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RESENHA

VASCONCELLOS, Maria José Esteves de. Pensamento Sistêmico: O novo paradigma da


ciência. 9ª ed. Campinas, SP: Editora Papirus, 2010.

Uma nova concepção de fazer e pensar a ciência


Revoluções paradigmáticas a partir do pensamento sistêmico

Tânia Maria Alvarenga Alves


9º Psicologia matutino
Universidade do Estado de Minas Gerais
Unidade Divinópolis

“... este é um livro para aqueles que estão dispostos a questionar os


pressupostos da ciência e os seus próprios. Questionar coisa tão valiosa só
vale a pena para quem está incomodado, insatisfeito, inconformado com a
participação que nós – os humanos – estamos tendo nos rumos deste mundo.
Para quem desconfia das certezas do pensamento científico, mas que, ainda
assim, quer continuar cientista – radicalmente um novo cientista. Para quem
está disposto a fazer a volta autorreflexiva, isto é, para quem está disposto a
aplicar a ciência sobre si mesma para questioná-la e reformulá-la a partir
dela mesma” (Aun, apresentação da obra, p.10)

“Pensamento sistêmico – o novo paradigma da ciência” é um livro de autoria de Maria José


Esteves de Vasconcellos, cuja primeira edição foi lançada em 2002. Vasconcellos é graduada
e pós-graduada em Psicologia pela UFMG, onde lecionou até 1992. Seu livro surge num
contexto de investigações e questionamentos sobre o paradigma tradicional de ciência, que
desde 1990 a autora vinha desenvolvendo. Conforme nos expõe Juliana Gontijo Aun na
apresentação da obra, em 1991 a autora teve contato pessoal com diversos autores de ponta no
questionamento do paradigma tradicional da ciência, cujas obras conhecia em maioria. Após
essas interlocuções, a autora investiu em convergir tais ideias, propondo sua síntese como o
novo paradigma da ciência, e não paradigma de apenas uma disciplina.

Mas foi somente no ano de 1995 que Vasconcellos anunciou publicamente o pensamento
sistêmico como novo paradigma da ciência, trazendo “implicações revolucionárias e
profundas tanto quanto à atitude científica, como quanto às atitudes pessoais (...) a vida
concreta cotidiana”, como colocado por Aun, na apresentação da obra (p. 8). Neste momento,
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contudo, ela se encontrava inserida no contexto da terapia de família, sem trazer contribuições
à ciência no geral. Isto acabou gerando a noção equivocada de que a consequência natural e
única do pensamento sistêmico é a terapia de família e de casal. Ao contrário, o objetivo de
Vasconcellos ao ministrar cursos sobre o pensamento sistêmico sempre foi o de não estar
falando somente como psicóloga, nem direcionar a palavra somente a psicólogos.

Com o lançamento do livro em 2002, porém, um novo panorama é posto por Vasconcellos: o
pensamento sistêmico como nova possibilidade de fazer e pensar a ciência como um todo,
partindo da transdisciplinaridade. Assim, a principal ruptura que tal pensamento propõe é com
a desintegração de disciplinas, quer dizer, um modo de pensar o mundo e o ser humano
desintegrado. Para explorar isto, ao longo de todo o livro Vasconcellos expõe sobre o
percurso histórico e epistemológico da construção do modelo de ciência tradicional que ainda
vigora, explica noções de paradigma e epistemologia, traz noções da teoria geral de sistemas e
suas interlocuções e integra tudo apresentando o pensamento sistêmico em suas implicações
éticas e pragmáticas. Tudo isto é feito de forma bastante didática e em linguagem acessível,
tornando prazerosa a leitura da obra e fácil o seu entendimento.

O livro é dividido em três partes e seis capítulos, a saber: Parte I, “Rastreando as origens do
paradigma de conhecimento científico”, com os capítulos 1) “Identificando noções de
paradigma e epistemologia” e 2) “Destacando momentos marcantes no desenvolvimento da
concepção de conhecimento científico”; Parte II, “Acompanhando as transformações do
paradigma da ciência”, com os capítulos 3) “Delineando o paradigma tradicional da ciência”,
4) “Distinguindo dimensões no paradigma emergente da ciência contemporânea” e 5)
“Pensando o pensamento sistêmico como o novo paradigma da ciência: o cientista novo-
paradigmático”; e Parte III, “Um adendo necessário: Teoria de Sistemas”, com o capítulo 6)
“Rastreando as origens das abordagens teóricas dos sistemas”.

Vasconcellos inicia o primeiro capítulo, que trabalha as noções de paradigma e epistemologia,


trazendo ao leitor exemplos de situações e experimentos em que podemos testar a existência
dos paradigmas na vivência cotidiana. Segundo a autora, paradigma não se trata apenas de um
modelo ou padrão consensual que determina as colocações teóricas ou metodológicas de uma
ciência, durante certo tempo, mas também se refere a padrões de pensamento expressos em
regras e regulamentos quanto ao que é ser e fazer o mundo. Assim, o paradigma emerge não
somente do discurso científico, mas ainda do senso comum como visão rígida de mundo e um
roteiro de resolução para situações-problema do viver cotidiano.
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O paradigma, neste sentido, tem importantes funções de categorização e organização do


mundo interno e externo, como roteiro para que o ser humano compreenda e atue no mundo.
Ao mesmo tempo em que isso é essencial para o bom viver, é igualmente limitante, em razão
do que Vasconcellos chama de “efeito paradigma”: a percepção humana filtra todos os dados
da realidade sempre de modo a reforçar o conteúdo paradigmático, gerando a recusa de dados
ou consequências dos mesmos que estejam fora das expectativas da visão de mundo abarcada
pelo paradigma. O resultado disto é a “paralisia do paradigma”, que impossibilita a
visualização de oportunidades positivas da realidade e o usufruto delas, os quais requerem
flexibilidade e disposição em integrar visões diferentes.

Tais consequências são percebidas também no fazer científico, considerando que o


pesquisador é aquele que tem todo um “treinamento de cientista”, que o condiciona a ver a
realidade pela lente exclusiva do paradigma elegido. Há então um barramento da
possibilidade de explorar de forma primeira a realidade, de estar aberto ao fenômeno. Neste
sentido, somente com a visualização de um cenário amplo do campo do conhecimento
humano, ou já podemos dizer, com uma visão sistêmica da realidade, é possível apreendê-la
de forma profunda e integral.

