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Universidade de São Paulo

Biblioteca Digital da Produção Intelectual - BDPI

Departamento de Medicina Preventiva - FM/MPR Artigos e Materiais de Revistas Científicas - FM/MPR

2012

Resíduos sólidos urbanos: impactos


socioambientais e perspectiva de manejo
sustentável com inclusão social

CIENCIA & SAUDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, v. 17, n. 6, pp. 1503-1510, JUN, 2012
http://www.producao.usp.br/handle/BDPI/42564

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1503

ARTIGO ARTICLE
Resíduos sólidos urbanos: impactos socioambientais
e perspectiva de manejo sustentável com inclusão social

Solid urban waste: socio-environmental impacts


and prospects for sustainable management with social inclusion

Nelson Gouveia 1

Abstract Strategies to reconcile development with Resumo Com a Rio+20 retoma-se a discussão de
the protection of ecosystems will yet again be dis- estratégias para conciliar desenvolvimento com
cussed at the forthcoming Rio +20 Summit. The proteção dos ecossistemas. Um tema apenas tan-
management of solid urban waste is an issue which genciado nessas discussões é o gerenciamento dos
has barely been touched upon in such discussions. resíduos sólidos urbanos. Diante da instituciona-
Given the institutionalization of the National lização da Política Nacional de Resíduos Sólidos,
Solid Waste Policy, this paper seeks to contribute busca-se contribuir para esse debate, bem como
to this debate and to single out alternatives to apontar caminhos para o enfrentamento dessa
tackle this issue with an emphasis on social in- questão, privilegiando a inclusão social. Para isso,
clusion. For this purpose, specialized scientific lit- foram utilizados documentos e informações sobre
erature was consulted as well as information on a gestão de resíduos sólidos, e a literatura científi-
solid waste management. It is clearly seen that ca especializada. Observa-se que o inadequado ge-
inadequate management of solid waste has im- renciamento dos resíduos sólidos gera impactos
mediate impacts on the environment and health, imediatos no ambiente e na saúde, assim como
and contributes to climate change. Considering contribui para mudanças climáticas. Consideran-
the limitations of the current options for waste do as limitações das opções de destinação final
disposal, it is essential to minimize the quantities para os resíduos, é imprescindível minimizar as
produced by reducing, reusing and recycling. In quantidades produzidas por meio da redução, reu-
this context, the role of independent waste gath- tilização e reciclagem. Nesse contexto, destaca-se
erers who have been conducting work of great o papel dos catadores, que vêm realizando um tra-
environmental importance is highlighted. Given balho de grande importância ambiental. Dadas
the vulnerabilities of this population, it is neces- as fragilidades desse segmento populacional, é pre-
sary to devise public policies to ensure that waste ciso delinear políticas públicas que tornem a ati-
gathering is a more respected and less risky activ- vidade de catação mais digna e com menos riscos
ity that guarantees an income, so as to move to- e que, ao mesmo tempo, garantam renda, para
wards more healthy, equitable and sustainable assim caminhar rumo a um desenvolvimento mais
1
Departamento de Medicina development. saudável, justo e sustentável.
Preventiva, Faculdade de Key words Solid waste, Health impacts, Envi- Palavras-chave Resíduos sólidos, Impactos à saú-
Medicina, Universidade de
São Paulo. Av. Dr. Arnaldo
ronmental impacts, Recycling, Waste collectors, de, Impactos ambientais, Reciclagem, Catadores,
455. 01246-903 São Paulo Social inclusion Inclusão social
SP. ngouveia@usp.br
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Gouveia N

