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RESENHA
Mas foi somente no ano de 1995 que Vasconcellos anunciou publicamente o pensamento
sistêmico como novo paradigma da ciência, trazendo “implicações revolucionárias e
profundas tanto quanto à atitude científica, como quanto às atitudes pessoais (...) a vida
concreta cotidiana”, como colocado por Aun, na apresentação da obra (p. 8). Neste momento,
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contudo, ela se encontrava inserida no contexto da terapia de família, sem trazer contribuições
à ciência no geral. Isto acabou gerando a noção equivocada de que a consequência natural e
única do pensamento sistêmico é a terapia de família e de casal. Ao contrário, o objetivo de
Vasconcellos ao ministrar cursos sobre o pensamento sistêmico sempre foi o de não estar
falando somente como psicóloga, nem direcionar a palavra somente a psicólogos.
Com o lançamento do livro em 2002, porém, um novo panorama é posto por Vasconcellos: o
pensamento sistêmico como nova possibilidade de fazer e pensar a ciência como um todo,
partindo da transdisciplinaridade. Assim, a principal ruptura que tal pensamento propõe é com
a desintegração de disciplinas, quer dizer, um modo de pensar o mundo e o ser humano
desintegrado. Para explorar isto, ao longo de todo o livro Vasconcellos expõe sobre o
percurso histórico e epistemológico da construção do modelo de ciência tradicional que ainda
vigora, explica noções de paradigma e epistemologia, traz noções da teoria geral de sistemas e
suas interlocuções e integra tudo apresentando o pensamento sistêmico em suas implicações
éticas e pragmáticas. Tudo isto é feito de forma bastante didática e em linguagem acessível,
tornando prazerosa a leitura da obra e fácil o seu entendimento.
O livro é dividido em três partes e seis capítulos, a saber: Parte I, “Rastreando as origens do
paradigma de conhecimento científico”, com os capítulos 1) “Identificando noções de
paradigma e epistemologia” e 2) “Destacando momentos marcantes no desenvolvimento da
concepção de conhecimento científico”; Parte II, “Acompanhando as transformações do
paradigma da ciência”, com os capítulos 3) “Delineando o paradigma tradicional da ciência”,
4) “Distinguindo dimensões no paradigma emergente da ciência contemporânea” e 5)
“Pensando o pensamento sistêmico como o novo paradigma da ciência: o cientista novo-
paradigmático”; e Parte III, “Um adendo necessário: Teoria de Sistemas”, com o capítulo 6)
“Rastreando as origens das abordagens teóricas dos sistemas”.
A noção de epistemologia, por sua vez, tem íntima ligação com a de paradigma, na medida
em que se refere a visões de mundo implícitas na atividade científica. Conforme aborda
Vasconcellos, o conceito de epistemologia sofreu alterações ao longo do tempo.
Originalmente, era entendido como componente da teoria do conhecimento, valorizando o
saber científico em detrimento do saber vulgar. Neste momento, levava-se em conta a
concepção que se tem do objeto do conhecimento como condicionante do processo de
conhecer, quer dizer, considerava-se subjacente a tal processo a ontologia, com o objetivo de
estudar a “essência do ser a ser conhecido”. Num segundo momento, a epistemologia passa a
ser concebida como análise das proposições científicas (linguagem da ciência), para
determinação das que são verdadeiras. Num terceiro momento da evolução do conceito,
identificavam-no fundamentalmente como filosofia da ciência, abordando problemas
científicos como lógica, semântica, metodologia, ontologia, axiologia e ética.
compreendido entre os séculos VIII a.C e VI a.C, foi a descoberta do logos (razão), em
contraposição ao modo predominante de conhecimento do mundo à época, o mito. Alguns
pensadores se destacam aqui: Thales, Anaximandro e Anaxímenes, os quais buscaram
compreender o mundo por meio do princípio explicativo. O desenvolvimento do pensamento
humano no período pré-socrático apresenta três faces, a saber, a empirista, com Thales; a
idealista (abstrata), com Anaximandro; e a realista (concreta), com Anaxímenes. Porém, o
salto qualitativo do mito à razão só se consolidou entre os séculos V a.C e IV a.C., com
Sócrates, Platão e Aristóteles.
