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Direito Tributário,

Societário e a Reforma
da Lei das S/A – Vol. III
Interpretação da Lei nº 11.638/07

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“A Quartier Latin teve o mérito de dar início a uma nova
fase, na apresentação gráfica dos livros jurídicos, quebrando a
frieza das capas neutras e trocando-as por edições artísticas.
Seu pioneirismo impactou de tal forma o setor, que inúmeras
Editoras seguiram seu modelo.”
Ives Gandra da Silva Martins

Editora Quartier Latin do Brasil


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Coordenação:
Sergio André Rocha
Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho.
Professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito da FGV-Rio.
Advogado

Direito Tributário,
Societário e a Reforma
da Lei das S/A – Vol. III
Interpretação da Lei nº 11.638/07

Editora Quartier Latin do Brasil


São Paulo, outono de 2012
quartierlatin@quartierlatin.art.br
www.quartierlatin.art.br

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Editora Quartier Latin do Brasil
Rua Santo Amaro, 316 – Centro – São Paulo
Contato: quartierlatin@quartierlatin.art.br
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Coordenação editorial: Vinicius Vieira

Diagramação: Victor Guimarães Sylvio

Revisão gramatical:

Capa:

Rocha, Sergio André (coord.). Direito Tributário, Societário


e a Reforma da Lei das S/A – Vol. III – Interpretação da Lei nº
11.638/07 – São Paulo: Quartier Latin, 2012.

ISBN 85-7674-

1. Direito Tributário e Societário. I. Título

Índices para catálogo sistemático:


1. Brasil: Direito Tributário e Societário

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especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a
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busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

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Sumário
Capítulo I – Combinação de negócios: o ganho
por compra vantajosa, 17
Alexandre Couto Silva & Otávio Vieira Barbi
1. A convergência das normas contábeis ao IFRS................................... 19
2. A Combinação de Negócios e o CPC n. 15........................................ 20
3. Caracterização da Combinação de Negócios ..................................... 22
a. Identificação da Adquirente........................................................... 23
b. Aquisições reversas........................................................................ 24
c. Operações societárias..................................................................... 25
d. Determinação da ata da realização da combinação de
negócios e seu valor...................................................................... 26
e. O sentido da expressão “negócio”................................................... 27
f. Identificação e mensuração dos ativos ........................................... 28
4. Reconhecimento e mensuração do ágio ou ganho em uma
compra vantajosa............................................................................ 29
a. Compra Vantajosa e reconhecimento do ganho............................. 29
b. Período de mensuração.................................................................. 32
5. Divulgações........................................................................................ 33
6. Deságio ou ganho na compra vantajosa.............................................. 33
a. Compra vantajosa.......................................................................... 35
b. Compra vantajosa e resultado de deságio....................................... 36
7. Conclusão .......................................................................................... 37

Capítulo II – O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as


Alterações à Legislação Societária, 39
Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva
Gracelacio da Paixao
Introdução.............................................................................................. 41
Regras Tributárias – A Amortização Fiscal do Ágio: da
Mensuração e Fundamentos Econômicos do Ágio:........................... 54
O Tratamento Fiscal do Agio Antes da Lei Nº 9.532/97:...................... 58
As Alterações Introduzidas pela Lei Nº 9.532/97:................................. 61
Critérios Fiscais X Critérios Contábeis:................................................. 67
Da Prevalência das Normas de Natureza Tributária Vigentes:.............. 68
O Regime Tributário de Transição:........................................................ 76
Conclusões:............................................................................................. 80

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Capítulo III – Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da
Depreciação de Bens do Ativo Imobilizado à Luz do Regime
Tributário de Transição, 83
Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima
1. Introdução.......................................................................................... 85
2. As regras tributárias e societárias/contábeis sobre a
depreciação de bens do ativo imobilizado.......................................... 86
(i) Regras Tributárias......................................................................... 86
(ii) Regras societárias/contábeis......................................................... 94
(ii.a) Aspectos Societários/Contábeis anteriores à Lei
nº 11.638/07................................................................................. 94
(ii.b) Aspectos Societários/Contábeis posteriores à Lei
nº 11.638/07, ao CPC 01 e CPC 27............................................ 94
3. A neutralidade tributária na mudança do padrão
societário/contábil brasileiro e o RTT............................................... 97
4. Alteração da taxa de depreciação entendida como alteração
de critério contábil............................................................................. 102
5. Conclusão .......................................................................................... 106
6. Bibliografia......................................................................................... 107

Capítulo IV – Os possíveis efeitos tributários relacionados com os


critérios contábeis para reconhecimento do ativo imobilizado e
suas peças de reposição, 109
Daniel Dix Carneiro & Marcio Oliveira
1. Introdução.......................................................................................... 111
2. A definição do IFRS como padrão contábil internacional
a ser seguido2 .................................................................................... 112
3. O conceito de ativo imobilizado e o seu reconhecimento
pela contabilidade ............................................................................. 115
4. A conceituação das partes e peças de reposição (sobressalentes)
para fins do seu reconhecimento contábil.......................................... 117
5. O tratamento conferido pela legislação do IRPJ e da CSLL
às partes e peças sobressalentes.......................................................... 120
6. Breves considerações sobre os encargos de depreciação dos
itens que compõem o ativo imobilizado e a eventual aplicação
do Regime Tributário de Transição – RTT ...................................... 123

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7. Apropriação e desconto dos créditos das contribuições
PIS/COFINS.................................................................................... 129
8. A apropriação dos créditos de ICMS sobre o ativo
imobilizado e suas peças sobressalentes............................................. 134
9. O IPI e os bens destinados ao ativo imobilizado e
suas peças de reposição...................................................................... 143
10. Considerações finais......................................................................... 145

Capítulo V – Regime Tributário De Transição – RTT:


Que Neutralidade?, 147
Edison Carlos Fernandes
Introdução.............................................................................................. 149
Repercussões tributárias das normas contábeis....................................... 150
Disciplina do Regime Tributário de Transição – RTT........................... 151
Repercussões tributárias não abrangidas pelo RTT................................ 152

Capítulo VI – Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/07,


suas alterações e variações sobre a interpretação da norma contábil,
155
Elidie Palma Bifano
1. Apresentação do tema......................................................................... 157
2. As diferentes dimensões do IFRS, no Brasil....................................... 158
3. Breve análise do conteúdo e autonomia do Direito Contábil.............. 160
3.1 O que é o Direito Contábil?........................................................ 160
3.2 Reflexos da aplicação da L. 11.638/07......................................... 161
4. Decorrências da aplicação da L. 11.638/07: verificações de
fato para obter conclusões de direito................................................. 162
4.1 Aplicação dos novos padrões contábeis: obrigatoriedade legal..... 162
4.2 Dificuldades práticas na adoção dos novos padrões e
reflexos jurídicos........................................................................... 165
4.2.1. Não conformidade dos critérios adotados, no Brasil,
com os critérios internacionais adotados para fins de
convergência contábil ............................................................. 165
4.2.2 Falta de alinhamento entre os órgãos reguladores............... 166
4.2.3 Falta de regras para reflexos advindos do uso
dos novos padrões ................................................................... 166

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4.2.4 Falta de critérios compatíveis com atividades
sem fins lucrativos................................................................... 167
4.2.5 Reflexos do afastamento de conceitos jurídicos:
neutralidade tributária............................................................. 167
4.2.6 Conclusão sobre as dificuldades práticas na adoção
dos novos padrões e seus reflexos jurídicos.............................. 170
5. Ampliação do debate entre Direito e Contabilidade: a
interpretação do Direito Contábil .................................................... 171
5.1 Quais são as regras de interpretação aplicáveis ao
Direito Contábil?......................................................................... 171
5.2 O Pronunciamento do CPC é norma integrante do
Direito Contábil? ........................................................................ 172
5.3 A adoção dos Pronunciamentos do CPC pelo CFC:
conflito com agentes reguladores?................................................ 173
5.4 Cabe interpretar o Pronunciamento do CPC? A quem cabe?..... 174
5.5 O Pronunciamento CPC incorporado ao Direito
Contábil: a quem cabe sua interpretação? .................................... 175
5.6 A interpretação dos Pronunciamentos: a grande
distinção entre a interpretação contábil e a jurídica...................... 176
5.7 Conclusão.................................................................................... 177

Capítulo VII – O Regime Tributário do Consórcio de Empresas, 179


Fábio Martins de Andrade
1. Introdução.......................................................................................... 181
2. Arcabouço legislativo.......................................................................... 183
2.1. LSA............................................................................................ 183
2.2. Atos regulamentares................................................................... 184
3. Jurisprudência e orientações................................................................ 190
3.1. Administrativa............................................................................ 190
3.2. Judicial........................................................................................ 200
4. A MP 510, o trâmite legislativo e a sua conversão na
Lei nº 12.402/11............................................................................... 206
4.1. A MP 510................................................................................... 206
4.2. O trâmite legislativo do PLV nº 6/11......................................... 208
4.3. A Lei nº 12.402/11..................................................................... 210
5. Considerações finais........................................................................... 214

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Capítulo VIII – Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do
Regime Tributário de Transição – RTT, 217
Gilberto De Castro Moreira Junior & Rogério Cesar Marques
1. Introdução.......................................................................................... 219
2. Regime Tributário de Transição – RTT............................................. 221
2.1. Considerações Iniciais................................................................ 221
2.2. Instituição................................................................................... 224
2.3. Neutralidade Fiscal..................................................................... 230
3. Depreciação........................................................................................ 234
3.1 Considerações Iniciais................................................................. 234
3.2. Regras de Depreciação – Aspectos Contábeis............................ 235
3.3. Regras de Depreciação – Aspectos Fiscais.................................. 238
3.4. Alterações Trazidas pelas Leis nº 11.638/07 e 11.941/09........... 241
3.5. Neutralidade Fiscal dos Impactos por meio do RTT................. 249
Bibliografia............................................................................................. 254

Capítulo IX – Discussão sobre a Aplicabilidade, para Fins


Tributários, da Primazia da Essência sobre a Forma, 255
Gustavo Brigagão & Carlos Cornet Scharfstein
1. Introdução.......................................................................................... 257
2. A Primazia da Essência sobre a Forma: conceituação e origem.......... 258
3. Aplicação, para fins tributários, da Primazia da Essência
Sobre a Forma................................................................................... 267
3.1. A aplicação tributária da Primazia da Essência Sobre a
Forma seria inviável...................................................................... 268
3.2. A aplicação tributária da Primazia da Essência Sobre a
Forma é desnecessária................................................................... 276
3.3. A aplicação tributária da Primazia da Essência Sobre a
Forma é indesejável....................................................................... 279
4. Conclusão........................................................................................... 283

Capítulo X – O Contrato de Consórcio e a Lei nº 12.402, 287


Ian Muniz & Marco Antonio Moreira Monteiro
Comentários Introdutórios..................................................................... 289
Dificuldades Jurídicas do Consórcio....................................................... 290
Do Objeto do Consórcio........................................................................ 291
Da Lei nº 12.402/11.............................................................................. 295

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Capítulo XI – Considerações Gerais sobre a Adaptação
da Legislação do Imposto sobre a Renda às
Novas Normas Contábeis, 305
Jimir Doniak Jr.
I – Considerações introdutórias.............................................................. 307
II – Considerações gerais sobre o conceito de renda e de lucro
real e suas limitações.......................................................................... 309
III – Considerações gerais sobre a chamada nova contabilidade............. 316
IV – Diferenças iniciais entre a apuração fiscal e a apuração contábil..... 320
V – A primazia da substância sobre a forma........................................... 324
VI – Teste de “impairment” – Valor recuperável de ativos...................... 328
VII – Depreciação.................................................................................. 332
IX – Ágio e deságio................................................................................ 335
X – Conclusão geral............................................................................... 340

Capítulo XII – Determinação e Fundamentação Econômica do


Ágio Apurado na Aquisição de Investimentos: Regimes
Fiscal e Contábil, 343
João Francisco Bianco & Bruno Fajersztajn
1. Introdução........................................................................................... 345
2. Fundamentos econômicos do ágio na perspectiva do
Decreto-lei n. 1598/77...................................................................... 346
2.1. Valor de mercado dos bens do ativo da empresa adquirida......... 349
2.2. Expectativa de rentabilidade futura............................................. 350
2.3. Fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas....... 351
3. Apuração do ágio na contabilidade: perspectiva do CPC................... 356
4. Conclusões.......................................................................................... 359

Capítulo XIII – Ágio Interno: Reflexões Sobre Seus Aspectos


Regulatórios E Tributários, 367
José Andrés Lopes da Costa & Daniela Pereira Philbois
1. Nota Introdutória............................................................................... 369
2. Aspectos Regulatórios........................................................................ 371
2.1 A relevância do ágio em matéria de regulação do
mercado financeiro e de capitais................................................... 371
3. Aspectos tributários............................................................................ 384

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3.1 Ágio – Um conceito em crise...................................................... 384
3.2 A questão do aproveitamento na incorporação: ponderações
sobre a relação “legalidade vs. norma antielisiva”.......................... 389
4. Conclusão........................................................................................... 395

Capítulo XIV – O futuro do FCONT, 399


Kieran Mcmanus
Introdução.............................................................................................. 403
Histórico................................................................................................ 403
Os livros estatutários.............................................................................. 406
O desafio do FCONT............................................................................ 407
Alternativas futuras................................................................................ 409
Questões a serem analisadas na avaliação de alternativas
ao sistema de imposto de renda brasileiro incluem:........................... 410
Utilização das demonstrações financeiras baseadas em CPCs
para fins de tributação....................................................................... 411
IFRS nos livros individuais na União Européia (UE)............................. 413
Implementação da IFRS em contas estatutárias na UE.......................... 414
Diferenças nos regimes tributários da UE.............................................. 416

Capítulo XV – As Alterações da Legislação Societária e Implicações


no Cálculo dos Juros sobre o Capital Próprio, 419
Luiz Sergio Vieira Filho & Rodrigo Munhoz
1 – Objetivo deste Artigo....................................................................... 421
2 – As alterações das Leis 11.638/2007 e 11.941/2009 e a
suposta neutralidade fiscal ................................................................ 421
3 – Da Finalidade e da Natureza dos JCP.............................................. 427
4 – Do Cálculo do JCP .......................................................................... 433

Capítulo XVI – Regime jurídico das contingências legais, 439


Marcos André Vinhas Catão & Luciana de Assis Serra Alves
I – Introdução. Relevância do Tratamento Fiscal das
Contingências Legais........................................................................ 441
II – Contingências Legais. Seu Escopo.................................................. 442
III – Avaliação de Contingências. Regime Jurídico................................ 444
IV – O Tratamento Fiscal das Contingências......................................... 474

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V – Conclusão........................................................................................ 476
Bibliografia............................................................................................. 477
Sites consultados.................................................................................... 477

Capítulo XVII – O Regime Tributário de Transição e


a Escrituração para Fins Fiscais, 479
Mariana Marques da Cunha & Claudio Yukio Yano
Introdução.............................................................................................. 481
1 – O Processo de Alinhamento às Práticas Contábeis
Internacionais no Brasil..................................................................... 482
1.1. A Convergência Contábil........................................................... 482
1.2. Contexto Legislativo Anterior À Lei 11.638, De 2007.............. 483
1.3. A Lei 11.638, De 2007, Marco Legal Das Mudanças
Na Seara Contábil........................................................................ 486
2 – Do Regime Tributário de Transição (RTT)..................................... 492
2.1. Definição Legal do Regime........................................................ 492
2.2. Importância da Existência de um Balanço para
Fins Tributários............................................................................ 495
2.2.1. Equivalência Patrimonial.................................................... 495
2.2.2. Ágio.................................................................................... 496
2.2.3. Eventos Especiais............................................................... 496
2.2.4. Diferenças Nas Taxas De Depreciação............................... 497
2.2.5. Contabilidade de Custos.................................................... 497
2.2.6. Lucros Auferidos No Exterior............................................ 499
2.2.7. Regras De Subcapitalização................................................ 500
2.2.8. Preços de Transferência...................................................... 500
2.2.9. Distribuição de Lucros....................................................... 500
2.2.10. Juros sobre o Capital Próprio............................................ 501
2.2.11. Subvenção Para Investimentos E Doações
Recebidas Do Poder Público................................................... 502
3. Conclusão........................................................................................... 503

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Capítulo XVIII – Contabilização de Investimento em Sociedades
Objeto de Acordo entre Acionista Controlador e Minoritário
Relevante, 505
Nelson Eizirik & Marcus de Freitas Henriques
I – Introdução......................................................................................... 507
II – A Caracterização Legal do Acionista Controlador em Sociedades
com Acordos de Acionistas............................................................... 508
III – Das Regras sobre a Contabilização de Investimentos em
Participações Societárias.................................................................... 511
IV – Os Conceitos Jurídico e Contábil de Controle............................... 515
V – Conclusão........................................................................................ 516

Capítulo XIX – Alterações nas taxas de depreciação de ativos


em face dos novos parâmetros contábeis brasileiros
(Lei nº 11.638/07) e seus efeitos tributários, 519
Rodrigo Maito da Silveira & Ricardo Maito da Silveira
I. Introdução e escopo de análise............................................................ 521
II. Análise jurídica das questões suscitadas............................................. 522
II.1. Critério geral de depreciação de ativos na legislação fiscal......... 522
II.2. Mudanças nos parâmetros contábeis brasileiros e o RTT.......... 524
II.3. Impactos dos novos parâmetros contábeis para o
cálculo da depreciação de ativos.................................................... 528
II.3.1. Primeira interpretação possível: ausência de
critério contábil novo .............................................................. 529
II.3.2. Segunda interpretação possível: artigo 17 da Lei
nº 11.941................................................................................. 530
III. Conclusões....................................................................................... 536

Capítulo XX – As novas regras contábeis trazidas pela Lei


nº 11.638/2007 e o arrendamento mercantil, 539
Sacha Calmon Navarro Coêlho & Eduardo Junqueira Coelho
1. Introdução. A Lei nº 11.638/2007 e o IFRS. .................................... 541
2. Breves apontamentos sobre a origem e a natureza
jurídica do leasing. ............................................................................ 543
3. Da Lei nº 6.099/74 e o tratamento tributário por ela conferido
ao arrendamento mercantil................................................................ 547

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4. As modalidades de Leasing................................................................. 553
4.1. Arrendamento mercantil financeiro............................................ 558
4.2. Lease back ................................................................................. 560
4.3. Arrendamento mercantil operacional.......................................... 562
4.4. Self leasing.................................................................................. 564
5. A tributação do arrendamento mercantil no âmbito do
PIS/COFINS não cumulativo........................................................... 568
6. Alterações contábeis promovidas pela Lei nº 11.638/2007 e o
CPC 06. A prevalência da essência econômica sobre a forma
jurídica é critério de contabilização, e não de tributação, do
arrendamento mercantil..................................................................... 569
7. A neutralidade tributária em face das Leis 11.638/2007 e
11.941/2009. .................................................................................... 579
8. Conclusão........................................................................................... 581

Capítulo XXI – Tributação do Reembolso de Despesas e do


Compartilhamento de Custos e o CPC 30, 583
Sergio André Rocha & Ana Carolina Barreto
1. Introdução.......................................................................................... 585
2. Tratamento fiscal dos reembolsos de despesas entre
empresas residentes............................................................................ 585
2.1. Caracterização dos reembolsos como receita.............................. 585
2.2. A dedutibilidade da despesa reembolsada ou sua
consideração como custo.............................................................. 591
3. Reembolso de despesas em operações com não residentes.................. 591
3.1. Despesas pagas, no Brasil, em favor de empresa brasileira,
por não residente.......................................................................... 591
3.2. Reembolso a não residente por pagamento feito a terceiro
no exterior em benefício de residente........................................... 593
4. Contratos de rateio de custos e despesas entre empresas.................... 596
4.1. Contratos para o rateio de despesas no âmbito de um
grupo de empresas nacional.......................................................... 597
4.1.1. Tributação dos reembolsos recebidos.................................. 597
4.1.2. Apropriação dos custos e dedutibilidade das despesas........ 600
4.2. Contratos para o rateio de despesas entre empresas
nacionais independentes............................................................... 601

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4.3. Reembolso a não residente em razão de atividades
desenvolvidas pelo mesmo em benefício de residente, componente
de um mesmo grupo econômico................................................... 602
a) Reembolsos referentes a serviços contratados junto a
terceiros no exterior................................................................. 603
b) Prestação de serviços que constituem a atividade-fim
da empresa controladora.......................................................... 604
c) Reembolsos referentes aos custos de atividades desenvolvidas
pela própria controladora não residente................................... 604
5. O CPC 30 e o tratamento contábil dos reembolsos de despesas ........ 606
6. Conclusão........................................................................................... 609

Capítulo XXII – Os Impactos das Novas Regras Contábeis sobre o Regime


Jurídico do Ágio Gerado nas Operações de Fusão e Aquisição, 611
Valter de Souza Lobato & Fernando Daniel de Moura Fonseca
1. Delimitação do Tema.......................................................................... 613
2. A aparente tensão entre o Direito e a Contabilidade.
Independência entre as ciências e os efeitos da Lei 11.638/07.......... 615
3. Os conceitos em matéria tributária e o artigo 109 do CTN. ............. 618
4. A necessidade de uma interpretação sistemática da questão.
Os efeitos decorrentes das mudanças dos conceitos em sua
origem e os possíveis reflexos tributários........................................... 621
5. O impacto das novas regras contábeis sobre o ágio gerado
nas operações de fusão e aquisição.34 ............................................... 624
5.1. Os conceitos contábil e jurídico de ágio........................................... 624
5.2. As recentes alterações decorrentes da Lei 11.638/07. ..................... 626
5.3. A amortização fiscal do ágio............................................................ 628
5.4. Os efeitos (ou ausência deles) das novas normas contábeis
sobre o regime jurídico do ágio.......................................................... 630
7. Conclusões.......................................................................................... 635

Capítulo XXIII – Notas sobre o Modelo Único de Reconhecimento


de Receita proposto pelo IASB, 637
Waine Domingos Peron & André Stéfano Christov
1. Introdução.......................................................................................... 639
2. Atual Método de Reconhecimento de Receitas.................................. 640

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2.1. Estrutura e Principais Elementos............................................... 642
2.1.1. Conceito de Receita............................................................ 642
2.1.2. Venda de bens..................................................................... 644
2.1.3. Prestação de serviços........................................................... 647
2.2. Contratos de Longo e Curto Prazos........................................... 655
2.2.1. Contrato de longo prazo..................................................... 656
2.2.2. Contrato de curto prazo..................................................... 657
2.3. Contratos firmados com Entidades Públicas.............................. 658
2.4. Determinação do Preço da Transação ........................................ 659
2.4.1. Preço pré-determinado....................................................... 660
3. Modelo Único de Reconhecimento de Receita Proposto pelo IASB .661
3.1. Identificação do contrato com o cliente...................................... 662
3.2. Identificação das obrigações de performance.............................. 662
3.3. Determinação do preço da transação.......................................... 663
3.4. Alocação do preço da transação às performance obligations....... 664
3.5. Reconhecimento da receita quando a performance
obligation é satisfeita.................................................................... 664
3.6. Status do novo modelo............................................................... 664
4. Exemplos Ilustrativos......................................................................... 665
4.1. – Exemplo 1: Descontos com base em cumprimento de Metas.... 665
4.2. Exemplo 2: Programa de Vantagens............................................. 668

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Capítulo I

Combinação de
negócios: o ganho por
compra vantajosa

Alexandre Couto Silva


Mestre e Doutor em Direito Comercial pela UFMG. Advogado.

Otávio Vieira Barbi


Mestre e Doutorando em Direito Comercial pela UFMG. Advogado.

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1. A convergência das normas contábeis ao IFRS

Com a promulgação da Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, que


acrescentou o §5º ao art. 1771, da Lei nº 6.404/1976 (Lei das S.A.), os padrões
internacionais de contabilidade adotados nos principais mercados de valores
mobiliários passaram a ser de observância obrigatória pela Comissão de Valores
Mobiliários (CVM), a quem cabe expedir normas sobre as demonstrações
financeiras das companhias abertas2.
Referido comando do art. 177, da Lei das S.A., pode ser considerado
o marco legislativo do processo de convergência das práticas contábeis
brasileiras às normas internacionais de contabilidade, que constituem o
sistema do IFRS – International Financial Reporting Standard – Normas
Internacionais de Relatório Financeiro (IFRS, na sigla em inglês). O sistema
do IFRS é um conjunto de normas e pronunciamentos contábeis internacionais,
publicados e revisados pelo International Accounting Standards Board –
Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (IASB, na sigla em
inglês). Muitas das normas do IFRS são conhecidas por IAS – International
Accounting Standards –, e foram publicadas pela antiga organização denominada
International Accounting Standards Committee entre 1973 e 2001 (ano em que
fora substituída pelo IASB).
No Brasil, por seu turno, em 1 de setembro de 2010, pela Deliberação nº
485, a CVM acrescentou à Instrução nº 457/2007, dentre outras disposições, a
determinação de que as demonstrações financeiras consolidadas das companhias
abertas deveriam ser elaboradas com base em pronunciamentos plenamente
convergentes com as normas internacionais, emitidos pelo CPC e referendados
pela CVM (art. 1º, §1º).
Assim, coube ao Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC)
estudar, pesquisar, discutir, elaborar e deliberar sobre o conteúdo e a redação

1 Lei nº 6.404/1976, art. 177, §5º – As normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários a que
se refere o §3º deste artigo deverão ser elaboradas em consonância com os padrões internacionais
de contabilidade adotados nos principais mercados de valores mobiliários.
2 Lei nº 6.404/1976, art. 177, §3º – As demonstrações financeiras das companhias abertas observarão,
ainda, as normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários e serão obrigatoriamente
submetidas a auditoria por auditores independentes nela registrados.

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20 - Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa

de Pronunciamentos Técnicos contábeis, a serem normatizados pela CVM3.


O CPC foi criado pela Resolução nº 1.055, de 7 de outubro de 2005, do
Conselho Federal de Contabilidade (CFC), a partir da união de esforços e
objetivos da ABRASCA, APIMEC, BOVESPA, FIPECAFI, IBRACON e
do Conselho Federal de Contabilidade. O objetivo do CPC, segundo dispõe
o art. 3º da referida Resolução nº 1.055/2005, é “o estudo, preparo e emissão
de Pronunciamentos Técnicos sobre procedimentos de Contabilidade e a
divulgação de informações dessa natureza, para permitir a emissão de normas
pela entidade reguladora brasileira, visando à centralização e uniformização
do seu processo de produção, levando sempre em conta a convergência da
contabilidade brasileira aos padrões internacionais”.
Desse modo, os Pronunciamentos Técnicos do CPC, que correspondem às
normas internacionais do IFRS, irão permitir à CVM que emita as normas cuja
finalidade é possibilitar a convergência dos padrões contábeis brasileiros ao IFRS.
E cuidou a CVM – em sua Instrução nº 457, de 13 de julho de 2007, art. 1º – de
determinar que as companhias abertas, a partir do exercício findo em 2010, deveriam
apresentar suas demonstrações financeiras consolidadas adotando o padrão contábil
internacional, de acordo com os pronunciamentos emitidos pelos IASB e FASB.

2. A Combinação de Negócios e o CPC nº 15


Seguindo, portanto, a determinação dos §§ 3º e 5º do art. 177 da Lei das S.A.,
bem como do §1º do art. 1º da Instrução CVM nº 457/2007, em 31 de julho de
2009 a CVM expediu a Deliberação nº 580, que aprovou e tornou obrigatório, para
as companhias abertas, o Pronunciamento Técnico nº 15, emitido pelo CPC (CPC
15), que cuida da Combinação de Negócios, sendo aplicável aos exercícios encerrados
a partir de dezembro de 2010 e às demonstrações financeiras de 2009, a serem
divulgadas em conjunto com as demonstrações de 2010 para fins de comparação.
Sua observância pelas companhias abertas, como dito, tornou-se obrigatória. Para
as companhias fechadas, os Pronunciamentos do CPC são facultativos4.

3 O caput do art. 10-A da Lei nº 6.385/1976, acrescido pela Lei nº 11.638/2007, permite à CVM
celebrar convênio com o CPC: Art. 10-A. A Comissão de Valores Mobiliários, o Banco Central
do Brasil e demais órgãos e agências reguladoras poderão celebrar convênio com entidade que
tenha por objeto o estudo e a divulgação de princípios, normas e padrões de contabilidade e
de auditoria, podendo, no exercício de suas atribuições regulamentares, adotar, no todo ou em
parte, os pronunciamentos e demais orientações técnicas emitidas.
4 Lei nº 6.404/1976, art. 177, §6º – As companhias fechadas poderão optar por observar as
normas sobre demonstrações financeiras expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários para
as companhias abertas.

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Alexandre Couto Silva & Otávio Vieira Barbi - 21

O CPC 15 corresponde à norma internacional do IFRS 3 (Business


Combination). A primeira Revisão ao CPC 155 encontrava-se, na data da
redação do presente trabalho, em Audiência Pública (Edital de Audiência
Pública SNC nº 01/2011), até o dia 3 de junho de 2011. Em razão disso,
cuidou-se do tema de acordo com o Pronunciamento Técnico em vigor à
época da redação dessas notas, sem que nos desincumbíssemos de observar e
fazer referência à minuta sujeita à Audiência Pública, ressaltando os pontos
que se pretendia revisar.
A Norma Internacional de Relatório Financeiro IFRS 3 – Combinações
de Negócios (IRFS 3) é resultado do esforço conjunto do IASB e da US
Financial Accouting Standards Board – Conselho de Normas de Contabilidade
Financeira dos EUA (FASB). Tanto o IASB quanto o FASB decidiram
tratar da combinação de negócios em duas fases. A primeira fase foi tratada
separadamente por cada um desses conselhos: o FASB emitiu, em junho
de 2001, o Pronunciamento FASB 141 – Combinações de Negócios; e o
IASB, em março de 2004, emitiu o IFRS 3 – Combinação de Negócios
(versão anterior). Ambos os Conselhos concluíram que praticamente todas
as combinações de negócios são aquisições, decidindo exigir o uso de um
método de contabilização de combinações de negócios – o método de
aquisição. A aplicação do método de aquisição exige (i) a identificação; (ii) a
determinação da data de aquisição; (iii) o reconhecimento e mensuração dos
ativos identificáveis adquiridos, dos passivos assumidos e das participações
societárias de não controladores na adquirida; e (iv) o reconhecimento e a
mensuração do ágio por rentabilidade futura ou do ganho proveniente da
compra vantajosa. A orientação da aplicação do método de aquisição foi
tratada na segunda fase do projeto, em que ambos os Conselhos, em esforço
conjunto, em prol da melhoria no relatório financeiro, concluíram, com a
emissão do atual IFRS 3 e do FASB 141, revisada em 2007, alterando-se
o IAS 27 – Demonstrações Financeiras Consolidadas e Separadas e FASB
160 – Participações não-controladoras em Demonstrações Financeiras

5 Segundo consta do Edital de Audiência Pública SNC nº 01/2011, “o Comitê de Pronunciamentos


Contábeis assumiu o compromisso de revisar e atualizar todos os documentos por ele emitidos,
a fim de que estejam totalmente convergentes com as normas internacionais de contabilidade
emitidas pelo IASB – International Accounting Standards Board”.

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22 - Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa

Consolidadas. Tais pronunciamentos teriam aplicação nos relatórios anuais


iniciados após o período de 1º de julho de 2009, entretanto, a aplicação poderia
ser antecipada desde que a IAS 27 fosse aplicada ao mesmo tempo.
A Combinação de Negócios foi definida no CPC 15 como “uma operação
ou outro evento por meio do qual um adquirente obtém o controle de um ou
mais negócios, independentemente da forma jurídica da operação”. A minuta
de revisão em Audiência Pública não modifica essa definição.

3. Caracterização da Combinação de Negócios


No IFRS 3, a combinação de negócios é a junção de entidades ou
atividades empresariais separadas numa única entidade. A entidade deverá
determinar se os ativos adquiridos e passivos assumidos constituem um
negócio. O resultado das concentrações de negócios é que uma entidade,
a adquirente, obtém o controle de uma ou mais atividades empresariais
diferentes, as adquiridas. Se uma entidade obtiver o controle de uma ou
mais entidades que não sejam negócios, a junção dessas entidades não é uma
combinação de negócios. Quando uma entidade adquire um grupo de ativos ou
de ativos líquidos que não constitua um negócio, ela deve imputar o custo
do grupo entre os ativos e passivos identificáveis individuais do grupo com
base nos valores justos na data da aquisição.
O pronunciamento referente à combinação de negócios teve a finalidade
de buscar um aumento da relevância, confiabilidade e comparabilidade das
informações fornecidas nas demonstrações financeiras de uma determinada
entidade referente à combinação de negócios e seus efeitos. Desta forma,
busca-se padronizar a forma de (i) reconhecimento e mensuração, nas
demonstrações financeiras, de ativos adquiridos, passivos assumidos e
qualquer participação não-controladora na adquirida, (ii) reconhecimento
e mensuração do ágio ou do ganho na compra vantajosa; (iii) determinação
de quais informações divulgar nas demonstrações financeiras para avaliação
financeira da natureza e efeitos da combinação de negócios.
Assim sendo, as denominadas reestruturações societárias, que
compreendem as operações de fusão, cisão, incorporação de sociedades e de
ações (art. 226 a 229, e 252 da Lei das S.A.), poderão resultar na Combinação de

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Alexandre Couto Silva & Otávio Vieira Barbi - 23

Negócios conceituada pelo CPC 15, sempre que houver aquisição de controle6 
de um negócio7 .

a. Identificação da Adquirente
A intenção do CPC 15 é a de que as transações que resultem em
Combinação de Negócios sejam contabilizadas considerando-se a sua essência
econômica, independentemente da forma jurídica da operação (incorporação,
fusão, aquisição, etc.). Além disso, deverá ser sempre identificada a entidade
adquirente e o negócio adquirido.
Será utilizada a orientação da IAS 27 – Demonstrações Financeiras
Consolidadas e Separadas (IAS 27) para se identificar o adquirente que obteve
o controle da adquirida. A IAS 27 define controle como o poder de gerir as
políticas financeiras e operacionais de uma entidade de forma a obter benefícios
das suas atividades.
Se a identificação do adquirente não for possível pela IAS 27, dever-se-á
verificar o exercício do controle de outras formas: (i) se a combinação de
negócios foi efetuada pela transferência de caixa ou outros ativos ou assunção
de passivos, a adquirente será a entidade que transferiu caixa, outros ativos ou
assumiu passivos, e (ii) se a combinação de negócios foi efetuada pela troca
de participações patrimoniais, o adquirente será a entidade que emitiu suas
participações patrimoniais, entretanto, (a) a adquirente poderá ser a entidade
combinante cujos proprietários, como um grupo, detêm a maioria do direito de
voto na entidade combinada, ou (b) a adquirente, no caso de controle difuso,
será a entidade combinante cujo único proprietário ou grupo organizado detiver
a maior participação minoritária com direito a voto na entidade combinada, ou
(c) a adquirente será a entidade combinante cujos proprietários têm a capacidade
de eleger, nomear ou destituir a maioria dos membros da administração da
combinada, ou (d) se a adquirente por meio de sua administração exercer o
domínio da administração da combinada, ou (e) a adquirente será a entidade

6 Controle é definido no CPC 15 como sendo “o poder para governar a política financeira e
operacional da entidade de forma a obter benefício de suas atividades”. Não há modificação
dessa definição na minuta de revisão em Audiência Pública.
7 Negócio é definido no CPC 15 como sendo “um conjunto integrado de atividades e ativos capaz
de ser conduzido e gerenciado para gerar retorno, na forma de dividendos, redução de custos ou
outros benefícios econômicos, diretamente a seus investidores ou outros proprietários, membros ou
participantes”. Não há modificação dessa definição na minuta de revisão em Audiência Pública.

