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RBGF- Revista Brasileira de Geografia Física

Recife-PE Vol.2 n.01 jan/abril 2009,41-50.

UMA INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DA GEOMORFOLOGIA NO


BRASIL: A CONTRIBUIÇÃO DE AZIZ NACIB AB’SABER

Antonio Carlos Vitte1


Rafaela Soares Nielmann2

RESUMO
O trabalho examina a contribuição metodológica e epistemológica de Aziz Nacib Ab’Saber
(1929 -) para o desenvolvimento da geomorfologia geográfica no Brasil. A partir das
contribuições de Pierre Monbeig, Jean Tricart e Jean Dresch, Ab’Saber desenvolve a noção
variações cíclicas do relevo em ambiente tropical quente e úmido, a partir da noção de
paleopavimentos detríticos nas encostas florestadas do Brasil de Sudeste. A partir dos avanços
da geologia na década de 1950 e a incorporação da teoria da pediplanação, Ab´Saber
desenvolve o conceito de regiões de circundesnudação, base para a sua interpretação da
compartimentação do relevo brasileiro. Na década de 11970, a partir das influências da
biogeografia e da ecologia da paisagem, desenvolve a noção de redutos florestais, marco
significativo para o desenvolvimento da geomorfologia geográfica no Brasil, com ampla
aplicação nos estudos de ordenamento territorial.

Palavras-Chave: História da Geografia; Geomorfologia Geográfica; Ab’Saber; Paradigmas;


Brasil.

AN INTRODUCTION TO THE HISTORY OF GEOMORPHOLOGY IN


BRAZIL: A CONTRIBUTION OF AZIZ NACIB AB'SABER

ABSTRACT
The paper examines the epistemological and methodological contribution of Aziz Nacib
Ab'Saber (1929 -)for the development of geographical geomorphology in Brazil. From the
contributions of Pierre Monbeig, Jean and Jean Tricart Dresch, Ab'Saber develops the concept
of cyclical variations in topography tropical hot and humid from the notion of paleopaviments
overburden the wooded slopes of the brazilian southeast. From the progress of geology in the
1950s and the incorporation of the theory of pediplanation, Ab'Saber develops the concept of
regions of circundesnution basis for its interpretation of the subdivision of the brazilian relief.
In the decade to 11,970, from the influences of biogeography and landscape ecology,
develops the concept of forest redoubt, significant milestone for the development of
geographical geomorphology in Brazil, with wide application in studies of land use.

Keywords: History of Geography, Geomorphology Geographic; Ab'Saber; Paradigms,


Brazil.

1
Departamento de Geografia, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Unicamp. Campinas (SP), Brasil. CP 6152, CEP 13087-970. e-
mail: vitte@uol.com.br Pesquisador CNPq.
2
. Graduanda em Geografia, IG-Unicamp. Campinas (SP), Brasil. bolsista de Iniciação Científica Pibic/CNPq/Unicamp. CP 6152, CEP
13087-970. e-mail: rafaelaniemann@gmail.com.br

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INTRODUÇÃO auxiliar na redefinição dos cursos de geografia

Nos últimos anos, a literatura e no próprio sentido de se fazer geomorfologia

internacional relacionada à geomorfologia,vêm no contexto da Ciência Geográfica.

registrando um intenso debate sobre os É neste contexto que o presente trabalho

caminhos da geomorfologia e da Geografia pretende apresentar algumas considerações

Física. Assim, por exemplo, Rhoads e Thorn sobre a produção epistemológica de Aziz Nacib

(2002) registraram a necessidade de se realizar Ab’Saber, geógrafo responsável pela formação

um balanço crítico sobre a história e a da geomorfologia geográfica no Brasil. O

epistemologia da geomorfologia, uma vez que presente trabalho é parte da Iniciação Científica

a mesma apresenta problemas filosóficos e (PIBIC/CNPq/UNICAMP), fundamentou-se no

metodológicos que precisam ser equacionados trabalho de Vitte (2008), que realizou ampla

urgentemente, pois a cada dia a geomorfologia pesquisa sobre a história da geomorfologia no

está sendo impregnada pela questão cultural e Brasil.

política.
Para Gregory (2000) a geomorfologia A estruturação da geomorfologia no Brasil

geográfica está descaracterizada na geografia ‘ Genericamente, pode-se dizer que a

