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PERSONAGENS:
Matogrosso: Compositor de samba vindo do Mato Grosso, trabalha em canteiro de obras e vive em alojamento
junto de seus companheiros. É espirituoso, camarada e otimista. Apesar dos sonhos de sucesso,
quer se casar e constituir família com Inês, uma mulata que é sua grande paixão.
Inês: Jovem geniosa que trabalha numa tecelagem no Brás e mora no Morro da Casa Verde com os
pais, dois sambistas que pretendem montar uma escola de samba. É decidida a mudar de vida,
mesmo que seja preciso casar sem amor. É a melhor amiga de Iracema.
Iracema: Jovem etérea, órfã de pai e mãe, vive com os tios desde pequena. Trabalha na mesma tecelagem
de Inês. É apaixonada por Joca e sonha em se casar de véu e grinalda. É otimista e acredita que
todos têm força para mudar os seus destinos.
Joca: Paulistano frágil, trabalha na construção civil apesar da pouca saúde, pois, após a morte do pai,
ajuda a mãe que mora no Jaçanã, e que não dorme enquanto ele não chegar. É o melhor amigo
de Matogrosso e é apaixonado por Iracema, com quem quer se casar.
Dito: Pedreiro no canteiro de obras, vindo de Minas Gerais, mora no alojamento, é solitário e acredita
que se trabalhar para o progresso do país será reconhecido por isso. Tem medo de amar e não ser
correspondido. Dito jura que nunca se casará.
Beleza: Ex-sambista, o bahiano foi “salvo” da boemia por Tereza, sua mulher, a quem ama e para quem,
ironicamente, trabalha. Cansado de deixar seus sonhos para trás, resolve pegar uma oportunidade
que surge e se lança, novamente, na tentativa de uma carreira artística.
João: Filho de italianos, mora no Bixiga (perto do Córrego da Saracura), é casado com Isabel e tem cinco
filhos. Recebe entidades da umbanda e faz premonições, só não acerta o seu próprio destino.
Após uma inundação em seu barraco, se torna fiscal da prefeitura.
Moacir: Carioca que tenta a vida em São Paulo. Foi vencedor de um programa de calouros mas trabalha
como pedreiro. Só pensa em mulher e está sempre encrencado com seus diferentes casos. Está
de casamento marcado mas corre um boato de que já é casado.
Eugênia: Jovem saudosista, sofre com lembranças da época em que morava perto do viaduto Santa
Efigênia. Ao conhecer Moacir, ganha um samba e uma promessa de casamento. Após entregar-
se, vê que foi enganada e planeja vingança com apoio de sua família italiana.
Gabriela: Jovem mimada, filha de um bem-sucedido mecânico de automóveis da Vila Ré. Quer porque quer
se casar com o Moacir, por isso, marca um casamento black-tie com tudo pago pelo pai. Gabriela
é compulsiva e come tudo à sua volta. Toda a família tem medo dela.
Malvina: Verdadeira mulher de Moacir, mãe de seus sete filhos e de mais um que está por vir. Malvina é
uma mulher sofrida que vem do Rio de Janeiro para desmascarar o marido, fato previsto por João
numa premonição. Malvina somente não imagina a surpresa que a aguarda.
Ozébio: Abandonado por Maria, sua mulher, acredita que ter sido abandonado foi o melhor que poderia ter-
lhe acontecido na vida, entregando-se às noitadas e à bebida até que, sem dinheiro, sem amigos e
sem futuro, vira um mendigo no Centro.
Seo Zé: Pai de Inês. Sambista do Morro da Casa Verde. É constantemente acusado pela filha de ser
irresponsável por sonhar em fundar uma Escola de Samba. É um homem alegre, que apesar de
sentir que está ultrapassado, não desiste do sonho de ser sambista.
Dona Maria: Esposa de Seo Zé. Mãe de Inês. Apoia o marido em tudo. Ela também é sambista e entusiasta da
ideia de formar uma Escola de Samba. Não entende porque a filha rejeita tanto a sua origem do
morro. No entanto, seu enorme coração, a tudo aceita.
Tia e Tio: Tios de Iracema. Responsáveis por criá-la desde pequena quando os pais faleceram
num acidente de carro. Eles trabalham muito e estão sempre cansados. São viciados em
rádio, por isso, não prestam atenção ao que a sobrinha lhes diz.
Arnesto: Advogado que teve o seu nome colocado numa das canções de Adoniran Barbosa, a
conhecida “Samba do Arnesto”, um dos maiores sucessos do cantor. Segundo o
homenageado, ele nunca convidou ninguém para samba nenhum no Brás.
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Vozes do Rádio: “Histórias das Malocas”
Vinheta – Locutor – Voz do morro – Megafone – Voz demolição – Voz oficial de justiça
pai italiano
mãe italiana
mãe da Gabriela
pai da Gabriela
Participações:
Dona boa – mulher vaidosa que passa nas ruas e quer atenção
Núcleo feminino:
costureira 1 - mariposa 1 - fã 1
costureira 2 - mariposa 2 - fã 2
costureira 3 - mariposa 3 - fã 3
Núcleo masculino:
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PRÓLOGO
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ATO 1
A orquestra inicia mais uma música. Matogrosso puxa Inês para a pista de dança.
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Iracema e Joca conversam num canto do salão.
Joca - (gira Iracema no alto) Deus precisa ver o que ele criou!
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Inês chama por Iracema.
Matogrosso - Deixa a Iracema e o Joca em paz. Olha pra mim! (faz beicinho)
Matogrosso - (dramatiza) “Por que não beijas esses lábios sedentos de ti?”
Matogrosso tenta beijar Inês à força. Inês foge em direção à Iracema e Joca.
Iracema - Desde que você foi morar no Jaçanã, o baile acaba mais cedo.
