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M I S T I C I S M O l C I Ê N C I A l A R T E l C U L T U R A

VERÃO 2018
Nº 303 – R$ 10,00

ISSN 2318-7107
Prezado Estudante Rosacruz,

Temos tentado, nos últimos 10 anos, estabelecer um meio rápido,


seguro e econômico de nos comunicarmos com nossos fratres e
sorores e vice-versa.

Entretanto, por várias razões, nosso cadastro conta somente com


50% de recadastrados. Isto dificulta e encarece a comunicação.

Assim, peço sua especial atenção para este assunto, atualizando


seu cadastro no seguinte endereço:

https://www.amorc.org.br/atualizacao-cadastral-amorc/

ou através da Área do Afiliado, após login e senha, no endereço:

https://afiliado.amorc.org.br/

Pessoalmente, em prol de um melhor atendimento da Grande Loja,


agradeço sua especial atenção para este importante pedido.

Com os mais sinceros votos de Paz Profunda!

Hélio de Moraes e Marques


Grande Mestre
Novos canais
de comunicação da
AMORC-GLP
Aos Prezados Fratres e Sorores da GLP
Saudações em todas as pontas do nosso Sagrado Triângulo!
Visando tornar mais dinâmica a comunicação com nossos fratres e sorores, a Grande Loja está
viabilizando a criação de alguns grupos específicos de WhatsApp para atender necessidades diferentes.
Este aplicativo é uma ferramenta com uma única via, isto é, destinada ao envio das mensagens,
informações e notícias relevantes da GLP, preservando confidenciais os dados pessoais
(nome e número de telefone celular) dos fratres e sorores que optarem pela participação.

O primeiro grupo é o da Grande Loja da Jurisdição Portuguesa que permitirá o


envio de informações e notícias relevantes, de forma célere, da sua afiliação.

O segundo grupo é o da XXV Convenção Nacional Rosacruz que permitirá a


comunicação das chamadas dos palestrantes, dos Grandes Mestres convidados, dos shows e do
programa em geral.

O terceiro grupo é o do Atendimento a membros que permitirá a troca de informações


e outros serviços necessários à sua afiliação, relativos ao seu registro e dossiê como membro ativo.

Como está em processo de preparação, esteja atento aos comunicados em nosso portal da GLP.
A GLP acredita no potencial desta ferramenta de comunicação e buscará disponibilizar de forma
gradativa o contato com todas as áreas da Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa.
Participe dos grupos e esteja atualizado da sua afiliação em tempo curto e em dia.

Sincera e Fraternalmente

Hélio de Moraes e Marques


GRANDE MESTRE
n MENSAGEM

Prezados Fratres e Sorores,


© AMORC

Saudações Rosacruzes!

Com alegria prefacio mais uma rica edição da nossa revista “O Rosacruz”.
O artigo de abertura do nosso Imperator Frater Christian Bernard fala sobre
O Amor Universal. A forma como ele apresenta as suas ideias em torno do tema
permite-nos perceber a reflexão desenvolvida para absorvermos o seu pensamen-
to. Há no texto uma dialética que conduz a uma compreensão mais profunda da
expressão tão presente nos ensinamentos rosacruzes que é O Amor Universal.
O artigo do nosso ex-Imperator Frater Ralph M. Lewis sobre A filosofia da
Ciência aborda um tema assaz interessante para todos nós, na medida em que
levanta as questões do raciocínio indutivo e sua validade bem investigada pelo
Círculo de Viena (1929) que propõe o princípio de verificação como critério
de distinção entre proposições sensatas e proposições insensatas, de modo a tornar a linguagem um elemento
essencial no critério de significância. Essa abordagem do Círculo de Viena, chamada de neopositivista, critica
frontalmente a metafísica, pois dá valor somente às ciências empíricas que incluem não apenas a indução, mas a
causalidade, o estatuto das leis científicas, probabilidade etc. Com esse grupo vienense emergiu a expressão mo-
derna de filosofia da ciência como disciplina que pensa, investiga o progresso, o método e a validade da ciência.
Quando se aplica a palavra filosofia antes de um tema central, a exemplo da filosofia do direito, filosofia
da linguagem ou, neste caso, filosofia da ciência, devemos entender, de uma forma bem simples, que o termo
filosofia implica um olhar diferenciado significando uma reflexão profunda do objeto que a sucede. Assim,
filosofia da ciência é o “pensar” a ciência, assim como filosofia do direito, da linguagem são um “pensar” seu
objeto enquanto direito ou linguagem. Mas filosofia da ciência é muito mais do que um pensar porque em sua
análise do valor de uma verdade ela investiga o SER REAL, nas palavras do Frater Ralph M. Lewis, por várias
abordagens valorizando as teorias indutivas, dedutivas, empíricas e, de certo modo, até metafísicas com as
bases lógicas dos métodos.
Enfim, pensadores como Moritz Schlick, Otto Neurath, Rudolf Carnap, Gaston Bachelard, Ludwig Witt-
genstein, Karl Popper e Thomas Khun não podem ser esquecidos quando se fala em filosofia da ciência.
O artigo O tormento de São Jerônimo, do Frater Paulo Paranhos, me revelou um místico até então desco-
nhecido que, embora tenha declarado sentir-se encantado pela cultura clássica, e até mesmo sua obra transpa-
reça esta influência, foi marcado como um pensador cristão.
Ora, é um fato conhecido que desde a Odisseia e a Ilíada de Homero, até o início da filosofia patrística, nos
primórdios dos séculos III e IV, a cultura denominada clássica influenciou inúmeros pensadores ditos cristãos
que, a despeito de sua unio-mística, tiveram as suas bases nos gregos e romanos dos dez a doze séculos ante-
riores. O artigo parece nos remeter à antiga questão de razão x fé que põe em cheque se: 1) a crença depende do
pensamento? 2) os objetos da fé são primeiramente pensados? 3) há sujeitos que pensam, mas não creem?
4) todo sujeito que crê, pensa e fundamenta suas convicções em seu pensamento? Enfim, há separação epistê-
mica entre razão e fé? Sem pretender esgotar estes temas tão antigos da filosofia, recorro a um lumiar da filoso-
fia patrística para nosso esclarecimento.
Segundo Santo Agostinho, é necessário compreender para crer e crer para compreender (Intellige ut credas,
crede ut intelligas). Agostinho também declara que o ato de crer é um ato de razão: Quem não vê que primeiro é
pensar e depois crer? Ninguém acredita em algo, se antes não pensa no que há de crer. Embora certos pensamen-
tos precedam de um modo instantâneo e rápido a vontade de crer, e esta vem em seguida, e é quase simultânea ao
pensamento, é mister que os objetos da fé recebam acolhida depois de terem sido pensados. Assim acontece, em-
bora o ato de crer nada mais seja que pensar com assentimento. Pois, nem todo o que pensa, crê, havendo muitos
que pensam, mas não creem; mas todo aquele que crê, pensa, e pensando crê e crê pensando.
Nosso protagonista, São Jerônimo, teve sua revelação por um sonho onde, diante de um tribunal, tendo
como Juiz o Deus de Israel, lhe é feita a pergunta:
– Quem és?

2 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


– Um cristão – respondeu.
– Mentes, és de Cícero e não de Cristo.
Outras questões importantes serão contempladas neste exce­lente artigo do Frater Paranhos que é historia-
dor, museólogo, membro do Conselho Jurisdicional de Pesquisa, Ensino e Extensão da URCI, e um importante
revisor dos textos, livros e publicações da GLP, incluindo artigos.
Absolutamente alinhado com a visão universalista e de cidadania planetária apresentada pelo Conselho
Supremo da AMORC, através dos Manifestos Positio e Apellattio, o artigo da Soror Suzy Goldstein, Sustentabi-
lidade Socioambiental, destaca de forma articulada o tripé Espiritualidade, Humanismo e Ecologia como es-
sencial para um futuro melhor. Desenvolve o seu pensamento de forma clara e situa as sociedades de mercado
como uma provável origem da falta de respeito com o Outro, com a Natureza e com a Fraternidade humana.
Neste contexto, a Ordem tem buscado conscientizar seus membros, além dos Manifestos, com ações efetivas,
com apoio da Carta da Terra e ao Pacto Global através das práticas dos ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sus-
tentável. E se isto não é místico, o que será então? A expressão do nosso Imperator Frater Christian Bernard, em seu
opúsculo Terra humanitas que una sunt, resume que o planeta, a Mãe Terra e o Ser Humano formam uma coisa só.
Tem princípio mais místico do que o conceito de Unidade em todos os níveis formando uma só e mesma realidade?
A Soror June Schaa é uma pesquisadora conhecida de todos os estudantes rosacruzes. Suas reflexões pas-
sam pela psicologia, filosofia e outras áreas humanas com a abordagem mística peculiar de uma SRC.
Seu artigo Espírito, Alma e Energias Vitais levanta a questão sobre a energia cósmica universal que se mani-
festa em diferentes frequências e que se apresenta nos mais elevados níveis de consciência e na natureza.
A energia é qualitativamente a mesma, mas varia quantitativamente de acordo com o seu canal de expressão.
Assim, a energia vital é força quando é motora, é psíquica quando flui pela mente e assim por diante. Jung perce-
beu isto e em suas teorias relaciona os símbolos, a sincronicidade, os arquétipos e a tensão em busca de equilíbrio
na natureza como coadjuvantes da energia vital da mente de Deus expressando-se em Luz, Vida e Amor.
O Frater Buletza atuou por anos nas pesquisas da Universidade Rosacruz Americana. É um renomado PhD
e suas investigações têm um viés transdisciplinar por seu esforço de quebrar paradigmas estabelecidos asso-
ciando a ciência às leis e princípios místicos.
O artigo do Frater Márcio W. Amorim é muito interessante. Ele resgata um período da cultura europeia,
notadamente francesa, em que o chamado “desencantamento do mundo” precisava ser revisado e a arte era,
para o eminente organizador dos “Salões da Rosacruz”, o Frater Joséphin Péladan (1858-1918), o meio eleito
para se conseguir esta façanha. Muito feliz e didática a linha escolhida pelo Frater Márcio para levantar o tema
deste período, destacando um relativo confronto ao materialismo crescente pós-revolução industrial através da
arte mística do chamado movimento Simbolista. Observem a Rosacruz na gola do Frater Péladan, então Gran-
de Mestre da época (sugiro fotografar o colarinho e ampliar através de um celular. É surpreendente!).
Magistral o pensamento do Dr. H. Spencer Lewis sobre os sons AUM, OM e AMÉM. Sempre nos enriquece
com tamanho conhecimento e inspiração.
Aproveitem. Esta é mais uma edição de conteúdo científico, místico e filosófico que deve ser objeto da me-
lhor atenção dos nossos fratres e sorores.
Esperando revê-los em breve na XXV Convenção Nacional Rosacruz, despeço-me com os meus melhores
votos de Paz Profunda!
Sincera e Fraternalmente
AMORC-GLP

Hélio de Moraes e Marques


Grande Mestre

VERÃO 2018 · O ROSACRUZ


3
n SUMÁRIO

06 O Amor Universal
Por CHRISTIAN BERNARD, FRC

10 A filosofia da Ciência
06
Por RALPH M. LEWIS, FRC

15 Os Justos
Por JORGE LUIS BORGES

16 O tormento de São Jerônimo

24
Por PAULO PARANHOS, FRC

24 Sustentabilidade Socioambiental
O Ser Humano em xeque?
Por SUZY GOLDSTEIN, SRC

30 Espírito, Alma e Energias Vitais


A teoria energética de Carl Gustav Jung
Por JUNE SCHAA, SRC

34 Integração e Autotransformação

30
Por GEORGE BULETZA, PhD, FRC

38 O Salon de la Rose+Croix e a Arte Simbolista


Por márcio william frança amorim, frc

46 A Senda Mística e a redenção da humanidade


Por SERGIO ELIFAS WANDERLEY, FRC

48 Sanctum Celestial
“auM, om, amém” por h. spencer lewis, frc

52 Ecos do passado
UMA HOMENAGEM À HISTÓRIA DA AMORC NO MUNDO
38
4 O ROSACRUZ · VERÃO 2018
O
s textos dessa publicação não representam a palavra oficial da
AMORC, salvo quando indicado neste sentido. O conteúdo dos
artigos representa a palavra e o pensa­mento dos próprios autores
Publicação trimestral da e são de sua inteira respon­sabilidade os aspectos legais e jurídicos que
Ordem Rosacruz, AMORC
possam estar interrelacionados com sua publicação.
Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa
Bosque Rosacruz – Curitiba – Paraná Esta publicação foi compilada, redigida, composta e impressa na Ordem
Rosacruz, AMORC – Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa.
Todos os direitos de publicação e repro­dução são reservados à Antiga
e Mística Ordem Rosae Crucis, AMORC – Grande Loja da Jurisdição de
Língua Portu­guesa. Proibida a reprodução parcial ou total por qualquer meio.
As demais juris­dições da Ordem Rosa­cruz também editam uma revista
do mes­mo gênero que a nossa: El Rosacruz, em espanhol; Rosicru­cian
Digest e Rosicrucian Beacon, em inglês; Rose+Croix, em francês; Crux
Rosae, em alemão; De Rooz, em holandês; Ricerca Rosacroce, em italiano;
Barajuji, em japonês e Rosenkorset, em línguas nórdicas.
CIRCULAÇÃO MUNDIAL

Propósito da expediente
Coordenação e Supervisão: Hélio de Moraes e Marques, FRC
Ordem Rosacruz n

A Ordem Rosacruz, AMORC é uma orga- n Editor: Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa
nização interna­cio­nal de caráter templário,
místico, cul­tural e fraternal, de homens e
n Colaboração: Estudantes Rosacruzes e Amigos da AMORC
mulheres dedicados ao estudo e aplicação

como colaborar
prática das leis naturais que regem o uni-
verso e a vida.
Seu objetivo é promover a evolução da
huma­nidade através do desenvolvimento
das potencia­lidades de cada indivíduo e
n Todas as colaborações devem estar acom­panhadas pela declaração do
propiciar ao seu estudante uma vida har- autor cedendo os direitos ou autori­zando a publicação.
moniosa que lhe permita alcançar saúde,
felicidade e paz.
n A GLP se reserva o direito de não publicar artigos que não se encaixem
Neste mister, a Ordem Rosacruz ofe- nas normas estabelecidas ou que não esti­verem em concor­dância com a
rece um sistema eficaz e comprovado de pauta da revista.
instrução e orientação para um profundo
auto­c onheci­mento e compreensão dos n Enviar apenas cópias digitadas, por e-mail, CD ou DVD. Originais não
processos que conduzem à Iluminação. serão devolvidos.
Essa antiga e especial sabedoria foi cui-
dadosamente preservada desde o seu n No caso de fotografias ou ilustrações, o autor do artigo deverá providenciar
desenvolvimento pelas Escolas de Misté- a autorização dos autores, necessária para publicação.
rios Esoté­ricos e possui, além do aspecto
filosófico e metafísico, um caráter prático. n Os temas dos artigos devem estar relacionados com os estudos e práticas
A aplicação destes ensinamentos está ao rosacruzes, misti­cismo, arte, ciências e cultura geral.
alcance de toda pessoa sincera, disposta a
aprender, de mente aberta e motivação
positiva e construtiva. nossa capa
H. Spencer Lewis, ex-Imperator da Antiga
e Mística Ordem Rosae Crucis – AMORC,
além de místico e cientista, foi também um
excelente artista na criação de diversas obras.
A capa que ilustra esta edição de O Rosacruz
Rua Nicarágua 2620 – Bacacheri mostra uma de suas pinturas retratando um
82515-260 Curitiba, PR – Brasil dos templos egípcios, realizada a partir das
Tel (41) 3351-3000 / Fax (41) 3351-3065
www.amorc.org.br observações de suas viagens àquele país.

VERÃO 2018 · O ROSACRUZ


5
n IMPERATOR

© THINKSTOCK.COM

O Amor
Universal
Por CHRISTIAN BERNARD, FRC – Imperator da AMORC*

F
ratres e sorores, eu os saúdo diante consideradas, o amor é a virtude que todos os
do símbolo Rosacruz e sob os auspí- messias e profetas pregaram a seus discípu-
cios do Amor Universal. Ninguém los e, de maneira geral, à humanidade como
pode dizer quantas vezes a palavra um todo. A frase mais famosa a este respeito
amor já foi pensada, escrita ou pronunciada, é certamente a que o Mestre Jesus disse no
mas, independentemente de línguas e épocas, decorrer de um de seus numerosos sermões,
ela provavelmente figura entre as palavras ou seja, amai-vos uns aos outros! Mas ele não
que mais têm sido usadas. Qual a razão foi absolutamente o único que falou assim.
disso? Simplesmente porque ela resume, por Akhenaton, Moisés, Zoroastro, Buda, Con-
si só, a razão de ser da humanidade e a meta fúcio, Gandhi e, genericamente, todos os ins-
para a qual ela está evoluindo. Com efeito, trutores que se dedicaram a guiar seus irmãos
sejam quais forem as tradições e religiões fizeram disso a base de seus ensinamentos.

