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No entanto, este mesmo pensador advoga a ideia de Liberdade como forma estratégica de
resistência no âmbito das próprias relações de poder. Com respeito a este problema, é
preciso refletir cuidadosamente: o fatalismo disciplinar foucaultiano realiza um mesmo
movimento disruptivo-genealógico conforme o qual a Liberdade aparece associada à
saída para o presente. No limite, esta saída é uma reconfiguração corporal
discursivamente profunda. Corpos em ruína são corpos em desidentificação ética
permitidos por uma genealogia da Liberdade em Foucault.
A questão da Liberdade no pensamento de Foucault pode ser abordada por diferentes vias
possíveis a considerar o modo como o pensador lidou com a questão ao longo de seus
trabalhos. Mas um ponto de reflexão se mostra decisivo a partir de 1976 com a publicação
de A vontade de saber. A repetida, célebre e talvez desgastada formulação “onde há poder,
há resistência” de História a sexualidade I (p. 91) é a explicitação, consistente com o
método genealógico praticado por Foucault, de que o poder é compreendido como
correlações de forças sem um termo predominante na rede, que se forma em um domínio,
que atua como jogo e afrontamento de lutas, com pontos de apoio múltiplos, que é
inclusive, num rompante nominalista de Foucault, definido como “um nome dado a uma
situação estratégica complexa numa sociedade determinada (p.89). Enfim, estou me
referindo um pouco livremente a essa caracterização que Foucault faz na segunda parte
do’ Dispositivo de sexualidade” e que resulta em dizer “que lá onde há poder há
resistência e, no entanto (ou melhor, por isso mesmo) esta nunca se encontra em posição
de exterioridade em relação ao poder” e pode, doravante, concluir que as próprias
correlações de poder “não podem existir senão em função de uma multiplicidade de
pontos de resistência que representam, nas relações de poder, o papel de adversário, de
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alvo, de apoio, de saliência que permite a preensão. Esses pontos de resistência estão
presentes em toda a rede de poder” (p. 92).
É claro que estou aqui um pouco fingindo não existir esta resposta em Foucault,
fingir que a governamentalidade, os temas do governo de si, fingir não saber a respeito
do famoso “não ser governado assim”. Estou como que ignorando propositadamente o
ano de 1978, mais especificamente o curso Segurança, Território, População, assim
como a conferência O que é a Crítica e depois, em 1982, O sujeito e o poder. E por que?
Porque certo fatalismo disciplinar parece cristalizar-se neste ponto e organizar uma
percepção sobre os trabalhos da microfísica do poder: ao realizar uma multifacetada
genealogia das disciplinas em distintos domínios, discursivos, Foucault teria posto em
prática um tipo de história reveladora do permanente exercício da razão instrumental na
modernidade. Não raro, veremos este par aparecer na compreensão do pensamento de
Foucault: a uma ontologia radical da dominação acarretaria um assujeitamento
inescapável contra o qual apenas certo uso do individualismo poderia fazer frente, no
entanto, muito parcialmente. É claro que isto deve ter relação com a publicação de Vigiar
e Punir e sua recepção.
Embora este fatalismo não resista à crítica quando considerado em relação a outros
trabalhos do pensador, ele tem uma segunda face desde a qual um problema relevante se
coloca. Um segundo modo de entender o inexorável das disciplinas na constituição dos
modos de subjetivação é colocar-se a questão ética da condução. E é claro que vocês,
como bons estudiosos de Foucault, vão me dizer que foi justamente este o
encaminhamento que Foucault deu – ao retornar à ética antiga, ao desenvolver uma
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hermenêutica do sujeito, ao realizar uma genealogia do homem do desejo e, sobretudo
mais especificamente, ao caracterizar o tema das contra condutas dentro da
governamentalidade moderna. Vão concluir que não haveria, portanto, razão nenhuma
para insistirmos na ideia de um fatalismo disciplinar se Foucault estuda todos estes
domínios de resistência.
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próprio espírito (FOUCAULT, 2015, p. 36).1 É claro que não poderei desenvolver todo
esse percurso e suas particularidades, e são muitas, que vai desde a enunciação dessa
questão, como vimos, em A vontade de saber, passa por Segurança, Território e
População a propósito do estudo do biopoder até ganhar novos tratos no curso O governo
de si e dos outros em 1983.