Joca - (tristemente) Quando meu pai morreu, lá foi o único lugar que a
gente pode pagar. E olha que a minha mãe ainda trabalhava, Iracema...
num tá fácil! Você foi a melhor coisa que me aconteceu! (abraça-a)
Iracema - A Inês fala assim, mas não larga lá do Morro da Casa Verde.
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Matogrosso chega na roda gingando.
Inês - Sambista folgado! Meu pai vai fazê pele di tamborim di você!
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Inês - (enfática) Agora vam´bora?!
Iracema - Ô, minha amiga! (abraçando-a) É tão bom ouvir isso. Você sabe
qu´eu sou sozinha... só tenho os meus tios e vocês.
Matogrosso - (belisca Inês) Agora, ´cê qui num qué mais imbora, Inês?!
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Matogrosso - Qual é a boa pro Domingo qui vem?
Joca - É... ele mora no Brás! A gente podia ir pra Luz e depois pro Brás.
Inês - Mas será qui num vai dá xabú, Matogrosso? Esses seus amigos...
Iracema - Com o metrô vai ficar tudo muito mais rápido... (todos riem)
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Matogrosso também para de correr e segura Inês, romanticamente, nos braços.
Apito de trem.
TODOS - O treeeeeeeeeeem!
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Os casais despedem-se efusivamente.
Iracema - Adeus Joquinha. Manda um beijo pra sua mãe, e vê se não vai
fazer muito esforço na obra.
Joca canta.
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ENTRECENA: Despertar dos trabalhadores na madrugada. Homens e mulheres
caminham sob densa neblina, outros esperam condução nas paradas de ônibus.
“Quando Deus fez o homem quis fazer um vagolino que nunca tinha fome
e que tinha no destino nunca pegar no batente e viver folgadamente
O homem era feliz enquanto Deus assim quis
mas depois pegou o Adão tirou uma costela e fez a mulher
Desde então o homem trabalha pra ela
Vai daí o homem reza todo dia uma oração:
Se quiser tirar de mim alguma coisa de bão
Que me tire o trabalho a mulher não”
Pogressio Pogressio
Eu sempre escuitei falar
Pogressio vem do trabalho
Então amanhã cedo nóis vai trabalhar
Todos cantam.
Pogressio Pogressio
Eu sempre escuitei falar
Pogressio vem do trabalho
Então amanhã cedo nóis vai trabalhar
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CENA 2: Segunda-feira, na obra. Os dois amigos conversam enquanto trabalham.
Matogrosso - Ganhando o qui a gente ganha, num dá nem pra levantá barraco!
Joca - A Iracema gosta da minha mãe. Ela não tem mãe, nem pai.
Matogrosso - A Inês também num ´guenta mais morá com a família dela.
Joca - Parece até que a Inês não gosta da família dela. Gosta?!
Matogrosso - A Inês diz qui a casa dela vive cheia. Assim num dá pra gostá! Eu
mesmo: num ´guento mais morá c´aqueles marmanjo. Eu quero tê minha
casa, Joca. Só eu e minha mulherzinha!
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Dito, Beleza e João entram animados na conversa.
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Moacir chega na roda e puxa assunto com Matogrosso.
Moacir - Merrmão, quem pode se darr a exste luxo? E minha labuta aqui?!
Matogrosso - Você já ganhô concurso di calouro, tem até fã! Eu preciso fincá os
pé no chão. Vou casá, Moa!
Moacir - Maixs nãum é merrmo? Vê só: qui malandro dixz qui nãum pode
ficarr “nem maixs um minuto” cum o broto purrque tem qui ficarr cum a
MÃE?! Parece o Joca, merrmão! (risos)
Moacir - Pra que terr pouco se você pode terr tudo e TODAXS?!
Moacir - Você fala ixsto agora! Casa pra verr o qui é bom pra tosse!
Joca - (acusa-o) Você diz que casar não é bom, mas vive casando!
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Beleza - A marmita tava boa, mas eu digo pur experência própia: casá é
furada! Eu cantava feito passarinho, mas aí, no dia que a barriga dos fio
ficô vazia, a nêga me chamô na xincha. Num foi fácil saí da boemia,
mas, graças ao meu sinhô do Bonfim, eu consegui! (faz o nome do pai)
João - Qui qui foi?! (voltando a si) Vocês sabe qu´eu sô d´umbanda, né?
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Matogrosso e Joca discutem.
Iracema - Como “num sei”?! Você falou pro Matogrosso que queria casar.
Iracema - Seo Zé te adora. E a Dona Maria, então? Ai, se eles ouvem isso!
Iracema - Seus pais são legais, Inês. A tua casa é tão animada.
Inês - Você acha tudo legal, Iracema. Eu num vejo a hora di saí di lá.
Iracema - Não pode casar sem amor. Isso não é justo com o Matogrosso.
Inês - Eu gosto dele. Só num sei si é amor. Eu nunca amei pra sabê...
Iracema - Nós somos diferentes, Inês. Eu fiquei tão orfá cedo que nem me
lembro da minha mãe. (enxuga lágrimas) E a mãe do Joca é um amor.
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Inês - Disculpa, Iracema. (muda de assunto) Você podia dormí em casa
no fim di semana!
Iracema - Pra mim podia ser bom. Sua casa é mais perto da Luz. (pensa)
Duro é pro Joca que sempre morou no Centro e foi morar no Jaçanã...
Inês - Mas ele também num pode carregá a mãe nas costas, Iracema.
O batalhão de mulheres toma a rua. Um homem espera por Maria com uma rosa
nas mãos, na porta da tecelagem. Os dois se beijam romanticamente e, depois,
desaparecem na multidão. A noite cai. Um outro homem surge procurando por
alguém perdido na escuridão. Luz cai.
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ENTRECENA: No Morro da Casa Verde, Inês e Iracema preparam-se para dormir.
