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GUERRA NA FÁBRICA:COTIDIANO OPERÁRIO FABRIL DURANTE A

SEGUNDA GUERRA - O CASO DE JUIZ DE FORA-MG

Dissertação de mestrado, orientada pela Profª Drª


Maria Célia Paoli, desenvolvida junto ao Programa
de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras da USP.

JAIRO QUEIROZ PACHECO

Maio de 1996
Ao Sr. Jairo e à D. Cotinha,
com quem aprendi, muito antes de poder compreender,
os valores do mundo dos que trabalham.

Àquelas que ajudaram-me muito além do que possam


compreender (Luiza e Carolina),
ou imaginar (Ângela).

2
“Acostumei o ouvido desde logo à música fecunda dos teares
Acordava com o grito áspero das sirenes
saltando no ar molhado das manhãs
Na manhã muito fria e ainda cheia de sombras
Acordava a minha rua
O ritmo de passos na calçada
Passos duros e largos de operários
Indo para o trabalho (...)”

José Álvaro Muniz, 1939 . (Suplemento do Diário Mercantil de 24/10/1943 )

“Nos nossos lares não há pão e


nos nossos sindicatos não há liberdade”

Título de matéria do Diário Mercantil de 25/03/1945

“Depois da fábrica fechada, tive dificuldade de me adaptar aqui fora. Mas depois que me
acostumei com o mundo daqui de fora, às vezes até agradecia ter saído da firma, pois os 26
anos que passei lá começaram a parecer uma época de escravidão.”

Depoimento do Sr. Sebastião Aguiar, antigo operário da Meurer, em junho de 1993.

3
SUMÁRIO

LISTA DE TABELAS 5
APRESENTAÇÃO 8

PRIMEIRO CAPÍTULO
1 - O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E DE INDUSTRIALIZAÇÃO DE JUIZ DE
FORA
1.1- Raízes da Urbanização e da Industrialização de Juiz de Fora 12
1.2- Cafeicultura e origem dos capitais da indústria têxtil 17
1.3- Urbanização e Industrialização de Juiz de Fora na segunda metade
do século XIX. 20

SEGUNDO CAPÍTULO
2 - ESTADO E BURGUESIA TÊXTIL NO BRASIL - 1930-1945 31
2.1- Introdução 32
2.2 - A Formação Do Estado Novo 40
2.3 - Evolução Da Indústria Têxtil Nacional 53
2.3.1- O Período anterior à Segunda Guerra Mundial 53
2.3.2- Segunda Guerra e Performance Comercial da Indústria Têxtil 57
2.3.3- Perfil da Indústria Têxtil Durante a Segunda Guerra 64
2.4- Militarização das Atividades Civis durante a Segunda Guerra 67
2.5 - Cenas de um casamento: Estado e Burguesia Têxtil durante a
Segunda Guerra Mundial 82

TERCEIRO CAPÍTULO
3 - COTIDIANO FABRIL OPERÁRIO NA INDÚSTRIA TÊXTIL DE
JUIZ DE FORA 97
3.1- O Uso dos Processos Trabalhistas Como Fonte de Pesquisa 98
3.2- A Fábrica Antônio Meurer 105
3.3- Construindo o Reconhecimento do “Direito de Não Ter Medo” 111
3.4- Os Soldados da Produção Não Batem Continência 121
3.5- Os Casos da “Bernardo Mascarenhas” e da “São João Evangelista” 148
3.6- Cotidiano de Trabalho em Outras Fábricas da Cidade 162
3.7- O Retorno do Movimento Operário 175
3.8- Considerações Finais 181

4 - FONTES E BIBLIOGRAFIA 184

5- ANEXOS 196

4
ÍNDICE DE TABELAS

T ABELA 1 - PRINCIPAIS FÁBRICAS T ÊXTEIS DE J UIZ DE FORA - DÉCADA DE 1930 ------------------------------------ 18


T ABELA 2 - P OPULAÇÃO DA ZONA DA MATA E DE J UIZ DE FORA (1890-1950) ---------------------------------------- 21
T ABELA 3 - ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS E INDUSTRIAIS DE J UIZ DE FORA (1870-1925) --------------------- 22
T ABELA 4 - INDÚSTRIA DE JUIZ DE FORA - 1920-1950 -NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS , CAPITAIS E
PESSOAL OCUPADO----------------------------------------------------------------------------------------------------- 24
T ABELA 5 - INDÚSTRIA DE JUIZ DE FORA - 1920-1950 - OPERÁRIOS POR FÁBRICA ----------------------------------- 27
T ABELA 6 - DISTRIBUIÇÃO DE CAPITAIS DA INDÚSTRIA DE J UIZ DE FORA (1920-1939) / VALOR
ADICIONADO TOTAL DA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO DO BRASIL (1919-1939) -------------------------- 28
T ABELA 7 - IMPORTAÇÃO DE TECIDOS DE ALGODÃO - BRASIL - VALORES ANUAIS MÉDIOS - 1925-1949 -------- 55
T ABELA 8 - MÉDIA ANUAL DA PRODUÇÃO BRASILEIRA DE TECIDOS DE ALGODÃO - 1920-1948 ------------------- 56
T ABELA 9 - IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO BRASILEIRA DE TECIDOS DE ALGODÃO 1 920-1949 (EM
TONELADAS) ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 58
T ABELA 10 - EXPORTAÇÃO BRASILEIRA DE TECIDOS DE ALGODÃO - 1940-1947 (P OR CONTINENTES, EM
TONELADAS E P ORCENTAGEM) --------------------------------------------------------------------------------------- 59
T ABELA 11 - PREÇO MÉDIO DO TECIDO DE ALGODÃO EXPORTADO PELO BRASIL - 1939-1948 (EM CR$,
P OR METRO) ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 60
T ABELA 12 - PRODUÇÃO, IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE TECIDOS DE ALGODÃO - BRASIL - 1920-1949
(MÉDIA ANUAL P OR DÉCADA, EM TONELADAS E P ORCENTAGEM ) ---------------------------------------------- 61
T ABELA 13 - INDÚSTRIA EM GERAL E INDÚSTRIA TÊXTIL B RASILEIRA - 1940 (Nº DE
ESTABELECIMENTOS, MÃO-DE-OBRA OCUPADA E FATURAMENTO) --------------------------------------------- 64
T ABELA 14 - INDÚSTRIA B RASILEIRA - 1940 (Nº DE ESTABELECIMENTOS , Nº DE OPERÁRIOS E VALOR DO
CAPITAL) ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 66
T ABELA 15 - ACIDENTES DE TRABALHO DA FÁBRICA MEURER (1939-1945) --------------------------------------- 135
T ABELA 16 - GREVES NOTICIADAS PELO DIÁRIO MERCANTIL DE MARÇO DE 1945 A JUNHO DE 1946 ------------- 177
T ABELA 17 - NÚMERO E TIPO DE RECLAMAÇÃO TRABALHISTA - SETOR TÊXTIL - J UIZ DE FORA (1944-1946) -- 219
T ABELA 18 - RESULTADO, RECURSOS IMPETRADOS E SEXO NAS RECLAMAÇÕES TRABALHISTAS CONTRA A
INDÚSTRIA TÊXTIL - J UIZ DE FORA (1944-1946) ----------------------------------------------------------------- 220
T ABELA 19 - INDÚSTRIA TÊXTIL DE ALGODÃO - 1946 - CONCENTRAÇÃO DE OPERÁRIOS POR ESTADO E POR
EMPRESA -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 221
T ABELA 20 - DISTRIBUIÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DA INDÚSTRIA TÊXTIL POR SEXO E POR IDADE EM MINAS
GERAIS E NO BRASIL - NÚMERO ABSOLUTO E P ORCENTAGEM - 1946 ----------------------------------------- 222
T ABELA 21 - DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL E EM METROS DA PRODUÇÃO TÊXTIL ALGODOEIRA POR ESTADO -
1946 -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 223
T ABELA 22 - VARIAÇÃO DOS CAPITAIS, RESERVAS, DIVIDENDOS E REMUNERAÇÃO DA DIRETORIA DA C IA.
DE T ECELAGEM DE M ALHAS ANTÔNIO M EURER - 1940-1950 - EM CONTOS DE RÉIS E MILHARES DE
CRUZEIROS ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 224
T ABELA 23- VARIAÇÃO DOS CAPITAIS, RESERVAS, DIVIDENDOS E REMUNERAÇÃO DA DIRETORIA DA C IA.
DE FIAÇÃO E T ECELAGEM SANTA CRUZ --------------------------------------------------------------------------- 225
T ABELA 24 - VARIAÇÃO DOS CAPITAIS, RESERVAS, DIVIDENDOS E REMUNERAÇÃO DA DIRETORIA DA C IA.
TÊXTIL B ERNARDO MASCARENHAS - 0-1950 - EM CONTOS DE RÉIS E MILHARES DE CRUZEIROS --------- 226

5
AGRADECIMENTOS

Mais que a um conjunto de palavras e de folhas de papel, estes agradecimentos

referem-se a vivências e solidariedades angariadas numa daquelas poucas fases da vida em

que se tem consciência de se estar vivendo algo realmente importante e definidor.

Agradeço primeiramente à Maria Célia Paoli, orientadora e modelo de competência e


retidão intelectual. Pela sua disponibilidade, paciência e respeito às limitações por mim
apresentadas, e ainda pela precisão nos comentários e sugestões de leituras e de redação, só
poderei agradecer tentando assim também proceder com aqueles que venham a necessitar de
alguma orientação na minha vivência como professor.
De Eduardo Salles e Edilene Cofacci recebi as dádivas mais preciosas desta trajetória:
a amizade, a fraterna acolhida em São Paulo, além de sugestões e comentários fundamentais
no Projeto Inicial, nos trabalhos de curso e no texto final.
Com o Prof. e amigo Galba Di Mambro, conversei sobre as idéias iniciais deste
trabalho, e obtive, além de incentivos, importantes orientações sobre documentos úteis ao
mesmo. Geraldo Pereira e Kátia Penna também contribuíram de forma importante, nas
conversas a partir do esboço inicial, em momentos roubados de outros papos e, sobretudo,
com um interesse amigável e encorajador.
Augusto César Simões e Helena ajudaram-me com grande competência e boa vontade
na coleta de dados. Meu reconhecimento estende-se também à amizade desfrutada, que
tornou agradável a estafante tarefa de fichamento de jornais e de documentos de arquivo.
Sou também devedor aos colegas de Departamento, especialmente a José Miguel e a
Cristiano Simon, pela leitura crítica, comentários e por cobrirem parte de meus afastamentos
na fase de redação. O mesmo se dá em relação a Maria Dulce, Sylvia Mello e Niminon Suzel,
pela leitura e comentários de diferentes fases do trabalho. Sylvia colaborou ainda
substituindo-me em algumas aulas nestes momentos decisivos de finalização. Ao conjunto do

6
Departamento, e à Universidade Estadual de Londrina, agradeço a licença, que possibilitou -
me efetuar a coleta de dados e a parte inicial da redação.
Ana Cleide e Marcelo Ridenti atenderam de pronto a um pedido de leitura e confecção
de pareceres que foram fundamentais ao recebimento de ajuda pela ANPOCS.
Os colegas da pós-graduação, através do Seminário de Projetos, também contribuíram
com propostas e considerações importantes.
Mais recentemente, os Professores Michael Hall e Francisco Oliveira, fizeram uma
generosa e atenta apreciação dos dois primeiros capítulos, no exame de qualificação. Credite -
se a eles grande parte do que houver de consistente nos mesmos. Infelizmente o tempo
disponível não foi suficiente para que pudesse acatar algumas das instigantes sugestões ali
proferidas.
É de praxe agradecer a funcionários de arquivos e bibliotecas. No meu caso, tenho a
satisfação de reconhecer não somente o apoio técnico recebido, como também a boa vontade,
paciência e infinita disponibilidade de pessoas com quem cheguei a conviver e a ocupar por
alguns meses: as várias funcionárias do Diário Mercantil e do Diário da Tarde; Neusa
Mitterhoff, do Gabinete de Itamar Franco, proprietário do acervo da Gazeta Comercial;
Márcia, do Sindicato dos Têxteis; Noemi Siqueira, do arquivo da Junta de Conciliação e
Julgamento. Fui também muito bem recebido pelos funcionários da Secretaria da Auditoria
da 4ª Região Militar, do SIFTA-RJ, do Centro Industrial de Juiz de Fora, da Biblioteca
Municipal Murilo Mendes, do Arquivo Permanente da Prefeitura de Juiz de Fora e da
Câmara Municipal daquela cidade.
Este trabalho contou ainda com o vital apoio da bolsa do CNPq e da premiação, na
modalidade B-Fin, por parte da ANPOCS (Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Ciências Sociais), em convênio com a Ford Foundation.
A colaboração de tantos não me exime da responsabilidade pelos erros e omissões que
esse trabalho venha apresentar.

7
APRESENTAÇÃO

O Projeto original que apresentamos para a seleção do mestrado intitulava-se

Movimento Operário em Juiz de Fora - 1945/1964. Rapidamente percebemos que o

mesmo era inexeqüível, dada a extensão do corte cronológico e da problemática ali

colocados, além da ausência de articulação com questões históricas melhor definidas.

No estudo sobre a questão operária anterior a 1945, deparamo-nos com uma intrigante

questão: durante o período da Segunda Guerra Mundial, a indústria têxtil foi considerada

como mobilizada e participante do esforço de guerra, passando a funcionar sobre condições

as mais adversas no tocante à organização e disciplina do trabalho. Ocorreu uma

militarização do trabalhador têxtil que, ao lado da obrigatoriedade de cumprir jornadas de

trabalho que comumente chegavam a mais de doze horas diárias, era considerado como

engajado e passível de julgamento por Tribunal Militar caso abandonasse o ”seu posto”.

Mas o mais intrigante era a negligência da historiografia com relação à questão.

Preocupada com a análise da implantação do modelo corporativo de organização sindical,

com o estudo do caráter populista e paternalista da relação de Getúlio Vargas com a classe

operária e com o significado da extensa legislação social, nela só encontramos alusões

superficiais à questão, sem a preocupação de realmente analisá-la. A exceção a este

tratamento foi encontrada apenas nos últimos trabalhos de Maria Célia Paoli ou em outros

que a citavam.

Por outro lado, Juiz de Fora destacava-se na época da Segunda Guerra como um

importante centro industrial têxtil e o conhecimento que tínhamos das fontes documentais ali

existentes, nos permitiam enxergar a possibilidade de um tratamento aprofundado da questão

8
a partir dos mesmos. Nesse ínterim, descobrimos o arquivo de processos trabalhistas da Junta

de Conciliação e Julgamento da cidade, onde nos surpreendemos com a rara ocorrência de

um arquivo extenso, rico em documentos importantes e bem organizado.

Essa dissertação resultou, portanto, da junção desses três fatores: a identificação de

uma lacuna na historiografia referente a um tema de nosso interesse; a possibilidade de

utilização de documentos que permitiam ampliar o tratamento até então dado à questão; e o

acesso ao mais indicado pesquisador - no caso pesquisadora - para orientar tal trabalho.

No primeiro capítulo fizemos uma análise do processo de urbanização e

industrialização de Juiz de Fora, dando destaque para a formação da indústria têxtil. Para

tanto nos valemos basicamente de outros trabalhos acadêmicos e de uma releitura de fontes

secundárias por eles consagradas.

No segundo capítulo tentamos explicar como se articularam burguesia têxtil e Estado

na gestação da legislação aplicada à regulamentação do trabalho nas indústrias participantes

do esforço de Guerra. A utilização de documentos do Sindicato da Indústrias de Fiação e

Tecelagem de Algodão do Rio de Janeiro (CIFTA-RJ) mostrou-se fundamental para esta

parte do trabalho. Isto porque, na prática, aquele sindicato funcionava como um poderoso

lobby desse setor junto ao Governo Federal, pela proximidade geográfica e afinidade

ideológica que mantinha com o mesmo. Este capítulo tenta também analisar as alterações

provocadas pela conjuntura de guerra no cotidiano de vida de alguns setores da população.

O terceiro capítulo começa com uma breve reflexão sobre as implicações do uso de

processos como fonte histórica. Na seqüência, apresentamos uma narrativa sobre o cotidiano

operário dos têxteis, construída a partir de depoimentos retirados dos processos trabalhi stas e

de notícias de jornais. Demos destaque para os casos ocorridos no interior de três fábricas

9
que nos pareceram representar modelos de comportamentos repetidos pelas demais: a Meurer

que se destacava pela truculência no trato com os operários, a São João Evangelista pelo

paternalismo e a Bernardo Mascarenhas pelo formalismo jurídico. Formando um mosaico a

partir de dezenas de depoimentos, procuramos compreender como efetivamente a legislação

acima referida foi vivenciada pelos operários no seu cotidiano de trabalho. Logo depois,

estudamos a rica conjuntura do pós-guerra, quando as grandes mobilizações retornam à cena

pública através de variados atos de protesto e de greves. Por último, tecemos algumas

considerações finais referentes às questões mais relevantes tratadas no conjunto da

dissertação.

10
PRIMEIRO CAPÍTULO

1 - O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E DE INDUSTRIALIZAÇÃO DE


JUIZ DE FORA

11
1- Primeiro Capítulo: O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E DE INDUSTRIALIZAÇÃO
DE JUIZ DE FORA

1.1- Raízes da Urbanização e da Industrialização de Juiz de Fora

Do conjunto da historiografia sobre a formação de Juiz de Fora,1 destaca-se a obra de

Domingos Girolletti intitulada "Industrialização de Juiz de Fora", pioneira na tentativa de

formular uma explicação para o processo de industrialização da cidade que o relacionasse com o da

industrialização do país como um todo. Outra obra que se destaca é "Café e Indústria em Minas

Gerais (1870-1920), de João Heraldo Lima, por mostrar as especificidades do caso de Minas

Gerais, no que diz respeito à relação entre desenvolvimento da cafeicultura e o processo de

industrialização. No contexto da economia colonial brasileira, a ocupação efetiva da região

hoje denominada Minas Gerais se deu a partir da exploração de suas reservas minerais descobertas

na última década do século XVII. Na passagem do século XVII para o século XVIII, a Coroa

Portuguesa designou Garcia Paes (filho do bandeirante Fernão Dias Paes), para construir um

"Caminho Novo", que encurtasse e facilitasse a comunicação entre o porto do Rio de Janeiro e a

1- Dentre os trabalhos acadêmicos que tematizam a história de Juiz de Fora, destacamos:


GIROLLETTI, Domingos. A Industrialização de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 1988.
LIMA, João Heraldo. Café e industrialização em Minas Gerais (1870-1920). Petrópolis: Vozes, 1981.
ANDRADE, Sílvia Maria B. V. Classe operária em Juiz de Fora; uma história de lutas (1912-1924). Juiz de
Fora: Editora da UFJF, l987.
DUTRA, Eliana Regina de F. Caminhos operários nas Minas Gerais; um estudo das práticas operárias em Juiz de
Fora e Belo Horizonte na Primeira República. São Paulo / Belo Horizonte: HUCITEC/Editora da UFMG,
l988.
LANNA, Ana Lúcia D. A Transformação do trabalho; a passagem para o trabalho livre na Zona da Mata Mineira,
1870-1920. Campinas: Editora da UNICAMP, 1988.
PAULA, Maria C. de S. As Vicissitudes da industrialização periférica; o caso de Juiz de Fora (1930-1970). Belo
Horizonte, DCP - UFMG, 1976. (dissertação de mestrado).
LOYOLA, Maria Andréa. Os Sindicatos e o PTB; estudo de um caso em Minas Gerais. Petrópolis: Vozes, l980.
(Cadernos CEBRAP n.35).
Como um indispensável guia de fontes secundárias sobre a História de Juiz de Fora, recomendamos:
DI MAMBRO, Galba R.; CHRISTO, Maraliz de C. V. e HENRIQUES, Rosali Maria N. Bibliografia sobre a
história de Juiz de Fora. Juiz de Fora: UFJF - Dep. História, 1990. (mimeo).
12
zona de mineração. Tal

caminho, do qual se tem notícia de que estivera dando passagem regular a tropeiros em 1709,

possibilitou que se fizesse a viagem entre o Rio de Janeiro e a região das minas em 25 dias. Garcia

Paes e seus filhos, que o ajudaram na abertura do "Caminho Novo", juntamente com alguns

militares e funcionários da Coroa, receberam sesmarias ao longo do caminho construído como

pagamento pelo trabalho efetuado.

No decorrer do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX, a região da Zona da

Mata Mineira2 cumpriu o papel de fornecedora de gêneros alimentícios e serviços à região

mineradora. A meio caminho entre o porto do Rio de Janeiro e a região das minas, a Zona da Mata

serviu ainda como ponto de apoio à circulação de homens e mercadorias. Lentamente foram

organizadas roças, utilizadas para autoconsumo e para alimentação de tropeiros e animais em

trânsito. Iniciou-se também uma incipiente criação de animais de carga. Nesse período, a

concentração demográfica era extremamente baixa: via-se apenas algumas roças ao longo do

Caminho Novo, circundadas por imensos vazios de matas fechadas.3

2
- O conceito de região remete-nos a algumas controvérsias. Francisco de Oliveira coloca que “a região pode ser
pensada sobre qualquer ângulo das diferenciações econômicas, sociais, políticas, culturais antropológicas,
geográficas, históricas. A mais enraizada das tradições é, sem nenhuma dúvida, a geográfica no sentido amplo,
que surge de uma síntese inclusive da formação sócio-econômico-histórica baseada num certo espaço
característico.” Mais adiante acrescenta: “Uma ‘região’ seria, em suma, o espaço onde se imbricam
dialeticamente uma forma de reprodução do capital, e por conseqüência uma forma especial da luta de classes,
onde o econômico e o político se fusionam e assumem uma forma especial de aparecer no produto social e nos
pressupostos da reposição”. Enfatizará também a tendência do capitalismo de homogeneização do espaço. No que
toca a este trabalho, estaremos utilizando um recorte político-administrativo de região, tentando não esquecer que
somente o embricamento da mesma com contexto maior da nação nos permitirá compreendê-la. Além disto,
verificamos que o avanço da organização capitalista tornará cada vez mais tênue o contorno que nos permite
identificar em Juiz de Fora ou na Zona da Mata especificidades que as distinguam efetivamente do contexto
brasileiro. Em outras palavras, se podemos identificar com relativa tranqüilidade especificidades regionais na
passagem do século XIX para o atual, isto fica menos evidente no período relativo ao nosso objeto propriamente
dito, a primeira metade da década de 1940. Vide: OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma re(li)gião. 4 ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p. 22-32. Ver também, acerca da discussão entre história e a questão regional:
SILVA, Marcos A. da (coord). República em migalhas; história regional e local. São Paulo: Marco Zero, 1990.
3
- LESSA, Jair. cit. nota anterior, p. 15-34.
13
Segundo Lanna,4 até o período de decadência da mineração, a política da Coroa Portuguesa

4
- LANNA, Ana. op. cit., p.31.
14
FONTE: OLIVEIRA, Mônica Ribeiro. Juiz de Fora: vivendo a História. Juiz de Fora: Núcleo de
História Regional da UFJF / Editora da UFJF, 1994. p. 97.

15
foi a de dificultar deliberadamente às pessoas de menores posses o acesso à terra, evitando a

dispersão da mão-de-obra necessária às atividades mineradoras de exportação. Assim, a doação de

sesmarias limitou-se às tradicionais famílias imperiais, que deixavam a maior parte delas

subexploradas ou que iriam perder as concessões por abandoná-las.

Segundo Domingos Girolletti, a região da Zona da Mata Mineira contava com uma

população de 22 000 almas em 1829. A ocupação efetiva da mesma dar-se-á a partir da segunda

metade do século XIX, com o desenvolvimento da cafeicultura.5

A expansão da cultura cafeeira na Zona da Mata mineira tem como desdobramento a

construção de um moderno complexo rodoviário e ferroviário na região. A própria ocupação do

território ficou marcada pelo traçado das vias de transporte, tendo surgido diversas cidades às suas

margens. Por outro lado, a existência desse sistema de transportes impulsionou a expansão da

cultura cafeeira. Tal sistema de transportes era constituído pela Rodovia União-Indústria, e pelas

ferrovias D. Pedro II e Leopoldina Railway.

A Rodovia União-Indústria, obra de grande vulto para a época, foi um empreendimento

particular capitaneado pelo engenheiro Mariano Procópio Ferreira Lage, grande cafeicultor da

cidade de Rio Novo. Foi concebida para efetuar o escoamento da produção cafeeira de Minas

Gerais6, que até então transpunha a serra da Mantiqueira levada em lombo de burro. Usando de

ligações de amizade que o uniam ao Imperador, Mariano Procópio obtém a concessão para a

5
- GIROLLETTI, Domingos. op. cit., p. 93. Cinqüenta anos depois, no auge da cafeicultura, a região terá 250.000
habitantes.
6
-A produção de café exportado por Minas Gerais cresceu exponencialmente após a inauguração da rodovia, passando de
8.631 toneladas em 1860 para quase 20 mil toneladas em 1866 e, em seguida, para mais de 45 mil toneladas em 1871.
Se compararmos tais dados com as exportações brasileiras de café, veremos que enquanto as exportações de café de
Minas Gerais (em toneladas) cresceram 462% entre os anos de 1860 e 1870, as exportações brasileiras de café (em
libras-ouro) cresceram 127%, comparando-se os valores totais da década de 1851-60 com os de 1861-70. Vide:
CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. 2 ed. São Paulo: T. A Queiroz, 1983. p.270; e
LANNA, Ana Lúcia. A Transformação do trabalho. Campinas, Ed. UNICAMP, 1988. p.33.
16
construção de uma estrada macadamizada7 ligando Juiz de Fora a Petrópolis, com extensão de 144

quilômetros.

Iniciada a construção em 1856, a União-Indústria foi oficialmente inaugurada em 23 de

junho de l861. Para dar suporte à obra, foram construídas grandes instalações com oficinas, serraria,

cocheiras, escritório e alojamento. Tais instalações, distantes até seis quilômetros do núcleo urbano,

e situando-se também a estrada longe do mesmo, acabaram por redefinir a configuração da

expansão urbana de Juiz de Fora.

Albino Esteves, reproduzindo os relatos de viagem do naturalista norte-americano L.

Agassiz, que por ela passou em 1865, apresenta-nos a seguinte descrição:

"Há doze anos o único meio de comunicação com o interior [de Minas]
partindo-se de Petrópolis, era um estreito carreiro para muares,
acidentado, perigoso, sobre o qual uma viagem de uma centena de milhas
exigia uma cavalgada de dois a três dias. Presentemente vai-se de
Petrópolis a Juiz de Fora em carruagem, do erguer ao por do sol, sobre
uma boa estrada de posta, que não cede lugar a nenhuma outra do
mundo."8

O sistema de transportes da região se completará com a chegada da ferrovia D. Pedro II a

Juiz de Fora em 1875 e da Estrada de Ferro D. Leopoldina em 1886.9 Os diversos autores que

analisam esse período da história da região são unânimes em destacar o papel de pólo regional

desempenhado por Juiz de Fora a partir do momento em que tornou-se ponto de cruzamento de

diversas linhas de transporte. Ligação obrigatória entre o porto do Rio de Janeiro e o interior de

Minas (e de uma vasta região que atingia parte de Goiás e do Mato Grosso), a cidade:

7
- Moderna técnica de construção baseada na conjugação de sistemas de compactação de solos e drenagem, pela
primeira vez aplicada no país.
8
- ESTEVES, Albino. Álbum do Município de Juiz de Fora. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1915. p.61.
9
- A concorrência das ferrovias com a União-Indústria acabou por inviabilizar economicamente esta última. Ao retirar-
lhe o lucrativo mercado de cargas, levou a Cia. à falência.
17
"começou a aglutinar grandes interesses, tornando-se palco de grandes
negócios, de intensa circulação de mercadorias, de grande concentração e
acumulação de capital."10

1.2- Cafeicultura e origem dos capitais da indústria têxtil

Analisaremos agora a origem dos capitais das principais indústrias têxteis11 juizforanas

implantadas até 1930, procurando verificar a correlação porventura existente entre tais

empreendimentos e a atividade cafeeira. A análise dos capitais oriundos da cafeicultura

diretamente aplicados na constituição de indústrias apresenta uma dificuldade: em geral os

trabalhos analisam o processo em termos bastante amplos, acabando por concluir que a atividade

cafeeira dinamizou a economia regional, desencadeando um surto de urbanização e industrialização

e colocando Juiz de Fora numa posição de destaque frente aos demais municípios mineiros na

passagem do século XIX para o século XX.12 Devido aos limites colocados para este trabalho,

verificaremos a participação dos capitais cafeeiros apenas nas principais indústrias têxteis

implantadas em Juiz de Fora até 1930. Se isto esclarece parte da questão, por outro lado, nada nos

garante que o mesmo tenha ocorrido nas demais atividades econômicas.

10
- GIROLLETTI, Domingos., p.51.
11
- Entendemos aqui como "indústria têxtil principal" aquelas que, organizadas antes de 1930, continuaram existindo
pelo menos até 1945.
12
- Entendemos que tal questão só será suficientemente esclarecida com estudos que, por um lado, desvendem a
composição do capital das atividades cafeeiras, suas formas de reprodução e o destino deste capital após a decadência
da cafeicultura na região e, por outro lado, analisem a correlação porventura existente entre capital cafeeiro e as
principais atividades econômicas da cidade e região.
18
Tabela 1 - Principais Fábricas Têxteis de Juiz de Fora - Década de 1930
Error! Bookmark ANO DE OPERA- TEARES CAPITAL PROPRIETÁRIOS
not FUNDAÇÃO RIOS (CONTOS) /ATIVIDADE ANTERIOR
defined.FÁBRICA
INDUSTRIAL Morrit & Cia; Andrew Stiele & Cia;
MINEIRA 1885 1.403 602 8.000 Withaker
/Firmas Inglesas
BERNARDO Bernardo Mascarenhas
MASCARENHA 1888 594 432 6.536 /Empresário Têxtil e Comerciante
S
ANTÔNIO Antônio Meurer
MEURER 1896-8 504 240 1.871 /Comerciante de Tecidos
MORAES Severiano de Moraes Sarmento
SARMENTO 1909 542 187 2.885 /Comerciante
SANTA Famílias Andrade / Junqueira
CRUZ 1914 460 180 3.463 /Cafeicultores
SÃO Família Ribeiro de Oliveira
VICENTE 1924 273 43 2.355 /Cafeicultores
SÃO JOÃO Teodorico Ribeiro de Assis
EVANGELISTA 1915* 213 27 2.139 /Cafeicultor
* Sabe-se que a fábrica existia em 1915, não conseguimos apurar a data de fundação da mesma.
Fonte dos Dados Biográficos: PROCÓPIO FILHO, José. Salvo erro ou omissão; gente juiz-forana. Juiz de Fora:
Edição do autor, 1979.

Observando os dados da Tabela 1, verificamos que, das sete maiores fábricas têxteis

organizadas em Juiz de Fora entre 1883 e 1924, em apenas três encontramos alguma vinculação

com o capital cafeeiro. É interessante destacar o fato de que essas três são justamente as menores

fábricas, sendo também as mais novas, tendo se organizado entre 1914 e 1924. Naquele momento, a

industrialização da cidade já estava consolidada. Sendo a década de 1920 apontada como a do

início da decadência da cafeicultura na região, levantamos a hipótese de que esses capitais, então

investidos na indústria têxtil, caracterizariam um processo de diversificação de investimentos

provocado pela saturação e declínio da produtividade do solo e dos cafezais já envelhecidos.

Tal migração de capitais dirigiu-se para uma atividade já consolidada, em cuja estruturação

inicial não se observa sua participação direta. Em outras palavras, não se observa a participação de

19
capitais diretamente acumulados na atividade cafeeira na formação das mais significativas fábricas

têxteis de Juiz de Fora anteriores a 1914.

A Industrial Mineira constituiu o único caso de investimento estrangeiro na indústria têxtil

de Juiz de Fora. Durante todo o período por nós estudado foi a maior fábrica têxtil da cidade.13

Já a Bernardo Mascarenhas originou-se da divisão de capitais do grupo familiar responsável

pela implantação da indústria têxtil em Minas Gerais. Bernardo Mascarenhas liderava, com dois

outros irmãos, a companhia que construiu as fábricas têxteis pioneiras do Cedro (1872) e Cachoeira

(1875) na região de Curvelo. Em 1887, três anos após a morte do pai, separou-se da sociedade com

os irmãos e mudou-se para Juiz de Fora onde, já em 1888, inaugurou sua própria fábrica. A

acumulação inicial dos Mascarenhas, que deu origem à implantação da duas primeiras fábricas,

relacionava-se com as atividades de comércio de sal, charque e animais de tropas com o interior do

Estado.

Bernardo Mascarenhas constitui-se num dos mais instigantes personagens do período de

implantação do parque industrial juizforano. Além do pioneirismo mineiro na implantação da

indústria têxtil (fábricas Cedro e Cachoeira), foi também um autodidata que dominou os

conhecimentos técnicos e mecânicos de seu ramo, tendo feito diversas viagens de estudos à Europa

e aos Estados Unidos. Associado a outros, participou ainda da fundação dos seguintes

empreendimentos: Cia. Mineira de Eletricidade (que em 1889 inaugurou a iluminação elétrica da

cidade); Banco de Crédito Real de Minas Gerais (1889); Academia de Comércio de Juiz de Fora;

13
- GIROLLETTI, Domingos. op. cit., p. 92, afirma ser a Industrial Mineira "a única empresa no período que, no nosso
conhecimento, fora organizada e era controlada por capitais estrangeiros".
Sobre esta empresa ver também:
FONSECA, Walter. Pequena enciclopédia da cidade de Juiz de Fora; gente, fatos e coisas. São Paulo: Ícone, l987.
p. 67.
ESTEVES, Albino. op. cit., p.282.
LESSA, Jair. op. cit., p.155.
OLIVEIRA, Paulino de. Efemérides juizforanas (1698-1965). Juiz de Fora: UFJF, 1975. p. 172 e 243.
20
Cia. Construtora Mineira; Cia. de Tecidos de Juta; Associação Promotora da Imigração. Foi

também presidente da Associação Brasileira de Beneficência e cooperou com a implantação do

serviço de eletricidade de Belo Horizonte.14

Moraes Sarmento e Antônio Meurer dedicavam-se ao comércio varejista em Juiz de Fora

antes de montarem suas fábricas.15

Em síntese, constatamos que as quatro primeiras grandes fábricas têxteis de Juiz de Fora,

constituídas entre 1883 e 1909, tiveram como origem de seus capitais o investimento estrangeiro

num dos casos, e a atividade comercial nos outros três. Já as três outras maiores fábricas,

constituídas entre 1914 e 1925, representam uma diversificação na aplicação de capitais

originalmente empregados na atividade cafeeira.

1.3- Urbanização e Industrialização de Juiz de Fora na segunda metade do


século XIX.

No final do século passado Juiz de Fora sobressaiu-se como um dos centros urbano-

industriais mais importantes do país. Segundo Sônia Miranda, a cidade "foi o maior pólo comercial

14
- Sobre Mascarenhas e sua empresa consulte:
DIÁRIO MERCANTIL, Juiz de Fora, 31/05/1947. Encarte especial de aniversário da cidade, p. 1-3.
FONSECA, Walter. op. cit., p.82-83.
PROCÓPIO FILHO, José. Salvo erro ou omissão; gente juiz-forana. Juiz de Fora: Edição do autor, 1979. p.67.
ESTEVES, Albino. op. cit., p.285.
MASCARENHAS, Geraldo. Centenário da Fábrica do Cedro; Histórico, 1872-1972. Belo Horizonte: Companhia
de Fiação e tecidos Cedro e Cachoeira, 1972.
GIROLLETTI, Domingos. op. cit., p.86-92.
LESSA, Jair. op. cit., p. 205-9.
OLIVEIRA, Paulino de. História de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Dias Cardoso, 1953. p.119-21.
MASCARENHAS, Nélson. Bernardo Mascarenhas; o surto industrial de Minas Gerais. Rio de Janeiro: Aurora,
1954.
TAMM, Paulo. A Família Mascarenhas e a indústria têxtil em Minas Gerais. Belo Horizonte: Tip. Brasil Velloso
& Cia, 1940.
15
- Sobre a origem desses dois empreendimentos ver:
ESTEVES, Albino. op. cit., p.285.
PROCÓPIO FILHO, José. op. cit., p. 264, 275 e 278.
FONSECA, Walter. op. cit., p. 111.
21
e industrial da Zona da Mata de Minas Gerais, com níveis de concentração industrial comparáveis a
16
São Paulo." Mesmo não concordando totalmente com a autora quando compara o nível de

concentração industrial da cidade com o de São Paulo, entendemos que a análise de alguns pontos

do desenvolvimento urbano-industrial de Juiz de Fora ilustrariam tranqüilamente suas afirmações

iniciais, quanto ao papel de pólo comercial e industrial exercido em relação à Zona da Mata mineira.

Analisando os dados da Tabela 2, verificamos que a população da Zona da Mata cresceu

95% entre 1890 e 1920, passando de 430.000 para 840.000 habitantes. Já a população do município

de Juiz de Fora, no mesmo período, cresceu 114%, passando de 55.185 para 118.166 habitantes.

Vemos, portanto, que a cidade funcionava como um centro de atração regional, apresentando um

percentual de crescimento maior que a média da região onde se inseria. Tal fato torna-se mais

relevante se observarmos que a população total de Minas Gerais apresentou uma taxa de

crescimento de apenas 84,9% nesse mesmo período.17

Tabela 2 - População da Zona da Mata e de Juiz de Fora (1890-1950)


ANO ZONA DA JUIZ DE FORA
MATA RURAL URBANA TOTAL
ABSOLUTO % ABSOLUTO %
1890 430.000 37.563 68,1 17.622 31,9 55.185
1907 --- 56.917 66,6 28.553 33,4 85.450
1920 840.000 66.774 56,5 51.392 43,5 118.166
1940* --- 30.635 29,4 73.537 70,6 104.172
1950 --- 39.280 30,4 89.812 69,6 129.092
* A diminuição da população durante este período deveu-se ao desmembramento do distrito de Matias Barbosa,
transformado em município.
FONTE: GIROLLETTI, Domingos. A Industrialização de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Ed. UFJF : 1988. p. 96-103.
ESTEVES, Albino. Álbum do município de Juiz de Fora. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1915. p. l5-74.
IBGE - Recenseamento Geral de 1940, parte XIII, t. 2. p. 282.

Os dados da Tabela 2 permitem analisar a concentração da população urbana no município

16
- Grifos nossos. MIRANDA, Sônia. Considerações preliminares para um estudo da industrialização em Juiz de Fora.
Campus, Juiz de Fora, 2 (2) : 93-109, 1 sem. 1988. p. 102.
17
- BRASIL, IBGE. Anuário estatístico do Brasil; Ano X. Rio de Janeiro, IBGE, 1950. p. 23-4.
22
de Juiz de Fora. Em 1890, 17.622 dos 55.l85 munícipes (cerca de 32%) viviam no perímetro

urbano. Em 1920, vemos que 51.392 dos 118.166 habitantes do município viviam no seu núcleo

urbano (43,5% do total). Assim como ocorria no restante do país, essa tendência à urbanização é

contínua e, entre 1940 e 1950, teremos aproximadamente 70% dos 129.092 habitantes do município

localizados no seu núcleo urbano.

Tabela 3 - Estabelecimentos Comerciais e Industriais de Juiz de Fora (1870-1925)


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1870 153 100 34 100 187 100
1877 231 151 81 238 312 167
1925 716 468 458 1.347 1.174 628
FONTE: GIROLLETTI, Domingos. A Industrialização de Juiz de Fora. Juiz de Fora, Editora da UFJF : 1987.p.
49-50.

Podemos observar na Tabela 3, além da significativa velocidade com que proliferaram os

negócios na cidade, um avanço do número de estabelecimentos industriais frente ao total de

estabelecimentos. Em 1870, os estabelecimentos industriais eqüivalem a 18,2% do total, passando a

26% em 1877, chegando a 39% em 1925. Por outro lado, temos também que reconhecer os limites

dos dados apresentados que, por não identificarem o montante dos capitais envolvidos, da mão-de-

obra ocupada e do porte de cada um dos empreendimentos, não nos permitem tirar conclusões mais

definitivas sobre o fenômeno que retratam.

Girolletti, analisando a industrialização de Juiz de Fora em termos globais, identifica dois

períodos distintos. O primeiro, por ele caracterizado como de "implantação", iria de meados do

23
século XIX até 1890, caracterizando-se:

"pelo predomínio de pequenas fábricas, pequenas oficinas, com baixa


produção e produtividade, utilizando uma tecnologia elementar, com
baixo índice de capital investido, absorvendo pequena quantidade de mão-
de-obra. O proprietário de estabelecimento é também um produtor direto,
e a produção vai depender basicamente da habilidade dos artífices."18

O segundo período, caracterizado pelo autor como de "maturação" do processo de

industrialização, delinear-se-ia a partir do início do século XX, marcado pela fundação e

organização de médias e grandes indústrias.

"estes estabelecimentos diferem do primeiro período pela produção em


série, pelo emprego de maior contingente operário, pela utilização de uma
tecnologia importada mais sofisticada (principalmente nos ramos têxtil,
metalúrgico, tipográfico, indústria de construção), pelo uso da energia
elétrica como força motriz (que possibilita certas economias de escala e
maior produtividade pela maior soma de capital investido)."19

Passando à análise da evolução da composição do parque industrial de Juiz de Fora no período

de 1920 a 1950, detalhada na Tabela 4, verificamos que os ramos Têxtil e de Alimentos e Bebidas

sempre predominaram. Esses dois setores somados perfaziam 33% do número de estabelecimentos

industriais, 19% dos capitais e 65% do pessoal empregado pela indústria em 1920. Com o passar do

tempo esse predomínio torna-se ainda mais acentuado, e chegamos a 1950 com os dois setores

responsabilizando-se por quase 37% do número de estabelecimentos industriais, 60% dos capitais e 68%

dos empregos industriais. Podemos constatar então que em 1920 os setores Têxtil e de Alimentos e

Bebidas caracterizam-se pelo uso intensivo de mão-de-obra e pela baixa capitalização, pois menos de

um quinto dos capitais industriais da cidade controlava praticamente um terço dos estabelecimentos e

dois terços dos empregos industriais. Este quadro sofre alterações e, em 1950, ocorre um maior

18
- GIROLLETTI, Domingos. op. cit., p.73.
19
- ibidem.
24
equilíbrio entre o percentual dos capitais controlados por esses dois setores e o de empregos neles

existentes, ambos próximos de dois terços do total da cidade.


Tabela 4- Indústria de Juiz de Fora - 1920-1950 -
Número de Estabelecimentos, Capitais e Pessoal Ocupado
RAMO IN- DATA No DE ESTABELECIMENTOS CAPITAIS (CONTOS) PESSOAL OCUPADO
DUSTRIAL ABSOLUTO % ABSOLUTO % ABSOLUTO %
1920 19 17.9 1.615 13.8 2.900 59.8
TÊXTIL 1939 42 7.7 42.522 44.5 5.695 56.5
1950 124 17.8 95.133 48.0 6.405 60.6
ALIMENTO 1920 16 15.1 620 5.3 272 5.6
E BEBIDAS 1939 169 31.0 5.046 5.3 964 9.6
1950 132 18.9 24.693 12.5 817 7.7
METALÚR 1920 15 14.2 780 6.7 372 7.7
GICO 1939 83 15.2 13.254 13.9 735 7.3
1950 129 18.5 10.736 5.4 316 3.0
COURO E 1920 9 8.5 150 1.3 113 2.3
CALÇADOS 1939 53 9.7 5.545 5.8 679 6.7
1950 65 9.3 10.948 5.5 805 7.6
1920 6 5.7 2.214 18.9 81 1.7
MADEIRA 1939 85 15.6 3.446 3.6 452 4.5
1950 77 11.0 3.690 1.9 224 2.1
PRODUTOS 1920 2 1.9 2.020 17.2 17 0.3
QUÍMICOS 1939 37 6.8 786 0.8 127 1.3
1950 39 5.6 1.446 0.7 73 0.7
1920 39 36.8 4.324 36.9 1.098 22.6
OUTROS 1939 76 13.9 24.857 26.0 1.429 14.2
1950 132 18.9 51.446 26.0 1.932 18.3
1920 106 100.0 11.723 100.0 4.853 100.0
TOTAL 1939 545 100.0 95.455 100.0 10.081 100.0
1950 698 100.0 198.112 100.0 10.572 100.0
OBS: 1)Valores em contos de réis (1920 e 1939) e em milhares de cruzeiros (1950).
2) Dados reagrupados para permitir comparação por ramo industrial.
FONTE DUTRA, Eliana R. Caminhos operários nas Minas Gerais. São Paulo / Belo Horizonte:
HUCITEC/Ed. UFMG, 1988. p.41.
BRASIL, IBGE, Departamento Estadual de Estatística. Produção industrial dos municípios de Belo
Horizonte e Juiz de Fora -1939. Belo Horizonte: Oficinas Gráficas da Estatística, 1941. p. 19.
BRASIL, IBGE. Conselho Nacional de Estatística. Censo Geral de 1950. Rio de Janeiro: IBGE, 1951. p. 60.

Os dados demonstram que, na década de 1920, Juiz de Fora ainda apresenta caraterísticas do

25
quadro clássico de industrialização nascente, onde predominam os setores de Alimento e Têxtil. Por

serem os que já contam com um mercado consumidor previamente formado, são comumente os

primeiros a se desenvolverem. Por outro lado, analisando os dados relativos aos anos seguintes,

notamos a manutenção ou até mesmo o aumento da participação relativa desses setores frente aos

demais. Adiantamos desde já uma avaliação a respeito desses dados, que será retomada mais

adiante: a cidade, pioneira no processo de industrialização, não conseguiu dar continuidade ao

dinamismo desse processo, "congelando-se" nos seus patamares iniciais. Comparando Juiz de Fora

com outros centros industriais que não interromperam tal processo verificamos que, por não

ultrapassar a fase inicial de industrialização de bens de consumo, não chegando assim à fase de

industrialização de bens de consumo duráveis e de bens de produção, a cidade será ultrapassada em

seu pioneirismo por outros centros de industrialização mais tardia.20

Observando os dados por setores industriais, notamos que os setores de Madeira e Produtos

Químicos experimentaram uma brutal diminuição do porte dos empreendimentos ao longo do

tempo, com cada um desses dois setores, saindo de 1920 com pouco mais de um sexto do capital

industrial da cidade (17,2% para o setor de Produtos Químicos e 18,9% para o de Madeira), e

chegando a 1950 com a ínfima participação de 0,7% dos capitais industriais totais, no caso do setor

de Produtos Químicos, e 1,9%, no caso do setor de Madeira. O setor de Couro e Calçados, por sua

vez, saindo de uma participação de apenas 1,3% dos capitais industriais totais da cidade em 1920,

estabiliza-se num patamar próximo a 5,5%. Já o setor metalúrgico, também fica num patamar

próximo a este, quanto à participação dos seus capitais frente aos capitais totais (com a exceção de

1939, quando chega a 13,9%). O setor de Alimentos e Bebidas apresenta uma trajetória inversa à

dos demais, pois não varia sua participação de 5,3% dos capitais entre 1920 e 1939, chegando a

20
- GIROLLETTI, Domingos. op. cit., p.118-31 e PAULA, Maria. op. cit., p.81-147, constituem as melhores análises da
causa do declínio da industrialização juizforana.
26
1950 com a participação mais do que duplicada de 12,5%. Finalmente, passaremos pelo setor Têxtil,

ao qual voltaremos mais adiante. Em 1920, ele representa 13,8% dos capitais totais da cidade e mais

do que triplica esta marca, chegando a 1939 com 44,5%. Observa-se ainda um pequeno aumento

desses índices, quando o setor Têxtil passa a representar 48% dos capitais industriais em 1950.

Vemos assim a folgada hegemonia exercida pelos capitais têxteis, que representam quase a metade

dos capitais industriais de Juiz de Fora entre 1939 e 1950, época em que ocupam aproximadamente

60% da mão-de-obra operária.

Identificando tendências mais gerais a partir da Tabela 4, vemos um aumento contínuo do

número de estabelecimentos industriais em todos os setores, com poucas exceções.21 Por outro

lado, analisando a evolução da mão-de-obra ocupada, verificamos um aumento em ritmo bem

menor. Enquanto o número de indústrias aumenta 598% entre 1920 e 1950, a mão-de-obra ocupada

aumenta apenas 118%. Isto pode ter dois significados. Por um lado, uma maior mecanização das

indústrias já instaladas, o que permitiria que a mão-de-obra por elas dispensada viesse a ser

absorvida pelas novas indústrias que se instalavam.

Por outro lado, analisando o número de empregados por indústria, constante da Tabela 5,

verificamos uma contínua diminuição de tal índice: em 1920, existiam em média 46 operários por

fábrica, em 1939, este número cai para 18; e em 1950, é de apenas 15 operários por fábrica.

Juntando-se a isto o fato de que a média de capital por indústria cai continuamente quando

trabalhamos com valores deflacionados, podemos concluir que o aumento do número de fábricas

instaladas significou uma maior pulverização da produção industrial, com as empresas mais

recentes caracterizando-se por serem de porte bem menor que as já instaladas.

21
- Somente nos ramos "Alimento e Bebidas" e "Madeira" há um decréscimo do número de estabelecimentos entre os
anos de l939 e 1950. Temos que ressaltar também o ecletismo dos dados arrolados, coletados a partir de fontes
bastante diversas, e reagrupados para que pudessem ser comparados por ramo industrial.
27
Tabela 5 - Indústria de Juiz de Fora - 1920-1950 - Operários por Fábrica
RAMO DATA PESSOAL / Nº DE
INDUSTRIA ESTABELECIMENTOS
L
1920 153
TÊXTIL 1939 136
1950 52
ALIMENTO 1920 17
E BEBIDAS 1939 6
1950 6
METALÚR 1920 25
GICO 1939 9
1950 2
COURO E 1920 13
CALÇADOS 1939 13
1950 12
1920 13
MADEIRA 1939 5
1950 3
PRODUTOS 1920 9
QUÍMICOS 1939 3
1950 2
1920 28
OUTROS 1939 19
1950 15
1920 46
TOTAL 1939 18
1950 15
FONTE: Dados calculados a partir da Tabela 4.

A tabela 6 mostra-nos a variação percentual dos capitais industriais de Juiz de Fora segundo

os diferentes setores industriais, comparados à variação do valor adicionado total para os mesmos

setores industriais a nível nacional.

