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momento:
201
enquadramento
filiação
arquiteCTónica
Introdução
Nos troços da Rua de Sá da Bandeira que antece- bastante sóbria, encabeçada frequentemente
dem o nosso campo de trabalho, ainda temos o por frontões, numa alusão a uma tripartição de
cadastro com o lote estreito e comprido carac- alçados planos de rigoroso traçado geométrico.
terístico do Porto, onde podemos ver prédios de São bastante interessantes os estudos feitos
os primeiros prédios
habitação unifamiliar burguesa do Porto interca- para a imagem das novas ruas, abertas ou regu-
lados com prédios de rendimento do início do larizadas neste período, sobretudo pela necessi-
século XX, com imagens eclécticas e larguras de dade de adaptar este modelo à difícil topografia
alçado correspondentes à associação de dois portuense. No entanto estes conjuntos apenas
de rendimento
2
dos lotes de “6 metros” FIG.11 a 15. foram parcialmente construídos .
O que caracteriza o tecido da cidade cons- Existem excepções a esta regra de constru-
1 Notas
truída até o início do século XX é a associação de ção da cidade, vulgarizadas já a partir do século Construções destinadas à
habitação do proletariado em fila
compridas casas unifamiliares de duas frentes em XIX, período em que se disseminam pela malha ao longo do logradouro
do Porto
2 Baseado em FERRÃO, Bernardo
lotes estreitos e profundos, vulgarmente designa- urbana pequenos palacetes, regra geral com uma José – Projecto e Transformação
Urbana do Porto na Época dos
dos por “lotes de 6 metros”, numa alusão à sua imagem neoclássica, de três ou quatro frentes, a Almadas, 1758/1813, 3ª ed. Porto:
FAUP publicações, 1997, p.221-222
largura média. A profundidade destas constru- que se associam amplas áreas de jardim, gerando 3 “As tipologias de habitação
plurifamiliar surgem no Porto
ções ronda os vinte metros e o seu logradouro é uma nova parcela urbana. tardiamente. Isto é, quando em
Lisboa (para nos remetermos
utilizado para hortas e pomares, quando não ocu- A burguesia do Porto, bastante arreigada à só aos ritmos nacionais) se
1 construíam os primeiros prédios
pado por “ilhas” . Nas coberturas de quatro águas habitação unifamiliar, terá sentido alguma renitên- de habitação plurifamiliar de
rendimento na Avenida da
destas construções destaca-se o volume cónico cia em transferir-se para apartamentos e foi só Liberdade, na última década
de Oitocentos, no Porto nos
das clarabóias que, postas a meio da construção, muito depois de estes surgirem em Lisboa que as novos arruamentos – Rua de
Álvares Cabral -, construíam-
fazem chegar a luz ao centro da habitação. As cla- primeiras tipologias de habitação plurifamiliar se se sequências de habitações
3 unifamiliares de rendimento,
rabóias situadas, muito frequentemente, sobre as começaram a construir também no Porto . identificáveis com o tipo
georgiano. Esta hipótese não
escadas, fazem a luz chegar a divisões interiores De acordo com François Loyer, o prédio de prefigura, no entanto, a cidade
do Porto com um passado
a partir de janelas para aí orientadas. Os edifícios, rendimento surgiu em Paris no início do século próspero e com uma sociedade
exclusi vamente burguesa, em que
de cércea variável, geram uma silhueta recortada XIX: “a concentração urbana que começa no Primeiro cada família se instalaria na sua
habitação unifamiliar, alugada ou
no perfil da rua, bastante adaptada à topografia Império tem como consequência uma transformação não.” In FERNANDES, Francisco
Barata – Transformação e
acidentada da cidade. Dos seus alçados planos completa do sistema do habitat: a passagem gene- permanência na habitação
portuense – As formas da casa
projectam-se varandas corridas, de pouca pro- ralizada da casa privada para o prédio e o nascimen- na forma da cidade. 2ª ed. Porto:
FAUP publicações, 1999, p.14-15.
fundidade, e beirais salientes, cuja horizontalidade to do novo conceito de prédio de rendimento (…). A 4 Citação de LOYER, François –
Paris, XIXéme siécle, L’immeuble
equilibra a verticalidade das janelas e portas emol- novidade será que a repartição dos alojamentos por et la rue. Paris, Hazam, 1987,
p. 488 in MOTA, Nelson – A
duradas por cantarias, mais ou menos trabalha- piso (e a eventual subdivisão dos pisos, permitirão o Arquitectura do Quotidiano
Público e Privado no Espaço
das consoante a época, ainda que sem chegar alojamento de mais lares sobre uma única parce- Doméstico da Burguesia
4 Portuense no Final do Século
a afectar a extrema simplicidade da sua imagem la.” Nelson Mota acrescenta que “numa primeira XIX, Coimbra, edarq - Editorial
Departamento de Arquitectura da
de rua. Durante o século XIX, vulgariza-se o uso fase, esta transformação configura o apartamento FCTUC, 2010, p. 32.
5 Citação de MOTA, Nelson – A Ar-
do azulejo no revestimento de alçados e do ferro como uma desmultiplicação dos espaços da moradia quitectura do Quotidiano Público
e Privado no Espaço Doméstico da
forjado nas guardas de varandas. As alterações burguesa num único piso (…).Na primeira metade do Burguesia Portuense no Final do
Século XIX, Coimbra, edarq - Edito-
dos hábitos tiveram consequências sobretudo século, estes edifícios possuíam estabelecimentos rial Departamento de Arquitectu-
ra da FCTUC, 2010, p. 32.
na imagem que apresentavam para o interior do comerciais no contacto com a rua e armazenamento
quarteirão, onde começaram por ser introduzidos no entrepiso; por cima sucediam-se normalmente
os volumes verticais dos sanitários com acesso quatro pisos de apartamentos de habitação, sendo o
exterior por varandas, que, entretanto, foram sen- primeiro distinguido como ‘l’étage noble’. Uma subtil
do fechadas por marquises. hierarquização, inevitável numa burguesia obceca-
Durante o período Almadino, verifica-se da pelo estatuto, aparece tanto na localização do
5
uma tentativa de transformar a cidade e a sua edifício na cidade como dentro dele próprio.”
imagem com a proposta de alçados unitários
para conjuntos urbanos parcelados. Ainda que
sob um espírito cénico de cariz barroco, a sua
composição obedecia a uma matriz clássica
No Porto, algures entre o séculos XIX e XX, as António Cardoso, autor de um doutoramento Finalmente, conclui, dirigindo-se à Câmara, que ‘as
9
novas construções inserem-se no traçado da sobre Marques da Silva , conta-nos a polémica fachadas dos prédios sobre a rua pertencem à parte
cidade por substituição ou por associação do gerada pelo volume projectado sobre a rua do arquitectónica do projecto, sobre o qual o arquitecto
tradicional lote comprido e estreito, não alteran- prédio da Rua das Carmelitas, criando o prece- é o mais qualificado para apreciar’. Afirma-se con-
do radicalmente o modo de construir a cidade, dente que possibilitou as ”bay windows”, até aí vencido de que ‘o Porto saberá acompanhar o pro-
mas introduzindo novas estéticas e diversifi- impedidas pela legislação: gresso das cidades modernas, no modo como devem
cando a, até aí bastante homogénea, imagem “A face exterior desse balcão está a distância ser feitas as edificações do centro da cidade, (…)’
da cidade: com a intensificação das ligações de 70 centímetros da rua, isto é, tem uma saliên- As reacções dos engenheiros Casimiro Barbosa e
à Europa Central, assistimos à proliferação de cia menor do que a que usualmente se permite a Almeida Machado são prudentes e colocam as compe-
códigos eclécticos nas novas fachadas. qualquer sacada. Como o decreto de 1864 proíbe tências de decisão no executivo camarário, convictos
6 Referido em: AA/VV – J. Marques
O prédio de rendimento mais antigo do da Silva - Arquitecto 1869/1947 as construções que se prolonguem sobre as ruas, de que na legislação portuguesa nada há regulamen-
(Catálogo de Exposição). Porto:
Porto a que encontramos referência na biblio- Secção Regional do Norte da insiste o arquitecto que ‘cachorros, pilastras, corni- tado sobre saliências nas edificações. A prática ante-
Associação dos Arquitectos Por-
grafia FIG.450 fomos encontrá-lo em publicações tugueses, 1986, p. 55; CARDOSO, jas, sacadas, lambrequins e beirais, enfim, todas as rior mostra-nos que os princípios de Marques da Silva
6 António – O Arquitecto José Mar-
dedicadas a Marques da Silva (1869-1947), ques da Silva e a arquitectura do saliências de uma fachada não são construções que encontraram acolhimento e o balanço sobre a rua vai
Norte do País na primeira metade
o arquitecto mais emblemático da cidade do do séc. XX, 2ª ed. Porto: FAUP prolonguem, são partes da construção’. ser visível em construções portuenses, que a utiliza-
publicações, 1997, p. 131.
Porto na viragem do século XIX para o século XX; 7 Citação de MAIO, Ana; PEREIRA, A propósito de anteparos, que é de uso colocar- ção da bow-window ainda fomentou, embora para tal
Luís Tavares; TAVARES, André
“a sua obra funda-se na aprendizagem da arqui- (coords.) – José Marques da Silva. -se nas varandas portuenses para cortar a vista dos seja considerada uma taxa de ocupação, referente à
Mapa de Arquitectura, Porto:
tectura académica, primeiro no Porto na Academia OASRN, C.M. Porto, 2009. prédios vizinhos, e que o código de posturas proíbe, área de projecção sobre a rua, certamente inibidora
8 Baseado em CARDOSO, António 10
das Belas Artes (1882-1889) e depois em Paris – O Arquitecto José Marques da o arquitecto lastima-os na vulgar aplicação, mas da sua mais larga utilização.”
Silva e a arquitectura do Norte do
onde frequentou a École Nationale de Beaux-Arts País na primeira metade do séc. defende-os quando, como no caso, eles são afinal o Duas décadas depois do prédio da Rua das
XX, 2ª ed. Porto: FAUP publica-
(1889-1896) como aluno de Victor Laloux (1850- ções, 1997, p.129. limite extremo da ‘loggia’, com um balanço que não Carmelitas, Marques da Silva constrói outro pré-
7 9 CARDOSO, António – O Arqui- 11
1937)” . Foi arquitecto Municipal de 14 de Abril tecto José Marques da Silva e a ultrapassa o de uma varanda. Concluí que ‘não é dio de rendimento na Rua de Alexandre Braga
arquitectura do Norte do País na
de 1904 a 31 de Agosto de 1907 e, entre outras primeira metade do séc. XX, 2ª ed. lícito proibir-se… que qualquer munícipe se desvie da FIG.451 , o qual já denota outro tipo de influên-
Porto: FAUP publicações, 1997.
práticas pedagógicas, foi regente da cadeira 10 Citação de CARDOSO, António banalidade deplorável da construção do centro da cias. Este, bastante mais austero, em vez do
– O Arquitecto José Marques da
de Arquitectura na Academia Portuense de Silva e a arquitectura do Norte do cidade’. Mas verifica, todavia, que nada há nas leis ambiente festivo meridional, remete-nos para
8 País na primeira metade do séc.
Belas-Artes onde, valorizando o desenho na XX, 2ª ed. Porto: FAUP publica- que defenda os seus direitos de ver aprovado o pro- o ascetismo da cultura protestante, nomeada-
ções, 1997, p.131-132.
concepção arquitectónica, influencia a geração 11 Referido em AA/VV – J. jecto, ‘feito num desejo louvável de tornar decorativa mente da britânica, com “bay windows”, ainda
Marques da Silva - Arquitecto
vindoura, que se refere ao mestre com apreço e 1869/1947 (Catálogo de Exposi- e interessante a fachada do seu prédio’. (…) que reinventadas e com apenas duas faces,
ção). Porto: Secção Regional do
veneração. Este prédio data de 1905, localiza-se Norte da Associação dos Arquitec- Dá o exemplo de Paris que tem regulamentado as projectando para o exterior apenas a linha dura
tos Portugueses, 1986, p.58.
na Rua das Carmelitas e a sua imagem contras- edificações sobre a via pública, nomeadamente com do vértice de um triângulo em planta. O granito
ta fortemente com a sobriedade da tipologia o decreto de 13 de Agosto de 1902 onde se prescreve do norte de Portugal assume aqui um carác-
de habitação burguesa a que antes fizemos o limite das saliências permitidas, o que, aplicado ao ter mais tectónico e menos decorativo; temos
referência: numa composição simétrica, para caso portuense, permitiria que as fachadas pudes- uma menor densidade de vazios e a exube-
além da nova e gigante escala sugerida, o alçado sem ter construções que saíssem fora do alinhamen- rância e voluptuosidade do primeiro foi aqui
é construído através de uma escultórica cantaria to 96 centímetros. E junta um desenho, indicando a substituída por um desenho ascético suaviza-
que prolonga a sua base até uns voluptuosos situação do balcão relativamente ao prédio vizinho do na delicada curva da platibanda, no remate
arcos; estes, auxiliados por gigantes figuras escul- mais alto, comparando-o com outro desenho, onde da sua silhueta contra o céu. Apenas recorre
pidas sob uns gigantes cachorros, sustentam, mostra os anteparos de madeira ‘que inesteticamen- pontualmente a ténues e subtis apontamentos
no seu terceiro piso, um pórtico projectado para te [ornam] as construções das fachadas do Porto’. decorativos, temas florais ou apenas baixos-
o exterior, criando uma sacada resguardada FIG. 450 Prédio da Rua das Carmelitas -relevos nas cantarias, com um desenho que
de Marques da Silva, 1905
por uma arcatura. Geram-se volumes no plano já nada tem de historicista. Detalhe curioso
do alçado, conferindo-lhe profundidade com é a utilização de portadas venezianas exte-
corpos salientes. Os arcos em cantaria produ- riores, completamente estranhas à tradição
zem enormes vãos, enquadrados pelo peso do
granito e pelo carácter barroco do seu dese-
nho, não apenas decorativo, mas trabalhado
tridimensionalmente.
Tal como no alçado do prédio da Rua de FIG. 451 Prédio na Rua Alexandre
Braga de Marques da Silva,
FIG. 452 Gaveto das ruas de Sá
da Bandeira com a da Formosa de
Alexandre Herculano, podemos observar a viga 1925-28 Eduardo da Costa
Alves Júnior, 1917.
em ferro que permite abrir o grande vão do
comércio; um dos aspectos que salta à vista no
alçado do prédio da Rua das Carmelitas é o de
as vigas de ferro estarem pontualmente visíveis,
ainda que assimiladas no desenho dos caixilhos
dos seus enormes panos envidraçados, denun-
ciando uma estrutura mista com o uso da tec-
nologia do ferro. Esta tecnologia, explorada por
Marques da Silva em outras obras, tal como a
Estação de S. Bento cujo primeiro projecto data
12
de 1896 , na estrutura portante de prédios
de habitação foi apenas utilizada em conjunto
com alvenarias de pedra e nunca assumida no
seu alçado de rua.
O prédio da Rua de Alexandre Herculano é
uma obra bastante singular no panorama da
cidade do Porto. Ao invés, e independente-
mente da genialidade do seu desenho e do seu 12 Baseado em CARDOSO, António 14 Baseado em BRANCO, Luís
autor, o prédio da Rua dos Carmelitas é repre- – O Arquitecto José Marques da
Silva e a arquitectura do Norte do
Maria Aguiar; MARQUES, Maria
Augusta – Porto com Pinta. Porto:
correspondente ao troço desta rua que ante- São raros os exemplos de edifícios nesta cidade
sentativo e comunga algumas características País na primeira metade do séc.
XX, 2ª ed. Porto: FAUP publica-
[s.n.], [2005] (impressão: Ponto
Comum).
cede a nossa área de estudo FIG.11. À grelha que poderemos apontar como sendo genu-
com outros prédios do primeiro quartel do ções, 1997, p.712.
13 BRANCO, Luís Maria Aguiar;
15 Citação de BRANCO, Luís Maria
Aguiar; MARQUES, Maria Augusta
de cheios e vazios sobrepõem-se elementos ína e integralmente Arte Nova e os poucos
século XX disseminados pela cidade. Tal como MARQUES, Maria Augusta – Porto
com Pinta. Porto: [s.n.], [2005]
– Porto com Pinta. Porto: [s.n.],
[2005] (impressão: Ponto Comum).
decorativos com o desenho em voga de inspi- que existem são de habitação unifamiliar. No
neste, e em simultaneidade com o que suce- (impressão: Ponto Comum). ração Arte Nova e, a rematar superiormente o entanto, é bastante frequente, na construção
dia noutros países de cultura ocidental, são edifício, surgem mansardas francesas enci- do primeiro quartel do século XX, a utilização
vários os edifícios que, nesta época, adoptam madas por frontões. Este edifício data de 1917 de motivos decorativos de efeito Arte Nova,
linguagens eclécticas, com inspirações que vão e a sua autoria é de Eduardo da Costa Alves os quais seguem as vertentes que este esti-
desde o gótico, passando, entre outros, pelo Júnior, arquitecto que teve formação acadé- lo desenvolveu na Bélgica, em França, ou na
manuelino, e até pelo barroco. Alguns destes mica Beaux-Arts em Paris, onde, como muitos Secessão Vienense. Esta “moda”, nos prédios
portuense, onde se utilizam portadas interiores edifícios foram ilustrados no sector sul da Rua outros arquitectos portuenses que lhe são de rendimento, apenas se reflecte superfi-
14
almofadadas. Uma maior densidade de cheios de Sá da Bandeira FIG.13 a 15 e, inclusive, nesses contemporâneos, foi bolseiro ; “aos poucos cialmente numa “veste” para edifícios que
relativamente a vazios, o arco da entrada ou são visíveis “bay windows”, legitimadas pela arquitectos portuenses que frequentemente estu- mantêm uma grelha para abertura de vãos
a expressão arqueada nos cantos do vão do argumentação de Marques da Silva na defesa dam em Paris, onde recebiam influências do estilo herdada da construção da casa burguesa do
comércio, remetem-nos para um imaginário da “loggia” do prédio da Rua das Carmelitas. Beaux-Arts, eclectismos e apontamentos modernos Porto. Neste primeiro quartel do século XX, no
medieval, com uma muito ligeira e subtil alusão Numa publicação da Câmara Municipal arte-nova, surge contemporaneamente, uma hábil Porto, a adesão às novas tendências estilísti-
13
ao gótico formada no “bico” pontiagudo do do Porto figura um gaveto da Rua de Sá da geração de técnicos com formação em construção e cas na arquitectura corrente acontece com
vértice da “bay window” e nos rendilhados em Bandeira com a Rua Formosa FIG.452, cujo ritmo artes decorativas recebida nas Escolas Industriais algum desfasamento temporal relativamente
cantaria na varanda de expressão clássica. dos vãos no seu alçado menor, do lado da e Comerciais, e dada por informados professores às grandes capitais europeias, ainda que pouco
15
Eventualmente, na eleição de uma expres- Rua Formosa, se confunde com o do prédio estrangeiros convidados.” significativo. No entanto, regra geral, é claramen-
são medieval para o prédio da Rua de Alexandre vizinho, o qual, ainda que o piso térreo seja te uma aculturação, sendo apenas apreendidos
Herculano, não terá sido estranha a influência comum aos dois, lhe é claramente anterior. os seus motivos mais superficiais e decorati-
das obras do movimento Arts & Crafts e, talvez A fazer a viragem, usa, no cunhal, um corpo vos. A utilização do estilo Arte Nova, regra geral,
inclusive, da linha de pensamento que esteve na avançado com “bay windows”; este corpo, e resume-se apenas a alguns apontamentos nos
sua origem, mas nesta obra com um ambien- um outro que lhe é simétrico, preparam para motivos de enfeite de superfícies, picturais ou
te mundano que nos remete para a Arte Nova, a imagem ecléctica que constrói o alçado em baixo-relevo, e no desenho do ferro forjado,
numa expressão próxima da que este estilo deste quarteirão virado para a Rua de Sá da material que tradicionalmente já era, desde há
adquiriu na obra de Charles Rennie Mackintosh. Bandeira, defronte ao Mercado do Bolhão e muito, utilizado nas guardas de varandas.
Artes
O primeiro dos edifícios do troço em estudo
da Rua de Sá da Bandeira a ser licenciado, em
1936, foi o Edifício Garantia FIG.33 A 58 E 300 A 311
de Júlio de Brito e, em conversa com a sua filha,
decorativas
soubemos que este se deslocou a Paris, antes
de iniciar este projecto, em busca de inspiração.
Para a sua imagem adopta o estilo Art Déco
com umas referências, no remate superior das
pilastras, ao futurismo de Sant’Elia.
O Art Déco é uma fusão e reinterpretação
gráfica das vanguardas da viragem do século;
não possuindo raízes em intenções filosóficas
ou políticas, constitui-se apenas como um esti-
lo que tende para uma maior geometrização:
a estilização da natureza da Arte Nova, neste
reduz-se a emoldurados padrões geométricos,
e as suas sensuais curvaturas são substituídas
por linhas quebradas e padrões geométricos,
aplicados na pormenorização e regradores de
toda a composição do alçado, a emoldurar, FIG. 453 - 455 Edifício da Rua do
frequentemente, uma representação estilizada sobretudo por fotografias de alçados de José Bonfim e detalhes do alçado do
edifício da Rua de General Silveira,
da natureza. Rodrigues, mostrando as obras devidamen- ambos de José Coelho Freitas e
de 1930
Na sequência do entendimento da Arte te datadas e com identificação das autorias,
Nova atrás descrito, era apenas natural que, complementadas por alguns textos e fichas
no Porto, o Art Déco se generalizasse e popu- de Manuel Mendes, mentor deste projecto e a
larizasse, tal como veio a suceder durante a quem se devem já algumas anteriores alusões
década de 30, facto que não terá sido alheio a estas arquitecturas sem pendor “heróico”.
à sua difusão na Exposição Internacional de Entre outras, surgem aqui pela, primeira vez,
Artes Decorativas e Industriais Modernas, algumas das obras em estudo e muitas outras
realizada em Paris em 1925, deixando marcas dos seus autores. Curiosamente, numa ordem 1 MENDES, Manuel (coordenador)
– (In)formar a modernidade –
profundas na imagem da cidade. O seu inerente cronológica, após o prédio da Rua de Alexandre Arquitecturas portuenses, 1923-
1943: morfologias, movimentos,
carácter decorativo induziu a que raramente Herculano de Marques da Silva FIG.451, os metamorfoses. Porto: FAUP
publicações, 2001.
tenha merecido a atenção por parte da teoria seguintes prédios de rendimento exibidos nesta 2 Baseado em MENDES, Manuel
(coordenador) – (In)formar a
arquitectónica e explica as raras alusões encon- publicação não são da autoria de um arquitec- modernidade – Arquitecturas
portuenses, 1923-1943:
tradas no início dos nossos trabalhos a prédios to, mas de um construtor civil diplomado, José morfologias, movimentos,
2 metamorfoses. Porto: FAUP
de rendimento no Porto deste período. Coelho Freitas . Ambos de 1930 e anteriores ao publicações, 2001, p.104.
3 Idem, pp.104-105.
No entanto, durante a investigação, a Edifício Garantia, são pequenos edifícios com 4 Idem, pp.106-109.
propósito de uma exposição com o espólio comércio nos pisos térreos, a que se sobre-
do arquivo da Faculdade de Arquitectura da põem apenas duas casas-andar de habitação,
Universidade do Porto, que detém o legado de com entrada e escadas partilhadas apoiadas
3
alguns dos autores desta época, surgiu uma na meação. Um situa-se na Rua do Bonfim
4
publicação intitulada “(in) formar a moder- FIG.453 e o outro na Rua de General Silveira FIG.454
A grelha rítmica, que no alçado do edifício da O reboco não é um veículo de expressão privile-
Rua do Bonfim se constrói apenas com demar- giado do Art Déco. A índole plástica deste estilo,
cações no reboco, constrói-se, no edifício da opulento e luxuoso, requer efeitos cromáticos,
Rua de General Silveira, com cantaria. Se, no padrões e superfícies texturadas. O granito
edifício rebocado, este material de revestimen- associa-se a uma ideia de solidez e perenidade
to gera uma imagem de “modernidade”, no e as estrias no edifício na Rua do Bonfim, de
outro, quer a aplicação dos típicos materiais Renato Montes VER EDIFÍCIO DA ESQUERDA NA FIGURA 453,
de revestimento, o granito e o azulejo (não o ou as pilastras do Edifício Garantia FIG.33, seriam
azulejo tradicional mas um novo, liso e rectan- mais convincentes se gravadas na pedra.
gular, gerando uma nova estereotomia), quer Contudo, considerando o custo acrescido da
as proporções dos vãos, constituem a ponte pedra trabalhada polida ou em cantaria, é mui-
entre a tradição e o novo estilo, conciliando a to provável, que nestes como na maioria dos
presença de motivos do novo estilo com temas casos, a opção do reboco se continue a dever,
emblemáticos da arquitectura portuense. sobretudo, a motivos de âmbito económico; o
Apesar de as casas vizinhas ao edifício da Rua uso da pedra limita-se ao embasamento, que
do Bonfim, por se destinarem a habitação unifa- no Edifício Garantia se reveste a mármore e se
miliar, saírem do âmbito deste trabalho, o acaso de eleva nos pórticos que marcam as entradas
aparecerem visíveis, e tão a propósito, na imagem no edifício; mesmo que as motivações não
que o ilustra FIG.453, torna demasiado tentador e tenham sido estéticas, com o Art Déco abrem-
irresistível não lhes fazer menção. No pouco que -se novos caminhos e novas possibilidades na FIG. 456 Prédio na Rua Conde
podemos vislumbrar de cada uma delas, vemos, utilização deste material que até então não se Na construção corrente, raríssimas vezes se No edifício da Rua Conde Ferreira, de 1934, Ferreira de Joaquim Mendes
Jorge, de 1934
7
na da direita, de António Joaquim Carvalho e de haviam explorado, tal como o demonstra Júlio utilizam estruturas mistas com a tecnologia do Joaquim Mendes Jorge mantém uma relação FIG. 457 Prédio na Rua da
Conceição de Manoel Marques e
5
1930 , os mesmos materiais de revestimento de Brito no Edifício Garantia. ferro, tal como o fez Marques da Silva. Na primeira de cheios e vazios que poderíamos encontrar Amoroso Lopes, de 1935.
do edifício da Rua de General Silveira e, na da Se José Coelho Freitas, na Rua de General metade da década de 30, começa a ser usual na construção de um alçado da tradicional
6
esquerda, de Renato Montes e de 1933 , vemos a Silveira FIG.454 E 455, utiliza os tradicionais mate- o recurso ao betão armado, ainda que, apenas habitação unifamiliar burguesa portuense
superfície do reboco estriada e uma fenestração riais de revestimento numa postura conciliado- de forma pontual, consistindo, frequentemente, FIG.456, inclusive com a mesma escala e propor-
idêntica à da casa vizinha, embora a alteração nas ra, já António Joaquim Carvalho, no edifício da apenas em vigas utilizadas para obter maior largu- ção dos vãos, ainda que estes estejam inseridos
suas proporções lhe confira uma outra feição. Rua do Bonfim VER EDIFÍCIO DA DIREITA NA FIGURA 453, ra nos vãos, tecnologia que a superfície rebocada numa grelha decorativa estilo Art Déco; através
No Edifício Garantia FIG.33, tal como noutros usa estes materiais prolongando uma tradição, absorve com maior facilidade. Entretanto come- de alguns apontamentos na superfície confere-
edifícios rebocados Art Déco, este revestimento é numa solução de continuidade, mas com uma 5 Baseado em MENDES, Manuel ça a ser usual a utilização, no núcleo interior da -se uma nova “roupagem” a sistemas que, na 7 Baseado em MENDES, Manuel
(coordenador) – (In)formar a (coordenador) – (In)formar a
assumido de um modo como até então não era nova expressão no desenho do vão; apesar modernidade – Arquitecturas construção, de sistemas estruturais reticulados sua essência, se mantiveram inalterados. Já modernidade – Arquitecturas
portuenses, 1923-1943: portuenses, 1923-1943:
comum. Antes, e até contemporaneamente, era do desenho na “moda”, os rasgos dos vãos morfologias, movimentos, em betão armado, tal como no Edifício Garantia no edifício da Rua da Conceição, de Manoel morfologias, movimentos,
metamorfoses. Porto: FAUP 8 metamorfoses. Porto: FAUP
vulgar encontrar construções com a modulação são recortados na superfície do alçado como publicações, 2001, pp.72-73. e nos edifícios que se lhe seguem imediatamente Marques e Amoroso Lopes e de 1935 FIG.457, o publicações, 2001, p.116.
6 Idem, p.68. 8 Idem, pp136-137.
do cimento a reproduzir o desenho próprio da can- sempre se fez e, exceptuando a sua sequên- na Rua de Sá da Bandeira. sistema compositivo geral é um Art Déco clas- 9 Citação de GONÇALVES, José
Fernando – Ser ou não ser
taria, num pastiche que se deve, exclusivamente, a cia rítmica e um remate superior do edifício sizante e monumental, onde os apontamentos moderno: Considerações sobre
a Arquitectura Modernista
motivos de economia no custo da construção. inédito no Porto (aspectos não visíveis nesta decorativos são livres interpretações de uma Portuguesa. Coimbra: Edições do
Departamento de Arquitectura da
A tendência para a abstracção remanescente imagem), o modo de compor é convencional. arquitectura vernacular. FCTUC, 2002, p.61.
do estilo Art Déco permitiu uma maior depu- Ainda assim, na imagem destes exemplos as O grande mentor da corrente que defende a
ração, os rasgos abrem-se directamente no rebo- menções a uma tradição são subtis, e aconte- recuperação de valores nacionais na arquitec-
co, sem se emoldurarem, assume-se o material cem sobretudo por coerência para com o seu tura portuguesa foi Raul Lino (1879-1974), cuja
e não se reproduzem texturas e estereotomias sistema construtivo que, no essencial, perma- ideologia ficou expressa no seu livro publicado
da pedra, ou de outros materiais. Permanece o nece o mesmo, com paredes estruturais em em 1929 - “A casa Portuguesa”, onde, citando
pavor da superfície lisa. Ainda que sem tentar ilu- alvenaria de granito e soalhos e travejamentos José Fernando Gonçalves, defende “sem hesita-
dir o material, o desenho herdado de formações em madeira. ções a recuperação das ‘formas portuguesas’, num
clássicas continua a induzir à utilização de frisos ‘percurso nacional’, alternativo à produção ecléc-
9
e molduras, que hierarquizam a composição em tica novecentista.” “Recusando as consequências
modulações similares às da cantaria. da realidade industrial de modelo centro-europeu,
proporá um modelo que, sem articular a dicotomia
estrangeirismo/nacionalismo, apela a uma solução Se, nos anos trinta, já se fazia sentir a influência 10 Citação de GONÇALVES,
José Fernando – Ser ou não ser
FIG. 459 Edifício Ateneia de
Júlio de Brito, de 1938
de continuidade histórica portuguesa, alheia ao de Raul Lino, adicionando o receituário nacio- moderno: Considerações sobre
a Arquitectura Modernista
moderno. O ideal romântico que defende, embora nal ao catálogo de estilos que os arquitectos Portuguesa. Coimbra: Edições do
Departamento de Arquitectura da
constituindo a primeira consciência da fractura tinham ao seu dispor, aquele não era, ainda, um FCTUC, 2002, p.60.
11 Citação de BANDEIRINHA,
moderna, manifesta-se na não aceitação do pre- estilo oficialmente imposto pelo regime fascista, José António Oliveira – Quinas
Vivas: Memória Descritiva de
sente, numa consciência infeliz da realidade. Com não existindo, como o afirma Sérgio Fernandez, alguns episódios significativos
do conflito entre fazer moderno
efeito, Raul Lino defende a especificidade cultural da “uma relação de coerência entre o conservadorismo e fazer nacional na arquitectura
portuguesa dos anos 40. Porto:
arquitectura portuguesa numa ligação nostálgica à que se instala e a expressão formal dominantemente FAUP publicações, 1996, p.57.
12 Idem, pp.77-78.
harmonia rural, em oposição a um mundo industrial utilizada pelos arquitectos que seguem os movimen- 13 Citação de FERNANDEZ,
Sérgio – Percurso, Arquitectura
de que não se conhecem verdadeiramente os contor- tos europeus com os quais, de resto, alguns tinham Portuguesa 1930/1974. Porto:
FAUP publicações, 1988, p. 17.
nos, mas de que se temem as consequências. Antes mantido contactos directos.” 13 A República, ao 14 Idem, pp.12-13.
15 Baseado em GONÇALVES,
mesmo da experimentação da sociedade moderna defender a exaltação dos valores nacionais, não vai José Fernando – Ser ou não ser
moderno: Considerações sobre
(industrializada), retoma o individualismo do espí- proporcionar campo para a renovação em curso das a Arquitectura Modernista
Portuguesa. Coimbra: Edições do
rito romântico oitocentista, procurando a definição vanguardas europeias. (…) Formados no ambiente Departamento de Arquitectura da
FCTUC, 2002, p.101.
da identidade do homem com a caracterização da cultural da República, os primeiros arquitectos de 16 Baseado em FERNANDEZ,
10 Sérgio – Percurso, Arquitectura
‘identidade’ do lugar.” expressão moderna exercerão a sua actividade em Portuguesa 1930/1974. Porto:
FAUP publicações, 1988, p.16.
No entanto, a catalogação que Raul Lino faz plena vigência do regime fascista; eclécticos por for- 17 Baseado em MENDES, Manuel
(coordenador) – (In)formar a
da arquitectura de cada região remete para o mação, ligados ao clima de exaltação nacionalista e modernidade: Arquitecturas
portuenses, 1923-1943:
“pitoresco”, por assentar “a procura dos valores e interessados na modernidade, produzirão em para- morfologias, movimentos,
metamorfoses. Porto: s FAUP
das permanências da arquitectura feita em Portugal lelo obras que se poderão filiar nas raízes históricas publicações, 2001, pp.184-185.
18 Idem, pp.132-133.
no estudo de um inventário, onde se privilegiam o evocadas na ‘Casa Portuguesa’ e obras que adoptam
carácter formal e o desenho de um conjunto de ele- diversos figurinos importados, como o futurismo, o
14
mentos compositivos, quer sejam escadas, loggias, expressionismo e o racionalismo.”
beirados, gárgulas, baldaquinos, balcões, eirados ou A “permissividade” que ainda se sente
11
chaminés.” E prosseguindo a citar José António durante os anos trinta deve-se, em grande
Bandeirinha: “Com efeito, o impacto da sócio- parte, a Duarte Pacheco que durante esta
-cultural da campanha de Raul Lino foi tão forte que década foi Ministro das Obras Públicas e, em
15
os seus efeitos duraram até hoje, quase um século simultâneo, Presidente da Câmara de Lisboa ,
volvido desde o seu começo. (…) Mas a contribuição e a António Ferro, líder do Secretariado de
decisiva é dada pelo valor obsessivamente didác- Propaganda Nacional, organismo criado em FIG. 458 Prédio na Rua de
Alexandre Herculano de Mário
tico dos seus projectos e das suas obras. É sob o véu 1933 para utilizar as artes com propósitos pro- Abreu, de 1937 conservadores, não levanta objecções a obras proposta de Mário Abreu para o prédio da Rua
16 17
da facilidade com que se copiam e se propagam os pagandistas . Naturalmente, ambos ocupam de cariz racionalista e António Ferro é um fervor de Alexandre Herculano, de 1937 FIG.458, o qual,
motivos decorativos propostos por Raul Lino que se importantes cargos no aparelho do Estado por entusiasta do orfismo, do modernismo e do tal como o Edifício Garantia, nos reporta para os
devem procurar as razões do êxito de uma campa- terem pontos em comum com o novo poder, futurismo italiano. É neste contexto, prova- desenhos de Sant’Élia: numa proposta densa,
nha como a da ‘Casa Portuguesa’, que começa por o qual, pese embora as manifestas diferen- velmente influenciado pela divulgação, sob a reinventam-se as “bay windows”, que se trans-
ter raízes românticas, atravessa depois, jovial e ças no plano económico e cultural, adopta os influência de António Ferro, das vanguardas formam num só corpo avançado no penúltimo
triunfante, o nosso republicanismo, deixando no ar modelos nacionalistas das ditaduras alemã e italianas, que surge a referência a Sant’Elia no piso, prolongando-se apenas na parte central
os seus aromas de Arts & Crafts”, percorre, intocável italiana como paradigma a seguir: António Ferro Edifício Garantia, edifício que assume o Art para o piso superior, de acordo com uma com-
e oportuna, toda a reacção nacionalista, desde os nutria uma profunda admiração por Mussolini Déco na sua vertente moderna e cosmopolita posição ascensional.
inícios até a decadência, e mostra os vestígios ainda e Duarte Pacheco estudou em Itália a obra de sem fazer quaisquer alusões regionalistas ou Júlio de Brito, num edifício que é pratica-
hoje, como alegada alternativa ao modo caótico de Piacentini, que tomará como referência. No historicistas, dando logo nesta esquina o tema mente contemporâneo ao Edifício Garantia, o
18
construir os nossos espaços contemporâneos. (…) Na entanto, se o universo de Raul Lino é nostálgico do ambiente mundano que se pretende para as Edifício Ateneia, datado de 1938 FIG.459, traba-
longa cruzada da ‘Casa Portuguesa’ a superficiali- e com um pendor eminentemente ruralista, partes novas da Rua de Sá da Bandeira. lha a fachada de granito com motivos deco-
dade prevaleceu sempre sobre o aprofundamento. E Duarte Pacheco, vivamente criticado pelos É bastante singular, no panorama portuense, a rativos Art Déco, sobrepõe na sua base uma
12
essa leviandade foi-lhe fatal.” varanda com uma balaustrada de desenho
clássico e acrescenta, no seu remate superior,
um óculo com expressão Arte Nova.
depreende-se a “ligeireza” com que Júlio de do outro lado do Atlântico, no seguimento das portuenses, 1923-1943:
morfologias, movimentos,
verticais. Adelgaça na esquina aquele que se desenho da planta numa situação de difícil FIG. 461 Vista
FIG. 462 Plantas
Brito utiliza os vários códigos linguísticos que experiências da Escola de Chicago, denotando metamorfoses. Porto: FAUP
publicações, 2001, pp.156-159.
converte no seu alçado de topo, embora aqui implantação, os seus interiores seriam comuns
tem ao seu dispor, sem grandes preocupações outro tipo de influências para além daquelas 20 Idem, pp.30, 160-163. com expressivas curvas que o projectam para para a época.
relativamente à sua coerência. Nesta época, a que já referimos. o exterior. Adopta estratégias compositivas O caracter decorativo do Art Déco não
maioria dos arquitectos portugueses entende Na verdade, o Edifício Imperial não é exac- que se assemelham às do Edifício Garantia se aplica apenas a alçados mas estende-se
a arquitectura como uma questão de estilo e tamente um prédio de rendimento e apenas o FIG.33: marcações no reboco criam uma grelha à caracterização interior dos seus espaços,
gosto, confundem equivocadamente moder- ilustramos enquanto contraponto à atitude do de predominância vertical, agrupam os vãos, produzindo ambientes luxuosos e opulentos.
nismo com mundanismo, uma mera expressão autor do Edifício Garantia no Edifício Ateneia, o definem hierarquias e ritmos; os pisos repetem- No Porto, a aplicação das artes decorativas
de civilidade, e vêm-se como homens de cul- qual também, pela sua localização na Praça da -se iguais, distinguindo-se apenas o piso térreo, torna-se mais profusa em algumas moradias
tura universal, o que os torna aptos a projectar Liberdade, adquire um carácter excepcional, a estabelecer uma relação com o transeunte, e ou em edifícios de carácter público, mas nos
em todos os estilos, ora de importação, ora não sendo representativo do prédio de rendi- o remate superior, preparado no penúltimo piso prédios de rendimento, tal como o podemos
passadistas, ora nacionalistas. mento corrente na cidade do Porto. A atestar por uns muito subtis apontamentos decora- verificar no Edifício Garantia FIG.47 a 52, a simpli-
O emprego da cantaria de granito no a excepcionalidade destes edifícios, Arthur de tivos Art Déco feitos no reboco, sob os para- ficação estilística do Art Déco resultou num
Edifício Ateneia e, inclusive, o toque ecléctico Almeida Júnior, uns anos mais tarde, em 1939, peitos das janelas. A imagem exterior reflecte despojamento dos seus interiores, investindo-
da balaustrada da sua varanda, dever-se-ão à constrói no sector sul da Rua de Sá da Bandeira uma planta quase simétrica, apenas com -se apenas um pouco mais nas suas áreas de
20
sua “nobre” localização na Praça da Liberdade, o Edifício Singer FIG.461 e, tal como Júlio de Brito variações para as traseiras, na configuração das circulação comuns, tal como acontece no hall
criando uma aparência de “clássica moderni- no Edifício Garantia, emprega aqui o reboco áreas de serviço e dos saguões. Tal como no de entrada do Edifício Garantia FIG.39, mas onde,
dade” com o sentido de obter uma melhor inte- como único revestimento dos seus pisos supe- Edifício Garantia FIG.305 e 309, longos corredores mesmo assim, nas escadas se usa um lambril
gração na arquitectura monumental da praça. riores. O uso da cantaria de granito foi, ou uma distribuem para vários compartimentos, com em cortiça FIG.40 a 44, uma solução inovadora e
Já no Edifício Imperial, localizado na mesma oportunidade justificada pelas suas prestigiantes inflexões à entrada e no seu final, a primeira, experimental, mas económica.
praça do Edifício Ateneia e sendo ligeiramen- localizações ou seria, muito provavelmente, uma para criar a entrada, e a outra, para aceder a um O Edifício Garantia, para além de ser o exem-
te anterior FIG.460, de 1934, Arthur de Almeida imposição para as construções desta praça. espaço triangular no gaveto; de novo, quartos plo mais paradigmático do estilo Art Déco na Rua
19
Júnior alcança uma pacífica integração com O Edifício Singer situa-se num lote alongado e salas distribuem-se ao longo dos alçados de de Sá da Bandeira, é também um dos prédios de
um uso coerente do estilo Art Déco. Do seu e de reduzida profundidade FIG.462, numa situa- rua, enquanto as áreas de serviço e casas de rendimento mais emblemáticos desta corrente
alçado, intercaladas com as superfícies envidra- ção de gaveto, cuja forma é consequência do banho se voltam para os pátios interiores. Se na sua vertente mais internacional no Porto e
çadas, sobressaem umas pilastras em cantaria cruzamento da nova rua com uma outra que não fosse o alçado livre, criando passagens de dos poucos a acusar, de uma forma tão eviden-
de granito de desenho Art Déco que nos reme- lhe é anterior. No seu alçado gera um eixo de uns compartimentos para os outros entre a te, a influência do futurismo italiano.
ArquiteCTuras
O Edifício do Instituto de Inglês FIG.71 a 84 e 313
a 316 é bastante representativo daquelas arqui-
do reboco
designarem-se por “arquitecturas do reboco”:
arquitecturas que, no seu exterior, embora com
uma base maciça revestida a pedra, são sim-
plesmente rebocadas nos seus pisos superiores
e que utilizam reentrâncias e saliências neste
material para regrarem a sua aparência. No
Edifício do Instituto de Inglês pudemos verifi-
car, através das diferenças observadas entre o
projecto e obra construída, a enorme impor-
tância adquirida pelas reentrâncias do reboco
na composição. Estas arquitecturas prevalecem
sobretudo por motivos económicos, ainda que
se revelem também sintomáticas de uma “evolu-
ção do gosto orientada pela simplificação decorati-
va e formal a que as obras europeias do princípio do
1
século obedeciam” , “mas nos novos princípios de
simplificação cai-se num certo classicismo – blocos
cerrados, simetria, estereotomias elementares,
2
etc.”, tal como refere José Fernando Gonçalves.
