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Escrevendo contra a cultura1 (1991)

Lila Abu-Lughod

Writing Culture, a coletânea que fronteira entre eu e outro, permitem-nos


marcou uma nova forma principal de refletir sobre a natureza convencional e
crítica às premissas da antropologia efeitos políticos desta distinção, e
cultural, exluiu mais ou menos dois fundamentalmente reconsiderar o valor do
grupos críticos cujas situações habilmente conceito de cultura do qual ela depende.
expõem e desafiam a mais básica destas Eu argumentarei que “cultura” opera no
premissas: feministas e “halfies” – pessoas discurso antropológico para reforçar
cuja identidade nacional ou cultural é separações que invevitavelmente carregam
mista, em virtude de migração, educação um senso de hierarquia. Portanto, os
estrangeira, ou ascendência. Em sua antropólogos deveriam agora perseguir,
introdução, Clifford desculpa-se pela sem esperanças exageradas sobre o poder
ausência de feminismo; nenhuma menção de seus textos para mudar o mundo, uma
aos halfies ou aos antropólogos indígenas variedade de estratégias para escrever
a quem eles estão relacionados. Talvez contra a cultura. Para aqueles interessados
eles não sejam suficientemente numerosos em estratégias textuais, eu exploro as
ou auto-denominados como grupo. A vantagens do que chamo “etnografias do
importância destes dois grupos jaz não em particular” como instrumentos de um
qualquer reivindicação moral e superior, humanismo tático.
ou em uma vantagem que eles devem ter
Nós e Outros
ao fazer antropologia, mas nos dilemas
específicos que eles enfrentam, dilemas A noção de cultura
que revelam cruamente os problemas com (particularmente porque ela funciona para
a presunção da antropologia cultural de distinguir “culturas”), a depeito de uma
uma distinção fundamental entre o eu e o longa utilidade, pode agora ter-se tornado
outro. algo contra o que os antropólogos
gostariam de trabalhar em suas teorias,
Neste ensaio eu exploro como
suas práticas etnográficas, e suas escritas
feministas e halfies, pela forma como suas
etnográficas. Um modo útil para começar
práticas antropólogicas inquietam a
a compreender o porquê, é considerar o
1
Título em parte intraduzível. No original Writing against culture, referência a Writing culture (1986) de
Clifford e Marcus.
que os elementos compartilhados da (1987, 286), também constituem seus
antropologia feminista e halfie esclarece “eus” em relação com um outro, mas não
sobre a distinção entre eu e outro, central veem este outro “sob ataque” (1987, 289).
ao paradigma da antropologia. Marilyn
Para esclarecer a relação entre
Strathern (1985, 1987) levanta algumas
eu/outro, Strathern leva-nos ao coração do
das questões a respeito do feminismo em
problema. Ainda que ela recue da
ensaios que tanto Clifford como Rabinow
problemática do poder (tido como
citam em Writing Culture. A tese dela é a
formativo no feminismo), em sua
de que a relação entre antropologia e
descrição estranhamente pouco crítica da
feminismo é difícil. Essa tese a conduz a
antropologia. Quando ela define a
tentar compreender por que a escola
antropologia como a disciplina que
feminista, no ódio de sua retórica de
“continua a conhecer a si mesma como o
radicalismo, falhou em fundamentalmente
estudo do comportamento social nos
alterar a antropologia, e por que o
termos de sistemas e representações
feminismo ganhou ainda menos que a
coletivas” (1987, 281), ela subscreve a
antropologia do que o contrário.
distinção eu/outro. Ao caracterizar a
A dificuldade, ela argumenta, relação entre o eu antropológico e o outro
provém do fato de que apesar do interesse como não-antagonística, ela ignora seu
comum nas diferenças, as práticas aspecto mais fundamental. O objetivo
acadêmicas de feministas e antropólogos confessado da antropologia deve ser “o
são “estruturadas diferentemente no modo estudo do homem [sic]”, mas ela é uma
como organizam o conhecimento e traçam disciplina ancorada na divisão construída
fronteiras” (Strathern, 1987, 289) e historicamente entre o Ocidente e o não-
especialmente na “na natureza da relação Ocidente. Tem sido e continua a ser
dos investigadores com os sujeitos de suas primariamente o estudo dos outros não-
disciplinas” (1987, 284). Acadêmicos Ocidentais pelos eus Ocidentais, mesmo
feministas, unidos por sua oposição se em seus novos pretextos ela procure
comum aos homens ou ao patriarcado, explicitamente dar voz ao Outro ou a
produzem um discurso composto de apresentar um diálogo entre o eu e o outro,
muitas vozes; eles “descobrem o eu ora textualmente, ora através da
tornando-se consciente da opressão do explicação do encontro realizado no
Outro” (1987, 289). Antropólogos, cujo trabalho de campo (como nos trabalhos de
objetivo é “dar sentido às diferenças” Crapanzano 1980, Dumont 1978, Dwyer
1982, Rabinow 1977, Riesman 1977, afeta os antropólogos indígenas
Tedlock 1983 e Tyler 1986). E o (Ocidentais ou não-Ocidentais). A segunda
relacionamento entre o Ocidente e o não- é um entendimento implícito de que os
Ocidente, ao menos desde o nascimento antropólogos estudam os não-Ocidentais;
da antropologia, tem sido constituída pela halfies que estudam a si mesmos ou
dominação do Ocidente. Isto sugere que a comunidades não-Ocidentais são ainda
dificuldade que Strathern sente na relação mais facilmente reconhecidos como
entre feminismo e antropologia deve antropólogos, que Americanos que
melhor ser entendida como o resultado de estudam Americanos.
processos diametralmente opostos de
Embora a antropologia continue a
construção do eu através da oposição a
ser praticada como o estudo por um não
outros – processos que provêm de
problematizado e não destacado eu
diferentes lados da repartição de poder.
