, tá sendo proveitoso e
ao mesmo tempo meio difícil. Mas a gente vai caminhando (CLAUDIA).
A jovem Denise, que em sua adolescência trocou a igreja batista de sua família por
uma Nova Vida que tinha um estilo de culto mais animado, avaliou: “eu fui amadurecendo e
vi que não era bem assim. Hoje estou aqui na Catedral [por]que os louvores também são
calmos, não era a coisa que eu imaginava que era o certo. Mas eu gostei da igreja, da
pregação, com um ensino muito cristocêntrico” (DENISE).
Estas falas demonstram como interesses ideais vão conduzindo as pessoas a fazerem
migrações ou trânsito religioso, em busca de grupos que melhor atendam suas expectativas
inclusive no tocante às suas condições de estratificação social. O que exacerba o caráter de
suas posições num campo de escolhas e construção de identidades.
Uma senhora da terceira idade, Ester, 60 anos, branca, oriunda do Recife, de família
católico-espírita, explicou a razão de estar na ICNV:
Acho que é o alimento mais sólido, a profundidade que eles dão da Palavra. A
palavra que eles dão aqui tem um peso para mim, que me satisfaz mais. Eu vou a
outras igrejas, visito outras denominações, amo outros irmãos, a gente tem essa
liberdade de visitar outras igrejas, o bispo não impede isso, mas onde eu ouvia a
pregação eu ficava esperando mais. E aqui eu me satisfaço com a pregação
(ESTER).
Ela reiterou dizendo o que mais a motiva na Nova Vida, igreja da qual participa
ininterrupta e ativamente desde 1976, quando tinha apenas 18 anos de idade:
O que me satisfaz aqui é mais uma palavra de profundidade, mais séria. É uma
igreja que a gente não vê misturada, aberta a muitas coisas que não condiz com a
Palavra de Deus. Uma frase que o pastor John fala: Prefiro errar por ser zeloso
demais do que não ter zelo nenhum. Então pode acontecer de eles exagerarem por
zelo. Mas como ele mesmo diz, é melhor ser muito zeloso do que não ter zelo
nenhum. Isso eu gosto, isso eu concordo. Esse tipo de pensamento que eles têm me
satisfaz. Aqui é uma casa de estudos. Aqui é muito estudo da Palavra (ESTER).
183
224
Durante muitos anos, com ênfase destacada, grupos denominacionais históricos mantiveram seminários e
institutos de formação de educadores religiosos para servirem nas igrejas. Na verdade, em grande maioria
mulheres, como foi o caso do Seminário de Educadoras Cristãs, no Recife, ligado às igrejas batistas:
http://anais.anpuh.org/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S25.0062.pdf (acesso em: 30 out. 2016).
184
parte das pessoas. Todas elas disseram participar semanalmente dos cultos dominicais, que
são as reuniões mais concorridas da igreja. A grande maioria frequenta tanto pela manhã
quanto à noite. E outros ainda participam dos cultos de quarta-feira e/ou também aos sábados,
além da Escola Bíblica, que oferece aulas em dois momentos aos domingos, sempre uma hora
antes dos cultos matutino e vespertino.
No ritual litúrgico do domingo pela manhã, que é a atividade com maior frequência,
estão presentes pessoas de todas as faixas etárias, sendo perceptível um contingente destacado
de pessoas de meia idade, alguns idosos e crianças. Ligeiramente diferente do culto da noite
que tem em geral pessoas de todas as idades, mas um público jovem se salienta mais do que
no culto matinal. A atividade da manhã acontece no maior auditório da Catedral e é,
certamente, a reunião mais solene, onde, em geral, prega o bispo primaz Walter McAlister e
com menor frequência o pastor John. Já no culto da noite, que se realiza na capela – um
auditório menor, ao lado do templo – os jovens se destacam entre os presentes, quando prega
o jovem pastor John McAlister e, algumas vezes, o pastor, também jovem, Marcelo Maia.
Este é quem atua na área do ensino na igreja e no Instituto Bispo Roberto McAlister de
Estudos Cristãos (IBRMEC).
Mais do que assiduidade aos cultos dominicais, a quase totalidade das pessoas
entrevistadas revelaram prestar algum tipo de serviço voluntário à igreja, seja no domingo ou
em outro dia de atividade, como professor de crianças na escola bíblica, distribuição da ceia,
operador de som ou de data-show, recepção às pessoas nas portas do templo, apoio na cozinha
da igreja, entre outros.
A igreja tem alguns funcionários que cuidam de serviços gerais e de outras atividades,
até de coordenação administrativa; porém o trabalho mais relacionado ao específico religioso,
como é comum nas igrejas, é feito voluntariamente por membros da comunidade.
É forte o sentimento e consciência de pertença à Nova Vida, como aferida pelos
entrevistados, que se revela um envolvimento ativo e assíduo nos diversos programas e
atividades da igreja.
Para pensar possível desconforto ou inquietação com a ICNV e sua tendência atual de
ensino por um viés reformado calvinista buscamos saber com os membros entrevistados se já
haviam pensado em deixar a denominação. As respostas foram quase todas na mesma direção:
de que estão satisfeitos com a igreja, não pensam em deixá-la, de que às vezes há coisas que
185
incomodam, mas não a ponto de pensar em abandonar, até porque ao redor, disseram não ver
nada melhor.
Uma pessoa afirmou não estar presa a denominação. Gosta da Nova Vida, mas se por
alguma razão tiver que deixar, sairá sem problemas. A maioria, no entanto, seguiu a linha de
uma adesão firme e fiel à igreja. Alguns ratificaram explicando que se porventura tivessem de
mudar de cidade certamente iriam enfrentar dificuldades de encontrar outra igreja, pois
gostam da Catedral, e, portanto, procurariam outra ICNV na nova localidade.
Na linha de grande paixão pela igreja, destaca-se a fala exemplar do jovem César, que
está na Nova Vida desde os 7 anos, tendo sido batizado aos 11 anos de idade:
Na verdade já pensei, por questões profissionais, mudar de país, mas sempre
pensando se dava pra ficar perto de uma Nova Vida (riso). Podia ser Europa, podia
ser Portugal que tem [nova vida], talvez mudar de estado, mas sempre tentando... Na
verdade tenho um grande afeto pela denominação. Na verdade eu sinto até medo de
estar num lugar que não tem, não tem essa família (CÉSAR).
David, o jovem de origem assembleiana, e que já passou por outras ICNVs até vir para
a Catedral, disse gostar da Nova Vida, porém mostrou mais abertura para mudança e até já
pensou em trocar de igreja:
Já pensei, mas não por essas razões doutrinárias, mas por questões pessoais. Na
época que eu estava em outra ICNV, igreja enorme, grande, mas ela estava passando
por uma transição. Já senti vontade de sair. Mas você olha ao redor, e aí, não mas...
Hoje a estrutura de igreja no Rio... Igreja com problema é em qualquer igreja. Ainda
não encontrei nada melhor por fora. Apesar de que tem ótimas igrejas, mas não me
senti tão à vontade. Mas se eu tivesse que mudar, não ficaria preso à denominação
(DAVID).
Ester, a senhora que está há mais de 40 anos na Nova Vida, que conheceu e conviveu
com bispo Roberto em Botafogo, está na Catedral desde que Walter transferiu a sede para o
Recreio dos Bandeirantes, e nela permanece sob a direção atual de John, respondeu:
Nunca, nunca. A gente já passou por momentos muitos difíceis. Aconteceram várias
coisas, várias coisas, mas eu digo, meu coração está aqui. Pode ser numa salinha, eu
vou estar lá. Mas não deixar a igreja, a Nova Vida, não sinto vontade nenhuma. A
não ser que alguém me expulse, o que eu acho difícil (risos) (ESTER).
Ela revelou ter um longo e continuado envolvimento com a igreja, desde os tempos do
fundador, fez algumas críticas às transformações atuais e comentou do desconforto com as
mudanças doutrinárias, porém revelou não é capaz de romper com um grupo que se confunde
com sua própria história de vida.
Perguntados se conheciam ou sabiam de amigos ou outras pessoas que teriam deixado
a ICNV por alguma questão, a grande maioria disse conhecer várias pessoas, que por diversas
razões saíram da igreja. Conforme as respostas, todos falaram, com ênfases diferentes, sobre
aqueles que se desligaram da Nova Vida. Alguns entrevistados disseram que a igreja já teve
186
muito mais gente, e que no antigo templo da Avenida das Américas o espaço ficava lotado
nos cultos. E lá cabiam mais pessoas do que na atual Catedral, conforme minha própria
comparação. Acrescentaram que quando houve a mudança de endereço para o local da nova
catedral, outras pessoas também deixaram. As razões são variadas: estilo de culto, doutrinas
etc. Conforme contaram, alguns foram para igrejas ainda mais radicalmente reformadas e
calvinistas, com compreensões diferenciadas acerca dessas doutrinas, outros saíram para
igrejas neopentecostais, e ainda um contingente por desavenças políticas com a liderança.
Alguns outros entrevistados disseram que sair é normal e quem sai por causa de doutrina é
porque está com uma compreensão errada, pois na Igreja de Nova Vida sempre se ensina “o
que é certo” e a doutrina correta, disse Ana. Percebe-se de alguns um forte compromisso e
defesa da instituição, outros mais críticos, disseram que a mudança do estilo de culto e de
pregação, mais formal e reformado, tem sido uma causa para perda de fieis.
Uma entrevistada, Brenda, defendeu: “A igreja não muda, não tem heresia. Se a
pessoa reclama de alguma coisa da doutrina, ela é que inventou, tira algo da Bíblia sem
contextualizar, mas o erro não partiu da igreja”.
Flávia, 70 anos, parda, de origem espírita, depois católica, pensionista de ex-marido
empresário e que também foi líder na Nova Vida em Botafogo na época de Roberto,
comentou que a ICNV é uma igreja séria, mas que mudou muito. Disse que várias amigas,
antigas na igreja, deixaram porque viram muitas diferenças, [em relação ao que a Nova Vida
era na época de Roberto McAlister] e foram para outras igrejas.
No contexto denominacional, as mudanças da campanha de política cultural
implementadas por Walter contribuíram para a divisão da Nova Vida bem como tem levado
igrejas e pastores a se desligarem ou serem excluídos da Aliança. No ambiente local da
Catedral, sob a direção do pastor John, o desconforto gerado pelas mudanças que contrariam
práticas antigas de seu pai e de seu avô tem resultado em afastamento de fiéis. Como contou o
pastor Marcelo Maia, auxiliar de pastor John nessas alterações, referindo-se inclusive ao
destino das pessoas que se desligaram da igreja:
Acho que a maioria foi para outra denominação mesmo. Outros mudaram dentro da
própria Nova Vida, mais por questões locais. Quando um sai de uma igreja para
outra, os pastores comentam entre si na reunião que tem aqui na terça feira. Os
pastores descobrem. Então a gente procura unir esforços para que não haja nenhum
problema nisso. Temos membros aqui que vieram de outras Igrejas Cristãs Nova
Vida, mas tem um perfil um pouco diferente por questões locais. As igrejas são
diferentes, estão em bairros diferentes, são diferentes. Mas que acabaram se
adequando melhor aqui ao nosso estilo de culto, pregação. Temos alguns casos
desses aqui também (MARCELO).
187
Ao final da entrevista com Walter pedi sua análise e posição acerca de alguns
assuntos, inclusive temas que foram alvo da atuação de seu pai, como a relação com a Igreja
Católica. Sobre este tópico o bispo primaz da Igreja Cristã Nova Vida comentou:
Nós não temos um relacionamento com a Igreja Católica. Eu sou bastante refratário
à agenda do [papa] Francisco. Eu não aceito os argumentos ecumênicos deles não.
Eu tenho recuado da posição, digamos, mais simpática do meu pai. Tenho recuado
bastante dessa posição. Hoje eu acho o catolicismo indefensável. Teríamos que
resolver o Concílio de Trento para ter realmente um diálogo. Eles não vão reavaliar
isso não. Então essa argumentação do Francisco de fazer isso... Eu não compro essa
ideia não. Nisso eu sou bem reformado! (W. MCALISTER)
De fato, é surpreendente essa posição refratária de Walter, não somente pelo histórico
de seu pai com o Vaticano, mas também pela própria trajetória da Nova Vida, principalmente
pelo uso de símbolos litúrgicos e a adoção do episcopado. Além de tudo isso, é uma posição
oposta a ele próprio, Walter, considerando suas reflexões acerca da Igreja Católica em seu
livro O fim de uma era. Neste livro de 2009, ele demonstra um espírito mais aberto ao diálogo
e maior reconhecimento da dimensão cristã da igreja romana. Curioso que no período da
escrita do referido livro a Igreja Católica estava sob a direção do papa Bento XVI, de
posicionamentos teológicos e morais reconhecidos como mais conservadores do que
Francisco. Essa agenda teológica e moral de espectro mais conservador é uma marca do
episcopado de Walter, como ele demonstra em seu livro, e também como reafirmou na
188
entrevista para esta pesquisa. Por conta disso inclusive, Walter tem se afastado não somente
do diálogo com a Igreja Católica, mas também de espaços de diálogo ecumênico no ambiente
protestante. No início de governo episcopal a então Igreja Pentecostal de Nova Vida era
membro da Associação Evangélica Brasileira, porém depois saiu. Mais recentemente já sob a
denominação de Igreja Cristã Nova Vida ela associou-se à Aliança Cristã Evangélica
Brasileira (ACEB) bem como ao organismo internacional Comunhão Mundial de Igrejas
Reformadas225. A relação, no entanto, durou pouco por desligamento feito pelo próprio
Walter, conforme informou em entrevista.
Acerca de como vê o futuro da Igreja Cristã Nova Vida, especialmente como
denominação, Walter comentou fazendo uma revelação:
Sou um dia de cada vez. Sou extremamente prático. Nestes 20 anos redefini uma
denominação, fundei virtualmente uma nova denominação, fundei um seminário e
fundei uma editora. Como eu fiz isso? Eu nunca planejei fazer nada disso. Um dia
de cada vez eu perguntei: qual é o próximo passo? Nosso próximo passo, talvez, seja
na área de educação, de construir uma escola aqui, escola comum, não teológica, e o
seminário. Fazer mais do que fazemos (W. MCALISTER).
Esse projeto de ter uma escola, começando pelo nível fundamental, foi assunto
salientado também pelo pastor John em sua entrevista. A visão da liderança da ICNV é
investir em educação formal para as crianças, mas seguindo bases cristãs, especialmente
conforme o viés doutrinário que defendem. Essa preocupação com a educação, que começou
pela teológica e ministerial para os futuros pastores da denominação e seguiu pela
implantação de escola bíblica na Catedral com um programa curricular continuado, agora
avança para um nível ainda mais básico: educar crianças numa escola comum de ensino
fundamental, aberta a qualquer pessoa, seja da Nova Vida ou não, visando formar com o
diferencial da orientação cristã. Neste sentido, a ICNV segue, outra vez, uma estratégia
católica e protestante de manter colégios para formar alunos segundo suas respectivas visões
pedagógicas e religiosas. Interessante que as denominações pentecostais, de todas as ondas,
jamais tiveram ênfases nesta área de ensino secular.
Sobre si próprio, mediante meu pedido, Walter retrucou falando da dificuldade de falar
de si, mas terminou por comentar a partir de uma comparação com seu pai e concluiu
discorrendo sobre seu filho John. Primeiro falou de si em relação a seu pai:
Eu sou esforçado, eu não tenho alguns dos talentos que ele [seu pai, Roberto] tinha.
Eu acho que dou conta do recado, mas não sou a figura inesquecível que ele foi.
Meu trabalho é mais de longo prazo. Minha credibilidade vem crescendo aos
pouquinhos, que nem os meus vídeos que em cinco minutinhos, aí vai crescendo um
conceito. Mas também não me preocupo em me produzir. Eu não me produzo. É
muito pé no chão e trabalho. Eu olho sempre a longo prazo. Comecei muito cedo
225
The World Communion of Reformed Churches: http://wcrc.ch/ (acesso em: 10 jan. 2017)
189
nisso. Fui ordenado com 24 anos e bispo primaz com 37 e hoje tenho 59. E com 59,
depois de vinte anos de episcopado, ainda tenho potencial para mais 20, então. Eu
não tenho pressa. Acho que tudo que tem que ser feito tem que ser bem feito. E isso
exige planejar mais, não ter tanta pressa e fazer direito, para não ter que refazer
depois. E o John é assim também (W. MCALISTER).
Acerca do pastor líder da igreja sede e também deão do IBRMEC Walter discorreu,
com paixão, situando John num perfil dentro de um espectro do ambiente calvinista. Disse o
pai sobre seu sucessor na direção da Catedral e, muito provavelmente, também seu futuro
sucessor na primazia da denominação:
O John é um homem de princípios muito, muito fortes. Ele seria, no sentido bem
clássico da palavra, um puritano. Bem na linha do John Owen. Ele tem a disciplina
mental para isso, ele é um homem de oração e de piedade. O John é um homem
radicalmente abstêmio, sério, é um aluno da Palavra. Ele fez o bacharel e mestrado
em 4 anos e meio. Com Summa Cum Laude. John é um gênio. A cabeça dele é
extraordinária. Eu queria que ele fizesse doutorado. É o próximo passo dele. Mas ele
tem o coração de pastor. Mas o John é uma alma pura, que se fez meu filho. É muito
sério. Eu estou tentando até amaciar um pouquinho, porque nessa idade, às vezes,
pode ser um pouquinho duro (W. MCALISTER).
John McAlister, o pastor regente da Catedral, neto de Roberto e filho de Walter, sua
trajetória e atuação será o assunto transversal a ser abordado com maior acuidade no capítulo
seguinte, o último desta tese.
190
No presente capítulo será feita uma análise das percepções de fiéis e também de
diversos pastores sobre o processo de mudança que sua igreja tem passado. As questões sobre
mudanças permitiram os entrevistados comparar a postura tipicamente pentecostal da era
Roberto com a perspectiva mais calvinista da era Walter e John. O capítulo tenta ainda
mostrar, através de entrevistas e também com base na observação de campo na Catedral,
como a Catedral, sob o cuidado de John McAlister, avança mais claramente na
despentecostalização da denominação.
Para contextualizar a análise das respostas dadas pelos fiéis e pastores às questões
formuladas iniciaremos esse capítulo recordando a caminhada distintiva de Roberto McAlister
na formatação do modelo de pentecostalismo que implantou no Brasil. As práticas de
glossolalia, revelação ou profecia conjugadas com rigor comportamental e estético constituem
distintivos – embora com ênfases diferenciadas para cada um desses itens – do
pentecostalismo clássico ou de primeira onda (Congregação Cristã no Brasil e Assembleia de
Deus), assim como o posterior de cura divina ou de segunda onda (Igreja do Evangelho
Quadrangular, Igreja Pentecostal o Brasil Para Cristo, e, Igreja Pentecostal Deus é Amor).
Roberto McAlister e o movimento criado por ele mantiveram, basicamente, essas crenças e
ações, somadas a práticas de “libertação de demônios” e maior ousadia na petição de ofertas e
dízimos porém flexibilizaram usos e costumes, mas foram além. Inovaram com uma
linguagem menos presa ao estilo da tradicional gramática evangélica e mais afeita ao contexto
191
urbano moderno dos anos 1960 e 1970. Se as fronteiras do mundo enquanto espaço
socialmente construído são definidas pela linguagem, para lembrar Wittgenstein (1993), a
linguagem de Robert McAlister resultou no surgimento de um novo fenômeno. McAlister,
portanto, lançou sementes simbólicas e bases ético-estéticas de uma nova fronteira do que
veio a se configurar o neopentecostalismo, cujos pressupostos podem ser encontrados nos
discursos e práticas construídos a partir do ethos evangélico-pentecostal emergente e
multifacetado na América do Norte, sobretudo nos anos 1950-60226, somado a ingredientes do
contexto cultural brasileiro, que especificamente marcado pela presença religiosa de cultos de
matriz africana. Essa conformação religiosa foi desenvolvida e radicalizada por antigos
seguidores do fundador da Nova Vida, como visto nos capítulos 2 e 3, que, juntamente com
suas igrejas vieram a ser destacados atores no cenário religioso, midiático e também político
brasileiro. Esse movimento passou a ser conhecido e reconhecido como neopentecostalismo.
Dessa forma, quando assumiu a liderança da igreja, Walter tinha o estímulo da conjuntura
para avançar em práticas neopentecostais em função do sucesso de público e financeiro que
este movimento vinha alcançando. Mas ao mesmo tempo sentia a necessidade de tomar
direção oposta a este modelo, tipificado, especialmente, no exemplo da IURD, que na época
era muito criticada por igrejas históricas e também pentecostais tradicionais227.
