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FERNANDO PESSOA ORTÔNIMO

Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa no dia 13 de junho de 1888 e faleceu na mesma cidade
em 30 de novembro de 1935, aos 47 anos, em virtude de uma cirrose hepática. Considerado um dos maiores
poetas da língua portuguesa e universal, teve uma infância tumultuada. Perdendo o pai aos cinco anos de idade,
cresceu na África do Sul, para onde foi aos sete anos em virtude do casamento de sua mãe. Vivendo no país da
infância até o início da vida adulta ⎯ inclusive ingressou na Universidade de Cabo ⎯, Pessoa aprendeu a língua
inglesa lá e trabalhou como tradutor durante boa parte da vida ⎯ inclusive traduziu obras Shakespeare e Edgar
Allan Poe. Das quatro obras que publicou em vida, três são na língua inglesa.

Antinous (1918)
Sonnets (1918)
English Poems (1921)
Mensagem (1934)

Fernando Pessoa está sepultado em Lisboa, no interior do Mosteiro dos Jerónimos e em seu túmulo estão
escritas citações de seus três maiores heterônimos:

Ricardo Reis: “Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no
mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive.” (14/02/1933)

Alberto Caeiro: “Não basta abrir a janela para ver os campos e o rio. Não é bastante não ser cego para ver as
árvores e flores.” (20/04/1919)

Álvaro de Campos: “Não: Não quero nada. Já disse que não quero nada. Não me venham com conclusões! A
única conclusão é morrer.” (1923)
CANCIONEIRO

Cancioneiro é uma palavra usada para chamar designar qualquer livro que contenha uma coletânea de canções e
o registro sonoro das mesmas, além de também nomear o conjunto de canções líricas medievais, portuguesas e
espanholas. Neste caso, nomeia a coletânea de poemas de Fernando Pessoa ortônimo que exploram diversos
temas como solidão, saudade, infância, vida, arte, tédio e ceticismo, além de, muitos deles, contemplarem a
musicalidade ⎯ rimas, repetição de fonemas, ritmo.
.
Em carta a João Gaspar Simões, em 28 de julho de 1932, Pessoa escreve:

“Primitivamente, era minha intenção começar as mi-nhas publicações por três livros, na ordem seguinte:
(1)Portugal, que é um livro pequeno de poemas (tem 41 ao todo), de que o Mar Português (Contemporâ-neo 4)
é a segunda parte; (2) Livro do Desassossego (Bernardo Soares, mas subsidiariamente, pois que o B. S. não é
um heterónimo, mas uma personalidade lite-rária); (3) Poemas Completos de Alberto Caeiro (com o prefácio de
Ricardo Reis, e, em posfácio, as Notas para a Recordação do Álvaro de Campos). Mais tarde, no outro ano,
seguiria, só ou com qualquer livro, Cancio-neiro (ou outro título igualmente inexpressivo), onde reuniria (em
Livros I a III ou I a V) vários dos muitos poemas soltos que tenho, e que são por natureza inclas-sificáveis salvo
de essa maneira inexpressiva.”

