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POR QUE, AFINAL, A LITERATURA BRASILEIRA

NÃO VENDE? E POR QUE VENDERIA?


quarta-feira | 16 | janeiro | 2013

1. Um problema de sintonia

“Eles não chegam lá”: o título da esclarecedora matéria de Marco Rodrigo Almeida na
capa da Ilustrada(Folha da S. Paulo, 03/01/2013) sintetizaum dado revelador do velho
problema da produção e do consumo literários brasileiros. Enquanto os livros de não-
ficção mais vendidos no país são predominantemente brasileiros, os de ficção são
estrangeiros: as ficções nacionais encalham. Por quê?

É relativamente fácil compreender o predomínio de autores nacionais na não-ficção:


eles costumam tratar de temas nacionais (embora isto não seja necessário, ou
necessariamente positivo, pois no limite denota provincianismo), de imediato interesse
local. A biografia de um bilionário nativo desperta mais interesse, por exemplo, do que
o debate sobre o controle (ou o descontrole) de armas nos EUA. Além disso, como
afirma Pascoal Soto, diretor-geral da Leya,

Na não-ficção encontramos autores dispostos a atender à demanda do grande público.


Eles abordam temas interessantes [principalmente no sentido acima comentado] e
escrevem de forma acessível. Já os romancistas escrevem para os amigos, para ganhar o
Nobel de literatura.

A primeira parte da resposta parece verdadeira, mas a segunda, por força da ironia,
acaba por ocultar as coisas. Os romancistas brasileiros escrevem, de fato, “para os
amigos”, mas não como motivo primário. Na verdade, eles não escrevem para o
público, que desprezam.
Esse desprezo pelo público se manifesta reiteradas vezes na matéria secundária à de
capa (“Ficção perdeu os leitores, diz o autor de ‘O Filho Eterno’”, p. 3). O que não se
compreende: pois as afirmações dos autores não são exatamente sofisticadas.

“O autor que se guia pelas tendências do mercado deixa de ser um artista para ser um
comerciante” (Marçal Aquino)

“O que é bom não vende muito. O pessoal não tem nível intelectual para consumir um
livro de maior qualidade” (Sérgio Sant’Anna)

“Há um sério problema de falta de sintonia entre o grande público e os escritores


brasileiros” (Nelson de Oliveira)

“Nós perdemos o leitor depois dos anos 1970, quando a universidade passou a dominar
a literatura. Houve uma poetização da prosa, a narrativa clássica implodiu. […] Se
vender, ótimo. Mas ficar obcecado com isso pode envenenar o autor” (Cristovão Tezza)

A frase de Marçal Aquino é um velho clichê tardorromântico, que pressupõe a pureza


espiritual do artista contra a impureza materialista do vil comerciante e, portanto,
esquece, por exemplo, que Michelangelo e Da Vinci trabalhavam sob encomenda.
Também esquece a “perda da inocência” ao longo de todo o século XX. A afirmação de
Sérgio de Sant´Anna, por outro lado, é mais direta, e também mais desleixada: “O
pessoal não tem nível intelectual para consumir um livro de maior qualidade”. O
pessoal não tem nível intelectual? E se, para Pound, o artista era a antena da raça, para
Nelson Oliveira é uma espécie de rádio, com um “sério problema de falta de sintonia”
com o público. Já Cristóvão Tezza, antes de repetir o clichê de Aquino, parece
confundir os anos 1970 com os anos 1920: a “poetização da prosa”, assim como a
“explosão da narrativa clássica”, aconteceu cinquenta anos antes do que afirma. De
qualquer modo, pouco poderia explicar das circunstâncias contemporâneas.

2. Gênio pobre versus vendilhão rico

O problema, em todo caso, estaria na defasagem entre o gosto médio do público por
uma literatura igualmente média e a insistência dos ficcionistas brasileiros em criar uma
literatura “sofisticada”. Isto geraria uma demanda sempre insatisfeita, de um lado, e
uma oferta sempre insatisfatória, de outro. Pois a literatura “sofisticada” satisfaria
apenas a demanda pessoal do próprio produtor, ignorando a demanda pública dos
consumidores. Se fosse verdade, tratar-se-ia de um clássico problema de oferta. Neste
caso, as próprias leis do mercado se encarregariam de solucioná-lo. Pois não é de se crer
que o Brasil só produza candidatos a gênio literário, e nunca escritores que desejam
simplesmente ficar ricos.

