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manual de curso

Equilíbrio Ácido-Base
e Hidroelectrolítico

1.ª Ed.
Ficha técnica
Título capa
Manual do Curso de Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico

Editor
Reanima – Associação para Formação em Reanimação e Medicina do Doente Crítico
UCIP – Hospital de S.to António, 4099-001 PORTO
Tel. 222 081 997
Fax 222 009 483
Email: secretariado.ucip@hgsa.min-saude.pt

Autores
António Carneiro (Medicina Intensiva)
Sarmento Pimentel (Nefrologia)
Paulo Paiva (Medicina Interna)
Ana Ventura (Nefrologia)
Irene Marques (Medicina Interna)
Josefina Santos (Nefrologia)

1.ª Edição
Versão Novembro 2008

Design e Paginação
Next Color – Soluções Digitais, Lda.
Impressão
Gráfica X
Tiragem
1000 exemplares
Depósito Legal
xxx
ISBN
xxxx

Apoio
Xxxxx
Índice

Capítulo 1
Introdução ao equilíbrio ácido-base . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 00

Capítulo 2
Avaliação sistemática da gasometria A “Regra dos 3”. . . . . . . . . . . . 00

Capítulo 3
Acidose Metabólica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 00

Capítulo 4
Alcalose Metabólica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 00

Capítulo 5
Potássio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 00

Capítulo 6
Metabolismo do Sódio e da Água . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 00

Capítulo 7
Metabolismo do cálcio, fósforo e magnésio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 00
SEQUÊNCIA UNIVERSAL DE AVALIAÇÃO

I - Avaliação CLÍNICA
Informação clínica relevante
Avaliação da volémia e hidratação
Antecipação dos desvios esperados


II – Identificação de situações de
PERIGO IMINENTE
Choque
PaO2 < 50 mmHg
Acidemia grave (pH < 7,1)
Potássio < 2,5 ou > 7 mmol/L
Na+ < 115 ou > 160 mmol/L,
sintomático
Ca++ionizado >1,5 mmol/L


III – Análise da GASOMETRIA arterial e do IONOGRAMA

  
1. Oxigenação 2. Ácido-Base 3. Iões

1. CO2 1. Desvio primário 1. Sódio

2. Gradiente A-a 2. Compensações 2. Potássio

3. Resposta ao 3. Gap Aniónico 3. Cálcio ionizado


 da FIO2
Capítulo 1
Introdução ao
equilíbrio ácido-base
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
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I. Conceitos básicos
Concentração: quantidade de uma substância dissolvida numa solução.

Os medicamentos vêm embalados com especificações como:


Lidocaína a 1%
Glicose a 5%
Adrenalina numa diluição de 1: 1 000
Adrenalina numa diluição de 1: 10 000

Sabe que quantidade de medicamento existe em cada uma destas embalagens? Para o saber basta conhe-
cer a convenção para representar as concentrações:
Lidocaína a 1% = 1g de Lidocaína em 100mL
Glicose a 5% = 5g de glicose em 100mL
Adrenalina numa diluição de 1:1 000 = 1g de adrenalina por 1 000mL
Adrenalina numa diluição de 1:10 000 = 1g de adrenalina por 10 000mL

Solução molar = solução que contém o peso molecular de uma substância expresso em g por litro.
Ex.: a concentração molar do cloreto de sódio é a concentração em g por litro = 58,4 g (peso molecular
do sódio = 23 g de Na+ + 35,4 g de Cl-).

Mas como no corpo humano as concentrações são muito mais baixas, há casos em que é necessário usar
unidades mais pequenas, como por ex:

Definição Abreviatura Valor relativo


Mole Peso molecular em g / L mol 1M
milimole Um milésimo de mole / L mmol 10-3 x M
micromole Um milionésimo de mole / L µmol 10-6 x M
nanomole Mil milionésimos de mole / L nmol 10-9 x M

O conceito de solução molar é importante porque o peso molecular em gramas, de todas as substâncias,
tem exactamente o mesmo nº de moléculas = 6x1023. Assim sendo quando comparamos soluções de
igual molaridade já sabemos que têm exactamente o mesmo nº de moléculas e por isso é válida a con-
frontação dos respectivos pesos moleculares.

No caso dos gases a sua concentração é habitualmente referida em percentagem. Ex.: Se a percentagem
parcial de oxigénio do ar que respira é 21%, isso quer dizer que por cada L de ar que inspira 210mL são
de O2.

Composição habitual do ar atmosférico ao nível do mar:

Azoto = 78,06%,
Oxigénio = 20,98%,
Dióxido de Carbono = 00,04% e
gazes inertes = 00,92%
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A percentagem de O2 no ar inspirado pode ser aumentada até 100%. Por convenção a fracção de O2 no ar
inspirado representa-se por FiO2 e expressa-se como fracção de 1. FiO2= 1 significa que a percentagem
de O2 no ar inspirando é 100%. Assim se o ar inspirado tiver 50% de O2 diz-se que tem uma FiO2 = 0,5.

Nota: quando referimos percentagens não explicitamos concentrações.

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Figura 1.1 - Diferença entre percentagem e concentração

Nestes dois recipientes a percentagem de cada uma das moléculas @ e + é igual mas a concentração de
moléculas no recipiente da direita é o dobro da concentração de moléculas no recipiente da esquerda, por
isso é preciso acrescentar à percentagem outra especificação. Este facto levou à introdução do conceito de:

Pressão parcial = soma de todas as moléculas desse gás em colisão com as paredes do contentor.
Se o gás é uma mistura, como é o caso do ar, a pressão parcial é a soma das pressões parciais de cada
um dos seus componentes. Tendo em consideração a composição habitual do ar teremos:

Pressão atmosférica = pressão parcial do Azoto = 78,06%, + Oxigénio = 20,98%, + Dióxido de


Carbono = 00,04% + gazes inertes = 00,92%

Se a pressão atmosférica for 760mmHg, a pressão parcial de cada um dos seus componentes será respec-
tivamente:
593,2 mmHg + 159 mmHg + 0,3 mmHg + 6,9 mmHg

Estes valores foram obtidos a partir da percentagem de cada gás, dividida por cem (percentagem) e mul-
tiplicada pela pressão total da mistura.

Ex: PO2 = 20,98:100 x 760mmHg = 159

Contudo se o gás estiver em contacto com um líquido, parte desse gás dissolve-se no líquido, o que é
muito importante em fisiologia humana, já que a maior parte do organismo é líquido. O volume que se dis-
solve no líquido depende de duas forças:

a pressão parcial que “empurra” o gás para dentro do líquido e


a solubilidade = que reflecte a facilidade com que as moléculas desse gás se misturam com o líquido.

O CO2, por ex., é 20 vezes mais solúvel no plasma do que o O2, o que quer dizer que para a mesma pres-
são parcial, o CO2 se dissolve no plasma vinte vezes mais do que o O2.

Se o gás ficar em contacto com o líquido sem interferências, as moléculas que se dissolvem no líquido aca-
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bam por se equilibrar com as do gás, sendo possível determinar a pressão parcial desse gás no líquido. Por
isso, para que não haja confusões é necessário explicitar onde é que a pressão parcial do gás foi medida.

No caso do O2, essas variáveis são simbolizadas da seguinte forma:

PO2 = pressão parcial de O2 na atmosfera


PAO2 = pressão parcial de O2 no alvéolo
PaO2 = pressão parcial de O2 no sangue arterial
PvO2 = pressão parcial de O2 no sangue venoso

Os valores da pressão parcial são representados em mmHg ou em kPa (quilo Pascal), sendo que 1 kPa =
7,5 mmHg

Ex: PaO2 = 90 mmHg = 12 kPa


PaCO2 = 35–45 mmHg = 2,7–6 kPa

II. Ácidos, Bases e Alcalis


Ácido é toda a substância capaz de fornecer hidrogeniões (H+), quando está em solução. Um ácido forte
fornece facilmente muitos H+; um ácido fraco fornece poucos H+. De entre os ácidos correntes no nosso
organismo salientam-se:
ácido clorídrico,
ácido láctico,
ácido carbónico,
cetoácidos,
ácido pirúvico,
ácido úrico,
proteínas.

Base é toda a substância que aceita hidrogeniões quando está em solução. As bases mais importantes no
controlo do Eq a-b, são:
bicarbonato
fosfatos,
proteínas,
amónia.

As proteínas são compostos com propriedades particulares porque podem funcionar como dadoras e como
aceitadoras de H+.

Alcalis = substância dadora de OH, por ex. NaOH, mas que também é capaz de aceitar H+ e por isso pode
comportar-se como alcali e como base. Por isso todos os alcalis são bases mas nem todas as bases são
alcalis.

pH, alcalemia e acidemia


A “acidez” de uma solução é uma propriedade que resulta do nº de hidrogeniões nela dissolvidos. No orga-
nismo a concentração de H+ ([H+]) é baixíssima, quando comparada com a concentração de outros iões
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essenciais à vida, por Ex.:

[H+] = 0,000 04 mmol/L


[Na+] = 135-145 mmol/L
Para representar uma concentração tão baixa usa-se uma variável matemática, criada em 1909, que se
designa por pH e representa o inverso da concentração logarítmica de H+.

Daqui resultam duas consequências:

quando a [H+] sobe, o pH baixa e


quando a [H+] baixa, o pH sobe

O pH normal varia entre 7,36 – 7,44.

Por definição quando o pH sai dos limites normais diz-se que o doente está em:

acidemia se a [H+] subir e o pH ≤ 7,35


alcalemia se a [H+] baixar e o pH ≥ 7,45

A pequenas variações do pH correspondem grandes variações da [H+], por ex., a passagem do pH de 7,4
para 7,1 traduz uma variação da [H+] de 40 para 80 nmol/L; ou seja, a uma variação de 0,3 do pH corres-
ponde a duplicação da [H+].

III. Acidose e alcalose


Acidose e alcalose são termos que definem processos fisiopatológicos e identificam a origem da per-
turbação, ao passo que as designações acidemia e alcalemia se referem apenas ao valor do pH indepen-
dentemente dos mecanismos fisiopatológicos que lhes dão origem.

As alterações do Eq a-b ocorrem primariamente dentro da célula, mas se não forem corrigidas e a pertur-
bação persistir acabam por se repercutir no plasma provocando acidemia ou alcalemia.

Do ponto de vista fisiopatológico poderemos considerar que:

Acidose metabólica = diminuição do HCO3-


Alcalose metabólica = aumento do HCO3-
Acidose respiratória = aumento do CO2
Alcalose respiratória = diminuição do CO2

Assim sendo, compreende-se que pode existir acidose com pH normal e alcalose com pH normal, por isso
é necessário distinguir acidemia de acidose e alcalemia de alcalose. Com base nesta definição também se
compreende que podem existir ao mesmo tempo mais do que uma perturbação fisiopatológica a alterar o
pH em sentidos opostos, ex: acidose respiratória (retenção de CO2) + alcalose metabólica (retenção de
HCO3-). Olhar só para o pH não chega para definir o estado do Eq. a-b.
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Pode haver acidose sem acidemia (desde que esteja compensada), mas não pode haver acidemia sem aci-
dose.

A actividade metabólica normal liberta grande quantidade de hidrogeniões intracelulares. Se nada fosse
feito, a acumulação desses H+ provocaria graves alterações de pH a curto prazo. Como os enzimas, essen-
ciais à vida, só funcionam se o pH estiver numa estreita margem, sempre que o pH se desvia grandemen-
te da margem fisiológica há risco de vida.

Felizmente, há moléculas capazes de aceitar e ceder H+ para equilibrar o pH, que se designam
por tampões.

Os tampões, em presença de bases fortes, são igualmente capazes de ceder H+, para equilibrar o pH. Cerca
de 3/4 da capacidade de tamponamento intracelular é assegurada pelas proteínas e pelos fosfatos (existen-
tes em grande concentração dentro das células). A hemoglobina é um dos principais protagonistas deste
processo de tamponamento porque tem grande apetência e facilidade para receber e dar H+. O restante 1/4
da capacidade tampão do organismo é assegurado por proteínas séricas e pelo sistema bicarbonato - ácido
carbónico. Enquanto as proteínas plasmáticas se encarregam de levar o H+ ao rim para ser eliminado, o
sistema bicarbonato - ácido carbónico mantém o equilíbrio gerindo a associação e a dissociação do H2CO3
em H2O + CO2 numa relação representada pela fórmula:

H+ + HCO3- H2CO3 H2O + CO2

A capacidade de tamponamento das proteínas é limitada, o que não acontece com o sistema do bicarbo-
nato porque neste caso a reacção não acaba no bicarbonato, prossegue até H2O + CO2. E assim a H2O,
sendo o principal componente do organismo, dissolve-se no plasma enquanto o CO2 é eliminado com a
respiração. Esta reacção tende para a direita ou para a esquerda, conforme a pressão do ambiente metabó-
lico. Quando as reacções para a direita tendem a igualar as reacções para a esquerda atinge-se um estado
de equilíbrio que contribui para regular o pH.

Importante: o sistema do bicarbonato/ ácido carbónico nunca se satura porque há sempre a pos-
sibilidade de o desdobrar em CO2 e H2O que são continuamente eliminados ou incorporados no plasma.

O nível de bicarbonato é influenciado quer pelo funcionamento do aparelho respiratório quer pelos rins
(que têm a função de eliminar hidrogeniões e regenerar HCO3-).
A medição do bicarbonato sérico, por si só, não nos diz quantos hidrogeniões foram absorvidos pelos res-
tantes tampões, nomeadamente as proteínas. Para o sabermos temos de calcular a quantidade de ácidos
fortes ou de bases fortes que seria necessário adicionar à solução para que o pH fosse de 7,4. Ora, esse
valor necessário para corrigir o pH para 7,4 designa-se por “base excess (BE)” e o seu interes-
se reside no facto de permitir demonstrar o tipo de desvio metabólico existente.

BE < – 2mmol/L = acidose metabólica


BE > + 2mmol/L = alcalose metabólica

BE < – 2mmol/L = défice de bases


BE > + 2mmol/L = excesso de bases
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IV. Produção e eliminação de ácidos


Cada um de nós produz, como subproduto dos mecanismos de produção de energia, cerca de 1
mEq/Kg/dia de H+. A este valor soma-se a produção contínua de CO2. Se estas substâncias não fossem
eliminadas ou neutralizadas a vida seria impossível. Para compensar de imediato a produção desses “tóxi-
cos”, o organismo socorre-se de tampões. Mas os tampões têm uma capacidade limitada e por isso o
organismo tem de se libertar dos excedentes. Essa função é desempenhada pelo pulmão que elimina o CO2
e pelo rim que elimina os H+. O objectivo é atingir cerce de 40 nmol/L (40 x 10-9 mol/L) que é a concen-
tração normal de H+.

A eliminação de CO2
5% do CO2 circula no plasma ligado às proteínas e uma quantidade idêntica dissolve-se no plasma e líqui-
do intracelular, mas 90% do CO2 liga-se à água e forma HCO3- e H+. Nesta perspectiva o CO2 comporta-se
como um ácido porque promove a libertação de H+. Quanto mais CO2 existir mais H+ se liberta. O TCO2
(CO2 total) = CO2 dissolvido no plasma + [HCO3-].

Um indivíduo normal excreta diariamente pelos pulmões o equivalente à produção de cerca de 13 000 000 000
nmol de H+ e, por isso, se hipoventilar esses H+ podem ficar retidos, provocando acidose respiratória.

Quando a capacidade dos sistemas tampão se esgota acumulam-se H+ que podem atingir valores tais que
o pH se desvia para baixo dos 7,35, o que se designa acidemia.

A eliminação de H+
Os cerca de 1 000 000 nmol de H+/kg produzidos por dia são neutralizados pelos tampões de tal forma
que não devem existir mais de 40 nmol/L de H+ livres, no organismo. A maioria de H+ é tamponada pelo
HCO3- e eliminada no rim, onde se regenera o HCO3-, que é então reposto em circulação.

O rim é o principal regenerador de HCO3-, por acção da anídrase carbónica que cataliza a formação de
HCO3-, a partir do CO2 e H2O. O rim dispõe ainda de outros dois mecanismos que são a produção de NH4+
e os fosfatos que funcionam como aceitadores de H+, eliminados na urina como ácidos tituláveis.

A ligação entre o sistema respiratório e metabólico faz-se pela produção de H2CO3. A velocidade dos dois
ramos da reacção é rápida quando reage no sentido da associação do HCO3- + H+ e muito mais lenta quan-
do ocorre a dissociação em H2O e CO2. Essa reacção é acelerada pela anídrase carbónica (localizada pre-
ferencialmente no eritrócito e rim). É esta ligação que permite que o sistema respiratório (eliminando CO2)
compense o metabólico e vice-versa (eliminando H+).

V. Interpretação dos desequilíbrios a-b


A interpretação das alterações do aquilíbrio ácido-base e hidroelectrolitico deve fazer-se com uma sequên-
cia universal de avaliação:

1º avaliação dos dados clínicos e antecipação dos desvios esperados;


2º identificação e tratamento de situações de perigo iminente;
3º análise sistemática dos dados da gasometria e ionograma.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
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Esta 3º análise pode ser sistematizada, por sua vez, em 3 avaliações:


1. Como está a oxigenação
2. Como está o equilíbrio ácido-base
3. Como estão os iões
Como veremos, cada uma destas avaliações passa pela resposta a 3 perguntas. A esta série de 3, decidi-
mos chamar “A Regra dos 3” (Cap. 2).

SEQUÊNCIA UNIVERSAL DE AVALIAÇÃO

I - Avaliação CLÍNICA
Informação clínica relevante
Avaliação da volémia e hidratação
Antecipação dos desvios esperados


II – Identificação de situações de
PERIGO IMINENTE
Choque
PaO2 < 50 mmHg
Acidemia grave (pH < 7,1)
Potássio < 2,5 ou > 7 mmol/L
Na+ < 115 ou > 160 mmol/L,
sintomático
Ca++ionizado >1,5 mmol/L


III – Análise da GASOMETRIA arterial e do IONOGRAMA

  
1. Oxigenação 2. Ácido-Base 3. Iões

1. CO2 1. Desvio primário 1. Sódio

2. Gradiente A-a 2. Compensações 2. Potássio

3. Resposta ao 3. Gap Aniónico 3. Cálcio ionizado


 da FIO2

Figura 1.2 - Sequência universal de avaliação ácido-base e hidroelectrolítica.

1º passo
Avaliação dos dados clínicos e antecipação dos desvios esperados

Na avaliação dos dados clínicos é fundamental a informação acerca da situação clínica actual, as comor-
bilidades e os antecedentes relevantes, nomeadamente medicamentosos.
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O reconhecimento de manifestações clínicas próprias dos distúrbios ácido-base é importante:

Acidose Respiratória
A hipercapnia provoca vasodilatação generalizada com aumento do débito cardíaco e por isso o doente tem
frequentemente:
pele quente,
taquicardia,
disritmias de predomínio supraventricular,
pulso amplo,
sudação profusa.

Se o quadro persiste o rim disfunciona com retenção de água e sódio. Nos casos mais graves pode mesmo
ocorrer falência cardíaca e hipotensão.

Encefalopatia hipercápnica ocorre quando o organismo não tem tempo para compensar a retenção de CO2
e caracteriza-se por:
cefaleias,
irritabilidade que pode chegar à agressividade,
confusão, incoerência de pensamento que pode chegar ao delírio, alucinações e sintomas psicóticos,
ocasionalmente edema da papila, convulsões, mioclonias e trémulo/asterixis/flapping.

Acidose metabólica
Tem como consequência imediata a hiperventilação, que pode aumentar o volume/minuto do ar ventilado
4 a 8 vezes na tentativa de eliminar a retenção de H+, a que se associam um conjunto de manifestações
de estado hiperadrenérgico, designadamente:
pele fria e suada,
estase capilar por vasodilatação arterial associada a venoconstrição,
taquicardia e arritmias (especialmente se o pH for < 7.0),
sobrecarga cardíaca direita, por vasoconstrição da circulação pulmonar e
alterações do nível de consciência.

O aumento do [H+] leva frequentemente a um estado de hipercalémia com:


hiperexitabilidade muscular
risco de disritmias
risco de PCR.

Lacticidemia / Acidose láctica


O ácido láctico é um produto do metabolismo anaeróbio da glicose, o que quer dizer que sempre que a
oxigenação tecidular está prejudicada criam-se condições para que a gicólise decorra em anaerobiose com
a consequente produção aumentada de ácido láctico.

Na prática clínica corrente as duas causas mais frequentes de aumento do L-lactacto são:
hipóxia (hipoperfusão celular = choque)
exercício físico extremo (convulsões)
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Em condições normais o ácido láctico é imediatamente tamponado pelo HCO3-, produzindo lactato que é
de seguida dissociado, no fígado, em CO2, glicose e H2O. Assim se compreende que a produção excessi-
va de ácido láctico (situações de anaerobiose celular) ou a sua metabolização insuficiente (falência hepa-
to-celular) podem ambas produzir uma acidose láctica, que por convenção se designa de tipo A no 1º caso
e de tipo B no 2º caso.

Alcalose respiratória
Pode provocar um espectro largo de manifestações neurológicas (em geral de carácter excitatório) em que
se incluem:
parestesias,
confusão,
tonturas,
sensação de aperto torácico,
raramente convulsões e
tetania.

Se o doente está acordado a alcalose respiratória raramente se complica com consequências cardio-cir-
culatórias porque o doente reage e cessa a hiperventilação, contudo, quando é provocada pela hiperventi-
lação mecânica num doente sedado ou com patologia neurológica, provoca com frequência:
disritmias,
aumento das resistências vasculares com redução do débito cardíaco e até
hipoperfusão periférica.

Alcalose metabólica
Tem manifestações inespecíficas e múltiplas:
hipovolémia,
hipoventilação,
redução da contractilidade muscular,
disritmias,
alterações da consciência e fraqueza muscular;
pelo que o diagnóstico assenta essencialmente nos dados laboratoriais. A hipovolémia é na maior parte
das vezes consequência da patologia que provocou a alcalose, mas a alcalose é causa suficiente de vaso-
dilatação. As alterações do ritmo cardíaco e da contractilidade muscular estão muitas vezes associadas às
alterações do K+ e do Ca++, frequentemente secundárias às patologias causais.

No exame inicial dos doentes chamamos a atenção para a importância de realizar uma correcta avaliação
da volemia e perfusão de orgãos:

A avaliação do estado de volémia é fundamental para a caracterização e classificação dos desequilíbrios


ácido-base. As doenças que estão na sua origem cursam frequentemente com alterações da homeostase
da água e dos iões (ex. cetoacidose diabética), da volémia efectiva (ex. sepsis, insuficiência renal) e da
osmolaridade plasmática. Por outro lado, o funcionamento do rim é absolutamente dependente da sua per-
fusão e aquele é essencial para as compensações desencadeadas pelo desvio primário.
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A classificação do doente deve sempre identificar:

Sinais de desidratação/hiperhidratação – são sinais que refletem sobretudo o estado de hidratação


do espaço intracelular e, portanto, muito dependentes da osmolaridade plasmática – e que devem ser
pesquisados pelas manifestações neuropsiquicas e cutâneo-mucosas.

Sinais de hipovolémia/euvolémia/hipervolémia efectiva – são sinais que refletem sobretudo o esta-


do circulatório e a perfusão de orgãos – e que devem ser pesquisados pelas manifestações hemodinâ-
micas, o estado de perfusão periférica e central e a utilização de oxigénio pelos tecidos.

Esta inclui:
sinais de deplecção volume
sinais de sobrecarga
sinais de má perfusão

A avaliação da volemia é prioritária, porque o organismo tenta corrigir em primeiro lugar a volemia e asse-
gurar a perfusão de órgãos, condicionando a correcção de outros desequilíbrios. Por outro lado se não for
rapidamente corrigida levará rapidamente a má perfusão de órgãos, choque e morte.

Principais causas de depleção de volume


Gastrointestinais:
Gástricas – vómitos, aspiração naso gástrica
Intestinal, pancreática, biliar, diarreia, fistulas, ostostomias, drenagem
Hemorragia
Renais:
Sódio e água – diuréticos, diurese osmótica, insuficiência suprarrenal, nefropatias perdedoras de sódio
Água – diabetes insipida
Pele e respiratórias:
Perdas insensíveis
Suor
Queimaduras
Outras – lesões cutâneas, reformação de derrame pleural ou ascite
Terceiro espaço:
Oclusão intestinal ou peritonite
Traumatismos com fracturas
Pancreatite aguda
Hemorragia
Obstrução veia central

Há 3 ”janelas“ para avaliar a volemia:


O compartimento arterial
O compartimento venoso
A circulação pulmonar
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Assim são sinais e sintomas de má perfusão arterial:


Taquicardia e hipotensão - primeiro ortostática e depois mesmo em decúbito
Má perfusão cerebral – com alterações mentais – agitação, confusão mental, obnubilação, coma
Má perfusão renal – com oliguria
Má perfusão periférica – extremidades frias, cianose e aumento do tempo de preenchimento capilar (> 3s)
Má perfusão coronária ou mesentérica - dor torácica (angina) ou abdominal

No compartimento venoso é sinal de depleção de volume a diminuição da turgescência jugular e são sinais
de sobrecarga a presença de refluxo hepatojugular, a turgescência venosa jugular, congestão hepática, ede-
mas periféricos, derrame pleural e ascite.

Na circulação pulmonar são sinais de sobrecarga - presença de crepitações na auscultação pulmonar e pre-
sença de S3 na auscultação cardíaca.

A ressuscitação deve começar imediatamente em doentes hipotensos, sendo os objectivos a atingir seme-
lhantes aos propostos nas recomendações da Surviving Sepsis Campaign:
Pressão venosa central – 8 – 12 mmHg
Pressão arterial média >= 65 mmHg
Débito urinário > 0.5 ml / kg / hora
SatO2 venosa central >= 70 %

Alterações laboratoriais que sugerem depleção de volume:


Sódio urinário inferior a 25 mmol / L. No caso do sódio estar a ser excretado com outro anião
(por exemplo bicarbonato na alcalose metabólica) ou quando há utilização actual de diuréticos é
o cloro baixo na urina que indica depleção de volume.
Excreção fraccional de sódio inferior a 1.
Aumento de osmolaridade de urina.
Ureia plasmática desproporcionadamente elevada em relação a creatinina.
Acidose láctica (é sinal de mau prognostico proporcional ao aumento).