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24 - Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa

que paga prêmio sobre o valor justo antes da combinação das participações
patrimoniais da outra entidade ou entidades combinantes. Outra forma de se
definir a adquirente é pelo porte relativo (de ativos, receitas ou lucros) que será
significativamente superior ao da outra entidade ou das entidades combinantes; ou
em caso que envolva mais de uma entidade combinante, a adquirente poderá ser
aquela que começou a combinação, levando-se em consideração o porte relativo
das combinantes. Por outro lado, a entidade criada com o propósito de realizar
a combinação de negócios não é necessariamente a adquirente do controle, que,
nesse caso, será aquela que se enquadre em um dos pontos acima mencionados.

b. Aquisições reversas
Exemplo claro de aquisição reversa ocorre quando uma companhia fechada
que quer abrir o capital tem suas ações incorporadas (ou adquiridas na linguagem
genérica adotada na combinação de negócios) por uma companhia aberta. Nesse
caso, a companhia aberta legalmente adquire a companhia fechada. Entretanto,
para fins contábeis, a adquirente será aquela que se enquadra nas formas de
controle mencionadas no parágrafo acima. A adquirente contábil, do exemplo
acima, será a companhia fechada, e a adquirida contábil a companhia aberta.
Deve-se acrescentar ainda que a adquirida contábil deverá atender à definição
de negócio para que a transação seja contabilizada como uma aquisição reversa.
Na aquisição reversa, a adquirente contábil não emite contrapartida pela
adquirida. A adquirida contábil emite ações aos proprietários da adquirente
contábil. A determinação do valor justo na data de aquisição da contrapartida
transferida pela adquirente contábil, por sua participação na adquirida contábil,
será baseada no número de participações patrimoniais que a controlada legal
teria que ter emitido para dar aos proprietários da controladora legal o mesmo
percentual de participação patrimonial na entidade combinante que resulta da
aquisição reversa. Assim, o valor justo do número de participações patrimoniais
calculado dessa forma pode ser usado como o valor justo da contrapartida
transferida em troca da adquirida.
Em diversos casos, alguns dos proprietários da adquirida legal (adquirente
contábil) podem não trocar participações patrimoniais por participações
patrimoniais da controladora legal (adquirente contábil). Nesse caso, esses
proprietários são tratados como participação não-controladora.
As demonstrações financeiras elaboradas após uma aquisição reversa são
emitidas em nome da controladora legal (adquirida contábil), constando nas

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Alexandre Couto Silva & Otávio Vieira Barbi - 25

notas explicativas a continuação das demonstrações financeiras da controlada


legal (adquirente contábil), com um ajuste retroativo no capital legal da
adquirente contábil para refletir o capital legal da adquirida contábil. As
demonstrações financeiras consolidadas deverão representar a continuação
das demonstrações financeiras da controlada, exceto na estrutura de capital.

c. Operações societárias
A obtenção do controle de um negócio pode ser alcançada de diversas
formas, quais sejam: (i) pela aquisição de participação (originária ou derivada)
societária que garante o controle do capital social de outra entidade; (ii) pela
compra de todos ou parte dos seus ativos com assunção ou não de parte ou do
todo de seus passivos; (iii) pela incorporação das ações de uma entidade; (iv)
pela incorporação de uma entidade; (v) pela fusão; (vi) pela cisão para atingir
as hipóteses anteriores ou, ainda, (vii) pela aquisição, por qualquer outra forma,
de alguns dos ativos líquidos que, em conjunto, formem um ou mais negócios.
A Combinação de Negócios pode tornar-se também efetiva por meio
(i) de emissão de títulos representativos do capital próprio (emissão de ações
como forma de pagamento) para entrega aos acionistas ou cotistas da entidade
adquirida; (ii) de transferência de ativos (caixa, equivalentes de caixa ou outros
ativos líquidos); (iii) de operações de cisão, fusão, incorporação ou incorporação
de ações; (iv) de simples aquisição de participação societária mediante o
pagamento em caixa ou assunção de obrigações e, ainda, (v) de uma combinação
dessas ou outras alternativas.
Assim, dito de outra forma, a Combinação de Negócios pode ser
estruturada de diversas formas por razões legais, podendo envolver (i) a compra
por parte de uma entidade do capital próprio de outra entidade; (ii) a compra
de todos os ativos líquidos de outra entidade; (iii) a assunção de passivos de
outra entidade, ou (iv) a compra de alguns dos ativos líquidos de outra entidade
que em conjunto formem um ou mais negócios. Pode tornar-se efetiva (i)
pela emissão de ações; (ii) pela transferência de caixa; (iii) pela transferência
de equivalentes de caixa ou outros ativos, ou (iv) por uma combinação destes.
A transação pode ser (i) entre os acionistas das entidades sob controle
comum ou (ii) entre uma entidade e os acionistas de outra entidade. Pode
envolver o estabelecimento de uma nova entidade para (i) controlar as entidades
sob controle comum; (ii) deter os ativos líquidos transferidos, ou (iii) realizar

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26 - Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa

a reestruturação de uma ou mais das entidades concentradas.


A Combinação de Negócios pode resultar em relação entre controladora e
contraladas, na qual a adquirente é a controladora e a adquirida a controlada. Nessas
circunstâncias, a adquirente aplicará o IFRS 3 nas suas demonstrações financeiras
consolidadas. Deverá ser incluído o interesse na adquirida como um investimento
numa controlada em qualquer demonstração financeira separada que emita8.

d. Determinação da data da realização da combinação


de negócios e seu valor

A data efetiva de aquisição de uma combinação de negócios é aquela em que


a adquirente obtém o controle da adquirida ou dos negócios. Em regra, é a data
em que a adquirente transfere ao antigo proprietário da adquirida, como forma
de pagamento, os valores negociados para a aquisição, mediante pagamento em
caixa, assunção de obrigações, emissão de instrumentos patrimoniais (podendo
ser em forma de emissão de ações) ou de dívida, ou outros, adquire os ativos
e assume os passivos da adquirida, denominada normalmente como a data do
fechamento. Por outro lado, a adquirente poderá obter controle em uma data
anterior ou posterior à data de fechamento. Nesse caso, a data de aquisição será
anterior ou posterior, devendo refletir exatamente o momento da aquisição do
controle. A adquirente é a entidade que obtém o controle da adquirida, enquanto
a adquirida é o negócio ou são os negócios sobre o(s) qual(is) a adquirente
obtém controle em uma combinação de negócios.
O valor justo de determinado ativo é o valor pelo qual esse ativo pode ser
negociado entre partes interessadas, conhecedoras do negócio e independentes
entre si, com ausência de fatores que pressionem a liquidação da transação ou
que caracterizem uma transação compulsória.
Assim, o adquirente de um negócio deve reconhecer os ativos adquiridos
pelos seus valores justos na data de aquisição e divulgar informações que
permitam avaliação financeira pelo mercado da natureza e efeitos da aquisição.
Em caso de combinação de negócios, dever-se-á aplicar o método de
aquisição, exceto em se tratando de combinação de negócios que envolvam
entidades ou negócios sobre controle comum.

8 Ver IAS 27 Demonstrações Financeiras Consolidadas e Separadas.

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Alexandre Couto Silva & Otávio Vieira Barbi - 27

e. O sentido da expressão negócio.


Negócio, em sentido amplo, seria o conjunto integrado de atividades e
passíveis de serem conduzidos e administrados com a finalidade de fornecer
diretamente, para investidores e/ou outros proprietários, acionistas ou
participantes, retorno sob a forma de dividendos, redução de custos ou
outros benefícios econômicos. Assim, formações de um empreendimento em
conjunto ou aquisição de um ativo ou grupo de ativos que não constituem
um negócio não caracterizam combinação de negócios.
Negócio consiste em insumos ou processos aplicados a esses insumos,
que possuem capacidade de gerar produção que não necessariamente
através de um conjunto integrado. Assim, insumo seria o recurso
econômico que gere ou que tenha a capacidade de gerar produção quando
um ou mais processos são aplicados a ele.
O processo seria o sistema, padrão, protocolo, convenção ou regra que,
quando aplicados a um insumo ou insumos, ferem ou tenham a capacidade
de gerar produção.
O conjunto de atividades ou ativos para serem conduzidos e gerenciado
spara um fim deverá conter dois elementos, quais sejam, insumos e processos
que, aplicados, serão utilizados para gerar produção. Um negócio não precisa
incluir todos os insumos e processos utilizados pela adquirida na sua produção,
mas a parcela que for capaz de gerar produção. Os negócios estabelecidos
em geral possuem poucos insumos e processos, e uma única produção ou
produto. A existência de passivo não é essencial para a definição de negócio.
Em sua obra Finanças e Demonstrações Financeiras da Companhia, JOSÉ
LUIZ BULHÕES PEDREIRA ensina, em diversas passagens, que “os
recursos naturais e de capital são usados como fontes de serviços produtivos
e de consumo.”9  [...] “A atividade produtiva consiste em combinar serviços
de fatores de produção para criar bens econômicos e seu exercício pressupõe
a organização de unidades de produção, ou conjuntos de recursos humanos,
de capital e naturais, empregados, de modo permanente ou duradouro, com

9 BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Finanças e demonstrações financeiras da companhia: conceitos


fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 63.

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28 - Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa

esse fim.”10 [...] “A palavra produção significa tanto a atividade produtiva


quanto seu efeito – que são bens econômicos. A atividade produtiva é a ação
que cria fluxos de serviços desde os recursos originais (naturais e humanos)
até os bens de que o indivíduo ou grupo social pode extrair mediante ato
de consumo – serviços utilizados como meios.” [...] “Em hipótese-limite, a
atividade produtiva pode consistir apenas na ação do agente que, sem utilizar
recursos naturais ou de capital, cria serviços pessoais consumidos por ouro
indivíduo ou por grupo social.”11
De forma brilhante, BULHÕES PEDEREIRA resume a função
instrumental dos sistemas abertos: “Quando procuramos identificar a
característica comum aos diversos tipos ou modelos de sistema em relação aos
quais empregamos a palavra ‘economia’, verificamos que todos são abertos,
isto é, mantêm relações de troca com o ambiente, do qual recebem ‘inputs’ que
utilizam para produzir ‘outputs’”.12 
Destarte, na definição de negócios para fins da combinação deve-se verificar
se os inputs (insumos) aplicados pelo processo na atividade produtiva são capazes
de produzir os outputs. Em caso positivo, estaremos diante de um negócio.

f. Identificação e mensuração dos ativos

Na combinação de negócios identifica-se um adquirente, que é a


entidade que obtém o controle do outro negócio, neste caso, a adquirida. Os
ativos e passivos deverão ser identificados e mensurados, bem como qualquer
participação não-controladora na adquirida, e deverão ser reconhecidos
conforme os princípios do Pronunciamento. A classificação ou designação
desses itens deve ser feita de acordo com os termos contratuais, com as
condições econômicas, políticas, operacionais ou contábeis da adquirente
e demais fatores existentes na data da aquisição. Cada ativo ou passivo
deve ser identificsdo e mensurado pelo seu valor justo na data da aquisição.
Qualquer participação não-controladora em uma adquirida é mensurada
conforme valor justo ou como a parcela proporcional da participação não-
controladora sobre ativos líquidos identificáveis.

10 BULHÕES PEDREIRA, op. cit., p. 63.


11 BULHÕES PEDREIRA, op. cit., pp. 261–262.
12 BULHÕES PEDREIRA, op. cit., p. 17.

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Alexandre Couto Silva & Otávio Vieira Barbi - 29

No IFRS 3, existem exceções limitativas ao princípio de reconhecimento


e mensuração, tais como: (a) arrendamentos e contratos de seguros que devem
ser classificados com base nos termos contratuais e em outros fatores existentes
no momento da celebração do contrato (ou quando os termos forem alterados),
e não com base em fatores existentes na data da aquisição; (b) passivos
contingentes, assumidos em uma combinação de negócios, que constituam
uma obrigação presente e que possam ser mensurados de forma confiável, são
reconhecidos; (c) ativos e passivos que devem ser reconhecidos ou mensurados
de outra forma em outro pronunciamento13 e não pelo valor justo; (d) quando
há requisitos especiais para a mensuração de um direito readquirido, e (e)
ativos de indenização são reconhecidos e mensurados de uma forma que seja
consistente com o item sujeito à indenização, ainda que essa mensuração não
represente o valor justo.

4. Reconhecimento e mensuração do ágio ou ganho em


uma compra vantajosa

A adquirente, tendo reconhecido os ativos identificáveis, os passivos e


quaisquer participações não-controladoras, deverá identificar: (a) o total da
contrapartida transferida, qualquer participação não-controladora na adquirida
e, em uma combinação de negócios realizadas em etapas, o valor justo na data
da aquisição da participação patrimonial detida anteriormente pela adquirente
na adquirida, e (b) os ativos líquidos identificáveis adquiridos. O excedente
entre “a” e “b”, ou seja, se “a” for maior que “b”, será geralmente reconhecida
como ágio. Por seu turno, se a adquirente tiver obtido um ganho em razão de
compra vantajosa, ou seja, se houver um excedente entre diferença de “b” menos
“a”, esse ganho será reconhecido no lucro ou prejuízo na data de aquisição. O
ganho deverá ser atribuído à adquirente.

a. Compra Vantajosa e reconhecimento do ganho


Pode ocorrer que a adquirente realize uma compra vantajosa, que consiste
na combinação de negócios em que o valor dos ativos líquidos identificáveis

13 Os ativos e passivos afetados são aqueles enquadrados na IAS 12 – Imposto sobre Renda, na IAS
19 – Benefícios aos Empregados, na IFRS 2 – Pagamento baseado em ações e na IFRS 5 – Ativos
não correntes mantidos para venda e operações descontinuadas.

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30 - Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa

adquiridos exceda o valor total da contrapartida transferida, qualquer participação


não-controladora na adquirida e, em uma combinação de negócios realizadas
em etapas, o valor justo na data da aquisição da participação patrimonial detida
anteriormente pela adquirente na adquirida.
Antes de reconhecer o ganho na compra vantajosa, a adquirente deverá
reavaliar os ativos adquiridos e passivos assumidos, reconhecendo quaisquer por
ventura ativos ou passivos adicionais identificados. Se esse excedente subsistir
após a reavaliação pela adquirente, o ganho será atribuído à adquirente.
O objetivo da revisão é garantir a mensuração adequada de todas as
informações disponíveis na data da aquisição. Assim, a adquirente deverá
revisar os procedimentos utilizados para mensuração dos valores na data da
aquisição referente (i) aos ativos identificáveis adquiridos e passivos assumidos;
(ii) à participação não-controladora na adquirida, se houver; (iii) à participação
patrimonial detida anteriormente no caso de combinação realizada em etapas,
bem como (iv) à contrapartida transferida.
A contrapartida ou contraprestação transferida em uma combinação de
negócios será mensurada pelo valor justo, calculado pela soma dos valores justos
na data de aquisição (i) dos ativos transferidos; (ii) dos passivos incorridos
pela adquirente devidos aos antigos proprietários das adquirida, ou (iii) das
participações patrimoniais emitidas pela adquirente. A contraprestação transferida
poderá incluir ativos ou passivos da adquirente, cujos valores contábeis sejam
diferentes dos valores justos na data de aquisição, como, por exemplo, transferência
de um negócio da adquirente ou ativos não-monetários – intangíveis. A adquirente
deverá, nesse caso, mensurar os ativos e passivos transferidos a seus valores justos na
data da aquisição e, assim, reconhecer os ganhos ou perdas adicionais resultantes,
se houver lucro ou prejuízo. Quando os ativos ou passivos permanecerem dentro
da entidade combinada (e.g.: os ativos permanecem na adquirida e não vão para
os antigos proprietários), a adquirente mensurá-los-á por seus valores contábeis
imediatamente antes da data de aquisição, e não reconhecerá no lucro ou prejuízo
um ganho ou perda adicionais sobre os ativos ou passivos que controlar, tanto
antes quanto após a combinação de negócios. Não se deve reconhecer ganho ou
perda sobre ativos ou passivos que a adquirente já controlava antes e continua a
controlar após a combinação de negócios.
A contrapartida para a adquirente pode incluir qualquer ativo ou passivo
que tenha uma contrapartida contingente. Nesse caso, a adquirente reconhecerá

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Alexandre Couto Silva & Otávio Vieira Barbi - 31

o valor justo na data da aquisição da contrapartida contingente como parte da


contrapartida transferida em troca da adquirida. A obrigação de pagamento será
classificada como um passivo ou como patrimônio. A adquirente classificará
o direito à devolução de uma contrapartida anteriormente transferida como
ativo se as condições preestabelecidas forem atendidas.
O valor justo poderia ser definido como o valor pelo qual um ativo poderia
ser trocado ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras e interessadas
em uma transação em condições de mercado.
Pode ocorrer casos em que a adquirente obtém o controle de uma adquirida
sem transferir contrapartida. Nesse caso, o método de aquisição é aplicado.
Nessas circunstâncias incluem: (a) a recompra das próprias ações para que um
investidor existente (adquirente) obtenha o controle; (b) a perda de direitos de
veto minoritários que impediam o controle pela adquirente, apesar de deter a
maioria das ações, e (c) a combinação de negócios concertada por contrato entre
adquirente e adquirida – a adquirente não transfere nenhuma contrapartida em
troca do controle da adquirida e não detém nenhuma participação patrimonial
na adquirida, seja na data de aquisição ou anteriormente a essa data, tal como
no caso de acordo de associação.
Na combinação de negócio sem transferência de contrapartida inicial, a
adquirente deve substituir o valor justo na data da aquisição de sua participação
na adquirida pelo valor justo na data de aquisição da contrapartida transferida
para mensurar o ágio ou ganho em um compra vantajosa.
Na combinação de negócios na qual o adquirente e a adquirida (ou seus
antigos proprietários) trocarem apenas participações patrimoniais, o valor
justo, na data de aquisição das participações patrimoniais da adquirida pode
ser mensurado de forma mais confiável que o valor justo na data de aquisição
das participações patrimoniais da adquirente.
A combinação de negócios realizada em etapas ou estágios é aquela em que
a adquirente já tinha uma participação patrimonial (que foi adquirida em uma
ou mais transações), que não lhe garantia o controle e, em determinada data, a
adquirente acresce, à sua participação inicial, uma participação adicional que lhe
garanta o controle da adquirida. Nesse caso, ocorre combinação realizada em
etapas ou estágios. A adquirente deverá mensurar a sua participação patrimonial
inicial na adquirida pelo seu valor justo na data da aquisição e deverá reconhecer
o ganho ou a perda, se houver, no lucro ou prejuízo.

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32 - Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa

A mudança da posição de investimento não-controlador para investimento


controlador é significativa na natureza desse investimento e nas circunstâncias
econômicas que o envolvem. É necessário que a adquirente remensure o
investimento na adquirida por seu valor justo na data da aquisição, para
reconhecimento de qualquer ganho ou perda nos ganhos, desde que claramente
divulgado nas demonstrações financeiras ou nas notas explicativas.
O reconhecimento do ganho ou perda em uma compra é consequência
natural, conforme auferido ou incorrido. A não-exigência de aplicação do valor
justo tem por consequência o reconhecimento econômico tardio do ganho ou
da perda. Se esse ativo fosse mensurado pelo valor justo ao final de cada período
de relatório, o ganho ou a perda teriam sido reconhecidos conforme auferido ou
incorrido. Sua mensuração por valor justo na data da aquisição não resultaria
em nenhum ganho ou perda adicionais.

b. Período de mensuração
O período de mensuração ocorrerá após a aquisição. É um período razoável
para a adquirente levantar informações necessárias para identificar e mensurar
os ativos identificáveis adquiridos, a contrapartida transferida e o ágio resultante
ou o ganho em uma compra vantajosa. Se essas informações não estiverem
disponíveis na data da aquisição, a adquirente deverá determinar e reconhecer
valores provisórios até que as informações necessárias se tornem disponíveis.
Esse período se encerra a partir do momento em que a adquirente recebe
as informações necessárias sobre fatos e circunstâncias existentes na data de
aquisição ou toma conhecimento de que as informações não podem ser obtidas.
Entretanto, esse período não deve exceder um ano da data de aquisição.
Os ajustes ajudam a resolver as preocupações referentes à qualidade e à
disponibilidade de informações na data da aquisição quanto aos valores justos.
A preocupação é ainda maior quanto a passivos contingentes e à contrapartida
contingente, que podem afetar o valor do ágio ou do ganho reconhecido em
uma compra vantajosa.
O objetivo do período de mensuração é proporcionar um período para
obtenção de informações necessárias para mensurar o valor justo do ativo na
data de aquisição. A determinação de liquidação final de contingência ou de
outro item não são essenciais, pois incertezas sobre a época e o valor de fluxos
de caixa fazem parte da mensuração do valor justo de ativos e passivos.

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Alexandre Couto Silva & Otávio Vieira Barbi - 33

5. Divulgações
A adquirente deverá divulgar as informações referentes à combinação de
negócios, de forma que o mercado em geral possa avaliar sua natureza e o efeito
financeiro ocorrido durante o período de relatório financeiro ou após a data do
relatório. Mas, tudo isso, antes da emissão das demonstrações financeiras. Os
ajustes decorrentes de combinação de negócio ocorridas no período corrente
ou em períodos anteriores deverão ser divulgados ao mercado.
Quando a data da aquisição de combinação de negócios for posterior ao
final do período de reporte, mas antes de as demonstrações contábeis estarem
autorizadas para publicação, o adquirente deve divulgar as informações requeridas
conforme exporemos em seguida, a menos que a contabilização inicial da
combinação estiver incompleta no momento em que as demonstrações contábeis
forem autorizadas para publicação. Nessa situação, o adquirente deve descrever
quais divulgações não puderam ser feitas e as respectivas razões para tal.

6. Deságio ou ganho na compra vantajosa


O ágio reconhecido em uma combinação de negócios é a diferença entre o
valor pago ou compromissos por pagar (ou valores a pagar, podendo ser também
a aquisição por meio de emissão de ações da adquirente) e o montante líquido
do valor justo dos ativos e passivos da entidade e/ou negócios adquiridos. O ágio
representa um pagamento realizado entre partes independentes vinculado à efetiva
alteração de controle e corresponde a uma antecipação dos benefícios econômicos
futuros a serem gerados por ativos, por fatores que não podem ser identificados
individualmente e reconhecidos separadamente. Assim, os benefícios econômicos
podem advir da sinergia entre os ativos identificáveis adquiridos ou de ativos
que, individualmente, não se qualificam para reconhecimento em separado nas
demonstrações contábeis, mas pelos quais a adquirente efetuou um pagamento
(em caixa ou por meio de emissão de instrumentos patrimoniais ou de dívida)
por ocasião da combinação de negócios.
Por seu turno, o deságio reconhecido em uma combinação de negócios é
representado pela diferença negativa entre o valor pago (ou valores a pagar) e
o montante líquido do valor justo dos ativos e passivos adquiridos. A compra
vantajosa é uma aquisição de oportunidade onde o valor global de aquisição
suplanta a soma algébrica dos valores justos dos ativos líquidos adquiridos,

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34 - Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa

por ser uma transação em condições de venda forçada ou outra razão, mesmo
que a transação se dê entre partes interessadas, conhecedoras do negócio e
independentes entre si, com ausência de fatores que pressionem a liquidação
da transação ou que caracterizem uma transação compulsória.
Determinou o art. 20 do Decreto-Lei 1.598, de 26 de dezembro de 1977,
que o custo de aquisição de participação em uma sociedade por outra deve ser
desdobrado, apontando-se o valor de Patrimônio Líquido Contábil (PLC) do
investimento, e a diferença entre esse número e o custo de aquisição14. Referida
diferença constituía o ágio (quando custo de aquisição for maior que o PLC)
ou deságio (quando o custo de aquisição for menor que o PLC).
Quando o custo de aquisição era maior que o PLC, gerando, portanto,
ágio, este se justificava pela expectativa de rentabilidade futura.15 O ágio (valor
pago – PLC) transformava-se, então, “em um ativo diferido da incorporadora,
o qual continuava a ser amortizado mensalmente no mesmo ritmo previsto
para a amortização do ágio que lhe deu origem.”16
Quando o custo de aquisição era menor que o PLC, gerava-se um deságio,
presumindo-se que a companhia adquirente fez um bom negócio, denominado,
portanto, compra vantajosa.
O deságio, por sua vez, ocorre quando o valor líquido dos ativos
identificáveis e passivos assumidos exceder (i) a contraprestação transferida em
troca do controle da adquirida, para a qual se exige o “valor justo na aquisição”,
somada ao (ii) montante de qualquer participações de não controladores na
adquirida, se houver, e ao (iii) valor justo, na data da aquisição, da participação
do adquirente na adquirida imediatamente antes da combinação, em caso de
combinação de negócios realizada em estágios.
Por outro lado, com a convergência com o IFRS, o ágio passou a ser a
diferença entre o valor efetivamente pago e o “valor justo” do bem adquirido.

14 A norma foi reproduzida no art. 385 do Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 (Regulamento
do Imposto de Renda – RIR/99).
15 Nos termos exatos do CPC 04: “O ágio derivado da expectativa de rentabilidade futura (goodwill)
reconhecido em uma combinação de negócios é um ativo que representa benefícios econômicos
futuros gerados por outros ativos adquiridos em uma combinação de negócios, que não são
identificados individualmente e reconhecidos separadamente”.
16 BRIGAGÃO, Gustavo, e SCHARFSTEIN, Carlos. Aproveitamento fiscal de ágio fundamentado em
perspectiva de rentabilidade futura, in ROCHA, Sérgio André. Direito Tributário, Societário e a
Reforma da Lei das S/A. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 257.

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Alexandre Couto Silva & Otávio Vieira Barbi - 35

a. Compra vantajosa
As compras vantajosas são consideradas operações anômalas. Normalmente,
não há transações em que proprietários vendem consciente e voluntariamente
ativos ou negócios a preços abaixo de seus valores justos. Por seu turno, podem
existir hipóteses em que isso ocorra, tais como liquidação forçada ou venda por
necessidade na qual os proprietários precisam vender um negócio com mais
rapidez, o que pode resultar em um preço inferior ao valor justo.
O ganho econômico é inerente em uma compra vantajosa. Isso ocorrerá
quando, na data da aquisição, a adquirente tem um ganho no valor pelo
qual o valor justo do que é adquirido excede o valor justo da contrapartida
transferida. Entretanto, a aparência de uma compra vantajosa sem evidência
das razões subjacentes é preocupante, pois poderia ser decorrente da
existência de erros de mensuração do ativo ou negócio. Em razão disso,
sugere-se que seja verificado se houve erros na mensuração dos valores
justos da contrapartida paga pelo negócio e dos ativos adquiridos ou dos
passivos assumidos.
Nesse sentido, deve-se distinguir entre o que seja compra vantajosa ou
erros de mensuração. Os erros de mensuração, intencionais ou não, podem ser
minimizados por controle interno e uso de peritos ou empresas avaliadoras
e auditores externos. O IFRS optou por normatizar, pois normas para evitar
abusos inevitavelmente cancelariam a neutralidade. Exige-se que a adquirente
reavalie se tinha identificado corretamente todos os ativos adquiridos e
passivos assumidos antes de reconhecer o ganho de uma compra vantajosa. Tal
reavaliação compreenderia os ativos adquiridos e passivos assumidos, bem como
a participação não-controladora na adquirida (se houver), além da contrapartida
transferida; e na combinação realizada em etapas, a reavaliação da participação
patrimonial detida anteriormente pela adquirente na adquirida.
O objetivo é garantir que as informações disponíveis tenham sido
adequadamente consideradas na identificação dos itens a serem mensurados e
reconhecidos e na determinação dos valores justos.
O ganho da compra vantajosa e o ágio não podem ser reconhecidos
em uma mesma combinação de negócios. Assim, uma compra vantajosa é
mensurada com o excedente do valor líquido dos valores na data de aquisição
dos ativos identificáveis adquiridos e dos passivos assumidos sobre o valor justo
na aquisição da contrapartida transferida, somados ao valor reconhecido de

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36 - Combinação de negócios: o ganho por compra vantajosa

qualquer participação não-controladora na adquirida. Isso tudo se a transação


for uma aquisição realizada em etapas, com valor justo na aquisição da
participação patrimonial detida anteriormente pela adquirente na adquirida.
Assim, nenhum ágio poderá ser baixado se houver ganho.

b. Compra vantajosa e resultado de deságio


A questão relevante que se apresenta é saber se após a convergência
com o IFRS poderia-se configurar a possibilidade de ocorrência de deságio
vis-à-vis a compra vantajosa. Nesse sentido, pode-se afirmar que o deságio
permanece como uma possibilidade (ainda que remota), tendo-se em vista que
continua-se a exigir que determinados ativos adquiridos e passivos assumidos
sejam mensurados por outros valores que não os seus valores justos na data da
aquisição. Entretanto, por deficiência das exigências, no passado contabilizações
de combinações de negócios levaram a resultados de deságio, ou seja, à aparência,
mas não à essência econômica, de uma compra vantajosa. Nenhum passivo
era reconhecido em pagamentos contingentes na data de aquisição, o que
poderia resultar na aparência de uma compra vantajosa pela subavaliação da
contrapartida paga. Os passivos, agora, devem ser mensurados e reconhecidos
por seus valores justos na data da aquisição.
O deságio também pode ocorrer quanto às expectativas de uma compradora
em relação a perdas futuras e sua necessidade de incorrer custos futuros para
tornar um negócio viável. Nessa hipótese, a compradora estaria disposta a pagar
um valor inferior ao valor justo da adquirida (ou ativos líquidos identificáveis)
para obtenção de retorno justo sobre o negócio; a compradora precisaria efetuar
investimentos adicionais no negócio para levá-lo à condição de valor justo.
Os valores justos são mensurados por referência a compradores e vendedores
não relacionados que sejam conhecedores e tenham um entendimento comum
sobre os fatores referentes para o negócio e para a transação e que também
desejem e estejam preparados para a realização do negócio com capacidade legal
e financeira. A coação para a realização, apesar da preocupação da possibilidade
de sua ocorrência, seria mitigada em razão da aplicação cautelosa das exigências
de mensuração do valor justo, o que levaria à interpretação adequada do deságio;
ao invés de levar a uma transação de compra vantajosa.

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7. Conclusão
O ganho referente à compra vantajosa foi introduzido nas práticas
contábeis brasileiras em razão do processo de convergência dessas práticas
contábeis com normas internacionais de contabilidade do IFRS. Foi um
passo importante, pois, no passado, mesmo em se tratando de processos de
combinação de negócios envolvendo partes conhecedoras, independentes
entre si e interessadas em uma transação em condições de mercado (merge of
equals), havia um entendimento da CVM e das práticas contábeis de que essa
diferença resultante da combinação de negócios por compra vantajosa deveria
ser registrada como deságio na adquirente. Com o processo de convergência com
as normas internacionais de contabilidade, o adquirente passou, diferentemente
do tratamento anterior, a ter a obrigação de reconhecer o ganho resultante no
resultado na data da aquisição, devendo esse ganho ser atribuído ao adquirente.
A entidade adquirente, ao contabilizar combinação de negócios anteriores à
vigência do CPC 15, poderá ter reconhecido um deságio por expectativa de
prejuízos futuros (diferença negativa entre o custo da participação adquirida
e a parte da adquirente no valor justo dos ativos líquidos da adquirida) ou por
compra vantajosa. Se isso ocorrer, a entidade adquirente deverá baixar o valor
contábil desse deságio no início do primeiro período de reporte anual em que
o CPC 15 foi aplicado e fazer o ajuste correspondente em lucros acumulados
no balanço patrimonial de abertura naquela data.

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Capítulo II

O Aproveitamento
Fiscal do Ágio e
as Alterações da

Antonio Reinaldo Rabelo Filho


Especialista em Direito Tributario pelo IBET
Especialista em Direito Empresarial pelo IBMEC-RJ
Mestre em Direito Tributario pela PUC/SP
Membro da ABDF
Advogado

Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão


Membro da ABDF
Advogado

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 41

Introdução
Como é cediço, a Lei nº 11.638/07, resultante do Projeto de Lei
nº 3.741/001, introduziu importantes alterações no texto da Lei nº 6.404/76,
tendo por objetivo principal adequar as práticas contábeis brasileiras àquelas
ditadas pelo International Accounting Standards Board (IASB) e observadas
internacionalmente.
A conclusão de tal processo de harmonização das práticas contábeis, dentre
os seus principais efeitos, será o aumento da transparência das informações
divulgadas pelas companhias em geral, o que possibilitará a comparabilidade
das demonstrações financeiras das empresas nacionais com aquelas divulgadas
por empresas estrangeiras. Isso, sem dúvida, será um importante facilitador da
análise das informações por seus usuários.
Por outro lado, por conta do lapso de tempo necessário à tramitação do
projeto no Congresso Nacional, as alterações promovidas ao texto da Lei nº
6.404/76, a par dos inegáveis avanços, não eliminaram todas as barreiras que
se impunham ao processo de convergência.
De fato, as normas internacionais avançaram, enquanto o projeto manteve-
se fiel às regras vigentes alhures à época de sua proposição, como bem advertem
Sérgio de Iudícibus, Eliseu Martins e Ernesto Rubens Gelbcke2: “um problema
surgiu do largo tempo que no então Projeto de Lei nº 3.741/00 levou no congresso
para se transformar na Lei nº 11.638/07: as normas internacionais evoluíram, e
sofreram grandes modificações em função inclusive da adesão da União Europeia,
mas o projeto de Lei não capturou essas inovações. Assim, a Lei nº 11.638/07 trouxe
grande evolução nas práticas contábeis no sentido da convergência internacional,
mas com algumas defasagens e alguns conceitos ultrapassados.”

1 Sobre os objetivos buscados pelo referido projeto de lei, Hugo Rocha Braga e Marcelo Cavalcanti
Almeida, atestam o seguinte:
“A finalidade maior do Projeto de Lei nº 3.741/2000 era possibilitar a eliminação de algumas
barreiras regulatórias que impediam a inserção total das companhias abertas no processo de
convergência contábil internacional, além de aumentar o grau de transparência das demonstrações
financeiras em geral, inclusive em relação às chamadas sociedades de grande porte não constituídas
sob a forma de sociedades por ações.” (BRAGA, Hugo Rocha e ALMEIDA, Marcelo Cavalcanti In:
Mudanças Contábeis na Lei Societária – Lei nº 11.638, de 28-12-2007. São Paulo: Editora Atlas,
2008, p. 2.)
2 IUDÍCIBUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu e GELBCKE, Ernesto Rubens In: Manual de Contabilidade
das Sociedades por Ações (Aplicável às Demais Sociedades) – Suplemento Rumo às Normas
Internacionais. 2ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 5.

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42 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

Nesse contexto de reforma, pontuado por um histórico em que a legislação


contábil era pensada para refletir conceitos tributários, um dos pontos que
mais chamaram a atenção dos seus críticos foram justamente os efeitos fiscais
que poderiam advir dela. Não se pode negar que a Lei nº 11.941/09 avançou
nesse sentido, além de haver, em seu corpo, instituído o Regime Tributário de
Transição (RTT), permitindo a eliminação do maior dos obstáculos ao processo
de convergência a partir da inserção de dispositivo expresso que garante a
neutralidade da reforma em relação aos seus efeitos fiscais.
Em que pese a clareza das regras que compõem o Regime Tributário de
Transição – muito mais assertivas que aquela inserta no § 7º3, do artigo 177,
da Lei nº 6.404/76, com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 11.638/07
e revogado pela Lei nº 11.941/09 –, muitas discussões têm sido empreendidas
quanto aos efeitos fiscais decorrentes do novo padrão contábil adotado no País.
É justamente ao objetivo de analisar, de forma mais profunda e sem se
descuidar dos motivos históricos e dos conceitos contábeis aplicáveis, que se
dedica este estudo.
Com efeito, grande parte das sociedades anônimas valeu-se da autorização
constante da Deliberação nº 603/094, da Comissão de Valores Mobiliários
(CVM), para apresentar os seus Formulários de Informações Trimestrais –
ITR, no curso do exercício de 2010, conforme as normas contábeis vigentes
em 31 de dezembro de 2009. Não é por outro motivo que tendem, agora, a
intensificar-se as discussões em torno dos pretensos efeitos fiscais das alterações
contábeis aqui comentadas.

3 “Art. 177. (...)


§ 7º Os lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para harmonização de normas
contábeis, nos termos do § 2º deste artigo, e as demonstrações e apurações com eles elaboradas
não poderão ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer outros
efeitos tributários.”
4 “Art. 1º Facultar às companhias abertas apresentar os seus Formulários de Informações
Trimestrais – ITR durante o exercício de 2010 conforme as normas contábeis vigentes até 31
de dezembro de 2009.
Art. 2º As companhias abertas que fizerem uso da faculdade prevista no art. 1º devem:
I – divulgar esse fato em nota explicativa aos ITR de 2010, com uma descrição das principais
alterações que poderão ter impacto sobre as suas demonstrações financeiras do encerramento
do exercício, bem como uma estimativa dos seus possíveis efeitos no patrimônio líquido e no
resultado ou os esclarecimentos das razões que impedem a apresentação dessa estimativa; e
II - reapresentar os ITR de 2010, comparativamente com os de 2009 também ajustados às
normas de 2010, pelo menos quando da apresentação do primeiro ITR de 2011.”

