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Belo Horizonte
Faculdade de Letras da UFMG
2011
Agradecimentos
Ao meu orientador, Prof. Reinaldo Martiniano Marques, a quem devo não apenas a inestimável
ajuda e incentivo que tornaram o presente trabalho possível, mas também a inspiração original do projeto
que nele resultou, derivada de uma matéria por ele ministrada na graduação.
Aos meus orientadores de iniciação científica – Prof. Luciano Cortez e Silva, do Departamento de
Letras da PUC-MG, e Profª. Eliana Regina de Freitas Dutra, do Deparatamento de História da
FAFICH/UFMG – que me guiaram nas primeiras incursões inquisitivas ao universo social, político e
cultural da intelctualidade brasileira dos anos 1920-1930.
À senhora Eunice Vivacqua (in memoriam) e à Profª Constância Lima Duarte, ligada ao Acervo de
Escritores Mineiros (AEM) da UFMG, que me franquearam, em diferentes momentos, o acesso ao
arquivo pessoal de Achilles Vivacqua, assim como à colega, então bolsista de iniciação científica, Juliana
Cristina de Carvalho, que me ajudou na consulta propriamente dita.
Ao Prof. Eduardo de Assis Duarte, a quem agradeço também a presença em minha banca, e ao
Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Alteridade (NEIA) da Faculdade de Letras/UFMG, pelo interesse
que demonstraram na presente pesquisa, possibilitando-me apresentar, por diversas vezes, os resultados
parciais da minha pesquisa e ter o prazer de discuti-los com este grupo sério e dedicado de pesquisadores.
Dentre eles, devo destacar o então doutorando Adélcio de Sousa Cruz, a quem devo uma das conexões
mais interessantes do presente trabalho (ver p. 209).
Ao Prof. Eduardo Jardim de Moraes, a quem agradeço não apenas a presença em minha banca,
como também a gentileza de me enviar uma cópia de seu fundamental livro – infelizmente esgotado –
sobre a brasilidade modernista e me proporcionar a honra de uma troca de idéias sobre os assuntos aqui
tratados.
Ao meu grande amigo Cléber Cabral e ao Instituto Cultural Amílcar Martins, na pessoa de Amílcar
Martins Filho, pois com sua ajuda, o objeto do presente estudo poderá, enfim, se tornar disponível para
todos os interessados. Agradeço igualdade ao grande pesquisador Fernando Corrêa Dias, também
envolvido no projeto. À minha antiga admiração por ele como estudioso, soma-se agora a admiração
como pessoa.
Aos meus pais, Rodrigo e Myriam, que em todos os momentos me inspiraram, ajudaram, apoiaram
e confiaram em minha capacidade – não só no presente trabalho, mas em todos os âmbitos da minha
vida. À minha irmã, Nathalia, grande amiga e, recentemente, também colega pesquisadora. Ao meu avó,
Affonso, grande amigo, grande inspiração e ajuda insuperável no oficio de localizar os mais insólitos
livros e documentos.
À minha querida Viviane, companheira de todas as horas e de todos os trocadilhos, e aos meus
grandes amigos e amigas, pessoas que fazem a vida valer a pena, dentro e fora da Academia.
Ao programa de bolsas de mestrado do CNPq, garantia de que a presente pesquisa pudesse ser meu
único foco profissional.
2
Resumo
O presente trabalho investiga, sob ângulos variados, o periódico modernista
brasileiro leite criôlo, publicado em Belo Horizonte ao longo do ano de 1929 e dirigido
descrito aqui como rede modernista nacional, é explorada tanto pela via da crítica
leituras das relações entre nacionalidade, raça, cultura e primitivismo presentes naquele
narrativa.
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Abstract
This work studies, under multiple perspectives, the Brazilian modernist periodical
leite criôlo, published in Belo Horizonte throughout the year of 1929, edited by João
Dornas Filho, Aquiles Vivacqua and Guilhermino César. The relative forgetfulness to
which it was relegated is approached here through the notion of monumental memory.of
modernism. Its insertion in the modernist milieu in the 1920s, described here as national
modernist network, is explored not only through the bias of biographical criticism, but
also through the comparison with modernist major works from that moment. Finally,
relationships among nationality, race, culture and primitivism present in that context,
4
Índice
Introdução...................................................................................................................... 6
1. Grandeza e irrelevância: leite criôlo no quadro da memória monumental do
modernismo .................................................................................................................... 9
História monumental, memória monumental e processos de monumentalização...... 10
Camadas da memória monumental do modernismo .................................................. 17
2. Cavando um lugar de modernista: leite criôlo e a rede modernista nacional . 34
O consórcio do velho lirismo com a poesia moderna ................................................ 43
A revista que só tem estomago ................................................................................... 58
O grande atentado às boas letras............................................................................... 68
3. Não somente pela poesia: gêneros e temas em leite criôlo. ............................... 84
No Amazonas da poesia.............................................................................................. 86
A prosa salvadora....................................................................................................... 93
O processo de desnatar .............................................................................................. 96
O “criolismo” em exemplos ..................................................................................... 102
4. Antes de virar estrela: Sintomas e diagnósticos da cultura nacional na
Antropofagia, em Macunaíma, em Retrato do Brasil e em leite criôlo..................... 104
O provável evangelho da antropofagia .................................................................... 109
Macunaíma, anedotário folclórico de Retrato do Brasil .......................................... 117
Clichê do Brasil do visitador do Santo Ofício.......................................................... 128
O Retrato do Brasil de João Dornas Filho e companhia ......................................... 132
O chupim, Pai do Vira, é o criolismo ....................................................................... 138
Deglutindo o criolismo ............................................................................................. 142
5. Eugenia para a alma brasileira: pensamento racial, primitivismo e
transculturação narrativa nos anos 1920. ................................................................ 157
Transculturação narrativa e cidade letrada ............................................................ 165
Racialismo, eugenia, branqueamento e nacionalidade............................................ 172
Com a figura da mãe preta na cabeça ..................................................................... 184
O primitivismo entre a ignorância e a exata realização psíquica ........................... 199
Corra tempo ensanguentado .................................................................................... 207
Totalizando nossa maneira: Considerações finais ............................................... 212
Referências Bibliograficas ...................................................................................... 217
5
Introdução
O objeto do presente trabalho é o periódico modernista leite criôlo,1 sobre o qual
Decorre daí que a questão que se coloca é a mais básica: o que foi leite criôlo? A
resposta mais simples é que foi um periódico modernista, publicado em Belo Horizonte,
durante o ano de 1929, e dirigido por João Dornas Filho, Guilhermino César e Aquiles
exatamente as razões que levaram leite criôlo à relativa obscuridade e qual seria o
1
Registramos o nome da publicação sempre em minúsculas, tal como aparece na documentação.
Seguindo a mesma lógica, a ortografia dos trechos citados a partir de fonte primária não será atualizada.
A opção pouco ortodoxa por transcrever os textos sem adequá-los à norma vigente se deve ao fato de que
as variações de ortografia são parte integrante da nossa documentação. Como mostra Tania de Luca
(1999, p. 247-249), as disputas e impasses entre defensores das ortografias etimológica e simplificada
acarretavam a ausência de qualquer norma oficial a respeito. Cada escritor, jornalista ou órgão de
imprensa podia assim adotar a ortografia que mais lhe agradasse. Tais opções muitas vezes se vinculavam
a posições intelectuais: adotar a ortografia simplificada significava, por exemplo, adotar uma perspectiva
nacionalista e antilusitana. Somada à experimentação da escrita modernista, tal situação leva a uma
enorme variação de grafias, inclusive na escrita de um mesmo autor. Optamos, assim, por não eliminar
esse traço significativo da documentação.
6
Serão também esboçadas as principais camadas da formação de tal memória e como
“criolista” desde a sua adoção dos ideais modernistas até o fim da publicação.
acordo com os gêneros textuais e temas ali presentes, com o propósito de suprir, pelo
modernismo paulista.
narrativa proposta por Angel Rama. Serão trabalhados o discurso “científico” sobre
2
O Instituto Cultural Amílcar Martins, com a nossa participação técnica, desenvolve um projeto que tem
por fim a publicação em livro de todo o conteúdo de leite criôlo.
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Por fim, voltaremos, nas considerações finais, ao tema da relevância das questões
8
1. Grandeza e irrelevância: leite criôlo no quadro da memória
monumental do modernismo
O modernismo é o maior movimento que já se verificou
no Brasil no sentido de dar balanço do que é a sua
realidade, com orientação eminentemente crítica, de
modo a substituir o falso e o superado pelo autêntico e
atual.
- Francisco Iglesias (1972)
Tratar de um tema como leite criôlo implica uma reflexão sobre como se
tal fim, trabalharemos com a noção, definida mais adiante, de memória monumental do
Modernismo. Interessa aqui, em especial, a pequena parcela que cabe a leite criôlo
Temos como epígrafe dois julgamentos de valor bastante enfáticos emitidos sobre
a irrelevância do segundo. Tais juízos interessam não pela sua especificidade, mas pelo
ser dito.
9
academicamente desvalorizado, de contribuir para uma completude inalcançável do
implica um julgamento do mesmo: ler é eleger. Dessa forma, a crítica literária, mesmo
objetos. Partindo de tal premissa, a autora discute o valor dos usos possíveis da história
da literatura que, para ela, deve ter como objetivo otimizar a fruição das obras
22-23) como modelo possível, pois, ao conservar tudo sem privilégios, elimina
exatamente o juízo crítico que caracterizaria a história da literatura e teria pouco poder
literatura, por constituir juízo ético e não estético do passado. Resta então a história
humanidade”, que, no caso da literatura, significaria uma história “em que só figuram as
p. 23). Nota-se aí que a história da literatura, cujo uso a autora considera benéfico,
tomaria a forma de quadro canônico, seleção de obras valiosas sobre o ponto de vista do
10
Pound (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 64), seria, no entanto, sempre transformável pela
individual.
tentativa de transformar o cânone cujo objetivo último é inclusão de uma faceta nova no
monumento que se intitula Modernismo. Não é o que faremos aqui: a relativa exclusão
do cânone é um dado que, na verdade, é parte fundamental do nosso objeto. Para tanto,
a história de tipo monumental aplicada à literatura não pode constituir nosso método,
mas, sim, parte do nosso objeto. Nietzsche, no texto citado, já observava, sobre a
monumental,
coloque fora da esfera da compreensão humana, mas porque a definição do que seria
literatura é exatamente o objeto das lutas entre os literatos. “Literatura”, termo cujo
sentido corrente tem raízes recentes, significa coisas muito diferentes em diferentes
11
jogo como objeto derivam aqui da objeção à visão da literatura e de sua história como
repetição do mesmo, cujo próprio passado precisa ser reduzido a uma reafirmação dos
valores presentes. Pois, como afirma Michel de Certeau (2002, p. 93), o passado é
que garantiriam a identidade para além da dispersão temporal – e a ilusão da alta origem
intempestiva, para que a história monumental possa exercer seu efeito fortalecedor.
histórico de forma não prevista naquela obra de juventude. O autor francês afirma,
12
presença perpétua, reencontrar as obras, as ações, as criações
segundo o monograma da sua essência íntima. Mas, em 1874 [data
da publicação de Da utilidade e desvantagens da história para a
vida], Nietzsche criticava essa história inteiramente devotada à
veneração por obstruir as intensidades atuais da vida e suas
criações. Trata-se, ao contrário, nos últimos textos de parodiá-la
para deixar claro que ela é apenas paródia. (FOUCAULT, 1999, p.
34)
que não possui a pretensão de ser estritamente nietzschiano ou foucaultiano – passa pelo
leite criôlo, acabou se expandindo para pontos menos explorados do contexto histórico,
cultural e literário no qual o periódico estava envolvido. Tal memória monumental, cuja
trajetória esboçaremos ainda neste capítulo, será tensionada, nos capítulos seguintes, a
intelectualidade brasileira do séc. XX e deste início de séc. XXI com aquele momento
principalmente, nas palavras de Pierre Nora, “o que fica do passado no vivido dos
grupos ou o que os grupos fazem do passado” (apud LE GOFF, 1992, p. 472), ou seja, a
13
através deles que é possível sondar sua trajetória. Mas as representações e os valores
que nos interessam são, por definição, mais difusos e inarticulados do que um conjunto
culturais.
vantagens que tais noções trazem para a compreensão da relação entre valoração
religiosa (lei canônica) que estabelece o conjunto dos textos considerados sagrados pelo
problema é que, na maior parte dos contextos, o elenco de autores e obras que
formariam tal cânone constitui um dos principais móveis da luta propriamente literária
Como lembra o levantamento de José Maria Pozuelo Yvancos (2000, p. 28-29) sobre as
14
emergindo a um estado explícito na forma de comparação entre autores, obras etc. que
valoração literária, exceto nos casos extremos das literaturas subalternas excluídas e dos
cumes da consagração artística. Fora da situação de ensino, que parece ser o paradigma
para as discussões sobre cânone (cf. BLOOM, 1995; BUTLER, 1990; KERMODE,
de trabalho social da memória. Basta lembrar que Jacques Le Goff (1992) vai definir a
monumento enquanto aquilo que os poderes de uma sociedade elegem para representá-
monumentalização que se propõe aqui não implica uma medida “objetiva” de valor
literário, que continua necessariamente em disputa, mas sim uma medida da presença no
A ideia de monumento serve, assim, como uma forma de trabalhar com o cânone –
que se poderia definir de uma maneira útil como o passado reconhecido, portanto
15
presente e representado pelo campo literário – nas minúcias dos seus fragmentos (um
autor, uma obra), sem cair na lógica da inclusão/exclusão. Logo abre espaço para se
pensar o cânone através de uma topologia mais complexa do que o dentro e o fora dos
quadros canônicos.
33) como chave para a sobrevivência dos textos canônicos. Assim sendo, estudar o
certo sentido, participar da sua comemoração. A porta de entrada para esse estudo é, no
mais das vezes, o cânone artístico e literário, os grandes nomes que surgiram com o
ainda é o nosso. Como vimos, Michel Foucault (1999) chama tal jogo de afirmação de
precedências de “pesquisa de origem”, o que segundo ele constituiria mesmo uma das
momentos de fundação.
Fala-se de cânone como uma coisa, como um determinado quadro de valores sobre
o qual se pode – e costuma-se – tomar posição contra ou a favor, como algo exterior à
pesquisa e sobre o qual é possível uma ação imediata: os cânones seriam, para o bem ou
para o mal, substituíveis. Chamar algo de monumento, por outro lado, é participar de
16
comemora algo e pesquisar os monumentos, como nos trabalhos de colégio, implica
dado momento como “menores” acarreta uma intervenção no campo literário. Deste
De acordo com tais colocações, cabe aqui uma breve retrospectiva dos principais
centrado nas figuras e nas obras de Mário de Andrade e Oswald de Andrade, que
17
Em um artigo de 1940, Mário de Andrade (1972, p. 187) afirma que “é geralmente
aceito, e com razão, que o Modernismo, como estado de espírito dominante e criador,
durou pouco menos de dez anos, terminando em 1930 com as revoluções políticas e a
movimentação política, inclusive entre os literatos. Segundo João Luiz Lafetá (2004), a
anos 1920 seria, pelo menos em parte, substituído por um maior engajamento
Típico desse período seria o prefácio agressivo com o qual Oswald de Andrade
(1996, p. 37-39) publicou em 1933 seu romance Serafim Ponte Grande, obra escrita “de
ruíra “quase toda literatura brasileira ‘de vanguarda’, provinciana e suspeita, quando
Jackson (1986), podemos constatar que a reação ao livro no meio literário foi ainda
afirma que Oswald “não conseguiu ser um perfeito intelectual revolucionário, atulhado
18
considera a obra um “triunfo da pornografia”, escrito para “deliberadamente fazer
bobagem” (apud JACKSON, 1986, p. 30). Mas mesmo um modernista de primeira hora
como Manuel Bandeira vê ali uma “deformação diletante e feroz” que “não acrescenta
modernismo dos anos 1920. Rubem Braga, por exemplo, “não poupa críticas ao livro,
coloca Lafetá (2004, p. 70), estabelecera-se “uma opinião bastante comum nos anos
1930: a suspeita de que o modernismo trazia consigo uma carga muito grande de
cacoetes, de ‘atitudes’ literárias que era preciso alijar para se obter a obra equilibrada e
bem realizada”.
é, no entanto, mais complexa. Lafetá (2004, p. 66) afirma também que a “opinião
terminara junto com a década de 1920 e com os exemplos arrolados acima. O fato é que
os intelectuais que despontaram na “república das letras” brasileira por meio do que
atuando intensamente na vida cultural e literária do país – ainda que, como nos versos
célebres de Drummond, não tenham mais desejado ser modernos. O repudio à blague da
19
um quadro de construção institucional no âmbito da educação e da cultura. Ecoando tais
coluna “Vida literária” que Mário publica no jornal carioca Diário de Notícias a partir
de 1939, uma mistura de autocrítica e defesa entre resignada e irônica daquela que seria
Outra obra que me deu desgostos foi o Macunaíma. Sinto que tive
nas mãos o material de uma obra prima e o estraguei. Fazendo obra
sistematicamente de experimentação, jurei no princípio de minha
vida literária jamais não me queixar das incompreensões alheias.
Acho ridículos os incompreendidos. Mas, por uma vez só, me seja
permitido afirmar que esse livro foi, no geral, apreciado por uma
feridora incompreensão. Embora graciosa, porém não
complacentemente tratado, Macunaíma é uma sátira irritada, mas
por muitas partes feroz. Mas brasileiro não compreende sátira, em
vez, acha engraçado. Quando, depois de uma existência inútil,
Macunaíma desiste de ser gente, e a lembrança de ainda poder
construir como um Delmiro Gouvêa, prefere ir viver o brilho
“inútil” das estrelas, meus olhos se umedeceram. Mas o que ficou
na consciência geral foi um sussurro de imoralidade! Devo ter
muito errado esse meu livro, pois de outra forma, seria considerar a
grande maioria dos meus leitores, uns primários.
Em compensação, tiro grande conforto da minha obra de estudioso,
principalmente musical. Regida firmemente pelo princípio de
utilidade, tanto na parte de pesquisa como na parte crítica, sinto,
sei, tenho mil provas que ela foi mais fecunda que honesta
porventura... Não desonesta em particularidades ínfimas, mas
honesta no todo; porque há uma convicção grande, um
desprendimento principal regendo os meus pragmatismos.3
primeira metade dos anos 1940, se esforçam para diluir a oposição entre o
1930, através da noção de que a “fase heróica” teria preparado o momento posterior.
3
Diário de Notícias, 05/03/1939
20
Nas palavras de Mário (1972, p. 189), “a aurora continha já em si tôdas as promessas do
dia, mas ainda não era o dia”. No seu famoso balanço “O movimento modernista”, de
preparador e por muitas partes o criador de um estado de espírito nacional” e fala dos
“fase heróica”, um dos intelectuais mais respeitados do país e exercia uma influência
correspondência literária e intelectual. Por outro lado, Oswald de Andrade foi naquele
declarado ‘morto em vida”. No entanto, também Oswald (2004, p. 167) no seu texto de
dos anos 1920 como preparador do momento literário “sério e engajado” pós-1930: “de
22 para cá o escritor nacional não traiu o povo, antes o descobriu e exaltou”. A partir
especialmente depois da sua saída do Partido Comunista, em 1945, que coincide com a
como um marco e afirma que os “modernistas da Semana de Arte Moderna” não devem
servir de “exemplo”, mas sim de “lição”, por não haverem se dedicado suficientemente
“pacificação literária” dos anos 1930 e passa pelas reavaliações do movimento nos anos
1940, nota-se que o lugar desse no cânone nacional ainda é inseguro e se encontra em
21
disputa. É interessante, porém, observar o quanto este primeiro momento institui vários
cultural a ponto de se tornar referência obrigatória para tal questão aos olhos das
intelectual brasileiro que caracterizou a maioria deles – constituíram nas décadas que se
brasileira eventos hoje notórios, como a Semana de Arte Moderna de 1922 e a visita dos
primeira é um artigo de 1943 de um dos seus diretores, João Dornas Filho, publicado na
revista Vamos ler por ocasião da morte de outro dos diretores, Aquiles Vivacqua. Ali a
22
insolência da nossa parte, jornal chamado Leite Criôlo e que era
todo um programa contra a bacharelice e a favor da regeneração do
mulato, mal educado por causa do preconceito criado pelo
onanismo intelectual dos racistas, filhos naturais de Gobineau com
a macaquice nacional (apud BUENO, 1982, p. 102).
Como veremos no quinto capítulo, a forma como João Dornas Filho descreve o
das posições políticas da publicação em 1929. O segundo texto, também de João Dornas
parte das suas Notas para a história da literatura mineira, o texto originalmente
Drummond afirma que João Dornas Filho fundaria o “crioulismo”, deixando implícita a
transcrição da carta:
anos 1930 – no caso, a obra Gilberto Freyre – somada agora à menção aos conflitos em
23
torno da segunda dentição da Revista de Antropofagia e à “pacificação literária” que
Cabe também notar que o crítico anti-modernista Eduardo Frieiro (1941), em seu
explorada em vários sentidos no âmbito de leite criôlo, para designar a, segundo ele,
qualificação serão explorados no quinto capítulo. Agora cabe observar que nessa
e do fim do Estado Novo de Vargas, 1945 parece um momento razoável para marcar a
integraram suas hostes houvessem cessado nesse momento. Mas agora elas dividiam o
espaço na “república das letras” com uma nova geração de críticos especialmente
4
Ironicamente Oswald responderia agressivamente à série de artigos em que Cândido tratava da sua obra.
Tal desentendimento, provocado pelo baixo apreço do crítico uspiano pela produção romanesca não-
vanguardista de Oswald, acabaria sendo superado e os dois acabaram se tornando amigos. Cf. SILVA,
2009, p. 101-104.
24
por uma crítica nacionalista mais profunda, exemplificada exatamente pelos Andrade e
“trabalho de estudioso” de que se orgulhava seu autor. Anderson Pires da Silva (2009,
p. 89) aponta que, no mesmo contexto, começam a parecer trabalhos como História do
modernismo, tal concepção acabou por contribuir para que se ignorasse toda a produção
concebível apenas por sua relação com esse através da denominação “pré-modernismo”
– acaba dessa forma por ser reduplicada por análises que tomam por objeto o
fundamental ter em mente que nunca houve um “movimento passadista” e que, sem
expandida de modernismo que propõe Mônica Pimenta Velloso (2003, p. 353-360), que
gêneros artísticos como o humor e a charge. Se, como essa autora e também Flora
25
Sussekind (1987) demonstram, a relação entre a intelectualidade brasileira e a sua
definiam desta maneira não ajuda muito na compreensão das posições daqueles que nos
monumental modernista começa a emergir na segunda metade dos anos 1950. Vincula-
anos 1970, eles tiveram em comum o propósito de tomar o modernismo não apenas
como lição, mas também como exemplo. Para a memória monumental do modernismo,
um dos principais efeitos do que podemos chamar, seguindo Silviano Santiago (1988,
Andrade. Vários dos aspectos dessa que antes tinham sido interpretados como signos do
agressiva e utópica das relações entre o Brasil e a modernidade, que se tornou o cavalo-
26
e textos correlatos compilada por Gilberto Mendonça Telles (2002), publicada
originalmente em 1972. Tal relação não aparecia mais nesse momento como a
movimento desde os anos 1920, mas como indício tanto de sua modernidade estética
textos modernistas para os palcos e as telas. Duas das mais marcantes foram a primeira
encenação da peça de Oswald, O rei da vela, pelo Teatro Oficina dirigido por José
Celso Martinez em 1967, e o filme Macunaíma, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade
em 1969, ambos peças-chave da estética tropicalista (cf. SILVA, 2009, p. 134, 141-143;
intervindo assim na discussão que vem dos anos 1920 sobre as possíveis relações entre
obras-livros, posto que o bibliófilo José Mindlin, em edição conjunta da sua empresa
Metal Leve com a editora Abril, publicou uma série de fac-símiles de publicações
a importância, agora unânime, do movimento não está mais em disputa, mas sim o
27
significado a ele atribuído a partir das disputas literárias do momento. A interpretação
12) como um dos fatores da consagração definitiva da obra modernista, acabou por
apreensão conjunta e a análise por camadas que fizemos até aqui. Nos capítulos
por meio da cultura popular (o enredo baseado em Macunaíma defendido pela escola de
samba Portela em 1974 é neste ponto um exemplo poderoso), das instituições de ensino
(caso das leituras dos vestibulares e dos livros didáticos) e mesmo do marketing de
cultural).
Um primeiro trabalho de cunho acadêmico que tem em leite criôlo um dos seus
28
(1968), que continua sendo o texto fundamental para a interpretação histórica e social
da mesma geração que vão à capital para estudar, trabalhando como jornalistas e
grupo mais antigo de modernistas mineiros que publicava A Revista (Drummond, João
Alphonsus, Abgar Renault e outros), mas cita também o grupo de leite criôlo.
aparece como tal em uma nota que acompanha os três textos curtos da publicação que
Mendonça Telles
mesmo tempo como uma das primeiras preocupações do movimento com o tema,
de que esse teria por marca a inclusão da herança negra no patrimônio da cultura e
identidade brasileiras (cf., por exemplo, SILVA, 2009, p. 153). O desconforto de tal
beneficiou do novo interesse pelos periódicos modernistas – entre eles alguns muito
29
negra no modernismo brasileiro, de Benedita Gouveia Damasceno, datadas
mais aprofundado de leite criôlo que se encontra em forma de livro, dividindo o foco
sua importância, Bueno se deixa levar por certas características pitorescas da publicação
e acaba por exagerar nas tintas com as quais pinta a retórica e a poética desta, em
lembrar que leite criôlo foi, em muitos sentidos, um periódico modernista normal. Não
é possível estabelecer uma oposição entre ele e o resto do modernismo mineiro. Pode-se
pensar mesmo que o que para nós hoje é chocante constituía o discurso comum
naqueles tempos, leite criôlo se destacando simplesmente por falar, influenciado pela
Revista de Antropofagia, em tom aberto e escrachado. Não há por que pensar que
quando A Revista fala, de acordo com o bom tom que prevalece nela, em “humanizar o
Brasil” não possa estar dizendo o mesmo que leite criôlo, com seu linguajar direto,
30
se verifica, por exemplo, na produção literária do poeta e militante da imprensa negra
paulista Lino Guedes (1988, p. 57-58). Voltaremos ao paralelo entre a imprensa negra
valores que não são mais os nossos. Existe uma mitologia do “bom modernismo” –
cujas figuras centrais seriam, entre outros, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e
Integralismo – mitologia esta cuja expressão mais literal é o livro 1922, itinerário de
racialista, expressão que parece hoje ser, por si mesma, um disparate: o resgate da
antropofagia de Oswald a partir dos anos 1960 se deu, em parte, pela vinculação entre
vanguarda estética e vanguarda política, cultural, ética, sexual etc. que se pensava ser o
criôlo, ambas informadas pela leitura feita por Antônio Sérgio Bueno. O primeiro é o
livro Guardiães da razão, de Helena Bomeny (1994), do qual retiramos uma das
epígrafes deste capítulo e que para nós constitui o exemplo acabado, no âmbito
Radicalizando a leitura de Bueno, Helena coloca como pólos opostos leite criôlo e
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inserção do suplemento na rede modernista nacional, não conseguimos entrever o
que uma visão modernista mais ambiciosa, já que parte importante dos colaboradores
locais são “passadistas” convictos, o que se pode afirmar não apenas pela leitura dos
textos, como pelo testemunho de Pedro Nava5 e pela recomendação dada por Mário de
Andrade em carta a Carlos Drummond: “Façam uma revista como A Revista, botem o
modernismo bonito de vocês com o passadismo dos outros. Misturem o mais possível”
6
(apud BUENO, 1982, p. 35.). O parnasianismo, inimigo preferencial eleito pelo
universal. Por outro lado, a temática local e regional, que caracteriza muitos textos de
leite criôlo, não nos parece um indício de um “isolamento estético de província”, antes
uma vinculação a uma das tendências do nacionalismo modernista, tendência que, aliás,
vincular a publicação de João Dornas Filho ao lado rural e “atrasado” de Minas Gerais e
verdade, quase todos os colaboradores de ambas as revistas tinham sua origem nas
famílias importantes das pequenas cidades mineiras – por exemplo, Dornas vinha de
5
“A Revista... fez questão de abrir suas colunas à colaboração conservadora de Magalhães Drummond,
Alberto Deodato, Iago Pimentel, Godofredo Rangel, Pereira da Silva, Wellington Brandão, Orozimbo
Nonato, Carlos Góis e Juscelino Barbosa” (apud BUENO, 1982, p. 36).