Antecipação dos desvios esperados:

Esta sistematização é importante porque há doenças que provocam alterações previsíveis do Eq a-b. Ao
analisar as alterações encontradas há que confrontá-las com o que era esperado. Se a confrontação é coin-
cidente a perturbação metabólica é simples, mas se é diferente do esperado a alteração é complexa ou
mista e nesse caso há que pesquisar outras causas para a explicar.
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Exemplos a considerar:

Situação Alteração previsível


Sépsis Alcalose respiratória enquanto reagir à hipóxia com hiperventilação
Acidose metabólica se compromete a eficácia hemodinâmica
Vómitos Alcalose respiratória enquanto reagir à hipóxia com hiperventilação
Acidose metabólica se a perda é essencialmente de bicarbonato intestinal
(obstrução distal à 2ª porção do duodeno)
Diuréticos Alcalose metabólica por perda renal de H+ e K+
Taquipneia/ polipneia Alcalose respiratória
Coma diabético Acidose metabólica
Paragem cardio-respiratória Associação de acidose respiratória e acidose metabólica
Intoxicação medicamentosa Depende do tóxico mas na maioria dos casos provoca acidose metabólica
acidose respiratória se o tóxico provocar depressão respiratória
alcalose respiratória por hiperventilação se a intoxicação for por salicilatos
Ingestão crónica de alcalinos Alcalose metabólica
“Overdose” de opiáceos Acidose respiratória aguda
Hemorragia grave Acidose metabólica se compromete a eficácia hemodinâmica
Alcalose respiratória enquanto reagir à hipóxia com hiperventilação
Bronquite crónica Acidose respiratória crónica

Para cada uma destas alterações o organismo desencadeia uma resposta compensadora que tem sempre
o mesmo sentido da alteração inicial:

Alteração Eq a-b pH Alteração primária Resposta compensadora


Acidose respiratória   da PaCO2  HCO3-
 Base excess
Alcalose respiratória   da PaCO2  HCO3-
 Base excess
Acidose metabólica   HCO3-  da PaCO2
 Base excess
Alcalose metabólica   HCO3-  da PaCO2
 Base excess

2º passo
Identificação e tratamento de situações de perigo iminente;

Em todas as situações emergentes a prioridade é preservar a vida e de seguida iniciar rapidamente a inter-
venção destinada a identificar a causa do distúrbio para a poder corrigir.

O médico que observa um doente de acordo com este 1º passo (Avaliação dos dados clínicos e anteci-
pação dos desvios esperados) e que identifica um doente em risco deve, sempre que possível, realizar de
imediato uma gasometria arterial.

Antes de iniciar uma analise sistemática dos dados da gasometria e do ionograma, deve fazer uma leitura
rápida da mesma para, em conjugação com os dados encontrados no 1º passo, identificar situações de
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
21

perigo iminente para a vida do doente:

Choque
Acidemia grave (pH < 7,1)
Hipoxemia grave (PaO2<50 mmHg)
Hipocalémia (K+<2,5 mEq/L) ou hipercalémia (K+>7 mEq/L) graves
Hiponatrémia (Na+<115 mmol/L) ou hipernatrémia (Na+>160 mmol/L) sintomáticas
Hipercalcémia (Ca++ion>1,5 mmol/L) grave

Nestas situações há risco iminente para a vida, o que exige intervenção imediata. O médico deve iniciar
as correcções de acordo com as regras que serão apresentadas ao longo deste manual mesmo sem ter
identificado a causa.

Como forma rápida de referência apresentamos um quadro com as recomendações de correcção imediata:

Situação de
PERIGO IMINENTE Correcção imediata
Choque Administração de 300-500 ml de coloide ou 500-1000 ml de cristaloide em
30 minutos (fluid challenge), seguidos de mais volume ou associação de
aminas vasopressoras;
Monitorização de sinais vitais, consciência, diurese, sinais de congestão
pulmonar e perfusão periférica.
Acidemia Administrar 1 mEq/Kg de bicarbonato de sódio e repetir a gasometria;
(pH < 7,1) Não dar bicarbonato se houver hipocalémia!
O tratamento com bicarbonato não está indicado na maior parte das acidoses
metabólicas com Gap aniónico elevado mas pode ser administrado se a
PaCO2 < 20mmHg.
Hipoxemia Administrar oxigénio:
(PaO2<50 mmHg) Sem hipercapnia (IR tipo I), iniciar com FIO2 elevada (>50%)
e reduzir progressivamente para obter Sat.O2 > 93%;
Com hipercapnia (IR tipo II) iniciar com FIO2 baixa (< 28%)
e aumentar progressivamente para obter Sat.O2> 90%.
Hipocalémia Administrar potássio:
(K+<2,5 mEq/L) Por veia periférica, não ultrapassar concentrações superiores a 40 mEq/L
(excepcionalmente 60 mEq/L);
Não dar soros com glicose, porque podem baixar mais o potássio;
O ritmo de perfusão não deve ultrapassar os 10 mEq/h, podendo chegar a
20 mEq/h em casos de arritmia com risco vital;
Por cateter central podemos administrar perfusões de KCl não diluído
(soluções com 1 mEq/ml), respeitando a regra do ritmo;
Se a correcção da acidose exigir administração de bicarbonato, corrigir
sempre primeiro o potássio;
Se coexistir hipomagnesémia administrar sulfato de magnésio a 20%
(2g=10ml em 100 ml de SG5%).
Hipercalémia 1º. Bloquear os efeitos do K+ na membrana celular: Administrar gluconato
(K+>7 mEq/L) de cálcio, 1 ampola com 10 mg (=10 ml), em infusão de 2-3 min.
2.º Promover da entrada de K+ nas células: Perfundir 500 ml de soro
glicosado a 5% (se o doente tem hiperglicemia deverá ser em SF) com 10U
de Insulina regular, durante 1-2 h;
Nebulização com 5 mg (=1ml) de salbutamol durante 30 min ou administrar
bicarbonato (em caso de acidose).
3.º Remover do K+ do organismo:
Iniciar resina permutadora de iões (até 6/6h) por via oral: 25-50g em 100 ml
de lactulose ou, por enema: 50 g em 150 ml de água tépida.
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
22

Situação de
PERIGO IMINENTE Correcção imediata (Cont.)
Hiponatrémia Correcção activa com soros até melhoria dos sintomas:
(Na+<115 mmol/L) Ritmo de correcção de 1,5 a 2 mEq/h nas primeiras 3-4 horas ou
até melhoria dos sintomas;
Até melhoria dos sintomas, usar soro hipertónico em pequeno volume;
Escolher o tipo de soro a utilizar (SF com NaCl hipertónico)
Calcular o volume de soro necessário com a fórmula:
Volume de soro (L) = Δ desejada Na+ x (Água corporal + 1)
Na+ doente - Na+ soro
Água corporal total = 0,6 X Peso, nos homens e 0,5 X Peso, nas mulheres
Soro fisiológico = NaCl a 0,9% = 154 mEq/L de Na+.
Uma amp. de NaCl hipertónico a 20% = 20 ml X 3,4 mEq/ml =68 mEq de Na+.
Hipernatrémia Ritmo de correcção proporcional ao ritmo de instalação:
(Na+>160 mmol/L) ritmo rápido: reduzir a natrémia 1 mEq/L/h
ritmo lento: reduzir a natrémia 0,5 mEq/L/h
Via de eleição: oral
Hipernatrémia hipovolémica: neste caso, deve corrigir-se primeiro a
hipovolémia com soro fisiológico ou heminormal e só depois a hipernatrémia
com água livre ou soros hipotónicos.
Hipernatrémia euvolémica: Corrigir desde o início com solutos hipotónicos
ou água livre.
Hipernatrémia hipervolémica: Administrar água ou soro glicosado a 5%
associados a furosemida – 0,5 a 1 mg/Kg de peso.
Calcular o volume necessário de soro para baixar o valor do sódio pretendido
e administrar no intervalo de tempo adequado, com a fórmula:
Volume de soro (L) = Δ desejada Na+ x (Água corporal + 1)
Na+ soro - Na+ doente
Soro heminormal (NaCl a 0,45%) = 77 mEq/L de Na+
Soro glicosado a 5% = 0 mEq/L de solutos
Repetir ionograma ao fim de 3-4 horas.
Hipercalcémia Administrar pela ordem seguinte:
(Ca++ion>1,5 mmol/L) Soro fisiológico para correcção da hipovolemia (frequentemente >3 L/24 horas);
Manter fluidoterapia ev com soluções hipotónicas após ser atingida a euvolémia
(monitorizar sinais de hipervolémia e diurese – objectivo: 100-150 mL/h);
se hipervolémia adicionar furosemida;
Ácido zoledrônico 5 mg em 100 cc de SF EV em perfusão de 15’ ou
pamidronato 60-90 mg em 100 cc de SF EV em perfusão de 2-4 h, dose única;
Calcitonina de salmão 4-8UI/Kg IM ou SC cada 6-12 h;
Prednisolona 20-60 mg/dia.
Reavaliar o cálcio ionizado em 6-12 horas.

3º passo
Análise sistemática dos dados da gasometria e ionograma;

O terceiro ponto da sequência universal é a analise sistemática dos dados da gasometria do sangue arte-
rial com iões (sódio, potássio, cloro e cálcio). Essa analise tem como objectivo conhecer:
1. Como está a oxigenação
2. Como está o equilíbrio ácido-base
3. Como estão os iões

A avaliação sistemática dos dados da gasometria arterial será abordada, na sua generalidade no capítulo 2
(A Regra dos 3) e detalhada nos capítulos seguintes do manual.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
23

Bibliografia recomendada
Moe OW, Alperin RJ. Common acid-base disorders. In: Wachter RM, goldman L, Hollander H, Eds. Hospital Medicine.
Philadelphia: Lippincott Williams&Wilkins, 2001:871-879.
Burton DR. Ed. Clinical physiology of acid-base and electrolyte disorders, 4th ed, McGraw-Hill International, 2000.
Androgue HJ, Madias NE. Medical progress: management of lifethreatning acid-base disorders, parts I and II. N Engl J
Med 1998; 338:26-34, 107-111.
Seifter JL. Acid-base disorders. In: Goldman J, Ausiello D. Eds. Cecil Textbook of Medicine, 22nd Ed. Philadelphia: WB
Saunders, 2004: 688-698.
Sambandam K, Vijayan A. Fluid and electrolyte management. In: Coopr DH, Krainik AJ, Lubner SJ, Reno HEL, Micek ST.
Eds. The Washington Manual of Medical Therapeutics. 32nd Ed. St. Luis, Missouri. 2007: 54-101.
Kellum JA. Disorders of acid-base balance. Crit Care Med 2007; 35 (11):2630-2636.
Theodore W Post and Burton D Rose (Authors). UpToDate. At: http://www.Uptodate.com/. Acedido em Setembro 2008.

Fim do capítulo.
Capítulo 2
Avaliação sistemática
da gasometria
A “Regra dos 3”
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
27

Objectivos
Identificar os mecanismos de hipoxemia e avaliar a resposta ao tratamento
Identificar os desvios do equílibrio ácido-base e correlacionar os achados com a clínica
Reconhecer situações de perigo associados a alterações iónicas na GSA e conhecer as regras para a sua
correcção

Introdução
A gasometria do sangue arterial (GSA) é um exame de fácil execução e está disponível na maioria dos
locais onde se tratam doentes críticos. Este é, provavelmente, o melhor exame para estratificar o risco do
doente grave.
A analise sistemática dos dados da GSA e do ionograma (habitualmente disponível na GSA) constitui o 3º
passo a Sequência Universal que propomos (Cap. 1). É a ele que nos dedicamos agora.

A GSA permite realizar 3 analises imediatas: Avaliação da oxigenação/ventilação, avaliação do equilíbrio


ácido-base e presença de situações de perigo associadas a distúrbios iónicos.
Neste capítulo propomos regras simples para estas 3 avaliações, a sua correlação clínica e indicações para
a correcção imediata.
A “Regra dos 3” é uma simplificação assumida para facilitar a memorização. Vamos ver que, de facto,
podemos avaliar a oxigenação/ventilação, o equilíbrio ácido-base e as alterações iónicas que põem a vida
em risco com 3 perguntas em cada uma delas.

III – Análise da GASOMETRIA arterial e do IONOGRAMA

  
1. Oxigenação 2. Ácido-Base 3. Iões

1. CO2 1. Desvio primário 1. Sódio

2. Gradiente A-a 2. Compensações 2. Potássio

3. Resposta ao 3. Gap Aniónico 3. Cálcio ionizado


 da FIO2

Figura 2.1 – A “Regra dos 3”

1ª AVALIAÇÃO:
Oxigenação / ventilação

Conceitos chave
Respiração é um mecanismo celular de utilização de O2. Falamos de hipóxia quando as células são
impedidas de utilizar correctamente o oxigénio, o que pode acontecer mesmo na presença de uma pres-
são arterial de O2 normal.
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
28

Embora classicamente seja definida como insuficiência respiratória uma PaO2 < 60 mmHg, esta defi-
nição assume que o doente está a respirar uma FIO2 = 0,21 (21%). Em doentes a quem está a ser admi-
nistrado oxigénio suplementar, podemos dizer que existe insuficiência respiratória (IR) quando a relação
PaO2/FiO2 ≤ 300, sendo tanto mais grave quanto menor for esta relação.

IR Tipo I – apenas hipoxemia;


IR Tipo II – hipoxemia e hipercapnia.

O gradiente álveolo-arterial (G(A-a)) é uma medida fundamental da capacidade de transferência do oxi-


génio do ar alveolar para o sangue.

G(A-a) = PAO2 – PaO2


PAO2 = FiO2 x (PB – PH20) – PaCO2/R
Se:
FiO2 – 0,21, ar ambiente
PB – 760mmHg, nível do mar
PH20 – 47mmHg, 37ºC
PaCO2 – medida da ventilação
R – quociente respiratório (0,8)
Então:
PA02 = 150 – 1,25xPaCO2

Embora o valor possa ser calculado desta forma, a maioria das gasometrias já apresentam o resultado.
Valores normais são ≤ 15mmHg, aumentando cerca de 5mmHg por cada década acima dos 30 anos.
Se a FIO2 for diferente de 0,21 devem ser utilizados os seguintes valores de referência:

FiO2 de 0,21 – G(A-a) de 10mmHg


FiO2 de 0,5 – G(A-a) de 50,5mmHg
FiO2 de 1 – G(A-a) de 122mmHg

O G(A-a) traduz compromisso das trocas gasosas quando está aumentado. É particularmente útil quando
está aumentado na presença e valores normais de PaO2 (à custa de hiperventilação).

Causas de Hipercapnia:
1. Aumento da produção – normalmente compensado pelo aumento da ventilação/minuto
2. Hipoventilação
3. Desequilíbrio grave da relação ventilação/ perfusão

Causas e características de diferentes tipos de hipóxia:

Causa Exemplos Características


Diminuição da Fracção Altitude, gases tóxicos PaO2, G(A-a) N,
inspirada (Fi) de O2 boa resposta ao FiO2
Hipoventilação Falência dos mecanismos ventilatórios PaO2, G(A-a) N,
(SNC, SNP, muscular, parede torácica, intratorácico) má resposta ao FiO2
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
29

Causa Exemplos Características (Cont.)


Compromisso das Todas PaO2, G(A-a)
trocasgasosas 1. Desequilíbrio da relação de ventilação/ perfusão Boa resposta ao  da FiO2
alvéolo-capilares – mecanismo mais comum (Pneumonia, DPOC,
doença intersticial ou vascular pulmonar)
2. Shunt – desvio do sangue dessaturado Má resposta ao  da FiO2
da local de trocas gasosas (Pneumonia com
hepatização, atelectasia, malformações A-V,
shunt extra-pulmonar)
3. Diminuição da difusão alvéolo-capilar Boa resposta ao  FiO2
Compromisso do Anemia, baixo débito cardíaco PaO2 normal
transporte de O2
no sangue
Compromisso da Vasoconstrição,obstrução vascular, PaO2 normal
libertação de O2 alcalose, hipotermia;
para os tecidos

Algoritmo de avaliação da hipoxemia:

Para caracterizar o mecanismo subjacente à hipoxemia devemos responder a três questões:

1. A PaCO2 está aumentada?


Esta pergunta permite identificar a hipoventilação como um dos mecanismos de hipoxia.
2. O G(A-a) está aumentado?
Esta pergunta permite identificar um compromisso das trocas gasosas alvéolo-capilares, que pode
corresponder a um dos 3 mecanismos identificados no quadro acima.
3. Há boa resposta à oxigenoterapia?
Dizemos que há má resposta à oxigenoterapia quando a relação PaO2/FiO2 piora com o aumento da
FiO2 (mesmo que a PaO2 melhore aparentemente), traduzindo presença de shunt.

A conjugação destas 3 perguntas é a base do algoritmo seguinte:

 PaCO2 aumentada? 
Hipoventilação Sim Não

 
G(A-a) aumentado? G(A-a) aumentado?

   
Não Sim Sim Não

Hipoventilação isolada    FiO2


Boa resposta ao O2?

 
Sim Não

Shunt Desiquilíbrio V/Q


Figura 2.2 - Algoritmo para abordagem da hipoxemia.
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
30

Recomendações para o tratamento:

1. IR tipo I – Começar com máscara de alto débito e reduzir gradualmente até obter SatO2 93%; pon-
derar ventilação assistida quando PaO2/FiO2 ≤ 100mmHg.

2. IR tipo II – Começar com FiO2 de 24%, subir gradualmente até corrigir hipoxemia sem aumento
perigoso de PaCO2; ponderar ventilação assistida quando não é possível corrigir hipoxemia sem
agravar a hipercapnia.

3. Tratar sempre a causa.


Atenção: Os efeitos nocivos da hipercapnia são reversíveis e raramente colocam em risco a vida do
paciente; a hipóxia é uma situação de perigo de vida, sendo a sua correcção prioritária.

2ª AVALIAÇÃO:
Equilíbrio ácido-base

Esta análise deve ser sequencial e realizada sempre da mesma forma. Dado que será detalhada no próxi-
mo capitulo, apresentamos apenas agora a abordagem geral:

Análise da gasometria e ionograma:

1. Qual é o desvio primário?


2. As compensações são as esperadas?
3. Como está o Gap Aniónico?

1. Qual é o desvio primário (acidose ou alcalose, metabólicas ou respiratórias)?

A identificação do desvio primário deve seguir uma sequência de perguntas:

Como está o pH? - define acidemia ou alcalemia (qual a “ose” que “manda no pH?”);
Como está o HCO3-? - define presença de um mecanismo de acidose ou alcalose metabólica;
Como está a PaCO2? - define presença de um mecanismo de acidose ou alcalose respiratória

O desvio primário é aquele mecanismo que está na mesma direcção do pH.

Na identificação do distúrbio primário poderemos ter acidemia (pH < 7,35) ou não. Uma redução primá-
ria do bicarbonato para menos de 24 mEq/L significa sempre presença de um mecanismo de acidose
metabólica. Caso este desvio ocorra em presença de acidemia, dizemos que o distúrbio primário é uma
acidose metabólica. Em caso de não termos acidemia, podemos ter diminuição do bicarbonato como
mecanismo compensatório, e neste caso não teremos “acidose metabólica”.

Se os valores da PaCO2 e do bicarbonato não variam de forma a corrigir o pH isso significa que o distúr-
bio é misto ou a compensação é parcial. De facto, a compensação renal ou respiratória corrigem os des-
vios do pH, mas na maioria das vezes não o normalizam. A presença de um distúrbio grave do Eq a-b com
pH normal significa quase sempre a existência de distúrbio misto.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
31

2. As compensações são as esperadas?

As compensações esperadas a partir do desvio primário seguem as regras do quadro apresentado na pági-
na seguinte.
As compensações não são mecanismos fisiopatológicos e, portanto, não devemos chamar “acidose” ou
“alcalose” à compensação. No entanto, quando as compensações não são as esperadas estamos em pre-
sença de distúrbios mistos, ou seja, situações em que concorrem no mesmo doente diversos mecanismos
fisopatológicos de desequilíbrio ácido-base (diversas “oses”). Estes podem concorrer no mesmo sentido
(ex. acidose metabólica + acidose respiratória) ou em sentidos contrários (ex. acidose metabólica + alca-
lose respiratória).

Compensações esperadas:
Acidose respiratória aguda Por cada  de 10 mmHg da PaCO2 deve haver um  de 1 mEq/L de HCO3-
Acidose respiratória crónica Por cada  de 10 mmHg da PaCO2 deve haver um  de 3,5 mmol/L de HCO3-
Alcalose respiratória aguda Por cada  de 10 mmHg da PaCO2 deve haver um  de 2 mEq/L de HCO3-
Alcalose respiratória crónica Por cada  de 10 mmHg da PaCO2 deve haver uma  de 4 mEq/L de HCO3-
Acidose metabólica Por cada  de 10 mEq/L do HCO3- espera-se uma  de 12 mmHg da PaCO2
Alcalose metabólica Por cada  de 10 mEq/L do HCO3- espera-se um  de 7 mmHg da PaCO2
In Clinical physiology of acid-base and electrolyte disorders, 4th ed, by Burton David Rose. Ed. McGraw-Hill International
editors, 2000.

3. Como está o Gap Aniónico?

O gap aniónico é a diferença entre o catião Na+ e os aniões HCO3- e Cl-. Este valor, que deve estar entre 8
e 12, permite identificar um mecanismo de acidose metabólica que pode estar oculto.
O Gap aniónico deve ser calculado em todos os casos porque pode identificar uma acidose metabólica,
mesmo em situações de pH normal ou alcalémico.

Uma vez que os ácidos são dadores de H+, a parte restante da molecula tem carga negativa (anião) e, não
sendo medida, vai aumentar o Gap aniónico calculado. Um aumento do gap aniónico superior a 5 mEq/L em
relação ao que seria de esperar traduz sempre presença de acidose metabólica com ácidos em circulação.

O gap aniónico permite classificar as acidoses em acidoses com gap aniónico normal ou acidoses com
gap aniónico elevado (ver abaixo).

Gap aniónico = [Na+-(Cl-+HCO3-)] = 8-12 mEq/L (valor normal)

Sendo a albumina uma proteina aniónica não medida, se estiver diminuida o Gap aniónico também fica
diminuido. Assim, por cada diminuição de 1g/dL da albumina, o valor do GA diminui 2,5 mEq/L.

A comparação da variação do Gap aniónico com a variação do bicarbonato (ΔGap/ΔBicarbonato) é mais


um dado importante para a analise do Gap aniónico:

O aumento do Gap aniónico é superior à descida de HCO3-? Se a resposta for sim, há distúrbio
misto: acidose metabólica + alcalose metabólica.
O aumento do gap aniónico é inferior à descida de HCO3? Se a resposta for sim, há distúrbio misto:
acidose metabólica com Gap aniónico aumentado + acidose metabólica com Gap aniónico normal.
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
32

As acidoses metabólicas com gap aniónico correspondem a situações de presença anormal na


circulação de um ácido endogeno ou exógeno

As acidoses metabólicas com gap aniónico normal correspondem a situações em que há diminuição pri-
mária do bicarbonato, sem que ele tenha sido consumido. Estas situações resultam de perda de bicarbo-
nato ou incapacidade do rim formar amónia (NH4+) e gerar bicarbonato de novo.

As acidoses metabólicas com gap aniónico correspondem a perda efectiva ou não produção de
bicarbonato

3ª AVALIAÇÃO:
Há distúrbios iónicos?

A analise da gasometria permite identificar, com razoavel segurança, desvios significativos de 3 iões com
significado vital:

Potassio
Sódio
Calcio (ionizado).

O reconhecimento de situações de risco iminente para a vida exige intervenção imediata, conforme expli-
cado no Cap 1.
A avaliação sistemática e tratamento dos distúrbios iónicos será tratada em capitulos próprios deste
manual.

Em resumo:

A regra dos 3:
Três avaliações na GSA:
1. Oxigenação
2. Ácido-base
3. Iões
Com:
3 perguntas na hipoxemia:
1. CO2
2. Gradiente A-a
3. Resposta ao O2
3 perguntas no ácido-base:
1. Desvio primário
2. Compensações
3. Gap aniónico
3 avaliações iónicas:
1. Sódio
2. Potássio
3. Cálcio
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
33

Bibliografia recomendada
Theodore W Post and Burton D Rose (Authors). UpToDate. At: http://www.Uptodate.com/. Acedido em Setembro 2008.
Moe OW, Alperin RJ. Common acid-base disorders. In: Wachter RM, goldman L, Hollander H, Eds. Hospital Medicine.
Philadelphia: Lippincott Williams&Wilkins, 2001:871-879.
Seifter JL. Acid-base disorders. In: Goldman J, Ausiello D. Eds. Cecil Textbook of Medicine, 22nd Ed. Philadelphia: WB
Saunders, 2004: 688-698.
Sambandam K, Vijayan A. Fluid and electrolyte management. In: Coopr DH, Krainik AJ, Lubner SJ, Reno HEL, Micek ST.
Eds. The Washington Manual of Medical Therapeutics. 32nd Ed. St. Luis, Missouri. 2007 : 54-101.
DuBose TD, Jr. Acidosis and Alkalosis. In: Fauci AS, Kasper DL, Longo DL, Braunwald E, Hauser SL, Jameson JL,
Loscalzo J. Eds. Harrison’s Principles of Internal Medicine. 17th Ed. New York: McGraw-Hill, 2008: 287-296.

Fim do capítulo.
Capítulo 3
Acidose Metabólica
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
37

Objectivos
Compreender o que é uma acidose,
Sistematizar a metodologia de abordagem dos doentes com acidose,
Reconhecer o que é uma acidose metabólica com Gap aniónico aumentado – fisiopatologia e clínica,
Reconhecer o que é uma acidose metabólica com Gap aniónico normal - fisiopatologia e clínica e
Saber como tratar alguns dos quadros de acidose metabólica mais comuns no Serviço de Urgência
(cetoacidose diabética, cetoacidose alcoólica).

I- Conceitos e abordagem do doente


Há acidose metabólica quando a concentração de bicarbonato está diminuida em relação ao normal (ou ao
esperado, no caso de haver lugar a compensações).