Prova disso é o mais rico escritor brasileiro – apesar de não se tratar, de fato, de um
escritor. Refiro-me a Paulo Coelho. Ele não é um escritor porque escrever não é juntar
palavras. Ou seja, juntar palavras não é suficiente. Por isso a lista telefônica não é
literatura. Nem é literatura o que ele produz, pois literatura é trato com a linguagem
verbal, de um lado, e trato da realidade pelo trato da linguagem verbal, de outro, e
Coelho não faz uma coisa nem outra (operando por ocultamento do ocultamento, ao
usar e abusar de clichês como se fossem obra sua, ou seja, por mera apropriação e
reutilização do usado, abusado e gasto). Em todo caso, de seu sucesso comercial se
concluiria que o gosto médio do público idem está de fato abaixo da média. Isto
deixaria qualquer tentativa verdadeiramente literária de se adequar a esse gosto fadada
ao fracasso. Mas também deixaria sem explicação outros fenômenos comerciais: de um
lado, livros complexos ou complicados como O nome da rosa, de Umberto Eco; de
outro, a verdadeira literatura média, mais do que robusta em lugares como EUA e
Europa.

O caso de livros complexos de sucesso comercial é relativamente fácil de entender:


trata-se do conhecido fenômeno do “livro de prestígio”, ou seja, que se torna importante
ter, mas não necessariamente ler. Livros complexos, como regra, de fato não são
fenômenos comerciais. Mas isto ainda não explica tudo. Mesmo porque, autores muito
complexos já foram muito populares.

O exemplo máximo é Shakespeare, dramaturgo de maior sucesso popular na Inglaterra


elisabetana, que, evidentemente, pensava em seu público ao escrever, ainda que não
para simplesmente satisfazer do modo mais fácil o gosto desse público. O problema não
está, de fato, em optar entre o baixo gosto médio do público e a alta arte sutil do grande
escritor, assim condenado, ou à subliteratura, ou à solidão de estufa das flores raras. O
problema está na incapacidade dos escritores de encarar o problema em sua inteireza e
na inteireza de sua complexidade.

O verdadeiro dilema aqui é shakespeariano: ter o público em pauta ao escrever, mas não
para simplesmente satisfazer de modo fácil o gosto desse público. Como a resposta-
padrão dos escritores brasileiros retira o público mágica e convenientemente da equação
(afinal, é um público que não serve para sua literatura), essa resposta-padrão nada
responde e nada pode responder.

3. Literatura de entretenimento versus entretenimento pela literatura

Pesquisas indicam que o Brasil leitor é dez vezes menor do que o Brasil real, ou seja,
um país de 20 milhões de habitantes. Mas um país de 20 milhões de habitantes ainda é
meia Argentina, ou meia Espanha. Teríamos então, apesar de tudo, de ter um mercado
equivalente à metade do argentino ou do espanhol. Mas estamos a anos-luz disso. A
pequenez do público leitor brasileiro é, em todo caso, relativa. E não explica a falta de
uma produção literária brasileira que o supra. Mesmo porque, toda a discussão começa
pelo fato de esse público leitor se alimentar de livros importados.

Qual a principal característica desses livros? Ao contrário de Paulo Coelho, eles são
literatura – mas integrada ao entretenimento, que é entretenimento do público. Portanto,
o público faz parte da equação literária. A literatura média é, de fato, literatura de
entretenimento.

Shakespeare também era, em sua época, entretenimento. Balzac era igualmente, em seu
tempo, entretenimento. O problema é que hoje a literatura que prevê e, portanto,
entretém o público seria uma literatura inferior. Ou talvez não. Porque o público atual é
maior e mais diversificado: logo, não há apenas uma literatura de entretenimento, aquela
reconhecida por este nome.

