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O MUSEU DAS BANDEIRAS E AS NOVAS APROPRIAÇÕES SOCIAIS

DO PATRIMÔNIO CULTURAL: memórias ocultas e empoderamento


de narrativas

CASTRO, Stélia Braga. (1); BISPO, Alba Nélida de Mendonça. (2)

1. IBRAM. Museu das Bandeiras


Praca Brasil Caiado - Centro, Goiás - GO, 76600-000
steliageo@gmail.com

2. UFSJ. DAUAP
Universidade Federal de São João del-Rei, Campus Tancredo de Almeida Neves - CTAN à Avenida
Visconde do Rio Preto, s/nº (Rodovia BR 494, km02), Colônia do Bengo, São João del-Rei, MG, CEP:
36.301-360, Prédio REUNI, Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Artes Aplicadas, Sala 3.03RE.
bispo.alba@gmail.com

RESUMO
A proposta deste artigo é analisar, frente ao paradigma da sociomuseologia, quais as possibilidades
de diálogos e apropriações sociais do Museu das Bandeiras em Goiás - GO, enquadrado numa
tipologia de museu histórico tradicional, considerando que suas coleções e expografia reforçam a
sobreposição de memórias de grupos sociais historicamente menos privilegiados. Quanto à
bibliografia de referência, partimos de pesquisas sobre as novas possibilidades de interpretação do
patrimônio cultural a partir das relações de apropriação social, ventiladas por autores de diferentes
campos de conhecimento: a relação da comunidade com o museu abordada por Mário Chagas na
museologia; o apagamento de memórias por instituições museais enquanto performances culturais
discutido por Girlene Bulhões; a perspectiva do geógrafo Claude Raffestin em relação à sobreposição
de memórias, discursos e interesses a partir de relações de poder que se manifestam espacialmente;
a consagração de bens culturais representativos da elite em detrimento da memória de grupos sociais
historicamente excluídos, particularmente em função da retórica da perda e da perpetuação de
determinados discursos do patrimônio cultural no Brasil conforme análise de Reginaldo Gonçalves;
os dilemas derivados da fragmentação dos museus em especialidades discutidos por Ulpiano
Meneses, especificamente diante do enquadramento do Museu das Bandeiras como um “museu
histórico”. Apresentar-se-á um breve histórico da instituição, no que diz respeito às formas de
interpretação e apresentação do patrimônio cultural (edifício e acervo), bem como um levantamento
teórico acerca de alguns conceitos como: memória, patrimônio cultural, sociomuseologia e
empoderamento de narrativas. A partir da análise de documentos institucionais e um levantamento
historiográfico, metodologicamente, busca-se compreender as fases do museu e levantar dados que
subsidiem a reflexão acerca das novas apropriações sociais do patrimônio cultural.

Palavras-chave: Patrimônio; Museu; Memória; Narrativas.


O MUSEU DAS BANDEIRAS E AS NOVAS APROPRIAÇÕES SOCIAIS
DO PATRIMÔNIO CULTURAL: memórias ocultas e empoderamento
de narrativas

1. Panorama Histórico do Museu das Bandeiras

Em 1726 Bartolomeu Bueno Filho, o Anhanguera, funda o Arraial de Sant’Anna, decorrente


de uma expedição, iniciada em 1722, à busca de ouro na região centro-oeste. Em 1748 cria-
se a Capitania de Goiás, e o Arraial, que já era a então Vila Boa de Goiás, torna-se a capital
da capitânia e, posteriormente, do Estado de Goiás até a promulgação do Decreto 1816 de
23 de março de 1937 que transfere a capital. Importante ressaltar que o discurso visando a
transferência da capital goiana era perpetrado pelo discurso do modernismo estimulado na
chamada Era Vargas (1930-1945). A base era um sistema republicano capitalista, espelhado
nas relações comerciais e ideológicas da sociedade da Europa Ocidental. Com a
transferência da capital e a ideologia perpetrada vem à tona a ideia de que a Vila Boa de
Goiás seria exemplo do que é ultrapassado e desnecessário.

Às margens do Rio Vermelho, desde sua ocupação, o crescimento da cidade se desenvolve.