A noção de epistemologia, por sua vez, tem íntima ligação com a de paradigma, na medida
em que se refere a visões de mundo implícitas na atividade científica. Conforme aborda
Vasconcellos, o conceito de epistemologia sofreu alterações ao longo do tempo.
Originalmente, era entendido como componente da teoria do conhecimento, valorizando o
saber científico em detrimento do saber vulgar. Neste momento, levava-se em conta a
concepção que se tem do objeto do conhecimento como condicionante do processo de
conhecer, quer dizer, considerava-se subjacente a tal processo a ontologia, com o objetivo de
estudar a “essência do ser a ser conhecido”. Num segundo momento, a epistemologia passa a
ser concebida como análise das proposições científicas (linguagem da ciência), para
determinação das que são verdadeiras. Num terceiro momento da evolução do conceito,
identificavam-no fundamentalmente como filosofia da ciência, abordando problemas
científicos como lógica, semântica, metodologia, ontologia, axiologia e ética.

Na literatura, portanto, se encontram diversas maneiras de se referir a “epistemologia” e,


inevitavelmente, remontam a “paradigmas”. O porquê disto é o fato de a epistemologia
primeiramente buscar entender como um campo do saber científico responde a questões sobre
o ser e o conhecer, mas configura-se em algo que “todo mundo tem”, pois, a forma de buscar
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respostas ou responder já diz de um aprendizado de regras, premissas básicas de conduta e


comunicação, que são construídas em contextos mais ou menos compartilhados. Essas
experiências moldam então uma “epistemologia implícita”, dando forma a visões de mundo,
que são os paradigmas. É neste sentido que a autora Vasconcellos apresenta o pensamento
sistêmico como novo paradigma da ciência ou nova epistemologia da ciência, porque chama à
atenção para mudanças na visão de mundo da atividade científica, que perpassada a mudança
das próprias crenças e valores dos cientistas.

Diante disto, se destaca no esforço em renovar paradigmas científicos, o próprio esforço


pessoal ou trabalho interno em renunciar ao que mais o ser humano busca: a segurança por
meio de “ordem” (conforto gerado pela rigidez do paradigma). Sem pretender dar conta de
todo o percurso constituinte da ciência, é possível dizer que o mesmo se refere genuinamente
a um caminho humano em busca de ordem e regularidade, voltando-se principalmente ao que
lhe é externo ou pressupondo a “neutralidade”, para que não tivesse de se haver, se implicar
pessoalmente, com o conhecer e explicar o mundo. Contrapondo então o tipo de treinamento
comum ao cientista, Vasconcellos orienta aos profissionais leitores que sempre busquem
identificar os paradigmas determinantes de suas visões de mundo, para conseguirem abarcar o
novo paradigma que está emergindo na ciência, legado das novas gerações.

Já o capítulo 2 é iniciado introduzindo a valorização dada desde os primórdios da civilização


ao conhecimento e, com o tempo, a importância que uma distinta forma de saber ganhou em
todas as civilizações: o conhecimento científico. Atualmente, a toda informação se questiona:
“é comprovada cientificamente?”. A partir disto, se destaca uma forma “científica” de pensar
e conceber a realidade, muito distinta das demais formas de conhecer, como o senso comum,
a arte, a religião e a filosofia.

De modo a sensibilizar o leitor quanto à mudança paradigmática na ciência até chegar ao


paradigma sistêmico como nova proposta de embasamento para a atividade científica,
Vasconcellos expõe neste capítulo o percurso histórico de construção do modelo tradicional
de ciência, partindo do pressuposto que, para entender que algo está mudando, é preciso
entender bem como estava o panorama antes, quer dizer, o paradigma de ciência que
prevalecia antes da crise e como ele foi construído.

A viagem proposta por Vasconcellos através da história e da busca humana em conhecer


começa na Grécia Antiga, destacando o pensamento grego. O ponto crucial deste momento,
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compreendido entre os séculos VIII a.C e VI a.C, foi a descoberta do logos (razão), em
contraposição ao modo predominante de conhecimento do mundo à época, o mito. Alguns
pensadores se destacam aqui: Thales, Anaximandro e Anaxímenes, os quais buscaram
compreender o mundo por meio do princípio explicativo. O desenvolvimento do pensamento
humano no período pré-socrático apresenta três faces, a saber, a empirista, com Thales; a
idealista (abstrata), com Anaximandro; e a realista (concreta), com Anaxímenes. Porém, o
salto qualitativo do mito à razão só se consolidou entre os séculos V a.C e IV a.C., com
Sócrates, Platão e Aristóteles.

Sócrates foi o primeiro a trabalhar claramente a ideia de que a demonstração deveria justificar
as proposições, utilizando-se do argumento. Já Platão e Aristóteles enfatizavam a busca pelo
conhecimento verdadeiro, em oposição ao mito e à opinião (doxa). O mito seria uma forma de
conhecimento revelada por inspiração dos deuses, evidente em si mesma e livre de provas,
sem embasamento na razão. Já a doxa era considerada própria do senso comum, apoiado em
sensações e não no raciocínio sobre elas, por isto, conhecimento colado à aparência das
coisas. Em razão disto, tanto o mito como a doxa eram tidos como conhecimentos não
mediados pela razão, e por conseguinte, meios não seguros e verdadeiros de conhecer.

Aqui já se vê presente, portanto, a oposição entre logos e opinião, de modo que a essa forma
de racionalidade os gregos denominaram episteme, abarcando tanto a ciência como a filosofia,
ainda indissociáveis neste momento. São traços característicos da episteme considerar o
sujeito do conhecimento separado do objeto do conhecimento, de modo que o pensamento
fosse mediador da apropriação da realidade, revelando a essência das coisas. Daqui surge a
noção de descoberta científica, que parte do pensamento / demonstração para desocultar a
verdade, mas sem a preocupação do porquê a realidade estava oculta.

Nesta unidade ciência – filosofia, essencialmente racional, discursiva e demonstrativa, pode-


se destacar dois tipos de racionalidade: a matemática e a lógica. A primeira se refere a regras
precisas de derivação e dedução (máthema), de cunho inteiramente contemplativo (sem
experimentação nem consequência práticas) e a segunda se refere principalmente ao silogismo
ou teoria da demonstração de Aristóteles. Para um discurso ser classificado como racional,
sob esta teoria, há a necessidade de uma consistência lógica (nexo real) entre premissas, das
quais se deduz uma conclusão. Além disto, é necessária também a universalidade, quer dizer,
a aplicabilidade de um atributo a todo um grupo de coisas analisadas. A ciência perfeita,
segundo Aristóteles, seria aquela que estabelecesse um silogismo perfeito, e a diversidade dos
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métodos reflete a forma de obtenção da premissa principal (se por intuição, indução ou
abstração).

