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[RESENHA] “A Vida na Sarjeta”, de Theodore Dalrymple

Imagem: reprodução da capa do livro.

por Fernando Chiozzotto

O livro A Vida na Sarjeta: o círculo vicioso da miséria moral (Life at the Bottom: The
Worldview That Makes the Underclass), consiste na compilação de 22 ensaios escritos pelo
médico psiquiatra inglês Theodore Dalrymple (codinome de Anthony Daniels), – citados ao
longo desta resenha em itálico e entre parênteses – divididos em grandes eixos temáticos.

Tendo exercido a medicina em países africanos e, após retornar à Inglaterra, em um hospital de
uma região pobre e em uma penitenciária; o autor parte de sua experiência profissional para
relatar a situação miserável da subclasse britânica[1].

Os ensaios contêm diversos exemplos concretos, a maioria ocorrida em consultas e
atendimentos realizados pelo próprio Dalrymple, que nos apresentam a vida de pessoas que
não são pobres em sentido absoluto, mas que são moralmente miseráveis.

A pobreza, entendida como ausência ou escassez de meios para a própria subsistência, tornou­
se um fenômeno raro em alguns países desenvolvidos. O pobre passa a ser aquele que possui
menos que o rico. Contudo, o autor constata que, em certo sentido, muitos pobres britânicos,
ainda que cercados por relativo conforto e garantidos de sua sobrevivência, vivem em
condições degradantes piores do que aquelas que encontrou na África subsaariana, onde parte
da população luta diariamente para sobreviver (O Que É Pobreza?).

A combinação do Estado previdenciário com a visão de mundo que parte da subclasse
construiu para si, não raro influenciada por intelectuais, criou praticamente uma casta de
indivíduos que nascem nessa situação de pobreza e da qual dificilmente conseguem sair. Está
formado o círculo vicioso da miséria moral.

Dalrymple descreve os efeitos negativos decorrentes da consolidação do Estado de Bem­Estar
Social. O assistencialismo tende a gerar na sociedade um ambiente de indiferença e
individualismo (Livres Para Escolher). Os cidadãos deixam de colaborar com aqueles que
passam por dificuldades por contarem com a atuação estatal. Médicos estrangeiros
provenientes de países subdesenvolvidos surpreendem­se com a completa ingratidão dos
pacientes que acreditam ser a saúde um direito deles e uma obrigação do Estado (O Que É
Pobreza?).

Por outro lado, este modelo gera apatia subsidiada. Milhares de pessoas passam a viver com
base apenas em benefícios estatais e a sociedade nada exige delas em troca. O autor denuncia a
frustração que este modelo impõe aos supostos beneficiados, que passam a viver uma vida
vazia de significado.

Ao longo dos ensaios, o leitor é apresentado à realidade sombria de parcela da subclasse; ao
limitado mundo onde pessoas vivem sem sentido ou interesses, ou, ao menos, interesse em
algo que não sejam elas próprias ou seus desejos.

O “tédio do ensimesmamento” de indivíduos que não sabem como viver, que perderam o
aspecto transcendente e religioso da vida[2] e que sequer precisam lutar para sobreviver leva a
comportamentos autodestrutivos. O fenômeno dos parassuicídios, em geral mediante
overdoses auto­induzidas, atesta como era ilusória a ideia de que segurança material e
relacionamentos sem amarras gerariam um mundo de liberdade (Adeus, Mundo Cruel).

A diversão da maioria da juventude da subclasse, em um ambiente de festas no qual predomina
o uso de entorpecentes, a violência e a vulgaridade, ostenta marcas nítidas do propósito de fuga
da realidade (Festa e Ameaça). Na verdade, boa parte do entretenimento dessa parcela da
população consiste em atividades passivas – como a televisão ­, ou nas quais não estão
envolvidos esforço e mérito – como os jogos de azar. Ao tratar da loteria, Dalrymple chega a
defini­la como o imposto sobre a falta de esperança e sobre a impaciência (Não Há um Pingo
de Mérito).
Após os anos da juventude e de uma série de caminhos errôneos, ilegais ou autodestrutivos,
parte dos membros da subclasse aprofunda sua existência tediosa. É o resultado da opção
sempre pelas alternativas que pareciam mais fáceis. Nunca foram ensinados a utilizar a própria
inteligência, mas apenas a buscar a satisfação imediata de desejos (Perdidos no Gueto).

Esta preponderância dos desejos é retratada ao longo do livro, com especial enfoque na questão
da violência doméstica contra a mulher. Conforme será abordado adiante, a revolução sexual
tornou o desejo o parâmetro para todas as coisas, o que, no fim, acaba por levar diversas
mulheres a fazerem escolhas em relacionamentos que as levam a situações de submissão e
agressões (Um Amor de Valentão).

No tocante ao uso da inteligência, o autor dedica parte importante dos ensaios à questão da
educação. No mencionado ambiente onde indivíduos não possuem interesses e encaram
qualquer forma de esforço como perda de tempo, a educação, que poderia ser um meio de fugir
do mundo da subclasse, é amplamente negligenciada (Não Queremos Nenhuma Educação).