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 43

Nesse contexto, seja pela relevância das importâncias geralmente


envolvidas, seja pelo histórico de autuações fiscais que vêm sendo formalizadas
pelas autoridades fazendárias nos últimos anos ou simplesmente por conta
da complexidade do tema, tem-se observado intensos debates quanto às
novas regras5 incidentes sobre as operações que se enquadrem no conceito
de “combinação de negócios”, principalmente no que tange à apuração do
ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura (goodwill).
Sem esgotar o tema, que certamente ainda carecerá de muitos debates,
intende, também, este trabalho, contribuir para a formação e a consolidação
de um entendimento que parece ser aquele que melhor conforma as normas
em vigor.
Inovações quanto à Apuração do Ágio para Fins Societários
Como dito, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) editou o
Pronunciamento Técnico nº 15, aprovado pela CVM por meio da Deliberação
nº 580, em 31 de julho de 2009, com o objetivo de harmonizar o BRGAAP às
normas editadas pelo IASB (notadamente a IFRS 03 – Business Combinations),
no que se refere às operações que importem em combinação de negócios.
Muitas foram as alterações empreendidas por esse pronunciamento,
com impactos relevantes na apuração do ágio fundado em expectativa de
rentabilidade futura (goodwill), para fins societários e comerciais.
As alterações são de tal sorte profundas que, em certos casos, alargam
o rol de operações aptas a fundamentar o registro de ágio por expectativa
de rentabilidade futura, enquanto que, em outros, o restringem. A própria
quantificação (mensuração inicial) e a amortização do goodwill (contábil)
sofreram relevantes impactos.
Comenta-se, a seguir, algumas dessas alterações que, em nosso
entendimento, têm despertado insegurança no meio jurídico, inseguranças
que, como se disse, este estudo ousa contribuir para dissipar:

5 Especificamente sobre o Pronunciamento Técnico de nº 15, do Comitê de Pronunciamentos


Contábeis, aprovado pela Resolução CVM nº 580/09.

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44 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

Inovações Atinentes ao Alcance:


O CPC 15 (especificamente em seu item B5 e seguintes) “define uma
combinação de negócios como uma operação ou outro evento em que o
adquirente obtém o controle de um ou mais negócios”, sendo certo que, para
tal fim, “um negócio consiste de inputs e processos (os processos são aplicados
aos inputs) os quais têm a capacidade de gerar outputs.”.
Especificamente quanto ao seu âmbito de aplicação, a nova norma contábil
distancia-se de forma relevante das normas aplicáveis a sociedades anônimas
que lhe antecederam, notadamente da Instrução CVM nº 247/96. Agora, não
é só da aquisição de participações societárias que pode decorrer o registro de
ágio por rentabilidade futura, mas também do controle de um negócio em
sentido amplo.
Por outro lado, o CPC 15 só é aplicável às operações que importem
em aquisição do controle de um negócio. Assim é que a aquisição de
participações societárias que não representem a aquisição do controle de um
negócio, mesmo que permitam o registro e a mensuração do investimento
pelo método da equivalência patrimonial, não está no âmbito de aplicação
do referido pronunciamento técnico.
As aquisições que não importem na aquisição do controle de uma sociedade (e
que sucedam a aquisição do controle) constituem, sob a égide das regras contábeis
internacionais e a teor do disposto nos itens 30 e 31 do CPC 36 (Demonstrações
Consolidadas)6, 65 e 66 do ICPC 09 (Demonstrações Contábeis Individuais,
Demonstrações Separadas, Demonstrações Consolidadas e Aplicação do

6 “30. As mudanças na participação relativa da controladora sobre a controlada que não resultem em
perda de controle devem ser contabilizadas como transações de capital (ou seja, transações com
sócios, na qualidade de proprietários), e não no resultado ou no resultado abrangente.
31. Em tais circunstâncias, o valor contábil da participação da controladora e o valor contábil da
participação dos não controladores devem ser ajustados para refletir as mudanças nas suas participações
relativas na controlada. Qualquer diferença entre o montante pelo qual a participação dos não
controladores tenha sido ajustada e o valor justo da quantia recebida ou paga deve ser reconhecida
diretamente no patrimônio líquido atribuível aos proprietários da controladora.”
7 “65. (...) as negociações subsequentes em que a controladora adquire, dos sócios não controladores
desse mesmo patrimônio, novos instrumentos patrimoniais (ações ou cotas, por exemplo) de uma
controlada, passam a se caracterizar como sendo transações entre a entidade e seus sócios, a
não ser que seja uma alienação de uma investidora que caracterize a perda de controle de sua
controlada. Ou seja, trata-se de operações que se assemelham àquela em que a entidade adquire
ações ou cotas de seus próprios sócios.

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 45

Método de Equivalência Patrimonial)7, transações de capital. Da mesma forma,


o CPC 15, em analise, de acordo com seu item 2, também não é aplicável à
formação de empreendimentos controlados em conjunto (joint ventures) e à
combinação de entidades ou negócios sob controle comum.
Diante de tais alterações, é possível, por exemplo, a apuração de ágio por
expectativa de rentabilidade futura (contábil) em operações que envolvam a
aquisição de um estabelecimento comercial, desde que atendidas as demais
condições impostas pelo CPC 15.
Aqui já se percebe a nítida diferença dos objetivos das regras postas.
Como se disse acima, visa-se facilitar a analise das demonstrações financeiras
e harmonizá-las em nível internacional. Para tanto, não se pode olvidar dos
impactos que precisam ser refletidos nessas informações, por ocasião da
ocorrência de operações societárias que alterem o controle de um negócio e,
consequentemente, tragam ou tenham a aptidão de trazer reflexos relevantes
na adquirente. Em outras palavras, as novas normas contábeis, conquanto
subjetivizem mais a análise dos efeitos das operações societárias, a elas
conferem uma maior transparência quanto aos seus reais efeitos.
Alterações Quanto à Mensuração Inicial:
A Instrução CVM de nº 247/96, em seu item 138, determinava o
desdobramento do custo de aquisição de um investimento avaliado pelo
método da equivalência patrimonial em sub-contas distintas destinadas ao
registro dos seguintes componentes:


66. Por isso o Pronunciamento Técnico CPC 36 – Demonstrações Consolidadas requer, em seus
itens 30 e 31, que as mudanças na participação relativa da controladora sobre uma controlada
que não resultem em perda de controle devem ser contabilizadas como transações de capital
(ou seja, transações com sócios, na qualidade de proprietários) nas demonstrações consolidadas.
Em tais circunstâncias, o valor contábil da participação da controladora e o valor contábil da
participação dos não-controladores devem ser ajustados para refletir as mudanças nas participações
relativas das partes na controlada. Qualquer diferença entre o montante pelo qual a participação
dos não-controladores tenha sido ajustada e o valor justo da quantia recebida ou paga deve ser
reconhecida diretamente no patrimônio líquido atribuível aos proprietários da controladora, e
não como resultado.”
8 “Art. 13 - Para efeito de contabilização, o custo de aquisição de investimento em coligada e
controlada deverá ser desdobrado e os valores resultantes desse desdobramento contabilizados
em sub-contas separadas:
(i) Equivalência patrimonial baseada em demonstrações contábeis elaboradas nos termos do art.
10; e
(ii) Ágio ou deságio na aquisição ou na subscrição, representado pela diferença para mais ou para
menos, respectivamente, entre o custo de aquisição do investimento e a equivalência patrimonial.”

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46 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

(a) parcela do Patrimônio Líquido Contábil (PLC) da investida


equivalente ao percentual das ações/cotas representativas de seu capital social
detido pelo investidor (equivalência patrimonial), e
(b) ágio ou deságio, conforme o caso, correspondente à diferença entre o
custo de aquisição e a importância contabilizada em conformidade com o item
“a”, acima (equivalência patrimonial).
Vale ressaltar que o ágio deveria (e ainda deve) ser ajustado em virtude
das alterações no patrimônio líquido da investida decorrentes da harmonização
das práticas contábeis adotadas por esta e pela adquirente.
O ágio, tema central do presente estudo, nos termos do item 149, da
referida Instrução CVM, deveria ser contabilizado com a indicação do
fundamento econômico que lhe deu causa (dentre aquelas previstas nos §§ 1
º e 2º, do referido item), ou baixado, de imediato, como perda no resultado, se
carente de uma das razões econômicas previstas no referido dispositivo.
Em linhas gerais, o ágio poderia encontrar fundamento, para fins
societários, nas seguintes razões de ordem econômica: (a) mais-valia dos
ativos, realizável na proporção da amortização/depreciação/baixa do item

9 “Art. 14. O ágio ou deságio computado na ocasião da aquisição ou subscrição do investimento


deverá ser contabilizado com indicação do fundamento econômico que o determinou.
Parágrafo 1º O ágio ou deságio decorrente da diferença entre o valor de mercado de parte ou de
todos os bens do ativo da coligada e controlada e o respectivo valor contábil, deverá ser amortizado
na proporção em que o ativo for sendo realizado na coligada e controlada, por depreciação,
amortização, exaustão ou baixa em decorrência de alienação ou perecimento desses bens ou do
investimento.
§ 2º O ágio ou o deságio decorrente da diferença entre o valor pago na aquisição do investimento e
o valor de mercado dos ativos e passivos da coligada ou controlada, referido no parágrafo anterior,
deverá ser amortizado da seguinte forma:
a) o ágio ou o deságio decorrente de expectativa de resultado futuro – no prazo, extensão e proporção
dos resultados projetados, ou pela baixa por alienação ou perecimento do investimento, devendo
os resultados projetados serem objeto de verificação anual, a fim de que sejam revisados os critérios
utilizados para amortização ou registrada a baixa integral do ágio; e
b) o ágio decorrente da aquisição do direito de exploração, concessão ou permissão delegadas
pelo Poder Público – no prazo estimado ou contratado de utilização, de vigência ou de perda de
substância econômica, ou pela baixa por alienação ou perecimento do investimento.
§ 3º O prazo máximo para amortização do ágio previsto na letra “a” do parágrafo anterior não
poderá exceder a dez anos.
Parágrafo 4º Quando houver deságio não justificado pelos fundamentos econômicos previstos
nos parágrafos 1º e 2º, a sua amortização somente poderá ser contabilizada em caso de baixa
por alienação ou perecimento do investimento.
Parágrafo 5º O ágio não justificado pelos fundamentos econômicos, previstos nos parágrafos 1º e
2º, deve ser reconhecido imediatamente como perda, no resultado do exercício, esclarecendo-se
em nota explicativa as razões da sua existência.”

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correspondente registrado na investida; (b) expectativa de rentabilidade futura,


amortizável na proporção dos resultados projetados, em até 10 (dez) anos;
ou (c) direitos de exploração, concessão ou permissão outorgados pelo Poder
Público, amortizáveis no prazo estabelecido no instrumento que o formaliza.
Assim é que, dito de forma sintética, antes da edição do CPC 15 o
ágio registrado contabilmente, desde que fundamentado em uma das razões
econômicas referidas nos §§ do item 14 da Instrução CVM de nº 247/96,
deveria corresponder à diferença positiva entre os recursos empregados pelo
adquirente na transação (custo de aquisição) e o percentual do patrimônio
líquido contábil da sociedade investida atribuível à participação adquirida
(uma vez harmonizadas as práticas contábeis aplicadas pela investidora e
pela investida).
Com a edição do CPC 15, a apuração, para fins societários, do ágio (em
geral) e, mais especificamente, do goodwill, não mais decorre do cotejo entre
o custo de aquisição e o Patrimônio Líquido Contábil (PLC) da investida.
Com efeito, o CPC 15 impõe às operações que se enquadrem no conceito de
“combinação de negócios” uma avaliação com base no método da aquisição
(purchase method)10, que compreende, nos termos dos itens 4 e 5 do referido
pronunciamento, os seguintes procedimentos:
“Método de aquisição
4. A entidade deve contabilizar cada combinação de negócios pela
aplicação do método de aquisição.

10
Em que pese o método da aquisição importar na mensuração dos ativos e passivos que compõe
o negócio adquirido pelo seu valor justo, para fins de apuração do montante a ser registrado em
linha de investimento no ativo da adquirente e eventual goodwill (ou, conforme o caso, ganho
por compra vantajosa), a combinação de negócios não afeta o valor do patrimônio líquido da
sociedade adquirida. Ao contrário, as regras contábeis internacionais (editadas pelo IASB) não
contemplam o chamado “push down accounting”, isto é, a transferência, para a contabilidade da
sociedade investida, dos resultados obtidos na mensuração do valor justo de seus ativos e passivos
em conexão a uma combinação de negócios. Esta constatação pode ser extraída do item 45, da
Interpretação Técnica ICPC 09:
“45. (...) internacionalmente, os princípios contábeis geralmente aceitos em alguns países
admitem o tratamento do push down accounting, sempre em situações muito restritas, mas as
regras internacionais de contabilidade do IASB não prevêem essa forma de contabilização. (...)
Do ponto de vista contábil, e no nível de apresentação das demonstrações contábeis individuais
da entidade adquirida, a troca de acionistas controladores não deve implicar no estabelecimento
de uma nova base contábil dos ativos e passivos da adquirida ou na contabilização de ativos
intangíveis antes inexistentes, ficando essa nova base de mensuração aplicável apenas no nível
das demonstrações contábeis (individuais e consolidadas) da adquirente.”

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48 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

5. A aplicação do método de aquisição exige:


(a) identificação do adquirente;
(b) determinação da data de aquisição;
(c) reconhecimento e mensuração dos ativos identificáveis
adquiridos, dos passivos assumidos e das participações societárias
de não--controladores na adquirida; e
(d) reconhecimento e mensuração do ágio por rentabilidade futura
(goodwill) ou do ganho proveniente de compra vantajosa.” [grifos nossos]
Com relação à identificação do adquirente e da data de aquisição do
controle (letras “a” e “b”), via de regra, as operações não despertam maiores
dificuldades ou discussões sob o prisma tributário. Adquirente é a entidade
que obtém o controle11 do negócio adquirido (item 7 do CPC 15).
Dúvidas podem surgir quanto à definição do adquirente, na hipótese em
que se verifica a troca de participações societárias. No mais das vezes, em tais
situações o emissor de instrumentos de participação societária deve ser apontado
como adquirente (salvo nas aquisições reversas12).
Data de aquisição, em linhas gerais, é “a data em que o adquirente obtém
o controle da adquirida. Geralmente é a data em que o adquirente legalmente
transfere a contraprestação pelo controle da adquirida, adquire os ativos e assume
os passivos da adquirida – a data de fechamento do negócio” (CPC 15, item 9).

11 Consoante o disposto no item 4, do CPC 36 (Demonstrações Consolidadas): “Controle é o poder


de governar as políticas financeiras e operacionais da entidade de forma a obter benefício das
suas atividades.”.
De forma mais detalhada, o item 13, do mesmo pronunciamento técnico, dispõe sobre as hipóteses
em que se presume a existência do controle:
“13. Presume-se que exista controle quando a controladora possui, direta ou indiretamente por
meio de suas controladas, mais da metade do poder de voto da entidade, a menos que, em
circunstâncias excepcionais, possa ficar claramente demonstrado que tal relação de propriedade
não constitui controle. O controle também pode existir no caso de a controladora possuir metade
ou menos da metade do poder de voto da entidade, quando houver:
(a) poder sobre mais da metade dos direitos de voto por meio de acordo com outros investidores;
(b) poder para governar as políticas financeiras e operacionais da entidade conforme especificado
em estatuto ou acordo;
(c) poder para nomear ou destituir a maioria dos membros da diretoria ou conselho de
administração, quando o controle da entidade é exercido por esses órgãos;
(d) poder para mobilizar a maioria dos votos nas reuniões da diretoria ou conselho de administração,
quando o controle da entidade é exercido por essa diretoria ou conselho.”
12 Os itens B14 a B27 do CPC 15 fornecem os parâmetros para a definição do adquirente, inclusive
nas aquisições reversas – operações em que a emissora dos instrumentos de participação societária
figura como adquirida.

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 49

No que tange à mensuração do goodwill, as alterações mais drásticas e


relevantes para os fins pretendidos no presente estudo, são aquelas que decorrem
dos procedimentos indicados nas letras “c” e “d” do item 4 do CPC.
Com relação ao item “c”, devem ser reconhecidos pelo seu valor justo
na data da aquisição, separadamente do ágio fundado em expectativa de
rentabilidade futura (goodwill), os ativos identificáveis adquiridos, os passivos
assumidos e as participações detidas por não-controladores13.
Mister se faz tratar cada um desses elementos de forma separada, a fim
de facilitar sua compreensão:
a) Reconhecimento de Ativos Identificáveis:
Como visto, o CPC 15 determina o reconhecimento, pelo adquirente, no
âmbito de uma combinação de negócios, dos ativos identificáveis do negócio
adquirido pelo seu valor justo. Quando a norma alude ao termo “identificáveis”,
está referindo-se não só aos ativos registrados na contabilidade da adquirida,
como também aos ativos não contabilizados. Eis o conceito atribuído ao termo
“identificável”, pelo Apêndice A, do CPC 15:
“Identificável: um ativo é identificável quando ele: (a) for separável,
ou seja, capaz de ser separado ou dividido da entidade e vendido,
transferido, licenciado, alugado ou trocado, individualmente ou
em conjunto com outros ativos e passivos ou contrato relacionado,
independentemente da intenção da entidade em fazê-lo; ou (b)
surge de contrato ou da lei, independentemente de esse direito ser
transferível ou separável da entidade e de outros direitos e obrigações.”
Nesse sentido, a parcela correspondente à diferença entre o valor contábil
dos itens registrados no ativo da sociedade investida e o seu valor justo na data
da aquisição, antes alocada na sub-conta de ágio fundado na “mais-valia de

13 Esta é a orientação que se extrai da conjugação dos itens 10, 18 e 19, do CPC 15:
“10. A partir da data de aquisição, o adquirente deve reconhecer, separadamente do ágio por
expectativa de rentabilidade futura (goodwill), os ativos identificáveis adquiridos, os passivos
assumidos e quaisquer participações de não-controladores na adquirida. O reconhecimento de
ativos identificáveis adquiridos e de passivos assumidos está sujeito às condições especificadas
nos itens 11 e 12.
18. O adquirente deve mensurar os ativos identificáveis adquiridos e os passivos assumidos pelos
respectivos valores justos da data da aquisição.
19. Em cada combinação de negócios, o adquirente deve mensurar qualquer participação de
não-controladores na adquirida pelo valor justo dessa participação ou pela parte que lhes cabe
no valor justo dos ativos identificáveis líquidos da adquirida.”

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50 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

ativos”, passa agora a compor o valor do próprio investimento registrado pela


investidora.
O valor de ativos não registrados na contabilidade da sociedade adquirida,
eminentemente os intangíveis desenvolvidos internamente, de igual sorte,
passam a compor o valor do investimento registrado pela adquirente pelo seu
valor justo, desde que atendam ao requisito legal-contratual ou de separação.
Os requisitos não são cumulativos, o que significa dizer que intangíveis
protegidos por lei (marcas, patentes, etc.) ou fundados em contratos (arrendamentos
contratados em condições favoráveis, dentre outros)14, devem ser mensurados
e reconhecidos no âmbito de uma combinação de negócios. De igual sorte, os
intangíveis que possam ser separados ou divididos da sociedade e negociados no
mercado devem ser mensurados pelo adquirente pelo seu valor justo.
Vê-se, pois, que, para fins societários, não há mais registro, em conta de
ágio, da mais-valia dos ativos adquiridos no âmbito de uma combinação de
negócios, que passam a compor, na data da aquisição, o valor do investimento
adquirido nas demonstrações individuais da adquirente. De fato, nesse
particular, a adoção do CPC 15 potencialmente reduz o valor total do ágio
(em sentido amplo) em comparação àquele apurado em conformidade com a
Instrução CVM nº 247/96.
Melhor dizendo, pode-se afirmar que, em razão da subjetividade que as
novas normas contábeis trouxeram à avaliação de negócios, optou-se por ampliar
o espectro das possibilidades que pudessem impactar o valor de um negócio,
atribuindo no seu valor, neste intuito, efeitos mais aderentes à realidade do mercado.
De fato, termos como “valor justo” ou “ativos intangíveis”, ou mesmo
“ativos identificáveis fora da contabilidade da empresa”, todos, são termos de
uma polissemia ímpar. Como tais, abrem ao intérprete e ao aplicador da norma,
uma função mais marcante em relação à interpretação e integração que se faz
necessária para melhor aplicação da regra ao fato subjacente.

14 O item 33, do Apêndice B do CPC 15, traz os contornos do critério de separação:


“B33. O critério de separação implica que o ativo intangível adquirido seja capaz de ser separado
ou dividido da adquirida e vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado individualmente
ou junto com contrato, ativo ou passivo relacionado. O ativo intangível em que o adquirente é
capaz de vender, licenciar ou trocar por outro recurso de valor, atende ao critério da separação,
mesmo que o adquirente não pretenda vender, licenciar ou trocar esse ativo. O ativo intangível
adquirido atende ao critério de separação quando existir evidências de operações de troca para esse
tipo de ativo ou similar, mesmo que essas operações não sejam frequentes e independentemente
de o adquirente estar, ou não, envolvido nessas operações.”

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 51

A menor densidade normativa de referidos signos, realmente, abre nova


dimensão para a sua interpretação e aplicação, o que, por certo, demandará,
ao menos neste início, um maior acompanhamento e controle dos órgãos
competentes. Por outro lado, não há como se negar que, no intuito de
harmonizar as normas societárias internacionalmente e com a crescente
globalização, o Brasil não poderia pretender isolar-se, mantendo-se o império
dos registros contábeis e seus consectários como verdade absoluta e objetivo
na avaliação de negócios.
b) Reconhecimento dos Passivos Assumidos:
Os passivos, a teor do já citado item 18 do CPC 15, devem ser reconhecidos
pelo seu valor justo na data da aquisição. Note-se, nesse sentido, que, em
conformidade com o disposto no item 22 da referida norma, o adquirente
deve reconhecer passivos contingentes que constituam obrigações presentes
decorrentes de eventos passados, cujos respectivos valores justos possam ser
mensurados com confiabilidade, ainda que o risco correspondente não seja
classificado como provável15.
A aplicação do item 22 do CPC 15, portanto, potencialmente reduz o
valor do patrimônio líquido da sociedade adquirida avaliado a valor justo, o que
tem por efeito um proporcional aumento do goodwill (ou redução do ganho por
uma compra vantajosa16) registrado numa combinação de negócio.
c) Reconhecimento de Participações de Não-controladores:
Como já referido, a mensuração das participações detidas por não-
controladores pode ser empreendida pelo adquirente com base no valor
justo destas na data da aquisição. Isto é, tais participações atribuíveis a não-
controladores (antes referidos como minoritários) podem ser mensuradas com
base em sua cotação em mercado ativo – bolsa de valores, por exemplo – (item
19, item 44 e seguintes do Apêndice B, do CPC 15).
Sendo opção do adquirente, as participações detidas por não-controladores
podem ser mensuradas com base no percentual correspondente no patrimônio
líquido da sociedade adquirida avaliado a valor justo. Sobre esses dois critérios

15 Vê-se que, nesse caso particular, os critérios de reconhecimento de passivos contingentes no


âmbito de uma combinação de negócios sujeita aos ditames do CPC 15 são menos restritivos
que aqueles veiculados pelo CPC 25.
16 Sobre o ganho decorrente de uma compra vantajosa (barganha), vide item 34 e seguintes do CPC 15.

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52 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

de mensuração, confira as conclusões extraídas do Manual de Normas


Internacionais de Contabilidade, resultado de estudo levado a efeito por Ernst
& Young e FIPECAFI17:
“A participação dos não controladores (minoritários) deve ser
mensurada, ou pelo seu valor justo na data da aquisição ou pela
aplicação do seu percentual de participação sobre o valor justo dos ativos
líquidos identificáveis da adquirida. A diferença entre os métodos de
mensuração ocorre quando a adquirente optar por mensurar o valor
justo das ações dos não controladores, como por exemplo com base
nos preços de cotação de um mercado ativo. Esse valor pode diferir do
valor da participação dos não controladores sobre os ativos líquidos da
adquirida, cujos valores justos foram avaliados pela adquirente.” [sic]
Assim é que, uma vez mensurada a participação atribuível a não-
controladores pelo sua cotação em mercado ativo, o valor justo por ação
integrante do bloco de controle será maior18.
Nas hipóteses em que o valor unitário por ação integrante do bloco de controle
for maior que aquele atribuível às ações detidas por minoritários, em decorrência de
sua mensuração com base em sua cotação em mercado ativo, o valor do goodwill
tende a ser reduzido (ou, conforme o caso, o ganho pela compra vantajosa tende
a aumentar). A Instrução CVM nº 247/96 não abria essa possibilidade, na
medida em que, em qualquer caso, a participação atribuível ao controlador era
mensurada pelo valor patrimonial das ações integrantes do bloco de controle.
d) Reconhecimento do Goodwill:
Para fins contábeis, em conformidade com Apêndice A do CPC 15, o ágio
fundado em rentabilidade futura (goodwill) é definido como “um ativo que representa
benefícios econômicos futuros resultantes dos ativos adquiridos em combinação
de negócios, os quais não são individualmente identificados e separadamente
reconhecidos.”

17 MACHADO, Paulo José; MORAES, Wilson José Osório e RELVAS, Tânia Regina Sordi. In: Manual
de Normas Internacionais de Contabilidade, Capítulo 15: “IFRS 3 – Combinações de Negócios”,
Editora Atlas, São Paulo: 2009, p.193.
18 Essa conclusão pode ser extraída do item 45 do Apêndice B, do CPC 15:
“B45. O valor justo por ação da participação do controlador pode ser diferente do valor justo
por ação da participação de não-controladores. A principal diferença, provavelmente, decorre
do prêmio pelo controle incluído no valor justo por ação da participação do adquirente na
adquirida ou, de forma contrária, do desconto por ausência de controle no valor justo por ação
da participação de não-controladores.”

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 53

O goodwill é, pois, representado por intangíveis que não atendam


ao requisito legal-contratual ou de separação, sinergias entre os negócios
combinados e outros elementos tendentes a resultar em benefícios econômicos
futuros. O goodwill, nos termos do item 32 do CPC 15, é mensurado pelo
adquirente da seguinte forma:
“32. O adquirente deve reconhecer o ágio por rentabilidade futura
(goodwill), na data da aquisição, mensurado como o valor em que
(a) exceder (b) abaixo:
(a) a soma:
(i) da contraprestação transferida em troca do controle da
adquirida, mensurada de acordo com este Pronunciamento,
para a qual geralmente se exige o valor justo na data da aquisição
(veja item 37);
(ii) do valor das participações de não controladores na
adquirida, mensuradas de acordo com este Pronunciamento; e
(iii) no caso de combinação de negócios realizada em estágios
(veja itens 41 e 42), o valor justo, na data da aquisição, da
participação do adquirente na adquirida imediatamente
antes da combinação;
(b) o valor líquido, na data da aquisição, dos ativos identificáveis
adquiridos e dos passivos assumidos, mensurados de acordo com
este Pronunciamento.” [sic]
Por fim, o goodwill, registrado em conta integrante do ativo intangível, não
deve ser amortizado, sujeitando-se, contudo, à realização periódica de testes de
imparidade regulados pelo CPC 01 (Redução ao Valor Recuperável de Ativos).
Essa é a orientação que se subsume do item 50 do Pronunciamento CPC 13
(Adoção Inicial da Lei nº 11.638/07 e da Medida Provisória nº 449/09)19.
Diante das regras acima referidas (mensuração dos ativos identificáveis
adquiridos, passivos assumidos, participação de não-controladores e do goodwill
ou ganho decorrente de uma compra vantajosa, é possível constatar que a

19 “50. À luz da necessidade de equalização mencionada no item anterior, determina este


Pronunciamento que o ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill) passe a deixar de
ser sistematicamente amortizado a partir do exercício social que se inicia em 1º de janeiro de
2009 ou após. Ressalta-se, todavia, que esse ágio está submetido ao teste de recuperabilidade a
que se refere o Pronunciamento Técnico CPC 01 Redução ao Valor Recuperável de Ativos.”

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54 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

aplicação das regras constantes do CPC 15, em comparação àquelas insertas na


Instrução CVM nº 247/96, pode ter como consequência, para fins societários,
as seguintes hipóteses:
(i) registro de goodwill em operações antes não-qualificáveis, como, por
exemplo, a aquisição de uma unidade de negócios;
(ii) ausência do registro de goodwill em operações antes qualificáveis, a
saber, as operações que se qualifiquem como transações de capital;
(iii) redução do valor do ágio (em sentido amplo, inclusive o goodwill)
em decorrência, por exemplo, do reconhecimento de ativos identificáveis
adquiridos pelo seu valor justo e/ou mensuração das participações atribuídas a
não-controladores com base em sua cotação em mercado ativo; ou
(iv) aumento do valor do goodwill em virtude, dentre outros, do
reconhecimento de passivos assumidos pelo seu valor justo, sobretudo os
passivos contingentes.
Como se disse alhures, as alterações introduzidas nas normas contábeis têm
como objetivo a harmonização de regras nacionais a padrões internacionais e a maior
transparência e aderência à realidade na avaliação de negócios. Nesse diapasão,
parece evidente que o seu intuito não foi o de promover a mesma alteração
quanto à determinação dos fatos geradores de tributos e seus efeitos. Primeiro,
por um motivo óbvio: cabe apenas à lei esse condão. Segundo, porque há regra
expressa na nova Lei nº 11.941/09, neutralizando os efeitos decorrentes das
alterações contábeis no arcabouço tributário. É o que se passará a demonstrar:

Regras Tributárias – A Amortização Fiscal do


Ágio:
da Mensuração e Fundamentos Econômicos do Ágio:
A Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, a despeito de tratar da avaliação
de investimentos relevantes com base no método da equivalência patrimonial20,
não trouxe em seu texto original qualquer disposição que orientasse o
reconhecimento de ágio ou de deságio na aquisição de tais investimentos.

20 “Art. 248. No balanço patrimonial da companhia, os investimentos relevantes (artigo 247,


parágrafo único) em sociedades coligadas sobre cuja administração tenha influência, ou de

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 55

Por sua vez, o Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, além de


regular o tratamento fiscal a ser conferido aos ajustes decorrentes da avaliação
de investimentos com base no referido método, dispôs sobre o reconhecimento
de ágio ou deságio na aquisição de participações societárias.
Com efeito, o artigo 20 do Decreto-Lei nº 1.598/7721 determinou o
desdobramento do custo do investimento em valor do patrimônio liquido e
ágio ou deságio, conforme o caso. O referido dispositivo legal determinou,
ainda, o registro do ágio ou deságio com fundamento em: (i) mais-valia de

que participe com 20% (vinte por cento) ou mais do capital social, e em sociedades controladas,
serão avaliados pelo valor de patrimônio líquido, de acordo com as seguintes normas:
I - o valor do patrimônio líquido da coligada ou da controlada será determinado com base em
balanço patrimonial ou balancete de verificação levantado, com observância das normas desta
Lei, na mesma data, ou até 60 (sessenta) dias, no máximo, antes da data do balanço da companhia;
no valor de patrimônio líquido não serão computados os resultados não realizados decorrentes
de negócios com a companhia, ou com outras sociedades coligadas à companhia, ou por ela
controladas;
II - o valor do investimento será determinado mediante a aplicação, sobre o valor de patrimônio
líquido referido no número anterior, da porcentagem de participação no capital da coligada ou
controlada;
III - a diferença entre o valor do investimento, de acordo com o número II, e o custo de aquisição
corrigido monetariamente; somente será registrada como resultado do exercício:
a) se decorrer de lucro ou prejuízo apurado na coligada ou controlada;
b) se corresponder, comprovadamente, a ganhos ou perdas efetivos;
c) no caso de companhia aberta, com observância das normas expedidas pela Comissão de Valores
Mobiliários.
§ 1º Para efeito de determinar a relevância do investimento, nos casos deste artigo, serão
computados como parte do custo de aquisição os saldos de créditos da companhia contra as
coligadas e controladas.
§ 2º A sociedade coligada, sempre que solicitada pela companhia, deverá elaborar e fornecer o
balanço ou balancete de verificação previsto no número I.” (grifos nossos)
21 “Art 20 - O contribuinte que avaliar investimento em sociedade coligada ou controlada pelo valor
de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de
aquisição em:
I - valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de acordo com o disposto no
artigo 21; e
II - ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo de aquisição do investimento
e o valor de que trata o número I.
§ 1º - O valor de patrimônio líquido e o ágio ou deságio serão registrados em subcontas distintas
do custo de aquisição do investimento.
§ 2º - O lançamento do ágio ou deságio deverá indicar, dentre os seguintes, seu fundamento
econômico:
a) valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada superior ou inferior ao custo
registrado na sua contabilidade;
b) valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em previsão dos resultados nos
exercícios futuros;
c) fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas.
§ 3º - O lançamento com os fundamentos de que tratam as letras a e b do § 2º deverá ser baseado
em demonstração que o contribuinte arquivará como comprovante da escrituração.”

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56 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

ativos; (ii) rentabilidade futura; e (iii) fundo de comércio, intangíveis ou outras


razões econômicas.
De início, é importante afirmar que o dispositivo acima referido não impõe
qualquer ordem de prevalência entre as razões econômicas que podem servir de
fundamento para o registro do ágio. De fato, o contribuinte deve fundamentar
o ágio na razão econômica que efetivamente o levou a pagar determinado
sobrevalor por determinada participação societária.
Não raro poderiam (e ainda podem) surgir hipóteses em que, em tese,
o ágio possa restar fundamentado, de uma só vez, em mais de uma razão
econômica, até mesmo porque, como é cediço, o fluxo de caixa futuro que se
espera obter a partir da exploração econômica de determinado bem (tangível
ou não) constitui método amplamente utilizado de mensuração.
Tal situação ocorre, no mais das vezes, diante da existência de intangíveis
em relação aos quais não se tenha notícia de um mercado ativo em que itens
análogos sejam comumente negociados. Em casos tais, a rentabilidade futura
do intangível exsurge como possível método de mensuração.
Em casos tais, parece-nos evidente que o ágio pode ser qualificado em mais
de um dos itens a que alude o § 2º, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77,
sendo certo que, diante da inexistência de uma ordem legal que imponha a
prevalência de quaisquer dos fundamentos possíveis, cabe ao contribuinte
apontar, com base em documentos hábeis e idôneos22, aquele que efetivamente
deu causa ao pagamento do ágio ou ao deságio.
Essa é posição defendida por grande parte da doutrina especializada23.
José Otavio Haddad Faloppa, Fábio Alves Maranesi 24 asseveram que: “a

22 O § 3º, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77 determina a elaboração e o arquivo de laudo


demonstrando a rentabilidade que se espera auferir em relação ao investimento adquirido.
23 Em sentido contrário, Marco Aurélio Greco defende o seguinte:
“No caso de ‘compra’ de participação societária pode existir como item autônomo, mas, neste caso,
seu montante será o residual do valor do ágio depois de alocadas as parcelas que corresponderem
ao valor de mercado de bens corpóreos, ao valor dos intangíveis identificados e do fundo de
comércio (na medida em que for identificável).” In: Ágio por Expectativa de Rentabilidade Futura:
Algumas Observações, Fusão, Cisão, Incorporação e Temas Correlatos, Editora Quartier Latin, São
Paulo: 2009, pp. 287/288. Não concordamos, com a devida vênia, com esse entendimento, na
medida em que, como visto, o artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77, não determina a prevalência
de qualquer dos fundamentos sobre os demais.
24 FALOPPA, José Otavio Haddad e MARANESI, Fábio Alves. In: Ágio na Aquisição de Investimentos
– Divergência entre Normas Contábeis e Fiscais, Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei
das S/A – Vol. II, Editora Quartier Latin, São Paulo: 2010, pp. 348/349.