6 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


Segundo dicionários correntes, o amor polaridades são qualificadas como positiva e
é definido como um impulso ditado pela negativa. Em Química, são conhecidas como
natureza. Embora esta definição seja incom- princípio ativo e passivo ou, em certos casos,
pleta, dá uma boa ideia do significado geral corno agentes penetrantes e absorventes. Na
que devemos atribuir a essa palavra, porque vida vegetal e animal, elas definem os aspectos
é um fato que o homem é, não somente uma macho e fêmea da reprodução. Mas, indepen-
criação do Amor Universal, mas também, e dentemente da terminologia, que em última
isso é talvez o mais importante, um veículo análise é apenas uma questão de convenção,
desse Amor. Mas, o que é o Amor Univer- o fato é que todos os corpos materiais, vivos
sal? Para responder esta pergunta, precisa- ou não, unem-se por ação de uma lei natural a
mos primeiro compreender que, em geral, que é dado o nome científico de atração; ora,
a maneira como os homens concebem o o que é essa atração? Não será precisamente
amor não passa de um reflexo muito pálido a manifestação material do Amor Univer-
do que ele é no Absoluto. No nível humano, sal? Além disso, vocês podem notar que os
o amor é considerado sobretudo como um estudiosos falam cada vez mais em “amor
estado mental ou emocional. Na Realidade eletrônico” para designar a força presente na
Cósmica, ele é bem mais do que isso, porque origem da coesão que observamos em todas
é uma força; podemos mesmo dizer que ele as substâncias materiais estáveis. Naturalmen-
é a Força Suprema por trás de tudo o que foi, te, alguns dentre eles insistem no fato de que
é e será. Tenhamos consciência disso ou não, esse amor inerente à matéria não é conscien-
é na realidade o amor que está na origem de te, estabelecendo com isso que as partículas
toda a criação, visível e invisível, pois ele é a subatômicas se unem entre si sob o efeito de
força motriz da Evolução Universal. um impulso inconsciente e puramente mecâ-
Ninguém pode negar que o mundo mate- nico. Mas, Fratres e Sorores, sem querer fazer
rial é regido pela lei de atração que se exerce polêmica, como e com que direito podem eles
entre suas partículas. Neste sentido, o amor, afirmar uma coisa dessas? Durante séculos o
em sua aplicação física e química, correspon- mundo da matéria foi considerado como um
de à manifestação da lei da dualidade. É isto mundo inerte. Hoje, uma minoria de cientis-
que explica por que as partículas subatômi- tas começa a falar na memória de certos com-
cas procuram sempre sua polaridade oposta postos químicos, e eu penso particularmente
para dar origem ao átomo, considerado pelos na água. Ora, se admitimos que substâncias
rosacruzes como a menor unidade de ma- materiais possuem certo tipo de memória, de-
téria. Num outro nível, os próprios átomos vemos admitir que elas são também dotadas
se reagrupam, por afinidade, para formar de uma espécie de consciência, pois, de um
as moléculas. Considerando um exemplo ponto de vista místico e fisiológico, a memória
muito simples, vocês sabem que os átomos é um atributo da consciência. De fato, como a
de hidrogênio estão sujeitos a uma tendência tradição Rosacruz sempre afirmou, não há um
natural que os impele a se fundir ou, mais vazio entre a matéria supostamente inerte e os
exatamente, a se ligar aos átomos de oxigênio, seres vivos. Tudo, desde o menor grão de areia
para formar a substância “água”. Com efeito, até a estrela mais distante, é penetrado pelo
todas as manifestações da energia Espírito fluxo universal da Consciência Cósmica. É
ocorrem conforme a lei de atração que opera isso que explica por que, quando as condições
continuamente entre as polaridades e as afi- materiais e espirituais são reunidas, a matéria
nidades contrárias. No campo da Física, essas faz nascer a vida.

VERÃO 2018 · O ROSACRUZ


7
n IMPERATOR

Na realidade, a Vida, tal como se manifes- conseguinte, é importante estendermos o


ta na Terra, não é outra coisa senão o resulta- interesse que devemos dedicar ao conjunto
do de uma história de amor que, ao longo do dos problemas relativos ao bem-estar geral da
tempo e do espaço, tem provocado a união coletividade humana. Isto só poderá ser feito
da matéria com a consciência. O próprio ser se cada um de nós aprender a amar os outros
humano é um exemplo dessa união, pois ele independentemente do que eles sejam como
é corpo e alma, vale dizer, substância com indivíduos. Por certo é impossível amarmos
essência. É isto que explica por que ele está todo mundo, pelo menos por duas razões.
constantemente sujeito a duas formas de Em primeiro lugar, não somos perfeitos e não
amor, a que é inerente às partículas que com- devemos nos comportar como se o fôssemos.
põem seu corpo e a que dá força às virtudes Em segundo lugar, nosso comportamento
de sua alma. É essa dualidade de amor que cotidiano é necessariamente guiado por certas
faz a grandeza do ser humano, porque ela lhe afinidades, porque são elas que nos motivam
confere o poder de amar o mundo material a darmos o melhor de nós mesmos, seja no
e sentir a atração da beleza espiritual. Neste contexto familiar ou no âmbito profissional.
particular, não devemos nunca esquecer que No nosso nível de evolução, é então ilusório
nosso ambiente terrestre é o espelho em que pretendermos amar todos os seres e fazer por
se reflete a Harmonia Cósmica. Nenhum eles tudo o que gostaríamos que nos fizessem.
ser humano pode alcançar a iluminação se Mesmo na suposição de que temos a força in-
rejeita seu universo material, pois é este uni- terior para isso, não o poderíamos concretizar
verso que ele deve aprender a dominar e usar em atos, pois é evidente que estamos sujeitos a
para refletir sua compreensão do Divino. contingências materiais que não o permitem.
Isto significa que, antes de procurar vibrar ao Se é verdade que ainda não somos su-
ritmo do Amor Universal, é preciso começar ficientemente perfeitos para amar cada ser
elevando-se ao nível do amor que o homem humano com a mesma intensidade, temos,
pode e deve manifestar para com a nossa no entanto, dois deveres para com o Amor
Terra e todos os seres vivos que a povoam. Universal. O primeiro consiste em amarmos
A vida cotidiana nos mostra que os ho- a nós mesmos, porque quem não se ama não
mens ainda não conseguiram se amar como pode amar a outrem. Como o amor é uma
deveriam. Na maior parte dos casos, sua vibração, é impossível transmiti-la aos outros
maneira de amar é puramente intelectual ou se não a possuímos no âmago do nosso
se limita a expressar afeto por um pequeno próprio ser. Para amarmos a nós mesmos,
número de indivíduos que, mais frequente- precisamos nos aceitar como somos, com to-
mente, não ultrapassam o meio familiar ou o das as características físicas e intelectuais que
círculo formado por alguns amigos. É verda- compõem nossa personalidade. Tais como
de que é primeiro em torno de nós mesmos somos, podemos evoluir para um estado
que precisamos fazer o bem e expressar o melhor e contribuir para a alegria dos outros.
que há de melhor em nós. No entanto, isso Neste nível, pouco importa se somos feios ou
não é suficiente, pois o campo de ação que se bonitos, muito cultos ou não, conhecidos ou
abre para o homem do século XXI é cada vez anônimos, pois a beleza interior, a inteligência
maior. Isto se deve ao fato de que o destino do coração e o sentimento do dever cumprido
do mundo depende cada vez mais da capa- é que sempre fizeram a grandeza dos servido-
cidade de cada nação para integrar na vida res de Deus. Assim, comecem amando a sua
social, política c econômica das outras. Por própria pessoa e conseguirão amar aos outros.

8 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


Isso não significa, naturalmente, que os homens deste planeta se contentassem em
devemos viver para nós mesmos e nos ser neutros com relação aos indivíduos que
preocuparmos somente com a nossa própria consideram seus inimigos não haveria mais
felicidade. Esta atitude faria de cada um de guerras. Amar, portanto, é acima de tudo
nós um ser egoísta, o que é completamente não odiar e não nutrir nenhum pensamento
oposto ao objetivo que devemos perseguir malévolo para com ninguém.
como místicos. Significa, simplesmente, que Para encerrar esta mensagem dedicada ao
precisamos dominar aquilo que às vezes pode Amor Universal, gostaria de lhes transmitir as
nos inibir e nos impedir de dar o que temos conclusões a que cheguei tentando estabelecer
para oferecer. O segundo dever que temos é o os mandamentos do amor tal como o devería-
de cultivar a tolerância, pois, se é um fato que mos manifestar em nossa vida cotidiana, neste
não podemos amar todo mundo, é impera- estágio de nossa evolução. Fratres e Sorores, se
tivo que não detestemos ninguém. Se todos queremos ser servidores do Amor Universal:

n Aprendamos a nos amar tais como somos, mas cuidemos de não fazer de nós mesmos o
centro de nossas preocupações;

n Se um dia tivermos de escolher entre ódio e neutralidade, optemos pela neutralidade, pois é
melhor não amar do que odiar;

n Respeitemos a liberdade dos outros, mas façamos oposição a todos aqueles que a empreguem
para escravizar os corpos e as consciências;

n Como a Vida é uma expressão do Amor Universal, respeitemos todas as formas de Vida,
vegetal ou animal;

n Que a tolerância oriente os nossos pensamentos, nossas palavras e ações, mas que ela nunca
seja pretexto para uma fraqueza que estaria em conflito com nossos ideais;

n Confiemos aos outros somente aquilo que eles sejam capazes de compreender, porque se
nossas confidências não forem controladas, farão de nossos irmãos inimigos;

n Todos os dias, esforcemo-nos para fazer pelos outros o que gostaríamos que eles fizessem por
nós, e aceitemos que eles façam por nós o que não soubemos fazer por eles;

n Sejamos sinceros e fiéis na amizade, e nunca esqueçamos um bem que tenhamos recebido.

Fratres e Sorores, que o Deus do Nosso na certeza absoluta de termos amado na medida
Coração nos ajude a aplicar cada um destes de nossa compreensão da Lei do Amor. 4
mandamentos e, quando chegar o dia de nossa * Mensagem proferida pelo Imperator, frater Christian Bernard,
transição, que possamos nos elevar ao Cósmico na XIV Convenção Nacional Rosacruz, em 19 de outubro de 1990.

VERÃO 2018 · O ROSACRUZ


9
n FILOSOFIA

© COMMONS.WIKIMEDIA.ORG

Por RALPH M. LEWIS, FRC

10 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


T
em sido, de modo geral, admitido, primitiva de filósofo e cientista. Pitá-
que a Ciência surgiu da filosofia. goras foi também um outro exemplo.
Há, todavia, expoentes da Ciência Pode a Ciência fugir a uma análise
que tentam provar que ela teve um filosófica de suas atividades? Que pode ser
começo independente. Não obstante, com o dito do objetivo da Ciência? A Ciência reco-
avanço da Ciência, ela e a filosofia, na ver- nhece a existência dos fenômenos naturais,
dade, enveredaram por caminhos diferentes. aceitando-os como realidade. De modo
Pelo menos, seus procedimentos e métodos geral, ela não se preocupa com as causas
têm sido completamente diversos. A filosofia determinantes, como, por exemplo, por que
tinha, inicialmente, como objetivo, o conhe- determinado fenômeno pode ter sido cria-
cimento, porém, tratava-se de conhecimento do. Ao contrário, investiga, principalmente,
para um propósito específico. Se expressa- a razão de sua existência. Essa investigação
do, ou não, dessa maneira, ela buscava uma consiste da análise do fenômeno, para de-
unificação das experiências, uma síntese, em terminar aquilo que é chamado de leis natu-
um todo explicativo, de todas as particula- rais, pelas quais ele se manifesta. Esse méto-
ridades que o homem percebe. Na filosofia, do de partir de uma particularidade para
o homem buscava uma ordem que lhe fosse a compreensão da operação geral de um
inteligível, uma ordem fenômeno é chamado de


categórica, na qual todos indutivo; foi salientado
os fenômenos do uni- Pode a Ciência por Sir Francis Bacon,
verso se enquadrassem. que sentia a necessidade
A introdução à fugir a uma análise de investigar a Natu-
filosofia foi dialética, reza, ao invés de tentar
isto é, aquela que parecia filosófica de suas encontrar uma resposta
atividades?

lógica ao raciocínio para a sua operação
humano. O processo apenas pela abstração.
era dedutivo, partin- Em ação, portan-
do de uma concepção ou hipótese geral to, a introdução empírica ou objetiva ao
e racionalizando as particularidades que conhecimento, pela Ciência, é a filosofia de
deveriam se adaptar e se apoiar na norma como, em contraste com o método comum
contemplada. Basta que nos reportemos de filosofia, representado pelo abstrato por
aos pensamentos dos filósofos gregos, para quê. A Ciência, todavia, não pode estar
encontrar, pelos padrões contemporâne- completamente isenta do método deduti-
os, muitos enganos em suas conclusões. vo da filosofia. Ela não pode, naquilo que,
Aquilo que, todavia, era sempre auto- eventualmente, é chamado de ciência pura,
evidente para o raciocínio, não estagnava recusar a especulação em um estado pleno
nesse ponto. Havia pensadores que eram de realidade. Ela deve pensar naquilo que
provocados, pelo estímulo de seu pró- deveria existir, naquilo que poderia existir,
prio raciocínio, a tentar a objetivação ou para tornar-se capaz de preencher as lacu-
comprovação das ideias que abrigavam. nas em seu próprio sistema. Deve utilizar a
Talvez Tales tenha sido um dos primeiros imaginação, assim como a razão. Pela ima-
a entregar-se a essas excursões empíri- ginação, deverá receber a sugestão ou noção
cas à realidade, aos fatos. Aristóteles foi da probabilidade que estimula a pesquisa
um excelente exemplo da combinação específica com aquilo que já é conhecido.

VERÃO 2018 · O ROSACRUZ


11
n FILOSOFIA

O que deve

© COMMONS.WIKIMEDIA.ORG
ser pesquisado
Deverá chegar a ocasião em que o cientista
perguntará a si mesmo: “O que devo pesqui-
sar?”. Ele raciocinará dedutivamente, então,
sobre os princípios e potencialidades em
geral. Estes não serão fatos, a despeito de
quão convincentes possam parecer à razão. O
cientista não aceitará o seu raciocínio como
sendo infalível, à semelhança do que fizeram
muitos dos filósofos clássicos, unicamente
porque ele resistiu ao teste da lógica. Deseja-
rá a prova dos seus sentidos, combinada com
a técnica da matemática, seu instrumento
de confiança. O cientista que não recorre a
essas abstrações, a essas meditações, a essas
excursões pela imaginação, para estímulo,
raramente apresenta novos campos para
pesquisa. Alguém poderá duvidar da con-
tribuição de Aristóteles para a Ciência, isto
é, de sua verdade, do ponto de vista eviden-
cial, porém, sua classificação teórica dos
ramos do conhecimento tornou-se marco
para o início da investigação científica.
A filosofia tem sido criticada sob a alega-
ção de que é totalmente individualista. Tem
sido afirmado que não há normas, univer-
salmente aceitas, pelas quais a prova de uma
doutrina filosófica possa ser estabelecida, e convincente que embargará a iniciativa
que, portanto, a filosofia é totalmente subje- de uma pessoa, de maneira a impedi-
tiva. Dois sistemas filosóficos, tendo, ambos, -la de investigar mais profundamente
clareza em sua apresentação e atração para o o desconhecido e de encontrar, por
raciocínio, podem, não obstante, opor-se um este meio, a verdade. Afirma-se que
ao outro. Cabe, então, ao estudante, decidir a pessoa que está convicta da firmeza
qual o que melhor satisfaz à sua maneira de do seu raciocínio pode achar muito
pensar, ou mesmo, as suas emoções. Assim, conveniente evitar o labor tedio-
embora a filosofia recomende a busca da so da experimentação científica.
verdade e do conhecimento, pode, muitas Há muita parcialidade nessas
vezes, confundir o homem pelo estabeleci- acusações contra a filosofia. Muitos
mento de uma série de crenças opostas. sistemas filosóficos cegam a mente.
Uma outra crítica levantada contra a Os seus seguidores manifestam uma
filosofia, é que ela pode difundir uma crença paixão por seus próprios pensamentos