28
Tabela 6 - Distribuição de Capitais da Indústria de Juiz de Fora (1920-1939) /
Valor Adicionado Total da Indústria de Transformação do Brasil (1919-1939)
SETOR JUIZ DE FORA BRASIL
INDUSTRIAL 1920 1939 VARIAÇÃO % 1919 1939 VARIAÇÃO %
TÊXTIL 13.8 44.5 + 30.7 29.6 22.2 - 7.4
ALIM. E BEBIDAS 5,3 5.3 0 26.2 28.6 + 2.4
METALÚRGICO (1) 6,7 13.9 + 7.2 4.5 11.4 + 6.9
COURO E CALÇADO (2) 1.3 5.8 + 4.5 10.6 6.6 - 4.0
MADEIRA (3) 18.9 3.6 - 15.3 6.9 5.3 - 1.6
PROD. QUÍMICOS 17.2 0.8 - 16.4 3.6 9.8 + 6.2
OUTROS 36.9 26.0 - 13.9 18.6 16.1 - 2.5
TOTAL 100.0 100.0 --- 100.0 100.0 ---
(1) Inclui indústria mecânica
(2) Inclui indústria do vestuário
(3) Inclui indústria do mobiliário
FONTE: Juiz de Fora: a partir da Tabela 4
Brasil: VILLELA, A. V. e SUZIGAN, W. Política do governo e crescimento da economia
brasileira (1889-1945). Rio de Janeiro, IPEA/INPES : 1973. P. 435.

Mesmo considerando que os dados a respeito de Juiz de Fora (distribuição dos capitais por

ramo industrial), não são comparáveis com tranqüilidade aos dados nacionais (valor adicionado

total), podemos verificar, pelo menos, que a tabela expressa fenômenos diametralmente opostos.

Nota-se que a tendência da indústria juizforana foi de reforçar a participação dos setores Têxtil,

Metalúrgico e de Couro e Calçados. Por outro lado, a nível nacional, vemos acontecer o inverso: tais

setores (excetuando-se a indústria metalúrgica) diminuem sua participação; enquanto que os setores

decadentes em Juiz de Fora estão em ascensão.

Os dados estatísticos até aqui apresentados permitem-nos caracterizar a evolução da

indústria em Juiz de Fora entre 1920 e 1950 como marcada por um constante aumento da mão-de-

obra ocupada. No entanto, esse aumento, que alcançou a marca de 118%, é bem menor que o dos

capitais investidos (272%) e do número de estabelecimentos (558%). Como conseqüência da

desproporção revelada por tais índices, verificamos que a média de operários e de capitais
29
investidos por fábrica também apresentará uma queda contínua. Interpretando tais dados

qualitativamente, podemos concluir que no período estudado a indústria de Juiz de Fora pulverizou-

se em unidades de porte cada vez menores, com capacidade de produção decrescente. Quanto à

composição de seu parque industrial, vemos a predominância do setor Têxtil, responsável por quase

metade dos capitais e quase 60% da mão-de-obra operária empregada. Logo após vêm os setores de

Alimentos e Bebidas, Metalúrgico e de Couro e Calçados que juntos representavam cerca de um

quinto dos capitais industriais investidos no período.

Notamos ainda que os setores em ascendência em Juiz de Fora são justamente aqueles que se

apresentavam em descenso a nível nacional. Isto nos leva a concluir que, no tocante à composição

de seu parque industrial, Juiz de Fora colocava-se em choque com a tendência nacional a partir dos

anos vinte, caracterizando-se como um centro industrial marginalizado, reduzindo-se cada vez

mais ao atendimento de um mercado regional, incapaz de concorrer com os grandes centros

industrializados.

Acrescentamos ainda as explicações de outra natureza, desenvolvidas por Paula e Girolletti

para a estagnação econômica da cidade. Para Girolletti,22 o processo de estagnação começa a partir

do momento em que Juiz de Fora perde sua função inicial de pólo centralizador das vias de

transporte que ligavam o Rio de Janeiro ao interior de Minas quando se constróem opções

rodoviárias e ferroviárias que não se entrecruzam mais na cidade. Esse mesmo autor acrescenta

ainda que a dependência de Juiz de Fora com relação ao Rio de Janeiro e São Paulo para colocar

sua produção e como fonte de obtenção de financiamento e aquisição de equipamentos e outros

itens de consumo, drenava para essas localidades importantes capitais da cidade. Essa migração de

capitais contribuiu para a dinamização daquelas economias (principalmente a do Rio de Janeiro) e

22
- GIROLLETTI, Domingos. op. cit., p. 118-131. Para maiores detalhes sobre a lucratividade do setor t^%extil durante
a década de 40, vide anexos17 a 19.
30
para a estagnação de sua própria economia.

31
SEGUNDO CAPÍTULO

2 - ESTADO E BURGUESIA TÊXTIL NO BRASIL - 1930-1945

32
2- Segundo Capítulo: ESTADO E BURGUESIA TÊXTIL NO BRASIL - 1930-1945

2.1- Introdução

Dentre os estudos a respeito do período compreendido entre 1930 e 1945, destacam -se

duas grandes linhas de análise. Uma primeira que, partindo de uma abordagem estrutural da

sociedade, tentava compreender o papel do Estado e das diferentes classes sociais na

Revolução de 1930, passando pela discussão do conceito de "Revolução Burguesa

Brasileira". Essa matriz analítica, muito em voga no final da década de 1960 e durante a de

1970, marcava-se pela valorização do Estado como o grande definidor do processo histórico.

Geralmente partindo da análise das determinações econômicas implicadas com a formação

das classes sociais e com a composição do Estado, nele identificava o grande responsável

pela formação do capitalismo brasileiro. Conforme aprofundaremos mais adiante, por trás de

tal concepção esconde-se tanto a idéia de classes sociais débeis e heterônomas como a do

Estado caracterizado como um "Grande Sujeito", capaz de ocupar o vácuo deixado pelas

classes socais.

A explosiva conjuntura de numerosos e fortes movimentos sociais da virada da década

de 1970 para a de 1980 colocou em cheque o paradigma predominante nas análises dos

movimentos sociais. 23 Afinal, a eclosão de tais movimentos ocorreu apesar dos pressupostos

que indicavam uma "impossibilidade estrutural" deles existirem. Origina-se aí a segunda

linha de análise a que nos referimos inicialmente. Colocada diante do desafio de

23- “A novidade eclodida em 1978 foi primeiramente anunciada sob a forma de imagens, narrativas e análises referindo-se a
grupos populares os mais diversos que irrompiam a cena pública reivindicando seus direitos, a começar pelo primeiro,
pelo direito de reivindicar direitos”. Vide SADER, Eder. Quando novos personagens entram em cena; experiências e
lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo (1970-80). 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 26.
33
compreender um novo sujeito que se impunha no cenário político e social - que a todos

surpreendia pela capacidade de enfrentar adversários do porte do Estado Autoritário de 1964

e das classes a ele ligadas - essa corrente analítica acabou por conceber um novo modelo de

análise cada vez mais distante de uma caracterização dos movimentos sociais como estan do a

reboque do Estado ou subsumidos em determinações estruturais que lhe tirariam a

possibilidade de ação como sujeitos autônomos.

Assim, embora possamos identificar trabalhos precursores que já esboçavam uma

nova postura teórica (identificando o movimento operário como sujeito efetivo nas

conjunturas em que atuava) ainda no início da década de 1970 24, somente nos anos 1980 é

que teremos oportunidade de ver tal postura sendo adotada em maior escala. Tomando como

base uma excelente síntese sobre a trajetória das Ciências Humanas na abordagem da classe

operária ou das classes populares formulada por Maria Célia Paoli, Eder Sader e Vera da

Silva Telles25, destacaremos três autores como fundamentais na formulação desta nova

24
- Vide: WEFFORT, Francisco. Participação e conflito industrial: Contagem e Osasco, Cadernos CEBRAP, 1971;
Sindicatos e política. Tese de livre-docência, USP, 1975; ------, Origens do sindicalismo populista no Brasil (a
conjuntura do após-guerra). Estudos CEBRAP, São Paulo: CEBRAP, (4): 65-105, abr-jun 1973. Ver também:
OLIVEIRA, Francisco. A Economia brasileira: crítica à razão dualista. Estudos Cebrap nº 2, São Paulo, 1972.
25
- Vide dos três autores: Pensando a classe operária: os trabalhadores sujeitos ao imaginário acadêmico. Revista Brasileira
de História, (6): 129-49, set 1983; e de autoria de SADER & PAOLI: Sobre "classes populares" no pensamento
sociológico brasileiro. In: CARDOSO, Ruth (org.). A Aventura antropológica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
Para conhecer outros levantamentos sobre a historiografia relativa ao tema.
BRANT, Vinicius Caldeira. Ouvriers et syndicats du Brésil. Sociologie du Travail, ano 9, Nº Especial, jul-set 1967. p.
352-61.
DUTRA, Eliana Regina de F. e GROSSI, Yone de Souza. Historiografia e movimento operário: o novo em questão.
Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, UFMG, (65): 101-30, jul 1987.
FERREIRA, Antônio Celso. No Fio da navalha: classes populares da República sob os olhos dos historiadores. História,
São Paulo, 8: 1-8, 1989.
JACOBI, Pedro. Movimentos sociais urbanos no Brasil: reflexão sobre a literatura nos anos 70 e 80. BIB, Rio de
Janeiro, (23): 18-34, 1º sem. 1987.
PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz. Cruzando fronteiras: as pesquisas regionais e a história operária brasileira. Anos 90,
Porto Alegre (3): 129-53.1995
RODRIGUES, Leôncio Martins e MUNHOZ, Fábio Antônio. Bibliografia sobre trabalhadores e sindicatos no Brasil.
Estudos CEBRAP, São Paulo, (7): 151-71, jan-mar 1974.
VIANNA, Luiz Werneck. Atualizando uma bibliografia: “novo sindicalismo”, cidadania e fábrica. BIB, Rio de Janeiro,
(17): 53-68, 1º sem. 1984.
34
abordagem.

O primeiro destes autores é Edgar De Decca, que com a obra "O Silêncio dos

vencidos"26, abordou a conjuntura pré-1930 dando ênfase especial ao principal movimento

social da época, o Bloco operário-camponês (BOC) para, a partir daí, enfocar o já clássico

movimento das elites agrárias em confronto com as novas elites urbanas. Ao fazê-lo, De

Decca preocupou-se particularmente em atacar uma interpretação então predominante, que

caracterizava a Revolução de 1930 como a "Revolução Burguesa Brasileira", e como

resultante da ação privilegiada do Estado, diante da fraqueza das classes sociais capitalistas

ainda em formação.27 Nas palavras de Marilena Chauí, prefaciando a obra em análise:

"Examinando o discurso e a prática burguesas, estatais e proletários,


Edgar De Decca nos mostra que não estamos diante de uma
burguesia débil, nem diante de um Estado Demiurgo, nem diante de
um proletariado imaturo. Estamos diante da luta de classes e de seu
movimento produtor." 28

Para De Decca o ano de 1928 marcou o ápice de um crescente acúmulo de forças por

parte dos diversos movimentos populares no enfrentamento à burguesia e às oligarquias.

Porém, no enfrentamento de classes, os setores populares foram derrotados. Neste sentido , os

eventos de 1930 teriam significado uma disputa entre os setores dominantes pela hegemonia

da direção da sociedade. O autor defenderá, então, que os vencedores de 1928 utilizarão a


26
- 2 ed. São Paulo, Brasiliense, 1984.
27
- O principal alvo da crítica é a obra de Bóris Fausto "A Revolução de 1930; história e historiografia". 11 ed. São Paulo,
Brasiliense: 1987. Nela encontramos a caracterização da revolução de 1930 como resultante da vitória de uma fração da
classe dominante formada pela burguesia industrial, setores oligárquicos excluídos do pacto do café-com-leite e
burguesia agrária não ligada às atividades de exportação em confronto com a oligarquia cafeicultora. Nas palavras do
autor: "Vitoriosa a revolução, abre-se uma espécie de vazio de poder, por força do colapso político da burguesia do café
e da incapacidade das demais frações de classe para assumi-lo, em caráter exclusivo. O estado de compromisso é a
resposta para esta situação". Assim, diante da debilidade das diversas frações da classe dominante, o Estado se
autonomiza, empreendendo a transformação capitalista brasileira..
Para acompanhar o desdobramento do debate entre estes autores ver também: FAUSTO, B. Estado, classe
trabalhadora e burguesia industrial (1920-1945). Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, (20): 6-37, mar 1988.
28
- DE DECCA, Edgar. op. cit., p.22.
35
disputa a que se entregaram em 1930 (de menor relevância histórica) para apagarem da

memória histórica coletiva o real conflito de classes ocorrido. Segundo De Decca, a postura

historiográfica que apresenta a proposta eleitoral da Aliança Liberal e do Governo de Getúlio

Vargas como progressistas, no sentido de significarem a superação do atraso oligárquico,

acaba por esconder as muitas características comuns aos dois lados e, mais que isto, esconde

ou tenta sepultar o inimigo comum que estes haviam derrotado anteriormente.

Um segundo autor que destacamos é Amnéris Maroni que no livro A Estratégia da

Recusa29, analisando os movimentos grevistas ocorridos no ABCD paulista em maio de

1978, inova ao tomar a fábrica como campo efetivo de lutas, e não apenas como locus de

reprodução do capital. Maroni critica parte da historiografia que instituiu o "mito da

formação de uma aristocracia operária" 30, representada pelos operários qualificados do setor

moderno da indústria. Segundo este mito, as novas condições de trabalho marcadas por altos

salários, maior estabilidade, melhor formação técnica, etc, teriam resultado numa divisão da

classe operária, que agora conviveria com uma parcela mais acomodada, por mostrar -se mais

satisfeita com suas melhores condições de existência. Após analisar os diferentes

mecanismos de controle da produção e da disciplina; a autora apresenta-nos também as

inúmeras formas de resistência e sabotagem desenvolvidas pelos operários anteriormente

caracterizados como "acomodados". 31

29
- São Paulo, Brasiliense, 1982.
30
- Maroni cita explicitamente RODRIGUES, Leôncio M. Industrialização e atitudes operárias. São Paulo: Brasiliense,
1970. e ALMEIDA, Maria H. T. O Sindicalismo no Brasil: novos problemas, velhas estruturas. Debate e crítica, nº 6,
São Paulo, Hucitec, 1975 e Desarollo capitalista y acción sindical, Revista mexicana de Sociologia, 1978. Ver ainda:
ALMEIDA, Maria H. T. Estado e classes trabalhadoras no Brasil (1930-1945). São Paulo: FFLCH-USP, 1979.
(mimeo.)
31
- Como referências de estudos que adotam esta perspectiva Maroni indica: FREDERICO, Celso. A Vanguarda operária.
São Paulo: Símbolo, 1979. HUMPHREY, John. As raízes e os desafios do "novo" sindicalismo da indústria
automobilística. Trabalho e Dominação, Estudos CEBRAP, nº 26, Rio de Janeiro: Vozes, 1980.
36
A importância da perspectiva adotada por Amnéris Maroni está na caracterização da

ação da classe operária a partir do seu próprio cotidiano de trabalho, procurando as raízes das

grandes mobilizações grevistas que estudou no interior da própria classe que as empreendeu.

Embora hoje isto possa parecer uma atitude óbvia, naquele momento isto significava romper

com uma enraizada caracterização da classe operária como incapaz de ser explicada a partir

de sua própria ação.

Uma terceira autora a ser destacada é Marilena Chauí que, em "Conformismo e

Resistência", ao definir-se a respeito do estudo da cultura popular, esclarece que estará:

"buscando as formas pelas quais a cultura dominante é aceita,


interiorizada, reproduzida e transformada, tanto quanto as formas
pelas quais é recusada, negada e afastada, implícita ou
explicitamente, pelos dominados."32

Na seqüência, a autora deixa claro que considera a cultura popular como existindo

numa relação com a cultura dominante. 33 Esta relação, embora marcada pela subalternidade

dos dominados, apresenta também espaço para que a cultura popular possa mostrar -se "capaz

de organizar-se, reivindicar direitos tácitos e preparar-se para penetrar no universo dos

direitos políticos e culturais explícitos." Este e outros textos de Chauí 34, constituíram-se em

referencial teórico de uma ampla gama de trabalhos posteriores sobre a classe operária.

Outra passagem da autora que nos interessa, por mostrar-se mais próxima do nosso

32
- CHAUÍ , Marilena. Conformismo e resistência. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 24.
33
- Carlo Ginsburg, baseando-se em Mikhail Bakhtin, propõe algo semelhante, quando analisa a cultura popular européia do
início do período moderno. Trabalha, concomitantemente, com os conceitos de dicotomia cultural e circularidade,
identificando um influxo recíproco entre a cultura subalterna e a cultura hegemônica. Assim, o estudo da cultura popular
pressuporia a compreensão de seu caráter subalterno que, no entanto, não a reduz a mero "reflexo" de determinações da
cultura dominante, uma vez que a própria dominação necessita absorver elementos da cultura a ser dominada para se
efetivar. Vide: GINSBURG, Carlo. O Queijo e os vermes; o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela
inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. (Prefácio).
34
-CHAUÍ, Marilena. Seminários. São Paulo: Brasiliense, 1984. e CHAUÍ, Marilena e FRANCO, Maria S. de C. Ideologia
e mobilização popular. Rio de Janeiro: Paz e Terra e CEDEC, 1978.
37
objeto, constitui uma síntese primorosa das principais limitações presentes nas interpretações

sobre o período de 1920 a 1938, que fazemos nossas para analisar o período de 1930 a 1945.

A autora assim resume o arcabouço conceitual comum às citadas interpretações:

1) “ausência de uma burguesia nacional plenamente constituída tal que uma fração da
classe dominante pudesse oferecer-se como portadora de um projeto universalizante
que legitimasse sua hegemonia sócio-política.(...) Nenhuma [das frações de classe]
tinha condições para pôr-se como universal ou como classe dirigente;

2) ausência de uma classe operária madura, autônoma e organizada, preparada para


propor e opor um projeto político que desbaratasse o das classes dominantes
fragmentadas. Não que a classe estivesse passiva, mas sim que suas formas de luta
eram inoperantes para pô-la explicitamente na cena política na qualidade de um ator
principal;

3) presença de uma classe média (...) caracterizada por uma ideologia e por uma prática
heterônomas e ambíguas, oscilando tanto entre uma posição de classe atreladas às
frações da classe dominante (...), quanto radicalizando-se à maneira pequeno-
burguesa, atrelando-se à classe operária para emperrá-la e frear sua prática
revolucionária (...);

4) as duas primeiras ausências (...), engendram um vazio de poder que será preenchido
pelo Estado (...). O Estado surge, pois, como único sujeito político e como único
agente histórico real, antecipando-se às classes sociais para constituí-las como
classes do sistema capitalista (...);

5) no tocante à classe operária, mesmo quando admitida como ameaça à dominação


burguesa, (...) [ela é vista como] desviada de sua tarefa histórica. Do lado de cima o
vazio , e do lado de baixo o desvio, (...) de sorte que a conseqüência não se faz
esperar: o Estado, fonte de modernização, terá que promover o desenvolvimento
capitalista, telos da história mundial”.35

No trabalho de Sader e Paoli, citado anteriormente, após um competente balanço da

bibliografia mais relevante acerca do movimento operário, encontramos a seguinte síntese

sobre a as grandes linhas definidoras de uma nova modalidade de representação do mesmo:

35
- CHAUÍ, Marilena e FRANCO, Maria S. op. cit., p.19-21.
38
1- “Os pesquisadores trabalham com todas as situações possíveis e encontradas no
trabalho urbano, não restringindo-se à procura do operariado fabril, embora este
continue a ser priorizado; (...)

2- Todos os trabalhadores são vistos como se expressando em múltiplas dimensões, com


formas de vida próprias, com escolhas estratégicas de sobrevivência (...). Sua forma
de expressão política é também múltipla, não se restringindo aos lugares mais
tradicionais de organização, como sindicatos e partidos. Os trabalhadores são também
pesquisados nas suas organizações fabris, (...) no seu protesto popular explosivo ou
dirigido. (...)

3- Em cada uma destas lutas e em cada acontecimento coletivo, os pesquisadores tendem


a ver atores integrais, se fazendo sujeitos através de suas práticas. Não há mais (e
nem poderia haver, no interior desta ótica) qualificações bipolares tipo
"espontâneo/consciente", "lutas econômicas/lutas políticas", "práticas de fôlego
curto/amplo" - pelo menos como qualificações prévias. (...)

4- (...) a avaliação do que as "classes populares" são perde sentido, para se transformar
numa avaliação daquilo que os grupos estão enfrentando e estão sendo. Alarga-se
portanto a própria noção de política (e de legitimidade, de importância, de eficácia
das práticas). (...)

5- Muda também o que é o "social" e de quem se fala quando se diz "trabalhadores /


movimentos coletivos populares". O "social" não é mais estrutura, mas cotidiano. Os
trabalhadores não são mais personificações desta estrutura, nem apenas objetos da
exploração do capital, (...). São sujeitos que elaboram e produzem representações
próprias, de si mesmos (...).

6- Finalmente, não há identidades constituídas que não se modifiquem na medida da


própria coletivização, pois elas se constróem nas lutas e enfrentamentos. Nesse
sentido, a "classe" está presente exatamente nesta sua constituição em luta coletiva ”.36

Os pressupostos teóricos explicitados acima estarão presentes no decorrer de todo este

trabalho. Embora sem abandoná-los, analisaremos agora a conjuntura social e política do

período contemporâneo ao nosso objeto, dando ênfase à caracterização da burguesia têxtil no

que refere-se à sua constituição, articulação interna, inserção no conjunto da atividades

econômicas e articulação com o Estado.

36
- SADER, Eder e PAOLI, Maria C., op. cit, p. 61-2.
39
40
2.2 - A Formação Do Estado Novo

Duas obras impõem-se a qualquer estudo que se faça sobre o Estado Novo, pela

renovação que trouxeram ao tratamento do tema: A Sacralização da Política, de Alcir

Lenharo37, e A Legislação Trabalhista no Brasil, de Kazumi Munakata. 38 Ambas

destacam-se por terem conseguido fugir à armadilha com a qual o tema aprisionou diversas

pesquisas: o Estado Novo anunciou-se como instituidor da sociedade, como o “grande

sujeito” capaz de substituir os agentes sociais na construção da sociedade; e as análises sobre

o mesmo, ainda que pretendendo-se críticas, comumente reforçaram tal pretensão. Quando

critica-se o caráter fascista deste Estado, sem aprofundar-se na questão de quem efetivamente

usufruiu do mesmo, a quais interesses de classe atendeu, e dos mecanismos que des envolveu

para impôr-se (ou fazer-se aceito) pela sociedade, pode-se cair no exagero de pintar um

Leviatã que paire acima dos homens e da História.

Alcir Lenharo estuda as múltiplas formas de construção e inserção do autoritarismo no

imaginário social, aliando a análise do discurso às práticas efetivamente executadas, além de

permear tudo isto com uma saborosa erudição. Ao fim, apresenta-nos um retrato do Estado

Novo que se mostra muito mais aterrador justamente por não estar enfocado apenas pelas

lentes da política no sentido institucional/estrutural. Explicita que “o que temos em mira é

particularizar o fascismo (...) enquanto produto histórico das contradições capitalistas,

diagnóstico que teóricos e autoridades do Estado Novo cotejavam constantemente c om

clareza”, para completar mais adiante com a constatação de que “o Estado Novo levou a sério

a existência da luta de classes, assim como as possibilidades reais da classe operária no jogo

37
- 2 ed. São Paulo: Papirus, 1989.
38
- São Paulo: Brasiliense, 1984.
41
do poder”.39 Mas o autoritarismo não se encontra apenas na estrutura do Estado pois:

“O cruzamento de dispositivos da macro e micropolíticas é que


permitem explicar como uma ‘química totalitária’ envolve as
estruturas do Estado, as estruturas institucionais político-partidárias
e sindicais, as familiares e até mesmo as estruturas individuais.
Nessa perspectiva, o fascismo pode ser localizado em condições
larvares, não necessariamente cristalizado em fórmulas político-
institucionais-nacionais”.40

Munakata, por sua vez, aborda a questão da legislação trabalhista a partir da

caracterização do Estado que a implantou. Não restringindo sua abordagem a um infindável

desfilar de leis, artigos e incisos, busca numa análise histórica de bases mais amplas a

compreensão do significado das leis trabalhistas. Para tanto, após resgatar o enfrentamento

entre liberalismo e corporativismo, mostra como a legislação trabalhista do Estado Novo

pode ser compreendida a partir do papel que tenta impingir ao proletariado. Isto significa

ultrapassar a abordagem dicotômica de tal legislação ou como dádiva paternalista Estado ou

como conquista operária, para enxergá-la como um dos cenários do enfrentamento de classes.

Assim, mais que procurar um significado único para seu objeto, o estudo tenta mostrar como

diferentes sujeitos (de um lado Estado ou elite dominante e, de outro, o operariado)

construíram, vivenciaram, ou sofreram os efeitos do mesmo. A principal qualidade da obra

reside na premissa de que nenhum dos lados abdica ou perde sua condição de sujeito capaz

de ação/existência com variados níveis de autonomia.

Mostrando como se deu o casamento de interesses entre Estado e Burguesia Industrial,

Munakata nos mostra como os industriais não adotaram o liberalismo, pelo contrário,

39
- op. cit., p.22.
40-
id., p. 44.
42
procuraram a proteção do Estado contra a concorrência de indústrias mais fortes e maduras.

Além disto o corporativismo teria como função básica criar estruturas que impedissem que o

conflito de classes levasse ao comprometimento das relações de trabalho e da própria vida

social.

Mas o Estado corporativista será também chamado a mediar os conflitos no interior do

círculo dominante. Entre 1930 e 1945 redefiniu-se a convivência das diversas frações

dominantes entre si e com o Estado. Observa-se a redefinição do "locus" de atuação destas

diferentes frações: se antes tinham que formar partidos políticos estaduais que lhes

garantissem capacidade de intervenção ou de definição de políticas públicas; passaram a

relacionar-se com órgãos estatais que, pressupostamente, dialogariam com os diversos

segmentos sociais em níveis estritamente técnicos. Com isto, vemos o Estado tentando

provocar a despolitização das discussões e, na verdade, levando ao enfraquecimento de

alguns setores em detrimento de outros. Em outras palavras, pode-se observar um

enfraquecimento dos setores agrários e a progressiva ascensão da burguesia industrial.

Porém, a priorização da industrialização e da urbanização não significou o abandono

dos setores agrícolas voltados para o mercado externo. A política econômica getulista

enfrentou decididamente os efeitos da crise de 1929, criando órgãos estatais especialmente

voltados para a concepção e condução das políticas agrícolas setoriais. 41

A convivência da burguesia industrial com o Estado foi marcada por um modelo

semelhante ao anteriormente descrito. Foram criados diversos órgãos responsáveis pela

41
- Em 1931 foram criados o Instituto Nacional do Café e o Instituto do Cacau da Bahia. Em 1933, o Instituto do Açúcar e
do Álcool. Em 1934, o Instituto de Biologia Animal. Durante o Estado Novo, criou-se, em 1938, O Instituto Nacional do
Mate. Em 1940, o Instituto Nacional do Sal e, no ano seguinte, o Instituto Nacional do Pinho. Finalmente, em 1945, cria-
se o Serviço Nacional do Trigo.
43
concepção e implementação de políticas que atendessem aos seus interesses . 42

Atrelado a essa miríade de órgãos burocráticos, o modelo sindical implantado fez dos

sindicatos e associações patronais de variados níveis hierárquicos os interlocutores das

chamadas "classes produtoras" com os diversos órgãos estatais. 43

Esta nova forma de relação do Estado com as diversas frações da classe dominante

expressava uma importante característica desse Estado: a centralização autoritária. Ao

atomizar a classe dominante em infindáveis parcelas, e ao remetê-las individualmente a um

órgão específico do Estado com o qual se relacionariam, o poder central colocava-se como

um interlocutor privilegiado, como o único capaz de conjugar todas as informações e,

conseqüentemente, como o único capaz de impor políticas gerais.

Aparentemente, o quadro acima esboçado reforçaria as análises que caracterizam o

Estado como portador de grande autonomia frente à sociedade. Na verdade, conforme

poderemos verificar na análise da relação da burguesia têxtil com esse mesmo Estado, essa

42
- Dentre outros, destacamos a organização do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio ainda em 1930. No ano
seguinte, cria-se o Departamento Nacional do Trabalho. O ano de 1934 foi marcado pela criação do Conselho Federal de
Comércio Exterior, do Plano Geral de Viação Nacional e da Comissão de Similares. Em 1937, assiste-se à implantação
do Conselho Técnico de Economia e Finanças. Em 1938, organiza-se o Conselho Nacional do Petróleo. Em 1939, foram
constituídos o Plano de Obras Públicas e Melhoramento da Defesa e o Conselho de Águas e Energia. Funda-se a Fábrica
Nacional de Motores em 1940. Datam de 1941 a Companhia Siderúrgica Nacional, a Comissão de Combustíveis e
Lubrificantes e o Conselho Nacional de Ferrovias. No ano seguinte, são criados o Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI) e a Comissão da Vale do Rio Doce. Em 1943, temos a implantação do Serviço Social da Indústria
(SESI), da Companhia Nacional de Álcalis e da Coordenação da Mobilização Econômica. Em 1944 foram constituídos o
Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial e a Comissão de Planejamento Econômico. Finalmente, em 1945,
cria-se a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC).
Como referência para um estudo da estrutura político-administrativa do país no período de 1930 a 1945 indicamos:
IANNI, Octávio. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1977. pp. 11-71.
43-
Ângela de Castro Gomes, citando Guilherme O’Donnell, considera que “uma das características da estruturação
corporativista de relações entre Estado e sociedade é seu caráter bifronte - estatizante e privatista - que significa uma
interpenetração oficial estreita e direta entre órgãos públicos e organizações ‘privadas.’” Em seguida, ressaltando que
junto com a “abertura privatista” deve-se considerar o “caráter segmentário” e desigual desta relação, onde, em relação
às classes populares, destaca-se o componente de controle (repressão e desmobilização do sindicato livre) enquanto que,
em relação às frações da classe dominante, destaca-se uma relação de interpenetração e de “mútuo controle” (sobre elas
o controle é menos direto e menos coercitivo, havendo também maior espaço de negociação). Vide: Burguesia e
trabalho; política e legislação social no Brasil 1917-1937. Rio de Janeiro: Campus, 1979. p. 218.
44
autonomia é apenas aparente. O que realmente ocorreu foi a predominância de algumas

frações dominantes sobre as demais, através do domínio do aparelho de Estado.

Eli Diniz44 nos esclarece que, no jogo político disputado pelas diferentes frações

dominantes, a burguesia industrial não excluiu totalmente as oligarquias agro -exportadoras

das instâncias decisórias. No entanto, reduziu-as a um papel secundário, na medida em que

essas últimas tinham acesso aos órgãos que definiam as políticas setoriais que mais lhes

diziam respeito; mas o mesmo não acontecia no tocante aos órgãos definidores de políticas

públicas mais gerais. Nas palavras do próprio autor:

“Cabe destacar a importância de se distinguir entre níveis do


processo decisório a fim de tornar compreensível a questão da
articulação entre o setor privado e o Estado no período considerado.
Em outros termos, a distinção entre instâncias decisórias centrais e
secundárias é que nos permite detectar o locus de acesso dos grupos
privados à burocracia estatal." 45

Assim, durante o período de 1930 a 1945, as definições a respeito da política cambial,

da política tributária e de incentivos fiscais e do orçamento da União, tiveram como principal

beneficiário o setor industrial.

Durante o período que mais nos interessa, o da Segunda Guerra Mundial, as frações da

classe dominante mais beneficiadas foram aquelas que constituíram-se em alvo da política de

substituição de importações: a burguesia industrial produtora de bens de consumo não-

duráveis (destacando-se a indústria têxtil) e aqueles setores que consumiam produtos

44
- DINIZ, Eli. O Estado Novo: estrutura e poder. In: FAUSTO, Bóris (org). História Geral de Civilização Brasileira.
3 ed. São Paulo: Difel, 1986. t. III, 3º v. p. 106.
45
-ibidem., p. 118. Nos apropriamos do modelo analítico, sem, no entanto, concordarmos com suas conclusões que
identificam uma grande autonomia do Estado frente às frações burguesas dominantes. Entendemos que a burguesia
industrial conseguiu efetivamente construir uma hegemonia sobre as "instâncias decisórias centrais", enquanto que as
forças oligárquicas foram reduzidas às "instâncias secundárias".
45
siderúrgicos semi-acabados (beneficiados pela organização da Companhia Siderúrgica

Nacional).

Precisamos atentar para outras características do Estado nesse período, para melhor

compreendermos seu caráter autoritário. O Estado Novo foi marcado pelo fortalecimento do

Executivo frente aos demais poderes; pelo crescimento da participação das receitas federais

frente às estaduais e municipais, através da criação e aumento dos tributos federais; pelo

fortalecimento das forças armadas em relação às polícias estaduais; pelo esvaziamento

político dos cargos de governador e prefeito, que passaram a ser indicados pelo governo

central.

O jornal O Estado de São Paulo, de 28 de novembro de 1937, assim descreveu uma

curiosa cerimônia que marcou o “enterro” do Federalismo por parte dos revolucionários de

1930:

“Na hora de incinerar as bandeiras dos Estados, representação do


federalismo, hasteia-se a Bandeira Nacional no Altar da Pátria,
decorado com uma grande Bandeira Nacional. Depois de queimadas
faz-se a missa votiva pelo progresso do Brasil”.46

Nesse ritual repleto de simbolismos que se destacam pela literalidade, formalismo e

apelo ao nacionalismo, encontramos importantes características do recém-nascido Estado

Novo. Atentemos para a interpretação de Francisco Campos, então Ministro da Justiça, que

referindo-se à bandeira nacional, assim expressou-se na cerimônia:

"... tu és a única porque só há um Brasil; em torno de ti, refaz-se,


agora, a unidade do Brasil, a unidade de pensamento e de ação, a
unidade que se concretiza pela vontade e pelo coração ..." 47

46
- Apud. CARONE, Edgard. O Estado Novo (1937-1945). 5 ed. São Paulo: Bertrand Brasil, 1988. p. 164.
47- Id. ib.
46
Já Edgard Carone assim analisa a questão:

"A bandeira brasileira é símbolo de União, e a união significa


subordinação. Estados e municípios aparecem presos, legal e de fato,
às estruturas do governo federal e isto leva interventores e prefeitos a
uma situação de servilismo diante do poder autoritário."48

O autoritarismo do Estado Novo, embora já bastante conhecido e analisado, não

poderia ser esquecido. Atingindo variados setores da sociedade, contaminando múltiplas

instituições e instâncias além do Estado, ele foi assim retratado:

“Após novembro de 35, as forças fascistizantes assumem a ‘retórica


do medo’, a mentira o cinismo e a violência invadem o cotidiano do
cidadão comum e, lembrando Arendt, rondam os sindicatos, as
associações e os partidos. Prisões são efetuadas à menor suspeita e as
denúncias são acolhidas sem nenhuma averiguação. (...) Torturas,
seqüestros, prisões com sevícias, tal como ingestão de purgante no
melhor estilo fascista, perseguições a funcionários públicos, invasões
de domicílios nas madrugadas, ameaças de morte, expressam a
banalização da violência e furam o cerco das páginas dos jornais.”49

Iniciava-se assim a última fase do primeiro governo Vargas, que concentrou poderes

nunca vistos, combinando a reestruturação do Estado com o redirecionamento da economia.

Consolidou-se a centralização de poderes no Executivo Federal, implodindo de vez o

Federalismo pré-1930. Nesse contexto, acentuaram-se diversos processos e fenômenos já em

curso: a urbanização; a industrialização via substituição de importações; a diversif icação de

cultivos agrícolas de consumo interno e de exportação; dentre outros. Conforme analisaremos

mais adiante, a conjuntura de guerra reforçou ainda mais esse processo político -econômico

48- Ibidem
49
-DUTRA. Eliana Regina de Freitas. O Fantasma do outro - espectros totalitários na cena política brasileira nos anos 30.
Revista Brasileira de História, São Paulo, 12 (23/24):125-40, set 1991 - ago 1992.
47
de centralização; ao mesmo tempo em que se stituiu no seu limite pois, finalizada a Guerra,

Vargas foi deposto.

A centralização política empreendida durante o Estado Novo teve como ponto inicial a

supressão do Poder Legislativo em todos os níveis. No momento do próprio golpe de 10 de

novembro de 1937, foram fechados o Senado e a Câmara Federal. A nova constituição,

outorgada à nação, abolia ainda o legislativo a nível estadual e municipal e prescrevia que os

governadores, substituídos por interventores estaduais, passariam a ser indicados pelo

Presidente da República. O cargo de prefeito, transformado no de interventor municipal,

passaria a ser de indicação do interventor estadual.

O ocupante do poder executivo passou a exercer também funções legislativas, e o país

passou a ser governado através de decretos-leis. A nova carta dava ainda autonomia ao

presidente da república para demitir e transferir funcionários e para reformar e afastar

militares que ameaçassem os "interesses nacionais". O artigo 186 da nova carta permitia a

prisão preventiva, a invasão de domicílio, o exílio e a censura aos meios de comunicação.

A nível estadual50 e municipal, o controle do executivo, antes a cargo das assembléias

e câmaras, foi transferido para o governo federal. Em 1938, foi criado o DASP

(Departamento Administrativo do Serviço Público), com a função de racionalizar o sistema

administrativo do país. Esse departamento acabou por transformar-se num "superministério"

a partir de 1939, quando passou a ser responsável pelo controle e acompanhamento das

50- Para um estudo das repercussões dos acontecimentos de 1930-1945 em Minas Gerais vide:
DUTRA, Eliana Regina de F. A Supressão da desordem nos anos 30: Minas em tempos sombrios. Revista Brasileira
de Estudos Políticos, Belo Horizonte, UFMG, (73): 75-115, jul 1991.
RESENDE, Maria Efigênia L. de. Reação Oligárquica e avanço centralizador em Minas Gerais no Pós-Revolução de
outubro de 1930. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, UFMG, (65): 7-44, jul 1987.
RESENDE, Maria Efigênia L. de. Às vésperas de 37: o novo/velho discurso da ordem conservadora.. Revista
Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, UFMG, (73): 7-51, jul 1991.
48
interventorias estaduais e municipais. Esse controle era efetuado através dos Departamentos

Administrativos - extensões estaduais do DASP, responsáveis pela aprovação do orçamento e

de todos os decretos-leis dos interventores. Ao Ministério da Justiça competia a articulação

entre as interventorias, departamentos administrativos, DASP e demais órgãos do governo. 51

Outro momento crucial nesse processo de centralização ocorreu em 3 de dezembro de

1937, quando foram abolidos os partidos políticos. Ao proibir-se também todo o "uso de

uniformes, bandeiras, distintivos e símbolos de partidos políticos e de suas organizações

auxiliares"52, atingiu-se frontalmente a Ação Integralista Brasileira. Essa iniciativa atordoou

os integralistas, que até então apoiavam o golpe do Estado Novo, sonhando ver s eu líder,

Plínio Salgado, no ministério de Getúlio. A princípio, adotaram uma postura de oposição

moderada, tentando reverter a situação. Porém, esgotadas as tentativas de reaproximação com

Getúlio, partiram para o enfrentamento.

Na noite do dia 10 de maio de 1938 a Ação Integralista Brasileira desfechou um

ataque ao Palácio Guanabara, residência oficial do Presidente da República. Esse fracassado

"putsh" foi ridicularizado pela imprensa carioca como o "Golpe do Pijama". De fato, eram

risíveis tanto o despreparo dos poucos homens envolvidos quanto as falhas táticas e

estratégicas da ação. Por outro lado, esse verdadeiro "Exército Brancaleone" encontrou pela

frente uma reduzida guarda palaciana e conseguiu, por uma noite inteira, fazer prisioneiro o

todo poderoso chefe do Estado Novo. 53

Mas superado o susto, Vargas aproveitou-se para prender e exilar os incômodos

51
- DINIZ, Eli. op. cit, p. 110.
52
- SEINTENFUS, Ricardo, op. cit., p. 157.
53
- idem., p. 195-8. Esse autor mostra que uma suspeita "apatia" do primeiro escalão do Governo, tardando em solidarizar-se
ou em efetivamente defender seu chefe, poderia esconder desconhecidas articulações com os integralistas ou a ambição
dos que eram próximos a Vargas de obterem vantagens com a sua deposição.
49
líderes do integralismo. Conseguiu também reforçar o seu discurso que apresentava o Estado

Novo como a solução para a nação ameaçada pelos extremismos de esquerda e de direita.

Desde o advento da República o exército e, por extensão, as forças armadas, passaram

a desempenhar um papel cada vez mais destacado na cena política brasileira. Se, com o golpe

de 3 de outubro de 1930, as forças armadas não recobraram a importância que tiveram na

Primeira República, pelo menos ascenderam à posição de um dos pilares do regime

implantado. Seu peso político acentuou-se com o golpe do Estado Novo. Grande parte dos

analistas do Estado Novo enxergam nas forças armadas e na burocracia estatal os sujeitos

políticos principais da centralização político-econômica empreendida no período. 54 Tais

análises encaixariam-se nas caracterizações que fizemos anteriormente a respeito do estado

demiurgo, tomado como o fundador das classes e das instituições sociais.

Thomas Skidmore, por exemplo, valoriza em demasia o papel das forças armadas e,

mais ainda, o desempenho pessoal de Getúlio Vargas. Analisando o papel desempenhado

pelas forças armadas, cita trechos de um discurso no qual Sales de Oliveira suplica pela não

intervenção das forças armadas a favor de Getúlio, às vésperas do golpe do Estado Novo. 55

Mais adiante, o autor incorpora a visão expressa por suas fontes, ao apresentar o Estado

Novo como fruto da astúcia de Vargas aliada ao apoio militar:

"O golpe de 10 de novembro foi a concretização de desejo há muito


tempo evidente, de Vargas, de permanecer no cargo além de seu
prazo legal, que deveria expirar em 1938. Desde 1935 vinha ele
manobrando seus adversários para colocá-los em posição de poder

54
- A título de exemplo confronte SKIDMORE, Thomas. Thomas.Brasil: de Getúlio a Castelo. 5 ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1976. e CARONE, Edgard. op. cit.
55
- Sales de Oliveira teria dito que "ao Exército e à Marinha cumpria montar guarda às urnas e velar para que o país obtenha
nelas um governo de autoridade...". Finalizando dramaticamente sua fala, faz o seguinte apelo: "A nação está voltada
para os chefes militares: suspensa, espera o gesto que mata ou a palavra que salva.". Vide: SKIMORE, Thomas. op. cit.,
p. 49.
50
desacreditá-los ou reprimi-los, ao mesmo tempo que cultivando
cuidadosamente o apoio de grupos de poder solidamente
estabelecidos, tais como Os fazendeiros de café e os militares
superiores."56

Prosseguindo, esse autor conclui apresentando o Estado Novo como resultado de um

processo onde a vontade e habilidade de um só homem sobrepôs-se à uma nação inerte:

"Em suma, o Estado Novo era um estado híbrido, não dependente de


apoio popular organizado na sociedade brasileira e sem qualquer
base ideológica consistente. (...) A despeito das roupagens
corporativistas, o seu [de Vargas] Estado Novo era uma criação
altamente pessoal."
“O Brasil mostrou-se incapaz de achar uma solução democrática
para as alternâncias de paroxismo e paralisia que se haviam seguido
à morte da República Velha." 57

Não nos alongaremos na caracterização desse tipo de análise que consolidou-se em

uma parcela significativa da historiografia sobre o Estado Novo. Dedicaremo -nos mais em

mostrar alguns exemplos de superação da mesma. Como um primeiro caso, temos a

caracterização do Estado Novo efetuada por Lourdes Sola, que já aponta para a diferença

entre a representação construída a respeito do fenômeno pelos que o vivenciaram e o seu

significado histórico.

"Esta falta de mediações organizatórias entre Vargas e o país, salvo a


das Forças Armadas, explica a eficácia daquela representação
personalista do novo regime. A ausência de mobilização política
ampla que lhe servisse de base, permite que a instauração do Estado

56
- SKIDMORE, Thomas. op. cit., p. 50.
57
- ibidem p. 54.
51
Novo apareça como um golpe de elites político-militares contra
elites político-econômicas."58

Eli Diniz avança no esclarecimento da questão ao apontar para a coincidência de

interesses dos militares e dos industriais no desenvolvimento industrial do país. Segundo essa

perspectiva, a expansão da indústria, principalmente a de base, constituía-se numa condição

para o aumento do poderio militar. Após mostrar essa articulação de interesses Diniz

esclarece que

"o que se pretende questionar é a visão (...) dos militares como o


grupo capaz de preencher o vazio determinado pela ausência de uma
burguesia coesa e articulada em torno de objetivos próprios. Até que
ponto os militares teriam precedido a burguesia industrial na
consciência dos interesses ligados à expansão do capitalismo
industrial no Brasil? (...) A nosso ver, no questionamento do
predomínio de uma perspectiva antiindustrialista, a elite industrial
teria uma participação decisiva, mantendo os militares,
individualmente ou enquanto grupo, à margem dessa discussão, pelo
menos até o momento em que a necessidade da organização previnir-
se contra um provável corte no suprimento de material e
equipamentos bélicos colocaria na ordem do dia a importância de se
criar uma indústria interna."59

Assim, Eli Diniz pinta um complexo quadro onde o Estado Novo resulta de um

encontro entre forças armadas e burguesia industrial, interessadas na continuidade da política

industrializante do governo Vargas. 60 Tais forças teriam enxergado no endurecimento político

do regime o instrumento para alcançar com mais comodidade tal objetivo.

Finalmente, acrescentamos a considerações de Pedro Fonseca que destaca o papel

58
- SOLA, Lourdes. O Golpe de 37 e o Estado Novo. In: MOTA, Carlos Guilherme. O Brasil em perspectiva. 16 ed. Rio
de Janeiro: Bertrand, .1987. p. 258. (grifos nossos)
59
- DINIZ, Eli. op. cit., p. 98.
60
- Pinheiro chama atenção para o peso que as forças armadas tiveram na definição de questões estratégicas como a
decisão da construçao da CSN e da nacionalização do petróleo, suplantando até mesmo o envolvimento direto da
burguesia industrial. Vide PINHEIRO, Paulo Sérgio. Getúlio Vargas (1883-1954): reexame de alguns mitos. Estudos
CEBRAP, São Paulo, Edições CEBRAP, (10): 131-40, out-dez 1974.
52
ideológico do nacionalismo como elemento de ligação entre vivências, práticas políticas e

interesses tão díspares, expressados pelas Forças Armadas, pelas diversas frações da

burguesia industrial e pelo próprio Getúlio Vargas. 61

61
- FONSECA, Pedro César Dutra. Vargas: o capitalismo em construção 1906-1954. São Paulo: Brasiliense, 1987 pp.
202-20.
53
2.3 - Evolução Da Indústria Têxtil Nacional

2.3.1- O Período anterior à Segunda Guerra Mundial

As análises sobre a evolução da industria têxtil brasileira, são unânimes em apontar a

Segunda Guerra Mundial como o período mais favorável por ela vivenciado. 62 Isso porque

esse ramo industrial saía de um longo ciclo de crises, compreendido entre os anos 1925 e

1939. Tratava-se nitidamente de uma crise de subconsumo, resultante da junção de um baixo

poder aquisitivo da maior parte da população, com preços artificialmente elevados dos

produtos têxteis nacionais. O artificialismo dos altos preços dos tecidos advinha tanto da

proteção tarifária de que dispunham, como do obsoletismo do parque industrial aqui

instalado. Outros fatores que contribuíam para elevar os custos da produção nacional seriam

representados pelas dificuldades de transportes, pela baixa qualidade da principal matéria-

prima - o algodão, além de problemas relacionados à racionalização da produção.

Internamente, a crise levou a uma adequação das indústrias a produtos e mercados

distintos. Grosso modo, podemos identificar a especialização de pequenas e médias

indústrias - a maioria delas instaladas em pequenas e médias cidades do interior - na produção

62
- STEIN, Stanley J. Origens e evolução da indústria têxtil no Brasil - 1850/1950. Rio de Janeiro: Campus, 1979. pp.
164-71;
SANTOS, Genival. A Recuperação da indústria têxtil mundial e o Brasil. s.l., CETex (Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio): 1948. p. 77;
BRASIL, Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (CETex). A Indústria têxtil do algodão e da lã. s.l., 1949. pp.
129-30;
VILLELA, Aníbal & SUSIGAN, Wilson. Crescimento da renda real durante a II Guerra Mundial, 1940/1945. In:
VERSIANI, Flávio R. & BARROS, José R. Mendonça de. Formação econômica do Brasil; a experiência da
industrialização. São Paulo: Saraiva, 1977.p. 220;
DEAN, Warren. A Industrialização de São Paulo (1180-1945). 3 ed. São Paulo: DIFEL, s.d., p. 235-8.
SÁ, Francisco de. Indústria de fiação e tecelagem de algodão. Boletim do Ministério do Trabalho Indústria e
Comércio, Rio de Janeiro, 8 (90): 101-13, fev 1942.
AMARAL, Luiz. Pequena história do algodão no Brasil. Boletim do Ministério do Trabalho Indústria e Comércio,
Rio de Janeiro, 7 (79): 188-201, mar 1941.
54
de tecidos mais rústicos e ao ramo de sacaria. Para tanto, contavam com alguns fatores

favoráveis tais como acesso facilitado a uma mão-de-obra mais barata; a matérias-primas

também mais baratas por serem produzidas em locais mais próximos e por dedicarem -se a

um mercado que, embora de pequeno porte, encontrava-se "protegido" pelas dificuldades e

alto custo dos transportes. Assim, as fábricas de maior porte, geralmente situadas em cidades

maiores, viam sua capacidade de concorrência reduzida no tocante ao mercado de tecidos

mais rústicos e populares para as fábricas do interior; ao mesmo tempo que, pelo menos até o

final da década de 1920, tinham que enfrentar a concorrência com os tecidos importados no

mercado de tecidos mais finos.

No enfrentamento das questões acima descritas, a burguesia têxtil do centro-sul do

país, representada principalmente pelas associações de industriais têxteis de São Paulo e do

Rio de Janeiro, desenvolveu uma campanha de defesa de seus interesses que desdobrava -se

em dois níveis: a) luta pelo aumento das tarifas alfandegárias incidentes sobre os tecidos d e

algodão importados; b) luta pela proibição da importação de novos equipamentos têxteis,

alegando a existência de uma crise de superprodução.

O aumento das tarifas incidentes sobre a importação de produtos têxteis em 66% foi

conseguido em 1928. 63 Como conseqüência, conforme podemos verificar na Tabela 7, a

importação de tecidos de algodão caiu drasticamente em 1929 e 1930, estabilizando -se em

patamares que representaram uma diminuição de quase 93%, se compararmos as médias

verificadas entre 1925-1929 e os anos seguintes.

63
- Destacamos o fato de que tal "conquista" da burguesia têxtil se deu antes de 1930, o que enfraquece a interpretação da
"Revolução " de 1930 como um marco inicial do acesso da burguesia industrial ao aparelho de estado. Notamos ainda
que, se os acontecimentos de outubro de 1930 marcaram uma mudança na qualidade das relações entre burguesia
industrial e Estado, isso não significa que antes a citada burguesia estivesse totalmente alijada de acesso ao mesmo.
55
Tabela 7 - Importação de Tecidos de Algodão - Brasil - Valores Anuais Médios -
1925-1949

Error! Bookmark not MÉDIA ANUAL (TONELADAS) 1925-1929 = 100


defined.PERÍODO
1925-1929 7.028 100,0
1930-1934 691 9.8
1935-1939 441 6,2
1940-1944 651 9,3
1945-1949 312 4.4
FONTE: STEIN, Stanley. Origens e evolução da indústria têxtil no Brasil - 1850/1950. Rio de Janeiro:
Campus, 1979. p. 193.