Ocidental para descobrir “outros” lá fora,
A força duradoura do que Morsy a teoria feminista, uma prática acadêmica
(1988, 70) tem chamado “a hegemonia da que também transita em eus e outros, veio
distintiva tradição do outro” na em sua relativamente pequena história a
antropologia é traída pela defensividade perceber o perigo de tratar eus e outros
de exceções parciais. Antropólogos como dados. É instrutivo para o
conduzindo trabalho de campo nos desenvolvimento de uma crítica da
Estados Unidos ou na Europa perguntam- antropologia considerar a trajetória que
se se eles não embaçaram as fronteiras tem levado, em duas décadas, ao que
disciplinares entre a antropologia e outros alguns podem chamar de crise na teoria
campos como a sociologia ou história.Um feminista, e outros, de desenvolvimento
modo de manter suas identidades como do pós-feminismo.
antropólogos é fazer com que as
A partir de Simone de Beauvoir,
comunidades que eles estudam pareçam
tem sido aceito que, ao menos no
“outras”. Estudar comunidades étnicas e
Ocidente moderno, as mulheres têm sido o
os fracos também assegura isso. Assim
outro aos eus dos homens. O feminismo
como concentrar-se na “cultura”, por
tem sido um movimento devotado a ajudar
razões que eu discutirei mais tarde. Há
as mulheres a tornarem-se eus e sujeitos,
duas questões aqui. Uma é a convicção de
ao invés de objetos e outros dos egos dos
que não se pode ser objetivo sobre a
homens. A crise na teoria feminista
própria sociedade em particular, algo que
(relacionada a uma crise no movimento
das mulheres) tenta tornar aquelas que têm um eu através da oposição com um outro
sido constituídas como outras em eus – sempre envolve a violência de reprimir ou
ou, para usar a metáfora popular, deixar as ignorar outras formas de diferença. As
mulheres falarem –, foi o problema da teóricas feministas têm sido forçadas a
“diferença”. Por quem as feministas explorar as implicações para a formação
falavam? O movimento das mulheres, as de identidade, e as possibilidades para a
objeções das lésbicas, mulheres Afro- ação política dos modos em que o gênero
Americanas, e outras “mulheres de cor” como sistema de diferença é cruzado por
cujas experiências como mulheres foram outros sistemas de diferença, inclusive, no
diferentes daquelas das mulheres brancas, mundo capitalista moderno, por raça e
de classe média, heterossexuais, e levaram classe.
a problematizar a identidade dos seus eus
Onde isso deixa a antropóloga
como mulheres. Trabalhos sobre mulheres
feminista? Strathern (1987, 286)
entre culturas também deixou claro que
caracteriza-a como experimentando uma
masculino e feminino não têm, como nós
tensão – “tomada entre estruturas...
dizemos, os mesmos significados em
confrontada com duas maneiras diferentes
outras culturas, nem as vidas das mulheres
de se relacionar com as(os) sujeitos de sua
do Terceiro Mundo se parecem com as
disciplina”. O mais interessante aspecto da
vidas das mulheres do Ocidente. Como diz
situação das feministas, no entanto, é o
Harding (1986, 246), o problema é que
que ela compartilha com o halfie: uma
“uma vez que 'mulher' é desconstruído em
habilidade bloqueada para assumir
'mulheres', e 'gênero' é reconhecido por
confortavelmente o eu da antropologia.
não ter referentes fixos, o feminismo ele
Para ambos, embora de maneiras
mesmo dissolve-se como uma teoria que
diferentes, o eu está dividido, pego no
pode refletir a voz de um interlocutor
cruzamento de sistemas de diferença. Eu
naturalizado ou essencializado”.
estou menos preocupada com as
De sua experiência com esta crise consequências existenciais desta divisão
com o eu e com o outro, a teoria feminista (isso foi eloquentemente explorado em
pode oferecer dois lembretes úteis à eoutro lugar [Joseph 1988, Kondo 1986,
antropologia. Primeiro, o eu é sempre uma Narayan 1989]) que com a percepção que
construção, nunca uma entidade natural ou esta divisão gera sobre três questões
descoberta, mesmo que tenha esta cruciais: posicionalidade, público, e o
aparência. Segundo, o processo de criar poder inerente nas distinções de eu e
outro. O que acontece quando o “outro” fácil deslize na subjetividade,
que o antropólogo está estudando é compartilhado com os antropólogos
simultaneamente construído como, ao indígenas. Essas preocupações sugerem
menos parcialmente, um eu? que o antropólogo ainda é definido como
um ser que deve manter-se afastado do
Antropólogos feministas e halfies
Outro, mesmo quando ele ou ela procura
não podem facilmente evitar a questão da
explicitamente superar o intervalo.
posicionalidade. Encontrar-se numa base
Mesmo Bourdieu (1977, 1-2), que
de mudança deixa claro que cada visão é
analisou perceptivamente os efeitos que
uma visão de algum lugar, e cada ato de
esta postura de distanciamento tem nas
fala uma fala de algum lugar.