12 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


culações e premissas a respeito do universo,
estavam, inicialmente, isentas de qualquer
meio físico para chegar ao reconhecimen-
to. Não havia disponíveis, instrumentos ou
métodos pelos quais observação satisfatória
pudesse ser feita quanto aos assuntos em
consideração. O homem, por meio da razão,
formulava a resposta para suas próprias
torturantes dúvidas. Essas respostas, essas
crenças, eram satisfatórias. Preenchiam
as lacunas da ignorância pro tem1. Propi-
ciavam uma satisfação intelectual que lhe
dava uma sensação de segurança, que uma
consciência, em ignorância, não possuía.
Isto, todavia, não invalida, completamente,
o valor da simples crença. Uma crença pode
servir de substituto para o conhecimento,
quando, na ocasião, não há possibilidade
de a ele se chegar pelos meios científicos.
Consequentemente, abandonar todas as
crenças que a Ciência ainda não pode provar
ou refutar, abriria, de par em par, as portas
para um influxo de temores e uma sensação
de desamparo, por parte da humanidade. O
filósofo contemporâneo apega-se às cren-
ças que parecem verdades para o raciocínio
até que possa ser obtido um conhecimento
mais concreto. Na verdade, essas crenças
tornam-se o incentivo para a investigação
científica. Quantos eminentes cientistas
e uma espécie de lealdade ilusória que devem ter acreditado em algo, muito embora
os impede de empreender uma análise jamais isso propalassem, antes que pudes-
objetiva de um assunto. O filósofo sem estabelecer a prova de sua concepção?
moderno, todavia, em uma era de
ciência, tem sido por ela modificado.
Não aceitará, arbitrariamente, uma Teoria e Hipótese
crença, se de algum modo acessível A teoria e a hipótese são partes reais da
ou possível, existir a oportunidade de, Ciência, o primeiro passo para o cientista
primeiramente, confirmar ou rejeitar verdadeiro. A filosofia, no sentido subjeti-
o conceito pelo recurso dos métodos vo, embora satisfazendo, principalmente,
empíricos. O filósofo que é fiel às ao raciocínio, representa a base de deter-
tradições da filosofia deseja o conheci- minadas hipóteses; é um princípio atuante,
mento e não o erro. A filosofia prece- um plano elaborado, que pode ser seguido
deu a Ciência. Suas conjeturas, espe- objetivamente. Um cientista, portanto, sem

VERÃO 2018 · O ROSACRUZ


13
n FILOSOFIA

a atitude filosófica, sem tentar encontrar 1. A verdade é relativa, para a compreen-


os elos de ligação entre os fatos, pela espe- são humana, e não absoluta. É suscetível
culação de sua probabilidade, volta a ser, de mudanças que ocorrem, com dife-
apenas, um técnico. De igual modo, um renças no entendimento humano e no
filósofo que escarnece da observação e da desenvolvimento do intelecto humano.
experimentação é apenas um especulador.
Embora nas décadas passadas a Ciência 2. Parece existir uma relação básica entre
tenha, muitas vezes, escarnecido da me- os fenômenos de determinadas classifi-
tafísica, estão sendo escritos, atualmente, cações do conhecimento. É conveniente
artigos acadêmicos sobre o valor da meta- especular quanto à extensão em que
física para a Ciência. A metafísica procura essas relações realmente existem, e, em
encontrar as causas primárias. Presume seguida, explorar sua probabilidade.
que a mente humana pode, por exemplo,
adquirir conhecimento sobre o Ser real, a 3. A Ciência, para ser mais eficiente,
alma, a natureza do próprio conhecimento deverá incluir em seu sistema uma
etc. De uma suposição quanto à natureza categoria que coordene suas descobertas
dessas causas primárias, a metafísica tem com determinado idealismo humano.
proposto a concatenação contínua de cau- Em outras palavras, ela não deve
sas e efeitos para explicar todas as relações ser apenas puro conhecimento - um
cósmicas e naturais. Evidentemente, o tempo barril de fatos -, mas conhecimento
tem provado que essas teorias, não apoiadas devotado a algum propósito geral
pelos fatos, eram, muitas vezes, errôneas. que interesse à humanidade.
A metafísica, em geral, tem quase sempre
incluído o determinismo, isto é, a noção de Este aspecto foi, em determinada épo-
que, na base de tudo, há um propósito, uma ca, rejeitado pela Ciência e ainda o é em
causa teleológica ou mental. Pelo menos, a muitos círculos, como estando, exclusiva-
metafísica tem exposto que há um desenvol- mente, confinado ao campo da filosofia,
vimento espontâneo, uma continuidade pro- da religião e do misticismo. Pode, toda-
gressista no universo. Atualmente, verifica-se via, ser provado que, sem uma análise de
uma aproximação da metafísica para com como o conhecimento que ela descobre
a Ciência, pelo menos em alguns dos seus pode melhor servir ao homem, a Ciência
aspectos. Isso está, gradualmente, contribuin- poderá destruir a si mesma ou, pelo me-
do para a formação da filosofia da Ciência. nos, retardar o seu próprio progresso.
A ciência verdadeira não é, agora, apenas Semelhante objetivo para as ativida-
um aglomerado de fatos, como muitas nozes des da Ciência não precisa ser relegado
colocadas em uma cesta. É, também, a espe- à abstração. Poderá surgir da investi-
culação sobre as origens a serem confirmadas gação científica de fatores tais como a
pela pesquisa e, muitas vezes, a exposição, mente humana, as emoções, as exigên-
para si mesma, de um propósito outro cias da sociedade e a relação do homem
que não o acúmulo de particularidades. para com o mundo e seus recursos. 4
Seja-nos permitido afirmar que essa
filosofia da Ciência que, lentamente, está Nota: 1. Abreviação de Pro tempore – é uma expressão de
sendo formada, obedece, de certo modo, à origem latina que se pode traduzir por temporariamente ou
por enquanto. É utilizada na linguagem comum para indicar
seguinte ordem: uma situação transitória.

14 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


n POESIA

Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.


O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que leem os tercetos finais de certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo. 4

Por JORGE LUIS BORGES em “A Cifra”


OM
K.C
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VERÃO 2018 · O ROSACRUZ


15
n PERSONALIDADE

Por PAULO PARANHOS, FRC*

16 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


N
o estudo da personalidade dos da realidade que o ser humano pode conceber;
seres humanos, não raro surgem assim, ele experimenta, em toda quietude, a
aqueles que parecem, mais do atividade mais verdadeira e mais profunda.
que outros, possuir um tem- E o cristianismo, ao formular sua filosofia,
peramento ávido de conhecer a realidade cuidou de adotar e exprimir esse paradoxo4.
e satisfazer a sua necessidade de chegar ao Pois bem, neste artigo trazemos o exem-
âmago de todas as coisas. Estudiosos do tema plo de São Jerônimo que foi, antes de tudo,
anotam que essas pessoas parecem estar um místico, pois, ao se analisar sua vida e seu
atormentadas pelo incognoscível, queren- legado, constatamos que foi um explorador
do encontrar aquilo que se esconde atrás inato da eternidade, possuidor de uma com-
dos grandes mistérios da vida. Isto é o que pleta harmonia de ordem transcendental, não
muitos convencionam chamar de misticismo. fosse ele um homem dotado, também, de um
O misticismo, no dizer de um desses acendrado sentimento religioso cristão. Je-
estudiosos e de quem nos socorremos para rônimo nasceu em Estridon, na fronteira da
a melhor descrição de nosso personagem Dalmácia (atual Croácia) com a Panonia (ter-
– a inglesa Evelyn Hunderhill –, é a ciência ritório onde hoje se encontra parte da Hun-
ou a arte da vida espiritual, a expressão da gria,  uma porção oriental da Áustria, o norte
inclinação inata da consciência humana para da Croácia, o noroeste da Sérvia, uma porção
uma completa harmonia de ordem trans- ocidental da Eslováquia e o norte da Bós-
cendental, o que suprime todas as formas nia e Herzegovina) por volta de 347, sendo
de ocultismo, de transcendentalismo difuso, batizado com cerca de vinte anos de idade.
de simbolismo insípido, de sentimentalismo Sua primeira passagem por Roma,
religioso ou estético e de metafísica medíocre1. além dos estudos que encetou, também lhe
Contudo, esse sentimentalismo religioso ou proporcionou momentos de inclinação ao
o aproximar-se de Deus e a paixão pelo Abso- ambiente mundano, escravo de um modis-
luto, não são suficientes para fazer um místico, mo da época, situação que adiante muito
como sustenta a mesma Evelyn Hunderhill: o constrangeria. Admitindo a si mesmo
Essas duas coisas precisam ser combinadas com que essa circunstância o colocara fora
uma preparação psicológica apropriada e uma dos seus propósitos, resolveu empreender
natureza dotada de extraordinária capaci- uma longa jornada em companhia do seu
dade de concentração e de elevada moral2. amigo Bonoso (a quem considerava como
Quando Santo Agostinho, em uma de irmão), indo à Gália (grande parte do atual
suas Confissões, indaga Quid es ergo, Deus território da França) e depois a Tréveros
meus? (Quem és, Deus meu?), ele simples- (na atual Alemanha), onde aflorou sua
mente responde a si mesmo: Altíssimo, exce- vocação religiosa despertada pelo conví-
lente, potentíssimo, onipotentíssimo, misericor- vio com anacoretas e cenobitas, aos quais
diosíssimo e justíssimo, secretíssimo... estável procuraria imitar no decorrer de sua vida.
e incompreensível, imutável, tudo transforma; Prosseguindo viagem em direção ao
nunca novo, nunca velho... cria e nutre e Oriente Médio, reduto do monaquismo5, ali
aperfeiçoa: quer, sem nada desejar....3. Esta é viveria uma experiência essencial de isola-
a verdade dos místicos, que sempre acredita- mento, metanoia e flagelação no deserto.
ram que na frase “cala-te e aprende”, corro- Primeiramente passou por Aquileia (no no-
borada na lição de Evelyn Hunderhill, reside roeste da Itália) e Antioquia (no território da
a condição da apreensão mais pura e discreta Turquia) onde conheceu e se deixou impres-

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17
n PERSONALIDADE

sionar por um eremita de nome Malco, em com a alma inundada de amargura, a carne
quem, segundo ele mesmo, se veria no futuro. quebrantada e sem força, coberto com um
Estabeleceu-se, por fim, no deserto de grosseiro saco, o rosto bronzeado como o de
Cálcis, na Síria, no ano de 373, onde viveu um etíope, chorava e gemia o dia inteiro... E eu
como um asceta, lutando contra tentações, as que, por medo do inferno, me havia conde-
quais afugentava com penitências e mortifi- nado a esta prisão, habitada por serpentes e
cações. Jejuava, padecia e se autoflagelava, tra- tigres, sentia-me transportado na imaginação
vando uma grande luta interior entre a carne ao meio das danças das donzelas romanas7.
e o espírito, entre a sublimação e a sensuali- Paralelamente, debatia-se entre o amor
dade dos tempos de adolescente em Roma, aos clássicos (Cícero, Homero, Platão, Virgí-
cuja sombra teimava em lhe acompanhar. lio, Horácio e Tácito, entre outros) e à leitura
Segundo o professor J. do Amaral Gurgel, profana e o respeito aos livros sagrados, cujo
durante os três anos de deserto, Jerônimo estilo, no entanto, considerava pobre e mono-
entregou-se com o entusiasmo que imprimia cromático. É quando, extenuado pela prática
a tudo que fazia, à penitência e ao estudo. continuada de sacrifícios e doente, tem o
No entanto, mesmo na solidão, a sua ima- sonho que revela mais tarde em carta à Santa
ginação ardente o torturava, trazendo-lhe Eustóquia (na obra Ad Eustoquium), sonho
à memória coisas do passado6. Em uma de este que o iria orientar definitivamente em
suas Epístolas, Jerônimo comentou que, seus esforços para o conhecimento, interpre-
por essa época, assentado sozinho, na cela, tação e tradução da Bíblia e textos correlatos.

O sonho
E aqui exsurge o místico, pois este tem
consciência de que a sua grande tarefa é
alcançar o Ser, a Vida Eterna, a união com
o Único, o retorno ao coração do Pai, uma
iluminação graças à qual contempla um
mundo mais real, aliada a uma união com
o Ser, um inefável e puro amor que se cha-
ma conhecimento de Deus, conforme nos
ensinou a professora Evelyn Hunderhill8.
E acontece a contemplação para Jerônimo
através do sonho, onde se encontra diante
de um tribunal presidido pelo Deus de Israel
como magistrado inflexível que lhe indaga:
“A Visão
de São – Quem, és?
Jerônimo”, – Um cristão – respondeu.
por Orazio
Borgianni – Mentes, és de Cícero e não de Cristo.

E foi açoitado impiedosamente até


atender às vozes que, junto ao pedido de
perdão do réu, imploravam clemência,

18 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


dada sua juventude e propósito de corrigir-

© COMMONS.WIKIMEDIA.ORG
-se. Naquele cenário onírico, prometeu
nunca mais se debruçar sobre uma página
profana, ainda que seu encantamento pela
cultura clássica tenha influído sumamente
em sua obra, o que o levou a justificar-se
em outra epístola: Se a sabedoria profana
me encanta, é que duma escrava e duma
cativa quero fazer uma filha de Israel. A
partir daí, revela: Desde aquela hora me
entreguei com tanta atenção e diligência
a ler as coisas divinas, como jamais havia
lido nas humanas. Era o conflito que ardia
entre o profano e o sagrado; entre a ne-
cessidade de optar entre Cícero9 e Cristo,
como se um excluísse o outro. Essa dico-
tomia íntima de Jerônimo não era ser ou
não ser, mas ser e não ser, Cícero e Cristo, Vulgata
Clementina,
o não e o sim, na feliz expressão do poeta edição de
português Teixeira de Pascoaes10. Ainda 1714

que se curvasse a essa, digamos, revelação


divina, o amor aos autores clássicos não
deixou de acompanhá-lo pelo resto da vida.
E tudo isto pôde ser constatado por es-
critos de seu antigo amigo (e agora inimigo)
Rufino, quando este denuncia suas falhas,
acusando-o de guardar consigo um códice
de Cícero, fato considerado falta grave em
um meio estigmatizado pelo radicalismo Na primavera de 378 regressou a An-
religioso e pelas discussões teológicas, tioquia onde seria ordenado padre. Não
marcadamente aquelas que perlustravam desejava a ordenação, é bem verdade, mas a
as diversas heresias na Igreja de Roma. recebeu sob a condição de não abdicar de sua
Essa sua temporada no deserto, no liberdade de monge e escritor, ter a liberdade
entanto, rendeu-lhe outros importantes da solidão, como a denominou o poeta Tei-
conhecimentos, pois aprendeu o hebraico xeira de Pascoaes. Distante dos amigos e des-
com um rabino chamado Baranina, o que, gostoso com o ambiente e o comportamento
aliado ao entendimento que possuía do gre- reprovável do clero, mergulhado em disputas
go, lhe permitiu mais tarde traduzir a Bíblia religiosas, Jerônimo vagou por diversos luga-
diretamente dos originais hebraico e grego res, inclusive Jerusalém, até chegar a Cons-
– da Hebraica Veritas e da Septuaginta11 (a tantinopla onde realizou estudos com outro
Bíblia Grega) – para o latim, o que gerou doutor da Igreja: São Gregório Nazianzeno.
a famosa Vulgata, assim chamada por ser Dali retornou a Roma, atendendo ao chama-
a versão mais acessível ao povo (de uso co- do do Papa Dâmaso (366-384), responsável
mum) e que seria sua obra mais conhecida. pela convocação de um concílio ecumênico

VERÃO 2018 · O ROSACRUZ


19
n PERSONALIDADE

– esforço extremo de pacificar e unir a Igreja


do Cristo. Ali, na condição de secretário do
Santo Padre, Jerônimo foi instado por ele à
elaboração da Vulgata, empreendimento que
consumiu uns vinte anos de sua existência.
Abre-se, aqui, um parêntese para escla-
recimentos sobre esse significativo trabalho
de Jerônimo: a denominação de Vulgata
consolidou-se na primeira metade do século
XVI, sobretudo a partir da edição da Bíblia
de 1532, tendo sido definitivamente con-
sagrada pelo Concílio de Trento, em 1546,
o que estabeleceu um texto único para
a Vulgata a partir de vários manuscritos
existentes, oficializando-a como a Bíblia “São
Jerônimo
oficial da Igreja, a “Vulgata Clementina”. O no Deserto”,
Concílio Vaticano II, por determinação de pintura de
Tintoretto
Paulo VI, realizou uma revisão da Vulgata,
sobretudo para uso litúrgico. Essa revisão,
terminada em 1975, e promulgada pelo
Papa João Paulo II, em 25 de abril de 1979, é
denominada Nova Vulgata e ficou estabele-
cida como a Bíblia oficial da Igreja Católica.

A vida monacal para tornar-se um monge foi-lhe desperta-


Apesar do programa de vida monástica da ainda jovem, durante seus estudos em
ser direcionado a uma comunidade, para Roma, e intensificou-se quando de sua via-
Jerônimo o monacato mais perfeito era o gem pelo Oriente Médio, onde entrou em
anacoretismo, ou seja, a vida solitária, como contato com monges egípcios (relembre-se
ele próprio afirmou: Ter disputado muito que que os primeiros mosteiros surgiram no
gênero de vida seja o melhor; o solitário ou Egito, no século III). No entanto, a pri-
a vida em comunidade. A primeira é certa- meira tentativa de Jerônimo de tornar-se
mente preferível à segunda. E, reforçando seu monge ocorreu quando ingressou na co-
pensamento: Oh! deserto em que brotam as munidade de Aquileia, uma das primeiras
flores de Cristo! Oh! Solidão em que aquelas comunidades monásticas da Itália. Ali não
pedras de que, no Apocalipse, se constroem a havia um ascetismo rigoroso, nem o isola-
cidade do grande Rei! Oh! ermo que goza da mento dos membros, já que estes podiam
familiaridade de Deus. Ou seja, a solidão, a circular livremente, pois não havia a clau-
vida longe do mundo é o caminho mais per- sura. Na verdade, Aquileia era muito mais
feito para se atingir a Deus e, por isso, cons- um círculo de intelectuais cristãos que pre-
titui o cerne do ideal monástico de Jerônimo. tendiam dedicar-se ao estudo e à contem-
E como Jerônimo colocou em prática plação de Deus, do que uma comunidade
o seu ideal de vida monacal? A vocação monástica segundo o modelo oriental.