Alguns traçados são planejados e diversos edifícios são construídos até a segunda metade
do século XVIII. Dentre os edifícios construídos, destacam-se aqueles tombados pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) na década de 1950: as igrejas
de Nossa Senhora da Boa Morte, de São Francisco de Paula, de Nossa Senhora do Carmo,
de Nossa Senhora da Abadia e de Santa Bárbara, a Casa de Câmara e Cadeia (atual
Museu das Bandeiras), o Chafariz de Cauda da Boa Morte, a Casa de Fundição e o Palácio
Conde dos Arcos, todos inscritos no Livro de Tombo das Belas-Artes. Além destes, há ainda
o Quartel do Vinte, inscrito no Livro do Tombo Histórico. Já na década de 1970 ocorre o
tombamento do conjunto arquitetônico e urbanístico da cidade de Goiás. Finalmente, em
2001 a cidade de Goiás é reconhecida como patrimônio mundial pela UNESCO.

O edifício do atual Museu das Bandeiras foi construído entre 1761 e 1766 para funcionar
como a Casa de Câmara e Cadeia da Província de Goiás. Na década de 1950 o edifício
passa a abrigar o Museu das Bandeiras, com coleção de mobiliário, louças e prataria da
região goiana típicas dos séculos XVIII e XIX, além da expressiva coleção de fundos
históricos aberta ao público pesquisador. O edifício foi tombado em 1951 pelo IPHAN, como
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parte da política de preservação que, naquele contexto, priorizava a preservação de
edifícios e núcleos urbanos que faziam parte da história do ciclo do ouro no Brasil
(GONÇALVES, 2002). Atualmente, o edifício abriga uma típica coleção de museu histórico,
além do arquivo da antiga Real Fazenda, cuja gestão é de responsabilidade do Instituto
Brasileiro de Museus – IBRAM.

2. Novas apropriações sociais do patrimônio cultural: memória,


patrimônio cultural, sociomuseologia e empoderamento de
narrativas

O tema do papel sociocultural das instituições museais foi reforçado nas discussões sobre a
relação entre museus e paisagens culturais que nortearam a 14ª Semana Nacional de
Museus em 2016, conforme proposição do Conselho Internacional de Museus (ICOM) para
as comemorações do Dia Internacional de Museus em 18 de maio e para a 24ª Conferência
Geral do ICOM realizada em Milão. Os museus foram convocados a abrirem suas portas
para seus contextos externos, dialogando com os diferentes grupos sociais existentes nos
respectivos territórios onde se encontram, enfatizando a necessidade de valorização das
diferentes contribuições culturais e a diversidade dos bens culturais patrimonializados.

Os conceitos de territórios, itinerários culturais e as recentes discussões sobre paisagens


culturais refletem um esforço mundial de ampliação do conceito de patrimônio cultural que,
ultrapassa uma visão preservacionista e datada, voltada apenas aos monumentos e cidades
históricas, a partir de uma noção territorial mais ampliada. A partir da década de 1980, uma
nova e diferenciada abordagem do patrimônio cultural é ventilada por outros campos de
conhecimento, suplantando a visão predominantemente estética pautada nas leituras do
campo da arquitetura e urbanismo. A incorporação de disciplinas como história, antropologia
e geografia no âmbito do patrimônio viriam examinar a cidade como produto cultural ou
como testemunho da atuação humana sobre uma determinada porção do território,
considerando que as ações dos diferentes grupos sociais atribuem marcas culturais que
caracterizam e singularizam lugares de memória e identidade. Os diálogos interdisciplinares
veem promovendo outras interpretações das múltiplas ocorrências do patrimônio, sejam
materiais ou imateriais, oferecendo-lhes maior coesão e significação histórica, refletindo
novas demandas e desafios aos museus que conduzem a um modelo de gestão
compartilhada.

A ampliação do conceito de patrimônio cultural e a incorporação das noções de territórios,


itinerários e paisagens culturais colocam-se no Museu das Bandeiras, particularmente, como
um importante desafio, pois a constituição de seu acervo e expografia está vinculado aos
processos bandeiristas, privilegiando uma leitura parcial deste processo histórico que reflete
o ocultamento das memórias de grupos sociais historicamente desfavorecidos que,
paulatinamente, vêm reivindicando o direito à memória através do empoderamento de
narrativas e promovendo novas apropriações sociais do patrimônio cultural.