Introdução tes, assim como consulta na literatura científica


especializada nessa área.
O debate sobre questões ambientais ganhou gran-
de visibilidade após a Conferência das Nações O impacto ambiental
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
Rio-92, quando a discussão sobre os impactos O desenvolvimento econômico, o crescimen-
do desenvolvimento nos ecossistemas e na saúde to populacional, a urbanização e a revolução tec-
da população se popularizou e conquistou “cora- nológica vêm sendo acompanhados por altera-
ções e mentes”. Desde então são buscados meca- ções no estilo de vida e nos modos de produção
nismos que atenuem a pressão que o conjunto da e consumo da população. Como decorrência di-
sociedade exerce sobre o ambiente de modo a reta desses processos, vem ocorrendo um au-
minimizar as alterações no sistema climático pla- mento na produção de resíduos sólidos, tanto
netário, e assim garantir a sobrevivência da vida em quantidade como em diversidade, principal-
no planeta. Agora, com a realização da Rio+20, mente nos grandes centros urbanos. Além do
mais uma vez discutem-se estratégias para conci- acréscimo na quantidade, os resíduos produzi-
liar o desenvolvimento com a conservação e a dos atualmente passaram a abrigar em sua com-
proteção de nossos ecossistemas. posição elementos sintéticos e perigosos aos ecos-
Diversas propostas para o enfrentamento das sistemas e à saúde humana, em virtude das no-
alterações no clima vêm sendo debatidas nessas vas tecnologias incorporadas ao cotidiano4,5.
e em outras conferências similares1. O estabeleci- Diariamente, são coletadas no Brasil entre
mento de metas para a emissão dos gases de efei- 180 e 250 mil toneladas de resíduos sólidos urba-
to estufa (GEE), a criação dos Mecanismos de nos6,7. A imprecisão nessa estimativa se deve a
Desenvolvimento Limpo (MDL) e a consequente diferentes metodologias empregadas nos levan-
criação de um mercado de carbono são exem- tamentos realizados e às dificuldades inerentes a
plos de propostas que buscam ao menos tentar essa avaliação. Observa-se ainda que a produ-
mitigar as mudanças climáticas já em curso, por ção de resíduos está em franca ascensão, com
meio de estratégias econômicas. crescimento estimado em 7% ao ano, valor bas-
Um tema de menor destaque nessa discus- tante superior ao 1% anual observado para o
são, e apenas tangenciado com a implantação crescimento da população urbana no país recen-
dos MDL no Brasil, é o gerenciamento dos resí- temente6-10. Apesar das grandes diferenças regio-
duos sólidos urbanos. Embora, em termos glo- nais, a produção de resíduos tem crescido em
bais, a queima de combustíveis fósseis (na pro- todas as regiões e estados brasileiros. A geração
dução de energia, nos processos industriais e nos média de resíduos sólidos urbanos é próxima de
transportes) seja a principal fonte de GEE, res- 1 Kg por habitante/dia no país, padrão já similar
ponsáveis pelas alterações no clima, os resíduos ao de alguns países da União Europeia11. Entre as
sólidos têm um papel importante nesse cenário, populações urbanas mais afluentes o padrão de
uma vez que também contribuem para a emis- consumo se equipara ao dos cidadãos norte-
são desses gases2. O gerenciamento inadequado americanos, reconhecidamente os maiores pro-
dos resíduos sólidos urbanos gera diretamente dutores per capita de resíduos sólidos urbanos7,12.
