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Fernando Pessoa – Módulo 9

A Biografia
Português | 12.º ano | CTPGD

“Não sei se a vida é pouco ou demais para mim. Não sei se sinto demais
ou de menos, não sei se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na
inteligência, consanguinidade com o mistério das coisas, choque aos
contactos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos, ou se há outra
significação para isso mais cómoda e feliz. Seja o que for, era melhor não
ter nascido, porque, de tão interessante que é a todos os momentos, a
Vida chega a dor, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger, a dar vontade de dar
gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair para fora de todas as casas,
de todas as lógicas e de todas as sacadas, e ir ser selvagem para a morte
entre árvores e esquecimentos, entre lombos, e perigos e ausência de
amanhãs, e tudo isso devia ser qualquer coisa de mais parecida com o
que penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida!

in Obra Poética

Fernando António Nogueira Pessoa, filho de Maria Magdalena Pinheiro Nogueira e de


Joaquim de Seabra Pessoa, nasceu no dia 13 de junho de 1988, no Largo de São Carlos, em frente ao
Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa.
Em janeiro de 1893 nasce o seu irmão Jorge e, em julho, com quarenta e três anos de idade,
morre o seu pai, vítima de uma tuberculose pulmonar.
O ano seguinte não é mais agradável para o poeta, dado que irá assistir à morte do seu único
irmão, Jorge. Ainda neste ano, a sua mãe conhece o comandante João Miguel Rosa, seu futuro
padrasto. É igualmente no decorrer de 1894 que Fernando Pessoa cria o seu primeiro heterónimo,
Chevalier de Pas, com apenas 6 anos.
Em 1895, Pessoa escreve a sua primeira poesia à qual dá o título de À Minha Querida Mamã e,
ainda nesse mesmo ano a sua mãe casa-se com João Miguel Rosa, cônsul de Portugal em Durban, na
África do Sul. Este acontecimento faz com que, logo no início do ano seguinte, Fernando Pessoa
embarque rumo a Durban com a sua mãe e um tio-avô. Já depois de lá estarem, em outubro, nasce a
sua irmã Henriqueta Madalena.
A vida em Durban decorre com tranquilidade. O poeta começa a frequentar uma escola de
freiras irlandesas da West Steet, conseguindo em apenas três anos obter a equivalência de cinco anos
letivos, dando logo indícios de que seria uma criança um pouco mais perspicaz do que a maioria das
crianças com a sua idade.

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Em 1898 a sua família aumenta novamente, desta vez com o nascimento da sua irmã Madalena
Henriqueta.
Em abril do ano seguinte, o poeta entra para a Durban High Scool, ganhando, em dezembro, o
Form Prize. É durante esta época que vai surgir o heterónimo Alexander Search, em nome do qual ele
irá redigir muitas cartas dirigidas a si próprio.

Nos anos seguintes, Pessoa continua bem-sucedido a nível académico e criativo, dado que
começa a escrever as suas primeiras poesias em inglês. O mesmo já não se pode afirmar a nível
familiar uma vez que, apesar de ter mais um irmão, Luís Miguel, a sua irmã Madalena Henriqueta
morre.
Entretanto, a sua família decide regressar a Lisboa para férias, ficando aí durante alguns
meses. E é precisamente em Lisboa que vai nascer o seu irmão João Maria.
De regresso a Durban, Pessoa prepara-se para fazer o exame de admissão à Universidade, no
qual acaba por passar mas com uma classificação bastante baixa. Todavia, para compensar, e apesar
de existirem 899 candidatos, Pessoa recebe o prémio Queen Victoria Memorial Prize, por escrever o
melhor ensaio de estilo inglês.
Entre 1904 e 1905, o poeta, agora a frequentar o equivalente ao primeiro ano de um curso
universitário, sente-se motivado a ler autores como Shakespeare, Milton, Byron, Shelley, Keats,
Tennyson e Poe, de modo a aprofundar a sua cultura clássica. Toda esta profusão de conhecimentos
vai dar origem a mais dois heterónimos, desta vez Charles Robert Anon e H.M.F.Lecher, sendo que
Pessoa escreve sobretudo em inglês. Neste intervalo temporal nasce ainda a sua irmã Maria Clara.
Em 1905 decide voltar sozinho, e definitivamente, para Lisboa, ficando a morar em casa da sua
avó, meio louca, Dionísia. Um ano mais tarde, matricula-se no Curso Superior de Letras, em Lisboa, do
qual acaba por desistir pouco tempo depois. Entretanto, a sua família regressa a Lisboa, em férias, e
Pessoa vai viver com ela. Maria Clara morre pouco depois.

