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A POLÍCIA DA CORTE

Leidiane de Castro Gonçalves∗

RESUMO

Ao longo deste trabalho, discuto as transformações ocorridas na sociedade joanina, que


foram regradas pela questão da necessidade de maneiras apropriadas, típicas de uma corte
européia, e das relações existentes entre as elites da época na busca pelo prestígio e poder,
formada pelos comerciantes da praça do Rio de Janeiro e a recém migrada corte portuguesa, o
que resultou na tentativa de europeização e adaptação dos costumes de ambas as partes.
As transformações não se restringiram às regras de etiqueta, elas também ocorreram no
espaço urbano da cidade e foram promovidas pela Intendência de Polícia da Corte e Estado do
Brasil através de reformas em sua estrutura física e de medidas civilizadoras, a fim de alcançar o
status de cidade corte.

Palavras-chave: família real, cultura, corte.

ABSTRACT

Throughout this paper, I discuss the changes occurring in society Johannine, which were
ruled by the question of the need in appropriate ways, typical of a European court, and the
relationship between the elites of the time in the quest for prestige and power, formed by
marketers square in Rio de Janeiro and the newley migrated portuguese court, which resulted in
an attempt to Europeanisation and adaptation of the customs of both parties.


Professora do Ensino Fundamental da rede privada da cidade do Rio de Janeiro, Licenciada em História pelo
UniMSB; Pós-Graduanda em História do Brasil Colonial no UniMSB e Auxiliar de pesquisa no projeto “A literatura
de viajantes e cronistas: suas possibilidades e limites”.
2
The changes were not restricted to rules of etiquette, they also occurred in the area of the
city and were promoted by the Stewardship Office of the Court and State of Brazil, through
reforms in its physical structure and civilizing measures in order to attain the status of city court.

keywords: real family, culture, court.


INTRODUÇÃO

Com a decretação do Bloqueio Continental, em 1806, por Napoleão Bonaparte, Portugal


se viu diante de um grande dilema, pois o Decreto exigia que as nações européias deixassem de
comercializar com a Inglaterra, fechando seus portos aos navios ingleses. Contudo, Portugal e
Inglaterra eram antigos parceiros comerciais, e acatar ao Bloqueio Continental imposto por
Napoleão, seria expor o reino e suas colônias às represálias inglesas, não acatá-lo, porém, seria
uma afronta e o país correria o risco de uma invasão.A diplomacia portuguesa tentou ganhar
tempo prolongando as negociações, mas com a paciência esgotada, em 1807, Napoleão
Bonaparte ordena a invasão de Portugal.Através de uma fuga previamente combinada com a
Inglaterra, no dia 29 de novembro de 1807, D. João e a corte portuguesa, bateram em retirada,
embarcando para sua colônia na América.
A chegada da família real e da corte portuguesa provocou uma série de mudanças urbanas
na cidade e nos hábitos e costumes dos brasileiros, com maior intensidade naqueles que passaram
a freqüentar a corte.Por isso, no decorrer deste trabalho caracterizarei o modo de vida da corte do
Rio de Janeiro, a organização da cidade, analisando mais profundamente as transformações
ocorridas e identificando as relações de poder existentes entre os portugueses vindos de Lisboa
com a família real e a dos comerciantes da praça do Rio de Janeiro, na busca pelo prestígio e
poder, tendo como palco de suas disputas a cidade do Rio de Janeiro.
Através deste trabalho, procurarei mostrar o papel e as conseqüências de cada mudança
ocorrida, e como de fato a influência da família real modificou toda a cidade, após um intenso
contraste entre uma sociedade de corte européia e uma corte formada de comerciantes habitantes
de uma colônia da América.
3