outros impactos importantes, tanto ambientais Entretanto, boa parte dos resíduos produzi-
quanto na saúde da população. Considerando- dos atualmente não possui destinação sanitária e
se a tendência de crescimento do problema, os ambientalmente adequada. Embora tenha havi-
resíduos sólidos vêm ganhando destaque como do progresso nos últimos vinte anos, os resíduos
um grave problema ambiental contemporâneo3. ainda são depositados em vazadouros a céu aber-
Nesse contexto, busca-se contribuir para a to, os chamados lixões, em mais da metade dos
reflexão sobre o impacto da gestão adequada dos municípios brasileiros (Tabela 1). O percentual
resíduos sólidos no meio ambiente, bem como de municípios que utilizam aterros controlados,
discutir caminhos para o enfrentamento dessa onde os resíduos são apenas cobertos por terra,
questão, privilegiando ao mesmo tempo a inclu- manteve-se praticamente inalterado entre 2000 e
são social. Essa proposta está em consonância 2008, e houve aumento na destinação para os ater-
com um dos temas centrais da Rio+20, que é a ros sanitários, que utilizam tecnologia específica
busca do desenvolvimento sustentável com er- de modo a minimizar os impactos ambientais e
radicação da pobreza. Para tanto, foram utiliza- os danos ou riscos à saúde humana.
dos documentos e informações sobre a gestão Essa situação é relativamente melhor quan-
de resíduos sólidos disponíveis em diferentes fon- do são analisadas as quantidades diárias de resí-
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duos coletados (Figura 1). Entre 2000 e 2008, Iniciativas para a redução da quantidade de
aumentou significativamente a participação dos material descartado em aterros, como a coleta
aterros sanitários e houve pequena diminuição seletiva para posterior reciclagem, ainda cami-
da disposição de resíduos em lixões. Isso se deve nham lentamente. Em 1989 identificou-se a exis-
ao fato de um grande percentual desses resíduos tência de 58 municípios com programas de cole-
ser produzido em apenas alguns grandes centros ta seletiva de lixo no Brasil. Esse número cresceu
urbanos, os quais contam geralmente com lo- para 451 municípios em 2000, e para 994 em 2008,
cais adequados para disposição final6. Outras em um universo de 5.564 municípios6-9.
destinações para os resíduos sólidos urbanos, O manejo adequado dos resíduos é uma im-
como a compostagem, incineração e reciclagem, portante estratégia de preservação do meio am-
tiveram pequenas variações nesse período. biente, assim como de promoção e proteção da
saúde. Uma vez acondicionados em aterros, os
resíduos sólidos podem comprometer a quali-
dade do solo, da água e do ar, por serem fontes
de compostos orgânicos voláteis, pesticidas, sol-
Tabela 1. Destino final dos resíduos sólidos, por ventes e metais pesados, entre outros13. A decom-
unidades de destino dos resíduos, Brasil - 1989/2008. posição da matéria orgânica presente no lixo re-
Destino final (%) sulta na formação de um líquido de cor escura, o
Vazadouro Aterro Aterro chorume, que pode contaminar o solo e as águas
Ano superficiais ou subterrâneas pela contaminação
a céu aberto controlado sanitário
do lençol freático. Pode ocorrer também a for-
1989 88,2 9,6 1,1
mação de gases tóxicos, asfixiantes e explosivos
2000 72,3 22,3 17,3
que se acumulam no subsolo ou são lançados na
2008 50,8 22,5 27,7
atmosfera14. Os locais de armazenamento e de
Fonte: IBGE6,8,9 disposição final tornam-se ambientes propícios