20 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


Apesar de logo ter abandonado Aquileia, respondi ser cristão... Graças a esse juramen-
a lembrança dos dias vividos naquela comu- to fiquei livre. Volto à terra, abro os olhos…
nidade se fez presente na obra de Jerônimo, aquilo não foi um letargo nem um desses
como em Crônica, onde chama os monges sonhos que amiúde nos enganam... Dali por
aquileanos (Rufino, Bonoso, Eusébio e diante, apaixonei-me pelos livros divinos
Cromácio) de ‘’coro de bem-aventurados”. como nunca o fizera pelos profanos12.
Somente após esta experiência é que Jerô-
nimo se retira para o deserto, para estar de Muitos consideram esse sonho de Je-
acordo com o que considerou seu modelo rônimo uma epifania; outros que se trata
de vida perfeita. Tal decisão parece ter sido apenas de um recurso literário. O frei José
profundamente influenciada pelo sonho de Sigüenza, da Ordem dos Jerônimos de
que teve em Antioquia, e, como ele mesmo Espanha, de acordo com o que consta da
relata, uma dicotomia ardia plena em sua obra do padre Francisco Moreno, afirma que
consciência, tomando-se aqui o ensinamen- o acontecimento foi um êxtase místico, um
to de Santa Teresa de que é no santuário rapto feito por Deus com o propósito de corri-
mais interno do ser, morada suprema da gir a extrema paixão de Jerônimo pelos textos
alma, que reside a verdade. Disse Jerônimo: ciceronianos e de impeli-lo ao estudo dos livros
sagrados13. Diríamos mais, aproveitando a
Não podia separar-me da biblioteca que lição de Evelyn Hunderhill, que o místico
havia formado em Roma a custo de muitís- não pode abrir mão nem de símbolos nem de
simo esforço. Até deixava de comer – pobre imagens, os quais, ainda que diferentes de sua
de mim – para dedicar-me à leitura de visão, devem sempre existir, pois ele precisa ex-
Túlio. Nem minhas longas vigílias noturnas pressar sua experiência para poder comunicá-
nem minhas sinceras lágrimas pelos meus -la14. Ou, como diria Dionísio, o Areopagita,
pecados impediam-me de, ato contínuo, em sua De Mystica Theologia (I, 3), as coisas
tomar Plauto nas mãos. Se voltava à razão e mais elevadas e divinas que nos é dado ver
decidia ler um dos profetas, eu me enfastia- e saber nada mais são do que a linguagem
va com seu estilo mal lapidado e, por causa simbólica das coisas que a Ele são subordi-
da minha cegueira, não conseguia descobrir nadas e às quais Ele transcende: essas coisas
sua luminosidade … estando assim, sinto de nos revelam Sua incompreensível Presença.
repente que alguém me arrebatava em espí- A decisão de Jerônimo de partir para
rito e me levava diante do tribunal do juiz... Cálcis satisfez a dois de seus desejos: o
Interrogado sobre minha condição e estado primeiro, de viver como um anacoreta; o

“ Jerônimo era pessoa de temperamento


facilmente irritável, mas não desconhecem
que a ele não faltavam justiça e
caridade para com os amigos e até
mesmo para com os inimigos.

VERÃO 2018 · O ROSACRUZ
21
n PERSONALIDADE

segundo, de tentar abandonar a formação Aqui, o exemplo de Santa Catarina nos


clássica, principalmente após o memorável vem de Evelyn Hunderhill, anotando que
sonho. No entanto, as Cartas escritas por a santa, num determinado momento de
Jerônimo durante sua estada em Cálcis estão vida, arrancou o véu que cobria seu coração,
repletas de lamentações devidas à solidão deixando atrás de si uma ânsia: pela primei-
pela qual estava passando. Do mesmo modo ra vez ela viu e conheceu o amor em que a
é possível perceber nele que a estada em vida está imersa e foi com toda a energia e
Cálcis, que durou cerca de três anos, é uma paixão de sua natureza forte que ela respon-
penitência pelo pecado de ser mais cicero- deu ao seu chamado15 (ao Amor de Deus).
niano do que cristão, ou seja, de ter deixado Assim, os últimos trinta e cinco anos de
que seu sentimento, impregnado das razões Jerônimo foram passados em uma gran-
inscritas nas obras do imperador-filósofo, de caverna, próxima à Gruta do Presépio.
tivesse maior importância que sua fé cristã, Ali continuou, até a morte, seus estudos e
como confessou a Bonoso: Como já anterior- trabalhos bíblicos e com muita energia ainda
mente te escrevi, eu recebi a investidura de escrevia contra os hereges que se atreviam a
Cristo em Roma e agora estou encerrado na negar as verdades da Igreja Católica, assim
fronteira bárbara da Síria. E não pensas que como insistiam Helvídio e Joviano, que
foi outro que ditou contra mim esta sentença. negavam a virgindade perpétua de Maria.
Não, fui eu mesmo quem determinou o que eu
merecia. Da mesma forma que os prisionei-
ros no famoso “Mito da Caverna”, de Platão, Os últimos dias
Jerônimo acordou para o conhecimento da Muitas senhoras da alta sociedade romana,
realidade, contemplando a sua iluminação. que haviam se convertido através de seus
Assim, quando surgiu a primeira oportu- ensinamentos e conselhos, sob sua orientação
nidade ele partiu de seu isolamento e passou espiritual, o acompanharam e foram morar
a nutrir uma profunda fé no cristianismo, junto à Gruta do Presépio. Essas senhoras
que ele observava estar ameaçado pelo haviam vendido tudo que possuíam em
contato cada vez maior com a sociedade Roma e com o dinheiro obtido ajudaram
romana, uma sociedade eivada de vícios, Jerônimo na construção de um convento
corrompida e herética. Por isso, o monaca- para homens e três para mulheres (um deles
to, com sua negação e seu afastamento da dirigido por Santa Paula), além de erigir uma
sociedade pareceu-lhe a proposta salvadora e casa para atender peregrinos que chegavam
regeneradora da Igreja e do mundo romano. de todas as partes do mundo para visitar o
No entanto, essa tentativa de Jerônimo de lugar onde Jesus, o Cristo, havia nascido.
viver plenamente o ideal monástico termina Jerônimo morreu perto de Belém em
por ser um fracasso: após a morte do Papa 30 de setembro de 420, data que aparece na
Dâmaso, abandonou Roma e instalou-se Crônica do escritor Próspero da Aquitânia.
em Belém, realmente como um anacoreta, Diz-se que seus restos mortais, originalmente
conforme sempre foi sua intenção de vida. enterrados em Belém, ali permaneceram até
Jerônimo passou a experimentar uma vida o ano de 1263, data da invasão dos sarrace-
totalmente nova, como aconteceria com nos. Dali foram trasladados, provavelmente
Santa Catarina e com São Francisco de Assis, entre 1263 e 1280, para Roma, conforme
pois seu centro de interesse fora deslocado anotado pelo padre Francisco Moreno em
e seu campo de consciência modificado. sua obra. Duas bulas de Pio II, expedidas

22 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


“São
Jerônimo”,
por David
Teniers

em 1459 e 1464, além de algumas cartas de * Paulo Paranhos é historiador, membro do Instituto
Histórico e Geográfico de MG e Conselheiro da URCI.
Sisto IV e a Encíclica Spiritus Paraclitus, de
Benedito XV, dizem literalmente: Os restos Notas: 1. Misticismo: estudo sobre a natureza e o desenvol-
vimento da consciência espiritual no ser humano. Curitiba:
do Doutor Máximo, depostos na gruta que Ordem Rosacruz, AMORC, 2002, p. 12; 2. Idem; 3. Confis-
por tanto tempo ele habitara e que a nobre sões, Livro I, capítulo IV, p. 18; 4. Obra citada, p. 89; 5. O
embrião do monaquismo cristão é identificado por alguns
cidade de Davi se rejubilava de possuir em nas antigas comunidades dos essênios, onde era praticada
outra época, tem hoje Roma a felicidade a virgindade e uma certa forma de vida em comum; 6. São
Jerônimo. São Paulo: Saraiva, 1950, p. 38; 7. Epístola XXII, no
de possuí-los na basílica de Santa Maria, 7; 8. Obra citada, p. 93; 9. Marco Túlio Cícero foi imperador
a Maior, junto ao Presépio do Senhor16. romano (63 a 43 a.C.), filósofo, divulgador do pensamento
grego. Algumas de suas obras nos remetem ao conhecimento
Seus biógrafos são unânimes em afirmar da filosofia grega, enquanto outras influenciaram profunda-
mente a Ética; 10. São Jerônimo e a trovoada. Porto: Lello
que Jerônimo era pessoa de temperamento & Irmãos, 1936, p. 18; 11. A tradução da Bíblia para o grego
facilmente irritável, mas não desconhecem ocorreu por volta do ano 270 a.C. e ficou conhecida como
Septuaginta, ou “tradução dos setenta”, pois foram 70 sábios
que a ele não faltavam justiça e caridade para convocados pelo rei Ptolomeu Filadelfo (281 a 246 a.C.)
com os amigos e até mesmo para com os que fizeram essa tradução para o conhecimento dos judeus
egípcios de Alexandria dos escritos sagrados. Foi assim que
inimigos. Foi um dos mais eruditos Padre e o mundo grego passou a conhecer o judaísmo; 12. Citado
Doutor da Igreja, deixando uma herança for- por Francisco Moreno, in São Jerônimo, a espiritualidade do
deserto. São Paulo: Loyola, 1992, p. 29; 13. Idem; 14. Obra
midável no campo dos estudos religiosos. 4 citada, p. 154; 15. Obra citada, p. 319; 16. Obra citada, p. 176.

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23
n ECOLOGIA

© THINKSTOCK.COM

Por SUZY GOLDSTEIN, SRC*

24 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


Q
uando bem recentemente come- ram, no que tange às relações socioeconômi-
çamos a nos preocupar com os cas e ambientais, por exemplo, foi cada vez
desequilíbrios sociais e ambien- mais se instaurando a procura por lucro in-
tais que as nossas formas de finito e disseminado e a busca por tirar pro-
viver passaram a imprimir aos nossos corpos, veito em tudo, o que dificultou uma abor-
às nossas mentes, às nossas relações sociais e dagem mais voltada para o respeito e para
à Natureza, surgiu o termo sustentabilidade o fomento à qualidade das nossas inter-re-
socioambiental, como desencadeador de lações sociais e para com o meio ambiente.
grandes ideias e preceitos. Ele propõe, em sua Tais escolhas ajudaram a desencadear, mais
essência, que as relações sejam mais equi- à frente e em ampla medida, a devastação de
libradas e preservacionistas entre os seres florestas, a poluição das águas, a extinção de
humanos e com respeito ao meio ambiente espécies, o aquecimento global e por aí afora.
natural. Naquele momento, o termo sustenta- Esses são alguns dos preocupantes impac-
bilidade se referia, especificamente e apenas, tos que por nós têm sido provocados e que
a formas equilibradas de viver em contato nos fazem imaginar como seria, se as opções
com o nosso meio ambiente natural e social. dos nossos antepassados, dos nossos forma-
Alguns cientistas e algumas pessoas mais dores de caráter, de opinião e de destino ti-
engajadas com o tema começaram, então, a vessem sido voltadas para um maior respeito
perguntar e a prestar uma atenção mais cri- pelo ser humano, para uma relação de maior
teriosa para onde as nossas ações, as nossas confiança e parceria entre si e para com a
atitudes, estavam conduzindo a nossa histó- Natureza. Caso houvéssemos assumido uma
ria coletiva, num vislumbre do que poderia visão, e uma atitude, mais humanitária e
acontecer à Humanidade e ao meio ambiente menos egoísta, além de um pensamento mais
natural em um futuro relativamente próximo. filosoficamente voltado para o Outro, para a
Como era antes e por que esse problema e Natureza e para o Universo, teríamos escrito
essa preocupação efetivamente se instauraram? a História de uma outra forma, com certeza.
Olhando para o nosso passado não muito Nessa perspectiva, é intrigante cons-
longínquo, vemos que o Planeta Terra se tatar que, nos primórdios, as nossas rela-
configurava como um enorme espaço para ções sociais foram estabelecidas de uma
as pessoas que nele viveram e que as nossas forma bastante diversa. As comunidades
florestas, por exemplo, eram tidas, inclusive, se organizavam de tal forma que tudo o
como empecilhos, porque precisávamos de que precisavam era encontrado em seu
lugares desimpedidos para os nossos assen- entorno, era produzido por seus pares.
tamentos e atividades. Os bichos não domés- As pessoas viviam muito próximas e, na
ticos, por sua vez, em nossa falta de sintonia maioria das vezes, mantinham relaciona-
com eles, sempre se mostraram ameaçado- mentos de auxílio, de parceria, de partilha.
res. Das aranhas aos leões, das formigas aos Afinal, precisavam se proteger e a união
javalis, parte significativa dos seres humanos faz a força. As aldeias eram pequenas, as
sempre se incomodou com a sua possível distâncias infindáveis e precisamos nos
proximidade. Sentimento de incômodo, es- lembrar de que não contávamos com auto-
torvo ou ameaça era a tônica das relações dos móveis ou estradas. Até aqui, esta narrativa
humanos para com a Natureza. E ainda o é! nos faz constatar uma tendência humana
Além disso, devido ao rumo que as ideo- em olhar apenas para o próprio interesse,
logias por nós fortemente abraçadas toma- você concorda? Mas vamos em frente.

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25
n ECOLOGIA

Nós nos multiplicamos em escala expo- está, inclusive, trancafiada em apartamentos


nencial, aprendemos a dominar os elementos ou em ambientes insalubres, compulsiva-
da Natureza, desenvolvemos e aprimoramos mente voltados para o uso de tecnologias
os nossos raciocínios, as nossas tecnologias, viciantes e nada formativas ou enaltecedoras.
as nossas pesquisas científicas. Quase todo Ainda se olharmos para trás, veremos
esse movimento se deu, infelizmente, em também que incansavelmente as gerações
uma perspectiva egoísta, sem atenção aos repetiram o mesmo padrão de interesse
demais seres – de todos os âmbitos e espécies pela novidade, pelo diferente, pelo sta-
– que conosco compartilham o meio am- tus, pela avidez, pelo poder. Os nossos
biente terrestre em seu mais largo espectro. registros históricos sempre apontaram
Ávida por lucro e por poder, parte da para essa direção. Resultado: consumis-
Humanidade devastou, e devasta, usufruiu mo desenfreado, mentes manipuladas,
e usufrui de todas as suas riquezas, e não conflitos de todas as ordens instaurados,
se preocupou – e nem se preocupa em sua degradações dos mais diversos tipos.
maior parte – com o seu lixo, com a fi- Mas tem aspectos interessantes nesse
nitude dos recursos do Planeta ou com a processo global de escolhas no tempo e no
qualidade de vida das gerações presentes e espaço, se observarmos esse fenômeno com
futuras de todos os seres que compõem o parcimônia. Tornamo-nos mais informa-
ambiente terreno, já que as consequências dos, mais autossuficientes, alcançamos um
dessas atitudes desencadearão um cenário alto nível tecnológico, de conforto e auto-
nada promissor em um futuro considera- confiança frente às adversidades, embora
do bastante próximo pelos cientistas, caso boa parte dos nossos irmãos humanos viva
não nos conscientizemos e recuemos. em situação de pobreza comprometedora.
Inseridos que estamos num sistema A pergunta que não se cala, então, é se não
competitivo e egoísta, nós nos afastamos dos teríamos alcançado um nível de desenvol-
nossos vizinhos, dos nossos semelhantes vimento igual ou superior, e inclusive mais
e até das nossas famílias. A maior parte de apropriado, se tivéssemos escolhido formas
nós não se relaciona mais com a Natureza, menos agressivas de convivência com os
tendo perdido toda a capacidade de apre- nossos irmãos de todas as espécies, for-
ciação, de aproximação, de encantamento, mas essas menos impactantes para os seres
enfim, com as belezas e as experiências que humanos e para o meio ambiente natural.
os ambientes naturais nos proporcionam. Com a população mundial crescendo
Boa parte dos humanos de hoje, por conta exponencialmente dentro de um modelo
das nossas escolhas coletivas ou individuais, socioeconômico global comprometedor,