Sócrates foi o primeiro a trabalhar claramente a ideia de que a demonstração deveria justificar
as proposições, utilizando-se do argumento. Já Platão e Aristóteles enfatizavam a busca pelo
conhecimento verdadeiro, em oposição ao mito e à opinião (doxa). O mito seria uma forma de
conhecimento revelada por inspiração dos deuses, evidente em si mesma e livre de provas,
sem embasamento na razão. Já a doxa era considerada própria do senso comum, apoiado em
sensações e não no raciocínio sobre elas, por isto, conhecimento colado à aparência das
coisas. Em razão disto, tanto o mito como a doxa eram tidos como conhecimentos não
mediados pela razão, e por conseguinte, meios não seguros e verdadeiros de conhecer.
Aqui já se vê presente, portanto, a oposição entre logos e opinião, de modo que a essa forma
de racionalidade os gregos denominaram episteme, abarcando tanto a ciência como a filosofia,
ainda indissociáveis neste momento. São traços característicos da episteme considerar o
sujeito do conhecimento separado do objeto do conhecimento, de modo que o pensamento
fosse mediador da apropriação da realidade, revelando a essência das coisas. Daqui surge a
noção de descoberta científica, que parte do pensamento / demonstração para desocultar a
verdade, mas sem a preocupação do porquê a realidade estava oculta.
métodos reflete a forma de obtenção da premissa principal (se por intuição, indução ou
abstração).
Nota-se, então, que já na Grécia antiga temos as raízes do que vem a ser a ciência no modelo
ocidental em que a conhecemos, a partir da ideia de que há uma forma melhor de conhecer o
mundo, a única correta e válida, que é relativa ao objeto, e a verdade relativa a uma ordem
transindividual e supratemporal. As consequências que herdamos destas construções racionais
desde a antiguidade são a exclusão: da subjetividade (e sua submissão à razão), do nível
sensível (sensações e percepções) e do tempo histórico (busca-se a essência das coisas sem
considerar as circunstâncias – descontextualização).
Passando à Idade Média, vemos as marcas de uma filosofia de tipo religioso, rompendo
fronteiras entre aquela e a teologia. Neste período, acima das verdades da razão são colocadas
as verdades da fé e o conhecimento é concebido como graça e iluminação de Deus sobre os
mortais. Aqui se destacam, como colocado por Vasconcellos, Santo Agostinho e São Tomás
de Aquino. O primeiro afirmava que a razão é incerta e somente a iluminação divina traria
conhecimento da verdade. O segundo, de forma semelhante, afirmava que somente a graça
divina iluminando a razão permitiria ao homem usá-la de forma plena. A marca do homem
medieval é a leitura das sagradas escrituras, tentando conciliar racionalidade e teologia, por
isto a episteme medieval é tida como contraditória.
Pouco é falado na obra sobre este período, com a justificativa de que só há uma inflexão na
linha do tempo 20 séculos depois do período pré-socrático, quer dizer, é dada pouca
importância quanto ao papel da idade média no desenvolvimento da concepção de
pensamento científico ocidental. Isto infelizmente não é muito bem esclarecido e o quadro de
momentos marcantes no desenvolvimento do pensamento científico (pode ser visualizado na
página 52, adaptado de Aun, 1994) deixa uma lacuna no marco da idade média, sugerindo que
mil anos de história sejam irrelevantes ou pouco influentes no que veio a se tornar o modelo
tradicional de ciência.
