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A Biografia
Português | 12.º ano | CTPGD
“Não sei se a vida é pouco ou demais para mim. Não sei se sinto demais
ou de menos, não sei se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na
inteligência, consanguinidade com o mistério das coisas, choque aos
contactos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos, ou se há outra
significação para isso mais cómoda e feliz. Seja o que for, era melhor não
ter nascido, porque, de tão interessante que é a todos os momentos, a
Vida chega a dor, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger, a dar vontade de dar
gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair para fora de todas as casas,
de todas as lógicas e de todas as sacadas, e ir ser selvagem para a morte
entre árvores e esquecimentos, entre lombos, e perigos e ausência de
amanhãs, e tudo isso devia ser qualquer coisa de mais parecida com o
que penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida!
in Obra Poética
Nos anos seguintes, Pessoa continua bem-sucedido a nível académico e criativo, dado que
começa a escrever as suas primeiras poesias em inglês. O mesmo já não se pode afirmar a nível
familiar uma vez que, apesar de ter mais um irmão, Luís Miguel, a sua irmã Madalena Henriqueta
morre.
Entretanto, a sua família decide regressar a Lisboa para férias, ficando aí durante alguns
meses. E é precisamente em Lisboa que vai nascer o seu irmão João Maria.
De regresso a Durban, Pessoa prepara-se para fazer o exame de admissão à Universidade, no
qual acaba por passar mas com uma classificação bastante baixa. Todavia, para compensar, e apesar
de existirem 899 candidatos, Pessoa recebe o prémio Queen Victoria Memorial Prize, por escrever o
melhor ensaio de estilo inglês.
Entre 1904 e 1905, o poeta, agora a frequentar o equivalente ao primeiro ano de um curso
universitário, sente-se motivado a ler autores como Shakespeare, Milton, Byron, Shelley, Keats,
Tennyson e Poe, de modo a aprofundar a sua cultura clássica. Toda esta profusão de conhecimentos
vai dar origem a mais dois heterónimos, desta vez Charles Robert Anon e H.M.F.Lecher, sendo que
Pessoa escreve sobretudo em inglês. Neste intervalo temporal nasce ainda a sua irmã Maria Clara.
Em 1905 decide voltar sozinho, e definitivamente, para Lisboa, ficando a morar em casa da sua
avó, meio louca, Dionísia. Um ano mais tarde, matricula-se no Curso Superior de Letras, em Lisboa, do
qual acaba por desistir pouco tempo depois. Entretanto, a sua família regressa a Lisboa, em férias, e
Pessoa vai viver com ela. Maria Clara morre pouco depois.
Após o retorno da sua família a Durban, o poeta volta para casa da avó, que acaba por morrer
pouco depois, deixando-lhe uma pequena herança. Com este dinheiro, Pessoa resolve montar uma
tipografia, denominando-a Íbis- Tipografia e Editora- Oficinas a Vapor. Esta acaba por revelar-se um
autêntico fracasso, mas, apesar disso, Pessoa recusa boas ofertas de trabalho pois, no seu íntimo, um
sonho já se começa a desenhar: o de se dedicar por inteiro à escrita.
Mas como sem dinheiro nada se alcança, e não conseguindo subsistir sem trabalhar, Pessoa
resolve aceitar um emprego como correspondente de firmas estrangeiras sediadas em Lisboa, obtendo
assim dinheiro para pagar um pequeno quarto. É precisamente quando se encontra sozinho que,
progressivamente, se começa a deixar influenciar por poetas portugueses como Antero de Quental,
Junqueira Freire, Cesário Verde, António Nobre, Almeida Garrett e António Correia de Oliveira.
Começa a escrever Fausto, bem como poesia e prosa em português, inglês e francês, deixando
trespassar claras influências do simbolismo português e, como não poderia deixar de ser, de Camilo
Pessanha.
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Corre o ano de 1912 quando Fernando Pessoa inicia a sua atividade de crítico literário,
publicando na revista A Águia dois artigos causadores de alguma polémica, “A Nova Poesia Portuguesa
Sociologicamente e Psicologicamente considerada”. É também neste ano que conhece aquele que viria
a tornar-se um dos seus melhores e mais estimados amigos, o poeta Mário de Sá-Carneiro. A amizade
torna-se de tal forma intensa que, em outubro do mesmo ano, quando Sá-Carneiro vai para Paris com
o intuito de ir estudar na Sorbonne, ambos começam a trocar correspondência quase diariamente.
Ainda neste período nasce na mente do autor o heterónimo Ricardo Reis.