John, neto de Roberto e filho de Walter, será o personagem mais destacado neste
capítulo. Faz-se necessário, por isso, uma breve apresentação do atual pastor regente da
Catedral para se compreender sua trajetória e a perspectiva de onde ele fala. A pessoa em
relevo no capítulo 2 foi Roberto, o avô, e no capítulo 3, esteve em maior evidência Walter, o
pai. A voz e as posições de John serão mais evocadas agora.
John Robert McAlister – mais um Robert numa linhagem de vários que carregam esse
nome entre os McAlister – nasceu no Rio de Janeiro em 3 de abril de 1983. Cresceu na igreja
e, como seu pai, estudou na Escola Americana do Rio de Janeiro. Conforme contou, seus
mentores na Escola Americana sugeriram a ele buscar ingresso numa ótima universidade228.
Mas não era isso que queria, segundo afirmou. Recordou que, embora:
Filho de pastor, neto de pastor, bisneto de pastor, trineto de pastor (...), não cresci
cobrado por isso, não cresci com essa expectativa e nunca nutri essa expectativa
226
Para um panorama desse contexto a partir de doutrinas diversas e ebulição de televangelistas, ver: Bruce
(1990).
227
Na pesquisa “Novo Nascimento” (CÉSAR et al, 1998), a IURD foi a igreja que recebeu a nota mais baixa –
os evangélicos em geral a avaliavam com a nota 5.
228
Em diálogo com uma de suas colegas na Escola Americana, Maria Rita Vilela, atualmente antropóloga e
professora da PUC-Rio, me contou que John era aluno academicamente brilhante (15 set. 2015).
192
pessoalmente. Apesar de ouvir, sim, de meus pais – principalmente de meu pai – que
ficaria muito feliz se um dia Deus me chamasse para o pastoreio (J. MCALISTER).
John relatou mais adiante na entrevista o seu desejo pessoal, bem como a vontade e
necessidade de seu pai para a Nova Vida, o que resultou numa perfeita convergência:
Sempre fui um homem dos livros, sempre gostei de estudar. Então eu senti que eu
poderia ajudar, lecionando, ajudando no ensino à denominação. Meu pai falava
disso, de um anseio dele por um instituto bíblico, um seminário próprio. Eu disse:
Bem, para isso eu posso me preparar, gosto de estudar; por que não estudar
teologia?! Então como não vi nenhuma perspectiva aqui, pensei, se eu for para fora
eu quero ir para a melhor faculdade evangélica lá (J. MCALISTER).
Buscando juntamente com seu pai uma universidade dentre tantas nos Estados Unidos
descobriu a instituição onde estudaram “Billy Graham, John Piper e outros líderes do mundo
evangélico”. Assim, John disse que decidiu: “é pra lá que eu quero ir”. Em 2001 ele seguiu
para o estado norte-americano de Illinois, onde estudou por quatro anos no Wheaton College,
uma instituição protestante de linha teológica não claramente calvinista mas reconhecida por
sua identidade histórica conservadora e fundamentalista. John contou na entrevista: “Fui com
18 [anos] e voltei com 22, graduado em Línguas Antigas Bíblicas e pós-graduado em
Teologia, estudos teológicos gerais. Um mix de teologia sistemática e histórica”. Refletindo
sobre continuar ou não os estudos e ingressar no doutorado, John contou que “num momento
de oração ao Senhor por uma definição eu senti uma forte convicção de que Deus queria que
voltasse logo ao Brasil”. Retornou para o Brasil no final de 2005, mas ressaltou que sem a
intenção de ser ordenado pastor, porém convicto de voltar para auxiliar o pai. No entanto,
continuou John, estando seu pai muito atarefado pelo acúmulo de diversas funções, ele
(Walter) falou: “Filho, eu preciso pastorear a denominação, preciso que você assuma a igreja
local, eu preciso te ordenar”. John revelou que “foi uma surpresa e não foi uma surpresa! Eu
me senti muito aquém da responsabilidade, mas senti: Bem, se essa era a convicção dele a
meu respeito, se Deus tinha me preparado até aquele ponto, bem, vamos em frente”. Imbuído
dessa segurança John McAlister foi ordenado em 26 de setembro de 2008, aos 25 anos de
idade. “Aí começou minha trajetória pastoral”, resumiu. No mês seguinte, coincidindo “com o
193
problema grave de saúde de minha mãe”, Walter se licenciou da direção da igreja local e John
assumiu as funções de regente da Catedral. Nesse período ele já não estava solteiro. Em
fevereiro daquele mesmo ano (2008) havia se casado com Raquel, brasileira, filha de pastor,
com quem tem dois filhos, estes de nomes com grafia do nosso vernáculo: João Felipe e
Teodoro.
Voltando às percepções de John acerca das pressões sofridas por seu pai no contexto
dos anos 1990, ele narra tal cenário voltando à trajetória entrecortada de seu avô, Roberto, e
as consequências dela advindas:
Ele foi um autodidata, foi pegando [ensinos e práticas] aqui, ali. Sua história até o
fim de sua vida é uma colcha de retalhos. Mas se abrindo muito para umas
tendências esquisitas, já neopentecostais. Eu me lembro de meu pai compartilhando
isso comigo, a necessidade dele ter recursos para lidar com todas essas inovações da
década de 90 do cenário neopentecostal brasileiro. Muitos ministérios bombando
(risos) e ele já sendo cobrado, comparado com meu avô e precisando se posicionar e
se definir (J. MCALISTER)229.
John fez essa abordagem no contexto da não formação acadêmica de seu avô, que ele
lamentou, por entender que tal lacuna teria deixado Roberto refém de uma falta de
embasamento teórico para melhor definição doutrinária. Por isso, “abrindo-se muito para
umas tendências esquisitas já neopentecostais”. Segundo John, após Walter assumir a direção
da igreja, ele teria sido pressionado pelo contexto controverso230 dos anos 1990, com forte
crescimento neopentecostal, sobretudo da IURD, marcado por reações críticas da sociedade,
inclusive de outros segmentos evangélicos como pentecostais e históricos.
229
Entrevista concedida a este pesquisador em: 9 dez. 2015.
230
Os livros Supercrentes e Evangélicos em crise, de Paulo Romeiro (1993 e 1995) enfocam, de dentro do
segmento evangélico, esse contexto dos anos 1990, que ele classificou, especialmente no segundo livro, de
decadência doutrinária e ética da igreja brasileira, em função das práticas e concepções neopentecostais, aliados
a escândalos, inclusive morais. Ele destaca, por exemplo, Valnice Milhomens e sua teologia da prosperidade,
batalha espiritual e teologia do domínio. Também critica Edir Macedo, R. R. Soares, Miguel Ângelo e muitos
outros. Nesse ambiente foi exibida a minissérie Decadência, da TV Globo, como já comentado anteriormente.
Mariano (1999) também faz referências a tal contexto no segmento evangélico, mas, obviamente, sob
perspectiva sociológica, diferente do caráter apologético feito por Romeiro. Em suma, a quantidade, a
intensidade e a natureza de críticas aos neopentecostais, dentro e fora do contexto evangélico nos anos 1990 é
algo surpreendente e que merece ainda outros estudos e análises.
194
ouviram falar e puderem ler o livro Neopentecostalismo, de Walter, ou até assistir a alguma
pregação na internet, referem-se a Roberto como um “grande missionário”, “desbravador”,
“modernizador do pentecostalismo”. Mas, também, interpretam que ele estava cercado de
pessoas que desvirtuaram o trabalho dele e alguns até citam pastores midiáticos que passaram
pela Nova Vida e que hoje lideram grupos religiosos que não teriam semelhança ou qualquer
vínculo com a obra iniciada por Roberto. Já aqueles entrevistados no outro extremo etário, na
faixa entre 60 e 82 anos, todos sem formação universitária e de origem religiosa católica ou
espírita, que conheceram, ouviram e acompanharam diretamente a trajetória do bispo
fundador, reportam-se a ele como detentor de uma capacidade especial de pregar, de realizar
milagres, de fazer exorcismos, de encantar as pessoas com sua mensagem. Falam dele
envolvido como que numa atmosfera sobrenatural em que pessoas eram curadas, libertas e a
pregação era capaz de arrebatar muita gente para as fileiras da igreja. Insistem que era uma
pessoa séria e que viveu para cumprir essa tarefa de pregador e realizador de milagres. Ao
contrário dos mais jovens que criticam personagens que vieram a ser pastores e bispos saídos
desse contexto da Nova Vida, os mais antigos que conviveram com ele afirmam,
contrastivamente, que pastores como Romildo R. Soares, por exemplo, praticam hoje o que
McAlister fazia no seu tempo de atuação, uma espécie de ofensa ou blasfêmia para os mais
jovens que declaram ser o grande legado de Roberto precisamente seu filho Walter, com seu
modelo reformado e comprometido com a “Palavra”.
Como geralmente acontece, a memória do passado é ressignificada pelo presente sob
as condições dos interesses atuais231. A campanha de redirecionamento da denominação sob
renovadas interpretações do pentecostalismo e da figura de Roberto McAlister empreendida
por Walter sugere alcançar êxito, já que o que é dito pelas gerações mais novas sobre a
postura do fundador e da Igreja de Nova Vida em seus primórdios difere daquilo que
entendem e concebem pessoas de mais idade e que experimentaram o contexto do trabalho de
Roberto até o início dos anos 1990.
Oriundo da Igreja Cristo Vive, fundada por um ex-liderado de Roberto, um jovem
entrevistado na catedral, Ângelo, 25 anos, universitário (Farmácia), comentou sobre uma foto
no templo principal da igreja da qual se afastou, situado no bairro do Campinho, região de
Jacarepaguá, na cidade do Rio de Janeiro232. Seu comentário sobre essa foto sugere uma
231
Dentre diversos textos que tratam desse tema da memória, ver artigo em que, a partir de Pollak e Halbwachs,
os autores enfocam a ressignificação do passado pela memória evocada no e pelos desafios do contexto presente
(CASTRO, DUSILEK E FERNANDES SILVA, 2016)
232
O endereço do templo é Rua Maricá, 320. Também chamado de Catedral e Sede Mundial da IECV, ele tem
capacidade para cinco mil pessoas, além de um anexo e outro templo auxiliar que comporta mil pessoas. Além
195
disputa pela verdadeira identidade do bispo, bem como uma busca por reconhecimento e
legitimação a partir da associação com essa imagem:
Lá [na Cristo Vive] eles tem uma imagem, um quadro do próprio Roberto
McAlister. Só que a imagem que o Miguel Ângelo passa do Roberto não é a
imagem, de fato, do Roberto. Ele passa a imagem do Roberto como se ele
concordasse com tudo o que ele [Miguel Angelo] falava. Mas ledo engano. Uma
grande mentira isso. Ele, de fato, vive nessa ilusão, passa essa ilusão pra gente e usa
indevidamente a imagem dele [Roberto McAlister] lá dentro (ÂNGELO).
Ele detalhou sua avaliação, colocando o fundador da Nova Vida e, por decorrência,
seu filho Walter num polo sagrado, sendo que no extremo oposto estão líderes religiosos que
saíram da Nova Vida e fundaram outros grupos neopentecostais:
O bispo Roberto McAlister foi um homem de Deus, foi um homem cheio do
Espírito Santo, um profeta de Deus, mas que, infelizmente, alguns que estavam ao
redor dele, de fato, eram falsos profetas. Muitos que estavam ali próximos não eram
de Deus. Claro que o legado dele foi o próprio filho, bispo Walter, que é um homem
de Deus (ÂNGELO).
Sobre o bispo fundador, o jovem César, 22 anos, com formação acadêmica, contou
que por meio de leituras e também de testemunhos obteve informações que o ajudaram a
construir uma visão de Roberto McAlister como um ser iluminado envolto por uma força
espiritual especial, capaz de chegar num lugar onde ninguém o conhecia, desenvolver uma
trajetória e “influenciar a vida de milhões de pessoas”:
Esse livro Neopentecostalismo eu li em uma tarde, porque a leitura é muito gostosa.
Falando da história bem lá do início, Bispo Roberto, no país dele até a vinda [para o
Brasil]. Então na verdade o que me vem à cabeça é o poder da mensagem do
evangelho. Porque isso eu penso: como um homem pode chegar num lugar e
começar a pregar e influenciar a vida de milhões de pessoas? Então, o que me vem à
mente é justamente essa influência que eu acho que é sobrenatural (CÉSAR).
da sede, a IECV possui 50 igrejas espalhadas pelo Rio e o Brasil e mais outra em Lisboa, Portugal. Dados do
site: http://igrejacristovive.com.br/ (acesso em: 16 dez. 2016).
196
A consideração acima se destaca pela crítica, mesmo cuidadosa, feita pelo jovem a
Roberto, o que é incomum ou praticamente inexistente principalmente de entrevistados com
mais idade que com ele conviveram: “Talvez ele tenha errado”, ou, “ele estava bem
intencionado”, defendeu, mas entendendo que muita coisa foi distorcida.
Walter, possivelmente, seja a pessoa da ICNV que mais faz críticas a Roberto, embora
num pêndulo em que do outro lado revela muita paixão e reconhecimento. Como a querer
humanizar aquele que foi meio “canonizado” no contexto das igrejas de Nova Vida,
principalmente por aqueles de geração que conviveram com ele. “Não escrevo (...) para pintar
o quadro de um Bispo Roberto imaculado”, explica-se o filho, para quem, Roberto foi um
“homem falho, apressado e vaidoso – como bom ser humano que era – mas também temente a
Deus como poucos, exímio pregador, articulador de grandes empreitadas em favor da igreja e
uma referência para milhares de evangélicos” (MCALISTER, W., 2012, p. 30, 32). Na
entrevista Walter discorre sobre o pai segundo este mesmo pêndulo que tem caracterizado sua
análise de Roberto:
Meu pai foi muito carismático. Ele era um comunicador espetacular. Ele era um
homem inesquecível. Todos quantos sentaram debaixo para vê-lo ou que o ouviram
pela rádio Relógio falam dele com um saudosismo, às vezes exagerado, eu acho. Já
o beatificaram, imerecidamente. Mas ele é um homem que superou limitações muito
grandes, origens muito humildes, então ele foi um homem espetacular (W.
MCALISTER)
100% certo. Não confiaria assim, de associar o que acontece hoje tem a ver com ele.
Talvez não. Talvez [os líderes neopentecostais] ouviram alguma coisa e distorceram.
E falam: quem me ensinou foi... [bispo Roberto]. Talvez não tenha sido (ELISEU).
Participando ativamente há quatro décadas na Nova Vida, Ester, 60 anos, falou com
base numa crença e prática religiosa própria e comum nos tempos de Roberto que evoca a
diferença da igreja hoje inclusive pela mudança geracional de pai para filho na gestão da
igreja. Por sua visão, Roberto é identificado por sinais eloquentes indicativos do
pentecostalismo-neopentecostalismo:
Uma coisa que hoje em dia a gente não vê: o mover do poder de Deus ali nas
pregações dele [Roberto], no que acontecia. Isso eu não tenho visto. As pessoas
serem curadas... E ele não tinha essa pretensão de ser, mas Deus fazia as coisas. O
sobrenatural de Deus muito forte, que eu não vi isso em lugar nenhum. Não vi.
Depois da morte dele ficou diferente. Pelo menos na denominação. Pelo menos na
igreja onde o bispo Roberto era o líder e passou para o pastor Walter, que agora é
bispo, eu não vi. Logo depois a coisa foi caminhando diferente. Antes tinha muito
milagre, muitas pessoas se convertendo naquele momento. Hoje eu não vejo isso.
Não tenho visto. Não sei se é assim em outras igrejas, mas não tenho visto não. Esse
mover de poder era uma coisa fantástica, o poder sobrenatural dentro da igreja
(ESTER).
uma liturgia previamente estruturada, “com hora para iniciar e terminar”, segundo enfatizou o
bispo Tito Oscar na entrevista à pesquisa. Araújo (2007) comenta sobre “uma liturgia bem
organizada e dinâmica, com hora certa para o início e o fim” e analisa que “o pentecostalismo
deixou de ser associado à desorganização e imprevisibilidade, caindo bem ao gosto da
exigente classe média” (ARAÚJO, 2007, p. 370). No entanto, mantinha essa concepção
doutrinária e consequentes práticas religiosas (glossolalia, curas milagrosas, exorcismo,
recolhimento de dízimos e ofertas, profecia) que identificava o pentecostalismo. Conforme se
observa pela fala da entrevistada acima, tais práticas, vistas por ela como “sobrenatural de
Deus” e que eram “muito forte”, já não mais acontecem no modelo religioso praticado e
enfatizado atualmente no contexto da ICNV. Como também se verificou na pesquisa de
campo pela avaliação dos cultos na Catedral e na igreja em Botafogo, principalmente, e mais
duas outras igrejas no Rio de Janeiro vinculadas à Aliança. Além desse esvanecimento, houve
alteração na natureza do discurso em prol de um modelo com doutrinas e liturgias associadas
a um viés do calvinismo, que tem sido a campanha desenvolvida pela direção episcopal de
Walter. A fala dessa entrevistada, que viveu intensamente a realidade pentecostal em
Botafogo com Roberto e depois se transferiu para a Catedral do Recreio juntamente com
Walter, evoca o grau de mudanças ocorridas na Nova Vida, principalmente entre Roberto e
Walter, incluindo com este, John McAlister. Portanto, se a liderança não estimula a
reprodução dessas práticas pentecostais por meio de seus instrumentos de socialização
(pregações, orações, cânticos, publicações) certamente haverá diminuição ou, possivelmente,
até retração social desse modelo para as novas gerações. Embora a mudança seja parte da vida
social, inclusive nas transições geracionais, a socialização conforme a cultura de um grupo é
tida como motor fundamental da reprodução social (DURKHEIM, 2011, 1971; WEBER,
1994; MARX e ENGELS, 1991; BOURDIEU, 2008; BERGER, 1996, 1985; ORTNER,
1989a).
de e sobre Roberto. Muito embora esta geração dos mais idosos seja minoria, afinal já é
passado quase um quarto de século só da morte do fundador. O passado é cada vez mais
evocado como memória que vai distanciando das gerações mais novas e ele está sempre em
disputa:
O passado, como é sabido, não é um fato em si, nem unívoco em sua interpretação
para os mesmos personagens envolvidos em determinado episódio, inclusive para os
que estariam de um mesmo lado em uma disputa. A compreensão do que foi o
passado é um dado aberto e passível de novas revisões, pois, como construído a
partir do presente, está sujeito às mutabilidades da conjuntura com seus fluxos de
força hegemônica e contra força gerando novas interpretações (FERNANDES
SILVA, 2013 f. 8).
mudanças entre o período da regência do bispo Roberto e o contexto atual da Nova Vida sob
Walter. Antes de analisar sua reposta é importante conhecer um pouco sobre sua história. Luiz
Paulo, pardo, 58 anos, nascido no Rio, sua mãe era assembleiana quando jovem, mas foi
excluída da igreja quando se casou com seu pai e cortou o cabelo. Luiz Paulo contou que foi
hippie na juventude e se converteu aos 18 anos, na Igreja Nova Vida de Bonsucesso. Relatou
que bispo Roberto realizou a cerimônia de seu casamento bem como o ordenou a diácono e
depois também a pastor, fato este ocorrido em 1986. Portanto, trata-se de alguém próximo,
principalmente pela família de sua esposa que era ativa na igreja em Botafogo. Igreja onde
seu sogro atuou como presbítero e colaborador de Roberto. Bispo Luiz Paulo avaliou as
mudanças dentro de um panorama mais geral, destacando também o que se manteve, mas não
situou outras práticas pentecostais que havia e que desapareceram na liturgia atual:
Mudou porque a época mudou também. Acho que se o bispo Roberto tivesse vivo
teria mudado também bastante. Acho que o que não mudou foi a pregação da
Palavra. Nós temos sempre a pregação da Palavra. O louvor nosso não é aquele
louvor tão tradicional - embora o bispo Walter goste mais de louvores tradicionais.
Mas a pregação da Palavra é o que é ainda hoje (L. PAULO).