6
Carlos Drummond de Andrade também comenta, em texto de 1952, que a “conselho de Mário de
Andrade, também porque impossível fazer de outro modo, insinuávamos nela [em A Revista] a pimenta
modernista no chôcho trivial da literatura acadêmica da época” (apud DIAS, 1968, p. 20).
32
com o objetivo de estudar, ingressando também na carreira burocrática e no jogo
político estadual.
Um último ponto na fortuna crítica de leite criôlo seria sua inclusão no quadro dos
da seguinte forma:
esperamos demonstrar ao longo dos próximos capítulos que leite criôlo, para além de
completar os quadros da história literária, pode ser uma porta de entrada interessante
33
2.Cavando um lugar de modernista: leite criôlo e a rede
modernista nacional
Guilhermino é, entre os verdes de Cataguases, o de
coração mais suave. (...) Teria Guilhermino Cesar
mudado feitio como se muda de alfaiate? Parece que o
poeta esta se buscando, inquieto neste mundo que é o
Brasil. Esta se buscando ou se perdendo.
Aderir:
erro perigoso
Eu nunca aderi:
sempre fui.
(...)
passamos agora ao tempo medido das tomadas de posição que definem a política
nacional.
crítica biográfica proposta por Eneida Maria de Souza (2002). Segundo ela
34
Dessa forma trataremos aqui do que a autora denomina “protocolos de inserção
passam pela forma como o grupo de leite criôlo se relaciona com o que chamamos rede
dos anos 1920 como uma configuração social, em relação à qual se realiza a produção
programa explícito. Pelo contrário, durante todo o período a rede modernista esteve
vaga o bastante para abrigar as diversas tendências. Na verdade, o que caracteriza a rede
é que todas as publicações, todas as obras, tinham como interlocutor implícito a própria
assim como na de público leitor privilegiado, capaz de compreender o que era visto
7
A publicação modernista paulista Revista de Antropofagia denominou suas fases de dentições, em
alusão à metáfora do canibalismo presente desde o seu título.
35
pelos leitores em geral como absurdo, ultrajante e incompreensível. Constituía também
exemplo, através das polêmicas que permitiam aos modernistas demarcar suas posições
como definido por Pierre Bourdieu (2005, p. 243-311), ou seja, o conjunto de todos os
produtores de literatura que compõem a “República das Letras”, lugar das disputas
na virada da década se passam apenas alguns poucos anos. Depois desse período, cujo
gênero literário de preferência do modernismo dos anos 1920, a poesia, perde espaço
por coincidência, o romance de “caráter social”. Outro exemplo seria que neste
36
acaba por eliminar o caráter relativamente descompromissado dos engajamentos
ausência de uma referência melhor para seu início, poderia ser datada do encontro do
Temos por hipótese que o nacionalismo literário, que se tornou então um dos
era um dos principais atrativos de toda uma nova geração de conversos ao modernismo,
cuja emergência na rede modernista nacional se dará em torno dos anos de 1925-1928.
Ao cabo deste processo, em 1929, a rede modernista abarcava núcleos em quase todos
elite – muitos do quais trocavam naquele momento suas bases nas cidades do interior
por uma temporada de estudos secundários e superiores nas capitais de seus respectivos
estados.
pela publicação em 1929 de leite criôlo, constitui um destes núcleos de novos adeptos.
Dirigido por João Dornas Filho, Guilhermino César e Achilles Vivacqua, leite criôlo só
pode ser descrito como uma “revista” na mesma medida que a segunda “dentição” da
Paulo, no caso da publicação paulista. Apesar de, por um lado, leite criôlo ter tido a sua
37
diferente nas suas características editoriais de outras revistas modernistas – como Verde,
marcada pelo desejo, ainda que contraditório, de se comunicar com um público mais
amplo que o da rede modernista, de ir além da literatura estrito senso em nome dos
ideais nacionalistas, impulso expresso não apenas pela sua presença em um jornal de
grande circulação, mas também pela distribuição gratuita da única edição avulsa em
praça pública.
Tal interesse por uma aproximação do universo público, que antecipa a postura de
muitos membros da geração modernista a partir dos anos 1930, não deixa de ser, como
rede modernista nacional e, em especial, pelas várias revistas modernistas, que eram a
1976). No contexto, porém, da aparição das revistas literárias modernistas nos anos
deste tipo de publicação é a longeva revista carioca Fon-fon, fundada em 1907 e ainda
Brasil como Careta, Don Quixote, Paratodos e várias outras (VELLOSO, 2003, p.
360). Também em outros locais foram publicadas revistas nos mesmos moldes e neste
38
capítulo trataremos de duas delas, publicadas em Belo Horizonte nos anos 1920 e em
um público mais amplo, não satisfaziam o desejo dos escritores de produzir “literatura
pura” nos padrões vigentes então no campo literário francês, referência hegemônica em
termos de produção cultural naquele momento. Dessa forma, no mesmo período foram
das quais se destaca o ciclo das revistas simbolistas na década de 1900 (DE LUCA,
principal razão pela qual deixavam, via de regra, de circular rapidamente – era o fato de
público leitor de então da mesma forma que as revistas de variedades, o que significava,
além de vendas baixas, pouco interesse dos anunciantes. Segundo Tania de Luca (1999,
p. 56-59), a primeira revista comercialmente bem sucedida a romper com o modelo das
“variedades” naquele contexto foi a Revista do Brasil, publicada em São Paulo a partir
de 1916, que poderia ser definida como uma revista de cultura, e na qual a literatura
na qual o “futurismo” era, para o público leitor mais amplo, sinônimo de absurdo e
ultraje. Assim, tais revistas, feitas muito mais de crença na literatura do que de tino
39
modernismo paulista –, à cotização entre os escritores – o caso da revista Festa do Rio
disponível é expressa na ideia corrente no período de que não existe público para a
veiculada pelos modernistas. Se o público tal como ele se apresenta deseja o formato
poesia parnasiana, ele deve ser ignorado até que se forme um novo público “à altura” da
modernistas. As próprias publicações encenam a rede, seus fios, seus nós: quem publica
o que onde, o que diz a resenha de fulano da obra de sicrano na revista X etc. Revistas
8
Em leite criôlo foi publicado um texto ridicularizando este escritor português, autor de títulos como “O
Eterno Feminino”, “O que morreu de amor” e “O primeiro beijo”, que é descrito no texto como um
produtor de literatura “açucarada” para o público feminino. Cf. “Julio Dantas, o Brumel” de Oswaldo
Abrita em LEITE CRIÔLO Nº VIII, 21 de julho de 1929.
9
Como comprovação podemos citar trechos da carta de Antônio de Alcântara Machado a Tristão de
Athayde, na qual ele diz que a função de Raul Bopp como secretário da primeira “dentição” da Revista de
Antropofagia “se limitava a enviar pelo correio 70% da tiragem” (apud SANTIAGO, 2003, p. 107); da
carta de Carlos Drummond de Andrade a Oswald de Andrade de maio de 1929 a respeito da segunda
“dentição” da Revista de Antropofagia – “estou ciente da revista, que leio sempre no ‘Diário de São
Paulo’ (a propósito: obrigado pela remessa do jornal, que só posso atribuir a V.)” (apud DORNAS
FILHO, 1959, p. 88.); e da carta de Ascenso Ferreira a Achilles Vivacqua, datada de 5 de dezembro de
40
deles10 são colecionados por membros dos múltiplos núcleos modernistas espalhados
pelo país.
A expansão máxima da rede modernista se dá até 1929 e tem por símbolo maior a
início de 1929. As desavenças que puseram fim à primeira fase da revista paulista e
presidiram o surgimento da sua segunda “dentição”, processo que será analisado neste
momento que as articulações da rede quase chegam a ser nomeadas enquanto tal por
modernistas espalhados pelo país que se correspondem com a publicação paulista são
textos não se trata da geografia da rede modernista, mas da geografia de uma facção
Mas, como veremos em maior minúcia, tal facção não possui a solidez de que se arroga:
Minas Gerais”, não pode ser compreendido como uma filial da antropofagia, ele
1929, na qual aquele reclama com este que não tem recebido “o Estado de Minas, nem Leite Crioulo, nem
Montanha [revista modernista de Ubá], nem nada” e atribui tal fato à desorganização dos Correios – na
verdade, leite criôlo havia publicado sua última edição em 29 de setembro daquele ano (Carta de Ascenso
Ferreira a Achilles Vivacqua (5/12/1929). Série correspondência. Caixa 1 [Classificação provisória].
Fundo Achilles Vivacqua. Acervo de Escritores Mineiros, UFMG). A remessa de publicações como a
segunda “dentição” da Revista de Antropofagia e leite criôlo, publicados em jornais comerciais de
circulação local, para integrantes da rede modernista nacional de outros estados demonstra a relativa
continuidade das formas de circulação em relação às revistas modernistas avulsas, nestes casos somada à
circulação normal daqueles diários.
10
Os arquivos pessoais de escritores modernistas, como aquele de Achilles Vivacqua depositado
atualmente no Acervo de Escritores Mineiros da UFMG, muitas vezes incluem este tipo de material nos
seus acervos.
11
REVISTA DE ANTROPOFAGIA Segunda Dentição Nº 10, 12 de junho de 1929.
12
REVISTA DE ANTROPOFAGIA Segunda Dentição Nº 13, 4 de julho de 1929.
41
constitui, na verdade, mais um núcleo relativamente independente no interior da rede
A dimensão das tomadas de posição literárias explícitas – aquilo que poderia ser
denominado como “política literária” ou, para usar a expressão de Fernando Correa
Dias (1968, p. 93), trajetória exterior – será aqui o foco principal: as tomadas de posição
tomadas de posição que serão analisadas aqui. A fórmula “cavar um lugar”, no contexto
abertura que implicaria assumir um novo ponto de vista no contexto da vida política,
posição – acusar as crenças do inimigo de serem nada mais que formas de mascarar seus
interesses é uma das mais clássicas estratégias discursivas presente em todas as formas
42
Quanto à forma, nossa análise se estruturará em termos de narrativa, assinalando
por vezes lugar à ordem lógica da argumentação. Tal opção pela narrativa se dá em
da análise de Antônio Sérgio Bueno (1982, p. 167-177) das relações entre leite criôlo e
a Revista de Antropofagia – posto que este autor, ao tentar compreender como e porque
opostas, acaba por não encontrar uma solução satisfatória devido ao caráter sincrônico
da sua análise. A seguir tentaremos propor uma resposta à mesma indagação básica a
do movimento modernista nos anos 1920 precisa partir da tomada de posição que
escritor. Outro ponto a ser considerado é que muitos dos que aderiam ao modernismo já
43
haviam se lançado como escritores, através de poemas estilisticamente assimiláveis ao
construir uma nova persona literária por oposição à anterior: foi o caso de Jorge de
Lima, que havia sido coroado “príncipe dos poetas” de Alagoas graças à fama de seu
13
soneto “Acendedor de lampiões”, e também de dois dos diretores de leite criôlo, cuja
utilizadas pelos novatos que se lançavam como escritores no âmbito do modernismo dos
anos 1920 é uma reconstrução a posteriori. O que a análise revela na dimensão objetiva
maioria das vezes desconhecidas: como saber, por exemplo, a qual das “figuras centrais
Aranha pudesse parecer mais central e promissor do que o grupo paulista que seria
veremos adiante, leite criôlo se defrontou em 1929 com a necessidade de optar entre as
Assim, cabe à descrição detalhada do caso em questão restituir a textura complexa dos
13
Como lembravam sempre os críticos “passadistas” ao rejeitar sua conversão ao modernismo. Cf.
SANT´ANA, 1978, p. 32 e 53.
44
Vivacqua e Guilhermino César, constituíam um segundo núcleo de escritores
Andrade, João Alphonsus, Emílio Moura, Martins de Almeida, Pedro Nava, Abgar
Renault e outros – havia sido responsável pela publicação das três edições de A Revista
destes a Minas Gerais em 1924. Como mostra Maria Zilda Cury (1998, p. 74-84),
alguns deles já se interessavam por literatura moderna antes desta data. O grupo de leite
criôlo, por sua vez, demoraria um pouco mais a aderir ao modernismo: tanto Vivacqua
mineira antes da sua “conversão” definitiva. Para eles – assim como para o terceiro
diretor de leite criôlo, Guilhermino César, que era seis anos mais novo que Dornas e
cuja estréia literária já se deu no âmbito do modernismo14 – o ano chave para suas
atuações como “escritores modernos” parece ter sido, como mostraremos, 1927.
1992, p. 13-30), Vivacqua foi redator das revistas de variedades Cidade Vergel, em
1927, e Semana Ilustrada, de 1927 a 1929. Dornas também colaborou com a segunda
estritamente das camadas mais altas da sociedade. Uma das seções de Semana Ilustrada,
14
Dornas nasceu em 1902 na cidade de Itaúna, tinha, portanto, a mesma idade que Drummond, já
Guilhermino havia nascido em Cataguases no ano de 1908. Cf. DIAS, 1968, p. 12.
45
por exemplo, encenava o famoso “footing” da Praça da Liberdade na crônica em versos
“boa sociedade” belorizontina de então. Mais certo é que a presença da literatura nessas
revista de feição mais estritamente literária de curta duração, Proteu, em 1920 (DIAS,
João Alphonsus. Semana Ilustrada parece ter sido um empreendimento mais viável
comercialmente15 e a linha literária dos textos ali publicados era, com raras exceções,
mais estritamente “passadista”. Surgida em 1927, alcançou em maio de 1929 sua edição
de número 91. Sua periodicidade semanal foi observada com uma regularidade que o
(1995, p. 248) considerou digna de nota para uma publicação do seu gênero na Belo
Horizonte de então.
15
Os exemplares de Semana Ilustrada são salpicados de anúncios, além disto, na página de expediente
estão relacionados os preços dos variados formatos de propaganda disponíveis aos anunciantes da revista.
Tais fatos talvez corroborem a hipótese de que a publicação possuía um grau de organização do ponto de
vista comercial incomum em face do amadorismo da imprensa belorizontina de então.
46
No que interessa à questão da adesão ao modernismo, o importante é que, ainda
em janeiro de 1928, João Dornas Filho publica um soneto, intitulado “A creação”, nas
Cidade Vergel aparece um poema moderno de Dornas, sem rimas e de métrica livre,
chamado “O moço que andava nos cavalinhos de pau”. Logo apareceria também nas
poema moderno seu. Intitulado “Meus oito annos”, o poema em verso livre justapunha
roda transcritos através de uma ortografia que mimetizava a oralidade (“– tatú tá no
Durante os anos de 1928 e 1929, João Dornas Filho continua a publicar textos
entanto, de contos sem maiores ousadias formais, cuja temática às vezes pode ser
prosa não havia neste momento uma contraposição tão rigorosa entre “passadismo” e
16
Recorte da Semana Ilustrada datado a caneta “Ano 1 Nº 32 Janeiro de 1928”. Série fortuna crítica.
Caixa2 (Classificação provisória). Fundo Achilles Vivacqua. Acervo de Escritores Mineiros, UFMG
17
A revista Semana Ilustrada chegou a publicar alguns poemas modernos. Na edição de Nº 34 de 21 de
janeiro de 1928, por exemplo, apareceram sob a rubrica “Modernistas” os poemas “Os meus versos
impressionistas...” de Odilon Negrão e “O bailado da lua” de Evagrio Rodrigues. Mas ambos poderiam
ser definidos como “modernistas” apenas na medida em que não apresentam métrica fixa e rimas, aliás,
parcialmente presentes no segundo. Aspectos estilísticos do modernismo de então como, por exemplo, a
coloquialidade, a ortografia fonética, a justaposição de imagens e a temática nacional não aparecem
47
modernismo não passou despercebida nas páginas da revista. A crônica semanal em
versos “Do Flirt, do Footing, da Semana”, de 2 de março de 1929, tinha por um dos
Dornas é a seguinte:
(...)
E o João Dornas, rapaz intelligente
Abraçar essa asneira [o modernismo] de repente...
Um jornal do Governo-futurista!
De fato não ha mesmo quem resista
como diriam, com o “futurismo” – em Belo Horizonte ser o jornal do PRM, eterno
elementos é que a crônica argumenta, a título de piada, que a adesão de Dornas é um ato
tempos de eleição, a ser jocosamente imitado pelo eu-lírico da sátira: uma brincadeira
nestes poemas e talvez tal fato seja um indício de que a produção poética mais ostensivamente modernista
não encontraria lugar na revista.
18
SEMANA ILUSTRADA, Nº 81. 2/3/1929
48
na qual sobressai uma ponta de ressentimento da parte dos escritores “passadistas” que
na Semana Ilustrada em 1928 até a menção de seu nome como líder da “parte boa” do
dos anos 1920 –, em 1929, transcorrera pouco mais de um ano. Tal fato não passaria
despercebido pela imprensa no momento em que veio à luz a publicação dirigida por
Dornas, Aquiles Vivacqua e Guilhermino César. Uma crítica publicada no jornal Folha
Filho, dos contos passadistas, longos como os versos kilometricos de Murilo Araújo”,
concluía: “Tem sido um pá-rá-pá-pá dos demônios. Até parece carnaval” 20.
Serenidade era o nome da plaqueta com seis poemas que Aquiles publicou,
19
A postura política oportunista ou “adesista” será também alvo de sátiras publicadas em leite criôlo,
como veremos no próximo capítulo.
20
FOLHA DA NOITE, 11/5/1929.
49
do livro pela rede modernista nacional e por outros setores da crítica. As vinte e quatro
cartas agradecendo e/ou comentando o envio deste livro, encontradas no arquivo pessoal
(Plínio Motta, da Academia Mineira de Letras; Renato Travassos e Carlos Lomba que
se declaram avessos ao modernismo nas suas cartas). É interessante notar que, antes da
quais nos temos referido e também em outros veículos, vários contos e crônicas
passadistas dos quais são exemplos a prosa simbolista de “O Lindo Poema” 21 e o conto
22
“Dôr”, este último assinado com o pseudônimo Roberto Theodoro. Com o mesmo
nestes textos de crítica literária não transparecem maiores sinais de adesão modernista.
corrente moderna que tanto preocupa a nova geração” – em uma resenha elogiosa de um
Neste contexto não é de se estranhar que Cyro dos Anjos, cuja adesão ao
24
modernismo também foi relativamente tardia (Cf. WERNECK, 1992, p. 79-80),
tenha escrito em uma resenha do livro publicada em Semana Ilustrada que “o autor de
Serenidade devia (...) ser advertido que seu espirito não se molda, muito bem, à nova
21
CIDADE VERGEL, Nº 2. Junho 1927.
22
SEMANA ILUSTRADA, Nº 29. 17/12/1927.
23
CIDADE VERGEL, Nº 2. Junho 1927.
24
Cyro dos Anjos publicaria depois textos modernistas em leite criôlo.
50
escola [literária] em o que está, aliás, de parabéns”. No entanto, o futuro autor de O
Talvez esta última citação faça referência à convivência de Aquiles Vivacqua com
outros estudantes universitários na Belo Horizonte de então, Vivacqua morava com seus
para a recente capital mineira esperando que os “afamados ares” desta cidade
“assustados” nos quais se faziam presentes também as mais velhas dentre as irmãs do
(Carlos Drummond de Andrade, Abgar Renault, Pedro Nava, Milton Campos) quanto
25
SEMANA ILUSTRADA, Nº 37. 11/2/1928.
26
Pelo que podemos levantar não se tratava propriamente de um salão literário, como o que era mantido
por Olívia Penteado no mesmo período em São Paulo, mas um espaço no qual eram realizados saraus e
“assustados” (festas dançantes mais ou menos improvisadas) que foi apelidado de salão por seus
freqüentadores. Pode-se talvez arriscar que o salão artístico propriamente dito (organizado pela dona da
casa e tendo por convidados artistas de certo renome) está para tais saraus literários (organizado e
freqüentado por amigos do filho da casa) da mesma forma que a família Penteado (alta burguesia cafeeira
paulistana) está para a família Vivacqua (proprietários de armazém de secos e molhados de classe média
alta de origem capixaba residindo em Belo Horizonte). Cf. VIVACQUA, 1997, p. 42-43.
27
Cf, por exemplo, DIAS, 1968, p. 67-71 e WERNECK, 1992, p. 35-38.
51
pelo círculo “passadista” ligado à Semana Ilustrada (além dos irmãos responsáveis pela
dos outros futuros co-diretores de leite criôlo, João Dornas e Guilhermino César. A se
literários – as reações por parte da crítica ao seu livro variaram consideravelmente entre
texto de Cyro dos Anjos ao qual já nos referimos. 29 Mas, como já prevenia uma resenha
consorcio del viejo lirismo con la poesia moderna, que tal vez no agrade a los
parecem não ter se impressionado com o livro de Vivacqua. Blaise Cendras, Paulo
28
O principal problema desta datação – proposta não pela autora, mas pela filha de Baptista Santiago em
carta citada no livro – é remontar os encontros a um período anterior ao estabelecimento da primeira leva
de modernistas de Belo Horizonte, que data de não muito antes de 1924. Para nós, uma datação mais
verossímil seria algo como 1925-1927, o que, no entanto, não invalida nosso argumento apresentado no
corpo do texto.
29
Carta de Renato Travassos a Achilles Vivacqua (2/4/1928), Carta de Carlos Lomba a Achilles
Vivacqua (26/5/1928), Cartão de Plínio Motta a Achilles Vivacqua (sem data). Série correspondência.
Caixa 1 (Classificação provisória). Fundo Achilles Vivacqua. Acervo de Escritores Mineiros, UFMG
30
Recorte do jornal El Heraldo de Goes, “Montevideo, Abril 27 de 1929”, colado no Álbum de Achilles
Vivacqua, P. 62. Série Álbum de Achilles Vivacqua. Caixa 1 (Classificação provisória). Fundo Achilles
Vivacqua. Acervo de Escritores Mineiros, UFMG.
52
Prado e Manuel Bandeira enviaram para Vivacqua notas lacônicas agradecendo o envio
31
do livro, no caso dos dois últimos escritas sobre pequenos cartões de visita. Não
discurso” e complementa:
A recepção não muito favorável do livro nos meios mais estritamente modernistas
publicada na revista Verde de Cataguases pelo escritor Rosário Fusco. Vale a pena
transcrever na integra:
31
Carta de Blaise Cendras a Achilles Vivacqua (25/2/1928), Cartão de Manuel Bandeira a Achilles
Vivacqua (1928), Cartão de Paulo Prado a Achilles Vivacqua (sem data). Série correspondência. Caixa 1
(Classificação provisória). Fundo Achilles Vivacqua. Acervo de Escritores Mineiros, UFMG.
32
Carta de Antônio Alcântara Machado a Achilles Vivacqua (8/2/1928). Série correspondência. Caixa 1
(Classificação provisória). Fundo Achilles Vivacqua. Acervo de Escritores Mineiros, UFMG.
33
VERDE Nº 5 Abril de 1928, p.9.
53
O texto, que utiliza os procedimentos estilísticos mais ousados em voga entre os
vida literária”, implicando certo descrédito pela produção anterior de Vivacqua. Segue
porém, que o mesmo seja efetivamente original. O próximo parágrafo elogia um poema
POETA” constitui um clichê dos elogios da crítica “passadista”, Fusco poderia estar
sugerindo que, para o próprio Vivacqua, mais valeria uma resenha esquiva e ambígua
É preciso lembrar que a resenha de Rosário Fusco deve ser considerada simpática
escrever, por vezes, críticas extremamente cáusticas sobre figuras bastante centrais da
34
rede modernista nacional. A razão da relativa brandura de Fusco talvez resida na
amizade de Vivaqua com o terceiro dos diretores de leite criôlo, Guilhermino César.
havia se mudado, em 1926, para Belo Horizonte com o fim de ingressar na Faculdade
de Direito (CESAR, 1978, p. s/n). É provável que naquele momento ele e Ascânio
Lopes, que residia na capital desde 1925, servissem de ponte entre o grupo da revista
Verde e os modernistas belorizontinos, tanto aqueles que haviam sido responsáveis pela
34
Cf., por exemplo, os reparos enfáticos que Fusco, então um estudante de 17 anos de idade, põe nas suas
resenhas de modernistas importantes daquele momento como Sérgio Milliet (VERDE Nº 2 Outubro de
1927 P. 26) e Cassiano Ricardo (VERDE Nº 5 Abril de 1928, p.9).
54
temos focado nossa análise, Aquiles Vivacqua e João Dornas Filho. O fato é que o
modernistas daquela pequena cidade da Zona da Mata e dos seus contrapartes da capital
modernos acabou por introduzir os estreantes de Verde, assim como os futuros diretores
segundo número, a revista pôde contar com a colaboração de alguns dos principais
“Samba”, publicado sob o pseudônimo Roberto Theodoro que Aquiles também usava
para a sua produção passadista, era um poema que não ficava a dever nada em termos
irregularmente sobre o branco da página e tinham por temática o tipo de cultura original
leite criôlo.
Dos futuros diretores de leite criôlo, Guilhermino César foi o que mais publicou
nas seis edições da publicação de Cataguases. Foram ao todo quatro poemas, duas
35
O poema foi publicado novamente nas páginas de leite criôlo e será retomado nas análises do próximo
capítulo. Cf. VERDE Nº 1 Setembro de 1927, p. 26
36
VERDE Nº 2 Outobro de 1927, p.14
37
Poemas: “Noturno” (VERDE Nº1, 9/1927), “Crônica Quase Policial da Barroca” (VERDE
Nº4,12/1927), “Balada do Arco-Íris da Gente”, “Tio Santana”, (VERDE Nº5, 1/1928-4/1928). Resenhas:
55
revista: mesmo morando em Belo Horizonte ele fazia parte do grupo modernista de
Cataguases. Ao que tudo indica sua estreia literária já se fez em águas modernistas e –
Francisco Inácio Peixoto, no ano de 1928 – Guilhermino tinha apenas 20 anos de idade.