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legislação fiscal não estabelece que a justificativa econômica do ágio precisa


ser exclusivamente uma daquelas três hipóteses. Pelo contrário. Pode ser que,
em uma aquisição, o ágio pago tenha diversos fundamentos (...). Muitas vezes,
dentre as várias razões para se realizar o pagamento do ágio, uma pode ter mais
relevância que outra, sendo, até mesmo, determinante para a operação.”
Em igual sentido, Jimir Doniak Jr.25 esclarece que: “Com efeito, a diferença
entre os valores de mercado e contábil dos bens do ativo pode ser um dos elementos que
propiciam a rentabilidade futura esperada. O mesmo se diga de um ativo intangível:
uma marca ou uma patente pode suscitar uma perspectiva de futura lucratividade
especial. Se assim é, a menos que existisse previsão de uma espécie de hierarquia entre
os fundamentos, nada impede que o ágio seja registrado como fundamentado em
rentabilidade futura, desde que isto seja demonstrado, como requer o § 3º do artigo
20 do Decreto-Lei nº 1.598/77 (...)”.
Note-se, por oportuno, que a função residual, se cabível a quaisquer das
alíneas do § 2º, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77, pode ser atribuída
não à alínea “b” (expectativa de rentabilidade futura), mas à alínea “c”, que
comporta em seu bojo a expressão “outras razões econômicas”, que visa
justamente alcançar as parcelas do ágio que não possam restar fundadas nas
hipóteses descritas nas alíneas “a” e “b”.
A própria sequência enumerada pelo § 2º do dispositivo legal em questão
poderia levar a essa conclusão, sob uma perspectiva lógica, na medida em que não
faria sentido ter como fundamento residual hipótese geograficamente disposta
“no meio” das demais e não ao final delas. Interpretação em sentido diverso
colidiria frontalmente com o disposto no artigo 1126, da Lei Complementar
nº 95/98, que impõe como técnica de redação de atos normativos a utilização
de uma ordem lógica.
Enfim, a regra tributária é de clareza meridiana. E, como será mais bem
demonstrado a seguir, permanece vigente. Havendo aquisição de investimento
por valor superior ao patrimônio líquido contábil ajustado (PLC) da sociedade

25 DONIAK JR., Jimir. In: Análise da Amortização de Ágio frente às Leis nºs 11.638/07 e 11.941/09,
Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol. II, Editora Quartier Latin, São Paulo:
2010, p. 312.
26 “Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica,
observadas, para esse propósito, as seguintes normas: (...)” [Grifos nossos]

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58 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

adquirida, haverá ágio, cuja amortização será passível de dedução fiscal, uma
vez observados os requisitos impostos pela legislação tributária.
Qualquer construção que se pretenda fazer acerca da existência de
sobreprincipios que orientam ou graduam a aplicação de quaisquer regras legais,
prescinde da verificação de espaço normativo para tanto. Ali, onde houver regra
de densidade normativa absoluta, não há que se falar em espaço para integração,
ao menos na dimensão que parte minoritária da doutrina pretenda27.
O que se pode e deve avaliar, em cada caso, é a correção e a legitimidade
dos instrumentos utilizados para a avaliação do negócio e, consequentemente,
do ágio, bem como os critérios para a sua aferição. Aliás, não há como se
negar que, se a lei contábil traz conceito novo, de valor justo, como forma de
avaliação de ativos e passivos, nada impede, ao contrario, impõe-se que estes
sejam utilizadas nos estudos e laudos que suportem o sobrevalor pago por
determinada participação societária28.

O Tratamento Fiscal do Ágio Antes da Lei Nº


9.532/97:
Em sua redação original, o artigo 25 do Decreto-Lei nº 1.598/7729, já
determinava, como regra geral, a neutralidade fiscal da amortização do ágio

27 Vide, nesse diapasão, a nota nº 21.


28 João Dacio Rolim e Cristiano Viotti já escreveram que “A relativa autonomia da norma tributaria,
nesse caso, assim como a aplicação pura e simples da norma geral de neutralidade não permitem
que se mantenha a apuração do ágio como se a nova sistemática societária-contábil não estivesse
em vigor. Isto porque a norma fiscal anterior era aberta no sentido do ágio ter fundamento
econômico de rentabilidade futura, sem especificar os critérios econômicos para a sua apuração.
Se estes critérios econômicos vieram à tona com mais clareza, e desde que razoáveis, então eles
podem prevalecer.” In: A Autonomia Relativa das Normas Tributárias em Face das Alterações dos
Métodos e Critérios Contábeis pela Lei 11.638/07 – Teste de Compatibilidade Sobre as Normas
de Amortização e Dedução Fiscal do Ágio Fundamentado em Rentabilidade Futura (Goodwill),
Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol. II, Editora Quartier Latin, São Paulo:
2010, p. 328.
29 “Art 25 - O ágio ou deságio na aquisição da participação, cujo fundamento tenha sido a diferença
entre o valor de mercado e o valor contábil dos bens do ativo da coligada ou controlada (art. 20,
§ 2º, letra a), deverá ser amortizado no exercício social em que os bens que o justificaram forem
baixados por alienação ou perecimento, ou nos exercícios sociais em que seu valor for realizado
por depreciação, amortização ou exaustão.
§ 1º - A contrapartida da amortização do ágio ou deságio nos termos deste artigo somente será
computada na determinação do lucro real pela diferença entre o montante da amortização e o
da participação do contribuinte:
a) no resultado realizado pela coligada ou controlada na alienação ou baixa dos bens do ativo
cujo valor tenha constituído o fundamento econômico do ágio ou deságio; ou

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 59

ou do deságio. Excepcionava-se, apenas: (i) a diferença entre o produto da


amortização do ágio ou deságio fundamentado em mais-valia de ativos e a
participação do investidor no resultado da alienação do ativo correspondente
ou na sua realização por depreciação, amortização ou exaustão; e (ii) o computo
do valor do ágio ou deságio no valor contábil do bem, para fins de apuração
de ganho ou perda de capital na alienação do investimento (artigo 3330, do
mesmo diploma legal).
O Decreto-Lei nº 1.730/79 conferiu nova redação31 ao artigo 25, do
Decreto-Lei nº 1.598/77, para manter como exceção a neutralidade fiscal da
amortização contábil do ágio ou deságio apenas a composição do valor contábil
do investimento como parâmetro para apuração de ganho ou perda de capital
na alienação de participações societárias.
Todavia, na hipótese de incorporação de sociedade adquirida com ágio,
com avaliação do acervo absorvido pelo investidor com base em seu valor de

b) no valor realizado pela coligada ou controlada na depreciação, amortização ou exaustão desses


bens.
§ 2º - As contrapartidas da amortização de ágio ou deságio com os fundamentos das letras b e c
de § 2º de artigo 20 não serão computadas na determinação do lucro real, ressalvado o disposto
no artigo 33.”
30 “Art 33 - O valor contábil, para efeito de determinar o ganho ou perda de capital na alienação ou
liquidação do investimento em coligada ou controlada avaliado pelo valor de patrimônio líquido
(art. 20), será a soma algébrica dos seguintes valores:
I - valor de patrimônio líquido pelo qual o investimento estiver registrado na contabilidade do
contribuinte;
II - ágio ou deságio na aquisição do investimento, ainda que tenha sido amortizado na escrituração
comercial do contribuinte, excluídos os computados, nos exercícios financeiros de 1979 e 1980,
na determinação do lucro real. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.730, 1979);
III - ágio ou deságio na aquisição do investimento com fundamento nas letras b e c do § 2º do
artigo 20, ainda que tenha sido amortizado na escrituração comercial do contribuinte; (Revogado
pelo Decreto-lei nº 1.730, 1979)
IV - provisão para perdas (art. 32) que tiver sido computada na determinação do lucro real.
§ 1º - Os valores de que tratam os itens II a IV serão corrigidos monetariamente.
§ 2º - Serão computados na determinação do lucro real:
a) como ganho de capital, o acréscimo do valor de patrimônio líquido decorrente de aumento na
porcentagem de participação do contribuinte no capital social da coligada ou controlada, resultante
de modificação do capital social desta com diluição da participação dos demais sócios;
b) como perda de capital, a diminuição do valor de patrimônio líquido decorrente de redução na
porcentagem da participação do contribuinte no capital social da coligada ou controlada, em virtude
de modificação no capital social desta com diluição da participação do contribuinte.
§ 2º - Não será computado na determinação do lucro real o acréscimo ou a diminuição do valor
de patrimônio líquido de investimento, decorrente de ganho ou perda de capital por variação
na porcentagem de participação do contribuinte no capital social da coligada ou controlada.
(Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.648, de 1978).”
31 “Art. 25 - As contrapartidas da amortização do ágio ou deságio de que trata o artigo 20 não serão
computadas na determinação do lucro real, ressalvado o disposto no artigo 33.”

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60 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

mercado, o artigo 34, do Decreto-Lei nº 1598/7732, garantia a dedutibilidade


da diferença negativa entre o resultado da avaliação e o valor contábil do
investimento apurado em conformidade com o artigo 33, do mesmo diploma
legal, como perda de capital.
Como se vê, aquela altura, a despeito do tratamento uniforme dispensado pelo
artigo 25, do Decreto-Lei nº 1.598/77, com a redação que lhe foi conferida pelo
Decreto-Lei nº 1.730/79, apenas a escrituração de ágio ou deságio fundamentados
em valor de mercado de ativos ou rentabilidade futura demandava a elaboração de
laudos que lhe desse suporte (art. 20, § 3º, do DL nº 1.598/77).
Vê-se, pois, que, como bem observaram Ricardo Mariz de Oliveira e João
Francisco Bianco33, até este momento a fundamentação do ágio em expectativa
de rentabilidade futura ou fundo de comércio, intangíveis e outras razões
econômicas não gerava maiores controvérsias entre o Fisco e os Contribuintes,
eis que uniformes os efeitos fiscais daí decorrentes:
“Até o advento da Lei nº 9.532 a exigência legal de identificar a causa
econômica dos ágios e deságios não trazia controvérsias entre o fisco e
os contribuintes, uma vez que, qualquer que fosse a causa, não variava
o tratamento perante o lucro tributável pelo imposto de renda e pela
contribuição social sobre o lucro.”

32 “Art 34 - Na fusão, incorporação ou cisão de sociedades com extinção de ações ou quotas de


capital de uma possuída por outra, a diferença entre o valor contábil das ações ou quotas extintas
e o valor de acervo líquido que as substituir será computado na determinação do lucro real de
acordo com as seguintes normas:
I - somente será dedutível como perda de capital a diferença entre o valor contábil e o valor de
acervo líquido avaliado a preços de mercado, e o contribuinte poderá, para efeito de determinar o
lucro real, optar pelo tratamento da diferença como ativo diferido, amortizável no prazo máximo
de 10 anos;
II - será computado como ganho de capital o valor pelo qual tiver sido recebido o acervo líquido
que exceder o valor contábil das ações ou quotas extintas, mas o contribuinte poderá, observado
o disposto nos §§ 1º e 2º, diferir a tributação sobre a parte do ganho de capital em bens do ativo
permanente, até que esse seja realizado.
§ 1º O contribuinte somente poderá diferir a tributação da parte do ganho de capital correspondente
a bens do ativo permanente se:
a) discriminar os bens do acervo líquido recebido a que corresponder o ganho de capital diferido,
de modo a permitir a determinação do valor realizado em cada período-base; e
b) mantiver, no livro de que trata o item I do artigo 8º, conta de controle do ganho de capital ainda
não tributado, cujo saldo ficará sujeito a correção monetária anual, por ocasião do balanço, aos
mesmos coeficientes aplicados na correção do ativo permanente.
§ 2º O contribuinte deve computar no lucro real de cada período-base a parte do ganho de capital
realizada mediante alienação ou liquidação, ou através de quotas de depreciação, amortização
ou exaustão deduzidas como custo ou despesa operacional.”
33 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de e BIANCO João Francisco. In: Imposto de Renda Alterações
Fundamentais – 2º volume, São Paulo: Editora Dialética, 1998, p. 192.

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As Alterações Introduzidas pela Lei Nº 9.532/97:


Em 10 de dezembro de 1997, foi editada a Lei nº 9.532, que, em seus
artigos 7º e 8º, trouxe relevantes alterações do regime tributário aplicável ao
ágio decorrente da aquisição de participações societárias, nas hipóteses que
especifica. Veja-se:
“Art. 7º A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em
virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação
societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto
no art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977:
I – deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo fundamento
seja o de que trata a alínea “a” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei
nº 1.598, de 1977, em contrapartida à conta que registre o bem ou
direito que lhe deu causa;
II – deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que
trata a alínea “c” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de
1977, em contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita
a amortização;
III34  – poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja
o de que trata a alínea “b ” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei
nº 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de
lucro real, levantados em até dez anos-calendários subseqüentes à
incorporação, fusão ou cisão, à razão de 1/60 (um sessenta avos),
no máximo, para cada mês do período de apuração;
IV – deverá amortizar o valor do deságio cujo fundamento seja
o de que trata a alínea “b” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº
1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro
real, levantados durante os cinco anos-calendários subseqüentes à
incorporação, fusão ou cisão, à razão de 1/60 (um sessenta avos),
no mínimo, para cada mês do período de apuração.

34 A redação do inciso III, do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97 foi alterada pela Lei nº 9.718/98:
“Art. 7º (...)
III - poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea “b” do § 2,
do art. 20 do Decreto-lei nº 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro
real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no
máximo, para cada mês do período de apuração; (...)”

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62 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

§ 1º O valor registrado na forma do inciso I integrará o custo do bem


ou direito para efeito de apuração de ganho ou perda de capital e de
depreciação, amortização ou exaustão.
§ 2º Se o bem que deu causa ao ágio ou deságio não houver sido transferido,
na hipótese de cisão, para o patrimônio da sucessora, esta deverá registrar:
a) o ágio, em conta de ativo diferido, para amortização na forma prevista
no inciso III;
b) o deságio, em conta de receita diferida, para amortização na forma
prevista no inciso IV.
§ 3º O valor registrado na forma do inciso II do caput:
a) será considerado custo de aquisição, para efeito de apuração de ganho
ou perda de capital na alienação do direito que lhe deu causa ou na sua
transferência para sócio ou acionista, na hipótese de devolução de capital;
b) poderá ser deduzido como perda, no encerramento das atividades
da empresa, se comprovada, nessa data, a inexistência do fundo de
comércio ou do intangível que lhe deu causa.
§ 4º Na hipótese da alínea “b” do parágrafo anterior, a posterior
utilização econômica do fundo de comércio ou intangível sujeitará
a pessoa física ou jurídica usuária ao pagamento dos tributos e
contribuições que deixaram de ser pagos, acrescidos de juros de
mora e multa, calculados de conformidade com a legislação vigente.
§ 5º O valor que servir de base de cálculo dos tributos e contribuições
a que se refere o parágrafo anterior poderá ser registrado em conta
do ativo, como custo do direito.”
“Art. 8º O disposto no artigo anterior aplica-se, inclusive, quando:
a) o investimento não for, obrigatoriamente, avaliado pelo valor de
patrimônio líquido;
b) a empresa incorporada, fusionada ou cindida for aquela que detinha
a propriedade da participação societária.”
Como se vê, o artigo 7º, da Lei nº 9.532/97, excepcionou da regra
geral veiculada pelo supratranscrito artigo 25, do Decreto-Lei nº 1.598/77,
as hipóteses em que o contribuinte promover a absorção do patrimônio de
sociedade na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou
deságio, em decorrência de operações de incorporação, fusão ou cisão.

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Nos casos em que o ágio ou o deságio apurados tenham sido determinados


com base em fundamento econômico consistente em expectativa de
“rentabilidade futura” do investimento (alínea “b ” do § 2º do art. 20 do
Decreto-Lei nº 1.598, de 1977), aquele que absorver o patrimônio de sociedade
na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, em
decorrência de operações de incorporação, fusão ou cisão, poderá amortizar os
referidos montantes à razão de 1/60 (um sessenta avos) por mês, a partir do
mês subsequente à data do evento. A regra é válida, ainda, às hipóteses em que
se verifica a chamada incorporação reversa, por expressa determinação nesse
sentido (artigo 8º, alínea “b”, da Lei nº 9.532/97).
Além de alterar de forma significativa a disciplina de aproveitamento do
ágio no âmbito de operações de reestruturação societária, a Lei nº 9.532/97
reforça a conclusão no sentido de que o artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77,
não impõe uma ordem legal para a alocação do ágio decorrente de aquisição
de participações societárias. Explica-se:
Como é de conhecimento geral, a década de noventa foi marcada pelo
intenso processo de privatização de empresas estatais regulado pelo Programa
Nacional de Desestatização (PND), instituído pela Lei nº 8.031/90 e alterado
pela Lei n º 9.491/97. Não por acaso, que, a Lei nº 9.532/97, ao alterar as
regras atinentes ao aproveitamento fiscal do ágio, teve por objetivo primordial
incentivar o referido processo, alavancando, por via de consequência, o ágio
obtido nos leilões de empresas estatais, sobretudo das concessionárias de serviços
públicos – carro-chefe do programa.
Corroborando tal assertiva, é de se transcrever trecho da justificativa do Projeto
de Lei nº 2.922/00, de autoria do Deputado Federal Valdemar Costa Neto, que
tinha por objetivo a revogação do inciso III, do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97:
“Visa o presente projeto de lei revogar o inciso III do art. 7º da Lei
nº 9.532/97 por ser completamente absurdo o benefício fiscal que ela
concedeu às empresas vencedoras dos leilões de privatização de empresas
estatais. Ele autoriza a amortização do ágio pago com o fundamento
na rentabilidade futura da empresa adquirida a razão de 1/60 por mês,
prevendo um prazo máximo de 10 anos após a incorporação. (...)
Trata-se aqui, em suma, de combatermos a dedutibilidade no imposto
de renda dos valores pagos pela compra de empresas privatizadas, e,
para tanto, necessitamos desta revogação. (...)”

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64 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

O Deputado Luiz Antonio Fleury, ao propor emenda ao referido projeto


de lei em questão, também é claro ao fazer referência à intenção da norma
veiculada no inciso III, do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97:
“Como se sabe, os processos de privatização de empresas estatais e
concessão dos serviços públicos têm justamente o objetivo de fortalecer
a economia, transferindo aos particulares o controle e a administração
de companhias estatais.
Desta forma, andou bem o Estado ao promover a privatização de
suas empresas, visando justamente incrementar a situação financeira-
econômica do país. Inclusive, a forma de contabilização atualmente
prevista no inciso III do art. 7o da Lei n.º 9.532, de 10 de dezembro
de 1997, representou um incentivo para que as empresas privadas
participassem dos programas de desestatização.
Neste sentido, podemos até dizer que um dos principais incentivos
apresentados pelos processos de privatização está inserido na seara
fiscal, eis a razão pela qual o benefício fiscal do inciso III do Art. 7o
da Lei nº 9.532, de 1997, se faz necessário.”
Ricardo Mariz de Oliveira35 também já se manifestou no sentido de que as
regras insertas nos artigos 7º e 8º, da Lei nº 9.532/97, foram editadas com o
claro objetivo de favorecer as privatizações levadas a efeito no âmbito do PND:
“Portanto, essa norma de concessão do direito à dedução fiscal da amortização
é uma norma excepcional, baseada em motivações extra-tributárias de (1)
conveniência da política fiscal no sentido de favorecer as privatizações, à época
promulgação da Lei nº. 9532, e também de (2) justiça econômica contida na
amortização do ágio pago na aquisição do negócio, paulatinamente à geração
dos lucros que tenham dado lastro a ele, eis que estes são sujeitos à tributação
quando surgidos. Este último dado é que justifica a extensão da norma a
quaisquer aquisições, mesmo às feitas fora do programa de privatizações que
estava em andamento na data da Lei n. 9532.”
Em recentíssimo precedente, a seguir comentado com mais detalhes, o
Conselho Administrativo de Recursos Fiscal (CARF) ratificou esse entendimento,
conforme se pode aduzir de trecho extraído da ementa do Acórdão nº 1402-00.342:

35 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. In: Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Editora Quartier
Latin, 2008, p. 770.

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 65

“A legislação fiscal editada no contexto de incentivo às privatizações


e que permaneceu em vigor nos períodos objeto de autuação não
condicionou a dedutibilidade da amortização do ágio à efetiva
apuração de lucro (...)” [Grifos nossos]
Assentada a premissa, a conclusão é quase que intuitiva: ágio pago na
aquisição de uma participação societária, por vezes, pode ser qualificável em
mais de um dos fundamentos indicados no § 2º, do artigo 20, do Decreto-
Lei nº 1.598/77, cabendo ao adquirente indicar aquele que efetivamente o
motivou, com suporte em demonstrativos elaborados em cumprimento ao §
3º, do mesmo dispositivo legal.
Ora, se o ágio pago nos leilões de privatização das concessionárias de
serviços públicos – carro-chefe do PND – não atribuível à mais-valia de
ativos registrados contabilmente tivesse que, necessariamente, ser alocado no
fundamento da alínea “c”, do § 2º, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77
(intangíveis), em razão dos contratos de concessão respectivos, a Lei nº 9.532/97
jamais teria alcançado o seu objetivo extrafiscal.
Essa, contudo, não é a realidade dos fatos. Como bem destacou o então
Presidente da Telebras36, o Sr. Ronaldo Rangel de Albuquerque, o leilão de
privatização das concessionárias de telecomunicações, por exemplo, foi um
negócio significativo para União Federal, eis que atingido ágio de mais de 63%
em relação ao preço mínimo fixado pelo Governo. Veja-se:
“A privatização das 12 controladoras regionais, por intermédio
de leilão na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro realizado em 29
de julho de 1998, foi considerado um negócio significativo para
a União Federal, na medida que o preço de venda alcançou R$
22,057 bilhões, representando um ágio de 63,74% em relação ao
preço mínimo fixado pelo Governo, que era de R$ 13,470 bilhões.
O objeto da alienação, via leilão em bolsa, foi constituído de
ações ordinárias, representativas dos 19,26% correspondentes à
participação acionária da União Federal no capital social de cada
uma das 12 Companhias criadas como conseqüência da cisão parcial
da TELEBRAS.” (Mensagem do Presidente da Telebras) [sic].

36 Parte integrante do Relatório da Administração da Telebrás para o ano de 1998, disponível em


www.telebras.com.br.

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66 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

É certo que o leilão das concessionárias atingiu considerável ágio em


relação ao preço mínimo fixado por conta da regra fiscal em comento, que
permitiu a amortização deste ágio, nas hipóteses referidas nos artigos 7º e 8º,
da Lei nº 9.532/97. Assim é que, como já referido, havendo hierarquia entre
os fundamentos elencados pelo artigo 20, § 2º, do Decreto-Lei nº 1.598/77,
que obrigasse o reconhecimento desse ágio como decorrente da aquisição de
um intangível (contrato de concessão), a par da expectativa de rentabilidade
projetada para a concessionária arrematada, certamente o resultado do
PND, ao menos no caso das operadoras de serviços de telecomunicações,
não teria sido tão expressivo.
Tampouco haveria a necessidade de se pretender a revogação do inciso
III, do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97, para, com isso, obstar os efeitos fiscais
nele preconizados – como, de fato, pretendeu-se por meio do Projeto de Lei
nº 2.922/00 –, na medida em que, não raro, o ágio pago na aquisição de um
investimento pode ter fundamento em perspectiva de rentabilidade futura
de elementos patrimoniais não registrados na contabilidade da sociedade
adquirida (por exemplo, carteiras de clientes, marcas, patentes e outros itens
teoricamente identificáveis como intangíveis). Bastaria ao Fisco invocar a
pretensa hierarquia para alterar a fundamentação do ágio.
Essa, contudo, não é a realidade!
Pois bem. As regras fiscais que regulam a apuração e o aproveitamento
do ágio encontram-se consolidadas no artigo 385 e seguintes do Regulamento
do Imposto e Renda para 1999 e refletem as disposições constantes dos
artigos 20, 25, 33 e 34, do Decreto-Lei nº 1.598/77, e 7º e 8º, da Lei nº
9.532/95, já comentados no corpo do presente estudo.
Em suma, das regras e considerações acima expostos, podemos concluir,
com relação à mensuração inicial e tratamento fiscal do ágio pago na aquisição
de participações societárias, o seguinte:
(i) Apuração do Ágio:
(i.1) o ágio corresponde à diferença positiva entre o valor pago e o valor do
patrimônio líquido contábil atribuível à participação adquirida, nos
termos dos incisos I e II, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77;
(i.2) o ágio apurado em conformidade com o item (i.1), acima, deve estar
fundamentado com base nas razões econômicas indicadas nas alíneas
“a”, “b” e/ou “c”, do § 2º, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77, a

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 67

saber: (a) mais-valia de ativos; (b) rentabilidade futura; e (c) fundo


de comércio, intangíveis ou outras razões econômicas;
(i.3) não há hierarquia entre os fundamentos econômicos indicados
no § 2º, do artigo 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77, de modo que
o ágio pago na aquisição de uma participação societária pode
ser qualificável em mais de um desses fundamentos, cabendo
ao adquirente indicar aquele que efetivamente o motivou, desde
que suportado documentalmente.
(ii) Aproveitamento Fiscal do Ágio:
(ii.1) via de regra, a amortização do ágio não deve ser computada
para fins de apuração do lucro real, nos termos do artigo 25,
do Decreto-Lei nº 1.598/77.
(ii.2) no caso de alienação do investimento, o ágio, ainda que
amortizado, deve compor o valor contábil do investimento para
efeito de cômputo de ganho ou perda de capital, nos termos
do artigo 33 do mesmo Decreto-Lei;
(ii.3) nos termos do inciso III, do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97, o
ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura poderá ser
amortizado à razão de, no máximo, 1/60 (um sessenta avos)
por mês, a partir do mês subsequente à data em que houver
incorporação, fusão ou cisão, de sociedade adquirida com
ágio. A regra é válida, ainda, às hipóteses em que se verifica
a chamada incorporação reversa, por expressa determinação
nesse sentido (artigo 8º, alínea “b”, da Lei nº 9.532/97).

Critérios Fiscais X Critérios Contábeis:


Como demonstrado, as novas regras contábeis atinentes à apuração do
ágio, notadamente aquelas veiculadas pelo CPC 15, distanciam-se de forma
vante das regras fiscais aplicáveis. De fato, o ágio qualificado nas hipóteses das
alíneas “a” e “c”, do § 2º, do Decreto-Lei nº 1.598/77 (mais-valia de ativos e
fundo de comércio, intangíveis ou outras razões econômicas), passam a compor,
para a contabilidade societária, o valor do investimento, subsistindo, para esse
mesmo fim, o ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura37(p.seg.).

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68 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

O próprio montante registrado como goodwill no intangível do adquirente,


em atenção às disposições do CPC 15, pode sofrer relevantes alterações (para
mais ou para menos) em comparação à regra de mensuração a que alude a
legislação tributária (artigo 20 do Decreto-Lei nº 1.598/77). Nada disso,
contudo, como já se disse, com consequências fiscais. Explica-se:

Da Prevalência das Normas de Natureza


Tributária Vigentes:
A apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, para as empresas
tributadas com base no lucro real, tem como ponto de partida o resultado
contábil. Todavia, é fato que os conceitos de lucro real e de lucro contábil não são
coincidentes. O artigo 6º, do Decreto-Lei nº 1.598/77, é claro ao impor ajustes ao
resultado contábil (adições, exclusões e compensações prescritas pela legislação
tributária), para, com isso, permitir a valoração do lucro tributável. Veja-se:
“Art 6º – Lucro real é o lucro líquido do exercício ajustado pelas
adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela
legislação tributária.”
Como se vê, a legislação tributária vale-se de institutos veiculados pela legislação
comercial (receita bruta, despesas operacionais, lucro líquido, etc.) para, no interesse da
arrecadação, atribuir-lhes efeitos fiscais próprios. Assim é que, por vezes, a legislação
tributária determina que seja conferido a determinado fato um tratamento diverso
daquele imposto pela legislação comercial. Muitos são os exemplos de regras
tributárias que afastam os conceitos de lucro contábil e de lucro real.
A observância da lei comercial em relação a determinado fato não impede
que a ele sejam atribuídos os efeitos fiscais próprios, conforme se extrai da
exposição de motivos do Decreto-Lei nº 1.598/77:
“A lei das sociedades por ações seguiu a orientação de manter
separação nítida entre a escrituração comercial e a fiscal, porque
as informações sobre a posição e os resultados financeiros das

37 De se notar que, ainda sob a égide da Instrução CVM nº 247/96, o ágio qualificável, para fins fiscais,
na alínea “c”, do § 2º, do Decreto-Lei nº 1.598/77 (fundo de comércio, intangíveis ou outras razões
econômicas), não mais subsistia para fins societários (art. 14, § 5º, da ICVM nº 247/96). Apenas
o ágio fundado em mais-valia de ativos ou rentabilidade futura, inclusive atrelada a contratos
de concessão, permissão ou direitos de exploração, poderia ser registrado e, consequentemente,
amortizado.

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 69

sociedades são regulados na lei comercial com objetivos diversos dos


que orientam a legislação tributária, e a apuração dos resultados e
as demonstrações financeiras exigidas pela lei comercial não devem
ser distorcidas em razão de conveniências da legislação tributária.”
Vale citar, nesse sentido, o disposto na alínea “a”, do § 3º, do artigo 6º, do
Decreto-Lei nº 1.598/7738, que permite seja conferido efeito próprio de uma
despesa a importâncias não computadas na determinação do lucro líquido, apurado
em observância à legislação comercial. A própria previsão da existência do Livro de
Apuração do Lucro Real (LALUR) corrobora a conclusão que se pretende chegar
(artigo 8º39, do Decreto-Lei nº 1.598/77).
Uma despesa tida por desnecessária nos termos da legislação tributária, por
exemplo, afetará o resultado contábil da empresa, reduzindo, com isso, o montante
passível de distribuição aos acionistas na forma de dividendos e de destinação a
reservas de lucros. Tal dispêndio, contudo, deverá ser neutro para efeito de apuração
do lucro real40 (artigo 299, do RIR/9941).
O mesmo se pode dizer dos bens sujeitos à depreciação acelerada
incentivada, cujo efeito para fins de apuração dos tributos incidentes sobre o

38 “Art. 6º (...)
§ 3º - Na determinação do lucro real poderão ser excluídos do lucro líquido do exercício:
a) os valores cuja dedução seja autorizada pela legislação tributária e que não tenham sido
computados na apuração do lucro líquido do exercício;
b) os resultados, rendimentos, receitas e quaisquer outros valores incluídos na apuração do lucro
líquido que, de acordo com a legislação tributária, não sejam computados no lucro real;
c) os prejuízos de exercícios anteriores, observado o disposto no artigo 64.”
39 “Art 8º - O contribuinte deverá escriturar, além dos demais registros requeridos pelas leis comerciais
e pela legislação tributária, os seguintes livros:
I - de apuração de lucro real, no qual:
a) serão lançados os ajustes do lucro líquido do exercício, de que tratam os §§ 2º e 3º do artigo 6º;
b) será transcrita a demonstração do lucro real (§ 1º);
c) serão mantidos os registros de controle de prejuízos a compensar em exercícios subseqüentes
(art. 64), de depreciação acelerada, de exaustão mineral com base na receita bruta, de exclusão
por investimento das pessoas jurídicas que explorem atividades agrícolas ou pastoris e de outros
valores que devam influenciar a determinação do lucro real de exercício futuro e não constem
de escrituração comercial (§ 2º).”
40 Não há regra análoga que regule a dedutibilidade de despesas tidas por desnecessárias para fins
de apuração da base cálculo da CSLL.
41 “Art. 299. São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da
empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47).
§ 1º São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações
exigidas pela atividade da empresa (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47, § 1º).
§ 2º As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operações
ou atividades da empresa (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47, § 2º).
§ 3º O disposto neste artigo aplica-se também às gratificações pagas aos empregados, seja qual
for a designação que tiverem.”