Contudo, a redução dos níveis educacionais não decorre apenas da falta de interesse dos
membros da subclasse, mas também da difusão do relativismo moral. O dogma do respeito
absoluto à diferença, aliado ao desprezo pela existência de uma hierarquia de valores e
culturas, teve como resultado a decadência educacional, pois não é possível desenvolver o
intelecto de indivíduos quando estes são ensinados que não existe certo ou errado e que toda
espécie de autoridade é ilegítima.

Esta crença de que se está rodeado por uma sociedade brutal e injusta faz também com que as
pessoas se encarem sempre como vítimas e nunca como agentes responsáveis por suas
escolhas.

Constata­se, assim, a existência de um paradoxo. Na época onde a liberdade tem sua maior
difusão, os indivíduos não querem assumir a responsabilidade por seus atos. Dalrymple narra
essa cultura de irresponsabilidade em diversos aspectos da vida de pessoas da subclasse, que
vão desde a linguagem passiva empregada por criminosos para explicar seus delitos – não se
encarando, de fato, como autores, mas como bonecos impulsionados por fatores externos – (E
a Faca Entrou), até a cumplicidade de algumas vítimas de violência doméstica, que, no fundo,
tem pleno conhecimento da agressividade de seus parceiros, mas optam por ignorar essa
ameaça (Um Amor de Valentão).

Fechando o círculo vicioso, Dalrymple trata em diversos trechos da ausência de mobilidade
social. Com a destruição dos laços familiares (Um Amor de Valentão) e a falência do modelo
educacional (Não Queremos Nenhuma Educação e Perdidos no Gueto), é dificultada a saída da
miséria. Contudo, o autor destaca que ainda não é o modelo social que, por si só, impede a
mobilidade; estando o principal fator obstativo na mente dos indivíduos, na visão de mundo
adotada por parcela da subclasse.
Tal fato é demonstrado por Dalrymple através da análise das famílias de imigrantes[3], em
especial de indianos (Escolhendo o Fracasso). Ao mesmo tempo em que muitos indianos
entram em universidades e sobem na escala social, outros optam pelo caminho das drogas e do
crime. Muitas vezes, tais fenômenos são percebidos nas mesmas famílias, o que denota a
importância da escolha pessoal por adotar ou não a visão da subclasse.

Porém, conforme exposto em toda a obra, mas em especial na segunda parte – Teoria Ainda
Mais Sombria ­, a análise do universo da subclasse não estaria completa se não fosse
considerada a influência dos intelectuais. Nas últimas décadas, concepções sobre a família,
educação, crime, cultura, polícia, dentre outros aspectos da realidade, foram transformadas por
intelectuais progressistas. Acreditavam estar lutando contra uma ordem injusta, mas geraram
caos social (Ver Não É Crer).

O já mencionado relativismo nos âmbitos da cultura e da educação, que criou um ambiente
aprisionador para os pobres, é produto de teorias destes intelectuais. Ao advogarem, por
exemplo, a inexistência de uma forma correta gramatical, limitaram o desenvolvimento e o
universo dos membros da subclasse, criando obstáculos para que fugissem da situação de
miséria.

Também o dogma dos intelectuais da não emissão de juízos de valor (O Ímpeto de Não Emitir
Juízos), apesar de se basear na ideia de compaixão, afeta de modo perverso a vida de parcela da
subclasse, seja quando se relacionam com terceiros (mulheres vítimas de violência doméstica
incapazes de perceber a agressividade de seus parceiros) seja em relação a si próprios (os
criminosos que não se vêem como agentes causadores do delito, mas encontram a justificação
moral para seus atos em teorias de viés deterministas – Qual É A Causa do Crime? e Como Os
Criminologistas Fomentam o Crime).

Outro ponto de forte influência intelectual, na visão de Dalrymple, é o das relações familiares e
afetivas. Com a revolução sexual, acreditava­se que a derrocada dos costumes e das restrições
nas relações entre os sexos traria felicidade e o fim das frustrações dos desejos. Contudo, a
combinação entre o espírito de liberdade sexual contrário à fidelidade e a manutenção do
desejo de posse sexual exclusiva em relação ao outro mostrou­se explosiva. O resultado foi a
expansão da violência doméstica e a destruição dos laços familiares no âmbito da subclasse.

Por fim, alguns artigos são dedicados aos efeitos de pressões e ideias dos intelectuais radicais
sobre a atuação policial (E, Assim, Morrem ao Nosso Redor Todos os Dias; Policiais no País
das Maravilhas e Intolerância Zero). Dalrymple aponta que a polícia, em muitos casos, passou
a se preocupar mais com as relações públicas progressistas – quando, na verdade, para estes a
própria existência da polícia é um problema – do que com a prevenção do crime e a defesa da
ordem social. Contudo, ao deixar de cumprir sua função, acaba prejudicando principalmente as
camadas mais pobres da população, que sofrem de forma mais direta os efeitos da
criminalidade.
A Vida na Sarjeta é uma impressionante análise da miséria moral da subclasse britânica,
relatando diversas questões problemáticas da realidade inglesa, mas que são verificáveis de
forma similar no Brasil.