Em condições normais a produção de H+ (ácido não volátil) resulta do metabolismo de aminoácidos. Por
dia são produzidos cerca de 1 mEq/kg/dia de H+, que consomem bicarbonato. Para manter o equilibrio
ácido base o rim excreta os hidrogeniões produzidos e reabsorve o bicarbonato filtrado. Em situacões pato-
lógicas, como no défice de oxigénio ou de insulina, por exemplo, a produção de ácido láctico e cetoáci-
dos aumenta, resultando em acidose.

O organismo regula a concentração de hidrogenião através de três mecanismos:

Sistemas tampão
Pulmão - compensação respiratória
Rim

Sempre que a [H+] aumenta, o primeiro sistema de defesa é formado pelos sistemas tampão, que:
no líquido extracelular são constituídos principalmente pelo sistema HCO3--H2CO3 e pela albumina e
dentro da célula pelas proteínas e fosfatos.

Os tampões funcionam como “esponjas”, absorvendo os hidrogeniões. No entanto estes sistemas esgo-
tar-se-iam rapidamente se não existisse o pulmão, que regula a PaCO2, e o rim que regula o bicarbonato.

HCO3- + H+  H2 CO3  CO2 + H2O

Por isso, quando aumenta a produção de H+ aumenta o CO2 que é excretado pelo pulmão. A PaCO2 é
influenciada pelo estado da ventilação, constituindo a compensação respiratória.

O bicarbonato é um dos tampões consumido no processo metabólico. O rim reabsorve o bicarbonato fil-
trado (cerca de 4000 mmol/dia) e produz bicarbonato de novo, através da excreção da acidez titulável e da
síntese e excreção de amónia (NH4+). Quando necessário o rim aumenta a produção de bicarbonato de
novo. A compensação renal é lenta demorando até 5 dias, enquanto que a respiratória demora apenas 12
a 24h a atingir o seu máximo.
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
38

Mecanismos de compensação:

Da equação de Henderson: pH = 6.1 + log ([HCO3]/0.03 PCO2)

depreende-se facilmente que se diminuir o bicarbonato (acidose metabólica), o pH diminui. Nesta situa-
ção o mecanismo de compensação é respiratório, com aumento da ventilação e consequente diminuição
da PaCO2, o que faz aumentar o pH para valores mais próximos do normal.

Se o distúrbio primário for respiratório, por exemplo aumentando a PaCO2 como acontece na acidose res-
piratória, o pH diminui. Neste caso, o rim compensa aumentando a produção de bicarbonato, através do
aumento de produção e excreção de NH4+.

Abordagem sistemática do doente com desequílibrio ácido-base


Perante o doente com desiquílibrio ácido base o médico deve seguir a SEQUÊNCIA UNIVERSAL DE
AVALIAÇÃO (vide Cap 1, Fig 1.2):

1.º Avaliação dos dados clínicos e antecipação dos desvios esperados;

2.º Identificação e tratamento de situações de perigo iminente;

3.º Análise sistemática dos dados da gasometria e ionograma;

1. Como está a oxigenação


2. Como está o equilíbrio ácido-base
3. Como estão os iões

Neste capítulo vamos concentrar a nossa atenção na análise sistemática dos dados da gasometria e do
ionograma, e mais especificamente no seu ponto 2 (equilibrio ácido-base).

A analise do equilibrio ácido base tem por base a resposta às seguintes perguntas:
como está o pH?
como está o HCO3-?
como está a PaCO2?
qual é o desvio primário?
as compensações são as esperadas?
o desvio é simples ou misto?
como está o Gap Aniónico?
qual a relação do aumento do Gap aniónico com a diminuição do bicarbonato
(ΔGap/ΔBicarbonato)?
Como está o potássio?

Já vimos anteriormente que estas perguntas se podem resumir a 3 questões fundamentais:


1. Desvio primário
2. Compensações
3. Gap aniónico
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
39

Por razões didáticas vamos analisar cada uma das perguntas:

Qual é o desvio primário?

Há acidémia ou alcalémia (pH)?


Há alterações do componente respiratório (PaCO2)?
Há anormalidade do componente metabólico (HCO3-)?

O médico deve perguntar-se “Quem manda no pH?” e olhar para os desvios do CO2 e do bicarbonato.
Aquele que estiver no sentido do desvio do pH é o desvio primário.

As compensações são as esperadas?

Os valores da PaCO2 e do bicarbonato variam de forma a corrigir o pH? Se a resposta for não significa que
o distúrbio é misto ou a compensação é parcial. As compensações renal ou respiratória corrigem os des-
vios do pH, mas na maioria das vezes não o normalizam. A presença de um distúrbio grave do Eq a-b com
pH normal significa quase sempre a existência de distúrbio misto.

Compensações esperadas:
Acidose respiratória aguda Por cada  de 10 mmHg da PaCO2 deve haver um  de 1 mEq/L de HCO3-
Acidose respiratória crónica Por cada  de 10 mmHg da PaCO2 deve haver um  de 3,5 mmol/L de HCO3-
Alcalose respiratória aguda Por cada  de 10 mmHg da PaCO2 deve haver um  de 2 mEq/L de HCO3-
Alcalose respiratória crónica Por cada  de 10 mmHg da PaCO2 deve haver uma  de 4 mEq/L de HCO3-
Acidose metabólica Por cada  de 10 mEq/L do HCO3- espera-se uma  de 12 mmHg da PaCO2
(ou PaCO2 deve ser igual à parte decimal do pH)
Alcalose metabólica Por cada  de 10 mEq/L do HCO3- espera-se um  de 7 mmHg da PaCO2

Na acidose metabólica há diminuição primária do HCO3-. O mecanismo de compensação faz diminuir a


PaCO2. Considera-se que a compensação é adequada se: a PaCO2 diminuir 12 mmHg por cada 10 mEq/L
que o HCO3- baixar.

Ex: se HCO3- = 14, baixou 10 mEq/L. A acidose estará compensada se a PaCO2 baixar 12 mmHg, pelo que
deve ser 28 (a compensação começa na 1ª hora e completa-se em 12-24h).
Em alternativa, outra regra é que a PaCO2 deve ser igual à parte decimal do pH (por ex: pH= 7,30 – PaCO2
deve ser 30 mmHg).

Se a compensação não for a esperada, considerar a possibilidade de distúrbio misto.

O desvio é simples ou misto?

Na acidose metabólica
Se a PaCO2 não diminuir de forma apropriada é porque há também acidose respiratória e
Se a PaCO2 diminuir mais do que é de esperar é porque há também alcalose respiratória.

Incapacidade de compensar uma acidose metabólica é um sinal de insuficiência respiratória iminente a


necessitar de ventilação. Se acidose metabólica não compensada (PCo2 excede mais de 2 mmHg o valor
esperado) o risco de necessitar de entubação aumenta 4,2 vezes.
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
40

Nos distúrbios respiratórios


Se o HCO3- está inapropriadamente elevado, então há também alcalose metabólica e
Se o HCO3- está inapropriadamente baixo, então há também acidose metabólica.

Exemplo: Se um doente com insuficiência respiratória crónica compensada (portanto a PaCO2 está aumen-
tada e o bicarbonato aumentado de forma proporcional) desenvolver diarreia, perde bicarbonato nas fezes
e por isso a concentração plasmática de bicarbonato baixa, provocando acidose metabólica, apesar da con-
centração de bicarbonato no plasma ser “normal”.

Na acidose ou alcalose respiratória aguda, a variação do HCO3- é menor do que na crónica porque o rim
demora mais tempo a compensar os distúrbios respiratórios.

Exemplo: Doente com:


pH = 7,27
PaCO2 = 70 mmHg e
HCO3- = 30 mEq/L

O pH baixo e a PaCO2 elevada indicam acidose respiratória. O bicarbonato devia aumentar 3 mEq/L (aci-
dose aguda) ou 10,5 mEq/L (acidose crónica). Logo devia ser 27 ou 34,5 mEq/L, mas o valor medido é
de 31mEq/L, o que pode significar que existe:

Acidose respiratória aguda + alcalose metabólica: por exemplo, doente com pneumonia grave e
vómitos.
Acidose respiratória crónica + acidose metabólica: por exemplo, doente com Doença Pulmonar
Obstrutiva Crónica e diarreia.
Acidose respiratória aguda sobreposta a acidose crónica: por exemplo, doente com Doença
Pulmonar Obstrutiva Crónica que desenvolve pneumonia.

Como está o Gap Aniónico?

Há aumento do Gap aniónico? Em caso afirmativo existe acidose metabólica com Gap aniónico elevado e
portanto há que saber se:

Há hipóxia?
Há corpos cetónicos aumentados?
Há insuficiência renal?
Há aumento do Gap osmótico?

Gap aniónico:
Os iões mais importantes para a interpretação do Eq a-b são:
Aniões: Cl-, HCO3-, proteínas-, ácidos orgânicos-, PO4-, SO3-
Catiões: Na+, K+, Ca++, Mg++

[Na+] + [outros catiões] = = [Cl-] + [HCO3-] + [outros aniões]

Na prática clínica só se utilizam o sódio, cloro e bicarbonato para calcular o Gap aniónico, que reflecte as
cargas não medidas. Em condições normais estas cargas são essencialmente da albumina.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
41

Em situações patológicas (cetoacidose, acidose láctica, insuficiência renal, intoxicações) o aumento de


aniões aumenta o Gap aniónico, daí a sua utilidade no diagnóstico diferencial das causas de acidose.

Gap aniónico = [Na+-(Cl-+HCO3-)] = 8-12 mEq/L (valor normal)

Quando o aumento do valor do Gap aniónico é maior do que 5 mEq/L há sempre acidose metabólica.

Deve ser sempre calculado porque permite identificar uma acidose metabólica mesmo com pH normal ou
alcalémico.

Porque as cargas não medidas em condições normais correspondem maioritariamente às cargas negativas
da albumina, quando a albumina baixa a relação altera-se:

Por cada diminuição de 1g/dL da albumina abaixo do valor de 4 gr/dl, o valor do GA diminui 2,5 mEq/L.

Assim, se albumina diminuir de 4 para 2 g/dL, o valor do Gap aniónico previsto passa a ser 3-7 mEq/L e
não 8-12 mEq/L. Neste caso, se o Gap aniónico for 13 significa que há acidose metabólica com Gap anió-
nico elevado.

Qual é a relação entre o desvio do Gap Aniónico e o desvio do bicarbonato (Δ / Δ)?

Em situação de acidose metabólica com Gap Aniónico aumentado (presença de ácidos endógenos) o
aumento do Gap deve ser acompanhado de uma descida equivalente do bicarbonato.
A avaliação desta relação é importante para determinar se existem distúrbios mistos e em que sentido operam.

Se o aumento do Gap aniónico é superior (em pelo menos 5 mEq/L) à descida de HCO3- há distúrbio misto:
acidose metabólica + alcalose metabólica. Esta alcalose “oculta” é responsável pela não descida do
bicarbonato no valor que devia.

Se o aumento do gap aniónico é inferior (em pelo menos 5 mEq/L) à descida de HCO3- há outro tipo de
distúrbio misto: acidose metabólica com Gap aniónico aumentado + acidose metabólica com Gap anió-
nico normal. Estas duas acidoses são responsáveis pela descida exagerada do bicarbonato em relação ao
aumento do Gap.

Como está o K+?

Os valores do K+ são muito importantes porque, além das situações de perigo iminente de vida, o que exige
intervenção imediata, há desequilíbrios do potássio que quando associados a acidose podem dar pistas
para o diagnóstico:

a. Acidose metabólica associada a hipocalémia sugere


Acidose tubular distal,
Perda de potássio pelo tubo digestivo,
Cetoacidose.
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
42

b. Acidose metabólica associada a hipercalémia sugere


Insuficiência renal,
Défice ou resistência à aldosterona,
Cetoacidose.

II – Caracterização da acidose metabólica


Causas
O papel do rim no equilibrio ácido base inclui:
Reabsorção do bicarbonato filtrado
Regeneração de bicarbonato de novo

A acidose metabólica pode resultar de 3 mecanismos:

aumento na produção endógena de ácidos (cetoácidos, acido láctico) ou adição exógena de


ácidos (intoxicação),
perda de bicarbonatos (diarreia, drenagem pancreática, acidose tubular renal proximal, inibido-
res anidrase carbónica;,Uereteroiliostomia, intoxicação com tolueno) ou dos seus percursores (ex:
cetoácidos – pós tratamento de cetoacidose)
incapacidade do rim gerar HCO3- de novo (insuficiência renal, acidose tubular renal distal (tipo
1); hipoaldosteronismo (tipo 4).

Quando a causa é a adição de ácidos (endógena ou exógena) há aumento do Gap aniónico.


Quando a causa é a perda ou a incapacidade do rim formar HCO3- de novo o Gap aniónico não aumenta.

Portanto, existe acidose metabólica quando:


pH < 7.35 e HCO3- diminuído ou
aumento do Gap aniónico > 5 mEq/L.

Revisão sistemática das causas de acidose metabólica


I - Adição de ácidos
Endógenos
Acidose láctica
Cetoacidose
Exógenos:Ingestão de tóxicos
Metanol
Álcool
Etileno glicol
Acido piroglutamico (intoxicaçao por paracetamol)

II - Perdas de HCO3-
digestivas: diarreia; fístula intestinal
renais: acidose tubular renal, acetazolamida; pós tratamento de cetoacidose
Acidose dilucional: soro fisiológico
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
43

III - Incapacidade do rim para formar HCO3- de novo


Insuficiência Renal
Acidose tubular renal

Para o diagnóstico diferencial da causa da acidose é necessário recorrer a vários exames.

Exemplo: Um doente com cetoacidose diabética (acidose metabólica) e a vomitar, tem também alcalose
metabólica, devido aos vómitos, mesmo que pH seja acidémico. Para fazer o diagnóstico diferencial dos
desequilíbrios ácido-base e hidroelectrolíticos são necessárias mais informações; análises acessíveis na
maior parte dos hospitais com Serviço de Urgência, sem as quais não é possivel chegar ao diagnóstico
correcto.

Sangue
Gases sangue
Ionograma
Albumina
Glicose
Ureia
Creatinina
Osmolaridade

Urina (amostra ocasional)


Sedimento
Ionograma (incluindo cloro)
Osmolaridade
Ureia
Creatinina

No diagnóstico diferencial da acidose metabólica, o Gap aniónico desempenha um papel importante. A


acidose metabólica divide-se, para simplificar a abordagem em dois grandes grupos:

Acidose metabólica com Gap aniónico elevado e


Acidose metabólica com Gap aniónico normal

IIA - Acidoses metabólicas com Gap aniónico elevado


Situações mais frequentes

Acidose L- láctica
Cetoacidose (diabética, alcoólica)
Insuficiência Renal
Toxinas
Acidose D-láctica

Por isso, nas Acidoses Metabólica com Gap aniónico aumentado há que formular as seguintes questões,
cuja respostas nos indicam qual o ácido que contribui para a acidose metabólica:
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
44

Há hipóxia? Se a resposta for sim, o diagnóstico a considerar é a acidose láctica.


Há corpos cetónicos aumentados? Se a resposta for sim, o diagnóstico é cetoacidose.
Há insuficiência renal?
Há aumento do Gap osmótico? Se sim, suspeitar de intoxicação por etanol, metanol ou etileno-gli-
col. Se não, suspeitar de alterações na metabolização do acido láctico (doença hepática) ou acidose D-
láctica.

O aumento do Gap aniónico é superior à descida de HCO3-? Se a resposta for sim, há distúrbio
misto: acidose metabólica + alcalose metabólica.

O aumento do gap aniónico é inferior à descida de HCO3? Se a resposta for sim, há distúrbio misto:
acidose metabólica com Gap aniónico aumentado + acidose metabólica com Gap aniónico normal.

Cetoacidose diabética
É consequência do défice insulina e excesso de glucagon, o que leva ao aumento do metabolismo dos áci-
dos gordos com formação de corpos cetónicos (acetoacetato e hidroxibutirato). A depleção de volume pro-
vocada pela diurese osmótica, resultante da hiperglicemia e glicosúria, diminui a filtração glomerular e por
isso reduz a excreção dos corpos cetónicos, que em consequência se acumulam no plasma.

Os cetoácidos são utilizados no metabolismo cerebral, como fornecedores de energia. Por isso, se o doen-
te entrar em coma a cetoacidose agrava.

A clínica
Surge geralmente em doentes com Diabetes Mellitus tipo 1,
Habitualmente é desencadeada por uma intercorrência aguda (infecções, enfarte agudo do miocárdio,...)
Por norma é uma acidose metabólica com Gap aniónico aumentado mas este pode ser normal (acido-
se hiperclorémica), se o doente estiver euvolémico,
Há corpos cetónicos no plasma e urina,
Há depleção de volume e
O doente está taquipneico, angustiado e agitado (se não está em coma) = respiração de Kussmaul.

Défices típicos na cetoacidose diabética


Na+: 5 - 10 mmol/kg
K+: 5 - 10 mmol/kg
Água 2-3 litros (variável, porque depende da ingestão de água durante a descompensação)
HCO3- - pode ser superior a 500 mmol

Tratamento da cetoacidose diabética:


Hidratar
primeiro soro fisiológico: 1 L/h até à estabilidade hemodinâmica = TA sistólica > 100 mmHg
(num adulto o défice de volume é em média de 3 litros) e
depois soro heminormal (de acordo com perdas de Na+ e K+ na urina).

Insulina
bólus inicial - 0.1 U/Kg,
IV – 0,1 U/Kg/h e
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
45

quando a glicemia < 250 iniciar soro glicosado


manter perfusão IV na mesma dose até o Gap aniónico estar normalizado.

Corrigir potássio
iniciar correcção só quando o doente começar a urinar e
adicionar potássio em função do potássio sérico:

K+ sérico (mEq/L) K+ a administrar (mEq/L)


>6 0
5-6 10
4-5 20
3-4 40

Se na cetoacidose diabética o K+ inicial for normal ou baixo, isso significa que o défice de K+ é grave.

Bicarbonato
O tratamento com bicarbonato só é necessário nas situações muito graves:
pH < 7.0 em doentes jovens,
pH < 7.15 nos idosos,
PaCO2 muito baixa, com o doente a evidenciar cansaço ou esforço respiratório excessivo =
está no limite da compensação respiratória e
se o doente mantiver hipercalémia grave apesar do tratamento com insulina.
objectivo: atingir pH > 7.2 e HCO3-> 10.
Não dar HCO3- sem primeiro corrigir o défice de potássio.

Fosfato
se fósforo < 4 mg/dL, administrar fosfato de potássio,
dose: 10 - 20 mEq/L no soro e
objectivo: normalizar o K+ sérico.

Procurar a causa da descompensação (infecção; EAM)

Monitorização:

Volémia: o objectivo é corrigir a deplecção de volume,


correlacionar o Gap aniónico com o nível de corpos cetónicos e no
Ionograma: atenção ao potássio.

Cetoacidose alcoólica
É frequente e resulta da inibição da libertação de insulina, por estimulação dos receptores alfa pelos vómi-
tos e pela depleção de volume. Esta situação surge quando o consumo de álcool é suspenso subitamen-
te (por vómitos, dor abdominal, etc).

A clínica
A glicemia geralmente está normal ou baixa; raramente está elevada,
Há desidratação,
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
46

Acompanha-se frequentemente de hipofosfatémia,


Se há hiperfosfatémia pensar em rabdomiólise e
Há frequentemente corpos cetónicos com predomínio do hidroxibutirato, que é um produto da metabo-
lização do etanol quando a insulina está baixa.

Ao contrário do acetoacetato, o hidroxibutirato não é detectado nas fitas-teste.

Se a cetonúria aumentar com o tratamento é sinal de que a evolução clínica é favorável, porque traduz
a retoma dos circuitos metabólicos de produção de acetoacetato normais,

Nas situações mais graves pode haver também acidose láctica devida a:
metabolismo do etanol,
hipóxia,
contracção muscular (delírio, trémulo, convulsões) e
défice de tiamina.

Na acidose metabólica com Gap aniónico elevado pode não haver acidémia, como acontece nas situações
em que há vómitos associados que provocam alcalose metabólica, por perda maciça de H+ do suco gás-
trico.

Tratamento da cetoacidose alcoólica

hidratar com soro fisiológico (com glicose se glicemia normal ou baixa),


Corrigir défice de potássio, fósforo e magnésio e
Administrar tiamina - 100 mg iv.

O défice de potássio é maior que na cetoacidose diabética.

Acidose por Ácido Piroglutamico (deplecção de glutatiao)


Surge em doentes sépticos a receber doses terapêuticas de paracetamol
Acidose metabólica grave com Gap Aniónico aumentado
Alterações estado mental (de confusão -> coma)

Acidose D-Lactica
Complicação de intestino curto – aumento de lactobacilos e diminuição absorção de hidratos de carbono
provoca aumento de Ácido D-Lactico
Quadro clinico caractrizado por episódios recorrentes de:
Encefalopatia - alterações mentais (semelhantes a embriaguês) – voz arrastada, ataxia, alteração
equilibrio, confusão, alterações comportamento
Acidose metabolica com Gap Aniónico aumentado
Ausência de corpos cetónicos

Tratamento.
Restrição de hidratos de carbono
Antibiótico – neomicina; vancomicina ou metronidazol
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
47

Notas sobre tratamento com HCO3-


O tratamento com bicarbonato não está indicado na maior parte das acidoses metabólicas com Gap anió-
nico elevado, mas se a acidose for grave pode ser administrado para corrigir a [HCO3-] para 8 a 10
mmol/L, se PCO2 < 20mmHg.

A rapidez de administração vai depender da gravidade da acidémia, da velocidade de produção de H+, da


concentração de potássio e da situação cardíaca do doente.

Riscos da administração de HCO3-:


sobrecarga de volume,
hipocalémia,
hipocalcémia,
produção excessiva de CO2 (atenção aos doentes ventilados) e
possível hipoglicemia.

Mais valias da administração de HCO3-:


remoção de H+ das proteínas intracelulares e
geração de mais ATP.

IIB - Acidoses metabólicas com Gap aniónico


normal
Outro grupo de acidoses metabólicas que resultam de:

perda de bicarbonato, em consequência por patologia digestiva (diarreia) ou renal (acidose tubular renal
proximal)
ou
incapacidade do rim formar amónia (NH4+) e gerar bicarbonato de novo.

A acidose com Gap aniónico normal também pode ser chamada hiperclorémica porque a diminuição do
bicarbonato é compensada, em termos da catião, com elevação proporcional do cloro.

Causas de Acidose metabólica com GAP aniónico normal:


1º. Perdas digestivas de HCO3-
diarreia,
drenagem pancreática ou do conteúdo do intestino delgado,
ureterossigmoidostomia ou
drogas (CaCl, MgSO4, colestiramina).

2º. Carga de ácido


NH4Cl, aminoácidos, alimentação parentérica total.

3º. Perda de potenciais bicarbonatos


excreção de corpos cetónicos em doentes com cetoacidose bem hidratados,
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
48

acidose dilucional ou
pós-hipocápnia.

4º. Baixa excreção de NH4+ pelo rim


devida a diminuição de produção de NH3 nas células do túbulo proximal,
por má difusão do NH3 na medula ou
incapacidade das células do túbulo colector secretarem H+ que transforma o NH3 em NH4+, que seria
excretada na urina.

5º. Redução de NH3 na medula


diminuição da amniogénese (insuficiência renal ou hipercalémia) ou
doença medular intersticial.

6º. Diminuição da secreção de H+ no túbulo distal


acidose tubular renal distal.

Situações mais frequentes no Serviço de Urgência:


Diarreia,
fístula intestinal,
drenagem de fluídos pancreáticos,
acidose dilucional – por hidratação agressiva com soro fisiológico, o que aumenta o espaço vascular e
dilui o bicarbonato, diminuindo a sua concentração. O Gap aniónico não aumenta porque aumenta o cloro,
acidose tubular renal e
estados de recuperação da cetoacidose.

As perguntas a formular nas acidoses com Gap aniónico normal são:

Qual é o Gap aniónico na urina (“Urine net charge”): (Na+ + K+) – Cl-?
Qual é o Gap osmótico da urina?
Qual é a [K+] do plasma?
Qual é o pH da urina?

Em condições normais o rim responde à acidose metabólica crónica aumentando a produção de NH4+. Esta
resposta está diminuída na insuficiência renal, na hipercalémia e na acidose tubular renal.
Como não é possível medir o NH4+, usa-se o Gap aniónico da urina e o gap osmótico da urina como indi-
cadores indirectos do aumento de produção de NH4+ pelo rim.

Qual é o Gap aniónico da urina (“Urine Net Charge”)?

Na urina, tal como no sangue, há neutralidade electroquimica, com igual número de catiões e aniões:

Na+ + K+ + NH4+ + Ca++ + Mg++ = Cl- + H2PO4- + SO4- + aniões orgânicos

Gap aniónico da urina, é a diferença entre cargas positivas (sódio + potássio) e negativas (cloro) medidas
na urina.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
49

A soma do cálcio e magnésio corresponde a 15 mEq/dia (catiões constantes). A soma do fosfato e sulfa-
to na urina corresponde a 85 mEq/dia (aniões constantes). Logo, simplificando a fórmula anterior:

Na+ + K+ + NH4+ = Cl- + 70


Na+ + K+ – Cl- = 70 - NH4+

Assim, o Gap aniónico da urina (Na+ + K+ – Cl-) é uma medida indirecta da amónia (=70-NH4+) e traduz
a excreção de amónia na urina associada a cloro (NH4Cl).

Nas situações de acidose em que o rim aumenta a produção de amónia e a excreta sob a forma de NH4Cl,
a excreção de cloro aumenta e, como este é medido e entra na conta do gap aniónico da urina, o valor final
do Gap é negativo.

Ou seja, se Cl- > (Na+ + K+) o Gap aniónico da urina terá valor negativo e significa que existe aumento
da produção de NH4+ com excreção associada a cloro, e isto representa perdas de HCO3- extra-renais (por
exemplo, diarreia) com rim normofuncionante.

Por outro lado, se Cl- < (Na+ + K+) o Gap aniónico da urina terá valor positivo o que significa que há défi-
ce de produção NH4+ (por exemplo, na acidose tubular renal) ou excreção de NH4+ com um anião que não
o cloro (por exemplo, com cetoácidos).