A CRIAÇÃO DA INTENDÊNCIA DE POLÍCIA DA CORTE

A partir da chegada da corte portuguesa, em 1808, o Rio de Janeiro sofreu inúmeras


transformações, todas no intuito de torná-la a sede da corte, refletindo, em seu espaço urbano, o
status alcançado.
Para que isso fosse possível, criou-se a Intendência de Polícia, órgão específico que teria
por função colocar em prática as ações estabelecidas no cotidiano civil e no espaço urbano. O
poder real passou a ser representado pela Intendência de Polícia. Bretas, ao se referir a criação da
Intendência Geral de Polícia, nos revela que: “...Adaptando instituições já experimentadas em
Lisboa, o príncipe regente cria no Rio de Janeiro uma Intendência Geral de Polícia, órgão
administrativo com poderes judiciais e encarregado de um amplo leque de tarefas na
administração da cidade...” (BRETAS, 1998: 122).
O primeiro a ocupar o cargo de intendente de polícia foi Paulo Fernandes Viana, que
permaneceu na frente da Intendência Geral de Polícia da Corte pelo período de treze anos.
O termo “polícia”, tal qual conhecemos hoje, não apresenta no período joanino, o mesmo
significado. Segundo Enders: “...O termo “polícia” deve ser tomado aqui no sentido mais amplo.
De fato, as atribuições do intendente-geral compreendem não só a ordem pública e a repressão
aos crimes e delitos, mas também as grandes obras, o sistema viário, o abastecimento da
cidade...” (ENDERS, 2009: 102), ou seja, a manutenção da cidade também era responsabilidade
da polícia.
Silva, acreditava que era dever da boa polícia:

...o aterrar todos os lugares pantanosos, o encanar as águas para aquelas valas que se
julgarem suficientes ao seu despejo, e que devem participar das alternativas da maré; o
determinar o lugar em que se devem edificar as casas, a altura das portas à estrada,
para que os particulares concorram com o Estado ao aterro das novas ruas, sem que
por isso sofram ao depois as suas propriedades; demarcar a direção, e largura das
ruas; e tudo o mais que no meio de semelhantes cuidados se julgar necessário...
(SILVA, 1808: 65-66).
4
Durante o tempo em que serviu na Intendência Geral de Polícia, o intendente Paulo
Fernandes Viana, atuou em diversas áreas da cidade. Para auxiliá-lo em suas atividades, o
intendente contava com três oficiais, um praticante que também exercia a função de porteiro, um
alcaide, um escrivão e dez meirinhos. O intendente contava ainda com os juízes de crime, ofício
criado pelo alvará de 27 de junho de 1808.
O alvará determinava a nomeação de dois magistrados, que atuariam com o juiz de fora e
o ouvidor da comarca, cuja função era a prevenção dos crimes, da execução das ordens da
intendência e do lançamento e cobrança da décima urbana1.
Em documento, após deixar de servir D. João VI em 26 de fevereiro de 1821, relata que
“Creou-se a Intendência Geral da Policia em 5 de Abril de 1808, e desde então até 1821, em que
pela instalação da constituição deixei de servir em 26 de Fevereiro de 1821, decorreram 12 annos
menos 2 mezes.” (RIHGB, 1892: 373).
Paulo Fernandes Viana, o Intendente, durante este tempo, manteve relação próxima e
direta com D. João VI, bem como um grande envolvimento nos projetos realizados na cidade.
Esta relação e comprometimento esta firmada no bilhete de D. João VI a ele, quando diz
“Intendente, no que me falou sobre o projecto da praia do Flamengo, sem me falar não execute.
J.” (RIHGB, 1892: 380).

