Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
[2]
CARTA UM
d) com as palavras;
“Não”, respondo: “eu voo”, acreditem, “com a realidade”. Às vezes voo também
com a imaginação. Mas isso eu não conto: temo que confundam com
assombração.
UM AVISO:
OUTRO AVISO:
[3]
AVISO FINAL:
[4]
SEGUNDA TENTATIVA DE DESCRIÇÃO DO PANDARECO
Podemos descrever o Pandareco com um desenho. Desta vez será mais fácil:
“Nós sabemos desenhar”, dizemos. “Nós sabemos desenhar”, repetimos com
alguma convicção. Mas claro que não será um desenho qualquer. Precisamos
seguir algumas regras. Não, não teremos problemas. São apenas duas regras.
PRIMEIRA REGRA:
Temos liberdade para escolher todas as cores de que gostamos. Mas se nós
optarmos, por exemplo, pela cor azul, não poderemos simplesmente pegar, no
nosso estojo, um lápis azul. Primeiro será necessário esperar um belo dia de
sol. Depois, esticando bem o braço, molharemos pacientemente o dedo — tem
gente que prefere usar um pincel — direto no azul do céu.
OBSERVAÇÃO UM:
OBSERVAÇÃO DOIS:
Dizem que a cor mais difícil de alcançar é aquela com que se colore o invisível.
[5]
SEGUNDA REGRA:
OBSERVAÇÃO UM:
OBSERVAÇÃO DOIS:
Dizem que a linha mais difícil de desenhar é aquela com que se continua o
infinito.
[6]
DIRCURSO POR OCASIÃO DE UMA IMPORTANTE PREMIAÇÃO
Quando o Pandareco for receber um prêmio realmente importante, ele não irá
dizer apenas obrigado, Fulano, obrigado, Sicrano, nem irá somente chorar
(quer dizer: chorar muito, muito mesmo, ele não vai, apesar da emoção).
Sabemos que podem ocorrer diversos imprevistos — como, por exemplo,
gaguejar. Mas o discurso já está decorado. Pandareco dirá: “Agradeço, em
primeiro lugar, ao motorista do ônibus, senhor Dirceu Flores, grande amigo,
porque sem ele eu não estaria aqui onde estou agora. Em seguida, agradeço à
moça da lanchonete, senhorita Paulinha, sim, senhorita Paulinha, pois sem ela,
sabe, sem ela” — é, este é o discurso. O tempo que restar, bom, será dedicado
aos rios, não, aos mares de lágrimas.
[7]
COM UMA NOVA AMIGA (NA PRAIA)
Não precisamos nos esforçar para notar, nesta foto, o sol, bem aberto, brilhar
menos que o olhar do Pandareco. Não dá para identificar a praia. Mas, com
certeza, era o dia em que o Pandareco, sentado na areia, jurou ter visto uma
tartaruga piscar para ele lá do mar. Enquanto esperava a sua nova amiga
voltar, pediu — visivelmente contente — um picolé de doce de leite. Depois se
levantou para nadar. Quando escureceu, Pandareco já tinha se esquecido de
esperar. Dizem que as tartarugas são bastante tímidas. Mesmo assim,
Pandareco sabe que até hoje a sua amiga sorri sempre que ele se aproxima da
água.
[8]
CARTA DOIS
PRIMEIRA VERSÃO:
SEGUNDA VERSÃO:
[9]
ESBOÇO PARA UMA OBRA-PRIMA
[10]
DEPOIMENTO DOS PAIS DA NAMORADA DO PANDARECO
Pandareco namora a Pipoquinha, nossa filha. Em vez de dizer: “Eu tenho uma
linda namorada” — ele diz: “Eu tenho uma maluquinha amada”. Sim, eles se
entendem. Nossa filha sabe que, na maior parte das vezes, as palavras do
Pandareco têm tanto sentido quanto a imensidão das flores, quanto o perfume
dos mares.
[11]
COM UM NOVO AMIGO (NA PRAÇA)
Nesta foto, bem, vemos Pandareco numa praça, debaixo de uma árvore,
abraçando um novo amigo. Não é um cão, não é um gato. Não é nem mesmo
um pássaro. É um menino — um menino embrulhado em pedaços de papelão.
Pandareco (antes de abraçar o novo amigo) disse: “Eu sonhei com alguém que
não podia sonhar”. O menino respondeu: “Engraçado, eu sempre sonho que
ainda irei sonhar”. Chovia. Neste dia, chovia. Pandareco de repente percebeu
que o amigo não tinha cama nem colchão, que o amigo dormia toda noite
naquela calçada — coberto apenas por um pouco de papelão. Pandareco não
conseguia encontrar o que dizer. Mas podia, podia abraçar. O menino
entendeu que agora tinha um amigo. Entendeu também que aquele dia
continuaria dentro de cada dia.