Em suma, aplicar-se-ia também a ele a desarticulada frase telegráfica com que se auto-
qualificou seu parceiro de livro, “nacido [sic] e criado dentro modernismo” 38.
de leite criôlo Wellington Brandão. Não sendo um dos diretores, Brandão era, no
entanto, uma das vozes mais distintivas da publicação e só ficava a dever a eles no
Florêncio. Nascido em 1894, era 12 anos mais velho que Guilhermino e é descrito na
enquete literária realizada pelo Diário de Minas nos primeiros meses de 1929 – enquete
que será mais à frente analisada com maior detalhamento – como um advogado e
industrial que, residindo na cidade de Passos, “fez mais pelo modernismo do que muitos
vanguardistas das capitaes”. 39 Em 1927, ela já havia publicado quatro livros, sendo dois
contos.40 Este último, datado de 1926, chegou a ser resenhado em Verde por Ascânio
Lopes e, descontado o estilo mais sóbrio de Ascânio, o julgamento emitido era bastante
entanto, as qualidades de seu autor deveriam ser avaliadas, assim como as de Vivacqua
“Baianinha e Outras Mulheres”, “Arraiada Mineira” (Nº 5, 1-4/1928). Conto: “Santinha da Encarnação”
(VERDE Nº1, 9/1927)
38
VERDE Nº 4 Dezembro de 1927, p. 13.
39
DIARIO DE MINAS, 14 de fevereiro de 1929.
40
Cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Usu%C3%A1rio:Lucasbrandaoarouca. Acesso 2 de abril de 2008.
56
na resenha de Fusco, por sua produção mais recente, em especial pelo “ingenuo
Alceu Amoroso Lima), a facção paulista do modernismo liderada por Mário de Andrade
revista Festa, que cultivava um nacionalismo distinto daquele do grupo paulista, era
renovação católica liderado por Jackson de Figueiredo (Cf. GOMES, 1999, p. 69-70).
carioca, pela qual os “verdes” não possuíam grande apreço43, uma novela intitulada
oswaldiana que continuaria a ser publicada em leite criôlo44 – Ascânio opta por elogiar
apenas a faceta do escritor mais próxima da orientação do grupo de Verde, faceta que se
41
VERDE Nº 3 Novembro de 1927, p. 25
42
“O Poema Maior” em A REVISTA Nº 2 Agosto de 1925, p. 34-35. Fontes e especialistas convergem
no sentido de entender A Revista como uma publicação na qual eram publicados também textos de
escritores “passadistas”. Quando mencionamos aqui o grupo desta revista nos referimos aos modernistas
já citados responsáveis pela sua publicação. Sobre “passadismo” e modernismo em A Revista cf. DIAS,
1968, p. 18-20 e BUENO, 1982, p. 35-73.
43
Cf. a resenha do lançamento do terceiro número de Festa em VERDE Nº 4 Dezembro de 1927, p. 13.
44
Na mesma edição em que aparece a resenha de Ascânio, foram publicados cinco poemas dos “Cantos
Municipais”. Cf. VERDE Nº 3 Novembro de 1927, p. 13.
57
A revista que só tem estomago
Temos por estabelecido, então, que as figuras-chave de leite criôlo haviam todas
diretores de leite criôlo e da própria publicação na rede modernista nacional passa pela
da qual foram publicadas dez edições entre maio de 1928 e fevereiro de 1929. Foi esta a
terceira revista literária do modernismo sediada em São Paulo: fora antecedida por
Klaxon (nove números entre maio de 1922 e janeiro de 1923) e Terra Rocha e outras
“antropofagia” não era a ainda o ideário radical e razoavelmente bem definido que
principalmente uma metáfora recorrente à disposição das mais variadas intenções dos
45
Para as polêmicas envolvendo o primeiro manifesto de Oswald ver MORAES, 1978, p. 83-103.
46
Informações extraídas de uma carta de Antônio de Alcântara Machado a Alceu Amoroso Lima (Tristão
de Athayde), apud SANTIAGO, 2003 P. 105-109. Segundo a carta, Oswald viajou para a Europa logo
que após o aparecimento da primeira edição da Revista de Antropofagia. Esta seria, segundo Alcântara,
“intelectualmente (...) o produto do meu esforço e só do meu esforço”. E completava: “A função do Bopp
se limitava a enviar pelo correio 70% da tiragem”, apud SANTIAGO, 2003, p. 107.
58
fecha a primeira edição, na qual a metáfora do canibalismo se refere justamente às
manifesto da publicação:
Nesta publicação, que pode ser descrita como o auge da rede nacional modernista,
47
REVISTA DE ANTROPOFAGIA Nº 1, Maio de 1928, p. 8.
48
O “verde-amarelismo” era uma das correntes modernistas do momento. Pregava um nacionalismo um
pouco distinto do proposto por Oswald de Andrade e Mário de Andrade. Cf. MORAES, 1978, p. 113-135.
59
modernidade à autenticidade da natureza brasileira), 49 e “Dança do Caboclo”, bastante
e também uma resenha sobre seu livro conjunto com Francisco Inácio Peixoto, Meia-
que, como já vimos, parece ter sido bastante impiedoso com o livro de estréia de
somente umas poucas e brandas ressalvas52. João Dornas Filho, por sua vez, se fez
antecipa alguns dos principais temas e referências que se farão presentes em leite
criôlo.53
Grande parte dos futuros colaboradores de leite criôlo de fora de Belo Horizonte
60
leite criôlo com poemas da série “Ai, seu Mé”, iniciada na Revista de Antropofagia,
Antropofagia, a seção “Brasiliana” era constituída por trechos citados, em geral a partir
procedimento já utilizado por Oswald de Andrade em seu livro Pau Brasil em relação a
origem das citações fossem um pouco diferentes daquele da publicação paulista, como
passaria em branco para o futuro grupo de leite criôlo seria a resenha de Antonio de
Alcântara Machado do livro Poemas e Essa negra Fulô do poeta alagoano Jorge de
Lima. Nela o poema “Essa negra fulô”, de grande repercussão nos meios modernistas
55
REVISTA DE ANTROPOFAGIA Nº 1, Maio de 1928, p. 4.
61
alcançado pelo poema de temática “negra” – no qual apareceriam temas depois
através do açoite – tenha inspirado o grupo mineiro a conceber a temática “negra” como
Aquiles Vivacqua já havia trabalhado com uma temática deste tipo em “Samba”.
Também Guilhermino César produzia poemas nessa linha, do que são exemplos os
João Dornas Filho sintetiza o pano de fundo sobre o qual se dará a opção pela temática
No mesmo texto ao enumerar as figuras que, na sua opinião, mais haviam feito no
Ascenso Ferreira que, como Jorge de Lima, era um poeta nordestino, no caso
pernambucano, que em 1928 havia publicado um poema e uma carta aberta na Revista
de Antropofagia.58 Dornas deixa claro, porém, que os escritores citados “fizeram muito
56
VERDE Nº5, 1/1928-4/1928.
57
DIARIO DE MINAS, 3 de fevereiro de 1929.
58
REVISTA DE ANTROPOFAGIA Nº 4, Agosto de 1928, p. 1 (“A sucessão de São Pedro”) e Nº 6,
Outubro de 1928, p. 5 (“Carta a Órris Barbosa”).
62
No entanto, o momento no qual Dornas antevê a possibilidade de “totalizar a
Evento controverso e obscuro para o qual podem ter concorrido divergências tanto
entre os dois escritores – na primeira página da edição de número sete foi publicado em
quantos”: “Certifico a pedido verbal de pessoa interessada que o meu parente Mário de
Andrade é o peor critico do mundo mas o melhor poeta dos Estados Desunidos do
Mensagem cifrada que fora do seu contexto original parecer evocar desde uma
tentativa de retratação até uma intenção provocadora. Mas certamente indica algum
59
REVISTA DE ANTROPOFAGIA Nº 7, Novembro de 1928, p. 1.
63
abalo na relação entre os dois “Andrades” do modernismo. Mário, por sua vez,
canibalismo mágico-ritual.60 Talvez o texto possa ser compreendido como uma resposta
O fato é que, depois daquela última edição da primeira fase datada de fevereiro de
1929, ressurgiria nas páginas do Diário de São Paulo, em 17 de março do mesmo ano,
uma Revista de Antropofagia muito diferente da que fora publicada até então. Em carta
Tristão de Athayde –, Antônio de Alcântara Machado, depois de dizer que antes dos
60
REVISTA DE ANTROPOFAGIA Nº 10, Fevereiro de 1929, p. 5.
61
MORAES, 1978, p. 91-94.
64
Oswald de Andrade e Osvaldo Costa se incumbiriam de sua
publicação no jornal.
Quando aí no Rio tive conhecimento da nova fase da [sic]
Antropófago fiquei surpreso mas pouco me incomodei. Percebi
logo que era uma safadeza e calei-me. O Rubens me conta a
história que o Mário [de Andrade], o Couto de Barros e o Paulo
Prado confirmaram. Aos três últimos o Oswald havia declarado
que eu autorizei a publicação da revista no Diário e concordara
com a minha saída e a indicação de um novo diretor, o
irresponsável mulato Geraldo Ferraz. (apud SANTIAGO, 2003, p.
107). 62
através de uma carta deste enviada a Carlos Drummond de Andrade, datada, segundo
primeira dentição, para o segundo plano. Dela constaria uma seção intitulada
não afinadas com o ideal antropofágico. Função também cumprida por inúmeras notas
menores, nas quais o incomparável talento de Oswald para o trocadilho era utilizado
62
No livro citado, a carta vem datada de 15 de maio de 1930, o que parece erro, posto que no texto há
referências de acontecimentos de 1929, como sendo “deste ano” (“Em fevereiro deste ano segui para aí
deixando dois números prontos sendo que um deles já na tipografia: o número de fevereiro que saiu”).
Em todo caso, a data publicada não invalida nossa linha de argumentação.
65
Tal tomada de posição – possivelmente inspirada no tipo de ação grupal no campo
– levou, nas palavras de Aracy Amaral, a uma “torrente de rompimentos”: alguns dos
amigos e colaboradores mais próximos de Oswald romperam relações com ele. Além
dos já citados Mário de Andrade e Antônio de Alcântara Machado, foi o caso de Yan de
63
Almeida Prado e de Paulo Prado. As relações com os outros grupos modernistas,
qual Alcântara Machado propõe adicionar uma “conjuração do silêncio”, implica que na
está descartada e a dos modernistas menos ilustres é muito bem vinda. Além das
modernistas nordestinos que são, com poucas exceções (como Jorge de Lima), nomes
do grupo antropófago para conseguir a adesão daqueles que eram então considerados
João Alphonsus. A carta já citada de Oswald a Drummond pede a este que “mande
coisas” para a Revista de Antropofagia e também que “diga aos [escritores do grupo da
63
Cf. AMARAL, 1975, p. 264-268.
66
revista Verde de] Cataguases que com eles contamos” (apud DOYLE, 1976, p. 142). Em
no Rio de Janeiro, escreve para Drummond e João Alphonsus carta datada de 23 de abril
considerava um amigo pessoal – define de uma vez por todas sua rejeição à
para tanto.
segunda dentição da Revista de Antropofagia. Cabe agora analisar como tais tensões se
67
O grande atentado às boas letras
A existência de leite criôlo enquanto periódico foi relativamente curta, o que não
distingue, aliás, essa publicação da maioria dos periódicos modernistas. Foram ao todo
Revista foram publicadas 3 edições (julho e agosto de 1925; janeiro de 1926) e que da
segunda dentição da Revista de Antropofagia – que tinha em comum com leite criôlo o
1/8/1929.
Quando ao grau da sua inserção na rede modernista nacional cabe mencionar que a
publicação dirigida por Dornas, Vivacqua e Guilhermino César contou ao todo com 53
incluindo um dos editores, Guilhermino César, além de Rosário Fusco, Francisco Inácio
Peixoto, Oswaldo Abrita, Ascânio Lopes (publicações póstumas) e Fonte Bôa. Existe
entre essa revista e o suplemento certa continuidade: textos publicados na Verde são
64
Não conseguimos encontrar nenhuma informação que ajude a compreender porque o jornal Estado de
Minas publicou em suas páginas o suplemento modernista leite criôlo. O jornal havia sido fundado no ano
anterior e seria comprado pelos Diários Associados de Assis Chateaubriand treze dias depois da
publicação da primeira edição do suplemento. A única conjuntura que nos foi possível é que existe uma
grande probabilidade de que algum ou talvez todos os diretores de leite criôlo trabalhassem no jornal. Cf.
MENDONÇA, 1987, p. 62-64.
65
O poema “Samba”, de Achilles Vivacqua foi publicado sob o pseudônimo Roberto Theodoro em Verde
N˚ 1, de Set/1927, e republicado com o nome do autor em leite criôlo III, de 16/6/1929. O texto de Yan
de Almeida Prado, “Arte e Artifício”, foi publicado em Verde N˚ 2, de Out/1927, e republicado em leite
criôlo XIII [15˚ suplemento], de 8/9/1929. De Ascânio Lopes foram republicados postumamente dois
68
revista têm a sua continuação no suplemento,66 as homenagens ao poeta do grupo de
Andrade que contou com contribuições de 27 autores, sendo todos eles mineiros, com
espalhados pelo país que estavam em contato com leite criôlo, em oposição à
publicou apenas sob o pseudônimo Jacob Pim-Pim – e dos mineiros Drummond e João
Alphonsus, cujas relações complexas com o grupo de leite criôlo analisaremos a seguir.
“República das Letras”, pode-se observar que leite criôlo tem por interlocutores e
de leite criôlo em relação a ambos os outros grupos não se fazem presentes na sua
própria publicação: o palco da interação explícita com o outro grupo mineiro seria a
imprensa belorizontina e, com o grupo paulista, a página que esse publicava no Diário
artigos: “A hora presente”, Verde N˚ 2 (Out/1927) e leite criôlo X [11˚ supl.] (11/8/1929); e “Paulo
Prado, Paulística e Várias Coisas”, Verde N˚ 4 (Dez/1927) e leite criôlo XIII [14˚ supl.] (1/9/1929).
66
As séries são “Poemas de Belo Horizonte”, de Achilles Vivacqua , iniciada sob o pseudônimo Roberto
Theodoro em Verde N˚ 2 (Out/1927) e continuada com o nome do autor em leite criôlo VIII (21/7/1929),
e “Cantos Municipais”, de Welligton Brandão, iniciada em Verde N˚ 3 (Nov/1927) e continuada, agora
com o pseudônimo Fidelis Florêncio, em leite criôlo I (2/6/1929), II (9/6/1929), V (30/6/1929) e X
(11/8/1929).
69
de São Paulo. Tentaremos demonstrar que esta tentativa de neutralizar o próprio
antropofagia oswaldiana sem romper as relações com outros grupos modernistas. Além
disso, percebemos a intenção de evitar que leite criôlo se torne o que os “antropófagos”
paulistas gostariam que ela fosse, ou seja, uma subsidiária local da Revista de
Antropofagia.
realizada nos primeiros meses de 1929 no jornal Diário de Minas, cujo redator-chefe
As respostas dos escritores que pouco tempo depois lançariam leite criôlo deixam
67
A enquete já foi analisada por Fernando Correia Dias, mas em um sentido diferente do proposto aqui.
Interessava ao sociólogo mineiro a questão da dispersão do grupo modernista de Belo Horizonte que
publicou A Revista, grupo às vezes denominado a partir dos seus pontos de encontro, a Confeitaria Estrela
e a Livraria Alves. Cf. DIAS, 1968, p. 31-37.
68
DIARIO DE MINAS, 3 de fevereiro de 1929.
70
que, em última instância, era responsabilidade de Drummond, redator-chefe do jornal –
respostas de Aquiles Vivacqua e Guilhermino Cesar, são feitas ressalvas à posição dos
dois:
grupo que logo publicaria leite criôlo seria um texto de Achilles Vivacqua intitulado “a
publicação paulista, no dia primeiro de maio de 1929, o texto retrabalha alguns temas
que se juntou com duas raças decaídas, os negros e os portugueses, para a problemática
em leite criôlo.71
Dois números antes, aparecia na publicação paulista um texto intitulado “Os tres
69
DIARIO DE MINAS, 14 de fevereiro de 1929. Encontramos dois anos distintos como sendo da data de
nascimento de Vivacqua: 1900, presente nas memórias da sua irmã (VIVACQUA, 1997, p. 135), tão
zelosa da sua lembrança, e 1905, citado por Fernando Correa Dias (1968, p. 12), que parece ter se
equivocado. De todo jeito, a invocação no trecho citado da juventude de Vivacqua para desautorizá-lo é
quase tão incisava caso ele seja três anos mais novo que Drummond – ou seja, nascido em 1905 – quanto
se a datação de 1900 estiver correta e ele for dois anos mais velho que o poeta de Itabira.
70
DIARIO DE MINAS, 7 de abril de 1929.
71
REVISTA DE ANTROPOFAGIA Segunda Dentição Nº 7, 1º de maio de 1929.
71
Almeida Prado, que havia publicado capítulos de sua obra “Os tres sargentos” na
exigia uma definição por parte dos modernistas mineiros – “(...) os meninos de Minas
Oswald citada acima. A resposta foi a também já citada carta de Drummond na qual já
escravatura, seria publicado leite criôlo, um tablóide de oito páginas a ser distribuído
“numero I” e “ano I”, nada no tablóide indicava que haveria periodicidade definida ou
mesmo sequência à sua publicação72 e uma matéria publicada pelo Diário de Minas em
irregular (tanto quanto possivel irregularissimo[sic])”. 73 Outro artigo não deixou passar
em branco certa opção de escrita presente no tablóide, se referindo ao fato de leite criôlo
se apresentar “as primeiras letras l e c minusculos – o que elles [os diretores] acham
seguidos pelos poemas (sete) e trechos de prosa (três). Nesta primeira aparição de leite
72
Nos outros periódicos modernistas consultados é comum a referência ao que seria publicado nos
próximos números e também a oferta de assinaturas, apesar de serem, via de regra, empreendimentos
editoriais amadores, de periodicidade irregular e tendência a gerar prejuízos financeiros.
73
Recorte de jornal, anotado à mão “Diario de Minas, maio 929”. Série Fortuna Crítica. Caixa 1
(Classificação provisória). Fundo Achilles Vivacqua. Acervo de Escritores Mineiros, UFMG.
74
Recorte de revista com artigo de Jairo Leão, anotado à mão “Vida Capixaba – Vitória, E. Santo”. Série
Fortuna Crítica. Caixa 1 (Classificação provisória). Fundo Achilles Vivacqua. Acervo de Escritores
Mineiros, UFMG.
72
criôlo a proporção de textos que mencionavam questões raciais, ligados assim mais
Vivacqua e João Dornas Filho na Semana Ilustrada escrevem em uma nota sobre leite
criôlo que “os espiritos modernos, não sabemos se pela inquietação ou pela incultura,
têm uma tendencia para o fútil e para a blague”.75 Mas pode-se especular que tais
rejeição a leite criôlo, publicado no mesmo jornal que dali a dezoito dias estamparia a
nenhum outro ponto da nossa pesquisa, e publicado no Estado de Minas – que, assim,
após invocar uma “cruzada santa”, acaba por publicar leite criôlo – não seria impossível
que o artigo tivesse saído das próprias linhas “criolistas”, como parte do espetáculo de
lançamento do tablóide.
75
SEMANA ILUSTRADA, Nº 91. 13/5/1929.
76
ESTADO DE MINAS. 12 de maio de 1929. Nota-se que o artigo saiu um dia antes do “grande atentado
às boas letras” efetivamente “inundar as ruas”.
73
Outros artigos publicados na ocasião, no entanto, se ajustavam menos à ideia de
Mas, sem dúvida, os ataques mais importantes sofridos pelo grupo de leite criôlo
vinham dos modernistas sediados no Diário de Minas, tão ou mesmo mais versados na
blague vanguardista que seus contrapartes que haviam produzido o tablóide. Um dos
comemorativo de datas nacionais – o artigo propõe sua publicação nos dias “21 de abril,
sendo uma “revolta (...) contra escritores paulistas de mais fama”.78 Em outro artigo, a
crítica a leite criôlo vai além da blague polêmica, atacando alguns dos pontos fracos do
programa “criolista”:
posição primitivista e nativista – que significava, por exemplo, que muitos poemas
77
FOLHA DA NOITE, 11/5/1929.
78
DIARIO DE MINAS, 12/5/1929.
79
DIARIO DE MINAS, 14/5/1929.
74
seu “órgão oficial” – e suas concepções sobre a “formação racial” brasileira e o
presente trabalho.
João Dornas afirma que “o Carlos Drummond e o João Alphonsus divergem de muita
coisa que pensamos. E estão aí firmes conosco, prestigiando o nosso jornal com
colaboração de primeiríssima. Deus nos livre se não estivessem” (apud. BUENO, 1982,
p. 104).
Da parte dos escritores citados – que contribuíram com um texto cada no tablóide
de 13 de maio, sendo que Drummond também publicou ali um poema sob pseudônimo e
publicaria um outro sob seu próprio nome na segunda edição de leite criôlo como
do Diário de Minas já citados, de que “os rapazes mineiros apparecem com intenção de
não brigar”. 80
Como já foi dito, dezoito dias depois do lançamento do tablóide, no dia 2 de junho
leite criôlo faria a sua segunda aparição, desta vez como suplemento literário do jornal
normalmente um espaço que variava entre meia página e um quarto de página, nas
modernista em minúsculas foi mantida e expandida para muitos dos títulos dos textos ali
80
DIARIO DE MINAS, 12/5/1929.
75
publicados. A ênfase quanto ao material publicado se afastou gradativamente das
de Mário de Andrade, posição que, como vimos, eles tentavam evitar. No décimo
contraposta à posição de leite criôlo, ignorando que Guilhermino César fazia parte deste
grupo, que contribuía com bastante frequência na publicação de Belo Horizonte. A nota
ignorava também que sem dúvida Mário de Andrade continuava figura central pelo
menos do cânone pessoal de João Dornas, como demonstra a sua resposta à enquete já
81
REVISTA DE ANTROPOFAGIA Segunda Dentição Nº 10, 12 de junho de 1929.
82
DIARIO DE MINAS, 3 de fevereiro de 1929.
76
Não se pode, no entanto, considerar o grupo “criolista” como uma “vítima
algumas vantagens para o grupo mineiro. Dentro de uma situação na qual a contribuição
uma possibilidade para os três diretores de leite criôlo aumentarem seu peso enquanto
lado a lado, a nota intitulada “Cartas na mesa: os andrades se dividem”, que transcrevia
brasilidade, vae á frente com o tacape e com os dentes, desbravando o caminho perigoso
que tem nos desorientado até aqui”. E continua afirmando a identidade entre os projetos
83
REVISTA DE ANTROPOFAGIA Segunda Dentição Nº 11, 19 de junho de 1929.
77
“antropofagia”, descrita como o batalhão de formigas que devorarão as “reliquias,
panorama nacional dos vários “clubes de antropofagia”, havia sido publicada quase que
João Alphonsus começa então a pressionar o grupo “criolista” para que se defina
Estado de Minas ao mesmo tempo em que o suplemento, publicando ali sua “Chronica
de uma seção de resenhas, mas que eram escritas de maneira solta, permitindo ao autor
abordar o assunto que desejasse. No dia 28 de julho, incrustado na sua resenha do livro
Estudos (2ª série) de Tristão de Athayde, aparece um recado para o grupo de leite criôlo
84
LEITE CRIÔLO Nº VI, 7 de julho de 1929.
85
REVISTA DE ANTROPOFAGIA Segunda Dentição Nº13, 4 de julho de 1929.
78
podem destruir alguma coisa. Nos intervallos manifestam sua
incondicional adhesão á candidatura Julio Prestes.86
Catete para a próxima eleição presidencial, Júlio Prestes – não é de maneira alguma
mostra Cláudia Maria Ribeiro Viscardi (2001, p. 330-349), era o mais intenso dos
com vistas a definir o(s) candidato(s) à presidência. Minas, desde o início de 1929,
pelo Catete, e ameaçava lançar uma chapa oposicionista, o que acabou ocorrendo com o
1929.
No aspecto que nos interessa aqui, o importante é que o governo Antônio Carlos,
instituição no estado do voto secreto. Se, por um lado, os jovens intelectuais que
situacionismo para conseguir seus cargos no serviço público e na imprensa, por outro,
tal fato não determinava a espécie de adesão entusiasmada que podemos observar tanto
86
ESTADO DE MINAS, 28 de julho de 1929.
79
Drummond declarou, em carta pessoal destinada a Mário de Andrade datada de 9 de
agosto, ser “soldado vibrante da aliança liberal” (apud SANTIAGO, 2002, p. 354). Por
sua vez, leite criôlo publica, uma semana depois do lançamento da Aliança Liberal, um
lançamento da Aliança Liberal – pode ter incitado Dornas a declarar que não se devia
não publica mais artigos sobre o “criolismo” e perde, assim, o pouco de referência à
Na, por assim dizer, política interna da “república das letras” os acontecimentos da
várias das figuras com quem Oswald rompera eram ligadas ao Partido Democrático. Era
AMARAL, 1975, p. 265 e MICELI, 2001, p. 254). Segundo Sergio Miceli (2001, p.
87
LEITE CRIÔLO Nº X (11º), 11 de agosto de 1929. A numeração do suplemento encontra-se, ao final
da publicação de leite criôlo, dois números defasada devido à repetição errônea do cabeçalho nos
exemplares IX (28/7 e 4/8) e XIII (1/9 e 8/9).
80
perrepista com as demandas modernizadoras de segmentos urbanos como profissionais
liberais, intelectuais etc., o que talvez representasse uma vantagem, sob o ponto de vista
Oswald de Andrade – apesar das suas posições radicais no campo literário – continuava
vinculado.
de sua Revista de Antropofagia nas páginas do Diário de São Paulo, filiado à rede dos
Seja por tais injunções, seja por outras, a Revista de Antropofagia deixa de
número XIV de leite criôlo seria apenas uma pequena coluna com um trecho de prosa e
dois poemas curtos. Na mesma página aparece a seção “Chronica literaria”, de João
Alphonsus, com um texto intitulado “De Negra Fulô a Freud”, no qual o escritor
mineiro se refere mais uma vez à antropofagia, agora como um fato passado, em uma
81
imberbes ao lado de sujeitos maduros e beiçudos, num farrancho
divertido pelo menos.
Porém, como de todas as cousas más tem que resultar alguma coisa
boa (...) a verdade é que nem tudo está morto, e ha poetas já
treinados e outros incipientes, com os quaes é preciso contar toda a
vida, já porque tiveram o bom humor para desertar do farrancho
antropophagicamente piqueniquesco, já porque de qualquer modo
elles estão conduzindo a nossa poesia a bom caminho, apesar das
vicissitudes actuaes.
(...)
