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Maio de 1996
Ao Sr. Jairo e à D. Cotinha,
com quem aprendi, muito antes de poder compreender,
os valores do mundo dos que trabalham.
2
“Acostumei o ouvido desde logo à música fecunda dos teares
Acordava com o grito áspero das sirenes
saltando no ar molhado das manhãs
Na manhã muito fria e ainda cheia de sombras
Acordava a minha rua
O ritmo de passos na calçada
Passos duros e largos de operários
Indo para o trabalho (...)”
“Depois da fábrica fechada, tive dificuldade de me adaptar aqui fora. Mas depois que me
acostumei com o mundo daqui de fora, às vezes até agradecia ter saído da firma, pois os 26
anos que passei lá começaram a parecer uma época de escravidão.”
3
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS 5
APRESENTAÇÃO 8
PRIMEIRO CAPÍTULO
1 - O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E DE INDUSTRIALIZAÇÃO DE JUIZ DE
FORA
1.1- Raízes da Urbanização e da Industrialização de Juiz de Fora 12
1.2- Cafeicultura e origem dos capitais da indústria têxtil 17
1.3- Urbanização e Industrialização de Juiz de Fora na segunda metade
do século XIX. 20
SEGUNDO CAPÍTULO
2 - ESTADO E BURGUESIA TÊXTIL NO BRASIL - 1930-1945 31
2.1- Introdução 32
2.2 - A Formação Do Estado Novo 40
2.3 - Evolução Da Indústria Têxtil Nacional 53
2.3.1- O Período anterior à Segunda Guerra Mundial 53
2.3.2- Segunda Guerra e Performance Comercial da Indústria Têxtil 57
2.3.3- Perfil da Indústria Têxtil Durante a Segunda Guerra 64
2.4- Militarização das Atividades Civis durante a Segunda Guerra 67
2.5 - Cenas de um casamento: Estado e Burguesia Têxtil durante a
Segunda Guerra Mundial 82
TERCEIRO CAPÍTULO
3 - COTIDIANO FABRIL OPERÁRIO NA INDÚSTRIA TÊXTIL DE
JUIZ DE FORA 97
3.1- O Uso dos Processos Trabalhistas Como Fonte de Pesquisa 98
3.2- A Fábrica Antônio Meurer 105
3.3- Construindo o Reconhecimento do “Direito de Não Ter Medo” 111
3.4- Os Soldados da Produção Não Batem Continência 121
3.5- Os Casos da “Bernardo Mascarenhas” e da “São João Evangelista” 148
3.6- Cotidiano de Trabalho em Outras Fábricas da Cidade 162
3.7- O Retorno do Movimento Operário 175
3.8- Considerações Finais 181
5- ANEXOS 196
4
ÍNDICE DE TABELAS
5
AGRADECIMENTOS
6
Departamento, e à Universidade Estadual de Londrina, agradeço a licença, que possibilitou -
me efetuar a coleta de dados e a parte inicial da redação.
Ana Cleide e Marcelo Ridenti atenderam de pronto a um pedido de leitura e confecção
de pareceres que foram fundamentais ao recebimento de ajuda pela ANPOCS.
Os colegas da pós-graduação, através do Seminário de Projetos, também contribuíram
com propostas e considerações importantes.
Mais recentemente, os Professores Michael Hall e Francisco Oliveira, fizeram uma
generosa e atenta apreciação dos dois primeiros capítulos, no exame de qualificação. Credite -
se a eles grande parte do que houver de consistente nos mesmos. Infelizmente o tempo
disponível não foi suficiente para que pudesse acatar algumas das instigantes sugestões ali
proferidas.
É de praxe agradecer a funcionários de arquivos e bibliotecas. No meu caso, tenho a
satisfação de reconhecer não somente o apoio técnico recebido, como também a boa vontade,
paciência e infinita disponibilidade de pessoas com quem cheguei a conviver e a ocupar por
alguns meses: as várias funcionárias do Diário Mercantil e do Diário da Tarde; Neusa
Mitterhoff, do Gabinete de Itamar Franco, proprietário do acervo da Gazeta Comercial;
Márcia, do Sindicato dos Têxteis; Noemi Siqueira, do arquivo da Junta de Conciliação e
Julgamento. Fui também muito bem recebido pelos funcionários da Secretaria da Auditoria
da 4ª Região Militar, do SIFTA-RJ, do Centro Industrial de Juiz de Fora, da Biblioteca
Municipal Murilo Mendes, do Arquivo Permanente da Prefeitura de Juiz de Fora e da
Câmara Municipal daquela cidade.
Este trabalho contou ainda com o vital apoio da bolsa do CNPq e da premiação, na
modalidade B-Fin, por parte da ANPOCS (Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Ciências Sociais), em convênio com a Ford Foundation.
A colaboração de tantos não me exime da responsabilidade pelos erros e omissões que
esse trabalho venha apresentar.
7
APRESENTAÇÃO
No estudo sobre a questão operária anterior a 1945, deparamo-nos com uma intrigante
questão: durante o período da Segunda Guerra Mundial, a indústria têxtil foi considerada
trabalho que comumente chegavam a mais de doze horas diárias, era considerado como
engajado e passível de julgamento por Tribunal Militar caso abandonasse o ”seu posto”.
com o estudo do caráter populista e paternalista da relação de Getúlio Vargas com a classe
tratamento foi encontrada apenas nos últimos trabalhos de Maria Célia Paoli ou em outros
que a citavam.
Por outro lado, Juiz de Fora destacava-se na época da Segunda Guerra como um
importante centro industrial têxtil e o conhecimento que tínhamos das fontes documentais ali
8
a partir dos mesmos. Nesse ínterim, descobrimos o arquivo de processos trabalhistas da Junta
utilização de documentos que permitiam ampliar o tratamento até então dado à questão; e o
acesso ao mais indicado pesquisador - no caso pesquisadora - para orientar tal trabalho.
industrialização de Juiz de Fora, dando destaque para a formação da indústria têxtil. Para
tanto nos valemos basicamente de outros trabalhos acadêmicos e de uma releitura de fontes
parte do trabalho. Isto porque, na prática, aquele sindicato funcionava como um poderoso
lobby desse setor junto ao Governo Federal, pela proximidade geográfica e afinidade
ideológica que mantinha com o mesmo. Este capítulo tenta também analisar as alterações
O terceiro capítulo começa com uma breve reflexão sobre as implicações do uso de
processos como fonte histórica. Na seqüência, apresentamos uma narrativa sobre o cotidiano
operário dos têxteis, construída a partir de depoimentos retirados dos processos trabalhi stas e
de notícias de jornais. Demos destaque para os casos ocorridos no interior de três fábricas
9
que nos pareceram representar modelos de comportamentos repetidos pelas demais: a Meurer
que se destacava pela truculência no trato com os operários, a São João Evangelista pelo
acima referida foi vivenciada pelos operários no seu cotidiano de trabalho. Logo depois,
pública através de variados atos de protesto e de greves. Por último, tecemos algumas
dissertação.
10
PRIMEIRO CAPÍTULO
11
1- Primeiro Capítulo: O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E DE INDUSTRIALIZAÇÃO
DE JUIZ DE FORA
formular uma explicação para o processo de industrialização da cidade que o relacionasse com o da
industrialização do país como um todo. Outra obra que se destaca é "Café e Indústria em Minas
Gerais (1870-1920), de João Heraldo Lima, por mostrar as especificidades do caso de Minas
hoje denominada Minas Gerais se deu a partir da exploração de suas reservas minerais descobertas
na última década do século XVII. Na passagem do século XVII para o século XVIII, a Coroa
Portuguesa designou Garcia Paes (filho do bandeirante Fernão Dias Paes), para construir um
"Caminho Novo", que encurtasse e facilitasse a comunicação entre o porto do Rio de Janeiro e a
caminho, do qual se tem notícia de que estivera dando passagem regular a tropeiros em 1709,
possibilitou que se fizesse a viagem entre o Rio de Janeiro e a região das minas em 25 dias. Garcia
Paes e seus filhos, que o ajudaram na abertura do "Caminho Novo", juntamente com alguns
No decorrer do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX, a região da Zona da
mineradora. A meio caminho entre o porto do Rio de Janeiro e a região das minas, a Zona da Mata
serviu ainda como ponto de apoio à circulação de homens e mercadorias. Lentamente foram
trânsito. Iniciou-se também uma incipiente criação de animais de carga. Nesse período, a
concentração demográfica era extremamente baixa: via-se apenas algumas roças ao longo do
2
- O conceito de região remete-nos a algumas controvérsias. Francisco de Oliveira coloca que “a região pode ser
pensada sobre qualquer ângulo das diferenciações econômicas, sociais, políticas, culturais antropológicas,
geográficas, históricas. A mais enraizada das tradições é, sem nenhuma dúvida, a geográfica no sentido amplo,
que surge de uma síntese inclusive da formação sócio-econômico-histórica baseada num certo espaço
característico.” Mais adiante acrescenta: “Uma ‘região’ seria, em suma, o espaço onde se imbricam
dialeticamente uma forma de reprodução do capital, e por conseqüência uma forma especial da luta de classes,
onde o econômico e o político se fusionam e assumem uma forma especial de aparecer no produto social e nos
pressupostos da reposição”. Enfatizará também a tendência do capitalismo de homogeneização do espaço. No que
toca a este trabalho, estaremos utilizando um recorte político-administrativo de região, tentando não esquecer que
somente o embricamento da mesma com contexto maior da nação nos permitirá compreendê-la. Além disto,
verificamos que o avanço da organização capitalista tornará cada vez mais tênue o contorno que nos permite
identificar em Juiz de Fora ou na Zona da Mata especificidades que as distinguam efetivamente do contexto
brasileiro. Em outras palavras, se podemos identificar com relativa tranqüilidade especificidades regionais na
passagem do século XIX para o atual, isto fica menos evidente no período relativo ao nosso objeto propriamente
dito, a primeira metade da década de 1940. Vide: OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma re(li)gião. 4 ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p. 22-32. Ver também, acerca da discussão entre história e a questão regional:
SILVA, Marcos A. da (coord). República em migalhas; história regional e local. São Paulo: Marco Zero, 1990.
3
- LESSA, Jair. cit. nota anterior, p. 15-34.
13
Segundo Lanna,4 até o período de decadência da mineração, a política da Coroa Portuguesa
4
- LANNA, Ana. op. cit., p.31.
14
FONTE: OLIVEIRA, Mônica Ribeiro. Juiz de Fora: vivendo a História. Juiz de Fora: Núcleo de
História Regional da UFJF / Editora da UFJF, 1994. p. 97.
15
foi a de dificultar deliberadamente às pessoas de menores posses o acesso à terra, evitando a
sesmarias limitou-se às tradicionais famílias imperiais, que deixavam a maior parte delas
Segundo Domingos Girolletti, a região da Zona da Mata Mineira contava com uma
população de 22 000 almas em 1829. A ocupação efetiva da mesma dar-se-á a partir da segunda
território ficou marcada pelo traçado das vias de transporte, tendo surgido diversas cidades às suas
margens. Por outro lado, a existência desse sistema de transportes impulsionou a expansão da
cultura cafeeira. Tal sistema de transportes era constituído pela Rodovia União-Indústria, e pelas
particular capitaneado pelo engenheiro Mariano Procópio Ferreira Lage, grande cafeicultor da
cidade de Rio Novo. Foi concebida para efetuar o escoamento da produção cafeeira de Minas
Gerais6, que até então transpunha a serra da Mantiqueira levada em lombo de burro. Usando de
ligações de amizade que o uniam ao Imperador, Mariano Procópio obtém a concessão para a
5
- GIROLLETTI, Domingos. op. cit., p. 93. Cinqüenta anos depois, no auge da cafeicultura, a região terá 250.000
habitantes.
6
-A produção de café exportado por Minas Gerais cresceu exponencialmente após a inauguração da rodovia, passando de
8.631 toneladas em 1860 para quase 20 mil toneladas em 1866 e, em seguida, para mais de 45 mil toneladas em 1871.
Se compararmos tais dados com as exportações brasileiras de café, veremos que enquanto as exportações de café de
Minas Gerais (em toneladas) cresceram 462% entre os anos de 1860 e 1870, as exportações brasileiras de café (em
libras-ouro) cresceram 127%, comparando-se os valores totais da década de 1851-60 com os de 1861-70. Vide:
CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. 2 ed. São Paulo: T. A Queiroz, 1983. p.270; e
LANNA, Ana Lúcia. A Transformação do trabalho. Campinas, Ed. UNICAMP, 1988. p.33.
16
construção de uma estrada macadamizada7 ligando Juiz de Fora a Petrópolis, com extensão de 144
quilômetros.
junho de l861. Para dar suporte à obra, foram construídas grandes instalações com oficinas, serraria,
cocheiras, escritório e alojamento. Tais instalações, distantes até seis quilômetros do núcleo urbano,
"Há doze anos o único meio de comunicação com o interior [de Minas]
partindo-se de Petrópolis, era um estreito carreiro para muares,
acidentado, perigoso, sobre o qual uma viagem de uma centena de milhas
exigia uma cavalgada de dois a três dias. Presentemente vai-se de
Petrópolis a Juiz de Fora em carruagem, do erguer ao por do sol, sobre
uma boa estrada de posta, que não cede lugar a nenhuma outra do
mundo."8
Juiz de Fora em 1875 e da Estrada de Ferro D. Leopoldina em 1886.9 Os diversos autores que
analisam esse período da história da região são unânimes em destacar o papel de pólo regional
desempenhado por Juiz de Fora a partir do momento em que tornou-se ponto de cruzamento de
diversas linhas de transporte. Ligação obrigatória entre o porto do Rio de Janeiro e o interior de
Minas (e de uma vasta região que atingia parte de Goiás e do Mato Grosso), a cidade:
7
- Moderna técnica de construção baseada na conjugação de sistemas de compactação de solos e drenagem, pela
primeira vez aplicada no país.
8
- ESTEVES, Albino. Álbum do Município de Juiz de Fora. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1915. p.61.
9
- A concorrência das ferrovias com a União-Indústria acabou por inviabilizar economicamente esta última. Ao retirar-
lhe o lucrativo mercado de cargas, levou a Cia. à falência.
17
"começou a aglutinar grandes interesses, tornando-se palco de grandes
negócios, de intensa circulação de mercadorias, de grande concentração e
acumulação de capital."10
Analisaremos agora a origem dos capitais das principais indústrias têxteis11 juizforanas
implantadas até 1930, procurando verificar a correlação porventura existente entre tais
trabalhos analisam o processo em termos bastante amplos, acabando por concluir que a atividade
e colocando Juiz de Fora numa posição de destaque frente aos demais municípios mineiros na
passagem do século XIX para o século XX.12 Devido aos limites colocados para este trabalho,
verificaremos a participação dos capitais cafeeiros apenas nas principais indústrias têxteis
implantadas em Juiz de Fora até 1930. Se isto esclarece parte da questão, por outro lado, nada nos
10
- GIROLLETTI, Domingos., p.51.
11
- Entendemos aqui como "indústria têxtil principal" aquelas que, organizadas antes de 1930, continuaram existindo
pelo menos até 1945.
12
- Entendemos que tal questão só será suficientemente esclarecida com estudos que, por um lado, desvendem a
composição do capital das atividades cafeeiras, suas formas de reprodução e o destino deste capital após a decadência
da cafeicultura na região e, por outro lado, analisem a correlação porventura existente entre capital cafeeiro e as
principais atividades econômicas da cidade e região.
18
Tabela 1 - Principais Fábricas Têxteis de Juiz de Fora - Década de 1930
Error! Bookmark ANO DE OPERA- TEARES CAPITAL PROPRIETÁRIOS
not FUNDAÇÃO RIOS (CONTOS) /ATIVIDADE ANTERIOR
defined.FÁBRICA
INDUSTRIAL Morrit & Cia; Andrew Stiele & Cia;
MINEIRA 1885 1.403 602 8.000 Withaker
/Firmas Inglesas
BERNARDO Bernardo Mascarenhas
MASCARENHA 1888 594 432 6.536 /Empresário Têxtil e Comerciante
S
ANTÔNIO Antônio Meurer
MEURER 1896-8 504 240 1.871 /Comerciante de Tecidos
MORAES Severiano de Moraes Sarmento
SARMENTO 1909 542 187 2.885 /Comerciante
SANTA Famílias Andrade / Junqueira
CRUZ 1914 460 180 3.463 /Cafeicultores
SÃO Família Ribeiro de Oliveira
VICENTE 1924 273 43 2.355 /Cafeicultores
SÃO JOÃO Teodorico Ribeiro de Assis
EVANGELISTA 1915* 213 27 2.139 /Cafeicultor
* Sabe-se que a fábrica existia em 1915, não conseguimos apurar a data de fundação da mesma.
Fonte dos Dados Biográficos: PROCÓPIO FILHO, José. Salvo erro ou omissão; gente juiz-forana. Juiz de Fora:
Edição do autor, 1979.
Observando os dados da Tabela 1, verificamos que, das sete maiores fábricas têxteis
organizadas em Juiz de Fora entre 1883 e 1924, em apenas três encontramos alguma vinculação
com o capital cafeeiro. É interessante destacar o fato de que essas três são justamente as menores
fábricas, sendo também as mais novas, tendo se organizado entre 1914 e 1924. Naquele momento, a
início da decadência da cafeicultura na região, levantamos a hipótese de que esses capitais, então
Tal migração de capitais dirigiu-se para uma atividade já consolidada, em cuja estruturação
inicial não se observa sua participação direta. Em outras palavras, não se observa a participação de
19
capitais diretamente acumulados na atividade cafeeira na formação das mais significativas fábricas
de Juiz de Fora. Durante todo o período por nós estudado foi a maior fábrica têxtil da cidade.13
pela implantação da indústria têxtil em Minas Gerais. Bernardo Mascarenhas liderava, com dois
outros irmãos, a companhia que construiu as fábricas têxteis pioneiras do Cedro (1872) e Cachoeira
(1875) na região de Curvelo. Em 1887, três anos após a morte do pai, separou-se da sociedade com
os irmãos e mudou-se para Juiz de Fora onde, já em 1888, inaugurou sua própria fábrica. A
acumulação inicial dos Mascarenhas, que deu origem à implantação da duas primeiras fábricas,
relacionava-se com as atividades de comércio de sal, charque e animais de tropas com o interior do
Estado.
indústria têxtil (fábricas Cedro e Cachoeira), foi também um autodidata que dominou os
conhecimentos técnicos e mecânicos de seu ramo, tendo feito diversas viagens de estudos à Europa
e aos Estados Unidos. Associado a outros, participou ainda da fundação dos seguintes
cidade); Banco de Crédito Real de Minas Gerais (1889); Academia de Comércio de Juiz de Fora;
13
- GIROLLETTI, Domingos. op. cit., p. 92, afirma ser a Industrial Mineira "a única empresa no período que, no nosso
conhecimento, fora organizada e era controlada por capitais estrangeiros".
Sobre esta empresa ver também:
FONSECA, Walter. Pequena enciclopédia da cidade de Juiz de Fora; gente, fatos e coisas. São Paulo: Ícone, l987.
p. 67.
ESTEVES, Albino. op. cit., p.282.
LESSA, Jair. op. cit., p.155.
OLIVEIRA, Paulino de. Efemérides juizforanas (1698-1965). Juiz de Fora: UFJF, 1975. p. 172 e 243.
20
Cia. Construtora Mineira; Cia. de Tecidos de Juta; Associação Promotora da Imigração. Foi
Em síntese, constatamos que as quatro primeiras grandes fábricas têxteis de Juiz de Fora,
constituídas entre 1883 e 1909, tiveram como origem de seus capitais o investimento estrangeiro
num dos casos, e a atividade comercial nos outros três. Já as três outras maiores fábricas,
No final do século passado Juiz de Fora sobressaiu-se como um dos centros urbano-
industriais mais importantes do país. Segundo Sônia Miranda, a cidade "foi o maior pólo comercial
14
- Sobre Mascarenhas e sua empresa consulte:
DIÁRIO MERCANTIL, Juiz de Fora, 31/05/1947. Encarte especial de aniversário da cidade, p. 1-3.
FONSECA, Walter. op. cit., p.82-83.
PROCÓPIO FILHO, José. Salvo erro ou omissão; gente juiz-forana. Juiz de Fora: Edição do autor, 1979. p.67.
ESTEVES, Albino. op. cit., p.285.
MASCARENHAS, Geraldo. Centenário da Fábrica do Cedro; Histórico, 1872-1972. Belo Horizonte: Companhia
de Fiação e tecidos Cedro e Cachoeira, 1972.
GIROLLETTI, Domingos. op. cit., p.86-92.
LESSA, Jair. op. cit., p. 205-9.
OLIVEIRA, Paulino de. História de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Dias Cardoso, 1953. p.119-21.
MASCARENHAS, Nélson. Bernardo Mascarenhas; o surto industrial de Minas Gerais. Rio de Janeiro: Aurora,
1954.
TAMM, Paulo. A Família Mascarenhas e a indústria têxtil em Minas Gerais. Belo Horizonte: Tip. Brasil Velloso
& Cia, 1940.
15
- Sobre a origem desses dois empreendimentos ver:
ESTEVES, Albino. op. cit., p.285.
PROCÓPIO FILHO, José. op. cit., p. 264, 275 e 278.
FONSECA, Walter. op. cit., p. 111.
21
e industrial da Zona da Mata de Minas Gerais, com níveis de concentração industrial comparáveis a
16
São Paulo." Mesmo não concordando totalmente com a autora quando compara o nível de
concentração industrial da cidade com o de São Paulo, entendemos que a análise de alguns pontos
iniciais, quanto ao papel de pólo comercial e industrial exercido em relação à Zona da Mata mineira.
95% entre 1890 e 1920, passando de 430.000 para 840.000 habitantes. Já a população do município
de Juiz de Fora, no mesmo período, cresceu 114%, passando de 55.185 para 118.166 habitantes.
Vemos, portanto, que a cidade funcionava como um centro de atração regional, apresentando um
percentual de crescimento maior que a média da região onde se inseria. Tal fato torna-se mais
relevante se observarmos que a população total de Minas Gerais apresentou uma taxa de
16
- Grifos nossos. MIRANDA, Sônia. Considerações preliminares para um estudo da industrialização em Juiz de Fora.
Campus, Juiz de Fora, 2 (2) : 93-109, 1 sem. 1988. p. 102.
17
- BRASIL, IBGE. Anuário estatístico do Brasil; Ano X. Rio de Janeiro, IBGE, 1950. p. 23-4.
22
de Juiz de Fora. Em 1890, 17.622 dos 55.l85 munícipes (cerca de 32%) viviam no perímetro
urbano. Em 1920, vemos que 51.392 dos 118.166 habitantes do município viviam no seu núcleo
urbano (43,5% do total). Assim como ocorria no restante do país, essa tendência à urbanização é
contínua e, entre 1940 e 1950, teremos aproximadamente 70% dos 129.092 habitantes do município
26% em 1877, chegando a 39% em 1925. Por outro lado, temos também que reconhecer os limites
dos dados apresentados que, por não identificarem o montante dos capitais envolvidos, da mão-de-
obra ocupada e do porte de cada um dos empreendimentos, não nos permitem tirar conclusões mais
períodos distintos. O primeiro, por ele caracterizado como de "implantação", iria de meados do
23
século XIX até 1890, caracterizando-se:
de 1920 a 1950, detalhada na Tabela 4, verificamos que os ramos Têxtil e de Alimentos e Bebidas
sempre predominaram. Esses dois setores somados perfaziam 33% do número de estabelecimentos
industriais, 19% dos capitais e 65% do pessoal empregado pela indústria em 1920. Com o passar do
tempo esse predomínio torna-se ainda mais acentuado, e chegamos a 1950 com os dois setores
responsabilizando-se por quase 37% do número de estabelecimentos industriais, 60% dos capitais e 68%
dos empregos industriais. Podemos constatar então que em 1920 os setores Têxtil e de Alimentos e
Bebidas caracterizam-se pelo uso intensivo de mão-de-obra e pela baixa capitalização, pois menos de
um quinto dos capitais industriais da cidade controlava praticamente um terço dos estabelecimentos e
dois terços dos empregos industriais. Este quadro sofre alterações e, em 1950, ocorre um maior
18
- GIROLLETTI, Domingos. op. cit., p.73.
19
- ibidem.
24
equilíbrio entre o percentual dos capitais controlados por esses dois setores e o de empregos neles
Os dados demonstram que, na década de 1920, Juiz de Fora ainda apresenta caraterísticas do
25
quadro clássico de industrialização nascente, onde predominam os setores de Alimento e Têxtil. Por
serem os que já contam com um mercado consumidor previamente formado, são comumente os
primeiros a se desenvolverem. Por outro lado, analisando os dados relativos aos anos seguintes,
notamos a manutenção ou até mesmo o aumento da participação relativa desses setores frente aos
demais. Adiantamos desde já uma avaliação a respeito desses dados, que será retomada mais
dinamismo desse processo, "congelando-se" nos seus patamares iniciais. Comparando Juiz de Fora
com outros centros industriais que não interromperam tal processo verificamos que, por não
ultrapassar a fase inicial de industrialização de bens de consumo, não chegando assim à fase de
Observando os dados por setores industriais, notamos que os setores de Madeira e Produtos
tempo, com cada um desses dois setores, saindo de 1920 com pouco mais de um sexto do capital
industrial da cidade (17,2% para o setor de Produtos Químicos e 18,9% para o de Madeira), e
chegando a 1950 com a ínfima participação de 0,7% dos capitais industriais totais, no caso do setor
de Produtos Químicos, e 1,9%, no caso do setor de Madeira. O setor de Couro e Calçados, por sua
vez, saindo de uma participação de apenas 1,3% dos capitais industriais totais da cidade em 1920,
estabiliza-se num patamar próximo a 5,5%. Já o setor metalúrgico, também fica num patamar
próximo a este, quanto à participação dos seus capitais frente aos capitais totais (com a exceção de
1939, quando chega a 13,9%). O setor de Alimentos e Bebidas apresenta uma trajetória inversa à
dos demais, pois não varia sua participação de 5,3% dos capitais entre 1920 e 1939, chegando a
20
- GIROLLETTI, Domingos. op. cit., p.118-31 e PAULA, Maria. op. cit., p.81-147, constituem as melhores análises da
causa do declínio da industrialização juizforana.
26
1950 com a participação mais do que duplicada de 12,5%. Finalmente, passaremos pelo setor Têxtil,
ao qual voltaremos mais adiante. Em 1920, ele representa 13,8% dos capitais totais da cidade e mais
do que triplica esta marca, chegando a 1939 com 44,5%. Observa-se ainda um pequeno aumento
desses índices, quando o setor Têxtil passa a representar 48% dos capitais industriais em 1950.
Vemos assim a folgada hegemonia exercida pelos capitais têxteis, que representam quase a metade
dos capitais industriais de Juiz de Fora entre 1939 e 1950, época em que ocupam aproximadamente
número de estabelecimentos industriais em todos os setores, com poucas exceções.21 Por outro
menor. Enquanto o número de indústrias aumenta 598% entre 1920 e 1950, a mão-de-obra ocupada
aumenta apenas 118%. Isto pode ter dois significados. Por um lado, uma maior mecanização das
indústrias já instaladas, o que permitiria que a mão-de-obra por elas dispensada viesse a ser
Por outro lado, analisando o número de empregados por indústria, constante da Tabela 5,
verificamos uma contínua diminuição de tal índice: em 1920, existiam em média 46 operários por
fábrica, em 1939, este número cai para 18; e em 1950, é de apenas 15 operários por fábrica.
Juntando-se a isto o fato de que a média de capital por indústria cai continuamente quando
trabalhamos com valores deflacionados, podemos concluir que o aumento do número de fábricas
instaladas significou uma maior pulverização da produção industrial, com as empresas mais
21
- Somente nos ramos "Alimento e Bebidas" e "Madeira" há um decréscimo do número de estabelecimentos entre os
anos de l939 e 1950. Temos que ressaltar também o ecletismo dos dados arrolados, coletados a partir de fontes
bastante diversas, e reagrupados para que pudessem ser comparados por ramo industrial.
27
Tabela 5 - Indústria de Juiz de Fora - 1920-1950 - Operários por Fábrica
RAMO DATA PESSOAL / Nº DE
INDUSTRIA ESTABELECIMENTOS
L
1920 153
TÊXTIL 1939 136
1950 52
ALIMENTO 1920 17
E BEBIDAS 1939 6
1950 6
METALÚR 1920 25
GICO 1939 9
1950 2
COURO E 1920 13
CALÇADOS 1939 13
1950 12
1920 13
MADEIRA 1939 5
1950 3
PRODUTOS 1920 9
QUÍMICOS 1939 3
1950 2
1920 28
OUTROS 1939 19
1950 15
1920 46
TOTAL 1939 18
1950 15
FONTE: Dados calculados a partir da Tabela 4.
A tabela 6 mostra-nos a variação percentual dos capitais industriais de Juiz de Fora segundo
os diferentes setores industriais, comparados à variação do valor adicionado total para os mesmos
28
Tabela 6 - Distribuição de Capitais da Indústria de Juiz de Fora (1920-1939) /
Valor Adicionado Total da Indústria de Transformação do Brasil (1919-1939)
SETOR JUIZ DE FORA BRASIL
INDUSTRIAL 1920 1939 VARIAÇÃO % 1919 1939 VARIAÇÃO %
TÊXTIL 13.8 44.5 + 30.7 29.6 22.2 - 7.4
ALIM. E BEBIDAS 5,3 5.3 0 26.2 28.6 + 2.4
METALÚRGICO (1) 6,7 13.9 + 7.2 4.5 11.4 + 6.9
COURO E CALÇADO (2) 1.3 5.8 + 4.5 10.6 6.6 - 4.0
MADEIRA (3) 18.9 3.6 - 15.3 6.9 5.3 - 1.6
PROD. QUÍMICOS 17.2 0.8 - 16.4 3.6 9.8 + 6.2
OUTROS 36.9 26.0 - 13.9 18.6 16.1 - 2.5
TOTAL 100.0 100.0 --- 100.0 100.0 ---
(1) Inclui indústria mecânica
(2) Inclui indústria do vestuário
(3) Inclui indústria do mobiliário
FONTE: Juiz de Fora: a partir da Tabela 4
Brasil: VILLELA, A. V. e SUZIGAN, W. Política do governo e crescimento da economia
brasileira (1889-1945). Rio de Janeiro, IPEA/INPES : 1973. P. 435.
Mesmo considerando que os dados a respeito de Juiz de Fora (distribuição dos capitais por
ramo industrial), não são comparáveis com tranqüilidade aos dados nacionais (valor adicionado
total), podemos verificar, pelo menos, que a tabela expressa fenômenos diametralmente opostos.