O reboco gera imagens luminosas, em
alternativa à densidade do “soturno” granito
aparente, associado às arquitecturas ecléti-
cas e opulentas do início do século. Não são
arquitecturas brancas: a cor é obtida através de
pigmentos que se introduzem no reboco geran-
do tonalidades suaves, frequentemente creme, FIG. 463 Prédio da Rua de Ma-
galhães Lemos, de 1932, de José
pastel e até ocres. A obra de José Ferreira Penêda é bem Ferreira Peneda
Em todas as obras de José Ferreira Penêda Em todos eles temos uma disposição com- edifico geminado na rua de Sá da Bandeira FIG.316 é
temos “bay windows” ou “bow windows”, tal pacta recorrendo ao saguão para iluminar e o desenho modelar na aplicação dos preceitos enun-
como no Edifício TAAG FIG.85, e o remate dos ventilar o seu núcleo central; o prédio da Rua ciados, em Augusto Rosa FIG.467 é a variação da solu-
volumes verticais gerados nas “bay windows” de Magalhães Lemos ocupa o correspondente ção numa solução de extrema densificação em que
por uma varanda corrida horizontal, composição a um lote tradicional do Porto, com apenas um ao princípio de esquerdo-direito-de-parcela se asso-
que tanto nos desconcertou na Rua de Sá da andar por piso e entrada e escada apoiadas cia o princípio de frente-traseira, forçando regras de
Bandeira, era um tema já recorrente na sua obra na meação; o da Rua de Augusto Rosa FIG.467 boa disposição interior a reboque duma densificação
3
(prédios das ruas de Magalhães Lemos FIG.463, faz a fusão de dois lotes, duplicando entradas que certamente tem a ver com rendas de capital; na
4
de 1932, e de Augusto Rosa FIG.464, de 1935, e e dispondo a planta simetricamente com dois Boavista é a solução aplicada na reinterpretação
7
dos gavetos com o Campo de 24 de Agosto, FIG. 464 Prédio da Rua de Augusto apartamentos por piso ; nos de esquina, as da solução corrente deste tipo de programa, com
Rosa, de 1935, de José Ferreira
um entre as ruas de Fernandes Tomás e de Penêda entradas para dois apartamentos por piso são alguns sinais de luxo – o elevador; escada e entrada
5 FIG. 465 Gaveto de Fernandes
Santo Ildefonso FIG.466, e o outro entre a Rua de Tomás com o Campo 24 de Agosto laterais. Como refere Manuel Mendes: “Nas de serviço autónomas, amplas zonas de serviço,
6 de José Ferreira Penêda, de 1936
Fernandes Tomás e o Campo de 24 de Agosto FIG. 466 Gaveto da Rua de Fer- soluções de José Penêda, o acesso-distribuição para mas uma distribuição demasiado condicionada pela
nandes Tomás com a Rua de Santo 8
FIG.465, ambos de 1936), embora nestas tenha Ildefonso de José Ferreira Penêda, os fogos atende moderadamente as soluções típicas forma e superfície exígua da parcela.”
de 1936
sido utilizado com uma pertinência e uma coe- do plurifamiliar: entrada, hall e escada submetem-
rência formais não detectadas no Edifício TAAG. -se ao princípio de parcelas divididas; o plurifamiliar
Resulta especialmente interessante a associa- resume-se à imagem de representação projectada
ção que faz das palas de betão sobre a varan- para a rua que nessa pujança ilude a magreza de
da, no edifício de gaveto da Rua de Fernandes áreas dos andares, e o saguão que na associação
Tomás com a de Santo Ildefonso FIG.466, apresen- ganha foros de pátio-garante de distâncias para a
tando um desenho que coincide com o recorte salvaguarda do privado. Nas soluções presentes, o
em planta dos corpos avançados.
siderado apropriado incluí-los no nosso estudo, FIG. 471 - 472 Edifícios de José
pelo que chegamos a recolher informação Ferreira Penêda na Rua da Firme-
za, licenças nº 11 de 1938 e nº 55
sobre eles. A coincidência da intervenção de um de 1939.
enorme permissividade, pelo que sem ser fusão destes factores resulta uma forma de
eclécticas, permanece um espírito ecléctico. expressão própria, relacionada com um modo
de fazer, que caracteriza a arquitectura da
cidade do Porto neste período, podendo ser
designada como “arquitectura do reboco”.
16
No prédio da Rua dos Bragas FIG.481, de 1939,
voltamos a ter o mesmo tipo de desenho, em
planta, das varandas com floreira da Rua de
Fernandes Tomás, embora aqui a varanda se
transforme num corpo avançado e a floreira
numa varanda. Exceptuando os incongruentes
arcos românicos que assinalam as entradas no
prédio, este assume um desenho invulgarmente
rígido, com uma predominância de cheios de
onde se destacam os avançados com um dese-
FIG. 480 - 481 As varandas no
nho de uma geometria pura que até aqui não prédio da Rua de Fernandes
Tomás e prédio na Rua
encontramos, uma rigidez reforçada pela faixa da dos Bragas, ambos de ARS
Arquitectos e de 1939
platibanda quebrada sobre estes volumes.
O Grupo ARS Arquitectos desenvolve um
trabalho relativamente excepcional e difícil de “eti-
quetar”; neste final da década de 30, produzem
um modernismo híbrido que, aparentemente,
se reflecte apenas ao nível do alçado, e mesmo
assim, resumindo-se a um despojamento dos ele-
FIG. 478 - 479 Prédios na Rua
mentos decorativos em composições de matriz
Um curioso e interessante caso de reinven- dimensão para a época sob os parapeitos de de Fernandes Tomás de ARS
Arquitectos, de 1938 e 1939
clássica, produto da formação dos seus autores.
ção de elementos típicos da arquitectura umas janelas horizontais, simétricas relativa- respectivamente De facto, na década de trinta não é muito
tradicional do Porto é o da obra do Grupo mente a uma varanda central, sublinhando a claro até que ponto estas arquitecturas eram
ARS Arquitectos, constituído por Fortunato forte horizontalidade definida por palas com retrógradas por se encontrarem cerceadas pelo
Cabral, Morais Soares e Cunha Leão, grupo uma muito pequena projecção, agrupando os regime ou se seria pelo facto de a modernidade
sobre o qual apenas agora começa a surgir vãos; no outro, de 1939, utilizando o tradicional destes arquitectos ainda ser bastante hesitante.
alguma informação mas que, até há bem pouco azulejo em paineis, este é bastante inovador na Tal como já referimos, o Grupo ARS Arquitectos
tempo, apenas era referido pela autoria do cor, proporção e textura e, de novo numa com- são os autores do Palácio Atlântico, edifício que
Palácio Atlântico FIG.18, edifício já aqui referido posição de alçado simétrica, aparece absorvido já não se enquadra neste capítulo, mas que, no
no capítulo introdutório deste trabalho a propó- pelo desenho de umas curiosas e assimétricas 15 Baseado em MENDES, Manuel entanto, é bastante representativo daquelas
(coordenador) – (In)formar a
sito da Praça de D. João I FIG.16, e bastante pos- molduras salientes, construídas em cimento, modernidade: Arquitecturas que são as hesitações no “fazer moderno”: tificável: as obras aqui ilustradas de José Ferreira
portuenses, 1923-1943:
terior às obras até aqui ilustradas neste capítulo. que agrupam janelas e portas de acesso a assi- morfologias, movimentos, neste relativamente moderno volume, assente Penêda atestam que, ainda que utilize matrizes
metamorfoses. Porto: FAUP
Para a Rua de Fernandes Tomás, projectam métricas varandas, com floreiras curvas num publicações, 2001, pp.124-125, em colunas e construído num período onde já compositivas clássicas, se distancia das lingua-
15 138-141.
dois edifícios FIG.478 e 479 onde elementos que dos seus lados FIG.480. 16 Idem começa a existir abertura para uma arquitec- gens eclécticas ou das “decorativas”, trabalhan-
normalmente se filiam à arquitectura pitoresca tura moderna, no início da década de cinquen- do os seus alçados rebocados em composições
ou tradicional são reinterpretados e inseridos ta, o Grupo ARS Arquitectos utiliza inúmeros densas de, sobretudo, nichos, varandas, “bay
em desenhos de rasgo modernista, adquirindo detalhes decorativos de expressão Art Déco, e bow windows”. Para o edifício do Instituto de
uma nova expressão e significado: no primei- nomeadamente o tecto do passeio público Inglês, com nichos e varandas, adopta uma ima-
ro, de 1938, usam floreiras com uma invulgar coberto sob o seu volume principal, indiciando gem clássica até relativamente excepcional na
que frequentemente o carácter híbrido destas sua obra, tal como é excepcional o uso ecléctico
arquitecturas acontece espontaneamente, de uma alusão a balaustradas nas varandas do
devendo-se eventualmente (apenas ou tam- Edifício TAAG, que apesar de ter uma imagem
bém) ao entendimento e ao modo de fazer para a rua, no seu conjunto, mais desequilibrada
arquitectura dos seus autores. que a maioria das aqui identificados como sen-
Se alguns destes arquitectos oscilam entre do da sua autoria, tem mais pontos em comum
diversos tipos de expressão, outros, como com a sua obra, pelos seus elementos compo-
Penêda, misturam variadas influências e desen- sitivos e respectiva associação, do que o Edifício
volvem uma forma de expressão própria e iden- do Instituto de Inglês.
O despontar de
um tímido
modernismo FIG. 482 Edifício na Rua de João
Oliveira Ramos de José Porto,
de 1934
FIG. Edifício na Rua Gonçalo
Cristóvão de Arménio Losa e
Aucíndio dos Santos, de 1935
FIG. 484 Edifício na Rua D. Diogo
Brandão de Ribeiro Alegre, de
1937
nomeadamente na volumetria, e identifica-se como soluções de continuidade de espaços simples, de das varandas.
um hall de dupla altura que em planta se verifi- tal como era corrente. A experiência interna do
A expressão
Nos edifícios projectados para a Rua de Sá Para além de factores programáticos, para
Bandeira, exceptuando o Edifício DKW FIG.247, entender o rumo tomado por estas arqui-
durante a década de 40 estão patentes um tecturas, há que considerar alguns eventos e
luxo e um desejo de representação superior ao directrizes, sobretudo de cariz político, que,
do regime
daqueles que lhes são anteriores. Destinam-se na passagem dos anos 30 para os 40, indu-
a um público mais abastado, o que se reflecte ziram a uma nova orientação na arquitectura
em apartamentos mais luxuosos, com acessos portuguesa: “Com o fim da guerra civil espanhola
de serviço independentes, quando não são pre- e o início da segunda guerra mundial abrem-se
vistas também habitações para os “chauffeurs”. perspectivas para o reforço dos sistemas que,
Nos alçados dos edifícios de Passos Júnior FIG.94 na Europa, constituem referência para o regime
1 Citação de GONÇALVES, José
e 217 e no Edifício Emporium FIG.156 combinam-se português. Consolidado este, em situação interna- Fernando – Ser ou não ser
moderno: Considerações sobre
elementos em cantaria com superfícies rebo- cional favorável, clarificam-se os valores estéticos a Arquitectura Modernista
Portuguesa. Coimbra: Edições do
cadas. No Palácio do Comércio FIG.186 a 189 o luxo que melhor se identificam com o poder. Há que Departamento de Arquitectura da
FCTUC, 2002, p.104.
é levado ao extremo e o Art Déco, influenciado afirmá-los sem ambiguidades. A arquitectura 2 Citação de ROSA, Edite –
ODAM: valores modernos e a
sobretudo pela expressão que este teve do acompanhará agora o rumo da política delineada confrontação com a realidade
produtiva. Barcelona: Escuela
outro lado do Atlântico, obteve aqui o requinte pelo governo de Salazar.” 3 “Será a própria base do Tecnica Superior de Arquitectura
de Barcelona, 2005, p. 339.
que este estilo requer. Os detalhes de todos regime, adversária do estilo cultural personifica- 3 Citação de FERNANDEZ,
Sérgio – Percurso, Arquitectura
eles, umas vezes de uma forma mais evidente, e do por António Ferro e Duarte Pacheco que inicia Portuguesa 1930/1974. Porto:
FAUP publicações, 1988, p. 27.
noutras, mais dissimulada, inserem-se num Art a contestação das suas acções (…). Clarificando 4 Idem, p. 25.
5 Citação de Nuno Portas in
Déco classicizante e monumentalizado, “com a o equívoco recíproco em que Estado e arquitectos FERNANDEZ, Sérgio – Percurso,
4 Arquitectura Portuguesa
aposição de simbologias figurativas, de inequívoca caíram, (…) o poder vai pedir-lhes: ” “abando- 1930/1974. Porto: FAUP
1 publicações, 1988, p.25.
função representativa” . nem vanguardismos e colaborem na restauração 6 Ver BANDEIRINHA, José António
Oliveira – Quinas Vivas: Memória
Após um acelerado ritmo na construção da cultural que o Estado Novo quer empreender num Descritiva de alguns episódios
significativos do conflito entre
primeira frente de quarteirão do sector norte país onde… as virtudes da raça tinham de ser recor- fazer moderno e fazer nacional na
5 arquitectura portuguesa dos anos
da Rua de Sá da Bandeira, com quatro pedidos dadas”. Nesta sequência, o estado aproveita 40. Porto: FAUP publicações, 1996,
pp. 53-68.
de licenciamento no período compreendido a ocasião das Comemorações Centenárias
entre 1936 e 1939, com o início da segunda da independência, em 1940, para moldar a
guerra verifica-se um hiato, com apenas um imagem da arquitectura oficial, de entre os
pedido de licenciamento durante a segunda quais, os principais eventos foram a Exposição
guerra mundial, o do Gaveto Nordeste da Rua do Mundo Português, em Lisboa, e o Portugal
da Firmeza FIG.94, de Manoel Passos Júnior e de dos Pequenitos em Coimbra, com construções
1943. No final da segunda guerra mundial, “o perenes de escala reduzida e representando
encarecimento dos terrenos à venda, a par do agra- cada uma delas uma arquitectura tipificada
vamento do custo dos materiais e do aparecimento de cada região, baseadas no “mostruário”
6
simultâneo de uma nova burguesia, faz ressurgir o de Raul Lino . Tal como refere José António
investidor privado apostado numa nova forma mais Bandeirinha, “face à ebulição do mundo exterior
2
rentável de habitação urbana”: o edifício de luxo e face às crescentes ameaças de anexação das
de habitação colectiva destinado à alta burgue- colónias, tornava-se urgente a fabricação de uma
sia. Com este novo impulso, é rapidamente que, imagem de estado ocidental moderno, preocupado
durante a segunda metade da década de 40, com o bem-estar das suas populações. Era, porém,
se conclui a construção dos edifícios da Rua de igualmente necessário preservar e conservar,
Sá da Bandeira deste seu novo troço, compre- na medida do possível, o ‘mundo rural tradicio-
endido pelas ruas de Fernandes Tomás e de nal’, como resposta aos anseios do lobby agrário
Guedes de Azevedo. e ruralista no sentido de afastar os ‘demoníacos
malefícios’ sociais da industrialização. A história da
Exposição do Mundo Português e das Comemorações
Centenárias é, também, a história deste compromis-
so. A Exposição ganha, assim, o carácter ambíguo
de grandiosa modernidade, paramentada com os truções. (…) Por outro lado e porque o custo da mão de FIG. 495 Edifício Capitólio na Pra-
ça General Humberto Delgado de
enfeites etnográficos do ruralismo e com os celebra- obra equivale, então, a uma percentagem relativa- Manoel Passos Júnior e Eduardo
Martins, licença nº 702 de 1949
dos aforismos dos seus códigos morais. (…) Cottinelli mente baixa do custo global de qualquer empreendi-
Telmo, arquitecto-chefe da Exposição, coordenou e mento, pode adoptar-se ainda um tipo de expressão
distribui trabalho por um punhado de colegas consa- de claro compromisso com os valores pretensamente
grados, que tinham andado a fazer caixotes raciona- nacionalistas; emprega-se aí todo o receituário de
listas na década que ora findava. O efeito surpresa cantarias profusamente trabalhadas, de beirais
causado por essas primeiras obras já se tinha, porém, mais ou menos complicados, de azulejos com funções
esgotado. (…) Aos anseios de pertencer à vanguardis- mais ou menos decorativas, nichos onde se abrigarão
ta elite do século refulgente, sobrepunham-se, agora, imagens do culto da religião ou das figuras da histó-
7 Citação de BANDEIRINHA,
outras ideias, mais maduras e mais sedentárias, mais ria pátria, ferros forjados de inspiração oitocentista José António Oliveira – Quinas
Vivas: Memória Descritiva de
enquadradas na realidade sócio-cultural do país ou popular e ainda materiais que simulam soluções alguns episódios significativos
do conflito entre fazer moderno
ou, se quisermos, recuperadas por ela. E a realidade construtivas, de há muito postas de parte. (…) Será e fazer nacional na arquitectura
portuguesa dos anos 40. Porto:
sócio-cultural do país não era seguramente propícia nas moradias, nos edifícios de habitação colectiva FAUP publicações, 1996, pp. 21-23.
7 8 Baseado em FERNANDEZ,
à proliferação dos modelos modernos.” de standard mais elevado e em algumas construções Sérgio – Percurso, Arquitectura
Portuguesa 1930/1974. Porto:
Entretanto, no Porto, encomendam-se de carácter público onde, com maior frequência, FAUP publicações, 1988, pp.23-24.
9 Idem, p. 39.
consultadoria e planos urbanísticos a arqui- se opta por este último partido estético; ao contrá- 10 Citação de FERNANDEZ,
Sérgio – Percurso, Arquitectura
tectos Italianos, primeiro, em 1938, a Marcello rio, a linguagem mais depurada reserva-se para Portuguesa 1930/1974. Porto:
FAUP publicações, 1988, pp.37-39.
Piacentini, arquitecto oficial de Mussolini, que construções menos qualificadas. Estas duas opções
foi depois substituído, em 1940, por Giovanni não aparecem sempre com toda a sua clareza; em
8
Muzio . Ainda assim, longe da sede do poder, muito casos existirão repostas de carácter híbrido Déco, quer pela lógica da composição e con-
não se sente tanto, no Porto, como na capital a (…) Um sentido mais evidente da economia de meios tribuem para a coerência do todo. As cantarias
9
pressão do regime . É neste contexto que, pon- a usar nas construções massificadas de especula- empregam-se num jogo de texturas equilibrado
tualmente, se aposta numa nova e “dignifican- ção levará, designadamente em Lisboa, por moda com as superfícies claras dos rebocos, na mar-
te” monumentalidade na arquitectura privada e prestígio, ao uso do ‘estilo nacional’ progressiva- cação de ritmos que, superiormente, diluem os
do prédio de rendimento do Porto, tal como se mente simplificado e empobrecido, com argamassas volumes dos seus alçados laterais, recortando
pode verificar, quer no Edifício EDP FIG.217, quer simulando cantarias, as sacadas desaparecendo e a sua silhueta no céu e pondo em destaque os
no Edifício Emporium FIG.156, e cujo expoente e reduzindo-se a mais uma janela uniformizada onde corpos das circulações verticais, preparando
paradigma é o Palácio do Comércio. FIG.186 A 189 o estore substitui a gelosia; (...) deixará de ser aquilo para a forte e dinâmica expressividade das cur-
A arquitectura que, em consequência se a que se chamava ‘a casa portuguesa’ para passar a vas do seu apertado “cotovelo”. Essa elegância
produz correntemente nos inícios dos anos chamar-se, coerentemente com a desqualificação ou reflecte-se também na espacialidade interior, Identificamos a autoria de Manoel Passos
10
40, no norte e em especial no Porto, segundo a ausência de desenho, ‘português suave’. ” onde diversos acontecimentos, tais como, a Júnior, no Edifício Capitólio FIG.495 na Praça do
Sérgio Fernandez, “oscila, no fundamental, entre No primeiro dos edifícios construído neste relação das escadas comuns com o hall de General Humberto Delgado, em co-autoria
dois tipos de linguagem que se utilizarão de acordo período no nosso campo de estudo, o Gaveto entrada do prédio, a sequência dos espaços com Eduardo Martins que, segundo Luís Aguiar
com o gosto do cliente ou com as suas capacidades Nordeste da Rua da Firmeza FIG.94 a 155 e 328 de distribuição no interior dos apartamentos Branco, também foi co-autor dos edifícios
económicas. Por um lado o formulário de raiz moder- a 336 de Manoel Passos Júnior, a influência do e a sua recortada volumetria para o interior do da Rua de Sá da Bandeira; neste, ligeiramente
nista (…) constitui um tipo de proposta facilmente regime não é evidente e, para além da insis- quarteirão, criam, como vimos, acontecimen- posterior aos da Rua de Sá da Bandeira, com
adaptável às limitações económicas que, por desejo tência no Art Déco (no percurso de um autor tos de elevado valor topológico. projecto de licenciamento datado de 1949,
ou necessidade, pautarão uma larga gama de cons- que, como vimos, aflorou a modernidade, Já no Edifício EDP FIG.217 a 246 e 337 a 350, o abandonam o Art Déco para abraçar uma
quase uma década antes, no edifício do Largo segundo edifício que Manoel Passos Júnior arquitectura ecléctica fachisante. Embora
do Priorado FIG.492, esta resume-se à utilização projecta para a Rua de Sá da Bandeira, é, como se possam reconhecer alguns aspectos em
de cantarias nos seus alçados de rua e ferros vimos, nas suas esquinas que, através de pesa- comum entre o Edifício Capitólio e os da Rua de
forjados. Contudo, estas estão perfeitamente das molduras em cantaria para uns densos Sá da Bandeira projectados por esta dupla de
enquadradas, quer pela elegância do seu Art panos envidraçados, se cria um peso e uma arquitectos, sobretudo na escala e proporções
pretensa monumentalidade portuguesa, dando adoptadas (semelhança que se torna mais
ensejo às pretensões do regime. evidente no desenho da base), a sua monu-
mentalidade e espírito ecléctico apenas se
podem pressentir no desenho dos cunhais
do Edifício EDP. Num alçado que se constrói 11 O tema dos torreões nos
cunhais na Avenida dos Aliados
Para além do Edifício da Companhia de Fiação
na totalidade com cantaria, varandas com foi delineado por Marques da Siva
logo no seu primeiro cunhal na
e Tecidos de Fafe, um edifício bastante repre-
balaustradas dispostas de modo a sugerirem esquina com a Praça da Liberdade,
o Edifício de A Nacional, de sua
sentativo do estilo “português suave” no Porto,
um triângulo apontado ao céu e janelas em arco autoria e de 1919. Baseado em
CARDOSO, António – O Arquitecto
é aquele que Júlio de Brito constrói na Praça
13
românico no remate superior, geram uma monu- José Marques da Silva e a
arquitectura do Norte do País na
Mouzinho de Albuquerque FIG.498 em 1948 ,
mentalidade que, se por um lado, responde aos primeira metade do séc. XX, 2ª ed.
Porto: FAUP publicações, 1997,
com alusões a uma arquitectura portuguesa
anseios do regime, por outro, se enquadra na p. 360.
12 Baseado em FERNANDEZ,
em apontamentos estilizados, presentes no
arquitectura monumental da Praça do General Sérgio – Percurso, Arquitectura
Portuguesa 1930/1974. Porto:
embasamento e nas molduras das janelas em
Humberto Delgado - a praça acontece no rema- FAUP publicações, 1988, p.25. pedra, nas varandas em ferro forjado decora-
te da Avenida dos Aliados, a nova e curta avenida tivo, nas coberturas telhadas, etc.; elementos
que foi rasgada no início do século, de acordo iconográficos de uma arquitectura nacional são
com o plano de Barry Parker de 1915, ligando a embebidos numa arquitectura de matriz clás-
Praça da Liberdade, a sul, com a nova praça, a sica que espelha, com a sua solidez e ordem, a
norte, concebida para receber os novos Paços estabilidade do regime do Estado Novo.
de Concelho, criando todo um eixo monumental No segundo gaveto que Júlio de Brito, já na
concebido para enquadrar o poder civil e funcio- década de 50, constrói na Avenida dos Aliados,
FIG. 496 - 497 Edifício da Compa-
nar como “sala de visitas” da cidade. nhia de Fiação e Tecidos de Fafe, que, tal como no da Rua de Sá da Bandeira,
de 1948 e Edifício Garantia da Av.
Vimos antes, que na Praça da Liberdade, dos Aliados, de 1955, ambos de também pertence à seguradora Garantia,
Júlio de Brito
o Edifícios Ateneia FIG.459 de Júlio de Brito, e o abandonam-se os motivos pseudo-naciona-
Edifício Imperial FIG.460, de Arthur Almeida Júnior, listas e abraça-se um Art Déco de expressão FIG. 498 Edifício na Praça Mou-
também constroem na totalidade os seus alça- classicizante, formalizada numa articulação de Júlio de Brito, que vimos a utilizar as novas zinho de Albuquerque de Júlio de
Brito, de 1948
dos em granito, e se, ainda nos anos 30, o Edifício volumes através de um cilindro, que aqui funcio- tendências com a pouca persuasão que o uso
Ateneia concede a alguns apontamentos ecléc- na como rótula entre os dois planos de fachada. aleatório de vários estilos reflecte e a utilizar,
ticos, já o Edifício Imperial, propõe um elegante Os poucos exemplos até aqui ilustrados da sem grandes reservas, códigos eclécticos no
Art Déco sem conceder a detalhes historicistas. autoria de Júlio de Brito, apresentam imagens Edifício Ateneia, rende-se com facilidade às
São também de Júlio de Brito os dois gave- bastante diversificadas e com poucos pontos novas demandas do regime e passa a utilizar,
tos da Praça General Humberto Delgado com em comum entre elas. Não ilustramos outras sem “pudor”, o repertório pseudo-nacionalista
a Avenida dos Aliados, nos quais podemos ver, obras de maior impacto, como seja o Teatro incentivado pelo Estado Novo em alguns dos
14
sem grande surpresa, que também Júlio de Brito Rivoli, com licenciamento datado de 1928 , ou seus edifícios. Os seus gavetos para a Avenida
adere ao estilo oficial do regime, com uma maior as moradias projectadas no mesmo período, dos Aliados e o Edifício Capitólio são, no entan- 13 Baseado em BRANCO, Luís
Maria Aguiar; MARQUES, Maria
pujança do que em qualquer dos edifícios em que entretanto foram publicadas, as quais to, casos relativamente excepcionais no Porto, Augusta – Porto com Pinta. Porto:
[s.n.], [2005] (impressão: Ponto
estudo. Estes edifícios, o primeiro com proces- confirmam a versatilidade deste autor. Júlio de excepcionalidade que se deve à sua, também Comum).
14 Baseado em MADUREIRA,
so de licenciamento datado de 1948 FIG.496 e o Brito, para além de ser arquitecto, formou-se excepcional, localização no espaço representa- António – Monografia de Júlio de
Brito in Desenho de Arquitectura
segundo já de 1955 FIG.497, respeitam os princípios em engenharia e trabalhou frequentemen- tivo da cidade. – Património da Escola Superior
de Belas Artes do Porto e da
compositivos da Avenida, pontuando os cunhais te em diversas co-autorias, o que explicará, Relativamente a José Porto, podemos Faculdade de Arquitectura da
11 Universidade do Porto. Porto:
com torreões , embora assumam expressões parcialmente, a diversidade estilística da sua observar o retrocesso na sua “tímida” moder- Universidade do Porto, 1987, pp.
50-51.
distintas, eventualmente correspondentes ao obra, exemplificando: com Manoel Marques nidade na própria Rua de Sá da Bandeira, na 15 Baseado em MENDES, Manuel
(coordenador) – (In)formar a
desfasamento temporal entre eles e à evolução (co-autor do edifício da Rua da Conceição) passagem do seu Edifício Geminado projectado modernidade: Arquitecturas
portuenses, 1923-1943:
do seu autor neste período. O primeiro dos dois projecta, em 1927, uma casa na Praça Mouzinho no final da década de 30 FIG.59 e 60 para o Edifício morfologias, movimentos,
15 metamorfoses. Porto: FAUP
gavetos da Avenida dos Aliados, o Edifício da de Albuquerque , um dos mais belos exem- Emporium FIG.156 A 185, feito uma década depois, publicações, 2001, pp. 40-41.
16 Idem, pp. 64-65.
Companhia de Fiação e Tecidos de Fafe, é aquele plares do estilo Art Déco no Porto; com João e onde, apesar de continuar a apostar num certo 17 Idem, pp. 90-91.
que melhor espelha a arquitectura oficial do regi- Simões, em 1937, projecta uma casa na Rua de modernismo que expressa, de novo, através de
16
me, com uma imagem próxima da do conjunto Costa Cabral onde estão ausentes os motivos longas e lineares varandas horizontais, descon-
da Praça do Areeiro em Lisboa, de Cristino da decorativos, numa composição de volumes textualiza elementos da arquitectura tradicional,
Silva e de 1938, símbolo da era salazarista e mar- com uma aparência quase funcionalista; com tais como os cachorros sob os volumes pro-
12 17
co na mudança da linguagem arquitectónica F. Augusto, na Rua da Alegria, em 1939 , um grupo jectados dos corpos das escadas e cria uma
do prédio de rendimento, transformando-se num de casas de habitação de inspiração Vienense. monumentalidade clássica no seu cunhal através
exemplo paradigmático do “português suave”. do torreão. Por tudo isto, o Edifício Emporium é, de
FIG. 499 Câmara Municipal da FIG. 500 Edifício Trabalho e Refor- recendo, desse modo, a coexistência de linguagens e
Beira, Moçambique de José Porto, ma de Maria José Marques da Silva
de 1944-1945 e David Moreira da Silva, de 1949 a separação ordenada dos momentos que compõem
o acto de projectar. Por fim, as influências lá de fora,
os modelos oriundos da Europa, sobretudo daquela
Europa que emanava desígnios de simpatia política,
estavam também eles, pelas suas razões, a conter
e a condenar o racionalismo, encarquilhando-se
progressivamente sobre o próprio umbigo, em louvor
21
aos exacerbados nacionalismos que os moviam.”
A pressão do regime não é formal e não
sabemos até que ponto o retrocesso na
modernidade de estes autores terá sido uma
cedência ao regime ou se se deveu também
a mudanças ocorridas neles próprios. São,
sobretudo, os testemunhos de quem viveu
esta época que atestam o “clima de terror” que
então se vivia; a asfixia ocorre na apreciação
dos projectos, na avaliação das comissões de
estética, quando não sujeitos à sentença do
18 Baseado em BENTO, Paulo 21 Citação de BANDEIRINHA,
próprio Salazar. Contudo, considerando a frágil
todos os edifícios da Rua de Sá da Bandeira, aque- do aquando do falecimento de Maria José Torres – José Porto (1883-1965):
Desvendando o arquitecto
José António Oliveira – Quinas
Vivas: Memória Descritiva de
O processo de retrocesso face à modernidade consistência ideológica do modernismo em
le que melhor representa a solução hibrida entre Marques da Silva e onde tomamos conheci- de Vilar de Mouros. Vilar de
Mouros: Centro de Instrução e
alguns episódios significativos
do conflito entre fazer moderno
que temos vindo a observar nos autores dos Portugal, é com facilidade que uns cedem e,
um modernismo e as pretensões nacionalistas. mento de que o edifício de Sá da Bandeira foi a Recreio Vilarmourense – Junta
de Freguesia de Vilar de Mouros,
e fazer nacional na arquitectura
portuguesa dos anos 40. Porto:
edifícios em estudo da Rua de Sá da Bandeira, outros, aderem à solicitação do regime.
Pelas semelhanças que tem com o Edifício primeira obra de grande envergadura do casal; 2003, p. 35.
19 AA/VV - Architectures à Porto.
FAUP publicações, 1996, pp. 23-24. é relativamente generalizado e foi exemplar- No Edifício Emporium, restos de alguma
Emporium, não resistimos a ilustrar aqui, o aí, surgem algumas, ainda que poucas, referên- Liége: Ed. Pierre Mardaga, 1990.
20 Jornal dos Arquitectos nº 206,
mente descrito por José António Bandeirinha a modernidade convivem com apontamentos
edifício da Câmara Municipal da Beira FIG.499, em cias a outras obras da filha de Marques da Silva Lisboa: OASRS, Maio de 2002 propósito da Exposição do Mundo Português: de uma arquitectura pretensamente nacional.
Moçambique, que José Porto projectou poucos e do seu marido, David Moreira da Silva. “Traição, recuo, retrocesso, reconversão, são pala- Exceptuando o Edifício DKW, que contextuali-
18
anos antes daquele, em 1945 . Neste edifício, David Moreira da Silva foi responsável por vras que têm vindo a caracterizar a mudança de zaremos de seguida, todos os edifícios da Rua
pequenas diferenças como a escala e a delicade- uma série de Planos de Urbanização, mas são rumo das linguagens arquitectónicas, que teve lugar de Sá da Bandeira deste período adoptam o
za dos seus elementos, fazem com que se insira poucas as obras de arquitectura que se mencio- no final dos anos trinta. É de crer, porém, (…) que a Art Déco, no entanto, muda o corpo destas
num delicado Art Déco colonial e que, apesar da nam na sua biografia, consultada na Fundação consistência ideológica e cultural dos pioneiros do arquitecturas, sendo substituída a anterior leve-
sua função, de modo algum partilhe a pretensa Marques da Silva. Uma obra de referência da sua modernismo em Portugal era tão frágil, que o pro- za e delicadeza, sobretudo através da escala
monumentalidade do Edifício Emporium. autoria foi a Sede Cooperativa de Produção dos cesso de substituição dos modelos formais ocorreu conferida pelo desenho da sua imagem pública
Já no Palácio do Comércio FIG.186 a 189 a Operários Pedreiros Portuenses, que projectou de um modo quase natural, não se podendo falar de pública, por uma massa e peso, comparativa-
monumentalidade não se limita a detalhes pon- entre 1934 e 1937, um edifício industrial onde ruptura, mas antes de transformação de processos. mente, esmagadores.
tuais do edifício, tal como no Edifício Emporium utiliza o léxico modernista com mestria. Três ordens de razões subsistem como processo
ou no Edifício EDP, sobretudo com o intento de Um outro prédio de rendimento de autoria justificativo dessa transformação. Em primeiro
dignificar o canto dos respectivos quarteirões, do casal é o Edifício Trabalho e Reforma FIG.500, lugar, a sua formação Beaux-Arts tende a ser posta
mas estende-se à própria escala do edifício, de 1949, e se o Palácio do Comércio é para- em contraste com o autodidactismo mais ou menos
que se destaca da massa construída da cidade digmático de uma nova monumentalidade diletante que lhes fomentou o gosto pelo moderno,
para se assumir como uma referência urbana para a arquitectura privada, o Edifício Trabalho permitindo-lhes, assim, uma maleabilidade de pro-
à escala da cidade, papel até aí reservado para e Reforma representa como nenhum outro, dução difícil de avaliar pelas gerações posteriores,
edifícios de carácter público. aplicado ao prédio de rendimento no Porto, o agarradas que estão à integridade ideológica ou ao
Para além de uma ilustração em estilo importado das ditaduras alemãs e italiana, rigor da coerência crítica. Em segundo lugar, há que
19
“Architectures à Porto” , só encontramos um Art Déco monumentalizado, e adoptado ter em conta o carácter de sistematização analítica
menção ao Palácio do Comércio num pequeno como estilo oficial do regime português desde a do funcionalismo – base teórica preferencial dos
20
artigo do Jornal dos Arquitectos , publica- Exposição do Mundo Português, tornando muito primeiros modelos -, que promovia a desagregação
clara a empatia do casal com o regime fascista. dos elementos de composição metodológica, favo-
O reivindicar
No Edifício DKW FIG.247 a 280 e 351 a 365 vimos a Em 1945, no ano do armistício, com um artigo 1 Ver ROSA, Edite – ODAM: valores
modernos e a confrontação com a
adopção de uma postura moderna, quer na de Fernando Távora, na altura ainda um jovem realidade produ- tiva. Barcelona:
Escuela Tecnica Superior de
interpretação e formalização dos programas, finalista de arquitectura da Escola de Belas- Arquitectura de Barcelona, 2005.
2 Citação de BARBOSA,
quer na imagem adoptada, em profunda sinto- Artes, publicado no semanário Áleo e intitulado Cassiano (compilação) – ODAM
do moderno
– Organização dos Arquitectos
nia com o uso dos novos sistemas construtivos. “O problema da Casa Portuguesa”, inicia-se Modernos: Porto 1947 – 1952.
Porto: Edições Asa, 1972, p. 9.
Os autores do Edifício DKW, Arménio Losa oficialmente o debate renovador: “O texto, escri- 3 Citação de ROSA, Edite –
ODAM: valores modernos e a
(1908-1988) e Cassiano Barbosa (1911-1981), to com alguma dureza, pretende, sobretudo, marcar confrontação com a realidade
produtiva. Barcelona: Escuela
foram dos elementos mais intervenientes e um lugar para a Arquitectura Moderna, (…). Távora Tecnica Superior de Arquitectura
de Barcelona, 2005, p. 12.
1
peças-chave na formação do ODAM - sigla sabe que esse lugar tem de ser conquistado metro a 4 Citação de BANDEIRINHA,
José António Oliveira – Quinas
utilizada com dupla leitura, Organização dos metro, tem consciência plena de quem são os oposi- Vivas: Memória Descritiva de
alguns episódios significativos
Arquitectos Modernos ou Organização em tores e do que eles valem. Da cuidada construção do do conflito entre fazer moderno
e fazer nacional na arquitectura
Defesa de uma Arquitectura Moderna - e, quer seu texto, deduz-se que ele, se por um lado se abre portuguesa dos anos 40. Porto:
FAUP publicações, 1996, pp. 79-80.
por esse motivo, quer pela importância e qua- em convicções puras e em premissas insofismáveis, O texto em causa foi inicialmente
publicado no semanário ALÉO
lidade da sua obra, são os autores de meados por outro põe-se em guarda, deixando transpare- a 10 de Novembro de 1945 e
foi posteriormente ampliado
do século XX do Porto mais citados nas publi- cer que a recensão àquilo que escreve estará longe e reeditado nos Cadernos de
Arquitectura em 1947.
cações de arquitectura, tal como tínhamos já de ser pacífica. Neste sentido, e também porque é 5 Citação de ROSA, Edite –
ODAM: valores modernos e a
enunciado no início do trabalho. perceptível o tom de desagravo em relação à cultura confrontação com a realidade
produtiva. Barcelona: Escuela
Cassiano Barbosa deixou-nos um impor- arquitectónica dominante na época, depois de um Tecnica Superior de Arquitectura
de Barcelona, 2005, pp. 42-43.
tante testemunho ao publicar, em 1972, uma começo em andamento de ensaio, vai adquirindo
4
compilação de escritos produzidos individu- uma toada culminante próxima do manifesto.”
almente pelos membros do grupo, durante o Um ano após o texto de Fernando Távora e
seu período de constituição, intitulada “ODAM um ano antes da formação do ODAM no Porto,
– Organização dos arquitectos modernos surge, em Lisboa, o ICAT (Iniciativas Culturais,
1947-1952” e utilizamos as suas palavras, na Arte e Técnica), “mais ligado à renovação dos con-
nota prévia desta publicação, para expor os ceitos e a uma procura comum entre as várias artes
objectivos da formação do grupo: e era constituído por diversos artistas e arquitectos
“A organização dos Arquitectos Modernos (ODAM) que tinham preocupações menos disciplinares e
tem como objectivo divulgar os princípios em que mais ideológicas e políticas. O grupo ODAM do Porto,
deve assentar a Arquitectura Moderna, procurando apesar de se ter destacado também pela contesta-
afirmar, através da própria obra dos seus componen- ção à pretensão oficial de impor regras de cariz polí-
tes, como deve ser formada a consciência profissio- tico ao exercício profissional, era unicamente consti-
nal e como criar o necessário entendimento entre os tuído por arquitectos ou estudantes de arquitectura,
arquitectos e os demais técnicos e artistas. Assim, estando, portanto, essencialmente empenhado na
5
procura divulgar a Arquitectura Moderna através de renovação da teoria e prática disciplinar.”
2
exposições, conferências, publicações, etc.”
O grupo forma-se em 1947, no Porto, “congre-
gando um total de aproximadamente 36 arquitectos
3
e
muito ligados à Escola de Belas-Artes do Porto”
a data do pedido de licenciamento do Edifício
DKW é coincidente com a data da sua formação,
pelo que a sua modernidade não se deve ao
caminho que efectivamente viria a ser des-
bravado pelo ODAM no sentido de uma maior
aceitação do moderno.
Grande parte dos escritos compilados por É neste ambiente, “marcado pela vinculada conso-
Cassiano Barbosa referem-se às participa- lidação da reacção nacionalista às primeiras obras
7
ções dos elementos do ODAM no I Congresso do Movimento Moderno” e pelo inicio da acção de
Nacional de Arquitectura de 1948, iniciativa reivindicação ao direito de fazer moderno, que
patrocinada pelo Estado mas que, ironicamen- Arménio Losa e Cassiano Barbosa entram com o
te, se constituiu numa excelente oportunidade pedido de licenciamento do Edifício DKW.
para os profissionais da arquitectura contesta- O Edifício DKW implanta-se num lote loca-
rem as políticas vigentes e fazerem a defesa dos lizado num quarteirão em cujo plano também
ideais da arquitectura moderna; as conclusões, terá participado o próprio Arménio Losa: segun-
“aprovadas por algumas centenas – a quase tota- do Manuel Mendes, “de 1939 a 1945, integrou a
lidade – de representantes seus no congresso (…), Comissão de Estética, foi técnico do gabinete de pla-
assim se caracterizavam: neamento urbanístico da cidade. Aqui acompanhou
‘- Que se considere que nem os arquitectos pres- estudos preliminares para o plano geral de urbani-
tam bom serviço à nação quando, ao construírem zação e ocupou-se de planos parciais para proble-
8
edifícios novos, com processos e materiais novos, mas circunscritos da rede urbana fundamental” ,
dão às suas concepções uma expressão plástica que na qual os prolongamentos dos novos arrua-
não traduz os ideais artísticos e as possibilidades mentos rompem quarteirões pré-existentes
técnicas dos nossos dias, nem a nação aproveita sem questionar a forma tradicional de construir
inteiramente a colaboração que os arquitectos cidade, desenhando ruas e praças onde a
podem dar ao progresso do País se lhes for cerceada nova construção colmata os quarteirões, em 6 Citação de BARBOSA, FIG. 501 - 502 Bloco Carvalhosa
rua de intensa circulação, foi propositadamente
a capacidade criadora.’ continuidade de alinhamentos e cérceas com Cassiano (compilação) – ODAM
– Organização dos Arquitectos
que vai transitando do moderno estruturalismo de Arménio Losa e Cassiano
Barbosa, de 1946
implantado com um recuo em relação ao alinhamen-
‘- Que o portuguesismo da obra de arquitectura o edificado pré-existente. No desenho do troço Modernos: Porto 1947 – 1952. internacional, no da Rua de Sá da Bandeira, 12
Porto: Edições Asa, 1972, p.120. to estabelecido oficialmente.” Grande parte dos 10 Citação de ROSA, Edite –
não continue a impor-se através da imitação de ele- da Rua de Sá da Bandeira compreendido entre 7 Citação de BANDEIRINHA, desenhado com o pórtico estrutural de betão ODAM: valores modernos e a
José António Oliveira – Quinas textos escritos a propósito deste edifício defen- confrontação com a realidade
mentos do passado, pois a época que atravessamos as ruas de Fernandes Tomás e de Guedes de Vivas: Memória Descritiva de armado e a intercepção do seu corpo saliente, produtiva. Barcelona: Escuela
alguns episódios significativos dem que este recuo relativamente ao alinha- Tecnica Superior de Arquitectura
deve ficar caracterizada em relação às outras com Azevedo, confere-se um carácter público ao do conflito entre fazer moderno para uma imagem com dispositivos arquitectó- 13
de Barcelona, 2005, p.72.
e fazer nacional na arquitectura mento das construções pré-existentes ocorre 11 O pedido de licenciamento deu
a diferenciação que entre elas existe. Torna-se, pois, interior do quarteirão onde se insere o Edifício portuguesa dos anos 40. Porto: nicos tradicionais, de vãos que se rompem na entrada na Câmara Municipal do
FAUP publicações, 1996, p. 79. para o desligar das construções envolventes, Porto em Dezembro de 1945.
necessário os conceitos de tradição e regionalismo, DKW, situação relativamente excepcional até 8 Citação de MENDES, Manuel in parede, construindo a transição para o prédio 12 Citação de Prédio de habitação
BECKER, Anette; TOSTÕES, Ana; conferindo-lhe o valor de objecto autónomo, na na rua da Boavista, Porto in
fomentando a aplicação de novas técnicas e aca- à data na cidade do Porto. Apesar de o seu WANG, Wilfried - Arquitectura do vizinho, um exemplo paradigmático do estilo Arquitectura, Lisboa, 2ª série, nº
século XX - Portugal. Deutches linha da maioria das realizações do Movimento 47, Junho 1953, pp. 4-6.
rinhando novos ideais estéticos para que a obra de interior ser pontualmente acessível, e de se Architecktur Museum Frankfurt “português suave”. Citando Edite Figueiredo 14
13 Edifício confrontado a este e
am Main; CCB: Druck-und Moderno. De facto, a própria construção do oeste com uma casa em andares
contemporânea possa ser coerente e atingir aquele lhe prever uma utilização comum, encerra-se Verlagshaus Zarbock, 1997, p.206. Rosa: “Estes alçados apesar de regrados por uma (António Brito, 1939) e um edifício
9 O edifício de gaveto das ruas de alçado, com o corpo maciço central ladeado em andares (José Peneda, 1949)
grau de perfeição e beleza que alcançaram as dos perifericamente na totalidade com construção Guedes de Azevedo e do Bolhão estruturação única entre si, denunciam a falta de referido por MENDES, Manuel -
entrou na Câmara Municipal do por planos envidraçados em sombra, parece Edifício de habitação plurifamiliar,
mais puros estilos do passado.’ e não questiona o quarteirão enquanto unidade Porto com o nº 218/1945, com autonomia formal relativamente ao contexto urbano bloco da Carvalhosa in BECKER,
termo de responsabilidade do querer reforçar a intenção de soltar o edifício Anette; TOSTÕES, Ana; WANG,
‘- Que os arquitectos portugueses repudiem toda repetível na construção do tecido urbano. Eng. Francisco Jacinto Sarmento envolvente, materializando-se como parcela de uma Wilfried - Arquitectura do
Correia de Araújo e com desenhos 10 das construções vizinhas. No entanto, regra século XX - Portugal. Deutches
e qualquer insinuação de que a sua obra, quando O Edifício DKW encaixa-se entre dois de arquitectura assinados por representatividade cívica existente.” Architecktur Museum Frankfurt
Rogério de Azevedo, numa versão geral, os seus autores respeitam alinhamentos am Main; CCB: Druck-und
se exprima de maneira diferente da considerada edifícios cujos licenciamentos lhe são ligeira- bastante similar à construída, Arménio Losa e Cassiano Barbosa têm Verlagshaus Zarbock, 1997, p. 202.
embora tenha sido alvo de e cérceas e projectam em continuidade com 14 Ver FERNANDEZ, Sérgio
como portuguesa, representa alheamento da sua mente anteriores: na Rua de Sá da Bandeira, aditamentos com desenhos uma extensa obra construída na cidade do – Percurso, Arquitectura
de arquitectura assinados por as pré-existências. Joana Rosas e Luzia Gama Portuguesa 1930/1974. Porto:
personalidade profissional e, o que é pior ainda, da o Edifício EDP de Manuel Passos Júnior e, na outros arquitectos, um deles com Porto, sendo vários os seus prédios de rendi- FAUP publicações, 1988, pp.52-53.