Pois bem só se lembraram elles do indio como alegoria para
quadros vivos construidos demais, e dos negros, para distillar
tristezas ou fazer cafuné [sic]. E só o Sr. Jorge de Lima, de
Alagoas, que tinha sido antes um emerito cultivador de sonetos, foi
capaz de vir a publico uma legitima e espontânea “Negra Fulô”,
que vale por si só mais que os longos poemas em que modernistas
anteriores versejaram episodicamente a história do Brasil.88
tentativas literárias do suplemento o poeta e o poema que, como foi visto, era uma
bastante provável inspiração das propostas estéticas do grupo “criolista”. A lição foi
123) – no qual Oswald é atacado devido “ao seu plano de botar Jesus Christo para fora
qual se refere ter sido nomeado, apesar das suas “convicções catholicas, agente de
88
ESTADO DE MINAS, 15 de setembro de 1929.
89
LEITE CRIÔLO Nº XV (17a) de 22 de setembro de 1929.
82
Amaral, para ficar com a poetisa Pagu, que então tinha apenas 18 anos (Cf. AMARAL,
1975, p. 284-295) – concluindo que o “galo” por não possuir culpa não pode se queixar
Após este rompimento com a antropofagia haveria apenas mais um número, aliás,
rede modernista nacional – rede que, aliás, já não era mais a mesma e que funcionaria
de maneira bastante diversa a partir de 1930. Talvez seja válido citar aqui um poema,
chamado “Vai-vem da ladeira sem flores”, de Guilhermino César – único texto assinado
por um dos diretores de leite criôlo a sair no último número do suplemento – para
Caricia da descida.
Os anjos máus que me abraçaram
os anjos máus...
Monotona
Caricia da descida.91
90
LEITE CRIÔLO Nº XV (17a) de 22 de setembro de 1929.
91
LEITE CRIÔLO Nº XVI (18a) de 29 de setembro de 1929.
83
3. Não somente pela poesia: gêneros e temas em leite criôlo.
Está assim aberta a todas as oposições a REVISTA DE
ANTROPOFAGIA. E conta com sua colaboração
frequente. Uma única restrição: cousa curta.
recorte dos gêneros literários ali presentes. Tal opção metodológica se dá com o
84
contribuições ad hoc que compõe o mosaico que é o “órgão oficial do criolismo” como
textos literários. O risco que se pretende evitar é o de conceber leite criôlo como uma
entidade dotada de uma retórica e de uma ideologia unitárias, limitação esta que
como tais concepções se fazem presentes naquele momento. A primeira delas se refere à
limitação básica dos textos que aparecem em publicações como leite criôlo e a Revista
colaboradores para publicações que, ao que parece, não pagavam pelos textos
que transcendem a literatura estrito senso. Parece assim sugerir o formato da segunda
gênero poético permanece hegemônico no corpus publicado de leite criôlo, mesmo que
85
No intuito de mimetizar a tensão presente na publicação entre o conteúdo
gêneros mais estabelecidos, à análise do corpus pelo recorte dos gêneros se seguirá, nos
criôlo.
No Amazonas da poesia
Como já afirmamos, no conjunto do corpus de leite criôlo se mantém a
hegemonia dos versos característica das publicações modernistas dos anos 1920, sendo
Nota-se, portanto, que em apenas uma das edições cotidianas de leite criôlo outro
86
justaposições de toda espécie etc.), apesar da considerável variedade temática presente
no corpus poético analisado. A modernidade técnica e/ou social enquanto temática, tão
leite criôlo, gerando séries relativamente coesas dentre o mosaico das contribuições. É
interessante ressaltar que tal redundância – que facilita, aliás, em muito a presente
análise – serviu na época de argumento para críticas, como aquelas de João Alphonsus
revista Verde e no Diário de Minas,93 tem por ecos “Poesia criôla”, de Fonte Boa, do
Alves. Todos eles encenam danças dos “corpos pretos” de “criôlas”, “morenas” e
Também fazem sua aparição diversos tipos de trabalho textual de matriz sonora e/ou
visual como as aliterações e assonâncias reforçadas pelo recorte irregular dos versos em
aruá/ pra seu dia festejá”) evocando as cantigas folclóricas em “Poesia criôla”, as
92
LEITE CRIÔLO Nº IX (10º), 4 de agosto de 1929.
93
DIÁRIO DE MINAS, 1/2/1929.
87
repetições e refrões em “Dança de Salomé mulambo”. Estes são alguns dos poemas
publicados em leite criôlo que mais chamam a atenção para si no aspecto formal,
trazendo como substrato temático o tipo da mulata sensual, cuja proximidade com o
tema da luxúria como perdição está explícita na menção a Salomé – encarnação bíblica
partir do séc. XIX (cf. DOTTIN, 1997, p. 805-811) – no título do poema de José
poema “milú" de Jacob Pim-pim, pseudônimo do “antropófago” Raul Bopp, que narra o
estupro da “escrava mais nova” pelo feitor, tendo por cenário o “fundo da lavoura
descreve em seu poema uma “negrinha asseiada [sic]”, concluindo que a fala dela “até
sexual, da Sinhá pela “bichinha de casa”, substituição que aparece explicitamente nos
94
“Samba”, de Achilles Vivacqua em LEITE CRIÔLO Nº III, 16 de junho de 1929; “Poesia criôla”, de
Fonte Boa em LEITE CRIÔLO Nº V, 30 de junho de 1929; “Dança de Salomé mulambo”, de José
Guimarães Alves em LEITE CRIÔLO Nº VII, 4 de agosto de 1929. “Samba” e “Dança de Salomé
mulambo” já foram analisados e parcialmente transcritos por Antônio Sergio Bueno, cf. BUENO, 1982,
p. 144.
88
Neste poema soldados “cobiçando os frutos cheirosos / fazem sentinela” devido à
Além do viés erotizado, comum aos poemas mencionados até aqui, a temática
negra também faz sua aparição sobre outras formas em leite criôlo. No poema “13 de
como dádiva da Princesa Isabel. Sobre outro ponto de vista e em claro diálogo com a
grupo da revista modernista Montanha, publicada naquela cidade mineira. Ali o autor
‘correição”. 96
compreender estes poemas dentro da lógica mais ampla das temáticas do nacionalismo
correição”, também se faz presente, de forma muito mais positiva, intimista e caseira,
Abrita, ligado à revista Verde – “As estrelas se abaixaram, meu Deus, / pra espiar a
95
“milú”, de Jacob Pim-Pim em LEITE CRIÔLO Nº VI, 7 de julho de 1929; “bichinha de casa...” em
LEITE CRIÔLO Nº XIII (14°), 1° de setembro de 1929; “cromo”, de Achilles Vivacqua em LEITE
CRIÔLO Nº VI, 7 de julho de 1929.
96
LEITE CRIÔLO Nº XI (12°), 18 de agosto de 1929.
89
deixou lugar pra Deus Nosso Senhor”. Estes poemas, os últimos dois remetendo mesmo
Menina”, de Fonte Boa,98 versos livres modernos servem de moldura para cantigas
repetição clara do procedimento já utilizado, entre outros, por João Dornas Filho em
do romance nordestino da década seguinte, como a seca e a saga dos retirantes. 99 Vários
97
“Mez de Maria” de Fidelis Florêncio em LEITE CRIÔLO Nº VII, 14 de julho de 1929; “Balada da
ternura” de Oswaldo Abrita em LEITE CRIÔLO Nº XII (13º), 25 de agosto de 1929; “armarinho” de
Guilhermino Cesar em LEITE CRIÔLO Nº V, 30 de junho de 1929.
98
“A canção do meu sapo” de Francisco L. Martins Filho em LEITE CRIÔLO Nº I, 2 de junho de 1929;
“Pedra Menina” de Fonte Bôa em LEITE CRIÔLO Nº III, 16 de junho de 1929.
99
“bandeira nacional” de Achilles Vivacqua em LEITE CRIÔLO Nº VII, 14 de julho de 1929;
“bandeira” de Eneida em LEITE CRIÔLO Nº XII (13º), 7 de julho de 1929; “Os ‘Baianos" de Fidelis
Florêncio em LEITE CRIÔLO Nº I, 2 de junho de 1929; “Batalha” de Franklin Nascimento em LEITE
CRIÔLO Nº VII, 7 de julho de 1929.
100
“ca paraó” de Valle Ferreira em LEITE CRIÔLO Nº V, 30 de junho de 1929; “bucolica" de Odorico
Costa, de Uberaba, em LEITE CRIÔLO Nº VIII, 21 de julho de 1929; “Minas” de Rosário Fusco, ligado
à revista Verde, em LEITE CRIÔLO Nº IX, 28 de julho de 1929; “Bois de Carro” e “A Catita” de Fidelis
Florencio em LEITE CRIÔLO Nº X(11º), 11 de agosto de 1929; “Paraná” de Francisco L. Martins Filho
em LEITE CRIÔLO Nº XIII(14°), 1° de setembro de 1929.
90
categoria poderia ser denominada – tomando de empréstimo o título da série de poemas
de Achilles Vivacqua que começou a ser publicada na revista Verde e teve sua
poemas “vistas de Bello Horizonte: Estrada de Ferro” de Valle Ferreira, que se refere à
“Estação sem prática da vida”, e “o sol na prosa” de Fonte Bôa, que tem por temática o
101
“paisagem n. 4” e “paisagem n. 5” de Achilles Vivacqua em LEITE CRIÔLO Nº VIII, 21 de julho de
1929; “vistas de Bello Horizonte: Estrada de Ferro” de Valle Ferreira em LEITE CRIÔLO Nº VIII, 21 de
julho de 1929; “o sol na prosa” de Fonte Bôa em LEITE CRIÔLO Nº VI, 7 de julho de 1929.
102
“Neurastenia Clerical”, “Reclame para o Grande Hotel”, “Versos do Coletor Estadoal de Briquites” de
Fidelis Florêncio em LEITE CRIÔLO Nº II, 9 de junho de 1929; “o papagaio do palácio” de Jacob Pim-
pim em LEITE CRIÔLO Nº IX, 21 de julho de 1929.
91
internacional e, no fim, exaltada por ser “brasileirinha até debaixo d’água”, no primeiro,
e no segundo porque seus olhos não são “olhos de americana”. No poema de Câmara
Cascudo aparece um refrão – a interpelação “Meu bem” – também utilizado nos poemas
uma tuberculosa, e “pra você...”, de João Dornas Filho, no qual é ressaltado o “sabor
bem” tem por equivalente “Mulher” no poema “Desejo Lyrico”, de João Alphonsus,
com resultados bastante parecidos. Neste poema o eu-lírico antecipa a resposta da sua
interlocutora nos seguintes termos: “Tu então dirás: tá bão”, em mais um exemplo da
sentimental, das mais tradicionais para a feitura de versos, é tratada de maneira mais
convencional, em alguns deles são inclusive rimados de maneira não muito distante da
104
ortodoxa. É através de poemas deste tipo – secundário no corpus da publicação
mineira – que se dá a colaboração de duas das quatro mulheres cuja produção aparece
em leite criôlo: Carmem Corrêa de Mello e Mieta Santiago. A última delas, que chegou
a publicar dois poemas no suplemento, era também uma conhecida sufragete mineira,
92
presença de escritores homens, não apenas em leite criôlo, mas no modernismo
de leite criôlo, cabe lembrar que a articulação da diversidade dos poemas aqui
analisados – a qual se deve somar a diversidade daqueles vários que não integram as
outros gêneros literários. Nesses, o ideário “criolista” se faz presente de maneira mais
opinativo.
A prosa salvadora
criôlo, tal gênero de escrita dificilmente poderia ser qualificado de salvador no sentido
está longe de fazer frente ao “Amazonas da poesia” (foram publicados vinte e quatro
trechos de prosa contra um total de sessenta e nove poemas). Mas a prosa de ficção mais
105
“cae a chuva”, de Mieta Santiago, em LEITE CRIÔLO Nº VI, 7de julho de 1929; “caricia de roce que
és tu...”, de Mieta Santiago, em LEITE CRIÔLO Nº VII, 14 de julho de 1929; “você já vinha comigo”, de
Carmem Corrêa de Mello, em LEITE CRIÔLO Nº IX, 28 de julho de 1929. As outras escritoras são
Eneida, autora do já citado poema “bandeira”, e Thereza Marchetti, que publicou no suplemento um
poema de influência simbolista intitulado “Helio” (LEITE CRIÔLO Nº XII (13º), 25 de agosto de 1929).
93
Como traço geral, a prosa de ficção presente em leite criôlo tende a ser mais curta
São deste tipo vários textos publicados em leite criôlo que, através de enredos
João Dornas Filho, conta-se a história de um flautista que fez fama tocando uma flauta
de taquara: decide, porém, trocá-la por uma de prata, acaba por não conseguir tocá-la e
texto a lição: “Conheço um povo que se sujeitasse a tocar flauta de tacoára, podia ao
menos ser considerado o maior flautista de tacoára do mundo”. A mesma ideia básica
Abrita. Nesse texto um “nêgo” invade um salão passadista provocando escândalo, mas
devido a sua ignorância não pode ser ouvido. O texto finaliza com um arremate
paternalista: “o caso é que alguém já olhava ele com simpatia. Porém talvez ele inda não
fale amanhã.”107
partir de alguns “pensamentos bonitos” que teve e se revolta por não o publicarem em
106
Poucos são os textos inequivocamente qualificáveis como contos. Nominalmente, “O chapéo”, de Ary
Gonçalves, modernista de Ubá, em LEITE CRIÔLO Nº VIII, 21 de julho de 1929; e “Tragedia”, de
Marques Rebello, modernista do Rio de Janeiro em LEITE CRIÔLO Nº IX, 28 de julho de 1929.
107
“apologó”, de João Dornas Filho, LEITE CRIÔLO Nº IX, 28 de julho de 1929, “A propósito de uma
aparição”, de Oswaldo Abrita em LEITE CRIÔLO Nº I, 2 de junho de 1929.
94
publicação, “você já viu negro escrever coisa que preste?”. Acontece que o poema
continha erros crassos de português. 108 Este texto encena uma versão ficcional da figura
vagas”, adotado ironicamente pelo grupo de leite criôlo, que publicava seus poemas na
É interessante notar que, se o imaginário implícito nestes textos possui certo grau
em relação a uma das referências implícitas mais significativas de leite criôlo, o livro
Além da prosa de ficção mais alinhada com as temáticas centrais do “órgão oficial
geral também na linha que definimos como anedota. Alguns deles se comunicam com
urbano.110
Também foi publicada uma série de poemas em prosa de Guilhermino Cesar, de teor
capítulo anterior, que Achilles Vivacqua publicava nas revistas de variedade antes da
108
LEITE CRIÔLO Nº V, 30 de junho de 1929.
109
“ jóca estourado”, de Diterot Coelho Junior em LEITE CRIÔLO Nº VII, 14 de julho de 1929
110
“História do homem que me queria pra irmão”, de Guilhermino Cesar em LEITE CRIÔLO Nº II, 9 de
junho de 1929.
111
“capitulo z”, “capitulo y” e “capitulo x” em LEITE CRIÔLO Nº XII (13°), 25 de agosto de 1929, Nº
XIII (14°), 1° de setembro de 1929, e Nº XIV (16º), 28 de setembro de 1929, respectivamente.
95
sua conversão definitiva ao modernismo primitivista. A publicação desta série
concentrada nas penúltimas edições de leite criôlo, quando cai drasticamente o número
qual os “brasileirismos” começavam a ser criticados, por exemplo, por João Alphonsus,
O processo de desnatar
Se, nos gêneros propriamente literários, as formulações do que leite criôlo
considera serem os males nacionais e também o que deveria ser feito para saná-los
aparecem como sombras – como moral da história, às vezes assinalada nos próprios
textos como tal – nos artigos programáticos tais questões se colocam de maneira mais
nacional:
96
Tudo o que representa saudosismo, fanatismo e preguiça. Tudo o
que tem infelicitado o paiz.112
discursivas.
Cesar, que propõe desnatar (depurar) o “leite criôlo” (a mácula da herança africana na
criar “a filhotada preta” daquela ave como se fosse a sua própria. O artigo termina com
sudoso [sic] da pátria”, descrita como “erro de uma aberração”, e ao português, culpado
por tal mácula, se justapõe a uma descrição sintética do processo histórico brasileiro,
bastante parecida com as que Oswald de Andrade incluía às vezes em seus manifestos e
112
REVISTA DE ANTROPOFAGIA Segunda Dentição Nº 11, 19 de junho de 1929.
97
dramático do texto consiste, nesse caso, em um convite “a mudar de marca”, de superar
“Banzo”, de Diderô Coelho Junior, que também encena uma síntese histórica da
que também interpela o leitor – único texto que pressupõe explicitamente um negro
eugênicas e propõe uma eugenia meio concreta meio metafórica do povo brasileiro,
programa explícito e claramente definido para leite criôlo, afirmando que isto implicaria
“criolismo”, seja enquanto movimento, seja como mácula do caráter nacional. Mas se a
densa rede de metáforas que caracteriza o tablóide vai sendo aos poucos abandonada, o
113
“leite criôlo”, de Guilhermino Cesar, “Fóra o malandro” de João Dornas Filho e “Convite”, de
Achilles Vivacqua em LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p.1
114
“Banzo”, de Diderô Coelho Junior e “Negro vamos dar um jeito nisso!”, de Newton Braga em LEITE
CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p. 2 e 4, respectivamente.
115
“Defeza da Alegria” de Achiles Vivacqua em LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p. 7
116
“Cromo” de Achilles Vivacqua e “mexerica se conhece pelo cheiro” de Guilhermino Cesar em LEITE
CRIÔLO Nº I, 2 de junho de 1929.
98
eixo programático da publicação permanece latente, como a mexerica que se conhece
de gente” que vive ali, tem “bichinhos na barriga” e “sangue ruim” proveniente de uma
“mistura de portuguez, negro e indio que não tem dado nada que preste”. Ao “garoto”
deve se ensinar, por fim, que, sem seu trabalho e empenho, a nação acabaria “obrigada a
entregar isto [seu território, sua soberania] para os outros que estão trabalhando e tem
reaparece de forma mais concreta no artigo “Livros Didacticos”, de João Dornas Filho,
premiando novos livros didáticos, mas reprova a obrigatoriedade de que os livros sejam
sejam estudadas nas escolas primárias biografias dos “grandes homens do passado”
nacional, desde que escritas “sem optimismo exagerado e admiração embasbacada”. 117
O apreço de Dornas pela biografia parece ter permanecido com ele depois do fim de
leite criôlo, posto que, na década de trinta, escreveu uma obra deste gênero sobre Silva
Nacional.
117
“o que nós precisamos” de Carlos da Matta Machado em LEITE CRIÔLO Nº VII, 14 de julho de
1929; “Livros Didacticos” de João Dornas Filho em LEITE CRIÔLO Nº I, 2 de junho de 1929.
99
homem que comprou o bonde da laite”, também da autoria de Dornas. A dita
voltam contra a imitação dos usos e costumes estrangeiros;118 denunciam a cegueira dos
Newton Braga intitulado “devore-se”, citado no capítulo anterior, que desenha um mapa
dos periódicos modernistas publicados àquela altura em vários pontos do país; o texto
trata com ironia o ingresso dos modernistas paulistas Guilherme de Almeida, Menotti
Academia Paulista de Letras, considerado uma traição aos ideais modernistas. 121 Este
último texto evidencia também o mais próximo a que o suplemento chegou da prática da
118
“façamos nossa a nossa casa” de Americo R. Netto em LEITE CRIÔLO Nº VI, 7 de julho de 1929; “si
isto é leite criôlo, eu sou leite criôlo” de Odorico Costa em LEITE CRIÔLO Nº IX (10º), 4 de agosto de
1929.
119
“o caso do burro e a carapuça” de Fonte Bôa, modernista de Cataguases, em LEITE CRIÔLO Nº VIII,
21 de julho de 1929.
120
“A hora presente” de Ascânio Lopes, modernista de Cataguases falecido no início de 1929, em LEITE
CRIÔLO Nº X (11°), 11 de agosto de 1929.
121
“devore-se”, de Newton Braga em LEITE CRIÔLO Nº VI, 7 de julho de 1929; “movimento criôlo”, de
Edison Magalhães em LEITE CRIÔLO Nº XI, 28 de julho de 1929; “jornalsinho critico, humoristico e
noticioso” em LEITE CRIÔLO Nº XII(13º), 25 de agosto de 1929.
100
satirizando escritores de outras tendências dentro do modernismo, excetuada a própria
nacional se dá sob a forma de resenhas, com destaque para as que tratam de outras
revistas modernistas. Nesta categoria se enquadram artigos sobre as revistas Arco &
da revista Verde, e Carvalho Filho, ligado à revista Arco & Flecha. 123 No geral estas
resenhas se caracterizam pelo tom sóbrio e pela simpatia para com os seus objetos,
núcleos modernistas.
criolismo” utilizam recursos linguísticos próximos da escrita literária estrito senso, mas
sobre a vida e a história brasileiras, a seção comporta textos que se colocam a meio
caminho entre a nota jornalística e o tipo de poesia praticado naquele momento por
122
“Paizagem”, de Gulhermino (Cesar) em LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929; “pipia:
Samba”, de A. (Achilles Vivaqua) em LEITE CRIÔLO Nº IX, 28 de julho de 1929; “Verde”, não
assinado, em LEITE CRIÔLO Nº III, 16 de junho de 1929; “Montanha”, de A. V. (Aquiles Vivaqua) em
LEITE CRIÔLO Nº V, 30 de junho de 1929; “novidades literárias: Montanha”, de Oswaldo Abrita em
LEITE CRIÔLO Nº IX, 28 de julho de 1929.
123
“Um livro de poemas moderna [sic]”, de Oswaldo Abrita em LEITE CRIÔLO Nº V, 30 de junho de
1929; “mais um 1 de Cataguases”, de J.D.F. (João Dornas Filho) em LEITE CRIÔLO Nº X (11º), 11 de
agosto de 1929; “voses nóivas [sic] da Baia”, de Guilhermino Cesar em LEITE CRIÔLO Nº X (11º), 11
de agosto de 1929.
124
“mixed pickles brasileiros”, “misced [sic] pickles brasileiros” e “misced [sic] picklees [sic] brasileiros”
em LEITE CRIÔLO Nº IX, 28 de julho de 1929, Nº XI (12º), 18 de agosto de 1929 e Nº XII (13°), 25 de
agosto de 1929, respectivamente.
101
A ironia também é a marca de dois artigos estreitamente vinculados à seção
Oswaldo Abrita, é o único texto assinado por um colaborador de leite criôlo a aparecer
na seção citada. Trata-se de uma sátira aos concursos de miss, então em evidência em
todos os jornais. Já “Do pequeno escriptor Olavo Augusto Maia ao poeta Alberto
Agostini”, também de Oswaldo Abrita, não foi publicada naquela seção. Falava, no
entanto, dos principais autores nela publicados, os pretensos poetas Olavo Augusto
O “criolismo” em exemplos
Como já foi mencionado no capítulo anterior, a seção intitulada “raça”, constante
tanto do tablóide como de nove das dezoito edições do suplemento, era derivada da
(1982, p. 158-163), estas seções eram constituídas por “seleções do desvalioso”, como
dos imigrantes em São Paulo, em geral com textos originários da grande imprensa, na
125
“Os proveitos de um concurso de beleza...”, de Oswaldo Abrita em LEITE CRIÔLO Nº XVI (18º), 29
de setembro de 1929; “Do pequeno escriptor Olavo Augusto Maia ao poeta Alberto Agostini”, de
Oswaldo Abrita em LEITE CRIÔLO Nº XII (13º), 11 de agosto de 1929.
102
intitulado ironicamente “Raça”. Trata-se da notícia de um batizado em São Paulo na
padre, cujo nome trai sua origem italiana. A mesma temática anti-imigração aparece em
que “luta com a dificuldade maior de desconhecer quasi por completo a lingua
da Secretaria de Finanças e rouxinol nas horas vagas” Olavo Augusto Maia, que
103
4. Antes de virar estrela: Sintomas e diagnósticos da cultura
nacional na Antropofagia, em Macunaíma, em Retrato do Brasil
e em leite criôlo.
Pauí-Pódole teve dó de Macunaíma. Fez
uma feitiçaria. Agarrou três pauzinhos
jogou pro alto fez encruzilhada e virou
Macunaíma com todo o estenderete dele,
galo galinha gaiola revólver relógio, numa
constelação nova.
destes objetos culturais ao longo do tempo acabou por impor um abismo entre eles. A
saga do “herói sem nenhum caráter” de Mário de Andrade – cuja primeira edição de
tiragem reduzida e custeada pelo autor seria secundada somente nove anos depois – há
126
O que não significa que seja inédita: apenas a relação de leite criôlo com os outros conjuntos textuais é
em grande parte nova. É necessário lembrar, no entanto, que Antônio Sérgio Bueno (1982, p. 119; 128;
165-177) já havia mencionado certo vínculo entre o criolismo e o “ensaio sobre a tristeza brasileira”,
apontado a presença do lema do “herói sem nenhum caráter” no tablóide e discutido as possíveis relações
da publicação com a Antropofagia. A relação entre Macunaíma e Antropofagia, como veremos, tem sido
um tópico relativamente constante de discussão. O vínculo entre Retrato do Brasil e Macunaíma tem sido
muitas vezes apontado, porém pouco explorado. Anderson Pires da Silva (2009, p.50-59), chega perto de
uma análise cruzada dos três conjuntos textuais paulistas, mas em sentido bastante diferente do
desenvolvido aqui.
104
cultura brasileira, para além do campo estritamente literário, se fez até sob a forma de
edições, sendo duas delas em 1929, lançando a moda dos “ensaios sobre o Brasil”.
Gerou também naquele momento um enorme debate através da imprensa e foi escolhido
pelo Departamento Nacional de Ensino para ser traduzido em projeto da Liga das
herdeiros seus, como Casa grande & senzala, também “best-seller” na ocasião do seu
conjunta da sua empresa Metal Leve com a editora Abril, estabelecendo certa
perenidade e acessibilidade para este corpus até então raro e desconhecido. O mesmo
Revista, mas não nosso quarto objeto de comparação, leite criôlo. Como vimos no
105
primeiro capítulo, nas últimas décadas o periódico tende a ser considerado apenas uma
nacional. Usando a imagem recorrente em Macunaíma dos seres terrenos que acabam
por se tornar estrelas, o que nos interessa aqui é buscar o intercâmbio que se dá antes da
Não se trata de uma busca de fontes e origens, que teria por fim uma quimérica
Para tanto, não nos restringimos ao corpus estrito destes conjuntos textuais,
como interpretações posteriores. O que tentamos relacionar não são apenas obras
específicas, nem mesmo autores, mas posições no interior do campo literário. Isto se
torna necessário inclusive porque lidamos com conjuntos textuais de autoria múltipla e
106
bastante homogêneos nas suas tomadas de posição literárias, identificados geralmente
com o grupo que dirige cada uma delas. Não pretendemos negligenciar as outras
oswaldianas.
ensaismo histórico-político de Paulo Prado, tendo por pontos médios duas publicações
Antes de mais nada, cabe ressaltar que a literatura estrito senso e as formas de
pensamento político e programático que aqui nos interessam não estavam naquele
momento tão distantes entre si. É preciso lembrar que, no momento posterior à primeira
“pensamento social” poderiam se conceber e ser recebidos pelos seus leitores como
literatos e não como cientistas sociais. Exemplo desta situação é o fato de o estilo
literário de Retrato do Brasil ser frequentemente evocado então pelos autores que
107
reflete na multiplicação de procedimentos textuais caros à ficção e à poesia (metáforas,
imagens, refrões etc.) no ensaio de Paulo Prado e mais ainda nos textos programáticos
Por outro lado, um dos aspectos da obra literária apreciada pela crítica no período
cuja criação foi louvada por Oswald de Andrade em texto de 1923 (apud DE LUCA,
1999, p. 215). Sobre os “Poemas da Colonização”, seção do livro Pau Brasil do mesmo
fronteiras entra os diferentes gêneros e formas textuais, que precisam ser observados nas
identificada por Benedito Nunes (1970, p. 25) na Antropofagia, ainda que com
“sintoma de cultura nacional” (apud BATISTA, 1972, p. 291). Sintoma este capaz de
108
O provável evangelho da antropofagia
Os possíveis vínculos entre o ideário oswaldiano da Antropofagia e a rapsódia de
Mário de Andrade têm sido explorados pela crítica em mais de uma ocasião, tanto no
SOUZA, 1999, p. 36) quanto da refutação (cf. PROENÇA, 1974, p. 35; SOUZA, 1979,
p. 97). Tal relação é também um dos focos do trabalho de Anderson Pires da Silva
Oswald.