Luiz Paulo fez uma narrativa de mudanças comparando Roberto e Walter, atribuindo a
este alterações doutrinárias mediante a formação que teve na pós-graduação:
Sim, ele [Walter] trouxe essas mudanças... O bispo Roberto quando começou aqui
veio da linha da Assembleia de Deus pentecostal, depois ele passou para a igreja
carismática, que ele dizia, somos pentecostais, mas cremos no carisma, no poder do
Espírito Santo. [Depois] chegamos ao sistema episcopal, desde o bispo Roberto. Já o
bispo Walter tem uma linha reformada, desde que ele começou a estudar. Tem essas
semelhanças e tem essas mudanças também que aconteceram (L. PAULO).
bispo Tito Oscar em sua entrevista. Era uma atividade especial composta de pregações, curas,
profecias, manifestação de línguas e libertação. Esta última prática, entendida como expulsão
de demônios da vida de uma pessoa, Roberto desenvolveu aqui no Brasil. Como relatou bispo
Luiz Paulo, de fato, entre o passado e o presente o que de fato se manteve foi a pregação. Sob
a direção episcopal de Walter, estas ênfases carismáticas como milagres, revelações,
manifestações públicas de glossolalia e libertação de demônios não são estimuladas nem
salientadas.
Pastor Ragner Chagas, 51 anos, branco, casado, três filhos adultos, psicólogo, oriundo
de família batista, converteu-se na adolescência na Igreja Nova de Vida de Caxias, mas
frequentou esporadicamente a igreja de Botafogo liderada à época pelo bispo Roberto. Após
pastorear outras igrejas, inclusive em Portugal onde fundou a ICNV de Lisboa, depois foi
auxiliar bispo Walter na Catedral233, há 10 anos é pastor na igreja de Botafogo, que é liderada
atualmente pelo bispo Luiz Paulo. Pastor Ragner comentou sobre como nota essas alterações.
Ele conheceu Roberto, embora tenha tido mais aproximação com o fundador somente após ter
se tornado pastor, em 1992, e por um tempo curto, pois no ano seguinte Roberto veio a
falecer. Numa reunião do Presbitério, em Botafogo, dias depois de sua ordenação, Ragner
contou de seu encontro com o bispo Roberto, quando durante o culto o bispo pediu aos
pastores que se ajoelhassem para oração:
Recordo que fui apresentado a ele e, naturalmente, fiquei orando próximo a ele.
Depois senti as mãos dele assim, sobre os meus ombros, me chamou para o canto e
acabou dividindo comigo uma palavra profética que eu guardo no meu coração até
hoje. Algo dessa palavra se cumpriu, algo não se cumpriu, mas eu via um carinho
nos olhos dele. Eu tenho no bispo Roberto um pai, um exemplo (RAGNER).
Perguntei se poderia relatar o teor da profecia, mas ele disse que era pessoal. Em sua
análise sobre possíveis mudanças, considerou: “Certas facetas sim, certas facetas sim. Não
mudaram na essência, nos princípios. A sociedade está sempre em mudança e a igreja acaba
acompanhando essas mudanças dentro da sociedade e também acaba se questionando em suas
próprias práticas litúrgicas”.
Na avaliação da trajetória da Nova Vida em seus diferentes períodos e lideranças os
entrevistados, em geral, percebem mudanças. Alguns identificam com mais clareza do que
outros que percebem com menos sinais. Uns notam bem e gostam muito delas. Outros as
reconhecem e denotam desconforto e chateação com as mesmas. Alguns entrevistados que
não notam alterações identificam apenas o período em que estão na Nova Vida, geralmente
mais curto e que compreende o tempo do pastor John McAlister na regência da Catedral.
233
Quando a Catedral estava no antigo templo da Avenida das Américas, no bairro do Recreio dos Bandeirantes.
204
A maioria dos jovens entrevistados foi convergente em afirmar de que houve, sim,
muitas mudanças e falaram com entusiasmo demonstrando satisfação com as modificações. Já
os idosos revelaram desconforto e até irritação com as mudanças atuais, porque destoariam
muito do que foi a igreja na era do bispo fundador e pelas práticas por ele desenvolvidas.
Na defesa da tese das mudanças muitos entrevistados lembraram como evidência a
questão da alteração da nomenclatura, pois anteriormente a igreja se chamava Pentecostal de
Nova Vida e, atualmente, se denomina Igreja Cristã Nova Vida. E isso, como já foi visto, não
diz respeito à simples troca de termos, senão, uma profunda alteração de rota em busca de
outra ação e identificação. Tanto internamente quanto para fora da denominação. Como se
evidencia pelas conexões que o bispo passou a manter com grupos religiosos mais
aproximados de sua visão, em proporção semelhante ao seu afastamento de rodas e grupos
associados ao neopentecostalismo e à teologia da prosperidade. Walter tem sido convidado a
falar em eventos234 desse segmento calvinista do ambiente evangélico, que vai se fortalecendo
com a difusão de ideias e ideais associados ao amplo espectro reformado.
Entrevista de Bruno, um jovem de 28 anos que veio de outra denominação
neopentecostal, comentou da disparidade em relação à realidade litúrgica, como cânticos e
pregação, na ICNV:
Eu consigo ver diferença do início ao fim. Vejo diferença, bastante. A questão dos
louvores [falou em comparação a sua antiga igreja, a Cristo Vive]. Hoje em dia em
muitas igrejas, eu creio, o louvor está voltado para o homem. E nós aqui entendemos
que o louvor, aqui está incluído em salmos. Porque os louvores são cânticos e são
voltados para Deus, principalmente para o engrandecimento de Deus. E em outras
igrejas, às vezes, foge um pouco disso, de o louvor ser voltado para homens.
“Receba a cura, a unção”235, enfim, e tudo o mais. Mas aqui o louvor é voltado só
para Deus, eu vejo essa diferença. Tanto na Palavra, quanto no louvor. Aqui não é o
engrandecimento do homem de quando o pastor aumenta um pouco a voz e todos
aplaudem. Isso aqui não [existe], o que normalmente tem em igrejas que eu já
frequentei. A diferença é engrandecimento do homem no altar, que aqui não tem
nenhum e o louvor voltado para Deus (BRUNO).
De fato esta estrutura do culto, incluindo tópicos básicos como pregação, orações e
cânticos, é fortemente “direcionada para Deus”, ou seja, a maneira de expressão do pastor ou
bispo demonstra que o público alvo da liturgia é a divindade. No que evidencia uma diferença
saliente da ICNV em relação a outras igrejas do segmento evangélico, sobretudo
neopentecostais, quando a forma de comunicação do pastor se volta para uma espécie de
234
A Conferência Fiel, evento anual de formação segundo postulados calvinistas, o Encontro Vinacc (Visão
Nacional para a Consciência Cristã), também anual, ambos com grande apelo de público, além de outros:
http://conscienciacrista.org.br/ (acesso em: 20 dez. 2016).
235
Ele explicou que é letra de um cântico muito usado em igrejas pentecostais que enfatiza um “louvor” voltado
para atender aos interesses humanos e não para a “glória de Deus”, como deve ser, enfatizou.
205
Tendo vindo de uma Igreja Metodista renovada, isso é, pentecostal, Claudia, 36 anos,
enfermeira com formação universitária, comentou a disparidade que identificou na realidade
236
Destaco aqui acompanhamento que fiz de dezenas de pregações da IURD em função da coleta de dados para
a pesquisa do Púlpito à Mídia (MACHADO, 2000). Estive em anos recentes em algumas unidades da IURD e o
padrão de falar direta e preferencialmente ao público, não a divindade, permanece. Em outras igrejas
evangélicas, como batistas e presbiterianas, assembleianas em que estive diversas vezes, o modelo é
genericamente semelhante.
206
da ICNV, numa análise bem próxima do entrevistado anterior, mas destacando a importância
do estudo coletivo da bíblia:
A diferença que lá não tem uma linha certa, o que tiver no culto é bem-vindo. Na
Nova Vida senti essa diferença, o culto tem início, meio e fim. Tem uma linha, uma
direção e um final que você já consegue visualizar. Essa uma é uma diferença. Uma
outra é o espaço que se dedica a Palavra, o tempo que se dedica a palavra. Em outras
igrejas que frequentei, na linha mesmo na Metodista, você tem um tempo enorme
para a música, para as oportunidades e quando chega na palavra tem 20 minutos que
pregador corre para não te segurar tanto tempo. Aqui a gente tem um tempo curto de
louvor, uns três ou quatro louvores, depois vêm os anúncios e já é a pregação. Então
tem um tempo grande para se debater a Palavra, para ensinar, para aprender. Não é
corrido. Você consegue acompanhar o que está sendo passado (CLAUDIA).
Oriundo de uma igreja Nova Vida que,quando da mudança de nome efetuada por
Walter, optou por não se tornar ICNV, pois preferia as doutrinas e práticas pentecostais ou
neopentecostais, como ele afirma, Eliseu, jovem casado, 24 anos, explicou sua adesão ao
grupo da ACNV, inserindo na reposta sua esposa, que estava ao seu lado na entrevista:
A IPNV de onde a gente veio era um discurso neopentecostal. Não era nem
pentecostal clássico, nem tradicional como a batista. Era algo misturado que tendia a
Silas Malafaia, que tendia a prosperidade, que tendia a psicologia, mas não era
cristocêntrico, não era voltado para a Palavra. Tinha muita programação, de segunda
a domingo e eu participava de todas as atividades para jovens. Mas tinha
programação para todas as faixas etárias e no domingo o culto para todos.
Quanto a diferenças aqui mesmo, a gente chegou num local diferente, a Avenida das
Américas, então nessa migração pra cá algumas pessoas saíram. A gente na verdade
não sabe tão bem o motivo, a razão de essas pessoas terem saído (ELISEU).
Sua explicação revela também que pessoas têm deixado a ICNV, inclusive quando
saiu do templo anterior para o atual. Pelas considerações de outros entrevistados, inclusive
pastores, a transferência da sede da igreja da Avenida das Américas no bairro do Recreio dos
Bandeirantes para a atual localização da Catedral reforçou o caráter que a igreja vem
perseguindo de uma identidade mais tradicional e menos carismática, embora assumindo
discursivamente o binômio de ser pentecostal-reformada.
Ester, senhora já mencionada, sexagenária, que atua ativamente há mais de 40 anos na
Nova Vida comentou das mudanças reclamando que a igreja anda “muito parada” e
transpareceu que desejava voltar à era Roberto com mais milagres e manifestações
sobrenaturais:
Estou vendo as coisas muito quietas. Deus muito quietinho. Eu sei que ele está no
controle. Claro, cada um tem a sua relação com Deus. Deus tem abençoado cada um,
mas nada assim que seja tão grande. Se bem que eu passei por um testemunho
fantástico, aqui, de novembro para cá. Deus fez uma obra muito grande na minha
vida, para mim foi muito grande. Um problema que eu vinha carregando há 40 anos
e num dia Deus resolveu. Foi muito profundo. Foi sobre casamento, eu e meu
marido... Mas eu estou assim, eu vejo as coisas estão muito paradas (ESTER).
207
O estilo de pregação calvinista, que é recebido de maneira positiva e por pessoas mais
jovens produz um sentimento inverso nos mais adultos. Conforme afirmou outra senhora,
Flávia, 70 anos, quanto ao questionamento se alguma coisa havia mudando, na era Roberto
McAlister, em relação à direção do bispo Walter e pastoreio do John na catedral: “Não tem
nada mais como foi. Tudo mudou”. Criticando tal alteração, pois sempre se referia ao período
do Roberto como um período especial, era reiterou seu desconforto entre estes dois
momentos: “Tudo mudou!”
237
Lembrando Simmel (1971), numa inferência a ser investigada em possíveis futuros trabalhos, o que era
pulsão (“fogo do Espírito” com todas as suas manifestações) se tornou numa forma. Por essa perspectiva, a
sociologia da forma pode ser um fator de identificação do que ocorreu com a Nova Vida de Roberto e a ICNV de
Walter e John.
208
Ela concedeu mais informações sobre essa realidade, contando de visitas feitas a
outras unidades da ICNV, em companhia de seu esposo, avaliando que algumas se
identificavam com o padrão vivido na Catedral, enquanto outras destoavam com grande
disparidade:
A gente frequentou [por] um tempo uma Nova Vida em Caxias e é bem a linha
daqui [catedral], assim como outra em Nova Iguaçu que também segue bem a linha
daqui, mas a gente foi a outras que tu olhava e falava: Isso aqui não é a Nova Vida!
(riso). Não é o mesmo culto. Eram mais livrezinhos em sua manifestação de culto. A
gente foi a uma que tinha dança, tinha grupo se apresentando lá na frente
(CLÁUDIA).
Neste sentido, David revelou que muitas ICNVs “acabam se assemelhando às igrejas
neopentecostais”, ao que seu cônjuge, que acompanhava a conversa, questionou: “como é que
uma mesma Aliança, um grupo que pertence a uma mesma liderança, tem suas realizações de
cultos tão diferentes? Como é que pode ser tão diferente?”. Percebe-se, portanto, que fiéis
alinhados ao modelo assumido e defendido atualmente pela liderança da ACNV e praticado a
210
partir da Catedral se incomodam com essas diferenças, que também são causadoras de
desconforto para o bispo e seus auxiliares mais próximos, o que tem gerado conflito e
resultado até em exclusão de pastores e igrejas que não se mostram abertos a se coadunarem
com as linhas básicas do padrão denominacional.
Em uma análise desses contrastes com base na diferença etária entre os pastores,
David contou: “Eu vejo, por exemplo, lideranças mais antigas, pastores mais antigos, com
linha mais pentecostal. Vi isso em igrejas no Rio e na Baixada Fluminense”. E sinalizou uma
possível superação dessa antagonia:
Eu prevejo, com o seminário hoje aqui formando pastores novos que estão seguindo
uma linha, daqui para frente, acho que pode se tornar uma unidade com as próximas
gerações. Tipo, um pastor novo que assuma uma igreja que é mais neopentecostal,
se ele assume essa igreja lá talvez possa haver certa mudança. Hoje, radicalmente,
acho que não vai mudar. Os pastores mais antigos são mais presos, seguros, para
mudanças. É muito radical (DAVID).
Segundo esse depoimento, dado por um jovem que é da Nova Vida desde quando
ainda era IPNV, já tendo participado de diversas comunidades no Rio e na Baixada
Fluminense, existem igrejas com hábitos associados ao neopentecostalismo e que são parte da
ACNV. Segundo ele, é uma realidade que não tem resolução fácil e que seria necessário que
novos pastores com a formação atual do IBRMEC viessem a assumir futuramente a direção
destas congregações para corrigir concepções doutrinárias e práticas religiosas tidas como
incoerentes e divergentes do padrão adotado a partir da catedral. Este caminho tem sido o
objetivo perseguido pela direção episcopal na campanha de reformulação identitária das
igrejas para que, por meio da formação teológica, os novos pastores tenham postura e práticas
atinentes ao modelo que tem sido pregado.
É possível que casos como este relatado pelo jovem sejam mesmo recorrentes em
várias igrejas, principalmente de pastores mais antigos que tiveram influência do
pentecostalismo de Roberto McAlister. E continuam a manter práticas pentecostais e inclusive
neopentecostais, conforme o entrevistado, pois não existe deliberadamente uma avaliação in
loco das igrejas. Em entrevista com o bispo perguntei se ele tinha alguma rotina de visita
anual às igrejas e ele revelou que não tem essa prática. E acrescentou que, às vezes, vai à
igreja de algum bispo quando é convidado. O inverso é o que acontece, pois semanalmente os
pastores e bispos vão até o primaz para ouvi-lo na reunião do presbitério que acontece na
Catedral, quando ele dá orientações teológicas e pastorais, por meio da pregação que serve
como formação e atualização dessa liderança.
211
Claudia, enfermeira, voltou a reafirmar sua inquietação com essa divergência entre
variadas igrejas e a própria catedral, situando inclusive essa situação de falta de controle mais
efetivo do primaz:
É essa diferença que eu não entendo: se você tem uma mesma liderança que é do
bispo Roberto, digo Walter, se ele aqui prega uma doutrina, uma linha, um
raciocínio, por que as outras [igrejas] que estão debaixo da liderança tem essa
diferença toda? E não sei se [elas] sofrem alguma interferência, ou não, dele. Porque
parece até que são congregações independentes, porque fazem seu culto do jeito que
acham que deve ser. Como na Nova Vida tem essa disparidade tão grande de uma
igreja para outra? Tem igrejas que a gente vê uma pessoa que às vezes é convidada e
ela vai à frente cantar, tem um grupo que às vezes vai lá se apresentar. Aqui [na
Catedral] você não vê isso. É sempre o mesmo ministro de louvor, ou é sempre o
pastor que está louvando. Então, até que ponto que elas conseguem ter essa
independência e manter interferência do líder da Nova Vida? Então, às vezes fico
meio perdida. Porque tem tanta diferença entre uma e outra (CLÁUDIA).
Essas questões de estrutura litúrgica tem sido alvo de análises críticas de alguns
entrevistados, conforme o depoimento acima, pois várias igrejas mantinham e ainda mantêm
participações individuais ativas dos crentes que sobrem à plataforma onde fica o púlpito e
lideram cânticos e orações. O que jamais acontece na Catedral onde toda a liturgia transcorre
sob a firme condução exclusiva do pastor, não havendo espaço para qualquer participação
pessoal de alguém da congregação. A não ser seguir o rito coletivo dos cânticos, acompanhar
em silêncio a leitura da Bíblia e a pregação. Nem mesmo as orações são coletivas, como
acontece em ADs, por exemplo, e mesmo na Nova Vida no final dos anos 1990. Naquele
período, já sob a direção de Walter na igreja sede de Botafogo as pessoas oravam
simultaneamente e de forma audível. Atualmente na Catedral não se abre espaço nem para
fala nem cântico individual. O poder sacerdotal, simbólica e efetivamente, está centrado na
figura do pastor, que controla toda a programação cultual, desde a saudação introdutória até a
oração final e despedida. Para exemplificar: Um culto dominical com duas horas de duração
tem, em média, dez orações, que não são curtas, entremeadas entre as diversas partes da
liturgia. Todas elas são feitas pelo pastor dirigente, no caso John McAlister.
Na entrevista da jovem acima, o esposo estava ao lado, que ratificou o que foi dito e
ainda acrescentou, dando sua visão de como deveria ser:
É isso mesmo. Eu vejo já alguns anos, nos últimos anos, aliás, e às vezes também
pessoas que questionam: Por quê? Às vezes não sei responder, ou não tenho como
responder, mas tem diferença. Sei que cada igreja tem a sua responsabilidade e a
liderança do Bispo Walter não pode interferir diretamente. A não ser que sofra
algum escândalo e aí é retirado da Aliança. Sei que há um Conselho de Bispos, que
não é que supervisiona, mas aconselha, dá a proteção para aquela região. Mas
diretamente na teologia não mexe muito. Não tem aquela restrição a ponto de dizer:
ah, tá errado! Tem que agir conforme a sua consciência, mas tem que pregar a
palavra (DAVID).
212
As igrejas, portanto, são autônomas e o bispo diretamente não as acompanha, o que ele
oferece e faz está na área de formação e orientação continuada aos pastores na reunião
semanal do presbitério, além dos vídeos e textos postados em redes sociais, visando ampliar e
ratificar o alcance de sua influência. Sem falar dos livros que publica tanto de sua autoria
quanto de outros autores pela Editora Anno Domini, que esposam ideias convergentes com
aquilo que a liderança aspira como padrão para pastores e igrejas. Embora todo esse esforço
da campanha de mudança cultural (ORTNER, 1989b, THEIJE, 2002) para construir unidade
com base num conjunto de crenças e rituais, igrejas têm saído da Aliança, o que nem sempre
ocorre por conta de escândalos, mas por divergências doutrinárias e por práticas tidas como
incompatíveis com aquilo que a liderança episcopal defende. Segundo avaliação do bispo, o
ambiente da ACNV é de segurança e pacificação, mas tem havido conflitos, como pastores
afirmaram e que tem resultado em desligamentos por motivações e razões variadas. Desde
incompatibilidade doutrinária até divergências relacionais ou problemas de suspeição no
tocante a recursos financeiros por parte de alguns pastores.
Eliseu, da idade de 24 anos e já citado outras vezes, contou das dificuldades que
pessoas enfrentam para se adaptarem a outras ICNVs, preferindo a Catedral, exacerbando
diferenças significativas, a ponto de residirem em bairros distantes, mas preferirem frequentar
a sede.
Muitas pessoas que hoje são membros aqui vieram de outras igrejas neopentecostais,
outras se converteram aqui ou vieram de ICNV de bairros em que elas moram, mas
não se adaptaram ao modelo de culto, liturgia e tal e preferem a catedral. A gente
conversa com pessoas aqui e dizem: Ah, vim da Vila da Penha, Caxias, Nova
Iguaçu. [E a gente pergunta:] Mas não tem ICNV lá? Sim, mas a gente não concorda
(ELISEU).