À exceção do relativamente recente e efêmero fenômeno das “sagas literárias”, que


tiveram origem com O senhor dos anéisde Tolkien, a literatura moderna, passada a
exceção vanguardista dos modernismos, é dominada, desde meados do século XIX, por
duas vertentes centrais, derivadas dos dois principais criadores dessa literatura, Balzac e
Poe. Enquanto Balzac consolidou e refinou a prosa de ficção como principal
instrumento para retratar a sociedade urbana, burguesa e industrial, capaz de dar conta
de seus aspectos materiais, psicológicos e sociais, o equivalente da épica para os povos
antigos, Poe criou a literatura policial. Toda ou quase toda a literatura moderna deriva
ou de Balzac, ou de Poe, ou de ambos. Jorge Luís Borges, Georges Simenon, Graham
Greene, Dashiel Hamett, Patrícia Highsmith e ainda Stephen King e John Grisham são
filhos de Poe, enquanto Ernest Hemingway, Saul Bellow, Phillip Roth, Amós Oz,
Ohram Pamuk, Salman Rushdie, Ian McEwan e uma vasta lista descendem de Balzac
(as vanguardas deixaram poucos descendentes na ficção mainstream, à diferença da
poesia e das artes plásticas). E todos eles, a seu modo, são literatura de entretenimento.
Porque são entretenimento pela literatura.

4. Entretendo-se com os herdeiros de Balzac e Poe

O inglês Graham Greene é o autor de ao menos uma perfeita obra-prima, o pequeno


romance Fim de caso, que retrata em cápsula o momento histórico de Segunda Guerra
Mundial e ainda cria uma das mais poderosas histórias de amor da literatura
contemporânea, além de discutir a questão da teodiceia (a justiça divina). Há no livro
algo de Stendhal, algo de Balzac e algo de Dostoievski. Mas também há muito da
moderna literatura, bem, média norte-americana, cujo representante maior é
Hemingway, o grande consolidador da escrita direta, seca, “objetiva”. Hemingway, um
escritor médio? Sim, ao menos se comparado ao seu contemporâneo Joyce. Ou a Proust.
Fundindo tudo isso, o que Greene consegue é um livro que, de fato, entretém, no sentido
de que lê-lo não gera as angústias estético-intelectuais de um Joyce, mas sim puro
prazer de leitura, sem deixar, no entanto, de ser um denso alimento para a inteligência.
Na verdade, por ser, afinal, um denso alimento para a inteligência, sem falar nos
sentidos, na imaginação e na empatia com os personagens. Portanto, Greene é de fato
literatura de entretenimento – ainda que num sentido muito diferente do mais que banal
Harold Robbins. Georges Simenon também, obviamente. Bertrand Russell costumava
lê-lo todas as noites, e não por ser soporífero, mas o contrário: por ter grande leveza de
fatura sem perder a densidade de estrutura narrativa e psicológica. Além de romances
policiais, Simenon foi ainda o autor de uma longa série que chamou de romans durs, ou
“romances duros”, que guardam certas semelhanças, mantidas todas as diferenças, com
o Fim de caso de Greene. A “dureza” psicológico-realista desses romances curtos, em
que o personagem central sempre está em uma situação limite criada ou possibilitada
por ele mesmo, e em relação à qual não sabe se quer se salvar ou se perder, não impede,
ao contrário, o puro prazer da leitura. Isto também mesmo vale para Phillip Roth, o mais
balzaquiano desses três (portanto, o que mais status de alta literatura possui). Portanto,
Roth também é, afinal, entretenimento. Literatura de entretenimento não é o mesmo que
literatura ruim.

A incapacidade dos escritores brasileiros de criarem livros ao mesmo tempo bons e


prazerosos é apenas a incapacidade dos escritores brasileiros de criarem livros ao
mesmo tempo prazeroso e bons. Eles são, como regra, chatos, porque, como regra, são
pretensiosos. E são pretensiosos por ignorarem o público leitor. Se não o ignorassem,
não poderiam ser chatos, sob o risco do fracasso. Cria-se assim uma literatura satisfeita
para ninguém, ou quase ninguém. Satisfeita talvez, mas não satisfatória. A menos que se
considere a criação literária um hobby, que, de fato, só interessa para quem o pratica.
Mas se se pretende algo além de um hobby, a literatura não pode satisfazer somente
quem se dedica a ela. O público tem de ser posto na equação. Ou nas equações. Pois há
uma simples e uma complexa.

A simples é simplesmente apostar no pior, no mais fácil, no mais paulo-coelho. A


complexa é buscar a síntese de Simenon, de Greene, mas também de Roth e McEwan,
ou de Shakespeare e Balzac: não trair a inteligência criativa, inclusive ou
principalmente ao conquistar, sem traí-la, um grande público. Este é o caminho dos
grandes escritores, sejam mediamente grandes ou grandemente geniais.

