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23 agosto 2017
No último dia 9 de agosto, o técnico de futebol Cuca foi multado em R$ 3,6 milhões pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf)
por ter pago menos impostos sobre seu salário do que deveria durante o tempo em que foi treinador do Santos e do Botafogo.
O atual técnico do Palmeiras recebia por meio de sua empresa e pagava, como pessoa jurídica, uma alíquota de 15% a 25% do que era considerado
lucro da companhia. Para a Receita Federal, Cuca deveria ter sido tributado como pessoa física e recolhido 27,5% de imposto - a constituição de uma
empresa seria uma manobra para pagar menos ao Fisco.
Ao comentar o assunto na época, o treinador disse não saber que a prática era ilegal. "Nem sei quem é Carf, pensei que era jogador", declarou em
entrevista coletiva, quando informou que recorreria da decisão.
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Em um caso similar, a Receita processou o jogador Alexandre Pato, condenado em fevereiro a pagar R$ 5 milhões - também cabe recurso.
À BBC Brasil, a assessoria do clube afirmou que o posicionamento de Cuca sobre o caso foi colocado durante a entrevista coletiva dada no dia 11. A
assessoria de Pato não retornou até a publicação desta reportagem. Mas a verdade é que o expediente não é exclusivo do futebol. No Brasil, os mais
ricos usam uma série de estratégias para pagar menos impostos sobre renda e patrimônio.
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A grande maioria dos casos, entretanto, não é considerada ilegal. São práticas conhecidas como "elisão fiscal", quando se diminui a carga tributária com o
uso de regras previstas pela própria legislação.
O chamado planejamento tributário só está acessível a quem tem melhor situação financeira, já que algumas operações não valem a pena para rendas
mais baixas ou só são possíveis quando o patrimônio é maior. Nesses casos, os contribuintes costumam contratar consultorias para garantir que todas as
operações estarão dentro da lei.
O olho do dono
Constituir uma empresa está entre os mecanismos mais recorrentes do planejamento tributário. As razões são muitas.
Lucros e dividendos recebidos por pessoa física, por exemplo, são totalmente isentos de impostos no Brasil. A justificativa é que esses rendimentos já
seriam taxados dentro das companhias, que pagam ao Fisco até 34% de seu lucro.
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Na prática, contudo, a cobrança acaba sendo bem menor para diversas empresas, segundo o economista Sérgio Gobetti, do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea).
É o que acontece, por exemplo, com o regime de lucro presumido. Nessa modalidade, o governo assume que o lucro é de até 32% do faturamento da
firma e cobra como imposto 24% sobre esse percentual - ou seja, 7,68% do faturamento.
Um número significativo de médias empresas do setor de serviços que têm baixos custos operacionais, entretanto, como consultorias ou escritórios de
advocacia, têm margem de lucro bem maior. Se a companhia está no regime de lucro presumido, ela não paga imposto sobre essa diferença.
Além disso, empresas com faturamento anual de até R$ 3,6 milhões - limite considerado generoso por Gobetti - podem se enquadrar no regime do
Simples, no qual a tributação vai de 4% a pouco mais de 22%, a depender do porte e do setor do contribuinte.
"Esse modelo só existe no Brasil. Em outros países, o teto para o faturamento de um regime para micro e pequena empresa é no máximo de US$ 100
mil", diz Fernando Gaiger, pesquisador do International Policy Centre for Inclusive Growth (IPC-IG), ligado à ONU.
O número excessivo de modalidades de tributação foi criticado pelo próprio secretário da Receita. Em audiência pública no Senado em maio, Jorge
Rachid ressaltou que a "proliferação de sistemáticas diferenciadas" propicia a "migração artificial" e "distorsiva" de grupos de contribuintes "que se
beneficiam ao sair da regra geral para regras específicas menos onerosas".
Quem tem poder aquisitivo maior ainda e um número de imóveis grande o suficiente para constituir um fundo imobiliário pode pagar zero imposto - já que
nesse caso o rendimento do aluguel passa à categoria de lucros e dividendos.
Velozes e furiosos
Outra estratégia comum, segundo Gobetti, é o registro de veículos - carros de luxo, lanchas e helicópteros - como patrimônio da companhia. Nesses
casos, todos os gastos com os bens são considerados despesas operacionais da empresa e reduzem a base para tributação sobre lucro.
Isso se soma ao fato de que aeronaves particulares, iates e lanchas são isentos de impostos como o IPVA, pago pelos donos de automóveis, como
lembra a professora de direito tributário da Fundação Getulio Vargas (FGV) Tathiane Piscitelli. "Particularidades como essas mostram que há espaço para
melhorar a taxação sobre propriedade no Brasil", avalia.
A partilha
Há ainda o que os especialistas chamam de "planejamento sucessório", estratégias para desviar dos impostos cobrados sobre herança.
Pais e filhos podem, por exemplo, se tornar acionistas de uma holding familiar. Ou seja, imóveis e ações são transferidos para empresas que têm os
herdeiros como sócios.
Assim, eles ficam isentos do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e do imposto sobre herança, o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa
Mortis), que chega a 8% no Brasil - um dos menores valores do mundo. Nos EUA, essa taxação atinge 40% e na França, 60%.
Nesses países, uma estratégia dos milionários é "doar" parte de suas fortunas para instituições e fundações privadas e pagar pouco ou nenhum imposto -
não há um limite do valor que pode ser abatido do Imposto de Renda por esse meio.
Essas fundações muitas vezes são criadas pelos próprios doadores e atuam usando esse dinheiro para promover seus interesses.
O jornal americano The New York Times publicou um artigo em 2015 argumentando que a doação feita pelo criador do Facebook, Mark Zuckerberg, para
uma instituição que ele criou estaria longe de ser caridade, como foi anunciado. O bilionário se defendeu dizendo que não recebe benefícios fiscais com o
tipo de instituição que criou - e que poderia ter criado uma fundação tradicional se fosse esse seu interesse.
A publicação ponderou, no entanto, que através da Chan-Zuckerberg Initiative o bilionário poderia fazer doações políticas, lobby para aprovar leis de
interesse próprio, e que seus bens pessoais não seriam levados em conta no caso de processos judiciais.
No Brasil, segundo Gobetti, isso existe, mas é menos comum, pois os outros mecanismos existentes acabam satisfazendo as necessidades das famílias.
Na semana passada, o relator da proposta na Câmara, deputado Carlos Hauly (PSDB-PR), apresentou o esboço da Proposta de Emenda Complementar
(PEC) que tratará do tema ao Planalto.
A ideia central é substituir tributos como o ICMS, ISS e PIS/Cofins por um imposto único, à semelhança do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) adotado
em países europeus.
"Os ganhos de eficiência para a economia seriam grandes, mas nada disso muda nosso problema de regressividade", pondera o economista. Ele se
refere ao desenho do sistema tributário brasileiro, que, ao taxar mais o consumo do que a renda, cobra mais de quem é mais pobre. "Consertar isso
passa pela tributação da pessoa física", completa.
Para Gobetti, do Ipea, uma "reforma tributária real" acabaria com todos os regimes especiais e unificaria a alíquota em 22,5% para todos os rendimentos
de capital, com uma redução em paralelo da tributação sobre o lucro das empresas, para que não houvesse aumento da carga tributária.
Durante apresentação do texto preliminar da PEC em audiência em comissão especial da Câmara nesta terça-feira, Hauly falou sobre a regressividade do
sistema brasileiro e destacou que a carga tributária é maior para as famílias de baixa renda.
Entre as propostas apresentadas, a única voltada especificamente para essa questão foi a de isenção de impostos para alimentos e medicamentos.