Ouvem um programa no rádio. No quintal acontece o ensaio da escola de samba.
GIUSEPPE - “Eh vae mar. Vae mar a vida, vae mar... te digo eu que a vida vae mar,
porque vae mar mesmo. Porque quando vae mar, vae mar é porque vae mar
mesmo... Estou aqui no ponto desde cinco de la matina, e ainda num virei a
chave – e tenho uma dor no amolar esquerdo, que não sei se abestraio ele ou
se faço uma anistia gerar,.. por isso te digo que vae mar”
(transcrição)
Iracema - Também, você vive no meio do samba... não tem como fugir!
Inês - Também tem genti qui casa com pobre por interesse.
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CENA 3: Domingo de Sol. Jardim da Luz. Matogrosso e Joca esperam por Inês e
Iracema. Matogrosso olha o relógio da estação várias vezes.
AS DUAS - Adivinha!
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Iracema - A Inês é que é a fera da casa dela. (risos)
Joca - Antes quero mostrá o que eu comprei! (tira uma câmera do bolso)
Iracema - Eu não acredito, Joca! Eu sonhei que você tirava uma foto minha!
Iracema - Assim não, Joca! Tem de ser no meio das flores. (posiciona-se)
Joca tira uma foto de Iracema em pose singela. Em poucos instantes tem a foto
nas mãos. Os casais se afastam. Iracema e Joca passeiam de mãos dadas.
Joca - Não tem preço que pague uma foto sua, Iracema.
Joca - Quando a gente casa, quando você vai morá com a gente...
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Joca - Eu vou comprar as alianças nessa semana e vou pedir sua mão.
Iracema - Eu devo contar pra eles antes. Eles são os responsáveis por mim.
E também tem uma coisa, Joca...
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Matogrosso - Eu sou sambista e num sou malandro, sou trabalhadô!
Inês - Meu pai dá duro pela escola e num ganha nada, só gasta.
Inês - Mais aí tem qui ter talento, né? ´Cê tem talento?
Inês - Quero ver se o samba é bom pra levá pro meu pai...
Quantas serenatas
Eu tive que perder,
Pois o cavaquinho
Já não pode mais gemer.
Quanto sacrifício
Eu tive que fazer,
Para dar a prova pra ela
Do meu bem querer.
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Iracema - Você fala bem. Por que não trabalha numa loja ou restaurante?
Iracema - Você não nasceu pra carregar peso, Joca. O Matogrosso sim...
Iracema - (após um tempo) Olha como vocês levam jeito pra outras coisas...
Joca - Mas pra quem não tem estudo, não dá nem pra ser artista.
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Inês - E eu acho qui... aceito casá com você, Matogrosso.
Matogrosso - Mulher minha num tem qui fugí di casa pra casá!
Matogrosso - Eu infrento a fera! Vou lá na sua casa e peço sua mão pro teu pai.
Levo aliança di verdade. Tudo nos conformes. Você vai sê minha, Inês!
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Inês - Qui presepada é essa, Matogrosso?!
Inês - Só você pra trazê a genti na casa di quem você nem conhece!
Mas se tivesse educação, esse Arnesto deixava um bilhete na porta!
Inês vai embora enfurecida sem aceitar as desculpas. É seguida por Iracema, que
é seguida por Joca. Matogrosso, sozinho, acerta os acordes de sua composição.
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ENTRECENA: Arnesto aparece e conversa com Matogrosso.
Matogrosso - Ninguém, não sinhô... nós ´tava indo assim... meio di penetra.
Matogrosso - Intão o sinhô dá licença qui tenho qui encontrá meus amigo...
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CENA 4: Segunda-feira no canteiro de obras. Beleza canta o “Samba do Arnesto”.
Dito - Onti, ele chegô dum samba qui num ´conteceu, tocô e cantô a
noite toda. Quase qui ninguém drumiu aqui no ´lojamento.
Moacir - Prum samba qui nãum aconteceu, até qui rendeu baxstante!
Dito - Diz qui vai ti convidá pra cantá numa festa, Moací.
Moacir - Voixz ele tem, purr que ele mexsmo num canta, Dito?
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Joca chega na roda e coloca um saco de cimento no chão.
Dito - ´Cé é doido! Já contei trêis mulher sua desde qui te conheço!
Beleza - Mó barato!
Joca - Eu tenho um amor e uma mãezinha que, todo dia, me diz: “Deus
te abençoe, meu filho”, coisa que você num tem faz tempo!
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Matogrosso chega na roda.
Matogrosso desespera-se.
Dito - (tenta ajudar) Num é pra enchê laje! É só pra cantá, Moací!
Moacir - Dumingo vou sairr cum Eugênia, filha d´um carrcamano du Bixiga!
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Moacir - Maixs é cum a Eugênia qui eu vou sairr, ora.
Matogrosso - Você num pode me deixá na mão, Moacir! O pai da Inês vai fazê
uma iscola di samba! Já imaginô nosso samba virando enredo?
Moacir - Samba teu, Matogrosso! (decidido) Nãum vou! Dumingo vou sairr
cum a Eugênia pra verr o viaduto Santa Ifigênia! Ela morou lá quando
criança e tem uma noxstalgia incrível.
Matogrosso - Eu num acredito qui você num vai cantá por causa di mulher.
Joca - (para Matogrosso) Isso é pra você ver quem é amigo de verdade!
Joca - Até parece que ele fez alguma coisa. Eu vi o samba nascer!
Matogrosso - (sem prestar atenção) Como canta bem... pena que é safado!
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Dito - (espontaneamente) O Beleza canta esse samba...
Matogrosso - Deu chorado! Pede pro Seu Gervásio! Ele é mais bacana.
Inês - Vocês vão lá em casa no Domingo, né?! Num nóivo sem você!