A preservação de rotas e itinerários culturais vinculados aos processos históricos do Brasil


vem sendo discutida pelo IPHAN, notadamente, a partir de estudos e propostas de
patrimonialização dos roteiros nacionais de imigração, do caminho das tropas, da estrada
real ou caminho do ouro, da rota das monções, das rotas da alforria, dentre outros, tendo
sido realizado o primeiro encontro sobre Caminhos Históricos em 2009. Nesse ínterim, há
de se ressaltar um esforço de releitura e compreensão de paisagens diversificadas que
muitas vezes são identificadas por meio da relação existente entre os diferentes grupos
sociais e o território como ocorre, por exemplo: com as comunidades ribeirinhas e os
contextos navais tradicionais; com os sertanejos que tiram seu sustento da Caatinga; os
modos de vida tradicionais dos povos do Cerrado, formados por etnias indígenas,
quilombolas, agricultores familiares; dentre outros. De fato, a conexão das comunidades aos
territórios revelam fortes laços de pertencimento com as localidades, revelando resistências
e diálogos com as transformações e dinâmicas do local. Esses territórios abrigam pessoas
com diferentes heranças culturais e que trazem influências multifacetadas, quanto à
culinária, costumes, artes, arquitetura, jeitos de falar, se vestir, se comportar, etc., de modo
que o debate sobre a relação da comunidade com o museu abordada por Mário Chagas no
campo da museologia é cada vez mais emergente. A museologia social destaca outros
diálogos e desafios, considerando que o território possa ser compreendido ou ressignificado
como espaço cultural vital das comunidades. A diversidade sociocultural brasileira se
constrói e se reconstrói cotidianamente e dinamicamente, sendo presente nas instituições
museológicas como espaços de comunicação, conhecimento, pesquisa e aprimoramento
das práticas culturais.

Nas últimas décadas tivemos a ampliação do entendimento dos processos museais e do


conceito de patrimônio cultural, presente, também, nas políticas públicas 1. Para Mário
Moutinho (2014, p. 423), a sociomuseologia “traduz uma parte considerável do esforço
de adequação das estruturas museológicas aos condicionalismos da sociedade
contemporânea”. Deste modo, a sociomuseologia constitui-se como uma área de
investigação e atuação que visa o desenvolvimento sustentável e a inclusão

1
Lei 11.904, de 2009; Decreto nº 3551 de 04 de agosto de 2000.
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social, ou seja, o museu passa a ter um sentido educacional no âmbito da
cultura, considerando sua capacidade institucional de atuação na sociedade.

Destarte, ao analisar documentos e declarações de profissionais e intelectuais da


área, observa-se um “alargamento das funções tradicionais da museologia” que
traz propostas de postura política ante a sociedade contemporânea. Esta postura
entende que o meio social do museu é quem lhe dá vida (MOUTINHO, 2014, p.
424), portanto, trata-se de uma proposta de troca orgânica entre museu e seu
meio social, ambos fomentando o desenvolvimento social.

Tais esforços intelectuais são salientados, por exemplo, junto ao Movimento


Internacional pela Nova Museologia (MINOM) que compreende o museu “como dispositivo
estratégico para a defesa da dignidade social, da cidadania e do direito à criatividade e à
memória” (CHAGAS; ASSUNÇÃO; GLAS, 2014). Deste modo, museus que foram
constituídos na década de 1950 e permaneceram em seus moldes tradicionais até os dias
atuais, como o das Bandeiras, por vezes apresentam seu diálogo com a contemporaneidade
através de exposições e exibições de curta duração ou palestras e informativos.

3. Diálogos e apropriações sociais no Museu das Bandeiras

Segundo o Diagnóstico do Museu das Bandeiras de 2007, a instituição caracteriza-se como


museu histórico com referência à região centro-oeste. Contém em seu acervo peças de
tortura, como grilhões e algemas do século XVIII, fragmentos de igrejas, ferramentas de
garimpo, peças de medida do ouro e resquícios da Casa da Fundição 2. Estes objetos
narram o processo da colonização portuguesa em Goiás, explorando os temas correlatos
como ofícios, mão de obra local e costumes da sociedade aristocrata vilaboense 3. A sala
“Ouro Fino”, com fragmentos da antiga Igreja Nossa Senhora do Pilar do século XVIII,
contextualiza a presença católica que chega junto com os bandeirantes à região. Outra ala
do museu apresenta os pertences pessoais de famílias nobres do século XIX, como roupas,
papeleiras, camas, louças europeias, indianas e chinesas. O Museu das Bandeiras é
apresentado, portanto, como um museu histórico, este, por sua vez, segundo Ulpiano
MENESES (2005, p. 22), só se condensou como categoria distinta das demais “na década
de 20 do século XX”, conforme explica:

2
A atribuição da Casa de Fundição era fundir o ouro trazido pelos mineiros, descontando na ocasião os tributos
que incidissem sob o minério. Fonte:
http://www.receita.fazenda.gov.br/historico/srf/historia/catalogo/letraC/fundicao.htm. Acesso em: 23 de junho de
2016.