Após o retorno da sua família a Durban, o poeta volta para casa da avó, que acaba por morrer
pouco depois, deixando-lhe uma pequena herança. Com este dinheiro, Pessoa resolve montar uma
tipografia, denominando-a Íbis- Tipografia e Editora- Oficinas a Vapor. Esta acaba por revelar-se um
autêntico fracasso, mas, apesar disso, Pessoa recusa boas ofertas de trabalho pois, no seu íntimo, um
sonho já se começa a desenhar: o de se dedicar por inteiro à escrita.
Mas como sem dinheiro nada se alcança, e não conseguindo subsistir sem trabalhar, Pessoa
resolve aceitar um emprego como correspondente de firmas estrangeiras sediadas em Lisboa, obtendo
assim dinheiro para pagar um pequeno quarto. É precisamente quando se encontra sozinho que,
progressivamente, se começa a deixar influenciar por poetas portugueses como Antero de Quental,
Junqueira Freire, Cesário Verde, António Nobre, Almeida Garrett e António Correia de Oliveira.

Começa a escrever Fausto, bem como poesia e prosa em português, inglês e francês, deixando
trespassar claras influências do simbolismo português e, como não poderia deixar de ser, de Camilo
Pessanha.
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Corre o ano de 1912 quando Fernando Pessoa inicia a sua atividade de crítico literário,
publicando na revista A Águia dois artigos causadores de alguma polémica, “A Nova Poesia Portuguesa
Sociologicamente e Psicologicamente considerada”. É também neste ano que conhece aquele que viria
a tornar-se um dos seus melhores e mais estimados amigos, o poeta Mário de Sá-Carneiro. A amizade
torna-se de tal forma intensa que, em outubro do mesmo ano, quando Sá-Carneiro vai para Paris com
o intuito de ir estudar na Sorbonne, ambos começam a trocar correspondência quase diariamente.
Ainda neste período nasce na mente do autor o heterónimo Ricardo Reis.
O ano seguinte, 1913, foi de intensa atividade na vida do poeta. A sua atividade como crítico
na revista Águia continua, e começa também a escrever para a revista Teatro. Além disto, escreveu
Epithalamium, Hora Absurda e o Marinheiro. Conhece também Almada Negreiros, Armando Cortês
Rodrigues, Luís de Montalvor, Ronald de Carvalho e Santa Rita Pintor. Com estes, e ainda com Sá-
Carneiro, seria formado o grupo que introduziu o Modernismo em Portugal.
O denominado pelo poeta “dia triunfal” da sua vida chegaria pouco depois, no dia 8 de março
de 1914, o dia em lhe surge o heterónimo Alberto Caeiro, o seu Mestre, escrevendo neste mesmo dia
cerca de trinta dos cinquenta poemas que viriam a integrar O Guardador de Rebanhos. Logo de
seguida, escreve ainda os poemas de Chuva Oblíqua, que assina com o seu próprio nome, e concebe
também o heterónimo Álvaro de Campos.
De regresso a Lisboa, Sá-Carneiro junta-se a Fernando Pessoa e juntos criam o Paulismo e o
Sensacionismo. Ainda neste ano, começam as reuniões daqueles que viriam a formar a revista Orpheu.
Esta, quando sai, contendo composições de Pessoa e de Álvaro de Campos, entre outros, é muito mal
recebida pelo público em geral, sendo fortemente criticada. Os seus diretores são Luís de Montalvor e
Ronald de Carvalho, tendo ainda a participação de Mário de Sá-Carneiro, Alfredo Pedro Guisado, José
de Almada Negreiros e Armando Cortês Rodrigues.
O ano de 1916 vai ser um ano triste e inconstante para Pessoa. O seu grande amigo Sá-Carneiro
suicida-se em Paris e Pessoa, sozinho, muda com grande frequência de habitação, não se sentindo
bem em nenhuma delas.

