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INTRODUÇÃO
Pano de fundo histórico pela ênfase no templo (40-48). Ele era
O livro de Ezequiel está relacionado a um casado, mas sua mulher morreu duran-
dos períodos mais críticos da história de te o curso de seu ministério (24.15-18).
Israel. Os oráculos do livro cobrem um Diferentemente de Jeremias, seu contem-
período de 22 anos, de 593 a 571 a.C. (v. porâneo, Ezequiel exercitou sua carreira
quadro da página 949). Durante esse tem- profética na Babilônia. Muitos de seus pri-
po a cidade de Jerusalém foi sitiada e des- meiros oráculos lidam com acontecimen-
truída. O templo fora queimado e a monar- tos ocorridos em Jerusalém e Judá. Esses
quia chegara ao fim. A população de Judá fatos e os detalhes dos próprios oráculos
sofria as privações resultantes da guerra. levaram alguns comentaristas a sugerir
Muitos iriam para o exílio. que Ezequiel passou parte de sua carrei-
Do ponto de vista humano, boa parte ra profética na Palestina. Entretanto, não
da discórdia do período era motivada pela há afirmação alguma no livro que apoie
instabilidade política geral do Oriente Mé- diretamente essa perspectiva. Como um
dio naquele tempo. A Palestina, uma pe- exilado que profetizava para outros exi-
quena região, era constantemente afetada lados, Ezequiel se preocupava, sem dúvi-
pelas mudanças no equilíbrio do poder em da nenhuma, com as esperadas catástro-
toda aquela região. O Egito era uma antiga fes em sua terra. Sua plateia certamente
superpotência. A Assíria tinha começado a também estava ansiosa para ouvir sobre
ruir, mas a Babilônia estava ficando cada o destino de seu país. Mas é evidente que
vez mais forte. Israel, o Reino do Norte, devemos esperar que os acontecimentos
tinha sido destruído pelos assírios em em Israel/Judá ocupassem parte substan-
722/721 a.c. As alianças do reino de Judá cial de seu trabalho profético. Ser capaz
se alternavam entre o Egito e a Babilônia. de perceber o que estava acontecendo em
Quando o rei Jeoaquim tentou se rebelar terras distantes do lugar onde morava era
contra a Babilônia, por volta de 601-600 uma habilidade necessária para um profe-
a.c., Nabucodonosor respondeu com o ta exilado na Babilônia.
cerco de Jerusalém e sua consequente do- Como profeta, esperava-se que Ezequiel
minação, em 597 a.C. Cerca de dez mil de relatasse suas visões ao povo. Algumas ve-
seus habitantes (2Rs 24.14) foram levados zes ele usou muito mais do que simples
para o exílio. Um desses exilados era um palavras para isso. Em muitos casos ele
sacerdote de nome Ezequiel. representou parte da profecia. Recursos
visuais não são nenhuma novidade. A
o profeta Ezequiel representação da profecia incluía deitar-
Tudo que sabemos sobre Ezequiel vem do se amarrado por cordas (4.1-8), raspar a
seu livro de profecias. Mesmo nele a in- cabeça e cortar parte do cabelo com uma
formação é pouca. Ezequiel era sacerdote espada (5.1,2), cobrir o rosto e passar
(1.3) bem como profeta. Sua formação através de um buraco na parede (12.3-7),
sacerdotal é demonstrada em sua preo- tremer (12.18) e não lamentar a morte de
cupação pela pureza ceremonial (4.14) e sua esposa (24.16-24). Não é de admirar
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que sua sanidade tenha sido questionada. Essas duas expressões não são inter-
Contudo, a própria estranheza de suas cambiáveis. Elas dão uma indicação do
ações, assim como seus oráculos, serviram tipo de profecia que seguirá. A primeira
para atrair atenção para a sua mensagem. expressão é de longe a mais frequente. Ela
Parece que sofreu também uma perda par- indica o início de uma mensagem verbal
cial da fala em parte de sua carreira pro- de Deus a qual normalmente deverá ser
fética. Seu pleno poder de fala retomou retransmitida ao povo de Israel. A segun-
quando Jerusalém caiu (33.21,22). da expressão é utilizada para indicar uma
Apesar de suas ações incomuns, Eze- experiência mais intensa, onde o profeta
quiel era muito respeitado como profeta. é afetado fisicamente. Ela é usada em to-
Dezoito meses depois da sua primeira vi- dos os grandes oráculos visuais, em que
são, os anciãos do povo começaram a pro- Ezequiel se sente transportado para dentro
curá-lo regularmente para consultas (8.1; da própria visão.
também 14.1; 20.1; 33.30,31). Entretanto, Os oráculos são agrupados de acordo
parece que, embora fosse admirado, nem com o assunto e nem sempre seguem uma
sempre o levavam a sério (33.30-33). É ordem cronológica estrita. Cada oráculo é
muito fácil admirar um líder moral e espi- independente de seus oráculos vizinhos.
ritual, mas nem sempre é tão fácil colocar Em alguns casos, oráculos próximos são
em prática o que ele prega. O exemplo su- separados um do outro pelo período de
premo é o de Jesus Cristo (v. Mt 7.24-29). alguns anos. Em geral a construção do li-
Ezequiel não era escravo de conven- vro traz a marca de uma mente claramente
ções sociais. Vivia sem conforto em meio organizada. A impressão é reforçada pelo
a uma sociedade confortável. Ele pertencia uso repetido de um conjunto de frases e
a uma minoria que havia se mudado à for- da natureza quase rítmica de muitas par-
ça, em decorrência da guerra em seu país. tes do texto.
Sua religião era de fato uma religião de A natureza do tema significa que os
minoria, lutando para sobreviver em uma primeiros 32 capítulos consistem em ad-
sociedade pluralista e multicultural. A po- vertências sobre o desastre, e os últimos
derosa nação em que estava exilado tinha 16 consistem em promessas de esperan-
muitos deuses, mas ele tinha apenas um. ça. O ponto de virada no livro acontece
Contudo, com forte convicção, ele procla- com a queda de Jerusalém (33.21,22). Ele
mou a mensagem de que havia somente estabelece a fundação daquilo que virá
um Deus, que ao final salvaria seu povo, a a ser conhecido como literatura apoca-
despeito do que fizessem outras nações. líptica. Certamente sua influência mais
forte pode ser encontrada no livro do
o livro de Ezequiel Apocalipse, onde muito do simbolismo
Apesar da reputação de ser obscuro e conter é bem similar ao que encontramos no li-
dificuldades textuais, o livro de Ezequiel vro de Ezequiel. (V artigo: Apócrifos e
tem uma estrutura muito bem definida. É Literatura Apocalíptica).
uma coletânea de 52 oráculos, visões ou
mensagens divinas, descritas pelo profeta A mensagem do livro
Ezequiel. A narrativa é mínima, fornecida O livro de Ezequiel como um todo consis-
apenas para proporcionar um contexto a te em advertências iniciais de calamida-
cada um dos oráculos. Entretanto, o início des seguidas de promessas de restauração.
de cada oráculo é claramente indicado por Assim como as calamidades anunciadas
uma de duas frases - "veio a mim a pala- vieram a acontecer, também se cumpri-
vra do SENHOR" ou "A mão do SENHOR veio riam as promessas de restauração. O povo
sobre mim". de Deus, que tanto sofrera no passado,
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seria finalmente salvo de sua misena. ser instrumento de Deus, mesmo ao ponto
Israel retomaria a seu Deus e à sua terra de punir a Israel.
prometida. Eles seriam o seu povo, e ele As imagens no livro de Ezequiel podem
seria o Deus deles. ser perturbadoras. Os oráculos de Ezequiel
Vários outros temas podem ser encon- estão relacionados a um dos períodos mais
trados nos oráculos. A questão da res- negros da história de Israel. Durante sua
ponsabilidade humana aparece de várias carreira profética seu povo seria disper-
formas diferentes. A destruição pela qual sado, e a cidade de Jerusalém e o templo,
Israel passaria era resultado de sua própria destruídos. Todavia, o livro termina com
perversidade. Sua punição era consequên- uma mensagem de esperança. No final dos
cia de sua idolatria. Todavia, a culpa não tempos, o Pastor reuniria suas ovelhas.
era uma questão puramente comunitária.
As pessoas não foram punidas simples- Ezequiel para os dias de hoje
mente devido ao pecado de seus ancestrais O livro de Ezequiel tem passagens que são
(cp. 18). Eles eram culpados pelo que cada dificeis de interpretar e ainda mais dificeis
um deles, individualmente, tinha feito, de aplicar. Pode ser um consolo para o lei-
mas essa questão ainda será mais bem tra- tor moderno o fato de saber que mesmo os
balhada. Ser considerado justo não é ape- antigos rabinos tiveram de refletir longa-
nas uma questão de somar pontos positivos mente e com afinco sobre o conteúdo do
para compensar os negativos (uma posição livro. Há também a tendência infeliz en-
comumente defendida também nos dias de tre algumas pessoas de se sentir atraídas
hoje). Tinha de haver uma mudança funda- por passagens mais obscuras em vez das
mental e duradoura no coração do indiví- que são mais simples e diretas. Entretanto,
duo (18.30-32). muitos pontos são úteis no nosso empenho
Outro tema importante é o relacio- de estudar o livro. Primeiro, é importante
namento de Deus com o seu povo. Uma lembrar que o livro é uma coletânea de orá-
frase que aparace com frequência por todo culos independentes. Podemos facilmente
o livro é que os acontecimentos previstos identificá-los, pois todos começam com
ocorreriam de modo que eles "saberão que a expressão: "Veio a mim a palavra do
eu sou o SENHOR". As calamidades não SENHOR" ou: "A mão do SENHOR veio sobre
eram apenas uma forma de punição. Elas mim [Ezequiel]". Os oráculos são agru-
eram também um meio de levar o povo ao pados por temas, embora nem sempre em
conhecimento de seu Deus. Esse relacio- ordem cronológica estrita, e podem variar
namento especial é enfatizado ao longo em tamanho, indo de poucos versículos a
de todo o livro. Ele os ajuntaria e os guar- vários capítulos. Pelos oráculos datados
daria da mesma forma que um pastor faz sabemos haver, às vezes, lacunas de vários
com suas ovelhas. Um pastor viria para anos entre eles, de modo que é melhor es-
zelar por eles e também para governá-los colher um oráculo específico, lê-lo do co-
(34.1-31; 36.24-28). meço ao fim e considerá-lo em si mesmo.
Contudo, o íntimo relacionamento en- Em segundo lugar, Ezequiel tende a ser
tre o Senhor e o povo de Israel não signifi- uma prosa quase poética em seu estilo. Há
cava que outras terras e nações estivessem temas e expressões recorrentes em todo
fora da esfera de sua autoridade e controle. o livro. Uma expressão que pode parecer
Os oráculos de Ezequiel às nações estran- misteriosa em certa seção pode ficar mais
geiras tomam bem claro que Deus não é clara em outra. Algo que ajuda, portanto,
simplesmente um divindade local que go- é começar por aquelas passagens menos
verna Jerusalém e os montes ao redor. De "empolgantes" para se obter uma noção
alguma maneira uma nação pagã poderia da linguagem e do pensamento do livro.
EZEQUIEL 1082
Por essa razão é melhor não começar pelos também têm seus ídolos, falsos profetas,
capítulos iniciais. Os oráculos mais lon- santuários corruptos, instituições decaden-
gos 1.1-3.15; 8.1-11.25; 38.1-39.29 tes e fanatismos nacionais. Quaisquer que
e 40.1-48.35 deveriam ser lidos por úl- sejam seus nomes, as palavras de Ezequiel
timo. O cp. 12 talvez seja um bom ponto podem muito bem ser aplicadas aí.
de partida. Há o perigo de se aplicar aos dias de
Em terceiro lugar, também ajuda muito hoje de forma rigorosa demais aquilo que
ter sempre em mente os temas gerais que aconteceu há quase dois milênios e meio,
marcam e ligam os oráculos. Os cp. 4-24 especialmente quando nomes semelhantes
contêm advertências sobre a iminente des- aparecem (particularmente Israel). Não
truição de Jerusalém por Nabucodonosor. obstante, o perfil geral dos problemas so-
Os cp. 25-32 contêm advertências às ciais contemporâneos é tão semelhante
nações vizinhas sobre sua atitude em re- que os princípios podem ser aplicados fa-
lação a Israel em tempos de aflição, e os cilmente. A sociedade, assim como Deus,
cp. 33-48 contêm mensagens de espe- não muda.
rança ao povo de Israel, depois da queda
de Jerusalém.
A situação política do povo de Israel Leitura adicional
naquele tempo era, obviamente, bem di- ELLIsoN, H. L. Ezekiel: the man and his
ferente da atual. Contudo, por trás dos message. Paternoster, 1956.
detalhes políticos podemos ver uma so- TAYLOR, J. B. Ezequiel: introdução e co-
ciedade sobrecarregada por desairosos mentário. SCB. Vida Nova, 1984.
problemas comuns: incerteza quanto ao DAVIDSON, A. B. The book of the prophet
futuro; sublevações internacionais; plura- Ezekiel. CBSC. Cambridge, 1906.
lismo religioso; corrupção institucional; WEVERS, 1. W. Ezekiel. NCB. Eerdmans,
fé desordenada. As sociedades modernas 1969.
ESBOÇO
1.1-3.21 Ezequiel é comissionado
1.1-3.15 O chamado de Ezequiel
3.16-21 A responsabilidade do atalaia
Para transrmtir essa terrível mensa- tado pela espada ao redor da cidade. O
gem, Ezequiel deveria se valer de um mé- terço remanescente, espalhado ao vento.
todo chamativo. Ele deve encenar o cerco. Alguns dos fios desse último terço de-
Nessa ocasião, parece que ele havia per- vem ser atados nas abas de suas vestes e
dido sua capacidade normal de fala, que alguns outros devem ser queimados.
somente lhe era devolvida quando tinha 5.5-17 Jerusalém se rebelou contra as
um oráculo para proclamar (3.26,27). Essa leis de Deus. Portanto, sua proclamação
perda parcial da fala continuaria até que as é: "Eis que estou contra ti, Jerusalém, e
notícias sobre a queda de Jerusalém che- executarei juízos no meio de ti. Devido
gassem a seus ouvidos (33.22; cf 24.27). à tua idolatria e práticas detestáveis, um
Ainda haveria outras mensagens que ele terço de teu povo morrerá de peste e será
encenaria (12.1-16; 17-20; 24.15-27), mas consumido pela fome no meio de ti. Uma
esta primeira deve ter estabelecido sua re- outra terça parte cairá à espada em redor
putação como um dos profetas mais excên- de ti. A última terça parte espalharei a to-
tricos de Israel. dos os ventos, e desembainharei a espada
Podemos achar o método de Ezequiel atrás dela. Assim se cumprirá a minha ira
para transmitir suas mensagens pouco or- e eles saberão que eu sou o Senhor. Tu
todoxo, talvez até divertido ou constrange- servirás de advertência a outras nações
dor. Entretanto, é muito mais importante quando teu castigo chegar".
comunicar a mensagem do que preservar a Notas. 3.23 "A glória do SENHOR": como
imagem popular do orador. Ezequiel tinha visto em 1.28. 25 "Eis que
3.22,23 Ezequiel recebe a ordem de porão cordas sobre ti": cf 4.8. Ezequiel fi-
que saia para o vale. Quando o faz, ele cou amarrado com cordas durante o tempo
vê a glória do Senhor e cai com o rosto que representou essa profecia. 4.1 "Tábuas
em terra. 3.24-27 Então, é instruído a se de argila" ou mais tarde "tijolo", eram ta-
trancar em sua própria casa. Ele também bletes de argila macia usados como papel
é informado de que ficará incapacitado para se escrever. 3 "Assadeira de ferro":
de falar - exceto para transmitir uma poderia representar o poderoso controle do
mensagem de Deus. 4.1-8 Recebe a or- cerco. 5 "390 dias": foram feitas tentativas
dem de fazer um pequeno modelo que para explicá-los em termos da duração dos
represente a Jerusalém sitiada. Ele deve exílios: o exílio de Judá por uma geração
se deitar sobre seu lado esquerdo por 390 (cerca de 40 anos) de 586-536 a.c.; o de
dias. Durante esse tempo ele carregará a Israel por 150 anos de 734-580 a.C. (na
iniquidade da nação de Israel. Então, terá LXX está registrado 190 anos, como o to-
de se deitar sobre seu lado direito por 40 tal de ambos os exílios). Essa não é uma
dias, carregando a iniquidade da nação de explicação satisfatória. Talvez seja melhor
Judá. Cada dia representará um ano. 4.9- interpretar os anos como símbolo de in-
17 Durante os 390 dias ele terá de subsis- tensidade e não de duração: a infidelidade
tir com escassa ração de alimento, como de Israel é dez vezes pior que a de Judá.
sinal da escassez que atingirá Jerusalém. 10,11 A ração diária de alimento de Eze-
Ele evita ter de profanar o alimento, mas quiel era de aproximadamente 200 gramas
profanação semelhante ocorreria quando de cereais e 0,6 litro de água. Era uma
o povo de Israel fosse exilado para nações quantidade muito pequena, simbolizando a
estrangeiras. 5.1-4 Ele recebe a ordem de escassez de alimentos (v. 17).5.1 Raspar a
raspar sua cabeça e barba. Quando tiver cabeça era um sinal de pesar. 17 Os quatro
terminado sua representação do cerco, flagelos mencionados aqui - peste, fome,
deve queimar um terço dos cabelos no bestas-feras e sangue (guerra) - aparecem
meio da cidade. Outro terço deve ser cor- várias vezes em todo o livro.
1087 EZEQUIEL 7
.
III
seus ídolos e santuários, e sua terra esti-
6. 1-14 Profecias contra
a idolatria em Israel
ver desolada, então eles saberão que eu
Embora essa profecia seja dirigida contra sou o SENHOR".
os montes de Israel, o alvo real da con- Notas. 11 "Ah!": muitos comentaristas
denação são os santuários ou "lugares al- sugerem haver aqui há nuanças de escár-
tos" que na época havia nos montes. Os nio. 14 "Desde o deserto até Ribla": isto é,
lugares altos eram locais abertos utiliza- por toda a terra.
dos para adoração, um costume cananeu.
Algumas pessoas usavam esses lugares 7.1-27 Advertência sobre o
para adorar ao Senhor, mas muitas das iminente desastre em Israel
práticas idólatras pagãs eram conservadas. O sentido de urgência nessa profecia é in-
A advertência é que a iminente destruição tenso. A calamidade que foi prevista está
da cidade também afetará as regiões ao prestes a acontecer. Não há mais tempo
redor. Assim, os praticantes da adoração de mudar a cabeça de ninguém. A guerra
nos lugares altos não podem ser salvos é iminente. Jerusalém será sitiada e sua
pelos seus ídolos. Contudo, os eventos terra devastada.
vindouros não serão apenas uma forma de 1-9 Proclame para a terra de Israel:
punição. A expressão "saberão que eu sou "Agora vem o fim sobre ti! Não terei pie-
o SENHOR" é repetida em todo o oráculo dade. Segundo os teus caminhos assim te
(v. 7,10,13,14). Os adoradores dos luga- castigarei e então saberás que eu sou o
res altos saberão quais deuses são falsos e SENHOR". 10-14 "Vem o tempo, é chega-
qual é o Deus verdadeiro. do o dia". 15-22 "A espada, a fome e a
A adoração de ídolos nos lugares altos peste esperam por vós. Os que sobrevi-
foi um problema perene para Israel (cf verem, o horror os cobrirá; em todo rosto
IRs 12.28-33; 2Rs 17. 9-11). Embora haverá vergonha. Suas riquezas não se-
Ezequiel, mais tarde, viesse a atacar os pe- rão de utilidade para eles - elas serão
cados mais "novos" que Israel adquirira de saqueadas". 23-27 "Farei vir os piores
seus vizinhos, alguns dos oráculos lidam de entre as nações, eles possuirão sua
com esses antigos problemas. Práticas iní- propriedades. Não haverá respeito. Até
quas, mesmo que institucionalizadas em o rei se lamentará. Segundo o seu cami-
uma sociedade por séculos de tradição, nho, lhes farei e, com os seus próprios
continuam sendo erradas. juízos, os julgarei; e saberão que eu sou
1-7 Proclame aos montes de Israel: o SENHOR".
"Eis que trarei a espada sobre vós e des- Notas. 10 "Já floresceu a vara, rever-
truirei os vossos altos e outros altares. deceu a soberba": violência e orgulho tra-
Abaterei o vosso povo na frente de vos- rão agora sua própria recompensa. 12 "O
sos ídolos. Então sabereis que eu sou o que compra não se alegre": a crise que se
SENHOR". 8-10 "Mas alguns serão poupa- aproxima mostrará ser tolice exercer uma
dos e espalhados entre as nações. Então se atividade comercial normal. 15 "Fora está
lembrarão de mim os que de vós escapa- a espada; dentro, a peste e a fome": aque-
rem entre as nações para onde forem le- les que forem deixados fora da cidade se-
vados em cativeiro; eles terão nojo do que rão destruídos pelas tropas inimigas. Os
fizeram em todas as suas abominações. que ficarem em seu interior sofrerão com
Saberão que eu sou o SENHOR". 11-14 o cerco. Fome e enfermidades seguirão.
"Chorai e lamentai por todas as terriveis 19 "Prata e ouro": com a intensificação do
abominações da casa de Israel! Pois cai- cerco, o dinheiro não terá utilidade para a
rão à espada e de fome e de peste. Quando compra de alimentos. 23 "Faze cadeia":
EZEQUIEL 8 1088
8.1-11.25 A idolatria de Jerusalém que não tiver tal marca. 9.6b,7 Eles co-
e sua punição meçam com os anciãos no templo. 9.8-10
Em sua grande visão, Ezequiel se vê trans- Os apelos de Ezequiel para que o Senhor
portado em transe ao templo de Jerusalém. abrande sua pena é rejeitado devido às
Ali ele tem uma visão do terrível estado grandes injustiças e violências praticadas
em que se encontra a religião de Israel. As em Israel e Judá. 9.11 O homem que rece-
áreas do templo estão sendo usadas para beu a ordem de fazer as marcas completa
práticas pagãs. Segue-se a retribuição, e sua tarefa. 10.1-6 Então, ele é instruído a
Ezequiel, então, fica ciente do majestoso encher as mãos de brasas acesas que estão
trono e das impressionantes criaturas que ao lado dos querubins e espalhá-las pela
observou em sua visão inicial - a glória cidade. 10.7,8 Um dos querubins lhe en-
de Deus. Haverá retribuição para aqueles trega as brasas em fogo. 10.9-22 Os quatro
que conspiraram para a injustiça social na querubins estão respectivamente acompa-
cidade. Contudo, a profecia termina com a nhados por objetos semelhantes a roôas.
promessa de que os exilados voltarão para Esses querubins e rodas são os mesmos
a sua terra. que Ezequiel vira anteriormente.
O sincretismo - amistura de elemen- 11.1-7 Então Ezequiel é levado à por-
tos de diversas religiões - é um dos cami- ta oriental do templo. O Senhor lhe mos-
nhos mais fáceis de se seguir. Os supostos tra um grupo de 25 homens, maquinando
religiosos podem apostar de todos os lados vilezas e aconselhando perversamente.
e assim agradar todos os deuses. Todavia, Ezequiel recebe ordem de profetizar a eles.
o Deus de Israel é um Deus ciumento. Ele 11.7-12 Deus conhece os pensamentos
não aceita que nenhum outro deus receba deles. Na cidade, eles mataram a muitos,
devoção e adoração. Em nossas sociedades mas serão retirados do meio dela e casti-
pluralistas, em que abundam todos os tipos gados, ao serem entregues nas mãos dos
de fé, há necessidade de se enfatizar esse estrangeiros. Eles não respeitaram as leis
aspecto, algo que muitas vezes é malcom- de Deus. 11.13-15 Enquanto Ezequiel pro-
preendido. Contudo, concessões de nossa fetiza, um dos homens do grupo, Pelarias,
parte não são menos repugnantes a Deus filho de Benaías, morre. Ezequiel, alarma-
do que as práticas pagãs descritas aqui. do, pergunta ao Senhor se ele dará fim ao
8.1-4 Ezequiel tem uma visão na qual é restante de Israel. Ele recebe a resposta de
transportado para o templo em Jerusalém. que os que residem agora em Jerusalém
Ali ele vê a glória de Deus - da mesma acham que os exilados já não servem para
maneira que a viu na planície. Então, a ele herdar a terra de Israel. Então, Ezequiel re-
são mostrados vários exemplos da idolatria cebe a ordem de dizer a eles: "Ainda que
ali praticada. Ele vê: a imagem de um ídolo estejais exilados, ainda assim estive con-
edificada em frente ao altar (8.5,6); 70 an- vosco. Hei de trazer-vos de volta à terra de
ciãos de Israel adorando figuras de animais Israel. Os que voltarem eliminarão todos
estampadas nas paredes (8.7-13); mulheres os seus ídolos. Receberão um novo cora-
sentadas chorando a Tamuz (8.14,15); 25 ção e seguirão as minhas leis. Eles serão o
homens adorando o sol (8.16-18). meu povo e eu serei o Deus deles. Aqueles
9.1-6a Certo homem vestido de linho que continuarem devotados a seus ídolos
recebe a ordem de fazer uma marca na tes- colherão a sua recompensa" (11.18-21).
ta daqueles em Jerusalém que abominam 11.22-25 A glória de Deus se move
profundamente tais práticas. O homem para um monte a leste de Jerusalém. Então,
começa a executar as ordens que recebeu. Ezequiel é transportado de volta de sua
Outros seis homens também recebem a or- visão aos exilados na Babilônia. Ele lhes
1089 EZEQUIEL 12 - : :
Notas. 8.1 "Sexto ano": 592 a.c. parecesse com um x. A marca servia para
"Anciãos": apenas 14 meses depois de sua diferenciar os que foram fiéis dos que não
visão, Ezequiel tinha alcançado o estágio foram. 10.1 "Trono de safira": corresponde
em que até os anciãos de Israel o visitavam à visão inicial de Ezequiel (cf 1.26). 10.2
regularmente para consultá-lo (cf 14.1; "Querubins": as majestosas criaturas do
20.1).2 "Figura como de fogo": "Como a cp. 1 são identificadas agora como queru-
de um homem" (NIV) - neste e nos versí- bins. Esses seres mitológicos são descritos
culos subsequentes Ezequiel é muito vago como estando sob, ou talvez mesmo sus-
em suas descrições da figura semelhante à tentando, o trono de Deus. Seu papel aqui
de um homem que ele viu. Ele tem muito como servos do Senhor está em harmonia
cuidado ao enfatizar que o que descreve é com o modo como são representados so-
como lhe pareceu, não que aqueles sejam bre a tampa da arca da aliança (Êx 25.18-
de fato os atributos fisicos do mensageiro 22) e com outras referências do AT que
divino. 3 "Porta do pátio de dentro, que descrevem o Senhor como "entronizado
olha para o norte": em sua visão, Ezequiel entre os querubins" (lSm 4.4; 2Sm 6.2;
é transportado para o templo em Jerusalém. 2Rs 19.15; lCr 13.6; SI 80.1; cf SI 18.10).
"Imagem dos ciúmes": possivelmente a Eles podem variar de alguma maneira em
imagem de Aserá, a deusa da fertilidade. sua aparência; em Ezequiel 41.18-20 é
Ao contrário dos ídolos mencionados pos- descrito um tipo de querubim com dois
teriormente neste capítulo, essa imagem rostos. 10.14 "Querubim": um dos quatro
está à vista do público. É uma provocação; rostos é descrito como o de um querubim e
está ali para levar os que por ali passam a não como o de um boi em 1.10. A diferen-
segui-la; ela incita ressentimentos entre os ça talvez se deva a um deslize do escriba
fiéis do povo de Israel; mas, acima de tudo, (cf 10.22). 11.3 "Não está próximo o tem-
ela provoca o ciúme de Deus. 4 "A glória po de construir casas": a tradução exata da
de Deus": ainda estava ali a despeito do que primeira metade desse versículo é incerta,
acontecia no templo. 7-12 Ezequiel vê ago- mas a impressão geral do versículo é que
ra uma idolatria de natureza mais secreta. os conspiradores estão tentando ler os si-
10 "Pintados"- isto é, gravados, esculpi- nais dos tempos e chegaram à conclusão
dos. 11 "Setenta homens dos anciãos": isto de que eles serão a elite da sociedade de
é, uma proporção substancial dos anciãos Jerusalém. Eles serão o corte de primeira,
de Israel. 14 "Tamuz" (também chamado e não os miúdos (cf v. 7,11). 11.13 "Ao
Dumuzi) era um deus da Babilônia cuja tempo em que eu profetizava": isto é, no
adoração incluía lamentações por sua des- decorrer da visão. 11.19 "Coração de pe-
cida ao mundo subterrâneo. 16 O insulto dra", "carne": um tema que será repetido
adicionado aqui é o da adoração ao sol em posteriormente (cf 36.26). 11.23 A glória
frente ao altar do templo. 17 "Ei-los a che- do Senhor finalmente deixa a cidade.
gar o ramo ao seu nariz": possivelmente
algum gesto cerimonial ligado à adoração 12.1-16 Uma mensagem encenada:
do sol. 9.1-11 Esse trecho é muito seme- a previsão do exilio
lhante a outros textos apocalípticos sobre o Nesse oráculo e no posterior, Ezequiel deve
juízo final. 9.3 A glória de Deus começa a encenar parte da mensagem que tem de
deixar o templo. A mensagem é bem clara. transmitir. Embora sua profecia seja sobre
A paciência de Deus é duradoura mas não a iminente queda de Jerusalém, ela é dirigi-
é eterna. Se persistirmos em nossa idola- da principalmente a seus companheiros de
tria ele terá de partir. 9.4 "Marca com um exílio na Babilônia. A mensagem tem dois
sinal": a marca da letra tau, a última letra elementos. O povo de Jerusalém sofrerá o
do alfabeto hebraico, cuja forma talvez se exílio. O rei (Zedequias) tentará fugir da
EZEQUIEL 12 1090
•
cidade, mas será capturado (cf 2Rs 25.4; de uma casa, e não o muro da cidade. Os
Jr 39.4). A passagem também alude ao des- tijolos de barro das paredes de uma casa
tino de Zedequias: Ezequiel deve cobrir o podiam ser escavados. Essa ação indica-
rosto (12.6,12,13). Zedequias será captura- ria a natureza desesperadora da fuga para
do e terá seus olhos vazados (2Rs 25.7). o exílio. 16 "Espada, fome e peste", um
Ezequiel teve de recorrer à representa- trio bastante comum no livro de Ezequiel.
ção da terrível mensagem tanto neste como A destruição causada pela guerra produzia
no oráculo seguinte. Era uma maneira de fome e enfermidades.
transmitir a informação àqueles que de ou-
tra maneira não a ouviriam. Muitas pessoas 12.17-20 Uma mensagem
ouvem somente aquilo de que gostam. encenada: o tremor de Israel
Algumas vezes elas têm de ser surpreen- Ezequiel deve encenar, com tremores, o
didas por algo novo. Nós cristãos deve- trauma do iminente ataque a Jerusalém e
mos ver isso como um desafio a examinar seus territórios vizinhos. Ele recebe or-
nossos meios de comunicar as boas novas. dens para que trema ao comer e beber.
Novas abordagens podem ser mais esclare- Ele terá de proclamar que os habitantes de
cedoras que as tradicionais. Jerusalém e Israel comerão com ansiedade
1-6 Deus diz a Ezequiel: "O teu povo e medo, devido à violência de todos os que
é rebelde. Eles apenas veem e ouvem nela habitam. A cidade e o campo serão de-
o que querem (2). Portanto, representa vastados. Então eles saberão que Deus é o
essas ações diante deles - pode ser que seu Senhor.
assim eles entendam: Prepara a bagagem Nota. 19 "Comerão com ansiedade":
de exílio, e de dia sai, à vista deles. Do cf 4.16, texto em que a ênfase da mensa-
lugar onde estás parte para outro lugar à gem encenada (cf 4.9-17) recai mais sobre
vista deles (3,4). À tarde abre um buraco a escassez de alimentos.
na parede à vista deles e sai por ali. Cobre
teu rosto para que não vejas nada, pois fiz 12.21-25 A profecia
de ti um sinal para Israel" (5,6). será cumprida ...
7-14 Ezequiel faz exatamente o que lhe Ezequiel não era o único que alegava pro-
foi ordenado. No dia seguinte, ele recebe clamar as mensagens de Deus (cf 13.1-23).
a segunda parte da mensagem, a qual ele O povo poderia, com alguma razão, chegar
deve transmitir a Israel quando eles lhe à conclusão de que todas estas profecias ja-
perguntarem o que ele está fazendo (7- mais aconteceriam. Muitas delasjátinham se
10). Ele deve lhes explicar que é um sinal mostrado falsas antes. Ezequiel adverte-os
para eles (11). Ao povo ele proclamará que de que desta vez será diferente.
essas ações dizem respeito ao príncipe de Há muitos "provérbios de consolo"
Jerusalém e a todo o Israel. Eles irão para que as pessoas usam quando confrontadas
o exílio, para o cativeiro. O príncipe arru- com verdades desagradáveis. Aqui encon-
mará suas coisas ao anoitecer e sairá por tramos um deles: "Prolongue-se o tempo,
um buraco na parede. Ele será capturado e e não se cumpra a profecia". Um segundo
levado para a Babilônia, onde morrerá (11- é encontrado no oráculo seguinte: "A vi-
13). Seus seguidores serão dispersos por são que tem este é para muitos dias, e ele
terras estrangeiras. Alguns irão sobreviver profetiza de tempos que estão mui longe".
para contar sobre as coisas abomináveis Ezequiel deve dizer a Israel: "Os dias es-
que ele fez. Então, saberão que eu sou o tão próximos bem como o cumprimento de
SENHOR (14-16). toda profecia. Porque já não haverá visão
Notas. 5 "Abre um buraco na parede": falsa nenhuma, nem adivinhação lisonjei-
a palavra "parede" aqui indica a parede ra, no meio da casa de Israel. Porque eu, o
1091 EZEQUIEL13
é, perderão sua posição entre a liderança caminho para Deus (Jo 14.6,7), outros "ca-
da cidade; não serão inscritos nos registros minhos" não poderão ser contemplados.
da comunidade, isto é, perderão os direi- 1-11 Deus fala a Ezequiel com respeito
tos que, como homens israelitas, tinham aos anciãos: "Esses homens são adorado-
na sociedade; também serão impedidos de res de ídolos - deveria eu permitir que me
retomar a Israel. 10 "Caiam": a aparência consultassem?". Ezequiel deve proclamar
externa pode parecer boa, mas a realidade a eles: "Arrependei-vos e abandonai a ido-
por trás é fraca e desprovida de substân- latria. Se alguém do povo de Israel - ou
cia. 18 "Invólucros feiticeiros [...] véus": um estrangeiro que more em Israel - pra-
a maneira precisa como essas mulheres ticar a idolatria, e então vier me consultar
praticavam sua magia não fica muito cla- por meio de um profeta, receberá uma res-
ra. O propósito da magia era seduzir e posta direta: ele servirá de exemplo para o
controlar suas vítimas. 19 "Punhados de povo e será removido do meio dele. Então
cevada e [...] pedaços de pão": essa era sabereis que eu sou o Senhor (4-8). Se tal
sua mísera remuneração. profeta for enganado e falar alguma coisa,
eu o Senhor o enganei. Ele será eliminado
14.1-11 A condenação da idolatria do meio do povo de Israel. E será tão cul-
Como profeta, Ezequiel deve ter sido con- pado como aquele que o consultar. Então
sultado pelos exilados, ávidos por uma Israel não mais se desviará. Eles serão o
mensagem de Deus. Parece que sua posi- meu povo e eu serei o Deus deles" (9-11).
ção era tal que mesmo os anciãos de Israel Notas. 7 "Estrangeiros": a proibição
iam ter com ele para perguntar sobre Deus, é aplicada também àqueles que não per-
isto é, para ouvir um oráculo (cf 20.1-3). tencem ao povo de Israel. 9 "Enganado":
Nessa ocasião foi revelado a Ezequiel Se o profeta for digno de seu chamado,
que os anciãos estavam divididos na ques- receberá a revelação (como no caso de
tão da lealdade. Alguns adoravam não só Ezequiel) que ele não deve profetizar
ao Senhor, mas também a outros deuses. quando for consultado. Se o profeta não
A mensagem de Ezequiel foi direta: eles for digno de seu chamado, Deus permitirá
deveriam se arrepender e abandonar a que seja seduzido a profetizar, e tal profe-
idolatria. Qualquer um que tentasse ado- ta sofrerá as consequências,
rar aos ídolos e ao mesmo tempo consul-
tar um profeta de Deus seria punido. Caso 14.12-23 O julgamento de Israel não
o profeta atendesse suas petições, ele será evitado pela retidão de alguns
também seria punido (v. tópico similar Vários dos oráculos de Ezequiel tratam
em 20.1-44). da questão da culpa e da responsabilidade
Não há indicações de que os anciãos (3.16-21; 18.1-32; 33.1-20). Amoral deste
não criam no Deus de Israel. O problema é oráculo é que uma comunidade não pode
que eles também criam em outros deuses. esperar fugir à punição decorrente de sua
Ninguém pode servir a dois (ou mais) se- culpa ficando na dependência da retidão
nhores (Mt 6.24). Só pode haver um. Em de alguns poucos de seus membros. Uma
contraste com o contexto pluralista dos sociedade corrupta não pode esperar ser
dias de hoje, pode parecer atraente manter absolvida com base na presença de uns
em aberto nossas opções e aceitar vários poucos justos em seu meio. Nem o fato de
deuses. Essa verdade nos confronta quando se ter um ancestral piedoso pode expiar as
nos deixamos envolver profundamente por faltas de uma família corrupta (16,18,20).
uma determinada religião e percebemos Ezequiel exorta Jerusalém a não incorrer
que ela é incompatível com as demais. Por em tal erro. Seu castigo está chegando, ain-
exemplo, se Cristo é o único e verdadeiro da que alguns sejam salvos.
o oráculo descreve os "quatro maus
1093 EZEQUIEL 16
juízos" que afligirão a terra: fome (13,14), antes do cerco (em 597 a.C.), e não houve
as bestas-feras (15,16), a espada (17,18), melhora depois.
e a peste (19,20). Tais desastres estão in- O castigo não necessariamente traz pe-
terligados. Uma guerra desgastante trará nitência. A mudança de coração é o único
consigo fome, enfermidades e predado- e verdadeiro caminho para a mudança de
res. Tem havido muito debate acerca da comportamento.
hipótese de desastres modernos terem ou 1-8 Deus quer saber de Ezequiel: para
não alguma ligação direta com o juízo di- que serve o galho da videira? E quando é
vino. A terrível mensagem de Ezequiel é lançado ao fogo e queimado, para que ser-
que alguns dos desastres naturais são ju- vem seus tocos torrados (2-5)? A palavra
ízos divinos. Contudo, podemos observar do Senhor é que o povo de Israel será tra-
que a tarefa de Ezequiel não é exultar, tado como essa videira. Eles já passaram
mas avisar, para que o povo se arrependa pelo fogo, mas passarão por ele novamente
de seus caminhos. (6,7). E saberão que eu sou o Senhor que
12-23 O Senhor diz a Ezequiel: "Se desolará a terra por causa de sua infideli-
eu punir uma nação por sua infidelidade dade (8).
ao enviar a fome sobre ela, mesmo aque- Nota. 7 "O fogo os consumirá": um
les com caráter exemplar serão capazes de outro cerco acontecerá.
salvar apenas a si próprios" (13,14). "Se
bestas-feras forem enviadas para assolar a 16. 1-63 Jerusalém: a esposa
terra, ou se a guerra for declarada contra a promíscua e infiel
nação, ou se a peste se espalhar por toda Israel é descrito como uma esposa adúl-
a nação, aqueles com caráter exemplar se- tera, que se entrega à prostituição com os
rão capazes de salvar apenas a si mesmos. egípcios, assírios e babilônios. Seu castigo
Nem mesmo seus filhos e filhas serão sal- virá pelas mãos dos próprios amantes que
vos (15-20). Assim será para Jerusalém, procurou.
embora alguns sejam salvos" (21,22). A imagem pode parecer um tanto forte
Nota. 14 "Noé, Daniel e Jó": esses três para o gosto moderno, mas a escolha da
são destacados por sua extraordinária re- metáfora foi muito apropriada. Em seus re-
tidão. O nome "Daniel" é escrito de ma- lacionamentos internacionais, Israel tinha
neira diferente do usual (cf também 28.3) rapidamente absorvido outras religiões,
e pode se referir a um herói da literatura crenças e práticas. Seu relacionamento com
ugarítica. Muitos comentaristas acreditam outras sociedades o tinha exposto a mui-
que o Daniel do AT ainda não era conheci- tas ideias pagãs. Algumas dessas práticas
do nesse período. 21 "Quatro [...] juízos": incluíam o sacrifício de crianças e a ado-
os mesmos quatro que são citados em ração a ídolos (20,21); outra linha impor-
Apocalipse 6.8. tante incluía rituais de práticas sexuais. A
atividade sexual não era incluída nesses
15.1-8 Jerusalém: a videira inútil rituais meramente para a satisfação dos
A videira é geralmente vista como uma participantes, mas estava ligada à fertilida-
planta produtiva e valiosa nas imagens do de, e a fertilidade, quando aplicada à terra,
AT e como um símbolo de Israel, o povo significava alimento e sobrevivência. Não
escolhido de Deus (cf Is 5). Neste oráculo, obstante, luxúria e promiscuidade devem
destaca-se que o galho seco da videira não ter estado presentes nesses rituais.
tem valor. Tem menos valor ainda depois As práticas condenadas neste capítulo
de lançado ao fogo e queimado. O povo de incluem atos sexuais com ídolos (17) e pros-
Jerusalém tem sido como esse galho seco tituição como parte do culto (16,24,25,31).
EZEQUIEL 16 1094
Parece que a prostituição como parte do daquilo que fiz por ti (15-22). Ai de ti! Tua
culto, que tinha sido parte do ritual nos "lu- promiscuidade aumentou. Tu te entregaste
gares altos", isto é, nos santuários dos mon- publicamente a estrangeiros, de todos os
tes (16), veio a ser praticada abertamente lugares ao teu redor, e até mesmo os su-
nas próprias ruas de Jerusalém (24,25). bornaste para que viessem adulterar con-
Uma peculiaridade interessante sobre tigo (23-34).
o tema sexual no capítulo é o fato de que 35-42 "Por causa de tua promiscuida-
Sodoma e Samaria são citadas como ir- de e dos rituais pagãos eu te humilharei
mãs em pecado de Jerusalém (46,47). No e punirei diante dos teus amantes. Eles te
entanto, o pecado de Sodoma, aqui desta- despirão e apedrejarão. A tua prostituição
cado, é sua arrogância e falta de preocu- cessará e minha fúria se aquietará.
pação social pelos pobres e necessitados 44-58 "Teu comportamento é coisa de
(49,50). Jerusalém é citada como sendo família. Tuas irmãs, Samaria e Sodoma,
mais comprometida com a iniquidade do eram como tu, mas tu és ainda mais depra-
que suas irmãs. Além disso, tanto Sodoma vada do que elas. Eu restaurarei a sorte de
como Samaria serão restauradas, aumen- Sodoma e Samaria, aumentando assim a
tando a vergonha de Jerusalém (53-55). tua vergonha. Mesmo agora todos ao teu
Entretanto, há esperança. Depois da que- redor zombam de ti.
da e a punição de Jerusalém, o mesmo 59-63 "Embora tenhas quebrado a mi-
pretendente que a salvou no nascimento nha aliança, eu me lembrarei da aliança
(4-7), que a tomou em casamento (8), que que fiz contigo, e estabelecerei contigo
a vestiu com elegância, ainda lembrará de uma aliança eterna. Então te lembrarás,
sua promessa (59-62). com vergonha, do que fizeste".
O amor de Deus para com o seu povo é Notas. 3 "Amorreu [00'] heteia": Jeru-
frequentemente comparado ao amor de um salém existira muito antes se tomar uma ci-
marido por sua esposa; porém, enquanto dade de Israel. 4 "Esfregada com sal": uma
um marido, como ser humano mortal, pode prática que provavelmente tinha um efeito
rejeitar, desprezar e até mesmo odiar uma antisséptico. O ponto do versículo é que
esposa promíscua e infiel, Deus é paciente a recém-nascida fora ignorada ao nascer.
e justo e se lembrará de suas promessas a 5,6 O bebê fora abandonado a céu aberto,
seu povo, mesmo quando este se desviar. ainda esperneando no sangue do parto.
A demanda pela fertilidade aparece Essa prática não era incomum nas socieda-
nos dias de hoje nessa frenética busca do des antigas. 8 "Estendi sobre ti as abas do
mundo "desenvolvido" por prosperidade meu manto": Este ato representava pedir a
econômica como o principal objetivo da donzela em casamento (cf Rt 3.9). 9 "Te la-
vida. A adoração de bens materiais e das vei com água e te enxuguei do teu sangue":
forças de mercado tomou o lugar de Baal, esses versículos transmitem a total mudan-
mas não é menos idólatra. ça na condição de Jerusalém. Quando nas-
1-34 Ezequiel é instruído a confrontar ceu, fora abandonada suja de sangue, nua,
Jerusalém e proclamar: "Quando nasceste, envolta no sangue do próprio nascimento.
foste desprezada (2-5). Tive dó de ti e te Agora fora pedida em casamento, lavada e
salvei. Quando alcançaste a maturidade, vestida com as mais finas roupas. 15-19 As
tomei-te como esposa e te adornei com próprias roupas e ornamentos que a noiva
joias e roupas (6-14). Eras famosa por tua recebera como presentes são usados para
beleza. Contudo, usaste essa beleza para te sua prostituição. 27 "Diminuí a tua por-
entregares à prostituição. Tu te entregaste ção": "Reduzi o seu território" (NVI) - Um
aos ritos sexuais pagãos e a outros tipos exemplo em que a alegoria relata um fato:
de práticas de idolatria. E te esqueceste em 701 a.C., Senaqueribe deu uma parte
1095 EZEQUIEL 18 <
do território de Jerusalém aos filisteus. 9-21 "O Senhor Deus pergunta: 'A vi-
35-42 O castigo de Jerusalém será como o deira sobreviverá? Suas raízes não serão
de uma prostituta - humilhação e destrui- arrancadas e então ela não secará?' (9,10).
ção. 60-63 A promessa da aliança eterna Não sabeis o que significam essas coisas?
ainda subsiste, embora Jerusalém venha a O rei da Babilônia veio a Jerusalém e to-
se envergonhar de seu passado. mou o rei e seus príncipes e os levou consi-
go para a Babilônia (11,12). Tomou um da
17. 1-24 Águias, cedros e uma família real, e fez aliança com ele; também
videira - uma parábola política tomou dele um juramento, levou os pode-
O capítulo se divide em três seções: Os rosos da terra, para que o reino ficasse sub-
v. 3-10 trazem a alegoria das águias e da jugado e mantido sob seu controle (13,14).
videira; os v. 11-21 trazem a explicação Entretanto, o rei se rebelou e pediu ajuda
dessas alegorias; e os v. 22-24 trazem uma militar ao Egito. Será ele bem-sucedido?
futura promessa alegórica. Não, ele morrerá na Babilônia. O Egito
A alegoria se relaciona a acontecimen- não será de grande ajuda. E ele será punido
tos políticos da época. A primeira águia por quebrar seu juramento (15-21).
representa Nabucodonosor e a segunda 22-24 "Também eu tomarei a ponta de
representa o faraó. O cedro do Líbano re- um cedro e a plantarei sobre um monte alto
presenta a família real em Jerusalém, e e sublime. No monte alto de Israel, eu o
seu ramo mais alto, a nobreza. A "muda plantarei, e produzirá ramos, dará frutos e
da terra" era um membro da família real, a se fará cedro excelente. Saberão todos que
saber, Zedequias, que fora colocado como eu, o Senhor, o fiz" (22-24).
governante em Jerusalém. Ele já não era Notas. 11-14 A Babilônia tinha colo-
um cedro alto, mas uma "videira mui larga, cado em prática a clássica estratégia de
de pouca altura", isto é, seus poderes eram transformar Israel em um estado- fantoche.
limitados. No entanto, Zedequias plane- Deportaram a família real, mas deixaram
jou se rebelar contra Nabucodonosor, com um de seus membros, o mais fraco, no
a ajuda do Egito. Esse plano resultou em cargo. Esse indivíduo, isto é, Zedequias,
grande fracasso. foi forçado a assinar um tratado com a
Essa parábola ilustra o ponto de que Babilônia, assegurando a "sujeição" de
a arena política não está fora do alcan- Israel. Todo mundo que fosse considera-
ce da lei de Deus. Zedequias, em nome do significativo no governo do país foi
de Deus, tinha firmado um tratado com deportado. Essa ação assegurou que fos-
Nabucodonosor. Embora Nabucodonosor se dificultada a organização (e adminis-
possa ter sido um rei pagão bastante cruel, tração) de qualquer eventual resistência.
Zedequias ainda assim tinha a obrigação 16 "No meio da Babilônia será morto":
moral de honrar seu juramento. 2Reis 25.1-17 relata o cerco de Jerusalém
1-8 Ezequiel deve contar esta parábola e a consequente captura de Zedequias por
a Israel: "Uma linda águia veio do Líbano Nabucodonosor. Cegaram a Zedequias e
e arrancou a ponta mais alta do cedro e a o levaram acorrentado para a Babilônia.
plantou em uma cidade famosa por sua 22-24 Uma outra mensagem de esperan-
atividade comercial (2-4). Também tomou ça: um dia um novo rei aparecerá e come-
uma muda da terra e a plantou em solo fér- çará um reinado.
til. A muda cresceu e se tomou numa fron-
dosa videira. A princípio, a videira virava 18.1-32 A responsabilidade
seus ramos para a águia (5,6). Quando uma do indivíduo
segunda águia apareceu, a videira estendeu Este oráculo tem o objetivo direto de des-
seus ramos para ela" (7,8). truir a crença de que as pessoas carregam a
EZEQUIEL 19 1096
culpa ou o mérito de seus pais. Essa crença Notas. 2 (cf Jr 31.29) Jeremias também
toma expressão na forma de um provérbio havia profetizado que esse provérbio teria
já citado no v. 2. Essa visão podia funcio- fim. O provérbio pressupõe que as pessoas
nar nos dois sentidos. O oráculo prosse- possam sofrer devido aos pecados de seus
gue, expondo um exemplo de cada: (a) um ancestrais. 6-9 Uma lista seletiva de peca-
filho iníquo não escapará do castigo por dos é fornecida aqui. A lista tem correlação
causa da retidão de seu pai (5-13) e (b) um com aquela dos v. 11-13 e 15-17. 19 Parece
filho que age com retidão não será castiga- ter sido este o ponto em que o pronuncia-
do pelo mal praticado por seu pai (14-18). mento do profeta foi questionado. A grande
Este é um princípio declarado no v. 4: A importância que herança e comunidade ti-
alma que pecar, essa morrerá. Ezequiel nham nas culturas do Oriente Médio toma-
também se opõe à ideia de que a salvação va essa visão mais penosa do que pode pa-
consiste unicamente em acumular méritos recer às sociedades individualistas de hoje.
durante toda a vida de um indivíduo, e usar Hoje culpamos a "sociedade", em vez de
esse saldo positivo para contrabalançar nossos ancestrais, por nossas aflições. Em
suas iniquidades. Essa noção é rejeitada ambos os casos não aceitamos a culpa que
com firmeza. Caso um homem perverso se nos cabe e somos tentados a colocá-la em
converter de seus caminhos, ele viverá. Se outra pessoa.
um homem bom se voltar para o mal, ele
será castigado (21-28). Esse conjunto de 19.1-14 Lamentos pelos
pronunciamentos parece ter sido conside- príncipes de Israel
rado injusto (29). Esse capítulo é um lamento que retrata de
2-4 A palavra do Senhor é contrária ao forma alegórica a queda da dinastia daví-
ditado popular, pois a pessoa que comete dica. Uma leoa (Israel) dá à luz a vários fi-
o pecado será também a castigada por co- lhotes (reis) que crescem e se tomam fortes
metê-lo. 5-9 Se um homem justo fizer o leões. Entretanto, um dos reis é capturado
que é justo e direito, viverá. 10-13 Se tiver e levado para o Egito. Outro é apanhado,
um filho violento, impuro e opressor, esse preso e levado para a Babilônia (em 597
filho deverá morrer devido a seus próprios a.c. cf 2Rs 25.1-7).
pecados. 14-18 Por outro lado, se um ho- No v. 10, a imagem muda, e Israel é
mem tiver um filho que evita a iniquidade comparado a uma vinha que, embora forte
de seu pai e age com retidão, esse filho no passado, foi arrancada e transplantada
não será castigado pelos pecados de seu no deserto (isto é, na Babilônia). O fogo
pai. Ele viverá. 19,20 O filho não compar- se espalhou por um de seus ramos e con-
tilhará da culpa do pai, nem o pai da do sumiu seus frutos. Nenhum de seus fortes
filho. 21,22 Entretanto, se um homem per- ramos foi poupado. Essa é uma referência
verso se afastar de seus pecados e começar à deportação dos príncipes de Israel para
a fazer o que é justo e direito, ele deve vi- a Babilônia, por Nabucodonosor. A rebel-
ver. 24 Por outro lado, se um homem justo dia de Zedequias (o fogo de um dos ramos
e direito se voltar para a iniquidade, ele da videira) causou uma reação tão forte
deve morrer. na Babilônia que a dinastia davídica foi
25-29 Apesar do que diz Israel, esse exterminada.
ensinamento não é injusto. 30,31 Cada O lamento salienta o fato de que as
pessoa será julgada de acordo com o que glórias passadas não são garantia para o
fez. Assim, arrependam-se - e busquem futuro. A civilização ocidental tem vivido
um coração novo e um espírito novo. O em função de sua herança cristã, mas a fé
Senhor não tem prazer na morte de nin- verdadeira ficou para trás. A herança está
guém (23,32). desaparecendo rapidamente.
1097 EZEQUIEL 20 - : :
1-9 Ezequiel deve levar este lamento O oráculo de Ezequiel começa, muito
aos príncipes de Israel: "Sua linhagem real apropriadamente, com referências ao tem-
uma vez produziu um leão que se tomou po em que o povo de Israel foi forçado a
forte e devorador de homens. As nações viver nas terras de outra superpotência
ouviram falar dele, capturaram-no e o leva- - o Egito. O ciclo de advertência, rebel-
ram com ganchos para o Egito" (2-4) Um dia e restauração é repetido várias vezes.
segundo leão se tomou forte. Ele era um Mesmo ferido, o povo de Israel prefere se-
devorador de homens. Ameaçava as cida- guir as religiões das outras nações (24,32).
des e aterrorizava os habitantes da terra. As Enfim, as promessas e advertências são
nações vieram, capturaram-no numa arma- combinadas. O povo de Israel será reunido
dilha e o levaram para o rei da Babilônia, dos países pelos quais está espalhado, mas
onde o prenderam (5-9). detestará a si mesmo pelo que fez.
10-14 Sua linhagem real já fora como O oráculo ilustra a tolerante paciência
uma videira exuberante com muitos ramos. de Deus ao lidar com seu povo ao longo
Então, foi arrancada. O vento oriental se- dos séculos. Ele permanece fiel, apesar da
cou seus frutos, secou seus ramos, e o fogo teimosa rebeldia.
a consumiu. Agora ela está plantada no 1-17 Alguns dos anciãos de Israel visi-
deserto. O fogo consumiu os seus ramos tam Ezequiel para uma consulta. Ezequiel
e frutos. Nela não há mais nenhum ramo recebe a ordem de proclamar: "Tão certo
forte que sirva como cetro real. como eu vivo, vós não me consultareis
Nota. 12 "Vento oriental": isto é, a (2,3). No dia em que escolhi a Israel e me
Babilônia. revelei a eles no Egito, eu jurei tirá-los do
Egito para uma terra de fartura (5,6). Pedi a
20. 1-44 A persistente eles que abandonassem a idolatria egípcia,
rebeldia de Israel mas eles não o fizeram. Em vez de puni-
Como em 14.1-11, alguns anciaos de los, por amor do meu nome, eu os tirei da
Israel visitam Ezequiel para uma consul- terra do Egito (7-10). No deserto lhes re-
ta. Ezequiel é avisado novamente sobre a velei minha lei (11,12). Mesmo no deserto
duvidosa lealdade de seus visitantes. Ele eles se rebelaram, mas não foram destruí-
profere um longo oráculo, lembrando vá- dos - apesar das advertências (13-17).
rios exemplos da história de Israel em que 18-26 "A seus filhos pedi e adverti (18-
o povo havia praticado a idolatria. 20), mas não os destruí, a despeito de sua
O fato de que vieram consultar Ezequiel desobediência (21,22). Eu jurei a eles no
demonstra que os anciãos não trocaram in- deserto que seriam dispersos entre as na-
teiramente sua devoção a Deus por outros ções devido à sua desobediência (23,24).
deuses. Contudo, a pressão estava presen- Também os entreguei a decretos injustos e
te. Os exilados eram uma pequena minoria leis intoleráveis (25). Permiti que se conta-
em uma imensa sociedade multicultural. A minassem com práticas como o sacrificio
religião da Babilônia cultuava uma grande dos primogênitos. Eu o fiz para horrori-
quantidade de deuses. Sem dúvida a rique- zá-los e para que soubessem que eu sou o
za material e o poderio da Babilônia - até Senhor" (26).
mesmo suas magníficas edificações - pa- 27-38 "Vossos pais também me insul-
reciam provar a alguns dos exilados que taram ao usar todo o tipo de lugares altos
valia a pena seguir os deuses da Babilônia. e árvores frondosas como local de sacri-
Assimilar o modo de vida e seguir os ca- ficios (27,28). Ireis contaminar-vos como
minhos do povo da Babilônia seria fácil. vossos pais (30)? Eu não serei consultado
(Para um comentário sobre o assunto, v. por vós (31). Talvez desejais ser como as
cp. 1 do livro de Daniel). outras nações, servindo às arvores e às
EZEQUIEL 20 1098
pedras, mas isso de maneira alguma acon- 46-49 Ezequiel deve proclamar para o
tecerá (32). Eu hei de reinar sobre vós e sul e para o bosque do campo do sul (46):
julgar-vos. Sereis separados daqueles que "O Senhor diz que está a ponto de incen-
se rebelam contra mim. Então sabereis que diá-lo. A chama não se apagará. Todos os
eu sou o Senhor" (33-38). rostos serão queimados. E todos os homens
39-44 "Servi a vossos ídolos, Israel, verão que eu, o Senhor, o acendi" (47,48).
mas mais tarde me ouvireis. No meu san- Os ouvintes de Ezequiel diziam que ele es-
to monte toda a casa de Israel me pres- tava proferindo parábolas (49).
tará culto (39-41). Sabereis que eu sou o Notas. 46 "Sul" aqui se refere a
Senhor quando eu vos trouxer para a terra Jerusalém e aJudá. 47 "Desde o Sul até
de Israel (42). Tereis nojo de vós mesmos, ao Norte": A profecia na verdade adverte
quando lembrardes de vossa conduta pas- sobre uma calamidade que consumirá toda
sada. Sabereis que eu sou o SENHOR quan- a terra de Israel. 49 Parece que Ezequiel
do eu proceder para convosco por amor do algumas vezes enfrentava falta de credibi-
meu nome" (43,44). lidade. Suas profecias sobre o julgamento
Notas. 1 "Sétimo ano"; isto é, 591 a.C. eram consideradas "simbólicas".
"Consultar" cf 8.1; 14.1 9 "Por amor do
meu nome"; o nome do Senhor identifica 21.1-7 Julgamento pela espada
toda a personalidade de Deus, não apenas Nesta segunda profecia a imagem se tor-
sua reputação. 25 Lhes dei - Deus per- na mais precisa. A referência à espada
mitiu que escolhessem seus caminhos, - símbolo da guerra - dá uma clara
mesmo que estes os levassem a práticas indicação da natureza militar do desas-
injustas (como o sacrifício de crianças). tre. Ezequiel é conhecido por sua ênfase
29 "Lugar alto"; "Bama" (NIV) - um leve na responsabilidade e recompensa indivi-
trocadilho é usado aqui. A palavra bãmâ, duais (cf 3.16; 33.1-20); portanto, é digna
que significa lugares altos, começa como de nota a sua afirmação de que o iminente
a palavra bã 'im, que significa cantos. 37 desastre afligirá tanto o justo como o per-
"Debaixo do meu cajado": (cf Lv 27.32; verso. Ser correto não garante imunidade
Jr 33.13). A imagem é de um rebanho pas- contra a aflição. Aqueles que reivindicam
sando sob o olhar perspicaz do pastor. proteção exclusiva do Senhor podem estar
exercitando grande fé, mas também es-
20.45-49 Julgamento pelo fogo tão ignorando boa parte das advertências
Este oráculo é o primeiro de um grupo de das Escrituras.
quatro profecias que advertem sobre a imi- Ezequiel deve proclamar a Jerusalém:
nente calamidade que recairia sobre a terra "O Senhor está contra ti. Empunhará sua
de Israel. As profecias ficam progressiva- espada para eliminar tanto o justo quanto
mente mais específicas. o ímpio" (2-4).
Como alguns dos outros oráculos (e.g., Deus diz a Ezequiel: "Suspira de cora-
12.26-28), a mensagem de Ezequiel encon- ção quebrantado e com amargura! Quando
tra obstinação e incredulidade. Seus pro- o povo te perguntar por que estás fazendo
nunciamentos são vistos como parábolas isso, dize-lhes que é por causa das terríveis
- símbolos brutais para uma realidade que notícias que estão chegando (6,7). E eis
eles esperavam ser menos brutal. Estamos que elas vêm e se cumprirão".
sempre ávidos para saber o que o futuro Notas. 3 "Espada": a imagem da espa-
pode nos trazer, mas somente se estiver de da também é utilizada nos dois oráculos
acordo com aquilo que queremos. De outro seguintes. 6 "Suspira": A proclamação de
modo, temos a tendência de não levar em Ezequiel deve ser acompanhada por um
conta nem mesmo os sinais mais óbvios. outro ato simbólico (o sétimo).
l1li
1099 EZEQUIEL 22 l1li-
l1li.
sua iniquidade acelerou seu fim. A lista de 17-22 Ezequiel recebe a palavra de que
maldades vai do social ao sagrado: derra- Israel se tomou como as impurezas encon-
mamento de sangue (3,9), idolatria (3,4), tradas na prata ainda não refinada. (18)
abuso de poder (6), tratamento cruel de Assim ele deve proclamar: "Eu vos ajunta-
vários grupos sociais (7), profanação rei no meio de Jerusalém do mesmo modo
dos sábados (8), paganismo (9), conduta que os homens ajuntam a prata com suas
sexual imprópria e incesto (10,11), su- impurezas em uma fornalha. O forte calor
borno e extorsão (12). A punição devida de minha ira fará com que sejais fundidos
significará a dispersão do povo por todas como os metais no processo de fundição.
as terras. Sabereis que derramei meu furor sobre
1-16 Ezequiel deve confrontar Jeru- vós" (19-22).
salém por todas as suas práticas abomi- Nota. 19 "Eis que vos ajuntarei no
náveis (2) e proclamar a ela: "Você é uma meio de Jerusalém": aqui e no v. 20 há a
cidade que se tomou culpada por derramar indicação do iminente cerco da cidade.
sangue em seu próprio meio e por fazer
ídolos para se contaminar. Você será obje- 22.23-31 Injustiça na terra:
to de zombaria das nações (3-5). Há todo o corrupção em todos os níveis
tipo de corrupção em seu meio, mas eu po- A corrupção na sociedade de Israel trans-
rei um fim nisto (6-13). Você será dispersa cendia posição e classe social. Ela também
entre as nações. Então saberá que eu sou o assumia as mais variadas formas.
SENHOR" (14-16). A corrupção de uma sociedade pode ir
Notas. 2 "Abominações": essa ex- além do nível individual. Pode se tomar
pressão ocorre muitas vezes em Ezequiel, parte das instituições - tanto civis quanto
frequentemente para denotar ações que religiosas - da sociedade. Pode ser fácil
tomavam o agente ritualmente impuro aceitar certas práticas só porque elas são
(cf v. la). 9 "Comem carne sacrificada "o que todo mundo faz", ou por serem
nos montes": isto é, comem a carne que apoiadas pelas hierarquias, mas isso não
tinha sido sacrificada aos ídolos nos "lu- as justifica. Algumas vezes o suborno tam-
gares altos" (cf 18.6; 6.3). 10 "No prazo bém pode se tomar parte do dia-a-dia na
de sua menstruação": como sacerdote, condução de negócios. O tratamento injus-
Ezequiel estava claramente preocupado to dos mais fracos na sociedade também
com a pureza cerimonial e a profanação. é largamente difundido. Normalmente os
Muitos dos pecados listados nesses versí- indivíduos se sentem impotentes em face
culos eram mencionados na lei (cf Lv 18; de tal corrupção.
20). 16 "Profanada": A própria punição de 23-31 Ezequiel deve dizer à terra: "Tu
Israel é chamada de profanação. és uma terra árida (24), teus governantes
oprimem o povo (25); teus sacerdotes
22.17-22 A fundição de Israel profanam a minha lei (26); teus oficiais
A punição de Israel é comparada ao fogo matam por dinheiro (27); teus profetas di-
de uma fornalha: a escória será removida. vulgam visões falsas (28), teu povo opri-
As ideias modernas de guerra ou puni- me, extorque e rouba (29). Eu procurei
ção normalmente incluem conceitos como nessa terra por alguém que permanecesse
retribuição e ou regeneração. Aqui encon- firme, mas não pude encontrá-lo. Por isso
tramos o conceito de purificação. A cor- derramei a minha indignação sobre teus
rupção estava arraigada demais para que habitantes" (30,31).
fossem feitas mudanças sociais menores. Nota. 30 "Tapasse o muro": não havia
Tudo teria de ser mudado para que fosse ninguém que fosse suficientemente reto para
possível um novo recomeço. interceder junto a Deus em favor do povo.
1101
...
EZEQUIEL 23 . . .
23.1-49 Oolá e Oolibá - irmãs ela passou a ter saudades dos tempos do
adúlteras Egito, com seus bem dotados garanhões
Este capítulo tem um tema bastante seme- egípcios" (11-21).
lhante ao do cp. 16: Jerusalém e sua irmã 22-35 Ezequiel deve proclamar a
Samaria se prostituíram com as práticas Oolibá: "Eu suscitarei contra ti os teus
pagãs das nações vizinhas, em particular amantes. Os assírios e os babilônios te cer-
o Egito, a Assíria e a Babilônia. Elas de- carão e punirão. Eu trarei minha ira con-
vem arcar com as consequências de seus tra ti e colocarei um fim em tua perversão
atos. As diferenças entre os dois capítu- (22-27). Eu te entregarei nas mãos de seus
los se encontram principalmente em suas ex-amantes, a quem agora detestas (28).
ênfases. A natureza militar e política da Eles te humilharão (29,30). Assim como
associação de Israel com a Assíria e com tua irmã Samaria, beberás do copo da de-
a Babilônia é destacada pela descrição solação (31-34). Uma vez que me viraste
de seus amantes assírios e babilônicos as costas, deves suportar o peso de tua ini-
como guerreiros em uniformes completos quidade" (35).
(5,14,15). Eles trarão sobre ela a retribui- 36-49 Ezequiel deve confrontar Oolá
ção por seus atos. Essa retribuição é tam- e Oolibá sobre suas más ações: adultério,
bém descrita em termos de ataque militar derramamento de sangue, rituais sexuais
e pilhagem (24-26; 46-47). pagãos, sacrifícios de crianças, e profana-
Aqui as alianças políticas de Israel ção tanto do santuário quanto do sábado
não são condenadas por si mesmas. Elas (36-39). A sedução de estrangeiros (40-42)
formaram a base para uma penetração so- acabou em prostituição, adultério e der-
cial e religiosa de crenças pagãs na cultu- ramamento de sangue (43-45). Ele deve
ra de Israel que os israelitas prontamente proclamar: "Deixai-as morrer e assim farei
acolheram. cessar a luxúria na terra (46-49). Então sa-
Os pecados do povo de Israel não são bereis que eu sou o Senhor".
vistos por Deus de maneira neutra e im- Notas. 4 Os nomes Oolá e Oolibá pa-
parcial. Antes, como um marido vê a infi- recem ter ligação com a palavra "tenda"
delidade de sua mulher tanto com tristeza no hebraico. Embora muitos comentaris-
quanto com ira, assim Deus enxerga o pe- tas sugiram que isso implica uma conexão
cado de seu povo (cf cp. 16). com o culto (e.g., com a tenda do santuá-
1-10 O Senhor diz a Ezequiel: "Havia rio), isso pode simplesmente indicar a ori-
uma vez duas irmãs, Oolá, isto é, Samaria, gem nômade do povo. "Minhas": embora o
e Oolibá, isto é, Jerusalém. Em sua juven- texto não diga explicitamente que as filhas
tude, no Egito, elas se perderam na pros- eram noivas do Senhor, este versículo e o
tituição (3,4). Elas eram minhas esposas, v. 5 sugerem implicações desse relaciona-
mas Oolá se encheu de cobiça pelos assí- mento (cf 16.8,9). Assim, a prostituição
rios, e se prostituiu com eles (5-8). No final de Israel também é adultério. 5-10 A ob-
eu a entreguei nas mãos dos assírios, eles a sessão de Samaria pela Assíria provoca
despiram e a mataram (9,10). sua destruição. Samaria caiu nas mãos da
11-21 "Oolibá era pior que sua irmã. Assíria em 722-721 a.C. 14 "Caldeus":
Ela também cobiçou os assírios, depois embora o termo mais tarde passasse a ser
desenvolveu desejo pelos babilônios. sinônimo de "babilônios", os caldeus eram
Depois que estes a violaram, ela se afas- uma raça distinta do sul da Babilônia (cf
tou desgostosa. Do mesmo modo, dela 23). 23 "Pecode": uma região no leste da
me afastei (como também tinha me afas- Babilônia. A identificação de Soa e Coa
tado de sua irmã) quando sua prostituição é duvidosa. 24 "Multidão de povos": em
se tomou exageradamente flagrante. Aí Ezequiel esse termo (cf 46-47 - "turba")
EZEQUIEL 24 1102
grande riqueza, e a grande riqueza leva- uma conduta acima de qualquer acusação
ra à arrogância. O rei de Tiro é descrito (15). Contudo, tua vasta atividade comer-
como aquele que acreditava ser tão sábio cial te levou à opressão. Teu esplendor te
quanto um deus. A profecia advertia que a deixou orgulhoso e corrompeu o teu pen-
pena para tal arrogância seria humilhante e samento. Tuas variadas práticas comer-
definitiva. Outros exemplos desse tipo de ciais desonestas levaram à profanação de
arrogância e da subsequente queda são fa- teus santuários. Assim, foste expulso de
cilmente encontrados na história e nos dias teu paraíso e lançado por terra (16-18). As
de hoje. nações que te conheciam espantaram-se
1-10 Ezequiel deve proclamar ao rei ao te ver" (19).
de Tiro: "Tu pensas ser um deus, mas não Notas. 13 As pedras preciosas aqui
és (1,2). Tua astúcia e perspicácia co- listadas foram usadas como uma alusão às
mercial te trouxeram grande recompensa vestes do sumo sacerdote (Êx 28.17-20),
econômica (3-5a), o que a seu turno te embora as divindades pagãs também fos-
tornou orgulhoso (5b). Devido a esse or- sem algumas vezes vestidas com trajes re-
gulho, terás morte humilhante nas mãos pletos de joias. A ênfase aqui é colocada na
de estrangeiros. Quando eles te confron- riqueza do rei (e também na opulência da
tarem, serás apenas um mortal, e não um cidade de Tiro). 14-16 O exato significado
deus" (7-10). da palavra "querubim" não é muito claro
Notas. 2 "No coração dos mares": par- e depende de qual versão bíblica esteja
te da cidade de Tiro consistia em uma ilha sendo seguida. Na NVI, e.g., o rei de Tiro
(v. comentários anteriores). 3 "Daniel": v. é elevado à posição de querubim, ou teve
nota em 14.14,20. 7 "Os mais terríveis es- um querubim designado como seu guar-
trangeiros dentre as nações": uma alusão à dião. Ambas as versões apontam para sua
Babilônia. 10 Os habitantes de Tiro prati- posição elevada. "brilhantes pedras": lite-
cavam a circuncisão, de modo que morrer ralmente "pedras de fogo"; possivelmente
"da morte dos incircuncisos" seria consi- uma referência às pedras preciosas mencio-
derado humilhação. nadas no v. 13. Uma alternativa é que seja
a descrição de algo radiante ou brilhante
28.11-19 Expulsão do "Éden" que se encontrava no monte de Deus. 15
Esse lamento descreve a ascensão e queda "Perfeito": novamente uma alusão ao re-
do rei de Tiro, e consequentemente a as- lato do Éden. 18,19 Aqui o assunto muda:
censão e queda da própria cidade-estado. A antes, o relato falava do rei; agora, passa a
imagem lembra bem a narrativa do jardim falar da cidade de Tiro.
do Éden. Entretanto, não há nenhuma ten-
tativa de fazer um paralelo com o relato do 28.20-26 Profecia contra Sidom:
livro de Gênesis, Como sempre ocorre no "Saberão que eu sou o SENHOR"
livro de Ezequiel, as metáforas são livre- Sidom, cidade vizinha de Tiro, também
mente combinadas, alteradas e adaptadas receberá o devido castigo. Uma caracte-
segundo a conveniência da linguagem da rística notável deste pequeno oráculo é a
profecia. A linguagem poética serve para frequente repetição da frase e saberão que
destacar a extensão da queda que a cidade eu sou o SENHOR. Além disso, a profecia
de Tiro experimentou; foi como uma ex- reafirma a promessa de restauração para o
pulsão do paraíso. povo de Deus (25,26), um tema que, mais
11-19 O lamento para o rei de Tiro é: tarde, receberá ênfase maior.
"Já foste um exemplo de sabedoria e be- 20-26 Ezequiel deve proclamar a
leza (12), morando no paraíso, adornado Sidom: "Estou contra ti, Sidom, e serei
com joias esplêndidas (13,14) e exibindo glorificado no meio de ti. Quando em ti
11
1107 EZEQUIEL 29 1111
1111
passado glorioso era equivocada. Seu des- O oráculo significa que o Egito sofrerá
tino era ser humilhado. Do mesmo modo, derrota e destruição. A nação se recupe-
em nossa época, não devemos deixar que rará, mas nunca mais será a potência que
um passado nacional de glórias (sejam elas foi (14,15).
atuais ou não) distorça nossa percepção 1-16 A palavra do Senhor para o faraó
das verdadeiras necessidades da nação. É é: "Devido à tua arrogância, faraó, serás
fácil sentir-se confiante de que os proble- destruído. Então, todo o Egito saberá que
mas e os desastres que acontecem a outros eu sou o Senhor (3-6). Por ter se mostrado
jamais nos atingirão. No entanto, este tipo uma ajuda inútil para Israel, o Egito será
de complacência nunca é realista. destruído pela guerra. Então saberão que
eu sou o Senhor (6-8). Devido à tua arro-
29. 1-16 Egito: declínio e queda gância, o Egito será arrasado e os egípcios
Quando comparamos as datas dos orácu- dispersos (9-l2).Todavia, após determi-
los aos acontecimentos da época, perce- nado tempo, eles serão trazidos de volta
bemos que os oráculos foram proferidos ao alto Egito, mas o seu reino permane-
em um contexto em que Judá oscila entre cerá humilde. O Egito será um lembrete
o domínio egípcio e o domínio babilôni- para Israel. Então, saberão que eu sou o
co. Durante os últimos 20 anos que ante- Senhor" (13-16).
cederam os acontecimentos cataclísmicos Notas. 1 A data era janeiro de 587 a.C.
de 588-587 a.C., o estado de Judá havia 3 "Crocodilo enorme": era um crocodilo ou
se aliado, voluntariamente ou não, ora a talvez uma criatura como o "leviatã" (cf
uma, ora a outra dessas duas grandes po- Is 27.1). 6,7 "Bordão de cana": cf Isaías
tências militares. 36.6. Assim como um bordão de cana que-
A série de oráculos de Ezequiel contra o bra e machuca qualquer um que nele bus-
Egito teve início durante a época mais ne- que apoio, assim o suposto apoio do Egito a
gra da história de Jerusalém. As manobras Jerusalém falhou, aumentando ainda mais
egípcias não tinham conseguido romper o desespero da cidade. 10 "Desde Migdol
o cerco babilônico imposto a Jerusalém. até Sevene": uma expressão que implicava
Ezequiel já havia previsto a queda da ci- uma referência a toda a terra do Egito: (de
dade. Ele agora tem terríveis notícias para norte a sul). "Etiópia": país localizado ao
seu suposto salvador. Seus oráculos adver- sul do Egito.
tem que o Egito cairá finalmente em mãos
babilônicas e que deixará de ser a grande 29.17-21 A recompensa
nação que foi outrora. de Nabucodonosor
Jerusalém já estivera sob cerco por A data deste oráculo (abril de 571 a.c.) faz
um ano. Tinha havido uma breve pausa, dele o último dos oráculos egípcios. Ele
quando os babilônios temporariamente se faz a ligação desses oráculos com os pro-
afastaram devido a um fracassado ataque clamados contra Tiro.
egípcio. O oráculo de Ezequiel reflete o 17-20 O Senhor diz a Ezequiel: "Nabu-
desespero que deve ter tomado conta de codonosor fez que seu exército me prestas-
Jerusalém quando se tomou claro que o se um grande serviço e não houve recom-
socorro egípcio não obteria resultado: o pensa para ele e nem para seu exército"
Egito se tomou um bordão de cana para a (18). Portanto, Ezequiel deve proclamar:
casa de Israel (6); e já não será uma fonte "Eis que darei a Nabucodonosor a terra do
de segurança para o povo de Israel (16). A Egito. Ele tomará o seu despojo e a rouba-
confiança depositada tanto no poderio mi- rá, e isso será a paga para o seu exército.
litar como no econômico sempre é, a longo Eu lhe dei a terra do Egito, visto que traba-
prazo, uma confiança indevida. lhou para mim".
1109 EZEQUIEL31 /
••
"Eu restaurarei a casa de Israel, e te é afastada por este oráculo. Os egípcios já
darei, Ezequiel, que fales livremente no tinham sido expulsos em 588 (quebrei o
meio deles. Então, saberão que eu sou o braço de Faraó, v. 21), e ainda sofreriam
Senhor" (21). mais derrotas (e quebrarei os seus braços
Notas. 18 "Toda cabeça se tornou cal- [do faraó], v. 22).
va": os uniformes dos soldados esfolavam 20-26 É dito a Ezequiel: "O poder do
a pele de quem os usava (um problema co- faraó já foi reduzido (21). Futuramente será
mum mesmo nos nossos dias). 21 "Farei reduzido ainda mais. Os egípcios sofrerão
brotar o poder!": o povo de Israel recobra- o exílio e a dispersão. Nabucodonosor e os
ria sua força. "E te concederei que abras babilônios se tornarão mais poderosos, en-
a boca": Ezequiel recuperaria a fala (cf quanto o Egito se desintegrará. Então, sa-
3.26; 33.32). berão que eu sou o Senhor (22-25). Quando
os egípcios forem espalhados, eles saberão
30.1-19 Um dia negro para o Egito que eu sou Javé" (26).
Este oráculo não é datado, mas seu tema Nota. 26 "Espalharei os egípcios en-
é similar aos outros oráculos de 587 a.C.: tre as nações": este versículo poderia ser
o Egito e seus aliados cairão nas mãos de visto como uma descrição da dispersão das
Nabucodonosor. forças expedicionárias do Egito, depois da
2-9 A guerra chegará ao Egito. Seus derrota, em vez da dispersão da nação.
vizinhos e aliados serão arrasados. 10-12
O poderio militar do Egito será destruído 31.1-18 A lição do cedro com
pelos babilônios, sob a liderança de muitos ramos para o Egito
Nabucodonosor. A terra será devastada. A glória do Egito e a extensão de sua que-
13-19 A nação ficará sem liderança. Seus da são ilustradas pela alegoria do majesto-
ídolos serão destruídos e sua cidades to- so cedro que foi cortado.
madas pela destruição avassaladora. 1-18 Ezequiel recebe a ordem de pro-
Notas. 5 As nações e povos aqui men- clamar ao Egito: "Tua grandeza pode ser
cionados eram todos aliados do Egito. comparada à de um frondoso cedro (2,3).