Nota-se que a tendência da indústria juizforana foi de reforçar a participação dos setores Têxtil,
Metalúrgico e de Couro e Calçados. Por outro lado, a nível nacional, vemos acontecer o inverso: tais
setores (excetuando-se a indústria metalúrgica) diminuem sua participação; enquanto que os setores
indústria em Juiz de Fora entre 1920 e 1950 como marcada por um constante aumento da mão-de-
obra ocupada. No entanto, esse aumento, que alcançou a marca de 118%, é bem menor que o dos
desproporção revelada por tais índices, verificamos que a média de operários e de capitais
29
investidos por fábrica também apresentará uma queda contínua. Interpretando tais dados
qualitativamente, podemos concluir que no período estudado a indústria de Juiz de Fora pulverizou-
se em unidades de porte cada vez menores, com capacidade de produção decrescente. Quanto à
composição de seu parque industrial, vemos a predominância do setor Têxtil, responsável por quase
metade dos capitais e quase 60% da mão-de-obra operária empregada. Logo após vêm os setores de
Notamos ainda que os setores em ascendência em Juiz de Fora são justamente aqueles que se
apresentavam em descenso a nível nacional. Isto nos leva a concluir que, no tocante à composição
de seu parque industrial, Juiz de Fora colocava-se em choque com a tendência nacional a partir dos
anos vinte, caracterizando-se como um centro industrial marginalizado, reduzindo-se cada vez
industrializados.
para a estagnação econômica da cidade. Para Girolletti,22 o processo de estagnação começa a partir
do momento em que Juiz de Fora perde sua função inicial de pólo centralizador das vias de
transporte que ligavam o Rio de Janeiro ao interior de Minas quando se constróem opções
rodoviárias e ferroviárias que não se entrecruzam mais na cidade. Esse mesmo autor acrescenta
ainda que a dependência de Juiz de Fora com relação ao Rio de Janeiro e São Paulo para colocar
itens de consumo, drenava para essas localidades importantes capitais da cidade. Essa migração de
22
- GIROLLETTI, Domingos. op. cit., p. 118-131. Para maiores detalhes sobre a lucratividade do setor t^%extil durante
a década de 40, vide anexos17 a 19.
30
para a estagnação de sua própria economia.
31
SEGUNDO CAPÍTULO
32
2- Segundo Capítulo: ESTADO E BURGUESIA TÊXTIL NO BRASIL - 1930-1945
2.1- Introdução
Dentre os estudos a respeito do período compreendido entre 1930 e 1945, destacam -se
duas grandes linhas de análise. Uma primeira que, partindo de uma abordagem estrutural da
Brasileira". Essa matriz analítica, muito em voga no final da década de 1960 e durante a de
1970, marcava-se pela valorização do Estado como o grande definidor do processo histórico.
das classes sociais e com a composição do Estado, nele identificava o grande responsável
pela formação do capitalismo brasileiro. Conforme aprofundaremos mais adiante, por trás de
tal concepção esconde-se tanto a idéia de classes sociais débeis e heterônomas como a do
Estado caracterizado como um "Grande Sujeito", capaz de ocupar o vácuo deixado pelas
classes socais.
de 1970 para a de 1980 colocou em cheque o paradigma predominante nas análises dos
movimentos sociais. 23 Afinal, a eclosão de tais movimentos ocorreu apesar dos pressupostos
23- “A novidade eclodida em 1978 foi primeiramente anunciada sob a forma de imagens, narrativas e análises referindo-se a
grupos populares os mais diversos que irrompiam a cena pública reivindicando seus direitos, a começar pelo primeiro,
pelo direito de reivindicar direitos”. Vide SADER, Eder. Quando novos personagens entram em cena; experiências e
lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo (1970-80). 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 26.
33
compreender um novo sujeito que se impunha no cenário político e social - que a todos
e das classes a ele ligadas - essa corrente analítica acabou por conceber um novo modelo de
análise cada vez mais distante de uma caracterização dos movimentos sociais como estan do a
nova postura teórica (identificando o movimento operário como sujeito efetivo nas
conjunturas em que atuava) ainda no início da década de 1970 24, somente nos anos 1980 é
que teremos oportunidade de ver tal postura sendo adotada em maior escala. Tomando como
base uma excelente síntese sobre a trajetória das Ciências Humanas na abordagem da classe
operária ou das classes populares formulada por Maria Célia Paoli, Eder Sader e Vera da
Silva Telles25, destacaremos três autores como fundamentais na formulação desta nova
24
- Vide: WEFFORT, Francisco. Participação e conflito industrial: Contagem e Osasco, Cadernos CEBRAP, 1971;
Sindicatos e política. Tese de livre-docência, USP, 1975; ------, Origens do sindicalismo populista no Brasil (a
conjuntura do após-guerra). Estudos CEBRAP, São Paulo: CEBRAP, (4): 65-105, abr-jun 1973. Ver também:
OLIVEIRA, Francisco. A Economia brasileira: crítica à razão dualista. Estudos Cebrap nº 2, São Paulo, 1972.
25
- Vide dos três autores: Pensando a classe operária: os trabalhadores sujeitos ao imaginário acadêmico. Revista Brasileira
de História, (6): 129-49, set 1983; e de autoria de SADER & PAOLI: Sobre "classes populares" no pensamento
sociológico brasileiro. In: CARDOSO, Ruth (org.). A Aventura antropológica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
Para conhecer outros levantamentos sobre a historiografia relativa ao tema.
BRANT, Vinicius Caldeira. Ouvriers et syndicats du Brésil. Sociologie du Travail, ano 9, Nº Especial, jul-set 1967. p.
352-61.
DUTRA, Eliana Regina de F. e GROSSI, Yone de Souza. Historiografia e movimento operário: o novo em questão.
Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, UFMG, (65): 101-30, jul 1987.
FERREIRA, Antônio Celso. No Fio da navalha: classes populares da República sob os olhos dos historiadores. História,
São Paulo, 8: 1-8, 1989.
JACOBI, Pedro. Movimentos sociais urbanos no Brasil: reflexão sobre a literatura nos anos 70 e 80. BIB, Rio de
Janeiro, (23): 18-34, 1º sem. 1987.
PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz. Cruzando fronteiras: as pesquisas regionais e a história operária brasileira. Anos 90,
Porto Alegre (3): 129-53.1995
RODRIGUES, Leôncio Martins e MUNHOZ, Fábio Antônio. Bibliografia sobre trabalhadores e sindicatos no Brasil.
Estudos CEBRAP, São Paulo, (7): 151-71, jan-mar 1974.
VIANNA, Luiz Werneck. Atualizando uma bibliografia: “novo sindicalismo”, cidadania e fábrica. BIB, Rio de Janeiro,
(17): 53-68, 1º sem. 1984.
34
abordagem.
O primeiro destes autores é Edgar De Decca, que com a obra "O Silêncio dos
social da época, o Bloco operário-camponês (BOC) para, a partir daí, enfocar o já clássico
movimento das elites agrárias em confronto com as novas elites urbanas. Ao fazê-lo, De
resultante da ação privilegiada do Estado, diante da fraqueza das classes sociais capitalistas
Para De Decca o ano de 1928 marcou o ápice de um crescente acúmulo de forças por
eventos de 1930 teriam significado uma disputa entre os setores dominantes pela hegemonia
memória histórica coletiva o real conflito de classes ocorrido. Segundo De Decca, a postura
acaba por esconder as muitas características comuns aos dois lados e, mais que isto, esconde
1978, inova ao tomar a fábrica como campo efetivo de lutas, e não apenas como locus de
formação de uma aristocracia operária" 30, representada pelos operários qualificados do setor
moderno da indústria. Segundo este mito, as novas condições de trabalho marcadas por altos
salários, maior estabilidade, melhor formação técnica, etc, teriam resultado numa divisão da
classe operária, que agora conviveria com uma parcela mais acomodada, por mostrar -se mais
29
- São Paulo, Brasiliense, 1982.
30
- Maroni cita explicitamente RODRIGUES, Leôncio M. Industrialização e atitudes operárias. São Paulo: Brasiliense,
1970. e ALMEIDA, Maria H. T. O Sindicalismo no Brasil: novos problemas, velhas estruturas. Debate e crítica, nº 6,
São Paulo, Hucitec, 1975 e Desarollo capitalista y acción sindical, Revista mexicana de Sociologia, 1978. Ver ainda:
ALMEIDA, Maria H. T. Estado e classes trabalhadoras no Brasil (1930-1945). São Paulo: FFLCH-USP, 1979.
(mimeo.)
31
- Como referências de estudos que adotam esta perspectiva Maroni indica: FREDERICO, Celso. A Vanguarda operária.
São Paulo: Símbolo, 1979. HUMPHREY, John. As raízes e os desafios do "novo" sindicalismo da indústria
automobilística. Trabalho e Dominação, Estudos CEBRAP, nº 26, Rio de Janeiro: Vozes, 1980.
36
A importância da perspectiva adotada por Amnéris Maroni está na caracterização da
ação da classe operária a partir do seu próprio cotidiano de trabalho, procurando as raízes das
grandes mobilizações grevistas que estudou no interior da própria classe que as empreendeu.
Embora hoje isto possa parecer uma atitude óbvia, naquele momento isto significava romper
com uma enraizada caracterização da classe operária como incapaz de ser explicada a partir
Na seqüência, a autora deixa claro que considera a cultura popular como existindo
numa relação com a cultura dominante. 33 Esta relação, embora marcada pela subalternidade
dos dominados, apresenta também espaço para que a cultura popular possa mostrar -se "capaz
direitos políticos e culturais explícitos." Este e outros textos de Chauí 34, constituíram-se em
referencial teórico de uma ampla gama de trabalhos posteriores sobre a classe operária.
Outra passagem da autora que nos interessa, por mostrar-se mais próxima do nosso
32
- CHAUÍ , Marilena. Conformismo e resistência. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 24.
33
- Carlo Ginsburg, baseando-se em Mikhail Bakhtin, propõe algo semelhante, quando analisa a cultura popular européia do
início do período moderno. Trabalha, concomitantemente, com os conceitos de dicotomia cultural e circularidade,
identificando um influxo recíproco entre a cultura subalterna e a cultura hegemônica. Assim, o estudo da cultura popular
pressuporia a compreensão de seu caráter subalterno que, no entanto, não a reduz a mero "reflexo" de determinações da
cultura dominante, uma vez que a própria dominação necessita absorver elementos da cultura a ser dominada para se
efetivar. Vide: GINSBURG, Carlo. O Queijo e os vermes; o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela
inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. (Prefácio).
34
-CHAUÍ, Marilena. Seminários. São Paulo: Brasiliense, 1984. e CHAUÍ, Marilena e FRANCO, Maria S. de C. Ideologia
e mobilização popular. Rio de Janeiro: Paz e Terra e CEDEC, 1978.
37
objeto, constitui uma síntese primorosa das principais limitações presentes nas interpretações
sobre o período de 1920 a 1938, que fazemos nossas para analisar o período de 1930 a 1945.
1) “ausência de uma burguesia nacional plenamente constituída tal que uma fração da
classe dominante pudesse oferecer-se como portadora de um projeto universalizante
que legitimasse sua hegemonia sócio-política.(...) Nenhuma [das frações de classe]
tinha condições para pôr-se como universal ou como classe dirigente;
3) presença de uma classe média (...) caracterizada por uma ideologia e por uma prática
heterônomas e ambíguas, oscilando tanto entre uma posição de classe atreladas às
frações da classe dominante (...), quanto radicalizando-se à maneira pequeno-
burguesa, atrelando-se à classe operária para emperrá-la e frear sua prática
revolucionária (...);
4) as duas primeiras ausências (...), engendram um vazio de poder que será preenchido
pelo Estado (...). O Estado surge, pois, como único sujeito político e como único
agente histórico real, antecipando-se às classes sociais para constituí-las como
classes do sistema capitalista (...);
35
- CHAUÍ, Marilena e FRANCO, Maria S. op. cit., p.19-21.
38
1- “Os pesquisadores trabalham com todas as situações possíveis e encontradas no
trabalho urbano, não restringindo-se à procura do operariado fabril, embora este
continue a ser priorizado; (...)
4- (...) a avaliação do que as "classes populares" são perde sentido, para se transformar
numa avaliação daquilo que os grupos estão enfrentando e estão sendo. Alarga-se
portanto a própria noção de política (e de legitimidade, de importância, de eficácia
das práticas). (...)
36
- SADER, Eder e PAOLI, Maria C., op. cit, p. 61-2.
39
40
2.2 - A Formação Do Estado Novo
Duas obras impõem-se a qualquer estudo que se faça sobre o Estado Novo, pela
destacam-se por terem conseguido fugir à armadilha com a qual o tema aprisionou diversas
o mesmo, ainda que pretendendo-se críticas, comumente reforçaram tal pretensão. Quando
critica-se o caráter fascista deste Estado, sem aprofundar-se na questão de quem efetivamente
usufruiu do mesmo, a quais interesses de classe atendeu, e dos mecanismos que des envolveu
para impôr-se (ou fazer-se aceito) pela sociedade, pode-se cair no exagero de pintar um
permear tudo isto com uma saborosa erudição. Ao fim, apresenta-nos um retrato do Estado
Novo que se mostra muito mais aterrador justamente por não estar enfocado apenas pelas
clareza”, para completar mais adiante com a constatação de que “o Estado Novo levou a sério
a existência da luta de classes, assim como as possibilidades reais da classe operária no jogo
37
- 2 ed. São Paulo: Papirus, 1989.
38
- São Paulo: Brasiliense, 1984.
41
do poder”.39 Mas o autoritarismo não se encontra apenas na estrutura do Estado pois:
desfilar de leis, artigos e incisos, busca numa análise histórica de bases mais amplas a
compreensão do significado das leis trabalhistas. Para tanto, após resgatar o enfrentamento
pode ser compreendida a partir do papel que tenta impingir ao proletariado. Isto significa
como conquista operária, para enxergá-la como um dos cenários do enfrentamento de classes.
Assim, mais que procurar um significado único para seu objeto, o estudo tenta mostrar como
reside na premissa de que nenhum dos lados abdica ou perde sua condição de sujeito capaz
Munakata nos mostra como os industriais não adotaram o liberalismo, pelo contrário,
39
- op. cit., p.22.
40-
id., p. 44.
42
procuraram a proteção do Estado contra a concorrência de indústrias mais fortes e maduras.
Além disto o corporativismo teria como função básica criar estruturas que impedissem que o
social.
círculo dominante. Entre 1930 e 1945 redefiniu-se a convivência das diversas frações
diferentes frações: se antes tinham que formar partidos políticos estaduais que lhes
segmentos sociais em níveis estritamente técnicos. Com isto, vemos o Estado tentando
dos setores agrícolas voltados para o mercado externo. A política econômica getulista
41
- Em 1931 foram criados o Instituto Nacional do Café e o Instituto do Cacau da Bahia. Em 1933, o Instituto do Açúcar e
do Álcool. Em 1934, o Instituto de Biologia Animal. Durante o Estado Novo, criou-se, em 1938, O Instituto Nacional do
Mate. Em 1940, o Instituto Nacional do Sal e, no ano seguinte, o Instituto Nacional do Pinho. Finalmente, em 1945, cria-
se o Serviço Nacional do Trigo.
43
concepção e implementação de políticas que atendessem aos seus interesses . 42
Atrelado a essa miríade de órgãos burocráticos, o modelo sindical implantado fez dos
Esta nova forma de relação do Estado com as diversas frações da classe dominante
órgão específico do Estado com o qual se relacionariam, o poder central colocava-se como
poderemos verificar na análise da relação da burguesia têxtil com esse mesmo Estado, essa
42
- Dentre outros, destacamos a organização do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio ainda em 1930. No ano
seguinte, cria-se o Departamento Nacional do Trabalho. O ano de 1934 foi marcado pela criação do Conselho Federal de
Comércio Exterior, do Plano Geral de Viação Nacional e da Comissão de Similares. Em 1937, assiste-se à implantação
do Conselho Técnico de Economia e Finanças. Em 1938, organiza-se o Conselho Nacional do Petróleo. Em 1939, foram
constituídos o Plano de Obras Públicas e Melhoramento da Defesa e o Conselho de Águas e Energia. Funda-se a Fábrica
Nacional de Motores em 1940. Datam de 1941 a Companhia Siderúrgica Nacional, a Comissão de Combustíveis e
Lubrificantes e o Conselho Nacional de Ferrovias. No ano seguinte, são criados o Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI) e a Comissão da Vale do Rio Doce. Em 1943, temos a implantação do Serviço Social da Indústria
(SESI), da Companhia Nacional de Álcalis e da Coordenação da Mobilização Econômica. Em 1944 foram constituídos o
Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial e a Comissão de Planejamento Econômico. Finalmente, em 1945,
cria-se a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC).
Como referência para um estudo da estrutura político-administrativa do país no período de 1930 a 1945 indicamos:
IANNI, Octávio. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1977. pp. 11-71.
43-
Ângela de Castro Gomes, citando Guilherme O’Donnell, considera que “uma das características da estruturação
corporativista de relações entre Estado e sociedade é seu caráter bifronte - estatizante e privatista - que significa uma
interpenetração oficial estreita e direta entre órgãos públicos e organizações ‘privadas.’” Em seguida, ressaltando que
junto com a “abertura privatista” deve-se considerar o “caráter segmentário” e desigual desta relação, onde, em relação
às classes populares, destaca-se o componente de controle (repressão e desmobilização do sindicato livre) enquanto que,
em relação às frações da classe dominante, destaca-se uma relação de interpenetração e de “mútuo controle” (sobre elas
o controle é menos direto e menos coercitivo, havendo também maior espaço de negociação). Vide: Burguesia e
trabalho; política e legislação social no Brasil 1917-1937. Rio de Janeiro: Campus, 1979. p. 218.
44
autonomia é apenas aparente. O que realmente ocorreu foi a predominância de algumas
Eli Diniz44 nos esclarece que, no jogo político disputado pelas diferentes frações
essas últimas tinham acesso aos órgãos que definiam as políticas setoriais que mais lhes
diziam respeito; mas o mesmo não acontecia no tocante aos órgãos definidores de políticas
Durante o período que mais nos interessa, o da Segunda Guerra Mundial, as frações da
classe dominante mais beneficiadas foram aquelas que constituíram-se em alvo da política de
44
- DINIZ, Eli. O Estado Novo: estrutura e poder. In: FAUSTO, Bóris (org). História Geral de Civilização Brasileira.
3 ed. São Paulo: Difel, 1986. t. III, 3º v. p. 106.
45
-ibidem., p. 118. Nos apropriamos do modelo analítico, sem, no entanto, concordarmos com suas conclusões que
identificam uma grande autonomia do Estado frente às frações burguesas dominantes. Entendemos que a burguesia
industrial conseguiu efetivamente construir uma hegemonia sobre as "instâncias decisórias centrais", enquanto que as
forças oligárquicas foram reduzidas às "instâncias secundárias".
45
siderúrgicos semi-acabados (beneficiados pela organização da Companhia Siderúrgica
Nacional).
Precisamos atentar para outras características do Estado nesse período, para melhor
compreendermos seu caráter autoritário. O Estado Novo foi marcado pelo fortalecimento do
Executivo frente aos demais poderes; pelo crescimento da participação das receitas federais
frente às estaduais e municipais, através da criação e aumento dos tributos federais; pelo
político dos cargos de governador e prefeito, que passaram a ser indicados pelo governo
central.
curiosa cerimônia que marcou o “enterro” do Federalismo por parte dos revolucionários de
1930:
Novo. Atentemos para a interpretação de Francisco Campos, então Ministro da Justiça, que
46
- Apud. CARONE, Edgard. O Estado Novo (1937-1945). 5 ed. São Paulo: Bertrand Brasil, 1988. p. 164.
47- Id. ib.
46
Já Edgard Carone assim analisa a questão:
Iniciava-se assim a última fase do primeiro governo Vargas, que concentrou poderes
mais adiante, a conjuntura de guerra reforçou ainda mais esse processo político -econômico
48- Ibidem
49
-DUTRA. Eliana Regina de Freitas. O Fantasma do outro - espectros totalitários na cena política brasileira nos anos 30.
Revista Brasileira de História, São Paulo, 12 (23/24):125-40, set 1991 - ago 1992.
47
de centralização; ao mesmo tempo em que se stituiu no seu limite pois, finalizada a Guerra,
A centralização política empreendida durante o Estado Novo teve como ponto inicial a
outorgada à nação, abolia ainda o legislativo a nível estadual e municipal e prescrevia que os
passou a ser governado através de decretos-leis. A nova carta dava ainda autonomia ao
militares que ameaçassem os "interesses nacionais". O artigo 186 da nova carta permitia a
e câmaras, foi transferido para o governo federal. Em 1938, foi criado o DASP
a partir de 1939, quando passou a ser responsável pelo controle e acompanhamento das
50- Para um estudo das repercussões dos acontecimentos de 1930-1945 em Minas Gerais vide:
DUTRA, Eliana Regina de F. A Supressão da desordem nos anos 30: Minas em tempos sombrios. Revista Brasileira
de Estudos Políticos, Belo Horizonte, UFMG, (73): 75-115, jul 1991.
RESENDE, Maria Efigênia L. de. Reação Oligárquica e avanço centralizador em Minas Gerais no Pós-Revolução de
outubro de 1930. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, UFMG, (65): 7-44, jul 1987.
RESENDE, Maria Efigênia L. de. Às vésperas de 37: o novo/velho discurso da ordem conservadora.. Revista
Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, UFMG, (73): 7-51, jul 1991.
48
interventorias estaduais e municipais. Esse controle era efetuado através dos Departamentos
1937, quando foram abolidos os partidos políticos. Ao proibir-se também todo o "uso de
os integralistas, que até então apoiavam o golpe do Estado Novo, sonhando ver s eu líder,
"putsh" foi ridicularizado pela imprensa carioca como o "Golpe do Pijama". De fato, eram
risíveis tanto o despreparo dos poucos homens envolvidos quanto as falhas táticas e
estratégicas da ação. Por outro lado, esse verdadeiro "Exército Brancaleone" encontrou pela
frente uma reduzida guarda palaciana e conseguiu, por uma noite inteira, fazer prisioneiro o
51
- DINIZ, Eli. op. cit, p. 110.
52
- SEINTENFUS, Ricardo, op. cit., p. 157.
53
- idem., p. 195-8. Esse autor mostra que uma suspeita "apatia" do primeiro escalão do Governo, tardando em solidarizar-se
ou em efetivamente defender seu chefe, poderia esconder desconhecidas articulações com os integralistas ou a ambição
dos que eram próximos a Vargas de obterem vantagens com a sua deposição.
49
líderes do integralismo. Conseguiu também reforçar o seu discurso que apresentava o Estado
Novo como a solução para a nação ameaçada pelos extremismos de esquerda e de direita.
a desempenhar um papel cada vez mais destacado na cena política brasileira. Se, com o golpe
implantado. Seu peso político acentuou-se com o golpe do Estado Novo. Grande parte dos
analistas do Estado Novo enxergam nas forças armadas e na burocracia estatal os sujeitos
Thomas Skidmore, por exemplo, valoriza em demasia o papel das forças armadas e,
pelas forças armadas, cita trechos de um discurso no qual Sales de Oliveira suplica pela não
intervenção das forças armadas a favor de Getúlio, às vésperas do golpe do Estado Novo. 55
Mais adiante, o autor incorpora a visão expressa por suas fontes, ao apresentar o Estado
54
- A título de exemplo confronte SKIDMORE, Thomas. Thomas.Brasil: de Getúlio a Castelo. 5 ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1976. e CARONE, Edgard. op. cit.
55
- Sales de Oliveira teria dito que "ao Exército e à Marinha cumpria montar guarda às urnas e velar para que o país obtenha
nelas um governo de autoridade...". Finalizando dramaticamente sua fala, faz o seguinte apelo: "A nação está voltada
para os chefes militares: suspensa, espera o gesto que mata ou a palavra que salva.". Vide: SKIMORE, Thomas. op. cit.,
p. 49.
50
desacreditá-los ou reprimi-los, ao mesmo tempo que cultivando
cuidadosamente o apoio de grupos de poder solidamente
estabelecidos, tais como Os fazendeiros de café e os militares
superiores."56
uma parcela significativa da historiografia sobre o Estado Novo. Dedicaremo -nos mais em
caracterização do Estado Novo efetuada por Lourdes Sola, que já aponta para a diferença
significado histórico.
56
- SKIDMORE, Thomas. op. cit., p. 50.
57
- ibidem p. 54.
51
Novo apareça como um golpe de elites político-militares contra
elites político-econômicas."58
interesses dos militares e dos industriais no desenvolvimento industrial do país. Segundo essa
para o aumento do poderio militar. Após mostrar essa articulação de interesses Diniz
esclarece que
Assim, Eli Diniz pinta um complexo quadro onde o Estado Novo resulta de um
58
- SOLA, Lourdes. O Golpe de 37 e o Estado Novo. In: MOTA, Carlos Guilherme. O Brasil em perspectiva. 16 ed. Rio
de Janeiro: Bertrand, .1987. p. 258. (grifos nossos)
59
- DINIZ, Eli. op. cit., p. 98.
60
- Pinheiro chama atenção para o peso que as forças armadas tiveram na definição de questões estratégicas como a
decisão da construçao da CSN e da nacionalização do petróleo, suplantando até mesmo o envolvimento direto da
burguesia industrial. Vide PINHEIRO, Paulo Sérgio. Getúlio Vargas (1883-1954): reexame de alguns mitos. Estudos
CEBRAP, São Paulo, Edições CEBRAP, (10): 131-40, out-dez 1974.
52
ideológico do nacionalismo como elemento de ligação entre vivências, práticas políticas e
interesses tão díspares, expressados pelas Forças Armadas, pelas diversas frações da
61
- FONSECA, Pedro César Dutra. Vargas: o capitalismo em construção 1906-1954. São Paulo: Brasiliense, 1987 pp.
202-20.
53
2.3 - Evolução Da Indústria Têxtil Nacional
Segunda Guerra Mundial como o período mais favorável por ela vivenciado. 62 Isso porque
esse ramo industrial saía de um longo ciclo de crises, compreendido entre os anos 1925 e
poder aquisitivo da maior parte da população, com preços artificialmente elevados dos
produtos têxteis nacionais. O artificialismo dos altos preços dos tecidos advinha tanto da
instalado. Outros fatores que contribuíam para elevar os custos da produção nacional seriam
62
- STEIN, Stanley J. Origens e evolução da indústria têxtil no Brasil - 1850/1950. Rio de Janeiro: Campus, 1979. pp.
164-71;
SANTOS, Genival. A Recuperação da indústria têxtil mundial e o Brasil. s.l., CETex (Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio): 1948. p. 77;
BRASIL, Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (CETex). A Indústria têxtil do algodão e da lã. s.l., 1949. pp.
129-30;
VILLELA, Aníbal & SUSIGAN, Wilson. Crescimento da renda real durante a II Guerra Mundial, 1940/1945. In:
VERSIANI, Flávio R. & BARROS, José R. Mendonça de. Formação econômica do Brasil; a experiência da
industrialização. São Paulo: Saraiva, 1977.p. 220;
DEAN, Warren. A Industrialização de São Paulo (1180-1945). 3 ed. São Paulo: DIFEL, s.d., p. 235-8.
SÁ, Francisco de. Indústria de fiação e tecelagem de algodão. Boletim do Ministério do Trabalho Indústria e
Comércio, Rio de Janeiro, 8 (90): 101-13, fev 1942.
AMARAL, Luiz. Pequena história do algodão no Brasil. Boletim do Ministério do Trabalho Indústria e Comércio,
Rio de Janeiro, 7 (79): 188-201, mar 1941.
54
de tecidos mais rústicos e ao ramo de sacaria. Para tanto, contavam com alguns fatores
favoráveis tais como acesso facilitado a uma mão-de-obra mais barata; a matérias-primas
também mais baratas por serem produzidas em locais mais próximos e por dedicarem -se a
alto custo dos transportes. Assim, as fábricas de maior porte, geralmente situadas em cidades
mais rústicos e populares para as fábricas do interior; ao mesmo tempo que, pelo menos até o
final da década de 1920, tinham que enfrentar a concorrência com os tecidos importados no
Rio de Janeiro, desenvolveu uma campanha de defesa de seus interesses que desdobrava -se
em dois níveis: a) luta pelo aumento das tarifas alfandegárias incidentes sobre os tecidos d e
O aumento das tarifas incidentes sobre a importação de produtos têxteis em 66% foi
63
- Destacamos o fato de que tal "conquista" da burguesia têxtil se deu antes de 1930, o que enfraquece a interpretação da
"Revolução " de 1930 como um marco inicial do acesso da burguesia industrial ao aparelho de estado. Notamos ainda
que, se os acontecimentos de outubro de 1930 marcaram uma mudança na qualidade das relações entre burguesia
industrial e Estado, isso não significa que antes a citada burguesia estivesse totalmente alijada de acesso ao mesmo.
55
Tabela 7 - Importação de Tecidos de Algodão - Brasil - Valores Anuais Médios -
1925-1949
cartelizadores" aparentemente fecharam assim um rígido círculo: não tinham mais que temer
a concorrência externa devido à proteção tarifária; nem tão pouco novos concorrentes
durar até março de 1934, acabou sendo prorrogada até março de 1937. Após um curto
No entanto, vários fatos demonstram que a indústria têxtil realmente não vivenciava
uma crise de superprodução naquele período em que reivindicou e obteve tantas proteções.
No citado período, várias fábricas instituíram dois ou mais turnos de produção. Stein aponta
64
- A proibição se deu através do Decreto nº 19.739, de 07/03/1931. Vide: STEIN, Stanley. op. cit., p. 144-6.
56
de teares desenvolveu-se extraordinariamente no período. Esse autor exemplifica com dados
da produção da maior fábrica de teares da época, que produzia cerca de 30 teares por mês em
1930 e saltou para uma produção de 130 teares por mês em 1936.65 Tudo isso culminou num
A Tabela 8 nos mostra ainda que o período de 1925 a 1929 foi de subprodução, e não
de superprodução, como apregoavam alguns industriais têxteis, uma vez que a média da
produção anual desse qüinqüênio é inferior em mais de 110 milhões de metros à média da
produção anual do qüinqüênio anterior. Ocorria, na verdade, uma crise de subconsumo, com
os índices de consumo de tecidos per capita caindo. Cabe aqui uma reflexão sobre a
diagnóstico dos industriais têxteis (tomar como prioridade estratégica a restrição da oferta e
65
- ibidem., p. 148.