6 a assinatura de Júlio de Brito e assinalam o facto de o Bloco de habitação da 15 Citação de GAMA, Luzia;
sua nacionalidade.’” Rua de Guedes de Azevedo, um edifício com outro assinado por Manuel Paulo mento identificados na bibliografia, de entre ROSAS, Joana - O escritório da
Magalhães. Carvalhosa ser “um dos projectos cuja imagem dupla Arménio Losa / Cassiano
projecto inicial de Rogério de Azevedo, ambos os quais apenas nos debruçaremos sobre Barbosa. Porto: FAUP, 1990-1992,
constitui um caso isolado em todo o percurso. p.13.
com pedidos de licenciamento datados de alguns. De todos, o mais conhecido é o Bloco
9 11 Os autores não tinham até então ensaiado
1945 . Para os alçados dos blocos do Edifício da Carvalhosa FIG.501, projectado e construído
nenhum alçado que pudesse corresponder a
DKW FIG.247, os seus autores criam uma imagem contemporaneamente ao Edifício DKW e para o
esta concretização e nunca mais reutilizarão
mesmo cliente: “o edifício é um prédio de habita- 15
as soluções aqui traçadas.”
ção – aos andares, esquerdo-direito. Situado numa
Ainda que, tal como no Bloco da Carvalhosa, bloco com outras condições de grandiosidade que Embora o Movimento Moderno pretenda Nos apartamentos maiores do Edifício da Rua
o Edifício da Rua da Constituição FIG.503, de não será fácil obter com projectos individualizados erradicar a simetria, a composição geral dos da Constituição FIG.504, de organização funcional
16 17
1949 , demarque e sublinhe a separação do ou simplesmente repetidos” Na base do edifício, alçados, quer do Bloco da Carvalhosa, quer do e racional, o corredor longitudinal é tangencial
seu corpo central com os alçados adjacentes aparecem visíveis os “pilotis” integrados numa Edifício da Rua da Constituição, faz uso desta, à sala comum e apenas se separam os dois
através de planos translúcidos, que neste caso base aligeirada, em oposição ao clássico emba- enquanto reflexo da organização interna dos espaços através de uma marcação da estrutura.
correspondem às circulações verticais comuns, samento maciço, solução que, como refere edifícios e denunciando a formação clássica dos Usam, por vezes, a assimetria, tal como o fizeram
16 Baseado em FERNANDEZ,
a verdade é que encaixa entre as construções Sérgio Fernandez, se transforma em protótipo Sérgio – Percurso, Arquitectura seus autores. Não é, no entanto, uma simetria no edifício de escritórios da Rua dos Bragas FIG.505,
Portuguesa 1930/1974. Porto: 19
vizinhas, eventualmente posteriores, sem pôr na cidade do Porto: “os ‘pilotis’, aqui reduzidos ape- FAUP publicações, 1988, p.78. estática: as linhas horizontais da cobertura e de 1947 , onde janelas horizontais corridas se
17 Excerto da memória descritiva
em causa alinhamentos ou reclamar autono- nas à sua imagem por não corresponderem a espaço do projecto citada por GAMA, das varandas conferem dinâmica ao alçado do contrapõem a vãos quadrados, que pontuam
Luzia; ROSAS, Joana - O escritório
mia. Os acessos verticais da entrada central aberto, fazem a sua aparição meramente formal, da dupla Arménio Losa / Cassiano primeiro e, no segundo, obtém-se o mesmo a marcação descentrada da entrada no alçado,
Barbosa. Porto: FAUP, 1990-1992,
não se denunciam no plano do alçado, refor- facto que se repetirá em muitos dos edifícios das p. 6. efeito através da perspectiva sobre o longo e fazendo-nos pressupor uma planta assimétrica.
18 18 Citação de FERNANDEZ,
çando a unidade do alçado. Podemos ler na sua nossas cidades.” Num alçado orientado a norte, Sérgio – Percurso, Arquitectura horizontal plano do alçado elevado do solo.
Portuguesa 1930/1974. Porto:
Memória Descritiva que “este edifício destina-se a tal como nos do Edifício DKW e do Bloco da FAUP publicações, 1988, p. 78.
três proprietários diferentes (que se associam) cada Carvalhosa com a mesma orientação, os vãos
um dos quais possue uma parcela de terreno com a do Edifício da Rua da Constituição abrem-se no
mesma extensão de frente. Associados para a exe- plano, emoldurados por uma moldura saliente.
cução das obras mandaram elaborar um projecto de
conjunto que, por isso, oferece o aspecto de um único
Retomando o tema do recuo do Bloco da O reclamar de um ordenado planeamento foi No entanto, apesar do desejo de mudança, a Para além destas intenções, o desalinhamento
Carvalhosa relativamente ao alinhamento das uma das tónicas dominantes do I Congresso obra realizada, quer em áreas consolidadas, relativamente às construções vizinhas explicar-
construções pré-existentes, vejamos os escritos Nacional de Arquitectura, tema a que Arménio quer em áreas de crescimento, tal como o -se-á, mais provavelmente, por uma engenho-
dos seus autores para tentar escrutinar qual o Losa dedicou uma das suas intervenções, sob assinalam Luzia Gama e Joana Rosas, paten- sa estratégia de resposta às solicitações do
seu posicionamento perante a relação da arqui- o título “Arquitectura e Urbanismo”, na qual cri- teia uma sensata atitude concertadora, não cliente: conseguem-se elevadíssimos índices
tectura com a cidade, para esclarecer se, de tica a “rua-corredor” e o povoamento disperso assumindo posições de ruptura: “os edifícios pro- de ocupação do solo, quer na mancha de
facto, este se deve ao desejo de reclamar auto- característico da região norte de Portugal, pro- jectados dão resposta ao desenvolvimento da cidade implantação, quer em altura. Aliás, na corres-
nomia para o edifício em conformidade com os pondo como solução alternativa a construção com uma atitude conciliadora, que os relaciona com pondência que os seus autores mantinham
postulados do Movimento Moderno. Num artigo em altura e uma nova forma de planear, que o passado identificando-os também com as novas com o cliente podemos ler, em dada altura, a
sobre a cidade do Porto, publicado no Jornal do pelas suas menções, se depreende a referência 20 Citação de LOSA, Arménio - A
construções. (…) Tanto na ocupação do lote e volu- seguinte argumentação: “Conseguir a construção 22 Citação de GAMA, Luzia;
Comércio, Arménio Losa reclama um ordenado ao urbanismo proposto nos CIAM: “As quatro Arquitectura e a cidade in O
Comércio do Porto, 26 de Janeiro
metria, como na imagem facilitam a continuidade de seis pavimentos habitáveis como era seu intento e ROSAS, Joana - O escritório da
dupla Arménio Losa / Cassiano
planeamento na construção de uma cidade funções do Urbanismo são teoria, ainda não aceite de 1954.
21 Citação de LOSA, Arménio
com os prédios vizinhos, o que os integra na envol- desejo, onde só era admitida a construção de quatro, Barbosa. Porto: FAUP, 1990-1992,
p.9.
22 24
ordenada e harmoniosa, numa relação com- oficialmente em Portugal. A rua – corredor continua - Arquitectura e Urbanismo in
BARBOSA, Cassiano (compilação)
vente próxima, conferindo unidade ao conjunto.” valorizando assim o terreno adquirido.” 23 Citação de Prédio de habitação
na rua da Boavista, Porto in
plementar entre a arquitectura e planeamento a servir de guia aos novos traçados. (…) As densi- – ODAM – Organização dos
Arquitectos Modernos: Porto
Com o recuo na implantação do Bloco O desejo de beneficiar o seu cliente fez com Arquitectura, Lisboa, 2ª série, nº
47, Junho 1953, pp. 4-6.
urbano e postula uma arquitectura integrada dades altas, as circulações mecânicas, as relações 1947–1952. Porto: Edições Asa,
1972, p.61-62.
da Carvalhosa, segundo os próprios autores, que procurassem e adoptassem uma muito invul- 24 Notas tomadas após a carta
de José A. Guimarães de 10 XI 48
com a construção envolvente: “É pois chegada mais convenientes entre a habitação e o trabalho, procurou-se, “forçando um pouco as regras fixa- gar solução no percurso de acesso ao edifício, citadas por GAMA, Luzia; ROSAS,
Joana - O escritório da dupla
a hora, que de há muito vem tardando, de dar de o desporto acessível à população são assuntos ofi- das para todas as ruas já mais ou menos edificadas, feita de tal modo que não chega a pôr em causa Arménio Losa / Cassiano Barbosa.
Porto: FAUP, 1990-1992, p.15.
novo à cidade o direito de uma legitima vontade: o cialmente ignorados entre nós. (…) Nas grandes cida- corresponder ao princípio lógico de que a habitação a leitura da rua e a unidade urbana – o jardim, 25 “a obrigatoriedade de
‘decorar as empenas! Esta
de se ver crescer com ordem, com harmonia, com des existem, há muito e cada dia mais agravados, deve ser tanto quanto possível isolada das artérias enquanto espaço de transição, embora não inflexível postura dava lugar a
confrangedoras composições
um pouco mais de beleza. (...) Do mesmo modo que sérios problemas que não poderão ser resolvidos com de circulação mecânica. Este recuo, embora peque- murado, assegura as continuidades urbanas e a cenográficas que alguns prédios
ostentam como testemunho
o urbanismo que despreze a arquitectura não pode os velhos métodos de urbanismo. Para o mais grave, no, permitiu realizar algumas vantagens de que o empena que daqui resulta “despida” é colmatada dos critérios perfilhados pelos
responsáveis da estética
ser perfeito, também a arquitectura para realizar-se o do alojamento dos habitantes, poderia encontrar- prédio beneficia: uma moldura de verde, isolamento trabalhando aspectos decorativos, embora ape- citadina da época a que se faz
referência” in nota 5 in BARBOSA,
25
integralmente, não pode desligar-se do planeamen- -se satisfatória solução se se adoptasse a construção dos ruídos mais incómodos e da trepidação causada nas para cumprir com disposições camarárias. Cassiano (compilação) – ODAM
– Organização dos Arquitectos
to urbano. A arquitectura, ordenadora do espaço, de grande altura que o actual adianto da técnica pelos veículos pesados, maior distância dos prédios Modernos: Porto 1947 – 1952.
Porto: Edições Asa, 1972, p. 15.
prolonga-se sempre para fora de si mesma e é tanto permite realizar. A construção em altura permitiria e, também uma maior altura sem prejuízo para ter-
mais completa quanto mais se harmoniza com o de resto solucionar muitos outros problemas que ceiros. O programa estabelecia um determinado tipo
que a rodeia, a natureza, as construções vizinhas, o afligem as nossas cidades: circulação, segurança, de habitação de renda necessariamente elevada e o
23
espaço exterior. Sozinha, isolada, independente de economia, rendimento dos trabalhos, etc. Estas solu- máximo aproveitamento do terreno.”
20
pouco vale (...)” ções arquitectónicas, inteiramente do nosso tempo, e
impossíveis antes do advento da civilização maqui-
nista, exigem que a estrutura urbana das cidades seja
21
também deste tempo, do tempo em que vivemos.”
É muito interessante o comportamento do edi- introdução de um ‘saguão’ central e duas reentrân- determinada criteriosamente: a zona de serviço é adopção de uma fenestração reduzida, praticada no
fício no seu corte vertical perpendicular ao eixo cias laterais (relativamente ao limite do lote) é possí- estabelecida no lado norte apesar de ser o da frente paramento central da fachada, elemento de grande
da rua FIG.506, onde podemos aferir que o recuo vel desenvolver o fogo em profundidade conseguindo principal; os quartos de dormir são voltados para força a ligar a construção ao terreno. (…) Um vasto
relativamente ao alinhamento das construções uma efectiva hierarquização funcional, sem registar nascente, poente e sul; a zona de convívio, composta saguão FIG.508 permite a iluminação e ventilação dos
28
adjacentes permitiu o aumento da cércea e perdas na iluminação e arejamento do interior.” por dois grandes compartimentos apenas separa- compartimentos secundários da zona íntima, sem que
o desenho de um espaço verde de transição O volume gerado assemelha-se aos dos dos por cortinas, é iluminada simultaneamente pelo haja devassamento entre habitações. Em cada fogo
que, com o favorável desnível do terreno, ainda módulos do edifício estudado do Gaveto norte e sul, beneficiando assim de algumas horas um solário FIG.509 limitará esse saguão, proporcionan-
29
facultou a criação de um piso de habitação sob Noroeste da Rua Firmeza FIG.322, anterior a este e diárias de sol.” do uma zona suplementar de estar ou trabalhar, des-
26
o nível da entrada. Uma escadaria exterior de autoria de Manuel Passos Júnior, e, tal como Graças à estratégica localização dos dois de a qual se controlará o espaço destinado ao recreio
conduz até a entrada, já no segundo piso, “mar- aí, o saguão utiliza-se apenas para iluminar as espaços que constituem a sala, abertos entre das crianças, ao nível do terreno, junto das garagens.
cada pela existência de um grande vão que permite a casas de banho e as circulações comuns, quer si, na “alheta” do volume, onde este é menos (…) Os fogos respeitam um esquema de zonamento
leitura do átrio; naquele se insere um pórtico revesti- do prédio, quer do apartamento, embora, neste profundo, a luz do dia atravessa este espaço, racionalmente estudado em função dos hábitos da
27 30
do com pedra, a emoldurar a porta principal.” caso, com uma resolução da planta bem mais através das aberturas opostas uma à outra, média burguesia a quem o edifício se destina.”
A implantação também beneficia o seu engenhosa do que no anterior. Na sua descrição gerando assim uma transparência entre os
cliente avançando, em profundidade FIG.507, dos autores, “cada habitação é dividida em três amplos vãos envidraçados orientados a norte e
relativamente ao alinhamento posterior das sectores ou zonas completamente independentes: de a sul. Assumem-se as áreas de serviço orien-
construções vizinhas, com um corpo central serviço, de reunião e de repouso FIG.507. A orientação tadas para a rua, embora, tal como no Edifício
na zona posterior do lote: “Aqui, através da de cada zona e dos respectivos compartimentos foi DKW, “cuidando de lhes diminuir a presença, pela
Neste texto, para além da interessante alegação Vimos que, relativamente à relação da arqui-
na defesa de um espaço exterior na habitação, tectura com a cidade, Arménio Losa e Cassiano
os autores fazem a distinção entre “pátio” e Barbosa adoptam soluções de continuidade.
“saguão”, condenando este último e conside- Nos seus textos, podemos ver que a reserva
ram que o espaço exterior no centro do Bloco que demonstram para com a aplicação da
da Carvalhosa, se distingue de um “saguão” e arquitectura moderna no Porto deve-se, em
se poderá designar de “pátio”. O “saguão” do grande parte, ao atraso do país relativamente às
Bloco da Carvalhosa encontra-se muito bem civilizações industrializadas da Europa Central,
resolvido através da relação que estabelece cuja evolução tecnológica esteve na origem
com o interior do quarteirão, apenas filtrada das preocupações e propostas do Movimento
31 Citação de LOSA, Arménio in
‘Devem ser consideradas as seguintes circunstân- por estes “jardins de inverno”, e francamente Moderno e onde este floresceu, mas que não GAMA, Luzia; ROSAS, Joana - O
escritório da dupla Arménio Losa
cias antes de eliminar os terraços: aberto ao nível do solo para o pátio de acesso chegou a Portugal; as intervenções de Arménio / Cassiano Barbosa. Porto: FAUP,
1990-1992, pp.14-15.
As pias existentes nos quartos de banho das criadas às garagens, resolvendo, com estas medidas, os Losa no congresso insistem bastante na neces- 32 Citação de LOSA, Arménio
– Indústria e construção in
foram projectadas para lavar pequenas peças problemas de insalubridade que habitualmente sidade de actualização, sobretudo na dimensão BARBOSA, Cassiano (compilação)
– ODAM – Organização dos
de roupa: lenços, meias, etc. Estava prevista uma se associam a estes espaços e que estarão na que incide sobre o binómio arquitectura e cons- Arquitectos Modernos: Porto
1947 – 1952. Porto: Edições Asa,
lavanderia eléctrica que resolvia o problema da origem da veemente crítica que, nesta alega- trução, e fazendo inclusive a defesa da Máquina 1972, pp. 71-73.
restante roupa. Suprimida a lavanderia surge o pro- ção, Arménio Losa e Cassiano Barbosa lhes e respectiva estética como solução para a
blema da lavagem e principalmente da secagem da fazem. No entanto, e curiosamente, em simul- carência que existe de habitação condigna: “A
roupa. Só existe um local para a secagem da roupa. É tâneo com esta crítica, os mesmos arquitec- Arquitectura depende hoje, mais do que nunca, da
A arquitectura moderna depende da estandar- “Paralelamente à intervenção do técnico, do econo- 33 Citação de LOSA, Arménio – A
arquitectura e as novas fábricas in
dização e do uso de novas tecnologias, ainda mista, do político, reclama-se a intervenção do arqui- BARBOSA, Cassiano (compilação)
– ODAM – Organização dos
não disponíveis, e propõe a industrialização da tecto: arquitecto construtor, arquitecto urbanista. Arquitectos Modernos: Porto
1947 – 1952. Porto: Edições Asa,
construção e a evolução tecnológica com um O campo de acção do futuro é vasto, quase virgem. 1972, pp. 63-70.
34 Citação de ROSA, Edite –
fim social; estas são as premissas que con- Dá lugar a todas as actividades imagináveis. Todas ODAM: valores modernos e a
confrontação com a realidade
ferem à arquitectura uma dimensão que até elas poderão ter lado a lado, sem acotovelamentos, produtiva. Barcelona: Escuela
Tecnica Superior de Arquitectura
então não lhe era atribuída, no reconhecimento o seu próprio lugar e o seu papel a desempenhar. A de Barcelona, 2005, p. 345.
35 Citação de MENDES, Manuel -
de que a sociedade está em transformação e complexidade crescente das diversas actividades Edifício de habitação plurifamiliar,
bloco da Carvalhosa in BECKER,
de que a arquitectura tem o dever de desem- – de cada matéria, de cada técnica – cria a especiali- Anette; TOSTÕES, Ana; WANG,
Wilfried - Arquitectura do
penhar um papel activo nessa transformação. zação e anula o amadorismo. O técnico, conhecedor século XX - Portugal. Deutches
Architecktur Museum Frankfurt
Forma-se uma nova consciência, o arquitecto já profundo da sua especialidade não pode abranger am Main; CCB: Druck-und
Verlagshaus Zarbock, 1997, p. 202.
não é apenas um “artista”, porque as novas soli- com a mesma profundeza todas as técnicas, e não
citações implicam interdisciplinaridade e uma pode ser sobretudo, ao mesmo tempo e completa-
resposta fundamentada e se, por um lado, este mente, homem de ciência e artista. Não pode executar
terá de se especializar, por outro, intervém em sozinho obra perfeita. (…) Ao arquitecto moderno
todos os sectores da vida, pelo que terá de ter impõem-se contudo novos deveres para com a socie-
um conhecimento actual e global do “Homem” dade a cujo serviço ficará mais intimamente ligado.
e da sociedade em que este se move; com a Não poderá, como no passado, limitar-se a servir a
ciência e o rigor introduzidos no exercício da um reduzido número de grandes senhores; nem se
disciplina, esta adquirirá credibilidade e passará resignaria a glorificar os deuses ou os príncipes. A sua
FIG. 510 Localização e perspectiva
a ser requerida, por se revelar necessária para nova missão, mais importante e fecunda, é servir toda do projecto para a Rua de Sá da
Bandeira de Viana de Lima de 1943
Já Viana De Lima (1913-90), um dos membros explanação da utopia na defesa de um Centro
a obtenção de eficiência e qualidade de vida: a população, todos os indivíduos. (…) Sem o conhe- do ODAM, assume, quer nas suas intervenções Habitacional, baseado na “Unité d´Habitation” e
cimento do homem e da máquina, o arquitecto não no congresso, quer na sua obra, um tom na na “Cité Radieuse” de Le Corbusier.
poderá intervir eficazmente; a sua colaboração será defesa do moderno, bem mais radical que o Na obra de Alfredo Viana de Lima é bastante
de reduzido benefício e a sua obra, obra de fachada. de Arménio Losa e Cassiano Barbosa. Na sua notória a sua admiração por Le Corbusier e, por
(…) O ensino nas escolas de arquitectura terá de ser intervenção sob o tema “O Problema Português esta época, apesar de já ter obra construída,
33
revisto em função dos novos deveres do arquitecto.” da Habitação”, a defesa do bloco como solução nomeadamente a, entretanto lamentavelmente
Na arquitectura de Arménio Losa e Cassiano para os problemas de habitação adquire um demolida, moradia da Rua de Honório de Lima,
Barbosa coexistem pacificamente as ideias do tom já quase panfletário, vislumbrando enormes de 1939 (“construída em 1943 e demolida em 1971
Movimento Moderno com uma formação clássica, 36 Citação de LIMA, Viana possibilidades num mundo sistematizado e (…), um dos poucos exemplares válidos de arquitec-
de – O problema Português 38
articulada com o seu conhecimento do moder- da habitação in BARBOSA, racionalmente organizado onde, naturalmente, o tura inspirada em Le Corbusier, na década de 40” ),
Cassiano (compilação) – ODAM
nismo, “devendo muito às obras modernas italianas – Organização dos Arquitectos urbanismo e a arquitectura desempenharão um ainda não tinha tido oportunidade de pôr em
Modernos: Porto 1947 – 1952.
quer na sua carga expressiva quer pelo nível de Porto: Edições Asa, 1972, pp.25- papel fundamental na sua edificação: “O espírito prática estes ideais na construção de um edifí-
27.
preocupações remete numa leitura apenas formal 37 Citação de BANDEIRINHA, colectivista e cooperativista deverá ser adoptado cio com programa de habitação plurifamiliar.
José António Oliveira – Quinas
para o desenho da casa na “Via Messina” em Roma Vivas: Memória Descritiva de na construção dos novos Bairros, para que todos Ainda que o seu projecto tenha sido prete-
34 alguns episódios significativos
do arquitecto Alberto Libera.”Partilham os ideais do conflito entre fazer moderno possam desta maneira usufruir as vantagens de rido a favor do de Maria José Marques da Silva
e fazer nacional na arquitectura
do modernismo, a que aderem sem os transfor- portuguesa dos anos 40. Porto: perfeito um equipamento moderno. A organização e David Moreira da Silva FIG.186 a 216 e 366 a 392, em
FAUP publicações, 1996, p.130. 39
marem num “credo”, fazendo com que adquiram, 38 Citação de BARBOSA, destes serviços livraria a mulher de uma pesada 1943 elaborou o projecto de um edifício para
Cassiano in BARBOSA, Cassiano
na sua obra, contornos específicos adaptados à (compilação) – ODAM – parte dos serviços domésticos, e, sendo postos à o quarteirão do Palácio do Comércio FIG.510 a
Organização dos Arquitectos
realidade em que intervêm; “outra concepção de Modernos: Porto 1947 – 1952. disposição das famílias, criariam uma raça sólida, 513 . Apesar de, nesta investigação, termos tido
Porto: Edições Asa, 1972, p.172. 36
arquitectura que abraça o ‘moderno’ contamina- 39 Baseado em ROSA, Edite – bela e sã.“ O inflamado discurso de Viana de como critério ilustrar apenas obras construídas
35 ODAM: valores modernos e a
do em caldo local.” Nos seus escritos torna-se confrontação com a realidade Lima, “de onde ressalta uma toada utópica eivada justifica-se que se analise aqui, excepcional-
produtiva. Barcelona: Escuela 37
evidente que não absorvem apenas os valores Tecnica Superior de Arquitectura de uma ingenuidade quase romântica” , prosse- mente, o projecto de Viana de Lima pelo facto
de Barcelona, 2005, p. 241.
epidérmicos da arquitectura do Movimento gue defendendo a habitação de baixo custo e de este, tendo o mesmo programa e sendo-lhe
Moderno, mas também aqueles que são os seus acessível para todos, inclusive dando soluções ligeiramente anterior, se destinar ao mesmo lote
fundamentos teóricos. de pagamento de casa própria, a longo prazo, de uma das obras em estudo.
para os mais desfavorecidos. O tom panfletário
permanece, até começar uma entusiástica
Na monografia dedicada a Viana de Lima, Pedro do quarteirão para o acesso aos grandes halls das
Vieira de Almeida descreve-o como sendo habitações. A ausência de depuração (do supérfluo)
“composto na sua última versão por dois blocos num compromisso linguístico entre uma pesada
quase paralelos, servido por um sistema de acessos materialidade art decó e uma modernidade doce
42
longitudinais em galeria, por sua vez apoiados em continuada na leitura do fecho do quarteirão.”
duas colunas de escadas que se dispõem frontei- Somos surpreendidos pelo desenho do seu
ras uma da outra, a meio dos lados mais pequenos topo sul FIG.510, onde se insinua uma monumen-
do quadrilátero imperfeito, que o todo constitui. talidade que contradiz a leveza do todo; mes-
As galerias abrem-se junto às escadas em amplas mo no desenho de um tão moderno arquitecto,
zonas de sociabilidade abertas à cidade. FIG.512 (...) é detectável o desejo de gerar imponência, o
Suponho que o maior interesse deste projecto que nos faz pensar que este se trataria de um
reside precisamente em que pela primeira vez os dos requisitos para este projecto (expresso de
fogos colectivos se articulam de maneira a tirar par- forma explícita ou não). Os alçados dos seus
tido expressivo da sobreposição de pisos FIG.511 . Este blocos FIG.511 são construídos através de uma
tirar partido expressivo – expressivo ao nível das grelha de betão, preenchida por panos envidra-
vivências – encontra-se perfeitamente documenta- çados e por varandas, reflectindo a modulação
do nos cortes transversais, quer no corte de conjunto interna do conjunto e propondo uma generosa
desenhado rigorosamente quer, ou talvez ainda mais abertura ao exterior.
explícito, nos esbocetos do fogo FIG.513 . Podemos A lógica de repetição modular FIG.512, no
também nestes entender melhor em planta o espaço projecto de Viana de Lima, legitimaria os topos FIG. 511 Planta do piso térreo e
do terraço no conjunto dos fogos, ao permitir o per- cegos dos blocos para a pequena praça que o alçado do projecto para a Rua de
Sá da Bandeira de Viana de Lima
curso circular envolvendo a sala de estar e o espaço edifício gera, em qualquer das versões da sua
frente às escadas FIG.512, percurso circular que foi implantação, tal como aliás sucede no projecto
depois activamente procurado resolver em progra- dos Edifícios-Villas de Le Corbusier, retirando
mas de habitação social. Por sua vez a varanda que importância a este alçado relativamente às
no piso superior do fogo se debruça sobre o terraço restantes frentes do edifício; no entanto, Viana
em baixo, prolonga o mesmo espaço no andar res- de Lima, contrariando a lógica modular do
pectivo, de uma maneira talvez rígida, mas mesmo projecto, gira os fogos criando uma frente para a
40
assim ao tempo inovadora.” praça, um gesto que, aliado à sua simétrica axia-
O projecto de Viana de Lima assume a lidade e à estatuária introduzida, engendra uma
desconstrução do quarteirão em dois blocos, inesperada monumentalidade, reforçada ainda
com uma imagem claramente referenciada mais pela bandeira posicionada ao centro, em
ao projecto dos Edifícios-Villas, de 1922, de sentido ascensional, remetendo a aparência
41
Le Corbusier . No entanto, citando Edite deste edifício civil para a de um edifício público.
Figueiredo Rosa, “relativamente ao modelo Com este gesto, curiosamente, é a solução de
corbusiano, este projecto contamina-se nos seus Viana de Lima aquela que maior destaque con-
arquétipos historicistas, e na impossibilidade de fere ao edifício na pequena praça; na solução
subverter ou executar os dispositivos formais das vencedora, a imponência é-lhe conferida pela
inspirações espaciais implicitamente propostas. sua escala e pelo tratamento dado aos seus
A ausência de abertura do interior do quarteirão alçados: o elemento posto em evidência é o 40 Citação de ALMEIDA, Pedro
Vieira de in AA/VV – Viana de Lima,
à cidade com programas que incentivem o uso cunhal da Rua de Sá da Bandeira, estando os arquitecto 1913-1991 (Catálogo
de Exposição). Lisboa: Fundação
comunitário de lazer e cultura do imóvel Corbusiano elementos escultóricos quase imperceptíveis Calouste Gulbenkian, 1996, p.75
41 Baseado em BOESIGER, Willy –
é aqui preterido por uma visão urbana convencional e apenas à espreita, do alto do seu alçado volta- Le Corbusier. Barcelona: Gustavo
Gili, 1985, pp.16-17.
de abertura do espaço comercial para a rua FIG.511 , do para esta rua. 42 Citação de ROSA, Edite –
ODAM: valores modernos e a
apesar de fomentar alguma diferenciação progra- confrontação com a realidade
produtiva. Barcelona: Escuela
mática obrigando ao atravessamento pelo interior Tecnica Superior de Arquitectura
de Barcelona, 2005, pp. 241-243.
52 Citação de BANDEIRINHA,
José António Oliveira – Quinas
Vivas: Memória Descritiva de
alguns episódios significativos
do conflito entre fazer moderno
e fazer nacional na arquitectura
portuguesa dos anos 40. Porto:
FAUP publicações, 1996, p.126.
53 “Esta obra do edifício do Ouro
desenhado pelo arquitecto Mário
Bonito com a colaboração de
Rui Pimentel, elemento também
do ODAM (embora à data ainda
estudante) foi apresentada em
projecto na exposição realizada
pelo ODAM, no Ateneu Comercial
do Porto em 1951. Do historial
do projecto contam 3 fases,
o anteprojecto aprovado em
Outubro 1951, alterado em
Setembro 1952 e o aditamento
Mário Bonito (1921-76), “corbusiano até no modo de alinhamentos na rua e cria uma segunda definitivo em 1954.” In ROSA, definição de regionalismo, através de argumen-
52 Edite – ODAM: valores modernos
literário” , é habitualmente citado pela reali- cota, existindo a intenção de manter esta cota e a confrontação com a realidade tações de cariz racionalista e funcionalista que
produtiva. Barcelona: Escuela
zação do Bloco do Ouro FIG.521, cujo primeiro livre para usufruto comum e o edifício elevado Tecnica Superior de Arquitectura definem valores universais, conducentes a uma
53 de Barcelona, 2005, p. 399.
licenciamento data de 1951 , pouco posterior sobre os pilotis; a sua arquitectura, excepcional 54 Baseado em BOESIGER, Willy – arquitectura internacional: “A ARQUITECTURA
Le Corbusier. Barcelona: Gustavo
à da Unidade de Habitação em Marselha de Le na cidade do Porto naquela época, apenas foi Gili, 1985, p.192. deve exprimir-se numa linguagem INTERNACIONAL.
54 55 Citação de ROSA, Edite –
Corbusier de 1946 , ao qual assumidamente se consentida pelas entidades camarárias dado o ODAM: valores modernos e a (…) As oscilações de clima nas diferentes posições
confrontação com a realidade
referencia; este bloco de habitação, para além seu também excepcional programa, com fins produtiva. Barcelona: Escuela geográficas, as actividades económicas de cada
Tecnica Superior de Arquitectura
de ser o primeiro a ser construído no Porto assu- sociais: o bloco destinava-se a proporcionar de Barcelona, 2005, p. 400. região, definem a natureza dos temas e condicionam
56 Baseado em ROSA, Edite –
mindo a imagem internacional do Movimento habitações com renda económica para os ODAM: valores modernos e a os temas de construção. Na síntese, REGIONALISMO.
56 confrontação com a realidade
Moderno, numa forte ruptura com as pré-exis- trabalhadores da empresa Ouro . produtiva. Barcelona: Escuela FIG. 522 Corte e planta do (…) Tomando como ponto de partida o carácter efé-
Tecnica Superior de Arquitectura piso tipo do Bloco do Ouro
tências, é também o primeiro a utilizar galerias Podemos ler na memória descritiva do de Barcelona, 2005, p. 399. de Mário Bonito altura, os limites da cércea estipulados no art. 59º mero das formas resultantes dos meios de constru-
57 Citação de BONITO, Mário -
abertas para o exterior, como sistema distribu- Bloco do Ouro a argumentação do autor com Memória descritiva do processo do referido Regulamento, mas também obriga, com ção, eis a meta: sol e luz, pureza construtiva, plástica
de licenciamento (Licença n.º14-
tivo, e grelhas voltadas para o arruamento, na o fim de legitimar a solução proposta: “ Entende- 8081 de 1951). excepção do pavimento ao nível da Rua, ao recuo dos e estética, integração no lugar. Fundamentalmente,
58 BONITO, Mário – Tarefas
zona de estendal e lavandaria defronte à cozinha, se, ao que parece, que as previsões de alinhamento do arquitecto in BARBOSA, restantes pavimentos, em relação ao alinhamento ARQUITECTURA. O URBANISMO ordenará a ocupa-
Cassiano (compilação) – ODAM 57
solução que se tornará comum. e de cércea contrariam, de certo modo, a doutrina – Organização dos Arquitectos dos edifícios ora existentes.” ção do solo e a sua finalidade. (…) A técnica criou
Modernos: Porto 1947 – 1952.
“O programa de uso público formaliza-se num do recente Regulamento Geral das Edificações Porto: Edições Asa, 1972, p.109. A profunda crença de Mário Bonito nos elementos estandardizados na construção. A sua
59 Citação de BONITO, Mário
embasamento em ‘tabuleiro’ térreo mas o corpo Urbanas. Como se depreende da leitura do ante- – Regionalismo e tradição in ideais do Movimento Moderno transparece aplicação no local far-se-á em boa harmonia com
BARBOSA, Cassiano (compilação)
habitacional recua em relação à rua o que lhe permi- -projecto, trata-se de um conjunto arquitectónico, – ODAM – Organização dos também nas suas intervenções no congresso: a orografia e o clima, ou com o meio, o ambiente e a
Arquitectos Modernos: Porto
te subir em altura e conquistar presença e autono- a uma escala e com uma finalidade que requerem 1947 – 1952. Porto: Edições Asa, numa comunicação intitulada “As Tarefas do paisagem. O supérfluo deve ser combatido; a qua-
1972, pp.102-104. 58
mia formal FIG.522 . Este ‘tabuleiro’ de embasamento soluções espaciais e estas conduzem a um tratamen- Arquitecto” , o seu discurso incidiu sobre o lidade exaltada! A qualidade está implícita na pré-
cria um terraço visitável, uma segunda “cota térrea”, to arquitectónico específico; assim, e por um lado, o posicionamento do arquitecto moderno relati- -fabricação. (…) A pré-fabricação responde ao apelo
de onde se sugere a efectiva elevação do corpo habi- aproveitamento em altura é que garante a execução vamente à dicotomia arte/técnica, defendendo da originalidade: combinação múltipla dos estan-
tacional pela colocação, nesta 2ª cota aterraçada económica do imóvel com o consequente baratea- a racionalidade do processo criativo na leitura dardizados. Matematicamente dir-se-ia combina-
55
de habitações menos profundas.” Ora o processo mento das rendas atribuíveis a cada célula e o seu das necessidades do HOMEM da civilização ção de n elementos. AO SERVIÇO DO REGIONALISMO
59
não foi pacífico e implicou algumas cedências desenvolvimento em espaços com áreas desafoga- maquinista e, prosseguindo, tal como Arménio UMA SÃ PLÁSTICA.”
por parte de Mário Bonito, nomeadamente nes- das; por outro lado, tais factores e os condiciona- Losa, teceu fortes críticas ao atraso no proces-
tas habitações à cota do terraço, inicialmente mentos relacionados com a higiene e salubridade, so de industrialização em Portugal; sob o tema
não previstas; a base assegura as continuidades implicam solução que não só faz ultrapassar, em “Regionalismo e Tradição” propõe uma nova
Nas participações dos membros do grupo ODAM própria; onde a compreensão do planificador só para 63 Citação de ROSA, Edite –
ODAM: valores modernos e a
FIG. 529 Edifício da Rua de Ceuta
de Arménio Losa e Cassiano
no I Congresso Nacional de Arquitectura, compi- revelar e dar realce à eficiência subjacente e não para confrontação com a realidade
produtiva. Barcelona: Escuela
Barbosa, de 1950
ladas por Cassiano Barbosa, podemos aferir que sobrepor uma predilecção artística à natureza própria Tecnica Superior de Arquitectura
de Barcelona, 2005, p 118.
64
estes arquitectos têm perfeito conhecimento do edifício.” 64 Frederic Towndrow citado
por VELOSO, António Matos -
da obra dos grandes mestres do Movimento Os valores que se levantam são mais altos Habitação rural e urbanismo in
BARBOSA, Cassiano (compilação)
Moderno, acompanham os C.I.A.M. e conhecem a e, nas suas intervenções no Congresso, torna- – ODAM – Organização dos
Arquitectos Modernos: Porto
Carta de Atenas, que defendem arreigadamente -se clara a formação de um corpo teórico que 1947 – 1952. Porto: Edições Asa,
1972, p.56.
como forma de planear a cidade moderna, assim sustenta a actividade. O exercício da arquitec- 65 Citação de ROSA, Edite –
ODAM: valores modernos e a
como, e implicitamente, das unidades de habita- tura deixa de ser entendido como apenas um confrontação com a realidade
produtiva. Barcelona: Escuela
ção como estratégia para resolver os problemas “metiér” para adquirir uma função social, trans- Tecnica Superior de Arquitectura
de Barcelona, 2005, p. 43.
de habitação. formando-se numa parte operante na transfor- Para alguns, dos membros do ODAM, tais como
O desafio foi lançado, a hora era de combate, mação do mundo, afirmando-se como causa Losa e Cassiano Barbosa, o moderno repre-
impunha-se reagir contra o sistema em prol de e não como consequência. O que se reclama senta uma postura a adoptar, para outros é um
elevados ideais. A situação era grave, era dema- é a possibilidade de intervir, com os instrumen- modelo a seguir, enquanto outros já têm, como
siada a repressão, o que justificou um acto de tos próprios da arquitectura, na resolução dos veremos, sobre ele uma visão critica, no entanto,
coragem na afronta directa ao regime; que os enormes problemas sociais com que o país se mesmo para esses, o momento ainda é apenas
arquitectos aproveitassem a reunião promovida debate. Os arquitectos do ODAM são movidos o de reivindicar o direito a fazer moderno.
pelo Congresso para, em uníssono, reivindicarem por um enorme idealismo e ingenuidade, por Nas obras onde o Moderno adquire uma
o direito ao exercício da profissão, reivindicarem o uma crença desmesurada nas possibilidades tónica de maior entusiasmo, como as de Viana
direito de porem em prática as teorias e experiên- das novas utopias para a criação de um mundo de Lima ou de Mário Bonito, tal como Edite 66 Citação de ROSA, Edite –
cias do Movimento Moderno, então cerceadas melhor e adaptado às recentes transformações. Figueiredo Rosa sintetiza, “a propositada cedência um edifício de escritórios e habitação, implan- ODAM: valores modernos e a
confrontação com a realidade
pelo poder, em prol do bem comum, para resol- “A ruptura com a tendência nacionalista fasci- linguística relativamente ao radicalismo do modelo tado num difícil talhão de forma triangular produtiva. Barcelona: Escuela
Tecnica Superior de Arquitectura
verem os enormes problemas sociais emergentes zante monumental ou ruralizante, reflectida numa da unidade de habitação corbusiana (ausência da resultante da abertura da nova rua FIG.530, na de Barcelona, 2005, p. 245.
67 Baseado em FERNANDEZ,
em que o país mergulhava. produção arquitectónica essencialmente contesta- liberação do solo térreo) obriga nestes projectos a esquina desta com a Rua da Picaria, resolvendo Sérgio – Percurso, Arquitectura
Portuguesa 1930/1974. Porto:
Não são modas, mas ideais, aquilo que se tária, estende-se a nível nacional, mas é sobretudo no concentrar a resolução global da fisionomia/lin- o cunhal em diálogo com o edifício adjacente, FAUP publicações, 1988, p.79.
reivindica; o que se defende não é a possibilidade Porto, que se entende como momento de fazer contas guagem do edifício, não tanto na uniformidade da pré-existente, do início do século. “O volume mais
de praticar um estilo, “mas antes uma nova forma com a modernidade e apesar do aparecimento, de resolução tipológico-morfológica, corbusiana mas na recuado colar-se-á ao longo do prédio existente e
de ver a arquitectura mais cultural mais integrada uma “cultura de oposição ao moderno” e de crítica resolução da sua excepção (ao modelo) de manei- com ele entrará em diálogo apenas pela manuten-
política, socialmente e também por essa via ideolo- ao “Estilo Internacional”, em curso em toda a Europa, ra a manter a coerência global do conjunto. (…) O ção da mesma cércea. Este corpo penetra no volume
63
gicamente ligada aos sistemas estéticos.” Nesse será na adesão aos ideais do movimento moderno assentamento diferenciado do edifício no solo e a sua mais saliente pelo prolongamento do seu segundo
sentido e com bastante pertinência, António que os arquitectos do Porto apostam na defesa morfologia compositiva hierarquizada configurada piso que, fazendo uma pequena torção, apontará,
Matos Veloso, na sua comunicação do congres- do seu desempenho social e disciplinar. De facto, numa urbanidade convencional representativa que juntamente com os degraus que se destacam do
so, cita Frederic Towndrow, num paragráfo que revela-se no Porto uma consciência profissional de se verifica na sua concepção global numa coerência passeio, a entrada do edifício. Um extenso mural de
permanece actual: “O facto de que dificilmente se entendimento entre os arquitectos que apostam na entre organização planimétrica e a formalização Augusto Gomes, localizado na parte mais recuada,
66
encontra nas nossas ruas uma construção que se possa defesa do seu desempenho social pela aproximação linguística de fachada torna-se o seu ponto fulcral.” contribui para ‘levantar’ o volume do prédio e enfatiza
dizer adaptada ao fim em vista, ou verdadeira, ou da disciplina à democratização da cultura arquitec- Na obra de Arménio Losa e Cassiano Barbosa o percurso até ao seu acesso. Este sector é marcada-
moderna no exacto sentido da palavra permanece e as tónica do país, assente na ideia de que o progresso, a o Moderno pratica-se com algum “senso mente denso; será rasgado por uma fenestração que,
tentativas modernistas quando feitas por Arquitectos todos os níveis (científico, técnico, social, etc.), seria o comum”: na sua obra, estes ensaiam uma postura variando de acordo com as necessidades do progra-
tradicionalistas e desactualizados, são tão estéreis garante de um futuro cada vez melhor. Pressupostos conciliadora entre a modernidade na qual acre- ma, mantém uma leitura acentuadamente horizontal.
como as suas cópias do antigo e, muitas vezes, mais inspirados numa visão com contornos de utopia ditam, a realidade portuguesa, a sua formação O corpo mais saliente, correspondendo aos locais de
néscias do que estas. Por moderno eu quero dizer uma social que claramente se identificam com as premis- e o contexto em que se inserem as suas obras, trabalho dos escritórios, é assinalado com uma grelha
construção em que cada elemento foi criado a partir sas ideológicas das arquitecturas das primeiras van- atitude de que o Edifício DKW é paradigmático. formando quebra-luzes, grelha essa que se anima
do ponto de vista da sua utilização e não a partir do seu guardas modernas e que provavelmente pesaram Em 1950, Arménio Losa e Cassiano Barbosa pela movimentação dos seus elementos horizontais.