Por isso, o Gap aniónico da urina só pode ser interpretada em determinadas condições.

Não é válida:
na ausência de acidose,
na depleção de volume com sódio urinário inferior a 25 – nesta situação ao aumento de reabsorção de
cloro para manter volémia, diminui a excreção de na cetoacidose Cl – sugerindo erradamente uma aci-
dose tubular renal
na cetoacidose – porque a excreção de cetoácios faz-se ligados ao sódio e potássio (para manter elec-
troneutralidade) podendo dar um urine net charge positivo, apesar do aumento de excreção de NH4+
se o pH da urina é > 6.5,
na presença de bicarbonatúria,
durante a administração de carbenecilina ou outros aniões,
durante a administração de lítio e
na hipercalcémia.

Ou seja, o aumento de excreção de NH4+ não pode ser avaliado pelo Gap aniónico da urina se a NH4+ não
for excretado sob a forma de NH4Cl mas for, por exemplo, ligada a cetoácidos. Neste caso, o aumento de
excreção é dado pelo aumento do Gap osmótico da urina.

Qual é o Gap osmótico da urina?

O Gap osmótico da urina é a diferença entre a osmolaridade medida e a osmolaridade calculada da urina.
Usa-se se a NH4+ é excretada com outro anião que não o Cl- (por exemplo: cetoácidos, aniões de drogas,
metabolitos do tolueno).

U NH4+ (amónia urinária) = 0,5 x Gap osmótico da urina


manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
50

o que equivale a
U NH4+ = 0,5 X (Osmolaridade medida na urina - Osmolaridade calculada na urina)
e assim também
U NH4+ = 0.5 X(U.Osm - [2(Na+ + K+) + Ureia/6 + Glicose/18])
Podemos assim calcular o Gap osmótico da urina:

Gap osmótico da urina = U.Osm - [2(Na+ + K+) + Ureia/6 + Glicose/18]

Numa acidose metabólica com Gap aniónico normal, se o Gap osmótico da urina < 200 significa que há
défice de produção de NH4+ (acidose tubular renal).

Qual é o [K+] do plasma?

Este valor é importante para o cálculo da Urine net charge e do Gap osmótico da urina, como já vimos.

Qual é o pH da urina?

É útil para detectar HCO3- na urina, mas pouco útil para determinar a excreção da amónia. Se estiver ele-
vado indica presença de HCO3- na urina ou infecção urinária por bactéria produtora de urease.
Na acidose aguda é habitual o pH urinário ser inferior a 5.5, mas na acidose crónica não dá informação
sobre a produção de amónia.

Acidose tubular renal distal


A resposta normal do rim à acidemia é reabsorver todo o HCO3- filtrado e aumentar excreção de NH4+. A figura
3.1 mostra a formação de amónia no rim. Por cada NH4+ excretada na urina há formação de um bicarbonato.

NH3

ATP
+
H+ H ATPase
Na+
ADP HCO3-

K+ Cl3-
ATP
+ +
H+ H /K ATPase
Cl-
ADP
K+

NH4Cl

Figura 3.1 - Reabsorção do HCO3- e excreção do NH4+


Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
51

A secreção de H+ pelas células intercalares do tubulo colector faz-se contra um gradiente de concentra-
ção, de modo que a concentração de H+ no lumen tubular é 1000 vezes superior. Neste processo, desem-
penham papel importante a H+ATPase, que é uma bomba de H+, e a H+K+ATPase, que troca hidrogenião
por potássio. O H+ no lumen tubular vai ligar-se ao NH3 formando-se NH4+, que será excretado na urina sob
a forma de NH4Cl ou ligado a outro anião que não o cloro.

Assim, há acidose tubular renal (ATR) distal nas situações de:

Défice ou defeito de H+ATPase,


Défice ou defeito da H+/K+ATPase,
Anomalia no permutador de HCO3-/Cl-,
défice de gradiente, o que é raro (por aumento na permeabilidade da membrana apical ao H+; a única
situação descrita é devida a toxicidade pela anfotericina) e
Falta de sódio no túbulo distal, o que explica a acidose e a hipercalémia na cirrose hepática.

A acidose tubular renal distal surge quando há défice de produção de NH3 ou defeito na secreção de H+
pelas células intercalares.

As causas
as mais frequentes são as doenças autoimunes (Síndrome de Sjogren, lúpus, crioglobulinemia, tiroidi-
te, hepatite crónica activa, cirrose biliar primária),
hipercalciúria e nefrocalcinose (tanto podem ser causa como consequência de acidose tubular renal
distal),
drogas ou toxinas,
nefrite túbulo intersticial ou
doenças genéticas.

A clínica
Sintomas osteoarticulares:
artralgias
fraqueza muscular
dor lombar
Outros achados:
acidose hiperclorémica: [HCO3-] pode ser < 10 mEq/L,
hiperexcreção de catiões,
hipercalciúria,
alterações do potássio (a hipocaçlémia pode ser grave) e
alterações do sódio.

As consequências
Na acidose tubular renal, a incapacidade do rim em gerar bicarbonato de novo vai ter como consequência a
utilização do osso como tampão, com mobilização de cálcio e consequente hipercalciúria. Assim, a presen-
ça de sintomatologa osteoarticular, nefrocalcinose ou litíase renal são pistas para o diagnóstico num doen-
te com acidose metabólica com Gap aniónico normal. A nefrocalcinose é a causa da insuficiência renal.

Consequências principais
nefrocalcinose (em 56 % dos doentes),
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
52

litíase renal (forma de apresentação em 48 - 58 % dos doentes),


insuficiência renal,
pielonefrite,
atraso de crescimento e osteomalácia.

Tratamento
Objectivo: manter HCO3 > 20 mEq/L, com
solução de Shohl (citrato de sódio),
cápsulas de HCO3- ou
citrato de K+.
O tratamento com NaCO3 permite:
corrigir a hipocalémia,
eliminar a litíase,
re-expandir o volume e
corrigir a acidose.
A dose a administrar depende do peso e características do doente.

Bibliografia recomendada
Moe OW, Alperin RJ. Common acid-base disorders. In: Wachter RM, goldman L, Hollander H, Eds. Hospital Medicine.
Philadelphia: Lippincott Williams&Wilkins, 2001:871-879.
Burton DR. Ed. Clinical physiology of acid-base and electrolyte disorders, 4th ed, McGraw-Hill International, 2000.
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Seifter JL. Acid-base disorders. In: Goldman J, Ausiello D. Eds. Cecil Textbook of Medicine, 22nd Ed. Philadelphia: WB
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Theodore W Post and Burton D Rose (Authors). UpToDate. At: http://www.Uptodate.com/. Acedido em Setembro 2008.

Fim do capítulo.
Capítulo 4
Alcalose Metabólica
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
55

Objectivos
Conhecer as causas de alcalose metabólica,
Compreender os mecanismos que perpetuam a alcalose metabólica e
Sistematizar a metodologia de abordagem dos doentes com alcalose metabólica.

Definição
A alcalose metabólica traduz um aumento da concentração de bicarbonato. Trata-se de uma situação
comum, correspondendo a cerca de 50% dos desiquilibrios ácido-base. Acompanha-se de mortalidade
elevada, especialmente se distúrbio misto, associada a alalose respiratória, correlacionado-se com a seve-
ridade da alcalemia.
Por exemplo taxaa de mortalidade de 45 % em casos de pH de 7,55 até 80% quando pH superior a 7.65.
Habitualmente associa-se a hipocalémia.

Compensação respiratória
A primeira compensação do organismo ao aumento do bicarbonato é a hipoventilação, com aumento da
PaCO2. Por cada aumento de 10 mEq de HCO3-, PaCO2 aumenta 7mmHg. Pode usar-se a fórmula PaCO2 =
HCO3- + 15, mas apenas para variações do HCO3- entre 10 a 40 mEq/L.
A compensação respiratória está limitada, nomeadamente pela hipocalemia associada frequentemente à
alcalose metabólica, e pela hipercapnia que condiciona hipoxemia.

Fisiopatologia
Na clínica da alcalose metabólica interessa, além da identificação da causa, identificar os mecanismos de
perpectuação do distúrbio, já que a resposta fisiológica do organismo ao excesso de HCO3- é o aumento
da excreção renal do mesmo (maior filtração glomerular, menor reabsorção tubular). O que, em termos prá-
ticos, significa que para tratarmos a alcalose temos que corrigir a causa e os mecanismos que contribui-
ram para a sua perpetuação.

Na alcalose metabólica temos assim duas fases:

- fase de desenvolvimento: ocorre aumento do HCO3- devido a perda de hidrogénio (renal, gastrointes-
tinal), entrada de hidrogénio nas células, ganho de HCO3- (admnistração, pós-hipercapnia), e hiperaldos-
teronismo primário.

- fase de manutenção ou perpectuação: perda da capacidade renal em excretar eficientemente o HCO3-


(aumento reabsorção, diminuição secreção).
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
56

Mecanismos de perpetuação (situações em que o rim perde capacidade de excretar bicarbonato de


forma eficiente).
Contracção de volume
Insuficiência renal
Deplecção de Cl- ou K+
PaCO2 elevada
Hiperaldosteronismo

O rim corrige a alcalose metabólica excretando o excesso de bicarbonato na urina. Se um sujeito normal
ingerir diariamente 1000 meq de bicarbonato durante 2 semanas, todo o excesso de bicarbonato é excre-
tado na urina e não se desenvolve alcalose metabólica. As alterações que causam alcalose metabólica
estão associadas a ganho de bicarbonato muito menor, o que significa que para se desenvolver alcalo-
se metabólica o rim tem que perder a capacidade de excretar o excesso de bicarbonato. A redu-
ção da taxa de filtração glomerular (TFG) e o aumento da reabsorção tubular de bicarbonato contribuem
para este processo. O aumento da reabsorção tubular é o mecanismo mais importante, já que a diminui-
ção da TFG isolada, como a insuficiência renal crónica, habitualmente não cursa com alcalose.

Existem 3 factores principais para o aumento da reabsorção de bocarbonato na alcalose metabólica:


deplecção volume, deplecção de cloro e hipocalemia:

A deplecção de volume arterial efectivo, associada á diminuição da taxa de filtração glomerular,


aumenta a reabsorção de HCO3- no tubo proximal na tentativa de preservar volume.

No entanto a maior parte dos estudos, mostram que o principal aumento da reabsorção do bicarbona-
to, ocorre no tubo colector, devido ao hiperaldosteronismo secundário, que acompanha a deplecção
de volume:

– A aldosterona aumenta directamente a acidificação, porque estimula actividade da bomba H+AtPase


na membrana luminal das células intercaladas, promovendo a secreação tubular de H+, logo aumen-
tado a reabsorção de bicarbonato;

– A aldosterona estimula a reabsorção de Na+ nas células principais, tornando o lumem mais eletrone-
gativo, logo inibe a difusão passiva do H+ para fora do lumem tubular, ficando a urina mais ácida.

– A diminuição da chegada do cloro, diminui a secreção do bicarbonato nas células intercaladas tipo B,
sendo este um componente importante da resposta renal normal ao excesso de bicarbonato.

A deplecção de Cl- (ex: vómitos, diuréticos) também tem um papel importante quer no aumento da
reabsorção de HCO3-, quer na redução da secreção no nefrónio distal. Este efeito do cloro, pode ser mais
importante do que associado à depleção de volume. A reabsorção de Na+ neste segmento não é segui-
da pelo Cl-, há falta de Cl-, o que aumenta o gradiente eléctrico que promove da secreção de H+. O resul-
tado final é a reabsorção quase completa do bicarbonato filtrado e o achado paradoxal de uma urina
ácida num doente que está alcalémico (fig 4.1. e fig 4.2).
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
57

Tubular Peritubular
lumen capillary

ATPase H+

H2O
Cl-

OH- + CO2 HCO3-


CA
K+
ATPase
H+

Figura 4.1 - Mecanismos de transporte da secreção de H+ e HCO3 e reabsorção de K+ nas células intercaladas tipo A
no tubo colector (adptado Uptodate Maio 31,2008)

Tubular Peritubular
lumen capillary
H+ ATPase

H2O

HCO3- CO2 + OH-


CA

Cl-

Figura 4.2 - Mecanismos de transporte na secreção de HCO3 nas células intercaladas tipo B no tubo colector cortical.

A hipocalémia directamente aumenta a reabsorção de bicarbonato, porque é um estímulo potente para


a secreção de H+ (Fig 4.3).
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
58

34

HCO3 REABSORBED, meq/L GFR


30

26

22

18

14
2 4 6 8 10 12

PLASMA POTASSIUM, meq/L

Figura 4.3 - Relação entre potássio sério e a reabsorção de bicarbonato. (Adaptado Fuller, GR, MacLeod, MB, Pitts, RF,
Am J Physiol,182:111, 1956.)

A hipocalémia conduz á saída de K+ das células para o meio extracelular, sendo a eletroneutralidade man-
tida por entrada de H+ para a célula. Esta acidose intracelular estimula, nas células tubulares, a produção
e excreção de NH4+ que em si gera mais HCO3-, perpetuando a alcalose.

A hipercapnia compensatória também estimula a reabsorção de bicarbonato, particularmente no


nefrónio distal.

Causas de alcalose metabólica


1. Perda de valências ácidas:
Gastrointestinal
Vómitos
Drenagem gástrica
Tratamento com antiácidos (Insuficiência renal)
Adenoma viloso

Renal
Diuréticos da ansa e tiazidas
Hipercalcemia
Hipocalémia
Síndrome Bartter e Gitelman
Aniões não reabsorvidos (ex: carbenicilina)
Défice de Magnésio

2. Ganho de HCO3-:
Administração de bicarbonato
Síndrome Leite-alcalinos
Pós-hipercápnia
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
59

2. Excesso mineralocorticoides:
Hiperaldosteronismo primário (adenoma, hiperplasia)
Estenose artéria renal, tumor secretor renina
Síndromes adrenogenitais, síndrome Cushing
Excesso aparente mineralocorticoide (licorice, Síndrome Liddle)

Clínica
As manifestações clínicas da alcalose metabólica, podem ser:

neurológicas (semelhantes hipocalcemia): confusão, parestesias, convulsões, caimbras, predisposição tetania


cardiovasclares: potenciar arritmias (particularmente se associado hipokalemia), hipoxemia

Abordagem do doente com alcalose metabólica


1. Avaliação clínica e antecipação dos desvios esperados
Clinicamente e para efeitos práticos podemos considerar quatro grupos:

Doentes com depleção de volume, hipocalémia e hipoclorémia


É o tipo mais comum. Normalmente a causa é a perda de ácido pelo tubo digestivo em consequência de
vómitos ou drenagem gástrica. Estes doentes apresentam aumento da reabsorção de bicarbonato no
túbulo proximal em resposta à deplecção de volume. A deplecção de volume leva ao aumento da aldoste-
rona (hiperaldosteronismo secundário) que estimula a secreção de H+ e K+ no tubo colector, contribuindo
para perpetuar a alcalose.

O uso de diuréticos também causa deplecção de volume e de potássio e desta forma associam-se fre-
quentemente a alcalose metabólica.

As drogas aniónicas, como a carbenicilina, também se associam a alcalose metabólica. Estes fármacos
são livremente filtrados e não reabsorvidos, como têm carga negativa impedem a reabsorção de Na+, desta
forma mais Na+ chega ao tubo distal o que aumenta a secreção de K+ e H+. A hipocalémia e a deplecção
de volume perpetuam a alcalose metabólica.

A hipercalcémia estimula a secreção renal de H+ e a reabsorção de HCO3- resultando em alcalose meta-


bólica. A desidratação e a insuficiência renal que habitualmente se associam à hipercalcémia contribuem
para a perpetuar a alcalose.

O défice de magnésio, tem múltiplas consequências, podendo causar alcalose metabólica, porque
aumenta a renina, com hiperaldosteronismo secundário.

Doentes com expansão de volume, hipocalémia


Estes doentes têm aumento primário de mineralocorticóides (hiperaldosteronismo primário) e não
respondem à reposição de volume. A etiologia do aumento de mineralocorticoides pode ser diferenciada
medindo a renina plasmática (ex: estenose artéria renal, adenoma suprarenal).
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
60

Administração exógena de bicarbonato


A administração de bicarbonato nos casos de acidose metabólica pode resultar em alcalose metabóli-
ca. Isto ocorre particularmente nos casos de acidose láctica ou cetoacidose diabética, em que o bicar-
bonato endógeno é substituido por lactato ou β-hidroxibutirato. Não há perda de bicarbonato e quando o
distúrbio de base é corrigido o bicarbonato volta a ser regenerado. Assim, o bicarbonato administrado con-
tribui para o excesso de bicarbonato, podendo provocar alcalose metabólica.
Também admnistração de citrato (politransfusões, plasma fresco congelado) pode condicionar alcalose
metabólica.

Um problema semelhante ocorre quando se administram grandes quantidades de bicarbonato a doentes


com insuficiência renal, incapazes de excretar o excesso de bicarbonato.

O síndrome Leite-alcalinos é caracterizado pela presença de alcalose metabólica e insuficiência renal,


em que ocorre excesso de bicarbonato associado ingestão de cálcio (carbonato cálcio, leite). Tipicamente
estes doentes apresentam nefrocalcinose. A hipercalcemia e a insuficiência renal favorecem a acumulação
de bicarbonato.

Alcalose pós-hipercápnica
A acidose respiratória crónica está associada a um aumento da excreção renal de H+ e retenção de bicar-
bonato, que representam a resposta compensatória apropriada à acidose. O tratamento destes doentes com
ventilação mecânica pode levar à redução rápida da PaCO2 corrigindo a acidose respiratória, mantendo-
se o bicarbonato sérico elevado, já que a excreção renal é mais lenta. Desta forma desenvolve-se alcalo-
se metabólica com aumento rápido de pH intracerebral o que pode originar alterações neurológicas gra-
ves e morte.

2. Há perigo iminente?
Na alcalose metabólica o perigo iminente pode estar associado fundamentalmente a alterações da volémia
e do potássio.

3. Analise sistemática dos dados da gasometria e do ionograma


No 3º momento da sequência universal de avaliação, ao realizar a avaliação ácido-base, são pontos relevantes:

Depois de identificar o distúrbio primário, vamos verificar se a compensação é apropriada. Nos casos de
alcalose metabólica, sabemos que por cada aumento de 10 mEq de bicarbonato a PaCO2 aumenta 7mmHg.
Se a PaCO2 não aumenta de forma apropriada significa que coexiste alcalose respiratória.

Em seguida vamos calcular o gap aniónico. Se há aumento do gap aniónico, calculamos a variação do
bicarbonato (Δ Gap). Se a variação do gap aniónico for maior que a variação do bicarbonato é porque há
acidose metabólica.
Avaliação complementar: Medir os electrólitos na urina:

Como vimos, a etiologia da alcalose metabólica é habitualmente clara atendendo à história clínica e exame
físico do doente. No entanto, há casos em que a história é inexistente ou não é clarificadora, como na
ingestão surreptícia de diuréticos ou vómitos induzidos. Nestes casos, a medição do Na+, Cl- e pH
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
61

urinários podem ser úteis no dianóstico diferencial das causas de alcalose.

Quando o doente tem vómitos recentes (1 a 3 dias) o pH urinário é elevado, dado o aumento da fil-
tração e excreção de bicarbonato, e por isso o Na+ na urina também se encontra elevado. O Cl- na urina,
neste caso, é baixo. Quando o doente deixa de vomitar (vómitos tardios) e há deplecção de volume, há
retenção de Na+ e bicarbonato, assim, o pH na urina é baixo, o Na+ é baixo e o Cl- é baixo. Como a
chegada de Na+ ao tubo distal está diminuida, menos K+ será secretado.

Se o Na+, K+ e Cl- na urina estão todos elevados devemos pensar em:


uso de diuréticos,
deficiência de magnésio ou
alterações tubulares raras como os Síndromes de Bartter ou Gitelman.

Na+ urina Cl- urina K+ urina HCO3- urina pH urina


Vómitos recentes alto baixo alto alto alto (>6,5)
Vómitos tardios baixo baixo baixo baixo baixo (<5,5)
Diuréticos alto alto alto

Em resumo, na abordagem do doente com alcalose metabólica, com base no estado da volemia e nos
eletrólitos da urina, podemos considerar o algoritmo da fig 4.4 como referência.

Avaliar o estado da volemia

Depleção de volume Expansão volume ou normal

Cl urina baixo Cl urina elevada


Excesso mineralocorticoides

diuréticos activos
défice magnésio
Síndrome Bartter Medir renina e aldosterona

Na urina baixo Na urina elevado

vómitos tardios vómitos recentes


pós-hipercpnia excrecção aniões
diuréticos não recente não reabsorvidos

Figura 4.4 – Algoritmo de avaliação da alcalose metabólica (adaptado de Palmer BF, Alpern RJ: Matabolic Alkalosis.
J Am Soc Nephrol 8: 1462-1469).
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
62

Tratamento da alcalose metabólica


O tratamento da alcalose metabólica deve considerar o tratamento da causa e a correcção dos mecanis-
mos que perpetuam a alcalose, ou seja corrigir o défice de volume, o défice de K+ e o défice de Cl-
o que começa pela administração de soro fisiológico e cloreto de potássio.

Os estados edematosos, como a insuficiência cardíaca congestiva, o síndrome nefrótico ou cirrose,


desenvolvem muitas vezes alcalose metabólica secundária ao uso de diuréticos. Nestes casos a adminis-
tração de soro fisiológico não está indicada pois iria agravar mais os edemas. O tratamento da alcalose,
nestes casos, pode fazer-se com acetazolamida (250 a 375mg PO). A acetazolamida é um diurético ini-
bidor da anidrase carbónica que aumenta a excreção de bicarbonato.

A acetazolamida também pode ser usada nos doentes com edemas por cor pulmonale e hipercapnia
crónica. A correcção da alcalose é particularmente importante nestes doentes porque o aumento do pH é
em si próprio depressor do centro respiratório. O uso de acetazolamida tem que ser cauteloso e monitori-
zado de forma estricta pois pode agravar a acidose nestes doentes.

Nos casos refratários, pode usar-se ácido hidroclocridrico, através da infusão endovenosa (veia central, ou
periférica se tamponado com solução de aminoácidos) em 8 a 24 horas. A quantidade de ácido a admnis-
trar pode ser estmada a partir do espaço de distribuição do bicarbonato:

Excesso HCO3 = 0.5 x peso x (HCO3 sérico -24)

Os casos de aumento primário de mineralocorticoides não respondem a estas medidas. O tratamento


consiste nestes casos na correcção da causa primária.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
63

Bibliografia
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Kidney Int 25: 357-361, 1984.
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lecting tubule. Am J Physiol 1989 Aug;257:F177-81.
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dietary sodium. Kidney Int 1986 Jul;30(1):43-8.
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12. Galla JH: Metabolic alkalosis.J Am Soc Nephrol 11:369-375, 2000.
13. Palmer BF, Alpern RJ: Matabolic Alkalosis. J Am Soc Nephrol 8: 1462-1469

Fim do capítulo.
Capítulo 5
Potássio
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
67

Objectivos
Comprender os mecanismos de regulação do potássio,
Conhecer as causas de hipo e hipercalémia,
Saber corrigir as situações de hipo e hipercalémia

Conceitos e fisiopatologia
O potássio é o catião predominante no meio intracelular, sendo o principal responsável pelo potencial da
membrana celular que é essencial para numerosas funções celulares, como a contracção muscular e a
condução nervosa. Só 2% do potássio do organismo se encontra no meio extracelular, isto deve-se à acção
da bomba de sódio (Na+/K+ ATPase) que existe em todas as células, transportando o sódio para o meio
extracelular e o potássio para dentro da célula. Assim, cria-se um gradiente de potássio do exterior para o
interior, que é determinante para o potencial de membrana.
Todas as células excitáveis do organismo, músculos e tecido nervoso, necessitam deste potencial de
membrana para as suas funções, por essa razão, quando o gradiente do potássio é alterado pode existir
risco de vida.
Como 98% do potássio é intracelular, nos disturbios deste catião não é possível determinar o seu
défice/excesso do organismo, pelo que o trtamento envolve a sua determinação seriada.

Regulação da homeostasia do potássio


Numa dieta normal, ingerimos 70 a 120mEq de potássio por dia. Se não existissem mecanismos rápidos
de regulação, o potássio extracelular passaria de 4 a 8 mEq, o que seria obviamente letal.
Há 3 mecanismos que regulam a concentração de K+:
Transporte celular (entrada/saída das células)
Eliminação renal
Eliminação gastrointestinal

A excreção de potássio na urina é lenta e regulável por mecanismos que falaremos mais adiante.

A excreção gastrointestinal é mínima (inferior a 5mEq/dia) e não é regulável, pelo que não iremos abordá-la.

A entrada de K+ nas células é o principal mecanismo de adaptação às alterações rápidas da concentração


de K+.

A entrada/saída de K+ das células é o primeiro mecanismo de adaptação


às alterações da concentração de K+

Regulação por entrada/saída das células


Há dois mecanismos envolvidos no movimento de K+ para dentro das células:

libertação de insulina, a insulina activa a bomba de sódio, condicionando a entrada de K+ na célula.


É o que acontece quando ingerimos alimentos.
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
68

libertação de catecolaminas, a adrenalina, actuando nos receptores beta2, estimula a entrada de K+ na


célula. É o que acontece quando fazemos exercício.

Regulação por eliminação renal de K+


A entrada de K+ nas células protege de forma rápida das alterações da concentração de potássio extrace-
lular, mas este efeito não é duradouro. Assim, a maior defesa contra as alterações do K+ é o rim, respon-
sável pela sua excreção na urina.

O potássio é filtrado livremente no glomérulo, é reabsorvido juntamente com a água no tubo proximal e o
restante é reabsorvido na porção ascendente da ansa de Henle. Em situações fisiológicas normais, o filtra-
do glomerular que atinge o tubo colector cortical, praticamente não contém potássio.
É aqui que o potássio é secretado, condicionando o seu aparecimento na urina. Uma pequena quantidade
de potássio poderá ser de novo reabsorvida no tubo colector medular, mas praticamente toda a regulação
da excreção do potássio se dá ao nível das células principais do tubo colector cortical, responsáveis pela
excreção do K+.