Indo agora ao pensamento do homem moderno, aqui encontramos as principais marcas do que
se constitui hoje nosso modelo de ciência, sendo importante destacar o rompimento feito entre
a ciência e a filosofia, buscando os critérios de ordem e medida a serem aplicados a todos os
domínios da vida humana. Na modernidade temos presentes grandes pensadores como Francis
Bacon, Galileu Galilei, René Descartes, Isaac Newton e Augusto Comte, mas dentre eles o
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Com Bacon temos o legado do pensamento indutivo, método que visava pesquisar os
fenômenos naturais pela observação e experimentação. Com Galileu, temos a introdução do
método experimental nas ciências da natureza, criando uma física não contemplativa. Por
afirmar que o livro do mundo está escrito em linguagem matemática e que é nesta que se
encontra o modelo da racionalidade, instituiu profundas contradições com as escrituras
sagradas, o que não agradou ao Tribunal Inquisidor. Posteriormente, Descartes nos deixa a
dualidade mente – corpo, instituindo uma dicotomia entre o que são coisas em extensão e o
sujeito pensante. Para ele, a razão era o meio genuíno de conhecimento, ocupando-se dos
objetos mensuráveis e quantificáveis. Para conseguir estabelecer um caminho para o
conhecimento certo e bem fundado, propunha a dúvida para se chegar à certeza das coisas.
Assim, Descartes postula que “duvidar é pensar” e o conhecimento se funda no cogito. Em
razão disto, ele é conhecido como pai do racionalismo e percebe-se que deixa profundas
marcas em nosso modelo atual de ciência, as quais são reconhecidas como paradigma
cartesiano de ciência.
Isaac Newton, por sua vez, contribuiu fortemente à ciência moderna por estabelecer grandes
princípios da física e da matemática, marcando-a com o paradigma do mundo como máquina.
Com Newton, a física empírica passa a ser o modelo de ciência, cuja consequência é
introduzir a ideia de que o homem não faz parte da natureza. Começa-se, portanto, a
separação entre ciências positivas ou da natureza e ciências do homem, à qual Augusto Comte
dá continuidade. Este pensador era um antimetafísico e hierarquizou as ciências segundo três
estágios do conhecimento humano, a saber, teológico (os fenômenos são explicados pela ação
de seres míticos), metafísico (os fenômenos são explicados por abstrações racionais) e o
positivo (a natureza é explicada com base na observação e experiência), este último sendo o
único que tinha valor por apresentar experimentação e dedução matemática.
Frente a todo este percurso, esta viagem pela história, cabe pontuar como é importante
enxergar nela a mescla de continuidades e descontinuidades (rupturas) na busca pelo conhecer
humano, conseguindo identificar que, por um lado temos grandes saltos qualitativos como o
logos e a episteme, mas por outro temos a instituição da desintegração do saber e o critério de
objetividade, pelos quais pagamos grande preço. Frente a este panorama, ao fim da linha do
tempo, vemos emergir um novo paradigma que represente novo salto qualitativo, que é o
pensamento sistêmico, o qual será explicitado no quinto capítulo.
Diante deste impasse interno na ciência, quer dizer, o paradoxo ou contradições lógicas
internas à ciência, foi elaborada a teoria dos tipos (ou níveis) lógicos, com o objetivo de
superar e ao mesmo tempo conservar os princípios da lógica clássica. Esta teoria assume a
possibilidade de anomalias, partindo do pressuposto de categorização como um conceito
pertencente a si mesmo, portanto, passível de ser e não-ser ao mesmo tempo.
O pressuposto da estabilidade, por sua vez, traz a noção de regularidade por meio da qual se
desvenda os fenômenos, determinados e reversíveis, possibilitando a previsibilidade e
controlabilidade dos mesmos. Isto implica na hipótese de uma realidade com leis de
funcionamento simples e imutáveis, cujas variáveis têm relações funcionais simples e
cognoscíveis. Aqui se destaca o processo de verificação empírica, em que o cientista pode
artificialmente estudar uma variável e repetir o experimento, confirmando ou refutando suas
hipóteses iniciais. Esta artificialidade carrega em si a desvinculação com o contexto e a
complexidade relacional intrínseca à variável estudada.