A restrição às importações de máquinas têxteis, sob a alegação da ocorrência de uma

crise de superprodução, foi obtida em 1931. Segundo Stanley Stein, os "conluios

cartelizadores" aparentemente fecharam assim um rígido círculo: não tinham mais que temer

a concorrência externa devido à proteção tarifária; nem tão pouco novos concorrentes

internos, dado o quase congelamento da capacidade produtiva interna conseguido com a

restrição à importação de novos equipamentos. 64 Tal restrição, inicialmente prevista para

durar até março de 1934, acabou sendo prorrogada até março de 1937. Após um curto

período de importações de equipamentos liberadas, o início da Segunda Guerra Mundial

restaurou a situação anterior, pois os fornecedores estrangeiros (principalmente europeus),

não puderam mais atender a encomendas de novas máquinas.

No entanto, vários fatos demonstram que a indústria têxtil realmente não vivenciava

uma crise de superprodução naquele período em que reivindicou e obteve tantas proteções.

No citado período, várias fábricas instituíram dois ou mais turnos de produção. Stein aponta

ainda outra evidência interessante: a incipiente indústria nacional de recuperação/fabricação

64
- A proibição se deu através do Decreto nº 19.739, de 07/03/1931. Vide: STEIN, Stanley. op. cit., p. 144-6.
56
de teares desenvolveu-se extraordinariamente no período. Esse autor exemplifica com dados

da produção da maior fábrica de teares da época, que produzia cerca de 30 teares por mês em

1930 e saltou para uma produção de 130 teares por mês em 1936.65 Tudo isso culminou num

significativo aumento de 62% da produção de tecidos no país, comparando-se os dados do

qüinqüênio de 1925-1929 com 1935-1939, como podemos observar na Tabela 8.

Tabela 8 - Média Anual da Produção Brasileira de Tecidos de Algodão - 1920-1948

PERÍODO PRODUÇÃO ANUAL MÉDIA 1925-29 = 100


(em milhares de metros)
1920-1924 657.192 120
1925-1929 545.839 100
1930-1934 619.067 113
1935-1939 886.812 162
1940-1944 1.139.097 209
1945-1948 1.099.702 201
FONTE: CIFTA-RJ, Alguns aspectos da indústria têxtil. Rio de Janeiro, nov. de 1949. Tese apresentada na
II Convenção da Indústria Têxtil Brasileira, São Paulo, 1949.

A Tabela 8 nos mostra ainda que o período de 1925 a 1929 foi de subprodução, e não

de superprodução, como apregoavam alguns industriais têxteis, uma vez que a média da

produção anual desse qüinqüênio é inferior em mais de 110 milhões de metros à média da

produção anual do qüinqüênio anterior. Ocorria, na verdade, uma crise de subconsumo, com

os índices de consumo de tecidos per capita caindo. Cabe aqui uma reflexão sobre a

mentalidade empresarial do período. Julgamos que não se tratou apenas de um erro de

diagnóstico dos industriais têxteis (tomar como prioridade estratégica a restrição da oferta e

não o crescimento da demanda). Na verdade, estaríamos diante de um limite da própria

65
- ibidem., p. 148.
57
mentalidade capitalista que os referidos industriais demonstravam possuir naquele momento,

que os levou a uma opção de cunho eminentemente político e social: como o incremento da

demanda implicava no questionamento dos níveis de distribuição de rendas, então, tentar

restringir a oferta através da imposição estatal, mostrava-se como a opção mais viável ou a

mais apropriada aos seus interesses.

2.3.2- Segunda Guerra e Performance Comercial da Indústria Têxtil

Quando as conseqüências da eclosão da Segunda Guerra Mundial começaram a

repercutir sob a economia mundial, a indústria têxtil nacional encontrava-se numa posição

extremamente cômoda. Conforme analisamos anteriormente, desde 1928 ela contava com a

proteção alfandegária contra os concorrentes importados e, desde 1931, a importação de

equipamentos têxteis tornara-se bem mais difícil. Com o início da Guerra, a produção de

tecidos dos países europeus diminuiu, devido à conversão de sua indústria para atender ao

esforço de guerra. O conflito armado também atingiu profundamente a produção de

equipamentos têxteis. Assim, a Segunda Guerra acabou por tornar fato consumado aquilo que

a Lei Brasileira tentara criar artificialmente: ocorreu um aumento da demanda mundial de

tecidos, fazendo o seu preço disparar, no momento em que não havia como importar grandes

quantidades de tecidos ou de equipamentos.

Em 1937/1938, o Brasil colocava-se como o 5º país em número de fábricas, o 10º

quanto ao número de teares e quanto ao consumo de algodão e o 11º quanto ao número de

58
fusos.66 A conjuntura de guerra modificou totalmente o papel desempenhado pela indústria

têxtil brasileira no cenário internacional. O país passou da condição de importador de

tecidos, predominante até o final de década de 1920, para a de grande exportador, durante o

período da Guerra, conforme verifica-se na Tabela 9.

Tabela 9- Importação e Exportação Brasileira de Tecidos de Algodão


1920-1949 (Em Toneladas)
Error! EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO Error! EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO
Book Book
mark mark
not not
define define
d.AN d.AN
O O
1920 135 4.867 1935 221 342
1921 556 2.016 1936 319 389
1922 779 3.149 1937 687 446
1923 786 3.913 1938 247 481
1924 57 5.839 1939 1.982 545
1925 23 7.328 1940 3.958 1.464
1926 15 7.319 1941 9.238 759
1927 8 7.245 1942 25.169 143
1928 27 8.311 1943 26.046 689
1929 20 4.940 1944 20.070 202
1930 11 1.338 1945 24.247 159
1931 276 447 1946 14.103 241
1932 63 390 1947 16.678 495
1933 87 793 1948 5.638 414
1934 425 487 1949 4.011 251

FONTE: STEIN, Stanley. Origens e evolução da indústria têxtil no Brasil -1850/1950. Rio de Janeiro:
Campus, 1979. p. 194.

Essa conjuntura foi assim descrita por um observador contemporâneo à mesma:

66
- CF. carta do SIFTA-RJ a Roberto Simonsen, de 14/07/1939.
59
"Nossa indústria têxtil desfrutou, durante a segunda guerra
mundial,[de] uma situação excepcionalmente favorável. Os
mercados interiores ficaram na inteira dependência do produto
nacional, afastada a possibilidade da concorrência estrangeira.
Quanto aos mercados externos, (...) tornaram-se-nos fáceis os
negócios mais vantajosos nos países sul-americanos e na África,
havendo os nossos tecidos de algodão penetrado em todos os
continentes, exceto a Oceania." 67

Porém, esse mesmo autor nos mostra que a "penetração em todos os continentes,

exceto a Oceania", para os casos da América do Norte e Central, Europa e Ásia equivaleu a

pouco mais que 10% das exportações realizadas entre 1940 e 1947, conforme podemos

verificar na Tabela 10.

Tabela 10 - Exportação Brasileira de Tecidos de Algodão - 1940-1947 (Por Continentes,


Em Toneladas e Porcentagem)
1940/41 1942/43 1944/45 1946/47 TOTAL
TONE % TONE % TONE % TONE % TONE %
LADA LADA LADA LADA LADA

Am. do Sul 11.854 89,9 31.119 59,9 29.903 67,5 13.764 44,7 86.640 61,8
África 828 6,3 18.863 36,3 7.358 16,6 12.245 39,8 39.294 28,0
Am. Norte e Central 430 3,2 1.259 2,4 2.980 6,7 348 1,1 5.017 3,6
Europa 11 0,1 246 0,5 3.086 7,0 1.422 4,6 4.765 3,4
Ásia 69 0,5 485 0,9 989 2,2 3.002 9,8 4.545 3,2
Total 13.192 100,0 51.972 100,0 44.316 100,0 30.781 100,0 140.261 100,0
FONTE: SANTOS, Genival. A Recuperação da indústria têxtil mundial e o Brasil. s./l. CETex (Ministério
do Trabalho, Indústria e Comércio), 1948. p.127.

Por outro lado, conforme podemos verificar na tabela abaixo, os preços obtidos por

nossos tecidos exportados cresceram continuamente de 1939 a 1943, e chegaram a 1948

valendo 53% mais que em 1939 - descontada a desvalorização monetária da época.

67
- SANTOS, Genival. op. cit., p. 77.
60
Evidentemente, tal fenômeno constituiu-se no mais forte incentivo ao aumento das

exportações que ora analisamos.

Tabela 11 - Preço Médio do tecido de Algodão Exportado Pelo Brasil - 1939-1948


(Em Cr$, Por Metro)
Error! PREÇO MÉDIO PREÇO MÉDIO ÍNDICE/ PREÇO
Book (Cr$/m) DEFLACIONADO (Cr$/m) DEFLACIONADO, (1939=100)
mark
not
define
d.AN
O
1939 1,48 1,48 100
1940 1,71 1,63 110
1941 2,25 1,93 130
1942 3,12 2,39 161
1943 4,17 2,78 188
1944 5,21 2,73 184
1945 5,76 2,48 168
1946 4,98 1,80 122
1947 7,51 2,29 155
1948 8,14 2,26 153
FONTE: Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Comissão Executiva Têxtil (CETex). A Indústria
têxtil do algodão e da lã. Rio de Janeiro: CETex, 1949. p. 131.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário estatístico do Brasil - 1949. Rio de
Janeiro, IBGE, 1950. p. 416. (índice de deflação).

A passagem do país de importador a expressivo exportador de tecidos fica evidenciada

a partir da constatação de que o total exportado nos vinte anos compreendidos entre 1920 e

1939 alcançou a marca de 6.724 toneladas, equivalendo a cerca de um quarto das 26.046

toneladas exportadas em 1943 (melhor ano para as exportações de tecidos do país). 68 Se

considerarmos a média anual da produção, importação e exportação de tecidos de algodão

68
- Já em 1942 as exportações de tecidos representavam o segundo item de nossas exportações, perdendo apenas para o café.
Vide: DEAN, Warren, op. cit., p. 237.
61
por década, poderemos visualizar com maior nitidez tais transformações.

Tabela 12 - Produção, Importação e Exportação de Tecidos de Algodão - Brasil -


1920-1949 (Média Anual Por Década, Em Toneladas e Porcentagem)
PRODUÇÃO EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO

ABSOLUTO % PRODUÇÃO ABSOLUTO % PRODUÇÃO

1920-1929 60.151 241 0.40 5.493 9.13

1930-1939 75.302 432 0.57 566 0.75

1940-1949 112.292 14.916 13.28 482 0.43

FONTE: STEIN, Stanley. Origem e evolução da indústria têxtil no Brasil - 1850/1950. Rio de Janeiro:
Campus, 1979. p. 192-3. (dados reagrupados).

A Tabela 12 mostra, primeiramente, um contínuo e significativo crescimento da

produção têxtil do país no período, quando a produção média anual por década quase duplica,

passando de 60 mil toneladas na década de 1920 para 112 mil toneladas na década de 1940,

aumentando em 87%. Por outro lado, demonstra também que não podemos superestimar a

importância quantitativa do mercado externo na produção têxtil algodoeira nesse período.

Isto porque as importações de têxteis de algodão têm uma participação de menos de 10% do

consumo nacional na década de 1920, quando atinge sua melhor fase. As exportações por sua

vez, terão apenas uma relativa importância na década de 1940, quando absorvem cerca de

13% da produção nacional. Oscilando entre esses pólos, a década de 1930 apresenta valores

inexpressivos tanto de exportações quanto de importações, que não chegam a atingir a 1%. 69

Mas se no aspecto quantitativo as importações e exportações de tecidos não chegam a

69
- Se nas tendências de médio e longo prazo o mercado externo mostra uma influência tão tímida, menos desprezível se
torna sua participação em algumas conjunturas mais localizadas. Comparando o percentual das importações com o da
produção interna de tecidos de algodão veremos que, durante a década de 1920, a participação das importações oscilou
entre o mínimo de 3,6% e o máximo de 14,3%. Já as exportações, durante a década de 1940, oscilaram entre 4,7% e
22,3%.
62
impressionar, no qualitativo destaca-se o fato de que o crescimento das importações de

tecidos, ocorrido na década de 1920, teve que ser interrompido por uma incisiva política

tarifária protecionista. Observa-se ainda que, mesmo com uma participação que não chegou a

eqüivaler a 15% da produção nacional, tais importações constituíam um limite efetivo a

aumentos dos preços internos dos tecidos. Por outro lado, constata-se também que, durante a

década de 1940, quando o país colocou em média 13% de sua produção de tecidos de

algodão no mercado externo, isso foi suficiente para fazer os preços internos acompanharem

a tendência fortemente altista dos preços internacionais desses produtos.

O isolamento em relação ao mercado internacional, vivenciado durante a década de

1930, teve desdobramentos futuros tão importantes quanto duradouros. A indústria têxtil

nacional acabou por acomodar-se em níveis tecnológicos, de produtividade e de organização

da produção bastante obsoletos. Isto porque nossas fábricas não se reequiparam no momento

em que as indústrias produtoras de equipamentos têxteis dos países desenvolvidos poderiam

aceitar encomendas. Iniciada a Segunda Guerra, nossas exportações de têxteis cresceram

principalmente para mercados não mais atendidos pelos exportadores europeus tradicionais

(com destaque para os países vizinhos da América do Sul e outros da costa da África). 70 Mas

com o fim da Guerra, tais mercados foram perdidos com a mesma velocidade que foram

conquistados, pois grande parte da produção européia passou a ser processada em

equipamentos produzidos após o fim dos conflitos. Se durante a década de 1930 já estávamos

em desvantagem para com eles competirmos, principalmente devido ao nosso atraso

tecnológico; vimo-nos em condições ainda piores após o final da década de 1940, por

contarmos com máquinas que, além de antigas, encontravam-se desgastadas devido ao uso

70
- "Ninguém ignora que a substituição imediata e sem dificuldades dos tecidos ingleses, japoneses, italianos e belgas pelos
brasileiros, a partir de 1939, em vários mercados externos, decorreu da ausência daqueles." (...) "Não se trata portanto de
uma preferência. Aceitou-se simplesmente uma imposição das circunstâncias." SANTOS, Genival. op. cit., p. 81.
63
intensivo que sofreram durante o período da Guerra.
Vilella e Susigan assim analisam tal conjuntura:

[Durante a Segunda Guerra] o crescimento da produção industrial


teve que ser feito forçando ao máximo a utilização dos equipamentos
e instalações existentes, o que fez com que no fim da guerra alguns
ramos industriais estivessem com seus equipamentos desgastados e
obsoletos. No caso da indústria têxtil, 80 % do equipamento estava
obsoleto e gasto, exigindo imediata substituição. (...) Seus produtos
chegaram a representar quase 20% do valor das exportações.
Entretanto, esse surto de exportações só durou durante o período da
guerra, pois o alto preço dos tecidos, devido principalmente ao
baixo rendimento dos equipamentos obsoletos e os sérios problemas
de qualidade, freqüentemente causados por fraude, não permitiram
no pós-guerra à industria têxtil competir com os fornecedores
tradicionais."71

Os efeitos desta defasagem iriam ser sentidos ainda por muitos anos. Parece que o fim

das condições excepcionais desfrutadas durante a Segunda Guerra mergulhou o setor têxtil

numa crise que dificultou seu reaparelhamento. O uso intensivo, advindo da generalização da

formação de 2 ou até 3 turnos de trabalho durante o período da guerra, acelerou o

sucateamento. Mas a reposição se deu de forma apenas parcial. Em 1960, segundo um

aprofundado estudo que abrangeu 855 estabelecimentos industriais, 39,8% das máquinas em

uso tinham mais de 30 anos. 72

A volta dos produtores tradicionais ao mercado têxtil internacional só não significou o

aniquilamento dos produtores brasileiros devido às proteções tarifárias que voltaram a

71
- VILLELA, Annibal & SUSIGAN, WILSON. Política do governo e crescimento da economia brasileira 1889-1945.
Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1973. p.230-2.
72-CEPAL. A Indústria têxtil do Brasil; pesquisa sobre as condições de operação nos ramos de fiação e tecelagem. s/l.
1962. v. 1, p. 102.
Segundo este estudo, a defasagem dos equipamentos nem se constituía no principal problema do setor: “do total da
‘deficiência global de operação’, 67% correspondem à deficiência de operação com a maquinaria atual e 33% são
devidos ao obsoletismo da maquinaria” (v. 2, p. 205). Ou seja, dois terços dos problemas da indústria têxtil em 1960
foram atribuídos a fatores como má utilização do equipamento disponível, qualidade da matéria-prima, layout das
fábricas, deficiências administrativas, etc. É razoável supor que tais problemas, se não fossem maiores, teriam pelo
menos a mesma intensidade no período por nós estudado.
64
desfrutar após perderem seus mercados externos.

2.3.3- Perfil da Indústria Têxtil Durante a Segunda Guerra

Traçaremos agora um perfil da indústria têxtil no início da década de 1940, analisando


sua composição, os capitais por ela controlados, a mão-de-obra ocupada e o número de
estabelecimentos existentes.
Segundo o Censo Industrial de 1940, o Brasil possuía um total de 49.418

estabelecimentos industriais, que empregavam 781.185 operários, dispunham de 18 bilhões

de cruzeiros em reservas de capital, e um faturamento anual equivalente a cerca de 17,5

bilhões de cruzeiros. Desse total, a indústria têxtil responsabilizava-se por 2.212

estabelecimentos (4,48%), empregando 233.443 operários (24,30%), aplicando 3,1 bilhões de

cruzeiros em capitais (17,25%), com um faturamento anual de cerca de 3,6 bilhões de

cruzeiros (20,71%). Trata-se portanto de um setor industrial responsável por quase um

quarto da mão-de-obra industrial, um quinto do faturamento, e pouco mais de um sexto dos

capitais industriais, embora contasse com menos de um vigésimo do total de

estabelecimentos industriais.

65
Tabela 13 - Indústria em Geral e Indústria Têxtil Brasileira - 1940
(Nº de Estabelecimentos, Mão-de-Obra Ocupada e Faturamento)

INDÚSTRIA EM GERAL INDÚSTRIA TÊXTIL


Absoluto % Absoluto %
Estabelecimentos 49.418 100 2.212 4.5
Operários 860.663 100 233.443 24.3
Operários/Estabeleciment 19.43 --- 105.53 ---
o
Capitais (1) 18.03 100 3.11 17.3
Faturamento (1) 17.48 100 6.62 20.7
(1) Em Bilhões de Cruzeiros
FONTE: BRASIL. IBGE. Anuário Estatístico. Rio de Janeiro: IBGE, 1950. p. 166.

Continuando a análise da Tabela 13, podemos verificar que a indústria têxtil,

comparada com o restante do setor industrial brasileiro, apresentava uma concentra ção de

operários por estabelecimento cinco vezes maior que a média do país. Verificamos também

que o ramo têxtil usava mais intensivamente mão-de-obra do que capital. Notamos ainda que,

proporcionalmente, seu faturamento fica abaixo da mão-de-obra que ocupa e ligeiramente

acima dos capitais que controla. 73

De acordo com a Tabela 14, ao falarmos da indústria têxtil brasileira durante a

Segunda Guerra Mundial, estaremos nos referindo ao setor industrial que emprega o maior

número de pessoas, e que é o terceiro setor em capitais acumulados. 74 O setor têxtil apresenta

tal performance a partir do controle de uma parcela relativamente pequena do total de

estabelecimentos existentes, demonstrando que o porte das suas unidades industriais é bem

73
- Para conhecer a concentração de operários por empresa e por Estado da Federação; a distribuição da mão -de-
obra por sexo e idade; a distribuição percentual da produção por Estado, vide, respectivamente, os anexos 14,
15 e 16.
74
- Perde por pouco para o setor de alimentos e fica bem distante dos setores de produção e distribuição de energia elétrica e
de abastecimento de água e esgoto. Tradicionalmente estes dois últimos setores são os que mais concentram capitais em
grande escala.
66
superior à média nacional.

Tabela 14 - Indústria Brasileira - 1940


(Nº de Estabelecimentos, Nº de Operários e Valor do Capital)
Error! Bookmark Nº Estabe Capital Operários Operários por Capital por Capital por
not defined.Ramo lecimento (1) Fábrica Operário (2) Estabelecimento
Industrial s

Extrativa 4.058 474 55.928 13,8 8.480 116.810


Metalúrgica e
2.154 1.263 86.962 40,4 14.520 586.350
Mecânica
Minerais Não
4.861 467 57.416 11,8 8.130 96.070
Metálicos

Madeira 5.614 462 66.088 11,8 6.990 82.290

Papel 228 305 12.318 54,0 24.760 1.337.720

Couros e peles 1.297 177 14.598 11,3 12.120 136.470


Química e
1.610 752 36.008 22,4 20.880 467.080
Farmacêutica
Vestuário e
3.218 268 49.317 15,3 5.430 83.280
Calçados
Alimentos e
16.606 3.931 203.467 12,3 19.320 236.720
bebidas

Construção Civil 1.243 187 61.123 49,2 3.060 150.440


Eletricidade Água
3.218 5.808 28.983 9,0 200.390 1.804.850
e Esgoto

Gráfica 2.207 354 31.617 14,3 11.200 160.400

Outros 892 471 23.395 26,2 20.130 528.030

Têxtil 2.212 3.114 233.443 105,5 13.340 1.407.780

Total 49.418 18.033 960.663 19,4 18.770 364.900


(1) em milhões de cruzeiros
(2) em cruzeiros
FONTE: BRASIL. IBGE. Anuário Estatístico. Rio de Janeiro: IBGE, 1950. p. 166.

67
2.4- Militarização das Atividades Civis durante a Segunda Guerra

Até aqui, pudemos verificar a invejável situação desfrutada pela indústria têxtil

durante a Segunda Guerra Mundial: mercado interno sem concorrência de produtos

estrangeiros, exportações facilitadas pelo aumento de demanda decorrente da Guerra. A

conseqüência óbvia foi a ocorrência de um aumento explosivo da lucratividade das empresas.

Mas como a importação de novas máquinas era quase impossível, tal aumento da produção

foi alcançado a partir da intensificação da exploração da mão-de-obra. Analisaremos agora os

mecanismos legais que permitiram o aumento da exploração para, no próximo capítulo,

estudarmos sua repercussão no cotidiano de trabalho da indústria têxtil.

Examinaremos primeiramente algumas leis expedidas pelo Governo Vargas entre

agosto de 1942 e julho de 1945, que modificaram profundamente o cotidiano de trabalho de

vários setores produtivos, dentre eles o têxtil. 75

O primeiro alvo destas modificações foram os sindicatos, que viram-se ainda mais

atrelados ao controle do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. O Decreto -Lei 4637,

de 31/08/42, determinava que "as entidades sindicais de qualquer grau (...) colaborarão,

permanentemente, com os poderes públicos, enquanto durar o Estado de Guerra." Previa

ainda que:

75
- Neste ponto baseamo-nos amplamente nos comentários desenvolvidos por Maria Célia Paoli, nos únicos trabalhos que
efetivamente analisam tal questão: PAOLI, Maria Célia. Trabalhadores e cidadania: a experiência do mundo público na
história do Brasil moderno. Estudos Avançados, IEA-USP, São Paulo, 3 (7): 40-66, set/dez 1989. ------, Os
Trabalhadores urbanos na fala dos outros. Tempo, espaço e classe na história operária brasileira. In: LOPES, José Sérgio
L. (org.). Cultura e identidade operária. Rio de Janeiro, Marco Zero, s.d. pp. 88-9.
Hélio da Costa e Ângela de Castro Gomes também passaram por estas questões, a partir dos textos de Maria Célia
Paoli. Vide, respectivamente: Em Busca da memória; comissão de fábrica, partido e sindicato no pós-guerra. São
Paulo: Scritta, 1995. p. 15-24 e A Invenção do Trabalhismo. São Paulo: Vértice, Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988.
p. 244-5.
É interessante destacar a omissão da historiografia no registro da existência destes fatos, antes das análises realizadas
por Paoli. Foi com extrema dificuldade que encontramos alguns indícios superficiais como em DEAN, Warren. A
Industrialização de São Paulo (1880-1945). 3 ed. São Paulo: Difel. s.d. cap. XI. e STEIN, Stanley. Origem e evolução
da indústria têxtil no Brasil 1850-1950. Rio de Janeiro: Campus. 1979. p. 167-84.
68
1- As assembléias só se realizariam com permissão do Ministério do Trabalho, Indústria

e Comércio, a partir de petição que explicitasse os fins da convocação.

2- As entidades sindicais não poderiam se filiar a qualquer movimento, mesmo de

caráter cívico, sem prévio consentimento do Ministério do Trabalho, Indústria e

Comércio.

3- As entidades sindicais de empregados e empregadores manteriam uma articulação

constante, imprimindo um "solucionamento conciliatório a todos os dissídios".

4- As entidades sindicais de empregadores eliminariam de seus quadros e denunciariam

os responsáveis por alta de preços e açambarcamento de produtos.

5- Os sindicatos de empregados criariam no espírito de seus associados uma

"mentalidade de devotamento à pátria pela consideração de que todos os esforços

consagrados ao trabalho assíduo e eficiente resultarão em maior defesa da

nacionalidade".

6- Os "súditos dos países com quem o Brasil estivesse em Estado de Guerra" estariam

impedidos de: a) concorrerem em eleições sindicais; b) comparecerem às assembléias

ou eleições sindicais; c) freqüentarem a sede social das entidades sindicais.

Na mesma data foi publicado o Decreto-Lei 4638, que facultava a rescisão do contrato

de trabalho dos operários "súditos dos países com quem havíamos rompido relações ou

declarado em estado de beligerância". Para tanto, o empregador deveria requerer autorização

ao Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. No entanto, poderia suspender o operário

desde o momento que formulasse o pedido de autorização. A Indenização devida (meio

salário para cada ano de serviço), equivaleria à metade da prevista para os demais operários,

e poderia ser dividida em parcelas mensais equivalentes ao número de anos indenizados. O

69
Decreto explicitava ainda estar suspendendo o direito de estabilidade após dez anos de

serviço para os casos em que se aplicava. Como limite à aplicação indiscriminada, impunha a

obrigação de se contratar um brasileiro para cada vaga assim aberta, embora previsse a

possibilidade de o Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio liberar o empregador de tal

ônus.

Podemos ter uma idéia do quanto esta legislação foi utilizada de forma arbitrária,

analisando alguns conflitos de trabalho dela decorrentes. O Diário Mercantil de 15 de janeiro

de 1942 noticia que Sebastião de Paula Netto venceu uma ação trabalhista na qual

questionava sua demissão, após ter sido detido por elogiar países do Eixo, e não fornecer ao

empregador um "documento que atestasse seu comportamento cívico". A sentença reprovava

a atitude do empregador de "erigir-se em julgador", enquanto a lei definia que seu papel seria

de, no máximo, encaminhar solicitação fundamentada ao Ministério do Trabalho, Indústria e

Comércio, requerendo autorização para efetuar a demissão. Considerava ainda que Sebastião

poderia ser atingido na sua qualidade de cidadão, e não na de profissional.

Em carta datada de 25 de dezembro de 1942, Manoel Benício Fontenelle, presidente

do Sindicato dos Mestres e Contramestres da Indústria de Fiação e Tecelagem do Rio de

Janeiro dirige-se ao sindicato patronal solicitando "a vossa atenção, o vosso conselho, o

vosso beneplácito e si possível a solução conciliatória" junto à Companhia América Fabril,

"padrão e orgulho da indústria brasileira", no sentido de que a mesma revisse o rebaixamento

salarial a que submetera dois de seus funcionários. Tratava-se João Maynarde, natural da

Itália, chegado ao Brasil com 2 meses de idade, contando com 33 anos de serviço na

empresa, "admirador incondicional do Presidente Getúlio Vargas". O outro demitido era

Carlos Rosner, natural da Alemanha, chegado ao Brasil com 4 anos, trabalhando há 46 anos

70
na empresa, "tem um filho no Exército Brasileiro e ama e admira o Brasil." Ambos foram

demitidos em agosto de 1942 quando "os navios brasileiros foram covardemente afundados

pelos corsários do Eixo" e readmitidos depois com um considerável rebaixamento de

salários. João Maynarde, que recebera 916$000 em março de 1942, recebeu apenas 562$000

em outubro do mesmo ano, sofrendo uma perda salarial de 39%. Carlos Rosner por sua vez,

recebera 1:120$000 e 646$000 nas respectivas datas, perfazendo uma perda salarial de 42%.

Após outros tantos elogios a Getúlio Vargas, loas à pátria e às "dignas e benéficas classes

patronais", o líder sindical Manoel Benício despede-se declarando estar "aguardando as

ordens" do sindicato patronal.

Tanta subserviência parece não ter sido suficiente pois, em ofício 76 datado de 21 de

junho de 1943, a Assessoria Jurídica do Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem do Rio

de Janeiro aconselhava a empresa a aceitar um acordo proposto pelo Presidente da Junta de

Conciliação e Julgamento na qual Carlos Rosner movera uma reclamação contra a América

Fabril.

Outro caso exemplar é o do "Japonês das balas pucha-pucha"77, noticiado pela

imprensa juizforana em março de 1942. Transcrevemos abaixo consideráveis porções da

reportagem, chamando atenção para a contradição entre o perigo potencial atribuído a Ioshio

e suas miseráveis condições de sobrevivência. Note-se ainda o esforço em caracterizá-lo

como inimigo a partir da mais grosseira desqualificação, consubstanciada na falta de asseio,

desorganização e nos "crimes" de esconder dinheiro no bolso da calça e possuir cartas da

namorada que não foram assinadas:

76
- Of. 609/43, SIFTA-RJ. A Carta do Sindicato dos Mestres e Contramestres constitui um anexo do mesmo.
77
- FOI preso o japonês das balas pucha-pucha. Gazeta Comercial, Juiz de Fora, 25/03/1942, p. 4.
71
“A polícia local não tem dado tréguas aos nossos inimigos,
principalmente os japoneses. Esses amarelos, vindos do Japão (sic),
encontram um vasto campo de ação, procurando por todos os meios
ludibriar a boa fé das autoridades do país(...)
No decorrer do dia de ontem, o investigador Quelote, por
ordem do delegado especializado, efetuou a prisão, para
averiguações, do amarelo Ioshio Kitakase, natural de Kioto, estando
no Brasil há mais de doze anos(...)
Em poder de Ioshio foi encontrado quase um conto de réis,
(...) que ficou em poder das autoridades(...)
Os investigadores Notaroberto, Quelote e a nossa reportagem deram
uma batida no quarto em que residia Ioshio, em uma pensão à Rua
Espírito Santo.
Ali os policiais, após uma busca rigorosa, encontraram uma
nota de 500$000 e outra de 20$000, escondidas em uma calça, além
de certa quantia em níqueis, depositadas em várias latas. Os policiais
apreenderam, ainda, cartas dos conterrâneos de Ioshio, de sua
namorada, retratos, etc. O mais interessante é que as cartas que o
japonês recebia de sua namorada, não tinham assinatura da
remetente. Sobre este ponto deverá esclarecer perante a autoridade
competente.
O quarto onde Ioshio residia estava em completa
desarrumação. Roupas sujas atiradas a um canto, latas de fermento,
embrulhos e outras miudezas espalhadas em uma mesa. É ali que
fabrica as tais balas pucha-pucha”.

Observa-se que o estado de guerra serviu como pretexto para a intensificação do

caráter autoritário do Estado Novo. 78 A existência de um inimigo externo será utilizada como

justificativa para a necessidade de que a nação se unificasse em torno de seu líder. Qualquer

contestação passa a ser considerada colaboração com o inimigo, como sabotagem. Este clima

levou também à busca do inimigo interno, que poderia ser qualquer um que não se alinhasse

78
- O Decreto 10.358 (31/08/42) suspendeu as garantias constitucionais referentes aos direitos de livre circulação; de
inviolabilidade do domicílio e da correspondência; de escolha da profissão; de associação; de reunião; de prisão apenas
em flagrante delito; de propriedade; de habeas corpus; de manifestação do pensamento; e diversas cláusulas da legislação
trabalhista.
72
com o governo.79

Além da ação autoritária do Estado, a mobilização popular que precedeu a entrada do

Brasil na Guerra, também criou um clima hostil aos cidadãos daqueles países. Não é difícil

imaginar o inferno em que deve ter se transformado a vida de imigrantes e descendentes de

alemães, italianos e japoneses, quando centenas de milhares de brasileiros foram às ruas dos

principais centros urbanos pedindo a participação direta do Brasil na Guerra contra o Eixo,

em vingança às mortes decorrentes do afundamento de navios brasileiros. 80

Segundo o cronista juizforano Paulino de Oliveira, até mesmo o interventor na

prefeitura da cidade sofreu forte oposição por ser filho de italianos:

“O Dr. Rafael [Cirigliano], por ser filho de italianos, tornara-se


suspeito. Foi tachado de fascista e, embora esta tendência, na minha
opinião, não ferisse o seu reconhecido patriotismo, passou a ser mal
visto. Agüentou por mais de dois anos a sórdida campanha contra ele
feita (...); tolerou, sem protestar, as afrontas que até a sua família
atingiram, a ponto de, constantemente, atirarem bombas de estalo no
porão de sua residência,(...) e, ao final de tanta bulha, o Governador
de Estado acabou por transferi-lo para a Prefeitura de São
Lourenço”.81

Em Salvador populares tentaram linchar o alemão identificado como Kartay, gerente

da firma SKF por ter o mesmo agredido um brasileiro que o chamou de "quinta-coluna", em

79
- Cf. Decreto-Lei 4766 (01/10/42) que, definindo os crimes militares e contra a segurança do Estado, ampliava
significativamente as penas aplicáveis aos militares e as possibilidades de que civis fossem julgados por tribunais
militares. Este decreto, dentre seus 69 artigos, previa 11 diferentes possibilidades de aplicação da pena de morte.
Caracterizava também como crime, punível com pena de reclusão entre 4 e 10 anos, o ato de "suspender, fazer suspender
ou restringir atividade de fábrica, usina ou qualquer outro estabelecimento de produção". Isso tornou praticamente
impossível a ocorrência de greves no período da guerra.
80
- Para conhecer uma abordagem que esclarece a repercussão da guerra no Brasil, principalmente no tocante à militância
nazi-fascista, sua ligação com países do Eixo e bastidores das jogadas diplomáticas do período, Vide: SEITENFUS,
Ricardo A. S. O Brasil de Getúlio Vargas e a formação dos blocos, 1930-1942: o processo de envolvimento do Brasil
na II Guerra Mundial. São Paulo: Editora Nacional, 1985. Para um enfoque mais centrado nas questões diplomáticas
Vide: GAMBINI, Roberto. O Duplo jogo de Getúlio Vargas: influência americana e alemã no Estado Novo. São
Paulo: Símbolo, 1977.
81
- In: Memórias quase póstumas de um escriba provinciano. Juiz de Fora: Esdeva, 1974. p. 91-2.
73
março de 1942.82

Em 30 de janeiro de 1942, foram presos João Delmont no bairro Mariano Procópio e

Antônio Bento Sacadura na Rua Halfeld, em Juiz de Fora, acusados de estarem falando mal

do governo brasileiro e elogiando os países do Eixo. 83 No mesmo dia, o Delegado João Luiz

Valladão distribuiu uma extensa nota à imprensa divulgando instruções à população. 84 Das 14

"instruções" divulgadas, 10 começavam pela expressão "é proibido", e todas referiam-se à

alguma forma de suspensão de direitos. Os "estrangeiros nacionais das potências com as

quais o Brasil rompeu relações" estavam proibidos de: usarem seu idioma publicamente,

distribuírem escritos versados no mesmo, entoarem hinos, executarem "saudações peculiares"

às suas pátrias, reunirem-se, "ainda que em casas particulares, a título de comemorações

de caráter privado (aniversários, bailes, banquetes, etc)". Era-lhes vetado ainda: mudar de

residência sem comunicação prévia à polícia, viajar sem salvo conduto fornecido pela

polícia, possuir qualquer tipo de arma, manifestar publicamente simpatia pela causa do Eixo.

Além das restrições anteriormente descritas, cidadãos dos países com os quais o Brasil

rompera relações ou declarara guerra só poderiam dar curso a reclamações trabalhistas se

apresentassem uma carteira de identidade criada especificamente para os mesmos (Decreto-

Lei 3010, de 1939). Sob pena de prisão, eram ainda obrigados a apresentarem -se

regularmente às autoridades policiais.

Suas entidades passaram a sofrer intensa repressão. Em janeiro de 1942, a Delegacia

Especializada de Juiz de Fora, cumprindo o Decreto-Lei 383 (1938), comunicou o fechamento

82
- TENTARAM linchar. Diário Mercantil, Juiz de Fora, 15/03/42, p. 1.
83
- FALAVAM mal do Brasil e elogiavam países do Eixo. Diário Mercantil, Juiz de Fora, 30/01/1942, p. 6.
84
- SERÁ detido quem, em lugar público, manifestar simpatia pela causa do Eixo... Gazeta Comercial, Juiz de Fora,
01/02/1942, p. 1.
74
das sociedades "Dante Aliguieri" , "Casa D`Itália" e do Jardim de Infância da Escola Alemã.

Divulgava ainda a intensificação da fiscalização sobre a Sociedade Beneficente Alemã e o

Kegel Clube de Juiz de Fora, além de alertar aos luteranos que suas práticas religiosas teriam

que ser versadas em português. No dia 03 do mês seguinte este mesmo delegado ordenava a

retirada do emblema fascista da fachada da Casa D’Itália, cujo fechamento já ordenara

anteriormente.

Em 28/03/1942, O Lampadário noticiava que

“atendendo a um abaixo-assinado de numerosos cidadãos desta


cidade, o Sr. Prefeito, Dr. Raphael Cirigliano, assinou um decreto ,
substituindo os nomes da Rua Itália por Chanceler Oswaldo Aranha e
o da Avenida Berlim por Avenida Governador Valadares(...)”

Em 11 de novembro de 1942, Carlos Ovídio Rovela foi condenado a 6 meses de prisão

pelo Tribunal de Segurança Nacional, porque

“no dia 21 de março, por volta das 15 horas, na Malharia Brasil, onde
trabalha, lendo no Diário Mercantil a notícia da mudança da placa da rua
Itália, declarou que isto não devia ter sido feito, porque era uma indecência,
que amanhã cairia também o nome do Dr. Oswaldo Aranha e seria
substituído por outro... Que o Dr. Oswaldo Aranha se tinha vendido ao
Presidente Roosevelt e que ele era o culpado do país ter se envolvido na crise
atual; acrescentando que, brevemente, quem iria mandar eram eles, os
italianos, porque os filhos de Matarazzo iriam comprar o Presidente
Vargas”.85

A ação policial na repressão aos estrangeiros foi intensa durante o ano de 1942. No

primeiro dia do ano o Diário Mercantil noticiava a prisão de 83 pessoas acusadas de serem

“quinta-colunas ou inimigos do Brasil”. No dia 25 de julho o Departamento de Registro de

Estrangeiros da Delegacia Especializada convocava 55 pessoas a ali comparecerem. No dia

12 do mês seguinte repete-se comunicado idêntico, desta vez esclarecendo que 56 pessoas

85
- Vide Anexo 4, Sentença do Tribunal de Segurança Nacional, de 11 de novembro de 1942.
75
teriam que passar a comparecer à Delegacia diariamente.

Como resposta a todas estas pressões muitos imigrantes desenvolveram formas de

mostrarem-se integrados ao Brasil. Uma das formas de integração foi a naturalização como

brasileiro. Temos notícia de três casos divulgados pela imprensa. Em setembro de 1942 o

espanhol José Gonsales, de 22 anos, contador, pede à justiça sua naturalização. Em abril de

1943, o industrial José Maletti, italiano, residente há 20 anos no Brasil formula pedido

idêntico. Em maio deste mesmo ano, Daniel Bellei, fazendeiro na cidade de Bicas, recebe o

título de Cidadão Brasileiro Honorário, outorgado pelo Ministro da Justiça. 86

Mas este formato parece ter servido apenas para casos isolados, talvez pelo custo e

morosidade da justiça. Por outro lado, podemos observar que as colônias de estrangeiros

mobilizaram-se para mostrarem-se publicamente como integradas ao esforço de guerra e

como defensoras do Estado Novo. A legitimação e assimilação destes estrangeiros

pressupunha duas condições que deveriam ser verificadas conjuntamente: tanto deveriam

mostrar engajamento no esforço de guerra - condição igualmente exigida dos brasileiros -

como também negar suas origens, mostrando um engajamento extra, e lutando contra a pátria

que fora sua. Segundo esta ótica, aos estrangeiros não era permitida a neutralidade. Ou eram

vistos como inimigos infiltrados e, nesta condição, eram submetidos a uma infinidade de

restrições e de controles; ou tinham que continuamente mostrar que estavam ativamente

combatendo os de sua própria nação. De qualquer forma estaríamos diante de um traidor: ou

86
- Vide: Diário Mercantil, Juiz de Fora, de 18/09/43, p.3; de 11/04/43, p. 5 e de 22/06/43, p.1.
Ver também Gazeta Comercial de 26/06/41, p. 4, onde o comerciante português Manoel Simões e Silva divulga que
foi inocentado pelo Supremo Tribunal Federal de condenação proferida pelo Tribunal de Segurança Nacional, a partir de
denúncia de um "mal cliente", que o teria denunciado para fugir de dívidas assumidas com o acusado.
Este mesmo jornal publica, em 03/09/42, p. 4, declaração de Antônio B. Martins de que seu tio Antônio Sibem,
italiano que reside no país há 54 anos, comporta-se como um brasileiro de fato, que "nunca foi e não é simpático ao
fascismo ou qualquer outro regime totalitário; que nunca participou de reuniões, festas ou partidos políticos de origem
estrangeira; que certa vez, procurado por um fascista para cooperar financeiramente na construção da ex-casa D'Itália,
negou-se a contribuir."
76
do Brasil - pátria que o acolheu; ou daquela onde nascera.

O Diário Mercantil de 20/04/42 noticia que, nas comemorações do aniversário de

Getúlio Vargas, as colônias Libanesa e Portuguesa enviaram-lhe telegramas de

congratulações . Em novembro de 1942, temos notícia de que a colônia portuguesa da cidade

arrecadou Cr$ 65.000,00 por subscrições recolhidas entre seus membros. O dinheiro foi

empregado na compra de um avião de treinamento, na ajuda a outra campanha de aquisição

de uma lancha torpedeira, e na distribuição de donativos a diversas entidades assistenciais da

cidade.87 Posteriormente, o avião seria batizado de "Almirante Barroso" e doado ao aero -

clube de São José dos Campos.

A colônia Libanesa por sua vez, doou uma avião de treinamento batizado de "Líbano"

ao aero-clube de Juiz de Fora, em dezembro de 1942. Em julho do ano seguinte, temos notícia

da participação desta colônia na Campanha da Borracha. 88

A Gazeta Comercial de 10 de setembro de 1943 entrevista os líderes do Comitê de

Italianos Livres de Juiz de Fora, por ocasião da rendição da Itália. Na entrevista, descobre-se

que o este Comitê estava articulado a um movimento de âmbito nacional, cujo Comitê

Executivo Central localiza-se em São Paulo.

Em 10/11/43, 11 italianos mandam publicar a seguinte nota no Diário Mercantil:

“O Brasil é a pátria da Justiça, da liberdade e do direito. Os italianos


que aqui encontraram uma hospitalidade carinhosa e confortadora,
sentem-se orgulhosos em saudar, no sexto aniversário do Estado
Nacional, a gloriosa nação brasileira.
Esta é uma saudação espontânea e sincera dos italianos livres de Juiz
de Fora.”

87
- Vide: Diário Mercantil, Juiz de Fora, 12/11/42, p. 1.
88
- Vide: Diário Mercantil, Juiz de Fora, 17/12/42, p. 2 e 11/07/43, p. 4.
77
Em 31 de agosto de 1942, na mesma data em que foram expedidos os decretos que

definiram um maior controle sobre as entidades sindicais e sobre o cotidiano dos

estrangeiros, conforme analisamos anteriormente, editou-se também o Decreto-Lei 4639,

facultando o aumento da duração normal da jornada de trabalho para 10 horas na empresas

que interessassem à produção e à defesa nacional. A partir de autorização do Ministério do

Trabalho, Indústria e Comércio, reconhecendo quais seriam as empresas fundamentais ao

esforço de guerra, estas poderiam adotar a nova jornada, aumentando em 20% a remuneração

das horas acrescidas. Nas atividades insalubres ficava proibido outros acréscimos; enquanto

que nas demais a lei previa a possibilidade da duração do trabalho exceder às dez horas. 89

A partir de 23 de outubro de 1942, o Decreto-Lei 4868 permitia aos empregadores

adiar a concessão de férias ou convertê-las em remuneração.

Em 13 de abril de 1944 10 Sindicatos Representativos da Indústria Têxtil enviam um

memorial ao Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio com diversas reivindicações visando

“atender à situação especial que o país atravessa neste momento de guerra, que exige de

todos os brasileiros sacrifícios e esforços em bem do interesse coletivo”. 90 Após breves

considerações sobre a precariedade dos maquinários e da dificuldade de renovação dos

mesmos devido à própria guerra, atacam avidamente os direitos trabalhistas como solução

para o aumento de produção. Em resumo, a quase totalidade dos sindicatos patronais da

indústria têxtil solicita: aumento da duração normal do trabalho, inclusive para mulheres e

89
-Voltávamos assim aos marcos da primeira década do século, quando a jornada das principai s fábricas têxteis de
São Paulo variavam entre 10 e 12 horas por dia. Vide RIBEIRO, Maria Alice Rosa. Condições de trabalho na
indústria têxtil paulista (1870-1930). São Paulo / Campinas, Hucitec / Ed. da UNICAMP, 1988. p. 166.
90
- Vide Circular 018/44, SIFTA-RJ.
78
menores91; pesadas penalidades contra as faltas ao serviço; não pagamento dos afastamentos

por motivo de saúde; Lei estabelecendo insalubridade das tinturarias como de nível médio;

que férias pudessem ser convertidas em indenização; que aviso prévio fosse devido apenas

aos que trabalhassem mais de 12 meses e Lei que impedisse que os recibos assinados por

empregados fossem contestados na Justiça do Trabalho.

Exatos 4 meses depois, a maior parte destas reivindicações foram atendidas pelo

Decreto-Lei 6688 (13/07/1944), que militarizou completamente o setor têxtil. Esta lei, além

de atender grande parte do que fora solicitado pelos industriais, consolidou restrições

anteriores, criou outras tantas e instituiu um poderoso órgão governamental para dirigir o

setor: a Comissão Executiva Têxtil (CETEX). Nos considerandos, a partir da caracterização

da conjuntura mundial como crítica, lembrava os compromissos do país com a "libertação"

dos países envolvidos nos conflitos. Associando a necessidade de maior produção têxtil para

o abastecimento do exército brasileiro e dos seus aliados e dos mercados não atendidos pelos

produtores tradicionais, erigia esta atividade como alvo dos "deveres de solidariedade do

povo brasileiro", com empregados e empregadores colaborando com a mesma intensidade

para a solução dos interesses nacionais. Conforme veremos adiante, a intensidade da

colaboração operária traduziu-se em condições de trabalho abomináveis; enquanto que os

industriais experimentaram uma lucratividade jamais vista. Considerando o conjunto da

indústria têxtil como de "interesse nacional, mobilizadas e como tais comparadas aos

estabelecimentos de interesse militar", no que se refere ao controle da mão -de-obra, ficava

determinado que:

91
- Vide os anexos 10 e 11 para tomar conhecimento de como os industriais têxteis, mesmo após a desmobilização das
suas empresas, tentam manter a sobrecarga de trabalho sobre as mulheres e os menores.
79
1-os contratos de trabalho só poderiam ser rescindidos, tanto por empregadores quanto
por empregados, quando se caracterizasse a justa causa;
2-nenhum trabalhador têxtil poderia mudar de profissão sem autorização do Ministério
do Trabalho. As empresas de outros ramos de atividade só poderiam admitir operários
têxteis mediante apresentação da autorização anteriormente referida;
3-uma indústria têxtil só poderia admitir operário de outra se este apresentasse o
atestado liberatório de seu empregador anterior;
4-a CETEX poderia determinar a transferência de empregados de uma para outra
indústria têxtil;
5-operários têxteis, quando convocados para o serviço militar, teriam sua convocação
adiada, caso fosse do interesse do empregador;
6-a duração normal do trabalho em todo o ramo têxtil passou a ser de 10 horas diárias,
com um acréscimo de no mínimo 20% sobre a remuneração das duas horas que
estavam sendo majoradas;
7-era permitida a extensão da jornada em atividades insalubres até o máximo de 10 horas
por dia;
8-passa a ser permitido o trabalho noturno para mulheres e menores com 16 anos;
9-as férias poderiam ser convertidas em remuneração em dobro;
10-somente o operário que justificasse motivo de saúde e os menores de 18 anos teriam
o direito de férias assegurado;
11-a falta grave era equiparada ao crime de desobediência;
12-a falta ao serviço por mais de 8 dias consecutivos passava a caracterizar abandono de
emprego. Tal preceito, combinado com § 2º do artigo 2 do Decreto-Lei 4766
(01/10/42) e com o Decreto-Lei 5412 (16/04/43), permitia o julgamento do operário
como desertor por um Tribunal Militar92, podendo ser condenado a pena de reclusão
de 1 a 4 anos.

92
- Um exemplo de como a temática por nós trabalhada foi esquecida/negligenciada pela historiografia, pode ser
encontrada num trabalho que, propondo-se a analisar o poder judiciário no período do Estado Novo, restringe-se a
historiar a confecção da Carta de 1937 e da Lei de Segurança Nacional (abrangendo, na verdade, o curto período de
80
Embora alguns dos preceitos acima já estivessem previstos em leis anteriores,

inclusive na CLT, sua reunião e articulação em uma única lei, sua previsão como norma e não

mais como exceção, fizeram desta lei um verdadeiro grilhão para os operários e a legislação

dos sonhos de qualquer patrão.