"Etiópia": uma região ao sul do Egito. Este cedro tinha uma fonte abundante de
"Pute": Líbia. "Os filhos da terra da alian- água (3,4). Por isso se elevou a sua es-
ça": provavelmente mercenários judeus tatura sobre todas as outras árvores, e se
que tinham se estabelecido no Egito. 6 multiplicaram os seus galhos, e se alonga-
"Migdol até Sevene": cf 29.10. 15-18 A ram seus ramos (5). Todos confiavam nele
lista das cidades do Egito e das regiões para proteção e abrigo (6). Era formoso na
mencionadas aqui enfatizam o quanto a sua grandeza e na extensão de seus ramos
destruição se alastrou. (7). Não tinha rivais (8). Todas as árvores
o invejavam (9). Porque sobremaneira se
30.20-26 Os braços elevou acima das outras, e seu coração se
quebrados do faraó orgulhou, eu o entreguei nas mãos da mais
Na época deste oráculo - (abril de 587 poderosa das nações que há de tratar dele
a.C.) - os habitantes de Jerusalém teriam (10,11). Ele foi cortado. Aqueles que nele
estado sob o cerco babilônico por mais confiavam o abandonaram (12). Nenhuma
de um ano. Qualquer esperança de que o outra nação terá a sua grandeza (14). O dia
Egito pudesse libertar a cidade, por meio da sua destruição foi um dia negro para
de um novo ataque contra Nabucodonosor, muitos (15,16). Os que procuraram sua
proteção terão um fim parecido (17). Tu
I Algumas versões trazem "brotar um chifre" (TB). O chifre
e teu poderio militar sereis destruídos da
era um simbolo de poder (N. do T.). mesma maneira" (18).
EZEQUIEL 32 1110
Judá. 36.2 "Eternos lugares altos": a maior meu santo nome, vindicarei a santidade do
parte do território de Israel e de Judá se lo- meu grande nome através de vós perante
calizava nas regiões montanhosas entre o as nações. Então elas saberão que eu sou o
mar Morto e o mar Mediterrâneo. 36.12,13 Senhor (22,23). Eu vos trarei de volta para
"Tu és terra que devora os homens e és ter- a vossa própria terra e vos purificarei. O
ra que desfilha o seu povo": aqui os mon- vosso coração de pedra será trocado por
tes são descritos como algo que contribuiu um coração de carne. Eu colocarei o meu
para a destruição do povo. A expressão espírito sobre vós e farei com que obede-
pode ser puramente poética; mas, sem dú- çais às minhas leis. A terra será abundan-
vida, muitos de fato morreram nas batalhas te [e] detestareis e vos envergonhareis de
das regiões montanhosas. vossa conduta passada. Não é por causa de
vós que faço isso (24-32). Quando eu vos
36. 16-38 A restauração de Israel purificar de todos os pecados, a cidade será
Este oráculo é o âmago do livro de Eze- reconstruída e os campos serão novamente
quiel. Sua mensagem é uma síntese do li- cultivados. Então, as nações vizinhas que
vro. Israel ofendeu o Senhor com derrama- ainda restarem saberão que eu reedifiquei
mento de sangue e práticas idólatras (18). as cidades destruídas e plantei o que es-
Seu castigo foi sua dispersão entre as na- tava desolado (33-36). O povo de Israel
ções, o exílio (19). Contudo, o Senhor não se tomará tão numeroso quanto um reba-
os deixará ali. Eles retomarão à sua terra nho. Então as nações saberão que eu sou o
(24). O Senhor os transformará, purificará, Senhor'" (37,38).
e assim eles o seguirão (25-28). A terra e Notas. 25 "Aspergirei água pura": um
seu povo florescerão novamente (29-38). ato cerimonial de purificação. 26 "Coração
As nações vizinhas saberão que o Senhor de carne": a utilização do termo "carne"
agiu (36). aqui não deve ser confundida com a sua
A razão de o Senhor libertar seu povo utilização em outras partes da Bíblia, em
do exílio é claramente expressa. Ela não que frequentemente denota uma inclinação
tem relação alguma com qualquer bonda- para o pecado ou corrupção. Nesse trecho
de inata ou mérito do povo. Antes, ela está há um contraste entre o "coração de carne"
relacionada ao desejo de Deus de que seu e o "coração de pedra" para dizer que a na-
nome não seja profanado. O próprio fato tureza fria, desumana e cruel do povo de
de Israel estar em exílio levava as outras Israel seria substituída por uma espiritua-
nações a pensar que o Deus de Israel não lidade viva e calorosa.
conseguia ou não queria cuidar do seu pró-
prio povo. Essa situação denegria o caráter 37.1-14 O vale dos ossos secos
de Deus, e por esta razão Deus restauraria Depois da queda de Jerusalém o povo foi
o seu povo (20-23). espalhado e ficou muito abatido. O oráculo
Este oráculo traz esperança para todos tem uma mensagem simples: A nação de
nós. Deus age para salvar, não com base Israel, que se encontrava morta, um dia
em nosso merecimento, mas pela riqueza será restaurada e trazida de volta à sua pró-
da sua misericórdia. pria terra. Os ossos secos se transformarão
16-380 SenhordizaEzequiel: "Quando em um exército de guerreiros vivos. Uma
Israel habitou sua própria terra, ele a pro- transformação igualmente poderosa se apli-
fanou com suas iniquidades. Assim, eu os cará um dia também a Israel.
espalhei por outras terras. Mesmo assim, A força desta visão deu esperança a
sua dispersão profanou o meu nome, as- muitos ao longo dos séculos. O poder de
sunto de meu interesse (16-21). Portanto, Deus pode mudar não somente as coisas
>
EZEQUIEL 37 1116
mais impossíveis da vida, mas também as terá todos os valorosos atributos do rei
mais terríveis situações. Davi, como também todos os privilégios
1-11 Ezequiel tem uma visão na qual de sua linhagem, o direito ao trono e de
ele é transportado para o meio de um vale estar diante de Deus à luz de suas promes-
repleto de ossos secos. O Senhor lhe diz sas. O futuro de Israel é descrito como uma
para profetizar aos ossos e lhes dizer que versão idealizada de seu passado. Até as
eles serão recobertos de carne e voltarão mais profundas feridas da história podem
à vida. Ezequiel assim o faz, e, enquanto ser curadas pelo poder de Deus.
profetiza, os esqueletos se reconstituem 15-23 Ezequiel é instruído a fazer o
com estrépito. São recobertos por carne, seguinte: "Toma dois pedaços de madei-
tendões e pele, mas ainda estão mortos ra. Escreve em um deles: Para Judá e seus
(1-8). Então o Senhor lhe disse para orde- companheiros, e no outro escreve: Para
nar ao vento que soprasse sobre os corpos. Israel e seus companheiros. Junta-os, fa-
Ele profetiza como fora ordenado, e os zendo deles um só pedaço de madeira, para
ossos revivem e põem-se de pé, forman- que se tomem apenas um em tua mão"
do um exército numeroso (9,10). O Senhor (16,17). Quando alguém te perguntar, ex-
então lhe explica: "Esses ossos represen- plica o significado deste ato, o qual é: 'Eu,
tam Israel, que anda dizendo que sua espe- o Senhor, ajuntarei os pedaços de madei-
rança pereceu e secou" (11). ra de Israel e de Judá, para que se tomem
12-14 Ezequiel deve proclamar a todo apenas um' (18,19). Mostra-lhes os peda-
o povo de Israel: "Eu vos tirarei das suas ços de madeira (20), e proclama: 'Tomarei
sepulturas e vos levarei à terra de Israel. os filhos de Israel dentre as nações e os
Então sabereis que eu sou o Senhor ajuntarei e os levarei para sua própria ter-
(12,13). Porei em vós o meu espírito e vos ra. Eles terão apenas um rei e nunca mais
estabelecerei em vossa própria terra. Então serão divididos em dois reinos. Eles jamais
sabereis que eu sou o Senhor; eu o disse e profanarão a si mesmos. Eu os purificarei.
o farei" (14). Eles serão o meu povo, e eu serei o Deus
Notas. 1 "A mão do SENHOR": esta ex- deles" (21-23).
pressão indica que Ezequiel estava pres- 24-28 "Meu servo Davi será o seu rei
tes a experimentar uma visão muito mais para sempre. Eles observarão os meus es-
intensa, em vez da costumeira mensagem tatutos. Eles e seus descendentes habita-
"verbal". 5,14 "espírito, Espírito": o ter- rão sua terra para sempre (24,25). Farei
mo hebraico pode ser traduzido também com eles uma aliança eterna. Eu os es-
por "sopro". tabelecerei e os multiplicarei (26). Meu
santuário estará eternamente no meio de-
37.15-28 A reunião de Israel les. Eu serei o seu Deus, e eles serão o
Quase três séculos antes, desde o final meu povo. Então as nações saberão que
do reinado de Salomão, o povo de Israel eu, o Senhor, santifico Israel, porque o
fora dividido em dois reinos, Israel e Judá. meu santuário estará para sempre no meio
Serão não somente restaurados, como pro- deles" (27,28).
metido no oráculo anterior, mas também Notas. 16 "O pedaço de madeira de
formarão novamente uma única nação. Efraim": o nome "Efraim" era menos ambí-
Eles terão um único soberano, que guo que "Israel". O nome Efraim designa-
aqui é descrito como "meu servo Davi". va claramente o Reino do Norte, enquanto
(Y. comentário de 34.1-31, em que o ter- o nome "Israel" podia ser aplicado ao povo
mo também é utilizado). Ao chamar o de ambos os reinos. 26 "Meu santuário":
novo soberano de "Davi", a profecia quer essa promessa a respeito do santuário é de-
dizer que o novo soberano não somente senvolvida nos cp. 40--48.
1117 EZEQUIEL 39 ••
•
••
38.1-39.29 Profecias contra (14-16). Eu falei sobre ti no passado por
aqueles que se opunham a Israel meio dos meus servos, os profetas (17).
Nada se sabe ao certo sobre algum gover- Quando atacares Israel, haverá um gran-
nante chamado Gogue. As terras que go- de terremoto acompanhado de violentas
vernava - Magogue, Meseque e Tubal - tempestades. Ao te afligir com tudo isso,
provavelmente se localizavam nas regiões eu me darei a conhecer aos olhos de mui-
da Ásia Menor e do mar Negro (v. comen- tas nações. Então, sabereis que eu sou o
tário do v. 1). Essas terras estavam locali- Senhor"(18-23).
zadas a uma grande distância do mundo do 39.1-16 "Nos montes de Israel, eu ar-
Oriente Médio. Pode ser que tanto Gogue rancarei as armas das tuas mãos. Ali, cai-
quanto suas nações representassem simbo- rás, não só tu, mas todos os que te acom-
licamente o povo da época que era contrá- panham, e servireis de alimento a todas as
rio ao povo de Deus, ou seja, seu inimigo. espécies de aves de rapina e animais do
(O livro do Apocalipse se refere a Gogue campo (39.1-5). Farei meu nome santo
e Magogue com esse mesmo sentido em no meio de meu povo, Israel, e as nações
Ap 20.8). Visto dessa maneira, o oráculo saberão que eu sou o Senhor, o Santo de
se toma uma advertência de que, mesmo Israel. Isso com certeza se cumprirá (6-8).
depois do seu retomo do exílio, o povo de Os habitantes de Israel utilizarão todo ar-
Israel enfrentaria enormes dificuldades. mamento ali deixado para fazer fogo pelo
Contudo, essas forças seriam derrotadas e período de sete anos (8-10). O lugar de
seria grande a sua destruição. sepultura de Gogue será chamado de vale
A intensidade da imagem no oráculo das Forças de Gogue. Durante sete meses
- os grandes exércitos e o enorme número Israel sepultará as forças de Gogue para
de baixas - levou alguns intérpretes a ver limpar a terra." (11-16).
esse oráculo como a predição de uma ba- 39.17-29 Ezequiel também deve pro-
talha final específica. Entretanto, se com- clamar a toda espécie de aves e animais
pararmos este oráculo, por exemplo, aos do campo: "Preparai-vos para o grande sa-
dirigidos ao Egito em 32.1-16 e a Tiro em crificio. Comereis carne e bebereis sangue
28.11-19, encontraremos simbolismo de se- desses exércitos até ficardes fartos (17-20).
melhante extravagância. Todas as nações verão o meu juízo. Desse
A implicação do oráculo é que em dias dia em diante Israel saberá que eu sou o
futuros o povo de Deus veria as forças do Senhor, seu Deus, e as nações saberão que
mal perfiladas em massa contra ele. A pro- Israel, por causa da sua iniquidade, foi le-
babilidade de vencê-las parece remota, mas vado para o exílio (21-24). Eu trarei Israel
o poder de Deus protegerá o seu povo. O de volta do cativeiro e vindicarei neles a
inimigo será derrotado. Para nós, a vitória minha santidade. Então eles saberão que
ainda se encontra no futuro, mas o golpe eu sou o Senhor, seu Deus, e derramarei
final foi dado na cruz do calvário. meu Espírito Santo sobre eles" (25-29).
38.1-23 Deus pede a Ezequiel para pro- Notas. 38.1 Meseque e Tubal provavel-
clamar a Gogue: "Estou contra ti, Gogue. mente se localizavam na Ásia Menor (cf v.
Tu e os teus aliados sofrereis a derrota 6). "Magogue" aparece como o nome de
(38.2-5). Prepara-te porque nos anos que um dos filhos de Jafé, em Gênesis 10.2 e
estão por vir, tu e tuas hordas invadireis a lCrônicas 1.5 e, portanto, é o nome de um
terra de Israel (38.7-9). No tempo devido, povo. O termo "Magogue" pode signifi-
planejarás pilhar e saquear uma terra rica e car simplesmente "terra de Gogue". 38.5
pacífica (10-13). Tu e teu grande número "Etiópia": o alto Egito. "Pute": Líbia. 38.6
de aliados avançareis vindos do norte. Eu "Gômer" localizado na Ásia Menor. "Bete-
vos trarei para que as nações me conheçam Togarma": Armênia. Podemos observar
EZEQUIEL 40 1118
que entre os filhos de Jafé, em Gênesis tas especiais e aos dias comemorativos.
10.2, encontram-se Gômer, Magogue, Ele observa um rio miraculoso jorrar de
Tubal e Meseque. 38.12 "No meio da ter- sob o templo, aumentando cada vez mais,
ra": em Jerusalém (cf 5. 5). 38.17 "Não refrescando a terra e revivendo perpetu-
és tu aquele de quem eu disse...7" - Essa amente o mar Morto. As fronteiras e as
pergunta pode ser tomada como mais uma divisões da terra são então especificadas.
indicação de que Gogue é apenas simbó- O oráculo termina com a nota triunfante
lico. A implicação aqui é que Israel já foi que o novo nome da cidade será "o SENHOR
avisado de tal acontecimento. 39.9 "Sete está ali" (48.35).
anos": o número sete (também em 39.12 É importante lembrar que esses capí-
- "sete meses") simboliza que o evento tulos representam uma visão. Esse orácu-
foi concluído. 39.12 "Sepultá-los, para lo não é puramente uma revelação de um
limpar a terra": qualquer um que tocasse novo ensinamento, nem uma predição dos
um cadáver era considerado cerimonial- acontecimentos que estão por vir (embora
mente impuro (Nm 19.11). 39.18 "Basã": alguns acreditem que este templo um dia
uma região a leste da Galileia, conheci- será construído). É também um lembrete
da pela qualidade de seu rebanho bovino de como é e de como deve ser a religião
e de seus carvalhos. 39.25-29 Esta seção de Israel.
não denota ainda outra reunião do povo de A visão em si se alterna gradualmente
Israel. Pode ser vista como um resumo das do descritivo para o prescritivo, do simbó-
intenções de Deus para o seu povo. lico para o apocalíptico. Entre os detalhes
sobre as dimensões do templo e os regula-
40.1-48.35 Visões do novo mentos relativos aos sacerdotes está o rela-
templo e da nova terra to do retomo da glória de Deus ao templo.
Este último oráculo é o maior de todo o As cláusulas a respeito das oferendas e as
livro. Pertence ao grupo de oráculos que normas que regulam a distribuição da terra
Ezequiel introduz com a expressão: "veio são separadas por uma passagem, que des-
sobre mim a mão do SENHOR" (40.1). creve um maravilhoso rio que corre de sob
Trata-se, portanto, de uma dessas visões o templo e renova até mesmo as águas do
que Ezequiel experiencia fisicamente; ele mar Morto.
é transportado, dentro da visão, para um Essa mistura de simbolismo e de de-
outro lugar. talhes práticos deve ter levado o povo de
A visão é datada por volta de abril de Israel a refletir sobre seu passado e a re-
573 a.C. (40.1). Tanto Jerusalém quanto novar sua determinação para mudar o pre-
o templo estão destruídos há 12 anos. O sente. Somente ao abandonar os deuses de
povo de Israel está espalhado pelas nações seus conquistadores e retomar à fé de seus
ou vivendo na miséria em sua própria terra, pais Israel poderá tomar posse da promes-
agora destruída. A família real desapare- sa de uma nova Jerusalém.
ceu. Não havia nenhuma grande indicação A descrição da área do novo templo.
de que seu antigo estilo de vida voltaria. 40.1-4 Ezequiel tem uma visão na qual é
É nesse ponto que Ezequiel tem sua transportado para um alto monte. Um ho-
visão. É uma mistura do real com o ideal. mem carregando instrumentos de medição
Ele é trazido e conduzido pelas instalações instrui Ezequiel a retransmitir a Israel tudo
de um novo templo. Vê a glória de Deus o que ele está prestes a ver.
inundar o templo e ouve o Senhor declarar 40.5-16 O homem mede a parede que
que estará ali para sempre. Ele vê o altar e cerca a área do templo. Então se diri-
é instruído sobre os regulamentos relacio- ge à porta que dá para o Oriente (isto é,
nados ao príncipe, aos sacerdotes, às ofer- a entrada dianteira) e mede todos os seus
1119 EZEQUIEL 47 fi"
II1II
l1li
aspectos. 40.17-27 Ele leva Ezequiel atra- acompanham. Registra tudo isso de modo
vés da entrada ao átrio exterior. Há outras que possam ser fiéis à planta e sigam suas
duas portas para o átrio, uma que dá para o especificações".
norte e outra que dá para o sul. Estas têm Prescrições para a adoração no tem-
as mesmas dimensões que a porta que dá plo: os papéis dos sacerdotes e do prín-
para o Oriente. cipe. 43.13-27 As medidas do altar são
40.28-37 No interior do átrio exter- dadas, e em seguida é prescrita a forma da
no há um átrio interno em que também sua consagração.
há portas para os lados sul, leste e norte. 44.1-4 A porta que olha para o Oriente
As dimensões são as mesmas das do átrio deve permanecer fechada. Ezequiel é
externo. 40.38-43 Próximos a essas portas conduzido à frente do templo. Lá, ele vê
internas ficam os cômodos onde os sacrifi- a glória de Deus encher o templo. 44.5-9
cios devem ser lavados. Há também mesas Nenhum estrangeiro deve entrar no san-
e instrumentos para o abate dos animais sa- tuário, ao contrário dos atos precedentes
crificados. 40.44-47 Dois outros cômodos de profanação. 44.10-16 Os levitas que
são designados aos sacerdotes responsá- anteriormente tinham cometido práticas
veis pelo templo e pelo altar. idólatras podem ainda servir no santuário,
40.48--41.4 No interior do átrio in- mas somente os filhos de Zadoque podem
terno se encontra o edificio do templo e o se aproximar do Senhor para a oferta de
altar (o altar fica na frente do templo). O sacrificios. 44.17-37 São dados os regula-
homem leva Ezequiel ao pórtico do tem- mentos a respeito da aparência e conduta
plo e mede suas dimensões. Então conduz dos sacerdotes.
Ezequiel ao santuário externo e mede sua 45.1-9 Os sacerdotes devem residir na
entrada. Vai além, entrando no santuário porção da terra que é destinada ao Senhor.
interno e o mede também. Este santuário Ao príncipe também deve ser destinada
é o Santo dos Santos. 41.5-26 Mede então uma porção de terra. Ele nunca mais opri-
a parede do templo e suas adjacências. O mirá Israel por meio da desapropriação
próprio templo fica em uma base elevada e da propriedade.
tem assoalho de madeira. Há esculturas de 45.10-46.15 Balanças precisas de-
querubins e de palmeiras nas paredes e nas vem ser utilizadas. As porções para os
portas. Um altar de madeira fica no Santo sacrificios são especificadas. Os proce-
dos Santos. 42.1-20 Em outro lado do tem- dimentos dos sacerdotes, príncipe e povo
plo, em frente ao pátio, ficam os quartos para os dias comemorativos e santificados
dos sacerdotes, onde os sacerdotes devem são estabelecidos.
comer e guardar as ofertas santificadas. 46.16-18 O príncipe pode apenas dei-
Esses aposentos são santificados. xar por herança a seus descendentes sua
43.1-11 O homem conduz Ezequiel à própria propriedade. 46.19-24 Aqui é feita
porta oriental. Ezequiel vê a glória de Deus a descrição dos lugares onde os sacerdotes
se aproximar pelo leste e encher o templo. devem cozer as ofertas.
E então Ezequiel ouve: "Este é o lugar do A terra além do templo 47.1-12 Eze-
meu trono. Eu habitarei aqui com Israel quiel vê então um grande rio que flui do
para sempre. Eles não profanarão meu san- templo em direção ao mar Morto. As águas
to nome outra vez. Deixa que eles se arre- do mar Morto são constantemente renova-
pendam de seu pecado, e viverei com eles das e refrescadas pelas águas desse rio, que
para sempre. Descreve o templo a Israel. também tem uma profusão de peixes. As
Se eles se sentirem envergonhados de árvores frutíferas crescem às margens do
seus pecados, descreve-lhes os detalhes da rio, mas as águas de seus pântanos e char-
planta do templo e os regulamentos que o cos permanecem salgadas.
>
EZEQUIEL 47 1120
INTRODUÇÃO
o livro de Daniel conta a história de um ticos (e.g., Ez 1), fica claro que aqui temos
jovem judeu levado de Jerusalém nos dias um tipo diferente de literatura. Em certo
de Nabucodonosor, rei da Babilônia (605- sentido, as impressões criadas no leitor
562 a.C.). Apesar de viver no exílio por são tão importantes quanto a compreen-
toda a vida e sofrer muita oposição, ele são dos detalhes. É teoricamente possível
permaneceu fiel a Deus. Como José, bem compreender os detalhes e, no entanto,
antes dele (Gn 37-50), Daniel tinha a não experimentar o impacto que o livro
capacidade de interpretar sonhos e visões pretende produzir.
(1.17). Alcançou lugar de destaque em Em vista disso, o livro de Daniel é
uma corte estrangeira e teve o privilégio geralmente classificado como literatura
de receber visões dos futuros propósitos apocalíptica, como o livro de Apocalipse
de Deus na história. (v. Apócrifos e Literatura Apocalíptica).
Embora predominantemente escrito na Entretanto, provavelmente seria sábio
terceira pessoa, toda a segunda metade do não definir de forma tão rígida o que isso
livro (7.2-12.13) contém uma série de vi- implica para o livro de Daniel. Assim
sões dramáticas e é apresentada em forma como a forma literária relativamente re-
de autobiografia. Embora na Bíblia o livro cente do romance moderno (que é nor-
seja incluído entre os Profetas, na Bíblia malmente datada por volta do início do
Hebraica ele se encontra entre os Escritos. século XVIII), esse tipo de literatura tam-
Nesse contexto, o livro ilustra a natureza e bém não apareceu da noite para o dia, de
bênçãos de uma vida de fidelidade à alian- forma acabada e com características bem
ça com Deus sob condições bastante des- definidas. O que é característico dos es-
favoráveis (cp. 1-6), e revela os conflitos critos apocalípticos, entretanto, é que sua
nos quais o povo da aliança se envolverá, mensagem envolve Uma "revelação" (do
mas será protegido por Deus (cp. 7-12). grego apokalypsis) de ordem transcen-
dente e a forma como isso se relaciona à
Tipo de literatura história, à medida que esta se move rumo
Fica logo evidente que o livro de Daniel é à consumação dos tempos. Na condição
um tipo de literatura completamente dife- de revelação, carrega o apelo "venha e
rente da maior parte da literatura histórica veja" bem como "ouça e entenda".
e profética do AT. Diferentemente dos li-
vros históricos, ele é dominado por visões; Estrutura
diferentemente dos livros proféticos, suas O livro de Daniel é dividido em duas se-
visões são frequentemente surreais, des- ções e escrito em duas línguas: hebrai-
crevendo um mundo no qual gigantescas co (1.1-2.4a; 8.1-13.13) e aramaico
estátuas são postas abaixo por misteriosas (2.4b-7.28). Os cp. 1-6 são biográficos,
pedras e onde estranhas bestas se levantam já os cp. 7-12 são apocalípticos. A textura
para lutar umas contras as outras. daobra, entretanto, é mais sutil do que isso,
Ainda que alguns desses elementos conforme indicado pelo uso do aramaico
possam ser encontrados nos livros profé- em 2.4-7.28 (isto é, em partes de ambas
DANIEL 1122
as seções). Tem-se sugerido que esses ca- uma percepção mais clara e mais completa
pítulos teriam significado especial para não das coisas. Por essa razão, o material trata
hebreus (daí o uso de uma língua interna- do mesmo assunto em mais de uma ocasião,
cional). Além disso, em vez de separar as embora o desenvolva a cada vez de maneira
duas seções de forma radical, tal uso tem mais completa. O mesmo padrão pode ser
o efeito de uni-las, enquanto indica que os detectado nos ensinos de Jesus em Marcos
cp. 2-7 contêm o âmago do livro. Se este 13, e no próprio livro de Apocalipse.
de fato for o caso, o cp. 1 serviria como
uma explicação introdutória, enquanto os Mensagem
cp. 8-12 desenvolveriam o padrão da his- O contexto em que a vida de Daniel é apre-
tória mundial já apresentado anteriormente sentada é sintetizado pela pergunta feita
no livro. A forma como o aramaico abarca pelos exilados na Babilônia, registrada em
tanto a seção biográfica quanto a visionária Salmos 137.4: "Como, porém, haveriamos
do livro é um forte argumento a favor de de entoar o canto do SENHOR em terra es-
sua coesão literária. tranha?". O livro inteiro, tanto a parte bio-
Na parte central (cp. 2-7), outro pa- gráfica quanto as visões, nos ensina que
drão mais comum à narrativa do AT pode ser este mundo sempre será uma "terra estra-
detectado. Os cp. 2 e 7 apresentam visões nha" para o povo de Deus (cf Jn 17.16;
de quatro reinos mundiais que se opõem ao Fp 3.20a). O povo de Deus é "forasteiro"
reino de Deus; os cp. 3 e 6 são narrativas no mundo (1Pe 1.1,17), cercado de inimi-
do milagroso livramento divino; os cp. 4 gos malignos e destrutivos (1Pe 5.8,9).
e 5 descrevem o juízo de Deus sobre os Contudo, é possível viver de uma manei-
governantes mundiais. Assim, os motivos ra que traga louvor e honra a Deus, assim
empregados nos cp. 2, 3 e 4 reaparecem na como fez Daniel. Ele é a personificação
ordem inversa nos cp. 5, 6 e 7. O efeito é dos ensinamentos do salmo 1.
de um espelhamento da narrativa, cuja in- Tal vida de fé (cf Hb 11.33,34) é alimen-
tenção é intensificar certas expectativas no tada pelo conhecimento de Deus (11.32b),
leitor que já conhece esse recurso, assim pela consagração a ele (1.8; 3.17,18; 6.6-
como aumentar seu prazer na leitura. 10) e pela comunhão com ele em oração
Os leitores contemporâneos estão geral- (2.17,18; 6.10; 9.3; 10.2,3,12). Ela extrai
mente acostumados com livros que seguem sua confiança do fato de que Deus é sobera-
uma ordem cronológica direta. Mesmo no sobre toda a obra humana (2.19,20; 3.17;
quando apresentados sob a forma de remi- 4.34,35) e está edificando seu próprio reino
niscências, relatadas muito tempo depois (2.44,45; 4.34; 6.26; 7.14). Nosso tempo
dos acontecimentos, os temas tendem a ser está em suas mãos (1.2; 5.26), uma vez que
desenvolvidos seguindo-se uma linha do as coisas da terra não estão desconectadas
tempo. O livro de Daniel não segue essa das coisas do céu (10.12-14,20). Ele é um
forma. As experiências dos cp. 1-6 de fato Deus que toma a si mesmo e seus propó-
se orientam por uma sequência cronológi- sitos conhecidos, de modo que seu povo
ca em sua apresentação; mas as revelações possa conhecê-lo e confiar em sua palavra
ao longo de todo o livro seguem a forma (1.17b; 2.19,28-30,47). Tal conhecimento
de um paralelismo progressivo, cobrindo permite ao povo de Deus resistir à pressão,
o mesmo período. A estrutura literária é sabendo que compartilhará da consumação
semelhante à de uma escada em espiral, de seu reino (7.22,26-27; 12.2,3).
que se move sempre ao redor do mesmo
ponto no tempo, mas nos conduz a uma Autoria e data
visão mais vantajosa de uma perspectiva Nenhuma declaração explícita sobre a au-
superior, a partir da qual podemos obter toria do livro é feita em Daniel, embora
11II
1123 DANIEL ..:
11II
metade dele seja escrita em forma autobio- cisão muito maior do que os demais livros
gráfica. Numerosos estudiosos contemporâ- do AT. O autor estava consciente da pro-
neos do AT (mas nem todos) defendem a tese fanação do templo (a qual pode ser preci-
(primeiramente defendida por Porflrio, um samente datada em dezembro de 167 a.C.,
neoplatonista do século III que se opunha à cf 11.31) e da heroica resistência liderada
fé cristã) de que o livro não foi composto por Judas Macabeu em 166 (11.33-35),
no século VI (seu contexto literário), mas mas ele evidentemente nada sabia sobre a
no século n, nos dias de Antíoco Epifânio morte de Antíoco em 164 (11.40-45 é lido
(cf 8.9-14,23-27; 11.4-35). como uma genuína tentativa de profecia,
De acordo com esse ponto de vista, embora equivocada). Os críticos sugerem
as histórias dos cp. 1-6 sem dúvida têm que, por mais que o livro possa ter passado
sua origem nas tradições do povo hebreu. por periodos anteriores de composição e
Daniel é apresentado na figura de um herói, de revisão, sua edição final pode ser data-
fiel às leis de Deus, mesmo nos momentos da com precisão por volta de 165/164 a.C.
em que enfrenta oposição. As visões são de Essa data, por sua vez, toma-se o principal
modo geral interpretações do passado, em argumento para se acreditar que o quarto
vez de revelações sobrenaturais do futuro. reino nos cp. 2 e 7 seja a Grécia.
Em lugar de fornecer um relato histórico, De acordo com os críticos, portanto,
a autobiografia e as visões de Daniel, de Daniel é um livro de histórias edificantes
várias maneiras, empregam, expõem e e visões dramáticas, uma incrível peça de
aplicam outras passagens das Escrituras literatura da resistência do segundo sécu-
para levar força e encorajamento aos ju- lo a.C. Por ter sido escrita de uma manei-
deus do segundo século. Assim, por exem- ra que nenhum de seus primeiros leitores
plo, a sua própria experiência é vista como a teria confundido com uma história do
algo que se espelha na experiência de José passado, ou profecia do futuro, eles a te-
(o exilado que chegou ao poder em uma riam aceitado pelo que ela era, teriam sido
nação estrangeira e, mesmo assim, per- desafiados por ela, e se fortalecido por
maneceu fiel a Deus); a sua oração no cp. meio de sua mensagem - assim como
9 é vista como dependente das orações qualquer leitor de hoje pode se comover
em Neemias; enquanto partes das visões ao ler Hamlet de Shakespeare ou Os ir-
são vistas como exposições sutis das mãos Karamazov de Dostoievski.
Escrituras (11.33; 12.3 são vistas como Ao buscar confirmação para esse pon-
uma exposição de Is 52.13-53.12). O to de vista, frequentemente se tem apela-
autor estava escrevendo seu livro nos anos do às evidências do próprio livro, e.g., a
160 a.c., quando o povo de Deus estava utilização de termos gregos para alguns
sofrendo feroz perseguição de Antíoco dos instrumentos musicais em 3.5; a fal-
Epifânio e precisava desesperadamente ta de evidências sólidas para a loucura de
saber que havia um sentido para a vida, Nabucodonosor ou de seus decretos no
que a fidelidade a Deus era importante, cp. 4; as referências duvidosas a Dario, o
que o sofrimento não era algo pennanen- medo, nos cp. 5 e 6, e a inadequada históri-
te, que Deus reinava e seu povo triunfaria. ca da descrição do fim de Antíoco Epifânio.
A questão levantada em 12.6 ("Quando Embora discutida apenas de forma breve
se cumprirão estas maravilhas?") ecoa o neste comentário, uma discussão mais de-
clamor do povo de Deus. As misteriosas talhada dessas questões poderá ser encon-
profecias contêm a resposta: isso não será trada nos comentários de J. G. Baldwin
para sempre. (Daniel: introdução e comentário. SCR
Esse ponto de vista também sugere que Vida Nova, 1983.) e de E. J. Young (Daniel
o livro de Daniel pode ser datado com pre- [Eerdmans, 1949]).
11
11l1li DANIEL 1124
1111
do palácio da Babilônia eram cobertas por sagem do livro de Daniel é a de que Deus
reboque da cor branca. pode e de fato faz aquilo que suas criaturas
5. A teoria de datação do segundo sé- não podem fazer (2.10,11). Nenhum intér-
culo supõe que o livro de Daniel foi escri- prete desse livro pode escapar do desafio
to em 165/164 a.c. e estava enganado em que ele traz, o desafio de se confiar em um
sua genuína tentativa de profetizar o fim Deus que pode deter o fogo e fechar a boca
de Antíoco Epífanes. Dada a autoridade do dos leões (Hb 11.33,34) ou em um Deus
cânon do AT, é inexplicável (por esse ponto que ressuscita os mortos, quando toca nes-
de vista) o fato de o livro não ter sido revi- se assunto (12.2; cf Me 12.18-27). (v. tam-
sado com cuidado e exatidão ou o fato de bém o quadro na página 949).
o livro ter sido aceito como canônico, uma
vez que já era sabido que continha erros. Leitura adicional
A abordagem adotada neste comentário FERGUSON, S. R Daniel. cc Word, 1988.
segue a posição há muito defendida pela WALLACE, R. S. A mensagem de Daniel.
igreja cristã de que o livro de Daniel foi es- BFH. ABU, 1985.
crito no século VI a.c., na Babilônia. Isso BALDWIN, 1. G. Daniel: introdução e co-
não quer dizer que não haja dificuldades mentário. SCR Vida Nova, 1983.
concernentes ao conteúdo histórico do li- ARCHER, G. L. Daniel em GAEBELEIN, Frank
vro ou em se acreditar em suas profecias e E., ed. Daniel and the minar prophets.
milagres. As dificuldades históricas conti- EBC. Zondervan, 1985.
nuam a requerer a pesquisa dos estudiosos; YOUNG, E. J. The prophecy of Daniel.
o segundo fator, entretanto, está relaciona- Eerdmans, 1949; Geneva Series,
do à nossa visão de Deus. Parte da men- Banner of Truth, 1972.
ESBOÇO
1.1-21 A soberania de Deus e seus servos fiéis
1.1,2 O homem propõe, Deus dispõe
1.3-7 Reeducação na Babilônia
1.8-21 Aprovado no primeiro teste
vem, nem adoram a imagem de ouro que Evidentemente, a fornalha tinha acesso
levantaste (12; cf Êx 20.3,4,23). tanto pelo nível superior quanto pelo nível
O rei, que tinha tido um contato prévio inferior, de modo que a execução por meio
com os três judeus (1.18-20; 2.49), já sa- da cremação pudesse ser assistida como
bia a resposta à sua pergunta (14) e agora um espetáculo público. Nabucodonosor
desafiava não somente a coragem dos três foi forçado a reverter seu dogmatismo an-
como também a seu Deus (15). O rei não terior (26; cf v. l5c) quando ele viu que
contava com as duas principais caracterís- estavam vivos os três que professavam
ticas dos três: o conhecimento que tinham a sua fé, e mais uma quarta figura com
do poder de Deus (17) e o compromisso aspecto semelhante a de um filho dos deu-
deles com sua palavra revelada (18). A fé ses (24,25). Agora, o rei reconhecia que
que tinham era carregada de expectativa era somente pela intervenção milagrosa
(17; cf 1.12,13; 2.16), mas não mostra- do Deus dos três judeus que eles estavam
va nenhuma presunção (18) e trazia ecos salvos. O evento é um cumprimento lite-
tanto do exemplo de Abraão (cf Rm 4.20) ral de Isaías 43.1-4: "Não temas [...] eu
como do testemunho de Jó (Jó l3.l5a). serei contigo; [...] quando passares pelo
fogo, não te queimarás, nem a chama
3.19-30 "Não te queimarás, arderá em ti". Os antigos comentaristas
nem a chama arderá em ti" cristãos enxergavam essa quarta figu-
A hostilidade do rei da Babilônia em rela- ra como uma aparição do Filho de Deus
ção aos cidadãos de Jerusalém chega a seu ou do Anjo do Senhor (cf v. 28), ponto
clímax. Anteriormente "irado e furioso" de vista em que foram frequentemente
(13; cf v. 19), agora se tinha transtornado seguidos. A ênfase, entretanto, está na
o aspecto do seu rosto contra Sadraque, integralidade da proteção de Deus, mos-
Mesaque e Abede-Nego (19), em face de trada pelo fato de que nem cheiro de fogo
sua calma determinação. Ordenou que a passara sobre eles (27). Salmos 34.19,20,
fornalha fosse aquecida ao máximo (o pro- que devia encontrar seu cumprimento em
vável significado de sete vezes mais do que Cristo (cf Jo 19.26), encontra aqui um
se costumava) e aos homens mais podero- primeiro cumprimento.
sos para amarrá-los (20) de modo que esti- O cp. 3 começa com um decreto de
vessem firmemente atados (23). Tão quen- Nabucodonosor que ameaçava destruir o
te estava a fornalha que as chamas do fogo Reino de Deus e termina com um decreto
mataram os soldados (22). Por meio desses adicional de que todos os demais reinos
detalhes o narrador destaca a impossibili- (povos de todas as nações ou línguas; 29)
dade humana de sobrevivência dos judeus, estariam ameaçados com a destruição se
mas a descrição de suas roupas serve como ofendessem o Reino de Deus. Ao mesmo
um sinal do triunfo inesperado que estava tempo em que esse fato registra um triun-
por acontecer. Enquanto o rei se enfurecia fo para o Reino de Deus e (em contraste
e os soldados morriam queimados, os três com 2.47) expressa a humilhação do rei
amigos apareciam em trajes de festa (ob- (28b), o narrador nos sugere que Nabuco-
serve o colorido do relato de seus mantos, donosor de maneira nenhuma foi um ho-
suas túnicas e chapéus e suas outras rou- mem de fé genuína. Ele se impressionou
pas; 21); em contraste com os reinos des- unicamente com o milagre (cf At 8.9-23);
te mundo, o reino de Deus é "justiça, paz sua resposta foi promover os judeus (30),
e alegria no Espírito Santo" (Rm 14.17). não compartilhar de sua fé (28). Ainda
Isto é destacado pela atividade dos judeus que alguns aspectos de sua humilhação
na fornalha (andam passeando dentro do tivessem mudado sua percepção, não ti-
fogo, sem nenhum dano; 25). nham suavizado seu coração (cf v. 29, e
11
1111II DANIEL4 1132
11II-
contraste isso com a confissão de Jonas animal, até que se passem sete tempos";
depois de sua humilhação; Jn 2.8). 15b,16, NVI); um indivíduo será humilha-
do, vivendo como um animal, "será mo-
lhado com o orvalho do céu" (15b). Foi
4.1-37 A soberania de Deus
humilha Nabucodonosor este elemento no sonho que supostamente
encheu Nabucodonosor de pressentimen-
4. 1-18 O sonho da árvore cósmica tos (5) e confundiu os magos do reino (7).
A narrativa do quarto capítulo é feita no Novamente foi o Deus de Daniel, "o es-
contexto de uma carta um tanto poética trangeiro", o único que pôde ajudar.
(1-18,34-37, possivelmente composta por Observe que Nabucodonosor interpre-
orientação do próprio Daniel). Seu pon- tou instintivamente a realidade da vida
to principal está na narrativa da queda de espiritual de Daniel nos termos de sua pró-
Nabucodonosor, contada na terceira pes- pria estrutura religiosa (há em ti o espírito
soa, enfatizando assim que, durante os dos deuses santos; 18b). Suas confissões
acontecimentos ali registrados, o rei estava de fé anteriores não o tinham libertado do
sem condições para avaliar suas próprias politeísmo. Ele é retratado como alguém
experiências. O relato da adoração e lou- que experimentou convicções religiosas,
vor (3) nos prepara para a obra de Deus a mas não uma conversão bíblica (cf v. 8).
ser descrita.
Nabucodonosor é descrito como al- 4.19-27 Uma advertência
guém que estava no auge de seu poder: em relação ao juízo
estava tranquilo em minha casa e feliz no A perplexidade e terror de Daniel (19) es-
meu palácio (4). Aqui, em contraste com tavam relacionados muito mais à interpre-
os v. 2,3, não há nenhuma sugestão da be- tação do sonho do que a qualquer inabili-
nevolência ou grandeza de Deus, elevando dade de compreendê-lo. Sua sensibilidade
assim a expectativa do leitor de que uma é notável (v., e.g., o uso que faz de um
grande mudança está prestes a acontecer cortês prólogo do Oriente Próximo para a
(cf Lc 12.16-19). interpretação; 19b). A revelada humilha-
Nabucodonosor teve um sonho terrí- ção do rei não lhe trazia nenhum prazer, e
vel. Apesar das lições dos cp. 1-3 e das nisto ele refletia o coração divino e o espí-
confissões de 2.47 e 3.28,29, foi a seus rito messiânico (Ez 18.23; Mt 23.37). Sem
mágicos que ele recorreu outra vez (Pv dúvida Nabucodonosor era um nome que
26.11; 2Pe 2.22), mas esses não puderam aparecia com frequência na vida regular de
interpretar os seus sonhos (7). A entrada oração de Daniel (cf 6.10).
de Daniel (8) leva luz a um lugar escuro Então Daniel deu sua interpretação
(cf Mt 5.14; Fp 2.14-16). (24-26). O decreto celeste foi um juízo.
O tema central no sonho era uma ár- Era um decreto contra Nabucodonosor
vore cósmica que claramente representa- (24), estabelecido no contexto da sobera-
va um império mundano, que alcançaria e nia absoluta de Deus (25,27). Mas era justo
dominaria os demais (10-12; cf 2.37,38). e repleto de misericórdia: o terrível juízo
Sobre este império um decreto celeste foi que transformaria Nabucodonosor em um
pronunciado: ele deveria ser reduzido a animal não era impróprio para alguém
um tronco de árvore (15a). Mas o império que havia se comportado como uma bes-
foi personificado ("fique ele no chão, em ta selvagem em relação ao povo de Deus
meio à relva do campo. Ele será molhado (além da atitude que tinha em relação aos
com o orvalho do céu e com os animais oprimidos, 27; sempre um sinal signifi-
comerá a grama da terra. A mente hu- cativo do coração no AT, Is 1.17; 58.6).
mana lhe será tirada, e ele será como um Além disso, tinha a função de humilhar
11
1133 DANIEL4 ti'
11II
11II
o rei, levando-o a um arrependimento in- sua mente (cf Jr 25.15,16). Depois de ter
centivado pela esperança de que o Deus se considerado um super-homem (3.1-6;
que humilha também enaltece. 4.30), tomou-se sub-humano; depois de ter
Os juízos de Deus nunca são arbitrários; erigido sua própria estátua para ser adora-
eles sempre são moralmente justos. Isso é da como a imagem de um deus, sua vida
sublinhado pelos conselhos de Daniel (ou- deixara de refletir a imagem de Deus (Gn
tra vez, bastante cortês) ao rei. Uma vez 1.26,27) e os últimos resquícios da verda-
que o juízo é resposta de Deus à violação deira glória (cf Rm 3.23). Depois de ter se
flagrante de sua lei moral, o arrependimen- comportado de forma bestial, agora colhia
to que se demonstra ao obedecer a essa lei aquilo que ele mesmo plantara (GI6.7,8).
pode levar à misericórdia (cf Pv 28.13; Um arrependimento anterior de Nabu-
Is 58.9b,1O; Jn 4.2). Mesmo alguém im- codonosor talvez tivesse encontrado mi-
piedoso pode encontrar misericórdia; mas sericórdia (27). Mesmo agora, a obra de
a evidência de que eles desejam essa mi- Deus para humilhá-lo não ia além do ne-
sericórdia de Deus está no fato de que eles cessário; o divino até que (32) traz em si
mesmos demonstrarão misericórdia para a possibilidade de restauração. Mas sua
com os outros (cf Mt 6.12; 18.21-35). remissão não era "espontânea". Ocorreu
no contexto da oração humilde (Eu,
4.28-37 Humilhado e curado Nabucodonosor, levantei os olhos ao céu;
O decreto de Deus foi cumprido. Depois 34) e levou à adoração e à confissão de que
de um ano de oportunidade para o arrepen- somente Deus tem poder ilimitado (35). As
dimento (29), Nabucodonosor foi visto palavras do rei, pela primeira vez, contêm
outra vez exaltando-se a si mesmo (30): um reconhecimento da ação de Deus na
Não é esta a grande Babilônia que eu aliança (de geração em geração, 34; cf
edifiquei para a casa real, com o meu Êx 20.5,6; SI 103.17,18), como também
grandioso poder e para glória da minha um reconhecimento de sua verdade e justi-
majestade? (cf Is 13.19). Seus feitos fo- ça (37). Ele resiste aos soberbos e concede
ram notáveis, incluindo um programa de sua graça aos humildes (37; cf lPe 5.5).
restauração e reconstrução. Ele construiu Em Nabucodonosor as palavras de Salmos
os Jardins Suspensos, uma das sete mara- 18.25-27 encontram rica ilustração.
vilhas do mundo antigo, para que sua es- Os comentaristas cristãos têm frequen-
posa, Amytis, originariamente dos medos, temente duvidado da verdadeira "conver-
pudesse se lembrar de sua terra natal. Mas são" de Nabucodonosor. Se essa conversão
ele seguira de maneira consciente uma po- teve vida curta, não é de se admirar que
lítica de expansão, reivindicando ter sido não existam registros seculares sobre ela.
apontado como monarca universal por Um documento intitulado The Prayer
Marduque; ele não tinha levado em consi- of Nabonidus [A Oração de Nabonido],
deração Salmos 127.1. descoberto recentemente nas cavernas de
O juízo divino (anunciado nos v. 31,32) Qumran, tem fortalecido o ponto de vista
envolvia a completa humilhação do rei; sua crítico de que esse capítulo se originou na
autoridade (31) e sua sanidade (34) foram história que era contada sobre a doença
removidas no mesmo instante (33). Sua do rei Nabonido (que reinou de 556 a 539
confissão no v. 33 de que seu entendimen- a.C.). A oração registra uma enfermidade
to lhe fora restaurado dá crédito à teoria com duração de sete anos, provocada por
de que a reação do rei ao juízo de Deus juízo divino. Na oração, Nabonido conta
evocara uma condição psicótica (agora como Deus lhe enviou um exilado judeu
conhecida como licantropia). Tal foi o sur- para explicar sua experiência, e que es-
preendente impacto da palavra de Deus em creveu também um decreto relacionado
DANIEL5 1134
uma pequena administração central que se Daniel de maneira sutil: tudo que preci-
reportava diretamente ao rei (a existência savam era de um breve período em que
de outros níveis administrativos é sugerida fossem proibidas as orações (7). Além dis-
no v. 8). so, Daniel estava quase com oitenta anos,
A motivação para este novo arranjo muito longe da idade em que atos heroicos
(para que o rei não sofresse danos, 2) diz de sua parte pudessem ser esperados.
muito a respeito das tentações da vida po- Caracteristicamente, entretanto, Daniel
lítica e do fato de que um alto posto não reconhecia que qualquer ganho obtido
é garantia de moral elevada. Daniel (ago- ao preço da fidelidade à palavra de Deus
ra com quase oitenta anos) demonstrava, mais tarde se tomaria em grande perda
mais uma vez, a natureza extraordinária da (cf Fp 3.7,8).
sabedoria que recebera de Deus, embora Enquanto a questão crítica da narrativa
sua promoção tenha despertado inveja en- estava no simples fato de que Daniel ora-
tre seus colegas e subordinados (4). va, com o espírito marcado pela reverên-
O conluio que seguiu não foi o primei- cia, a narrativa também fornece diversos
ro nem o último em que o sacrifício de tra- detalhes sobre as suas orações, tomando-o
dicionais hostilidades, neste caso entre os assim como exemplo de uma vida de ora-
níveis mais elevados e os menos elevados ção (cf 2.17,18; 9.3-19; 10.2,3,12). Era seu
do governo, tem sido considerado o preço costume orar em um sótão (em cima, no
a se pagar por um acordo de oposição ao seu quarto; 10) onde havia janelas abertas
ungido do Senhor (cf SI 2.1,2; Mt 16.1; do lado de Jerusalém. Mesmo sabendo que
Lc 23.12; Em 4.25-27). Deus estava em toda parte e portanto po-
Os colegas de Daniel eram incapazes dia ouvir orações na Babilônia, ele orava
de encontrar um motivo para se queixar ao Senhor que tomara sua presença parti-
dele e, portanto, não tinham forças para re- cularmente conhecida em Jerusalém, para
movê-lo da administração (4; cf Jo 14.30). onde a arca da aliança fora levada (observe
Ao mesmo tempo em que seus colegas a caracterização da sua oração pela alian-
passaram a odiá-lo, não tinham como não ça no cp. 9). A regularidade das orações
reconhecer sua integridade. Eles sabiam de Daniel provocava comentários (lOb),
que sua única esperança era transformar a como também a nota de ação de graças
notória força espiritual de Daniel em uma que as permeavam, mesmo em um contex-
fraqueza política, sabendo que ele obede- to em que um grave perigo ameaçava sua
ceria a Deus e não aos homens (5; observe vida pessoal, e a postura que adotara (se
o contato posterior com At 4.19). E assim punha de joelhos, e orava, 10), indicando
eles fizeram, transformando a fraqueza es- a sinceridade de sua súplica (11).
piritual do rei em sua própria força política Em sua sutileza, os conspiradores pe-
(6,7). A irrevogabilidade das leis dos me- garam não só a Daniel como a Dario em
dos e dos persas (8; cf Et 1.19) não era sua trama (11,12). A característica que fez
exclusividade do Oriente Próximo, assim de Daniel o único membro completamen-
como a tentação ao totalitarismo não podia te confiável na administração real, a saber,
ser limitada a Dario (7). O significado na sua confiança no Deus da aliança, sofreu
lei persa de o decreto ter sido colocado por uma reinterpretação radical nas mãos de
escrito é explicado em Ester 8.8. seus inimigos. Sua confiabilidade era ago-
ra caracterizada como rebeldia (13). A
6.10-17 Obedecendo a Deus insensatez de Dario se tomava agora to-
em vez de aos homens talmente clara para ele, mas o próprio rei
A trama foi formulada de forma clara e estava totalmente impotente para revertê-
direta, mas continha a intenção de testar la (14), assim como também estava Daniel,
aparentemente (17). Observe, entretanto,
1137 DANIEL?
finalmente foram subjugados por este; aqui turas e o sonho de Nabucodonosor sugere
o foco está na degradação moral, ainda que que elas representam os mesmos impérios
de curta duração, do caráter daqueles rei- (o Império Babilônico, o Império Medo-
nos (representados por figuras bestiais), em Persa e o Império Grego, de acordo com
comparação com o eterno reino de Deus. a interpretação acima). Curiosamente,
Como em qualquer outra parte da li- Nabucodonosor é comparado em outras
teratura apocalíptica, o visual predomina partes tanto a um leão (Jr 4.7; cf 49.19;
(observar a ênfase no verbo "olhar", re- 50.44) quanto a uma águia (Ez 17.3,11,12).
gistrado nos versículos 2,4,6,7,9,11,13). Cf v. 4 com 4.33,34. Não se conseguiu en-
Embora seja importante tentar interpretar contrar descrição melhor para as conquis-
o significado histórico da visão, o fato de a tas de Alexandre, o Grande, do que a de
revelação ser dada em forma visual subli- um leopardo alado com quatro cabeças.
nha a importância de seu apelo tanto aos (E de fato, depois da sua morte, o Império
sentidos como também à razão; pretende- Grego foi dividido em quatro partes.)
se criar impressões, não apenas transmitir O temível caráter dessas criaturas se
proposições. toma insignificante diante da descrição da
A visão ocorreu durante o primeiro ano quarta criatura e de sua ferocidade. Ao pas-
do reinado de Belsazar (cf comentário em so que as criaturas descritas anteriormente
5.1). O conhecimento profundo que Daniel se assemelhem a um leão, a uma águia, a
tinha da família real certamente provo- um urso e a um leopardo, a quarta não se
cou nele pressentimentos sobre o futuro parece em nada com nenhuma outra criatu-
imediato (que ele tem pouco tempo para ra do reino animal. Enquanto Daniel ainda
Belsazar fica bastante claro em 5.17). está confuso com os dez chifres (7,8), um
Agora Deus enchera sua mente com novo chifre passa a chamar a sua atenção;
uma visão mais cósmica do mar Grande esse chifre aparentemente representa um
(possivelmente o Mediterrâneo, mas mais indivíduo, mas alguém cuja humanidade
provavelmente um retrato geral do mundo está voltada somente para si mesmo (8).
em sua assustadora falta de Deus e insta- Enquanto Daniel olha, três cenas apare-
bilidade). Entretanto, o mar não é agitado cem subitamente diante de seus olhos. Pode
pelas bestas que emergem dele, mas pelos ser mais sábio procurar entendê-las como
quatro ventos do céu (2), uma indicação partes de um quadro mais amplo que juntas
de que mesmo por trás dos mais temíveis podem passar uma grande impressão.
acontecimentos se encontra a mão de Deus. A primeira cena (9,10) é uma visão do
Isto é enfatizado pelo uso da voz passiva trono de Deus. Em contraste com as cenas
nas descrições das bestas, que evidente- anteriores, é marcada por ordem, tranqui-
mente representam impérios: a criatura lidade e soberania absoluta. Ainda que ne-
parecida com um leão cujas asas foram nhuma conexão entre esta e a segunda cena
arrancadas foi levantada da terra e lhe foi (l1,12) seja explicitamente indicada, há
dada mente de homem (4; possivelmente uma clara implicação de que o julgamento
um retrato de Nabucodonosor); à criatura de Deus está por trás da destruição da besta
semelhante a um urso diziam: Levanta-te, e da destruição do poder das outras bestas
devora muita carne (5); e a criatura pareci- (10; assentou-se o tribunal, e se abriram
da com um leopardo recebeu domínio (6). os livros sugere que um veredicto judicial
Pode até haver totalitarismo, mas nunca há estava prestes a ser pronunciado). Ante o
autonomia absoluta no governo humano. Ancião de Dias, os reinos deste mundo
Os crentes sempre conseguirão entrever, têm vida curta. Sua presença como um juiz
para além dos atos dos reis, o domínio de santo e justo é transmitida por uma im-
Deus. A íntima conexão entre essas cria- pressão de fogo ardente e candura perfeita
1139 DANIEL8{
(9; cf SI 50.3,4). A terceira cena retoma observação especial deve ser feita em rela-
à sala do trono de Deus onde um como o ção ao tríplice caráter do pequeno chifre no
Filho do Homem é apresentado ao Ancião v. 25. Ele é culpado de blasfêmia, de perse-
de Dias (13) e dele recebe a autoridade guição ao povo de Deus e de alguma forma
universal. Esta figura é a de um verdadei- de autodivinização (uma vez que a mudan-
ro homem em contraste com as bestas. Ele ça dos tempos estabelecidos, v. 25, é uma
é capaz de carregar a santidade de Deus e prerrogativa exclusiva de Deus, 2.21).
permanecer em sua presença. Nesta ima- Aqueles que localizam a plateia de
gem a pedra do sonho de Nabucodonosor Daniel no segundo século a.C. normal-
(2.35,44,45) se transforma em um homem, mente identificam o quarto reino como
em quem a verdadeira imagem de Deus a Grécia, e veem o pequeno chifre como
brilha (Gn 1.26-28), o Homem Messiânico Antíoco Epifânio. Não é possível, entre-
que será o verdadeiro regente de Deus (cf tanto, ler esta passagem da perspectiva do
SI 2.8; 8.4-8; 72.1-11 ,17; Hb 2.5-9; 12.28). NT sem reconhecer que a figura do "Filho
do Homem" (13) se cumpre em Cristo (cf
7.15-28 O chifre que guerreava Mc 13.26; At 7.56; Ap 1.13; 14.14).
Daniel recebeu uma série de indícios para Essa interpretação (retrospectiva) su-
explicar essas cenas. A interpretação das gere que a figura da quarta besta se cum-
bestas como impérios está de acordo com pre em Roma. É provavelmente melhor
isso. A visão pretendia assegurá-lo de que considerar os "chifres" (7,8,24) como uma
os santos do Altíssimo receberão o reino continuação do "espírito" da dominação
(18). Isso não deveria ser entendido como romana, em cujo contexto aparece o pe-
uma sugestão de que o "Filho do Homem" queno chifre, o homem sem lei, o anticristo
(13) e os santos do Altíssimo fossem idên- final (20,21,25; cf 2Ts 2.4-12; 1104.3b),
ticos, mas que de algum modo havia um que, por determinado tempo, oprimirá fe-
relacionamento entre eles, o qual se tor- rozmente os santos (25). Seu poder então
naria claro com a vinda de Cristo (e.g., será consolidado e intensificado (por um
Ap 1.7). Sua coroação é a garantia de que tempo, dois tempos), mas será subitamen-
seus santos compartilharão de seu triunfo te interrompido (metade de um tempo). O
(Ap 20.6). reino, o domínio universal e a majestade
Embora lhe tenha sido dada uma garan- serão entregues ao Filho do Homem e ao
tia do triunfo do reino de Deus, Daniel ficou seu povo, e o seu reino será para sempre
muito incomodado, especialmente com a (14,26,27).
identidade da apavorante quarta besta, com Daniel fora afetado tanto fisica como
todos os seus chifres e particularmente o mentalmente pela visão. Há uma lição im-
menor deles (19; cf v. 8). A interpretação portante para todos aqueles que têm expe-
que recebera elucidava a visão, mas defini- riências espirituais incomuns no fato de
tivamente não a tomava mais simples. Não Daniel ter guardado essas coisas somente
é de admirar que os comentaristas não con- para si mesmo (28).
cordem em suas interpretações sobre esse
trecho. Suas dificuldades de interpretação 8.1-27 A soberania de Deus
devem nos alertar para que não sejamos dura para sempre
dogmáticos ao tentar explicá-la. Em suas experiências visionárias, Daniel
O pequeno chifre aparece no contexto recebeu total compreensão do conflito em
do último império. A forma como o iden- que ele mesmo estava pessoalmente envol-
tificamos vai depender de nosso esquema vido. A visão não se limitava à sua própria
geral para interpretar toda a visão (e o experiência; ao contrário, sua experiência
sonho de Nabucodonosor no cp. 2). Uma nada mais era do que um determinado
11
: - DANIELa 1140
11
chefe da dinastia selêucida da qual surgiu mui distantes (26). O "fim" em vista aqui
Antíoco IV, em 175 a.C. Ele se intitulou pode ser mais bem entendido como a últi-
Theos Antíoco Epifânio (Antíoco, o deus ma parte do período histórico em questão
ilustre). Outros se referem a ele como (isto é, não o final dos tempos).
Antíoco Epimanes ("o louco"). Em sua Como em 7.28, a reação de Daniel é
política expansionista invadiu a Palestina muito instrutiva. A seriedade do conflito
(a terra gloriosa; 9) e saqueou Jerusalém em que o povo de Deus está para se en-
em meio a um terrível banho de sangue. volver não somente o oprimiu como o ate-
Ele aboliu as ofertas sacrificais diárias da morizou, mas não o paralisou. Mesmo em
manhã e da tarde (11; cf Êx 29.38-43), co- meio a um ambiente incrédulo e pecami-
meteu a blasfêmia de sacrificar um porco noso, ele cumpriu com suas responsabili-
no altar das ofertas queimadas, mais tar- dades diárias (27; cf 2Pe 3.11).
de colocou uma estátua de Zeus no tem-
plo e fez sacrifícios humanos no altar. Ele
9.1-27 A soberania de Deus
proibiu a circuncisão e profanou o sábado como base da fé e profecia
(cfv.ll,12).
A ênfase dada à compreensão de Daniel 9.1-3 Daniel procura nas Escrituras
desta visão é digna de nota (5a,15,16). Gabriel trouxe então uma revelação adi-
Essa iluminação não é somente uma ques- cional (21; cf 8.16), a qual é situada por
tão da previsão de futuros acontecimentos uma cuidadosa e significativa cronologia
da história, mas também a clara compreen- no primeiro ano de Dario (1). Daniel es-
são da natureza e da obra do mal em sua tava envolvido em disciplinas espirituais.
destruição da vida, sua oposição à santida- Ele tinha meditado na profecia de Jeremias
de (24; com o foco na destruição da adora- de que o tempo de duração das assolações
ção do povo de Deus, 11; cf At 20.29-31), de Jerusalém (2) se estenderia por setenta
sua falsidade e seu orgulho (25). À luz anos (cf Jr 25.11,12; 29.10). A oração que
desse fato, Daniel aprende lições vitais: segue foi influenciada profundamente pelo
que ninguém deve se deixar enganar por espírito de Jeremias 25. Como em outras
uma falsa sensação de segurança (25, vi- partes das Escrituras, a motivação para a
vem despreocupadamente; cf 1Co 10.12; intercessão fervorosa de Daniel é dupla:
GI6.1) e que no final Deus destruirá toda a a necessidade do momento e a promes-
oposição a ele (25; cf SI 2.8-12; 46.8-10; sa de Deus na aliança. Enquanto a lógica
Ap 11.15-18). abstrata pode nos levar a perguntar por
O foco no pequeno chifre, diante do que Daniel precisava orar, se Deus já ti-
qual os papéis dos grandes impérios repre- nha feito sua promessa, o próprio Daniel
sentados pelo carneiro e pelo bode passam compreendeu que Deus emprega a oração
a ser secundários, é um lembrete da distin- como um meio pelo qual ele se agrada em
ta perspectiva bíblica, que não vê os gran- cumprir a sua palavra. O arrependimento
des impérios, mas sim o povo da aliança genuíno e a intercessão afetavam Daniel
como o elemento-chave para a história. O tanto exteriormente quanto interiormente
derradeiro significado dos impérios e de (3). Presumivelmente, essa era uma parte
seus regentes é determinado pelo tipo de das devoções privadas de Daniel, mas suas
tratamento que concedem ao povo de Deus ações não entravam em contradição com o
(9-12; cf Mt 25.31-46). espírito de Mateus 6.16-18, que diz respei-
Duas frases apontam para o cumpri- to à nossa aparência em público e de todo
mento da visão de Daniel: os eventos acon- modo tem em vista aqueles que procuram
tecerão no último tempo da ira [...] tempo aprovação no elogio de outros, em vez da
determinado do fim (19) e em dias ainda aprovação de Deus.
DANIEL 9 1142
é uma das mais enigmáticas características Por 70 anos Daniel ansiara pela restau-
de todo o livro. Possivelmente as primeiras ração da cidade e do templo de Deus (16-
sete semanas apontam para a conclusão do 19). Agora que isto está prestes a ocorrer,
templo. Os v. 26 e 27 podem conter uma sua atenção é dirigida a um ponto mais
miniatura de "paralelismo progressivo": distante e elevado na história da redenção.
o v. 26 descrevendo as semanas finais em Mesmo um templo novo em uma cidade
termos panorâmicos, enquanto o v. 27 as reconstruída pelas mãos humanas pode ser
descreve em detalhes específicos. destruído. Os olhos de Daniel consequen-
As interpretações dessa mensagem temente devem se fixar no templo final (cf
variam muito e dependem de uma visão Jo 2.19), aquele que estará além de qual-
mais ampla do intérprete quanto ao cum- quer tipo de profanação (Ap 21.22-27).
primento da profecia. A crítica, situando
os escritos de Daniel no contexto do se- 10.1-12.4 A soberania de Deus
gundo século a.C., vê o período em ques- sobre toda a história
tão como algo que deve se estender do
século VI até a época de Antíoco Epifânio 10.1-3 Em lamentação espiritual
(os 490 anos sendo entendidos ou como A narrativa da visão final de Daniel se
um ciclo ou literalmente e, talvez, equivo- estende do começo do cp. 10 ao final do
cadamente). Porém, da perspectiva do NT livro. O livro é precisamente datado no ter-
é muito difícil evitar a conclusão de que ceiro ano de Ciro (l), durante o período
o Ungido (25) tem seu cumprimento em da Páscoa e da Festa dos Pães Asmos, às
Jesus Cristo, cuja vinda traz expiação e o margens do rio Tigre (4). Na comemoração
fim da culpa (24). Alguns intérpretes mais do êxodo do Egito, um novo êxodo come-
conservadores têm, além disso, empre- çara, no primeiro ano de Ciro (Ed 1), mas
gado várias cronologias para demonstrar este êxodo encontrou desencorajamento
que o número 490 é uma previsão crono- prematuro (Ed 3.12-4.5). Posteriormente
lógica exata da morte de Cristo. Não há o trabalho de reconstrução do templo foi
consenso entre os estudiosos seja sobre paralisado (Ed 4.24). Insinuações desse
isso, seja sobre a interpretação detalhada primeiro desencorajamento parecem ter
das semanas finais. sido a principal razão para o prolongado
Se a análise cristológica estiver em período de disciplina espiritual de Daniel
geral correta, as 69 semanas podem repre- (2). O versículo de abertura resume o cará-
sentar o período além da restauração até a ter da visão que segue.
vinda de Cristo e do reino que ele inaugu-
ra. Embora dificil, o v. 26, será o Ungido 10.4-9 Uma visão gloriosa
morto e já não estará, lembra Isaías 53.8 A visão de Daniel (7) teve um grande efei-
e uma indicação da desolação absolu- to sobre ele (8). Embora somente ele tenha
ta (cf Mt 26.31; 27.46). O v. 27 poderia, tido a visão, parece que seus companheiros
então, referir-se ao príncipe que há de vir ouviram a voz que era como o estrondo de
(26), encontrando seu cumprimento em muita gente (6) e fugiram (7). Quanto ao
Tito Vespasiano, a profanação do templo homem vestido de linho sacerdotal (5; cf
e a destruição de Jerusalém em 70 d.C. Êx 28.42; Lv 6.10; 16.4), seu ser irradiava
(cf Mt 24.3-25). Alternativamente, o v. tamanha luz e beleza que Daniel exauriu
27a pode ser uma referência a Cristo con- o vocabulário das pedras e metais precio-
firmando a aliança de Deus por uma sema- sos, e mesmo dos elementos, para achar
na, isto é, para todas as épocas futuras (cf comparações adequadas ao descrevê-lo
lCo 11.25,26); e os v. 27b e 27c uma refe- (5-7). Nenhuma tentativa é feita no senti-
rência à profanação de Jerusalém. do de identificar tal homem. Sua descrição
íIIII
: . DANIEL 10 1144
íIIII
Antíoco impediu uma invasão da Pales- Não obstante, as identificações do rei (36)
tina pelos egípcios ao invadir ele mesmo o variam (e.g., o Império Romano [Calvino],
Egito, governado agora por Ptolomeu VI, o papado e o anticristo).
tendo sucesso, em parte, pela intriga (de A identificação precisa do significado
acordo com v. 24,25). Mas o sucesso o ilu- da profecia depende sempre de seu cum-
diu (27), e quando a desordem irrompeu na primento histórico. De todo modo, temos
Palestina, ele retomou à Síria. Outra vez os aqui pelo menos um perfil do espírito do
limites divinos se concretizam na história anticristo (110 2.18) na autonomia radical
(27), e a sinistra natureza da oposição ao do rei (cf 3.15; 4.30; 8.25; 11.3,12,16),
povo de Deus é enfatizada (28). que se exalta a si mesmo como um deus
Antíoco invadiu o Egito novamente, (36,37; cf 3.5) e no casamento entre ini-
em 168 a.c., quando os ptolomeus tinham quidade e injustiça. A referência ao "deus
chegado a um acordo sobre um reinado preferido das mulheres" (37, NVI) é difícil.
conjunto. Desta vez ele teve de enfrentar Às vezes tomadas como uma referência a
um ultimato humilhante por parte dos ro- Tamuz, o deus pagão pranteado pela deusa
manos ordenando-lhe que se retirasse (cf Astarote (cf o espanto de Ezequiel dian-
v. 30), depois do qual dirigiu toda a sua fú- te dessa abominação em Ez 8.13,14), es-
ria a Deus e a seu povo (30), recrutando en- sas palavras também podem significar "o
tre os judeus os simpatizantes do processo desejo das mulheres", denotando assim a
de helenização (30-32). Isso culminou no total desconsideração do rei com respeito
massacre dos habitantes de Jerusalém e na à afeição humana (cf 2Tm 3.2-4), ou até
desolação da cidade. O santuário foi profa- mesmo pelo que foi ordenado na criação
nado, o sacrifício diário abolido, um altar a quanto ao relacionamento homem-mulher.
Zeus foi erigido e rituais pagãos celebrados Os v. 40-45 retratam uma luta final.
sobre o altar das ofertas queimadas (a abo- Alguns intérpretes sugerem que isso se
minação desoladora, 31; cf Mt 24.15). cumprirá nos termos geográficos precisos
Em meio à apostasia dos judeus (des- em que é descrito, mas essas afirmações
crita nos v. 30,32), alguns foram fiéis até a são mais bem interpretadas como um re-
morte (33). Foi neste contexto que ocorreu trato de um conflito futuro descrito nos
a famosa resistência dos macabeus. Como termos do mapa político daquela época.
em todos os movimentos de resistência, Edom, Moabe, e Amom (41) representam
tanto espirituais quanto políticos, os fiéis inimigos ancestrais do povo de Deus. Os
receberam apoio que prefeririam ter dis- inimigos tradicionais do rei do norte e
pensado (34). seus aliados serão dominados por ele (43).
Possivelmente a seção mais difícil do Entretanto, seu fim virá, e não haverá quem
livro é a que segue nos v. 36-45. A descri- o socorra (44,45).
ção parece exceder tudo o que é conheci- Se tivermos aqui uma referência às
do até mesmo sobre o blasfemo Antíoco cenas finais da história, devemos recordar
(daí a conclusão de muitos comentaristas que estão descritas nos termos da antiga
de que essa seção é certamente uma pro- ordem mundial. A profecia realmente pre-
fecia preditiva por parte do autor que, por diz o futuro, mas fala também a seu mundo
ser equivocada, nos permite datar a edição contemporâneo nos termos extraídos de
final de todo o livro). O trecho 13.1-3, en- seu próprio tempo.
tretanto, sugere que o fim de toda a história Mesmo que o clímax da iniquidade es-
pode, agora, estar em vista. Neste caso, o teja retratado aqui, seria um erro antecipar
v. 35 pode estar apontando para a futura que o desenlace da história envolverá os
experiência do povo de Deus, não apenas carros e cavaleiros (40). Nem devemos
durante, mas além da época de Antíoco. nos esquecer de que a função de toda essa
1147 DANIEL 12
seção é enfatizar que não importa o quão divina (cf 10.5,6) levanta as mãos aos céus
radicalmente iníquo seja o regente de uma e jura, o que indica a solenidade e seguran-
nação, chegará a seu fim, e não haverá ça daquilo que dirá. Como resposta, depois
quem o socorra (45). de um tempo, dois tempos e metade de um
tempo (cf 7.25) as palavras expressam tanto
12.1-4 As últimas coisas um período geral e prolongado quanto um
O mensageiro angélico promete a Daniel sentido de que esses periodos são conheci-
que o povo de Deus será protegido con- dos e limitados por Deus. Apenas quando o
tra a desolação dos poderes da escuridão, povo de Deus não tiver mais nenhum tipo
como sempre, por Miguel (cf 10.13,21). de defesa o próprio Deus intervirá (7).
Mas, assim como o teste dele e de seus Daniel ficou compreensivelmente con-
companheiros, isso não significará que fuso e procurou uma explicação adicional
estarão protegidos do tempo de angústia sobre o fim destas coisas (8). Significa-
(1; cf 2Tm 3.1-9), mas serão, antes, res- tivamente (tanto para todos os intérpretes
gatados dele. Os propósitos de Deus (cf posteriores quanto para Daniel) ele foi
no livro, v. 1) não falharão; ele guarda seu informado de que a revelação do signifi-
povo "para a salvação preparada para re- cado da visão esperará seu cumprimento
velar-se no último tempo" (1Pe 1.5). O v. histórico; então a divisão entre os sábios
2 aponta para essa ressurreição como a re- e os perversos será feita claramente (10).
versão da maldição da morte (vida eterna, Os primeiros, com o livro de Daniel em
v. 2, contrasta com dormem no pó da terra, mãos, entenderão o verdadeiro significado
cf Gn 2.7,17; 3.19) ou é sua confirmação dos acontecimentos pelos quais estão pas-
(vergonha e horror eterno). Os sábios (cf sando. Os perversos conhecerão somente
11.25) que tiverem sido fieis à palavra de confusão e espanto.
Deus, apesar da vergonha e sofrimento, se- A figura fornece uma explicação final
rão glorificados (3). Essa é a mensagem de (que constrói sobre 11.31). No tempo da
esperança e conforto que fortalecerá os fu- abominação desoladora (11), o tempo de
turos crentes. Por essa razão, Daniel deve angústia (1) durará aproximadamente três
encerrar as palavras e selar o livro (4), não anos e meio, estendendo-se para um mês
no sentido de mantê-las em segredo, mas a e meio a mais (11,12). Isto pode ser enten-
fim preservá-las até que sejam necessárias, dido como um microcosmo de um tempo,
preservando-as para aqueles que buscam a dois tempos e metade de um tempo (7) e es-
palavra de Deus em contraste com os ou- tar relacionado ao sofrimento sob Antíoco
tros, os muitos [que] o esquadrinharão, e o Epifânio. Parece provável, entretanto, que
saber se multiplicará (4; cf Am 8.12). aponte também muito além, para os dias
finais, sendo que esses três anos e meio
12.5-13 A soberania de Deus trazem à conclusão as 70 "semanas", das
e o descanso do servo quais somente 69 e metade de uma semana
A peculiar conclusão volta seu foco outra tinham se cumprido em 9.24-27.
vez para o próprio Daniel (cf 10.2-18). Ele Adequadamente, as palavras finais são
vê outros dois, que possivelmente devem de promessas ao próprio Daniel, já idoso.
ser vistos como testemunhas confirmatórias Ele também deve perseverar até o fim.
(Dt 19.15), um de cada margem do rio. Um Então encontrará seu descanso. Suas obras
deles pergunta algo que por certo já passara continuarão a segui-lo até a sua ressurrei-
pela cabeça de Daniel, e que era uma per- ção (v. 13; cf Ap 14.13).
gunta frequentemente feita pelo angustiado
povo de Deus: Quando se cumprirão estas
maravilhas? (cf 8.13; Ap 6.10). A figura Sinclair B. Ferguson
• :- OSEIAS
•
INTRODUÇÃO
Oseias foi um dos quatro "profetas escrito- Oseias e sua esposa tiveram três fi-
res" (profetas cujas profecias foram escri- lhos, e a cada um deles foi dado um nome
tas e preservadas para nós na Bíblia) que profético: "Jezreel", "Desfavorecida" e
viveu no oitavo século a.C. Estes quatro "Não-Meu-Povo" (v. comentário de 1.4-
foram (em ordem cronológica aproxima- 9). Juntos, eles falam do juízo de Deus, um
da): Amós e Oseias, que profetizaram a juízo, entretanto, que também é revertido
Israel, o Reino do Norte; Isaías e Miqueias, (1.10-2.1,21-23).
que profetizaram a Judá, o Reino do Sul. O ministério profético de Oseias pa-
Viveram em épocas de relativa abun- rece ter durado mais de trinta anos, como
dância para os dois reinos. Essa riqueza, podemos ver pela lista de reis em 1.1, bem
entretanto, não era compartilhada. Os ricos como por alusões a fatos históricos fei-
e poderosos ficavam cada vez mais ricos tas no livro. Provavelmente recebeu seu
e poderosos à custa dos pobres e indefe- chamado profético por volta de 760 a.c.,
sos. Todos os profetas exortaram contra perto do final do reinado de Jeroboão 11
essa situação, mas com ênfases diferentes. (c. 793-753 a.C.) e nele perseverou por
Enquanto Amós se concentrou na questão cerca de trinta anos. Nesse ano ocorreu
da injustiça social, Oseias ressaltou a ques- a guerra Siro-Efraimita. Síria e Israel (o
tão da infidelidade do povo em relação a Reino do Norte, frequentemente chamado
Deus, por causa de sua idolatria. de Efraim) tentaram forçar Judá a se jun-
tar a eles em uma revolta contra a Assíria.
o profeta Oseias Judá, por sua vez, recusou-se e apelou à
Embora não saibamos muitos detalhes Assíria, que sem maiores dificuldades li-
da vida de Oseias (e.g., de onde veio, ou quidou tanto a Síria como Israel. Pode ser
quem foi seu pai, Beeri), suas circunstân- que Oseias tenha profetizado quase até a
cias foram de extrema importância para época da queda de Samaria, em 722 a.C.
levar a Israel o significado de sua men- Oseias proclamava sua mensagem ver-
sagem. Oseias se casou com Gômer, uma balmente nos locais tradicionalmente des-
mulher que acabou sendo como o povo tinados a reunir o povo. Entre eles estão os
de Israel - infiel. Ela o deixou por outra santuários (e.g., Betel e Gilgal; 4.15) onde
pessoa e, ao fazê-lo, forneceu um retrato o povo se reunia para adoração e oferta de
exato do povo de Israel, que abandonara sacrifícios, e também nas portas da cidade,
a Deus para "ir após outros deuses". A onde os anciãos se reuniam para julgar os
Oseias, entretanto, foi ordenado trazer de litígios. Oseias provavelmente passou al-
volta sua ex-esposa, fornecendo assim um gum tempo na capital, Samaria, retratada
recurso visual poderoso para a mensagem em diversas profecias (e.g., 7.1; 8.5,6).
que Deus tinha para o seu povo: "Você Em vista das referências feitas aJudá
pecou e deve ser punido, mas eu o trarei no livro (e.g., 1.1,7,11; 4.15; 5.10-14), é
de volta para mim e restaurarei nosso rela- possível que Oseias tenha se refugiado por
cionamento" (v. especialmente comentário ali em algum momento de seu ministério.
dos cp. 1 e 3). Isso também explicaria como suas profe-
1149 OSEIAS(
cias vieram a ser preservadas na época em natos. O filho de Jeroboão, Zacarias (não
que o Reino do Norte foi destruído (v. tam- o profeta de Judá), foi assassinado por
bém o quadro na página 949). Salum que, por sua vez, foi assassinado
por Menaém. O filho de Menaém, Pecaías,
o contexto histórico o sucedeu, mas depois de dois anos foi as-
Durante a primeira parte do oitavo século sassinado por Peca que, por seu turno, foi
a.c., as grandes potências do mundo então assassinado por Oseias. (Este nome hebrai-
conhecido exerciam uma influência me- co é escrito da mesma forma que o nome
nor do que já haviam exercido: Assíria e do profeta, mas são claramente pessoas
Babilônia tinham seus interesses voltados distintas.) A passagem de Oseias 1.1 não
para outras regiões, e o Egito estava relati- faz referência a esses reis, embora tenham
vamente fraco (v. quadro da linha do tempo sido contemporâneos dos reis de Judá ali
na página 44). Isso permitiu que os estados mencionados. Isso se deve à pouca impor-
menores da Palestina se expandissem e se tância de cada um deles.
engajassem livremente no comércio. De Os reis de Judá foram Azarias (também
acordo com 2Reis 14.23-29, Jeroboão conhecido como Uzias; c.791-740 a.Ci),
II foi um péssimo rei; conseguiu grandes Jotão (c.750-732 a.C}, Acaz (c.744-
êxitos militares, mas causou sofrimento ao 716 a.c.) e Ezequias (c.716-687 a.c.).
povo de Israel. Foi o quarto e último da di- Observe que as datas se sobrepõem umas
nastia de Jeú, que fora ungido rei por um às outras. Isso se deve ao fato de esses reis
representante do profeta Eliseu (2Rs 9.1- terem adotado um sistema de corregência:
10) com o propósito de destruir a linhagem o filho do rei era nomeado corre gente antes
de Acabe. Jeú, então, matou a Jorão (2Rs da morte do rei. Isso servia para tomar a
9.24), que estava se recuperando de feri- sucessão mais tranquila e menos vulnerá-
mentos em Jezreel, e foi adiante com as vel a levantes e tentativas de golpes.
mortes, massacrando o restante da família O contexto religioso em que Oseias
de Jorão (2Rs 10.1-8), também em Jezreel. profetizou está refletido em muitas partes
Depois que pegou gosto por sangue, evi- do livro. O povo de Israel, sob a liderança
dentemente foi muito além do que Deus de Josué, tinha conquistado a terra de Ca-
havia ordenado. Além de matar "os res- naã, mas havia falhado em destruir os po-
tantes da casa de Acabe", matou também vos já ali estabelecidos. Esses povos, seus
"todos os seus grandes", "os seus conhe- descendentes e sua religião continuaram
cidos" e "os seus sacerdotes" (2Rs 10.11) a existir. Os cananeus adoravam a mui-
e continuou, matando dessa vez adorado- tos deuses, sendo Baal o principal dentre
res que haviam lotado o templo de Baal todos. Baal era considerado o deus que
(2Rs 10.18-28). A aprovação que recebe trazia fertilidade à terra. De acordo com
em 2Reis 10.30 é modificada severamen- um mito muito difundido, ele foi assassi-
te pela referência de Oseias ao "sangue de nado por Mot, deus do verão e da seca,
Jezreel", bem como pela declaração de que mas ressuscitou dos mortos após a deusa
"não se apartou Jeú de seguir os pecados Anate vingar seu assassinato. Essa morte
de Jeroboão, filho de Nebate, que fez pecar e ressurreição refletia o ciclo anual das es-
a Israel" (2Rs 10.29). Jeú foi sucedido por tações. A religião dos cananeus se destina-
seu filho Jeoacaz e por seu neto Jeoás. O va a dar fertilidade à terra; não dava valor
terceiro rei depois de Jeú foi Jeroboão 11, elevado à moral. Nos templos, os homens
acima mencionado, filho de Jeoás. podiam "adorar" a Baal e estimulá-lo nos
A passagem de 2Reis 15 conta que, atos de fertilidade ao ter relação sexual
quando Jeroboão morreu (753 a.C}, houve com as prostitutas "cultuais"que residiam
uma sucessão de breves reinados e assassi- nesses templos.