O sucesso que este tipo de estudo teve, por muito tempo, fez da física o modelo de ciência
como um todo, levando para as demais a perspectiva mecanicista na compreensão do mundo.
A partir disto, os cientistas se ocuparam em extrair dos fenômenos seus princípios de
funcionamento para que pudessem ser determinados e previstos, do contrário o conhecimento
extraído deles seria imperfeito.
A crença na estabilidade começou a ser questionada ainda no século XIX, buscando incluir as
noções de probabilidade e irreversibilidade. Os estudiosos que defenderam essas ideias
admitiam a incoerência de se pensar em equilíbrio estático da realidade, mas foram
fortemente combatidos, por ameaçarem as leis clássicas da natureza. Isto ilustra claramente a
“paralisia do paradigma” discutida no capítulo 1, referente à rigidez diante de um corpo
consensual epistemológico – paradigma vigente.
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É importante destacar que, ao se falar da complexidade como dimensão de uma ciência novo
paradigmática, estamos saindo também da conceituação compartimentada, exigindo que
voltemos nosso olhar para o tecido da realidade em conjunto, tomando os componentes
heterogêneos como indissociáveis e integrados, sendo uno e múltiplo simultaneamente. A
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partir disto, entendemos que não se conhece o todo pelas partes, e vice-versa. Trata-se,
portanto, de integrar conceitos tradicionalmente contraditórios e racionalmente antagônicos,
levando a perceber que as interações e retroações não se inscrevem em uma causa linear.
Antes, temos relações causais recursivas. Esta é a essência do princípio dialógico, que
contrapõe à dialética por considerar impossível firmar uma solução monista (síntese), chegar-
se a uma unificação primeira e última. Ao contrário, a dualidade se mantém na unidade.
A primeira consequência prática a que nos leva ter a complexidade como pressuposto que
embasa o cientista novo-paradigmático é a interdisciplinaridade. Por meio dela, se produz
uma práxis que integrem saberes e articulam possibilidades diversas, sem predominância de
uma sobre outra. A segunda consequência vai além, e faz do cientista novo-paradigmático
protagonista dessa articulação de saberes, refletindo o rompimento com a concepção
compartimentada do saber. Contudo, cabe lembrar que não é “estudar de tudo um pouco” que
comprova a admissão do pensamento complexo, mas sim as mudanças internas e profundas
no modo de ver e fazer no mundo, focando nas interrelações contextuais.
Pressupondo agora a instabilidade, temos como sua principal característica romper com a
ideia de regularidade e repetitividade do mundo, admitindo que o mundo não é, e sim está em
contínuo processo de tornar-se (devir). O reconhecimento desta dimensão da realidade se deu
pela admissão da tendência à desordem, já mencionada, ocorrida na física. Mais uma vez, da
física partiram os pressupostos do que é fazer ciência. Antes, o modelo mecanicista herdado
dos séculos XVII - XVIII. Depois, no século XX, o entendimento do vir-a-ser de uma
realidade processual, instituído mudanças em todas as áreas de conhecimento, começando da
física e indo ate a política (economia, filosofia, psicologia, psicanálise, sociologia...).
É importante dizer, porém, que esta passagem não se deu de forma tranquila, tomando por
base o conhecimento da “paralisia dos paradigmas”. Os físicos não admitiam de início a
possibilidade de um mundo caótico, sequer as contradições eram suficientes para mudarem
suas formas de descrever a natureza e suas crenças na reversibilidade e determinismo. Isto só
aconteceu quando se depararam com o limite de seu paradigma por meio de evidências
contrárias de suas próprias pesquisas. Alguns marcos foram fundamentais nessa transição
epistemológica, como a segunda lei da termodinâmica e o conceito de entropia, ambos ligados
à desordem de um sistema como princípio de auto-organização.