(in)compreensões dos antropólogos da
Antropólogos culturais nunca foram
vida social, falha irremediavelmente em
inteiramente convencidos da ideologia da
sua opinião. O ponto óbvio que ele perde
ciência, e têm há muito questionado o
de vista é que o eu distante nunca
valor, a possibilidade e definição de
meramente mantém-se do lado de fora.
objetividade. Mas eles ainda parecem
Ele ou ela encontram-se em uma relação
relutantes para examinar as implicações da
definida com o Outro de seu estudo, não
presente situação de seu conhecimento.
apenas como um Ocidental, mas como um
Duas objeções comuns e francês na Argélia durante a guerra de
entrelaçadas ao trabalho dos antropólogos independência, um americano no
feministas ou nativos e semi-nativos, Marrocos durante o conflito árabe-
ambas relacionadas à parcialidade, traem a israelense em 1967, ou uma mulher
persistência dos ideais de objetividade. A inglesa na Índia pós-colonial. O que nós
primeira tem a ver com a parcialidade chamamos “lado de fora” é uma posição
(como viés ou posição) do observador. A dentro de um complexo político-histórico
segunda tem a ver com a parcial maior. Não menos que o halfie, o wholie é
(incompleta) natureza da descrição uma posição específica em face à
apresentada. Halfies são mais associados comunidade sendo estudada.
ao primeiro problema, feministas ao
Os debates em torno das
segundo. O problema de estudar a própria
antropólogas feministas sugerem uma
sociedade é alegadamente o problema de
segunda fonte de inquietação quanto à
tomar suficiente distância. À medida que
posicionalidade. Mesmo quando elas se
para os halfies, o Outro é de certo modo o
apresentam como estudiosas de gênero,
eu, este é o dito perigo da identificação, e
antropólogas feministas são rejeitadas chamado o efeito Rushdie – os efeitos de
visto que apresentam apenas um retrato viver em uma era global quando os
parcial das sociedades que estudam, sujeitos de seus estudos começam a ler
porque assumidamente estudam apenas seus trabalhos, e os governos dos países
mulheres. Antropólogos estudam a trabalham para proibir passaportes e negar
sociedade, a forma sem designação. O vistos – antropólogos feministas e halfies
estudo das mulheres é a forma com lutam de maneira pungente, com múltipas
designação, tão prontamente seccionada, responsabilidades. Em vez de ter um
como nota Strathern (1985). Ainda que se público principal, como outros
poderia facilmente argumentar que a antropólogos, antropólogos feministas
maior parte dos estudos têm sido escrevem para antropólogos e feministas,
igualmente parciais. Estudos como os de dois grupos cujas relações com os sujeitos
Weiner (1976) sobre os trobriandeses de são singulares e que considera a
Malinowski, ou os de Bell (1983) sobre os responsabilidade de etnógrafos de
bem estudados aborígenes australianos maneiras diferentes. Além disso, círculos
indicam, eles foram estudos sobre feministas incluindo as feministas não-
homens. Isso não os torna menos valiosos; ocidentais, geralmente das sociedades em
meramente nos lembra que devemos que os antropólogos feministas estudaram,
constantemente prestar atenção à que os chamam para responder de novas
posicionalidade do eu antropológico e maneiras.
suas representações dos outros. James
Os dilemas dos halfies são ainda
Clifford (1986), entre outros, tem
mais extremos. Como antropólogos, eles
convincentemente argumentado que as
escrevem para outros antropólogos,
representações etnográficas são sempre
majoritariamente Ocidentais. Também
“verdades parciais”. O que é necessário é
identificando-se com comunidades de fora
um reconhecimento de que elas são
do Ocidente, ou subculturas nele, eles são
também verdades posicionadas.
chamados para responder como membros
O eu dividido cria para os dois educados destas comunidades. Mais
grupos aqui em questão um segundo importante, não apenas porque eles se
problema que é iluminador para a posisiconam eles próprios tendo como
antropologia em geral: múltiplos públicos. referência as duas comunidades, mas
Embora todos os antropólogos estão porque quando eles apresentam o Outro
começando a sentir o que pode ser eles estão apresentando a si próprios, eles
falam sobre com uma complexa progresso na academia para expor o modo
consciência, investimento e acolhimento. como ser estudado pelos “homens
Tanto os antropólogos feministas quanto brancos” (para usar um atalho a uma
os halfies são forçados a confrontar posição de sujeito complexa e
diretamente a política e a ética de suas historicamente constituída) transforma-se
representações. Não há soluções fáceis em ser dito através deles. E se torna um
para seus dilemas. signo e instrumento de seu poder.

A terceira questão que os Na antropologia, a despeito de uma


antropólogos feministas e halfies, ao longa história de oposição auto-consciente
contrário dos antropólogos que trabalham ao racismo, de um desenvolvimento veloz
em sociedades Ocidentais (outro grupo da literatura auto-crítica (por exemplo,
para quem eu e outro de certam forma Asad 1973, Clifford, 1983, Fabian 1983,
estão enredados), forçam-nos a confrontar Hymes 1969, Kuper 1988), e
é a ambiguidade da manutenção da ideia experimentações com técnicas
de que as relações entre eu e outro são etnográficas para aliviar o desconforto
inocentes de poder. Devido ao sexismo e à com o poder do antropólogo sobre o
discriminação étnica e racial, que eles sujeito antropológico, as questões
podem ter experimentando – como fundamentais da dominação continuam a
indivíduos de ascendência mista, como ser evitadas. Mesmo tentativas para
mulheres ou como estrangeiros – ser outro retratar informantes como consultores, e
para um eu dominante, seja na vida para “deixar o outro falar” (Tedlock 1987)
cotidiana nos Estados Unidos, na em textos dialógicos ou polívocos –
Inglaterra, na França, ou na academia descolonizações a nível textual –, deixam
Ocidental. Esta não é simplesmente uma intacta a configuração básica do poder
experiência de diferença, mas de global na qual a antropologia, estando
desigualdade. Meu argumento, no entanto, conectada a outras instituições do mundo,
é estrutural, não empírico. Mulheres, baseia-se. Para perceber a estranheza
negros, e os inúmeros não-Ocidentais têm desse empreendimento, tudo o que é
sido historicamente constituídos como preciso é considerar um caso análogo.
outros nos principais sistemas políticos de Qual seria a nossa reação se acadêmicos
diferença dos quais o mundo desigual do do sexo masculino declarassem seu desejo
capitalismo tem dependido. Estudos de “deixar as mulheres falarem” em seus
feministas e negros fizerem suficiente textos, enquanto continuassem a dominar
todo o conhecimento sobre eles através do esclarecer, explicar, e compreender a
controle da escrita e outras práticas diferença cultural, a antropologia também
acadêmicas, sustentado em suas posições ajuda a construí-la, produzi-la e mantê-la.