A TRANSFORMAÇÃO DAS MANEIRAS

A intenção da corte em transformar a cidade do Rio de Janeiro na nova capital do império


não se deu apenas pela transplantação das instituições existentes em Portugal sem nenhuma
adaptação as condições locais, mas estava, também, intrinsecamente ligada à realização de um
projeto civilizatório, que buscava mudar o comportamento e os hábitos da população local.
Através da polícia o Estado passou a coibir o comportamento público, interiorizando regras
disciplinares a fim de manter o controle sobre a população.
1
Alvará de 27/6/1808, p. 65-66. Coleção de leis e ordens régias do Brasil. 1808-1821. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1891.
5
O decreto de 13 de maio de 1809 cria a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia no Rio
de Janeiro, que apresentou, como seu maior colaborador, o então Ministro e Secretário de Estado
dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, Conde de Linhares, cabendo a sua execução ao Conselho
Supremo Militar sob os moldes da existente em Portugal. Segundo Bretas:

... Como a Intendência não dispusesse de pessoal para fazer valer suas determinações,
foi estabelecida a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia, corpo estruturado à
semelhança do Exército, mas tendo como principal função atender às ordens do
intendente na manutenção do sossego público. (BRETAS, 1998: 222).

O decreto ainda faz referência a especulações sobre contrabandos nas Províncias, que
seriam coibidas pela Divisão Militar da Guarda Real da Polícia, por isso, a Guarda Real passaria
a ter a função de vigiar os portos para evitar contrabando de mercadorias e metais preciosos.
Aponta ainda, que a Guarda Real seria a única capaz de resolver esses problemas.
É a partir da criação da Guarda Real em 1809 que se originam as instituições policiais
militares que atuam no policiamento da cidade até hoje, sendo sua responsabilidade cuidar da
salubridade da cidade, extinguindo hábitos e costumes considerados inapropriados pela corte.
Segundo Lima, Paulo Viana considerava ser “um dever da polícia trazer o povo entretido
e promover o amor e respeito dos vassalos para com o soberano e sua real dinastia” (LIMA,
1996: 156). Sendo assim, tratou de promover as transformações urbanas das quais havia
necessidade ao longo da cidade e de garantir os meios pelos quais se buscaria civilizar a
população brasileira.

AS TRANSFORMAÇÕES URBANAS NA CIDADE

Como medida para promover o embelezamento da cidade, além da construção das casas
de sobrado, o intendente Paulo Viana através do edital de 1816, previa a demolição de prédios
antigos ou que apresentassem problemas em sua estrutura. O Rio de Janeiro não possuía muitos
prédios destinados à administração da cidade e para habitação. Com a chegada da corte
portuguesa foi preciso improvisar e construir novos prédios. Transferências foram necessárias
6
para a instalação do governo, da família real e seus funcionários e dos cortesãos lisboenses que
migraram para a cidade, por isso, alguns prédios da cidade passaram a ter novas funções.
Uma das primeiras ações de D. João ao chegar à cidade do Rio de Janeiro, foi mandar
retirar as rótulas ou gelosias2 das janelas das casas brasileiras, medida expressa através do edital
de 11 de junho de 1809. Segundo D. João as rótulas das janelas davam um tom oriental a cidade e
não condiziam com a nova condição de metrópole que a colônia havia adquirido, além de
prejudiciais à saúde, representavam antigos costumes que deveriam ser extintos da cidade e da
sociedade. Paulo Fernandes Viana, justifica a retirada das gelosias, dizendo que a cidade: “não
pode, nem deve, continuar a conservar bisonhos e antigos costumes que apenas podiam tolerar
quando era refutada como uma colônia e que desde muito tempo não sofrem em povoações cultas
e de perfeita civilização.” (ANRJ,1809: 88-89).
A polícia também toma para si a responsabilidade sobre as condições de salubridade da
cidade, extinguindo hábitos e costumes considerados inapropriados pela corte portuguesa.
Os negros transportavam a água das casas que era fornecida à população através do
Aqueduto da Carioca, assim como os excrementos do dia, a fim de jogá-los nas praias. O
transporte era feito em pequenos barris, levado pelo negro acima da cabeça que deixavam a
mostra a natureza de seu conteúdo pelas ruas da cidade. Debret, descreve como era o transporte
dos barris de dejetos pelas ruas da cidade:

... Antes da partida é prèviamente coroado por uma pequena tábua ou uma enorme
folha de couve, tampa improvisada que se supôe suficiente para evitar o mau cheiro
exalado durante o trajeto. Êsse despejo infecta tôdas as noites, das 7 às 8 e meia, tôdas
as ruas próximas do mar e nas quais se verifica uma enorme procissão de negros
carregando êsse triste fardo e que espalham num instante todos os transeuntes
distraìdamente colocados no caminho. (DEBRET, 1940: 133).