OSElAS 1150
Leituras adicionais
OSEIAS/
.
leopardo e a uma ursa (13.7,8); ao orva- KIONER, F. D. A mensagem de Oseias.
lho (14.5), à alva e à chuva serôdia (6.3), ABU,1993.
a um cipreste verde (14.8) e mesmo à tra- CRAIGIE, P. C. Twelve prophets. v. 1. DSR
ça e à podridão (5.l2)! Outras imagens Westminster/John Knox Press, 1984.
usadas para Israel são a de uma novilha BOICE, J. M. The minor prophets. 2 v.
(4.16; 10.11); a de uma videira e do vinho Zondervan, 1983, 1986.
(10.1; 14.7); a de uvas e figos (9.10); a HUBBARD, D. A. Oseias: introdução e co-
de um lírio, uma oliveira e um cedro do mentário. SCR Vida Nova, 1993.
Líbano (14.5,6); a de um insensato filho MAYS,J. L. Hosea. OTL. SCM/Westminster/
que não quer nascer (13.13); a de um pão John Knox Press, 1969.
que não foi virado (7.8); a de um arco en- MCCOMISKEY, T. Hosea em McCOMISKEY,
ganoso (7.16); a imagem de uma nuvem T., ed. The minor prophets. v. 1. Baker
de manhã, do orvalho que cedo passa, da Book House, 1992.
palha que se lança da eira e da fumaça que STUART, D. Hosea - Jonah. WBC. Word,
sai por uma janela (13.3). 1987.
ESBOÇO
O livro de Oseias está mais para uma antologia de suas profecias do que um livro de tema
contínuo do começo ao fim. Essas profecias foram agrupadas em duas partes principais.
Nos cp. 1-3, encontramos detalhes biográficos (e autobiográficos) a respeito do casa-
mento de Oseias, acompanhados de profecias relacionadas a seu significado para Israel,
como a noiva do Senhor.
Nos cp. 4--14, há um padrão alternado de juízo e de esperança. Oseias nos dá uma
imagem muito intensa do esforço despendido pelo próprio Deus para restaurar seu povo
infiel e trazê-lo de volta para si. O livro termina com um convite gracioso, uma promessa
a Israel, e uma nota ao leitor para que aprenda com tudo o que foi dito (cf as palavras de
Jesus em Mc 4.9,23; 7.16).
1.1 Título
1.2-3.5 O casamento de Oseias e sua mensagem
1.2,3 Oseias se casa em obediência às instruções de Deus.
1.4-9 Três filhos com nomes proféticos.
1.10-2.1 Promessa posterior ao juízo: um vislumbre de um futuro
mais brilhante
2.2-13 Profecia do juizo: o castigo de Israel, a esposa infiel
2.14-23 Promessa que seguirá o juízo: cortejando de volta a
esposa infiel
3.1-5 Oseias toma "uma mulher" para ser sua esposa
novamente
improvável. Pelo menos podemos ter cer- isto é, esse significado pode ser negativo
teza de que o primeiro filho foi de Oseias ou positivo (1.11; 2.22,23); além disso, soa
(o v. 3 diz que Gômer lhe deu um filho). quase como "Israel" na língua hebraica, o
Como em muitos trechos incertos, que é consistente com o gosto dos autores
podemos estar certos dos fatos básicos: hebreus por trocadilhos.
Oseias casou com alguém que agiu de for- "Lo-Ruama" (ARe), Desfavorecida, é
ma imoral, pelo menos depois do casamen- o nome da filha de Gômer (que possivel-
to. Isso é importante para a analogia feita mente não é filha de Oseias, uma vez que
com o relacionamento entre Israel e Deus o texto não diz "deu-lhe uma filha", mas
(3b), embora a natureza exata da imorali- não podemos estar certos disso). Ruama é
dade não seja importante. A experiência de transliteração de um termo hebraico rela-
Oseias deveria lhe dar uma compreensão cionado à palavra "útero", e indica o tipo
mais profunda do amor de Deus por Israel, de compaixão afetuosa que uma mãe tem
e uma maneira mais eficaz de transmitir para com seu filho. O AT frequentemente
isso a seus conterrâneos do que quaisquer se refere a Deus dessa maneira (e.g., 14.3;
palavras em si mesmas poderiam ter feito. Pv 28.13), mas aqui é anunciado que Deus
já não tratará Israel assim.
1.4-9 Três filhos com O nome do terceiro filho, "Lo-Ami"
nomes proféticos (ARe), Não-Meu-Povo, significa a mais de-
Gômer, a esposa de Oseias, dera à luz três vastadora palavra de juízo. Israel já não é
filhos: um filho, uma filha e, então, outro o povo eleito de Deus. Os eventos da his-
filho. O primeiro foi chamado Jezreel, o tória de sua redenção - o êxodo do Egito
nome de um vale entre as montanhas de (12.9,13), a travessia do mar Vermelho, a
Samaria e da Galileia, um famoso campo jornada pelo deserto, a conquista de Canaã
de batalha em Israel. O nome é um lem- - tudo isso é negado (cf também os tex-
brete do sangue de Jezreel (v. Introdução), tos em que uma "volta para o Egito" é ci-
uma expressão que frequentemente signi- tada, e.g., 8.13; 9.3,6; 11.5). Naturalmente,
fica matança ou homicídio. Houve mais ainda está ao alcance das pessoas a possi-
de um massacre nesse lugar. Embora Jeú bilidade de voltarem a ser fiéis ao Senhor
tivesse recebido autorização para extermi- e encontrarem aceitação (como muitos
nar a casa de Acabe, ele foi muito além. estrangeiros fizeram durante toda a histó-
Seus motivos foram influenciados por in- ria de Israel, inclusive Rute e Raabe). E o
teresse próprio e ele, em última análise, caminho de volta a Deus ainda está aberto,
falhou na missão de controlar a adoração como veremos (11.8,9; 14.1-7).
a Baal. É salutar observar que a promessa
de 2Reis 10.30 não impediu Jeú de incor- 1.10-2.1 Promessa posterior
rer no castigo e juízo de Deus. Ser um ins- ao juízo: um vislumbre de um
trumento do juízo divino é algo que deve futuro mais brilhante
inspirar temor. À primeira vista pode parecer prematuro
O juízo sobre Israel foi que seu povo mencionar a esperança além do juízo a esta
seria derrotado no lugar onde o pecado fora altura da profecia. Oseias ainda tem muitos
cometido; o juízo é proporcional ao crime. juízos a anunciar (2.1-13 e a maior parte
O arco de Israel significa o poderio militar dos cp. 4-14!). Entretanto, o livro é orga-
da nação. Jezreel é um nome especialmente nizado de modo a fornecer um esboço de
útil, pois significa um exemplo particular todo o plano de Deus nos cp. 1-3 nos ter-
do pecado de Israel que representa o peca- mos da metáfora marido-esposa, antes de
do de toda a nação; o nome tem o significa- continuar com profecias mais detalhadas.
do de "Deus dispersa" ou "Deus semeia", Além disso, os três primeiros capítulos
>
OSElAS2
bem se referir aos ornamentos específicos Em outras palavras, os outros deuses não
associados às prostitutas (cf v. 13). O sen- podem sustentar Israel nem impedir que
tido, então, seria: "Que ela retire do rosto seja punida pelo Senhor.
o sinal de infidelidade, do contrário, eu a Os v. 11-13 voltam seu foco para as
deixarei nua" (2b,3a). festas e festivais religiosos de Israel que
O v. 3b implica que Israel voltará ao Deus irá interromper. Isso poderia ser feito
deserto, ao tempo antes de Deus ter cum- por uma interrupção devido à guerra, ou
prido sua promessa de fazer deles seu pró- pelo racionamento de alimento e bebida
prio povo, em sua própria terra. Seus filhos para o sacrificio e a celebração. Ambos
(4) são cada um dos membros do povo de são considerados aqui (12). O v. 13 encer-
Israel (v. também comentário de 1.2). ra essa seção do juízo com mais uma refe-
Israel se comportou como uma prostitu- rência à prostituição espiritual e fisica (cf
ta (5; sua mãe se prostituiu; "foi infiel", na v.2b,7,8).
NVI, não reflete a intensidade do termo). A
implicação é que Israel teve muitos aman- 2. 14-23 Promessa que
tes. Isto se refere tanto à prostituição de seguirá o juízo: cortejando
Gômer com outros homens, quanto às ten- de volta a esposa infiel
tativas de Israel de obter o favor de outros Nos versículos anteriores, Deus aplicou
deuses. Em ambos os casos eles imagina- seu juízo ao povo infiel, a fim de trazê-los
vam, de forma totalmente equivocada, que à razão para que se voltassem a ele. Aqui a
as coisas boas de que desfrutavam vinham figura é a de um amante que atrai de volta a
deles. A resposta de Deus para isso não sua amada, falando de maneira carinhosa,
foi destruir Israel imediatamente, mas dar presenteando-a (14,15,22) e protegendo-a
início a um programa de educação (6,7a). dos ataques de animais selvagens ou de
Uma série de imagens mostra que Israel seres humanos (18). É um novo começo:
experimentara barreiras de vários tipos Israel e seu marido no deserto outra vez,
(espinhos; muro contra ela); irá atrás de sem distrações, casados para sempre [...]
seus amantes e não os alcançará, procura- em justiça, e em juízo, e em benignidade,
rá, mas não os encontrará. Isso traz o povo e em misericórdias. E Israel conhecerá
ao ponto de virada nesse processo (7b): ao SENHOR. Essa palavra frequentemente
ela percebe que estava bem melhor com carrega um sentido de intimidade, e pode
seu primeiro marido, "o SENHOR", e volta incluir o "reconhecimento" (cf 6.3,6; v.
para ele. É claro, a tribulação alcança tan- também comentário de 4.6; 13.4,5).
to o justo quanto o ímpio (cf SI 44.17-22; "Eu responderei" (21, NVI e ARC; ARA
10 16.32,33), mas tanto uma nação quanto não é clara aqui: "serei obsequioso") deve
um indivíduo que estiverem passando por ser entendido à luz da resposta de Israel a
sofrimento e fracasso precisam perguntar Deus, no v. 15b, em que o mesmo verbo
se Deus não está tentando lhes dizer algu- é usado e deveria ser traduzido por: "Ali
ma coisa (cf Am 4.6-11). ela responderá..." (e não "cantará", ARC;
Deste ponto em diante, nós encontra- "será ela obsequiosa" [ARA] também soa
mos um sumário do material mencionado estranho). De fato, os v. 16-20 poderiam
anteriormente. Ela, pois, não soube que foi ser postos entre parênteses e considerados
Deus quem lhe deu o alimento e a bebida, e como um desenvolvimento da resposta de
até mesmo os metais preciosos que foram Israel a Deus. É dificil traduzi-los literal-
usados para fazer imagens para Baal (8). mente, mas significam a resposta graciosa
Portanto, Deus removerá esses presentes de Deus falando aos céus que haviam sido
(cf v. 5) e exporá sua nudez (cf v. 3), e fechados para que não enviassem chuva
ninguém livrará o povo de sua mão (10). sobre a terra. Isso estabelece uma cadeia:
11
li. OSEIAS 3 1156
.11
os céus mandam a chuva para a terra, que com outro. É possível que Gômer tenha se
então produz o trigo, o vinho e o óleo, que casado novamente, mas é mais provável
por sua vez satisfazem a Jezreel (Israel que seu marido legítimo (e que tinha di-
representado pelo nome "Deus semeia"). reito tanto ao divórcio quanto a repudiá-la)
O trocadilho continua no v. 23: semearei ainda fosse Oseias.
["plantarei", NVI] Israel. Todos os nomes Em 1.2 foi dito: "Vai, toma ... ", mas
dos filhos de Oseias são repetidos e agora aqui se diz Vai [...] ama... Isso enfatiza o
ganham um significado positivo. O mais amor de Deus para com o povo de Israel,
sério juízo, "Não-Meu-Povo", se toma Tu embora eles olhem para outros deuses e
és o meu povo, e a promessa da aliança é amem - mas o que eles amam? Bolos de
completada pela resposta de Israel: Tu és o passas! Esses bolos provavelmente eram
meu Deus! usados em rituais cananeus. Eles são uma
demonstração de quão carnal e indigna é a
3.1-5 Oseias toma "uma mulher" perspectiva de Israel.
para ser sua esposa novamente Oseias compra de volta sua "antiga"
No cp. 3 o próprio Oseias nos conta a (mas provavelmente ainda não legalmente
história de como comprou sua esposa de divorciada) esposa. Talvez ela tivesse se
volta. Alguns estudiosos consideram isso tomado uma prostituta do templo, e assim
um relato dos mesmos eventos narrados na tinha de ser comprada de volta. O preço é
terceira pessoa em 1.2,3. A palavra outra curioso, pois não era normal o pagamen-
vez no v. I exclui esse ponto de vista. Além to ser feito por meio de uma combinação
disso, os fatos são completamente diferen- de prata e de grãos. Isso pode indicar que
tes. Assim nós devemos considerar esta Oseias teve dificuldade em levantar o di-
última como uma ação posterior. Desde a nheiro, o que seria um retrato do custo da
narrativa no cp. I, Gômer havia abando- redenção para Israel. Nós não sabemos exa-
nado Oseias e de algum modo se tomara tamente o valor de um ômer e de uma peça,
escrava, pois Oseias teve de comprá-la de mas poderia ser aproximadamente quinze
volta (2). Esta é uma imagem de Deus e de siclos de prata, perfazendo um total equi-
Israel, seu povo (4,5). valente a trinta siclos, o preço pago como
O v. I é ambíguo. Literalmente ele diz compensação pela perda de um escravo
tanto: "Disse-me outra vez o Senhor: 'Vai, (Êx 21.32), ou o valor de redenção de uma
ama uma mulher' " quanto: "Disse-me o mulher consagrada ao Senhor (Lv 27.4).
Senhor: "Outra vez vai, ama uma mu- Por um tempo limitado (muitos dias,
lher..."'. Não há diferença real no signifi- v. 3; depois, v. 5), Gômer deve passar por
cado. Mas por que diz uma mulher em vez um período de disciplina, que corresponde
de "sua mulher" (como traz a NVI)? A res- ao período no qual o povo de Israel sofrerá
posta pode ser encontrada em 2.2; Gômer privação (4). O sentido do v. 3 é um tanto
não tem nenhum direito de ser sua esposa, obscuro, mas se considerarmos o signi-
e o povo de Israel não têm nenhum direi- ficado como um todo, devemos entender
to em relação a Deus. Eles "não são o seu que Gômer deve "viver para Oseias", isto
povo", o que significa, usando a imagem é, pertencer somente a ele; não deve agir
alternativa, que Israel não é sua esposa. como prostituta. Nem deve ter relaciona-
Amada de seu amigo pode significar sim- mento sexual com outro homem, como traz
plesmente outro homem, ou um "amante" a tradução literal: não serás de outro ho-
(cf NTLH), aquele que mantém um relacio- mem - incluindo o próprio Oseias. Oseias
namento ilícito com a esposa de alguém. agirá da mesma maneira em relação a ela:
Adúltera significa que era casada com um assim também eu esperarei por ti. Essa
homem, mas se relacionou sexualmente abstinência temporária representa uma
1157
..
OSEIAS4 - : .
época em que o povo de Israel será privado um debate com Israel. Talvez devamos
de várias coisas, boas e más. Eles ficarão pensar num processo legal, como os que se
sem um líder, rei ou príncipe, e impossi- passavam nas portas da cidade. Podemos
bilitados até mesmo de oferecer sacrificio. imaginar Oseias se aproximando dos an-
Tudo isso são coisas boas, e a privação ciãos que ali se assentavam para julgar, e
deve ser temporária com a finalidade de anunciando que o próprio Deus tem algo
castigar Israel. A pedra ou a coluna era as- para colocar em discussão. Os habitantes
sociada à adoração dos cananeus (embora da terra são acusados de duas coisas.
Jacó tenha, certa vez, erguido uma coluna Por um lado, faltam-lhes as qualidades
como recordação de sua visão; Gn 28.18). positivas necessárias que Deus requer de
Era um claro sinal de idolatria religiosa seu povo. A verdade (que inclui tanto dizer
e por isso seria removida. O mesmo vale a verdade quanto agir com fidelidade), o
para os ídolos do lar (lit. "terafins", ARe). amor constante (a qualidade que expressa
Evidentemente havia alguns destes na casa acima de tudo a maneira como Deus age
de Davi (lSm 19.13,16), mas geralmente em relação a seu povo na aliança, e o que
eram considerados pagãos (e.g., 2Rs 23.24). ele exige em troca; v. especialmente 6.6;
Isso deixa um item sem explicação: a estola Dt 5.10; Dt 7.9,12) e o conhecimento de
sacerdotal. A palavra se refere tanto a uma Deus (v. comentário de 13.4,5). Por outro
vestimenta sacerdotal de linho, o que é per- lado, o povo exibe características negati-
feitamente aceitável (Êx 28.6-14), quanto vas que Deus tanto odeia. "Maldição" (NVI;
a algum tipo de objeto de metal, que não perjurar, ARA) - no sentido de procurar
podemos aceitar (Jz 8.27; 17.5). prejudicar outros ao proferir alguma mal-
O significado geral do v. 4 é que o bem dição contra eles; cf Juízes 17.2 - ou per-
e o mal serão afastados quando Israel for júrio (cf 10.4, ''juramentos falsos"), men-
submetido a um tempo de purificação. Mas tir, matar,furtar e adulterar. O que os Dez
o resultado disso é dado pelo v. 5: Depois, Mandamentos requerem com respeito às
tornarão os filhos de Israel, e buscarão ao outras pessoas está sendo ostensivamente
SENHOR, seu Deus, e a Davi, seu rei e se- negligenciado (Êx 20.13-16).
rão abençoados. A referência a Davi, sig- O v. 3 fala do juízo de Deus, mas é
nificando a linha de seus descendentes, é também, em parte, um vívido retrato poé-
surpreendente, pois Oseias profetizava ao tico de uma terra sob a maldição de Deus.
Reino do Norte, Israel, que tinha deixado Quando Israel for restaurado, a terra e suas
de seguir os descendentes de Davi na épo- criaturas vivas também serão abençoadas
ca da morte de Salomão, quase duzentos (2.18,21).
anos antes (IRs 12). Esta é uma indicação
de uma profecia de longo alcance sobre a 4.4-9 A lei rejeitada: os sacerdotes
reunificação dos dois reinos, que só pode são especialmente culpados
ser vista como cumprida em Jesus Cristo, o O v. 4 é extremamente dificil de entender,
rei, o Filho de Davi (cf 1.10-2.1). mas a essência da seção é a condenação
dos sacerdotes, que deveriam ter observa-
do e ensinado a lei. Wolff assim traduz esse
4.1-14.9 Profecias sobre
o juízo e as promessas versículo: "Não, não somente qualquer um
de restauração (deve ser acusado), nem somente qualquer
um (reprovado). Minha acusação é contra
4. 1-3 A contenda do ti, ó Sacerdote"; e, embora essa tradução
Senhor com Israel seja incerta, ela aponta na direção correta.
A linguagem utilizada aqui sugere que Os sacerdotes ignoram a lei de Deus
Deus participou de uma discussão ou de confiada a eles, e consequentemente não
OSEIAS 4 1158
•
andam com firmeza por seus caminhos, mas em vez disso procuram as prostitutas
mas tropeçam (5), como fazem os demais - tanto as comuns como as cultuais. Na
líderes religiosos, os profetas. Eles rejeita- religião dos cananeus, pensava-se que a
ram a própria honra (7), a lei (6) que lhes prostituição cultuai era um meio de asse-
dizia como agradar a Deus, em troca de ri- gurar a fertilidade para a terra. É provável
tuais pagãos imorais e repugnantes. Agora que a noção de "magia imitativa" se en-
eles ganham a vida satisfazendo o dese- contre por trás da prática: a relação sexual
jo do povo de adorar outros deuses (8). com "uma prostituta cultuai" produzia um
Porque os sacerdotes não ensinam a lei, o tipo de ação semelhante entre os deuses da
povo não a conhece e está sendo destruí- natureza, e resultava na produção de frutos
do, porque lhe falta o conhecimento (6a; pela terra.
com cf v.I). O resultado é a punição para a Hoje não há nenhuma prostituta cultuai
nação (tua mãe, v. 5), para os sacerdotes e em qualquer dos lugares em que eu estive,
também para o povo (9). mas há muitos que praticam a religião de
modo a satisfazer aos próprios desejos, e
4.10-19 O espírito de não para glorificar a Deus. Seria uma boa
prostituição na adoração ideia nos perguntarmos, de tempo em tem-
O v. 10 dá continuidade à passagem ante- po, quais são as coisas em que realmente
rior, ao esboçar a punição de maneira mais nos deleitamos na fé cristã. Essas coisas
detalhada. O povo nunca terá o bastante incluem experiências emocionais, poder,
para comer, e sua prostituição não lhe tra- prazer em estar certo, segurança, respeito,
rá nenhum tipo de crescimento. Os filhos companhia de pessoas fisicamente atraen-
sempre foram considerados bênçãos, e uma tes? Salmos 139.23,24 se toma uma oração
das promessas a Abraão era fazer de seus bastante útil!
descendentes uma grande multidão (e.g., O v. 15 é um aparte para Judá; uma
Gn 15.5). As relações sexuais com muitas advertência para que não sigam o exem-
prostitutas não produziriam o resultado al- plo de Israel. Isso certamente foi relevan-
cançado por Deus por meio de um casal de te para os leitores das profecias de Oseias
idosos (Rm 4.18-21)! Deus continua com em Judá, nos períodos que seguiram o seu
a descrição de sua insensatez: eles abusam ministério.
da bebida (10) e perdem seus sentidos; Gilgal era um dos principais lugares sa-
buscam se aconselhar com objetos de ma- grados de Israel. Bete-Aven ("casa da ini-
deira (12). São levados por um entusiasmo quidade") é provavelmente uma corruptela
selvagem para a adoração pagã, e se envol- deliberada do nome do principal lugar sa-
vem nos sacrifícios e nas ofertas queimadas grado, Betel, que significa "casa de Deus".
[inteiras] nos altos montes, aqueles santuá- O profeta incita o povo a não frequentar
rios que não foram autorizados pela lei e esses lugares pervertidos de adoração, e a
nos quais acontece toda a sorte de práticas não fazer juramentos descuidados, usando
corrompidas. Eles oferecerão sacrifício em o nome de Deus (15b). Segue uma série de
qualquer lugar, sob qualquer árvore, desde sucessivas imagens diferentes. O povo de
que forneça boa sombra (13a)! Israel é descrito como muito rebelde, recu-
Consequentemente, as filhas daqueles sando-se a responder ao SENHOR que gos-
que se entregam a essas coisas irão pelo taria de restaurá-lo (16); são idólatras, isto
mesmo caminho. Aqui o foco está na pros- é, como prostitutas que se agarram a suas
tituição física ou na promiscuidade sexual, práticas vergonhosas, mesmo quando está
e no adultério. As mulheres são inocentes claro que estas não lhes trarão nenhum tipo
(14) quando comparadas aos homens, que de benefício (18). O resultado final é que
deveriam ser exemplo para suas filhas, um vento ("redemoinho", NVI) os envolverá
1159 OSEIASS(
em suas asas. Seus sacrifícios não lhes da- O resultado é que quando decidirem
rão as bênçãos que procuravam obter, mas oferecer sacrifícios ao Senhor (6), ele não
somente a vergonha. estará lá para recebê-los (cf também v.
15). Aleivosamente se houveram contra o
5.1-7 Os sacerdotes, o povo SENHOR: "Traíram o SENHOR" (NVI) e, por-
e a realeza condenados tanto, seus filhos, aqueles membros mais
A abertura dessa seção sugere que esse novos de Israel, nascidos em uma socie-
oráculo pode ter sido anunciado na capital dade já muito afastada de Deus, tampouco
de Israel, onde os líderes e o povo podiam lhe pertencem. A pervertida Festa da Lua
ouvi-lo. Os sacerdotes estão ainda em foco Nova sem nenhuma dúvida servia para as-
(como no cp. 4), bem como também o rei, segurar algum tipo de bênção tanto para
a família real e o povo de forma geral. Há eles quanto para suas plantações, mas, em
diversos lugares cujo nome é Mispa no vez disso, trariam destruição para ambos.
AT. Este era provavelmente o lugar aonde
Samuel fora em suas andanças resolver 5.8-12 Efraim/Israel serão
disputas legais (1Sm 7.16) e onde, no tem- assolados pelo inimigo
po de Oseias pelo menos, provavelmen- Deste ponto do livro até o final do cp. 7 há
te havia um lugar sagrado. Tabor é uma referências frequentes à política externa de
montanha localizada ao norte de Israel. Israel. Em vez de fazer aquilo que é direi-
Foi ali que Débora e Baraque obtiveram to e confiar em Deus, Israel tentou todos
uma grande vitória sobre Jabim e Sísera os tipos de manobras políticas, fazendo
(Jz 4.6,12-16). Não sabemos a natureza alianças com os grandes poderes da época,
dos pecados nesses lugares, mas deve ter Egito ou Assíria (13; 7.8-16), ou unindo-se
sido algo que prendia o povo a hábitos à Síria e a outras nações menores a fim de
pecaminosos, de modo que não pudessem ganhar certa independência aparente den-
voltar para o seu Deus (4). tro de uma coalizão.
O povo de Israel é descrito com uma Os chamados para que toquem a trom-
palavra bastante forte: "rebeldes [...] en- beta (8) significam o início de uma nova
volvidos em matança" (2, NVI). Essa pala- seção. É tocado um alarme, pois um ini-
vra é usada devido ao sacrifício de crianças migo está se aproximando e devastará o
em Isaías 57.5 e Ezequiel 16.21, mas tam- território. Os lugares mencionados eram
bém se refere ao derramamento de sangue os principais centros religiosos, e o juízo
que decorre do egoísmo e da ganância. é basicamente contra a falsa religião que
Entretanto, Deus sabe tudo sobre sua cor- é praticada nesses lugares. Todos eles têm
rupção e agirá. A mesma coisa acontece uma história significativa, frequentemente
nos dias de hoje (cf Ap 2-3, e especial- honrada e respeitada. Gibeá (Gibeom) era
mente em 2.2,9,13,19; 3.1,8,15). o lugar onde Salomão sacrificava e onde
Novamente, Oseias combina metáfo- recebera de Deus uma visão, por meio de
ras diferentes para descrever a situação do um sonho (1Rs 3.4,5); Ramá era um outro
povo: um espírito de prostituição (4, as- lugar onde frequentemente Samuel fazia
sim também NVI: cf 4.12) está entre eles; seus julgamentos (1Sm 7.17); Bete-Áven,
de modo que "não reconhecem o SENHOR" Betel (v. comentário de 4.15) era o lugar
(NVI); o orgulho ou a soberba de Israel onde Deus aparecera a Jacó em um so-
são como uma prova contra o povo na nho. Mas agora todos esses lugares estão
corte; enquanto continuam em seus cami- sofrendo ataques sob o comando de Deus.
nhos rotineiros, tropeçam. Nesse momen- Oseias nos fornece novamente algumas
to, é acrescentada uma nota sobre Judá metáforas muito vívidas do juízo. Mudar
(v. Introdução). os marcos ("marcos dos limites", NVI) era
111
: . OSElAS 5 1160
111
comprometido comigo por muito tempo. Peca e 50 homens de Gileade (2Rs 15.25).
Pois o seu 'amor' é como a nuvem da ma- É muito provável que os sacerdotes estive-
nhã e como o orvalho da madrugada, que ram envolvidos nesta ou em ações seme-
bem cedo desaparece" (v. comentário de lhantes (9; cf 2Rs 11, em que o sacerdote
2.21; cf 4.1; 10.12; 12.7). É por esta ra- Joiada desempenhou o papel principal em
zão que os profetas foram muito rígidos, um golpe proveitoso). O v. 10 resume no-
utilizando-se de palavras fortes, para trazer vamente a situação em termos já emprega-
à luz o pecado do povo e o consequente dos anteriormente.
chamado ao arrependimento. Quando isso O profeta desfere mais um soco retórico
não acontecia, uma mensagem sobre o juí- em Judá (lIa). Quem ouve a condenação
zo tinha de ser pronunciada. Quando um de outrem de modo aprovador necessita
profeta fala em "nome do SENHOR", o ju- examinar-se a si mesmo.
ízo anunciado com certeza acontecerá (cf
Gn 1.3; SI 33.4-9; Is 55.10,11). 6. 11b-7.2 Deus quer curar, mas o
Misericórdia (6) é a mesma palavra pecado de Israel não o permite
traduzida por amor no v. 4. Ela signifi- Essa é uma imagem vívida do Deus que
ca o amor demonstrado por Deus em sua está apenas procurando uma maneira de
aliança com Israel. Ele não quer sacrifí- restaurar a sorte de Israel. Mas os peca-
cios em lugar de misericórdia; ele dese- dos do povo estão sempre ali diante de
ja que o amor de Israel seja real. Ele não sua face, "o mal de Efraim fica exposto e
quer ofertas queimadas, mas um relacio- os crimes de Samaria são revelados" (7.1,
namento pessoal genuíno e profundo. A NVI). OS seus próprios feitos os cercam:
importância desse versículo pode ser vista "estão rodeados por suas maldades" (NTLH)
por sua utilização em Mateus 9.13 e 12.7 e não há como Deus não vê-las - e não
(cf Mc 12.33). há como o povo escapar delas. Em meio
a essas descrições, Oseias se refere a dois
6.7-11a Israel e Judá pecados específicos que ele já havia men-
foram infiéis à aliança cionado anteriormente: a falsidade e o rou-
Esses versículos descrevem o comporta- bo (l b). O v. 2a chama a atenção para um
mento assustador do povo que tinha feito problema humano muito comum, o fato de
uma aliança com Deus. É possível que Adão pensar que somente o que vemos é o que
se refira ao primeiro homem e à sua deso- existe. Eles não sabem que estão rodeados
bediência ao mandamento direto de Deus, e envolvidos por seus pecados, e "pensam"
mas a palavra aliança não é encontrada em (dizem no seu coração) que Deus não se
nenhum outro lugar antes de Noé (Gn 6.18) lembra dos pecados do passado. É preciso
na história de Adão e Eva e de seus descen- lembrar aqui da terrível declaração de que
dentes. A maior parte dos comentaristas lê Sansão "não sabia ainda que já o SENHOR
"como em Adã", um lugar mencionado em se tinha retirado dele" (Jz 16.20b; cf
Josué 3.16 ("Adão", TB) onde as águas do 2Rs 6.17; SI50.21a).
Jordão foram separadas, permitindo que o
povo de Israel cruzasse o rio em direção à 7.3-12 O pecado de Israel
terra prometida. Se essa leitura for correta, é descrito por meio de
Adã, uma cidade em Gileade que ficava no várias metáforas
caminho de Siquém, tinha se transformado Os v. 3-7 formam um sanduíche duplo
em um lugar de assaltantes violentos (8,9). (aquele com duas camadas de recheio e
Nada sabemos de atos violentos específi- mais de duas fatias de pão) como já vimos
cos que ali possam ter acontecido, mas o antes. A sequência é: rei e príncipes (3)
atentado contra Pecaías foi realizado por -forno (4) - rei e príncipes (5) -forno
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l1lil1li OSEIAS7 1162
.fI
(6,7a) - (governantes) reis (7b). Isso su- e devoção sincera a um único Deus (8a).
gere que esta é uma imagem que deve ser Israel é um pão que não foi virado ("mal
considerada como um todo. assado", NTLH), cru de um lado e queimado
Os príncipes ("líderes", NVI), o rei e do outro (como uma linguiça não virada
os governantes nada fazem para reparar o sobre o fogo!). Estrangeiros lhe comem a
clima de iniquidades e mentiras (3). Eles força, e ele não o sabe. Eles exigem altos
se alegram com isso, pois é uma forma de tributos (e não dão nada em troca), e Israel
satisfazer a luxúria pessoal dos poderosos, parece não perceber o que está acontecen-
e não se deixam deter pelo escrúpulo. Mas do. "Seu cabelo vai ficando grisalho, mas
precisamos ver no v. 7b o terrível choque ele nem repara nisso" (NVI); pensa que ain-
que os espera! da é jovem, um sinal do orgulho mencio-
Eles são como um forno (4) que pro- nado no v. 10. Apesar de todos os infortú-
duz seu próprio calor. Suas paixões, uma nios pelos quais passara, não voltam para
vez despertadas, continuam a todo vapor. o SENHOR, seu Deus, nem o buscam em
Parece que o padeiro é simplesmente parte tudo isto. Com certeza, Oseias tem toda
da imagem, e não representa uma pessoa razão em chamar a Efraim de pomba en-
em particular. O v. 5 é bastante obscu- ganada, que tenta, por sua vez, encontrar
ro, mas na NVI parece razoável: o rei e os uma solução apelando ora para o Egito
príncipes se juntam aos zombadores em ora para a Assíria (11). O que acontecerá
um tipo de celebração muito repugnante. a esse pássaro tolo? Deus o apanhará em
Alguns entendem que os escarnecedores uma rede, e ele será incapaz de voar para
são os que tramam contra o rei. O próprio qualquer lugar, e estará completamente à
rei, ignorando tal fato, dá as mãos a eles, sua mercê.
enquanto os líderes são incapazes de prote-
gê-lo, devido ao estado de embriaguez em 7.13-16 Eles se recusam
que se encontram. a voltar para o Senhor
A metáfora do fomo continua nos v. Não há ruptura marcante aqui, e a imagem
6,7. Parece que ela desenvolve um pou- de Israel afastando-se de Deus é muito
co mais o que já foi dito anteriormente: semelhante à dos v. 8 e 11. O motivo de
o fomo continua a esquentar. Na manhã Israel se recusar a voltar para Deus está
seguinte, ele não tinha se apagado, mas presente em todo o cp. 7 (v. 1,2,7b,1O). O
antes ardia em labaredas de fogo. O v. 7, Ai deles (13) é utilizado como uma espécie
entretanto, nos apresenta um resultado de lamento por si mesmo e pelos outros.
inesperado: há planos para a derrubada dos Neste caso, implica também um juízo, que
líderes. Houve diversos planos como esse aqui é representado na expressão paralela
ao final da história do Reino do Norte (e.g., destruição sobre eles (13).
2Rs 15; 17; e v. comentário de 5.13-15). Ao longo de todos esses versículos,
Os que tomam a lei em suas próprias mãos duas coisas ficam claramente evidentes: O
não devem se surpreender quando outros amor de Deus por Israel e o fato de que
fazem o mesmo, fazendo-o de maneira o povo tem outras prioridades. Ele os re-
ainda mais eficiente e implacável. Todos miria ("Eu queria salvá-los", NTLH), espera
os reis caem, mas a nenhum deles ocorre que eles se voltem a ele, mas eles falam
invocar a Deus (7b). mentiras contra Deus. Quando estão com
Nos v. 8-12, Oseias nos dá uma sequên- problemas, dão uivos nas suas camas
cia de metáforas, todas descrevendo algu- ("eles se jogam no chão, gritando como os
ma coisa terrível. Efraim (isto é, Israel) se pagãos" NTLH), ignorando a única fonte de
mistura com os povos ("faz acordos com ajuda eficaz. Quando se ajuntam, o foco de
outros povos", NTLH), perdendo sua pureza suas mentes está no alimento e na bebida,
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1163 OSEIAS 8l1li
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não em Deus. Ele os ensinou, mas em re- reivindicar ser o povo de Deus, e a lei, que
tomo eles maquinam contra ele (15). permitia que pudessem agradar a Deus e
A primeira parte do v. 16 é obscura permanecer sob sua bênção.
(lit. "Eles voltam, não para/em direção ai 8.4-6 Reis e ídolos serão julgados.
contra") e provavelmente temos aqui uma Nesses versículos, Oseias volta ao passa-
corruptela. O sentido da NVI deve estar do, ao começo de Israel como um reino
correto. Talvez devêssemos ler: "Ele vol- independente. Jeroboão I, filho de Nebate,
tam, mas não para mim" (Wolff), ou: "Eles rompeu com Roboão, filho de Salomão,
voltam ao não-Deus" (cf Dt 32.17,21). O edificou santuários rivais a Jerusalém em
arco enganoso é provavelmente um arco Betel e Dã. Em cada santuário colocou
fraco, pois as suas flechas não alcançam o um bezerro de ouro (1Rs 12.26-30) e es-
alvo. O final da seção mostra a morte dos tes, junto com os santuários "nos lugares
líderes na batalha, e o povo, antes arro- altos" (lRs 12.31-33), tomaram-se uma
gante, é forçado a fugir para o Egito (um fonte de idolatria e de práticas proibidas.
sinal da volta [afastamento] da salvação, Jeroboão foi ativamente encorajado a se
como um caminho inverso), onde será ob- tomar rei por um profeta chamado Aías
jeto de zombaria. (lRs 11.29-40), mas praticamente todos os
reis do Reino do Norte são condenados em
8. 1-14 Semeando vento 1 e 2Reis, e quase nunca sua escolha teve
e colhendo tempestade alguma relação com Deus. É possível que
Nesse capítulo há uma série de juízos con- um dos bezerros de ouro tenha sido trans-
tra Israel associados a diferentes pecados: ferido para Samaria, a cidade mais impor-
a sua escolha dos reis (4-6), suas alianças tante de Israel, mas é mais provável que
com estrangeiros (7-10) e suas práticas re- esse bezerro de ouro da cidade de Samaria
ligiosas corruptas (11-14). Em todo o capí- seja uma indicação de que esta profecia
tulo veremos uma autoconfiança doentia. é de um período posterior à queda de Dã
Eles continuam a caminhar como aqueles nas mãos dos assírios (2Rs 15.29), e que
que são conhecedores de tudo, mas não somente um bezerro de ouro restou em
param para pensar se suas ações são acei- Samaria e seus territórios. A opinião de
táveis a Deus. Deus em relação ao bezerro de ouro é bem
8.1-3 Julgamento por um inimigo. clara: ele despertou sua fúria; não é Deus;
Assim como em 5.8, aqui também há uma impede que o povo se tome puro; conduz
chamada repentina para tocar um alarme. somente à sua destruição. O início do v. 6
A ameaça é descrita como uma águia con- não é muito claro. Literalmente, ele apenas
tra a casa do SENHOR" (8). Não se sabe ao diz: Procede de Israel (6) e deve se referir
certo se a palavra significa "águia" (ARA; ao bezerro (cf NVI).
NVI) ou "abutre" (RSV). Será que significa 8.7-10 Políticos oportunistas: semean-
um abutre à espreita para devorar algo que do e colhendo. O v. 7 traz uma imagem
já está morto, ou uma águia prestes a arre- intensa e evocativa: semeiam tudo que não
meter contra algo pequeno e lento, inde- tem valor e substância, e colhem a mesma
feso ante suas grandes e afiadas garras? A coisa acrescida de juros, algo sem valor e
última hipótese parece mais provável, pois destrutivo (cf Gl 6.8). A referência prin-
concorda melhor com o v. 3 (cf Jó 9.26; cipal é à política externa de Israel, ten-
SI 103.5; Hc 1.8; em que as escolhas da xvr tando fazer, por sua vez, amigos em cada
e da RSV são contrárias!). nação, na esperança de receber amparo
No v. 1, Oseias chama atenção para a do vencedor. Mas Israel não tem muito a
infidelidade do povo em relação a Deus, ao oferecer, e as nações simplesmente devo-
rejeitar a aliança, a base em que podiam ram o que tem (7,8). Mesmo que Israel
11
111111 OSElAS 8 1164
.11
são chamadas de ofertas de bebida). Nem isto é, durante sua jornada entre a traves-
os seus sacrificios lhe serão agradáveis, sia do mar Vermelho e sua entrada na terra
pois eles são impuros e, portanto, impró- prometida de Canaã. Deus estava muito
prios para ser oferecidos. Quando come- encantado com eles, assim como alguém
rem alguma coisa sacrificada, será como a ficaria encantado ao encontrar as primeiras
comida servida em um velório. O alimento uvas e os primeiro figos da estação. Mas,
não servirá a nenhuma finalidade religiosa: muito em breve eles murmurariam e se
satisfará simplesmente a fome (4b). queixariam dele. Um incidente apropriado,
Assim o profeta os desafia com uma o qual Oseias escolhe por ser particular-
pergunta retórica: O que farão vocês nos mente mau, ainda que um típico exemplo
dias das festas realizadas em honra do do comportamento do povo, é a imoralida-
Senhor? A resposta é óbvia: não há nada de deles em Baal-Peor, onde muitos se en-
de valor que possam fazer. Oseias comen- tregaram a comportamentos imorais com
ta, então, que mesmo que escapem da mulheres moabitas e ofereceram sacrifl-
destruição fugindo para o Egito (Mênfis cios a Baal (Nm 25.1-5). E se consagra-
está localizada no norte do Egito), eles ram à vergonhosa idolatria é literalmente
ali morrerão. "consagram-se à vergonha"; essa palavra
é usada frequentemente como substituta
9.7-9 Os servos de Deus para "Baal".
são ridicularizados Efraim, a sua glória significa primei-
Depois de uma breve repetição da adver- ramente os numerosos filhos prometidos
tência sobre o castigo que está por vir, por Deus a Abraão. Agora não mais have-
Oseias passa a um novo tema. Por serem rá nascimento algum, nem mesmo gravi-
tantos os pecados de Israel e tão grande dez nem tampouco concepção. E mesmo
sua hostilidade em relação ao Deus ver- que crianças nasçam, elas morrerão. Isso
dadeiro, os que proferem fielmente as não significa, é claro, que não haverá ab-
suas palavras serão considerados tolos e solutamente nenhum nascimento; é uma
loucos (cf 2Rs 9.11). Os profetas não so- maneira poética e marcante de dizer que a
mente são ridicularizados, mas o povo ati- nação não crescerá. A segunda menção à
vamente maquina planos contra eles (cf morte dos filhos de Israel é uma imagem
lRs 18.4; 19.10; Mt23.29-36). Como nos arrepiante: mostra o povo de Israel trazen-
dias de Gibeá (v. também 10.9) se refere do seus próprios filhos para serem mortos:
a um período negro da história de Israel, mas Efraim levará seus filhos ao matador.
e à história da concubina do levita e suas Entre essas duas referências se encontra a
consequências (Jz 10-21). O veredicto do causa real: Deus se afastou deles (v. co-
autor de Juízes foi: "Naqueles dias, não mentário de 5.15), e não pode haver bên-
havia rei em Israel; cada um fazia o que ção alguma quando ele não está presente.
achava mais reto (o que era direito aos O v. 14 é uma variação do mesmo tema,
seus próprios olhos)" (Jz 21.25). Isso sob a forma de uma maldição proferida
também se aplicaria muito bem ao tempo pelo profeta.
de Oseias. E muitos dos males do mundo O v. 15 volta-se para outro exemplo
moderno poderiam ser atribuídos a uma geográfico e histórico do pecado de Israel.
atitude semelhante. Gilgal era o lugar onde Israel cruzou o
Jordão para entrar na terra de Canaã e con-
9.10-17 Mais lições da história: sagrar-se novamente ao Senhor por meio
a raiz do pecado de Israel da circuncisão (Js 4.19-5.9). Como juiz,
Oseias descreve Israel em seu período Samuel visitava esse lugar regularmente
mais prímitivo como nação, no deserto, (1Sm 7.16), e ali Saul foi confirmado como
OSEIAS 10 1166
rei de Israel (lSm 11.14,15). Também em poderia ajudá-los. A monarquia foi sempre
Gilgal Davi foi bem recebido, depois de um assunto muito complicado em Israel.
sobreviver à rebelião de Absalão (2Sm No livro de Juízes parece que uma das ra-
19.15). Mas na época de Amós e Oseias, zões para o caos na terra foi a falta de um
Gilgal tinha se transformado em um centro rei (Jz 17.6; 18.1; 19.1; 21.25). Deus con-
da religião corrupta (4.15; Am 4.4; 5.5). siderou o pedido por um rei, a fim de que
Esta é provavelmente a razão por que Deus Israel fosse como as demais nações, como
começou a aborrecê-los (cf Is 1.10-17; uma rejeição dele, e o mesmo se deu com
Am 5.21-24). Nós sabemos também que Samuel (1 Sm 8.4-9). Contudo, Deus lhes
essa falsa religião estava ligada à injusti- deu um rei e transformou seu pedido in-
ça e à opressão. Vários temas típicos são justamente motivado em um meio de segu-
sugeridos em: já não os amarei (cf 1.6); rança, ensino, e esperança para o futuro.
não dará fruto porque secaram-se as suas Oseias menciona diversos pecados de
raízes (cf 2.3,9-12; 9.2); ainda que gere diversas maneiras diferentes. A desonesti-
filhos. eu matarei os mais queridos do seu dade (4) os conduz ao juízo como erva ve-
ventre (cf v. 12,13; 2.4; 4.6). O capítulo nenosa nos sulcos dos campos, impedindo
termina com mais um comentário do pro- e atrapalhando as colheitas esperadas. O
feta, tomando a enfatizar novamente o que povo em Samaria está atemorizado devi-
foi dito anteriormente. do ao bezerro de Betel (palavra outra vez
alterada para Bete-Áven; v. comentário de
10.1-10 Agricultura, religião errada 4.15). A palavra aqui é na verdade "bezer-
e reis: um juízo e uma escolha ros", embora estivesse no singular em 8.6.
Essa seção é completamente diferente, e o Pode ser um plural de majestade que sig-
texto é ainda mais difícil do que de costu- nifica "o grande bezerro da Casa da impie-
me. Trata de questões ligadas à agricultura dade", obviamente usando de ironia. Esse
(vide luxuriante; ["uma parreira cheia de ídolo será levado para o exílio, incapaz de
uvas" NTLH], v. 1; sulcos dos campos, ["um se salvar a si mesmo (como Isaías destaca
campo arado", NTLH], v. 4), a práticas reli- a respeito dos ídolos da Babilônia, 46.1,2).
giosas (altares, v. lb,2; bezerro, v. 5,6), e O povo e os sacerdotes idólatras, longe
eventos políticos (rei, v. 3; derrota para a de reconhecer a inutilidade do bezerro,
Assíria, v. 6,7,9b,1O). prantearão por ele, enquanto este é levado
Começa se referindo a Israel como à Assíria como presente ao rei principal.
vide luxuriante (cf SI 80.8-16; Is 5.1-7; Este é literalmente o "rei Yareb", que está
Jr 2.21; Ez 15.6; 17.1-6). À medida que relacionado provavelmente à palavra para
Israel prosperou (segundo a abundância "contenda" ou "disputa". George Adam
do seu fruto), assim multiplicou os altares; Smith o traduziu por algo equivalente a:
e quanto melhor a terra, tanto mais belas "Rei-Encrenqueiro"! Esta parece uma tra-
colunas fizeram (v. comentário de 3.4), isto dução correta, pois ela certamente se ajus-
é, praticava uma religião idólatra e não ta ao caráter agressivo dos reis assírios.
permitida. O povo se iludia a si mesmo A imagem muda então para a cidade de
(2a) ao pensar que isso era aceitável para Samaria, onde o rei é levado embora como
Deus; como resultado, o Senhor destruirá lasca de madeira na superficie da água,
todos esses objetos. impotente para se opor a isso.
Oseias volta-se agora para o assunto re- No v. 8, Oseias retoma ao assunto dos
ferente aos reis: virá o tempo em que Israel altares, e dos lugares altos onde eles foram
já não terá rei (isto é, depois da queda de erguidos. Eles cairão em desuso e ficarão
Samaria, em 722 a.C), e reconhecerá que cobertos de espinheiros e abrolhos. O cla-
seu estado é tão lastimável que nem um rei mor do povo para que as montanhas e os
montes os escondam da punição, ou os ti-
1167 OSEIASll
do sangue por ele derramado (embora, Ou seja, é uma declaração, e não um man-
como já vimos, Deus ansiasse por persua- damento. A palavra "conhecer" ("reconhe-
di-lo a se arrepender para que pudesse ser cerão", NVI) ocorre também no v. 5, em
perdoado). Ele será retribuído pelo "seu que a NVI o traduz por "cuidei de vocês".
desprezo" (NVI) a Deus e a seu gracioso É melhor manter o significado preliminar
convite (cf Hb 10.29; 12.25). "conhecer", reconhecendo haver várias
implicações no ato de "conhecer", que às
13.1-16 Mais imagens do juízo vezes incluem até mesmo "reconhecimen-
Efraim era a maior das 12 tribos (ou 13, to". Uma das principais preocupações de
uma vez que José gerou tanto a Efraim Oseias é o relacionamento entre Deus e
como a Manassés), e é usado frequente- Israel: um deve conhecer o outro intima-
mente como uma maneira de se referir a mente, como um marido conhece sua mu-
todo o Reino do Norte, como já vimos. lher e vice-versa.
Aqui deve significar a tribo, uma vez O v. 6 descreve os resultados trágicos
que está em Israel. Em épocas anteriores, de se desconsiderar as advertências de
Efraim tinha autoridade e respeito. Mas Deuteronômio 8.11-14, que infelizmente
perdeu tudo isso com sua idolatria e mor- são desconsideradas, ainda hoje, em todo
reu; poderia ser ignorado por completo. o mundo: a riqueza produz o orgulho e
Longe de aprender com seus erros, agora não o reconhecimento da graça de Deus,
pecava mais e mais, empregando dinheiro mesmo depois de terem sido ouvidas as
e talento em abundância na construção de advertências do próprio Jesus (Me 10.21-
imagens (2a). 25). O juízo para tal fato é externado ou-
O v. 2b é muito obscuro, mas pode mui- tra vez em termos de ataques de animais
to bem significar que, por um lado, essas selvagens, desta vez ao leão se juntam
pessoas sacrificavam seres humanos e, por um leopardo, uma ursa (imprevisível até
outro, beijavam bezerros feitos de metal mesmo nos bons tempos) roubada de seus
- um comportamento realmente ultrajan- filhos, e as feras do campo, animais não
te, que demonstra uma escala de valores especificados (7,8).
completamente equivocada e uma total fal- Os v. 9-12 destacam alguns temas já
ta de apreciação da obra de Deus em criar a antes mencionados. Israel é destruído por
humanidade à sua própria imagem. causa de sua rebeldia contra aquele que o
O resultado é que se tomarão inúteis ajudara, o único que poderia ajudá-lo em
como nuvem de manhã, como orvalho que sua condição atual (9). Onde está, agora,
cedo passa (assim como seu "amor" em o teu rei... ? Deus desafia a Israel. E os teus
6.4), como palha que se lança da eira, e juízes...? No tempo de Samuel, o povo ti-
como fumaça que sai por uma janela (3). nha pedido um rei como todas as nações
O SENHOR repete o fato de ser o seu Deus (l Sm 8). Isso significou também um pedi-
desde o tempo em que estavam no Egito. O do por príncipes, uma vez que os reis têm
v. 4 é semelhante em conteúdo ao primeiro filhos (alguns deles tiveram muitos filhos
mandamento e à sua introdução: "Eu sou para seu conforto: Jz 9.1,2; 2 Rs 10.1).
o SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra Deus atendeu a seu pedido, mas ficou ira-
do Egito, da casa da servidão. Não terás do com sua atitude, que expressava falta de
outros deuses diante de mim" (Êx 20.2,3). confiança nele e um desejo de ser como as
Por outro lado, a forma e o vocabulário são demais nações ao seu redor. Ele lhes con-
completamente diferentes. Provavelmente cedeu reis, sabendo que Israel sofreria nas
poderíamos traduzi-lo por: "Tu não conhe- mãos deles; e removeu seu rei devido à sua
ces nenhum outro Deus, somente a mim, ira pela rejeição ostensiva de Israel em re-
porque não há outro salvador, senão eu". lação a seu verdadeiro rei.
1171 OSEIAS 14.·•
••
Efraim não escapará do juízo, porque mento armazenado desaparecerá. O v. 16
sua culpa e seu pecado não desaparece- fornece uma imagem final dos horrores da
rão. Suas iniquidades estão atadas [...] o guerra: tudo aquilo que acontece quando
seu pecado está armazenado (12). O v. uma nação deliberadamente se afasta da
13 nos fornece uma imagem cômica de proteção de Deus e se recusa a retomar.
Efraim como o filho não nascido: é hora
de nascer, mas ele não sai à luz, ao abrir- 14.1-8 Um apelo ao arrependimento
se da madre! e uma promessa de bênção
O v. 14 é famoso por Paulo ter citado 14.1-3 Um apelo a Israel para que volte
sua segunda parte em lCoríntios 15.55, a reconhecer somente ao Senhor. Volta,
como uma pergunta retórica. Paulo usa ó Israel, para o SENHOR, teu Deus parece
uma tradução diferente, mas o mesmo sen- um apelo normal, mas observe que a pro-
tido pode ser obtido do texto que temos em messa já está ali, na palavra teu. A causa da
Oseias: Onde estão, ó morte, as tuas pra- ruína de Israel foi sua iniquidade. Assim,
gas? [Isto é, as pragas que trazem a morte, agora lhe é recomendado fazer uma oração
e enviam as pessoas para o sheol, o lugar específica e uma declaração de que con-
dos mortos]? Onde está, ó inferno, a tua fia somente em Deus. Esta é semelhante à
destruição? - em lugar algum, pois foram confissão de confiança que Deus procurou
eliminados pela vitória de Cristo na cruz. em 6.1-3, mas aqui há um reconhecimento
Mas o contexto aqui é diferente. O cp.13 mais explícito de seus verdadeiros peca-
inteiro consiste em uma profecia sobre o dos. Eles se atiram à misericórdia de Deus,
juízo, assim seria um tanto estranho encon- resolvem glorificá-lo (aceita [...] os sacri-
trar uma promessa tão abrupta de salvação, flcios dos nossos lábios). Renunciam à sua
especialmente uma seguida imediatamente antiga confiança em duas fontes falsas: a
pela expressão Meus olhos não veem em Assíria (com seu poderio militar) e os ído-
mim arrependimento algum. Seria adequa- los. E confessam que somente em Deus há
do, portanto, que traduzíssemos o v. 14a compaixão pelo fraco e pelo vulnerável.
por duas perguntas: "Deveria eu resgatá- 14.4-8 Israel restaurada: uma pro-
los... deveria eu remi-los?" seguidas de um messa graciosa do Senhor. Em 6.4-6,
chamado para que a morte viesse e punisse Deus expressou sua desconfiança na reso-
Israel com suas pragas. Um entendimen- lução de Israel em procurá-lo. Aqui ele res-
to alternativo seria que o v. 14a expressa ponde com uma ampla promessa. O vento
o desejo de Deus de salvar Israel, desejo do deserto de 13.15 se foi, e a imagem de
esse que o povo despreza, e, por isso, não Israel agora é algo como o jardim do Éden.
pode receber compaixão, mas sim pragas O alimento e a bebida estarão ali, lado a
e destruição. As palavras resgatarei e re- lado com alguns artigos de luxo: lindas
mirei são utilizadas para o resgate de dé- flores, algumas oliveiras (e portanto azeite
bitos ou da escravidão (e.g., Êx 13.13-15; de oliva), cedros (grandes árvores, como
Nm 18.15-17; Rt4.4-6). aquelas encontradas no Líbano) que for-
A parte final desse capítulo, a última necem sombra e proteção do sol quente e
palavra de juízo em Oseias, utiliza-se pri- uma perfumada fragrância. Israel será uma
meiramente da figura de um vento quente nação forte, segura e famosa.
do deserto que vem do leste, secando todas Esta é verdadeiramente uma promes-
as fontes de água, mesmo as das nascentes sa maravilhosa, e um clímax maravilhoso
e dos poços. Saqueará o tesouro de todas para o livro de Oseias. Israel falhara em se
as coisas preciosas. Uma metáfora militar apropriar dessas bênçãos no oitavo sécu-
é usada para descrever o vento: nenhum lo a.C., mas a promessa permaneceu e foi
alimento crescerá e, portanto, todo supri- cumprida para muitos do povo de Israel
.
11I
. . OSEIA514
INTRODUÇÃO
Data os sabeus (3.8) foram substituídos pelos
O título em 1.1 não fornece informação meunitas como importantes comerciantes
alguma sobre o profeta a não ser o nome árabes. Em harmonia com essa linha de
de seu pai. O importante aqui é a mensa- tempo geral está a impressão de que Joel
gem divina, e não o mensageiro. Assim, cita vários trechos das Escrituras e tradi-
o conhecimento do contexto pode ser ex- ções como escritos evidentemente ante-
traído somente das evidências internas. É riores à própria época, e, portanto, bem
de grande valia tentar descobrir o máximo conhecidos por seus ouvintes.
possível sobre o contexto histórico e social
dos escritos proféticos. Assim fazendo, Ocasião
conseguimos acessar de modo mais inte- Sabemos, por outros livros posteriores ao
ligente a mensagem do profeta para sua exílio, que este foi um período muito difí-
própria época, o que nos ajuda a aplicá-la à cil tanto em termos políticos quanto eco-
nossa própria situação. nômicos para os judeus que regressavam.
Costumava-se pensar que a ordem dos Ageu menciona uma péssima colheita que
livros dos profetas menores era significa- devastou a comunidade no exato momento
tiva para datar o livro de Joel. Certamente em que dispunham de recursos insuficien-
há nela uma sequência histórica não exa- tes para se sustentar (Ag 1.6,10,11; 2.19).
ta, mas não devemos nos ater a uma data Essa crise na agricultura tomou-se um
anterior apenas por essa razão. O posicio- peso enorme para o ministério de Joel, pois
namento do livro de Joel é um tópico mui- chegou a ameaçar a sobrevivência do povo
to interessante, ao qual retomaremos um que lutava para se restabelecer na terra.
pouco mais adiante (ver também o quadro Eles sofreram com uma terrível praga de
na página 949). gafanhotos que afetou a colheita por mais
O indício mais claro para que possa- de um ano (l.4; 2.25). Os gafanhotos são
mos datar o livro de Joel provém das in- até hoje uma séria ameaça, principalmente
formações históricas fornecidas nas acusa- para os países africanos, embora a pulve-
ções de 3.2,3,5,6. Hoje se acredita que tais rização com pesticidas, especialmente por
informações se encaixem melhor nos ter- meio de aviões, tenha diminuído sua capa-
ríveis eventos da destruição de Jerusalém, cidade de destruição das lavouras, extermi-
em 586 a.C., e nos seus desdobramentos. nando-os antes que possam se desenvolver
O templo foi destruído nessa época, mas e se reproduzir. Com esta finalidade, em
tanto o templo como seus rituais estão uma única semana, em setembro de 1986,
claramente presentes na mensagem de quatro aeronaves do tipo DC-7 pulveriza-
Joel (1.9,13,14,16; 2.14,17; cf 3.18). ram quase um milhão de acres no Senegal
Consequentemente, uma data não apenas com o inseticida malathion. Um enxame
posterior ao retomo do povo de Israel do pode conter até dez bilhões de gafanhotos.
exílio babilônico, mas também posterior Cerca de três mil gafanhotos recém-nas-
à reconstrução do templo, em 515 a.C., cidos podem ocupar o espaço de um me-
é a mais indicada. Por volta de 400 a.C, tro quadrado. Um único gafanhoto pode
JüEL 1174
voar quase cinco mil quilômetros durante "converter" refere-se à aliança entre Javé
sua vida, destruindo a vegetação por onde e seu povo. Este conceito é o fundamento
ele e seu enxame passarem. Um enxame de todo o ministério profético de Joel. Isso
pode devorar em um só dia o que 40 mil fica evidente em expressões como "vos-
pessoas comem em um ano. Em um único so Deus" (2.13,26,27; 3.17), "meu povo"
ataque de gafanhotos à Etiópia, em 1958, (2.27; 3.2,3) e "seu povo" (2.18; 3.16).
o país perdeu 167 mil toneladas métricas Além disso, conquanto o nome político
de grãos, o suficiente para alimentar mais da comunidade fosse Judá (3.1 etc.), Joel
de milhão de pessoas por um ano. (Muitos também usa o nome que o povo recebera
desses dados foram extraídos dos relatórios na aliança, Israel (2.7; 3.2,16).
da Visão Mundial, de dezembro de 1986 a No AT, a aliança é um conceito trian-
janeiro de 1987.) gular que inclui a terra. Esse triângulo é
Tal infestação significou que a sobre- expresso claramente em 2.18: "Então, o
vivência da comunidade judaica foi co- SENHOR se mostrou zeloso da sua terra,
locada em cheque. O que eles poderiam compadeceu-se do seu povo". Tal fato tam-
fazer? A religião desempenhava um papel bém se revela na descrição do povo judeu
importante na sociedade antiga, e Judá não como "todos os moradores [habitantes] da
era exceção. Os profetas eram figuras bem terra" (1.2,14; 2.1; cf Os 4.3). A dádiva da
aceitas na religião judaica. Assim, era a terra por parte de Deus era um instrumento
função de Joel interpretar a praga dos ga- sensitivo registrando a condição espiritual
fanhotos em termos religiosos e orientar o do povo. A terra era fértil nas épocas de co-
povo a tomar as medidas religiosas apro- munhão e obediência, mas estéril e impro-
priadas para lidar com o problema. Joel pa- dutiva nas épocas de infidelidade do povo.
rece ter sido um profeta oficial do templo. De fato, as pragas dos gafanhotos figuram
O papel crucial desempenhado por esses como uma das maldições da aliança em
profetas nos períodos de crise nacional é Deuteronômio 28.38,42, enquanto a pros-
ilustrado pela narrativa de 2Crônicas 20.1- peridade agrícola era creditada à benção de
20. Ali, o profeta tem autoridade para res- Javé (Dt 28.4,8,11,12).
ponder a uma oração de lamento da nação Essa íntima dependência da prospe-
em nome de Javé, o Deus de Israel, e para ridade material da obediência à vontade
prometer a libertação da crise. Joel alega de Deus será a base de toda a mensagem de
ter esse mesmo poder. Os salmos também Joel. Outras partes do AT, particularmente o
fornecem evidências do ministério desses livro de Jó, qualificam-na, ao passo que
profetas em advertir o povo a corrigir seus o NT não faz apelo a ela com tanta frequên-
caminhos (SI 81.8-16; 95.7-11). Esse papel cia (v. Mt 6.33; 2Co 9.6-11; Fp 4.15-19).
fica evidente na primeira metade do livro Ainda assim, persiste no NT uma afinidade
de Joel. básica entre a humanidade e o restante da
criação que nós ignoramos por nossa pró-
Propósito pria conta e risco. O cuidado com o meio-
Qual significado religioso Joel encontrou ambiente é do interesse dos seres humanos
na praga? Ele a interpretou como uma e, portanto, do interesse dos cristãos.
advertência de Deus para que o povo se O sistema da aliança, com seu delica-
voltasse para ele, assim como Amós fizera do equilíbrio entre bênçãos e maldições,
numa época anterior: "a multidão das vos- era condicional (cf Jr 14.21). Na verdade,
sas hortas, e das vossas vinhas, e das vossas Deus tinha todo o direito de revogá-la, caso
figueiras, e das vossas oliveiras, devorou-a seu povo se recusasse a cumprir com a par-
o gafanhoto; contudo, não vos convertestes te que lhe cabia, embora ficasse somente
a mim, disse o SENHOR." (Am 4.9). O termo a critério de Deus a opção de exercitar ou
1175 JOEL • •
•
••
não esse direito. Havia uma gradação evi- via espelhar a restauração do favor divino
dente de maldições, cuja intenção era tan- e a vinda de uma era dourada, prometida
to punir quanto advertir o povo, como em por Jeremias, Ezequiel e em Isaías 40-55.
Amós 4.6-11. O juízo supremo é expresso A principal tarefa dos profetas pós-exilicos
em Amós 4.12, o "te encontrares com o era explicar por que essas esperanças ain-
teu Deus", em uma sinistra confrontação da não tinham se concretizado. O conceito
que transcenderia juízos anteriores da pro- do Dia do Senhor estava entrelaçado com
vidência (no entanto, veja comentário de essas esperanças, que incluíam a vingan-
Am4.12). ça e, portanto, o sucesso político de Judá
A confrontação é descrita posterior- à custa das nações vizinhas em cujas mãos
mente em Amós 5.18-20 como "o dia do Judá tinha sofrido. Lamentações 1.21 e
SENHOR" que, ironicamente, seria "dia de Obadias 15-21 são expressões desse des-
trevas e não de luz". Esse conceito, o qual dobramento que Joel herdou. Assim, o Dia
Amós relacionava historicamente à destrui- do Senhor compreendia tanto o juízo quan-
ção permanente de Israel, o Reino do Norte, to a salvação para o povo de Deus, sendo
em 721 a.c., teve forte influência sobre os que esta implicava o juízo para outras na-
profetas posteriores. Joel o utilizou com ções (cf Ez 30.2-4). Em sua forma mais
frequência; mas enquanto para Amós Deus complexa, incluía também a salvação para
usaria forças humanas para empreender outras nações (Sf3.9; cf Sf 1.14-18; 3.8);
a guerra contra seu povo, para Joel uma porém, como no caso de Joel, nem sempre
força natural seria seu instrumento. Numa era sábio, em termos pastorais, pensá-lo ou
interpretação notável, ele associou a pra- dizê-lo.
ga dos gafanhotos ao "Dia do SENHOR", Logicamente, uma vez que o tema do
como sendo um primeiro estágio na ani- Dia do Senhor tinha sido aplicado aos ga-
quilação do povo da aliança (1.15; 2.1,11). fanhotos, ele foi expandido em 2.28-3.21
Joel encontrou precedentes em Ezequiel e para incluir outros aspectos intimamente
Obadias, que entenderam a destruição do associados a ele.
estado de Judá, juntamente com seu tem-
plo e monarquia, em 586 a.c., em termos Posição no cânon
do "Dia do SENHOR" (Ez 7; 34.12; Ob 8-14; Em Salmos, algumas vezes encontramos
cf Lm 2.21,22). Entretanto, Joel apontou salmos paralelos tratando de assuntos rela-
a possibilidade de clemência para Judá, cionados, tais como os salmos 105 e 106 e
após o exílio, se os rituais de honra a Deus os salmos 111 e 112. Por razões literárias,
por meio de um culto público de lamento, Joel e Amós parecem ter sido colocados
arrependimento sincero e oração fossem juntos entre os profetas menores, que no
executados (1.14; 2.16,17). Evidentemente cânon judaico representam um único livro.
tudo isso foi executado e, por meio de Joel, O que liga os dois livros entre si são os te-
veio de Deus uma resposta favorável. Essa mas compartilhados por Joel 3.16 e Amós
resposta prometia o fim da praga dos gafa- 1.2, e por Joel 3.18 e Amós 9.13. Um ter-
nhotos e bênçãos em relação à agricultura remoto, mencionado em Joel 2.10 e 3.16,
(2.18-27). reaparece em Amós 1.1; 8.8; 9.5. Os ga-
O livro poderia terminar nesse ponto, fanhotos de Amós 4.9 evocam Joel 1-2,
mas não termina. No período posterior enquanto o tema do Dia do Senhor em
ao exílio houve uma intensa expectativa Amós 5.18-20 se conecta com todo o livro
da vinda de uma era de bênçãos. O exí- de Joel. Pô-los lado a lado ajudou a lançar
lio, como juízo divino, foi considerado luz sobre cada um deles individualmente,
um ponto de virada no relacionamento do ainda que mais de 300 anos de história os
povo com Deus. A restauração da terra de- separem entre si.
li
;l1li JOEL 1176
ESBOÇO
1.1 Título
1.2-2.17 Convocações para oração
1.2-4 A gravidade da situação
1.5-12 Desafios a diferentes grupos
1.13-20 Um chamado à oração pública
2.1-11 Pregando por um veredicto
2.12-17 A única chance
seguida, ele reforçou o oráculo com um cendo à sua volta. Joel os adverte de forma
apelo adicional em 2.13-17. Como o tí- bastante irônica sobre uma consequência
tulo em 1.1 deixa implícito, não importa da praga que terá efeito até mesmo sobre
se o profeta fala ou se é Javé quem fala eles: sua fonte de vinho será eliminada.
por meio dele, o que importa é que o todo Nos v. 6,7 ele parece falar de modo pas-
consiste em uma palavra divina. O profeta sional sobre seu próprio sofrimento, a fim
estava expressando a mente de Deus. de estimular seus ouvintes a perceber que
eles também estão pessoalmente envolvi-
1.2-4 A gravidade da situação dos. Os gafanhotos eram virtualmente um
Joel começa com um chamado geral aos exército invasor: Joel desenvolverá teolo-
velhos (anciãos), os representantes políti- gicamente essa ideia em 2.1-11. O enorme
cos do povo e aos demais judeus. Ele os número de gafanhotos tinha lhes conferido
desafia a admitir a singularidade da expe- o mesmo poder dos grandes predadores.
riência deles. Era uma experiência distin- Tinham atacado as videiras e outras árvo-
tamente inédita; um marco histórico para res frutíferas, chegando mesmo a lhes tirar
as gerações futuras. Para aqueles com a casca, causando assim a morte dessas
ouvidos para ouvir, o profeta usa a lingua- plantas. Não é de admirar que aos beber-
gem da instrução religiosa: cf Êxodo 10.2; rões se diga chorai; uivai.
Salmos 48.13; 78.4,6. Era um indício de 1.8-10 Jerusalém. Os verbos em he-
que Deus estava de algum modo atuando braico, no feminino singular, a menção aos
na situação humana e que eles precisavam sacerdotes do templo e a alusão aos "filhos
relacioná-lo a ele. A situação é descrita no de Sião" em 2.23 na lista complementar de
v. 4 como uma terrível praga de gafanho- grupos invocados sugerem que o que se
tos, uma série de ataques até que a vege- tem em vista é Jerusalém, uma entidade fe-
tação ficasse totalmente destruída. Vários minina na língua hebraica. A exortação ao
termos diferentes são empregados para de- lamento é dirigida tanto aos seus cidadãos
signar os gafanhotos, em vez de retratar seu como aos ajuntamentos religiosos de pes-
desenvolvimento biológico; uma ordem soas na capital. A reprodução da catastró-
diferente é fornecida em 2.25. O segundo fica desolação transmite a forma altamente
termo (gafanhoto migrador) representa o emocional que o lamento deve assumir
termo geral em hebraico para gafanhotos, como um reflexo da crise. A tradução al-
e seria mais bem traduzido por "nuvem de ternativa "noivo" (NVI, 8) é mais provável.
gafanhotos". O primeiro e o quarto termos No antigo Israel, o noivado era um vínculo
têm relação com seu potencial destrutivo. legal, assim como é, nos dias de hoje, a as-
O terceiro termo (gafanhoto devorador) sinatura de um contrato antes da conclusão
significa "saltador". de um negócio. A morte inesperada de um
dos parceiros antes que a cerimônia de ca-
1.5-12 Desafios a diferentes grupos samento se concretizasse teria ocasionado
O apelo geral dos v. 2-4 agora se fragmen- tumultuoso amargor e desespero. Um cho-
ta em uma série de apelos a vários setores que dessa espécie deve ser sentido agora
da sociedade. Joel incita a cada um, por em Jerusalém. A razão dada para isso é o
sua vez, a interpretar a praga em termos fato de que o templo, que era o coração de
espirituais, voltando o foco à necessidade Jerusalém, tinha sido privado das ofertas
particular de cada um deles. Sua intenção é diárias de cereal e das libações diárias de
convocá-los a um culto de lamentação pú- vinho que acompanhavam os sacrificios
blica, como mostra claramente o v. 14. de animais (Cf Êx 29.38-40; Nm 28.3-8).
1.5-7 Ébrios. Normalmente os bêbados Subitamente, a engrenagem da adoração
são os últimos a saber o que está aconte- perene cessara de girar. O ciclo de bên-
1179
•
migos de Israel como providenciais agen- ele traz dessa terrível figura um pedido de
tes de Deus, punindo com seus ataques o submissão de Judá a ela, parece ser seu an-
povo pecador (e.g., Is 10.5,6; Am 2.13-16). tigo aliado quem está falando. Como expli-
Joel aplica esse conceito aos gafanhotos. ca o profeta, quando o senhorio de Javé é
Marchavam invencíveis, infiltrando-se até reconhecido, ele pode revelar-se como um
mesmo em Jerusalém e em suas casas. Deus de amor. Mas, primeiramente, no v.
10,11 Este é o clímax. Se no v. 6 a pala- 12, o profeta transmite um oráculo divino
vra "povos" intensifica a descrição que Joel que é uma convocação ao arrependimento
faz dos gafanhotos, agora as referências (cf Jr 3.22; 7.3; 18.11; Am 5.4,5). É o clí-
cósmicas o fazem ainda mais. Outra vez o max a que levaram os próprios apelos de
profeta fala em termos de teofania. No AT Joel no cp. 1. Convertei-vos evoca o rela-
um terremoto é a reação-padrão do mundo cionamento da aliança, como Joe1comenta
a uma aparição de Deus (cf SI 18.7; 77.18). no v. 13 (vosso Deus; cf 2.26,27; 3.17).
As referências cósmicas eram característi- O povo de Deus são as filhas e os filhos
cas do Dia do SENHOR, como atestam Isaías pródigos que precisam voltar para casa,
13.10 e 13, trechos que os ouvintes de Joel para seu pai celestial. Devem fazê-lo ago-
sem dúvida tomaram como referência. ra mesmo: este é o momento psicológico
Enquanto ondas de gafanhotos rasteja- para a ação. A nota de urgência faz parte
vam por sobre o solo, este parecia tremer dos chamados ao arrependimento do AT
ao ritmo de seu movimento ondulatório. (Js 24.14; Jr 26.13; cf At 17.30; 2Co 6.2),
Enquanto incontáveis miríades voejavam e foi incorporada às pregações evangelís-
rumo a pastos viçosos, elas eclipsavam o ticas e aos hinos. Todo vendedor conhece
sol de dia e a lua e as estrelas à noite. essa urgência quando um negócio está para
Aos olhos de Joel, entretanto, esses ser fechado.
fenômenos naturais são ofuscados por seu A espiritualidade sempre tem suas fór-
significado sobrenatural. Com visão profé- mulas religiosas externas. Neste caso, o
tica, Joel apresenta o próprio Javé como o comprometimento total da vontade (co-
comandante dos gafanhotos, cujas legiões ração), uma qualidade que se destaca em
marcham em obediência às suas ordens. Deuteronômio (e.g., Dt 11.13), deve ser
Trata-se novamente de uma alusão a Isaías expressa pelo ritual-padrão de um cul-
13.4, porém agora os inimigos de Deus não to público de lamentação. Os desafios do
são estrangeiros, mas seu próprio povo. A profeta para que o povo chore, lamente e
pergunta final tem o objetivo de evocar o jejue em 1.5,13 e 14; são reunidos, aqui, no
desespero e o sentimento de impotência. chamado divino.
Com a crise, Israel tem de ficar frente a 13-17 Joel interpreta a mensagem de
frente com seu divino juiz. Deus. Há um paralelo em Salmos 85.8-13,
Joel está deliberadamente pressio- em que um oráculo de uma única palavra,
nando os sentimentos de seus ouvintes a "paz" (shãlôm), é interpretado detalhada-
um ponto crítico. Ele despertou neles um mente pelo profeta do templo, em respos-
senso absoluto de desastre iminente e uma ta a um lamento nacional. Primeiro, Joel
tensão intolerável. Em seu tom e intenção, destaca a necessidade de arrependimento
os v. 1-11 podem ser comparados às más sincero, clamando pela consistência entre
notícias de Romanos 1.18-3.20, que an- as formas internas e externas de espiritua-
tecedem as boas novas de 3.21-26. lidade. O antigo Israel tendia a demonstrar
mais abertamente seus sentimentos e, des-
2.12-17 A única chance se modo, sem dúvida alguma ganhava uma
Joel descreveu Javé trajando o uniforme de libertação psicológica mais difícil de se
um general inimigo. No entanto, quando alcançar em culturas menos extrovertidas.
Havia o perigo, entretanto, de que as emo-
1183 JOEL2 _. .
sugere, quando este remanescente chegar à O mesmo se dera com Javé, por ser seu pa-
maturidade, parte dele deve ser a base das trono divino. A honra de Javé estava em
ofertas, de modo que Israel possa cumprir jogo. O povo de Israel em oração não hesi-
novamente sua obrigação de dar graças. tava em persuadir a Deus com argumentos
Antes que isso aconteça, alguns atos para que o socorresse.
religiosos de natureza bem diferente de-
vem ser realizados. Joel faz alusão ao vo- 2.18-3.21 Respostas de oração
cabulário religioso do v. 12 - com jejuns, Deus dá uma dupla resposta. A primeira
com choro e com pranto - e os traduz por está em 2.18-27 e a segunda, mais longa,
um novo chamado para que os sacerdotes em 2.28-3.21. Ambas culminam em fór-
organizem um culto público de lamentação mulas que prometem a garantia da presen-
(15; cf 1.14). Tal culto figura na narrativa ça protetora de Javé, como seu Deus, em
de 2Crônicas 20.1-13. Assim como se deu meio a seu povo (Sabereis em 2.27; 3.17).
naquela passagem, busca-se uma resposta As fórmulas servem para aniquilar com
de todo o povo: tanto profundidade quanto certeza gloriosa o cauteloso "Quem sabe?"
amplitude são características necessárias de 2.14. A primeira resposta trata da situa-
a essa esperada reação. A licença normal ção imediata da praga dos gafanhotos. A
de compromissos públicos, concedida segunda se amplia no tempo (cf 2.28; 3.1)
ao homem recém-casado para permitir a e aponta para demonstrações adicionais de
concepção (16; cf Dt 24.5), teve de ser libertação e bênção da parte de Deus.
temporariamente suspensa, tão grave era a
situação. Todos tiveram de ser chamados 2.18-27 Vitória sobre os gafanhotos
ao templo para elevar sua voz em oração. Os verbos do v. 18 e o verbo introdutório
Mesmo o choro dos bebês poderia somar- do v. 19 estão corretamente no passado:
se ao volume das petições e súplicas. esta é uma pequena parte da introdução da
17 Os sacerdotes têm de assumir sua narrativa. Se os v. 15-17 encontraram um
posição tradicional, entre o pórtico e o paralelo na narrativa de 2Crônicas 20.1-
altar, no edificio do templo (cf Ez 8.16; 13, agora há uma correspondência com
Mt 23.35), e recitar a oração nacional de 2Crônicas 20.14-17. Um intervalo de tem-
lamento em nome do povo. Eles devem po ocorre entre os v. 17 e 18. Está implícito
apelar a Javé, como Deus da aliança, para que os sacerdotes e o povo levaram Joel a
que venha e salve seu povo por amor de sério, prestaram o devido culto de lamen-
seu próprio nome (cf SI 79.1-4,8-10). A tação e alcançaram de fato o estágio hipo-
expressão teu povo complementa a expres- tético do v. 17. Nesse ponto, Joel poderia
são "vosso Deus" nos v. 13 e 14. A combi- alterar seu papel, passando do diagnóstico
nação expressa os dois lados da natureza da do juízo para a proclamação da salvação.
aliança (cf Êx 6.7). Herança, significando No nome de Javé ele recebeu poder para
povo, refere-se àqueles que pertencem a proclamar um oráculo de salvação. Deus
Deus. O arrependimento significa restaura- poderia ter dito "não" em resposta à ora-
ção da harmonia da aliança: se o povo es- ção; mas, na verdade, ele responde com um
tiver consciente de suas responsabilidades glorioso "sim". O ciúme como um atributo
na aliança, pode pedir a suspensão da mal- divino denota uma profunda preocupação
dição da aliança, a praga dos gafanhotos. e um amor zeloso quando o objeto desse
O escárnio, que era agudamente sentido na amor é ameaçado (cf Ez 36.5,6). O verbo
cultura judaica, encontra aqui uma referên- compadeceu-se é o mesmo que "poupar"
cia dupla. Judá tinha sofrido o escárnio dos no v. 17. Ele ecoa a petição como uma res-
vizinhos estrangeiros em consequência da posta específica à oração. Assim, o v. 18
devastação provocada pelos gafanhotos. apresenta o oráculo que segue como um
1185 JOEL2.·
•
••
exemplo da fidelidade de Deus. O que o tisfaz as necessidades de seu povo. A ga-
arrependimento humano tomou possível, a rantia de que não há necessidade de receio
graça divina realizou. é típica da promessa divina que segue a
19,20 A mensagem inicial está repleta uma oração de lamento (cf 2Cr 20.15,17;
de preocupação pastoral. É sensível às ne- Lm 3.57). Tambémtípico de tal promessa é
cessidades físicas e psicológicas do povo o uso de seis tempos passados no hebraico,
do Deus. Javé promete restaurar o supri- dois dos quais a NVI traduziu literalmente
mento de alimentos destruído pelos gafa- ("tem feito", "como antes fazia"). O tempo
nhotos (cf 1.10) a um nível muito além da passado é empregado para a ação futura,
subsistência, e remover assim o escárnio como que para dizer que a promessa de
dos estrangeiros pagãos (19; cf v. 17). A Deus já pode ser considerada cumprida.
questão da humilhação é tão crucial que Os chamados funcionam como um hino
abre e fecha a primeira resposta de oração profético de louvor que convida o povo
(19,26,27). Javé se apresenta agora como de Deus a confiar naquilo que ele fará e
aliado de seu povo na guerra contra os a regozijar a partir de agora (cf Rm 5.2).
gafanhotos. Os gafanhotos serão conduzi- Como em Salmos 35.26,27, em que os que
dos imediatamente para fora do território (literalmente) "se engrandecem contra"
judeu e destruídos, sem dúvida por meio Deus encontram resposta no grande Deus,
de ventos fortes (cf Êx 10.19). Ecoando também aqui, nos v. 20,21, o poder nega-
a linguagem militar de 1.6 e de 2.1-11, tivo dos gafanhotos perde força diante do
os gafanhotos são descritos como o exér- poder positivo de Javé. O povo de Deus
cito que vem do Norte. O termo evoca pode contar (23) com a restauração das úl-
o tema de Jeremias quando este diz que timas chuvas do outono e da primavera e
"do Norte surge um grande mal", modo o verdejar da paisagem estéril. No futuro
como ele descreveu o exército inimigo eles se alegrarão com a colheita de figos
lançado contra Israel pela providência de e uvas, em franco contraste com 1.7,12.