Ainda em 1928, Alceu Amoroso Lima, conhecido então pelo pseudônimo Tristão
antropofágico pelo menos desde o Manifesto Pau Brasil e das Memórias sentimentais
Oswald no capítulo “Carta pras Icamiabas” da rapsódia, em uma carta para Manuel
Bandeira de 1927 (apud CAMPOS, 1964, p. 13). Além disso, mesmo sabendo da
109
Mário era “puramente antropofágico”, exercendo assim a máxima da “posse contra a
propriedade”. 128
Macunaima. Provavel evangelho de que ele se nega a consciência. Porque?”. 129 Pouco
si. 130
estilísticas mais marcantes do livro de Mário. 133 No texto não assinado “A anta morreu,
descrita através de uma das imagens recorrentes da rapsódia: a anta vai descansar no
céu, “ao lado de Tupana, entre Papá e Piá”. E o que torna o Tamanduá valoroso é
128
“Schema ao Tristão de Athayde” Revista de Antropofagia, 1ª Dentição Nº 5, Setembro de 1928, P. 3.
129
“Ortodoxia” Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 3.
130
“Moquém II – Hors d´ouvre” Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 5.
131
“Schema ao Tristão de Athayde” Revista de Antropofagia, 1ª Dentição Nº 5, Setembro de 1928, P. 3.
132
“Moquém II – Hors d´ouvre” Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 5.
133
“Introito da odisséazinha” por Pater (possivelmente pseudônimo de Júlio Paternostro, que publicou
vários outros textos no periódico) Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 10. Vale lembrar que a
“Entrada de Macunaíma” havia sido publicada no segundo número da 1ª dentição.
110
exatamente se alimentar de formigas, insetos onipresentes em Macunaíma e que
134
constituem um dos “males do Brasil” presentes no dístico do “Herói”.
No único momento em que a obra é utilizada para atacar Mário, parece prevalecer,
política literária pela intriga literária. 135 Trata-se de um anúncio fictício do lançamento
de uma suposta segunda edição de Macunaíma, descrito como “lendas indígenas com
estética do plágio que seria defendida como tal pelo autor em texto de 1931137, é curiosa
escreveram sobre o país entre os séculos XVI e XIX, recortados e intitulados pelo autor,
que assim justapõe apenas a sua “capa” ao material preexistente. Haroldo de Campos
(2000, p. 24-27), sempre atento às analogias da escrita de Oswald com as artes plásticas,
pela rapsódia de Mário fosse exatamente que esta trabalhava com o princípio
Brasil: como pregava seu Manifesto, lhes interessaria exatamente o que não era deles.
134
“A anta morreu, viva o tamanduá” Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 10.
135
“Não fazemos politica literaria. Intriga, sim!” em “Ortodoxia” Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº
3.
136
Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 10.
137
“A Raimundo Moraes” de Mário de em BATISTA, 1972, p. 295-297. Texto originalmente no jornal
Diário Nacional em 20 de setembro de 1931. Eneida Maria de Souza (1999, p. 32-49) tratou em
profundidade da questão da reapropriação dos materiais em Macunaíma a partir do artigo citado.
138
Não encontramos nenhuma menção ao artista francês entre os modernistas brasileiros de então. Não é
impossível que Oswald tivesse conhecimento de Duchamp, dado que chegou a confraternizar com os
surrealistas em Paris. O vínculo propriamente histórico entre a obra dos dois não necessita, no entanto,
desta conjectura: ambas se vinculam ao aparecimento da técnica da colagem no âmbito do cubismo de
antes da primeira guerra (cf. PERLOFF, 1993, p. 95-107; COTTINGTON, 1999, p. 69-76). Haroldo de
Campos (1964, p. 41-43) menciona e discute a influência do cubismo na escrita oswaldiana.
111
Na proposta oswaldiana eram o recorte e a recontextualização – a exposição da
construção, como muito propriamente argumentou Gilda de Mello e Souza (1979, p. 15-
21), pode ser pensado em analogia a certos procedimentos musicais como a suite e a
presente tanto em Macunaíma quantos nos textos dos antropófagos. Umas das propostas
humanidade.
técnica que o impressiona não implica em uma submissão, mas na tentativa de sua
apropriação.
139
Denomina-se suíte a forma musical composta por um conjunto de danças estilizadas, ou seja,
compostas para serem ouvidas e não dançadas. Em música variação designa a técnica de composição que
consiste em transformar um trecho musical preexistente.
112
140
defende, “contra a moral convencional, moral nenhuma”. O Manifesto Antropófago
vestida e opressora”, assim como oposto à “Moral da Cegonha” (apud TELLES, 2005,
romance-invenção de Oswald que, escrito de “1929 para trás”, seria lançado apenas em
articulação entre uma narrativa ficcional e um conjunto de valores. Como vimos acima,
O mesmo texto, porém, acusa Mário de recusar a consciência de tal evangelho. Tal
propunha para a sua obra. Tanto em um dos prefácios não-publicados à obra (apud
(ANDRADE, 2002, p. 339), Macunaíma é definido como uma sátira. Assim, a questão
140
“Guerra” Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 10.
113
caráter do herói. Falta no duplo sentido de indivíduo sem caráter
moral e sem característico. Está certo. Sem esse pessimismo eu não
seria amigo sincero dos meus patrícios. É a sátira dura do livro.
(apud BATISTA, 1972, p. 293).
da obra, os pólos valorativos não são invertidos como na antropofagia. A falta de caráter
do brasileiro é um mal que precisa ser exposto. Cavacanti Proença (1974, p. 17) já
afirmava que “o que existe em Macunaíma é uma sátira à imoralidade”, invocando para
tal juízo que “o próprio herói termina vítima de seus ímpetos sexuais, e morre sem
glória”.
Bakhtin, que é comumente associado à rapsódia: o teórico russo afirma que o grotesco
perde seu caráter positivo, portanto seu sentido de inversão carnavalizante, quando
correlatos. O próprio estilo da obra é defendido, no prefácio ainda não citado, nos
O estilo poderia ser visto, então, como a roupa que ocultaria a verdade: verdade
esta que Oswald e os demais antropófagos estariam tão havidos a desnudar. Não é
114
possível, no entanto, desconsiderar um certo grau de ambivalência e mesmo ironia nos
trechos citados.
não param por aí. Eles podem ser identificados a partir dos próprios lemas do “Herói”: a
exclamação “Ai que preguiça” e o dístico “Muita saúva e pouca saúde os males do
Brasil são”.
brasileiro, é abordada sob um ângulo mais negativo. Constante empecilho para as metas
do “herói sem nenhum caráter”, sua preguiça acaba por determinar-lhe o fim
melancólico:
O dístico “Muita saúva e pouca saúde os males do Brasil são” remete à ideia do
país como uma terra doente, devastado por pragas e epidemias. Tal concepção se liga,
que, segundo Nísia Trindade Lima e Gilberto Hochman (2000), transcenderam naquele
momento o debate propriamente médico. Como já foi assinalado por vários autores
(SOUZA, 1979, p. 57; SOUZA, 1999, p. 102-106), o dístico ecoava um discurso então
115
famoso do médico Miguel Pereira, que descrevia o país como um “grande hospital”, e
também a frase do viajante Saint-Hilaire sobre a praga da saúva, “ou o Brasil acaba com
A visão do país como um corpo doente não aparece desta forma no ideário
representativo dela.
Serafim não se configura como trágica. Partido por um raio cômico e proverbial, o
intitulada “Errata”, o pintor responsável por fazer o retrato de Serafim para o asilo que
levaria seu nome acaba enlouquecido e internado nessa mesma instituição. A essa seção
segue-se uma segunda coda, “Os Antropófagos”, que narra a viagem contínua do duplo
de Serafim, Pinto Calçudo, em um navio no qual todas as formas de repressão social são
116
sexualidade burguesa até a própria forma cultural livro, 141 resta o loop em fade out de
uma Idade de Ouro sem limites, sem culpa e sem mal – ou seja, como reza o Manifesto
O quadro que encerra o romance-rapsódia de Mário não poderia ser mais diverso.
Solitário e triste em sua terra agora desolada, Macunaíma – não tendo “coragem para
uma organização” – toma a melancólica decisão de “ir pro céu viver com a marvada [Ci,
morreu a vitória”, nos informa a primeira frase da coda, aqui intitulada “Epílogo”. Tal
seção trata da forma como a história do “herói sem nenhum caráter” chega aos ouvidos
derivado da forma como sempre viveu, cabe apenas recontar a história de sua tribo
desaparecida. 142
entanto, não impediram Oswald de vincular da seguinte forma as duas obras, na sua
do Retrato do Brasil? Em primeiro lugar, deve ser explicitado que tal interpretação
141
Haroldo de Campos (1996, p. 5-10) fala de Serafim Ponte Grande como um “grande não-livro”, na
medida em que a própria distinção entre texto literário e convenções de edição é desafiada como parte do
jogo de transgressões que estrutura a obra.
142
Gilda de Mello e Souza (1979, p. 97) usa exatamente o final da rapsódia como argumento contra as
leituras “antropofagizantes” de Macunaíma.
117
implica uma saga do “herói sem nenhum caráter” pensada em termos muito mais
Com se sabe, a rapsódia é dedicada a Paulo Prado. No primeiro dos prefácios não-
publicados de Macunaíma, Mário de Andrade relaciona da seguinte forma sua obra com
“imoral” do livro se vincula à conceituação da “luxúria como traço nacional” que teve
Maria de Souza (1999, p. 105) salientou ainda, seguindo Haroldo de Campos, que os
lemas do “herói sem nenhum caráter” – a exclamação “Ai que preguiça” e o dístico
“Muita saúva e pouca saúde os males do Brasil são” – derivam em parte da seguinte
como a identificação, por parte de Benedito Nunes (1970, p. 25), dos eixos do
143
As possíveis afinidades entre Macunaíma e Retrato do Brasil já haviam sido trabalhadas em sentido
semelhante por Thaís Chang Waldman (2009), em seção de sua dissertação intitulado justamente “O
glossário histórico de Macunaíma”.
118
diagnóstico e da terapêutica no discurso da antropofagia. A utilização de uma
Retrato do Brasil.
capítulo do livro, sendo o aspecto deste citado por Mário, é remetida à “anormalidade
patológica” (PRADO, 1997, p. 79), de forma que um dos efeitos dos excessos da “vida
loucura, forma aguda e crônica de uma doença que é a paixão do jogo” (PRADO, 1997,
Resultado da luxúria e da cobiça, “a tristeza, pelo retardamento das funções vitais, traz o
doença como metáfora do mal talvez seja um reflexo do fato de Paulo Prado ser
1926, período da elaboração de Retrato do Brasil, ele pede ao amigo que “procure
119
O súbito interesse do bacharel fundador do Partido Democrático e mecenas do
Pereira, no qual afirma ser o Brasil um grande hospital – que como vimos é uma das
medicalizante do país (Cf. LIMA & HOCHMAN, 2000 e 2006; DE LUCA, 1999).
Segundo Nísia Trindade Lima e Gilberto Hochman (2006, p. 27-28), um dos atrativos
nação de uma forma que escapava à alternativa paralisante entre uma visão fatalista – o
inconsequente das grandezas e belezas da pátria. O país seria viável, apesar de doente,
A partir do final dos anos 1910 e através dos anos 1920, tal perspectiva inspirou
imprensa e impactando até mesmo o campo literário144 (LIMA & HOCHMAN, 2006).
mostra Tânia de Luca (1999, p. 202-235), a Revista do Brasil, dirigida por Monteiro
144
O exemplo mais famoso é o personagem-tipo Jeca Tatu de Monteiro Lobato que, inicialmente
ilustrando a noção de inferioridade racial, é redimido nos termos da campanha pelo saneamento,
transformação explorada por Nísia Trindade Lima e Gilberto Hochman (2000, p.321-323; 2006, p. 29-29)
e Tânia de Luca (1999, p. 202-215). A conturbada relação entre o autor de Urupês e o grupo modernista,
incluindo suas possíveis afinidades, foi estudada por Anderson Pires da Silva (2009, p. 21-28).
120
Lobato a partir de 1918 e, entre 1923 e 1925, por ele em parceria com o próprio Paulo
Prado. Resumindo: a metáfora da doença era não apenas atraente, mas também o centro
é atravessado pelo tema da doença. 145 Uma dessas patologias, o impaludismo (malária),
da qual o “herói sem nenhum caráter” não chega a se curar (ANDRADE, 1977, p. 195;
uma das moléstias mais invocadas pelo discurso sanitarista (LIMA & HOCHMAN,
indolência de Jeca Tatu na nova interpretação higienista que Monteiro Lobato daria
deste seu personagem (cf. DE LUCA, 1999, p. 219). Na rapsódia, o impaludismo acaba
por impossibilitar que Macunaíma construísse para ele próprio nem mesmo um pariri
seu “corpo chupado pelos vícios” (ANDRADE, 1977, p. 27), causa indireta da morte do
filho dela com o “herói sem nenhum caráter” 146 (ANDRADE, 1977, p. 31). No mesmo
1977, p. 52).
145
Cavalcanti Proença (1974, p. 24) registra ao todo nove doenças espalhadas entre o quinto e o décimo
sétimo (penúltimo) capítulos da rapsódia.
146
Curiosamente, o episódio do filho é o único no qual Macunaíma acata as orientações dos sanitaristas,
dando “pro menino engolir no refresco o remedinho da lombriga”. O que, por sinal, acaba não garantido
sua sobrevivência. (ANDRADE, 1977, p. 31).
121
Uma aparente discrepância entre o discurso sanitarista e Macunaíma seria o lugar
como traços negativos do sertanejo que o aproximam da figura do Jeca Tatu147 (apud
aos remédios populares e feitiços para curar as diversas doenças que aparecem na
costuma observar, no entanto, é que tais remédios e feitiços funcionam, via de regra,
curandeiro Bento, que cura com “alma de índio e água de pote”, e “numa semana já
episódio, o “herói sem nenhum caráter” desenvolve uma erisipa (erisipela) tratada com
Depois de alguns dias sente-se melhor, vai à cidade, interage com a visão de um navio
rebordo da fonte (...) com mais erisipa, mais, todo erisipelado” (ANDRADE, 1977, p.
157-159). Naquela época o único tratamento eficiente contra tal doença era um repouso
continuado, cuja interrupção antecipada poderia levar ao retorno da moléstia. Por fim,
147
É importante notar que naquele momento Câmara Cascudo ainda não havia publicado nenhum dos
trabalhos que o fizeram conhecido como folclorista e estudioso da cultura popular, todos publicados
depois de 1930. Antes deles chegou a publicar inclusive alguns poemas em publicações vinculadas à rede
modernista nacional, como a primeira dentição da Revista de Antropofagia (“Banzo” Revista de
Antropofagia, 1ª Dentição Nº 10, fevereiro de 1928, P. 1.) e leite criôlo (leite criôlo, Nº 11, 18 de agosto
de 1929).
122
Jiguê recorre a vários feitiços para se livrar da lepra (hanseníase), sem nenhum efeito
(ANDRADE, 1977, p.201). A hanseníase era então uma doença incurável. 148
durante o ciclo do ouro no séc. XVIII, levaria a uma obsessão pelo enriquecimento fácil.
Macunaíma se afirma que o “herói sem nenhum caráter” “vivia deitado mas si punha os
olhos em dinheiro, (...) dandava pra ganhar vintém” (ANDRADE, 1977, p. 9). Seu
amor pelo dinheiro, no entanto, era igualado pelo seu ódio ao trabalho, sintetizado na
exclamação “diabo leve quem trabalha!” (ANDRADE, 1977, p. 204). Dessa forma está
resume proverbialmente sua relação desastrada com a riqueza: “O mal ganho, diabo
condenar o herói. Quando se desilude com sua terra natal deserta e desolada, pensa em
ir para a “cidade da Pedra com o enérgico Delmiro Gouveia”, o que não faz por lhe
148
Com tais observações não pretendemos, obviamente, ler a rapsódia a partir de um regime de
verossimilhança dito realista. Macunaíma e os outros personagens passam por processos completamente
estranhos a tal regime narrativo, como ressuscitar, transpor em segundos distâncias geográficas imensas
através de trajetos ilógicos, etc. O que tentamos demonstrar é que a utilização de remédios e feitiços para
a cura de doenças biológicas concretas tende a dar errado em múltiplos pontos da narrativa, o que não
parece ser aleatório ou isento de significado.
123
faltar ânimo. (ANDRADE, 1977, p. 218-219). O projeto agroindustrial de Delmiro
atenção para “a instalação de água, luz e esgotos, para as máquinas modernas da fábrica
32).
pensamento se faz presente em vários artigos da Revista do Brasil nos anos 1920. Um
texto datado de 1922 opunha as características físicas e culturais estáveis das nações
124
enquanto não alcançarem equilíbrio e homogeneidade, contém em si perigos
explosivos” (apud DE LUCA, 1999, p. 176). Sérgio Buarque de Holanda havia sido
Nota-se, nos exemplos citados, que a ausência do que Mário de Andrade chama
mesmo ocorre no “ensaio sobre a tristeza brasileira”. A categoria raça era naquele
era que muitos membros da Liga Pró-saneamento eram também filiados à Sociedade
Eugênica de São Paulo149 (cf. STEPAN, 2005, p. 54-61; DE LUCA, 1999, p. 225).
Em Retrato do Brasil, Paulo Prado tratará, assim, dos males do que considera o
“corpo amorfo” do país (PRADO, 1997, p. 161), a começar pela mestiçagem, que o
autor considera fator de risco para doenças e vícios, a começar por uma “profunda
indolência” (PRADO, 1997, p. 193). É interessante notar, porém, que o autor repele
mestiços” (PRADO, 1997, p. 88). Assim como as doenças poderiam ser vícios e
149
Eugenia era a especialidade médica dedicada à “melhoria genética da espécie humana”. Discutiremos
as relações desta forma de pensamento com o modernismo e, em especial, com leite criôlo no próximo
capítulo.
125
paixões, a mestiçagem poderia se dar em termos morais: doença e raça expressariam,
tristeza brasileira” seja a passagem na qual o autor menciona que naquele momento era
acordo com a proposta de Martius para o estudo história do país em meados do séc. XIX
(PRADO, 1997, p. 195). Hoje se pode afirmar com tranquilidade que tal concepção é
representação se faz presente a partir do banho na fonte encantada. Ela acaba por tornar
Macunaíma “branco louro de olhos azuizinhos”, ainda tem algum efeito sobre seu irmão
Jiguê, que consegue ficar da “cor de bronze novo”, mas não muda a cor da pele de
Maanape que continua “negro bem filho da tribo dos tapanhumas” (ANDRADE, 1977,
p. 48). Decorre daí que a maior parte do livro é protagonizada pelos três irmãos, cada
um de uma “raça”, ainda que se faça referência a uma certa hierarquia entre elas:
nenhum caráter” o consola afirmando que é melhor ser “fanhoso [do] que sem nariz”.
saúva e pouca saúde os males do Brasil são”. No entanto, para estes pesquisadores a
126
rapsódia pode ser lida como uma “crítica na forma de sátira, à condenação do homem
Mesmo levando em conta que o “heroísmo” do “herói sem nenhum caráter” seja mais
moral –– que, como vimos, foi proposta pelo próprio Mário de Andrade nos prefácios
(1999, p. 183) sobre o pensamento de política cultural do modernista nos anos 1940,
podemos dizer que Macunaíma riria dessa postura de Mário. Ou seja, a dimensão de
acaba por parecer tão inadequada quanto aquela que propõe a rapsódia como
não-publicados. No primeiro deles lemos que o que interessou o autor foi “trabalhar e
descobrir o mais que possa a entidade nacional dos brasileiros” ao lado da advertência
de que “Macunaíma não é símbolo nem se tome os casos deles por enigmas ou fábulas”
(apud BATISTA, 1972, p. 289). A advertência reaparece no segundo dos prefácios. “Só
não quero é que tomem Macunaíma e outros personagens como símbolos”. Nele o
Agora: não quero que imaginem que pretendi fazer deste livro uma
expressão de cultura nacional brasileira. Deus me Livre. É agora
depois dele feito que me parece descobrir nele um sintoma de
cultura nossa. (apud BATISTA, 1972, p. 292)
127
A simultânea afirmação e recusa do vínculo da rapsódia com a “entidade nacional
brasileira” talvez seja melhor compreendida a partir do trecho no qual Mário fala da sua
influenciar, no próprio livro, a sua recepção. Publicando sua rapsódia sem prefácio
algum, o próprio autor acabou por desistir das tentativas de fixar seu sentido. Ao
antropofagia, como vimos, nela veria seu provável evangelho. O grupo de leite criôlo,
Paulo Prado. E desde então a obra tem sido revisitada inúmeras vezes, proporcionando
Prado.
128
Não posso compreender que um homem à la page como é meu
grande amigo, escreva sobre o Brasil um livro pré-freudiano. A
luxúria brasileira não pode, no espírito luminoso de Paulo Prado,
ser julgada pela moral dos conventos inacianos. (ANDRADE,
1997, p. 229)
A mesma argumentação reaparece de maneira mais enfática em texto da segunda
parece ter custado a grande amizade mencionada no trecho acima (cf. CALIL, 1997, p.
43):
Em outra edição, Oswaldo Costa já havia denunciado que o “mal dos nossos
escritores é estudar o Brasil do ponto de vista, falso, da falsa cultura e da falsa moral do
Occidente”.151 Nos três textos mencionados, tal leitura da história nacional seria
autor de Retrato do Brasil (cf. CALIL, 1997, p.9-10). Capistrano seria definido por
Costa no texto referido como um “bleuff no sr. Paulo Prado”. Sendo a condenação à
luxúria e a vinculação desta com a melancolia – que, sob o ponto de vista do ideário
diziam ter sido “tirado, naturalmente, com aquelas velhissimas machinas de apertar na
150
“Moguem I – Aperitivo” Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 4.
151
“Revisão Necessária” Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 1.
152
“Moguem I – Aperitivo” Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 4.
129
borrachinha que usam os fotografos de mil quinhentos a dúzia do Jardim da Luz”.153
Mas, para além da imagem representada pelo “Brasil, cliché Paulo Prado”,154 um dos
quanto a resenha de Oswald insistem nesse ponto. O autor de Serafim Ponte Grande
eram profecias fáceis (PRADO, 1997, p. 49). Dificilmente o golpe de estado que levou
Getúlio Vargas ao poder – por mais significativo que tenha sido para a política,
354).
terminaria por um ponto final à relação desse com Oswald de Andrade, é preciso
também lembrar da importância até aí do vínculo entre os dois. Paulo Prado havia
escrito em 1924 o prefácio do livro de poemas Pau Brasil (PRADO, 2000, p. 57-60) e
153
Ibidem.
154
Expressão cunhada no artigo “Livrografia” assinado com o pseudônimo Odjuavu Revista de
Antropofagia, 2ª Dentição Nº 2.
130
oswaldiano. A temática da falsidade de uma cultura de importação presente em Retrato
Manifesto da Poesia Pau Brasil publicado por Oswald em 1924. No “ensaio sobre a
o trecho da carta de Pero Vaz Caminha sobre as “vergonhas” das índias que havia sido
recortado para a feitura do poema “As meninas da gare” da seção “História do Brasil”
de Pau Brasil (Cf. PRADO, 1997, p. 72; ANDRADE, 2000, p. 69-70). Já o capítulo “A
formais, Oswald tenha afirmado que “Retrato do Brasil tem passagens lindas” de uma
“poesia bem nossa, bem antropofágica” (ANDRADE, 1997, p. 232). É neste contexto
que pelo seu enquadramento. Em outras palavras, uma sexualidade alheia à moralidade
131
ocidental caracterizaria o brasileiro tanto para o ideário antropofágico quanto para Paulo
uma sensibilidade fundamentalmente literária. Tal consenso, que une os três conjuntos
textuais trabalhados até aqui, também se faz presente no nosso foco principal, leite
criôlo – que como veremos desenvolveu amplo diálogo com a antropofagia oswaldiana,
assim como a sua vinculação à obra de Paulo Prado. No “ensaio sobre a tristeza
155
Revista de Antropofagia, 1ª Dentição Nº 10, Fevereiro de 1929, p. 2.
132
Também é mencionado o traço “romântico” da nacionalidade que seria o “divórcio
entre a realidade e o artifício” (PRADO, 1997, p. 178) e cuja expressão política seria o
“liberalismo palavroso” (PRADO, 1997, p. 179), daí concluindo que em “tudo domina o
gosto do palavreado, das belas frases cantantes, dos discursos derramados” (PRADO,
1997, p. 203).
A publicação de Belo Horizonte ecoa com toda a força tal linha de pensamento.
tristeza brasileira” (Cf. PRADO, 1997, p. 53). Uma peculiaridade da publicação é que
“criolismo”. 157
dissociados. De certa forma a estrutura dos três primeiros capítulos se articula em torno
sua relação com os colonizadores nos séc. XVI e XVII. A corrida do ouro do séc.
Por fim, a herança africana, tratada a partir do período da escravidão negra no Brasil, é
mais tópica e bastante próxima da definição de “criolismo” seria aquela entre “origem
crioula” e ignorância, que Paulo Prado faz em um trecho sobre o período colonial
(PRADO, 1997, p. 136), mas que na sua linha de raciocínio se vincula à criação “pelo
156
LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p.1.
157
Uma primeira definição de “criolismo” foi esboçada no capítulo anterior e o tema será explorado com
mais profundidade no capítulo seguinte.
133
decurso dos séculos de uma raça triste” (PRADO, 1997, p. 140). Em suma, segundo o
convicção de que pela miscigenação “o negro desaparece aos poucos” (PRADO, 1997,
p.192), ecoa no seguinte trecho do texto “Defeza (sic) da Alegria” de Aquiles Vivacqua,
158
LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p.7
159
Ibidem.
160
Cf. “leite criôlo”, de Guilhermino César, “Convite” e “Defesa da Alegria”, de Aquiles Vivacqua,
“Banzo”, de Diderot Coelho Junior em LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p.1, 2 e 7.