67
aspecto visível; uma construção onde a consciência da na escolha das referências arquitectónicas a seguir. projectam o Edifício da Rua de Ceuta FIG.529, A regularidade da sua modulação será livremente
beleza, que o arquitecto tem, foi empregue unicamente (São tomadas referências de várias vanguardas interrompida no último piso; uma varanda inscrita no
65
como um meio para um fim e não como um fim em si modernas, Alemãs, Holandesas, Russas, etc.).” mesmo plano da grelha serve a habitação existente.
Este sector do edifício pousará sobre pilares cilín-
dricos expressivamente tratados com um material
nos prédios existentes no quarteirão seguinte, o No lado sul, o tema do volume projectado a norte -, em simultâneo com
o estabelecimento de regras
inferior, até o de Júlio de Brito onde, apesar dos organismos oficiais, perante a nova arquitec-
esboço do arranque do troço subsequente, que para o edifício da Rua de Ceuta de Arménio de unidade de conjunto tão
características da estratégia
de se destacar no seu alçado um volume tura internacional. Ainda assim, Arménio Losa,
não chegaria a ser efectuado. Era de tal forma Losa e Cassiano Barbosa estende-se a todos de construção da cidade
setecentista e oitocentista.” In
ligeiramente saliente que o relaciona a nível no seu plano, continua a propor a “rua-corredor”
premente esta ligação urbana que, recentemen- os alçados que compõem esta frente de rua, FERNANDES, Francisco Barata
- Rua de Ceuta. Sobre o eixo
de proporções com os do outro lado da rua, quando, na mesma altura, em Lisboa, já se
te, acabou por se concretizar ainda que sob o resolvendo a difícil relação com a acentuada nascente-poente in AA/VV -
Guia de arquitectura moderna:
este é executado num Art Déco com o “peso” construíam blocos perpendicularmente ao eixo
nível urbano, através de um túnel. inclinação do arruamento e obtendo uma Porto 1901-2001. Porto: SRNOA;
Civilização Editora, 2001.
característico das arquitecturas do Estado viário, libertando o solo entre eles para usufruto
invulgar unidade para um alçado de conjun- 70 Baseado em MENDES,
Manuel in BECKER, Anette;
Novo. Deste lado da rua estranhamos, inclusive, público, nomeadamente no conjunto Infante
to, na cidade do Porto, apenas ligeiramente TOSTÕES, Ana; WANG, Wilfried
- Arquitectura do século XX -
a proposta de Agostinho Ricca, para a esquina Santo e na Avenida Estados Unidos da América.
perturbada pela proposta de Agostinho Ricca, Portugal. Deutches Architecktur
Museum Frankfurt am Main; CCB:
superior, de um edifício simplesmente rebo- Recorrendo, de novo, Edite Figueiredo Rosa, “ao
onde varandas abertas lateralmente alteram a Druck-und Verlagshaus Zarbock,
1997, p.206: “Em 1942, o relatório
cado onde um outro volume avançado após contrário de Lisboa, em que serão realizados muitos
percepção do volume projectado. da actividade camarária relatava
a apresentação do projecto de
o dobrar da esquina, aparentemente com a projectos urbanos logo a partir de 50, obras de pro-
abertura do novo arruamento;
iniciadas as obras em 1947, o plano
intenção de criar a transição de escalas entre os moção estatal em que os arquitectos da capital parti-
de actividades da Câmara ainda
inscrevia dotações para a segunda
dois arruamentos, perturba a leitura do canto e ciparão de uma forma activa durante toda a década,
fase de obras em 1951.”
71 Baseado em FERNANDES,
do volume orientado para a Rua de Ceuta. no Porto o investimento municipal público declina a
Francisco Barata - Rua de Ceuta. partir de 50 tendo sido até esta data quase sempre
Sobre o eixo nascente-poente
in AA/VV - Guia de arquitectura imposto o estereótipo oficial em planos tipo “Bairro
moderna: Porto 1901-2001. Porto:
SRNOA; Civilização Editora, 2001. do Estado Novo”, a maior parte das vezes sem recurso
sequer ao arquitecto. Efectivamente, a arquitectura
no Porto caracterizava-se sobretudo pela proposta
individual, obra de autor como resposta à encomenda
privada, que incluía em maior quantidade a habita-
ção unifamiliar e a habitação colectiva em prédios de
72
preenchimento da malha urbana oitocentista.”
Consolidação
e revisão do
modernismo
“Távora não tenta soldar a tradição culta com a FIG. 550 Edifício na Rua de Pereira
Reis de Fernando Távora, de 1958
tradição popular (…) porque é uma distinção que não
lhe importa. Faz arquitectura a partir de um profundo
e vital enraizamento na realidade que o impede, (…)
por natureza, a traí-la na imposição de elementos
que a alienem. A sua arquitectura não se refere a este
ou aquele arquitecto, esta ou aquela escola, abarca
toda a dimensão da memória. É historicista no sentido
contemporâneo. Tende a infringir o código vigente,
não para substituí-lo por outro retirado do passado,
10 Baseado em FERNANDEZ,
mas para enriquecê-lo com outras valências das Sérgio – Percurso, Arquitectura
Portuguesa 1930/1974. Porto:
aquisições culturais de um homem que não tem um FAUP publicações,1988, pp.
129-130.
tempo. Não se trata de revogar o Movimento Moderno, 11 Citação de COSTA, Alexandre
Alves – Dissertação. Porto:
trata-se de manter uma ordem arquitectónica com Edições do Curso de Arquitec- tura
11 da ESBAP,1980, p. 28.
valor universal, acima dele e que o integre.” 12 “Como académico, Loureiro
prestará provas para professor
O único aspecto, em termos estéticos, que da ESBAP em 1960 (em con-
curso de emolução com Távora
relaciona o Edifício do Banco Popular com o e Felgueiras) defendendo em
tese um tema de importância
edifício da Rua de Pereira Reis de Fernando Tá- muito particular para o debate da
arquitectura em Portugal e que
vora é o tratamento cromático da superfície, o marcará de forma indelével a sua
obra e muita da arquitectura que
qual no entanto, adquire significações distintas outros farão também, naqueles
anos de esperança e dúvida.” In
O prédio da Rua de Pereira Reis FIG.550 é contem- nas duas obras, já que, no primeiro a pastilha FERNANDES, Manuel Correia –
Campo do Luso in AA/VV - Guia
porâneo do Edifício do Banco Popular e do Bloco não nos remete para nenhuma realidade con- de arquitectura moderna: Porto
1901-2001. Porto: SRNOA;
na Rua da Friagem de Alfredo Matos Ferreira FIG.545 creta, mantendo o caracter abstracto e inter- Civilização Editora, 2001.
13 Baseado em FERNANDEZ,
a 547, partilhando com este último uma atitude cla- nacional do Movimento Moderno, enquanto, no Sérgio – Percurso, Arquitectura
Portuguesa 1930/1974. Porto:
ramente revisionista relativamente ao Movimento segundo o azulejo reinventado é uma assumida FAUP publicações,1988,
pp.148-149.
Moderno, que os distancia a ambos do primeiro: alusão à arquitectura tradicional do Porto.
a utilização de azulejos onde se desenha um José Carlos Loureiro publica uma tese,
padrão de forte contraste no revestimento de em 1960, sob o sugestivo título “O AZULEJO –
paramentos, entre os topos de lajes em betão Possibilidades da sua integração na Arquitectura
aparentes e em alternância com vãos desen- Contemporânea”, onde, tal com Manuel Correia FIG. 551 Implantação, alçado e
perspectiva do Parque do Luso
volvidos verticalmente; a relevância dada aos Fernandes assinala, “prestará atenção a muitos de José Carlos Loureiro & Pádua
Ramos, de 1958
gradeamentos das varandas ou a carga expressiva aspectos disciplinares, culturais e técnico-construti-
de alguns dos seus elementos, nomeadamente o vos inerentes à utilização de um material tipicamen-
pórtico do rés-do-chão e as exageradas gárgulas te português como é o azulejo e que a corrente mais
de betão, acusam influências contemporâneas, internacionalista do ‘movimento moderno’ tinha
12
sobretudo italianas, que nos remetem para um tendência a menosprezar.”
“neo-liberty” estranho à sobriedade da arquitec- José Carlos Loureiro conjuntamente com
10
tura burguesa portuense . Pádua Ramos tem uma extensa obra no Porto,
Na verdade, quer a abstracção do primei- onde juntos ensaiam, não apenas a utilização
ro, quer o carácter “festivo” do segundo, são deste material, mas também a de outros mate-
estranhos ao que virá a caracterizar a obra de riais característicos da arquitectura vernacular
Fernando Távora a partir do Mercado Municipal portuguesa combinados com materiais con-
de Santa Maria da Feira, de 1953, e que terá temporâneos, nomeadamente no Parque do
13
como paradigma a casa de férias de Ofir, de Luso FIG.551 a 556, projectado em simultâneo ao
1956, onde, com uma grande autenticidade, uti- prédio de Pereira Reis, de Fernando Távora, e ao
liza o seu conhecimento da história e da cons- da Rua de Sá da Bandeira, de Agostinho Ricca e
trução vernacular para uma revisão do moder- Benjamim do Carmo.
no. Subscrevendo Alexandre Alves Costa,
O Edifício do Banco Popular foi, de facto, dos FIG. 556 Parque do Luso
de José Carlos Loureiro &
primeiros no Porto a não construir ambos os Pádua Ramos, de 1958
que parecia ser uma distribuição no patamar cussões na construção corrente. Ana Tostões to nas suas circulações comuns e o tijolo maciço FIG.550, formam um vão de sentido vertical, neste
em esquerdo-direito, é afinal a habitação da afirma que, “o jogo dos materiais aplicados, o tijolo, de barro vermelho que, usado de forma extensiva último e no Parque do Luso, associando visu-
proprietária que ocupa todo o seu lado esquer- a alvenaria pintada, o mosaico vidrado, a pastilha nos interiores dos apartamentos, “constitui uma almente o murete abaixo do parapeito ao vão
17
do, aquele que usufrui de três frentes . de “evinel”, aliados à concepção de um conjunto espécie de unidade ‘módulo’ que não só disciplina a propriamente dito.
Tal como no bloco do Edifício Parnaso, no volumétrico de grande rigor, desenhado e controlado composição e a medida das coisas, como estabelece No Parque do Luso, na torção de vários dos
bloco de maior altura do Parque do Luso a ao pormenor, testemunham o trabalho de um pro- a regra para resolver dobras, remates, entregas e seus paramentos acusam a influência das arqui-
18
distribuição faz-se por galerias resguardadas fissional atento.” De facto, é bastante notável a superfícies. Este mesmo material, contribui ainda tecturas orgânicas, nomeadamente de Alvar
por muretes altos e permitindo pontualmente a experimentação no detalhe construtivo e na con- pela riqueza da cor e da textura, para a concretiza- Aalto, na respectiva abertura para recepção da
relação visual com o exterior ao nível do obser- jugação de materiais, nestas obras de José Carlos ção de um certo conceito de conforto e modernidade luz solar. Prosseguindo a citar Manuel Correia
vador; a galeria do bloco do Parque do Luso não Loureiro e Pádua Ramos, tornando-se especial- pouco usual entre nós e, ainda, pela ‘eternidade’ do Fernandes, “a planta de cada piso, ligeiramente
é horizontal e gera um movimento sincopado mente significativa na interpretação da sua obra. material. Este partido, genericamente assumido em trapezoidal, abre-se subtilmente ao quadrante sul;
e ascendente que transparece no seu alçado, Já o referimos a propósito da tese de José Carlos todas as habitações é, mesmo, uma das ‘imagens de é engenhosamente organizada e produz espaços de
20
onde se destaca a coluna quase escultórica em Loureiro sobre o azulejo. Este material teve uma marca’ deste conjunto habitacional.” matriz orgânica em que o adoçamento dos ângulos
betão que alberga as circulações verticais. Em extensa aplicação nos revestimentos exteriores formados pelas paredes e a disponibilidade dos dife-
Portugal criou-se um estigma relativamente à do Parque do Luso FIG.552 a 555, com desenho rentes paramentos para darem lugar à sequência
do Foco e alguns dos seus edifícios FIG.568 a 570. O PARQUE RESIDENCIAL DO FOCO
DE AGOSTINHO RICCA COM
Plano Auzelle, o Bairro da Pasteleira cujo estudo
26
Bairro do Foco é praticamente autónomo rela- JOÃO SERÔDIO E JOSÉ CARLOS
MAGALHÃES CARNEIRO, DE 1962:
é coordenado pelo Arq. Alberto Rosmaninho
tivamente ao resto da cidade e nele Agostinho FIG. 568 Planta
FIG.571 . Citando Rui Ramos temos, para alguns dos
Ricca não aplicou à risca os princípios da Carta de FIG. 569 Vista dos blocos ao longo
da Av. da Boavista
seus sectores, “uma concepção formal próxima do
Atenas, desenhando uma solução mista, na qual FIG. 570 Planta do piso tipo
dos blocos
formulário decorrente da Carta de Atenas, onde a
quase que apenas os blocos ao longo da Rua cidade moderna é o somatório de blocos implantados
da Boavista adquirem autonomia; os restantes de acordo com a orientação solar, sobre um parque
edifícios interligam-se, através da intersecção de verde rasgado por vias de circulação segregadas
blocos e torres que se unem para, em conjunto e entre peões e automóveis, (…) a partir dos quais são
perifericamente, isolarem o espaço verde ao cen- distribuídos os acessos em cul-de-sac aos edifícios,
27
tro e com todo o protagonismo FIG.568. Os edifí- locais de estacionamento e zonas verdes.”
cios não são objectos enquadrados pelo espaço Sérgio Fernandez e Pedro Ramalho projec-
verde: é o espaço verde que é enquadrado pelos tam, para o Bairro da Pasteleira, cinco blocos de
edifícios, os quais filtram as suas relações com as habitação colectiva concebidos e edificados
vias de circulação exteriores; a construção e as entre 1963 e 1973, interrogando, através da
vias de circulação internas dispõem-se periferi- concepção dos edifícios, a estratégia moderna
28
camente por forma a libertar o espaço central de que o plano faz eco .
para o parque. Citando o próprio Agostinho Ricca: No primeiro bloco residencial a ser cons-
“O terreno tem uma área de 70.00 m2 e a superfície truído FIG.572, o revestimento exterior “é de tijolo
coberta pelos 10 imóveis de finalidade residencial, vermelho aparente o que segundo Sérgio Fernandez
FIG. 571 Planta
comercial, recreativa e cultural é de 25.000 m2. Os do plano geral da fará uma referência evidente aos modelos ingleses
Pasteleira
prédios localizam-se na periferia do terreno, man- centrados nas obras de Leslie Martin e de James
25
tendo, entre si, um espaço ajardinado.” Agostinho Stirling e James Gowan, com os quais terá tomado
Ricca, autor do plano geral, não acompanhou até contacto na década de cinquenta, durante a sua
29
ao final a construção de todo este conjunto resi- permanência em Londres.”
dencial; alguns dos projectos tiveram a colabo-
ração de João Serôdio e José Carlos Magalhães
Carneiro, mas são de sua autoria exclusiva os
projectos da Igreja e Centro Paroquial, do Cinema
e da Sala de Concertos.
26 Baseado em RAMOS, Rui -
Na imagem dos blocos FIG.569, implantados Pasteleira. Cinco edifícios de
habitação colectiva e super-
perpendicularmente à rua, formando no espaço mercado in AA/VV - Guia de
arquitectura moderna: Porto
entre eles pátios para estacionamento, temos 1901-2001. Porto: SRNOA; Civili-
zação Editora, 2001.
códigos ainda próximos dos do Edifício do Banco 27 Citação de RAMOS, Rui -
Pasteleira. Cinco edifícios de
Popular, nomeadamente, janelas corridas interca- habitação colectiva e super-
mercado in AA/VV - Guia de
ladas por varandas e topos tratados como planos arquitectura moderna: Porto
1901-2001. Porto: SRNOA; Civili-
cegos, conferindo destaque às torres das circu- zação Editora, 2001. FIG. 572 Planta e imagem exterior
28 Baseado em RAMOS, Rui -
lações comuns e soltando o plano da cobertura. Pasteleira. Cinco edifícios de
do primeiro dos blocos da
Pasteleira de Sérgio Fernandez e
habitação colectiva e super-
Os blocos implantam-se no solo mas cria-se, ao mercado in AA/VV - Guia de
Pedro Ramalho, de 1963
ÚLTIMO CONJUNTO DE BLOCOS vai atribuir um vincado protagonismo ao espaço da “Do neo-realismo italiano adopta-se a crítica do
DA PASTELEIRA DE SÉRGIO
FERNANDEZ E PEDRO RAMALHO, varanda-terraço na organização da casa. Segundo movimento orgânico ao racionalismo, à sua estreiteza
DE 1963:
Pedro Ramalho, ‘a ideia da varanda-terraço, pro- ideologia, à sua vocação tecnológica, ao seu purismo
FIG. 573 Imagem exterior
FIG. 574 Planta do piso tipo e longamento da vida do fogo para o exterior, assume linguístico. Revalidam-se os aspectos psicológicos,
rés-do-chão
aqui uma função de pátio de articulação entre a ambientais, naturais, a redimensionar a escala das
zona de estar e a de refeições, obviamente inspirada intervenções, a aderir mais pragmaticamente às
no bloco de habitações do bairro de Hansa, em Berlim condições histórico-sociais de cada comunidade. (…)
(Alvar Aalto, 1955-1957)’, influência a que não será Tenta-se definir uma linguagem directamente comu-
estranha a visita que realiza às obras de Alvar Aalto, nicativa para as classes populares, substituindo a
31
durante os anos 60, na Alemanha e Finlândia.” recusa da história pela retomada de muitos caracte-
No segundo dos blocos a ser construído FIG.573, A influência de Alvar Aalto e do “Inquérito à res tradicionais e regionais.
por diversos problemas que surgiram durante Arquitectura Popular Portuguesa” reflecte-se Do neo-empirismo nórdico adopta-se a amplia-
a construção, o projecto foi adulterado, “sendo também na materialidade da obra, no uso de ção dos termos linguísticos da lição racionalista,
o mais grave a alteração do acabamento exterior de materiais de qualidade telúrica conjugados com conferindo-lhe novas características. O termo função
tijolo aparente para reboco pintado. Contudo ainda se matérias da arquitectura vernacular e contem- passa a utilizar-se com um sentido mais lato, incluin-
pode ler nas suas fachadas o mesmo princípio de com- porâneos, demonstrando uma sensibilidade do por exemplo os aspectos de carácter psicológico.
posição, que será retomado no último conjunto edifi- táctil ao material na sua expressão natural, cor Substituem-se as rígidas e programáticas normas
cado, em que a janela da sala é articulada com o vão e textura, cuidadosamente articulados: “Pedro pelo bom senso, conformando edifício e ambiente de
da varanda, com marcação das diferentes alturas Ramalho explicita claramente a importância e signi- forma mais articulada, usando materiais e elementos
dos peitoris. (…) Os alçados revelam-nos tratamento ficado atribuído à influência da obra de Alvar Aalto na construtivos tradicionais. (…)
diferenciados. O alçado sul apresenta uma solução de realização destes projectos, quando identifica os seus Aalto, alheio a qualquer intenção programática,
janela horizontal interrompida no centro do edifício projectos como ‘uma atitude projectual de conten- ao naturalismo sueco ou ao populismo italiano, conti-
para a abertura das varandas, que serão igualmente ção, que se vai definindo como busca do essencial, nua a perseguir uma síntese baseada na relação, rica
o dispositivo de remate, através da fragmentação desse modo recusando a ‘via italiana’ em voga’.(…) em tensões, entre formas orgânicas e articulações
do volume, e de introdução à composição do alçado As referências à arquitectura inglesa e finlandesa e o geométricas, desenvolvendo as linhas de uma lingua-
oposto. O alçado norte apresenta uma composição Inquérito à Arquitectura Popular Portuguesa, entre- gem já formulada claramente nos finais dos anos 30.
diferente dos vãos, agora ligados entre si por uma tanto publicado em 1961, serão alguns dos factores A sua obra apresenta-se como alternativa pelo seu
janela contínua junto do tecto, libertando deste modo predominantes no percurso da arquitectura moderna naturalismo genérico e declarada fidelidade ao que se
o pano de parede, o que evidencia a leitura que do portuguesa dos anos 60, a que estes projectos não tem chamado funcionalismo psicológico.
30
exterior se poderá fazer da sua estrutura interior.” nos blocos do Foco FIG.570, quer nos de Sérgio 30 Citação de RAMOS, Rui - 31 Citação de RAMOS, Rui - serão alheios. (…) Como salienta Sérgio Fernandez: Do movimento que tenta recuperar a linha teórica
Pasteleira. Cinco edifícios de Pasteleira. Cinco edifícios de
Nos blocos do Bairro da Pasteleira de Sérgio Fernandez e Pedro Ramalho FIG.572 e 574, partindo habitação colectiva e super- habitação colectiva e super- ‘Constatava-se, de um modo diferente porque visto dos CIAM, ‘o brutalismo tenta afrontar uma socie-
mercado in AA/VV - Guia de mercado in AA/VV - Guia de
Fernandez e Pedro Ramalho detectam-se de uma base funcional e racional, privilegia-se o arquitectura moderna: Porto arquitectura moderna: Porto numa perspectiva de modernidade, o valor da arqui- dade de produção em massa extraindo uma espécie
1901-2001. Porto: SRNOA; Civili- 1901-2001. Porto: SRNOA; Civili- 32
algumas similitudes com os blocos do Foco, espaço da sala comum em relação directa com zação Editora, 2001. zação Editora, 2001. tectura vernacular’.” de poesia tosca das forças poderosas e confusas em
32 Idem
tais como a sua proporção e a configuração do uma ampla varanda, indiciando uma optimiza- 33 Citação de BECKER, Anette; Durante a revisão do Movimento Moderno, jogo’ (Smithson). Dele se adopta a exigência de indivi-
TOSTÕES, Ana; WANG, Wilfried
hall de entrada do prédio. Porém, os do Foco, ção dos espaços sociais no programa domés- - Arquitectura do século XX - o seu carácter ortodoxo é substituído pela plu- dualidade, de fantasia, de inédito. A busca de um novo
Portugal. Deutches Architecktur
num projecto de assumida urbanidade, não tico. O primeiro dos blocos de autoria de Sérgio Museum Frankfurt am Main; CCB: ralidade, diversificando-se influências, posturas humanismo capaz de extrair do universo tecnoló-
Druck-und Verlags- haus Zarbock,
criam um tão grande distanciamento relati- Fernandez e Pedro Ramalho a ser construído 1997, p.140. e percursos. Na arquitectura Portuguesa dos gico toda a sua força vital. Abandona-se o método
34 Citação de COSTA, Alexandre
vamente à arquitectura moderna como os na Pasteleira, de acordo com Rui Ramos, “tem a Alves – Dissertação. Porto: anos sessenta identifica-se “uma sobriedade e analítico e aditivo da tradição urbanística de antes de
Edições do Curso de Arquitec- tura
da Pasteleira, com referências à arquitectura particularidade de organizar o fogo em dois níveis, da ESBAP,1980, pp.26-27. autenticidade que busca nas raízes da tradição a guerra e, criticando o zonamento proposto pela carta
33 34
vernacular, nomeadamente na sua cobertura diferenciando a zona de estar e de comer, o que cons- sua inspiração mais profunda”; Alexandre Alves de Atenas, enfatizam-se os espaços de relação.”
feita num plano inclinado em telha, evidenciado tituía um aspecto pouco comum. (…) No último con- Costa enumera as diversas influências e como
na forma trapezoidal aparente nos topos dos junto a ser construído são mantidos alguns aspectos estas são absorvidas na arquitectura do Porto:
blocos FIG.572. Na organização da planta, quer relativos à organização do fogo experimentados
nas primeiras edificações. Contudo, a não utilização
de dois níveis para diferenciar o espaço doméstico
análise
comparativa
“atmosferas”
próprias de cada edifício em estudo enquanto cidade FIGS. 7 A 10, mas é em conformidade com
objecto autónomo e focar-nos-emos no seu estes que introduzem novas leituras urbanas
préstimo enquanto parte de um organismo mais FIG. 2 . Todos juntos, constroem o espaço urbano
a construção, preenchendo o espaço que se lhe irregular, ainda que um novo cadastro crie con-
destina na frente do quarteirão, desenha com a dições para aqui se introduzir uma nova escala;
sua “fachada” a envolvência do espaço urbano e lotes de maior dimensão permitem a introdução
assume o papel de “cenário” da vida urbana FIG. 587. de maiores frentes contínuas e, para uma mes-
Sem questionar a cidade tradicional na sua ma largura de rua, com edifícios de maior altura,
estrutura de quarteirão, a Rua de Sá da Bandeira cria-se um novo perfil de rua e renova-se a sua
rompe o tecido oitocentista da cidade, no seu imagem pela introdução de uma nova escala
início ainda com a expectativa de se assumir que pretende ser mais cosmopolita.
como via principal de escoamento do centro e, Os edifícios do sector norte da Rua de Sá da
no seu final, assumida como um elemento da Bandeira respeitam os alinhamentos dos alça-
malha que o densifica, reduzindo à dimensão dos de rua, asseguram continuidades com a
dos quarteirões que se mantêm como unidades construção adjacente procurando, sempre que
de agregação urbana de forma irregular. A forma possível, alinhamentos de cérceas. Negando
do quarteirão resulta do traçado da rua e a do ser autónomos, fundem-se com a construção
lote de construção é consequência da sobrepo- existente e, em conjunto, formam o tecido da
sição desta ao cadastro pré-existente, ainda que cidade e constroem a rua. 3 Decreto de 14 de Fevereiro de
podendo gerar subdivisões da propriedade. No momento da construção das primeiras 1903, Regulamento de Salubridade
das Edificações Urbanas. Lisboa:
A disposição periférica da construção liberta frentes de quarteirão do sector norte da Rua Imprensa Nacional, Lisboa, 1903.
4 Decreto-Lei nº 38 382, de 7 de
o núcleo central do quarteirão, permitindo que de Sá da Bandeira FIGS. 588 A 591 estava ainda Agosto de 1951, in Regulamento
Geral das Edificações Urbanas.
aí surjam os espaços exteriores privados. No em vigor o Regulamento de Salubridade das Porto: Porto Editora, 1999
5 Citação do Artigo 5ª do Decreto
perímetro do quarteirão define-se a fronteira Edificações Urbanas (RSEU) na sua versão de 14 de Fevereiro de 1903
Regulamento de Salubridade
3
entre o espaço público e o privado, formalizada de 1903 , apenas substituído em 1951 pelo das Edificações Urbanas. Lisboa:
Imprensa Nacional, Lisboa, 1903.
pelas frentes da construção que, em conjunto, Regulamento Geral das Edificações Urbanas 6 Citação do Artigo 6ª do Decreto
de 14 de Fevereiro de 1903,
4
constroem o alçado urbano do quarteirão, deli- (RGEU) . No artigo 5º do Capítulo II do RSEU Regulamento de Salubridade
das Edificações Urbanas. Lisboa:
mitando e desenhando o espaço público das definem-se regras para a altura dos alçados, Imprensa Nacional, Lisboa, 1903.
7 Citação da 1ª alínea do Artigo 5ª
5
ruas e das praças que formam o espaço públi- a qual “será determinada pela largura das ruas” , do Decreto de 14 de Fevereiro de
1903, Regulamento de Salubridade
co e urbano. fixando o número de andares e a altura em das Edificações Urbanas. Lisboa:
Imprensa Nacional, Lisboa, 1903.
metros do alçado (Artigo 6º - “medidas desde a 8 Citação da 4ª alínea do Artigo 5ª
do Decreto de 14 de Fevereiro de
calçada ou pavimento até a parte superior da cor- 1903, Regulamento de Salubridade
6 das Edificações Urbanas. Lisboa:
nija” acrescentando, na alínea 1ª, que “serão Imprensa Nacional, Lisboa, 1903.
7
tomadas no centro da fachada” ) consoante a
largura do arruamento, estando o caso da Rua
de Sá da Bandeira previsto na alínea 4ª: “Quando
a largura for de 14 a 18 metros exclusivamente, a
altura das fachadas não será superior a 17 metros
8
(quatro andares).”
Losa e Cassiano Barbosa se serviram na sua fachada nenhum dos seus elementos, com excepção
Vimos também que, no Porto, não foram ape- A utilização atribuída ao logradouro foi um dos Com o crescimento em altura dos edifícios e o Uma interessante e invulgar solução dada ao
nas os autores da Rua de Sá da Bandeira a intro- dilemas que surgiu com o prédio de habitação aumento do número de habitações, continua- espaço interior do quarteirão é a daquela onde
duzirem novas valências na cidade oitocentista plurifamiliar. Os quintais dos prédios de habita- ram a adoptar-se soluções semelhantes, base- se inserem os edifícios EDP e DKW (fig. 590), con-
submetendo a sua intervenção à lógica do ção unifamiliar proporcionavam um equilíbrio adas numa subdivisão do espaço do logra- cebido como um pátio de utilização comum
conjunto, sem gerar conflitos, mas que utilizam, entre o espaço urbano e a presença do “verde” douro em vários talhões para usufruto de cada designado por Rua Particular; este tem acesso
conscientemente, sistemas que permitem a na cidade, dualidade de que a própria habita- andar com acesso, ora através de uma entrada público e, neste caso, é quase apenas uma
inserção das novas tipologias urbanas, como ção usufruía nas suas duas frentes. comum no piso térreo, ora a partir de escadas infra-estrutura, resolvendo os acessos de servi-
o bloco ou a torre, na cidade tradicionalmente No Porto, os primeiros edifícios de habita- de serviço nas traseiras. Estas soluções davam ço e a estacionamentos em cave, curiosamen-
coesa; recordando alguns casos, a título de ção plurifamiliar são, frequentemente, peque- continuidade a uma cultura de subsistência e te, não apenas aos deste quarteirão, mas tam-
exemplo: Viana de Lima, na Rua Formosa, fun- nos edifícios de apenas duas habitações, de relação com a terra através de pequenas bém aos do Palácio do Comércio. O plano que,
de um bloco modernista com a construção muitas vezes com acessos independentes e, hortas, de pomares e inclusive da criação de neste quarteirão, definiu, geriu e fez a necessá-
existente através da criação de corpos laterais geralmente, apenas se recorria a um acesso animais, suavizando a transição para a vida em ria concertação entre os vários proprietários
(fig. 518); José Carlos Loureiro e Pádua Ramos, único quando o piso térreo era comercial. andares. No entanto, com a alteração progres- para criar este pátio, abriu o precedente para
no Parque do Luso (fig.s 551 a 556), abrem o Nesses casos, um lanço de escadas de tiro siva dos hábitos, esta cultura foi desaparecen- que, noutros quarteirões, se fosse ainda mais
interior do quarteirão à cidade, introduzindo a apoiadas na meação vence o desnível até o do e, pela sua escassa privacidade e pouco longe, criando espaços interiores para usufruto
tipologia da torre como forma de libertar o solo primeiro piso onde, num pequeno vestíbulo, fluida relação que estabelecem com o espaço de todos os seus locatários, proporcionando
para um espaço verde público, mas garantem a temos a entrada das duas habitações ou, tal da habitação, estes talhões têm sido, gradual- infra-estruturas comuns ou espaços lúdicos,
perspectiva de rua através do alinhamento das como nas casas de José Ferreira Peneda na mente, votados ao abandono. que podiam ser de uso restrito ou alargado. No
torres e, no Hotel D. Henrique (fig.s 577 a 580), enra- Rua da Firmeza, são umas escadas localizadas Este não é o caso de nenhum dos prédios entanto, esta feliz e pioneira experiência não
ízam através da sua base a torre na construção no centro da construção, sob uma clarabóia, estudados onde se verifica uma ocupação total viria a ter grande sequência.
adjacente, etc. que facultam o acesso ao piso superior, um do logradouro com construção, quer a ocupa- Os edifícios da Rua de Sá da Bandeira não se
No sector norte da Rua de Sá da Bandeira, esquema que continuou a ser adoptado mes- ção tenha sido prevista na sua origem ou efec- podem ler como objectos isolados, apenas se
quando o quarteirão é parcelado, a construção mo quando aumentaram o número de pisos e tuada mais tarde, através da ampliações dos entendendo o seu sentido quando analisados
lote a lote subjuga-se à lógica urbana, não recla- de habitações, tal como nos dois prédios gemi- armazéns comerciais. Outros utilizam o logra- no contexto urbano de que indubitavelmente
mando autonomia: todos os edifícios, em conjun- nados da Rua de Sá da Bandeira. douro como pátio de acesso a garagens (uma fazem parte; assumem o seu papel urbano,
to, constroem quarteirões com frentes alinhadas A acessos independentes correspondem, utilização comum e que, frequentemente, ser- densificando a malha com programas mistos
e pequenas variações de cérceas. A disciplina normalmente, casas de dois pisos e sobre- ve também de recreio para as crianças) mas, de serviços e habitação; dinamizam e partici-
nos alinhamentos de alçado da rua assegura a postas com uma organização interna que não em qualquer dos casos, trata-se de soluções pam directamente na vida urbana, favorecendo
unidade exterior dos quarteirões, em cujo interior diferia, no essencial, da da habitação unifami- que implicam, quase sempre, a total pavimen- relações directas entre o espaço público e o
se permite uma maior liberdade, expressa atra- liar. A principal questão que se colocava com a tação do seu solo e, por inerência, também do comércio, na sua base; qualificam o passeio
vés do desenho de traseiras recortadas. sobreposição das habitações era a da relação solo urbano, cuja total impermeabilização gera público, inclusive cobrindo-o para proteger o
da casa com o logradouro que, em algumas evidentes e nefastas consequências. peão das intempéries ou do calor do sol, tal
situações, existia apenas para usufruto da casa como no Palácio do Comércio, com a sua pala
inferior, enquanto noutras se criavam soluções contínua FIG. 597, ou no Edifício DKW, através do
mais “democráticas”, com escadas nas tra- seu dinâmico volume horizontal FIG. 596.
seiras, que facultavam o acesso da habitação
superior a um talhão posterior.
A consonância dos materiais (…) vamos colocando Nos edifícios do sector norte da Rua de Sá da
Bandeira não se investe especialmente numa
mundo real. Vemos como reagem umas com as outras. a corrente estética em que cada um deles se
insere, pelo que a nossa interpretação da “con-
Todos sabemos que reagem entre si. Os materiais sonância dos materiais” se funde com a dos res-
pectivos “códigos linguísticos” e expressividade.
concordam harmoniosamente entre si (…) e nessa No que se refere à opção para os mate-
riais de revestimento de exterior vimos que,
composição de materiais surge algo único.
1
suas cantarias de granito, era comum a alusão ceram as preocupações expressivas e onde os
ao tradicional uso da cal através do branco, tal autores se limitaram a dar resposta às questões
como no Edifício Emporium FIG. 605, ainda assim, funcionais, que se obtiveram os resultados
o branco empregue no Gaveto Nordeste com a de maior eloquência, nomeadamente Passos
Rua Firmeza, numa suave relação com a tonali- Júnior, com o seu expoente máximo no dese-
dade do granito aí utilizado, é aquecido por uma nho das galerias e escadas de serviço FIGS. 608 E
nuance creme FIG. 603. Introduzem-se cantarias 609 , onde explora as capacidades construtivas
de granito serrado a ritmar os rebocos, expres- do betão ainda que apenas a nível formal, já que
sando a solidez do Estado Novo, mas apenas reveste este material com reboco colorido.
nas suas “fachadas” de rua, uma vez que os No que à sua imagem urbana se refere, o
alçados para o interior do quarteirão são enten- Palácio do Comércio veste-se integralmente
didos como traseiras de serviço: no Gaveto com granito polido FIG. 597, jogando pontualmen-
Nordeste com a Rua da Firmeza temos actu- te com tonalidades e texturas variadas de diver-
almente, e provavelmente desde sempre, um sos granitos numa densidade coerente com a
tom ocre FIG. 604; no Edifício Emporium, ainda sua linguagem Art Déco.
que sem granitos, a linguagem não difere muito Arménio Losa e Cassiano Barbosa, no
da do alçado de rua, mas a tonalidade do seu Edifício DKW FIG. 596, prolongam a tradição do
branco foi arrefecida com um tom azulado FIG. reboco na frente deste edifício para a Rua de
FIG. 605 Imagem na rua do FIG. 606 Imagem no interior do 606, talvez precisamente porque a ausência dos Guedes de Azevedo, ao mesmo tempo que tra-
Edifício Emporium quarteirão do Edifício Emporium
granitos permitia arriscar uma cor fria associada balham em profundidade o seu alçado da Rua
a uma maior modernidade. O edifício de Passos de Sá da Bandeira, reforçado com gradações
Júnior que os confronta do outro lado da rua, de cinza distinguindo os elementos portantes
o Edifício EDP, encontra-se pintado de rosa FIG. dos paramentos numa grelha, solução moder-
594 , um rosa que cita as arquitecturas românti- na e inovadora no Porto.
cas da viragem do século que constam do figu-
rino nacional de Raul Lino. Ironicamente, quer
neste FIG. 607, quer nos edifícios atrás referidos,
tos “secos”, primeiro em soalho e mais tarde em nadas à posição estanque em que, entretanto, do prédio, espaço dominado pela presença característico de Portugal, aqui conjugado com
taco, e o reboco pintado nos tectos e paredes, a segurança contra incêndios as colocou. da sua enorme, pesada e densa porta semi- as madeiras das portas, dos pavimentos e cor-
enquanto nas áreas com presença de águas transparente em ferro forjado sobre vidro; é rimões de escadas.
alternam os materiais cerâmicos com as pedras
polidas. Variam os seus detalhes, bem como os
PALÁCIO DO COMÉRCIO:
Nos dois edifícios que Manuel Passos Júnior tudo em cantaria de granito, interrompendo EDP oferecem, na perspectiva, uma maior legi- Quer no Gaveto Nordeste com a Rua da
constrói na Rua de Sá da Bandeira, o Gaveto superiormente faixas luminosas horizontais, bilidade à testa da base no gaveto aumentando, Firmeza, quer no Edifício EDP, onde a base
Nordeste com a Rua da Firmeza FIG. 591 e o cuja velocidade e expressiva dinâmica se acen- deste modo, a altura do “pódium” que prepara adquire maior altura, reduz-se à altura das mon-
Edifício EDP FIG. 590, identificamos embasa- tua na apertada curva do gaveto; nos alçados o movimento ascensional do cunhal, no Gaveto tras e introduzem-se postigos superiores. No
mentos idênticos: são assumidas bases con- laterias do Edifício EDP, os volumes de longas Nordeste com a Rua da Firmeza a estratégia Palácio do Comércio, as suas montras emol-
tínuas e maciças sobre as quais “assentam os e horizontais varandas em consola, alternadas assemelha-se mais à do Edifício Garantia, redu- duradas em sombra, sob a pala que protege
edifícios”, demarcados da sua base por uma com vãos inseridos em molduras horizontais zindo à altura da cavidade que marca a entrada o peão das inclemências do clima e define o
diferenciação do material: o pesado “pódium” é em cantaria de granito no plano da fachada, no cunhal através da introdução de postigos tabuleiro sobre o qual se ergue o edifício FIGS. 634 E
revestido num denso e escuro mármore polido criam uma dinâmica na perspectiva de escorço superiores, acontecimentos que, expressiva- 636, vão gradualmente aumentando à sua altura,
e nos pisos superiores predomina o reboco da rua que se inverte no gaveto, onde densas mente, reduzem à altura da base e que, coadju- acompanhando o desnível da rua FIG. 588 até que
pintado, ainda que com expressões distin- molduras verticais, também de granito polido, vados pela desfragmentação da volumetria na os espaços comerciais adquiram um pé-direito
tas nos dois edifícios. Em ambos os edifícios, se destacam em altura apontando na direc- silhueta dos alçados laterias, aumentam a altura que permita a introdução de “mezzanines”.
temos elementos que interceptam as respec- ção do céu FIG. 632. Apesar das formalizações da fachada no apertado “cotovelo” do cunhal.
tivas bases funcionando, no entanto, como opostas, identificam-se alguns objectivos em Se no Edifício EDP, tal como no Edifício Garantia,
o negativo um do outro: no Gaveto Nordeste comum, não só entre eles, mas também com as tensões no cunhal se acentuam através da
com a Rua da Firmeza FIG. 633, os alçados late- o Edifício Garantia: em todos eles procura-se, densificação dos ritmos verticais, no Gaveto
rais são ritmados verticalmente pelos corpos do ponto de vista expressivo, reduzir à altura Nordeste com a Rua da Firmeza, esta obtém-se
correspondentes às circulações comuns do corpo dos alçados laterais para a aumentar curvando as dinâmicas faixas horizontais.
sobrepostos às entradas no edifício FIGS. 95 E 96, nas viragens, para onde se transferem todas
as tensões e energia das respectivas imagens
urbanas. Para este efeito vimos a importância
que adquire, no Edifício Garantia, o desenho
da sua base; enquanto os volumes em consola
interceptados no embasamento do Edifício
concentram as energias da sua imagem pública inclinado da rua FIG. 599; o volume desfaz-se gra- tal como no Gaveto Nordeste com a Rua da
no gaveto, no Edifício DKW a desfragmentação dualmente antes de tocar o solo, dando lugar a FIG. 639 Esculturas no topo do Firmeza, desmaterializando-a numa sucessão
Palácio do Comércio
da volumetria, exacerbada no seu canto, cria uma base imaterial onde a superfície envidra- FIG. 640 Palas na cobertura do Bandeira torna-se especialmente interessante de avanços e recuos ritmados nos alçados
Edifício do Banco Popular
duas frentes hierarquizadas através da tensão çada alterna com nichos em sombra, numa quando analisado o seu corte longitudinal FIG. laterais FIG. 603, ou no Edifício DKW, onde se evi-
provocada por este volume, atribuindo maior solução onde espaços comerciais com dupla 357, onde podemos verificar as respectivas con- dencia a inclinação do plano da cobertura na
protagonismo a todo o alçado voltado para a altura e “mezzanines” se intercalam com outros sequências para os pisos inferiores de estacio- perspectiva sobre o gaveto FIG. 247; noutros ain-
Rua de Sá da Bandeira e, em vez de uma base que integram uma sobreloja, acompanhando o namento e a sua exemplar resolução, contro- da, coroam-se os topos com esculturas clássi-
maciça, procura-se negar a materialidade da acentuado desnível da rua. lando os desníveis no tecto do estacionamento cas, tal como no Palácio do Comércio FIG. 639 ou
base de sustentação do edifício encobrindo a Numa cidade de topografia acidentada, FIG. 268 e aproveitando-os para a introdução até, poder-se-á dizer, com esculturas modernas
estrutura num mármore negro polido, dissolvido como é o caso do Porto, a relação da edifica- de pisos intermédios de apoio aos espaços como o serão, certamente, as palas de betão
no vidro a espelhar o exterior, e diluir as fronteiras ção com o solo apenas se começou a compli- comerciais. Actualmente, é vulgar assistirmos a em consola do edifício de Benjamim do Carmo
entre o exterior e o interior, colocando o vidro em car quando surgiu a necessidade de criar áreas uma evidente e chocante displicência em edifí- e Agostinho Ricca FIG. 640.
sombra (o alçado da Rua de Guedes de Azevedo de estacionamento nas caves dos edifícios. cios onde, perante este tipo de dificuldade, sim-
orienta-se a norte) para, reduzindo os reflexos, Nos edifícios estudados vimos que este, ora se plesmente se criam percursos em galerias de
obter uma maior transparência para o interior. remetia para o interior do quarteirão, mantendo nível paralelas, ora inferiores, ora superiores, ao
Inclusive, a entrada das habitações, com uma os armazéns dos espaços comerciais abaixo da inclinado passeio público, ou outras “receitas”
marcação discreta no alçado da Rua de Guedes cota do piso térreo, e apenas no Edifício DKW da mesma índole.
de Azevedo, evidencia-se através de uma reent- se sobrepõe o comércio a pisos de estaciona-
rância FIG. 638, definindo um espaço de recepção mento; no Edifício DKW, a relação dos espaços
no exterior, separado do interior apenas por comerciais com a pendente da Rua de Sá da
Peter Zumthor refere-se à própria capacidade A casa urbana inserida num quarteirão recebe o
dos materiais emitirem ruído - os ruídos dos som da cidade através da sua frente, enquanto as
passos num soalho de madeira ou de um tacão suas traseiras se relacionam com o “miolo” verde
num piso de mármore - e ao modo como cada do quarteirão, supostamente mais calmo e redu-
espaço funciona como caixa acústica, ampli- zido às relações próximas de vizinhança.
ficando ou abafando estes sons e fornecendo Ainda nos dias de hoje, do interior de alguns
diversificadas informações a quem os escuta, quarteirões do centro do Porto, podemos,
2
inclusive acerca da sua proporção e escala. frequentemente, escutar o cantar do galo na
Juhani Pallasmaa sublinha que o sentido da madrugada, sinal de uma outra vida, mais rural,
visão implica exterioridade enquanto o da audi- que ainda subsiste na cidade e equilibra o rit- 2 A propósito deste tema
3
ção cria uma experiência de interioridade. mo das vivências urbanas. É lamentável quan- recomenda-se a leitura de
Ouvindo arquitectura, o último
Para além das diferentes capacidades acús- do os sons da natureza presentes no “miolo” capítulo do livro de RASMUSSEN,
Steen Eiler - Arquitectura
ticas dos materiais utilizados nos espaços de dos quarteirões são abafados pelos ruídos vivenciada, Livraria Martins
Fontes Editora, 2a edição, São
habitação, é do senso comum que são os ele- das ventoinhas das ventilações forçadas e dos Paulo, 1986
3 Baseado em PALLASMAA,
mentos de decoração aqueles que têm a maior aparelhos de ar condicionado dos comércios Juhani – The Eyes of the Skin:
Architecture and the Senses.
capacidade de absorver o som, anulando ecos do rés-do-chão e dos escritórios, criando uma Londres: Academy Press, 2005.