Nota-se, então, que já na Grécia antiga temos as raízes do que vem a ser a ciência no modelo
ocidental em que a conhecemos, a partir da ideia de que há uma forma melhor de conhecer o
mundo, a única correta e válida, que é relativa ao objeto, e a verdade relativa a uma ordem
transindividual e supratemporal. As consequências que herdamos destas construções racionais
desde a antiguidade são a exclusão: da subjetividade (e sua submissão à razão), do nível
sensível (sensações e percepções) e do tempo histórico (busca-se a essência das coisas sem
considerar as circunstâncias – descontextualização).

Passando à Idade Média, vemos as marcas de uma filosofia de tipo religioso, rompendo
fronteiras entre aquela e a teologia. Neste período, acima das verdades da razão são colocadas
as verdades da fé e o conhecimento é concebido como graça e iluminação de Deus sobre os
mortais. Aqui se destacam, como colocado por Vasconcellos, Santo Agostinho e São Tomás
de Aquino. O primeiro afirmava que a razão é incerta e somente a iluminação divina traria
conhecimento da verdade. O segundo, de forma semelhante, afirmava que somente a graça
divina iluminando a razão permitiria ao homem usá-la de forma plena. A marca do homem
medieval é a leitura das sagradas escrituras, tentando conciliar racionalidade e teologia, por
isto a episteme medieval é tida como contraditória.

Pouco é falado na obra sobre este período, com a justificativa de que só há uma inflexão na
linha do tempo 20 séculos depois do período pré-socrático, quer dizer, é dada pouca
importância quanto ao papel da idade média no desenvolvimento da concepção de
pensamento científico ocidental. Isto infelizmente não é muito bem esclarecido e o quadro de
momentos marcantes no desenvolvimento do pensamento científico (pode ser visualizado na
página 52, adaptado de Aun, 1994) deixa uma lacuna no marco da idade média, sugerindo que
mil anos de história sejam irrelevantes ou pouco influentes no que veio a se tornar o modelo
tradicional de ciência.

Indo agora ao pensamento do homem moderno, aqui encontramos as principais marcas do que
se constitui hoje nosso modelo de ciência, sendo importante destacar o rompimento feito entre
a ciência e a filosofia, buscando os critérios de ordem e medida a serem aplicados a todos os
domínios da vida humana. Na modernidade temos presentes grandes pensadores como Francis
Bacon, Galileu Galilei, René Descartes, Isaac Newton e Augusto Comte, mas dentre eles o
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que mais se destaca em termos de estabelecimento de uma epistemologia hegemônica é


Newton, de quem herdamos o modelo mecanicista de ciência vigente ainda na
contemporaneidade.

Com Bacon temos o legado do pensamento indutivo, método que visava pesquisar os
fenômenos naturais pela observação e experimentação. Com Galileu, temos a introdução do
método experimental nas ciências da natureza, criando uma física não contemplativa. Por
afirmar que o livro do mundo está escrito em linguagem matemática e que é nesta que se
encontra o modelo da racionalidade, instituiu profundas contradições com as escrituras
sagradas, o que não agradou ao Tribunal Inquisidor. Posteriormente, Descartes nos deixa a
dualidade mente – corpo, instituindo uma dicotomia entre o que são coisas em extensão e o
sujeito pensante. Para ele, a razão era o meio genuíno de conhecimento, ocupando-se dos
objetos mensuráveis e quantificáveis. Para conseguir estabelecer um caminho para o
conhecimento certo e bem fundado, propunha a dúvida para se chegar à certeza das coisas.
Assim, Descartes postula que “duvidar é pensar” e o conhecimento se funda no cogito. Em
razão disto, ele é conhecido como pai do racionalismo e percebe-se que deixa profundas
marcas em nosso modelo atual de ciência, as quais são reconhecidas como paradigma
cartesiano de ciência.

Isaac Newton, por sua vez, contribuiu fortemente à ciência moderna por estabelecer grandes
princípios da física e da matemática, marcando-a com o paradigma do mundo como máquina.
Com Newton, a física empírica passa a ser o modelo de ciência, cuja consequência é
introduzir a ideia de que o homem não faz parte da natureza. Começa-se, portanto, a
separação entre ciências positivas ou da natureza e ciências do homem, à qual Augusto Comte
dá continuidade. Este pensador era um antimetafísico e hierarquizou as ciências segundo três
estágios do conhecimento humano, a saber, teológico (os fenômenos são explicados pela ação
de seres míticos), metafísico (os fenômenos são explicados por abstrações racionais) e o
positivo (a natureza é explicada com base na observação e experiência), este último sendo o
único que tinha valor por apresentar experimentação e dedução matemática.

Daí surge o positivismo de Comte, cuja principal característica é a anulação do sujeito em


favor da possibilidade de conhecer objetivamente a realidade. Um filósofo posterior a Comte
se destaca aqui, Wilhelm Dilthey, pois propôs a divisão das ciências em dois grandes grupos,
as da natureza e as humanas. O principal objetivo era estabelecer as especificidades destas
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últimas. Porém, a consequência desta separação foi o estabelecimento da noção de que as


questões humanas sejam de uma natureza diferente da natureza.

Frente a todo este percurso, esta viagem pela história, cabe pontuar como é importante
enxergar nela a mescla de continuidades e descontinuidades (rupturas) na busca pelo conhecer
humano, conseguindo identificar que, por um lado temos grandes saltos qualitativos como o
logos e a episteme, mas por outro temos a instituição da desintegração do saber e o critério de
objetividade, pelos quais pagamos grande preço. Frente a este panorama, ao fim da linha do
tempo, vemos emergir um novo paradigma que represente novo salto qualitativo, que é o
pensamento sistêmico, o qual será explicitado no quinto capítulo.

Dando continuidade ao que foi trabalhado no capítulo 2, Vasconcellos aborda melhor no


capítulo terceiro, abrindo a parte II do livro, o que vem a ser o paradigma tradicional de
ciência ou a ciência moderna em destaque entre os séculos XVII e XIX. O que se consolida
depois desta época, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, faz parte do que se
denomina “ciência novo-paradigmática emergente”. Neste capítulo a autora explica os
pressupostos epistemológicos fundantes da ciência tradicional: simplicidade, estabilidade e
objetividade.