“Criôlo”, de Aquiles Vivacqua em LEITE CRIÔLO Nº I, 2 de junho de 1929. “nota ligeira”, de Garcia
Resende em LEITE CRIÔLO Nº X (11º), 11 de agosto de 1929. “misced picklees brasileiros”, de Albano
de Moraes em LEITE CRIÔLO Nº XII (13º), 25 de agosto de 1929. Em Retrato do Brasil, cf. PRADO,
1999, p. 130-163.
161
Cf. “Caldo de Galinha”, de João Guimarães, “Defesa da Alegria”, de Aquiles Vivacqua em LEITE
CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p. 3 e 7. “Criôlo”, de Aquiles Vivacqua em LEITE CRIÔLO
134
como características da nacionalidade, a desmedida entre a grandeza da terra e pequenez
temáticas do “ensaio sobre a tristeza brasileira” costumam ser assinados pelos próprios
modernista a eles ligados (João Guimarães, Albano de Moraes, Diderot Coelho Junior).
As exceções ficam por conta de Garcia de Resende, modernista do Espírito Santo, que
publicou uma “nota ligeira”168 sobre a “figura da mãe preta”, e Raul Bopp, que publicou
169
sob o pseudônimo de Jacob Pim-pim um poema intitulado “Babalú”. Nele uma
Nº I, 2 de junho de 1929. “nota ligeira”, de Garcia Resende em LEITE CRIÔLO Nº X (11º), 11 de agosto
de 1929. Em Retrato do Brasil, cf. PRADO, 1999, p. 53-90 e 130-163.
162
Cf. “Convite” e “Defesa da Alegria”, de Aquiles Vivacqua em LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de
maio de 1929, p.1 e 7. Em Retrato do Brasil, cf. PRADO, 1999, p. 91-129.
163
“Fóra o malandro”, de João Dornas Filho, “Caldo de Galinha”, de João Guimarães em LEITE
CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p.1 e 3. “Criôlo”, de Aquiles Vivacqua em LEITE CRIÔLO Nº
I, 2 de junho de 1929. Em Retrato do Brasil, cf. PRADO, 1999, p. 131-132.
164
“leite criôlo”, de Guilhermino César, “Convite”, de Aquiles Vivacqua em LEITE CRIÔLO (Tablóide),
13 de maio de 1929, p.1 “o que nós precisamos”, de Carlos Matta Machado em LEITE CRIÔLO Nº VII,
14 de julho de 1929. “apólogo”, de João Dornas Filho em LEITE CRIÔLO Nº IX, 28 de julho de 1929.
Em Retrato do Brasil, cf. PRADO, 1999, p. 53, 161 e 183.
165
“o que nós precisamos”, de Carlos Matta Machado em LEITE CRIÔLO Nº VII, 14 de julho de 1929.
“balalú”, de Jacob Pim-Pim em LEITE CRIÔLO Nº VII, 14 de julho de 1929. “aqui estemos”, de João
Dornas Filho, em em LEITE CRIÔLO Nº X (11º), 11 de agosto de 1929. “misced picklees brasileiros”,
de Albano de Moraes, em LEITE CRIÔLO Nº XII (13º), 25 de agosto de 1929. Sobre a relação entre o
sanitarismo e Retrato do Brasil, vide seção anterior deste capítulo.
166
“Criôlo”, de Aquiles Vivacqua em LEITE CRIÔLO Nº I, 2 de junho de 1929. Em Retrato do Brasil,
cf. PRADO, 1999, p. 67.
167
“O poeta obscuro ou o poema do amor desiludido”, de Diderot Coelho Junior em LEITE CRIÔLO Nº
V, 30 de junho de 1929. “nota ligeira”, de Garcia Resende em LEITE CRIÔLO Nº X (11º), 11 de agosto
de 1929. Em Retrato do Brasil, cf. PRADO, 1999, p. 144.
168
“nota ligeira” de Garcia Resende em LEITE CRIÔLO Nº X (11º), 11 de agosto de 1929.
169
“balalú” de Jacob Pim-Pim em LEITE CRIÔLO Nº VII, 14 de julho de 1929
135
Os afastamentos entre o projeto criolista e Retrato do Brasil tendem a ser mais
maneira contundente no conto de Cyro dos Anjos intitulado “Zé Prequeté andando
atôa”. 170 Dentro de estilo que ecoa fortemente Macunaíma, se narra ali que, depois de
contra o esquema de pensamento racial presente em Retrato do Brasil. Tal oposição não
se encontra em mais nenhum texto da publicação belorizontina. Além disso, Cyro dos
Anjos não parece ter sido muito próximo dos diretores de leite criôlo, tendo publicado
uma solução para a tristeza brasileira que se distancia do ideário do “ensaio sobre a
Intitulado “Mais uma adhesão”, afirma que, mesmo sem saber, a srª. Olympia Vasquez
Horizonte do começo do séc. XX – aderiu à causa de leite criôlo. Narra-se ali os eventos
170
LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p.8
171
Ibidem.
136
Olympia importou meia dúzia de josephine bakers [sic] de fôrno e
fogão. Prova publica da adesão ao criôlismo. 172
De tal fato o texto retira um possível antídoto para a tristeza brasileira diagnóstica
A tristeza da raça não veio do leite chupado nos peitos bojudos das
negras?
Pra acabar com a dita tristeza Olympia applicou o similia similibus
curantur [princípio da homeopatia]. Ou, traduzindo pro brasileiro:
dentada de cão se cura com o pêllo do mesmo cão.
A tristeza vem do preto?
Botemos as pretas gingando os peitos molles e as vastas cadeiras.
Cantando canções com vozes infames. Infamérrimas.
Rindo pros homens com ou sem dentes.
E haverá uma bruta alegria.173
“ensaio sobre a tristeza brasileira” através da fórmula “post coitum animal triste”
(PRADO, 1997, p. 141). Mais que isso, o texto explicita que a “volúpia” surge da parte
criôlo. Se por um lado, no conto “Caldo de galinha” de João Guimarães, a negra Cuba
do quilombo de Palmares acaba vítima de sua “voluptuosidade aberrada” 174, por outro,
172
LEITE CRIÔLO Nº VII, 14 de julho de 1929.
173
Ibidem.
174
LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p. 3
175
LEITE CRIÔLO Nº VII, 14 de julho de 1929.
137
O chupim, Pai do Vira, é o criolismo
De forma simétrica à frase inicial de Retrato do Brasil, o dístico do “herói sem
nenhum caráter” (“Muita saúva e pouca saúde os males do Brasil são”), se encontra
citado no alto de uma das páginas do tablóide de 13 de maio. 176 Antônio Sérgio Bueno
(1982, p. 128) já havia notado que a tal presença na publicação se associa à temática
“injustiça dos homens”, observa um chupim gordo e bem alimentado fingindo que era o
Macunaíma, que acaba de ser enganado ao comprar um micura (gambá) que defecaria
e pedir comida ao próprio “herói sem nenhum caráter” que revida lhe dando de comer
as fezes do micura que estão em seu bolso (ANDRADE, 1977, p. 150-151). O resultado
é que o chupim “foi engordando, engordando virou num pássaro preto bem grande e
voou pros matos gritando ‘Afinca! Afinca!’ É o Pai do Vira.” (ANDRADE, 1977, p.
151)
176
LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p. 2.
138
conhecido como chupim. O trecho pode ser lido também como uma ilustração da
qual Macunaíma, vítima do golpe do micura que defeca ouro, seria duplicado na figura
explorador vira-bosta/chupim foi criado “para nosso espelho”. De tal forma, o “herói
sem nenhum caráter” poderia ser visto como ao mesmo tempo vítima e enganador, tico-
e o homem que comprou o bonde da laite”, de João Dornas Filho, que critica a “feição
177
LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p. 1.
139
de conhecimento geral, de um golpe ocorrido em Goiás178. Ali João Dornas Filho
A temática da “gatunagem sem esperteza” tem, sem dúvida, certo peso em leite
criôlo, assim como em Macunaíma. 180 O anti-bacharelismo, porém, era um dos traços
“herói sem nenhum caráter” e o bacharel de Cananéia, no qual em duas falas curtas
Cruzeiro, para a ele contrapor sua própria cosmologia. O interessante ali é que o emissor
estereótipos do negro tagarela e do negro pernóstico, que Antonio Sérgio Bueno (1982,
p. 134-135) identifica, não apenas em leite criôlo, mas também na tradição da literatura
brasileira.
cinematográfica de Joaquim Pedro, datada de 1969. Ali é o próprio “herói sem nenhum
caráter”, interpretado por Paulo José, que qualifica o emissor do discurso oficialesco
178
LEITE CRIÔLO Nº VI, 7 de julho de 1929.
179
Ibidem.
180
O tema do golpe aparece ainda em um terceiro texto de leite criôlo, “apontamentos” de Walter
Benevides, em LEITE CRIÔLO Nº IX (10º), 4 de agosto de 1929. No caso, seria o chamado “golpe do
baú”.
140
sobre o “dia do Cruzeiro” como “mulato da maior mulataria”. Tal afirmação é
imediatamente retrucada por Jiguê (“foi só ficar branco pra ficar racista...”), que no
filme é negro e não “cor de bronze”, sendo interpretado pelo ator e militante do
procissão, depois ao “negro congado” e, por fim, pela via da analogia racial, com a
polícia procurando criminosos.182 Por sua vez, o conto “Caldo de galinha” de João
Guimarães, mencionado na seção anterior deste capítulo, tem por refrão “Oh! Preguiça
também citado na seção anterior, afirma que o brasileiro desperta “até com preguiça de
falar”, ecoando a abertura de Macunaíma, na qual o “herói sem nenhum caráter” passa
seis anos sem falar nada que não seja seu característico refrão (ANDRADE, 1977, p. 9).
181
LEITE CRIÔLO Nº VI, 7 de julho de 1929.
182
LEITE CRIÔLO Nº V, 30 de junho de 1929.
183
LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p. 3.
184
LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p. 7.
141
prenunciada pelo derramamento de tinta na mesa e não por sonhar que caiu um dente,
Nota-se, pelo conjunto dos exemplos de reapropriação por parte de leite criôlo de
uma forte tendência de tratar a rapsódia no registro da fábula normativa. Registro este
cujo caráter problemático foi discutido na seção sobre Retrato do Brasil e Macunaíma.
produção do grupo criolista vai além do seu diálogo com a rapsódia de Mário de
modernismo nacionalista.
Tensiona a relação típica entre leite criôlo e Macunaíma apenas o conto de Cyro
dos Anjos intitulado “Zé Prequeté andando atôa”185, que, como vimos, também destoa
personagem – que vai para a “fuzarca”, acorda de ressaca e falando um “nome ruim”,
erros” e da alegria.
Deglutindo o criolismo
185
LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p.8.
142
rapsódia de Mário de Andrade é possível identificar dois pólos, um ligado ao ideário
tristeza brasileira” de Paulo Prado. Vimos também que a face programática de leite
coerentemente, é através do enquadramento proposto por Paulo Prado que são ali
Retrato do Brasil?
conexão quanto a oposição entre as publicações, mapeia algumas das suas interações e
compara algumas características de ambos. Sua conclusão, talvez um pouco vaga, é que
oswaldiano e, por fim, rompido com ele. Tanto a cautela como o rompimento
143
o projeto criolista perdia, em parte, seu sentido, o que pode ter precipitado o fim da
publicação.
criolista passa pela análise da forma como a antropofagia e a questão indígena aparecem
publicação do primeiro número de leite criôlo, trata de tais questões da seguinte forma:
186
Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 7.
187
“criôlo” LEITE CRIÔLO Nº I, 2 de junho de 1929.
144
Observa-se aí a curiosa mistura entre alguns elementos da proposta antropofágica
referido na forma dos degredados do “ensaio sobre a tristeza brasileira” (Cf. PRADO,
1997, p. 67) – e com o negro africano teriam dado à construção histórica do Brasil o
caráter degenerado descrito por Paulo Prado. Mais estranho ainda é que tais ideias
Portugal teria mandado para cá “como condenada” a “sobra da sua gente”. 188 Trata-se
publicação. Tal desvio torna, inclusive, mais fácil compreender certa corrente poética
presente em leite criôlo que se volta para uma releitura intimista do catolicismo popular
188
“História do Brasil” Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 4.
189
“Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo (...).”
apud TELLES, 2005, p. 357.
190
Cf., por exemplo, “A pedidos” em Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 3, assinada “um pae cristão
e quase antropófago” que reclama da proibição de meninos se vestirem de anjinho em procissões, e
“Algumas notas sobre o que já se tem escrito em torno da nova descida antropofagica da nossa literatura”
em Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 4, que afirma textualmente que “o problema religioso já
mereceu uma forma conciliatória”. Este último texto vem marcado como “remetido da sucursal do Rio
pra cá”.
145
claro: a princípio, a adesão ao movimento não parecia demasiadamente vinculado à
grupo oswaldiano movia contra os modernistas que não aderiram ao movimento não
correspondia uma igual exigência daqueles que aderiam. Um bom exemplo disto seria o
no qual, depois de citado o trecho abaixo de João Dornas Filho, se afirma que o projeto
anti-clericalismo – que não chegaram a se fazer presentes nas páginas de leite criôlo. A
192
entrevista de João Dornas Filhos, intitulada “a propósito do movimento criôlo”, e
191
“Expansão antropofágica: clube de antropofagia de minas geraes” em Revista de Antropofagia, 2ª
Dentição Nº 10.
192
Revista de Antropofagia 2ª Dentição Nº 11
193
Ibidem.
146
aspectos do ideário antropófago que soam hoje bastante curiosas. Os desenvolvimentos
em torno da questão de uma “moral biológica” ilustram bem este ponto. Na primeira
freudiano que parece se conceber o homem biológico, igualado ao primitivo. Uma nota
do rio de janeiro” 196, publica em leite criôlo o artigo “4 pedaços de tenupá oihó”197, no
qual trechos de mitos indígenas servem de exemplo para uma possível organização
194
2ª Revista de Antropofagia Dentição Nº 1
195
2ª Revista de Antropofagia Dentição Nº 13
196
Cf. “Expansão antropofágica: clube de antropofagia do rio de janeiro” em Revista de Antropofagia, 2ª
Dentição Nº 10.
197
LEITE CRIÔLO Nº VII, 21 de julho de 1929.
198
Ibidem.
147
Tem se aí o protótipo inusitado de uma eugenia antropofágica, que ecoa de certa
forma a “eugenia da alma brasileira” proposta por leite criôlo, questão que iremos
Nunes (1970, p. 25-34), aparece em toda uma faixa de textos reduzida à devoração das
ídolos falsos que vivem no nosso aparelho intelectual”,199 mas também de um artigo de
Zépeixoto (sic)”. 200 Cabe lembrar que a única apropriação explícita em leite criôlo da
Newton Braga que descreve a rede nacional de publicações modernistas como uma
segundo o texto levado a outros caminhos pelo plano de Oswald de “botar Jesus Christo
para fora do territorio brasileiro”, havia deixado de lado seu potencial de “comer a mão
199
Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 7.
200
Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 12.
201
LEITE CRIÔLO Nº VI, 7 de julho de 1929.
202
LEITE CRIÔLO Nº XV (17º), 22 de agosto de 1929.
148
torno da constatação de que o “Literato brasileiro é um ignorantão”.203 Outro texto,
assinado pelo pseudônimo Freuderico, ataca Mennoti Del Picchia e tem por título
204
“Analfabetismo letrado” . Álvaro Moreira, integrante do “clube de antropofagia do
tristeza brasileira” com a frase substantiva “Tudo literatura”. 207 O mesmo Tamandaré
afirma, em outro texto, que o erro do modernismo até ali era sua “preocupação estética
203
Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 6.
204
Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 12.
205
Cf. “Expansão antropofágica: clube de antropofagia do rio de janeiro” em Revista de Antropofagia, 2ª
Dentição Nº 10.
206
Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 5.
207
“Moquém I – Aperitivo” em Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 4.
208
“Moquém II – Hors D’oeuvre” em Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 5.
209
“a proposito do homem antropófago” em Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 7.
210
“Poetas” Semana Illustrada, Nº85. 30 de março de 1929.
149
No mesmo sentido, um texto publicado em leite criôlo propõe, como solução para
esqueçam as letras e que seja escrita uma outra literatura, a do trabalho. 211
Observa-se nos exemplos citados uma relação paradoxal com a literatura e com o
literário. Se por um lado tanto a Revista de Antropofagia quanto leite criôlo pretendem
estender sua atuação para além do estritamente literário, tratando de questões políticas e
culturais mais amplas,212 por outro, a própria formação eminentemente literária dos
década seguinte, quando muitos dos escritores que estrearam como poetas ou críticos no
nacionais, entre eles João Dornas Filho, Luís da Câmara Cascudo e Sérgio Buarque de
Holanda.
publicação paulista se afirma em certo ponto que o movimento teria produzido de valor
213
apenas Macunaíma e cederia agora à “descida antropofágica”. Em outro, se critica o
211
“variações sentimentais sobre um problema frio”, de Fidelis Florêncio (Wellington Brandão), em
LEITE CRIÔLO Nº I, 2 de julho de 1929.
212
Segundo a entrevista de João Dornas Filho no “órgão da antropofagia brasileira de letras”, “o
criôlismo – como a antropofágico – é um movimento literario, filosófico e religioso”. Cf. “a propósito do
movimento criôlo” em Revista de Antropofagia 2ª Dentição Nº 11.
213
“Moquém I – Aperitivo”, de Tamandaré (Oswaldo Costa) em Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº
4.
214
“Moquém II – Hors D’oeuvre”, de Tamandaré (Oswaldo Costa) em Revista de Antropofagia, 2ª
Dentição Nº 5.
150
fortemente tal linha de raciocínio, apesar de não atacar diretamente nenhuma figura da
rede modernista nacional. Em uma resenha da publicação modernista baiana Arco &
Montanha coloca que “[n]ão é mais occasião (sic) de discutir modernismo. De discutir
216
em vez de agir.” Em outros textos, também tratando de publicações da rede
nacionalismo modernista pode ser observada. Em um deles se critica a “procura [de um]
217
sentimento postiço de indianismo de gabinete”. Talvez tal argumentação ecoe a
218
recusa antropófaga ao “guarani de Alencar dansando (sic) valsa”. Mas em “Voses
grupo de Arco & Flecha – aparece uma desqualificação bem mais ampla das temáticas
do nacionalismo modernista. Ali se elogia o poeta por indicar “até cogitações poeticas
longe da febre olhemos o Brasil”. Constata-se aí tendência similar àquela expressa por
João Alphonsus em um dos textos, analisados no segundo capítulo, em que ataca leite
criôlo e a antropofagia:
tendências opostas, existia a ideia que de alguma forma o movimento estava esgotado.
Mas a formação da rede modernista nacional coincidindo com a adoção de uma retórica
nacionalista – e de um estilo poético a ela vinculado – pelo movimento ainda era uma
215
“Paizagem” em LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p. 2
216
“novidades literárias: Montanha” de Oswaldo Abrita em LEITE CRIÔLO Nº IX, 28 de julho de 1929.
217
“Montanha” de Aquiles Vivacqua em LEITE CRIÔLO Nº V, 30 de junho de 1929.
218
Cf. “Uma adesão que não nos interessa” de Porominare (pseudônimo) em Revista de Antropofagia, 2ª
Dentição Nº 10.
219
LEITE CRIÔLO Nº IX (10º), 11 de agosto de 1929.
220
“De Negra Fulô a Freud” em ESTADO DE MINAS, 15 de setembro de 1929.
151
força no campo literário. Essa trajetória embasava, inclusive, a admiração dos jovens
escritores por Oswald de Andrade. A poética teorizada em seu Manifesto Pau Brasil e
demonstrada no livro de poemas correspondente era, além de ainda muito citada nas
fala”, com um poema publicado em leite criôlo, “Pedra menina”, de Fonte Boa:
Pedra menina
Ou!
Pedra morena
Ou!
Vamo pra riba
Ou!
Pra agradá sinhá
Ou!
Pra agradá sinhô
Ou!
Pedra menina
Ou!...
parte de ambos os poemas foca uma forma cultural alheia à normatividade erudita
ocidental, os “vícios na fala”, no caso de Oswald, uma cantiga, no caso de Fonte Boa.
Se segue justaposta, nos dois casos, uma observação sobre a presença simultânea do ato
221
“variações sentimentais sobre um problema frio”, de Fidelis Florêncio (Wellington Brandão), em
LEITE CRIÔLO Nº I, 2 de julho de 1929, menciona o conceito de poesia de exportação; em “Zé Prequeté
andando atôa...”, de Cyro dos Anjos, em LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p. 8, do qual
tratamos nas seções anteriores deste capítulo, o personagem principal aparece derrubando tudo que não
fosse “páo brasil (sic) e outros páos patricios”; em “Antropofagia”, de Clóvis de Gusmão em Revista de
Antropofagia, 2ª Dentição Nº 4, aparece a exclamação que definiria “uma arte toda nossa”: “Pau Brasil!”
222
LEITE CRIÔLO Nº III, 16 de junho de 1929.
152
literal de construir à expressão de uma “construção” cultural de caráter popular descrita
nos versos anteriores. Tanto temática como formalmente, os textos se apresentam como
bastante semelhantes.
A dimensão de política que interessa neste caso seria a dos valores políticos, para
além das questões eleitorais, que exploramos no segundo capítulo, e mesmo das
ideologias explícitas. É importante enfatizar este ponto, dada a convenção difusa que o
fazem presentes condenações ao fascismo, 223 cuja ascensão ao poder na Itália se dera
223
Em entrevista sobre leite criôlo no jornal Correio de Minas em julho de 1929, João Dornas Filho faz
blague afirmando a sua vontade de “matar Mussolini” (apud BUENO, 1982, p. 101); já o texto “Segundo
Congresso das Estancias Hydro Mineraes”, de Francisco L. Martins, em LEITE CRIÔLO Nº XII (13º), 25
153
As diferenças se dão em um nível mais profundo. Como temos desenvolvido aqui,
preguiçoso e doente. A solução para tal estado de coisas, questão a ser desenvolvida no
próximo capítulo, seria a ação de uma elite técnica e intelectual capacitada para tanto,
antropofagia, uma autêntica, ainda que idealizada, crença no potencial dos brasileiros.
brasileiro” 225 e se denunciava um “desdêm (sic) civilizado pelo Brasil”. 226 A rejeição à
visão elitista dos “males do Brasil” pela antropofagia pode ser sintetizada no seguinte
texto não assinado, que apareceu na seção de tipo editorial “de antropofagia” no último
de agosto de 1929, ironiza um orador que fala de Mussolini como um expoente do pensamento
democrático.
224
“somos contra os fascistas de qualquer especie e contra os bolchevistas tambem de qualquer especie”
afirma Freuderico em “de antropofagia”, Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 1; o mesmo Freuderico
ataca Mennoti Del Picchia chamando-o de poeta fascista, “Analfabetismo letrado” em Revista de
Antropofagia, 2ª Dentição Nº 12.
225
“de antropofagia” por Japy-Mirim em Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 2.
226
“Moquém V – Cafezinho” por Tamandaré (Oswaldo Costa) em Revista de Antropofagia, 2ª Dentição
Nº 8.
227
Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 15.
154
afirmava, nos termos ambíguos do neo-lamarquismo que discutiremos no capítulo
seguinte, que a
No poema “Si eu fosse um poeta negro” de Julio Paternostro, o eu-lírico – cujo caráter
ufano de meu paiz” são justapostos trechos do historiador português Oliveira Lima e do
civilização. 231
pensamento racial, entres os grupos paulista e mineiro, seria uma pequena nota
228
Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 9.
229
“Negro em festa de branco é o primeiro que chga e o derradeiro que come” no texto “da sucursal
(clube de antropofagia no rio de janeiro) – sabença nacional”, Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 3.
230
Assinado com pseudônimo Pater em Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 12.
231
Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 9.
155
respondendo a um ataque à Revista de Antropofagia estampado em um jornal da colônia
italiana. Afirmava-se ali, em italiano, que o conteúdo da revista não era digno de
do sangue africano nas suas veias”. O mais importante, porém, é o título, “A pedidos –
com o centro cívico palmares”. 232 Trata-se em todo o escopo do presente trabalho da
amplas – que aproximam e contrapõe três marcos do modernismo paulista a leite criôlo,
232
Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 7.
156
5. Eugenia para a alma brasileira: pensamento racial,
primitivismo e transculturação narrativa nos anos 1920.
Eugenia. Galton teve idéa. Ahi está uma cousa bôa para
corregir a incuria da nacionalidade. Eugenia, pois, para
ela. Não sei se o momento já é oportuno. Pouco importa.
Servirá pelo menos para despertar o caracter nacional,
aquietado ainda numa organização hereditaria, após
viver à sombra do negro. Borrão tapando nossa cara de
gente. Civilizada até. Como dizem por ahi. (...)
Presentemente o que nos interessa é entrar em conflito
com a nostalgia. Eugenia para a alma brasileira.
Eugenizar. Não o negro. Esse, por si mesmo, se anula
pela mestiçagem. Todo Brasil, sim. Fazel-o [sic] feliz.
Obter selectivamente typos que melhore[m] a raça. Como
Backwell, criador inglez de gado. Mas ao envez de
obtermos, como ele, mais carne que osso, vamos
conseguir mais alegria que nostalgia.
Vimos como tal forma de inscrição contradiz aparentemente seu alto grau de inserção
na rede modernista nacional do final dos 1920. Abordamos também – no mesmo sentido
Macunaíma e Retrato do Brasil. Desta forma, o quase esquecido leite criolô se prestou
modernismo. Poderia leite criôlo servir para ampliar a compreensão das relações entre
157
poder, cultura e “raça” em um momento constantemente reafirmado como fundador de
deste tipo de exploração, que aqui se fará apenas em forma de esboço, seja que a
um quadro histórico no qual esperamos que se fale – de uma forma bastante específica,
por sinal – de “cultura negra”. O mais escandaloso da retórica “criolista” é o fato que
vimos que leite criôlo era intensamente vinculado.233 O que significaria tal fato, posto
que o nacionalismo primitivista dos modernistas tende a ser pensado como uma
233
Ronaldo Vainfas (2002, p. 18) já havia notado de maneira semelhante que o racialismo de Paulo
Prado em Retrato do Brasil não gerara polêmica alguma na época.
234
O próprio Rama (2008b, p. 77) traça implicitamente o paralelo, muitas vezes apontado, entre Ortíz e
Gilberto Freyre.
235
Macunaíma, para Rama (2008b, p. 138-139), seria inclusive um dos exemplos-chave de
transculturação narrativa. Além disso, o autor afirma que o Brasil teria se mostrado um campo
especialmente fértil para esse tipo de experiência literária.