Sílvio Alem nos apresenta um interessante documento, no qual a embaixada

americana, dirigindo-se ao Departamento de Estado daquele país, assim caracteriza a nossa

burguesia têxtil:

“Alguns acreditam que os líderes da indústria têxtil tenham ficado


insatisfeitos por muito tempo por causa das vantagens dadas aos
trabalhadores e que eles procuravam uma desculpa para anular a
execução dessas leis na prática ou, se não, em princípio. É evidente
que a Lei de Mobilização dá à indústria têxtil controle autocrático
sobre sua força de trabalho e que essa indústria recorre a esse
controle para responder à pressão que podia existir de baixo para
cima para conseguir uma revisão da escala de vencimentos. A
Comissão Brasil Têxtil, que se reuniu com o CPRB, em Washington,
em junho deste ano, afirmou, categoricamente, que a crescente
produção de têxteis para a exportação em nome da UNRRA só podia
ser realizada se concessões do governo brasileiro a respeito da lei
existente de trabalho fossem asseguradas. É duvidoso se os
compromissos de exportação justificam o caráter extremo desta
medida. Os pedidos da UNRRA somam menos de dez por cento da
produção nacional têxtil em 1943. O crescimento total previsto nas
exportações soma menos de vinte por cento. Um aumento de vinte e
cinco por cento no tempo de trabalho podia ser obtido através de
processos normais, dentro da lei existente. Baseados nos fatos
mostrados ao público, só se pode concluir que se considerava mais
simples e mais vantajoso impor a colaboração da classe operária
através da lei, do que assegurá-la através da negociação e
cooperação (grifos do autor).”93

1935-37), ignorando completamente o fato de que neste período civis foram julgados por tribunais militares. Vide
ALVES, Paulo. O Poder judiciário no Estado Novo. História, Editora UNESP, São Paulo, (12): 235-51, 1993.
93
- ALEM, Sílvio Frank. Os trabalhadores e a redemocratização. Campinas, UNICAMP, 1981. Dissertação de
mestrado. p. 13-4. Apud COSTA, Hélio da. Em Busca da memória; comissão de fábrica, partido e sindicato no pós-
guerra. São Paulo: Scritta, 1995. p. 16-7.
81
No último capítulo analisaremos como se deu a implementação de fato destes

dispositivos e sua repercussão no cotidiano de trabalho das fábricas 94, incluindo-se as

múltiplas formas de resistência desenvolvidas. Mas, antes disto, veremos como a burguesia

têxtil relacionou-se com o Estado na confecção de toda esta legislação reguladora do trabalho

em tempo de guerra.

94
Vide Anexos 5 e 6 para conhecer a repercussão de parte desta legislação em Regulamentos Internos de fábricas,
elaborados nesta época
82
2.5 - Cenas de um casamento: Estado e Burguesia Têxtil durante a Segunda
Guerra Mundial

A conjuntura de Guerra acentuou o controle do Estado sobre amplas parcelas da vida

social, inclusive a econômica. Analisaremos a seguir uma série de iniciativas que tiveram

este significado. Veremos como a atuação da Comissão de Mobilização Econômica interferiu

nas atividades têxteis; o significado da Missão Têxtil Brasileira nos EUA no que diz respeito

ao aumento das exportações de tecidos no período; veremos ainda como se formou o

Convênio Têxtil - principal item do relacionamento governo/burguesia têxtil; como foram

instituídos o Imposto Sobre Lucros Extraordinários e as Obrigações de Guerra; e, finalmente,

a ligação de industriais têxteis com o queremismo.

Criada em 1943, a Coordenação da Mobilização Econômica foi responsável pelo

aumento da interferência estatal nas atividades econômicas. Ditando políticas de expans ão

industrial, controlando preços, regulando estoques, dentre outras atribuições. Este órgão

governamental destaca-se, durante o período de guerra, como a principal instância de

formulação e implementação de políticas públicas relativas à produção e circul ação de bens e

serviços. O contexto da Guerra serviu para acentuar o caráter intervencionista do Estado, a

partir dos desafios que colocava para a produção nacional, que viu-se obrigada a substituir

importações e a usar de forma mais racional os recursos disponíveis.95

Junto com a Coordenação da Mobilização Econômica, a Comissão Executiva Têxtil

95
- Para uma abordagem das implicações econômicas da Segunda Guerra para o Brasil Vide:: VILLELA, Aníbal &
SUSIGAN, Wilson. Crescimento da renda durante a II Guerra Mundial, 1940/1945. In: VERSIANI, Flávio R. e
BARROS, José R. M. de. Formação econômica do Brasil; a experiência da industrialização. São Paulo: Saraiva,
1977. Ver também, destes mesmos autores: Política do governo e crescimento da economia brasileira 1889-1945.
Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1973.
83
(CETEX), foi a principal responsável pelas definições das políticas que atingiram mais

diretamente o setor têxtil durante o período da Segunda Guerra. Criada em 1 3 de julho de

1944 pelo Decreto-Lei 6.688 - o mesmo que considerou como mobilizadas todas as indústrias

têxteis do país, era composta por membros indicados pelo governo e pelas entidades de

representação das indústrias do ramo 96, num total de 13 pessoas. 97 Funcionou com amplos

poderes pelo menos até 1947, quando teve suas funções redefinidas e passou a subordinar -se

ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Dentre suas múltiplas atribuições

destacavam-se as de direção e mobilização das indústrias; fixação de cotas de produção,

exportação e importação; deliberação técnica a respeito da importação de maquinário têxtil;

deliberação quanto aos pedidos de mudança de profissão por empregados de empresas

mobilizadas. Cabia-lhe ainda determinar a transferência de empregados para outra empresa

têxtil, desde que situada no mesmo município em que residisse; efetuar levantamentos

estatísticos, para os quais poderia solicitar dados de órgãos estatais, sindicatos e empresas;

solicitar ao Presidente da República intervenção em empresas que não cumprissem suas

resoluções.

A criação da CETEX relaciona-se com dois acontecimentos anteriores: o Convênio

96
- Contrariando o princípio corporativo que tendia a formar tais Comissões com a participação de representantes dos
operários (ainda que em minoria e desenvolvendo uma prática colaboracionista), a CETEX só admitia um
representante sindical operário, e apenas com direito a voz, na subcomissão do trabalho.
97
Apresentava a seguinte composição: dois de seus membros pelo Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem em
Geral de São Paulo; dois pelo Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem do Rio de Janeiro; um pelos Sindicatos
das Indústrias de Fiação e Tecelagem em Minas Gerais; um pelo Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem em
Geral de Sergipe; um pelo Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem em Geral e da Malharia de Pernambuco;
um pelo Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem em Geral do Ceará; um por cada um dos seguintes órgãos
governamentais: Presidência da República (indicava o Presidente da Comissão); CACEX - Banco do Brasil;
Ministérios das Relações Exteriores; da Fazenda e do Trabalho, Indústria e Comércio.
Como somente no caso de Minas Gerais o Decreto fala em “Representante de um dos sindicatos da indústria de
fiação e tecelagem”, e como o primeiro indicado foi Enéas Mascarenhas - pertencente ao Sindicato da Indústria de
Fiação e Tecelagem de Juiz de Fora - parece que, no momento de formação da CETEX, seu nome já estaria
articulado, o que explicaria a exceção deste caso em que o sindicato patronal com acento na Comissão não era de
âmbito estadual ou não estava localizado na capital do estado.
84
Têxtil e a Missão Têxtil aos EUA . O Convênio têxtil foi assinado entre a Coordenação de

Mobilização Econômica e os principais sindicatos representativos da indústria têxtil, em junho

de 1943. Nele a indústria comprometia-se a fornecer anualmente 100 milhões de metros de

tecidos e artigos populares, a um preço abaixo do praticado pelo mercado, previamente

acertado com o governo. Na ocasião, foi formada uma Comissão de Fiscalização e Execução

do Convênio, composta por representantes dos sindicatos das indústrias e do governo.

Posteriormente, quando o convênio foi prorrogado, em junho de 1944, tal comissão passou a

subordinar-se à CETEX. Ficou também estabelecido que a quantidade de tecidos populares

entregue pela indústria equivaleria a 10% de sua produção.

Os industriais têxteis apresentavam o Convênio Têxtil como “uma apreciável

contribuição da indústria têxtil para atender às necessidades das classes menos favorecidas”,

uma vez que os artigos populares eram vendidos “ao preço de custo ou abaixo dele”.98 Na

verdade, analisando-se a conjuntura da época, vemos que o convênio foi a forma encontrada

pela indústria para não se ver incluída no tabelamento de preços que atingiu uma ampla gama

de produtos. Mais do que uma “vocação para o sacrifício”, o Convênio demonstra o

apreciável cacife da burguesia têxtil que, em troca do tabelamento sobre 10% de sua

produção, garantiu liberdade de preços para o restante da mesma. Isto sem levar em

consideração opiniões mais críticas, como as de José M. Correia de Barros, um atacadista

têxtil que assim se exprimiu a respeito do significado efetivo dos tecidos populares:

“A prova de que as disposições da CETEX apenas beneficiam os


fabricantes, têmo-la mais uma vez no caso dos afamados tecidos

98
- GALLIEZ, Vicente de Paulo. A Indústria têxtil na economia nacional. Rio de Janeiro: SIFTA-RJ, s/d. p. 12. Neste
documento ainda encontramos a seguinte opinião: “Esse sacrifício suportado pela indústria, em benefício das classes
populares, não deve ser esquecido e bem demonstra o elevado espírito de solidariedade e compreensão das classes
industriais.”
85
populares. Estes não chegam jamais às mãos dos presumíveis
consumidores, a população rural, porque são concedidos a
intermediários controlados pela CETEX, os quais, naturalmente, os
transformam em mercadorias de câmbio negro. (...) Desse modo, os
“tecidos populares” resultam em mais um engodo”.99

Na prática, o Convênio Têxtil funcionou até outubro de 1945, quando os preços dos

tecidos de algodão foram congelados pela Portaria 411 da Comissão de Mobilização

Econômica nos valores praticados em 1º de setembro daquele ano.

A Missão têxtil aos EUA foi formada em maio de 1944, a partir de indicações do

governo brasileiro, atendendo a convite efetuado pelo governo norte-americano. Chefiada por

José Soares Maciel Filho (Presidente do SIFTA-RJ), contava ainda com dois outros diretores

deste sindicato, um diretor do sindicato congênere de São Paulo, um diretor da Cia.

Confiança Industrial, com o Sr. Gilbert Landsberg e com o Dr. Enéas G. Mascarenhas

(Diretor da Cia. Bernardo Mascarenhas, de Juiz de Fora-MG). A Missão reuniu-se com o

Textille Committee, órgão pertencente ao Combined Production and Resources Board

(Entidade integrada por representantes dos EUA, Reino Unido e Canadá, responsável por

coordenar os esforços de reconstrução e abastecimento dos países pertencentes às Nações

Unidas).

Segundo seus relatórios 100, a Missão Brasileira salientou o interesse da indústria e do

governo brasileiro de integrarem-se ao esforço de normalização do abastecimento do

mercado mundial de tecidos, comprometendo-se a elevarem as exportações de artigos têxteis

a 500 milhões de jardas quadradas por ano. Indicaram sua preferência por atenderem aos

mercados da América do Sul e Central e da Costa Atlântica da África. Expuseram também a

99
- O PREÇO de tecidos de algodão não baixará... Diário da Noite, São Paulo, 10/12/1945.
100
- Vide: Relatório da Diretoria do SIFTA-RJ referente ao ano de 1944. (SIFTA-RJ, 19/04/45) e Circular 032/44
(SIFTA-RJ, 29/07/44).
86
reivindicação de que “fossem assegurados à indústria brasileira, em caráter permanente após a

guerra, os mercados destas regiões que eram anteriormente abastecidos pelo Japão e demais

países do Eixo”.101 Solicitaram ainda que fosse garantido o suprimento de anilinas, corantes e

guarnições de cardas necessários por parte dos EUA.

Ficou estabelecido que não haveria nenhum controle de preços sobre os produtos a

serem comercializados diretamente pelo Brasil. Quanto aos produtos fornecidos à UNRRA

(United Nations Relief and Reabilitation Administration), órgão da ONU que os repassaria às

nações ocupadas pelos aliados, seriam pagos segundo os maiores preços permitidos nos

EUA, acrescidos de 17%.

A partir de então a indústria têxtil brasileira passou a vivenciar uma situação inédita:

tudo o que produzisse seria vendido, a preços constantemente em alta. Como lidava com

limites estreitos para aumentar a capacidade instalada, por não ter como importar

equipamentos na quantidade necessária, optou por procurar intensificar o ritmo de trabalho e

coordenar melhor a produção das diversas fábricas. Isto foi conseguido com a mobilização da

indústria têxtil (que permitiu aumentar o ritmo de trabalho) e com a criação da C ETEX (que

passou a coordenar a produção, buscando atender às demandas do mercado externo). Mas

esta facilitada inserção no mercado internacional deu-se com alguns tropeços que depois

mostraram-se comprometedores quando a concorrência foi restabelecida. Surgiram diversas

denúncias sobre ganância e desrespeito aos compradores no tocante ao não cumprimento de

prazos, qualidade e quantidade anteriormente acordados. Segundo o jornal juizforano Gazeta

Comercial de 21/01/45, as reclamações sobre tais abusos eram freqüentes. Informa que um

deputado da África do Sul chegara a “conceituar como próprios a ‘gangsters’ os métodos de

101
- Os documentos que consultamos não relatam a resposta a tal reivindicação.
87
comerciar utilizados por vendedores brasileiros”. Relata ainda que “na Argentina e no Chile

houve diversas partidas de mercadorias brasileiras recusadas por não estarem de acordo com

as amostras que haviam encaminhado o negócio”. Esta mesma notícia transcreve o seguinte

trecho de uma correspondência da Câmara de Comércio Uruguaio-Brasileira, mostrando o

desrespeito de exportadores brasileiros:

“Os contratos de venda são cancelados muitas vezes sem prévio


aviso, originando prejuízos e transtornos de toda índole para os
compradores uruguaios que, desconhecedores de semelhante
resolução, são bruscamente surpreendidos pela notícia de que não
poderão receber a mercadoria esperada, em circunstâncias tais que se
revelam tardias para dirigir novo pedido a outros exportadores. (...)
Assim, poderíamos continuar enumerando uma larga lista de fatos
que comprometem o bom nome e a seriedade do comércio
exportador brasileiro, suscitando queixas repetidas e uma
desconfiança que, lamentavelmente, devemos manifestar quase que
se generalizou, constituindo fator dos mais adversos para o futuro
das relações comerciais entre os dois países, que passará de forma
negativa no dia em que se restabelecer a normalidade do comércio e
os importadores uruguaios possam escolher entre as ofertas de vários
países produtores”.

Enquanto a CETEX funcionou como articuladora do aumento da produção, da sua

colocação no mercado interno e externo, além de expedir normas disciplinadoras que

praticamente militarizavam o trabalho - ela recebeu todo o apoio dos industriais. No entanto,

à medida que o governo passou a aumentar os impostos incidentes sobre o lucro dos

industriais, a controlar os preços dos tecidos e, em 1945, quando proibiu as exportações para

forçar a queda dos preços internos, a CETEX transformou-se em sua principal inimiga.

Entre 1942 e 1944 a imprensa divulgou um demorado debate ocorrido entre o

governo, os industriais e outros setores da sociedade, sobre a taxação do que era denominado

por alguns de “lucros extraordinários” e “lucros excessivos”. Muito provavelmente a demora

88
na assinatura do decreto decorreu da acirrada crítica e oposição que sofreu por parte de

diversos setores empresariais.

Em junho de 1942 o Ministro da Fazenda divulgava a intenção do Governo de

estabelecer restrições ao lucro de guerra, trocando parte dos mesmos por títulos da dívida

pública que, posteriormente, seriam utilizados na modernização do parque industrial.102 No

dia seguinte, este mesmo jornal divulgava a opinião de Manoel Baptista da Silva, industrial

têxtil estabelecido em Pernambuco, que dizia que os lucros então auferidos pela indústria

têxtil nada tinham de excessivos, constituindo-se tão somente numa compensação pelas

profundas crises vivenciadas nos anos anteriores à guerra: “Após uma penosa luta, atingiu-se

um relativo bem-estar, mas as feridas do passado não estão completamente cicatrizadas, os

lucros atuais estão permitindo apenas que as empresas resgatem os compromissos que as

vinham debilitando”. Termina dizendo julgar impróprio e desencorajador falar em controle

do Estado sobre os lucros industriais e tecendo rasgados elogios ao governo pela boa

condução do país.

O Diário Mercantil de 25/06/42 traz a opinião de Euvaldo Lodi, Presidente da

Associação Nacional da Indústria, posicionando-se favoravelmente às medidas anunciadas

pelo Ministério da Fazenda. Na mesma reportagem Othon Lynch Bezerra de Mello declara

que “há em torno do lucro das fábrica muitas fantasias, exageros e até leviandades”. Declara

ainda que o Brasil deveria seguir o exemplo do Japão que desenvolveu extraordinariamente

sua indústria têxtil após começar a fabricar máquinas e produtos químicos. Posição

semelhante é expressada por Virgílio Veloso Borges, Diretor da Cia Deodoro de Tecidos,

neste mesmo Diário, em 03/07/42: “Não existe no país qualquer indústria que esteja

102
- NÃO se trata de confisco nem de controle absoluto. Diário Mercantil, Juiz de Fora, 23/06/42. p.1.
89
auferindo lucros excessivos. Se alguém assim disser, é porque está pleiteando operação de

crédito”. Caracteriza aquela fase como de “lucros razoáveis” e, sintomaticamente, termina a

entrevista declarando que está ampliando sua empresa, tendo investido nisto cinco mil contos

de réis.

Mas existiram também setores da sociedade que teceram duras críticas aos lucros do

setor têxtil, considerando-os abusivos. No Diário Mercantil de 26/03/43, Gilberto de

Alencar denuncia que, no mercado interno, estava-se pagando pelos tecidos valores quatro ou

cinco vezes superiores aos praticados antes da guerra. Na Gazeta Comercial de 21/01/44,

outro jornal de Juiz de Fora, encontramos um artigo assinado por Lourival Santos intitulado

“Lucros excessivos”, no qual o autor critica severamente os industriais têxteis, acusando-os

de estarem “procurando tão somente aumentar seus lucros à custa do sofrimento do povo”.

Elogia a taxação sobre os lucros excessivos como o modo de:

“preservar os interesses da coletividade, contra a ganância dos que,


inteligentemente fazem a guerra interna contra o próprio povo,
tornando a vida insuportável e jogando toda a responsabilidade sobre
a guerra, (...) E os ‘tubarões’ se mexem de todos os lados para provar
ao governo que a guerra é a responsável por tudo isso, que eles são
homens honestos e patriotas, que trabalham pela pátria e progresso
da nação. E são capazes até de aparecerem em público como
verdadeiros ‘anjinhos’, inocentinhos, coitadinhos...”

A censura, vigente até 1945, parece ter impedido que este debate aparecesse na

imprensa com intensidade. Justamente quando a censura foi suspensa é que podemos ver as

maiores críticas aos lucros “astronômicos” da indústria têxtil e às iniciativas governamentais

que os tornaram possíveis. 103

Mas a intenção de instituir algum imposto sobre os lucros de guerra, manifestada pelo

103
- Vide: Jornal de São Paulo, 25/11/45 e Diário da Noite, São Paulo, 10/12/45 op. cit.
90
Ministro da Fazenda em 1942, só concretizou-se no início de 1944. Neste ínterim, conforme

observamos anteriormente, os industriais esforçaram-se ou por negar a existência de tais

lucros, ou por mostrar a sua legitimidade.104 Quando o imposto foi instituído, o SIFTA-RJ

informou a seus associados que:

“A diretoria deste Sindicato participou de todas as reuniões havidas


na Confederação Nacional da Indústria, e o nosso vice-presidente,
Dr. José Soares Maciel Filho, fez parte da Comissão que funcionou
junto ao Ministro da Fazenda para estudar esta momentosa questão.
Bem sabemos que o imposto em apreço representa um novo e pesado
ônus para a indústria têxtil. Entretanto, creiam os prezados amigos
que esta foi a solução mais favorável aos interesses das indústrias de
fiação e tecelagem, em harmonia com as necessidades da política
econômica e financeira adotada pelo Governo Federal.”105

Em 24 de janeiro de 1944, foram assinados os Decretos-leis nº 6224, instituindo o

Imposto Sobre Lucros Extraordinários, e o DL 6225, instituindo os Certificados de

Equipamentos e os Certificados de Garantia. Considerava-se Lucro Extraordinário o

montante do lucro verificado no exercício anterior que ultrapassasse a média alcançada entre

os anos de 1936 e 1940. A partir de uma tabela em cascata, o valor a pagar variava entre 20 e

50%, sendo isentas as empresas que obtivessem lucros menores que Cr$100.000,00. A

empresa poderia optar por pagar o valor de 25% de imposto de renda sobre o capital

realizado mais reservas. O Certificado de Equipamento, constituía título emitido pelo Banco

do Brasil, com rendimento de 3% ao ano, a ser utilizado para importação de equ ipamentos

após o final da Guerra. O Depósito de Garantia, com as mesmas características, destinava -se

104
- Um resumo da posição dos industriais pode ser encontrado no memorial encaminhado ao ministro da fazenda em
22/06/42 pelo Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem do Rio de Janeiro, Pelo sindicato das Indústrias de
Fiação e Tecelagem em Geral de São Paulo e Sindicato das Indústrias de Malharia e Meias de São Paulo. No dia 24
daquele mesmo mês a Federação das Indústrias de Minas Gerais encaminha documento idêntico, de autoria de
Geraldo Mascarenhas. Vide: circular CIFTA-RJ 40/1942 de 29/06/42 e Correspondência da Federação das
Indústrias de Minas Gerais ao SIFTA-RJ de 24/06/1942. Ver também GALLIEZ, V. op. cit., p.84.
105
- Vide Circular 06/44 SIFTA-RJ, de 02/02/1944.
91
a compensar eventuais prejuízos futuros. Estes títulos eram reciprocamente conversíveis e,

caso o industrial os adquirisse até um montante equivalente ao dobro do valor devido como

imposto sobre lucros extraordinários, estaria isento do imposto. Apesar de publicamente os

representantes sindicais dos industriais elogiarem tais medidas, nota-se a forte resistência que

colocaram aos mesmos, até na demora que marcou a implementação de tais medidas. O

imposto sobre lucros extraordinários esteve em vigor até 1946, quando foi substituído pelo

imposto adicional de renda (DL 9.159, de 10/04/46).

Mas se a existência de pesados impostos sobre os lucros não comprometeu a boa

relação dos industriais com o governo, o mesmo não se deu quando acentuou-se o controle de

preços e proibiu-se as exportações. Em 22 de fevereiro de 1946 a CETEX suspendeu as

exportações de tecidos de algodão por 90 dias, sob o argumento de que os preços estavam em

alta devido ao desabastecimento do mercado interno. Vencido o prazo, nova portaria manteve

a proibição por mais 90 dias. Posteriormente, as exportações passaram a depender de licença

prévia, obedecido um sistema de quotas. 106 Anteriormente a estas medidas, havia sido

instituído o congelamento de preços. A Portaria 411 da CETEX, de 19/10/45, fixara os preços

segundo os valores praticados em 1º de setembro daquele ano e, em 02/01/46, instituiu um

desconto de 10% sobre aqueles valores. A partir daí a CETEX passará a ser duramente

hostilizada pelos industriais.

Em reunião da diretoria do SIFTA-RJ em 16/08/1946, da qual participava Guilherme

da Silveira Filho, presidente da CETEX e também 2º secretário daquele Sindicato, este

referiu-se à “campanha que alguns órgãos da imprensa vinham movendo contra a CETEX,

procurando lançar confusão sobre questões que deviam ser examinadas. Reiterou que se não

106
- Este sistema estava em vigência pelo menos até o final de 1949. Vide: Relatório da Diretoria do CIFTA-RJ
referente ao ano de 1949. Rio de Janeiro: CIFTA-RJ, s. d. p. 20.
92
fosse a atuação do Presidente do SIFT-SP, teria sido possível a adoção do regime de quotas

antes que tivesse sido suspensa a exportação de tecidos”. Nota-se, mesmo por trás do estilo

frio e impessoal de redação da ata, o clima de hostilidade que o presidente da CETEX

enfrentava naquele momento, por parte dos seus “companheiros” de sindicato.

Antes disto, em reunião desta mesma diretoria realizada em 11/06/1946, quando não

estava presente o presidente da CETEX, os industriais referiram-se à proibição das

exportações como um “rude golpe para os interesses da indústria algodoeira”. Quando

ocorreu a renovação da proibição por mais 90 dias, estes declaram tê-la recebido com

“verdadeira e compreensível surpresa”, destacando ainda o fato da CETEX não ter discutido

com representantes da indústria a adoção de tal medida. Falam então do clima alarmante

vivenciado pela indústria, principalmente pela perda de mercados no momento em que os

concorrentes voltavam à disputa do mesmo.

Durante o ano de 1946, com as sucessivas proibições das exportações de tecidos e fios

e com a instituição do controle de preços, as relações entre as entidades de representação dos

industriais têxteis e a CETEX foram progressivamente deteriorando-se. Partindo das críticas

pontuais apontadas acima, chegou-se à contestação do enorme poder da CETEX e de sua

própria existência. Os maiores conflitos localizaram-se na disputa entre dois poderosos

personagens: de um lado o Vice-Presidente do SIFTA-RJ, o Sr. José Soares Maciel Filho e,

de outro, o Presidente da CETEX e também Segundo Secretário do CIFTA-RJ, o Sr.

Guilherme da Silveira Filho. Mesmo sem conhecer todas as disputas de bastidores ocorridas

durante o ano de 1946, podemos avaliar sua importância e o seu significado a partir dos

documentos vindos a público no início de 1947. Mais importante que o conhecimento das

posições dos personagens em questão, o conflito nos permite conhecer detalhes da relação

93
entre a burguesia têxtil e o Estado.

Em 10/01/1947 José Soares Maciel Filho envia uma longa carta à diretoria do SIFTA -

RJ, renunciando ao cargo de Vice-Presidente daquela entidade. Alega que o fazia em função

do desgaste sofrido pelo Sindicato com a violenta campanha que o Diário Carioca107

desenvolvia contra ele. As principais acusações eram de que o SIFTA-RJ teria custeado a

campanha queremista, utilizando indevidamente os seus próprios recursos e os da Sociedade

Cooperativa de Seguros Operários em Fábricas de Tecidos; e de que tais atos teriam sido

praticados por José Soares Maciel Filho, na qualidade de Vice-Presidente do Sindicato.

Segundo José Soares, o Presidente da CETEX, Guilherme da Silveira Filho, estaria por trás

da campanha. Declara que sua renúncia se devia ao fato de ter falhado perante a Entidade,

uma vez que fora o responsável pela indicação de Guilherme da Silveira para a diretoria e

para a presidência da CETEX. Diz ainda que a proposta de que as “despesas de publicidade”

fossem custeadas com recursos da Cooperativa de Seguros dirigida pelo sindicato, partiu do

próprio Guilherme da Silveira. Como tal proposta não foi aceita, optou-se por utilizar verbas

do sindicato e doações individuais dos industriais. Esclarece ainda que naquela mesma

reunião, com a concordância do denunciante,

“Ficou também resolvido que o SIFTA-RJ apoiaria, com todas as


suas energias, a formação dos Círculos Operários Católicos e, ainda,
que, com todas as suas forças, cooperaria integralmente com o
Governo na campanha nacional em defesa do Brasil contra a
intervenção de doutrinas estranhas à nossa nacionalidade”.

Mais adiante o renunciante acrescenta:

107
-Para acompanhar as principais reportagens a este respeito ver as edições dos dias 09 e 10/01/1947 e 05 e 06/02/1947.
O Anexo 7 reproduz na íntegra a reportagem do dia 10/01/47.
94
A acusação (...) significa não somente que a indústria
financiou o ‘queremismo’ como, ainda, que o ‘queremismo’ aceitou
financiamento da indústria. (...) Inadvertidamente, o Dr. Guilherme
da Silveira Filho praticou contra a indústria o maior de todos os
males que podia praticar, obrigando o Partido Trabalhista a uma
atitude que prove que nunca recebeu financiamento, nem apoio, nem
auxílio de espécie alguma da indústria têxtil.
Todos nós devemos estar lembrados de que a posição dos
trabalhadores em nossas fábricas, sob o ponto de vista político, é
comunista ou trabalhista, restando aos demais partidos, no máximo,
20% da opinião proletária.
Não acredito que nenhum industrial tenha interesse em
fortalecer o Partido Comunista. (...) Se agora se levantar contra nós o
Partido Trabalhista, revidando justamente as acusações infamantes
praticadas por um dos Diretores desta Casa, não teremos mais paz,
nem sossego, nem ordem de trabalho. Não tenho a menor dúvida de
que o Partido Trabalhista repelirá, com energia, a acusação feita.(...)
porque é muito mais grave a acusação a um partido proletário de ser
subornado por um Sindicato Patronal.”108

Neste e em outros pontos da carta notamos como José Soares encontrava-se

intimamente articulado com o Estado Novo. 109 Sua própria “caída em desgraça” no início do

Governo Dutra, parece demonstrar o quanto era forte esta identificação. Para demonstrar os

“serviços que prestara à indústria têxtil”, relata que fora incumbido de “várias missões de

caráter rigorosamente confidencial” por Getúlio Vargas, Góes Monteiro e pelo Presidente

Dutra. Citando uma delas, disse ter sido o responsável pela articulação da candidatura ao

Senado de um líder católico, capaz de fundir todas as correntes partidárias e “impedir a

vitória de um candidato comunista no Distrito Federal”

108
- No Anexo 9 reproduzimos uma reportagem do jornal comunista Tribuna Popular, que denuncia o financiamento de
campanha anticomunista pelo CIFTA-RJ.
109
Num outro trecho da carta José Soares diz que “é bem possível, portanto, que tenha razão o articulista do Diário
Carioca quando me chama de ‘advogado administrativo do Estado Novo’. De fato, fui advogado administrativo
durante o Estado Novo, mas não para defender interesses privados, mediante recompensa, e, sim, para defender os
interesses de uma classe”. Ao analisar as origens do PTB, Ângela de Castro Gomes reproduz trechos de duas cartas
de Maciel Filho a Getúlio Vargas, demonstrando a intimidade do mesmo com o núcleo dirigente do trabalhismo.
Vide GOMES, Ângela de C. A Invenção do Trabalhismo. São Paulo: Vértice, Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988. p.
312 e 319.
95
Voltando à CETEX, encontramos neste documento interessantes exemplos de como a

mesma era vista pelos industrias naquele momento. José Soares diz que o Presidente da

Comissão utilizou-se de sua posição na classe dos industriais “para obrigar toda a indústria à

subserviência política e à escravidão econômica”. Em outro momento, culpando-se pelo fato

de ter indicado Guilherme da Silveira para participar da Diretoria do SIFTA-RJ e para

presidir a CETEX, declara com solenidade e rancor: “Eu fui o criador do instrumento de

tortura da nossa indústria”.

Mas José Soares parece não ter se contentado apenas com o texto da carta de renúncia.

Combateu com as mesmas armas do adversário e, em 16/01/1947, o Diário da Noite

publicava uma reportagem que tem tudo para caracterizar-se como matéria paga do SIFTA-

RJ. Nela dizia-se que a diretoria do SIFTA-RJ conseguira responder às acusações injustas de

forma satisfatória. Por outro lado, devolve a acusação de colaboração com o Estado Novo aos

seus acusadores, declarando que muitos dos dirigentes daquela entidade que demonstraram

“franca animosidade contra a ditadura” no passado, espantavam-se que:

“venha agora atacá-los de público, as mesmas criaturas que se


notabilizaram como entusiastas partidários do senhor Getúlio Vargas,
nos tempos áureos de seu regime. Os homens que estão detratando
com tanta facilidade os dirigentes do SIFTA-RJ, atirando-lhes a
pecha de ‘queremistas’, buscando incompatibilizá-los com o governo
atual, são os mesmos que foram vistos, em vivas calorosos, nas
passeatas louvaminheiras do Estado Novo e faziam praça das
relações íntimas que mantinham com o Palácio Guanabara, onde se
deixavam bafejar pelas alegres baforadas dos havanas do ditador, a
quem divertiam110”.

O desfecho de toda esta polêmica se deu na assembléia do SIFTA-RJ de 04/02/1947,

quando foram discutidas as acusações à diretoria e as contas da entidade dos anos de 1945 e

110
- Vide transcrição da íntegra da reportagem no Anexo 8 dessa dissertação.
96
1946. Nos debates, Guilherme da Silveira Filho negou que estivesse por trás das acusações do

Diário Carioca, negando também que tivesse desfilado de macacão, tendo, para isto, sempre

usado blusão. Declarou ainda que:

“não havia concordado com a criação do Departamento de


Publicidade do Sindicato, por isso que não acreditava que esse fosse
um meio eficiente para a propaganda da indústria e defesa de seus
interesses. Achava que o comunismo deveria ser combatido, porém
da forma como ele praticara em Bangú, promovendo a eleição de um
vereador contra o candidato dos comunistas”.

Ao final, após acirrado debate entre o Presidente da CETEX e Membros da Diretoria

do SIFTA-RJ, as contas da Diretoria foram aprovadas por 77,5% dos votos.

Entre 1947 e 1950 a burguesia têxtil continuou atuando com grande desenvoltura junto

ao poder, mas sua agenda passará a marcar-se por novos itens. O enfrentamento às inúmeras

greves, as negociações de dissídios coletivos, a resistência ao reconhecimento de novos

direitos através da legislação trabalhista, as negociações de quotas de exportação, a consta nte

solicitação de barreiras contra a importação de tecidos e de uma política cambial favorável,

darão a tônica desta atuação.

97
TERCEIRO CAPÍTULO

3 - COTIDIANO FABRIL OPERÁRIO NA INDÚSTRIA TÊXTIL DE JUIZ


DE FORA

98
3- Capítulo Terceiro: COTIDIANO FABRIL OPERÁRIO NA INDÚSTRIA TÊXTIL DE
JUIZ DE FORA

3.1- O Uso dos Processos Trabalhistas Como Fonte de Pesquisa

Na análise do cotidiano fabril utilizamos como fonte principal os processos trabalhistas

movidos contra as indústrias têxteis de Juiz de Fora entre fevereiro de 1944 (quando foi implantada

a Junta de Conciliação e Julgamento da Cidade) e julho de 1946 (quando constatamos a rarefação de

causas trabalhistas motivadas pelas questões que analisamos). Foram fichados todos os processos

movidos contra indústrias têxteis no período recortado, totalizando 289 processos, que envolviam

371 reclamantes.

A ficha trabalhada (vide Anexo 1 ) identificava as partes envolvidas, o tipo de reclamação, o

resultado da mesma, o montante solicitado e o que foi ou não recebido. No verso fizemos um

resumo das porções mais significativas do processo, priorizando os depoimentos das partes e de

suas testemunhas. Conseguimos ainda reproduzir em xerox os 77 processos mais complexos e

significativos.

A utilização de processos como fonte na pesquisa histórica tem se tornado cada vez mais

freqüente.111 No bojo das últimas discussões teóricas que acabaram por redefinir o objeto da história

111
- Como exemplo dos mais conhecidos temos GINSBURG, Carlo. O Queijo e os vermes. São Paulo, Cia. das
Letras, 1987. O estudo da inquisição contitui um dos maiores filões do uso de processos na pesquisa histórica,
seguido pelos estudos de processos movidos contra escravos. Metodologicamente destaca-se também CHALHOUB,
Sidney. Visões da Liberdade; uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo, Cia. das Letras,
1990, que faz uma criativa utilização da forma narrativa, a partir de processos criminais contra negros, para estudar
as "visões da liberdade" existentes nas últimas décadas da escravidão. Ver também o trabalho anterior deste mesmo
autor: Trabalho, lar e botequim; o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque. São Paulo,
Brasiliense, 1986. Uma excelente análise histórica da atuação das classes populares a partir de processos criminais
pode ser encontrada em FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano; a criminalidade em São Paulo (1880-1924). São Paulo,
Brasiliense, 1984.
99
e seus métodos, as fontes se viram também rediscutidas. O uso de processos é geralmente

justificado pelo acesso que possibilita à fala de setores subalternos que, por serem via de regra

analfabetos, dificilmente deixam outros registros escritos tão ricos. Além disto, a situação crítica a

que geralmente se referem os processos (crimes, causas de família, herança ou conflitos nas relações

de trabalho), comumente colocam as partes discutindo questões profundas de sua existência,

fazendo emergir sua visão de mundo e explicitando a motivação de suas atitudes e ações mais

decisivas. Referindo-se a arquivos de processos criminais, assim se expressa Janete Grynberg,

citando Arlete Frage:

“O arquivo é uma fenda no tecido dos dias. Nele se localiza


em alguns instantes a vida de personagens ordinários, raramente
visitados pela história. O arquivo não descreve páginas de história.
Ele descreve, com palavras de todos os dias, o derrisório e o trágico,
sob um mesmo tom, onde o que importa para a administração é
conhecer quem são os responsáveis e puni-los. As questões são
sucedidas por respostas; em cada queixa e a cada processo verbal
será formulado o que habitualmente fica encoberto” .112

Outro aspecto a ser destacado é o fato do processo comumente retratar um conflito que

reflete confrontos genéricos existentes na sociedade (patrões x empregados, cidadão x Estado,

proprietários x despossuídos, etc.). Isto possibilita a utilização das questões neles retratadas com um

objetivo diverso daquele para o qual foram originalmente concebidos: enquanto que para a

administração judiciária o processo constitui a aplicação de regras gerais (leis, jurisprudência, etc),

para a solução de uma queixa ou infração em particular; para o estudioso não contemporâneo ao

Outra obra paradigmática no uso do processo como fonte, embora apresente uma forma de construção que não
torna fácil sua utilização como modelo de redação: FOUCAULT, Michel (Coord.). Eu Pierre Rivière, que degolei
minha mãe, minha irmã e meu irmão; um caso de parricídio no século XIX. 3 ed.Rio de Janeiro, Graal, 1984.
112
- GRYNBERG, Janete. Arquivos criminais: pistas para um História das Mentalidades. Revista do IAC, Ouro Preto,
v. 2, n. 1 e 2, 1994. p. 85.
100
processo, ele vale pelo que revela da forma como uma determinada sociedade, numa época

específica, interpretou e aplicou aquelas regras gerais na solução dos seus conflitos mais relevantes.

Destacamos ainda que a padronização e formalização caracterizadoras dos processos facilita

sua utilização como fonte de análises quantitativas, permitindo a comparação entre os vários

aspectos qualitativos anteriormente citados.

Mas a utilização de processos como fonte histórica tem também que ser revestida de

diversos cuidados metodológicos. Primeiramente, porque as falas ali registradas passaram por

inúmeros "filtros"113 antes de chegarem às mãos do pesquisador. No caso dos processos trabalhistas,

tais "filtros" seriam representados: a) pela intermediação da Justiça do Trabalho enquanto instituição

estatal; b) pelo caráter formal da situação jurídica vivenciada (com a qual os oprimidos tendem a ter

menor intimidade); c) pela consciência que o depoente possua (ou não), de que a situação por ele

vivenciada requer muito mais que se construa uma versão, do que se revele "a verdade"; d) pela

transposição, por um terceiro, de um discurso da forma oral para a escrita, com todas as

sintetizações, omissões e lacunas decorrentes desta transposição.

Teorizando sobre o uso do processo criminal como fonte histórica, Boris Fausto

desenvolve algumas reflexões nesta direção, citando Mariza Correa:

“no momento em que os atos se transformam em autos, os fatos em


versões, o concreto perde quase toda a sua importância e o debate se
dá entre os atores jurídicos, cada um deles usando a parte do ‘real’
que melhor reforce o seu ponto de vista. Neste sentido é o real que é
processado, moído até que se possa extrair dele um modelo de culpa
e um modelo de inocência.” 114

113
- Conceito empregado por GINSBURG op. cit., para designar as inúmeras intermediações que se colocam entre a
expressão oral das camadas populares e o pesquisador.

114
-Cf. FAUSTO, op. cit. p. 21.
101
É ainda FAUSTO quem nos oferece esta análise dos condicionantes colocados pela

situação de classe dos elementos dos estratos sociais populares num processo criminal:

“As condições em que se produz a fala das testemunhas dificulta a


emissão; os objetivos dos que aparentemente a liberam conduzem,
pelo contrário, à sua captura. Para uma pessoa das classes populares,
sobretudo, o aparelho social e judiciário representa uma perigosa
máquina, movimentada segundo regras que lhes são estranhas. É
bastante inibidor falar diante dela; falar o menos possível pode
parecer a tática mais adequada para fugir às suas garras. (...)
Apagam-se os traços da emoção mais autêntica - já de si impossível
de ser transcrita - a linguagem ‘pesada’ das classes populares, o
macarrônico dos imigrantes. As declarações se convertem em misto
de depoimento e notícia, ao passar na transcrição da primeira pessoa
para a terceira.”115

Outra questão a ser levada em conta no trabalho com processos, é o cuidado de não

considerar o conjunto da sociedade como marcado pelos conflitos descritos pelas fontes.

Originalmente, Thompson nos adverte para este perigo, ao comentar as obras que analisavam as

classes populares no século XVIII na Inglaterra. Critica especificamente Patrick Colquhoun que,

após meticulosa pesquisa, conclui existirem 11,5% de criminosos na população londrina daquela

época. Em síntese, Thompson considera que tais análises revelam muito mais sobre a mentalidade

das classes proprietárias - que identificam pobreza com criminalidade; que sobre os despossuídos

que tentam analisar.116 No nosso caso, temos clareza de que os processos estudados representam

uma parte dos conflitos então existentes; mas não estaremos captando uma série de outros conflitos

que não desembocaram na Justiça do Trabalho. Além disto, julgamos razoável desconfiar que os

operários que chegam a formalizar uma reclamação trabalhista constituem uma minoria dentro do

115
- ibidem p. 22-4.
116
-THOMPSON, Edward. A Formação da classe operária inglesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1987. v. I, p. 57-
8.

102
conjunto da classe. Generalizar as considerações a respeito do significado deste enfrentamento para

a classe como um todo seria cair, inevitavelmente, num erro semelhante ao criticado por Thompson,

ainda que em sentido contrário.

Um aspecto que se destaca é a irrelevância econômica das causas. Exemplificando,

comparemos o montante dispendido pela Moraes Sarmento, umas das fábricas que perdeu um

elevado número de ações durante os 28 meses pesquisados, com a soma de seus capitais. Nos seis

meses pesquisados em 1946, quando declarava ter um capital que somado às reservas montava 12

milhões de cruzeiros, dispendeu com a indenização das causas em que foi derrotada Cr$ 22.850,50

(exatos 0,19%). Isto nos leva a concluir que a relação das empresas com as reclamações a que

responderam passava primordialmente pela questão do controle da mão-de-obra e, apenas

secundariamente, pelo campo econômico.

Destacamos ainda uma das facetas mais ricas e, ao mesmo tempo, das mais complexas de se

analisar a partir das fontes com as quais trabalhamos: o não-dito, os significativos silêncios e

omissões. Apresentamos como exemplos o grande número de reclamantes que não compareciam às

audiências (23% do total); o ínfimo número de reclamações contra algumas grandes fábricas;117 ou

o fato de nenhum operário têxtil ter sido condenado por deserção em Juiz de Fora. Em todos estes

casos nos deparamos com possibilidades de interpretação ou de formulação de hipóteses tão

significativas quanto as oferecidas pelos dados "concretos" anteriormente apresentados.

Outra questão importante diz respeito ao silêncio da historiografia sobre o tema e as

questões que analisamos. tal silêncio não se justifica pelo argumento da irrelevância do tema.

Afinal, uma coisa é o Estado Novo ter conseguido preservar sua imagem paternalista apesar de ter

117
- A Fábrica São João Evangelista, que possuia 500 operários em 1946; e a tecelagem São Vicente, com 300 operários
em 1947, responderam a apenas 3 e 2 processos, respectivamente, nos 28 meses por nós estudados.

103
suspendido a aplicação de itens fundamentais da CLT para os setores mais importantes da indústria

da época (têxtil e metalúrgica principalmente), por um período considerável (em muitos casos por

até mais de 2 anos); outra coisa é a historiografia sobre o personagem e sobre o período reforçarem

aquela imagem a partir da omissão em analisar tais fatos. Por outro lado, julgamos que a base

documental sobre a qual nosso trabalho se apóia não permite também colocar a carência de

documentos como justificativa para a citada omissão.

Finalmente, cabe analisar também o papel da Justiça do Trabalho. Vista por muitos, não sem

razão, como instância concebida para amortecer os conflitos de classe e despolitizar os embates

entre patrões e empregados, ela admite, porém, outras interpretações. Assim como o modelo

corporativista de sindicato foi construído com intenções semelhantes e, em muitos casos rompeu

com os limites que lhes eram impostos,118 cumprindo um papel efetivo na organização, mobilização

e representação dos operários, a justiça do trabalho e a legislação trabalhista podem, em

determinados contextos, serem apropriadas pelos trabalhadores de maneira diversa, se constituindo

numa “arena de conflitos” onde “se subentende uma linguagem de direitos, bem como significados

simbólicos da noção de justiça”. Neste contexto, “o recurso à Justiça do Trabalho corresponde a

uma luta pela ampliação do domínio público e pelo espaço da cidadania”.119

Em outras palavras, a compreensão da motivação das classes dominantes quando concebem

a legislação trabalhista constitui apenas parte da análise do significado histórico da mesma. A forma

118
- Nas palavras de Ângela de Castro Gomes e de Marieta de Moraes Ferreira, existe a necessidade de se “lidar com a
temática do peleguismo em modelos menos simplistas. Ou seja, é preciso não mais considerar todas as lideranças
dos sindicatos oficiais do pós-30 como desprovidas de autonomia de idéias e ações ou como estranhas à classe
trabalhadora. Aqui, também, não se trata exatamente de traidores e vendidos.” In: Industrialização e classe
trabalhadora no Rio de Janeiro: novas perspectivas de análise. BIB, Rio de Janeiro, (24): 11-40, 2º sem. 1987. p. 30.
119
- MOREL, Regina Lúcia M. & MANGABEIRA, Wilma. “Velho” e “Novo” sindicalismo e uso da justiça do trabalho:
um estudo comparativo com trabalhadores da Companhia Siderúrgica Nacional. DADOS - Revista de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, 37(1): 103-24, 1994. Como referência para a discussão destas questões as próprias autoras
remetem à PAOLI, Maria Célia. Citzenship, inequalities and democracy: the making of a public space in the
brazilian experience. Trabalho apresentado no XII Congresso Mundial de Sociologia, Madri, 1990. mimeo.
104
como o operariado se apropriou desta legislação, rompendo os limites concebidos, forçando

interpretações que lhes fossem convenientes, instituindo então novos direitos ou novas frentes de

luta, completariam a análise da legislação ou da Justiça Trabalhista. Caso contrário, seríamos

capturados pela armadilha armada para as classes subalternas da época. O discurso que apresentava

ou justificava a legislação trabalhista, sempre a caracterizou como dádiva à uma classe que não

precisava se mobilizar para lutas, uma vez que suas aspirações eram atendidas pacificamente por

um Estado magnânimo. No entanto, conforme veremos na seqüência deste trabalho, mesmo nas

condições mais adversas, podemos identificar a própria luta e as iniciativas dos operários dando

origem ao reconhecimento de direitos, ainda que o Estado e seus ocupantes se recusassem a admiti-

lo. Assim, apresentar a Legislação trabalhista apenas como instrumento de controle sobre o

operariado significaria, implicitamente, admitir que o Estado e as classes que o controlavam foram

completamente vitoriosos na domesticação e submissão da classe operária ou, ainda, que esta teria

perdido sua condição de sujeito.

105
3.2- A Fábrica Antônio Meurer

Fundada em 1898 com a denominação Malharia Antônio Meurer, constitui-se na

primeira malharia do Estado de Minas Gerais. Seu fundador dedicara-se antes à atividade

comercial, tendo sido distribuidor de cervejarias de Juiz de Fora na cidade de São João Del

Rei e, posteriormente, dono de uma loja de fazendas e armarinho no centro de Juiz de Fora.

Notando a grande saída que tinham as meias estrangeiras para mulheres, importou uma

máquina da Alemanha e iniciou uma pequena fabricação nos fundos da loja, comercializando

a produção como se fosse estrangeira. Em 1901 começou a construir a fábrica propriamente

dita e, em 1905, adquiriu as máquinas de uma firma paulista falida. Com o falecimento de

Antônio Meurer em 1915, a firma denominou-se por algum tempo “Viúva Antônio Meurer &

Filhos”, assumindo depois sua denominação definitiva como “Companhia de Fiação e

Tecelagem de Malhas Antônio Meurer”. 120

Apresentou um contínuo crescimento, constituindo-se numa das maiores indústrias

têxteis da cidade durante a década de 1940. Contava com 100 operários em 1905, 300 em

1914, 350 em 1925, 454 em 1937 e 900 em 1947. 121

Esta fábrica destaca-se como a que respondeu ao maior número de processos no

período que analisamos, tendo sido responsável por 79 dos 289 processos trabalhistas

movidos contra a indústria têxtil na Junta de Conciliação e Julgamento de Juiz de Fora entre

120
- Cf. STEHLING, Luiz José. Juiz de Fora: A Companhia União e Indústria e os Alemães. Juiz de Fora, s/ ed.,
1979. p. 404-5. PROCÓPIO FILHO, José. Salvo erro ou omissão; gente juiz-forana. Juiz de Fora: Edição do autor,
1979.p. 275.
121
- Cf. ANDRADE, Sílvia. op. cit. p. 24-32. (Dados de 1905 a 1925); IBGE. Departamento Geral de Estatística -
Estado de Minas Gerais. Produção Industrial de Juiz de Fora -1937. Belo horizonte, Oficinas Gráficas da
Estatística, 1939. (Dado de 1937) e Diário Mercantil, Juiz de Fora, 12/10/1947, p. 4. (Dado de 1947).
106
fevereiro de 1944 e julho de 1946. 122 Se considerarmos que a Meurer possuía 900 operários

em 1947 e que a indústria têxtil da cidade empregava 6.868 pessoas em 1948 123, vemos que

empregando 13,1% do operariado têxtil, esta fábrica respondeu a 27,3% dos processos

trabalhistas do seu setor. Ou seja, teve mais do que o dobro de processos que seriam

esperados se considerássemos apenas o percentual da mão-de-obra que ocupava.

Estes dados brutos nos mostram que estamos diante de uma empregadora

intransigente e hostil na relação com seus operários. Mas quando penetramos na capilaridade

do cotidiano deste pequeno mundo, através dos depoimentos existentes nos processos, das

anotações colocadas nas fichas dos operários, da análise dos gordos lucros revelados por seus

balanços, é que conseguimos vislumbrar a dimensão humana, traduzida em sofrimento e

humilhações existente por trás destas estatísticas.

O caso da Meurer nos parece exemplificar o grau máximo a que pode chegar a

exploração na indústria têxtil, durante o período de vigência da legislação especial de Guerra.

Adiantando parte do que veremos com mais detalhes posteriormente, destacamos que esta

empresa também sobressaiu-se pelo elevado índice de acidentes de trabalho, por constantes

autuações pelos fiscais do Ministério do Trabalho e pela significativa participação de seus

operários nas greves ocorridas antes e depois do período que analisamos. Sua truculência na

relação com os operários será demonstrada também por duas tragédias ocorridas no seu

interior: o assassinato de um operário de apenas 13 anos em 1919 e o assassinato de um dos

seus sócios por um operário em 1945.