Esse jovem continuou sua narrativa falando que a saída para superar essas diferenças e
divergências está no investimento em ensino para os pastores e os crentes, a fim de aproximar
ou reduzir as disparidades entre outras igrejas e a catedral, que é vista como modelo ideal:
Acho que eles [líderes da Aliança] tentam passar uma mesma linha doutrinária. Um
pastor que assume uma ICNV passa pelo IBRMEC, recebe uma orientação de
ensino, só que é muito regional, é diferente você chegar numa igreja lá em
Araruama, ou São Vicente, um povo mais humilde e tal e às vezes não está aí para o
ensino. Sim, lá tinha gente que não sabia ler. Como fazer a pessoa entrar para o
IBRMEC? Não vai entrar na cabeça (riso). Mas acho que a grande diferença, eu
creio, é essa ênfase mesmo, de voltar para as origens, de tentar recuperar essa
questão dessa importância do ensino, no lugar de programações. Porque essa
tendência do neopentecostalismo de focar em tudo, menos em Cristo; de todos os
métodos possíveis: luzes, dinheiro, bem estar, menos Cristo (ELISEU).
Analisando a fala do entrevistado acima se deduz que pessoas “mais humildes”, isto é,
com menor formação educacional o que geralmente equivale a também menos recursos
financeiros preferem mais uma igreja com uma pregação e ensinos menos elaborados do que
213
uma ICNV como a Catedral com maior sofisticação intelectual nos sermões e estudos por
parte de seus líderes.
Essa crítica ao neopentecostalismo, que é identificado pelos fiéis que circulam por
outras igrejas, tem sido uma frequência e causado incômodo ao primaz. Em suas pregações e
ensinos, inclusive no contexto da reunião semanal com os pastores, ele tem abordado essa
temática, exortando todos a perseguirem o ideal de uma igreja longe dessas influências vistas
como negativas e negadoras da identidade buscada pela ICNV. De certa maneira, a crítica ao
neopentecostalismo feita pelos líderes está relacionada à falta de instrução dos fiéis.
Este mesmo entrevistado, jovem de 24 anos, relatou diferenças entre o que
experimenta na Catedral e o perfil da igreja onde se converteu, que anteriormente fazia parte
do grupo denominacional liderado por Walter:
Vou comparar a IPNV, de onde a gente veio, com a ICNV. Lá tinha ênfase em
ensino. Não como algo que tem um primeiro passo e depois vai para outro nível. O
ensino lá não tinha uma raiz histórica. Nem era pentecostal nem era reformado, era
livre. Se o pastor fosse pregar, por exemplo, ele iria falar sobre aquilo que ele
entende de teologia. A gente foi da última vez lá para visitar - só para visitar, pois a
gente já pertencia à membresia daqui - ele estava falando sobre escatologia. A
escatologia dele era uma mistura de amilenismo com milenismo. Aquilo que não é
nada bem compactado, que ouve o Malafaia falar uma coisa, ouve outro falar outra
coisa e vai misturando. Aqui não, aqui a gente consegue entender, que a nossa
teologia é reformada. É mais ajustada. Você chega e aqui vai te explicar o que é
milenismo, o que é amilenismo. Aqui a gente se identificou muito com a pregação
expositiva da Palavra. Porque a gente não estava acostumado com isso, era temática.
E em muitos casos era algo que o irmão tinha contado para ele [o pastor] no
gabinete. Aí ele vai lá e fala sobre isso, sobre um pecado. Isso era novo para gente, a
gente se identificou muito com essa coisa da pregação expositiva. Nossa que
bacana! A gente sabe que está seguindo este livro, essa carta [bíblica] e a gente
consegue entender melhor a Palavra dessa forma (ELISEU).
Possivelmente não seja comum fiéis pentecostais comentarem sobre a teologia de suas
igrejas, inclusive fazendo distinções mais específicas. Portanto, pela entrevista do jovem
acima, que é aluno da Escola Bíblica na Catedral, se identifique a eficácia do ensino lecionado
aos fiéis da igreja e a eficiência da campanha de mudança cultural da denominação.
Se os jovens, como no depoimento acima, se satisfazem com o tipo de doutrina e a
prática atual da Catedral, entrevistados de faixa etária idosa, como a reação dessa senhora
conforme a fala abaixo, criticam as mudanças feitas em contraposição á era Roberto
McAlister: “O que muda é a Reforma, é reforma. Reforma de Calvino, reforma não sei de
quê, não sei quem. Porque isso tira... Jesus é delicado, se você não der lugar a ele. A Reforma
tira isso, tira”. Se para os mais jovens o ensino reformado mediante a pregação expositiva
encaminha a igreja para aquilo que avaliam como o correto, o padrão a ser seguido, os mais
idosos compreendem exatamente o contrário, que a reforma e o tipo de pregação engessa a
igreja, distanciando as pessoas de Jesus Cristo e daquilo que ele pode miraculosamente fazer.
214
Como foi dito já no capitulo 2, a Igreja de Nova Vida nasceu pentecostal por razões
diversas conforme algumas delas são aqui elencadas: 1) Porque seu fundador era de forte
tradição pentecostal pelo ambiente social de sua linhagem familiar; 2) Pelas experiências
narradas por ele como de natureza sobrenatural, próprias desse segmento religioso,
envolvendo curas milagrosas; 3) Porque antes de vir para o Brasil já mantinha contatos com
líderes pentecostais no país e quando se transferiu para cá permaneceu inicialmente envolvido
com grupos pentecostais como Assembleia de Deus e Igreja do Evangelho Quadrangular; 4)
Porque realizou cruzadas de evangelização com gramática e prática típicas do movimento
pentecostal, inclusive com exorcismos; 5) Porque registrou oficialmente sua congregação com
o nome de Igreja Pentecostal de Nova Vida.
Visando identificar pela percepção dos fiéis experiências tidas como essencialmente
pentecostais os entrevistados foram inquiridos acerca de milagres em sua trajetória de vida ou
na história de alguém em sua família. O objetivo foi verificar quais fiéis continuam no estilo
pentecostal mais encantado e quais aderiram mais à proposta de Walter. As aferições
mostraram que pessoas de mais idade e que conviveram com o bispo Roberto falam com
215
convicção sobre milagres no contexto do trabalho desenvolvido por ele como algo frequente
durante seu ministério. Como uma senhora, Flávia, 70 anos, parda, aposentada, oriunda de
Minas Gerais e mora no Rio desde seus 4 anos de idade, que contou sobre cura em sua
família, revelando profundo respeito e admiração por Roberto:
Meu filho nasceu de 5 meses e 20 dias, minha filha teve meningite meningocócica.
Eu estava na igreja e Jesus me tirou de todas as dificuldades. Por isso que hoje eu
digo: Bispo Roberto é..., ele foi pentecostal, o tempo todo. Era o que ele passava
para a gente. “Que Jesus Cristo faz, que Jesus Cristo é, que Deus é com a gente”.
Aqui [catedral] eu estranho um pouco porque mudou muito. Porque tinha cura
divina, muitas (FLÁVIA).
Ela continuou a falar sobre milagres relacionando Roberto McAlister com Romildo R.
Soares, da IIGD, que faz o programa televisivo Show da Fé, marcado por curas miraculosas:
Hoje eu gosto muito do missionário R. R. Soares, porque eu vejo muitos milagres
com pessoas muito necessitadas. O R. R. Soares foi auxiliar dele [Roberto
McAlister]. Ele conta testemunho, ele ajudou Bispo Roberto desde a ABI. Eu não
conheci ele na ABI, mas o R. R. Soares conheceu ele na ABI. E fala muito bem dele.
Ele diz mesmo: ‘meu pastor, meu pastor’. Ele ama muito o bispo Roberto
(FLÁVIA).
Prosseguindo com essa narrativa ela, que foi dedicada filha de santo no Candomblé,
fez uma reflexão acerca da importância de milagres, como viu antes com Roberto McAlister,
entendendo que esta é a doutrina de Jesus:
Quem é o maior milagreiro que eu conheci na minha vida? Jesus! E qual foi a maior
obra de Jesus? Necessidade, de condição financeira, doença.Não foi isso?! Na minha
Bíblia é isso! Então, eu gosto disso também. Porque ele faz milagre. Eu sei de onde
ele me tirou. Se ele não me tirasse eu acho que não estaria aqui. Hoje eu não teria
meus filhos, não teria meus netos, porque lutas eu tenho e bem feias, mas o Senhor
Jesus me dá vitória em todas elas. Então eu tenho que glorificar esse Espírito Santo
que está em minha vida, cuidando de tudo para mim. E é o Jesus que eu conheci,
porque eu não era nada, não tinha condição de nada (FLÁVIA).
Esta entrevistada afirmou que aprendeu sobre isso com Bispo Roberto e é interessante
perceber como usa uma estrutura de comunicação semelhante aos “testemunhos” de pessoas
ligadas à IURD e IIGD. Ela utiliza expressões, tal como “Jesus me dá vitória”, que são
comuns nessas igrejas que pregam o evangelho da prosperidade.
Como já visto no capítulo anterior, outros depoimentos de entrevistados,
principalmente idosos, destacaram a promoção de milagres efetuada por Roberto, como
acontecia na oração eletrônica do “Ponto de contato”, mas que, com lamento, afirmaram que
agora não existem mais práticas assim no contexto da Igreja Cristã Nova Vida.
Entrevistados jovens que não conheceram ou não conviveram com Roberto McAlister
e o contexto da igreja liderada por ele, responderam de maneira distanciada desse tema ou
numa abordagem mais próxima de igrejas do protestantismo histórico. Uma postura que não
descrê necessariamente em milagres, mas não situa essa prática como algo fundamental em
216
Ele fez esses comentários com riso irônico, rechaçando o tipo de culto de oração
voltado para realização de milagres, pois é diferente do que acontece na Catedral, cujo
encontro semanal chamado ‘culto de oração’ segue uma estrutura similar aos conhecidos
cultos de oração de igrejas protestantes históricas. Eles ocorrem, geralmente, às quartas-feiras,
contendo cânticos coletivos, orações em grupo por situações diversas, inclusive pedido de
curas, mas tudo com discrição, além de estudo da Bíblia feito geralmente pelo pastor. Não há,
por exemplo, momentos específicos de “orações por milagres” com imposição de mãos sobre
alguém que precisaria receber uma cura, como acontecia, com frequência, nos tempos de
Roberto, principalmente na época mítica das reuniões na Associação Brasileira de Imprensa.
238
Ele explicou que esta igreja segue sua caminhada de maneira independente. Quando Walter mudou práticas e
nomenclatura, de IPNV para ICNV, a igreja não aderiu a nova proposta do bispo primaz.
217
emoções não. Tendo mais à razão. A razão deve sobrepor às emoções, porque o
coração é enganoso (ÂNGELO).
Dentre todos os jovens entrevistados alguns disseram que nunca falaram em “outras
línguas” como fenômeno sobrenatural (glossolalia), e outros afirmaram já terem passado por
essa experiência, porém, explicaram que isso aconteceu somente quando eram pertencentes a
outras igrejas pentecostais, mas não na ICNV. Bruno, carioca e que mora no bairro da
Taquara/Jacarepaguá revelou: “Aqui, não. Confesso que eu não procuro ou não busco isso”.
Outro ainda reiterou também não falar, ao que insisti se nem mesmo particularmente ou de
maneira individual ele teria experimentado essa manifestação: “Não. Eu creio que esse não é
um dom que eu tenha” (risos). Pois alguns outros mais adultos que afirmaram já terem falado,
esclareceram que isso se deu de maneira particular e contida.
Eliseu, residente no Recreio, bem próximo à Catedral e que estava junto de sua esposa,
contou de sua trajetória em outra igreja de Nova Vida, quando ainda era IPNV, destacando
como foi tal experiência:
É aquele negócio de novo convertido, você não sabe muito bem, nunca tinha
participado de igreja evangélica nenhuma. Foi aquela sede de buscar não com
intenção porque eu tenho que falar, mas foi algo natural. Só que tinha pessoas
também, que a gente via que não era natural assim, era forçado (ELISEU).
Sua descrição aponta para uma espécie de constrangimento por já ter falado línguas
estranhas, mas atualmente faz uma afirmação de que jamais voltará a isso, por considerar
outro tipo de entendimento acerca dessa doutrina, que não passa pela prática valorizada e
218
buscada pelos pentecostais. Já as pessoas de mais de 60 anos de idade e que viveram a era de
Roberto McAlister desvelaram experiências com memórias afetivas de um tempo bem
diferente em suas trajetórias e na vida da igreja. Uma entrevistada da terceira idade, Ester,
contou que ainda hoje vivencia, porém isso era mais frequente no período da liderança do
bispo fundador:
Sim, falo. Mais na época do pastor Roberto. Aqui temos uma disciplina de falar em
línguas, mas entre você e Deus. Antes podia falar no culto. Não que [atualmente]
seja proibido, mas temos uma disciplina de falar mais particularmente, até porque
ninguém vai entender. É mais entre você e Deus. Como diz o bispo Walter, o
Espírito está subjugado. Aqui não se permite essas loucuras que tem por aí. Essas
liberdades loucas. Porque no fundo, no fundo, tem pessoas que extravasam.
Esse tipo de culto temático com ênfase em tópicos específicos, conforme informou a
entrevistada, era comum na igreja em Botafogo sob a direção de Roberto McAlister. Hoje é
uma prática totalmente extinta e inexistente na atual ICNV, pelo menos na Catedral. Mas
continua em muitas igrejas neopentecostais, como IURD e mesmo em outras denominações
identificadas como Nova Vida e possivelmente, segundo alguns entrevistados, até em igrejas
ligadas à Aliança (ACNV).
219
Bispo Walter avaliando estas concepções e práticas de acordo com visão que vem
implantando na igreja mediante sua campanha de mudança cultural, que identificamos como
despentecostalização, considerou: “Não cremos que o propósito de línguas seja para o culto
público. É mais um dom que diz respeito ao devocional individual, para edificação própria e
não para o culto público”. De maneira semelhante ele explicou a questão das curas:
Oramos antes e depois do culto por qualquer pessoa que nos pedir. Quem precisar,
também temos óleo. Estamos sempre de prontidão para orar pelos enfermos. E
pessoas são curadas. Temos ouvido testemunhos. Mas não fazemos cultos de
milagres, essa prática pentecostal avivalista. Essa prática tem mais a ver com
avivamento, campanhas. Achamos que dons podem funcionar normalmente na vida
da igreja. Não precisam ser tão espetacularmente promovidos (W. MCALISTER).
Durante os meses de frequência aos cultos na catedral, bem como em outras igrejas da
aliança em que estive nunca percebi, antes, durante ou depois dos cultos, pessoas pedirem
para serem ungidas com óleo ou mesmo solicitarem uma oração individual com o bispo ou
pastores.
Avaliando o estilo da prática pentecostal no ministério de seu avô e como atualmente
seu pai e ele compreendem essas doutrinas, John McAlister explicou:
Nós não buscamos repetir as mesmíssimas iniciativas ou posturas ministeriais do
nosso fundador, até por enxergarmos como essas ações foram mal interpretadas e
equivocadamente repetidas dentro de um contexto evangélico muito mais formado
por um catolicismo romano e um espiritismo do que pelo cristianismo protestante
reformado bíblico. Então, não eu não vejo menos ação do Espírito [hoje], eu vejo
como conseqüência da busca pelo Espírito uma necessidade de reavaliação, de
revisão de uma certa reforma em nossas práticas (J. MCALISTER).
Assim como Luiz Paulo e Ragner Chagas, pastor Marcelo Maia, da Catedral, afirmou
que sim, fala línguas, mas não publicamente, apenas “intimamente”. Insisti com Marcelo se a
frequência já foi maior quando entrou para a Nova Vida ou se fala mais atualmente. Ele
respondeu:
Olha, não é algo que a gente faça no café da manhã enquanto ‘tá comendo torrada,
não (risos). Eu lembro de um, mais recente, no retiro de pastores, em agosto.
Momento de oração muito intenso, muito fervoroso em que houve essa
manifestação, a das línguas. Então uns tem mais, outros, menos. O próprio bispo
Walter ele é assim mais fluente nisso do que nós (risos) – eu e o John
(MARCELO).
O pastor regente da Catedral revelou que fala línguas “desde adolescente”, mas
somente “em particular”. E explicou, dando justificativa: “Nunca fiz isso público, por
obediência às Escrituras. Por não discernir alguém que tivesse o dom de interpretação no culto
público. Então nunca ocorreu no culto. Em contexto de culto público, só em oração particular
em voz baixinha”. Questionado se tal prática continua a ocorrer atualmente ele foi assertivo:
“Sim. Normalmente. Regular. Em casa e mesmo no contexto do culto público, não
audivelmente para que todos ouçam. Mas no momento de louvor congregacional, seja no
período de intercessão pela igreja ou de intercessão pessoal, sim”. Neste mesmo sentido Bispo
Walter corroborou:
Não cremos que o propósito de línguas seja o culto público, mas é mais um dom que
diz respeito ao devocional individual. Tanto que Paulo trata disso 1 Coríntios 12, 13
e 14 sempre cercado de muitos cuidados, deixando a entender que dom de línguas é
mais apropriado para edificação própria e não para o culto público (W.
MCALISTER).
parte da entrevista conforme acima citada, Walter, no entanto afirma que o dom de línguas é
reservado para a devoção individual, não para o culto público. O que é uma negação de parte
da essência litúrgica de um culto típico da tradição pentecostal.
Usando expressão que é comum entre os líderes, David, 31 anos, originário da AD,
explicou: “eu diria que eu sou porque eu creio na manifestação dos dons”. O grifo é meu para
destacar o que ele afirmou que crê, mas esclareceu que não busca essa manifestação. Já outro
jovem, Eliseu, residente no Recreio, discorreu sobre o que entende ser pentecostal e
mencionou uma identidade que tem sido construída atualmente no contexto da igreja pelo
líder Walter:
Eu me consideraria um pentecostal reformado. Porque é mistura do bom
entendimento do ensino bíblico com o fervor. Porque assim, a gente tem os dois
extremos. O homem tende aos dois extremos, ou só fogo ou só a cabeça, só pensar.
Nem vai ter palma. Ou muito só glória, nada de Palavra. Então não tem um meio
termo. Então acho que esse título que a gente tá discutindo de pentecostal reformado
traz à tona essa questão do equilíbrio. De tentar pegar aquilo que você lê, estuda e
entende e transformar isso em oração de fervor, não em esquizofrenia, em excesso.
222
De igual modo, uma jovem senhora, Brenda, 42 anos, que é professora de crianças na
Escola Dominical na Catedral, fez sua interpretação e inseriu o termo que tem sido utilizado
pelo bispo Walter como sendo a nova identificação da igreja. Ela assumiu a identidade,
embora numa compreensão semelhante ao que afirmam muitas pessoas de igrejas protestantes
históricas. E curiosamente revelou na entrevista que jamais falou línguas estranhas, mas se
assume pentecostal porque entende ser algo similar a ser cristão.
Eu sou pentecostal, mas porque eu vim congregar numa igreja pentecostal. Eu
acredito na operação do Espírito Santo. Justamente porque nunca congreguei com
ma prática desenfreada; da caricatura do pentecostal que a gente tem, eu não me
identifico com muitas igrejas pentecostais, aquelas práticas e realização do culto em
detrimento do estudo da Palavra, do acadêmico mesmo. Acho que a prática mudaria
muito se eles conhecessem. Mas eu sou pentecostal pelo fato de eu ser cristã. O
Espírito Santo me convenceu. Sou um pentecostal reformado (BRENDA).
Esta entrevistada revelou que jamais falou línguas estranhas ou teve outras práticas
entendidas como do ideário pentecostal. Para ela, ser pentecostal é “ter o Espírito Santo”, o
que revela uma concepção ideológica aproximada do discurso de igrejas do protestantismo
histórico. Isso reitera o que foi dito na introdução de que é preciso construir um marco
conceitual contemporâneo do que seja pentecostal, pois muitas das caracterizações
sustentadas pela teoria social já não correspondem ao que se verifica no campo de pesquisa.