3
Gentílico de quem nasce no município de Goiás-GO.
A fragmentação dos museus em especialidades tem também sua história
que aponta para o século XVIII e que está ainda por ser feita. O resultado é
uma tipologia multiforme, em que ao lado de museus enciclopédicos (do tipo
British Museum ou do Metropolitan Museum) e dos históricos, se encontram
museus de arte, de arqueologia, de antropologia, de folclore, de História
Natural (desmembrados em zoologia, botânica, geologia, etc.), de ciência e
tecnologia e assim por diante. Finalmente, há os temáticos e micro-
temáticos, muitas vezes corporativos e patrocinados por empresas: dos
transportes, do mar, do telefone, das abelhas, da madeira, de moedas,
selos, medalhas, da Coca-Cola e da farmácia. A pulverização não tem limite.

Esta fragmentação toda milita contra o reconhecimento de uma sociedade


complexa (Horne 1992:66) e tem repousado na referência que se tornou
exclusiva: o objeto e sua natureza, que, em última instância determinaria a
natureza do museu. Assim, essa taxonomia dos museus baseia-se menos
em campos do conhecimento ou problemas humanos, do que em categorias
de objetos, isolados ou agrupados, sempre, portanto, tendendo a reificação.
Por isso, o conceito vigente é o de que museu histórico seria aquele que
opera “objetos históricos”. (MENESES, 2005, p. 22)

Ainda reificando4 a sociedade local, por meio de sua expografia, o Museu das Bandeiras
expõe objetos etnográficos no hall de entrada, apresentando-os como referência indígena
antes da chegada dos bandeirantes, ou seja, dos chamados povos nativos. A narrativa
encerra-os ali no hall de entrada, deixando a ideia de que estes não teriam construído a
história de Goiás, apresentada no restante das salas. Toda esta configuração expográfica e
acervo encontram-se no museu desde a década de 1980 e, deliberadamente, não une ao
processo histórico narrado à identidade dos povos indígenas, muito menos se considera a
resistência e os aspectos culturais de povos afrodescendentes também ocupantes da
região, a não ser como escravizados. Além disso, não há inclusão das memórias dos
prisioneiros que viveram na cadeia do edifício por décadas.

Ao longo de quase cinquenta anos de história do museu, seu acervo foi se configurando
para a apresentação da conformação geopolítica identitária excludente do Estado de Goiás
e, por conseguinte, da idealização de uma nação brasileira tal como discute GONÇALVES
(2002), formada a partir da seletividade de bens culturais ligados à nobreza ou à
aristocracia. O próprio nome do Museu “das Bandeiras” faz referência às missões dos

4
Reificar: 1. Reduzir (o ser humano e tudo o que lhe é inerente) a valores meramente materialistas. 3.
Transformar algo abstrato como algo concreto. "reificar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha],
2008-2013. Disponível em: https://www.priberam.pt/DLPO/reificar. Acesso em 15 jul.2016.

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bandeirantes no processo de colonização do interior goiano. Paralelamente a essas
narrativas, desde 2009, as ações realizadas no museu tinham como interesse a integração
social, a valorização das memórias não representadas ou esquecidas na expografia de
longa duração. Segundo o Relatório de Gestão 2009-2013 a missão do Museu é:

(...) preservar, pesquisar e comunicar a memória nacional relativa à


ocupação bandeirante na região Centro-oeste do Brasil, enfatizando as
contribuições dos diversos segmentos étnico-sociais presentes neste
processo; visando a universalidade do acesso; a sustentabilidade ecológica,
econômica, social e cultural; e contribuir para o desenvolvimento do país,
por meio da promoção da inclusão social e da igualdade racial; da
valorização da diversidade cultural; e do respeito aos direitos e à dignidade
human@s. (BULHÕES, 2013)