Segundo o pressuposto ou crença na simplicidade, a realidade pode e deve ser conhecida a


partir de sua decomposição, de modo a analisar partes menores e extrair consequências para o
todo. Com isto, a ciência normal divide o objeto de estudo em partes menores, supostamente
menos complexas, estabelecendo relações causais lineares entre elas. Aqui se assume a atitude
“ou-ou” (isto ou aquilo), como princípio de identidade, quer dizer, o princípio de que uma
coisa só pode ser ela e não outra, ao mesmo tempo, segundo um esquema de categorização.
Complementando o princípio de simplicidade, temos também a operação de redução,
consistindo em diminuir os fenômenos complexos para estudá-los, como por exemplo a vida
humana orgânica tomada a partir de vários sistemas de funcionamento, como digestivo,
respiratório, e seus respectivos órgãos.

A consequência mais estridente da simplificação é a fragmentação e compartimentação do


saber em disciplinas científicas, trabalhando isoladamente. Internamente, este pressuposto
carrega a noção de independência entre os sistemas que são simplificados e vistos
isoladamente, impossibilitando na prática a comunicação entre diferentes atores do
conhecimento, tão enrijecidos em suas “especialidades” a ponto de não buscarem
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conhecimentos “fora” de sua área de estudo. Outra consequência do pressuposto da


simplicidade é a exclusão da ambiguidade, da imprecisão e da contradição, gerando a
impossibilidade de a ciência reconhecer seus limites para explicar a realidade, pois estas
dimensões, essencialmente anomalias para o núcleo epistemológico da ciência tradicional, ao
invés de serem investigadas, são negadas.

Diante deste impasse interno na ciência, quer dizer, o paradoxo ou contradições lógicas
internas à ciência, foi elaborada a teoria dos tipos (ou níveis) lógicos, com o objetivo de
superar e ao mesmo tempo conservar os princípios da lógica clássica. Esta teoria assume a
possibilidade de anomalias, partindo do pressuposto de categorização como um conceito
pertencente a si mesmo, portanto, passível de ser e não-ser ao mesmo tempo.

O pressuposto da estabilidade, por sua vez, traz a noção de regularidade por meio da qual se
desvenda os fenômenos, determinados e reversíveis, possibilitando a previsibilidade e
controlabilidade dos mesmos. Isto implica na hipótese de uma realidade com leis de
funcionamento simples e imutáveis, cujas variáveis têm relações funcionais simples e
cognoscíveis. Aqui se destaca o processo de verificação empírica, em que o cientista pode
artificialmente estudar uma variável e repetir o experimento, confirmando ou refutando suas
hipóteses iniciais. Esta artificialidade carrega em si a desvinculação com o contexto e a
complexidade relacional intrínseca à variável estudada.

O sucesso que este tipo de estudo teve, por muito tempo, fez da física o modelo de ciência
como um todo, levando para as demais a perspectiva mecanicista na compreensão do mundo.
A partir disto, os cientistas se ocuparam em extrair dos fenômenos seus princípios de
funcionamento para que pudessem ser determinados e previstos, do contrário o conhecimento
extraído deles seria imperfeito.

A crença na estabilidade começou a ser questionada ainda no século XIX, buscando incluir as
noções de probabilidade e irreversibilidade. Os estudiosos que defenderam essas ideias
admitiam a incoerência de se pensar em equilíbrio estático da realidade, mas foram
fortemente combatidos, por ameaçarem as leis clássicas da natureza. Isto ilustra claramente a
“paralisia do paradigma” discutida no capítulo 1, referente à rigidez diante de um corpo
consensual epistemológico – paradigma vigente.
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Por fim, o pressuposto da objetividade se refere à suposta neutralidade essencial ao processo


de conhecer. Segundo este pressuposto, tanto é possível conhecer a realidade objetivamente,
quanto a mesma é essencialmente objetiva. Assim, o verdadeiro conhecimento jamais estaria
atrelado a uma opinião, mas a um critério científico. Para conseguir atender a esta exigência,
o cientista deveria realizar a suspensão da subjetividade para extrair da realidade aquilo que
independe dele, supondo que o sujeito do conhecimento não interfere no modo de perceber e
explicar o mundo. Por isto, sem a contaminação da subjetividade, seria possível se chegar ao
real, configurando em uma descoberta genuinamente científica. O sujeito do conhecimento se
debruça, portanto, independente de quem seja, sobre o universo, pois se entende que, se há
uma única realidade estudada, há também uma única e verdadeira forma de descrevê-la (única
versão).

Para as diferentes disciplinas científicas, vemos diferentes repercussões dessas crenças


fundamentais da ciência normal. Para as ciências físicas e a elas semelhantes, tais
pressupostos epistemológicos se enquadravam bem ao objeto de estudo e o método era
satisfatório. Para outras ciências como as humanas e a biologia, porém, havia diversos
impasses. Nas ciências humanas, o principal empecilho em se adequar ao modelo tradicional
era que o objeto de estudo era o próprio sujeito cognoscente, impossibilitando a objetividade.
Em razão disto, foi necessário criarem para si o próprio estatuto epistemológico, rompendo
um pouco com o que se considerava “científico” e voltando-se novamente à filosofia, única
corrente do conhecimento que se ocupava com o sujeito. A consequência maior deste
movimento foi desqualificar os fenômenos humanos como científicos, como se fossem
unicamente da ordem do subjetivo, instituindo uma dicotomia entre natureza e homem,
objetivo e subjetivo.

Na biologia, por sua vez, a principal incoerência encontrava-se em adotar os pressupostos de


estabilidade e simplicidade, por lidar com o estudo dos seres vivos. O modelo mecanicista de
Newton não era coerente ao fornecido pela observação aos fenômenos dos seres vivos,
essencialmente complexos e instáveis. Assim, a biologia se desenvolveu em paralelo às
ciência físicas, carregando a ambivalência interna entre ser epistemologicamente ciência e não
adotar a simplicidade e estabilidade.