Pastor Marcelo, que atua na Catedral como responsável pela educação religiosa da
igreja, fez uma avaliação sobre essa realidade pentecostal:
Na verdade a identidade não mudou, acho que ela foi reforçada. Por quê? Qual é a
identidade do cristão? Não é tanto o pentecostalismo. A identidade da igreja não é
tanto ser pentecostal, no sentido de ser oposição ao tradicional, em ser
cessassionista. Mas ela é cristã, é o corpo de Cristo e como essa mudança foi muito
bem trabalhada, pensada, quando o bispo Walter anunciou, mostrou todo esse
processo, discussão com os bispos. Tudo foi aprovado por unanimidade, o próprio
documento que trata dessa mudança, dá as razões. Quando vi pareceu a mim muito
natural, muito coerente. Eu gostei demais. Achei fantástico o que se fez. Não houve,
acho, qualquer estranheza a respeito disso. Nem tampouco mudança quanto a
identidade. Nós continuamos afirmando a tradição pentecostal (risos).
(MARCELO).
avançar a ponto de se chegar ao consenso de outra nomenclatura que seja capaz de identificar
tal fenômeno. Porque se mudam as características das coisas ou fenômenos eles exigem uma
nova construção linguística para comunicar expressamente o que se está nominando.
Diante dessa sua manifestação perguntei o que era ser neopentecostal e ele respondeu
criticamente que “é o sincretismo religioso. Envolve apetrechos de fé, toalha ungida, sal
grosso e esses objetos que usam para fazer indulgências”. Ester, entrevistada que revelou ter
experimentado curas na Nova Vida, ilustrou com o caso de sua irmã que estava com câncer.
Afirmou que pentecostal “é ter milagre, mas tá difícil. Tem gente que acha que ser pentecostal
é uma vara de milagres, não é”. Nessa mesma linha outro idoso, Simeão, 82 anos, residente no
Méier, comentou com reprovação: “Para muita gente é uma relação de troca”, referindo-se à
questão da prosperidade em que fiéis fazem esforços de auferir benefícios numa espécie de
relação de trocas com a divindade.
Explicitando suas compreensões sobre o termo pentecostal o jovem Bruno, da idade de
28 anos, associou com poder sobrenatural, embora na entrevista tenha dito que jamais
experimentou curas nem falou línguas estranhas em sua trajetória como pentecostal:
Eu creio que é a manifestação do poder de Deus e creio que ele pode se manifestar
de várias formas. Eu acredito que sem a manifestação do poder de Deus a gente nem
poderia estar vivo, tudo iria se acabar. Até a forma como tudo funciona
harmoniosamente, como toda a criação, o sol, a luz, o mar. Acho que se Deus tirar a
misericórdia dele tudo se acabaria. Não precisa, necessariamente, ver pessoas
falando em línguas, em profecias. Eu creio que o poder de Deus ele existe a todo
momento e pode se manifestar dessa forma sem necessariamente precisar das
questões que vemos hoje como pentecostais. De você ver milagres. Eu acredito que
224
pode acontecer, Deus pode fazer todas as coisas. Acredito sim que pessoas podem
ser curadas, podem ser transformadas. Dessa forma, o poder de Deus ainda pode
continuar agindo (BRUNO).
Seguindo o ensino que tem sido reafirmado pela direção da igreja como não
“cessacionista”, o jovem César, de 22 anos, contou: “O que eu aprendi da tradição pentecostal
é justamente isso: a crença na continuidade dos dons, que eu já testemunhei. Então eu acho
que de fato tem seu peso”. Na mesma linha que reafirma verbalmente o conceito e assegura
crer na “contemporaneidade dos dons”, embora não fale atualmente línguas estranhas, David,
de origem assembleiana, 31 anos, explicou o que é ser pentecostal:
É crer nos dons, na manifestação do Espírito Santo. Acho que este é o ponto crucial.
E eu creio nisso, creio que Deus pode agir da forma que ele quer, na hora que ele
quer e não o homem que tem que forçar isso. O que eu entendo hoje é que se Deus
quiser agir na igreja com mover, com curas,com libertação, com línguas ele vai agir.
Mas dá glória, dá glória, dá glória para Deus para algo, eu não creio nisso (DAVID).
Avaliando o conceito, a jovem Cláudia, 36 anos, contou sobre o que tem visto em
contextos pentecostais:
Eu acho que banalizam muito esse termo. Hoje você vai num culto e dizem que é
um culto de avivamento. Primeiro acho que Deus não é surdo. Você não precisa
gritar para ser uma pessoa avivada na Palavra, no Espírito. Então, acho que hoje é
muito oba-oba para um termo que as pessoas nem conhecem direito o que é. De
você ir num culto você deve se sentir à vontade para dar glória, para dar um
“aleluia”, para levantar as suas mãos. E hoje eles falam: Dá glória, porque está de
cara fechada? (CLÁUDIA).
Ela fez sua profissão de fé nas crenças e práticas pentecostais tradicionais, mas
defendendo parcimônia nos cultos e até duvidando de certas manifestações tidas como
sobrenaturais:
Creio que Deus age, ainda cura, tem milagres, mas acho que você não precisa fazer
do culto um espetáculo. Acho que eles confundiram um pouco o que é ser
pentecostal com essa barulheira toda.
Eu creio no pentecostal? Creio. Porque às vezes você tá vivendo situações que você
quer uma resposta de Deus. Para mim ser pentecostal é continuar acreditando que
Deus vai falar. Que existem profecias que Deus pode usar o homem para falar com
você. Agora que eu acredite em tudo, aí já é bem diferente (riso). Às vezes num
culto uma pessoa fala uma profecia, mas eu fico com o pé atrás. Creio que Deus não
nos confunde. Acho que sou pentecostal desse jeito. Não de ter gritaria no meu
ouvido, porque eu não gosto, mas também não gosto de um culto tão parado em que
a pessoa se sinta restrita para levantar a mão e adorar (CLÁUDIA).
Vindo de uma igreja metodista carismática essa jovem está há pouco tempo
frequentando a catedral, acompanhando o esposo, mas revelou desconforto com o modelo de
culto formal e, às vezes, “engessado” da Igreja Cristã Nova Vida. Antes de migrar para a
igreja sede já frequentava com o esposo outras congregações da ICNV.
O jovem Eliseu, 24 anos, disse ser “complicado” definir o que seria o conceito de
pentecostal, e questionou dizendo que não é porque alguém fala línguas estranhas. Já Ester, a
225
A senhora Flávia, 70 anos, considerou que pentecostal é ter: “Milagres, curas, línguas,
libertação”, acrescentando que era assim que ocorria na época da igreja com Roberto
McAlister.
Sobre a identidade conceitual de pentecostal-reformado, que tem sido defendida por
Walter como a maneira precisa de os fiéis se reconhecerem bem como a ICNV, os idosos
dividiram o binômio afirmando serem apenas pentecostais. Alguns jovens assimilaram a
identificação conforme difundida na igreja de pentecostal-reformado, mas destacaram que se
pensam mais reformados do que pentecostais. E outros jovens confessaram ser apenas
reformados e não pentecostais. Isso revela, de outra perspectiva, que o projeto de dotar a
ICNV de uma identidade doutrinária coesa (se isso fosse realmente possível), como busca o
bispo primaz, é um projeto exitoso entre os mais jovens, porém mais distantes dos mais
antigos, embora estes sejam me menor número e com idade mais avançada. Os diversos
grupos existentes atualmente, principalmente por divisão etária – os mais jovens são maioria –
exacerbam interesses e identificações díspares entre o que foi o tempo de Roberto McAlister
com seu pentecostalismo e neopentecostalismo e a época de Walter McAlister com seu
contorno atual na construção do modelo intitulado “pentecostal reformado”. Identificado com
um discurso afirmativo de pentecostal, mas com práticas religiosas aproximadas do modelo
reformado, principalmente no conteúdo litúrgico.
Portanto, fiéis e pastores ouvem e reproduzem o discurso retórico do bispo primaz de
que a ICNV não é cessacionista, no entanto, ele não estimula estas práticas. Nunca vi ou ouvi
estímulo por parte de Walter nem de John quanto a elas. E mesmo que já houvesse reduzida
menção a efusão das línguas na época final de Roberto, em outras áreas associadas ao
pentecostalismo havia sinais mais eloquentes. Como curas, profecias, exorcismos. Coisa que
não acontece mais hoje. Pastor Ragner, por exemplo, contou que Roberto deu uma profecia
para ele. No entanto, nenhum entrevistado falou nada parecido sobre essa prática no período
de Walter como líder da denominação.
Os pastores e bispos também apresentaram suas visões do que seja pentecostal,
neopentecostal, com considerações ligeiramente aproximadas. Bispo Luiz Paulo comentou:
226
Pastor Marcelo assumiu ser pentecostal e explicou como compreende esse termo de
identificação com uma ampla exposição:
Essa é uma pergunta difícil (risos). Porque a palavra mesmo acabou se diluindo,
perdendo um pouquinho de seu significado. Eu falaria de um pentecostalismo
bíblico, baseado na própria Escritura. O ministério do Espírito Santo é apontar para
Cristo. Não existe pentecostalismo que não aponte para Cristo. Nossa ênfase é a
cruz, é a salvação, não tanto o Espírito Santo por si só. Jesus mesmo falou que ele
não viria para isso, mas para apontar para o Filho. Então a gente cuida muito disso.
Embora afirmemos, por exemplo, a contemporaneidade dos dons espirituais. Todos
eles estão ativos, são bênçãos para igreja, embora a gente entenda que não existam
mais os apóstolos, como na época bíblica, nem tampouco os profetas como do
Antigo Testamento, mas existe o dom de profecia e o apostolado. Talvez hoje, seja
algo muito próximo desse missionário desbravador. Mas todos eles continuam
ativos. O ministério do Espírito Santo ele é ativo na igreja o tempo todo. Mas a
gente se apega muito ao que Paulo [apóstolo] fala, principalmente, sobre questões
próprias do pentecostalismo. O lugar do dom de línguas, a ordem no culto, que não
seja aquela bagunça, gritaria. E essa noção, principalmente, de que Deus está
falando, Deus está numa atividade real e íntima em cada culto. Então a gente deve
vir com essa expectativa de que Deus, de fato, vai falar, vai fazer um milagre, vai
operar alguma coisa, sem obviamente determinar absolutamente nada disso. Isso é
soberania absoluta dele. Assim eu vejo nossa definição de pentecostalismo. São
esses os critérios, os aspectos mais evidentes (MARCELO).
“O Espírito Santo aponta para Cristo”, não necessariamente o Espírito Santo por si só como
ele afirmou acima. Pastor John abordou o assunto estabelecendo comparações entre
neopentecostalismo, pentecostalismo e protestantismo:
Historicamente falando, acho que o pentecostalismo é mais próximo do
protestantismo do que o neopentecostalismo do pentecostalismo. Acho que [o
neopentecostalismo] é um salto tremendo para fora da ortodoxia, pelo seu
pragmatismo religioso, pelo seu sincretismo, sua indefinição doutrinária. Não tem
uma única expressão disso, são vários pentecostalismos, mas se tiver que fazer
aquele corte: cura, exorcismo e prosperidade, que o Alderi [de Souza Matos] faz no
seu artigo no centenário do pentecostalismo, em 2006, lá na Fides Reformata239, se é
isso, eu vejo mais como uma fé utilitária, pragmática, confusa (J. MCALISTER).
Para o neto de Roberto, tido como precursor do neopentecostalismo, este estaria mais
próximo de uma heresia, em termos teológicos, porque seria “um salto tremendo fora da
ortodoxia”. Já o pentecostalismo com o qual gramaticalmente se identifica, estaria mais
próximo do protestantismo, que é o espaço onde ele, Walter e a liderança da ACNV mais
transitam e se identificam. John prosseguiu sua narrativa fazendo um reconhecimento quanto
à forma das pessoas do neopentecostalismo, exacerbando sua concepção calvinista quantos
aos crentes “eleitos” que estão em grupos neopentecostais:
Embora... estranhamente louvável pelo fervor e pela devoção religiosa. Fazendo um
corte puramente humano, não teológico ou bíblico, é um povo que realmente crer no
crê, por mais que creia equivocadamente. Se os crentes ortodoxos cressem com tanto
fervor, com o mesmo zelo que os neopentecostais, então a igreja evangélica seria
muito diferente. Então tem muitas coisas louváveis (risos). É Paulo falando sobre os
judeus: é muito zelo e pouco conhecimento. Apesar disso, tem crentes lá, tem eleitos
escondidos lá, embora, mais cedo ou mais tarde, os eleitos não costumam ficar. Eles
costumam correr de lá (J. MCALISTER).
239
Revista teológica de orientação calvinista ligada a Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. O
referido artigo está disponível em:
http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_XI__2006__2/Alderi.pdf (acesso em:
1 dez. 2016).
228
Lidar com “possessões demoníacas”, que foi uma atividade frequente na atuação de
Roberto, segundo comentou Tito Oscar e também Walter, no capítulo 2, é, para seu neto
pastor John, uma novidade em termos de experiência. Na verdade uma raridade singular, pois
na entrevista ele comentou que somente ocorreu esta vez. Este dado é ilustrativo da
assimetria, embora reconhecendo a distância temporal com todas as consequências dela
advindas, da era Roberto McAlister e da época de seu neto Pastor John McAlister. No período
de Roberto, especialmente nos tempos iniciais da Cruzada no auditório da Associação
Brasileira de Imprensa, eram freqüentes os casos de possessão e libertação. Mas também
depois, como os livros publicados por Roberto atestam. Tanto o “Mãe de santo...” já
mencionado, quanto o “Crentes endemoninhados: a nova heresia”, publicado por Roberto
McAlister, em 1975, quatro após estar no novo templo-sede, no bairro de Botafogo.
percebe novamente a utilização de conceitos teológicos por parte do jovem, o que confirma a
eficácia do processo de socialização feito pelo programa de educação religiosa da igreja para
dotar seus membros da concepção calvinista. Uma campanha de mudança cultural, como tem
sido visto neste trabalho, que vem alcançando êxito. Possivelmente pelo empenho da
liderança da Catedral, sobretudo entre os mais jovens, a “campanha de mudança cultural” na
igreja-sede seja mais rápida e eficiente do que no nível dos pastores do presbitério, liderada
pelo bispo primaz. Também aqui, entre os pastores mais jovens (todos cursaram o IBRMEC),
a adoção da nova visão da denominação é mais forte do que entre os líderes mais antigos. A
comparação entre os dois pastores de Botafogo e os dois da Catedral, marcada pela diferença
geracional, é simbólica dessa transformação. Os dois primeiros, com mais idade e que
conheceram Roberto são mais relativamente pentecostais. Os dois jovens pastores da catedral,
em comparação aos de Botafogo, revelam crenças claramente calvinistas e
despentecostalizadas
Uma espécie de síntese do acontece atualmente na ICNV foi dada na resposta de
David: “Se você for parar para pensar, de crer sim. Mas de manifestação não (riso)”. Ou seja,
na afirmação da crença, dizem que são pentecostais, porque continuístas, não cessacionistas.
No entanto, como bem disse o jovem, “crer, tudo bem”, mas de manifestação desses dons,
como falar em línguas ou curas, especialmente no ambiente do culto, não. O que converge
para uma afirmação e identidade muito próximas de igrejas históricas ou não pentecostais.
Pois estas não negam conceitualmente, nem proíbem a prática individual e particular, mas
jamais estimulam isso no culto e como exercício cotidiano da experiência religiosa.
Seguindo esta compreensão David considerou o assunto fazendo explicações:
De prática, de prática, diretamente, não. Para você se adequar às igrejas pentecostais
que se dizem hoje eu não me adequaria. Tanto é que a igreja mudou de nome, que
era a Igreja Pentecostal de Nova Vida, pela banalização, o bispo mudou [o nome].
Hoje, a catedral você não diz que é uma igreja pentecostal. Nas outras [ICNVs]
talvez você assimile: Ah, essa é pentecostal. Como alguns amigos dizem: a igreja é
uma igreja litúrgica (DAVID).
Já Flávia, senhora que viveu com intensidade o período da igreja na época de bispo
Roberto declarou com ênfase que a ICNV “não é pentecostal”, explicando as razões de sua
resposta:
Ele [Walter] se diz pentecostal. Mas eu não vejo nada de pentecostal aqui. Porque
ele acha que ser pentecostal é outra coisa. Eu, para mim, ser pentecostal é deixar o
Espírito Santo te usar conforme ele usa. Ele usa em línguas estranhas, ele usa em
revelação, ele usa em você dar um abraço numa pessoa e a pessoa receber uma cura,
ele usa você falar uma coisa para uma pessoa e a pessoa se descobrir naquela
palavra. Esse é o Espírito Santo que habita em mim! (FLÁVIA).
231
Conforme essa entrevistada, como tais práticas não ocorrem atualmente seria retórica
afirmar identidade pentecostal da Igreja Cristã Nova Vida.
Em resumo, alguns jovens concordaram que a igreja é pentecostal, outros optaram por
explicar sua identidade pelo binômio pentecostal-reformado. No entanto, quando definiram
pentecostal, verificou-se uma distância e diferença conceitual entre aquilo que os mais antigos
ou pessoas com mais idade na igreja compreendem como pentecostal. De tal maneira que
dentre estes idosos alguns disseram que a igreja já não é mais tão pentecostal e até afirmações
categóricas críticas de que não é pentecostal. Neste sentido, uma senhora julgou que esse
afastamento das crenças e práticas pentecostais tem a ver com estudos e reflexões teológicas,
ações valorizadas pelos mais jovens e que recebe apoio e investimento da direção da Catedral.
Disse ela: “Para quê fazer teologia? Para quê?” Responsabilizou o Bispo Walter por essas
mudanças pelo víeis da formação teológica bem como do pastor John que teria seguido o
mesmo caminho da formação superior em teologia. E insistiu em afirmar, criticando a linha
adotada pela liderança da igreja, de que “Jesus é pentecostal. Tudo o que Jesus fez mostra que
ele é pentecostal”. Reconheceu que o pastor John sabe da Palavra, mas reclamou que ele a
interpreta diferente de um pentecostal.
Desejando manter-se como igreja pentecostal, estaria o fundador Roberto McAlister
sendo coerente com sua visão ao não permitir que seus pastores cursassem teologia, pois
desconfiava que eles pudessem arrefecer seu fervor pentecostal?! Associando à teoria de
Weber (2010), mais formação intelectual resultaria em menos misticismo.
Como se viu acima, ser pentecostal – que foi caracterizado por diversas práticas – na
perspectiva da ICNV, tanto lideranças quanto fiéis, se transformou em discurso, uma teologia.
O Espírito Santo com suas ações e façanhas teria sido aprisionado pela linguagem. O
misticismo existencial se converteu em ascetismo intelectual.
De maneira semelhante pastores consideraram essa questão. Bispo Luiz Paulo falou da
identidade de sua igreja em Botafogo afirmando ser pentecostal, embora de forma lacônica e
diplomática: “É, eu acho. No nosso ritmo. Acompanha o ritmo”. Já o pastor Ragner Chagas
foi incisivo:
Considero que Botafogo é pentecostal, considero que a minha denominação é
pentecostal também, que a Igreja Cristã Nova Vida é pentecostal, tem sua raiz
pentecostal. Essa igreja [Botafogo] também. Não somente porque está ligada [à
ACNV], mas também por ter sua liderança pentecostal (RAGNER).
Essa sua afirmação converge para o que foi discutido nesta parte, da questão da
afirmação dogmática de crenças pentecostais, que não se revelam na prática. Conforme o
conjunto de sua própria entrevista e do também do Bispo Luiz Paulo bem como da realidade
232
atual de Botafogo. Nos cultos dessa igreja específica em que participei, sejam no domingo ou
durante a semana, com a direção litúrgica e pregação do bispo ou do pastor, nenhuma prática
nem mesmo discurso do que se identifica como pentecostal foi percebido. As práticas
pentecostais que eram reais e existenciais se tornaram virtuais ou apenas nominais. A ação se
transformou em cognição.
O pentecostalismo como experimentado por Roberto McAlister e os fieis de sua época
é cada vez mais só uma narrativa, e quase anacrônica, para os mais jovens. Para os
remanescentes que ainda estão na igreja, é uma memória e cada vez mais distante. O futuro da
ICNV está em outra perspectiva teológica, mais afeita ao discurso do que a prática. Como já
tem sido visto e será melhor abordado no tópico a seguir.
conforme vem sendo experimentado pela igreja local e denominação em geral. Portanto,
Roberto elegeu a perspectiva arminiana para desenvolver seu projeto Nova Vida, desde a
Cruzada e Igreja até a organização da denominação. Sob Walter com apoio de John a ICNV
foi “predestinada” a ser uma igreja e denominação calvinista. Esta mudança, que caminha
junto com o processo de despentecostalização, não diz respeito a meras questões teológicas.