Deus (e.g., Jr 6.1). O exército de gafa- Há grande satisfação ante a perspectiva de
nhotos agiu com demasiada selvageria, e chuva, algo que somente os que vivem em
esta é a garantia do seu juízo. Isso evoca climas quentes podem apreciar.
o oráculo de Isaías sobre o duplo papel Em algumas versões bíblicas (NIV, em
da Assíria, primeiro como instrumento do inglês) aparece a seguinte nota textual
juízo de Deus contra seu povo, e depois, referente à expressão "conforme a sua
como vítima do juízo divino, por ter ul- justiça" (v. 23): "mestre da justiça". Isso
trapassado os limites impostos por Deus remete a um antigo engano cometido pelo
(Is 10.5-12). A menção ao mau cheiro de judaísmo primitivo, a partir do qual a seita
seus restos em putrefação serve para selar de Qumran derivou o título de seu funda-
a promessa de destruição. dor, o "mestre da justiça", ou o "verdadeiro
21-24 Uma série de chamados retori- mestre", por associação com Oseias 10.12.
camente dirigidos à terra, aos animais do No século IV d.e., Jerônimo o aprendeu
campo e aos filhos de Sião é apresentada com os rabinos sob os quais estudava, in-
nos v. 21-23. Osfilhos de Sião formam a corporando-o à Vulgata Latina como uma
congregação de Israel reunida nos átrios promessa messiânica. Mas tanto o contex-
do templo em Jerusalém. Esses chamados to como o apelo subjacente às bênçãos da
são uma contrapartida apropriada à série aliança de Levítico 26.4 e Deuteronômio
de terríveis desafios no cp. 1. O vocabu- 11.14, com referência à chuva, favorecem
lário das duas passagens apresenta certa a interpretação usual. "Justiça" (NVI) aqui
semelhança. A correspondência expressa se refere à harmonia da aliança: a chuva
a reversão do juízo e ensina que Deus sa- significa um relacionamento correto entre
.
'JOEL2
escolhido de Deus já não assume a forma Vale aqui denota uma ampla planície en-
de uma nação, mas de uma igreja interna- tre montanhas, um lugar apropriado para a
cional cujos limites são definidos pela fé, reunião de grandes multidões. Fica claro,
e não pela raça (cf Ef 2.11-22). "Toda a pelos v. 2,3 (cf v. 5,6,17), que todas as na-
carne" ainda é Israel, mas um Israel bem ções são aquelas que estiveram envolvidas
maior. Nem os judeus nem os gentios que na invasão e na destruição de Jerusalém,
não acreditam em Jesus fazem parte da em 586 a.C., especialmente contingentes
atual comunidade do povo de Deus. Não locais de súditos do exército babilônico
devemos pensar aqui num novo universa- e seus colaboradores. Uma versão divina
lismo imposto ao texto, mas no seu parti- do julgamento de Nuremberg é prometi-
cularismo definido de forma nova. da no julgamento daqueles que infligiram
sofrimento na guerra. A campanha mili-
3. 1-17 Tribulação para as nações tar resultou na deportação, no confisco da
e segurança para Israel terra e na escravidão da geração seguinte
Judá experimentou e sobreviveu à sua de judeus. Deus toma sobre seus próprios
versão do Dia do Senhor e experimentará ombros a sensação de sofrimento deles e
grande bênção, de fato uma mudança de promete, como Senhor da aliança, usar seu
sorte. Entretanto, como 2.31 sugere, o dia poder para lhes assegurar a justiça.
será uma catástrofe sofrida pelas outras 4-8 A forma muda para um oráculo
nações. O trecho seguinte revela seu cará- contra algumas nações estrangeiras em
ter: o hebraico começa com "Eis", e 2.30- particular, que tem como intenção ser uma
32 é praticamente o título dessa seção. garantia para o próprio povo de Deus. Os
O ensino sobre o final dos tempos na fenícios (Tiro e Sidom) e os filisteus, divi-
Bíblia não tem o propósito de dar informa- didos em cinco cidades-estado ou regiões,
ção aos curiosos, mas serve para dar segu- são apontados em um retórico discurso di-
rança pastoral ao povo sofredor de Deus. rigido aos ouvidos judeus (cf Ez 25.15-17;
Assim acontece aqui, como o v. 2 deixa 28.20-24). De modo semelhante, no livro
claro com sua referência ao cuidado de de Obadias, Edom era o alvo particular do
Javé para com a aliança. O trecho palpita ataque. O oráculo começa com um furio-
com um senso de mágoa e injustiça, espe- so desafio que os adverte de que terão de
lhando os sentimentos de Judá. Sua con- responder a Javé. Ele tomará providências
trapartida no NT é 2Tessalonicenses 1.5-10, para mudar o destino dessas nações em
que do mesmo modo combina a segurança virtude de seus crimes contra ele e contra
pastoral, a punição para os perseguidores Judá (cf Mt 25.41-45). Elas são acusadas
do povo de Deus e o Dia do Senhor. A apli- (5,6) de saquear os tesouros do templo e
cação do juízo é um ajuste da balança da usá-los como troféus devotados a seus pró-
justiça para vingar as vítimas da opressão prios deuses e, bem como de participar da
e da violência, como na parábola da viúva venda desumana de prisioneiros de guerra
perseverante em Lucas 18.1-8. Há a mes- corno escravos, algo mencionado em ter-
ma nota de defesa divina nos v. 2,3 (meu mos gerais no v. 3. Javé promete o retomo
povo, minha herança) como havia em de escravos judeus e a escravização, por
2.17,26,27. inversão, dos comerciantes de escravos.
1-3 Um oráculo de juízo é proferido Os judeus são ironicamente colocados no
para todas as nações. O vale de Josafá papel de intermediários. Enquanto seus
(2,12) não é identificado: dá-se apenas o próprios cidadãos são vendidos aos gre-
seu propósito, em seu nome que signifi- gos no distante Ocidente (cf Ez 27.13),
ca "Javé julga", bem corno em sua outra seus opressores desaparecem pela via
descrição no v. 14, "vale da Decisão". do comércio com o longínquo Oriente,
1189 JOEL3(
controlado pelos sabeus na Arábia. Assim Em primeiro lugar, nos v. 14-16a, Joelliga
a punição será proporcional ao crime. A o cenário da guerra e do juízo aos temas do
fórmula oracular, porque o Senhor o disse, Dia do Senhor, mencionados em 2.30,31.
funciona como uma assinatura ao final de O vale da Decisão ou do "veredicto" é um
um documento, endossando a autoridade e nome que explica o "vale de Josafá", men-
a segurança da mensagem. cionado no oráculo divino no v. 2. Em se-
9-13 Um oráculo divino nos v. 9-11 co- gundo lugar, nesse meio tempo, o povo de
meça com um convite retórico às nações Deus estaria seguro, como 2.32 tinha afir-
para que se reúnam no campo de batalha mado. A afirmação profética do v. 16b, que
onde a justiça será feita. No v. 10, parece é uma versão escatológica de Salmos 46.1,
haver uma inversão deliberada da promes- é sustentada por uma promessa divina no
sa de paz em Isaías 2.4 e Miqueias 4.3, em v. 17. Jerusalém desempenhará seu papel
que a paz para as nações evidentemente como assento da presença santa de Deus,
vem depois da guerra para pôr fim a todas seu santo monte (cf 2.1). Ela será coloca-
as guerras (cf SI 46.8-10; 76.3; Sf3.8-1O). da fora do alcance dos infiéis estrangeiros,
Joel retrocede a um estágio anterior no ca- que não tinham reivindicação política al-
lendário divino. Ainda havia débitos a ser guma, nem desejo espiritual de nela estar.
quitados, negócios sinistros inacabados a Essa promessa é estabelecida em uma fór-
ser finalizados por Deus. A chamada final, mula conclusiva que combina com aquela
no v. 11, apela a Javé para que ele traga em 2.27. O relacionamento da aliança era
suas hostes celestiais (cf Zc 14.5), prenun- sustentado pela presença de Javé no tem-
ciando o v. 13. Entretanto, isso interrompe plo de Jerusalém (cf Êx 29.45; Ap 21.3),
o oráculo divino, como reconhecem algu- o que lançava uma aura de santidade sobre
mas versões (NIV, em inglês) editando-os toda a cidade. Sua presença como o Senhor
separadamente. A antiga versão grega, da aliança será manifestada abertamente
refletindo em geral as mesmas consoantes na segurança da cidade santa. Seu povo o
hebraicas, traz: "Que o homem tímido se saberá por meio de evidência visível, e não
tome um herói (um valente)", o que está apenas pela fé. Apocalipse 21.1-8 transpõe
de acordo com o final do v. 10. O v. 12 re- a visão de Joel para uma nova Jerusalém,
capitula o convite de Javé para a reunião onde Deus habita, mas onde estranhos à
das nações e identifica o campo de batalha sua vontade não terão lugar.
como o local onde Javé se assenta para o
julgamento, numa explicação do seu nome 3.18-21 Bênçãos para
no v. 2 (cf Jr 1.15,16). No v. 13, Javé emi- o povo de Deus
te um comando a suas próprias tropas. As Este oráculo suplementar de bênção é tipi-
metáforas inspiradas na agricultura fazem camente introduzido pela expressão naque-
menção a um banho de sangue: elas ecoam le dia. Ele explica de forma detalhada as
na batalha de Apocalipse 14.14-20 e 19.15, implicações da presença de Deus em Sião
de modo que a presente passagem está (21b). Enquanto 2.28,29 prevê as bênçãos
apontando para adiante, para um tempo espirituais que Israel experimentará, agora
ainda futuro, quando Deus encerra a his- as bênçãos materiais que as acompanharão
tória do mundo. As vítimas do massacre também são prometidas. No AT, o espiritual
são descritas como maduras, prontas a ser e o material são a dupla evidência da bên-
julgadas. Javé não pode esperar mais para ção. A presença de Javé trará fertilidade à
punir sua malícia, um termo que resume as terra, por meio de uma fonte milagrosa de
acusações dos v. 2,3. água que fluirá do templo (cf Ez 47.1-12,
14-17 O profeta retrocede por intermé- Ap 22.1,2). Ela regará até mesmo os luga-
dio de um sumário aos temas de 2.30-32. res mais secos onde crescem as acácias.
JüEL3 1190
A promessa de que os montes destilarão tar com elas, Deus garante a plena vingan-
mosto recapitula com perfeição um elemen- ça de seu povo. A destruição dessas nações
to da resposta precedente de oração (2.24). serve como contraste negativo da bênção
As bênçãos voltadas para a agricultura de Judá nos v. 18 e 20,21. A união entre
pertencem à teologia veterotestamentária Deus e Judá é selada com uma promessa
baseada na terra, como símbolo do relacio- de ocupação perpétua. A primeira metade
namento de aliança entre Deus e seu povo. do v. 21 é difícil. Parece ecoar o sangue
A promessa prossegue, incluindo também inocente do v. 19. Uma tradução possível
a cura de suas feridas emocionais, ao de- seria: "Vou provar ser inocente o sangue
cretar desolação tanto para o Egito como que (até aqui) não provei ser inocente" (cf
para Edom, como punição pelos crimes co- REB). O versículo promete reparar o povo
metidos em solo judeu (cf 2Rs 23.29-34; sofrido em linhas paralelas a Apocalipse
Ob 10). Do mesmo modo que duas nações 6.10 (cf 819.11,12).
foram apontadas nos v. 1-8, outras duas o
são aqui. Essas duas nações representam
antigos inimigos do povo de Deus. Ao tra- Leslie C. Allen
AMÓS
INTRODUÇÃO
A época de Amós o ensino de Amós
A data do terremoto (1.1) não pode ser de-
finida nos dias de hoje e, portanto, não sa- Deus
bemos com exatidão a época em que Amós Ainda que Amós enfatize o privilégio
profetizou. Uzias, rei de Judá, reinou de singular de Israel (2.9-11; 3.2), ele nun-
767 a 740 a.C., e Jeroboão n, filho de Joás, ca se refere ao Senhor como o "Deus de
rei de Israel, reinou de 782 a 753 a.c., e, Israel"; aliás, ele tampouco usa a palavra
entre esses dois extremos, uma data ao re- "aliança". Amós parece evitar qualquer
dor de 760 a.c. para Amós é algo aceitá- coisa que possa incentivar a complacên-
vel. Ver quadro na página 949. cia do povo de Israel ou uma falsa segu-
Jeroboão foi um rei ativo, pronto a rança. Seus títulos divinos prediletos são
aproveitar qualquer oportunidade para a "SENHOR Deus" (e.g., 8.1,3,9,11; 9.8) e
expansão do seu país. Os tempos lhe eram "o SENHOR, Deus dos Exércitos", isto é,
favoráveis: em 805 a.C., o rei da Assíria, o Deus que é em si mesmo toda força e
Adad-Nirari, tinha conquistado a Síria, li- poder (4.13; 5.14-16,27; 6.8,14). Amós, é
vrando Israel de um antigo inimigo. A pró- claro, faz uso do nome "Javé" ("SENHOR")
pria Assíria atravessou então um período mais do que de qualquer outro nome, mas,
de declínio, e assim estava aberto o cami- ao longo de sua profecia, ele ressalta as
nho para Jeroboão restaurar seu reino até características do caráter de Deus que
as fronteiras estabelecidas por Salomão. formam a base do seu domínio e governo
Por sua vez, isso lhe deu o controle de ro- universais. Ele vê o Senhor como Criador
tas comerciais, o que resultou em próspe- (4.13; 5.8; 9.5,6), como agente em toda
ra atividade comercial, refletida em uma a história (3.6; 4.6-11; 9.7) e governante
classe dominante vivendo em grande luxo. ou juiz moral de todas as nações (1.3-
Como sempre acontece, tudo isso cami- 2.16). Ele reconhece um único Deus, mas
nhou lado a lado com a exploração dos admite que há outros objetos de adoração
pobres (5.11; 6.6). As profecias de Amós (5.26,27; cf lCo 8.5,6) com os quais as
contra esses excessos cometidos em Israel, pessoas podem se envolver.
o Reino do Norte, foram ainda mais mal
recebidas pelo fato de Amós ter vindo de Juízo
Judá, o Reino do Sul (7.10-17). O Deus único é o juiz de toda a terra. Por
Entretanto, embora a terra ainda tives- todo o mundo, os crimes contra a huma-
se seus problemas bem vivos na memória nidade, quaisquer que sejam os motivos,
(4.6-11), as perspectivas pareciam muito onde quer que aconteçam e quem quer
boas. Era possível relegar as preocupações que sejam os responsáveis por eles, quer
ao futuro distante (5.18; 6.3) e esquecer tenham sido registrados pelos homens ou
que, embora a Assíria estivesse adormeci- observados apenas por Deus, são repug-
da, ela não estava morta. nantes para Deus e receberão sua devida
AMÓS 1192
paga. Ser levado para perto de tal Deus, commodities ou mercadorias (1.6). Por to-
pelo privilégio de ter sido escolhido como das essas razões, o povo de Amós sofreu
seu povo, traz consigo como consequên- o juízo, assim como por extensão nosso
cia um julgamento mais severo e ainda mundo moderno, industrializado, pós-bí-
mais certo (3.2), pois os pecados do povo blico também sofre o juízo de Deus. Tais
de Deus não são apenas ofensas contra a aspectos da sociedade comercial e materia-
consciência (como no caso do pecado das lista, que faz da prosperidade o seu deus,
nações), mas rebeliões específicas contra a têm um funesto toque familiar.
luz da revelação (2.4,5). Tanto as afrontas
a Deus quanto as ofensas contra a huma- Esperança
nidade são ofensivas a ele e, consequente- Será que tanto para Israel quanto para o
mente, sofrerão o seu juízo. mundo o juízo significará o fim comple-
to? Amós é um profeta de Javé, e apenas
Sociedade essa credencial já teria sido suficiente para
O pressuposto de que crimes (ofensas so- preservá-lo das acusações de que lhe fal-
ciais) constituem pecado (ofensas contra tava uma mensagem de esperança (possi-
Deus) repousa no âmago da socilogia de velmente feita com maior firmeza 20 anos
Amós. Em cada aspecto da sociedade, é antes do que agora), e de que passagens
com Deus que temos de lidar, tanto no caso como 9.11-15 são contribuições posterio-
de condutas que lhe agradem e que estejam res de outros autores. "Javé" revelou o sig-
sob suas bênçãos como no caso daquelas nificado de seu nome (Êx 3.15; 6.6-8) no
que o ofendam e mereçam sua ira. A socie- Êxodo, um evento único através do qual
dade não se apoia em princípios mecânicos salvou seu povo e derrotou seus inimigos.
independentes - forças de mercado, re- Ao falar desse Deus não se pode excluir
cursos monetários, o produto interno bruto a esperança, pois ela é a essência de sua
- para sua prosperidade. A prosperidade própria natureza. Isso se toma claro em
vem com a bênção divina, pois indepen- 7.1-6, em que Amós é levado a encarar a
dentemente de quão eficiente seja a econo- plena consequência dos pecados de Israel
mia, ela não pode prosperar se estiver sob em grandes juízos, os quais não deixariam
a maldição dele. sobreviventes. Quando ele ora contra tais
O Senhor está preocupado com a ma- eventualidades, Deus lhe assegura que
neira como a guerra será empreendida "Não acontecerá". O comentário mostrará
(1.3,13), como está funcionando o comér- que as declarações negativas de 7.3,6, ne-
cio (1.6; 8.5-7), e se as obrigações assu- gando a destruição total, assumem a forma
midas estão sendo cumpridas (1.9). Ele é de uma esperança positiva em 9.11-15: um
ofendido quando a ganância permite que os Davi restaurado, uma criação restaurada e
finsjustifiquem os meios (4.1-3), quando as um povo restaurado.
classes governantes se tomam presunçosas
e insensíveis (4.1; 6.1) e quando a riqueza Profecia
não significa senão o luxo de alguns em O v. 14 do cp. 7 é um versículo fundamen-
detrimento dos menos favorecidos (3.12- tal. No hebraico, a omissão do verbo "ser"
15; 4.1; 6.4-6). A perversão da justiça nos (lit. "Eu não um profeta") normalmente
tribunais suscita sua animosidade (2.6,7; implica o tempo verbal presente (RSV, "Eu
5.7,10,12,15), assim como as práticas co- não sou um profeta"). Os adeptos dessa
merciais desonestas - a fraude mesquinha interpretação (e.g., Wolfe, Joel and Amos,
do comerciante que adultera sua balança Fortress Press [1977], p. 306, 312-3) su-
(8.5-7) - e a falta de humanidade, quando gerem que Amós esteja negando que um
os "grandes negócios" tratam o povo como cargo ou uma posição oficial tenha algo a
1193 AM6s.·
•
••
ver com o caso, pois o que importa é a cios espirituais (4.4,5), incapaz de proteger
proclamação da palavra de Deus. Wolfe seus devotos (3.14; 5.5,6) e desprovida de
precisa negar que 2.11 e 3.7, afirmações justiça moral e social (5.21-25). Não teria,
positivas em relação ao oficio profético, então, Amós se voltado para o extremo
sejam da mão do próprio Amós, e então oposto, procurando uma religião de com-
insistir em que Amós diz "Eu não sou pro- portamento ético, mas sem expressão cúlti-
feta" (7.14) imediatamente antes de dizer: ca, sacrificial? Sua pergunta em 5.25 parece
"Mas o SENHOR me tirou de cuidar do gado sugeri-lo e, na verdade, tem frequentemen-
e o SENHOR me disse: Vai e profetiza ao te sido entendida assim (C. F. Whitley, The
meu povo de Israel" (7.15). Prophetic Achievement, Blackwell [1963]
No que conceme à língua hebraica, p. 73). No entanto, ao fazer uma pergunta,
embora possivelmente na maioria dos ca- um pregador se toma dependente da res-
sos em que o verbo "ser" é oculto o tempo posta que seus ouvintes lhe darão, e não
verbal deva ser presente, cada caso tem de pode haver dúvida de que a congregação
ser decidido de acordo com suas próprias de Amós teria respondido com entusiasmo
exigências. Assim, no presente contexto, que, na verdade, eles estavam obedecen-
em resposta ao desafio do sacerdote, Amós do à lei divina que vinha desde os dias de
olha para o passado, para um tempo em Moisés. Independentemente do ponto de
que não era profeta nem tinha a intenção vista quanto à datação do Pentateuco, e em
de sê-lo na verdade, até que a comissão e especial à autoria mosaica do Pentateuco,
ordenação divina lhe conferiram a obra e a os sacrificios eram uma parte fundamental
posição de profeta, como sugerem várias da religião que o povo de Israel recebera de
versões (ARA, NVI e outras). Ele também Deus. Isso nos leva ao ponto de vista defen-
continua na tradição clássica das profe- dido no comentário (cf H. H. Rowley, The
cias do AT como alguém que recebeu a Unity ofthe Bible, Carcy Kingsgate [1953]
palavra de Deus. Como todos os demais p. 42) de que Amós não estava perguntan-
profetas que falam sobre isso (cf Jr 1.9; do se os sacrificios eram válidos, mas sim
Ez 2.7-3.4), Amós reivindica a identida- qual o lugar que deveriam ocupar. A prio-
de exata entre as suas palavras e as pala- ridade do Senhor era a obrigação do povo
vras de Deus (1.1-3). de obedecer a ele (Êx 19.4,5; 20.2,3ss.), e
Este é o fato singular da inspiração o código sacrificial era uma provisão por
verbal: o fato de que o Senhor não apenas suas falhas em fazê-lo. Assim como agora,
partilhou com os profetas o "sentido" da- o chamado divino era à santidade, mas, se
quilo que queria que eles dissessem, mas o povo pecasse, eles tinham um advoga-
que eles eram pessoas em cujas vidas Deus do e uma propiciação pelos seus pecados
trabalhara de tal forma que as palavras que (lJo 2.1,2). A religião voltada para ritos,
naturalmente proferiam, e que carrega- tanto naquela época quanto agora, é uma
vam a marca de suas respectivas épocas, inversão dessa prioridade. (Y. comentário
personalidades e grau de instrução, eram de 5.24ss.).
exatamente as palavras nas quais o Senhor
pretendia que sua verdade estivesse perfei- o livro de Amós
tamente contida. O livro de Amós chegou até nós como uma
composição literária cuidadosamente edi-
Religião tada e não há razão para se duvidar de que
Na época de Amós, Israel era uma nação o próprio Amós tenha sido o seu editor.
extremamente religiosa, embora seguisse De fato, se levarmos em conta a convic-
uma religião significativamente afastada ção de Amós de que suas palavras eram as
da lei de Deus (2.7,8), destituída de benefi- palavras de Deus, é pouco provável que
1194
ele as deixaria ao risco da tradição oral (iii) As palavras de 9.11-15 são bastan-
ou de imprevisíveis editores posteriores te controversas, porque trazem uma men-
(cf Is 8.16-20; Jr 36). Ainda assim, resta sagem da mais áurea esperança se com-
perguntar se seria mais razoável acreditar paradas à gravidade do restante do livro.
que existem partes do livro, como nós o Antigamente se defendia que, seja como
temos hoje, que podem ser consideradas for, tal doutrina da esperança exigiria uma
obra de outros autores. data posterior ao exílio. Entretanto, a lin-
(i) Os oráculos contra Tiro, Edom e guagem da passagem se ajusta muito bem
Judá (1.9-12; 2.4,5). Estes geralmente são ao restante do livro. Além disso, há um ab-
tratados como acréscimos pelo fato de se- surdo inerente ao fato de se pensar que foi
rem mais breves do que os oráculos con- outro editor posterior que acrescentou ao
tra Damasco (1.3-5), Gaza (1.6-8), Amom livro esse tom de esperança, presumivel-
(1.13-15) e Moabe (2.1-3). Mas quando a mente quando a mensagem de plena des-
evidência é avaliada, há, no final, três orá- truição não se cumprira e o povo de Israel
culos mais breves e quatro mais longos continuara a existir após o exílio. Pois se
e, como diz Hubbard (TOTC, p. 97), "a Amós for somente um profeta da destrui-
variedade pode ser um indício de auten- ção, que previa apenas o fim da aliança e
ticidade tão forte quanto a semelhança". do povo da aliança, a esperança só pode-
Além disso, sendo natural de Judá (1.1), ria ser acrescentada à custa de fazer dele
Amós não se atreveria a omitir a condena- um falso profeta! Por outro lado, se Amós
ção da cidade a não ser que desejasse que realmente acreditasse em sua própria men-
sua parcialidade lançasse sua mensagem sagem sobre o fogo em Judá e Jerusalém
em descrédito. (2.5), é razoável esperar que ele olhasse
(ii) Os fragmentos em forma de hinos para o Senhor em busca de alguma palavra
(4.13; 5.8,9; 9.5,6). Hyatt("Amos",Peake :s sobre o que viria depois do fogo, e então a
Commentary [1963], p. 617) insiste em expressasse por meio de símbolos e moti-
que a doutrina de Deus, o Criador, muito vos familiares à sua própria época.
evidente nessas passagens, exige uma data
posterior à da época de Amós. (Cf H. W.
Robinson, Inspiration and Revelation in Leitura adicional
the Old Testament, OUP [1946], p. 22). No MOTYER, J. A. A mensagem de Amós. BFH.
entanto, a arqueologia tem demonstrado ABU, 1991.
que o conceito dos deuses como criadores CRAIGIE, P. C. Twelve prophets. v. I. DSB.
é algo tão antigo quanto a própria religião. Westminster/John Knox Press, 1984.
Certamente seria notável se o AT demo- BorCE, J. M. The minor prophets. 2 v.
rasse mais do que os outros textos antigos Zondervan, 1983, 1986.
para atribuir essa glória ao Senhor! Além HUBBARD, D. A. Joel e Amós: introdução e
disso, como o comentário mostra, as pas- comentário. Vida Nova, 1996.
sagens encaixam-se perfeitamente em seus MCCOMISKEY, T Amos em GAEBELEIN,
respectivos contextos. Assim, talvez Amós Frank E., ed. Daniel and the minorpro-
estivesse citando hinos já conhecidos que phets. EBC. Zondervan, 1985.
falavam de Deus como Criador, mas o fa- NIEHAus, J. Amos em MCCOMISKEY, T, ed.
zia com os olhos voltados às necessidades The minor prophets. v. 1. Baker Book
de cada ponto de sua mensagem. House, 1992.
11
1195 AM6S1-:'
ESBOÇO
As três seções principais de Amós são marcadas por algo conhecido como inclusio, o que
significa que cada seção começa e termina na mesma nota: o leão que ruge (1.2; 3.8), o
inimigo ao redor (3.9-11; 6.14) e (por contraste) o juízo que não acontecerá (7.1-6) e a
esperança vindoura (9.11-15). Cada seção tem um padrão simétrico: a primeira (1.2-3.8)
assume a forma ABBA; a segunda (3.9-6.14) assume a forma ABCCBA e a terceira
(7.1-9.15) a formaABCDCBA.
1.1 Título
1. 2-3. 8 O rugido do Leão: O juízo universal e seus fundamentos
1.2 A O rugido do leão: A voz do Senhor
1.3-2.3 B Contra os povos pagãos
2.4-3.2 B Contra o povo escolhido
3.3-8 A O rugido do leão: A palavra profética
de "ver". Deus deu tanto a verdade como das, o santo Senhor em sua morada terre-
a habilidade de compreendê-la e expressá- na. O rugido é a expressão de ira do Santo,
la (NDB, "Profecia", "Profeta"). Uzias [...] mas, mesmo em sua ira, o seu nome - Javé
Jeroboão [...] terremoto: ver Introdução. - , e a escolha de sua morada em uma casa
onde sacrificios são oferecidos pelo pecado,
1.2-3.8 O rugido do Leão: induzem a perguntar se a ira resume toda a
O juízo universal e seus história. Nesse Deus sempre há um abenço-
fundamentos ado ingrediente de graça; em sua ira, ele se
lembra da misericórdia (Hb 3.2). O triunfo
1.2 O rugido do Leão: da graça começa a emergir na seção final
A voz do Senhor do livro de Amós (7.1,2; v. Esboço acima),
Como todo bom pregador a céu aber- mas, até lá, os rugidos predominam.
to, Amós atrai ouvintes ao lhes dizer o
que desperta o seu entusiasmo - o juízo 1.3-2. 3 Contra os povos pagãos
prestes a cair sobre os odiados inimigos. Os motivos do juízo. Tudo o que está es-
Imperceptivelmente, entretanto, ele passa a crito no AT é palavra contemporânea de
atenção dos ouvintes das nações pagãs (e.g., Deus (Rm 15.4). Devemos ouvir "rugido
Damasco em 1.3) para as nações "primas" após rugido" dessa seção e aprender o que
(e.g., Edom em 1.11; cf Gn 36.1), em se- pode provocar a ira do Senhor, enquanto,
guida para a nação "irmã", Judá (2.4), e, fi- primeiramente, ele acusa as nações pagãs
nalmente, a multidão descobre que está ou- vizinhas (1.3-10), passando em seguida a
vindo a própria condenação (2.6). Embora acusar os demais pagãos (1.11-2.3) e vin-
o juízo seja inteiramente pronunciado em do finalmente a acusar o próprio povo de
termos paralelos (enviando "fogo"), o mo- Deus (2.4-16). Em 1.3-2.3 aprendemos
tivo do juízo muda. As nações vizinhas são que, para Amós, a lei escrita na consciên-
levadas a julgamento por "crimes contra a cia humana (pois essas nações não conhe-
humanidade" (1.3,6,9,11,13; 2.1), coisas ciam nenhuma revelação especial de Deus;
que sua consciência deveria tê-las adver- v. Rm 2.14-16) é explicada em termos de
tido a não fazer; mas Judá (2.4) e Israel relacionamentos humanos. As duas primei-
(2.11,12) são julgados por terem abando- ras condenações (3-5; 6-8) estão ligadas
nado a verdade revelada. O principal pe- pelo pensamento da crueldade grave (3,6).
cado do povo de Deus é ter se afastado da O segundo par (9,10; 11,12), por ações in-
palavra do Senhor. Sua principal virtude é dignas de um irmão (9,11); e o terceiro par
a obediência à revelação. (1.13,14; 2.1.2), pelas ideias contrastantes
O rugido do grande leão anuncia o juízo da destruição do futuro (13), pela profa-
que segue (1.3-3.2) ao realçar três aspec- nação do passado (2.1) e pela condenação
tos gerais. (i) Ele é iminente. Rugirá signi- daquilo que instintivamente exige respeito,
fica um "rugido ofensivo", com a intenção a mãe grávida e o cadáver humano.
de aterrorizar a presa, levando-a a um esta- 3-5 Damasco. Hazael da Síria (842-806
do de submissão (Jz 14.5). Os dois verbos, a.C.) adotou uma política expansionista,
"rugir" e "trovejar" (NVI) expressam ações estendendo o seu reino para o território ju-
repetitivas; isto é, nas séries de condena- deu com grande crueldade (2Rs 8.12). Mas
ções a seguir ouvimos rugido após rugido. Damasco caiu nas mãos dos assírios em
(ii) Ele é bem compreensível. Toda a terra, 732 a.C. Deus não é objeto de escárnio. 3
desde os viçosos prados dos pastores até as A linguagem numérica por três transgres-
alturas do cume do Carmelo, está arruina- sões [...] e por quatro, utilizada aqui e em
da. (iii) Ele é divino. As palavras o SENHOR toda essa série de oráculos (cf SI 62.11;
[...] de Sião [...] de Jerusalém são enfatiza- Pv 30.15 etc.), basicamente sugere que três
1197
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AM6s 1 - : .
transgressões teriam sido suficientes para dutos comerciais, tendo Edom agido como
que o juízo divino ocorresse, mas a quarta seu intermediário. Elas estavam tão obce-
transgressão coloca esse juízo como algo cadas por lucro que nenhuma outra consi-
inquestionável. Isso sugere a longani- deração importava - nenhuma concessão
midade de um Deus que espera além do era feita por razões de idade ou sexo, seja
ponto em que a ação se faz por merecer, dos filhos em relação aos pais ou dos pais
que anseia pelo arrependimento e deixa em relação aos filhos. Os que fossem co-
espaço para que ele possa acontecer (Gn mercialmente viáveis eram vendidos; só
15.16; 2Pe 3.8,9), que nunca age sem importavam as forças de mercado, em de-
evidência (Gn 18.21), mas a cujos olhos trimento de qualquer resquício de humani-
existem "quatro transgressões" verdadei- dade. Nenhuma palavra poderia ser mais
ramente intoleráveis para ele, de modo propícia do que essa de Amós para a nossa
que, quando forem cometidas, ele afirma: geração presente. O "Senhor JEOVÁ" (ARe)
não sustarei o castigo (lit. "recuarei", cf é um termo usado somente aqui na lista das
Nm 23.20; Is 14.27). condenações, como se sugerisse que nada
A "quarta transgressão", nesse caso, requer tanto a onipotência de Deus em
era a barbárie da guerra: os trilhos de ferro sua ação punitiva quanto o uso de pessoas
(pesadas plataformas de madeira, acresci- como simples mercadorias.
das de um peso adicional na parte superior 9,10 Tiro. Renomados comerciantes,
e guarnecidas na parte inferior com metal os habitantes de Tiro são mostrados como
afiado) eram construídos para picar o pro- administradores do aspecto comercial do
duto colhido antes de peneirá-lo, mas aqui tráfico de escravos, mas a acusação especí-
eram utilizados em pessoas, tratando-as fica, ou seja, a de quebra da aliança dos ir-
como objetos, como mera colheita para mãos, não é a mesma dos v. 6-8 - embora
lucro pessoal. 4 Ben-Hadade (2Rs 8.7ss.; sem dúvida alguma o pecado que diz res-
13.3), a dinastia de Hazael. A vingança peito a esse assunto fosse tão sério quanto
recairá sobre pessoas, sobre a família da- aquele. Os compromissos assumidos têm
quele que cometeu o crime. 4,5 A vingança de ser mantidos, pois o não cumprimento,
recairá sobre as coisas, tais como palácios neste caso a infidelidade, é uma "quarta
(símbolos de riqueza e ostentação), o fer- transgressão". Aliança de irmãos: ver em
rolho (isto é, a segurança que construí- IReis 5.1,12; 9.13 referências a amizade,
ram para si mesmos) e os seus territórios aliança e fraternidade. Amós está se refe-
(Biqueate-Àven [...] Bete-Éden, provavel- rindo a um fato ocorrido há 250 anos, mas
mente ficavam a nordeste de Damasco). o passar do tempo não exime ninguém do
A ira de Deus vai se espalhando do insti- cumprimento da sua palavra. Tiro se viu
gador do pecado até sua família e terras, obrigada a pagar tributos à Assíria, rendeu-
finalmente levando a ruína total para todos. se a Nabucodonosor (585-573 a.c.) e caiu
Da desconhecida Quir vieram os arameus diante de Alexandre (332 a.C.).
(9.7), que desaparecerem no desconhecido, 11,12 Edom. A "quarta transgressão"
tendo como agente de Deus Tiglate-Pileser de Edom foi a incessante animosidade
da Assíria (2Rs 16.9). com que perseguiu (isto é, com que bus-
6-8 Gaza. Representando o juízo do cou cada oportunidade de se expressar) por
Senhor sobre os filisteus, Gaza caiu em meio de ações hostis a seus vizinhos, em
mãos da Assíria em 734 a.C. (seguem ou- que estados fronteiriços podiam facilmen-
tras cidades dos filisteus: Asdode, 711 a.c.; te extravasar sua raiva sem jamais declarar
Asquelom e Ecrom em 701 a.Ci). Elas es- guerra. Historicamente, a mágoa existente
tavam envolvidas com o mesmo pecado de entre Esaú e Jacó vinha desde os primei-
Damasco, pois tratavam pessoas como pro- ros irmãos chamados por esses nomes
~IIIIIAM6S2 1198
(Gn 27.41). Em Números 20.14ss., a hosti- 2.1-3 Moabe. Um povo pagão e vio-
lidade se tomara pública, e um padrão para lência contra um cadáver - tudo isso se
o futuro ficara estabelecido. Saul achou encontra dentro das preocupações do Deus
necessário recorrer à guerra (lSm 14.47); santo. Onde quer que, em violação à cons-
Davi conquistou e anexou Edom - ten- ciência, sejam cometidos crimes contra a
do sido o único rei a fazê-lo (2Sm 8.14). humanidade, por qualquer que seja o moti-
Salomão enfrentou uma revolta em Edom vo, o Senhor é inimigo implacável do cri-
(1 Rs 11.14ss.,25), e o mesmo se deu com minoso. A passagem de 2Reis 3.26 sugere
Jeorão, um século mais tarde (2Rs 8.20). a animosidade particular entre Moabe e
Cinquenta anos depois, Amazias guerreou Edom. A mesma aversão nacionalista pro-
contra Edom (2Rs 14.7,10). A acusação de vavelmente alimentou o ultraje descrito
um ódio que se intensificava continuamente aqui, revelando um espírito vingativo. O
é comprovada, mas não justificada diante que não podia ser acertado enquanto as
de Deus. Esse ódio era contrário à nature- partes estivessem vivas seguia o rei até
za (irmão), uma negação do sentimento de sua sepultura. Poderia qualquer outra coisa
misericórdia (um fluir espontâneo de com- expor de maneira mais clara a absurda ir-
paixão ou amor; e.g., lRs 3.26), e estava racionalidade do ódio nutrido pelo inimigo
sempre a ponto de estourar (sua ira não do que a observação do corpo de alguém
cessou de despedaçar). Qualquer que seja respeitável ser desenterrado para sofrer
sua origem e suposta justificativa, tal ira é indignidades despropositadas? O ódio fun-
inadmissível. Ela se aloja no coração, mas ciona mais ou menos assim: envenena o
é vista do céu. 12 Temã era Edom (Ob 9); coração de quem o pratica, atrai a ira de
Bozra era sua principal cidade. Deus. 2 O fogo, que compensaria o fogo da
13-15 Amom. A guerra entre Amom e cremação descrito no v. 1, exemplifica a lei
Gileade não é conhecida, mas foi registra- da equivalência exata entre crime e castigo
da no céu. Seu principal motivo era expan- que está na base da lei divina e é utilizada
sionista (para dilatarem os seus próprios como um padrão pela justiça dos homens
limites) e, interessados nessa expansão, (Êx 21.23; Lv 24.19,20; Dt 19.21).
eles estavam prontos a acabar com o cres-
cimento populacional (grávidas). Uma vez 2.4-3.2 Contra o povo escolhido
mais, a parte material é mais valorizada do 4,5 Judá. A lista de condenação agora
que o ser humano: se há uma linha geral passa significativamente a um novo alvo.
caracterizando as "quatro transgressões" Judá, uma parte do povo do Senhor, é
listadas por Amós, é essa. Aqui eles prati- chamado ao juízo, e não está menos sob
caram uma selvageria desumana para com exame e sentença divina do que seus vizi-
aqueles que, mais do que quaisquer outros, nhos pagãos, como indica a fórmula: Por
mereciam ternura - as mulheres grávidas três transgressões de Judá e por quatro.
e seus filhos ainda não nascidos. Diante da Mas qual seria a quarta transgressão de
ira infalível de Deus, nenhuma aspiração Judá? Eles rejeitaram a lei do SENHOR. (i)
nacional (nem mesmo os apelos relativos Lei significa "ensinamento" (e.g., Pv 3.1),
à "segurança nacional") pode desculpar tal como o que um pai carinhoso ministra ao
comportamento. Compare os minuciosos filho querido. O povo de Judá rejeitou a
detalhes do v. 14 com os versículos parale- palavra paterna do Senhor. (ii) Estatutos
los 5,7,8,10 e 12. Fogo é o tema da santida- é algo gravado em pedra para a posterida-
de divina (Êx 3.2,5; 19.18). Com turbilhão de: eles alteraram o inalterável. (iii) Eles
no dia da tempestade indica como as "for- trocaram a verdade, não por falsos deuses,
ças da natureza" podem ser imagens da in- mas por fábulas (2Tm 4.4). (iv) Seus pais:
tervenção pessoal divina (SI 18.9-14). sua culpa está profundamente arraigada,
1199 AMÓS2-:
•
•
pois a Bíblia nunca usa o legado moral das aqueles que socialmente não têm meios
gerações passadas como uma desculpa. A para buscar reparação.
presente geração é responsável por uma 7 "Pisam" (NVI) origina-se de um texto
culpa acumulada (SI 51.3-5; Mt 23.31-36). levemente alterado no qual se lê literal-
"Deuses falsos, deuses..." (NVI, no lugar de: mente "suspiram pelo pó da terra" - eles
"mentiras, mentiras...") restringe demais tinham tamanha cobiça pela terra que ne-
a acusação. Tais deuses seriam incluídos gavam aos pobres (aqueles que não tinham
por implicação, mas as palavras de Amós influência nem dinheiro) até mesmo a terra
são muito mais fortes: " ...se deixou enga- com que eles sujavam as suas faces em si-
nar por deuses falsos, deuses que os seus nal de lamento (Js 7.6)! Mansos ("oprimi-
antepassados seguiram". Fora da verdade do", NVI), marginalizados, os que estavam
revelada há apenas erro humano. 5 Fogo na base da pirâmide social.
que consumirá: ver 2Reis 24-25. 7,8 Os pecados contra a revelação de
Nota. O oráculo registrado em 2.6- Deus começam aqui. O Senhor tinha reve-
3.2 tem uma forma simétrica comum aos lado a eles seu santo nome, desvendando-
livros proféticos: lhes o segredo de sua natureza interior, mas
eles desafiaram abertamente sua proibição
(ai) 2.6a,b A ameaça declarada em relação ao adultério (Êx 20.14) e à for-
(b') 2.6c-8 O pecado exposto nicação em nome da religião (Dt 23.17,18).
(c) 2.9-12 A bondade de Deus A religião dos cananeus utilizava atos de
(b2) 2.13-16 O juízo anunciado procriação humana como lembretes e es-
(a') 3.1,2 A ameaça renovada e justificada tímulos para que o deus Baal desempe-
nhasse sua função de tomar férteis os seres
No centro estão os bons atos de Deus, humanos, os animais e a terra. Na época de
os quais tomaram Israel especial e aos Amós, o santo Senhor estava sendo adora-
quais ele não correspondeu: em particular, do da mesma maneira que o deus Baal dos
a dádiva da terra (9), a redenção do Egito e cananeus, mas ele apenas será adorado do
o cuidado no deserto (10), a revelação das modo que ele mesmo determina (Mt 15.9),
exigências de Deus (nazireus) e de sua pa- e não pela nossa noção do que é empolgan-
lavra (profetas). te em termos de religião. A mesma jovem.
6-8 Os pecados de Israel. Amós exa- lit., simplesmente "a jovem". A condena-
mina os pecados de Israel de uma pers- ção não é pelo fato de pai e filho possuí-
pectiva tanto social (6,7) quanto religiosa rem a mesma jovem - como se isso fosse
(7,8). Sua corrupção em relação aos justos, uma acusação de imoralidade exacerbada
sua insensibilidade em relação aos mais - mas o fato de toda a comunidade mas-
pobres e sua voracidade em relação aos culina, "um homem e seu pai" igualmen-
oprimidos são os fatos primeiramente des- te, estar envolvida em orgias dedicadas a
critos. 6 O justo, ou seja, alguém inocente Baal. 8 A religião deles insultava a graça
perante a lei. Os juízes estavam abertos à divina. No local exato de expiação, ao pé
corrupção (por dinheiro), veredictos eram de qualquer altar (Lv 17.11), eles se en-
vendidos por algo tão insignificante quanto tregavam a suas luxúrias e faziam da casa
um par de sandálias ou os casos trazidos de Deus - um lugar que deveria ser usa-
à justiça eram tratados como se fossem do para desfrutar de sua comunhão - um
questões tão insignificantes quanto um par local de orgias. Coabitam, uma alusão ao
de sandálias - tal era a cobiça nessa épo- próprio ato da fornicação. Roupas empe-
ca. A palavra necessitado implica aqueles nhadas: ver Êxodo 22.26ss., em que se diz
que não podem resistir ou que são forçados que as vestimentas tomadas como garantia
a se curvar à vontade e ao poder superior, de empréstimos deveriam ser devolvidas
11
: - AMÓS2 1200
li
antes do pôr do sol. Dos que foram mul- os grãos), mas o panorama é o mesmo.
tados: o vinho usado em suas orgias era 3.1,2 Dirigidos contra toda a família que
conseguido pelos meios ilegais descritos ele fez subir, esses versículos formam,
nov.6. assim, a conclusão não apenas de 2.6-16,
9-12 Os privilégios de Israel. Em cada mas também de 2.4-16. Após o chamado
ponto em que pecaram, a graça divina ti- para ouvir, há referência aos atos de Deus
nha deixado em aberto um caminho bem e à redenção do êxodo que fez deles seu
diferente para eles. O Senhor lhes deu a povo. O v. 2 começa falando da posição
terra (9) na qual devem criar uma socieda- exclusiva que eles ocupam e termina com
de diferente baseada em sua lei (contrastar a inevitável consequência: o castigo pelo
com os v. 6,7); ao tirá-los do Egito (10), re- pecado faz parte da própria constituição
velou-lhes o seu nome (Êx 3.14,15; 6.6,7; do povo de Deus. Portanto, há uma conse-
20.2), o qual eles profanaram; e ainda, para quência automática: muito será pedido da-
salvá-los de um tipo de vida pecaminoso e queles a quem muito foi dado (Lc 12.48).
de uma adoração inaceitável (8), o Senhor Eis a essência da mensagem de Amós. O
lhes deu alguns agentes especiais de revela- privilégio é algo maravilhoso, mas não é
ção (11). Eles perverteram toda a sua obra algo atrás do que possamos nos esconder;
de graça. 9 Eu é enfático, significando: é uma responsabilidade e um tesouro do
"Quanto a mim, fui eu quem". Amorreu, qual deveremos prestar contas.
nome dado ao povo que habitava a terra de
Canaã antes do povo de Israel. Não obs- 3.3-8 O rugido do leão:
tante seu insuperável poderio humano (Nm A palavra profética
13.28), o poder divino os destruiu comple- 3-6 O leão ruge novamente: a mensagem
tamente (fruto [...] raízes). 10 Ver o esboço é autenticada. Amós fecha o primeiro ci-
acima: a verdade central de todo o oráculo clo de suas profecias (v. Introdução) com
como o ato central do Senhor no AT - o uma série de ditados sobre causa e efeito.
êxodo - é ao mesmo tempo libertação, Ele constrói um duplo clímax; primeiro, a
redenção e assentamento (Êx 6.6-8). 11 Os calamidade não vem senão pelas mãos de
profetas levaram adiante em Israel a reve- Deus (6); segundo, nenhum profeta de ver-
lação dos fundamentos passada a Moisés. dade fala senão por revelação divina (7,8).
Nazireus (Nm 6.1ss.) tipificavam a vida Em suma, nada menos do que a imposição
consagrada que o Senhor desejava para seu divina faria Amós pregar a seu povo tal
povo (Lv 19.2). 12 O povo não queria ver mensagem, mas o Senhor falou com ele e
o exemplo e nem ouvir a palavra. não lhe resta outra opção. 3 Andarão dois
2.13-3.2 O inevitável juízo divino. juntos expressa um companheirismo ha-
13-16 Amós anuncia a ação divina contra bitual tal que somente pode surgir de um
a qual nada irá ajudar, nem a habilidade acordo entre Deus e Israel. Eles estão jun-
natural, o preparo ou a coragem. 13 Israel, tos na aliança, mas pode sua amizade con-
sob a liderança de Jeroboão, estava flores- tinuar se estão em conflito? A lei de causa
cendo (v. Introdução), mas havia outros as- e efeito entraria em ação para separá-los.
pectos cujo tempo de colheita era chegado. 4 Duas ilustrações da perspectiva de um
A carroça carregada de feixes da colheita predador: o leão não rugirá para atacar
pressiona a terra, impotente sob seu peso. (1.2; Jz 14.5) a menos que tenha umapre-
Assim Israel estava colhendo o peso da ira sa em vista, nem levantará o leãozinho no
divina que a pressionaria para a destruição. covil sua voz (com ar presunçoso) se não
O hebraico pode ser traduzido por "como tiver apanhado uma presa para devorar.
a carroça deliberadamente carregada pres- 5 Duas ilustrações da perspectiva da presa:
siona os feixes" (um método para debulhar a ave não cairá no laço a menos que tenha
1201 AMÓS3(
uma armadilha, isto é, uma isca para fisgá- (4.4-5.27). Essas falhas são velhas co-
la, nem levantar-se-á o laço da terra a não nhecidas: a falha de não amar o próximo,
ser que a isca tenha sido mordida e haja oriunda da falha de não amar ao Senhor
algo para apanhar. 6 A aplicação: a presa nosso Deus.
ouve o aviso de que o predador vem e tre-
me. É o grande "predador divino" que está 3.9-15 O reino despedaçado
por trás de todo desastre. A intenção do Com um discurso dramático, Amós concla-
argumento de Amós é convidar o povo a ma as nações pagãs a ver o que está ocor-
explicar desastres passados e futuros. Eles rendo em Samaria (9) e então a anunciar,
aceitam a visão bíblica segundo a qual o elas mesmas, o julgamento divino (13). É
Senhor age na história e que, assim como como se mesmo os pagãos tivessem cons-
por trás de cada evento há uma causa, por ciência moral suficiente para julgar o povo
trás da história está o Senhor? Se é assim, do Senhor! A evidência é de grandes tu-
então a única atitude razoável que ele tem multos e opressões (9); falha de caráter e de
a tomar é se assegurar de que estão em per- conduta (10). Eis aqui uma religião (14) e
feita relação e harmonia com o Senhor. uma sociedade abastada (15) que merecem
7,8 Uma compreensão genuína da fun- o castigo divino. O agente da destruição é
ção de um profeta confirma a interpretação tanto o cerco inimigo (11) quanto o Senhor
de que Deus está no controle. Primeiro vingador (13-15). O esquema do trecho é:
(7),. ao profeta foi revelado o segredo dos
planos de Deus. Revelar o seu segredo ou (a') v. 9 As nações são conclamadas a
estar "no conselho do SENHOR" (Jr 23.18): observar
a essência da experiência do profeta era (b') v. 10 Relato sobre o caráter e a
ser levado para perto de Deus. Isso expli- conduta
ca como eles poderiam falar a palavra de (b') v. 11 Punição pela destruição
Deus e ao mesmo tempo ser plenamente (b') v. 12 Ilustração: nada sobreviverá
eles mesmos, pois quanto mais uma pes- (a-) v. 13-15 As nações chamadas a
soa se aproxima de Deus mais ela se toma testificar
uma pessoa no verdadeiro sentido da pa-
lavra. Porém, os profetas do AT também 9 Os pecados de Israel são tão osten-
esperavam saber antecipadamente o que o sivos que até mesmo os mais desprezíveis
Senhor faria (cf a surpresa de Eliseu quan- pagãos, os inimigos ancestrais de Asdode,
do isso não ocorreu, 2Re 4.17). Se é assim, os filisteus (Jz 14.3; lSm 17.36) e o Egito
então, na mensagem de Amós, rugiu o leão possuem superioridade moral suficiente
[...]falou o SENHOR Deus. para discernir que Samaria está debaixo
do julgamento divino. Castelos, o apelo é
3.9-6.14 Um inimigo ao redor para que as classes dominantes ajam como
da terra: A ira do Senhor juízes de sua própria classe (cfcastelos, v.
Os versículos-moldura de 3.11 (lit. "um 10; grandes casas, v. 15), um julgamento
inimigo cercará a tua terra") e 6.14 ("le- justo de seus iguais. Tumultos significa in-
vantarei sobre vós, ó casa de Israel, uma quietação, instabilidade social. Opressões
nação [...] desde a entrada de Hamate até significa extorsão e perseguição. 10 Não
ao ribeiro da Arabá") determinam o tema sabe fazer o que é reto ("agir com retidão"
dessa seção. No trecho entre esses versícu- é algo que está fora do alcance deles), a de-
los-limite, o ataque do inimigo é explicado dicação à prática da injustiça enfraquece a
pela autoindulgência e a indiferença social percepção moral e sua única preocupação
das classes dominantes (4.1-3; 6.1-7) e, passa a ser com o que conseguiram arma-
principalmente, pela decadência religiosa zenar em suas grandes casas ou castelos.
11
1111 AMÓS4 1202
11-
Eles não têm consciência de que o que é não apresenta nenhuma queixa contra a
ganho de forma desonesta é como um bar- riqueza em si. A questão é sempre a ma-
ril de pólvora pronto para explodir: na ver- neira como esta foi acumulada (Jr 17.11),
dade o que eles estão armazenando para si de que forma é utilizada e, especialmente
mesmos é lit. violência (roubo, pilhagem) para Amós, como as pessoas fazem uso do
e devastação (saque, despojo). O que no poder adquirido pela riqueza. Mas assim
momento é o tratamento que dispensam a como a falsa religião, a obtenção da rique-
outros será, no final, o que receberão. za pela opressão os deixará indefesos no
12 Cf Êxodo 22.10-13. Se um pastor dia da visitação.
conseguisse trazer de volta os restos de
uma ovelha dilacerada por algum animal, 4. 1-3 As mulheres dominadoras
ele seria absolvido da acusação de negli- De uma acusação geral (3.9-15), Amós
gência: tinha tentado salvar o animal, mas parte para questões particulares. 1 As mu-
falhara. Mas o que ele resgatou era apenas lheres indolentes de Samaria, que oprimem
uma evidência da perda total! Assim era o os pobres (os desprovidos de meios finan-
caso de Samaria: o que havia sobrado fa- ceiros e vulneráveis), que dominam o ma-
laria apenas da destruição total; mas assim rido com sua insistência em gratificação; o
como as duas pernas ou um pedacinho da que são elas senão vacas seletas da famosa
orelha eram evidências de um animal des- região do gado, Basã (Dt 32.14; Si 22.12),
troçado, os típicos restos de Samaria seriam vivendo uma existência puramente animal,
o canto da cama e parte do leito, evidências engordadas para o abate? 2 Em 3.9, lemos
de uma sociedade ociosa, amante da luxú- sobre ofensas sociais; em 3.14, sobre rebel-
ria e decadente. dia contra Deus, mas aqui são registradas
14 Falando acerca do agente histórico afrontas a sua santidade. Crime é crime e
da derrota de Samaria(II),Amós passa sem pecado é pecado, pois o santo Deus é san-
cerimônia a falar do Senhor como agente da to e sua santidade levanta-se contra todos
destruição. O Senhor está, dessa mesma ma- aqueles que o ofendem. Escravos da indul-
neira direta, por detrás de toda a História gência, os criminosos e pecadores de Israel
(cf 9.7). Transgressões ("rebeliões") repre- se tomam cativos de fato (2,3). Anzóis [.,,]
sentam o desprezo intencional pela lei do fisga de pesca, o par enfatiza a impossibi-
Senhor. Os crimes sociais descritos nos v. lidade de fuga. Os cativos eram, na verda-
9,10 são pecados contra o Senhor. Em sua de, levados por cordas atadas em ganchos
ação punitiva, o Senhor começa pela falsa presos aos seus próprios lábios. 3 Brechas,
religião e daí passa para a falsa sociedade causadas pelo inimigo descrito em 3.11.
(14,15). Do mesmo modo que a verdadeira "Harmom" (NVI) é um lugar desconhecido;
religião é a raiz da verdadeira sociedade, a não há uma identificação satisfatória ou
falsa religião é a raiz da corrupção. Pontas. emenda sugerida.
Na prática pagã, embora não da do povo
de Israel (1Rs 1.51), apegar-se às pontas 4.4-13 Religião sem arrependimento
do altar garantia imunidade por se estar Amós toca, agora, no coração do proble-
no santuário. No dia do juízo, a falsa re- ma. Afinal de contas, a coisa mais séria
ligião não terá santuários, e as pontas de não eram os crimes do povo (3.9,10), sua
seus altares serão cortadas! 15 O principal rebeldia (3.14) ou ofensas à santidade de
golpe cai sobre os mais abastados, aqueles Deus (4.2), mas o fato de que, quando lhes
elementos da sociedade que possuem duas fora dada a oportunidade para que se arre-
casas, com residências de inverno e de ve- pendessem, eles não o fizeram. O cerne da
rão e com a ostentação de luxo (marfim). passagem (6-11) nos ensina que o Senhor
Como em todo o restante da Bíblia, Amós é a causa das mais variadas circunstâncias
1203 AMÓ54/
....
da vida, e seu propósito, em cada ato de 6-11 Sete atos divinos: fome (6), seca
aflição, é trazer seu povo de volta para ele. (chuva seletiva) (7,8), ferrugem (9), gafa-
O irônico comando inicial Vinde (4), intro- nhotos (9), peste (10), derrota militar (10)
duzindo a exposição de uma religião que e desastres naturais (11). Coisas que nor-
fracassara (4,5), é contrabalançado por um malmente são atribuídas à sorte, às causas
chamado final a estarem prontos para se naturais ou à insensatez humana são todas
encontrar com o Senhor (uma religião que atos diretos de Deus, visando produzir
não fracassará), nos v. 12,13. Separando aquilo que ele deseja ver em seu povo. Ele
estes dois chamados, há sete atos de Deus quer uma proximidade consigo revestida
que visam trazer seu povo de volta para ele de quaisquer termos que sejam apropriados
(6-11). No caso de Israel, o objetivo especí- às circunstâncias; arrependimento, se hou-
fico dos atos divinos foi o arrependimento, ve pecado envolvido, a atitude de buscá-lo
mas o princípio é que, em cada experiência por conforto etc. Sem relacionamento não
de vida, o Senhor está trabalhando direta- há religião. Na época de Arnós, enquanto o
mente para nos trazer para perto dele. povo estava sendo religioso, o Senhor esta-
4,5 Betel (Gn 28.10-22) e Gilgal (Js va agindo e buscando o arrependimento.
4.19) comemoravam o novo começo com 12,13 Seria o v. 12 uma mensagem de
Deus, porém a utilização dos santuários esperança (ainda há tempo de se preparar
pelos adoradores não envolvia um novo para encontrá-lo em paz) ou uma terrível
começo, mas simplesmente confirmava advertência (o Senhor está se aproximando
suas transgressões. (i) Era simples reli- com um castigo não determinado e a última
gião. O ato religioso esgotava-se em si chance deles se foi)? O v. 13 pode sugerir
mesmo. Cada manhã e de três em três dias um "sim" para ambas as hipóteses, pois o
podem apontar simplesmente para meticu- Senhor está em pleno comando de todo o
losidade: o sacrifício tinha de ser ofereci- seu mundo - das coisas visíveis (montes),
do no primeiro dia, e o dízimo, no terceiro invisíveis (vento) e da mente humana (lit.
dia. Isto pode, entretanto, ser evidência "declara ao homem qual é o seu pensamen-
de atos repetitivos que iam além da lei de to"). Ele é o Senhor de toda a mudança, que
Deus: sacrificios não apenas uma vez por faz da manhã trevas (isto é, traz o juízo que
ano (1Sm 1.3), mas uma vez ao dia; dízi- está implícito no v. 12, obscurecendo qual-
mos não a cada três anos (Dt 14.28), mas quer esperança humana) ou, uma tradução
a cada terceiro dia - pois se o ato é o que ainda mais provável, que "faz das trevas
importa, quanto mais melhor! (ii) Suas ba- manhã" (isto é, traz esperança para onde
ses eram a satisfação e exaltação próprias: parece não haver nenhuma). Além disso,
porque disso gostais, mesmo que violem a ele domina a terra (pisa os altos da terra) e
lei de Deus (v. Lv 2.11, em que oferecei sa- pode, portanto, fazer aquilo que lhe agrada,
crificio de louvores do que é levedado traz pois ele é o SENHOR, Deus dos Exércitos.
consigo aquilo que Deus proibiu). Mesmo Assim como Moisés (Dt 30.19,20), Amós
os atos de devoção pessoal (ofertas volun- coloca diante de seu povo a vida e a mor-
tárias) tinham como interesse a exaltação te: a escolha é deles, eles chegaram a uma
própria (apregoai [00'] publicai-as). A ver- hora de decisão. A ideia de "te encontrares
dadeira religião, porém, "tem de estar de com o teu Deus" (12) volta-se ao passa-
acordo com a vontade de Deus como seu do, para Êxodo 19.17, quando tanto graça
padrão inerrante" (Calvino, Institutes of como lei foram combinadas em uma úni-
the Christian Religion, SCM, 1961, p. 49) ca revelação. A porção que coube ao povo
(Mc 7.6). Fora dessa vontade revelada, a de Arnós caberá sempre ao povo de Deus,
religião não passa de mais uma forma de a de conviver com a opção que fizeram
rebeldia (4). (Dt 27.4-6). Isto foi o que Amós colocou
AMÓS5 1204
diante deles no v. 12. É como se ele disses- 4-13 O Senhor poderia ter lhes dado
se que eles podem escolher a personalida- vida, mas eles escolheram o caminho da
de com que Deus se apresentará a eles: o morte. A melhor opção está em restaurar o
arrependimento levará o Senhor da graça original "Pois" do início do v. 4. O grande
soberana a transformar as trevas em ma- desastre tem uma causa-raiz (1-3). O povo
nhã; a religião sem arrependimento os de Israel fora convidado a buscar ao Senhor
deixará expostos ao Soberano Senhor com e ter vida (4,6), fora advertido sobre o ca-
todo o terror de sua lei e o esmaecer da luz minho da morte (5,11), fora relembrado de
que se transformará na escuridão do juízo. que Deus pode dar luz, mas também escu-
ridão (8). Tiveram a oportunidade de esco-
5.1-27 Religião sem transformação lha e fizeram a escolha errada.
Esta passagem é construída em tomo de 4,5 O Senhor é amoroso em seus apelos
três apelos: (i) por transformação espiritual: e fiel em suas advertências. Ele se oferece
Buscai-me [...] buscai ao SENHOR (4-6); (ii) a si mesmo como remédio para o que eles
por transformação social e pessoal: Buscai precisam: buscai-me é um convite à apro-
o bem [...] estabelecei na porta o juízo ximação, ao relacionamento e à novidade
(14,15); (iii) por transformação religiosa: de vida. Por outro lado, Betel e Gilgal são
Antes, corra o juízo [...] Apresentastes-me, respeitadas por questão de tempo e tradi-
vós, sacriflcios e ofertas... ? (24,25). Mas ção (cf 4.4). Gilgal, a porta de entrada para
os apelos são emoldurados por afirmações a terra prometida (Js 4.20), provará ser o
de desastres (1-3; 26,27) e intercalados lugar do exílio; enquanto Betel, "a casa
com o diagnóstico de como as coisas estão de Deus" (Gn 28.17,19) será desfeita em
(7; 10-13; 16-20). A palavra portanto, no nada ("Áven", NVI mrg.), tão inútil quanto
v. 16, nos dá uma pista de como o capítulo um ídolo.
deve ser entendido: como pode um apelo 6,7 Amoroso em seus apelos, Deus tam-
(14,15) ter como consequência (portanto, bém é fiel em suas denúncias. Mais uma
v. 16) uma previsão de inconsolável tris- vez, ele mesmo é tudo o que o povo precisa
teza? Apenas se Amós estiver recordando (Buscai ao SENHOR e vivei), mas fora dele
apelos feitos e recusados! O capítulo, por- não há vida alguma. Betel pode até inspirar
tanto, é um registro de uma oportunidade tradição e respeito, mas isso é inútil contra
perdida e das severas consequências disso, ofogo (o símbolo da santidade energizada)
agora inevitáveis. Mais uma vez, não se que irromperá contra ajustiça pervertida e o
pode zombar de Deus. juízo humilhado. Sempre que essas duas pa-
1-3 O lamento de um funeral: a mor- lavras são usadas juntas (v. Is 5.16), "juízo"
te e sua causa. Embora a morte descrita se é uma palavra que sintetiza os princí-
encontre ainda no futuro (3) ela é tão certa pios inerentes à santidade de Deus, e
que o lamento fúnebre já pode ser compos- "justiça" é a aplicação prática desses prin-
to e cantado (2). 2 Caiu na morte, a jovem cípios na vida pessoal e social.
morta não tem o poder inerente de se re- 8,9 Seria melhor remover os parênte-
cuperar (nunca mais tornará a levantar-se) ses que aparecem na NVI. OS versículos
nem auxílio externo (estendida está [...] têm mesmo a intenção de ser abruptos.
não há quem a levante). 3 A causa imedia- Muito irritado, Amós muda o foco da
ta dessa impotência e desesperança diante atenção do povo responsável pela amarga
da morte é a derrota das forças militares, na transformação na terra (7) para o grande
qual o exército sofreu baixas de até 90%. Transformador. Por um lado, a perversão
Mas qual é a sua causa principal? O restan- humana não pode prevalecer contra Deus:
te do capítulo declara que é a isso que se Ele tem poder para fazer com que por meio
assemelha a morte causada pelo pecado. do fogo ameaçador (6) venha súbita des-
1205 AM6SS(
truição (9). Por outro lado, se eles atende- (2.7; 4.1): financeiramente pobre e social-
rem a seu apelo, buscai-me, como foram mente indefeso. Dele exigis tributo de trigo.
convidados a fazer, trocarão a morte pela Amós não especifica que poderoso interes-
vida prometida (6), pois ele pode facilmen- se está fazendo tudo isto. O proprietário
te tomar a densa treva em manhã (8). da terra que pisa o pobre, ao cobrar uma
Sete-estrelo e Órion eram marcado- exorbitância pelo arrendamento da terra, e
res das estações; o surgimento e o ocaso ainda arruma maneiras de fazer "cobran-
do Sete-estrelo marcavam a estação de ças" adicionais? O agiota? O Senhor não
navegação para os marinheiros e as es- está preocupado com "quem" cobra, mas
tações do ano nos calendários nômades. com quem paga - a vítima. Portanto indi-
Densa treva [...] manhã [...] dia [...] noite, ca que um agente celestial está em ação. O
as transformações periódicas de cada 24 Senhor governa seu mundo com princípios
horas. Muda (8) é o mesmo verbo utiliza- morais, de forma que aqueles que ganham
do no v. 7 ("converteis"): mas acaso essa de maneira injusta não desfrutarão de seus
conversão causa transformações? Quão ganhos perpetuamente. Há um princípio de
indizivelmente maiores são as transforma- frustração embutido na natureza das coisas
ções de Deus em comparação! Chama as (Is 5.8-10,14-17). Como mostra o esboço
águas do mar e as derrama: o Senhor não acima, esta é a verdade central da passa-
é limitado por suas próprias regras gerais, gem. Humanamente falando, o povo cons-
como a de segurar as águas em seu devido truiu casas de pedra para que durassem,
lugar (SI 104.8,9). Ele também pode tra- plantou para produzir (vides desejáveis),
zer transformações ocasionais, como fazer mas não será do jeito que planejaram.
com que as águas inundem a terra. Os go- 12 Transgressões [...] pecados: "re-
vernantes da época de Amós tinham ope- beliões" (contra Deus) "que deixam de
rado transformações (7) e silenciado toda atender" (suas exigências). Contravenções
a oposição (13), mas aquele que controla sociais constituem pecados espirituais;
as transformações sazonais, diárias e oca- consequentemente, uma simples transfor-
sionais é perfeitamente capaz de destruir mação nada mudará: tem de haver uma
as resistentes fortificações que o homem conversão a Deus. Justo: aquele que está
construíra contra qualquer tipo de ataque "com a razão" em um tribunal. Suborno:
(9). Que visão para uma época como a de o uso da riqueza para ganhar uma ação
Amós, quando a incredulidade é desenfrea- judicial. Rejeitais ("não dais ouvidos"):
da, os valores estão invertidos (7) e todos atitude de um juiz que se recusa a ouvir o
os comprometidos com Deus estão plena- caso levado a dele - particularmente não
mente conscientes de sua impotência (13)! dando oportunidade de defesa a pessoas
10-13 Uma declaração bem equilibrada: "desimportantes", aos necessitados (não é
a mesma palavra que aparece no v. 11), a
(a') v. 10 Ódio para com aqueles que falam pessoas de pouca influência que podem ser
a verdade facilmente ignoradas. 13 O "ódio" men-
(b') v. 11 Opressão ao pobre cionado no v. 10 (NVI) facilmente introduz
(c) v. 11 Julgamento por expropriação o reinado do terror no qual as pessoas não
(b') v. 12 Opressão aos necessitados (pala- têm liberdade de expressão.
vra diferente) 14-20 Transformação moral: enten-
(a') v. 13 Oposição silenciada dendoo Dia do Senhor. A ameaça nega-
tiva da expropriação (11) agora se toma
10 O justo juiz (que vos repreende) e a uma ameaça positiva da vinda do "dia" do
testemunha honesta (que fala sinceramen- pranto que não pode ser aliviado (16,17) e
te) são igualmente detestados. 11 Pobre de trevas (18). O "Dia do SENHOR" era, evi-
AMÓS5 1206
v. 12,13 dizem por que ele ordena; e o v. 7. 1-6 A devastação que não ocorrerá
14 explica como ele cumprirá sua ordem. A intercessão era parte do oficio proféti-
Grande [...] pequena: expressa a extensão co (Gn 20.7; Jr 7.16). Amós não intercede
pelo uso dos opostos, significando "qual- contra o juízo, mas contra a forma parti-
quer que seja a casa". cular que vê que este está tomando. (i) V.
12 As ilustrações falam do que é con- 1-3, uma praga de gafanhotos de tal modo
trário à natureza das coisas. Isso sintetiza sem precedentes que a sobrevivência está
a vida da nação: a justiça deveria curar fora de questão. (ii) V. 4-6, um fogo ca-
(Dt 19.16-20), e não se transformar em ve- paz de devorar até mesmo a terra e o mar.
neno para a sociedade, e (como poderíamos Amós apela contra a destruição total de
dizer) o falar em público sobre o fruto da Jacó, e seu apelo é ouvido. A repetição
justiça tinha se tomado uma ironia amar- da questão realça sua certeza (Gn 41.32);
ga (alosna). O juízo de Deus é provocado o contraste entre uma praga natural (ga-
pelo estado em que a sociedade se encon- fanhotos) e um fenômeno sobrenatural
tra, não apenas pelos pecados individuais. (jogo) abrange todo o tipo de praga. A
O fato de não se observar o cumprimento totalidade é expressa por contraste (v. in-
dos verdadeiros princípios (a justiça) e de trodução de 6.1-7). Entretanto, a destrui-
práticas saudáveis (o juízo) equivale a pro- ção total do povo de Deus é descartada. A
mover a ruína social e nacional. O "SENHOR esperança se estabelece.
é justo, ele ama a justiça" (SI 11.7). 13 Lo- I Eis que ele formava: a mão de Deus
Debar e Carnaim, locais da Transjordânia estava diretamente por trás do aconteci-
(Gn 14.5; 2Sm 9.4), podem ter sido o ce- mento. Findas as ceifas do rei: presumi-
nário das vitórias de Jeroboão, quando velmente um imposto real. A ervaserô-
este restabeleceu o território de Israel às dia ("segunda safra", NVI) era aquela com
mesmas extensões do tempo de Salomão a qual o agricultor contaria. Sem ela, a
(2Rs 14.25). Entretanto, a glória de Israel escassez seria certa. 3 Se arrependeu pode
não durará, pois, segundo o v. 14, essas significar que Deus "tenha mudado de
mesmas fronteiras marcarão a extensão ideia", mas será que um "Deus soberano"
do sucesso do inimigo, desde a entrada de pode mudar de opinião? De acordo com
Hamate, no longínquo norte, até o vale do lSamuel 15.29, ele "não mente, nem se
ribeiro da Arabá, próximo ao mar Morto. arrepende [muda de opinião]", mas Segun-
O Senhor é inimigo das orgulhosas jactân- do lSamuel15.35 "o SENHOR se arrependeu
cias das proezas militares: ele tem o seu de haver constituído Saul rei sobre Israel".
próprio agente. O v. 29 declara a verdade "absoluta" sobre
Deus; o v. 35 indica que sua vontade inal-
7.1-9.15 O Senhor Deus: terável de fato tem levado em conta toda
Juízo e esperança a diversidade de experiências e reações
O juízo que não virá (7.1-6) e a esperança humanas. Consequentemente, nos parece
que há de vir (9.11-15) marcam o início e que Deus muda de ideia e seria isso que
o fim dessa seção final de Amós. Dentro a Bíblia chama de seu "arrependimento":
desse intervalo, sobrevirá um juízo de pro- a vontade de Deus, embora inflexível, não
porções temíveis (8.1-9.6), mas será um é insensível, mas leva em amorosa con-
juízo criterioso (7.8,9; 9.7-10), não uma sideração nossa fraqueza e insensatez na
destruição total. O título "SENHOR Deus", maneira perfeita e soberana como ordena o
que é usado 12 vezes nos cp. 1-6, ocorre mundo que criou. 4 Consumiu [...] devora-
11 vezes nos cp. 7-9. O Senhor nunca é va: o mesmo verbo é usado duas vezes (lit.
tão gloriosamente soberano como quando "devorou [...] começou a devorar"). Tal
cumpre suas graciosas promessas. fogo inevitavelmente aponta palia o aspecto
AMÓS7 1210
•
julgador da santidade divina. Somente o em meio a um povo professo, um grupo de
fogo de Deus poderia "devorar" toda a sua crentes no seio de uma sociedade formal,
criação (2Pe 3.10-12). uma Igreja dentro da igreja. A linha de
prumo os poupará (cf 9.8-10), mas devas-
7.7-9 O juízo discriminador tará os altos [...] os santuários, locais que
Em relação à terceira visão descrita nesse celebravam o engano, e destruirá também
capítulo, Amós não faz nenhum tipo de a casa de Jeroboão, que fazia "o que era
oração. O Senhor vem como um mestre de mau perante o SENHOR [...], que fez pecar a
obras para inspecionar o muro construído. Israel" (2Rs 14.24). Os altos eram centros
O hebraico não diz que o muro foi levanta- de uma falsa religião (Baal), construídos
do a prumo (7), mas simplesmente que ele pelas mãos dos homens, onde o Senhor era
foi levantado com "uma linha de prumo". adorado com os ritos a Baal, como se ele
Ou seja, os padrões aplicados no final fo- fosse um deus do povo cananeu. Isaque
ram os mesmos desde o princípio. O povo é usado somente aqui como um sinôni-
de Deus foi "construído" de acordo com a mo de Israel. Ele estava ligado a Berseba
dupla especificação da lei e da graça: como (Gn 26.33; 28.10). Talvez, na época de
seus redimidos, eles devem obedecer à sua Amós, tenham tentado tomar legítimos os
lei (Êx 20.2ss.), mas igualmente como rituais em Berseba (5.5), apelando à bên-
seus redimidos, eles estão sob "o sangue ção de Isaque.
da aliança" (Êx 24.8) e receberam todo o
código sacrificial para que, mesmo falhan- 7.10-17 A palavra da qual
do na tarefa da obediência, ainda assim não se pode escapar
possam viver na presença do Santíssimo. A essência desta seção é que Amazias, o
É a manutenção do equilíbrio entre a lei sacerdote pretendia livrar a terra da men-
e a graça (cf 5.25) que constitui a verda- sagem de Amós (12), mas nem ele nem
deira vida do povo de Deus e os distingue, a terra puderam escapar dela (17): Tu
por um lado, dos legalistas (aqueles para dizes: "Não profetizarás [...] Portanto, as-
quem a lei é tudo) e, por outro, dos ritua- sim diz o SENHOR" (16,17). Não há como
listas (aqueles para quem o sacrifício é escapar da palavra de Deus. A sequência
tudo). É por isso que aqui Amós não faz da passagem (10-12) sugere que Amazias
nenhum tipo de apelo: as linhas de prumo, não conseguiu persuadir Jeroboão a agir
os padrões gêmeos da lei e da graça, são a e portanto tomou a tarefa para si mesmo.
própria essência do povo redimido, e eles Como sacerdote de Betel ele era um ho-
só podem escapar desse teste se deixarem mem importante, e não deve ter sido fácil
de ser aquilo que são. para Amós desafiar sua autoridade, mas
8 "Poupá-lo" (NVI; passarei, na ARA): ele o fez, reiterando o seu chamado, isto
na noite de Páscoa eles se protegeram é, asseverando a autoridade do Senhor em
sob o sangue (Êx 12.7), comendo cordei- oposição à autoridade humana que o desa-
ro, vestidos com roupas de peregrinação fia (v. At 5.29). 10 Bete! tinha figurado de
(Êx 12.11) - vivos pela graça, vivos para maneira muito desfavorável na pregação
trilharem os caminhos do Senhor. Mas o de Amós (4.4; 5.5). Não é de admirar que
povo de Amós não está em conformidade Amazias estivesse furioso! Conspirado:
com o duplo padrão de sua constituição e as autoridades costumam usar a "ameaça
não pode receber as "bênçãos da Páscoa". à segurança nacional" para fazer as coisas
9 O Senhor continua a especificar o que do seu jeito! Amós teve de suportar o risco
será destruído em seu juízo, pois o juízo de ser mal-interpretado. A terra: aqui te-
que utiliza uma linha de prumo é discri- mos uma visão do tipo de influência que
minador. Há sempre um povo verdadeiro Amós estava enfrentando.
1211 AMÓSS'"
11
11
12 Vidente não é sarcástico ou pejora- Amazias era um caso de religião sem arre-
tivo (Is 29.10), mas o conselho para que pendimento diante da palavra de Deus.
fosse e ganhasse a vida em Judá sugere
que Amós estava no ofício pelo dinheiro 8.1-14 "Naquele dia"
- e que uma palavra contra Israel em Judá Essa é a seção central do terceiro ciclo de
seria muito bem paga. 14 (v. "Profecia", profecias (v. Esboço). A seção consiste em
Introdução). A ARe usa de maneira corre- uma visão simbólica inicial (1,2) desen-
ta o tempo verbal no pretérito imperfeito, volvida por quatro mensagens que come-
como uma perfeita refutação da acusação çam por: Naquele dia (3,9,13) e: Eis que
de que ele profetizava para ganhar a vida. vêm dias (11).
Quanto a isso, Amós possuía uma condi- 1,2 Fruto maduro: o fim. Assim como
ção confortável, resultante de boa renda chega o dia da colheita de uma plantação,
oriunda de seus rebanhos e plantações. em consequência de seu próprio cresci-
Para ele (i) essa não era uma questão de ca- mento, assim o juízo divino coincide com
pacidade ou inclinação pessoal (eu não era o momento propício para que o povo seja
profeta); (ii) nem de se deixar contaminar julgado. 2 Chegou o fim: Amós diz ter vis-
pela atratividade exercida pela figura pro- to frutos de verão (maduros, heb. qayits),
fética. Discípulo de profeta (cf 2Rs 2.3,5; e o Senhor lhe responde que "o fim" (heb.