Gostaria, então, para tratar, vamos dizer, da fundamentação dessa resposta robusta
segundo a qual a governamentalização implica um “não ser governado” de me deslocar
entre duas referências que todos conhecemos no qual este tema se desenvolve: a
conferência de maio 1978, O que é a Crítica e o artigo de 1982, Sujeito e Poder, incluído
como apêndice do livro de Dreyfus e Rabinow. Passo a resumir então alguns aspectos
dessa contra-governamentalidade que Foucault estuda:
I. Foucault sugere que compreender a atitude crítica é fazer uma genealogia da dessa
atitude que vai surgindo a partir do poder pastoral como uma espécie de virtude
geral, ou se quisermos, uma contra-virtude, um modo de recusar a condução
pastoral.
II. Trabalhar a partir dos antagonismos das estratégias
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Veja nota 6 da Vrin.
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Foucault insiste em definir ao menos dois tipos de liberdade que, considerando os
trabalhos históricos realizados, são entendidas como liberdade política e à liberdade ética.
Exemplo do suicídio.
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Irei lançar uma tese que prová-la; irei mais problematizar o presente que voltar aos anos
1970 quando Foucault explicitamente passa as artes de governar e, nesse contexto,
enuncia sua ideia de Liberdade.
Se queremos saber sobre nossa liberdade, devemos responder por quais são os corpos
ingovernáveis? Isto é, se as disciplinas incidiram sobre um ponto que são nossos corpos,
se onde há poder há resistência, toda liberdade é a resposta pela questão: qual a
materialidade que poderia ser a materialidade da inservidão voluntária? Quais corpos
responderam à docilização dos corpos [ a heteronomatividade compulsória que reduz o
corpo ao desejo sexual masculino, no limite, é sobre ela que resistimos porque não somos
estes corpos, porque criamos novas identidades]
[talvez a liberdade em Foucault seja justamente o conflito esquizofrênico das disciplinas
entre diferentes dispositivos – dissociação entre ação e pensamento]
[Monstro – medo de sermos um – PIELES – trocar o cur pela boca é um problema ne:?]
[FOUCAULT não inverte La boetie, ok?]
O que é a Crítica
Atitude crítica é algo como uma virtude em geral que se denominarão as artes de
governar. A virtude em geral é um modo de reconhecer o futuro da atualidade.
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A nota que traz o manuscrito coloca a questão de um pensamento que se formula como a
“maneira crítica”:
Conduzir à salvação. A pastoral cristã segundo a qual todos devem ser governados: ser
governado e deixar ser governado [paralelo com direito de matar ou deixar viver – poder
sobre a vida ou deixar morrer? ]. Deve ser conduzido até sua salvação por alguém que o
ligue por uma relação de obediência global e, ao mesmo tempo, meticulosa e detalhada
conforme uma tripla relação com a verdade: compreendida como dogma; como
conhecimento partícula e individualizante e na qualidade de técnica reflexiva exige
“regras gerais de conhecimento particulares, preceitos, métodos de exame, confissões,
entrevistas”. Aqui parece, então, que Foucault específica este último ponto pela referência
que faz à technè technôn e ars artium que são as formas pastorais da direção de
consciência como arte de governar os homens.
Explosão das artes de governar. Da existência conventual, tais práticas, a partir do
século XV, teríamos passado por um processo de laicização da arte de governar e “em
domínios variados”: crianças, pobres, mendigos, uma família, casa, exércitos, diferentes
grupos, cidades, Estados, governo do próprio corpo, governar o espírito. Domínios de
como governar que, então, teriam feito nascer todas as artes de governar (pedagógica,
política, econômica) bem como “todas as instituições de governo no sentido amplo que a
palavra tinha” (?).
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Arte de governar (governamentalização) vem em par do como não ser governado.
a. Foucault é preciso: há uma não dissociação entre governar e não ser governado e
não a afirmação da possibilidade de uma recusa absoluta de ser governado. Veja
que no manuscrito ele sublinha!
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a arte de não ser governado tellement, assim. Ligar isto ao discurso Ubu: o incontornável
do poder tem o mesmo estatuto?