O ano seguinte, 1913, foi de intensa atividade na vida do poeta. A sua atividade como crítico
na revista Águia continua, e começa também a escrever para a revista Teatro. Além disto, escreveu
Epithalamium, Hora Absurda e o Marinheiro. Conhece também Almada Negreiros, Armando Cortês
Rodrigues, Luís de Montalvor, Ronald de Carvalho e Santa Rita Pintor. Com estes, e ainda com Sá-
Carneiro, seria formado o grupo que introduziu o Modernismo em Portugal.
O denominado pelo poeta “dia triunfal” da sua vida chegaria pouco depois, no dia 8 de março
de 1914, o dia em lhe surge o heterónimo Alberto Caeiro, o seu Mestre, escrevendo neste mesmo dia
cerca de trinta dos cinquenta poemas que viriam a integrar O Guardador de Rebanhos. Logo de
seguida, escreve ainda os poemas de Chuva Oblíqua, que assina com o seu próprio nome, e concebe
também o heterónimo Álvaro de Campos.
De regresso a Lisboa, Sá-Carneiro junta-se a Fernando Pessoa e juntos criam o Paulismo e o
Sensacionismo. Ainda neste ano, começam as reuniões daqueles que viriam a formar a revista Orpheu.
Esta, quando sai, contendo composições de Pessoa e de Álvaro de Campos, entre outros, é muito mal
recebida pelo público em geral, sendo fortemente criticada. Os seus diretores são Luís de Montalvor e
Ronald de Carvalho, tendo ainda a participação de Mário de Sá-Carneiro, Alfredo Pedro Guisado, José
de Almada Negreiros e Armando Cortês Rodrigues.
O ano de 1916 vai ser um ano triste e inconstante para Pessoa. O seu grande amigo Sá-Carneiro
suicida-se em Paris e Pessoa, sozinho, muda com grande frequência de habitação, não se sentindo
bem em nenhuma delas.
Em janeiro de 1935, numa longa carta dirigida a Adolfo Casais Monteiro, explica a génese dos
seus heterónimos. No dia 28 de novembro uma cólica hepática leva-o a ser internado no Hospital São
Luís dos Franceses. Dois dias depois, despede-se do mundo, deixando uma frase derradeira:
Síntese Cronológica
13 de junho de 1888- Nasce em Lisboa, às 15h20, Fernando Nogueira Pessoa.
1899- Cria o heterónimo Alexander Search, em nome do qual escreve cartas para si mesmo.
1903- Ganha o prémio “Queen Victoria Memorial Prize”, pelo melhor ensaio de estilo inglês. A este
prémio concorriam 899 candidatos.
1904- Lê Shakespeare, milton, Byron, Shelley, Keats, Tennyson e Poe, aprofundando a sua cultura
clássica.
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-Surgem os heterónimos Charles Robert Anon e H.M.F. Lecher.
-Nasce a sua irmã Maria Clara.
1907- A sua família volta para Durban e Pessoa vai viver com uma avó algo desequilibrada e com as
tias solteiras.
-Desiste do Curso de Letras.
-Lê filósofos gregos e alemães, e os decadentes franceses.
- Morre a sua avó, deixando-lhe uma pequena herança. Com a herança, Pessoa resolve montar
uma tipografia. Decide tornar-se poeta.
1908- Deixa-se influenciar por Antero, Cesário, António Nobre, Garrett e António Correia de Oliveira.
1914- No dia oito de março, Pessoa concebe o seu famoso heterónimo, Alberto Caeiro, considerando
este dia, o seu dia triunfal. Sucessivamente, inventa Álvaro de Campos e Ricardo Reis.
Juntamente com Sá-Carneiro, cria o Paulismo e o Sensacionismo.
1917- Sai, em novembro, o primeiro e único número de Portugal Futurista, com poemas de Fernando
Pessoa, e Ultimatum de Álvaro de Campos.
1919- Escreve os Poemas Inconjuntos, de Alberto Caeiro, com data fictícia de 1912/1914.
Morre o seu padrasto, o cônsul João Miguel Rosa.
Ricardo Reis “exila-se” no Brasil.
1920- Conhece a funcionária comercial Ophélia Queiroz, com quem começa a namorar.
-Em outubro atravessa uma grande depressão e pensa, inclusive, em internar-se. Em novembro
interrompe. Temporariamente, o namoro com Ophélia.
1923- Álvaro de Campos publica os artigos Sobre um Manifesto de Estudante e Aviso por causa da
Moral.
1924- Sai o primeiro número da revista Athena, que é dirigida por Pessoa e por Ruy Vaz.
1930- Período durante o qual cria a maior parte dos seus heterónimos.
1935- Em janeiro escreve uma carta a Adolfo Casais Monteiro explicando-lhe a génese dos seus
heterónimos.