6.1ss.; 9.1ss.): "escolas" de "discípulos de qets) chegou.
profetas" eram destinadas à preparação de 3-8 A primeira mensagem. O fim é
profetas, para o recebimento de instrução explicado. 3 A religião deles não os sal-
e para compartilhar seu ofício, mas não no vará: seus cânticos se tomarão parte dos
caso de Amós. (iii) Não fora uma escolha "uivos". Em poucas linhas incisivas, Amós
sua se tomar profeta: ele estava estabele- consegue descrever de forma nítida os
cido como pastor e agricultor. 15 (iv) Essa horrores do dia do fim: multiplicar-se-ão
foi uma escolha divina (O SENHOR me ti- os cadáveres; em todos os lugares, serão
rou), e isto (v) o levou a um relacionamen- lançados fora. Silêncio! Mas por que essas
to com Deus (e o SENHOR me disse), (vi) coisas horríveis acontecem? 4 A causa ge-
por meio do qual ele foi comissionado para ral é então declarada: a opressão dos neces-
profetizar a Israel. sitados e desamparados. Para necessitados,
Todos os profetas que deixaram um cf 2.6b; para miseráveis (pobres), cf 2.7c.
relato sobre seus próprios chamados con- Tendes gana ("tendes voracidade"): sugere
cordam com Amós quanto aos funda- intenção de cobiça. 5,6 Os detalhes do v. 4
mentos da iniciativa divina (Is 6.1; Jr 1.5; são explicados: o triunfo dos benefícios fi-
Ez 1): relacionamento (Is 6.6-8; Jr 1.6-16; nanceiros (i) sobre a devoção religiosa (5);
Ez 2.1,2) e comissão (Is 6.9; Jr 1.5b,10,17- seu apego a formalidades (4.4) faz com
19; Ez 2.3ss.). 16,17 Amós não era um que observem a Festa da Lua Nova, a festa
simples pregador, como sugeria Amazias. do começo do mês (Nm 28.11) e o Sábado,
Sua palavra era a palavra do Senhor (v. embora seu coração só esteja interessado
"Profecia", Introdução, e comentário de em acumular dinheiro; (ii) sobre práticas
1.1) e não poderia ser rejeitada. Quando comerciais honestas, (5) pois vendem me-
isso ocorre, a palavra que poderia ter resga- nos (diminuindo o efa), por um preço maior
tado se toma uma palavra de juízo (17). No (aumentando o sido), procedendo dolosa-
caso de Amazias, o juízo trouxe sofrimento mente com pesos e medidas; (iii) sobre a
e degradação (tua mulher se prostituirá), compaixão humana - talvez a expressão
perdas por mortes muito amargas (cairão por dinheiro (6) diga respeito a um em-
à espada) e perdas pessoais - um sacer- préstimo feito aos pobres (como em 2.7a)
dote (10) morrerá em uma terra imunda. e sandálias, a uma compra feita a crédito,
}AMÓS9 1212
enquanto o comerciante tinha em mente cá, de mar a mar, do mar Morto no sul ao
tomar o pobre como escravo, por falta de Mediterrâneo no Ocidente, do Norte até o
pagamento (2Rs 4.1). Refugo: a venda de Oriente, e depois voltando ao ponto de par-
mercadorias sem valor, que tinham sido tida. E não a acharão; primeiro, porque a
descartadas. 7,8 O efeito dessa reverência ignoraram por muito tempo; segundo, por-
às "forças de mercado" será corrupção e que os israelitas do norte irão a qualquer
desastre de âmbito nacional, simbolizados lugar, exceto de volta a Jerusalém, onde o
por um terrível terremoto, que trará uma Senhor ainda habita (1.2). A manifestação
destruição tão abrangente como aquelas do orgulho sobrevive às situações mais
sofridas pelas inundações provocadas pe- desesperadoras!
las cheias do rio Nilo (8). 7 Glória: usada 13,14 A quarta mensagem. A queda
de modo sarcástico. Um juramento requer final. A esperança de futuro, os jovens,
uma base imutável na qual se apoie. Nada é mantida refém dos pecados do passa-
é mais estável do que o orgulho nacional! do. Quando o povo não crê na palavra de
O Senhor não se esquecerá da terra que Deus, acreditará em qualquer coisa, e os
permite que as forças econômicas sejam a cultos atrairão os jovens, tomando-os pe-
última palavra. las mãos a fim de prendê-los pelo pescoço,
9,10 A segunda mensagem. Envol- até que cairão e não se levantarão jamais.
vente escuridão, amarga aflição. Em 14 Ídolo: 2Reis 17.30 registra a adoração
termos factuais, essa escuridão tem sido a Asima, cujo nome significa "culpa"; o
associada a um eclipse solar combinado duplo sentido não foi perdido em Amós:
com um terremoto, registrado no mês de os que juram pelo ídolo repleto de culpa
junho de 763 a.c., mas isso é secundá- de Samaria. Pois "culpa" é algo que os ri-
rio em relação ao significado pretendido: tuais não podem resolver: nada, exceto o
a escuridão já esteve presente no juízo derramamento do sangue propiciado por
sobre o Egito (Êx 1O.2Iss.), mas ago- Deus, pode fazê-lo, tanto no AT como no
ra é uma evidência da ira do Senhor em NT. Culto de Berseba ("o caminho de [ou
relação à rebeldia de seu próprio povo. para] Berseba", ARe): talvez se atribuísse
Certa vez foi o Egito quem lamentou por algum mérito espiritual a quem fizesse a
seus primogênitos (Êx 12.30), mas agora jornada até Berseba.
é Israel quem lamenta com semelhante
amargura (lO). Pano de saco implica um 9. 1-6 O juízo do qual não
lamento direcionado a Deus. Mas chega se pode escapar
um momento em que é tarde demais, mes- (V Esboço). O próprio Senhor supervisio-
mo para a penitência. nava a destruição dos lugares sagrados: de
11,12 A terceira mensagem. Fome cima a baixo, todos eles (l). Não haverá
espiritual. O dia da ira revela a nossa for- escapatória (l) nos domínios espirituais
ça (ou fraqueza) interior. Uma vida que se (2), no mundo fisico (3) e por toda a ter-
nutre exclusivamente das delícias deste ra (4). Esse controle cósmico pertence ao
mundo fica logo faminta quando estas se Senhor (5,6): ele é capaz de cumprir as
esgotam. Então vem a fome por uma pala- suas ameaças. 2 Ao mais profundo abismo
vra de autoridade. Mas a justa recompensa ("ao sheoT'): o nome do lugar onde ficam
do Senhor é severa: a palavra negligencia- os mortos. 3 A serpente era um mons-
da se toma a palavra ausente. Assim como tro marinho mitológico do paganismo da
não se pôde encontrar o lugar da penitên- época que aparece em grande oposição ao
cia (lO), o lugar da palavra (l2) tampouco Deus Criador e seu propósito de um mun-
pode ser encontrado. Sem a palavra revela- do estável. Amós faz uso disso de duas
da, a humanidade perambula para lá e para maneiras: (i) De modo imaginário: assim
1215 AMÓS9{
tabernáculo de Davi, como se isso já tives- haverá paz (Is 9.7), não guerra! Levando-
se acontecido. Ou, uma vez que caído pode se em conta que a metáfora utilizada para
ser traduzido por algo que "está caindo" ou o Messias é ligada à realeza, é natural que
"está prestes a cair", ele pode ter em men- ele faça coisas típicas de um rei e expan-
te a deterioração que prevê em Judá e seu da seu reino pela força de seus exércitos
completo colapso. De qualquer forma, é (Is 11; 14 etc.). Entretanto, isso é uma lin-
uma visão de cumprimento messiânico. guagem metafórica: são as verdades subli-
As glórias originariamente pretendidas se mes sobre seu Deus que constituem a es-
tomarão realidade (como fora nos dia da pada de dois gumes que o povo do Senhor
antiguidade; cf Is 1.26,27) e o prometido carrega e com a qual conquista as nações
império mundial de Davi (SI 2.7,8; 72.8- (81149.6-8).
11; 110.5-7; Is 9.7; 11.4-10) virá a existir. 13 Promessas relacionadas à criação.
12 Edom fora acusado (1.11) de ini- Amós imagina uma economia agrícola
mizade ininterrupta, e isso está de acordo tão próspera que enquanto a safra de um
com o registro bíblico do relacionamento ano ainda está sendo colhida, o lavrador já
entre Edom e o povo de Deus, de Gênesis lavra a terra para a plantação do ano se-
27.41 e Números 20.14 em diante. Isso, por guinte; enquanto os grãos de uma colhei-
sua vez, leva ao uso de "Edom" como um ta estão sendo separados, as sementes da
símbolo de inimizade mundial ao Senhor e plantação seguinte já estão à espera para
a seu povo no fim da história. Além disso, serem lançadas no solo. O segredo para se
Davi foi o único rei a conquistar e subju- entender essa descrição é o seguinte: quan-
gar Edom (2Sm 8.14) e, em função disso, do o homem pecou houve consequências
"Edom" veio a simbolizar a derrota de to- trágicas sobre a criação do mundo físico.
dos os inimigos com a vinda do messiâ- Em vez de um jardim do Éden que trans-
nico "Davi" e o seu domínio sobre todo o borda abundância sobre o homem e sua
mundo (Is 34; 63.1-6; Ez 35 etc.). Amós mulher, agora somente com muita dificul-
também destaca Edom para afirmar que a dade, sob pressão e por meio de trabalho
vinda do governo davídico porá fim a to- árduo o homem consegue extrair da terra a
dos os inimigos e dará início a uma nova sua sobrevivência (Gn 3.17-19). A recom-
unidade na terra. pensa pelo trabalho e a abundância natural
Que são chamadas pelo meu nome: do dia do Messias, portanto, indicam que
"sobre as quais meu nome é proclamado". a maldição terminou e se foi. Adão era um
As palavras sugerem tanto o domínio real rei no Éden (Gn 1.28), herdeiro e monarca
(2Sm 12.28) quanto a unidade no casa- da abundância implícita na permissão para
mento (Is 4.1). Certamente o Rei que virá comer os frutos de toda a árvore do jardim,
afirmará seu governo soberano e os outrora com exceção de uma (Gn 2.16,17). Mas
gentios o reconhecerão, mas depois disso quando o pecado veio, toda essa liberali-
a sua posição já não será a de cidadãos dade se transformou em uma porção min-
de segunda classe e seu papel não será de guada e suada. Entretanto, quando o legí-
subserviência: eles se tomarão parte da timo rei retomar ao Éden (Is 11.6-9), todas
"noiva" de Cristo. Acertadamente, Tiago as energias, represadas quando o pecado
(At 15.15) vê essa profecia como algo que abundava e a morte reinava, irromperão
se cumpriu em termos evangelísticos e em florescência sem fim, e a própria cria-
missionários, em que a expansão do evan- ção se apressará em depositar seu tributo
gelho do nosso Senhor Jesus Cristo traz aos pés daquele a quem pertence o direito
para o reino os gentios outrora afastados, de domínio.
uma vez que, no contexto do AT, o reina- 14,15 Promessas pessoais. "Trarei
do do Messias estenderá seu domínio e de volta Israel, meu povo exilado" (NVI):
AMÓS9 1216
uma tradução possível, mas que sugere que é um símbolo da frustração e da falta de
a profecia é de um retomo da Babilônia. realização que o pecado traz para a vida
Para evitar isso, deveríamos traduzir a fra- (Dt 28.30; Sf 1.13). (iii) Segurança eterna:
se por: "trarei de volta Israel, meu povo, as palavras finais de Amós colocam um
do cativeiro" (com o mesmo sentido do selo divino nas promessas: diz o SENHOR,
salmo 126, em que tudo aquilo que pren- teu Deus. O SENHOR: o Deus do exôdo cuja
de, limita e oprime o povo de Deus é re- natureza imutável (Êx 3.15) é a de salvar
movido). Entretanto, mudarei a sorte do o seu povo. Teu: singular, estendendo-se
meu povo de Israel é igualmente possível e ao povo do Senhor como um todo e a cada
mais adequado a essa passagem em Amós. um de seus membros individualmente.
O Senhor reunirá o seu povo (Me 13.27; Não significa o Deus que adotaram "por
Ap 14.14-16) e, assim como a metáfora sua escolha", mas sim "aquele que vos
real fora ampliada para retratar o reino escolheu" (Dt 7.7,8; Ez 20.5ss.; Jo 15.16;
expandido em termos militares, também Ef 1.4,11). Diz: lit. "disse" (no passado).
a reunião do povo é vista aqui em termos Todas as promessas messiânicas - do le-
territoriais de reocupação e de recons- gítimo rei, da nova criação e do povo redi-
trução em uma imagem de três faces: (i) mido - são colocadas sob o mesmo manto
Recuperação: tudo aquilo que foi perdido, de certezas: "Sobre essas coisas o Senhor,
aruinado no passado será recuperado e res- teu Deus, já tomou a sua decisão".
taurado - nenhum resquício dos danos
resultantes do pecado será deixado. (ii)
Prazer e realização: plantar mas não comer 1. A. Motyer
OBADIAS
INTRODUÇÃO
Lugares e pessoas durara mais de quarenta anos, até o final
A geografia e a história desempenham um daquele século (2Rs 8.20-22; 2Cr 21.8-
papel importante nessa profecia, com evi- 10). (Veja mapa na página 949).
dentes hostilidades muito aguçadas entre Logo no início do século seguinte,
Israel e Edom, seu vizinho a sudoeste. O Amazias, rei de Judá, reconquistou Edom
rancor entre essas nações tinha raízes pro- com um enorme derramamento de sangue
fundas. Esaú, filho mais velho de Isaque e (2Rs 14.7; 2Cr 25.11,12), invadindo seu
neto de Abraão, viu-se enganado por Jacó, território até chegar à capital, Sela. Uma
seu irmão mais novo, perdendo os privi- inversão de poderes ocorreu no final desse
légios decorrentes de sua primogenitura século, quando Edom atacou Judá duran-
(Gn 25.27-34; 27.1-29, cf v. 41), embo- te o reinado de Acaz (2Cr 28.17), fazendo
ra, de acordo com o autor de Hebreus, prisioneiros de guerra e libertando-se per-
o próprio Esaú é quem estava errado manentemente do domínio de Judá.
(Hb 12.16). Sem querer isentar Jacó, o Edom se tomou um vassalo da Assíria
episódio nos mostra que até mesmo um e, mais tarde, caiu sob o domínio babilôni-
pecador pode ainda receber as bênçãos de co, embora de tempos em tempos empreen-
Deus (cf Hb 11.9, 21). Durante a vida, desse levantes consideráveis (Jr 27). Fontes
os dois irmãos receberam outros nomes: bíblicas e extrabíblicas dizem pouco a res-
Esaú também ficou conhecido como peito das atividades de Edom na época da
"Edom" (Gn 36.1,9) e Jacó como "Israel" destruição de Jerusalém pela Babilônia,
(Gn 32.22-32). Esses nomes foram ado- em 587 a.c., mas 1Esdras 4.45' coloca so-
tados pelas nações das quais os dois ho- bre os ombros de Edom a culpa pelo incên-
mens eram ancestrais. A animosidade que dio que destruiu o templo. Esse fato não
principiara entre os dois irmãos continuou é confirmado em nenhum outro lugar (cf
vigendo entre as duas nações também. Lm 4.21,22).
Depois do êxodo do Egito, os edomitas No século VI a.C., o próprio Edom esta-
não permitiram que o povo de Israel pas- va em declínio, como é revelado por fontes
sasse por seu território na Transjordânia. arqueológicas. As cidades foram abando-
(Nm 20.14-21; Jz 11.17,18). Sua própria nadas, e a população havia se mudado (cf
subjugação fora profetizada por Balaão 1 Macabeus 5.65). Os árabes assumiram o
(Nm 24.18). O rei Saullutou contra Edom controle dessa área entre os séculos VI e IV
(1Sm 14.47), e Davi subjugou seu território a.C. (cf Ne 2.19; 4.7; 6.1). Os nabateus,
(2Sm 8.13,14, mas v. NRSV e NVI mg.; lRs em particular, desalojaram os edomitas,
11.15,16). Salomão teve controle sobre forçando alguns deles ao sul de Judá, re-
Edom (IRs 9.26-28), embora sem a apro- gião que ficou conhecida por seu nome
vação deste (11.14-22). Durante o reinado grego Idumeia (lMacabeus 4.29), baseado
de Josafá (século IX a.C.), Edom, em uma no nome hebraico "Edom".
aliança militar, atacou Judá (2Cr 20.1,2).
Os edomitas se rebelaram contra Jeorão,
libertando-se do jugo dos israelitas que I N.R.: Livro apócrifo.
üBADIAS 1218
ESBOÇO
1 a Introdução
1b-15 Edom - O protótipo dos inimigos de Deus
1b-9 A destruição iminente
10-15 Os crimes de Edom
Em vez do esperado oráculo de Javé do, pois foi enganado por seu coração da
seguir a fórmula usual, informações adi- mesma maneira como Eva fora enganada
cionais são acrescentadas. Estas dizem e julgada no jardim do Éden (Gn 3.13).
respeito ou a uma mensagem anterior Rochas pode ser lido como "Sela" (v. NVI
sobre Edom, a qual também é apropriada mg.), a capital de Edom (v. Introdução).
para a presente situação, ou a uma outra Orgulhoso, Edom jactava-se de sua
mensagem que está sendo dada paralela- própria segurança, considerando-se tão
mente ao oráculo de Obadias, com a dife- invulnerável quanto a águia planando nas
rença de que este se dirige às nações. A alturas, ou as estrelas no longínquo firma-
primeira sugestão é sustentada por nume- mento. Os edomitas tinham se esquecido
rosas semelhanças no conteúdo, senão na de que havia outras coisas a temer além
ordem estrutural entre esses versículos e dos ataques militares de forças terrestres.
uma outra mensagem a respeito de Edom, Eles seriam confrontados e finalmente der-
em Jeremias 49.7-16. Obadias poderia rotados pelo próprio Deus, o criador tanto
estar se referindo a essa mensagem de do céu quanto da terra, contra o qual ne-
Jeremias, da qual tinha conhecimento por nhuma fortaleza jamais prevaleceu. Ele os
tê-la ouvido pessoalmente em Jerusalém, derrubará de suas alturas, e os edomitas
quando fora pregada, ou por ter ouvido podem ter certeza disso, pois é o próprio
falar dela. Entretanto, isso não pode ser Javé que o está dizendo.
provado em virtude da grande dificuldade A arrogância era um pecado tanto do
de se datar de forma precisa o ministério povo de Deus como de Edom. Em sua al-
de Obadias, impossibilitando dessa forma tivez nascida de sua "segurança" nos mon-
o estabelecimento de datas relativas dos tes, os edomitas tinham se esquecido de
dois profetas. sua vulnerabilidade diante dos olhos pers-
A mensagem diz respeito a um mensa- crutadores de Deus. A igreja também deve
geiro que fora enviado por Javé para ins- estar sempre ciente não só de um mundo
truir todos os povos circundantes a se unir que a despreza e cujos olhos estão constan-
na batalha contra Edom. Como veremos, temente a espreitá-la, mas também de que
Israel, Javé e as nações vizinhas tomaram nem seus mais secretos vícios e desenten-
parte na derrota de Edom. dimentos podem ficar ocultos de Deus.
2-4 Os perigos da arrogância. Agora Edom aprendeu uma lição que todos
tem início o oráculo de Javé. Embora o nós precisamos ter sempre em mente, tan-
oráculo se dirija a Edom como tu, é pouco to como indivíduos quanto como nação.
provável que os edomitas tenham sido con- Tanto para nós quanto para o Reino de
frontados pelo profeta de Javé. Em muitas Deus é muito mais proveitoso ajudarmos
das profecias contra as nações, o profeta alguém que se encontra em dificuldade
estava falando para o povo de Deus, a fim do que o criticarmos ou zombarmos de
de encorajá-los, pois seus inimigos seriam sua fraqueza. Esse desdém é contrário ao
derrotados, ou de exortá-los, pois eles mes- desejo de Deus de que cuidemos dos opri-
mos poderiam esperar o mesmo destino se midos. Também é contrário ao bom senso,
não seguissem verdadeiramente o Senhor uma vez que aqueles que estão humilhados
da aliança. ainda podem vir a se levantar e ter a última
Edom, que nutre um orgulho especial palavra, como fez Judá, que triunfou sob a
por sua posição geográfica quase que inex- direção de seu Deus.
pugnável em meio às cadeias rochosas da 5-6 Comportamento enganoso. O
Transjordânia, será destruído. Ainda que o autor traz seus ouvintes de volta para sua
povo edomita se gabe com o seu coração experiência diária, depois da imagem es-
orgulhoso, ele será diminuído e despreza- boçada nos últimos versículos. Eles estão
1221
•
üBADIAS 1 - : .
parte do segundo grupo, mas descobriu que 18 Edom, identificado como a casa
na verdade fazia parte do primeiro, em vir- de Esaú, tinha decidido destruir Israel ou,
tude da sua rebelião e da violação da alian- no mínimo, tirar proveito de sua desgraça
ça (111.15; 3.14; Am 5.18-24). Estará entre (10-14). Edom será destruído pelo fogo da
as nações que serão punidas (Dt 32.35,36; ira de Deus (cf SI 18.8; Am 5.6) por meio
Zc 14.1-3), aqui exemplificadas por Edom. de seu povo, identificado como a casa de
Edom será punido segundo seus próprios Jacó (quer seja toda a nação de Israel [cf SI
crimes, um exemplo da regra do "olho por 22.23] ou somente Judá, ao sul) e como a
olho" ou, mais tecnicamente, da lex talio- casa de José (a coalizão das dez tribos; cf
nis (cf Lv 24.19; Jr 50.15,29). Ajustiça de lRs 11.28; Am 5.6). Assim, toda a nação
Deus está sendo cumprida ao não deixar o das 12 tribos finalmente será restaurada,
culpado sem punição. em detrimento daqueles que a persegui-
ram (cf Ez 37.15-28). Da nação que traiu
os refugiados de Israel (14; cf v. 17) nin-
15-21 Israel e as nações -
Juízo e livramento guém mais restará (cf Lm 2.22). Enquanto
os poucos que restaram do povo de Israel
15-18 Israel subjuga os seus (o remanescente) ressurgirão como nação,
próprios opressores para Edom a destruição será total.
15-16 Edom, ainda tratado na segunda A certeza dessas palavras é mostrada
pessoa do singular (cf v. 7), é o principal pelo fato de ter sido o SENHOR que o falou.
exemplo de todas as nações que também
serão julgadas. Em vez de se alegrar pela 19-21 A restauração de Israel
queda de Israel com festas e bebedeiras Os três versículos seguintes foram escritos
em Jerusalém, o santo monte de Deus, eles em forma de prosa, e não de poesia, como
agora beberão inteiramente do cálice da os oráculos antecedentes. Com base nessa
ira de Deus (cf Is 51.17; Jr 25; Hb 2.15,16; mudança de estilo, alguns sugeriram que
Me 14.36). Sua completa ruína os deixará esses versículos foram acrescentados mais
como se nunca tivessem sido. tarde por outra pessoa. O argumento a fa-
17 Mas, em contraste não somente com vor dessa posição, entretanto, não é muito
Edom (1-15), mas também com as nações convincente, uma vez que todos os auto-
(16), no monte Sião, "o santo monte" de res, tanto os antigos quanto os contempo-
Deus (16), haverá livramento em vez de râneos, são capazes de escrever em mais
refugiados (14). (Temos aí um trocadilho, de um estilo. A alternância entre formas
uma vez que a raiz, no hebraico, é a mes- literárias não é prova de autoria múltipla.
ma para ambas as palavras.) A sublime O hebraico nesse trecho é obscuro em di-
graça de Deus para com seu povo é de- versos pontos, mas é possível discernir a
monstrada pela restauração final das her- mensagem geral.
dades da aliança, a terra prometida, uma 19 Esse versículo e o seguinte dizem
promessa que fora deixada em suspenso respeito à ocupação da terra. Agora, os
em virtude do seu pecado (cf Dt 30). Essa da casa de Jacó possuirão suas herdades
cláusula de livramento, a própria palavra (17). Neguebe, o deserto ao sul de Berseba,
de Deus, é citada em Joel 2.32, o que su- é o local do povo que parece estar desa-
gere que Obadias precedeu a Joel. Aqui, possando os edomitas. Isso pode ter feito
dois aspectos da aliança davídica - a com que alguns dos que lá residiam se
presença de Deus em seu monte sagrado mudassem para a terra dos edomitas, na
e a presença do povo na figura de um re- Transjordânia (o monte de Esaú), mas
manescente fiel na terra prometida - são temos pouquíssimas evidências disso. É
restabelecidos. muito mais provável que esse versículo se
1223 üBADIAS 1
refira a uma volta do povo de Israel para a de Sargão 11, rei da Assíria (final do século
área de Judá, usurpada por Edom quando VIII a.C.) ajusta-se bem à situação históri-
este perdeu seu território para os nabateus, ca do exílio. É provável que o outro grupo
entre os séculos VI e IV a.c. (V. Introdução). de cativos pertença a Israel, o Reino do
A planície ou as terras baixas (shefelá, Norte, que caiu em mãos assírias em 722
NRSV), localizadas entre a costa e as terras a.c. A NRSV sugere "Halah" em lugar de
altas, são identificadas por seus habitantes exército, uma mudança no hebraico que
mais famosos, os filisteus, que também envolve a mudança de posição de apenas
perderiam a sua terra. Israel, por meio uma letra. Esse local na Assíria era o lar de
dos macabeus, teve o controle dessa área alguns dos exilados do Reino do Norte (cf
(lMacabeus 10.84-89; 11.60-62), e tam- 2Rs17.6; 18.11; 1Cr 5.26). Eles voltarão
bém o controle de Samaria, a antiga capital a seu território originário e irão além, até
de Israel, o Reino do Norte (cf 1Rs 16.24; Sefarade, uma cidade litorânea ao norte de
21.1), sob liderança de João Hircano em Israel, entre Tiro e Sidom (cf 1Rs 17.9).
106 a.C. (Ant. 13.5.2-3). A área ao redor de No Dia do Senhor, toda a nação de Israel,
Samaria (conhecida pelo nome da princi- de norte a sul, será restaurada, até mesmo
pal das tribos do Norte, Efraim) foi contro- ultrapassando o território ocupado durante
lada por Judá já em 153 a.C. (lMacabeus a monarquia.
10.38). Mais obscura é a referência ao fato 21 Salvadores: aqueles que trazem
de Benjamim, uma pequena tribo do sul, a salvação (Ne 9.27), virão a Jerusalém
possuir Gileade, diretamente localizada ao (monte Sião), de onde eles julgarão o ou-
leste, na Transjordânia. Essa área também tro monte dessa profecia, o de Esaú (isto
caiu em mãos dos macabeus, em 164 a.C. é, Edom). Isso será uma indicação para
(lMacabeus 5.9-54). o mundo de quem é o verdadeiro rei uni-
20 É difícil entender esse versículo, versal: não há outro a não ser o SENHOR,
pois aqui o hebraico é de difícil compreen- Javé, que é o "Rei dos Reis e SENHOR dos
são. No entanto, o paralelismo entre as Senhores", aquele que reinou, reina, e "rei-
duas metades dos versículos pode nos aju- nará pelos séculos dos séculos" (Ap 11.15;
dar. Parece envolver dois grupos de exila- cf SI 22.28; 47.7-9).
dos ou cativos israelitas. O segundo grupo, A importância e autoridade de Deus
os cativos de Jerusalém, são aqueles que são demonstradas pelo fato de seu nome
foram levados para a Babilônia em 587 ser usado para abrir e fechar o livro (l ,21)
a.C. Na época do profeta, eles estão em e por ele ser, de fato, soberano não apenas
Sefarade, mas retomarão para retomar as sobre Edom e Israel, mas sobre todas as
cidades do sul. O local de seu exílio não é nações da terra.
claro, com sugestões que vão da Espanha
até a Ásia Menor. Um local da Média,
Saparda, mencionado em uma inscrição David W. Baker
JONAS
INTRODUÇÃO
o livro de Jonas é a história de um profeta Deus, a fim de incluir entre os fiéis tanto
a quem indignava o fato de que Deus ama gentios quanto israelitas. E, mais espe-
e se importa com pessoas más. O livro não cificamente, é uma versão incipiente do
ensina que Deus ama um povo mau somen- ensinamento radical de Jesus de que seus
te por este povo ser mau, mas sim por ele seguidores devem amar seus inimigos.
ser constituído de seres humanos que têm Não há no livro nenhuma sugestão de
valor intrínseco para ele, a despeito de seu que Jonas se considerasse alguém que es-
comportamento e de sua falta de conside- tava tentando apresentar ao povo de Nínive
ração pelo Deus verdadeiro. O livro relata o Deus único e verdadeiro com o qual eles,
a históría de como Jonas tentou resistir à em seu politeísmo equivocado e em sua
atribuição que Deus lhe dera, que consistia adoração pagã, já estivessem se relacio-
em exortar o povo de Nínive, uma grande nando por todo o tempo (assim como faz
cidade da antiga Assíria. Jonas sabia que Paulo com os atenienses, em At 17). O li-
essa exortação poderia levar o povo de vro também não dá nenhuma indicação de
Nínive a se arrepender e ser perdoado. que os habitantes de Nínive achassem que
E esse era precisamente o resultado ao estavam de algum modo se convertendo a
qual ele se opunha, uma vez que a Assíria, Javé pelo seu arrependimento, descrito no
uma antiga superpotência, era inimiga cp. 3. Assim, o livro não atribui ao povo de
cruel do povo de Israel e de muitas outras Nínive o que geralmente é conhecido como
nações, e Jonas, um nacionalista convicto, "graça especial", isto é, os beneficios de
queria que os assírios fossem prejudica- realmente se conhecer e obedecer ao Deus
dos, e não auxiliados. Entretanto, Jonas foi único e verdadeiro revelado na Bíblia.
forçado pelo Senhor a realizar sua tarefa
profética, e, ao longo desse processo, o A pessoa de Jonas e a
Senhor ensinou a Jonas - e aos leitores autoria do livro
do seu livro - que ele é um Deus que se Além das referências no seu próprio livro,
interessa por outros povos e nações além Jonas é mencionado uma única vez no AT
do seu povo que escolhera especialmente. (2Rs 14.25), em que ele é identificado como
O livro não sugere o universalismo, ou um profeta de Israel que, durante o reinado
seja, que todos os povos ou nações são es- de Jeroboão n, profetizou de maneira cor-
colhidos, mas ensina que mesmo os povos reta que Israel recuperaria da Síria o ter-
não crentes podem se beneficiar de alguma ritório que tradicionalmente fazia parte da
maneira da compaixão de Deus. Sob esse terra prometida. Tanto Jonas quanto Jesus
aspecto, o livro ensina a doutrina bíblica da eram profetas oriundos da Galileia. Jonas
graça comum (isto é, a doutrina de que al- era de Gate-Hefer (2Rs 14.25), uma cidade
gumas bênçãos de Deus nesta vida são con- no distrito de Zebulom, que ficava a cerca
cedidas para todas as pessoas, não apenas de cinco quilômetros a noroeste de Nazaré.
para os crentes). O livro representa também Portanto, não é de admirar que Jesus, que
uma das diversas prefigurações feitas no AT foi criado em Nazaré, tenha tomado a his-
da ampliação da nova aliança do Reino de tória desse conhecido profeta local para
1225
comum da poesia hebraica que passa a ser os típicos rituais populares de arrependi-
insignificante. A Assíria era muito odiada mento descritos em 3.5-9. Provavelmente,
após 745 a.c., quando Tiglate-Pileser III havía uma boa razão para que um rei enfra-
resgatou e institucionalizou seu imperia- quecido se juntasse e apoiasse oficialmen-
lismo, começando a ameaçar a Síria e a te a comoção popular de arrependimento
Palestina, de modo que uma das ênfases diante da pregação de Jonas, por parte de
centrais do livro (a de que Deus ama até uma população faminta, cansada de guerras
mesmo os assírios) certamente teria sido e bastante atemorízada pelo eclipse solar.
muito necessária em Israel em qualquer O final de 760 a.c. para a missão de Jonas
época após essa data. O livro pode ter sido deve ser uma data bem próxima à real.
composto anteriormente a 745, prevendo
a necessidade apontada, ou depois dessa Propósito e mensagem
data, em resposta a essa mesma necessida- O livro de Jonas apresenta um contraste
de. De todo modo, a mensagem do livro é entre o ódio egoísta de Jonas pelos seus
eterna, e sua linguagem é simples e direta inimigos e a compaixão de Deus por eles.
- o hebraico, clássico e padrão. Pretende claramente ensinar aos leitores
Quanto aos acontecimentos descritos, do livro que eles não devem imitar as ati-
são facilmente identificáveis. A passagem tudes e práticas de Jonas. Por duas vezes,
de 2Reis 14.25 relaciona Jonas ao período no cp. 4, Deus pergunta a Jonas que direi-
do longo reinado de Jeroboão 11 em Israel to ele tem de estar indignado - primeiro,
(793-753 a.C.). A abertura em 1.2 se re- por Deus ter poupado Nínive (v. 4), e de-
fere à "malícia" de Nínive (ou aflição, ca- pois pela perda da planta frondosa que o
lamidade, miséria; "maldade" [NVI] é uma havia protegido do sol inclemente (v. 9).
tradução pouco provável, especialmente Deus faz do caso da planta uma lição para
pelo fato de a atitude de Deus em relação o profeta. Ora, se Jonas se importava com
a Nínive, ao longo de todo o livro, não ser uma planta, não querendo vê-la morrer,
de acusação, mas de misericórdia, em con- não deveria Deus se importar com a popu-
traste contundente com a atitude de Jonas). lação inteira de uma cidade, não querendo
Isso sugere uma época em décadas ante- também vê-los morrer (v. l l )? Não são as
riores a Tiglate-Pileser I1I, durante a qual a pessoas (ou mesmo animais, nesse ponto,
Assíria experimentou um período de desor- v. 11) muito mais valiosas do que as plan-
dem política e declínio econômico (ou seja, tas? Eles não teriam um valor intrínseco?
de "problema"), durante uma sucessão de Mesmo que elas sejam nossas inimigas,
reis muito fracos. Qualquer data ao redor isso não quer dizer que não mereçam a
de 800 a.c. e 750 a.c. serviria. Mas pode- compaixão de Deus.
ríamos ser mais precisos ainda. O período Entretanto, o contraste dos valores re-
de maior declínio da Assíria, durante aque- lativos das plantas e pessoas, no cp. 4, é
le meio século, ocorreu durante o reinado apenas uma das duas principais lições que
de Assur-Dan III (772-756 a.Ci), sob cuja são tema do livro. A outra consiste no con-
liderança a nação sofreu as maiores perdas traste entre a gratidão de Jonas pelo livra-
militares e reveses econômicos. Revoltas mento de um destino que ele bem merecia
contra seu governo forçaram Assur-Dan a e sua indignação pelo livramento dos ni-
abandonar, pelo menos uma vez, o palácio nivitas de um destino que estes, também,
real, e um eclipse solar total, no dia 15 de de fato mereciam. No cp. 1, ele confessa
junho de 763 a.C. (considerado pelos assí- aos marinheiros que a tempestade enviada
rios, profundamente supersticiosos, um por Deus e que ameaçava a vida de todos
sinal de grande descontentamento divino), a bordo era devida ao seu pecado, e lhes
pode bem ter providenciado a ocasião para diz que se eles o atirarem ao mar Deus os
1227
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.:_ JONAS 1228
•
ter perdido partes de seu conteúdo por ra- sobre coisas sobrenaturais, deve ser fal-
zões de corrupção textual ou manipulação so. Uma recusa tão rígida de considerar
deliberada. O texto foi de fato muito bem o sobrenatural como parte da realidade
preservado. Alguns estudiosos têm argu- não é, obviamente, passível de prova, e a
mentado que o salmo no cp. 2 está fora de mera negação de que determinados tipos
lugar, e que teria sido acrescentado, mais de acontecimentos possam ocorrer dificil-
tarde, por outro editor, uma vez que a his- mente é um meio de argumentação digno
tória pode ser lida e compreendida com fa- de crédito. Poderia um Criador sobrenatu-
cilidade mesmo que o salmo e as palavras ral manipular a natureza de acordo com os
introdutórias sejam suprimidos. Entretanto, seus objetivos, às vezes de modo tão in-
quase todas as seções poéticas das narrati- tenso a ponto de ameaçar ou mesmo ceifar
vas históricas do AT são semelhantes a esse uma vida humana? E se tivesse o poder, ele
respeito. Além disso, um elemento impor- o teria feito? A Bíblia em geral e o livro de
tante da história originária estaria perdido Jonas em particular com toda certeza apre-
se o salmo fosse deixado de fora: a hipocri- sentam Deus exatamente dessa maneira.
sia da eloquente gratidão de Jonas em rela- Em todo caso, um exame cuidado-
ção a sua própria e imerecida salvação da so dos acontecimentos descritos no livro
morte (a qual o salmo claramente retrata) revela que nenhum deles é tão estranho
em contraste com seu ressentimento petu- assim para alguém que estiver disposto a
lante pela imerecida salvação de Nínive da aceitar a possibilidade de ocorrências de
morte (cp. 4). Sobre a íntima interconexão fatos sobrenaturais em um mundo ainda
do salmo com o restante do livro ver tam- controlado por seu divino Criador. Por
bém G. Landes, "The Kerygma ofthe Book exemplo, a tempestade no cp. I não é de
of Jonah", Interpretation 21 (1967): 3-31. maneira nenhuma incomum no leste do
Mediterrâneo; a interceptação de Jonas e
Historicidade do navio em que ele se encontrava por essa
Será que os acontecimentos descritos pelo tempestade é mais uma questão de tempo
livro realmente aconteceram? Não são al- do que de qualidade ou quantidade. Já foi
gumas partes da sua história tão extraor- bem documentado o fato de várias pessoas
dinárias que só podem ser ficção? Pôde (a maioria pescadores de baleias) terem
um homem de fato viver por três dias na sobrevivido por longos períodos no inte-
barriga de um grande peixe, e uma gran- rior de criaturas marinhas. A habilidade do
de cidade se arrepender em massa com a organismo humano de concentrar oxigênio
pregação de um obscuro profeta estran- em tecidos críticos, inclusive o cérebro, na
geiro? É possível que uma grande planta presença de água gelada é tão bem aceita
tenha crescido próxima a Jonas e morrido pela medicina a ponto de ser considerada
de repente para lhe ensinar uma lição? Terá bastante comum. As condições necessárias
Deus realmente manipulado a natureza para o que o povo assírio, profundamente
- desde uma terrível tempestade até uma supersticioso, respondesse à pregação de
pequena lagarta - por causa de um único Jonas com arrependimento em larga es-
profeta rebelde? cala, embora de maneira ritual, estavam,
O livro alega que todas estas coisas na verdade, presentes durante as décadas
realmente aconteceram. É claro que se al- iniciais do século VIII a.C., tanto em Nínive
guém não acredita que milagres possam quanto nos países vizinhos. Numerosos
acontecer, se acredita que Deus nunca in- exemplos de períodos curtos de arrepen-
terfere de maneira decisiva nos aconteci- dimento regionais e nacionais, tal como o
mentos humanos, então o livro de Jonas, descrito no livro, estão descritos nos regis-
como todos os demais relatos que falam tros históricos do povo assírio. Em relação
11II
) JONAS 1 1230
à planta que morreu rapidamente devido ao obra Twelve prophets. v. 1. DSB. West-
calor escaldante, quando suas raízes foram minster/John Knox Press, 1984.
consumidas, o tempo e o local são os prin- BOlCE, 1. M. The minor prophets. 2 v.
cipais requisitos. Não há nada de diferente Zondervan, 1983, 1986.
sobre seu crescimento ou morte que seja ALEXANDER, D. Jonah em BAKER, D.;
algo assim tão incomum. ALEXANDER, D.; STURZ, R. 1. Obadias,
As circunstâncias em tomo desses fatos Jonas, Miqueias, Naum, Habacuque
sobrenaturais serão discutidas de maneira e Sofonias: introdução e comentário.
mais detalhada no comentário a seguir. SCB. Vida Nova, 2001.
ELlSSON, H. L. Jonah em GAEBELEIN, Frank
Leitura adicional E., ed. Daniel and the minor prophets.
CRAlGIE, P. C. The books ofJoel, Obadiah, EBC. Zondervan, 1985.
Jonah and Micah. DSB. StAndrew Press, STUART, D. Hosea - Jonah. WBC. Word,
1984. Também publicado nos EUA, na 1987.
ESBOÇO
1.1-3 A rebeldia de Jonas diante da atribuição de Deus para dar a Nínive uma opor-
tunidade de se arrepender
1.4-16 Uma tempestade enviada por Deus para impedir que Jonas fuja de sua
atribuição
1.17-2.10 A gratidão de Jonas pela graça de Deus de resgatá-lo da morte
3. 1-3a Um novo começo da atribuição de pregar a Nínive
3.3b-10 O arrependimento resultante da pregação de Jonas em Nínive
4.1-4 A ingratidão de Jonas pela graça de Deus em livrar Nínive da morte
4.5-11 Retrospecto: Uma lição objetiva quando Jonas ainda espera pela destruição
de Nínive
possam adorar ali. Entretanto, o texto não duração de sua morte antes da ressurreição
diz que eles se converteram, nem que eles (Mt 12.40), contém sentido similar: é uma
adoraram em Jerusalém. Pelo fato de Jope maneira de dizer que ele realmente morre-
fazer divisa (ao norte) com o território de ria, não que ele ficaria literalmente morto
Israel, e não com o território de Judá, é por exatamente setenta e duas horas.
muito provável que os marinheiros tenham 2.1 Não se pode afirmar se Jonas per-
adorado em algum dos locais de adoração maneceu ou não consciente por todo o
do Reino do Norte, que contrariavam a lei tempo, mas esteve consciente por algum
bíblica (Dt 12; cf 1Rs 12.25-33). A ado- tempo, durante o período em que perma-
ração por estrangeiros não convertidos era neceu no ventre do peixe ou da baleia, e
imprópria até mesmo em Jerusalém (Êx que foi suficiente para ele perceber que
12.43-49; Lv 22.25), embora a adoração não tinha se afogado, mas havia sido man-
por estrangeiros convertidos fosse bem- tido vivo, e também para articular o salmo
vinda nos mesmos termos que a adoração de ação de graças dos v. 2-9. A estrutura e
do povo de Israel (cf Nm 9.14; 15.14). a forma do salmo indicam que Jonas com-
preendeu muito bem que a vida lhe fora
1.17-2.10 A gratidão de concedida, em vez da morte que merecia.
Jonas pela graça de Deus Um salmo de ação de graças era um poe-
de resgatá-lo da morte ma musical declamado em gratidão após
17 Morrer afogado é o que Jonas esperava. o livramento de algum tipo de ameaça ou
As palavras Deparou o SENHOR um grande miséria. Dos salmos do Saltério, 12 são
peixe é uma indicação ao leitor de que Jonas exclusivamente ou parcialmente salmos
não morreria, mas seria resgatado. Há uma individuais de ação de graças (SI 18; 21;
série de relatos confiáveis acerca da sobre- 30;32;34;40;66;92; 103; 108; 116; 118).
vivência de pessoas que foram engolidas Seis são exclusivamente ou parcialmente
por baleias (v. D. K. Stuart, Hosea-i-Jonah salmos comunitários de ação de graças
[Word Books, 1987]). Essas pessoas foram (SI 65; 67; 75; 107; 124; 126). Tais sal-
sobreviventes naturais, devido à notável mos também podem ser encontrados fora
capacidade do corpo humano de sobre- do Saltério (e.g., lSm 2.1-10; Is 38.9-20).
viver na presença de quantidades muito Os salmos de ação de graças normalmen-
pequenas de oxigênio (embora normal- te são constituídos de cinco elementos:
mente inconscientes), em águas geladas, (i) uma declaração introdutória de apre-
fato já consolidado pela medicina. Outro ço pelo livramento; (ii) uma descrição da
fator significativo é o fato de baleias fre- miséria da qual alguém foi livrado; (iii)
quentemente virem à tona em busca de ar. uma descrição do apelo por livramento;
O resgate de Jonas aconteceu graças a um (iv) uma indicação do livramento em si;
arranjo divino e, portanto, considerado so- e (v) um testemunho ou uma promessa de
brenatural em grande medida. Grande pei- continuar a demonstrar gratidão por meio
xe na nomenclatura hebraica designa tanto de adoração futura. O salmo de Jonas
uma baleia quanto um tubarão de grande contém os cinco elementos, na ordem
porte. Três dias e três noites é uma expres- aqui apresentada. Não há como saber se
são especial utilizada no mundo antigo foi o próprio Jonas quem compôs esse sal-
para significar "tempo suficiente para se mo (como profeta ele fora treinado como
estar definitivamente morto". Isso surgiu músico) ou se ele utilizou um salmo que
da antiga noção pagã de que a viagem da já conhecia para expressar sua gratidão.
alma para o mundo do além tinha a dura- Seja como for, o salmo é uma declaração
ção de três dias e noites. A utilização dessa eloquente e pode muito bem ter sido lapi-
mesma expressão por Jesus, ao descrever a dado antes desse episódio.
1233 JONAS 3 . . .
••
2 Esse versículo é a introdução do sal- ácido estomacal etc. são todas puramente
mo que resume o livramento de Jonas. especulativas.
3-6a Esses versiculos falam novamente Esse tipo de salmo, nesse ponto do li-
da desgraça em que Jonas se encontrava. vro, emite uma mensagem clara. Os anti-
Vários salmos usam a metáfora do afo- gos israelitas que ouviam ou liam a história
gamento como declaração que serve para de Jonas não poderiam deixar de entender
vários tipos de desgraça, assim, o salmo de suas implicações. Um salmo de ação de
Jonas não deve ser visto como algo exclu- graças é uma canção de gratidão. Não é
sivo de sua situação particular. Os salmos uma oração que servia para qualquer tipo
tendem a descrever algumas tribulações de ocasião. O povo cantava um salmo de
severas (sobretudo inimizade, doenças, ação de graças por ter alcançado livramen-
ciladas, afogamentos e morte) como so- to de algum perigo ou aflição, como uma
frimentos típicos os quais o leitor pode maneira de agradecer a Deus o fato de ele
mentalmente substituir pela sua própria ter mostrado misericórdia para com eles.
desgraça. No v. 4, o trecho tornarei, por- Jonas estava exprimindo, segundo a mes-
ventura, a ver. .. seria mais bem traduzido ma forma comum de adoração dos israeli-
desta forma, segundo leituras dos antigos tas de sua época (isto é, por intermédio de
manuscritos gregos: "Como poderei olhar um salmo), sua gratidão pela misericórdia
novamente...". que Deus tinha mostrado para com ele. Ele
6b Esse versículo consiste em uma bre- estava vivo, ainda que não o merecesse.
ve descrição do livramento. Ele não tinha se afogado, ainda que a mor-
7 Aqui, Jonas inclui palavras de apelo te fosse o castigo merecido (1.12). Jonas
por livramento, típicas dos salmos desse havia experimentado a graça de Deus, e ele
tipo. o sabia e o exprimiu eloquente e demorada-
8,9 Esses versículos compõem a con- mente. Deus não o tinha tratado de acordo
clusão da seção de testemunho/promessa com os seus pecados. Essa é a mensagem
do salmo. Idolatria vã, no v. 8 é (lit) em do salmo cantado de dentro das entranhas
hebraico "nulidades vazias". A idolatria é do grande peixe.
perigosa por várias razões; uma das mais
importantes é o fato de que esses ídolos 3.1-3a Um novo começo da
não podem trazer salvação. A salvação atribuição de pregar a Nínive
vem apenas do SENHOR, o Deus de Israel. A palavra do Senhor veio a Jonas pela
As últimas palavras do salmo - Ao SENHOR segunda vez. Desde 1.2, Jonas vinha ex-
pertence a salvação (lit. "A salvação vem perimentando o controle de Deus sobre
do SENHOR") - pode ter também o sentido os acontecimentos de sua vida, mas Deus
de que Deus salva a quem quer; ele está à ainda não tinha falado diretamente com
frente de tudo aquilo que se refere à salva- ele. Agora ele ouvia novamente, de manei-
ção. Tais palavras, vindas da própria boca ra direta, uma atribuição divina proferida
de Jonas, apontavam para a possibilidade verbalmente. Essa segunda atribuição era
de que Deus optaria por livrar os habitan- essencialmente a mesma que a primeira. A
tes de Nínive de suas tribulações. frase no v. 2: proclama contra ela a men-
10 Novamente somos lembrados de que sagem que eu te digo, é um tipo comum
as ações do grande peixe ou da baleia eram de ordem divina, indicando que Deus ins-
controladas por Deus. Os marinheiros não piraria Jonas com as palavras apropriadas
conseguiram levar Jonas até a praia (1.13). quando este chegasse a Nínive. O v. 3 indi-
Deus o fez, entretanto, por meio do peixe, ca que Jonas obedecera e estava agora pre-
preservando Jonas da morte. As ideias de parado para dizer tudo aquilo que Deus lhe
que a pele de Jonas estaria manchada pelo pediria para dizer a Nínive. Ele não mais
• JONAS 3 1234
se negaria a proclamar uma mensagem po- hebraico (e.g., RSV traz: "uma cidade extre-
sitiva aos inimigos de seu povo. mamente grande, uma caminhada de três
Jonas ganhou uma segunda oportuni- dias de duração"; ou, segundo a NVI: "uma
dade. Do mesmo modo, pela misericórdia cidade muito grande; sendo necessários
de Deus, nós também podemos ganhá-la. três dias para percorrê-la"). O importante
Entretanto, isso não pode ser interpreta- não era o tamanho de Nínive, mas sim que
do como a moral da história. Não há aqui eram necessários três dias para uma visita
enunciado algum do princípio de que Deus apropriada de um estrangeiro. No primeiro
sempre age dessa maneira para com aque- dia, um representante de Estado (embai-
les que se rebelam contra a sua vontade. xador, membro da realeza etc.) chegaria,
Jonas não é de forma alguma uma figura tí- providenciaria acomodação, localizaria as
pica, e sua situação também não é de modo autoridades com quem precisava conver-
algum típica de todos os cristãos. Sua ati- sar e apresentaria a elas suas credenciais.
tude negativa em relação a seus inimigos No segundo dia, o visitante seria recebido
é definitivamente uma advertência para pelas devidas autoridades, e as pretendidas
todos os cristãos, e seus erros são expos- negociações seriam conduzidas. No tercei-
tos de maneira clara no cp. 4, para nosso ro dia, uma mensagem oficial seria provi-
beneficio. Entretanto, nem todas as partes denciada, sendo que as devidas respostas
de sua vida podem nos servir de exemplo. ao governo do Estado visitante seriam en-
Consequentemente, nós não devemos su- tregues aos emissários.
por que Deus chegaria a esse extremo para 4 Jonas fez parte somente do primeiro
corrigir nossa rebelião em relação a ele. E dia de visita - fazendo contatos à manei-
não devemos nos esquecer de que Jonas ra de um embaixador. No mundo antigo,
continuou a odiar a atribuição divina que o ofício dos profetas era visto como algo
recebera, embora ele agora se submetesse a semelhante ao de um embaixador, uma
ela e, mais tarde, sofreu ainda mais. Assim, vez que representavam a um deus. Assim,
essa história não nos ensina que Deus nun- eles gozavam de certo tipo de imunidade
ca nos excluirá de participar de sua obra, diplomática e status de membro da corte,
mesmo que, na primeira vez, tenhamos nos o que pode ser observado, por exemplo,
desviado do caminho (cf Lc 9.57-62). na história de I Reis 22 ou na íntima as-
sociação de Isaías com os reis de Judá. A
3.3b-10 O arrependimento mensagem que Deus o inspirou a transmi-
resultante da pregação tir proporcionava quarenta dias para que o
de Jonas em Nínive povo se arrependesse, implicando, assim,
3b Nesta época, Nínive não era tecnicamen- que o arrependimento poderia evitar o
te a capital da Assíria (embora "capital" seja castigo. Quarenta é uma palavra utilizada
uma noção bem mais contemporânea), mas algumas vezes no AT para significar uma
estava se tomando sua cidade mais impor- quantia indefinidamente grande, como a
tante, um lugar onde as visitas diplomáticas palavra "dezenas". O povo de Nínive re-
formais deveriam ser de três dias, de acor- conhecia essa maneira comum de se fazer
do com a convenção diplomática local. A uma advertência. Eles sabiam que se não
tradução sugerida pela NIV (em inglês) para houvesse possibilidade para o arrependi-
o v. 3b ("Ora, Nínive era cidade muito im- mento, nenhum período, definido ou in-
portante - era necessária uma visita de definido, teria sido especificado.
três dias") é correta em comparação com 5-9 O arrependimento ocorreu no pri-
algumas das principais versões em inglês, meiro dia - antes mesmo do segundo dia
as quais tomam obscuro, ou não inter- oficial da recepção. O rei (provavelmente
pretam de forma correta, o significado do Assur-Dan I1I, que tanto podia se encon-
trar na cidade como ser comunicado por
um mensageiro onde estivesse) aprovei-
1235 JONAS 4 . .
tou a onda de comoção pública e tomou meio, estava seu profeta fazendo a eles
tudo oficial, talvez até mesmo emitindo uma advertência verbal da necessidade de
um decreto oficial (7-9) no segundo ou no que se arrependessem! As palavras do de-
terceiro dia. Registros de proclamações se- creto previam a possibilidade, embora não
melhantes, conclamando o povo ao jejum, a certeza, de que o arrependimento viesse a
até mesmo dos animais, e o uso de panos trazer o livramento (9). Nem mesmo Jonas
de saco (vestimenta de tecido áspero e sabia qual seria o resultado. Será que Deus
desgastado como meio de expressar auto- veria o jejum e o lamento dos habitantes
negação), sobreviveram do antigo Império de Nínive como sinceros e suficientes para
Neoassírio. perdoá-los? Jonas, como veremos, espera-
O termo rei de Nínive (6) é uma ma- va que não. Os habitantes da cidade, por
neira comum de se referir a um rei que outro lado, esperavam que sim.
governava determinada cidade como parte 10 O arrependimento foi genuíno, mas
de seu império, e não significa necessaria- temporário. A linguagem desse versículo
mente que ele fosse rei somente dessa ci- não deixa subentender um arrependimen-
dade, ou seja, de Nínive (cf lRs 21.1, em to permanente, nem uma conversão que os
que Acabe, que em outras passagens fora levasse a adorar ao Deus de Israel. O povo
chamado "rei de Israel", é chamado "rei de agiu de acordo com suas próprias tradições
Samaria"). religiosas, com base no pouco que sabiam,
O que teria levado uma grande parte e suas ações foram aceitas graciosamente
da população da Assíria a reagir de modo por Deus. Mais tarde o próprio Deus de
tão favorável e penitente à pregação de um Israel causou a destruição de Nínive (em
obscuro profeta estrangeiro? Pelos textos 612 a.c., como cumprimento das profecias
proféticos assírios, sabemos de quatro cir- de Habacuque e outros). Agora, entretan-
cunstâncias que poderiam induzir o povo, to, ele os poupara, contrariando o desejo
e seu rei, à prática do jejum e do lamen- de Jonas.
to: a invasão por um inimigo, um eclipse
solar total, fome e uma grande epidemia; 4.1-4 A ingratidão de Jonas
e uma grande enchente. Também sabemos pela graça de Deus em livrar
que nações inimigas, tais como o reino de Nínive da morte
Urartu, tinham derrotado os assírios em O ódio de Jonas por seus inimigos era tão
numerosos confrontos militares na época grande que ele se ressentia até mesmo da
de Assur-Dan III e que um grande terremo- própria natureza de Deus! Ele protestou
to ocorreu no reinado de um rei de nome contra isso por meio das suas orações! Ele
Assur-Dan - mas não podemos ter certe- disse: "Foi exatamente isso que eu temia
za de que foi no reinado de Assur-Dan III. que acontecesse, pois é característico do
Além disso, em 15 de junho de 763 a.c., Senhor fazer esse tipo de coisa". Ao con-
no décimo ano de Assur-Dan I1I, ocorreu fessar o caráter de Deus (clemente e mi-
um eclipse solar total na Assíria! Acima sericordioso...), ele usou uma expressão,
e além de tudo isso estava o propósito do bastante comum, encontrada com muita
soberano Senhor de que eles deveriam se frequência no AT (Êx 34.6; SI 86.15). Seu
arrepender. Não é de se admirar, assim, pedido para morrer (3) era um apelo de-
que uma população ansiosa e supersticio- sesperado de alguém que vê as coisas que
sa tivesse respondido tão prontamente ao lhe são importantes tomarem justamente a
que lhe deve ter parecido como resposta direção oposta daquela que ele esperava.
para todos os seus problemas. Um deus Ele tinha perdido sua razão de viver, tão
.
II1II
... JüNA54
conduziria à vitória (5.2-15). Isso também política de expansão imperial. Ele atacou a
se cumpre na Igreja de Cristo (cf 2Co 2.14- planície costeira de Israel em 734 e anexou
16). Na terceira série, do meio da deprava- a porção norte de Israel em 733 (2Rs 16;
ção espiritual (6.1-16) e de uma nação de- 2Cr 28; Is 7-8). Salmaneser v (726-722)
sintegrada (7.1-7), um remanescente eleito atacou a Samaria entre 725 e 722, e a cida-
do povo escolhido será perdoado e salvo de caiu nas mãos de Sargão " (721-705;
por Deus (7.8-20). Esse remanescente ago- 1.2-7; cf 2Rs 17). As rebeliões periódicas
ra constitui uma parte da igreja de Cristo das nações siro-palestinas contra a cobrança
(Rm 11). Não interessa quão maculado e de tributos do Império Assírio as mantinham
destroçado o mundo se tome, o propósito em constante receio de uma represália por
de Deus de triunfar sobre Satanás e seus parte dos assírios. Os invencíveis e cruéis
seguidores por meio de seu povo eleito assírios invadiram a região entre 721 e
prevalecerá (Rm 16.20). 720 e entre 714 e 701. A última invasão
Em seus oráculos sobre o juízo, Mi- se mostrou a mais devastadora para Judá.
queias não hesita em proclamar sua men- Senaqueribe (704-681) capturou todas as
sagem pouco popular de que o salário do cidades fortificadas das colinas de Judá.
pecado é a morte. Ele se compadecia imen- Somente Jerusalém, de forma milagrosa,
samente pela classe média de Judá, que conseguiu sobreviver (1.8-16; 2.12,13;
era oprimida pela classe alta de Jerusalém 2Rs18-20; 2Cr 32; Is 36-39), graças ao
(2.1-5,8,9). Os ricos donos de terras eram arrependimento de Ezequias em resposta à
defendidos por magistrados corruptos pregação de Miqueias (Jr 26.18).
(3.1-4) e encorajados por profetas e sacer- A linguagem de Miqueias, embora ex-
dotes que defendiam seu interesse próprio traída de seu contexto histórico, é poética
(2.6-11; 3.5-8; 3.11). Miqueias, entretanto, e abstrata, de maneira que o povo de Deus
cheio do Espírito de justiça, não podia ser em circunstâncias parecidas pode se iden-
comprado (3.8). Ele não era um poeta mo- tificar com suas mensagens.
ralizador, mas um reformador dinâmico,
clamando para que a nação resgatasse sua Leituras adicionais
herança espiritual (3.8; cf Jr 26.18). BOICE, 1. M. The minor prophets. 2 v.
Zondervan, 1983, 1986.
Contexto histórico CRAIGIE, P. C. Twelve prophets. v. 2. DSB.
Muitos comentaristas atribuem grande Westminster/John Knox Press, 1984.
parte dos cp. 1-3 a Miqueias e os demais WALTKE, B. K. Miqueias em BAKER, D.;
a sucessores anônimos dos períodos exí- ALEXANDER, D.; STURZ, R. J. Obadias,
lico e pós-exílico. O cabeçalho inspirado Jonas, Miqueias, Naum, Habacuque
(1.1), entretanto, identifica Miqueias como e Sofonias: introdução e comentário.
o autor de todas as profecias do livro. O SCB. Vida Nova, 2001.
comentário editorial em 3.1 sugere que o _ _ _o Micah em MCCOMISKEY, T, ed.
próprio Miqueias tenha editado o livro. The minor prophets. V. 2. Baker Book
Nenhum dado linguístico ou histórico re- House, 1993.
futa a afirmação da própria Bíblia. MCCOMISKEY, T Micah em GAEBELEIN,
Miqueias profetizou desde o tempo Frank E., ed. Daniel and the minorpro-
de Jotão (740-732 a.C;) até a época de phets. EBC. Zondervan, 1985.
Ezequias (715-686), um periodo em que ALLEN, L. C. The books ofJoel, Obadiah,
o Império Neoassírio estava surgindo como Jonah and Micah. NICOT Eerdmans,
potência (v. quadro na página 949). Tiglate- 1976.
Pileser III (744-727), o determinado rei MAYS, 1.L. Micah. OTL. SCM/Westminster/
assírio, lançou a Assíria em uma ambiciosa John Knox Press, 1976.
11
1239 MIQUEIAS 1 1111
1111
ESBOÇO
1.1 Cabeçalho
1.2-2.13 Primeira série de profecias: Deus reúne o remanescente eleito em Jerusalém
1.2-16 Deus pune Samaria e Judá
2.1- 11 Ai dos opressores
2.12,13 Deus preserva um remanescente em Sião
águas que se precipitam num abismo das quilômetros da cidade natal de Miqueias e
ravinas da montanha. A descida de Deus eram visíveis dali, mas muitas delas hoje já
para julgar (4) está ligada ao julgamento não podem ser identificadas. Miqueias faz
de Samaria (6,7) pela mesma palavra do um uso elaborado de trocadilhos com cada
hebraico que é traduzida por precipitam um dos nomes mencionados. O significado
no v. 4, farei rebolar no v. 6 e fogo/quei- de cada um é explicado nas notas textuais
mados (4,7). 5 Essa visita de Deus acon- da NVI. Por exemplo, Bete-Leafra (10),
teceu por causa da transgressão de Jacó que significa "casa do pó", é conclama-
(isto é, do Reino do Norte) e dos pecados da a se revolver no pó, simbolizando sua
da casa de Israel (isto é, do Reino do Sul). humilhante e abjeta derrota (cf Gn 3.14;
O Reino do Sul é chamado "casa de Israel" SI 44.25; Jr 6.26; Ez 27.30). Os trocadilhos
porque Jerusalém, não Samaria, personifi- e a simetria literária do capítulo correspon-
cava a nação. Os líderes das duas capitais, dem à ordem moral de Deus para todas as
Samaria e Jerusalém, são os principais épocas. Dentro dessa ordem o pecado traz
responsáveis pela quebra da aliança. o juízo, do mesmo modo que a negligência
6,7 Por isso mostra que essa sentença, leva à perda. A nação que vive de prazer
proferida pelo próprio Deus, ajusta-se à morrerá de doenças venéreas e drogas, e a
acusação. Ele fará de Samaria um montão nação que adora o dinheiro acabará falida.
de pedras; fará rebolar suas pedras para o
vale (4). As imagens de escultura nas quais 2. 1-11 Ai dos opressores
tanto confiava na verdade trarão a sua des- Os oráculos de repreensão contra os ganan-
truição. A prata e ouro dessas imagens, co- ciosos proprietários de terra de Jerusalém,
letados dos salários de sua impureza (no que veneravam o dinheiro (1-5), e seus
templo), ao preço da prostituição volverão, profetas igualmente gananciosos (6-11),
pois tomarão a ser usados pelos assírios são ligados pela acusação de ganância e
para contratar as prostitutas do templo em opressão da classe média (2,8,9).
sua própria capital, Nínive. Esse compor- 2.1-5 Ai dos gananciosos proprietá-
tamento deplorável de um povo depravado rios de terras. Os ricos tinham tomado os
exige o fogo purificador de Deus. campos das pessoas comuns de Judá (1,2),
1.8-16 Miqueias lamenta o exílio de portanto, o SENHOR enviará um exército
Judá. 8,9 A conjunção Por isso liga o hostil para tomar deles a terra prometi-
juízo de Samaria com o de Judá; ambas da (3-5). Os acusados, que maquinam o
pecaram (5); portanto, ambas devem ser mal, estão ligados ao acusador que diz:
punidas. Miqueias introduz seu oráculo do projeto mal, e pela repetição da palavra
juízo contra Judá ao representar de forma campos (2,4).
dramática e pesarosa um exilado: lamento 1 Miqueias introduz esse oráculo de
e uivo; ando despojado e nu para o cativei- juízo com um clamor profético: Ai daque-
ro (cf Is 20.2-4). Por trás das feridas incu- les que nos seus leitos à noite maquinam o
ráveis, causadas pelos assírios, Miqueias mal, à luz da alva (no horário das seções
novamente vê a mão de Deus. O mal che- da corte), esses trapaceiros legalizados o
gou até Judá; estendeu-se até à porta de praticam provavelmente corrompendo os
meu povo, até Jerusalém, mas a capital em juízes (cf 7.3) e forçando suas vítimas a
si foi poupada. deixar suas terras. Ironicamente, no ins-
10-16 Miqueias profetiza a queda das tante em que a classe média oprimida (cf
cidades de Judá fazendo um trocadilho 2.8,9) esperava por justiça, encontrava a
com seus nomes, o qual se toma um pre- fraude e era privada de seus direitos pela
núncio de sua destruição. Todas as cidades elite de juízes e militares que detinham
identificadas ficavam em um raio de 14 o poder, pois este estava em suas mãos.
1241 MIQUEIAS2.·
•
••
2 Esses homens poderosos cobiçam cam- do SENHOR, quem, pela sorte, lançando o
pos. "Não cobiçarás" é o único manda- cordel, meça possessões, ou seja, não terão
mento repetido duas vezes no Decálogo ninguém que os represente quando a terra
(Êx 20.7) e é a raiz de outros males come- for novamente repartida por sortes, como
tidos contra o próximo. A lei resguardava já se fizera no princípio, por meio dos sa-
cuidadosamente os campos de um homem, cerdotes (Nm 26.55).
sua herança perpétua, pois em uma socie- 2.6-11 Os falsos profetas dão apoio
dade agrícola a vida e a liberdade de um aos gananciosos donos das terras. 6 Não
homem dependiam deles. babujeis está no plural. Os falsos profetas,
3,4 Enquanto a elite poderosa planeja- os teólogos liberais da época de Miqueias,
va o mal contra os campos (2a) e as ca- dirigiam-se a ele e a outros verdadeiros
sas (2b) de suas vítimas, o SENHOR estava profetas, dizendo-lhes para que não profe-
projetando o mal contra esta família (3) e tizassem tais coisas, isto é, o juízo anun-
seus campos (4). 3 Assim como um senhor ciado nos v. 3-5.
domina um animal com um jugo, assim 7 O SENHOR repreende a casa de Jacó
também Deus, por meio dos assírios, sub- ao citar a sua teologia duplamente falsa, se-
jugaria a gananciosa classe dominante, de gundo a qual o Senhor nunca fica irritado e
tal modo que eles não poderiam salvar-se não faria estas [...] obras (i.e., trazer juízo).
a si mesmos. 4 A sua punição é expressa Pelo contrário, as palavras do Senhorfazem
como um provérbio satírico colocado na o bem apenas ao que anda retamente.
boca de seus inimigos: Estamos [os per- 8,9 Deus desenvolve a acusação de
versos donos dos campos] inteiramente Miqueias no v. 2. Os agricultores livres de
desolados. Enquanto eles saqueavam os Israel deveriam se sentir como aqueles que
outros, tomando os seus campos, assim passam seguros, sem pensar em guerra.
estes outros, usando da mesma ética, to- Em vez disso, esses agricultores indefesos,
mavam suas terras (cf Mt 26.52). Eles, de diz o Senhor, descobrem que o meu povo
maneira hipócrita, se referiam à terra como (uma referência irônica aos poderosos,
a porção do meu povo (isto é, de Deus). Da como mostrará o restante do versículo) se
mesma forma que repartiam entre si as ter- levantou [...] como inimigo. "Vocês" (NVI)
ras tomadas, agora suas terras são reparti- provavelmente uma referência aos ricos
das entre os rebeldes (cf Am 7.17). O v. 4b agricultores que têm o apoio dos falsos
seria mais bem traduzido por: "Como eles profetas, destroem as famílias, homens,
[os inimigos] me despojam [daquilo] que mulheres e crianças de Israel, antes prós-
pertence a mim [ao rico dono das terra]. peros. Vocês, além da roupa, [roubam]
Repartem os nossos campos aos rebeldes a capa dos homens desprevenidos (8),
[assírios]". Deus dera aos israelitas a terra tiram as mulheres de meu povo do seu
em confiança (Lv 25.23), para ser desfru- lar querido, dos filhinhos delas [tiram] a
tada enquanto eles a usassem de acordo minha glória, para sempre (9). A riqueza
com os desígnios da aliança, mas reteve o do Senhor, que uma vez se espalhara por
direito de tomá-la e entregá-la a seus ini- toda a nação, está concentrada agora nas
migos se eles não cumprissem a aliança mãos de ricos predadores.
(Lv 26.33; Dt 28.49-68). 10 Deus profere a sentença contra os
5 Portanto associa a perda imediata ricos proprietários de terras, provavelmen-
dos donos de terras à perda futura e eterna te usando as mesmas palavras que eles
das terras, o mais severo de todos os juí- usavam para tomar as terras dos inocen-
zos. Quando Deus trouxer de volta para a tes: Levantai-vos e ide-vos embora! Eles
terra o remanescente (4.7), esses ganancio- devem deixar seu lugar de descanso, o
sos traidores não terão, na congregação lugar de seu bem-estar fisico e espiritual.
MIQUEIAS2 1242
A razão é dada a seguir. Por sua idolatria e seu "Rei") irá adiante deles, assumindo a
imoralidade a terra está cheia de imundícia posição legítima à suafrente. Os primeiros
e, assim, ela os lança fora (cf Lv 18.25); dois estágios se cumpriram no livramento
o lugar se tomou uma ruína repugnan- milagroso de Jerusalém das mãos dos inva-
te "sem que haja remédio" (NVI). 11 Em sores assírios pelo Senhor (v. Introdução).
resposta à sentença do Senhor, Miqueias, O terceiro estágio, como ficará mais claro
mordaz e sarcastícamente, zomba dos pro- tanto pelo contexto do livro (v., e.g., 5.1-6)
prietários de terras. Eles estão dispostos a quanto pelo desenrolar da revelação do NT
aceitar como profeta qualquer um que se (v., e.g., CI1.18-20), encontra seu cumpri-
una a eles em sua ambição. Um profeta as- mento em Cristo e em sua Igreja.
sim tão falso não era apenas alguém que
se enganara, mas sim um "mentiroso e en- 3.1-5.15 Segunda série de
ganador" (NVI). Vinho e bebida forte são o profecias: Deus devolve o
assunto favorito desses líderes carnais, que antigo domínio de Jerusalém
saciam seu imenso apetite com uma ambi- ao remanescente purificado
ção condenada pelos verdadeiros profetas
(Is 5.11,12; 28.7,8; cf Am 4.1) e advertida 3. 1-12 A velha Jerusalém e a queda
pelos sábios (Pv 20.1; 23.20,21; 31.4-7). de seus líderes corruptos
Um falso profeta, alguém que prega um Os três oráculos de juízo compartilham um
evangelho de "riqueza e prosperidade", e tópico comum (justiça; cf v. 1,8,9), a mesma
não de santidade, será este talo profeta extensão (quatro versículos) e uma estrutu-
deste povo. O profeta que eles merecem! ra comum que consiste em nomear aqueles
a quem são dirigidos (1,5,9,10). Cada um
2.12,13 Deus preserva um deles é seguido por uma acusação que é
remanescente em Sião introduzida pela palavra que (2,3,5,9,11) e
A primeira seção do livro termina com um uma sentença introduzida por então (4) ou
oráculo de esperança constituído de duas portanto (6,7,12). Os primeiros dois orá-
partes: A promessa de Deus (12) e a profe- culos movem-se em direção ao clímax do
cia de Miqueias (13). 12 O Rei-Pastor de terceiro. Aqueles a quem os oráculos são
Israel ajuntará [...] congregará o restante dirigidos vão desde os magistrados injus-
de Israel que sobrevivera à invasão dos as- tos (1) aos profetas injustos (5), aos quais
sírios (cf 1.8-16) no aprisco (uma imagem se somam os sacerdotes injustos (11). As
que representa a segurança de Sião). A rea- sentenças evoluem do silêncio de Deus (4),
lidade por trás dessa imagem é o cerco de passando para o seu silêncio somado a tre-
Jerusalém, em 701 a.c., por Senaqueribe. vas (6,7) e daí para a sua ausência, quando
O dificil texto hebraico por trás da segunda da destruição do templo (12). Jerusalém cai
metade do versículo deveria ser traduzido devido às falhas de seus líderes.
assim: "Como um rebanho em sua pasta- 3.1-4 Os pastores se transformam
gem, eles [o remanescente] serão lançados em canibais. 1 Com um enfático Ouvi,
em grande tumulto sem um homem [isto é, Miqueias primeiramente traz ao banco dos
um rei] para protegê-los". réus os cabeças e chefes (ambos os termos
13 Miqueias explica os três estágios significando juízes) de Jacó e de Israel
subsequentes da salvação do remanescente. (significando a nação). Esses juízes tinham
Primeiro, o que abre o caminho (um título a responsabilidade de saber o juízo tan-
para o Rei-Pastor de Israel) subirá diante to em sua mente quanto em seu coração.
deles. Segundo, romperão o bloqueio, en- Isto foi baseado nos casos reunidos na Lei
trarão e sairão pela porta de Jerusalém (cf Mosaica (Êx 21.1-23.19; cf Dt 17.8-11),
1.9,12). Terceiro, o seu rei (ou melhor, o sob cuja luz os juízes deveriam formular
1243 MIQUEIAS3(
novas leis e decidir as questões com jus- quer que não fizesse o que eles exigiam),
tiça (cf 1Rs 3.28; 7.7). 2 Sem coração re- eles apregoam (lit. "eles ordenam") guer-
generado, no entanto, os juízes corruptos ra santa. Os governantes procuravam pela
de fato adotam o comportamento repre- orientação de Deus, por meio dos profetas,
sentado na seguinte acusação: aborreceis tanto para a manutenção da paz como para
o bem e amais o mal (cf Is 1.17,21-23,26; a declaração de guerra (lRs 22.1-29). O
5.7; e v. SI 1.2; 19.7-11). Em uma imagem dinheiro falava mais alto do que Deus para
grotesca, Miqueias retrata os magistrados esses profetas.
como canibais. Ao reduzir seus súditos 6 Portanto Deus removerá sua capaci-
(meu [de Miqueias] povo) à miséria opres- dade de adivinhação, a fonte de seu ganho
siva e viver à custa das terras e do trabalho ilícito. Eles experimentarão noite e treva
do povo (cf 2.1,2,8,9), esses magistrados em vez de visão (revelação) e adivinha-
os estavam enviando para uma morte pre- ção (predições proibidas do oculto; cf
coce. 3 Ao repetir essa imagem repulsiva, Dt 18.10; Ez 21.21,22). Pôr-se-á o sol
o Senhor salienta sua veracidade. sobre os profetas, e sobre eles se ene-
4 Assim como os cruéis governantes grecerá o dia retrata a imagem da perda,
negavam compaixão às vítimas que supli- por parte dos profetas, do dom de visão.
cavam por misericórida, também no dia do 7 Destituídos de revelações divinas eles se
juízo (cf 2.3-5) eles chamarão ao SENHOR, envergonharão e se confundirão e serão
mas não os ouvirá; antes, esconderá deles considerados impuros (cf Lm 4.13-15).
a sua face, em sinal de falta de misericór- Como os leprosos, impuros, eles cobrirão
dia. A pior forma de juízo não é a aflição, o seu bigode (lit. "bigode" = boca) (cf
mas a ausência de Deus na aflição (cf Lv 13.45; Ez 24.17-22), o próprio local em
Hb 12.15-17). que seu dom é mal utilizado. Miqueias fala
3.5-S Os profetas gananciosos. Em aqui de Deus, não do "SENHOR", de modo a
vez de "espantar" os líderes gananciosos não associar a atividade profana dos profe-
e ávidos, os profetas (que deveriam ser os tas com o nome sagrado.
guardiões morais do povo de Deus), por S Em contraste com seus oponentes de-
assim dizer, "abanavam os seus rabos" cadentes, Miqueias diz de si mesmo: Estou
e se juntavam aos canibais para satisfa- cheio (isto é, dotado) do poder (isto é, do
zer o seu próprio apetite desmedido (cf dinamismo do Espírito do SENHOR; cf Ez
Ir 2.26; Ez 22.25-29; Sf3.3,4). "Mastigar" 2.2; 3.12,14,24), cheio de juízo e de for-
indica o amor ao dinheiro por parte desses ça (isto é, de triunfante bravura), o que o
dois grupos. coloca em pé de igualdade com seus ad-
5 Assim diz o SENHOR: A autoridade de versários que também lutam contra ele (cf
Miqueias se encontra no SENHOR e não nele 2.6), à medida que ele se envolve na causa
mesmo (cf v. 8). Os integrantes do cle- da justiça.
ro fazem errar o meu povo, afastando-os 3.9-12 Jerusalém será destruída. 9
da aliança ao recompensar o mal e punir Miqueias novamente convoca os corrup-
o bem (cf Dt 13.1-5), virando a moral de tos cabeças de Jacó e chefes da casa de
cabeça para baixo. Quando têm o que mas- Israel (cf 3.1) e os acusa de abominar
tigar representa no hebraico: "aqueles que (isto é, menosprezar) o juízo e perverter
com os seus dentes picam como uma co- tudo o que é direito em matéria de justiça.
bra". Como pérfidas serpentes, eles matam 10 Eles edificam os monumentais edifi-
suas vítimas para se alimentar. Aos que cios de Sião com sangue (isto é, por meio
satisfazem seus apetites, eles solenemen- de suas cortes corruptas que tiram a vida a
te clamam: Paz (cf 2.11). Contra aqueles suas vítimas indefesas). 11 Em um aparte,
que nada lhes metem na boca (lit. quem Miqueias elabora sua acusação. Os cabeças
MIQUEIAS4 1244
(magistrados civis que deveriam cumprir "líderes" em 3.1,9) dos montes (os centros
a lei), os sacerdotes (que deveriam en- pagãos, políticos e religiosos). Restrito à
siná-la; Dt 17.8-10; 33.10; Os 4.6) e os linguagem e à sociedade de sua própria
profetas (que deveriam aplicá-la por meio época, Miqueias exagera as imagens do
de revelações) devem formar uma rede de AT para anunciar o futuro glorioso, quan-
proteção contra a injustiça em Israel, mas do todas as nações irão adorar o Deus de
essa rede se rompeu sob o peso do amor Israel na Jerusalém celestial, por meio de
que esses líderes têm pelo dinheiro (cf Jesus Cristo (cf Hb 12.22). Visto que os
lTm 6.3-10) e também em função da fal- povos costumavam afluir ao longo do rio
sa teologia que professam com blasfêmia, Eufrates para adorar a Bel na Babilônia (Cf
ou seja, o fato de que dizem estar seguros Jr 51.44), agora eles afluirão à Jerusalém
porque se encostam ao Senhor (cf 2.7). A celestial. 2 Considerando que antiga-
aliança de Deus, entretanto, baseia-se na mente somente os israelitas se dirigiam a
ética e na verdade. Jerusalém para adorar, nesse glorioso reino
12 Portanto: A sentença de Deus será messiânico muitas (ou "grandes") nações
de acordo com o crime (cf Jr 26.18). Por subirão à Jerusalém celestial para adorar
causa de vós (os magistrados; cf v. 9,10), em espírito e em verdade (Jo 4.21-24).
seus edifícios imponentes e profanos se Eles virão para que Deus, por meio de ver-
tornarão em montões de ruínas e o monte dadeiros "sacerdotes", possa lhes ensinar
do templo (não mais o monte do Senhor) os seus caminhos (cf Mt 5.17; 28.18-20;
numa colina coberta de mato, por onde va- lPe 2.9). Quando a lei e a palavra profé-
gueiam animais impuros. tica do SENHOR vierem da Jerusalém celes-
tial, os benefícios dos v. 3,4 seguirão.