[12]
TERCEIRA TENTATIVA DE DESCRIÇÃO DO PANDARECO
d) um apito de trem;
g) um miado grave, de gato exaltado, mas ainda na janela, olhando para o alto,
atento ao voo de uma libélula;
[13]
h) uma voz de menino, resmungando o seguinte: “Para que ganhar uma
bicicleta, se a gente nunca pode andar?”.
[14]
DEPOIMENTO DA PIPOCA SOBRE O PANDARECO
O Pandareco às vezes para — mas não para quieto. Sempre o vejo agitado,
agitado mesmo: tanto que inventa, a cada minuto, personagens que inventam
um mundo num minuto. Claro que eu também sou muito, muito, muito, muito
ocupada. Junto com o Pandareco, eu cuido do Balneário (meu lindo, lindo
cãozinho) e da Enseada (minha linda, linda gatinha). Depois — com algum
custo — ponho em ordem os personagens que inventam um mundo num
minuto. Meus pais não entendem como eu não fico cansada. Mas eu também
não entendo como eles conseguem viver num único mundo, apesar de
trabalharem todo dia, durante muitos, muitos, muitos minutos.
[15]
ELOGIO À CRIATIVIDADE
Seria bastante chato nascer com toda a criatividade que se pode ter, que se
pode encontrar, quer dizer, que se pode criar em qualquer lugar. Da mesma
forma, seria bastante chato não poder aprender, nem confundir, nem esquecer,
porque já se sabe tudo o que há para saber. Mas nada disso acontece — nada
disso, portanto, nos aborrece. Construímos a criatividade com prazer, não só
com esforço. A criatividade é uma casa que carregamos no bolso (uma casa
com asas). Aqueles que acreditam conhecer tudo não entendem uma questão:
o mundo todo muda para todo mundo com a velocidade do cão que vem comer
na nossa mão.
[16]
DIÁRIO DE VIAGEM
DIA 1
Ninguém pode dizer que eu não pedi. Que eu não tentei, que eu não insisti.
Podem dizer que eu não implorei, porque eu não imploro. Nem quando choro:
às vezes, choro — mas não imploro, não imploro mesmo. “Ouviu, Pandareco?”,
eu perguntei. “Ouviu, Pandareco?”, eu repeti. Depois, é. Depois desisti. Bom,
isso — “Depois desisti” — quer dizer: “Então saí na mesma hora com o
Pandareco debaixo do braço”. Levamos poucas malas.
DIA 2
DIA 3
Gostei de sentir o sol lambendo o meu rosto. Não abri os olhos nem para
procurar o Pandareco. Eu estava no alto de uma pedra. Respirava sem medo,
sem pressa. Fingindo que não me preocupava com o paradeiro do Pandareco.
Quando decidi verificar, percebi que estava sozinha. O Pandareco brincava na
areia. Era uma praia pouco movimentada, uma praia que se esticava, por toda
a manhã, para o Pandareco brincar.
[17]
DIA 4
DIA 5
Ainda não consegui achar o Pandareco. Cansei de andar pela praia, de buscar
por todo o hotel. Amanhã voltaremos para casa. Ninguém pode dizer que eu
não avisei: desta vez — apenas desta vez — eu implorei. Mas o Pandareco
não queria nem lembrar. Podíamos pelo menos ter trazido mais malas. Podem
dizer que errei: eu sabia que o Pandareco não consegue parar de viajar.
[18]
UMA PERGUNTA
Por que o pássaro, quando passa, deixa um rastro demorado, da cor do seu
canto?
[19]
UMA RESPOSTA
No céu,
o
canto ecoa
— como
a manhã —
gota
a
gota.
[20]
DIÁRIO DE MIRAGEM
DIA 1
DIA 2
Pipoca diz que quer sair daqui. Mas, ao mesmo tempo, diz que quer ficar, que
quer curtir, que quer passear, que quer sumir. Entendo quando não entendo
(entendo porque não entendo): ela guarda, nos seus olhinhos, um pouco do
medo do perigo. “Calma, Pipoca”, comecei a falar. “Não tem nenhum risco”,
completei lembrando — sem saudades — do imenso pirulito bem no meu
caminho. Tive vontade de dizer: “Quero sair daqui”. Depois de tropeçar,
também tive vontade de fugir, de correr, de evaporar, de desaparecer, porque a
Pipoca, apontando para mim, não parava de rir.