122
- Vide Anexos 12 e 13.
123
- Cf. IBGE. Conselho Nacional de Estatística. Sinopse estatística do Município de Juiz de Fora. Rio de Janeiro,
Serviço Gráfico do IBGE, 1950. p. 43.
107
O espancamento de Antônio Micucci, um garoto de apenas 13 anos, foi assim

registrado pelo Jornal do Comércio, em 1º de agosto de 1919:

“Ontem, à 1 hora da tarde, o Sr. Paschoal Luiz, negociante à Rua


Batista de Oliveira, foi à Delegacia de Polícia, afim de comunicar ao
Sr. delegado o espancamento de que fora vítima o menor Antônio
Micucci. empregado da fábrica de Tecidos Meurer. O Dr. Ribeiro de
Abreu recebeu o Sr. Paschoal asperamente, não tendo dado
providência alguma sobre o fato que é, entretanto, grave.
Procuramos o Sr. Paschoal Luiz que nos levou à Rua Fonseca
Hermes, 124, residência do menor Micucci, onde foi narrado o
seguinte: Sábado, após o almoço, foi o menor Antônio Micucci, de
13 anos de idade, para o trabalho, tendo à tarde voltado muito
machucado, devido ao Sr. Antônio Gervason, mestre da fábrica,
havê-lo espancado brutalmente.
O infeliz operário deitou-se, não tendo conseguido levantar-se até
ontem de seu leito, onde está em estado gravíssimo.
Segundo nos disseram é comum naquela fábrica espancar-se os
operários.
Vimos o menor espancado, que está com o corpo coberto de
equimoses.
À hora de entrar nossa folha para o prelo, Antônio Micucci
agonizava.”124

No dia seguinte, neste mesmo jornal:

“Às 2 horas da tarde foi o cadáver do inditoso menor conduzido para


o necrotério do cemitério municipal, onde se procedeu à necropsia, a
requerimento da defensoria pública. (...)” 125

Todos os operários da cidade declararam-se em “greve pacífica por 48 horas” em

protesto pelo assassinato. A Associação Operária contratou advogados e médicos para

acompanhar o inquérito e a autópsia. Mas a Meurer também se mobilizou. Enviou carta à

124
- ANDRADE, Sílvia Maria B. V. Classe operária em Juiz de Fora; uma história de lutas (1912-1924). Juiz de Fora:
Editora da UFJF, l987. p. 55-6.
125
- ibidem p. 56.
108
imprensa protestando contra aquela grande inverdade e negando que Antônio Gervason

tivesse espancado ou sequer admoestado o menor. Providenciou ainda a publicação de um

abaixo-assinado de 60 operários e operárias da Meurer que “protestam contra as inverdades

que ocorrem nesta cidade” e “... hipotecam a sua solidariedade ao Sr. Antônio Gervason que,

estando perfeitamente inocente, é vítima de revoltante injustiça.” 126

Mas é nas conclusões do inquérito policial instaurado que encontraremos os maiores

resultados de outras providências menos públicas que a empresa certamente tomou. Neste

inquérito, dois médicos concluem que não havia sinais de espancamento e que a morte teria

ocorrido em conseqüência de uma “pheugmosia pleuro-pulmonar”. Então, o delegado Ribeiro

de Abreu concluiu que:

“efetivamente Antônio Gervason no dia 23 de julho último ofendeu


física e levemente o menor Antônio Micucci. (...) a causa mortis é
diferente; parece-me que nenhuma ligação tem com as ofensas leves,
recebidas pela vítima; houve, segundo creio, apenas uma infeliz
coincidência ...”127

Prepotência no trato com seus operários, brutalidade que chega às raias da tragédia até

mesmo com crianças, o cinismo de negar veementemente o que se apresenta como fato

incontestável, tudo isto nos coloca diante do que se parece mais com uma caricatura grotesca

típica de personagens de Charles Dickens, do que de um empregador do início deste século.

Mas esta postura que desqualifica e desconhece sujeitos, poderá ser encontrada novamente

mais de três décadas depois, conforme verificaremos na documentação que utilizamos. Na

outra ponta do período, nos deparamos com outra tragédia, que parece fechar um círculo

cinzento.

126
- ibidem p. 57.
127
- ibidem p. 58.
109
O Diário Mercantil de 26/10/1941, assim noticiou a morte de Henrique Meurer, um

dos três sócios que dirigiam a empresa:

“Lamentável acontecimento ocorreu ontem na Cia. de Fiação e


Tecelagem de Malha ‘Antônio Meurer’, pouco depois das 14:30
horas. O operário Natalino Chaves, do cascamifício, (...) fora
suspenso por dois dias do trabalho por ter desrespeitado uma
determinação dos chefes de serviço (...). Contrariado, e revelando
não concordar com a suspensão, desceu para ir falar ao diretor-
auxiliar da fábrica, Sr. Henrique Meurer. Deu-se então o brutal
crime: o Sr. Henrique Meurer estava sentado (...) de costas para a
porta (...) quando chegou Natalino (...). [Uma] testemunha declara
que não houve qualquer discussão ou atrito ou palavras ditas com
rispidez. Estando de lado, voltou-se quando ouviu um grito, dado por
Henrique Meurer. Viu então este levantar-se e receber duas facadas,
vibradas por Natalino, uma no ombro esquerdo e outra no peito.

Na continuação da reportagem, que se intitula “Morreu no Trabalho”, ficamos

sabendo que a vítima era “homem do trabalho e do lar, (...) marido exemplar e pai

carinhoso”, de “espírito alegre e coração bondoso, moço conceituado”. Para dar uma idéia do

pesar que teria acometido os operários da Meurer, esta mesma reportagem nos relata que

“numerosas operárias” desmaiaram “ante o trágico espetáculo”. Relata também que um dos

operários mais antigos desmaiou ao se deparar com a cena e, após ser dela afastado, ao

recobrar os sentidos, “entre exclamações de dor e revolta, tentou suicidar-se, no que foi

impedido por vários companheiros”.

E Natalino? O que teria acontecido ao causador da tragédia?

“Logo após outra cena trágica ocorria mais adiante. Natalino,


alucinado, correu para sua seção, após galgar a longa escadaria, do
lado de fora do prédio, entrou a esfaquear-se no peito e no ventre,
caindo banhado em sangue. Socorrido logo, foi levado para a Santa

110
Casa, onde expirou ao chegar. Golpeara-se de maneira brutal, onze
vezes!”128

Um suicídio com onze facadas já nos parece suficientemente inverossímil. No

entanto, a reportagem da Gazeta Comercial naquela mesma data, torna esta versão ainda

mais difícil de ser engolida: “Desesperado, o assassino suicidou-se em seguida ao crime,

vibrando em seu próprio corpo mais de vinte punhaladas”. Com todo o respeito que a morte

de Henrique Meurer nos inspira, não há como fugir à interpretação óbvia: no dia 25 de

outubro de 1945 a Fábrica Meurer foi palco de dois assassinatos. Ao contrário do título dado

à reportagem, naquele dia, duas pessoas Morreram no Trabalho ou, para sermos mais

exatos: duas pessoas foram Assassinadas no Trabalho.

Mais do que tentar uma impossível apuração precisa destes fatos que, até onde

pudemos apurar, não foram objeto de nenhuma outra abordagem pela imprensa da época,

podemos tentar compreender os mecanismos que moviam o cotidiano deste pequeno mundo,

capazes de provocarem tragédias desta magnitude. Uma outra fonte que nos possibilita tal

intento é o processo movido por José Monteiro contra a Meurer. 129

128
- MORREU no trabalho. Diário Mercantil. Juiz de Fora, 26/10/1941.p. 4. (grifos nossos).
129
- Processo nº 157/46 - JCJ/JF. Este é o mais volumoso processo com o qual trabalhamos, sendo também um dos mais
ricos em informações sobre o cotidiano da Meurer.
111
3.3- Construindo o Reconhecimento do “Direito de Não Ter Medo”

Em abril de 1946, José Monteiro, tesoureiro do Sindicato dos Trabalhadores nas

Indústrias de Fiação e Tecelagem de Juiz de Fora, deu entrada a uma reclamação trabalhista

contra sua demissão pela Meurer. Apontou os seguintes motivos para a sua demissão:

“Na qualidade de Diretor Tesoureiro do Sindicato dos trabalhadores


da Indústria de Fiação e Tecelagem de Juiz de Fora, (...) levou ao
conhecimento do Dr. Miguel Martins, Diretor do SAPS (Serviço de
Alimentação da Previdência Social), uma irregularidade constatada
naquela empresa, qual seja a de manter fechado o refeitório existente
na fábrica, nas horas de almoço, forçando, assim, os operários, a
almoçar ao relento, sujeitos não somente à chuva e ao sol, como,
ainda, à excessiva poeira (...).”
“[Este] procedimento legítimo (...), determinou da parte da
reclamada uma tenaz perseguição e insopitável desejo de vindita,
levando-a a dispensar o reclamante do emprego.” 130

José Monteiro apresentou como prova as fotografias de nº 2 a 7 do Anexo 2 desse

trabalho.

Em sua defesa inicial, a Meurer questionou a competência da Justiça do Trabalho para

acolher a reclamação, argumentando que José Monteiro entrara com reclamação semelhante

na Delegacia do Trabalho e que, não tendo 10 anos de serviço, não tinha direito à

estabilidade. Como a Junta de Conciliação e Julgamento não aceitou tais argumentos, a

empresa apresentou a seguinte defesa:

“José Monteiro não foi dispensado porque fora eleito para a diretoria
do seu sindicato (...) [mas porque] antes de ser membro da diretoria
de sindicato já era elemento que muito deixava a desejar e, por isso,
apenas tolerado.”

130
- id., f. 2.
112
“Mas, com sua investidura em tal cargo, passou mesmo a ser
prejudicial ao serviço e de modo a ser impossível mante-lo na
empresa.”131

Após listar mais de 20 dias de falta ao trabalho num espaço de 4 meses, acrescenta

que José Monteiro não dava a devida produção por ficar constantemente debruçado sobre a

máquina em que trabalhava 132 e que, quando lhe chamavam a atenção ele respondia: “se não

estão satisfeitos comigo, então, mandem-me embora.” Tendo que justificar as razões de

conservar tão mau funcionário, a Meurer alega que:

“Precisamente porque José Monteiro passara a ser diretor de


sindicato, não podia ser tratado como um mau operário qualquer.”
“Por isso (...) o foi tolerando até que, tornando-se prejudicial à
empresa, seja pelo modo como se comportava nas horas de serviço,
seja pelo pernicioso exemplo que dava a seus companheiros, não
mais era dado fazer vista grossa.”
“E sua desenvoltura chegou a tal ponto que, fora de suas atribuições,
num verdadeiro acinte à direção da empresa, tomou atitudes hostis à
mesma (...).”
“De fato como seria possível à reclamada cruzar os braços ante a
iniciativa que teve o reclamante de levar ao estabelecimento um
funcionário do SAPS, à sua revelia e em hora que sabia não ter lá
senão contramestres, acompanhados de fotógrafo e para colher
fotografias, quando, como membro da diretoria de sindicato não lhe
cabem tais atribuições?” (...)
“A sua ida em tais condições bem demonstra que o reclamante
colocou sua pessoa acima dos órgãos diretores da empresa e que ele
achava que podia fazer e praticar dentro do estabelecimento, de que
era mero operário, tudo que bem entendesse.” (...)
“Por tais motivos, foi, então, dispensado.” 133

A estratégia de defesa da empresa se baseava em dois argumentos fundamentais: José

Monteiro era um mau operário (faltoso, respondão, preguiçoso) e, quando se tornou diretor

131
- id., f. 19.
132
- Como “prova” desta afirmação a Meurer encaminha a fotografia nº 1 do Anexo 2, que será depois contestada até
pela sentença do Juiz da Primeira Instância.
133
- id., f. 19 verso.
113
de sindicato, acrescentou a esses defeitos o mais imperdoável de todos, o de “tomar atitudes

hostis à empresa”. Nestes termos, para a Meurer ele poderia continuar como líder sindical e

seu empregado se não demonstrasse independência, ou se não se constituísse num

“pernicioso exemplo para seus companheiros” enfrentando-a. Mais que a fragilidade destes

argumentos para quem tinha que defender-se da acusação de perseguição a uma liderança

sindical, destacamos a postura da Meurer, que não tolerava que seus operários se portassem

como sujeitos autônomos. Afinal, enquanto José Monteiro comportou-se apenas como mais

um “mau funcionário”, ele havia sido “tolerado”. Mas a ousadia de levar um médico do

Ministério do Trabalho para uma fiscalização sobre as condições de alimentação, na hora do

almoço, e sem aviso prévio, custara-lhe o emprego. Torna-se hilária a conclusão decorrente

de tal raciocínio: na visão do advogado da Meurer (que era também um de seus acionistas) ou

José Monteiro devia ter avisado que haveria uma fiscalização na empresa; ou tal fiscalização

não deveria ter ocorrido na hora do almoço, ainda que se referisse à não utilização do

refeitório existente na empresa pelos seus operários.

A fala da Meurer revela também uma compreensão de que no interior de seu

estabelecimento sua autoridade não teria limites. Nem o sindicato, nem o Estado poderiam

tê-lo “invadido”. Mais adiante, veremos outros processos onde esta idéia é apresentada com

maior clareza.

José Monteiro não teve dificuldades para desmontar os argumentos da empresa. Em

seu depoimento, declarou que nunca foi punido pelas faltas porque as justificava junto à

empresa ou por estar viajando pelo sindicato, ou por mortes ocorridas em sua família. 134

134
- Declarou que em 1945 morreram um tio, uma tia e quatro primas-irmãs. Provavelmente tais mortes realmente
ocorreram pois a empresa não apresentou provas que negassem a occorrência das mesmas, limitando-se a questionar
114
Assim, se nunca fora punido anteriormente, a empresa não tinha como considerá-las como

faltas graves naquele momento. Descreveu também a visita à fábrica como uma dentre vária s

que realizara junto com o médico do SAPS, ficando claro o desempenho de uma atividade

sindical.

Em síntese, as testemunhas apresentadas por José Monteiro afirmaram que 135:

1- sua produção não era menor do que a de outros;

2- correra o boato que ele seria demitido quanto entrou para a diretoria do sindicato;

3- ele nunca fora punido por faltas por tê-las justificado;

4- a empresa aplica comumente pena de suspensão aos faltosos que não justificam

suas faltas;

5- ele já denunciara a empresa por obrigar alguns operários a trabalharem até 14 horas

por dia;

6- vários operários foram demitidos por terem deposto na Justiça do Trabalho;

7- que somente após a fiscalização o refeitório foi reaberto;

8- encostado à máquina como José Monteiro se apresenta na fotografia, não seria

possível fazê-la funcionar, pois uma trava de segurança tem que estar puxada para

trás para colocá-la em movimento.

As três testemunhas apresentadas pela Meurer afirmaram que a demissão de José

Monteiro se deveu ao seu grande número de faltas ao serviço e que, embora não tenha sido

suspenso, foi muitas vezes advertido por este motivo. Duas delas afirmaram que o refeitório

ficava fechado porque os operários não o procuravam, preferindo tomar suas refeições na

vagamente se sua presença fora realmente necessária na casa dos parentes falecidos. Cf. Processo nº 157/46 - JCJ/JF.
f.22.
135
- id., f. 27-30.
115
própria seção onde trabalhavam. Contraditoriamente, uma terceira afirmou que ele ficava

efetivamente trancado, considerando isto como um “descuido” da empresa, e que o refeitório

fora reaberto após a visita da fiscalização.

Mais adiante, o processo contém cópia de depoimentos de testemunhas de um outro

processo movido pelo sindicato, também contra a Meurer, na delegacia do Ministério do

Trabalho. Além da repetição das versões já citadas, nota-se a declaração de uma das

testemunhas de que nas várias visitas de fiscais do Ministério do Trabalho, estes não

comprovavam as jornadas excessivas porque os operários não declaravam o verdadeiro

horário que entraram no serviço ou porque eram escondidos para não serem entrevistados

pelos fiscais. Esta mesma testemunha cita o nome de quatro funcionários da Meurer que

teriam sido demitidos por terem deposto contra a empresa em processos trabalhistas ou por

terem entrado com reclamação contra a mesma.

Em sua sentença, o Juiz Verspasiano Pinto Vieira Filho considera que não ficou

provada nenhuma falta grave contra José Monteiro, que este tinha uma boa folha de serviços

e que a fotografia do mesmo encostado à máquina poderia ser um “mero e infeliz arranjo” da

Meurer. Considera então como injusta a dispensa de José Monteiro pela Meurer.

Na seqüência, a sentença acolhe uma tese da defesa que acabará por fazer deste

processo uma importante peça na construção da jurisprudência sobre a estabilidade do

dirigente sindical. Na Consolidação das Leis Trabalhistas não existia nenhum

reconhecimento formal desta estabilidade.136 No entanto, existia uma prescrição de que só

poderia pertencer à diretoria de sindicato seus membros que estivessem exercendo a

136
- Explicitamente a estabilidade só será incorporada à CLT ( § 3º art. 543) pela Lei nº 5.911 de 27/08/1973. Cf. SAAD,
Eduardo G. Consolidação das Leis do Trabalho: comentada. 21 ed. São Paulo, LTR, 1988. p. 373.
116
profissão137 e, uma outra, garantidora de que “o empregado eleito para o cargo de

administração sindical ou representação profissional não poderá, por motivo de serviço, ser

impedido do exercício de suas funções (...).” 138 Baseando-se nisto o Juiz conclui que o caso

caracterizava:

“uma dispensa injusta e esta é de evidente ilicitude, porque não


poderia a empresa, no caso do reclamante, usar do direito que a lei
lhe confere de dispensar o empregado desde que cumpra as
exigências normais e legais, e isto porque sendo ele diretor de um
sindicato, adquiria com a eleição e posse para o referido cargo, uma
estabilidade transitória (...).”139

A empresa recorreu para o Tribunal Regional do Trabalho que reformou parcialmente

a sentença, considerando a inexistência de justa causa para a demissão, mas não garantiu a

recondução de José Monteiro ao cargo que ocupava na Meurer. Assim, condenava a empresa

a apenas indenizá-lo. Ambas as partes recorreram ao Supremo Tribunal do Trabalho. A

Meurer solicitando que fosse dispensada da indenização e José Monteiro solicitando o

reconhecimento de sua imunidade contra demissões, por ser dirigente sindical.

Em sua apelação, o advogado de José Monteiro desenvolve uma cativante

argumentação objetivando reerguer a tese da estabilidade a que seu cliente teria direito.

Visando desmontar o argumento da Meurer de que tinha motivos para dispensá-lo, assim

analisa o argumento da empresa de que teria sido vítima de uma “perseguição injusta” por

parte de José Monteiro:

“Este, eminentes julgadores, [é] o móvel único da dispensa: ser o


recorrente diretor de um sindicato, e, no exercício de suas funções,

137
- § 1º, art. 540 da CLT.
138
- caput do art 543 da CLT.
139
- Cf. Processo nº 157/46 - JCJ/JF. f. 51.
117
ter exigido à Companhia o cumprimento de suas obrigações legais,
mandando abrir seu salão de refeições ao acesso dos operários (...)
isto constitui aquilo a que a Companhia resolveu dar o pomposo e
patético nome de “perseguição injusta”. 140

Na seqüência, emite esta irônica e surpreendente análise sobre como numa sociedade

capitalista um empregador lida com esta situação:

“De fato, não deixa de ser uma situação injusta reclamar de uma
organização capitalista, num regime capitalista, que ela cumpra com
seu dever, cujo mínimo, e nada mais se lhe exige, está previsto na
legislação em vigor. Pelo menos assim pensam, coerentemente, as
organizações capitalistas, como procedeu a Companhia de Fiação e
Tecelagem Antônio Meurer: usou um meio simplista: pagar (ela
pode pagar) o indesejável e o colocar longe de seu meio. 141

Tenta então demonstrar como a simples indenização não repararia a injustiça

cometida:

“Será possível que tenhamos que adotar, para a medida de todos os


atos humanos, sem distinção, um mero e determinado preço em
moeda corrente? Será crível que não há outro metro para se reparar a
injustiça, vocábulo que traz na sua origem e natureza uma
significação ética?”
“Há, todos nós o sabemos. E a Lei a estabelece: a reintegração, única
reparação total e completa pois sana a violação do direito em toda a
sua extensão: economicamente, pelo pagamento do salário devido
por força da volta do operário a seu serviço anterior; moralmente,
por repor em seu devido lugar, o empregado despedido injustamente,
num reconhecimento público do violador de seu direito
conspurcado.”142

Nas considerações finais do recurso, dá-se à questão a sua devida dimensão:

A atitude desde colendo Tribunal Superior do Trabalho irá decidir a


vida dos sindicatos brasileiros. (...) [A possibilidade de demitir um

140
- id., f. 94-5.
141
- id., p. 95.
142
- id., p. 96.
118
empregado diretor de sindicato] colocou a vida dos sindicatos nas
mãos dos patrões. Economicamente mais fortes ainda tiveram a
proteção da justiça. [Neste caso os sindicatos] não mais serão, como
devia, órgãos defensores da classe, mas simples organizações
puramente fictícias nas mãos de seus patrões, que, por uma questão
apenas de dinheiro, poderão substituir ou exercer pressão sobre seus
dirigentes.”143

Esta argumentação é aceita pelo TST que, na sua sentença, acrescenta ainda a

interessante figura do “direito de não ter medo”:

“[com a manutenção da sentença do TRT] os patrões (...) acabariam


sustentando ao derredor dos sindicatos fogo de barragem que
converteria em terror pânico todo ânimo do trabalhador em aceitar
qualquer cargo de direção, certo de somente continuar no emprego
até quando o entendesse o empregador cujos interesses contrariasse
ao defender os dos companheiros de associação, individual ou
coletivamente considerados. Ao ‘direito de não ter medo’ de se
associar em sindicato de classe (...) sucederia a esquivança geral da
aceitação de cargo cujo desempenho sem concessões agradáveis aos
empregadores e prejudiciais aos empregados, levaria o dirigente
sindical a ser dispensado do emprego mediante simples
indenizações.”144

Reformando a sentença do Tribunal Regional do Trabalho, o TST restaura aquela

proferida pela Junta de Conciliação e Julgamento de Juiz de Fora, remetendo -lhe o processo

para que efetue o cálculo da indenização devida. A Meurer tenta ainda interpor recurso ao

Supremo Tribunal Federal, alegando violação da Constituição Federal. Tal recurso não foi

aceito. Em 18 de dezembro de 1948, exatos 2 anos e 8 meses após efetuar a reclamação, o

advogado de José Monteiro recebia em seu nome a importância de Cr$10.231,20 (28,4

salários mínimos) a título de indenização.

143
- id., p. 98.
144
- id., p. 124.
119
As terríveis condições de trabalho a que a Meurer submetia seus operários parece não

terem sido suficientes para sufocar-lhes a aspiração ao direito de não ter medo.

Dialeticamente, a tentativa de impor um opressivo cotidiano de trabalho, fez nascer um líder

sindical da dignidade e quilate de José Monteiro e a própria jurisprudência que reconheceu a

imunidade e estabilidade do dirigente sindical.

Por trás das questões levantadas pela disputa entre José Monteiro e a Meurer pode mos

visualizar duas posturas distintas quanto à noção de direitos por eles expressadas. A Meurer

declara explicitamente que não pode tolerar a ousadia de um líder sindical que “invadiu” seus

domínios acompanhado de fiscais do governo. Sua noção de que possuía uma autoridade ou

autonomia absoluta do portão para dentro, a fez construir uma defesa das mais precárias. Ao

praticamente confessar que sua relação com José Monteiro chegou a um nível intolerável

quando este formulou denúncias ou, mais que isto, tomou iniciativas que a impediram de

contestar denúncias que já vinha apresentando, a Meurer demonstra o quanto esta noção

exagerada dos limites de sua autoridade se constituía numa noção de que era seu direito

demitir qualquer um que contestasse tal autoridade, ainda que se tratasse de um líder

sindical. Veremos mais adiante como eram punidos com severidade qualquer um que se

mostrasse capaz de apresentar-se como sujeito e não apenas como subordinado ou

comandado.

Por outro lado, as atitudes de José Monteiro demonstram como foi possível construir

fissuras nesta barreira de prepotência, aproveitando-se justamente dos exageros cometidos

pela Meurer. Ao superar o medo, construiu o reconhecimento de um direito básico: aquilo

que os juizes do trabalham denominaram como direito de não ter medo poderia ser

traduzido também como direito de reivindicar (ou instituir) direitos.

120
O caso de José Monteiro teve ainda desdobramentos desagradáveis. Enéas de Souza

foi o depoente mais incisivo no processo que o Sindicato dos Têxteis moveu contra a Meurer

na Delegacia do Trabalho, solicitando que aquela Delegacia autuasse a fábrica. Tendo

prestado depoimento em 03/04/46, foi demitido no dia 15 daquele mês. Alegou que:

“os motivos de sua dispensa são (...) o de haver denunciado a


empresa de coagir seus funcionários a trabalharem mais de dezesseis
horas diárias e haver servido de testemunha no inquérito no
Ministério do Trabalho contra a empresa e em favor de José
Monteiro (...).”145

A Meurer o acusa de ter praticado sabotagem, pondo em funcionamento,

intencionalmente, uma máquina desligada, provocando a quebra de 32 agulhas. Enéas

declarou que encostara acidentalmente na máquina quando fora pegar uma caneca que ficava

pendurada ao lado da mesma. Curiosamente, o mesmo argumento que servira para anular a

fotografia de José Monteiro encostado à sua máquina como prova de que isso fosse uma

demonstração da sua relação cotidiana com a mesma, serviu agora para incriminar Enéas.

Ficou provado que eram necessários dois movimentos para ligar uma máquina: o engate das

correias que poriam seu mecanismo em movimento, e o acionamento de uma alavanca que a

engrenasse. Julgada a reclamação como improcedente pela Junta de Conciliação e

Julgamento de Juiz de Fora, Enéas apelou para o Tribunal Regional do Trabalho e para o

Tribunal Superior do Trabalho, perdendo em ambas instâncias.

Este caso coloca em evidência duas questões que aparecerão em vários outros

processos: a sabotagem ou resistência ao ritmo de trabalho que era imposto aos operários e a

perseguição da Meurer aos que depunham contra ela na Justiça do Trabalho.

145
- Cf. Processo nº 147/46 JCJ-JF. p. f. 16.
121
122
3.4- Os Soldados da Produção Não Batem Continência 146

A postura das fábricas em geral - e da Meurer em particular - diante da Justiça do

Trabalho, embora com variações de ênfase e intensidade, caracterizou-se sempre por

desqualificá-la, por contestar sua legitimidade para analisar suas condutas ou mesmo impor -

lhe sanções. Mas iniciada uma ação trabalhista, a empresa tinha duas opções principais para

alcançar este intento: ou convencia/pressionava o empregado reclamante para que este

desistisse da ação, não comparecendo à audiência; ou apelava contra a decisão recorrendo a

uma instância superior da própria Justiça do Trabalho. Curiosamente, no segundo caso,

acabava por ter que reconhecer a legitimidade da Justiça Trabalhista na tentativa de impedir a

execução de uma sentença que lhe fosse desfavorável.

A desistência da ação por parte do operário reclamante poderia também ter sido

decorrência de um acordo satisfatório com a empresa. Caso ela não tivesse uma postura de

beligerância frente às reivindicações de seus operários, o “acordo por fora” poderia mostrar -

se como uma boa opção, uma vez que a desobrigava de comparecer às audiências, de

constituir advogado ou de pagar as custas processuais caso fosse derrotada. Como só há

registro dos motivos da desistência em poucos processos, não temos como avaliar quais deles

se deveram à pressão da empregadora ou a acordos das mesma com os operários. Enquanto

que nos 289 processos que analisamos, 67 operários comunicaram a desistência por terem

entrado em acordo com a outra parte ou simplesmente não compareceram à audiência,

perfazendo um percentual de 23,2%; nos 79 processos que envolviam a Meurer, 16

reclamantes (20,3%) não compareceram ou comunicaram ter efetuado acordo. Pelo


146
- Sub-título originalmente utilizado por COSTA, Hélio da. Em Busca da memória; comissão de fábrica, partido e
sindicato no pós-guerra. São Paulo, Scritta, 1995.
123
retrospecto das atitudes da Meurer nas outras questões analisadas, arriscamos considerar que

este menor percentual em relação à média geral pode estar escondendo uma postura de não

querer fazer acordos por fora, revelando, talvez, a pressão direta sobre os reclamantes,

objetivando a desistência.

Os industriais têxteis compareciam à Justiça do Trabalho como quem se vê obrigado a

dar satisfações públicas de atos privados. A Meurer em particular protagonizou cenas em que

sua desconsideração pelos operários, pela própria Justiça do Trabalho e pelo que denominava

de “legislação social” ficavam patentes. Com relação a seus operários usou nas suas falas de

expressões do tipo: “trabalha por sport” 147; “malandro”148; “burro”149;“depois de nossa longa

e amigável conversa” (referindo-se a um ultimato dado a um empregado) 150; “portanto justa e

até mesmo benévola foi a pena aplicada” (referindo-se à suspensão por 3 dias de um operário

que recusou-se a fazer serão).151 Nas fichas de registro de empregados152, documentos

privados no sentido de que somente a empresa e a fiscalização do Ministério do Trabalho

tinham acesso aos mesmos, encontramos anotações do tipo: “mau elemento”; “mal elemento

por briga”; “não convém”; “não convém - falta muito”; “falhadeira”; “não serve”; “não serve

(é tatã)”, “maluco”; “grevista”; “grevista e mau elemento”; “não convém - mais de dez

anos”; “malíssimo elemento”; “M. E. roubo”; “muito mole e falador”; “dispensado por ter

agredido o encarregado”;

147
- PROCESSO nº 99/44, cx. 03.
148
- PROCESSO nº 364/44, cx. 11.
149
- PROCESSO nº 114/44, cx. 03.
150
- PROCESSO nº 128/46, cx. 04.
151
- PROCESSO nº 141/46, cx. 04.
152
- É interessante destacar o “ato falho” da Meurer que, num campo da ficha de Registro de Empregadosonde as outras
empresas punham como título data da saída, ela usava como título data da dispensa. Enquanto a primeira
expressão implicitamente admite que a saída possa ter sido iniciativa da empresa ou do operário; a ficha da Meurer,
pelo contrário, pressupõe que o operário sairia por ter sido demitido.
124
A compreensão do significado destas posturas da Meurer se completa com a análise

de um personagem dos mais instigantes. Edgar Ribeiro de Castro representou a empresa em

todas as reclamações trabalhistas, com exceção apenas daquela movida por José Monteiro,

quando apresentou-se como testemunha da reclamada. Intitulando-se como guarda-livros,

caixa ou encarregado do escritório, seu papel era desempenhado seguindo sempre um mesmo

script: até quando propunha ou admitia um acordo, sua fala começava por negar

completamente a legalidade do que era alegado ou solicitado pelo operário reclamante. A isto

seguia-se, quase sempre, a desqualificação de quem reclamava, apelando para o número de

faltas, para a forma como se dirigia aos superiores, para a dedicação ao serviço ou para o

nível de produtividade. Demonstrava profundo conhecimento da CLT e até mesmo da

jurisprudência firmada em outros tribunais ou instâncias da Justiça do Trabalho. No apego ao

formalismo, chegava ao patético de apresentar seguidas defesas já anteriormente recusadas

pela Junta, na esperança de que algum dos recursos que corriam em outras instâncias viesse a

reformar sentenças da Junta. Somente quando em nítida desvantagem, ou quando a Meurer

era pega em flagrante desrespeito da legislação é que aceitava acordo proposto pelo Juiz.

Diferentes depoimentos demonstraram que Edgar de Castro era empregado de extrema

confiança da direção da empresa, centralizando as decisões do setor de recursos humanos.

Provavelmente não possuía diploma de advogado pois, em algumas ocasiões, se fazi a

acompanhar pelo advogado e acionista da empresa, Dr. Constantino Paletta. Mesmo nestas

ocasiões, muitas vezes era Egard Ribeiro quem tinha a primeira fala em nome da reclamada.

Duas disputas com a Junta de Conciliação e Julgamento arrastaram-se por diversas

ações individuais, resolvendo-se contrariamente aos interesses da Meurer. Quando a Junta foi

instalada, em fevereiro de 1944, a Meurer e outras empresas começaram contestando sua

125
legitimidade para analisar questões disciplinares. A princípio, ainda em fevereiro de 1944, a

Junta acolhia completamente este raciocínio, declarando-se “incompetente para julgar fatos

relativos à disciplina interna das empresas.” 153Em junho do mesmo ano, embora com a

mesma postura, já se preocupava em justificar melhor esta mesma posição:

“Considerando que as leis protetoras do trabalho foram promulgadas


justamente em defesa da produção do trabalho e não pode pois, a
Justiça do Trabalho dar guarida as reclamações contra atos que
visam resguardar a disciplina que deve reinar nas relações entre
empregado e empregador.” 154

Em julho de 1944, esta postura começou a ser revista, quando a Junta se deparou com a
reclamação de um operário que, com o braço inchado, solicitou autorização para ausentar-se e o
mestre, olhando o braço disse "que isto não era motivo para não trabalhar". Após o almoço, como
as dores aumentaram, saiu sem autorização, sendo punido com suspensão por três dias. O
advogado da empresa invocou a usual preliminar de que não caberia à Junta apreciar punições
disciplinares, por serem as mesmas prerrogativa dos patrões, mas não obteve sucesso.155 Após esta
ação, sempre com o voto contrário do vogal dos empregadores, diversas punições foram analisadas
e revistas. Nota-se que a verdadeira questão por trás de causas como esta residia na definição dos
limites da autoridade patronal. Para os patrões, reproduzindo padrões de mando certamente
oriundos da senzala, rever uma punição significava "autorizar aos operários que não são dignos
desse nome, a sabotar a nossa produção e contribuir para a ruína e derrota do Brasil (...)."156Mais
adiante, nesta mesma petição, que tudo indica ter sido redigida por Edgar de Castro, esclarece-se a
verdadeira motivação para recorrer contra a revisão de uma punição disciplinar, misturando seus
interesses de férreo controle sobre a mão-de-obra com os da nação:

153
- PROCESSO nº 41/44, cx. 01.
154
- PROCESSO nº 276/44, cx. 08.
155
- PROCESSO nº 337/44. cx. 10.
156
- Alegação da Fábrica Antônio Meurer no embargo contra a redução da pena de suspensão de um operário seu. Cf.
PROCESSO nº 364/44. cx. 11.
126
“NÃO! M. M. Junta. Não é o objetivo monetário que visamos. O que
desejamos sinceramente, de corações abertos e honestos, como
brasileiros que somos, é que enquanto nossos irmãos se entregam nos
campos de luta da Europa, dentro de nosso país não haja, irmãos nossos
que, inconsciente ou involuntariamente (pelo simples desejo de se
distraírem) auxiliem o nosso inimigo comum, contra o qual todos os
brasileiros, de boa vontade darão seu sangue para vê-la desaparecer o
mais breve possível da superfície da terra.”157

Outra questão que foi objeto de numerosas demandas contra a Meurer foi a solicitação

de pagamento do salário de operários que se afastassem por motivo de saúde. O regulamento

do IAPI (Instituto de Aposentadoria e Previdência dos Industriários) previa o pagamento de

um auxílio enfermidade após o 30º dia de afastamento do operário. Como um regulamento

semelhante, aplicável aos comerciários, previa que o empregador arcaria com os salários dos

30 primeiros dias, alguns tribunais, aplicando os princípios da analogia, equidade e isonomia,

generalizaram o reconhecimento deste direito para outras categorias.

Na primeira reclamação em que a questão se colocou, a Meurer argumentou que “o

indivíduo só é obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, em virtude de lei

expressa.”158 Em seguida defendia que se o regulamento aplicável à industria não garantia tal

direito aos industriários, a Justiça do Trabalho não poderia obrigar as indústrias a efetuarem

o pagamento que deveria ser imputado ao IAPI, com o qual já contribuíam operários e

indústrias. Seguindo o seu conhecido roteiro de, após contestar a legalidade da reclamação,

contestar também a legitimidade do reclamante para apresentá-la, argumentou que no caso

em análise não havia nada a ser pago devido ao fato do operário não ter “apresentado

157
-idem. (grifos nossos). É de estranhar que uma empregadora tão patriótica tenha respondido a 9 reclamações de
operários reservistas ou convocados que foram à Justiça do Trabalho defender seus direitos (estabilidade do
reservista e garantia de 50% do salário para os mesmos).
158
- PROCESSO nº 33/44, cx. 1.
127
atestado médico que comprovasse sua moléstia.” Por último, argumentava que, caso fosse

devido algum pagamento, este deveria ser baseado no auxílio pago pelo IAPI, que não

correspondia ao salário integral.

Vencida por unanimidade na Junta de Conciliação e Julgamento, a Meurer apelou para

o Conselho Regional do Trabalho que, também por unanimidade, confirmou a sentença

anterior. Apelando ainda ao Conselho Nacional do Trabalho, o mérito de tal apelação não foi

sequer apreciado. A reclamação foi apresentada em fevereiro de 1944, a decisão do TST foi

lavrada em maio daquele mesmo ano, mas o reclamante só recebeu a indenização em junho

do ano seguinte.159

Até o mês de julho de 1945, foram apresentadas ainda seis outras reclamações de

auxílio doença por empregados da Meurer. 160 Exceto no último processo em que a reclamante

não compareceu à audiência, em todos os demais a Meurer perdeu em primeira instância e

recorreu às instâncias superiores com os mesmos argumentos. 161 Parafraseando as palavras

de Edgar de Castro, certamente não era o objetivo monetário imediato que a Meurer visava.

Provavelmente as despesas com as demandas em Belo Horizonte e no Distrito Federal

ultrapassaram os pequenos valores reclamados (Cr$1.822,00 no total, equivalentes a 5

salários mínimos). Mais uma vez, era contra o reconhecimento de um novo direito, ou

melhor era contra o direito de que os operários conquistassem ou reivindicassem novos

direitos que a Meurer se colocava. Ninguém melhor que um dos próprios reclamantes para

analisar o significado de tais posturas da Meurer:

159
- Cf. PROCESSO nº 33/44, cx. 1.
160
- Cf. PROCESSOS nº 283/44, cx. 08; 301/44, cx. 09; 317/44, cx. 09; 325/44, cx. 09; 216/45, cx. 06.
161
- Ë interessante notar que nos 11 casos em que as demais empresas têxteis responderam a processos semelhantes,
nenhuma delas tenha recorrido da condenação.
128
“Alguns empregadores teimam em continuar negando o direito
legítimo do operário adoentado, do qual desejam usufruir o trabalho,
a saúde e abandoná-lo na primeira vez que as forças lhe faltam, em
que qualquer doença os impeça de comparecer ao trabalho para o
esforço cotidiano em proveito da empresa, que nada lhe deseja
reconhecer.”162

Nenhuma empresa mostrou ter usado das prerrogativas colocadas pela legislação

especial de guerra com a mesma intensidade da Meurer. Conforme vimos anteriorment e, no

momento em que viu contestada sua autonomia para definir punições, a Meurer apelou para o

discurso da necessidade do sacrifício para vencer a guerra.

Hélio da Costa nos coloca uma interessante questão a respeito da militarização do

trabalho no período da guerra: o da concordância ou colaboração dos próprios operários.

Entrevistando um velho metalúrgico que trabalhou na época numa fornecedora da Marinha,

ao perguntar-lhe

“sobre os possíveis protestos contra a Lei de Esforço de Guerra por


parte dos operários, ele disse não se recordar de nenhum fato
parecido, até ‘porque aqueles operários mais politizados, mais
combativos, até incentivavam. O fato de ser contra os nazistas
também de certa forma motivava.’” 163

Conforme analisamos no capítulo anterior, houve grande movimentação popular a

favor da entrada no Brasil na Guerra. Uma vez envolvido, o país também se mobilizou para

contribuir com o esforço de guerra, desenvolvendo diversas campanhas de arrecadação de

sucata de metais, de borracha ou para a compra de aviões de treinamento e lanchas para

vigilância da costa marítima. Em todas estas iniciativas verificou-se uma notável participação

popular. Assim, quando os sacrifícios decorrentes da situação de guerra se apresentaram, a

162
- PROCESSO nº 301/44, cx. 09 (grifos nossos).
163
- COSTA, Hélio da. Em Busca da memória. São Paulo, Scritta, 1995. p. 17.
129
princípio, eles tendiam a serem encarados como a quota de contribuição que cada um deveria

dar para a vitória na guerra. 164 Muitos tendiam a suportar os racionamentos de alimentos, a

alta do custo de vida ou mesmo o aumento da carga de trabalho a partir desta perspectiva. No

entanto, quando por trás do racionamento e da alta do custo de vida se vislumbrava os

grandes lucros do câmbio negro ou de atravessadores manipulando estoques, a reação

popular não se conteve. 165

No entanto, na indústria têxtil a jornada normal de 10 horas diárias, acrescida de

seguidos serões, parece ter ultrapassado o limite da tolerância, tendo que ser imposta aos

operários à custa de repetidas punições. No caso da Meurer, nota-se que banalizou-se a

aplicação de suspensões para operários que recusavam-se a participar dos serões ou que

faltavam ao serviço. Contraditoriamente, por precisar aumentar o número de horas de

trabalho diário, a empresa punia com suspensão (não conseguindo, portanto, produção

daqueles que foram punidos). A lógica por trás deste aparente disparate reside no fato de que,

suspendendo o operário, a empresa o punia financeiramente.

Nos inúmeros processos que reclamaram contra suspensão injusta, o motivo que mais

se alegava para a recusa em participar dos serões era o de saúde. Moacyr dos Santos Loures

reclamou contra a Meurer em outubro de 1944, alegando que foi demitido por recusar -se a

164
- Vargas soube capitalizar este espírito nacionalista, utilizando-o ou para reforçar sua autoridade como o que
comandava uma nação em luta ou para caracterizar os trabalhadores como parte de um “exército da produção”. Num
discurso do comício de 1º de Maio de 1942 afirmava: “Soldados, afinal somos todos, a serviço do Brasil”. Vide
LENHARO, Alcir. A Sacralização da Política. 2 ed. São Paulo: Papirus, 1989. p. 86.
165
- O Diário Mercantil de 16/03/1943 noticiava a existência de várias reclamações contra o desrespeito ao tabelamento
de preços. Em 10/11/1943 este mesmo jornal relata o pedido de demissão dos representantes dos trabalhadores na
Comissão de Preços de Porto Alegre e de Caxias, em protesto contra a não punição dos que desrespeitavam as
tabelas de congelamento. Temos numerosos relatos sobre de denúncias e protescos ocorridos após o início de 1945.
Destaca-se o de Uberaba onde, em maio de 1946, foi organizado um protesto contra a falta de açúcar, envolvendo
milhares de pessoas (vide Diário Mercantil de 15/05/1946).
130
fazer serão. Argumentou que a recusa se deveu ao fato de “estar passando mal e ter que

acordar cedo no dia seguinte”. A Meurer declarou que

“acreditava ser mentirosa a alegação do reclamante de que não fez


serão por sentir-se mal. Pelo Decreto de Mobilização Industrial e
pela autorização especial do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, seus empregados são obrigados a fazerem serão (...) com
o agravante de concitar outros companheiros na recusa ao serão, o
que constitui grave indisciplina (...).” 166

As testemunhas de defesa foram unânimes em afirmar que Moacyr não incitou

ninguém a acompanhá-lo e que alegou motivo de saúde para não fazer serão. Pela legislação,

caberia à Meurer submeter Moacyr a exame médico para refutar sua alegação de indisposição

física. Certamente esta questão seria levantada caso a ação continuasse a ser julgada. No

entanto, como a empresa alegou reincidência em indisciplina e já havia outra ação de Moacyr

em tramitação onde reclamava da injustiça de uma suspensão, 167 o Juiz interrompeu a

tramitação da ação aguardando o resultado da anterior, para que ficasse claro se tratava -se de

reincidência ou não. Naquela outra ação, Moacyr obteve ganho de causa, aceitando um

acordo com a empresa, tendo sido indenizado e reintegrado ao emprego.

Em 6 outros processos, 168 a alegação inicial de motivos de saúde para recusa do serão

não foi suficiente para que a Junta revisse punição de suspensão aplicada pela Meurer. Tem-

se a impressão de que a reincidência em faltas e as repetidas recusas em fazer horas extras,

constantes destes processos, pesou mais nas decisões do que os argumentos para justificar

cada fato imediato gerador das reclamações. Analisando o significado deste absenteísmo,

julgamos que, na verdade, esta foi a forma possível de se resistir ao aumento desmesurado da

166
- PROCESSO nº 429/44, cx. 12.
167
- PROCESSO nº 376/44, cx. 11.
168
- PROCESSOS nº 267/44, cx. 08; 429/44, cx. 12; 280/45, cx 08; 326/45, cx. 09; 104/46. cx. 03; 128/46, cx. 04.
131
jornada de trabalho. Diante da dificuldade de se colocar coletivamente contrário a tais

imposições, a recusa individual, justificada se possível por problemas de saúde, foi a forma

de resistência mais utilizada.

Controlando todas as variáveis que influenciavam na produção (ausência de

concorrência estrangeira no mercado interno, compromissos de exportação que não

conseguiam ser cumpridos, grande dificuldade para montagem de novas fábricas que lhes

fizessem concorrência, preços em alta contínua, salários controlados, dificuldades ou

impossibilidade de mobilização operária, jornada de trabalho aumentada e proibição de

mudança de emprego por parte dos têxteis) a burguesia têxtil e o Estado concentraram seus

esforços no ataque ao absenteísmo. A legitimação dos altos lucros decorrentes do “esforço de

guerra” se baseou na valorização do aumento da produção como dever patriótico de todos

para vencermos a guerra.

Assim, nos vários momentos em que o Ministro do Trabalho Marcondes Filho se

dirigiu aos trabalhadores para solicitar-lhes maior produtividade, através da participação

semanal que tinha no programa radiofônico A Voz do Brasil, a causa da guerra sempre foi

colocada em primeiro plano. Atacando as faltas ao serviço como “uma triste demonstração de

individualidade”, significando também um conformismo do trabalhador com baixos salários

e com baixos níveis de vida, Marcondes Filho ainda destacava a existência de “elementos

nocivos”, cuja “preguiça física, ignorância e má fé” impediam a “obediência aos sagrados

deveres do patriotismo”. 169

169
- MARCONDES FILHO, A. Cumprir as obrigações para apressar o término da luta. Série de palestras
radiofônicas, DIP, abr-maio 1944. apud PAOLI, Maria Célia. Trabalhadores e cidadania: a experiência do mundo
público na história do Brasil moderno. Estudos Avançados, IEA-USP, São Paulo, 3 (7): 40-66, set/dez 1989. p. 63.
132
Em outros momentos o Ministro aliou ao patriotismo a noção de dívida dos operários

com Vargas que lhes concedera tantos benefícios. À dádiva espontânea por parte de Vargas

corresponderia um equivalente dever dos agraciados em retribuir-lhe com a obediência e a

submissão.170 Se este raciocínio foi utilizado para a relação da classe trabalhadora com

Vargas em termos genéricos, o foi com maior intensidade no período de mobilização de

guerra. O trabalhador foi então conclamado a não somente produzir mais e melhor como

também a contribuir para a “manutenção da ordem, transformando-se num observador atento

do seu ambiente de trabalho”, identificando os “interessados em impedir a ‘orquestração do

trabalho’, perturbando a ordem necessária à mobilização econômica.” 171

Os industriais têxteis por sua vez, não se cansavam de reclamar do excessivo número

de faltas de seus empregados. Num documento de abril de 1944 172 em que 10 sindicatos

patronais solicitaram, e obtiveram do Ministro do Trabalho, a caracterização de toda a

indústria têxtil nacional como participante do esforço de Guerra, eles assim descreveram a

situação:

“Fábricas há em que a falta de comparecimento ao serviço se


eleva, diariamente, a 10% e mais do número total de operários do
respectivo estabelecimento!”(...)
“Além de provocar uma compreensível desorganização dos
serviços, a falta injustificada ao trabalho provoca um decréscimo
acentuado da produção, (...).”

170
- Ângela de Castro Gomes, baseando-se nas teorizações antropológicas de Marshall Sahlins, analisa com brilhantismo
o significado simbólico deste mecanismo, de inquestionável eficiência: “a outorga, quando pressupõe o dar e
receber, pressupõe também o termo que fecha e dá real sentido ao círculo: o retribuir. Quem dá cria sempre uma
relação de ascendência sobre o beneficiário, não só porque dá, mas principalmente porque espera o retorno. Esta
expectativa não se esgota em uma possibilidade, ela é um sagrado dever. Quem recebe cria certo tipo de vínculo, de
compromisso que desemboca naturalmente no ato de retribuir. A não retribuição significa romper com a fonte de
doação de forma inquestionável. (...) A força da coisa dada está em produzir em quem recebe a consciência de uma
obrigação de retribuir como um dever político de natureza ética.” Vide GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do
Trabalhismo. São Paulo: Vértice, Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988. p. 246-54.
171
- ibdem, p. 245.
172
- Vide Circular 018/44, SIFTA-RJ, de 13/04/1944.
133
Em seguida, após uma justificativa “patriótica”, indicam a punição através de um

desconto salarial como a melhor medida para coibir as faltas ao serviço:

“Neste momento em que a situação anormal que atravessa o


país exige de cada brasileiro um esforço maior, em benefício do
interesse coletivo, parece não ser demasiado estabelecer-se a
exigência rigorosa de comparecimento ao serviço.”
“Para que esta medida se torne uma realidade, é
indispensável, porém, que seja prevista a aplicação de pesada
penalidade para os casos de infração das determinações legais que
venham a ser adotadas.” (...)
“O operário, porém, que falta ao trabalho sem motivo
justificado, demonstra não estar necessitando de nenhuma melhoria
em seu salário, (...).”
“Parece, pois, que seria extremamente razoável que, como
determinação legal visando obrigar o comparecimento ao serviço,
fosse instituída a penalidade da perda [do salário adicional para a
indústria ou do último aumento do salário mínimo](...), durante uma
semana, para todos os empregados que faltassem ao serviço sem
motivo justificado.”

Conforme podemos observar nos diversos processos que analisamos, o desconto

salarial foi aplicado através das repetidas suspensões impostas aos que faltavam ou que se

recusavam a fazer serão. No caso da legislação que mobilizou a indústria têxtil, a punição

prevista foi mais dura do que o solicitado pelos industriais, prevendo o julgamento como

desertor dos que faltassem ao serviço, sem motivo justificado, por um período superior a 8

dias. A pena prevista era a de reclusão de 1 a 4 anos.

Mas tal rigor não se mostrou suficiente para coibir as faltas ao serviço em níveis

considerados como toleráveis pelos industriais. Num documento do início de 1946 ,173 eles

constatam que nos 18 meses decorridos da mobilização da indústria têxtil, somente em 3

deles a produção mensal das fábricas paulistas de tecidos de algodão deixou de apresentar

173
- Vide Circular 007/46, SIFTA-RJ, s/d.
134
déficit em relação à produção alcançada em julho de 1944, e em apenas 7 deles a produção

de um mês foi maior que a do mês anterior. Analisando estes números os industriais

consideraram que:

“o regime de faltas ao trabalho talvez tenha, na atualidade, atingido


ao máximo, a despeito dos contínuos reajustamentos de salários.
Correndo-se os olhos pelos quadros estatísticos já apontados, vamos
encontrar na produção, os reflexos desses reajustamentos. Em maio
de 1945, aumentados os vencimentos, a produção subiu durante três
meses, para decrescer em seguida, voltando a progredir quando novo
aumento foi processado - outubro de 1945 (...). Julgamos que são
dispensáveis quaisquer comentários diante do exposto”

Se os industriais consideravam desnecessário quaisquer comentários, nós pensamos de

forma diferente. Em nenhum momento o documento se detém em considerar outros fatores,

que não os de natureza monetária, para explicar o motivo das faltas. As longas jornadas, a

proibição de mudança de emprego, a falta de férias, nada disto é levado em consideração.