P. 34.
e reverberações. Aqui, considerando a homo- contínua vibração, surda mas perturbadora, da 4 Citação de MARCUS, Sharon
– Apartment stories. Berkeley:
geneidade, quer na escala dos compartimen- qual se toma maior consciência apenas quan- University of California Press,
1999, p.147 in MOTA, Nelson – A
tos, quer na escolha dos materiais para os seus do esta pára, proporcionando breves momen- Arquitectura do Quotidiano
Público e Privado no Espaço
interiores, não faremos a análise da sonoridade tos de silêncio, uma momentânea tranquilidade Doméstico da Burguesia
Portuense no Final do Século
de um material num espaço, debruçando-nos, fundamental para o equilíbrio do indivíduo. A XIX, Coimbra, edarq - Editorial
Departamento de Arquitectura da
sobretudo, no comportamento destas tipo- cidade e a arquitectura têm de ser capazes de FCTUC, 2010, p. 33.
divisão entre os mundos masculino e feminino tinha e a elas, mesmo quando livres das tarefas servi-
uma conotação religiosa: pensava-se que a esfera çais, o decoro não lhes permitia uma excessiva
do público era perigosa e amoral. Os homens que exposição, o que, para além das óbvias questões
evoluíam nessa esfera só podiam ser salvos por um práticas que remetem as áreas de serviço para o
contacto regular com o mundo moral do lar, no qual interior do quarteirão, poderá ter contribuído para
as mulheres eram portadoras desses valores puros a opção de posicionar quartos e salas do lado da
que podiam neutralizar as tendências destrutivas do rua permitindo-lhes, desse modo, algum contacto
5
mundo dos negócios.” com a vida urbana.
Witold Rybczynsky coloca a burguesia no cen- Os pátios abertos para o interior do quar-
tro da discussão em torno do conforto domés- teirão, como os que se geram nas traseiras
6 5 Citação de HALL, Catherine – 10 “la casa se estaba convirtiendo
tico , definindo a “domesticidade” como uma do Edifício Garantia com a rotação do prédio Lar, doce lar in ARIÉS, Philippe en un lugar privado. Junto con esta
e DUBY, George (dir.) – História privatización de la casa, surgió
qualidade que surge da associação da intimidade no gaveto, colocam em confronto próximo as da vida privada. 4º vol. Porto: un sentido cada vez mayor de
Afrontamento, 1990, p. 70. intimidad, de identificar la casa
e da privacidade na habitação, tendo surgido varandas de serviço, situação que favorece o 6 “lo que sitúa al burgués en el exclusivamente con la vida de la
centro de mi análisis de conforto familia. Sin embargo, dentro de la
apenas na Holanda no século XVII onde, pela convívio directo entre o pessoal de serviço dos doméstico es que, al contrario casa la intimidad personal seguía
que el aristócrata, que vivía en un teniendo relativamente poca
primeira vez, a burguesia se assume como classe respectivos apartamentos. castillo fortificado, o el clérigo, que importancia.” In RYBCZYNSKI,
vivía en un monasterio, o el siervo Witold - La casa. Historia de una
dominante. Até aí, a casa era um lugar público e o Cada prédio acaba por se transformar numa que vivía en una choza, el burgués idea. San Sebastian: Editorial
vivía en una casa.” In RYBCZYNSKI, Nerea, 1989, p. 50.
seu espaço polivalente: “La gente cocinaba, comía, pequena comunidade: através dos tabiques Witold - La casa. Historia de una 11 “No sólo la casa se estaba
7 idea. San Sebastian: Editorial haciendo más íntima, sino que
recibía, y dormía en este espacio.” Com a separação chega, abafado, o som das conversas, escutam- Nerea, 1989, p. 36. además, en el proceso, iba
7 Citação de RYBCZYNSKI, Witold adquiriendo un ambiente especial.
que entretanto se processa entre o espaço de -se as passadas nos soalhos de madeira, sabe- - La casa. Historia de una idea. Se estaba convirtiendo en un lugar
8 San Sebastian: Editorial Nerea, femenino, o por lo menos en un
trabalho e o espaço para habitar, acentuam-se -se quando chega ou sai alguém do prédio, 1989, p. 36. lugar bajo el control femenino.”
FIG. 641 Galerias e escadas de ser-
9 8 “Os edifícios de apartamentos In RYBCZYNSKI, Witold - La
as fronteiras entre público e privado e a expo- chegando-se até ao ponto de os seus habitantes construídos na época de casa. Historia de una idea. San
viço no saguão do Edifício TAAG
Haussman já não possuíam Sebastian: Editorial Nerea, 1989,
sição da casa medieval é substituída por uma desenvolverem a capacidade de identificarem comércio no rés-do-chão. A p. 84.
10 prática de zonamento isolava os 12 “As mulheres possuíam agora
dimensão mais privada e caseira, domínio da pelo som os seus vizinhos, reconhecendo o seu bairros residenciais das áreas o encargo de proteger o interior
de negócio, promovendo desta do exterior, uma tarefa a ser
vida familiar, suportada pelo homem e gerida pela ritmo a subir as escadas e a sonoridade do seu forma uma maneira de o espaço desenvolvida no seio da unidade
11 doméstico se separar dos locais familiar.” In MARCUS, Sharon –
mulher . Alguns autores, entre os quais Sharon calçado nos degraus de madeira das escadas de troca.” In MARCUS, Sharon Apartment stories. Berkeley:
12 – Apartment stories. Berkeley: University of California Press,
Marcus e Richard Sennett, defendem ainda comuns dos prédios. Do mesmo modo, os movi- University of California Press, 1999, p.150 citado por MOTA,
1999, p.142 citado por MOTA, Nelson – A Arquitectura do
que, para além da gestão, competia também às mentos no seu corredor denunciam-se no inte- Nelson – A Arquitectura do Quotidiano Público e Privado no
Quotidiano Público e Privado no Espaço Doméstico da Burguesia
mulheres proteger o interior do exterior: “O público rior de cada compartimento. Espaço Doméstico da Burguesia Portuense no Final do Século
Portuense no Final do Século XIX, Coimbra, edarq - Editorial
como um domínio imoral significa coisas relativamente XIX, Coimbra, edarq - Editorial Departamento de Arquitectura da
Departamento de Arquitectura da FCTUC, 2010, p. 35.
diferentes para homens e mulheres. Para as mulheres, FCTUC, 2010, p. 33. 13 Citação de SENNETT, Richard
9 “A partir do momento que a rua – The fall of public man. London:
era onde se arriscava a perder a virtude (…). Ao se des- se tornou no único espaço no Faber and Faber, 1986, p. 23 in Nas culturas do norte da Europa, as janelas são dos outros. Nas culturas católicas, um elevado
qual era possível a vida pública, MOTA, Nelson – A Arquitectura do
locar para o público (…), um homem podia-se retirar surgiu um novo sentido de divisão Quotidiano Público e Privado no maiores por existir uma maior necessidade de nível de intolerância induz a que a vida privada
entre o interior e o exterior, Espaço Doméstico da Burguesia
desse carácter muito repressivo e autoritário de res- agora definido como a oposição Portuense no Final do Século luz solar, uma dimensão que no sul se reduz se resguarde da exposição pública, cuidadosa-
e a competição entre a esfera XIX, Coimbra, edarq - Editorial
peitabilidade que devia encarnar na sua pessoa, como pública e a privada.“ In MARCUS, Departamento de Arquitectura da para controlar a intensidade da luz e para pro- mente escondida por detrás de pequenas jane-
Sharon – Apartment stories. FCTUC, 2010, pp. 35-36.
pai e como marido no lar. Por isso, para os homens a Berkeley: University of California 14 Citação de RYBCZYNSKI, Witold teger os interiores do calor. Sem dúvida que las e cortinados e, consequentemente, o misté-
Press, 1999, p.147 citado por - La casa. Historia de una idea.
imoralidade do espaço público estava associada a um MOTA, Nelson – A Arquitectura do San Sebastian: Editorial Nerea, estes aspectos terão influenciado o desenho rio associado a esse recato acaba por suscitar
Quotidiano Público e Privado no 1989, p. 85.
subliminar sentido de imoralidade como domínio de Espaço Doméstico da Burguesia 15 tal como bem o caricaturiza a dos edifícios. No entanto, quando por exemplo um maior interesse público.
Portuense no Final do Século série televisiva espanhola “Aqui
liberdade, em vez de uma simples desgraça, como o XIX, Coimbra, edarq - Editorial no hay quien viva!”. na Holanda, passamos de povoações maio- Com o saguão intensificam-se informalmen-
13 Departamento de Arquitectura da
era para as mulheres.” Citando, de novo, Witold FCTUC, 2010, p. 33. ritariamente católicas para outras sobretudo te as relações de vizinhança: este funciona como
Rybczynsky: “Con la familia vino el aislamiento, pero protestantes, observamos que também se uma caixa acústica que amplifica o som vindo
también la vida familiar y la domesticidade. La casa se alteram as relações da vida privada com a vida dos vizinhos criando entre eles uma intimidade,
estaba convirtiendo en un hogar y, tras la intimidad y pública. Superficialmente, poderemos afirmar por vezes forçada, outras vezes desejada. Para
la domesticidad, estaba abierto el camino a un tercero que uma maior tolerância para com os com- além da sua função primordial – a de dotar de luz
14
Os homens
descubrimiento: la idea de confort.” portamentos individuais, presente na cultura natural e arejar o núcleo central do apartamento
estavam quase sempre ausentes de casa e a protestante do norte da Europa, faz com que as -, o saguão é um pequeno pátio interno onde se
vida doméstica era personificada pelas mulheres pessoas se desinibam de expor a sua vida priva- pode conversar, de janela para janela, onde se
da e com que se reduza a necessidade de cada desenvolvem ódios e amizades, onde se espia
cidadão se proteger dos olhares e julgamentos e comenta a vida dos vizinhos: estes espaços
dade” entre vizinhos, e só pontualmente temos pátios abertos para o interior do quarteirão. A cia entre fogos, não apenas no que ao som se
quartos virados para o saguão, tal como acon- construção em betão das escadas comuns e refere, mas também em termos da qualidade da
tece no Edifício TAAG FIG. 589 onde, para agravar o uso de revestimentos em taco sobre lajes de luz (os primeiros orientam-se para poente e os
a sua falta de privacidade, ainda temos a gale- betão, nos pavimentos interiores, reduziu a uma segundos para nascente), vistas e desafogo que
ria e as escadas de serviço FIG. 641. Nos prédios ressonância pouco nítida o som que, da “vida” para cada um deles se proporciona.
com apartamentos geminados em torno de um do prédio, ecoava para o interior de cada apar-
saguão de José Ferreira Penêda e de José Porto tamento. Relativamente à construção dos pisos
FIG. 589 , apenas temos as varandas das cozinhas com travejamentos, a construção com lajes
e os postigos de ventilação das casas de banho de betão agregadas à estrutura vertical minora
virados para o saguão FIG. 642 E 643; no de José substancialmente a propagação dos sons agu-
Porto, para além disso, os volumes avançados dos entre os pisos e, apesar de não conseguir
das escadas comuns ocupam dois dos seus evitar a propagação dos sons graves que se
transmitem através da sua estrutura, proporcio-
na um maior isolamento.
A temperatura do espaço, (…) essa temperatura Com o modernismo e a sua moral contra a
ornamentação avança-se gradualmente para a
Muitos dos apartamentos estudados estão densidad; un espacio sin memoria, lanzado al futuro
As coisas ao meu redor. Cada vez que entro em desactualizados, inclusive na sua organização contra el pasado.”
2
em planta. Até meados dos anos 40, nos apar- Não será exclusivamente devido ao seu cariz
edifícios, em espaços onde vive gente (…), sinto-me tamentos do Porto, não existia uma hierarqui- funcionalista e racionalista que uma arquitectura
zação funcional, não existia sequer uma distin- poderá conter a liberdade individual dos seus
impressionado pelas coisas que as pessoas têm consigo. ção entre salas e quartos: os espaços apenas utentes, mas esta contenção ocorre sempre
se sucediam, relativamente idênticos na sua que a arquitectura não tem a capacidade de
(…) Perguntava-me se era tarefa da arquitectura criar um caracterização e dimensão, ao longo dos espa- ser “recipiente”, acolhendo a vida com tudo o
ços de distribuição, existindo apenas uma even- que ela tem de informal e imprevisto. Adolf Loos,
recipiente que contivesse todas essas coisas.
1
tual vocação conferida sobretudo pela posição num pequeno conto intitulado “Sobre um pobre
3
que ocupavam no apartamento, mas sem que homem rico” publicado em 1900 , conta-nos a
fossem especializados para cumprir uma fun- frustração sentida por um cliente na vivência da
ção específica FIGS. 656 A 661. A sua função seria sua moderníssima e belíssima casa, desenhada
determinada pelo utilizador, que poderia fazer por um competente e apaixonado arquitecto,
uma livre apropriação destes espaços. Este obcecado com a coerência estilística, que deta-
entendimento terminou com o funcionalismo lha todos os detalhes da vida doméstica, coor-
e com a consequente racionalização da planta denando inclusive o vestuário íntimo dos habi-
do apartamento que, apesar de contemporâ- tantes com os motivos decorativos da arquitec-
neos destas arquitecturas, ainda não tiveram tura e não admitindo a presença visível de qual-
nelas qualquer repercussão. quer objecto pessoal ou de valor sentimental 2 Citação de ÁBALOS, Iñaki –
A crítica ao funcionalismo existe desde que que não se enquadre na sua harmoniosa “obra La buena vida. Visita guiada
a las casas de la modernidad.
este surgiu e uma visão bastante interessan- de arte”. Adolf Loos, contrariando a ideia de que Barcelona: Editorial Gustavo Gili,
2003, p. 75.
te sobre o tema é aquela que nos é dada por a arquitectura é arte, argumenta que “la casa 3 LOOS, Adolf – Sobre um pobre
homem rico in RODRIGUES, José
Jacques Tati no filme “Mon oncle”: Jacques Tati debe agradar a todos, a diferencia de la obra de arte Manuel (coord.) - Teoria e crítica
de arquitectura. Século XX. Casal
contrapõe o mundo positivista, com toda a sua que no tiene por qué gustar a nadie. La obra de arte es de Cambra: Caleidoscópio; OASRS,
2010.
fé na modernidade e num futuro que se prevê un asunto privado del artista. La casa no lo es. La obra 4 Citação de LOOS, Adolf –
Ornamento y delito: y otros
radiante, com o mundo caótico e fenomenoló- de arte se sitúa en el mundo sin que existiera exigencia escritos. Barcelona: Editorial
Gustavo Gili, 1980, p.229.
gico; coloca uma criança entre dois mundos, o alguna que la obrigase a nacer. La casa cubre una exi- 5 LOOS, Adolf – Ornamento y
delito: y otros escritos. Barcelona:
dos pais, na sua moderníssima casa onde tudo gencia. La obra de arte no tiene responsabilidad ante Editorial Gustavo Gili, 1980.
está previsto, um mundo funcional cuja higie- nadie; la casa la tiene ante qualquiera. La obra de arte
ne resplandece, e o do seu tio, monsieur Hulot, quiere arrancar a los hombres de su comodidad, a
indiferente à ideia de progresso, sensorial, ilógi- casa ha de servir a dicha comodidad. La obra de arte
4
co e caótico, mas onde existe lugar para o deva- es revolucionaria, la casa es conservadora.”
neio e para a imaginação; naturalmente que a Adolf Loos é o autor de um livro, publicado
preferência da criança recai sobre o mundo do em 1908, sob o expressivo título “Ornamento y
5
seu tio, um universo sugestivamente libertador, delito” , o qual, por si só, sintetiza os conteúdos
em contraponto ao sentimento de castração da obra deixando antever a enorme carga ética
que o dos pais lhe suscita. Utilizando a súmu- que transpõe para a arquitectura; esta induziu
la de Iñaki Ábalos, no mundo dos pais, “nada a um crescente depuramento na arquitectura
encontramos de la intensidad secretista del tortuoso durante a primeira metade do século XX, cujo
laberinto topológico de la casa fenomenológica de largo espectro de influência, como vimos, direc-
monsieur Hulot (…). La casa positivista será la casa ta ou indirectamente, se fez sentir inclusive nas
de la exposición de unos miembros frente a los otros primeiras arquitecturas modernistas do prédio
y de la familia como unidad al exterior. Su aire ya no de rendimento portuense, sendo que, dos pré-
será el denso aire fenomenológico sino que deviene dios estudados, aquele que melhor o ilustra é o
medicalizado, higiénico, un espacio desinfectado Edifício Geminado de José Porto FIG. 602. Como
proporcionado por la transparencia, el asolamiento vimos, alguns dos arquitectos modernistas
1 Citação de ZUMTHOR, Peter –
Atmosferas. Barcelona: Editorial y la limpieza. El espacio positivista es un espacio sin portugueses tendiam a isolar como signo de
Gustavo Gili, 2006, pp. 35-37.
José Porto atribuir o pendor moralista contido no discur- ración, y los interiores de sus cubos no se parecían
so de Adolf Loos; praticam um certo despoja- en lo más mínimo a los exteriores. (…) Los interiores
mento no seu desenho, oportuno em período de Loos exhibían toda la domesticidad sólida, con-
de recessão, em arquitecturas reiteradamente fortable y burguesa que esperaban de una casa él y
7
híbridas, ora resultando da tendência para a sus clientes vienenses.”e prossegue com uma
estilização e geometria da forma do Art Déco, exacerbada e algo cínica crítica ao “purismo” e à
ora acusando a formação clássica dos seus arquitectura funcionalista e racionalista, a qual,
autores, nas arquitecturas que se passaram ainda que sem a subscrevermos na totalidade,
a designar como “arquitecturas do reboco” e citamos, pela posição extrema e oposta nele
de que, na sua versão classizante, o Edifício do assumida: “El vociferante ataque lanzado por Loos
Instituto de Inglês é paradigmático FIG. 602. contra la ornamentación, que más tarde habría de
O livro de Adolf Loos é, em grande medida, lamentar, abrió la puerta a una puesta global en tela
responsável pelo assumido desnudamento dos de juicio de los valores tradicionales. Además, como
interiores que se inicia durante o modernismo. él había establecido una base moral para su posición,
No entanto, Adolf Loos, apesar da depuração ese movimiento pronto adquirió la retórica y la segu-
ética do exterior, constrói no interior o espaço ridad en sí mismo de una cruzada. Para la vanguardia
subjectivo e íntimo do individuo, tal como José francesa, alemana y neerlandesa, la eliminación de
Fernando Gonçalves assinala, conferindo à la ornamentación no fue sino un principio. Le dieran
“casa” uma “dupla personalidade”: “a fachada seus interiores são relativamente despojados la vuelta de revés a las ideas de Loos y los interiores de
interior (do individuo), reflecte o mundo próprio e, aparte a sua escala e proporção, são carac- sus casas pasaron a ser igual de blancos y vacíos que
e subjectivo do utilizador (o Raumplan deriva terizados sobretudo pelas carpintarias e pelo los exteriores. Se eliminaran todos los vestigios de lo
da dualidade destes princípios: conceito espa- desenho das sancas, este último sintomático pasado. Si la ornamentación era un delito, también lo
cial contido numa caixa de estereometria fixa da sua postura relativamente à questão do era el lujo. Se acabaran los materiales ricos, se acabó
que tem que ver com critérios de empatia do ornamento na arquitectura: nos primeiros, o la suntuosidad, se acabaran los adornos. (…) Cuanta
8
individuo na concretização de cada função – Edifício Garantia FIG. 669 e o do Instituto de Inglês, más austeridad, mejor. (…)”
cada espaço tem uma área e volume propor- reduzem-se a umas marcações no reboco O Purismo foi um movimento que, em arqui-
cional à sua importância – e com critérios de para integrar a estrutura aparente no tecto; tectura, procurava a definição de uma estética
economia espacial que a suportam); a facha- José Porto assume a aresta viva nos seus dois maquinista e racionalista, através de volumes 6 Citação de GONÇALVES, José
Fernando – Ser ou não ser
da exterior, no respeito pela comunidade deve edifícios da Rua de Sá da Bandeira FIG. 670 e nos simples e formas depuradas que transmitissem moderno: Considerações sobre
a Arquitectura Modernista
manter-se silenciosa (a arquitectura muda, no edifícios do Estado Novo voltam a empregar-se de forma clara as funções para as quais foram Portuguesa. Coimbra: Edições do
Departamento de Arquitectura da
respeito pelos valores do colectivo; o exterior sancas em gesso para suavizar a relação das criadas, sucedeu ao Cubismo e foi fundado FCTUC, 2002, p. 33.
7 Citação de RYBCZYNSKI, Witold
pertence à civilização); qualquer ornamento paredes com o tecto FIG. 671. por Amédée Ozenfant, pintor e escritor, e por - La casa. Historia de una idea.
6 San Sebastian: Editorial Nerea,
imposto é indecente.” Não detectamos quais- Le Corbusier, editores de uma revista denomi- 1989, p. 203.
8 Idem, p. 203.
quer sinais desta filosofia na concepção dos nada “L’Esprit Nouveau”, onde publicam o seu 9 Baseado em Purismo. In
9 Infopédia [Em linha]. Porto: Porto
interiores dos apartamentos da Rua de Sá da manifesto. Le Corbusier, com a sua definição da Editora, 2003-2012.
10 Citação de ÁBALOS, Iñaki
Bandeira, com uma espacialidade herdada da casa como uma máquina onde se vive, funda o – La buena vida. Visita guiada
a las casas de la modernidad.
cultura clássica, composta por espaços está- maquinismo moderno, o qual está na origem do Barcelona: Editorial Gustavo Gili,
2003, p. 77.
veis e verticalizados FIGS. 669 E 670, ainda que, tal funcionalismo e racionalismo modernos e deno-
como já era prática corrente, sem que a circu- ta uma profunda fé na ciência e no progresso
lação se faça obrigatoriamente através deles, para a construção de uma nova sociedade justa
mas por sistemas distributivos autónomos. Os e democrática: “a casa positivista é de un mate-
rial neutro, el ‘blanco’, un material moderno,
visible e integrador, igualador al máximo, efi-
caz desde el punto de vista higiénico y también
10
como desdensificador del espacio”.
L’Esprit Nouveau fez-se representar num No seu livro “La buena vida” e a propósito do Num artigo em forma de entrevista de J. Os apartamentos T3 do Edifício DKW, pelo claro
pavilhão da Exposição Internacional de Artes filme “Mon Oncle”, Iñaki Ábalos, em conso- Badovici a Eileen Gray, publicado em 1929 sob zonamento da sua planta FIG. 666, são, de todos
Decorativas e Industriais Modernas de Paris e, nância com Witold Rybczynsky, afirma que o o título “Do eclectismo à dúvida” num número os que visitamos na Rua de Sá da Bandeira,
a seu propósito, Witold Rybczynsky compara a maquinismo moderno está ligado “a una visión especial de “L’Architecture Vivante”, Eileen Gray, aqueles cuja planta melhor encarna os propó-
postura de Le Corbusier com as “engenheiras más estética que práctica del confort, basada critica a fria e asséptica estética da máquina sitos do funcionalismo e do racionalismo. No
domésticas” americanas que, ainda antes de en la idealización de las técnicas y materiales defendida pelo Movimento Moderno em prol de entanto, apesar da optimização da planta com
13
Le Corbusier, no final do século XIX, procura- industrializados” e satiriza o arquitecto do um maior humanismo na arquitectura: pressupostos racionais, como vimos, o seu
ram definir regras que tornassem a casa mais Movimento Moderno, com a sua fé cega no pre- E. Gray – “…De la misma manera que traduciendo desenho não se reduz às questões funcionais.
eficiente, para chegar à conclusão de que, rela- sente e no futuro e com a consequente nega- al hombre individual con sus deseos, sus pasiones y Arménio Losa e Cassiano Barbosa, à seme-
tivamente às preocupações destas senhoras ção do passado, através desta expressiva ima- sus gustos se traducirá de lo mejor de la vida social y el lhança de Eileen Gray, complementam a arqui-
cuja intenção era, de facto, a de tornar a casa gem: “El arquitecto es siempre un turista fascinado orden colectivo. El arte está fundado en la costumbre, tectura moderna com uma visão humanizada,
num lugar mais eficiente, Le Corbusier estaria ante un maquinismo cuya mecánica desconoce, pero no en la costumbre fugaz, o más bien artificial, que praticam numa relação harmoniosa com
mais interessado na proposta de uma nova un turista que se embelesa con la belleza del tran- que crea la moda. Lo que hace falta es dar al objeto la o passado e com a sua formação clássica, sem
estética de carácter mais abstracto, ainda que satlántico en el que decide viajar para pontificar mejor convenga al gesto espontáneo o al reflejo ins- promover rupturas.
utilizasse as questões funcionais como funda- sobre la ciudad, pero que es incapaz de mostrar una tintivo con los que por su destino se corresponde.” (…) Uma das maiores debilidades da arquitectura
11
mento ; enquanto as “engenheiras domésti- misma sensibilidad frente à la memoria histórica de J. Badovici – “en suma quieres reaccionar contra do Movimento Moderno foi o seu deslumbramento
cas” definiam regras que seriam adaptáveis às la ciudad, mientras visita Córcega y Atenas elabo- las fórmulas da moda, volver hacia atrás.” para com as novas possibilidades da vida moderna,
especificidades de cada família, as normas de rando su ciudad ideal. A este turista no le temblará E. Gray – “No, quiero al contrario desarrollar esas a sua índole dogmática na defesa do mundo novo
Le Corbusier pretendiam ser universais, trans- el pulso cuando propugne la destrucción del pasa- fórmulas e impulsar-las hasta que encuentren el con- com uma inerente negação do passado.
formando-se numa imposição exterior a cada do a favor de la lógica maquínica social: ‘no puede tacto con la vida, enriquecer-las hasta que encuentren Quando, na Europa Central, se inicia o
12
unidade familiar ; uma planificação da vida que permitirse que por un culto mezquino del pasado, se el contacto con la vida, enriquecer-las, hacer penetrar processo de crítica e revisão do moderno, a
ignora a natureza humana, onde tudo estaria ignoren las reglas de la justicia social’, escribirá en la lo real en la abstracción. El arte no está en la expresión vanguarda portuguesa estava ainda a dar os
14
ordenado, previsto e solucionado, restando ao Carta de Atenas.” de las relaciones abstractas; debe cerrar también la primeiros passos contra a repressão do regime
individuo seguir ordeiramente as regras fixadas, expresión de las relaciones más concretas, de las exi- e apenas reclamava o direito a fazer moderno,
movendo-se num território onde até a nature- gencias más secretas de la vida subjetiva…” mesmo quando alguns dos protagonistas desta
za, domesticada e controlada, teria a sua fun- J. Badovici – “Es verdad que muchas obras son un batalha já tinham, sobre ele, uma visão crítica.
ção, a de purificar o ar e acolher as actividades poco frías pero, ¿no será porque estamos aún bajo la Os prédios de rendimento construídos no Porto
lúdicas e desportivas. influencia del pasado reciente? ¿y no serán los prin- pela vanguarda moderna portuguesa ajustam-
cipios de la higiene un poco los responsables de esta -se à realidade sem chegarem a criar rupturas:
11 “En qué consistía el Espíritu En el ‘Manual de la Vivienda’, Sin embargo, es imposible no Corbusier y las ingenieras baño cómodos, planchas eléctricas 12 “Cuando Gilbreth hablaba frialdad que nos choca? nem se aplica na íntegra o receituário moderno,
Nuevo? En primero lugar, en el publicado dos años antes, Le simpatizar con los esfuerzos de domésticas se refería a la question y máquinas de lavar. Le Corbusier, de ‘normas’, se refería a las
rechazo total del arte decorativo. Corbusier había ofrecido sus Le Corbusier por enfrentarse del aspecto que debía tener la casa al igual que la mayor parte de los normas personales que cada E. Gray – “¡Sí! ¡De la higiene de la muerte! De la nem se chega a desumanizar a arquitectura.
Ello significaba, evidentemente, consejos a quienes pensaban en con los problemas de la vida eficiente. La actitud de Christine arquitectos, no comprendía, o no familia decidía para sí; una vez
el rechazo de ornamentación comprarse una casa (JEANNERET, moderna, algo que diferenciaba su Frederick y Gilbreth respecto del quería aceptar, que la aparición establecidas éstas, podía aplicarse higiene mal comprendida. Pues la higiene no excluye No filme “Mon oncle”, Jacques Tati satiriza
los estilos que caracterizaba los Charles-Edouard – Towards a sencillo pabellón de los interiores aspecto de la casa no se puede de la tecnología y la gestión la técnica de la gestión científica
estilos de resurrección de épocas New Architecture. Londres: presuntuosos de los ‘ensembliers’ calificar más que de alegremente doméstica habían dejado en para hallar la forma más eficiente ni el conforto ni la actividad. No, estar intoxicados uma arquitectura asséptica onde tudo está
históricas que Le Corbusier John Rodker, 1931, pp. 122-123). del Art Deco. Intentaba, por pragmática; lo que les preocupaba un lugar subordinado a toda la de lograrlas. Para Le Corbusier, en
calificaba despectivamente de Luis Resulta sorprendente que pocos torpemente que fuese, convertir era la función, no el aspecto. cuestión del estilo arquitectónico.” cambio, las normas era algo que por el maquinismo. Pero previsto e, através do mundo de monsieur
A, B y C. Pero también significaba de esos consejos se refriesen la casa en un lugar más eficiente, Daban por hecho que la gente In RYBCZYNSKI, Witold - La se imponía desde fuera. Según
rechazar resurrecciones tan a la tecnología doméstica. (…) y pensar en la vida cotidiana, en desearía decorar sus casas de casa. Historia de una idea. San él, las necesidades humanas eran hay más cosas que maquinismo, el mundo está Hulot, atribui mérito à arquitectura que tem a
creativas como los estilos de Su propuesta de que la cocina lugar de los problemas esotéricos y forma diferente, y no advertían Sebastian: Editorial Nerea, 1989, universales y se podrían uniformar
Artes y Artesanías y de Secesión, estuviera en la parte alta de la casi anticuados de la decoración. A ningún motivo para afirmar que una pp. 193, 194-195, 196-197. y, en consecuencia, sus soluciones poblado de alusiones vivas, de simetrías vivas, difíci- capacidade de acolher o universo pessoal de
y de evitar incluso la decoración casa, para evitar los olores, era este respecto, compartía muchos forma fuese mejor que otra. (…) eran prototípicas, no personales.”
abstracta del Art Deco. Eso dejaría extraña y nada práctica. (…) El de los objetivos de las ingenierías Ningún de los dos advertía conflicto In RYBCZYNSKI, Witold - La les de descubrir, pero reales. Su exceso de intelectu- cada um, uma arquitectura cuja ordem não fica
un interior bastante desnudo, pabellón daba muestras de poco domésticas estadounidenses. alguno entre la decoración casa. Historia de una idea. San
verdad? Y que tenía eso de malo? interés por detalles tan técnicos Al igual que Frederick y Gilbreth, tradicional y la gestión doméstica Sebastian: Editorial Nerea, 1989, alidad quiere suprimir lo que hay de maravilloso en questionada pelo caos individual, mas que, pelo
Preguntaba Le Corbusier.(…) como el lugar para los enchufes Le Corbusier había leído el libro eficiente, y ese fue el motivo de pp. 195-196.
y las lámparas, Uno de sus dichos de F. W. Taylor sobre la gestión que sus enseñanzas gozaran de la 13 Citação de ÁBALOS, Iñaki la vida, con su preocupación mal comprendida por la contrário, tem capacidade para o absorver.
más famosos era: ‘La casa es científica, pero parecía no haber aceptación del público. – La buena vida. Visita guiada 15
una máquina en la que vivir’, aplicado las ideas de Taylor más En eso era lo que Le Corbusier a las casas de la modernidad. higiene y que lleva a una asepsia insoportable.” Iñaki Ábalos constata que nos pátios das
pero a juzgar de una perspectiva que a la construcción da las casas, se distanciaba de las ingenieras Barcelona: Editorial Gustavo Gili,
‘puramente’ mecánica, el Espíritu y no a las tareas domésticas en domésticas. En cierto sentido, 2003, pp.80-81. Nesta entrevista, Eileen Gray, para além casas de Mies Van Der Rohe “no hay lugar para el
Nuevo ofrecía poco que fuera… sí (TAYLOR, Brian Brace - Le seguía siendo un arquitecto del 14 Idem, pp. 80-81.
bien, nuevo. Corbusier et Pessac. Paris: siglo XIX empeñado en la batalla 15 Os excertos da entrevista de antecipar em vários anos a crítica ao pequeño huerto, ni para el cultivo de flores, ni para
Fondation Le Corbusier, 1972, p. de los estilos. De eso trataba el que aqui apresentamos foram
23). Los cuartos de estar de varios Espíritu Nuevo: un estilo nuevo, retirados de MORALES, José Movimento Moderno, aponta já também um objetos de uso doméstico, fuentes o piscinas, para
usos, los armarios empotrados, las un estilo adecuado al siglo XX, un - La Disolución de la Estancia,
duchas y la iluminación indirecta, estilo para la Era de la Máquina, un transformaciones domésticas caminho no sentido da sua revisão, a qual passa todo el conjunto de implementos con los que el hom-
que presentaba como ‘ideas estilo para una vida más eficiente. 1930-1960. Madrid, Editorial
nuevas’, eran lo corriente en las Su casa no era simplemente Rueda, 2005, pp. 27-28. não por negar as suas conquistas, mas por pro- bre, la familia-tipo moderna, amagan un contacto
casas estadounidenses desde moderna, sino una casa que 16
hacía decenios.” (…) parecía moderna. (…) No era la curar complementá-las com uma visão mais a sua
activo e implicado con el medio natural”,
Otra diferencia entre Le ausencia de papel de pared y de
zócalos lo que hacía moderna a lata e humanizada da vida e da arquitectura, função é meramente contemplativa e cumpre
una casa, sino la existencia de
calefacción central y de cuartos de numa linha de continuidade e não de ruptura. apenas o desejo de isolamento relativamente
Poder-se-á inclusive, sem grande risco, pressu- No T3 do Edifício DKW FIG. 666 optimizam-se 23 Citação de ÁBALOS, Iñaki
– La buena vida. Visita guiada
24 Citação de ROSSI, Aldo –
Autobiografia científica. 2ª ed.
“La arquitectura era uno de los modos de super- Alguns dos críticos do Movimento Moderno,
por que o homem para quem Mies obcecada- as relações funcionais, distinguem-se as áre- a las casas de la modernidad.
Barcelona: Editorial Gustavo Gili,
Barcelona: Gustavo Gili, 1998.
25 VENTURI, Robert –
vivencia que habían perseguido los hombres, una tais como Robert Venturi que publica um livro
mente imaginava estas casas que não chegou as sociais das células privadas, agrupando-as 2003, p. 33, 34. Complexidade e Contradição em
Arquitectura. São Paulo : Martins
búsqueda de felicidad. (...) Con los instrumentos de sugestivamente intitulado “Complexidade e
25
nunca a construir seria ele próprio, “Mies mismo em distintas partes da casa, propõem-se áre- Fontes, 1995. la arquitectura, por tanto, podemos disponer un Contradição em Arquitectura” , chegaram
realizaba un autorretrato, ofrecía su propia persona as amplas e fluidas para uma sala que passa acontecimiento, al margen de que éste realmente se mesmo a por em causa a racionalidade dos
como proyecto. (…) Pero sí sabe que en su casa, en el a ser comum - é o espaço da família -, aberto produzca; e ese desear el acontecimiento tiene algo projectos de arquitectura.
espacio de su intimidad, necesita eses pocos y sabios e amplo em contraste com o carácter íntimo de “progresivo” en el sentido que Hegel da al término. Na casa da família da irmã do monsieur
objetos, un número reducido de elementos que, en su dos aposentos individuais, tornando-os, de (...) Por esa razón es muy más importante el dimen- Hulot, a introdução de um objecto não previsto
belleza y perfeccion, le acogen y ayudan a desarrollar algum modo, mais versáteis por oferecerem, sionado de una mesa o de una casa, pero no para inicialmente pode pôr em causa a harmonia
23
su propio proyecto vital.” Quando o vemos retra- num mesmo habitat, distintas atmosferas, ora resolver así una función determinada, como crean prevista, os seus espaços são difíceis de habi-
tado na sua intimidade, surge rodeado de objec- adequadas para interiorizar, ora para socializar. los funcionalistas, sino para admitir muchas. Es tar, impressionam muito mais do que acolhem.
tos pessoais, com alguma densidade e em espa- Assim como nestes apartamentos, o desenho decir, para permitir todo lo que de imprevisible hay No filme “Mon oncle”, Jacques Tati retrata bem
ços tradicionais que a acolhem pacificamente. das áreas de serviço dos apartamentos estu- en la vida. (...) Desde entonces he visto en la arqui- a subversão de que foi alvo a arquitectura do
Ao contrário da arquitectura do Movimento dados e, com especial relevância, o isolamento tectura el instrumento que permite el acontecer de Movimento Moderno, cuja ideologia se posi-
Moderno que lhe era contemporânea, que aspirava das circulações de serviço das áreas sociais, un hecho. (...) sin embargo, en ellos se alcanza un cionava contra a cultura dominante burguesa
a valores universais, as casas-pátio de Mies reme- dissipa quaisquer dúvidas que pudessem existir silencio, un grado de silencio no purista, como aquel e com propósitos igualitários e democráticos
tiam para um universo pessoal e subjectivo, cria- relativamente ao perfil burguês da família a que que perseguía en mis primeros dibujos, en los que mi mas que, na moderníssima casa da família da
vam um universo próprio para um tipo de utilizador se destinavam. preocupación consistía en las luces,, las paredes, las irmã do monsieur Hulot, uma funcional e assép-
específico e o seu desenho encontrava o seu senti- Não existe uma acomodação para a empre- sombras, los huecos. He comprendido que es impo- tica casa-máquina, serve propósitos de osten-
do na forma de estar desse mesmo utilizador. gada interna no estúdio do Edifício DKW, nem sible recrear una atmósfera. Están mejor las cosas tação: a casa não gera domesticidade, está
Tal como Eileen Gray e, posteriormente, nos prédios geminados com saguão, com um vividas e abandonadas; en principio todo debería continuamente pronta para ser mostrada e
Arménio Losa e Cassiano Barbosa, Mies Van der menor número de compartimentos e área preverse, pero lo inesperado es fascinante, tanto contém mecanismos que apenas se accionam
Rohe actua à margem do Movimento Moderno que os restantes FIGs. 658 e 659, nem nos apar- más, cuanto mayor es la distancia que lo separa de para as visitas; exibe-se quer pela sua sofisti-
e demonstra que este não esgota as possibili- tamentos T2 do edifício de Agostinho Ricca nosotros. (...) Ahora me parece suficiente detener los cação, quer pela sua modernidade, que, não
dades da arquitectura moderna, enriquecendo e Benjamim do Carmo FIG. 668, nos quais não objetos, comprenderlos, reproponerlos; el raciona- estando acessíveis a qualquer “bolsa”, se con-
o seu repertório com programas de valor não é muito claro qual o perfil do seu público- lismo es tan necesario como el orden, pero cualquier vertem em símbolos do sucesso económico e
universal, carregados de subjectividade, crian- -alvo: poderiam destinar-se, quer a uma família orden puede ser transtornado por hechos externos do progressismo desta família essencialmente
do ambientes que não são apenas informados pequena, quer a um casal sem filhos ou a um de tipo histórico, geológico, psicológico. (...) El tiempo burguesa. A verdade é que, desde sempre, a
por questões meramente funcionais, mas que casal com apenas um filho, quer, tal como os de la arquitectura ya no se me aparecía con su doble arquitectura teve também, em determinadas
geram espaços adequados a vivências específi- estúdios, a uma pessoa solteira. naturaleza de luz y sombra, o como un envejecimien- circunstâncias, a função de impressionar, requi-
cas de uma mesma função. Durante a crise do Movimento Moderno, em to de las cosas, sino un tiempo de desastre que arrai- sito que apesar de aparentemente ser estranho
No “micro cosmos” das casas-pátio de Mies oposição ao seu pendor universalista, alguma da ga en ellas. (...) Más que las cosas mismas es la apa- ao universo doméstico, aí serve frequentemen-
Van der Rohe, a vida que este acolhe já está crítica da segunda metade do século XX procura rición de las relaciones entre ellas lo que determina te o desejo de ostentação.
24
prevista e os movimentos e a gestualidade de recuperar a história e o particular, restaurando nuevos significados.” O Movimento Moderno ignorou o papel de
quem os habita já estão encenados. O progra- uma pluralidade que tinha sido ofuscada pela A falta de lógica do prédio onde habita o representação que a arquitectura também
ma não é meramente quantitativo: adquire uma universalidade do dogma do moderno. Ao con- monsieur Hulot, complexo e contraditório, não desempenha. A pós-modernidade tenta retirar
valência qualitativa, é informado por uma forma trário de um funcionalismo determinista e encer- foi produto de um pensamento único, mas a arquitectura do pedestal para que foi remetida
particular de se estar no mundo e, portanto, é rado em si mesmo, procura-se ampliar a noção de um somatório de intervenções parcelares no modernismo, cujo carácter abstracto não
dirigido a um perfil concreto de utilizador, de de função por forma a incluir as necessidades levadas a cabo ao longo de um largo período obteve empatia no imaginário colectivo, através
onde resulta um espaço fortemente caracteri- afectivas e psicológicas do indivíduo. A título de do tempo, um espaço que se foi construindo da introdução de signos colhidos da memória
zado e personificado. exemplo de uma interpretação alternativa da com sucessivas adições e na segunda metade colectiva e da semiótica. Esses esforços, no
noção de função em arquitectura, transcreve- do século XX procurou-se criar dispositivos que entanto, falharam e têm sido as experiências
mos uma passagem de um texto de Aldo Rossi: integrassem o inegável valor topológico des- desenvolvidas em arquitecturas mais dirigidas
te tipo de edifícios em arquitecturas eruditas. aos sentidos e menos preocupadas com coe-
rências técnicas e construtivas, aquelas que a
têm conseguido reaproximar da população a
que se destina. Naturalmente, e em particular no
que à habitação diz respeito, não nos referimos a
as gradações do público para o privado no seu Firmeza do Edifício EDP e que não chegamos a
interior. Na transposição da organização fun- visitar FIG. 345; visitámos aquele que partilha com
cional da casa burguesa para o apartamento, este os patamares, onde não se define um hall e
apesar de estar implícito um novo estilo de vida, se posiciona a sala de jantar na zona mais recôn-
opera-se no estritamente necessário para fazer dita do apartamento FIG. 663, e outros dois, nas
a adaptação a esta nova circunstância, ou seja, outras entradas, onde um hall dá acesso apenas
redistribuem-se, num piso, as funções outrora a um escritório FIGS. 662 E 664; desde o hall de entra-
divididas por vários níveis. Referimo-nos, em da dos andares do Edifício Garantia podemos
particular, às gradações do público para o pri- aceder, num deles, a um compartimento e, na
vado no espaço da habitação, para onde se ausência de uma circulação própria de serviço,
transportam os hábitos sociais, ainda que agora à cozinha FIG. 656, enquanto no outro se acede à
adquiram uma nova leitura: frequentemente única casa de banho do andar após uma inflexão
encontramos um compartimento junto à entra- no hall, através de um segundo vestíbulo que,
da, utilizado como escritório ou sala de visitas, não se separando fisicamente do primeiro FIG.657,
que filtra o acesso ao resto do apartamento de resguarda o acesso desde os quartos a este
eventuais visitantes alheios à vida doméstica, espaço da entrada e garante que não existem
enquanto o espaço de reunião da família - a desculpas para os estranhos transporem a porta
sala de jantar - acontece no extremo oposto da que resguarda a vida doméstica; num dos apar-
casa, junto às áreas de serviço que se continu- tamentos do Palácio do Comércio, cuja organiza-
am a orientar para o interior do quarteirão. Este ção era já feita por zonas, um pequeno hall, ante-
é um tipo de apartamento bastante comum rior àquele que distribui para as áreas sociais e de
de se encontrar na construção urbana euro- serviço e privadas, dava acesso, a um espaço de
peia da viragem do século XIX para o século XX trabalho que entretanto, com as alterações fei-
e de que ainda existem resquícios em alguns tas pelos seus locatários, foi absorvido pela sala
dos apartamentos visitados na Rua de Sá da de estar FIG. 665.