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70 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

lucro concentra-se no período atribuído pela norma tributária, a par de sua


regular realização contábil com base em sua vida útil econômica.
Talvez o mais emblemático dos exemplos seja o da amortização do ágio
fundado em perspectiva de rentabilidade futura, apurado em uma operação que
envolva a aquisição de uma concessionária ou permissionária de serviço público:
Como visto, de um lado, a norma societária vigente antes da edição do
CPC 15 (ICVM nº 247/96), determinava que o ágio atribuído a concessões,
permissões ou direitos de exploração deveria ser amortizado no prazo outorgado
pelo poder concedente. De outro, a norma tributária (Lei nº 9.532/07)
determinava (e ainda determina) o aproveitamento fiscal desse ágio em período
não inferior a 60 (sessenta) meses.
Como não poderia deixar de ser, o Conselho Administrativo de Recursos
Fiscal já teve a oportunidade de ratificar o entendimento aqui exposto, no
sentido de que as normas comerciais não se prestam a produzir efeitos fiscais.
O Acórdão nº 140.200.342, prolatado em processo de interesse de Diagnóstico
da América S/A, tem como pano de fundo justamente o pretenso conflito entre
a ICVM nº 247/96 e a Lei nº 9.532/97:
“LUCRO REAL. GLOSA DE AMORTIZAÇÃO DE
ÁGIO. EXPECTATIVA DE RENTABILIDADE FUTURA.
Reconhece-se que o ilícito fiscal limita-se à desconsideração
da natureza jurídica do fundamento econômico do ágio e que
a demonstração arquivada como comprovante do fundamento
econômico do ágio, traduz a avaliação dos ativos, pela expectativa
de rentabilidade futura.
LUCRO REAL. GLOSA DE AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO.
CONDIÇÃO DE EFETIVIDADE DO LUCRO. A legislação fiscal
editada no contexto de incentivo às privatizações e que permaneceu
em vigor nos períodos objeto da autuação não condicionou a
dedutibilidade da amortização do ágio à efetiva apuração de lucro, e
nem estabeleceu prazo para a geração de lucros. A Instrução CVM
247/96 alterada pela 285/98 não pode ser aplicada para efeitos fiscais.”
(Acórdão nº 140.200.342, 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária do CARF,
julgado em 15.12,2010) [Grifo nosso]
Ainda mais contundente é o voto condutor do Acórdão de nº 1101-00.354,
da lavra do Conselheiro José Ricardo da Silva, que deu provimento ao recurso
voluntário interposto pela Vivo S/A. Veja-se:

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 71

“(...) a citada instrução CVM foi editada tão somente para a normatização
dos procedimentos contábeis das sociedades de capital aberto, sem
qualquer efeito para as empresas de capital fechado e muito menos, sem
competência para alterar as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, o que
somente é factível com a edição de lei.
É importante destacar que as instruções emanadas pela CVM são atos
administrativos, portanto, infralegais, que não geram quaisquer efeitos
fiscais, visto que têm por objeto a regulação das normas contábeis e são
endereçadas as companhias de capital aberto. (...)
Não vejo nenhum empecilho para as empresas sujeitas as
determinações da CVM em atenderem aos dois dispositivos (a
instrução CVM e a norma legal), visto que no caso da instrução,
para fins de apuração do lucro contábil, não existe um prazo pré-
estabelecido para a amortização do ágio, visto que o mesmo fica
vinculado ao prazo da concessão, enquanto que a lei fiscal prevê
a amortização em 60 meses, independentemente do prazo de
concessão.
Com isso, fica bem claro que as determinações emanadas pela CVM não
possuem qualquer cunho tributário, visto que objetivam regular o mercado
de ações e, em especial a relação dos investidores com as empresas.” [sic]
E, também, em diversas outras oportunidades, o extinto Conselho de
Contribuintes do Ministério da Fazenda julgou no sentido de afastar alegados
efeitos fiscais de normas contábeis. Tal é o caso das normas editadas pelo Banco
Central para regular a contabilidade de instituições financeiras:
“IRPJ – CUSTOS/DESPESAS OPERACIONAIS E ENCARGOS
– PROVISÃO PARA CRÉDITOS DE LIQUIDAÇÃO
DUVIDOSA – INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. Nos anos-
calendário de 1995 e 1996 vigorava o artigo 43 e seus §§ da Medida
Provisória n° 812/94, convertida em Lei n° 8.981/95. A Resolução n°
1.748/90 do Banco Central do Brasil dizia respeito apenas aos aspectos
contábeis e estatísticos das instituições financeiras, sem qualquer efeito
na determinação do lucro real.” (Acórdão nº 101-93.519, 1ª Câmara
do 1º Conselho de Contribuintes, Conselheira Relatora Sandra Maria
Faroni, julgado em 11.10.2001)
Em que pese, como visto, não estarmos diante de uma discussão nova, a
mesma aparente antinomia normativa tem sido discutida por conta da edição

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72 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

do CPC 15. A pretensa antinomia já existia mesmo antes da edição do referido


ato normativo, mas agora possui um espectro mais amplo por atingir, não apenas o
prazo de amortização do ágio (agora sujeito, apenas, a testes de imparidade), mas a
sua própria apuração. Não há, contudo, qualquer antinomia, na medida em que as
normas – fiscal e comercial, possuem objetivos marcadamente distintos, devendo
o intérprete integrá-las de modo a conformar seus âmbitos de aplicação.
Não se pode, pois, cogitar a derrogação por parte da Lei nº 11.638/07 de
quaisquer disposições veiculadas na legislação tributária. Essa é a conclusão
que se chega a partir da análise do disposto no artigo 2º, da Lei de Introdução
ao Código Civil (LICC):
“Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até
que outra a modifique ou revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare,
quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a
matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par
das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por
ter a lei revogadora perdido a vigência.”
Atendo-se à regra constante do § 1º do dispositivo legal supratranscrito,
vê-se que a lei posterior só revoga a lei anterior em três hipóteses, a saber: (i)
quando expressamente o declare; (ii) quando com ela seja incompatível; ou (iii)
quando regule inteiramente a matéria que tratava a lei anterior.
Pois bem. No caso sob análise, a lei nova (Lei nº 11.638/07) não revogou
expressamente as disposições constantes da legislação tributária. Não há que se
falar, também, em incompatibilidade, na medida em que, como demonstrado, a
lei comercial e a lei fiscal prestam-se a objetivos distintos, devendo sua aplicação
ater-se ao campo que lhes é dado regular.
Tampouco a Lei nº 11.638/07 regulou integralmente a matéria, na
medida em que em seu âmbito de aplicação não estão inseridos os efeitos fiscais
decorrentes das alterações orientadas a permitir a harmonização das práticas
contábeis brasileiras (BRGAAP) aquelas observadas internacionalmente
(IFRS). Tanto é que, como se verá, a Lei nº 11.941/09 é expressa ao afirmar
que o Regime Tributário de Transição “vigerá até a entrada em vigor de lei que

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 73

discipline os efeitos tributários dos novos métodos e critérios contábeis, buscando


a neutralidade tributária” (artigo 15, § 1º, da Lei nº 11.941/09).
Se isso já não fosse suficiente, a regra veiculada no § 2, do artigo 2º, da
LICC, é ainda mais contundente na hipótese sob estudo. Isso porque, como
visto, a Lei nº 11.638/07, alterou a Lei nº 6.404/76 no que concerne às regras
contábeis de observância obrigatória por sociedades anônimas e as consideradas
de grande porte42. A legislação tributária, noutro giro, tem por objetivo regular
os fatos que fazem nascer a obrigação de pagar determinado tributo, fornecendo
ao destinatário as normas que lhe permitirão quantificá-lo.
Ora, não se pode negar que estamos diante de leis especiais que se
destinam a regular matérias eminentemente distintas. Não é crível conceber a
revogação de uma lei especial por outra de igual natureza que venha a dispor
sobre questão diversa.
Ainda que os obstáculos acima relatados – de todo intransponíveis –
pudessem ser superados, no caso das disposições atinentes à mensuração inicial
e a amortização do ágio, um último argumento ainda subsiste: o da afronta ao
princípio da legalidade.
Como se sabe, o CPC 15, a par de sua inegável força normativa atribuída
pelos agentes reguladores que o aprovaram, não possui força de lei. Tais normas
revelam-se meros atos administrativos, não constituindo meio idôneo a impor a
majoração de tributos, sob pena de afronta ao disposto no artigo 150, inciso I43,
da Constituição Federal de 1988, que prevê expressamente a reserva absoluta
de lei formal para a definição dos elementos indicadores da obrigação tributária
(fato gerador, base de cálculo, sujeito passivo e alíquota).
Assim, pode-se concluir que, diante da inexistência de lei que imponha ao
ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura tratamento fiscal diverso
daquele que se extrai da conjugação das disposições dos artigos 20, do Decreto-
Lei nº 1.598/77 e 7º, da Lei nº 9.532/07, qualquer exigência fiscal nesse sentido

42 Nos termos do § único, do artigo 3º, da Lei nº 11.638/07. “considera-se de grande porte, (...) a
sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior,
ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta
anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais).”
43 “Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (...)”

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74 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

está coberta pelo manto da inconstitucionalidade, por violação ao princípio da


legalidade, como inclusive já for reconhecido pelos tribunais administrativos44
e pela própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional45
Diante desses argumentos, a outra conclusão não se chega senão à de
que as regras de mensuração do ágio fundado em perspectiva de rentabilidade
futura (goodwill) veiculadas pelo CPC 15, aprovadas pela Resolução CVM nº
580/09, têm seu escopo de incidência limitado à apuração do lucro contábil e
à elaboração das demonstrações financeiras elaboradas após uma combinação
de negócios. Os efeitos fiscais da aquisição de uma participação societária com
ágio permanecem regulados pelo Decreto-Lei nº 1.598/77 e Lei nº 9.532/97,
face à sua inegável vigência.
Em conclusão, as normas tributárias vigentes adotam dois conceitos chave
para a identificação do ágio ou deságio, quais sejam, os conceitos de “patrimônio
liquido” e “custo de aquisição de investimento”. Ali onde houver diferença entre
os mesmo, haverá ágio ou deságio.
O ponto a ser realçado é justamente este. A regra inserta no enunciado
do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97 não foi editada, como entende parte da
doutrina, para estabelecer mero limite temporal para a dedutibilidade de uma
despesa registrada na contabilidade comercial46. Ela foi editada para estimular o
pagamento de preço maior que o patrimônio líquido contábil do investimento
adquirido, no âmbito do PND.

44 “IRPJ - PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR - LIMITE PARA O INCENTIVO -


Atos administrativos regulamentares limitando o custo individual máximo de refeição. Ofensa ao
princípio da legalidade. Recurso provido.” (Acórdão nº 103-22.459, 3ª Câmara do 1º Conselho
de Contribuintes, Conselheiro Relator Marcio Machado Caldeira, julgado em 25.05.2006)
45 A própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, após inúmeras derrotas em âmbito judicial,
editou ato declaratório, com força vinculante (o Ato Declaratório 13/08, c/c artigo 19, §§ 4º e
5º, da Lei nº 10.522/02), dispensando a interposição de recursos em casos em que se discutia
justamente a inconstitucionalidade e a ilegalidade de atos infralegais que extrapolaram o conteúdo
da Lei nº 6.321/76.
46 Vide, nesse sentido, Gustavo Brigagão e Carlos Scharfstein: ”4.8. A nosso ver, os dispositivos em
análise apenas autorizam (obedecidas certas condições, como a observância de limites máximos)
a dedutibilidade de uma despesa registrada na contabilidade, ou seja, a legislação fiscal tão
somente disciplina as consequências fiscais atribuíveis a um evento registrado na escrituração
comercial das pessoas jurídicas. Assim, sem o prévio registro contábil da despesa, não há que se
admitir seu efeito para fins fiscais como se tivesse ocorrido.” In: Aproveitamento Fiscal de Ágio
Fundamentado em Perspectivas de Rentabilidade Futura Após o Advento das Leis nºs 11.638/07
e 11.941/09, Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol. II, São Paulo: Editora
Quartier Latin, 2010, pp. 258/259.

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E, nesse sentido, é digno de registro que o conceito de patrimônio


líquido contábil, conceito contábil de que se valeu o legislador tributário,
ainda exista47, a par da necessidade de se avaliar o negócio adquirido pelo
seu valor justo. Os ajustes que a norma contábil impuseram na representação
da contabilidade comercial visaram, como se disse, melhor demonstração,
para o mercado, do valor do negócio adquirido e dos efeitos societários
daí decorrentes (apuração de um ganho por uma compra vantajosa, por
exemplo).
As regras de mensuração e realização (agora por meio de testes de imparidade)
do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura editadas pelo Comitê de
Pronunciamentos Contábeis, são, assim, atinentes à apuração e demonstração do
resultado contábil e divulgação e publicação de demonstrações financeiras.
Obviamente, como se apontou anteriormente, a demonstração com a
qual o contribuinte comprovará o fundamento do seu ágio, nos termos do §
3o, do artigo 20o, do Decreto-Lei nº 1598/77, pode, e é de todo recomendável,
ser aderente aos novos critérios contábeis de identificação e avaliação de
resultados futuros de um negócio.
Isto, contudo, não significa dizer que a contabilização de determinado
item que, sob a égide da legislação tributária, possa sustentar a apuração de

47
O conceito de patrimônio líquido não sofreu alterações relevantes, conforme se constata da
comparação entre as definições veiculadas pela Estrutura Conceitual Básica (“CPC 00” - regra
nova) e pela NBC T 3.2 (regra antiga):
Estrutura Conceitual Básica (“CPC 00”)
“Posição Patrimonial e Financeira
49. Os elementos diretamente relacionados com a mensuração da posição patrimonial financeira
são ativos, passivos e patrimônio líquido. Estes são definidos como segue:
(a) Ativo é um recurso controlado pela entidade como resultado de eventos passados e do qual
se espera que resultem futuros benefícios econômicos para a entidade;
(b) Passivo é uma obrigação presente da entidade, derivada de eventos já ocorridos, cuja liquidação
se espera que resulte em saída de recursos capazes de gerar benefícios econômicos;
(c) Patrimônio Líquido é o valor residual dos ativos da entidade depois de deduzidos todos os
seus passivos.” [Grifos nossos]
O NBC T 3.2
“3.2.2 – Conteúdo e Estrutura
3.2.2.1 – O balanço patrimonial é constituído pelo ativo, pelo passivo e pelo Patrimônio Líquido.
a) O ativo compreende as aplicações de recursos representadas por bens e direitos;
b) O passivo compreende as origens de recursos representadas por obrigações;
c) O Patrimônio Líquido compreende os recursos próprios da Entidade, ou seja, a diferença a
maior do ativo sobre o passivo. Na hipótese do passivo superar o ativo, a diferença denomina--se
“Passivo a Descoberto” [Grifos nossos]

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76 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

ágio fundado em rentabilidade futura, em linha de investimento da adquirente


por força dos ditames do CPC 15 (contratos de concessão, por exemplo), tem
por efeito impedir o seu aproveitamento fiscal.
De fato, o ágio fundado em rentabilidade futura a ser aproveitado fiscalmente,
para produzir seus efeitos quanto à apuração do lucro tributável, não precisa
necessariamente coincidir com o goodwill registrado no intangível do adquirente.
Como bem apontado por Jimir Doniak Jr.48, “não é impeditivo no registro de
um montante de ágio fundamentado na rentabilidade futura superior ao registrado
na contabilidade”, sendo certo que “ocorrendo uma incorporação, a integralidade
do ágio por expectativa de lucros futuros registrado para efeitos fiscais poderá ser
amortizada na apuração do lucro real, nos termos da legislação tributária”.
E arremata, em nota de rodapé:
“É possível concluir que a própria CVM tem a mesma opinião (assim
como o CPC), com base no item B64 do Pronunciamento CPC 15.
Determina-se que o adquirente deve divulgar várias informações da
operação de combinação de negócios. Entre elas consta ‘(k) o valor
total do ágio por rentabilidade futura (goodwill) que se espera que seja
dedutível para fins fiscais; (...)’. Ora, se é necessário divulgar tal valor, é
porque ele não é o mesmo daquele do ágio por rentabilidade (goodwill)
divulgado na contabilidade. Sendo assim, a CVM e o CPC parecem
reconhecer a possibilidade de montantes distintos para a apuração
contábil e para a apuração fiscal. O Pronunciamento Técnico CPC nº
32 (...) leva à mesma conclusão, pois faz referência à possibilidade de
valores distintos, cogitando especificamente da possibilidade de o ágio
por rentabilidade futura ser inferior ao fiscal: ‘32A Se o valor contábil
do ágio derivado da expectativa de rentabilidade futura (goodwill) que
surgir de uma combinação de negócios for menor do que a sua base
fiscal, a diferença dá margem a um ativo fiscal diferido.’ (...)”

O Regime Tributário de Transição:


Por fim, entendemos relevante ressaltar que a Lei nº 11.638/07 teve
como objetivo não alterar normas de tributação, mas eliminar entraves legais ao
processo de harmonização das normas contábeis brasileiras àquelas observadas

48 Op. Cit. pp. 310/311.

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 77

internacionalmente. Nesse sentido, o legislador optou por fazer referência expressa


à neutralidade fiscal dos ajustes de harmonização, conforme se extrai da leitura
do § 7º, do artigo 177, da Lei nº 6.404/76, inserido pela Lei nº 11.638/07:
“Art. 177 (...)
§ 7º Os lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para harmonização
de normas contábeis, nos termos do § 2º deste artigo, e as demonstrações
e apurações com eles elaboradas não poderão ser base de incidência de
impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários.”
A despeito da clareza do dispositivo legal em questão, o qual, a nosso ver,
apenas positivava conclusão que, como visto no tópico anterior, pode ser extraída
do próprio sistema legal-tributário em vigor, as alterações promovidas pela Lei
nº 11.638/07 despertaram insegurança em muitos contribuintes.
Tal insegurança jurídica motivou a instituição de um Regime Tributário
de Transição, inicialmente previsto na Medida Provisória nº 449/08, convertida
na Lei nº 11.941/09. É o que se extrai da leitura de sua exposição de motivos:
“8. A Lei nº 11.638, de 2007, foi publicada no Diário Oficial da União
de 28 de dezembro de 2007, e entrou em vigor no dia 1º de janeiro
de 2008, sem a adequação concomitante da legislação tributária.
Esta breve vacatio legis e a alta complexidade dos novos métodos e
critérios contábeis instituídos pelo referido diploma legal – muitos
deles ainda não regulamentados – têm causado insegurança jurídica
aos contribuintes. Assim, faz-se mister a adoção do RTT, conforme
definido nos arts. 15 a 22 desta Medida Provisória, para neutralizar
os efeitos tributários e remover a insegurança jurídica.
9. O processo de harmonização das normas contábeis nacionais com os
padrões internacionais de contabilidade – objetivo maior da Lei nº 11.638,
de 2007 – deve prolongar-se pelos próximos anos, razão pela qual, há
necessidade de que o RTT não seja aplicável apenas no ano de 2008, mas
também no ano de 2009, e, se necessário, nos anos subseqüentes, quando,
então, ao se descortinar o novo padrão da contabilidade empresarial a ser
adotado no País, possa-se regular definitivamente o modo e a intensidade
de integração da legislação tributária com os novos métodos e critérios
internacionais de contabilidade. Nesse contexto, o § 1º do art. 15 da
proposição em tela prevê a aplicação do RTT até que seja editada lei
regulando definitivamente os efeitos tributários das mudanças nos
critérios contábeis, a qual pretende-se que seja neutra, ou seja, que não
afete a carga tributária.” [Grifo nosso]

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78 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

O artigo 16, da Lei nº 11.941/09 é claro no sentido de que o contribuinte


deve apurar o lucro real e as bases de cálculo da CSLL, do PIS e da COFINS
em conformidade com as regras vigentes antes da edição da Lei nº 11.638/07
(1o de janeiro de 2008), precedendo os ajustes fiscais necessários por meio
das obrigações acessórias competentes, nos termos do artigo 17, do mesmo
diploma legal49.
“Art. 16. As alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28 de
dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei que modifiquem o
critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas
na apuração do lucro líquido do exercício definido no art. 191 da Lei
no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, não terão efeitos para fins de

49 “Art. 17. Na ocorrência de disposições da lei tributária que conduzam ou incentivem a utilização
de métodos ou critérios contábeis diferentes daqueles determinados pela Lei nº 6.404, de 15 de
dezembro de 1976, com as alterações da Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e dos arts.
37 e 38 desta Lei, e pelas normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários com base na
competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e demais
órgãos reguladores, a pessoa jurídica sujeita ao RTT deverá realizar o seguinte procedimento:
I – utilizar os métodos e critérios definidos pela Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para
apurar o resultado do exercício antes do Imposto sobre a Renda, referido no inciso V do caput
do art. 187 dessa Lei, deduzido das participações de que trata o inciso VI do caput do mesmo
artigo, com a adoção: 
a) dos métodos e critérios introduzidos pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos
arts. 37 e 38 desta Lei; e
b) das determinações constantes das normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários,
com base na competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro
de 1976, no caso de companhias abertas e outras que optem pela sua observância; 
II – realizar ajustes específicos ao lucro líquido do período, apurado nos termos do inciso I do
caput deste artigo, no Livro de Apuração do Lucro Real, inclusive com observância do disposto
no § 2º deste artigo, que revertam o efeito da utilização de métodos e critérios contábeis diferentes
daqueles da legislação tributária, baseada nos critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro
de 2007, nos termos do art. 16 desta Lei; e
III – realizar os demais ajustes, no Livro de Apuração do Lucro Real, de adição, exclusão e
compensação, prescritos ou autorizados pela legislação tributária, para apuração da base de
cálculo do imposto. 
§ 1º Na hipótese de ajustes temporários do imposto, realizados na vigência do RTT e decorrentes
de fatos ocorridos nesse período, que impliquem ajustes em períodos subsequentes, permanece: 
I – a obrigação de adições relativas a exclusões temporárias; e 
II – a possibilidade de exclusões relativas a adições temporárias. 
§ 2º A pessoa jurídica sujeita ao RTT, desde que observe as normas constantes deste Capítulo,
fica dispensada de realizar, em sua escrituração comercial, qualquer procedimento contábil
determinado pela legislação tributária que altere os saldos das contas patrimoniais ou de resultado
quando em desacordo com:
I – os métodos e critérios estabelecidos pela Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, alterada
pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei; ou
II – as normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, no uso da competência conferida
pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e pelos demais órgãos
reguladores.”

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apuração do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser


considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis
vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo às normas
expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, com base na
competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15
de dezembro de 1976, e pelos demais órgãos reguladores que visem
a alinhar a legislação específica com os padrões internacionais de
contabilidade.”
Como resultado, ainda que as alterações promovidas na legislação societária
pudessem produzir efeitos tributários, o que só se admite para fins de argumentação,
o Regime Tributário de Transição garantiria a aplicação do mesmo tratamento
fiscal vigente em 31.12.2007, seja no que se refere à mensuração do ágio (artigo
20, do Decreto-Lei nº 1.598/77), seja no que se refere à sua dedutibilidade após
os eventos indicados no inciso III, do artigo 7º, da Lei nº 9.532/97.
Em igual sentido, Natanael Martins e Daniele Souto Rodrigues 50 
consignaram o seguinte: “ainda que em razão das novas regras contábeis em
curso o ágio venha a ter tratamento diverso do que até então vigente em 31 de
dezembro de 2007, seja pela impossibilidade futura de sua amortização, seja pela
eventual necessidade de sua segmentação em ativos intangíveis identificáveis,
de maneira que apenas o valor residual seja atribuível a ágio de rentabilidade
futura (goodwill), não há que se falar em alteração do tratamento fiscal da
amortização do ágio formado segundo as antigas práticas contábeis.”
E não poderia ser diferente. O Regime de Transição, em verdade, reflete a
preocupação que se tinha, na produção da norma que viesse a alterar conceitos
contábeis e societários. Porém, a verdade é que a regra tributária, como já
dito à saciedade, é expressa ao prever as condições para caracterização de um
valor como ágio. São elas apenas duas: (i) aquisição de investimento por valor
superior ao seu patrimônio líquido ajustado; e (ii) correta fundamentação deste
sobrevalor pago, dentre as possibilidades insertas na legislação tributaria de
regência, devidamente suportada por laudos idôneos.

50 MARTINS, Natanael e RODRIGUES, Daniele Souto. In: O Direito à Amortização Fiscal do Ágio,
Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol. II, São Paulo: Editora Quartier
Latin, 2010, pp. 478/479.

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80 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

Em outras palaras. Não há, no que se refere ao ágio para fins fiscais,
subsunção direta à legislação societária ou contábil. As regras tributarias têm
sentido completo e não foram revogadas. Como já se mencionou, o objetivo
das alterações na norma societária tem justificativa na harmonização e
transparência para a melhor avaliação de negócios. A regra tributaria, noutro
giro, tem fundamento na necessidade de incentivar operações societárias que
fortalecessem o mercado de capitais e a economia nacional51.
Seja como for, sem a necessária revogação das normas insertas nos artigos
7º e 8º da Lei nº 9.532/97 e artigo 20 do Decreto-Lei nº 1.598/77, não se pode
alegar alteração nessa sistemática por ofensa reflexa de uma legislação contábil
produzida e implementada com objetivos totalmente diversos daqueles que
justificaram a regra fiscal.

Conclusões:
Em conclusão, pode-se afirmar que as alterações promovidas na legislação
societária e nas regras para demonstrações financeiras foram fundadas na necessidade
de harmonização dessas normas, com aquilo que vige internacionalmente.
Essa harmonização, também influenciada pela recente crise financeira
de 2009, teve como principal característica a melhor divulgação e reflexo
da realidade de negócios na contabilidade das empresas, de maneira a que o
mercado possa melhor avaliar o valor de uma sociedade ou os efeitos que a
combinação de empresas pode gerar para o negócio e o mercado, como um todo.
No Brasil, até o advento da Lei 11.638/07, a contabilidade societária e
tributária ligavam-se umbilicalmente, a ponto de diversas regras contábeis e
societárias terem sido editadas com nítidas motivações fiscais. Como se disse, o
cenário foi alterado. A contabilidade tem o seu objetivo e as regras tributárias idem.
Nesse diapasão, a nova lei societária e a sua regulamentação, tanto em
nível contábil quanto em nível societário, precisam ser corretamente estudadas
e conhecidas, pois, como se disse, é a partir do seu correto conhecimento que

51 Argumento que pode ser levantado, ainda, funda-se no fato de que o valor pago na aquisição do
negócio, que sobejar o PL ajustado da adquirida (ágio), necessariamente, gera ganho de capital para
os acionistas vendedores. Ganho de capital, esse, sujeito a regular tributação. Em outras palavras,
poder-se-ia, ainda, afirmar, que a regra introduzida pela Lei nº 9.532/97, em verdade, apenas
reconheceu que, aquele que paga antecipadamente por resultados que espera auferir, deve e
precisa, se reembolsar do imposto que vier a apurar, a partir da realização desta sua expectativa.

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Antonio Reinaldo Rabelo Filho & Thalles Eduardo Silva Gracelacio da Paixão - 81

se conseguirá melhor traçar as regras de convivência entre elas e as normas


de direito tributário, reconhecendo, necessariamente, a autonomia de ambas.
Quanto ao ágio, especificamente, este estudo demonstrou a sua
regulamentação para fins societários e tributários. Para estes últimos, parte-
se de um conceito de valor da diferença paga em relação ao patrimônio
líquido contábil ajustado do investimento realizado, fundamentado em
estudo técnico que o reflita de maneira legitima. Percebeu-se, ainda, que o
objetivo da regra vigente que permite a dedução, como despesa, para fins
de apuração do IRPJ e da CSLL, da amortização do ágio, é a de estimular
a combinação de negócios e o fortalecimento de grupos empresariais.
Até que as normas insertas nos artigos 20, do Decreto-Lei nº 1.598/77 7º
e 8º, da Lei nº 9.532/97 venham a ser alteradas (isso acontecerá, obviamente,
quando os motivos ensejadores das mesmas não mais prevalecerem na sociedade
brasileira), estas vigem e precisam ser observadas.
Como não poderia deixar de ser, e de forma a pacificar as discussões e
inseguranças que poderiam surgir a partir da publicação da referida norma
societária nova, fez ainda questão de se inserir ali regra expressa, que afastasse
qualquer pretensão tendente a entender alteradas ou derrogadas as normas
tributarias a partir da norma societária. A essa regra de neutralidade deu-se o
nome de Regime Tributário de Transição – RTT.
Enfim, por todo o exposto, percebe-se que qualquer tendência da doutrina
minoritária ou da Fazenda, em interpretar a realidade por outro prisma, só reforça
o sentimento da sociedade de que na relação Fazenda X Contribuinte sempre
se preza, por linhas tortas, no sentido de amesquinhar os direitos dos últimos,
aproveitando-se, a sorrelfa, de qualquer alteração normativa que possa, indireta
ou remotamente, servir de base para tanto.
Não se pode esquecer que desde a edição do Decreto-Lei nº 1598/77
a legislação tributária sobre o ágio sofreu poucas alterações em seu
conceito. A jurisprudência administrativa sobre o tema, por quase trinta
anos, também não demonstrou maiores controvérsias a respeito. Mas o
que pode ter alterado tanto o entendimento pátrio sobre esse assunto de
quatro anos para cá? Nada. Apenas a tendência de a Fazenda buscar impedir
que os contribuintes se utilizem dos recursos que o ordenamento jurídico
põe à sua disposição para melhor organizar os seus recursos, na busca do
fortalecimento dos seus resultados.

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82 - O Aproveitamento Fiscal do Ágio e as Alterações da Legislação Societária

Não se pode, mais uma vez, nesse assunto, penalizar aqueles que agem
ao encontro dos interesses da norma, valendo-se de estruturas legítimas, em
função de negócios praticados de forma simulada ou viciada por parte de alguns
contribuintes, esses sim passíveis de dura repressão por parte das Autoridades
Fiscais. O ordenamento jurídico, de há muito, municia a Fazenda com as
ferramentas necessária para coibir esse tipo de prática condenável. Essas práticas,
porém, não podem levar a Fazenda a pretender restringir ou amesquinhar os
conceitos e os objetivos da norma tributária que expressamente estimula a
relação de negócios, através da permissão de dedução da amortização do ágio.
Melhor seria, em se querendo atacar esse direito vigente, seguir o processo
legislativo próprio e alterar as regras do jogo. A revogação dos artigos 20, do
Decreto-Lei nº 1.598/77, 7º e 8º, da Lei nº 9.532/97, ou ao menos a alteração
dessas regras, de forma a que as mesmas albergassem diretamente os novos
conceitos da legislação comercial, teriam o condão de impedir a utilização da
amortização do ágio como despesa dedutível, desde que respeitado o direito
adquirido pelos Contribuintes diante do preenchimento dos requisitos impostos
pela legislação tributária, preservando-se, com o isso, a segurança jurídica que
deve nortear as relações entre estes e o Estado. Isso bastaria aos propósitos do
Fisco e preservaria, ao menos, o sistema jurídico vigente.

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Capítulo III

Aspectos Tributários e
Societários/Contábeis
da Depreciação de Bens
do Ativo Imobilizado
à Luz do Regime
Tributário de Transição

Carlos Henrique Tranjan Bechara


Professor de Direito Financeiro e Tributário da PUC-RJ. Mestre em Direito
Tributário pela Universidade Cândido Mendes. Advogado. Sócio do Escritório
Pinheiro Neto – Advogados, na área tributária.

Letícia Borges Rocha Lima


Advogada Associada do Escritório Pinheiro Neto – Advogados, na área tributária.

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Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima - 85

1. Introdução
O avanço do processo de globalização e o aumento dos investimentos no
país levaram à necessidade de se conferir maior segurança para os investidores
estrangeiros, bem como maior transparência na contabilidade das empresas
brasileiras. Diante desse cenário, o Brasil iniciou o processo de convergência
de suas normas contábeis para o padrão internacional, conhecido como
International Financial Reporting Standards – IFRS.
As modificações nas regras contábeis brasileiras foram basicamente
introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28.12.2007 (Lei nº 11.638/07), que alterou
e revogou dispositivos da Lei nº 6.404, de 15.12.1976 (Lei das S/A) e da Lei
nº 6.385, de 7.12.1976 (Lei nº 6.385/76). Todavia, em 3.12.2008, o Governo
Federal editou a Medida Provisória nº 449 (MP nº 449/08), com o objetivo
de neutralizar os impactos fiscais decorrentes dos novos métodos e critérios
contábeis, na apuração das bases de cálculo de tributos federais, de modo a
reduzir a insegurança jurídica gerada nos contribuintes.
Cumpre ainda mencionar que a MP nº 449/08, posteriormente convertida
na Lei nº 11.941, de 27.5.2009 (Lei nº 11.941/09), criou o Regime Tributário
de Transição (RTT), cuja aplicação era opcional para os anos de 2008 e 2009.
No entanto, a partir de 2010, a adoção do RTT passou a ser obrigatória, até a
entrada em vigor de lei que discipline os efeitos tributários dos novos métodos
e critérios contábeis.
O RTT foi criado com a finalidade de se preservar o princípio da neutralidade
fiscal das mudanças inseridas no padrão contábil brasileiro, devendo ser aplicável às
pessoas jurídicas sujeitas ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) de acordo
com a sistemática de apuração pelo lucro real ou lucro presumido.
Não obstante, ao adotar o RTT para o IRPJ, a pessoa jurídica também
ficará obrigada a aplicar o regime para: (i) a Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido (CSLL); (ii) a Contribuição para o Programa de Integração
Social (PIS); e (iii) a Contribuição para o Financiamento da Seguridade
Social (COFINS).
O presente estudo foca-se na análise da nova sistemática de depreciação
dos bens do ativo imobilizado, bem como nos efeitos fiscais e contábeis da
aplicação dos novos critérios definidos pela Lei nº 11.638/07, que provocaram
alterações na vida útil dos ativos e, por consequência, modificações nas taxas
de depreciação.

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86 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

Assim sendo, é imperioso examinar se, para fins tributários, a apuração


das despesas de depreciação deve observar as novas regras societárias/contábeis
brasileiras ou se tais despesas devem ser apuradas de acordo com os critérios
anteriores à edição da Lei nº 11.638/07, por força da aplicação do Regime
Tributário de Transição (RTT).

2. As regras tributárias e societárias/contábeis


sobre a depreciação de bens do ativo imobilizado

(i) Regras Tributárias


Inicialmente, vale lembrar J. L. Bulhões Pedreira,1 no sentido de que
a depreciação dos bens do ativo imobilizado pode ser compreendida como a
diminuição de valor oriunda do “desgaste ou perda de utilidade por uso, ação
da natureza ou obsolência normal”.
Dessa forma, estão submetidos a depreciações periódicas, portanto, os
bens integrantes do ativo imobilizado sujeitos a desgastes e obsolescência que
impliquem a redução de seu valor patrimonial. Em outras palavras, o valor
depreciável de um ativo deve ser apropriado de forma sistemática ao longo da
sua vida útil estimada.
Os efeitos tributários da depreciação de bens do ativo imobilizado são regidos
pelos artigos 305 a 323 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99). Confira-
se abaixo o teor do citado artigo 305:
“Art. 305. Poderá ser computada, como custo ou encargo, em cada
período de apuração, a importância correspondente à diminuição
do valor dos bens do ativo resultante do desgaste pelo uso, ação da
natureza e obsolescência normal (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57).
§ 1º A depreciação será deduzida pelo contribuinte que suportar o
encargo econômico do desgaste ou obsolescência, de acordo com as
condições de propriedade, posse ou uso do bem (Lei nº 4.506, de
1964, art. 57, § 7þ).” [Grifos nossos]
O artigo 307 do RIR/99, por sua vez, define os bens que são passíveis de
depreciação fiscal pelas empresas, a saber:

1 PEDREIRA, J. L. Bulhões. Imposto sobre a Renda. Rio de Janeiro: APEC, 1969, pp. 6-56.

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Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima - 87

“Art. 307. Podem ser objeto de depreciação todos os bens sujeitos


a desgaste pelo uso ou por causas naturais ou obsolescência normal,
inclusive:
I – edifícios e construções, observando-se que (Lei nº 4.506, de 1964,
art. 57, § 9þ):
a) a quota de depreciação é dedutível a partir da época da conclusão
e início da utilização;
b) o valor das edificações deve estar destacado do valor do custo de
aquisição do terreno, admitindo-se o destaque baseado em laudo pericial;
II – projetos florestais destinados à exploração dos respectivos
frutos (Decreto-Lei nº 1.483, de 6 de outubro de 1976, art. 6º,
parágrafo único).
Parágrafo único. Não será admitida quota de depreciação referente
a (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, §§ 10 e 13):
I – terrenos, salvo em relação aos melhoramentos ou construções;
II – prédios ou construções não alugados nem utilizados pelo
proprietário na produção dos seus rendimentos ou destinados a
revenda;
III – bens que normalmente aumentam de valor com o tempo,
como obras de arte ou antiguidades;
IV – bens para os quais seja registrada quota de exaustão.” [Grifos nossos]
Importa citar ainda o artigo 310 do RIR/99, que regula as taxas segundo
as quais o contribuinte poderá tomar despesas de depreciação:
“Art. 310. A taxa anual de depreciação será fixada em função do
prazo durante o qual se possa esperar utilização econômica do bem
pelo contribuinte, na produção de seus rendimentos (Lei nº 4.506,
de 1964, art. 57, § 2º).
§ 1º A Secretaria da Receita Federal publicará periodicamente o
prazo de vida útil admissível, em condições normais ou médias, para
cada espécie de bem, ficando assegurado ao contribuinte o direito de
computar a quota efetivamente adequada às condições de depreciação
de seus bens, desde que faça a prova dessa adequação, quando adotar
taxa diferente (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 3º).

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88 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

§ 2º No caso de dúvida, o contribuinte ou a autoridade lançadora do


imposto poderá pedir perícia do Instituto Nacional de Tecnologia,
ou de outra entidade oficial de pesquisa científica ou tecnológica,
prevalecendo os prazos de vida útil recomendados por essas
instituições, enquanto os mesmos não forem alterados por decisão
administrativa superior ou por sentença judicial, baseadas, igualmente,
em laudo técnico idôneo (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 4º).”
[Grifos nossos]
Como se vê, o artigo 310 do RIR/99 dispõe, em seu caput que, a taxa
anual de depreciação deverá ser tomada pelo contribuinte “em função do prazo
durante o qual se possa esperar a utilização econômica do bem”.
Nesse sentido, o § 3º do artigo 57 da Lei nº 4.506, de 30.11.1964
(Lei nº 4.506/64) assegura ao contribuinte o direito de computar a quota
adequada às condições de depreciação dos seus bens, desde que faça a
prova dessa adequação, quando adotar taxa diferente da estabelecida pela
administração do imposto de renda.
Cabe ressaltar que o parágrafo primeiro do artigo 310 do RIR/99 atribui
à Secretaria da Receita Federal, atualmente denominada Receita Federal do
Brasil, a competência para divulgar a vida útil admissível para cada espécie
de bem.
Assim, na esfera tributária, ainda que o contribuinte tenha o direito de
fazer prova de uma condição distinta de depreciação para seus bens, como regra
geral, as taxas anuais de depreciação serão definidas segundo os prazos de vida
útil periodicamente divulgados pela Receita Federal do Brasil.
A esse respeito, a Instrução Normativa SRF nº 162, de 31.12.1998 (IN
nº 162/98), alterada pela Instrução Normativa SRF nº 130, de 10.11.1999 (IN
nº 130/99), estabeleceu taxas anuais de depreciação para cada tipo de bem,
variando desde 4% a 50%.
A título exemplificativo, máquinas utilizadas na indústria são geralmente
depreciáveis à taxa tributária de 10% ao ano, ou seja, as autoridades fiscais
entendem que a vida útil média desse tipo de bem pode ser estimada em 10
anos, para fins de dedutibilidade tributária dos encargos de depreciação.
Dessa maneira, ainda que um determinado tipo de máquina possa ter
vida útil consideravelmente inferior ou superior a 10 anos, esse será o prazo
admitido para fins de sua depreciação tributária.

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Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima - 89

Todavia, caso o contribuinte pretenda adotar taxa de depreciação superior


àquela admitida pela regulamentação tributária, nos termos do Parecer
Normativo CST nº 192, de 29.6.1972 (PN nº 192/72)2, deverá demonstrar
devidamente a adequação de suas taxas especificamente adotadas, por meio
de laudos periciais do Instituto Nacional de Tecnologia ou de outra entidade
oficial de pesquisa científica ou tecnológica.