uma organização particular da vida O discurso antropológico confere à
política, social e econômica? diferença cultural (e a separação entre
grupos e seres humanos que ela implica) o
Devido a seus eus divididos,
ar de auto-evidente.
antropólogos feministas e halfies viajam
com dificuldade entre falar “por” e falar A respeito disso, o conceito de
“de”. Sua situação permite-nos ver mais cultura opera de modo bastante
claramente que a divisão de práticas, seja semelhante ao seu predecessor – raça –,
naturalizando as diferenças, como no mesmo que na forma assumida no século
gênero ou na raça, ou simplesmente XX tenha algumas vantagens políticas
elaborando-as, como irei argumentar sobre importantes. Ao contrário de raça, e ao
o que faz o conceito de cultura, são contrário também da noção de cultura do
métodos fundamentais para executar a século XIX como sinônimo de civilização
desigualdade. (em contraste à barbárie), o conceito atual
permite as múltiplas diferenças, ao invés
Cultura e Diferença
de binárias. Isso imediatamente assinala a
O conceito de cultura é o termo fácil propensão à hierarquia: a mudança
oculto em tudo o que acabou de ser dito para “cultura” (com “c minúsculo com a
sobre a antropologia. A maioria dos possibilidade de um s no final”, como diz
antropólogos americanos acredita ou age Clifford [1988]) tem um efeito
como se “cultura”, notoriamente resistente relativizante. A mais importante das
à definição e ambígua de referente, fosse vantagens da cultura, contudo, é que ela
contudo o verdadeiro objeto da remove a diferença do domínio do natural
investigação antropológica. Além disso, e do inato. Mesmo que concebida como
poderíamos também argumentar que um conjunto de comportamentos,
cultura é importante à antropologia porque costumes, tradições, regras, planos,
a distinção antropológica entre eu e outro receitas, instruções, ou programas (para
jaz sobre ela. Cultura é a ferramenta listar a variação de definições fornecida
essencial para fazer o outro. Como um por Geertz [1973: 44]), cultura é
discurso profissional que se elabora sobre aprendida e pode mudar.
o significado da cultura, a fim de
Apesar de suas intenções anti- no sistema formador foi depreciado como
essencialistas, no entanto, o conceito de outro. Um apelo gandhiano à maior
cultura mantém algumas das tendências espiritualidade da Índia hindu, comparado
para congelar a diferença, possuídas por ao materialismo e violência do Ocidente, e
conceitos como o de raça. Isso é mais fácil um apelo islâmico à fé maior em Deus,
de ver se nós consideramos um campo em comparado à imoralidade e corrupção do
que houve uma mudança de um para o Ocidente, ambos aceitam os termos
outro. O Orientalismo como discurso essencialistas das construções
acadêmico (entre outras coisas) é, de Orientalistas. Enquanto os transformam
acordo com Said (1978: 2), “um estilo de em algo completamente errôneo, eles
pensamento baseado na distinção preservam o rígido senso de diferença
ontológica e epistemológica feita entre 'o baseado na cultura.
Oriente' e (na maior parte das vezes) 'o
Um paralelo pode ser feito com o
Ocidente'”. O que ele mostra é que ao
feminismo. É um pressuposto básico do
identificar a geografia, raça e cultura de
feminismo que “não se nasce mulher,
um e outro, o Orientalismo fixa diferenças
torna-se mulher”. Tem sido importante
entre as pessoas “do Oeste” e as pessoas
para a maioria das feministas alocar as
“do Leste”, de maneira tão rígida que elas
diferenças de sexo na cultura, não na
podem até ser consideradas inatas. No
biologia ou na natureza. Enquanto isso
século XX, a diferença cultural, não a
tem inspirado algumas teóricas feministas
raça, tem sido o sujeito básico da escola
a tratar os efeitos sociais e íntimos do
Orientalista, dedicada agora a interpretar o
gênero como um sistema de diferenças,
fenômeno “cultural” (principalmente
para muitas outras tem levado a
religião e linguagem), ao qual diferenças
explorações sobre e estratégias
básicas no desenvolvimento, performance
construídas na noção de uma cultura das
econômica, governo, caráter, e assim por
mulheres. Feminismo cultural (cf. Echols
diante, são atribuídas.