Iracema - Tenho certeza que o Matogrosso falou a mesma coisa pro Joca!
Inês - Falei que ia levá o Matogrosso em casa pra todo mundo conhecê.
Aí, o Matogrosso pede minha mão e o pai nem tem como negá.
Iracema - Nós vamos pedir para que vocês sejam nossos padrinhos!
Inês - Ai, mais a gente num tem dinheiro pra isso, Iracema...
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Inês - Só você, Iracema! (abraçam-se) Contou pros teus tios?
Costureira 1 - Qui você terá ainda uns dias... (para outra) viu a Maria, minina?
Costureira 2 -´Tão dizendo qui ela sumiu cum homi... que caiu na boemia!
Costureira 3 - Deus mi livre, dexô o marido procurano pur ela, noite e dia...
Costureira 3 - Num para im casa mais qui trêis dia! (mulheres riem)
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ENTRECENA: Iracema entra na sala e vê os tios que ouvem atentamente ao rádio.
Terezoca - Me diga uma coisa Charutinho? O qual que é a receita para fazer uma
letra de samba?
Charutinho - Bom, pá escrevê uma boa letra de samba, a gente tem que ter uma
condição principal.
Charutinho - Pá escrevê uma boa letra de samba... sentida... humana. A gente tem
de sê, em primeiro lugal... narlfabeto. Só se for narlfabeto, escreve bem.
(transcrição)
A tia e o tio riem a valer. Iracema sai do quarto mas não é percebida.
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Cena 5: Sábado, no Morro da Casa Verde, Seo Zé afina o violão no quintal.
“Vai Nêga. Fala que o pai mandou, viu? Vai lá e fala que o pai mandou.”
“Vai fia. Fala que o pai mandou, viu? Não vai trazer combustível de avião, nega.
Vai falar que o pai mandou. Pra trazer daquele mel bom que matou o vigia, viu?
Só pra nóis. Mas não demora viu fia. Fala que o pai mandou. Pai mandou”
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Inês - Deve tá chegando, pai.
Dona Maria - (ao longe) As coisa tão quase pronta. A batata já tá assando.
Inês - Tô bonita?!
Dona Maria - Num sei não si nóis num vai tê surpresa hoje... ´cê tá grávida, fia?
Dona Maria - A Inês nunca traiz moço im casa... agora vem assim.
Seo Zé - Nome di homi ele tem. Agora, si é sambista, tem qui sê dos bom
purque num quero tê uma vergonha na minha família.
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Viaduto Santa Efigênia. Moacir chega correndo.
Moacir - Goixstou?
Foi aqui que você nasceu. Foi aqui que você cresceu.
Foi aqui que você conheceu o seu primeiro amor
Eu me lembro que uma vez você me disse
Que no dia que demolissem o viaduto
De tristeza você usava luto
Arrumava sua mudança e ia embora pro interior
Quero ficar ausente. O que os olhos não vê o coração não sente
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No Morro da Casa Verde, o pagode está “pegando fogo” no fundo do quintal.
Matogrosso chega com o cavaquinho na mão, acompanhado de Joca e Beleza.
Estão esbaforidos. A chegada chama tanto a atenção que para o samba.
Matogrosso - (tenta fazer graça) Num diz qui mi mata qu´eu desafino...
Iracema - E esse nome? Não combina, ele é tão... (ri) Vocês são loucos.
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Inês - (aplaudindo-os) Será qui meu pai gostô?
Dona Maria - (empolgada) O cantô é bom dimais e esse samba tem futuro!
Moacir - Goixstou?
Eugênia - Do samba?
Moacir - De mim.
Eugênia - Gosto.
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Eugênia - Claro que gosto!
Moacir - Casa?!
Eugênia - Caso!
Moacir - Duvido!
Matogrosso - (em voz alta) Eu tenho algo a declará: quero pedi a mão da Inêis!
Seo Zé - Mais, mi diga uma coisa fia: ocê qué mesmo casá?
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Moacir e Eugênia beijam-se na cama de um hotel.
Eugênia - (senta-se) Tudo isso? Meu pai não vai gostar de saber...
Moacir - (vestindo-se) Nãum vai gostarr amorr, nãum vai! Intão, nãum
conta nada. Agora exspera aí qui eu vou trazerr unxs pãexs quentexs!
Moacir sai do quarto. No morro da Casa Verde, uma roda de samba resiste. O pai
canta. A música funde-se ao nascer do dia.
Silêncio é madrugada
No morro da Casa Verde a raça dorme em paz
E lá embaixo meus colegas de maloca
Quando começa a sambar não pára mais
Silêncio. Silêncio é madrugada
No morro da Casa Verde a raça dorme em paz
E lá embaixo meus colegas de maloca
Quando começa a sambar não pára mais
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ENTREATO
ATO 2
Piove, piove,
Fa tempo que piove qua, gigi,
E io, sempre io,
Sotto la tua finestra
E vuoi senza me sentire
Ridere, ridere, ridere
Di questo infelice qui
Ti ricordi, gioconda,
Di quella sera in guarujá
Quando il mare ti portava via
E me chiamaste
Aiuto, marcello!
La tua gioconda a paura di quest'onda
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No canteiro de obras, os amigos conversam animadamente.
Dito - Qué dizê qui eu tamém tô convidado pro seu casamento, Moací?!
Moacir - Ixsto é pra moxstrar pra vocêxs qui sou amigo di toduxs!
Dito - (aponta para Beleza) E esse aqui, desdi qui cantô “O Samba do
Arnesto”, num cabe mais im si!
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Moacir também se revela indignado.
Moacir - Ixsto é injuxsto! Eu ainda vou provarr qui vocêxs exstão erradoxs!
Matogrosso - Fica assim não, Joquinha, Eu divido com você o meu salário!
Joca - Não era você que tava todo revoltado uns dia atrás?