2 PN nº 192/72: O desgaste provocado pelo uso intensivo ou anormal dos bens pertencentes
ao ativo imobilizado das pessoas jurídicas de direito privado poderá determinar a adoção de
taxas especiais de depreciação, devendo as interessadas comprovar a adequação das taxas que
utilizarem, ou, em caso de dúvida, justificá-las com base em laudo técnico expedido por órgão
oficial competente. As empresas que empreguem os coeficientes de depreciação acelerada em
decorrência de expressa previsão legal poderão também utilizar taxas especiais de depreciação,
quando estas se fizerem necessárias, observadas as regras pertinentes, desde que o seu montante
não ultrapasse em qualquer tempo o custo de aquisição dos bens, atualizado monetariamente. As
taxas anuais de depreciação a serem calculadas pelas empresas com base no custo de aquisição dos
bens atualizado monetariamente são as resultantes da jurisprudência administrativa nos termos do
item 63 da Instrução Normativa nº 2 de 12.9.69. 2. Sendo estas taxas determinadas em função dos
prazos considerados ideais para a utilização econômica dos bens, em condições normais, aplicam-
se indistintamente a todas as empresas. 3. Entretanto, quando os bens são submetidos a condições
anormais de utilização, o desgaste decorrente poderá justificar a majoração das taxas. Para tanto,
o emprego de taxas especiais de depreciação deve proceder da necessidade comprovada de
submeter os bens a condições anormais de uso, sendo de fundamental interesse a existência de
prova cabal da ocorrência do desgaste ou inutilização prematura destes mesmos bens. Tal é o
sentido dos §§ 3º e 4º do artigo 186 do RIR (Decreto 58.400, de 10.05.66). 4. Considerando-se
que a majoração das taxas de depreciação decorre de situação especialíssima, o próprio legislador
admitiu que, nas casos de dúvida, as empresas e a própria autoridade lançadora poderão solicitar
perícias ao Instituto Nacional de Tecnologia ou a outras entidades oficiais de pesquisa científica
ou tecnológica, acatando-se as opiniões destes órgãos, as quais prevalecerão enquanto não forem
modificadas por decisões das autoridades competentes, conforme o disposto no § 5º do artigo
186 do RIR. 5. De se notar que esta providência também se aconselha às empresas que exerçam
atividades técnicas e que em virtude desta condição estejam aptas a realizar estudos com a
finalidade de adotar, nos termos do § 5º do artigo 186 do RIR., taxas especiais de depreciação já
que as suas conclusões em causa própria não preenchem os objetivos do citado dispositivo. 6.
Outro tipo de depreciação prevista em lei é a acelerada - (art. 57., § 5º da Lei 4.506, de 30.11.64),
destinada a aplicação somente quanto a atividades ou indústrias expressamente previstas em atos
do Poder Executivo (vide Decretos 54.298, de 29.09.64; 60.943, de 5.7.67; 61.083, de 27.7.67 e
61.979, de 28.12.67). 7. A depreciação acelerada é restrita aos casos especialmente previstos e
tem por finalidade exclusiva estimular a renovação e modernização dos equipamentos utilizados
por determinados tipos de indústrias ou atividades, independendo, para a sua aplicação, do
desgaste anormal dos bens, por força do que dispõe o artigo 186 § 6º do RIR. 8. Desta afirmativa
se infere que as empresas alcançadas pela faculdade da depreciação acelerada, e enquanto
esta durar, podem utilizá-la tomando por base as taxas especiais de depreciação. 9. Por todo o
exposto conclui-se que as empresas podem adotar taxas adequadas de depreciação dos bens
independentemente de prévia audiência da Repartição, cabendo se valer, quando não tiverem
absoluta certeza do acerto do seu procedimento, de perícia do Instituto Nacional de Tecnologia
ou de outras entidades oficiais de pesquisa científica ou tecnológica. 10. Em qualquer situação,
entretanto, as empresas não poderão contabilizar como custo ou despesa operacional, em face
das taxas adotadas, cotas de depreciação superiores ao custo de aquisição dos bens atualizados
monetariamente e as que se utilizarem dos coeficientes de depreciação acelerada, nas condições
estabelecidas pela legislação específica, poderão, quando for o caso, aplicá-los, tomando por
base as taxas especiais de depreciação.

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90 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

Por outro lado, o Parecer Normativo CST nº 79, de 1.11.1976 (PN nº


79/76)3, esclarece que é facultado ao contribuinte aplicar taxas menores de
depreciação, sem que isso represente renúncia ou perda futura do direito à
utilização das taxas de depreciação. Contudo, embora de maneira controversa,
o PN nº 79/76 dispõe que as importâncias não apropriadas não poderão
ser recuperadas, posteriormente, através da utilização de taxas superiores às
máximas anualmente permitidas para cada exercício e cada bem em especial.
Adicionalmente, a própria legislação tributária, nos artigos 312 e 313 do
RIR/994, prevê hipóteses de depreciação acelerada, em que o contribuinte
poderá diminuir os prazos médios de depreciação, com base nos números de horas

3 PN nº 79/76: Indaga-se se o direito à depreciação acelerada dos bens do Ativo Imobilizado


pode deixar de ser exercitado, em um ou mais exercícios, inclusive para possibilitar o uso,
alternadamente, da depreciação à taxa normal ou a taxas inferiores a esta, assegurado à empresa
a possibilidade de postergar tais encargos para exercícios posteriores à vida útil prevista para o
bem. 2. A depreciação dos bens do Ativo é uma faculdade, não uma obrigação, conforme se
depreende da análise literal dos dispositivos do Regulamento do Imposto de Renda que tratam
da matéria: artigo 193, § 2º (normal), § 3º (por turnos de trabalho), §§ 4º e 5º (uso em condições
anormais), e 194 e §§ (por incentivo fiscal). Essa afirmativa é fundada nos vocábulos “poderá” e
“poderão”, insertos no início dos artigos citados. Assim, não há obrigatoriedade de se efetuar a
depreciação em todos os exercícios financeiros de atividade da empresa. A legislação tributária
fixa percentuais máximos e períodos mínimos de depreciação, não proibindo a empresa de
apropriar quotas inferiores às permitidas, ou mesmo deixar de depreciar. 3. Além disso, como a
incidência do Imposto de Renda é baseada em espaços de tempo perfeitamente delimitados (artigo
127 caput, § 1º do artigo 135 e 221 caput do RIR/75), é de se admitir que a opção por qualquer
das formas de depreciação seja efetuada em cada um dos exercícios. Logo, a empresa poderá
utilizar-se ora da depreciação normal, ora da depreciação acelerada, se a esta tiver direito. 4.
Porém, se a empresa adotar qualquer taxa de depreciação inferior à permitida, as importâncias
não apropriadas não poderão ser recuperadas posteriormente através da utilização de taxas
superiores às máximas anualmente permitidas para cada exercício e cada bem em especial. Deverá,
outrossim, ser observado que a taxa de depreciação a ser aplicada ao montante da variação do
valor original dos bens (conta “correção monetária” ou semelhante) deve ser exatamente igual
à aplicada ao custo original do bem que lhe deu causa. Tal afirmação decorre do § 1º do artigo
193 do RIR/75, que determina que a taxa anual de depreciação será aplicada “... sobre o custo
de aquisição dos bens depreciáveis, atualizado monetariamente...”. O fato de o custo original e
sua correção serem contabilizados em contas distintas, no Ativo Imobilizado (alínea “b” do art.
243. do RIR/75), não autoriza a interpretação de que a correção monetária e custo original tenham
natureza diferente; ao contrário, são um todo indissociável que representa o custo atualizado do
bem objeto da depreciação. Além disso, deverá, também, ser sempre observado o limite previsto
no § 17 do artigo 193 do RIR/75, bem como o disposto no § 10 do mesmo artigo. 5. Ressalte-se,
por fim, que, embora a depreciação seja facultativa, a correção monetária dos bens do Ativo
Imobilizado é obrigatória (art. 239.). Assim, ressalvadas as exceções e observados os demais
dispositivos legais pertinentes, a empresa deverá efetuar a correção monetária dos bens do Ativo
em todos os exercícios de sua atividade, mesmo quando não efetue a depreciação ou a efetue a
taxas inferiores às permitidas.
4 Art. 312. Em relação aos bens móveis, poderão ser adotados, em função do número de horas
diárias de operação, os seguintes coeficientes de depreciação acelerada (Lei nº 3.470, de 1958,
art. 69): I - um turno de oito horas...1,0; II - dois turnos de oito horas...1,5; III - três turnos de oito
horas...2,0. Parágrafo único. O encargo de que trata este artigo será registrado na escrituração
comercial.

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Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima - 91

diárias de operação dos bens móveis considerados, como forma de incentivar a


implantação, inovação ou modernização de instalações e equipamentos.
Neste sentido, o Parecer Normativo CST nº 95, de 1.9.1975, esclarece que
as cotas anuais de depreciação dos bens móveis do ativo imobilizado podem ser
computadas aplicando-se, cumulativamente, os coeficientes de aceleração em razão
dos turnos de trabalho e aqueles concedidos a título de incentivo fiscal.
Verifica-se, portanto, que, além da depreciação normal dos bens do ativo
imobilizado, prevista no artigo 305 do RIR/99, e da depreciação acelerada
contábil, descrita no artigo 312 do mesmo dispositivo, a Lei nº 8.191,
de 11.6.1991 (Lei nº 8.191/91), concede a setores específicos a chamada
depreciação acelerada incentivada, que consiste na depreciação integral dos
bens adquiridos ou na utilização de taxas maiores que as usuais, cujo efeito é
a antecipação de custos/despesas.
Saliente-se que a referida antecipação de custos e despesas é feita pela via
da exclusão do lucro líquido para fins de determinação do lucro real. Portanto,
a diferença entre os valores dos encargos contabilizados e os admitidos pela
legislação que concede o incentivo será controlada no Livro de Apuração do
Lucro Real (LALUR). Importante notar que o total da depreciação acumulada,
incluindo a contábil e a fiscal, não poderá ultrapassar o custo do bem depreciado.
Por essa razão, a partir do momento em que for atingido o custo do bem
depreciado, as quotas da depreciação registradas na escrituração comercial
serão adicionadas ao lucro líquido, para efeito da determinação do lucro real e
da base de cálculo da CSLL, com a concomitante baixa na conta de controle
do livro fiscal de apuração do lucro real.


Art. 313. Com o fim de incentivar a implantação, renovação ou modernização de instalações e
equipamentos, poderão ser adotados coeficientes de depreciação acelerada, a vigorar durante
prazo certo para determinadas indústrias ou atividades (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 5º). § 1º
A quota de depreciação acelerada, correspondente ao benefício, constituirá exclusão do lucro
líquido, devendo ser escriturada no LALUR (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 8º, inciso I, alínea
“c”, e § 2º). § 2º O total da depreciação acumulada, incluindo a normal e a acelerada, não poderá
ultrapassar o custo de aquisição do bem (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 6º). § 3º A partir do período
de apuração em que for atingido o limite de que trata o parágrafo anterior, o valor da depreciação
normal, registrado na escrituração comercial, deverá ser adicionado ao lucro líquido para efeito de
determinar o lucro real. § 4º As empresas que exerçam, simultaneamente, atividades comerciais e
industriais poderão utilizar o benefício em relação aos bens destinados exclusivamente à atividade
industrial. § 5º Salvo autorização expressa em lei, o benefício fiscal de que trata este artigo não
poderá ser usufruído cumulativamente com outros idênticos, exceto a depreciação acelerada em
função dos turnos de trabalho.

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92 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

Resta a análise dos setores específicos que poderão usufruir da depreciação


acelerada incentivada. A Lei nº 11.196, de 21.11.2005, em seu artigo 37, prevê
que as empresas concessionárias, permissionárias e autorizadas de geração de
energia elétrica poderão desfrutar da referida depreciação em relação aos bens
novos do ativo imobilizado, exceto terrenos adquiridos ou construídos a partir
de 22.11.2005 e até 31.12.2013.
A Lei nº 11.727, de 23.6.2008, por sua vez, concede à pessoa jurídica
que explore a atividade de hotelaria o direito de utilizar a depreciação acelerada
incentivada para os seus bens móveis integrantes do ativo imobilizado,
adquiridos a partir de 3.1.2008 até 31.12.2010.
As empresas industriais fabricantes de veículos e de autopeças e as pessoas
jurídicas fabricantes de bens de capital também terão direito à depreciação
acelerada, calculada pela aplicação da taxa de depreciação usualmente admitida,
multiplicada por 4 (quatro), sem prejuízo da depreciação normal, conforme
previsto nos artigos 11 e 12 da Lei nº 11.774, de 17.9.2008.5 
Ademais, de acordo com os artigos 31 e 32 da Lei nº 11.196/05, as pessoas
jurídicas que tenham projeto aprovado para instalação, ampliação, modernização
ou diversificação enquadrado em setores da economia considerados prioritários
para o desenvolvimento regional, localizadas nas áreas das extintas SUDENE
e SUDAM e que gozem da redução de 75% (setenta e cinco por cento) do
imposto sobre a renda e adicionais, usufruirão do direito à depreciação acelerada
incentivada.
Cumpre mencionar ainda que o referido incentivo também foi estendido às
pessoas jurídicas que explorem a atividade rural. Nesse caso, conforme previsão
do artigo 314 do RIR/99, os bens do ativo permanente imobilizado, exceto
a terra nua, adquiridos para uso na atividade rural, poderão ser depreciados
integralmente no próprio ano de aquisição.
Por fim, as empresas de desenvolvimento ou produção de bens e serviços
de informática e automação que investirem em atividades de pesquisa e
desenvolvimento em tecnologia da informação farão jus aos benefícios da

5 A depreciação acelerada se aplica às máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos, novos,


relacionados nos Anexos I e II do Decreto nº 6.701 de 18.12.2008, adquiridos entre 1.5.2008 e
31.12.2010, destinados ao ativo imobilizado e empregados em processo industrial do adquirente.

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depreciação acelerada incentivada6. No entanto, tais empresas deverão investir,


anualmente, em atividades de pesquisa a serem realizadas no país, no mínimo
5% (cinco por cento) do seu faturamento bruto no mercado interno, decorrente
da comercialização de bens e serviços de informática.7
Com relação a todos os casos de depreciação descritos, conclui-se que, na
esfera tributária – ou seja, para fins de dedutibilidade das despesas de depreciação
da base de cálculo do IRPJ e CSLL –, a regra geral é a de que o contribuinte
deverá adotar as taxas de depreciação especificamente estabelecidas pela
regulamentação tributária em vigor, que não necessariamente corresponderão
ao efetivo prazo de vida útil de cada classe de bens do ativo imobilizado.
Por outro lado, as normas societárias/contábeis sobre depreciação de bens
do ativo imobilizado, especialmente após a edição da Lei nº 11.638/07, adotaram
critérios distintos, que poderão gerar diferenças significativas em relação aos
resultados das despesas de depreciação dos mesmos bens tomadas para fins
tributários.
Cumpre destacar que o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC),
criado pela Resolução do Conselho Federal de Contabilidade nº 1.055, de
7.10.2005 (Resolução CFC nº 1.055/05) passou a emitir Pronunciamentos
Técnicos para orientar os novos procedimentos contábeis brasileiros tendo em
vista o processo de convergência aos padrões globais8.
A esse respeito, cabe mencionar que os Pronunciamentos Técnicos
do CPC de nº 01 (CPC 01)9 e o de nº 27 (CPC 27)10, estabeleceram,
respectivamente, os procedimentos relativos ao chamado teste de
recuperabilidade (ou impairment test) de ativos e as regras a serem observadas
na escrituração contábil da depreciação de bens do ativo imobilizado de
uma sociedade.

6 Artigo 4º da Lei nº 8.248 de 23.10.1991 (Lei nº 8.248/91).


7 Artigo 11 da Lei nº 8.248/91 dada pelo artigo 1º da Lei nº 11.077, de 30.12.2004.
8 De acordo com o artigo 3º da Resolução CFC nº 1.055/05, o CPC tem por objetivo: “O estudo, o
preparo e a emissão de Pronunciamentos Técnicos sobre procedimentos de Contabilidade e a
divulgação de informações dessa natureza, para permitir a emissão de normas pela entidade
reguladora brasileira, visando à centralização e uniformização do seu processo de produção,
levando sempre em conta a convergência da Contabilidade Brasileira aos padrões internacionais”.
9 Aprovado pela Resolução do CFC nº 1.292, de 20.8.2010 (Resolução CFC 1.292/10) e pela
Deliberação da CVM nº 639, de 7.10.2010 (Deliberação 639/10).
10 Aprovado pela Resolução do CFC nº 1.177, de 24.1.2009 (Resolução CFC 1.177/09) e pela
Deliberação da CVM nº 583, de 31.7.2009 (Deliberação 583/09).

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94 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

(ii) Regras societárias/contábeis


(ii.a) Aspectos Societários/Contábeis anteriores à Lei nº
11.638/07
De forma geral, embora as regras societárias/contábeis brasileiras não tivessem
qualquer obrigação de seguir as regras previstas na legislação tributária a respeito
da sistemática de depreciação, na prática, era isso que acabava ocorrendo.
Isso porque, em linhas gerais, a legislação societária determinava, de
forma relativamente ampla, que as empresas deveriam registrar periodicamente
a diminuição do valor dos elementos do ativo imobilizado nas contas de
depreciação, amortização ou exaustão, conforme o caso.
Assim, para facilitar seus controles, gerenciais, societários/contábeis e
tributários, via de regra, as empresas acabavam optando por unificar as taxas de
depreciação e tomá-las de forma conjunta, tanto para fins societários/contábeis,
como para fins tributários.
(ii.b) Aspectos Societários/Contábeis posteriores à Lei
nº 11.638/07, ao CPC 01 e CPC 27

Com a edição da Lei nº 11.638/07, que alterou a Lei das S/A e, com ela,
o padrão contábil brasileiro, as sociedades por ações e as sociedades de grande
porte passaram a aplicar critérios mais específicos e rigorosos no tratamento
dos efeitos contábeis da depreciação dos bens do ativo imobilizado.
Ressalte-se que as sociedades limitadas também estão sujeitas às novas
regras contábeis brasileiras, mesmo quando não estiverem enquadradas como
sociedades de grande porte. Nesse sentido, cumpre expor os ensinamentos de
LYGIA CAROLINE SIMÕES CARVALHO:
“Mesmo que as sociedades limitadas não tenham seu estatuto jurídico
regrado pela Lei 6.404/76, os dispositivos do Código Civil não dispõem
sobre padrões contábeis mais detalhados. Devido à tal ausência, devem ser
observados os dispositivos da Lei das Sociedades por Ações (lei 6.404/76).
Ademais, os sócios quotistas poderão prever no contrato social a regência
supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima,
obrigando a aplicação das regras contábeis previstas na lei 6.404/76 (...)
Portanto, as sociedades limitadas, mesmo que não enquadradas como
sociedades de grande porte, não estão excluídas das regras dos novos
padrões contábeis brasileiros. As normas contábeis instituídas pela lei

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11.638/07 devem ser aplicadas e observadas por todas as sociedades


sediadas no país independente da espécie societária.”11 [Grifos nossos]
Especificamente, o artigo 183, § 2º, da Lei das S/A, em sua redação atual,
dispõe ainda que as sociedades devem registrar periodicamente a diminuição do
valor dos elementos do ativo imobilizado, estendendo também esse tratamento
aos bens do ativo intangível. Confira-se:
“Art. 183. No balanço, os elementos do ativo serão avaliados segundo
os seguintes critérios: (...)
§ 2º A diminuição do valor dos elementos dos ativos imobilizado
e intangível será registrada periodicamente nas contas de: (Redação
dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
a) depreciação, quando corresponder à perda do valor dos direitos que
têm por objeto bens físicos sujeitos a desgaste ou perda de utilidade
por uso, ação da natureza ou obsolescência;
b) amortização, quando corresponder à perda do valor do capital aplicado
na aquisição de direitos da propriedade industrial ou comercial e quaisquer
outros com existência ou exercício de duração limitada, ou cujo objeto
sejam bens de utilização por prazo legal ou contratualmente limitado;
c) exaustão, quando corresponder à perda do valor, decorrente da
sua exploração, de direitos cujo objeto sejam recursos minerais ou
florestais, ou bens aplicados nessa exploração.” [Grifos nossos]
Por sua vez, o parágrafo terceiro, inciso II, do mesmo artigo 183 passou a
determinar que essas sociedades procedam ao chamado teste de recuperabilidade
(ou impairment test) para esses mesmos bens, confira-se:
“§ 3º A companhia deverá efetuar, periodicamente, análise sobre a
recuperação dos valores registrados no imobilizado e no intangível, a fim
de que sejam:
I – registradas as perdas de valor do capital aplicado quando houver
decisão de interromper os empreendimentos ou atividades a que

11 CARVALHO, Lygia Caroline Simões. Os novos critérios contábeis do ativo imobilizado e


os reflexos tributários. Fiscosoft. 2011/2012, p. 1. Disponível em: <http://www.fiscosoft.
com.br//main_online_frame.php?home=federal&secao=1&page=/bf/bf.php?s=1&params=F::
expressao=os%20novos%20crit%E9rios%20cont%E1beis%20do%20ªtivo %20imobilizado%20
lygia>. Acessado em 20.5.2011.

Direito Tributário Societário Vol. III.indd 95 29/5/2012 18:02:30


96 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

se destinavam ou quando comprovado que não poderão produzir


resultados suficientes para recuperação desse valor; ou
II – revisados e ajustados os critérios utilizados para determinação da
vida útil econômica estimada e para cálculo da depreciação, exaustão
e amortização.” [Grifos nossos]
Com base nessas disposições, o CPC 01 definiu as regras para as empresas
procederem ao teste de recuperabilidade, avaliando ao menos uma vez por ano,
quando da elaboração de suas demonstrações contábeis anuais, se há alguma
indicação de que seus ativos ou o conjunto deles, porventura, teriam perdido
representatividade econômica relevante.
Nesse sentido, o próprio CPC 01 enumera algumas possibilidades de
indícios de perda no valor dos ativos, tais como: (i) o valor de mercado do
ativo diminuiu sensivelmente, mais do que se esperaria com a passagem do
tempo ou do uso normal; (ii) mudanças significativas no cenário tecnológico,
econômico ou legal no qual a entidade opera; (iii) obsolescência ou dano físico
dos ativos; dentre outros.
Caso o valor recuperável exceda o valor contábil do ativo, não haverá
desvalorização nem necessidade de estimar outro valor para o bem. Entretanto,
no caso do valor recuperável do ativo ser menor do que o valor contábil do bem,
a diferença existente entre tais valores deverá ser ajustada pela constituição de
provisão para perdas, conta redutora do valor dos ativos, em contrapartida ao
resultado do período.
Ademais, a empresa deverá seguir as disposições do CPC 27 relativamente
ao tratamento contábil das despesas de depreciação dos bens do seu ativo
imobilizado.
Em linhas gerais, o CPC 27 prevê diferentes métodos para o tratamento
contábil de despesas de depreciação, sendo que o método de depreciação
utilizado deve refletir o padrão de consumo, pela entidade, dos benefícios
econômicos futuros do ativo a que se refere. Essencialmente, a sociedade deve
adotar taxas de depreciação que reflitam de forma efetiva a vida útil de cada
um dos bens do seu ativo imobilizado.
Assim, após o reconhecimento da provisão para perdas resultantes do
teste de recuperabilidade, as despesas de depreciação dos ativos desvalorizados
devem ser calculadas em períodos futuros pelo novo valor contábil apurado,
ajustado ao período de sua vida útil remanescente.

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Como se vê, à luz das novas regras societárias/contábeis em vigor, o


tratamento da depreciação de bens do ativo imobilizado ficou sujeito a critérios
mais específicos e distintos daqueles estabelecidos pela legislação tributária.
No entanto, a introdução das novas regras societárias/contábeis no
país se deu sob o chamado princípio da neutralidade tributária, conforme
expressamente veiculado na MP nº 449/08, posteriormente convertida na Lei
nº 11.941/09. Infere-se, portanto, que as novas regras contábeis estabelecidas
no CPC 01 e no CPC 27 para a depreciação dos bens do ativo imobilizado
não devem ter efeitos tributários para os contribuintes que as adotam.

3. A neutralidade tributária na mudança do


padrão societário/contábil brasileiro e o RTT
Inicialmente, as mudanças nas regras contábeis trazidas pela Lei nº
11.638/07 geraram dúvidas a respeito dos eventuais efeitos tributários delas
resultantes. Em outras palavras, caso ocorressem divergências entre o disposto
na legislação tributária e nas novas regras societárias/contábeis, discutir-se-ia
quais regras deveriam prevalecer, para fins tributários.
Todavia, a análise do processo legislativo que levou à aprovação da Lei nº
11.638/07 nos permite afirmar que as mudanças trazidas por essa lei tiveram
por objetivo exclusivo harmonizar a legislação contábil brasileira aos padrões
contábeis internacionais, sem qualquer reflexo tributário. A esse respeito,
confira-se o ensinamento de ELIDIE PALMA BIFANO:
“Durante a discussão do projeto de lei que se transformou na
L. 11.638/07, tomou-se como premissa, consignada na própria
Exposição de Motivos da lei, que a adoção dos padrões contábeis
internacionais não teria qualquer reflexo tributário, seja de acréscimo
de encargo, para o contribuinte, seja de redução da receita para o
Estado brasileiro. Esse pressuposto orientador permitiu que, pela
primeira vez, no Brasil, a contabilidade pudesse ser praticada em
toda a pureza de suas regras e as disposições tributárias pudessem ser
cumpridas em sua inteireza gerando, para o contribuinte, os efeitos
que delas são esperados.”12 

12 BIFANO, Elidie Palma. O Direito Contábil da Lei Nº 11.638/07 à Lei Nº 11.941/09. In: ROCHA,
Sérgio André (org.). Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol.II. São Paulo:
Quartier Latin, 2010, Capítulo VII, p. 172.

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98 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

O Governo Federal confirmou expressamente esse entendimento ao


sancionar, em 27.5.2009, a Lei nº 11.941/09, fruto da conversão em lei da
MP nº 449/08. Nos termos de sua Exposição de Motivos, um dos objetivos
da referida lei é justamente o de “neutralizar os impactos dos novos métodos e
critérios contábeis introduzidos pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, na
apuração das bases de cálculos de tributos federais”, removendo assim a insegurança
jurídica causada nos contribuintes com a edição da Lei nº 11.638/07.
Nesse contexto, a Lei nº 11.941/09 criou o chamado RTT, por meio do
qual se neutralizam os efeitos tributários decorrentes da adoção das novas regras
de harmonização do padrão contábil brasileiro com o internacional.
Para os anos-calendário de 2008 e 2009, a adoção do RTT era opcional,
sendo que, a partir de 2010, a adoção desse regime passou a ser obrigatória
e automática, sendo aplicável até a entrada em vigor de lei que discipline
especificamente os efeitos tributários de cada um dos novos métodos e critérios
contábeis aplicáveis a partir da edição da legislação em referência.
O artigo 16 da Lei nº 11.941/09 estabelece que as alterações introduzidas
pela Lei nº 11.638/07, e pelos artigos 37 e 38 da própria Lei nº 11.941/09,
que “modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas
computadas na apuração do lucro líquido do exercício” não terão efeitos para
fins de apuração do lucro real (IRPJ) das empresas sujeitas ao RTT, devendo
ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes
em 31.12.2007.
Nos termos dos artigos 15, § 3º e 20 da Lei nº 11.941/09, o RTT
será também aplicável à apuração da base de cálculo da CSLL, bem como
do PIS e da COFINS.
Isso quer dizer que, na vigência do RTT, para fins de apuração da base
de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, deverão ser aplicados os métodos
e critérios contábeis vigentes em 31.12.2007, sem se considerar as alterações
nas práticas contábeis introduzidas pela Lei nº 11.638/07 e pelos artigos 37 e
38 da Lei nº 11.941/09.
Para esse fim, o artigo 17 da Lei nº 11.941/09 estabelece que as pessoas
jurídicas deverão apurar, primeiramente, o resultado do exercício de acordo
com as disposições da Lei das S/A., com as modificações introduzidas pela
Lei nº 11.638/07 e pela própria Lei nº 11.941/09. As companhias abertas e
outras que optem pela observância das regras a elas aplicáveis deverão ainda

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Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima - 99

observar as normas emitidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).


Ato contínuo, as pessoas jurídicas sujeitas ao RTT deverão proceder a
ajustes específicos no lucro líquido do período apurado no LALUR, de modo a
reverter o efeito da utilização de critérios contábeis diferentes daqueles vigentes
em 31.12.2007. Por fim, serão realizados os demais ajustes no LALUR para
a adição, exclusão e compensação dos valores prescritos ou autorizados pela
legislação tributária, para apuração da base de cálculo do imposto.
A esse respeito, convém citar os esclarecimentos sobre os ajustes no
LALUR lançados no Manual de Contabilidade Societária, elaborado pela
Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, FEA/
USP – FIPECAFI, in verbis:
“Para fins contábeis, porém, não se deve simplesmente aceitar e adotar
as taxas de depreciação fixadas como máximas pela legislação fiscal,
ou seja, deve-se fazer uma análise criteriosa dos bens da empresa
que formam seu Imobilizado e estimar sua vida útil econômica e seu
valor residual, considerando suas características técnicas, condições
gerais de uso e outros fatores que podem influenciar em sua vida útil.
Como conseqüência, quando determinado bem ou classe de bens
tiver vida útil provável diferente da permitida fiscalmente, deve-se
adotar a vida útil estimada como base para registro da depreciação na
contabilidade, e a diferença entre tal depreciação e a aceita fiscalmente
deve ser lançada como ajuste no Livro de Apuração do Lucro Real.
O ajuste alcança tanto a hipótese de depreciação registrada na
contabilidade ser maior que a admitida pelo Fisco (que implicará
em uma adição à base tributável referente à parcela considerada
não dedutível) quanto a da depreciação registrada na contabilidade
ser menor que a admitida para fins de apuração do imposto. Nessa
última possibilidade, a entidade poderá excluir da base tributável a
parcela considerada dedutível que supera a depreciação reconhecida
pela contabilidade, sendo esse controle feito em livros auxiliares.
Pode acontecer, tendo como base essa última situação, de um ativo
imobilizado estar completamente depreciado para fins fiscais e ainda
estar sendo depreciado na contabilidade societária.” [Grifos nossos]
Em suma, pode-se dizer que a vida útil de um ativo imobilizado, estimada
por meio de um laudo técnico, deve ser registrada para fins societários/contábeis,
independentemente da legislação tributária. No entanto, caso a taxa de depreciação

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100 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

registrada contabilmente seja maior que a taxa recomendada pelo Fisco, gerando
um aumento nas despesas e diminuição do lucro líquido, a base tributável do
imposto deve ser aumentada a fim de corrigir as distorções tributárias decorrentes
de uma alteração na contabilidade. Por outro lado, há a possibilidade de a taxa de
depreciação contábil ser menor do que a taxa admitida para fins tributários e, nesse
caso, deve-se diminuir a base tributável do imposto.
Esse procedimento foi ainda detalhado e regulamentado pela Instrução
Normativa RFB nº 949, de 16.6.2009 (IN nº 949/09), que criou também o
chamado Controle Fiscal Contábil de Transição (FCONT). O FCONT faz o
papel da escrituração fiscal em um sistema de partidas dobradas, feita de modo
auxiliar e separado da escrituração contábil das empresas na aplicação do RTT.
No que tange à finalidade do FCONT, convém mencionar as lições de
IAN MUNIZ:
“O objetivo do FCONT é registrar as diferenças existentes entre
o resultado apurado, em conformidade com os métodos e critérios
contábeis aplicáveis à legislação tributária, ou seja, aqueles vigentes em
31 de dezembro de 2007. Assim, deverão ser registradas, em partidas
dobradas, os valores que afetem as contas patrimoniais e de resultado,
de forma a reconciliar o resultado apurado entre os métodos e critérios
contábeis e aqueles aplicáveis à legislação tributária.”13 
Com efeito, nos termos do artigo 16, parágrafo único da Lei nº
11.941/09, todos os comentários acima referentes à neutralização promovida
pelo RTT aplicam-se igualmente às normas expedidas pela CVM, bem
como aos demais órgãos reguladores que visem a alinhar a legislação
específica com os padrões internacionais de contabilidade, tais como o CPC,
o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), dentre outros.
Em resumo, para as empresas sujeitas ao RTT, a determinação das bases
de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da COFINS será efetuada com base
na legislação tributária atual, conforme aplicada sobre os critérios contábeis
vigentes em 31.12.2007, ou seja, sem se levar em conta os efeitos das alterações
societárias/contábeis introduzidas pela Lei nº 11.638/07, pelos artigos 37 e 38

13 MUNIZ, Ian e MONTEIRO, Marco Antonio. O RTT e a Neutralidade Fiscal. In: ROCHA, Sérgio
André (org.). Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol.II. São Paulo: Quartier
Latin, 2010, Capítulo XIII, p. 273.

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Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima - 101

da Lei nº 11.941/09, ou ainda pelos normativos da CVM ou pronunciamentos


do CPC.
Nesses termos, convêm destacar a Solução de Consulta da Receita Federal
nº 15, de 18.2.2011, pela qual se reconhece, sob a égide do RTT, o direito de
uma sociedade manter os mesmos índices de depreciação que eram usados antes
das alterações da norma contábil, implementadas pela Lei nº 11.638/07.
“MINISTÉRIO DA FAZENDA SECRETARIA DA RECEITA
FEDERAL
SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 15 de 18 de Fevereiro de 2011
ASSUNTO: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL
E M E N TA : B A S E D E C Á L C U L O . E N C A R G O S
DE DEPRECIAÇÃO. AJUSTES DECORRENTES DA
LEGISLAÇÃO SOCIETÁRIA. EFEITOS TRIBUTÁRIOS.
Os ajustes no cálculo da depreciação de bens do ativo imobilizado
determinados pelo art. 183, § 3º, inciso II, da Lei nº 6.404, de 1976,
com as alterações introduzidas pelo art. 1º da Lei nº 11.638, de 2007,
e pelo art. 37 da Lei nº 11.941, de 2009, não terão efeitos para fins
de apuração da base de cálculo da Contribuição Social para o Lucro
Líquido (CSLL) da pessoa jurídica sujeita ao Regime Tributário de
Transição (RTT), devendo ser considerados, para fins tributários, os
métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.”
Por tais razões, a nosso ver, na vigência do RTT, permanece válida a atual
sistemática de depreciação dos bens do ativo imobilizado prevista na legislação
tributária.
Além do acima exposto, deve ainda ser considerado que a Lei nº 11.638/07,
assim como as normas posteriores que a alteraram, não revogaram expressa ou
tacitamente as disposições contidas no RIR/99 ou na legislação tributária que
disciplinam a depreciação dos bens componentes do ativo.
Em outras palavras, por mais que tenha sido editada uma nova legislação
disciplinando aspectos societários/contábeis, as normas tributárias que regulam
a sistemática e o tratamento aplicáveis às depreciações não foram revogadas.
Dessa forma, ainda que não houvesse sido editado o RTT conforme
acima exposto, as disposições dos artigos 305 a 323 do RIR/99 e a legislação
tributária aqui mencionada permaneceriam válidas e eficazes, possibilitando a
depreciação tributária nos termos anteriormente detalhados.