Muito menos se considera que fatores como motivação para o trabalho, realização pessoal ou

quaisquer outros de natureza não econômica possam influenciar no número de faltas ao

serviço. O operário é visto aqui literalmente como simples “fator de produção”, despido de

qualquer atributo humano que não o da resposta a estímulos financeiros.

O pior é que não se observa nem mesmo coerência com o raciocínio desenvolvido.

Afinal, se a produção aumentou quando os salários foram também aumentados, os

comentários que os industriais se recusaram a fazer deveriam versar sobre a conveniência de

se desenvolver uma política em que os aumentos salariais levassem a uma melhoria dos

níveis de produção. No entanto, pode-se observar justamente o contrário: no pós-guerra os

aumentos foram fruto de intensa mobilização operária.

135
Voltando à Meurer, podemos constatar que a facilidade com que ela contestou os

motivos de saúde para justificar faltas ao serviço e recusas de serões (com a conivência da

Junta que não a obrigava a submeter os operários a exame médico para comprovar tais

alegações), coloca-nos diante de uma outra questão: além de continuamente desrespeitar ou

desconsiderar a vontade e opinião (ou a própria condição de sujeito) dos seus operários,

chegava a outro extremo, o de atacar e desrespeitar os seus próprios corpos. Lembrando as

denúncias de jornadas que chegaram ao extremo de durarem 16 horas diárias, e analisando os

dados disponíveis sobre a incidência de acidentes de trabalho , veremos como, no caso da

Meurer, podemos observar uma tendência ao aumento destes índices.

Tabela 15 - Acidentes de Trabalho da Fábrica Meurer (1939-1945)


Ano Acidentes Registrados Em Fichas Acidentes Comunicados à Seguradora
1939 120 82
1940 70 --
1941 95 --
1942 125 --
1943 190 126
1944 110 --
1945 105 176
OBS: I) Acidentes registrados em fichas compreendem aqueles lançados pela Meurer na Ficha de Registro de
Empregados.
II) Acidentes comunicados à seguradora compreendem aqueles registrados pela Sociedade Cooperativa
de Seguros Operários em Fábricas de Tecidos à qual a fábrica era associada.
FONTE: I) Acervo de fichas de registro de empregados da Cia. de Fiação e Tecelagem de Malha Antônio
Meurer, existente no Sindicato dos Empregados das Indústrias de Fiação e Tecelagem de Juiz de
Fora.
II) Livros de Registro de Acidentes de Trabalho da Sociedade Cooperativa de Seguros Operários
em Fábricas de Tecidos, Arquivo CIFTA-RJ.

136
Embora os dados justifiquem sérias desconfianças quanto à consistência, 174podemos

notar pelo menos uma tendência de crescimento do número de acidentes, mais nítida

naqueles casos que eram comunicados à seguradora, provavelmente os de maior gravidade.

Segundo os próprios industriais da década de 1940, os índices de acidentes de trabalho da

indústria têxtil brasileira eram exagerados. Análises da Associação Brasileira para Prevenção

de Acidentes, por eles citadas, apontavam que a média de acidentes nas fábricas têxteis

brasileiras era 10 vezes superior aos limites razoáveis. 175

O impacto e o significado dos dados apresentados na tabela anterior, ficam mais

evidentes quando nos deparamos com fichas de registro de empregados da Meurer

completamente tomadas por observações quanto aos acidentes sofridos pelo operário.

Argemiro Francisco da Silva sofreu 4 acidentes entre janeiro de 1945 e fevereiro d e 1946;

José Rosa Machado 6 acidentes entre 1943 e 1947; Sebastião Tarma, 7 ocorrências entre

1938 e 1957; aparecendo como recordistas Lindonor Pereira Campos com 8 acidentes entre

1939 e 1943 e Sebastião Ribeiro com igual número de acidentes, sofridos ent re 1938 e 1945.

Outra questão que aparece em diversos processos da Meurer era a sua postura frente à

Justiça do Trabalho. Um primeiro aspecto que se destaca é o número de recursos da Meurer

contra as decisões de primeira instância. Enquanto que as demais fábricas têxteis entraram

com 1 recurso para cada 8 processos a que responderam, a Meurer o fez na proporção de 1

recurso para cada 5 processos respondidos. 176 Conforme assinalamos anteriormente, tais

174
- Tais inconsistências são de duas ordens: no caso dos dados recolhidos nas fichas de registro de empregados, embora
tenha sido utilizada uma amostragem equivalente a 20% das mesmas, não temos nenhuma garantia que todas as
fichas existentes tenham sobrevivido; no caso dos acidentes registrados pela Sociedade Cooperativa de Seguros
Operários em Fábricas de Tecidos, nota-se a subestimação dos mesmos frente aos totais encontrados nas fichas.
175
- Cf. Tese apresentada pelo SIFTA-RJ à Segunda Convenção da Indústria Têxtil Brasileira, nov. 1949.
176
- Mais exatamente, as demais fábricas recorreram contra 26 dos 210 processos respondidos, enquanto a Meurer
recorreu contra 16 dos seus 79 processos.
137
recursos parecem motivados muito mais pela intenção de desestimular os demais operários a

procurarem a Justiça do Trabalho do que pelo montante em dinheiro envolvido na ação. Esta

consideração fica mais evidente se observarmos que dos 16 recursos da Meurer, apenas 2

foram atendidos.177 Evidentemente, tão grande número de derrotas deve ter sido previsto

pelos seus advogados que continuaram os processos pelas motivações políticas de sua

constituinte.

Mas além de mostrar-se tão renitente nas demandas contra seus operários, a Meurer se

destacou também pelo desacato à Justiça do Trabalho. 178 Diversas foram as denúncias de

demissões de operários que depuseram contra ela. Vimos como Enéas de Souza foi demitido

logo depois de depor a favor de José Monteiro. Maria Garcia de Paiva reclamou contra falta

de seu registro em carteira em maio de 1944, 179 obtendo vitória na Junta. A Meurer recorreu

ao TRT, onde também perdeu. Em julho de 1944, quando ainda tramitava o recurso da

empresa, Maria Paiva volta a procurar a Justiça do Trabalho, 180 reclamando que a fábrica não

mais lhe entregava serviço (era costureira que levava peças para serem acabadas em casa). A

Meurer alega que a reclamante abandonou o serviço, não comparecendo mais à fábrica para

buscar serviço. A Junta suspende a análise do caso até que se resolvesse o recurso relativo à

177
- Neste caso, o contraste com a média das demais fábricas mostra-se também ilustrativo: elas venceram 9 dos 26
processos contra os quais recorreram.
178
- Neste aspecto, outra empresa que se destaca é a Industrial Mineira, maior fábrica têxtil da cidade. Em 2 processos os
reclamantes declaram que foram demitidos por apresentarem reclamação contra a empregadora (PROCESSOS nº
032/1945, cx. 01 e 252/1945, cx. 07). No primeiro deles inclusive, o reclamante acusa que foi impedido de
comparecer a uma audiência da Justiça do Trabalho. Num outro caso (PROCESSO nº 139/1944, cx. 04), a Industrial
Mineira aplicou uma pena de suspensão do trabalho por 90 dias, quando o máximo permitido é de 30 dias. No
PROCESSO nº 479/1944, cx. 13, a empresa recusa-se a conceder férias a uma funcionária que já gozara de licença
maternidade sem apresentar nenhum argumento legal, tão somente afirmando que “dar à reclamante quatro meses de
salário improdutivo num ano além de corroer as finanças da empresa, viria de encontro ao próprio interesse nacional
da produção. Em todos estes casos, embora não haja uma punição ou admoestação contra a firma em função dos
flagrantes desrespeitos à legislação trabalhista, o resultado lhe foi desfavorável pois houve vitória parcial ou
completa dos reclamantes.
179
- PROCESSO nº 228/44, cx. 07.
180
- PROCESSO nº 328/44, cx. 09.
138
reclamação anterior. Após o TRT recusar o recurso da Meurer, Maria Paiva comunica à Junta

que entrara em acordo, voltando a receber serviço.

Em março de 1943, Moacyr Azalim e José Batista de Azevedo 181 reclamam contra

demissão provocada por seus depoimentos a favor de Nicolau Aroni em outro processo.

Desta vez a Meurer admite que a demissão se deveu a depoimentos na Justiça do Trabalho:

“A reclamada declarou que não despediu os dois operários por deporem na Justiça do

Trabalho (outros já o fizeram e nada sofreram). Mas porque, ao fazê-lo, referiram-se a seus

superiores de forma desrespeitosa.” Curiosamente os debates entre as partes passaram a se

pautar pelo valor da indenização devida, nada se levantando contra esta prerrogativa arvorada

pela Meurer de despedir funcionários que, segundo seu entendimento, faltaram -lhe com o

respeito em depoimento na justiça trabalhista. Parece óbvia a conclusão de que caberia ao

Juiz coibir ou punir os eventuais excessos verbais que ocorressem durante os depoimentos, e

não à empregadora aplicar uma censura a posteriori.

Mas houve um caso em que ficou mais evidente o desrespeito da Meurer pelas

decisões da Justiça do Trabalho. Moacyr dos Santos Loures teve que mover 3 ações seguidas

para ter seus direitos respeitados. Na sua primeira reclamação, efetuada em 19 de agosto de

1944,182 reclamou contra suspensão por 10 dias. O motivo alegado, participação numa briga

juntamente 2 outros operários, não foi comprovado pela Meurer. Foi ela então condenada a

indenizá-lo pelo desconto destes dias. Curiosamente, a Meurer não recorreu. Em 4 de outubro

de 1944, Moacyr dá entrada em sua segunda reclamação, que já foi por nós analisada. 183 Tal

reclamação versou sobre sua demissão por recusar-se a fazer serão, alegando motivo de

181
- PROCESSO Nº 91/46, CX. 03 e 92/46, cx. 03.
182
- PROCESSO nº 376/44, cx. 11.
183
- PROCESSO nº 429/44, cx. 12.
139
saúde. Como resultado as partes firmaram um acordo em 19 de dezembro de 1944, que

previa a reintegração de Moacyr, tendo o mesmo prometido “portar-se convenientemente”

dali para adiante. Mas em 27 de dezembro de 1944 Moacyr procura novamente a Justiça do

Trabalho declarando:

“que no dia 20 de dezembro (...) em cumprimento à conciliação feita


junto a esta Junta, compareceu ao escritório da firma reclamada onde
foi ter a fim de comunicar que estava impossibilitado de trabalhar,
em virtude de estar acometido de diarréia de sangue, e assim
adoentado não poder cumprir com seu compromisso; que foi-lhe
exigido a apresentação de um atestado médico, que fosse firmado
pelo Doutor Milton Vale de Macedo, alegando a empregadora que
não aceitaria atestado de qualquer outro médico.” 184

Na seqüência, nota-se como a Meurer manipulou com a pobreza de Moacyr e com as

prerrogativas que a Lei de Mobilização Industrial lhe garantia:

“foi-lhe dado um cartão para consulta e quando chegou ao


consultório do referido médico este negou-se atendê-lo alegando que
a fábrica tinha dado uma contra-ordem porque [Moacyr] não pagara
a consulta e não tinha saldo ali a receber; que dia 26 do mesmo mês
regressou à fábrica a fim de trabalhar e ali foi-lhe novamente exigido
outro atestado, mas com a obrigação de pagá-lo antecipadamente, o
que o reclamante não estava em condição de fazer, por não ter
dinheiro (...).”185

A Meurer por sua vez, declarou que diante da alegação de Moacyr de que estava

doente, chamou-lhe a tenção para “a Lei de Mobilização Industrial, aconselhando-o para, no

caso de seu afastamento ser superior a 8 dias, trazer atestado médico”. Ao final de sua

184
- PROCESSO nº 517/44, cx. 15.
185
- ibidem.
140
defesa, para justificar suas atitudes com relação aos atestados médicos, declarou que “nada

tem que ver com a vida particular de seus empregados”. 186

A sentença, considerando que as atitudes da Meurer em dificultar o acesso de Moacyr

a um médico, caracterizavam omissão da mesma em cumprir seu dever de providenciar a

verificação do estado de saúde do operário, condenou-a a indenizá-lo pelos dias que ficou

sem trabalhar e pela demissão sem causa justificada. Desta vez a perseguição da Meurer

contra um empregado e a tentativa de não cumprir uma sentença que a obrigava a readmiti -lo

ou indenizá-lo não teve sucesso.

Temos ainda um caso em que o silêncio é o que mais se destaca. O Diário Mercantil

de 23 de janeiro de 1944 trouxe a seguinte matéria, sob o sugestivo título “Um Mestre

Valiente”:

“O operário Antônio da Silva Duque, trabalhador da fábrica Meurer,


apresentou ontem queixa contra o mestre da referida fábrica, de
nome Idelfonso de tal, o qual, não se conformando com a decisão do
queixoso, que lhe marcou trinta dias para deixar o emprego, agrediu-
o ante ontem, às 23 horas.”
“Narra Antônio da Silva em sua queixa que, não satisfeito em ter lhe
desferido vários socos, o mestre “valiente” atirou-o ao chão
apertando-lhe a garganta, quase asfixiando-o.”
“A polícia tomou conhecimento do fato e vai esclarecer o assunto
devidamente.”

Dois tipos de silêncio ou omissão marcam este fato. Primeiramente o de Antônio que,

apesar de apresentar queixa à polícia, não moveu ação trabalhista contra a Meurer, na qual

teria uma vitória certa. Por outro lado, a Meurer, que se mostrava tão melindrada por

qualquer briga ou discussão entre um operário e seu mestre ou dos operários entre si; não

demitiu Idelfonso que continuou como mestre pelo menos até agosto de 1944, quando

186
- ibidem.
141
testemunhou contra Moacyr dos Santos. Certamente a demissão de um mestre dotado de

tanta valentia seria a melhor maneira da Meurer legitimar as constantes punições que

impingia sobre os operários que se excediam verbal ou fisicamente. Neste caso seu silêncio

constitui um claro discurso que legitima a violência física de um chefe contra seu

subordinado e que demonstra o quanto aquela empresa estava longe de efetivamente

considerar seus empregados como sujeitos.

A Justiça do Trabalho sempre condenou operários que tenham discutido asperamente

ou brigado com seus superiores, independente das razões que fossem alegadas. Em dois

outros casos, operários que brigaram com seus superiores e reclamaram indenização por

dispensa ou suspensão injustas, perderam a ação. Em novembro de 1945 Enir Terezinha

Neves,187 operária da Malharia Sedan, alegava que por ter tido uma discussão verbal com a

encarregada, fora do recinto da fábrica, não poderia ter sido punida com suspensão por 10

dias. No outro caso, 188 Waldir Augusto foi derrotado na reclamação contra a Industrial

Mineira por demissão injusta, movida em junho de 1946, quando a empresa alegou que este

chegara a agredir fisicamente o contramestre com quem se desentendera.

Mas os conflitos não aconteciam apenas na relação patrão-empregados. Entre os

próprios operários comumente despontavam diversos conflitos. Dois destes casos se

destacam por terem sido motivados pelo que os próprios operários chamavam de “puxa -

saquismo.” Em 10 de maio de 1946, Christina de Oliveira reclamou contra a Meurer por

demissão injusta.189 Empregada há 4 anos, era a encarregada da varreção do salão aos

sábados, juntamente com outra operária. Em diversas ocasiões solicitara que esta tarefa fosse

187
- PROCESSO nº349/45, cx. 10.
188
- PROCESSO nº190/46, cx. 05.
189
- PROCESSO nº176/46, cx. 05.
142
desempenhada por revezamento entre as 10 operárias da seção. Quando a companheira que a

ajudava afastou-se por motivo de saúde, Maura da Cruz foi indicada para substituí-la.

Christina comentou com Maura que poderiam solicitar novamente ao encarregado que a

tarefa fosse dividida entre as demais operárias. Maura por sua vez, procurou o seu chefe para

solicitar que esta tarefa passasse a ser efetuada por ela sozinha. Além disto, ao efetuar a

varreção, Maura o fez utilizando duas vassouras e cantarolando. Ao terminar dirigiu -se à

Christina e chamou-a de ignorante. A isto seguiu-se uma séria discussão entre as duas, com

Christina dizendo, segundo as alegações de Edgar de Castro:

“você é uma puxa saco, negra de cabelo duro, vai tomar... (onde
tomam os pederastas passivos), grande filha da puta!” 190

Considerando que contra Christina não havia nenhuma outra punição e que, apesar da

indisciplina praticada, uma única ocorrência não seria suficiente para caracterizar a justa

causa, a Junta considerou que houve culpa recíproca das partes, condenando a Meurer a

pagar metade da indenização a que a operária teria direito. Note-se que o que revoltou

Christina foi o oferecimento de Maura para efetuar uma atividade que ela vinha contestando

“há vários anos”. Por trás de suas atitudes, verifica-se, implicitamente, a existência de um

código de conduta não escrito, 191 informal, que teria sido desobedecido por Maura. Observa-

se que o oferecimento de alguém para colaborar com o patrão, criando um contraste negativo

190
- ibidem.
191
- Boaventura de Souza Santos desenvolveu interessantes trabalhos identificando como estes códigos informais de
conduta permitem compreender diversos contextos e movimentos sociais contemporâneos. Vide: O Estado e o
direito na transição pós-moderna. Revista Crítica de Ciências Sociais, (30): 13-43, jun 1990; On modes of
production of law and social power. International Journal of Sociology of Law, 13 (299), 1985; The Law of the
opressed: the construction and reproduction of legality in Pasargada. Law and Society Review, 12 (5), 1977. Para
conhecer uma produção brasileira que repensa o papel do direito na construção de uma sociedade democrática, vide:
SOUZA JÚNIOR, José Geraldo de (org.). O Direito Achado na Rua, Curso de extensão universitária à distância. 3
ed. UNB, 1991. Sobre uma interessante avaliação deste último vide: PAOLI, Maria Célia. Movimentos sociais;
cidadania e espaço público - ano 90. Humanidades, Brasília-DF, UNB, 4 (8): 498-504.,1992.
143
com aqueles que não o fazem, tende a ter a agressão física ou verbal como resposta por parte

destes últimos.

A agressão física foi a atitude também tomada contra José Bazarelo Passarel a, por ter

agido como encarregado de seção, sem ser reconhecido como tal por seus colegas. Conrado

Krepp Sobrinho e Mário Barbosa reclamaram contra a Meurer por demissão injusta em

agosto de 1944.192 Argumentavam que foram dispensados por brigarem com José Bazarelo

Passarela, operário de mesmo nível hierárquico que eles, fora das dependências da sua

empregadora. A Meurer declara que José B. Passarela estava substituindo o encarregado de

serviço, o que é aceito pela Junta, que considera improcedente a reclamação.

Num outro processo, 193 Moacyr dos Santos Loures reclama por ter sido suspenso por

10 dias, acusado de participar da briga. No caso de Moacyr, a mesma Junta caracteriza o caso

de forma diferente. Primeiramente considera que Passarela era do mesmo nível hierárquico

que Moacyr, 194 considerando também que a ocorrência se deu fora da fábrica. Assim, na ação

movida por Moacyr, a Meurer é condenada a reembolsá-lo pelos 10 dias de suspensão. Os

depoimentos de pessoas não comprometidas com a Meurer são unânimes em caracterizar

Passarela como “dedo-duro” e antipatizado pelos companheiros de trabalho.

Moacyr dos Santos Loures assim descreveu José Bazarelo Passarela:

“que na mesma turma e seção onde trabalha o declarante, presta


também os seus serviços à fábrica citada um rapaz que apenas
conhece pelo nome de Bazarelo, o qual, embora não ocupe nenhum
cargo além de simples operário, vive a espreitar seus colegas e a
denunciá-los aos chefes do estabelecimento por qualquer incorreção,

192
- PROCESSO nº 382/44, cx. 11.
193
- PROCESSO nº 376/44, op. cit.
194
- Fora da fábrica, uma agressão física só caracteriza justa causa se ocorrer contra superior hierárquico. Cf. CLT, art.
482, alínea J.
144
sendo por isso mesmo mal visto e antipatizado perante àqueles
(...).”195

Nas palavras de Conrado Krepp:

“que dentre seus vários companheiros de seção havia um rapaz de


nome José Bazarelo, o qual contava aos chefes da indústria tudo o
que os demais empregados praticavam na seção, embora fosse um
simples operário como ele; que por este motivo nem o reclamante
nem os demais operários de sua turma gostavam do citado José
Bazarelo (...).”

Fica evidente que os colegas não reconhecem a autoridade que a Meurer diz ter

outorgado a Bazarelo. A trivialidade da ocorrência (brincadeira de empurrarem um ao outro),

que transformou-se em suspensão por um dia devido à denúncia de Bazarelo ao encarregado

geral, parece ter motivado a briga ocorrida durante a saída da fábrica. 196 Ao contrário de

Moacyr, que apresenta testemunhas de que teve participação secundária na briga, Conrado e

Mário parecem até mesmo orgulharem-se da surra aplicada a Bazarelo. Conrado declara que

“avançou contra ele e vibrou-lhe na nuca um golpe com uma sacola que trazia, no interior da

qual achavam uma marmita e um vidro vazio”. 197 Num outro depoimento, Conrado ainda

declara, com indisfarsável satisfação, que “seu colega Mário Barbosa ‘encheu os queixos’ do

Sr. Bazarelo.”198 Mário, por sua vez, declarou que “deu-lhe um pontapé e logo que este caiu

foi agredido por outros companheiros que estavam ali.” 199 Novamente, parece que estamos

diante de um código de conduta não escrito que Bazarelo teria desobedecido. O

195
- PROCESSO nº 376/44, op.cit.
196
- Num caso semelhante, Jupira de Castro reclamou contra sua demissão pela Moraes Sarmento em março de 1944,
alegando que não poderia ter sido punida por uma briga (de sombrinhadas) ocorrida fora da fábrica. Esclareceu que
a briga deveu-se ao fato de que a colega “vivia entregando-a e intrigando-a com o contra-mestre”. Vide
PROCESSO nº136/44, cx. 04.
197
- PROCESSO nº 376/44, op.cit.
198
- PROCESSO nº 382/44, cx. 11.
199
- ibidem.
145
ressentimento contra o “dedo-duro” mostrava-se tão grande que valia a pena assumir a culpa

pela agressão e sua principal conseqüência: a perda da indenização pela dispensa do

emprego.

Por outro lado, a Meurer mostra que além de reivindicar sua autonomia sobre o

espaço da fábrica, quer também ampliá-la para além dos portões. Todos os depoimentos dos

reclamantes e de suas testemunhas afirmam que Bazarelo não tinha cargo de chefia dentro da

fábrica. As declarações da Meurer de que ele estaria substituindo um encarregado de serviço

pode ter sido mais um arranjo da mesma para conseguir enquadrar os agressores. Por outro

lado, fica também relativizada a declaração anterior da Meurer de que “não tinha nada a ver

com a vida particular de seus empregados”, conforme declarou mais adiante, quando negou

guia de exame para o próprio Moacyr. Na verdade, a Meurer achava-se no direito de

interferir na vida particular de seus empregados quando um “colaborador” se via ameaçado

por “maus operários”. Além disto, conforme analisamos anteriormente, a Meurer

desencadeou um Kafkafiano processo de perseguição contra Moacyr, quando este teve sua

punição revista pela Justiça do Trabalho. No fundo, a saga de Moacyr representou, acima de

tudo, o embate entre a “Justiça da Meurer” e a Justiça do Trabalho.

Analisando casos de brigas entre operários ocorridos em outras fábricas, veremos

como a existência destas regras informais marcavam decisivamente o cotidiano operário. Em

março de 1945 Maria Madalena Vilella reclamou contra sua demissão pela Santa Cruz, 200

alegando que deixara de obedecer a uma ordem de outra operária de mesmo nível que ela,

“porque não era ordem do contramestre nem do mestre.” Como a outra operária passou a

ofendê-la continuamente, três dias depois foi queixar-se ao mestre. As operárias foram

200
- PROCESSO nº089/45, cx. 02.
146
chamadas para conversar com o mestre, e somente a outra versão foi ouvida pois, toda vez

que Maria Madalena tentava falar, o mestre a mandava calar-se. Além disto, segundo

palavras da própria reclamante:

“O Sr. Luiz, durante todo o tempo em que esteve ouvindo o relato do


fato, esteve assentado na beirada da mesa e com um pau na mão; a
cada movimento que a reclamante fazia para falar ele ameaçava-a
com o pau, mandando-a calar-se. Depois (...) foi-lhe respondido que
se estava ofendida com as ofensas que fosse se queixar no inferno e
que quando saísse poderia entrar em luta com as rivais que ele ficaria
espiando do portão; em seguida mandou a reclamante retirar-se
depressa e disse-lhe ainda alguns insultos gratuitos, tendo tentado
machucá-la com o pau que conservava, só não o fazendo porque a
reclamante esquivou-se.”

Na audiência, a Santa Cruz declara que Maria Madalena não fora dispensada e que

seu lugar continuava à sua disposição. A Junta limitou-se a determinar o retorno da

reclamante ao serviço, omitindo-se da apuração das graves denúncias de coação física ali

formuladas.

Em julho de 1944, a Moraes Sarmento solicita abertura de inquérito administrativo

para demitir seu operário Jovino de Souza que, por ter 12 anos de serviço, tinha também

direito à estabilidade. 201 Solicita a demissão de Jovino devido a seu envolvimento numa briga

corporal com Adelino Gervason. Jovino se defende alegando que:

“no dia 6 de julho, ao contrário do que se alega, Jovino é que para


evitar ser agredido por Adelino a ele se abraçou com o intuito
exclusivo de evitar que este levasse adiante a agressão que
ameaçava; e abraçando-se com Adelino pediu Jovino a intervenção
de outros companheiros de trabalho, mediante a chegada dos quais
foi Adelino impedido de levar adiante a agressão; que o declarante

201
- PROCESSO nº 341/44, cx. 10.
147
não praticou violência de qualquer espécie contra seu companheiro,
limitando-se a se defender (...).”

Tanto as testemunhas da empresa quanto as apresentadas por Jovino foram unânimes

em declarar que tratava-se de um operário exemplar, que nunca se metera em brigas e que

nunca fora suspenso. As testemunhas de Jovino acrescentaram ainda que Adelino Gervason

era mal visto, tendo discutido e até mesmo ameaçado outros colegas anteriormente. Notamos

aqui que o fato de Jovino ser bem visto pela empresa até antes do ocorrido, não impedia que

também o fosse pelos colegas de trabalho. Neste aspecto, parece prevalecer o fato de que esta

sua boa relação com a empresa não se baseava em perseguição ou “deduragem” dos colegas.

Por outro lado, a Moraes Sarmento mostra pautar-se por outros princípios. Mesmo admitindo

tratar-se de um bom operário, no momento em que envolveu-se em briga com outro, passou a

merecer ser descartado junto com este. Para justificar a necessidade da demissão, assim se

exprimiu o advogado da empresa:

“Ora, sabe muito bem o Egrégio Conselho que a disciplina é a alma


do trabalho. Como se produzir, pois, em ambiente de desordem? (...)
A empresa tem, em trabalho, centenas de operários. Caso, pois, estes
- geralmente homens de pouca ou nenhuma ilustração, sem
conhecimento pleno das regras de urbanidade, etc - entendam de
resolver suas antipatias a seu bel prazer, a empregadora terá que
fechar suas portas, por força de anarquia entre os seus operários.
Assim uma punição enérgica se impõe.”

Adelino Gervason já havia sido demitido, cabendo agora conseguir demitir também

Jovino de Souza para que a ordem voltasse a reinar na empresa. Mas a solidariedade dos

companheiros de trabalho e o passado de comportamento exemplar, aliados à má imagem de

Adelino relatada também pelos depoentes apresentados por Jovino, levaram à sentenç a que

148
obrigou a Moraes Sarmento a reintegrar Jovino, tendo este sofrido apenas a punição de

suspensão por 15 dias. A empresa recorre contra tal sentença e perde novamente em segunda

instância.

Mas a maioria das brigas foram motivadas pelo fato de alguma das partes se mostrar

como aliada à empresa em detrimento da outra.

149
3.5- Os Casos da Bernardo Mascarenhas e da São João Evangelista

Ao contrário da Meurer, as fábricas São João Evangelista e Bernardo Mascarenhas

destacaram-se por uma postura de maior acatamento da legislação trabalhista, e por uma

relação menos conflituosa com seus operários. Isto não significa que não tenha havido

enfrentamentos entre estas empresas e seus operários, mas sim que tais enfrentamentos se

davam num patamar diferente, marcados por questões de outra natureza. Significa ainda que

estas empresas mostraram uma maior preocupação em construir formas de legitimação de seu

domínio de classe.

Este é o caso da Fábrica de Tecidos São João Evangelista, a que mais se preocupava

em construir uma imagem pública de amiga e protetora de seus operários. Situada a cerca de

12 quilômetros do perímetro urbano, destacava-se por ter construído uma vila operária, e

diversos serviços de apoio e lazer para seus habitantes. Além disto foi também a

empregadora que concedeu maior número de abonos e gratificações aos seus empregados.

Todas estas concessões foram fartamente divulgadas pela imprensa local. A partir de tais

reportagens temos a impressão de que no Bairro da Floresta, mais do que uma fábrica,

tínhamos um pedaço do paraíso.

No balanço de 1941 a São João Evangelista nos informa que estava construindo um

posto médico para seus operários; 202 em 1942 que construiria mais casas na vila operária; 203

no Relatório da Diretoria de 1944, consta que fora inaugurado um armazém para

fornecimento de gêneros pelo preço de custo; 204 e, no de 1945, que foram entregues uma

202
- Diário Mercantil de 23/01/1942.
203
- Ata da Assembléia Geral Extraordinária de 19/10/1942.
204
- Diário Mercantil de 05/01/1944.
150
confeitaria e um cinema. 205 Além disto, temos notícia de que durante o ano de 1942 foram

distribuídos dois abonos aos funcionários: 206 em 1943 um abono de Cr$20,00 (7,3% do

salário mínimo) para cada filho menor de idade 207 e, em 1945, três meses de gratificações. 208

Mas o mais interessante é a forma como a São João Evangelista anunciava todas estas

suas iniciativas, caracterizando o cotidiano da Fazenda da Floresta como paradisíaco:

“Na Fábrica de Tecidos São João Evangelista S.A. os dirigentes


constituem verdadeiros amigos dos obreiros. Distante 20 minutos da
cidade, seus operários muito pouco vêm à cidade pois tudo ali se
encontra, tudo ali se vende, e pelo custo. Clima ameno, casas bem
construídas, possui hospital, escola armazém, confeitaria e clube
recreativo. O operário trabalha com prazer, o número de faltas não
chega a 3 por dia (o que talvez constitua um recorde nacional).
É um prazer ver os operários reunidos, todos eles decentemente
trajados, trazem no rosto sinal do homem que vive bem e que possue
tudo aquilo que deseja.
Dirigida com magnanimidade, os patrões são vistos como amigos.
Reina paz e harmonia na Floresta.
Existe farmácia e posto médico-hospitalar e dentário, tudo isto
estritamente pelo preço de custo! Nada disto dá lucros!
Procurando solucionar o problema da alimentação e tornar a vida
mais barata, foi construído um armazém de secos e molhados,
vendendo tudo pelo preço de custo.
Mais de 200 crianças estudam na escola, no curso primário, que
funciona em 3 turnos. O programa é o oficial. Muitos têm
conseguido o ingresso nos ginásios, o que demonstra a qualidade do
ensino.
Ante ontem foi inaugurada a confeitaria. Moderníssima, com
geladeira e máquina de sorvete. Cortou a fita inaugural Paulo
Monteiro de Assis, filho do Diretor Presidente.
Sempre que inaugura um melhoramento na Fazenda da Floresta, ao
invés de descontar do operariado, a diretoria tem dado um mês de
gratificação extra. Este exemplo deveria ser seguido pelos
concorrentes, que auferem grandes lucros e dão no máximo uma
gratificação natalina que não chega a um terço do salário, apenas
para fazerem propaganda de seus ‘generosos corações’.

205
- Diário Mercantil de 08/02/1946.
206
- Diário Mercantil de 06/02/1943.
207
- Diário Mercantil de 03/04/1943.
208
- Diário Mercantil de 18/04/1943.
151
Reunindo os operários em frente aos escritórios, Theodorico de
Assis Filho disse que o sucesso da Cia. dependia de seus
funcionários e que a gratificação era uma demonstração do apreço da
Cia. por seus funcionários. Theodorico e outros 2 diretores
entregaram em mãos os envelopes com a gratificação.
Uma grande família forma o pessoal da Floresta.
Uma família que vive bem e que sabe que seus problemas terão
pronta solução pelo chefe a quem estimam e adoram: Theodorico
Álvares de Assis Filho.” 209

Meses depois, quando foi inaugurado o cinema, outra reportagem com teor

semelhante foi publicada:

“A Fábrica São João Evangelista constitui uma das alavancas


propulsoras do progresso da cidade. Os dirigentes cercam seus
operários de todo conforto.
O visitante vê passar satisfeito e contente todo operário, alegre por
iniciar a luta pelo pão cotidiano. Possui médico para adultos,
pediatra, farmácia (a preço de custo), capela, escola primária com
quase 300 alunos, gabinete dentário, armazém que vende pelo preço
de custo, confeitaria, clube florestano, campo de futebol, parque
infantil, jogos de mesa, corpo cênico e grêmio literário.
Os funcionários nutrem uma grande admiração pelos seus chefes,
existindo entendimento perfeito entre patrões e empregados, nunca a
Justiça do Trabalho teve que resolver uma pendência da fábrica da
Floresta.210
A gente da Floresta é uma gente alegre e satisfeita, todos trabalham e
se divertem.
Sábado foi inaugurado o cine-teatro floresta, ocasião em que se
distribuiu mais uma gratificação. Cinema com 500 lugares e
equipamentos modernos, terá 3 seções por semana e o ingresso
custará Cr$2,00.

209
- Id. A transcrição é um resumo da longa reportagem publicada, tendo sido introduzidas algumas adaptações e
excluídos alguns trechos.
210
- Na verdade, até aquela data já havia sido formulada uma reclamação trabalhista em fevereiro de 1944 (Processo nº
081/44, cx. 03), que terminou em acordo entre as partes. Entre fevereiro de 1944 e junho de 1946, apenas 3
processos foram movidos contra a São João Evangelista (vide Anexos 12 e 13), o que constitui uma performance
admirável para uma fábrica com mais de 400 operários. Mas, para a empresa, o objetivo perseguido sempre foi o de
construir uma imagem de ausência de conflitos, de “paz e harmonia” completas. Para tanto, tenta apagar da memória
os conflitos ocorridos.
152
Representantes sindicais presentes à festa, elogiaram esta instituição
modelar, lamentando que todos os industriais da cidade não sigam
seu exemplo.”211

Diversas reportagens repetem este tipo de descrição, destacando as dádivas da São

João, o clima de harmonia e paz, e o sentimento de agradecimento dos operários. Neste

mundo não é admitido nenhum conflito, diferença, sujeira, desordem ou pobreza. O exagero

da caracterização de ordem e harmonia chegam a incomodar a quem veja estes textos em

conjunto. Sem dúvida, no campo material a empresa se distinguia por avanços incomuns para

a época. No entanto, percebe-se por trás de tudo isto uma concepção autoritária de um

microcosmo totalmente criado e controlado pela família Assis. Theodorico aparece então

como o grande e único sujeito deste mundo. A tudo se antecipa, a todos protege e presenteia.

Amparar o operário em itens como moradia, alimentação, lazer, educação para os filhos e

assistência médica significa também ampliar o raio de controle da empresa sobre tais outras

esferas de sua vida.

José Sérgio Leite Lopes, numa das melhores obras de análise do cotidiano operário 212,

nos mostra o quanto este modelo paternalista de gestão do trabalho esconde uma outra faceta:

a do controle sobre a vida familiar ou do tempo fora da fábrica. Além disto, fica evidente

também a ampliação do poder da empresa, que pode ameaçar com a retirada dos benefícios

em caso de conflito com os operários. Outra questão abordada pelo autor é a de como nestes

casos a empresa detém um maior controle até mesmo sobre os contatos sociais dos seus

operários conseguindo, por exemplo, dificultar o trabalho de organização e mobilização

sindical por controlar quem entra em contato com seus operários na vila operária ou na

211
- Diário Mercantil de 14/11/1945.
212
- LOPES, José Sérgio Leite. A tecelagem dos conflitos de classe na cidade das chaminés. São Paulo: Marco Zero e
UNB, 1988.
153
fábrica. Uma outra questão é a de que a própria concessão dos benefícios pode ser

manipulada, colocando-se condições para que o operário possa requerê-los ou mantê-los.

Lucília Delgado e Michel Le Ven apresentam uma interpretação sobre a política

paternalista da direção da fábrica Marzagânia que se encaixa com perfeição na análise desta

mesma questão na São João Evangelista:

“A fábrica Marzagânia era uma empresa na qual predominava


uma organização tradicional e, sobremaneira, paternalista. Incrustada
no seio de uma vila operária, de propriedade da empresa,
conformava uma instituição total que interferia na vida íntima da
grande maioria de seus operários. (...)
“Os operários da Marzagânia, no entanto, eram induzidos a
perceberem a empresa como uma instituição benfeitora, que lhes
dava casa, emprego, facilidade de deslocamento - por morarem na
vila conjugada à fábrica - e boas condições de trabalho.”
“Assumindo a postura de benfeitores, os proprietários da
Marzagânia utilizavam a superioridade do doador como elemento
importante na reprodução da dominação social. O discurso da
proteção e da benevolência tinha como pressuposto a fidelidade, a
gratidão e a subserviência. Ao fornecer moradia a baixo custo para o
operário, além de atender a questões operacionais, a empresa
também investia na dívida da gratidão, individualizando uma relação
que era social.”213

Voltando à São João Evangelista, vimos como a empresa se orgulhava do baixo índice

de faltas e de reclamações trabalhistas por parte de seus operários. Nos parece evidente que o

significado econômico destes fatos não são nada desprezíveis. Já ressaltamos também como

o seu discurso tenta omitir o fato de que as três reclamações trabalhistas ocorridas durante o

período que analisamos tenham existido. Tais reclamações se constituiriam em incômodas

nódoas no retrato de completa satisfação em que viveriam seus operários.

213
- DELGADO, Lucília de Almeida Neves & Le VEN, Michel Marie. Marzagânia: fábrica, vila operária e movimento
sindical. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, UFMG, (73): 155-172, jul 1991. pp. 160 e 162. As
já citadas considerações de Ângela de Castro Gomes sobre a eficiência simbólica da dádiva, que cria um “sagrado dever”
de retribuição por parte de quem a recebe, são completamente cabíveis na análise deste tipo de relação paternalista.
154
Uma das reclamações trabalhistas contra a São João Evangelista, movida por Clóvis

de Freitas em fevereiro de 1944, reclamava o pagamento de adicional de insalubridade. 214

Apesar do não comparecimento da empresa reclamada, o que deveria caracterizar admissão

de culpa e julgamento a revelia, 215 a Junta julgou improcedente a reclamação alegando que o

reclamante não provou suas alegações. Recorrendo ao Conselho Regional do Trabalho a

sentença foi revista e a São João Evangelista condenada a pagar Cr$1.200,00 (3,3 salários

mínimos). É interessante destacar o absurdo da decisão inicial quando a Junta acabou se

colocando como advogada do patrão que ganhou uma sentença favorável sem sequer

comparecer ou se fazer representar no julgamento. Uma outra reclamação foi movida por

Alcides Bellei em dezembro de 1945, contestando uma punição disciplinar de 8 dias de

suspensão como injusta. 216 A empresa declarou que puniu Alcides por ter se recusado a

efetuar serviço ordenado pelo mestre, alegando motivo de saúde sem ter apresentado atestado

que o comprovasse. Mas acaba aceitando um acordo, reduzindo a punição para 4 dias,

indenizando o operário pelos outros 4 dias.

Um dos poucos fatos por nós apurados que contradizem o “clima de harmonia e paz”

relatado pela São João Evangelista, diz respeito à tentativa da mesma de não pagar o salário

mínimo para seus operários. No Relatório da Diretoria que acompanhava o Balanço de 1942,

consta a observação de que:

“Em junho de 1941, fomos visitados pelos fiscais do Ministério do


Trabalho de Juiz de Fora, que aqui vieram fazer uma inspeção

214
- PROCESSO nº 081/1944, cx. 03.
215
- Segundo o art. 844 da CLT.
216
- PROCESSO nº 373/1945, cx. 10. Uma outra firma, a Industrial Mineira, também conseguia pagar um salário menor
para parte dos seus operários alegando que os que trabalhavam no serviço de coleta de lenha se caracterizavam
como trabalhadores rurais, não tendo direito ao salário mínimo (vide PROCESSOS nº 108/1944, cx. 03 e 157/1944,
cx. 05).
155
regular. Resultou uma divergência quanto à aplicação do salário
mínimo. Estando nossa fábrica situada na Zona Rural de Juiz de
Fora, estaríamos sujeitos ao salário mínimo de 1ª ou 2ª categoria. A
opinião do funcionário mostrou-se diferente da nossa: achamos que
pertencemos à 2ª categoria. O caso foi encaminhado ao DD.
Delegado do Ministério do Trabalho, ainda sem solução.” 217

Somente no Relatório da Diretoria de 1944 ficamos sabendo que em julho de 1943 o

Ministério do Trabalho estabeleceu a 1ª categoria como base do salário mínimo para aquela

região, tendo sido então reajustados todos os salários.218 Vemos assim que a fábrica que

concedeu o maior número de bonificações além do que era prescrito pela lei, foi a mesma

que tentou, e durante dois anos de fato conseguiu, pagar um salário mínimo menor do que as

demais fábricas da cidade.

Um outro fato que demonstra que a paz e a harmonia não eram assim tão completas,

foi a participação de operários da São João Evangelista nos movimentos grevistas. Já em

1924, os operários da São João aderem a uma greve geral no seu 3º dia, permanecendo em

greve por cerca de 8 dias. 219 As notícias sobre a greve dos têxteis de 1948, que analisaremos

com maiores detalhes mais adiante, não discriminam qual foi a participação dos operários de

cada fábrica. No entanto, a notícia sobre o início da greve diz que “todas as fábricas locais

foram atingidas pela parede”. 220 Como o tom da reportagem é nitidamente contrário aos

grevistas, julgamos razoável supor que, caso alguma das grandes fábricas da cidade não

tivesse participado do movimento, este fato teria sido destacado.

217
- Diário Mercantil de 23/01/1942.
218
- Diário Mercantil de 05/01/1944. Como a Diretoria não entra em maiores detalhes, podemos supor que tal reajuste
não tenha sido retroativo, uma vez que, nesta hipótese, a repercussão financeira praticamente a obrigaria a explicar
aos acionistas como a situação teria sido resolvida.
219
- Cf. ANDRADE, Silvia Maria B. V. de. Classe operária em Juiz de Fora: uma história de lutas (1912-1924). Juiz
de Fora, Editora da UFJF, 1987, p. 143.
220
- Gazeta Comercial, 06/04/1944. p. 1.
156
Outro fato interessante foi a ida de uma comissão operários da São João Evangelista

ao jornal Diário Mercantil em fevereiro de 1946, 221 com o objetivo de desmentir uma carta

publicada pelo jornal. Tal carta, tida como falsificada por um desconhecido, d enunciava que

o Sr. Teodorico de Assis havia perseguido funcionários que apoiaram a candidatura do

General Dutra.222 O operário, cuja assinatura teria sido falsificada, se esmerou em negar a

veracidade da informação, acrescentando que considerava o Sr. Teodorico de Assis um

“patrão democrata e progressista, verdadeiro amigo de seus empregados.” Mesmo admitindo

toda a notícia como correta (que houve a falsificação e que a comissão de operários da São

João procurou o jornal espontaneamente), permanece uma questão: naquele verdadeiro

“paraíso” que era a fábrica da Floresta, alguém se encontrava insatisfeito o suficiente para

tomar todas estas iniciativas.

A participação dos operários nos movimentos grevistas, os descontentamentos

individuais expressados (ainda que de forma indireta e em pequeno número), nos levam a

concluir que os operários da São João Evangelista não chegaram a se anular em função da

política paternalista desenvolvida pela empresa. Por outro lado, é também questionável o

quanto que a motivação para as concessões por parte da empresa não teria sido resultado do

próprio conflito de classes. Em outras palavras, a grande preocupação em escamotear os

conflitos de classes demonstra a forma escolhida pela São João para enfrentá-los.

221
- Diário Mercantil, 06/04/1948. p. 1.
222
- Há um outro caso, ocorrido na Moraes Sarmento, em que Onofre Nunes reclama de perseguição por parte do
mestre, por ter se recusado a assinar lista de adesão a um partido. A declaração de Onofre revela como os operários
estavam submetidos a múltiplas pressões deste tipo: “Disse que não assinaria porque a companhia também estava
lhe mandando cartas, que não assinaria lista do contra-mestre por querer se alinhar com a companhia, de quem
dependia mais.” Onofre obteve ganho de causa, após dois recursos da empresa ao CRT e ao TST. (PROCESSO nº
086/1946, cx. 03).
157
A Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas destaca-se como a segunda mais antiga

fábrica têxtil de Juiz de Fora, tendo sido inaugurada em maio de 1888. No período da

Segunda Guerra Mundial, colocava-se como a segunda maior fábrica da cidade. Seu fundador

despontou como uma das maiores lideranças da burguesia juizforana. Este papel continuou a

ser desempenhado pelos seus sucessores. Seu filho Bernardo Guimarães Mascarenhas foi

vogal dos empregadores na Junta de Conciliação e Julgamento de Juiz de Fora, e ocupou

diversos cargos na diretoria do Centro Industrial de Juiz de Fora. Um outro filho, Enéas

Mascarenhas, foi membro da Missão Têxtil Brasileira que visitou os EUA e lá firmou os

acordos de fornecimento de tecidos para órgãos da ONU. Enéas participou também das duas

primeiras composições da CETEX, indicado nos anos de 1944 e 1947.

Em seu discurso, a empresa sempre mostrou-se como fiel cumpridora da legislação

trabalhista, talvez até pela participação de um dos seus diretores como vogal da Justiça do

Trabalho. Mas este formalismo jurídico marcava também sua posição em questões de outra

natureza. A Bernardo Mascarenhas foi a primeira fábrica de tecidos do Estado de Minas

Gerais a obter autorização para aumentar a jornada normal de trabalho para 10 horas por dia,

em função do seu reconhecimento como de interesse militar e como necessária ao esforço de

guerra.223 Foi também a única fábrica de tecidos de Juiz de Fora que teve dois de seus

operários julgados por abandono de emprego pela Justiça Militar.

Waltencir Gonçalves Pereira, menor de idade, tendo faltado por 11 dias ao serviço, foi

processado como desertor por abandono do emprego. 224Ouvidos seu chefe imediato e um

colega de trabalho, ambos afirmaram que “o mesmo não regulava bem da cabeça” e que era

223
- Decreto-Lei 12.715 de 28/06/1943. Cf. Diário Mercantil, 03/07/1943, p. 4.
224
- Foi enquadrado no art. 2º, alínea b do DL 4937 (9/12/42). Vide Anexo 3 dessa dissertação, retirado do Livro de
Sentenças, Decisões e Despachos, vol 1 (1943-1944), da Auditoria da 4ª Região Militar.
158
“meio atrapalhado da cabeça”. Analisando ainda a vida escolar do acusado, a sentença do

Conselho Permanente de Justiça da 4ª Região Militar, proferida em 19 de outubro de 1943,

absolveu-o devido à sua “falta de inteligência fora do normal,” considerando-o “incapaz de

reconhecer a responsabilidade que lhe pesava sobre os ombros.”

Em dezembro de 1943 Lino da Silva Gomes, também operário da Bernardo

Mascarenhas, foi indiciado como desertor por abandono do emprego. Segundo a

reportagem,225 suspeitava-se que ele tivesse ido para a casa de parentes em Petrópolis. Como

o caso não foi mais noticiado e não consta nenhuma sentença contra o acusado nos livros da

Auditoria, tudo indica que Lino não foi encontrado.

Estes são os dois únicos casos de operários têxteis processados por deserção em Juiz

de Fora. Se considerarmos que num único processo na cidade de São Paulo 800 operários

estavam envolvidos em tal acusação 226 e que a Constituição de 1946 chegou a prever no art.

28 das disposições transitórias “anistia a todos os cidadãos considerados insubmi ssos ou

desertores até a data de promulgação deste Ato, e igualmente aos trabalhadores que tenham

sofrido penas disciplinares, em conseqüência de greves ou dissídios do trabalho.”, vemo -nos

colocados diante de uma intrigante questão: a pequena utilização por parte da burguesia têxtil

juizforana da prerrogativa de julgamento pela Justiça Militar dos operários faltosos.

Já pudemos constatar como o absenteísmo constituía-se numa questão repetidamente

tratada pelos industriais e pelo Estado. Vimos também como o discurso e a prática do que

denominamos “militarização do trabalho” foram largamente utilizados. Entendemos que,

como a gama de instrumentos de controle sobre a mão-de-obra mostrava-se muito ampla, os

225
- Diário Mercantil, 25/12/43, p. 3.
226
- Cf. O Estado de São Paulo, 05/01/1945, citado por PAOLI, Maria Célia Os Trabalhadores urbanos na fala dos
outros. In: LOPES, José Sérgio L. (org.). Cultura e identidade operária. Rio de Janeiro, Marco Zero, s.d., p. 88-9.
159
poderes dos industriais tão vastos - ao mesmo tempo que os empecilhos à mobilização e aos

protestos coletivos mostravam-se bastante eficientes - a indústria têxtil de Juiz de Fora não

chegou a necessitar ou a interessar-se em aplicar este recurso extremo. Como com o aumento

da produção a mão-de-obra começou a escassear, não era interessante para o industrial que

seu operário fosse preso, bastando-lhe, provavelmente, lançar mão do instrumento da

suspensão ou da dispensa por justa causa. De qualquer forma, a simples possibilidade de

poder aplicar tal castigo, tinha inequívoca utilidade como instrumento de coação dos

“soldados da produção.”