Somando-se a todos os conhecidos problemas editoriais e educativos, do lado da criação


literária, não há no Brasil um grande mercado consumidor de leitores médios porque
não há uma grande produção de literatura média. E não há porque os escritores
brasileiros confundem literatura média com literatura menor, enquanto buscam certa
“alta” literatura que, ao prescindir do público mas não ser nem poder se de vanguarda, é
na verdade autista.

5. O cadáver insepulto da literatura policial brasileira

Resta comentar o caso específico da virtual inexistência de uma literatura policial no


Brasil. Logo, um dos principais gêneros da ficção moderna, toda a linhagem derivada de
Poe, simplesmente inexiste. Rubem Fonseca tentou criar uma literatura parapolicial no
país, que abandona qualquer investigação de um crime para se concentrar (literalmente,
em contos densos e duros) nos próprios crimes. Funcionou, mas se esgotou no próprio
autor, que em seguida tentaria romances de investigação mais convencionais, chegando
a tentar firmar seu próprio investigador canônico, o Mandrake. Não funcionou.

Os motivos do fracasso ainda maior de um ficcionismo brasileiro da linhagem de Poe,


em relação ao da linhagem de Balzac, não estaria em qualquer descompromisso autista
dos autores com o público, mas em circunstâncias objetivas – que nada tem a ver, no
entanto, com nossos velhos problemas educativos e editoriais.

Para que haja interesse dramático numa novela policial é necessário que exista, no
mínimo, além do imprescindível crime misterioso, uma coleção mais ou menos sortida
de suspeitos sem culpa formada, sobre os quais nenhuma acusação se poderia formular.
Em consequência, continuam soltos, atrapalhando o mais que podem a ação da polícia.
O detetive seguirá pistas falsas, embrulhar-se-á, cairá em armadilhas habilmente
urdidas. Até que, ao cabo de duzentas e cinquenta páginas, a ação se esgota, os recursos
do criminoso esgotam-se, as faculdades inventivas do autor também se esgotam, a
nervosa expectativa do leitor já se acha quase esgotada – e então o mistério é
esclarecido e o romance acaba.

Mas no Brasil as coisas não se passariam assim. Se o romancista não quisesse fazer obra
inteiramente falsa, sem qualquer possibilidade de convencer o leitor, deveria criar sua
hipótese dramática de acordo com o que de fato aconteceria no caso de um crime real: a
polícia começaria prendendo todos os suspeitos. Haveria, quando muito, uma trágica
descrição de espancamentos, interrogatórios, torturas físicas e notícias berrantes nos
jornais.
O que dá vida, interesse dramático e consistência à novela policial é um jogo sutil de
raciocínio e brilho mental, a luta surda e ágil travada entre o investigador e o criminoso.
Como se fosse uma dança, em que os dois se perseguem, se esquivam, se abraçam e se
confundem.
Vê-se, desde logo, em que impossibilidade esbarraria o romance policial no Brasil e em
outros países, nos quais os processos criminais não sejam orientados pelo maior
liberalismo, nos quais não se admita, no suspeito, um possível inocente, em vez de nele
se pressupor – como é de uso entre nós – um criminoso potencial. Não importam os
textos dos códigos de direito penal, porque o que interessa não é a aparência formal e
teórica das leis, mas, sobretudo, uma questão de aplicação prática das mesmas. […]
A novela policial só pode se desenvolver em países cujas instituições políticas e
jurídicas se baseiam em normas essencialmente democráticas, isto é, em que haja um
verdadeiro respeito pela pessoa humana. (Luís Martins, “Prefácio”, in Obras-primas do
conto policial, São Paulo, Livraria Martins Editora, 1964, pp. 7-9)

O diagnóstico parece consistente demais para estar errado. Além disso, explica o
fenômeno que pretende explicar de modo suficiente. Então talvez estejamos condenados
a jamais ter uma literatura policial robusta. Ora, esta é outra explicação para as ficções
nacionais não venderem – além de explicar a dificuldade em explicar o problema. Pois
ela é normalmente ignorada. Com isso, não se discute o caso específico da linhagem de
Poe, virtualmente amputada da produção literária nacional. Acontece que essa linhagem
responde por boa parte dos livros mais vendáveis nos mercados centrais.