- No dia 28 de novembro é internado no Hospital São Luís dos Franceses, onde lhe diagnosticam
uma cólica hepática.
Morre no dia 30.
Características temáticas
Identidade perdida;
Incapacidade de autodefinição;
Consciência do absurdo da existência;
Recusa da realidade;
Tensão sinceridade/fingimento, consciência/inconsciência;
Oposição sentir/pensar, pensamento/vontade, esperança/desilusão;
Antissentimentalismo: intelectualização da emoção;
Estados negativos: egotismo, solidão, ceticismo, tédio, angústia, cansaço, náusea, desespero;
Inquietação metafísica, dor de viver;
Tentativa de superação da dor, do presente, etc., através de:
- evocação da infância;
- refúgio no sonho, na música e na noite;
- Ocultismo (correspondência entre o visível e o invisível);
- criação dos heterónimos (“Sê plural como o Universo!”);
Renovador de mitos;
A vida é sentida como uma cadeia de instantes que uns aos outros se vão sucedendo, sem qualquer
relação entre eles, provocando no poeta o sentimento da fragmentação e da falta de identidade;
O presente é o único tempo por ele experimentado (em cada momento se é diferente do que se foi);
O passado não existe numa relação de continuidade com o presente;
Tem uma visão negativa e pessimista da existência; o futuro aumentará a sua angústia porque é o
resultado de sucessivos presentes carregados de negatividade;
Fernando Pessoa ortónimo considera que o ato criativo só é possível pela conciliação das
oposições entre realidades objetivas (físicas ou psíquicas) e realidades mentalmente construídas
(artísticas, incluindo as literárias). Daí a necessidade de intelectualizar o que sente ou pensa,
reelaborando essa realidade graças à imaginação criadora.
A unidade dos opostos sinceridade/fingimento não é mais do que a concretização do processo
criativo, que é vital para o ser humano e que só é possível ao afastar-se da realidade, da qual parte,
para percecionar e produzir uma nova realidade. É nesta intersecção, mas também nas dicotomias do
sentir/pensar e consciência/inconsciência, que o ortónimo procura responder às inquietações da vida
e produzir a emoção estética através do poema, que "simula a vida", como afirma.
A consciência de efemeridade, porque o tempo é um fator de desagregação, cria o desejo de
ser criança de novo, a nostalgia da infância como bem perdido e, uma vez mais, leva-o à desilusão
perante a vida real e de sonho.
Ao não conseguir fruir a vida por ser consciente e ao não conseguir conciliar o que deseja ou
idealiza com o que realiza, sente-se frustrado, o que traduz o drama de personalidade do ortónimo
que, tal como os heterónimos, apresenta uma identidade própria diversa do autor Fernando Pessoa,
conservando deste apenas o seu nome.
A poesia ortonímica ora segue, formalmente, os modelos da poesia tradicional portuguesa, ora
procura experiências modernistas. Na vertente tradicional com poemas de métrica curta, abundam
aliterações e rimas internas, numa linguagem sóbria e intimista, mas de grande suavidade musical e
rítmica. Na vertente de feição modernista, há uma rutura que lhe permite inovações como a do
paulismo, caracterizado pelo vago, pelo subtil e pelo sonho, com refinamento de processos
simbolistas, ou o interseccionismo, que mistura diversas sensações numa só, que incorpora a sensação
de realidades observáveis e sentidas com a sensação de realidades desejáveis e idealizadas.
Rutura e continuidade
Pessoa Ortónimo escreveu poemas da lírica simples e tradicional, muitas vezes marcada pelo
desencanto e pela melancolia. Fez um aproveitamento cuidado do impressionismo e do simbolismo,
abrindo caminho ao modernismo com o texto-programa do paulismo (em Impressões do Crepúsculo),
onde põe em destaque o vago, a subtileza e a complexidade; desenvolveu outras experimentações
modernistas com o interseccionismo e com o sensacionismo; construiu a Mensagem, marcada pelo
ocultismo; revelou-se dialético procurando a intelectualização das sensações e dos sentimentos.
Em Fernando Pessoa coexistem, pois, duas vertentes: a tradicional e a modernista. Algumas das
suas composições seguem na continuidade do lirismo português, com marcas do saudosismo; outras
iniciam o processo de ruptura, que se concretiza nos heterónimos ou nas experiências modernistas que
vão desde o simbolismo ao paulismo e interseccionismo, no Pessoa ortónimo.
Para Fernando Pessoa, um poema "é um produto intelectual" e, por isso, não acontece "no
momento da emoção", mas resulta da sua recordação. A emoção precisa de "existir intelectualmente",
o que só na recordação é possível. Há uma necessidade da intelectualização do sentimento para
exprimir a arte. Ao não ser um produto direto da emoção, mas uma construção mental, a elaboração
do poema confunde-se com um "fingimento".