Apesar de nosso modelo de Estado Previdenciário ainda ser menos consolidado que o inglês, a
questão da miséria moral é um fato preocupante. A expansão no consumo de entorpecentes, os
pífios resultados educacionais, a desintegração dos núcleos familiares, são alguns dos
problemas relatados por Dalrymple que afetam a sociedade como um todo, mas em especial os
setores mais pobres, dificultando ainda mais a mobilidade social – que já não era uma tradição
brasileira – e, ao mesmo tempo, agravando os problemas de violência doméstica e da
criminalidade.

Assim como na Inglaterra, é possível visualizar em muitos destes problemas sociais a influência
de intelectuais. É a partir de teorias progressistas que criminosos não conseguem se encarar
como agentes responsáveis por seus atos, mas como vítimas da sociedade ou justiceiros na luta
contra um poder estatal ilegítimo, o que se verifica de forma nítida no fenômeno do crime
organizado. A polícia é geralmente vista em universidades e na imprensa apenas como uma
instituição corrupta ou arbitrária, sendo cada vez mais comuns propostas utópicas que
levariam ao seu enfraquecimento e ao aumento da insegurança, sobretudo para os mais
carentes.

Da mesma forma, a educação, ainda que alvo de vultosos investimentos, não exerce seu papel
formador, muitas vezes por estar baseada em modelos relativistas e ideologizada. A família,
prevista na Constituição como base da sociedade, tem sido sucessivamente desconstruída nas
últimas décadas e sendo substituída por um efêmero modelo eudemonista, marcado pela
atomização social, elevadas taxas de divórcio e violência doméstica.

Todas estas questões afetam a sociedade brasileira como um todo, mas exercem influência
mais perniciosa exatamente sobre a parcela mais pobre da população, a quem supostamente os
progressistas buscavam favorecer. Na verdade, conforme já exposto, todas estas
transformações sociais foram e são propagadas pelos intelectuais como formas de luta contra
opressões, mas a destruição sistemática das instituições não trouxe o esperado reino da
liberdade e da felicidade, mas a expansão da miséria moral.

Agrava, ainda, a situação o fato de, em um ambiente dominado pelo relativismo, diversos
padrões comportamentais e ideias da subclasse estarem progressivamente espalhando­se pelo
restante da sociedade (É Chique Ser Grosseiro e Dói, logo Existo). Ou revertemos o ciclo de
degradação da subclasse, ou a subclasse irá se vingar de todos nós.

Fernando Chiozzotto é Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e
Assistente Jurídico no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
FICHA TÉCNICA:

TÍTULO: A Vida na Sarjeta – O círculo vicioso da miséria moral
AUTOR: Theodore Dalrymple
TRADUÇÃO: Márcia Xavier de Brito
APRESENTAÇÃO: Thomas Sowell
EDITORA: Editora É
ANO: 2014
Gênero:  Ciências Humanas e Sociais
Subgênero: Crítica Cultural
ISBN: 978­85­8033­168­4

NOTAS:

[1] Conforme nota da tradutora, o termo underclass – traduzido como subclasse – não possui
equivalente exato em português, mas refere­se “à classe composta por desempregados, jovens
não empregáveis por falta de qualificação profissional e/ou dependência química,
subempregados, doentes crônicos, idosos e pessoas com deficiência física, mães ou pais
solteiros, minorias étnicas, etc., que são vítimas da armadilha da pobreza e não têm meios de
sair dessa circunstância” (DALRYMPLE, Theodore. A Vida na Sarjeta. São Paulo: É
Realizações, 2014. Fl. 15).

[2] Apesar de parte da subclasse viver alheia a sentimentos religiosos, um dos ensaios (O
Coração De Um Mundo Sem Coração) aborda a influência redentora da religiosidade sobre a
realidade de pessoas que vivem circundadas pelo ambiente degradado. Dalrymple retrata a
busca desesperada de indivíduos por ordem em meio à anarquia, em um dos poucos espaços
onde falhas pessoas são reconhecidas, assim como a necessidade de autoridade moral.
Contudo, há também efeitos negativos em alguns casos, com autoridades religiosas
autoproclamadas aproveitando­se do estado de degradação social.

[3] É interessante também a análise relacionada à imigração feita no ensaio Leitor, São Marido
e Mulher…Infelizmente, no qual são apresentados casos de choques culturais que não
encontram respostas fáceis. Situações como as de casamento forçados evidenciam que, apesar
de a imigração enriquecer a cultura do país, é ilusória a pretensão multiculturalista de que a Lei
e o Estado sejam neutros frente à diferenças axiológicas e culturais colidentes.

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