Em 1919 escreve os Poemas Inconjuntos, de Alberto Caeiro, e dedica-se ainda a escrever


ensaios políticos. Um ano mais tarde conhece, finalmente, aquela que viria a ser a sua musa, Ophélia
Queiroz, uma empregada do comércio, com quem, desde logo, começa a namorar. Em outubro desse
mesmo ano, Pessoa passa por uma profunda crise, pensando, inclusive, em internar-se numa casa de
saúde. Talvez por isso, resolve terminar, ainda que temporariamente, a sua relação com Ophélia.
Os anos seguintes decorrem dentro da normalidade. Pessoa publica English Poems I e II e
English Poems III, a novela O Banqueiro Anarquista, Álvaro de Campos publica também Sobre um
Manifesto de Estudantes e Aviso por Causa da Moral. Juntamente com Ruy Vaz, Pessoa vai ainda
dirigir a revista Athena.

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Com a nomeação de António Oliveira Salazar para Ministro das Finanças, Pessoa vai publicar O
Interregno, Defesa e Justificativa da Ditadura Militar em Portugal, e ainda o artigo O Provincianismo
Português .
Em 1929, juntamente com António Botto, vai organizar a Antologia de Poetas Portugueses
Modernos. Retoma também a sua relação com Ophélia, chegando mesmo a pensar em casar-se com
ela.
O início da década de 30 vai ser uma época de grande criação heteronímica . Em 1933 atravessa
novamente uma intensa crise psicológica contudo, não se deixa abater e continua a escrever.

Em janeiro de 1935, numa longa carta dirigida a Adolfo Casais Monteiro, explica a génese dos
seus heterónimos. No dia 28 de novembro uma cólica hepática leva-o a ser internado no Hospital São
Luís dos Franceses. Dois dias depois, despede-se do mundo, deixando uma frase derradeira:

“I know not what tomorrow will bring…”

Síntese Cronológica
13 de junho de 1888- Nasce em Lisboa, às 15h20, Fernando Nogueira Pessoa.

1889- Data do “nascimento” de Alberto Caeiro.

1893- O seu pai, Joaquim de Seabra, morre vítima de tuberculose pulmonar.

1894- Morre o seu único irmão, Jorge.


-Fernando Pessoa cria o heterónimo Chevalier de Pas.

1896- Parte para Durban, na África do Sul.


- Nasce a sua irmã Henriqueta Madalena.

1898- Nasce a sua irmã Madalena Henriqueta.

1899- Cria o heterónimo Alexander Search, em nome do qual escreve cartas para si mesmo.

1900- Nasce o seu irmão Luís Miguel.

1901- Em junho é aprovado com distinção no seu primeiro exame.


-Morre a sua irmã Madalena Henriqueta.
-Escreve as primeiras poesias em Inglês.
- Regressa a Portugal.

1902- Nasce o seu irmão João Maria.


-Escreve a poesia Quando Ela Passa.
- Já em Durban, tenta escrever romances em Inglês.

1903- Ganha o prémio “Queen Victoria Memorial Prize”, pelo melhor ensaio de estilo inglês. A este
prémio concorriam 899 candidatos.

1904- Lê Shakespeare, milton, Byron, Shelley, Keats, Tennyson e Poe, aprofundando a sua cultura
clássica.
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-Surgem os heterónimos Charles Robert Anon e H.M.F. Lecher.
-Nasce a sua irmã Maria Clara.

1905- Volta sozinho e definitivamente para Lisboa.


- Continua a escrever poesia em Inglês.

1906- Matricula-se no Curso Superior de Letras, em Lisboa.