A célula principal do tubo colector cortical possui uma bomba de Na+/K+ ATPase na membrana baso-
lateral semelhante às outras células do organismo. O rim tem a particularidade de ter esta bomba de
Na+/K+ ATPase exclusivamente do lado intersticial da célula. Esta bomba transporta potássio para dentro
da célula e o sódio para fora. No lado luminal da célula há um canal de sódio, por onde o sódio entra pas-
sivamente na célula condicionado pelo gradiente de concentração entre o sódio no lúmen e o sódio intra-
celular. A concentração de K+ dentro da célula é elevada, logo o potássio vai difundir para fora da célula
pelos canais de K+. O potássio que difunde para o intestício, entra novamente na célula transportado pela
bomba Na+/K+ ATPase, o potássio que difunde para o lúmen tubular representa o potássio secretado e
excretado na urina (Fig 5.1).

Lúmen tubular Interstício

Na+ 3 Na+ Na+

2 K+ K+
[Na+] no tubo distal mineralocorticoides

K1
K+

Figura 5.1 – Célula principal do tubo colector cortical.

A secreção de K+ no túbulo colector cortical é regulada pelos mineralocorticoides e pela che-


gada de Na+ ao tubo distal
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
69

1. Mineralocorticoides

Estimulam a secreção de K+ por 3 mecanismos:


a. aumentam a concentração de potássio intracelular por estimulação directa da bomba de sódio-potássio-
ATPase
b. aumentam apermeabilidade da membrana apical ao potássio
c. estimulam areabsorção de sódio na membrana apical, aumentando o gradiente electrico e favorecendo
a secreção de potássio

2. Chegada de Na+ ao tubo colector.

Quando a chegada de Na+ ao tubo distal aumenta, a absorção de Na+ também aumenta. A bomba de
Na+/K+ ATPase torna-se mais rápida no sentido de transportar o Na+ para fora da célula, aumentando desta
forma a concentração de K+ no interior. A voltagem negativa no fluído tubular, resultante da entrada de Na+
na célula, facilita a saída de K+.

O que temos na realidade é um sistema de regulação da excreção do potássio que é dependente do Na+,
com dois mecanismos que actuam em direcções opostas: a libertação de mineralocorticoides aumenta
quando há deplecção de volume e diminui quando há expansão de volume; a chegada de Na+ ao tubo dis-
tal, pelo contrário, diminui quando há deplecção de volume e aumenta quando há expansão de volume.
Estas alterações estão expressas no quadro seguinte:

Mineralocorticoides [Na+] tubulo distal Secreção de K+


Volume extra-celular    S/alteração
Volume extra-celular    S/alteração
 primário mineralocorticoides   
 primária mineralocorticoides   
 [Na+] tubo distal   
 [Na+] tubo distal   

Se há deplecção de volume, ou seja se a pressão arterial efectiva diminui, os níveis de mineralocorticoi-


des elevam-se mas a filtração glomerular diminui e a reabsorção de Na+ no tubo proximal aumenta e por-
tanto chega menos Na+ ao tubo distal. Estes dois mecanismos que regulam o potássio, anulam-se mutua-
mente e a secreção de K+ não se altera.

Pelo contrário, quando há expansão de volume, a libertação de mineralocorticoides está frenada, mas a fil-
tração glomerular aumenta e a reabsorção de Na+ no tubo proximal está diminuida; o resultado será uma
diminuição da quantidade de Na+ que chega ao tubo distal. Os dois mecanismos actuam também neste
caso em direcções opostas e por isso a secreção de K+ não é alterada.

Quando há alteração da concentração sérica do potássio, significa que estes dois mecanismos não estão
a actuar em direcções opostas. Vamos ver quatro exemplos relativos a este tipo de alterações:

1. Aumento primário de mineralocorticoides


Nos casos de aumento primário de mineralocorticoides, ou seja um aumento que não é devido a contrac-
ção de volume, como por exemplo no caso de um tumor produtor de aldosterona, há aumento da reabsor-
ção Na+ e água e consequente expansão de volume. A expansão de volume condiciona um aumento da
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
70

TFG e diminuição da absorção proximal de Na+, o resultado será um aumento da chegada de Na+ ao tubo
distal. No final teremos uma combinação de aumento da chegada de Na+ ao tubo distal e aumento de
mineralocorticoides, do que resultará um aumento da secreção de K+ e hipocalémia.

2. Aumento do Na+ no tubo distal


Estes são os casos de aumento primário da chegada de Na+ ao tubo distal, ou seja, aqueles que não são
devidos a expansão de volume, o exemplo mais comum é o uso de diuréticos que actuam antes do tubo
distal. Nestes casos, há uma inibição da reabsorção de Na+ e portanto mais Na+ vai chegar ao tubo distal;
concomitantemente há deplecção de volume o que leva ao aumento de mineralocorticoides. Há aumento
de mineralocorticoides + aumento de Na+ no tubo distal, com o consequente aumento da secreção de K+
e hipocalémia.

3. Diminuição primária de mineralocorticoides


Pelo contrário, nos casos de diminuição primária de mineralocorticoides, como por exemplo a Doença de
Addison, há diminuição da absorção distal de Na+ e por isso excreção aumentada de Na+ e água.
Consequentemente há deplecção de volume com diminuição da TFG e diminuição do Na+ no tubo distal.
O que resulta é uma combinação de diminuição de mineralocorticoides e diminuição da chegada de Na+
ao tubo distal, o que leva a uma diminuição da excreção de K+ e hipercalémia.

4. Diminuição do Na+ no tubo distal


O último exemplo refere-se aos casos de diminuição primária da chegada de Na+ ao tubo distal, ou seja
casos que não são devidos a deplecção de volume como na glomerulonefrite aguda. Nestas situações há
diminuição da TFG e diminuição da chegada de Na+ ao tubo distal, com expansão de volume o que vai fre-
nar a libertação de mineralocorticoides. Estes dois mecanismos – diminuição do Na+ no tubo distal e dimi-
nuição de mineralocorticoides – levam à diminuição da excreção de K+ e hipercalémia.

Cerca de 95% dos casos de alterações do K+ sérico são atribuiveis a um destes 4 cenários; a única excep-
ção são as situações raras em que há um tubo colector cortical anormal. Estes casos serão falados mais tarde.

Hipocalémia
Definição
K+ sérico < 3,5mEq/L

Riscos associados
Arritmias (essencial realizar ECG para pesquisar alterações associadas a rico aumentado – Fig.5.2)
Fraqueza muscular
Íleo paralítico

Figura 5.2 – Alterações electrocardiográficas na hipocalémia.


Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
71

Diagnóstico diferencial:

1. Pseudohipocalémia
Ocorre nos casos de aumento maciço dos leucócitos, por exemplo leucemias. É raro.

2. Entrada de K+ nas células


Alcalose associa-se frequentemente a hipocalémia. Um dos mecanismos pelo qual ocorre é a entrada
de K+ nas células, mas este mecanismo é pouco relevante. A hipocalémia deve-se a perdas renais.

Estados anabólicos ocorrem em casos de proliferação celular rápida, por exemplo linfoma de Burkitt,
leucemias.

Paralisia periódica hipocalémica caracteriza-se por ataques intermitentes de paralisia muscular e


hipocalémia. Há duas formas: autossómica dominante que é rara e a associada à tireotoxicose.

É interessante verificar que um doente com paralisia periódica hipocalémica fica paralisado com um K+
sérico de 2,5mEq/L o que não acontece nos casos de défice de K+. A justificação prende-se com o gra-
diente de K+: Nos casos de deplecção o K+ diminui tanto dentro como fora da célula e portanto o gradien-
te não se altera, mas nos casos de paralisia periódica hipocalémica o K+ entra para a célula com aumen-
to de K+ intracelular e diminuição de K+ extracelular. Esse aumento de gradiente de K+ hiperpolariza as
células e por isso os efeitos neurológicos são mais graves.

Gradiente de K+
K+ intra-celular K+ extra-celular
Normal 120 4
Défice de K+ 90 2,5
Paralisia periódica hipocalémica 122 2,5

3. Diminuição da ingestão
É uma causa rara nas sociedades ocidentais. Ocorre mais frequentemente se associada a perda digestiva
de K+.

4. Perdas gastrointestinais

A causa mais comum de hipocalémia são as situações que cursam com perdas gastrointestinais

Diarreia/fístulas digestivas
É habitualmente evidente pela história clínica, mas há casos raros de uso surreptício de laxantes em que a
perda GI de K+ não é tão evidente. Nestes casos o diagnóstico faz-se fácilmente doseando o K+ na urina –
uma concentração de K+ inferior a 20mEq/L num doente com hipocalémia faz o diagnóstico de perdas
extra-renais.

Vómitos
Causam hipocalémia, mas a perda de K+ é renal como veremos adiante.

5. Perdas renais
É uma causa comum de hipocalémia. Neste caso não há história de perdas GI e a concentração de K+ na
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
72

urina é superior a 20mEq/L, num doente com hipocalémia. O diagnóstico diferencial destas situações será
fácil tendo em conta os cenários de que falamos anteriormente. O que precisamos de distinguir é se esta-
mos perante um caso de aumento primário de mineralocorticoides ou um caso de aumento primário de
Na+ no tubo distal. Estas situações distinguem-se facilmente já que no primeiro caso o doente apresenta-
se com expansão de volume e HTA, no segundo pelo contrário estará deplectado de volume e hipotenso.
Portanto, avaliando a TA teremos ideia do tipo de alteração presente.

5.1. Aumento primário de mineralocorticoides


Quando constatamos que há hipocalémia por perdas renais associada a expansão de volume e portanto
suspeitamos de aumento primário de mineralocorticoides, em seguida devemos medir os níveis de renina
e aldosterona. Isto vai permitir-nos diferenciar 3 grupos de patologias:

a) Hiperreninismo primário
Neste grupo há aumento da renina e da aldosterona que não é devido a contracção de volume. Temos
sempre que excluir deplecção de volume, que alguns casos pode ser subtil. Há aumento primário da
renina. Os diagnósticos diferenciais são HTA maligna e tumores produtores de renina.

b) Hiperaldosteronismo primário
Este tipo de alteração é a mais comum. Encontramos renina baixa e aldosterona aumentada. Os diag-
nósticos diferenciais serão: Adenoma da supra-renal (Síndrome de Conn) ou hiperplasia adrenal bila-
teral. É importante distinguir as duas situações por métodos de imagem já que o tratamento do pri-
meiro é cirúrgico e do segundo é espironolactona. O outro diagnóstico possível á uma doença gené-
tica rara – hiperaldosteronismo supressível com glucocorticoides – caracterizada pela síntese de
aldosterona dependente da ACTH. O tratamento consiste em administrar corticoides de forma a fre-
nar a ACTH.

c) Aumento primário de um mineralocorticoide que não a aldosterona


Neste grupo de patologias encontramos renina e aldosterona baixas, o que significa que existe uma
hormona com actividade mineralocorticoide responsável pela hipocalémia e HTA. As condições que
causam este tipo alteração são o Síndrome de Cushing (a mais comum), e défices de enzimas que
participam na síntese de mineralocorticoides (défice de 11-β-hidroxilase e de 17-α-hidroxilase).

Há duas outras condições que se comportam desta forma:

1. Síndrome de Liddle, que se caracteriza por uma alteração nos canais de Na+ do tubo colec-
tor cortical, que têm uma maior avidez para o Na+, desta forma, neste segmento, é reabsor-
vido mais Na+ e secretado mais K+.

2. Excesso de mineralocorticoides – há défice da enzima tecidular que inactiva o cortisol. O


cortisol que não é inactivado actua nos receptores da aldosterona comportando-se como um
mineralocorticoide.

5.2. Aumento primário do Na+ no tubo distal


Os diuréticos tiazídicos e da ansa são a causa mais frequente de hipocalémia. Há inibição da reabsorção
de sódio, chegando portanto mais sódio ao tubo distal, associado a deplecção de volume e consequente
aumento da aldosterona.
Para melhor compreensão, vamos rever de forma rápida como actuam os diuréticos ao longo do nefrónio.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
73

Na ansa de Henle existe um transportador Na+ / 2Cl- / K+, que é inibido pelos diuréticos da ansa. Desta
forma aumenta a quantidade de sódio intratubular que ultrapassa a capacidade de reabsorção no tubo con-
tornado distal chegando ao tubo colector cortical disponível para a troca com potássio (Fig. 5.3).
No tubo contornado distal temos um cotransporte de Na+ e Cl-. É este transportador que é inibido pelos diu-
réticos tiazídicos, resultando igualmente uma maior quantidade de sódio no tubo colector cortical (Fig. 5.4).

Lúmen tubular Interstício

Na+ 3 Na+

2 Cl- 2 K+ Diuréticos da ansa


K+
K+

K+

Figura 5.3 – Transporte de sódio no ramo ascendente da ansa de Henle e local de bloqueio por diuréticos da ansa.

Lúmen tubular Interstício

Na+ 3 Na+

2 K+
Cl- Diuréticos tiazídicos
+
K

Figura 5.4 – Transporte de sódio no tubo contornado distal e local de bloqueio por diuréticos tiazídicos.

A presença na urina de aniões que não foram reabsorvidos também condiciona um aumento do Na+ no
tubo distal já que a reabsorção proximal de Na+ está comprometida, é o que acontece nos casos de alca-
lose metabólica e uso de fármacos como a carbenicilina. A presença destes aniões na urina aumenta a ele-
cronegatividade do fuído tubular, assim a electroneuralidade é mantida à custa de um aumento da secre-
ção de H+ e K+, resultando em hipocalémia. Na acidose tubular renal (ATR), há perda de bicarbonato na
urina o que resulta em hipocalémia pelo mesmo mecanismo.

O défice de magnésio também inibe a reabsorção de Na+ na porção ascendente da ansa de Henle e por
isso mais Na+ vai chegar ao tubo distal e consequentemente maior a excreção de K+.

Pensar no défice de magnésio quando tratamos a hipocalémia, porque se este défice não for
corrigido não conseguiremos corrigir o défice de K+.
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
74

Há duas doenças hereditárias caracterizadas por defeitos tubulares que também causam hipocalémia por
aumento da chegada de Na+ ao tubo distal: síndrome de Bartter e o síndrome de Giteleman, que são raras.

Diagnóstico diferencial das hipocaliémias:

O esquema da figura 5.5 esquematiza o que foi discutido.

[K+] urina

< 20mEq/L > 20 mEq/L

Pressão arterial e volume


Diarreia

Alto Baixo – Normal

Renina, Aldosterona Baixo [HCO3-] Elevado

R, A R, A R, A ATR [Cl-] urina

Estenose Adenoma SR S. Cushing Baixo Elevado


artéria Hiperplasia SR Excesso aparente
renal Hiperaldostero- mineralocorticoides
nismo remediável S. Liddle Vómitos Diuréticos
 Mg2+
Bartter
Giteleman

Figura 5.5 - Diagnóstico diferencial da hipocaliémia

Perante um doente com hipocalémia:

1º. Saber se a perda de K+ é intestinal ou renal, se a história clínica não é clara medir a concentração
de K+ na urina.

2º. se a perda de K+ é renal, vamos avaliar o volume vascular efectivo de forma a distinguir entre as
situações causadas por um aumento primário de mineralocorticoides ou um aumento do Na+ no tubo
colector.

3º. se o doente se apresenta com um aumento do volume arterial efectivo, frequentemente com HTA,
medir a renina e aldosterona.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
75

4º. se o doente está deplectado de volume vamos medir o bicarbonato sérico:


se for baixo é uma acidose tubular renal;
se for alto, o que é muito mais comum, é uma das hipocalémias por aumento do Na+ no tubo colector.

5º. se a história clínica não permite diferenciar, podemos mede-se o Cl- na urina:
se o Cl- for baixo significa que há outro anião na urina que impediu a rebsorção do Na+, é o que se
passa na alcalose ou durante a administração de fármacos que se comportam como aniões não reab-
sorvíveis.

Tratamento das hipocaliémias:


O tratamento da hipocalémia consiste em repor o défice de K+. Como o potássio é um catião predominan-
temente intracelular é difícil calcular o défice de K+. O que se faz é administrar KCl e voltar a fazer o dosea-
mento do nível de K+, se continuar baixo administrar mais e assim sucessivamente, quantificando o defi-
ce pela necessidade de reposição até à normalização do K+.

O KCl pode ser administrado por via oral ou EV, a escolha da via de administração depende da gravidade
da hipocalémia. A via oral só deve ser usada se exitem ruídos intestinais. Quando o KCl é usado por via EV
devem-se ter cumprir as seguintes regras:

a. por veia periférica NÃO deve ser administrada concentração superior a 60mEq/L porque pode
causar flebite;
b. nos doentes com hipocalémia grave (K+<2,5mEq/L) e/ou com arritmia, é necessária amonitoriza-
ção cardíaca.
c. o ritmo de perfusão não deve ultrapassar os 10-20mEq/h excepto nos casos de arritmias com
risco de vida.
d. se há acidose e hipocalémia, isto significa que o défice de K+ é muito grande.
e. se a correcção da acidose exigir administração de bocarbonato, corrigir sempre primeiro a
hipocalémia ou vamos agravar ainda mais o défice de K+
f. se coexistir hipomagnesémia administrar sulfato de magnésio

Hipercalémia
Definição
K+ > 5,5mEq/L

Riscos associados
Paragem cardíaca
Arritmias
Fraqueza muscular

Alterações electrocardiográficas:
ondas T altas e ponteagudas
desaparecimento da onda P
alargamento do QRS
Paragem cardíaca
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
76

Figura 5.6 – Alterações electrocardigráficas na hipercalémia.

Diagnóstico diferencial

1. Pseudohipercalémia
Deve-se habitualmente a hemólise durante a colheita.
Ocorre também nos casos de leucocitose ou trombocitose maciças.

2.Saída de K+ das células


Estas são as causas mais frequentes de hipercalémia aguda.
Situações em que há destruições celulares maciças: rabdomiólise, hemólise, síndrome de lise tumoral,
isquemia tecidular aguda...
Cetoacidose diabética
Paralisia periódica hipercalémica - rara

3. Retenção renal de K+
1. Diminuição primária de mineralocorticoides
A diminuição primária de mineralocorticoides ocorre mais frequentemente no hipoaldosteronismo hiporre-
ninémico, cuja causa mais comum é a nefropatia diabética. Na doença de Addison em que há falência da
supra-renal também há défice de mineralocorticoides.

2. Diminuição primária do Na+ no tubo colector


Insuficiência renal aguda
Quando é oligúrica, há diminuição da chegada de sódio ao tubo colector e consequentemente diminuição
da secreção de K+. A hipercalémia é frequente.

Insuficiência renal crónica


Há diminuição da filtração glomerular e consequentemente diminuição da chegada de sódio ao tubo colec-
tor; acresce que o nº de nefrónios funcionantes é menor e portanto menos tubos colectores funcionantes
para secretar potássio. Esta situação é contrabalançada por vários mecanismos de defesa:
os tubos colectores remanescentes adquirem amior capacidade de excretar K+
a redistribuição celular é mais rápida nos doentes com IRC
a excreção intestinal de K+ é maior nos doentes com IRC

Desta forma a hipercaliémia é incomum até que a TFG seja inferior a 5mL/min. A ocorrência de hipercalé-
mia em doentes com IRC e TFG>10mL/min deve-se normalmente a níveis de aldosterona baixos, lesões
no tubo colector ou utilização de fármacos que causam hipercalémia.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
77

3. Tubo colector anormal


Doenças genéticas raras e casos de nefrites tubulo-intersticiais que destroem o tubo colector.

4. Fármacos
Diuréticos poupadores de K+
IECA’s
Ciclosporina

Lúmen tubular Interstício

Na+ 3 Na+

2 K+

Amilorido triamptereno
K+

K+

Figura 5.7 – Transporte de sódio no tubo colector cortical

Este canal de Na+ (Fig. 5.7) é inibido pelos diuréticos amilorido e triantereno, resultando neste caso numa
diminuição da secreção de K+ e hipercalémia.

O estudo RALES publicado em 1999 mostrou que a adição de 25 mg de espironolactona aos IECAs redu-
zia a mortalidade nos doentes com insuficiência cardíaca congestiva. No entanto, o numero de doentes
hospitalizados por hiperkalemia aumentou de 2.4/1000 em 1994 para 11/1000em 2001 e a mortalidade
por hiperkalemia de 0.3/1000 para 2.0 / 1000. Isto coloca um dilema terapêutico, porque os doentes de
mais risco são também os que mais beneficiam com a terapeutica. O risco aumenta de forma significati-
va quando a filtração glomerular é inferior a 30 ml/min.

Medidas para minimizar risco de hiperkalémia em doentes com ICC a tomar 25 mg de espironolactona:
Vigiar função renal
Vigiar com frequência o potássio se TFG < 30 ml/min
Suspender outras drogas que provocam hiperkalémia (AINEs; medicamentos de ervanário, substitutos
do sal)
Acrescentar furosemida
Se há insuficiência renal e acidose – administrar bicarbonato de sódio
Após inicio de IECA /ARA II:
Usar dose baixa
Dosear potássio na semana seguinte
Uso de resina permutadora de iões – é mal tolerada e o uso crónico provoca erosão da mucosa do tubo
digestivo.

Abordagem do doente com hipercaliémia


Para efeitos práticos podemos dividir a hipercalémia em aguda ou sustentada. Se o doente com hiperca-
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
78

lémia está assintomático e consegue andar, isto significa que a hipercalémia é sustentada e o diagnóstico
diferencial é entre as situações de défice de mineralocorticoides e anomalias do tubo colector.

Tratamento da hipercaliémia aguda


O tratamento da hipercalémia aguda (vide Cap. 2) destina-se a:

1. Bloquear os efeitos do K+ no coração, administrando cloreto ou gluconato de cálcio, que são efica-
zes em segundos.
2. Promover da entrada de K+ nas células, com Insulina + Glicose e salbutamol
3. Remover do K+ do organismo, com resina permutadora de iões, hemodiálise

Tratamento da hipercaliémia crónica


Avaliar a pressão arterial:
se o doente é hipotenso, ou tem hipotensão ortostática, o diagnóstico provável é um défice de
mineralocorticoides e portanto o tratamento é fludrocortisona.

se o doente é hipertenso, tratamos com diuréticos da ansa para aumentar a chegada de Na+ ao tubo
colector cortical, e desta forma aumentar a excreção de K+. A administração de bicarbonato de sódio
também é util porque corrige a acidose que muitas vezes se associa a estas situações e pode contribuir
para o aumento da chegada de Na+ ao tubo colector.

Bibliografia
Nephrology self-assessment program, Vol 5, Nº 1, Jan 2006
Clinical Phisiology of acid-base and electrolyte disorders, Burton David Rose, Theodore W. Post
NEPHSAP, Vol 15, Jan 2006

Fim do capítulo.
Capítulo 6
Metabolismo
do Sódio e da Água
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
81

Objectivos
Compreender os princípios fisiológicos que regem a osmolaridade dos líquidos corporais.
Conhecer o funcionamento básico do nefrónio no controlo da água e dos solutos.
Entender os mecanismos fisiopatológicos das alterações do sódio mais frequentes na prática clínica,
Saber traçar um algoritmo de abordagem diagnóstica nas hiponatrémias e nas hipernatrémias,
Conhecer os riscos associados ao tratamento e definir planos terapêuticos adequados a cada situação.

I. Fisiologia da osmolaridade dos líquidos corporais


A vida teve início na água. O conteúdo da célula é esmagadoramente constituído por água. Os organismos
pluricelulares são constituídos por “tijolos” líquidos, imersos numa matriz ela mesma predominantemen-
te líquida. Cerca de 60% do peso do homem e 50% do da mulher é água. Desses, 2/3 são intracelulares
e 1/3 extracelulares. Do líquido extracelular, 1/5 corresponde ao volume intravascular.

A célula está em contacto com o meio externo por meio de uma membrana permeável à água. A manuten-
ção do conteúdo aquoso das células depende da relação entre solutos do interior da célula e do exterior.
Estes solutos podem ser macromoléculas (como as proteínas e os fosfatos orgânicos) ou iões (como o
potássio e o sódio). O funcionamento da célula e o seu volume estão na dependência estrita da quantida-
de de solutos ou partículas osmoticamente activas.

Dizemos que uma partícula é osmoticamente activa quando ela não se move livremente através das mem-
branas celulares. Assim, ela “obriga” a água a manter-se no local onde se encontra. As partículas que mais
contribuem para a osmolaridade intracelular efectiva são o potássio e os fosfatos. No espaço extracelular
este papel é realizado quase totalmente pelo sódio.

A osmolaridade de um liquido é definida por:

número de partículas osmoticamente activas por kg de solução (mOsm/Kg);


ser independente do tamanho das partículas;
corresponder à resistência dessa solução à perda de água quando em confronto com outra através de
uma membrana semi-permeável.

A água desloca-se livremente entre os vários compartimentos corporais de forma a manter osmolaridades
iguais entre todos os compartimentos.

A deslocação da água mantém a osmolaridade intracelular igual à extracelular e à intravascular.

A Osmolaridade pode ser calculada ou medida directamente, numa solução.

Osmolaridade calculada = 2X[Na+] + Ureia/5,6 + Glicose/18


Gap osmótico = Osm medida – Osm calculada (=5 a 10mOsm/Kg)

A osmolaridade calculada por Kg de plasma corresponde, de facto, a um volume de distribuição dos solu-
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
82

tos pela fracção aquosa do plasma, a qual corresponde, em situações normais, a 93% do total do plasma.
Os restantes 7% são a fracção lipídica e proteica. Por este motivo, a concentração real de sódio na água
do plasma é de cerca de 154 mEq/L, o teor de sódio do Soro Fisiológico.

A medição da osmolaridade do plasma não é realizada por rotina nos nossos laboratórios. Assim, na prá-
tica clínica usa-se a osmolaridade calculada, que normalmente varia entre os 280 e 290 mOsm/Kg.

A osmolaridade efectiva do plasma, também conhecida como tonicidade, é conferida pelas partículas que
não se difundem facilmente entre os compartimentos: em situações normais são o Na+ e a glicose.