Bandeira: onde melhor se espelha este tipo Já fomos assinalando, nos subcapítulos
anteriores, o cuidado posto no desenho da
marcação em alçado das entradas e das cir-
culações comuns nos prédios estudados. Nas
circulações dos seus apartamentos detectam-
-se maiores desequilíbrios: estas alternam
entre corredores e espaços vestibulares e em
qualquer um destes dois sistemas distributivos
fomos, por vezes, seduzidos, enquanto noutras,
meramente conduzidos.
1 Citação de ZUMTHOR, Peter –
Atmosferas. Barcelona: Editorial
Gustavo Gili, 2006, pp. 41-43.
EDIFÍCIO GARANTIA:
No Edifício Garantia, a organização do espaço e José Porto, no seu edifício de apartamentos FIG. 678 Corredor do apartamento
das circulações foi extremamente simplificada: geminados em redor de um saguão que é visível com acesso pela Rua de
Fernandes Tomás
as circulações verticais, sempre acompanhadas desde as suas íngremes escadas comuns FIGS. 616 FIG. 679 Inflexão após o hall de
entrada no apartamento com
da claridade que brota do exterior, são comuns E 617, privatiza, num caso, a passagem dos quar- acesso pela Rua de Sá da Bandeira
FIG. 680 Geometrias irregulares e
à habitação e aos escritórios e, quer nuns, quer tos da frente para a casa de banho, criando um ligações entre compartimentos no
apartamento com acesso pela Rua
noutros, predomina o corredor como eixo dis- vestíbulo próprio e, noutro caso, isola as circula- de Fernandes Tomás
tributivo FIGS. 303 A 311. No apartamento acedido ções de serviço do resto da casa, denunciando
a partir da Rua de Fernandes Tomás, após um já algumas preocupações funcionais FIG. 659; os
muito reduzido hall, temos um estreito e longo estrangulamentos e bolsas existentes nos seus
corredor que, criando algum mistério, esconde o remates pontuam o corredor que estabelece a EDIFÍCIO DO INSTITUTO
DE INGLÊS:
seu término após uma inflexão FIG. 678. Esta ocor- ligação entre os dois vestíbulos e os comparti- Quando foi analisado o projecto de José
FIG. 683 Hall de entrada do
rência é semelhante à que esconde o segundo mentos das traseiras FIG. 681, desígnio que, neste Ferreira Penêda para os apartamentos gemi- apartamento
FIG. 684 Inflexões do corredor
vestíbulo do hall de entrada no apartamento prédio geminado e abstraindo-nos do descon- nados do Edifício do Instituto de Inglês FIG. 316, FIG. 685 Mobiliário embutido no
corredor
que tem acesso pela Rua de Sá da Bandeira, trolo detectado no apartamento visitado devido vimos que este autor procurou criar uma
embora neste, aquilo que nos atrai é a claridade a modificações ao projecto FIG. 325, é mais acen- sequência de espaços vestibulares, não asso-
que se insinua por detrás da parede (FIG. 679); em tuado na habitação cuja meação contraria a ciando necessariamente cada um deles a uma
ambas as ocorrências, chanfrando os cantos ortogonalidade do projecto, da qual tira partido zona específica da casa; esta solução foi sim-
dos compartimentos, tornam-se mais fluídas as para a criação dos vários momentos ao longo do plificada na obra construída, onde temos um
viragens nas circulações; ao fundo do corredor, corredor e para enfatizar a sua profundidade na amplo hall com a dimensão de um comparti-
ligações entre os compartimentos geram uma perspectiva desde a entrada FIG. 682. mento FIG. 683 e um corredor com um sugestivo
maior fluidez espacial no seu espaço comparti- e sensual movimento, dado por uma sequência
mento e a sua geometria irregular introduz pers- de inflexões FIG. 684 ao longo de vários aconteci-
pectivas com uma dinâmica inesperada no seu mentos especializados pelo mobiliário embuti-
estático espaço FIG. 680. do FIG. 685, conduzindo até ao vestíbulo que dis-
tribui para os quartos de trás.
Enquanto nos edifícios anteriores se distinguem Nas mesmas entradas laterais do Gaveto Apesar da forma sedutora como, nestes edifí-
simplesmente duas entradas para o apartamen- Nordeste com a Rua da Firmeza, chegados às cios, planearam os espaços de circulação, quer
to a partir de um mesmo patamar - a principal habitações (FIG. 661), somos primeiro acolhidos Passos Júnior no Edifício EDP (FIGS. 662 A 664), quer
e a de serviço -, Manuel Passos Júnior, nos seus num pequeno vestíbulo, em cujo plano de fundo José Ferreira Penêda na versão de projecto
prédios da Rua de Sá da Bandeira e à semelhan- se recortam motivos florais na claridade vinda do Edifício TAAG (FIG. 319), fazem a distribuição
ça do que acontecia em muitos outros que lhe do saguão (FIG. 688), antes de passarmos ao seu através de corredores que se limitam a cumprir
são contemporâneos, opta por separar as cir- amplo hall de entrada; este espaço proporciona a sua função distributiva, sem nenhum contri-
culações de serviço das principais (FIG. 686). Em uma relação extremamente fluida entre os vários buto lúdico. Estes exemplos fazem-nos depre-
ambos, os espaços de circulação comuns são compartimentos que lhe são adjacentes (FIG. 689) ender que, nestes casos, conduzir ou seduzir,
primorosamente desenhados, embora especial- FIG. 686 Axonométrica do edifício de e, com um destes posicionado no seu prolon- dependeu mais da sensibilidade com que, num
Passos Júnior na esquina das ruas de Sá
mente surpreendentes nas entradas laterais do da Bandeira com a da Firmeza gamento e com uma ampla abertura passível dado momento, se projectou e do envolvimen-
Gaveto Nordeste com a Rua da Firmeza, com as de ser aberta entre eles, pode ser aumentado e to que se gerou entre autor e projecto, do que
suas escadas suspensas sobre o hall de entrada ganhar uma maior amplitude (FIG. 690). O acesso à propriamente de uma opção tipológica ou, até,
(FIG. 687), sendo apenas desviadas do seu alinha- casa de banho e à cozinha, mais recatado, faz- da sensibilidade própria do autor.
mento vertical nesse nível para permitir o correc- -se através de um corredor que, tal como o hall,
to dimensionamento da recepção no prédio. beneficia da claridade vinda do saguão (FIG. 691).
EDIFÍCIO EMPORIUM:
Nos apartamentos do Edifício Emporium (FIG. interessante o modo como o corredor não é FIG. 692 Entrada no apartamento
FIG. 693 Entrada na sala comum
667), desde a entrada das habitações (FIG. 692) entendido aqui apenas como um sistema de FIG. 694 O corredor e o acesso à
cozinha desde a sala comum
somos induzidos até à sala, localizada no topo distribuição mas, pela sua generosa largura,
do percurso e beneficiando da melhor luz (FIG. como um espaço que cria uma enorme ampli-
693): o corredor em “T” atravessa a zona dos tude no núcleo central da casa e proporciona
quartos sem gerar qualquer tipo de conflituali- uma relação extremamente fluída entre os
dade e, com um remate condigno, desemboca vários compartimentos.
na sala, funcionalmente bem ligada à cozinha Quer no Edifício DKW (FIG. 666), quer no
(FIG. 694) e às áreas de serviço, também orienta- Palácio do Comércio (FIG. 665), apesar de anterio-
das para a parte posterior do prédio. É bastante res ao Edifício Emporium, já pudemos observar
uma organização mais racional do fogo de habi-
tação, agrupando e separando as áreas sociais
das de carácter privado. Em ambos, as salas já
são comuns ainda que, tal como neste, apre-
sentem duas zonas distintas, inequivocamente
demarcadas: a de refeições e a de estar.
PALÁCIO DO COMÉRCIO:
-se uma gradual diluição das fronteiras entre o pre bem demarcada a fronteira entre o fora e
exterior e o interior. o dentro em espaços bastante interiorizados,
Álvaro Siza diz que “o objectivo da arquitectu- de cantos internos perfeitamente definidos.
ra - a função da arquitectura - consiste em tornar A janela paradigmática do moderno é a janela
imperceptível a dificuldade de cobrir um grande corrida horizontal. Com a negação da massa da
vão, ou de controlar a contraditória relação entre construção do moderno, a parede transforma-
interior e exterior, entre protecção e abertura, entre -se em superfície e, no plano do alçado, em
2
luz e penumbra: ou ninguém se sentirá em casa.” apenas um delgado murete até a altura do 2 Citação de SIZA, Álvaro -
Textos, Porto: Civilização
Tradicionalmente, a parede de pedra exibia parapeito. Com ténues fronteiras, o espaço Editora, 2009, p. 329
orgulhosamente a sua espessura nos umbrais interior abre-se ao exterior. O murete não tem
de portas e janelas. Nas janelas do Porto, a massa, é uma superfície cuja leitura se preten-
ombreira quase sempre descia até ao chão e de que seja o mais fina possível, constituindo-se
gerava um nicho sob o seu parapeito, ao nível apenas como um plano opaco que cria interio-
do solo. A profundidade criada no vão sugere ridade no nível inferior. Arménio Losa e Cassiano
um maior recolhimento e protecção relativa- Barbosa usam criteriosamente os dois siste-
mente ao mundo exterior, remetendo a janela mas, ora encerrando os quartos e áreas de ser-
para um segundo plano, após um pequeno viço, ora rasgando as paredes em toda a largura
espaço intersticial. Continuamos a ver este pro- do alçado interior, nas salas comuns FIG. 709.
cedimento nos prédios estudados da Rua de Agostinho Ricca e Benjamim do Carmo, criam
Sá da Bandeira, tal como noutros da primeira a leitura de janela corrida horizontal no exterior,
metade do século XX, ainda que, com a redu- no entanto, desde o interior, a janela não chega
ção da espessura da parede, este passe a ter a tocar nas paredes laterais dos compartimen-
menos expressão FIG. 708. tos, definindo ainda as arestas interiores, dando
origem a uma situação hibrida onde a janela
ainda se recorta na parede.
1 Citação de ZUMTHOR, Peter –
Atmosferas. Barcelona: Editorial
Gustavo Gili, 2006, pp. 45-49.
EDIFÍCIO EMPORIUM
No Edifício Emporium, um ligeiro recuar do pla- No Porto, o tema da varanda fechada come- FIG. 720 Porta de varanda
intimista é reforçado, no seu desenho em plan- A transparência do edifício moderno surge em
no do alçado no interior da varanda, cria som- çou por ser explorado apenas nas traseiras das FIG. 721 Varandas do piso tipo
FIG. 722 Varandas do piso superior
ta, por cantos recortados ou curvas côncavas consonância com a ideia de uma cidade aberta
bra e profundidade, enquanto prepara a aber- casas unifamiliares, como um espaço intermé- para o interior. Para o exterior, geram volumes e é menos adequada às relações próximas de
tura dos vãos que lhe dão acesso FIG. 720 E 721. No dio entre o exterior e o interior e separado do verticais que assumem um papel fundamental frontalidade que poderão ocorrer entre edifí-
seu piso superior recuado, um pórtico de colu- interior por uma ou mais portas,.e, como vimos, para a expressão e composição do alçado. São cios dispostos ao longo de ruas estreitas. Na
nas pontua a passagem de um terraço coberto foi com as arquitecturas eclécticas que come- filtros para o exterior, aumentação a sensação verdade, quer no Edifício DKW, quer no Edifício do
para o exterior FIG. 722. çou a ser explorado nos alçados de rua. As de recolhimento do mundo interior. Banco Popular, onde se usam janelas horizontais
Mesmo quando em consola e fora do plano varandas fechadas dos prédios de José Ferreira O vidro adquire um maior protagonismo em espaços de habitação não existem relações
do alçado, utilizam-se muretes de expressão Penêda FIGs. 463 a 468 ou de Marques da Silva FIG. com as arquitecturas leves e translúcidas do de frontalidade com outros prédios e, em ambos,
maciça, tal como no Edifício EDP de Passos 451 geram um nicho projectado para o exterior movimento moderno, reduz-se inclusive à com os seus muretes até a altura do parapeito de
Júnior FIG. 594, ou pesadas balaustradas que que é, ainda, claramente um recanto interior. expressão dos caixilhos, e são os reflexos neste janela, fica assegurada a privacidade do interior
alternam com varandas fechadas, como no Apesar de o perímetro ser totalmente envidra- material que criam um ténue filtro entre exte- relativamente ao espaço público.
Edifício TAAG de José Ferreira Penêda FIG. 593; çado, isto só acontece acima da altura de um rior e o interior; durante o dia, com o interior Nas arquitecturas estudadas que afirmam
nos alçados posteriores do Edifício do Instituto parapeito, utilizando caixilharias com um deta- em sombra, o próprio vidro reflecte o exterior, a massa do edifício, demarca-se claramente a
de Inglês, José Ferreira Penêda projecta uns lhe comum ao das restantes janelas, asseme- tornando-se num espelho que impede que se fronteira entre o interior e o exterior e, através
volumes para o exterior para obter maior pro- lhando-se mais a uma “bay window” que evoca visualizem os espaços do interior; no entanto, de vários dispositivos, reforça-se a sua inte-
fundidade no umbral FIG. 723, estas não são no a tradição britânica ou nórdica. Estes apêndices é um filtro do qual os seus utentes raramente rioridade; a casa é o lugar da intimidade devi-
entanto “bay” ou “bow windows”, e não se ten- ao compartimento têm, claramente, um carác- estão conscientes. damente resguardada do mundo exterior, em
do conseguido fotografar nenhuma pelo interior ter bem mais interiorizado do que o da varanda casa o indivíduo encontra abrigo, o seu espaço
no Edifício TAAG, ilustramos uma de um dos fechada espanhola, mais exposta no exterior é recolhido e introspectivo. Nas habitações do
prédios do seu autor na Rua da Firmeza FIG. 724. e demarcada do espaço interior a que se ane- Edifício DKW, resguardam-se os espaços ínti-
xa. Formam recantos interiores cujo carácter mos do exterior, enquanto se abrem as áreas
sociais à claridade do exterior. No Edifício do
Banco Popular, em posição sobranceira, os
apartamentos voltam-se para o exterior domi-
nando a paisagem que é pertença sua.
Graus de intimidade. Tem que ver com proximidade e Ainda que digam respeito a “coisas” distintas,
este tema e o anterior cruzam-se e, no que à
Para não tornar esta exposição demasiada exten-
sa, ilustramos a evolução da caracterização do
distância. O arquitecto clássico chamar-lhe-ia ‘escala’, relação com o exterior diz respeito, os “graus
de intimidade” foram já parcialmente aflorados
espaço nos prédios em estudo, falando apenas
de quartos e salas, do rodapé, da sanca e da janela
mas soa demasiado académico. Refiro-me a algo mais no subcapítulo anterior. Começando este sub-
capítulo pela académica questão da “escala”,
exterior nos prédios, uma abordagem que é assu-
midamente redutora e apenas exemplificativa.
corporal que a escala e as dimensões. Diz respeito a ao longo do período de construção do sector
norte da Rua de Sá da Bandeira, vamos obser-
Na casa unifamiliar burguesa do Porto, no
século XIX, todos os elementos trabalhavam
vários aspectos: tamanho, dimensão, proporção, massa vando variações nos pés-direitos dos compar- em conjunto para uma leitura una e estabi-
timentos interiores nas habitações, sobretudo lizada do espaço, suavizando a transição de
da construção em relação comigo.
1
tirando partido das permissividades entretanto umas superfícies para as outras e criando uma
introduzidas na legislação. enorme envolvência espacial: a linha forte de
Na alínea 3ª do artigo 6ª do Regulamento um rodapé subido rodava em torno de todo o
de Salubridade das Edificações Urbanas na compartimento, criando uma maior densidade
2
versão redigida em 1903 definem-se as altu- no nível próximo ao do chão e retirando pro-
ras mínimas permitidas para os pés-direitos, tagonismo ao canto formado entre paredes;
medidas entre o pavimento e o tecto, as quais uma profunda sanca, trabalhada em sucessivos
variavam consoante o andar e não de acor- avanços e recuos de gesso, elevava o tecto, que
do com o tipo de ocupação como se fez no já se si era alto, mas que assim parecia ainda
Regulamento Geral de Edificações Urbanas mais afastado, criando uma concavidade que 2 Decreto de 14 de Fevereiro de
3
de 1951 . O Regulamento de Salubridade das acolhe, sem constranger, o corpo humano, 1903, Regulamento de Salubridade
das Edificações Urbanas. Lisboa:
Edificações Urbanas de 1902 exigia maiores desanuviando a pressão superior; frequente- Imprensa Nacional, Lisboa, 1903.
3 Decreto-Lei nº 38 382, de 7 de
pés-direitos nos andares inferiores, muito pro- mente estendiam-se pelo tecto baixos-relevos, Agosto de 1951, in Regulamento
Geral das Edificações Urbanas.
vavelmente para os compensar de uma recep- também em gesso, com desenhos que circuns- Porto: Porto Editora, 1999
ção da luz deficitária, e permitia uma redução creviam o centro; os vãos rasgavam-se vertical-
da sua altura nos pisos superiores que, mesmo mente nas paredes, desde o chão, sendo emol-
assim, não poderia ser inferior a 2,75 metros. durados por guarnições que, no prolongamento
Com o Regulamento Geral das Edificações dos rodapés, envolviam superiormente o vão.
Urbanas, nos espaços destinados a habitação, Nos edifícios aqui estudados nota-se, logo
fosse qual fosse o piso, passaram a ser admiti- nos primeiros a serem licenciados, ainda nos
dos pés-direitos de 2,40 metros (artigo 65º). No anos 30, uma considerável redução na expressi-
entanto, a redução da sua altura foi gradual e só vidade destes elementos, quase apenas resumi-
a partir dos anos 80 é que a altura mínima per- dos à sua função construtiva: o rodapé já é mais
mitida se converteu em prática corrente. baixo e utiliza-se a sanca, sobretudo, para integrar
Nos quartos, a redução da altura foi acom- a estrutura de betão visível no tecto FIGS. 669 A 671.
panhada por uma redução de todas as outras Não era ainda corrente o uso de mobiliário
dimensões, mantendo-se quase inalterada a fixo e, quando acontece um arrumo ou roupei-
proporção, mas gerando uma muito diferente ro, o acesso ao seu interior é por portas com
interacção com o corpo humano. Se associada o mesmo tipo de detalhe das de um qualquer
a ideia de intimidade à noção de refúgio, dir- compartimento, sendo por vezes exactamente
-se-ia que o facto de o espaço ser mais exíguo, iguais, mas com grelhas de ventilação. Em todos
seria um dos primeiros requisitos para poder eles é notório o esforço em reduzir à área das
proporcionar uma maior intimidade o que, evi- carpintarias, o que, para além de uma de des-
dentemente, seria simplista, já que essa sen- densificação do espaço, pressupomos dever-
sação depende de toda a caracterização do -se, sobretudo, à necessidade de obter uma
espaço, desde o desenho das sancas e dos redução de custos na construção.
rodapés até ao modo como se rasgam os vãos
1 Citação de ZUMTHOR, Peter – Atmosferas.
Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2006, pp. 49-51.
nas suas paredes.
Os compartimentos, quartos e salas, são estrei- Considerando que a variação de detalhe entre A janela do Edifício EDP FIG. 726, de Passos Júnior, superior estabelece a relação com o céu e atra-
tos e altos paralelepípedos, regra geral com a os edifícios deste período tem pequenas varia- é horizontal e larga, mas invulgarmente baixa vés da guilhotina inferior, o corpo debruçado vê
entrada a ser feita por um dos topos e tendo a ções no seu desenho, com consequências para o que então era costume. Incorpora-se no a vida na rua.
janela exterior localizada no topo oposto. reduzidas na caracterização geral do espaço, e interior de um nicho pouco profundo, mas que A solução da janela em guilhotina é utilizada
O Regulamento de Salubridade das que os compartimentos têm escalas e propor- a faz pender para baixo. O interior do nicho sub- tradicionalmente no Porto e, embora se distin-
Edificações Urbanas de 1903 era vago nas suas ções semelhantes, claramente superiores às divide-se nos densos ritmos verticais dos qua- ga mais desta pela sua proporção do que pela
exigências para a compartimentação interior regulamentares, são a proporção e o desenho tro panos envidraçados superiores e nos pai- sua dimensão, o que mais distancia esta janela
das habitações, exigindo apenas para os quar- dos seus vãos interiores e exteriores aquilo que néis de madeira inferiores. Desde o seu interior, da tradicional é o facto de não termos cada
tos de dormir, no artigo 13º, uma capacidade mais os distingue, criando diferentes relações a linha de observação para o exterior é horizon- um dos painéis da guilhotina subdividido em
nunca “inferior a 25 metros cúbicos por pessoa, e com o corpo humano. Neste ponto, exemplifica- 4 Citação do Artigo 13º do Decreto tal. À janela, o corpo debruça-se no parapeito e pequenos vidros, e é este seu desenho simpli-
de 14 de Fevereiro de 1903,
terão sempre uma janella que os ponha em contac- remos esta questão apenas numa análise com- Regulamento de Salubridade observa a rua. A luz é baixa e o tecto é carrega- ficado que, por um lado, a faz parecer maior, e
4 das Edificações Urbanas. Lisboa:
para a qual exige, no arti-
to com o ar exterior” parativa do desenho de janelas nos quartos. Imprensa Nacional, 1903. do e sombrio, favorecendo a direcção do olhar por outro, filtra menos a luz, tornando-a mais
5 Baseado no Artigo 11º do
go 11º, um mínimo de 0,8 metros quadrados A janela do Edifício Geminado do Instituto Decreto de 14 de Fevereiro de para baixo; o contraste da luminosidade interior intensa e agressiva.
1903, Regulamento de Salubridade
e um décimo da superfície do pavimento de de Inglês de José Ferreira Penêda é quase das Edificações Urbanas. Lisboa: e exterior, faz com que a do exterior encandeie, Até à conclusão da construção da Rua de
5 Imprensa Nacional, 1903.
qualquer compartimento. Ainda assim era um janelão FIG. 725. É tão alta que interrompe 6 Baseado no Artigo 66º do pelo que o olhar apenas encontra tranquilidade Sá da Bandeira, verifica-se uma gradual redu-
Regulamento de Salubridade
mais exigente do que o Regulamento Geral das a superfície da parede, atingindo a sanca, e a das Edificações Urbanas. Lisboa: na luz reflectida no interior, no seu nível inferior. ção dos quartos em todas as suas dimensões
Imprensa Nacional, 1903.
Edificações Urbanas, que na tabela anexa ao altura do observador não chega a alcançar a Comparando este com o anterior, o primeiro e uma simplificação no desenho das sancas e
6
artigo 66º passou a exigir apenas 9 metros qua- metade da sua altura. A relação do observador é desanuviado e convida a uma postura activa carpintarias (também, de algum modo, ajusta-
drados nos quartos de dormir (a mesma área é estabelecida, sobretudo, com o céu, o espaço e vertical, enquanto este é nostálgico e melan- do à menor escala dos espaços). No Palácio do
aproximadamente permitida pelo regulamen- desanuvia-se, a luz espalha-se harmoniosa- cólico, incita ao recolhimento numa postura do Comércio, o quarto já atinge menores dimen-
to anterior, mas que, com o pé-direito mínimo mente no interior e é reflectida pelas paredes. corpo aninhada. sões, mas a sanca continua a ter o desenho tra-
exido de 2,40 metros, corresponde a um volu- Junto à janela, a postura do corpo é vertical. O No Palácio do Comércio, a janela é quadra- dicional e a caracterização do espaço mantém
me de 21,6 metros cúbicos) e 10,5 metros qua- grande painel envidraçado subdivide-se em da FIG. 727, inserida num nicho vertical subdivi- o exacerbar de leitura vertical ascendente.
drados nos quartos de casal (correspondente pequenos vidros, humanizando a escala do dido, na horizontal, apenas em duas grandes A sugestão do quarto do Palácio do
a 25,2 metros cúbicos, ou seja, o volume que o janelão. O padrão geométrico do caixilho aden- superfícies de vidro superiores e num murete Comércio não é tão desanuviada como no pri-
regulamento anterior exigia por pessoa). sa o filtro com o exterior e as suas sombras inferior. A janela, que parece ter uma dimensão meiro, mas também não é cabisbaixa como no
desenham uma delicada trama nas paredes. normal desde o exterior, é surpreendentemen- anterior, é um espaço que remete para a vida
te grande quando vista pelo interior. O vidro íntima com serenidade.
No quarto do Edifício do Banco Popular, dos apartamentos maiores do Edifício DKW, foram sempre mais compatíveis com as áre- ao longo do espaço, através de variações no
Benjamim do Carmo e Agostinho Ricca, para bem como as dos seus estúdios, vão de topo as sociais do que com os quartos, espaços de pé-direito e na intensidade da luz: à entrada,
além de simplificarem o desenho da sanca, a topo e até ao tecto, apenas sendo opaco o natureza estática. temos um espaço que convida à pausa, com
introduzem muito mais área envidraçada numa murete inferior. Em ambos os casos, os muretes No que à dimensão da sala se refere, assisti- pé-direito elevado e banhado uniformemen-
janela horizontal apenas dividida a meio FIG. 728, inferiores asseguram a noção de interioridade e a mos ao processo inverso do dos quartos: ainda te pela luz que vem de cima, seguindo-se um
constituída por dois enormes panos de vidro privacidade dos espaços relativamente aos tran- que com o mesmo pé direito, aumenta a sua espaço em sombra pelo fundo do qual entra,
de proporção quase quadrada. Embora gran- seuntes da rua. Acima do parapeito, a relação área, fazendo com que passe a ter uma leitura de novo, a luz.
de, a janela não é muito maior do que o janelão com o exterior é quase directa: entram o céu e a horizontal. É nas salas comuns que se conse- Nos apartamentos estudados pudemos
de José Ferreira Penêda no Edifício Geminado luz dentro é equivalente à do exterior. gue maior amplitude. Mesmo quando os planos observar uma gradual passagem de um espaço
do Instituto de Inglês FIG. 725, no entanto, sendo O reduzido espaço do quarto no edifício supe- não se individualizam (o que é raro acontecer interiorizado e com leitura vertical para um espa-
muito menor o quarto, é muito maior a superfí- rior da rua abre-se ao exterior, o seu interior é lumi- na arquitectura corrente portuense), o espaço ço voltado ao exterior e com uma leitura hori-
cie que preenche, ficando opaco praticamente noso e desafogado, a postura é contemplativa. já não é centralizado e, frequentemente, é dia- zontal, de uma maior estaticidade a uma maior
apenas o murete inferior. Não existe nicho: a A redução do detalhe culminou nas arqui- gonalizado, a superfície adquire valor e o tecto dinâmica espacial. Nestas obras depreende-se
janela insere-se horizontalmente no topo do tecturas minimalistas, onde inclusive se tenta baixo acentua a horizontalidade, aumentando um enorme pragmatismo e profissionalismo no
espaço, abrindo-o ao exterior. negar a presença do rodapé, fazendo a passa- à profundidade do espaço. Ainda que sem este acto de projectar e, pela coerência com que se
Apesar da redução na escala do quarto, foi gem directa de umas superfícies para as outras carácter, é sobretudo a noção de profundi- caracterizam os espaços, percebe-se que os
com a passagem de um desenho que exacerba- e vincando as arestas. dade que se trabalha nas salas do Palácio do seus autores tinham uma consciência tridimen-
va a verticalidade do espaço para a janela corrida Sem querermos aqui rever as vanguardas Comércio FIG. 198 e do Edifício Emporium FIG. 694: sional do espaço interior, mesmo quando, muito
horizontal que se operou a maior transformação da inicio do século XX que estiveram na origem os seus espaços divididos por pórticos abertos provavelmente, frequentemente apenas o risca-
no modo como o quarto é percepcionado. desta alteração, relembramos apenas que o que põem em relação directa, física e visual, as vam em planta; têm a capacidade, desenvolvida
A solução de janela do Edifício do Banco movimento neoplástico decompôs o “volume- salas de estar e as de jantar, funcionam como a pelo conhecimento adquirido pala prática, para
Popular, no seu interior é híbrida: esta janela nem -contentor” em planos, de forma a romper com clássica relação entre figura e fundo. utilizar a representação bidimensional do espaço
chega a ser um vão corrido horizontal no inte- o espaço estático e a obter relações espaciais Já as salas dos apartamentos maiores do enquanto síntese das intenções para articula-
rior, pois ainda que sejam bastante residuais as dinâmicas e fluidas. A superfície e a linha rec- Edifício DKW são largas e claramente abertas ções tridimensionais que têm em mente e que
superfícies laterais e superior, continuamos a ter ta adquiriram aí um valor que até então não ao exterior, proporcionando uma sensação não necessitam de aferir na sua representação
a leitura total da parede. Já as janelas das salas tinham. Em contraponto à estaticidade do de amplitude FIG. 666. Neste mesmo edifício, as vertical ou tridimensional.
espaço tradicional pretende-se um espaço salas dos seus estúdios trabalham-se em pro-
fluído e dinâmico, no entanto, estes propósitos fundidade FIG. 703, criando vários momentos
A luz sobre as coisas Abstraindo-nos da ambiguidade que Peter do Movimento Moderno, a cidade-parque. Os 1 Ver ZUMTHOR, Peter –
Atmosferas. Barcelona: Editorial
Zumthor intencionalmente confere ao termo restantes edifícios estão inseridos na cidade Gustavo Gili, 2006, p. 22.
2 Citação de HOLL, Steven
1
na designação “a luz sobre as coisas” , poden- tradicional e sem o desafogo que, no Edifício do – Cuestiones de percepción.
Fenomenología de la arquitectura.
do abarcar tudo aquilo sobre o que se atingiu o Banco Popular, a altura dos edifícios e o jardim Barcelona: Editorial Gustavo Gili,
2011, pp. 20-21, 22.
entendimento e considerando que a própria luz defronte proporcionam; posicionam-se ao lon-
é um tema muito englobante em arquitectura, go da “rua-corredor” e devido à orientação da
torna-se aqui necessário restringir a sua interpre- Rua de Sá da Bandeira, os prédios do seu lado
tação, excluindo as significações mais poéticas nascente colocam os seus opostos em som-
do comportamento da luz em arquitectura; no bra de manhã, verificando-se a situação inversa
contexto desta tese, apenas tem cabimento durante a tarde. Os pisos inferiores são aqueles
falarmos da luz solar que experienciamos nos que ficam mais tempo em sombra no Inverno e
prédios estudados da Rua de Sá da Bandeira e, foram previstos, em quase todos os projectos,
neste capítulo, de forma comparativa, tendo sido para escritórios. Com excepção para o Edifício
a sua descrição durante as visitas mais fenome- DKW, os vãos rasgam-se a meio da parede em
nológica do que o será nos próximos parágrafos. todos estes edifícios, circunscrevendo a incidên-
Na sequência do tema anterior, iniciamos cia directa da luz solar e colocando o seu espaço
este tema aludindo às consequências da luz maioritariamente em sombra e, consecutiva-
solar nos graus de intimidade: os objectos ape- mente, facultando resguardo à sua intimidade.
nas têm presença visual quando se encontram Steven Holl, para além de destacar a impor-
sob a incidência da luz, pelo que os interiores tância da luz na percepção, inclusive da cor,
em sombra não têm visibilidade, desde o exte- assinala ainda a importância da qualidade da
rior, durante o dia; a Rua de Sá da Bandeira gera luz e do ar de um determinado lugar geográfico
confrontações directas entre prédios mas, na forma como se nos aparentam as coisas sob
quando o vão coloca o interior em sombra, essa luz: “(…) resulta fácil imaginar que la gente tie-
salvaguarda-o de uma excessiva exposição no ne diferentes conceptos cromáticos basados en las
exterior; a intensidade da luz ofusca o interior cualidades de la luz y el aire del lugar en que se vive.
que, no alçado iluminado, se converte num (…) La saturación de los colores proyectados varía
buraco negro de sombra. con la intensidad de la luz natural en un día determi-
Dos edifícios estudados, a luz apenas coloca nado. El movimiento del sol alegra las colores y trans-
em exposição os interiores do Edifício do Banco forma este tiempo-movimiento en un flujo extraño y
Popular, nos quais a relação dos seus vãos com brillante. (…) El espíritu perceptivo y la fuerza metafí-
as superfícies interiores revela, sob a luz baixa, sica de la arquitectura se guían por la cualidad de luz
todo o compartimento ao exterior; as janelas, y de la sombra conformada por los sólidos y los vací-
a toda a largura de compartimentos de pouca os, por el grado de opacidad, transparencia o trans-
profundidade, em apartamentos orientados, lucidez. En esencia, la luz natural, con su variedad de
ora a nascente, ora a poente, quando sob o sol, cambio etérea, orquestra la intensidad de la arqui-
admitem uma difusão uniforme da luz intensa, tectura y de las ciudades. Lo que ven los ojos y sienten
apenas colocando uma das suas superfícies em los sentidos en materia de arquitectura se conforma
2
sombra enquanto as outras funcionam como según las condiciones de luz y sombra.”
reflectores da luz solar. No entanto, pela sua posi-
ção sobranceira à construção do outro lado do
quarteirão, do lado nascente e tendo o jardim
defronte do lado poente, cria uma circunstância
desafogada, sem confrontações directas com
outros prédios, pelo que não compromete a
intimidade dos interiores. A exposição à luz dos
seus interiores está adequada a uma determi-
nada ideia de cidade, a da cidade desafogada
Assim sendo, comecemos por tentar carac- no Porto e em edifícios deste período é a da 3 Baseado no Artigo 20ª do
Decreto de 14 de Fevereiro de
4 Baseado na 2ª alínea do Artigo
87º do Decreto-Lei nº 38 382, de 7
Edificações Urbanas, embora omisso no que a Já no Edifício DKW, todos os seus alçados têm
terizar a luz e o ar sob os quais percepciona- associação de dois dos lotes tradicionais de 6 1903, Regulamento de Salubridade
das Edificações Urbanas. Lisboa:
de Agosto de 1951 in Regulamento
Geral das Edificações Urbanas.
pátios internos se refere, desincentiva indirecta- um tratamento diferente FIG. 633, reflexo da
mos os objectos de estudo: a luz do Porto não metros para implantar um prédio, recorrendo Imprensa Nacional, 1903. Porto: Porto Editora, 1999.
5 TANIZAKI, Junichiro - Elogio da
mente o uso do saguão e, na alínea 2 do artigo importância atribuída pelos seus autores a esta
tem, nem o calor, nem a intensidade da luz de ao saguão para iluminar e ventilar o seu núcleo sombra. Lisboa: Relógio d’Agua,
1999.
87º, possibilita o recurso a ventilação natural e problemática: nos seus apartamentos maiores
Lisboa, está envolta numa neblina marítima e o central, situação observada nos dois edifícios forçada nas instalações sanitárias, ainda que FIG. 666, os quartos com menor área envidraça-
rio Douro, cavado entre as suas profundas mar- geminados do troço em estudo na Rua de Sá da remeta esta última solução para casos espe- da beneficiam da luz directa de sul enquanto,
gens, não reflecte para a cidade a quantidade Bandeira, o de José Porto e o de José Ferreira ciais, justificados por características próprias para norte, temos as áreas de serviço e sociais;
4
de luz que, em Lisboa, é reflectida pelo largo Penêda. Foi revelador analisar a solução de José da edificação no seu conjunto ; ora esta, ape- no entanto, para a sua sala comum abrem-se
estuário do Tejo; no Porto, a visibilidade e a luz Ferreira Penêda para o Edifício do Instituto de sar de recurso e supostamente excepcional, enormes janelas horizontais, que proporcio-
são filtradas por um ar denso e pela humidade Inglês, onde os postigos das escadas se meta- converteu-se em regra: com a entrada em vigor nam uma claridade uniforme, tirando partido
do seu clima Atlântico e, no inverno, sucedem- morfoseiam em paredes translúcidas para, por do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, da tranquilidade da luz indirecta de norte, como
-se dias com a luz do sol encoberta; a luz do um lado, receber a claridade proveniente do regra geral, para se obter a máxima capacidade raras vezes acontece.
Porto reflecte a densa e verdejante vegetação saguão, filtrada pelas varandas de serviço que construtiva, retira-se o maior partido das fren- Os apartamentos do bloco central do
da cidade sendo, no verão, fresca pela manhã e lhe são contíguas e, por outro, para a transmitir tes de construção permitidas construindo em Edifício do Banco Popular, ora se orientam a
cálida ao final do dia. Na construção tradicional- ao hall de entrada das habitações FIG. 618. profundidade com núcleos centrais deficien- nascente, ora a poente, alternando a luz indirec-
mente profunda do Porto, uma das questões No Edifício Garantia, em situação de gaveto, temente iluminados e ventilados; ao longo das ta com a luz directa nos dois momentos do dia
que se colocou na passagem do programa de Júlio de Brito optou, como vimos, por reduzir frentes dispõem-se os compartimentos que em todos os seus pequenos compartimentos
uma habitação unifamiliar distribuído na vertical à profundidade dos seus corpos, eliminando a obrigatoriamente se têm de relacionar com o FIG. 409 . A sua enorme janela quase não projec-
para o apartamento organizado num piso foi, existência de compartimentos interiores FIG. 589. exterior – quartos, salas e cozinhas, normal- ta sombras e, ora faculta um nível de claridade
precisamente, como fazer chegar esta luz difu- Já no quarteirão seguinte é bastante invulgar mente precedidas pela lavandaria -, remetendo confortável com a luz indirecta, ora os seus
sa aos lugares mais recônditos do apartamento. e interessante a utilização de uma solução mis- para o interior as circulações, do prédio e do compartimentos são invadidos pela luz hori-
A tradicional casa do “lote de 6 metros” ta de saguões e traseiras recortadas com pátios apartamento, os arrumos e as instalações sani- zontal da tarde ou da manhã.
com duas frentes é bastante profunda, com abertos para o interior do quarteirão FIG. 591. tárias que, nesta situação, ficam dependentes Apesar de o sol ser fonte de vida e energia,
uma fundura que atinge com frequência os Os prédios da Rua de Sá da Bandeira dota- de coretes de ventilação. a sua luz queima e é na sombra que encontra-
20 metros, e a luz natural chega ao centro da dos de saguão não se limitam a cumprir com Exteriormente, no Edifício Garantia FIG. 631 mos o repouso e a tranquilidade, que relaxamos
habitação através de uma clarabóia situada ao as exigências reguladas pela lei, já que têm as superfícies dos alçados expostos à luz pon- quando a vista descansa do fulgor da luz intensa.
centro, sobre as escadas, para onde, frequente- áreas claramente superiores às definidas no tuam-se com buracos de sombra; quer José Num ensaio de autoria de um escritor japonês,
mente, temos janelas abertas a partir dos com- Regulamento de Salubridade das Edificações Porto, no Edifício Geminado FIG. 60 e no Edifício Junichiro Tanizaki, com o instigante título de “O
5
partimentos interiores que lhes são adjacentes. Urbanas de 1903: no artigo 20º, definem-se áre- Emporium FIG. 157, quer Passos Júnior, no Gaveto elogio da sombra” e de 1933 , evidencia-se até
No prédio de andares implantado em lote as mínimas para os saguões, exigindo apenas Nordeste com a Rua da Firmeza FIG. 633, cons- que ponto certos princípios considerados fun-
urbano estreito, ainda que se continue a apro- 4 metros quadrados quando se destinem sim- troem os seus alçados através de jogos de luz e damentais, evidentes e supostamente naturais
veitar, variadas vezes, a claridade proveniente plesmente a iluminar vestíbulos, antecâmaras ou sombra; no Edifício DKW FIG. 596 e no Edifício do são, de facto, culturais; Junichiro Tanizaki rela-
das escadas comuns através de postigos em escadas e apenas 9 metros quadrados quando Banco Popular FIGS. 281 A 286, a luz revela volume- ciona a importância da luz e da claridade com
vidro translúcido, tal como sucede no corre- iluminam e arejam cozinhas; sendo pátios entre trias interceptadas. uma noção de progresso na cultura ocidental,
dor Edifício Geminado de José Porto FIGS. 681 prédios, o artigo 19º define, para prédios até 18 Na grande parte dos edifícios estudados comparando-a com a subtileza que adquire na
E 682 , com a distribuição do programa da casa metros de altura, uma área mínima de 30 metros dir-se-ia que a orientação solar não influencia, cultura oriental, onde a sombra é um elemento
apenas num piso, a luz deixa de ter a mesma quadrados de superfície com uma largura míni- nem a distribuição interna, nem a forma do vão. fundamental na caracterização de ambientes;
capacidade de difusão para o núcleo central da ma de 5 metros e, para prédios com uma altura Nos edifícios em gaveto, quer no Garantia, quer o livro analisa a importância da obscuridade no
habitação. Este motivo terá levado à introdu- superior, exige, pelo menos, 40 metros quadra- nos de Passos Júnior, temos a mesma organi- modo de vida tradicional japonês, em compa-
3
ção do saguão ou ao desenho de recortes nas dos com uma largura mínima de 5 metros. zação interna e fenestração em apartamentos, ração com a preponderância do brilho na civi-
traseiras, como forma de trazer a claridade do Entretanto, o Regulamento Geral das ora orientados a norte e sul, ora a nascente e lização ocidental, colocando em confronto a
dia para o núcleo central do apartamento, solu- poente. No Palácio do Comércio, a organização intimidade e a requintada sensibilidade japonesa
ções tipológicas da primeira metade do século interior e o desenho dos alçados desenham-se com a ostentação e exibicionismo do ocidente.
que se encontram bem documentadas nos todos iguais, independentemente da sua orien- Junichiro Tanizaki ilustra este ponto de vista com
prédios da Rua de Sá da Bandeira FIG. 587. tação solar FIGS. 186 A 189. exemplos que vão desde a cosmética ou as bai-
A situação mais comum de ser encontrada xarias de chá até a caracterização de ambientes,
seja com luz natural ou artificial.