158
também o seriam. Mas, nas articulações que propõe, tal hipótese aparece quase como
relação a seu tema (RAMA, 2008b, p. 16, 48), o que implicaria certa opacidade entre a
cidade letrada (RAMA, 1985) enquanto forma típica de articulação entre escritura,
cidade e poder na América Latina – que acarretaria o fato de que a relação com a leitura,
social extremamente reduzido (sem dúvida no contexto que nos interessa e, de certa
forma, até hoje). Cabe discutir, então, a oscilação entre a dimensão descritiva e a
vínculo com uma das noções fundamentais dos discursos brasileiro e latino-americano
da primeira metade do séc. XX: a ideia de “raça(s)”. Nosso interesse aqui é exatamente,
porém, focar nas relações complexas entre as noções de “raça” e de cultura invocadas
a partir do final dos anos 1910 até a década de 1940, tendo possivelmente como pontos
consiste em reiterar que o foco da presente análise é o pensamento racial, posto que
159
existe uma certa tendência a ignorar a importante diferenciação entre racismo e
“racista comum não é um teórico, não é capaz de justificar seu comportamento por
maior parte dos brasileiros ouviu em um ou outro momento de sua vida são mais
importantes que os textos de Gobineau, por mais que estes textos tenham tido ampla
aceitação nos círculos da elite brasileira da segunda metade do séc. XIX ao começo do
desconstruir dois mitos: o de que o racialismo brasileiro seria mera cópia do europeu e o
pensamento do século XIX. Contra tais tendências cabe a investigação de como “raça” e
160
Em um terceiro momento, iremos trabalhar com as disputas simbólicas em torno
paulista (Cf. FERREIRA, 1986). Ambos os polos eram naquele momento mediados
pela presença continuada do “tipo” da Mãe Preta na grande imprensa carioca e paulista,
nos anos 1920 nas quais se denuncia explicitamente o racismo brasileiro e, ao mesmo
periódico modernista mineiro – caso não apenas da figura da Mãe Preta, mas também
negros, assim como as associações negras com as quais muitas vezes se vinculam,
236
Curiosamente não encontramos nos jornais mineiros do período menções a tais propostas ou propostas
análogas.
161
raridade do acesso ao letramento e à escola no Brasil de então implicava que muitos dos
jornalistas da imprensa negra eram autodidatas. Tudo isto significa que estes
outros atores culturais que não se enquadram na sua concepção narcisista de como
seção “Raça”? Para enfrentarmos tal ponto cabe voltar ao conceito de primitivo e às
décadas do século vinte. A partir daí, pretendemos mostrar como a posição ambígua do
Como amostra final da complexidade das relações entre poder, cultura e raça,
de leite criôlo quase que obriga a tomar conhecimento, trataremos de um caso sui
162
Enumerados assim os focos propostos podem parecer demasiadamente dispersos.
Por isso talvez valha a pena recorrer a dois casos exemplares, que não envolvem
Jerry Dávila (2006, p. 47-52) descreve como, em 1938 – nove anos após a publicação de
leite criôlo e cinco depois da de Casa Grande & Senzala –, Gustavo Capanema,
Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. O próprio Capanema havia feito parte do primeiro
“brasileiro” na arte moderna daquele momento, “um caboclo, um homem das matas, de
237
É curioso que, apesar de atualmente se trabalhar de maneira intensiva a monumentalização de obras e
artistas, os monumentos físicos e, em especial, as estátuas estejam aparentemente fora de moda. Melhor
demonstração disto são exatamente as estátuas que são feitas atualmente de escritores. Eliminando o
pedestal e colocando os escritores em atitudes relaxadas – em geral em frações do espaço urbano
diretamente ligadas à sua biografia e/ou à sua obra – tais estátuas monumentalizam o espaço ao seu redor,
não sendo elas próprias o foco da monumentalização.
163
raça mestiça”, retratado sintomaticamente com uma barriga protuberante (indício de
amarelão?) (DÁVILA, 2006, p. 49). Capanema rejeitou tal conceito, pois desejava que
eles – não apenas defensores claros da “arianização”, como Oliveira Vianna, mas
fundamental entre raças, como Edgar Roquette Pinto – previam que o brasileiro ideal do
futuro seria branco, nada devendo a “tipos raciais” que mais cedo ou mais tarde
curioso ainda é que a questão seja remetida a uma solução “científica” e que a opinião
amplamente influentes.
Já nas memórias do militante da imprensa negra José Correia Leite, que nos anos
questão era o da Mãe Preta (LEITE, 1989, p. 40, 97-99). Como veremos mais adiante,
tal monumento, para lançar a proposta de instituir o dia 28 de fevereiro (data da Lei do
Ventre-livre) como dia da Mãe Preta e reivindicar este “tipo” como um símbolo da luta
contra as injustiças raciais. Para ele, “na realidade, o monumento seria em homenagem à
164
raça negra simbolizada na figura da Mãe Preta. A imagem dela ficaria no pedestal e em
(LEITE, 1989, p. 40). A proposta chegou a transitar nos meios oficiais, mas acabou
sendo soterrada no contexto da Revolução de 1930. Vinte e cinco anos depois foi
por Correia Leite. Incomodava o militante não apenas que a parte relativa à luta e ao
Para Angel Rama (2008b, p. 17-18), a emergência das formas de escrita literária
seria seu lugar e sua importância no interior da “literatura ocidental”, modelo único de
resposta a tal questão seria dada ainda no âmbito do romantismo – a literatura latino-
americana (pensada naquele momento mais em termos nacionais que continentais) seria
238
Usaremos sempre aqui a expressão transculturação narrativa, tal como Rama, independente de
tratarmos de prosa ou verso. Para o que nos interessa neste capítulo, parece ser menos importante a
caracterização de gêneros literários específicos do que a definição de uma forma de escrita literária estrito
senso remetida à ideia de transculturação.
239
Usamos aqui criollo no sentido usual da América espanhola, ou seja, branco nascido na América
Latina e, por extensão, a classe dominante latino-americana no período pós-independência. Na tradição de
vários estudos comparativos sobre a América Latina, incluindo Rama (2008b) e Benedict Anderson
(2008), aplicamos aqui o termo também ao Brasil. Nota-se a dessemelhança total desse com o termo
crioulo, designação por vezes pejorativa do negro, presente no português brasileiro.
165
original por ser representativa da originalidade (diferença em relação ao modelo
focar no que para ela é diferença. Em outras palavras – na famosa formulação que
Mário de Andrade fez da questão, partindo de Graça Aranha (Cf. MORAES, 1978) – só
(RAMA, 2008b, p. 48 e 54). Mas como veremos adiante, tal paralelo forma
criôlo como, possivelmente, na maior parte das obras concebidas no âmbito da rede
modernista nacional.
compreensão das narrativas por Rama a partir do seu emprego pelo antropólogo
166
característica da chamada América Latina, seja a interação de saberes culturais dos
paradigma para Rama seria a obra de José María Arguedas – data de meados do séc.
trabalho, de devoção, etc., datava já de séculos na maior parte da América Latina. Por
que a literatura, na sua definição europeia tradicional, seria um dos últimos recantos da
telos homogeneizante que de certa forma está implícito neste conceito. Partir-se-ia de
uma cultura autóctone em interação com uma cultura conquistadora e o seu duplo
Polar de heterogeneidade cultural. Tal conceito enfatiza que, apesar ou mesmo por
167
culturais nas sociedades latino-americanas, constatação à qual Angel Rama (2008a)
Hispânica”. Assim, Raúl Bueno (1996) defende que a transculturação seria um processo
entre os dois conceitos, talvez seja possível afirmar que os processos transculturadores
são eles mesmos heterogêneos, que a interação entre determinados elementos culturais
culta permaneceu por muito tempo – e em muitos sentidos, ainda permanece – alheia a
tal multiplicidade. Neste ponto é fundamental o outro grande conceito de Angel Rama
(1985), o de cidade letrada. Com ele o crítico uruguaio almeja dar conta da relação
articulou no período colonial uma casta de intelectuais a serviço das coroas ibéricas, ele
precisa ser pensada não apenas na dimensão louvável da diversidade, mas também na
168
esforço dos jovens escritores brasileiros de elite240 que se denominam modernistas nos
dos elementos desta mais distantes da tradição europeia – através da inserção de certos
distante destes mesmos traços culturais, posto que majoritariamente letrada, urbana,
que significa “valorizar a cultura popular”: quem a valoriza e como aparece o valor
povo e primitivo, caracterizadas por indefinições que são fundamentais para os usos
sociais, portanto políticos, destes termos. Como Terry Eagleton (2001) já havia
observado para a palavra “cultura”, nota-se nestes casos um jogo permanente entre
240
A discussão conceitual do termo elite transcende o escopo do presente trabalho. Com tal termo
pretendemos aqui enfatizar que a posição dos membros da rede nacional modernista na estratificação
social do Brasil de então é homogeneamente elevada. Atesta-o a quase universalidade do ensino superior
entre os quadros modernistas, em um momento em que tal grau de educação formal encontrava-se ao
alcance de uma parcela percentualmente inexpressiva da população brasileira. É claro que, para além da
estratificação educacional e da relativamente correlata posição econômica, a posição social dos
modernistas variava bastante: diferenciando, por exemplo, os “primos pobres” das grandes famílias
tradicionais – como Mário de Andrade – e os herdeiros de posições políticas e econômicas importantes –
caso de Oswald de Andrade. Cf. MICELI, 2001, p. 102-120.
169
A trajetória das significações do termo cultura, que seguimos também a partir de
séc. XVIII, quando passa a ser aplicado em termos coletivos e a ser dotado de um
caracterizado por gestos como a produção de um corpus literário legítimo através das
transposições escritas de contos, lendas, canções, etc. orais. Tal modelo foi – junto com
passível de ser reproduzido e adaptado das mais diferentes formas nos mais diversos
lugares. Para os fins do presente trabalho, o importante é que a própria virada que
possibilita uma noção descritiva de cultura surge de uma tentativa de subversão dos
170
Também é importante lembrar que a nova significação de cultura não substitui a
anterior, mas a ela se funde e se mistura: o conceito tão caro ao pensamento alemão de
Bildung (formação), por exemplo, implica cultivo individual de uma relação profunda
aristocrática da cultura, dado que a civilização dos costumes, que definiria a pessoa
popular. Soma-se, assim, aos significados tradicionais da palavra povo – ou seja, “os
habitantes de um lugar”, assim como “aqueles que não são nobres” – um novo, ligado
oposição à burguesia etc. A ampla margem de ambivalência que a noção possui hoje já
foi assinalada por Bourdieu (2004, p. 181), que chama também a atenção para como no
e talvez para cada definição de “Povo” exista também uma de “povinho”. Para os
171
conservadores europeus do Oitocentos o camponês, reservatório dos valores
nunca” é também o “brasileiro que não sabe votar”. E mesmo a tradição marxista possui
brasileira posterior. Uma das razões disso, que discutiremos mais adiante, é exatamente
uma espécie de transculturação de cima para baixo. Ou seja, poder-se-ia enfim produzir
justamente pela incorporação dos traços “primitivos” antes desprezados. Se, para os
função de objeto passivo da ação estética da “cidade letrada”. Posição esta análoga,
aliás, ao lugar reservado à maior parte da população nas ações científicas e políticas da
“Somos uma raça em formação, na qual lutam pela supremacia diversos elementos
172
étnicos. Não pode haver uma literatura original sem que a raça esteja formada” (apud
SKIDMORE, 1976, p. 114). Como vimos no capítulo anterior, vinte anos depois Mário
uma permanência também notável. Aqui nos interessa especialmente o fato de que as
enfaticamente vinculadas por uma relação causal. A afirmação de Bilac não é de todo
anos 1930. O próprio Fernando Ortíz defende que, nos escritos de José Martí, “raça quer
raça por cultura” na obra de Nina Rodrigues (médico que estudou as comunidades
negras baianas da virada do século XX sob a perspectiva das “patologias da raça”), “as
tradução direta entre cultura e raça parece deslocada dentro do discurso de dois
antropólogos de uma geração cuja contribuição fundamental teria sido a distinção entre
os dois termos. Mas, como mostra Jerry Dávila (2006), Ramos considerava certos
da nossa educação” (apud DÁVILA, 2006, p. 75). A “raça”, entendida agora como
cultura e não como biologia, seria ainda a marca e a razão da inferioridade. Ou seja, a
173
“etnicidade” definida em termos culturais e religiosos seria marcada ainda, como
argumenta Stuart Hall (2003, p. 67), pela sombra da concepção desacreditada de raça
biológica.
brasileiro do começo do século XX. Em primeiro lugar, a concepção difusa de que tais
formas de reflexão sobre a nacionalidade seriam apenas uma herança residual do séc.
XIX. Sem dúvida, a centena de anos que gerou a obra de Agassiz, Gobineau, Renan,
Taine, Le bon, entre outros (cf. DE LUCA, 1999, p. 133-156; TODOROV, 1993;
SKIDMORE, 1976, p. 44-47, 65-69), foi obcecada pela ideia da desigualdade humana
descrita em termos raciais. Mas a primeira metade do século XX não ficou atrás em
Vivacqua no trecho citado, “[Francis] Galton teve [a] idéa”. 241 O cientista inglês, primo
de Charles Darwin, inventou o termo em 1883, a partir da palavra grega para “bem
nascido”, ainda que o cerne das suas ideias date de sua obra de 1869, Hereditary
Genius, lançada apenas cinco anos após A origem das espécies de Darwin. A sua
germinativo” do biólogo alemão August Weismann, nos anos 1890, e a redescoberta das
241
“Defeza da Alegria” em LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p. 7.
174
sistemático da eugenia na América Latina se dá a partir da Primeira Guerra Mundial. A
metade do século passado não pode ser reduzida ao seu significado mais extremo e
nazista. Naquele momento a eugenia, apesar de sofrer algumas críticas, era considerada
europeias, Estados Unidos e também em vários países da América Latina. Tal quadro
explica em parte o porquê de, segundo Giralda Seyferth (2006, p. 48), a discussão sobre
do que durante as últimas décadas do Império. A questão “racial” havia se tornado uma
Tal noção se encaixa como uma luva na ideia – profundamente inscrita na memória
175
A autora afirma que a ampla adoção de critérios neo-lamarckianos no pensamento
racial brasileiro e latino-americano não se daria por uma ausência de cientificidade dos
seus proponentes, mas por uma série de fatores culturais. Entre eles o vínculo científico
nos países anglo-saxões sofria resistência da tradição neo-lamarckista local. Outro fator
era político,
um país de tradição católica e com uma intelectualidade de formação mais literária que
movimento eugênico, para literatos como Achilles Vivacqua seriam ainda mais
obscuras. Assim temos que, no trecho citado em epígrafe, após a menção obrigatória a
puramente materialistas. Como vimos no capítulo anterior, “raça”, assim como doença,
eram para os literatos de então tanto um dado concreto biológico como uma metáfora
dos “males da nacionalidade”. Quando em leite criôlo se fala do “negro” nunca se sabe
176
se se trata de um tipo biológico, cultural, histórico, social ou literário. Assim, o artigo
nacionalidade era falar da “raça” – ainda que para literatos como Vasconcelos e os
diretores de leite criôlo, “raça” significasse mais uma forma de descrever a “alma” da
em sentido mais amplo no Brasil possivelmente se vincule, mais até que com os fatores
242
LEITE CRIÔLO Nº I, 2 de junho de 1929. A menção à “alma encachaçada” não é fortuita: o álcool é
um dos “venenos raciais” que, segundo a eugenia neo-lamarckista, poderia produzir degenerações
hereditárias. Cf. STEPAN, 2005, p. 99.
177
“primitivas”, tema que trataremos na próxima seção deste capítulo. Nas palavras de
rompia, por um lado, com o dogma racialista ortodoxo de que a mestiçagem implicava
em degeneração, por outro, reafirmava a hierarquia das raças ao propor que as “raças
Brasil desde meados do século XIX até 1930 pode não ter sido concebido em termos de
eugenia científica – ainda indisponível, por exemplo, para abolicionistas como Joaquim
direção de um Brasil mais branco (Cf. SKIDMORE, 1976, p. 37 e 40). Mas certamente
representou uma política racial de décadas, tendo por fim branquear a população
178
ascensão do Brasil para a branquitude” (SKIDMORE, 1976, p. 220). Tal obra,
republicada depois como o livro Evolução do povo brasileiro, seria inclusive citada em
leite criôlo. 243 Mais impressionante é que também a introdução ao censo de 1940, desta
Vimos que, para Achilles Vivacqua, o negro “por si mesmo se anula pela
244
mestiçagem” e que, para Paulo Prado, “o negro desaparece aos poucos” (PRADO,
1999, p.192). No mesmo sentido, Eduardo de Assis Duarte (2005, p. 122) interpreta a
branqueador não apenas nas suas representações literárias. De acordo com Theodore
Roosevelt, ex-presidente dos EUA que, em visita ao Brasil em 1913-1914, tinha ficado
impressionado com a perspectiva local sobre a questão racial, “no Brasil (...) o ideal
negro, gradualmente absorvido pela raça branca” (apud SKIDMORE, 1976, p. 85).
243
A frase citada no alto do tablóide de 13 de maio, em espaço análogo ao do dístico de Macunaíma e da
frase de abertura de Retrato do Brasil, era “Neste paiz, ao contrario dos outros, a agricultura se inicia
tendo por base a grande propriedade”. Não se referia, portanto, a nenhuma questão de caráter racial, mas
sua presença indica familiaridade com as ideias de Oliveira Vianna, dentre as quais o racialismo tinha
lugar fundamental.
244
Defeza da Alegria” em LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p. 7.
179
A perspectiva racialista “otimista” do branqueamento neo-lamarckista parece ter
preponderado no quadro da intelectualidade brasileira dos anos 1910 e 1920, ainda que
Paulo, chegou a afirmar que “sanear é eugenizar” (apud STEPAN, 2005, p. 97).
Renato Kehl, um dos maiores responsáveis pela difusão do ideário eugênico no país
180
Mais importante foi a posição do então diretor do Museu Nacional, Edgar
p.102-102), ele havia afirmado, já em 1927, que o “problema nacional não é transformar
os mestiços em gente branca. O (...) problema é a educação dos que aí se acham, claros
originalmente em 1933, Giberto Freyre descreve a repulsa que sentira ao ver o aspecto
Segundo ele,
branqueamento.
A publicação de Casa Grande & Senzala costuma ser definida como o ponto no
qual o pensamento social brasileiro sairia da análise racial para a análise cultural. Não
181
mais se pensaria em termos de raças, mas em termos de culturas. No entanto, muitos
estudos vêm nuançando a radicalidade de tal afirmação. Maria Lúcia Garcia Palhares-
pernambucano que, não apenas Freyre não havia ainda chegado às ideias mais
características de Casa Grande & Senzala até a segunda metade dos anos 1920, como se
encontrava fascinado com várias das teorias eugênicas e racialistas em voga nos Estados
p. 65-66). Ricardo Benzaquen de Araújo (1994, p. 31-41) mostra que, mesmo nas suas
obras clássicas dos anos 1930, o autor trabalha com a ideia de que existiam raças, mas
que elas eram mutáveis pelo meio e pela cultura, ou seja, apesar da influência do
Congresso Afro-Brasileiro, organizado por Gilberto Freyre em 1934, mostra que esse e
homogêneo. Mais importante é o fato de que, abolida a hierarquia das raças, permanece
afirmava que o autor de Os sertões “considerou inferior gente que só era atrasada;
182
espaço social, tais permanências não são nem um pouco surpreendentes, também não
1920-1930. Convém lembrar que o racialismo que alimentou por décadas a imaginação
das elites brasileiras não desapareceria, sem deixar rastros, com algum passe de mágica.
Muito menos com um passe de ciência: não é possível concluir que o sucesso
editorial de Casa Grande & Senzala245, que acabou por simbolizar a mudança de
“observar que este ensaio pretende ser menos obra convencionalmente literária que
formação social brasileira” (FREYRE, 1958, v.1, p. LXV). É provável que tal ênfase
leite criôlo seria um precursor de Casa Grande & Senzala se torna menos absurda (cf.
social nas concepções da época. Nossa hipótese é a de que ambas as publicações fazem
245
O livro foi originalmente publicado por uma pequena editora pouco estruturada, a Editora Schmidt, e
teve três edições entre 1933 e 1938.
183
população brasileira e, em especial, do significado da presença negra na formação da
nacionalidade.
que articulam o eixo temático de leite criôlo: a “mãe preta”, implícita no título da
âmbito da rede modernista nacional, ao que devemos acrescentar que a discussão sobre
o negro e a nacionalidade se dava naquele momento das mais diversas formas e através
dos mais diversos espaços, desde o debate erudito – num arco que vai das discussões
1929 e a publicação de Casa Grande & Senzala em 1933 – até o teatro de revista e
Assim como as discussões sobre eugenia (cf. STEPAN, 2005, p. 57), o “tipo” da
“mãe preta” se fazia presente no cotidiano da imprensa diária de então. O exemplo mais
mas logo encampada, por exemplo, pela Companhia Negra de Revistas e pela imprensa
negra militante de São Paulo (cf. SIEGEL, 2007; GOMES, 2001, p. 73).
184
amplamente empregado na literatura brasileira no âmbito da lírica abolicionista da
década de 1880. Se nesse primeiro contexto a evocação da Mãe Preta serve à denúncia
da escravidão, logo a figura da ama-de-leite negra se torna uma das chaves da
interpretação da escravatura no Brasil como amena (cf. DEIAB, 2006, p. 46). O caráter
bondoso, resignado e afetivo do sacrifício da personagem em prol do seu quase filho,
que é ao mesmo tempo seu senhor, constitui um dos seus traços característicos.
Retratada normalmente com as tintas de um sentimentalismo piedoso, por vezes
temperado de exotismo, o “tipo” da Mãe Preta é fundamentalmente um veículo das
representações de brancos sobre negros. Dessa forma sua presença no repertório
simbólico das entidades negras pode causar espanto, pois, nas palavras de Tiago de
Melo Gomes,
hoje em dia, tal símbolo remete diretamente a Gilberto Freyre,
portanto à ideia de uma ideologia branca. Mas, no contexto da
década de 1920, esta figura assume outra conotação: tanto no Rio
de Janeiro como em São Paulo, grupos negros lutavam para
conseguir erigir monumentos em homenagem à Mãe Preta.
(GOMES, 2001, p. 73)
tipo mundana – veículo para notícias sociais das entidades de negros que organizavam
bailes e outros eventos – para uma de militância e protesto, ocorrida no jornal Clarim
D`Alvorada, é descrita por seu idealizador, José Correia Leite (1992, p. 40-41), como
Livre) como dia da Mãe Preta e apoiando a construção do monumento. Tal proposta
185
acabou ecoando também em alguns órgãos da grande imprensa paulista, um feito
notável para uma publicação pequena e precária como o jornal de Correia Leite.
Estão tratando de erguer não sei onde (mas sempre aqui no Brasil)
um monumento à mãe preta. Os denodados que para isso
trabalham querem confessadamente prestar homenagem de
gratidão às amas molhadas e sêcas mas sobretudo molhadas da
linda côr do urubu. E atravez delas à raça escrava.
Eu acho isso muito bonito e comovente porêm perigoso.
Marmorizada ou bronzeada a preta, as mulatas e as brancas
protestarão na certa. E será preciso erguer outros monumentos. Um
para cada côr. Depois um para cada nacionalidade. A homenagem
provocará uma competição de raças, de origens, até de tipos de
leite. Por fim os fabricantes de leite condensado tambêm
reclamarão a sua estátua e com toda a justiça. E haverá o diabo
quando o governo holandês exigir uma para as vacas suas súbditas.
Eu não estou ofendendo. Eu estou prevenindo.246
medida tão inócua e compatível com uma interpretação paternalista da questão racial
como o monumento à Mãe Preta – denúncia de separatismo que parece ser uma
suas mais diversas demandas –, o texto de Alcântara Machado demonstra que a figura
da “mãe preta” e as diversas e contraditórias questões que tal símbolo evocava estavam
246
REVISTA DE ANTROPOFAGIA Nº 7, Novembro de 1928, p. 1 Talvez a explosão de
heterogeneidade que Alcântara Machado vê como a consequência inevitável do monumento proposto
possa ser compreendida a partir das discussões sobre a “falta de homogeneidade do povo brasileiro”.
Vale a pena ressaltar que a oposição do autor ao monumento talvez esteja relacionada com a sua posição
partidária. Como membro do Partido Democrático, de oposição, ele poderia estar se opondo mais a uma
iniciativa apoiada pelo PRP do que a um ideário cultural mais amplo.
186
retornaremos a seguir, afirmando que teria passado “todo o dia de hontem com a figura
da Mãe Preta na cabeça”, ele se referia a um símbolo de fato muito presente naquele
contexto. 247
vigorosamente o poema “Essa negra fulô” de Jorge de Lima, qualificado pelo crítico
opostas.
chamada imprensa negra paulista sua contemporânea ilustra bem a variação dos
significados dos símbolos que focamos aqui. No texto “Mãe Preta” do jornal
Progresso,249 editado pelo poeta e militante paulista Lino Guedes, o tema da Mãe Preta
pelos dos senhores, [que] quando grandes, pagavam esta dedicação, a chicote.
Espírito Santo, evoca a memória da Mãe Preta, mais especificamente da sua mãe preta –
“chamava-se ‘Chicó’”, escreve ele –, mas antes fala da fazenda de seu avô. Metade do
247
LEITE CRIÔLO Nº X (11º), 11 de agosto de 1929.
248
REVISTA DE ANTROPOFAGIA Nº 1, Maio de 1928, p. 4.
249
PROGRESSO, 19 de Agosto de 1928, apud LEITE 1992, p. 87.
187
genérica da influência da Mãe Preta na nossa “formação sentimental”. Em certo ponto
aparece a interrogação retórica: “Quem não se lembra da sua Mãe Preta?” (grifo
nosso)250 Por certo não os filhos de mães negras. É interessante notar o uso do pronome
maio, Guilhermino Cesar, iniciava com uma afirmativa que serve de resposta antecipada
àquela falsa questão: “Nós todos mamamos naquêles peitos fartos de vida e estragados
de sensibilidade”. E expõe o que, na sua opinião, deve ser feito com o leite da Mãe
Nesta fala se nota a relação mais do que ambígua de leite criôlo com a dimensão
afro-descendente da nação brasileira. A associação do leite com o excremento, tendo
por termo médio o negro, já foi analisada por Antônio Sérgio Bueno (1982, p. 120-121)
e parece derivar das discussões médicas do final do séc. XIX sobre os perigos do leite
das amas negras (cf. DEIAB, 2006, p. 8-12). Transformada como aqui em metáfora, a
ideia da contaminação através do leite da “mãe preta” aparece também em Casa Grande
& Senzala. No trabalho do sociólogo pernambucano, no entanto, a contaminação
biológica e cultural era recíproca entre a ama-de-leite e o “sinhozinho”, possuindo
aspectos positivos (apud DEIAB, 2006, p. 10). Já o eufemismo irônico “meio forçado”,
que adjetiva o suposto presente que seria o trabalho do negro, introduz uma das facetas
250
LEITE CRIÔLO Nº X (11º), 11 de agosto de 1929.
251
O mesmo tipo de referência a uma lembrança coletiva e transferível da “mãe preta” aparece em um
livro infantil de 1930, Contos da Mãe Preta, de Odorico Costa, analisado por Deiab (2006, p. 148-149).
252
LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de julho de 1929.
188
de leite criôlo, uma espécie de sadismo que permeia as referências à escravidão. Muitos
dos textos enfatizam a brutalidade da escravidão, não no registro da indignação ou
mesmo da piedade, mas com certa malícia. Esse ponto diferencia inclusive o grupo
“criolista” da corrente principal das representações literárias da Mãe Preta. No poema
“mãe preta”, de Fidelis Florêncio, pseudônimo do colaborador assíduo Wellington
Brandão, o eu lírico é um sinhozinho mimado que ordena que sua “mãe preta” faça isto
e aquilo. Entre as ordens surgem referências nostálgicas, sado-eróticas ao tronco,
terminando em uma exaltação condescendente e irônica da Mãe Preta:
(...)