Tonicidade = Osmolaridade efectiva

A ureia, que aparece na fórmula do cálculo da osmolaridade do plasma, não é um osmólito efectivo uma
vez que a membrana celular lhe é muito permeável. Assim, a ureia não provoca diferenças de osmolarida-
de entre os compartimentos intra e extracelular.

Em situação normal, 95% da tonicidade do plasma é da responsabilidade do Na+. Deste modo, todas as
hipernatrémias cursam com hipertonicidade.

Pelo contrário, as hiponatrémias podem cursar com hipotonicidade, normotonicidade ou mesmo hiperto-
nicidade (ex. hiperglicemia) do plasma.

A tonicidade plasmática é objecto de um controlo estrito porque o volume intracelular varia de forma pro-
porcional mas na razão inversa da tonicidade plasmática. Se a tonicidade plasmática aumenta o volume
intracerebral diminui proporcionalmente (por perda de água) e vice-versa.

As variações do volume celular cerebral são responsáveis pelas manifestações clínicas,


podendo causar lesões irreversíveis e morte!

Osmolaridade e volémia:

O organismo desenvolveu mecanismos para controlo da osmolaridade que dependem, sobretudo, do meta-
bolismo (ingestão e eliminação) da água. Estes mecanismos controlam a sede e a eliminação de água pelo
rim.

A osmolaridade é controlada de forma integrada pelos seguintes mecanismos:

Sede e acesso à água que é dependente da activação de osmorreceptores do hipotálamo;

Produção de Hormona Anti-Diurética (ADH ou Vasopressina), por estimulação dos mesmos osmorre-
ceptores. A ADH induz o aparecimento de poros de permeabilidade à água nas células tubulares dos
tubos colectores dos nefrónios.

Qualquer alteração destes mecanismos pode influenciar o metabolismo da água. Em situações normais o
rim tem capacidade de variar a excreção de água até 50 vezes (400 ml a 20 L) e a osmolaridade da urina
até 35 vezes (35 a 1200 mOsm/Kg).
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
83

O funcionamento do nefrónio depende:


1. do aporte tubular (filtrado glomerular)
2. da reabsorção de sódio no segmento ascendente da ansa de Henle e da presença da ADH (Fig. 6.1).

O rim filtra por dia cerca de 145L de água (4 vezes a água corporal total). Destes, cerca de 99% são recu-
perados. Os túbulos proximais reabsorvem cerca de 95L e a ansa de Henle mais 30L. Aos túbulos distais
chegam no máximo de 20 L, dos quais 19,5 L podem ser reabsorvidos até aos túbulos colectores, quan-
do tornados permeáveis à água por acção da ADH. A reabsorção de água neste local é feita de forma pas-
siva, graças ao gradiente hiperosmolar do interstício medular renal, gerado pela reabsorção activa de sódio
na ansa de Henle.

Proximal Tubule Distal Tubule


145 L/day Isotonic Maximally Dilute 20L/d
filtered

H2O NaCl NaCl Cortical


(95 L/d) (HCTZ- collecting
Sensitive) duct

Cortex
Medula
H2O (30 L/d) NaCl H2O (up to
(Furosemide- 19.5 L/d)
Sensitive; requires ADH
Hypertonic
Establishes
Loop of Henle Interstitial
Medullary
AVP absent (20 L/d)
Gradient)
dilute urine

AVP present (1 L/d)


concentrated urine

Figura 6.1 - Mecanismos de controlo da água pelo nefrónio. (in Gauthier PM, Szerlip HA. Common electrolyte disorders. In:
Hospital Medicine. Wachter RM, goldman L, Hollander H, Eds. Philadelphia: Lippincott Williams&Wilkins, 2000:859-869.)

Por dia, são eliminados cerca de 600 mOsm de solutos, derivados do metabolismo. Sendo a concentra-
ção máxima de urina de cerca de 1200 mOsm/Kg, o volume mínimo de urina diária para que não haja acu-
mulação de solutos é de 500 ml.

Na insuficiência renal, a baixa da filtração glomerular, é compensada por este “excesso” de filtrado diário.
Só em níveis graves de insuficiência renal é que os nefrónios “restantes” não conseguem regular o meta-
bolismo do sódio e da água adequadamente.

Os diuréticos de ansa inibem a reabsorção tubular de sódio no segmento ascendente da ansa de Henle.
Desta forma, impedem a formação do gradiente hiperosmolar do líquido intersticial medular renal. Assim,
o efeito final e predominante dos diuréticos de ansa é promover perda de água livre superior à de sódio;
ou seja, promovem uma urina menos concentrada, baixando a osmolaridade máxima da urina para cerca
de metade da que teria sem o seu efeito.
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
84

Os diuréticos tiazídicos actuam nos túbulos contornados distais, inibindo a reabsorção de sódio. Desta
forma, provocando aumento do teor de sódio no líquido que chega aos túbulos colectores, promovem
menor reabsorção passiva de água e originam perda de sódio superior à de água. Por este motivo são uma
das causas de hiponatrémia nos doentes que continuam a ingerir água.

A volémia (volume intravascular efectivo) depende sobretudo da quantidade de solutos osmoticamente


activos desse espaço. O sódio é, de longe, o seu principal constituinte e, assim, a volémia está controla-
da por mecanismos que regulam a eliminação ou reabsorção de sódio pelo rim.

A osmolaridade é regulada pelo controlo da água; A volémia é regulada pelo controlo do sódio.

A volémia é proporcional à quantidade de sódio corporal total e tem 4 sistemas de controlo:


1. ADH.
2. Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona.
3. Sistema Adrenérgico.
4. Sistema de Peptídeos Natriuréticos.
O sistema de controlo da osmolaridade e o sistema de controlo da volémia coincidem em muitos pontos
e podem concorrer ou competir um com o outro (Fig. 6.2).

A osmolaridade plasmática, sendo vital para o funcionamento celular e, nomeadamente, do sistema ner-
voso, é estritamente controlada. Variações de apenas 2% da osmolaridade são imediatamente detectadas
pelos osmorreceptores cerebrais que desencadeiam mecanismos neuro-hormonais para o seu controlo.

Os mecanismos de controlo da volémia são, da mesma forma, desencadeados por variações de apenas
10% da mesma.

2% Increase 10% Decrease


ECF osmolality circulating volume

CNS Osmoreceptor Baroreceptor

ADH release Angiotensin II

Antidiuresis OPR Thirst

Water conservation Water acquisition

 Circulating volume
ANP ANP
 ECF osmolality

Figura 6.2 - Relação entre os mecanismos de regulação da osmolaridade e da volémia. OPR = reflexo orofaríngeo,
ANP = Peptídeo natriurético auricular. (in Kokko JP. Fluids and electrolytes. In: Goldman J, Ausiello D. Eds. Cecil
Textbook of Medicine, 22nd Ed. Philadelphia: WB Saunders, 2004: 669-687.).
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
85

A ADH é comum aos dois sistemas. A resposta da ADH à elevação da osmolaridade é linear, mas a res-
posta à hipovolémia é exponencial. Assim, em situações extremas, o estímulo da hipovolemia sobrepõe-
se ao estímulo osmolar (Fig. 6.3).

20 40
Osmotic ADH release Volume-mediated
ADH release
15 30
PLASMA ADH

PLASMA ADH
pg/ml

pg/ml
10 20

5 10

0 0
285 295 305 315 5 10 15 20

PLASMA OSMOLALITY (mOsm/kg H2O) BLOOD VOLUME DEPLETION (per cent)

Figura 6.3 - Comparação das respostas da ADH ao aumento da osmolaridade e à hipovolémia (in Kokko JP. Fluids and elec-
trolytes. In: Goldman J, Ausiello D. Eds. Cecil Textbook of Medicine, 22nd Ed. Philadelphia: WB Saunders, 2004: 669-687.).

A hipovolémia grave é um estímulo mais potente do que a osmolaridade para a secreção de ADH.

Isto significa que um doente hipovolémico pode ter excesso de ADH em relação ao que seria necessária pela
osmolaridade plasmática. Estes doentes podem apresentar hiponatrémia e hiposmolaridade por esse facto.

Nestes casos, a expansão vascular produz frenação da ADH e diurese de água livre. Este mecanismo con-
tribui para a correcção das hiponatrémias com hipovolémia.

Hiponatrémia
I – Fisiopatologia da hiponatrémia
Definição: [Na+] no plasma < 135 mEq/L.

A hiponatrémia corresponde, regra geral, a um excesso de água corporal em relação à quantidade de sódio.

A hiponatrémia reflecte quase sempre uma incapacidade de excretar a água ingerida, por perturbação de
um dos mecanismos de controlo da osmolaridade que vimos no capítulo sobre o metabolismo da água e
do sódio. Na maioria dos casos (cerca de 80%) está associada a excesso relativo ou absoluto de ADH em
relação àquilo que seria esperado para o valor de osmolaridade plasmática. Isto significa que há um meca-
nismo de hipersecreção da ADH que se sobrepõe à regulação normal da osmolaridade.

A diminuição do volume extracelular (desidratação) deve ser distinguida da diminuição do volume vas-
cular efectivo (hipovolémia).
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
86

No 1º caso o doente apresenta alterações clínicas inespecíficas (fadiga, anorexia, caimbras, alterações
neurosensoriais e sede) enquanto que no 2º caso apresenta sinais de hipoperfusão periférica, diminuição
da pressão venosa central, hipotensão ortostática e taquicardia ortostática.

O aumento do volume intravascular (ou do líquido extracelular) traduz-se por edemas, aumento da pres-
são venosa jugular e sinais de congestão pulmonar.

A activação dos mecanismos de controlo da volémia (barorreceptores carotídeos e auriculares) depende


da volémia e não do volume do líquido extracelular ou da osmolaridade.

A hiponatrémia pode ocorrer em doentes com sinais de:

deplecção de volume (hipovolémia),


sem sinais de deplecção de volume (normovolémia = euvolémia)
com sinais de hiperhidratação (por aumento do volume extracelular).

Neste último caso, costumamos classificar como “hiponatrémia com hipervolémia”, embora na realidade
possa corresponder a aumento do volume de água corporal com volume intravascular efectivo reduzido,
estando a água em excesso distribuída pelo 3º espaço (ex: cirrose hepática ou insuficiência cardíaca). Nestes
casos, de facto, podem funcionar mecanismos fisiológicos de hipovolémia, com aumento da ADH (fig. 7).

II - Diagnóstico
A abordagem diagnóstica da hiponatrémia obriga a 3 passos:

1. Avaliação dos dados clínicos para identificação de causa(s) prováveis.


2. Avaliação do estado de volémia e hidratação.
3. Avaliação laboratorial.

1. História clínica:
Na história clínica dos doentes com hiponatrémia devem ser tidos em conta os seguintes aspectos, por
serem orientadores para as causas mais frequentes de hiponatrémia:

1.1. Distinguir uma hiponatrémia de instalação em ambulatório ou em internamento. De facto, as


hiponatrémias desenvolvidas em ambulatório têm um leque maior de causas, sendo mais fre-
quentes as associadas ao uso de diuréticos tiazídicos e as hiponatrémias por hiperglicemia ou
por insuficiência cardíaca ou hepática. Em internamento, pelo contrário, as hiponatrémias são na
sua maioria por SIADH ou por administração indevida de soros hipotónicos.

1.2. É fundamental inquirir sobre a ingestão de água ou administração de soros. Sabemos que, por
exemplo, o aparecimento de hiponatrémia nas mulheres idosas está associado a uma predispo-
sição particular com manutenção de ingestão de água apesar do tratamento diurético.

1.3. A presença de vómitos ou diarreia pode orientar para a presença de uma hiponatrémia hipovolé-
mica, com perda de água e de sódio, sendo este último predominante.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
87

1.4. O uso de diuréticos ou outros fármacos pode explicar a hiponatrémia. Assim, num doente que
usava diuréticos de ansa, a depleção de volume pode levar a aumento da ADH e, após suspen-
são do diurético, este mecanismo de correcção da hipovolémia dar origem a hiponatrémia. Do
mesmo modo, alguns fármacos são, eles próprios, estimuladores da libertação da ADH e podem
originar um SIADH (ex: ciclofosfamida).

1.5. Um aspecto fundamental para o tratamento é o tempo de instalação. As manifestações da hipo-


natrémia são tanto maiores quanto mais rápida for a sua instalação e o ritmo de correcção pode-
rá seguir a mesma regra. Assim, será importante tentar perceber por análises anteriores e pela
clínica o tempo de instalação da hiponatrémia. Iremos ver, no entanto, que a divisão das hipo-
natrémias em mais ou menos de 48h de instalação é difícil e de utilidade relativa.

1.6. Finalmente, é fundamental ter uma história detalhada dos antecedentes patológicos, uma vez
que as doenças endócrinas, a insuficiência renal, hepática ou cardíaca são causas frequentes de
hiponatrémia. Na avaliação de um SIADH é fundamental, igualmente, a história de patologias do
SNC, pulmonares ou infecciosas.

2. Volémia e hidratação:
O médico deve avaliar:
turgor cutâneo, hidratação da pele e mucosas
hipotensão e/ou taquicardia ortostática
pressão venosa jugular
sinais de hipoperfusão periférica e central (renal e cerebral)
presença de edemas

A avaliação do doente deve permitir classificar em:


Liquido Extracelular (LEC) diminuido / LEC normal / Aumento do LEC

3. Avaliação laboratorial:
A avaliação duma hiponatrémia pode exigir recurso aos seguintes exames auxiliares:
Ionograma completo, glicose e ureia plasmáticos (para cálculo da osmolaridade) e medição directa da
osmolaridade plasmática
Osmolaridade urinária
Sódio urinário
Proteínas e lipídeos plasmáticos

Estes exames laboratoriais permitem avaliar se estamos em presença de uma hiponatrémia hipo, normo ou
hipertónica. O doseamento de proteínas e lipídeos permite excluir uma hiponatrémia fictícia, por aumento
da fracção não aquosa do plasma. A osmolaridade urinária permite distinguir as hiponatrémias por dilui-
ção com aporte exagerado de água livre (potomania, soros hipotónicos) das hiponatrémias com aumento
relativo da ADH. Finalmente, o sódio urinário vai permitir distinguir hiponatrémia com LEC diminuido de
tipos diferentes (ver algoritmo).
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
88

Normal Osmolaridade plasmática Elevada

Pseudo- Baixa Hiperglicemia


Hiponatrémia. ou
Osmóis não
medidos.

Medir Medir Baixa


triglicerídeos, osmolaridade urinária
proteínas.

Intoxicação pri-
Elevada mária pela água
(>100 mOsm/Kg) (polidipsia psico-
génica, potomania
de cerveja).

Estado do
Liquído Extra Celular

Diminuido Normal Aumentado

Medir
sódio

< 10 mmol/L > 20 mmol/L

Vómitos, Insuficiência SIADH, Insuficiência car-


diarreia, suprarenal, insuficiência renal, díaca congestiva,
3º espaço. síndrome de tiazidas, síndrome nefróti-
perda de sal, alteração do co,
diuréticos. osmostato, cirrose.
hipotiroidismo,
défice glucocorti-
coide.

Figura 6.4 - Algoritmo de abordagem diagnóstica da hiponatrémia (Adaptado de Gauthier PM, Szerlip HA. Common
electrolyte disorders. In: Hospital Medicine. Wachter RM, goldman L, Hollander H, Eds. Philadelphia: Lippincott
Williams&Wilkins, 2000:859-869).

O estudo analítico deve permitir classificar as hiponatrémias em:


Hipotónicas - Isotónicas - Hipertónicas
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
89

Tendo realizado estes 3 passos obrigatórios, pode-se orientar a estratégia diagnóstica de acordo com o
algoritmo proposto. Este algoritmo permite obter rapidamente a compreensão dos mecanismos que pode-
rão estar a provocar a hiponatrémia e orientar o estudo para causas mais restritas.

Explicação do Algoritmo (Fig 6.4):

A osmolaridade plasmática poderá apresentar um valor normal, elevado ou diminuído:

Osmolaridade normal = hiponatrémia isotónica

Quando o gap osmótico está elevado (>10). É o caso da pseudo-hiponatrémia por aumento da fracção
não aquosa do plasma (>7%) como na:
Hiperlipidemia grave
Hiperproteinémia grave
O diagnóstico depende do contexto e da medição das proteínas e lipídeos plasmáticos.

Causas de SIADH
Neoplasias
Pulmão, mediastino, extra-torácicos
Doenças do sistema Nervoso Central
Psicose aguda, LOEs, doenças desmielinizantes e inflamatórias, AVC hemorrágico ou isquémico, TCE
Drogas
Desmopressina, ocitocina, inibidores das prostaglandinas, nicotina, triciclicos, fenotiazinas, inibidores da recap-
tação da serotonina, derivados opióides, clofibrato, clorpropamida, carbamazepina, ciclofosfamida, vincristina
Doenças pulmonares
Infecções, insuficiência respiratória aguda, ventilação com pressão positiva
Outras
Pós-operatório, dor, náusea severa, infecção VIH

Osmolaridade elevada = Hiponatrémia hipertónica

Se a osmolaridade real está elevada, o sódio diminuiu como forma de compensação. Estes casos corres-
pondem à presença de um soluto com actividade osmolar efectiva limitada ao compartimento extra-celu-
lar. Correspondem a cerca de 15% das hiponatrémias e a causa mais frequente é a hiperglicemia. Na hiper-
glicemia a [Na+] plasmático baixa 1,6 meq/L por cada 100 mg/dl que a glicemia sobe.

Osmolaridade baixa = Hiponatrémia hipotónica

Os casos de hiponatrémia hipotónica são os mais frequentes. Correspondem aos casos de osmolaridade
baixa verdadeira. Este tipo de hiponatrémia pode ser devido a dois grandes mecanismos:

I - Aumento exagerado da ingestão de água (polidipsia psicogénea ou potomania de cerveja). Neste caso
o rim responde adequadamente eliminando uma urina maximamente diluída, com osmolaridade infe-
rior a 100 mOsm/Kg.

II - Perturbação da excreção de água. Que é o que acontece na maioria dos casos de hiponatrémia. De
facto, as hiponatrémias têm quase sempre associado um mecanismo que impede a normal excreção
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
90

de água. Podemos sistematizar estes mecanismos em dois grupos:

Diminuição da função tubular (IRC avançada)


Elevação persistente da ADH

Quando o mecanismo é o aumento da ADH, duas situações podem ocorrer:

1. Deplecção efectiva do volume: Neste caso o mecanismo de secreção da ADH dependente da hipovolé-
mia grave sobrepõe-se ao mecanismo da osmolaridade. Como têm acções de sentidos contrários, o
valor de ADH encontra-se acima do que seria necessário para manter uma osmolaridade plasmática nor-
mal. O rim reabsorve maior proporção de água o que provoca a hiponatrémia hipotónica. Na prática clí-
nica este mecanismo é muito frequente e pode encontrar-se em doentes com:

a) aumento do volume extracelular:


insuficiência cardíaca,
cirrose hepática,
síndrome nefrótico ou com

b) diminuição do volume extracelular:


por perda renal: diuréticos, nefropatia com perda de sal, bicarbonatúria, cetonúria;
por perda extra-renal: diarreia, vómitos, hemorragia, sequestração para o “terceiro espaço”

2. SIADH = síndrome de secreção inapropriada de ADH é a entidade isolada mais frequentemente respon-
sável por hiponatrémia nos doentes internados. Neste síndrome o doente está euvolémico mas apresen-
ta uma causa farmacológica ou uma patologia que estimula a secreção de ADH independentemente da
osmolaridade. O diagnóstico de SIADH coloca-se nos doentes euvolémicos, com osmolaridade uriná-
ria > 300 mOsm/Kg (sempre superior à do plasma) e habitualmente fixa em cerca de 600 mOsm/Kg.
O doente tem hipouricemia associada devem er excluídas outras causas de hiponatrémia euvolémica..

Tiazidas: Há doentes, particularmente mulheres idosas, que fazem hiponatrémia grave, horas ou dias após
início das tiazidas. Este síndrome, associa uma predisposição de causa não esclarecida à deplecção de
potássio + estimulação da sede + manutenção de ingestão de água apesar da hiponatrémia.

Insuficiência Supra-renal e Hipotiroidismo: Neste caso, embora não se saiba qual é o mecanismo, o
doente tem normovolémia e a presença de sinais clínicos são pistas a explorar (por ex. Hipercaliémia).

Alteração do osmostato: A alteração do osmostato é uma causa não rara de hiponatrémia. É mais fre-
quente em doentes idosos e corresponde a um novo “set” do valor “normal” de osmolaridade pelos recep-
tores hipotalâmicos. Calcula-se que cerca de 1/3 dos casos aparentes de SIADH sem causa identificada
correspondem a este síndrome. Trata-se de uma situação benigna, que não requer tratamento. A suspeita
deste mecanismo deve ocorrer em presença de hiponatrémia crónica moderada ([Na+] > 125 mEq/L),
assintomática que tende a voltar sempre a um valor fixo quando se tenta a correcção.

Tidos estes mecanismos de formação e manutenção de hiponatrémia hipotónica (osmolaridade baixa),


podemos facilmente, com a medição da osmolaridade urinária, descartar os casos de aumento de inges-
tão de água livre.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
91

Nos restantes casos, a urina tem osmolaridade > 100 mOsm/Kg. O passo seguinte será a avaliação do
estado do liquido extracelular (LEC) do doente. Por vezes o doente tem aumento do compartimento extra-
celular (ex. ICC) com verdadeira hipovolémia funcional. Estes casos, no entanto, são classificados como
aumento do LEC.

A avaliação do LEC permite classificar os doentes em:

1. LEC diminuido: O mecanismo é sempre elevação da ADH. Devemos medir o sódio urinário, que nos
permitirá distinguir os casos de perda renal ou extrarenal.

[Na+] urinário < 10 = o rim está a reabsorver sódio, o que sugere uma causa extrarenal: Vómitos,
diarreia, hemorragia, terceiro-espaço.

[Na+] urinário > 20 = o rim não está a reabsorver sódio, o que sugere uma causa intrínseca renal:
diuréticos, diurese osmótica (bicarbonato, cetonúria…), nefropatias perdedoras de sal (poliquis-
tose, pielonefrite crónica, uropatia obstrutiva, acidose tubular renal tipo II, perda de sal “cerebral)

A [Na+] urinário permite distinguir as causas intrínsecas renais das extrarenais nas hiponatrémias hipovolémicas.

2. LEC normal: A hiponatrémia euvolémica é a mais frequente em doentes hospitalizados. e a sua causa
mais frequente é o SIADH, a causa pode ser:
SIADH.
Insuficiência renal crónica, na qual os nefrónios sobrantes já não conseguem diluir a urina abaixo
de 200 - 250 mOsm/Kg. Se a carga de solutos for baixa (desnutrição, anorexia) e a ingestão de
água se mantiver, há retenção de água livre por não haver solutos necessários à sua excreção,
embora o doente se apresente euvolémico.
Tiazidas.
Insuficiência supra-renal ou Hipotiroidismo.
Alteração do osmostato.

3. LEC aumentado: Nestes doentes, conforme vimos, apesar da retenção de volume extracelular há hipo-
volémia funcional. As causas principais são:
Insuficiência cardíaca congestiva.
Cirrose hepática.
Síndrome nefrótico.
Gravidez.

III - Clínica:
As manifestações clínicas da hiponatrémia podem ser resumidas em gastrointestinais e neuropsiquiátricas,
reflectindo estas o edema cerebral (figura 5) e são proporcionais à rapidez de instalação da hiponatrémia.

O cérebro adapta-se à hipoosmolaridade extracelular em dois tempos:

1º. O neurónio perde solutos inorgânicos (electrólitos), sobretudo o potássio. Ocorre em horas e é rapida-
mente reversível.
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
92

2º. Perda de solutos orgânicos (osmólitos), sobretudo aminoácidos e carbohidratos. Este mecanismo
necessita da síntese de novos transportadores e demora dias. É responsável por 1/3 da perda de volu-
me celular cerebral na adaptação crónica à hiponatrémia. A sua reversão é lenta e acarreta risco de
edema cerebral com mielinólise centro-pôntica se a correcção da osmolaridade for demasiado rápida.

Os sintomas aparecem habitualmente com hiponatrémias inferiores a 125 mEq/L mas dependem da rapi-
dez de instalação.

Regra geral,
[Na+] > 125 mEq/L provoca apenas sintomas gastrointestinais: náuseas, vómitos, anorexia;
[Na+] < 125 mEq/L provoca sintomas neuropsiquiátricos.

A progressão dos sintomas neuropsiquiátricos traduz a gravidade crescente:


fraqueza muscular
cefaleia
letargia
ataxia reversível
psicose
convulsões
coma
herniação supratentorial e morte

IV - Tratamento:

Plano terapêutico: para correcção de uma hiponatrémia é necessário realizar em simultâneo duas tarefas.

1º. tratar a causa da hiponatrémia.

2º. corrigir adequadamente a osmolaridade e a natrémia.

Considerações necessárias à correcta planificação do tratamento:

1. Qual o risco de desmielinização osmótica?


2. Qual a taxa adequada de correcção para minimizar o risco?
3. Qual o melhor método para elevar a concentração de sódio plasmático?

1. Risco de desmielinização osmótica.


As manifestações clínicas da mielinólise centro-pôntica ocorrem 2 a 6 dias após a correcção e incluem:
disartria, disfagia, paraparésia ou tetraparésia, letargia e coma.
A taxa de correcção nas primeiras 24h é o critério mais importante para o aparecimento desta complica-
ção grave.
Há grupos de risco como mulheres pré-menopáusicas. A desmielinização aparece estatisticamente asso-
ciada a correcções superiores a 12 mEq/L nas 24h (> 0,5 mEq/h). Embora o risco seja maior na hipona-
trémia crónica (>48h), esta distinção é, na prática, artificial. De facto, em todos os casos não emergen-
tes, o ritmo de correcção deve ser inferior a este limite de segurança.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
93

2. Taxa adequada de correcção para minimizar o risco.


Como vimos, a taxa de correcção não deve ser baseada na facto da hiponatrémia ser aguda ou crónica. A
excepção a esta regra será a instalação da hiponatrémia em internamento, com causa identificada (por ex:
administração de soros). O ritmo de correcção deve ser baseado apenas nos sintomas. Nos doentes
sintomáticos deve ser feita correcção activa com soros até melhoria dos sintomas.