Um dos hábitos mais preocupantes estava no costume de atirar, pelas janelas de suas
casas, todo tipo de sujeira, sem aviso prévio e sem se importar com quem passava pelas ruas e
2
Grade de tabuinhas de madeira, cruzadas a intervalos, que ocupam o vão duma janela; rótula. In. FERREIRA,
Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI: o minidicionário de língua portuguesa. 4ª ed. rev. e ampliada.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 345.
7
que corria o risco de ser atingido por algum tipo de imundice. Prova disso está na medida tomada
pelo Intendente Geral da Polícia, pouco depois de assumir o cargo, pelo Edital de 20 de abril de
1808, proibindo tal evento:
... faço saber a todos que o presente edital virem ou dele notícia tiverem que
concorrendo {...} o asseio da Cidade muito para a salubridade dela e importando este
objeto à Saúde pública e à Polícia, e não tendo sido bastante até agora os cuidados que
a Câmara tem empregado para se evitarem os males que do contrário se seguem ou
pela pouca vigilância e mesmo pela corrupção que dos rendeiros ou dos oficiais
executores das suas deliberações: da data deste em mediante se vigiará por esta
Intendência com zelo e atividade em que senão contravenha por qualquer princípio que
seja importante a este objeto ... (ANRJ, 1808: 3).

Este edital tinha por objetivo coibir o despejo de águas sujas, lixo ou qualquer outro tipo
de imundice nas ruas e travessas da cidade sob penalidade de prisão e pagamento de multa aos
cofres de despesas da polícia de dois mil réis.
Por este documento, fixa-se uma nova ordem de comportamento público para a população
da cidade, apesar de por diversas vezes não ter sido cumprida. Coloca-se em evidência a
preocupação de civilizar com o fim de extinguir da população hábitos e costumes vistos com
maus olhos pela corte e de um policiar a partir do aformoseamento da cidade, intencionando
mudar o juízo da corte em relação à cidade, transformando-a na nova sede do Império português.
Ao longo dos anos foi tomada uma série de medidas higiênicas na busca de solucionar os
problemas relacionados à limpeza e organização da cidade, e principalmente de conscientização
da população a fim de adotarem medidas consideradas mais civilizadas.
As principais ruas da cidade também receberam nova iluminação. Para o intendente “...Os
muxarabiês3, afirma-se, prestavam-se às emboscadas, assim como as ruas mal iluminadas”, por
isso, “Viana adota o rio de uma verdadeira iluminação pública, multiplicando os lampiões a óleo
de baleia...” (ENDERS, 2009: 103).
Cuidar da salubridade significava preservar as condições de higiene no matadouro,
apontado como prejudicial à saúde da cidade. Por este motivo considerou-se a possibilidade de