Dito - Pur isso qui a gente trabaia duro aqui. O negócio lá fora tá brabo!
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Joca, irritado, canta.
Joca - Vim aqui pensando naquilo que você me falou, de arrumar outro
tipo de trabalho. Você acha que eu levo jeito mesmo pra outra coisa?!
Iracema - É claro que consegue! Você podia procurar na avenida São João.
Joca - Vou mandar aquela obra pro inferno! (ajoelha-se) Eu num quero
mais viver um dia sem você, Iracema. Com você eu tenho força!
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Enquanto isso, os amigos conversam na obra.
Matogrosso - Num sei não, Dito... o Joca tá c´o miolo meio mole!
João - ÊH-ÊH!
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Ao vê-lo, João aponta-lhe o dedo e o acusa.
João - ADÚRTERO!
João - Não tô muito bom... hoje tem jogo do coringão!!! Passo mal, meu!
Matogrosso - Você é o italiano mais preto qui eu conheço, Jão! Mora no Bixiga
mais mora numa maloca no córrego da Saracura; é branco mas
incorpora preto véio; é da Vai-Vai e, ainda por cima, é corintiano!
Todos riem. Na rua, passa uma mulher. Moacir assovia para ela.
Matogrosso - Mais num é fama di cantor qui tá correndo pur aí, não...
A mulher que está prestes a entrar no ônibus, olha para trás e manda um beijo.
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CENA 2: Joca caminha à procura de emprego nas ruas do Centro. Muita gente
passa por ele, cartazes anunciam produtos diversos, vozes, buzinas. A cidade
alucinada, também a Joca, alucina.
Joca entra em um bar movimentado da avenida São João. Vai até o balcão.
Gerente - Sou eu mesmo! (sem olhá-lo) Fala rápido que o bar tá lotado.
"silêncio, charóp,
Afinal de contas finarmente,
Nóis viemos aqui pra beber ou pra conversar"
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Não me amole rapaz
Não me amole
Não me amole
Deixa de conversa mole
Agora não é hora de falá
Nóis viemos aqui
Prá beber ou prá conversá?
Mais tarde, preocupado, Joca olha o relógio do bar e vai até o gerente.
Dito - Pur isso queu num caso! Casá pra fazê fio fora? SAI FORA!
Dito - Eu gosto! Isso pra mim é uma família. E quando é o seu casório?
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Apito. Os dois saem do alojamento. Joca chega agitado e os encontra.
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Hesitantemente João pega no braço de Joca. Concentra-se silenciosamente.
João - (fala baixo) Você vai trabalhá num bar da avenida São João.
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Enquanto isso, na calçada em frente à construção.
Iracema - Quase morri! (esbaforida) Conta, Joca! Não me deixe mais aflita!
Iracema - Estou feliz! (enxuga as lágrimas) Vou passar todo dia lá!
Joca - Todo dia vai ter adeus até a gente casar... (choroso)
Iracema - Hoje falo! Sem falta! Agora preciso desligar... Adeus, Joca!
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ENTRECENA: À noite, os tios de Iracema ouvem rádio quando ela chega.
Tia - Nós também, por isso a gente quer descanso. Não pode?
PAFUNÇA - Charuto! Ocê é o cara mais vagolino que já apareceu no morro do Piôio.
Ocê é um vagabundo de corpo intêro!
CHARUTINHO - Eu? Se eu trabaiei? Bão... Qué dizê... Eu... Eu já tive munto perto do
trabáio... Já tive na fila dos que se escreve pá sê olhêro do corpo de bombêro
em junho, pra vê se balão cai... E porvoca incêndio!
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CENA 3: No outro dia, Joca e Iracema caminham nas ruas do Centro.
Joca - Você me deu sorte, Iracema! (súbito) Falou com os seus tios?
Iracema - Vou adorar. Não preciso nem ver... (mudando de assunto) fiz um
crediário, Joca! Logo tô pronta pra casar!
Joca - É sim.
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No alojamento, Dito conversa com Beleza enquanto engraxa os sapatos.
Dito - Vai pra onde Beleza? ´Cê nunca teve lugá pra ir...
Dito - Mais um qui vai imbora... daqui a pouco num tem mais ninguém...
Dito - Tem genti qui nasce pra cigarra, mais a maioria é formiga, Beleza.
Beleza - Uma pena, Dito, uma pena. (conformado) Bem... adeus Dito!
Matogrosso - Aluguei nossa casinha! Vamo levá tudo pro nosso canto!
Seo Zé - A gente vai ficá cum saudade até da sua vergonha da gente...
Inês - Ô pai...
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Inês se atira aos braços do pai, chorando. Um raio estala. Acaba a luz na casa.
Dona Maria - Num tem coisa melhó pruma noite sem luz!
Dona Maria - Fazê o quê? Tamo tudo sem luz! (abre a porta) Entra fio!
Todos cantam.
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Moacir e Gabriela recebem os convidados do casamento num salão iluminado da
Mooca. Logo, chega o pessoal da construção, acompanhado por várias pessoas.
Matogrosso também chega com a turma da Casa Verde.
Mãe italiana - (irada) Della donna abandonatta num hotel della Santa Ifigênia!
Mãe de Gabriela - É pouco pra Gabriela! Quem manda casar com qualquer um?
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Gabriela tem um surto e anuncia o início do casamento.
Moacir - Malvina!? Qui você exstá fazendo aqui cum axs criançaxs?!
Pai italiano - (aponta para Eugênia) Veja il bucho dessa aqüi! O pai é o Moací!
Moacir foge. Os grupos brigam entre si. Raios e trovões caem sobre a cidade.
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ENTRECENA: Estúdio de uma emissora de rádio.
Assistente - GRAVANDO!
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CENA 4: no canteiro de obras, Matogrosso e Joca conversam animadamente.