Sobre sua intenção de publicar “Cancioneiro” com poemas soltos, em outro trecho da carta ele ainda fala sobre
a montagem do mesmo: “basta escolher e colocar”.
ARTIGO
1. Introdução
Lucelene Ferreira introduz Fernando Pessoa ortônimo como um “poeta desconfiado”, dotado de um vício de
pensar que impulsionou sua inquietude e poesia. Citando Cleonice Berardinelli, Pereira afirma que Pessoa
ortônimo é autor de uma poesia analítica e intelectualizada, graças a sua “angústia metafísica”, características
que provocam no leitor, de acordo com Moisés, não apenas a experiência das sensações, mas o movimento de
pensar, analisar, raciocinar.
2. O poeta de Cancioneiro
Analisando “Cancioneiro”, a autora aponta a maioria dos poemas em primeira pessoa como evidência da
existência de um único eu lírico a povoar os textos, em uma constante busca por sentido. Assim, ela passa a
provocar o leitor ao citar um trecho das palavras do próprio autor, mostrando a complexidade dos heterônimos e
como essa questão é profunda até mesmo para Fernando pessoa. Tanto que logo à frente, Ferreira cita outro
trecho, em que Fernando Pessoa elenca seus heterônimos mais conhecidos e dá a entender que Fernando Pessoa
ortônimo é um deles.
Se nos voltarmos à “Carta a Adolfo Casais Monteiro”, que lemos durante as aulas anteriores, também veremos
que o autor trata Fernando Pessoa ortônimo na terceira pessoa.
Para a autora, é possível que o ortônimo seja outro heterônimo, afinal, segundo João Paulo Cavalcanti Filho em
seu livro “Fernando Pessoa: uma quase biografia”, o escritor teve mais de 100 heterônimos, 127 para sermos
exatos.
Entretanto, o que nos importa, e Lucelena Ferreira assevera isso, é a expressão poética representada através dos
poemas de Cancioneiro.
O que nos leva ao conceito de “fingimento”, apresentado pelo ortônimo e considerado importante na pesquisa
da autora.
Para Fernando Pessoa, o fingimento não tem a noção de falsidade. Na arte, o fingimento seria a transformação
do sentimentos em produto artístico. Abandona-se a ideia de inspiração, e adota-se a ideia de que o sentimento
deve ser elevado, transformado, trabalho, intelectualizado para se tornar arte.
Pessoa então volta para si e para o mundo um olhar que intelectualiza e tenta conhecer o mundo, tanto material
quanto imaterial, e a si mesmo. E é o que podemos encontrar em “Cancioneiro”.
3. O vício de pensar
Para Lucelena Ferreira, Fernando Pessoa ortônimo vincula-se ao vício de pensar e para prova-lo, cita o
ortônimo:
“Estou preso ao meu pensamento/ Como o vento preso ao ar”
Ou seja, assim como o vento e o ar, é impossível separar Fernando Pessoa ortônimo e seus pensamentos  sua
visão “intelectualizante” das coisas.
Todo esse vício de pensar, essa incapacidade de apenas sentir por sentir, viver por viver, parecem ser
corrosivos: impedem a verdadeira felicidade advinda da ignorância das coisas, causam angústia e até
aprisionam o ortônimo  “Cansa sentir quando se pensa”.
O ortônimo de Cancioneiro vive a dualidade entre o pensar (razão) e o mistério do Desconhecido. No poema
“Natal”, podemos encontrar esse impasse:

“Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.


Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo Deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto.”

Impossibilitado de desvendar o “além” e entre sua racionalização extrema, o eu lírico intelectualiza a própria
Ciência, que encontra-se cega (contraste que podemos fazer com o poema “Guia-me a só razão”, onde o eu
lírico é capaz de enxergar) a trabalhar, cultivar (lavra) em uma terra (gleba) inútil; e intelectualiza a Fé (escrita
em letra maiúscula assim como a Ciência, dando destaque e importância) que, diante da racionalização do eu
lírico, também parece inútil, Louca, utilizando-se das palavras do poema. No fim, permanece a impossibilidade
de resolver esses mistérios: tudo é oculto, ou seja, não adianta procurarmos, pois nem a ciência e muito menos a
Fé serão capazes de nos dar as respostas que procuramos, serão capazes de dar as respostas que o eu lírico
procura.
Condenado à infelicidade, consequência de “sua condição pensante”, muitas vezes o eu lírico da poesia
ortônima sente na morte e no sono refúgios e fontes de alívio para uma existência sofrida. Porém, ao mesmo
tempo em que a morte é um escape, esta também causa angústia ao eu lírico, como vemos nos versos do poema
“Hora absurda”:

“Sermos, e não sermos mais!... Ó leões nascidos na jaula!...


Repique de sinos para além, no Outro Vale... Perto?...”
Podemos entender que enquanto a morte daria alívio a esse ser condenado ao pensamento, ela também causa
sofrimento porque não se sabe o que existe além, nem a ciência e nem a Fé conseguem explicar com efetividade
e, como vimos anteriormente, “tudo é oculto”. Assim, o conforto para o eu lírico parece nunca chegar.