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Outro marco importante nessa transição epistemológica se deu com o estudo de sistemas
longe do equilíbrio, atribuídos sobretudo ao cientista Prigogine, que afirmava não haver
somente tendência à desordem, mas também a ordem emergia dos sistemas. Havendo
flutuações na realidade que nem sempre se balanceavam (permitindo visualizar alguma
linearidade que instituísse uma lei geral), foi observado que as mesmas, originadas interna ou
externamente (perturbação), saltavam para outra forma de funcionamento segundo um
determinismo histórico. Quer dizer, um sistema diante de uma bifurcação, dá um salto
qualitativo segundo sua história pretérita, e não ao acaso.
Repercussões diversas ocorrem a partir deste paradigma, dentre elas a de que “qualquer
ciência é uma ciência da natureza”. Há então uma aproximação entre sistemas vivos e
inanimados, estabelecendo entre eles interrelações e não dissociações reducionistas e findas.
Para o campo das psicoterapias, há uma importante contribuição, que é conceber também a
família como sistema longe do equilíbrio, estudando meios de produzir saltos qualitativos que
permitam novas formas de funcionamento. Aqui temos uma mudança que se estabelece não
apenas no campo das ciências, mas no da vida cotidiana e da estrutura pessoal de pensamento
e visão de mundo. A auto-organização e o vir-a-ser carregam consigo possibilidades de
mudança e evolução, implicando conscientemente o homem em seu processo de
aprendizagem e relações humanas. Isto é, a admissão de postura novo-paradigmática implica-
nos intimamente, remetendo-nos às nossas formas de lidar com o outro e enxergar no
conjunto a possibilidade de autotranscendência (não somos, estamos – o mundo não é
estável).
O “dia mais negro” na história da física clássica, segundo Rifkin, foi quando Heisenberg
demonstrou que a observação de partículas atômicas interferia e alterava o objeto, ao invés de
captar como uma foto a realidade como ela é. Este físico foi o responsável pelo “princípio de
incerteza”, o qual se refere à impossibilidade de identificar a posição e ao mesmo tempo a
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Diante do que foi exposto sobre a intersubjetividade, é interessante observar como, na rigidez
paradigmática do modelo tradicional de ciência, os cientistas tenham preferido antes admitir
que a realidade não pode ser conhecida (objetivo primeiro da ciência) do que admitir que a
objetividade não era possível. Outro ponto importante é entender o que se considera novo-
paradigmático, pois apenas uma mudança superficial ou mudança no foco não é suficiente
para garantir uma prática e uma concepção de mundo que sejam integradoras,
interdependentes (mudança na estrutura da ciência).
tomou para si. Quer, dizer, aquele que conseguiu transformar o seu paradigma a partir dos
mesmos.
A partir disto, Vasconcellos coloca formas de manter uma mente sistêmica, associando os três
novos pressupostos da ciência novo-paradigmática ao experimento de Cecchin. Ampliando o
foco de observação (complexidade), como no experimento, o cientista contempla as relações,
começando na família, indo à relação com o terapeuta, até incluir a si mesmo como
componente de uma equipe que também está em interação com a família. Descrevendo com o
verbo “estar” (instabilidade), o cientista retira a ideia de regularidade e rigidez do
comportamento de uma pessoa, e sempre o relativiza na relação emergente (no caso, a família
e a equipe). Aceitando outras descrições (intersubjetividade), sem expressar discordância com
sua equipe de observação, assume que sua própria opinião não tem prevalência sobre outras,
respeitando a validade de todas as contribuições e sem se enrijecer na própria.
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Assim, para o cientista ser novo-paradigmático, há três dimensões que deve assumir, segundo
o quadro conceitual da autora: ampliação do foco de observação, vendo sistemas (causalidade
circular, redes e contradições), contextualizando o fenômeno e focalizando as interações
recursivas; crença nos processos de auto-organização, trabalhando com a mudança no sistema
e admitindo que não tem controle sobre o processo; e adoção do caminho da “objetividade
entre parênteses”, reconhecendo a si como parte do sistema e atuando na perspectiva da co-
construção das soluções.