3
Balcão mourisco protegido por grade de madeira, donde se pode ver sem ser visto. In. FERREIRA, Aurélio
Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI: o minidicionário de língua portuguesa. 4ª ed. rev. e ampliada. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 478.
8
transferi-lo para fora da cidade. Com essa preocupação, o Intendente de Polícia em
correspondência de 31 de agosto de 1808, se dirige aos membros do Senado da Câmara com o
objetivo de que ordenassem aos almotacés a verificação regular dos matadouros da cidade.
A correspondência descreve os cuidados que deveriam tomar os trabalhadores dos
matadouros com a limpeza do local: “...lavar aquele lugar sem que fique sangue algum, e enterrar
as cabeças e restos inúteis, que jamais devem ficar expostos ao ar, nem mesmo se devem
contentar com deitá-los ao mar, porque a maré os torna a depositar na praia, e se sofre com isso o
mesmo incômodo...” (ANRJ, 1808: 67-67v). Vistos como prejudiciais à saúde, pois muitos
desses restos se depositavam na praia e exalavam cheiro que era sentido pelas ruas na cidade,
tornou-se necessário a ordenação de tais medidas. Com o objetivo de mais uma vez solucionar os
problemas de salubridade, coube ao intendente providenciar os meios de controle e higiene do
local.
O documento intitulado “Abreviada demonstração dos trabalhos da policia em todo o
tempo que a servio o Desembargador do Paço Paulo Fernandes Viana”, descreve os serviços
prestados pelo Intendente, como a criação da Intendência da Corte e a sua administração, os
projetos e realização das obras no espaço urbano da cidade. Entre eles estão: a matrícula de
estrangeiros que passaram pela corte; o estabelecimento de rendas, muitas deles conseguidas a
partir de doações, como citado pelo intendente na concessão dos terrenos do Campo de Santa
Anna, o da Ajuda e o de Mataporcos por seus proprietários (não identificados pelo intendente no
documento) para a construção de 4 quartéis e custeio da guarda dos soldos e fardamentos, o que
evidencia a necessidade de doações para a manutenção da cidade e a dependência do Estado para
com os grandes proprietários de terra e comerciantes da corte.
Em seu artigo, A Polícia Carioca no Império, Bretas destaca: “...O intendente Paulo
Fernandes Viana, em sua prestação de contas, menciona sua ação para obter fundos para a
manutenção da Guarda Real, possivelmente através de doações de proprietários abastados.”
(BRETAS, 1998: 223). O Estado não possuía renda suficiente para manter sozinho o custo
gerado com a manutenção da Guarda Real e passou a se responsabilizar somente pelo armamento
9
da mesma. Essas doações se faziam necessárias a fim de custear os demais gastos e realização de
obras de melhoramento e manutenção por toda a cidade.
No quis respeito à urbanização da cidade, aterrou pântanos e lagoas, limpou valas, calçou
ruas, construiu estradas, o caes do Valongo, duques para a condução de água e fontes com bicas
públicas, pontes, uma nova cadeia, o Teatro de São João para divertimento da elite, construído
com arrecadação de doações.
Os problemas da cidade não se limitaram a sua aparência física, pois com o crescimento
da população branca associada ao grande número de negros escravos ou livres, houve um grande
aumento na quantidade dos casos de crimes e badernas na cidade. Para Araújo:

Um dos aspectos mais discutidos pela sociedade já naqueles dias, era a questão da
segurança pública, que passou a envolver discussões cada vez mais acaloradas e
acabaram envolvendo todos os segmentos da sociedade, os quais tentavam a todo
instante encontrar mecanismos para tentar barrar uma “onda” cada vez maior de
crimes contra a sociedade carioca ou até mesmo fluminense, pois a criminalidade saía
da capital em direção às áreas periféricas. (ARAÚJO, 2004: 9).

Eram freqüentes os roubos, brigas e arruaças, fugas de negros, bêbados, agressões,


assassinatos, entre outros crimes, provocados principalmente pelos negros que se metiam nas
mais diversas confusões, como relata Marrocos, em carta escrita ao seu pai sobre os constantes
casos de violência praticados na cidade:

Nesta cidade e seus subúrbios temos sido muito insultados de ladrões, acometendo estes
e roubando sem vergonha, e logo ao princípio da noite, de sorte que têm horrorizado as
muitas e bárbaras mortes que têm feito; em 5 dias contaram-se, em pequeno circuito, 22
assassínios e em uma noite, mesmo defronte de minha porta, fez um ladrão duas mortes
e feriu o terceiro gravemente.Tem sido tal o seu descaramento que até avançam a
pessoas mais distintas e conhecidas, como foi o próprio chefe de polícia. (MARROCOS,
1813: 163).