- A sua mãe e o padrasto voltam a Lisboa, indo Pessoa morar com eles.
- Morre a sua irmã Maria Clara.

1907- A sua família volta para Durban e Pessoa vai viver com uma avó algo desequilibrada e com as
tias solteiras.
-Desiste do Curso de Letras.
-Lê filósofos gregos e alemães, e os decadentes franceses.
- Morre a sua avó, deixando-lhe uma pequena herança. Com a herança, Pessoa resolve montar
uma tipografia. Decide tornar-se poeta.

1908- Deixa-se influenciar por Antero, Cesário, António Nobre, Garrett e António Correia de Oliveira.

1912- Fernando Pessoa estreia-se como crítico literário na revista Águia.


- Conhece Mário de Sá-Carneiro, que se tornará o seu melhor amigo. Nasce na sua mente Ricardo
Reis.

1913- Escreve Epithalamium, Hora Absurda e O Marinheiro.


- Conhece Almada Negreiros, Armando Cortês Rodrigues, Luís de Montalvor, Ronal de Carvalho e
Santa Rita Pintor. Com eles e com Sá-Carneiro, formam o grupo que introduz o Modernismo em
Portugal.

1914- No dia oito de março, Pessoa concebe o seu famoso heterónimo, Alberto Caeiro, considerando
este dia, o seu dia triunfal. Sucessivamente, inventa Álvaro de Campos e Ricardo Reis.
Juntamente com Sá-Carneiro, cria o Paulismo e o Sensacionismo.

1915- Sai, em março, o primeiro número de Orpheu.


Data possível para a “morte” de Alberto Caeiro.

1916- Mário de Sá-Caneiro suicida-se no dia 26 de abril, em Paris.

1917- Sai, em novembro, o primeiro e único número de Portugal Futurista, com poemas de Fernando
Pessoa, e Ultimatum de Álvaro de Campos.

1918- Pessoa publica os poemas ingleses Antinous e 35 Sonnets.


Morrem Santa-Rita Pintor e Amadeo de Sousa Cardoso.

1919- Escreve os Poemas Inconjuntos, de Alberto Caeiro, com data fictícia de 1912/1914.
Morre o seu padrasto, o cônsul João Miguel Rosa.
Ricardo Reis “exila-se” no Brasil.

1920- Conhece a funcionária comercial Ophélia Queiroz, com quem começa a namorar.
-Em outubro atravessa uma grande depressão e pensa, inclusive, em internar-se. Em novembro
interrompe. Temporariamente, o namoro com Ophélia.

1923- Álvaro de Campos publica os artigos Sobre um Manifesto de Estudante e Aviso por causa da
Moral.

1924- Sai o primeiro número da revista Athena, que é dirigida por Pessoa e por Ruy Vaz.

1925- Morre, a 17 de março, a mãe de Fernando Pessoa.


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1929- Organiza com António Botto a Antologia de Poetas Portugueses Modernos.
- Retoma o namoro com Ophélia e pensa até em casar.
- Sai o primeiro estudo crítico acerca da poesia de Pessoa, feito por João Gaspar Simões.

1930- Período durante o qual cria a maior parte dos seus heterónimos.

1932- Colabora na Presença, onde publica Iniciação e dispersos do Livro do Desassossego.

1935- Em janeiro escreve uma carta a Adolfo Casais Monteiro explicando-lhe a génese dos seus
heterónimos.
- No dia 28 de novembro é internado no Hospital São Luís dos Franceses, onde lhe diagnosticam
uma cólica hepática.
Morre no dia 30.