Como muito pontua a autora, nem tudo o que se diz “sistêmico” se mostra essencialmente
novo-paradigmático. Muitos profissionais atuam no sentido da ampliação de visão e
concepção de instabilidade do sistema como processo de vir-a-ser, mas pouco se implicam em
sua forma de pensar e agir na construção da realidade como protagonistas. Disto retomamos
mais uma vez, dada a tendência de cristalização e influência sistemática de um paradigma, a
dificuldade em renovar crenças, regras, conceituações de mundo. Consequentemente, quanto
maior a dificuldade do cientista em refazer sua visão de mundo, questionando seu sistema de
crenças, menor será a possibilidade de desenvolvimento da intersubjetividade.
É importante ponderar que isto não se trata de apenas uma “perna” que não caminha bem para
o exercício do pensamento sistêmico, pois os três pressupostos epistemológicos compõem
uma tríade fechada de relações recursivas. Já assumindo o pensamento sistêmico, uma
dimensão só funciona em interdependência com a outra. Assim, tal dimensão prejudicada,
prejudica como um todo o tipo de atuação possível para este cientista que intenta ser novo-
paradigmático, porque além de contextual e processual, o pensamento sistêmico é
essencialmente relacional.
É em função disto que o foco de Vasconcellos ao longo do capítulo não está na ciência novo-
paradigmática, mas no cientista novo-paradigmático, pois é o sujeito que produz
transformações no paradigma e reflete as implicações epistemológicas e ontológicas de tal
transformação. Por isto, a atuação como cientista sistêmico não perpassa somente um corpo
teórico-técnico (aplicações), mas essencialmente a postura pessoal (implicações), de modo
que a todo momento admitir o pensamento sistêmico é implicar-se como sujeito. Refere-se a
um novo modo de estar no mundo e a mudança de lugar gera diversos incômodos. Percebe-se
que a mudança se torna concreta e flui melhor quando a ultrapassagem se dá no campo na
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linguagem, pois a forma de falar sobre a realidade reflete a representação esquemática que se
tem dela em nível de pensamento.
Ainda é importante pontuar, fechando este capítulo, que a emergência de um novo paradigma
não vem dar fim à ciência, como é comum ser dito no contexto científico. A mudança de
paradigma surge da própria necessidade de transcendência e evolução, sem abolir nem
substituir o paradigma vigente anteriormente. Ao contrário, precisamos dele como base de
uma espiral da evolução do conhecimento, fazendo articulações e complementando-o no que
já não atende mais à complexidade da realidade e do conhecer. O cientista novo-
paradigmático, portanto, integra a ciência tradicional no campo de referências
epistemológicas, porém com novo olhar sobre ela.
Finalmente, o último capítulo, compondo a parte III do livro, pincela as origens e as relações
das abordagens teóricas dos sistemas com o pensamento sistêmico. Conforme defende a
autora, não há na literatura clareza da distinção entre epistemologia sistêmica e teorias
sistêmicas, contudo para entender a primeira não é necessário estudar as segundas, por isto
para a autora o objetivo de apresentar o pensamento sistêmico como novo paradigma da
ciência se cumpriu já no capítulo quinto. Apesar disto, Vasconcellos diz ser importante
localizar as teorias de sistemas no quadro conceitual de ciência, mesmo até para
contextualizarmos o pensamento sistêmico emergindo como novo paradigma. Assim, o
objetivo do capítulo é familiarizar os leitores sobre as abordagens sistêmicas e suas
interlocuções, facilitando o manuseio e entendimento da literatura já existente sobre o tema.