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desenvolvimento das artes de governar, algo teria nascido na Europa nesse momento, tipo
de forma cultural geral, ao mesmo tempo atitude moral e política, maneira de pensar etc.
e que eu chamaria simplesmente de arte de não ser governado ou ainda arte de não ser
governado assim e a esse preço. E eu proporia então, como uma primeira definição da
crítica, esta caracterização geral: a arte de não ser de tal forma governado.
Pontos de ancoragens históricos. Veja a nota que diz “a crítica tem uma genealogia” no
manuscrito.
1. A Bíblia, a Escritura, o Magistério, O PODER. “A atitude crítica é
historicamente bíblica”. Ao que tudo indica, mesmo se Foucault aí é
extremamente breve, encontramos no problema cristão da verdade revelada e no
magistério eclesial o germe da atitude crítica, deste “não querer ser governado
assim”. E diria mesmo que ao evocar o nome John Wycliffe, Foucault dá um peso
nessa passagem à questão política estabelecida pelo teólogo reformador sobre as
verdade das escrituras.
2. O Direito, a natureza, a lei, A VERDADE. Não querer ser governado é no
limite o problema levantado pelo direito natural. Segundo Foucault, não se
trata de recusar ser governado em nome de leis injustas, em razão da soberania
ilegítima ou qualquer “ilegitimidade essencial”. Esse “não querer ser governado”
recorre, assim, a uma dimensão mais profunda que modela a arte de governar, ele
recorre a “direitos universais e imprescritíveis” conforme os quais, não
importando quem governe, todos devem se submeter. Assim, o direito natural,
conforme lemos Foucault, parece implicar historicamente neste reajuste, por
assim dizer, daquilo em nome do que se governa: não mais em nome da
legitimidade, digamos, adquirida, forjada, mas em nome de alguma
universalidade do direito.
O direito natural não é certamente uma invenção da Renascença, mas ele tomou, a partir
do século XVI, uma função crítica que ele conservara sempre. À questão "como não ser
governado?" responde-se dizendo: quais são os limites do direito de governar? Digamos
que aí, a crítica é essencialmente jurídica.
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3. A Ciência, a relação a si, a autoridade do dogmatismo, O SUJEITO. “Não
quere ser governado” é elaborar uma recusa da verdade dita pela autoridade:
“problema da certeza em face da autoridade”. Esta ancoragem nos é
particularmente preciosa para nossas análises porque ela indica como a certeza da
verdade dita pela autoridade comporta este aspecto de “aceitar isso senão se se
considera, por si mesmo, boas razões para aceitar”, isto é, a relação a si.
Precisamos perguntar: que espaço é este aberto pela crença ou não crença verdade
dita pela autoridade? Que interstício é este que se abre sutilmente em que a
formação da certeza do sujeito diz respeito ao laço entre o saber da autoridade
dogmática e sua “chegada” na convicção do que são conduzidos?
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E se a governamentalização é mesmo esse movimento pelo qual se tratasse na realidade
mesma de uma prática social de sujeitar os indivíduos por mecanismos de poder que
reclamam de uma verdade, pois bem, eu diria que a crítica é o movimento pelo qual o
sujeito se dá o direito de interrogar a verdade sobre seus efeitos de poder e o poder sobre
seus discursos de verdade; pois bem, a crítica será a arte da inservidão voluntária, aquela
da indocilidade refletida. A crítica teria essencialmente por função o desassujeitamento
no jogo do que se poderia chamar, em uma palavra, a política da verdade.
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[Será preciso ir até Segurança, T, P. para adensar a questão das artes de governar
(verifique nota 10 p. 72 vrin)]
Trata-se de caracterizar a Aufklärung para mostrar que ela é uma emprea dessujeitamento:
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Com essa pergunta, Foucault não queria dizer que os indivíduos que viveram nesse período
histórico não desejavam ser governados absolutamente por nenhum meio de poder, mas
buscavam transformá-lo, impondo alguns limites e encontrando uma justa medida para sua
realização. Foucault chama essa contra conduta de arte de não ser governado e a assemelha a
uma virtude
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Conclusão – a coragem do corpo
A Liberdade em Foucault é uma relação histórica que se aprende e se apreende na história.
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Referências bibliográficas
RAJCHMAN, John. Foucault: a liberdade da filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987.
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