Física, pois a maior produção de estruturação científica da geomorfologia no

geomorfologia está acontecendo nas ciências Brasil está muito associada a dois grandes

naturais e multidisciplinares. E, esse atraso, marcos na história política e cultural do Brasil

segundo Gregory (2000, 2001)ocorre em dos anos de 1930, que são de um lado a criação

função do forte impacto do pragmatismo na e a institucionalização de várias universidades,

geomorfologia, sendo que não há razão para destacando-se neste caso a Universidade de

não refletirmos sobre os conceitos e as práticas São Paulo, USP e já com o Estado Novo (1937-

da Geografia Física e em particular 1945) a criação do Instituto Brasileiro de

pelageomorfologia. Geografia e Estatística, que oficialmente terá

Atualmente, o cenário internacional incumbência de coletar, sistematizar e pensar a

referente à produção da Geografia Física e em questão do território brasileiro, a fim de

especial a produção da geomorfologia, vem fornecer elementos analíticos que norteassem

merecendo um amplo debate sobre a situação as políticas de Estado.

da geomorfologia na geografia e suas relações Especificamente, no que se refere a

com as ciências humanas e naturais. O que fica concepção de elaboração das superfícies

evidente é a enorme necessidade de se realizar erosivas no sudeste brasileiro, a história da

estudos sobre a constituição histórica e geomorfologia registra a influência de duas

epistemológica da geomorfologia, o que irá grandes matrizes epistemológicas. A primeira

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compreende a década de 1930 e avança até industrialização e urbanização de São Paulo e a


aproximadamente meados da década de 1950, mudança na órbita regional, particularmente
onde o paradigma dominante é o “Ciclo entre o nordeste e o sudeste (OLIVEIRA, 1981;
Geográfico da Erosão”, elaborado por Davis CANO, 1990). Ou seja, a geomorfologia na
em 1899 (VITTE, 2008). Com a criação das USP e na antiga Universidade do Brasil,
universidades serão institucionalizados cursos desenvolveu-se a partir de uma leitura
de Geografia, assim como cursos de engenharia secundária do ciclo davisiano e particularmente
ligados as escolas politécnicas. Nestes cursos na USP, com forte influência do método
serão agregadas em suas grades curriculares a monbeiguiano, em que também a noção de
geologia e a geomorfologia, com ensino teórico história e ocupação era importante para
e prático, que segundo Ab’Saber (1958) foi delimitar uma região/compartimento. Em 1958,
fundamental para a geração de geógrafos- Ab’Saber chamava à atenção para a enorme
geomorfólogos que passaram a contribuir para produção da geomorfologia brasileira, fruto da
o conhecimento da diversidade da natureza no expansão dos cursos de geografia no Brasil e
Brasil e ao mesmo tempo auxiliando na da interiorização do desenvolvimento
expansão das fronteiras internas do Brasil econômico do país. A partir da década de 1950,
(VITTE, 2008). a geomorfologia brasileira passará por uma
grande ruptura paradigmática com o
A contribuição de Aziz Nacib Ab’saber para surgimento da Teoria da Pediplanação e
a formação da geomorfologia geográfica no associada a grandes transformações no interior
Brasil. da Geologia, particularmente no que tange a
Segundo Vitte (2008) a geomorfologia sedimentologia e a estratigrafia, além do
no Brasil desenvolve-se a partir da influência surgimento de novas técnicas de representação
de Emanuel de Martonne e de Pierre Monbeig, e de aquisição de informações, ocorrerá uma
(ABREU, 1994) acabou favorecendo o ruptura paradigmática na geomorfologia
desenvolvimento de uma perspectiva brasileira (VITTE, 2008). A década de 1950,
metodológica firme para a geografia. Para sob o ponto de vista político e econômico é
Monbeig, a análise geográfica deveria produzir marcada no plano mundial pela intensificação
monografias regionais, em quedelimitação da “Guerra Fria” e pela Revolução Chinesa. No
regional era dada a partir da relação entre o Brasil é a fase de Juscelino Kubstcheck de
natural e o social. Oliveira (JK), e, pela implantação das idéias
Historicamente, este momento, coincide nacional-desenvolvimentistas, com a
com a expansão cafeeira no sudeste do Brasil, construção de Brasília, a indústria
particularmente São Paulo, o processo de automobilística e a abertura de rodovias.