A Teoria Geral dos Sistemas visava à totalidade, buscando criar princípios aplicáveis a todos
os sistemas da natureza, sem dividi-los em unidades, mas focando a relação delas enquanto
todo integrado. Assim, a priori, as entidades são vistas em relação, formando um conjunto, e
não num aglomerado ou ajuntamento. Segundo Bertanlanffy, mesmo considerando as relações
individuais, não há alteração no todo. A organização do todo seria determinada por uma
estratificação, havendo hierarquia e desencadeamento de sistemas. Vasconcellos pontua que a
teoria de Bertalanffy se referia a sistemas abertos, que se mantêm por meio de trocas de
matéria (energia livre), tanto com o ambiente interno como com o externo, aumentando o grau
de complexidade. Os sistemas fechados seriam então os que não realizam trocas com
ambiente, de modo que não entre nem saia matéria, tal como os sistemas cibernéticos
(máquina).
Embora a Teoria Geral dos Sistemas seja mais ampla que a cibernética, em razão de o modelo
mecanicista não ser aplicável a todos os tipos de sistemas, esta prevaleceu sobre aquela, pela
fertilidade que tiveram suas ideias no campo das ciências sociais e biológicas. Uma nova
concepção de vida parecia ter raízes mais claramente na Cibernética do que na Teoria Geral
dos Sistemas, segundo Vasconcellos, mas apesar e além disto, é importante perceber os
entrelaçamentos das teorias, embora Bertanlanffy não os confirmem, por problematizar o
modelo do organismo como máquina. Para ele, o problema estava na origem (que não é
natural), na regulação (programação) e na impossibilidade autorregulativa das máquinas.
Ao fim de todo esse breve percurso pelo livro de Vasconcellos, percebe-se que o mesmo tem
fundamental importância num contexto de transição de paradigmas, por estabelecer
diferenciações, comparações e articulações de ideias. Isto é imprescindível para o
entendimento do que vem a ser a(s) proposta(s) do pensamento sistêmico como paradigma da
ciência, para que não seja confundido com práticas de cunho esotérico ou “alternativas”,
como comumente já se deu e é relatado por Vasconcellos na introdução da obra. Outro ponto
importante é o posicionamento da autora ao pontuar claramente que vem dizer de
epistemologia sistêmica e não teoria dos sistemas ou teoria sistêmica. Aliás, esta foi a razão
pela qual a mesma não foi enfatizada aqui.
Deste modo, a principal contribuição da obra talvez seja fazer entender que pensar
sistematicamente é repensar subjetivamente práticas profissionais. Isto porque não é a ciência
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Desta forma, pouco se tem discutido sobre epistemologia e metodologia científica com cunho
essencialmente ético, pouco se estuda história e filosofia, em favor de um corpo teórico-
técnico que habilita graduandos a cumprir processos, fornecer serviços e produtos. A
consequência disto é um profissional com poucos recursos críticos e reflexivos, enrijecidos no
tipo de formação que tiveram, cuja base é ainda o modelo tradicional de ciência em que se
pressupõe a simplicidade, estabilidade e objetividade do mundo a conhecer, embora a própria
realidade venha contradizendo tais noções. Mas ainda levará certo tempo até a internalização
dos novos pressupostos epistemológicos da ciência novo-paradigmática.
Por fim, voltando à obra, é importante dizer que ela funciona como um quadro de referência,
apresentando as contribuições de diversos autores, e um material em que estão organizadas as
ideias fundamentais desenvolvidas por Vasconcellos em seu percurso de refazer a ciência e
repensar a prática profissional a partir do pensamento sistêmico. Portanto, apesar de sua
grande importância e contribuição no campo do conhecimento do paradigma sistêmico,
cumprindo os objetivos a que se propôs, a mesma precisa ser tomada como introdutória, pois
abre um leque de vasta literatura complementar e aprofundada a ser consultada, de modo que
o assunto não se esgota no livro, embora seja bem trabalhado no que tem de mais essencial e
novo-paradigmático.