ANÁLISE DE POEMAS
1. Tenho tanto sentimento
Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,


Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira


E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

Escrito em primeira pessoa, o poema reúne três estrofes de seis versos cada. Com versos (escanção, ritmo -
aliteração) etc.
Na primeira estrofe, temos a apresentação do eu lírico como alguém que sente em demasia, entretanto, assim
como Lucilena Ferreira aponta em seu artigo, logo volta-se ao seu “vício de pensar”, percebendo, após “medir-
se” que o sentimento exagerado que experienciava, eram pensamentos.
Já na segunda estrofe, encontramos a dualidade presente na obra de Fernando Pessoa ortônimo. Pode-se
interpretar que o eu lírico encontra-se em uma racionalização da vida e acaba por descobrir que ela divide-se
em dois polos distintos: uma vida que é vivida através dos sentimentos, como o eu lírico acreditou que o fazia
no início da primeira estrofe; e uma vida submetida aos pensamentos; uma vida verdadeira e uma errada.
Como numa profecia, o eu-lírico nos mostra que estamos condenados a experienciar essa dúvida, essa
fragmentação do nosso próprio eu  uma aproximação com o próprio autor que fragmenta-se em diversas
personalidades, mais de 100 , sem nunca saber de fato se estamos vivendo a vida para a qual estamos
destinados.
Sob a temática da dor de pensar, o poema finaliza nos mostrando que diante dessa dúvida só nos resta viver a
vida através dos pensamentos e racionalizar em excesso, sermos lúcidos em excesso e, como é possível ver em
outros poemas do ortônimo, sofrer por causa dessa consciência ativa que parece paralela à real experiência da
vida.

2. Guia-me a só razão
Guia-me a só razão.
Não me deram mais guia.
Alumia-me em vão?
Só ela me alumia.

Tivesse quem criou


O mundo desejado
Que eu fosse outro que sou,
Ter-me-ia outro criado.

Deu-me olhos para ver.


Olho, vejo, acredito.
Como ousarei dizer:
“Cego, fora eu bendito”?

Como olhar, a razão


Deus me deu, para ver
Para além da visão-
Olhar de conhecer.

Se ver é enganar-me,
Pensar um descaminho,
Não sei. Deus os quis dar-me
Por verdade e caminho.

O primeiro verso exprime o cerne da poesia de Fernando Pessoa ortônimo: “Guia-me a só razão”. Apenas e
somente a razão rege a visão de mundo do eu-lírico, sua luz (metáfora em “só ela me alumia”) o permite
enxergar o mundo, entretanto, utilizando-se de uma interrogação retórica, também questiona-se sobre a
legitimidade de ser racional: "alumia-me em vão?".
Curvando-se aos desígnios de um ser superior (“Quem”  letra maiúscula), como Ferreira afirma no texto, o
eu-lírico aceita sua sina de homem racional, pensador, e encontra-se nessa dualidade entre razão e
espiritualidade, entre o mundo racionalizado e o mundo imaterial. Etsa estrofe é interessante justamente por
mostrar esse paradoxo. Já que, julgando-se tão guiado pela razão, põe a culpa de sua existência em um outro ser
maior  Deus.
Focando-se muito no sentido da visão, o eu lírico mostra que é através dela que inicia-se a razão (“Olho, vejo,
acredito”), já que sem os olhos não haveria compreensão da realidade em sua total forma.
Na quarta estrofe, o eu lírico afirma novamente sua criação através de Deus e confirma a naturalidade de ser ele
mesmo. Deus deu-lhe os olhos para a visão e todos os outros sentidos e a razão, assim, deu-lhe por
consequência a capacidade de conhecer.
Se a razão e os sentidos que utiliza para “exercitar” a razão não são o certo, o eu lírico não culpa a si mesmo
por tal infortúnio: “Deus os quis dar-me”, ou seja, ele não tem outra opção a não ser fazer o que lhe foi
designado, já que não conhece outro caminho. Foi Deus que decidiu, o mesmo Deus que constrói o seu destino.
Esta é a sua realidade e ele não poderá fugir dela.

3. Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,


Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda


Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Esta composição poética é uma esplêndida síntese do que Pessoa pensava sobre a gênese e a natureza da poesia.
Podemos, pois, considerá-lo como uma verdadeira "arte poética".
O assunto do poema desenvolve-se em três partes lógicas, que correspondem a cada uma das estrofes.
Na primeira parte, o primeiro verso contém a ideia fundamental do poema, na frase de tipo axiomático "o poeta
é um fingidor", que, logo a seguir, é explicado, ou confirmado, por meio de uma particularização centrada na
dor.
Quer isto dizer que a poesia não está na dor experimentada, ou sentida realmente, mas no fingimento dela. Isto
é, a dor sentida, a dor real, para se elevar ao plano da arte, tem de ser fingida, imaginada, tem de ser expressa
em linguagem poética, o poeta tem que partir da dor real, a dor que deveras sente.
Não basta, para haver poesia, a expressão espontânea dessa dor real, tal como o faria, por exemplo, um doente
relatando a sua dor ao médico. Não há poesia, não há arte sem imaginação, sem que o real seja imaginado de
forma a exprimir-se artisticamente, de forma a surgir como um objetivo poético (artístico), de forma a
concretizar-se em arte.
Esta concretização da dor no poema opera na memória do poeta o retorno à sua dor inicial, parecendo-lhe a dor
imaginada mais autêntica do que a dor real. É a sobreposição do objeto artístico à realidade objetiva que lhe
serviu de base: “chega a fingir que é dor/a dor que deveras sente”. Isto conduz-nos à ideia de fruição artística,
da parte do poeta.
Na segunda parte do poema, o poeta alude à fruição artística da parte do leitor. Este não sente a dor real
(inicial), que o poeta sentiu, nem a dor imaginária (dor em imagens) que o poeta imaginou, ao ser artífice do
poema, nem a dor que eles (leitores) têm, mas só a que eles não têm. Isto é, o que o leitor sente é uma quarta
dor que se liberta do poema, que é interpretado à maneira de cada leitor.
Há na segunda estrofe referência a quatro dores: a dor sentida (real), a dor fingida pelo poeta, a dor real do
leitor e a dor lida (dor intelectualizada que provém da interpretação do leitor e que é objeto da sua fruição.
A terceira parte do poema, como a própria expressão "E assim" prenuncia, constitui uma espécie de conclusão:
o coração (símbolo da sensibilidade) é um comboio de corda sempre a girar nas calhas da roda (que o destino
fatalmente traçou) para entreter a razão. Há aqui uma referência à função lúdica da poesia, que começa na
fruição de que o próprio poeta goza, no ato da criação artística. São aqui marcados os dois pólos em que se
processa a criação do poema: o coração (as sensações donde o poema nasce) e a razão (a imaginação onde o
poema é inventado). Fecha-se neste fim do poema como que um círculo cuja linha limite marca uma pista sem
fim em que nunca se esgota a dinâmica do jogo sensação-imaginação.
Quanto aos aspectos morfossintáticos, desde logo a ligação por meio do síndeto (coordenativa "e") das três
estrofes do poema impondo não só a divisão do texto em três partes lógicas, mas também sugerindo uma
sequência lógica no desenvolvimento do assunto.
Os verbos, com exceção da forma teve (pretérito perfeito), encontram-se no presente, o que está de acordo com
a natureza teórica do poema, que é anunciada pelo título "Autopsicografia" (estudo que o poeta faz do
fenômeno psicológico que nele se passa, no ato de criação artística, portanto no presente).
A forma do perfeito "teve" explica-se porque é exigida para marcar a prioridade temporal em que o poeta
experimentou as suas dores em relação ao tempo (presente) em que o leitor experimenta a dor lida.
A expressão infinitiva "a entreter" apresenta-se com um nítido aspecto durativo, insinuando a repetição
continuada do processo criativo. Note-se a insistência do poeta no processo mais importante da criação poética:
o fingimento. Este processo é marcado pelas formas verbais "finge" e "fingir" e pelo substantivo "fingidor". O
verbo fingir (do latim "fingere " = fingir, pintar, desenhar, construir) aponta não apenas para disfarçar, mas
também para construir, modelar, envolvendo, assim, todo o processo criativo desenvolvido pelo poeta na
produção do poema: o poeta é um artífice.