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Para as Ciências da Terra, a obstáculos epistemológicos (BACHELARD,


década de 1950 é declarada a década dos 1992), como por exemplo os trabalhos de
oceanos, em que pesquisadores das Ciências da geologia que estavam mais avançados no
Terra procuram por meio do estudo dos conhecimento empírico da realidade brasileira,
sedimentos do fundo oceânico desvendar os que os de geomorfologia, que guiados por um
processos continentais. É o momento em que modelo anacrônico e incompatível com a
os conhecimentos da sedimentologia e da realidade tropical brasileira, acabava por não
estratigrafia passam a auxiliar os estudos propiciar avanços significativos sobre a gênese
geomorfológicos. Some-se a este fato, a do relevo brasileiro.
descoberta das variações climáticas da Terra e a Durante os primeiros sete anos da
possibilidade de associar as evidências destas década de 50, intensos estudos regionais e com
variações com os sedimentos continentais e, a preocupações genéticas serão desenvolvidos
partir daí, estabelecer uma idade para as formas por Fernando Flávio Marques de Almeida e
de relevo. Ainda dos anos 50, temos o uso, Aziz Ab’Saber. Trabalhos esses propiciados por
ainda que tímido, das fotografias aéreas para as significativos avanços na geologia, pela
pesquisas geográficas e geomorfológicas, divulgação no Brasil dos trabalhos realizados
possibilitando uma visão tridimensional das pelos franceses na África e principalmente pela
formas e de suas associações em escalas, que influência das reflexões de Lester King e von
associadas aos trabalhos de campo permitiriam Englen, que se realizaram a partir de 1940,
construir hipóteses mais condizentes para logo após o Congresso de Chicago, que
explicar os fenômenos geomorfológicos em discutiu a obra de Walter Penck. (ABREU,
ambiente intertropical (VITTE, 2008). É neste 1982). Um exemplo interessante desse
contexto cultural que a comunidade brasileira momento da geomorfologia brasileira, é a tese
de geomorfólogos entrará em contato com a de doutoramento de Aziz Ab’Saber,
Teoria da Pediplanação elaborada pelo geólogo “Geomorfologia do Sítio Urbano de São Paulo”
sul africano Lester King (1956), que segundo defendida em 1957 (AB’SABER, 2007), tese
Abreu (1982) surgirá a partir da influência do orientada por Aroldo de Azevedo, tendo como
congresso de Chicago de 1936, que foi um dos membros examinadores Fernando
dedicado à obra de Walter Penck. Flávio Marques de Almeida. Essa obra marca
O início dos anos 50 até uma profunda transição e ao mesmo tempo
aproximadamente 1957 é marcado por um uma reconstrução do modelo interpretativo do
processo de transformação nas pesquisas relevo e de sua gênese (VITTE, 2008).
geomorfológicas, não propriamente uma Não há uma ruptura paradigmática, mas
ruptura, mas uma fase de transição devido a a mudança interpretativa, propiciada por novas

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fontes bibliográficas, como no caso de von trabalhos de campo “pós-congresso”, que


Englen e principalmente pelos obstáculos que a foram comandados por Jean Tricart, Jean
geologia, particularmente os trabalhos de Ruy Dresch e Ab’Saber. O foco central das
Osório de Freitas que chamavam à atenção e discussões foi o da problemática dos materiais
passavam a exigir trabalhos analíticos e de nas vertentes, principalmente para os
profunda correlação entre os elementos da paleopavimentos detríticos e o seu significado
natureza, como o papel da tectônica e das paleoambiental e geomorfológico (VITTE,
litologias na estruturação da drenagem e na 2008).
definição do compartimento geomorfológico, É um trabalho que marca
no caso a bacia de São Paulo. Outra influência definitivamente o nascimento de um mestre da
marcante no trabalho de Aziz é o texto de geografia brasileira, demonstrando claramente
Fernando Flávio Marques de Almeida “O à influência de Deffontaines e de Monbeig,
Planalto Paulistano”, publicado em 1954 pela com a preocupação regional e histórica e, do
AGB no livro “A Cidade de São Paulo” ponto de vista da geomorfologia, as influências
(VITTE, 2008). A tese de doutorado de Aziz é de Francis Ruellan, von Englen, Jean Dresch e
paradigmática pois nela além da mudança de Tricart. No ano de 1964, João José Bigarella,
concepção sobre a gênese e evolução do relevo, engenheiro químico de formação e discípulo de
percebe-se claramente um tímido ensaio Reinard Maack por opção e paixão, publicará
metodológico que caminhará para o trabalho de um trabalho “Variações Climáticas no
Aziz de 1969 (A geomorfologia a serviço das Quaternário e suas Implicações no
pesquisas do quaternário). Revestimento Florístico do Paraná”(Bol.
É um trabalho de geomorfologia, mas Paranaense de Geografia, n.10 a 15, 1964), que
de cunho essencialmente geográfico, haja visto será um marco referencial muito importante
as preocupações do autor em construir uma para os estudos cronogeomorfológicos e pela
espacialidade do relevo, a bacia de São Paulo, primeira vez no Brasil será demostrada a
e, de sua gênese altamente complexa, mas validade da teoria da biostasia e da resistasia
preocupado também com as questões históricas para explicar a evolução do relevo brasileiro
voltadas para a construção do espaço, no caso o (VITTE, 2008).
sítio urbano e, como o relevo influenciou Nesse momento, Aziz trabalha na USP
decisivamente a opção da ocupação e a própria como assistente do professor Aroldo de
valorização imobiliária dos terrenos. No ano de Azevedo na cadeira de geografia do Brasil, ao
1956, realiza-se no Rio de Janeiro, o Congresso mesmo tempo em que o professor Kullmann
da UGI, em que as discussões internas são leciona biogeografia para os alunos de
intensificadas com as que se desenvolvem nos geografia e detalha hipoteticamente os