4.1-8 A Nova Jerusalém 3 Deus julgará (cf 3.11) por meio de
exaltada sobre as nações indivíduos talentosos que ministrarão sua
Os quatro oráculos seguintes se referem à palavra, e assim se resolverão as contendas
Sião renovada (cf v. 2,7,8.1 O, 11).Enquanto entre muitas (melhor seria "grandes") na-
a antiga Jerusalém caiu em função de seus ções poderosas. Sem necessidade de armas
líderes corruptos, a nova Jerusalém triun- de guerra, os povos pacificados converte-
fará, pois o remanescente de seu povo será rão as suas espadas em relhas de arados
governado pelo Messias. (melhor seria: "em enxadas"). 4 Não mais
4.1-5 Jerusalém exaltada sobre as dominada pela ganância (cf 2.2), nem ten-
nações convertidas. (Cf Is 2.2-4). 1 As do mais que viver da espada (cf Mt 26.52),
promessas dos cp. 4-5 se cumprirão a pessoa convertida (cf Jr 31.31-34) vive-
nos últimos dias (melhor seria: "nos dias rá sem medo de represálias e se contentará
vindouros"), começando com a restaura- em assentar-se debaixo da sua videira. A
ção do remanescente da Babilônia (6,7), fórmula final - porque a boca do Senhor
cumprida na igreja de hoje (At 2.17; dos Exércitos o disse - é a garantia de
Hb 1.2), e consumada no novo céu e na que a visão será cumprida. Hoje a igreja
nova terra no final dos tempos (2Pe 3.12; é constituída de fiéis autênticos, de todas
Ap 21-22). Em uma empolgante revi- as nações, que sabem que mais bem-aven-
ravolta, Miqueias passa da destruição turado é dar que receber (At 20.35), têm a
do "monte do templo" (do hebraico hãr) lei escrita em seu coração e experimentam
(3.12) para a exaltação do monte (do he- a graça e a paz prometidas por Deus Pai e
braico hãr) da Casa do SENHOR, a répli- por nosso Senhor Jesus Cristo.
ca terrena do próprio céu (cf Êx 25.9; 5 Esperando em Deus pelo cumpri-
Hb 9.23,24) que será estabelecido no mento dessa promessa, o remanescente
cimo (a mesma palavra em hebraico para fiel se empenhará em andar em o nome do
11
1245 MIQUEIAS 4 .11
••
SENHOR (isto é, em conformidade com a sua a grandeza de Davi, dá ao remanescente
aliança) para todo o sempre (cf Is 40.31). uma visão de sua glória futura, quando
Eles são os arautos da paz futura. virá o primeiro domínio, o reino da filha
4.6,7 O fraco remanescente se tor- de Jerusalém.
na forte. 6 A expressão Naquele dia faz
referência "aos últimos dias" do v. 1. Diz 4.9-13 As atuais dores de parto
o Senhor garante a divina inspiração des- de Sião resultarão no nascimento
sa profecia, como também sua autorida- de uma nova época
de e veracidade. O Rei-Pastor novamente O profeta continua na trilha da restauração
congregará os que coxeiam e recolherá os de Sião. O oráculo se desenvolve em dois
que foram expulsos (melhor seria: "disper- estágios (9,10; 11-13) com um formato
sos"), ansiando por restaurar a sorte dos semelhante apontando para um significa-
judeus aflitos na Babilônia. do coerente. Ambos movem-se do agora
7 Após devolvê-los a Jerusalém, Deus (isto é, da presente situação angustiante
fará (melhor seria: "transformará") deles de Miqueias; 9,11) para a glória futura por
a parte restante (um remanescente), que meio de um vocativo: ó filha de Sião (isto
agora se toma o alvo da história sagrada. é, Jerusalém e seus habitantes); com im-
Outras nações da época de Miqueias não perativos: sofre dores e esforça-te (lO) e
sobreviveram às reviravoltas da história levanta-te e debulha (13); seguidos de por-
pelo fato de Deus não preservar um rema- que e de uma descrição do futuro.
nescente delas (cf Am 1.8; Rm 11). Dos 9 A pergunta retórica - Agora, por
que foram arrojados devido a seus peca- que tamanho grito? - censura Sião por
dos, e que são agora restaurados e puri- sua descrença à medida que o remanes-
ficados, Deus fará uma poderosa nação cente (em quem Deus deposita o futuro
(lPe 2.9). Então Miqueias passa a refle- da história) vai para o exílio babilônico.
tir sobre esse oráculo figurado. Quando o A segunda pergunta - Não há rei em ti?
SENHOR, por meio do Messias, reinar sobre (melhor seria: "Rei") - explica a primei-
o remanescente, de seu trono celestial no ra. O "Rei" é Deus, como sugerem os pa-
monte Sião, (cf 5.2-4; At 2.32-36), seu ralelos no v. 12 e em Jeremias 8.19. Seu
reino durará desde agora e para sempre conselheiro (melhor seria: "Conselheiro")
(cf Is 9.6,7). que os está enviando para o exílio tem uma
4.8 O domínio de Jerusalém é res- estratégia secreta por trás de sua agonia de
taurado. Deus dirige sua terceira profecia parto: pela dor eles darão à luz uma nova
sobre Sião diretamente a Sião. Ele chama época. 10 Para que se cumpra a história
a capital restaurada de torre (isto é, uma de Sião, ordena-se ao remanescente que
torre fortificada em meio a uma vinha, de sobreviveu à queda de Jerusalém: Sofre
onde os pastores vigiavam para evitar a dores e esforça-te [...] como a que está
aproximação de animais selvagens ou para dar à luz. A agonia do parto agora
de ladrões) do ("por amor ao") rebanho indica que o remanescente será obrigado
(os indivíduos que fazem parte do seu a sair da cidade (cf 2Rs 25.2-7; Jr 52.7),
reino, cf v. 6,7). Os antigos governantes para habitar no campo (Jr 6.25; 14.18), e
os saquearam (cp. 3), mas na nova épo- ir para a Babilônia, o supremo exemplo
ca Deus os protegerá por intermédio do da escuridão espiritual. Mas ali (repeti-
Messias (cf 5.1-6). Ele também se refere do duas vezes para dar ênfase) te remirá
a ela como monte (2Rs 5.24), a fortemen- o SENHOR das mãos de teus inimigos, num
te defendida encosta leste de Jerusalém primeiro vislumbre do alvorecer de uma
(originariamente chamada "Ofel"). Esse nova época (cf 4.1). Em 705 a.c., Isaías
título antigo, que guarda associações com predisse o cativeiro babilônico na época
1246
.11
- - . MIQUEIAS 5
contraste melhor com "o que há de reinar cado e juízo aos filhos de Israel (um termo
em Israel", e explica corretamente a inten- de conotação religiosa). Tendo reunido o
ção do texto ao adicionar a expressão "não remanescente eleito, Cristo inaugurou seu
és de modo algum" e substituir o final do reino da Sião celestial quando ele enviou o
versículo pelo texto de 2SamueI5.2. Espírito Santo sobre os irmãos reunidos no
Em contraste com os líderes de Israel, cenáculo, e eles viraram o mundo de cabe-
que só pensavam em si mesmos (cf 3.1- ça para baixo (Lc 3.16; At 2).
4), acerca do Messias o texto afirma: de ti 4 O Messias que reina se manterá fir-
me sairá, isto é, dali sairá para proveito me (isto é, permanecerá para sempre; cf
de Deus (não para proveito próprio). A SI 33.11; Is 14.24) e apascentará o povo,
referência velada às raízes históricas do suprindo todas as suas necessidades, in-
Messias, por meio das alusões a Jessé clusive de alimento espiritual e proteção
pelos nomes no início do versículo, é (Jo 10; Hb 13.20; lPe 5.4). Pela fé ele
desvendada no final do versículo: cujas reinará na força do SENHOR, não por meio
origens são desde os tempos antigos, de maquinações e manipulações humanas
desde os dias da eternidade, numa refe- (cf 5.10-15). Seus súditos habitarão se-
rência à época de Jessé. O significado do guros, pois, depois de derrotar a Satanás
hebraico por trás da expressão desde os (Mt 12.22-29; Rm 16.20), ele estenderá
tempos antigos é: "desde os tempos mais seu reino até aos confins da terra (4.3,4;
remotos", "desde tempos imemoráveis" Mt 28.18-20; Jo 17.2). Cristo dá vida eter-
("antigamente", em Js 24.2; "há muito", na para o seu povo eleito, e ninguém pode
em Jr 2.20), quando usado em relação a arrebatá-lo de suas mãos (Jo 10.28).
algum acontecimento histórico; quando 5,6 O tema de que o reinado univer-
usado em relação a Deus, que existia an- sal de Cristo assegura a paz de seu reino
tes da criação, "eternamente" é uma tra- é agora elaborado. Miqueias usa nós, nos-
dução apropriada (e.g., "de eternidade a sa e nos para falar de si mesmo e dos fiéis
eternidade", SI 90.2). A adição da palavra como parte desse reino triunfante (cf 5.1).
tempos (lit."dias") mostra ser esta uma re- Ele cerca essa conclusão com as promessas
ferência histórica. A expressão completa de que o Messias será a nossa paz (5a) e
é traduzida por "nos dias de outrora" em nos livrará (6b). O Messias tanto defende-
7.14 e "desde os dias antigos" em 7.20. rá seu reino do ataque inimigo (5b) quanto
3 Da promessa que a nova época de reinará sobre seus inimigos (6a).
Sião será inaugurada com o nascimento 5 Miqueias se refere a futuros ataques
do Messias em Belém, Miqueias conclui contra o reino do Messias como sendo
que o SENHOR os entregará, ou seja, deixa- executados pela Assíria, que fora des-
rá Israel sem um rei até ao tempo em que truída séculos antes do advento de Cristo,
a que está em dores tiver dado à luz (cf em 612 a.C. Os profetas não conseguiam
4.9,10) o Messias. A profecia se cumpriu enxergar os séculos que os separavam do
cerce de 700 anos mais tarde, por meio cumprimento de suas profecias, mas viam
dos fiéis servos Zacarias e Isabel, Simeão os acontecimentos futuros como eventos
e Ana, José e, acima de tudo, Maria iminentes numa superficie plana. Além
(Lc 1.5-2.40; cf Is 7.14). O núcleo do disso, eles descreviam o futuro em termos
novo reino de Sião, centrado no Messias, extraídos de sua própria experiência (cf
é formado pelo restante de seus irmãos, 4.1; Is 25.10; Am 9.12). Sob a liderança
que estão associados a ele não apenas por do Messias, a comunidade fiel levantará
sangue e pela história, mas também pelo sete (o número perfeito) pastores (uma
espírito. O restante voltará (palavra que metáfora para protetores) e até mesmo oito
-=-
11
MIQUEIAS 5 1248
(isto é, um número mais do que suficien- haja quem as livre). Essa profecia é cum-
te) príncipes (uma palavra rara encontrada prida na igreja. Entre aqueles que serão
nos anais de Sargão para seus comandan- salvos, o povo de Deus é como o aroma
tes). 6 Estes, os pastores do Messias (cf de vida, mas entre aqueles que perecerão,
lPe 5.1-4), consumirão a terra da Assíria ele é o cheiro da morte (2Co 2.14-16).
à espada, que aqui representa todos os ini- 9 Miqueias e/ou o remanescente respon-
migos do Reino de Deus, especialmente dem a essa visão como uma oração: A tua
as forças espirituais reunidas contra ele mão se exaltará [...] todos os teus inimigos
por seu arqui-inimigo Satanás (Ef 4.7-12; serão eliminados (cf Is 26.11). Nenhum
6.10-18). A terra de Ninrode é a Babilônia deles escapará quando seu reino for esta-
(Gn 10.8-12), a Roma e a Meca do mundo belecido sobre todas as nações (cf 5.4).
pagão do tempo de Miqueias. A menção à
Babilônia depois da Assíria dá sustentação 5. 10-15 Deus protege
à data no cabeçalho do livro (1.1). Na épo- seu reino purificado
ca de Miqueias, a Babilônia era dominada A sétima grande profecia de esperança nos
pela Assíria. O Império Neobabilônico que cp. 4-5 também traz a expressão naquele
veio depois destruiu a Assíria em 612 a.C. dia (cf 4.1,6), uma referência ao dia em
e foi destruído em 539. À luz do NT, a espa- que o remanescente, liderado pelo Messias,
da simboliza a palavra de Deus ministrada conquistará as nações. O acréscimo da ex-
no Espírito Santo. pressão diz o SENHOR (cf 4.6) garante o seu
cumprimento. Isso se refere à proteção de
5.7-9 O remanescente Israel de duas maneiras: a purificação in-
governa as nações terna de Israel (10-14) e a punição externa
7,8 Estará (lit. "e o restante estará") intro- das nações desobedientes (15).
duz outra profecia na sequência de profecias 10-14 A profecia - destruirei (10-13)
sobre os últimos dias (cf 4.1) e indica seu - é a resposta de Deus à oração do v. 9.
tempo de cumprimento como sendo após O verbo hebraico por trás da palavra tra-
a vinda do Messias. O restante (cf 4.7) de duzida por "destruir" frequentemente se
Jacó, o termo utilizado por Miqueias para refere à remoção das pessoas que violaram
todo o Israel (cf 1.5), tomou-se agora uma a santidade de Israel (e.g., "eliminar" em
nação forte no meio de muitos (melhor se- Lv 17.10; 20.3-6), uma medida para pre-
ria "poderosos"; cf 4.2,3) povos, trazendo servar Israel em face da ira de Deus em
vida para os fiéis e morte para os infiéis. relação aos ímpios. Os objetos, as obras
A construção semelhante dos v. 7 e 8 con- de suas mãos, destinadas a serem elimina-
trasta com o efeito entre as nações. 7 Por das do meio deles (10,13,14), ameaçam a
um lado, o remanescente é como orvalho fé que Israel tem em Deus: poderio militar
e chuvisco penetrantes (sempre sinais de (10,11; cf Dt 17.16,17), feitiçaria (12; cf
vida e bênção) que nascem misteriosamen- Dt 18.9-13) e idolatria (13,14; cf Dt 7.5).
te da iniciativa do SENHOR no céu, que não Isaías (2.6-8) acusa Israel de colocar sua
espera pelo homem, nem depende dos fi- confiança nessas mesmas coisas. O equi-
lhos de homens para trazer alívio à terra. pamento bélico inclui elementos de ata-
8 Por outro lado, o remanescente entre as que, como cavalos e carros de guerra (10)
nações é como um leão entre os animais e de defesa, as cidades com todas as tuas
das selvas (isto é, alguém que supera a fortalezas (11). 12 A NVI omite, depois da
todos em orgulho, coragem e bravura). É palavra feitiçarias, a expressão "das tuas
como um leãozinho à procura de caça entre mãos", que ressalta o fato de as feitiçarias
os rebanhos de ovelhas (isto é, o qual, se serem obra de mãos humanas. 13 O mes-
passar, as pisará e despedaçará, sem que mo acontece às imagens de escultura e
1249 MIQUEIAS6.·
•
••
colunas. Elas eram representações estiliza- como testemunha de sua aliança com Deus
das de Baal, uma divindade masculina. (Js 22.21-28), assim Deus conclamou
15 Vingança, na Bíblia, é um termo "céus e terra" como um fórum cósmico
legal que designa o princípio segundo o de testemunhas de sua aliança com Israel
qual um soberano protege seu domínio (cf Dt 4.26). Agora, aproximadamente
protegendo os seus súditos e punindo os 700 anos mais tarde, ele convoca os mon-
opressores destes. O desrespeito das na- tes (1,2) e os duráveis fundamentos da ter-
ções pagãs por seu santo reinado atrai so- ra (2) como um fórum de testemunhas da
bre elas a ira e furor de Deus. Por toda a veracidade de sua causa e da controvérsia
história, Deus protegeu seu governo con- com o seu povo, Israel. Consequentemente,
tra as nações que não lhe obedeceram, o apelo a essas testemunhas silenciosas po-
mas ele finalmente colocará em ação seu deria ter levado à condenação somente se
poder protetor na segunda vinda de Cristo as partes assumissem que a aliança tivesse
(Lc 18.7,8; 21.22; 2Ts 1.8; Ap 6.10). sido transmitida de geração em geração,
sem nenhuma modificação.
6.1-7.20 Terceira série 3-5 A acusação toma a iniciativa. 3
de profecias: Deus perdoa Ele não "aborreceu" o seu povo, como
o remanescente de seu eles implicitamente se queixam, mas an-
povo pecador tes os tinha tratado de maneira tão gra-
O imperativo plural Ouvi, dirigido à pla- ciosa desde a época de sua fundação, que
teia do livro, introduz a terceira seção de a única resposta razoável da parte deles
Miqueias. O que diz o SENHOR investe a deveria ter sido um sincero compromisso
seção de autoridade celestial. Para a coe- com Deus. Depois de seu silêncio diante
rência dessa seção à luz do livro como um do convite para que respondessem a ele
todo, ver Introdução. (cf Rm 3.19), o Senhor elabora sua pró-
pria acusação em duas partes; cada qual
6. 1-8 Israel é acusado é introduzida com apelo pela expressão
de violar a aliança povo meu (3-5). 4 A primeira parte apre-
Esse oráculo contra Israel se desenvolve senta seus atos de salvação no começo
como um complexo processo judicial. Deus, da história de Israel: Pois te fiz sair da
o autor da ação, convoca Miqueias, seu terra do Egito e da casa da servidão te
mensageiro, a chamar os montes para que remi ("libertei"). Também lhes deu a li-
testemunhem o julgamento (1), e Miqueias derança de servos de Deus nas pessoas
lhe obedece (2a). O restante do processo de Moisés, o fundador, de Arão, o sumo
desenrola-se sob a forma de um diálogo, o sacerdote, e de Miriã, profetisa e poetisa
uso repetido da palavra-chave que conferin- (Êx 15.20,21). Posteriormente, a falta de
do-lhe dramaticidade (cf v. 3,6,8). liderança em Israel não se deu pela falta
1,2 O imperativo levanta-te (singular) de graça e poder de Deus, mas pelo cora-
confere autoridade a Miqueias e ressalta ção obstinado de Israel. 5 A segunda par-
a urgência da mensagem. O hebraico por te apresenta os atos poderosos de Deus
trás da expressão defende a tua causa sig- ao final do período de formação do povo
nifica "fazer acusação". Uma vez que a de Israel, isto é, sua proteção contra os
causa é de Deus, e não de Miqueias (cf v. demoníacos líderes religiosos e políticos,
2b), deveríamos ler "minha causa" no v. Balaque, rei de Moabe e Balaão, filho de
1, e não tua. Como Jacó e Labão erigiram Beor, respectivamente, e sua milagrosa
uma coluna para servir como testemunha jornada de Sitim, na Transjordânia, atra-
de sua aliança (Gn 31.43-47), e as tribos vessando o transbordante rio Jordão até
do Oriente edificaram um altar de pedras Gilgal, seu primeiro acampamento na
.
- - . MIQUEIAS6
6 Certamente, os membros mais próximos poder do inimigo, ela está pronta a sofrer
da sua própria casa virão a se levantar a ira do SENHOR, pois esta será apenas por
desdenhosamente como inimigos uns dos um período limitado. Após pagar comple-
outros, para salvarem sua própria pele. A tamente por sua iniquidade (cf Is 40.2),
vinda de Jesus Cristo trouxe essas mesmas Deus julgará sua causa e executará seu
divisões (Mt 10.35-39; Lc 12.53). direito como um advogado, não como um
7 O profeta alterna sua canção de um promotor (6.1), pois ela não fizera mal ne-
sombrio lamento para uma clara confian- nhum a seus inimigos. Então, Sião verá
ça por meio da expressão: Eu, porém, .... (contemplará) a sua justiça em cumprir
Enquanto antes ele olhava para o castigo com as obrigações assumidas na aliança
(4), agora ele diz: olharei para o SENHOR, que fizera com ela. 10 Sião ora: A minha
esperando que o Senhor salve não somen- inimiga verá isso, e ela cobrirá a vergo-
te a ele mas também ao remanescente fiel. nha. Os olhos de Sião contemplarão (a
Baseando-se firmemente nas promessas da palavra em hebraico é a mesma do v. 9) a
aliança feitas a Abraão (20; Gn 17.7,19; cf queda de sua inimiga (Nínive).
Dt 30.1-10), Miqueias diz confiante: espe- 11-13 A palavra dia, repetida três vezes
rarei no Deus da minha salvação; o meu para deixar claro que se trata do mesmo
Deus me ouvirá. período, diz respeito tanto a uma circuns-
tância quanto a um tempo escolhido por
7.8-20 Canção de vitória: Quem é Deus no futuro próximo. É um dia para
semelhante a Deus, que perdoa o Sião reedificar os seus muros (os muros
remanescente? que cercam o rebanho, e não muralhas de
O hino que conclui a terceira série de pro- defesa, cf 5.11). É também o dia para que
fecias, bem como o livro, divide-se em os limites sejam removidos para mais lon-
quatro estrofes reativamente iguais: a con- ge, de modo que haja bastante espaço para
fissão de fé de Sião (8-10); a promessa de receber todas as nações que virão (13) se
Miqueias de que todos os povos encontra- colocar sob a proteção de seu Rei-Pastor.
rão salvação na Sião restaurada (11,12), 12 Nesse dia, virão a ti povos de toda a ter-
que é seguida pela desolação de toda a terra ra, até mesmo das antigas nações inimigas
(13); seu pedido para que Deus apascente de Sião, da Assíria, ao norte, e do Egito,
novamente o seu povo (14), acompanhado ao sul (cf SI 87; Hb 12.22). 13 Todavia, a
pela resposta de Deus (15) e a reflexão de terra será posta em desolação. Depois de
Miqueias sobre a salvação universal resul- os eleitos (compostos de judeus e gentios)
tante (16,17); e o hino do povo celebrando terem encontrado salvação em Sião, então
a incomparável graça e fidelidade de Deus virá a desolação sobre a terra por causa
para com eles (18-20). de seus moradores, por causa do fruto de
8 A Jerusalém personificada ordena à suas obras. A profecia encontra sua consu-
sua inimiga (provavelmente Nínive; cf v. mação no juízo final (2Ts 1.6-9; 2Pe 3.12;
12): não te alegres a meu respeito (isto é, Ap 20.11-15).
não se regozije por sua vitória). Ela lhe 14 Então, Miqueias pede a Deus:
explica que ainda que more nas trevas (no Apascenta o teu povo, tanto judeus quan-
cativeiro mais sombrio, Is 42.6,7; 49.9), to gentios (At 15.16-18; Ef 1.3,4). Essa
o SENHOR, que havia se comprometido imagem se estende ao restante do versí-
para sempre com Israel (cf v. 7,20), será culo: proteção (bordão) e ampla provisão
a minha luz (isto é, a livrará do calabou- (apascentem-se). Herança se refere à ter-
ço de seu cativeiro). 9 Porque sua queda ra, fonte ancestral e permanente de subsis-
fora ocasionada por seu próprio pecado, tência da família (cf 2.2; cf Nm 26.56).
e não pela impotência de Deus ou pelo Hoje, em Cristo, Deus dá a seus eleitos
uma fonte permanente de vida (10 10.28).
1253
O povo eleito mora para sempre a sós, em - no início de um hino do povo: Quem
liberdade. O complemento no bosque, no é Deus semelhante a ti...? Ninguém se
meio da terra fértil significa se tratar de compara àquele de quem o texto diz: que
"uma floresta que se parece com um jar- perdoas a iniquidade [a culpa], e que
dim". Basã e Gileade foram as primeiras te esqueces da transgressão (cf 1.5).
terras conquistadas por Moisés, com mila- Tamanha fora a quebra da aliança por
gres poderosos (Nm 21.33). Basã era céle- parte de Israel que ninguém, a não ser
bre por suas árvores majestosas (Is 2.13; Deus, teria perdoado (cf lTm 1.15-17).
Zc 11.2) e por seus animais gordos e bem No entanto, sem tal perdão o ministério
tratados (Dt 32.14). Gileade era famosa de Miqueias não teria propósito. Ele te-
por suas boas pastagens (Nm 32.1,26). ria tido a satisfação de dar vazão à sua
Miqueias está pedindo a Deus que renove amargura, mas o povo ficaria insensível
e repita as primeiras bênçãos de Israel. 15 ao seu pecado (cf SI 130.3,4). Ele agora
Deus promete responder a essa oração de lista as qualidades benevolentes de Deus:
acordo com sua vontade. não retém para sempre a sua ira; se de-
16,17 Enquanto reflete sobre as pro- leita na misericórdia; terá compaixão; e
messas precedentes, Miqueias se dá conta mostrarás a Jacó a tua fidelidade. Deus
de que todas as nações verão as maravi- deu mostras dessas mesmas qualidades
lhas de Deus (15) e se envergonharão por quando Israel pecou ao fazer o bezerro
ter apostado sua honra em deuses falsos de ouro, e Moisés pediu a ele que mos-
e impotentes. Porão a mão sobre a boca trasse sua glória (Êx 34.6). 19 Por causa
significa que "se calarão", e os seus ouvi- de sua misericórdia, Deus lançará todos
dos ficarão surdos significa que "não da- os [seus] pecados no fundo do mar, de
rão ouvidos". Quando Deus realizar essas modo que não possam mais ameaçar a
maravilhas, as nações deixarão de insultar existência de Israel, assim como fizera
e escarnecer de Israel e não darão ouvidos com o exército do faraó. 20 Essas quali-
aos boatos sem fundamentos e aos argu- dades também garantem que ele mostrará
mentos vazios de outras nações. 17 As na- a sua fidelidade ao manter a aliança que
ções também renunciarão a seu poder. Os tem jurado a nossos pais desde os dias
reis conquistados lamberão o pó enquanto antigos. Tudo isso é possível por causa de
rastejarem diante do SENHOR. Confrontados Jesus Cristo, que pagou a punição pelos
com o seu poder, elas, tremendo, sairão pecados do povo, e é o "Amém" de Deus
dos seus esconderijos e, tremendo, virão a suas promessas da aliança.
ao SENHOR, nosso Deus, para adorá-lo.
18 Miqueias entrelaça aqui habilmen-
te o seu próprio nome ("quem é como Bruce Waltke
NAUM
INTRODUÇÃO
o profeta Naum àqueles homens, que tinham falado coisas
Tudo que sabemos sobre Naum vem do aviltantes a respeito de meu deus Assur, e
próprio livro. Ele veio de Elcos, embo- que tramaram contra mim, o príncipe que
ra não saibamos onde fica esse lugar. Ao adora a Assur, eu arranquei a língua deles e
menos quatro localizações diferentes já também os humilhei. Como oferenda pós-
foram sugeridas, desde Judá até a Assíria! tuma, destrocei o resto das pessoas vivas
A maioria dos comentaristas toma por cer- com as próprias estátuas das divindades
to que Naum proferiu suas profecias em protetoras, em meio às quais eles destro-
Jerusalém (ou pelo menos em Judá), mas çaram Senaqueribe, meu avô. Com a sua
ele pode ter sido uma das pessoas previa- carne despedaçada eu alimentei cachorros,
mente deportadas de Israel para a Assíria, porcos, chacais, aves, abutres, as aves do
ou espalhadas entre as nações (Jr 23.1-3; céu e peixes das profundezas dos lagos".
Ez 11.16; Jl3.2). Os assírios foram responsáveis pela
O nome Naum significa "consolo", destruição de Samaria, e de todo o Reino
"conforto". A raiz tem o significado de "ser do Norte junto com ela. Em 2Reis 17.5,
aliviado pela vingança" (Is 1.24; 57.6), lemos: "Porque o rei da Assíria passou
algo que seria especialmente apropriado por toda a terra, subiu a Samaria e a si-
no caso de Naum. Conforto e alívio são tiou por três anos". Dá até para imaginar o
trazidos ao povo de Deus quando o Senhor povo cada vez mais faminto, desesperado
se vinga de seus inimigos! e totalmente sem esperança, ao contemplar
Provavelmente Naum viveu pouco an- aquele imenso e invencível exército assí-
tes da destruição do Império Assírio, ga- rio. Eles também sabiam que os soldados
rantida pela queda de Nínive em 612 a.C., desse exército eram cruéis e implacáveis.
episódio sobre o qual ele coloca o seu foco. Eles esfolavam as pessoas vivas - ar-
Ele provavelmente profetizou após a de- rancavam-lhes a pele e arrastavam-nas
vastação de Tebas, situada às margens do com ganchos cravados em sua carne. E se
Nilo, em 663, como parece estar indicado as pessoas ainda não soubessem do que
em 3.8 (v. quadro na página 949). seus inimigos eram capazes, os assírios as
lembrariam cotidianamente (cf o discur-
o contexto histórico so do comandante assírio a Ezequias, em
Nínive era a capital da Assíria, a mais cruel Is 36.4-10). No Museu Britânico há gravu-
e implacável nação do mundo antigo. Os ras entalhadas em pedra, encontradas em
assírios amedrontavam suas vítimas, pois Nínive, que mostram bem o modo como os
não somente destruíam e queimavam as ci- assírios lidavam com as cidades conquis-
dades que derrotavam, como também sub- tadas. Uma delas mostra um amontoado
metiam seus habitantes a diferentes sortes de cabeças humanas. A gravura do cerco
de sofrimento e humilhação. de Laquis mostra três homens empalados
Um de seus reis, Assurbanipal, gabava- em estacas de madeira nos arredores da
se nos seguintes termos sobre alguns cons- cidade, um lembrete terrível aos que ain-
piradores que tinha derrotado: "Quanto da se encontravam presos dentro dela. Os
1255 NAUM • •
•
11.
cativos eram frequentemente mutilados e minável. A maneira como Naum expressa
tinham as mãos, pés, nariz, orelhas e lín- sua mensagem tem causado certo incômo-
gua cortados. Uma gravura em alto-rele- do a alguns comentaristas mais sensíveis.
vo de Khorsabad mostra carros de batalha O tom é estabelecido logo de início (1.2),
passando por cima de corpos mutilados. quando diz literalmente: "O SENHOR é Deus
Era comum os soldados inimigos serem zeloso e vingador, o SENHOR é vingador e
esquartejados (Na 3.1; cf SI 137.9). As cheio de ira; o SENHOR toma vingança con-
mulheres eram tomadas como espólio, e tra os seus adversários, e reserva indigna-
as que estivessem grávidas tinham seus ção para os seus inimigos".
fetos extirpados. A palavra traduzida por "zeloso" vem
Tendo conquistado uma cidade, os assí- de uma raiz que significa "ardor", "fer-
rios tomavam as medidas que fossem ne- vor", "zelo". Pode indicar ciúme num
cessárias para que não tivessem nenhum mau sentido ou inveja (Gn 26.14; 30.1;
tipo de problema no futuro. Assim, quando 37.11; SI 73.3), mas com maior frequên-
Samaria caiu em 721 a.C., 27 mil de seus cia significa sentir ciúme justificado (e.g.,
habitantes foram exilados, e um número Nm 5.14,30) ou ter o zelo correto (e.g.,
equivalente de deportados de outras nações Nm 11.29; 25.11). As palavras traduzidas
foi trazido para ali. Com isso destruía-se a por "vingador" e "toma vingança" vêm de
unidade bem como a identidade da nação, uma raiz que pode ser usada no sentido
o que dificultava a organização de algum negativo, ou seja, nutrir sentimentos de
tipo de resistência no futuro. vingança em relação ao próximo. Isso é
Podemos ver por que as pessoas fica- proibido por Levítico 19.18 e vai contra
vam (e ainda ficam) preocupadas com a o amor: "Não te vingarás, nem guarda-
ideia de Deus permitir que os assírios exe- rás ira contra os filhos de teu povo; mas
cutassem o juízo em seu nome. Todavia, amarás o teu próximo como a ti mesmo".
a Bíblia diz em várias passagens que os Geralmente, entretanto, como aqui, tais
assírios foram utilizados como instrumen- palavras são usadas com o sentido de
tos do juízo divino. vingança justa (Nm 31.2,3; Dt 32.43).
Naum entra em cena bem depois da "Cheio de ira" indica alguém que está
queda de Samaria. A cidade de Nínive indignado, furioso, fumegando de raiva
caiu em 612 a.C., Naum devendo ser data- (Gn 27.44,45; Dn 8.6).
do um pouco antes disso. Noventa anos é Assim, o livro de Naum é passional. O
um longo tempo para se esperar pelo juízo Deus da Bíblia não é um Deus frio, distan-
de uma nação perversa. Incidentalmente, te e imperturbável como o ideal filosófico
Jonas exerceu seu ministério em Nínive grego. Ele olha para nós, seres humanos,
pouco antes de 721. Ele é mencionado em vê nossa maldade e diz: "Como vocês
2Reis 14.25 (que faz referência ao reinado ousam se comportar dessa maneira em
de Jeroboão 11, 782-753) como tendo pro- meu mundo? Eu os criei, e vocês não têm
fetizado anteriormente. vida nem direito algum de existir longe
Embora o juízo de Deus possa demorar, de mim, absolutamente nenhum futuro, a
ele nunca é esquecido; Deus se importa ar- não ser que estejam em harmonia comigo.
dentemente com o certo e o errado. O livro O que quer que esteja errado no mundo
de Naum mostra isso de modo muito claro. deve ser corrigido - e eu farei com que
isso aconteça".
A mensagem de Naum Ideias desse tipo não são muito ao gos-
Naum é um pequeno livro apaixonante to da pessoa instruída de hoje. O livro de
com esta mensagem central: O Senhor traz Naum nos é um forte lembrete de que Deus
o castigo aos assírios por seu pecado abo- se importa com o seu mundo, e julgará o
.
li
li. NAUM1
ESBOÇO
1.1 o título
1.2-8 Um hino ao Senhor
1.9-15 Anúncio de juízo para a Assíria e de salvação para Judá
1.9-11 Juízo para os conspiradores
1.12-14 Futuros contrastantes para Judá e Assíria
1.15 O mensageiro traz boas-novas
•
bre as nações a seu próprio poder, força e Basã e Carmelo (4), juntamente com
deuses (Is 10.12-18; cf Sf2.13-15). Naum o Líbano, eram as áreas arborizadas mais
descreve Deus em relação a vários fenôme- exuberantes da Palestina. O Líbano era
nos naturais impressionantes e amedronta- famoso por suas grandiosas árvores. Mas
dores. Comparado a isso, os assírios e seus diante do Senhor, sua exuberância se mur-
deuses são completamente insignificantes. cha. Os sólidos e resistentes montes tre-
O v. 6 contém quatro palavras para ira mem perante ele (5). Isso sugere a ideia de
(juror da sua ira é literalmente "a ira [ar- tremor tanto por medo quanto por arreba-
dente] de sua ira"!). Assim, essa repetição tamento (cf Ez 12.18). A terra fica devas-
indica uma forte ênfase, como nos v. 2,3a. tada diante dele, o mundo e todos os que
As pessoas da época de Naum (com nele habitam. Naum provavelmente estava
exceção das que eram muito ricas e im- pensando nas consequências de algumas
portantes) construíam suas casas com ti- tempestades ou talvez inundações que ele
jolos de barro secados ao sol; os telhados já tinha visto ou sobre as quais tinha ouvi-
eram feitos de vigas de madeira e galhos, do falar.
cobertos com uma camada de argila e cal. 7,8 Aqui temos algo parecido com o v.
Durante as tempestades eles tomavam 3a: uma declaração da bondade de Deus,
consciência de sua pequenez frente ao po- fazendo um contrapeso ao tema principal,
der da natureza. No entanto, diz Naum: o e um rápido retomo a este. O SENHOR é bom,
SENHOR tem o seu caminho na tormenta e éfortaleza no dia da angústia e conhece os
na tempestade; ali ele se sente totalmen- que nele se refugiam. Com frequência, a
te à vontade, é por ali que ele passeia. As palavra "conhece" no AT significa não ape-
nuvens, que nos parecem tão grandes, são nas conhecimento intelectual, mas preocu-
o pó dos seus pés. Os israelitas não eram pação em cuidar de algo (e.g., Êx 33.12;
um povo acostumado com à vida marítima, SI 103.13,14). A NVI introduz "Nínive"
e o mar lhes era algo assombroso. Mesmo nesse versículo (como também em 1.11,14;
hoje, com todo o nosso conhecimento e 2.1). O próprio profeta não menciona esse
tecnologia, alguns navios ainda se perdem nome até 2.8, possivelmente para gerar
em meio aos oceanos. Mas Deus repreende questionamento e tensão em seus ouvintes,
o mar e o faz secar. e um impacto maior quando o nome for fi-
Pelo menos duas alusões merecem nalmente revelado.
ser mencionadas aqui. Há uma referência
ao passado, à travessia do mar Vermelho,
1.9-15 Anúncio de juízo para a
que permitiu que os israelitas escapassem Assíria e de salvação para Judá
(e afogou o exército egípcio que tentava
impedi-los), bem como uma referência à 1.9-11 Juízo para os conspiradores
travessia do rio Jordão, quando Josué lide- 9 Aqui temos um novo começo. Tendo de-
rou o povo de Israel para entrar na terra de fendido em detalhes a tese de que é mui-
Canaã. Em ambos os casos, Deus conteve to melhor estar ao lado do Senhor do que
as águas para permitir que o povo passasse. contra ele, Naum agora volta a se dirigir
Quando Jesus acalmou as ondas no mar da aos inimigos (como na NVI mg): Que pen-
Galileia (que era e ainda é célebre por suas sais vós contra o SENHOR? Ele mesmo vos
tempestades imprevisíveis e violentas), ele consumirá de todo; não se levantará por
estava indiretamente mostrando sua divin- duas vezes a angústia. Observe que não
dade (Me 4.35-41). Os discípulos se per- deve ter sido muito fácil para os ouvintes,
guntavam: "Quem é este que até o vento e que ouviam Naum pela primeira vez, sa-
o mar lhe obedecem?". Quem poderia ser, ber a quem ele estava se referindo. Nínive
senão o Senhor, o próprio Javé? não tinha ainda sido mencionada (isso só
NAUM 1 1258
ocorre em 2.8), e Judá não é mencionado assino, e eles saberão que seus deuses
diretamente antes do v. 15. nada são. Vil, aqui, significa "insignifican-
10 Esse versículo é difícil de ser tra- te", "sem valor algum."
duzido. Se a NVI estiver correta, temos Vale a pena nos perguntarmos o que
três imagens diferentes de infortúnio: seria, nos dias de hoje, o equivalente aos
"entrelaçados como espinhos" e incapa- deuses assírios, que forneceriam coisas
zes de se mover; cambaleantes por esta- desejáveis como poder, segurança, riqueza
rem "encharcados de bebida", incapazes e luxo. Para alguns, talvez seja a empre-
de se controlar ou de defender a si mes- sa para a qual trabalham, que recompensa
mos e com uma ressaca ainda por vir (cf grandemente quem lhe presta obediência
SI 107.27; Pv 23.29-35; Is 29.9); e "con- cega e permanece útil, mas arruína os que
sumidos" ["queimados"] rapidamente. se recusam a se enquadrar. Por poderosos
Uma alternativa possível seria: Pois em- que possam parecer esses falsos deuses
bora sejam como espinhos entrelaçados, e com que deparamos, é bom termos cons-
estejam ensopados como se tivessem mer- ciência de que seu poder é ilusório e pas-
gulhado em sua própria bebida, eles serão sageiro, e que somente o Senhor é Deus
completamente devorados como restolho sobre tudo.
seco. Em outras palavras, embora eles pa-
reçam encharcados e imunes ao fogo, o 1.15 O mensageiro traz boas-novas
fogo do Senhor certamente os consumirá. Esse é um versículo de transição entre o
11 Acredita-se que isso seja uma referência anúncio geral dos propósitos de Deus e a
a Senaqueribe, o rei assírio que se colocou descrição do destino de Nínive. É seme-
contra Deus quando destruiu 46 cidades de lhante ao célebre versículo de Isaías 52.7
Judá e sitiou Jerusalém em 701 a.c. (Is 40.9 também apresenta algumas seme-
lhanças). O NT faz referência a ele em Atos
1.12-14 Futuros contrastantes 10.36 e Romanos 10.15. Ele expressa de
para Judá e Assíria forma poética o fato de que a vitória foi
12,13 Aqui encontramos o primeiro discur- alcançada. Os pés do que traz boas-novas
so direto dirigido aJudá (a NVI acrescenta pertencem ao mensageiro: a batalha está
"mas, você, Judá" para deixar isso bem ganha, a opressão terminou e a paz pode
claro). Na profecia hebraica, há frequentes ser restabelecida. Celebra as tuas festas, ó
mudanças da pessoa a quem a profecia se Judá, ou seja, desfrute das celebrações da
dirige. Assim diz o SENHOR, por poderosos vitória nas quais as ofertas de ação de gra-
que os assírios sejam, eles serão extermi- ças serão sacrificadas e os adoradores co-
nados e passarão; eu te afligi [Judá] mas merão sua carne. Cumpre os teus votos se
não te afligirei mais. O jugo de Judá (a refere aos votos que costumavam preceder
marca da servidão) e os laços (o sinal do as batalhas. Provavelmente o mais conhe-
cativeiro) serão quebrados. 14 O profeta cido, e certamente o mais estúpido, tenha
novamente se volta para Nínive/ Assíria, sido o voto de Jefté (Jz 11.30-31).
dizendo: O SENHOR deu ordem. Isso res-
salta a firmeza da decisão. Que não haja 2.1-3.19 A queda de Nínive:
posteridade que leve o teu nome signifi- Descrição e interpretação
ca literalmente: "seu nome não será mais O primeiro trecho, 2.1-12, nos dá uma des-
propagado". O fato de uma linhagem ser crição vívida, embora caótica, dos ninivi-
exterminada era considerado uma grande tas lutando desesperadamente para sobre-
maldição (cf SI 37.22,28-38; Is 48.19). O viver a um ataque, mas sem sucesso. Eles
Senhor exterminará tanto as imagens de passam por grande aflição, e seus corações
escultura quanto as de fundição do templo começam a pesar, enquanto o inimigo sa-
1259
•
NAUM 2 - : '
queia sua cidade. O v. 13 retoma dois dos ros ficavam maiores, o povo no interior da
itens mencionados nos versículos anterio- cidade construía rampas internas. É claro
res: os "carros" de guerra que se chocavam que o invasor no final venceria, pois não
entre si na tentativa de evitar que os muros somente tinha acesso a uma maior quanti-
da cidade fossem queimados (4) e os "leõe- dade de material, como também dispunha
zinhos", que antes recebiam as presas em de mais espaço para construir rampas mais
suas tocas, mas que delas serão removidos altas. Em todo caso, essa é uma maneira de
à espada, e cujo suprimento de comida será descrever a intensa atividade de ambos os
cortado (11,12). lados. Os invasores, do lado de fora, cons-
A razão dessas consequências é decla- truindo rampas cada vez mais altas, vigian-
rada no início do v. 13: "Eis que eu estou do para que ninguém escapasse por elas e
contra ti". O mesmo padrão de descrição- se preparando para o ataque final, sentindo
acrescida-de-oráculo ocorre novamente que a vitória estava próxima. E os que se
nos versículos seguintes. O trecho de 3.1- defendiam da invasão, enfraquecidos pela
4 descreve a cidade sanguinária, e em 3.5 falta de alimentação e água, tentando de-
o Senhor diz, novamente: "Eis que eu es- sesperadamente reunir suas últimas forças
tou contra ti". O discurso direto dirigido a para retardar a derrota final, a humilhação
Nínive continua até o final do capítulo (e e a tortura.
do livro). Esse tipo de padrão repetitivo 2 Esse versículo está entre parênteses.
é frequentemente encontrado na literatura Ele apresenta as razões de tudo isto estar
hebraica. Muitos estudiosos o consideram acontecendo: Porque o SENHOR restaura a
uma forma eficaz de trazer à atenção al- glória de Jacó, como a glória de Israel e,
gumas ênfases. portanto, seus opressores devem ser jul-
gados. A seguinte tradução também seria
2. 1-13 Os últimos possível: "O Senhor está restaurando a
suspiros de Nínive dignidade de Israel", o que poderia sig-
Nesse ponto não encontramos uma sequên- nificar que não havia mais necessidade
cia cronológica dos acontecimentos, mas de punição e, por isso, Nínive podia ser
uma série de pequenas descrições que pro- dispensada.
curam retratar o cenário dos últimos dias 3-5 O profeta retoma agora a descrição
de Nínive. do cerco. Há duas maneiras de se enten-
Nínive é tratada diretamente (a NVI der isso. A primeira é tomar os v. 3,4 como
apresenta o nome como parte do contex- uma referência aos babilônios, que cons-
to; cf v. 8). O destruidor (lit. "aquele que tituem uma visão terrivel. Eles já se en-
dispersa") sobe contra ti é uma referência contram dentro da cidade, ou então correm
à Babilônia, que havia sido conquistada pelas ruas e praças dos subúrbios fora dos
pela Assíria. A Assíria, que havia disper- seus muros. No v. 5, eles se aproximam do
sado muitas outras nações, está prestes a muro sob a proteção de seu escudo (testu-
ser dispersada ela mesma. Guarda a for- do inimigo), para minar seus alicerces. O
taleza significa lit. "Guarda as rampas ou v. 5a pode também ser uma referência um
o forte". Rampas eram enormes montes tanto abrupta à ação do comando assírio no
de terra colocados fora dos muros da ci- interior de Nínive, ou então tropeçam em
dade para ajudar as tropas inimigas a pas- seu caminho pode simplesmente significar
sar pelos muros. Assim, é de esperar que a pressa dos invasores em alcançar as mu-
fossem construídas pelas tropas que esta- ralhas e terminar sua tarefa. Uma outra al-
vam sitiando a cidade. É possível, entre- ternativa seria pensar que os v. 3-5 podem
tanto, que isso se refira a rampas internas. ser uma descrição do tumulto dos ninivitas
À medida que as rampas de fora dos mu- no interior da cidade, correndo do lugar de
11
. : . NAUM 3 1260
nós, qual seria a utilidade de ter aliados? diz o SENHOR dos Exércitos
Pudemos notar essa declaração aterradora
3. 1-4 Ai de Nínive em 2.13. Aqui, ela introduz um discurso
1 Ai era um lamento que os profetas ge- mais extenso a Nínive, que combina a des-
ralmente proclamavam contra aqueles que crição do juízo com as suas razões.
Deus estava para julgar. Era usado sobre- 6,7 Levantarei as abas de tua saia so-
tudo como um lamento pelos mortos, e bre o teu rosto, e mostrarei às nações a tua
sempre indicava algum tipo de calamida- nudez indica desgraça e um juízo apropriado
de muito séria. A cidade sanguinária ob- pelo orgulho. Como a prostituta "descobre
viamente é Nínive, que fora responsável sua nudez" (uma expressão que significa
1261 NAUM3/
••
relação sexual em passagens como Lv 18.6- mem embriagado cambaleia pela cidade
23) ao exercer a prostituição, assim tam- totalmente desorientado, impotente e in-
bém o juízo envolve descobrir a "nudez" defeso. Incapaz de lutar, o povo de Nínive
de Nínive. Pode ser uma referência à práti- tentará encontrar um lugar para se escon-
ca de expor publicamente a nudez de uma der e procurará se refugiar.
prostituta ou de uma adúltera (Ez 16.37-41; 12-18 Seguem várias imagens nes-
cf Is 20.2-4; Jr 13.22,26). Lançarei sobre ses versículos. Todas as tuas fortalezas
ti imundícias, tratar-te-ei com desprezo e são como figueiras carregadas de frutos
te porei por espetáculo (6), tudo isso para maduros (12). Uma sacudida na árvore
ressaltar que do mesmo modo que Nínive fará com que os figos caiam diretamente
não mostrou piedade, ninguém terá pieda- na boca do que os há de comer. O povo
de dela. A pergunta retórica no v. 7 implica de Nínive é tão vulnerável quanto esses
que não haverá ninguém para confortá-la frutos. As tropas de soldados são como
ou pranteá-la. mulheres (13). Não como mulheres das
8,9 Esses versículos descrevem a glória modernas forças armadas, fisicamente
de Tebas (lit. "Nô-Amom"), uma cidade fortes e treinadas, mas como as mulheres
que no passado fora grande, mas veio a su- daquela época, as quais nunca se espe-
cumbir. Amom era o nome do deus adorado rava que se envolvessem em batalhas e
em Tebas, a quem a cidade supostamente que, por isso, não recebiam treinamento
pertencia. És tu melhor do que Nó-Amam e eram indefesas. As portas do teu país
significa: "Há algum motivo para que seja estão abertas - elas não mais oferece-
diferente com você?". Tebas foi a mais fa- riam proteção contra os inimigos.
mosa cidade do Egito, de 1580-1205 a.C. Nínive é comparada a uma cidade bem
Era adornada por magníficos monumentos, defendida sob cerco (14,15a). Eles têm
e até hoje suas ruínas são admiráveis. Na água, defesa sólida e repararam suas bre-
parte oriental do Nilo ficava a cidade dos chas. Mas o fogo os consumirá e a espa-
vivos; na parte ocidental ficava a enorme da os exterminará. Os príncipes e os che-
necrópole ou cidade dos túmulos e mo- fes assírios são comparados a gafanhotos
numentos aos mortos. Também contava (15b-17). Eles parecem estar por toda par-
com um grande porto artificial. O rio Nilo te, mas, de repente, desaparecem. Há uma
aparentemente se dividia em quatro canais semelhança com a promessa feita a Abraão
de pouca profundidade nesse ponto, o que (Gn 15.5; 22.17). Embora os assírios pare-
explicaria o significado literal da parte se- çam ser tão bem-sucedidos quanto os des-
guinte do versículo: que estava situada en- cendentes de Abraão, somente a aliança
tre o Nilo e seus canais, cercada de águas. com Deus garante o sucesso contínuo. O
Tebas tinha sido o centro de um grande v. 18 diz que os pastores estão dormindo
império que se estendia do norte da Síria (isto é, os líderes estão mortos) e, portan-
até a Núbia, mas havia sucumbido (10); o to, eles são incapazes de reunir as ovelhas
mesmo acontecerá com Nínive (11). desgarradas dos assírios.
10,11 Seus filhos foram despedaçados. 19 A palavra final é que não haverá ne-
Há referências a essa prática brutal em nhuma amenização do sofrimento, nenhu-
2Reis 8.12; Isaías 13.16 e Oseias 13.16. ma compaixão pela Assíria. Ao contrário,
Tomavam as crianças e arremetiam suas haverá muita alegria e comemoração por
cabeças contra um muro ou pedras. O ob- parte de todos aqueles que ouvirem a res-
jetivo era exterminar toda a população, e peito da queda de Nínive, por terem todos
essa era a razão para extirpar os fetos das já experimentado sua maldade incessante
mulheres grávidas (cf Am 1.13). Também (v. Ez 25.6 para a expressão "baterão pal-
tu, Ninive, serás embriagada (11). Um ho- mas" como um gesto maldoso associado
llII
1lII. NAUM 3 1262
IlIIIl11
à alegria pelo sofrimento). Não haverá castigo. Também nos adverte em relação
tristeza quando o mal for finalmente des- ao nosso próprio pecado e nos encoraja,
truído. a juízo de Deus será visto como quando nos encontrarmos oprimidos por
absolutamente correto. Não haverá um só grandes males, a lembrar que Deus sem-
traço de remorso ou falha. Isso, para nós, pre terá a última palavra. Precisamos nos
é algo dificil de aceitar. Como poderia não lembrar dessa mensagem nos momentos
haver tristeza, se muitas pessoas acabariam em que aqueles que nos perseguem pare-
no inferno? É claro que haverá tristeza - cem "aumentar como gafanhotos" ou, por
como é retratado pela imagem do pranto outro lado, naqueles momentos em que
pela Babilônia em Apocalipse 18 (a qual é pensamos estar alcançando sucesso com
substituída por uma imagem de alegria em um comportamento que não honra a Deus.
Ap 19). Todos os efeitos do mal desapare- a livro de Naum pode ter um escopo limi-
cerão no final. tado, mas sua mensagem é vital.
Assim, o livro de Naum nos diz de
forma bem direta que o mal receberá seu Mike Butterworth
HABACUQUE
INTRODUÇÃO
Quem foi Habacuque? dos, embora estejam tratando os justos com
Habacuque é uma figura obscura. Seu livro injustiça? Habacuque não ora pelo alívio
nada diz a respeito de sua genealogia ou de do sofrimento (cf SIlO; 12 etc.), ele per-
quando profetizou. Fala apenas de seu pa- gunta por que o juízo não vem.
pel como profeta, um intermediário entre O questionamento de Habacuque não
Javé e Israel. Seu nome é evidentemente diminui sua fé em Deus, com quem ele
hebreu, mas reflete a influência dos meso- desfruta de uma ligação pessoal (1.12).
potâmios, que dominaram Israel do século Ele tem consciência do poder sublime
IX ao VI a.c. Na língua acadiana, seu nome do Rei e Criador do universo (3.16), mas
significa uma planta ou árvore frutífera. também sabe que Deus se importa com ele
Na tradição judaica mais tardia do li- (3.17,18). Habacuque nos ensina que ques-
vro apócrifo "Bel e o Dragão", Habacuque tionar a Deus é algo aceitável; é a recusa
aparece na história como aquele que levou de confiar em Deus que causa nossa ruína.
comida a Daniel na cova dos leões. Devido
à notação musical (3.1 e 3.19) e à forma do o contexto histórico
salmo em Habacuque 3, alguns estudiosos Não nos é fornecida nenhuma data para es-
têm sugerido que ele era levita, tribo liga- sas profecias, embora seja possível atribuir
da à música (Ed 3.10; Ne 12.27). Esse fato uma data aos eventos referidos. Alguns
também encontra apoio em um manuscrito estudiosos têm sugerido uma composi-
que identifica seu pai como Jesus, um levi- ção tão tardia quanto o século II a.c., mas
ta. Outros sugerem que ele era um oficial a necessidade de se reescrever o text; de
da corte ou um profeta do templo. Todas 1.6 para sustentar essa hipótese é um lor-
essas sugestões são especulativas e não te argumento contra ela. Como' o temos
apresentam nenhuma evidência concreta. agora, 1.6 prenuncia a iminente invasão
Enquanto a identidade de Habacuque da Babilônia. A nação que anteriormente
não é certa, sua personalidade é clara. Um dominava Israel era a Assíria, cuja capital,
sincero e devotado seguidor de Javé, que Nínive, caiu nas mãos dos babilônios em
não somente se submetia à vontade de 612 a.C. Estes consolidaram seu domínio,
seu Senhor, mas também o confrontava estabelecendo o Império Neobabilônico
quando achava que Deus estava ignoran- ao derrotar uma aliança encabeçada pelo
do suas próprias promessas. Assim como Egito, em Carquemis, na Síria, em 605
Jó, Habacuque não hesita em questionar a a.c. (Jr 46.2). Por fim, os babilônicos ata-
Deus, em uma forma de literatura conhecida caram Jerusalém, saqueando-a e destruin-
como "teodiceia", Ele, entretanto, questio- do o templo em 587 a.c. Uma vez que o
na a Deus por razões diferentes. Enquanto profeta prevê esse acontecimento no texto,
Jó defende sua inocência, perguntando por ele evidentemente foi escrito, ou sua men-
que, mesmo sendo inocente, ele é punido, sagem transmitida, antes disso. A própria
Habacuque pergunta justamente o oposto: queda da Babilônia nas mãos de Cim.rei
uma vez que os perversos claramente não da Pérsia, em 539 a.C., também é prenun- ,
são inocentes, por que eles não são puni- ciada (v. quadro na página 949).
HABACUQUE 1264
ESBOÇO
1.1 Título
1.2-2.20 Diálogo com Deus
1.2-4 Problema: Por que os perversos não são punidos?
1 .5-11 Resposta: Aproxima-se o juízo do perverso
1.12-17 Problema: O remédio não é pior do que a doença?
2.1 Esperando uma resposta
2.2-20 Resposta: Aproxima-se o juízo do perverso
sagem verbal, esta é antes uma revelação clama por castigo, como exige a própria
mais geral, recebida pelo profeta em uma aliança de Deus. Ainda que a perversidade
visão (cf Mq 1.1). dos vizinhos pagãos precise ser confron-
tada, o povo de Deus hoje, bem como na
1.2-2.20 Diálogo com Deus época de Habacuque, é muito tolerante
Ao contrário de outros profetas que leva- com coisas que ocorrem em seu meio e
vam as mensagens de Deus ao povo, Haba- que são claramente contrárias à vontade de
cuque se dirige a Deus diretamente com Deus revelada nas Escrituras e na criação.
duas perguntas, às quais Deus responde. Enquanto procuramos restaurar o pecador,
frequentemente toleramos o pecado, ou
1.2-4 Problema: Por que 05 pelo menos tentamos reduzir a gravidade
perversos não são punidos? de suas consequências negativas. A falta
Em forma de um lamento tradicional, o de confrontação, em vez da restaurar o pe-
profeta pergunta a Deus até quando ele cador, tacitamente lhe dá permissão para
tem de pleitear sua causa antes que ele continuar em pecado (cf 1Co 5). Um filho
responda (cf SI 13.1,2). Será que Deus de Deus é alguém chamado para enfrentar
seria capaz ou estaria disposto a salvá-lo a injustiça publicamente, seja ela corpora-
da violência opressora? Habacuque, assim tiva, social ou política, mas essa confron-
como Jó, não hesita em questionar a Deus tação será vazia se o mal não for reprimido
quando sua compreensão teológica dele dentro da comunidade dos fiéis. Existe,
e de seu modo de agir não corresponde à mesmo hoje, uma grande necessidade de
realidade que ele testemunha. profetas que não comunguem com o "pe-
O infortúnio sobrevém de modo severo cado seguro", mas insistam em que esse
ao servo de Deus, numa sucessão de de- pecado seja erradicado.
sagradáveis sinônimos. O que realmente
aborrece o autor não é o infortúnio em si, 1.5-11 Resposta: Aproxima-se o
mas sua causa. Normalmente a fonte dos juízo do perverso
infortúnios são os inimigos externos, pes- O pedido de Habacuque por justiça será
soais ou nacionais, mas aqui essa fonte é logo respondido, ainda no seu tempo (em
interna, é o perverso, elemento impenitente vossos dias), e a resposta será assustado-
que se encontra em meio ao povo de Israel. ra. Ela ocorrerá entre as nações. A LXX,
Enquanto alguns propõem os assírios para ao alterar uma letra do hebraico, traz aqui
o papel do perverso, o que se adapta mui- o termo "escarnecedores" ou "traidores".
to bem ao contexto da profecia, uma outra A incredulidade do autor surge diante da
alternativa explica o afrouxamento da lei, identidade do instrumento de Deus para
que é generalizado. Essa influência re- o juízo, os caldeus. Conhecidos por sua
guladora fora concedida ao próprio povo impulsiva ferocidade, eles expropriarão
de Deus para a orientação da sociedade a todos.
(Êx 18.16,20; Is 2.3), e a Assíria, claro, não O problema de Habacuque em relação
estava sujeita a essa orientação. Agora, a aos caldeus é dúplice. Eles são um povo
justiça em Israel, em vez de ser um símbo- arrogante, que não aceita orientação alheia
lo da justiça divina (Am 5.24), é notavel- nem teme oposição militar. Promovem sua
mente omissa ou, ainda pior, torcida. própria dignidade, seguem seu próprio
Na época de Habacuque, como nos dias direito. No comando de poderosas forças
de hoje, grandes problemas de injustiça ofensivas, seus cavalos são comparáveis
podem ser encontrados em meio ao povo a feras e pássaros notórios por sua feroci-
de Deus. Em vez de condenar o pecado, dade, voracidade e velocidade. Esses dois
ou pedir que este seja ignorado, o profeta elementos, orgulho e ferocidade, fazem
parte da identificação que esse povo faz de
1267 HABACUQUE 2 <
tantes dos padrões exigidos por Deus, que
si mesmo, uma vez que adoram seu pró- o profeta só pode exprimir surpresa ante o
prio poder. fato de Deus até mesmo olhar para eles.
Habacuque é audacioso o suficiente não
1.12-17 Problema: O remédio apenas para confrontar a Deus a respeito
não é pior do que a doença? de suas ações, mas também para culpá-lo
Em vez de se alegrar com a resposta de de desumanizar a humanidade (14-17).
Deus ao seu salmo de lamento, Habacuque No princípio, Deus criou o homem à sua
entoa outro salmo do gênero. Ele pergunta própria imagem (Gn 1.26; 5.1) e ele é o
como, diante de seu caráter de santidade e ponto mais sublime da sua criação. Agora,
justiça, Deus pode tolerar um juízo que em metaforicamente, ele o degrada, transfor-
si mesmo parece injusto. mando-o em criaturas inferiores, como os
Habacuque parte da crença fundamen- peixes do mar e os répteis (cf Gn 1.26-28).
tal de que Deus não é apenas Santo e eter- Se Deus despojar Israel de sua humanida-
no, mas também está comprometido com de, os caldeus não podem ser condenados
seu povo, Israel, por meio da aliança. Isso por tratá-lo como objeto de diversão, como
se toma claro pelo uso de seu nome pessoal peixes para o anzol e para a rede. Eles até
na aliança, Javé (Êx 6.2-8), ó SENHOR. O mesmo oferecem sacrifício aos seus arte-
vocativo meu Deus demonstra não só que fatos destrutivos, uma vez que lhe trazem
se trata de alguém com quem o autor tem suculento repasto - a carne de suas pre-
intimidade pessoal, mas também de uma sas. Podem tanta blasfêmia e crueldade
divindade objetiva, que existe indepen- continuar impunes?
dentemente de seu povo. Isso permanece Ainda se trata de uma perversão quan-
em franco contraste com os caldeus, cujo do pessoas são desumanizadas em prol de
objeto de veneração não tem existência sua autogratificação ou vantagem econô-
fora deles mesmos, pois é antes seu pró- mica. A adoração dos resultados e lucros,
prio poderio militar (11). Para Habacuque, que só visa ao aumento de receita sem se
Deus é a Rocha inabalável (cf Dt 32.18). importar com o custo em termos de digni-
Embora questione a escolha dessa perver- dade humana, pode ser ainda mais odiosa
sa nação como instrumento para executar nos dias de hoje do que a manifesta barbá-
juízo e julgar o próprio povo de Deus, ele rie dos caldeus.
não questiona o fato de que Deus tem ra-
zão. Ele está pronto para discutir a questão, 2. 1 Esperando uma resposta
confiante que Deus, no final, procura pre- Preocupado em que Javé responda rapida-
servar para si o povo da sua aliança. mente a seus questionamentos, Habacuque
O problema teológico enfrentado por se colocará na torre de vigia, como um
Habacuque é a questão de como um Deus soldado que está de guarda (cf Is 21.8;
santo, alguém que é puro em todas as coi- Ez 33.7). Essa espera vigilante, uma das
sas e completamente separado do pecado, atribuições de um profeta, dá-se em duas
pode tolerar os que procedem perfidamen- direções: em relação a Deus (cf 1.2) e em
te e a injustiça praticada pelos caldeus, direção a si mesmo. Sua preocupação ime-
instrumento de seu juízo (13). Ainda que diata é com a resposta de Deus, mas ele
o pecador em Israel seja perverso (4), na também precisa saber como ele mesmo re-
comparação ele é superado pela perversi- agirá a essa nova revelação do Senhor. Em
dade ainda maior dos caldeus. Perto destes, vez de temer a ira de Deus para com um
o pecador de Israel pode ser chamado jus- questionador insolente, Habacuque espera
to, termo tomado aqui em sentido relativo, pacientemente pela resposta que ele sabe
e não absoluto. Os caldeus estão tão dis- que virá.
li
; - HABACUQUE 2 1268
18-20 As práticas de adoração pagãs da peito à sua possível adição posterior (v.
Babilônia, descritas anteriormente (1.16), Introdução), embora na posição em que
são agora explicadas em detalhes nesses atualmente está no cânon ele forneça uma
versículos. O despropósito de buscar con- conclusão adequada à discussão das cri-
selho em alguma coisa criada por mãos ses de fé desse profeta piedoso com seu
humanas, algo que sequer pode falar, é de- Deus fiel.
clarado nessa passagem, na qual o típico
"ai" se encontra em posição diferente dos 3.1,2 Solicitação pela contínua
exemplos anteriores. Alguns estudiosos presença ativa de Deus
têm sugerido que esse "ai" foi deslocado As notas técnicas que abrem e concluem
do início de 2.18, mas não há evidência o salmo têm sua contrapartida no livro de
nos manuscritos para isso, assim como não Salmos. O tipo de salmo, uma oração, en-
há evidência de que algum autor bíblico cabeça outros salmos de petição ou lamen-
tenha se atido submissamente aos padrões to (e.g., SI 17.1; 86.1). Algumas versões
das formas literárias de sua escolha. dizem que está "à moda de Sigionote" (TB),
Em contraste com o ídolo mudo, a um termo obscuro (cf SI 7.1) que aparente-
verdadeira revelação pode vir somente do mente fornece alguma informação musical
próprio Javé, em cuja presença todos de- (daí a ARA: sob a forma de canto). A peça é
vem se curvar em silêncio. Esse silêncio tocada por "instrumentos de corda" (3.19;
não é aquele dos objetos inanimados, mas cf SI 4.1; 6.1), sob a direção de algum
sim o silêncio dos adoradores, em profun- tipo de músico profissional que aparece
do respeito, frente ao Deus vivo e verda- em outros 55 cabeçalhos de salmos. Outra
deiro (cf SI. 46.10; Is 41.1), e não frente a indicação musical não muito clara, "Selá",
ídolos falsos, inanimados, que só trazem a também aparece espalhada pelo salmo em
morte. Não apenas Israel, mas toda a cria- algumas versões (3,9,13; ARe).
ção se prostrará em profundo silêncio em O conhecimento da obra de Deus no
sua presença. passado de Israel leva o profeta a respon-
Esse versículo serve como transição der em duas direções. Pessoalmente, ele
das ações pecaminosas dos opressores de possui um profundo respeito pelo poder
Israel para os atos poderosos de Deus. de Deus, aquele que sustenta e provê a sua
criação. Ele também usa esse conhecimen-
3.1-19 Salmo de to dos feitos de Deus no passado para pedir
petição e louvor que sejam repetidos no presente de Israel.
O capítulo final é uma oração de conclu- Na própria ira que Habacuque em sua ora-
são. Ela assume a forma de um salmo no ção pede que recaia sobre os pecadores de
qual o salmista dá glória a Deus por quem seu tempo, ele pede que Deus se lembre
ele é (2,3b,4) e por suas ações (3a,5-15). de sua misericórdia (cf Êx 34.6; Lc 1.54).
Ele lembra os poderosos atos de Deus no Tanto a ira como a misericórdia são
êxodo, na promulgação da lei no Sinai e partes da multifacetada natureza de Deus.
na conquista da terra. Seu poder impres- Mesmo quando ele é intencionalmente ig-
sionante diante de poderosos exércitos norado ou ostensivamente desobedecido, o
inimigos inspira temor e tremor no sal- amor de Deus por seu povo o atrai inexora-
mista, embora ele saiba que esse Deus velmente a ele, apesar do comportamento
poderoso é um Deus de amor e o protege- deste para com ele (cf Os l1.8-H). Não
rá. Seu terror pode assim dar lugar a uma se supõe com isso o universalismo, a ideia
calma jubilosa. de que no final Deus perdoará a todos os
Questionamentos têm sido levantados pecados e restaurará o seu relacionamento
a respeito da inclusão do salmo, com res- com todas as pessoas. Antes, é uma oração
lIIIl
: - HABACUQUE 3 1272
11II
esse mesmo guerreiro como o gracioso de tudo, ser depositada no Deus que cum-
Salvador e Libertador. Esse conhecimen- pre a sua aliança para sempre. Grande par-
to é a verdadeira resposta às perguntas de cela dos meios de subsistência de Israel
Habacuque (1.12-17). vinha da agricultura, mas o salmista per-
A metáfora de abertura (8) é retoma- cebe agora que sua única fonte de auxílio
da no v. 15, marchando com os cava- é Javé, e que ele ainda é Deus, quer ele
los pelo mar como aconteceu no êxodo continue ou não a fornecer essas coisas a
(Êx 14.21-29). seu povo. A segurança de Habacuque não
repousa em bênçãos visíveis e temporais,
3.16-19 Tremendo, porém confiante mas em um relacionamento inabalável
Agora o narrador é o profeta, refletindo com o seu Deus da aliança (cf Js 1.5;
sobre suas próprias experiências e reações Rm 8.38,39). Em meio a todos esses
diante da revelação que recebeu. À luz das questionamentos e diálogos, o autor ainda
respostas de Deus para ele, Habacuque é pode chamá-lo de seu Deus. Tudo isso ex-
capacitado a expressar de forma poderosa plica em termos práticos o significado da
a sua fé nele. fé apresentado em 2.4.
As reações físicas de Habacuque (16) Em consequência dessa fé, o poderoso
refletem o terrível temor que experimen- Senhor fortalecerá o salmista para que este
tou ao perceber o poder do Deus Criador- possa resistir, mas também saltar de júbilo
Guerreiro. Entretanto, ele não se acovarda, como uma corça, em celebração da vida
mas espera com serena certeza, sabendo (cf 2Sm 22.34; SI 18.33[34]). Essa mesma
que Deus o encontrará, como já acontecera força ainda está à disposição daqueles que
antes (2.1). E desta vez trará o juízo pro- descobrem que também podem ter essa
metido aos inimigos de Israel. O dia e o mesma fé no Deus de Israel e da igreja.
tempo tão esperados (2.3) virão.
Nos versículos finais, o autor com-
preende que sua fé pode finalmente, acima David W. Baker
SOfONIAS
INTRODUÇÃO
o autor e sua época planos. Foi somente sob a liderança de
Sofonias, o autor da profecia, era de linha- Josias que a visão do javeísmo foi retoma-
gem piedosa, como mostra o seu nome, da (2Rs 22.1-23.30; 2Cr 34.1-35.27).
que significa "Javé escondeu ou prote- Uma data anterior a Josias é sugerida, já
geu". Embora seu nome não seja inédito que práticas pagãs ainda existiam (1.4-9).
no AT (cf Jr 21.1; Zc 6.10), ele demonstra Isso situa o livro antes de 621 a.C., o iní-
a confiança de seus pais na providência do cio de suas reformas. Entretanto, o argu-
Deus de Israel, até mesmo no nascimento mento não é convincente, já que a reforma
do seu filho. Aparentemente, ele descendia religiosa nacional instituída pelo rei não
do décimo quarto rei de Judá, Ezequias era universalmente seguida pelo povo, ou
(716-687 a.C.), como está descrito em mesmo por regentes posteriores.
sua genealogia (1.1), a mais longa encon- Embora oficialmente proibidas por
trada nos livros proféticos. Esse mesmo Josias, as práticas pagãs indubitavel-
versículo data a profecia na época do rei- mente continuaram a existir em meio ao
nado de Josias, 16º rei de Judá (640-609 povo, o que não elimina, assim, uma data
a.Ci), sendo este também um descendente durante seu reinado. Jeremias, contem-
de Ezequias (v. quadro na página 949). porâneo de Sofonias, condenou algumas
O período entre os reinados de Ezequias dessas mesmas práticas (1.4,5; cf. Jr 2.8;
e Josias foi marcado pela decadência reli- 8.2; 19.5,13; 32.35), e a dificuldade que
giosa. A verdadeira adoração fora corrom- surgiu, quase no mesmo período, para os
pida pelo perverso Manassés (2Rs 21.1-18) profetas Naum e Habacuque, também su-
e por seu filho Amom (2Rs 21.19-26), res- gere que as reformas de Josias não foram
pectivamente avô e pai de Josias. Talvez completas e permanentes.
a preservação por parte de Deus de uma Os paralelos impressionantes entre
família justa e íntegra e de seu filho, duran- Sofonias e Deuteronômio (v. em 1.5,13,18;
te um período tão turbulento, tenha levado 3.5) sustentam uma data posterior ao iní-
seus pais a dar a Sofonias este nome. cio da reforma de Josias, provocada pela
Em que período do reinado de Josias descoberta do "Livro da Lei" no templo
as profecias de Sofonias aconteceram é ob- (2Rs 22.8). Há consenso em tomo da
jeto de debate. Alguns estudiosos sugerem ideia de que o documento encontrado era
uma data anterior à restauração do jave- uma espécie de Deuteronômio, que serviu
ísmo por Josias, ou seja, de uma resposta como base para o estabelecimento do ja-
correta de Israel a Javé, o Deus a quem veísmo. Alguns estudiosos sugerem, base-
Israel havia jurado lealdade e obediência ados nas aparentes referências de Sofonias
no monte Sinai (Êx 19-24). Toda a vida a Deuteronômio, que ele tenha profetizado
política, social e religiosa do povo deveria depois da redescoberta desse livro.
ser dirigida pela vontade de Deus, revelada Várias nações são mencionadas nos
na lei no Sinai e registrada no Pentateuco, cp. 2-3, e a referência à Assíria (2.13-15)
mas eles repetidamente optaram por igno- em particular nos ajuda a determinar a data
rá-la, vivendo de acordo com seus próprios do livro. Sofonias profetizou a destruição
1275 SOFONIAS . -
•
••
de Nínive, capital da Assíria (2.13). Esta, o Egito (v. Is 20.4 e Ez 30.4-9). O juízo de
desde quando subjugou e deportou Israel Deus recairia, assim, não apenas sobre as
em 722 a.C. (2Rs 17.4-41; 18.9-12), era a menores nações vizinhas de Judá, mas tam-
principal ameaça a Judá. Embora pareces- bém sobre as grandes forças da época, Egito
se invencível aos olhos deste, sob a mão de e Assíria, que ficavam mais distantes.
Deus conduzindo os poderosos babilônios,
os dias da Assíria estavam contados. Ao o livro e sua mensagem
final do século VI a Assíria já estava qua- Alguns estudiosos têm questionado se al-
se desaparecendo. Em 612 a.C., Nínive e, gumas partes do livro são de fato originais,
por volta de 605, todo o Império Assírio, especialmente o trecho de 3.14-20. Isso se
caíram nas mãos da Babilônia. Com isso, baseia no argumento bastante questioná-
é possível concluir que a profecia de vel de que uma nação transgressora, que
Sofonias deve ser anterior a 612 a.c. enfrentava o juízo e estava sendo adver-
Entre outras nações mencionadas estão tida a se arrepender, não receberia uma
Filístia (2.4-7), Moabe, Amom (2.8-11) e mensagem de esperança como a que se
Cuxe (também chamada Etiópia, 2.12). Os encontra nesses versículos. Alega-se que
filisteus tinham sido hostis a Israel desde o juízo era a regra antes do exílio, sendo
a saída do Egito, após o êxodo, e foram que a esperança só aparecia na mensagem
posteriormente dominados por Davi, em- dos profetas após o juízo. Essa recons-
bora não erradicados. A sua liga, com- trução aparentemente lógica contraria o
posta de cinco cidades-estado, Asdode, AT como um todo, o qual frequentemen-
Ascalom, Ecrom, Gaza e Gate, ficava à te coloca lado a lado os dois aspectos do
margem do Mediterrâneo, a oeste do mar caráter de Deus, justiça divina e amor
Morto. Gate já devia estar em decadência compassivo, aspectos que não são mu-
na época da profecia de Sofonias, uma vez tuamente excludentes (v. a combinação
que ela não é incluída em seu oráculo de em Is 1-2; Os 2; Am 9). Essa combina-
juízo, que não foi o único a fazer advertên- ção de esperança e juízo não deveria nos
cias a esses povos (cf Is 14.28-32; Jr 47; surpreender se considerarmos a natureza
Am 1.6-8; Zc 9.5-7). da aliança entre Deus e seu povo. Como
As duas nações da Transjordânia, Amom parte integrante da aliança estavam tanto
e Moabe, tinham laços de parentesco por a bênção pela obediência (e.g., Dt 28.1-
meio de seus ancestrais, os filhos que Ló 14) quanto a maldição pela desobediência
teve com suas filhas (Gn 19.36-38) e, por- (Dt 28.15-68). Mesmo o episódio do êxo-
tanto (por meio do parentesco de Ló com do, tão central para a fé do povo de Deus,
Abraão; Gn 12.5), tinham também laços é uma combinação desses dois aspectos:
de parentesco com Israel. Esse grau de pa- esperança para aqueles que obedeceram a
rentesco não os aproximava, uma vez que Deus (Êx 12.21-28) e juízo para seus opo-
eram frequentes os conflitos entre Israel e nentes (12. 29,30; 14.26-28).
seus "primos" do outro lado do Jordão (cf O juízo é o tema teológico que dá uni-
Jz 3.12-30; lSm 1.1-11; 2Rs 3.4-27). dade ao livro. A pregação sobre esse tema
Cuxe, ou a Etiópia, tinha sido derrotada (1.2-6) leva o profeta ao juízo final, o Dia
pela Babilônia em 663 a.c., quando esta do Senhor (1.7-3.20), ocasionado nos
invadiu o Egito, sobre o qual Cuxe tinha "últimos dias" por ações humanas.
exercido controle durante a 25" dinastia Embora Sofonias não seja o único a
(716-663 a.C). O trecho em 2.12 pode discutir o Dia do SENHOR (cf Is 2; Jr 46-
ser uma recordação dessa derrota ou, o que 51; Ez 7; JI2), em nenhum outro livro esse
é mais provável, Cuxe está sendo usado tema serve como base da unidade como
como uma designação alternativa para todo ocorre em Sofonias.
>
SOFONIAS 1 1276
ESBOÇO
1.1 Título
1.2-6 Juízo
1.7-3.8 O dia como
1.7-13
1.14-2.3 o Dia do Senhor
2.4-3.8 Nações individuais
•
Milcom (Moloque; NRSV; LXX e outras ver- Na expectativa desse dia, Javé já fez
sões), um deus pagão dos amonitas (lRs pessoalmente os preparativos, como de-
11.5,33). Pode até mesmo haver uma com- monstram os seus atos nesse versículo e
binação das duas interpretações possíveis, também pelo uso dos verbos na primei-
ou seja, embora se fizessem de leais a Javé ra pessoa do singular nos v. 8,9,12,17.
como Rei, eles estavam, na verdade, vi- Como um sacerdote, já deixou pronto um
vendo sob a autoridade de um usurpador, sacrificio ou um banquete sacrificial (cf
Milcom. Em todo caso, o povo mesclava a Jr 46. 10). Ele também santificou ou sepa-
adoração do Deus único e verdadeiro com rou os seus convidados para uma função
a daquele que não era digno da adoração especial (cf Lv 21.8; 2Sm 8.11). Em um
(Êx 20.3). Como em Jeremias (2.12,13), jogo de palavras macabro, alguém pode
Javé fica chocado por Judá abandonar a entender que os convidados ou tomarão
verdade para seguir a mentira. parte do banquete sacrificial ou serão eles
mesmos os sacrificados. Os que se opõem
1.7-3.8 O dia como juízo a Javé serão oferecidos a seu juízo.
Os oráculos de condenação levam ao dia S No mesmo dia do sacrificio a pri-
do juízo final, o Dia do SENHOR, que é o meira punição é dirigida tanto aos líderes
tema do restante do livro (v. Introdução). da nação, à casa real, quanto aos que estão
Esse dia aparece em sua dupla natureza, seguindo influências estrangeiras, uma
não apenas como o dia de um juízo do- possível indicação de práticas religiosas
loroso (1.7-3.8), mas também como um pagãs (cf 2Rs 10.22). O próprio Josias
dia de esperança abençoada (3.9-20). Ele não é mencionado, talvez pelo fato de
afetará as nações (1.14-18; 2.14,15) e Judá isso se referir a um período anterior em
(1.8-13; 2.1-3; 3.1-7), tanto por eventos seu reinado, quando o poder era exercido
históricos indistintos (2.4-15) quanto por por outros oficiais (2Rs 22.1), isto é, por
grandes acontecimentos do final dos tem- aqueles aqui referidos.
pos (1.14-18; 3.8-13). É o Dia do SENHOR 9 Contudo, outra perversão aparente-
porque nesse dia somente o SENHOR agirá, mente religiosa envolve aqueles que "so-
não apenas em justiça e poder divinos, mas bem" o pedestal dos ídolos ("saltam por
também em graça amorosa. cima do limiar" [TB], um termo usado no
AT somente em associação com o templo;
1.7-13 Judá 1Sm 5.4,5). É mais provável que isso seja
7 O texto nos orienta a ficarmos em si- uma referência à prática pagã dos filisteus
lêncio (Cala-te) diante do SENHOR Deus de não pisar o limiar do templo de Dagom
(lit. "Senhor Javé"; cf Hc 2.20). Há uma (ISm 5.4,5), outra intromissão no javeís-
quietude que se encontra, por exemplo, mo israelita. Outra possibilidade é que a
nos braços ternos de uma mãe (SI 131.2), segunda parte desse versículo seja uma ex-
mas este silêncio tem uma qualidade di- plicação da primeira parte, que é obscura.
ferente, tratando-se antes do silêncio de O que está envolvido não é a transgressão
quem depara com a presença assombro- religiosa, mas a social e econômica. Os lí-
sa do Criador, Sustentador e Juiz do uni- deres que deveriam exercer suas funções
verso. É como a reverência exigida pelo com uma conduta justa e reta estão, em vez
oficial em uma audiência, quando ordena: disso, enchendo suas residências reais de
"Todos de pé", anunciando a chegada do violência (cf Hc 1.2,3) e dolo. Qualquer
juiz. Aqui, é o SENHOR quem está se apro- que seja a interpretação adotada, a frase
ximando porque seu dia, o Dia do SENHOR, final do versículo indica que Javé não vê
está perto (cf v. 14; Is 13.6; Ez 30.3; as transgressões que são cometidas como
J11.15; Ob. 15). erros de menor importância, mas, antes,
1279 SOFONIAS 1 <
como transgressões da mesma magnitude pecado não está na comissão (participa-
daquelas que levaram à primeira destrui- ção) clara e pública do mal (4-11), mas
ção na época do dilúvio (cf 1.3; Gn 6.11). na sua omissão secreta e privada de qual-
10,11 O autor apresenta a evolução quer bem, em completa complacência.
geográfica do juízo de Deus no dia [do Eles são comparados à parte do processo
SENHOR]. O norte fornece acesso mais fácil de fermentação do vinho que, quando em
para Jerusalém, visto que nas outras dire- absoluto repouso, decanta as partículas
ções há muitas montanhas. Portanto, esta mais pesadas no fundo do barril. Esse re-
é a rota mais natural não apenas para "co- síduo, a borra, pode causar a coagulação,
merciantes" (NVI) e negociantes, mas tam- tomando o vinho impróprio para consumo.
bém para os exércitos inimigos. A locali- Essas pessoas negam a atividade de Deus
zação das duas áreas primeiramente men- e são condenadas por sua apatia, como fez
cionadas é conhecida, a Porta do Peixe Martin Luther King ao repreender nossa
provavelmente sendo a principal entrada geração, dizendo: "Nossa geração deve se
da cidade pelo norte (2Cr 33.14; Ne 3.3). arrepender não só pelas más ações das pes-
A cidade baixa ("segundo quarteirão", TB) soas perversas, mas muito mais pelo terrí-
ficava ao norte do templo e era uma cons- vel silêncio das pessoas boas".
trução mais recente (2Rs 22.14; Ne 11.9). 13 Deus mostrará aos ricos indiferen-
Os outeiros são uma referência mais ge- tes o quanto seus caminhos estão errados.
nérica, mas poderiam muito bem apontar Eles perverteram o próprio fundamento
para uma característica específica ao norte teológico da visão que Israel tem da his-
de Jerusalém. O distrito comercial ou local tória, ou seja, o fato de que Deus intervém
de negócios, chamado Mactés ("pilão"; NVI ativamente no mundo, trazendo bênção
mg.), ao que parece estava localizado em ou juízo. Uma teologia inapropriada tem
uma depressão, possivelmente uma pedrei- consequências tão sérias quanto ações ina-
ra ou mina escavada com a forma de um propriadas. Como punição, os meios de
pilão (cf Jz 15.19; Pv 27.22). poder e posição pelos quais os pecadores
Uma séria calamidade atinge os habi- alcançaram seu status serão removidos (cf
tantes desses lugares, e eles respondem Dt 28.30-42; Am 5.11; Mi 6.13-15).
com grito e uivo angustiados. A destruição Da perspectiva neotestamentária do
esmagadora é traduzida também por gri- amor de Deus, revelado em Cristo, é bas-
tos de desespero ou gritos angustiados de tante fácil se esquecer de que o caráter de
ruína em outras partes (e.g., em Is 15.5; Deus também inclui santidade e justiça.