DIA 3
Acreditamos que podíamos voar sobre o mar: bastava abrir os olhos, abrir bem
os olhos; bastava, além disso, abrir os braços — com aquela vontade de
abraçar uma nuvem — já quase saltando na direção da água. Se a gente
caísse (pois existia a possibilidade de cair), seria apenas uma forma divertida
de mergulhar. Não precisávamos mais do que acreditar. Sabíamos que não
precisávamos, mas escolhemos testar. Não, a água não estava gelada.
[21]
DIA 4
DIA 5
Pipoca não quer mais sair daqui. Nem eu quero fugir — não voltei a tropeçar,
depois do primeiro dia, em nenhum pirulito. Alguém vai perguntar: será que a
miragem tem que acabar? Não sei bem de quem, mas uma voz responderá: a
miragem recomeça a cada instante, sem tempo para terminar. Quando ouvir
isso, a Pipoca ficará preocupada. Mas não há razão para se preocupar com a
sua preocupação. Nessas situações, os seus olhinhos se enchem de um
espanto que, além de brilhar, estoura quando a gente assopra.
[22]
OUTRA PERGUNTA
[23]
OUTRA RESPOSTA
não
aceita nomes
(apenas espera
o
nosso abraço).
[24]
DEPOIMENTO DOS AMIGOS DO PANDARECO
[25]
TEORIA DO COPO SOBRE A MESA
[26]
QUARTA TENTATIVA DE DESCRIÇÃO DO PANDARECO
[27]
COVITE PARA O ANIVERSÁRIO DO BALNEÁRIO
Pandareco, espero você no dia do meu aniversário. Desculpe, ainda não sei o
que teremos para comer. Ontem, enquanto eu perseguia algo engraçado (a
Enseada diria, um pouco irritada, que era o meu próprio rabo), ouvi a Pipoca
falar com a Pirulita, nossa vizinha, que faria uma “festa surpresa” para mim —
ela falou bem baixinho, mas deu, sim, para ouvir. Também não sei qual será a
hora. Amanhã, no entanto, pretendo preparar outro convite. Até lá, sempre que
passar por uma padaria, pense, com imenso carinho, no meu presente.
[28]
PRIMEIRA MENSAGEM PARA O MEU PADEIRO PREFERIDO
Senhor Padeiro, eu prometi que desta vez seguiria um único assunto; por isso,
direi apenas que admiro a sua arte: uma arte feita para a gente pegar, partir,
comer, saborear. Às vezes, começo uma ideia, depois curvo para um lado,
curvo para o outro, até que, respeitando o limite de velocidade do pensamento,
acelero por um caminho ainda não explorado. Apesar do que os meus amigos
dizem, eu faço isso porque quero. Gosto de andar, quer dizer, de pensar, por
outros caminhos. Gosto, além disso, de andar, quer dizer, de pensar,
inventado, com prazer, outra forma de pensar, quer dizer, de andar. Não,
senhor Padeiro, eu não desejo te confundir, não, eu desejo te elogiar. Não, eu
desejo elogiar a sua arte, é, eu desejo pegar, partir, comer, saborear a sua
arte. Não, senhor Padeiro, eu não falei atrapalhar, não, eu falei saborear.
[29]
BILHETE DA ENSEADA PARA O PANDARECO
[30]
POEMA PARA UM GRANDE CARTAZ
[31]
SEGUNDA MENSAGEM PARA O MEU PADEIRO PREFERIDO
Senhor Padeiro, eu admiro a sua arte. Não direi que é uma arte feita para a
gente pegar, partir, comer, saborear, porque alguém pode falar, quer dizer,
pode reclamar, quer dizer, pode gritar — gritar desvairadamente — como se eu
quisesse te atrapalhar. Depois de não dizer o que eu de fato prometi deixar de
contar, eu não irei te elogiar, não, eu não irei elogiar a sua arte. Às vezes,
acelero a velocidade do pensamento, respeitando, no entanto, o limite das
ideias que não tem limite nenhum. Gosto de te confundir, quer dizer, de te
elogiar, por outros caminhos. Gosto, além disso, de te elogiar, quer dizer, de te
confundir, como num redemoinho. Apesar do que os meus amigos dizem, eu
não faço isso porque quero, não, eu faço apenas porque não tem retorno. Não,
senhor Padeiro, eu não falei socorro, não, eu falei retorno.