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102 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

4. Alteração da taxa de depreciação entendida


como alteração de critério contábil
Conforme anteriormente mencionado, as alterações introduzidas pela Lei
n 11.638/07, e pelos artigos 37 e 38 da Lei nº 11.941/09, que modifiquem
o

o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computados na


apuração do lucro líquido do exercício, não terão efeitos para fins de apuração
do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados,
para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes em 31.12.2007.
Urge então identificar o que se entende por alteração de critério contábil
de reconhecimento de receitas, custos e despesas. A esse respeito, convém
destacar o posicionamento do CPC 13, o qual trata da adoção inicial da Lei
nº 11.638/07 e da Medida Provisória nº 449/08:
“3. As exigências de ajustes trazidos pela Lei nº 11.638/07 e Medida
Provisória nº
449/08 não se enquadram como mudança de circunstâncias, estimativas
ou evento econômico subseqüente, pois decorrem de processo
normativo em direção às Normas Internacionais de Contabilidade.
Assim, este Pronunciamento considera que os ajustes devem ser
contabilizados de acordo com as disposições contábeis aplicáveis à
mudança de critério (ou prática) contábil. (...)” [Grifos nossos]
Infere-se, pois, que os novos ajustes contábeis trazidos pela Lei no
11.638/07, os quais refletem o processo de convergência às Normas Contábeis
Internacionais, são tratados pelo CPC 13 como mudança de critério contábil.
Portanto, parece claro que, quando a Lei no 11.638/07 prevê a análise
periódica da vida útil do imobilizado e o ajuste da sua taxa de depreciação,
temos uma mudança no critério contábil de apuração do lucro líquido que se
encontra sujeita à neutralidade assegurada pelo RTT.
Vale ressaltar que, enquanto durar o RTT, a mudança dos critérios
societários/contábeis não gera qualquer efeito na apuração do lucro real, pois,
para fins tributários, são aplicados os critérios contábeis anteriores à edição da
Lei no 11.638/07.
Todavia, parte da doutrina adota um entendimento diferente do ora exposto,
considerando que a alteração da taxa de depreciação do ativo imobilizado não
representa uma mudança no critério contábil de reconhecimento de receitas,

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Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima - 103

custos e despesas. A esse respeito, vale mencionar os ensinamentos de EDMAR


OLIVEIRA ANDRADE FILHO:
“O dever de revisão e ajuste dos critérios de determinação da vida
útil econômica estimada dos bens não decorre, propriamente, uma
norma introdutória de um novo critério ou método contábil. A
rigor, a norma (o mandamento que proíbe, permite ou obriga) já
estava pressuposta no ordenamento jurídico contábil da Lei nº
6.404/76, porquanto esse critério contábil constitui verdadeiro
‘princípio contábil geralmente aceito’ aos quais faz expressa
referência o caput do artigo 177 da citada Lei. Se assim é – e estou
convicto disto – a Lei nº 11.638/07 tem, neste particular, caráter
meramente interpretativo na medida em que dá nova roupagem
formal (texto normativo) a uma norma (mandamento, proibição,
obrigação) já existente na ordem jurídica ao tempo da edição da
lei citada. Se o dever criado pelo texto da nova Lei já existia antes
do seu advento, parece claro que não há a novidade requerida pela
Lei nº 11.941/09 para submeter os efeitos contábeis respectivos
ao regime do RTT.
A prova cabal da tese que estou a sustentar pode ser encontrada
na norma do artigo 310 do Regulamento do Imposto de Renda
(RIR/99) que estabelece – com todas as letras – que: ‘a taxa anual
de depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se
possa esperar utilização econômica do bem pelo contribuinte,
na produção de seus rendimentos’. Essa regra foi introduzida no
ordenamento jurídico vigente por uma Lei de 1964. Portanto, a
regra contábil já fora expressamente adotada pela lei tributária
e isto serve de prova cabal de que novidade não há nesta
matéria.”14 [Grifos nossos]
Conforme leciona EDMAR OLIVEIRA ANDRADE FILHO, o dever
de revisão e ajuste dos critérios de determinação da vida útil econômica dos
bens já se encontrava previsto no caput do artigo 177 da Lei das S/A, e no
caput do artigo 310 do RIR/99, in verbis:

14 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. IRPJ Lucro Real: O efeito contábil do ajuste da taxa de
depreciação, amortização e exaustão não está sujeita às regras do RTT. Fiscosoft. 2010/1933,
p. 2. Disponível em: <http://www.fiscosoft.com.br//main_online_frame.php?home=
federal&secao=1&page=bfbf.php?s=1&params=F::expressao=ajuste%20da%20taxa%20 de%20
deprecia%E7%E3º>. Acessado em 20.5.2011.

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104 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

“Art. 177. A escrituração da companhia será mantida em registros


permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial
e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos,
devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no
tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de
competência.”
“Art. 310. A taxa anual de depreciação será fixada em função do
prazo durante o qual se possa esperar utilização econômica do bem
pelo contribuinte, na produção de seus rendimentos (Lei nº 4.506,
de 1964, art. 57, § 2º).”
Assim, de acordo com tal entendimento, o preceito da Lei nº 11.638/07,
que dá nova redação ao § 3º do artigo 183 da Lei das S.A, possuiria
caráter meramente interpretativo, ao determinar que a companhia efetue
“periodicamente, análise sobre a recuperação dos valores registrados no imobilizado
e no intangível, a fim de que sejam: (...) II – revisados e ajustados os critérios
utilizados para determinação da vida útil econômica estimada e para cálculo da
depreciação, exaustão e amortização.”
Pelo exposto, concluir-se-ia que a regra instituída pela nova lei societária/
contábil, sobre o ajuste da vida útil e da taxa de depreciação do imobilizado,
não representaria novo critério contábil, logo, o eventual efeito produzido no
lucro líquido não estaria sujeito à neutralidade temporal do RTT.
Não obstante, a nosso ver, o objetivo principal da Lei nº 11.638/07 foi o
de promover profundas alterações nas normas brasileiras de contabilidade, a
fim de adequá-las aos padrões internacionais. Assim, se foi a Lei nº 11.638/07
que incluiu o inciso II no §3º do artigo 183 da Lei das S/A, o qual prevê
expressamente a revisão e o ajuste da taxa de depreciação, tal inciso não deve
ser encarado como uma mera norma interpretativa.
Ademais, se o referido dispositivo não alterasse um critério contábil e
fosse somente uma norma interpretativa, não haveria razão para a redação
do § 3º ter sido alterada pela Lei nº 11.941/09, editada com o objetivo de
conferir neutralidade às alterações promovidas pela adoção dos novos métodos
e critérios contábeis.
Ressalte-se ainda que tanto o artigo 177 da Lei das S/A como o artigo
310 do RIR/99 preveem a forma de definição da taxa de depreciação dos
bens do ativo imobilizado, todavia, não dispõem de maneira expressa sobre

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Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima - 105

a necessidade de revisão dos critérios utilizados para determinação da vida


útil desses bens.
Pelo exposto, é possível depreender que os ajustes nos “critérios
utilizados para determinação da vida útil econômica estimada e para cálculo
da depreciação” são alterações nos critérios contábeis de avaliação do ativo
imobilizado, instituídas pela Lei nº 11.638/07 e submetidas à neutralidade
do RTT. Corroborando esse entendimento, LYGIA CAROLINE SIMÕES
CARVALHO assim se posiciona:
“Uma das alterações dos critérios contábeis é o tratamento para o
ativo imobilizado e o critério para sua depreciação, abordado pelo
CPC 27 que será objeto de nossos comentários. (...) Sabemos que
a mudança de critério contábil para a depreciação do imobilizado
influencia diretamente o lucro da pessoa jurídica. No entanto, não
deverá influenciar o lucro real e a base de cálculo da CSLL, já que
o RTT – Regime de Transição Tributária assegura tal neutralidade
tributária. (...) Caberá ao contribuinte analisar os métodos de
depreciação adotados antes do advento da lei 11.638/07 e adequá-los
às regras contábeis e à legislação tributária.”15 [Grifos nossos]
Por fim, convém destacar que as Autoridades Fiscais Federais acolheram
o entendimento de que os novos critérios de depreciação de ativos introduzidos
pela Lei nº 11.638/07 não produzirão efeitos para fins de apuração da base de
cálculo do IRPJ e da CSLL das pessoas submetidas ao RTT. É nesse sentido
que dispõe o Parecer Normativo da Receita Federal do Brasil nº 1, publicado
em 29.7.2011, do qual se transcreve a ementa:
“PARECER NORMATIVO RECEITA FEDERAL DO BRASIL
– RFB Nº 1 DE 29.7.2011
As diferenças no cálculo da depreciação de bens do ativo imobilizado
decorrentes do disposto no § 3º do art. 183 da Lei nº 6.404, de 1976,
com as alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 2007, e pela
Lei nº 11.941, de 2009, não terão efeitos para fins de apuração do
lucro real e da base de cálculo da CSLL da pessoa jurídica sujeita ao
RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e
critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.”

15 CARVALHO, op. cit., p.1

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106 - Aspectos Tributários e Societários/Contábeis da Depreciação de Bens do Ativo...

5. Conclusão
Com base no acima exposto, conclui-se que, apesar de o tratamento da
depreciação de bens integrantes do ativo imobilizado ter passado a se sujeitar
a critérios societários/contábeis mais específicos e distintos dos que vinham
sendo praticados, anteriormente à edição da Lei nº 11.638/07, a nosso ver, tal
fato não acarretará conseqüências tributárias para os contribuintes.
Com efeito, à luz do RTT instituído pela Lei nº 11.941/09, a determinação
das bases de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da COFINS permanece sendo
feita com observância da legislação tributária atual. Assim, o contribuinte pode
utilizar os prazos de depreciação previstos na IN nº 162/98, para fins tributários,
independentemente da nova sistemática de depreciação utilizada para fins
societários/contábeis.
Isso significa que, na prática, o contribuinte deverá manter, para fins
tributários, a sistemática de depreciação prevista nos artigos 305 a 323 do
RIR/99, e para fins societários/contábeis, será obrigada a tratar a depreciação
do seu ativo imobilizado segundo as disposições do CPC 01 e do CPC 27.
No entanto, a empresa deverá se utilizar do FCONT para reverter, no
LALUR, o efeito da utilização de critérios societários/contábeis diferentes,
daqueles vigentes antes da edição da Lei nº 11.638/07.
Todo esse processo de conversão das normas contábeis brasileiras aos
padrões internacionais tem como finalidade o aumento da transparência nas
demonstrações contábeis, principal fonte de informação da saúde financeira
e econômica das empresas. O objetivo maior de todas essas transformações é
contribuir para a real expansão dos negócios das empresas brasileiras, facilitando
o ingresso de capitais estrangeiros e o desenvolvimento do país como um todo,
o que é de se louvar.

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Carlos Henrique Tranjan Bechara & Letícia Borges Rocha Lima - 107

6. Bibliografia
ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. IRPJ Lucro Real: O efeito contábil do ajuste da taxa de
depreciação, amortização e exaustão não está sujeita às regras do RTT. Fiscosoft. 2010/1933.
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Acessado em 20.5.2011.
MUNIZ, Ian e MONTEIRO, Marco Antonio. O RTT e a Neutralidade Fiscal. In: ROCHA,
Sérgio André (org.). Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol.II. São
Paulo: Quartier Latin, 2010, Capítulo XIII.
PEDREIRA, J. L. Bulhões. Imposto sobre a renda. Rio de Janeiro: APEC, 1969.

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Capítulo IV

Os possíveis efeitos
tributários relacionados
aos critérios contábeis
para o reconhecimento
do ativo imobilizado e
suas peças de reposição
Daniel Dix Carneiro
Mestrando em Direito Internacional na UERJ. Pós-Graduado em Direito
Tributário pela FGV e em Direito pela Escola da Magistratura do Estado
do Rio de Janeiro – EMERJ. Bacharel em Direito pela UFF. Advogado e
consultor tributário no Rio de Janeiro.

Marcio Oliveira
Economista formado pela UFRJ. Professor nos cursos de Pós-Graduação em
Direito Tributário da UFF e da Universidade Cândido Mendes. Professor
na Universidade Petrobras, através de convênio firmado com a PUC-RJ.
Consultor tributário no Rio de Janeiro.

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1. Introdução
O presente ensaio pretende identificar as principais consequências
tributárias, no que tange aos novos critérios contábeis para o reconhecimento
do ativo imobilizado e suas eventuais peças sobressalentes, que devem ser
observados a partir do advento da Lei n.º 11.638/2007, diploma que inseriu
alterações pontuais, porém, extremamente significativas no regramento
contábil nacional.
No intuito de atingirmos os anseios perquiridos por este estudo,
analisaremos mesmo que de forma breve, as razões que deram origem
à aprovação da Lei n.º 11.638/2007, além de identificarmos qual será o
novo padrão contábil que deverá ser observado pelas sociedades nacionais
(companhias abertas e sociedades denominadas como de grande porte)1.
Passada essa abordagem inicial, analisaremos as principais alterações,
no que se refere aos critérios contábeis para reconhecimento do ativo
imobilizado e suas peças de reposição, fato que nos possibilitará apontar
as eventuais consequências tributárias resultantes dessas mudanças.
Devemos frisar, entretanto, que não temos, com este trabalho,
a pretensão de esgotar toda a matéria relativa aos efeitos contábeis
e tributários relacionados aos critérios de reconhecimento do ativo
imobilizado e suas peças sobressalentes, isso porque o referido tema, ainda
se encontra bastante incipiente, especialmente, no mundo jurídico, tendo
sido objeto, até o momento, apenas de abordagens doutrinárias jurídicas
e contábeis esparsas.

1 A Lei nº°11.638/2007 estabeleceu, em seu art. 3.°, que as disposições da Lei nº°6.404/1976 (que
dispõe sobre as sociedades por ações), já com as alterações promovidas por aquele diploma, no
que se refere à escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e à obrigatoriedade de
auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários – CVM, deverão
também ser aplicadas às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de
sociedades por ações. Dessa forma, mesmo as sociedades consideradas de grande porte que não
sejam abertas e constituídas sob a forma de ações deverão se nortear pelos preceitos contábeis
previstos pela Lei das S/A, fato que não era obrigatório anteriormente. É importante esclarecer que
o parágrafo único do art. 3.° da Lei nº 11.638/2007 considera como de grande porte a sociedade
ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo
total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual
superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais).

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112 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

2. A definição do IFRS como padrão contábil


internacional a ser seguido2 
No intuito de aumentar o grau de transparência das demonstrações
financeiras das sociedades brasileiras em geral e de permitir a maior inserção
das companhias nacionais abertas num cenário internacional cada vez mais
globalizado, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, autarquia federal
instituída pela Lei n.º 6.385/1976 e cujas funções básicas são de regulamentar,
fiscalizar e inspecionar o mercado de valores mobiliários e as companhias
abertas, encaminhou ao Congresso Nacional, por intermédio do Poder
Executivo, o projeto de lei (PL n.º 3.741/2000) sugerindo alterações relevantes
no texto da Lei n.º 6.404/1976 que dispõe sobre as sociedades por ações e
positiva os padrões contábeis a elas aplicáveis3.
Após amplos debates nas Casas Legislativas, os quais se deram ao longo
de quase 7 (sete) anos, o referido projeto de lei (PL n.º 3.741/2000) foi
devidamente aprovado e convertido na Lei n.º 11.638 de 28 de dezembro de
2007, fato que resultou no surgimento de uma nova sistemática contábil nacional
e compatível com os denominados padrões internacionais de contabilidade.
Temos, portanto, que a Lei n.º 11.638/2007, ao promover alterações
pontuais no texto da Lei n.º 6.404/1976, introduzindo conceitos novos
a serem observados na elaboração das demonstrações financeiras das
sociedades nacionais (abertas e de grande porte), tornando obrigatória a
adoção de novas práticas contábeis, possibilitou que, doravante, a CVM,
no exercício de sua atividade regulamentar, elabore e expeça normas
e orientações contábeis que estejam em consonância com os padrões
internacionais de contabilidade adotados pelos principais mercados de
valores mobiliários (§ 5.º, do art. 177, da Lei n.º 6.404/1976, incluído pela
Lei n.º 11.638/2007).

2 Nesse item, pedimos vênia para mantermos e reproduzirmos as considerações feitas por
CARNEIRO, Daniel Dix em seu artigo intitulado: Os novos critérios de avaliação do ativo e
do passivo de longo prazo e suas possíveis conseqüências tributárias. In: FERNANDES, Edison
Carlos e PEIXOTO, Marcelo Magalhães (orgs.). Aspectos tributários da nova lei contábil – lei
11.638/07. São Paulo: MP Editora, 2010, p. 71-110.
3 Conforme se depreende do comunicado público feito pela Comissão de Valores Mobiliários ao
Mercado, constante do sítio <http://www.cvm.gov.br/port/infos/Esclarecimento.pdf> (acesso em
12 de junho de 2011).

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Seguindo os ensinamentos de Elidie Palma Bifano4, o conjunto de


regras contábeis que norteiam a elaboração das demonstrações financeiras
nos mercados de valores mobiliários globais e que deverá orientar a CVM no
exercício do seu poder regulamentar, nos termos do § 5.º, do art. 177, da Lei
n.º 6.404/1976, é o denominado International Financial Reporting Standards –
IFRS, que se traduz em normas de contabilidade que visam a convergência dos
princípios contábeis, emitidas pelo Comitê de Padrões Contábeis Internacionais
(International Accounting Standards Board – IASB).
Em que pese o § 5.º, do art. 177, da Lei n.º 6.404/1976, introduzido pela
Lei n.º 11.638/2007, ser genérico ao fazer menção aos denominados padrões
internacionais de contabilidade adotados pelos principais mercados de capitais,
Elidie Palma Bifano5, esclarece que o IFRS passou a assumir essa condição, se
considerados os termos do Memorandum of Understanding, também “conhecido
como Norwalk Agreement, firmado entre entidades de contadores dos Estados
Unidos e da Europa, com o compromisso de remover divergências entre normas
contábeis por eles emitidas”.
Dessa forma, podemos concluir que as alterações sugeridas pela Lei n.º
11.638/2007 tiveram intuito de convergir as práticas contábeis nacionais com
os denominados padrões de contabilidade internacionais, que por sua vez
possuem sua unidade no chamado IFRS.
A adoção e observância do padrão contábil internacional IFRS pelas
sociedades nacionais trarão benefícios substanciais ao país, uma vez que a
unidade das práticas contábeis terá o condão de conferir maior compreensão e
transparência à divulgação das suas demonstrações financeiras, permitindo que
iniciem atividades no exterior e tenham, mais facilmente, suas ações negociadas
em bolsas valores internacionais.
Do mesmo modo, a convergência das práticas contábeis brasileiras ao
padrão internacional certamente implicará na atração de maiores investimentos
estrangeiros ao país, pois dará termo às disparidades havidas entre os critérios
contábeis brasileiros e aqueles praticados por outros países, os quais eram motivo

4 BIFANO, Elidie Palma. Aspectos contábeis da lei 11.638/07. In: ROCHA, Sergio André (org.).
Direito tributário, societário e a reforma da lei das S/A. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2008,
p. 49.
5 BIFANO, Elidie Palma. Op. Cit. p. 49.

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114 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

de desconfiança na geração de informações e causavam receio às empresas


estrangeiras de investirem em território brasileiro6.
Apenas para ilustrar essa linha de raciocínio, são válidos os dizeres de Jan
Engström7, membro da IASB, que, ao prefaciar obra de autoria de Kieran John
McManus, sócio da PwC (PricewaterhouseCoopers) no Brasil, responsável
pelas conversões para o IFRS na América Latina, afirmou:
Os mercados de capitais tornam-se cada vez mais globalizados,
aumentando constantemente os investimentos internacionais. Dessa
forma a confiabilidade das informações é um imperativo para atrair o
interesse de investidores, sobretudo em tempos de crise. As normas
de IFRS estão se tornando uma realidade em toda América Latina,
inclusive no Brasil. Existe um grande desafio à espera dos atuais
e futuros preparadores e usuários de demonstrações financeiras de
acordo com o IFRS. [grifo nosso]
Tendo em vista estas considerações, bem como as mudanças trazidas pela
Lei n.º 11.638/2007, o Comitê de Pronunciamento Contábeis – CPC, órgão
criado pelo Conselho Federal de Contabilidade através da Resolução CFC
n.º 1.055/2005 e formado por representantes de várias entidades da classe
profissional e técnica contábil8 para promover o estudo, o preparo e a emissão de
pronunciamentos técnicos de contabilidade que levem em conta a convergência
da contabilidade brasileira aos padrões internacionais – , com a intenção de
adequar as práticas contábeis ao IFRS, vem editando continuamente normas
técnicas contábeis9, que deverão ser observadas pelas sociedades abertas ou de

6 No que se refere à tendência cada vez maior de internacionalização das sociedades, denominadas
como transnacionais, e aos obstáculos por elas encontrados nesse processo, recomendamos a
leitura de RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. As empresas transnacionais e os novos paradigmas
do comércio internacional, In: DIREITO, Carlos Alberto Menezes; TRINDADE, Antônio Augusto
Cançado e PEREIRA, Antônio Celso Alves (org.). Novas Perspectivas do Direito Internacional
Contemporâneo, Estudos em homenagem ao Prof. Celso de Albuquerque Mello. Rio de Janeiro,
São Paulo e Recife: Editora Renovar, 2008, p. 455-492.
7 ENGSTRÖM, Jan. Prefácio. In: MACMANUS, Kieran John. IFRS – Implementação das normas
internacionais de contabilidade e da Lei n.° 11.638 no Brasil. São Paulo: Editora Quartier Latin,
2009, p. 9-10.
8 São membros do CPC: a Associação Brasileira das Companhias Abertas – ABRASCA, a Associação
dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais – APIMEC NACIONAL,
a Bolsa de Valores de São Paulo – BOVESPA, o Conselho Federal de Contabilidade – CFC, o
Instituto dos Auditores Independentes do Brasil – IBRACON e a Fundação Instituto de Pesquisas
Contábeis, Atuarias e Financeiras – FIPECAFI.
9 A visualização de cada um dos Pronunciamentos Técnicos editados pelo CPC pode ser verificada
no sítio <http://www.cpc.org.br/pronunciamentosIndex.php> (acesso em 12 de junho de 2011).

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grande porte brasileiras, a partir da elaboração e divulgação das demonstrações


financeiras referentemente ao encerramento do exercício social do ano de 200810.
Concluímos, portanto, numa breve síntese, que as alterações
introduzidas no mundo jurídico nacional pela Lei n.º 11.638/2007, visaram
confluir a contabilidade brasileira aos padrões adotados pelos mercados
internacionais, fato que ensejou, por parte das entidades técnicas e
normativas brasileiras, a revisão e a mudança de vários critérios contábeis que
eram usualmente praticados, os quais, doravante, deverão por determinação
legal seguir o denominado IFRS, padrão contábil emitido pela IASB.
Sob esse prisma, e levando-se em conta que a contabilidade deve ser
tida como um instrumento auxiliar à apuração de diversos tributos, pode-
se aferir, por óbvio, num primeiro momento, que qualquer mudança que
venha a afetar os critérios contábeis usualmente praticados, poderá trazer
consequências tributárias relevantes, seja para os contribuintes ou para os
Fiscos em suas várias esferas (federal, estadual, distrital e municipal).
Nesse aspecto, nas linhas que seguem, promoveremos a análise de como
as recentes alterações na legislação contábil terão o condão de repercutir, no
reconhecimento daqueles bens destinados a compor o ativo imobilizado das
sociedades e de suas peças de reposição, bem como as referidas alterações
trarão, de alguma forma, efeitos tributários aos contribuintes, especialmente
no que tange ao IRPJ, à CSLL, às contribuições PIS/COFINS, ao ICMS
e ao IPI.

3. O conceito de ativo imobilizado e o seu


reconhecimento pela contabilidade
A Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/1976), com as alterações
introduzidas pela Lei n.º 11.638/2007, ao tratar dos grupos de contas do balanço
patrimonial, dispôs o seguinte acerca dos gastos incorporados ao ativo imobilizado:

10 O art. 9.° da Lei nº°11.638/07 estabelece sua entrada em vigor no primeiro dia do ano de 2008,
sendo, portanto, seus preceitos aplicáveis aos fatos ocorridos a partir daquela data. Por sua vez,
o art. 1.° da Instrução CVM n.° 469/08 preceitua que as disposições da referida lei deverão ser
observadas somente para as demonstrações financeiras de encerramento do ano 2008, sendo
opcionais a sua aplicação para as informações trimestrais (ITR) referentes ao mesmo ano.

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116 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

Art. 179. As contas serão classificadas do seguinte modo:


(...)
IV – no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens
corpóreos destinados à manutenção das atividades da Companhia ou
da empresa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes
de operações que transfiram à Companhia os benefícios, riscos e
controle desses bens. [grifo nosso]
Por seu turno, o Comitê de Pronunciamento Contábeis – CPC, mediante
a edição do CPC n.º 27 de 2001, estabeleceu os seguintes requisitos para
classificação e reconhecimento dos gastos de capital:
6. (...)
Ativo imobilizado é o item tangível que:
(a) é mantido para uso na produção ou fornecimento de mercadorias
ou serviços, para aluguel a outros, ou para fins administrativos; e
(b) se espera utilizar por mais de um período.
(...)
7. O custo de um item de ativo imobilizado deve ser reconhecido
como ativo se, e apenas se:
(a) for provável que futuros benefícios econômicos associados ao item
fluirão para a entidade; e
(b) o custo do item puder ser mensurado confiavelmente. (grifo nosso)
A partir das definições previstas na legislação comercial e nas normas
contábeis brasileiras, são registrados como ativo imobilizado todos aqueles bens,
avaliados e reconhecidos pelo custo de aquisição, que serão utilizados por mais de
um exercício-social, destinados à realização e desenvolvimento da atividade da
pessoa jurídica ou aplicados para fins administrativos, e que tenham capacidade
de gerar benefícios econômicos futuros em função do seu uso.
Com base nessa definição, temos condições de avançar nas análises
propostas, em especial na verificação de como as peças sobressalentes
adquiridas para a manutenção daqueles bens destinados ao ativo imobilizado
devem ser reconhecidas contabilmente, considerando-se para tanto o novo
padrão contábil adotado pelo Brasil (IFRS).

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4. A conceituação das partes e peças de


reposição (sobressalentes) para fins do seu
reconhecimento contábil
Numa breve síntese, as partes e peças de reposição podem ser conceituadas
como sendo aqueles bens que são destinados à manutenção e que visam garantir
o bom funcionamento do ativo imobilizado de uma sociedade, de modo que
a definição da forma como eles devem ser registrados na contabilidade é de
extrema importância para consecução do estudo ora proposto.
Dentro desse contexto, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis, através
do já mencionado CPC n.º 27, define nos termos seguintes a ocasião e a forma
em que as partes e peças de reposição (sobressalentes) devem ser contabilizadas
como ativo imobilizado:
8. Sobressalentes, peças de reposição, ferramentas e equipamentos
de uso interno são classificados como ativo imobilizado, quando a
entidade espera utilizá-los por mais de um período. Da mesma forma,
se puderem ser utilizados somente em conexão com itens do ativo
imobilizado, também são contabilizados como ativo imobilizado.
9. Este pronunciamento não prescreve a unidade de medida para o
reconhecimento, ou seja, aquilo que constitui um item do ativo imobilizado.
Assim, é necessário exercer julgamento ao aplicar os critérios de
reconhecimento às circunstâncias específicas da entidade. Pode ser
apropriado agregar itens individualmente insignificantes, tais como
moldes, ferramentas e bases, e aplicar os critérios ao valor do conjunto.
10. A entidade avalia segundo esse princípio de reconhecimento
todos os seus custos de ativo imobilizados no momento em que são
incorridos. Esses custos incluem custos incorridos para adquirir
ou construir um item do ativo imobilizado e os custos incorridos
posteriormente para renová-lo, substituir suas partes, ou dar
manutenção ao mesmo. [grifo nosso]
Portanto, numa primeira análise, devem ser considerados como partes
e peças sobressalentes aqueles bens destinados à substituição, reparo ou
manutenção de máquinas e equipamentos a fim de mantê-los em condições
de operar, os quais, em princípio, deverão ser agregados à conta de resultado
do período, quando, além de somente beneficiar um exercício social, não
aumentarem o valor do imobilizado a que estão relacionados.

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118 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

Com base nessa previsão, podemos concluir que, na prática, o que


diferenciará a classificação das peças sobressalentes como gastos do período do
conceito de ativo imobilizado (gastos de capital), será o tratamento contábil a
ser aplicado para registro do valor de aquisição desses ativos, de modo que a
definição do nível de detalhe para a segregação desses bens deve estar pautada,
não cumulativamente, conforme veremos detalhadamente a seguir: a) na
materialidade, b) na funcionalidade, c) na vida útil e d) na destinação contábil.
Assim, levando-se em conta essas considerações e dependendo de
determinadas circunstâncias, as peças de reposição poderão ser contabilizadas
como imobilizado em operação, seja em conjunto com o ativo ao qual está
vinculado, de forma individualizada, ou ainda em conta de estoque no ativo
circulante, sendo reconhecidas como custo ou despesa na medida em que forem
aplicadas, especialmente se levarmos em consideração os ditames previstos nos
itens 12, 13, 43 e 44 do CPC n.º 27:
12. Segundo o princípio de reconhecimento do item 7, a entidade
não reconhece no valor contábil de um item do ativo imobilizado
os custos da manutenção periódica do item. Pelo contrário, esses
custos são reconhecidos no resultado quando incorridos. Os custos
da manutenção periódica são principalmente os custos de mão-de-
obra e de produtos consumíveis, e podem incluir o custo de pequenas
peças. A finalidade desses gastos é muitas vezes descrita como sendo
para “reparo e manutenção” de item de imobilizado.
13. Parte de alguns itens do ativo imobilizado podem requerer
substituição em intervalos regulares. Por exemplo, podem requerer
substituição em intervalos regulares. Por exemplo, um forno pode
requerer novo revestimento após um número específico de horas de
uso; ou o interior dos aviões, como bancos e equipamentos internos,
pode exigir substituição diversas vezes durante a vida da estrutura.
Itens do ativo imobilizado também podem ser adquiridos para efetuar
substituição recorrente menos freqüente, tal como a substituição das
paredes interiores de um edifício, ou para efetuar substituição não
recorrente. Segundo o princípio de reconhecimento do item 7, a
entidade reconhece no valor contábil de um item do ativo imobilizado
o custo da peça reposta desse item quando o custo é incorrido se os
critérios de reconhecimento forem atendidos. O valor contábil das
peças que são substituídas é baixado de acordo com as disposições
de baixa deste Pronunciamento (ver itens 67 a 72).

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(...)
43. Cada componente de um item do ativo imobilizado com
custo significativo em relação ao custo total deve ser depreciado
separadamente.
44. A entidade aloca o valor inicialmente reconhecido de um item
do ativo imobilizado aos componentes significativos desse item
e os deprecia separadamente. Por exemplo, pode ser adequado
depreciar separadamente a estrutura e os motores de aeronave, seja
ela de propriedade da entidade ou obtida por meio de operação de
arrendamento mercantil financeiro. De forma similar, se o arrendador
adquire um ativo imobilizado que esteja sujeito a arrendamento
mercantil operacional, pode ser adequado depreciar separadamente
os montantes relativos ao custo daquele item que sejam atribuíveis
a condições do contrato de arrendamento mercantil favoráveis ou
desfavoráveis em relação a condições de mercado. [grifo nosso]
Diante dessas previsões, parece-nos que o momento em que as peças
sobressalentes são adquiridas, se simultaneamente ou não ao ativo imobilizado,
é um dado de extrema relevância a partir do qual o operador da informação
contábil, mediante a sua conjugação com outras circunstâncias de igual relevo
(tais como materialidade, funcionalidade e vida útil), deverá definir a correta
classificação desse item na contabilidade como ativo imobilizado ou não.
Dessa forma, para tornarmos nosso estudo mais didático, abordaremos
em separado as situações em que as peças sobressalentes foram adquiridas ou
não de forma simultânea ao ativo imobilizado ao qual serão vinculadas.
· Peças sobressalentes adquiridas simultaneamente ao ativo fixo:
Nos termos das normas e procedimentos contábeis brasileiros acima
abordados, quando ao mesmo momento da compra de um determinado
equipamento é adquirida uma série de peças ou conjuntos importantes e
essenciais ao funcionamento de tal maquinário, principalmente no caso de
eventual necessidade de substituição, tais peças sobressalentes poderão ser
contabilizadas como ativo imobilizado e serem depreciadas em base similar à
do equipamento correspondente, mesmo se não estiverem em uso.
Porém, o procedimento mais recomendado – quando os ativos
componentes de um determinado equipamento tiverem vidas úteis distintas
da do equipamento principal – deve ser o seu registro feito em separado no

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120 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

ativo imobilizado, sendo controlado individualmente para fins de aplicação dos


métodos e taxas de depreciação (como é o caso da turbina de avião mencionada
no item 44 do CPC n.º 27). Assim, tais itens constituirão ativo imobilizado
da pessoa jurídica e serão depreciados pelo período que não exceder a vida útil
do ativo ao qual estiverem vinculados.
· Peças sobressalentes adquiridas em momento posterior ao ativo fixo:
Por outro lado, aqueles dispêndios subsequentes relacionados a um ativo
imobilizado, a princípio, ao nosso ver, apenas devem ser adicionados ao valor
contábil do ativo quando for estimado que a partir deles sejam gerados benefícios
econômicos futuros (como e.g. o aumento da sua vida útil); caso contrário,
deverão ser reconhecidos como despesa à medida em que são incorridos.
Na hipótese de os dispêndios subsequentes incorridos em benefício de
determinado bem cujo valor contábil já leva em consideração uma perda nos
benefícios econômicos ou reflete a obrigatoriedade ou compromisso de a empresa
incorrer em despesa no futuro necessária para colocar o ativo em condições
operacionais – deverão tais gastos ser capitalizados, na medida em que seu valor
contábil for recuperável por meio das operações normais da empresa.
Diante das normas e procedimentos contábeis apresentados, verificamos
que a individualização e consequente capitalização de partes e peças de reposição
dependem de alguns critérios não cumulativos (tais como: materialidade,
funcionalidade, variação da vida útil dos bens e utilização intermitente) desde
que utilizadas por período superior a 12 (doze) meses e tenham a capacidade
de aumentar a vida útil do bem, gerando benefícios econômicos futuros para
os ativos da empresa.
Entretanto, para suportar o julgamento do operador das normas contábeis,
ressaltamos a necessidade de a Sociedade possuir laudo dos bens adquiridos,
com vistas a analisar e demonstrar os critérios adotados para tomada de decisão
quanto à capitalização e eventual segregação contábil desses ativos.

5. O tratamento conferido pela legislação do IRPJ


e da CSLL às partes e peças sobressalentes
A legislação tributária federal, por seu turno, determina que não poderá
ser deduzido como despesa operacional o custo de aquisição de bens do ativo
permanente que tiverem valor unitário superior a R$ 326,61 (trezentos e vinte

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e seis reais e sessenta e um centavos), ou prazo de vida útil que ultrapasse um


ano, conforme compilação da legislação efetuada pelo art. 301 do Decreto n.º
3.000/1999 – Regulamento do Imposto de Renda:
Art. 301. O custo de aquisição de bens do ativo permanente não
poderá ser deduzido como despesa operacional, salvo se o bem
adquirido tiver valor unitário não superior a trezentos e vinte e
seis reais e sessenta e um centavos, ou prazo de vida útil que não
ultrapasse um ano.
§ 1.º Nas aquisições de bens, cujo valor unitário esteja dentro do
limite a que se refere este artigo, a exceção contida no mesmo não
contempla a hipótese onde a atividade exercida exija utilização de
um conjunto desses bens.
§ 2.º Salvo disposições especiais, o custo dos bens adquiridos ou das
melhorias realizadas, cuja vida útil ultrapasse o período de um ano,
deverá ser ativado para ser depreciado ou amortizado. [grifo nosso]
Relativamente aos recursos aplicados na aquisição de partes, peças,
máquinas e equipamentos de reposição de bens do ativo imobilizado, o
Regulamento do Imposto de Renda, no seu art. 346 dispõe o seguinte:
Art. 346. Serão admitidas, como custo ou despesa operacional, as
despesas com reparos e conservação de bens e instalações destinadas
a mantê-los em condições eficientes de operação.
§ 1.º Se dos reparos, da conservação ou da substituição de partes e
peças resultar aumento da vida útil prevista no ato de aquisição do
respectivo bem, as despesas correspondentes, quando aquele aumento
for superior a um ano, deverão ser capitalizadas, a fim de servirem
de base a depreciações futuras.
§ 2.º Os gastos incorridos com reparos, conservação ou substituição de
partes e peças de bens do ativo imobilizado, de que resulte aumento da vida
útil superior a um ano, deverão ser incorporados ao valor do bem, para fins
de depreciação do novo valor contábil, no novo prazo de vida útil previsto
para o bem recuperado, ou, alternativamente, a pessoa jurídica poderá:
I – aplicar o percentual de depreciação correspondente à parte não
depreciada do bem sobre os custos de substituição das partes ou peças;
II – apurar a diferença entre o total dos custos de substituição e o
valor determinado no inciso anterior;

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122 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

III – escriturar o valor apurado no inciso I a débito das contas de resultado;


IV – escriturar o valor apurado no inciso II a débito da conta do ativo
imobilizado que registra o bem, o qual terá seu novo valor contábil
depreciado no novo prazo de vida útil previsto.
§ 3.º Somente serão permitidas despesas com reparos e conservação
de bens móveis e imóveis se intrinsecamente relacionados com a
produção ou comercialização dos bens e serviços. [grifo nosso]
Com efeito, verificamos que o critério fiscal para distinguir os
gastos de capital dos gastos do período é a vida útil do bem, cabendo a
capitalização daqueles dispêndios dos quais resulta no aumento da vida
útil do ativo acima de um ano.
Ademais, nesse mesmo sentido manifestou-se a Coordenação do Sistema
de Tributação, através da edição do Parecer Normativo CST n.º 2, de 15 de
fevereiro de 1984, cujo trecho abaixo reproduzimos in verbis:
As contas que registrem recursos aplicados na aquisição de partes,
peças, máquinas e equipamentos de reposição de bens do imobilizado,
quando referidas partes e peças tiverem vida útil superior a um ano,
devem ser classificadas no ativo imobilizado.
(...)
Todavia, certas partes e peças, quando incorporadas às respectivas
máquinas ou equipamentos, têm vida útil não superior a um ano,
intervalo de tempo no qual devem ser substituídas. Assim, os recursos
aplicados na sua aquisição não chegam a revestir características de
permanência, razão por que as contas que registrem esses recursos
devem ser classificadas fora do ativo permanente.
(...)
Observe-se, por fim, que se da substituição de partes e peças resultar
aumento da vida útil prevista no ato da aquisição do bem no qual
tiverem sido aplicadas, o valor das mesmas deverá ser acrescido ao
do referido bem; caso contrário, poderá ser computado como custo
ou despesa operacional. [grifo nosso]
Dentro dessa linha de raciocínio, cabe ressaltarmos que compete à
autoridade fiscal o ônus da prova do aumento da vida útil dos bens, por
prazo superior a um ano, relativamente aos gastos incorridos para o reparo,

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 123

conservação ou substituição das partes, não podendo de forma arbitrária e sem


qualquer critério razoável entender que o contribuinte deduziu indevidamente
da base tributável do IRPJ e da CSLL dispêndios com peças de reposição11.