Características temáticas

 Identidade perdida;
 Incapacidade de autodefinição;
 Consciência do absurdo da existência;
 Recusa da realidade;
 Tensão sinceridade/fingimento, consciência/inconsciência;
 Oposição sentir/pensar, pensamento/vontade, esperança/desilusão;
 Antissentimentalismo: intelectualização da emoção;
 Estados negativos: egotismo, solidão, ceticismo, tédio, angústia, cansaço, náusea, desespero;
 Inquietação metafísica, dor de viver;
 Tentativa de superação da dor, do presente, etc., através de:
- evocação da infância;
- refúgio no sonho, na música e na noite;
- Ocultismo (correspondência entre o visível e o invisível);
- criação dos heterónimos (“Sê plural como o Universo!”);
 Renovador de mitos;
 A vida é sentida como uma cadeia de instantes que uns aos outros se vão sucedendo, sem qualquer
relação entre eles, provocando no poeta o sentimento da fragmentação e da falta de identidade;
 O presente é o único tempo por ele experimentado (em cada momento se é diferente do que se foi);
 O passado não existe numa relação de continuidade com o presente;
 Tem uma visão negativa e pessimista da existência; o futuro aumentará a sua angústia porque é o
resultado de sucessivos presentes carregados de negatividade;

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Características estilísticas
 A simplicidade formal; rimas externas e internas; redondilha maior (7 sílabas métricas), o que dá
uma ideia de simplicidade e espontaneidade;
 Grande sensibilidade musical:
- eufonia – harmonia de sons
- aliterações, rimas, ritmo
- verso geralmente curto (2 a 7 sílabas)
- predomínio da quadra e da quintilha
 Adjetivação expressiva
 Linguagem sóbria e nobre – equilíbrio clássico;
 Associações inesperadas;
 Comparações, metáforas originais, oxímoros (boatos fidedignos)
 Uso de símbolos;
 Reaproveitamento de símbolos tradicionais (água, rio, mar...).

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Fernando Pessoa – Ortónimo
Percursos e Temáticas

Fernando Pessoa ortónimo considera que o ato criativo só é possível pela conciliação das
oposições entre realidades objetivas (físicas ou psíquicas) e realidades mentalmente construídas
(artísticas, incluindo as literárias). Daí a necessidade de intelectualizar o que sente ou pensa,
reelaborando essa realidade graças à imaginação criadora.
A unidade dos opostos sinceridade/fingimento não é mais do que a concretização do processo
criativo, que é vital para o ser humano e que só é possível ao afastar-se da realidade, da qual parte,
para percecionar e produzir uma nova realidade. É nesta intersecção, mas também nas dicotomias do
sentir/pensar e consciência/inconsciência, que o ortónimo procura responder às inquietações da vida
e produzir a emoção estética através do poema, que "simula a vida", como afirma.
A consciência de efemeridade, porque o tempo é um fator de desagregação, cria o desejo de
ser criança de novo, a nostalgia da infância como bem perdido e, uma vez mais, leva-o à desilusão
perante a vida real e de sonho.
Ao não conseguir fruir a vida por ser consciente e ao não conseguir conciliar o que deseja ou
idealiza com o que realiza, sente-se frustrado, o que traduz o drama de personalidade do ortónimo
que, tal como os heterónimos, apresenta uma identidade própria diversa do autor Fernando Pessoa,
conservando deste apenas o seu nome.
A poesia ortonímica ora segue, formalmente, os modelos da poesia tradicional portuguesa, ora
procura experiências modernistas. Na vertente tradicional com poemas de métrica curta, abundam
aliterações e rimas internas, numa linguagem sóbria e intimista, mas de grande suavidade musical e
rítmica. Na vertente de feição modernista, há uma rutura que lhe permite inovações como a do
paulismo, caracterizado pelo vago, pelo subtil e pelo sonho, com refinamento de processos
simbolistas, ou o interseccionismo, que mistura diversas sensações numa só, que incorpora a sensação
de realidades observáveis e sentidas com a sensação de realidades desejáveis e idealizadas.