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mecanismos que poderiam explicar as mundial, a qual fará parte Aziz Ab’Saber, João
diferenças fitogeográficas no território José Bigarella e Maria Regina Mousinho, que
brasileiro. Esse é o momento em que será em muitas ocasiões trabalharão conjuntamente
estruturada sob o ponto de vista da formando a estrutura política e científica que
geomorfologia a Teoria dos Refúgios e Redutos garantirá a manutenção do paradigma climático
Florestais por Aziz em 1979, e ao mesmo na interpretação do relevo brasileiro (VITTE,
tempo a criação dos domínios morfoclimáticos 2008).
do Brasil (Ab’Saber, 1967), a partir de uma Assim, em função das especializações
associação entre as formulações de Tricart e de da geologia, das novas técnicas e o cimento
Cholley com a sua noção de sistemas de teórico-metodológico que foi a Teoria da
erosão, mais as reflexões de Kullmann, Pediplanação e a Teoria da Bio-Resistasia, os
Monbeig e Aroldo de Azevedo (VITTE, 2008). geógrafos-geomorfólogos foram despertados
A Teoria dos Refúgios Florestais para o estudo dos materiais superficiais e
representa uma imensa revolução da principalmente para o possível papel das
geomorfologia brasileira em contexto mundial, “Stones-lines” e cascalheiras enquanto registro
uma vez que Aziz imprime em sua elaboração a das mudanças climáticas no Brasil
necessidade de considerarmos a (AB’SABER, 1962).
compartimentação geomorfológica como sendo No final dos anos de 1960 a
condição sine qua non para compreendermos geomorfologia brasileira presenciar duas
de um lado a complexidade do tecido grandes revoluções. Primeiramente, com
biogeográfico brasileiro e de outro a própria Ab’Saber, que fruto de uma longa reflexão e
especificidade dos ditos refúgios. A partir da muita experiência em campo, que já começara
Teoria dos Refúgios Florestais, a durante a sua tese de doutoramento em 1957,
geomorfologia climática é dinamizada. Agora Ab’Saber irá publicar em 1969 o clássico
torna-se possível especificar as relações entre trabalho “ Um Conceito de Geomorfologia a
as variações do Wurm-Winsconsin, por Serviço das Pesquisas sobre o Quaternário”,
exemplo, com a distribuição do tecido florestal, um trabalho de cunho metodológico e que
a existência e a persistência de formas de exerce influência nas pesquisas
relevo e depósitos correlativos em ambientes geomorfológicas até os dias atuais (VITTE,
morfoclimáticos distintos ou mesmo 2008).
contrastantes com as condições atuais (VITTE, No trabalho de 1969, Ab’Saber
2008). apresenta a sua concepção de geomorfologia,
Estava constituída assim, uma das que para Abreu (1982) é um marco teórico e
maiores revoluções na geomorfologia climática metodológico nos trabalhos de geomorfologia e

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ao mesmo tempo, em que coloca Ab’Saber compartimentação das formas geneticamente