64.6

37.0 36.2

21.2
17.6
15.7

5.5
3.1

Aterro Aterro Lixão Outros Aterro Aterro Lixão Outros


controlado sanitário controlado sanitário

2000 2008

Figura 1. Quantidade diária (%) de resíduos sólidos, domiciliares e/ou públicos, coletados e/ou recebidos,
por unidade de destino final dos resíduos sólidos coletados e/ou recebidos, Brasil 2000 e 2008.
Fonte: IBGE6,9
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para a proliferação de vetores e de outros agen- Os impactos na saúde


tes transmissores de doenças. Pode haver tam-
bém a emissão de partículas e outros poluentes Os vários impactos ambientais decorrentes
atmosféricos, diretamente pela queima de lixo ao das diferentes formas de disposição de resíduos
ar livre ou pela incineração de dejetos sem o uso sólidos oferecem também riscos importantes à
de equipamentos de controle adequados. De saúde humana. Sua disposição no solo, em lixões
modo geral, os impactos dessa degradação es- ou aterros, por exemplo, constitui uma impor-
tendem-se para além das áreas de disposição fi- tante fonte de exposição humana a várias subs-
nal dos resíduos, afetando toda a população. tâncias tóxicas. As principais rotas de exposição a
Além desses impactos mais imediatos no esses contaminantes são a dispersão do solo e do
ambiente, a disposição de resíduos sólidos pode ar contaminado19, a lixiviação e a percolagem do
contribuir de maneira significativa com o pro- chorume20. O último pode ocorrer não apenas
cesso de mudanças climáticas. A decomposição enquanto o lixão ou o aterro está em funciona-
anaeróbica da matéria orgânica presente nos re- mento, mas também depois de sua desativação,
síduos gera grandes quantidades de GEE, princi- uma vez que os produtos orgânicos continuam a
palmente o metano (CH4), segundo gás em im- degradar. Estudos têm indicado que áreas próxi-
portância dentre os considerados responsáveis mas a aterros apresentam níveis elevados de com-
pelo aquecimento global15. O potencial de emis- postos orgânicos e metais pesados21, e que popu-
são de metano aumenta com a melhora das con- lações residentes nas proximidades desses locais
dições de controle dos aterros e da profundidade apresentam níveis elevados desses compostos no
dos lixões16. sangue22. Assim, esses depósitos de resíduos sóli-
Iniciativas para captação do metano gerado dos constituem em potenciais fontes de exposi-
em aterros sanitários e sua utilização na geração ção para populações, tendo sido relatado riscos
de energia vêm sendo implantados no âmbito aumentados para diversos tipos de câncer23-25,
dos projetos de MDL como instrumentos de anomalias congênitas26,27, baixo peso ao nascer28,
mitigação de gases de efeito estufa17. Entretanto, abortos e mortes neonatais29 nessas e em popula-
somente 36 aterros vêm desenvolvendo projetos ções vizinhas a esses locais.
dessa natureza, em um universo de cerca de 1.500 Apesar de pouco utilizada no Brasil, a incine-
no Brasil9,17. ração de resíduos também traz riscos à saúde
Segundo o último levantamento feito pelo uma vez que produz quantidades variadas de
Painel Intergovernamental de Mudanças Climá- substâncias tóxicas, como gases, partículas, me-
ticas (IPCC na sigla em inglês), a disposição de tais pesados, compostos orgânicos, dioxinas e
resíduos no solo e o tratamento de efluentes são furanos emitidos na atmosfera3. A contamina-
responsáveis por cerca de 3% das emissões glo- ção de populações residentes em áreas próximas
bais de GEE2. No panorama nacional, observa- a incineradores se dá diretamente (pela inalação
se que a contribuição dos resíduos sólidos nas de ar contaminado) ou indiretamente (por meio
emissões de GEE situa-se em patamar semelhan- do consumo de água ou alimentos contamina-
te, com participação de cerca de 2% no total das dos, ou contato dérmico com solo contamina-
emissões. Porém, as variações percentuais acu- do)30. Vários estudos apontam que a exposição
muladas no período 1990-2005 mostram que as da população à emissão de incineradores está
emissões desse setor cresceram a uma taxa de associada a um risco aumentado de alguns tipos
77%, ou seja, maior do que o crescimento do PIB de câncer31,32, assim como de desfechos indeseja-
brasileiro no mesmo período16. dos da gravidez, incluindo baixo peso ao nascer e
Entretanto, é importante salientar que o per- anomalias congênitas30,33.
fil das emissões brasileiras de GEE é muito espe- Há ainda os riscos à saúde para os profissio-
cial, influenciado pela matriz energética excepci- nais mais diretamente envolvidos no manejo dos
onalmente limpa e pela grande contribuição das resíduos, como é o caso do pessoal operacional
mudanças no uso do solo, em especial pelo des- do setor, o qual, em sua maioria, não conta com
florestamento e pelas atividades do agronegó- medidas mínimas de prevenção e segurança ocu-
cio16. No nível local, a contribuição dos resíduos pacional. Por exemplo, mesmo a compostagem
adquire grande importância. Por exemplo, inven- sendo uma destinação ambientalmente mais cor-
tário realizado no município de São Paulo dá reta do que a disposição no solo, ela pode gerar