O ritmo de correcção das hiponatrémias é decidido pelos sintomas do doente.

Se o doente está assintomáticas, a correcção não deve ultrapassar 8 a 12 mEq/dia

Se o doente está sintomático corrige-se 1,5 a 2mEq/h nas primeiras 3-4h ou até melhoria dos sintomas.

Manter sempre o objectivo de corrigir < 12mEq/24h.

Avaliar resultado da correcção cada 4-6h e ajustar o plano.

A resposta é dinâmica e como simultâneamente se corrige a volémia (o que altera a regulação da ADH) a
resposta renal nem sempre é previsível, pelo que se deve monitorizar o ionograma para ajustar a interven-
ção em tempo útil.

Em caso de correcção exagerada, se o valor de sódio for forçado a baixar o mais precocemente possível
para o valor pretendido, com soros hipotónicos ou administração de DDAVP, isto pode reduzir o risco de
desmielinização. Uma vez instalados os sinais, raramente são reversíveis.

Em caso de correcção exagerada forçar, com soros hipotónicos, a baixa do sódio para os
valores pretendidos.

3. Método para elevar a [Na+]:


Já vimos que é o facto do doente estar sintomático que deve motivar a decisão inicial e o ritmo de repo-
sição. Como regra geral, a administração de soros hipertónicos só está claramente indicada nos doentes
sintomáticos. Nos restantes, a escolha do método para elevar o sódio depende da volémia do doente e
deve seguir os seguintes princípios:

Doente hipervolémico:
restrição de água e administração de diurético de ansa. Este vai produzir urina com osmolaridade cerca de
metade da que teria antes da sua utilização. Desta forma, promove perda de água livre.

Doente hipovolémico:
dar prioridade ao que produz mais sintomatologia: hipovolemia ou hiponatrémia.
Se a hipovolémia é sintomática, deve ser feita expansão inicial da volémia com soro isotónico (SF) até
repor volémia. Esta reposição vai frenar a ADH e provocar, nas horas seguintes, uma diurese de urina
diluída com correcção adicional da hiponatrémia. Se a correcção inicial da hipovolémia for feita com
soro hipertónico, pode resultar na subida do sódio por dois mecanismos (expansão volémica + admi-
nistração de sódio) e se a correcção for exagerada há risco de mielinólise.

Nos casos em que a sintomatologia predominante é devida à hiponatrémia, deve ser feita uma correc-
ção rápida inicial com soro hipertónico em pequeno volume, pelo mesmo motivo anterior.
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
94

Ultrapassada a sintomatologia inicial e a urgência de correcção, o défice deve ser reposto com soros hiper-
tónicos em relação à osmolaridade plasmática, o que pode significar apenas soro fisiológico.

Doente Euvolémico:
No doente sintomático, devemos realizar reposição inicial com soro hipertónico.

No doente assintomático, a reposição consegue-se com restrição hídrica ou soro isotónico (SF) asso-
ciado a diurético de ansa.

Nota: No SIADH a reposição tem que ser com soro hipertónico em relação à urina (que tem habitualmen-
te 600 mOsm/Kg) ou, em alternativa, soro fisiológico e redução da osmolaridade urinária com administra-
ção concomitante de diurético de ansa.

Princípios gerais de escolha dos soros:


No tratamento da hiponatrémia há muitas vezes necessidade de repor também outros iões, nomeadamen-
te o potássio. O potássio é o grande responsável pela osmolaridade intracelular que se equilibra com a
extracelular. Para efeitos de reposição o potássio deve entrar na conta dos iões administrados.

Na literatura são propostas várias fórmulas para calcular a correcção da natrémia. Na prática um plano deli-
neado com monitorização periódica do ionograma e reajuste da estratégia, é o mais eficaz e seguro.
Nenhuma fórmula pode entrar com todos os factores em acção, o dinamismo da resposta adaptativa e
imponderáveis como as alterações da ADH e as perdas urinárias.

Recomendação:
1º. Decidir qual a variação do sódio plasmático e o tempo de correcção pretendidos;
2º. Escolher o soro a utilizar (em geral SF ou SF com NaCl hipertónico);
3º. Calcular o volume desse soro necessário para elevar o valor do sódio pretendido e mandar administrar
no intervalo de tempo adequado, com a fórmula:

Volume de soro (L) = Δ [Na+] x (Água corporal total + 1)


[Na+] soro - [Na+] doente

Legenda:
Δ [Na+] = Variação desejada para o sódio
Água corporal total = 0,6Xpeso, nos homens e 0,5 X peso, nas mulheres
[Na+] soro = Concentração de sódio no soro escolhido para elevar o sódio
Soro fisiológico (NaCl a 0,9%) = 154 mEq/L de Na+
NaCl hipertónico a 20% = 20 ml X 3,4 mEq/ml = 68 mEq de Na+.
1L SF + 40mL NaCl hipertónico = 2 X 68 + 154 mEq de Na+ = 290 mEq de Na+

NOTA: Deve fazer as tentativas necessárias com diferentes tipos de soros até obter um volume adequado ao tempo de
perfusão que pretende.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
95

Hipernatremia
Definição: Sódio plasmático superior a 145 mEq/L, o que representa hiperosmolaridade.

Fisiopatologia
O sódio é um soluto a que a membrana celular é semi-permeável e que, por isso, condiciona tonicidade.
A osmolaridade plasmática depende essencialmente do sódio, sendo o valor da osmolaridade aproxima-
damente o dobro da concentração deste ião no soro. Assim, a hipernatrémia não é mais que um estado de
hiperosmolaridade hipertónica em que invariavelmente existe desidratação celular, pelo menos transitória,
por movimentação de água através das membranas celulares.

Por outro lado, o sódio plasmático e a osmolaridade são regulados pelos mecanismos já abordados ante-
riormente, que envolvem essencialmente a sede, a ADH e o rim.

A hipernatremia pode resultar de ganho de sódio ou perda efectiva de água, isolada ou como componente
de solutos hipotónicos, sendo esta última muito mais frequente. Para a hipernatremia persistir é necessário
que aqueles ocorram num contexto de desiquilíbrio da resposta adequada à hiperosmolaridade: aumento da
ingestão de água estimulada pela sede e excreção de urina maximamente concentrada por efeito da ADH.

Causas

A perda de água é responsável pela maioria dos casos de hipernatrémia.

Resposta alterada à sede – sem esta alteração, as causas abaixo enumeradas seriam confrontadas
com aumento da ingestão de água, o que implicaria reduzida variação na natremia.

Os casos de hipernatremias significativas implicam quase sempre um mecanismo da sede


alterado.

Acesso limitado à água


Crianças
Idosos
Deficientes motores
Doentes com alteração do estado mental
Doentes em pós-operatório
Doentes entubados em Cuidados Intensivos
Hipodipsia primária – alteração dos osmorectores hipotalâmicos que regulam a sede
Doenças granulomatosas (histiocitose, tuberculose, sarcoidose)
Oclusão vascular
Tumores

Perda efectiva de água - a perda de água tem que ser superior à perda de electrólitos, de modo o que
o sódio aumente. A perda pode ter duas origens:

Perdas não renais


Cutâneas (insensíveis)
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
96

Queimaduras
Sudação intensa - tendência para reduzir a concentração de sódio no suor
Febre
Exercício
Exposição a calor
Respiratórias (insensíveis)
Ventilação invasiva
Gastrointestinais
Diarreia – a mais comum
Laxantes osmóticos (lactulose)
Vómitos
Drenagem gástrica
Fístula entero-cutânea
Perdas renais - principais causas de hipernatrémia
Diurese osmótica - a perda de água é produzida pela presença no lúmen tubular de solutos não
reabsorvidos,o que desencadeia hipernatremia por a urina produzida ter quantidade de sódio e
potássio inferior à do plasma.
Glicosúria
Manitol ev
Ureia elevada desporcionalmente à redução da taxa de filtração glomerular
Administração de solutos de elevada osmolaridade
Diabetes insípida (DI) - a maioria dos doentes tem natrémias normais porque mantém o mecanis-
mo da sede intacto, queixando-se sobretudo de polidipsia e poliúria.
Central (DIC) – redução da secreção da ADH, na maioria dos casos por destruição da neuro-
hipófise por
Trauma
Neurocirurgia
Doença granulomatosa
Tumores
AVC
Infecção
Em muitos casos é idiopática e ocasionalmente hereditária.
Nefrogénica (DIN) – resistência à acção da ADH
Pode ser congénita ou adquirida. As formas adquiridas são
Doenças renais intrínsecas
Nefropatia das células falciformes
Doença poliquística renal
Nefropatia obstrutiva
Síndrome de Sjogren
Drogas
Lítio
Demeclociclina
Foscarnet
Metoxiflurano
Anfotericina B
Antagonistas dos receptores V2 da ADH
Gliburide
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
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Alterações electrolíticas – se persistentes, resultam em poliúria e hipernatremia porque


antagonizam o efeito da ADH e do peptídeo natriurético auricular a nível do rim.
Hipercalcemia (Ca++ ion > 1,38 mmol/L)
Hipocalemia (K+ < 3 mEq/L)
Condições que alteram a hipertonicidade medular renal
Diurese osmótica
Excesso de ingestão de água
Administração de diuréticos de ansa
Ganho de sódio hipertónico – raramente ocorre pela capacidade do rim excretar o excesso de sódio,
despoletada pela hipervolemeia que resulta desse ganho. Resulta habitualmente de intervenção clínica
ou sobrecarga acidental com sódio.
Perfusão de bicarbonato de sódio hipertónico
Perfusão de cloreto de sódio hipertónico
Nutrição hipertónica
Ingestão de cloreto de sódio
Ingestão de água do mar
Eméticos ricos em cloreto de sódio
Enemas com soro salino hipertónico
Perfusão intrauterina de soro salino hipertónico
Diálise hipertónica
Hiperaldosteronismo primário
Síndrome de Cushing
Movimento transcelular da água – do Líquido Extracelular (LEC) para o Líquido Intracelular (LIC);
ocorre em situações raras de hiperosmolaridade intracelular transitória
Rabdomiólise
Crises convulsivas

Existem populações de risco para o desenvolvimento de hipernatremia:


Idosos
Crianças
Doentes com alterações mentais e hipodipsia
Diabéticos descompensados
Doentes com poliúria
Doentes hospitalizados

Dentro do grupo dos doentes hospitalizados, a hipernatremia é habitualmente iatrogénica, surgindo num
número limitado de situações como:
Perfusão de solutos hipertónicos
Alimentação por sonda gástrica
Diuréticos osmóticos
Lactulose
Ventilação mecânica (perdas insensíveis)

Clínica

As manifestações clínicas e mortalidade dependem da gravidade e velocidade de instalação da


hipernatremia.
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
98

Alterações neurológicas - habitualmente surge clínica neurológica grave em casos de subida rápida
da natremia para valores >158 mEq/L, enquanto que hipernatremias crónicas de 170-180 mEq/L ten-
dem a ser pouco sintomáticas. A clínica de hipernatremia reflectem sobretudo a disfunção do sistema
nervoso e é proporcional à gravidade da hipernatremia. No idoso raramente surgem sintomas com
Na+<160mEq/L.
Alteração do estado de consciência
Fraqueza muscular
Irritabilidade neuromuscular
Défices neurológicos focais
Coma
Crises convulsivas
Febre
Naúseas e vómitos
Sede intensa - inicialmente pode existir, mas depois dissipa-se à medida que o sódio plasmático
aumenta. Nos doentes com hipodipisia não existe sede.
Hipotensão ortostática e taquicardia (em situações de hipovolémia marcada)
Poliúria e sede – DI
Hipovolemia - perda efectiva de água
Hipervolemia – ganho de sódio

O cérebro tem mecanismos de protecção contra a variação da osmolaridade plasmática. A hipernatremia


provoca saída de água das células e redução do volume cerebral, o que pode levar a ruptura vascular,
hemorragia intracerebral e/ou subaracnoidea. Se a hipernatremia se desenvolve lentamente o cérebro tem
capacidade de se adaptar à hipertonicidade, nas primeiras horas, através da entrada de electrolitos para as
células. Nos dias seguintes acumula na célula solutos orgânicos, designados osmolitos orgânicos, que
evitam a saída excessiva de água das células, mantendo o volume cerebral e permitindo que a hipernatre-
mia se mantenha assintomática.

Se o aumento do sódio plasmático é demasiado rápido, este mecanismo não é activado em tempo útil e
surgem sintomas. Por isso a correcção de hipernatremia crónica, com hiperosmolaridade crónica, tem de
se fazer muito lentamente para evitar edema cerebral por entrada excessiva de água para as células reple-
tas de osmolitos orgânicos. Nesta fase os principais osmólitos são aminoácidos: glutamina, glutamato e
inositol, provenientes do fluído extracelular e da degradação proteica intracelular. A mortalidade por hiper-
natrémia é elevada se os valores de sódio plasmático forem > 180 mEq/L.

Exames
A causa da hipernatremia é geralmente evidente. Se, no entanto, a etiologia for pouco clara, o diagnóstico
pode ser correctamente estabelecido através da medição da osmolaridade urinária.

Em indíviduos normais com natremia superior a 150 mEq/L a osmolaridade urinária deve ser
superior a 800 mOsm/Kg.

Se a resposta não for esta, há defeito na produção, secreção ou acção da ADH, ou seja, a resposta renal
não é a adequada.

Após avaliado o estado do LEC, o débito urinário, a osmolaridade urinária e a sua resposta à administra-
ção de ADH, é possível resumir as possíveis etiologias da hipernatremia a algumas entidades (Fig 6.5).
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
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LEC

Aumentado Diminuído

Sobrecarga de Na+ Hipertónico


Hiperaldosteronismo OsmU
Síndrome de Cushing

> 800 mOsm/L 300-800 mOsm/L < 300 mOsm/L

[Na+]U < 10 mEq/L Excreção de osmolitos/dia Resposta a dDAVP?

Perdas insensíveis > 900 mOsm/dia < 900 mOsm/dia + DIC completa
Perdas Gastrointestinais - DIN completa
Diurese remota (congénita, lítio)
(diurético/osmótica)
Hipodipsia primária

Diurese osmótica Resposta a dDAVP?

+ DIC com diminuição do LEC


+ DIC parcial
- DIN parcial

Figura 6.5 - Algoritmo para abordagem diagnóstica da hipernatremia.

A resposta renal adequada a situação de hipernatremia é um débito pequeno (< 800mL/dia) de urina concen-
trada (> 800 mOsm/L). Esta resposta implica que as perdas de água são extra-renais ou renais mas remotas.

Existem situações em que a resposta renal não é adequada e nas quais é útil a avaliação dos seguintes
dados objectivos:

Osmolaridade urinária (OsmU) – quando é submáxima (< 800mOsm/L) sugere alteração no efeito
da vasopressina, tal como acontece nos casos de DIC e DIN. Osmolaridade urinária < 300 Osm/L suge-
re que essa alteração é grave.
Diurese - surge poliúria nas situações de diurese osmótica e DI. Nos casos de diurese osmótica tipi-
camente a OsmU está entre 300-800 mOsm/L. As duas situações podem ser distinguidas pela quanti-
ficação dos solutos excretados diariamente, estimada pela produto OsmU x Diurese(L)/dia. Um excre-
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
100

ção diária de solutos > 900mOsm define diurese osmótica.


Resposta à ADH – DIC e DNI completas podem ser distinguidas pela administração de análogo da
ADH – dDAVP (desmopressina) 10 Ìg intranasal – após restrição cuidadosa de água. A OsmU deve
aumentar pelo menos 50% na DIC completa, não se alterando na DIN.

Uma situação de ganho de sódio pode ser confirmada por expansão do volume do LEC e uma [Na+] uri-
nária ([Na+]U) habitualmente > 100 mEq/L. Nas situações de hipernatremia com LEC diminuído por per-
das extra-renais habitualmente a [Na+]U é < 10 mEq/L. Assim, a [Na+]U pouco acrescenta à avaliação
do estado do LEC do doente.

Tratamento
A abordagem de uma hipernatremia tem de ser feita em dois passos:

1º. Tratar a causa subjacente

Corrigir a nutrição
Reduzir as perdas gastrointestinais
Suspender lactulose e diuréticos
Tratar a febre
Tratar a hiperglicemia
Tratar a hipercalcemia e a hipocaliemia

2º. Tratar a hipertonicidade, administrando água e soros, se necessário

Água por via oral


Soros hipotónicos (heminormal e glicosado a 5%)
Soro isotónico (fisiológico) apenas em casos de instabilidade hemodinâmica

Regras básicas para o tratamento

O ritmo de correcção deve ser proporcional ao ritmo de instalação da hipernatremia e depende da exis-
tência de disfunção neurológica associada.

Objectivos
ritmo rápido: reduzir a natremia 1 mEq/L/h
ritmo lento: reduzir a natremia 0,5 mEq/L/h
limite máximo de redução da natremia: 10 mEq/L em 24h

Quando a hipernatremia é significativa, a terapêutica implica monitorização regular do ionograma, a


começar 2-3 horas após o início da mesma.

A via de eleição para administração de fluídos correcção é a oral.

O tipo de soros a usar são os hipotónicos (água, soro heminormal ou soro glicosado a 5%).

O ritmo de administração deve ser tanto mais lento quanto mais hipotónico for o soro.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
101

Podemos considerar três grandes grupos de situações perantes as quais é necessária a correcção de
hipernatremia, e como devem ser abordadas:

Hipernatremia e hipovolemia: neste caso, deve corrigir-se primeiro a hipovolemia e depois a hiperna-
tremia. A hipovolemia deve ser corrigida com soro heminormal ou, em situações de choque hipovolé-
mico, com soro fisiológico. A hipernatrémia pode ser corrigida com soro heminormal, soro glicosado a
5% ou água.

Hipernatrémia e euvolemia
Basta corrigir a hipernatrémia como na situação anterior.

Hipernatrémia com hipervolemia


Neste caso devem ser administrada água ou soro glicosado a 5% associados a furosemida – 0,5 a 1
mg/Kg de peso – porque os primeiros vão agravar a hipervolémia. Em algumas situações pode ser
necessário recorrer à hemodiálise.

Recomendação
Decidir qual a variação do sódio plasmático pretendida e em que intervalo de tempo.

Escolher o soro a utilizar (em geral soro heminormal (NaCl a 0,45%) ou glicosado a 5%).

Calcular o volume necessário desse soro para baixar o valor pretendido do sódio e administrar no inter-
valo de tempo escolhido, de acordo com a fórmula:

Volume de soro (L) = Δ [Na+] x (Água corporal total + 1)


[Na+] doente - [Na+] soro

Legenda:
Δ [Na+] = Variação desejada para o sódio
Água corporal total = 0,6 x Peso para os homens e 0,5 x Peso para as mulheres
Soro heminormal (NaCl a 0,45%) = 77 mEq/L de Na+
Soro glicosado a 5% = 0 mEq/L de Na+.

Repetir o ionograma 4 a 6h depois do início da correcção.


manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
102

Bibliografia recomendada
Theodore W Post and Burton D Rose (Authors). UpToDate. At: http://www.Uptodate.com/. Acedido em Setembro 2008.
Gauthier PM, Szerlip HA. Common electrolyte disorders. In: Hospital Medicine. Wachter RM, goldman L, Hollander H,
Eds. Philadelphia: Lippincott Williams&Wilkins, 2000:859-869.
Kokko JP. Fluids and electrolytes. In: Goldman J, Ausiello D. Eds. Cecil Textbook of Medicine, 22nd Ed. Philadelphia: WB
Saunders, 2004: 669-687.
Sambandam K, Vijayan A. Fluid and electrolyte management. In: Coopr DH, Krainik AJ, Lubner SJ, Reno HEL, Micek ST.
Eds. The Washington Manual of Medical Therapeutics. 32nd Ed. St. Luis, Missouri. 2007 : 54-101.
Singer GS, Brenner BM. Fluid and electrolyte disturbances. In: Fauci AS, Kasper DL, Longo DL, Braunwald E, Hauser SL,
Jameson JL, Loscalzo J. Eds. Harrison’s Principles of Internal Medicine. 17th Ed. New York: McGraw-Hill, 2008: 274-285.

Fim do capítulo.
Capítulo 7
Metabolismo do cálcio,
fósforo e magnésio
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
105

Fisiopatologia do Cálcio e fósforo


O cálcio é essencial para a formação do osso e para as funções neuromusculares. Cerca de 99% do cál-
cio corporal é intraósseo e quase todo o restante 1% está no líquido extracelular (LEC). Cerca de 50% do
cálcio sérico existe na forma ionizada e o restante está ligado às proteínas: 40% à albumina e 10% a aniões
como o citrato, bicarbonato e fosfato. Se há hipoalbuminemia o cálcio a considerar deve ser sempre o ioni-
zado, medido facilmente numa gasometria, que deve estar num intervalo estreito (1.15 – 1.28 mmol/L)
para que as funções neuromusculares sejam normais.

O fósforo é essencial para a formação óssea e o metabolismo energetico celular. Cerca de 85%do fósforo
corporal é ósseo e o restante é celular, representado o maior anião intracelular. Apenas 1% do fósforo cor-
poral total está no LEC. Assim, os níveis séricos podem não reflectir os depósitos de fósforo totais. O fós-
foro existe no organismo como fosfato, cujo doseamento deve ser feito em jejum pois existe variação diur-
na, com nadir matinal. O valores normais reside entre 0.80-1,45 mmol/L.

O metabolismo do cálcio é regulado pelos valores de fosfato sérico (de forma aguda), pela hormona para-
tiroidea (PTH) (de forma subaguda) e pelos metabolitos da vitamina D (cronicamente). A descida do cál-
cio ionizado no plasma é o estímulo para a secreção da PTH, que está habitualmente suprimida para cal-
cemias normais. A regulação é feita através de receptores-sensores para o cálcio que existem nas parati-
roides, cérebro, rim, células T da tiroide, osteoclastos, talvez nos osteoblastos e na placenta.

O metabolismo do fósforo é regulado primariamente por 4 factores:


PTH – reduz a reaborção tubular proximal do fosfato, levando a hipofosfatemia por perda renal. Apesar
de promover a reaborção óssea e absorção intestinal de fosfato, o efeito renal habitualmente é predomi-
nante em doentes com função renal normal.
[Fosfato] sérica – quando aumentada tamém leva à redução da reabsorção tubular proximal.
Insulina – promove a entrada de fosfato nas células
Calcitriol (1,25-dihidroxicolecalciferol; 1,25-dihidroxivitamina D3; 1,25[OH]2D3) – aumenta a aborção
intestinal de fósforo.

A PTH aumenta os níveis de cálcio estimulando a reaborção óssea e a reaborção renal de cálcio e promo-
vendo a conversão renal da vitamina D no seu metabolito activo: calcitriol. O cálcio e o calcitriol regulam
negativamente a PTH.

A síntese de calcitriol é estimulada pela PTH e pela hipofosfatemia, sendo inibida por aumento dos níveis
de fósforo plasmático. O calcitriol aumenta os níveis de cálcio promovendo a sua absorção intestinal, jun-
tamente com o fósforo. Por outro lado, suprime a PTH mesmo em concentrações muito baixas, sendo o
mais potente factor supressor da PTH. No metabolismo do fósforo, leva ainda a diminuição da excreção
renal de fosfato.

O resultado efectivo da acção da PTH é a subida da calcemia sem alteração do valor de fosfato sérico.

O resultado efectivo da acção do calcitriol é a subida dos valores de fosfato sérico e ligeiro aumento da
calcemia. Este último efeito associado ao efeito inibitório directo do calcitriol leva à supressão da PTH nas
situações de hipofosfatemia.
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
106

 calcio ionizado

 fosfato  PTH

 reabsorção renal de cálcio  cálcio e fosfato séricos


 calcitriol  excreção renal de fosfato por reaborção óssea

 excreção renal  absorção de cálcio –


de fosfato e fosfato no intestino

 fosfato  cálcio

Figura 7.1 - Regulação do metabolismo do cálcio e fósforo.

Hipercalcemia
Definição Cálcio ionizado superior a 1,30 mmol/L.

Causas
Hiperparatiroidismo
Neoplasias
Excesso de vitamina D (exógena, endógena (linfomas) e d. granulomatosas)
Drogas (tiazidas, síndrome leite-alcalinos, lítio, vitamina A, teofilina)
D. Endócrinas (hipertiroidismo, insuficiência suprarrenal, feocromocitoma, acromegalia, diabetes insí-
pida nefrogénica)
Terapêutica com estrogéneo ou anti-estrogéneo em doentes com Neoplasia da Mama e metastização
óssea
Imobilização
Rabdomiólise e insuficiência renal aguda não-oligúrica
D. Paget
Hipercalcemia hipocalciúrica familiar
Deficiência congénita de lactase
Condrodisplasia metafisária
Excesso de vitamina E

A hipercalcemia é quase sempre provocada pela entrada de cálcio para o fluído extracelular, por reabsor-
ção óssea ou absorção intestinal, e diminuição da excreção renal de cálcio.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
107

Mais de 90% das hipercalcemias estão relacionadas com hiperparatiroidismo primário ou


associado a neoplasias.

O hiperparitiroidismo primário provoca o maior número de casos de hipercalcemia nos doentes em ambu-
latório. É mais frequente em mulheres idosas e 85% dos casos são devidos a um adenoma numa das qua-
tro glândulas paratiroides. A maioria dos doentes tem hipercalcemia assintomática, descoberta incidental-
mente, e os valores de cálcio ionizado tipicamente são inferiores a 1,38 mmol/L e raramente ultrapassam
1,63 mmol/L.

As neoplasias são as causas habituais de hipercalcemia em doentes hospitalizados, que surge por três
mecanismos:
hipercalcemia osteolítica – existe estimulação local da reabsorção óssea pelos osteoclastos, através
da libertação de citoquinas. Esta forma surge em situações de envolvimento tumoral ósseo extenso;
hipercalcemia humoral das neoplasias – existe produção de peptídeo relacionado com a PTH
(PTHrP) pelo tumor, com efeitos sistémicos nos receptores da PTH, promovendo a reabsorção óssea e,
muitas vezes, também a diminuição de excreção do cálcio. Este peptídeo não é detectado no dosea-
mento da PTH.
produção tumoral de calcitriol – pode ocorrer em linfomas.