26 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


FOTOS: © THINKSTOCK.COM

alguns de nós começaram a se preocupar Agenda 21, em alusão ao século XXI, que
com o nosso futuro. Por um lado, a perspec- propõe ações em diversos âmbitos. Naquele
tiva de falta de espaço na Terra para tanta documento, podemos encontrar indicações
gente, de falta de alimentos que supram para amenizar, regular e até mesmo reverter
as necessidades de cada um dos humanos, impactos em âmbitos os mais diversos da
de falta de água doce, o excesso de lixo, as vida no Planeta. Construir as nossas casas
moléstias; por outro lado, o declínio nas com menor impacto ambiental, cuidar do
relações entre as pessoas, em que elas pou- nosso lixo e das águas, lidar com as nossas
co se conhecem e não são, em sua maioria, relações socioeconômicas, e mesmo cons-
cooperativas, bem como as condições de truir novas relações econômicas mais justas,
degradação para que está se encaminhando são todos itens ali abordados. Essa foi a
boa parte do nosso meio ambiente natu- semente plantada para a criação de ecovilas,
ral. Esse quadro acendeu o alerta vermelho e elas são muitas pelo mundo afora, em busca
para pessoas atentas e para pesquisadores. de uma maior sustentabilidade no Planeta,
As catástrofes ambientais, os cataclis- para os humanos na relação com o seu meio
mos, as viroses prestes a sair de controle, a ambiente natural, social e mesmo econômico.
pobreza, o desaparecimento de espécies, as Mais recentemente, em setembro de 2015,
mudanças climáticas que ameaçam mudar aconteceu a Cúpula das Nações Unidas para
o rumo da vida no Planeta, a degradação o Desenvolvimento Sustentável, em New
do ser humano pelas suas escolhas. Tudo York, Estados Unidos. Nela, foi produzido
isso clama por atenção e por soluções. um documento intitulado Agenda de Desen-
Foi com esse cenário que o termo “busca volvimento Sustentável pós-2015/2030, que
por sustentabilidade” surgiu. Eventos ficou conhecida como Agenda 2030. Quais
internacionais alertando sobre o problema seus objetivos? A erradicação da pobreza
aconteceram, e têm acontecido desde então extrema e, quiçá, o término da pobreza no
pelo mundo afora; grupos com esse pro- mundo, de forma mais genérica, no período
pósito de buscar soluções se formaram em da nova Agenda, com a consequente trans-
todos os lugares, fóruns têm sido realizados formação de vidas, buscando encontrar for-
em toda parte. Dentre eles, a Eco-92, Con- mas de proteger o Planeta, enquanto aquele
ferência Internacional das Nações Unidas objetivo primordial for se realizando. Nesses
sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, termos, ficaram também contempladas,
que aconteceu no Rio de Janeiro, em 1992. naquele documento como nos anteriores, as
Como um dos resultados daquela Conferên- dimensões social, econômica e ambiental
cia, foi produzido um documento intitulado das relações dos seres humanos entre si

VERÃO 2018 · O ROSACRUZ


27
n ECOLOGIA

e para com o meio ambiente. Em outras coerência e de menor impacto para a Vida,
palavras, trata-se de um plano de ação para afloram alguns aspectos especiais sobre os
melhorar a vida das pessoas, preservando quais precisamos refletir. Mesmo quando os
o Planeta e promovendo a prosperidade, seres humanos tomam a iniciativa de fazer
o que se mostra um enorme desafio. diferente, num movimento de conscienti-
No lançamento da Agenda 2030, Ban zação que os leva a deixar as suas vidas em
Ki-moon, secretário geral da ONU à época, cidades e optar por viver, por exemplo, em
se pronunciou, expressando grande esperan- ecovilas ou em outros conglomerados vol-
ça ao dizer: Podemos ser a primeira geração tados para as Agendas propostas pela ONU,
a erradicar a pobreza extrema e a última problemas os mais diversos também ali se
geração que pode evitar os efeitos adversos da apresentam, seja por crenças arraigadas, pela
mudança do clima. Assim, unamo-nos a ele falta de confiança no Outro, pela busca de
em esperança e ação, embora saibamos das status, por não se abrir mão de confortos
dificuldades em, por um lado, conciliar a e consumos ambientalmente impactantes,
erradicação da pobreza, o que implica maior ainda que as pessoas estejam conscientes
consumo, com um menor impacto ambiental das consequências provocadas por suas
e, por outro, em amenizar a tendência das ações. Sim, esta se mostra uma característica
pessoas, dos grupos, das corporações, pelo bastante relevante a ser levada em conta.
mundo, em olhar apenas para o próprio O que falta para que haja uma maior
umbigo e agir estritamente em causa harmonia e coerência nas inter-relações
própria e em nome do próprio prazer. humanas e para com o meio ambiente
Nesse diapasão, um fato preocupante, natural, mesmo quando escolhemos cons-
mas curioso, se apresenta: a infinita capaci- cientemente e filosoficamente caminhos
dade humana de tirar proveito tem levado menos impactantes ou formas de agir mais
setores diversos a aproveitar o impacto acon- coerentes, que se mostram acertadas e
tecido em torno do termo “sustentabilidade”, voltadas para ações de qualidade superior,
que inicialmente tanto nos mobilizou, como como se apresenta a disposição de viver em
necessidade incondicional para a preser- comunidades que causem menor impacto
vação da vida. Assim, esse termo cunhado socioambiental e econômico, por exemplo?
exclusivamente para aquele fim, e até com A resposta parece estar nas ideologias que
um traço poético projetado num âmbito nos perpassam... nas histórias pessoais,
de necessidade existencial, foi tomado por nas idiossincrasias e mesmo nas heranças
instituições e pelas mídias como ferramen- de uma sociedade materialista, utilitarista,
ta de impacto, convencimento e aceitação egoísta e sem o fomento à espiritualidade.
para as mentes pouco atentas. Termos como Mas também há luz nesses processos
sustentabilidade política, sustentabilidade desordenados de viver. É encantador ver a
financeira, sustentabilidade profissional, quantidade de pessoas dispostas a ajudar em
midiática ou mesmo sustentabilidade de casos de catástrofes, atentados, ou mesmo
ideias são expressões com as quais aqui e ali no dia a dia, nas ruas. Filas para a doação de
nos defrontamos. Tudo isso para convencer o sangue, oferecimento das suas próprias casas
ouvinte sobre a importância daqueles temas. para abrigar vítimas dos atentados, doações
Mas, continuemos em nossa linha de infinitas para pessoas desabrigadas por
análise, com mais um fato curioso. Na intempéries. Mesmo no auxílio a cegos, ao
busca pela instituição de modelos de maior vizinho em alguma necessidade urgente ou

28 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


ao transeunte em alguma situação incômoda que pensa na coletividade local, mas também
que se estabeleça, vemos pessoas se mobili- nas demais coletividades, que se preocu-
zando para ajudar. O que não significa que pa com as suas ações no mundo e com o
essas mesmas pessoas, em situações outras, próprio mundo, que se mobiliza para evitar
não venham a se mostrar egoístas ou adeptas a destruição ambiental e que prepara o seu
ao raciocínio de tirar proveitos, como naque- ser para a sua experiência universal, místi-
le caso dos que optam conscientemente por ca, tem-se revelado em toda parte, mesmo
viver em ambientes socioambientalmente no curso de uma tendência para se fomen-
menos impactantes. Mas aquelas belas atitu- tar apenas o próprio prazer ou interesse.
des que detectamos esporadicamente reali- Atenção e cuidado para com o Outro e
zadas pelas pessoas mostram que o ser hu- para consigo mesmo, fomento à Vida em sua
mano tem, sim, uma centelha em mais sublime forma; do ponto de
si bastante brilhante, quando vista místico, em sua mais
ele se mobiliza com bela expressão, doação
critério e maior rigor. incondicional, partici-
Nesse sentido, pação incondicional,
há inciativas pelo viver incondicio-
mundo afora, nal. Essas devem
em projetos se constituir
educacionais, em premissas
sociais, am- de base. Existe
© THINKSTOCK.COM

bientais e em um precei-
comunidades to rosacruz
voltadas para muito especial,
o crescimen- que indica
to qualitativo que as trevas
do Ser, em que são a ausência
uma postura mais de Luz. Unamo-
participativa é -nos, pois, em busca
vivenciada. Naqueles dessa Luz. E que ela
ambientes, crianças e nos guie nas escolhas e
jovens aprendem a ser coo- mude nossos pensamentos,
perativos, a crescer levando em nossos comportamentos. Que essa
conta o seu semelhante ou respeitando a Luz fomente um caminho de cooperação e
Natureza em sua integridade. Por sua vez, de não destruição e que, por fim, instaure
instituições filosóficas, voltadas para o a tão cantada e imprescindível sustentabili-
estudo do Ser e do Universo, como a nossa dade socioambiental, para o bem dos seres
Ordem Rosacruz, preparam o ser para as das mais diversas categorias e ordens. 4
suas realidades interior, coletiva e universal.
A formação das pessoas com base em * Soror Maria Suely Oliveira Goldstein (Suzy Goldstein) é advo-
respeito, em consciência e em aprendizagem gada e linguista, doutora em Análise de Discursos pelo Instituto
de Estudos da Linguagem da Unicamp. Autora do primeiro
holística mostra-se o caminho que fará com livro brasileiro sobre sustentabilidade e ecovilas, intitulado “Um
que uma transformação no pensamento e Fazer Diferente: Vida em Ecovila”. Professora de cursos de
Direito e também de Linguagem e Discurso em universidades
nas atitudes venha a ser efetiva. O Indivíduo do Estado de São Paulo e pesquisadora da URCI Campinas.

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n ESTUDO

Espírito, Alma e
Energias Vitais
A teoria energética de
Carl Gustav Jung
Por JUNE SCHAA, SRC

30 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


O
s místicos que conhecem a teoria ontológica das vibrações e o conceito de nous
sentirão um surpreendente acordo com as tentativas do Dr. Carl Gustav Jung de
desenvolver um sistema unificado de psicologia que correlacionasse a ciência da
metafísica com os avanços da ciência material.
O mais importante conceito inicial de Jung foi a teoria dos Tipos; mas a tentativa de desco-
brir a relatividade de qualquer ponto de vista psicológico automaticamente provoca a necessi-
dade da unidade como compensação, e foi isto que despertou o interesse de Jung pelo conceito
chinês do Tao. Como foi que Jung agiu para explicar a diversidade na unidade? O que Jung
fez pela psicologia foi chegar a uma teoria lógica e completa de energia. Jung via os impulsos
instintivos do homem, como sexo, poder, fome, e assim por diante, como manifestações quali-
tativas de uma energia psíquica quantitativa, assim como as manifestações variáveis da energia
eletromagnética, comprimento de onda e frequência são qualidades da energia física, que por si
só foge a uma definição absoluta.
Jung achava que não só nossos “grandes” sonhos, mas também nossas fantasias ou “visões”
especiais podem nos dirigir ao que ele chamou de “complexos sincronizados com sentimentos”
que, em linguagem mais simples, resultam de forças que se tornam “bloqueadas” dentro de
padrões perceptíveis ou imagens representativas simbólicas no subconsciente. Estes padrões sub-
conscientes, quando percebidos e interpretados pela nossa consciência subjetiva, por assim dizer,
parecem ser uma compensação para nosso estado de percepção, quando em vigília.

Símbolos desfrutarmos de uma participação harmo-


niosa nos processos cósmicos de transforma-
Esses símbolos especiais do subconsciente ção interior gradual. Sabemos que as escolas
surgem espontaneamente quando consegui- místicas tradicionais têm essas diretrizes,
mos diminuir a intensidade dos cinco senti- mas como é que Jung agiu para provê-las?
dos objetivos e dos processos de pensamento, O Dr. Jung descobriu que o subconsciente
como ocorre, por exemplo, no estado de é “submetido a mudanças e produz mudanças”.
meditação. Em outras palavras, não podemos Só depois de familiarizar-se com a alquimia
forçar esses símbolos numinosos (sagrados ou ele compreendeu plenamente que o subcons-
inspiradores de reverência) a se manifesta- ciente “é um processo”, e que a psique (reino
rem. Em vez disso, eles começam aparecendo subjetivo) é mais prontamente transformada ou
automaticamente no espelho temporaria- desenvolvida pelo relacionamento harmonioso
mente vazio de nossa mente subjetiva. Estas entre a objetividade de nosso ser “exterior” e o
imagens também são frequentemente experi- ser subconsciente “interior”. Na vida coletiva da
mentadas por nós como astro-mitológicas ou humanidade, este processo deixou sua mar-
alquímicas em natureza. Além disso, um con- ca, principalmente nas diversas mitologias e
tato direto com qualquer um desses símbolos sistemas religiosos com seus símbolos mutáveis.
numinosos, inspiradores de reverência, pro- Através de um estudo desses processos coletivos
duz efeitos emocionais automáticos em nós. de transformação e pela análise do simbolismo
Necessitamos de linhas diretivas firmes alquímico, Jung chegou ao conceito central
que nos ajudem a manter nosso controle da sua psicologia: o processo da individuação,
objetivo. Este autocontrole é necessário para conhecido pelos místicos como autodomínio.

VERÃO 2018 · O ROSACRUZ


31
n ESTUDO

Mas o que é que leva as forças arque-


típicas da energia do subconsciente a Experiência
se formarem nesses padrões de símbo-
los ou imagens perceptíveis? Se há uma individual
energia criativa primal, como podemos De todas as teorias de Jung até a presente
conhecer ou suspeitar sua existência? data, somente aquelas que se referem aos ti-
Agora podemos presumir, com seguran- pos e certos fenômenos sincrônicos, como os
ça, que os fenômenos sincrônicos dos expe- de PES, parecem se prestar à possibilidade de
rimentos de PES (Fenômenos de Percepção confirmação científica. Mas mesmo levando
Extrassensorial) de Rhine1 são um fato em conta a apresentação magnificamente
estabelecido. Mas também estamos numa concisa de Jung, sua teoria da alma-arquétipo
posição de teorizar logicamente que além ainda permanece nos domínios da metáfora
das ligações verificáveis entre causa e efeito, e da filosofia pessoal que parece ser experi-
psíquicas e físicas, existe um fator inexpli- mentada de forma diferente por cada indiví-
cável e sempre inesperado, na natureza, que duo. A ideia de Jung de que a energia psíqui-
se expressa no significado que se encontra ca poderia ser qualitativamente diferente, e
além da coincidência ou equivalência de assim mesmo igual em importância à energia
um estado psíquico e físico ou ocorrência física que forma os átomos, apesar de já ser
sem relação causal entre si. Jung deu a esta conhecida por certas escolas de mistério,
“coincidência” o nome de sincronicidade. ainda é uma ideia comparativamente nova
Como ilustração, suponhamos que eu na moderna medicina conservadora. Até o
tenha um sonho extraordinário sobre um momento, muitos médicos consideram nosso
escaravelho egípcio de ouro. Ao contar temperamento psicológico e os fenômenos
este sonho espantoso a um amigo, um psíquicos como quase exclusivamente depen-
escaravelho dourado, voando pela janela, dentes dos delicados hormônios do corpo.
entra no quarto onde estamos sentados. Alguns poucos “junguianos de terceira
Imagine o efeito eletrizante que sentimos geração” apontam o fato de que Jung e seus
quando ocorre uma dessas estranhas seguidores mais próximos tentaram assentar
coincidências de sonho e realidade! o conceito arquétipo da alma por demais
É óbvio que não podemos explicar esta firmemente em “esquemas científicos” ou
coincidência através da tríade usual da diagramas que na verdade desafiam a confir-
Física, ou seja, espaço, tempo e causalida- mação. Mas os mais modernos metafísicos
de. Também é óbvio para o sujeito que o e psicólogos igualmente elaboraram sua
escaravelho visto no sonho tinha um equi- maior compreensão do processo subcons-
valente físico. Mas a coincidência psíquica ciente com base em premissas semelhantes
por si só não explica (nem tampouco a lei encontradas nos ensinamentos das antigas
da Física) o que realmente seja a sincronici- escolas de mistérios e no trabalho de pio-
dade ou coincidência que causou a equiva- neiros empíricos mais recentes, como Jung.
lência. Assim como duas pessoas que veem Todos os pioneiros, inclusive místicos
o mesmo acidente tenderão a interpretar e psicólogos, devem se opor radicalmente
o que viram de um modo individual, contra um ponto de vista consagrado. Jung
todos nós igualmente experimentamos a não foi exceção. Ele esperou ansiosamen-
sincronicidade ou o significado do fenô- te pelo dia em que outros não só fossem
meno sincrônico de um modo diferente. capazes de provar suas teorias, mas também

32 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


estabelecer um ponto de vista mais holístico, thropos”) que anima
que viesse a sanar a antiga brecha entre as todo o cosmos,
ciências da metafísica e do materialismo. assim como o
Foi preciso um autossacrifício e uma divino arquiteto
grande experiência pessoal da “qualidade que “pensa” o
vital da alma” para alguém tão famoso como universo, trazen-
o Dr. Jung admitir que aquilo que ele pensava do-o ao estado
ser suas próprias ideias empiricamente de- de ser, existir. Há
senvolvidas tinha, afinal de contas, sido des- realidades duais
coberto por aqueles que vieram antes dele! ou complementares
Um interessante caso ilustrativo é o que são parte da estru-
conceito arquétipo de Jung de anima e tura energética do mundo
animus que são as personificações da natu- físico e psíquico; uma não pode existir sem
reza feminina do subconsciente do homem a outra, e vice-versa. Em nossa ilustração
e da natureza masculina do subconsciente podemos ver que tanto o Yin como o Yang
da mulher. Numa carta em resposta a um contêm a semente do oposto, mas é o signi-
colega que lhe perguntara se ele tinha “to- ficado que estabelece um símbolo de totali-
mado emprestado” suas imagens da alma- dade como o todo abrangente Tao ou Nous.
-arquétipo da novela de Laurence Sterne, Porque usava símbolos universais, Jung
Tristram Shandy, Jung observou com humor “falou” em mil idiomas. Seu espírito havia
e humildade que: “ ... nos últimos cinco se tornado humilde, um espírito que ad-
anos, isto se tornou cada vez mais assombro- mirava as maravilhosas e surpreendentes
so, porque descobri traços muito suspeitos atividades de uma natureza terrível e ao
da mesma ideia também entre os antigos mesmo tempo bela, e embora ele formu-
alquimistas, e agora a confusão parece estar lasse muitas teorias, foi incapaz de chegar
completa pois eu tinha sido descoberto já a quaisquer conclusões duradouras que
no século dezoito”. Só posso concluir que não fossem paradoxais. Ele chegou ao fim
Laurence Sterne recorreu aos ensinamentos de sua vida exatamente como a começara,
secretos - presumivelmente Rosacruzes - de cheio de reverência e deslumbramento.
seu tempo. Eles contêm o Real Segredo do Embora em sua idade avançada Jung
Rei e da Rainha, que não eram outros senão tivesse concordado com a declaração de Lao
o animus e anima, ou Deus e Dea (deusa). Tzu: “Tudo está claro, só eu estou nublado”,
mais incerto Jung se sentia a respeito de
O Tao si mesmo, e mais crescia dentro dele um
sentimento de harmonia com todas as coisas,
O antigo conceito Hermético das corres- como plantas, animais, nuvens, o dia e a
pondências também intrigou o Dr. Jung e noite e o eterno no homem. Ele viera a con-
ele foi grandemente influenciado, segundo cordar com um místico desconhecido, que
declarações suas, pelos escritos de Paracel- “gradualmente a vida que você está vivendo
so, o médico medieval que também tinha a revela a Vida que está vivendo você”. 4
reputação de ser Rosacruz. A qualidade vital
que os alquimistas viam, não só no homem, 
mas também na natureza inorgânica, é uma Nota: 1. J.B. Rhine, psicólogo americano, muito conhecido por
suas investigações inicialmente controladas sobre parapsicologia
expressão do espírito da vida, o antropo (“an- e fenômenos de percepção extrassensorial.