1984) assume muitas formas, mas tem
Alguns movimentos anti-coloniais muitas das qualidades do Orientalismo
e lutas contemporâneas têm trabalhado reverso já discutido. Para feministas
para o que poderia ser rotulado como franceses como Irigaray (1985a, 1985b),
Orientalismo reverso, em que as Cixous (1983), e Kristeva (1981),
tentativas de reverter a relação de poder masculino e feminino, se não na verdade
procedem procurando valorizar o eu, que macho e fêmea, respresentam modos de
ser essencialmente diferentes. Feministas Essa valorização pelas feministas
anglo-americanos tomam um outro rumo. culturais, como Orientalistas reversos, das
Alguns tentam “descrever” as diferenças qualidades previamente depreciadas por
culturais entre homens e mulheres – eles, pode ser provisoriamente útil para
Gilligan (1982) e seus seguidores (e. g., forjar um senso de unidade, e travar lutas
Belenky et al. 1986) que elaboram a noção de empoderamento. Ainda porque ela
de “uma voz diferente” são exemplos deixa intacto o divisor que estruturou as
populares. Outros tentam “explicar” as experiências de criação do eu e opressão
diferenças, seja por uma teoria na qual ela se cria, ela perpetua algumas
psicanalítica socialmente informada (e.g., tendências perigosas. Primeiro, feministas
Chodorow 1978), uma teoria marxista dos culturais deixam passar as conexões entre
efeitos da divisão do trabalho e do papel aqueles de cada lado do divisor, e os
das mulheres na reprodução social modos nos quais eles definem um ao
(Hartsock 1985), uma análise da prática outro. Segundo, eles deixam passar
materna (Ruddick 1980), ou mesmo uma diferenças em cada categoria construída
teoria da exploração sexual (MacKinnon pelas práticas divisoras, diferenças como
1982). A maior parte da teorização e aquelas de classe, raça, e sexualidade
prática feminista procura construir ou (para repetir a litania feminista das
reformar a vida social alinhada a essa problematicamente categorias abstratas),
“cultura das mulheres”. Houve propostas mas também origem étnica, experiência
para uma unversidade das mulheres (Rich pessoal, idade, modo de subsistência,
1979), uma ciência feminista, uma saúde, meio de vida (urbano ou rural), e
metodologia feminista na ciência e nas experiência histórica. Terceiro, e talvez
ciências sociais (Meis 1983; Reinharz mais importante, eles ignoram os modos
1983; Smith 1987; Stanley e Wise 1983; nos quais as experiências foram
ver Harding 1987 para uma crítica construídas historicamente e mudaram
sensível), e até mesmo uma com o tempo. Tanto o feminismo cultural
espiritualidade e ecologia feministas. como os movimentos revivalistas tendem
Essas propostas quase sempre constróem- a confiar nas noções de autenticidade e
se sobre valores associados às mulheres retorno aos valores positivos, não
no Ocidente – um senso de cuidado e representadas pelo outro dominante.
conexão, criação materna, imediatismo da Como se mostra óbvio nos casos mais
experiência, envolvimento com o corpóreo extremos, esses lances apagam a história.
(versus o abstrato), e por aí em diante. Invocações do deus de Creta em alguns
círculos feminista-culturais, de um modo que tanto “a disciplina da antropologia
mais sério e complexo, a poderosa baseada no trabalho de campo, ao
invocação da comunidade do século XVII constituir sua autoridade, constrói e
do Profeta em alguns movimentos reconstrói outros culturais coerentes e
islâmicos são bons exemplos. interpreta os eus” (Clifford 1988b: 112),
como a etnografia é uma forma de coleção
O ponto é que a noção de cultura
de cultura (como a coleção de arte) na
de que os dois tipos de movimento se
qual “diversas experiências e fatos são
utilizam não parece garantir uma fuga da
selecionados, reunidos, isolados de suas
tendência para o essencialismo. Poderia
circunstâncias temporais originárias, e
ser argumentado que antropólogos usam
atribuem-se a eles valor duradouro em um
“cultura” de maneira mais sofisticada e
novo arranjo” (Clifford 1988: 231).
consistente, e que seu compromisso com
Metáforas orgânicas sobre inteireza e o
ela como uma ferramenta analítica é mais
holismo metodológico que caracterizam a
sólido. No entanto, mesmo muitos deles
antropologia, ambos privilegiam a
estão agora preocupados com o modos
coerência, que por sua vez contribui para a
pelos quais ela tende a congelar as
percepção das comunidades como
diferenças. Appadurai (1988), por
enredadas e discretas.
exemplo, em seu argumento persuasivo de
que “os nativos” são uma fabricação da Certamente discrição não tem de
imaginação antropológica, demonstra a implicar valor; o distintivo da
cumplicidade do conceito antropológico antropologia do século XX tem sido a sua
de cultura em um contínuo promoção do relativismo cultural sobre a
“encarceramento” dos povos não- avaliação e o julgamento. Se a
Ocidentais no tempo e no espaço. Negadas antropologia tem sempre, em certa
as mesmas capacidades de movimento, medida, sido uma forma de (auto-) crítica
viagem e interação geográfica que os cultural (Marcus e Fischer, 1986), isso
ocidentais tomam como dadas, as culturas também foi um aspecto da recusa à
estudadas pelos antropólogos tenderam a hierarquização da diferença. Ainda que
ter a história também negada. nenhuma posição seria possível sem a
diferença. Valeria a pena pensar sobre as
Outros, incluindo eu mesma
implicações dos altos riscos da
(1990b), argumentaram que teorias
antropologia ao sustentar e perpetuar a
culturais também tendem a enfatizar
crença na existência de culturas
exageradamente a coerência. Clifford nota
identificadas como discretas, diferentes, e promissoras. Embora elas de maneira
separadas da nosso própria. É a diferença nenhuma esgotem as possibilidades, os
sempre contrabandeada em hierarquia? tipos de projeto que irei descrever –
teórico, substantivo e textual – faz sentido
Em Orientalismo, Said (1978: 28)
aos antropólogos sensíveis aos problemas
argumenta a favor da eliminação “do
de posicionalidade e responsabilidade, e
Oriente” e “do Ocidente” completamente.
interessados em fazer da prática
Ele não quer dizer que devamos apagar
antropológica algo que não meramente
todas as diferenças, mas o reconhecimento
fortaleça as desigualdades globais. Eu
de mais delas, e dos modos complexos
concluirei, contudo, considerando as
pelas quais elas se atravessam. Mais
limitações de qualquer reforma
importante, a análise dele sobre um campo
antropológica.
procura mostrar como e quando certas
diferenças, neste caso de lugares e pessoas Discurso e prática
que lhes são inerentes, tornam-se
A discussão teórica, porque é um
implicadas na dominação de um pelo
dos modos através dos quais antropólogos
outro. Deveriam os antropólogos tratar
se envolvem uns com os outros, oferece
com suspeita similar “cultura” e “culturas”
um meio importante para a contestação da
como os termos chave em um discurso no
“cultura”. Parece-me que as discusssões e
qual a alteridade e a diferença vieram a
remanejamentos correntes sobre dois
ter, como aponta Said (1989: 213),
termos cada vez mais populares – discurso
“qualidades talismânicas”?