Recentemente, vários autores policiais suecos conquistaram seu mercado interno para,
em seguida, lançaram-se sobre o mercado mundial e, naturalmente, acabaram virando
filme. Ou filmes. No caso da trilogia Millenium, de Stieg Larsson, seu primeiro livro
teve uma versão cinematográfica sueca e outra inglesa. A inglesa é superior, tratando de
modo mais lento e consistente as várias camadas de circunstâncias que constroem a
história, acabando por envolver e revolver o negro passado pró-nazista de parte da elite
sueca, que se liga diretamente ao sadismo dos crimes contemporâneos de um de seus
descendentes. Portanto, o sadismo deixa de ser gratuito (mero chamariz de emoções
fáceis do leitor idem), tanto em termos literários quanto sociais (a lição de Balzac): não
se trata de um “simples psicopata”, no sentido de que sua psicopatia se autoexplica para
ser, então, “retratada” pelo autor em detalhadas cenas de sangue. Pois outra
característica importante das ficções de alguma qualidade é que elas, de um modo ou de
outro, mantêm a história na mira, não para fazer “romances históricos”, mas romances
robustos, inclusive policiais. Algo que os escritores brasileiros têm dificuldade de
manipular.

Mas se não tivemos, não temos e provavelmente não teremos uma literatura policial, o
peso da responsabilidade sobre os herdeiros tupiniquins de Balzac é ainda maior. Eles
podem continuar a ignorar soberbamente o público, e com isso deixar o mercado para
seus congêneres estrangeiros, enquanto modorram em seu “olímpico” isolamento
satisfeito por prêmios literários locais de prestígio duvidoso, ou tentar o caminho do
verdadeiro criador, que é o caminho difícil. E a dificuldade, aqui, não é criar pálidas
obras “sofisticadas” de estufa (na verdade, isso não é tão difícil: basta ter muito tempo,
muita paciência e algum talento), mas livros que os leitores queiram ler (caso contrário,
por que os leriam?).

6. Epílogo
Durante muitos anos, falou-se em certo “padrão Globo de qualidade”. Mas ele nunca
existiu. Apenas a ausência das TVs americanas e europeias, enquanto não chegaram
aqui as TVs a cabo, permitiu a manutenção desse mito provinciano. A Globo sempre foi
o que é, incapaz de ir além de novelas, BBBs, comédias do mais baixo nível e
“especiais” especialmente bregas de fim de ano. A TV de qualidade, assim como o
cinema de qualidade, tem de ser importada. O mesmo vale, afinal, para a ficção. Os
escritores de fato ignoram o público, mas não porque se dedicam a criar uma alta
literatura brasileira contemporânea (tão real quanto o “padrão Globo”), e sim porque são
incapazes de se profissionalizar, segundo padrões internacionais modernos.

Costuma-se acreditar que existem incontáveis empecilhos objetivos a essa


profissionalização (que não dependeria, portanto, da postura dos escritores): das
condições do mercado editorial à educação pública, passando pelas instituições
políticas, ao menos no caso específico da ficção policial, como descreve
convincentemente Luís Martins. Além disso, como referido de início, não fosse assim, a
lei da oferta e da procura se encarregaria de gerar escritores eficientes, ou seja,
simplesmente profissionais, como o são os ficcionistas estrangeiros. Mas o domínio do
mercado interno brasileiro de não-ficção por autores nacionais complica o quadro das
explicações conhecidas. Se os autores nacionais de não-ficção vendem relativamente
bem, ser um autor brasileiro e vender relativamente bem é objetivamente possível. E se
o problema se concentra, assim, na ficção, o problema não está, apesar de tudo, na
demanda, no consumo ou em suas condições, mas na oferta: os produtos nacionais
oferecidos não agradam o público consumidor, digo, o público leitor. Quem compraria
um carro nacional se pudesse comprar um carro importado superior pelo mesmo preço?
O que vale para os carros vale para os livros. Mesmo porque, não é apenas o pior da
literatura de entretenimento que vende bem no Brasil, como Cinquenta tons de cinza,
mas também seu melhor, como Philip Roth. E não temos equivalentes nacionais nem
para um para o outro, mas apenas uma ficção tão pretensiosa quanto amadora – ao
menos no sentido incontornável de não ser obra de profissionais, que vivem de seu
trabalho literário e dependem, portanto, do público. Sendo nossos ficcionistas, afinal,
amadores, podem ignorar o público, que, por sua vez, os ignora.

SIBILA – por Luis Dolhnikoff

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