57
mentalidade capitalista que os referidos industriais demonstravam possuir naquele momento,
que os levou a uma opção de cunho eminentemente político e social: como o incremento da
restringir a oferta através da imposição estatal, mostrava-se como a opção mais viável ou a
repercutir sob a economia mundial, a indústria têxtil nacional encontrava-se numa posição
extremamente cômoda. Conforme analisamos anteriormente, desde 1928 ela contava com a
equipamentos têxteis tornara-se bem mais difícil. Com o início da Guerra, a produção de
tecidos dos países europeus diminuiu, devido à conversão de sua indústria para atender ao
equipamentos têxteis. Assim, a Segunda Guerra acabou por tornar fato consumado aquilo que
tecidos, fazendo o seu preço disparar, no momento em que não havia como importar grandes
58
fusos.66 A conjuntura de guerra modificou totalmente o papel desempenhado pela indústria
tecidos, predominante até o final de década de 1920, para a de grande exportador, durante o
FONTE: STEIN, Stanley. Origens e evolução da indústria têxtil no Brasil -1850/1950. Rio de Janeiro:
Campus, 1979. p. 194.
66
- CF. carta do SIFTA-RJ a Roberto Simonsen, de 14/07/1939.
59
"Nossa indústria têxtil desfrutou, durante a segunda guerra
mundial,[de] uma situação excepcionalmente favorável. Os
mercados interiores ficaram na inteira dependência do produto
nacional, afastada a possibilidade da concorrência estrangeira.
Quanto aos mercados externos, (...) tornaram-se-nos fáceis os
negócios mais vantajosos nos países sul-americanos e na África,
havendo os nossos tecidos de algodão penetrado em todos os
continentes, exceto a Oceania." 67
Porém, esse mesmo autor nos mostra que a "penetração em todos os continentes,
exceto a Oceania", para os casos da América do Norte e Central, Europa e Ásia equivaleu a
pouco mais que 10% das exportações realizadas entre 1940 e 1947, conforme podemos
Am. do Sul 11.854 89,9 31.119 59,9 29.903 67,5 13.764 44,7 86.640 61,8
África 828 6,3 18.863 36,3 7.358 16,6 12.245 39,8 39.294 28,0
Am. Norte e Central 430 3,2 1.259 2,4 2.980 6,7 348 1,1 5.017 3,6
Europa 11 0,1 246 0,5 3.086 7,0 1.422 4,6 4.765 3,4
Ásia 69 0,5 485 0,9 989 2,2 3.002 9,8 4.545 3,2
Total 13.192 100,0 51.972 100,0 44.316 100,0 30.781 100,0 140.261 100,0
FONTE: SANTOS, Genival. A Recuperação da indústria têxtil mundial e o Brasil. s./l. CETex (Ministério
do Trabalho, Indústria e Comércio), 1948. p.127.
Por outro lado, conforme podemos verificar na tabela abaixo, os preços obtidos por
67
- SANTOS, Genival. op. cit., p. 77.
60
Evidentemente, tal fenômeno constituiu-se no mais forte incentivo ao aumento das
a partir da constatação de que o total exportado nos vinte anos compreendidos entre 1920 e
1939 alcançou a marca de 6.724 toneladas, equivalendo a cerca de um quarto das 26.046
68
- Já em 1942 as exportações de tecidos representavam o segundo item de nossas exportações, perdendo apenas para o café.
Vide: DEAN, Warren, op. cit., p. 237.
61
por década, poderemos visualizar com maior nitidez tais transformações.
FONTE: STEIN, Stanley. Origem e evolução da indústria têxtil no Brasil - 1850/1950. Rio de Janeiro:
Campus, 1979. p. 192-3. (dados reagrupados).
produção têxtil do país no período, quando a produção média anual por década quase duplica,
passando de 60 mil toneladas na década de 1920 para 112 mil toneladas na década de 1940,
aumentando em 87%. Por outro lado, demonstra também que não podemos superestimar a
Isto porque as importações de têxteis de algodão têm uma participação de menos de 10% do
consumo nacional na década de 1920, quando atinge sua melhor fase. As exportações por sua
vez, terão apenas uma relativa importância na década de 1940, quando absorvem cerca de
13% da produção nacional. Oscilando entre esses pólos, a década de 1930 apresenta valores
inexpressivos tanto de exportações quanto de importações, que não chegam a atingir a 1%. 69
69
- Se nas tendências de médio e longo prazo o mercado externo mostra uma influência tão tímida, menos desprezível se
torna sua participação em algumas conjunturas mais localizadas. Comparando o percentual das importações com o da
produção interna de tecidos de algodão veremos que, durante a década de 1920, a participação das importações oscilou
entre o mínimo de 3,6% e o máximo de 14,3%. Já as exportações, durante a década de 1940, oscilaram entre 4,7% e
22,3%.
62
impressionar, no qualitativo destaca-se o fato de que o crescimento das importações de
tecidos, ocorrido na década de 1920, teve que ser interrompido por uma incisiva política
tarifária protecionista. Observa-se ainda que, mesmo com uma participação que não chegou a
aumentos dos preços internos dos tecidos. Por outro lado, constata-se também que, durante a
década de 1940, quando o país colocou em média 13% de sua produção de tecidos de
algodão no mercado externo, isso foi suficiente para fazer os preços internos acompanharem
1930, teve desdobramentos futuros tão importantes quanto duradouros. A indústria têxtil
da produção bastante obsoletos. Isto porque nossas fábricas não se reequiparam no momento
principalmente para mercados não mais atendidos pelos exportadores europeus tradicionais
(com destaque para os países vizinhos da América do Sul e outros da costa da África). 70 Mas
com o fim da Guerra, tais mercados foram perdidos com a mesma velocidade que foram
equipamentos produzidos após o fim dos conflitos. Se durante a década de 1930 já estávamos
tecnológico; vimo-nos em condições ainda piores após o final da década de 1940, por
contarmos com máquinas que, além de antigas, encontravam-se desgastadas devido ao uso
70
- "Ninguém ignora que a substituição imediata e sem dificuldades dos tecidos ingleses, japoneses, italianos e belgas pelos
brasileiros, a partir de 1939, em vários mercados externos, decorreu da ausência daqueles." (...) "Não se trata portanto de
uma preferência. Aceitou-se simplesmente uma imposição das circunstâncias." SANTOS, Genival. op. cit., p. 81.
63
intensivo que sofreram durante o período da Guerra.
Vilella e Susigan assim analisam tal conjuntura:
Os efeitos desta defasagem iriam ser sentidos ainda por muitos anos. Parece que o fim
das condições excepcionais desfrutadas durante a Segunda Guerra mergulhou o setor têxtil
numa crise que dificultou seu reaparelhamento. O uso intensivo, advindo da generalização da
aprofundado estudo que abrangeu 855 estabelecimentos industriais, 39,8% das máquinas em
71
- VILLELA, Annibal & SUSIGAN, WILSON. Política do governo e crescimento da economia brasileira 1889-1945.
Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1973. p.230-2.
72-CEPAL. A Indústria têxtil do Brasil; pesquisa sobre as condições de operação nos ramos de fiação e tecelagem. s/l.
1962. v. 1, p. 102.
Segundo este estudo, a defasagem dos equipamentos nem se constituía no principal problema do setor: “do total da
‘deficiência global de operação’, 67% correspondem à deficiência de operação com a maquinaria atual e 33% são
devidos ao obsoletismo da maquinaria” (v. 2, p. 205). Ou seja, dois terços dos problemas da indústria têxtil em 1960
foram atribuídos a fatores como má utilização do equipamento disponível, qualidade da matéria-prima, layout das
fábricas, deficiências administrativas, etc. É razoável supor que tais problemas, se não fossem maiores, teriam pelo
menos a mesma intensidade no período por nós estudado.
64
desfrutar após perderem seus mercados externos.
estabelecimentos industriais.
65
Tabela 13 - Indústria em Geral e Indústria Têxtil Brasileira - 1940
(Nº de Estabelecimentos, Mão-de-Obra Ocupada e Faturamento)
comparada com o restante do setor industrial brasileiro, apresentava uma concentra ção de
operários por estabelecimento cinco vezes maior que a média do país. Verificamos também
que o ramo têxtil usava mais intensivamente mão-de-obra do que capital. Notamos ainda que,
Segunda Guerra Mundial, estaremos nos referindo ao setor industrial que emprega o maior
número de pessoas, e que é o terceiro setor em capitais acumulados. 74 O setor têxtil apresenta
estabelecimentos existentes, demonstrando que o porte das suas unidades industriais é bem
73
- Para conhecer a concentração de operários por empresa e por Estado da Federação; a distribuição da mão -de-
obra por sexo e idade; a distribuição percentual da produção por Estado, vide, respectivamente, os anexos 14,
15 e 16.
74
- Perde por pouco para o setor de alimentos e fica bem distante dos setores de produção e distribuição de energia elétrica e
de abastecimento de água e esgoto. Tradicionalmente estes dois últimos setores são os que mais concentram capitais em
grande escala.
66
superior à média nacional.
67
2.4- Militarização das Atividades Civis durante a Segunda Guerra
Até aqui, pudemos verificar a invejável situação desfrutada pela indústria têxtil
Mas como a importação de novas máquinas era quase impossível, tal aumento da produção
O primeiro alvo destas modificações foram os sindicatos, que viram-se ainda mais
de 31/08/42, determinava que "as entidades sindicais de qualquer grau (...) colaborarão,
ainda que:
75
- Neste ponto baseamo-nos amplamente nos comentários desenvolvidos por Maria Célia Paoli, nos únicos trabalhos que
efetivamente analisam tal questão: PAOLI, Maria Célia. Trabalhadores e cidadania: a experiência do mundo público na
história do Brasil moderno. Estudos Avançados, IEA-USP, São Paulo, 3 (7): 40-66, set/dez 1989. ------, Os
Trabalhadores urbanos na fala dos outros. Tempo, espaço e classe na história operária brasileira. In: LOPES, José Sérgio
L. (org.). Cultura e identidade operária. Rio de Janeiro, Marco Zero, s.d. pp. 88-9.
Hélio da Costa e Ângela de Castro Gomes também passaram por estas questões, a partir dos textos de Maria Célia
Paoli. Vide, respectivamente: Em Busca da memória; comissão de fábrica, partido e sindicato no pós-guerra. São
Paulo: Scritta, 1995. p. 15-24 e A Invenção do Trabalhismo. São Paulo: Vértice, Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988.
p. 244-5.
É interessante destacar a omissão da historiografia no registro da existência destes fatos, antes das análises realizadas
por Paoli. Foi com extrema dificuldade que encontramos alguns indícios superficiais como em DEAN, Warren. A
Industrialização de São Paulo (1880-1945). 3 ed. São Paulo: Difel. s.d. cap. XI. e STEIN, Stanley. Origem e evolução
da indústria têxtil no Brasil 1850-1950. Rio de Janeiro: Campus. 1979. p. 167-84.
68
1- As assembléias só se realizariam com permissão do Ministério do Trabalho, Indústria
Comércio.
nacionalidade".
6- Os "súditos dos países com quem o Brasil estivesse em Estado de Guerra" estariam
Na mesma data foi publicado o Decreto-Lei 4638, que facultava a rescisão do contrato
de trabalho dos operários "súditos dos países com quem havíamos rompido relações ou
salário para cada ano de serviço), equivaleria à metade da prevista para os demais operários,
69
Decreto explicitava ainda estar suspendendo o direito de estabilidade após dez anos de
serviço para os casos em que se aplicava. Como limite à aplicação indiscriminada, impunha a
obrigação de se contratar um brasileiro para cada vaga assim aberta, embora previsse a
ônus.
Podemos ter uma idéia do quanto esta legislação foi utilizada de forma arbitrária,
de 1942 noticia que Sebastião de Paula Netto venceu uma ação trabalhista na qual
questionava sua demissão, após ter sido detido por elogiar países do Eixo, e não fornecer ao
a atitude do empregador de "erigir-se em julgador", enquanto a lei definia que seu papel seria
Comércio, requerendo autorização para efetuar a demissão. Considerava ainda que Sebastião
Janeiro dirige-se ao sindicato patronal solicitando "a vossa atenção, o vosso conselho, o
salarial a que submetera dois de seus funcionários. Tratava-se João Maynarde, natural da
Itália, chegado ao Brasil com 2 meses de idade, contando com 33 anos de serviço na
Carlos Rosner, natural da Alemanha, chegado ao Brasil com 4 anos, trabalhando há 46 anos
70
na empresa, "tem um filho no Exército Brasileiro e ama e admira o Brasil." Ambos foram
demitidos em agosto de 1942 quando "os navios brasileiros foram covardemente afundados
salários. João Maynarde, que recebera 916$000 em março de 1942, recebeu apenas 562$000
em outubro do mesmo ano, sofrendo uma perda salarial de 39%. Carlos Rosner por sua vez,
recebera 1:120$000 e 646$000 nas respectivas datas, perfazendo uma perda salarial de 42%.
Após outros tantos elogios a Getúlio Vargas, loas à pátria e às "dignas e benéficas classes
Tanta subserviência parece não ter sido suficiente pois, em ofício 76 datado de 21 de
Conciliação e Julgamento na qual Carlos Rosner movera uma reclamação contra a América
Fabril.
reportagem, chamando atenção para a contradição entre o perigo potencial atribuído a Ioshio
76
- Of. 609/43, SIFTA-RJ. A Carta do Sindicato dos Mestres e Contramestres constitui um anexo do mesmo.
77
- FOI preso o japonês das balas pucha-pucha. Gazeta Comercial, Juiz de Fora, 25/03/1942, p. 4.
71
“A polícia local não tem dado tréguas aos nossos inimigos,
principalmente os japoneses. Esses amarelos, vindos do Japão (sic),
encontram um vasto campo de ação, procurando por todos os meios
ludibriar a boa fé das autoridades do país(...)
No decorrer do dia de ontem, o investigador Quelote, por
ordem do delegado especializado, efetuou a prisão, para
averiguações, do amarelo Ioshio Kitakase, natural de Kioto, estando
no Brasil há mais de doze anos(...)
Em poder de Ioshio foi encontrado quase um conto de réis,
(...) que ficou em poder das autoridades(...)
Os investigadores Notaroberto, Quelote e a nossa reportagem deram
uma batida no quarto em que residia Ioshio, em uma pensão à Rua
Espírito Santo.
Ali os policiais, após uma busca rigorosa, encontraram uma
nota de 500$000 e outra de 20$000, escondidas em uma calça, além
de certa quantia em níqueis, depositadas em várias latas. Os policiais
apreenderam, ainda, cartas dos conterrâneos de Ioshio, de sua
namorada, retratos, etc. O mais interessante é que as cartas que o
japonês recebia de sua namorada, não tinham assinatura da
remetente. Sobre este ponto deverá esclarecer perante a autoridade
competente.
O quarto onde Ioshio residia estava em completa
desarrumação. Roupas sujas atiradas a um canto, latas de fermento,
embrulhos e outras miudezas espalhadas em uma mesa. É ali que
fabrica as tais balas pucha-pucha”.
caráter autoritário do Estado Novo. 78 A existência de um inimigo externo será utilizada como
justificativa para a necessidade de que a nação se unificasse em torno de seu líder. Qualquer
contestação passa a ser considerada colaboração com o inimigo, como sabotagem. Este clima
levou também à busca do inimigo interno, que poderia ser qualquer um que não se alinhasse
78
- O Decreto 10.358 (31/08/42) suspendeu as garantias constitucionais referentes aos direitos de livre circulação; de
inviolabilidade do domicílio e da correspondência; de escolha da profissão; de associação; de reunião; de prisão apenas
em flagrante delito; de propriedade; de habeas corpus; de manifestação do pensamento; e diversas cláusulas da legislação
trabalhista.
72
com o governo.79
Brasil na Guerra, também criou um clima hostil aos cidadãos daqueles países. Não é difícil
alemães, italianos e japoneses, quando centenas de milhares de brasileiros foram às ruas dos
principais centros urbanos pedindo a participação direta do Brasil na Guerra contra o Eixo,
da firma SKF por ter o mesmo agredido um brasileiro que o chamou de "quinta-coluna", em
79
- Cf. Decreto-Lei 4766 (01/10/42) que, definindo os crimes militares e contra a segurança do Estado, ampliava
significativamente as penas aplicáveis aos militares e as possibilidades de que civis fossem julgados por tribunais
militares. Este decreto, dentre seus 69 artigos, previa 11 diferentes possibilidades de aplicação da pena de morte.
Caracterizava também como crime, punível com pena de reclusão entre 4 e 10 anos, o ato de "suspender, fazer suspender
ou restringir atividade de fábrica, usina ou qualquer outro estabelecimento de produção". Isso tornou praticamente
impossível a ocorrência de greves no período da guerra.
80
- Para conhecer uma abordagem que esclarece a repercussão da guerra no Brasil, principalmente no tocante à militância
nazi-fascista, sua ligação com países do Eixo e bastidores das jogadas diplomáticas do período, Vide: SEITENFUS,
Ricardo A. S. O Brasil de Getúlio Vargas e a formação dos blocos, 1930-1942: o processo de envolvimento do Brasil
na II Guerra Mundial. São Paulo: Editora Nacional, 1985. Para um enfoque mais centrado nas questões diplomáticas
Vide: GAMBINI, Roberto. O Duplo jogo de Getúlio Vargas: influência americana e alemã no Estado Novo. São
Paulo: Símbolo, 1977.
81
- In: Memórias quase póstumas de um escriba provinciano. Juiz de Fora: Esdeva, 1974. p. 91-2.
73
março de 1942.82
Antônio Bento Sacadura na Rua Halfeld, em Juiz de Fora, acusados de estarem falando mal
do governo brasileiro e elogiando os países do Eixo. 83 No mesmo dia, o Delegado João Luiz
Valladão distribuiu uma extensa nota à imprensa divulgando instruções à população. 84 Das 14
quais o Brasil rompeu relações" estavam proibidos de: usarem seu idioma publicamente,
de caráter privado (aniversários, bailes, banquetes, etc)". Era-lhes vetado ainda: mudar de
residência sem comunicação prévia à polícia, viajar sem salvo conduto fornecido pela
polícia, possuir qualquer tipo de arma, manifestar publicamente simpatia pela causa do Eixo.
Além das restrições anteriormente descritas, cidadãos dos países com os quais o Brasil
Lei 3010, de 1939). Sob pena de prisão, eram ainda obrigados a apresentarem -se
82
- TENTARAM linchar. Diário Mercantil, Juiz de Fora, 15/03/42, p. 1.
83
- FALAVAM mal do Brasil e elogiavam países do Eixo. Diário Mercantil, Juiz de Fora, 30/01/1942, p. 6.
84
- SERÁ detido quem, em lugar público, manifestar simpatia pela causa do Eixo... Gazeta Comercial, Juiz de Fora,
01/02/1942, p. 1.
74
das sociedades "Dante Aliguieri" , "Casa D`Itália" e do Jardim de Infância da Escola Alemã.
Kegel Clube de Juiz de Fora, além de alertar aos luteranos que suas práticas religiosas teriam
que ser versadas em português. No dia 03 do mês seguinte este mesmo delegado ordenava a
anteriormente.
“no dia 21 de março, por volta das 15 horas, na Malharia Brasil, onde
trabalha, lendo no Diário Mercantil a notícia da mudança da placa da rua
Itália, declarou que isto não devia ter sido feito, porque era uma indecência,
que amanhã cairia também o nome do Dr. Oswaldo Aranha e seria
substituído por outro... Que o Dr. Oswaldo Aranha se tinha vendido ao
Presidente Roosevelt e que ele era o culpado do país ter se envolvido na crise
atual; acrescentando que, brevemente, quem iria mandar eram eles, os
italianos, porque os filhos de Matarazzo iriam comprar o Presidente
Vargas”.85
A ação policial na repressão aos estrangeiros foi intensa durante o ano de 1942. No
primeiro dia do ano o Diário Mercantil noticiava a prisão de 83 pessoas acusadas de serem
12 do mês seguinte repete-se comunicado idêntico, desta vez esclarecendo que 56 pessoas
85
- Vide Anexo 4, Sentença do Tribunal de Segurança Nacional, de 11 de novembro de 1942.
75
teriam que passar a comparecer à Delegacia diariamente.
mostrarem-se integrados ao Brasil. Uma das formas de integração foi a naturalização como
brasileiro. Temos notícia de três casos divulgados pela imprensa. Em setembro de 1942 o
espanhol José Gonsales, de 22 anos, contador, pede à justiça sua naturalização. Em abril de
1943, o industrial José Maletti, italiano, residente há 20 anos no Brasil formula pedido
idêntico. Em maio deste mesmo ano, Daniel Bellei, fazendeiro na cidade de Bicas, recebe o
Mas este formato parece ter servido apenas para casos isolados, talvez pelo custo e
morosidade da justiça. Por outro lado, podemos observar que as colônias de estrangeiros
pressupunha duas condições que deveriam ser verificadas conjuntamente: tanto deveriam
como também negar suas origens, mostrando um engajamento extra, e lutando contra a pátria
que fora sua. Segundo esta ótica, aos estrangeiros não era permitida a neutralidade. Ou eram
vistos como inimigos infiltrados e, nesta condição, eram submetidos a uma infinidade de
86
- Vide: Diário Mercantil, Juiz de Fora, de 18/09/43, p.3; de 11/04/43, p. 5 e de 22/06/43, p.1.
Ver também Gazeta Comercial de 26/06/41, p. 4, onde o comerciante português Manoel Simões e Silva divulga que
foi inocentado pelo Supremo Tribunal Federal de condenação proferida pelo Tribunal de Segurança Nacional, a partir de
denúncia de um "mal cliente", que o teria denunciado para fugir de dívidas assumidas com o acusado.
Este mesmo jornal publica, em 03/09/42, p. 4, declaração de Antônio B. Martins de que seu tio Antônio Sibem,
italiano que reside no país há 54 anos, comporta-se como um brasileiro de fato, que "nunca foi e não é simpático ao
fascismo ou qualquer outro regime totalitário; que nunca participou de reuniões, festas ou partidos políticos de origem
estrangeira; que certa vez, procurado por um fascista para cooperar financeiramente na construção da ex-casa D'Itália,
negou-se a contribuir."
76
do Brasil - pátria que o acolheu; ou daquela onde nascera.
arrecadou Cr$ 65.000,00 por subscrições recolhidas entre seus membros. O dinheiro foi
A colônia Libanesa por sua vez, doou uma avião de treinamento batizado de "Líbano"
ao aero-clube de Juiz de Fora, em dezembro de 1942. Em julho do ano seguinte, temos notícia
Italianos Livres de Juiz de Fora, por ocasião da rendição da Itália. Na entrevista, descobre-se
que o este Comitê estava articulado a um movimento de âmbito nacional, cujo Comitê
87
- Vide: Diário Mercantil, Juiz de Fora, 12/11/42, p. 1.
88
- Vide: Diário Mercantil, Juiz de Fora, 17/12/42, p. 2 e 11/07/43, p. 4.
77
Em 31 de agosto de 1942, na mesma data em que foram expedidos os decretos que
esforço de guerra, estas poderiam adotar a nova jornada, aumentando em 20% a remuneração
das horas acrescidas. Nas atividades insalubres ficava proibido outros acréscimos; enquanto
que nas demais a lei previa a possibilidade da duração do trabalho exceder às dez horas. 89
“atender à situação especial que o país atravessa neste momento de guerra, que exige de
mesmos devido à própria guerra, atacam avidamente os direitos trabalhistas como solução
indústria têxtil solicita: aumento da duração normal do trabalho, inclusive para mulheres e
89
-Voltávamos assim aos marcos da primeira década do século, quando a jornada das principai s fábricas têxteis de
São Paulo variavam entre 10 e 12 horas por dia. Vide RIBEIRO, Maria Alice Rosa. Condições de trabalho na
indústria têxtil paulista (1870-1930). São Paulo / Campinas, Hucitec / Ed. da UNICAMP, 1988. p. 166.
90
- Vide Circular 018/44, SIFTA-RJ.
78
menores91; pesadas penalidades contra as faltas ao serviço; não pagamento dos afastamentos
por motivo de saúde; Lei estabelecendo insalubridade das tinturarias como de nível médio;
que férias pudessem ser convertidas em indenização; que aviso prévio fosse devido apenas
aos que trabalhassem mais de 12 meses e Lei que impedisse que os recibos assinados por
Exatos 4 meses depois, a maior parte destas reivindicações foram atendidas pelo
Decreto-Lei 6688 (13/07/1944), que militarizou completamente o setor têxtil. Esta lei, além
de atender grande parte do que fora solicitado pelos industriais, consolidou restrições
anteriores, criou outras tantas e instituiu um poderoso órgão governamental para dirigir o
dos países envolvidos nos conflitos. Associando a necessidade de maior produção têxtil para
o abastecimento do exército brasileiro e dos seus aliados e dos mercados não atendidos pelos
produtores tradicionais, erigia esta atividade como alvo dos "deveres de solidariedade do
indústria têxtil como de "interesse nacional, mobilizadas e como tais comparadas aos
determinado que:
91
- Vide os anexos 10 e 11 para tomar conhecimento de como os industriais têxteis, mesmo após a desmobilização das
suas empresas, tentam manter a sobrecarga de trabalho sobre as mulheres e os menores.
79
1-os contratos de trabalho só poderiam ser rescindidos, tanto por empregadores quanto
por empregados, quando se caracterizasse a justa causa;
2-nenhum trabalhador têxtil poderia mudar de profissão sem autorização do Ministério
do Trabalho. As empresas de outros ramos de atividade só poderiam admitir operários
têxteis mediante apresentação da autorização anteriormente referida;
3-uma indústria têxtil só poderia admitir operário de outra se este apresentasse o
atestado liberatório de seu empregador anterior;
4-a CETEX poderia determinar a transferência de empregados de uma para outra
indústria têxtil;
5-operários têxteis, quando convocados para o serviço militar, teriam sua convocação
adiada, caso fosse do interesse do empregador;
6-a duração normal do trabalho em todo o ramo têxtil passou a ser de 10 horas diárias,
com um acréscimo de no mínimo 20% sobre a remuneração das duas horas que
estavam sendo majoradas;
7-era permitida a extensão da jornada em atividades insalubres até o máximo de 10 horas
por dia;
8-passa a ser permitido o trabalho noturno para mulheres e menores com 16 anos;
9-as férias poderiam ser convertidas em remuneração em dobro;
10-somente o operário que justificasse motivo de saúde e os menores de 18 anos teriam
o direito de férias assegurado;
11-a falta grave era equiparada ao crime de desobediência;
12-a falta ao serviço por mais de 8 dias consecutivos passava a caracterizar abandono de
emprego. Tal preceito, combinado com § 2º do artigo 2 do Decreto-Lei 4766
(01/10/42) e com o Decreto-Lei 5412 (16/04/43), permitia o julgamento do operário
como desertor por um Tribunal Militar92, podendo ser condenado a pena de reclusão
de 1 a 4 anos.
92
- Um exemplo de como a temática por nós trabalhada foi esquecida/negligenciada pela historiografia, pode ser
encontrada num trabalho que, propondo-se a analisar o poder judiciário no período do Estado Novo, restringe-se a
historiar a confecção da Carta de 1937 e da Lei de Segurança Nacional (abrangendo, na verdade, o curto período de
80
Embora alguns dos preceitos acima já estivessem previstos em leis anteriores,
inclusive na CLT, sua reunião e articulação em uma única lei, sua previsão como norma e não
mais como exceção, fizeram desta lei um verdadeiro grilhão para os operários e a legislação
burguesia têxtil:
1935-37), ignorando completamente o fato de que neste período civis foram julgados por tribunais militares. Vide
ALVES, Paulo. O Poder judiciário no Estado Novo. História, Editora UNESP, São Paulo, (12): 235-51, 1993.
93
- ALEM, Sílvio Frank. Os trabalhadores e a redemocratização. Campinas, UNICAMP, 1981. Dissertação de
mestrado. p. 13-4. Apud COSTA, Hélio da. Em Busca da memória; comissão de fábrica, partido e sindicato no pós-
guerra. São Paulo: Scritta, 1995. p. 16-7.
81
No último capítulo analisaremos como se deu a implementação de fato destes
múltiplas formas de resistência desenvolvidas. Mas, antes disto, veremos como a burguesia
têxtil relacionou-se com o Estado na confecção de toda esta legislação reguladora do trabalho
em tempo de guerra.
94
Vide Anexos 5 e 6 para conhecer a repercussão de parte desta legislação em Regulamentos Internos de fábricas,
elaborados nesta época
82
2.5 - Cenas de um casamento: Estado e Burguesia Têxtil durante a Segunda
Guerra Mundial
social, inclusive a econômica. Analisaremos a seguir uma série de iniciativas que tiveram
nas atividades têxteis; o significado da Missão Têxtil Brasileira nos EUA no que diz respeito
industrial, controlando preços, regulando estoques, dentre outras atribuições. Este órgão
partir dos desafios que colocava para a produção nacional, que viu-se obrigada a substituir
95
- Para uma abordagem das implicações econômicas da Segunda Guerra para o Brasil Vide:: VILLELA, Aníbal &
SUSIGAN, Wilson. Crescimento da renda durante a II Guerra Mundial, 1940/1945. In: VERSIANI, Flávio R. e
BARROS, José R. M. de. Formação econômica do Brasil; a experiência da industrialização. São Paulo: Saraiva,
1977. Ver também, destes mesmos autores: Política do governo e crescimento da economia brasileira 1889-1945.
Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1973.
83
(CETEX), foi a principal responsável pelas definições das políticas que atingiram mais
1944 pelo Decreto-Lei 6.688 - o mesmo que considerou como mobilizadas todas as indústrias
têxteis do país, era composta por membros indicados pelo governo e pelas entidades de
representação das indústrias do ramo 96, num total de 13 pessoas. 97 Funcionou com amplos
poderes pelo menos até 1947, quando teve suas funções redefinidas e passou a subordinar -se
têxtil, desde que situada no mesmo município em que residisse; efetuar levantamentos
estatísticos, para os quais poderia solicitar dados de órgãos estatais, sindicatos e empresas;
resoluções.
96
- Contrariando o princípio corporativo que tendia a formar tais Comissões com a participação de representantes dos
operários (ainda que em minoria e desenvolvendo uma prática colaboracionista), a CETEX só admitia um
representante sindical operário, e apenas com direito a voz, na subcomissão do trabalho.
97
Apresentava a seguinte composição: dois de seus membros pelo Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem em
Geral de São Paulo; dois pelo Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem do Rio de Janeiro; um pelos Sindicatos
das Indústrias de Fiação e Tecelagem em Minas Gerais; um pelo Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem em
Geral de Sergipe; um pelo Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem em Geral e da Malharia de Pernambuco;
um pelo Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem em Geral do Ceará; um por cada um dos seguintes órgãos
governamentais: Presidência da República (indicava o Presidente da Comissão); CACEX - Banco do Brasil;
Ministérios das Relações Exteriores; da Fazenda e do Trabalho, Indústria e Comércio.