Jr 48.5 respectivamente), encaixando-se Assim como no AT a graça de Deus trans-
bem no contexto aqui. Parte da calamidade bordou sobre seu povo e sobre aqueles que
envolverá colapso econômico. Essa é uma seguiram sua vontade revelada, também no
referência adicional à indesejada influên- NT sua ira santa não será desviada daque-
cia estrangeira, uma vez que "comercian- les que voltam suas costas à sua revelação,
tes" (NVI) significa lit. "povo de Canaã", como fizera o apático povo de Judá. Nem
cuja habilidade nos negócios ficou notória o fato de alguém se identificar com o seu
quando posteriormente passaram a ser co- povo é garantia contra a sua ira, se não hou-
nhecidos como "fenícios". ver a aplicação correspondente da vontade
12 Agindo como a polícia numa batida de Deus na sua vida e relacionamentos.
em busca de contrabando, Javé esquadri-
nhará Jerusalém com lanternas. Seu obje- 1.14-2.3 O Dia do Senhor
tivo não é procurar por uma pessoa honesta Sofonias agora descreve, em forma de hino,
(cf Jr 5,1), mas sim capturar aqueles que o cataclísmico Dia do SENHOR. Esse dia não
o desagradaram, a fim de castigá-los. Seu afetará somente o seu povo, mas a todo o
.
. . . SOFONIAS 1
direção ao norte, ao longo da costa do mar Ló, sobrinho de Abraão (Gn 19.36-38) e
Mediterrâneo, no século XIII a.C., e foram estavam em constante conflito com Israel.
por muitos anos um tormento para Israel. Por exemplo, elas tentaram impedir a en-
Em uma designação singular no AT, eles trada do povo de Israel na terra prometida
são chamados aqui de Canaã, por residi- (Nm 22-25). Cada uma delas é assunto
rem em um território em outras partes re- de oráculos separados em outras passa-
conhecido como dos cananeus (Js 13.3). gens (e.g., Is 15-16; Jr 48.1-49. 6;
Deus se dirige a eles diretamente nesse Am 1.13-2.3) e esta é a única vez que um
oráculo (cf Am 5.18; 6.1). Tendo contra único oráculo é dirigido a ambas.
si a palavra do Criador do universo, eles 8 Essas duas nações atacaram Judá de
têm razões para temer, especialmente por forma verbal, insultando-o com escárnio
ele ter prometido sua destruição. e injuriosas palavras (cf Ez 5.15; 16.57).
6,7 Os centros populacionais da Filístia Elas também engrandeceram a si mesmas,
serão esvaziados; poucos pastores [...] um termo usado em outras passagens como
apascentarão os seus rebanhos. Estes esta- arrogância (cf Ez 35.13). Tudo isso para
rão entre os restantes da casa de Judá, ou desmoralizar Judá (v. a utilização dessa es-
seja, o remanescente de Judá. Esse impor- tratégia em Ne 4.1-3).
tante conceito teológico de remanescente 9 A certeza e a gravidade da punição
tem mais de um significado. Às vezes, dessas nações são realçadas pela solene
faz alusão ao juízo destruidor de Deus, o promessa de Deus que utiliza seus títulos
qual é tão abrangente que restarão apenas poderosos, que inspiram respeito. Ele é
alguns poucos sobreviventes (cf Gn 7.23; o Senhor todo-poderoso ou SENHOR dos
Is 17.6). Por outro lado, a esperança tam- Exércitos, o guerreiro divino, comandan-
bém está implícita no conceito, uma vez te em chefe dos exércitos celestiais (cf
que a destruição, ainda que devastadora, Hc 3.8-15). Ele não é apenas poderoso,
não será completa. Restarão ainda ao me- mas pessoal, tem um relacionamento di-
nos alguns poucos sobreviventes. Esse con- reto e íntimo com Judá, uma vez que ele
ceito não é raro entre os profetas (Jr 23.3; é o seu Deus. Esse fato por si só deveria
Mi 5.7,8) e indica tanto a justiça de Deus fazer com que Moabe e Amom cessassem
quanto sua graça amorosa. seus ataques, pois, ao insultar o povo de
Essa profecia mostra a relatividade da Deus, estavam na verdade insultando o
obra de Deus em abençoar e punir. Aqui, próprio Deus.
a punição dos oponentes de Judá resulta A punição será como a das proverbiais
no bem de Judá, que receberá de volta o Sodoma e Gomorra, as duas cidades que
que lhe fora tirado (cf 3.20). Essa restau- ficavam perto do mar Morto e que foram
ração da sorte, referindo-se às vezes ao destruídas por causa dos seus pecados (cf
retomo do exílio (Ir 29.14), aponta, nes- Gn 19.24-26; Dt 29.23; Is 1.9). A destrui-
se contexto, para a restauração no Dia do ção será tão completa que até mesmo a ve-
SENHOR, a inauguração definitiva do reino getação perecerá, o sal, presente no solo,
de Deus para o qual apontam todas as res- permitindo que floresçam apenas as urti-
taurações anteriores. gas. Eles não somente perderão o produto
Nota. 6 Pastagens: uma simples mu- da terra, mas perderão a própria terra para
dança de vogal resultaria em quereítas (cf aqueles de quem escarneceram, o restante,
v. 5); assim, a NIV traz: "onde habitam os o pequeno remanescente do povo de Deus,
queretitas". cuja bênção será aquelajá mencionada no v.
2.8-11 Moabe e Amom. Situadas na 7. A bênção suprema para o povo de Deus,
Transjordânia, essas nações eram etnica- para Israel e, de forma mais abrangen-
mente relacionadas a Israel por meio de te, para a igreja, ainda repousa no futuro,
quando toda a cnaçao desfrutará nova-
1283 SOFONIAS 3
possivelmente pela falta anterior da adora- Deus e ele ainda é o seu Deus (Êx 6.7). Eles
ção a Deus (festas solenes), se aproximem ainda se tratam com intimidade.
dele com alegria, por vontade própria e Deus faz uma síntese, ao reiterar seu
não por obrigação religiosa. plano para restaurar o povo. Isso não so-
A opressão anterior, causada por amea- mente os beneficia, mas também motiva
ças externas e corrupção interna (3.3-4), todos os povos da terra, aqueles que so-
será eliminada, e aqueles fisicamente de- freram a punição de suas mãos (1.2; 3.7,8),
ficientes (cf Mq 4.6,7) e geográfica ou so- a reconhecer seu cuidado em relação a seu
cialmente exilados (expulsos; cf Dt 30.4) povo, que passou de objeto de escárnio a
serão congregados (18) e recolhidos (8,20). objeto de louvor.
Até o louvor será restaurado para aqueles Toda a profecia por certo termina como
que sofreram ignomínia (cf 2.1; 3.5). começou, em nome do SENHOR, Javé. O
Javé está envolvido pessoal e ativamen- maior desejo de Deus não é o de impor o
te em abençoar, assim como estivera em juízo, mesmo sobre aqueles que lhe deso-
julgar (cf 1.3). Ele fala diretamente (por bedecem. Antes, seu desejo é restaurar a
meio do pronome pessoal eu ou por verbos todos, para que possam ter um bom rela-
conjugados na primeira pessoa do singular) cionamento com ele. Tanto nacionalmente,
oito vezes nesses últimos três versículos. como fez com seu povo Israel, quanto indi-
Ele também se dirige a Israel na segunda vidualmente, na vida de cada um de nós,
pessoa do plural, tratando-o por vós. Apesar seu anseio é poder restaurar nossa sorte.
da tensão provocada pelo pecado em seu
relacionamento, Israel é ainda o povo de David W. Baker
AGEU
INTRODUÇÃO
o texto a.C.), eles recomeçaram o trabalho da re-
Há um ditado segundo o qual o melhor construção do templo, impelidos pela pala-
comentário bíblico é a própria Bíblia. No vra do Senhor por meio de Ageu (1.14,15).
caso de Ageu isso é particularmente ver- A reconstrução terminou em 516 (Ed
dadeiro. Os acontecimentos do livro ocor- 6.15), por volta de 70 anos depois de o
reram durante o segundo ano do reinado templo anterior ter sido destruído na queda
de Dario (1.1), que é também a época dos de Jerusalém, em 587 (v. Jr 25.11; 29.10;
primeiros capítulos do livro de Zacarias Dn 9.2). (V. também quadro na página 949
e parte do livro de Esdras (Zc 1.1,7; e mapa na página 661).
Ed 4.24--6.15). Para termos um quadro O futuro também está em mente. Deus
mais completo, portanto, podemos ler es- promete que distúrbios ambientais e políti-
sas três passagens lado a lado. Além disso, cos farão com que seu templo fique cheio,
será de grande auxílío ler sobre a atitude e que seu líder será mantido em segurança
de Deus em relação à desobediência de seu no distúrbio vindouro (2.6,7,22,23).
povo em Deuteronômio 28 e Amós 4.
Não se sabe quem registrou por escrito As pessoas mencionadas
o livro de Ageu. Pode ter sido o próprio no livro
Ageu. O interesse pela autoria é uma preo- O livro se refere a Ageu simplesmente
cupação moderna; os livros do AT raramen- como "o profeta". Nada se comenta sobre
te mencionam quem escreveu o seu texto. sua família, e seu nome não pode ser encon-
Em contraste, o nome de qualquer pessoa trado em nenhuma das listas dos exilados
que tenha profetizado é quase sempre re- que retomaram. Dado esse silêncio, parece
gistrado. Todas as profecias desse livro são vã qualquer tentativa de especular sobre
atribuídas a Ageu (1.1,13; 2.1,10,20). suas origens. A ideia de que ele ignorava
O texto do livro se encontra em boas as obrigações sacerdotais, por causa de
condições. Alguns estudiosos têm propos- suas perguntas aos sacerdotes em 2.11-13,
to que a repetida expressão "ao vigésimo não é muito convincente. Pelo fato de suas
quarto dia" (1.15; 2.10) é um sinal de que o profecias terem sido aceitas prontamente,
texto foi corrompido, mas não há necessi- podemos deduzir que ele já tinha sido re-
dade de se criar dificuldades aqui. O texto conhecido como um verdadeiro profeta.
faz perfeito sentido como está. Dario (1.1) é conhecido como Dario I,
filho de Histaspes, que governou a Ba-
Os acontecimentos bilônia de 522 a 486 a.c. Ele sucedeu a
O pano de fundo do livro de Ageu pode Cambises (530-522), que tinha sucedido
ser encontrado em Esdras 1--4. Os exi- a Ciro, seu pai (539-530; v. Ed I).
lados que retomaram tinham começado a Zorobabel, governador de Judá, era um
reconstruir o templo em 536 a.C. (Ed 3.8), membro da família real. Era descendente
mas tiveram de interromper o trabalho em de Joaquim, que fora levado ao exílio em
virtude da oposição local (Ed 4.1-5,24). 597 a.c. (2Rs 24.15; cf Mt 1.11-13). De
No segundo ano do reinado de Dario (520 acordo com 1.1, ele era filho de SalatieI.
AGEU 1288
Não é nada fácil relacionar esse fato com cessem, e prometendo que isso resultaria
1Crônicas 3.18,19, onde é dito que ele é em bênçãos.
filho de Pedaías. Talvez tenha havido uma Uma das características da palavra de
adoção, ou mesmo um casamento levi- Deus é a sua relevância recorrente para
rato, que não foi registrado (Dt 25.5,6). sucessivas gerações. O cumprimento da
Talvez a coroa não passasse ao descen- profecia não é necessariamente limitado a
dente direto, como acontecia na Inglaterra uma simples aplicação. Ela pode ser com-
no século XVIII. parada à arte de atirar uma pedra achatada
Josué, o sumo sacerdote (também cha- de modo que deslize sobre a superficie de
mado de "J esua" em Esdras e Neemias) era um lago. Em vez de afundar assim que atin-
o filho de Jozadaque que tinha sido levado ge a água (como presumiríamos com base
ao exílio em 587 (lCr 6.15). Ele foi um sa- na lei da gravidade), a pedra ricocheteia,
cerdote importante, se não o próprio sumo tocando o lago em uma série de pontos, de-
sacerdote, de 537 em diante (Ed 2.2,36,40; vido à energia adquirida no arremesso (cf
3.2). Deus lhe dirigiu palavras especiais 1Sm 3.19,20).
em Zacarias 3 e 6.11-13. Seu nome signi- Um exemplo disso nas Escrituras é o
fica "Deus salva", e é a forma hebraica por tema recorrente da libertação por meio da
trás da forma grega "Jesus". água. Noé foi salvo em uma arca (Gn 7.1);
Aqueles descritos no livro como "povo" mais tarde, Moisés foi preservado em um
eram o remanescente dos que tinham ido cesto (a mesma palavra para "arca" no
para o exílio na Babilônia e agora retor- hebraico; Êx 2.3); tempos depois, o povo
navam aJudá (1.14; Ez 4.1). Sua primeira foi salvo no mar Vermelho (Êx 14.21-29).
tentativa de reconstruir o templo encon- Esse tema é retomado em várias passa-
trou oposição do povo local que vivia em gens posteriores, e se torna parte do sim-
Samaria na época (Ed 4.17-24). bolismo do batismo cristão (e.g., Jz 5.21;
Embora não haja nenhuma referência Is 43.2; 51.10; 1Co 10.1,2).
explícita à vinda do Messias, há muito se Assim, no livro de Ageu podemos es-
sentia que as promessas feitas a Zorobabel perar que a palavra de Deus tenha mais de
(2.23) e a Josué (Zc 6.11-13) eram de tal um nível de aplicação. Assim como ante-
monta que encontrariam seu cumprimento cipam o cumprimento das profecias em al-
definitivo no Messias prometido. Ver tam- guns meses ou anos, também é pertinente
bém o comentário em 2.7. olharmos adiante para períodos posterio-
Podemos observar que à parte os bre- res, especialmente para a vida de Jesus e
ves "sim" e "não" dos sacerdotes, nin- para sua igreja, e aliás para os nossos pró-
guém, a não ser Ageu, fala no livro. Eles prios dias também.
simplesmente agem em resposta à palavra Isso nos leva à expressão "dentro em
de Deus por meio de Ageu. Isso destaca o pouco" (2.6). Embora ela possa nos dar a
fato de que a palavra de Deus atinge seus impressão de um curto período, do ponto de
propósitos (cf Is 55.1O, 11). vista humano, pode, em vez disso, ser um
período curto do ponto de vista de Deus, para
As profecias quem mil anos são como um dia (2Pe 3.8).
Houve cinco profecias em três dias, du- Se este for o caso, não seria dificil discernir
rante o período de quatro meses, em 520 os cumprimentos posteriores das palavras
a.c. Todas elas vieram de Ageu, e em cada de Ageu centenas de anos depois.
caso foram endereçadas a pessoas especí- Isso finalmente nos leva à possível
ficas. Nas palavras dessas profecias, Deus aplicação das palavras de Ageu à nossa
queria abrir os olhos do povo, encorajan- época. Alguns encontram nas palavras de
do-os para que se arrependessem e obede- Ageu (2.9,21-23) esperança para a paz no
1289 AGEU(
monte do templo em Jerusalém, e proteção por meio do completo e verdadeiro arre-
para o Israel de hoje. Outros enxergam pendimento de qualquer motivo que per-
uma aplicação espiritual dessas promes- mita que a maldição opere, rogando a Deus
sas à igreja, argumentando que o reino que aplique os efeitos da cruz à nossa vida
de Jesus não é deste mundo (Jo 18.36; v. (Pv 26.2; GI3.12-14).
lCo 3.26; 6.19; Ap 21.22). Outros, nova-
mente, preveem o cumprimento em ambas Repetição
as arenas. Entretanto, devemos ser cautelo- O uso da repetição nos textos do AT via de
sos; poucas pessoas esperavam que Jesus regra é digno de nota. No livro de Ageu, as
cumprisse a profecia da maneira como ele palavras proferidas por Deus tendem a ser
o fez. Evidentemente, é muito mais fácil repetidas. Quatro vezes se diz ao povo para
reconhecer o cumprimento da profecia que considere seu passado (1.5,7; 2.15,18);
após seu acontecimento do que antes. duas vezes é feita uma comparação entre o
estado em que se encontra a casa de Deus e
A maldição as casas do povo (1.4,9); duas vezes Deus
Embora a palavra "maldição" não apareça diz a eles: "Eu sou convosco" (1.13; 2.4); e
no livro de Ageu, a descrição do que esta- a instrução "sê forte" aparece por três vezes
va acontecendo ao povo corresponde bem (2.4). As listas dos desastres que atingiram
de perto às "maldições" do Pentateuco, as o país são repetidas (1.6,10,11; 2.16,17,19).
quais Deus tinha prometido ao seu povo A profecia de que as nações serão abaladas
se este não lhe obedecesse nem desse também é repetida (2.6,21,22).
atenção às suas palavras (Dt 28). O povo Em vista da grande quantidade de re-
tinha estado sob a maldição de Deus no petições em tão poucos versículos, podería-
exílio (Zc 8.13) e evidentemente ainda es- mos perguntar qual seria a sua finalidade.
tava, a despeito do fato de ter voltado para Talvez tenha sido a de dar ênfase mais
casa (1.6,11). acentuada a determinados pontos, uma
Esse tipo de linguagem pode parecer vez que as pessoas precisam ouvir as coi-
estranha para nós, mas devemos ter em sas mais de uma vez para que a mensagem
mente que nas Escrituras Deus não apenas possa ser compreendida (2Pe 1.12,13).
abençoa, mas também amaldiçoa. Isso não Outra possibilidade é sugerida pela inter-
deixou de acontecer na vinda de Cristo, pretação que José deu aos sonhos do faraó.
que amaldiçoou a figueira. Essa história re- O sonho veio duas vezes para mostrar que
presenta um dos lados da visita de Jesus ao Deus estava firmemente decidido, e iria se
templo (Me 11.12-21), e a ação de Jesus "apressar" em fazer aquilo que pretendia
pode ser vista como uma explicação do (Gn 41.32). Sobre quanto tempo demora-
que aconteceria mais tarde à comunida- ria esse "apressar", ver o tópico "As profe-
de do templo do povo de Deus. O tem- cias", tratado anteriormente.
plo, que tinha sido reconstruído desde os
dias de Ageu (Jo 2.20), foi destruído em Estrutura e tema
70 d.C., e o povo foi espalhado entre as O conteúdo da primeira metade do livro é
nações (Mc 13.1,2; Lc 21.24). repetido em detalhe na segunda, como é
A maldição de Deus continua a operar mostrado no diagrama a seguir.
nos dias de hoje, e será removida apenas Um tema suscitado por isso é que sem-
no final, na era dos novos céus e nova pre que o povo de Deus se arrepende e se
terra (Ap 22.3). Os fiéis precisam enten- volta a ele, e segue suas condições, em res-
der os danos e os efeitos contínuos que o posta Deus não apenas os abençoará, mas
pecado tem em nossa vida. Nós podemos haverá tremendas repercussões na socieda-
nos libertar de qualquer maldição, agora, de e além.
•
. : _ AGEU 1 1290
ESBOÇO
1.1-11 A mensagem de Deus para os líderes de Judá: "A minha casa e a vida de vocês
estão em ruínas"
1.12-15 A reação do povo: Começa a reconstrução
2.1-9 A mensagem de Deus sobre o novo templo: "Eu transformarei a vida de vocês"
2.10-19 A palavra de Deus sobre a maldição: "Eu substituirei a maldição por bênção"
2.20-23 A promessa de Deus a Zorobabel: "Eu manterei meu líder em segurança"
de hoje; nós não percebemos os efeitos Deus tivesse Josué e Zorobabel em tão alta
do pecado que toleramos em nossa vida conta (2.23; Zc 6.11-13).
(Am 4). Isso não quer dizer que todo de- Uma vez que eles obedeceram, Deus
sastre se deva ao pecado, mas que o peca- enviou uma curta mensagem ao povo por
do tem suas consequências (Os 8.7). meio de Ageu. Em vista da maldição, eles
O problema do povo não era a falta de poderiam esperar uma mensagem do tipo:
dinheiro, uma vez que tinham casas com "Eu estou contra vós"; em vez disso, ouvi-
fino acabamento e bons salários (4,6). A ram Deus dizer: Eu sou convosco. A mal-
questão era que seu dinheiro rapidamente dição de Deus não é um sinal de que ele te-
perdia valor. O efeito danoso da inflação nha rejeitado o seu povo; antes, ela mostra
é visto aqui como algo de origem espiri- o amor de Deus por ele. Ele quer trazê-los
tual, um fato que hoje é frequentemen- de volta, usando desastres para despertá-
te ignorado, quando se fazem tentativas los (Am 4.6-11; cf Am 3.2; Is 7.13-25,
de debelar a inflação sem investigar as onde Emanuel significa "Deus conosco").
suas causas. À medida que o povo humildemente
A seca atingia até mesmo o orvalho obedecesse à palavra de Deus e começas-
(Dt 11.10-17; 28.23). Os efeitos mar- se a trabalhar, ele os ajudaria. Nós temos
cantes da maldição são mais enfatizados um papel em trazer a bênção de Deus, ao
(cf Dt 28.18,38-40). A desobediência do escolhermos agir em submissão à sua von-
povo fizera com que o tipo de vida des- tade (2Tm 1.6,7). No hebraico, as palavras
crito em Salmos 104.10-23 parecesse um "enviado" e "trabalho" são semelhantes.
sonho distante. O uso em conjunto dessas palavras aqui
As palavras de Deus sugerem que sua nos lembra de que uma profecia não é uma
casa deveria ser construída no mesmo lugar "bênção" para ser admirada, mas uma ins-
e com a mesma planta anterior (cf 2.20- trução que deveria nos levar à ação.
23). O propósito era que, no templo, Deus Alguns estudiosos costumam entender
pudesse se alegrar, e nele receber toda a a repetição "ao vigésimo quarto dia" (15)
honra. Esse ainda é o seu desejo para o em 2.10 como uma indicação de que o tex-
seu povo hoje, que atua como um edificio to foi corrompido, mas não há razão para
espiritual (1Co 3.9-17). duvidar de sua autenticidade.
santos também recebem o reino, e o texto (Êx 33.18-20; 34.8). Quando a construção
muda abruptamente de "eles" para "ele" do primeiro templo e anteriormente a do
(7.26,27, NVI). Portanto, podemos tentar tabernáculo foram concluídas, ambos fi-
manter a natureza singular e plural de caram tão cheios da glória de Deus (sob a
nossa frase. forma de uma nuvem), que ninguém podia
Alguns tradutores (incluindo Lutero e entrar (Êx 40.34,35; lRs 8.10,11).
a AV) seguiram a Vulgata do século V d.C., A prata e o ouro de Deus não perdem
colocando toda a frase no singular: "e o seu valor com a inflação, em contraste com
desejado de todas as nações virá". Isso no os salários do povo sob maldição (1.6; cf
permite enxergar aqui uma referência ao Mt 6.19,20). Deus prometeu que apaz che-
Messias, o que harmoniza com o contexto gará, substituindo seus temores (5). Essa
(2.23 parece ter um certo quê messiânico). profecia teria seu primeiro cumprimento
Há problemas, porém, em colocar a frase logo depois (Ed 6.14-16).
em hebraico no singular.
É mais fácil alterar a frase inteira em 2.10-19 A palavra de Deus sobre
hebraico, passando-a toda para o plural a maldição: "Eu substituirei a
(como faz a Septuaginta): "os tesouros maldição por bênção"
de todas as nações virão" (semelhante 2.10-14 A lei e os sacerdotes. A palavra
na NVI). Isso pode ser uma referência à seguinte que veio aAgeu envolvia pergun-
intenção de Deus de incluir todas as na- tar aos sacerdotes a respeito da lei. Eles
ções do mundo em seu plano de redenção explicaram que a santidade não era trans-
(Is 49.6,7; 60.10; Zc 6.15). Também pode mitida pelo toque, mas que a impureza
significar que chegará o dia em que aquilo era. Por exemplo, qualquer um que tocas-
que o mundo considera o melhor e mais se em um corpo morto se tomaria impuro
fino fará parte do templo, em vez daquilo por uma semana e qualquer coisa que essa
que é pobre e desprezado (cf Zc 8.20-23; pessoa tocasse também se tomaria impura
ICo 1.26-29; Ap 21.24). Pode até mesmo (Nm 19.11,22). Deus disse que esse en-
significar que não haverá escassez de ri- sinamento poderia ser aplicado ao povo.
quezas e finanças deste mundo, olhando- Sua indiferença em relação à presença de
se para o v. 8. Deus deteriorava não apenas suas ofertas,
Enquanto a primeira opção possa ser mas tudo que eles faziam. Também hoje
mais atraente, se fosse necessário escolher os cristãos precisam ser implacáveis para
entre as outras duas, a segunda destas pare- com atitudes desleixadas, as quais não
ce preferível. Isso enfatiza que a amplitude são meramente neutras mas decididamen-
do plano de Deus para o mundo se reali- te impuras, e pedir a Deus que os purifi-
zará, sugerindo que os líderes mundiais que (Mt 5.29,30; 2Tm 2.20,21; cf Sf 1.7).
um dia se voltarão para Deus em busca de As falhas nessa área arruinarão a igreja e
direção e visão de uma maneira que jamais a sociedade.
fizeram (v. Is 2.1-5). 2.15-19 Da maldição para a bênção.
Duas vezes o texto diz que a casa de Parece que Ageu agora está se dirigindo ao
Deus se encherá de glória. A palavra aqui povo. Embora o povo tivesse começado a
pode simplesmente sugerir riqueza, devi- trabalhar, o progresso não era muito gran-
do à referência à prata e ao ouro entre as de. Foram necessários pelo menos três me-
duas afirmações. Entretanto, a palavra para ses para a preparação do terreno. Durante
glória, que também sugere "peso" em ou- esse tempo os efeitos da maldição estive-
tros contextos, tem um uso muito rico no ram presentes. Destruição, ferrugem e falta
AT, incluindo a descrição da presença im- de frutos são aspectos da maldição de Deus
pressionante de Deus que leva à adoração (Dt 28.22,38-42; Am 4.9).
l1li
)AGEU2 1294
Deus estava ansioso para mostrar que na derrota dos exércitos poderosos e na de-
fora a construção da fundação do templo sordem civil. A história de Israel ensinara
que trouxera uma mudança súbita e mar- ao povo que até mesmo os inimigos mais
cante. Isso pede uma explicação. Parece poderosos são abalados quando Deus age
provável que o povo tenha se reunido para (e.g., Jz 4.15; 7.22; lSm 14.20). Esse tema
essa cerimônia. Na época do primeiro tem- emerge de forma marcante nas profecias
plo, os maiores avanços espirituais foram sobre a guerra contra Israel, em Ezequiel
alcançados quando o povo estava reunido 38~39 (especialmente 38.19-22). Embora
(lRs 8.14; 65,66; 2Rs 23.1,2,21-23). Essa uma guerra envolvendo Israel não seja
reunião provocada por Ageu contrastava mencionada aqui, a promessa a Zorobabel
com as ações anteriores do povo, quando de que ficaria em segurança faz sentido em
trabalharam cada um por si na construção um contexto de perigo de ataque.
de suas próprias casas (1.4,9). Podemos di- A semelhança entre as passagens em
zer que uma das principais conquistas em Ezequiel e Ageu é tamanha que vale a pena
nosso texto foi o fato de o povo começar a perguntar por que o modelo do novo tem-
trabalhar em equipe, tomando-se unido. plo em Ezequiel 40-46 foi ignorado na
O significado de um ato de obediência época de Ageu. Não há uma resposta ób-
de âmbito nacional em um dia específico via para isso. Talvez eles não interpretas-
também pôde ser observado durante a pri- sem a visão como um esquema detalhado
meira vez que entraram na terra prometida que devesse ser posto em prática, vendo
(Js 5.9). Aí, também, poderíamos esperar seu propósito primário mais como um en-
que o "opróbrio do Egito" fosse removi- corajamento de que Deus estava com eles,
do muito tempo antes. No entanto, parece a despeito do exílio (v. comentário de 2.1-
ter havido uma demora que só terminou 5). Talvez as palavras do Senhor em 1.8,9
depois que toda a nação obedeceu à ins- tenham sido tomadas como uma instru-
trução sobre a circuncisão. Isso se deve ção para que o templo fosse reconstruído
ao fato de que a circuncisão e a posse da no mesmo local e com a mesma planta
terra estavam ligadas na aliança feita com com que Salomão construíra o primeiro.
Abraão (Gn 17.1-14). De todo modo, o templo de Ezequiel ja-
Se entendermos a construção da funda- mais foi construído e, com o fim dos sa-
ção do templo como uma ocasião signifi- crifícios de animais no Calvário, é difícil
cativa nesse sentido, então esse dia deve imaginar qual função exata ele teria agora
ter sido um ponto de virada ("o fim do co- (v. Ez 43.13-27).
meço", para citar a expressão de Winston Zorobabel e Josué obedeceram com
Churchill). Deus parecia estar observando prontidão e precisão à palavra do Senhor.
o compromisso do povo e o recompensan- Josué foi recompensado com a coroa em
do. Com isso podemos aprender que Deus Zacarias 6.11. Deus fala da aprovação de
recompensa ações decisivas tomadas em Zorobabel aqui, ao chamá-lo de anel de
conjunto por seu povo. Acerca da forma selar. Isso parece ser o inverso do julga-
que a bênção do Senhor assumiria, ver mento de Jeoaquim, rei na época do exílio
Zacarias 8.9-13. (Jr 22.44). Jeoaquim tinha sido rejeitado;
seu descendente é agora confirmado.
2.20-23 A promessa de Deus a Um anel como esse era um artigo mui-
Zorobabel: "Eu manterei meu to caro e podia ser usado no dedo ou ao
líder em segurança". redor do pescoço, preso a uma corrente;
Mais uma vez Deus diz que fará abalar o de todo modo, devia estar sempre ligado a
céu e a terra (v. comentário de 2.6,7). A seu proprietário, e nunca podia ser perdido
ênfase dessa vez está nas revoltas políticas, ou abandonado. Isso exprime o valor de
11II
1295 AGEU 2.-
11I
11II
Zorobabel para Deus. Parece que esse tipo apontam para o Messias, o líder escolhi-
de anel era usado para carimbar o selo real do por Deus para receber sua autoridade
em um documento, sugerindo que Deus (Dn 7.13,14). Deus se deleita naqueles
confiara a Zorobabel a autoridade para que lhe obedecem, e gosta de estar per-
executar sua vontade. to deles, mas retira sua bênção daqueles
Além de qualquer cumprimento da que lhe desobedecem (lSm 15.22,23;
promessa de Deus a Zorobabel que possa Mc 1.11; 104.34).
ter ocorrido durante a sua vida, podemos
entender que Zorobabel e Josué, juntos, David F. Pennant
ZACARIAS
INTRODUÇÃO
o livro [Javé], traduzida por "o SENHOR" em muitas
O livro de Zacarias divide-se naturalmen- de nossas versões bíblicas). Era um nome
te em duas partes: cp. 1-8 e 9-14. Os bastante comum; provavelmente por vol-
primeiros oito capítulos são claramente do ta de trinta diferentes indivíduos tiveram
próprio Zacarias, filho de Baraquias, neto esse nome no AT. Entretanto, era um nome
de Ido, e podem ser datados entre o oitavo apropriado para o profeta, por ele ter con-
mês do segundo ano do reinado de Dario clamado o povo a se lembrar do passado
(520 a.C") e o quarto dia do nono mês do e assim mudar seu comportamento (1.2-6;
quarto ano de seu reinado (518 a.C.). 7.5-14; 8.14-17).
Os cp. 9-14 são muito diferentes em É provável que Zacarias tenha retor-
estilo da primeira parte do livro. Esses ca- nado da Babilônia para Jerusalém em 538
pítulos, por sua vez, também podem ser a.C. Ele profetizou por volta de 520, junto
divididos em duas partes, 9-11 e 12-14, com Ageu, incentivando o povo a recons-
cada uma introduzidapelo título: "Sentença truir o templo, pois assim eles demonstra-
pronunciada pelo SENHOR" (ou: "orácu- riam ter colocado Deus em primeiro lugar
lo da palavra de Jeová", TB; ou: "Peso da em seus pensamentos (cf Ag 1.9). Deixar
palavra do SENHOR", ARe; v. Comentário). o templo em ruínas era o mesmo que mos-
O livro de Malaquias começa com essas trar que não se importavam realmente se
mesmas palavras. Deus habitava ou não em seu meio.
Não há nada de biográfico em relação
o profeta ao autor do livro nos cp. 9-14. Adiante
O avô de Zacarias foi provavelmente Ido, (A compilação) será abordada a questão da
que aparece entre os líderes dos sacerdo- autoria desses capítulos.
tes e levitas que retomaram do exílio para
Jerusalém, listados em Neemias 12.4. o contexto histórico
Parece que ele foi um homem importante Em 538 a.c., o rei Ciro conquistou a
pelo modo como Esdras 5.1 e 6.14 se refe- Babilônia e publicou um decreto permi-
re a ele: "Zacarias, filho de Ido". O próprio tindo que os exilados de muitos países,
pai de Zacarias é omitido nessa lista, mas inclusive Judá, voltassem para casa. Os
seu avô é incluído. Se essa conexão estiver judeus tiveram permissão para reconstruir
correta, então o próprio Zacarias era tanto o templo em Jerusalém (Ed 1.1-4) e vol-
sacerdote quanto profeta. taram para casa cheios de alegria e espe-
Mateus se refere a "Zacarias, filho rança, sob a liderança de Zorobabel (que
de Baraquias, a quem matastes entre o também pode ter se chamado Sesbazar,
santuário e o altar" (23.35). Se esse for cf Ed 3.8; 5.14-16). Eles construíram
o profeta de quem falamos, isso pode es- os alicerces do templo, mas os povos vi-
clarecer o significado de Zacarias 12.10 e zinhos, durante todo o reinado de Ciro,
13. 7 (v. Comentário). fizeram de tudo para impedir a conti-
O nome Zacarias significa "Yah lembra" nuação de seu trabalho (538-522 a.c.;
(Yah é uma forma abreviada de Yahweh Ed 4.4,5).
11
1297 ZACARIAS 1111
1111
Zacarias e Ageu incentivaram o povo sistiu quando o Império Grego foi estabe-
a levar a sério novamente a reconstrução lecido por Felipe da Macedônia e por seu
do templo; Tatenai, governador da provín- filho, Alexandre, o Grande.
cia além do Eufrates, Setar-Bozenai e seus Soma-se a essa incerteza o fato de que
companheiros se opuseram a esse traba- não podemos ter certeza da data dos cp.
lho e exigiram saber com que autoridade 9-14, e com isso fica claro que não po-
eles o desempenhavam (Ed 5.3). As auto- demos especificar com muita precisão o
ridades procuraram nos arquivos reais na contexto histórico desses últimos capítulos.
Babilônia e descobriram o decreto de Ciro Devemos nos satisfazer com o conhecimen-
(Ed 6.1-5), o qual não apenas permitia o to geral de todo o período e nos lembrar
retomo dos judeus a Jerusalém, mas espe- sempre de que pode ter havido muitas alte-
cificava que um auxílio financeiro deveria rações da situação e muitos acontecimen-
ser prestado a esse povo pelo tesouro real tos dos quais não temos registros.
(v. 4), e que todo o ouro e toda a prata do O esboço dos acontecimentos pode ser
templo deveriam ser devolvidos aos judeus estabelecido assim:
(v. 5). Foi assim que o próprio Dario en-
corajou os judeus, obedecendo ao decreto, o decreto de Ciro
pagando pela reconstrução, fornecendo Muitos exilados retornam a
animais para os sacrificios (8-10) e desen- Jerusalém
corajando quem quisesse atrapalhar esse Eles começam a reconstrução
trabalho (lI). do templo, mas são forçados
Zacarias deu grande ênfase à conclusão a interrompê-Ia e ficam
da construção do templo sob a direção de desencorajados
feta diz algumas vezes seja obscuro (e.g., visões seja a de que estas vieram do pró-
2.8,9; 3.8,9; 4.lOb; 5.6). Os cp. 9-14 são prio profeta em um período posterior.
muito mais obscuros (e.g., 11.13; 12.10) Os seis últimos capítulos têm causado
e muitos estudiosos sugeriram "correções mais polêmica. Os estudiosos conservado-
no texto". Alguns deles também propuse- res geralmente sustentam que eles vieram
ram uma completa reordenação das seções do mesmo autor dos cp. 1-8, isto é, do
do livro, para tomá-lo mais lógico. Por profeta Zacarias. Os estudiosos liberais
exemplo, alguns removeriam a seção do têm universalmente negado essa posição e
cp. 4 que começa com "Esta é a palavra do com frequência argumentam que essa se-
SENHOR..." (6) e termina com " ...na mão de ção do livro é uma miscelânea de profecias
Zorobabel" (lO). Isso teria o efeito de res- normalmente não relacionadas entre si, e
taurar a conexão entre "e ele me disse ..." tendo vindo de um extenso período históri-
(6) com a segunda parte do v. 10. Em vista co bem posterior a 520 a.c.
do arranjo cuidadoso do texto pelo autor Uma mudança nesse panorama ocor-
e/ou editor, isso não pareceria um pro- reu com o trabalho de P. Lamarche, que
cedimento muito sábio (v. Comentário). argumentou que o todo de Zacarias 9-14
Alterações adicionais são sugeridas nos forma uma complexa estrutura na qual as
cp. 9-14, e algumas vezes transfere-se o passagens "messiânicas" ocorrem em pon-
trecho de 13.7-9 para o final do cp. 11, de tos em que há correspondência entre uma
modo a se manter os "trechos dos pasto- e outra, devendo ser tomadas em conjunto
res" em um mesmo bloco. para fornecer um retrato do Messias. Esse
O livro apócrifo de Eclesiástico (c. 180 estudo teve em geral uma recepção bastan-
a.C,) em 49.10 se refere aos "doze pro- te calorosa, e foi particularmente aprecia-
fetas", o que poderia sugerir que o cânon do pelos estudiosos conservadores.
profético já estava fixado no começo do Embora haja razões para não se acei-
século II a.c. A ordem dos chamados "pro- tar esse ponto de vista em detalhes (v.
fetas menores" varia entre os diferentes Introdução), há, entretanto, uma unidade
manuscritos, mas os cp. 1-14 de Zacarias nesses capítulos. Eles tratam de temas re-
são sempre encontrados juntos. correntes, notadamente juízo e bênção por
meio de ações militares, e da liderança do
A compilação povo de Deus (sob as figuras do "rei humil-
A maior parte dos cp. 1-6 consiste em de", "do pastor e do rebanho" e do "pastor
uma série de oito visões (1.7-6.8) às ferido"). Várias dessas passagens são cita-
quais foram acrescentados outros oráculos das por Jesus no NT (v. também Conteúdo e
(2.6-13; 6.9-15; cf 4.6-lOa). Estrutura e Comentário).
Os cp. 7-8 tratam de uma pergunta
sobre o jejum feita a Zacarias por alguns A teologia de Zacarias
homens vindos de Betel. Zacarias faz uma Em todo o livro de Zacarias a ênfase está
longa exortação, dando-lhes em seguida no poder de Deus sobre todo o mundo. Ele
uma ordem e uma promessa, antes de fi- permitiu que as nações punissem seu povo,
nalmente responder a pergunta. Judá, mas havia limites rigorosos para
Não há nenhuma dúvida de que o ma- aquilo que podiam fazer. Judá tem sido e
terial básico dos cp. 1-8 venha do próprio continua a ser o povo eleito de Deus, e seu
Zacarias. Pode muito bem haver passagens castigo tem o propósito de restaurá-lo, para
que sejam de algum editor ou editores que possa ter um relacionamento puro com
(e.g., 1.1; 1.6b; 2.6-13; 4.6-10 [v. acima]; ele. Aquelas nações que excederam os li-
6.9-15; e partes de Zc 7), embora a expli- mites agora serão julgadas. Nesse plano, há
cação mais provável para os acréscimos às um importante papel a ser desempenhado
1299 ZACARIAS .rI
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por certos indivíduos. As personagens his- embora estas, a princípio, fossem bem-su-
tóricas de Zorobabel (o governador) e de cedidas (9.1-8; 12.1-9; 14.1-4,12-15).
Josué (o sumo sacerdote) são mencionadas c. Sua promessa de ser seu Deus (13.9;
como os responsáveis pela restauração do cf 10.6; 12.5), adorado em Jerusalém
templo e da adoração. Mas elas possuem (14.16,20,21).
um significado muito maior do que esse. d. A preocupação implícita de que o
Representam "os ungidos" que se colocam povo reconheça a palavra de Deus (11.11;
diante do "Senhor de toda a terra" (4.14), cf as varas e as moedas de prata? 12.5;
e Zorobabel é em certo sentido identifica- cf 10.1,2).
do como "o Renovo" (3.8; 6.12), uma pa- e. A provisão de um rei/pastor humilde
lavra usada para descrever o Messias em e justo (9.9,10; 10.2-4; 11.4-17; 13.7-9).
Jeremias 23.5 e 33.15 (cf Is 4.2). f. A purificação do povo de toda a impu-
Os cp. 1-8 formam uma unidade bas- reza, de certa maneira relacionada à mal-
tante clara com certos temas recorrentes dição/ ao sofrimento de um indivíduo, que
importantes: pertence a Deus, mas é tratado com hostili-
a. A ira de Deus com "os pais" e o juízo dade por ele (12.10-13.9; 14.21).
que seguiu (1.2-6; 7.7-14). g. A bênção futura (somente cp. 14) das
b. A ira de Deus é transferida para as na- nações (incluindo o Egito) fora de Judá,
ções (embora no início tenham participado que virão adorar a Deus em Jerusalém
de acordo com suas intenções); e sua com- (14.16-21).
paixão por Judá e Jerusalém (1.12-17,21; As conexões não são fortes o suficiente
8.1,2,15; cf 3.2). para que a unificação do livro por um úni-
c. A intenção de Deus, portanto, de ha- co editor seja incontestável.
bitar novamente no meio de seu povo em
Jerusalém, e de ser o seu Deus (2.10-12; Estrutura
8.3,8). Como mencionado anteriormente, nosso
d. A preocupação para que o povo sai- entendimento do livro de Zacarias tem
ba que Deus lhes enviou um mensageiro sido aperfeiçoado pela apreciação da estru-
(2.8,9,11; 4.9; 6.15). tura às vezes um tanto complexa em que o
e. A provisão de uma liderança civil e autor/editor organizou o seu material.
religiosa harmoniosa ordenada por Deus Com frequência, podemos notar aquilo
(3.7-9; 4.6-10; 6.11-14). que os estudiosos chamam de "quiasmo"
f. A purificação do povo de Deus e sua (ou "estrutura quiásmica"). A palavra é
obediência futura (3.3-5; 5.3,4,5-11; 6.15b; derivada da letra grega chi (X, que tem a
8.16,17). forma de uma cruz). Isso implica que a pri-
g. A futura bênção dos outros povos meira parte da passagem seja invertida (ou
fora de Judá, que se reunirão e suplicarão o cruzada) na segunda parte. Assim ABCD
favor de Deus (8.20-23). se toma DCBA. No centro de um quias-
Nos cp. 9-14, vemos preocupações mo nós geralmente encontramos a ênfase
semelhantes, embora sejam expressas de ou o ponto mais importante da passagem
uma maneira diferente: - às vezes um ponto de virada em uma
a. A "impaciência" de Deus com o narrativa. Frequentemente a parte final
"rebanho" e seu juízo que se expressa em é semelhante à primeira, embora a situa-
parte no ataque pelas nações e em parte re- ção também tenha sofrido transformação.
lacionado, de certo modo, à sua provisão Houve uma melhoria, e a estrutura do todo
de maus líderes (11.4-14; 14.2). faz com que o leitor ou ouvinte o perceba.
b. A vitória concedida por Deus aJudá Uma análise de cada uma das seções
e Jerusalém (e a Davi) sobre as nações, principais do livro é desenvolvida no
ZACARIAS 1 1300
ESBOÇO
1.1-6 O prólogo dos cp. 1-8
1.7-6.15 Série de visões noturnas acompanhadas de seus oráculos
1.7-17 A primeira visão: Cavalos percorrem a terra
1.18-21 A segunda visão: Quatro chifres e quatro ferreiros
2.1-13 A terceira visão: Jerusalém habitada e sem muros
3.1-10 A quarta visão: O sumo sacerdote Josué
4.1-14 A quinta visão: Os dois ungidos
5.1-4 A sexta visão
5.5-11 A sétima visão
6.1-8 A oitava e última visão
6.9-15 Um oráculo
Deus para a satisfação de Deus para com as A visão 8 fecha o círculo, acrescentan-
nações. Nós pressupomos, a partir do con- do seu próprio clímax à série ao descrever
traste e do conteúdo do material interve- a realização dos propósitos de Deus: "o
niente, que as nações foram punidas e Judá Senhor de toda a terra".
e Jerusalém são purificadas e protegidas. O trecho de 6.9-15 é o relato de uma
Os dois pares de visões, 2-3 e 6-7, palavra profética e de uma ação, a qual
são correspondentes. Observem que cada retoma alguns dos mais importantes te-
uma delas (bem como a visão 8) é intro- mas mencionados anteriormente: os dois
duzida pela expressão levantei/tornei a líderes, o templo e a reunião do povo para
levantar os olhos. As visões 2 e 3 estão construí-lo, e sabereis vós que o SENHOR
relacionadas, pois sua forma é semelhan- dos Exércitos é quem me enviou. O v. l5b
te e ambas têm seu foco em Jerusalém. se refere a 1.2-6 (especialmente o v. 4).
O oráculo 2.6-13 ressalta ainda mais a
unidade delas e as relaciona à visão 1 1.7-17 A primeira visão:
com a expressão: de novo, escolherá a Cavalos percorrem a terra
Jerusalém. Ele também introduz novos Há a descrição de três indivíduos na vi-
elementos que se tornam importantes so- são: um homem montado num cavalo
bre o conjunto dos cp. 1-8: Sabereis vós vermelho (8,10), o anjo que falava comi-
que o SENHOR dos Exércitos é quem me en- go (9,13,14) e o anjo do SENHOR (11,12).
viou (cf 4.9; 6.15); muitas nações se jun- Provavelmente o primeiro e o terceiro se-
tarão a Deus (8.20-23; cf 6.15); e Deus jam o mesmo indivíduo (cf v. 11). A ex-
habitará no meio de seu povo e será o seu pressão o anjo que falava comigo aparece
Deus (8.3,8). na maioria das visões.
Há base para fazermos a conexão en- Zacarias relata que teve uma visão (lit.
tre as visões 2 e 7. Sua estrutura interna é "viu") de um homem em um cavalo ver-
semelhante, pois ambas se constituem em melho que estava parado entre as murtei-
duas partes: chifres e ferreiros/mulher em ras (cujo significado e importância exatos
um cesto e mulheres aladas. Elas também são incertos). Atrás dele havia mais três ca-
têm um vocabulário comum. Essa era uma valos de cores diferentes: vermelho, baio
ligação bastante evidente no hebraico, mas e branco. Foram feitas tentativas de en-
foi obscurecida na tradução para a nossa contrar significados para essas cores (e.g.,
língua. Essas duas contêm também um sangue, confusão e paz), mas parece mais
oráculo profético direto (2.4,5; 5.3,4). As provável que esses detalhes são apenas
visões 3 e 7 também compartilham algu- parte do pano de fundo. Os quatro cavalos
mas palavras. em 6.2 têm uma combinação diferente de
As visões 4 e 5 ocupam a posição cen- cores (cf também Ap 6.2,4,5,8).
tral e, pelo menos em sua forma atual, Os cavalos tinham percorrido a terra e
apresentam uma dupla liderança divina- a encontraram em repouso e tranquila. O
mente autorizada: a de Josué, o sumo sa- significado dessa passagem é que parece
cerdote, e a de Zorobabel (o renovo), que que as nações que tinham oprimido aJudá
reconstrói o templo e que, segundo 6.13, tinham escapado ilesas. O anjo do SENHOR
será revestido de glória. Eles estão diante pede a Deus que aja (12) e recebe a garan-
do "Senhor de toda a terra". tia de que: sua ira está agora dirigida para
As visões 6 e 7 também estão ligadas: as nações; ele estava indignado com o seu
ambas falam de "sair" e tratam da elimina- povo, mas as nações foram longe demais;
ção do mal de sobre a terra. Essa mesma e ele já retomou a Jerusalém. Esse último
ideia de "sair" forma também uma ligação ponto será visível na construção do templo
com a última visão. (concluída quatro anos depois) e da cidade
11
1303 ZACARIAS 2 1111
11.
(o cordel [linha usada para medir] significa uma ênfase grande nos chifres. Observe a
delimitar o local para a reconstrução das repetição "desnecessária" da palavra chi-
casas). fres (19,21) e do verbo "dispersar" (21). O
Observe a ênfase colocada no zelo (no profeta não perguntou quem eram os fer-
sentido de "veemência na dedicação") por reiros, mas o que eles iriam fazer. É im-
Jerusalém e na ira contra as nações nos v. provável que os quatro chifres representem
14b, 15a. A ênfase é conseguida pela repe- quatro nações específicas. Antes, "quatro"
tição e pelo arranjo das palavras (cf v. 2), é um número que expressa completude,
lit., "Estou zelando por Jerusalém e por como quando os quatro cavalos percorrem
Sião - com grande zelo. E com grande a terra em todas as direções (1.1 O; 6.5-7;
ira - estou irado contra as nações que vi- cf as referências aos "quatro ventos" em
vem confiantes ('que se sentem seguras' 2.6; 6.5).
[NVI])". A descrição "confiantes" tanto Fica claro, então, que o profeta preten-
pode significar escapar do juízo quanto de que seus leitores formem uma imagem
demonstrar um autocontentamento arro- vívida da força das nações, e que se lem-
gante, como em 2Reis 19.28 e Salmos brem da devastação que elas causaram a
123.4 (sendo "desprezo", neste último Judá. Deus não quer que o povo se esqueça
caso, paralelo a "arrogante"). ou subestime a grandeza de seu livramen-
O v. 17 leva a primeira visão a uma con- to. Essas nações levantaram o seu poder
clusão contundente. A repetição da palavra contra Judá, e o povo de Deus ficou com-
ainda reforça a continuidade com o pas- pletamente amedrontado, ninguém pode
sado histórico do povo escolhido, o povo levantar a cabeça (21). No entanto, de for-
descendente de Abraão com quem Deus ma ameaçadora, as nações agora receberão
fizera uma aliança. Ele os havia discipli- sua paga.
nado, mas nunca os rejeitara. A expressão
ainda escolherá a Jerusalém também é 2.1-13 A terceira visão: Jerusalém
encontrada em formulação semelhante em habitada e sem muros
2.12 e 3.2 e serve como preparação para Os v. 1-5 descrevem a terceira visão de
as profecias destinadas aos líderes escolhi- Zacarias. Esta vem acompanhada de um
dos por Deus mencionados nas duas visões oráculo intimamente relacionado a ela. O
centrais (cp. 3-4). último versículo do cp. 2 é dirigido direta-
mente a todo o mundo, e é uma declaração
1.18-21 A segunda visão: Quatro poderosa por si só.
chifres e quatro ferreiros 2.1-5 A visão. Zacarias vê um homem
O profeta passa da primeira profecia para a com um cordel de medir (uma expressão
segunda como se não houvesse um interva- um pouco diferente de 1.16, mas com fim-
lo de tempo entre elas: Levantei os olhos. ção semelhante) para medir a largura e o
Ele viu quatro chifres. Os chifres eram um comprimento de Jerusalém. Podemos de-
símbolo de força (Dt 33.17), frequentemen- duzir da mensagem de Deus para ele, nos
te significando agressividade e/ou orgulho v. 4,5, que o seu propósito é (pelo menos
(SI 75.4,5,10; Dn 8.3-9). Os quatro chifres em parte) preparar o terreno para a recons-
representam as nações que dispersaram trução dos muros da cidade.
a Judá, a Israel e a Jerusalém. Então, os É muito difícil acompanhar os anjos
ferreiros, pois, vieram para os amedrontar nessa visão! A melhor maneira de traduzir
[ou derrotar], para derribar os chifres das o hebraico é falar de três anjos ao todo.
nações. O processo exato não é especifica- O primeiro anjo (AI) é o homem com o
do. Na verdade, é surpreendente que haja cordel de medir que foi medir Jerusalém;
uma ênfase muito pequena nos ferreiros e o segundo (A") é o anjo que falava com
ZACARIAS2 1304
Zacarias e que saiu (lit. "partiu"); o ter- Babilônia e retomem para o lugar em que
ceiro (N) é o outro anjo que saiu (partiu) Deus está restabelecendo sua morada.
ao encontro de A 2para entregar uma men- Na primeira parte (6-9), o profeta insta
sagem para AI. A3 pode muito bem ser o os exilados a abandonar a Babilônia ime-
"anjo do SENHOR", como em 1.11,12. Em diatamente, pois a nação está para ser pu-
outras palavras, A3 pede a A2 que entregue nida (os espoliadores se tomarão espólio).
a mensagem para AI. Por que isso tem de Quando isso acontecer, sabereis vós que o
ser tão complicado? Talvez para ressaltar SENHOR dos Exércitos é quem me enviou.
a importância dessa mensagem inespera- Na segunda parte (10,11), é dito ao povo
da. Seria natural reconstruir os muros da que o Senhor está vindo e viverá entre
cidade e reforçar suas fortificações e isso eles em Jerusalém, onde muitas nações se
podia muito bem ser parte da vontade de ajuntarão ao SENHOR. Isso também será um
Deus para Jerusalém. Mas a mensagem sinal de que a mensagem que o profeta re-
aqui é que isso não é necessário, por duas cebeu era da parte de Deus (e saberás que
razões: a cidade será muito grande, e o o SENHOR dos Exércitos é quem me enviou a
próprio SENHOR será o seu muro, um muro ti). Há uma promessa final no v. 12 de que
de fogo. então, o SENHOR herdará aJudá [...] e, de
Até que ponto devemos entender isso novo, escolherá a Jerusalém.
de forma literal? O muro de Jerusalém de A promessa do v. 11 é emoldurada pelo
fato teve de ser reconstruído em 445 a.c. repetido habitarei no meio de ti formando
sob a liderança de Neemias. Por outro uma estrutura quiásmica. O refrão dos v.
lado, a cidade se espalhou para além de 9b e 11b (e sabereis/saberás) ressalta a
seus muros. O importante a se observar é preocupação de que Deus seja glorificado
que "enquanto Deus se encontrar na cida- como resultado de suas ações. Isso ocorre
de, ela não cairá" - não importa se com também em 4.9 e 6.15. A expressão e, de
ou sem muros (SI 46.4; cf 48.1-3,8; 32.7; novo, escolherá a Jerusalém mostra a li-
Jó 1.10). gação entre este oráculo e a primeira visão
O fato de Deus estar no meio de seu (cf 1.17) e também prepara uma conexão
povo é fortemente enfatizado de inúmeras com a quarta visão (cf 3.2).
maneiras nos cp. 1-8: por declaração di- Eh! Eh! (6,7) é simplesmente uma in-
reta (2.10-12; 8.3,8; 13.9; 14.4); pela con- terjeição para chamar a atenção de ouvin-
clusão da reconstrução do templo como tes em potencial. Para obter ele a glória,
parte do plano de Deus (4.8,9; cf 9.8); pela enviou-me às nações...(8) é uma tentativa
purificação e nova consagração do sumo de dar sentido a uma frase bastante difi-
sacerdote, o representante do povo (3.1-7); cil: "depois que a glória me enviou [ou ele
e pela promessa de que muitos povos virão me enviou] às nações ...". Outras suges-
para "buscar ao [o favor do] Senhor" em tões são que "glória" seja um nome para
Jerusalém (8.20-23; cf 2.11; 14.16-19). o próprio Deus (cf v. 5b) ou então uma
2.6-12 O oráculo. Esse oráculo profé- maneira de se referir à própria visão. O
tico decorre espontaneamente das três pri- pronome "me" tem sido entendido como
meiras visões. Todas estavam preocupadas se referindo a Zacarias (que, na verdade,
em reverter o destino de Judá e das nações. não foi enviado às nações, exceto de uma
Agora nos é fornecido um quadro do pri- maneira indireta) ou a um dos anjos. Seja
meiro passo na restauração do povo - sua qual for a interpretação correta, a principal
libertação do exílio da Babilônia. Em 520 preocupação é estabelecer que aquilo que
a.c., é claro, muitos já haviam retoma- Deus disse sobre essa situação (por meio
do. Mas muitos ficaram para trás. E esse do anjo ou de Zacarias) é verdadeiramente
oráculo os incita a que também deixem a de Deus.
11
1305 ZACARIAS 3 .11
••
2.13 Um apelo para o mundo todo. Elas simbolizavam a pureza necessana
Esse apelo é totalmente apropriado aqui. para se apresentar diante do Deus santo.
Depois de esperar por um longo tempo, o Quando nos é dito que Josué se apresentou
Senhor irá agir contra as nações que opri- diante do Senhor vestindo roupas sujas,
miram o seu povo. Que toda a terra se cale isso simboliza sua iniquidade (4b) e tam-
em respeito diante dele (cf Hc 2.20), mal bém a iniquidade do povo, uma vez que ele
ousando respirar. é seu representante diante de Deus.
A acusação do "adversário" é verdadei-
3.1-10 A quarta visão: ra. O resultado, entretanto, não é a conde-
O sumo sacerdote Josué nação, mas a purificação. Esse aspecto da
Os cp. 3 e 4 contêm as duas visões cen- restauração do povo por Deus é enfatizado
trais de toda a série de oito visões. As duas na sexta e na sétima visões: o que furtar e o
dizem respeito a dois líderes. O sumo que jurar falsamente serão expulsos (5.3),
sacerdote e o líder civil (o governador). e a própria iniquidade será removida para
Juntas, essas figuras representam o gover- longe da terra (5.7,10,11).
no de Deus sobre seu povo. O cp. 3 coloca O sumo sacerdote também era obrigado
o foco em Josué, o sumo sacerdote, mas a usar um turbante ("mitra"; Êx 28.4,37-
menciona, também, meu servo, o Renovo 39). Não nos é dito se no início Josué estava
(8; cf 6.12, em que diz que ele construirá o usando algum tipo de turbante, mas agora
templo do Senhor). ele recebe um turbante limpo. A palavra é
O cp. 4 traz a imagem de duas oliveiras diferente da usada em Êxodo 28, mas tem
que representam os "dois ungidos que fo- a mesma raiz (tsanip/mitsnepeth).
ram ungidos para servir [lit. 'assistir'] jun- Parece estranho para o próprio Senhor
to ao [diante do] Senhor de toda a terra". dizer o SENHOR te repreende (2), mas isso
A tradução da NVI - "ungidos para servir" significa "Eu, o SENHOR, te repreendo",
- não é exata e perde a conexão com o e assegura ao leitor que as acusações de
resto do capítulo estabelecida pelo signi- Satanás são totalmente colocadas de lado
ficado da expressão "estar diante de" (cf (cf SI9.5; Is 17.13). Não é este um tição ti-
3.1,3,4). (Observe que a expressão toda a rado dofogo (2) evoca Amós 4.11, e impli-
terra ocorre em 4.14; 5.3,6; 6.5. Isso ajuda ca que Josué (e, portanto, o povo de Judá)
a dar unidade às últimas quatro visões.) Os escaparam do justo castigo. E o anjo do
versículos 3.1 e 4.14 juntos demonstram SENHOR estava ali (5) provavelmente signi-
que Josué é um desses dois ungidos. fica que essa ação é aprovada por Deus.
3.1-5 Lidando com as acusações de 3.6,7 Josué recebe uma incumbência.
Satanás. Esta seção descreve como Josué, Tendo sido purificado, Josué é capaz de
o sumo sacerdote, é acusado por "Satanás". estar na presença de Deus. Ele recebe a in-
A palavra "Satanás" em hebraico significa cumbência de andar nos caminhos de Deus
"adversário" e ocorre como nome próprio, e de obedecer às suas exigências. As duas
por exemplo, em 1Crônicas 21.1. Também expressões significam viver e agir da ma-
é usada com o significado de um adversá- neira que Deus quer. A segunda é especial-
rio sobre-humano no livro de Jó (cp. 1- mente utilizada nos serviços sacerdotais
2). Fora isso, indica adversários humanos, ou nos cuidados com o santuário (e.g., Nm
tanto pessoais como nacionais. A função 3.7,8,25-38). Estes que aqui se encontram
do adversário, tanto aqui como em Jó, é são os seres celestiais que estão diante de
acusar um dos servos de Deus. Deus, como no v. 4.
Josué, como sumo sacerdote, deveria 3.8,9 Josué recebe uma mensagem
se apresentar diante de Deus somente com adicional. Esses versículos parecem um
as vestimentas especificadas em Êxodo 28. acréscimo à visão inicial (têm um impera-
ZACARIA54 1306
tivo tal como o que é frequentemente uti- no caso se ajustaria ao final do versículo:
lizado para dar início a um novo discurso, purificariam a terra do pecado.
e introduzem características não sugeri- 3.10 Uma promessa final. A vide e a
das na descrição precedente: o Renovo, figueira, plantas que precisam de um longo
a pedra, os sete olhos). Entretanto, seu tempo para produzir frutos, são símbolos de
clímax: e tirarei a iniquidade desta ter- paz e prosperidade. Essa mesma imagem é
ra, num só dia (isto é, de modo rápido e utilizada em IReis 4.25 para descrever as
completo) é totalmente apropriado a essa condições de paz do reinado de Salomão.
visão, pois o sumo sacerdote representa Em 2Reis 18.31, essa imagem representou
todo o povo. uma promessa tentadora (embora não dig-
as companheiros de Josué provavel- na de confiança) feita pelo rei da Assíria, e
mente eram os demais sacerdotes. Eles em Miqueias 4.4 descreve as condições da
são homens de presságio (lit., "homens bênção "nos últimos dias" (Mq 4.1).
portentosos"). Isso provavelmente signifi-
ca que a vinda do Renovo tem significado 4.1-14 A quinta visão:
sacerdotal. Os dois ungidos
a Renovo é um título messiânico (Jr A estrutura desse capítulo é um tanto es-
23.5,6; cf Is 4.2; 11.1; v. também a Intro- tranha, pois nele uma pergunta feita no v.
dução). Essa expressão também guarda 5 é respondida apenas no v. 10b, e as liga-
certa conexão com Zorobabel, cujo nome ções entre as partes externas e o oráculo
não se encontra em nenhuma das partes que está no meio são truncadas. Isso tem
principais das próprias visões. A razão levado muitos comentaristas a considerar
disso não é muito clara. É possível que os v. 6-l0a uma inserção posterior, ou a
Zorobabel tenha caído em desgraça diante deslocar a seção para outro lugar. a pa-
das autoridades persas e, assim, evitava-se drão, entretanto, pode ser visto como algo
tocar em seu nome. É mais provável que deliberado. a capítulo se desenvolve da
tenha sido deixado para o leitor fazer a li- seguinte forma:
gação entre a presente liderança de Judá e 1-3 Uma descrição da visão, em par-
Jerusalém e a promessa do Messias, conhe- ticular sobre as sete lâmpadas e as duas
cida por meio de Isaías 9.1-7 e 11.1-9. Não oliveiras. 4 Então segue a pergunta: Que
se pensava que Zorobabel fosse o Messias, é isto?, supostamente relacionada às sete
mas um tipo de Messias. Ele dá uma ideia lâmpadas. a anjo responde com outra
da natureza do governo do Messias. Isso pergunta (5): Não sabes tu que é isto?, a
será visto mais detalhadamente no capítulo qual não é respondida até depois do orá-
4 e em 6.9-15. culo sobre Zorobabel (6-l0a). Finalmente,
Não é muito claro o significado da pe- o profeta recebe a resposta à sua pergun-
dra colocada diante de Josué. a contexto ta relativa às "sete lâmpadas" no v. 10b.
deve nos ajudar a formar uma imagem dela. 11-14 Seguem perguntas sobre as duas oli-
a fato de ter sido lavrada sugere algum veiras e sobre os dois tubos de ouro, e o
tipo de comemoração, talvez a comemo- anjo responde como no v. 5: Não sabes que
ração da comissão de Josué pelo Senhor. é isto? No v. 14, o profeta recebe a resposta
Olhos pode ter ligação com 4.10, em que o à pergunta relativa aos dois pontos.
significado das sete lâmpadas é explicado Aparentemente, um dos meios utiliza-
como "os olhos do SENHOR, que percorrem dos por Zacarias para aumentar o impacto
toda a terra", simbolizando o seu conheci- de sua mensagem é uma espécie de tática
mento de tudo aquilo que acontece na ter- de demora. Nos cp. 7-8, uma pergunta
ra. A palavra poderia possivelmente signi- é feita em 7.3, a qual não é respondida
ficar apenas "fontes", "olhos d'água", que até 8.l8,19! Desse modo, há uma breve
demora suscitada pela réplica, e uma de-
1307 ZACARIAS4 <
unção para seus ungidos. Por outro lado,
mora maior ocasionada pelo oráculo dos isso não está de acordo com o que acontece
v.6-10a. na vida: o azeite vem das oliveiras, e daí
Uma função adicional do oráculo na vai para a lâmpada ou lamparina.
posição em que se encontra é mostrar a co- O v. 12 é muito obscuro, especialmen-
nexão entre Zorobabel e os dois ungidos. te por que nem os raminhos nem os tubos
Zorobabel não é mencionado pelo nome foram mencionados antes. Uma solução
em nenhuma das visões. proposta é a de pressupor que o vaso cen-
4.1-S,lOb-14 A quinta visão. Zacarias tral simboliza o Senhor e abastece tanto a
vê um candelabro central com sete lâm- lâmpada quanto a oliveira.
padas. De cada lado há uma oliveira. 4.6-10a Um oráculo sobre ZorobabeI.
Normalmente se pressupõe, a partir do que Essa seção adia a resposta à pergunta do
segue nos v. 11,12, que as oliveiras abaste- profeta (4) e ajuda a identificar Zorobabel
cem as lâmpadas com óleo. como uma das duas oliveiras ou um dos
O texto hebraico diz que cada uma dois ungidos. Ela tem duas partes.
das sete lâmpadas tem sete bocais (como Uma palavra assegura Zorobabe1 de
na RSV). O texto grego sugere que havia que ele não precisa de força nem de poder,
sete condutos ligando o vaso central às mas do Espírito de Deus (6,7). Se fosse
lâmpadas (como na NVI). De todo modo, a uma questão de força, então não poderia
imagem é a de uma lâmpada que irradiava haver nenhuma disputa entre Zorobabel e
um brilho intenso. A interpretação das sete o grande monte, mas, nessa circunstância, o
lâmpadas (lOb) é que elas representam os grande monte será uma campina diante
olhos do SENHOR, que percorrem toda a ter- dele. A oposição à obra de Zorobabel desa-
ra. (Observe que essa é a mesma expressão parecerá. As aclamações são literalmente
utilizada no v. 14; v. também em 3.1-10.) Graça e graça para ela!, e significam tanto
A imagem sugere a iluminação de lugares a beleza do edifício como a graça de Deus
escuros de modo que nada possa ser es- em capacitá-los para a reconstrução. A pe-
condido dos olhos do Senhor. É imprová- dra de remate, uma expressão que não apa-
vel que aqueles sete olhos se refiram a 3.9, rece em nenhum outro lugar, é literalmente
uma vez que se encontra muito distante da a "pedra fundamental". Evidentemente é
resposta e obscurecido por uma pergunta uma pedra importante no templo e sina-
sobre outro "sete". liza a conclusão do edifício (cf v. 9), e é
As duas oliveiras representam os dois provável que signifique "a pedra angular"
ungidos, que assistem junto ao Senhor de (SI 118.22), a pedra colocada no canto supe-
toda a terra. Em certo nível, esses são o rior de duas paredes para mantê-las unidas.
sacerdote e o governador da época: Josué A segunda metade (8-10) possui sua
e Zorobabel. Há uma dificuldade em se própria introdução. É uma promessa de
supor que eles pudessem fornecer óleo ao que Zorobabel será capaz de terminar a
Senhor para manter suas lâmpadas fun- reconstrução do templo. Isso não aconte-
cionando! Pode ser que não se espere que cerá do mesmo modo que ocorreu quando
levemos até o fim as implicações do sim- os exilados voltaram da Babilônia: eles co-
bolismo, uma vez que todos os símbolos meçaram a reconstrução, mas foram persua-
têm suas limitações. Entretanto, talvez os didos a desistir (Ed 4.4,5,24). Pois quem
tubos não fossem das oliveiras para o can- despreza o dia dos humildes começos (10)
delabro, pois o texto não o declara explici- se aplicaria àqueles que foram desencora-
tamente. Alguns sugerem que o vaso supre jados em face da oposição e da impotência
as oliveiras com óleo. Essa corrente tem do povo que havia retomado a Jerusalém.
a vantagem de fazer do Senhor a fonte da Eles pensaram que não poderiam ser bem-
ZACARIASS 1308
sucedidos, mas se alegrarão quando assis- Lv 19.11,12). Será expulso vem de uma
tirem ao sucesso de Zorobabel. O profeta raiz que significa "ser limpo, purificado".
os repreende de forma branda, querendo Isso significa ser removido do meio do
também encorajá-los (do mesmo modo povo da aliança e, portanto, estar fora da
que uma enfermeira pode repreender um salvação de Deus. Numa época em que o
paciente). A palavra traduzida por prumo ato de "mentir" é considerado uma coisa
é (lit.) "o estanho" ou possivelmente "a sem muita importância, é salutar lembrar
pedra separada". É improvável que o es- essa profecia e comparar passagens como
tanho fosse usado como prumo e, assim, Jeremias 28.15-17 e Atos 5.1-11.
pode ser que o significado seja que a pedra A maldição, que é uma palavra do
de remate do templo (7) indique que Judá Senhor, é personificada no v. 4. E a farei
é separado de outros povos, escolhido para entrar na casa [...] nela, pernoitará e con-
ser o povo de Deus. A conclusão do tem- sumirá [completamente] a sua madeira e
plo significará que a mensagem de Deus as suas pedras.
por intermédio de Zacarias é verdadeira (v.
acima v. 9,12). 5.5-11 A sétima visão
Tanto a sexta como a sétima visões têm
5. 1-4 A sexta visão algo a dizer sobre o modo como Deus trata
A sexta e a sétima visões formam um con- com o pecado. Enquanto a sexta visão se
junto, assim como a segunda e a terceira. concentra no juízo, a sétima visão se preo-
Ambas tratam da purificação do povo de cupa com a purificação da terra pela remo-
Deus. O rolo voante representa a maldi- ção do pecado.
ção que sai pela face de toda a terra (cf Zacarias vê um efa, que era um cesto
4.10b,14; 5.3,6; 6.5) como um juízo contra usado como unidade de medida. Não pode-
os malfeitores. Na sétima visão (5.5-11), mos ter certeza de quão grande era um efa,
uma mulher representando a "impiedade" mas provavelmente não ultrapassava 22 li-
é levada para longe, para a Babilônia (no tros. Talvez tenha sido ampliado na visão,
heb. Sinar é a Suméria na Mesopotâmia). como foi o rolo (5.2). Isto é a iniquidade
O rolo é descrito como voante, o que faz mais sentido do que o texto hebraico:
provavelmente significa que ele não es- "Isto é seu olho", e é sustentado pelas anti-
tava enrolado, mas aberto, de modo que gas versões grega e siríaca. É possível que
qualquer um pudesse lê-lo. Isso tomaria o efa seja escolhido devido a passagens
possível ver o seu tamanho: 20 côvados de como Amós 8.5: "diminuindo a medida,
comprimento e 10 de largura. Seu tamanho aumentando o preço", (lit) "diminuindo o
é enorme, dando ênfase à mensagem. Esta efa, aumentando o siclo". Era um sinal de
supostamente seria uma maldição contra desonestidade e falta de preocupação para
os malfeitores. com os outros.
Maldição também significa "juramen- A tampa (pesada) foi levantada e uma
to" e é especialmente associada ao não mulher estava sentada dentro do efa: ini-
cumprimento de uma obrigação, como em quidade. Isso não quer dizer que a mu-
Deuteronômio 29.20,21. lher represente a iniquidade mais do que
Os dois tipos de pecadores mencio- o homem. Talvez deva-se simplesmente
nados representam os malfeitores, e não ao fato de a palavra ser feminina. Observe
os únicos que serão julgados. Qualquer que quem remove a iniquidade da terra
que furtar representaria todos os que fi- também são mulheres (9-11). O vento em
zeram mal a seu próximo; o ato de jurar suas asas (9) poderia ser traduzido por:
falsamente, que envolve o uso do nome de "o espírito" (cf 6.5). Isso indicaria que a
Deus, é um insulto ao próprio Senhor (cf purificação era obra do Espírito de Deus.
1309 ZACARIAS6.·
..
••
o vocábulo hebraico para cegonha vem da da para "espírito" é a mesma usada para
mesma raiz que "amor leal", e essa pode "vento" (cf João 3.8).
ser a explicação do motivo de esses pás- Quando o relato é feito (8) ele men-
saros em particular serem citados aqui: a ciona simplesmente o norte. Muito pro-
purificação é um sinal de graça. vavelmente porque o norte tinha várias
A terra de Sinar (lI) ficava na associações: era a região em que se dizia
Mesopotâmia. Foi o lugar que Abraão dei- que os deuses rivais tinham seus quartéis
xou quando Deus fez uma aliança com ele generais (cf SI 48.2), era onde se localiza-
e onde a torre de Babel foi construída - e va a saída para a terra de Sinar ou Babilônia
destruída por Deus (Gn 11.2,9; observem- (2.7; 5.11; cf Jr 23.8); e era a direção de
se também as demais conexões com essa onde vinham todos os principais ataques a
história por meio da expressão "de toda a Israel e Judá Os 41.25; Jr 1.13-15; 16.15),
terra", Gn 11.4,9; cf Zc 5.3). Uma casa incluindo os inimigos dos últimos tempos
pode significar algum tipo de templo (cf (Ez 38.6,15). Pretende-se, sem dúvida, que
a expressão "casa do Senhor"). De todo tomemos por certa a satisfação de Deus
modo, isso implica que a iniquidade não com o mundo todo.
tem lugar entre o povo de Deus. Dois montes (1) parece representar o
portão do céu (cf 5); de bronze pode indi-
6.1-8 A oitava e última visão car tanto o sol nascente (o alvorecer de um
A última visão é semelhante de várias ma- novo dia; lembre-se de que a primeira vi-
neiras à primeira visão. Juntas têm o efeito são foi à noite [1.8] e isso pode ser signifi-
de unificar toda a série: elas formam um cativo) quanto os dois pilares da entrada do
"envelope" para as outras visões. Podemos templo. O bronze é usado para indicar for-
observar ainda que essa visão forma um clí- ça (e.g., Jr 1.18) contra os ataques: o tem-
max para toda a série: No cp. 1, as nações plo sagrado do Senhor é inexpugnável.
estavam sossegadas, e o Senhor estava ira- É pouco provável que as cores dos
do com elas e zeloso para com Jerusalém cavalos (2,3,6,7) tenham algum significa-
e Judá. No cp. 6, o Espírito do Senhor está do particular (cf 1.8). Cavalos baios é a
em paz (e as nações foram julgadas). tradução de duas palavras obscuras. A ex-
Também há algumas diferenças sur- pressão pode significar "cavalos pintados,
preendentes entre as duas visões; por fortes": o segundo adjetivo é usado no v. 7
exemplo, tanto carros como cavalos são para se referir a todos os cavalos.
mencionados no cp. 6. As cores dos cava- Quatro ventos (ou "espíritos") (5) é in-
los são diferentes. No cp. 1, há dois cavalos tencionalmente ambíguo. O vento é invi-
vermelhos, um baio e um branco. No cp. 6, sível e está em todo o lugar, assim como a
as cores dos quatro cavalos são: vermelho, presença de Deus. "Ventos" provavelmen-
preto, branco e baio. A razão para essa va- te é o significado primário em vista no v. 8.
riação não é conhecida, mas um tipo seme- Mas não há necessidade de se buscar con-
lhante de variação ocorre em 6.10 e 14. sistência em imagens poéticas (cf "sete
Os cavalos saem para os quatro cantos espíritos" emAp 1.4; 3.1; 4.5; 5.6).
da terra (os quatro pontos cardeais), em-
bora tenhamos de inferir que o vermelho 6.9-15 Um oráculo
vai para o leste, uma vez que isso não está Esse oráculo serve como o clímax mais
explicitamente declarado. Isso expressa importante para as visões, e reúne algumas
o fato de que a influência de Deus cobre das ideias centrais dos capítulos anteriores.
toda a terra (cf O Senhor de toda a terra, Sua estrutura é basicamente quiásmica. O
6.5; 4.14). Há um trocadilho no original envelope externo é indicado de forma mar-
que não pode ser traduzido: a palavra usa- cante pelo nome dos exilados que chega-
ZACARIAS 7 1310
ram da Babilônia (cf também cp. 7-8). O gere que o oráculo esteja ligado a eventos
oráculo pode ser dividido assim: posteriores à sua morte.
9 Introdução ao oráculo. Quando lembramos que "Renovo" é um
10 Recebe [...] de Heldai, de Tobias e termo usado para o Messias, e aplicamos a
de Jedaías [...] e entra na casa de profecia a Jesus, muitas coisas começam
Josias, filho de Sofonias... a fazer sentido: Ele é ao mesmo tempo rei
II Recebe, digo, prata e ouro, e faze e sacerdote; ele é a realidade para a qual
coroas, e põe-nas na cabeça de Josué e Zorobabel, de modo imperfeito,
Josué... apontavam; ele é o construtor do templo
12 E dize-lhe [...] Eis aqui o homem de Deus, a igreja.
cujo nome é Renovo; ele brotará do O versículo final é semelhante ao clí-
seu lugar e edificará o templo do max dos cp. 7-8. Muitos virão de longe,
SENHOR. não apenas os poucos mencionados no iní-
13 ... assentar-se-á no seu trono, e do- cio da seção. Isso será um sinal de que o
minará, e será sacerdote no seu tro- Senhor realmente falou por meio de seus
no; e reinará perfeita união entre mensageiros (15, v. comentário de 2.9-11).
ambos os oficios. Notas. 11 "Coroas", a forma plural
14 As coroas serão para Helém [heb. tem sido explicada de diferentes maneiras:
Heldai], para Tobias, para Jedaías como um tipo de coroa formada por um
e para Hem, filho de Sofonias, como pequeno círculo que tanto poderia ser usa-
memorial no templo do SENHOR. da sozinha como combinada com outras,
As características peculiares dessa se- formando um conjunto (cf Ap 9.12); como
ção são listadas abaixo: um "plural de majestade", isto é, havia
(i) Dois dos nomes de pessoas men- uma coroa magnífica; ou o texto está erra-
cionadas no v. 10 são mudados no v. 14. do ou a palavra é uma forma singular não
Heldai (que significa "duração de vida"!) muito comum. Parece provável que haja
toma-se Helém (NVI, mg. ; significa "for- aqui uma ambiguidade intencional.