e prática – sinalizam um movimento de
Três modos de escrever contra a distanciamento da cultura. Embora haja
cultura sempre o perigo de que tais termos
venham a ser usados simplesmente como
Se “cultura”, obscurecida pela
sinônimos para cultura, eles foram
coerência, perenidade, e discrição, é a
destinados a nos permitir analisar a vida
principal ferramenta antropológica para
social sem presumir a hierarquia lógica
fazer o “outro”, e a diferença, como
que o conceito de cultura tem de carregar.
feministas e halfies revelam, tende a ser
uma relação de poder, então talvez A prática é associada, na
antropólogos devessem considerar antropologia, com Bourdieu (1977;
estratégias para escrever contra a cultura. também ver Ortner 1984), cuja abordagem
Eu discutirei três que considero teórica é construída sobre os problemas de
contradição, incompreensão, comunidade e o antropólogo trabalhando
desconhecimento, estratégias de favor, lá e escrevendo sobre, para não mencionar
interesses, e improvisações, sobre os mais o mundo ao qual ele ou ela pertencem e
estáticos e homogeneizadores dispositivos que permitem que ele ou ela estejam
culturais desgastados de regras, modelos e naquele lugar particular estudando aquele
textos. O discurso (cujos usos eu discuto grupo. Isso é mais um projeto político que
em L. Abu-Lughod 1989 e Abu-Lughod e existencial, embora os antropólogos
Lutz 1990), tem fontes e significados mais reflexivos que nos ensinaram a focar no
diversos em antropologia. Em sua encontro do trabalho de campo como um
derivação foucaultiana, como se relaciona local para a construção dos “fatos”
às noções de formações discursivas, etnográficos têm nos alertado a uma
aparatos, e tecnologias, quer recusar a dimensão importante da conexão.Outros
distinção entre ideias e práticas ou texto e tipos significativos de conexão têm
mundo, que o conceito de cultura muito recebido menos atenção. Pratt (1986: 42)
prontamente encoraja. Em seu sentido nota uma mistificação regular na escrita
mais sociolinguístico, atrai atenção dos etnográfica sobre “a grande pauta da
usos sociais pelos indivíduos das fontes expansão europeia na qual o etnógrafo,
verbais. Em qualquer caso, permite a desatento às suas próprias atitudes a ela, é
possibilidade de reconhecimento em um apanhado, e isso determina a própria
grupo social o jogo das múltiplas, relação potencial do etnógrafo com o
mutantes e concorrentes afirmações e seus grupo sob estudo”. Nós precisamos fazer
efeitos práticos. Tanto a prática como o perguntas sobre os processos históricos
discurso são úteis porque eles trabalham pelos quais veio passar que seres como
contra a assunção de enredamento, para nós poderiam se envolver nessa espécie de
não mencionar o idealismo (Asad 1983), trabalho, nesse lugar particular, e sobre
do conceito de cultura. quem nos precedeu e ainda mesmo está lá
hoje conosco (turistas, viajantes,
Conexões
missionários, consultores de auxílio
Outra estratégia para escrever financeiro, trabalhadores do corpo civil de
contra a cultura é reorientar os problemas paz). Nós precisamos nos perguntar a que
ou temas a que antropólogos se dirigem. esse “desejo de saber” sobre o Outro está
Um foco importante deveria ser as conectado no mundo.
variadas conexões e interconexões,
históricas e contemporâneas, entre uma
Essas perguntas não podem ser particulares. Todos esses projetos, que se
feitas em geral; elas tem de ser feitas relacionam a uma mudança no olhar para
sobre e respondidas através de situações, incluir o fenômeno da conexão, expõem as
configurações e histórias específicas. inadequações do conceito de cultura e a
Ainda que elas não se dirijam diretamente esquivez das entidades designadas pelo
ao lugar do etnógrafo, e ainda que elas se termo culturas. Embora possa haver uma
envolvam a uma supersistematização que tendência no novo trabalho em meramente
ameaça a apagar as interações locais, ampliar o objeto, mudando de cultura para
estudos como os de Wolf (1982) sobre a nação como locus, idealmente dar-se-ia
longa história da interação entre atenção para os agrupamentos em
sociedades Ocidentais particulares, e mudança, identidades e interações no
comunidades do agora chamado Terceiro interior e entre essas fronteiras também.
Mundo, representam meios importantes de Se um dia houve um tempo em que os
responder a essas questões. Assim como antropólogos poderiam considerar sem
os estudos de Mintz (1985) que traçam os muita violência pelo menos algumas
processos complexos de transformação e comunidades como unidades isoladas,
exploração nos quais, na Europa e outras certamente a natureza das interações
partes do mundo, o açúcar estava globais no presente torna isso impossível.
envolvido. A virada antropológica para a
Etnografias do particular
história, traçando conexões entre o
presente e o passado de comunidades A terceira estratégia para escrever
particulares, é também um contra a cultura depende da aceitação à
desenvolvimento importante. compreensão de Geertz sobre a
antropologia, que tem sido construída
Nem todos os projetos sobre
sobre todos que levam a textualidade a
conexões precisam ser históricos.
sério nesse “momento experimental”
Antropólogos estão cada vez mais
(Marcus e Fischer 1986). Geertz (1975,
preocupados com as conexões nacionais e
1988) argumentou que uma das coisas
transnacionais entre seres humanos,
principais que os antropólogos fazem é
formas culturais, mídia, técnicas e
escrever, e o que eles escrevem é ficção (o
mercadorias. Eles estudam a articulação
que não quer dizer que sejam fictícias).