Elas têm explicações sociológicas e implicações sociais, pelas mudanças de mobilidade
social, principalmente quanto ao perfil geracional e de instrução de seus membros, como foi
visto ao longo deste trabalho.
Portanto, uma das mudanças identificadas e assumidas pela direção da ACNV diz
respeito à sua adesão a uma perspectiva das doutrinas reformadas, mais especificamente a um
recorte calvinista como defesa da predestinação, entendida como pessoas eleitas por Deus
para “salvação”, independente da vontade delas. E os demais, os “não-eleitos”, por
conseqüência, destinados à danação eterna. Bispo Walter faz um exercício de elasticidade
para considerar e afirmar que seu pai, Roberto, já vinha se abrindo para a possibilidade de vir
a conhecer e aceitar “as doutrinas da graça”, isto é, as crenças calvinistas da salvação. Outras
vozes, no entanto, dentro e fora da ICNV fazem afirmações antagônicas. Pastor Martinho
Lutero e o bispo Tito Oscar, ligados ao CNVB, asseguraram que Roberto era convictamente
“arminiano”, pois foi sua formação e prática no pentecostalismo histórico desde o Canadá.
Também fiéis da ICNV bem como um bispo da igreja que conviveram com ele tem as
mesmas compreensões, de que Roberto nada tinha de calvinista em sua doutrina, mas era
arminiano, como o pentecostalismo assembleiano, de onde ele provém. Achando estranho
relacionar este assunto com a era Roberto McAlister, como se fosse extemporâneo, Ester, a
senhora que conviveu com todas as gerações de McAliser na Nova Vida, comentou:
Olha não sei dizer, porque ele não pregava sobre isso. Ele falava, sim, sobre o amor
de Deus, sobre curas, sobre vários tópicos, mas não falava de doutrina calvinista. Eu
não me lembro disto. Na época eu era muito nova, estava empolgada para receber e
conhecer muito a Deus e eu não me ligava em calvinismo. Nunca tinha ouvido falar.
E ele não falava sobre nisso. Não falava (ESTER).
vida e outras pessoas não; por que alguns se convertem e outros nunca são tocados pela fé? A
predestinação responderia a essas questões. As pistas captadas nas entrevistas, em particular
dos fiéis mais jovens, denotam que o calvinismo faz sentido para eles pela ideia geral da
“soberania de Deus”.
Para entender possíveis alterações nessas crenças, tendo em vista as diferenças
históricas e etárias, foi perguntado se o entrevistado acreditava mais em predestinação ou em
livre-arbítrio. Como geralmente ocorreu em outros itens, os mais jovens se identificaram
fortemente com predestinação enquanto que a geração idosa se associou à concepção do livre-
arbítrio.
O jovem Ângelo, de 25 anos, deu sua posição quanto a esse quesito, assumindo
unicamente um lado, utilizando vários termos todos próprios da doutrina reformada como que
a dar clareza e sem deixar qualquer possibilidade de dúvida: “Predestinação, eleição,
calvinismo bíblico, calvinismo que o próprio Calvino prega”. Já Ana, senhora de 74 anos que
está na Nova Vida desde os tempos de Roberto, em 1980, assumiu a condição que a coloca no
polo extremo: “Livre arbítrio todo mundo tem. Se Deus dá direito a pessoa ter livre arbítrio,
quem sou eu para não dá?! Então tem que ter”.
Alguns respondentes buscaram conceber cognitivamente o hibridismo das duas
possibilidades, como tentando unir pentecostal (arminiano) com reformado (calvinista). Com
essa tentativa, procuravam, talvez, não cindir o passado sob Roberto com o presente com
Walter e John, como se pode atestar na fala de Ester, ativa há mais de 40 anos na igreja dos
McAlister: “Acredito nos dois. Sim, porque é possível conciliar, eu creio”. Contrário a isso
Brenda, a jovem senhora reagiu à questão que perguntava se era possível convergir as duas
posições:
Acho que não tem como ter duas possibilidades. Ou você acredita ou... Eu entendo a
predestinação. Sei como está na Bíblia. Se for lê: predestinados, presciência,
presciência para ser salvos, mediante a santificação para obediência a Jesus. A
predestinação é a Trindade que determina isso. A presciência de Deus pela
santificação do Espírito para a obediência a Cristo. Todos os lugares da Bíblia falam
da predestinação. Agora entendo que as pessoas optam por não acreditar porque é
muito difícil você aceitar a predestinação. Ainda mais quando você tem três filhos,
quando tem uma família inteira. A salvação sai totalmente do seu controle, da sua
colaboração, não tem nada que você faça. Então, predestinação (BRENDA).
De maneira semelhante César, que atua no trabalho com jovens na Catedral, afirmou
que somente acredita em uma dessas facetas, como explicou:
Na verdade eu acredito só em predestinação e nada em livre arbítrio. Na verdade não
por não haver nenhum tipo de livre arbítrio, mas por crer piamente de que o livre
arbítrio, na verdade é uma prisão. O arbítrio do homem só conduz a destruição. Eu
acho que a única forma de um homem ser salvo, não é pelo livre arbítrio dele, é pela
graça de Deus que conduz ele de um momento até o outro (CÉSAR).
235
Já Cláudia, oriunda da Igreja Metodista comentou, revelando sua posição, sobre o que
tem ouvido na igreja e de como isso tem causado dúvida:
Eu acredito mais em livre-arbítrio. Quando eu comecei a ter contato com esse
negócio de predestinação eu fiquei meio com pé atrás. Eu não consigo me ver
acreditando nisso. Eu consigo acreditar mais no livre-arbítrio. Que Deus veio, se
apresentou, tem a Palavra, você aceita, segue os mandamentos e é salvo. Se estou
certa, eu não sei, mas a gente precisa viver de acordo. Não é porque eu estou
predestinada a ser salva que eu vou viver uma vida bagunçada porque sei que no
último minuto Deus vai me salvar. Eu não consigo conciliar essa ideia no que eu
vivo (CLÁUDIA).
David, que participou da Assembleia de Deus antes de se transferir para a Nova Vida e
que estava acompanhado da esposa, (que também veio de uma denominação de tradição
arminiana), contou de sua mudança de concepção doutrinária no contexto atual da ICNV:
Estou conseguindo mudar de ideia, eu pensava como ela [acreditava no livre-
arbítrio], mas eu passei a acreditar mais na predestinação, lendo os textos, até
mesmo a interpretação da Bíblia eu acabo me identificando mais, entendendo mais
sobre a predestinação, parece que as coisas se fecham. Isso é também uma mudança
radical para mim, mas tenho acreditado mais na predestinação. Isso foi uma
desconstrução absurda na minha mente. Não que eu me forcei. Mas buscando e
vendo algumas coisas você acaba se questionando. E eu acabo vendo tanto como
livre-arbítrio, eu vejo isso, e também a questão da predestinação. Mas tenho me
convencido que a predestinação tem seu fator primordial (DAVID).
mas nunca tinha ouvido falar de calvinismo”. Disse que somente veio tomar conhecimento
disso na ICNV e que “entre arminianismo e calvinismo fico com calvinismo”, ressaltou.
Possivelmente essas definições são tomadas pelos fieis a partir do que ouvem nas pregações
dos cultos, nos ensinos da escola dominical, nos eventos de formação, como as “manhãs
teológicas”, conforme foi visto no capítulo 3. Mas também reforçado por leituras, não
necessariamente de Calvino (e de outros autores dessa corrente doutrinária), mas de
comentadores de sua obra ou de tópicos de seus conceitos. Todos eles defensores e
promotores desse viés teológico. A Anno Domini não possui nenhuma publicação de um texto
de Calvino, mas edita livros de diversos autores dessa perspectiva, como já foi abordado no
capítulo anterior, que são amplamente divulgados e consumidos, sobretudo por jovens. Eles
eram maioria no encontro da Manhã Teológica, como já foi visto.
O jovem César, que é líder destacado na catedral, narrou: “Talvez em boa parte das
igrejas ainda não existe isso muito confessional, mas aqui na catedral é o ensino, é de linha
calvinista e a maioria de nós crê no calvinismo”. Uma senhora, Ester, de todas as eras
McAlister analisou buscando conciliar as correntes, mas tratou genericamente, mostrando
insegurança ao falar enquanto respondia: “Acho muito coerente o calvinismo, muito
equilibrado. O que eu tenho ouvido sobre o calvinismo me agrada. Mas o outro lado, o
arminianismo, tem coisas boas também. Eu não desprezo também não. Acho que no todo tá
tudo junto”. Pelo jeito, não quis desconsiderar o arminianismo de sua formação inicial com
Roberto nem complicar sua relação atual em que Walter e John são fortes defensores do
calvinismo.
Quanto à posição dos pastores, na Catedral todos se manifestam explicitamente pró-
calvinismo. Como Marcelo Maia, que até lamentou não ter conhecido tal doutrina antes, pois
a Igreja Congregacional de onde saiu, é de tradição arminiana: “Foi desconfortável porque eu
achava que deveria saber de todas as vertentes. Então terem negligenciado isso foi chato”. Já
em Botafogo, Bispo Luiz Paulo, pastor há 10 anos da ex-igreja sede, ao ser questionado se era
mais pentecostal ou mais reformado, respondeu: “Eu sou mais pentecostal (riso). É a minha
história de vida, nasci dentro [do pentecostalismo]”. Sobre a identidade dos pastores da
Aliança, ele comentou: “Acho que os mais antigos são mais pentecostais. Os mais novos, que
já estão estudando nessa linha com o [pastor] John, esses estão na parte mais
reformada”. Bispo Luiz Paulo confirmou voluntariamente o que temos considerado quanto às
diferenças doutrinárias no tocante ao corte geracional. Em relação a sua posição, mantém-se
como pentecostal e sem assumir a teologia calvinista; no entanto, não demonstra
237
confrontoconquanto não faça apologia à nova doutrina da igreja. Esta postura pode ser
indicativa de outros pastores, da mesma geração de Luiz Paulo no contexto na Aliança.
Pode parecer um detalhe, mas conduzir-se pelo calendário litúrgico inclusive com
adoção das cores correspondentes às estações da era cristã é algo realmente que surpreende
para uma igreja que se diz pentecostal, pois é uma prática pouco usual no segmento
evangélico brasileiro, sobretudo no contexto pentecostal. Além da Igreja Católica apenas
igrejas luteranas, metodistas e presbiterianas se dirigem por esse calendário, embora não
universalmente entre estas protestantes. Batistas, congregacionais, adventistas desconhecem
ou não reconhecem tal roteiro litúrgico e suas cores. Esta prática remete a tradição do
cristianismo mais histórico, tanto católico quanto protestante. É, portanto, com esse universo
simbólico e mesmo doutrinário que a ICNV parece se aproximar em suas crenças e práticas. E
estas se tornam diametralmente opostas à identidade e ambiente compreendidos como
pentecostal. A Quaresma, por exemplo, período que antecede a Páscoa, é uma das celebrações
mais concorridas e divulgadas na ICNV, em particular na Catedral. São realizados cultos com
folhas de palmeiras e galhos de árvore, no “Domingo de Ramos. Seguem, na semana da
Páscoa, cultos do Lava-Pés, da Paixão na sexta-feira e celebrações especiais da Ressurreição
no domingo de Páscoa. O uso das cores se dá principalmente na decoração do templo com
uma flâmula ou estandarte, que contém um símbolo cristão, geralmente uma cruz, colocado
na frente do púlpito.
238
Representação artística exposta em mural no hall da Catedral representando o calendário litúrgico com suas
respectivas cores. Segundo Pastor Marcelo Maia esta arte resultou de uma atividade pedagógica feita com as
crianças na Escola Dominical (Foto de Clemir Fernandes, 10/02/2016).
Algumas coisas evoluíram bastante, desde a minha chegada até aqui. Até porque a
membresia da igreja mudou. Você já deve ter ouvido do próprio bispo a respeito do
afastamento dele, afastamento forçado dele [quando] o pastor John assumiu a igreja.
Juntos nós começamos, sempre que possível procurando o bispo para avaliar junto
com a gente. O que eu posso destacar nesse período em que nós começamos a mudar
algumas coisas, por exemplo, a questão da membresia, de passar para a igreja uma
ideia muito clara do que é ser membro da igreja. A necessidade de você firmar um
compromisso. Tanto que instituímos um pacto de membresia, um curso para novos
membros. Então essa ideia que existe sim duas coisas aqui: existem membros,
compromissados e existe aquela pessoa que vem a igreja. Essa noção muito clara. A
gente não vai fechar a porta para ela, isso aqui não é sociedade secreta
(MARCELO).
A mudança teológica que vem sendo conduzida pelo bispo primaz, com maior
intensificação a partir do começo dos anos 2000, ganhou operacionalização mais estrita na
comunidade local com seu filho pastor John, auxiliado pelo pastor Marcelo, quando assumiu a
regência da Catedral em 2008. Isso resultou em saída de pessoas, o que é, em tese, não
anormal, pelas mudanças que acarreta na forma e estilo de conduzir a igreja. Sobre o
“afastamento forçado” de Walter este jamais comentou acerca do assunto nas entrevistas,
mas, segundo informações mais abaixo, deu-se em função de enfermidade de sua esposa.
Marcelo explicou a razão dessa mudança, que exige compromisso do fiel em seguir as
regras da igreja, o que levou algumas pessoas a desistirem ou mudarem de igreja, conforme
relatou acima. O Pacto de Membresia tornou-se, portanto, uma espécie de registro formal de
compromisso institucional entre o fiel e a igreja. No culto da manhã no domingo 13 de março
de 2016, pastor John apresentou três novos membros – um casal e seu filho jovem – que
cumpriram os requisitos do referido Pacto. Eles foram convidados a subir a plataforma e
diante da igreja pastor John leu o Pacto de membro para todos os presentes, enfatizando ao
final deste momento que “ser membro é algo assumido”. O que leva a maior
comprometimento, conforme explicou pastor Marcelo Maia:
Agora como a gente tem um pacto que medeia as nossas relações então eu posso
cobrar do membro determinadas posturas. Posso chegar junto e perguntar: vem cá o
quê que está acontecendo? Porque isso está assim quando deveria estar desse jeito?
Como somos dois, eu e o pastor John, a gente pode trabalhar bem isso. Algo que o
bispo nos estimulou embora ele tenha vindo de uma era em que isso não era tanto a
prática da igreja. Então a gente fez isso (MARCELO).
O acompanhamento pastoral dos membros passou a ser mais próximo, com formação
continuada nas doutrinas e práticas adotadas pela liderança da igreja e com cobranças acerca
de suas posturas, inclusive sujeito a ser disciplinado:
Começamos a trabalhar com esses grupos, homens, mulheres, casais, dentro do
possível, jovens, pedindo um pastoreio, um discipulado mais próximo. Isso foi algo
que evoluiu ao longo desses anos desde que eu cheguei. E mais recentemente tem
sido objeto de nossos estudos essa questão da disciplina da igreja. Como praticar a
disciplina bíblica e como discipular as lideranças, porque eles estão mais próximos
240
de nós. Então esse tem sido o ponto das leituras, das conversas. Desde quando eu
cheguei o bispo mesmo lançou isto e o pastor John pegou e começou a desenvolver
junto comigo essa ideia de uma igreja litúrgica e discipular (MARCELO).
Verso do folheto que traz o Pacto de Membresia da Catedral, chamado de Nosso Pacto, destacando os
passos para se tornar membro da igreja sede da ACNV. Pelo que apresenta não parece ser um processo fácil nem
rápido conseguir se tornar membro da Catedral de Nova Vida. (Arte e foto Clemir Fernandes, 24/12/2016).
lugar. Alguns estranharam essas mudanças. Outros, quando a gente começou a falar
sobre principalmente doutrina reformada, porque não receberam, principalmente os
que vieram da época do bispo Roberto, olha isso não é a Nova Vida que a gente
conheceu. Já ouvimos isso não foram poucas vezes. Algumas questões pessoais
envolvendo relacionamento, ninguém escapa disso. E um fluxo grande de jovens nos
últimos anos. Jovens e famílias jovens que tem chegado. Hoje boa parte de nossa
membresia tem esse perfil: casais jovens, com filhos pequenos ou jovens já na idade
de assumir um compromisso de casamento. Todos em busca de pregação expositiva,
pastoreio mais próximo. Então isso parece que é um movimento que não vai parar
tão cedo (MARCELO).
A fala do pastor Marcelo reiterou o que tem sido refletido também a partir das
percepções dos fiéis entrevistados sobre desconforto que causou na igreja as mudanças mais
incisivas aplicadas após a posse do pastor John como regente da Catedral. Gerações mais
antigas, especialmente saíram, entretanto, novos membros têm chegado à igreja, como ele
revelou. E o perfil etário desses tantos é jovem em sua maioria. Além dos entrevistados para a
pesquisa, conversei aleatoriamente com algumas pessoas após os cultos na catedral, bem
como com o pastor John sobre essas pessoas, muitas delas participando de classes para novos
membros. Todos aqueles com os quais conversei bem como outros acerca dos quais o pastor
John comentou, são universalmente oriundos de igrejas evangélicas, sobretudo pentecostais,
alguns de outras congregações da Nova Vida, tanto da ICNV, quanto da Aliança e de outros
grupos. Mas ainda alguns de igrejas históricas, como batistas. E parece ser uma tendência que
continuará a crescer, conforme a previsão do pastor Marcelo Maia. São jovens mais
intelectualizados em busca de uma espiritualidade menos encantada e mais comprometida,
como revelou pastor John, e como já visto anteriormente neste capítulo.
Embora essas novas ações levadas a cabo pelos dois pastores da Catedral, Marcelo
afirmou que não houve mudança quanto à identidade, mas que ela foi reforçada, dentro da
releitura que faz atualmente do que é ser pentecostal, conforme foi destacado em citação
acima, no tópico “autoidentificação pentecostal”.
Walter é o bispo, ele conduz a igreja a partir de sua primazia. Os pastores e bispos da
Aliança necessariamente não retrucam, até porque não há assembleia, fórum de discussão. É
uma denominação de governo episcopal. Os pastores que discordam ou buscam
deliberadamente postura doutrinária ou comportamental antagônica da direção da
denominação acabam por sair ou serem desligados. Como já aconteceu e relatado pelo Bispo
Walter no terceiro capítulo. Num encontro do Presbitério do qual estive presente, participei
informalmente de uma conversa entre dois pastores de igrejas da Aliança no Rio. Em tom de
brincadeira, comentavam das recomendações dadas há pouco pelo primaz na reunião na
Catedral. Um pastor, de origem batista, que lidera duas igrejas na região do bairro de
242
Sepetiba, mas na denominação desde a época de Roberto, falou com ironia: “o bispo fala e a
gente procura fazer, depois ele muda de novo e a gente segue”.
Esse discurso de mudança é reforçado pelo Pastor John McAlister que atua nessa
frente de transformação a partir da igreja sede da denominação. Ele enfatizou semelhanças e
diferenças que identifica entre o passado da Nova Vida sob seu avô, mais recente com seu pai
e a realidade atual da Catedral sob sua própria direção:
A principal semelhança é este espírito reformador e, coincidentemente ou não, é o
grande lema da reforma: A igreja reformada está sempre em reforma. Sempre
reavaliando a nossa herança, as tradições recebidas, tudo o que ensinamos, o que
fazemos, como fazemos. Sempre reavaliando à luz da história, principalmente à luz
da Palavra de Deus. [Esta] foi uma marca do meu avô, é uma marca do meu pai e é
uma marca minha também, a ponto de eu e meu pai reconhecermos isso um no
outro. Tem certas coisas que ele questionou a respeito do meu avô e há certas coisas
que eu já estou questionando a respeito dele. E a gente lida com isso com graça, mas
reconhecendo ênfases diferentes na atuação de cada um (J. MCALISTER).