Então, visualizando as divergências e impasses gerados internamente à ciência pela instituição


desses três pressupostos epistemológicos, percebemos como é característica na prática
científica a incessante busca em antes adequar a natureza aos limites rígidos e
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preestabelecidos do paradigma vigente, do que primeiro voltar-se ao fenômeno mesmo e a


partir da experiência buscar compreendê-lo, o que inevitavelmente está associado à
subjetividade. A contrapartida destes pressupostos como forma de refazer a ciência é então
trabalhada no capítulo 4.

Dando seguimento à compreensão do modelo normal de ciência e sua transformação pela


emergência de uma nova epistemologia da ciência, Vasconcellos trabalha no capítulo 4 a
distinção deste novo paradigma emergente, o pensamento sistêmico, surgido no século XX e
no qual são eleitos novos pressupostos epistemológicos. A passagem se dá, portanto, da
simplicidade à complexidade, da estabilidade à instabilidade, e da objetividade à
intersubjetividade.

Pressupondo a complexidade, não se trata somente de excluir a simplicidade, mas de


estabelecer uma mudança profunda no condicionamento de visão da realidade e na forma de
encarar o objeto de estudo. Além das partes, é preciso integrar o contexto (contextualização),
ampliando o foco para as relações, quer dizer, o conjunto de elementos em interação –
sistemas. Este pressuposto não cabe somente às ciências sociais e biológicas, lembrando que
no capítulo anterior vimos que as mesmas não se adequavam aos pressupostos
epistemológicos da ciência normal (física). Ao contrário, é na própria física, antes modelo
hegemônico de ciência tradicional, que emergem contradições empíricas e lógicas.

Assim, da física surgem três dimensões problemáticas que permitiram a passagem à


complexidade (e se associam aos demais pressupostos epistemológicos): o problema lógico,
remetendo à própria incapacidade da lógica clássica em satisfazer contradições, as quais neste
momento passam a ser incluídas; o problema da desordem, relacionado à instabilidade
observada nos fenômenos físicos (contradizendo o princípio de mundo ordenado), a partir da
qual foi admitida a imprevisibilidade e a indeterminação; e o problema da objetividade,
referindo à intersubjetividade como princípio de incerteza, quer dizer, o sujeito do
conhecimento, na busca de conhecer a realidade, acaba interferindo nela (de modo que
nenhuma medida pudesse ser precisa).

É importante destacar que, ao se falar da complexidade como dimensão de uma ciência novo
paradigmática, estamos saindo também da conceituação compartimentada, exigindo que
voltemos nosso olhar para o tecido da realidade em conjunto, tomando os componentes
heterogêneos como indissociáveis e integrados, sendo uno e múltiplo simultaneamente. A
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partir disto, entendemos que não se conhece o todo pelas partes, e vice-versa. Trata-se,
portanto, de integrar conceitos tradicionalmente contraditórios e racionalmente antagônicos,
levando a perceber que as interações e retroações não se inscrevem em uma causa linear.
Antes, temos relações causais recursivas. Esta é a essência do princípio dialógico, que
contrapõe à dialética por considerar impossível firmar uma solução monista (síntese), chegar-
se a uma unificação primeira e última. Ao contrário, a dualidade se mantém na unidade.

A primeira consequência prática a que nos leva ter a complexidade como pressuposto que
embasa o cientista novo-paradigmático é a interdisciplinaridade. Por meio dela, se produz
uma práxis que integrem saberes e articulam possibilidades diversas, sem predominância de
uma sobre outra. A segunda consequência vai além, e faz do cientista novo-paradigmático
protagonista dessa articulação de saberes, refletindo o rompimento com a concepção
compartimentada do saber. Contudo, cabe lembrar que não é “estudar de tudo um pouco” que
comprova a admissão do pensamento complexo, mas sim as mudanças internas e profundas
no modo de ver e fazer no mundo, focando nas interrelações contextuais.

Pressupondo agora a instabilidade, temos como sua principal característica romper com a
ideia de regularidade e repetitividade do mundo, admitindo que o mundo não é, e sim está em
contínuo processo de tornar-se (devir). O reconhecimento desta dimensão da realidade se deu
pela admissão da tendência à desordem, já mencionada, ocorrida na física. Mais uma vez, da
física partiram os pressupostos do que é fazer ciência. Antes, o modelo mecanicista herdado
dos séculos XVII - XVIII. Depois, no século XX, o entendimento do vir-a-ser de uma
realidade processual, instituído mudanças em todas as áreas de conhecimento, começando da
física e indo ate a política (economia, filosofia, psicologia, psicanálise, sociologia...).

É importante dizer, porém, que esta passagem não se deu de forma tranquila, tomando por
base o conhecimento da “paralisia dos paradigmas”. Os físicos não admitiam de início a
possibilidade de um mundo caótico, sequer as contradições eram suficientes para mudarem
suas formas de descrever a natureza e suas crenças na reversibilidade e determinismo. Isto só
aconteceu quando se depararam com o limite de seu paradigma por meio de evidências
contrárias de suas próprias pesquisas. Alguns marcos foram fundamentais nessa transição
epistemológica, como a segunda lei da termodinâmica e o conceito de entropia, ambos ligados
à desordem de um sistema como princípio de auto-organização.
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Outro marco importante nessa transição epistemológica se deu com o estudo de sistemas
longe do equilíbrio, atribuídos sobretudo ao cientista Prigogine, que afirmava não haver
somente tendência à desordem, mas também a ordem emergia dos sistemas. Havendo
flutuações na realidade que nem sempre se balanceavam (permitindo visualizar alguma
linearidade que instituísse uma lei geral), foi observado que as mesmas, originadas interna ou
externamente (perturbação), saltavam para outra forma de funcionamento segundo um
determinismo histórico. Quer dizer, um sistema diante de uma bifurcação, dá um salto
qualitativo segundo sua história pretérita, e não ao acaso.

Repercussões diversas ocorrem a partir deste paradigma, dentre elas a de que “qualquer
ciência é uma ciência da natureza”. Há então uma aproximação entre sistemas vivos e
inanimados, estabelecendo entre eles interrelações e não dissociações reducionistas e findas.
Para o campo das psicoterapias, há uma importante contribuição, que é conceber também a
família como sistema longe do equilíbrio, estudando meios de produzir saltos qualitativos que
permitam novas formas de funcionamento. Aqui temos uma mudança que se estabelece não
apenas no campo das ciências, mas no da vida cotidiana e da estrutura pessoal de pensamento
e visão de mundo. A auto-organização e o vir-a-ser carregam consigo possibilidades de
mudança e evolução, implicando conscientemente o homem em seu processo de
aprendizagem e relações humanas. Isto é, a admissão de postura novo-paradigmática implica-
nos intimamente, remetendo-nos às nossas formas de lidar com o outro e enxergar no
conjunto a possibilidade de autotranscendência (não somos, estamos – o mundo não é
estável).