Rutura e continuidade

Pessoa Ortónimo escreveu poemas da lírica simples e tradicional, muitas vezes marcada pelo
desencanto e pela melancolia. Fez um aproveitamento cuidado do impressionismo e do simbolismo,
abrindo caminho ao modernismo com o texto-programa do paulismo (em Impressões do Crepúsculo),
onde põe em destaque o vago, a subtileza e a complexidade; desenvolveu outras experimentações
modernistas com o interseccionismo e com o sensacionismo; construiu a Mensagem, marcada pelo
ocultismo; revelou-se dialético procurando a intelectualização das sensações e dos sentimentos.
Em Fernando Pessoa coexistem, pois, duas vertentes: a tradicional e a modernista. Algumas das
suas composições seguem na continuidade do lirismo português, com marcas do saudosismo; outras
iniciam o processo de ruptura, que se concretiza nos heterónimos ou nas experiências modernistas que
vão desde o simbolismo ao paulismo e interseccionismo, no Pessoa ortónimo.

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Fingimento artístico

Para Fernando Pessoa, um poema "é um produto intelectual" e, por isso, não acontece "no
momento da emoção", mas resulta da sua recordação. A emoção precisa de "existir intelectualmente",
o que só na recordação é possível. Há uma necessidade da intelectualização do sentimento para
exprimir a arte. Ao não ser um produto direto da emoção, mas uma construção mental, a elaboração
do poema confunde-se com um "fingimento".
Não há propriamente uma rejeição da "sinceridade de sentimentos" do "eu" individualizado e
real do poeta, mas interessa-lhe a capacidade do eu poético em estabelecer novas relações do Ser
com o Mundo e de dizer o que efetiva e intelectualmente sente. O fingimento apenas implica o
trabalho de representar, de exprimir intelectualmente as emoções ou o que quer representar.
A crítica da sinceridade ou teoria do fingimento está bem patente na dialética da
sinceridade/fingimento que se liga à da consciência/inconsciência e do sentir/pensar e que leva
Pessoa a afirmar que "fingir é conhecer-se". O poeta considera que a criação artística implica a
concepção de novas relações significativas, graças à distanciação que faz do real, o que pode ser
entendido como ato de fingimento ou de mentira.
A poesia do ortónimo revela a despersonalização do poeta fingidor que fala e que se identifica
com a própria criação poética, como impõe a modernidade. O poeta recorre à ironia para pôr tudo em
causa, inclusive a própria sinceridade que, com o fingimento, possibilita a construção da arte. Fingir é
inventar, elaborar mentalmente conceitos que exprimem as emoções ou o que quer comunicar. É isso
que se observa, por exemplo, no poema Autopsicografia:

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,


Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda


Gira a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração

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Neste poema, há uma dialética entre o "eu" do escritor Fernando Pessoa, inserido num espaço
social e quotidiano, e o "eu" poético, personalidade fictícia e criadora, capaz de estabelecer uma
relação mais livre entre o Mundo concreto e o Mundo possível. Por isso, não tem de se pedir a
sinceridade de sentimentos, mas a criação de uma personalidade livre nos seus sentimentos e
emoções. O poeta codifica o poema que o recetor descodifica à sua maneira, mas sem necessidade de
encontrar a pessoa real do escritor. O poeta "Finge tão completamente / Que chega a fingir que é
dor / A dor que deveras sente", enquanto os recetores "Na dor lida sentem bem, / Não as duas que ele
teve, / Mas só a que eles não têm." Isto significa que o ato poético apenas pode comunicar uma dor
fingida, inventada, pois a dor real (sentida) continua no sujeito, que, por palavras e imagens, tenta
uma representação; e os leitores tendem a considerar uma dor que não é sua (do poeta), mas que
apreendem de acordo com a sua experiência de dor. Note-se que, neste poema, a dor surge em três
níveis de compreensão: a dor real ("que deveras sente"), a dor fingida e a "dor lida". A produção
poética parte da realidade da dor sentida, mas distancia-se criando uma dor fingida, graças à
interação entre a razão e a sensibilidade, que permite a elaboração mental da obra de arte. A
elaboração estética acaba por se construir pela conciliação da oposição razão/sentimento.
As dialéticas sinceridade/fingimento, consciência/inconsciência, sentir/pensar percebem-se
também com nitidez ao recorrer ao interseccionismo como tentativa para encontrar a unidade entre a
experiência sensível e a inteligência. O interseccionismo, que surge corno uma evolução do paulismo,
apresenta-nos o entrecruzamento de planos que se cortam: intersecção de sensações ou percepções.
Aí se verifica uma intersecção de realidades físicas e psíquicas, de realidades interiores e exteriores;
uma intersecção dos sonhos e das paisagens reais, do espiritual e do material; uma intersecção de
tempos e de espaços; uma intersecção da horizontalidade com a verticalidade. No interseccionismo
encontramos o processo de realizar o sensacionismo, na medida em que a intersecção de sensações
está em causa e por elas se faz a intersecção da sensação e do pensamento. Chuva Oblíqua é um dos
poemas onde é nítido o interseccionismo impressionista.