Como somente no caso de Minas Gerais o Decreto fala em “Representante de um dos sindicatos da indústria de
fiação e tecelagem”, e como o primeiro indicado foi Enéas Mascarenhas - pertencente ao Sindicato da Indústria de
Fiação e Tecelagem de Juiz de Fora - parece que, no momento de formação da CETEX, seu nome já estaria
articulado, o que explicaria a exceção deste caso em que o sindicato patronal com acento na Comissão não era de
âmbito estadual ou não estava localizado na capital do estado.
84
Têxtil e a Missão Têxtil aos EUA . O Convênio têxtil foi assinado entre a Coordenação de
acertado com o governo. Na ocasião, foi formada uma Comissão de Fiscalização e Execução
Posteriormente, quando o convênio foi prorrogado, em junho de 1944, tal comissão passou a
contribuição da indústria têxtil para atender às necessidades das classes menos favorecidas”,
uma vez que os artigos populares eram vendidos “ao preço de custo ou abaixo dele”.98 Na
verdade, analisando-se a conjuntura da época, vemos que o convênio foi a forma encontrada
pela indústria para não se ver incluída no tabelamento de preços que atingiu uma ampla gama
apreciável cacife da burguesia têxtil que, em troca do tabelamento sobre 10% de sua
produção, garantiu liberdade de preços para o restante da mesma. Isto sem levar em
têxtil que assim se exprimiu a respeito do significado efetivo dos tecidos populares:
98
- GALLIEZ, Vicente de Paulo. A Indústria têxtil na economia nacional. Rio de Janeiro: SIFTA-RJ, s/d. p. 12. Neste
documento ainda encontramos a seguinte opinião: “Esse sacrifício suportado pela indústria, em benefício das classes
populares, não deve ser esquecido e bem demonstra o elevado espírito de solidariedade e compreensão das classes
industriais.”
85
populares. Estes não chegam jamais às mãos dos presumíveis
consumidores, a população rural, porque são concedidos a
intermediários controlados pela CETEX, os quais, naturalmente, os
transformam em mercadorias de câmbio negro. (...) Desse modo, os
“tecidos populares” resultam em mais um engodo”.99
Na prática, o Convênio Têxtil funcionou até outubro de 1945, quando os preços dos
A Missão têxtil aos EUA foi formada em maio de 1944, a partir de indicações do
governo brasileiro, atendendo a convite efetuado pelo governo norte-americano. Chefiada por
José Soares Maciel Filho (Presidente do SIFTA-RJ), contava ainda com dois outros diretores
Confiança Industrial, com o Sr. Gilbert Landsberg e com o Dr. Enéas G. Mascarenhas
(Entidade integrada por representantes dos EUA, Reino Unido e Canadá, responsável por
Unidas).
a 500 milhões de jardas quadradas por ano. Indicaram sua preferência por atenderem aos
99
- O PREÇO de tecidos de algodão não baixará... Diário da Noite, São Paulo, 10/12/1945.
100
- Vide: Relatório da Diretoria do SIFTA-RJ referente ao ano de 1944. (SIFTA-RJ, 19/04/45) e Circular 032/44
(SIFTA-RJ, 29/07/44).
86
reivindicação de que “fossem assegurados à indústria brasileira, em caráter permanente após a
guerra, os mercados destas regiões que eram anteriormente abastecidos pelo Japão e demais
países do Eixo”.101 Solicitaram ainda que fosse garantido o suprimento de anilinas, corantes e
Ficou estabelecido que não haveria nenhum controle de preços sobre os produtos a
serem comercializados diretamente pelo Brasil. Quanto aos produtos fornecidos à UNRRA
(United Nations Relief and Reabilitation Administration), órgão da ONU que os repassaria às
nações ocupadas pelos aliados, seriam pagos segundo os maiores preços permitidos nos
A partir de então a indústria têxtil brasileira passou a vivenciar uma situação inédita:
tudo o que produzisse seria vendido, a preços constantemente em alta. Como lidava com
limites estreitos para aumentar a capacidade instalada, por não ter como importar
coordenar melhor a produção das diversas fábricas. Isto foi conseguido com a mobilização da
indústria têxtil (que permitiu aumentar o ritmo de trabalho) e com a criação da C ETEX (que
esta facilitada inserção no mercado internacional deu-se com alguns tropeços que depois
Comercial de 21/01/45, as reclamações sobre tais abusos eram freqüentes. Informa que um
101
- Os documentos que consultamos não relatam a resposta a tal reivindicação.
87
comerciar utilizados por vendedores brasileiros”. Relata ainda que “na Argentina e no Chile
houve diversas partidas de mercadorias brasileiras recusadas por não estarem de acordo com
as amostras que haviam encaminhado o negócio”. Esta mesma notícia transcreve o seguinte
praticamente militarizavam o trabalho - ela recebeu todo o apoio dos industriais. No entanto,
à medida que o governo passou a aumentar os impostos incidentes sobre o lucro dos
industriais, a controlar os preços dos tecidos e, em 1945, quando proibiu as exportações para
forçar a queda dos preços internos, a CETEX transformou-se em sua principal inimiga.
governo, os industriais e outros setores da sociedade, sobre a taxação do que era denominado
88
na assinatura do decreto decorreu da acirrada crítica e oposição que sofreu por parte de
estabelecer restrições ao lucro de guerra, trocando parte dos mesmos por títulos da dívida
dia seguinte, este mesmo jornal divulgava a opinião de Manoel Baptista da Silva, industrial
têxtil estabelecido em Pernambuco, que dizia que os lucros então auferidos pela indústria
têxtil nada tinham de excessivos, constituindo-se tão somente numa compensação pelas
profundas crises vivenciadas nos anos anteriores à guerra: “Após uma penosa luta, atingiu-se
lucros atuais estão permitindo apenas que as empresas resgatem os compromissos que as
do Estado sobre os lucros industriais e tecendo rasgados elogios ao governo pela boa
condução do país.
pelo Ministério da Fazenda. Na mesma reportagem Othon Lynch Bezerra de Mello declara
que “há em torno do lucro das fábrica muitas fantasias, exageros e até leviandades”. Declara
ainda que o Brasil deveria seguir o exemplo do Japão que desenvolveu extraordinariamente
sua indústria têxtil após começar a fabricar máquinas e produtos químicos. Posição
semelhante é expressada por Virgílio Veloso Borges, Diretor da Cia Deodoro de Tecidos,
neste mesmo Diário, em 03/07/42: “Não existe no país qualquer indústria que esteja
102
- NÃO se trata de confisco nem de controle absoluto. Diário Mercantil, Juiz de Fora, 23/06/42. p.1.
89
auferindo lucros excessivos. Se alguém assim disser, é porque está pleiteando operação de
entrevista declarando que está ampliando sua empresa, tendo investido nisto cinco mil contos
de réis.
Mas existiram também setores da sociedade que teceram duras críticas aos lucros do
Alencar denuncia que, no mercado interno, estava-se pagando pelos tecidos valores quatro ou
cinco vezes superiores aos praticados antes da guerra. Na Gazeta Comercial de 21/01/44,
outro jornal de Juiz de Fora, encontramos um artigo assinado por Lourival Santos intitulado
de estarem “procurando tão somente aumentar seus lucros à custa do sofrimento do povo”.
A censura, vigente até 1945, parece ter impedido que este debate aparecesse na
imprensa com intensidade. Justamente quando a censura foi suspensa é que podemos ver as
Mas a intenção de instituir algum imposto sobre os lucros de guerra, manifestada pelo
103
- Vide: Jornal de São Paulo, 25/11/45 e Diário da Noite, São Paulo, 10/12/45 op. cit.
90
Ministro da Fazenda em 1942, só concretizou-se no início de 1944. Neste ínterim, conforme
lucros, ou por mostrar a sua legitimidade.104 Quando o imposto foi instituído, o SIFTA-RJ
montante do lucro verificado no exercício anterior que ultrapassasse a média alcançada entre
os anos de 1936 e 1940. A partir de uma tabela em cascata, o valor a pagar variava entre 20 e
50%, sendo isentas as empresas que obtivessem lucros menores que Cr$100.000,00. A
empresa poderia optar por pagar o valor de 25% de imposto de renda sobre o capital
realizado mais reservas. O Certificado de Equipamento, constituía título emitido pelo Banco
do Brasil, com rendimento de 3% ao ano, a ser utilizado para importação de equ ipamentos
após o final da Guerra. O Depósito de Garantia, com as mesmas características, destinava -se
104
- Um resumo da posição dos industriais pode ser encontrado no memorial encaminhado ao ministro da fazenda em
22/06/42 pelo Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem do Rio de Janeiro, Pelo sindicato das Indústrias de
Fiação e Tecelagem em Geral de São Paulo e Sindicato das Indústrias de Malharia e Meias de São Paulo. No dia 24
daquele mesmo mês a Federação das Indústrias de Minas Gerais encaminha documento idêntico, de autoria de
Geraldo Mascarenhas. Vide: circular CIFTA-RJ 40/1942 de 29/06/42 e Correspondência da Federação das
Indústrias de Minas Gerais ao SIFTA-RJ de 24/06/1942. Ver também GALLIEZ, V. op. cit., p.84.
105
- Vide Circular 06/44 SIFTA-RJ, de 02/02/1944.
91
a compensar eventuais prejuízos futuros. Estes títulos eram reciprocamente conversíveis e,
caso o industrial os adquirisse até um montante equivalente ao dobro do valor devido como
representantes sindicais dos industriais elogiarem tais medidas, nota-se a forte resistência que
colocaram aos mesmos, até na demora que marcou a implementação de tais medidas. O
imposto sobre lucros extraordinários esteve em vigor até 1946, quando foi substituído pelo
relação dos industriais com o governo, o mesmo não se deu quando acentuou-se o controle de
exportações de tecidos de algodão por 90 dias, sob o argumento de que os preços estavam em
alta devido ao desabastecimento do mercado interno. Vencido o prazo, nova portaria manteve
prévia, obedecido um sistema de quotas. 106 Anteriormente a estas medidas, havia sido
desconto de 10% sobre aqueles valores. A partir daí a CETEX passará a ser duramente
referiu-se à “campanha que alguns órgãos da imprensa vinham movendo contra a CETEX,
procurando lançar confusão sobre questões que deviam ser examinadas. Reiterou que se não
106
- Este sistema estava em vigência pelo menos até o final de 1949. Vide: Relatório da Diretoria do CIFTA-RJ
referente ao ano de 1949. Rio de Janeiro: CIFTA-RJ, s. d. p. 20.
92
fosse a atuação do Presidente do SIFT-SP, teria sido possível a adoção do regime de quotas
antes que tivesse sido suspensa a exportação de tecidos”. Nota-se, mesmo por trás do estilo
Antes disto, em reunião desta mesma diretoria realizada em 11/06/1946, quando não
ocorreu a renovação da proibição por mais 90 dias, estes declaram tê-la recebido com
“verdadeira e compreensível surpresa”, destacando ainda o fato da CETEX não ter discutido
com representantes da indústria a adoção de tal medida. Falam então do clima alarmante
Durante o ano de 1946, com as sucessivas proibições das exportações de tecidos e fios
Guilherme da Silveira Filho. Mesmo sem conhecer todas as disputas de bastidores ocorridas
durante o ano de 1946, podemos avaliar sua importância e o seu significado a partir dos
documentos vindos a público no início de 1947. Mais importante que o conhecimento das
posições dos personagens em questão, o conflito nos permite conhecer detalhes da relação
93
entre a burguesia têxtil e o Estado.
Em 10/01/1947 José Soares Maciel Filho envia uma longa carta à diretoria do SIFTA -
RJ, renunciando ao cargo de Vice-Presidente daquela entidade. Alega que o fazia em função
do desgaste sofrido pelo Sindicato com a violenta campanha que o Diário Carioca107
desenvolvia contra ele. As principais acusações eram de que o SIFTA-RJ teria custeado a
Cooperativa de Seguros Operários em Fábricas de Tecidos; e de que tais atos teriam sido
Segundo José Soares, o Presidente da CETEX, Guilherme da Silveira Filho, estaria por trás
da campanha. Declara que sua renúncia se devia ao fato de ter falhado perante a Entidade,
uma vez que fora o responsável pela indicação de Guilherme da Silveira para a diretoria e
para a presidência da CETEX. Diz ainda que a proposta de que as “despesas de publicidade”
fossem custeadas com recursos da Cooperativa de Seguros dirigida pelo sindicato, partiu do
próprio Guilherme da Silveira. Como tal proposta não foi aceita, optou-se por utilizar verbas
do sindicato e doações individuais dos industriais. Esclarece ainda que naquela mesma
107
-Para acompanhar as principais reportagens a este respeito ver as edições dos dias 09 e 10/01/1947 e 05 e 06/02/1947.
O Anexo 7 reproduz na íntegra a reportagem do dia 10/01/47.
94
A acusação (...) significa não somente que a indústria
financiou o ‘queremismo’ como, ainda, que o ‘queremismo’ aceitou
financiamento da indústria. (...) Inadvertidamente, o Dr. Guilherme
da Silveira Filho praticou contra a indústria o maior de todos os
males que podia praticar, obrigando o Partido Trabalhista a uma
atitude que prove que nunca recebeu financiamento, nem apoio, nem
auxílio de espécie alguma da indústria têxtil.
Todos nós devemos estar lembrados de que a posição dos
trabalhadores em nossas fábricas, sob o ponto de vista político, é
comunista ou trabalhista, restando aos demais partidos, no máximo,
20% da opinião proletária.
Não acredito que nenhum industrial tenha interesse em
fortalecer o Partido Comunista. (...) Se agora se levantar contra nós o
Partido Trabalhista, revidando justamente as acusações infamantes
praticadas por um dos Diretores desta Casa, não teremos mais paz,
nem sossego, nem ordem de trabalho. Não tenho a menor dúvida de
que o Partido Trabalhista repelirá, com energia, a acusação feita.(...)
porque é muito mais grave a acusação a um partido proletário de ser
subornado por um Sindicato Patronal.”108
intimamente articulado com o Estado Novo. 109 Sua própria “caída em desgraça” no início do
Governo Dutra, parece demonstrar o quanto era forte esta identificação. Para demonstrar os
“serviços que prestara à indústria têxtil”, relata que fora incumbido de “várias missões de
caráter rigorosamente confidencial” por Getúlio Vargas, Góes Monteiro e pelo Presidente
Dutra. Citando uma delas, disse ter sido o responsável pela articulação da candidatura ao
108
- No Anexo 9 reproduzimos uma reportagem do jornal comunista Tribuna Popular, que denuncia o financiamento de
campanha anticomunista pelo CIFTA-RJ.
109
Num outro trecho da carta José Soares diz que “é bem possível, portanto, que tenha razão o articulista do Diário
Carioca quando me chama de ‘advogado administrativo do Estado Novo’. De fato, fui advogado administrativo
durante o Estado Novo, mas não para defender interesses privados, mediante recompensa, e, sim, para defender os
interesses de uma classe”. Ao analisar as origens do PTB, Ângela de Castro Gomes reproduz trechos de duas cartas
de Maciel Filho a Getúlio Vargas, demonstrando a intimidade do mesmo com o núcleo dirigente do trabalhismo.
Vide GOMES, Ângela de C. A Invenção do Trabalhismo. São Paulo: Vértice, Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988. p.
312 e 319.
95
Voltando à CETEX, encontramos neste documento interessantes exemplos de como a
mesma era vista pelos industrias naquele momento. José Soares diz que o Presidente da
Comissão utilizou-se de sua posição na classe dos industriais “para obrigar toda a indústria à
presidir a CETEX, declara com solenidade e rancor: “Eu fui o criador do instrumento de
Mas José Soares parece não ter se contentado apenas com o texto da carta de renúncia.
publicava uma reportagem que tem tudo para caracterizar-se como matéria paga do SIFTA-
RJ. Nela dizia-se que a diretoria do SIFTA-RJ conseguira responder às acusações injustas de
forma satisfatória. Por outro lado, devolve a acusação de colaboração com o Estado Novo aos
seus acusadores, declarando que muitos dos dirigentes daquela entidade que demonstraram
quando foram discutidas as acusações à diretoria e as contas da entidade dos anos de 1945 e
110
- Vide transcrição da íntegra da reportagem no Anexo 8 dessa dissertação.
96
1946. Nos debates, Guilherme da Silveira Filho negou que estivesse por trás das acusações do
Diário Carioca, negando também que tivesse desfilado de macacão, tendo, para isto, sempre
Entre 1947 e 1950 a burguesia têxtil continuou atuando com grande desenvoltura junto
ao poder, mas sua agenda passará a marcar-se por novos itens. O enfrentamento às inúmeras
97
TERCEIRO CAPÍTULO
98
3- Capítulo Terceiro: COTIDIANO FABRIL OPERÁRIO NA INDÚSTRIA TÊXTIL DE
JUIZ DE FORA
movidos contra as indústrias têxteis de Juiz de Fora entre fevereiro de 1944 (quando foi implantada
causas trabalhistas motivadas pelas questões que analisamos). Foram fichados todos os processos
movidos contra indústrias têxteis no período recortado, totalizando 289 processos, que envolviam
371 reclamantes.
resultado da mesma, o montante solicitado e o que foi ou não recebido. No verso fizemos um
resumo das porções mais significativas do processo, priorizando os depoimentos das partes e de
significativos.
A utilização de processos como fonte na pesquisa histórica tem se tornado cada vez mais
freqüente.111 No bojo das últimas discussões teóricas que acabaram por redefinir o objeto da história
111
- Como exemplo dos mais conhecidos temos GINSBURG, Carlo. O Queijo e os vermes. São Paulo, Cia. das
Letras, 1987. O estudo da inquisição contitui um dos maiores filões do uso de processos na pesquisa histórica,
seguido pelos estudos de processos movidos contra escravos. Metodologicamente destaca-se também CHALHOUB,
Sidney. Visões da Liberdade; uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo, Cia. das Letras,
1990, que faz uma criativa utilização da forma narrativa, a partir de processos criminais contra negros, para estudar
as "visões da liberdade" existentes nas últimas décadas da escravidão. Ver também o trabalho anterior deste mesmo
autor: Trabalho, lar e botequim; o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque. São Paulo,
Brasiliense, 1986. Uma excelente análise histórica da atuação das classes populares a partir de processos criminais
pode ser encontrada em FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano; a criminalidade em São Paulo (1880-1924). São Paulo,
Brasiliense, 1984.
99
e seus métodos, as fontes se viram também rediscutidas. O uso de processos é geralmente
justificado pelo acesso que possibilita à fala de setores subalternos que, por serem via de regra
analfabetos, dificilmente deixam outros registros escritos tão ricos. Além disto, a situação crítica a
que geralmente se referem os processos (crimes, causas de família, herança ou conflitos nas relações
fazendo emergir sua visão de mundo e explicitando a motivação de suas atitudes e ações mais
Outro aspecto a ser destacado é o fato do processo comumente retratar um conflito que
proprietários x despossuídos, etc.). Isto possibilita a utilização das questões neles retratadas com um
objetivo diverso daquele para o qual foram originalmente concebidos: enquanto que para a
administração judiciária o processo constitui a aplicação de regras gerais (leis, jurisprudência, etc),
para a solução de uma queixa ou infração em particular; para o estudioso não contemporâneo ao
Outra obra paradigmática no uso do processo como fonte, embora apresente uma forma de construção que não
torna fácil sua utilização como modelo de redação: FOUCAULT, Michel (Coord.). Eu Pierre Rivière, que degolei
minha mãe, minha irmã e meu irmão; um caso de parricídio no século XIX. 3 ed.Rio de Janeiro, Graal, 1984.
112
- GRYNBERG, Janete. Arquivos criminais: pistas para um História das Mentalidades. Revista do IAC, Ouro Preto,
v. 2, n. 1 e 2, 1994. p. 85.
100
processo, ele vale pelo que revela da forma como uma determinada sociedade, numa época
específica, interpretou e aplicou aquelas regras gerais na solução dos seus conflitos mais relevantes.
sua utilização como fonte de análises quantitativas, permitindo a comparação entre os vários
Mas a utilização de processos como fonte histórica tem também que ser revestida de
diversos cuidados metodológicos. Primeiramente, porque as falas ali registradas passaram por
inúmeros "filtros"113 antes de chegarem às mãos do pesquisador. No caso dos processos trabalhistas,
tais "filtros" seriam representados: a) pela intermediação da Justiça do Trabalho enquanto instituição
estatal; b) pelo caráter formal da situação jurídica vivenciada (com a qual os oprimidos tendem a ter
menor intimidade); c) pela consciência que o depoente possua (ou não), de que a situação por ele
vivenciada requer muito mais que se construa uma versão, do que se revele "a verdade"; d) pela
transposição, por um terceiro, de um discurso da forma oral para a escrita, com todas as
Teorizando sobre o uso do processo criminal como fonte histórica, Boris Fausto
113
- Conceito empregado por GINSBURG op. cit., para designar as inúmeras intermediações que se colocam entre a
expressão oral das camadas populares e o pesquisador.
114
-Cf. FAUSTO, op. cit. p. 21.
101
É ainda FAUSTO quem nos oferece esta análise dos condicionantes colocados pela
situação de classe dos elementos dos estratos sociais populares num processo criminal:
Outra questão a ser levada em conta no trabalho com processos, é o cuidado de não
considerar o conjunto da sociedade como marcado pelos conflitos descritos pelas fontes.
Originalmente, Thompson nos adverte para este perigo, ao comentar as obras que analisavam as
classes populares no século XVIII na Inglaterra. Critica especificamente Patrick Colquhoun que,
após meticulosa pesquisa, conclui existirem 11,5% de criminosos na população londrina daquela
época. Em síntese, Thompson considera que tais análises revelam muito mais sobre a mentalidade
das classes proprietárias - que identificam pobreza com criminalidade; que sobre os despossuídos
que tentam analisar.116 No nosso caso, temos clareza de que os processos estudados representam
uma parte dos conflitos então existentes; mas não estaremos captando uma série de outros conflitos
que não desembocaram na Justiça do Trabalho. Além disto, julgamos razoável desconfiar que os
operários que chegam a formalizar uma reclamação trabalhista constituem uma minoria dentro do
115
- ibidem p. 22-4.
116
-THOMPSON, Edward. A Formação da classe operária inglesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1987. v. I, p. 57-
8.
102
conjunto da classe. Generalizar as considerações a respeito do significado deste enfrentamento para
a classe como um todo seria cair, inevitavelmente, num erro semelhante ao criticado por Thompson,
comparemos o montante dispendido pela Moraes Sarmento, umas das fábricas que perdeu um
elevado número de ações durante os 28 meses pesquisados, com a soma de seus capitais. Nos seis
meses pesquisados em 1946, quando declarava ter um capital que somado às reservas montava 12
milhões de cruzeiros, dispendeu com a indenização das causas em que foi derrotada Cr$ 22.850,50
(exatos 0,19%). Isto nos leva a concluir que a relação das empresas com as reclamações a que
Destacamos ainda uma das facetas mais ricas e, ao mesmo tempo, das mais complexas de se
analisar a partir das fontes com as quais trabalhamos: o não-dito, os significativos silêncios e
omissões. Apresentamos como exemplos o grande número de reclamantes que não compareciam às
audiências (23% do total); o ínfimo número de reclamações contra algumas grandes fábricas;117 ou
o fato de nenhum operário têxtil ter sido condenado por deserção em Juiz de Fora. Em todos estes
questões que analisamos. tal silêncio não se justifica pelo argumento da irrelevância do tema.
Afinal, uma coisa é o Estado Novo ter conseguido preservar sua imagem paternalista apesar de ter
117
- A Fábrica São João Evangelista, que possuia 500 operários em 1946; e a tecelagem São Vicente, com 300 operários
em 1947, responderam a apenas 3 e 2 processos, respectivamente, nos 28 meses por nós estudados.
103
suspendido a aplicação de itens fundamentais da CLT para os setores mais importantes da indústria
da época (têxtil e metalúrgica principalmente), por um período considerável (em muitos casos por
até mais de 2 anos); outra coisa é a historiografia sobre o personagem e sobre o período reforçarem
aquela imagem a partir da omissão em analisar tais fatos. Por outro lado, julgamos que a base
documental sobre a qual nosso trabalho se apóia não permite também colocar a carência de
Finalmente, cabe analisar também o papel da Justiça do Trabalho. Vista por muitos, não sem
razão, como instância concebida para amortecer os conflitos de classe e despolitizar os embates
entre patrões e empregados, ela admite, porém, outras interpretações. Assim como o modelo
corporativista de sindicato foi construído com intenções semelhantes e, em muitos casos rompeu
com os limites que lhes eram impostos,118 cumprindo um papel efetivo na organização, mobilização
numa “arena de conflitos” onde “se subentende uma linguagem de direitos, bem como significados
a legislação trabalhista constitui apenas parte da análise do significado histórico da mesma. A forma
118
- Nas palavras de Ângela de Castro Gomes e de Marieta de Moraes Ferreira, existe a necessidade de se “lidar com a
temática do peleguismo em modelos menos simplistas. Ou seja, é preciso não mais considerar todas as lideranças
dos sindicatos oficiais do pós-30 como desprovidas de autonomia de idéias e ações ou como estranhas à classe
trabalhadora. Aqui, também, não se trata exatamente de traidores e vendidos.” In: Industrialização e classe
trabalhadora no Rio de Janeiro: novas perspectivas de análise. BIB, Rio de Janeiro, (24): 11-40, 2º sem. 1987. p. 30.
119
- MOREL, Regina Lúcia M. & MANGABEIRA, Wilma. “Velho” e “Novo” sindicalismo e uso da justiça do trabalho:
um estudo comparativo com trabalhadores da Companhia Siderúrgica Nacional. DADOS - Revista de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, 37(1): 103-24, 1994. Como referência para a discussão destas questões as próprias autoras
remetem à PAOLI, Maria Célia. Citzenship, inequalities and democracy: the making of a public space in the
brazilian experience. Trabalho apresentado no XII Congresso Mundial de Sociologia, Madri, 1990. mimeo.
104
como o operariado se apropriou desta legislação, rompendo os limites concebidos, forçando
interpretações que lhes fossem convenientes, instituindo então novos direitos ou novas frentes de
capturados pela armadilha armada para as classes subalternas da época. O discurso que apresentava
ou justificava a legislação trabalhista, sempre a caracterizou como dádiva à uma classe que não
precisava se mobilizar para lutas, uma vez que suas aspirações eram atendidas pacificamente por
um Estado magnânimo. No entanto, conforme veremos na seqüência deste trabalho, mesmo nas
condições mais adversas, podemos identificar a própria luta e as iniciativas dos operários dando
origem ao reconhecimento de direitos, ainda que o Estado e seus ocupantes se recusassem a admiti-
lo. Assim, apresentar a Legislação trabalhista apenas como instrumento de controle sobre o
operariado significaria, implicitamente, admitir que o Estado e as classes que o controlavam foram
completamente vitoriosos na domesticação e submissão da classe operária ou, ainda, que esta teria
105
3.2- A Fábrica Antônio Meurer
primeira malharia do Estado de Minas Gerais. Seu fundador dedicara-se antes à atividade
comercial, tendo sido distribuidor de cervejarias de Juiz de Fora na cidade de São João Del
Rei e, posteriormente, dono de uma loja de fazendas e armarinho no centro de Juiz de Fora.
Notando a grande saída que tinham as meias estrangeiras para mulheres, importou uma
máquina da Alemanha e iniciou uma pequena fabricação nos fundos da loja, comercializando
dita e, em 1905, adquiriu as máquinas de uma firma paulista falida. Com o falecimento de
Antônio Meurer em 1915, a firma denominou-se por algum tempo “Viúva Antônio Meurer &
têxteis da cidade durante a década de 1940. Contava com 100 operários em 1905, 300 em
período que analisamos, tendo sido responsável por 79 dos 289 processos trabalhistas
movidos contra a indústria têxtil na Junta de Conciliação e Julgamento de Juiz de Fora entre
120
- Cf. STEHLING, Luiz José. Juiz de Fora: A Companhia União e Indústria e os Alemães. Juiz de Fora, s/ ed.,
1979. p. 404-5. PROCÓPIO FILHO, José. Salvo erro ou omissão; gente juiz-forana. Juiz de Fora: Edição do autor,
1979.p. 275.
121
- Cf. ANDRADE, Sílvia. op. cit. p. 24-32. (Dados de 1905 a 1925); IBGE. Departamento Geral de Estatística -
Estado de Minas Gerais. Produção Industrial de Juiz de Fora -1937. Belo horizonte, Oficinas Gráficas da
Estatística, 1939. (Dado de 1937) e Diário Mercantil, Juiz de Fora, 12/10/1947, p. 4. (Dado de 1947).
106
fevereiro de 1944 e julho de 1946. 122 Se considerarmos que a Meurer possuía 900 operários
em 1947 e que a indústria têxtil da cidade empregava 6.868 pessoas em 1948 123, vemos que
empregando 13,1% do operariado têxtil, esta fábrica respondeu a 27,3% dos processos
trabalhistas do seu setor. Ou seja, teve mais do que o dobro de processos que seriam
Estes dados brutos nos mostram que estamos diante de uma empregadora
intransigente e hostil na relação com seus operários. Mas quando penetramos na capilaridade
do cotidiano deste pequeno mundo, através dos depoimentos existentes nos processos, das
anotações colocadas nas fichas dos operários, da análise dos gordos lucros revelados por seus
O caso da Meurer nos parece exemplificar o grau máximo a que pode chegar a
Adiantando parte do que veremos com mais detalhes posteriormente, destacamos que esta
empresa também sobressaiu-se pelo elevado índice de acidentes de trabalho, por constantes
operários nas greves ocorridas antes e depois do período que analisamos. Sua truculência na
relação com os operários será demonstrada também por duas tragédias ocorridas no seu
122
- Vide Anexos 12 e 13.
123
- Cf. IBGE. Conselho Nacional de Estatística. Sinopse estatística do Município de Juiz de Fora. Rio de Janeiro,
Serviço Gráfico do IBGE, 1950. p. 43.
107
O espancamento de Antônio Micucci, um garoto de apenas 13 anos, foi assim
124
- ANDRADE, Sílvia Maria B. V. Classe operária em Juiz de Fora; uma história de lutas (1912-1924). Juiz de Fora:
Editora da UFJF, l987. p. 55-6.
125
- ibidem p. 56.
108
imprensa protestando contra aquela grande inverdade e negando que Antônio Gervason
que ocorrem nesta cidade” e “... hipotecam a sua solidariedade ao Sr. Antônio Gervason que,
resultados de outras providências menos públicas que a empresa certamente tomou. Neste
inquérito, dois médicos concluem que não havia sinais de espancamento e que a morte teria
Prepotência no trato com seus operários, brutalidade que chega às raias da tragédia até
mesmo com crianças, o cinismo de negar veementemente o que se apresenta como fato
incontestável, tudo isto nos coloca diante do que se parece mais com uma caricatura grotesca
Mas esta postura que desqualifica e desconhece sujeitos, poderá ser encontrada novamente
outra ponta do período, nos deparamos com outra tragédia, que parece fechar um círculo
cinzento.