Inclui-se na missão do museu o “@” que vem sendo utilizado em linguagens informais para
abranger a diversidade de gênero nos processos comunicacionais escritos. Este mesmo foi
inserido nas placas explicativas da exposição de longa duração. Da mesma forma, insere-se
a ênfase aos diversos segmentos étnico-raciais. A título de exemplo, Bulhões (2013)
apresenta-nos a ação “Sim, estou vivendo...”, analisando a questão da inclusão social:

Como escrito em seu texto de abertura, a “Sim, estou vivendo...” foi uma
exposição “feita para afirmar e explicitar a opção dos Museus Ibram em
Goiás pela inclusão social e onde o que menos importa é a falta de
qualidade das fotos, tiradas por uma fotógrafa amadora, com uma máquina
amadora e modelos amadores. Todos amantes do respeito incondicional
aos seres humanos de todas as maltas, matilhas e matizes” (BULHÕES,
2012).

Para ela, foram fotografados travestis, lésbicas, homossexuais, prostitutas,


alcoólatras, moradores de rua, presidiários, praticantes de religiões de
matriz africana, pessoas com deficiências mentais e físicas; o primeiro dos
quais e inspiração para a exposição foi o João Marques Argenta, o João
Gambá, filho de Otto Marques. (BULHÕES, 2013, p.122-127).

Esta ação repercutiu positivamente no museu, tendo em vista que trouxe resultados
concretos, como a visitação frequente deste grupo social, configurando-se como uma “ação
educativa para o próprio Museu das Bandeiras” (BULHÕES, 2013, p.126). Ações como esta,
que se contextualizam no paradigma da Museologia Social, vêm sendo realizadas no museu
desde então e a partir das ações realizadas é possível observar que a museologia social
vem trazendo novos entendimentos acerca do papel do Museu das Bandeiras junto à
sociedade. Na dissertação de Mana Marques Rosa (2016), intitulada “Sistema Museológico:
por uma etnografia dos museus na cidade de Goiás (GO)” a autora expõe que o Museu das
Bandeiras é um dos mais visitados pelos moradores quando comparado a outros museus,
entretanto, em comparação com perfil de visitantes o número é pouco expressivo, conforme
mapeado no gráfico abaixo.

Figura 01 - Visitações Museu das Bandeiras. Elaboração: Fabricio


Brugnago (2016). Fonte: ROSA, 2016, pág. 129.

Segundo os dados ventilados por Rosa (2016), a partir dos diálogos realizados com
moradores e agentes culturais da cidade, os mesmos apontam que o Museu das Bandeiras
tem sido um museu mais aberto e realiza proposta educativas e culturais diferenciadas, na
tentativa de envolver a comunidade no espaço museal. A partir da fala de um dos
entrevistados, a autora analisa que:

As razões para esses distanciamentos e dificuldades dos moradores se


apropriarem dos espaços se devem, de acordo com Frei Paulo, a um “muro
simbólico” que precisa ser investigado levando-se em conta elementos
culturais e históricos, os grupos de identificação e as tradições familiares. A
dificuldade estaria assentada na resistência da população diante de
espaços oficiais, como os museus, e uma maior aceitação de outros
espaços construídos de forma mais espontânea, como feiras, festas e
manifestações culturais em que se nota o protagonismo da comunidade
(ROSA, 2016, pág. 135).

De fato, a fala supracitada reflete-se em toda área do centro histórico da cidade de Goiás,
onde a maior parte da população não se apropria dos espaços, normatizados pelo IPHAN
ou por normas internas de visitação como, por exemplo, no caso dos museus. O que viria a

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ser este “muro simbólico” e de que forma poderíamos rompê-lo? Em um contexto teórico,
entramos no limiar da discussão entre a Museologia Tradicional e a Museologia Social.

Figura 02: Ações culturais no Museu das Bandeiras. Fonte:


https://www.facebook.com/museudasbandeiras/ Acesso em 30.01.2016.