[32]
PANDARECO POR PANDARECO
Eu gostaria de ter uma banda. Além de uma banda, eu gostaria também de ter
uma orquestra. Depois uma escola de música. Para resumir, eu gostaria que
nada fosse resumido. No entanto, ninguém — nem mesmo uma multidão de
ninguéns — tem tempo para tocar tudo o que há no mundo. Por isso, invento
alguns personagens: cada um tem, para começar, três bandas. São, portanto,
muitos personagens. Mas não digo que haja algum preferido. Nem o que toca
bula de xarope para gripe, nem o que toca, após anos de exercício, um
segundo de silêncio. Nem aquele que inventa personagens que inventam
personagens que possuem, cada um, três bandas, apenas para começar.
[33]
CARTA TRÊS
[34]
POEMA PARA UM PEQUENO GRAFITE
Ponta de nariz:
Pipoca ri feliz.
[35]
ELOGIO AO PENSAMENTO
[36]
CARTA QUATRO
[37]
PARA ESCREVER NA AGENDA DO VENTO
Enquanto houver vida, a luz continuará a dançar, todos os dias, pelos seus
cabelos, abraçando a brisa.
[38]
ELOGIO À IMAGINAÇÃO
Poucas pessoas sabem que a imaginação tem muitas mãos. Que a imaginação
está no céu (empoleirada no ombro de uma nuvem tão contente quanto uma
criança que descobre que vai ter um irmão), assim como está no chão
(passeando entre os tênis que se esquecem de passar com pressa). Dessa
forma, a imaginação descansa sem parar de inventar, pois tem mãos para
escrever, para desenhar, para colorir, para modelar. Tem mãos para fabricar
outras mãos: mãos que tocam, que cantam. Mãos que não podemos prender
por muito tempo, porque são importantes como a respiração: sempre em
movimento, chegam — num segundo — a ser parte do vento.
[39]
PARA ESCREVER NA AGENDA DA CHUVA
[40]
ELOGIO À DISTRAÇÃO
Quem tenta estar sempre alerta perde o sabor da gota de sorvete que escorre
pelo canto da boca — uma gota que alcançamos com a língua
sossegadamente esticada, pois gostamos de lambuzar a cara. Mesmo
correndo o risco de ver alguém bater uma foto bem engraçada. Tem gente que
não come, não dorme, não brinca, não cai. Tem gente que não levanta. Por
que viver, por que viver sempre com aquele nervosismo, é, de final de
campeonato: quando se teme tanto perder? Quem tem medo de parar, parar
por nada, apenas parar, no banco do carro, na banca da praça — quem tem
medo de parar não sabe sentir, nem andar, nem sorrir, nem mergulhar: porque
precisa sempre correr. Correr contra o tempo. Correr contra a distração. Quem
tenta estar sempre alerta perde o sabor da gota de sorvete que escorre pelo
canto da boca — uma gota que alcançamos com a língua sossegadamente
esticada, pois gostamos de lambuzar a cara. Desejando que alguém bata uma
foto bem engraçada.
[41]
BATE-PAPO COM O PANDARECO
MEIO MUNDO:
PANDARECO:
MEIO MUNDO:
Desde quando?
PANDARECO:
MEIO MUNDO:
PANDARECO:
[42]
MEIO MUNDO:
PANDARECO:
MEIO MUNDO:
PANDARECO:
MEIO MUNDO:
PANDARECO:
[43]
MANUSCRITO ENCONTRADO NO BOLSO DO PANDARECO
Como todo caracol, Delícia é lento e carrega nas costas a própria casa.
Sempre assim: sem pressa. Delícia se apega a detalhes e sabe que o amor é
simples — gosta de dormir contando estrelas e de acordar desenhando
nuvens.
Não, Delícia não é de ficar vendo o tempo passar. Muito pelo contrário: seu
maior prazer é passar com o tempo. Demorando em cada canto. Pouco
preocupado com atalhos — mas com fome de lugares. E cheiros e vozes e
imagens.
Sempre que Delícia chega é uma festa. Ninguém precisa nem perceber — a
festa se espalha em silêncio. Fazendo cócegas na preguiça. Não há segredo:
festa é olhar com carinho. Sem se esconder. É cuidar de tudo o que se olha.
Calmamente.
Claro que Delícia tem muitos amigos. Além do sol e da terra, do mar e da lua.
Seus amigos: todos aqueles que aproveitam o sabor de sonhar. Mesmo sem
sono. Basta ter vento, bastante vento — dentro dos olhos. Para movimentar os
pensamentos.
[44]
2007