126
- ibidem p. 57.
127
- ibidem p. 58.
109
O Diário Mercantil de 26/10/1941, assim noticiou a morte de Henrique Meurer, um
sabendo que a vítima era “homem do trabalho e do lar, (...) marido exemplar e pai
carinhoso”, de “espírito alegre e coração bondoso, moço conceituado”. Para dar uma idéia do
pesar que teria acometido os operários da Meurer, esta mesma reportagem nos relata que
“numerosas operárias” desmaiaram “ante o trágico espetáculo”. Relata também que um dos
operários mais antigos desmaiou ao se deparar com a cena e, após ser dela afastado, ao
recobrar os sentidos, “entre exclamações de dor e revolta, tentou suicidar-se, no que foi
110
Casa, onde expirou ao chegar. Golpeara-se de maneira brutal, onze
vezes!”128
entanto, a reportagem da Gazeta Comercial naquela mesma data, torna esta versão ainda
vibrando em seu próprio corpo mais de vinte punhaladas”. Com todo o respeito que a morte
de Henrique Meurer nos inspira, não há como fugir à interpretação óbvia: no dia 25 de
outubro de 1945 a Fábrica Meurer foi palco de dois assassinatos. Ao contrário do título dado
à reportagem, naquele dia, duas pessoas Morreram no Trabalho ou, para sermos mais
Mais do que tentar uma impossível apuração precisa destes fatos que, até onde
pudemos apurar, não foram objeto de nenhuma outra abordagem pela imprensa da época,
podemos tentar compreender os mecanismos que moviam o cotidiano deste pequeno mundo,
capazes de provocarem tragédias desta magnitude. Uma outra fonte que nos possibilita tal
128
- MORREU no trabalho. Diário Mercantil. Juiz de Fora, 26/10/1941.p. 4. (grifos nossos).
129
- Processo nº 157/46 - JCJ/JF. Este é o mais volumoso processo com o qual trabalhamos, sendo também um dos mais
ricos em informações sobre o cotidiano da Meurer.
111
3.3- Construindo o Reconhecimento do “Direito de Não Ter Medo”
Indústrias de Fiação e Tecelagem de Juiz de Fora, deu entrada a uma reclamação trabalhista
contra sua demissão pela Meurer. Apontou os seguintes motivos para a sua demissão:
trabalho.
acolher a reclamação, argumentando que José Monteiro entrara com reclamação semelhante
na Delegacia do Trabalho e que, não tendo 10 anos de serviço, não tinha direito à
“José Monteiro não foi dispensado porque fora eleito para a diretoria
do seu sindicato (...) [mas porque] antes de ser membro da diretoria
de sindicato já era elemento que muito deixava a desejar e, por isso,
apenas tolerado.”
130
- id., f. 2.
112
“Mas, com sua investidura em tal cargo, passou mesmo a ser
prejudicial ao serviço e de modo a ser impossível mante-lo na
empresa.”131
Após listar mais de 20 dias de falta ao trabalho num espaço de 4 meses, acrescenta
que José Monteiro não dava a devida produção por ficar constantemente debruçado sobre a
máquina em que trabalhava 132 e que, quando lhe chamavam a atenção ele respondia: “se não
estão satisfeitos comigo, então, mandem-me embora.” Tendo que justificar as razões de
Monteiro era um mau operário (faltoso, respondão, preguiçoso) e, quando se tornou diretor
131
- id., f. 19.
132
- Como “prova” desta afirmação a Meurer encaminha a fotografia nº 1 do Anexo 2, que será depois contestada até
pela sentença do Juiz da Primeira Instância.
133
- id., f. 19 verso.
113
de sindicato, acrescentou a esses defeitos o mais imperdoável de todos, o de “tomar atitudes
hostis à empresa”. Nestes termos, para a Meurer ele poderia continuar como líder sindical e
“pernicioso exemplo para seus companheiros” enfrentando-a. Mais que a fragilidade destes
argumentos para quem tinha que defender-se da acusação de perseguição a uma liderança
sindical, destacamos a postura da Meurer, que não tolerava que seus operários se portassem
como sujeitos autônomos. Afinal, enquanto José Monteiro comportou-se apenas como mais
um “mau funcionário”, ele havia sido “tolerado”. Mas a ousadia de levar um médico do
almoço, e sem aviso prévio, custara-lhe o emprego. Torna-se hilária a conclusão decorrente
de tal raciocínio: na visão do advogado da Meurer (que era também um de seus acionistas) ou
José Monteiro devia ter avisado que haveria uma fiscalização na empresa; ou tal fiscalização
não deveria ter ocorrido na hora do almoço, ainda que se referisse à não utilização do
estabelecimento sua autoridade não teria limites. Nem o sindicato, nem o Estado poderiam
tê-lo “invadido”. Mais adiante, veremos outros processos onde esta idéia é apresentada com
maior clareza.
seu depoimento, declarou que nunca foi punido pelas faltas porque as justificava junto à
empresa ou por estar viajando pelo sindicato, ou por mortes ocorridas em sua família. 134
134
- Declarou que em 1945 morreram um tio, uma tia e quatro primas-irmãs. Provavelmente tais mortes realmente
ocorreram pois a empresa não apresentou provas que negassem a occorrência das mesmas, limitando-se a questionar
114
Assim, se nunca fora punido anteriormente, a empresa não tinha como considerá-las como
faltas graves naquele momento. Descreveu também a visita à fábrica como uma dentre vária s
que realizara junto com o médico do SAPS, ficando claro o desempenho de uma atividade
sindical.
2- correra o boato que ele seria demitido quanto entrou para a diretoria do sindicato;
4- a empresa aplica comumente pena de suspensão aos faltosos que não justificam
suas faltas;
5- ele já denunciara a empresa por obrigar alguns operários a trabalharem até 14 horas
por dia;
possível fazê-la funcionar, pois uma trava de segurança tem que estar puxada para
Monteiro se deveu ao seu grande número de faltas ao serviço e que, embora não tenha sido
suspenso, foi muitas vezes advertido por este motivo. Duas delas afirmaram que o refeitório
ficava fechado porque os operários não o procuravam, preferindo tomar suas refeições na
vagamente se sua presença fora realmente necessária na casa dos parentes falecidos. Cf. Processo nº 157/46 - JCJ/JF.
f.22.
135
- id., f. 27-30.
115
própria seção onde trabalhavam. Contraditoriamente, uma terceira afirmou que ele ficava
Trabalho. Além da repetição das versões já citadas, nota-se a declaração de uma das
testemunhas de que nas várias visitas de fiscais do Ministério do Trabalho, estes não
horário que entraram no serviço ou porque eram escondidos para não serem entrevistados
pelos fiscais. Esta mesma testemunha cita o nome de quatro funcionários da Meurer que
teriam sido demitidos por terem deposto contra a empresa em processos trabalhistas ou por
Em sua sentença, o Juiz Verspasiano Pinto Vieira Filho considera que não ficou
provada nenhuma falta grave contra José Monteiro, que este tinha uma boa folha de serviços
e que a fotografia do mesmo encostado à máquina poderia ser um “mero e infeliz arranjo” da
Meurer. Considera então como injusta a dispensa de José Monteiro pela Meurer.
Na seqüência, a sentença acolhe uma tese da defesa que acabará por fazer deste
136
- Explicitamente a estabilidade só será incorporada à CLT ( § 3º art. 543) pela Lei nº 5.911 de 27/08/1973. Cf. SAAD,
Eduardo G. Consolidação das Leis do Trabalho: comentada. 21 ed. São Paulo, LTR, 1988. p. 373.
116
profissão137 e, uma outra, garantidora de que “o empregado eleito para o cargo de
administração sindical ou representação profissional não poderá, por motivo de serviço, ser
impedido do exercício de suas funções (...).” 138 Baseando-se nisto o Juiz conclui que o caso
caracterizava:
a sentença, considerando a inexistência de justa causa para a demissão, mas não garantiu a
recondução de José Monteiro ao cargo que ocupava na Meurer. Assim, condenava a empresa
argumentação objetivando reerguer a tese da estabilidade a que seu cliente teria direito.
Visando desmontar o argumento da Meurer de que tinha motivos para dispensá-lo, assim
analisa o argumento da empresa de que teria sido vítima de uma “perseguição injusta” por
137
- § 1º, art. 540 da CLT.
138
- caput do art 543 da CLT.
139
- Cf. Processo nº 157/46 - JCJ/JF. f. 51.
117
ter exigido à Companhia o cumprimento de suas obrigações legais,
mandando abrir seu salão de refeições ao acesso dos operários (...)
isto constitui aquilo a que a Companhia resolveu dar o pomposo e
patético nome de “perseguição injusta”. 140
Na seqüência, emite esta irônica e surpreendente análise sobre como numa sociedade
“De fato, não deixa de ser uma situação injusta reclamar de uma
organização capitalista, num regime capitalista, que ela cumpra com
seu dever, cujo mínimo, e nada mais se lhe exige, está previsto na
legislação em vigor. Pelo menos assim pensam, coerentemente, as
organizações capitalistas, como procedeu a Companhia de Fiação e
Tecelagem Antônio Meurer: usou um meio simplista: pagar (ela
pode pagar) o indesejável e o colocar longe de seu meio. 141
cometida:
140
- id., f. 94-5.
141
- id., p. 95.
142
- id., p. 96.
118
empregado diretor de sindicato] colocou a vida dos sindicatos nas
mãos dos patrões. Economicamente mais fortes ainda tiveram a
proteção da justiça. [Neste caso os sindicatos] não mais serão, como
devia, órgãos defensores da classe, mas simples organizações
puramente fictícias nas mãos de seus patrões, que, por uma questão
apenas de dinheiro, poderão substituir ou exercer pressão sobre seus
dirigentes.”143
Esta argumentação é aceita pelo TST que, na sua sentença, acrescenta ainda a
proferida pela Junta de Conciliação e Julgamento de Juiz de Fora, remetendo -lhe o processo
para que efetue o cálculo da indenização devida. A Meurer tenta ainda interpor recurso ao
Supremo Tribunal Federal, alegando violação da Constituição Federal. Tal recurso não foi
143
- id., p. 98.
144
- id., p. 124.
119
As terríveis condições de trabalho a que a Meurer submetia seus operários parece não
terem sido suficientes para sufocar-lhes a aspiração ao direito de não ter medo.
Por trás das questões levantadas pela disputa entre José Monteiro e a Meurer pode mos
visualizar duas posturas distintas quanto à noção de direitos por eles expressadas. A Meurer
declara explicitamente que não pode tolerar a ousadia de um líder sindical que “invadiu” seus
domínios acompanhado de fiscais do governo. Sua noção de que possuía uma autoridade ou
autonomia absoluta do portão para dentro, a fez construir uma defesa das mais precárias. Ao
praticamente confessar que sua relação com José Monteiro chegou a um nível intolerável
quando este formulou denúncias ou, mais que isto, tomou iniciativas que a impediram de
contestar denúncias que já vinha apresentando, a Meurer demonstra o quanto esta noção
exagerada dos limites de sua autoridade se constituía numa noção de que era seu direito
demitir qualquer um que contestasse tal autoridade, ainda que se tratasse de um líder
sindical. Veremos mais adiante como eram punidos com severidade qualquer um que se
comandado.
Por outro lado, as atitudes de José Monteiro demonstram como foi possível construir
que os juizes do trabalham denominaram como direito de não ter medo poderia ser
120
O caso de José Monteiro teve ainda desdobramentos desagradáveis. Enéas de Souza
foi o depoente mais incisivo no processo que o Sindicato dos Têxteis moveu contra a Meurer
prestado depoimento em 03/04/46, foi demitido no dia 15 daquele mês. Alegou que:
declarou que encostara acidentalmente na máquina quando fora pegar uma caneca que ficava
pendurada ao lado da mesma. Curiosamente, o mesmo argumento que servira para anular a
fotografia de José Monteiro encostado à sua máquina como prova de que isso fosse uma
demonstração da sua relação cotidiana com a mesma, serviu agora para incriminar Enéas.
Ficou provado que eram necessários dois movimentos para ligar uma máquina: o engate das
correias que poriam seu mecanismo em movimento, e o acionamento de uma alavanca que a
Julgamento de Juiz de Fora, Enéas apelou para o Tribunal Regional do Trabalho e para o
Este caso coloca em evidência duas questões que aparecerão em vários outros
processos: a sabotagem ou resistência ao ritmo de trabalho que era imposto aos operários e a
145
- Cf. Processo nº 147/46 JCJ-JF. p. f. 16.
121
122
3.4- Os Soldados da Produção Não Batem Continência 146
desqualificá-la, por contestar sua legitimidade para analisar suas condutas ou mesmo impor -
lhe sanções. Mas iniciada uma ação trabalhista, a empresa tinha duas opções principais para
acabava por ter que reconhecer a legitimidade da Justiça Trabalhista na tentativa de impedir a
A desistência da ação por parte do operário reclamante poderia também ter sido
decorrência de um acordo satisfatório com a empresa. Caso ela não tivesse uma postura de
beligerância frente às reivindicações de seus operários, o “acordo por fora” poderia mostrar -
se como uma boa opção, uma vez que a desobrigava de comparecer às audiências, de
registro dos motivos da desistência em poucos processos, não temos como avaliar quais deles
que nos 289 processos que analisamos, 67 operários comunicaram a desistência por terem
este menor percentual em relação à média geral pode estar escondendo uma postura de não
querer fazer acordos por fora, revelando, talvez, a pressão direta sobre os reclamantes,
objetivando a desistência.
dar satisfações públicas de atos privados. A Meurer em particular protagonizou cenas em que
sua desconsideração pelos operários, pela própria Justiça do Trabalho e pelo que denominava
de “legislação social” ficavam patentes. Com relação a seus operários usou nas suas falas de
expressões do tipo: “trabalha por sport” 147; “malandro”148; “burro”149;“depois de nossa longa
até mesmo benévola foi a pena aplicada” (referindo-se à suspensão por 3 dias de um operário
tinham acesso aos mesmos, encontramos anotações do tipo: “mau elemento”; “mal elemento
por briga”; “não convém”; “não convém - falta muito”; “falhadeira”; “não serve”; “não serve
(é tatã)”, “maluco”; “grevista”; “grevista e mau elemento”; “não convém - mais de dez
anos”; “malíssimo elemento”; “M. E. roubo”; “muito mole e falador”; “dispensado por ter
agredido o encarregado”;
147
- PROCESSO nº 99/44, cx. 03.
148
- PROCESSO nº 364/44, cx. 11.
149
- PROCESSO nº 114/44, cx. 03.
150
- PROCESSO nº 128/46, cx. 04.
151
- PROCESSO nº 141/46, cx. 04.
152
- É interessante destacar o “ato falho” da Meurer que, num campo da ficha de Registro de Empregadosonde as outras
empresas punham como título data da saída, ela usava como título data da dispensa. Enquanto a primeira
expressão implicitamente admite que a saída possa ter sido iniciativa da empresa ou do operário; a ficha da Meurer,
pelo contrário, pressupõe que o operário sairia por ter sido demitido.
124
A compreensão do significado destas posturas da Meurer se completa com a análise
todas as reclamações trabalhistas, com exceção apenas daquela movida por José Monteiro,
caixa ou encarregado do escritório, seu papel era desempenhado seguindo sempre um mesmo
script: até quando propunha ou admitia um acordo, sua fala começava por negar
completamente a legalidade do que era alegado ou solicitado pelo operário reclamante. A isto
faltas, para a forma como se dirigia aos superiores, para a dedicação ao serviço ou para o
pela Junta, na esperança de que algum dos recursos que corriam em outras instâncias viesse a
era pega em flagrante desrespeito da legislação é que aceitava acordo proposto pelo Juiz.
acompanhar pelo advogado e acionista da empresa, Dr. Constantino Paletta. Mesmo nestas
ocasiões, muitas vezes era Egard Ribeiro quem tinha a primeira fala em nome da reclamada.
ações individuais, resolvendo-se contrariamente aos interesses da Meurer. Quando a Junta foi
125
legitimidade para analisar questões disciplinares. A princípio, ainda em fevereiro de 1944, a
Junta acolhia completamente este raciocínio, declarando-se “incompetente para julgar fatos
relativos à disciplina interna das empresas.” 153Em junho do mesmo ano, embora com a
Em julho de 1944, esta postura começou a ser revista, quando a Junta se deparou com a
reclamação de um operário que, com o braço inchado, solicitou autorização para ausentar-se e o
mestre, olhando o braço disse "que isto não era motivo para não trabalhar". Após o almoço, como
as dores aumentaram, saiu sem autorização, sendo punido com suspensão por três dias. O
advogado da empresa invocou a usual preliminar de que não caberia à Junta apreciar punições
disciplinares, por serem as mesmas prerrogativa dos patrões, mas não obteve sucesso.155 Após esta
ação, sempre com o voto contrário do vogal dos empregadores, diversas punições foram analisadas
e revistas. Nota-se que a verdadeira questão por trás de causas como esta residia na definição dos
limites da autoridade patronal. Para os patrões, reproduzindo padrões de mando certamente
oriundos da senzala, rever uma punição significava "autorizar aos operários que não são dignos
desse nome, a sabotar a nossa produção e contribuir para a ruína e derrota do Brasil (...)."156Mais
adiante, nesta mesma petição, que tudo indica ter sido redigida por Edgar de Castro, esclarece-se a
verdadeira motivação para recorrer contra a revisão de uma punição disciplinar, misturando seus
interesses de férreo controle sobre a mão-de-obra com os da nação:
153
- PROCESSO nº 41/44, cx. 01.
154
- PROCESSO nº 276/44, cx. 08.
155
- PROCESSO nº 337/44. cx. 10.
156
- Alegação da Fábrica Antônio Meurer no embargo contra a redução da pena de suspensão de um operário seu. Cf.
PROCESSO nº 364/44. cx. 11.
126
“NÃO! M. M. Junta. Não é o objetivo monetário que visamos. O que
desejamos sinceramente, de corações abertos e honestos, como
brasileiros que somos, é que enquanto nossos irmãos se entregam nos
campos de luta da Europa, dentro de nosso país não haja, irmãos nossos
que, inconsciente ou involuntariamente (pelo simples desejo de se
distraírem) auxiliem o nosso inimigo comum, contra o qual todos os
brasileiros, de boa vontade darão seu sangue para vê-la desaparecer o
mais breve possível da superfície da terra.”157
Outra questão que foi objeto de numerosas demandas contra a Meurer foi a solicitação
semelhante, aplicável aos comerciários, previa que o empregador arcaria com os salários dos
expressa.”158 Em seguida defendia que se o regulamento aplicável à industria não garantia tal
direito aos industriários, a Justiça do Trabalho não poderia obrigar as indústrias a efetuarem
o pagamento que deveria ser imputado ao IAPI, com o qual já contribuíam operários e
indústrias. Seguindo o seu conhecido roteiro de, após contestar a legalidade da reclamação,
em análise não havia nada a ser pago devido ao fato do operário não ter “apresentado
157
-idem. (grifos nossos). É de estranhar que uma empregadora tão patriótica tenha respondido a 9 reclamações de
operários reservistas ou convocados que foram à Justiça do Trabalho defender seus direitos (estabilidade do
reservista e garantia de 50% do salário para os mesmos).
158
- PROCESSO nº 33/44, cx. 1.
127
atestado médico que comprovasse sua moléstia.” Por último, argumentava que, caso fosse
devido algum pagamento, este deveria ser baseado no auxílio pago pelo IAPI, que não
anterior. Apelando ainda ao Conselho Nacional do Trabalho, o mérito de tal apelação não foi
sequer apreciado. A reclamação foi apresentada em fevereiro de 1944, a decisão do TST foi
lavrada em maio daquele mesmo ano, mas o reclamante só recebeu a indenização em junho
do ano seguinte.159
Até o mês de julho de 1945, foram apresentadas ainda seis outras reclamações de
auxílio doença por empregados da Meurer. 160 Exceto no último processo em que a reclamante
de Edgar de Castro, certamente não era o objetivo monetário imediato que a Meurer visava.
salários mínimos). Mais uma vez, era contra o reconhecimento de um novo direito, ou
direitos que a Meurer se colocava. Ninguém melhor que um dos próprios reclamantes para
159
- Cf. PROCESSO nº 33/44, cx. 1.
160
- Cf. PROCESSOS nº 283/44, cx. 08; 301/44, cx. 09; 317/44, cx. 09; 325/44, cx. 09; 216/45, cx. 06.
161
- Ë interessante notar que nos 11 casos em que as demais empresas têxteis responderam a processos semelhantes,
nenhuma delas tenha recorrido da condenação.
128
“Alguns empregadores teimam em continuar negando o direito
legítimo do operário adoentado, do qual desejam usufruir o trabalho,
a saúde e abandoná-lo na primeira vez que as forças lhe faltam, em
que qualquer doença os impeça de comparecer ao trabalho para o
esforço cotidiano em proveito da empresa, que nada lhe deseja
reconhecer.”162
Nenhuma empresa mostrou ter usado das prerrogativas colocadas pela legislação
momento em que viu contestada sua autonomia para definir punições, a Meurer apelou para o
ao perguntar-lhe
favor da entrada no Brasil na Guerra. Uma vez envolvido, o país também se mobilizou para
vigilância da costa marítima. Em todas estas iniciativas verificou-se uma notável participação
162
- PROCESSO nº 301/44, cx. 09 (grifos nossos).
163
- COSTA, Hélio da. Em Busca da memória. São Paulo, Scritta, 1995. p. 17.
129
princípio, eles tendiam a serem encarados como a quota de contribuição que cada um deveria
dar para a vitória na guerra. 164 Muitos tendiam a suportar os racionamentos de alimentos, a
alta do custo de vida ou mesmo o aumento da carga de trabalho a partir desta perspectiva. No
seguidos serões, parece ter ultrapassado o limite da tolerância, tendo que ser imposta aos
aplicação de suspensões para operários que recusavam-se a participar dos serões ou que
trabalho diário, a empresa punia com suspensão (não conseguindo, portanto, produção
daqueles que foram punidos). A lógica por trás deste aparente disparate reside no fato de que,
Nos inúmeros processos que reclamaram contra suspensão injusta, o motivo que mais
se alegava para a recusa em participar dos serões era o de saúde. Moacyr dos Santos Loures
reclamou contra a Meurer em outubro de 1944, alegando que foi demitido por recusar -se a
164
- Vargas soube capitalizar este espírito nacionalista, utilizando-o ou para reforçar sua autoridade como o que
comandava uma nação em luta ou para caracterizar os trabalhadores como parte de um “exército da produção”. Num
discurso do comício de 1º de Maio de 1942 afirmava: “Soldados, afinal somos todos, a serviço do Brasil”. Vide
LENHARO, Alcir. A Sacralização da Política. 2 ed. São Paulo: Papirus, 1989. p. 86.
165
- O Diário Mercantil de 16/03/1943 noticiava a existência de várias reclamações contra o desrespeito ao tabelamento
de preços. Em 10/11/1943 este mesmo jornal relata o pedido de demissão dos representantes dos trabalhadores na
Comissão de Preços de Porto Alegre e de Caxias, em protesto contra a não punição dos que desrespeitavam as
tabelas de congelamento. Temos numerosos relatos sobre de denúncias e protescos ocorridos após o início de 1945.
Destaca-se o de Uberaba onde, em maio de 1946, foi organizado um protesto contra a falta de açúcar, envolvendo
milhares de pessoas (vide Diário Mercantil de 15/05/1946).
130
fazer serão. Argumentou que a recusa se deveu ao fato de “estar passando mal e ter que
ninguém a acompanhá-lo e que alegou motivo de saúde para não fazer serão. Pela legislação,
caberia à Meurer submeter Moacyr a exame médico para refutar sua alegação de indisposição
física. Certamente esta questão seria levantada caso a ação continuasse a ser julgada. No
entanto, como a empresa alegou reincidência em indisciplina e já havia outra ação de Moacyr
tramitação da ação aguardando o resultado da anterior, para que ficasse claro se tratava -se de
reincidência ou não. Naquela outra ação, Moacyr obteve ganho de causa, aceitando um
Em 6 outros processos, 168 a alegação inicial de motivos de saúde para recusa do serão
não foi suficiente para que a Junta revisse punição de suspensão aplicada pela Meurer. Tem-
constantes destes processos, pesou mais nas decisões do que os argumentos para justificar
cada fato imediato gerador das reclamações. Analisando o significado deste absenteísmo,
julgamos que, na verdade, esta foi a forma possível de se resistir ao aumento desmesurado da
166
- PROCESSO nº 429/44, cx. 12.
167
- PROCESSO nº 376/44, cx. 11.
168
- PROCESSOS nº 267/44, cx. 08; 429/44, cx. 12; 280/45, cx 08; 326/45, cx. 09; 104/46. cx. 03; 128/46, cx. 04.
131
jornada de trabalho. Diante da dificuldade de se colocar coletivamente contrário a tais
imposições, a recusa individual, justificada se possível por problemas de saúde, foi a forma
conseguiam ser cumpridos, grande dificuldade para montagem de novas fábricas que lhes
mudança de emprego por parte dos têxteis) a burguesia têxtil e o Estado concentraram seus
semanal que tinha no programa radiofônico A Voz do Brasil, a causa da guerra sempre foi
colocada em primeiro plano. Atacando as faltas ao serviço como “uma triste demonstração de
e com baixos níveis de vida, Marcondes Filho ainda destacava a existência de “elementos
nocivos”, cuja “preguiça física, ignorância e má fé” impediam a “obediência aos sagrados
169
- MARCONDES FILHO, A. Cumprir as obrigações para apressar o término da luta. Série de palestras
radiofônicas, DIP, abr-maio 1944. apud PAOLI, Maria Célia. Trabalhadores e cidadania: a experiência do mundo
público na história do Brasil moderno. Estudos Avançados, IEA-USP, São Paulo, 3 (7): 40-66, set/dez 1989. p. 63.
132
Em outros momentos o Ministro aliou ao patriotismo a noção de dívida dos operários
com Vargas que lhes concedera tantos benefícios. À dádiva espontânea por parte de Vargas
submissão.170 Se este raciocínio foi utilizado para a relação da classe trabalhadora com
guerra. O trabalhador foi então conclamado a não somente produzir mais e melhor como
Os industriais têxteis por sua vez, não se cansavam de reclamar do excessivo número
de faltas de seus empregados. Num documento de abril de 1944 172 em que 10 sindicatos
indústria têxtil nacional como participante do esforço de Guerra, eles assim descreveram a
situação:
170
- Ângela de Castro Gomes, baseando-se nas teorizações antropológicas de Marshall Sahlins, analisa com brilhantismo
o significado simbólico deste mecanismo, de inquestionável eficiência: “a outorga, quando pressupõe o dar e
receber, pressupõe também o termo que fecha e dá real sentido ao círculo: o retribuir. Quem dá cria sempre uma
relação de ascendência sobre o beneficiário, não só porque dá, mas principalmente porque espera o retorno. Esta
expectativa não se esgota em uma possibilidade, ela é um sagrado dever. Quem recebe cria certo tipo de vínculo, de
compromisso que desemboca naturalmente no ato de retribuir. A não retribuição significa romper com a fonte de
doação de forma inquestionável. (...) A força da coisa dada está em produzir em quem recebe a consciência de uma
obrigação de retribuir como um dever político de natureza ética.” Vide GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do
Trabalhismo. São Paulo: Vértice, Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988. p. 246-54.
171
- ibdem, p. 245.
172
- Vide Circular 018/44, SIFTA-RJ, de 13/04/1944.
133
Em seguida, após uma justificativa “patriótica”, indicam a punição através de um
salarial foi aplicado através das repetidas suspensões impostas aos que faltavam ou que se
recusavam a fazer serão. No caso da legislação que mobilizou a indústria têxtil, a punição
prevista foi mais dura do que o solicitado pelos industriais, prevendo o julgamento como
desertor dos que faltassem ao serviço, sem motivo justificado, por um período superior a 8
Mas tal rigor não se mostrou suficiente para coibir as faltas ao serviço em níveis
considerados como toleráveis pelos industriais. Num documento do início de 1946 ,173 eles
deles a produção mensal das fábricas paulistas de tecidos de algodão deixou de apresentar
173
- Vide Circular 007/46, SIFTA-RJ, s/d.
134
déficit em relação à produção alcançada em julho de 1944, e em apenas 7 deles a produção
de um mês foi maior que a do mês anterior. Analisando estes números os industriais
consideraram que:
que não os de natureza monetária, para explicar o motivo das faltas. As longas jornadas, a
Muito menos se considera que fatores como motivação para o trabalho, realização pessoal ou
serviço. O operário é visto aqui literalmente como simples “fator de produção”, despido de
O pior é que não se observa nem mesmo coerência com o raciocínio desenvolvido.
se desenvolver uma política em que os aumentos salariais levassem a uma melhoria dos
135
Voltando à Meurer, podemos constatar que a facilidade com que ela contestou os
motivos de saúde para justificar faltas ao serviço e recusas de serões (com a conivência da
Junta que não a obrigava a submeter os operários a exame médico para comprovar tais
desconsiderar a vontade e opinião (ou a própria condição de sujeito) dos seus operários,
136
Embora os dados justifiquem sérias desconfianças quanto à consistência, 174podemos
notar pelo menos uma tendência de crescimento do número de acidentes, mais nítida
indústria têxtil brasileira eram exagerados. Análises da Associação Brasileira para Prevenção
de Acidentes, por eles citadas, apontavam que a média de acidentes nas fábricas têxteis
completamente tomadas por observações quanto aos acidentes sofridos pelo operário.
Argemiro Francisco da Silva sofreu 4 acidentes entre janeiro de 1945 e fevereiro d e 1946;
José Rosa Machado 6 acidentes entre 1943 e 1947; Sebastião Tarma, 7 ocorrências entre
1938 e 1957; aparecendo como recordistas Lindonor Pereira Campos com 8 acidentes entre
1939 e 1943 e Sebastião Ribeiro com igual número de acidentes, sofridos ent re 1938 e 1945.
Outra questão que aparece em diversos processos da Meurer era a sua postura frente à
contra as decisões de primeira instância. Enquanto que as demais fábricas têxteis entraram
com 1 recurso para cada 8 processos a que responderam, a Meurer o fez na proporção de 1
recurso para cada 5 processos respondidos. 176 Conforme assinalamos anteriormente, tais
174
- Tais inconsistências são de duas ordens: no caso dos dados recolhidos nas fichas de registro de empregados, embora
tenha sido utilizada uma amostragem equivalente a 20% das mesmas, não temos nenhuma garantia que todas as
fichas existentes tenham sobrevivido; no caso dos acidentes registrados pela Sociedade Cooperativa de Seguros
Operários em Fábricas de Tecidos, nota-se a subestimação dos mesmos frente aos totais encontrados nas fichas.