Passando à intersubjetividade, por fim, admite-se a impossibilidade de conhecer


objetivamente a realidade, entendendo que aquele que observa está intimamente implicado no
processo de observação, e nele produz interferências. Acreditou-se por muito tempo que este
era um defeito das ciências humanas, então menos científicas porque não tinham como
suspender o sujeito do conhecimento. Entretanto, mais uma vez, foi dentro da física que
surgiram os primeiros questionamentos quanto ao cartesianismo embutido no critério de
objetividade do método científico.

O “dia mais negro” na história da física clássica, segundo Rifkin, foi quando Heisenberg
demonstrou que a observação de partículas atômicas interferia e alterava o objeto, ao invés de
captar como uma foto a realidade como ela é. Este físico foi o responsável pelo “princípio de
incerteza”, o qual se refere à impossibilidade de identificar a posição e ao mesmo tempo a
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velocidade de uma partícula e, portanto, a impossibilidade de se ter um conhecimento


objetivo, já que, conhecendo um, o outro sofre alteração pelo processo de observação. A
conclusão a se tirar disto é, portanto, que o problema do observador não se limita às ciências
humanas, mas é interno ao modelo de ciência normal.

Com a intersubjetividade, a possibilidade de conhecer a realidade está condicionada ao


relativismo do conhecimento, isto é, à forma como o cientista escolher produzir e descrever
um fenômeno. Assim, o entendimento da realidade é tomado com base nas construções
intersubjetivas dos seres, realidade que só existe a partir das interdependências. Uma forma de
explicar isto é inferir que para um observador que não esteja relacionado a uma árvore, a
mesma não existe para ele. Mas ela continua existindo pelo campo de relações que estabelece
com pássaros, aquíferos, outras árvores, etc. Suspendendo todos estes elementos / sistemas de
relação, a árvore realmente não existe. Por sua vez, no campo das ciências humanas, a
constatação da interdependência se dá na admissão de que apenas somos por meio da
linguagem, uma forma compartilhada de simbolizar e significar o mundo. Fora da linguagem,
não podemos ser, as coisas não podem ser vistas.

Diante do que foi exposto sobre a intersubjetividade, é interessante observar como, na rigidez
paradigmática do modelo tradicional de ciência, os cientistas tenham preferido antes admitir
que a realidade não pode ser conhecida (objetivo primeiro da ciência) do que admitir que a
objetividade não era possível. Outro ponto importante é entender o que se considera novo-
paradigmático, pois apenas uma mudança superficial ou mudança no foco não é suficiente
para garantir uma prática e uma concepção de mundo que sejam integradoras,
interdependentes (mudança na estrutura da ciência).

Tendo a autora desenvolvido no capítulo anterior as mudanças nos pressupostos


epistemológicos, é então no capítulo quinto que ela explicita e justifica porque afirma ser o
pensamento sistêmico o novo paradigma da ciência. Neste capítulo, a autora prefere dar
continuidade ao caminho que vem desenvolvendo ao longo do livro, e deixa para o seguinte o
rastreio das origens de conceituação de sistemas e as relações das teorias sistêmicas com a
proposta do pensamento sistêmico. Para ela, entender a epistemologia sistêmica não requer
necessariamente estudar a teoria dos sistemas, mas antes, pensar sistematicamente é adotar na
visão de mundo o conjunto dos pressupostos trabalhados no capítulo anterior, a
complexidade, instabilidade e intersubjetividade. Assim, o cientista é novo-paradigmático
quando essencialmente vê o mundo e atua nele implicado com os estes pressupostos que
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tomou para si. Quer, dizer, aquele que conseguiu transformar o seu paradigma a partir dos
mesmos.

A autora inicia o capítulo descrevendo um experimento de Cecchin em abordagem com


famílias. Partindo da perspectiva de que um objeto só pode ser entendido em relação,
Vasconcellos afirma que tal experimento poderia ser usado na abordagem sistêmica como
modelo guia, por consistir de uma equipe profissional intervindo numa família (olhar
sistêmico para o fenômeno). O experimento se dá com um terapeuta que lida diretamente com
a família e os demais profissionais da equipe ficam em sala anexa atrás de um espelho,
observando. Em dado momento, estes são consultados pelo psicólogo que está com a família,
para expressarem suas percepções do funcionamento da família e ainda como se relacionaram
com o terapeuta.

Nesta verbalização os observadores não expressam discordância, apenas expõem suas


considerações, o que possibilita destacar, cada um, a “realidade” que distinguiu e juntos a
equipe elaborar uma hipótese integradora. Além disto, a equipe utiliza a concepção de “estar”,
jamais de “ser”, já remetendo a um processo em potencial de vir-a-ser, passível de mudança.
Já o psicólogo que está com a família se atém a observar a família e sua rede. Esses papéis
podem ser trocados entre os terapeutas da equipe e também algum observador pode intervir na
sessão, indo observar na própria sala ou até direcionando alguma pergunta a alguém da
família. O atendimento desta família não perpassa identificar “quem é o culpado” de uma
situação-problema dada, mas responsabilizar e implicar os sujeitos nas relações, partindo do
pressuposto de que cada indivíduo componente da relação tem sua parcela de
responsabilização na situação.

A partir disto, Vasconcellos coloca formas de manter uma mente sistêmica, associando os três
novos pressupostos da ciência novo-paradigmática ao experimento de Cecchin. Ampliando o
foco de observação (complexidade), como no experimento, o cientista contempla as relações,
começando na família, indo à relação com o terapeuta, até incluir a si mesmo como
componente de uma equipe que também está em interação com a família. Descrevendo com o
verbo “estar” (instabilidade), o cientista retira a ideia de regularidade e rigidez do
comportamento de uma pessoa, e sempre o relativiza na relação emergente (no caso, a família
e a equipe). Aceitando outras descrições (intersubjetividade), sem expressar discordância com
sua equipe de observação, assume que sua própria opinião não tem prevalência sobre outras,
respeitando a validade de todas as contribuições e sem se enrijecer na própria.
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Assim, para o cientista ser novo-paradigmático, há três dimensões que deve assumir, segundo
o quadro conceitual da autora: ampliação do foco de observação, vendo sistemas (causalidade
circular, redes e contradições), contextualizando o fenômeno e focalizando as interações
recursivas; crença nos processos de auto-organização, trabalhando com a mudança no sistema
e admitindo que não tem controle sobre o processo; e adoção do caminho da “objetividade
entre parênteses”, reconhecendo a si como parte do sistema e atuando na perspectiva da co-
construção das soluções.