É interessante a perífrase "os que lêem o que escreve" (para significar os leitores) por ser portadora de uma
expressividade especial: aponta para os dois intervenientes fundamentais do processo poético --o emissor
(poeta) e os receptores (leitores).
Além da reiteração (repetição), já apontada, do verbo fingir, há ainda a do verbo sentir, que não se deve desligar
da repetição do substantivo dor (três vezes), além de outras três vezes que se repete por intermédio de
pronomes, ou expressões ("que","as duas", "a que"). A insistência na dor e no sentir está de acordo com o facto
de o poeta ter tomado a dor como tema exemplificativo da criação poética e pelo facto de as sensações (o sentir)
serem o ponto de partida dessa criação.
Em relação à sensação do sujeito lírico e dos leitores, são expressivos os advérbios: "Finge tão
completamente";... Deveras senta"; "...sentem bem". Estes advérbios sugerem a veemência, o rigor com que a
sensação da dor se impõe, quer ao poeta quer aos leitores. Os advérbios estão pois a marcar a intenção do autor:
expor a sua teoria poética com rigor. O ato de fingir é tão importante que o poeta o superlativou não apenas pela
expressão adverbial "tão completamente", mas também por meio da subordinada consecutiva "que chega a
fingir". Notemos que a subordinação (hipotaxe) é muito mais importante do que a coordenação, o que está de
harmonia com um discurso teórico que tem por finalidade apresentar uma teoria da criação poética.
Repare-se na expressividade das duas metáforas, de valor altamente simbólico, que se encontram na última
estrofe: calhas de roda e comboio de corda. Esse comboio de corda (o coração), ultrapassando o significado
denotativo de brinquedo, aponta sobretudo para um sentido simbólico relacionado com a função lúdica da
poesia., e assim, gira nas calhas de roda. Também essas calhas de roda ultrapassam o significado de carris
(correspondente ao sentido de comboio de corda) para apontarem simbolicamente para um rumo necessário,
marcado pelo destino, qualquer coisa que sucede por fatalidade, na vida (na roda da vida).
O poeta, é pois, um ser predestinado a brincar intelectualmente com as sensações, elevando-as ao nível da arte
poética, transformando-as num objetivo, artístico, que é o poema, também objeto de fruição lúdica para os
leitores.
No que toca à forma do poema, aos seus aspectos fônicos, parecer-nos-á estranho que Pessoa tenha escolhido o
verso de redondilha (verso curto de sete sílabas), de feição rítmica popular, distribuídos em quadras, para expor
uma teoria intelectualizada e de alto nível mental. Trata-se de um entre tantos paradoxos de que o proceder de
Pessoa é fértil. Note-se que os casos frequentes de transporte, verificados em grande parte dos versos vem
reduzir as dificuldades que o metro curto poderia oferecer ao desbobinar do raciocínio do poeta.
A rima é sempre cruzada, apresentando uma certa irregularidade nos versos 1º e 3º da última estrofe. Notar os
dois pares rimáticos fingidor/dor e razão/coração, em que se poderá ver uma certa intenção expressiva, se
relacionarmos razão com fingidor e o coração com dor: ficariam assim em lugar de destaque, bem marcados os
dois pólos de criação poética – as sensações e o fingimento.
O título do poema pode levar-nos à conclusão de que o poeta quer explicar o processo psíquico que nele se
passa, ao elaborar um texto poético. Como se explica, então que o poeta nunca empregue o pronome "eu", nem
qualquer verbo na primeira pessoa, e que parte precisamente de uma afirmação axiomática, "O poeta é um
fingidor", de aplicação universal, aplicável a todos os poetas? "Este poema está construído na 3ª pessoa como a
lei de Newton, ou qualquer outro enunciado científico" – afirma A. J. Saraiva – "para significar que é a
inteligência, como um ser autônomo, que explica o processo de criação poética".
Por meio do título, o autor quis significar que a teoria da criação poética, exposta no poema, de valor universal
porque aplicável a todo o verdadeiro poeta, foi elaborada por via da auto-introspecção, por meio da qual
Fernando Pessoa verificou o processo em si próprio. O título aponta para o palco de experimentação e
verificação de uma teoria poética que o autor julgou de valor universal.
4. Para onde vai a minha vida
Para onde vai a minha vida, e quem a leva?
Por que faço eu sempre o que não queria?
Que destino contínuo se passa em mim na treva?
Que parte de mim, que eu desconheço, é que me guia?