conta de que 23,5% das emissões de GEE são impactos à saúde dos trabalhadores desse setor,
provenientes da produção de resíduos urbanos18. como alterações na função pulmonar e contami-
nação bacteriológica do sistema respiratório34-36.
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A situação se torna mais crítica para indiví- tais, papeis, plásticos e vidros) foram devidamen-
duos que trabalham e vivem da recuperação de te reciclados12. Por tipo de material, observa-se
materiais do lixo, especialmente os catadores de que apenas o alumínio atinge taxas de reciclagem
materiais recicláveis, os quais realizam seu tra- próximas de 100%. Para outros materiais como
balho em condições muito insalubres, geralmente plásticos e vidros, o percentual ainda está em tor-
sem equipamentos de proteção, resultando em no de 40% do que é produzido39.
alta probabilidade de adquirir doenças. Alguns Para melhorar esses índices, é preciso incen-
problemas relacionados ao trabalho de recicla- tivo à coleta seletiva com adequada separação
gem incluem a exposição a metais e substâncias dos diversos materiais, tanto no momento da
químicas, a agentes infecciosos como o vírus da geração do resíduo – nesse caso pela população
hepatite B, doenças respiratórias, osteomuscu- devidamente informada para desempenhar esse
lares e lesões por acidentes4,37. papel – quanto nas centrais de triagem. Nesse
aspecto, ressalta-se novamente o papel que os
O papel dos catadores nesse cenário catadores de matérias recicláveis vêm desempe-
nhando nessa cadeia produtiva.
Os catadores de materiais recicláveis podem Não há levantamentos precisos sobre o nú-
ser considerados os grandes protagonistas da mero de catadores existentes atualmente, mas
indústria de reciclagem no país. Eles detêm posi- algumas previsões apontam para mais de um
ção fundamental na gestão de resíduos sólidos milhão de trabalhadores espalhados por várias
no Brasil, à medida que sua própria existência cidades brasileiras. Na Figura 2, visualiza-se o
indica a dificuldade de incluir no gerenciamento crescimento na última década do número de ca-
desse sistema as atividades de catação, principal- tadores no Brasil.
mente por problemas de escala de produção Vale destacar que, desde 2002, a atividade de
combinados a dificuldades logísticas38. Esse gru- catador foi reconhecida como categoria profis-
po de trabalhadores vem atuando de maneira sional, registrada na Classificação Brasileira de
informal ou organizada em cooperativas e, mes- Ocupação (CBO), sob nº 5192-05 como “Cata-
mo antes da definição de políticas públicas claras dor de Material Reciclável”. Essa nova categoria
para a gestão de resíduos no país, vem realizan- de trabalhadores exerce a função de coletar, trans-
do um trabalho de grande importância ambien- portar, triar, prensar, armazenar e negociar esses
tal; contribuindo significativamente para o re- materiais para serem reutilizados38. Todavia, para
torno de diferentes materiais para o ciclo produ- uma adequada inserção desses profissionais no
tivo; gerando economia de energia e de matéria- sistema de gerenciamento de resíduos sólidos, é
prima, e evitando que diversos materiais sejam preciso assegurar tanto os aspectos de direito ao
destinados a aterros. trabalho e renda como avaliar as condições de
A reutilização de resíduos sólidos como insu- saúde e os riscos aos quais estão expostos.
mo nos processos produtivos gera benefícios di-
retos, tanto na redução da poluição ambiental Manejo sustentável com inclusão social
causada pelos aterros e depósitos de lixo como
em benefícios indiretos relacionados à conserva- O presente artigo buscou desvelar os diver-
ção de energia. Em ambas as situações há poten- sos impactos associados ao inadequado gerenci-
cial de diminuição nas emissões de gases respon- amento dos resíduos sólidos urbanos, tanto os
sáveis pelo aquecimento global. Estima-se que, impactos imediatos ao ambiente e a saúde da
em um cenário ideal de reciclagem, teria sido população como aqueles mais a longo prazo
possível evitar a emissão de 18 a 28 milhões de devidos às alterações climáticas decorrentes das
toneladas de dióxido de carbono no Brasil, no emissões de gases de efeito estufa. A diversidade
período de 2000 a 200715. Portanto, a reciclagem de substâncias potencialmente tóxicas presentes
de resíduos sólidos urbanos representa uma im- no lixo urbano, as evidências de contaminação
portante forma de atenuar os impactos dos ga- do solo e água subterrânea, e os efeitos já relaci-
ses de efeito estufa, contribuindo em direção a onados a essa exposição em populações vizinhas
um desenvolvimento mais sustentável. a essas áreas, assim como o potencial de geração
Todavia, o país ainda apresenta percentuais de GEE, devem ser considerados no planejamen-
relativamente baixos de reciclagem. Segundo es- to e execução de políticas de gerenciamento de
timativas para 2006, foram gerados cerca de 50 resíduos.
milhões de toneladas de resíduos sólidos urba- Nesse sentido, pode-se concluir que é preciso
nos, dos quais somente 18% da fração seca (me- caminhar em direção a uma gestão dos resíduos
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1.000.000