Ele citou outro fator que julga associá-lo doutrinariamente a seu avô e a seu pai, porém
à luz de uma releitura e ressignificação da compreensão do que seja pentecostal. Portanto,
John não rompe categoricamente com a postura de seu avô. Embora na prática promova
muitas mudanças que, provavelmente, deixaria seu avô desconcertado, sob a análise do
discurso John mantém a ideia de continuidade. Assim sendo, seja por questão familiar, seja
por outro motivo, seu discurso não é de ruptura total e assumida. John falou do esforço de
243
reforma da igreja e suspeitou de que não esteja fazendo isso segundo os cânones pentecostais,
porém mobilizado por suas próprias convicções e compromissos:
Outra semelhança, creio eu, é absoluta dependência do Espírito Santo, que é a
grande marca do pentecostalismo, interpretado de maneiras diferentes por cada
geração, mas, espero eu que a gente não esteja tocando essa reforma só na força do
nosso braço (risos). Na dependência de nossa própria sabedoria. Se alguma mudança
concreta e duradoura virá de tudo isso é pela ação do Espírito. Então a ênfase em
oração, em uma vida piedosa, uma vida devocional, pessoal, familiar,
congregacional. Creio que isso é uma constante. Se bem que tem tido ênfases
diferentes. Quanto a grandes diferenças... Bem, o meu avô era um reformador, mas
que, creio eu, ele não teria investido na preparação de uma liderança com a mesma
capacidade de pensar criticamente suas tradições. Então, curiosamente, ele repensou
muita coisa e muitos [pastores] que ele ordenou e que o seguiram, simplesmente
copiaram o que ele fez, sem pensar criticamente o que ele fez (risos). Houve uma
tentativa frustrada na década de 80 de montar uma escola ministerial em Botafogo,
que não durou um ano. Então o que meu pai viu a necessidade de treinar uma nova
geração de ministros com capacidade de reflexão critica e com uma competência
teológica mínima para saber se defender teologicamente. Saber fazer essa releitura,
mas com uma veia mais reformada, mais calvinista do que arminiana. Então isso já é
uma marca que muitos já notaram entre meu avô e meu pai. Eu acho que eu sou
ainda mais reformado do que os dois (risos). E talvez um pouquinho menos
pentecostal, aos olhos do mundo pentecostal. (risos). Meu pai sabe disso. A gente
vai e vem. Mas, espero que eu não esteja renunciando às minhas raízes pentecostais
(risos) (J. MCALISTER).
Nesta parte da entrevista John assume o que outros pastores e fieis já observam, isto é,
que, em relação a seu pai Walter, ele é menos pentecostal e mais calvinista, sendo que Walter
em relação a Roberto já é bem menos pentecostal e também calvinista, o que seu pai, neste
campo era “totalmente arminiano”, como disse o pastor Martinho Lutero e confirmado por
Tito Oscar.Ao salientar que “meu pai sabe disso”, John parece fazer uma espécie de mea-
culpa em relação a seu pai, por ser ainda menos pentecostal que ele e mais acentuadamente
calvinista que seu genitor.
A seguir, John retoma a questão da formação dos pastores, conforme mencionou antes,
enfatizando esta iniciativa, que se traduz no que estamos chamando campanha de “mudança
cultural”, por meio da educação dos novos lideres levada a cabo por meio do instituto e no
contexto da Catedral, para os crentes em geral:
Eu ainda sou mais voltado não só pra competência teológica de ministros, que o
IBRMEC faz. Com o advento da escola bíblica dominical na Catedral, a gente está
levando isso para os leigos, pro nível leigo, é um passo além, a gente quer capacitar
toda a membresia. Para ter essa destreza na Palavra, essa consciência histórica da
igreja e fazer essa releitura crítica do pentecostalismo e saber que não existe um
único pentecostalismo. Ou que o pentecostalismo majoritário no Brasil não é a única
ou a melhor expressão dessa tradição. Com isso, com essa capacitação leiga na
igreja local vem também uma releitura de membresia, a visibilidade da igreja, o que
passa por todo esse processo que descrevi, de instrução, de entrevista, de capacitação
de membros para que tenham uma única visão do que é a igreja do que é ser cristão,
do que é ser um discípulo de Cristo. É uma releitura, creio eu, na minha época,
porque, diferente do meu avô – há 55 anos – você poderia ter certa expectativa
razoável sobre um crente. Ele era o “bíblia”, ele tinha palavra, ele tinha
compromisso, ele tinha integridade. Você podia esperar certar coisas de um crente.
244
Hoje não. Até aquele que se identifica como crente há 20, 30 anos, você não pode
esperar absolutamente nada. Então eu não presumo absolutamente nada a respeito
das pessoas que chegam aqui se dizendo crentes. Eu as considero incrédulas até que
me provem o contrário (risos). Até que me mostrem que entendem de fato o que é o
evangelho, entendem o que é igreja, qual é o privilégio e a responsabilidade de ser
um membro de uma igreja. Isso porque nós vimos o processo de secularização da
igreja, de mundanismo que adentrou a igreja nos últimos 20, 30 anos (J.
MCALISTER).
John explicou que falava do contexto evangélico no Brasil, não da Nova Vida
especificamente e destacou o rigor com que vem selecionando os novos membros para a
catedral e qual o modelo eclesiástico que vem desenvolvendo em sua comunidade religiosa:
Estou falando em termos mais amplos, da igreja evangélica em geral. Então a
bagunça que se tornou a igreja evangélica no Brasil. Então nós vimos a necessidade
de exigir ainda mais de um membro da igreja. O que confronta tudo aquilo que a
gente vê no Brasil, no Rio, especialmente nessa região. Então nós somos a
contracorrente. Então a igreja está ficando mais informal, irreverente, a gente optou
pelo quê? Por um estilo de igreja ainda mais formal e ainda mais reverente: ano
litúrgico, advento, quaresma, consagração de jejuns periódicos. É, teologia
reformada, é declaração de fé, pacto de membresia... Enquanto o mundo está se
tornando mais mundo e a igreja está se tornando cada vez menos igreja a gente quer
se tornar mais igreja. Em tudo! Nossa crença, nossa conduta, nosso culto (J.
MCALISTER).
John salientou que esta é uma mudança ocorrida sob sua direção na igreja local, cujas
bases já haviam sido aventadas por seu pai, no entanto, a coragem de realizá-la partiu não de
Walter, mas do filho e que tem no segmento jovem a esperança e o apoio para uma igreja
ainda “mais formal e ainda mais reverente. [Com] ano litúrgico, advento, quaresma,
consagração de jejuns periódicos. É, teologia reformada, é declaração de fé, Pacto de
Membresia”. Em suma, conforme a tese defendida neste trabalho a partir dos dados
empíricos, a ICNV caminha em direção a uma identidade de ser uma igreja ainda mais
despentecostalizada, principalmente em referência ao modelo construído pelo fundador. Além
disso, ela se ampara num sistema teológico-ideológico, o calvinismo, a partir da percepção de
Walter e radicalizado por John McAlister. Como ele mesmo percebe e analisa:
Então foi uma necessidade constatada em minha geração. E, por incrível que pareça,
a próxima geração da igreja, os que mais procuram esta igreja não são os mais
idosos – eles também nos procuram – mas 80% dos novos membros são todos
jovens, entre 20 e 30 anos de idade. É gente que não quer uma igreja frouxa, que não
quer um pastor relevante, não quer uma eclesiologia popular e atraente, não quer
uma liturgia solta. Eles querem compromisso, eles querem prestação de contas, eles
querem ser pastoreados de perto, eles querem saber que não são apenas mais um
número aqui, eles querem ter acesso à sua liderança e querem ser cobrados. E eu dou
todas as chances de eles desistirem de serem membros aqui. Eu termino toda
entrevista pastoral dizendo, você tem certeza que quer isso, que quer essa cobrança
em cima de você? Você quer os seus pastores no seu pé, te cobrando do que é ser
um crente, do que é ser um discípulo, do que é ter postura, no seu trabalho, no seu
namoro, no seu casamento, na criação de seus filhos, na sua postura com os outros
membros da igreja? Você tem certeza que quer isso para sua vida? Estou te dando
uma última chance para você sair daqui. Com toda graça, porque depois não tem
245
volta. (risos). Eles sorriem e dizem, não, é isso que a gente quer. A gente não quer
simplesmente perambular por aí, passear de igreja em igreja (J. MCALISTER).
A frustração desses jovens, conforme o conjunto das entrevistas, tanto de fiéis quanto
de pastores, está associada a exigências intelectuais de gerações pentecostais que alcançaram
maior formação educacional em relação a seus pais e também de seus líderes religiosos. Em
consequência desconfiam e criticam doutrinas e práticas religiosas mais encantadas e também
de comportamento moral legalista. Também buscam uma reflexão bíblica menos alegórica e
sentimental e mais racionalizada. E encontram isso, por exemplo, no viés despentecostalizado
e calvinista da ICNV. Tal fuga de jovens da AD, por exemplo, se ampliou a ponto de levar a
uma reação da direção da CGADB, a maior denominação da Assembleia de Deus no Brasil,
mediante a tradução e publicação de obras do autor referencial do arminianismo, que é a linha
teológica predominante do pentecostalismo em geral e das Assembleias de Deus em
particular. Conforme informação para esta pesquisa do pastor Claiton, assembleiano estudioso
do pentecostalismo e já citado no capítulo 1: “O movimento calvinista mais direto e claro é
algo novo nas ADs que se manifesta, especialmente, nos jovens mais intelectualizados. Esta
tendência é bem forte e numerosa atualmente. O lançamento das obras de Armínio240 pela
CPAD é uma tentativa de frear esta tendência” (C. POMMERENING)241. Entretanto, segundo
este entrevistado, as críticas oriundas do calvinismo feitas no contexto da Assembleia de Deus
“fizeram alguns pastores ficarem temerosos quanto a dar liberdade às manifestações do
Espírito”. Portanto, neste caso da AD, a influência calvinista produz constrangimento às
práticas pentecostais, corroborando as mudanças que identificamos de maneira geral como
despentecostalização. Pois ocorre o distanciamento de um paradigma sócioteológico, o
pentecostalismo, e a adoção de outro, o calvinismo.
Em pesquisa coordenada por Paul Freston (2010), já mencionada, um dos
entrevistados foi o pastor Geremias do Couto, assembleiano bastante reconhecido e que se
tornou calvinista. Personagem com posição de destaque na maior convenção da AD no Brasil,
a CGADB, já foi diretor da CPAD e missionário nos Estados Unidos. Sua conversão ao
calvinismo equivale a dizer que passa também por um processo de despentecostalização 242.
Ele tem sido um entusiasta dessa defesa no contexto da Assembleia de Deus. Mas não é o
único.
Esta relação entre calvinismo e despentecostalização que se verifica como uma
campanha de mudança cultural na ICNV mostra sinais de ser uma tendência crescente na AD,
como ilustram dados recolhidos da internet de pessoas reconhecidas no contexto
240
JacoboArmínio (1560-1609), teólogo holandês que apresentou uma perspectiva teológica que faz uma espécie
de contraponto à doutrina predestinacionista do teólogo suíço-francês João Calvino (1509-1564).
241
Entrevista via e-mail, em: 9 dez. 2016.
242
Entrevista concedida a Paul Freston e Robson Souza, em 16 de fevereiro de 2011, no Rio de Janeiro.
248
No caso da ICNV o Bispo Walter propõe uma conjugação de duas tradições resultando
na identidade do “pentecostal-reformado”. Ela buscaria criar uma convergência entre estes
alguns aspectos desses dois sistemas, no entanto, na prática que vai se adensando
especialmente entre os mais jovens, o que ocorre é uma reforma do pentecostalismo que
apaga sinais eloquentes do que foi caracterizado como sendo pentecostal em detrimento do
florescimento de concepções doutrinárias tipicamente reformadas. Embora o binômio de
Walter seja uma tentativa de reunir e produzir uma simbiose desse novo estilo religioso
“pentecostal-reformado” o que tem, de fato, ocorrido é a predominância da pregação e ensinos
calvinistas, que tem suplantado o que restou do pentecostalismo de Roberto. E isso como
resultado de transformações sociais, especialmente no aumento dos índices de formação
educacional das pessoas mais jovens que tem produzido tal alteração na ICNV. Enfim, Walter
fala de pentecostal reformado, mas o resultado para os mais jovens é a reforma do
243
https://abordagensteologicas.wordpress.com/2016/09/29/ameacas-ao-pentecostalismo-classico-e-
assembleiano/(acesso em: 3 jan. 2017).
244
Ano 36, nº 68, s/d.
245
Referência certamente presumível à Igreja Cristã Nova Vida, a única denominação pentecostal a fazer
oficialmente esta mudança, conforme entrevista do próprio Bispo Walter, como visto no capítulo 3.
246
http://danielkock.blogspot.com.br/2015/01/arminiano-de-coracao-e-intelecto-uma.html (acesso em: 3 jan.
2017).
249
Para demonstrar ainda mais essa mudança da igreja e como forma de encerrar este
longo capítulo faremos a digressão abaixo com apresentação de um panorama etnográfico de
culto na ICNV.
numa espécie de canto gregoriano 247. Não há, porém, uma letra estabelecida.
Sobressai a espontaneidade. Os crentes vão fazendo o mesmo, cada um utilizando
formas de expressão muito particulares. De repente estão falando e cantando com
uma língua ininteligível. Afirmam ser línguas estranhas, sinal da presença do
Espírito Santo, como aconteceu entre os cristãos primitivos 248. O ambiente é de
emoção” (FERNANDES SILVA, 1999).
Por causa da presente pesquisa, retornei, em 2014, à Igreja Cristã Nova Vida, de
Botafogo, acompanhando alguns de seus cultos também em 2015 e 2016. A mudança na
liturgia é bastante significativa, sobretudo porque tal manifestação coletiva como sinal da
presença do Espírito Santo não ocorreu, o que era uma prática corriqueira em todos os cultos
quando da pesquisa de graduação. O que se observa agora é um culto mais tradicional, com
muitas semelhanças às celebrações religiosas regulares de igrejas protestantes. Cânticos
tradicionais com louvor comedido e ambiente nada barulhento, pregação pastoral com
apresentação de argumentos bíblico-teológicos típicos de um sermão previamente elaborado e
mais racional, recolhimento de ofertas feito com discrição e sem qualquer apelo à
contribuição, orações sem barulho e mesmo com poucas manifestações audíveis do “amém”
característico, especialmente no final da prece. Ou seja, um contexto sem destacada diferença
da média das igrejas protestantes históricas.
O processo de despentecostalização levado a cabo pela liderança episcopal da Igreja
Cristã Nova Vida mostra resultados surpreendentes na comparação da igreja que pesquisei no
final dos anos 1990. Aquela era ritual e doutrinariamente mais pentecostal e esta agora sem
traço evidente da teologia e prática litúrgica associada ao universo típico das “religiões do
Espírito”.249
A atual catedral, que é o templo sede da ICNV e onde atua o bispo primaz, vive o
modelo ideal a ser copiado pelas demais igrejas da denominação, especialmente quanto a
liturgia e teologia, como já comentamos neste trabalho. A campanha de mudança cultural
desenvolvida por Walter McAlister e por seu filho John juntamente com Marcelo Maia, centra
esforços particularmente nessa área do culto e da doutrina. Ali a liturgia é ainda mais
aproximada do modelo médio das igrejas protestantes históricas e, às vezes, até mais
tradicional do que em muitas destas. Em observação participante do culto dominical da
catedral em 10 de novembro de 2013, no templo sede de então na Avenida das Américas,
247
Melodia sem acompanhamento em que são cantados os textos da liturgia católica romana. Também chamado
de cantochão, ela segue uma linha melódica semelhante, sem grandes variações de grave ou agudo (ISAACS e
MARTIN, 1982, p. 65, 66).
248
Conforme narrativa da BIBLIA. N.T. Atos dos apóstolos. Português. 2ª ed. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica
Brasileira, 1987. Cap. 2.
249
“Religiões do Espírito” ou pentecostais, conforme conceituações de Jardilino (1994).
251
Recreio dos Bandeirantes, faço os registros que seguem, com destaques para outras liturgias
que também acompanhei posteriormente no templo atual da catedral, na Avenida Baltazar da
Silveira, também no bairro do Recreio.
A reunião teve início pontualmente às 10 horas com a chegada do pastor ao púlpito,
que fez uma saudação aos presentes. Ele é John McAlister, o pastor regente da Catedral, filho
do bispo Walter McAlister. Fez uma leitura bíblica do Salmo 97, seguida por uma oração,
com os fiéis ajoelhados no genuflexório dos bancos. Este é um mobiliário mais presente em
santuários católicos e quase inexistente nos templos evangélicos, exceto em alguns, embora
raros, de igrejas do protestantismo histórico. Enquanto o pastor orou houve um profundo
silêncio, quebrado apenas pela suave melodia executada ao piano. A linguagem da oração é
marcada pelos termos da teologia clássica do protestantismo, sem referências a jargões típicos
das orações pentecostais como cura e libertação. Muito semelhante a esta foram as demais
orações – dez ao todo – que tiveram no culto, todas feitas pelo pastor John. Não houve prece
por enfermos, por exemplo, em todos estes momentos de oração. As leituras bíblicas, cinco
durante o culto, incluindo a do sermão, foram conduzidos também pelo pastor. Assim como
todos os cânticos entoados pelos presentes. Ele conduz do púlpito enquanto a igreja canta e os
músicos fazem o acompanhamento discreto ao piano, bateria, contrabaixo. Foram oito
cânticos durante a celebração, sendo cinco hinos tradicionais oriundos de hinários de igrejas
clássicas do protestantismo histórico e três canções, também mais tradicionais do cancioneiro
evangélico brasileiro.
Antes do sermão o pastor deu alguns avisos à igreja. Para isso ele deixou o púlpito
central, desceu um degrau da plataforma, foi para um pequeno púlpito-estante ao seu lado
esquerdo. Como se o espaço do púlpito, de onde se faz a pregação e a condução dos hinos e
orações fosse mais sagrado e não devesse ser utilizado para informações do cotidiano da
igreja. Ele começa falando de uma ida ao shopping no dia anterior para resolver alguma coisa
e disse: “Se você preza sua saúde espiritual, não vá ao shopping. É um lugar infernal,
principalmente neste período de fim de ano”. Achei que fosse só uma brincadeira, mas ele
reiterou com uma expressão bíblica: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz à igreja”.
Continuando com os avisos ele falou do Natal, chamando de advento – linguagem própria das
igrejas mais tradicionais do protestantismo clássico, além da igreja católica – convocando as
pessoas para as celebrações especiais do “Natal cristão”. Informou também de reuniões
regulares na escola dominical para crianças e jovens. Comunicou sobre um encontro para
casais e um seminário da família. Voltou a enfatizar o “Natal cristão” e pediu amém, como
uma maneira de ter o apoio da comunidade. A resposta da igreja com um “amém” foi tímido e
252
ele insistiu: “Amém?” Ao que o grupo respondeu com mais firmeza e participação: “Amém!”
Falou, em seguida, sobre uma campanha para apadrinhamento de crianças de um projeto
social chamado “Lar da criança – Minha casa, doce casa”250. Informou que algumas pessoas
da igreja já estão participando. “Quem quiser fazer doação, dar seus dados com o pessoal da
mesa de entrada do templo. A entrega dos donativos às crianças será dia 21 de dezembro no
orfanato”. Continuou falando referindo-se à construção da nova catedral, cujas obras tiveram
início em maio de 2013 e previsão de encerramento em agosto de 2014. O orçamento é de 15
milhões, dos quais, 4,8 milhões já foram conseguidos, segundo John. O local onde a atual
catedral está erguida, no bairro do Recreio dos Bandeirantes, tem problemas de estrutura por
ser área aterrada, conforme explicação posterior. O novo templo será mais na direção da Barra
da Tijuca, em interseção com o Recreio. Enquanto ele falava, mostrava no projetor imagens
do estágio da obra e desenhos da construção concluída.
Também divulgou os livros da editora Anno Domini – que pertence à igreja –,
especialmente um lançamento recente, chamado “Firme fundamento: A inerrante Palavra de
Deus em um mundo errante”251. Estas informações foram preliminares para o momento de
recolhimento de ofertas, que teve uma música suave ao piano. Neste instante ele falou, sempre
com discrição: “Quem nos visita, não se sinta constrangido a contribuir. Mas se você quiser,
louve ao Senhor com seus dízimos”.
O ritual de entrega de ofertas é feito em dois momentos. No primeiro faz-se uma fila
que segue pelo corredor central em direção ao pastor John, que desceu mais um degrau da
plataforma, se posta ao centro e recebe das mãos das pessoas envelopes com as contribuições.
Ele pega os envelopes nas mãos e os segura, ordenadamente. A cada pessoa que entrega ele a
cumprimenta e dá uma pequena palavra de saudação e bênção. Depois ele voltou ao púlpito e
orou com os envelopes nas mãos. Em seguida um grupo de diáconos – os homens bem
vestidos de paletó e gravata e as mulheres, também sóbria e elegantemente vestidas fazem
recolhimento de ofertas passando sacolas aveludadas entre todos os bancos, mas de maneira
discreta, sem constranger ninguém a contribuir. Ao final, tudo é entregue a um diácono de
maior idade, que parece ser o líder dos outros, que sai com as ofertas junto com outros
diáconos por uma porta lateral.