O meu destino tem um sentido e tem um jeito,


A minha vida segue uma rota e uma escala
Mas o consciente de mim é o esboço imperfeito
Daquilo que faço e sou: não me iguala

Não me compreendo nem no que, compreeendendo, faço.


Não atinjo o fim ao que faço pensando num fim.
É diferente do que é o prazer ou a dor que abraço.
Passo, mas comigo não passa um eu que há em mim.

Quem sou, senhor, na tua treva e no teu fumo?


Além da minha alma, que outra alma há na minha?
Por que me destes o sentimento de um rumo,
Se o rumo que busco não busco, se em mim nada caminha

Senão com um uso não meu dos meus passos, senão


Com um destino escondido de mim nos meus atos?
Para que sou consciente se a consciência é uma ilusão?
Que sou entre quê e os fatos?

Fechai-me os olhos, toldai-me a vista da alma!


Ó ilusões! Se eu nada sei de mim e da vida,
Ao menos eu goze esse nada, sem fé, mas com calma,
Ao menos durma viver, como uma praia esquecida…"

Podemos perceber claramente no poema, sem uma leitura prévia, a quantidade de pontos de interrogação(9),
que nos remete ao vício de pensar do ortônimo, havendo muitos questionamentos.
Na primeira estrofe, é possível perceber a travada busca pelo desconhecido presente na obra, o eu-lírico
questiona quais os rumos da sua vida, quem o guia, por que suas ações não correspondem com suas vontades.
Podemos perceber uma das características que Ferreira aborda no artigo, há a fuga de uma auto-definição, de
um auto-conhecimento.
Na segunda estrofe, pode-se perceber uma insatisfação com a consciência, assim como é abordado no artigo,
em que o eu-lírico compara o seu consciente com um esboço imperfeito, sendo possível interpretar que seu
consciente não tem uma grande relevância em sua personalidade e ações e uma elevação da inconsciência.
Na quarta estrofe, é claro um apelo que o eu-lírico faz a um ser superior, ele questiona novamente “quem é ele”,
mostrando uma busca incessante pelo desconhecido e uma preocupação metafísica (que outra alma há em
mim?), aspectos abordados explicitamente no artigo. Outra percepção possível é o questionamento do porquê o
eu-lírico receber o sentimento de um rumo, a necessidade de saber um caminho, se o destino é escondido dele,
este trecho demonstra claramente a emotividade do eu-lírico atrelada a sua inteligência analítica e racional.
Nos dois últimos versos da quinta estrofe, é demonstrado um desejo do eu-lírico, assim como aborda Ferreira,
pela inconsciência, há um movimento de desvalorização da consciência, sendo comparada a uma ilusão, e um
enaltecimento da inconsciência.
Por último, na última estrofe, fica claro um apelo do eu-lírico a um ser superior, um pedido de paz, de desejo de
não pensar. O eu-lírico pede para ser igual uma praia esquecida, calma e serena. O sentimento de angústia e
cansaço fica evidente.
De modo geral, é possível perceber neste poema diversos aspectos apresentados por Lucelena Ferreira no
artigo. O eu-lírico apresenta uma angústia metafísica, um vício de pensar e refletir sobre a vida, não permitindo-
lhe apenas viver sua vida em paz. Há uma análise intelectual de suas emoções, causando-lhe angústia, cansaço,
insatisfação e uma condenação à felicidade. Todo esse desconhecimento de si mesmo não permite a felicidade
do eu-lírico, fazendo com que ele peça que “ao menos durma viver” como uma forma de alívio para tantos
questionamentos. Então há neste poema, como muito elucidado pela autora, uma atrelamento entre uma
emotividade excessiva e uma inteligência demasiadamente enamorada pela análise e pelo raciocínio”.

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