Segundo Malerba: “...Um preto recebia cerca de duzentos açoites por ser encontrado com
navalhas ou capoeiragem...” (MALERBA, 2000: 134), mesmo assim, era comum a prisão de
escravos portanto paus, navalhas e praticando capoeiragem nas ruas da cidade, como relata o
intendente Paulo Fernandes Viana em carta ao juiz do crime do bairro da Candelária em 1814:
10

...depois das 5 horas da tarde, mesma hora em q S. A. R. por ali passava, hum rancho
sevado de Capoeiras com facas e paos e com as fitas com que aqui costumam de vez em
quando aparecer travavão hua grande desordem e gritaria e devendo ter parte desta
novidade como procedia no seo bairro, VM ma não deo e cumpre que agora tome hua
informação por test.as disto para verificar quem elles erão pois que alguns poderião ser
ali conhecidos, escravos de quem, e que faça logo prender mandando-os para o
Calabouço com esta indicação de serem la açoutados... (ANRJ-Mss, 1814: 164)

As tavernas4, passaram a ser ponto de atuação da polícia com o intuito de evitar as


badernas e brigas na cidade.
A corte portuguesa e os estrangeiros viram-se horrorizados com os tumultos provocados
pelos negros que chegaram a acontecer até mesmo dentro do Teatro de São João, situação na qual
não estavam acostumados, mas que passou a ser comum no cotidiano da cidade.

CONCLUSÃO

A chegada de D. João e da corte portuguesa migrada no Rio de Janeiro, provocou uma


série de mudanças que podem ser vistas e que se refletem até hoje na cidade.Para adaptar o Rio
de Janeiro aos moldes vigentes na Europa, a cidade e seus habitantes passaram por uma intensa
transformação de seus hábitos e costumes, adotando as regras de etiqueta de uma sociedade de
corte através do processo de “europeização”, também considerado como medida civilizadora.
A partir desse contato, pouco a pouco, a elite de comerciantes teve seus comportamentos
mudados devido à presença da corte e dos estrangeiros que se instalaram ou que simplesmente
passaram pela cidade.Essas mudanças nos hábitos e costumes da população que se refletiram em
sua alimentação, moradia, vestuário, comportamentos, ou seja, no dia-a-dia da cidade, não se
deram de forma homogênea em toda a sociedade, da mesma forma, os portugueses migrados
tiveram que se adaptar a uma cidade que consideravam ser “exótica” e “incivilizada”, o que
resultou em uma mistura de costumes que caracterizou a sociedade da época joanina. Contudo, as

4
Palavra de origem latina que tem como significado principal: casa onde se vende vinho. In. ARAÚJO, Marcos
Paulo Mendes. Polícia Militar no Rio de Janeiro: Os Primeiros Suspiros de uma Instituição Secular. In: Cadernos da
FaEL, Universidade Iguaçu, Graduação em Letras, Pedagogia, História e Geografia. Nova Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 31.
11
transformações não se restringiram à sociedade, elas também se deram no espaço urbano da
cidade, que sofreu uma intensa modificação em toda a sua estrutura física, a fim de atender as
necessidades de uma cidade corte nascente, tornando-se assim, o Rio de Janeiro uma nova
Lisboa.
A transferência da Corte portuguesa para o Rio de janeiro, um fato que nunca havia
ocorrido antes em nenhuma outra corte, mudou para sempre a história de Portugal e do Brasil, na
medida em que acarretou profundas mudanças na cidade e na vida dos brasileiros, principalmente
nos que faziam parte da corte.Essas mudanças que se tornaram possíveis graças à vinda da
família real ao Brasil e a sua elevação de simples colônia tropical a Reino Unido a Portugal e
Algarves, foram de estrema importante para a formação das elites dirigentes do país e da
sociedade brasileira.

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