Na arquitectura do sul de Portugal existem, por Nas situações observadas que apresentam vão As grandes superfícies envidraçadas, tais como
vezes, compartimentos interiores que apenas na parede, o sol, quando entra, gera no interior as do Edifício do Banco Popular FIG. 728, reque-
através de uma clarabóia com a dimensão de uma uma luz forte e contrastante com as sombras rem uma adequada protecção solar; neste
única telha de vidro obtêm a luz de que neces- que a parede “rasgada” projecta, contraste que caso, ora se usam as persianas exteriores,
sitam, protegendo-se assim do calor excessivo. pode tornar a luz ofuscante na janela e que, no protegendo do calor mas criando demasiada
Simultaneamente, a claridade coada que brota por sentido oposto, desenha trapézios nas superfí- penumbra, ora se usam estores interiores, que
esta pequena abertura é calma e relaxante. cies em que incide cuja direcção, profundidade, protegem o interior da agressividade da luz mas
É de facto importante que a arquitectu- intensidade e calor varia ao longo do ano e do não protegem do calor.
ra controle a intensidade da luz, para iluminar dia; ao longo do dia, nos compartimentos orien- No Edifício DKW utilizam-se criteriosamen-
ou obscurecer, para animar ou relaxar, para tados a nascente e poente, ou quando, pontu- 6 Citação de PALLASMAA, Juhani –
te vários tipos de janela, adequando o seu
expor ou diluir a presença física da matéria. Em almente, em períodos de maior ou menor dura- The Eyes of the Skin: Architecture
and the Senses. Londres: Academy
desenho a cada circunstância: nos quartos, numa situação de penumbra FIG. 666. As salas
algumas arquitecturas, os cambiantes de luz e ção, se projecta sombra sobre o vão, alternam a Press, 2005, p. 33. orientados a sul, rasgam-se os vãos na parede, dos apartamentos do bloco ao longo da Rua
sombra ao longo do tempo têm a capacidade luz directa com a luz indirecta, variando de uma controlando o nível de luminosidade interior; de Sá da Bandeira do edifício de Benjamim do
de proporcionar distintas atmosferas para um luz contrastante para uma luz uniforme; o vão, nas grandes superfícies envidraçadas das salas Carmo e Agostinho Ricca são espaços únicos
mesmo espaço. ao longo do ano e sobretudo quando se orien- orientadas a norte não existe incidência de luz de planta rectangular, pouco maiores que os
Juhani Pallasmaa assinala que “No nosso tem- ta a sul, filtra a entrada da luz vertical do verão directa, proporcionando uma claridade unifor- quartos, mas generosamente banhados pela
po a luz tornou-se em apenas um assunto quantitati- mas permite que a luz baixa do inverno penetre, me no interior; nos estúdios, aberturas supe- luz que lhes entra pelo lado maior do rectân-
vo e a janela perdeu a sua significação como media- dando uma resposta adequada às respectivas riores e no topo do espaço criam, no interior, gulo FIG. 668, talvez até em demasia. Mais tarde,
dor entre dois mundos, entre o circunscrito e aberto, necessidades do calor da luz. É a solução clássi- diversos momentos através das variações de a partir dos anos setenta, passou a ser prática
interioridade e exterioridade, privado e público, som- ca para o vão, aquela que mantém a sua signifi- luz, desde uma intensa luminosidade que, des- corrente fazer da sala um espaço único, sem-
bra e luz, a janela tornou-se numa mera ausência da cação ontológica e desde há muito experiencia- de cima, se espalha no espaço de dupla altura, pre maior que os quartos mas que se torna,
6
parede, perdendo o seu significado ontológico.” da, relativamente fácil de controlar e sem pro- passando pela suave e intimista penumbra sob frequentemente, num estreito paralelepípedo
duzir grandes surpresas, quer no que à sua efici- a “mezzanine” até a luz intensa que nos ofusca que recebe a luz pelo seu lado mais peque-
ência se refere, quer aos ambientes que produz, no topo deste espaço FIG. 703. no e deixa na obscuridade a sua extremidade
os quais foram já parcialmente analisados no As salas quando, a partir dos anos 40, pas- oposta; com a gradual redução do pé-direito
subcapítulo dedicado aos graus de intimidade, saram a ser comuns, distinguiam ainda, espa- até ao mínimo de 2,40 metros permitido pelo
em alguns dos vãos de alguns dos apartamen- cialmente, a zona de refeições da de estar: no Regulamento Geral das Edificações Urbanas,
tos da Rua de Sá da Bandeira FIGS. 725 A 727, e cujas Palácio do Comércio FIG. 665, no Edifício EDP FIGS. mesmo quando se aumenta consideravelmen-
variações dependem da relação de proporção e 662 A 664 e no Edifício Emporium FIG. 667) temos te à dimensão da superfície envidraçada no
escala do vão com a do compartimento. uma sequência de dois espaços interligados topo deste espaço, é com dificuldade que a luz
por amplas aberturas e, em todos eles, os dois chega à outra extremidade.
espaços são autónomos na recepção da luz
solar. Nas salas dos apartamentos maiores do
Edifício DKW temos um espaço único em forma
de “L” onde, através de alterações nos pés-direi-
tos e na fenestração, se criam vários momen-
tos, sendo que o mais recolhido se encontra
ESCADAS COMUNS:
Geral das Edificações Urbanas e que ilustra o que te a noite, para o interior dos quartos, serviu para
a partir de aí passou a ser prática corrente, com justificar, na construção corrente que lhes é poste-
casas de banho interiores; no entanto, neste e nos rior, a sua substituição por portas opacas pré-fabri-
cadas, vantajosas no preço e na execução.
394 Introdução Opções temáticas / objectivos / ESTRATÉGIA
397
EpÍlogo
PT Utilizando como objecto de estudo os edi- ESP Utilizando como objeto de estudio los
fícios onde ocorrem a maioria das actividades edificios en que ocurren gran parte de las acti-
do quotidiano, demonstramos ser profícuo o vidades del cotidiano, hemos demostrado ser
seu estudo a partir das vivências que propor- provechoso su estudio a partir de las vivencias
cionam. De acordo com a metodologia pro- que proporcionan. Según la metodología pro-
posta, começamos com uma abordagem física puesta, empezamos con un abordaje físico de
aos edifícios, tão despreconceituada quanto los edificios, lo menos prejuiciosa posible; segui-
possível; seguidamente, nos projectos, escla- damente, en los proyectos aclaramos dudas
recemos dúvidas suscitadas durante a sua visi- suscitadas durante la visita y formamos una
ta e formamos uma consciência global acerca consciencia global del edificio; al enmarcarlos
do edifício; ao enquadrá-los na arquitectura do en la arquitectura del predio de rendimiento de
prédio de rendimento do Porto e na obra dos Porto y en la obra de sus autores, comprende-
seus autores, entendemos melhor o seu signi- mos mejor su significado en el contexto en que
ficado no contexto em que foram concebidos; han sido concebidos; finalmente, en un análisis
finalmente, numa análise comparativa, apela- comparativo, apelamos a las cuestiones sensiti-
mos para as questões sensitivas na apreciação vas en la apreciación de la arquitectura.
da arquitectura. Los aspectos sensoriales y perceptivos
Os aspectos sensoriais e perceptivos postos evidenciados destacados en la experiencia
em destaque na experiência espacial voltam espacial adquieren predominancia en el análi-
a adquirir predominância na análise compa- sis comparativo del último capítulo, basado en 1 este apêndice de Peter Zumthor
rativa do último capítulo, baseada nos pontos los puntos propuestos por Peter Zumthor en está referenciado ao “genius loci”,
termo que na teoria da arquitectura
propostos por Peter Zumthor na sua conferên- su conferencia llamada “Atmosferas”. A estos contemporânea se refere a uma
abordagem fenomenológica do am-
cia denominada de “Atmosferas”. A estes pon- puntos, Peter Zumthor añade tres apéndices, biente e da interacção entre lugar e
identidade, tal como foi definido por
tos, Peter Zumthor acrescenta três apêndices, el primero remitiendo a la contribución de la este apéndice de Peter Zumthor
está referenciado al “genius loci”,
1
referindo-se o primeiro ao contributo da arqui- arquitectura para la construcción del “sitio” , a término que en la teoría de la
arquitectura contemporánea se
1
tectura para a construção do “sítio” ao modo la forma en la que se relaciona y se encuadra refiere a un abordaje fenomenoló-
gico del entorno y de la interacci-
como se relaciona e enquadra no seu contex- en su contexto, diciendo que le satisface hacer ón entre lugar y identidad, tal ha
sido definido por Christian Nor-
to, dizendo que lhe satisfaz fazer um edifício, un edificio, sea una grande o pequeña interven- berg-Schulz (NORBERG-SCHULZ,
Christian - Genius loci. Towards a
2
seja uma pequena ou grande intervenção, que ción, que se convierte en parte de su lugar . Es phenomenology of architecture.
Londres, Academy Editions, 1980),
2
se converte em parte do seu lugar . É inegável, innegable, para todas las arquitecturas estudia- ainda que Peter Zumthor restrinja
o seu significado, sem lhe retirar
para todas as arquitecturas estudadas, que das, que han pasado a ser parte integrante del a carga fenomenológica, para se
referir, mais concretamente, à
passaram a fazer parte integrante da paisagem paisaje de la Rua de Sá da Bandeira con natu- forma como uma dada intervenção
interage com o meio envolvente,
da Rua de Sá da Bandeira com naturalidade ralidad, valorizando en gran parte esta arteria enraizando-se e contribuindo para
a construção de um lugar. a pesar
valorizando, na sua maioria, esta artéria urba- urbana y sus adyacentes; como hemos visto, de que Peter Zumthor limite su
significado, sin retirar la carga
na e as que lhe são adjacentes; como vimos, a su harmoniosa inserción se debe a la negación fenomenológica, para mencionar,
más concretamente, la forma
sua harmoniosa inserção deve-se ao facto de de su individualidad, asumiéndose como parte como una determinada interven-
ción interactúa con el entorno,
negarem a sua individualidade ao assumirem- de un conjunto más vasto, que es la ciudad y, enraizándose y contribuyendo
para la construcción de un lugar.
-se como parte de um conjunto mais vasto que mismo cuando reclaman autonomía, en el caso 2 Ver ZUMTHOR, Peter – Atmosfe-
ras. Barcelona: Editorial Gustavo
é a cidade e, mesmo quando reclamam alguma del Palácio do Comércio y de los bloques del Gili, 2006, pp. 63-67.
autonomia, caso do Palácio do Comércio e dos Edifício do Banco Popular, persiguen las direc-
blocos do Edifício do Banco Popular, seguem as trices asociadas al local, construyendo “el sitio”
directrizes ditadas para o local, construindo “o conjuntamente con las preexistencias.
sítio” conjuntamente com as pré-existências.
Os edifícios estudados da Rua de Sá da Bandeira Los edificios estudiados de la Rua de Sá forma é, em quase todos, coerente com o siste- tectónica, utilizan con coherencia sistemas
criam as necessárias referências urbanas nos da Bandeira crean las necesarias referencias ma construtivo e com o uso, prolongam a tradi- mixtos de construcción de albañilerías por-
gavetos mas diluem-se no conjunto ao longo da urbanas en las esquinas, pero se diluyen en el ção distinguindo a imagem pública da do inte- tantes de piedra y de hormigón armado, la for-
frente do quarteirão. Valorizamos uma arquitec- conjunto a lo largo de la manzana. Valorizamos rior do quarteirão, etc.. De todos, o mais incoe- ma es, en casi todos, coherente con el sistema
tura que, de tão adequada, nem se repara nela; una arquitectura que, de tan adecuada, no nos rente será, sem dúvida, o Edifício TAAG, nome- constructivo y con el uso, prolongan la tradición
de tão natural, dir-se-ia que é sem esforço que fijamos en ella; de tan natural, diremos que no adamente, pela relação da sua fachada com distinguiendo la imagen pública de la del inte-
se dilui no contexto; parece óbvia quando é tão exhibe esfuerzo, que se diluye en el contexto; o piso recuado introduzido em aditamento rior de la manzana, etc.. De entre todos, el más
3
difícil “Imaginar a evidência” ; sem querer des- parece obvia cuando es tan difícil “Imaginar a durante a obra e pela deficiente iluminação dos incoherente será, sin dudas, el Edificio TAAG,
3
merecer atitudes mais radicais que, em deter- evidência” ; sin querer desmerecer actitudes seus espaços interiores, entre outros aspectos particularmente, por la relación de su fachada
minados contextos ou momentos são necessá- más radicales que, en determinados contex- já referidos. Nos outros detectámos algumas con el piso reculado introducido en añadimien-
3 Título eloquente do livro: Titulo
elocuente del libro: SIZA, Álvaro, rias, agrada-nos uma arquitectura que não aspi- tos o momentos son necesarias, nos agrada incoerências pontuais, tais como elementos to durante la obra y por la deficiente iluminación
GIANGREGORIO, Guido – Imaginar a
evidência. Lisboa: Edições 70, 2000. ra a ser mediática, que procura cumprir o seu una arquitectura que no pretende ser mediá- aparentemente estruturais, visíveis nos tectos de sus espacios interiores, entre otros aspec-
4 Citação de Citación de ZUMTHOR,
Peter – Atmosferas. Barcelona: papel sem pretender chamar a atenção sobre tica, que busca cumplir su papel sin llamar la do Palácio do Comércio, a criarem intercep- tos ya referidos. En los otros, hemos detecta-
Editorial Gustavo Gili, 2006, p. 68.
si. Exceptuando-se o Palácio do Comércio, que atención. Exceptuando el Palácio do Comércio, ções sem qualquer relação com a configuração do algunas incoherencias puntuales, como, por
se constitui como uma importante referência que se constituye como una importante refe- espacial, mas que não afectam a coerência do ejemplo, elementos aparentemente estruc-
urbana não apenas na rua, a pontuar a quebra rencia urbana no apenas en la calle, puntuan- todo, sendo, a este nível, mais consequente, a turales, visibles en los techos del Palácio do
do declive da rua após o Mercado do Bolhão, do la quiebra del declive de la calle después del forma pouca democrática como no Edifício do Comércio, que crean intercepciones sin rela-
mas a reclamar o estatuto de monumento civil Mercado do Bolhão, pero reclamando el esta- Banco Popular, que lhes é posterior, se dispõem ción alguna con la configuración espacial, pero
na escala da cidade, vimos que as arquitectu- tuto de monumento civil en la escala de ciudad, os seus apartamentos, ora orientados para o que no afectan la coherencia del todo, siendo,
ras estudadas se “dissolvem” na Rua de Sá da hemos visto que las arquitecturas estudiadas jardim que lhes foi criado defronte, ora para o a este nivel, más consecuente, la forma poco 5 LAMEIRA, Maria Gisela Antunes -
Bandeira e não requerem protagonismo; estas se “disuelven” en la Rua de Sá da Bandeira y no interior do quarteirão. democrática como en el Edifício do Banco A Rua de Sá da Bandeira no Porto.
Topologia(s) do habitar colectivo.
arquitecturas são sintomáticas de uma “sensa- requieren protagonismo; estas arquitecturas Foi entretanto elaborada uma Tese de Popular, que es posterior, se disponen sus apar- 2 Vol. (Dissertação de Mestrado).
Lisboa, FAUTL, 2010.
tez” que caracteriza a arquitectura portuense son sintomáticas de una “sensatez” que carac- Mestrado sob o título “A Rua de Sá da Bandeira tamentos, tanto orientado para el jardín que les
modernista, que a torna “discreta”, embora não teriza la arquitectura portuense modernista, no Porto, topologia(s) do habitar colectivo” por ha sido creado delante, como para el interior de
5
ao ponto de a tornar “tímida”; é “vaidosa” quanto que la torna “discreta”, a pesar de no llegar al Gisela Lameira que, apesar de o objecto de la manzana.
baste mas, sem impor a sua presença ou hostili- punto de presentarla como “tímida”; es suficien- estudo coincidir com o nosso, apresenta uma Mientras tanto, ha sido elaborada una Tesis
zar o meio, quer participar, apenas não grita nem temente “vanidosa” pero, sin imponer su pre- abordagem que em muito pouco coincide com de Máster con el título “A Rua de Sá da Bandeira
fica calada: fala baixinho. sencia o hostilizar el entorno, quiere participar, a desta tese. no Porto, topologia(s) do habitar colectivo” por
5
O segundo apêndice de Peter Zumthor refe- apenas grita pero tampoco permanece silen- A tese de Gisela Lameira inscreve-se no Gisela Lameira que, a pesar del objeto de estu-
re-se à coerência da arquitectura, reforçando ciosa: habla muy bajo. âmbito da História e Teoria da Arquitectura e, dio coincidir con el nuestro, presenta un aborda-
que esta alude sobretudo a um harmonioso El segundo apéndice de Peter Zumthor se mais concretamente, no da História Urbana, je que en muy poco coincide con el de esta tesis.
usufruto: “No trabajamos con la forma, trabaja- refiere a la coherencia de la arquitectura, refor- pelo que faz um muitíssimo interessante estu- La Tesis de Gisela Lameira se inscribe en el
mos con el resto de cosas, con el sonido, los ruidos, los zando que ésta alude principalmente a un har- do dos vários planos que estiveram na origem ámbito de la Historia y Teoría de la Arquitectura
materiales, la construcción, la anatomía, etc. Desde monioso usufructo: “No trabajamos con la forma, da rua, enquanto nós apenas lhes fazemos, no y, más concretamente, en el de la Historia
el inicio, el cuerpo de la arquitectura es construcci- trabajamos con el resto de cosas, con el sonido, los início, uma abordagem muito superficial para Urbana, por lo que hace un estudio muy inte-
ón, anatomía, lógica del construir. Nosotros traba- ruidos, los materiales, la construcción, la anato- focarmos de imediato os edifícios. A selecção resante de los varios planos que han estado en
jamos con todas esas cosas, con un ojo puesto simul- mía, etc. Desde el inicio, el cuerpo de la arquitectu- dos edifícios da Rua de Sá da Bandeira sobre os el origen de la calle; mientras nosotros hace-
4
táneamente en el lugar y el uso.” Ora em relação ra es construcción, anatomía, lógica del construir. quais incide a sua análise coincide com a nos- mos, en el inicio, un abordaje muy superficial a
a estas arquitecturas que, quando analisada Nosotros trabajamos con todas esas cosas, con un sa, acrescentando ao seu estudo os edifícios la historia de la calle para enfocar de inmediato
4
a sua modernidade, designamos de híbridas, ojo puesto simultáneamente en el lugar y el uso.” Singer e Rialto. Designa a sua análise de topoló- los edificios. La selección de los edificios de la
ignorando a problemática introduzida pela his- Ahora en relación a estas arquitecturas que, gica, na medida em que estuda a relação dos Rua de Sá da Bandeira sobre los cuales incide
tória da arquitectura e analisadas como objec- cuando analizada su modernidad, denomina- edifícios com a rua e o lugar em que se inserem, su análisis coincide con la nuestra, añadiendo
tos sem tempo, apenas nas suas relações intrín- mos de híbridas, ignorando la problemática embora a sua análise dos interiores seja, sobre- a su estudio los edificios Singer y Rialto. Designa
secas, podemos sem qualquer risco afirmar introducida por la historia de la arquitectura tudo, tipológica e baseada exclusivamente na su análisis de topológica, una vez que estudia
que, na sua maioria, são coerentes: sem sobre- y analizadas como objetos sin tiempo, ape- leitura das peças gráficas de projecto, repor- la relación de los edificios con la calle y el lugar
valorizar a questão tectónica, utilizam com coe- nas en sus relaciones intrínsecas, podemos tando-se apenas ao primeiro projecto apre- en el cual están introducidos, aunque su aná-
rência sistemas mistos de construção de alve- sin cualquier riesgo afirmar que, en su mayoría, sentado na Câmara. Compara, sistematiza e lisis de los interiores sea, sobretodo, tipológica
narias portantes de pedra e de betão armado, a son coherentes: sin sobrevalorar la cuestión agrupa os edifícios por características comuns, y basada exclusivamente en la lectura de las
incidindo nos comportamentos da mancha de piezas gráficas de proyecto, reportándose ape- em corredor enquanto no segundo se privile- circulación interna de los pisos, mismo cuando
implantação, da composição do alçado e da nas al primer proyecto presentado en la cáma- giam, em projecto, as sequências vestibulares. ambos son mixtos, comparativamente, en el
organização funcional da planta. O seu estudo, ra. Compara, sistematiza y agrupa los edificios Numa primeira instância, quando ainda primero se desarrollan predominantemente en
dir-se-ia, termina onde o nosso se inicia. A nos- por características comunes, incidiendo en los procurávamos definir o nosso campo de estu- corredor mientras en el segundo se privilegian,
sa investigação começa no estudo das vivên- comportamientos de la mancha de implanta- do, induzidos pela variedade detectada nas en proyecto, las secuencias vestibulares.
cias espaciais, tomando por base o espaço ción, de la composición del alzado y de la orga- respectivas volumetrias, suspeitámos estar En una primera instancia, cuando aún pro-
percepcionado e a respectiva interpretação, nización de la planta. Su estudio, diremos, ter- perante uma grande variedade tipológica; no curábamos definir nuestro campo de estu-
apoiada no estudo dos projectos e respectivo mina donde el nuestro se inicia. Nuestra inves- entanto, com o decorrer do trabalho, demo- dio, inducidos por la variedad detectada en las
enquadramento, estudo a que a tese de mes- tigación empieza en el estudio de las vivencias -nos conta de que, dos 10 edifícios estudados, respectivas volumetrías, hemos sospechado
trado de Gisela Lameira não chega. espaciales, basándose en el espacio compren- apenas se distinguem tipologicamente, de uma estar delante de una grande variedad tipológi-
A tese de Gisela Lameira segue os passos dido y la respectiva interpretación y soportada forma clara e em todos os níveis de análise, o ca; no obstante, durante el trabajo, nos hemos
propostos pelas teses que defendem o estudo por el análisis de los proyectos y el respectivo Edifício DKW e o do Banco Popular. Nos restan- dado cuenta de que, de los 10 edificios estu-
tipológico e, independentemente do seu inte- encuadramiento, un estudio al cual la tesis de tes, as diferenças entre eles devem-se, sobre- diados, apenas se distinguen tipológicamen-
resse, aqui declinamos essa aproximação ao máster de Gisela Lameira no llega. tudo, a questões circunstanciais, tais como a te, de una forma clara y a todos los niveles de
objecto arquitectónico propondo, em alternati- La tesis de Gisela Lameira sigue los pasos adaptação da planta à geometria, a dimensão análisis, el Edifício DKW y el del Banco Popular.
va, a observação da obra construída através da propuestos por las tesis que defienden el estu- e a situação urbana do lote ou modos de fazer En los restantes, las diferencias entre ellos se
sua experiência espacial, sem a preocupação dio tipológico y, independientemente de su inte- relacionados com a sensibilidade dos seus deben, sobre todo, a cuestiones circunstancia-
de sistematizar mas apenas de interpretar. rés, aquí declinamos esa aproximación al objeto autores, o que poderá justificar a classificação les, como la adaptación de la planta a la geo-
O objecto de estudo das duas teses coin- arquitectónico proponiendo, como alternativa, em subgrupos tipológicos para alguns temas metría, la dimensión y la situación urbana del
cide mas se, na tese de Gisela Lameira, este la observación de la obra construida a través de de análise, mas que, desde a escala da cidade lote o modos de hacer relacionados con la sen-
serve de base a uma análise comparativa entre su experiencia espacial, sin la preocupación de até à da vivência interna do fogo de habitação sibilidad de sus autores, lo que podrá justificar
os exemplos seleccionados da Rua de Sá da sistematizar, pero apenas de interpretar. ou do detalhe construtivo, na sua essência, la clasificación en subgrupos tipológicos para
Bandeira com o propósito de os agrupar por El objeto de estudio de las dos tesis coin- reflectem posturas semelhantes. Esta coin- algunos temas de análisis, pero que, desde la
características comuns identificadas no seu cide, pero si, en la tesis de Gisela Lameira, éste cidência nos seus pressupostos deve-se, na escala de la ciudad hasta la vivencia interna del
desenho, nesta tese, em edifícios com bastan- sirve de base para un análisis comparativo entre verdade, ao facto de terem sido concebidos e fuego de habitación o del detalle constructivo,
tes pontos em comum, identificamos o que los ejemplos seleccionados de la Rua de Sá da construídos num período relativamente curto, en su esencia, reflejan posturas semejantes.
caracteriza cada um deles através da sua vivên- Bandeira con el objetivo de agruparlos por carac- desde o final da década de 30 até o final da de Esta coincidencia en sus presupuestos se debe,
cia. A tese que agora concluímos, mais do que terísticas comunes identificadas en su diseño; 40; o Edifício do Banco Popular já se situa no en realidad, al hecho de que han sido concebi-
pelo objecto de estudo, adquire especial inte- en esta tesis, en edificios con bastantes pun- final da década seguinte e o Edifício DKW, que dos y construidos en un periodo relativamente
resse pelo tipo de abordagem, bastante inusual, tos comunes, identificamos lo que caracteriza lhes é contemporâneo, tal como já era do nos- corto, desde el final de la década de los 30 has-
ao objecto. As duas teses complementam-se cada uno de ellos, a través de su vivencia. La tesis so conhecimento, destaca-se destes pela sua ta el final de la de los 40; el Edificio del Banco
mas não se sobrepõem. que ahora concluimos, más que por el objeto excepcional modernidade para a época e para Popular ya se encuentra en el final de la década
De facto, as conclusões a que se chega de estudio, adquiere especial interés por el tipo o Porto, assinalando um momento de viragem e siguiente; el Edificio DKW, con solicitud de per-
nas duas teses coincidem em alguns pon- de abordaje, bastante inusual, al objeto. Las dos antecipando soluções futuras; ainda que tenha- miso de 1947, se destaca de los demás cons-
tos, nomeadamente na dificuldade que estes tesis se complementan pero no se sobreponen. mos definido como critério fazer este estudo truidos en el mismo periodo por su excepcional
exemplos geram em termos de classificação De hecho, las conclusiones a las que se lle- incidir sobre uma arquitectura sem valor singu- modernidad para la época y para Porto, seña-
tipológica já que, numa selecção tão restrita e ga en ambas tesis coinciden en algunos puntos, lar do ponto de vista dos seus contributos para lando un momento de cambio y anticipando
com tantas situações de carácter excepcional, sobre todo en la dificultad que estos ejemplos a história da disciplina, a excepcional inclusão soluciones futuras; aún que tengamos definido
o agrupamento obtido difere para cada item generan a nivel de clasificación tipológica ya do Edifício DKW transformou-se num excelente como criterio hacer este estudio incidir en una
de análise; exemplificando, nos dois edifícios que, en una selección tan limitada y con tantas contraponto, pondo em evidência o modernis- arquitectura sin valor singular desde el punto de
que, em termos gerais, mais se assemelham situaciones de carácter excepcional, el agrupa- mo híbrido destas arquitecturas e, vice-versa, o vista de sus contribuciones para la historia de
do ponto de vista tipológico - os dois edifícios miento obtenido se distingue en cada ítem de seu vanguardismo no Porto. la disciplina, la excepcional inclusión del Edificio
geminados e com saguão, o de José Porto e do análisis; ejemplificando en los dos edificios que, Na Rua de Sá da Bandeira constrói-se em DKW se ha transformado en un excelente con-
Instituto de Inglês -, quando considerado o tipo a nivel general, más se parecen desde el pun- continuidade com as pré-existências, encer- trapunto, evidenciando el modernismo hibrido
de espacialidade adoptada nos sistemas de to de vista tipológico - los dos edificios gemi- rando os quarteirões rasgados pela abertu- de estas arquitecturas y, viceversa, el vanguar-
circulação interna dos andares, mesmo quan- nados y con zaguán, el de José Porto y el del ra da nova artéria. Do lado da Rua de Santa dismo del Edificio DKW en Porto.
do ambos são mistos, comparativamente, no Instituto de Inglês -, cuando considerado el tipo Catarina o espaço do logradouro é totalmen- En la Rua de Sá da Bandeira se construye en
primeiro desenvolvem-se predominantemente de espacialidad adoptada en los sistemas de te construído, ora com armazéns das lojas, continuidad con las preexistencias, cerrando
ora com estacionamento coberto, gerando las manzanas rasgadas por la abertura de la quarteirão, gerando traseiras recortadas. Nos desarrollan en profundidad, disponiendo de
coberturas inacessíveis. Entre a nova rua e a do nueva arteria. Del otro lado de la Rua de Santa edifícios de frentes mais extensas temos quase dos frentes y recorriendo a zaguanes para ilumi-
Bolhão constroem-se novos quarteirões, um Catarina, el espacio del patio trasero es total- sempre uma subdivisão em módulos idênticos, nar y ventilar el núcleo central de las habitacio-
deles apenas com um edifício - o Palácio do mente construido sea con almacenes de las que transparece para os ritmos da fenestração nes. El recurso al zaguán se repite en los restan-
Comércio - e outro com uma utilização públi- tiendas sea con aparcamiento cubierto, gene- nos alçados de rua, exceptuando-se o Edifício tes, incluso en el Edificio DKW y exceptuando
ca no interior do quarteirão - a Rua Particular. rando coberturas inaccesibles. Entre la nueva EDP onde, apesar de uma imagem unitária, el Palácio do Comércio, alternado, a veces, con
Estas arquitecturas dos anos 30 e 40 criam calle y la del Bolhão se construyen nuevas man- uma subdivisão em lotes bastante desiguais e patios abiertos para el interior de la manzana,
uma hierarquia entre um alçado de serviço nas zanas, una de ellas con apenas un edificio – el com licenciamentos desfasados no tempo cor- generando traseras recortadas. En los edificios
traseiras e uma fachada urbana, construída em Palácio do Comércio – y la otra con una utili- responde a três prédios com desenhos diferen- de alzados más extensos tenemos cuasi siem-
continuidade de alinhamentos e com variações zación pública en el interior de la manzana – la ciados para o seu interior. Esta divisão por lotes pre una subdivisión en módulos idénticos, que
de cérceas mínimas relativamente aos edifícios Rua Particular. Estas arquitecturas de los años com licenciamentos autónomos volta a suce- trasparece para los ritmos de llenos y vacíos en
limítrofes na Rua de Sá da Bandeira, obtendo- 30 y 40 crean una jerarquía entre un alzado de der no Edifício do Banco Popular, ainda que los alzados de calle, a la excepción del Edificio
-se deste modo uma grande unidade nestes servicio en las traseras y una fachada urbana, aqui os seus módulos se repitam equivalentes, EDP donde, a pesar de una imagen unitaria,
novos alçados de rua, cujo carácter aponta para construida en continuidad de alineamientos com variações apenas nos números de pisos una subdivisión en lotes bastante desiguales y
uma nova escala metropolitana na cidade. Nos y con variaciones de altura de cérceas míni- ao longo do bloco da Rua de Sá da Bandeira e con licenciamientos desfasados en el tiempo
gavetos, os edifícios reforçam a unidade dos mas relativamente a los edificios limítrofes en la com desenhos excepcionais apenas para os corresponde a tres predios con diseños dife-
quarteirões com planos curvos ou pontuam Rua de Sá da Bandeira, obteniéndose de este lotes que rematam o conjunto. renciados para su interior. Esta división por lotes
o cunhal com torreões e, todos eles, de forma modo una gran unidad en estos nuevos alza- Em cada módulo temos, geralmente, dois con licenciamientos autónomos vuelve a suce-
cénica, transportam uma enorme tensão para a dos de calle, cuyo carácter apunta para una apartamentos por piso e uma organização a der en el Edificio del Banco Popular, a pesar de
curva. Através das suas articuladas volumetrias, nueva escala metropolitana en la ciudad. En partir de uma distribuição vertical de esquer- que aquí sus módulos se repiten equivalen-
quer o Edifício DKW, quer o Edifício do Banco las esquinas, los edificios refuerzan la unidad do e direito, tendencialmente simétrica e com tes, con variaciones apenas en los números
Popular, introduzem a estética do Movimento de las manzanas con planos curvos o puntúan variações nas situações de gaveto ou de rema- de pisos al largo del bloque de la Rua de Sá da
Moderno na cidade tradicional de quarteirões, à el ángulo con torreones y, todos ellos, de for- te junto à meação. No Palácio do Comércio, Bandeira y con diseños excepcionales apenas
qual se “cosem” sem criarem rupturas, garantin- ma escénica, transportan una enorme tensión para além da sua circulação principal, adopta- para los lotes que rematan el conjunto.
do a continuidade com as pré-existências; só na para la curva. A través de sus articuladas volu- -se uma circulação única de serviço com dis- En cada módulo tenemos, generalmente,
parte superior da rua, libertando um dos seus metrías, tanto el Edificio DKW como el Edificio tribuição por galeria para todos os módulos dos apartamentos por piso y una organización
lados de construção, a densidade construtiva del Banco Popular, introducen la estética del e, no Edifício DKW, uma galeria distribui para a partir de una distribución vertical de izquier-
é contrabalançada pela presença de um espa- Movimiento Moderno en la ciudad tradicional os estúdios num piso de habitação que se do y derecho, tendencialmente simétrica y con
ço verde público onde os volumes de maior de manzanas, a la cual se “cosen” sin crear rup- sobrepõe ao volume dos escritórios e a que variaciones en las situaciones de esquina o de
dimensão adquirem a leitura de blocos, apon- turas, garantizando la continuidad con las pre- se acede a partir do das habitações. São edi- remate junto al predio vecino. En el Palácio do
tando para uma nova ideia de cidade aberta e existencias; solo en la parte superior de la calle, fícios que assumem a sua urbanidade com Comércio, además de su circulación principal,
descongestionada. libertando uno de sus lados de construcción, programas mistos de comércio, escritórios e se adopta una circulación única del servicio con
A variedade tipológica detectada nas volu- la densidad constructiva es contrabalanceada habitação, alguns deles incluindo também, no distribución por galería para todos los módulos
metrias destes prédios dos anos 30 e 40 decor- por la presencia de un espacio verde publico seu programa, o estacionamento, com circu- y, en el Edificio DWK, una galería distribuye para
re, em grande medida, das suas excepcionais donde los volúmenes de dimensión más gran- lações comuns para habitação e escritórios. los estudios en un piso de habitación que se
implantações urbanas, quase todos compreen- des adquieren la lectura de bloques, apuntan- Quando se duplicam as circulações verticais sobrepone al volumen de las oficinas y al cual
dendo gaveto(s) e com extensas frentes urba- do para una nueva idea de ciudad abierta y num módulo, estas destinam-se a uma circula- se accede a partir de las habitaciones. Son edi-
nas, exceptuando-se apenas os edifícios gemi- descongestionada. ção secundária de serviço, reforçando o carac- ficios que asumen su urbanidad con progra-
nados acima referidos, que apresentam um tipo La variedad tipológica detectada en las ter burguês destas habitações; quando não se mas mixtos de comercio, oficinas y habitación,
de implantação e solução tipológica relativa- volumetrías de estos predios de los años 30 y duplicam as circulações, faculta-se uma segun- algunos incluyendo también, en su programa, el
mente comum na época: entalados entre mea- 40 transcurre, en gran medida, de sus excep- da entrada de serviço para cada apartamento aparcamiento, con circulaciones comunes para
ções, desenvolvem-se em profundidade, dis- cionales implantaciones urbanas, casi todos no patamar que dá também acesso à habita- habitación y oficinas. Cuando se duplican las
pondo de duas frentes e recorrendo a saguões incluyendo esquinas y con extensos alzados ção, até mesmo no Edifício DKW, e só o Edifício circulaciones verticales en un módulo, estas se
para iluminar e ventilar o núcleo central das urbanos, exceptuando apenas los edificios ado- Emporium, o Edifício Garantia e o Edifício do destinan a una circulación secundaria de servi-
habitações. O recurso ao saguão repete-se nos sados mencionados arriba, que presentan un Banco Popular têm apenas uma entrada. cio, reforzando el carácter burgués de las habi-
restantes, inclusive no Edifício DKW e excep- tipo de implantación y solución tipológica rela- Somente o Edifício DKW e o Edifício EDP e, des- taciones; cuando no se duplican las circulacio-
tuando-se o Palácio do Comércio, alternado tivamente común en la época: apretados entre te, só o primeiro prédio a ser licenciado, distin- nes, se faculta una segunda entrada de servicio
por vezes com pátios abertos para o interior do las paredes laterales de los predios vecinos, se guem circulações de habitação e de escritórios, para cada apartamento en el rellano por donde
que apenas no Edifício DKW correspondem a se accede a la habitación, incluso en el Edificio se torna imprescindível para quartos ou salas, son determinadas principalmente por sus posi-
entradas distintas e a uma distribuição dos dois DKW, y solo el Edificio Emporium, Edificio como foi o caso dos dois edifícios geminados, ciones relativamente a la entrada y a la cocina;
programas por volumes diferenciados, sendo Garantia y el Edificio del Banco Popular tienen se volta também a cozinha para o saguão. As normalmente, estos apartamientos apenas tie-
que as das habitações ainda se desdobram solamente una entrada. Solo el Edificio DKW y áreas de serviço, para além da cozinha e da nen un baño principal orientado para el zaguán
numa galeria, no seu último piso, já sobre o cor- el Edificio EDP y, de este, solo el primer predio a varanda para estendal de roupa, são constitu- mientras la cocina, preferencialmente, se orien-
po dos escritórios. ser licenciado, distinguen circulaciones de habi- ídas pelas instalações da empregada interna ta para el interior de la manzana y solo cuan-
Os edifícios dos anos 30 e 40, na resolução tación y de oficinas, que apenas en el Edificio - quarto e sala-, ligadas por um sistema de cir- do el alzado para el interior de la manzana se
interna da densidade construtiva gerada no DKW corresponden a entradas distintas y a una culações autónomo desde a entrada de servi- torna imprescindible para dormitorios o salas,
gaveto, ora introduzem saguões, ora abrem o distribución de los dos programas por volúme- ço. Quando a cozinha se posiciona nas trasei- como en el caso de los dos edificios adosados,
canto interior ao quarteirão, adelgaçando o cor- nes diferenciados, una vez que las de las habi- ras temos também, geralmente, umas escadas se vuelve también a la concina para el zaguán.
po do edifício na viragem. No Edifício TAAG, de taciones aún se desdoblan en una galería, en su comuns de serviço, as quais se previram sobre- Las zonas de servicio, además de la cocina y del
José Ferreira Penêda, nem a generosa dimen- último piso, ya sobre el cuerpo de las oficinas. tudo para facultar um acesso independente às balcón para el tendedero, son constituidas por
são do seu saguão consegue compensar a Los edificios de los años 30 y 40, en la reso- carvoeiras e que, embora isso não se verifique las instalaciones de la sirvienta – dormitorio y
excessiva densidade construtiva, gerando uma lución interna de la densidad constructiva gene- em nenhum dos apartamentos estudados, baño -, conectadas por un sistema de circula-
solução claustrofóbica com abundantes áreas rada en las esquinas, tanto introducen zagua- por vezes ligavam a talhões no logradouro para ciones autónomo desde la entrada de servicio.
internas com níveis de luz deficitários. Pelo con- nes, como abren el canto interior a la manzana, pequenas culturas de subsistência, com horto, Cuando la cocina se posiciona en las traseras
trário, o Edifício Garantia, optando por estreitas adelgazando el cuerpo del edificio en el viraje. pomar, galinheiro e coelheira. A partir de um hall tenemos también, generalmente, unas esca-
tipologias com os compartimentos dispostos En el Edificio TAAG, de José Ferreira Penêda, ni de entrada existe, frequentemente, um acesso leras comunes de servicio, que buscan esen-
ao longo de corredores longitudinais paralelos la generosa dimensión de su zaguán consigue à sala de visitas ou a um escritório, o qual, ain- cialmente facultar un acceso independiente a
ao alçado de rua, obtém um amplo pátio aberto compensar la excesiva densidad constructi- da que isso não se verifique em nenhum dos las carboneras y, aunque esto no se verifique
para o quarteirão. Entre estas duas soluções, no va, generando una solución claustrofóbica con apartamentos visitados, por vezes tem acesso en ninguno de los apartamientos estudiados,
Gaveto Nordeste com a Rua da Firmeza, uma abundantes áreas internas con niveles de luz directo pelo patamar. A gradação do público a veces conectaban a hazas en el patio trase-
sucessão de saguões parcialmente abertos e deficitarios. Al contrario, el Edificio Garantia, para o privado remete para o final do percurso, ro para pequeñas culturas de subsistencia, con
encerrados por pontes e escadas de serviço, optando por estrechas tipologías con los com- depois de passar pelos quartos, a sala de jantar, huerto, pomar, gallinero y conejera. A partir de
com pátios timidamente abertos para o interior partimientos dispuestos a lo largo de corredo- com ligação próxima ou até por vezes directa às un vestíbulo existe, frecuentemente, un acce-
do quarteirão, permite, numa solução geral de res longitudinales paralelos al alzado de calle, áreas de serviço. so al salón de visitas o a un despacho, el cual,
módulos que vão perdendo gradualmente a sua obtiene un amplio patio abierto para la manza- O apartamento moderno distingue três a pesar de que eso no se verifique en ninguno
profundidade até ao canto interior, obter uma na. Entre estas dos soluciones, en el Edificio de zonas - as áreas privadas, as áreas sociais e as de los apartamientos visitados, a veces tienen
muito equilibrada solução, excepcionalmente la Esquina Nordeste con la Rua da Firmeza, una áreas de serviço - e privilegia as áreas sociais, acceso directo por el descansillo. La gradación
bem resolvida no canto a todos os níveis. sucesión de zaguanes parcialmente abiertos y que organiza numa sala comum articulada del público para el privado remite para el final
Na organização da planta de cada apar- encerrados por puentes y escaleras de servicio, com a zona de estar e a zona de refeições; nas del recorrido, después de pasar por los dor-
tamento distinguem-se essencialmente dois con patios tímidamente abiertos para el interior áreas privadas, um vestíbulo acessível a par- mitorios, el comedor, con conexión próxima o,
momentos: um primeiro sem grande espe- de la manzana, permite, en una solución general tir do hall de entrada distribui para os quar- incluso a veces, directa a las zonas de servicio.