ça"), e Josias se toma Hem (que significa 14 Esse versículo é bastante difícil de
"graça", a mesma palavra usada duas ve- traduzir e de entender. 1. A. Motyer sugere
zes em 4.7 em conexão com a reconstrução o seguinte: "e a coroa será para memorial
do templo). de Helém etc.", significando que "quando o
(ii) A palavra traduzida por coroas no Messias se assentar como Sacerdote e Rei,
original de fato está no plural, mas é usada os povos de lugares longínquos virão se
com um verbo no singular (14). Talvez pre- submeter a ele". Talvez haja um trocadilho:
tenda se referir às duas personagens envol- a coroa será um lembrete da força, da bon-
vidas na liderança de Judá. (Y. adiante). dade (Tobias significa "O Senhor é o meu
(iii) Não fica muito claro somente pela bem"), do conhecimento (Jedaías significa
gramática se há uma ou duas figuras. No "O Senhor é sábio") e da graça - um elo-
cp. 4, foi Zorobabel quem reconstruiu o gio à ação dos exilados (10) que fizeram
templo; e no cp. 3 "o Renovo" era dife- uma longa jornada ao templo, trazendo a
rente de Josué. Perfeita união entre ambos prata e o ouro com os quais a coroa foi fei-
(13) parece mais naturalmente significar ta, e uma promessa de bênção para eles.
união entre o sacerdote e o líder civil, mas
também pode significar "aspectos políticos 7.1-8.23 Uma pergunta
e sacerdotais de governo". sobre o jejum
(iv) Zorobabel não é mencionado pelo Zacarias 7-8 é estruturado como um
nome, e o fato de a(s) coroa(s) sereem) grande quiasmo com uma promessa men-
colocada(s) no templo como memorial su- cionada no centro (8.8). Ele se refere aos
temas introduzidos em 1.1-6, dando uma
1311 ZACARIAS 7 1111
ram exatamente aquilo que mereceram. No único lugar onde os sacrificios podiam ser
entanto, disso Deus passa para algo inteira- oferecidos, o único templo com autoriza-
mente imerecido. ção para ser construído como a casa de
Deus, um sinal de que o Senhor estava no
8. 1-8 A promessa a meio de seu povo. Assim, aqui, a restau-
Jerusalém é renovada ração do templo em Jerusalém significa
8.1-3 Zelo por Jerusalém. O zelo em re- a confirmação das promessas de Deus na
lação a Jerusalém/Sião e o retomo de Deus aliança (cf 2.10-12).
para habitar ali foram temas destacados
anteriormente (1.14,16; 2.10-12). E quan- 8.9-13 A promessa renovada
do Deus habita em uma cidade, esta tem Essa seção começa e termina com a mes-
de ser um lugar de verdade e santidade. O ma palavra: Sejam fortes as mãos de todos
monte do SENHOR dos Exércitos [das hos- vós (sejam fortes as vossas mãos, 13), e
tes] era a parte alta de Jerusalém na qual o isso estabelece o tom: um desafio anima-
templo fora construído. dor. Antes que a fundação do templo fos-
8.4-6 Paz na cidade. A cidade estará se construída, o povo não experimentaria
em paz e segura contra ataques. Não have- a bênção. O interesse do povo estava em
rá pessoas correndo para cima e para baixo si mesmo e por isso não havia prosperado.
reparando e reconstruindo o muro (v. Na Agora, eles devem se empenhar no traba-
2.4,5); não há perigo algum de um projé- lho de reconstrução do templo e irão pros-
til ultrapassá-lo. Até mesmo os membros perar (cf lCo 15.58).
mais vulneráveis da cidade podem sentar
ou se divertir nas ruas. Para os ouvintes de 8.14-17 Um desafio do passado
Zacarias isso ainda parecia um sonho, pois Esse trecho repete a mensagem de Zacarias
eles sofriam constante assédio dos povos de que o Senhor não está mais irado com
ao redor. Maravilhoso é usado no sentido o seu povo, mas pretende lhe fazer o bem.
de "extraordinário" ou "difícil": isso não Ele os exorta a cumprir os mandamentos
é algo muito difícil para o Senhor (v. espe- que seus antepassados deixaram de cum-
cialmente Gn 18.14; Jr 32.17,27, em que prir (cf 7.9,10).
a mesma raiz é utilizada, e cf Me 10.27).
A palavra restante aparece também nos 8.18-23 Jejum e festividades
v. 11 e 12. É uma palavra significativa que A "resposta" à pergunta sobre o jejum (7.3)
implica tanto o juízo de Deus (apenas um é que os dias de jejum se transformarão em
restante é deixado) quanto a sua miseri- dias de festa. Os acontecimentos ligados à
córdia (um restante será salvo). queda de Jerusalém serão totalmente trans-
8.7,8 A promessa da aliança é reno- formados; serão ocasiões para inspirar
vada. Quando Judá foi para o exílio na admiração diante do perdão e da graça de
Babilônia, muitos fugiram para países Deus. O profeta continua e, de forma total-
vizinhos. Esses também serão capazes de mente inesperada, faz uma promessa ain-
voltar para Jerusalém. É dificil perceber- da maior; todas as nações (23) buscarão a
mos quão importante era Jerusalém para Deus em Jerusalém, reconhecendo que ele
o povo de Israel e de Judá, pois partimos tem abençoado seu povo, os judeus (isto
do pressuposto de que podemos ado- é, o povo de Judá). Haverá dez vezes mais
rar a Deus em qualquer lugar do mundo. do que os que agora pertencem ao povo de
Mesmo aqueles que dão muita importân- Deus (23). Aqui a seção alcança um clímax
cia a Roma, Cantuária ou Genebra não tremendo, quando percebemos o contras-
as consideram da mesma maneira que os te entre a pequena delegação de 7.2 e esta
judeus encaram Jerusalém. Aquele era o visão final.
ZACARIAS9 1314
Sentença aqui equivale à profecia, sinô- novamente, como ele fez quando o povo
nimo de oráculo, palavra que vem da raiz fora levado para a Babilônia.
"levar" e pode ser traduzida por "fardo",
isto é, algo colocado sobre alguém com- 9.9,10 A vinda de um rei humilde
pulsoriamente. (Observe o trocadilho em O v. 9 é provavelmente o mais conhecido
Jr 23.33). Essa é uma maneira apropriada do livro de Zacarias. Todos os evangelhos
de se descrever uma mensagem profética nos contam como Jesus cumpriu essa pro-
(Jr 20.9). É um título que se refere aos cp. fecia quando entrou em Jerusalém monta-
9-11 ou parte da frase de abertura des- do em um jumento. Deveríamos supor que
ta seção: A sentença pronunciada pelo essa é uma profecia a respeito do Messias
SENHOR é.... sem nenhuma relação com a própria época
O tom de quase todo o trecho dos v. 1-8 do profeta? Depois do exílio não havia rei
é de julgamento. Somente no v. 7 encontra- em Judá. Os imperadores das principais
remos uma promessa a Ecrom, uma das ci- potências - Medo-Pérsia, Grécia e por
dades da Filístia. Ela será incorporada pelo fim Roma - eram sensíveis em relação
povo de Judá, como foram os jebuseus, ha- a esse assunto (Jo 19.12-15) e, embora te-
bitantes de Jerusalém antes de Davi tomar nha havido um breve período de indepen-
a cidade (2Sm 5.6-10). Isso vem depois dência dos judeus, depois da revolta dos
do juízo (5) e da purificação (7). Quatro macabeus em 167 a.C., ninguém sequer
das cinco principais cidades da Filístia parecido com esse rei jamais apareceu em
são mencionadas (5,6) (Gate pode ter sido cena. A profecia ainda era relevante para o
omitida por ter sido destruída por volta povo que viveu 500 anos antes de Cristo,
dessa época). Os filisteus eram, eviden- pois falava das intenções de Deus e, por-
temente, inimigos tradicionais de Israel, tanto, de seu relacionamento com eles.
uma pedra em seu sapato desde os dias dos Eles continuavam a ser o seu povo, e o seu
juízes (e.g., Jz 13-16;ISm 13-14; 31). rei certamente viria.
Eles por si só não tiveram grande impor- O rei que vem é justo e salvador (lit.
tância depois do exílio, e o aparecimento "salvo"). A RSV dá uma impressão errô-
da "Filístia" aqui não retrata simplesmente nea com "triunfante e vitorioso". Esse rei
uma nação concreta, mas um símbolo dos foi declarado justo e salvo por Deus. Isso
inimigos de Deus e do seu povo (cf o uso sugere uma situação na qual o rei - não
de "Edom" em Is 11 e 34). apenas acusado, mas atacado por seus ini-
O tom dos v. 1-8 indica que os v. 1-3 migos - é defendido e salvo pelo Senhor.
são também uma mensagem de juízo con- Isso claramente se ajusta muito bem a
tra Hadraque (algum lugar no extremo Jesus! (Cf SI 118, especialmente v. 22,23,
norte da Palestina), Damasco (capital da também aplicados ao Senhor Jesus).
Síria ou Arã), Hamate (190 quilômetros ao Nos tempos antigos, o asno ou jumen-
norte) e os portos fenícios de Tiro e Sidom. to não era considerado um animal infe-
Tiro era muito rica devido a seu comércio e rior, e homens importantes os montavam
particularmente dificil de ser conquistada, (Jz 10.4; 12.14). Mesmo o rei de Israel
uma vez que só podia ser alcançada por um montava somente em mulas (1Rs 1.33; cf
istmo. Mas mesmo Tiro será destruída, e 2Sm 13.29; 18.9). Um cavalo ou uma car-
seu orgulho por sua riqueza e força provará ruagem seriam o meio de transporte mais
ser sem valor. comum para um rei numa passeata de vi-
O v. 8 também é de dificil tradução, mas tória. A ênfase aqui está na humildade e no
a NIV captou o sentido correto. O Senhor aspecto pacífico. Ele reinará de mar a mar
não permitirá que sua casa (isto é, seja o (isto é, o Mediterrâneo a leste e o mar co-
templo, seja a terra de Judá) seja destruída nhecido apenas vagamente a oeste [o mar
ZACARIAS9 1316
Morto - NVI mg.] como em 14.8), e do rio voltar à sua fortaleza com a promessa de
Eufrates na Mesopotâmia até os confins da que o Senhor os restituirá em dobro aqui-
terra. Em outras palavras, ele reinará sobre lo que perderam.
o mundo todo. 9.13-17 Vitória para Judá e Efraim.
Essas qualidades são surpreendentes, Depois dessa promessa de paz (9-12), o
tão surpreendentes que essa profecia foi texto nos diz como tudo isso acontecerá;
negligenciada por aqueles que esperavam uma vitória militar sobre a "Grécia", o ini-
ansiosamente pelo Messias. (Y. comentá- migo de Judá e Israel (Efraim). A Grécia
rio de SI 22; 69; 110). não era uma potência importante até c. 333
Nota. As expressões jumento e jumen- a.C., e muitos acreditam que esse versículo
tinho, cria de jumenta são paralelas; são ou foi inserido na profecia em um período
duas descrições de um mesmo animal. posterior, ou indica que os cp. 9-14 são
Mateus (21.1-7) menciona dois animais, e uma profecia tardia. A palavra Javã ocor-
"sobre elas Jesus montou" é mais bem en- re em Gênesis 10.2,4 e Isaías 66.19, refe-
tendido como "sobre suas vestes"! Efraim rindo-se a povos distantes, nos confins do
era a maior das tribos do norte de Israel, e, mundo então conhecido. Isso se encaixaria
assim como aqui, é frequentemente utiliza- muito bem no sentido (cf 1Ob).
da para significar todo o Israel. As imagens ressaltam o fato de que é
o Senhor quem dá a vitória, ao capacitar
9.11-11.3 Profecias seu povo a ser bem-sucedido na batalha.
de juízo e esperança As trombetas eram usadas nas batalhas
À primeira vista, esses capítulos parecem para transmitir sinais claros, inspirar con-
uma miscelânea de profecias sem relação fiança nos soldados e amedrontar os ini-
entre si, relativas a um período bem poste- migos. Isso também traz à memória as
rior a Zacarias (a Grécia é mencionada em vitórias de Josué em Jericó e de Gideão
9.13, e o Império Grego só foi estabelecido sobre os midianitas (Js 6.3-5; Jz 7.16-22),
depois de 333 a.C.). Há, entretanto, muitos onde a participação de Deus foi evidente.
pontos de contato entre as várias seções e As tempestades (ou redemoinhos) do sul
também com 9.1-8 (e.g., metade das pala- eram particularmente destrutivas (14). O
vras em 10.11 já tinha aparecido nessa se- v. 15 descreve o quanto era ruidosa a ce-
ção de abertura). Os temas abordados em lebração da vitória! A expressão bacias do
geral são a derrota dos inimigos de Judá e sacrifício sugere que sua comemoração é
Israel e a provisão de uma liderança puri- centrada no Senhor.
ficada (10.3,4). Os v. 16,17 sintetizam o resultado da
9.11,12 Uma promessa aos cativos. vitória: o povo é salvo pelo Senhor, que
O Senhor faz promessas com base na os considera seu rebanho, preciosos como
aliança firmada com eles, selada pelo san- joias. Eles têm cereais e vinho novo (os
gue do sacrifício (Êx 24.5-8). Tirei os teus jovens e as donzelas são mencionados
cativos da cova em que não havia água como exemplos, e não pelo fato de que as
evoca Gênesis 37.24 e Jeremias 38.6, pois donzelas ficam com todo o vinho novo!),
a expressão é quase idêntica no hebraico, sinais de prosperidade frequentemente
"cova/cisterna (00'] em que não havia encontrados como parte da descrição de
água/sem água". Isso traria à lembrança Canaã como terra prometida (Dt 7.13;
o drama de José e de Jeremias, ambos 11.14; Os 2.8,22).
libertos de situações desesperadoras por- 10.1-5 Bênção, líderes e batalha. A
que o Senhor estava com eles. Assim, es- transição de uma seção para outra não está
ses contemporâneos do profeta são agora de modo algum clara. Aqui encontramos os
prisioneiros da esperança, autorizados a três assuntos principais que apareceram na
1317 ZACARIAS 11 <
seção anterior: um convite a pedir chuva A ênfase em Efraim tanto quanto em
para que as plantações etc. possam crescer Judá representa a unidade do povo de
(l; cf 9.17); a provisão de um bom líder Deus. O Reino do Norte fora destruído
(4; cf 9.9) para substituir os líderes cor- em 721 a.C., pelo menos duzentos anos
ruptos (3); e a continuação das imagens de antes. Naquele tempo, os assírios promo-
batalha (3b-5; cf 9.10,13-15). A profecia veram uma miscigenação deliberada entre
parece desarticulada, mas uma progressão o povo israelita e outras nações, buscando
lógica pode ser detectada. desse modo destruir a sua identidade, mas
1 Pedi ao SENHOR chuva e não ídolos e o Senhor não se esqueceu do seu povo.
aqueles que os servem. Ainda há aqueles que se lembram que eles
2 Porque os ídolos do lar falam coisas são parte de Israel, e o Senhor lhes dará
vãs (ou maldades), e o resultado de se con- o sinal para que voltem para casa. Ainda
fiar em outras fontes que não o Senhor é hoje a noção de olhar para Jerusalém é
que anda o povo como ovelhas, aflito, por- algo bastante forte entre os judeus por todo
que não há pastor. o mundo.
3 Portanto, o Senhor agirá: Contra os Alguns judeus fugiram das tropas da
pastores se acendeu a minha ira, e casti- Babilônia para o Egito (Jr 43-44) e nem
garei os bodes-guias. todos retomaram da Assíria. Na verdade,
3b Comentário e expansão do narrador, havia judeus espalhados por todo o mundo
ou então o Senhor continua a falar de si conhecido. Mas o Egito e a Assíria também
mesmo na terceira pessoa. Deus se impor- eram símbolos da opressão e da servidão
ta com o seu povo e, portanto, fará com nas suas mais variadas formas. As referên-
que tenha sucesso na batalha e lhes dará cias à travessia do mar e ao rio Nilo evo-
um bom líder. cam a lembrança do êxodo do Egito pelo
4 O líder é descrito como (a) a pedra mar Vermelho (Êx 14.21-28) e do juízo de
angular: uma palavra diferente de pedra de Deus ao transformar as águas do Nilo em
remate em 4.7, e que significa aquela que sangue (Êx 7.17-21). A Assíria e o Egito ti-
sustenta o edificio; (b) a estaca da tenda: nham sido governos orgulhosos e temidos,
que mantém a tenda de pé. mas isso mudaria.
4b Essa parte do versículo significa ou É bom ser cauteloso ao falar hoje
que Judá produzirá armas e chefes (efica- do Egito e de Israel como se as nações
zes), ou então que o arco de guerra e to- atualmente conhecidas por esses nomes
dos os chefes [opressores] juntos sairão de fossem aquelas às quais as promessas se
Judá, deixando a terra em paz. aplicam (ver, e.g., Is 19.19-25!). Nós pre-
5 A descrição da batalha continua. Isso cisamos enxergar a preocupação implícita
nos leva naturalmente à seção seguinte. do profeta e perceber que o Senhor é o
10.6-12 Eu os fortalecerei. Essa seção Deus que salva seu povo (arrependido) de
assume a forma de uma promessa profe- situações em que eles por si mesmos são
rida pelo próprio Deus. Seu conteúdo bá- impotentes.
sico é indicado pela moldura formada por 11.1-3 Um chamado ao lamento. O
Fortalecerei/Eu osfortalecerei... (no início Líbano foi mencionado em 10.10 como
dos v. 6 e 12). um destino para o retomo dos exilados,
Ao longo de todos esses versículos, o de modo que podemos pensar que Abre,
juízo passado é reconhecido: eles foram ó Líbano, as tuas portas signifique sim-
espalhados entre as nações pelo Senhor plesmente deixá-los entrar. Mas não se
(6b,IO,1l), mas em sua compaixão ele os trata disso. É uma ordem para que o fogo
trará de volta para casa, e lhes dará tanto entre e queime os impressionantes cedros
quanto tinham antigamente (6,8). do Líbano, frequentemente usados como
ZACARIAS 11 1318
símbolo de orgulho. O mesmo aconte- com todos os povos (10) e dei cabo dos
ce com os carvalhos de Basã, no remoto três pastores num mês (8) (cf outras ocor-
norte das terras a leste do Jordão. Ambos rências do mesmo verbo: morrer no v. 9;
são citados em Isaías 2.13 (cf Ez 27.5,6). Êx 23.23: "eu os destruirei"; lRs 13.34:
É possível que as regiões do Líbano e de "para destruí-la"). A alegoria é uma manei-
Basã fossem culpadas de transgressões ra de descrever graficamente o modo como
específicas contra os israelitas, mas o o Senhor lida com o rebanho.
principal propósito de sua menção aqui é 11.4-6 Um pastor do rebanho conde-
simbolizar toda a oposição arrogante aos nado. O profeta relata uma comissão pro-
propósitos de Deus. ferida pelo Senhor ("disse" seria melhor
Esse tipo de "chamado ao lamento" é que diz) para que ele se tome o pastor das
frequentemente utilizado em passagens ovelhas destinadas para a matança. Elas
proféticas de juízo, como forma de des- estavam à mercê de mercadores inescrupu-
crever vividamente um desastre iminente losos e pastores que só as mantinham pelo
(Is 13.6; 14.31; Jr 25.34; Sf 1.11). Os pas- lucro (5). O v. 6 acrescenta uma interpre-
tores e os leões indicam os líderes a ser jul- tação: a compaixão de Deus será suspensa,
gados: o mundo em que vivem é destruído pois o povo tem de ser julgado. As pessoas
e eles não podem mais liderar. serão oprimidas pelo seu próximo (um si-
A passagem tem diversas ligações com nal de inquietação interna) e por seus líde-
os versículos anteriores (especialmente res. Não houve rei em Judá até o século 11
9.4 consumida pelo fogo; 10.2,3, pastores; a.C., assim a palavra tem de ser tomada de
10.10, Líbano; 10.11, soberba (da Assíria), modo figurado. Mostra o contraste com o
traduzida aqui por sua glória (11.3). Assim, "Rei humilde" de 9.9 e o Senhor que será
funciona como uma passagem de transi- "Rei sobre toda a terra" (14.9). Por um
ção, preparando o caminho para a alegoria tempo, o Senhor não resgatará o povo de
dos pastores que vem a seguir. sua sma.
11.7-14 O destino das duas varas.
11.4-17 Pastores e ovelhas O profeta pastoreia o rebanho condenado
Essa seção descreve o profeta como um com varas, indicando que ele fará bem o
pastor que apascenta as ovelhas destina- seu trabalho. Graça é uma característi-
das para a matança, que age em seu in- ca de Deus mencionada em Salmos 27.4
teresse por determinado tempo e depois ("beleza") e 90.17 ("graça"). Representa
as abandona, quebrando sua vara (4.14). uma espécie de proteção para o povo de
Então ele representa um pastor insensato Deus dos ataques das nações (10). União
que não cuida do rebanho e é amaldiçoado é lit. "laços", isto é, aquilo que une (Israel
(15-17). e Judá, 14).
A passagem está entre as mais difíceis Dei cabo dos três pastores num mês.
de interpretar. O v. 13 é bastante conhecido Muitos tentaram identificar três líderes
devido à sua utilização em Mateus 27.9,10, históricos, normalmente reis ou sacerdo-
onde ele representa o preço pago por Judas tes, que foram destruídos em um mês, isto
por trair Jesus. Nesta passagem também é, em um período curto, mas não é possí-
representa o valor atribuído ao pastor es- vel chegar a uma conclusão segura. Em
colhido por Deus, embora seja pago pelo todo caso, isso significa a ação do Senhor
próprio pastor, e não por um traidor. contra os maus líderes, mas a favor de um
A passagem não é um relato de eventos povo indiferente (9). Portanto, o pastor os
reais, pois várias referências não podem abandona à sua própria sorte, quebrando a
ser tomadas literalmente; por exemplo, vara chamada Graça e permitindo que as
para anular a minha aliança, que eufizera nações oprimam o povo novamente.
1319 ZACARIAS 12 .'"
•
"'11
As pobres do rebanho ou os "mercado- discurso de Miqueias (1Rs 22.19-28; cf
res dentre as ovelhas" (como está na ver- Ez 20.25,26).
são grega da Bíblia) observaram e reco- Isso indica que Deus punirá o povo
nheceram que isto era palavra do SENHOR, por meio de um líder opressor (16). Pelo
isto é, reconheceram que Deus tinha falado fato de o pastor abandonar seu rebanho,
com eles por meio das ações do pastor (cf uma maldição é pronunciada contra ele
também 2.9,11; 4 9; 6.15). (17): Ai do (ou "do meu") pastor inútil.
Nos v. 12,13, o profeta pergunta por É dificil saber como os ouvintes do pro-
seu salário, se eles pretendem pagá-lo. feta teriam entendido suas palavras. Elas
Pesaram, pois, por meu salário trinta moe- fornecem uma imagem paradoxal de um
das de prata (lit. pesaram trinta siclos), às pastor que age mal, em obediência a uma
quais ele ironicamente se refere como esse ordem expressa de Deus, e é punido por
magnifico preço em que fui avaliado por isso. Os cristãos podem ver um paradoxo
eles! A mesma quantia era exigida como semelhante na cruz: Deus fez aquele que
compensação pela morte de um escravo não conheceu o pecado se fazer pecado
(Êx 21.32). O valor do siclo era de apro- por nós ... (2Co 5.21).
ximadamente 12 gramas. Mas a prata era Aimagem do pastor continua em 13.7-9,
muito valiosa (Ne 5.15). E as arrojei ao mas antes disso há outra passagem parado-
oleiro, na Casa do SENHOR. É possível que xal a ser tratada.
houvesse ali um oleiro para fazer os vasos Notas. 7,11 As pobres do rebanho é
utilizados para o serviço no templo. A pa- uma tentativa de dar sentido a uma expres-
lavra pode também significar "artífice em são dificil do hebraico. Se isso for permi-
metal". Uma ínfima mudança no hebraico tido, então a passagem faz sentido. Muitos
nos daria "tesouro adentro", conforme se acham que não, e nós temos de aceitar a
lê em uma versão antiga, a Siríaca. É pos- tradução das antigas versões gregas "para
sível que isso esteja correto. os mercadores dentre as ovelhas", a qual
A segunda vara, União, é quebrada requer apenas uma pequena alteração. A
(14), representando a desunião entre Israel palavra "mercador" ocorre em 14.21: é
e Judá, que deveriam estar unidos como equivalente a "cananeu".
povo de Deus.
11.15-17 Um pastor insensato e inú- 12.1-13.9 Batalha,
til. Toma ainda [...] de um pastor insensato vitória e purificação
soa estranho, pois o profeta começou como Dada a variedade do material nela contido,
um bom pastor. Há dois significados pos- é dificil ter certeza de que esta seção deva
síveis: que ele tenha se tomado um pas- constituir uma unidade. Contudo, há nela
tor insensato quando quebrou as varas, uma unidade implícita, e podemos obser-
ou, o que é mais provável: 'Toma ainda var como uma parte conduz a outra. O todo
os petrechos de um pastor, desta vez de é elaborado da seguinte forma:
um insensato". A palavra insensato no AT 12.1-9 As nações atacam Jerusalém (e
normalmente significa "intencionalmente Judá [?] cf v. 2 adiante), mas são derro-
mau", e não simplesmente alguém a quem tadas. A tensão entre Jerusalém e Judá é
falta inteligência. resolvida.
É estranho encontrar um dos servos 12.10-14 O povo que traspassara o re-
de Deus recebendo uma ordem para que presentante do Senhor (a casa de Davi e
faça algo verdadeiramente mau. O Senhor os habitantes de Jerusalém) irá prantear e
utiliza instrumentos maus, de tempos em chorar por ele.
tempos (Is 10.5-11; Hc 1.5,6), mas isso 13.1 Naquele dia esse mesmo povo
é diferente. Compare-se a isso o irônico será purificado.
ZACARIAS 12 1320
...
de misericórdia (Jz 9.54; 1Sm 31.4; cf do todo. Depois de um arrependimento
Jo 19.34-37). sincero, o mesmo povo será purificado no-
Talvez a melhor maneira de entendê-lo vamente (cf 12.7,10) das impurezas e do
seja imaginar que o povo tinha matado uma pecado e então estará pronto para estar na
figura histórica, que era um representante presença de Deus.
do Senhor e, ao fazê-lo, tinha traspassado Os v. 2-6 elaboram o tema da purifica-
o próprio Senhor. Isso foi, é claro, literal- ção: os ídolos e os profetas que confiam no
mente verdade quando o soldado traspas- espírito imundo serão removidos da terra.
sou Jesus, o Deus Filho, que também era Se um falso profeta proferir uma profecia,
um primogênito. Pode ter havido também nem mesmo seus pais o tolerarão: eles o
uma figura histórica anterior a quem essas traspassarão (a mesma palavra que ocorre
palavras se refiram. em 12.10). Os próprios profetas se enver-
Depois de tê-lo traspassado, perce- gonharão de suas falsas profecias: nem
bendo o que havia feito, o povo pranteia e mais vestirão seu "uniforme" de mantos
chora por ele. As palavras implicam arre- de pelos (uma pele animal; cf Elias em
pendimento pelo que haviam feito, o que 2Rs 1.8; e João Batista em Me 1.6); eles
é confirmado por 13.1. Hadade-Rimom é o negarão qualquer relação com a profecia
nome de um deus pagão, sendo que Rimom (5) e, se tiverem marcas em seus corpos re-
também é o nome de um lugar (14.10; sultantes de sua iniciação como profetas ou
Js 15.32; 19.7). Hadade-Rimom pode, por- do autoflagelo enquanto profetizavam (cf
tanto, ser um lugar ou uma divindade. Na 1Rs 18.28), eles alegarão: São as feridas
mitologia dos cananeus, o filho de Hadade com que fui ferido na casa de meus ami-
foi assassinado pelo deus da morte (Mot) e gos. Talvez haja aqui um traço de ironia
havia, provavelmente, um ritual anual re- na verdade, pois "amigos" pode ser usado
lembrando esse acontecimento. Nosso tex- para "amantes", isto é, companheiros em
to, portanto, refere-se a alguma forma de adorações idólatras (Os 2.7-13; Ez 23.5,9).
festival (pagão) feito em Hadade- Rimom Ele não menciona os nomes dos ídolos,
ou para ele. O profeta não está com isso como no v. 2.
aprovando esse tipo de ritual, mas descre- 13.7-9 O pastor do Senhor é ferido e
vendo a intensidade do lamento. as ovelhas dispersadas: refino e purifica-
Toda a terra pranteará. Cada família à ção. Essa pode ser uma forma alternativa
parte, e suas mulheres à parte. Isso prova- de descrever o traspasse de 12.10. Aquele
velmente significa arrependimento genuí- que é ferido é descrito como meu pastor e
no: seu pranto não advém meramente de como o homem que é meu companheiro,
os outros estarem pranteando. Até mesmo e, contudo, é por uma ordem expressa de
os maridos e as esposas pranteavam sepa- Deus que ele é ferido. Como resultado, seus
radamente. "Natã" e "Simei" (NVI) eram os seguidores são dispersos e submetidos a
nomes dos filhos de Davi e de Levi respec- um severo período de depuração: primeiro,
tivamente, que podem ter sido destacados seu número é reduzido a um terço, e mes-
por sua participação no crime como líderes mo esse restante será testado. O propósito
políticos e religiosos. é que aqueles que são puros e genuínos se-
13.1-6 A purificação continua: ídolos jam salvos. O clímax dessa seção é o v. 9b,
e falsos profetas são removidos. A ex- uma reafirmação da promessa da aliança
pressão naquele dia ocorre nos v. 1,2 e 4, (cf 2.10-12: 8.8; cf também Os 2.23).
e serve para ligar esses versículos. Alguns
consideram a fórmula uma evidência de 14.1-21 Juízo e salvação das nações
uma inserção posterior ao texto, mas esses O cp. 14 é semelhante ao cp. 12, que des-
versículos muito acrescentam ao sentido creve uma das batalhas das nações contra
ZACARIAS 14 1322
Jerusalém. Aqui, entretanto, há uma grande de; metade do monte se apartará para o
ênfase no cumprimento final dos propósi- norte, e a outra metade, para o sul.
tos de Deus (especialmente no v. 9). A pri- 5 Fugireis pelo vale dos meus montes,
meira seção (1-15) é organizada de forma porque o vale dos montes chegará até
quiásmica em um grande padrão ABCBA: Azal; sim, fugireis como fugistes do
terremoto nos dias de Uzias, rei de
A (v. 1-3) O juízo e a intervenção de Deus Judá; então, virá o SENHOR, meu Deus,
B (v. 4,5) Convulsões geográficas e todos os santos, com ele.
C (v. 6-9) As condições ideais: o 6 Acontecerá, naquele dia, que não
Senhor é rei haverá luz, mas frio [coisas precio-
B I (v. 10,11) Convulsões geográficas sas?] e gelo.
AI (v. 12-15) O juízo e a intervenção de 7 Mas será um dia singular conhe-
Deus cido do SENHOR; não será nem dia
nem noite, mas haverá luz à tarde.
Isso nos leva aos v. 16-19, os quais S Naquele dia, também sucederá
profetizam que as nações irão a Jerusalém que correrão de Jerusalém águas
para adorar ao Senhor na Festa dos vivas, metade delas para o mar
Tabernáculos. Isso representa uma gran- oriental, e a outra metade, até ao
de transformação para as nações, de juízo mar ocidental; no verão e no inver-
para bênção. no, sucederá isto.
A seção final (20,21) fala da santida- 9 O SENHOR será Rei sobre toda a
de de Jerusalém nessa época: até as cam- terra; naquele dia, um só será o
painhas dos cavalos e as panelas servirão SENHOR, e um só será o seu nome.
como bacias diante do altar. Isto é, tudo 10 Toda a terra se tomará como a
será santo ao SENHOR, e não haverá cana- planície de Geba a Rimam, ao sul de
neu ou "mercador" na Casa do SENHOR Jerusalém; esta será exaltada e habi-
dos Exércitos. tada no seu lugar, desde a Porta de
14.1-15 Batalha em Jerusalém: O Benjamim até ao lugar da primeira
Senhor se torna Rei sobre todas as na- porta, até à Porta da Esquina e des-
ções. Nós podemos organizar o conteúdo de a Torre de Hananel até aos lagares
de modo a mostrar o fluxo lógico da se- do rei.
ção, como no resumo abaixo. Algumas 11 Habitarão nela, e já não haverá mal-
palavras foram destacadas para mostrar dição, e Jerusalém habitará segura.
como elas ressaltam as ideias predomi- 12 Esta será a praga [00'] a todos os po-
nantes em cada parte. vos ['00] contra Jerusalém: a sua carne se
1 Eis que vem o Dia do SENHOR [00'] apodrecerá, estando eles de pé, apodre-
teus despojos se repartirão no meio de ti. cer-se-lhes-ão os olhos nas suas órbitas, e
2 Eu ajuntarei todas as nações para a lhes apodrecerá a língua na boca.
peleja contra Jerusalém [00'] metade da ci- 13 Naquele dia [00'] da parte do SENHOR
dade sairá para o cativeiro... grande confusão entre eles; cada um agar-
3 Então, sairá o SENHOR e pelejará con- rará a mão do seu próximo, cada um levan-
tra essas nações, como pelejou no dia da tará a mão contra o seu próximo.
batalha. 14 Também Judá pelejará em Jerusa-
4 Naquele dia, estarão os seus pés so- lém; e se ajuntarão as riquezas de todas as
bre o monte das Oliveiras, [00'] para o nações circunvizinhas, ouro, prata e ves-
oriente; o monte das Oliveiras será fen- tes em grande abundância.
dido pelo meio, para o oriente e para o 15 Como esta praga, assim será a praga
ocidente, e haverá um vale muito gran- dos cavalos, dos mulas, dos camelos, dos
1323 ZACARIAS 14 " ,
111111
nos tempos da escravidão de Israel, então dote. Não há distinção entre o secular e
merecerá e sofrerá a praga (como anterior- o sagrado, mesmo no caso de utensílios
mente, cf Hb 2.3). de barro descartáveis: tudo é sagrado na
14.20,21 Jerusalém purificada e san- presença do Senhor. A palavra "cananeu"
tificada. No hebraico, a seção final come- (ARe, TB) também significa mercador. Pro-
ça e termina com as palavras naquele dia, vavelmente o termo seja especialmente
que forma uma espécie de moldura para o escolhido para significar tanto o comércio
material interposto. As palavras Santo ao (o qual normalmente não tem um motivo
SENHOR foram gravadas em uma lâmina de santo) quanto a religião impura, da qual os
ouro puro no turbante do sumo sacerdote israelitas deveriam ter se livrado quando
(Êx 28.36). Aqui, até mesmo as campai- herdaram a terra de Canaã (Dt 7.I-6 etc).
nhas dos cavalos recebem essa inscrição:
elas são tão santas quanto o sumo sacer- Mike Butterworth
MALAQUIAS
INTRODUÇÃO
Autoria tanto, é o paralelo substancial que existe
O nome hebraico Malaquias significa entre os pecados relatados por Malaquias
"meu mensageiro" ou, se Malaquias for e aqueles indicados por Esdras e Neemias.
uma forma reduzida de "Malachiah", tal- Há preocupações compartilhadas com
vez "mensageiro do Senhor". Tomando a corrupção do sacerdócio (1.6-2.9;
como base a LXX, alguns estudiosos têm ar- Ne 13.4-9,29,30); com o casamento com
gumentado que Malaquias 1.1 deve ser en- estrangeiros ou pessoas que acreditavam
tendido como um título, "meu mensagei- em outros deuses (2.10-12; Ed 9-10;
ro", e não como um nome próprio. Parece Ne 10.30; 13.1-3,23-27); com o abuso em
mais provável, no entanto, que esse seja o relação aos desamparados (3.5; Ne 5.1-13);
nome de um homem, como o interpretam e a falha em pagar os dízimos (3.8-10;
outras fontes antigas. Se for assim, o livro Ne 10.32-39; 13.10-13).
de Malaquias segue o padrão de cada um
dos 14 escritos proféticos, em que o autor, Contexto
logo de início, é apresentado pelo nome, O ministério de Malaquias se deu quase
usando uma linguagem semelhante à em- cem anos após o fim do cativeiro babilô-
pregada em 1.1 (cf especialmente Ag 1.1). nico e do decreto inspirado de Ciro, em
Em 3.1, temos um importante trocadilho 538 a.c., que permitiu que os judeus re-
com o nome do profeta: "Eis que envio o tornassem à sua terra natal e reconstruís-
meu mensageiro, que preparará o caminho sem o templo (2Cr 36.23). Isso aconteceu
diante de mim" (grifo do autor). A impli- quase oitenta anos após os profetas Ageu
cação desse trocadilho é o que o ministério e Zacarias terem encorajado a reconstru-
de Malaquias deveria prenunciar o minis- ção do templo com gloriosas promessas
tério do mensageiro que estava por vir, e de bênçãos de Deus, união das nações,
que é identificado no NT como João Batista prosperidade, expansão, paz e o retorno da
(cf 3.1 e 4.5,6). Ver também o quadro na presença gloriosa de Deus (cf e.g. Ag 2;
página 949. Zc 1.16,17; 2; 8; 9). Para os contemporâ-
neos desiludidos de Malaquias, entretanto,
Data essas predições malcompreendidas podem
Em contraste com a maior parte dos ou- ter parecido uma brincadeira cruel. Em
tros livros proféticos do AT, não é possível contraste com as promessas entusiasmadas,
fixar a data de sua composição. Todavia, a dura realidade era de privação econômi-
a maioria dos estudiosos concorda que, ca, colheitas fracassadas, seca prolongada
provavelmente, Malaquias tenha sido um e pestilência (3.10,11).
contemporâneo de Neemias em meados Após o retorno do exílio, Judá contava
do século v a.C. A existência implícita do com um território insignificante 30 x 40
templo em 1.10; 3.1,8, que requer uma quilômetros, e com uma população de qua-
data após sua reconstrução em 515 a.C, se 150 mil habitantes. Embora gozassem
fornece apoio a essa tese. A evidência dos beneficios da iluminada política persa
mais forte para se datar Malaquias, entre- de tolerância religiosa e limitada política
MALAQUIAS 1326
de autodeterminação, o povo sentia aguda- chamado para despertá-los para uma fide-
mente a submissão a um poder estrangeiro lidade renovada à aliança.
(Ne 1.3; 9.36,37) e sofria constante opo- Em 1.2-5, o primeiro dos seis "deba-
sição e perseguição por parte das nações tes" do livro, Malaquias começa defenden-
vizinhas (Ed 4.23; Dn 9.25). Judá não era do a realidade do amor eletivo de Deus por
mais uma nação independente e, o que é Israel, um amor que clama por obediência
mais importante, também deixara de ser rigorosa e adoração sincera como resposta
governado por um rei ungido da linhagem apropriada. Longe dessa esperada respos-
de Davi. ta, entretanto, o povo desonrava a Deus por
Talvez o pior de tudo seja o fato de meio de suas ofertas inaceitáveis e do for-
que, a despeito das promessas da vinda do malismo hipócrita de sua adoração.
Messias e da gloriosa presença de Deus Em 1.6-2.9, o segundo debate, Mala-
(e.g., Zc 1.16,17; 2.4,5,10-13; 8.3-17,23; quias expõe essas ofensas e censura os
9.9-13), Israel experimentou apenas o de- sacerdotes por fecharem os olhos a elas
samparo espiritual. Ao contrário dos re- e, com isso, violarem a aliança do Senhor
gistros históricos de períodos anteriores, com Levi.
Ester, Esdras e Neemias são honestos em Em 2.10-16, o terceiro debate, Mala-
suas descrições da ausência de evidências quias condena o casamento com pessoas
milagrosas da presença de Deus no Judá de outra religião como infidelidade contra
pós-exílico. Em contraste tanto com o tem- a aliança de Israel com o Senhor, e o di-
plo de Salomão quanto com a promessa vórcio não autorizado como infidelidade
profética da restauração do templo (como contra a aliança do casamento, estabeleci-
em Ez 40---43), o templo pós-exílico era da entre marido e mulher, da qual Deus é
fisica e espiritualmente inferior. Como 3.1 testemunha. Malaquias adverte que essas
revela, o Santo dos Santos nesse segundo ofensas não apenas tomam as ofertas ina-
templo não tinha a manifestação visível ceitáveis, mas também colocam em risco a
da glória de Deus. Embora Deus estives- vida do pecador diante do Deus Santo.
se bem vivo, como revelado, por exemplo, Em2.17-3.5, no quarto debate, Mala-
por suas providências extraordinárias no quias estende o foco de sua acusação
livro de Ester, esse foi claramente um pe- enquanto promete que o Senhor vindi-
ríodo "posterior aos grandes milagres" (cf cará sua justiça. Isso acontecerá quando
também Mq 5.3). Em outras palavras, era "o mensageiro da aliança" vier julgar os
uma época muito parecida com a nossa, perversos (quando o Senhor for teste-
na qual o povo de Deus tem de viver mais munha não somente contra os adúlteros,
pela fé do que por aquilo que vê (10 20.29; como em 2.10-16, mas também contra
2Co 5.7; 1Pe 1.8; 2Pe 3.3-13). outros transgressores) e purificar o seu
povo, de modo que suas ofertas venham
A mensagem de Malaquias a ser, enfim, aceitáveis.
Os contemporâneos de Malaquias podem Em 3.6-12, no quinto debate, Malaquias
ter sido relativamente ortodoxos em suas retoma ao assunto das ofertas dadas a con-
crenças e livres de qualquer idolatria ma- tragosto por Israel. O povo tinha experi-
nifesta (cf 2.11), mas a ortodoxia deles mentado adversidade material e estava sob
se tomara morta. Eles não hesitavam em uma maldição em virtude do seu compor-
fazer concessões éticas e a atenuar as de- tamento. Malaquias os desafia a entrega-
mandas exigentes da adoração adequada. rem o dízimo de forma consciente, o que
Em resposta ao cinismo e à enfermidade será recompensado com a bênção divina.
religiosa de seus companheiros israelitas, Em 3.13---4.3, o sexto debate, Mala-
a profecia de Malaquias aparece como um quias assegura aos seus queixosos con-
111
1327 MALAQUIAS 1 fIfI
II1IIII1II
ESBOÇO
1.1 Título
1.2-5 A O justo e o perverso arrogante: O amor de Deus vindicado no juízo
•
em um universalismo onde as religiões de coisa era melhor do que nada, o momo era
outras nações são consideradas aceitáveis melhor do que o frio. Na verdade, o que
a Deus, é um subtema de Malaquias, ao o Senhor realmente gostaria era que esse
qual o profeta retoma em 1.11,14 e 3.12. tipo de adoração impura, irreverente, hipó-
crita cessasse completamente (v. 10; cf.
1.6-2.9 As ofertas feitas Is 1.11-15;29.13; eAp 3.15,16).
a contragosto por Israel Uma vez que os sacerdotes tinham
são condenadas deixado de guardar a pureza do templo, o
Será que realmente amamos a Deus so- Senhor ameaçava puni-los de uma manei-
bre todas as coisas? Pode esse amor ser ra adequada aos seus crimes. Pelo fato de
demonstrado na qualidade de nossa ado- eles terem mostrado "desprezo" (despre-
ração e serviço? Nesse segundo deba- zais; 1.6) e deixado de honrar o nome do
te, Malaquias inverte a questão quanto Senhor (2.2), seriam desprezados e humi-
à queixa de que trata o anterior. Não é o lhados diante de todo o povo (2.9). Por te-
amor de Deus por Israel que deve ser ques- rem desonrado a Deus (1.7), ele figurada-
tionado, mas o amor de Israel por Deus. mente os desonrará e os desqua1ificará do
Ainda que reconheça que todo o povo era serviço do altar, ao espalhar em seus rostos
culpado por desonrar a Deus, como é reve- os excrementos dos sacrifícios rejeitados.
lado por suas ofertas feitas a contragosto Uma vez que esses excrementos deveriam
(1.14), Ma1aquias centraliza o seu ataque ser removidos do santuário e queimados
nos sacerdotes de Israel. Isso porque era (Lv 4.11,12), assim seriam eles, agora, ex-
responsabilidade dos sacerdotes guardar pulsos (2.3). Por terem suposto abençoar
o santuário da profanação e inspecionar o povo de Deus como se os sacrifícios de
todos os sacrifícios, para impedir a ofer- Israel tivessem sido aceitos e tivessem
ta de animais cegos, coxos ou doentes feito sua expiação, Deus agora amaldiçoa-
(Lv 22.17-25; Dt 15.21; 17.1). ria suas bênçãos (2.2). Como escreveu
Como um tipo de terapia de choque Matthew Henry: "Nada profana mais o
para trazer os sacerdotes novamente à ra- nome de Deus do que a conduta inadequa-
zão, Malaquias contrasta o modo como da daqueles que deveriam honrá-lo".
eles honravam prontamente as pessoas a O v. 11 do cp. 1 demonstrou-se o mais
quem respeitavam com o modo abominá- polêmico desse livro. Especialmente per-
vel como desonravam a Deus. Malaquias turbador é o fato de Malaquias se referir
desafia seus conterrâneos a entregar seus à apresentação do incenso e das ofertas
sacrifícios a seu governador persa, para puras em muitos lugares, em vez de exclu-
que testasse a qualidade das ofertas. A lógi- sivamente no templo em Jerusalém, como
ca de Malaquias é indiscutível. Até mesmo seria requerido por Deuteronômio 12 nos
um mero governador humano, um senhor tempos de Malaquias (cf 3.3,4; 4.4). A cha-
ou um pai merece e recebe uma honra mui- ve para a interpretação de 1.11 é entender
to maior do que a que estava sendo ofere- a expressão desde o nascente do sol até ao
cida por Israel a seu Deus, que era seu pai, poente como uma linguagem escatológica
senhor, e grande Rei (1.6,14; em seu uso (cf SI 50.1; 113.3; Is 45.6; 59.19). Os dois
secular, o título "grande rei" é tipicamente textos de Isaías incluem uma referência a
reservado para o imperador ou suserano, uma união final das nações, sugerindo uma
como em 2Rs 18.19,28). referência semelhante em Ma1aquias. Essa
Quando desafiados por Malaquias, os esperança encontra definição adicional em
sacerdotes ficaram confusos. Aparente- textos como Isaías 19.19-25 e 66.19-21,
mente, eles tinham se persuadido de que em que as nações se tomarão "levitas" e
no tocante à adoração ou às ofertas, alguma oferecerão ofertas aceitáveis ao verdadeiro
11
l1li. MALAQUIAS 2 1330
."l1li
Deus em altares aprovados (cf também No v. 10, Malaquias introduz seu ter-
SI 47; Jr 4.1,2; Sf2.11; Zc 2.11; 8.23). ceiro debate com uma descrição geral
Malaquias pode ter pensado que es- da infidelidade mútua e generalizada em
sas profecias viriam a se cumprir em sua Israel, o que profana a aliança deles com
própria época com a conversão dos gen- Deus, o Pai e Criador de Israel (Dt 32.6;
tios ao judaísmo. Entretanto, a lingua- cf Is 27.11; 43.15; Jr 31.19). Malaquias
gem ousada de 1.11, em contraste com o condena duas ofensas maritais paralelas,
modesto número de convertidos que pro- embora não necessariamente relacionadas.
vavelmente havia naquela época, parece A primeira ofensa é a do casamento com
sugerir que a referência de Malaquias uma parceira pagã (11,12; cf Ne 13.29, em
apontava para um cumprimento ainda fu- que a celebração pelos sacerdotes de casa-
turo e mais abrangente. mentos entre pessoas de crenças diferentes
Esse lembrete do propósito do Senhor profana a aliança sacerdotal), e a segunda
para a conversão das nações, um plano que ofensa diz respeito ao divórcio baseado
envolve o chamado para que Israel fosse simplesmente em aversão ou incompatibi-
uma bênção para elas (cf 3.12 e Gn 12.2,3), lidade (13-16).
apresenta o templo como seu foco (e.g., Malaquias, assim, expressa uma visão
Is 2.1-5). Isso é típico do interesse desta- do casamento que é radical em sua pró-
cado de Malaquias pelo final dos tempos pria concepção (identificando o casamento
(cf, e.g., 3.1-5,17; 4.1-6) e dá mais força à como uma aliança entre marido e mulher).
sua condenação ao apático culto sacrificial As exigências colocadas sobre o marido
de seus contemporâneos. Tendo exposto são as mesmas feitas por nosso Salvador e
a hipocrisia dos sacerdotes, ao contrastar pelos apóstolos do NT. De fato, essa pers-
a maneira como honravam as autoridades pectiva exaltada sobre o casamento fez
humanas com a maneira como desonravam com que muitos intérpretes duvidassem
a Deus, Malaquias, mais adiante, censura que Malaquias estivesse se referindo lite-
essa hipocrisia em 1.11, ao contrastar a ralmente ao casamento. Alguns sugerem
desonra dos sacerdotes com a honra e as que Malaquias pretendia usar o casamen-
ofertas aceitáveis, que um dia chegarão a to meramente como uma metáfora para
Deus pelas mãos daqueles que verdadeira- o relacionamento entre Israel e o Senhor.
mente são redimidos (Cf Mt 8.10-12, em Contra esse argumento, entretanto, está
que Jesus utiliza um argumento semelhan- a observação de que em todas as demais
te para censurar seus contemporâneos). partes das Escrituras em que a metáfora do
casamento aparece Deus sempre é retrata-
2.10-16 O testemunho de do como o marido, e não como a esposa,
Deus contra casamentos com como seria o caso aqui. Outros sugerem
estrangeiros e divórcios que a expressão: e a mulher da tua alian-
Por que é que Deus exige que um casa- ça (14) significa simplesmente uma esposa
mento esteja em bom estado antes de ou- judia, isto é, uma esposa que compartilhe
vir a oração de um marido (v. 1Pe 3.7; cf da mesma aliança religiosa do seu marido
Mt 5.23,24)? Malaquias dá a resposta: O com o Senhor. O ponto de vista tradicional,
casamento não é apenas um contrato, um refletido pela NVI, de que Malaquias pre-
relacionamento de duas vias entre marido tende um casamento na aliança, entretanto,
e mulher, mas uma aliança, um relaciona- ainda deve ser preferido.
mento de três vias, com responsabilidades Os contemporâneos de Malaquias esta-
e privilégios, o qual tem como testemunha vam aflitos porque Deus estava recusando
Deus, perante quem o casal é permanente- suas ofertas (13), um fato que percebiam,
mente responsável. supostamente, ser decorrente da recusa do
Senhor em abençoá-los. Malaquias explica
1331 MALAQUIAS 2
•
separar o refugo do metal puro (Is 48.10; Abraão segundo a qual todas as nações vos
Ez22.18-22; lPe 1.7; cf tambémMt3.11). chamarão felizes (12; Gn 12.2,3; cf tam-
De modo semelhante, os lavandeiros an- bém SI 72.17; Is 61.9; Zc 8.13) se cum-
tigos lavavam as roupas com um sabão prirá. Em resumo, Deus promete atender
muito forte, e depois da lavagem as roupas a todas as necessidades do povo, mas não
eram colocadas sobre pedras e batidas com necessariamente satisfazer a toda a sua ga-
varas. Se os pecadores modernos preferi- nância. A NVI interpreta o v. 10: " ... se não
rem a obra purificadora do Senhor a seuju- vou abrir as comportas dos céus e derramar
ízo, aqui está o preço que tem de ser pago sobre vocês tantas bênçãos que nem terão
(cf Hb 12.7-11). onde guardá-las ". Uma tradução mais lite-
ral seria: " ... e derramar bênçãos sobre vós
3.6-12 As ofertas feitas até que não haja mais necessidade".
a contragosto por Israel
são condenadas 3.13-4.3 O justo e o perverso
O profeta volta às ofertas feitas a contra- arrogante: O amor de Deus
gosto por Israel (cf 1.6-2.9). Antes, en- vindicado no juízo
tretanto, a ênfase estava na falha dos sa- O sexto debate começa com a reclamação
cerdotes em relação a esse assunto; aqui a audaciosa e blasfema de Israel de que é
inquietação de Malaquias estende-se para inútil servir a Deus. Que nos aprovei-
incluir a nação toda (9). tou termos cuidado em guardar os seus
Embora a tradução do v. 6 seja incerta, preceitos e em andar de luto diante do
Malaquias pode ter citado o exemplo de SENHOR dos Exércitos? (14). Após a lista
Jacó para destacar o pecado do povo. Após de pecados já exposta por Malaquias, al-
o exílio de Jacó em Padã-Arã, quando ele guém poderia perguntar a quais preceitos
"retomou" tanto para a terra prometida eles estariam se referindo. O paralelismo
como para o Senhor, ele construiu um altar entre em guardar os seus preceitos e em
em Betel, e ofereceu o dízimo ao Senhor, andar de luto sugere uma simples alusão
de acordo com sua promessa em Gênesis às exigências do culto, provavelmente ao
28.20-22 (cf também Gn 35.1-7). Quando mesmo ritual de lamentação sobre o qual
os descendentes de Jacó, de modo seme- Israel se vangloriava em Zacarias 7.1-6, e
lhante, retomaram do exílio, eles recons- que era um exemplo da conduta pública
truíram o altar em Jerusalém, mas foram hipócrita (cf 2.13; Is 58.3-9).
negligentes quanto à oferta de seus dízi- Nem todos os contemporâneos de Mala-
mos (cf também Ne 13.10-13). Essa ne- quias eram tão arrogantes e prontos a acu-
gligência pode ter parecido justificável em sar a Deus de injustiça. Um segundo grupo
virtude do fracasso da colheita, da seca e é mencionado no v. 16 e descrito como
da peste (10,11), o que teria sido suficiente aqueles que temem ao SENHOR e para os
para dissuadir tais adoradores negligen- que se lembram do seu nome. Ao mesmo
tes. O Senhor revela, entretanto, que esses tempo em que o Senhor descreve as blas-
desastres naturais eram o resultado e não fêmias do primeiro grupo, ele ouve a con-
a causa da desobediência da nação (8; cf versa respeitosa do segundo. Semelhante
Ag 1.6,9-11; 2.16-19). ao "Livro dos Feitos Memoráveis" man-
Sem omitir a necessidade da santidade tido pelo rei Xerxes, que recordava a an-
(cf 2.13; 3.3,4), Deus promete, nos v. 10- tiga fidelidade de Mordecai que não fora
12, que tão logo o povo volte a ser fiel na recompensada (Et 6.1-3), um memorial é
entrega de seus dízimos, a tão necessária escrito na presença de Deus concernente a
chuva virá (10), a peste e o fracasso da co- esses fiéis do segundo grupo (cf também
lheita cessarão (11), e a promessa feita a SI 139.16; Dn 12.1).
MALAQUIAS4 1334
Mt 3.4; Me 1.6), João Batista agiu como e poder de Elias, para converter o coração
Elias em sua denúncia corajosa e firme dos pais aos filhos, [...] e habilitar para o
contra o pecado. Em um ministério que o Senhor um povo preparado" (Lc LI7).
colocava em conflito com o rei e sua pér-
fida esposa (lRs 19; Mc 6.17,18), João
Batista foi "adiante do Senhor no espírito Gordon P. Hugenberger
••
..- APÓCRIFOS E LITERATURA
APOCALípTICA
Este artigo se ocupa em parte de livros bíbli- encontram no cânon do AT, e é usado com
cos (particularmente Daniel e Apocalipse), esse sentido neste artigo, embora a ex-
mas também dá atenção a uma série de pressão "Apócrifos do Novo Testamento"
livros não bíblicos (tecnicamente conheci- tenha sido cunhada para denotar obras
dos como "apócrifos" e "pseudepígrafes"), posteriores que imitam a literatura do NT.
alguns dos quais reaparecerão, juntamente Alguns dos livros apócrifos, embora de
com outras obras análogas, entre os ma- maneira alguma todos eles, foram escritos
nuscritos do mar Morto. sob pseudônimos, mas isso é mais carac-
A conexão é fornecida pela literatu- terístico das pseudepígrafes (escritos sob
ra apocalíptica, um gênero literário que nomes falsos), que constituem um corpo
ocorre tanto na Bíblia quanto fora dela. Os literário maior, muitos deles sendo de ca-
apócrifos e as pseudepígrafes datam prin- ráter apocalíptico.
cipalmente do período intertestamentário e Uma vez que a maioria dos livros ju-
nos contam algo a respeito da história e do daicos está fora do cânon das Escrituras
pensamento judaico daquele período. Sagradas, é preciso explicar por que alguns
deles são chamados de "apócrifos". Estes
Os termos "apócrifo" eram os mais valorizados pela igreja pri-
e "apocalíptico" mitiva como leituras edificantes. Eles co-
Embora os dois termos técnicos "apócri- meçaram, por esse motivo, a ser incluídos
fo" e "apocalíptico" pareçam semelhantes, nos manuscritos bíblicos gregos e latinos,
eles são muito diferentes em significado e posteriormente em manuscritos bíblicos
e aplicação. "Apócrifo", da palavra gre- em outras línguas. Esse foi um proces-
ga apokryphos, que significa "oculto", é so gradual, que se estendeu no início do
o nome dado a certos livros e partes de século IV a apenas três livros (Sabedoria
livros que têm sido reconhecidos como de Salomão, Tobias e Eclesiástico), e os
não pertencentes ao cânon das Escrituras mais instruídos, pelo menos, continuaram
Sagradas. "Apocalíptico", da palavra gre- a distinguir tais livros dos livros canôni-
ga apokalypsis, que significa "revelação", cos. (É equivocada a ideia de que tais li-
é um termo usado para denotar um tipo vros estavam nos manuscritos bíblicos
particular de literatura que traz, ou se pro- em grego desde o início, como parte da
põe a trazer, uma revelação de segredos. Septuaginta). Lá pela época de Jerônimo,
Alguns dos livros apócrifos são literatu- no final do século IV, o processo tinha avan-
ra apocalíptica, mas nem todos eles. As çado o suficiente para provocar sério risco
principais obras apocalípticas na Bíblia de confusão, e portanto ele julgou neces-
são: o livro de Daniel, no AT, e o livro de sário separar tais livros por um nome espe-
Apocalipse. (apokalypsis) de João, no NT, cial, escolhendo o termo "apócrifo". Essa
embora partes de outros livros tenham ca- é uma expressão que Orígenes, um século
ráter semelhante. e meio antes, declarou ser aplicada pelos
O nome "apócrifo" é normalmente apli- judeus aos mais estimados de seus livros
cado a livros de origem judaica que não se não canônicos; e uma vez que Orígenes e
1337 APÓCRIFOS E LITERATURA APOCALípTICA <
Jerônimo eram dois dos mais ilustres estu- concentrada na revelação de segredos. Ela
diosos do judaísmo entre os Pais da igreja, anuncia grandes segredos, revelados por
provavelmente usavam a palavra com o Deus a um estimado profeta ou santo, so-
mesmo sentido usado pelos judeus. Se for bre seus propósitos para o futuro ou acerca
assim, isso explicaria porque "oculto" era da constituição da natureza ou das coisas
um termo apropriado a se usar com esse que não se podem ver. A forma como se
propósito. Pois quando os rabinos eram faz a revelação é muitas vezes altamente
confrontados com algum objeto que não ti- simbólica, embora outras vezes seja literal
nham permissão para utilizar, mas que, por e extraordinariamente detalhada.
causa de suas associações com a religião, Fora da Bíblia, a literatura apocalíp-
também não lhes era permitido destruir, tica era frequentemente escrita sob pseu-
eles "o ocultavam" e o deixavam deterio- dônimo, em geral algum nome famoso da
rar naturalmente. Entre os objetos que eles, Antiguidade. Nesses casos, aquele que pa-
por vezes, tratavam dessa maneira estavam recia ser o autor frequentemente era repre-
os livros que corriam o perigo de ser con- sentado como alguém que previa aconte-
fundidos como pertencentes às Sagradas cimentos que já tinham vindo a acontecer,
Escrituras. Paradoxalmente, eram os mais como evidência de seu acesso aos segredos
estimados dentre seus livros não canônicos divinos. Um artificio como este é, na me-
que estavam sujeitos a serem "ocultados", lhor das hipóteses, uma fraude piedosa. O
uma vez que quanto mais estimados fos- Apocalipse de João é uma prova clara de
sem, maior era o perigo de serem erronea- que isso não é uma característica neces-
mente tratados como parte das Escrituras. sária dos escritos apocalípticos, uma vez
Apesar das advertências de Jerônimo, que o autor de Apocalipse escreveu sob
a confusão entre os apócrifos e os livros seu próprio nome e não precisou fazer uso
canônicos continuou, especialmente no de "profecias de acontecimentos passa-
Ocidente. Na Reforma do século XVI foi dos". Hoje em dia, por outro lado, muitos
necessário que os reformadores reafir- supõem que o livro de Daniel tenha sido
massem sua distinção com grande ênfase. escrito sob autoria fictícia e datado do sé-
Nesse meio tempo, a igreja de Roma ten- culo " a.c., isto é, bem depois de os acon-
tou eliminar essa distinção, e o Concílio de tecimentos nele preditos terem ocorrido.
Trento colocou os livros apócrifos na mais A evidência para essa suposição nunca foi
completa paridade com os livros canônicos muito forte, e muitas das evidências indi-
(embora omitindo 1 e 2Esdras e a Oração retas contrárias a ela vieram à luz recente-
de Manassés). Na Igreja Católica Romana, mente, especialmente depois da descober-
consequentemente, os livros apócrifos são ta dos manuscritos do mar Morto. Em sua
conhecidos como livros deuterocanônicos. qualidade tanto literária quanto espiritual,
Nas bíblias traduzidas para suas respectivas o livro de Daniel está muito à frente dos
línguas pátrias, os reformadores reuniram livros apocalípticos apócrifos, e deles dife-
os livros apócrifos como uma seção total- re também em outros aspectos marcantes.
mente separada, mas nas bíblias católico- O livro de Daniel não toma como autor,
romanas (tais como a Bíblia de Jerusalém assim como fazem os apócrifos, uma figu-
e a de Douai) eles continuam intercalados ra proeminente de outras partes do AT, já
com os livros canônicos do AT. conhecida por ter recebido alguma revela-
ção. Também não possui as características
Literaturas apocalíptica. sectárias essênias que caracterizam os li-
bíblica e apócrifa vros apocalípticos apócrifos mais antigos
A literatura apocalíptica é uma forma de (v. adiante). O livro de Daniel também está
literatura semelhante às profecias, mas incluído entre as Escrituras Judaicas, um
COMENTÁRIO BíBLICOVIDA NOVA 1338
tipo de reconhecimento que não foi con- 2Esdras é um livro apocalíptico escrito
ferido a nenhum outro livro apocalíptico. por volta de 100 d.C. e preservado em la-
Essas diferenças de caráter e de tratamento tim, não em grego. É complementado por
são mais facilmente explicadas sob a hi- material cristão posterior, isto é, dois capí-
pótese de que Daniel é mais antigo que os tulos iniciais e dois finais.
outros livros apocalípticos judaicos, tendo Tobias é uma narrativa de cunho moral
incitado imitações tanto por sua qualidade sobre a caridade, o sepultamento dos mor-
quanto porque, quando estas começaram a tos e o casamento. Tem como pano de fun-
ser escritas, ele já era um candidato a um do a Pérsia e é um dos mais antigos livros
lugar no cânon. apócrifos.
Os mais antigos autores judeus de Judite é uma narrativa fascinante, em-
apocalipses pseudonímicos parecem ter bora sem base histórica alguma, sobre uma
sido precursores ou representantes da es- heroína piedosa que salva seu povo.
cola de pensamento essênia. Quatro dos Acréscimos a Ester é uma coletânea de
cinco livros que compõem o Livro de itens acrescentados à tradução de Ester da
Enoque, a versão em aramaico (e possi- LXX, sobretudo com o propósito de desta-
velmente em grego) dos Testamentos dos car seu caráter religioso. Ester era mais um
Doze Patriarcas, bem como vários frag- livro livremente traduzido para o grego,
mentos de outros apocalipses encontra- com esses vários acréscimos, embora, nes-
dos entre os manuscritos do mar Morto, se caso, o livro fosse um dos que eram de
apresentam essa perspectiva. Mais tarde fato lidos na sinagoga.
os apocalipses judaicos, tais como as Sabedoria de Salomão é uma obra
"Parábolas de Enoque", A Ascensão de pertencente à tradição da Literatura de
Moisés e 2Esdras (mencionados adiante) Sabedoria do AT, embora tenha provavel-
possuem uma forte dose de pensamento mente sido escrita em grego, por um judeu
farisaico. de Alexandria influenciado, até certo pon-
to, pela filosofia grega. Ao final do século
o conteúdo dos apócrifos n d.e., encontramos a descrição da obra
como "escrita pelos amigos de Salomão
Os apócrifos propriamente ditos em sua honra" (Fragmento Muratoriano),
O apócrifo 1Esdras é uma versão grega de modo que sua pseudonímia provavel-
da história de Esdras, nela inclusos um mente não tinha intenção alguma de ser
pouco de Crônicas e Neemias, e com uma enganosa.
narrativa adicional nos cp. 3 e 4 tratando Eclesiástico é mais uma obra que
de um debate na corte persa sobre "a coisa faz parte da Literatura de Sabedoria, só
mais forte do mundo". Esses livros do AT que, nesse caso, segue mais o modelo de
que não eram lidos nas sinagogas tendiam Provérbios, terminando com a notória eu-
a ser traduzidos para o grego e o aramaico logia de homens famosos. Foi originaria-
com uma liberdade bem maior que os de- mente composto em hebraico, como o pró-
mais. Esdras era um dos nove livros nessa logo explica. É um dos mais antigos livros
categoria, de modo que 1 Esdras pode ser apócrifos, datado aproximadamente de 180
apenas uma antiga versão grega de Esdras, a.C., e identifica Josué ben-Sira (Jesus, fi-
ao passo que a outra versão grega incluída lho de Siraque) como seu autor.
na LXX é uma tradução muito mais lite- Baruque, terminando com A Carta de
ral. O material extra é característico da Jeremias (originariamente uma obra sepa-
hagadá judaica, escritos homiléticos, tais rada), é acrescentado ao livro de Jeremias
como histórias de ficção contadas somen- na LXX, como um duplo apêndice ao livro
te para edificação. bíblico. Retrata Baruque, companheiro de
li
1339 APÓCRIFOS E LITERATURA APOCALípTICA • •
••
Jeremias, como alguém que profetiza no A História de Ahiqar, uma antiga his-
mesmo estilo do profeta e mostra Jeremias tória que sobreviveu nas mais variadas
como tendo escrito outra carta aos exila- formas e línguas e inclui material de ca-
dos, dessa vez acerca do perigo da idolatria ráter proverbial, ainda que pouco desse
(cf Jr 29). material seja claramente religioso. O Livro
O Cântico dos Três Jovens, Susana e de Tobias faz referência a essa obra, e um
Bel e o Dragão são três adições à versão manuscrito aramaico, de parte dela (datado
do livro de Daniel na LXX. O primeiro é do século v a.C.), foi encontrado nas esca-
uma expansão de Daniel 3, consistindo vações do povoado judeu em Elefantine.
em uma oração e um hino atribuídos aos A Carta de Aristeias e Os Oráculos
três companheiros de Daniel, quando es- Sibilinos são exemplos de uma série de
tes estavam na fornalha ardente. O hino é obras ostensivamente compostas por au-
frequentemente chamado de Benedicite e é tores pagãos, mas de fato escritas para ju-
utilizado na adoração cristã tradicional. As deus. A primeira fornece um relato parcial-
outras duas são histórias sagradas acres- mente lendário da tradução do Pentateuco
centadas ao início ou ao final do livro, do da LXX, escrito no século 11 a.c., um século
mesmo modo que Baruque e a A Carta de depois do acontecimento.
Jeremias. O Livro de Enoque (JEnoque) é uma
A Oração de Manassés é uma expan- compilação de cinco livros apocalípticos
são de 2Crônicas 33.11-19, que coloca em de épocas variadas, quatro dos quais foram
palavras o arrependimento de Manassés. encontrados entre os pergaminhos do mar
Não se sabe, entretanto, se teve origem Morto e possuem perspectiva essênia, esta-
em uma tradução da Bíblia, e pode ter sido belecendo o calendário e as crenças sobre
composta independentemente. o final dos tempos característicos dos essê-
JMacabeus é a principal fonte histó- nios. O mais antigo deles provavelmente
rica sobre as façanhas dos macabeus em remonta ao século III a.C. O segundo livro,
sua revolta contra o monarca siro-helêni- "As Parábolas de Enoque", tem perspecti-
co, Antíoco Epifânio, e a sua campanha de va um pouco diferente e contém o célebre
perseguição na metade do século 11 a.C. É ensinamento sobre o Filho do Homem, um
um belo registro de fé heroica. desenvolvimento de Daniel 7. Tem sido
2Macabeus cobre parte do mesmo as- sugerido, embora com bases insuficientes,
sunto. É um livro escrito em grego que que esse livro foi escrito por um cristão.
combina valioso material histórico com JEnoque 1.9 é citado em Judas 14,15.
lendas. Alguns manuscritos da LXX tam- O Livro dos Jubileus foi escrito na pes-
bém incluem 3 e 4Macabeus, obras que soa de Moisés, assim como JEnoque foi
não têm tanta importância. escrito na pessoa de Enoque. Esse livro
também dá amparo ao mesmo calendário
As pseudepígrafes dos essênios. Ele divide a cronologia em
Coleção de livros bem maior que a dos 49 jubileus, a partir da criação, e reconta
apócrifos e, assim como estes, compostos a história dos patriarcas, estendendo a ob-
em sua maior parte por judeus e preserva- servância da lei mosaica à criação. Assim
dos por cristãos, embora não tão estimados como JEnoque, seu propósito parece ter
pela igreja quanto os apócrifos. Nem todos sido provar que a interpretação essênia das
foram escritos sob pseudônimos, a despei- Escrituras existia na época do AT. A pseu-
to do título que lhes é comumente atribuí- donímia em casos desse tipo parece ter a
do, embora muitos de fato o tenham sido. intenção de enganar.
Entre os mais antigos e mais importantes Os Testamentos dos Doze Patriarcas
deles estão: provavelmente também tenham a mesma
>
COMENTÁRIO BíBLICO VIDA NOVA 1340
perspectiva, pelo menos em sua forma ara- te). Três livros das pseudepígrafes também
maica. Neles, cada um dos filhos de Jacó, foram encontrados ali (1Enoque, o Livro
antes de morrer, deixa uma última men- dos Jubileus e Os Testamentos dos Doze
sagem para seus descendentes, com pre- Patriarcas), mais uma vez em suas línguas
visões do futuro de cada um e instruções originais (aramaico, hebraico e aramaico,
sobre como se comportar. respectivamente), e os Testamentos em
A Ascensão de Moisés e 2Baruque são uma versão completamente diferente do
livros apocalípticos de caráter mais farisai- texto. No caso de três dessas seis obras,
co. O primeiro está incompleto e na ver- foi a primeira vez que um fragmento foi
dade não inclui (como outrora incluíra) a encontrado em sua língua original, embo-
suposta ascensão de Moisés aos céus ou ra porções de Eclesiástico em hebraico e
o episódio citado em Judas 9. O segundo dos Testamentos em aramaico tenham sido
está estreitamente relacionado a 2Esdras. encontradas no final do século passado em
O Martírio de Isaías é a versão su- uma genizah do Cairo (local da sinagoga
postamente hebraica da versão cristã da que servia de depósito onde eram "oculta-
Ascensão de Isaías e conta a história do dos" os manuscritos descartados).
martírio do profeta, que foi serrado ao Outra obra descoberta na genizah
meio, uma história que provavelmente in- do Cairo foi a princípio chamada de
fluenciou a redação de Hebreus 11.37. Fragmentos Zadoquitas, porém, uma vez
Os Salmos de Salomão são hinos reli- que uma porção maior do texto foi encon-
giosos atribuídos a Salomão, talvez para trada entre os achados do mar Morto, a
tomar suas alusões contemporâneas mais obra recebeu um novo nome, Documento
prontamente aceitáveis. de Damasco. Trata-se de um conjunto de
Embora não haja referência direta no regras para a vida da comunidade essênia
NT a nenhum dos livros apócrifos, duas e é equiparado a um outro conjunto de es-
das pseudepígrafes, como observado aci- tatutos, o Manual de Disciplina, também
ma, possuem referências na carta de Judas. encontrado entre os manuscritos do mar
Pode ser que aqueles a quem essa obra foi Morto. Outras obras que refletem essa
dirigida fossem especialmente devotos mesma perspectiva, as primeiras encon-
dessa literatura, ou que os hereges que os tradas entre os manuscritos do mar Morto,
incomodavam o fossem. Assim, tendo em são o Rolo da Guerra e o Rolo do Templo.
mente sua plateia, Judas se utilizou de duas O primeiro contém instruções e previsões
passagens dessa literatura, embora não lhes a respeito da esperada batalha final entre os
tenha atribuído autoridade alguma. judeus e os romanos, e o segundo contém
uma harmonizada reiteração das leis sobre
Os manuscritos do mar Morto o santuário e o cerimonial, supostamente
Os manuscritos do mar Morto são fragmen- escrita por Moisés.
tos datados entre o século III a.c. e o século O restante dos manuscritos do mar
[ d.C., que foram descobertos em ruínas no Morto inclui muitos manuscritos bíblicos
deserto da Judeia, entre 1947 e 1965, nota- relacionados a cada livro do AT, exceto o
damente na fortaleza essênia de Qumran. de Ester, um livro de hinos e vários textos
Muitos deles, é claro, não têm nenhuma expositivos e litúrgicos.
relação com os apócrifos ou as pseudepí-
grafes, mas alguns têm. Manuscritos de o ensinamento da
três livros apócrifos (Tobias, Eclesiástico literatura apócrifa
e A Carta de Jeremias) foram encontrados Os livros que vimos até agora ainda não
ali, os dois primeiros em sua língua origi- constituem a totalidade da literatura que
nal (aramaico e hebraico, respectivamen- fornece o pano de fundo judaico não biblico
1341 APÓCRIFOS E LITERATURA APOCALípTICA " , "
"'.
ao NT, embora sejam em geral a parte mais tes sobre outros quatro temas teológicos
antiga dessa literatura. Esta também inclui além da correta interpretação da Lei. Estes
os escritos de Filo (um judeu de Alexandria, eram: a tradição oral, a soberania divina,
do início do século I d.C., que falava o gre- os anjos e escatologia (teorias sobre o fim
go), que escreveu comentários filosóficos dos tempos). Os saduceus adotavam uma
sobre o Pentateuco, bem como os escritos atitude negativa em relação a cada um des-
de Josefo (um judeu da Palestina do final ses assuntos, enquanto os fariseus tinham
do século I d.C.), um historiador. Além do uma atitude positiva. Os fariseus enfatiza-
mais, o pano de fundo literário não está vam a importância da tradição oral para a
completo a menos que se inclua uma parte interpretação e aplicação das Escrituras, a
dos escritos rabínicos nos quais as tradi- soberania de Deus, os anjos, e um futuro
ções orais dos fariseus foram registradas. juízo pessoal, temas esses completamen-
A mais antiga compilação rabínica em ter- te negados pelos saduceus. Os essênios
mos de relevância é a Mishná, escrita por concordavam com os fariseus em termos
volta de 200 d.C., mas que contém ditos de gerais, exceto sobre a tradição oral, ponto
renomados rabinos que viveram no perío- em que enfatizavam seus próprios escritos
do que se estende até o século I a.c. Um sectários.
dos tratados da Mishná tem sido frequente- Naturalmente, a literatura produzida
mente incluído na coletânea das pseudepí- nesse período reflete a influência das dife-
grafes sob o título Pirqe Aboth ("Os Ditos rentes perspectivas então vigentes e exibe
dos Pais"), embora esse não seja o lugar as simpatias do autor em questão. Grande
apropriado para sua inclusão. parte da literatura intertestamentária é am-
Depois do juízo do exílio, quando os plamente farisaica, exceto pelos escritos da
judeus por fim encararam seu pecado per- seita dos essênios encontrados em Qumran
sistente de incluir características de outras e aqueles outros escritos ali encontrados
religiões em sua própria e, liderados por que apresentam características semelhan-
Esdras e Neemias, deliberadamente adota- tes. Pairam dúvidas quanto à sobrevivência
ram o Pentateuco como regra de vida, era de algum escrito genuíno dos saduceus.
quase inevitável que surgissem diferentes A religião no período intertestamentá-
escolas sobre a interpretação da Lei. Por rio retratada na literatura da época é, na
volta do século" a.C., três diferentes es- melhor das hipóteses, a verdadeira fé do
colas de pensamento tinham surgido, os AT. Houve, entretanto, consideráveis de-
fariseus, os saduceus e os essênios, cada senvolvimentos do pensamento religioso
qual com sua própria interpretação da lei nesse período, em parte devido às influên-
mosaica. Os fariseus, a princípio, deti- cias persa e grega (durante os períodos de
nham a primazia, mas, por volta de 110 domínio persa e grego), mas especialmen-
a.c., os saduceus conseguiram chegar ao te devido à maneira como os ensinamentos
sumo sacerdócio e ali manter o seu domí- do AT eram interpretados. Esses desenvol-
nio. Entretanto, devido à enorme influên- vimentos do pensamento religioso, geral-
cia dos fariseus junto ao povo, na prática mente atribuídos à influência grega e persa,
os sumos sacerdotes geralmente tinham em especial aqueles relacionados a anjos e
de adotar o ponto de vista dos fariseus. demônios e à vida após a morte, provavel-
Os essênios desempenhavam um papel de mente pertencem a uma outra perspectiva
menor destaque na vida pública e viviam interpretativa do AT. A influência estrangei-
em comunidades à parte, no deserto e nos ra é, por vezes, bastante aparente, como
arredores das cidades. quando Tobias 3.8,17 utiliza um nome per-
As três escolas de pensamentos tam- sa para um demônio, ou quando Sabedoria
bém desenvolveram perspectivas diferen- 2-5 (seguido por Filo e Josefo) ensina
II1II
: . COMENTÁRIO BfBLlCO VIDA NOVA 1342
II1II
sobre a imortalidade da alma. Não obstan- transcendência de Deus explica por que se-
te, tais desenvolvimentos provavelmente se res intermediários, como anjos e demônios,
justificavam na visão daqueles que fizeram eram objeto de tanta atenção. Em Tobias,
deles interpretações do AT. O AT, de fato, um papel de destaque nos afazeres humanos
fala de anjos e demônios, porém pouco nos é desempenhado por um anjo e, por analo-
diz a respeito deles, bem como de fato as- gia com os nomes dos anjos do AT, Gabriel
segura (principalmente nos Profetas e nos e Miguel, ele recebe o nome Rafael. No li-
Salmos) uma vida futura mais relevante vro de Enoque, um grande número de anjos
para os fiéis do que a sombria existência é nomeado, incluindo sete arcanjos cujos
do sheol. Os desenvolvimentos do período nomes terminam em "<el", e cada um deles
intertestamentário são, de certo modo, de- é responsável perante Deus (El) por classes
senvolvimentos especulativos daquilo que diferentes de pessoas ou por partes distintas
o AT tem a dizer, e uma consideração im- da criação (JEnoque 20). Nos Testamentos
portante para os cristãos é questionar se o dos Doze Patriarcas, anjos intercedem
NT os endossa. Estes desenvolvimentos são pelos homens no céu (Testamento de Levi
ora rejeitados, ora meramente ignorados 3.5,6; Testamento de Dã 6.2). O NT endos-
pelo NT, mas às vezes são endossados. sa muito pouco dessa especulação sobre os
anjos, mas seu papel como intercessores
Deus e seus anjos pode estar implícito em Mateus 18.10. Os
Embora o cuidado paternal de Deus para anjos aparecem, entretanto, principalmente
com o seu povo Israel seja frequentemente na anunciação (Lc 1.26-38) e na ressurrei-
mencionado nessa literatura, sua santidade ção (e.g., Mt 28.2-7).
transcendente é destacada. O nome de Deus,
Javé, era considerado sagrado demais para Escrituras
ser pronunciado e, assim, a palavra Adonai A influência com que a lei escrita, como
("Senhor") era usada para substituí-lo. forma permanente da lei de Deus, já era
Consequentemente, na tradução que a LXX exercida na época do AT, foi mantida e
faz do AT, o nome de Deus é traduzido por expandida no período intertestamentá-
ho kurios, "o Senhor". Passagens contendo rio. A Carta de Aristeias 177 se refere ao
essa tradução são frequentemente citadas Pentateuco como os "oráculos" de Deus.
no NT, e este também é o título divino mais Por duas vezes nos apócrifos o livro da lei
frequentemente aplicado a Jesus. de Moisés é efetivamente identificado com
A soberania de Deus, como já vimos, a personificação da Sabedoria de Deus
era um tema que despertava grande preocu- (Eclesiástico 24.23; Baruque 4.1). Dos li-
pação nesse período. Os autores apocalíp- vros que se encontram fora do Pentateuco,
ticos, com sua expectativa de uma grande Tobias 2.6 e 14.4 cita predições de dois dos
intervenção de Deus na história humana profetas, e 1Macabeus 7.16,17 cita os sal-
para julgar e libertar, colocavam muita ên- mos como proféticos. Nos manuscritos do
fase nessa questão. Também se acreditava, mar Morto, os livros do AT são citados por
exceto pelos saduceus, na soberania de meio de fórmulas que se tomaram padrões
Deus na vida dos indivíduos, mas isso não para a citação da Escritura oficial, prática
excluía, pelo menos de acordo com os fa- que se manteve em Filo, no NT, bem como
riseus, a responsabilidade humana (Salmos na Mishná.
de Salomão 9.7; 2 Baruque 54.15,19). A
crença dos essênios na predestinação pare- Pecado e salvação
ce ter sido bem mais radical. Uma vez que a lei era o caminho da reti-
Em geral se acredita que a ênfase atri- dão, os judeus do período intertestamen-
buída durante esse período à questão da tário estavam muito preocupados com o
1343 APÓCRIFOS E LITERATURA APOCALfpTICA - : :