A dor de pensar

Fernando Pessoa sente-se condenado a ser lúcido, a ter de pensar. Gostava, muitas vezes, de
ter a inconsciência das coisas ou de seres comuns que agem como uma pobre ceifeira ou que cumprem
apenas as leis do instinto como o gato que brinca na rua.
Com uma inteligência analítica e imaginativa a interferir em toda a sua relação com o mundo e
com a vida, o "eu" lírico tanto aceita a consciência como sente uma verdadeira dor de pensar, que
traduz insatisfação e dúvida sobre a utilidade do pensamento. Impedido de ser feliz, devido à lucidez,
procura a realização do paradoxo de ter uma consciência inconsciente. Mas ao pensar sobre o
pensamento, percebe o vazio que não permite conciliar a consciência e a inconsciência. O
pensamento racional não se coaduna com verdadeiramente sentir sensitivamente.
Fernando Pessoa não consegue fruir instintivamente a vida por ser consciente e pela própria
efemeridade. Muitas vezes, a felicidade parece existir na ordem inversa do pensamento e da
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consciência. Diz ele no "Livro do Desassossego", de Bernardo Soares que "Para se ser feliz é preciso
saber-se que se é feliz. Não há felicidade em dormir sem sonhos, senão somente em se despertar
sabendo que se dormiu sem sonhos. A felicidade está fora da felicidade". E acrescenta: "Não há
felicidade senão com conhecimento. Mas o conhecimento da felicidade é infeliz; porque conhecer-se
feliz é conhecer-se passando pela felicidade, e tendo, logo já, que deixá-la atrás. Saber é matar, na
felicidade como em tudo. Não saber, porém, é não existir."

A nostalgia da infância

Do mundo perdido da infância, Pessoa sente a nostalgia. Ele, que foi "criança contente de
nada" e que em adolescente aspirou a tudo, experimenta agora a desagregação do tempo e de tudo.
Um profundo desencanto e a angústia acompanham o sentido da brevidade da vida e da passagem dos
dias. Ao mesmo tempo que gostava de ter a infância das crianças que brincam, sente a saudade de
uma ternura que lhe passou ao lado. Busca múltiplas emoções e abraça sonhos impossíveis, mas acaba
"sem alegria nem aspiração" Tenta manter vivo o "enigma" e a "visão" do que foi, restando-lhe a
inquietação, a solidão e a ansiedade:
Pessoa, através do semi-heterónimo Bernardo Soares, no Livro do Desassossego, afirma que "O
meu passado é tudo quanto não consegui ser." Por isso, nada lhe apetece repetir nem sequer
relembrar. O passado pesa "como a realidade de nada" e o futuro "como a possibilidade de tudo". O
tempo é para ele um fator de desagregação na medida em que tudo é breve, tudo é efémero. O
tempo apaga tudo. "Nunca houve esta hora, nem esta luz, nem este meu ser. Amanhã o que for será
outra coisa, e o que vir será visto por olhos recompostos, cheios de uma nova visão."

Frequentemente, para Fernando Pessoa o passado é um sonho inútil, pois nada se concretizou, antes
se traduziu numa desilusão. Por isso, o constante cepticismo perante a vida real e de sonho. Daí,
também, uma nostalgia do bem perdido, do mundo fantástico da infância, único momento possível de
felicidade.

Lisboa, 17 de setembro de 2018

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