Mãe Preta, caiu um cisco no meu leite,
E porque não há mais tronco,
Si houvesse, Mãe Preta,
era hora de você ver
(...)
Nada de cantigas de congado.
Conte-me a historia daquelle sinhô
que te cortou de rabo de tatu.
Chega sinhô!
Não chega não, negra atôa!
e lépo e lépo e lépo!
E tu pelada no tronco
como um morcego de maminha.
Mãe Preta: como se chamava
Esse sinhô tão bravo?
Eta, mãe preta.
Serafina do Congo e Jesuis,
Ninguém póde com você! 253
César chama atenção a afirmativa “bemquerer a todos tem sido a enorme falta nossa”. A
capítulo, oposto ao dos diretores de leite criôlo, mas que possui grandes afinidades com
este – afirma no seu primeiro editorial que “no Brasil ninguém quer obedecer. Há mil
253
LEITE CRIÔLO Nº VIII, 21 de julho de 1929. No quadro das representações do “tipo” Mãe Preta
analisadas por Deiab (2006, p. 89; 107) aparecem, em um mesmo conto de Olavo Bilac, tanto a figura do
sinhozinho travesso que abusa da criada quanto a cena desta exibindo as cicatrizes dos castigos de
outrora. No entanto, no conto de Bilac tais elementos se articulam com o sentimentalismo piedoso
predominante nas interpretações literárias da “mãe preta”.
189
pastores para uma só ovelha”.254 É nesta chave que se pode compreender que o
em leite criôlo: a regra é um tratamento ríspido, de choque. O porquê deste método está
e Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro da virada do século XX. Tal resistência, cujo ápice
foi a “revolta da vacina” de 1904, tem sido compreendida atualmente como uma reação
parte da população, ou seja, de reconhecer sua cidadania (cf. CARVALHO, 1987). Mas,
“primitivos” que constituía o povo (mais “povinho” que “Povo”) brasileiro e, assim,
Oswald Cruz se tornou mesmo um dos heróis culturais da elite (STEPAN, 2005, p. 51;
da “mãe preta” é preciso ressaltar que – se, a partir dos anos 1970, a simbologia da luta
254
A REVISTA No. 1, 1925, p. 12-13.
255
DIARIO DE MINAS, 3 de fevereiro de 1929.
190
anti-racista sofre grandes transformações no contexto do surgimento de uma nova leva
Zumbi dos Palmares) como Dia da Consciência Negra – no período aqui enfocado todas
data da abolição. Mas a figura emblemática desta comemoração não era a Princesa
Isabel. Como observa George Reid Andrews, “no final da década de 1920, as
abolicionista negro Luís Gama” (ANDREWS, 1998, p. 332-333). A abolição era, pois,
percebida como um processo no qual os negros ou, pelo menos, alguns “grandes
fundamentais.
sua liberdade se torna um dos problemas do Brasil. Não é que faltem as representações
de uma moça branca que brinca com “o pretinho” no colo da “preta gorda” sentada ao
seu lado em banco de praça é associada implicitamente à Princesa Isabel. Mas o texto
que afirma:
256
LEITE CRIÔLO Tablóide, 13 de Maio de 1929.
257
“Defeza da Alegria”, de Achiles Vivacqua em LEITE CRIÔLO (Tablóide) 13 de maio de 1929, p. 7.
191
Podemos comparar esta interpretação da abolição e de suas consequências com
outra publicada naquele mesmo 13 de maio de 1929, esta agora da autoria de José
pensamento “criolista”: os lugares sociais dos quais partem também são completamente
criôlo. 258 Mas mesmo o amplo trânsito do grupo “criolista” pela grande imprensa – na
qual, aliás, foi estampada sua publicação – contrasta fortemente com a trajetória dos
jornalistas da imprensa negra, para os quais o acesso a grande imprensa era, em grande
parte, negado. 259 A imprensa negra surgiu com publicações mundanas, veículos para
notícias sociais das entidades de negros que organizavam bailes e outros eventos,
interessante observar que a Semana Ilustrada, revista na qual dois dos diretores de leite
258
Isto se dá apesar de João Dornas Filho ser identificado como mulato (cf. BUENO, 1982, p. 115-116).
O ponto de vista eminentemente branco que ele assume é virtualmente indiscernível daqueles de Achilles
Vivacqua e Guilhermino César. Muitos outros intelectuais da elite brasileira adeptos das teorias racialistas
são descritos como mulatos ou mestiços, inclusive o já mencionado ideólogo da “arianização” Oliveira
Vianna (cf. SKIDMORE, 1976, p. 219). Para Skidmore (1976), o próprio interesse de Vianna pela
questão étnica poderia partir deste fato, o que poderia também ser o caso de Dornas. O fato de ambos
assumirem uma postura racialista tão ostensiva exprime o desejo da elite intelectual brasileira daquele
momento de se identificar como inteiramente branca e a distância entre tal desejo e a realidade.
259
José Correia Leite relata, por exemplo, a alegria de conseguir que um artigo louvando Júlio de
Mesquita (fundador do jornal Estado de São Paulo) por ocasião da sua morte, fosse reproduzido neste
veículo, depois de haver aparecido no jornal negro Clarim d’Alvorada. (LEITE, 1992, p. 79). Nesse
momento leite criôlo sai no Estado de Minas, com controle quase total do que seria editado.
192
descreveu com o eufemismo “elite negra”: uma sub-classe-média que, exercendo
como frequentar bailes e ser alfabetizada (Cf. CORREIA, 1992, p. 45). Semana
ilustrada, por outro lado, reflete a sociabilidade das famílias importantes e dos
estudantes universitários, naqueles tempos vindos estritamente das camadas mais altas
Semana”.
imprensa negra era a relação de ambos com a educação formal. Enquanto os jovens
possível no Brasil de então), muitos dos militantes da imprensa negra, como José
Correia Leite (1992, p. 55), eram autodidatas que não tinham tido a oportunidade de
completar nem mesmo o ensino primário. O “tribuno popular” Vicente Ferreira – que
Correia Leite descreve como um teórico da causa negra – sabia ler, mas não escrever.
“criolismo”, tal como definida pelos diretores de leite criôlo: negros sem nenhuma
como as relações raciais no país, ainda por cima por meio de uma linguagem ornada e
260
A contínua denúncia em leite criôlo do pedantismo e do pernosticismo, que caracterizariam a
tendência nacional ao “bacharelismo”, é particularmente interessante: no contexto de uma primeira
desvalorização dos títulos do ensino superior no Brasil (Cf. MICELI, 2001, p. 115-120), leite criôlo –
193
belorizontinos e os jornalistas negros paulistas jamais tenham sabido da existência um
com uma figura próxima ao modernismo primitivista demonstra algumas das tensões
A anedota termina bem, mas, apesar da reconciliação final, fica claro que o lugar
apropriado para um negro não é, naquele momento, discursar sobre filosofia. O caso
“nêgo” invade um salão passadista provocando escândalo, mas, devido a sua ignorância,
dirigido por três bacharelandos em direito – rejeita a cultura superficial dos que dependem das
demonstrações de erudição para se impor.
261
Correia Leite (1992, p. 64-65) conta que Vicente Ferreira tornara-se partidário do situacionismo
perrepista depois de ter percebido que era tratado de maneira preconceituosa até mesmo pelos comunistas.
Podemos especular que provavelmente o PRP não era menos preconceituoso, mas significava mais
palanques para alguém que vivia de discursar.
194
Correia Leite (1992, p. 44) lembra que naquele contexto havia uma série de
estabeleciam com tais “figuras-típicas” uma relação baseada em uma mistura ambígua
pela sociedade de então, entre aqueles que teriam acesso à cultura dominante e legítima
forma que, nas representações da Mãe Preta, esta era tratada quase como se fosse da
família (DEIAB, 2006, p. 92), as “figuras típicas” poderiam ser tratadas quase como se
criôlo também estabeleceu uma relação, entre ambígua e perversa, com uma destas
Por menos que os militantes da imprensa negra fossem levados a sério pelos
contraditoriamente, se propagava aos quatros ventos a ideia de que no Brasil não havia
262
Na sua obra O abolicionismo, publicada em 1883 e, portanto, anterior à abolição, Joaquim Nabuco já
afirmava que “a cor, no Brasil, não é, como nos Estados Unidos, um preconceito social contra cuja
obstinação pouco pode o caráter, o talento e o mérito de quem incorre nele” (apud SKIDMORE, 1976, p.
39). Em 1926, em sua carta de apoio ao monumento da Mãe Preta, o então presidente eleito Washington
Luís, afirmava de maneira semelhante que “entre nós, não há superstições de raças, preconceitos de cores,
ou exclusivismos de origem” (apud SIEGEL, 2007, p. 324). A ideia da inexistência do preconceito era tão
arraigada que, em 1908, Monteiro Lobato havia se queixado exatamente de tal ausência: “Como consertar
essa gente? Que problemas terríveis o pobre negro da África nos criou aqui, na sua inconsciente
vingança! Talvez a salvação venha de São Paulo e outras zonas que intensamente se injetam de sangue
europeu. Os americanos salvaram-se da mestiçagem com a barreira do preconceito social. Temos também
aqui nossa barreira, mas só em certas classes e certas zonas. No Rio, não existe” (apud SKIDMORE,
195
sociedade brasileira e inclusive o racialismo culto dos pensadores sociais do momento.
automática desses militantes se identificarem como negros: como mostra Petrônio José
desaparecimento gradual dos negros pela via do branqueamento. Mas alguns militantes,
como José Correia Leite em 1928, chegam a denunciar o fato dos negros serem
1986, p. 129). Arlindo Veiga dos Santos – futuro presidente da Frente Negra Brasileira
dos anos 1930 – invoca inclusive de maneira bastante original a retórica sanitarista,
Numa curiosa inversão, a pior doença que afligiria o Brasil não seria uma
daquelas que, segundo Freyre, faria dos “mulatos e cafusos” brasileiros “caricaturas de
homens”, mas sim a do preconceito que acometia as elites dirigentes brancas e as levava
1976, p. 199). É interressante que tal convicção anteceda e ultrapasse a emergência da nova linguagem
racial culturalista do “país mestiço”. Assim, quando Gilberto Freyre, Artur Ramos, Roquette-Pinto e
outros intelectuais publicaram seu “Manifesto dos intelectuais brasileiros contra o racismo” em 1935, eles
se voltavam contra “a transplantação de ideias racistas e, sobretudo, dos seus corolários políticos e
sociais” para o Brasil (apud SKIDMORE, 1976, p. 225). A ideia de que já existissem aqui formas
autóctones de preconceito racial não ocorria para estes intelectuais, amparados como estavam por uma
longa tradição de negação da existência de tais preconceitos.
196
naquele momento é invocado contra as correntes migratórias que, segundo esse
(cf. DOMINGUES, 2002, p. 576; FAGUNDES & GOMES, 2007, p. 76; FERRARA,
da África” a eles atribuída pelo discurso corrente. Isso significava, no mais das vezes,
263
uma rejeição do vínculo com a África “bárbara” e com as formas culturais a ela
263
Como argumenta Miriam Nicolau Ferrara (1986, p. 203), a imprensa negra paulista de então via a
África de uma perspectiva de identificação com O ocidente. Assim, no jornal Progresso descreve, em
1929, a África com tintas exóticas: “(...) os seus homens disformes pelos exercícios necessários, as preces
aos deuses do culto bárbaro, transformam o continente em centro da curiosidade dos naturalistas, que
procuram raridades para seus museus” (apud FERRARA, 1986, p. 166). Ali também se louva a ascensão
de Ras Tafari, futuro imperador Haile Salassie I, ao trono da Etiópia, então o único país independente da
áfrica negra, pela possibilidade deste “implantar o espirito moderno sobre as correntes básicas da tradição
ethyopica” (apud FERRARA, 1986, p. 180).
197
perspectiva do desaparecimento do negro, implicou, para esses grupos negros, aceitar e
modernista. A legalização dos cultos das religiões afro-brasileiras, que só se deu em São
Paulo no ano de 1943, não fazia parte das reivindicações da imprensa negra. Nas suas
memórias José Correia Leite lembra que a militância de então “até achava que [a prática
qualquer coisa positiva de cunho social para o negro” (LEITE, 1992, p. 141). Da mesma
modernista. Sensualidade selvagem que evoca tanto a sexualidade livre exaltada por
Oswald de Andrade quanto a luxúria que Paulo Prado caracteriza como sendo um dos
brevemente nas memórias de José Correia Leite (1982, p. 118). Ele menciona certo
Clube de Arte Moderna264 no qual “negras bonitas” desfilavam “até em trajes menores”.
Martins, que fala das “josephine bakers de fôrno e fogão” rebolando no cabaret da
264
Uma hipótese é que se tratasse do “Clube dos artistas modernos”. Fundado em 1932, por Flávio de
Carvalho, Antônio Gomide, Carlos Prado e Di Cavalcanti, durou apenas até 1933.
198
Olympia. 265 Resumindo: nos termos condenatórios de Correia Leite (1982, p. 118), “os
– importante crítico literário e professor, que na polarização cultural dos anos vinte
Para além destas e outras referências no corpo do texto, um dos capítulos do livro
extrema direita que surgiam então na Europa – parece implicar que o modernismo
brasileiro se definiria por sua opção inequívoca pela reabilitação da cultura popular e,
palavras, confirmaria a ideia muito difundida de que tal movimento fundaria uma noção
quem sabe? – das reivindicações populares. A exploração feita neste capítulo das
diversas formas como se articulam poder, cultura e “raça” no Brasil das primeiras
265
LEITE CRIÔLO Nº VII, 14 de julho de 1929.
199
décadas do século XX nos obriga a formular, ainda que de forma frágil, uma hipótese
alternativa.
O termo chave para tal questão é “primitivo”. Como mostra Gill Perry (1998), ele
estes e, portanto, necessitavam da tutela das nações europeias. Por outro lado, a noção
(1998, p. 8), como “animalesca, infantil, selvagem, primitiva e lasciva”. Como mostra
letrada latino-americana, fazendo sua aparição em textos tanto críticos como literários
do período que vai das independências até as primeiras décadas do século XX.
Reforçava-se assim a diferença entre a cidade letrada e o vulgo. Enquanto não existisse
um “Povo” “digno deste nome” que pudesse responder pela república, estava justificada
a tutela das elites e da cidade letrada sobre os “primitivos” – tutela da qual a ditadura
atraentes para parte da vanguarda artística e literária europeia que, seguindo os passos
das revoluções simbólicas operadas no campo francês por Flaubert, Baudelaire, Manet,
começaram a buscar a “verdade” da experiência para além dos limites da nação. De uma
200
de máscaras “negras” de Picasso – e, logicamente, a forma como tais referências se
fazem presentes nas respectivas obras – implicam uma recusa muito profunda dos
implícita na iniciativa imperialista daqueles mesmos países. Como lembram Hal Foster
(1985, p. 52) e Els Lagrou (2008, p. 218), os objetos de além mar que a avant-garde
europeia propunha então como obras de arte eram, antes de tudo, troféus de guerra do
entrada das artes plásticas no século XX, Les Demoselles d’Avignon – a imagem das
máscaras “negras” com uma cena de bordel, Picasso transgredia violentamente o gosto
definiram como modernistas, no Brasil dos anos 1920, era ainda mais tensa e ambígua.
própria trajetória do Brasil enquanto nação soberana dificultava tal tarefa. Benedict
XVIII e meados do séc. XIX, como “pioneiros criollos” dado prescindirem do modelo
201
A intenção de construir para o povo – no duplo significado de “direcionado ao
povo” e de “em nome deste” – uma representação da “cultura popular” como o foco de
literatura, etc.), em uma configuração social no qual mesmo saber ler e escrever é uma
ignorante e sobre o qual ainda não está dissipada a pecha da inferioridade racial. Daí
Minha arte, se assim você quiser, tem uma função prática e eivada
dum interesse vital e pra ele se dirige. Nisto sou bem primitivo.
Tem primitivismo e primitivismo. Tem o que vem da ignorância e
é condenável. Tem o que vem da exata realização psíquica e é
admirável. Tem o que vem da consciência duma época e duma
necessidade social e humana. É intelectual, não abandona a crítica
e a erudição. E só aparentemente se afasta delas. Este é louvável e
necessário. (apud SANTIAGO, 2002)
202
Mário de Andrade sente aí a necessidade de afirmar, talvez apenas para si mesmo,
que seu primitivismo não significa deixar de ser erudito, não significa tornar-se
se coloca para os artistas primitivistas europeus. Max Ernst, por exemplo, podia se
identificar plenamente com o que entendia ser o “xamanismo” (cf. LAGROU, 2008, p.
228-229) sem correr o risco de ser confundido com um “nativo”. A identificação básica
“primitivas” implicavam que seu projeto nacionalista, por mais otimista e radical que se
discordar de Antônio Cândido (1967, p. 142) quando este afirma que o “hábito em que
estávamos do fetichismo negro, dos calungas, dos ex-votos, da poesia folclórica, nos
mesmo tempo em que Mário de Andrade (1977, p. 73-83) descreve em Macunaíma uma
como Manuel Bandeira, Ascenso Ferreira e Raul Bopp, além do europeu Blaise
Cendrars –, a prática das religiões afro-brasileiras continuava sendo em São Paulo caso
de polícia, constituindo talvez aquilo que, como vimos acima, Arthur Ramos
203
As mesmas contradições aparecem, como seria de esperar em um movimento
etc. que distinguiam a língua falada no Brasil dos manuais de língua portuguesa
implicava lidar com o fato de que nos usos correntes da língua escrita tais diferenças
do seu autor. Como diria o anti-modernista Frieiro (1941, p. 58), no trecho citado acima,
truísmo: somente ao escritor que conhece seu métier é facultada a licença poética de
mau sentido, um primitivo. Como todas as licenças, a poética seria dispensada apenas
204
não significa necessariamente uma identificação com as estruturas mentais “primitivas”.
uma linguagem inteiramente diferente dos erros de português que assinalam socialmente
Tal forma de pensamento pode ser notada de maneira bastante explícita no corpus
de leite criôlo. Ali uma linguagem marcada por incorreções de ortografia e construções
sintáticas estranhas à norma culta aparece tanto como motivo de escárnio em relação às
pretensões dos “ignorantes” quanto como recurso erudito e consciente para a feitura de
exatamente os versos primitivos no mau sentido, dentre eles três da autoria do “pequeno
escritor” Olavo Augusto Maia. Na verdade, todo o projeto programático de leite criôlo
266
“Pingente”, em LEITE CRIÔLO Nº I, 2 de junho de 1929.
205
oswaldiano de brasilidade: a blague vanguardista-primitivista seria o antídoto da
estupidez nacional.
hipótese que o grau que alcança a iconoclastia primitivista de Oswald – nos manifestos,
que da maior parte dos modernistas brasileiros com a nacionalidade. Um dos traços em
comum dos ideários oswaldiano e surrealista é o que Hal Foster denominou “fantasia
primitivista”, ou seja, a fantasia “de que o outro, normalmente considerado de cor, tem
um acesso especial a processos psíquicos e sociais primários aos quais o sujeito branco
teria o acesso bloqueado” (apud LAGROU, 2008, p. 224) – ainda que Oswald, de
da infantil (cf. GERKEN, 2000). Como já observou Raúl Antelo (1991), o tema da
206
seguinte trecho da seção “de antropofagia”, espécie de editorial da segunda dentição da
ainda que invertida. Tal associação, corrente na época, não costumava ter uma
interpretação tão generosa quanto a oswaldiana. Um bom exemplo disso se faz presente
vertente do que poderia ser descrito como a transculturação narrativa “clássica”, ou seja,
267
Revista de Antropofagia, 2ª Dentição Nº 1.
207
da reapropriação de traços culturais tradicionais por um discurso culto e moderno.
escritores de leite criôlo é tão raso quanto aquele dos escritores indigenistas anteriores a
Arguedas, duramente criticados por Rama (2008b). E mesmo estes se articulam a partir
de princípios políticos e ideológicos bem mais generosos do que os que animam o grupo
da publicação belorizontina.
denominamos “clássica” têm sido alvo de críticas. Para Friedhelm Schmidt (1996), a
Moreiras (2001) afirma que o próprio suicídio que Arguedas inscreveu como palavra
final de seu último romance atesta como as contradições culturais de uma posição como
a dele não poderiam ser tão facilmente reconciliadas através de uma transculturação
narrativa bem sucedida. Partimos, porém, aqui do pressuposto de que tal conceito é
muito mais interessante do que sua redução aos projetos nacionais cultos de autonomia
narrativa são necessariamente possíveis, inclusive fora das muralhas da cidade letrada.
“servente da Secretaria de Finanças e rouxinol nas horas vagas” Olavo Augusto Maia,
208
artigo de Oswaldo Abrita traça o seu perfil: 268 negro, pretenso escritor de ortografia e
escárnio prediletos de leite criôlo. Além deste artigo, são publicados três poemas de
Olavo Augusto Maia e a pequena estória que encena sua condição, “O poeta obscuro ou
269
o poema do amor desiludido” . Em todas estas alusões os inúmeros erros de
formular todo o seu preconceito racista e classista nos termos da exigência de uma
competência linguística. Talvez a maior crueldade do grupo para com seu “amigo” seja
da abolição da escravatura, enfatizando seus erros pela falta absoluta de revisão textual:
Poema
É a hora chegada
Dum grande oniversitario
Que gramou a liberdade
Da monarquia chamada.
268
“Do pequeno escriptor Olavo Augusto Maia ao poeta Alberto Agostini”, em LEITE CRIÔLO Nº XII
(13º), 11 de agosto de 1929.
269
Por Diderot Coelho Junior, em LEITE CRIÔLO Nº V, 30 de junho de 1929.
209
Que nunca mais nos escraviza;
Vale à pena focar um pouco no poema. Trata-se de um texto que quase pede que
um professor o corrija e atribua uma nota, provavelmente não muito boa, dado o grau de
relação desconfortável com a escrita – e talvez com o conjunto da cultura erudita – que
nele transparece. Embora o sentido dos versos esteja pouco claro, não se pode deixar de
próprios alunos da faculdade de direito que são ao mesmo tempo seus superiores
hierárquicos e seus cínicos editores. O poema, porém, constitui mais que um objeto
No dia 13 de maio
Fazendero todo chorô
Chorô, chorô
Cativeiro de nego acabo
(apud PEREIRA, 2000, p. 64) 271
270
LEITE CRIÔLO (Tablóide), 13 de maio de 1929, p. 4.
271
Devo a comparação entre o poema publicado em leite criôlo e o canto de congado à erudição e à
sensibilidade do pesquisador Adélcio de Sousa Cruz, que me chamou a atenção para suas similaridades
210
Contra toda a probabilidade, o “pequeno escritor” pode ter sido também uma
em cantos de congado através do que naqueles tempos ainda era um relativo privilégio:
saber ler e escrever, ainda que mal. E nem mesmo a menção à “princeza Alizabett
[provavelmente confundida com a Princesa Isabel] / Que com o seu bom coração /
injustos:
durante uma apresentação da minha pesquisa sob os auspícios do Núcleo de Estudos Interdisciplinares da
Alteridade (NEIA) da Faculdade de Letras/UFMG.
211
Totalizando nossa maneira: Considerações finais
A formula – tupy or not tupy that’s the question [trecho
do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade] –
exprime nada ou quase nada. Porque não é com o
indianismo só, ou sem elle, que chegaremos a totalizar
nossa maneira. É com muita coisa mais.
Brasil não desapareceram. A herança cultural africana tem sido, na verdade, cada vez
mais valorizada por brasileiros de todas as cores. A palavra “primitivo” não faz mais
tende a aparecer mais nas letras de música e nas telas dos cinemas do que nos poemas.
A literatura frequenta também cada vez menos as páginas dos jornais, e as polêmicas
famoso dos modernistas mineiros, podemos dizer que leite criôlo é apenas uma coleção
“Mas como dói!” Parte da dor pode ser atribuída à mera visão de exemplos
devido ao seu fenótipo e à sua descendência. Poderíamos, no entanto, nos alegrar pelo
212
25-29) da Segunda consideração intempestiva, estaríamos assim praticando a história
No entanto, leite criôlo dói. Talvez exatamente por se associar com algo que não
um ponto de referência muito forte para a intelectualidade brasileira, o que talvez seja
universal e o local, entre a cultura erudita e a cultura popular e entre as “raças” que se
resolveram tais questões de maneira definitiva e que podemos simplesmente acatar suas
conclusões. Mas – como no caso do racismo brasileiro que “não existe” e está por toda
título é uma pergunta: “Mário de Andrade ainda vive?”. Nesse texto, a autora afirma
que a discussão sobre cotas raciais sabota o ideal modernista de um Brasil híbrido e
levanta o perigo da divisão da nação em brancos e negros. “Que não se acuse Mário de
Macunaíma no qual Mário de Andrade afirma que seu “herói”, assim como a entidade
nacional brasileira, não possui caráter, especificando que entende caráter “não apenas
[como] uma realidade moral” (apud BATISTA, 1972, p. 293). Como em tantas outras
213
análises, a discussão sobre o incaracterístico do “herói sem nenhum caráter” e, por
do Brasil de Paulo Prado. Visto dessa forma, como argumentamos no quarto capítulo, o
conservadora. Leitura que ecoa na atual utilização pejorativa, por parte da blogosfera
presidência da república.
Esperamos que o leitor tenha observado que no presente trabalho não se pretende
acusar nem Mário de Andrade, nem ninguém, de racista. Nem mesmo as mais odiosas
trabalhamos – e, honra seja feita, nenhuma delas saiu da pena do autor de Macunaíma –
foram pensadas aqui em termos de acusação. Pelo contrário, foram sempre remetidas a
intelectuais que tomamos por objeto seria como acusar os gregos da Antiguidade de
pedofilia, um enorme anacronismo. O que também não significa transigir hoje com
qualquer dessas práticas, corretamente qualificadas como crimes, pelo fato de, em
outros contextos, terem sido comuns e aceitas. Como afirma Michel de Certeau (2002,
214
fontes primárias relevantes, possuíssem certa complexidade e certa profundidade, que
do modernismo não significa também uma separação radical entre o presente trabalho e
o já tradicional campo dos estudos sobre tal movimento. Como lembra Foucault (1999,
ciclópicos”. Devemos lembrar que existem inúmeros trabalhos, vários deles aqui
citados, que lêem criticamente a trajetória da geração modernista, ainda que a leitura
pessoa do plural precisamente como signo do fato de que o discurso histórico, para além
um “sujeito plural”. Somos tributários, assim, não apenas do diálogo com um amplo
algumas das nossas afirmações, ainda que ao custo de tornar o presente texto talvez
cinza.
Mário de Andrade morreu no dia 25/2/1945, deixando uma obra que inspirou, inspira e
ainda inspirará por muito tempo. Mas a quem vive hoje diz respeito verdadeiramente o
entendê-lo na sua complexidade exige trabalho e reflexão. Afirmamos acima que leite
criôlo dói: constitui assim um sintoma, que tentamos analisar sobre diversos aspectos
215
nos capítulos anteriores. Um possível diagnóstico se encontra além do escopo das
nossas possibilidades. Dessa forma, cabe encerrar, não totalizando nossa maneira, mas
216
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