como sendo aquele que incorpora e desenvolve homogêneas, com grande utilidade no
as proposições da linhagem epistemológica planejamento ambiental.
germânica (ABREU, 1982). O terceiro nível de análise de Ab’Saber
Para Ab’Saber (1969) para a análise (1969) é a “fisiologia da paisagem”,
geomorfológica dever estar centrada no compreendida pelo autor como sendo a
Quaternário. Esta análise envolve três etapas, expressão do funcionamento atual da
sendo o relevo o produto de uma interação geoesfera. No caso, corresponde aos processos
complexa que é tecida pelas forças atuais que atuam no modelamento das formas.
endogenéticas e exogenéticas. Com esta proposição metodológica, Ab’Saber
Assim, em um trabalho de (1969) desprende-se dos problemas advindos
geomorfologia, devemos considerar como com a adoção da taxonomia das formas de
primeiro nível de análise a “compartimentação relevo, como as propostas por Tricart (1965).
topográfica”, que envolve não apenas a análise Agora, as formas são produto dos processos
da topografia, mas principalmente a influência passados e dos atuais, em um quadro em que
da geologia e da estrutura nesta participam tanto a geologia quanto as forças
compartimentação, que é regionalmente climáticas e paleoclimáticas (VITTE, 2008).
definida pelos remanescentes de Apesar de poucos questionamentos ao
aplainamentos. modelo de Aziz e Bigarella, a década de 1960
No segundo nível de análise, o foi fundamental para se construir um
geomorfólogo deve considerar a “estrutura verdadeiro paradigma na geomorfologia
superficial da paisagem”, que corresponde aos brasileira. Pois, montou-se uma estrutura
solos, mas principalmente aos colúvios, as teórica, metodológica e interpretativa do relevo
rampas coluviais e neste caso a possibilidade e de seus processos, construindo juntamente,
de cascalheiras e “Stones-lines” não apenas no uma verdadeira geomorfologia geográfica.
contato rocha-colúvio, mas inclusive com Onde a grande marca do modelo é o artigo de
linhas embutidas no pacote coluvial. As 1969 de Aziz, “A geomorfologia a serviço das
análises físicas, químicas, micromorfológicas pesquisas do quaternário”, que até hoje (2008)
permitem a dedução dos processos e a exerce forte poder nas pesquisas
qualidade dos mesmos que atuaram na geomorfológicas do Brasil e nada mais foi
destruição ou mesmo no reafeiçoamento das construído em termos teóricos e metodológicos
formas pretéritas (VITTE, 2008). para se buscar análises mais precisas e
A correlação dos dois primeiros níveis profundas sobre a gênese do relevo brasileiro
permite já o estabelecimento de uma (VITTE, 2008). Talvez ai esteja um dos

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maiores problemas da geomorfologia nos cursos de pós-graduação em geografia no


geográfica brasileira, pois esse modelo e esse Brasil.
método desenvolvido exerceram tamanho O aumento quantitativo e qualitativo
poder por gerações de geógrafos- das discussões auxiliará na construção dos
geomorfólogos ao longo do tempo, que a parâmetros sobre a nova geomorfologia, sua
própria criatividade científica, por parte da cognição e representação, já que uma nova
geografia, tenha sido afetada, a tal ponto que superfície da Terra e um novo patamar de
hoje estamos com enorme dificuldade de complexidade e organização dos processos
manter a geomorfologia na geografia e naturais estão em construção. Há uma mutação
desenvolver modelagens mais apropriadas ao da Terra e do Mundo e, o relevo, é um
atual estágio de desenvolvimento científico do elemento agregador da discussão sobre uma
Brasil. nova geoesfera que está em construção, agora
não mais telúrica como no século XIX, mas
Considerações Finais baseada na raridade da natureza e de novos
Nos últimos anos as preocupações com padrões de interrelações espaço-temporais dos
a história da geomorfologia no mundo e no processos geomorfológicos que se
Brasil em particular está aumentando fato que desencadeiam a partir da intervenção humana
pode ser observado nas secções temáticas dos na construção do Mundo.
congressos e encontros de geografia física e de O breve apanhado histórico e
geomorfologia. O motivador desse processo epistemológico das reflexões do professor Aziz
está relacionado às transformações que a Ab’Saber, demonstram o quanto é complexo e
ciência geográfica e a própria geologia estão ao mesmo tempo rico, a construção do
sofrendo a partir da crise da ciência moderna e pensamento geomorfológico no contexto da
intensificada a partir dos processos de ciência geográfica.
globalização e de degradação ambiental. Esses Mais do que rupturas, foi um
fatos estão catalizando o processo de re- pensamento construído e motivado por
discussão sobre os fundamentos da obstáculos práticos, metodológicos e
racionalidade moderna, contexto esse, em que epistemológicos que apareciam no momento da
se estruturou a geografia e a geologia. descoberta e da organização da geomorfologia
É nesse contexto que se achou oportuno brasileira. Essa situação atualmente,
a construção de linhas de pesquisa em história acreditamos que está potencializada com a
e epistemologia da geomorfologia, assim como geoinformação, que nos coloca uma nova
a ampliação das discussões sobre esse tema nos forma de “olhar” a superfície da Terra e exige
congressos, seminários e simpósios; bem como uma discussão metodológica sobre os

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procedimentos de campo e ao mesmo tempo a periféricas aplainadas na compartimentação do


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