Como muito pontua a autora, nem tudo o que se diz “sistêmico” se mostra essencialmente
novo-paradigmático. Muitos profissionais atuam no sentido da ampliação de visão e
concepção de instabilidade do sistema como processo de vir-a-ser, mas pouco se implicam em
sua forma de pensar e agir na construção da realidade como protagonistas. Disto retomamos
mais uma vez, dada a tendência de cristalização e influência sistemática de um paradigma, a
dificuldade em renovar crenças, regras, conceituações de mundo. Consequentemente, quanto
maior a dificuldade do cientista em refazer sua visão de mundo, questionando seu sistema de
crenças, menor será a possibilidade de desenvolvimento da intersubjetividade.

É importante ponderar que isto não se trata de apenas uma “perna” que não caminha bem para
o exercício do pensamento sistêmico, pois os três pressupostos epistemológicos compõem
uma tríade fechada de relações recursivas. Já assumindo o pensamento sistêmico, uma
dimensão só funciona em interdependência com a outra. Assim, tal dimensão prejudicada,
prejudica como um todo o tipo de atuação possível para este cientista que intenta ser novo-
paradigmático, porque além de contextual e processual, o pensamento sistêmico é
essencialmente relacional.

É em função disto que o foco de Vasconcellos ao longo do capítulo não está na ciência novo-
paradigmática, mas no cientista novo-paradigmático, pois é o sujeito que produz
transformações no paradigma e reflete as implicações epistemológicas e ontológicas de tal
transformação. Por isto, a atuação como cientista sistêmico não perpassa somente um corpo
teórico-técnico (aplicações), mas essencialmente a postura pessoal (implicações), de modo
que a todo momento admitir o pensamento sistêmico é implicar-se como sujeito. Refere-se a
um novo modo de estar no mundo e a mudança de lugar gera diversos incômodos. Percebe-se
que a mudança se torna concreta e flui melhor quando a ultrapassagem se dá no campo na
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linguagem, pois a forma de falar sobre a realidade reflete a representação esquemática que se
tem dela em nível de pensamento.

Finalizando o capítulo, Vasconcellos menciona a transdisciplinaridade, diferenciando-a das


demais formas de interlocução entre diferentes disciplinas. Segundo a autora, a
disciplinaridade é a compartimentação do conhecimento por meio de diferentes e
desassociadas disciplinas científicas; a multi ou pluridisciplinaridade se refere à justaposição
entre disciplinas que não comunicam entre si; a interdisciplinaridade diz da interação entre
duas ou mais disciplinas. A transdisciplinaridade, por sua vez, é um conceito que transforma
junto com a ciência e remete ao compartilhamento de saberes e mentalidades, que se
comunicam e se integram, através e além das disciplinas em si. É ela que permite a
transposição de barreiras construídas pela desintegração do conhecimento.

Ainda é importante pontuar, fechando este capítulo, que a emergência de um novo paradigma
não vem dar fim à ciência, como é comum ser dito no contexto científico. A mudança de
paradigma surge da própria necessidade de transcendência e evolução, sem abolir nem
substituir o paradigma vigente anteriormente. Ao contrário, precisamos dele como base de
uma espiral da evolução do conhecimento, fazendo articulações e complementando-o no que
já não atende mais à complexidade da realidade e do conhecer. O cientista novo-
paradigmático, portanto, integra a ciência tradicional no campo de referências
epistemológicas, porém com novo olhar sobre ela.

Finalmente, o último capítulo, compondo a parte III do livro, pincela as origens e as relações
das abordagens teóricas dos sistemas com o pensamento sistêmico. Conforme defende a
autora, não há na literatura clareza da distinção entre epistemologia sistêmica e teorias
sistêmicas, contudo para entender a primeira não é necessário estudar as segundas, por isto
para a autora o objetivo de apresentar o pensamento sistêmico como novo paradigma da
ciência se cumpriu já no capítulo quinto. Apesar disto, Vasconcellos diz ser importante
localizar as teorias de sistemas no quadro conceitual de ciência, mesmo até para
contextualizarmos o pensamento sistêmico emergindo como novo paradigma. Assim, o
objetivo do capítulo é familiarizar os leitores sobre as abordagens sistêmicas e suas
interlocuções, facilitando o manuseio e entendimento da literatura já existente sobre o tema.

Duas teorias sistêmicas se desenvolveram em paralelo no decorrer do século XX: a


Cibernética (do matemático Wiener) e a Teoria Geral dos Sistemas (do biólogo Bertalanffy).
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Ambas foram reconhecidamente os primeiros constructos teóricos sobre sistemas, embora


antes já se faziam presentes propostas neste sentido. A primeira, originalmente objetivando
reproduzir o sistema orgânico por meio de máquinas, parte do modelo mecanicista, enquanto
a segunda, foca os organismos ou sistemas naturais, biológicos e sociais.

A Teoria Geral dos Sistemas visava à totalidade, buscando criar princípios aplicáveis a todos
os sistemas da natureza, sem dividi-los em unidades, mas focando a relação delas enquanto
todo integrado. Assim, a priori, as entidades são vistas em relação, formando um conjunto, e
não num aglomerado ou ajuntamento. Segundo Bertanlanffy, mesmo considerando as relações
individuais, não há alteração no todo. A organização do todo seria determinada por uma
estratificação, havendo hierarquia e desencadeamento de sistemas. Vasconcellos pontua que a
teoria de Bertalanffy se referia a sistemas abertos, que se mantêm por meio de trocas de
matéria (energia livre), tanto com o ambiente interno como com o externo, aumentando o grau
de complexidade. Os sistemas fechados seriam então os que não realizam trocas com
ambiente, de modo que não entre nem saia matéria, tal como os sistemas cibernéticos
(máquina).