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33
n REFLEXÃO

Auto
Por GEORGE BULETZA, PhD, FRC*
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34 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


Integração e
transformação
Q
uando estamos felizes, conten- As dimensões centrais da vida humana são
tes e em paz com nós mesmos, bipolares. Indivíduos, famílias, e socieda-
é improvável que percebamos des inteiras tendem a enfatizar um polo e
qualquer necessidade de mu- minimizar o outro. Para sermos indepen-
dança. Se nossas realidades estão nos servin- dentes renunciamos às gratificações da
do bem, sentimo-nos justificados em deixar dependência. Para satisfazermos a curio-
as coisas como estão. É nos períodos difíceis sidade e a necessidade de excitamento é
da vida, porém, que nos sentimos propen- comum sacrificarmos a segurança. Como
sos a nos questionar, na busca de uma vida disse um dos participantes de um expe-
melhor. Quando nos voltamos para o nosso rimento: “Desejo amor e admiração, mas
interior em busca de respostas, tornamo-nos meu próprio desejo, ambição e agressivida-
vivos, embarcando uma vez mais na maior de trouxeram-me desaprovação e um senti-
aventura da vida: o crescimento pessoal. mento de perda. Como pessoa, geralmente
A percepção de alguma ameaça à nos- sinto-me isolada dos outros.”
sa felicidade e ao nosso bem-estar ativa o Por outro lado, a oscilação entre os polos
sistema nervoso autônomo, preparando- da dimensão humana pode representar
-nos para uma fuga imediata ou um ataque vivências saudáveis. O caráter de um novo
agressivo. Entretanto, num nível psicológico, estágio ou degrau de consciência permite o
a fuga de um problema crônico, ou a cons- teste do novo pela exploração de possibili-
tante luta contra o mesmo, pode resultar em dades através de fantasia, sonho, meditação
sentimentos interiores de separação, frustra- e intercâmbio humano. Durante o estágio
ção e futilidade. Enfrentar os problemas, ou de exploração, muitas pessoas surpreen-
deles fugir, temporariamente nos separa dos dem-se ao descobrirem que o que parecia
mesmos, mas também nos faz sentir incom- ameaçador não constituía ameaça alguma.
pletos. Por outro lado, místicos de todos os Descobrem também que com a elimina-
tempos têm oferecido soluções mais criati- ção do medo, não há mais necessidade de
vas para desafios ameaçadores. A solução confrontação, isolamento ou racionalização.
criativa é o caminho do amor e da integração. Com a orientação do Eu Interior elas inte-
A separação e a integração sugerem o gram sua vida e produzem um maior senso
mais amplo tema da dualidade humana. de liberdade e completude.

VERÃO 2018 · O ROSACRUZ


35
n REFLEXÃO

Limitações luções unilaterais? Aparentemente, experi-


ências que interagem com as características
auto impostas da personalidade, que despertam exces-
siva ansiedade e um sentimento de ira ou
O colocarmos de lado parte da nossa na- isolamento, tendem a ficar profundamente
tureza humana tende a submergir um dos arraigadas. Esses temores são ressuscita-
polos de um criativo conflito interior. Por dos em toda ocasião que recrie a situação
exemplo, uma pessoa que deseja ser “gran- emotiva original. Por exemplo, a pessoa que
de” ou importante pode restringir grave- passou por repetidas separações ou abando-
mente o desejo de ser acalentada. Como nos de entes amados pode tornar-se ansiosa
outras formas de separação e repressão, e desconfiada em relacionamentos futuros,
isso envolve o exacerbamento de um dos esperando que terminem da mesma for-
polos da dimensão humana, com a conco- ma. Em suma, experiências prévias podem
mitante submersão ou desvalorização do tornar-se o molde de futuras experiências.
outro polo. Por exemplo, nas sociedades
em que se enfatiza a versão exagerada da
identidade masculina ou feminina, há um Experiências
limitado interesse pelo sexo inferiorizado.
Sociedades que exigem um comportamento Intensas
excessivamente masculino de seus homens Sentimentos de privação, supressão e hosti-
incitam a que esses mesmos homens es- lidade são mantidos quando bem estabeleci-
condam suas qualidades ternas e sensíveis. dos por repetidas experiências, e quando as
Excessivos protestos de inocência e outras emoções dolorosas - i.e., ansiedade, culpa,
formas de racionalização podem masca- histeria, desesperança, baixa autoestima,
rar culpas escondidas. A valentia muitas rancor, perda, etc., são tão intensas que não
vezes mascara medos secretos, ocultos. temos condições de tolerar a elaboração
A evolução pessoal e cultural frequente- de novas formas de lidar com o problema.
mente envolve a oscilação de um extremo Isto quer dizer que a elaboração de novas
para outro. Sua extensão e sua forma são perspectivas, atitudes e habilidades (sen-
determinadas pelo talento individual e pelas do produzidas de nossa fonte interior de
pressões sociais. As oscilações são normais criatividade), será menos provável quando
em estágios específicos de desenvolvimento, experiências prévias nos levaram a aguar-
como a extrema agressividade ou o excessi- dar sentimentos fortes e dolorosos. Esses
vo recurso ao comportamento brando. Cada sentimentos dolorosos podem se tornar
estágio representa a busca que o Eu empre- tão imperativos como forças motivadoras
ende por uma identidade, dentro da qual que sua suscitação produza imediata fuga
os diferentes aspectos da natureza humana à “solução” rápida, provida por padrões
podem ser integrados na totalidade do ser. de comportamento preestabelecidos.
Por que, então, os indivíduos fazem essas Experiências pessoais que favorecem a
extremas e permanentes escolhas de hosti- participação ativa do Eu na vida opõem-
lidade, de frustração ou de inconsciência? -se àquelas que envolvem afastamento e
Por que alguns indivíduos estão aptos a hostilidade (vide diagrama). O fator cen-
aproveitar oportunidades de crescimento, tral é uma resposta (ou reação) que facilita
enquanto outros ficam empatados com so- a integração, a identificação direta, ou a

36 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


“unicidade” em oposição aos sentimentos Tanto a separação quanto a integração
de separação. Quando existem condi- têm suas versões internas de crescimento.
ções dessa espécie, os conflitos podem ser Ambas produzem mudanças na expressão do
tratados por uma transformação natural e Eu. Mas suas qualidades são muito diferen-
progressiva do Eu. Participantes de nossas tes. Passamos a nos sentir desamparados,
pesquisas frequentemente relatam que as vitimados ou indiferentes como resultado
novas compreensões que recebem através de separação. Esses sentimentos podem
de técnicas Rosacruzes como a de concen- nos ser suscitados por emoções e forças
tração-contemplação-meditação parecem que não compreendemos; ser coagidos por
advir das profundezas do seu interior ou de “sintomas”; ou ao nos sentirmos vítimas de
uma fonte cósmica. Uma vez que tenham pensamentos, de compulsões ou temores
visto o novo caminho, sentem que foi posta incontroláveis. Como exprimiu uma soror,
em ação a transformação que desejavam. sobre seus sentimentos de fragmentação: “É
como se a vida estivesse me despedaçando”.
O intercâmbio integrativo, amoroso, com
nós mesmos, com os outros e com nosso
ambiente produz uma identificação ativa e
o Eu cria um laço, um elo de ligação ou um
sentimento de unidade com aquilo que em
experiências anteriores pensávamos encontrar-
-se para além do Eu. Pela meditação passamos,
portanto, a interiorizar o amor e o respeito que
recebemos das outras pessoas – em suma, a
honestidade e a falta de ambivalência delas para
conosco. Achamos, então, natural amar e res-
peitar os muitos e variados aspectos da nature-
za humana que residem dentro de nós próprios.
Descobrimos que podemos controlar nossos
impulsos mais firmemente e aceitar nosso papel
na vida. Não precisamos nos dividir tanto em
papéis contraditórios. Não mais precisamos
racionalizar nosso comportamento nem fingir
sermos diferentes do que nos sentimos na
profundeza da Consciência em nosso interior.
Pela utilização de técnicas Rosacruzes,
pacientes demonstraram que podemos nos
libertar de modos obsoletos de pensar, reagir e
nos comportar. Podemos descobrir em nosso
próprio interior novos reinos de liberdade e
compreensão. À medida que nossas transfor-
mações são dirigidas a partir do nosso interior,
alcançamos autodomínio cada vez maior. 4

* Universidade Rose-Croix Internacional

VERÃO 2018 · O ROSACRUZ


37
n INFORMAÇÃO

O Salon de
la Rose+Croix
e a Arte Simbolista
Por MÁRCIO WILLIAM FRANÇA AMORIM, FRC

O
Museu cem anos por iniciativa de
© COMMONS.WIKIMEDIA.ORG

Solomon rosacruzes? Qual a impor-


Guggenheim tância que este evento teve
realizou no para o mundo das artes?
período de 30 de junho a O Salon de la
4 de outubro de 2017, em Rose+Croix constituiu
Nova York, uma exposição uma série de seis expo-
intitulada “Mystical Sym- sições anuais realizadas
bolism: The Salon de la em Paris por iniciativa de
Rose+Croix in Paris, 1892- Joséphin Péladan (1858-
1897”, tendo sido essa a 1918), entre os anos de
primeira retrospectiva des- 1892 e 1897. Péladan,
ta importante exibição de nascido na cidade francesa
arte que ocorreu durante de Lyon, além de rosacruz,
seis anos no final do século foi escritor e crítico de
XIX. Esta nova mostra reu- arte. Em 1884 publicou
niu 40 trabalhos que par- seu primeiro romance
ticiparam originalmente intitulado Le Vice Suprême,
do Salon e que hoje estão que obteve grande sucesso
espalhados por coleções de de público. Nessa obra, o
museus ou instituições cul- autor defendia a redenção
turais ao redor do mundo. da humanidade por inter-
Mas qual o motivo para médio do esoterismo das
que um dos mais presti- antigas tradições orientais.
giosos museus do mundo Ao longo da vida produziu
voltasse a reunir, nos dias mais de cem trabalhos lite-
atuais, algumas obras de Cartaz promocional para o Salon de la
rários entre artigos, livros
arte expostas há mais de Rose+Croix de Joséphin Péladan. e peças teatrais. A visão

38 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


central de Péladan era sua concepção do Exposição “Mystical Symbolism; The Salon de la Rose+Croix
artista como um iniciado, ou seja, alguém in Paris, 1892-1897” no museu Guggenheim, Nova York

que pode trazer para a esfera terrestre


uma parcela do divino por meio da beleza
e harmonia estética das artes em geral.
Péladan, que adotou o título de “Sar
Merodack” como Grande Mestre dos
rosacruzes franceses, se opunha à forma
de arte oficial apoiada e propagada pela
Escola de Belas Artes de Paris. Para ele,
as obras artísticas deveriam refletir não
apenas os aspectos materiais da exis-
tência humana como representações de
paisagens, batalhas ou retratos de per-
sonalidades, mas acima de tudo ser uma
forma de exprimir ideais sublimes que
pudessem servir de inspiração para as
pessoas. A arte teria uma missão espiri-
tual de elevação da alma para Deus, em
sua atração irresistível pela harmonia. Le
Sar, como era conhecido, defendia o belo,
em contrapartida ao feio; o sonho em
oposição à dura realidade, e o passado em
contrapartida ao então precário presente.
Sendo assim, foi com naturalidade
que naquela época ele se aproximou
dos artistas integrantes do movimento
Simbolista, cujo objetivo principal era se
opor ao crescente materialismo no qual
a sociedade moderna estava cada vez
mais mergulhada.
No final do século XIX o Ocidente
estava substituindo o mundo espiritual
interior pela razão, fundamentada no
pensamento concreto e científico. O meio
sociocultural sofria influência da revolu-
ção industrial, acompanhada da rápida
modernização resultante das novas desco-
bertas científicas e das recentes invenções
que deslumbravam as pessoas, enquanto
o capitalismo promovia a mecanização
do trabalho, a massificação do consumo
e o crescimento desenfreado das cidades,
comprometendo a qualidade de vida.

VERÃO 2018 · O ROSACRUZ


39
n INFORMAÇÃO

O movimento do “eu”, buscando o inconsciente e a intuição


como inspiração. Para os simbolistas a arte
simbolista não deveria ter um caráter utilitário, moral ou
didático, mas apenas ser bonita, a ponto de
O Simbolismo, portanto, foi um movimento elevar o sentimento e a percepção do ser hu-
de reação ao Realismo na arte, ao Natu- mano para estágios superiores de consciência.
ralismo na literatura e ao Positivismo na O simbolismo enfatizava a dimensão
filosofia que haviam se instalado na cultura espiritual na arte, música e literatura e a
francesa. Por que desperdiçar esforços e busca da arte pela arte (Ars Gratia Ars). No
recursos tentando reproduzir na arte a reali- catálogo da primeira exposição Péladan
dade física em seus detalhes? Para os simbo- trazia em sua introdução o seguinte pen-
listas os escritores e artistas deveriam perse- samento: “Artista, és um sacerdote: Arte
guir nas mais diversas manifestações da arte é o grande mistério, e quando teu esforço
o Ideal, assim entendido como o pensamen- resulta em uma obra-prima, um raio do
to superior, na busca por diferentes reinos divino desce neste altar. Artista, és um rei:
e dimensões do espírito, procurando trazer Arte é o verdadeiro Império. Artista, és um
ao espectador novas experiências estéticas mago: Arte é o grande milagre que demons-
por meio da imaginação e da criatividade, tra nossa imortalidade. Artista, sabendo
de modo a transcender o mundo material. que a arte desce do céu, se você cria uma
Em seus trabalhos em forma de metáforas, obra perfeita, uma alma virá a habitá-la”.
símbolos e alegorias desejavam despertar No Brasil o Simbolismo também ga-
sentimentos e reflexões interiores que levas- nhou adeptos na literatura, a exemplo do
sem a uma verdadeira experiência pessoal. poeta Cruz e Sousa (1861-1898), cujas
O termo “simbolismo” foi criado pelo obras são cheias de referências ao Oculto:
poeta Jean Moréas em 1886 em manifesto
publicado no jornal Le Figaro. Traduzia o
sentido de dar forma perceptível a ideia, ou Cárcere das almas
seja, tornar visível os elementos intangíveis Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,
da dimensão mística. De acordo com esta Soluçando nas trevas, entre as grades
perspectiva, Péladan decidiu organizar Do calabouço olhando imensidades,
em 1892 uma exposição com trabalhos Mares, estrelas, tardes, natureza.
de artistas simbolistas, tornando públi-
co, por meio da arte, conceitos que eram Tudo se veste de uma igual grandeza
difundidos somente em círculos esotéricos Quando a alma entre grilhões as liberdades
fechados. Em seu manifesto de lançamento Sonha e, sonhando, as imortalidades
do Salon de la Rose+Croix ele expôs como Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.
fundamentos da sua iniciativa que a “Arte é
o esforço humano para realizar o Ideal, para Ó almas presas, mudas e fechadas
dar forma e representar a suprema ideia, a Nas prisões colossais e abandonadas,
ideia por excelência, a ideia abstrata. Tornar Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!
o invisível visível: este é o verdadeiro pro-
pósito da arte e sua única razão de existir”. Nesses silêncios solitários, graves,
A dimensão objetiva da realidade deveria que chaveiro do Céu possui as chaves
ser substituída por uma visão mais profunda para abrir-vos as portas do Mistério?!