Joca - Eu sempre falei qui esse Moacir não era boa coisa!
Matogrosso - É nessas hora qu´eu num troco minha Inêis pur nada!
Iracema - Que bom, Inês! Bem na hora que vocês vão juntar.
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Foco novamente na conversa dos dois amigos.
Dito - O Beleza fez teste pra cantô numa rádio e... passô!!!
Joca - O quê?!
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Joca - E você Mato?! Como fica?
Dito - lembra qui o Jão falô qui o Beleza ia fazê muito sucesso?!
João - Muito filho pra criar, pouca mulher e saúde pra amá!
Não reclama
Contra o temporal
Que derrubou teu barracão
Não reclama
Guenta a mão joão
Com o cibide
Aconteceu coisa pior
Não reclama
Pois a chuva
Só levou a tua cama
Não reclama
Guenta a mão joão
Que amanhã tu levanta
Um barracão muito melhor
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C'o cibide coitado
Não te contei?
Tinha muita coisa
A mais no barracão
A enxurrada levou seus
Tamanco e o lampião
E um par de meia que era
De muita estimação
O cibide tá que tá dando
Dó na gente
Anda por aí
Com uma mão atrás
E outra na frente
Matogrosso - Cumé qui você acerta tudo e num adivinha qui vai chovê?
João - Não Joquinha! Não vem com essa, de novo, não. Adeus!
João - (ao Matogrosso) Minha mulher mandô você intregá isso pra Inês!
João - Tem uma coisa... si vocês tivé juízo também deve saí daqui...
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Matogrosso - Desembucha home...
Dito - Ah, o Seo Gervásio num fazia isso co´a gente, não...
Joca - Robô, nada! Vão mandá nóis tudo imbora! Vão pegá otros melhor!
Matogrosso - Num era ocê qui num tinha medo di perdê imprego?
Silêncio.
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ENTRECENA: casa dos tios de Iracema. Os tios estão sentados a ouvir rádio.
CHARUTINHO - Pois é... tudos mundo diz que trabaio é bão, que trabaio não habilita,
que trabaio é bacana... eu arresorvi fazê uma aventura no mundo imorar do
trabaio!
PAFUNÇA - Intão, tá na hora das onça virá tapete! Eu nem acridito. Eu vô contá pá
tudos mundo que ocê... saiu da risca!
CHARUTINHO - Conta, nega, conta. Vai e conta que eu entrei na imensa fila dos otário
que trabáia.
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CENA 5: Sábado no cartório, casamento de Matogrosso e Inês.
Joca - Nem brinca, Iracema. Minha mãe pergunta di você todo dia...
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Uma rádio capta, incidentalmente, o “Samba do Arnesto” no cartório.
Inês - Caramba!
Dito - Ê, amigão!!!
Seo Zé - Agora o Matogrosso tá grandão e pode levá nóis tudo pro Bixiga!
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Matogrosso e Inês estão sentados em torno de uma mesa de samba no Bixiga
cercados pela família da noiva e por amigos de última hora.
Garçon - E daí?!
Matogrosso - Daí qui ´cê vai cobrá di mim?! Eu até cantei o samba!
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Enquanto isso, Iracema está saindo do bar quando Joca chama a sua atenção.
Iracema sai. Lá fora, o vento e a neblina fria começam a tomar a cidade. Em cena
paralela, Moacir aparece na penumbra e bate na porta de casa. Chama por
Malvina. Ninguém responde. Esmurra a porta. Desolado, canta.
Malvina abre a porta. Moacir encontra a mulher sentada na cama ao lado dos
filhos. No chão, malas, trouxas de roupa e utensílios domésticos espalhados.
Malvina - Maixs di uma semana sem notícia, Moacirr? Exstava indo imbora!
Malvina - Eu vou voltarr pro Rio! Vou imbora cum oxs piquenoxs.
Malvina - (recua) Você exstá cum cheiro di mulherr! Nãum ti quero maixs!
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Moacir acolhe Malvina em seus braços. Malvina tenta resistir.
Moacir - Exstá fazendo maixs di deixz anoxs qui nóixs exstamoxs juntoxs!
Moacir - Daqui você nãum sai. Minha vida sem você nãum vai.
Moacir - Malvina. Fica aqui cum o teu nêgo, Malvina. Lá fora a vida é dura
sozinha, filha. Malvina. Malvina. Pensa bem nêga. Pensa bem.
Moacir - Vou provarr a você e aoxs meuxs amigoxs qui eu nãum sou!
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ENTREATO
Matogrosso corre desesperado, entra num beco onde é cercado por grupo,
apanha e ouve: “Esquece essa história de Samba do Arnesto!”. Enquanto isso,
Beleza é ouvido nos aparelhos de rádio de toda a cidade. Iracema assusta-se
quando percebe um clarão em sua face. Ouve-se o frear brusco do automóvel e
uma pancada forte. Na casa dos tios de Iracema, eles têm a impressão de que a
sobrinha chegou, a tia pergunta: “Iracema?! É você?! Quer conversar hoje?”,
mas logo percebem que foi apenas um vento. Preocupam-se.
Escuridão total até que surge uma luz que ilumina uma longa escada. Na
base da escada aparece Beleza, de óculos escuros e roupas extravagantes.
Beleza canta enquanto um grupo de tietes atira-lhe flores gritando seu nome:
“Beleza! Beleza!”
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ATO 3
CENA 1: Joca bebe num bar da Av. São João enquanto é observado por Iracema.
Se chegue tristeza
Se sente comigo
Aqui nesta mesa de bar
Beba do meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza
Tristeza de amar
Iracema - Não adianta ficar assim, Joca. Acontece com todo mundo...
Iracema - Beber não resolve nada! (tristemente) Sua mãe não ia gostar.
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Iracema - O que é isso Joca?!