A Cibernética, por sua vez, se ocupava do controle e a comunicação entre a máquina e o


homem, sendo o seu nome derivado da palavra grega kybernetes, que significa condutor /
piloto. Isso se associa à primeira metáfora ciberneticista com máquinas que pilotavam navios,
por terem sido as primeiras e mais desenvolvidas formas de feedback, de onde vem a noção
central de retroalimentação na cibernética. Os trabalhos de Wiener se voltavam para o modelo
de máquina artificial, tornando-se uma ciência do controle ou teoria do comando, mantendo o
determinismo e objetividade da ciência tradicional.

Na cibernética, segundo a autora, a retroação se dá por mecanismos de autoregulação, quando


o sistema se comporta adaptativamente às variações do meio. Quando a retroalimentação
acontece como expansão da informação sobre um erro no sentido de atingir uma meta
(comportamento dirigido a um alvo), ela é do tipo auto-equilibrativa. Mas há dois tipos
específicos de retroalimentação. A negativa (feedback negativo), que se refere a minimizar
um desvio para se atingir uma meta (mecanismo homostático), e a positiva (feedback
positivo), que se refere a amplificar o desvio como forma de auto-reforço, que produz
mudanças, rupturas ou saltos qualitativos no sistema. Ambos os tipos são associados à ideia
de circularidade, à causalidade circular.
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Embora a Teoria Geral dos Sistemas seja mais ampla que a cibernética, em razão de o modelo
mecanicista não ser aplicável a todos os tipos de sistemas, esta prevaleceu sobre aquela, pela
fertilidade que tiveram suas ideias no campo das ciências sociais e biológicas. Uma nova
concepção de vida parecia ter raízes mais claramente na Cibernética do que na Teoria Geral
dos Sistemas, segundo Vasconcellos, mas apesar e além disto, é importante perceber os
entrelaçamentos das teorias, embora Bertanlanffy não os confirmem, por problematizar o
modelo do organismo como máquina. Para ele, o problema estava na origem (que não é
natural), na regulação (programação) e na impossibilidade autorregulativa das máquinas.

Outros importantes teóricos e pensadores sistêmicos foram Bateson, vonFoester e Maturana,


que percorreram um longo caminho dentro do campo científico, por meio de pesquisas,
discussões e debates com as ideias tradicionais de ciência, até chegar às ideias inovadoras da
realidade interrelacional, autotranscendente e complexa.

Ao fim de todo esse breve percurso pelo livro de Vasconcellos, percebe-se que o mesmo tem
fundamental importância num contexto de transição de paradigmas, por estabelecer
diferenciações, comparações e articulações de ideias. Isto é imprescindível para o
entendimento do que vem a ser a(s) proposta(s) do pensamento sistêmico como paradigma da
ciência, para que não seja confundido com práticas de cunho esotérico ou “alternativas”,
como comumente já se deu e é relatado por Vasconcellos na introdução da obra. Outro ponto
importante é o posicionamento da autora ao pontuar claramente que vem dizer de
epistemologia sistêmica e não teoria dos sistemas ou teoria sistêmica. Aliás, esta foi a razão
pela qual a mesma não foi enfatizada aqui.

Com o livro “Pensamento Sistêmico: o novo paradigma da ciência”, temos a oportunidade de


localizar o movimento sistêmico em direção à resolução da crise da ciência, que em si mesma
encontrou seus limites, frente à realidade cada vez mais complexa, instável e não-objetiva que
os cientistas vislumbravam. Mantendo-se científico, o “novo paradigma sistêmico” fornece
possibilidades de lidar com a complexidade e instabilidade dos fenômenos, dos quais a
ciência tradicional já não dá conta. Além disto, “supera a disjunção entre conhecimento
científico e ética”, como afirma a própria autora, por trazer implicações subjetivas ao cientista
que admitir o pensamento sistêmico como epistemologia de referência.

Deste modo, a principal contribuição da obra talvez seja fazer entender que pensar
sistematicamente é repensar subjetivamente práticas profissionais. Isto porque não é a ciência
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que promove mudanças, mas os sujeitos. Ao transformarem seus próprios paradigmas


repercutem em novas formas de pensar e fazer o mundo. Isto é entendido de forma tão pessoal
pela autora que ela o demonstra pelo próprio discurso na primeira pessoa do singular,
indicando a implicação pessoal que o pensamento sistêmico lhe causa. Neste sentido, essa
implicação traz consequências acima de tudo éticas, por se referir ao próprio lugar que se
ocupa no mundo e às relações que com ele estabelece, indicando aí a necessidade de
transdisciplinaridade e protagonismo.

Apesar destas considerações e o esforço da própria autora em pontuar essas consequências,


uma mudança de paradigma não se trata de questão trivial. Rever esquemas de crenças e
visões de mundo é trabalho tão árduo que a maior parte dos profissionais parece se esquecer
dela, ou não conseguir realizá-la. Isto se refere à rigidez de esquemas cognitivos da realidade,
os paradigmas, que é detalhadamente abordado no capítulo 1. Outro ponto que exerce
influência na negligência dada a esta dimensão por parte dos profissionais é, infelizmente, o
tipo de formação oferecida nos cursos de graduação no país, voltada mais às necessidades de
mercado (formar para o mercado) do que às necessidades existenciais dos seres humanos.

Desta forma, pouco se tem discutido sobre epistemologia e metodologia científica com cunho
essencialmente ético, pouco se estuda história e filosofia, em favor de um corpo teórico-
técnico que habilita graduandos a cumprir processos, fornecer serviços e produtos. A
consequência disto é um profissional com poucos recursos críticos e reflexivos, enrijecidos no
tipo de formação que tiveram, cuja base é ainda o modelo tradicional de ciência em que se
pressupõe a simplicidade, estabilidade e objetividade do mundo a conhecer, embora a própria
realidade venha contradizendo tais noções. Mas ainda levará certo tempo até a internalização
dos novos pressupostos epistemológicos da ciência novo-paradigmática.

Por fim, voltando à obra, é importante dizer que ela funciona como um quadro de referência,
apresentando as contribuições de diversos autores, e um material em que estão organizadas as
ideias fundamentais desenvolvidas por Vasconcellos em seu percurso de refazer a ciência e
repensar a prática profissional a partir do pensamento sistêmico. Portanto, apesar de sua
grande importância e contribuição no campo do conhecimento do paradigma sistêmico,
cumprindo os objetivos a que se propôs, a mesma precisa ser tomada como introdutória, pois
abre um leque de vasta literatura complementar e aprofundada a ser consultada, de modo que
o assunto não se esgota no livro, embora seja bem trabalhado no que tem de mais essencial e
novo-paradigmático.

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