40 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


O Salon
Rose+Croix “ O objetivo
principal do Salon
O primeiro Salon Rose+Croix ocorreu em
1892, com o apoio financeiro do Conde
era apresentar
Antoine de La Rochefoucauld, um rico trabalhos artísticos
colecionador de arte e iniciado rosacruz.
A mostra teve lugar na famosa galeria mediante os quais
Durand-Ruel, com 250 obras de 63 artis-
tas de diferentes nacionalidades (França, os visitantes fossem
Inglaterra, Bélgica, Dinamarca, Finlândia,
Itália, Holanda, Espanha, Suíça e Estados
induzidos a níveis
Unidos), obtendo um estrondoso sucesso
de público e de crítica. Essa exposição foi
trascendentes
seguida de outras seis, realizadas anual- de consciência e


mente, sendo a última no ano de 1897.
Por decisão expressa de Péladan o re- percepção…
gulamento dessas exposições determinava
que as obras de arte exibidas não poderiam
reproduzir assuntos banais como paisagens, hoje poderia ser chamado de “instalação”,
cenas domésticas ou históricas, marinhas, tão comum na programação dos gran-
pinturas de animais e naturezas mortas, des museus. Por exemplo, no Salon de
uma vez que estas eram meras representa- 1892 foi apresentada a abertura da ópera
ções da vida material, apoiadas e incentiva- Parsifal, de Richard Wagner, e a trilha
das pela Escola de Belas Artes francesa. O sonora do compositor rosacruz Erik Sa-
objetivo principal do Salon era apresentar tie feita para a peça Le Fils des Étoiles (O
trabalhos artísticos mediante os quais os vi- Filho das Estrelas), escrita por Péladan.
sitantes fossem induzidos a níveis transcen- Um dos temas mais presentes nas pintu-
dentes de consciência e percepção expressos ras do Salon era o Mito de Orfeu. Segundo
na simbologia das pinturas, esculturas, a lenda, Orfeu era um médico e poeta filho
músicas e dramas teatrais, transcendendo do rei Éagro, da Trácia, ou, em algumas
o mundo material. Sendo assim, os temas versões, de Apolo, deus da música, com Ca-
deveriam girar em torno de mitos, alegorias líope, a musa da poesia. Ao tocar a lira que
ou imagens místicas de cunho espiritual, havia recebido como presente de seu pai os
pois na Seção II do Regulamento da exposi- pássaros e animais paravam para escutá-
ção constava: “O Salon de la Rose+Croix de- -lo, enquanto as árvores se curvavam ao
seja arruinar o realismo, reformular o gosto som e as pedras moviam de lugar, tal era o
latino e criar uma escola de arte idealista”. encantamento que a melodia possuía. Após
O evento também foi inovador por a morte prematura de sua amada Eurídice,
acrescentar pela primeira vez a uma ele ficou tão transtornado que decidiu ir
mostra de pintura outras manifestações ao mundo subterrâneo tentar resgatá-la.
artísticas como música, teatro e litera- Lá chegando, cantou para o próprio Hades,
tura, interagindo com o público, no que senhor dos mortos, que, comovido pela sua

VERÃO 2018 · O ROSACRUZ


41
n INFORMAÇÃO

“Orfeu no Hades” música, autorizou o retorno


(1897), por Pierre de Eurídice à vida, mas com
Amédée Marcel-
Béronneau uma condição: ele não poderia
olhar para ela até que chegas-
sem à luz do sol no mundo
dos vivos. No entanto, já
perto da saída do túnel escuro
ele, impaciente, duvidou e
olhou para trás para ver se
Eurídice realmente o seguia.
Nesse momento ele perdeu
definitivamente sua esposa,
que voltou a ser um fantasma,
regressando ao submundo.
Orfeu, desesperado, perdeu
a vontade de cantar e nunca
mais se interessou por outra
pessoa. Um dia, ao encon-
trar as embriagadas bacan-
tes ou mênades (mulheres
seguidoras de Baco, deus do
vinho), não retribuiu aos seus
assédios, tendo sido então
morto por elas. Seu corpo foi
desmembrado e sua cabeça,
ao ser jogada no rio Hebro,
flutuou e continuou a cantar o
nome de Eurídice. Posterior-
mente as musas conseguiram
reunir os pedaços do seu cor-
po, enterrando-o aos pés do
Monte Olimpo, a morada dos
deuses. Só então Orfeu pôde
descansar e se reunir nova-
mente à sua amada Eurídice.
A imagem deste persona-
gem da mitologia grega repre-
sentava para os simbolistas
a ideia do ser humano como
transformador do mundo ao
seu redor por intermédio da
arte. O talento musical exer-
“A Morte de
Orfeu” (1893),
cido por meio de um instru-
por Jean Delville mento ofertado por um ser

42 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


“As Almas
Desapontadas”
(1892), por
Ferdinand Hodler

divino evocava, para os integrantes daquele Na pintura As Almas Desapontadas


movimento, a sublime capacidade da arte (1892), o artista suíço Ferdinand Hodler
de transmutar o meio ambiente e as condi- apresentou uma alegoria da desesperança
ções socioculturais, que era o objetivo ao e do desencanto que, em certa medida,
qual se propunham naquele final de século. traduzia a ansiedade sobre a incerteza do
O quadro do pintor francês Pierre Amédée futuro naquele fim de século. Nela, cin-
Marcel-Béronneau, intitulado Orfeu no Hades co homens vestidos de preto e sentados
(1897), capturou o momento em que o poeta em um banco em poses cuidadosamente
cantava diante de Plutão, sendo este último criadas são o retrato do desespero. Hodler,
retratado apenas até o peito, deixando a forma de origem humilde e órfão aos doze anos,
do seu rosto para imaginação do espectador. compartilhava do sentimento de Péladan
Orfeu, banhado em uma intensa luz branca, de que o conceito de progresso no século
está usando a coroa de louro dos poetas e a XIX estava baseado em um materialismo
lira feita de ouro e prata, em meio a escuridão científico que consumia a alma humana.
tenebrosa na qual surge a imagem de seres Alguns consideraram este quadro uma
atormentados e serpentes ameaçadoras. visão profética da escuridão espiritual
Outra obra bastante significativa da que se espalhava pela Europa e, de res-
mostra é a pintura do belga Jean Delville, to, pelo mundo ocidental, com nefastos
A Morte de Orfeu (1893), na qual mostra desdobramentos no século seguinte. Foi
a cabeça do músico, emoldurada por sua um período de crise, de depressão moral
lira, flutuando no rio. O rosto do poeta e social, vivido na Europa e desencadeado
é representado com uma luminosidade pelo sentimento beligerante, pela máquina
transcendental, enquanto as estrelas estão e pela sociedade de massas. Este mal-estar
refletidas nas águas, em uma alusão ao culminaria com a I Guerra Mundial.
mito de que após a morte do músico seu Um dos aspectos mais importantes
instrumento foi transformado por Zeus, dessa mostra são os trabalhos que retra-
o rei dos deuses, na constelação de Lira, tam a piedade, ou seja, referências sobre
dominada pela estrela Vega, uma das mais a devoção e misticismo, em imagens
brilhantes do céu no hemisfério norte. simbólicas que evocam a religiosidade.

VERÃO 2018 · O ROSACRUZ


43
n INFORMAÇÃO

Exemplo disso é a pintura Visão Na obra Jovem Santa (1891), de Henri


(1892), de autoria de Alphonse Osbert, Martin, uma camponesa em atitude
na qual uma jovem pastora de rebanho reflexiva no campo de trigo (o pão da
é representada em tonalidades pálidas vida) é mostrada com um véu e um
com um halo de santidade ao redor de círculo de luz em sua cabeça em tons
sua cabeça. Encostada a ela está um pastéis calmantes, cuja placidez inspira
carneiro ou ovelha que nos recorda o tranquilidade e reverência ao divino.
“cordeiro de Deus que tira os pecados O próprio Joséphin Péladan também foi
do mundo”. Esse quadro envolto em retratado em diversos trabalhos, dos quais
uma aura azulada, que denota espi- destacamos a pintura de Jean Delville Re-
ritualidade, procura transmitir uma trato do Grande Mestre da Rosacruz (1895).
atmosfera mística de paz e serenidade Neste quadro Sar Merodack é representa-
em um local paradisíaco e rural, exa- do em veste talar branca na qual podem
tamente o contrário do meio urbano ser vistos símbolos esotéricos em torno do
atribulado e conflituoso da época. pescoço, dentre eles a rosacruz.

À esquerda ”Visão” (1892), por Alphonse Osbert


e acima “Jovem Santa” (1891), por Henri Martin

44 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


Precursor do
modernismo
Místicos como Joséphin Péladan pre-
pararam o terreno para a revolução
modernista que aconteceria no início
do século XX. John Bramble, professor
universitário em Oxford (Reino Uni-
do), publicou em seu livro “Modernism
and the Occult” (2015), que o Salon de la
Rose+Croix foi a “primeira tentativa de
uma (semi) internacionalista ‘religião de
arte moderna’”. Em 1917, o alemão Max
Weber, intelectual, jurista e economista
considerado o fundador da sociologia,
afirmou que a racionalização da socieda-
de ocidental resultou no “desencanto do
mundo”. Péladan e seus seguidores dese-
javam trazer de volta o encanto perdido.
Importantes artistas modernistas da
magnitude de Wassily Kandinsky (1866-
1944), Piet Mondrian (1872-1944) e Marcel
Duchamp (1887-1968), tiveram seus tra-
balhos vanguardistas influenciados pelas
obras e pela literatura mística do final
do século XIX. A busca pelo “ideal” na “Retrato do Grande Mestre da Rosacruz” (1895),
arte propugnava pela independência dos por Jean Delville

sentidos e desvinculação do materialismo


mundano, motivo pelo qual sedimentou
o caminho para o surgimento de novas uma visão subjetiva da realidade, represen-
manifestações artísticas, como o abs- tou uma transição para o modernismo.
tracionismo, onde a realidade concreta Dessa forma, a sugestão, por meio de
exterior era desconstruída em cores, linhas símbolos, da realidade transcendental que
e contornos abstratos, ressaltando tanto se encontra acima ou além da nossa capa-
a subjetividade com intensa carga emo- cidade racional de explicação, resultaria
cional quanto a geometria das formas. no culto à beleza e a estados superiores de
Esta foi a razão pela qual o museu Gug- consciência espiritual, não expressas em
genheim, especializado em arte contempo- linguagem objetiva.
rânea, dedicou um espaço significativo em Em 1910 o pintor russo Kandinsky citou
sua programação para a realização desta re- Péladan em seu manifesto O espiritual na Arte:
trospectiva. O movimento Simbolista, pre- “O artista é um rei, como Péladan afirma, não
sente no Salon de la Rose+Croix, ao valori- apenas por causa de seu grande poder, mas por-
zar os sonhos e o inconsciente, estimulando que sua responsabilidade também é grande”. 4

VERÃO 2018 · O ROSACRUZ


45
n ROSACRUCIANISMO

Por SERGIO ELIFAS WANDERLEY, FRC

A
Senda Mística é, por analogia e de- Aquilo que, hoje, parece claro e definitivo po-
finição, progressiva, dinâmica, evo- derá se transformar em dúvida depois, susci-
lutiva. Há, até, a belíssima firmação tando uma nova descoberta, que tenha alguma
de que o objetivo é o caminho (na consistência e traga conforto ao caminhante.
Senda) não o seu final. Assim, nesta caminhada, Daqui se depreende que a caminhada na
terá que haver, a cada passo, uma transformação. Senda é Dialética, cada degrau ou cada passo

46 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


constituindo Teses, Antíteses e Sínteses suces- mas de cuja Natureza nós, multiplicidade
sivas que vão somando vivências e compondo, dentro desta Unidade, fazemos parte; a nossa
pouco a pouco, aquilo que chamamos Sabe- sentida individualidade, Personalidade-
doria, pela acumulação de experimentações. -Alma, são abstrações desse Grande Ser.
Esta caminhada na Senda, para fazer sen- Há uma afirmação, atribuída ao Mahatma
tido, tem que ser um somatório, esta Sabe- Gandhi, de que, quando uma alma se ele-
doria tornando-se cada vez mais consistente, va, todas as almas com ela se elevam (o que
fortalecedora, reconfortante e geradora de permite supor o mesmo quando uma alma se
inabaláveis e verdadeiras Fé e Confiança. Des- rebaixa); a Humanidade, afirma-se, só estará
necessário lembrar que só se pode alcançar totalmente elevada quando todas as almas se
tal estado vivendo no Mundo, com o Mundo elevarem. Faz sentido. Um corpo só está sa-
e para o Mundo, jamais no isolamento, para dio se todos os seus órgãos estiveram sadios.
que haja provas, observações e conclusões. Ora, dentro da ideia de Unicidade e de Livre-
Para que haja fortalecimento do Ser, capaci- -arbítrio a possibilidade de erro de qualquer
dade cada vez maior de resistir e caminhar. membro dessa Humanidade é uma carac-
É natural, então, que nesta caminhada terística própria desse corpo. O Mal, ou a
dialética o caminhante da Senda passe por ausência do Bem, é próprio da Humanidade,
momentos de dúvida, de portanto, embora um erro

“Quando
descrença, de desconfor- seja praticado por uma úni-
to com aquilo que, num ca pessoa, é um ato próprio
determinado ponto, parecia
conclusivo, definitivo.
uma alma se da sua condição de membro
dessa Humanidade. O erro é
Nesta linha, também eleva, todas as uma possibilidade humana.
dialeticamente, coloco uma É uma falha em um pon-
destas questões para reflexão: almas com ela to de um único e imenso
se elevam.

é uma constante, nos textos corpo. Assim, quando uma
da AMORC e em diversos alma se eleva ou decai, isso
de seus rituais, a necessidade afeta o todo humano.
de visualização e vibração pela Humanidade Concluindo: por que faz sentido vi-
e pelo planeta Terra como um todo. Duran- brarmos em uníssono pela Redenção da
te tais práticas, ou antes, ou mesmo depois Humanidade? Ora, se todos fazemos parte
delas, pode nos assaltar uma dúvida sobre de um mesmo grande organismo, aqueles
a efetividade destes trabalhos. Embora nós que vibram pelo Bem são como um órgão
saibamos que vivemos mergulhados em um de um mesmo corpo que luta pela cura de
oceano de energia, como os peixes no mar, um outro órgão desse mesmo corpo, para
o que explica a proposta de efetividade das que todo o organismo volte a ser sadio.
práticas veiculadas nos rituais, nas mensagens, Ora, há glândulas do nosso corpo que,
nas monografias e em publicações espe- quando uma falha ou falta, substituem a
ciais, ou na Telepatia ou na Criação Mental, função desta última até que o equilíbrio se
muitas vezes podem nos assaltar dúvidas. restabeleça. É por aí. Pode-se, refletindo,
Ora, vamos refletir: existe um Ser, uma pesquisando e meditando encontrar outras
Mente, Deus, o Grande Arquiteto do Uni- razões para vibrar pela Redenção de toda a
verso, a Alma Universal, qualquer que seja Humanidade, mas esta questão fica para a
a natureza deste Ser ou Sua denominação, reflexão dos que me leem. Assim seja! 4

VERÃO 2018 · O ROSACRUZ


47
Aum, Om,
Amém
Por H. SPENCER LEWIS, FRC
ex-Imperator da AMORC

D
entre todas as pa- das. Elas são devidamente pode ser útil abordar este
lavras místicas que aplicadas a certos princípios assunto com mais detalhe.
se encontram nos e corretamente associadas a Bem poucos cristãos, no
ensinamentos, rituais e sim- certas leis. Talvez, de todos mundo ocidental, que usam
bolismo das diversas escolas os movimentos místicos do a palavra Amém, parecem
místicas do Oriente e do Ocidente, os Rosacruzes compreender que estão
Ocidente, as palavras Aum, sejam os que usem estas empregando uma pala-
Om e Amém (latim: Amen), palavras mais precisamente, vra mística muito antiga e
são as mais frequentemente em seus estudos e princí- perceber que sua maneira de
usadas e mais generalizada- pios místicos. No entanto, a usá-la é mais ou menos in-
mente reconhecidas. julgar pelas perguntas que correta e, com toda certeza,
Mas o estudante comum de vez em quando nos são equivocada. E, por estranho
de misticismo, no Ociden- dirigidas, por Membros que pareça, pouquíssimos
te, em verdade pouco sabe e por não-Membros que cristãos sabem que o próprio
a respeito da origem ou leem nossas publicações, é Jesus era cognominado “O
natureza destas palavras. evidente que algum mistério Amém”, conforme é revelado
Nos rituais e ensina- ainda é desnecessariamente num trecho da Bíblia. Isto
mentos Rosacruzes, várias associado a estas palavras, vem mostrar que palavras
palavras como estas são usa- de maneira que sinto que místicas podem ser associa-