do capitalismo mundial e da política
Certamente a prática da escrita etnográfica
internacional, com as situações de seres
tem recebido uma imoderada quantidade
humanos vivendo em comunidades
de atenção por aqueles envolvidos em
Writing Culture e um número crescente de Eu não me preocuparei com a série
outros que não estavam envolvidos. Muita de questões frequentemente levantada
da hostilidade direcionada ao projeto deles sobre a generalização. Por exemplo,
provém da suspeita de que em suas constantemente tem sido apontado que o
inclinações literárias, eles muito modo generalizador do discurso científico
prontamente ruíram a política da social facilita a abstração e a reificação. A
etnografia em sua poética. Ainda que socióloga feminista Dorothy Smith (1987:
tenham trazido uma questão que não possa 130) põe o problema vividamente em sua
ser ignorada. Na medida em que os crítica do discurso sociológico por nada
antropólogos estão no negócio de menos que:
representar os outros através de sua escrita
a complexa organização de atividades de
etnográfica, então claramente o grau com indivíduos reais e suas relações reais são inseridas
que as pessoas nas comunidades em que no discurso através de conceitos como classe,
eles estudam aparecem como “outros” modernização, organização formal. Um domínio
de objetos constituídos teoricamente é criado,
deve também ser parcialmente uma função
libertando o domínio discursivo do solo das vidas e
de como os antropólogos escrevem sobre
trabalho de indivíduos reais e liberando a
eles. Há maneiras de escrever sobre vidas investigação sociológica para roçar em um campo
de modo a constituir outros menos outros? de entidades conceituais.

Eu argumentaria que uma poderosa Outros críticos fixaram-se em diferentes


ferramenta para perturbar o conceito de falhas. A antropologia interpretativa, por
cultura e subverter o processo de exemplo, em sua crítica da busca por leis
“outrerização” que ele envolve é escrever gerais em uma ciência social positivista,
“etnografias do particular”. Generalização, nota uma inobservância da centralidade do
o modo característico do estilo de escrita significado à experiência humana. Ainda
das ciências sociais, não pode mais ser que os resultados tenham sido subsituir a
considerado como descrição neutra generalização dos significados pela
(Foucault 1978; Said 1978; Smith 1987). generalização dos comportamentos.
Há dois efeitos infelizes em antropologia
Eu também quero deixar claro o
dos quais vale a pena se afastar. Eu irei
que o argumento da particularidade não é:
explorá-los antes de apresentar alguns
não deve ser confundido com argumentos
exemplos de meu próprio trabalho, o que
que privilegiam processos micro sobre os
se poderia esperar realizar através das
macro. Etnometodólogos […] e outros
etnografias do particular.
estudantes da vida cotidiana buscam
meios de generalizar sobre gerenciais, e é portanto parte do “aparelho
microinterações, enquanto diz-se que os dominante desta sociedade”. Essa crítica
historiadores traçam as particularidades se aplica também à antropologia com a
dos macroprocessos. Uma preocupação sua perspectiva inter ao invés de
com as especificidades das vidas dos intrasocial, e sua origem na colonização e
indivíduos não implica uma exploração dos não-europeus, em vez da
desconsideração a respeito de forças e gestão dos grupos sociais internos como
dinâmicas que não se assentam a nível trabalhadores, mulheres,
local. Pelo contrário, os efeitos de afrodescendentes, pobres ou prisioneiros.
processos extra-locais e a longo prazo
Por outro lado, mesmo se
apenas se manifestam localmente e
negarmos o julgamento sobre quão
especificamente, produzidos nas ações de
intimamente as ciências sociais podem
indivíduos vivendo suas vidas
estar associadas aos aparatos de
particulares, inscritos em seus corpos e
dominação, devemos reconhecer como
suas palavras. O que estou defendendo é
todos os discursos profissionais por
uma forma de escrita que possa melhor
natureza impõem hierarquia. O enorme
transmitir isso.
vão ente os discursos profissionais e
Há dois motivos para os autorizados de generalização, e a
antropólogos serem cautelosos com a linguagem cotidiana (nossa própria e dos
generalização. O primeiro é que, como outros) estabelece uma separação
parte de um discurso profissional sobre fundamental entre o antropólogo e as
“objetividade” e técnica, é inevitável uma pessoas sobre quem ele escreve, a qual
linguagem de poder. Por um lado, é a facilita a construção dos objetos
linguagem daqueles que parece antropológicos como simultaneamente
permanecer apartada e do lado de fora diferente e inferior.
daquilo sobre o que se põem a descrever.
Assim, a hierarquia que os
Novamente, a crítica de Smith ao discurso
antropólogos podem trazer aproximando a
sociológico é relevante. Ela tem defendido
linguagem da vida cotidiana e a
que esse modo, aparentemente apartado,
linguagem do texto, é reservada a esse
de reflexão sobre a vida social está na
modo de fazer o outro. O problema é que,
verdade localizado: ele representa a
como uma reflexão sobre a situação das
perspectiva daqueles envolvidos em
antropólogas feministas sugere, pode
estruturas profissionais, administrativas, e
haver riscos profissionais para etnógrafos
que desejam perseguir essa estratégia. Eu útil porque o objetivo era persuadir
defendi em outro lugar (1990) que a colegas de que uma antropologia levando
observação refrescantemente sensível de em conta o gênero não era apenas uma
Rabinow sobre a política da escrita boa antropologia, mas uma antropologia
etnográfica – que se encontra mais perto melhor.
de casa, na academia, que no mundo
A segunda pressão sobre a
colonial e neo colonial – ajuda-nos a
antropologia feminista é a necessidade de
entender algumas coisas sobre a
declarar profissionalismo. Ao contrário do
antropologia feminista e a sua dificuldade,
que escreve Clifford (1986: 21), as
que mesmo alguém como Clifford trai em
mulheres têm produzido “formas
seu ensaio introdutório a Writing Culture.