As outras causas de hipercalcemia (cerca de 10% das situações) são raras e geralmente clinicamente evi-
dentes.

Clínica
Poliúria
Polidipsia
Insuficiência renal
Alterações neurológicas: confusão, estupor, coma, astenia e fraqueza muscular
Alterações psiquiátricas: ansiedade, depressão
Sintomas gastrointestinais: anorexia, náuseas, vómitos e obstipação
Pancreatite
Doença ulcerosa péptica
HTA, hipotensão, isquemia miocárdica, morte súbita
Encurtamento do QT, bloqueio AV
Disritmias (extrassístoles e ritmo idioventricular)
Bradicardia
Litíase renal
Acidose tubular renal tipo I
Diabetes insípida nefrogénica

Os sintomas de hipercalcemia habitualmente só surgem com valores de cálcio ionizado superiores a 1,50
mmol/L e tendem a ser mais graves se a hipercalcemia se desenvolveu rapidamente.

A poliúria e os vómitos causam desidratação, o que resulta numa excreção inadequada de cálcio e agra-
vamento rápido da hipercalcemia. Se o cálcio inonizado excede os 1,70 mmol/L podem surgir insuficiên-
ca renal e calcificações extra-ósseas. A insuficiência renal pode resultar de hipovoléma por Diabetes
Insípida Nefrogénica, nefrocalcinose ou por vasoconstrição intrarrenal provocada pela própria hipercalce-
mia.
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
108

A abordagem da hipercalcemia obriga à distinção entre hiperparatiroidismo primário e neoplasia. Se a


hipercalcemia está presente há mais de 6 meses sem causa evidente o mais provável é estarmos perante
um caso de hiperparatiroidismo primário.

Exames
Doseamento de cálcio ionizado – se >1.60 mmol/l de instalação aguda é mais sugestivo de neo-
plasia.
Doseamento de fósforo – pode estar baixo se PTH ou actividade da PHTrP elevadas; pode estar ele-
vado quando a hipercalcemia é devida a aumento da actividade da vitamina D ou D. Paget.
Doseamento da PTH – estará elevada ou inapropriadamente normal nos casos de hiperparatiroidismo
primário e suprimida nas neoplasias e na maioria das outras causas de hipercalcemia.
ECG
Bioquímica com ionograma e função renal

Tratamento Agudo da Hipercalcemia


O objectivo do tratamento da hipercalcemia é a resolução dos sintomas e não a normalização dos valores
séricos.

O tratamento agudo da hipercalcemia deve ser realizado sempre que existe desenvolvimento
de sintomas graves ou quando o cálcio ionizado é superior a 1,50 mmol/L.

O tratamento da hipercalcemia deve incluir medidas que aumentem a excreção renal e reduzam a reabsor-
ção óssea de cálcio. Estas medidas devem ser tomadas pela ordem seguinte:

1º Corrigir a hipovolémia com bólus de 1 L de cloreto de sódio a 0,9% (NaCl 0,9%)


Os doentes com hipercalcemias graves estão hipovolémicos, o que impede calciurese efectiva.
O objectivo é normalização da Taxa de Filtração Glomerular (TFG) o que implica habitualmente adminis-
tração de pelo menos 3-4 L de NaCl 0,9% (SF) nas primeiras 24 h. Despois de atingido este objectivo deve
manter perfusão contínua de soro hipotónico, o que promove maior calciurese, tendo como objectivo uma
diurese de 100-150mL/h.
Os diuréticos de ansa pouco acrescentam ao efeito calciúrico da diurese salina e podem agravar a hipovo-
lémia. No entanto, são úteis quando se verifica hipervolémia.

2º Bifosfonato endovenoso
Inibe a reabsorção óssea e deve ser administrado precocemente porque tem início de acção lento.
Actualmente o fármaco mais potente é o Ácido Zoledrônico – 5 mg diluído em 100 mL de NacL 0,9%
a perfundir em 15 minutos.
Durante o tratamento com estes farmacos pode ocorrer necrose tubular aguda, pelo que o seu uso deve ser
precedido pela restauração da volemia e em caso de insuficiência renal, o risco/benefício da sua admnis-
tração deve ser ponderado. Se admistrado nesta situação, a dose de ácido zoldrônico deve ser reduzida
e/ou reduzida a taxa de perfusão.

3º Outras medidas
– Calcitonina: 4-8 UI/Kg (0,8-1,6 µg/Kg; 1 UI=0,2 µg) SC ou IM cada 6-12h (não disponível em
Portugal)
Por via nasal não é eficaz no tratamento da hipercalcemia.
Inibe a reabsorção óssea e aumenta a excreção renal de cálcio.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
109

Reduz a calcemia em 60-70% dos doentes em horas mas o efeito reduz-se após alguns dias por taquifilaxia.
Não tem efeitos adversos garves e é segura na insuficiência renal, com o benefício extra de ter efeito
analgésico nos doentes com metastização óssea.
Alguns dos efeitos adversos são flushing, náuseas e raramente reacções de hiperssenbilidade.

– Corticoides: Prednisolona 20-60 mg/dia ou equivalente


Reduzem a calcemia por inibirem a libertação de citoquinas, por efeitos citolíticos directos nalgumas
células tumorais, por inibirem a absorção intestinal de cálcio e aumentarem a excreção renal de cálcio.
Pode demorar 5-10 dias até ser notório o seu efeito hipocalcemiante. Depois de estabilizada a calcemia,
a sua dose deve serreduzida gradualmente até à dose mínima necessária para controle dos sintomas de
hipercalcemia.
A sua toxicidade limita o seu uso como terapêutica crónica.

– Nitrato de gálio 100-150mg/m2/dia ev contínuo durante 5 dias (ou até quando atingida a normo-
calcemia)
Efeito semelhante aos bifosfonatos.
Nefrotoxicidade importante.

– Calcimimeticos (cinacalcet)
Úteis nas situações de hipercalcemia grave associadas a carcinoma da paratiroide ou no hiperparatiroi-
dismo secundário associado a insuficiência renal crónica em hemodiálise.

– Diálise com dialisado baixo em cálcio (hemodiálise ou diálise peritoneal)


Muito eficaz.
Particularmente vantajosa nos casos de hipercalcemia severa (>4 mmol/L) associadas a insuficência
cardíaca ou real que proibam hidratação agressiva.

Hipocalcemia
Definição: Cálcio ionizado inferior a 1,05 mmol/L.

Causas
Hipoparatiroidismo efectivo por:
Diminuição da secreção - destruição das paratiroides por D. autoimune, infiltrativa ou cirurgia,
cinacalcet, infecção por VIH.
Pseudohipoparatiroidismo - resistência à PTH.
Alterações do Magnésio – a hipomagnesemia provoca resistência aos efeitos da PTH e se grave
(< 0,4 mmol/L) pode diminuir a secreção a PTH; a hipermagnesia grave (> 2.5 mmol/L) também
pode dimimuir esta secreção. A hipocalcemia por hipomagnesemia corrige-se em minutos a horas
após suplementação de magnésio.
Défice de vitamina D (vit.D) – leva a redução dos depósitos de cálcio com calcemia preservada à custa
de hiperparatiroidismo, excepto quando o défice é grave. Causas:
Exposição solar limitada
Má absorção
Insuficiência renal avançada – redução da síntese de calcitriol
Doença hepática crónica grave – diminuição da síntese hepática de 25(OH)D3, precursor do cal-
citriol
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
110

Síndrome nefrótico grave – perda urinária de 25(OH)D3.


Drogas indutoras do citocromo P450 (anti-convulsivantes (ex: fenitoína), isoniazida, rifampicina) –
aumentam o metabolismo da vit.D
Raquitismo dependente da vit.D
Deposição extravascular de cálcio
quando existem substâncias tecidulares no LEC capazes de formar complexos com o cálcio:
fosfafo – rabdomiólise, síndrome de lise tumoral
ácidos gordos – pancreatite aguda
paratiroidectomia – avidez óssea por cálcio quando retirado o estímulo desmineralizante
inibição da reaborção óssea - bifosfonatos (ácido zoledrônico), intoxicação por flúor
Quelantes intravasculares – substâncias intravasculares que formam complexos com o cálcio ionizado
foscarnet ev
fosfato
lactato – sépsis, choque
citrato - politransfusão de derivados de sangue
alcalemia – a diminuição da [H+] deixa cargas negativas na albumina, disponíveis para ligação ao
cálcio ionizado.
Outros
Doentes críticos – a hipocalcemia é frequente, provavelmente por diminuição da secreção de PTH
e calcitriol, associada à resistência dos órgãos à sua acção.
Fármacos usados no tratamento da hipercalcemia.
Hipercalciúria e diurético de ansa

Pseudohipocalcemia
Alguns dos meios de contraste de gadolinium (gadodiamide e gadoversatamide) interferem com os testes
colorimétricos para doseamento do cálcio, habitualmente usados em laboratórios hospitalares. O efeito é
revertido após excreção renal do gadolimium. Nos doentes com insuficiência renal dura mais tempo.

Clínica

As manifestações clínicas dependem da gravidade e velocidade de instalação da hipocalcemia.

Hipocalcemia aguda moderada


Manifestações de excitabilidade neuromuscular
Parestesias periorais e distais
Caimbras
Tetania:
Sinal de Trousseau: espasmo cárpico após oclusão da artéria braquial com cuff de esfignomanó-
metro durante 3 minutos.
Sinal de Chvostek: contracção do músculo facial à percussão do nervo facial na região anterior do
ouvido.
Ambos significam tetania latente.

Hipocalcemia aguda grave


Manifestações neuromusculares
Laringospasmo
Confusão
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
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Crises convulsivas
Disfunção cardiovascular
Bradicardia
Hipotensão
Insuficência cardíaca descompensada
Prolongamento do intervalo QT

Pistas para o diagnóstico


Cirurgia do pescoço prévia – o hipoparatiroidismo pode surgir anos após a cirurgia
Manifestaçãos compatíveis com Síndrome Autoimune Poliglandular (hipotiroismo, Insuficiência suprar-
renal, candidíase)
História familiar de hipocalcemia
Drogas causadoras de hipocalcemia eou hipomagnesemia
Situações associadas a défice de vit.D
Manifestações de pseuhipoparatiroidismo (baixa estatura, matacarpianos curtos)

Exames
Bioquímica com doseamento de:
albumina
fosfato – habitualmente está baixo quando existe défice vit D, execpto na insuficiência renal
(excreção diminuída). Nestas situações, a hipofosfatemia frequentemente é mais grave que a hipo-
calcemia, por hiperparatiroidismo secundário. A fracção excrecional de fosfato (cálculo semelhan-
te à do sódio) é útil para distingir a causa da hipofosfatemia associada à hipocalcemia: se >5%
existe fosfatúria, logo hiperparatiroidismo secundário, e se < 5% significa que a ingestão de fos-
fato é baixa.
A fosfatemia está aumentada nas situações de:
hipoparatiroidismo efectivo
rabdomiólise
síndrome de lise tumoral
magnésio – valores anormais interferem com a PTH
creatinina
ECG

Se depois da anamnese, exame objectivo e bioquímica a causa ainda não é clara:


Doseamento da PTH – baixa ou inapropriadamnete normal significa hipoparatiroidismo; elevada sig-
nifica défice de vit D e pseudohiperparatiridismo. Pode estar baixa, normal ou elevada na hipomagne-
semia.
Doseamento da vit D [25(OH)D3]

Tratamento Agudo
Deve ser rápido e agressivo.

Só é necessário administrar cálcio ev se o doente está sintomático ou tem prolongamento significativo do inter-
valo QT, especialmente se existe hiperfosfatemia, rabdomiólise ou síndrome de lise tumoral. Nestas situações,
existe risco de calcificações metastáticas e hipercalcemia rebound quando estes depósitos são mobilizados.

Tratar a hipomagnesemia – se presente ou mesmo empiricamente se função renal normal. Existem


manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
112

doentes com níveis plasmáticos de magnésio normais e hipocalcemia que responde à admnistração de
magnésio, por presumível deficiência tecidular deste ião.
Sulfato de Magnésio
bólus de 2 g (1 ampola a 20%=10 mL) diluído em 100 mL de SF a perfundir em 15’.
seguido de perfusão (ver Hipomagnesemia)
Gluconato de cálcio (1 ampola a 10%=10 mL=1 g de gluconato cálcio=93 mg de cálcio ele-
mentar)
2 g (2 ampolas a 10%) diluídos em 100 mL de SG5% ou SF a perfundir em 15’.
seguido de perfusão contínua: diluir 6 g de gluconato de cálcio (6 ampolas a 10%) em
500 mL de SG5% ou SF e perfundir a 0,5-1,5 mL/Kg/h, de forma a manter o cálcio ioni-
zado entre 1-1,13 mmol/L.
Não misturar cálcio com soluções com bicarbonato ou fosfato pelo risco de precipitação.
Avaliação do cálcio ionizado de 6/6 horas.
Tratar a causa ou iniciar tratamento crónico (reduzir terapêutica ev ao iniciar oral).

Hiperfosfatemia
Definição: Fósforo plasmático superior a 1,45 mmol/L.

Causas
Redução da excreção renal
insuficiência renal
hipoparatiroidismo
pseudohipoparatiroidismo
bifosfonatos – aumentam a reaborção tubular proximal de fosfato mas raramente levam a hipercal-
cemia porque reduzem a sua reabsorção óssea
acromegalia
calcinose tumoral familiar
Movimento transcelular
libertação do fosfato intracelular para o LEC
rabdomiólise
síndrome de lise tumoral
hemólise maciça
inibição da entrada do fosfato para as células
acidose metabólica
hipoinsulinemia (ex:cetoacidose diabética)
Excesso de ingestão – habitualmente só leva hiperfosfatemia se coexistir insuficiência renal.
indiscrição dietética (hidratos de carbono)
iatrogenia (enemas de fosfosoda - Fleet®)
intoxicação por vit. D – aumento da absorção intestinal associada a insuficiência renal induzida por
hipercalcemia

Existe muitas vezes sobreposição destes mecanismos na etiologia da hiperfosfatemia, sendo a insuficiên-
cia real o principal factor predisponente.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
113

Clínica
atribuível à hipocalcemia (ver Cálcio)
de calcificações metastáticas dos tecidos moles
calcifilaxia – isquemia tecidular que resulta da calcificação dos pequenos vasos e subsequane
trombose.
osteodistrofia renal – na hiperfosfatemia crónica

Exames
Doseamento do cálcio – habitualmente baixo por quelação intraascular ou deposição extravascular.

Tratamento Agudo
Consiste em aumentar a excreção renal de fosfato:
Tratar a doença subjacente e resolver a insuficiência renal
SF - aumenta a fosfatúria, se necessário
Acetazolamida 15 mg/Kg 4/4 horas – aumenta a fosfatúria, se necessário
Hemodiálise
efeito limitado na redução do fosfato (intracelular)
se insuficiência renal irreversível
se hipocalcemia sintomática

Hipofosfatemia
Definição: Fósforo plasmático inferior a 0,80 mmol/L.

Causas
Absorção intestinal insuficiente
Ingestão insuficiente
Síndromes de má absorção
Quelantes do fósforo orais
Défice de vit. D
Hiperparatiroidismo
Aumento da excreção renal
Hiperparatiroidismo
Diurese osmótica
Hiperglicemia
Cetoacidose diabética
Fase poliúrica da necrose tubular aguda
Expansão do volume intravascular
Drogas: acetazolamida, metolazona, imatinib
Administração de ferro ev
Síndrome de Fanconi
Movimento transcelular (entrada para as células) – promovido pela administração de insulina ou admi-
nistração ev de soros glicosados com consequente hiperinsulinemia.
Alcalose respiratória – provavelmente a principal causa de hipofosfatemia grave em doentes hos-
pitalizados. A subida do pH intracelular leva a glicólise e consequente fosforilação de vários inter-
mediários dessa via.
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
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Cetoacidose diabética sob perfusão de SG


Alcoólicos sob perfusão de SG
Alimentação de desnutridos (refeeding syndrome)
Hungry-bone syndrome

Existe muitas vezes sobreposição destes mecanismos na etiologia da hiperfosfatemia, como na cetoacido-
se diabética ou alcoólica. No alcoolismo crónico é frequente existir hipofosfatemia por absorção intestinal
insuficiente devida à baixa ingestão de fostato e vit. D, aumento da excreção renal de fosfato por defeito de
transporte tubular proximal e agrvamento da hipofosfatemia quando administrado SG.

Clínica
Tipicamente, só existem sintomas e sinais se os depósitos corporais totais de fósforo estiverem depleta-
dos e o fosfato plasmátio for inferior a 0,32 mmol/L. Esses devem-se a disfunções de órgão por incapaci-
dade dos tecidos formarem ATP e ao deficiente fornecimento de oxigénio aos tecidos que ocorre com a
redução de 2,3-difosfoglicerato eritrocitário.

Manifestações musculares
Fraqueza muscular
Rabdomiólise
Disfunção diafragmática
Insuficiência cardíaca
Manifestações neurológicas
Parestesias
Disartria
Confusão
Estupor
Crises convulsivas
Coma
Manifestações hematológicas
Hemólise
Disfunção plaquetária com hemorragia

Exames
A causa é habitualmente evidente. Quando isso não acontece:
Doseamento da excreção renal de fosfato - se >100 mg/dia ou fracção excrecional de fosfato >5%,
significa perda renal excessiva.
Doseamento de [25(OH)D3] – se baixa significa deficiência de ingestão de vit.D ou má absorção.
Doseamento de PTH – elevada no hiperparatiroidismo.
Doseamento de cálcio urinário- a hiperfosfatemia prolongada leva a hipercalciúria; no Síndroemde
Fanconi também existe uricusúria, glicosúria e aminoacidúria.

Tratamento Agudo
Hipofosfatemia moderada (0,32-0,80 mmol/L)

Comum em doentes hospitalizados e muitas vzes devida apenas a movimento transcelular de fosfato, não
necessitando de tratamento se assintomática excepto tratamento da causa.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
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Hipofosfatemia grave (<0,32 mmol/L)

Pode necessitar de terapêutica ev se associada a manifestações clínicas graves.


Fosfato monopotássico 0.08-0,16 mmol/Kg em 500 mL de NaCl a 0,45% (SHN) em perfusão
durante 6 horas (1 ampola=10 mL=10 mmol de fosfato + 10 mmol de potássio)
Se surgir hipotensão, suspeitar de hipocalcemia aguda, pelo que a perfuão deve ser interrompida
e doseado o cálcio ionizado.
Vigiar o fosfato, cálcio ionizado e potássio de 8/8 horas.
Avaliar os sintomas e os iões referidos para ponderar novas perfusões.
Interromper a perfusão ev quando o fosfato for > 0.48 mmol/L e quando for possível terapêutica
oral. Para repor os depósitos intracelulares pode ser necessária administração de fosfato durante
24-36 horas.
Quando existe insuficiência renal, só deve ser administrado fosfato ev se absolutamente necessário.

Evitar a hiperfosfatemia pelo risco de:


Hipocalcemia
Calcificaçõesmetastáticas
Insuficiência renal

Magnésio
O magnésio tem um papel importante nas funções neuromusculares.

Fisiopatologia
Aproximadamete 60% do magnésio corporal reside no osso, a maior parte do restante é intracelular e ape-
nas 1% está no LEC. A permuta de magnésio entre estes 3 compartimentos não é fácil e por isso, existe
pouca capacidade de atenuar as flutuações da concentração plasmática do mesmo. Da mesma forma, pela
dificuldade e lentidão desta permuta, a concentração sérica de magnésio é pouco representativa dos depó-
sitos intracelulares e corporal.

De forma diversa da que observamos nos eléctritos discutidos até este pnto do manual, o metabolismo do
magnésio não é regulado por nenhuma hormona específica. O principal factor determinante da homeosta-
sia do magnésio é a própria magnesemia, que influencia directamente a excreção renal. A hipomagnese-
mia estimula a reabsorção tubular de magnésio enquanto a hipermagnesemia a inibe.

Hipermagnesemia
Definição: Magnésio plasmático superior a 1,10 mmol/L.

Causas
Iatrogenia – representa a maioria as situações clínicas. Como a excreção renal é a únca forma de redu-
zir a concentração plasmática de magnésio, a administração destes fármacos em doses terapêuticas a
doente com insuficiência renal significativa é suficiente para desenvolverem toxicidade.
Antiácidos com magnésio
Laxantes com magnésio
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
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Magnésio ev no tratamento da pré-eclampsia


Outras situações – nestas, habitualmente a hipermagnesemia é ligeira e insignificante
Insuficiência renal crónica terminal
Intoxicação por teofilina
Cetoacidose diabética
Síndrome de lise tumoral

Clínica

Só existe clínica quando a [magnésio] é > 2 mmol/L.

Manifestações neuromusculares
Hiporreflexia – habitualmente é a 1º manifestação de toxicidade pelo magnésio
Letargia
Sonolência
Fraqueza muscular
Parésia – se diafragmática pode levar a insuficiência respiratória

Manifestações cardíacas
Hipotensão
Bradicardia
Paragem cardíaca

Exames
Doseamento do cálcio – pode exister hipocalcemia por diminuição da secreção da PTH.
ECG
Bradicardia
Prolongamento dos intervalos PR, QRS e QT – se magnesemia entre 2,5-5 mmol/L
Bloqueio AV completo e assístole – podem surgir se magnesemia > 7,5 mmol/L

Tratamento Agudo
Prevenir
Evitar prescrição de fármacos com magnésio a doente com insuficiência renal

Hipermagnesemia sintomática
Suporte de orgãos
ventilação mecânica – se insuficiência respiratória
pacemaker - se bradidisritmias
Gluconato de cálcio a 10% 1-2 g (=10-20 mL) ev durante 10 minutos – antagoniza os efeitos da
hipermagnesemia.
SF – aumenta a excreção renal de magnésio.
Hemodiálise – nas situações de insuficiência renal significativa.

Hipomagnesemia
Definição: Magnésio plasmático inferior a 0,65 mmol/L.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
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Causas
Absorção intestinal insuficiente
Malnutrição – frequente nos alcoólicos crónicos
Síndromes de má absorção
Perdas gastrointestinais – perda de magnésio secretado
Diarreia prolongada
Aspiração nasogástrica
Drenagem do tubo digestivo

Aumento da excreção renal


Hipercalcemia – porque o cálcio compete com o magnésio no seu local mais importante de reab-
sorção, na porção larga ascendente da ansa de Henle
Fluxo tubular aumentado – reduz a reabsorção de magnésio
Diurese osmótica
Expansão de volume intravascular
Defeitos de transporte tubular
Necrose tubular aguda em resolução
Alcoolismo crónico
Síndromes de Bartter ou Gitelman
Doenças intersticias renais
Drogas – induzem defeitos no transporte tubular de magnésio
Tiazidas
Diuréticos de ansa
Omeprazol
Aminoglicosídeos
Anfotericina B
Cisplatina
Pentamidina
Ciclosporina

Quelantes intravasculares – pode ocorrer em muitas das situações em que o mesmo acontece ao cálcio.
Pancreatite
Hungry bone syndrome
Administração de citrato
Bypass cardiopulmonar

Clínica
Manifestações neurológicas
Letargia
Confusão
Tremor
Fasciculações
Ataxia
Nistagmo
Tetania
Crises convulsivas
manual de curso Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico
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Manifestações cardíacas – surgem sobretudo em doentes medicados com digoxina


Disritmias auriculares e ventriculares

Clínica de hipocalemia secundária

Clínica de hipocalcemia secundária

Exames
Doseamento de magnésio – perante a clínica mencionada, a presença de hipomagnesemia é suficien-
te para diagnosticar défice de magnésio. Um valor normal não exclui esse défice.
Doseamento de magnésio urinário – nas raras situaões em que a causa não é evidente a apartir do con-
texto clínico
Magnesúria > 1 mmol/L /dia ou fracçao excrecional de magnésio > 2% - sugere aumento da
excreção renal.
O cálculo da fracção excrecional é semelhante ao da do sódio, excepto o facto da [magnésio] plas-
mática ter que ser multiplicada por 0,7 porque apenas 70% deste ser livre e livremente filtrado pelo
glomérulo.
Doseamento de potássio – pode existir hipocalcemia secundária à hipomagnesemia
Doseamento de cálcio – pode existir hipocalcemia secundária à hipomagnesemia
ECG
Intervalos PR e QT prolongados com QRS alargado
Torsade de pointes – disritmia típica da hipomagnesemia.

Tratamento Agudo
A terapêutica com magnésio deve ser extremamente cuidadosa em situações de insuficiência renal, pelo
risco de insuficiência renal.

A via de administração depende se existem manifestações clínicas de hipomagnesemia.

Hipomagnesemia assintomática – sem alterações do ECG


Terapêutica oral – mesmo se grave, desde que não exista má absorção.
Magnésio elementar 240-720 mg/dia - diarreia é o principal efeito lateral
Amiloride – diminui a excreção renal inapropriada de magnésio, se existir

Hipomagnesemia grave sintomática


Sulfato de magnésio
bólus de 1-2 g (1 g=96 mg de magnésio elementar=4 mmol de magnésio) diluído em 100
mL de SF a perfundir em 15 minutos
seguido de perfusão de 6 g em 1 L ou mais de SF em 24 horas
Pela necessidade de re-estabeler os depósitos intracelulares, a perfusão pode manter-se 3-7
dias.
A magnesemia deve ser avaliada cada 24 horas e a taxa de perfusão ajustada para manter a
mesma < 1.25 mmol/L. Devem ser avaliados frequentemente os reflexos osteo-tendinosos,
pois a hiporreflexia sugere hipermagnesemia.
Nas situações de insuficiência renal, ainda que ligeira, deve ser reduzida a dose e ser moni-
torizada mais regularmente a magnesemia.
Equilíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico manual de curso
119

Bibliografia recomendada
Theodore W Post and Burton D Rose (Authors). UpToDate. At: http://www.Uptodate.com/. Acedido em Setembro 2008.
Sambandam K, Vijayan A. Fluid and electrolyte management. In: Coopr DH, Krainik AJ, Lubner SJ, Reno HEL, Micek ST.
Eds. The Washington Manual of Medical Therapeutics. 32nd Ed. St. Luis, Missouri. 2007 : 54-101.

Fim do capítulo.

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