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E hoje ela vive lá no céu
E ela vive bem juntinho de nosso Senhor
De lembranças guardo somente suas meias e seus sapatos
Iracema, eu perdi o seu retrato.
Subitamente Matogrosso entra no bar em que Joca está, carregando nas mãos
um cavaquinho e se entusiasma ao rever o amigo. Joca demonstra apatia.
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Matogrosso - Joca!!! Inda bem qui eu ti incontrei homi!!! Você sumiu!
Matogrosso - Pur isso qui você sumiu... andei tudo atráis d´ocê. Fui lá no bar!
Joca - Num tô mais lá! Saí do Jaçanã também! Tô na São João agora.
Matogrosso - Mais mulher não! Sabe o qui a Inêis feiz?! A Inêis mi abandonô!
Joca - (alterado) Num diz isso! Si ti deixô deve tê tido algum motivo.
Matogrosso - Passei pur uns mau-bocado desde qui eu tive aqueles poblema.
Joca - E batêro?!
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Matogrosso - Só num batêro mais purque eu fugi e fui tirá satisfação c´o
Beleza!
Matogrosso - Pegô di leve, mais o froxo deu parte. Eu fui preso, Joca! Fui
fichado. (revoltado) Quando saí num consegui mais emprego! Daí, caí na
bebida, comecei a quebrá tudo em casa! Até qui eu bati na Inêis.
Joca - Sabia qui tinha motivo pra ela tê fugido. E como foi qui ela sumiu?
Matogrosso chora. Joca pede mais uma rodada de cachaça. O garçon serve-os.
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Matogrosso - Ainda fui despejado purque era a Inês qui tava pagando tudo com
a tecelagem... Só mi sobrô o cavaquinho. Agora tô vagano pur aí...
Joca - (brinda) Pra afogá as mágoa! (respira fundo) E eu qui nunca mais
posso vê a Iracema?
Joca - Lembra qui o Jão preveu até qui o Beleza ia fazê sucesso?!
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Seo Zé - (na janela) É a fia! Já vai, fia!
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Joca - Você sabe ondi anda o Dito?!
Eu sou a lâmpida
E as muié é as mariposa
Que fica dando vorta em vorta de mim
Todas noite só pra me beijá
Tá muitu bom...
Mas num vai si acostumá, viu
Dona mariposinha?
Joca - Nunca mais vou ter outra mulher! (para) Tô viveno aqui...
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Matogrosso - Num é caro morá em hotel não, Joca?!
Joca - (fora de si) Eu num quero mais nada cum nada, Matogrosso!
Matogrosso - Discansa! Vai fazê bem pr´ocê. Amanhã você levanta bom!
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Empregador 2 - O senhor desculpe, mas as vagas já foram preenchidas.
Matogrosso - Mais tava vaga... pur que num diz logo qui é purque já fui preso?!
Matogrosso - (bebe) Si a Inês num fosse tão cabeça dura, eu pidia disculpa!
Inês - (também chora) Si ele num fosse tão cabeça dura... eu perdoava!
No quarto do hotel, Joca recebe a visita do gerente português.
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Seo Manuel sai do quarto, ao cruzar Matogrosso que chega, repete a ameaça.
Manuel - Teinxs até aminhã prã pagaire vosso quarto, gajo! Até aminhã!
Matogrosso - Mais ocê num disse qui dava pra uns treiz dia?
Matogrosso - Qui chero di merda é esse? Ocê num levantô nem pra cagá?
Matogrosso - Qui Deus ajuda, Joca?! Deus só impurra a gente pra baxo!
Matogrosso - Pur que num diz logo qui é purque já fui preso?!
Empregador 2 - Cê já teve preso?! Não, não dá, não... por favor, retire-se!
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Matogrosso, arrasado, observa um cordão de homens que segue uma moça.
Dona Boa - Não vai me dizer que eu também ofusquei o seu dia?
Dona Boa - Não me diga que se eu não existisse, Deus teria de inventar?
Dona Boa - E qual é o trocadilho infame que você vai usar pra me cantar?
Dona Boa grita. Matogrosso foge. Logo, está no quarto no hotel com a bolsa.
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Matogrosso - Olha Joca, consegui o dinhero pra pagá o seo Manuel...
Nisso, ouvem o som de sirene. Logo ouvem um tropel na escada e uma voz forte.
Dona Boa - Esse daí teve a audácia de me assaltar e nem dar uma cantada!
Matogrosso sai sob porrada. Joca é jogado na calçada da avenida São João, em
cima do colchão sujo. Ao seu lado, um homem maltrapilho o observa.
Joca - Os trêis!
Ozébio - Ih, já veio pra rua bichado?! Pneumonia? (pausa) Aqui num
dura...
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Ozébio - Si ocê num durá posso pegá o cochão e o violão?
Dona Maria - A gente também tem qui vê o otro lado das coisa... num é certo
abandoná o rapaiz assim, sem conversá...
CENA 3: Noite. Joca continua jogado sobre o colchão na rua. Ozébio o sabatina.
Ozébio - Posso dizê qui uma Maria foi o motivo e a cachaça foi a causa!
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Joca - Ninguém é dono do destino!
Fã 1 - Me dá um autógrafo, pelamordedeus!
Todos abrem passagem ao fantasma que Joca parece ser. Ao chegar ao carro,
bate no vidro. Ao vê-lo, o agora riquíssimo cantor, abre-o.
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Beleza - Joca?! Esperava isso do Matogrosso, mais não d´ocê!
Beleza - ´Cê tá doido, Joca?! Qui culpa tenho si ele mi deu uma facada?
Joca - Ninguém sobe sozinho, Beleza! (irado) Cadê todo mundo? Seus
amigos? Seus filhos? Cadê a Tereza? Dexô tudo lá no Morro do Piolho?