250
Site do projeto social, que pelas informações, não pertence à igreja, mas é de direção cristã:
http://www.minhacasadocecasa.org.br/ (acesso em: 26 jul. 2014).
251
O título e principalmente o subtítulo do livro revelam seu conteúdo, próprio de uma teologia protestante
clássica, associada ao fundamentalismo, muito corrente na primeira metade do século XX, principalmente nos
Estados Unidos.
253
sempre: “Pare de sofrer”, em busca de novos fiéis. E John completou: “Tem um remanescente
fiel, alguns que não se contaminaram”. Falava de sua igreja em comparação a outras
neopentecostais e pentecostais que eles procuram se distanciar e diferenciar?! Tal referência,
do Antigo Testamento e muito utilizada nos meios protestantes, faz alusão aos poucos que se
mantiveram fieis a Deus como único Senhor num contexto de confluência e mistura com
outras religiosidades.
Falou sobre o céu e das pessoas salvas que estarão lá porque viveram na obediência a
Jesus: “Cristo te reconhecerá? Ele lerá seu nome no Livro da Vida? Os que se contaminaram
podem ter seu nome inscrito no livro desta igreja, mas não no Livro da Vida!”. Prosseguiu
questionando educadamente, mas com firmeza os presentes: “Você ama a Jesus, a sua palavra
e busca o Espírito da vida? Você se submete à palavra de Deus?”
“Há um só que pode dar vida: O Autor da vida! Que adianta o homem ganhar o mundo
inteiro e perder a sua alma? Longe de Cristo não há vida. Se pela graça você confessa Cristo,
você pode voltar a ter vida”. Ele completou o sermão com um versículo do Apocalipse:
“Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz à igreja”.
Durante o sermão e mesmo ao final, reitero que não ouvi dos presentes qualquer
menção a “amém”, que é uma manifestação típica dos crentes, uma forma de aprovação, de
apoio. Muito fortemente em igrejas pentecostais, mas, também às vezes, mesmo de forma
bem discreta, em igrejas protestantes históricas. Entretanto, não ouvi qualquer palavra assim.
E não parecia desaprovação ou desgosto pelo sermão. As pessoas estavam bem atentas,
acompanhavam com interesse em suas bíblias, faziam anotações. Mas sem nenhuma reação
aparente.
Após o sermão o pastor fez uma oração e em seguida convidou todos a se preparar
para a “mesa do Senhor”, quando desceu até uma mesa abaixo do púlpito onde estavam os
alimentos da Ceia, o ritual da eucaristia. Um diácono de frente para a mesa e de costas para a
igreja ouve uma orientação do pastor, em voz baixa. Depois o pastor fala para todos que é
“preciso se render a Cristo primeiro, ser batizado e assim participar da Ceia”. Ele faz alguns
comentários sobre este momento e o ritual, concluindo com uma orientação pedagógica: “em
silêncio nós participamos da Ceia”. Teria havido manifestações mais exaltadas em outros
tempos da trajetória da igreja?
O ritual avança com a distribuição de um pequeno pedaço de pão, tipo um pão sírio,
entre os presentes enquanto o pastor lê um texto bíblico, seguido de uma oração “agradecendo
o Corpo de Cristo” e intercedendo pela igreja na mesma linha do sermão. Após, convida todos
a comer. Seguidas pelo pastor, as pessoas mastigam o pão. Tudo em profundo silêncio, exceto
255
pelo piano que toca uma música suave. Após o alimento, convida os presentes a cantar um
hino, e ele mesmo começa, após a introdução feita pelos músicos. Neste momento os diáconos
distribuem um minúsculo copo com vinho. Ao terminar a distribuição os diáconos voltam à
mesa com as bandejas vazias dos pequenos cálices, o pastor ora e em seguida todos bebem
seu vinho. Daí ele orienta as pessoas a se cumprimentarem, ao que eles viram umas para as
outras, isto é, para aquelas que estão ao seu lado, pegam na mão em cumprimento e repetem:
“paz de Cristo”. Uma saudação semelhante à que é feita em igrejas presbiterianas e católicas.
Antes de encerrar o culto, que teve duração de duas horas, ele repassou brevemente os
avisos que tinha feito antes, como da Escola Bíblica Dominical, “para crianças, jovens,
adolescentes e todos que quiserem”, da campanha de ajuda ao “Lar da Criança”, do livro
Firme fundamento e do seminário da família. Fez uma última oração, dando uma benção aos
presentes e despediu a todos.
As pessoas começam a sair, outras ficam conversando com amigos, e o pastor recebe
aqueles que o procuram, às vezes fazendo oração individual. Neste momento informal de
conversas, procuro o bispo Walter, que estava sentado mais atrás e falamos amistosamente,
inclusive sobre minha pesquisa. Na noite do dia anterior, sábado, fiz contato com ele por uma
rede social, perguntando se ele seria o pregador daquela manhã, informando que eu iria a
igreja no domingo, por conta da pesquisa. Pergunto sobre o culto, pela liturgia e sermão
bem assemelhado a igrejas mais litúrgicas do protestantismo histórico. Ele diz que muitas
igrejas da Aliança não são assim como na Catedral. “Mas a formação dos novos pastores é
feita nesta linha. John [McAlister] é o deão do Instituto [IBRMEC] e procura orientar dentro
deste modelo”.
Acerca da ceia, que nas igrejas evangélicas acontece, geralmente, uma vez por mês,
Walter diz que na Nova Vida ele a pratica há 20 anos no culto dominical da manhã. “A partir
de fevereiro, faremos também no culto dominical da noite. Pois a ceia é o centro da pregação
e do culto”, diz ele. Esta é uma concepção própria de algumas raras igrejas locais, mais
litúrgicas e tradicionais do protestantismo histórico. Exceto a Igreja Episcopal Anglicana, que
é quase somente a única no campo do protestantismo brasileiro a realizar o cerimonial
dominicalmente em seus serviços religiosos. Desde 2015, quando passei a acompanhar os
cultos na nova Catedral, o ritual da Ceia é um dos momentos centrais da liturgia dominical,
agora realizada tanto pela manhã quanto no culto da noite.
Sobre sua identidade hoje, ele se declarou como “pentecostal-reformado”, embora toda
sua trajetória na liderança da igreja revela um apelo maior pela segunda parte do binômio
identitário em detrimento arrojado do primeiro termo. Acrescentou que vai escrever acerca
256
desse assunto em seu trabalho de conclusão da pós-graduação. Esclareceu que não é calvinista
ao extremo. “Nem poderia ser”, explica, acrescentando que é também de concepção
anabatista252, pois crê que apenas pessoas adultas podem ser batizadas. Conforme sua
percepção, duas razões básicas o afastam de ser um calvinista pleno: não ser cessassionista em
relação a glossolalia e não aceitar o batismo infantil. E nessas questões ele se acha vinculado
ao pentecostalismo, porque continua a crer no “dom de línguas” – embora não haja
manifestações audíveis nos cultos públicos – e a realizar “batismo nas águas” somente de
pessoas já conscientes de suas decisões, portanto, crianças não estariam neste rol. De fato, a
Ceia somente é dada para batizados na ICNV e a cada ritual o pastor dirigente recorda que
para participar a pessoa deve ser convertido a Cristo e ter sido batizado.
Embora não negue do ponto de vista do discurso permanecer pentecostal, o culto e o
sermão são bastante marcados pela liturgia e teologia mais tradicional das igrejas históricas e
sem nenhum sinal da doutrina e celebrações das igrejas pentecostais e neopentecostais. O
culto chega a ser mais tradicional do que igrejas que se dizem históricas, como algumas
metodistas, presbiterianas e batistas (SOUZA, 2013). Um fato a ser mais bem caracterizado e
verificado é que do avô para o pai e do pai para o filho, isto é, de Roberto para Walter e deste
para John, a Igreja Pentecostal de Nova Vida passou a ser Igreja Cristã de Nova Vida, que
avança com uma teologia/liturgia apontando numa direção muito diferente e mesmo oposta
àquela dos primórdios da igreja e de seu fundador.
252
Anabatista refere-se ao movimento pós-reforma protestante que defendia a formação de igrejas apenas com
pessoas adultas que seriam batizadas – ou rebatizadas, pois geralmente vinham de igrejas protestantes ou
católicas – mediante decisão conscientemente pessoal. E não batizavam crianças, pois estas não teriam
consciência de seus atos ou capacidade de decidir sobre questões de fé (WALKER, 2006).
257
REFLEXÕES (IN)CONCLUSIVAS
personagens que criaram grupos religiosos de grande apelo social na formação do instigante
neopentecostalismo brasileiro.
A observância deste receituário, que propus chamar de “protoneopentecostalismo”,
resultou em razoável sucesso do empreendimento de Roberto, especialmente pelo apoio
decisivo dos meios de comunicação, primeiramente o rádio, inclusive com a compra de uma
estação transmissora, e depois com a exibição de um programa de televisão. McAlister foi
pioneiro na TV e também um dos primeiros pastores, em particular no contexto pentecostal, a
manter regularmente programas radiofônicos. Essas práticas e estratégias foram copiadas e
radicalizadas por antigos seguidores seus, como ilustram, superlativamente, Edir Macedo
(IURD) e Romildo Soares (IIGD), que vieram a se tornar personagens exemplares do sucesso
numérico de fiéis, de recursos financeiros e de poder midiático do neopentecostalismo no
Brasil.
As marcas indeléveis da atuação de Roberto no ambiente evangélico brasileiro não
ficaram restritas a essas ações. Além da comunidade que se reunia na ABI, outras igrejas
foram surgindo e se organizando.
Com estabelecimento de igrejas por todo o Rio e em outros estados brasileiros, a
denominação cresceu e passou a realizar anualmente um encontro de práticas carismáticas no
ginásio do Maracanãzinho. Também se estruturou como organização por meio do modelo
episcopal de gestão eclesiástica. Pastor Roberto se tornou o Bispo Roberto, inclusive com a
utilização de indumentária e símbolos próprios do modelo de organização eclesiástica
episcopal, decisão que teria sido influenciada pelas relações próximas estabelecidas com o
Vaticano por meio de um grupo internacional de pastores pentecostais reunidos em torno de
uma organização chamada de Comunhão Internacional de Igrejas Carismáticas, do qual
Roberto chegou a ser presidente.
Após a morte de Roberto, seu filho Walter, que circulava entre grupos
neopentecostais, ao assumir a condição de Bispo Primaz da denominação e decidir realizar
pós-graduação em Teologia, entra em contato com outro paradigma teológico, diverso dos
fundamentos pentecostais, o calvinismo. Essa formação, decisiva na alteração da identidade
doutrinária e consequência nas práticas religiosas de Walter, foi considerada nesta pesquisa
como uma das explicações pelo processo de despentecostalização conduzido por sua liderança
à frente da Aliança de Igrejas Cristãs Nova Vida.
Por meio de estudos, leituras, contato com certos líderes associados ao movimento
calvinista, de matriz reformada e histórica, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, bispo
260
Walter passou por uma espécie de conversão ao adotar a ideologia calvinista como programa
teológico e visão de mundo religiosa.
Numa perspectiva weberiana, Roberto seria o tipo-ideal pentecostal, “encantado”,
mais místico que asceta, enquanto Walter, o tipo-ideal reformado, “racional”, mais asceta do
que místico. Se por um lado, foram as muitas façanhas pentecostais de Roberto que
motivaram e causaram milhares de adesões de seguidores a seu projeto entre os anos 1960 e
1980, o discurso mais desencantado e racional de Walter, cujo arcabouço reflexivo segue a
“cartilha” calvinista, tem feito diversas pessoas, sobretudo jovens, a buscarem sua igreja a
partir dos anos 2000. Em contrapartida, outros fiéis, principalmente remanescentes da era
Roberto, têm deixado a ICNV por outras igrejas ou denominações marcadas por práticas mais
atinentes ao universo pentecostal. Portanto, a razão principal para essa perda de fiéis e mesmo
a retração do crescimento numérico da igreja, diz respeito ao processo de
despentecostalização que a gestão de Walter tem imprimido nela.
Essa despentecostalização se efetua e se efetiva por cultos sem práticas típicas da
concepção e identificação pentecostal, a saber: 1) glossolalia audível no culto público por
parte dos pastores e fiéis, bem como, 2) revelação divina de profecia para o coletivo, mas,
principalmente dirigida a pessoas individualmente. Além do esvanecimento dessas
manifestações pentecostais, a despentecostalização se dá também pelo aniquilamento de
práticas associadas ao neopentecostalismo verificadas no período de Roberto: curas
milagrosas com imposição de mãos sobre doentes e práticas de exorcismo. Todas estas
práticas inexistem nas liturgias atuais da ICNV, sobretudo na Catedral. Quanto ao pedido
incisivo de dinheiro nos cultos, prática dos tempos de Roberto, é feita de maneira comedida
hoje na Catedral e na congregação de Botafogo, e segue como orientação para todas as
igrejas. Sobre o uso de meios de comunicação, Walter e sua Aliança Cristã Nova Vida não
fazem uso do rádio e rechaçam firmemente TV, embora utilizem estrategicamente a internet
com frequência e regularidade.
A despentecostalização, no caso da ICNV, se identifica por um processo de
apagamento dos rituais pentecostais e neopentecostais típicos, muito embora se afirme
verbalmente a crença em certas doutrinas associadas ao movimento pentecostal como a
“contemporaneidade dos dons do Espírito Santo” como cura, milagres, glossolalia etc. Essa
distância abissal entre o modelo paradigmático da era Roberto e a realidade atual sob a
direção primacial de Walter tem como um dos fatores explicativos a busca por legitimidade
social, como consequência do maior nível de instrução, decorrente da mobilidade social
ascendente de quadros eclesiais e de contingentes geracionais da igreja. Importante destacar o
261
que o próprio Walter relatou sobre seu pai, que em comparação com sua própria realidade,
vinha de uma infância socialmente mais humilde e sequer concluiu a escola secundária
(Ensino Médio).
Portanto, os dados desta tese reforçam a hipótese apresentada o que equivale
reafirmar, seguindo intuições analíticas weberianas, que quanto mais as gerações de
pentecostais e neopentecostais no Brasil buscarem legitimidade social devido à ascensão
social, principalmente pelo aumento da escolarização, tanto mais arrefecerá seu ardor
religioso nas práticas pentecostais. Essa mudança sociológica pode redundar numa
reconfiguração da realidade religiosa e política dos grupos evangélicos atualmente mais
salientes que compõem o cenário sócio-religioso brasileiro.
Quem tem medo do atual poder político do neopentecostalismo e de seu crescimento
vertiginoso no país poderá observar a mudança social na ICNV e vislumbrar uma outra
possível realidade. É provável que, após a morte dos fundadores de igrejas politicamente
ruidosas e de apelo social e midiático, como IURD e IIGD, para ficar nestes dois exemplos,
associados ao aumento do grau de instrução de seus fiéis, muitas transformações poderão
acontecer. E mesmo não vindo a adotar uma base calvinista, pois há outras possibilidades
doutrinárias e teológicas no espectro evangélico, é possível, no entanto, que a
despentecostalização como temos visto seja o caminho mais plausível ou mesmo inexorável
para esses grupos religiosos.
O passado da Nova Vida, tipificado em Roberto McAlister e seu florescente
pentecostalismo e protoneopentecostalismo está tão distante – quase morto – quanto a
sepultura de seu fundador localizada no interior da América do Norte. O presente desse ramo
mcalisteriano da Nova Vida se traduz na figura de Walter McAlister e sua Aliança Cristã
Nova Vida, que procura conjugar algum aspecto do pretérito carismático com fortes
ingredientes calvinistas muito em voga na atualidade, resultando no binômio identitário
pentecostal-reformado. Esta construção conceitual, como afirmada pelo bispo primaz,
encontra ainda fraca demonstração efetiva nas pregações, ensinos e liturgias da ICNV, em
particular na Catedral e outras igrejas já mencionadas. Ou seja, dos dois termos deste binômio
se verifica poucos sinais do primeiro, pentecostal, e mais eloquentes, do segundo, reformado.
Na linguagem teológica calvinista adotada pelo atual mentor da ACNV, o futuro da Igreja
Cristã Nova Vida seria menos uma “profecia a ser revelada”, e mais uma “predestinação
irresistível”, já manifestada na Catedral pela regência pastoral de John McAlister.
Como afirmado por Walter McAlister, John McAlister é um típico puritano, ou seja,
um calvinista ainda mais ardoroso, e que “precisa até ser um pouco amaciado”, conforme
262
revelou acerca do rigor doutrinário e moral de John. Vários entrevistados, sobretudo os mais
jovens e com maior nível de instrução, se identificam assumidamente com John e sua teologia
calvinista. Nessa linha, alguns, especialmente jovens, revelaram sequer serem pentecostais,
mas apenas reformados, manifestando pendor pelo calvinismo e falando com constrangimento
e mesmo repulsa sobre o suposto pentecostalismo da igreja. A dinâmica dos cultos na
catedral, conforme demonstra o capítulo 4, exacerba uma liturgia de tonalidade calvinista que
em quase nada se assemelha ao estilo das reuniões pentecostais nos primórdios na ABI.
Mesmo comparando a liturgia atual com os cultos na antiga sede em Botafogo sob a então
liderança do próprio Bispo Walter nos anos 1990, há uma distância significativa com agudas
distinções.
Em suma, praticamente quase nada mais atualmente na Igreja Cristã Nova Vida
lembra a trajetória de Roberto e o movimento fundado por ele. Nem o nome da instituição,
que foi trocado de IPNV para ICNV; nem o local, cuja sede era Botafogo, e atualmente está
na Catedral no bairro do Recreio dos Bandeirantes; nem ainda as práticas tidas como
pentecostais, nem o estilo do culto, o símbolo da denominação, o nome da editora. De igual
forma, a maneira de relacionar-se com os fiéis, saindo de um estilo mais livre e sem
compromisso institucional formal da era Roberto para um modelo marcado pelo controle do
pacto de membresia assumido pelos crentes após um processo pedagógico de formação
religiosa. Quanto à aproximação e diálogo ecumênico institucional e continuado com o
Vaticano há, atualmente, além de distanciamento, uma negação de qualquer possibilidade de
interlocução com a Igreja Católica, e mesmo com espaços de interlocução ecumênica vigentes
no protestantismo brasileiro.
Como se percebe em todos estes exemplos, Bispo Walter fez uma vertiginosa
transformação e imprimiu na igreja sua própria identidade despentecostalizada, caminho que
tem sido seguido por seu filho a partir da liderança na direção da Catedral bem como na
equipe de gestão do IBRMEC.
Pelo estilo de liderança e de práticas de gestão religiosa que registramos na catedral, a
denominação será muito provavelmente uma igreja ainda mais clericalizada, controlada, com
pacto de membresia, voltada mais para a organização e disciplinamento interno. Diferente do
modelo praticado por seu avô Roberto, cuja ação se dirigia para fora, para as praças, para um
auditório em espaço público (ABI), no Maracanãzinho, no rádio e na TV. Com uma
linguagem menos especificamente religiosa e mais aberta às pessoas em geral.
O que resultará na ICNV com uma eventual mudança geracional em sua
administração? Quando Walter assumiu a direção da denominação sucedendo seu pai, houve a
263
como Roberto, que a partir de experiência adquirida nos Estados Unidos, construiu um
modelo religioso que provocou uma renovação do pentecostalismo no Brasil, algo semelhante
pode ocorrer com a campanha de Walter. Seu projeto “pentecostal-reformado”, alcançando
êxito, pode se tornar uma opção plausível para muitos grupos pentecostais e neopentecostais,
resultando em transformações dessa religiosidade no país, com consequências diversas para
esse segmento. Portanto, tal como o neopentecostalismo de Roberto, principalmente alterado
por antigos seguidores e novos atores – Edir Macedo, R. R, Soares, Silas Malafaia,
Waldemiro Santiago e tantos outros –, produziu a realidade vista hoje no campo religioso
brasileiro e no conjunto da sociedade por sua presença ostensiva no espaço público, situação
assemelhada pode se dar com a iniciativa de Walter McAlister. Com as devidas diferenças
temporais e sociais da realidade brasileira, a proposta do “pentecostalismo-reformado”, que
também bebe de fontes estadunidenses mas é aqui formatada pelo bispo primaz da ACNV,
pode, portanto, vir a ser adotada e adaptada por muitos pastores e igrejas, tornando-se uma
força transformadora da realidade religiosa brasileira.
265
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