A nova base museológica que relaciona “patrimônio – comunidade – território” em


detrimento à concepção tradicional que enfatiza “coleção – público – edifício”
democratizaram a ideia de museu e o próprio acesso aos museus (CHAGAS, 2001;
CÂNDIDO, 2014). De tal modo, temos o caso dos museus tradicionais que na dança
contemporânea do pensamento museológico tentam se encaixar. Se a sociomuseologia,
enquanto área de investigação e ensino, é um exercício político que pode ser assumido por
qualquer tipologia de museu, por que não pensar nas práticas de trabalho com as coleções?
Em suma, pensar as práticas de colecionismo e narrativas expográficas torna-se inevitável
ao museu tradicional, ainda que esse exercício se apresente como um desafio aos museus
públicos. O Museu das Bandeiras, dentre outros museus, como o Museu da República,
localizado no Rio de Janeiro, apresenta-se no modelo de museu tradicional ou comum, ou
seja, incorporando os três pilares característicos desta tipologia “edifício, coleção e público”,
tal como esquematizado por CHAGAS (2002) e MANA (2016).
Figura 03: Museu Tradicional e Nova Museologia. Fonte: Chagas (2002, p. 72) In: MANA, 2016, p. 58.

Entretanto, os mesmos museus enquadrados como tradicionais apresentam através de


ações culturais e educacionais, as memórias esquecidas ou não ditas, incorporando
narrativas historicamente excluídas. Na prática, estas ações são formas de diálogo com a
contemporaneidade que, ao mesmo tempo, destoam deste paradigma ante as coleções e
expografias de longa duração, geralmente verticalizadas, antidemocráticas ou unilaterais
quanto às narrativas.

Diversos reconhecimentos de ações museais, como as do Museu da Maré no Rio de Janeiro


- RJ e do Museu do Patrimônio Vivo em João Pessoa – PB, são exemplos da ampliação do
pensamento museal e, principalmente, do engajamento social deste em prol “do poder da
memória” para o reconhecimento da transversalidade da cultura em oposição aos museus
tradicionais que trabalham com a perspectiva da “memória do poder” (CHAGAS, 2001). Nas
palavras do autor:

A tendência para a celebração da memória do poder é responsável pela


constituição de acervos e coleções personalistas e etnocêntricas, tratadas
como se fossem a expressão da totalidade das coisas e dos seres ou a
reprodução museológica do universal, como se pudessem expressar o real
em toda a sua complexidade ou abarcar as sociedades através de
esquemas simplistas, dos quais o conflito é banido por pensamento mágico
e procedimentos técnicos de purificação e excludência. (CHAGAS, 2001,
p.13).

Paralelo a estes movimentos do pensamento museal, o entendimento do conceito de


patrimônio cultural também se torna cada vez mais transversal, refletindo vários encontros e
declarações realizados que vêm discutindo este aspecto. A Declaração de Santiago do
Chile, em 1972, marca esta mudança de paradigma quando resolve que os museus têm
papeis decisivos no desenvolvimento social da América Latina, principalmente no que se
refere à responsabilidade educacional para com a comunidade; entre outros apontamentos
sociais relevantes ao desenvolvimento social. Tais discussões refletem na Convenção para a
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Salvaguarda do Patrimônio Imaterial, resultante da Conferência Geral da UNESCO de 2003,
e na resolução do Comitê do Patrimônio Mundial de 1992 que reconhece “as interações
significativas entre o homem e o meio natural” como paisagens culturais, tornando estas
paisagens passíveis da chancela de reconhecimento como patrimônios culturais da
humanidade pela UNESCO.

No campo da política nacional, em 2000 é publicado o Decreto no 3.551 que estabelece os


mecanismos de reconhecimento das manifestações imateriais da cultura como, por
exemplo, celebrações, formas de expressão, saberes e lugares. Este novo olhar tem
permitido o Registro como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil de bens como, por
exemplo, a Cachoeira de Iauaretê – Lugar Sagrado dos Povos Indígenas dos rios Uaupés e
Papuri, valorizando a cultura de grupos sociais historicamente excluídos.

Estas ações políticas e intelectuais dadas por meio de Decretos, Leis, Declarações, e
pesquisas são essenciais para a democratização do entendimento de cultura e para a
importância do reconhecimento plural e transversal da memória. Entretanto, apesar do
surgimento dos novos museus5, pode haver dificuldades no trabalho teórico-prático,
conforme reflete Chagas (2001):

Visualizo aqui um problema teórico-prático de grande interesse


museológico. Como busquei demonstrar a relação entre memória e poder
nos museus não é fortuita ou ocasional, ao contrário faz parte da própria
constituição museal. Ainda que nos museus tradicionais essa relação
alcance maior visibilidade através do edifício (tipologia arquitetônica), da
coleção (anéis, armas, bandeiras, pinturas e esculturas monumentais,
coroas e artefatos de povos “primitivos”), do público (vigiado, seleto e pouco
participativo) e do discurso museográfico; ela não está ausente nos projetos
alternativos de museus, sejam eles ecomuseus, museus regionais,
comunitários, locais ou tribais. Contudo, é preciso reconhecer que nesses
casos ela ganha algumas especificidades.