175
- Cf. Tese apresentada pelo SIFTA-RJ à Segunda Convenção da Indústria Têxtil Brasileira, nov. 1949.
176
- Mais exatamente, as demais fábricas recorreram contra 26 dos 210 processos respondidos, enquanto a Meurer
recorreu contra 16 dos seus 79 processos.
137
recursos parecem motivados muito mais pela intenção de desestimular os demais operários a
procurarem a Justiça do Trabalho do que pelo montante em dinheiro envolvido na ação. Esta
consideração fica mais evidente se observarmos que dos 16 recursos da Meurer, apenas 2
foram atendidos.177 Evidentemente, tão grande número de derrotas deve ter sido previsto
pelos seus advogados que continuaram os processos pelas motivações políticas de sua
constituinte.
Mas além de mostrar-se tão renitente nas demandas contra seus operários, a Meurer se
destacou também pelo desacato à Justiça do Trabalho. 178 Diversas foram as denúncias de
demissões de operários que depuseram contra ela. Vimos como Enéas de Souza foi demitido
logo depois de depor a favor de José Monteiro. Maria Garcia de Paiva reclamou contra falta
de seu registro em carteira em maio de 1944, 179 obtendo vitória na Junta. A Meurer recorreu
ao TRT, onde também perdeu. Em julho de 1944, quando ainda tramitava o recurso da
empresa, Maria Paiva volta a procurar a Justiça do Trabalho, 180 reclamando que a fábrica não
mais lhe entregava serviço (era costureira que levava peças para serem acabadas em casa). A
Meurer alega que a reclamante abandonou o serviço, não comparecendo mais à fábrica para
buscar serviço. A Junta suspende a análise do caso até que se resolvesse o recurso relativo à
177
- Neste caso, o contraste com a média das demais fábricas mostra-se também ilustrativo: elas venceram 9 dos 26
processos contra os quais recorreram.
178
- Neste aspecto, outra empresa que se destaca é a Industrial Mineira, maior fábrica têxtil da cidade. Em 2 processos os
reclamantes declaram que foram demitidos por apresentarem reclamação contra a empregadora (PROCESSOS nº
032/1945, cx. 01 e 252/1945, cx. 07). No primeiro deles inclusive, o reclamante acusa que foi impedido de
comparecer a uma audiência da Justiça do Trabalho. Num outro caso (PROCESSO nº 139/1944, cx. 04), a Industrial
Mineira aplicou uma pena de suspensão do trabalho por 90 dias, quando o máximo permitido é de 30 dias. No
PROCESSO nº 479/1944, cx. 13, a empresa recusa-se a conceder férias a uma funcionária que já gozara de licença
maternidade sem apresentar nenhum argumento legal, tão somente afirmando que “dar à reclamante quatro meses de
salário improdutivo num ano além de corroer as finanças da empresa, viria de encontro ao próprio interesse nacional
da produção. Em todos estes casos, embora não haja uma punição ou admoestação contra a firma em função dos
flagrantes desrespeitos à legislação trabalhista, o resultado lhe foi desfavorável pois houve vitória parcial ou
completa dos reclamantes.
179
- PROCESSO nº 228/44, cx. 07.
180
- PROCESSO nº 328/44, cx. 09.
138
reclamação anterior. Após o TRT recusar o recurso da Meurer, Maria Paiva comunica à Junta
Em março de 1943, Moacyr Azalim e José Batista de Azevedo 181 reclamam contra
demissão provocada por seus depoimentos a favor de Nicolau Aroni em outro processo.
Desta vez a Meurer admite que a demissão se deveu a depoimentos na Justiça do Trabalho:
“A reclamada declarou que não despediu os dois operários por deporem na Justiça do
Trabalho (outros já o fizeram e nada sofreram). Mas porque, ao fazê-lo, referiram-se a seus
pautar pelo valor da indenização devida, nada se levantando contra esta prerrogativa arvorada
pela Meurer de despedir funcionários que, segundo seu entendimento, faltaram -lhe com o
Juiz coibir ou punir os eventuais excessos verbais que ocorressem durante os depoimentos, e
Mas houve um caso em que ficou mais evidente o desrespeito da Meurer pelas
decisões da Justiça do Trabalho. Moacyr dos Santos Loures teve que mover 3 ações seguidas
para ter seus direitos respeitados. Na sua primeira reclamação, efetuada em 19 de agosto de
1944,182 reclamou contra suspensão por 10 dias. O motivo alegado, participação numa briga
juntamente 2 outros operários, não foi comprovado pela Meurer. Foi ela então condenada a
indenizá-lo pelo desconto destes dias. Curiosamente, a Meurer não recorreu. Em 4 de outubro
de 1944, Moacyr dá entrada em sua segunda reclamação, que já foi por nós analisada. 183 Tal
reclamação versou sobre sua demissão por recusar-se a fazer serão, alegando motivo de
181
- PROCESSO Nº 91/46, CX. 03 e 92/46, cx. 03.
182
- PROCESSO nº 376/44, cx. 11.
183
- PROCESSO nº 429/44, cx. 12.
139
saúde. Como resultado as partes firmaram um acordo em 19 de dezembro de 1944, que
dali para adiante. Mas em 27 de dezembro de 1944 Moacyr procura novamente a Justiça do
Trabalho declarando:
A Meurer por sua vez, declarou que diante da alegação de Moacyr de que estava
caso de seu afastamento ser superior a 8 dias, trazer atestado médico”. Ao final de sua
184
- PROCESSO nº 517/44, cx. 15.
185
- ibidem.
140
defesa, para justificar suas atitudes com relação aos atestados médicos, declarou que “nada
verificação do estado de saúde do operário, condenou-a a indenizá-lo pelos dias que ficou
sem trabalhar e pela demissão sem causa justificada. Desta vez a perseguição da Meurer
contra um empregado e a tentativa de não cumprir uma sentença que a obrigava a readmiti -lo
Temos ainda um caso em que o silêncio é o que mais se destaca. O Diário Mercantil
de 23 de janeiro de 1944 trouxe a seguinte matéria, sob o sugestivo título “Um Mestre
Valiente”:
Dois tipos de silêncio ou omissão marcam este fato. Primeiramente o de Antônio que,
apesar de apresentar queixa à polícia, não moveu ação trabalhista contra a Meurer, na qual
teria uma vitória certa. Por outro lado, a Meurer, que se mostrava tão melindrada por
qualquer briga ou discussão entre um operário e seu mestre ou dos operários entre si; não
demitiu Idelfonso que continuou como mestre pelo menos até agosto de 1944, quando
186
- ibidem.
141
testemunhou contra Moacyr dos Santos. Certamente a demissão de um mestre dotado de
tanta valentia seria a melhor maneira da Meurer legitimar as constantes punições que
impingia sobre os operários que se excediam verbal ou fisicamente. Neste caso seu silêncio
constitui um claro discurso que legitima a violência física de um chefe contra seu
ou brigado com seus superiores, independente das razões que fossem alegadas. Em dois
outros casos, operários que brigaram com seus superiores e reclamaram indenização por
Neves,187 operária da Malharia Sedan, alegava que por ter tido uma discussão verbal com a
encarregada, fora do recinto da fábrica, não poderia ter sido punida com suspensão por 10
dias. No outro caso, 188 Waldir Augusto foi derrotado na reclamação contra a Industrial
Mineira por demissão injusta, movida em junho de 1946, quando a empresa alegou que este
destacam por terem sido motivados pelo que os próprios operários chamavam de “puxa -
sábados, juntamente com outra operária. Em diversas ocasiões solicitara que esta tarefa fosse
187
- PROCESSO nº349/45, cx. 10.
188
- PROCESSO nº190/46, cx. 05.
189
- PROCESSO nº176/46, cx. 05.
142
desempenhada por revezamento entre as 10 operárias da seção. Quando a companheira que a
ajudava afastou-se por motivo de saúde, Maura da Cruz foi indicada para substituí-la.
Christina comentou com Maura que poderiam solicitar novamente ao encarregado que a
tarefa fosse dividida entre as demais operárias. Maura por sua vez, procurou o seu chefe para
solicitar que esta tarefa passasse a ser efetuada por ela sozinha. Além disto, ao efetuar a
varreção, Maura o fez utilizando duas vassouras e cantarolando. Ao terminar dirigiu -se à
Christina e chamou-a de ignorante. A isto seguiu-se uma séria discussão entre as duas, com
“você é uma puxa saco, negra de cabelo duro, vai tomar... (onde
tomam os pederastas passivos), grande filha da puta!” 190
Considerando que contra Christina não havia nenhuma outra punição e que, apesar da
indisciplina praticada, uma única ocorrência não seria suficiente para caracterizar a justa
causa, a Junta considerou que houve culpa recíproca das partes, condenando a Meurer a
pagar metade da indenização a que a operária teria direito. Note-se que o que revoltou
Christina foi o oferecimento de Maura para efetuar uma atividade que ela vinha contestando
“há vários anos”. Por trás de suas atitudes, verifica-se, implicitamente, a existência de um
código de conduta não escrito, 191 informal, que teria sido desobedecido por Maura. Observa-
se que o oferecimento de alguém para colaborar com o patrão, criando um contraste negativo
190
- ibidem.
191
- Boaventura de Souza Santos desenvolveu interessantes trabalhos identificando como estes códigos informais de
conduta permitem compreender diversos contextos e movimentos sociais contemporâneos. Vide: O Estado e o
direito na transição pós-moderna. Revista Crítica de Ciências Sociais, (30): 13-43, jun 1990; On modes of
production of law and social power. International Journal of Sociology of Law, 13 (299), 1985; The Law of the
opressed: the construction and reproduction of legality in Pasargada. Law and Society Review, 12 (5), 1977. Para
conhecer uma produção brasileira que repensa o papel do direito na construção de uma sociedade democrática, vide:
SOUZA JÚNIOR, José Geraldo de (org.). O Direito Achado na Rua, Curso de extensão universitária à distância. 3
ed. UNB, 1991. Sobre uma interessante avaliação deste último vide: PAOLI, Maria Célia. Movimentos sociais;
cidadania e espaço público - ano 90. Humanidades, Brasília-DF, UNB, 4 (8): 498-504.,1992.
143
com aqueles que não o fazem, tende a ter a agressão física ou verbal como resposta por parte
destes últimos.
A agressão física foi a atitude também tomada contra José Bazarelo Passarel a, por ter
agido como encarregado de seção, sem ser reconhecido como tal por seus colegas. Conrado
Krepp Sobrinho e Mário Barbosa reclamaram contra a Meurer por demissão injusta em
agosto de 1944.192 Argumentavam que foram dispensados por brigarem com José Bazarelo
Passarela, operário de mesmo nível hierárquico que eles, fora das dependências da sua
Num outro processo, 193 Moacyr dos Santos Loures reclama por ter sido suspenso por
10 dias, acusado de participar da briga. No caso de Moacyr, a mesma Junta caracteriza o caso
de forma diferente. Primeiramente considera que Passarela era do mesmo nível hierárquico
que Moacyr, 194 considerando também que a ocorrência se deu fora da fábrica. Assim, na ação
192
- PROCESSO nº 382/44, cx. 11.
193
- PROCESSO nº 376/44, op. cit.
194
- Fora da fábrica, uma agressão física só caracteriza justa causa se ocorrer contra superior hierárquico. Cf. CLT, art.
482, alínea J.
144
sendo por isso mesmo mal visto e antipatizado perante àqueles
(...).”195
Fica evidente que os colegas não reconhecem a autoridade que a Meurer diz ter
geral, parece ter motivado a briga ocorrida durante a saída da fábrica. 196 Ao contrário de
Moacyr, que apresenta testemunhas de que teve participação secundária na briga, Conrado e
Mário parecem até mesmo orgulharem-se da surra aplicada a Bazarelo. Conrado declara que
“avançou contra ele e vibrou-lhe na nuca um golpe com uma sacola que trazia, no interior da
qual achavam uma marmita e um vidro vazio”. 197 Num outro depoimento, Conrado ainda
declara, com indisfarsável satisfação, que “seu colega Mário Barbosa ‘encheu os queixos’ do
Sr. Bazarelo.”198 Mário, por sua vez, declarou que “deu-lhe um pontapé e logo que este caiu
foi agredido por outros companheiros que estavam ali.” 199 Novamente, parece que estamos
195
- PROCESSO nº 376/44, op.cit.
196
- Num caso semelhante, Jupira de Castro reclamou contra sua demissão pela Moraes Sarmento em março de 1944,
alegando que não poderia ter sido punida por uma briga (de sombrinhadas) ocorrida fora da fábrica. Esclareceu que
a briga deveu-se ao fato de que a colega “vivia entregando-a e intrigando-a com o contra-mestre”. Vide
PROCESSO nº136/44, cx. 04.
197
- PROCESSO nº 376/44, op.cit.
198
- PROCESSO nº 382/44, cx. 11.
199
- ibidem.
145
ressentimento contra o “dedo-duro” mostrava-se tão grande que valia a pena assumir a culpa
emprego.
Por outro lado, a Meurer mostra que além de reivindicar sua autonomia sobre o
espaço da fábrica, quer também ampliá-la para além dos portões. Todos os depoimentos dos
reclamantes e de suas testemunhas afirmam que Bazarelo não tinha cargo de chefia dentro da
pode ter sido mais um arranjo da mesma para conseguir enquadrar os agressores. Por outro
lado, fica também relativizada a declaração anterior da Meurer de que “não tinha nada a ver
com a vida particular de seus empregados”, conforme declarou mais adiante, quando negou
desencadeou um Kafkafiano processo de perseguição contra Moacyr, quando este teve sua
punição revista pela Justiça do Trabalho. No fundo, a saga de Moacyr representou, acima de
março de 1945 Maria Madalena Vilella reclamou contra sua demissão pela Santa Cruz, 200
alegando que deixara de obedecer a uma ordem de outra operária de mesmo nível que ela,
“porque não era ordem do contramestre nem do mestre.” Como a outra operária passou a
ofendê-la continuamente, três dias depois foi queixar-se ao mestre. As operárias foram
200
- PROCESSO nº089/45, cx. 02.
146
chamadas para conversar com o mestre, e somente a outra versão foi ouvida pois, toda vez
que Maria Madalena tentava falar, o mestre a mandava calar-se. Além disto, segundo
Na audiência, a Santa Cruz declara que Maria Madalena não fora dispensada e que
reclamante ao serviço, omitindo-se da apuração das graves denúncias de coação física ali
formuladas.
para demitir seu operário Jovino de Souza que, por ter 12 anos de serviço, tinha também
direito à estabilidade. 201 Solicita a demissão de Jovino devido a seu envolvimento numa briga
201
- PROCESSO nº 341/44, cx. 10.
147
não praticou violência de qualquer espécie contra seu companheiro,
limitando-se a se defender (...).”
em declarar que tratava-se de um operário exemplar, que nunca se metera em brigas e que
nunca fora suspenso. As testemunhas de Jovino acrescentaram ainda que Adelino Gervason
era mal visto, tendo discutido e até mesmo ameaçado outros colegas anteriormente. Notamos
aqui que o fato de Jovino ser bem visto pela empresa até antes do ocorrido, não impedia que
também o fosse pelos colegas de trabalho. Neste aspecto, parece prevalecer o fato de que esta
sua boa relação com a empresa não se baseava em perseguição ou “deduragem” dos colegas.
Por outro lado, a Moraes Sarmento mostra pautar-se por outros princípios. Mesmo admitindo
tratar-se de um bom operário, no momento em que envolveu-se em briga com outro, passou a
merecer ser descartado junto com este. Para justificar a necessidade da demissão, assim se
Adelino Gervason já havia sido demitido, cabendo agora conseguir demitir também
Jovino de Souza para que a ordem voltasse a reinar na empresa. Mas a solidariedade dos
Adelino relatada também pelos depoentes apresentados por Jovino, levaram à sentenç a que
148
obrigou a Moraes Sarmento a reintegrar Jovino, tendo este sofrido apenas a punição de
suspensão por 15 dias. A empresa recorre contra tal sentença e perde novamente em segunda
instância.
Mas a maioria das brigas foram motivadas pelo fato de alguma das partes se mostrar
149
3.5- Os Casos da Bernardo Mascarenhas e da São João Evangelista
destacaram-se por uma postura de maior acatamento da legislação trabalhista, e por uma
relação menos conflituosa com seus operários. Isto não significa que não tenha havido
enfrentamentos entre estas empresas e seus operários, mas sim que tais enfrentamentos se
davam num patamar diferente, marcados por questões de outra natureza. Significa ainda que
estas empresas mostraram uma maior preocupação em construir formas de legitimação de seu
domínio de classe.
Este é o caso da Fábrica de Tecidos São João Evangelista, a que mais se preocupava
em construir uma imagem pública de amiga e protetora de seus operários. Situada a cerca de
12 quilômetros do perímetro urbano, destacava-se por ter construído uma vila operária, e
diversos serviços de apoio e lazer para seus habitantes. Além disto foi também a
empregadora que concedeu maior número de abonos e gratificações aos seus empregados.
Todas estas concessões foram fartamente divulgadas pela imprensa local. A partir de tais
reportagens temos a impressão de que no Bairro da Floresta, mais do que uma fábrica,
No balanço de 1941 a São João Evangelista nos informa que estava construindo um
posto médico para seus operários; 202 em 1942 que construiria mais casas na vila operária; 203
fornecimento de gêneros pelo preço de custo; 204 e, no de 1945, que foram entregues uma
202
- Diário Mercantil de 23/01/1942.
203
- Ata da Assembléia Geral Extraordinária de 19/10/1942.
204
- Diário Mercantil de 05/01/1944.
150
confeitaria e um cinema. 205 Além disto, temos notícia de que durante o ano de 1942 foram
distribuídos dois abonos aos funcionários: 206 em 1943 um abono de Cr$20,00 (7,3% do
salário mínimo) para cada filho menor de idade 207 e, em 1945, três meses de gratificações. 208
Mas o mais interessante é a forma como a São João Evangelista anunciava todas estas
205
- Diário Mercantil de 08/02/1946.
206
- Diário Mercantil de 06/02/1943.
207
- Diário Mercantil de 03/04/1943.
208
- Diário Mercantil de 18/04/1943.
151
Reunindo os operários em frente aos escritórios, Theodorico de
Assis Filho disse que o sucesso da Cia. dependia de seus
funcionários e que a gratificação era uma demonstração do apreço da
Cia. por seus funcionários. Theodorico e outros 2 diretores
entregaram em mãos os envelopes com a gratificação.
Uma grande família forma o pessoal da Floresta.
Uma família que vive bem e que sabe que seus problemas terão
pronta solução pelo chefe a quem estimam e adoram: Theodorico
Álvares de Assis Filho.” 209
Meses depois, quando foi inaugurado o cinema, outra reportagem com teor
209
- Id. A transcrição é um resumo da longa reportagem publicada, tendo sido introduzidas algumas adaptações e
excluídos alguns trechos.
210
- Na verdade, até aquela data já havia sido formulada uma reclamação trabalhista em fevereiro de 1944 (Processo nº
081/44, cx. 03), que terminou em acordo entre as partes. Entre fevereiro de 1944 e junho de 1946, apenas 3
processos foram movidos contra a São João Evangelista (vide Anexos 12 e 13), o que constitui uma performance
admirável para uma fábrica com mais de 400 operários. Mas, para a empresa, o objetivo perseguido sempre foi o de
construir uma imagem de ausência de conflitos, de “paz e harmonia” completas. Para tanto, tenta apagar da memória
os conflitos ocorridos.
152
Representantes sindicais presentes à festa, elogiaram esta instituição
modelar, lamentando que todos os industriais da cidade não sigam
seu exemplo.”211
mundo não é admitido nenhum conflito, diferença, sujeira, desordem ou pobreza. O exagero
conjunto. Sem dúvida, no campo material a empresa se distinguia por avanços incomuns para
a época. No entanto, percebe-se por trás de tudo isto uma concepção autoritária de um
microcosmo totalmente criado e controlado pela família Assis. Theodorico aparece então
como o grande e único sujeito deste mundo. A tudo se antecipa, a todos protege e presenteia.
Amparar o operário em itens como moradia, alimentação, lazer, educação para os filhos e
assistência médica significa também ampliar o raio de controle da empresa sobre tais outras
José Sérgio Leite Lopes, numa das melhores obras de análise do cotidiano operário 212,
nos mostra o quanto este modelo paternalista de gestão do trabalho esconde uma outra faceta:
a do controle sobre a vida familiar ou do tempo fora da fábrica. Além disto, fica evidente
também a ampliação do poder da empresa, que pode ameaçar com a retirada dos benefícios
em caso de conflito com os operários. Outra questão abordada pelo autor é a de como nestes
casos a empresa detém um maior controle até mesmo sobre os contatos sociais dos seus
sindical por controlar quem entra em contato com seus operários na vila operária ou na
211
- Diário Mercantil de 14/11/1945.
212
- LOPES, José Sérgio Leite. A tecelagem dos conflitos de classe na cidade das chaminés. São Paulo: Marco Zero e
UNB, 1988.
153
fábrica. Uma outra questão é a de que a própria concessão dos benefícios pode ser
paternalista da direção da fábrica Marzagânia que se encaixa com perfeição na análise desta
Voltando à São João Evangelista, vimos como a empresa se orgulhava do baixo índice
de faltas e de reclamações trabalhistas por parte de seus operários. Nos parece evidente que o
significado econômico destes fatos não são nada desprezíveis. Já ressaltamos também como
o seu discurso tenta omitir o fato de que as três reclamações trabalhistas ocorridas durante o
213
- DELGADO, Lucília de Almeida Neves & Le VEN, Michel Marie. Marzagânia: fábrica, vila operária e movimento
sindical. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, UFMG, (73): 155-172, jul 1991. pp. 160 e 162. As
já citadas considerações de Ângela de Castro Gomes sobre a eficiência simbólica da dádiva, que cria um “sagrado dever”
de retribuição por parte de quem a recebe, são completamente cabíveis na análise deste tipo de relação paternalista.
154
Uma das reclamações trabalhistas contra a São João Evangelista, movida por Clóvis
de culpa e julgamento a revelia, 215 a Junta julgou improcedente a reclamação alegando que o
sentença foi revista e a São João Evangelista condenada a pagar Cr$1.200,00 (3,3 salários
colocando como advogada do patrão que ganhou uma sentença favorável sem sequer
comparecer ou se fazer representar no julgamento. Uma outra reclamação foi movida por
suspensão como injusta. 216 A empresa declarou que puniu Alcides por ter se recusado a
efetuar serviço ordenado pelo mestre, alegando motivo de saúde sem ter apresentado atestado
que o comprovasse. Mas acaba aceitando um acordo, reduzindo a punição para 4 dias,
Um dos poucos fatos por nós apurados que contradizem o “clima de harmonia e paz”
relatado pela São João Evangelista, diz respeito à tentativa da mesma de não pagar o salário
mínimo para seus operários. No Relatório da Diretoria que acompanhava o Balanço de 1942,
214
- PROCESSO nº 081/1944, cx. 03.
215
- Segundo o art. 844 da CLT.
216
- PROCESSO nº 373/1945, cx. 10. Uma outra firma, a Industrial Mineira, também conseguia pagar um salário menor
para parte dos seus operários alegando que os que trabalhavam no serviço de coleta de lenha se caracterizavam
como trabalhadores rurais, não tendo direito ao salário mínimo (vide PROCESSOS nº 108/1944, cx. 03 e 157/1944,
cx. 05).
155
regular. Resultou uma divergência quanto à aplicação do salário
mínimo. Estando nossa fábrica situada na Zona Rural de Juiz de
Fora, estaríamos sujeitos ao salário mínimo de 1ª ou 2ª categoria. A
opinião do funcionário mostrou-se diferente da nossa: achamos que
pertencemos à 2ª categoria. O caso foi encaminhado ao DD.
Delegado do Ministério do Trabalho, ainda sem solução.” 217
Ministério do Trabalho estabeleceu a 1ª categoria como base do salário mínimo para aquela
região, tendo sido então reajustados todos os salários.218 Vemos assim que a fábrica que
concedeu o maior número de bonificações além do que era prescrito pela lei, foi a mesma
que tentou, e durante dois anos de fato conseguiu, pagar um salário mínimo menor do que as
Um outro fato que demonstra que a paz e a harmonia não eram assim tão completas,
1924, os operários da São João aderem a uma greve geral no seu 3º dia, permanecendo em
greve por cerca de 8 dias. 219 As notícias sobre a greve dos têxteis de 1948, que analisaremos
com maiores detalhes mais adiante, não discriminam qual foi a participação dos operários de
cada fábrica. No entanto, a notícia sobre o início da greve diz que “todas as fábricas locais
foram atingidas pela parede”. 220 Como o tom da reportagem é nitidamente contrário aos
grevistas, julgamos razoável supor que, caso alguma das grandes fábricas da cidade não
217
- Diário Mercantil de 23/01/1942.
218
- Diário Mercantil de 05/01/1944. Como a Diretoria não entra em maiores detalhes, podemos supor que tal reajuste
não tenha sido retroativo, uma vez que, nesta hipótese, a repercussão financeira praticamente a obrigaria a explicar
aos acionistas como a situação teria sido resolvida.
219
- Cf. ANDRADE, Silvia Maria B. V. de. Classe operária em Juiz de Fora: uma história de lutas (1912-1924). Juiz
de Fora, Editora da UFJF, 1987, p. 143.
220
- Gazeta Comercial, 06/04/1944. p. 1.
156
Outro fato interessante foi a ida de uma comissão operários da São João Evangelista
ao jornal Diário Mercantil em fevereiro de 1946, 221 com o objetivo de desmentir uma carta
publicada pelo jornal. Tal carta, tida como falsificada por um desconhecido, d enunciava que
General Dutra.222 O operário, cuja assinatura teria sido falsificada, se esmerou em negar a
toda a notícia como correta (que houve a falsificação e que a comissão de operários da São
“paraíso” que era a fábrica da Floresta, alguém se encontrava insatisfeito o suficiente para
individuais expressados (ainda que de forma indireta e em pequeno número), nos levam a
concluir que os operários da São João Evangelista não chegaram a se anular em função da
política paternalista desenvolvida pela empresa. Por outro lado, é também questionável o
quanto que a motivação para as concessões por parte da empresa não teria sido resultado do
conflitos de classes demonstra a forma escolhida pela São João para enfrentá-los.
221
- Diário Mercantil, 06/04/1948. p. 1.
222
- Há um outro caso, ocorrido na Moraes Sarmento, em que Onofre Nunes reclama de perseguição por parte do
mestre, por ter se recusado a assinar lista de adesão a um partido. A declaração de Onofre revela como os operários
estavam submetidos a múltiplas pressões deste tipo: “Disse que não assinaria porque a companhia também estava
lhe mandando cartas, que não assinaria lista do contra-mestre por querer se alinhar com a companhia, de quem
dependia mais.” Onofre obteve ganho de causa, após dois recursos da empresa ao CRT e ao TST. (PROCESSO nº
086/1946, cx. 03).
157
A Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas destaca-se como a segunda mais antiga
fábrica têxtil de Juiz de Fora, tendo sido inaugurada em maio de 1888. No período da
Segunda Guerra Mundial, colocava-se como a segunda maior fábrica da cidade. Seu fundador
despontou como uma das maiores lideranças da burguesia juizforana. Este papel continuou a
ser desempenhado pelos seus sucessores. Seu filho Bernardo Guimarães Mascarenhas foi
diversos cargos na diretoria do Centro Industrial de Juiz de Fora. Um outro filho, Enéas
Mascarenhas, foi membro da Missão Têxtil Brasileira que visitou os EUA e lá firmou os
acordos de fornecimento de tecidos para órgãos da ONU. Enéas participou também das duas
trabalhista, talvez até pela participação de um dos seus diretores como vogal da Justiça do
Trabalho. Mas este formalismo jurídico marcava também sua posição em questões de outra
Gerais a obter autorização para aumentar a jornada normal de trabalho para 10 horas por dia,
guerra.223 Foi também a única fábrica de tecidos de Juiz de Fora que teve dois de seus
Waltencir Gonçalves Pereira, menor de idade, tendo faltado por 11 dias ao serviço, foi
processado como desertor por abandono do emprego. 224Ouvidos seu chefe imediato e um
colega de trabalho, ambos afirmaram que “o mesmo não regulava bem da cabeça” e que era
223
- Decreto-Lei 12.715 de 28/06/1943. Cf. Diário Mercantil, 03/07/1943, p. 4.
224
- Foi enquadrado no art. 2º, alínea b do DL 4937 (9/12/42). Vide Anexo 3 dessa dissertação, retirado do Livro de
Sentenças, Decisões e Despachos, vol 1 (1943-1944), da Auditoria da 4ª Região Militar.
158
“meio atrapalhado da cabeça”. Analisando ainda a vida escolar do acusado, a sentença do
reportagem,225 suspeitava-se que ele tivesse ido para a casa de parentes em Petrópolis. Como
o caso não foi mais noticiado e não consta nenhuma sentença contra o acusado nos livros da
Estes são os dois únicos casos de operários têxteis processados por deserção em Juiz
de Fora. Se considerarmos que num único processo na cidade de São Paulo 800 operários
estavam envolvidos em tal acusação 226 e que a Constituição de 1946 chegou a prever no art.
desertores até a data de promulgação deste Ato, e igualmente aos trabalhadores que tenham
colocados diante de uma intrigante questão: a pequena utilização por parte da burguesia têxtil
tratada pelos industriais e pelo Estado. Vimos também como o discurso e a prática do que
225
- Diário Mercantil, 25/12/43, p. 3.
226
- Cf. O Estado de São Paulo, 05/01/1945, citado por PAOLI, Maria Célia Os Trabalhadores urbanos na fala dos
outros. In: LOPES, José Sérgio L. (org.). Cultura e identidade operária. Rio de Janeiro, Marco Zero, s.d., p. 88-9.
159
poderes dos industriais tão vastos - ao mesmo tempo que os empecilhos à mobilização e aos
protestos coletivos mostravam-se bastante eficientes - a indústria têxtil de Juiz de Fora não
chegou a necessitar ou a interessar-se em aplicar este recurso extremo. Como com o aumento
da produção a mão-de-obra começou a escassear, não era interessante para o industrial que
poder aplicar tal castigo, tinha inequívoca utilidade como instrumento de coação dos
“soldados da produção.”
Centro Industrial de Juiz de Fora, de um cadastro para registro da vida profissional dos
operários no ano de 1943, ao qual tinham acesso todos os associados do mesmo. 227 Como não
tivemos outras notícias sobre a existência ou utilização deste cadastro, tudo indica que esta
iniciativa não conseguiu viabilizar-se. De qualquer forma, fica evidenciada pelo menos a
intenção dos industriais de criarem mais um instrumento de controle dos operários. Outra
iniciativa semelhante foi tomada pelo SIFTA-RJ em setembro de 1950, quando distribui para
por nós analisado229, destaca-se o fato de que apenas 1 foi considerado procedente e 4
227
- BASTOS, Wilson de Lima. Centro Industrial de Juiz de Fora; passado e presente (1926-1990). Juiz de Fora,
s/ed., 1990. p. 36.