inconvencionais de escrita”. Ele apenas as
Sua desculpa para excluir os antropólogos
ignora, negligenciando alguns
feministas foi que eles não inovaram
antropólogos profissionais como Bowen
textualmente. Se consentirmos como a
(Bohannon) (1954), Briggs (1970), e
dúbia distinção que ele presume entre
Cesara (Poewe) (1982) que fizeram
inovação textual e transformações de
experimentações com a forma. Mais
conteúdo e teoria, podemos admitir que
significativo, há também o que pode ser
antropólogos feminsitas contribuíram
considerado uma “tradição das mulheres”
pouco à nova onda de experimentação da
separada na escrita etnográfica. Porque
forma. No entanto, um momento de
não é profissional, contudo, pode ser que
reflexão nos proveria pistas sobre o
venha a ser reivindicada e explorada por
porquê. Sem mesmo perguntar as questões
antropólogos feministas incertas de sua
básicas sobre indivíduos, instituições,
condição. Estou me referindo às, em sua
patrões, e posses, podemos virar-nos à
maior parte excelentes e populares,
política do próprio projeto feminista.
etnografias escritas pelas esposas “não
Dedicado a garantir que as vidas das
treinadas” de antropólogos, livros como
mulheres sejam representadas em
Guests of the Sheik (1965) de Elizabeth
descrições das sociedades, experiências
Fernea, Nisa (1985) de Marjorie Shostak,
das mulheres, e o próprio gênero,
The spirit of the drum (1987) de Edith
teorizaram levando em conta como as
Turner, e The house of lim (1968) de
sociedades funcionam; acadêmicos
Margaret Wolf. Direcionando seus
feministas se interessaram pelo velho
trabalhos a públicos ligeiramente
senso político de representação. O
diferentes àqueles a que se dirigem as
conservadorismo da forma pode ter sido
etnografias padrões, eles também em um momento especial para os
seguiram convenções diferentes: eles são antropólogos, porque contribuem para a
mais abertos sobre sua posicionalidade, ficção dos essencialmente diferentes e
menos assertivos sobre sua autoridade discretos outros, que podem ser separados
científica, e mais focados nos indivíduos de algum tipo de eu igualmente essencial.
particulares. Na medida em que a diferença é, como
argumentei, hierárquica, e afirmações de
[…]
separação uma forma de negar a
O segundo problema com a responsabilidade, a generalização ela
generalização deriva não de sua mesma deve ser tratada com suspeita.
participação nos discursos de autoridade
Por essas razões, eu proponho que
do profissionalismo, mas dos efeitos de
experimentemos com as narrativas
homogeneidade, coerência e perenidade
etnográficas do particular a longa tradição
que ela tende a produzir. Quando se
da escrita baseada no trabalho de campo.
generaliza a partir de experiências e
Ao contar histórias de indivíduos
conversas com um número específico de
particulares no tempo e espaço, essas
pessoas em uma comunidade, tende-se a
etnografias compartilhariam elementos
achatar as diferenças entre eles e a
com a “tradição das mulheres” discutida
homogeneizá-los. A aparência de ausência
acima. Eu esperaria que elas
de diferenciação interna torna mais fácil a
complementassem ao invés de recolocar
concepção de um grupo de seres humanos
uma gama de outros tipos de projetos
como discreto, entidade enredada, como
antropológicos, de discussões teóricas à
“os Núer”, “os Balineses”, os “Awlad 'Ali
exploração de novos tópicos na
Bedouin'”, que fazem isto e aquilo, e
antropologia.
acreditam assim e assado. O esforço para
produzir descrições etnográficas gerais […]
das crenças e ações dos seres humanos
Antropólogos comumente
tende a suavizar as contradições, conflitos
generalizam sobre as comunidades
e interesses, e dúvidas e argumentos, para
dizendo que elas se caracterizam por
não mencionar a mudança de motivações
certas instituições, regras, ou maneiras de
e circunstâncias. A eliminação de tempo e
fazer as coisas. Por exemplo, nós podemos
conflitos torna o que está dentro da
e, frequentemente dizemos “os Bongo-
fronteira criado pela homogeneização em
Bongo são polígamos”. Contudo, pode-se
algo essencial e fixo. Estes efeitos se dão
recusar a generalizar desta maneira, os seres humanos contestam
perguntando ao contrário como um interpretações sobre o que está
determinado conjunto de indivíduos – por acontecendo, criam estratégias, sofrem, e
exemplo, um homem e suas três esposas vivem suas vidas. Em um sentido isso não
numa comunidade beduína no Egito – é tão novo. Bourdieu (1977), por exemplo,
vive a “instituição” que chamamos de teoriza a prática social de modo similar.
poligamia. Enfatizando a particularidade Mas a diferença aqui seria que se está à
desse casamento e construindo uma figura procura de meios textuais de representar
dele através das discussões dos membros, como isso acontece, ao invés de
suas recordações, desentendimentos, e simplesmente fazer afirmações teóricas
ações, geraríamos várias questões teóricas. que isso acontece.

Primeiro, recusar a generalizar Através do foco íntimo nos


destacaria a qualidade construída dessa indivíduos particulares e nas suas relações
tipicidade tão regularmente produzida em efêmeras, seria necessário subverter as
resultados científico-sociais conotações mais problemáticas de cultura:
convencionais. Segundo, demonstrar as homogeneidade, coerência e perenidade.
circunstâncias reais e, as histórias em
detalhe dos indivíduos e suas relações
sugeriria que as especificidades, sempre
presentes (como sabemos através de
nossas experiências íntimas), são também
sempre cruciais à constituição da
experiência. Terceiro, reconstruir os
argumentos das pessoas sobre,
justificativas para, e interpretações sobre o
que eles e outros estão fazendo explicaria
como a vida social procede. Demonstraria
que a despeito dos termos de seus
discursos poderem estar definidos (e,
como em qualquer sociedade, inclusas
uma série de discursos às vezes
contraditórios e frequentemente em
mudança histórica), dentro desses limites,

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