Também nos ecomuseus a memória poderá estar orientada para o passado


ou para o presente, também ali ela poderá vir a ter uma função
emancipadora ou coercitiva. O modelo não tem funcionamento
automatizado e a prática tem permitido compreender que ecomuseus
também se tradicionalizam. (CHAGAS, 2001, p.17).

O patrimônio cultural em sua diversidade de bens culturais também é responsável pela


construção de uma identidade nacional ou um imaginário social (CANCLINI, 1994;

5
Ecomuseus, museus de favela, museu integral, museu comunitário, entre outros.
GONÇALVES, 2002), portanto, encerrar as ações museais somente na comunidade e no
território em detrimento das coleções e expografia ali consolidada é ignorar a maneira como
o museu tem trabalhado historicamente a memória, a partir das narrativas e representações.
A memória consolidada no museu é parte do processo de um entendimento intelectual dos
pensadores do patrimônio cultural no IPHAN, pautados numa historiografia oficial, a fim de
alcançar, através das ações de tutela e titulação, a memória social (HALBWACHS, 2003).

No âmbito da prática museológica contemporânea há uma atração em se construir ações de


trabalho com estas coleções e narrativas que não ignorem a ambiguidade dos processos
históricos, de modo a ampliar a ressonância destes objetos (GONÇALVES, 2005). Se o
próprio edifício do Museu das Bandeiras já trabalha com esta “memória do poder” resta, no
mínimo, um esforço para pensar novas teorias é práticas com as coleções e narrativas do
museu tradicional (CHAGAS, 2001).

Moutinho (2014, p.426) expõe que há um entendimento do fazer museal cada vez mais
amplo ante uma “visão restritiva da museologia como técnica de trabalho orientada para as
coleções”. Trazendo esta colocação para a realidade do Museu das Bandeiras, é possível
entender que há museus que trabalham tanto com a técnica orientada para as coleções, no
sentido restritivo, como também para o desenvolvimento social. Entretanto, as coleções e
narrativas do Museu, objeto desta pesquisa, causam incômodo aos próprios grupos sociais
locais que não se veem naquele contexto. Deste modo, se faz necessário ampliar as
técnicas de trabalho orientadas às coleções e narrativas.

Há de se considerar que os museus não são um corpo rígido e fixo, e que tais dificuldades
teórico-práticas são comuns na constituição de coleções, expografias e ações educacionais.
No Museu das Bandeiras ocorre o movimento contrário ao exposto por Chagas (2001, p.17),
ou seja, um museu tradicional que se esforça para trazer a comunidade ao museu, para ser
democrático em seu papel de preservação de memórias ou se sociomusealizar.

Conclusão

Na perspectiva da sociomuseologia, os diálogos e pactos através do museu se destacam


como ações fundamentais, pois revelam memórias ocultas e promovem o empoderamento
de narrativas através de novas apropriações sociais do patrimônio cultural. Para além da
preservação da memória e dos desafios de gestão compartilhada, os museus têm um
importante papel na qualificação dos seus respectivos entornos, sejam eles vilas, cidades ou
quaisquer locais que importem às populações em relação a suas identidades e à
preservação de seu patrimônio. Sob essa perspectiva, os museus assumem um papel
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estratégico no desenvolvimento local, na construção da cidadania e se destacam como um
espaço de oportunas trocas culturais e econômicas. Considerando que os espaços externos
ao museu são ao mesmo tempo lugares de memória e seus espelhos, é possível conceber
ações diversas junto às comunidades visando fortalecer laços e atuações.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Decreto-lei Nº 25, de 30 de


Novembro de 1937: Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Brasil:
Dou, 06 dez. 1937. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/Del0025.htm>. Acesso em: 27 maio 2016.

BULHÕES, 2013. Relatório de Gestão, IBRAM. 2013

BULHÕES, Girlene Chagas. “Sim, estamos vivendo” e “agora, nós vamos invadir sua praia”.
Podem nos chamar de “Edward, Mão de tesoura” ou educadores de museu. Resumo
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BULHÕES, Girlene Chagas. Projeto de Pesquisa Museus do esquecimento: instituições


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1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil


Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017

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