228
- O documento tinha o seguinte teor: ”Exmo. Sr. Delegado de Ordem Política e Social / F......(nome e sede) requer,
afim de fazer prova na Justiça do Trabalho, se digne V. Excia. certificar junto a esta o que constar nesta delegacia
contra seu empregado .......... (nome, nacionalidade, estado civil, profissão, residência, nº carteira profissional) e de
maneira especial sobre sua participação na atual greve de empregados têxteis. / Pede certidão.”
229
Vide Anexos 12 e 13.
160
considerados parcialmente procedentes. Pesa neste resultado a disponibilidade da empresa
para fazer acordo (11 casos, significando quase a metade das reclamações). Por outro lado,
vulto, está mais próxima da média do comportamento das demais fábricas. Comparando tal
postura com aquela adotada pela Meurer e pela São João Evangelista, vemos algumas
prática a desrespeitar decisões da Justiça do Trabalho, a São João fazia de tudo para nem
sequer chegar até ela. Já a Mascarenhas, parece encarar a Justiça do Trabalho como um palco
onde resolverá racionalmente seus conflitos com os operários. Como ressaltou Munakata, no
contexto do Estado Novo, quando a participação política está amordaçada, o custo e o ônus
das demandas trabalhistas parecem pequenos se encarados com racionalidade pelas empresas.
solicitado, atribuindo a lapsos do escritório o não pagamento ao operário. 231 Nos demais
230
- MUNAKATA, Kazumi. A Legislação trabalhista no Brasil. 2 ed. São Paulo, Brasiliense, 1984. p.105.
231
- PROCESSOS nº 324/1944, cx. 09; 332/1944, cx. 09 e 131/46, cx. 04.
161
processos, dois tipos de causas se destacam pelo volume de reclamações. O primeiro caso diz
respeito às reclamações de operárias que não chegavam a receber o salário mínimo. Maria da
Conceição Vieira232 reclamou que, trabalhando por tarefa, ao final dos mês não recebia o
valor do salário mínimo da indústria e que “isto não chega para sustentar sua casa”. A
efetuava o pagamento por peça produzida e que “se a reclamante, após um ano de serviço,
não consegue produzir para ganhar o salário mínimo - como o fazem 2 terços das operárias, é
por sua própria culpa (...).” Maria da Conceição alega que sua produção era menor por qu e as
máquinas eram defeituosas. Parece significativo que as duas outras reclamações 233 pelo não
Interpretando a Portaria citada pela empresa notamos que, quando esta definia uma
tabela de pagamento por tarefa, podia fazê-lo de tal modo que um terço dos operários não
chegassem sequer a receber o mínimo. Ou seja, desde que bem calculada, poderia ser uma
pela Mascarenhas perante a Justiça do Trabalho, não se comportando com mesquinhez frente
às demandas ali colocadas, quando aplicada ao controle da produção lhe permitia, dentro da
lei, pagar um valor abaixo do salário mínimo a uma parcela significativa dos se us operários.
problemas de saúde. Em 6 casos, 4 reclamaram por terem sido dispensados apesar de terem
232
- PROCESSO nº 428/1944, cx. 12.
233
- PROCESSOS Nº 123/1945, CX. 03 E 231/1945, CX. 07.
162
1944, Angelina Jaunci 234 reclamou que foi transferida da seção de novelos para a de
tecelagem, onde não poderia trabalhar por dificuldades visuais. Declarou que “a Cia. vem
assim procedendo, transferindo seus empregados maiores para seções onde se trabalha por
tarefa, onde se exige excesso de capacidade física que talvez o empregado não possua.”
Neste caso, vemos como o pagamento por tarefa pode se mostrar útil para a empresa no caso
de baixa produção por deficiência física. Provavelmente Angelina desgastou sua visão nos
inúmeros serões a que fora submetida. Quando sua produtividade diminui devido ao
alguém com dificuldade de visão para o período noturno. O acordo entre as partes consistiu
234
- PROCESSO nº 006/1944, cx. 01.
163
3.6- Cotidiano de Trabalho em Outras Fábricas da Cidade
Até aqui examinamos três modelos diferentes de postura das fábricas têxteis de Juiz
de Fora frente à Justiça do Trabalho. Enquanto a Meurer se destacou pela intransigência e até
mesmo pelo desrespeito à Justiça do Trabalho, encarando qualquer reclamação como afronta
à sua autoridade, a São João Evangelista, dentro do seu modelo paternalista de relacionar -se
com os operários, foi acionada em apenas três momentos e fez de tudo para apagar da
memória até mesmo estas exceções. A Mascarenhas por sua vez, a partir de um discurso
Além destes casos que foram apresentados a partir das empresas em que trabalhavam
os reclamantes, temos ainda uma série de outros que apresentaremos agrupados pelo tipo de
detalhe ou como um fragmento de um mosaico que só mostra sua riqueza enquanto fonte
quando visualizado em conjunto com outros a que se assemelhe. Mas é da sua própria
“insignificância” que advém sua riqueza informativa pois nos coloca em contato com a
Segunda Guerra e do Estado Novo. É assim que conseguimos verificar como foi aplicada na
164
série de regras e obrigações, na maior parte dos casos de caráter informal e costumeiro, por
parte das empresas e de novos direitos por parte dos operários. 235
uma série de reações por parte destes últimos. Os inúmeros pedidos de licença para
foram reclamações constantes dos patrões. A resposta patronal foi um aumento no rigor das
exigências disciplinares no que diz respeito ao controle sobre o tempo dos operários. Em
março de 1944 Orlando Leocádio Ferreira reclama contra a Cia. Industrial Mineira por ter
sido suspenso por 3 dias devido a um atraso de 1 minuto na entrada do serviço. Em fevereiro
deste mesmo ano, Anísio Silva havia formulado reclamação contra a fábrica Simão Gabriel,
declarando que o relógio da firma era atrasado em meia hora após o início dos trabalhos e
que, tendo chegado com 3 minutos de atraso, fora suspenso por 3 dias. A Meurer por sua vez,
demitiu seu operário Arthur Profeta Margarida em dezembro de 1945, por este ter se atrasado
10 minutos na entrada do serviço. Esta mesma atitude foi tomada pela Moraes Sarmento em
minutos.236
235
- A perspectiva teórica por trás dessas considerações e, de resto, por trás de toda essa dissertação, coincide com o
conceito de classe social proposto por Thompson: “Por classe entendo um fenômeno histórico, que unifica uma série
de acontecimentos díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como na da
consciência. Ressalto que é um fenômeno histórico. Não vejo a classe como ‘estrutura’, nem mesmo como uma
‘categoria’, mas como algo que ocorre efetivamente (e cuja ocorrência pode ser demonstrada) nas relações
humanas.” A partir do conjunto de experiências operárias aqui estudadas, podemos nos aproximar do seu perfil,
visualizando as questões que foram tematizadas pela própria classe, descobrindo as estratégias de atuação e
resistência, considerando que “eles viveram nestes tempos de aguda perturbação e nós não.” e pressupondo que
“suas aspirações eram válidas nos termos de sua própria experiência.” Vide THOMPSON, Edward P. A Formação
da classe operária inglesa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. p. 13.
236
- Vide, respectivamente, PROCESSOS nº 100/1944, cx. 03; 041/1944, cx. 01; 359/1945, cx. 10 e 189/1946, cx. 05.
165
Mas o controle sobre o tempo se estendia principalmente sobre a parcela do mesmo
transcorrida dentro da fábrica. José Alvino Pereira foi suspenso pela Meurer por 3 dias em
maio de 1945, por ter se afastado por 15 minutos para tomar água. Acácio Feital também
reclamou contra a Meurer, em setembro de 1944, por ter sido suspenso por 2 dias ao se
afastar do serviço para tomar água. Acácio esclarece que cada operário tinha direito a se
afastar da máquina até 4 vezes por dia para tomar água ou ir ao banheiro e que sua
reclamação adivinha do fato de que aquela era a 4ª vez que o fazia, não cabendo -lhe,
portanto, punição alguma. Em abril de 1945 Francisco Satyro Nunes reclamou contra sua
dispensa por justa causa efetuada pela Industrial Mineira, por ter se afastado 5 minutos antes
do horário de almoço para lavar as mãos. Em abril de 1944, Pedro Vendramin apresentou
reclamação contra a Malharia Santa Hercília, declarando que, após recusar-se a trabalhar
mais que 8 horas, foi-lhe solicitado, no momento de sair, que colocasse os pentes na
máquina, o que também recusou-se a fazer. No dia seguinte, quando interpelado, discutiu
com seu chefe e foi despedido. A Santa Hercília saiu-se vitoriosa alegando que “como se
vem verificando constantemente, os empregados deixam o trabalho a qualquer hora, sem dar
de Estevam Serpa de Souza, demitido pela Santa Cruz em abril de 1945. Estevam foi acusado
Como a empresa não conseguiu caracterizar as demais faltas como justificativa para a
dispensa por justa causa, por serem antigas e já terem sido punidas ou consideradas como
237
- Vide, respectivamente, PROCESSOS nº 167/1945, cx. 05; 392/1944, cx. 11; 148/1945, cx. 04 e 178/1944, cx. 05.
166
perdoadas, deu prioridade para a acusação de que o operário tinha outro emprego. Alegando
que “não era possível a um cidadão dirigir um caminhão oito horas por dia numa empresa e,
à noite, prestar seus serviços a um outro empregador,” a Santa Cruz conseguiu uma sentença
favorável.238
período em que a indústria têxtil esteve mobilizada, uma reação comum dos operários foi de
tornava-se mais uma dificuldade a ser enfrentada pelos operários. Sem condições de passar
de queixa por parte dos operários. Particularmente no setor de tecelagem, diversos operários
relatam que tiveram que passar a cuidar de até 2 ou 3 teares. Em 09 de março de 1945
Esmeralda da Luz reclamou contra suspensão aplicada pela Tecelagem Santa Rosa,
declarando que:
238
- PROCESSO nº 152/1945, cx. 04. Neste caso, embora a sentença formalmente tenha considerado que as demais
alegações da empresa não serviriam para justificar a justa causa da demissão, implicitamente as aceitou pois, quanto
a este aspecto, poderia ter indicado que à época fosse dada ao operário a opção por um dos empregos ou que a
questão já estivesse vencida pelo fato dele já ter sido demitido do outro emprego.
239
- PROCESSO nº 100/1945, cx. 03.
167
Em fevereiro de 1946 Francisca Litiére também reclamou contra uma suspensão por 3
dias aplicada pela Moraes Sarmento. Declarou que estava numa máquina muito ruim, que lhe
exigia muito esforço, sendo suspensa “de quando em vez”. Na audiência, declarou que por
perseguida por não fazer como as outras que vivem adulando o mestre.” De fato, tudo indica
que as demais operárias não se simpatizavam com Francisca pois, segundo as testemunhas
arroladas pela defesa, a produção dependia da habilidade da operária, havendo uma que
declarou trabalhar na mesma máquina sem ter problemas. Baseando-se em tais depoimentos a
semanas depois, Francisca Litiére volta a procurar a Junta para reclamar de outra suspensão
procurado sua colega Isabel para orientá-la a como depor caso fosse chamada pela Junta. De
fato, o depoimento de Isabel, única testemunha ouvida neste caso, funcionou como arma da
empresa, embora tivesse sido convocada pela operária reclamante. Mais uma v ez Francisca
240
- PROCESSO nº 037/1946, cx. 01.
168
viu-se derrotada na Justiça Trabalhista que considerou que não ficou provada a perseguição
resistência dos operários. Quase todos os processos deste tipo obedecem à seguinte
seqüência: o operário reclama contra a punição por algum fato definido pela empresa como
ato de sabotagem de sua parte e defende-se alegando não ter tido intenção ou culpa,
atribuindo o motivo a outrem ou, ainda, a defeito do equipamento. Embora não possamos
quantificar, julgamos que as reclamações trabalhistas representem uma pequena parcela dos
conflitos de tal natureza, supondo que a maioria deles não tenha gerado queixa pela punição
aplicada. Não analisaremos todas as evidências de culpa porventura existentes nos processos
pois, na maioria dos casos, as informações não permitem conclusões precisas a este respeito.
Mas o conhecimento de como a questão foi abordada por operários e patrões nos permite
Malharia Sul Americana, foi-lhe dito que os dias trabalhados e a indenização a que teria
direito ficariam por conta das agulhas que quebrara. 241 Em julho deste mesmo ano, Marina
Nepomuceno Guedes reclama contra a suspensão por 15 dias em virtude do pano que estava
tecendo ter se enroscado na máquina, provocando a quebra de uma engrenagem. 242 Dez dias
após entrar com esta reclamação, volta para reclamar contra a dispensa sofrida em virtude de
ter procurado a Justiça do Trabalho. Mas não comparece à primeira audiência do processo,
sendo o mesmo arquivado. Também em julho de 1944, Edith Silva reclama contra a Malharia
241
- PROCESSO nº180/1944, cx. 05.
242
- PROCESSO nº312 /1944, cx. 09.
169
Ítala, declarando que se demitiu em virtude de ter-lhe sido cobrado o pagamento de agulhas
que se quebraram.243 Disse que numa outra ocasião haviam descontado Cr$ 24,00 (6,6% do
salário mínimo) e que agora queriam descontar Cr$ 150,00 (41,6% do salário mínimo), send o
tais valores desproporcionais ao valor das agulhas quebradas. Na audiência a Malharia Ítala
declarou que fizera o acerto sem o desconto reclamado, afirmação confirmada por Edith.
Outro caso caracterizado pela empresa como sabotagem foi o de Ana Gomes Leal,
que em janeiro de 1945 compareceu à Junta para reclamar contra uma suspensão injusta
aplicada pela Tecelagem de Sedas Santa Rosa. 244 Afirmou que o tear no qual trabalhava
quebrava com freqüência e que, na última vez em que isto aconteceu, ao chamar o contra-
mestre para explicar-lhe que o tear havia “esbarrado”, este lhe perguntou “se não tinha
vergonha, uma tecelã velha, de dizer que o tear havia esbarrado.” Constatado que o defeito
não se dera por culpa sua, quando cobrou satisfações do contra-mestre em virtude das
Em março de 1946 Manoel Ventura de Souza reclama contra sua dispensa pela
Moraes Sarmento, requerendo as indenizações. 245 A Empresa alega justa causa para a
dispensa, acusando Manoel de ter rasurado seu cartão de ponto, com o objetivo de auferir
lucro. Manoel declara que “depois que passou a trabalhar em 3 máquinas, aumentando a
produção, outros por inveja passaram a rasurar seu cartão.” A perícia técnica apurou que as
rasuras foram feitas por diversas pessoas, inclusive Manoel. Vencido na primeira instância,
Manoel recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho, onde obteve sucesso. Mas a Moraes
243
- PROCESSO nº 351/1944, cx. 10.
244
- PROCESSO nº 003/1945, cx. 01.
245
- PROCESSO nº 109/1946, cx. 03.
170
Sarmento recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho, que restaurou a decisão da primeira
instância.
injustos a suspensão de 11 dias e o desconto de Cr$ 78,00 (21,7% do salário mínimo) por
conta da quebra de 52 agulhas. 246 Tal desconto foi-lhe apresentado sob a forma de um recibo
onde deveria atestar que estava recebendo tal importância como adiantamento de salário.
Diante da recusa, foi suspensa pelo período equivalente ao valor a ser descontado. Ainda em
Uma outra causa interessante, que alegava sabotagem como motivo de dispensa foi a
contestação de José Manfili e José Geraldo Larcher contra a Malharia Augusta, em maio de
produtos idênticos aos seus, a partir dos segredos e conhecimentos adquiridos como
empregados de confiança da mesma. José Manfili declarou que a acusação contra ele:
246
- PROCESSO nº 216/1946, cx. 06.
247
- PROCESSO nº 159/1945, cx. 05.
248
- id. ib.
171
Na seqüência, tomamos conhecimento que Manfilini já estava trabalhando em outra
supor que os reclamantes tiveram a intenção de montar a tal fábrica mas não encontraram
sócio com capitais que viabilizassem tal objetivo. Ao final, a empresa aceitou proposta de
conciliação que previa indenização equivalente à metade do que era reclamado, pagando Cr$
3.000,00 (8,3 salários mínimos) a Manfilini e Cr$ 1.500,00 (4,2 salários mínimos) a Larcher.
Uma questão que destaca-se na análise dos processos diz respeito às alegações de
motivos de saúde para justificar faltas ao serviço. Esta alegação aparece em 69 dos 289
processos, portanto, em quase um quarto deles (exatos 23,9%). 249 Já vimos como os acidentes
de trabalho aumentaram durante este período. Vimos também alguns casos da Meurer e da
Mascarenhas envolvendo questões de saúde. É obvio que jornadas mais extensas, longos
períodos sem férias, a utilização de máquinas sucateadas pelo uso intensivo e o próprio
justificar faltas ou requerer indenização, nota-se que a doença não é retratada como
calamidade, mas sim como uma dificuldade cotidiana com a qual convive-se com resignação.
O que mais incomoda a um observador dos dias de hoje é justamente a ausência de um traço
trágico (ou heróico) na fala daqueles que relatam a perda de parte de seus corpos, o desgaste
249
- Embora em apenas 30 processos se reclame o pagamento do auxílio enfermidade, conforme consta da tebela ?? em
anexo.
172
muito mais sua relação com a interrupção da produção do que com os sofrimentos de q uem
como o subproletariado da periferia de Paris lida com essas questões nos dias de hoje:
Mas notamos também que mais do que simplesmente revelar aspectos a respeito da
saúde dos operários, tudo isto delimita uma arena onde se disputa o próprio controle sobre o
corpo. Na perspectiva dos operários, justificar uma falta ou uma recusa a fazer serão
alegando motivo de saúde, colocava-se como uma das poucas opções para resistir com
dos patrões, tais alegações eram quase sempre vistas como tentativas de fuga ao trabalho,
estamos diante de mais uma disputa que delimita direitos: quem define os limites para a
exigência de esforço?
serviço, cabe ao patrão submetê-lo a exame médico para avaliar a veracidade da afirmação.
Na prática, vemos que muitas vezes isto se resolveu de outra forma, ficando a cargo do
250
- DEJOURS, Christophe. A Loucura do trabalho; estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo, Cortez/Oboré,
1991. p. 30.
173
Mas mesmo quando um médico da firma examina o operário, podemos notar a
manipulação em favor da empresa. Este foi o caso relatado na reclamação movida por Itagiba
Dornelas de Souza contra a Santa Cruz em fevereiro de 1946. Estando se sentindo doente,
Na sua defesa a empresa alegou que a dispensa se deveu às repetidas faltas ao serviço,
que totalizavam 321 faltas em três anos de serviço. A sentença considera justa a dispensa,
afastamento ocorrido por motivo de saúde. Assim como a Meurer, que só passou a fazê -lo
após perder em todas as instâncias legais possíveis, as demais fábricas também resistiram
ferreamente a cumprir tal obrigação. Dos 69 casos em que a questão da saúde foi levantada
pelos operários, 30 reclamavam o pagamento do salário dos dias em que o operário esteve
assim tratados nos processos em que deram motivo a reclamações. Dos 5 casos a que tivemos
251
- PROCESSO nº 085/1946, cx. 02.
174
comunicação da gravidez à empresa, enquanto que 2 outros contestavam o valor da
No caso de Manoela Daniel contra a São Vicente, temos uma verdadeira saga
relativo ao qual recebera apenas Cr$ 40,00 (11,1% do salário mínimo). Tendo trabalhado até
comunicar que se afastaria para cuidar da criança. O motivo alegado pela empresa na sua
defesa foi que a empregada não apresentou atestado médico da gravidez, descumprindo assim
reside no fato de que ninguém contestou que ela tenha tido o filho, mas sim que não
pagamento dos 18 dias em que Manoela estivera afastada e não recebera salário, totalizando
252
- PROCESSOS nº 229/1945, cx. 07; 320/1945, cx. 09; 164/1946, cx. 05; 196/1946, cx. 06.
253
- PROCESSO nº 443/1944, cx. 13.
175
Cr$ 212,00 (58,9% do salário mínimo). Novo recurso de Manoela ao TST não foi sequer
analisado no mérito, por ter sido preliminarmente julgado como sem fundamentação legal.
Estas e inúmeras outras fontes por nós utilizadas possibilitam a abordagem da questão
de gênero, sobre a qual não nos aprofundaremos, por implicar numa diversificação que foge
(55,8% a nível nacional e 64,3% em Minas Gerais - vide Anexo 13). Mas pelo menos em
mulheres e por homens mostra-se quase que completamente inversa à sua participação
teriam sido responsáveis por apenas 31,5% das reclamações (Vide Anexo 11); enquanto que
os 35,7% de homens teriam impetrado 68,5% das ações trabalhistas contra a indústria têxtil.
176
3.7- O Retorno do Movimento Operário
movimentações operárias em moldes clássicos. Mas antes disto, ainda no período ditatori al,
temos notícia de greves ocorridas na fábrica Meurer. Edgar Ribeiro, representando aquela
empresa numa reclamação trabalhista 254 movida por José Batista de Azevedo em julho de
1944, reclamando contra uma suspensão injusta, declara que ser ele “um empregad o
contumaz em faltas maiores e menores”, já tendo sido demitido em setembro de 1940 por
tomar parte de uma greve. José Batista por sua vez, ao se defender, tentando demonstrar bom
comportamento, alega que não tomou parte da greve realizada em dezembro de 1 943. Este
empregado deve também ter se destacado na greve de janeiro de 1946, pois sua ficha de
registro assinala sua segunda demissão naquela época, constando também as inscrições “mau
que Luiz Fratini e Ruy Evangelista Ribeiro foram demitidos em 23 de setembro de 1940, sob
a acusação de serem “grevistas”. Com a imprensa da época censurada, estes são os únicos
indícios de que dispomos. De qualquer forma, mostra-se bastante significativo o fato de que
na fábrica que destacou-se pela repressão a seus operários tenham se ensaiado pelo menos 2
pracinhas que lutaram na Itália voltavam para o Brasil, observou-se o ocaso do Estado Novo.
Nos anos de 1946 e 1947 o país viu-se sacudido por inúmeras greves. O longo período de
254
- PROCESSO nº 314/1944, cx. 09.
177
repressão, se foi quase completamente vitorioso em impedir que movimentos organizados
movimentos assim que as comportas foram abertas. Tais movimentos aconteceram mesmo
refreando o ímpeto dos grevistas em troca dos avanços institucionais visualizados na efêmera
cidade de São Paulo em 2 de agosto de 1947, quando foram incendiados 30 ônibus e bondes
dentre 710 que foram de alguma forma atacados. 256 Analisando o fenômeno nos moldes das
indicativo da falta de canais efetivos de representação política dos setores populares levados
a tais atitudes. Mais precisamente, o autor retrata como tanto o PC quanto o Governo
Adhemar de Barros foram surpreendidos pela ação daqueles que de alguma forma diziam
liderar ou representar. Para termos idéia da intensidade da efervescência das lutas operárias
do período, listamos na tabela abaixo apenas aquelas que foram noticiadas pelo Diário
Tabela 16 - Greves noticiadas pelo Diário Mercantil de março de 1945 a junnho de 1946
255
- Para conhecer uma impiedosa análise sobre o comportamento dos comunistas nesta conjuntura cf. WEFFORT,
Francisco. Origens do sindicalismo populista no Brasil (a conjuntura do após-guerra). Estudos CEBRAP, São Paulo:
CEBRAP, (4): 65-105, abr-jun 1973.
256
- MOISÉS, José Álvaro. Protesto urbano e política. O quebra-quebra de 1947. Ciências Sociais Hoje. São Paulo,
ANPOCS, 1983. (v. 2, Movimentos Sociais Urbanos, Minorias Étnicas e Outros Estudos). p. 96-112.
257
- Embora esta amostra não apresente rigor estatístico, no sentido de que não esgota a listagem dos movimentos
existentes no período e de que nem tão pouco os compara com com o total de movimentos ocorridos; ela nos
permite visualizar a origem e as formas de organização diferenciadas dos movimentos com os quais os operários da
cidade tiveram maiores chances de tomar conhecimento de que existiram.
178
REIVINDI- Nº DE DATA /
CATEGORIA LOCALIZAÇÃO CAÇÃO GREVISTA FONTE
S
Mineiros Nova Lima - MG Salário 8.000 25/03/45
Têxteis, Metalúrgicos e outros São Paulo - SP Não Consta 120 fábricas 20/05/46
Nos dois primeiros meses de 1946, 100.000 operários estiveram em greve na cidade
de São Paulo.258 Bóris Koval indica a existência de 150.000 grevistas em 1947. 259 Jover Teles
por sua vez, aponta a existência de 250.000 grevistas em 1948. 260 Outro dado interessante
258
- ARAÚJO, Braz José de. Operários em luta; metalúrgicos na Baixada Santista (1933-1983). Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1985.p. 69.
259
- KOVAL, Bóris. História do proletariado brasileiro (1857-1967). São Paulo, Alfa-Ômega, 1982. p. 386. Apud
REZENDE, Antônio Paulo. História do movimento operário no Brasil. São Paulo, Ática, 1986. p.49.
260
- TELLES, Jover. O Movimento sindical no Brasil. 2 ed. São Paulo, Liv. Editora Ciências Humanas, 1981. p. 39.
179
indica que em 1947 o governo Dutra interviu em 143 de um total de 944 sindicatos
No caso da indústrias têxteis de Juiz de Fora, tivemos uma greve da Meurer no início
de 1946 e uma grande greve de todas as indústrias têxteis em abril de 1948. No dia 02 de
Bernardo Mascarenhas, chegaram a conceder mais de uma gratificação por ano. No momento
pois o Diário Mercantil de 03/01/46 assim noticiou a participação do Sindicato dos Têxteis
no evento:
gerência da fábrica para negociar. Dois dias após, o jornal relata que tal comissão esteve
também reunida com o Prefeito José Baptista de Oliveira, quando solicitou sua intervenção a
261
- FÜCHTNER, Hans. Os Sindicatos brasileiros de trabalhadores; organização e função política. Rio de Janeiro,
Graal, 1980. p. 88.
180
favor dos operários. Temos também notícia, através de uma reclamação trabalhista movida
contra a Meurer262 por Nicolau Aroni em janeiro de 1946, de que a empresa solicitou
policiamento. Neste processo, o policial João Simplício da Silva é chamado a depor, no final
No dia 8/01/46 o Diário Mercantil noticia que a greve encerrara-se no dia anterior,
não informando o valor do abono conquistado, se limitando a dizer que “as negociações
A Gazeta Comercial desta mesma data relata que nos dias anteriores diversas
assembléias operárias e reuniões com os patrões haviam tentado uma solução negoci ada.
262
- PROCESSO nº 023/1946, cx. 01.
181
Os Delegados de Polícia Mário Gouvea e Pedro Vieira Mendes por sua vez, publicam
No primeiro dia os jornais relatam não ter havido nenhuma prisão por motivo da
greve. Mas no dia seguinte, o Diário Mercantil noticia que dois operários foram presos
Com a mesma facilidade com que noticiaram a eclosão da greve, no dia seguinte os
dois jornais da cidade foram unânimes em dar manchete para a sua finalização. 263 Lendo as
1946, quando a Junta de Conciliação e Julgamento julgou o dissídio da categoria, vemos que
esta ainda encontrava-se em greve, 15 dias após o início da paralisação. Neste dia a Justiça
Trabalhista propôs aumento de 30% para todos os empregados do setor, sem distinção de
nível salarial, o que foi recusado por patrões e operários. A questão foi então remetida para o
Tribunal Regional do Trabalho. Não obtivemos notícia sobre o resultado final do dissídio e
263
- Vide Diário Mercantil e Gazeta Comercial de 07/04/1946.
182
3.8- Considerações Finais
indústria têxtil, quando nos surpreendemos com uma classe que, apesar de toda a opressão,
construiu mecanismos para enfrentar, resistir e não anular-se enquanto tal, podemos então
Estado Novo. Mais que isto, vemo-nos diante de mais um momento em que a classe operária
se tentou impor-lhe.
atuação da classe operária neste processo. Quando excluiu a atuação operária ocorrida
durante e após o Estado Novo de suas análises, esta historiografia encontra dificuldade de
palavras, somente quando conseguirmos mostrar o operariado como sujeito autônomo, que
não foi subsumido por aqueles que tentaram determinar sua existência, é que conseguiremos
também demonstrar que os avanços da legislação trabalhista revelam muito mais uma vitória
desta resistência difícil de ser visualizada, do que uma dádiva do getulismo. Ou que os
limitados avanços institucionais da Carta de 1946 revelam o quanto que a classe dominante
do período teve que conceder em função do enfrentamento que vivenciava com a classe
183
foram mais nocivas por não terem sido efetivamente seguidas pela classe operária ou sequer
classe operária como sujeito dotado de considerável capacidade de fazer valer sua autonomia
somatório da ação dos até então anônimos José Monteiro, Enéas de Souza, Moacyr dos
Santos Loures e tantos outros, permitem-nos uma aproximação com o período que nos
vistos em conjunto, mostram-nos que por trás dos mesmos encontra-se um sujeito (a classe),
que em vários momentos conseguiu redefinir o conteúdo e os limites da sua relação com a
burguesia e o Estado.
Mas a valorização das questões citadas não deve implicar no exagero de desconsiderar
os aspectos estruturais mais amplos, antes tomados como suficientes para explicar a atuação
da classe. O que estamos advogando é que a compreensão efetiva de temas clássicos como a
composição das classes e do Estado, o arcabouço jurídico por eles formulado, a atuação das
pela análise de como a classe operária vivenciou concretamente tal realidade. Ou seja, realçar
a condição de sujeito dos operários não implica negar a existência da dominação. Pelo
compreensão das sucessivas metamorfoses por que ela passa, para continuar exis tindo.
184
Em termos concretos, julgamos que este trabalho pode ter contribuído com a
definição das políticas públicas do período. Além disto, a análise da formulação e aplicação
significativo exemplo dos frutos desta relação da burguesia industrial com o Estado.
Finalmente, o estudo do cotidiano fabril pretende ter caracterizado o operariado não apenas
como vítima de uma tragédia mas também, e principalmente, como ator também responsável
185
4 - FONTES E BIBLIOGRAFIA
186
4 - FONTES E BIBLIOGRAFIA
187
Livro de Atas das Assembléias do Sindicato das Indústrias de Fiação Tecelagem de Juiz de
Fora. (2 volumes, de fevereiro de 1944 a novembro de 1946).
Livros de Sentenças, Decisões e Despachos da Quarta Circunscrição Judiciária e Militar (3
volumes, de 1943 a 1949). Secretaria da auditoria Militar da Quarta Região Militar,
Juiz de Fora-MG.