Não há propriamente uma rejeição da "sinceridade de sentimentos" do "eu" individualizado e
real do poeta, mas interessa-lhe a capacidade do eu poético em estabelecer novas relações do Ser
com o Mundo e de dizer o que efetiva e intelectualmente sente. O fingimento apenas implica o
trabalho de representar, de exprimir intelectualmente as emoções ou o que quer representar.
A crítica da sinceridade ou teoria do fingimento está bem patente na dialética da
sinceridade/fingimento que se liga à da consciência/inconsciência e do sentir/pensar e que leva
Pessoa a afirmar que "fingir é conhecer-se". O poeta considera que a criação artística implica a
concepção de novas relações significativas, graças à distanciação que faz do real, o que pode ser
entendido como ato de fingimento ou de mentira.
A poesia do ortónimo revela a despersonalização do poeta fingidor que fala e que se identifica
com a própria criação poética, como impõe a modernidade. O poeta recorre à ironia para pôr tudo em
causa, inclusive a própria sinceridade que, com o fingimento, possibilita a construção da arte. Fingir é
inventar, elaborar mentalmente conceitos que exprimem as emoções ou o que quer comunicar. É isso
que se observa, por exemplo, no poema Autopsicografia:
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
A dor de pensar
Fernando Pessoa sente-se condenado a ser lúcido, a ter de pensar. Gostava, muitas vezes, de
ter a inconsciência das coisas ou de seres comuns que agem como uma pobre ceifeira ou que cumprem
apenas as leis do instinto como o gato que brinca na rua.
Com uma inteligência analítica e imaginativa a interferir em toda a sua relação com o mundo e
com a vida, o "eu" lírico tanto aceita a consciência como sente uma verdadeira dor de pensar, que
traduz insatisfação e dúvida sobre a utilidade do pensamento. Impedido de ser feliz, devido à lucidez,
procura a realização do paradoxo de ter uma consciência inconsciente. Mas ao pensar sobre o
pensamento, percebe o vazio que não permite conciliar a consciência e a inconsciência. O
pensamento racional não se coaduna com verdadeiramente sentir sensitivamente.
Fernando Pessoa não consegue fruir instintivamente a vida por ser consciente e pela própria
efemeridade. Muitas vezes, a felicidade parece existir na ordem inversa do pensamento e da
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consciência. Diz ele no "Livro do Desassossego", de Bernardo Soares que "Para se ser feliz é preciso
saber-se que se é feliz. Não há felicidade em dormir sem sonhos, senão somente em se despertar
sabendo que se dormiu sem sonhos. A felicidade está fora da felicidade". E acrescenta: "Não há
felicidade senão com conhecimento. Mas o conhecimento da felicidade é infeliz; porque conhecer-se
feliz é conhecer-se passando pela felicidade, e tendo, logo já, que deixá-la atrás. Saber é matar, na
felicidade como em tudo. Não saber, porém, é não existir."
A nostalgia da infância
Do mundo perdido da infância, Pessoa sente a nostalgia. Ele, que foi "criança contente de
nada" e que em adolescente aspirou a tudo, experimenta agora a desagregação do tempo e de tudo.
Um profundo desencanto e a angústia acompanham o sentido da brevidade da vida e da passagem dos
dias. Ao mesmo tempo que gostava de ter a infância das crianças que brincam, sente a saudade de
uma ternura que lhe passou ao lado. Busca múltiplas emoções e abraça sonhos impossíveis, mas acaba
"sem alegria nem aspiração" Tenta manter vivo o "enigma" e a "visão" do que foi, restando-lhe a
inquietação, a solidão e a ansiedade:
Pessoa, através do semi-heterónimo Bernardo Soares, no Livro do Desassossego, afirma que "O
meu passado é tudo quanto não consegui ser." Por isso, nada lhe apetece repetir nem sequer
relembrar. O passado pesa "como a realidade de nada" e o futuro "como a possibilidade de tudo". O
tempo é para ele um fator de desagregação na medida em que tudo é breve, tudo é efémero. O
tempo apaga tudo. "Nunca houve esta hora, nem esta luz, nem este meu ser. Amanhã o que for será
outra coisa, e o que vir será visto por olhos recompostos, cheios de uma nova visão."
Frequentemente, para Fernando Pessoa o passado é um sonho inútil, pois nada se concretizou, antes
se traduziu numa desilusão. Por isso, o constante cepticismo perante a vida real e de sonho. Daí,
também, uma nostalgia do bem perdido, do mundo fantástico da infância, único momento possível de
felicidade.