800.000

600.000

400.000

200.000

0
1999 2001 2004 2006 2009

Figura 2. Evolução do número de catadores (autônomos e cooperativados) no Brasil.

Fonte: CEMPRE43

sólidos que busque a eliminação de seus impac- necessário manter o monitoramento de suas emis-
tos negativos no ambiente e na saúde da popula- sões e dos possíveis efeitos detectados na saúde42.
ção. Para tanto, já é possível contar com um Dessa forma, torna-se imprescindível buscar mi-
marco legal, uma vez que foi sancionada a Políti- nimizar a quantidade de resíduos que necessitam
ca Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) em 2010, de destinação adequada, seguindo a lógica dos
com diretrizes para o planejamento e a gestão três R: redução, reutilização e reciclagem.
dos resíduos no país, tais como a obrigatorieda- A redução e a reutilização, seja essa última
de da preparação de planos municipais de geren- diretamente ou através dos processos de com-
ciamento de resíduos, o estabelecimento de pra- postagem e reciclagem, podem ser incentivadas
zos para a erradicação dos lixões e a implantação por meio de ações educativas que visem a atitu-
da coleta seletiva40. des de consumo mais consciente por parte da
Contudo, o manejo de resíduos ainda enfren- população. Não obstante as forças do mercado
ta sérias limitações, mesmo utilizando tecnologi- que nos impelem a consumir inconsequentemen-
as apropriadas, particularmente em relação à te, é importante atuar também em direção a no-
destinação para aterros sanitários e à incinera- vos padrões de consumo. Estes, por sua vez, e
ção. A disposição no solo, mesmo que em ater- novamente por meio das forças do mercado,
ros sanitários com captação de gases e efluentes podem levar a novas formas de produção ambi-
esbarra no esgotamento de áreas físicas apropri- entalmente sustentáveis, podendo ser realizada
adas para esse fim17, principalmente nos grandes com menor queima de combustíveis fósseis, prin-
centros urbanos, implicando no deslocamento cipal vilão quando se refere às mudanças climá-
desses resíduos para longas distâncias, com os ticas globais.
consequentes transtornos associados ao trans- A reciclagem, como já colocado, precisa ser
porte (poluição, acidentes, etc). Além disso, deve impulsionada com a implantação da coleta sele-
ser considerado o potencial esgotamento dos ser- tiva e triagem dos resíduos. Levando em conta as
viços ecossistêmicos necessários para degradar deficiências em infraestrutura para a realização
todo o resíduo depositado41. desse trabalho em grande parte dos municípios
A incineração, uma das opções para o geren- brasileiros, deve-se atentar para a PNRS, que
ciamento de resíduos, vem crescendo em muitos propõe a destinação de recursos financeiros para
países, principalmente em projetos com recupe- os municípios realizarem trabalho de integração
ração energética para produção de eletricidade3. e capacitação de catadores de recicláveis, incenti-
Contudo, a segurança da população do entorno vando a criação e o desenvolvimento de coope-
em relação aos efluentes lançados ao ar depende rativas ou de outras formas de associação43. Onde
de avaliação das tecnologias empregadas, sendo já existe uma cadeia informal de reciclagem com-
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posta por esses catadores, deve-se incorporar os Conclusão
seus serviços nos planos de gestão de resíduos
sólidos dos municípios. As decisões que envolvem o gerenciamento de
Entretanto, é preciso considerar o contexto resíduos sólidos urbanos são fundamentalmen-
já institucionalizado de vulnerabilidade, precari- te decisões sobre saúde pública e requerem, por-
edade e fragilidade das condições de trabalho dos tanto, a integração entre políticas econômicas,
catadores38. Assim, diante da emergente institu- sociais e ambientais. O complexo desafio para as
cionalização da PNRS, e de modo a não repro- grandes cidades na gestão de resíduos sólidos
duzir o efeito perverso da exclusão e da explora- neste início de século pode ser enfrentado pela
ção desse segmento de trabalhadores, é impor- formulação de políticas públicas que objetivem
tante que se delineiem políticas públicas que arti- eliminar os riscos à saúde e ao ambiente, que
culem aspectos sociais (saúde, segurança do tra- colaborem na mitigação das mudanças climáti-
balho, autogestão, cidadania, inclusão entre ou- cas relacionadas à ação humana e, ao mesmo
tras), econômicos (geração de renda, redução de tempo, garantam a inclusão social efetiva de par-
custos, mercado entre outros) e técnico-ambi- celas significativas da população. Assim, cami-
entais (qualidade, eficiência entre outras). O ob- nharemos rumo a um desenvolvimento mais
jetivo deve ser tornar a atividade de catação mais saudável, em uma perspectiva socialmente justa,
digna e com menos riscos e, ao mesmo tempo, ambientalmente sustentável, sanitariamente cor-
garantir a geração de renda e riqueza, fazendo a reta e economicamente solidária.
inclusão social desse segmento importante de tra-
balhadores, vitais para a mitigação de nossas
pegadas ecológicas.

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