Livros de Atas das Sessões da Quarta Circunscrição Judiciária e Militar. (4 volumes, de 1940
a 1946). Secretaria da Auditoria Militar da Quarta Região Militar, Juiz de Fora-MG.
Rol de Condenados da Quarta Circunscrição Judiciária e Militar. ( 1 volume). Secretaria da
Auditoria Militar da Quarta Região Militar, Juiz de Fora-MG.
Livro de Registro da Produção da Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas (junho de 1938 a
dezembro de 1947). Arquivo Histórico da UFJF, Livro 210.
Livro de Registros Fiscais - Cadastro dos Contribuintes dos Impostos de Indústrias e
Profissões e Vendas e Consignações da Prefeitura do Município de Juiz de Fora. ( 1
volume, 1944, nº 582). Arquivo Permanente da Prefeitura de Juiz de Fora.
188
RELATÓRIO da Diretoria da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais. Exercício
de 1944. Belo Horizonte: s/ed., s/d.
RELATÓRIO da Diretoria da Sociedade Cooperativa de Seguros Operários em Fábricas de
Tecidos, referentes aos anos de 1940 a 1948. Arquivo CIFTA-RJ.
Livros de Registro de Acidentes de Trabalho da Sociedade Cooperativa de Seguros Operários
em Fábricas de Tecidos, referentes aos anos de 1938, 1943 e 1945. Arquivo SIFTA-RJ.
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(Rio de Janeiro)e Gazeta Comercial (Juiz de Fora) relatando uma reclamação
trabalhista de grande vulto do Representante Comercial da Bernardo Mascarenhas no
Rio de Janeiro, Sr. Apolinário Mascasrenhas contra aquela empresa. (1943 a 1951).
Regulamento interno de 11 fábricas do Estado do Rio de Janeiro. Arquivo SIFTA-RJ, pasta
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COMISSÃO EXECUTIVA TÊXTIL. Levantamento das fábricas de tecidos por estado e
por município, com nº de operários, de teares e de fusos. Rio de Janeiro, 1945.
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190
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198
5 ANEXOS
199
ANEXO Nº 3
Sentença do Conselho de Justiça da Auditoria da 4ª Região Militar, Juiz de Fora,
19/10/43.264
264- Livro de Sentenças, Decisões e Despachos, vol 1 (1943-1944), Juiz de Fora, Auditoria da 4ª Região Militar.
203
ANEXO Nº 4
Sentença do Tribunal de Segurança Nacional, de 11 de novembro de 1942.265
Vistos, etc.
No processo n. 2.178, originário do Estado de Minas Gerais, Carlos Ovídio Rovela, brasileiro, com
38 anos de idade, casado, mecânico, residente na Rua Batista de Oliveira, n. 950, da cidade de Juiz de
Fora, e Emiliano Camodeca, de nacionalidade italiana, com 52 anos, solteiro, advogado, residente no
“Pálace Hotel”, com sede na mesma cidade, foram denunciados, o primeiro como incurso na sanção
penal do art. 3º, inciso 25 do Dec.-Lei nº 431, de 18 de maio de 1938, pelos seguintes fundamentos,
assim expostos na classificação do delito de fls.:
“O primeiro classificado Carlos Ovídio Rovela, brasileiro de pais italianos, no dia 21 de março, por
volta das 15 horas, na “Malharia Brasil”, onde trabalha, lendo no “Diário Mercantil” a notícia da
mudança da placa da rua “Itália”, declarou que isto não devia ter sido feito, porque era uma indecência,
que amanhã cairia também o nome do Dr. Oswaldo Aranha e seria substituído por outro... Que o Dr.
Oswaldo Aranha se tinha vendido ao Presidente Roosevelt e que ele era o culpado do país ter se
envolvido na crise atual; acrescentando que, brevemente, quem iria mandar eram eles, os italianos,
porque os filhos de Matarazzo iriam comprar o Presidente Vargas”.
“Ouvido esse classificado a fls. confessou que havia feito essas declarações, mas em tom de
brincadeira”.
“O segundo classificado, Dr. Emílio Camodeca, Presidente da “Casa D’Itália”, mantinha na
sociedade estrangeira os brasileiros, filhos de italianos, sob o disfarce de convite permanente como
esclarecem os documentos de fls, mediante o pagamento mensal de 4$000, como ele próprio confessou a
fls do inquérito, confirmado pela declaração de fls”.
Designado o dia 31 de outubro do corrente, às 14 horas para o julgamento do feito, foi o mesmo
realizado, tendo este juízo absolvido o acusado Emílio Camodeca, com a apelação necessária para a
instância superior, e se julgado incompetente para conhecer o delito imputado a Carlos Ovídio Rovela,
porque o crime só se enquadraria entre os da competência da justiça especial se tivesse sido praticado
por meio da imprensa, e os autos mostram que o fora oralmente.
O Egrégio Tribunal Pleno, conhecendo da decisão, em via de recurso, e atendendo a que a lei
sobrevinda (Dec.-Lei n. 4.766, de 1 de outubro de 1942) devolveu tal competência à justiça especial,
suspendeu o julgamento da apelação de ofício, relativamente a Emílio Camodeca; e determinou a volta
dos autos a este Juízo, para julgar também, quanto ao mérito, a acusação feita a Carlos Ovídio Rovela.
Bem examinada a hipótese:
Considerando que a prova colhida no inquérito policial, consistente no depoimento de duas
testemunhas, certifica que o acusado proferiu, efetivamente, as expressões ofensivas cuja autoria lhe é
imputada, e ele próprio as confessa, embora procurando eximir-se da decorrente responsabilidade
criminal com a invocação de que agira por mero gracejo, ou leviandade: mas,
Considerando que, em face da gravidade excepcional do momento, devem ser reprimidas quaisquer
manifestações que envolvam hostilidades ao Brasil e aos seus dirigentes;
Considerando que a prova do inquérito não foi ilidida pela do sumário.
Condeno Carlos Ovídio Rovela, a seis meses de prisão, grau mínimo do art. 3º inciso 25, do Dec.-
Lei 431, de 18 de maio de 1938, na ausência de circunstância agravante e na ocorrência da atenuante de
bons antecedentes.
Expeça-se o competente mandato de prisão.
265
- Revista dos Tribunais, São Paulo, ano XXII, maio de 1943, vol. CXLIII, fasc. 516, p. 302-3.
204
Distrito Federal, 11 de novembro de 1942.- PEDRO BORGES DA SILVA, Juiz do Tribunal de
Segurança Nacional.
205
ANEXO Nº 3
A Inobservância de qualquer dos tópicos acima referidos constitue ato passível da aplicação das
penas disciplinares.
Faltas e Ausências
As faltas ao serviço devem ser devidamente justificadas no dia seguinte imediato a ocorrência da
mesma mediante comprovação. A falta de justificação induz a Cia. na aplicação de pena disciplinar.
Faltas repetidas, mesmo que justificadas, poderão resultar na dispensa do operário.
O médico da fábrica não fornece justificativa nem autoriza ausências dos operários.
Para ausências prolongadas (mais de uma semana) é indispensável que o operário peça licença e
exiba o atestado médico, ou comprovante, ANTES de começar a faltar.
A ausência ou falta ao serviço, por espaço de 15 dias consecutivos ou superior a este, sem
licença e sem motivo justificado, a juízo da Cia, induz esta a considerar o cargo vago por
ABANDONO DE EMPREGO e rescindido o contrato de trabalho por justa causa.
Horário Ponto
As entradas e saídas deverão ser anotadas pelo próprio operário em seu cartão de ponto, por via
do relógio-ponto. Cada operário deverá marcar seu próprio cartão, sendo expressamente vedado
fazê-lo no de outro operário ou companheiro, sob qualquer condição, da mesma forma que é
206
PROIBIDO FAZER NO CARTÃO-PONTO QUALQUER EMENDA, ANOTAÇÃO OU
RASURA.
Qualquer atraso superior a 5 minutos impedirá o operário de tomar o seu serviço, salvo
permissão especial do mestre.
O atraso superior a 3 minutos e até 15 minutos, importará no desconto de ¼ de hora, de 15 a 30
minutos no desconto de ½ hora.
O operário é obrigado, à saída do serviço, marcar o seu ponto logo após terminação do seu
trabalho.
Acidentes
A ocorrência de acidente durante o trabalho deverá ser comunicada imediatamente pelo operário
acidentado, SEJA QUAL FOR O GRAU DO ACIDENTE.
A falta de comunicação do acidente, por parte do operário, importa NA PERDA DOS
DIREITOS que a Lei dos Acidentes do Trabalho lhe outorga.
Registro
Qualquer alteração de endereço, estado civil ou outros que possam interessar ao registro de
Operários, deverá ser comunicada ao escritório.
Refeitório
Durante as horas de refeição e repouso fica terminantemente proibido a permanência nos salões,
páteos e dependências da fábrica, podendo os operários e empregados comer e descansar DENTRO
da área cercada do refeitório, ou do lado de fora do portão da fábrica.
Aviso Prévio
Os pedidos de demissão do serviço da Cia. deverão ser feitos com 30 (trinta) dias de
antecedência, salvo em casos excepcionais, devidamente comprovados.
Pedidos de Emprego
Os operários que desejarem colocar por seu intermédio conhecidos, amigos ou parentes, devem
dirigir-se ao escritório para fornecerem detalhes dos candidatos, aguardando uma comunicação que
lhes será feita em tempo oportuno.
Férias
207
Decorridos 15 dias após a terminação das férias sem que o operário se apresente ao serviço, a
Cia considerará o cargo vago por ABANDONO DE EMPREGO.
Higiene
Todos, quer empregados como operários, devem cooperar com a Cia. a fim de ser mantido um
ambiente limpo e higiênico e em condições sanitárias satisfatórias. Todos devem se apresentar ao
serviço em condições de higiene pessoal razoáveis.
É Expressamente Proibido
1) Fazer circular listas, abaixo-assinados, promover sorteios, rifas ou apostas de qualquer natureza
ou para quaisquer fins ainda que beneficentes, exceto com a permissão expressa da Gerência.
2) O porte de armas de fogo ou outras quaisquer, no recinto das instalações da fábrica.
3) Permanecer ou postar-se em qualquer dependência da fábrica ou do escritório fora do seu local de
trabalho, salvo com autorização do seu superior.
4) Sentar-se nas janelas, mesas, máquinas ou equipamentos, quer da fábrica ou do escritório.
5) Cuspir ou escarrar em qualquer dependência ou salão internos da fábrica ou escritório, bem como
através de janelas ou portas.
6) Fazer refeições no salão, páteos ou dependências da fábrica, bem como sobre mesas, máquinas
ou equipamentos da Cia., a não ser no REFEITÓRIO.
7) Fumar em qualquer parte da fábrica.
8) Fazer algazarra ou gritarias. Promover discussões sobre qualquer assunto.
9) O uso de bebidas alcoólicas em serviço ou o porte de bebidas para o interior das instalações da
Cia., bem como apresentar-se ao serviço em estado ainda que ligeiramente alcoolizado.
10) A prática de jogos de azar ainda que nos períodos de descanso.
11) Usar equipamentos, ferramentas ou outros apetrechos pertencentes à Cia. para a realização de
serviços próprios.
12) Introduzir nas instalações da Cia. pessoas estranhas ao serviço, ainda que parente ou amigo.
13) Exercer qualquer atividade conexa com a da Cia.
14) Usar palavras e gestos obscenos.
Julho de 1944
208
ANEXO Nº 4
ART. 2º: Em uma organização industrial o trabalho individual está vinculado, e é interdependente
com o da coletividade. A falta de um operário prejudica a todos os demais operários,
porque desorganiza a produção que depende de todos.
ART. 3º: É dever de toda administração impedir que a vontade, conveniência ou comodidade de
uns, sejam nocivas ao cumprimento do dever social da coletividade.
ART. 4º: A falta do cumprimento do dever social e nacional do trabalho, só pode ser escusada nos
seguintes casos de força maior: a) enfermidade; b) gestação e parto; c) casamento; d)
falecimento de pessoa da família; e) determinação superior das autoridades.
ART. 5º: Cumprindo o seu dever de zelar pelo trabalho coletivo, a administração da Cia.
Petropolitana - Fiação e Tecelagem - não poderá relevar faltas ao trabalho, a não ser nos
casos previstos no art. anterior (Art. 4º), exigindo-se sempre na hipótese das letras “a” e
“b”, o atestado fornecido pelo médico da Companhia.
ART. 6º: As faltas que não se enquadrarem nos itens do Art. 4º serão consideradas como “ação
perturbadora do trabalho coletivo”, ficando os responsáveis sujeitos às seguintes
penalidades disciplinares, aplicáveis imediatamente:
1ª Infração: Um dia de suspensão.
2ª Infração: Dois dias de suspensão.
3ª Infração: Três dias de suspensão.
4ª Infração: Quatro dias de suspensão.
5ª Infração: Cinco dias de suspensão.
6ª Infração: Seis dias de suspensão.
ART. 7º: Depois da 6ª infração o Departamento Imobiliário, ficará incumbido de aplicar o Art. 10º
do Regulamento de locação de casas da Cia.
ART. 8º: O operário que praticar 4 infrações dentro de um ano, se for diarista perderá todo e
qualquer acesso aos quadros, durante o prazo de um ano; se for tarefista perderá a sua
colocação preferencial no trabalho da máquina, passando a trabalhar como suplente,
quando houver serviço.
ART. 9º: Nenhum operário poderá abandonar a seção em que trabalha, durante as horas de serviço
a não ser com licença ou por ordem do responsável pela seção.
209
ART. 10º: Para segurança dos trabalhadores e em defesa da continuidade do trabalho, é
expressamente proibido fumar no interior das fábricas, em qualquer seção ou
dependência, sob pena de suspensão por 7 dias, e no caso de reincidência, por 15
dias. Verificada a repetição da falta, será suspenso por tempo indeterminado e aberto
inquérito administrativo.
ART. 11º: Todo operário deve comunicar imediatamente ao chefe da seção qualquer acidente ou
quebra de máquina.
ART. 12º: Não poderão os operários atender a qualquer chamado à porta em horas de serviço, salvo
em caso muito urgente, e mediante permissão da gerência das fábricas.
ART. 13º: No caso de chuvas fortes por ocasião do início dos trabalhos, a entrada nas fábricas será
tolerada até meia hora depois da estiagem.
ART. 14º: O chefe de cada seção deverá apresentar-se na mesma 5 minutos antes do início do
serviço e não deverá sair antes da retirada de todos os operários.
ART. 15º: É de máxima importância que os chefes de seção levem ao conhecimento da Gerência
imediatamente, quaisquer acidentes, por mais insignificantes que sejam.
ART. 17º: As perturbações de ordem nas fábricas, as agressões pessoais, o desrespeito à hierarquia
administrativa, serão passíveis de penalidade de suspensão de uma semana a um mês, a
critério da Gerência das fábricas. Registrando-se um incidente de natureza grave, que
exija a intervenção da autoridade pública, será aberto inquérito administrativo para
apuração da responsabilidade e aplicação da lei com a demissão do, ou dos responsáveis.
ART. 18º: Fica a cargo da Gerência das fábricas a fiel aplicação deste regulamento dos
deveres do trabalho e sua plena execução.
A DIRETORIA
210
ANEXO Nº 5
Noticiamos, ontem, que o Sindicato de Fiação e Tecelagem, órgão de classe dos industriais de
tecido, está financiando a campanha queremista. Muito embora presidido por uma pessoa
conceituada, como o Sr. Carlos da Rocha Faria, o sindicato se acha realmente na mãos de J. S.
Maciel Filho, deslavado queremista, que arrastou os industriais à louca aventura de patrocinarem a
volta do Sr. Getúlio Vargas ao poder. Assim, já não há mistérios em torno do aparecimento de
órgãos da imprensa destinados a galvanizar o cadáver da ditadura e outros empreendimentos
queremistas, inclusive o custeio de grandes manifestações ao “Pai dos Pobres”. O dinheiro não vem
apenas de Borghi - que já está às portas da falência e malbaratou fortunas astronômicas com a sua
malograda candidatura. Origina-se também da indústria de tecidos que Maciel discricionariamente
dirige, jogando na fogueira política os recursos de seu sindicato.
Ora a denúncia, cuja responsabilidade conscientemente assumimos, é de uma espantosa
gravidade. O governo não pode, não tem o direito de cruzar os braços diante dela. Uma intervenção
no Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem se faz urgentemente necessária, se uma assembléia
geral não esclarecer devidamente as responsabilidades de cada um dos diretores neste escândalo.
Soubemos que ontem, diante de nossa denúncia, Maciel Filho declarou que arranjaria o dinheiro
para regularizar a caixa do Sindicato. Este cavalheiro dirigiu-se ao Ministro do Trabalho a fim de
obter que mediante autorização dos senhores Simonsen e Lodi, dirigentes do SESI, este lhe
fornecesse os recursos necessários. Por outro lado, o audacioso queremista providencia
precipitadamente, para hoje, uma reunião da diretoria do Sindicato, a fim de tranqüilizar os
espíritos, depois de repor o dinheiro malbaratado com a criminosa empreitada queremista. Nessa
reunião, Maciel tentará explicar, entre quatro paredes, aos diretores da associação, que o dinheiro
dos industriais foi bem empregado e um dia será cobrado com juros, quando o Sr. Vargas dominar
novamente o país (...).
A verdade, porém, é que uma irregularidade como a que foi praticada no Sindicato de Fiação e
Tecelagem não pode ser matéria da alçada de uma simples reunião de Diretoria. É preciso que uma
Assembléia Geral seja desde logo convocada pelos membros influentes do Sindicato que não
participaram dos abusos cometidos em seu nome. É preciso que nesta assembléia falem à classe o
Sr. Rocha Faria, presidente da associação e supremo responsável pelas suas atividades e o Sr. A.
Mesquita, tesoureiro da entidade, que deve explicar minuciosamente as despesas irregulares
ordenadas e autorizadas por quem quer que seja.
Além disto o SESI (Serviço Social da Indústria) não pode distrair dinheiro para atender aos
apuros de Maciel Filho. Não se deve repetir o caso da Cooperativa de Seguros dos Operários em
Fábricas de Tecidos, da qual se desviaram ilegalmente fundos para suprir as deficiências da caixa do
sindicato, e da “caixa especial” esgotadas com os saques para fins queremistas.
O que é preciso é por a nu, desde logo, a situação do Sindicato, numa reunião plena, em que as
responsabilidades de cada um fiquem [ilegível] estabelecidas. A classe, qual um tribunal de honra,
diante das provas, é que deve decidir o destino dos traficantes que a usaram envolvendo-a numa
211
aventura antipatriótica e subversiva. Fora daí, somente a intervenção, que, a lei faculta ao governo,
poderá por um cobro aos escândalos do Sindicato de Fiação e Tecelagem. Que os industriais
honestos, que são a maioria, entre os quais o próprio presidente da CETEX, Sr. Guilherme da
Silveira Filho, varram sua testada, esclarecendo sua posição ante tais abusos.
212
ANEXO Nº 6
Aleivosia Desfeita
Chocante
Por isso mesmo brada aos céus que venham agora a atacá-los, de público, as mesmas criaturas
que se notabilizaram como entusiastas partidários do Sr. Getúlio Vargas, nos tempos áureos de seu
regime. Os homens que estão detratando com tanta facilidade os dirigentes do Sindicato da Indústria
de Fiação e Tecelagem, atirando-lhes a pecha de “queremistas”, buscando incompatibilizá-los com
o governo atual, são os mesmos que foram vistos trajando macacão nas passeatas louvaminheiras do
Estado Novo e faziam praça das relações íntimas que mantinham com o Palácio Guanabara, onde se
deixavam bafejar pelas alegres baforadas do ditador, a quem divertiam.
Bons e Leais
Bons e leais queremistas ao tempo que ser do “queremos” era uma profissão rendosa de favores
e concessões, os acusadores insinceros e petulantes de agora estão se arriscando ao perigo de ver o
feitiço voltar-se contra o feiticeiro, com o desnudamento das verdadeiras intenções que os movem
nessa campanha difamatória. Não se mostrem, porém, tão açodados. O General Presidente, ao que
se afirma, conhece bem os industriais celebrados por suas inclinações ao Estado Novo e guarda na
memória aqueles operários sloper, de vistosos macacões bem talhados, que passeavam nas passeatas
getulistas, sorrindo ufanos para o ditador sorridente. Devagar, pois, com o andor ...
213
ANEXO 7
A ata da assembléia geral do Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem realizada no dia 6,
e ontem publicada no “Jornal do Comércio”, vem desvendar alguns aspectos da atividade política
desse Sindicato, sob a máscara da “defesa dos interesses” dos seus associados.
Recentemente, apareceram na imprensa, certas denúncias segundo as quais o referido Sindicato,
através do seu Departamento de Publicidade, sob a direção do Sr. J. S. Maciel Filho, teria financiado
a propaganda queremista. Essas denúncias acarretaram a demissão do Sr. Maciel Filho, e para
exame do caso é que foi convocada a assembléia em questão.
“Silveirinha” confessa
Usando da palavra, o Sr. Guilherme da Silveira Filho, barão feudal de Bangu, declarou - vamos
citar a ata - “que não havia concordado com a criação do Departamento de Publicidade do
Sindicato, por isso que não acreditava que esse fosse um meio eficiente para a propaganda da
indústria e defesa de seus interesses”.
E logo em seguida a confissão que desmascara os objetivos do Departamento:
“Achava ( o Dr. Silveirinha) que o comunismo devia ser combatido, porém na forma como ele
praticava em Bangu, promovendo a eleição de um vereador contra o candidato dos comunistas”.
Nada como o ambiente de uma assembléia de homens dos lucros extraordinários para uma
confissão como esta! A concepção de política do Dr. Silveirinha e seus associados dos lucros
extraordinários é a seguinte: defender os seus privilégios de exploradores do povo, combatendo os
comunistas, por meio de candidatos que sejam os seus lacaios. Mas o povo de Bangu derrotou este
industrial reacionário e seu candidato, apesar das fortunas gastas na propaganda.
214
Onde Aparece Morvan
Outro aspecto curioso e significativo da reunião é o que mostra, uma vez mais, a estreita ligação
do “trabalhista” Morvan Figueiredo com os interesses patronais. Assim é que, mal publicadas as
primeiras denúncias contra o seu Sindicato, o presidente do mesmo, “esteve imediatamente” com o
Ministro do Trabalho, que lhe garantiu que não haveria intervenção.
Entretanto, sempre fazendo uma política dúbia, Morvan disse coisa diversa a outro associado, o
que levou o Dr. Juvenal da Rocha Vaz a declarar na assembléia que “o Ministro do Trabalho era
uma pessoa bi-fronte”...
215
ANEXO 8
(...)
Visa a ordem jurídica, ora dominante, obter o equilíbrio entre o capital e o trabalho
proporcionando ao primeiro liberdades e garantias, e ao segundo proteção e valorização.
Essa liberdade de iniciativa é, porém, acentuadamente limitada pelo excesso de dispositivos
protecionistas do trabalhador menor e do sexo feminino.
Entraves de todo o gênero foram opostos à liberdade de ação daqueles que têm a iniciativa da
atividade industrial, daqueles que possuem o capital sem o qual, no dizer do grande Leão XIII, nada
vale o trabalho.
É condição essencial ao pleno desenvolvimento de um empreendimento não somente a liberdade
de ação, como comodidade e segurança.
Pequenas exigências a primeira vista destituídas de qualquer importância, são, muita vês,
escolhos insuperáveis. Proibições de atos aparentemente fáceis de evitar, tornam-se, amiúde, causas
de grandes e graves efeitos.
Entre os dispositivos de proteção do trabalho do menor e da mulher há alguns que se têm
transformado em embaraços de vulto ao bom andamento dos trabalhos industriais, por serem de
impossível ou onerosa conciliação com os princípios gerais básicos da própria legislação trabalhista.
(...)
216
Por mais que se procure, não é possível encontrar qualquer inconveniente para os mesmos
trabalharem mais alguns minutos de segunda a sexta-feira e terem de folga toda a tarde de sábado.
Aulas não são perturbadas porque não é às 17 horas que funcionam os cursos noturnos.
Diversões, descanso e vida familiar muito maior proveito trarão as horas consecutivas de sábado
que os 45 minutos de cada dia.(...)
217
ANEXO 9
- solicitar que fique definitivamente esclarecido [que]a duração normal de 48 horas por semana
pode ser, na indústria têxtil, em virtude da simplicidade e suavidade dos seus serviços, dividida
em períodos de até 10 horas diárias, compensando-se, assim, as horas que não serão
trabalhadas, em outros dias da semana, independentemente de quaisquer formalidades, por
isso que não se trata de prorrogação e sim de recuperação da duração normal do trabalho.
i) Greve
Considerando que, na ordem democrática, o poder emana do direito, cumprindo ao Estado zelar
pelas liberdades individuais, manter a harmonia entre os interesses particulares e os da comunidade
e coibir excessos;
Considerando que o trabalho é uma obrigação social, estabelecida na constituição em vigor;
Considerando que a legislação vigente estabeleceu penalidades para empregados e
empregadores que desrespeitarem os princípios reguladores do direito de greve, penalidades essas
que não devem ser abrandadas ou suspensas sob pena de grave perturbação à ordem pública e social
e aos princípios de hierarquia e disciplina que devem imperar em qualquer organização do trabalho;
A Convenção Resolve:
1) que sejam solicitadas aos poderes competentes as providências que se fizerem necessárias
para que o direito de greve seja regulamentado de forma a não degenerar em faculdade de não
trabalhar, de impedir que outros trabalhem e de se tornar veículo de agitação política,
provocar a intranqüilidade pública e prejudicar o interesse geral;
2) que se manifeste ao Poder Legislativo os inconvenientes do Projeto de Lei nº 889, de 1949,
que concede anistia aos condenados ou processados por motivo de greve e crimes conexos,
218
por importar tal medida na quebra dos princípios de disciplina que devem presidir as relações
de trabalho e em manifesto desrespeito à soberania do Poder Judiciário.
219
ANEXO 10
Tabela 17 - Número e tipo de reclamação trabalhista - Setor Têxtil
Juiz de Fora (1944-1946)
Quantidade Tipo de Meurer Mascarenhas Industrial Moraes Santa Cruz São João Outras Total
Reclamação Mineira Sarmento Evangelista
Nº de
Processos 79 23 70 32 20 3 62 289
Nº de
Reclamantes 82 23 120 32 31 3 80 371
Salário 30 6 27 8 5 1 29 106
Férias 16 8 21 3 10 1 11 70
Aviso Prévio 24 7 34 10 8 1 20 104
Demissão Injusta 25 7 28 11 9 1 19 100
Assinatura de
Carteira 1 -- 5 -- -- -- 5 11
Hora Extra 2 -- 1 -- -- -- 4 7
Suspensão 21 5 11 11 -- 1 19 67
Auxílio
Enfermidade 11 2 1 6 5 -- 5 30
Insalubridade 3 -- 51 1 6 1 21 83
Outras -- 3 8 2 -- -- 9 22
OBS: 1) Como alguns processos envolviam mais de um reclamante, o número de reclamantes é maior que o número de processos.
2) Cada processo normalmente envolvia mais de um tipo de reclamação, por isso a soma dos tipos de reclamação é maior que o número total de
processos.
FONTE: Processos trabalhistas contra as indústrias têxteis de Juiz de Fora, movidos entre fevereiro de 1944 e junho de 1946.
220
ANEXO 11
Tabela 18 - Resultado, Recursos Impetrados e Sexo nas Reclamações Trabalhistas Contra a Indústria Têxtil - Juiz de Fora
(1944-1946)
Meurer Mascarenhas Industrial Moraes Santa Cruz São João Outras Total
Mineira Sarmento Evangelista
Nº de
Reclamantes 82 23 120 32 31 3 80 371
Houve Acordo
12 8 35 4 2 1 42 104
Procedente
14 1 14 6 10 -- 4 49
Procedente em
Parte 17 4 9 1 3 -- 2 36
RESULTADO
Improcedente 23 4 47 11 14 1 15 115
Ausência do
Reclamante 15 6 16 10 2 1 17 67
Total
Reclamado 68.277,20 19.047,15 141.475,10 38.454,40 37.193,90 4.047,50 100.939,30 409.434,55
Total Recebido 14.241,70
2.364,40 34.105,90 24.195,50 2.917,50 2.286,40 34.266,90 114.378,30
Nº de Causas
sem Recurso 63 19 67 24 17 2 71 263
Nº de Recursos 19 4 53 8 14 1 9 107
Do Empregado
RECURSO (atendido) 2 -- 1 3 -- 1 3 9
Do empregado
(Negado) 1 3 38 -- 10 -- 5 57
Da Empresa
(Atendido) 2 1 3 2 1 -- 1 11
Da Empresa
(Negado) 14 -- 11 3 3 -- -- 31
Masculino
SEXO 63 12 95 16 26 2 40 254
Feminino
19 11 25 16 3 1 40 117
FONTE: Processos trabalhistas contra as indústrias têxteis de Juiz de Fora, movidos entre fevereiro de 1944 e junho de 1946.
221
ANEXO 12
FONTE: Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Comissão Executiva Têxtil (CETex). A Indústria
têxtil do algodão e da lã. Rio de Janeiro: CETex, 1949. P. 33.
222
ANEXO 13
FONTE: Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Comissão Executiva Têxtil (CETex). A Indústria
têxtil do algodão e da lã. Rio de Janeiro: CETex, 1949. P. 45.
223
ANEXO 14
224
ANEXO 15
1943 6.940 194 + 27 1.517 893 + 331 300 100 8.788 234 + 51
1946 ND ND ND ND
N D = Não Disponível
N E = Não Existente
* Valores em Contos de Réis
FONTE: Balanços publicados pela Gazeta Comercial de Juiz de Fora.
225
ANEXO 16
1941* N D ND ND ND
1942 7.459 278 + 78 300 100 626 100 8.385 200 + 100
1943 10.430 249 + 40 675 225 + 125 843 135 + 35 11.948 285 + 43
1945 ND ND ND ND
1950 25.001 596 +9 1.575 525 + 483 768 123 + 616 27.344 651 + 17
N D = Não Disponível
N E = Não Existente
* Valores em Conto de Réis
FONTE: Balanços publicados pelo Diário Mercantil de Juiz de Fora.
226
ANEXO 17
1941* 8.122 131 + 31 640 200 + 100 181 180 + 80 8.943 135 + 35
1942 9.508 153 + 12 2.149 671 + 236 646 643 + 256 12.303 186 + 38
1946 27.073 437 + 10 3.384 1.058 - 40 1.640 1.632 -4 32.097 485 + 0,3
* Em Contos de Réis
FONTE: Balanços publicados pela Gazeta Comercial de Juiz de Fora.
227