Beleza - Num sei do que ´cê tá falano... (para o chofer) Toca o carro!
Seo Zé - Nem pra ouví um verso? Esse pode sê seu próximo sucessio, fio.
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Beleza - Pur aquela amizade vô dá uns trocado pr´ocê comprá umas rôpa.
Joca - Eu tô pidindo pur nosso amigo qui tá veno o sol nascê quadrado.
Beleza - Agora dá licença qui eu tenho qui dá atenção pras minhas fãs.
Joca - Vai precisá rezá muito pra redimi suas culpa, Beleza!
Beleza joga um punhado de dinheiro pela janela do carro. Ozébio pega as notas.
Seo Zé fica entristecido.
Seo Zé - (chora) Num é, mais é igual! Os jóvi num qué sabê di nóis!
Dona Maria - Viveno e aprendeno, fio! (muda de assunto) Como você tá, fio?
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Joca - O coitado tá arrependido!
Dona Maria - Isso só ela pode dizê! Nóis queria podê ajudá vocêis!
Tia - Entra, filha! Faz tanto tempo que não vem ninguém aqui em casa.
(chama o marido) Marido! Desliga o rádio, faz um café pra moça!
Inês - Acontece qui a mãe dele também morreu e ele tá jogado pur aí...
Tio - O que ´cê qué qui a gente faiz? Trazê o estranho pra casa?
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Inês - Claro! A Iracema ia ficá muito feliz.
Inês - Bem qui ela dizia qui ocêis só dava atenção pro rádio...
CENA 4: Joca está deitado sobre o colchão na avenida São João. Ozébio chega.
Ozébio - Arranjei um lugá coberto pra gente! Vai fazê bem pra sua tosse.
Ozébio - Vambora qui si a gente demorá muito vão fazê negócio co´tro.
Joca - Pelo menos pra alguma vai serví aquele dinhero maldito!
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Joca - ´Cê é cheio das filosofia... e si o Matogrosso vortá?
Ozébio - Ele logo vai ficá sabendo pra onde a gente foi...
Ozébio - Dexa está! Um dia esses tamém entra na máquina di moê gente!
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No local, que está lotado, Joca tem dificuldade para ajeitar o seu colchão.
Ozébio - ´Cê queria excrusividade? Aqui tem até lugá pra tomá banho!
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Ozébio - Tá vendo o que você consiguiu?! Fomo expurso!
Joca - Num foi fácir, Matogrosso! Mas, como você saiu da cadeia?
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Joca - Parece qui ainda sobrô alguma coisa naquele coração...
Matogrosso - Ondi? Não vejo a hora de encontrá um lugá pra gente ficá?!
Joca - Assombrado? Pra mim qui já tô com o pé mais lá do qui cá, num
faz diferença!
Os três riem.
Os três e o cachorro caminham em direção ao palacete.
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ENTRECENA: Moacir e João conversam em um bar na avenida São João.
Moacir - Nóixs somoxs oxs únicoxs qui rexstaram daquela turrma, Juão...
Moacir - Foi você que arranjou tudo pra mim!!! (pensativo) Meu amigão...
sabe, Juão? Fico pensando por onde andará Joca e Matogrosso? Soube
qui andaram jogadoxs na São João, vendo o sol quadrado na detenção...
João - Eu num previ nada! (irritado) ´Cê quer saber, sinto falta do Dito!
Moacir - Ih, esse pode tê até morrido! O rapaxz era sozinho, mó exquisito!
Moacir - Minha vida num tem maixs nada a ver cum o samba, Juão!
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CENA 5: Dito, o velho amigo aparece, em cena paralela, visitando o canteiro de
obras onde trabalhou. Está tudo diferente e modernizado.
Seo Gervásio - Claro que lembro, Dito! E os outros rapazes,? Matogrosso, Joca,
Moacir, João? Do Beleza eu sei. Todo mundo sabe!
Dito - Nunca mais vi meus amigo, seo Gervásio! Pur isso mesmo é qui
eu quis vortá aqui pra trazê notícias minha. Sô muito ´gradecido pur
aquele dinheiro qui o seu José Aparecido mi deu anos atrais.
Seo Gervásio - Deu nada, Dito! Aquilo era seu fundo di garantia! Era seu direito!
"seu Gervásio,
Se dr José Aparecido aparecer por aqui
Cê dá esse bilhete a ele
Pode lê, num tem segredo nenhum
Pode lê seu gervásio"
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Matogrosso, Joca e Ozébio conversam sentados no palacete assobrado.
Voz - Peteleco!
Ouvem mais passos na escada e uma voz rouca que balbucia algo.
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Matogrosso - Seo ADONIRAN?!
Joca - Peteleco?!
Ozébio - O sinhô num pode dá umas pila pra gente, seo Adoliran?
Adoniran - Posso trazê uns filé miau... sabe como é vida di artista.
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Adoniran - Por que tanta raiva, fio...
Adoniran - Eu?! Mandá batê?! Isso é coisa di quem num sabe conversá.
Matogrosso - Batêro, mas num tive culpa! Foi sem querê qui plagiei a música.
Adoniran - Eu volto.
100
Joca - Num ´credito! Ordem do nosso amigo?!
Ozébio - Num fica assim, qui amanhã nóis arranja otro lugá!
Joca e Ozébio saem. Matogrosso sai com as mãos erguidas como bandido.
Os três sentam-se defronte ao palacete. Um curioso aproxima-se.
101
Matogrosso - Chega lá ONDE, Joca?
102
EPÍLOGO
Adoniran - Pra onde será qui foram aqueles moços, Peteleco? Justo agora
queu vim pra ajudá. (balança os ombros) Que pena, Peteleco! Fazê o
quê?! Pacença, Peteleco, pacença...
Fecha o pano.
FIM
103
UMA SAUDOSA MALOCA (canções/personagens-intérpretes)
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