Uma interessante iniciativa visando o controle da mão-de-obra foi a criação, pelo

Centro Industrial de Juiz de Fora, de um cadastro para registro da vida profissional dos

operários no ano de 1943, ao qual tinham acesso todos os associados do mesmo. 227 Como não

tivemos outras notícias sobre a existência ou utilização deste cadastro, tudo indica que esta

iniciativa não conseguiu viabilizar-se. De qualquer forma, fica evidenciada pelo menos a

intenção dos industriais de criarem mais um instrumento de controle dos operários. Outra

iniciativa semelhante foi tomada pelo SIFTA-RJ em setembro de 1950, quando distribui para

seus associados um modelo de requerimento de “atestado de maus antecedentes” de operários

participantes em greves. 228

Na apreciação dos 23 processos movidos contra a Bernardo Mascarenhas no período

por nós analisado229, destaca-se o fato de que apenas 1 foi considerado procedente e 4

227
- BASTOS, Wilson de Lima. Centro Industrial de Juiz de Fora; passado e presente (1926-1990). Juiz de Fora,
s/ed., 1990. p. 36.
228
- O documento tinha o seguinte teor: ”Exmo. Sr. Delegado de Ordem Política e Social / F......(nome e sede) requer,
afim de fazer prova na Justiça do Trabalho, se digne V. Excia. certificar junto a esta o que constar nesta delegacia
contra seu empregado .......... (nome, nacionalidade, estado civil, profissão, residência, nº carteira profissional) e de
maneira especial sobre sua participação na atual greve de empregados têxteis. / Pede certidão.”
229
Vide Anexos 12 e 13.
160
considerados parcialmente procedentes. Pesa neste resultado a disponibilidade da empresa

para fazer acordo (11 casos, significando quase a metade das reclamações). Por outro lado,

somente 4 reclamações significaram uma derrota completa do reclamante, por serem

considerados improcedentes. Este talvez se constitua no melhor exemplo da justiça

trabalhista atendendo aos objetivos para os quais foi criada:

“transformar uma questão política, de correlação de forças entre o


trabalhador e o patrão, numa questão jurídica e técnica, com suas
regras e normas só acessíveis aos especialistas, incluindo-se nestas
categorias os vogais. É por isso que a Justiça do trabalho, prevista já
na Constituição de 1934, só foi possível ser instituída durante o
Estado Novo, quando os sindicatos já estavam totalmente atrelados e
os trabalhadores amordaçados, sem condições de resolver por suas
próprias mãos os conflitos de trabalho.” 230

A postura da Mascarenhas de quase sempre propor acordo para as causas de menor

vulto, está mais próxima da média do comportamento das demais fábricas. Comparando tal

postura com aquela adotada pela Meurer e pela São João Evangelista, vemos algumas

diferenças significativas. Enquanto a Meurer demonstra grande intransigência, chegando na

prática a desrespeitar decisões da Justiça do Trabalho, a São João fazia de tudo para nem

sequer chegar até ela. Já a Mascarenhas, parece encarar a Justiça do Trabalho como um palco

onde resolverá racionalmente seus conflitos com os operários. Como ressaltou Munakata, no

contexto do Estado Novo, quando a participação política está amordaçada, o custo e o ônus

das demandas trabalhistas parecem pequenos se encarados com racionalidade pelas empresas.

Em pelo menos 3 processos, a Mascarenhas reconhece cabalmente a justiça do que era

solicitado, atribuindo a lapsos do escritório o não pagamento ao operário. 231 Nos demais

230
- MUNAKATA, Kazumi. A Legislação trabalhista no Brasil. 2 ed. São Paulo, Brasiliense, 1984. p.105.
231
- PROCESSOS nº 324/1944, cx. 09; 332/1944, cx. 09 e 131/46, cx. 04.
161
processos, dois tipos de causas se destacam pelo volume de reclamações. O primeiro caso diz

respeito às reclamações de operárias que não chegavam a receber o salário mínimo. Maria da

Conceição Vieira232 reclamou que, trabalhando por tarefa, ao final dos mês não recebia o

valor do salário mínimo da indústria e que “isto não chega para sustentar sua casa”. A

Mascarenhas alegou que de acordo com a Portaria do Ministério do Trabalho de 15/07/1940,

efetuava o pagamento por peça produzida e que “se a reclamante, após um ano de serviço,

não consegue produzir para ganhar o salário mínimo - como o fazem 2 terços das operárias, é

por sua própria culpa (...).” Maria da Conceição alega que sua produção era menor por qu e as

máquinas eram defeituosas. Parece significativo que as duas outras reclamações 233 pelo não

pagamento do salário mínimo também tenham sido efetuadas por mulheres.

Interpretando a Portaria citada pela empresa notamos que, quando esta definia uma

tabela de pagamento por tarefa, podia fazê-lo de tal modo que um terço dos operários não

chegassem sequer a receber o mínimo. Ou seja, desde que bem calculada, poderia ser uma

forma de rebaixamento dos salários. A mesma racionalidade e pragmatismo demonstrados

pela Mascarenhas perante a Justiça do Trabalho, não se comportando com mesquinhez frente

às demandas ali colocadas, quando aplicada ao controle da produção lhe permitia, dentro da

lei, pagar um valor abaixo do salário mínimo a uma parcela significativa dos se us operários.

Um segundo tipo de reclamação recorrente foram aquelas que contestaram como

injustas as suspensões ou dispensas do emprego em função de terem sido motivadas por

problemas de saúde. Em 6 casos, 4 reclamaram por terem sido dispensados apesar de terem

comunicado à empresa o problema de saúde que motivara a falta ao serviço. Em fevereiro de

232
- PROCESSO nº 428/1944, cx. 12.
233
- PROCESSOS Nº 123/1945, CX. 03 E 231/1945, CX. 07.
162
1944, Angelina Jaunci 234 reclamou que foi transferida da seção de novelos para a de

tecelagem, onde não poderia trabalhar por dificuldades visuais. Declarou que “a Cia. vem

assim procedendo, transferindo seus empregados maiores para seções onde se trabalha por

tarefa, onde se exige excesso de capacidade física que talvez o empregado não possua.”

Neste caso, vemos como o pagamento por tarefa pode se mostrar útil para a empresa no caso

de baixa produção por deficiência física. Provavelmente Angelina desgastou sua visão nos

inúmeros serões a que fora submetida. Quando sua produtividade diminui devido ao

desgaste, a empregadora teve como desobrigar-se de tal ônus simplesmente transferindo

alguém com dificuldade de visão para o período noturno. O acordo entre as partes consistiu

na indenização de Angelina em Cr$50,00 (14% do salário mínimo), mas manteve a demissão.

234
- PROCESSO nº 006/1944, cx. 01.
163
3.6- Cotidiano de Trabalho em Outras Fábricas da Cidade

Até aqui examinamos três modelos diferentes de postura das fábricas têxteis de Juiz

de Fora frente à Justiça do Trabalho. Enquanto a Meurer se destacou pela intransigência e até

mesmo pelo desrespeito à Justiça do Trabalho, encarando qualquer reclamação como afronta

à sua autoridade, a São João Evangelista, dentro do seu modelo paternalista de relacionar -se

com os operários, foi acionada em apenas três momentos e fez de tudo para apagar da

memória até mesmo estas exceções. A Mascarenhas por sua vez, a partir de um discurso

marcado pela racionalidade e pelo acatamento à legislação trabalhista, mostrou -se

magnânima perante a Justiça do Trabalho e bastante competente em lançar mão de

instrumentos mais apurados de exploração, mantendo-se rigidamente dentro da Lei.

Além destes casos que foram apresentados a partir das empresas em que trabalhavam

os reclamantes, temos ainda uma série de outros que apresentaremos agrupados pelo tipo de

reclamação. A rigor cada caso, considerado isoladamente, mostra-se como um pequeno

detalhe ou como um fragmento de um mosaico que só mostra sua riqueza enquanto fonte

quando visualizado em conjunto com outros a que se assemelhe. Mas é da sua própria

“insignificância” que advém sua riqueza informativa pois nos coloca em contato com a

capilaridade das relações que efetivamente se construíam dentro da indústrias no contexto da

Segunda Guerra e do Estado Novo. É assim que conseguimos verificar como foi aplicada na

prática a legislação referente às indústrias mobilizadas e como se dava a instituição de uma

164
série de regras e obrigações, na maior parte dos casos de caráter informal e costumeiro, por

parte das empresas e de novos direitos por parte dos operários. 235

Conforme já pudemos verificar em exemplos anteriores, a extensa jornada de trabalho

e o agravamento da intensidade da exploração a que estavam submetidos os operários, gerou

uma série de reações por parte destes últimos. Os inúmeros pedidos de licença para

tratamento de saúde, as repetidas faltas ao serviço, a dissídia no cumprimento das obrigações

foram reclamações constantes dos patrões. A resposta patronal foi um aumento no rigor das

exigências disciplinares no que diz respeito ao controle sobre o tempo dos operários. Em

março de 1944 Orlando Leocádio Ferreira reclama contra a Cia. Industrial Mineira por ter

sido suspenso por 3 dias devido a um atraso de 1 minuto na entrada do serviço. Em fevereiro

deste mesmo ano, Anísio Silva havia formulado reclamação contra a fábrica Simão Gabriel,

declarando que o relógio da firma era atrasado em meia hora após o início dos trabalhos e

que, tendo chegado com 3 minutos de atraso, fora suspenso por 3 dias. A Meurer por sua vez,

demitiu seu operário Arthur Profeta Margarida em dezembro de 1945, por este ter se atrasado

10 minutos na entrada do serviço. Esta mesma atitude foi tomada pela Moraes Sarmento em

maio de 1946 contra Antônio Olímpio Fagundes, também devido a um atraso de 10

minutos.236

235
- A perspectiva teórica por trás dessas considerações e, de resto, por trás de toda essa dissertação, coincide com o
conceito de classe social proposto por Thompson: “Por classe entendo um fenômeno histórico, que unifica uma série
de acontecimentos díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como na da
consciência. Ressalto que é um fenômeno histórico. Não vejo a classe como ‘estrutura’, nem mesmo como uma
‘categoria’, mas como algo que ocorre efetivamente (e cuja ocorrência pode ser demonstrada) nas relações
humanas.” A partir do conjunto de experiências operárias aqui estudadas, podemos nos aproximar do seu perfil,
visualizando as questões que foram tematizadas pela própria classe, descobrindo as estratégias de atuação e
resistência, considerando que “eles viveram nestes tempos de aguda perturbação e nós não.” e pressupondo que
“suas aspirações eram válidas nos termos de sua própria experiência.” Vide THOMPSON, Edward P. A Formação
da classe operária inglesa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. p. 13.
236
- Vide, respectivamente, PROCESSOS nº 100/1944, cx. 03; 041/1944, cx. 01; 359/1945, cx. 10 e 189/1946, cx. 05.
165
Mas o controle sobre o tempo se estendia principalmente sobre a parcela do mesmo

transcorrida dentro da fábrica. José Alvino Pereira foi suspenso pela Meurer por 3 dias em

maio de 1945, por ter se afastado por 15 minutos para tomar água. Acácio Feital também

reclamou contra a Meurer, em setembro de 1944, por ter sido suspenso por 2 dias ao se

afastar do serviço para tomar água. Acácio esclarece que cada operário tinha direito a se

afastar da máquina até 4 vezes por dia para tomar água ou ir ao banheiro e que sua

reclamação adivinha do fato de que aquela era a 4ª vez que o fazia, não cabendo -lhe,

portanto, punição alguma. Em abril de 1945 Francisco Satyro Nunes reclamou contra sua

dispensa por justa causa efetuada pela Industrial Mineira, por ter se afastado 5 minutos antes

do horário de almoço para lavar as mãos. Em abril de 1944, Pedro Vendramin apresentou

reclamação contra a Malharia Santa Hercília, declarando que, após recusar-se a trabalhar

mais que 8 horas, foi-lhe solicitado, no momento de sair, que colocasse os pentes na

máquina, o que também recusou-se a fazer. No dia seguinte, quando interpelado, discutiu

com seu chefe e foi despedido. A Santa Hercília saiu-se vitoriosa alegando que “como se

vem verificando constantemente, os empregados deixam o trabalho a qualquer hora, sem dar

a mínima satisfação a seus superiores ou patrões, tornando impraticável manter em qualquer

estabelecimento industrial a ordem disciplinar.” 237

Um caso exemplar de tentativa de controle sobre o tempo de trabalho do operário é o

de Estevam Serpa de Souza, demitido pela Santa Cruz em abril de 1945. Estevam foi acusado

de comportamento dissidioso, embriaguez habitual e de trabalhar para outro empregador.

Como a empresa não conseguiu caracterizar as demais faltas como justificativa para a

dispensa por justa causa, por serem antigas e já terem sido punidas ou consideradas como

237
- Vide, respectivamente, PROCESSOS nº 167/1945, cx. 05; 392/1944, cx. 11; 148/1945, cx. 04 e 178/1944, cx. 05.
166
perdoadas, deu prioridade para a acusação de que o operário tinha outro emprego. Alegando

que “não era possível a um cidadão dirigir um caminhão oito horas por dia numa empresa e,

à noite, prestar seus serviços a um outro empregador,” a Santa Cruz conseguiu uma sentença

favorável.238

Diante do aumento da duração da jornada diária e da intensidade do trabalho no

período em que a indústria têxtil esteve mobilizada, uma reação comum dos operários foi de

recusarem-se a aceitar tais imposições. O uso intensivo da já desgastada maquinaria existente

tornava-se mais uma dificuldade a ser enfrentada pelos operários. Sem condições de passar

pelos processos de manutenção indicados, o maquinário mostrou-se como objeto freqüente

de queixa por parte dos operários. Particularmente no setor de tecelagem, diversos operários

relatam que tiveram que passar a cuidar de até 2 ou 3 teares. Em 09 de março de 1945

Esmeralda da Luz reclamou contra suspensão aplicada pela Tecelagem Santa Rosa,

declarando que:

“quando começou a trabalhar na firma tocava somente um tear como


todas as outras empregadas; com o aumento de salário foram
obrigadas a tocar dois teares; há dois dias trocaram a reclamante de
teares porque ela não agüentava tocar os que haviam lhe dado;
ontem, dia 8, deram-lhe três teares para trabalhar, cada hora um e no
fim do dia a reclamante tinha que abaixar os liços [?], que no tear
que a reclamante estava só tinha um arame que deveria ser puxado, a
reclamante tentou abaixá-lo e apesar de muito esforço não o
conseguiu (...). Voltando hoje para trabalhar (...) foi avisada que
estava suspensa por três dias, a reclamante não concorda com essa
injusta suspensão e requer o pagamento do salário correspondente a
esses três dias.”239

238
- PROCESSO nº 152/1945, cx. 04. Neste caso, embora a sentença formalmente tenha considerado que as demais
alegações da empresa não serviriam para justificar a justa causa da demissão, implicitamente as aceitou pois, quanto
a este aspecto, poderia ter indicado que à época fosse dada ao operário a opção por um dos empregos ou que a
questão já estivesse vencida pelo fato dele já ter sido demitido do outro emprego.
239
- PROCESSO nº 100/1945, cx. 03.
167
Em fevereiro de 1946 Francisca Litiére também reclamou contra uma suspensão por 3

dias aplicada pela Moraes Sarmento. Declarou que estava numa máquina muito ruim, que lhe

exigia muito esforço, sendo suspensa “de quando em vez”. Na audiência, declarou que por

perseguição do mestre é colocada sempre na máquina ruim. Completando, disse que “é

perseguida por não fazer como as outras que vivem adulando o mestre.” De fato, tudo indica

que as demais operárias não se simpatizavam com Francisca pois, segundo as testemunhas

arroladas pela defesa, a produção dependia da habilidade da operária, havendo uma que

declarou trabalhar na mesma máquina sem ter problemas. Baseando-se em tais depoimentos a

Junta julgou improcedente a reclamação, em 14 de fevereiro de 1946. Menos de duas

semanas depois, Francisca Litiére volta a procurar a Junta para reclamar de outra suspensão

sofrida por perseguição do mestre. Interrogada, declarou que:

“tem sido muito perseguida pelo mestre geral da empresa reclamada,


Sr. Pedrinho que por qualquer motivo de somenos a chama de
vagabunda, cachorra, ordinária, sem vergonha, e outros nomes de
igual teor; que (...) trabalha numa máquina muito ruim, a qual
constantemente dá borra, isto é, rebenta muito fio, (...) que diversas
foram as vezes que tal aconteceu e sempre sofre pesados insultos do
mestre Pedrinho, que é elemento bastante violento (...).” 240

Continuando seu depoimento, Francisca declara que o mestre Pedrinho havia

procurado sua colega Isabel para orientá-la a como depor caso fosse chamada pela Junta. De

fato, o depoimento de Isabel, única testemunha ouvida neste caso, funcionou como arma da

empresa, embora tivesse sido convocada pela operária reclamante. Mais uma v ez Francisca

240
- PROCESSO nº 037/1946, cx. 01.
168
viu-se derrotada na Justiça Trabalhista que considerou que não ficou provada a perseguição

que ela alegava sofrer.

É nos casos de acusação de sabotagem que encontramos as maiores demonstrações de

resistência dos operários. Quase todos os processos deste tipo obedecem à seguinte

seqüência: o operário reclama contra a punição por algum fato definido pela empresa como

ato de sabotagem de sua parte e defende-se alegando não ter tido intenção ou culpa,

atribuindo o motivo a outrem ou, ainda, a defeito do equipamento. Embora não possamos

quantificar, julgamos que as reclamações trabalhistas representem uma pequena parcela dos

conflitos de tal natureza, supondo que a maioria deles não tenha gerado queixa pela punição

aplicada. Não analisaremos todas as evidências de culpa porventura existentes nos processos

pois, na maioria dos casos, as informações não permitem conclusões precisas a este respeito.

Mas o conhecimento de como a questão foi abordada por operários e patrões nos permite

visualizar como ela esteve presente no cotidiano de trabalho no período estudado.

Em abril de 1944 Alayde do Amparo Bastos reclamou que, ao ser dispensada da

Malharia Sul Americana, foi-lhe dito que os dias trabalhados e a indenização a que teria

direito ficariam por conta das agulhas que quebrara. 241 Em julho deste mesmo ano, Marina

Nepomuceno Guedes reclama contra a suspensão por 15 dias em virtude do pano que estava

tecendo ter se enroscado na máquina, provocando a quebra de uma engrenagem. 242 Dez dias

após entrar com esta reclamação, volta para reclamar contra a dispensa sofrida em virtude de

ter procurado a Justiça do Trabalho. Mas não comparece à primeira audiência do processo,

sendo o mesmo arquivado. Também em julho de 1944, Edith Silva reclama contra a Malharia

241
- PROCESSO nº180/1944, cx. 05.
242
- PROCESSO nº312 /1944, cx. 09.
169
Ítala, declarando que se demitiu em virtude de ter-lhe sido cobrado o pagamento de agulhas

que se quebraram.243 Disse que numa outra ocasião haviam descontado Cr$ 24,00 (6,6% do

salário mínimo) e que agora queriam descontar Cr$ 150,00 (41,6% do salário mínimo), send o

tais valores desproporcionais ao valor das agulhas quebradas. Na audiência a Malharia Ítala

declarou que fizera o acerto sem o desconto reclamado, afirmação confirmada por Edith.

Outro caso caracterizado pela empresa como sabotagem foi o de Ana Gomes Leal,

que em janeiro de 1945 compareceu à Junta para reclamar contra uma suspensão injusta

aplicada pela Tecelagem de Sedas Santa Rosa. 244 Afirmou que o tear no qual trabalhava

quebrava com freqüência e que, na última vez em que isto aconteceu, ao chamar o contra-

mestre para explicar-lhe que o tear havia “esbarrado”, este lhe perguntou “se não tinha

vergonha, uma tecelã velha, de dizer que o tear havia esbarrado.” Constatado que o defeito

não se dera por culpa sua, quando cobrou satisfações do contra-mestre em virtude das

ofensas que este lhe dirigira, foi punida com suspensão.

Em março de 1946 Manoel Ventura de Souza reclama contra sua dispensa pela

Moraes Sarmento, requerendo as indenizações. 245 A Empresa alega justa causa para a

dispensa, acusando Manoel de ter rasurado seu cartão de ponto, com o objetivo de auferir

lucro. Manoel declara que “depois que passou a trabalhar em 3 máquinas, aumentando a

produção, outros por inveja passaram a rasurar seu cartão.” A perícia técnica apurou que as

rasuras foram feitas por diversas pessoas, inclusive Manoel. Vencido na primeira instância,

Manoel recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho, onde obteve sucesso. Mas a Moraes

243
- PROCESSO nº 351/1944, cx. 10.
244
- PROCESSO nº 003/1945, cx. 01.
245
- PROCESSO nº 109/1946, cx. 03.
170
Sarmento recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho, que restaurou a decisão da primeira

instância.

Em maio de 1946 Manoelina Ribeiro reclamou contra a Malharia Brasil, considerando

injustos a suspensão de 11 dias e o desconto de Cr$ 78,00 (21,7% do salário mínimo) por

conta da quebra de 52 agulhas. 246 Tal desconto foi-lhe apresentado sob a forma de um recibo

onde deveria atestar que estava recebendo tal importância como adiantamento de salário.

Diante da recusa, foi suspensa pelo período equivalente ao valor a ser descontado. Ainda em

maio daquele ano, enviou correspondência comunicando desistência da reclamação, em

virtude de ter entrado em acordo com a empresa.

Uma outra causa interessante, que alegava sabotagem como motivo de dispensa foi a

contestação de José Manfili e José Geraldo Larcher contra a Malharia Augusta, em maio de

1945.247Este foi um dos raros processos em que os reclamantes ocupavam, respectivamente, a

posição de mestre e de contra-mestre da empregadora. Contra os mesmos pesava as

acusações de terem convidado o contador da firma para associarem-se na abertura de uma

fábrica e de tentativa de cooptação dos melhores empregados da empresa. Segundo a

Malharia Augusta a sabotagem se caracterizava pelo fato de terem a intenção de fabricar

produtos idênticos aos seus, a partir dos segredos e conhecimentos adquiridos como

empregados de confiança da mesma. José Manfili declarou que a acusação contra ele:

“não representa a expressão da verdade, visto como o fato real é que


o reclamante comprou uma máquina, velha, a qual pretende reformar
para vender; que não tem e nunca teve intenção de se estabelecer,
visto como não tem dinheiro para tal (...).” 248

246
- PROCESSO nº 216/1946, cx. 06.
247
- PROCESSO nº 159/1945, cx. 05.
248
- id. ib.
171
Na seqüência, tomamos conhecimento que Manfilini já estava trabalhando em outra

empresa, enquanto que Larcher sobrevivia de biscates. A máquina encontrava-se encostada e

nunca fora colocada em funcionamento. Os depoimentos das testemunhas nos permitem

supor que os reclamantes tiveram a intenção de montar a tal fábrica mas não encontraram

sócio com capitais que viabilizassem tal objetivo. Ao final, a empresa aceitou proposta de

conciliação que previa indenização equivalente à metade do que era reclamado, pagando Cr$

3.000,00 (8,3 salários mínimos) a Manfilini e Cr$ 1.500,00 (4,2 salários mínimos) a Larcher.

Uma questão que destaca-se na análise dos processos diz respeito às alegações de

motivos de saúde para justificar faltas ao serviço. Esta alegação aparece em 69 dos 289

processos, portanto, em quase um quarto deles (exatos 23,9%). 249 Já vimos como os acidentes

de trabalho aumentaram durante este período. Vimos também alguns casos da Meurer e da

Mascarenhas envolvendo questões de saúde. É obvio que jornadas mais extensas, longos

períodos sem férias, a utilização de máquinas sucateadas pelo uso intensivo e o próprio

aumento do ritmo de trabalho certamente comprometeram a saúde dos operários.

Relendo todas as fichas em que se alega motivos de saúde, principalmente para

justificar faltas ou requerer indenização, nota-se que a doença não é retratada como

calamidade, mas sim como uma dificuldade cotidiana com a qual convive-se com resignação.

O que mais incomoda a um observador dos dias de hoje é justamente a ausência de um traço

trágico (ou heróico) na fala daqueles que relatam a perda de parte de seus corpos, o desgaste

dos sentidos (visão e audição principalmente) ou uma incapacidade motora/intelectual (as

numerosas “doenças de nervos”). Os relatos sobre as doenças, talvez por se apresentarem

contaminados pela linguagem judicial e pelas intervenções de quem os transcreveu, destacam

249
- Embora em apenas 30 processos se reclame o pagamento do auxílio enfermidade, conforme consta da tebela ?? em
anexo.
172
muito mais sua relação com a interrupção da produção do que com os sofrimentos de q uem

as possuía. Tudo isto nos remete às considerações de Christophofe Dejours a respeito de

como o subproletariado da periferia de Paris lida com essas questões nos dias de hoje:

“Não se trata de evitar a doença, o problema é domesticá-la, contê-


la, controlá-la, viver com ela. (...) essas doenças são, de alguma
maneira mantidas à distância pelo desprezo. (...) Para que uma
doença seja reconhecida, (...) é preciso que a doença tenha atingido
uma gravidade tal que ela impeça a continuidade seja da atividade
profissional, no caso dos homens, seja das atividades domésticas e
familiares, no caso das mulheres. (...) Aliás, a cura não deve ser
compreendida como desaparecimento do processo patogênico. Sarar
é somente não sofrer.”250

Mas notamos também que mais do que simplesmente revelar aspectos a respeito da

saúde dos operários, tudo isto delimita uma arena onde se disputa o próprio controle sobre o

corpo. Na perspectiva dos operários, justificar uma falta ou uma recusa a fazer serão

alegando motivo de saúde, colocava-se como uma das poucas opções para resistir com

sucesso ao aumento da intensidade do trabalho a que estavam submetidos. Já na perspectiva

dos patrões, tais alegações eram quase sempre vistas como tentativas de fuga ao trabalho,

outra forma de sabotar a produção ou de simplesmente não querer trabalhar. No fundo

estamos diante de mais uma disputa que delimita direitos: quem define os limites para a

exigência de esforço?

Segundo a legislação, se um operário alega motivo de saúde para justificar falta ao

serviço, cabe ao patrão submetê-lo a exame médico para avaliar a veracidade da afirmação.

Na prática, vemos que muitas vezes isto se resolveu de outra forma, ficando a cargo do

mestre aceitar ou não a alegação.

250
- DEJOURS, Christophe. A Loucura do trabalho; estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo, Cortez/Oboré,
1991. p. 30.
173
Mas mesmo quando um médico da firma examina o operário, podemos notar a

manipulação em favor da empresa. Este foi o caso relatado na reclamação movida por Itagiba

Dornelas de Souza contra a Santa Cruz em fevereiro de 1946. Estando se sentindo doente,

“procurou o médico da empresa, o qual achou o reclamante doente,


tanto assim que receitou para o mesmo remédios, não lhe tendo
fornecido atestado para afastar-se do serviço, visto como tal não
fazem na empresa; (...) que o reclamante foi ao Instituto de
Aposentadoria e ali lhe foi dada uma guia que apresentou ao Sr.
Geraldo, o qual se recusou a preencher a guia alegando que o
reclamante não precisava do Instituto; (...) que foi suspenso três
vezes pela empresa, visto como estando constantemente doente
faltava ao serviço no que era obrigado pelo seu estado de saúde.” 251

Na sua defesa a empresa alegou que a dispensa se deveu às repetidas faltas ao serviço,

que totalizavam 321 faltas em três anos de serviço. A sentença considera justa a dispensa,

condenando a empregadora a pagar somente as férias vencidas.

Outra questão diz respeito à prática das empresas de negarem-se a pagar o

afastamento ocorrido por motivo de saúde. Assim como a Meurer, que só passou a fazê -lo

após perder em todas as instâncias legais possíveis, as demais fábricas também resistiram

ferreamente a cumprir tal obrigação. Dos 69 casos em que a questão da saúde foi levantada

pelos operários, 30 reclamavam o pagamento do salário dos dias em que o operário esteve

afastado para tratamento de saúde.

Embora gravidez não constitua doença, os casos de licença maternidade acabaram

assim tratados nos processos em que deram motivo a reclamações. Dos 5 casos a que tivemos

acesso, 2 diziam respeito a pedido de indenização em virtude de demissão ocorrida após

251
- PROCESSO nº 085/1946, cx. 02.
174
comunicação da gravidez à empresa, enquanto que 2 outros contestavam o valor da

indenização paga. 252

No caso de Manoela Daniel contra a São Vicente, temos uma verdadeira saga

Kafkafiana.253 Em outubro de 1944 Manoela reclamou o pagamento do auxílio maternidade,

relativo ao qual recebera apenas Cr$ 40,00 (11,1% do salário mínimo). Tendo trabalhado até

o dia do parto, ocorrido em 13 de março, procurou então o escritório da empresa para

comunicar que se afastaria para cuidar da criança. O motivo alegado pela empresa na sua

defesa foi que a empregada não apresentou atestado médico da gravidez, descumprindo assim

a legislação que regulamenta a concessão do auxílio maternidade. O absurdo da situação

reside no fato de que ninguém contestou que ela tenha tido o filho, mas sim que não

apresentou um atestado de que estivera grávida. A Junta aceitou os argumentos burocráticos

da defesa e considerou improcedente a reclamação. No recurso ao CRT, o advogado de

Manoela assim retratou a situação:

“Certo é que Manoela Daniel deu a luz em 13 de março do corrente


ano a um filho. Basta isto para que se estabeleça desde logo seu
direito ao que é pleiteado. (...) ABSURDO E INVERÍDICO, seria,
acreditar-se que um patrão ignorasse a permanência em seu
estabelecimento de uma operária no último mês de gravidez. (...)
Não pode, como fez a Digna Junta, tirar o direito de uma criança
recém-nascida, pelo simples fato de que sua mãe ignorante e quase
analfabeta, ter deixado de cumprir dispositivo de Lei. Diante da
certidão de nascimento de seu filho Nélson, tenha ou não a
reclamante comunicado à reclamada, o seu direito é líquido e
insofismável.”

A sentença do CRT aceitou parte da argumentação, condenando a São Vicente ao

pagamento dos 18 dias em que Manoela estivera afastada e não recebera salário, totalizando

252
- PROCESSOS nº 229/1945, cx. 07; 320/1945, cx. 09; 164/1946, cx. 05; 196/1946, cx. 06.
253
- PROCESSO nº 443/1944, cx. 13.
175
Cr$ 212,00 (58,9% do salário mínimo). Novo recurso de Manoela ao TST não foi sequer

analisado no mérito, por ter sido preliminarmente julgado como sem fundamentação legal.

Estas e inúmeras outras fontes por nós utilizadas possibilitam a abordagem da questão

de gênero, sobre a qual não nos aprofundaremos, por implicar numa diversificação que foge

às nossas possibilidades e intenções. A título de indicação para estudos neste campo,

destacamos o fato de que a mão-de-obra da indústria têxtil era majoritariamente feminina

(55,8% a nível nacional e 64,3% em Minas Gerais - vide Anexo 13). Mas pelo menos em

Juiz de Fora, no período que estudamos, a proporção de reclamações formuladas por

mulheres e por homens mostra-se quase que completamente inversa à sua participação

percentual. Admitindo-se que os dados referentes a Minas Gerais correspondessem à

composição da mão-de-obra de Juiz de Fora, veríamos então que os 64,3% de mulheres

teriam sido responsáveis por apenas 31,5% das reclamações (Vide Anexo 11); enquanto que

os 35,7% de homens teriam impetrado 68,5% das ações trabalhistas contra a indústria têxtil.

Em outros termos, embora representassem quase dois terços da mão-de-obra têxtil, as

mulheres foram responsáveis por menos de um terço das reclamações.

176
3.7- O Retorno do Movimento Operário

Somente com a crise do Estado Novo, e com as progressiva suspensão da Censura à

imprensa, e reorganização dos partidos e movimentos políticos, tivemos o retorno das

movimentações operárias em moldes clássicos. Mas antes disto, ainda no período ditatori al,

temos notícia de greves ocorridas na fábrica Meurer. Edgar Ribeiro, representando aquela

empresa numa reclamação trabalhista 254 movida por José Batista de Azevedo em julho de

1944, reclamando contra uma suspensão injusta, declara que ser ele “um empregad o

contumaz em faltas maiores e menores”, já tendo sido demitido em setembro de 1940 por

tomar parte de uma greve. José Batista por sua vez, ao se defender, tentando demonstrar bom

comportamento, alega que não tomou parte da greve realizada em dezembro de 1 943. Este

empregado deve também ter se destacado na greve de janeiro de 1946, pois sua ficha de

registro assinala sua segunda demissão naquela época, constando também as inscrições “mau

elemento” e “grevista”. Ainda nas fichas de registro de empregados da Meurer, verificamos

que Luiz Fratini e Ruy Evangelista Ribeiro foram demitidos em 23 de setembro de 1940, sob

a acusação de serem “grevistas”. Com a imprensa da época censurada, estes são os únicos

indícios de que dispomos. De qualquer forma, mostra-se bastante significativo o fato de que

na fábrica que destacou-se pela repressão a seus operários tenham se ensaiado pelo menos 2

movimentos grevistas ainda nos anos de 1940 e de 1943.

No início de 1945, quando os jornais verificaram um abrandamento da censura, e os

pracinhas que lutaram na Itália voltavam para o Brasil, observou-se o ocaso do Estado Novo.

Nos anos de 1946 e 1947 o país viu-se sacudido por inúmeras greves. O longo período de

254
- PROCESSO nº 314/1944, cx. 09.
177
repressão, se foi quase completamente vitorioso em impedir que movimentos organizados

acontecessem durante a ditadura, ocasionou também uma irrupção incontrolável de

movimentos assim que as comportas foram abertas. Tais movimentos aconteceram mesmo

com os sindicatos atrelados ao Ministério do Trabalho, com os militantes comunistas

refreando o ímpeto dos grevistas em troca dos avanços institucionais visualizados na efêmera

legalidade do PC e na constituinte de 1946 255, e com a repressão policial que se adaptara a

funcionar em outra conjuntura política sem perder a eficiência.

José Álvaro Moisés analisa um quebra-quebra de transportes coletivos ocorrido na

cidade de São Paulo em 2 de agosto de 1947, quando foram incendiados 30 ônibus e bondes

dentre 710 que foram de alguma forma atacados. 256 Analisando o fenômeno nos moldes das

turbas estudadas por Thompson e Hobsbawn, destaca o espontaneismo do mesmo como

indicativo da falta de canais efetivos de representação política dos setores populares levados

a tais atitudes. Mais precisamente, o autor retrata como tanto o PC quanto o Governo

Adhemar de Barros foram surpreendidos pela ação daqueles que de alguma forma diziam

liderar ou representar. Para termos idéia da intensidade da efervescência das lutas operárias

do período, listamos na tabela abaixo apenas aquelas que foram noticiadas pelo Diário

Mercantil entre março de 1945 e junho de 1946. 257

Tabela 16 - Greves noticiadas pelo Diário Mercantil de março de 1945 a junnho de 1946

255
- Para conhecer uma impiedosa análise sobre o comportamento dos comunistas nesta conjuntura cf. WEFFORT,
Francisco. Origens do sindicalismo populista no Brasil (a conjuntura do após-guerra). Estudos CEBRAP, São Paulo:
CEBRAP, (4): 65-105, abr-jun 1973.
256
- MOISÉS, José Álvaro. Protesto urbano e política. O quebra-quebra de 1947. Ciências Sociais Hoje. São Paulo,
ANPOCS, 1983. (v. 2, Movimentos Sociais Urbanos, Minorias Étnicas e Outros Estudos). p. 96-112.
257
- Embora esta amostra não apresente rigor estatístico, no sentido de que não esgota a listagem dos movimentos
existentes no período e de que nem tão pouco os compara com com o total de movimentos ocorridos; ela nos
permite visualizar a origem e as formas de organização diferenciadas dos movimentos com os quais os operários da
cidade tiveram maiores chances de tomar conhecimento de que existiram.
178
REIVINDI- Nº DE DATA /
CATEGORIA LOCALIZAÇÃO CAÇÃO GREVISTA FONTE
S
Mineiros Nova Lima - MG Salário 8.000 25/03/45

Ferroviários da Cia Mineira de Viação Minas Gerais Salário 13.000 25/04/45

Gráficos São Paulo - SP Não Consta Não Consta 26/05/45


Trabalhadores da Ind. de Carne, São Paulo - SP Salário Não Consta 26/05/45
Derivados e Frios
Ferroviários da Cia Mineira de Viação Minas Gerais Salário 13.000 18/05/4
Construção Civil, Ind. de Ladrilhos e Ribeirão Preto Salário 8.000 14/06/45
mais 13 sindicatos
Ato de Protesto de Mulheres Palácio do Catete, Rio Custo de Não Consta 24/06/45
de Janeiro Vida
Têxteis da Fábrica Minas Fabril São João Del Rei - MG Salário Não Consta 31/07/45

Bancários Juiz de Fora Salário Não Consta 13/02/46

Trabalhadores Rurais Lavínia - SP Salário Não Consta 21/02/46

Urbanitários São Paulo - SP Salário Não Consta 24/02/46

Portuários, Ferroviários e Porto Alegre Salário Não Consta 27/02/46


Urbanitários

Ferroviários Rio de Janeiro Não Consta Não Consta 19/05/46

Têxteis, Metalúrgicos e outros São Paulo - SP Não Consta 120 fábricas 20/05/46

Trabalhadores da Ligth Rio de Janeiro - RJ Não Consta Não Consta 22/06/46

Ferroviários São Paulo Salário 3.000 23/06/46

Nos dois primeiros meses de 1946, 100.000 operários estiveram em greve na cidade

de São Paulo.258 Bóris Koval indica a existência de 150.000 grevistas em 1947. 259 Jover Teles

por sua vez, aponta a existência de 250.000 grevistas em 1948. 260 Outro dado interessante

258
- ARAÚJO, Braz José de. Operários em luta; metalúrgicos na Baixada Santista (1933-1983). Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1985.p. 69.
259
- KOVAL, Bóris. História do proletariado brasileiro (1857-1967). São Paulo, Alfa-Ômega, 1982. p. 386. Apud
REZENDE, Antônio Paulo. História do movimento operário no Brasil. São Paulo, Ática, 1986. p.49.
260
- TELLES, Jover. O Movimento sindical no Brasil. 2 ed. São Paulo, Liv. Editora Ciências Humanas, 1981. p. 39.
179
indica que em 1947 o governo Dutra interviu em 143 de um total de 944 sindicatos

existentes. Em 1949 existiam 234 sindicatos sob intervenção. 261

No caso da indústrias têxteis de Juiz de Fora, tivemos uma greve da Meurer no início

de 1946 e uma grande greve de todas as indústrias têxteis em abril de 1948. No dia 02 de

janeiro de 1946 os operários da Meurer entraram em greve reivindicando uma gratificação de

fim de ano. Conforme vimos anteriormente, várias fábricas da cidade concederam

gratificações em anos anteriores. Algumas, como no caso da São João Evangelista e da

Bernardo Mascarenhas, chegaram a conceder mais de uma gratificação por ano. No momento

em que a conjuntura política permitiu, os empregados da Meurer, que já haviam ensaiado

movimentos grevistas em conjunturas politicamente muito mais adversas, fizeram a primeira

paralisação total vitoriosa de que temos notícia.

O movimento parece ter resultado de uma organização autônoma a nível de fábrica,

pois o Diário Mercantil de 03/01/46 assim noticiou a participação do Sindicato dos Têxteis

no evento:

“O movimento foi iniciado após o almoço, quando ao meio-dia,


grande parte dos trabalhadores não voltou ao serviço. Uma comissão
esteve com os dirigentes da fábrica, não conseguindo ver satisfeitas
suas pretensões. Tomando conhecimento do ocorrido, reuniu-se
ontem, às 20 horas, em sua sede, o Sindicato dos Trabalhadores nas
Indústrias de Fiação e Tecelagem.”

Na reunião do Sindicato foi indicada uma nova comissão encarregada de procurar a

gerência da fábrica para negociar. Dois dias após, o jornal relata que tal comissão esteve

também reunida com o Prefeito José Baptista de Oliveira, quando solicitou sua intervenção a

261
- FÜCHTNER, Hans. Os Sindicatos brasileiros de trabalhadores; organização e função política. Rio de Janeiro,
Graal, 1980. p. 88.
180
favor dos operários. Temos também notícia, através de uma reclamação trabalhista movida

contra a Meurer262 por Nicolau Aroni em janeiro de 1946, de que a empresa solicitou

policiamento. Neste processo, o policial João Simplício da Silva é chamado a depor, no final

de fevereiro de 1946, como testemunha indicada pela empresa e declara que

“também por ocasião da greve dos empregados da fábrica Meurer há


um ou dois meses o depoente com mais três investigadores esteve
tomando conta da fábrica e nesta ocasião verificou que um dos
elementos mais exaltados era o reclamante a quem se dirigiu e
aconselhou calma.”

No dia 8/01/46 o Diário Mercantil noticia que a greve encerrara-se no dia anterior,

não informando o valor do abono conquistado, se limitando a dizer que “as negociações

chegaram a bom termo.”

A principal mobilização dos têxteis juizforanos aconteceu em abril de 1948, quando

todas as fábricas paralisaram reivindicando um aumento variável, segundo o nível salarial, de

60 a 100% e pagamento do descanso semanal. No dia 06/04/48 o Diário Mercantil relatava:

“a cidade despertou com a notícia de que os operários das fábricas de


tecidos tinham-se resolvido a fazer greve pacífica com o objetivo de
obterem melhorias em seus rendimentos.”

A Gazeta Comercial desta mesma data relata que nos dias anteriores diversas

assembléias operárias e reuniões com os patrões haviam tentado uma solução negoci ada.

Noticia ainda a chegada de dois funcionários graduados do Ministério do Trabalho com a

missão de tentar uma solução para o impasse.

262
- PROCESSO nº 023/1946, cx. 01.
181
Os Delegados de Polícia Mário Gouvea e Pedro Vieira Mendes por sua vez, publicam

nota no Diário Mercantil, onde:

“apelam para o bom senso dos operários de Juiz de Fora, no sentido


de que evitem a repetição dos fatos ocorridos ou seja, de se postarem
às portas das fábricas e, à saída dos colegas que entenderam de não
compartilhar da greve que no momento transtorna a vida industrial
da cidade, vaiarem tais companheiros, ocasião em que empregam,
muita vez, palavras de baixo calão, ofendendo não só os colegas de
profissão como também, transeuntes que nada tinham a ver com os
fatos.”

No primeiro dia os jornais relatam não ter havido nenhuma prisão por motivo da

greve. Mas no dia seguinte, o Diário Mercantil noticia que dois operários foram presos

acusados de “espalharem boletins subversivos”. Segundo a polícia, apesar de negarem ser

comunistas, os dois seriam “elementos reconhecidamente vermelhos.”

Com a mesma facilidade com que noticiaram a eclosão da greve, no dia seguinte os

dois jornais da cidade foram unânimes em dar manchete para a sua finalização. 263 Lendo as

reportagens, tomamos conhecimento de que trata-se, na verdade, de ordem dada aos

operários pelos enviados do Ministério do Trabalho, corroborada pelo Presidente do

Sindicato da categoria. Mas quando analisamos as notícias relativas ao dia 21 de abril de

1946, quando a Junta de Conciliação e Julgamento julgou o dissídio da categoria, vemos que

esta ainda encontrava-se em greve, 15 dias após o início da paralisação. Neste dia a Justiça

Trabalhista propôs aumento de 30% para todos os empregados do setor, sem distinção de

nível salarial, o que foi recusado por patrões e operários. A questão foi então remetida para o

Tribunal Regional do Trabalho. Não obtivemos notícia sobre o resultado final do dissídio e

nem sobre o final efetivo da greve.

263
- Vide Diário Mercantil e Gazeta Comercial de 07/04/1946.
182
3.8- Considerações Finais

Após termos tomado contato com os inúmeros enfrentamentos entre operários e

burguesia têxtil ao longo do período em que esteve em vigor a legislação de mobilização da

indústria têxtil, quando nos surpreendemos com uma classe que, apesar de toda a opressão,

construiu mecanismos para enfrentar, resistir e não anular-se enquanto tal, podemos então

compreender a motivação para os inúmeros movimentos grevistas ocorridos no final do

Estado Novo. Mais que isto, vemo-nos diante de mais um momento em que a classe operária

se auto-institui, determinando os rumos da sua história e redefinindo os estreitos limites que

se tentou impor-lhe.

Enquanto a historiografia sobre o período valoriza os embates entre as frações

dominantes da sociedade para explicar a derrocada do Estado Novo, a eleição do Presidente

Dutra e o processo de elaboração da Constituição de 1946; omite ou subestima o valor da

atuação da classe operária neste processo. Quando excluiu a atuação operária ocorrida

durante e após o Estado Novo de suas análises, esta historiografia encontra dificuldade de

superar os limites impostos pelos setores dominantes à análise do período. Em outras

palavras, somente quando conseguirmos mostrar o operariado como sujeito autônomo, que

não foi subsumido por aqueles que tentaram determinar sua existência, é que conseguiremos

também demonstrar que os avanços da legislação trabalhista revelam muito mais uma vitória

desta resistência difícil de ser visualizada, do que uma dádiva do getulismo. Ou que os

limitados avanços institucionais da Carta de 1946 revelam o quanto que a classe dominante

do período teve que conceder em função do enfrentamento que vivenciava com a classe

operária. Ou ainda, que as equivocadas orientações do Partido Comunista no período só não

183
foram mais nocivas por não terem sido efetivamente seguidas pela classe operária ou sequer

pela maioria de sua base.

Temos a pretensão de que conseguimos demonstrar que é possível caracterizar a

classe operária como sujeito dotado de considerável capacidade de fazer valer sua autonomia

mesmo nas conjunturas mais adversas. A recuperação dos inúmeros enfrentamentos, o

somatório da ação dos até então anônimos José Monteiro, Enéas de Souza, Moacyr dos

Santos Loures e tantos outros, permitem-nos uma aproximação com o período que nos

mostra um mundo completamente diferente daquele oferecido pelas fontes e personagens

dominantes. Assim, ao invés de encontrarmos uma classe imobilizada pela opressão do

Estado Novo, encontramos uma infinidade de pequenos enfrentamentos e contestações que,

vistos em conjunto, mostram-nos que por trás dos mesmos encontra-se um sujeito (a classe),

que em vários momentos conseguiu redefinir o conteúdo e os limites da sua relação com a

burguesia e o Estado.

Mas a valorização das questões citadas não deve implicar no exagero de desconsiderar

os aspectos estruturais mais amplos, antes tomados como suficientes para explicar a atuação

da classe. O que estamos advogando é que a compreensão efetiva de temas clássicos como a

composição das classes e do Estado, o arcabouço jurídico por eles formulado, a atuação das

lideranças que se anunciavam como representante da classe operária, passa, necessariamente,

pela análise de como a classe operária vivenciou concretamente tal realidade. Ou seja, realçar

a condição de sujeito dos operários não implica negar a existência da dominação. Pelo

contrário, ao conhecermos os limites e contornos da dominação, ao enxergarmos as

possibilidades de enfrentamento e superação da mesma, estaremos mais próximos da

compreensão das sucessivas metamorfoses por que ela passa, para continuar exis tindo.

184
Em termos concretos, julgamos que este trabalho pode ter contribuído com a

compreensão da dimensão da influência da burguesia industrial, particularmente da têxtil, na

definição das políticas públicas do período. Além disto, a análise da formulação e aplicação

da legislação relativa à decretação do Estado de Guerra, nos permitiu visualizar um

significativo exemplo dos frutos desta relação da burguesia industrial com o Estado.

Finalmente, o estudo do cotidiano fabril pretende ter caracterizado o operariado não apenas

como vítima de uma tragédia mas também, e principalmente, como ator também responsável

pelos destinos tomados pela vida naquele momento.

185
4 - FONTES E BIBLIOGRAFIA

186
4 - FONTES E BIBLIOGRAFIA

4.1- Jornais e Revistas

Diário Mercantil, Juiz de Fora, 1940 a 1950.

Gazeta Comercial, Juiz de Fora, 1940 a 1950.

Diário da Tarde, Juiz de Fora, de abril de 1942 a junho de 1946.

Recortes de jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo da hemeroteca do SIFTA-RJ, do


período de 1940 a 1950.

O Lampadário, Jornal mensal da Diocese de Juiz de Fora, 1942.

O Lince, revista, Juiz de Fora, 1940 a 1944.

Revista dos Tribunais. São Paulo. Jan. 1939 - dez. 1946.

CIRCULAR TÊXTIL. São Paulo. Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem do Estado de


São Paulo. 1948-1950.

4.2- Documentos de Arquivos Diversos

Processos trabalhistas movidos contra as Indústrias Têxteis de Juiz de Fora-MG. (289


processos, envolvendo 371 reclamantes). Arquivo da Junta de Conciliação e
Julgamento de Juiz de Fora.
Fichas de Registro de Empregados das fábricas Meurer, Bernardo Mascarenhas e Santa Cruz.
Arquivo do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Fiação e Tecelagem de Juiz de
Fora.
Fichas dos associados do Sindicato dos Mestres e contramestres da Indústria de Fiação e
Tecelagem de Juiz de Fora.
Livro de Registro dos Associados do Sindicato dos Mestres e Contramestres da Indústria de
Fiação e Tecelagem de Juiz de Fora.(1 volume, de outubro de 1943 a dezembro de
1950)
Livros de Atas das Assembléias Gerais do Centro Industrial de Juiz de Fora. (de fevereiro de
1944 a dezembro de 1955). Secretaria do Centro Industrial de Juiz de Fora.

187
Livro de Atas das Assembléias do Sindicato das Indústrias de Fiação Tecelagem de Juiz de
Fora. (2 volumes, de fevereiro de 1944 a novembro de 1946).
Livros de Sentenças, Decisões e Despachos da Quarta Circunscrição Judiciária e Militar (3
volumes, de 1943 a 1949). Secretaria da auditoria Militar da Quarta Região Militar,
Juiz de Fora-MG.
Livros de Atas das Sessões da Quarta Circunscrição Judiciária e Militar. (4 volumes, de 1940
a 1946). Secretaria da Auditoria Militar da Quarta Região Militar, Juiz de Fora-MG.
Rol de Condenados da Quarta Circunscrição Judiciária e Militar. ( 1 volume). Secretaria da
Auditoria Militar da Quarta Região Militar, Juiz de Fora-MG.
Livro de Registro da Produção da Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas (junho de 1938 a
dezembro de 1947). Arquivo Histórico da UFJF, Livro 210.
Livro de Registros Fiscais - Cadastro dos Contribuintes dos Impostos de Indústrias e
Profissões e Vendas e Consignações da Prefeitura do Município de Juiz de Fora. ( 1
volume, 1944, nº 582). Arquivo Permanente da Prefeitura de Juiz de Fora.

4.3- Documentação do Arquivo do SIFTA-RJ:

Circulares do SIFTA-RJ a seus associados. 1938- 1950. Série “Correspondência Expedida”,


diversas pastas.
RELATÓRIOS da DIRETORIA do SIFTA-RJ, anos de 1941-46. Pasta S12c.
Correspondência expedida e recebida pelo SIFTA-RJ, com o Centro Industrial de Juiz de
Fora. (de março de 1941 a agosto de 1946)
Correspondência expedida e recebida pelo SIFTA-RJ, com o Sindicato das Indústrias de
Fiação e Tecelagem de Juiz de Fora.(agosto de 1943 a outubro de 1947).
ESTATUTOS da Cia. de Fiação e Tecelagem São Vicente.
ESTATUTOS do Centro de Fiação e Tecelagem de Minas Gerais. Belo Horizonte: s/ed.,
s/data.
ESTATUTOS do Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, s/ed., s/data.
RELATÓRIO da Diretoria da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais. Exercício
de 1943. Belo Horizonte: Gráfica Queiroz Ltda., s/d.