48 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


das a um ritualismo sem a são emitidos no tom ou na estava com Deus, e a Pala-
correta compreensão do seu altura da nota musical Lá na- vra era Deus”. E há outras
emprego ou de sua natureza tural, acima do Dó Central. referências, não só na Bíblia
e que essas palavras podem A palavra Amém (Amen) cristã, mas também em ou-
continuar sendo usadas deve ser pronunciada como tras escrituras sagradas, ao
durante muitos séculos se fosse escrita “Amn” ou, fato de que essa Palavra em
como mera formalidade. na realidade, “Am”, e como alguma época se fez carne e
Aliás, pode-se dizer que uma só sílaba, e não duas. poderá se tornar novamente
no ritualismo e cerimonial Seria mais correto se a uma Palavra vivente. É inte-
cristão, há muitos elementos pronunciássemos “Ahmn”, ressante saber, também, que
místicos orientais e mesmo porque o “a” teria um som quase em todos os idiomas
pagãos, que foram adotados mais aberto e prolongado. do mundo há um som equi-
pelos primeiros cristãos, e Sem dúvida, centenas de valente a Aum ou Om.
transmitidos ao longo dos livros foram escritos, bem
séculos com uma aplicação
inteiramente errônea e total
como foram preparadas
muitas centenas de manus- O Primeiro
eliminação do belo poder
místico que poderia derivar
critos secretos, tratando
destas três palavras, ou de Som
de seu uso correto, de sua sua raiz. A raiz do seu som é É ainda interessante notar
aplicação consciente. Este, mais facilmente reconhecida que quase o primeiro som
porém, é um outro aspec- por pessoas de fala inglesa, que todo bebê emite, em
to do assunto, de que não sob a forma de Aum. As sua tentativa de se expressar
cabe tratar neste artigo. pessoas que conhecem a re- ou de revelar suas emoções
Talvez não seja eviden- ligião cristã devem lembrar pelo som, é o que resulta da
te, à primeira vista, para o o trecho da Bíblia em que se pronúncia da letra “m”. Em
estudante comum de misti- afirma que “no começo, era todos os cânticos sagrados
cismo, que as palavras Aum, a Palavra - ou, no princípio, do Oriente, dois sons são
Om e Amém, são idênticas, era o Verbo; e a Palavra mais frequentemente repe-
exceto na aproximação da tidos e usados relativamente
pronúncia ou da natureza às diversas ideias expressas
linguística. Nos três casos, o de maneira mística: o som
som do “m” é extremamente de “au” ou “ah” e o som do
importante, de modo que, “m”. Em nossos ensinamen-
ao serem pronunciadas as tos privativos, o significado
palavras, ele deve ser, não do som do “m” é esclarecido
somente enfatizado, mas, e sua importância é revelada.
prolongado. O “o”, o “au” O som de “ah”, ou a entoa-
e o “a”, devem soar quase ção aberta e prolongada do
identicamente, e, nas ceri- “a”, é quase universalmente
mônias místicas do Oriente, Símbolo do OM. um som de adoração ou de

VERÃO 2018 · O ROSACRUZ


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maravilhado entusiasmo, podia emitir, estes estavam Muitas pessoas pensam que
representando uma expres- decisiva ou positivamente isto é nativo entre os negros
são de êxtase da alma ou da associados ao poder divino e americanos, mas, na verda-
mente. Ele é usado, portanto, criativo que produzia certos de, é uma herança de seus
em muitos cânticos e muitas efeitos no âmago do seu antepassados africanos, a
expressões sagradas de ser e na aura ao seu redor. qual, por sua vez, faz parte
adoração, e, nestes casos, é O simples fato de que, em do ritualismo universal,
emitido num “ah” prolonga- muitas regiões muito distan- oriental, tão difundido entre
do, no tom da escala musical ciadas e sem contato umas povos estrangeiros. Nos
há pouco mencionado. com as outras, os nativos de sons de Aum, Om e Amém,
Neste ponto, o pesqui- épocas remotas adotaram temos vibrações da mais alta
sador pode se perguntar independentemente sons qualidade de poder cósmi-
por que alguns outros sons, semelhantes em seus rituais co e consciência cósmica.
como o de “oh”, frequen- e cânticos, para os mesmos Em muitos outros nomes
temente empregado para fins, com certeza prova ou palavras místicas, está
exprimir surpresa ou que há um poder (ou uma oculto algo dessa qualidade.
confusão, ou o som de letras qualidade), especificamente Refiro-me a palavras como,
como “r”, “e” ou “i”, não são nesses sons, que não pode por exemplo, Rama, Padme,
usados para fins místicos, ser encontrado em outros. Omar etc.
ou para representar a Pala- Ao tentarmos pronunciar
vra “que era no começo”. Em
resposta a esta pergunta, Spirituals1 estas palavras, notamos que
pouco esforço físico se faz
muito natural, deixem-me Enquanto estou preparando necessário; que uma atitude
dizer que a combinação este artigo, meu rádio está muito serena e relaxada do
de “ah” e “m” representa, sintonizado em um progra- corpo e da mente pode ser
em sua pronúncia perfeita, ma de música suave, subi- mantida enquanto as emi-
uma frequência vibratória tamente interrompido por timos; e que essa condição
cheia de poder criativo, um “spiritual”. Sem o menor de relaxamento permite que
divino, capaz de produzir esforço de análise, percebi a todo o corpo seja beneficiado
imediata harmonização constante repetição dos sons pelas vibrações sonoras que
com as forças cósmicas. de “ah” e “m”, nesse canto, estabelecem uma condição
Devemos ter em mente bem como o claro e prolon- de harmonização com o Cós-
o fato de que o homem des- gado som de zumbido grave mico, quase imediatamente.
cobriu estas palavras; não as do “m”, às vezes bastante Na gramática sânscrita,
inventou. Quer classifique- prolongado por algumas aprendemos muito acerca
mos esta descoberta como o vozes, enquanto outras desses sons, e devemos ter
resultado de uma revelação destacam o som de “ah”. em mente que o sânscrito
divina, ou de experimenta- É geralmente reconheci- foi, provavelmente, o primei-
ção por parte de um busca- do, no Ocidente, que esses ro idioma em que as palavras
dor sincero, persiste o fato “spirituals” contêm um místicas foram associadas a
de que o homem não esco- elemento ou uma qualidade ideias de maneira definida e
lheu arbitrariamente os sons realmente espiritual, que reguladas em sua aplicação.
de “ah” e “m”, mas, verificou às vezes parece sobrenatu- Em sânscrito, a combinação
que, de todos os sons que ral e, certamente, mística. de “a” e “u” é equivalente a

50 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


um ditongo pronunciado e a sua importância mística. to Santo, a espírito, ao amor.
como o “o” de outros idio- O som do “a” é associado aos Analisando todos estes
mas, e esse “o” tem o mesmo poderes básicos da natureza fatos, percebemos imedia-
som de “ah” ou “auh”. psíquica, bem como ao corpo tamente que esta palavra é,
A pronúncia correta do físico e ao mundo físico. Por afinal de contas, um outro
som tem efeito imediato, este motivo, ele é com frequ- nome, perfeitamente univer-
através dos canais sonoros ência ligado, no ritualismo sal, para Deus ou o Todo-Po-
da boca e da cabeça, so- místico, às seguintes expres- deroso. Foi por isto que na
bre as glândulas pituitária sões ou ideias: Brahma, Pai, literatura dos primórdios do
(hipófise) e pineal, e mesmo Harmonia, O(m)nipresença. cristianismo, Jesus foi cog-
sobre a tireoide. Esse efeito é O som do “u” provém do nominado “O Amém”. Logo,
transmitido psiquicamente, centro do corpo psíquico percebemos que o uso da
pelo sistema nervoso simpá- e está muito estreitamente palavra “amém” nas igrejas
tico (autônomo), a todos os relacionado com as glân- cristãs, no final de preces ou
centros psíquicos e plexos do dulas pituitária e pineal, expressões de louvor, signifi-
organismo humano. sobre elas exercendo efeito cando “assim seja”, é errôneo.
É por este motivo que bem definido. Mas isto Estas palavras místicas,
o místico, ao meditar a não é verdadeiro se o “u” Aum, Om e Amém, devem
sós e em estado relaxado, é emitido isoladamente. sempre ser usadas muito
muitas vezes dá início ao Associado à letra “a” (na reverentemente, como se
seu período de Harmoni- forma “ah”), o “u” deve ser a pessoa estivesse lidando
zação Cósmica repetindo entoado muito suavemente, com um dos mais sagrados
esta palavra mística, que na forma de “oo” da palavra símbolos da Divindade. Elas
como “aum” ou como “om”, inglesa “mood”. Isto produz não são palavras mágicas
lentamente, dez a doze vezes, o som duplo de “ahoo”, com (como outras palavras
sempre tentando emiti-la tônica no “ah”, e esse “ah” usadas na literatura mística
na nota musical correta. algo prolongado de modo a oriental para produzir um
Neste particular, é bom que se extinguir com o som de sentimento de proteção em
a pessoa que deseja fazer “oo”. A letra “u”, nesse tom e momentos de emergência),
maiores experiências com nessa maneira de entoar, é nem são palavras de efeito
essa palavra obtenha um dia- associada, em rituais antigos, curativo ou terapêutico, a
pasão ou tonário que dê o Lá a palavras como Vishnu, serem usadas em caso de
natural. Se ela tiver um ins- Luz, e O(m)nipotência. dor ou sofrimento físico; são
trumento musical em casa, Quando acrescentamos o palavras puramente divinas,
será útil praticar a palavra som do “m”, estamos recor- para produzir Harmoniza-
no tom correto dado pelo rendo às vibrações da ponta ção Cósmica e comunhão
instrumento, durante muitos da língua, por assim dizer, ou união com Deus, no mais
dias, até ficar treinada em e puxando os outros sons sublime sentido espiritual,
acertar o tom da emissão. para fora. Prolongando o “m” e somente para finalidade
Analisando a palavra num longo zumbido grave, sagrada devem ser usadas. 4
“aum” como a mais correta no final da palavra, estamos
das três sílabas, verificamos enfatizando o seu significado,
que cada uma das letras que que sempre esteve associado, Nota: N. do T. – Canto religioso como o
a compõem tem o seu poder na literatura antiga, ao Espíri- dos negros dos Estados Unidos.

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Nesta seção sempre
homenagearemos a história
de nossa Ordem no mundo
e na língua portuguesa,
lembrando por meio de
imagens os pioneiros que
.com

labutaram pelo Ideal Rosacruz


© thinkstock

e plantaram as sementes cujos


frutos hoje desfrutamos. A
todos eles, a nossa reverência.

A URCI na Jurisdição de Língua Portuguesa


Quando surgiu a Universidade Rose+Croix Internacional – URCI ela não tinha por objetivo conferir
graus acadêmicos. Seu propósito era o de oferecer palestras e demonstrações nas ciências e nas artes, de
modo a consolidar e aprofundar o conhecimento rosacruz.
A fase pré URCI na Jurisdição de Língua Portuguesa foi realizada na gestão da Soror Maria A. Moura,
entre os anos 1970 e 1980. Em certa ocasião foi feita uma publicação da tradução da coluna Mindquest
como “Pesquisa” em O Rosacruz.
A primeira fase (Sondagem/Estruturação) se
deu na gestão do Frater Charles Vega Parucker
entre os anos 1999 e 2008 com uma compilação
dos relatórios de pesquisa seção Mindquest – 4
livros coleção O Homem: Alfa e Ômega da Criação.
A consolidação e expansão da URCI em nos-
sa jurisdição foi entre 2008 e 2010 na gestão
do nosso atual Grande Mestre, Frater Hélio de
Moraes e Marques, que estabeleceu a missão da
URCI: “A Universidade Rose+Croix Internacio-
nal, URCI, é um órgão da AMORC de diálogo
com a ciência, que reúne estudantes rosacruzes
acadêmicos e de notório saber, visando à inte-
gração do conhecimento, de forma a contribuir
para o desenvolvimento sustentável da Ordem
Rosacruz e da sociedade em geral.”
Foram anos de estudos e progressos, com Ata da
reunião de
muita dedicação e trabalho. Em 2017 a URCI implantação
lançou seu primeiro curso de Especialização da URCI

Lato Sensu “Saberes Tradicionais e Teorias


Integrativas em Coaching Transpessoal”. Foi
um grande avanço até aqui, mas os planos
para a Universidade Rose+Croix Interna-
cional em nossa jurisdição tendem a crescer
ainda mais.

52 O ROSACRUZ · VERÃO 2018


Tradicional Ordem M artinista
A Liberdade Humana
A liberdade é uma questão recorrente da Filosofia desde os gregos e
cada filósofo reage a ela em função da visão do mundo que defende.
Convém primeiro distinguir duas definições dessa palavra que implicam
óticas completamente diversas. O primeiro sentido desta palavra, o mais
corrente hoje em dia, declina-se mais frequentemente no plural. As liber-
dades são possibilidades outorgadas ao homem pela sociedade em que ele
vive, a fim que o indivíduo possa se expressar e agir segundo sua cons-
ciência, o limite estando em que o outro possa fazer o mesmo. Assim,
o Século das Luzes e a Revolução Francesa defenderam e impuseram
uma série de liberdades e direitos que permitiram que se promovam a
dignidade do homem e a vida em democracia: liberdade de pensar, de
distinguir, de se reunir… É um incontestável progresso e esse modelo
tende a se difundir por todo o planeta. Entretanto, trata-se de liberdades
que são outorgadas ao homem exterior.
Há uma outra definição de liberdade que a encara como possibilidade
interior ao homem. Ela é chamada de livre-arbítrio. E é a faculdade que
tem o homem de escolher e orientar seus pensamentos e depois agir em
conformidade com suas escolhas. Ela está intimamente ligada à vontade
e mais preocupada em cumprir deveres do que defender direitos. Louis-
-Claude de Saint-Martin diz que essa faculdade precisa ser revivificada
no homem após a Queda. Não somos senhores dos pensamentos que
passam por nós, acrescenta ele, mas podemos escolher privilegiar deter-
minados pensamentos às expensas de outros.
Trata-se da atitude deixada ao homem na condução de sua vida. Ela é
ao mesmo tempo muito ampla, porém, mais restrita do que a que os
homens de hoje acham que possuem.
Texto inspirado em O Pantáculo nº 14, 2006 – “A Liberdade Humana”.

S.I.
A
humanidade recebe de tempos em tempos persona-
lidades-alma que são “divisoras de águas”, ou seja,
o mundo é um antes delas e outro após elas.
Como verdadeiros mensageiros de Luz a serviço da
humanidade, esses seres receberam do Cósmico a missão de
causar uma forte influência na sociedade em que estavam
inseridos, recebendo postumamente o reconhecimento pela
visão, liderança e iluminação que abrangeram todo o nosso
mundo. Vieram para mudar, romper paradigmas e deixar
os seus pensamentos, palavras e ações como exemplos de
seres humanos especiais.
Esta capa da revista “O Rosacruz” é dedicada a esses seres
de luz que, como Mestres, nos ensinaram o sentido da vida.

Isaac Luria – Um dos maiores influenciadores


cabalístico da história foi Isaac Luria. Conhecido como Ari, que significa “O Leão Sagrado”, esse
místico do século XVI era muito estudioso. Explorava ao máximo o Zohar, uma compilação de
livros que contém um dos trabalhos mais importantes da Cabalá ou Kabbalah no misticismo ju-
daico. Ele nasceu em Jerusalém no ano de 1534, mas cresceu no Egito.
Com uma espiritualidade muito elevada, era considerado uma centelha da alma de Rabi Shi-
mon bar Yochai. Em 1570 Isaac Luria foi para Safed, em Israel, com sua família. Lá passou a exer-
cer a profissão de professor da Kabbalah, incluindo as valiosas práticas meditativas. Com tanta de-
dicação e interesse pelo assunto, Isaac Luria percebeu que a Kabbalah poderia ser uma importante
ferramenta que, se aplicada aos estados de consciência, produziria resultados extraordinários.
Sua passagem por este mundo foi curta, pois ele morreu com 38 anos, dedicando sua toda sua
vida ao estudo e disseminação da Kabbalah. Seu trabalho foi tão importante que mais tarde seus
seguidores contaram com uma publicação que revelava muito de Isaac Luria, uma composição
cabalista intitulada “Os Escritos do Ari”, compilada por um de seus mais prezados alunos, Rav
Chaim Vital. Este grande trabalho se tornou hoje ao que conhecemos como Kabbalah Luriânica.
Isaac Luria propagou novidades nas interpretações dos ensinamentos cabalísticos, que foram
difundidos por vários mestres na Europa, implementando a cabala como a teologia dominante em
círculos escolásticos. Ele não deixou escritos, sua forma de pensar tornou-se conhecida pelo traba-
lho de seus discípulos. Morreu em Safed durante uma epidemia no dia 5 de agosto de 1572. Consi-
derado uma personalidade, Rabi Isaac Luria inspirou grandes homens da humanidade.

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