cialização funcional e um segundo com uma de módulos que va perdiendo gradualmente su tos e casas de banho; nas áreas de serviço, El apartamiento moderno distingue tres
organização funcional e racional do fogo. Para profundidad hasta el canto interior, obtener una procedeu-se a uma progressiva simplifica- zonas - las áreas privadas, las áreas sociales y las
o primeiro, o do apartamento burguês, a plan- muy equilibrada solución, excepcionalmente ção, partindo da complexidade anteriormen- áreas de servicio - y privilegia las áreas sociales,
ta ideal é aquela onde todos os quartos e salas, bien resoluta en el canto a todos los niveles. te descrita e passando pelo desaparecimen- que organiza en un salón común articulado con
independentemente das orientações solares, En la organización de la planta de cada apar- to da entrada de serviço, tal como já sucede la zona de estar y la zona del comedor; en las
se orientam para a rua sem distinguir especial- tamiento se distinguen esencialmente dos no Edifício Emporium e no do Banco Popular, áreas privadas, un vestíbulo accesible a partir
mente, na sua forma, os quartos de dormir das momentos. El primero sin gran especialización para mais tarde se prescindir das acomoda- del hall distribuye para los dormitorios y baños;
salas, a de estar e a de jantar, cujas vocações funcional y el segundo con una organización ções da empregada interna, ficando assim en las zonas de servicio, se ha optado por una
são determinadas sobretudo pela suas posi- funcional y racional del fuego. Para el primero, reduzidas à cozinha e à lavandaria; a pior orien- progresiva simplificación, partiendo de la com-
ções relativamente à entrada e à cozinha; nor- el del apartamento burgués, la planta ideal es tação solar reserva-se para as áreas de servi- plejidad anteriormente descrita y pasando por
malmente, estes apartamentos apenas têm aquella donde todos los dormitorios y salones, ço e procura-se dotar os quartos e as salas da el desaparecimiento de la entrada de servicio,
uma casa de banho principal orientada para o independientemente de las orientaciones sola- melhor luz. Dos apartamentos estudados, os tal como ya sucede en el Edificio Emporium y
saguão enquanto a cozinha, preferencialmen- res, se orientan para la calle sin distinguir espe- únicos que têm esta organização funcional são en el del Banco Popular, para más tarde pres-
te, se orienta para o interior do quarteirão e só cialmente, en su forma, los dormitorios de los os do Edifício DKW e alguns dos apartamentos cindir de las acomodaciones de la sirvienta, res-
quando a frente para o interior do quarteirão salones, de estar y comedor, cuyas vocaciones do Edifício do Banco Popular; os do Palácio do tando así reducidas a la cocina y a la lavandería;
Comércio, embora com uma organização fun- la peor orientación solar está reservada para Emporium, até atingir o seu luxuoso apogeu no edificios de José Ferreira Penêda. El Art Déco
cional por zonas, são indiferentes à orientação las zonas de servicio de la habitación y se pro- Palácio do Comércio (um ícone de poder, tal continua siendo una referencia predominante,
solar e no Edifício Emporium apenas temos cura dotar a los dormitorios y los salones con la como o define Gisela Lameira, em contraponto con alusiones al Futurismo italiano en el Edificio
uma sala articulada, tal como também já suce- mejor luz. De los apartamentos estudiados, los ao Edifício DKW, que se constitui como um íco- Garantia, con un tímido modernismo, quizá
6
de no último dos prédios a ser licenciado do únicos que tienen esta organización funcional ne de modernidade) . referenciado a Mallet-Stevens, en el Edificio de
Edifício EDP. As salas de visitas, que até aí ape- son los del Edificio DKW y algunos apartamentos O moderno pratica-se com moderação no José Porto, que va adquiriendo una pretendida
nas se orientavam para a rua aproveitando a del Edificio del Banco popular; los del Palácio do Edifício DKW, surgindo articulado e em continui- dignidad con detalles de cantería en el período
vista que até então se privilegiava são, nestes Comércio, a pesar de un organización funcional dade com a formação clássica dos seus auto- de gloria del Estado Novo, tal como en los edifi-
casos, salas comuns funcionalmente associa- por zonas, son indiferentes a la orientación solar res e sem reclamar a ruptura com o passado, cios EDP y Emporium, hasta alcanzar su lujoso
das às áreas de serviço e, por isso, já se orien- y en el Edificio Emporium apenas tenemos un assente nas suas preocupações metodológicas apogeo en el Palácio do Comércio (un ícono de
6 Idem, pp. 149-150.
tam para o interior do quarteirão. salón articulado, tal como ya también sucede e éticas na procura de uma coerência entre o poder, tal como definido por Gisela Lameira, en
Enquanto no apartamento burguês as varan- en el último de los predios a ser licenciado del desenho, as novas possibilidades construtivas contrapunto al Edificio DKW, que se constitu-
6
das são meros “púlpitos” para observação da Edificio EDP. Los salones de visitas, que hasta ahí e expressivas do betão (ainda sem acesso à ye como ícono de modernidad). Lo moderno
vida urbana no exterior, ainda que essa intenção se orientaban para la calle aprovechando la vista estandardização em Portugal) e as necessida- se practica con moderación en el Edificio DKW,
só se vislumbre na planta do piso-tipo do Edifício que en esta época se privilegiaba son, en estos des do homem e da vida moderna. No Edifício surgiendo articulado y en continuidad con la
do Banco Popular, o apartamento moderno casos, salas comunes funcionalmente asocia- do Banco Popular já não é necessário reclamar formación clásica de sus autores y sin recla-
procura dotar-se de áreas exteriores de estar, das à las zonas de servicio y, por eso, ya se orien- o moderno, entretanto assumido pela socie- mar la ruptura con el pasado, asentado en sus
com dimensão para receber algum mobiliá- tan para el interior de la manzana. dade política e civil: assume-se o moderno que preocupaciones metodológicas y éticas en la
rio que as torne cómodas, sendo entendidas Mientras en el apartamiento burgués los se pratica, livre do seu receituário e adaptado busca de una coherencia entre el diseño, las
como mais um compartimento que faz parte balcones son meros “púlpitos” para observa- às circunstâncias do projecto. Neste edifício, o nuevas posibilidades constructivas y expresivas
das áreas sociais e que se relaciona com a sala ción de la vida urbana en el exterior, aunque moderno reflecte-se sobretudo em alguns dos del hormigón (aún sin acceso a la estandariza-
comum. Tanto neste edifício como no Palácio esa intención solo se vislumbre en la planta del seus códigos linguísticos, tais como a leveza da ción en Portugal) y las necesidades del hombre
do Comércio temos terraços muitíssimo apete- piso-tipo del Edificio del Banco Popular, el apar- construção, com bases translúcidas e janelas y de la vida moderna. En el Edificio del Banco
cíveis nos apartamentos de cobertura, no pri- tamiento moderno procura dotarse de áreas horizontais corridas em volumes articuladas, Popular ya no es necesario reclamar lo moder-
meiro com zonas de sombra sob escultóricas exteriores de estar, con dimensión para recibir mas vê o seu espirito democrático sacrificado no, entretanto asumido por la sociedad política
palas de betão e, no segundo, com pérgolas. algún mobiliario que las torne cómodas, siendo quando se discriminam os apartamentos, ofe- y civil: se asume lo moderno que se practica,
As arquitecturas dos anos 30 e 40 pode- entendidas como un compartimento más que recendo apenas a alguns a vista desafogada do libre de su recetario y adaptado a las circuns-
rão ser consideradas híbridas do ponto de vis- hace parte de las áreas sociales y que se rela- jardim defronte e orientando outros exclusiva- tancias del proyecto. En este edificio, lo moder-
ta construtivo, com estruturas mistas de alve- cione con el salón común. Tanto en este edifi- mente para o interior do quarteirão. no se refleja principalmente en algunos de sus
narias de pedra e pilar e viga de betão arma- cio como en el Palacio del Comercio tenemos As características apontadas e descritas códigos lingüísticos, tal como la levedad de la
do, o que transparece em alçados onde ainda terrazas muy apetecibles en los apartamentos nos parágrafos anteriores prescindem das visi- construcción, con bases translúcidas y venta-
predomina a noção de massa, com pesados de cobertura, en el primero con zonas de som- tas aos interiores e dependem apenas de uma nas horizontales corridas en volúmenes articu-
muros rebocados onde se rompem vãos em bra bajo escultóricas palas de hormigón y, en el análise dos projectos. O seu enquadramento ladas, pero ve su espíritu democrático sacrifi-
composições simétricas sobre sólidos emba- segundo, con pérgolas. permitiu entender melhor o contexto cultural cado cuando se discriminan los apartamentos,
samentos revestidos a pedra. Apesar de algum Las arquitecturas de los años 30 y 40 e sociopolítico em que surgiram e que, se por proporcionando apenas a algunos la vista des-
abandono de motivos decorativos, num depu- podrán ser consideradas híbridas desde el pun- um lado os justifica, por outro coloca em evi- ahogada del jardín enfrente y orientando otros
ramento que se confunde com modernida- to de vista constructivo, con estructuras mixtas dência o seu carácter comprometido e híbrido. exclusivamente para el interior de la manzana.
de, utilizam-se ainda baixos-relevos no rebo- de albañilerías de piedra y pilar y viga de hor- No entanto, se a sua qualidade espacial é pas- Las características apuntadas y descritas en
co para regrar as suas composições de matriz migón armado, lo que trasparece en alzados sível de ser parcialmente aferida na análise do los párrafos anteriores prescinden de las visitas
clássica, como bem o ilustram os dois edifícios donde aún predomina la noción de masa, con projecto, a sua caracterização espacial apenas a los interiores y dependen apenas de un aná-
de José Ferreira Penêda. O Art Déco continua pesados muros revocados donde se rompen foi possível de sentir aquando das visitas. Nos lisis de los proyectos. Su encuadramiento ha
a ser a referência predominante, com alusões huecos en composiciones simétricas sobre projectos podemos pressentir a interioridade permitido entender mejor el contexto cultural
ao Futurismo italiano no Edifício Garantia, com sólidos embasamientos revestidos de piedra. destas arquitecturas, ou pressentir a qualidade y socio-político en que han surgido y que, si por
um tímido modernismo, talvez referenciado a A pesar de algún abandono de motivos deco- da sua luz, mas estes são aspectos que apenas un lado los justifica, por otro evidencia su carác-
Mallet-Stevens, no Edifício de José Porto, que rativos, en una depuración que se confunde quando complementados pelo detalhe da exe- ter comprometido e hibrido. No obstante, si su
vai adquirindo uma pretensa dignidade com con modernidad, se utiliza el aún bajo relieve cução e confrontados directamente com os calidad espacial puede ser parcialmente eva-
detalhes de cantaria no período de glória do en el revoque para reglar sus composiciones nossos sentidos podem ser comprovados. luada en el análisis del proyecto, su caracteriza-
Estado Novo, tal como nos edifícios EDP e de matriz clásica, como bien ilustran los dos ción espacial apenas ha sido posible de sentir
A qualidade das vivências que as arquitectu- durante las visitas. En los proyectos podemos designadas de “fenomenológicas” que se têm hace la apología de una interpretación espacial
ras estudadas proporcionam não se constitui presentir la interioridad de estas arquitecturas, produzido recentemente. en la arquitectura), una influencia que permane-
como tema central das teorias da arquitectura o presentir la calidad de su respectiva luz, pero Enquanto doutrina filosófica, a ce actual, tal como es demostrado por la recep-
centradas nas vanguardas; estas arquitecturas estos son aspectos que apenas cuando com- “Fenomenologia da Percepção” tem um carác- tividad del libro de Juhani Pallasma, “The Eyes of
resultam prejudicadas na sua valoração quan- plementados por el detalle de la ejecución y ter abrangente e a sua metodologia, privilegian- the Skin – Architecture and the Senses”, publi-
10
do se detecta uma hesitante modernidade, que confrontados directamente con nuestros senti- do a percepção na compreensão do mundo, cado en 2005 , y por algunas de las arquitec-
induz a que sejam classificadas, por alguma da dos pueden ser comprobados. tem sido utilizada como forma de valoração turas designadas de “fenomenológicas” que se
teoria da arquitectura, como híbridas. La calidad de las vivencias que las arquitec- estética. Neste trabalho de investigação valo- han producido recientemente. Como doctrina
Ignasi de Solá-Morales, em 1987, escreve um turas estudiadas proporcionan no se constituye rizámos a experiência espacial no entendi- filosófica, la “Fenomenología de la Percepción”
artigo designado “arquitectura débil”, vinculado tema central de las teorías de arquitectura cen- mento das obras em observação e, através do tiene un carácter amplio y su metodología, que
7 Citação de Citación de SOLÁ-
-MORALES, Ignasi de – Arquitectura às teorias estéticas do “pensamento débil” ou tradas en las vanguardias; estas arquitecturas método fenomenológico, detivemo-nos nas privilegia la percepción en la comprensión del
Debil in Quaderns d’Arquitectura
I Urbanisme, nº175. Barcelona : “ontologia débil” de Gianni Vantini e outros pen- resultan prejuiciadas en su valoración cuando suas particularidades, assinalámos as suas fra- mundo, es utilizada como forma de valoración
Colégio de Arquitectos de Cataluña,
1987. sadores coetâneos, onde propõe leituras da se detecta una vacilante modernidad, que lleva gilidades e concentrámo-nos nos seus atribu- estética. En este trabajo de investigación valo-
8 Idem.
9 ZEVI, Bruno – Saper vedere arquitectura do século XX alternativas à leitura a que sean clasificadas, por alguna de la teoría tos. Em algumas destas arquitecturas fomos ramos la experiencia espacial en la compren-
l’architettura. Turim: Einaudi, 1948.
10 PALLASMAA, Juhani – The Eyes linear da teoria da arquitectura apologista da de la arquitectura, como híbridas. surpreendidos pela sua qualidade espacial, a sión de las obras en observación y, a través del
of the Skin: Architecture and the
Senses. Londres: Academy Press, “Tradição moderna”, que ele designa de “fun- Ignasi de Solá-Morales, en 1987, escribe un qual, como podemos verificar, se deve em par- método fenomenológico, nos hemos detenido
2005.
damentalismo do moderno”, livres de qualquer artículo llamado “arquitectura débil”, vinculado te à sua “debilidade”: ainda que não imbuídas en sus particularidades, señalando sus fragi-
outro tipo de fundamentalismo, que permitam a las teorías estéticas del “pensamiento débil” o de um espírito crítico para com a arquitectura lidades y concentrándonos en sus atributos.
leituras transversais que englobem a sua plura- “ontología débil” de Gianni Vantini y otros pensa- da máquina, que desconheciam ou não com- En algunas de estas arquitecturas hemos sido
lidade e complexidade: “É a força da arquitectura dores coetáneos, donde propone lecturas de la preendiam, propõem ambientes de livre apro- sorprendidos por su calidad espacial, la cual,
débil. Aquela que a arte e a arquitectura são capazes arquitectura del siglo XX alternativas a la lectura priação que, contrapostos às arquitecturas como podemos verificar, se debe, en parte, a su
de produzir precisamente quando não se apresen- linear de la teoría de la arquitectura apologista abertas ao exterior propostas pelo Movimento “debilidad”: aún que no imbuidas por un espíritu
tam agressivas e dominantes, mas sim tangenciais e de la “Tradición Moderna”, que denomina “fun- Moderno, favorecem a intimidade e a domes- crítico para con la arquitectura de la máquina,
7
débeis.” Argumenta, suportando-se no pensa- damentalismo del moderno”, libres de cualquier ticidade em espaços interiorizados; as arqui- que desconocían o no comprendían, proponen
mento Nietzscheano e na apropriação que des- otro tipo de fundamentalismo, que permitan tecturas leves e translúcidas propostas pelo ambientes de libre apropiación que, contra-
te faz Heidegger, que é na “experiência de fac- lecturas transversales que engloben su plurali- Movimento Moderno adequam-se à cidade puestos a las arquitecturas abiertas al exterior
to” que se fundem a obra de arte e de arquitec- dad y complejidad: “Es la fuerza de la arquitectura aberta e desafogada, mas poderão ser inde- propuestas por el Movimiento Moderno, favore-
tura com o sujeito perceptor, constituindo-se débil. Aquella que el arte y la arquitectura son capa- sejáveis quando inseridas na densidade urba- cen la intimidad y la domesticidad en espacios
como o modelo mais sólido de um desmontar ces de producir precisamente cuando no se muestran na da cidade tradicional, onde a massa destas interiorizados; las arquitecturas leves y transluci-
da realidade que permite criar um sistema de agresivas y dominantes, pero si tangenciales y débi- construções, ainda com fortes umbrais na tran- das propuestas por el Movimiento Moderno se
7
referências contemporâneo, “não a partir de um les.” Argumenta, apoyándose en el pensamien- sição com o exterior, proporciona o tão dese- adecúan a la ciudad abierta y desahogada, pero
sistema imóvel, mas sim com a necessidade de pro- to Nietzscheano y en la apropiación que hace jado refúgio e privacidade. Estas arquitecturas, podrán ser indeseables cuando insertadas en la
por para cada passo simultaneamente o seu objecto Heidegger, que es en la “experiencia de hecho” consideradas retrógradas precisamente por densidad urbana de la ciudad tradicional, don-
8
e o seu fundamento” , sem qualquer pretensão donde se funden la obra de arte y de arquitec- não terem imbuída a ânsia do mundo moderno, de la masa de estas construcciones, aún con
de se constituir como verdade insofismável. tura con el sujeto perceptor, constituyéndose ao modernizarem-se gradualmente em conti- fuertes umbrales en la transición con el exterior,
Desde que, em 1945, foi publicada a obra como el modelo más sólido de un desmon- nuidade com a tradição, antecipam inconscien- proporciona el tan deseado refugio y privaci-
de Merleau-Ponty, fez-se sentir de imedia- tar la realidad que permite crear un sistema de temente o momento em que o modernismo dad. Estas arquitecturas, consideradas retro-
to a sua influência na teoria da arquitectu- referencias contemporáneo, “no a partir de un se concilia com o passado durante a revisão do gradas precisamente por no tener imbuida el
ra (nomeadamente no livro “Saper vedere sistema inmóvil, pero, si, con la necesidad de propo- Movimento Moderno. São arquitecturas que se ansia del mundo moderno, al modernizarse
l’architectura”, com a sua primeira edição ita- ner para cada paso simultáneamente su objeto y su fundam na prática e que, sem aspirarem a ser gradualmente en continuidad con la tradi-
9 8
liana datada de 1948, onde Bruno Zevi , fer- fundamento” , sin cualquier pretensión de cons- vanguarda mas apenas com “bom senso”, pro- ción, anticipan inconscientemente el momen-
voroso defensor da arquitectura orgânica, faz tituirse en verdad insofismable. Desde que, en curam desempenhar o seu papel. to en el cual el modernismo se concilia con
a apologia de uma interpretação espacial na 1945, fue publicada la obra de Merleau-Ponty, Em Portugal, a ausência de suportes teóri- el pasado durante la revisión del Movimiento
arquitectura), uma influência que permanece se ha hecho sentir de inmediato su influencia en cos não permitiu que aí florescessem vanguar- Moderno. Son arquitecturas que se funden en
actual, tal como o demonstram a receptivida- la teoría de la arquitectura (concretamente en el das; a repressão do regime, facto mais notório la práctica y que, sin pretender ser vanguardia
de ao livro de Juhani Pallasmaa, “The Eyes of libro “Saper vedere l’architectura”, con su prime- durante os anos 30/40, não permitiu sequer pero apenas con “sentido común”, procuran
9
the Skin – Architecture and the Senses”, publi- ra edición italiana de 1948, donde Bruno Zevi , que se usassem como modelos as novas van- desempeñar su función.
10
cado em 2005 , e algumas das arquitecturas fervoroso defensor de la arquitectura orgánica, guardas. As arquitecturas correntes, as que
constroem as imagens das cidades, são um En Portugal, la ausencia de soportes teó- ou entretanto atribuídos, é um instrumento e relación entre la obra y la vida. Y la arquitectura será
espelho das sociedades em que se inserem e ricos no ha permitido la florescencia de van- não um fim. O moderno dogmático, a partir eficaz en ese compromiso cuando, en una ejempla-
das respectivas culturas; as arquitecturas em guardias; la represión del régimen, hecho más de um dado momento, caiu no erro de se afir- ridad radical, se hace a si misma fuera del denomi-
estudo, mais do que tudo, representam a socie- notorio durante los años 30/40, no ha siquiera mar como um estilo que, frequentemente, se nador común de los gestos degradados e gratuitos
dade burguesa a que então se destinavam, a permitido la utilización de las vanguardias como passou a confundir com as preocupações que o del nexo dominante de la ‘industria e de la cultura’
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qual, ainda que desejosa de modernidade, era modelos. Las arquitecturas corrientes, las que lhe deram fundamento, substituindo um aca- que los va condicionando.” Un cualquier estilo,
no seu íntimo conservadora. construyen las imágenes de las ciudades, son demismo por outro. Citando Ernest Nathan con significados en su fundación o entretanto
“A arquitectura portuguesa, resultando de um un espejo de las sociedades en que son intro- Rogers, “o grande equívoco surgiu quando se conti- atribuidos, es un instrumento y no una finalidad.
processo empírico que dificilmente se distancia do ducidas y de las respectivas culturas; las arqui- nua, de forma persistente, a considerar o ‘estilo’ do El moderno dogmático, a partir de un deter-
senso comum, foi sendo coincidente com os interes- tecturas en estudio, más que todo, represen- Movimento Moderno pela aparência figurativa e não minado momento, ha caído en el error de afir-
ses operativos do sistema, convicta e contraditória tan la sociedad burguesa a que se destinaba, la segundo a expressão de um método que tentou esta- marse como un estilo que, frecuentemente, se
quanto ele. A lógica do seu sistema está, sobretudo, cual, a pesar de deseosa de modernidad, era en belecer relações novas e mais claras entre os conte- ha pasado a confundir con las preocupaciones
no manuseamento da diversidade das linguagens, su íntimo conservadora. údos e as formas, entre a fenomenologia de um pro- que le han dado fundamento, substituyendo un
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no carácter temporário e local dos consensos e não “La arquitectura portuguesa, resultando de un cesso histórico-pragmático, sempre em aberto.” academismo por otro. Citando Ernest Nathan
no objectivo único e na persistência de um idêntido proceso empírico que difícilmente se distancia del Das arquitecturas estudadas, a única imbu- Rogers, “el gran equivoco ha surgido cuando se con-
nacional. (…) A acrescentar que no século XX a arqui- sentido común, ha sido coincidente con los intereses ída de uma metodologia moderna, ainda que tinua, de forma persistente, considerando el “estilo”
tectura portuguesa não teve significativas motiva- operativos del sistema, tan convicta y contradicto- também mesclada com a formação clássi- del Movimiento Moderno por la apariencia figurati-
ções ideológicas, definindo-se mais como linguagem ria cuanto el. La lógica de su sistema reside, esen- ca dos seus autores, será o Edifício DKW. No va y no según la expresión de un método que intentó
11
Alexandre
disponível do que código totalizante.” cialmente, en el manejo de la diversidad de los len- Edifício do Banco Popular, assumem-se alguns establecer relaciones nuevas y más claras entre los
Alves Costa cita Boaventura Sousa Santos pre- guajes, en el carácter temporario y local de los con- dos elementos formais que caracterizam o esti- contenidos y las formas, entre la fenomenología de un
14 Citação de Citación de ROGERS,
14
cisamente para propor releituras da arquitec- sensos y no en el objetivo único y en la persistencia lo do Movimento Moderno, mas não se aplica proceso histórico-pragmático, siempre en abierto.” Ernest Nathan – Continuidade
ou crise? in RODRIGUES, José
tura portuguesa à margem do moderno: “Sem de una identidad nacional. (…) Añadiendo que en el a sua metodologia. Em alguns dos restantes, a De las arquitecturas estudiadas, la única Manuel (coord.) - Teoria e crítica
de arquitectura. Século XX. Casal
recusar liminarmente a lógica do senso comum, a siglo XX la arquitectura portuguesa no tuvo signifi- sua modernidade não se reflecte nas metodo- imbuida de una metodología moderna, toda- de Cambra: Caleidoscópio; OASRS,
2010, p.386.
possibilidade de um consenso crítico e uma nova cativas motivaciones ideológicas, definiéndose más logias adoptadas e, formalmente, limita-se a um vía también mezclada con la formación clásica
11
atenção à ‘praxis quotidiana’, permitirão aprofun- como lenguaje disponible que código totalizante.” depuramento na imagem exterior e na carac- de sus autores, es el Edificio DKW. En el Edificio
dar os projectos apenas aflorados da nossa sui- Alexandre Alves Costa cita Boaventura Sousa terização dos interiores, ainda que não abso- del Banco Popular, se asumen algunos de los
-generis modernidade, a ‘cumprir à revelia da teoria Santos precisamente para proponer relectu- luto mas misturado com detalhes decorativos elementos formales que caracterizan el esti-
da modernização’. Com um novo senso comum que ras de la arquitectura portuguesa al margen na continuidade do Art Déco; são, no essencial, lo del Movimiento Moderno, pero no se aplica
‘deixado a si mesmo, é conservador e pode legitimar de lo moderno: “Sin rechazar totalmente la lógi- arquitecturas de matriz clássica, nomeadamen- su metodología. En algunos de los restantes, su
11 Alexandre Alves Costa no prefá- prepotências, mas interpenetrado do conhecimento ca del sentido común, la posibilidad de un consenso te a nível compositivo, construtivo e espacial. modernidad no se refleja en las metodologías
cio de en el prefacio de FERNAN-
DEZ, Sérgio - Percurso, Arquitec- científico pode estar na origem de uma nova raciona- crítico y una nueva atención a la “praxis cuotidiana” Na primeira metade do século XX não se adoptadas y, formalmente, se limita a una depu-
tura Portuguesa 1930/1974. Porto:
FAUP, 1988, pp. 4-5. lidade. Uma racionalidade feita de racionalidades’ permitirán profundizar los proyectos apenas aflo- verificou, em Portugal, o processo de industria- ración en la imagen exterior y en la caracteriza-
12 Idem, p. 6.
13 Idem (Boaventura Sousa Santos). Assim sendo, a arqui- rados de nuestra sui-generis modernidad, a “cum- lização que justificou o Movimento Moderno ción de los interiores, a pesar de que no es abso-
tectura portuguesa tardo-moderna, dando conti- plir contornando la teoría de la modernización”. Con nas culturas mais desenvolvidas do centro da luto pero mezclado con detalles decorativos en
nuidade ao seu destino histórico, não será um estilo un nuevo sentido común que “dejado a sí mismo, es Europa; regra geral, para o prédio de rendimen- la continuidad del Art Déco; son, en lo esencial,
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mas o resultado de uma atitude.”E nós acres- conservador y puede legitimar prepotencias, pero to no Porto e na década de 30, pratica-se um arquitecturas de matriz clásica, concretamente
centaríamos que este pertinente raciocínio é interpenetrado del conocimiento científico puede modernismo que relega o historicismo e apos- a nivel compositivo, constructivo y espacial.
também aplicável à arquitectura portuguesa estar en el origen de una nueva racionalidad. Una ta numa estilização formal imbuída de um cariz En la primera mitad del siglo XX no se ha
pré-moderna. racionalidad hecha de racionalidades” (Boaventura Art Déco, estilização que gradualmente induz a verificado, en Portugal, el proceso de industria-
Alexandre Alves Costa, prosseguindo, conta- Sousa Santos). Así, la arquitectura portuguesa tar- uma maior depuração estilística, que se associa lización que justificó el Movimiento Moderno
-nos que para “Fernando Távora diria: o estilo não do-moderna, proporcionando continuidad a su des- a modernidade, mas que é destituída da carga en las culturas más desarrolladas del centro de
conta, conta sim a relação entre a obra e a vida. E a tino histórico, no será un estilo pero el resultado de ética que adquiriu no discurso de Adolf Loos. O Europa; generalmente, para el predio de ren-
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arquitectura será eficaz nesse compromisso quan- una actitud.” Y nosotros añadiremos que este discurso conservador apela a uma arquitectura dimiento en Porto y en la década de los 30, se
do, numa exemplaridade radical, se fizer a si própria pertinente raciocinio también es aplicable a la nacional em oposição a uma arquitectura inter- practica un modernismo que relega el histo-
fora do denominador comum dos gestos degrada- arquitectura portuguesa premoderna. nacional, o que se traduz, para os mais român- ricismo y apuesta por una estilización formal
dos e gratuitos ou do nexo dominante da ‘indústria e Alexandre Alves Costa, continuando, nos ticos, no uso de apêndices pitorescos. Nos imbuida de un cariz Art Déco, estilización que
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da cultura’ que os vai condicionando.”Um qual- cuenta que “Fernando Távora diría: el estilo no anos 40 oficializa-se o discurso nacionalista e, gradualmente induce a una mayor depura-
quer estilo, com significados na sua fundação tiene importancia, lo que tiene importancia es la numa prática continuada de uma arquitectura ción estilística, que se asocia a la modernidad,
Art Déco, por vezes de modo mais explíci- pero que es destituida de la carga ética que ha moderna na sua metodologia, não relega o pas- mitad del siglo XX surgen algunos ejemplos sin-
to e noutras com maior subtileza, introduz-se adquirido en el discurso de Adolf Loos. sado e reclama apenas o momento presente gulares vanguardistas, en Porto y en Portugal, de
pontualmente uma imponência e uma monu- El discurso conservador apela a una arquitec- em continuidade com o passado. arquitectura moderna. Todavía, mismo los más
mentalidade como forma de aproximação às tura nacional por oposición a una arquitectura Sensibiliza-nos a capacidade da arqui- ortodoxos no aplican ciegamente el recetario
pretensões representativas do regime. Com internacional, lo que se traduce, para los más tectura para gerar e caracterizar ambientes moderno, adaptándolo a las circunstancias de
a ausência de progresso também não existiu, románticos, en el uso de apéndices pintorescos. que prevaleçam para além do momento em la intervención; la arquitectura de los autores
nem o desejo de modernidade, nem o desejo En los años 40 se oficializa el discurso naciona- que foram concebidos; espaços que, embo- del Edificio DKW, protagonistas en la contes-
de ruptura. Nestas arquitecturas absorvem- lista y, en una práctica continuada de una arqui- ra desactualizados em algumas questões tación de la política y del régimen, indudable-
-se e misturam-se várias influências, as do pas- tectura Art Déco, a veces de modo más expli- de âmbito programático ou construtivo, têm mente moderna en su metodología, no relega el
sado recente com algumas contemporâneas, cito y en otras con una sutileza más evidente, carácter, podendo constituir-se como uma pasado y reclama apenas el momento presente
sem grandes rasgos ideológicos a suportá-las. se introduce puntualmente una imponencia y alternativa válida para os ambientes incaracte- en continuidad con el pasado.
Clarificando alguns equívocos que ainda subsis- una monumentalidad como forma de aproxi- rísticos que, hoje em dia, o mercado imobiliário Nos sensibiliza la capacidad de la arquitec-
tiam durante a década de 30 entre o poder e a mación a las pretensiones representativas del tem para nos oferecer. tura para generar y caracterizar entornos que
arquitectura, é na década de 40, após ditar as régimen. Con la ausencia de progreso tampoco Da cultura arquitectónica faz parte, como é prevalezcan mas allá del momento en que han
linhas da arquitectura que representa o Estado ha existido el deseo de modernidad ni el deseo óbvio, a observação do construído retirando, sido concebidos; espacios que, a pesar de des-
Novo na Exposição do Mundo Português, que o de ruptura. En estas arquitecturas se absorben das nossas vivências ou experiências espa- actualizados en determinadas cuestiones de
regime assume o seu papel castrador e impo- y se mezclan varias influencias, las del pasado ciais, lições para a nossa actividade projectual. ámbito programático o constructivo, tienen
sitivo. Na arquitectura produzida nestas cir- reciente con algunas contemporáneas, sin gran- Ao projectarmos, transportamos connosco, carácter, constituyéndose como alternativa váli-
cunstâncias, sem demarcar posições claras des rasgos ideológicos sirviendo de soporte. subconscientemente, todas as nossas expe- da para los ambientes confundibles que, actual-
relativamente a uma dualidade entre tradição Clarificando algunos equívocos que aún subsis- riências espaciais que nos tocaram emocio- mente, el mercado inmobiliario nos ofrece.
e modernidade, assiste-se, sem processos de tían durante la década de los 30 entre el poder nalmente e procuramos idilicamente transferi- De la cultura arquitectónica hace parte, obvia-
ruptura, a uma lenta e gradual evolução em y la arquitectura, es en la década de los 40, des- -las para as nossas obras. Nesta tese fizemos mente, la observación de lo construido, reti-
continuidade com a tradição; ainda quando pués de dictar las líneas de la arquitectura que o processo inverso: partimos da vivência do rando, de nuestras vivencias o experiencias
despidas de uma ideologia, denotam o conhe- representa el Estado Novo en la Exposición del espaço e procurámos identificar sensações espaciales, lecciones para nuestra actividad
cimento e a influência do que em paralelo se Mundo Portugués, que el régimen asume su fun- e estímulos, desde os positivos aos negativos, proyectual. Al proyectar, transportamos con
produzia na Europa Central; baseadas no exer- ción castradora e impositiva. En la arquitectura num processo gradual de consciencialização nosotros, subconscientemente, todas nuestras
cício da profissão, aferindo as soluções através producida en estas circunstancias, sin demarcar da nossa experiência. experiencias espaciales que nos han emocio-
do desenho e recorrendo à intuição (ou à sen- posiciones claras relativamente a una dualidad Através da experiência espacial em arqui- nado y procuramos idílicamente transferirlas en
sibilidade de apreciação estética desenvolvida entre tradición y modernidad, se asiste, sin pro- tecturas “anónimas” descobrimos espaços nuestras obras. En esta tesis hacemos el proce-
na prática e na observação), produziram-se por cesos de ruptura, a una lenta y gradual evolución equilibrados e com capacidade para proporcio- so inverso: partimos de la vivencia del espacio
vezes arquitecturas cuidadosamente desenha- en continuidad con la tradición; aún cuando nar conforto. O programa do cliente é quanti- y procuramos identificar sensaciones y estí-
das, caracterizadas e, em consequência, com desvestida de una ideología, denotan el cono- tativo. O arquitecto tem a obrigação de lhe adi- mulos, desde los positivos a los negativos, en el
uma grande qualidade espacial. cimiento y la influencia de lo que en paralelo se cionar parâmetros qualitativos, cuja clarificação proceso gradual de concienciación de nuestra
A repressão do regime induz a que, a par- producía en la Europa Central; basadas en el deverá ser um objectivo a perseguir, mesmo experiencia.
tir de meados da década de 40, também os ejercicio de la profesión, evaluando las solucio- que estes não sejam ainda claros no início do A través de la experiencia espacial en arqui-
arquitectos clarifiquem posições, criticando nes a través del diseño y recurriendo a la intui- projecto. As características espaciais dispõem- tecturas “anónimas”, descubrimos espacios
abertamente a arquitectura oficial e reclaman- ción (o a la sensibilidad de apreciación estética -nos psicologicamente e esse facto não deverá equilibrados y con capacidad para propor-
do o direito a fazerem arquitectura moderna, desarrollada en la práctica y en la observación), ser uma mera consequência do projecto, mas cionar comodidad. El programa del cliente es
em consonância com o espírito e as necessi- se han producido, a veces, arquitecturas cuida- um dado programático. Citando Steven Holl: cuantitativo. El arquitecto tiene la obligación de
dades da época. No final da primeira metade dosamente diseñadas, caracterizadas y, como “Podría argumentarse que, desde el punto de vista adicionarle parámetros cualitativos, cuya cla-
do século XX surgem alguns raros exemplos consecuencia, con una gran calidad espacial. experimental, los ‘efectos secundarios’ en arquitec- rificación debe ser un objetivo, incluso si estos
vanguardistas, no Porto e em Portugal, de arqui- La represión del régimen induce a que, a tura pueden ser más importantes que los primários; no son particularmente claros al inicio del pro-
tectura moderna. No entanto, mesmo os mais partir de mediados de la década de los 40, no obstante, el propósito primario – el programa del yecto. Las características espaciales nos dis-
ortodoxos não aplicam cegamente o receitu- también los arquitectos clarifiquen posiciones, edificio – tenía que equilibrarse con una multitud ponen psicológicamente y ese hecho no debe-
ário moderno, adaptando-o às circunstâncias criticando abiertamente la arquitectura oficial de consideraciones secundarias, los fenómenos del rá ser una mera consecuencia del proyecto,
15
da intervenção; a arquitectura dos autores do y reclamando el derecho a hacer arquitectura material, del espacio, de los detalles, etc.” pero un dado programático. Citando Steven
Edifício DKW, protagonistas na contestação moderna, en consonancia con la identidad y las Não encontramos uma grande diversidade de Holl: “Podría argumentarse que, desde el punto
da política do regime, sendo indubitavelmente necesidades de la época. A finales de la primera ambientes nos prédios estudados. O prédio de de vista experimental, los ‘efectos secundarios’ en
rendimento não é o programa ideal para ilustrar arquitectura pueden ser más importantes que los pri- partitura totalmente nueva. Quieren elaborar solu- posición contra el exceso de formalismo que
esta questão, já que neste tipo de edifício, regra marios; no obstante, el propósito primario – el progra- ciones propias, sin la ayuda de paradigmas, y por eso el “star system” ha inducido en la arquitectu-
geral, se pretende uma certa neutralidade, de ma del edificio – tenía que equilibrarse con una mul- ahora se juzga su trabajo fundamentalmente confor- ra, con todos sus graves equívocos implícitos.
modo a possibilitar a máxima versatilidade na sua titud de consideraciones secundarias, los fenómenos me su novedad. Ello ha llevado a un ‘culto de origina- Es un discurso pertinente delante la realidad
15
apropriação e atingir, no mercado, o maior núme- del material, del espacio, de los detalles, etc.” lidad’, como ha llamado Allan Greenberg, en el cual que se vive en la arquitectura contemporánea.
ro de interessados. No entanto, podemos ver que No encontramos una gran diversidad de se suele preguntar más a menudo si ‘és nuevo’ que si Hablando de la obsesión en innovar, citamos
se passou gradualmente de uma arquitectura ambientes en los predios estudiados. El predio ‘es mejor’. (…) Se espera el próximo adelanto: se harán Witold Rybczynsky: “A los diseñadores contempo-
interiorizada, predominantemente estática e ver- de rendimiento no es el programa ideal para las sillas de cartón ondulado, o de redes de plásti- ráneos no les interesan las variaciones, quieren una
tical, para uma arquitectura aberta e dinâmica, ilustrar esta cuestión, ya que en este tipo de co expandido? Como cada paradigma ‘pertenece’ a partitura totalmente nueva. Quieren elaborar solu-
predominantemente horizontal. Os ambientes edificio, normalmente, se pretende una cierta su diseñador, los demás mueblistas nunca podrán ciones propias, sin la ayuda de paradigmas, y por eso
15 Citação de Citación de HOLL,
Steven – Cuestiones de percepción. mais fortemente caracterizados fomos encontrá- neutralidad, para posibilitar la máxima versatili- mejorarlo; uno encuentra imitaciones menos caras ahora se juzga su trabajo fundamentalmente confor-
Fenomenología de la arquitectura.
Barcelona: Editorial Gustavo Gili, -los nas áreas de circulação comuns principais e dad en su apropiación y conseguir, en el merca- de sillas famosas, pero casi nunca se trata de perfec- me su novedad. Ello ha llevado a un ‘culto de origina-
2011, p. 62.
16 Ver ZUMTHOR, Peter – Atmos- até nas secundárias, primorosamente desenha- do, el número máximo de interesados. Todavía, cionamientos de esas sillas. En tales circunstancias, lidad’, como ha llamado Allan Greenberg, en el cual
feras. Barcelona: Editorial Gustavo
Gili, 2006, p. 71. das em quase todos os edifícios. podemos ver que hemos pasado gradualmente la evolución gradual resulta imposible; el adaptar el se suele preguntar más a menudo si ‘és nuevo’ que si
17 Citação de Citación de ZU-
MTHOR, Peter – Atmosferas. Para rematar, Peter Zumthor refere-se à “for- de una arquitectura interiorizada, predominan- diseño de otro equivale a verse acusado de falta de ‘es mejor’. (…) Se espera el próximo adelanto: se harán
Barcelona: Editorial Gustavo Gili,
2006, p. 71. ma bela”, característica comum a outras artes, temente estática y vertical, hacia una arquitec- imaginación, y el mejorar el proprio equivale a reco- las sillas de cartón ondulado, o de redes de plásti-
fazendo questão de frisar que este não é um tura abierta y dinámica, predominantemente nocer que no era perfecto desde un principio. (…) El co expandido? Como cada paradigma ‘pertenece’ a
objectivo a perseguir durante o processo de horizontal. Los entornos fuertemente carac- problema del confort se ve complicado además por el su diseñador, los demás mueblistas nunca podrán
concepção, mas que fará parte de uma aferição terizados los hemos encontrado en las áreas deseo de los diseñadores de hacer muebles a partir de mejorarlo; uno encuentra imitaciones menos caras
final para garantir a capacidade da arquitectura de circulación comunes principales e, incluso, materiales industrializados y de utilizar nuevas téc- de sillas famosas, pero casi nunca se trata de perfec-
16
para comover . Exceptuando o Edifício DKW secundarias, primorosamente diseñadas en nicas. Lo malo no es el deseo de experimentar (…), sino cionamientos de esas sillas. En tales circunstancias, 18 Citação de Citación de RYB-
CZYNSKI, Witold - La casa. Historia
18
ou o Gaveto Nordeste com a Rua da Firmeza, casi todos los edificios. más bien la búsqueda de la innovación.” la evolución gradual resulta imposible; el adaptar el de una idea. San Sebastian: Edito-
rial Nerea, 1989, pp. 213-214.
aqueles cuja resposta a esta questão é ple- Para rematar, Peter Zumthor se refiere a Álvaro Siza costuma dizer que é um desper- diseño de otro equivale a verse acusado de falta de 19 Não nos recordamos de como
temos esta informação, se o lemos
na em quase todos os níveis, essa será talvez la “forma bella”, característica común a otros dício de energia reinventar o que já foi inven- imaginación, y el mejorar el proprio equivale a reco- ou se nos contou algum dos seus
colaboradores. No nos recordamos
a maior debilidade das restantes arquitecturas artes, subrayando que no es un objetivo duran- tado e bem, ou ainda, que a imaginação é o nocer que no era perfecto desde un principio. (…) El de como tenemos esta informa-
ción, si lo hemos leído o si nos ha
19
estudadas, demasiado comuns e com dema- te el proceso de concepción, pero formará maior inimigo dos arquitectos , afirmações problema del confort se ve complicado además por el sido contado por alguno de sus
colaboradores.
siadas fragilidades para nos chegarem a como- parte de una evaluación final para garantizar que não deixam de ser curiosas quando vindas deseo de los diseñadores de hacer muebles a partir de
ver, a não ser pontualmente. No entanto, Peter la capacidad de la arquitectura para conmo- de um arquitecto com tanta imaginação como materiales industrializados y de utilizar nuevas téc-
16
Zumthor frisa que: “La arquitectura se ha hecho ver . Exceptuando el Edificio DKW o el de la Álvaro Siza, que redesenha tudo até o porme- nicas. Lo malo no es el deseo de experimentar (…), sino
18
para nuestro uso. En este sentido, no es una arte libre. Esquina Nordeste con la Rua da Firmeza, aque- nor e raras vezes recorre à pré-fabricação. Sem más bien la búsqueda de la innovación.”
Creo que la tarea más noble de la arquitectura es jus- llos cuya respuesta a esta cuestión es plena en termos a pretensão de descodificar o sentido Álvaro Siza dice que es un desperdicio de
17
tamente ser una arte útil” e, nesse sentido, justifi- casi todos los niveles, esa será quizá la mayor atribuído por Álvaro Siza a estas frases, parece energía reinventar lo que ya ha sido inventa-
cadas na plenitude do uso, apenas excluiríamos, debilidad de las restantes arquitecturas estu- evidente que, quando o diz, deseja sublinhar a do y bien, o además, que la imaginación es el
19
pelas fragilidades que apontamos, os edifícios diadas, demasiado comunes y frágiles para que importância da cultura arquitectónica e criticar peor enemigo de los arquitectos , afirmacio-
TAAG e EDP e a organização pouca democrá- puedan conmovernos, salvo puntualmente. No um uso gratuito da imaginação. No título do seu nes curiosas de un arquitecto con tanta ima-
tica dos pisos com entrada pela Rua de Sá da obstante, Peter Zumthor subraya que “La arqui- livro apela à imaginação, não para prever o insó- ginación - un arquitecto que rediseña el más
Bandeira do Edifício do Banco Popular. tectura se ha hecho para nuestro uso. En este sen- lito ou o espectacular, mas para ir ao encontro pequeño detalle y pocas veces recurre a la
É bastante óbvio o quanto o discurso de tido, no es un arte libre. Creo que la tarea más noble da evidência. Na reconstrução do Chiado, com prefabricación. Sin tener la pretensión de des-
17
Peter Zumthor na conferência “Atmosferas” é de la arquitectura es justamente ser un arte útil” uma humildade exemplar, repõe a memória codificar el sentido atribuido por Álvaro Siza a
datado, marcando intencionalmente uma posi- y, en ese sentido, justificadas en la plenitud del colectiva. Álvaro Siza utiliza o desenho de forma estas frases, parece evidente que, cuando lo
ção contra o excesso de formalismo que o “star uso, apenas excluiríamos, debido a las fragilida- obsessiva para atingir determinados objecti- está diciendo, desea acentuar la importancia
system” tem induzido na arquitectura, com des mencionadas, los edificios TAAG y EDP y vos ou resolver problemas concretos; a inova- de la cultura arquitectónica y critica un uso gra-
todos os seus graves equívocos implícitos. É um la organización poco democrática de los pisos ção não é nunca um objectivo em si na obra de tuito de la imaginación. En el titulo de su libro
discurso pertinente perante a realidade que se con entrada por la Rua de Sá da Bandeira del Álvaro Siza, é um instrumento para responder apela a la imaginación, no para prever lo insólito
está a viver na arquitectura contemporânea. Edificio del Banco Popular. aos desafios com que se depara ou para atingir o lo espectacular, pero para ir al encuentro de
A propósito da obsessão em inovar, citamos Es bastante obvio cuan datado está el dis- os seus ideais na arquitectura. la evidencia. En la reconstrucción del Chiado,
Witold Rybczynsky: “A los diseñadores contempo- curso de Peter Zumthor en la conferencia Intencionalmente, estudámos arquitectu- con una humildad ejemplar, repone la memoria
ráneos no les interesan las variaciones, quieren una “Atmosferas”, marcando intencionalmente una ras mais qualificadas que outras e, em todas colectiva. Álvaro Siza utiliza el diseño de forma
elas, foi pedagógica e didáctica a reflexão indu- obsesiva para alcanzar determinados objetivos
zida pelas respectivas vicissitudes. Não há pro- o para resolver problemas concretos; la inno-
priamente uma conclusão: trata-se aqui de vación nunca es un objetivo por sí mismo en
um processo em aberto, onde foram lançadas la obra de Álvaro Siza, es un instrumento para
pistas para o estudo do prédio de rendimen- responder a los desafíos que le deparan o para
to no Porto. Nesta “viagem” partilhada, através conseguir sus ideales en la arquitectura.
da experiência espacial, debruçámo-nos sobre Intencionalmente, hemos estudiado arqui-
um género arquitectónico repudiado pela críti- tecturas más cualificadas que otras y, en todas
ca da disciplina baseada no fundamentalismo ellas, ha sido pedagógica y didáctica la reflexión
moderno e, embora reconheçamos algumas inducida por las respectivas vicisitudes. No hay
das suas fragilidades, independentemente dos propiamente una conclusión: se trata de un
seus pressupostos, reconhecemos em algumas proceso abierto, donde han sido lanzadas pis-
destas arquitecturas valores espaciais que se tas para el estudio del predio de rendimiento
reflectem numa vivência urbana e doméstica en Porto. En este “viaje” compartido, a través
qualificada, objectivo último da arquitectura. la experiencia espacial, hemos abordado un
género arquitectónico repudiado por la crítica
de la disciplina basada en el fundamentalismo
moderno y, a pesar de que reconocemos algu-
nas de sus fragilidades, independientemente de
sus presupuestos, identificamos en algunas de
estas arquitecturas valores espaciales que se
reflejan en una vivencia urbana y doméstica cua-
lificada, objetivo primordial de la arquitectura.
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