188
RELATÓRIO da Diretoria da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais. Exercício
de 1944. Belo Horizonte: s/ed., s/d.
RELATÓRIO da Diretoria da Sociedade Cooperativa de Seguros Operários em Fábricas de
Tecidos, referentes aos anos de 1940 a 1948. Arquivo CIFTA-RJ.
Livros de Registro de Acidentes de Trabalho da Sociedade Cooperativa de Seguros Operários
em Fábricas de Tecidos, referentes aos anos de 1938, 1943 e 1945. Arquivo SIFTA-RJ.
Recortes do Jornal do Comércio (Rio de Janeiro), O Radical (Rio de Janeiro) , Diário Oficial
(Rio de Janeiro)e Gazeta Comercial (Juiz de Fora) relatando uma reclamação
trabalhista de grande vulto do Representante Comercial da Bernardo Mascarenhas no
Rio de Janeiro, Sr. Apolinário Mascasrenhas contra aquela empresa. (1943 a 1951).
Regulamento interno de 11 fábricas do Estado do Rio de Janeiro. Arquivo SIFTA-RJ, pasta
R-5.
COMISSÃO EXECUTIVA TÊXTIL. Levantamento das fábricas de tecidos por estado e
por município, com nº de operários, de teares e de fusos. Rio de Janeiro, 1945.
SIFTA-RJ. Relação das fábricas existentes no Distrito Federal. Rio de Janeiro, s/d.
Teses apresentadas à Segunda Convenção da Indústria Têxtil Brasileira. Pasta C -42b
Conclusões da Segunda Convenção da Indústria Têxtil Brasileira. Circular Têxtil, São
Paulo: Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem em Geral do Estado de São
Paulo, nov. 1949. (Suplemento Especial).

4.4- Publicações Governamentais

BRASIL, Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Boletim do Ministério do


Trabalho, Indústria e Comércio. Rio de Janeiro: Serviço de Estatística da Previdência
e Trabalho, set. 1934 a dez. 1946.
BRASIL, Imprensa Nacional. Organização Sindical. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1940.(Separata de Decretos e Portarias referentes ao tema).
BRASIL, Imprensa Nacional. Obrigações de Guerra. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1943.(Separata de Decretos referentes ao tema).
BRASIL - IBGE. Anuário Industrial do Estado de Minas Gerais 1938-1939. Belo
Horizonte: Departamento Estadual de Estatística - IBGE, 1941.

189
BRASIL - IBGE. Anuário estatístico de Minas Gerais 1949. Belo Horizonte: Departamento
Estadual de Estatística - IBGE, 1950.
BRASIL - IBGE. Anuário estatístico de Minas Gerais 1950. Belo Horizonte: Departamento
Estadual de Estatística - IBGE, 1951.
BRASIL, Ministério da Agricultura e Comércio. Anuário Estatístico do Brasil (1908-1912).
Rio de Janeiro, Tipografia da Estatística.
BRASIL - IBGE - Recenseamento Geral de 1940, parte XIII, t. 2.
BRASIL, IBGE, Departamento Estadual de Estatística. Produção industrial dos municípios
de Belo Horizonte e Juiz de Fora -1939. Belo Horizonte: Oficinas Gráficas da
Estatística, 1941.
BRASIL, IBGE - Conselho Nacional de Estatística. Anuário estatístico do Brasil; Ano IV. Rio de
Janeiro, IBGE, 1938.
BRASIL, IBGE. Anuário estatístico do Brasil; Ano X. Rio de Janeiro, IBGE, 1950.
BRASIL, IBGE. Conselho Nacional de Estatística. Recenseamento Geral de 1950. Rio de
Janeiro: IBGE, 1951.
BRASIL, Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, Comissão Executiva Têxtil.
Panorama têxtil, Rio de Janeiro: CETEX, nº 1, 1949-1950.(Revista Mensal).

BRASIL, Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (CETex). A Indústria têxtil do algodão e


da lã. s.l., 1949.

190
4.5 - BIBLIOGRAFIA

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197
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198
5 ANEXOS

199
ANEXO Nº 3
Sentença do Conselho de Justiça da Auditoria da 4ª Região Militar, Juiz de Fora,
19/10/43.264

Examinado-se estes autos dele se vê que o operário da Companhia Têxtil Bernardo


Mascarenhas, considerada de interesse militar pelo Dec.-Lei nº 12.715, de 28/06/43, WALTENCIR
GONÇALVES PEREIRA, faltou ao serviço desde o dia 9 de setembro do corrente ano até o dia 19
do mesmo mês, completando, assim, os dias de ausência que constituem o crime de deserção
previsto no art. 2, letra b, do Dec.-Lei4937 de 9/11/42, pelo que está sujeito a processo e julgamento
no foro militar, de acordo com o art. 2º do Dec.-Lei 5.412 de 16/04/43.
Isto posto e
Considerando que no presente processo foram ouvidas 2 testemunhas apresentadas pela defesa
do acusado Waltencir Gonçalves Pereira, também operários da Cia. Têxtil Bernardo Mascarenhas;
Considerando que a primeira testemunha, Joaquim Cesário de Castro, chefe da seção de
tecelagem, sob cujas ordens trabalhava o acusado, declara em seu depoimento que teve ocasião de
observar que o mesmo não regulava bem da cabeça e até chegou a procurar o gerente da fábrica, Dr.
Osvaldo, para lhe dar conhecimento deste fato;
Considerando que a segunda testemunha, Deodoro Lima, companheiro de trabalho do acusado,
quando ouvido no sumário, disse que o acusado é meio atrapalhado da cabeça;
Considerando que as declarações são corroboradas pela ficha escolar do acusado na qual se
verifica ter tido o mesmo meningite em criança;
Considerando que a pessoa atacada desse mal nunca poderá ser um indivíduo completamente
são ou mesmo capaz de compreender a responsabilidade que lhe pesa sobre os ombros;
Considerando que por esta ficha está provado que o acusado repetiu 3 vezes o primeiro ano e em
vez de aumentar o seu gráfico o diminuiu, embora tenha sido ele considerado normal quando
matriculou-se na escola, como está assinalado pelas quatro cruzes, na mesma ficha, tendo depois
passado a duas cruzes, o que demonstra sua perturbação mental, ou seja, a sua falta de inteligência
fora do normal;
Considerando que o M.P.M., reconhecendo tudo isso, pediu a sua absolvição sob o fundamento
do parág. 4º do art. 21 do C.P.M.;
Considerando que o seu patrono, depois de várias considerações de ordem jurídica, terminou
pleiteando a absolvição do acusado sob o mesmo argumento da Promotoria;
Considerando tudo isso e mais o que dos autos consta, o Conselho Permanente de Justiça da 4ª
R.M., resolve, por unanimidade de votos, absolver o acusado WALTENCIR G. PEREIRA, com
fundamento no parág. 4º do art. 21 do C.P.M., e manda que se espeça alvará de soltura em favor do
mesmo, se por ai não estiver preso, tudo na forma da Lei. P.I.R.
Sala das sessões do Conselho de Justiça da Auditoria da 4ª R.M., em Juiz de Fora, 19 de outubro
de 1943. Orestes Cavalcante (Major Presidente); Francisco Pereira Lima Filho (1º Auditor
Substituto); Dr. João Batista Pereira Bicudo (1º Tenente Juiz); Astolfo Barros Mota (1º Tenente
Juiz); Pedro Cavalcante de Albuquerque (1º Tenente Juiz).

264- Livro de Sentenças, Decisões e Despachos, vol 1 (1943-1944), Juiz de Fora, Auditoria da 4ª Região Militar.
203
ANEXO Nº 4
Sentença do Tribunal de Segurança Nacional, de 11 de novembro de 1942.265

Vistos, etc.
No processo n. 2.178, originário do Estado de Minas Gerais, Carlos Ovídio Rovela, brasileiro, com
38 anos de idade, casado, mecânico, residente na Rua Batista de Oliveira, n. 950, da cidade de Juiz de
Fora, e Emiliano Camodeca, de nacionalidade italiana, com 52 anos, solteiro, advogado, residente no
“Pálace Hotel”, com sede na mesma cidade, foram denunciados, o primeiro como incurso na sanção
penal do art. 3º, inciso 25 do Dec.-Lei nº 431, de 18 de maio de 1938, pelos seguintes fundamentos,
assim expostos na classificação do delito de fls.:
“O primeiro classificado Carlos Ovídio Rovela, brasileiro de pais italianos, no dia 21 de março, por
volta das 15 horas, na “Malharia Brasil”, onde trabalha, lendo no “Diário Mercantil” a notícia da
mudança da placa da rua “Itália”, declarou que isto não devia ter sido feito, porque era uma indecência,
que amanhã cairia também o nome do Dr. Oswaldo Aranha e seria substituído por outro... Que o Dr.
Oswaldo Aranha se tinha vendido ao Presidente Roosevelt e que ele era o culpado do país ter se
envolvido na crise atual; acrescentando que, brevemente, quem iria mandar eram eles, os italianos,
porque os filhos de Matarazzo iriam comprar o Presidente Vargas”.
“Ouvido esse classificado a fls. confessou que havia feito essas declarações, mas em tom de
brincadeira”.
“O segundo classificado, Dr. Emílio Camodeca, Presidente da “Casa D’Itália”, mantinha na
sociedade estrangeira os brasileiros, filhos de italianos, sob o disfarce de convite permanente como
esclarecem os documentos de fls, mediante o pagamento mensal de 4$000, como ele próprio confessou a
fls do inquérito, confirmado pela declaração de fls”.
Designado o dia 31 de outubro do corrente, às 14 horas para o julgamento do feito, foi o mesmo
realizado, tendo este juízo absolvido o acusado Emílio Camodeca, com a apelação necessária para a
instância superior, e se julgado incompetente para conhecer o delito imputado a Carlos Ovídio Rovela,
porque o crime só se enquadraria entre os da competência da justiça especial se tivesse sido praticado
por meio da imprensa, e os autos mostram que o fora oralmente.
O Egrégio Tribunal Pleno, conhecendo da decisão, em via de recurso, e atendendo a que a lei
sobrevinda (Dec.-Lei n. 4.766, de 1 de outubro de 1942) devolveu tal competência à justiça especial,
suspendeu o julgamento da apelação de ofício, relativamente a Emílio Camodeca; e determinou a volta
dos autos a este Juízo, para julgar também, quanto ao mérito, a acusação feita a Carlos Ovídio Rovela.
Bem examinada a hipótese:
Considerando que a prova colhida no inquérito policial, consistente no depoimento de duas
testemunhas, certifica que o acusado proferiu, efetivamente, as expressões ofensivas cuja autoria lhe é
imputada, e ele próprio as confessa, embora procurando eximir-se da decorrente responsabilidade
criminal com a invocação de que agira por mero gracejo, ou leviandade: mas,
Considerando que, em face da gravidade excepcional do momento, devem ser reprimidas quaisquer
manifestações que envolvam hostilidades ao Brasil e aos seus dirigentes;
Considerando que a prova do inquérito não foi ilidida pela do sumário.
Condeno Carlos Ovídio Rovela, a seis meses de prisão, grau mínimo do art. 3º inciso 25, do Dec.-
Lei 431, de 18 de maio de 1938, na ausência de circunstância agravante e na ocorrência da atenuante de
bons antecedentes.
Expeça-se o competente mandato de prisão.

265
- Revista dos Tribunais, São Paulo, ano XXII, maio de 1943, vol. CXLIII, fasc. 516, p. 302-3.
204
Distrito Federal, 11 de novembro de 1942.- PEDRO BORGES DA SILVA, Juiz do Tribunal de
Segurança Nacional.

205
ANEXO Nº 3

COMPANHIA DE FIAÇÃO DO RIO DE JANEIRO


REGULAMENTO INTERNO DE TRABALHO

Obrigações dos Empregados e Operários:

1) Manter rigorosamente em dia os seus encargos.


2) Observar estritamente o horário de entrada e saída de serviço.
3) Usar as vias de acesso ao trabalho indicadas pela Gerência, EVITANDO ATROPELOS E
CORRERIAS e mantendo livres as vias de comunicações internas da fábrica. Os operários serão
responsabilizados por quaisquer prejuízos ou danos decorrentes da falta de atenção a este
respeito.
4) Usar redes protetoras para o cabelo.
5) Usar sapatos bem como vestuários apropriados para o trabalho. Mediante depósitos de Cr$ 20,00
a Companhia fornecerá aventais adequados.
6) Evitar palestras, discussões ou conversas estranhas ao serviço durante as horas de trabalho.
7) A mudança de roupas, bem como a lavagem de mãos e rosto, deve ser feita antes da hora de ser
iniciado o período de trabalho e depois do mesmo terminado.
8) Todos os operários devem exibir, abertos, quer à entrada como à saída, qualquer volume ou
pacote que carregarem, ao guarda encarregado da vigilância no portão.
9) Cumprir rigorosamente as ordens dadas pelos superiores hierárquicos.
10) Manter o devido respeito aos superiores bem como aos companheiros de trabalho.

A Inobservância de qualquer dos tópicos acima referidos constitue ato passível da aplicação das
penas disciplinares.

Faltas e Ausências

As faltas ao serviço devem ser devidamente justificadas no dia seguinte imediato a ocorrência da
mesma mediante comprovação. A falta de justificação induz a Cia. na aplicação de pena disciplinar.
Faltas repetidas, mesmo que justificadas, poderão resultar na dispensa do operário.
O médico da fábrica não fornece justificativa nem autoriza ausências dos operários.
Para ausências prolongadas (mais de uma semana) é indispensável que o operário peça licença e
exiba o atestado médico, ou comprovante, ANTES de começar a faltar.
A ausência ou falta ao serviço, por espaço de 15 dias consecutivos ou superior a este, sem
licença e sem motivo justificado, a juízo da Cia, induz esta a considerar o cargo vago por
ABANDONO DE EMPREGO e rescindido o contrato de trabalho por justa causa.

Horário Ponto

As entradas e saídas deverão ser anotadas pelo próprio operário em seu cartão de ponto, por via
do relógio-ponto. Cada operário deverá marcar seu próprio cartão, sendo expressamente vedado
fazê-lo no de outro operário ou companheiro, sob qualquer condição, da mesma forma que é

206
PROIBIDO FAZER NO CARTÃO-PONTO QUALQUER EMENDA, ANOTAÇÃO OU
RASURA.
Qualquer atraso superior a 5 minutos impedirá o operário de tomar o seu serviço, salvo
permissão especial do mestre.
O atraso superior a 3 minutos e até 15 minutos, importará no desconto de ¼ de hora, de 15 a 30
minutos no desconto de ½ hora.
O operário é obrigado, à saída do serviço, marcar o seu ponto logo após terminação do seu
trabalho.

Acidentes

A ocorrência de acidente durante o trabalho deverá ser comunicada imediatamente pelo operário
acidentado, SEJA QUAL FOR O GRAU DO ACIDENTE.
A falta de comunicação do acidente, por parte do operário, importa NA PERDA DOS
DIREITOS que a Lei dos Acidentes do Trabalho lhe outorga.

Registro

Qualquer alteração de endereço, estado civil ou outros que possam interessar ao registro de
Operários, deverá ser comunicada ao escritório.

Refeitório

Durante as horas de refeição e repouso fica terminantemente proibido a permanência nos salões,
páteos e dependências da fábrica, podendo os operários e empregados comer e descansar DENTRO
da área cercada do refeitório, ou do lado de fora do portão da fábrica.

Aviso Prévio

Os pedidos de demissão do serviço da Cia. deverão ser feitos com 30 (trinta) dias de
antecedência, salvo em casos excepcionais, devidamente comprovados.

Pedidos de Emprego

Os operários que desejarem colocar por seu intermédio conhecidos, amigos ou parentes, devem
dirigir-se ao escritório para fornecerem detalhes dos candidatos, aguardando uma comunicação que
lhes será feita em tempo oportuno.

Férias

Nas épocas oportunas, e na conformidade com a Legislação Trabalhista em vigor, serão


concedidas aos empregados e operários as férias a que fizerem jus. Em casos especiais, devidamente
comprovados, as férias poderão ser concedidas fora da rotação normal. Pedidos neste sentido
deverão ser feitos aos Mestres e contramestres dos departamentos.

207
Decorridos 15 dias após a terminação das férias sem que o operário se apresente ao serviço, a
Cia considerará o cargo vago por ABANDONO DE EMPREGO.

Higiene

Todos, quer empregados como operários, devem cooperar com a Cia. a fim de ser mantido um
ambiente limpo e higiênico e em condições sanitárias satisfatórias. Todos devem se apresentar ao
serviço em condições de higiene pessoal razoáveis.

É Expressamente Proibido

1) Fazer circular listas, abaixo-assinados, promover sorteios, rifas ou apostas de qualquer natureza
ou para quaisquer fins ainda que beneficentes, exceto com a permissão expressa da Gerência.
2) O porte de armas de fogo ou outras quaisquer, no recinto das instalações da fábrica.
3) Permanecer ou postar-se em qualquer dependência da fábrica ou do escritório fora do seu local de
trabalho, salvo com autorização do seu superior.
4) Sentar-se nas janelas, mesas, máquinas ou equipamentos, quer da fábrica ou do escritório.
5) Cuspir ou escarrar em qualquer dependência ou salão internos da fábrica ou escritório, bem como
através de janelas ou portas.
6) Fazer refeições no salão, páteos ou dependências da fábrica, bem como sobre mesas, máquinas
ou equipamentos da Cia., a não ser no REFEITÓRIO.
7) Fumar em qualquer parte da fábrica.
8) Fazer algazarra ou gritarias. Promover discussões sobre qualquer assunto.
9) O uso de bebidas alcoólicas em serviço ou o porte de bebidas para o interior das instalações da
Cia., bem como apresentar-se ao serviço em estado ainda que ligeiramente alcoolizado.
10) A prática de jogos de azar ainda que nos períodos de descanso.
11) Usar equipamentos, ferramentas ou outros apetrechos pertencentes à Cia. para a realização de
serviços próprios.
12) Introduzir nas instalações da Cia. pessoas estranhas ao serviço, ainda que parente ou amigo.
13) Exercer qualquer atividade conexa com a da Cia.
14) Usar palavras e gestos obscenos.

A inobservância de quaisquer das proibições acima mencionadas, poderá resultar na dispensa


imediata do infrator.

Julho de 1944

Companhia de Fiação do Rio de Janeiro

208
ANEXO Nº 4

Regulamento dos Deveres do Trabalho nas Fábricas da Cia. Petropolitana Fiação e


Tecelagem

ART. 1º: O trabalho é um dever social e nacional.

ART. 2º: Em uma organização industrial o trabalho individual está vinculado, e é interdependente
com o da coletividade. A falta de um operário prejudica a todos os demais operários,
porque desorganiza a produção que depende de todos.

ART. 3º: É dever de toda administração impedir que a vontade, conveniência ou comodidade de
uns, sejam nocivas ao cumprimento do dever social da coletividade.

ART. 4º: A falta do cumprimento do dever social e nacional do trabalho, só pode ser escusada nos
seguintes casos de força maior: a) enfermidade; b) gestação e parto; c) casamento; d)
falecimento de pessoa da família; e) determinação superior das autoridades.

ART. 5º: Cumprindo o seu dever de zelar pelo trabalho coletivo, a administração da Cia.
Petropolitana - Fiação e Tecelagem - não poderá relevar faltas ao trabalho, a não ser nos
casos previstos no art. anterior (Art. 4º), exigindo-se sempre na hipótese das letras “a” e
“b”, o atestado fornecido pelo médico da Companhia.

ART. 6º: As faltas que não se enquadrarem nos itens do Art. 4º serão consideradas como “ação
perturbadora do trabalho coletivo”, ficando os responsáveis sujeitos às seguintes
penalidades disciplinares, aplicáveis imediatamente:
1ª Infração: Um dia de suspensão.
2ª Infração: Dois dias de suspensão.
3ª Infração: Três dias de suspensão.
4ª Infração: Quatro dias de suspensão.
5ª Infração: Cinco dias de suspensão.
6ª Infração: Seis dias de suspensão.

ART. 7º: Depois da 6ª infração o Departamento Imobiliário, ficará incumbido de aplicar o Art. 10º
do Regulamento de locação de casas da Cia.

ART. 8º: O operário que praticar 4 infrações dentro de um ano, se for diarista perderá todo e
qualquer acesso aos quadros, durante o prazo de um ano; se for tarefista perderá a sua
colocação preferencial no trabalho da máquina, passando a trabalhar como suplente,
quando houver serviço.

ART. 9º: Nenhum operário poderá abandonar a seção em que trabalha, durante as horas de serviço
a não ser com licença ou por ordem do responsável pela seção.

209
ART. 10º: Para segurança dos trabalhadores e em defesa da continuidade do trabalho, é
expressamente proibido fumar no interior das fábricas, em qualquer seção ou
dependência, sob pena de suspensão por 7 dias, e no caso de reincidência, por 15
dias. Verificada a repetição da falta, será suspenso por tempo indeterminado e aberto
inquérito administrativo.

ART. 11º: Todo operário deve comunicar imediatamente ao chefe da seção qualquer acidente ou
quebra de máquina.

ART. 12º: Não poderão os operários atender a qualquer chamado à porta em horas de serviço, salvo
em caso muito urgente, e mediante permissão da gerência das fábricas.

ART. 13º: No caso de chuvas fortes por ocasião do início dos trabalhos, a entrada nas fábricas será
tolerada até meia hora depois da estiagem.

ART. 14º: O chefe de cada seção deverá apresentar-se na mesma 5 minutos antes do início do
serviço e não deverá sair antes da retirada de todos os operários.

ART. 15º: É de máxima importância que os chefes de seção levem ao conhecimento da Gerência
imediatamente, quaisquer acidentes, por mais insignificantes que sejam.

ART. 16º: Os chefes de Departamento, de Divisão e de Seção são obrigados a levar ao


conhecimento da Gerência das fábricas, todas as infrações praticadas pelos
componentes de seu Departamento, Divisão ou Seção, sob pena de perda da função do
cargo que exercem em comissão.

ART. 17º: As perturbações de ordem nas fábricas, as agressões pessoais, o desrespeito à hierarquia
administrativa, serão passíveis de penalidade de suspensão de uma semana a um mês, a
critério da Gerência das fábricas. Registrando-se um incidente de natureza grave, que
exija a intervenção da autoridade pública, será aberto inquérito administrativo para
apuração da responsabilidade e aplicação da lei com a demissão do, ou dos responsáveis.

ART. 18º: Fica a cargo da Gerência das fábricas a fiel aplicação deste regulamento dos
deveres do trabalho e sua plena execução.

Cascatinha, 15 de janeiro de 1943.

A DIRETORIA

210
ANEXO Nº 5

Matéria publicada no Diário Carioca de 10/01/1947:

DESFAZ-SE O MISTÉRIO: DE ONDE VEM O DINHEIRO PARA O QUEREMISMO


Convocada às Pressas a Diretoria do Sindicato de Tecelagem
Maciel Tenta Obter Recursos do SESI - Ouça-se o Presidente e o Tesoureiro

Noticiamos, ontem, que o Sindicato de Fiação e Tecelagem, órgão de classe dos industriais de
tecido, está financiando a campanha queremista. Muito embora presidido por uma pessoa
conceituada, como o Sr. Carlos da Rocha Faria, o sindicato se acha realmente na mãos de J. S.
Maciel Filho, deslavado queremista, que arrastou os industriais à louca aventura de patrocinarem a
volta do Sr. Getúlio Vargas ao poder. Assim, já não há mistérios em torno do aparecimento de
órgãos da imprensa destinados a galvanizar o cadáver da ditadura e outros empreendimentos
queremistas, inclusive o custeio de grandes manifestações ao “Pai dos Pobres”. O dinheiro não vem
apenas de Borghi - que já está às portas da falência e malbaratou fortunas astronômicas com a sua
malograda candidatura. Origina-se também da indústria de tecidos que Maciel discricionariamente
dirige, jogando na fogueira política os recursos de seu sindicato.
Ora a denúncia, cuja responsabilidade conscientemente assumimos, é de uma espantosa
gravidade. O governo não pode, não tem o direito de cruzar os braços diante dela. Uma intervenção
no Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem se faz urgentemente necessária, se uma assembléia
geral não esclarecer devidamente as responsabilidades de cada um dos diretores neste escândalo.
Soubemos que ontem, diante de nossa denúncia, Maciel Filho declarou que arranjaria o dinheiro
para regularizar a caixa do Sindicato. Este cavalheiro dirigiu-se ao Ministro do Trabalho a fim de
obter que mediante autorização dos senhores Simonsen e Lodi, dirigentes do SESI, este lhe
fornecesse os recursos necessários. Por outro lado, o audacioso queremista providencia
precipitadamente, para hoje, uma reunião da diretoria do Sindicato, a fim de tranqüilizar os
espíritos, depois de repor o dinheiro malbaratado com a criminosa empreitada queremista. Nessa
reunião, Maciel tentará explicar, entre quatro paredes, aos diretores da associação, que o dinheiro
dos industriais foi bem empregado e um dia será cobrado com juros, quando o Sr. Vargas dominar
novamente o país (...).
A verdade, porém, é que uma irregularidade como a que foi praticada no Sindicato de Fiação e
Tecelagem não pode ser matéria da alçada de uma simples reunião de Diretoria. É preciso que uma
Assembléia Geral seja desde logo convocada pelos membros influentes do Sindicato que não
participaram dos abusos cometidos em seu nome. É preciso que nesta assembléia falem à classe o
Sr. Rocha Faria, presidente da associação e supremo responsável pelas suas atividades e o Sr. A.
Mesquita, tesoureiro da entidade, que deve explicar minuciosamente as despesas irregulares
ordenadas e autorizadas por quem quer que seja.
Além disto o SESI (Serviço Social da Indústria) não pode distrair dinheiro para atender aos
apuros de Maciel Filho. Não se deve repetir o caso da Cooperativa de Seguros dos Operários em
Fábricas de Tecidos, da qual se desviaram ilegalmente fundos para suprir as deficiências da caixa do
sindicato, e da “caixa especial” esgotadas com os saques para fins queremistas.
O que é preciso é por a nu, desde logo, a situação do Sindicato, numa reunião plena, em que as
responsabilidades de cada um fiquem [ilegível] estabelecidas. A classe, qual um tribunal de honra,
diante das provas, é que deve decidir o destino dos traficantes que a usaram envolvendo-a numa

211
aventura antipatriótica e subversiva. Fora daí, somente a intervenção, que, a lei faculta ao governo,
poderá por um cobro aos escândalos do Sindicato de Fiação e Tecelagem. Que os industriais
honestos, que são a maioria, entre os quais o próprio presidente da CETEX, Sr. Guilherme da
Silveira Filho, varram sua testada, esclarecendo sua posição ante tais abusos.

212
ANEXO Nº 6

Matéria publicada no Diário da Noite de 16/01/1947:

O Caso do Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem


DE MACACÃO, TOMANDO PARTE DOS RUIDOSOS DESFILES DO ESTADO NOVO
O Presidente Dutra Deve Conhecê-los Muito Bem e Quais São os Móveis da Campanha

A campanha injusta ferozmente desencadeada contra o Sindicato da Indústria de Fiação e


Tecelagem está merecendo, por seus móveis e autores, alguns comentários para melhor
esclarecimento do público.
Lançou-se contra sua diretoria a acusação de haver desviado fundos sindicais para custear
despesas da propaganda do “queremismo”, procurando atingir-se desta forma, os homens de
reputação ilibada e de responsabilidades definidas que se acham à frente daquele organismo de
classe. Trata-se de uma calúnia, forjicada e espalhada, com veemências significativas, por um grupo
que pretende apoderar-se desembaraçadamente da direção de um grande e prestigioso sindicato.

Aleivosia Desfeita

A aleivosia já foi, no entanto, desfeita. Os dirigentes puseram à disposição dos interessados em


examiná-la a contabilidade sindical e autorizaram imediata e ampla devassa nas contas e despesas
efetuadas nos três últimos anos para melhor e mais completa verificação da calúnia. Ninguém
ignora o comportamento de franca animosidade de muitos dos ilustres dirigentes daquela
corporação contra a ditadura, que por todos os meios buscou chamá-los ao seu redil, atraída pelo
justo prestígio que desfrutam.

Chocante

Por isso mesmo brada aos céus que venham agora a atacá-los, de público, as mesmas criaturas
que se notabilizaram como entusiastas partidários do Sr. Getúlio Vargas, nos tempos áureos de seu
regime. Os homens que estão detratando com tanta facilidade os dirigentes do Sindicato da Indústria
de Fiação e Tecelagem, atirando-lhes a pecha de “queremistas”, buscando incompatibilizá-los com
o governo atual, são os mesmos que foram vistos trajando macacão nas passeatas louvaminheiras do
Estado Novo e faziam praça das relações íntimas que mantinham com o Palácio Guanabara, onde se
deixavam bafejar pelas alegres baforadas do ditador, a quem divertiam.

Bons e Leais

Bons e leais queremistas ao tempo que ser do “queremos” era uma profissão rendosa de favores
e concessões, os acusadores insinceros e petulantes de agora estão se arriscando ao perigo de ver o
feitiço voltar-se contra o feiticeiro, com o desnudamento das verdadeiras intenções que os movem
nessa campanha difamatória. Não se mostrem, porém, tão açodados. O General Presidente, ao que
se afirma, conhece bem os industriais celebrados por suas inclinações ao Estado Novo e guarda na
memória aqueles operários sloper, de vistosos macacões bem talhados, que passeavam nas passeatas
getulistas, sorrindo ufanos para o ditador sorridente. Devagar, pois, com o andor ...

213
ANEXO 7

Matéria publicada na Tribuna Popular de 08/02/1947

PROPAGANDA ANTICOMUNISTA FINANCIADA


PELO SINDICATO DE INDÚSTRIAS DE TECIDOS

Revelações de uma ata - “Silveirinha” tem os seus métodos


próprios, mas foi derrotado - Morvan, “o ministro bi-
fronte”, protege os lucros extraordinários - o segredo do
“elan” anticomunista da “imprensa sadia”

A ata da assembléia geral do Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem realizada no dia 6,
e ontem publicada no “Jornal do Comércio”, vem desvendar alguns aspectos da atividade política
desse Sindicato, sob a máscara da “defesa dos interesses” dos seus associados.
Recentemente, apareceram na imprensa, certas denúncias segundo as quais o referido Sindicato,
através do seu Departamento de Publicidade, sob a direção do Sr. J. S. Maciel Filho, teria financiado
a propaganda queremista. Essas denúncias acarretaram a demissão do Sr. Maciel Filho, e para
exame do caso é que foi convocada a assembléia em questão.

“Silveirinha” confessa
Usando da palavra, o Sr. Guilherme da Silveira Filho, barão feudal de Bangu, declarou - vamos
citar a ata - “que não havia concordado com a criação do Departamento de Publicidade do
Sindicato, por isso que não acreditava que esse fosse um meio eficiente para a propaganda da
indústria e defesa de seus interesses”.
E logo em seguida a confissão que desmascara os objetivos do Departamento:
“Achava ( o Dr. Silveirinha) que o comunismo devia ser combatido, porém na forma como ele
praticava em Bangu, promovendo a eleição de um vereador contra o candidato dos comunistas”.
Nada como o ambiente de uma assembléia de homens dos lucros extraordinários para uma
confissão como esta! A concepção de política do Dr. Silveirinha e seus associados dos lucros
extraordinários é a seguinte: defender os seus privilégios de exploradores do povo, combatendo os
comunistas, por meio de candidatos que sejam os seus lacaios. Mas o povo de Bangu derrotou este
industrial reacionário e seu candidato, apesar das fortunas gastas na propaganda.

Com que Roupa ?


Vai adiante o Sr. Guilherme da Silveira Filho, e, elogiando o ditador Vargas, em cujo regime ele
tinha ampla liberdade para explorar seus operários, desmente “as acusações de que fora vítima pela
imprensa, segundo as quais havia tomado parte em manifestações de apreço ao Presidente Getúlio
Vargas, de macacão”. E esclarece:
“Desejava, inicialmente, retificar que não usara macacão, e sim blusão”! Os assistentes devem
ter ficado boquiabertos com essa confissão sem precedente sobre os segredos da indumentária do
Dr. Silveirinha. Mas de macacão ou de blusão ele não consegue esconder a sua posição de
beneficiário do Estado Novo e de “az” dos lucros extraordinários.

214
Onde Aparece Morvan
Outro aspecto curioso e significativo da reunião é o que mostra, uma vez mais, a estreita ligação
do “trabalhista” Morvan Figueiredo com os interesses patronais. Assim é que, mal publicadas as
primeiras denúncias contra o seu Sindicato, o presidente do mesmo, “esteve imediatamente” com o
Ministro do Trabalho, que lhe garantiu que não haveria intervenção.
Entretanto, sempre fazendo uma política dúbia, Morvan disse coisa diversa a outro associado, o
que levou o Dr. Juvenal da Rocha Vaz a declarar na assembléia que “o Ministro do Trabalho era
uma pessoa bi-fronte”...

Pela Carestia e Contra o PCB


O resultado da votação final, dessa reunião, foi favorável à direção do Sindicato. Mas ficou
provado, nos debates, com a intervenção do Sr. Silveirinha, que o Departamento de Publicidade não
passa de um órgão político, destinado a combater o Partido Comunista.
Esse Departamento de Publicidade organizado para combater o PCB explica, em parte as
atividades anticomunistas da imprensa “sadia”. São departamentos dessa espécie que sustentam
jornais que se orientam “politicamente” através de seus “ghichets”. É a luta dos inimigos do povo
pela manutenção de seus atuais privilégios. Para que esses privilégios não desapareçam, é
necessário que haja sempre [?] exploração e fome.
Diante de tudo isso é fácil compreender a fúria e a constância dos ataques dos exploradores e de
seus jornais contra os comunistas, justamente porque o PCB localiza as causas da miséria e aponta a
solução para o problema.

215
ANEXO 8

Tese apresentada pelo SIFTA-RJ à Segunda Convenção da Indústria Têxtil Brasileira.


(Arquivo CIFTA, Pasta C42b)

Trabalho de Mulheres e Menores

(...)
Visa a ordem jurídica, ora dominante, obter o equilíbrio entre o capital e o trabalho
proporcionando ao primeiro liberdades e garantias, e ao segundo proteção e valorização.
Essa liberdade de iniciativa é, porém, acentuadamente limitada pelo excesso de dispositivos
protecionistas do trabalhador menor e do sexo feminino.
Entraves de todo o gênero foram opostos à liberdade de ação daqueles que têm a iniciativa da
atividade industrial, daqueles que possuem o capital sem o qual, no dizer do grande Leão XIII, nada
vale o trabalho.
É condição essencial ao pleno desenvolvimento de um empreendimento não somente a liberdade
de ação, como comodidade e segurança.
Pequenas exigências a primeira vista destituídas de qualquer importância, são, muita vês,
escolhos insuperáveis. Proibições de atos aparentemente fáceis de evitar, tornam-se, amiúde, causas
de grandes e graves efeitos.
Entre os dispositivos de proteção do trabalho do menor e da mulher há alguns que se têm
transformado em embaraços de vulto ao bom andamento dos trabalhos industriais, por serem de
impossível ou onerosa conciliação com os princípios gerais básicos da própria legislação trabalhista.
(...)

A primeira é o art. 413 da CLT, interpretado literalmente como é em geral feito.


Esse inciso legal proíbe a prorrogação da duração do trabalho do menor de 18 anos e estabelece
as exceções que o legislador de 43 julgou razoáveis. (...)
Por este motivo, entendem alguns que, salvo nas hipóteses das letras “a”, “b” e “c” do art. 413,
não seja lícito aos menores compensar em outro dia horas porventura não trabalhadas em
determinado dia.
Resulta essa maneira de entender da interpretação literal da lei sem levar em consideração o seu
espírito.(...)
A indústria têxtil, de uma maneira geral, atendendo ao uso generalizado, ao pedido de seus
empregados e as vantagens que lhe proporcionaria a paralisação das fábricas durante maior número
de horas de sábado por pequenos acréscimos na duração da jornada de trabalho dos cinco primeiros
dias da semana. O total de horas trabalhadas é o normal ou seja, de 48 horas semanais.
Porém, uma dificuldade se lhe tem sido oposta. O entendimento que da proibição do art. 413 da
Consolidação, fazem os fiscais do trabalho.
Os menores são indispensáveis ao funcionamento de uma fiação; eles constituem os pequenos
elos da grande corrente de atividade. (...)
Com isso, porém, não se conforma a fiscalização do Departamento Nacional do Trabalho,
autuando as empresas por infração do art. 413 e impondo-lhe multas que, dado o número avultado
de menores, se tornam muito onerosas.(...)

216
Por mais que se procure, não é possível encontrar qualquer inconveniente para os mesmos
trabalharem mais alguns minutos de segunda a sexta-feira e terem de folga toda a tarde de sábado.
Aulas não são perturbadas porque não é às 17 horas que funcionam os cursos noturnos.
Diversões, descanso e vida familiar muito maior proveito trarão as horas consecutivas de sábado
que os 45 minutos de cada dia.(...)

Assunto delicado e conseqüente do trabalho feminino é o considerado no parágrafo único do art.


389 e no art. 400 do Dec.-Lei 5.452 de 01 de maio de 1943.
O legislador sabiamente deu às instituições de previdência o encargo de manter creches nas vilas
operárias e nos centro residenciais de maior densidade e de financiar os serviços de manutenção das
creches constituídas pelos empregadores ou por instituições particulares idôneas (arts. 397 e 398).
Esses dispositivos, porém, embora vigentes há mais de um lustro, continuam letra morta.(...)
Na realidade, em concentração operária de 30 mulheres é inútil a creche pois raramente há
crianças a vigiar e assistir.
É o pequeno industrial compelido a construir ou adaptar alojamento, com berçário, sala de
amamentação e todo aparelhamento que sala digna deste nome deve ter como auto-clave, geladeira,
lavatório de água corrente, aquecedor, fogareiro e mais utensílios, com cozinha dietética e
instalações sanitárias; a manter, pelo menos, uma enfermeira, ou pessoa habilitada no trato de recém
nascidos e um servente para a permanente limpeza de tão higiênica dependência, afim de uma vez
por outra alojar uma criança.
Acresce que a maioria das empregadas femininas em certas atividades é de jovens casadoiras e
não casadas de quem não é lícito, sem grave injúria, admitir a proveniência de uma criança a vigiar
e amamentar.

217
ANEXO 9

Conclusões da Segunda Convenção da Indústria Têxtil Brasileira, realizada em São Paulo, em


novembro de 1949 (Suplemento Especial do “Circular Têxtil”, nov. 1949. p. 24-6.):

g) Trabalho de Mulheres e Menores

Considerando que na organização do trabalho fabril os serviços de uns empregados entrosam e


completam o serviço de outros trabalhadores, motivo pelo qual não se torna possível o
estabelecimento de normas diferentes para a duração do trabalho dos diversos empregados de uma
mesma fábrica;
Considerando que são inteiramente justos e razoáveis os objetivos que visam amparar a
colaboração das mulheres e dos menores nos estabelecimentos fabris, no sentido de preservar sua
saúde e desenvolvimento físico;
Considerando, entretanto, que é perfeitamente possível uma completa conciliação deste
patriótico empenho com o interesse da boa organização do trabalho fabril, bastando que sejam
adotadas normas rígidas e que não perturbem a íntima colaboração existente entre os diversos
empregados de uma mesma fábrica;
A Convenção Resolve:

- solicitar que fique definitivamente esclarecido [que]a duração normal de 48 horas por semana
pode ser, na indústria têxtil, em virtude da simplicidade e suavidade dos seus serviços, dividida
em períodos de até 10 horas diárias, compensando-se, assim, as horas que não serão
trabalhadas, em outros dias da semana, independentemente de quaisquer formalidades, por
isso que não se trata de prorrogação e sim de recuperação da duração normal do trabalho.

i) Greve

Considerando que, na ordem democrática, o poder emana do direito, cumprindo ao Estado zelar
pelas liberdades individuais, manter a harmonia entre os interesses particulares e os da comunidade
e coibir excessos;
Considerando que o trabalho é uma obrigação social, estabelecida na constituição em vigor;
Considerando que a legislação vigente estabeleceu penalidades para empregados e
empregadores que desrespeitarem os princípios reguladores do direito de greve, penalidades essas
que não devem ser abrandadas ou suspensas sob pena de grave perturbação à ordem pública e social
e aos princípios de hierarquia e disciplina que devem imperar em qualquer organização do trabalho;
A Convenção Resolve:

1) que sejam solicitadas aos poderes competentes as providências que se fizerem necessárias
para que o direito de greve seja regulamentado de forma a não degenerar em faculdade de não
trabalhar, de impedir que outros trabalhem e de se tornar veículo de agitação política,
provocar a intranqüilidade pública e prejudicar o interesse geral;
2) que se manifeste ao Poder Legislativo os inconvenientes do Projeto de Lei nº 889, de 1949,
que concede anistia aos condenados ou processados por motivo de greve e crimes conexos,

218
por importar tal medida na quebra dos princípios de disciplina que devem presidir as relações
de trabalho e em manifesto desrespeito à soberania do Poder Judiciário.

219
ANEXO 10
Tabela 17 - Número e tipo de reclamação trabalhista - Setor Têxtil
Juiz de Fora (1944-1946)
Quantidade Tipo de Meurer Mascarenhas Industrial Moraes Santa Cruz São João Outras Total
Reclamação Mineira Sarmento Evangelista
Nº de
Processos 79 23 70 32 20 3 62 289
Nº de
Reclamantes 82 23 120 32 31 3 80 371
Salário 30 6 27 8 5 1 29 106
Férias 16 8 21 3 10 1 11 70
Aviso Prévio 24 7 34 10 8 1 20 104
Demissão Injusta 25 7 28 11 9 1 19 100
Assinatura de
Carteira 1 -- 5 -- -- -- 5 11
Hora Extra 2 -- 1 -- -- -- 4 7
Suspensão 21 5 11 11 -- 1 19 67
Auxílio
Enfermidade 11 2 1 6 5 -- 5 30
Insalubridade 3 -- 51 1 6 1 21 83
Outras -- 3 8 2 -- -- 9 22
OBS: 1) Como alguns processos envolviam mais de um reclamante, o número de reclamantes é maior que o número de processos.
2) Cada processo normalmente envolvia mais de um tipo de reclamação, por isso a soma dos tipos de reclamação é maior que o número total de
processos.
FONTE: Processos trabalhistas contra as indústrias têxteis de Juiz de Fora, movidos entre fevereiro de 1944 e junho de 1946.

220
ANEXO 11
Tabela 18 - Resultado, Recursos Impetrados e Sexo nas Reclamações Trabalhistas Contra a Indústria Têxtil - Juiz de Fora
(1944-1946)

Meurer Mascarenhas Industrial Moraes Santa Cruz São João Outras Total
Mineira Sarmento Evangelista
Nº de
Reclamantes 82 23 120 32 31 3 80 371
Houve Acordo
12 8 35 4 2 1 42 104
Procedente
14 1 14 6 10 -- 4 49
Procedente em
Parte 17 4 9 1 3 -- 2 36
RESULTADO
Improcedente 23 4 47 11 14 1 15 115
Ausência do
Reclamante 15 6 16 10 2 1 17 67
Total
Reclamado 68.277,20 19.047,15 141.475,10 38.454,40 37.193,90 4.047,50 100.939,30 409.434,55
Total Recebido 14.241,70
2.364,40 34.105,90 24.195,50 2.917,50 2.286,40 34.266,90 114.378,30
Nº de Causas
sem Recurso 63 19 67 24 17 2 71 263

Nº de Recursos 19 4 53 8 14 1 9 107
Do Empregado
RECURSO (atendido) 2 -- 1 3 -- 1 3 9
Do empregado
(Negado) 1 3 38 -- 10 -- 5 57
Da Empresa
(Atendido) 2 1 3 2 1 -- 1 11
Da Empresa
(Negado) 14 -- 11 3 3 -- -- 31
Masculino
SEXO 63 12 95 16 26 2 40 254
Feminino
19 11 25 16 3 1 40 117
FONTE: Processos trabalhistas contra as indústrias têxteis de Juiz de Fora, movidos entre fevereiro de 1944 e junho de 1946.

221
ANEXO 12

Tabela 19 - Indústria Têxtil de Algodão - 1946


Concentração de Operários por Estado e por Empresa
Estado Média de Operário
por Empresa
Paraíba 3.042
Pernambuco 2.618
Distrito Federal 2.278
Alagoas 1.307
São Paulo 1.008
Bahia 927
Rio de Janeiro 780
Sergipe 735
Santa Catarina 612
Pará 584
Rio Grande do Sul 545
Minas Gerais 502
Maranhão 485
Ceará 386
Piauí 237
BRASIL 975

FONTE: Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Comissão Executiva Têxtil (CETex). A Indústria
têxtil do algodão e da lã. Rio de Janeiro: CETex, 1949. P. 33.

222
ANEXO 13

Tabela 20 - Distribuição da Mão-de-Obra da Indústria Têxtil por Sexo e por Idade


Em Minas Gerais e no Brasil - Número Absoluto e Porcentagem - 1946

Minas Gerais Brasil


Absoluto % Absolut %
o
Maior de 18 8367 29,2 114.470 36,9
Masculino Menor de 18 1.869 6,5 22.777 7,3
Total Masc. 10.236 35,7 137.247 44,2
Maior de 18 13.252 46,2 129.980 41,9
Feminino Menor de 18 5.195 18,1 42.858 13,9
Total Fem. 18.447 64,3 172.838 55,8
TOTAL Absoluto 28.683 100 310.085 100

FONTE: Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Comissão Executiva Têxtil (CETex). A Indústria
têxtil do algodão e da lã. Rio de Janeiro: CETex, 1949. P. 45.

223
ANEXO 14

Tabela 21 - Distribuição Percentual e em Metros da Produção Têxtil Algodoeira por


Estado - 1946
ESTADO PRODUÇÃO PRODUÇÃO
(metros) (%)
Pará 1.249.221 0,1
Maranhão 17.808.264 1,6
Piauí 932.209 *
Ceará 11.178.078 1,0
Paraíba 28.198.814 2,5
Pernambuco 127.663.827 11,2
Alagoas 46.104.365 4,0
Sergipe 44.891.934 3,9
Bahia 42.627.304 3,7
Distrito Federal 113.797.793 10,0
Rio de Janeiro 93.164.902 8,2
Minas Gerais 177.813.618 15,6
São Paulo 419.617.366 36,7
Paraná 78.306 *
Santa Catarina 14.441.570 1,3
Rio Grande do Sul 2.583.132 0,2
TOTAL 1.142.150.703 100,0
* valores inferiores a 0,1%
FONTE: Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Comissão Executiva Têxtil (CETex). A Indústria
têxtil do algodão e da lã. Rio de Janeiro: CETex, 1949. P. 99 E 101.

224
ANEXO 15

Tabela 22 - Variação dos Capitais, Reservas, Dividendos e Remuneração da Diretoria da


Cia. de Tecelagem de Malhas Antônio Meurer - 1940-1950 - Em Contos de Réis e
Milhares de Cruzeiros

Ano Capitais + Reservas Dividendos Gratificação Diretoria Total


Valor 1940 = Varia- Valor 1940 = Varia- Valor 1943= Varia- Valor 1940 = Varia-
100 ção % 100 ção % 100 ção % 100 ção %
1940* 3.578 100 170 100 NE 3.748 100

1941* 3.888 109 +9 255 150 + 50 NE 4.193 112 + 12

1942 5.467 153 + 41 352 207 + 38 NE 5.819 155 + 39

1943 6.940 194 + 27 1.517 893 + 331 300 100 8.788 234 + 51

1944 8.432 236 + 21 1.500 882 -1 300 100 0 10.232 273 + 17

1945 9.812 274 + 16 1.500 882 0 300 100 0 11.612 310 + 13

1946 ND ND ND ND

1947 12.257 343 + 25 1.200 706 - 20 360 120 + 20 13.817 369 + 19

1948 15.774 441 + 29 720 424 - 40 216 72 - 40 16.710 449 + 21

1949 16.216 453 +3 720 424 0 216 72 0 17.152 459 +3

1950 16.891 472 +4 720 424 0 216 72 0 17.827 476 + 10

N D = Não Disponível
N E = Não Existente
* Valores em Contos de Réis
FONTE: Balanços publicados pela Gazeta Comercial de Juiz de Fora.

225
ANEXO 16

Tabela 23- Variação dos Capitais, Reservas, Dividendos e Remuneração da Diretoria da


Cia. de Fiação e Tecelagem Santa Cruz
1940-1950 - Em Contos de Réis e Milhares de Cruzeiros

Ano Capitais + Reservas Dividendos Gratificação Diretoria Total


Valor 1940 = Varia- Valor 1942 = Varia- Valor 1942 = Varia- Valor 1940 = Varia-
100 ção % 100 ção % 100 ção % 100 ção %
1940* 4.197 100 NE NE 4.197 100

1941* N D ND ND ND

1942 7.459 278 + 78 300 100 626 100 8.385 200 + 100

1943 10.430 249 + 40 675 225 + 125 843 135 + 35 11.948 285 + 43

1944 14.144 337 + 36 1.050 350 + 56 1.148 184 + 36 16.343 389 + 37

1945 ND ND ND ND

1946 19.274 459 + 36 1.800 600 + 71 1.267 202 + 10 22.341 532 + 37

1947 21.686 517 + 13 1.085 362 - 40 740 118 - 42 23.511 560 +5

1948 23.110 550 +7 1.350 450 + 24 623 99 - 16 25.083 598 +7

1949 22.966 547 +6 270 90 - 80 107 17 - 83 23.343 556 -7

1950 25.001 596 +9 1.575 525 + 483 768 123 + 616 27.344 651 + 17

N D = Não Disponível
N E = Não Existente
* Valores em Conto de Réis
FONTE: Balanços publicados pelo Diário Mercantil de Juiz de Fora.

226
ANEXO 17

Tabela 24 - Variação dos Capitais, Reservas, Dividendos e Remuneração da Diretoria da


Cia. Têxtil Bernardo Mascarenhas
1940-1950 - Em Contos de Réis e Milhares de Cruzeiros

Ano Capitais + Reservas Dividendos Gratificação Diretoria Total


Valor 1940 = Varia- Valor 1940 = Varia- Valor 1940= Varia- Valor 1940 = Varia-
100 ção % 100 ção % 100 ção % 100 ção %
1940* 6.196 100 320 100 101 100 6.616 100

1941* 8.122 131 + 31 640 200 + 100 181 180 + 80 8.943 135 + 35

1942 9.508 153 + 12 2.149 671 + 236 646 643 + 256 12.303 186 + 38

1943 13.053 211 + 37 2.881 900 + 34 864 860 + 34 16.798 254 + 37

1944 17.843 288 + 37 3.990 1.247 + 39 1.198 1.191 + 39 23.030 348 + 37

1945 24.643 398 + 38 5.666 1.771 + 42 1.703 1.694 + 42 32.012 484 + 39

1946 27.073 437 + 10 3.384 1.058 - 40 1.640 1.632 -4 32.097 485 + 0,3

1947 33.429 540 + 23 2.940 919 - 13 1.396 1.389 - 15 37.765 571 + 18

1948 35.371 571 +6 3.270 1.022 + 11 1.473 1.466 +6 40.114 606 +6

1949 38.317 618 +8 2.790 872 - 15 1.259 1.253 - 15 42.366 640 +6

1950 41.694 673 +9 3.174 992 + 14 1.438 1.431 + 14 46.306 700 +9

* Em Contos de Réis
FONTE: Balanços publicados pela Gazeta Comercial de Juiz de Fora.

227

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