6. Breves considerações sobre os encargos de


depreciação dos itens que compõem o ativo
imobilizado e a eventual aplicação do Regime
Tributário de Transição – RTT
A Lei das Sociedades por Ações, com redação atual conferida pela
Lei n.º 11.638/2007, define a depreciação a ser contabilizada como o valor
correspondente ao efetivo desgaste pelo uso ou perda da utilidade do bem:
Art. 183. (...)
(...)
§ 2.º A diminuição do valor dos elementos dos ativos imobilizado,
intangível e diferido será registrada periodicamente nas contas de:
a) depreciação, quando corresponder à perda do valor dos direitos que
têm por objeto bens físicos sujeitos a desgaste ou perda de utilidade
por uso, ação da natureza ou obsolescência. [grifo nosso]
O Comitê de Procedimentos Contábeis estabelece no item 56 do CPC
n.º 27 os seguintes fatores para que seja estimada a vida útil, período de uso e
volume de produção de um ativo:
a) uso esperado do ativo, que deve ser avaliado com base na capacidade
ou na produção física esperadas do ativo;
b) desgaste esperado, que depende de fatores operacionais, tais como
número de turnos durante os quais o ativo será usado, o programa de
reparos e manutenção e o cuidado e a manutenção do ativo inclusive
enquanto estiver ocioso;
c) obsolescência técnica ou comercial proveniente de mudanças ou
melhorias na produção, ou de mudanças na demanda do mercado
para o produto ou serviço derivado do ativo; e

11 Esclarecemos que o antigo Conselho de Contribuintes (atual Conselho Administrativo de Recursos


Fiscais – CARF) já se manifestou nesse sentido em diversas decisões, tais como: Ac. 1.° CC 101-
88.015/95 (DO 22/08/05), Ac. 1.° CC 103-12.383/92 (DO 09/11/03), Ac. 1.° CC 105-3.079/89
(DO 20/11/89).

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124 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

d) limites legais ou semelhantes no uso do ativo, tais como as datas de


término dos contratos de arrendamento mercantil relativos ao ativo.
Por sua vez, o item 57 do CPC n.º 27 dispõe o seguinte acerca da
depreciação e da definição a vida útil dos bens que compõem o ativo imobilizado:
57. A vida útil de um ativo é definida em termos da utilidade esperada
do ativo para a entidade. A política de gestão de ativos da entidade
pode considerar a alienação de ativos após um período determinado
ou após o consumo de uma proporção específica de benefícios
econômicos futuros incorporados no ativo. Por isso, a vida útil do ativo
é uma questão de julgamento baseado na experiência da entidade
com ativos semelhantes. [grifo nosso]
Dessa forma, para fins contábeis, podemos bem concluir que a taxa de
depreciação de um bem deve ser determinada em função do prazo de vida útil
do bem, correspondente ao período durante o qual se espera para utilização
econômica do bem pela pessoa jurídica.
Devemos salientar que a determinação da taxa de depreciação com base
na vida útil também é reconhecida para fins fiscais, desde que o contribuinte
possua, para tanto, um laudo técnico que afira a validade das taxas utilizadas
para depreciar os seus bens. Veja-se o disposto no art. 310 do RIR/1999:
Art. 310. A taxa anual de depreciação será fixada em função do prazo
durante o qual se possa esperar utilização econômica do bem pelo
contribuinte, na produção de seus rendimentos.
§ 1.º A Secretaria da Receita Federal publicará periodicamente o prazo de
vida útil admissível, em condições normais ou médias, para cada espécie
de bem, ficando assegurado ao contribuinte o direito de computar a
quota efetivamente adequada às condições de depreciação de seus bens,
desde que faça a prova dessa adequação, quando adotar taxa diferente.
§ 2.º No caso de dúvida, o contribuinte ou a autoridade lançadora do
imposto poderá pedir perícia do Instituto Nacional de Tecnologia, ou de
outra entidade oficial de pesquisa científica ou tecnológica, prevalecendo
os prazos de vida útil recomendados por essas instituições, enquanto
os mesmos não forem alterados por decisão administrativa superior ou
por sentença judicial, baseadas, igualmente, em laudo técnico idôneo.
(grifo nosso)
Todavia, antes do advento da Lei n.º 11.638/2007 e por uma questão de
comodidade e facilidade de controles e falta de rigor técnico, a maior parte dos

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 125

contribuintes optava, mesmo para fins contábeis pela simples utilização das
taxas de depreciação previstas na IN SRF n.º 162/1998, as quais são publicadas
periodicamente pela Receita Federal do Brasil nos termos do § 1.º, do art. 310
do RIR/1999, as quais deveriam ser aplicadas com base no método linear.
Independentemente do método utilizado (vida útil ou taxas definidas
pela RFB), a depreciação somente será dedutível a partir do momento em
que o bem é instalado, posto em serviço ou em condições de produzir e terá
sempre como referência para aplicação da taxa o custo de aquisição do bem
passível de depreciação.
Vale destacar que ao garantir o direito do contribuinte de utilizar como
referência a vida útil do bem para fins de determinação da taxa de depreciação,
a legislação tributária reforça que a depreciação dedutível para fins de apuração
do IRPJ e da CSLL é aquela que melhor representa a perda do valor dos bens
em função do seu uso ou desgaste, observando-se a legislação comercial e os
princípios contábeis. Para tanto, deve-se levar em conta todas as especificações
técnicas do bem e suas condições de utilização econômica no tipo de atividade
em que o mesmo será empregado.
Assim, como já mencionamos, a Sociedade deverá estar apta a comprovar,
mediante laudos técnicos, que tal método ou taxa aplicada é o mais adequado por
refletir com mais exatidão os custos gerados pela depreciação e amortização dos
ativos, confrontando com os rendimentos gerados pela utilização desses bens.
Ressalte-se que a adoção de critérios ou taxas de depreciação diferentes
daqueles que foram estabelecidos pelas Instruções Normativas da Receita
Federal implica a assunção pelo contribuinte do ônus da prova da adequação do
método. Todavia, nos termos do parágrafo 2.º do artigo 310 do RIR/1999, em
caso de dúvida, o contribuinte ou as autoridades fiscais poderão solicitar perícia
ao Instituto Nacional de Tecnologia ou de outra entidade oficial de pesquisa
científica ou tecnológica, prevalecendo os prazos de vida útil recomendados
por essas instituições, enquanto os mesmo não forem alterados por decisão
administrativa superior ou decisão judicial fundadas em laudos idôneos.
Ademais, para os bens que trabalham em dois ou três turnos, poderá
ainda ser adotada a depreciação acelerada contábil, reconhecendo e registrando
contabilmente a diminuição acelerada do valor do bem, em função do desgaste
pelo uso em regime de operação superior ao normal.

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126 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

Levando-se em conta que o lucro líquido – ponto de partida para apuração


do IRPJ e da CSLL – deve ser apurado, nos termos, do inciso XI do art. 67 do
Decreto-Lei n.º 1.598/197712, seguindo-se os ditames da Lei n.º 6.404/1976,
temos que as alterações impostas pela Lei n.º 11.638/2007, poderão em alguns
caso ocasionar um descasamento estrutural entre as regras tributárias e as
normas contábeis, na medida em que os novos critérios contábeis passaram a
prever situações não abarcadas pela legislação tributária em vigor.
Assim, com o intuito de mitigar os efeitos desse descompasso, foi publicada
em 27 de maio de 2009 a Lei n.º 11.941/2009, cujo art. 15 instituía o denominado
Regime Tributário de Transição (RTT), cuja adesão era inicialmente facultativa
aos contribuintes para os exercícios fiscais de 2008 e 2009, e obrigatória a partir do
exercício de 2010, enquanto legislação tributária nova não passasse a disciplinar os
efeitos fiscais atinentes aos novos métodos contábeis13.
Em linhas gerais, a introdução do RTT teve o condão de neutralizar os efeitos
decorrentes do novo paradigma contábil sobre as apurações do IRPJ, CSLL, PIS e
COFINS14. Nessa direção, ficou estabelecido no art. 16 da Lei n.º 11.941/2009 que:

12 Art 67. Este Decreto-Lei entrará em vigor na data da sua publicação e a legislação do imposto
sobre a renda das pessoas jurídicas será aplicada, a partir de 1.º de janeiro de 1978, de acordo
com as seguintes normas:
(...)
XI - o lucro líquido do exercício deverá ser apurado, a partir do primeiro exercício social iniciado
após 31 de dezembro de 1977, com observância das disposições da Lei n.º 6.404, de 15 de
dezembro de 1976.
13 Art. 15. Fica instituído o Regime Tributário de Transição – RTT de apuração do lucro real, que
trata dos ajustes tributários decorrentes dos novos métodos e critérios contábeis introduzidos pela
Lei n.° 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei. 
§ 1.° O RTT vigerá até a entrada em vigor de lei que discipline os efeitos tributários dos novos
métodos e critérios contábeis, buscando a neutralidade tributária. 
§ 2.° Nos anos-calendário de 2008 e 2009, o RTT será optativo, observado o seguinte: 
I – a opção aplicar-se-á ao biênio 2008-2009, vedada a aplicação do regime em um único ano-
calendário; 
II – a opção a que se refere o inciso I deste parágrafo deverá ser manifestada, de forma irretratável,
na Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica 2009; 
III – no caso de apuração pelo lucro real trimestral dos trimestres já transcorridos do ano-calendário
de 2008, a eventual diferença entre o valor do imposto devido com base na opção pelo RTT e o
valor antes apurado deverá ser compensada ou recolhida até o último dia útil do primeiro mês
subsequente ao de publicação desta Lei, conforme o caso; 
IV – na hipótese de início de atividades no ano-calendário de 2009, a opção deverá ser
manifestada, de forma irretratável, na Declaração de Informações Econômico-Fiscais da
Pessoa Jurídica 2010. 
§ 3.° Observado o prazo estabelecido no § 1o deste artigo, o RTT será obrigatório a partir do ano-
calendário de 2010, inclusive para a apuração do imposto sobre a renda com base no lucro
presumido ou arbitrado, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, da Contribuição
para o PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS.

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 127

Art. 16. As alterações introduzidas pela Lei n.º 11.638, de 28 de


dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei que modifiquem o
critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas
na apuração do lucro líquido do exercício definido no art. 191 da Lei
no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, não terão efeitos para fins de
apuração do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser
considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis
vigentes em 31 de dezembro de 2007. [grifo nosso]
Na prática, inserção do RTT obrigou os contribuintes que optaram pela
sua adoção a manterem dois controles contábeis paralelos. O primeiro, destinado
à apuração do fiscal, permaneceria fundamentado nas disposições societárias
vigentes até 31/12/2007; enquanto o segundo incorporaria as alterações
societárias previstas na Lei n.º 11.638/200715.
Sob a perspectiva do presente ensaio, a introdução do RTT nos é importante
para que possamos definir a sua aplicação, ou não, aos critérios de depreciação
de bens utilizados nas atividades produtivas das empresas, considerando, para
tanto, o conceito de depreciação disposto no já mencionado art. 183, § 2.º,
alínea a, da Lei n.º 6.404/197616, pois como foi visto, o referido dispositivo
define claramente que a depreciação está relacionada com a vida útil do bem,
na medida em que vincula a perda de valor do bem ao seu desgaste ou perda
de utilidade por uso, ação da natureza ou obsolescência.
Com as alterações impostas pelas Leis n.ºs 11.638/2007 e 11.941/2009 foi
ainda acrescentado à Lei das S/A o conceito de vida útil econômica estimada,
conforme redação a seguir:
Art. 183 (…)
§ 3º A companhia deverá efetuar, periodicamente, análise sobre a
recuperação dos valores registrados no imobilizado e no intangível,
a fim de que sejam:

14 O Art. 21 da Lei 11.941/2009 também estende o RTT aos elementos que afetam a apuração das
Contribuições para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e para o Programa de Integração
Social (PIS).
15 Em que pese a criação do Controle Fiscal de Transição (FCont), na prática, todas as empresas
após 2009 – quando o RTT deixou de ser uma opção e tornou-se uma obrigação – tiveram que
manter uma contabilidade paralela, sobretudo aquelas em que o sistema de custeio foi afetado
pelas alterações na Legislação Societária.
16 Redação conferida pela Lei nº 11.941/2009, mas que apenas introduziu os intangíveis ao
texto original.

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128 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

I – registradas as perdas de valor do capital aplicado quando houver


decisão de interromper os empreendimentos ou atividades a que
se destinavam ou quando comprovado que não poderão produzir
resultados suficientes para recuperação desse valor; ou 
II – revisados e ajustados os critérios utilizados para determinação da
vida útil econômica estimada e para cálculo da depreciação, exaustão
e amortização. [grifo nosso]
Embora a Receita Federal do Brasil, através de entendimento
manifestado no Parecer Normativo n.º 1 de 2011, entenda que o inciso II
do § 3.º do art. 183 vincule a depreciação ao tempo pelo qual o bem gerará
benefícios econômicos à empresa17, somos da opinião de que a definição
trazida pelo inciso II reforça o disposto no item a do § 2.º do mesmo artigo,
na linha do mencionado no Manual de Contabilidade Societária18, qual
seja: de que a depreciação a ser contabilizada deve ser a que corresponder
ao desgaste efetivo pelo uso ou perda de utilidade, mesmo que por ação da
natureza ou obsolescência.
Em outras palavras, entendemos que a alteração do art. 183 da Lei
nº 6.404/1976, não gerou mudanças significativas no reconhecimento
da depreciação, sendo mantida, na prática, a metodologia então vigente.
Nesse aspecto, basta apenas que comparemos os ditames do CPC n.º 27
com aqueles previstos na antiga NPC n.º 7, para que possamos concluir
que não houve alterações substanciais nas regras contábeis anteriores
relacionadas à depreciação do ativo imobilizado.
Porém, como já dito, por uma questão de conveniência e falta de rigor
técnico dos aplicadores das normas contábeis, até a entrada em vigor da Lei
n.º 11.638/2007, era comum o reconhecimento contábil da depreciação apenas
com base nas taxas relacionadas na IN SRF nº 162/1998, sendo necessários, por
exemplos, ajustes de GAAP no momento da consolidação dos balanços de filiais
brasileiras com os de suas matrizes no exterior. Uma vez extinta essa cultura

17 Parecer Normativo nº. 1 de 2011, item 19.


18 IUDÍCIUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu; GELBCKE, Ernesto R.; SANTOS, Ariovaldo dos. Manual de
Contabilidade Societária Aplicável a Todas as Sociedades de Acordo com as Normas Internacionais
e do CPC. São Paulo: Atlas, 2010, p. 249.

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 129

contábil permissiva e costumeira, a quase totalidade das empresas brasileiras


viram-se obrigadas a revisitar a questão dada à existência de verdadeiros
disparates contábeis19.
Considerando que a IN SRF n.º 162/1998 permanece em vigor, a aplicação
das taxas de depreciação continua válida exclusivamente para fins fiscais e
frise-se por opção do contribuinte. Feita essa opção, o contribuinte deverá
fazer os ajustes pertinentes através do Livro de apuração do Lucro Real e do
FCont. O ajuste em questão alcança tanto a hipótese da depreciação registrada
na contabilidade ser maior que a admitida pelo Fisco (que implicará em uma
adição à base tributável referente à parcela considerada não dedutível), quanto
a da depreciação registrada na contabilidade ser menor que a admitida para
fins de apuração de imposto. Nesse caso, a entidade poderá excluir da base
tributável a parcela considerada dedutível que supera a depreciação reconhecida
pela contabilidade, sendo esse controle feito em livros auxiliares.
A opção pela aplicação das disposições da IN SRF n.º 162/1998 certamente
acontecerá nas hipóteses que o contribuinte puder acelerar o reconhecimento
da depreciação para fins fiscais, reduzindo, por conseguinte, o lucro tributável
no presente. Essa escolha também poderá gerar um benefício adicional, caso o
contribuinte se valha da depreciação para fins de reconhecimento dos créditos
de PIS e de COFINS20. Nesse caso, também acelerará o reconhecimento dos
créditos das contribuições calculados sobre a depreciação.

7. Apropriação e desconto dos créditos das


contribuições PIS/COFINS
Com a instituição do regime não cumulativo de apuração das contribuições
PIS/COFINS pelas Leis n.ºs 10.637/02 e 10.833/03, passou a ser admitida a
possibilidade de serem descontados créditos dessas contribuições equivalentes à
aplicação das respectivas alíquotas sobre os gastos referentes a determinados bens
e serviços diretamente relacionados com a atividade operacional da pessoa jurídica.

19 Um bom exemplo está na depreciação de fornos destinados à produção de vidro. De acordo com
as disposições previstas na IN SRF n.º 162/1998, esse item de ativo pode ser depreciado em apenas
3 (três) anos, ao passo que a sua vida útil é usualmente superior a 20 (vinte) anos.
20 Ver art. 3.º, § 1.º, inciso III das Leis nº s. 10.637/2002 e 10.833/2003.

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130 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

No que se refere aos bens incorporados ao ativo imobilizado, as Leis


n.ºs 10.637/02 e 10.833/03 estabeleceram, em seu art. 3.º, a seguinte regra de
reconhecimento dos créditos das contribuições PIS/COFINS:
Art. 3.º. Do valor apurado na forma do art. 2.º a pessoa jurídica poderá
descontar créditos calculados em relação a:
(...)
VI – máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo
imobilizado, adquiridos ou fabricados para locação a terceiros ou para
utilização na produção de bens destinados à venda ou na prestação
de serviços. [grifo nosso]
Diante da leitura do dispositivo acima (cuja redação é idêntica tanto para
Leis n.ºs 10.637/02, quanto para a Lei n.º 10.833/03), temos que aqueles bens
incorporados ao ativo imobilizado e “utilizados na produção de bens e produtos
destinados à venda ou na prestação de serviços” são passíveis de aproveitamento
de créditos das contribuições PIS/COFINS, os quais podem ser calculados às
alíquotas genéricas de 1,65% (PIS) e 7,6% (COFINS) sobre as despesas de
depreciação desse ativo imobilizado21.
Deve ser salientado que existe, ainda, a possibilidade de desconto de
créditos das contribuições PIS/COFINS, de forma linear calculados na razão
de 1/48 (um quarenta e oito avos) sobre o valor de aquisição (§ 14, do art.
3.º, da Lei n.º 10.833/03) e 1/24 (um vinte e quatro avos) sobre o custo de
aquisição – a depender da NCM do equipamento adquirido (artigo 2.º da Lei
nº 11.051/04, e Decretos n.ºs 4.955/04 e 5.173/04), considerando-se para tanto
também as alíquotas genéricas das Contribuições PIS/COFINS.
Ainda nessa linha, destacamos que a Lei n.º 11.774/2008 (art. 1.º) também
trouxe a possibilidade de desconto dos créditos de PIS e de COFINS, no
prazo de 12 (doze) meses, calculados sobre o custo de aquisição de máquinas e
equipamentos destinados à produção de bens e serviços, desde que adquiridos
a partir de maio de 200822(p.seg.).

21 Acerca da taxa de depreciação a ser utilizada para fins de apropriação de créditos e de eventual
ajuste ao RTT vide os comentários feitos por ocasião do item 6 do presente.
22 Ressaltamos que, recentemente, no intuito de estimular os investimentos por parte dos
empreendedores, o Governo Federal fez editar a Medida Provisória nº°540/2011, no âmbito do
Programa Brasil Maior, cujo art. 4.º alterou a redação do art. 1.º da Lei nº°11.774/2008, para

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No que se refere às peças sobressalentes contabilizadas em estoque no ativo


circulante e apropriadas no resultado do período em que forem empregadas23,
poderá ocorrer o desconto dos créditos das contribuições PIS/COFINS
no momento da aquisição, pois, embora relacionadas a um item do ativo
imobilizado utilizado na produção, trata-se, em nosso sentir, de um insumo
necessário ao processo, atendendo, portanto, os requisitos do art. 3.º das Leis
n.ºs 10.637/2002 e 10.833/2003:
Art. 3.º Do valor apurado na forma do art. 2.º a pessoa jurídica poderá
descontar créditos calculados em relação a:
I – (…)
II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços
e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda,
inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento
de que trata o art. 2º da Lei nº 10.485, de 3 de julho de 2002, devido
pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação
ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da
TIPI.” [grifo nosso]
Nesse particular, vale lembrarmos que o pressuposto de fato para incidência
do PIS e da COFINS é a receita auferida, de forma que a não-cumulatividade,
na hipótese, deve ser considerada sobre a receita e não sobre o produto – como
o é no caso do IPI – ou sobre a mercadoria – como o é no caso do ICMS – e
que, por fim, desaconselha a adoção de uma interpretação do termo “insumo”,
para fins de aplicação das leis pertinentes ao PIS e à COFINS, idêntica àquela
consagrada para fins de aplicação das leis pertinentes ao IPI e ao ICMS.
Esse posicionamento, ademais, é corroborado pela doutrina especializada, como
bem podemos depreender das lições de Marco Aurélio Greco, abaixo transcritas:

autorizar a opção pela apropriação de créditos referentes à aquisição de máquinas e equipamentos


destinados à produção de bens e prestação de serviços, por quotas lineares, em periodicidades
menores, a partir do mês de agosto/2011, de acordo com o mês em que ocorra a aquisição dos
bens. Nesse sentido, os bens adquiridos em agosto de 2011, a partir do dia 03.08.2011, poderão
ter créditos apropriados na razão de 1/11 (um onze avos) ao mês, em setembro na razão de 1/10
(um dez avos) ao mês, em outubro na razão de 1/9 (um nove avos) ao mês e assim sucessivamente.
Até que, para os bens adquiridos a partir de julho de 2012 o crédito poderá ser apropriado
imediatamente em sua integralidade.
23 Na hipótese de não possuírem vida útil superior a um ano e de não terem expectativa de gerar
benefícios econômicos futuros para a Sociedade.

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132 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

Realmente, enquanto o processo formativo de um produto aponta no


sentido de eventos de caráter físico a ele relativos, o processo formativo
de uma receita aponta na direção de todos os elementos (físicos ou
funcionais) relevantes para sua obtenção. Vale dizer, o universo de
elementos captáveis pela não-cumulatividade de PIS/COFINS é
mais amplo do que aquele, por exemplo, do IPI24.
Com efeito, ao analisarmos o termo “insumo” sob a ótica da incidência não
cumulativa do PIS e da COFINS, devemos levar em conta as características
intrínsecas a essas contribuições – o pressuposto de fato da incidência, a saber,
a receita – e que as distinguem do IPI e do ICMS e, em última análise, fazem
com que a incidência não-cumulativa daqueles tributos não possa ser confundida
com a destes.
Nessa ótica, destacamos que o conceito clássico de insumo, consagrado nas
leis do ICMS e do IPI, como sendo matérias-primas, produtos intermediários
e materiais de embalagem aplicados diretamente no processo de produção,
embora aplicável, é insuficiente quando se analisa a questão sob a ótica do PIS
e da COFINS. Teremos, então, que recorrer a um conceito específico para
essas contribuições, que deve abranger não somente aqueles materiais que se
agreguem fisicamente ao produto, mas, de uma forma ampla, todos os fatores
de produção indispensáveis à obtenção de receitas.
Ademais, deve ser salientado que essa é a posição mais recente acolhida
pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, através da Terceira Turma
da Câmara Superior de Recursos Fiscais quando do julgamento do Recurso
n.º 248.457, e cuja ementa do acórdão abaixo reproduzimos in literis:
CRÉDITO RESSARCIMENTO.
A inclusão no conceito de insumo das despesas com serviços
contratados pela pessoa jurídica e com as aquisições de combustíveis
e lubrificantes, denota que o legislador não quis restringir o
creditamento do PIS/PASEP às aquisições de matérias-primas,
produtos intermediários e ou material de embalagens (alcance de
insumos na legislação do IPI) utilizados, diretamente, na produção
industrial, ao contrário, ampliou de modo a considerar insumos

24 GRECO, Marco Aurélio. Não-cumulatividade no PIS e na COFINS, In: PAULSEN, Leandro (Coord.).
Não-cumulatividade do PIS/PASEP e da COFINS. Porto Alegre: edição do Instituto de Estudos
Tributários e da IOB Thompson, 2004, p. 101-122.

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 133

como sendo os gastos gerais que a pessoa jurídica precisa incorrer


na produção de bens ou serviços por ela realizada.
Negado provimento ao recurso da Procuradoria da Fazenda
Nacional. (Processo n.º 11065.101271/2006-47, acórdão n.º 9303-
01.035, 3.ª Turma da CSRF, relator: Conselheiro Henrique Pinheiro
Torres) – [grifo nosso]
Dessa forma, ao adotarmos um conceito próprio de insumo para fins de
interpretação e aplicação das normas atinentes ao PIS e à COFINS – conceito
esse que não abrange tão somente aqueles materiais que se agreguem fisicamente
ao produto, mas, de uma forma ampla, todos aqueles fatores de produção
indispensáveis à obtenção de receitas – entendemos que as peças sobressalentes
de reposição ou manutenção aplicadas ao processo produtivo da pessoa jurídica
são passíveis de desconto de crédito de PIS e COFINS.
De forma reiterada, desde a edição da Lei n.º 10.637/02, as autoridades
fazendárias federais têm se manifestado no sentido de que são considerados
insumos tanto os gastos com partes e peças de reposição aplicadas na
manutenção de bens do ativo imobilizado utilizados na produção, bem como
os serviços de manutenção contratados de pessoas jurídicas, conforme exposto
na seguinte solução de consulta:
Solução de Consulta n.º 402/2004 (9.ª Região Fiscal)
Contribuição para o PIS/Pasep – CRÉDITOS. ENCARGOS DE
DEPRECIAÇÃO. PEÇAS DE REPOSIÇÃO. MANUTENÇÃO.
Os créditos calculados sobre os encargos de depreciação de máquinas,
equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado, sejam ou
não utilizados na produção de bens destinados à venda ou na prestação
de serviços, podem ser descontados do valor da contribuição para o PIS/
PASEP com relação a fatos geradores ocorridos de 1º de dezembro
de 2002 até 31 de janeiro de 2004. Podem também ser descontados
créditos à contribuição para o PIS/PASEP, relativos às peças de
reposição e ao serviço de manutenção prestado por pessoa jurídica,
utilizados na fabricação do produto ou prestação do serviço em bens
do ativo imobilizado, a partir de 1º de dezembro de 2002. [grifo nosso]
Assim, entendemos que os gastos com reposição e manutenção de peças
sobressalentes não classificadas no ativo imobilizado poderão ensejar o desconto de
créditos de PIS e de COFINS, desde que tais peças relacionem-se intrinsecamente

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134 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

à atividade operacional da Sociedade, enquadrando-se, portanto, no conceito


de insumo para fins das referidas Contribuições Sociais.
Por sua vez, ressaltamos que relativamente às partes de reposição, que
em razão da conveniência e oportunidade tenham sido capitalizadas, ou seja,
classificadas como ativo imobilizado, a pessoa jurídica também poderá apropriar
créditos das contribuições PIS/COFINS, considerando conforme o caso a
despesa de depreciação vinculada àquele item do imobilizado, ou, se preferir,
conforme já mencionamos na proporção de 1/48 ou 1/24 sobre o valor de
aquisição, ou ainda na proporção de 1/12 sobre o custo de aquisição.

8. A apropriação dos créditos de ICMS sobre o


ativo imobilizado e suas peças sobressalentes
Segundo a sistemática da não cumulatividade do ICMS, o contribuinte
tem direito a compensar o imposto cobrado nas operações anteriores com o que
for devido nas operações subsequentes relativamente à circulação de mercadorias
ou prestação de serviços pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.
Senão, vejamos o que dispõe o art. 155, inciso II, e § 2.º da Constituição da
República Federativa do Brasil:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir
impostos sobre:
(...)
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações
de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no
exterior;
(...)
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada
operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços
com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado
ou pelo Distrito Federal.
II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário
da legislação:

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 135

a) não implicará crédito para compensação com o montante devido


nas operações ou prestações seguintes;
b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores.
Dessa análise preliminar depreende-se que a sistemática do ICMS cinge-
se, em linhas gerais, nos seguintes pressupostos lógicos: a) entradas tributadas
garantem ao adquirente direito ao crédito de ICMS; e b) saídas tributadas
dão direito ao remetente de manter os créditos decorrentes de suas entradas
tributadas.
Com efeito, a apropriação dos créditos de ICMS, nos termos da legislação
tributária, guarda direta ligação com a conceituação fiscal dos materiais
adquiridos, que, por sua vez, podem ser classificados em quatro categorias, a
saber: ativo permanente, material de uso ou consumo, produto intermediário
e insumo.
Nos termos do que dispõe o artigo 20 da Lei Complementar n.º 87/1996
(Lei Kandir), com vistas à manutenção do princípio da não-cumulatividade, é
assegurado ao contribuinte apropriar-se do imposto anteriormente cobrado em
operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica,
no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo (somente
a partir de 1.º de janeiro de 2020 – art. 33, inciso I da LC n.º 87/1996)25 ou ao
ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal ou de serviço de comunicação por estabelecimento industrial,
desde que tais operações não resultem em operações isentas ou não tributadas
(note que em determinadas ocasiões a manutenção dos créditos está prevista
na legislação específica), ou que se refiram a mercadorias ou serviços alheios à
atividade do estabelecimento.
No que se refere à apropriação de créditos de ICMS relacionados à
entrada no estabelecimento do contribuinte de bens para serem utilizados
como produtos intermediários ou insumos, o entendimento jurisprudencial
acerca do tema é no sentido de que é possível a apropriação de tais créditos,
caso as mercadorias venham integrar o processo produtivo, nele se consumindo

25 Recomendamos, ainda, a leitura do art. 33 da LC n.° 87/96, no sentido de se identificar também


as limitações quanto ao crédito de ICMS sobre a aquisição de energia elétrica e de serviços de
telecomunicações.

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136 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

ou integrando o produto final. Nesse sentido, vejamos a ementa do acórdão


proferido pelo STJ quando do julgamento do REsp. n.º 617.504 – RS:
P R OC E S S U A L C I V I L . R E C U R S O E S P E C I A L .
A D M I S S I B I L I DA D E . S Ú M U L A 0 7 / S T J . ( I C M S .
CREDI TAMENTO. POSSIBILIDADE. PRODU TOS
INTERMEDIÁRIOS QUE SÃO CONSUMIDOS OU
INUTILIZADOS NO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO)
1. Concluindo o v. voto condutor do aresto recorrido que: “À toda
evidência, lixa, rebolo diamantado, pó acrílico, broca, luvas, tintas,
esmalte, etc., não sendo peças de máquinas, destinam-se ao corte, furo
e acabamento do vidro que, pelo próprio índice de incidência na sua
reposição, perdem a utilidade com rapidez, equiparando-se a produtos
intermediários que devem ser computados no produto final.” e que “desta
forma, como os produtos da apelante são consumidos e utilizados no
processo industrial, geram crédito fiscal, nos termos do art. 28, I, ‘e’, da
Lei 8.820/89, na esteira do art. 31, III, do Convênio 66/88” inequívoca
a análise fática para a aferição da existência ou não do fato gerador.
2. Sob esse ângulo, o Recurso Especial não é servil ao exame de
questões que demandam o revolvimento do contexto fático-probatório
dos autos, em face do óbice contido na Súmula 07/STJ.
3. Recurso Especial não conhecido. (REsp. n.º 617.504, Primeira
Turma, STJ, relator: Ministro Luiz Fux) – [grifo nosso]
Relativamente à decisão mencionada, é de se notar que no que se refere
ao ICMS não são precisamente definidos os conceitos de insumo e produto
intermediário, sendo o posicionamento do STJ no sentido de que cabe apropriação
de crédito daquele imposto no caso de entrada no estabelecimento do contribuinte
de materiais destinados à produção, desde que se incorporem ao produto final,
ou que ao menos sejam consumidos no processo de industrialização de forma
imediata e integral, independentemente de sua denominação26.

26 Deve, contudo, ser salientado que, apesar desse entendimento por parte do STJ, essa questão
no âmbito das Administrações Tributárias Estaduais ainda permanece controversa, isso porque
alguns Estados entendem que aqueles produtos consumidos no processo industrial, mas que
não são incorporados ao produto final devem ser entendidos como sendo material de uso em
consumo, cujo crédito do ICMS encontra-se atualmente vedado (art. 33, inicio I da LC n.° 87/1996.
Nesse aspecto podemos citar como exemplo desse posicionamento contrário à pretensão dos
contribuintes os termos do acórdãos n.° 5.172/2007 e n.° 5.237, proferidos pelo órgão pleno do
Conselho de Contribuintes do Estado do Rio de Janeiro.

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 137

Feitos os esclarecimentos acerca de quais bens dão direito à apropriação


de crédito de ICMS quando da entrada no estabelecimento do contribuinte,
parece-nos pertinente distinguir com mais detalhes os conceitos de ativo
permanente, material de uso ou consumo, produto intermediário e insumo,
para fins de apropriação do referido imposto.
Inicialmente devemos atentar para o principal fator de diferenciação
entre esses conceitos, qual seja: a destinação do bem quando da sua entrada
no estabelecimento do contribuinte.
Nesse contexto, sendo a mercadoria destinada à utilização no processo industrial
e vindo a compor efetivamente o produto final, tratar-se-á, pois, de insumo.
Produto intermediário, por sua vez, pode ser considerado aquele bem que
ingressa no estabelecimento do contribuinte para ser destinado ao consumo no
processo industrial, sendo usado e consumido durante a produção, sem para
tanto venha integrar em definitivo o produto final.
Tendo em vista que o conceito de produto intermediário tem provocado
controvérsias na doutrina e jurisprudência, entendemos válido, no intuito de
suportar nosso entendimento, recorrermos aos ditames da Instrução Normativa
SLT n.º 01/1986 editada pela Secretaria de Fazenda do Estado de Minas Gerais
SEF/MG, a qual esclarece o seguinte:
Considerando que nos termos da legislação em vigor, para efeito de
apuração do valor do ICMS a pagar, será abatido o imposto incidente
nas operações realizadas no período, sob a forma de crédito, dentre
outros valores, o valor do imposto correspondente à entrada do
produto intermediário; considerando que o produto intermediário é
aquele que, empregado diretamente no processo de industrialização,
integrar-se ao novo produto; considerando que, por extensão,
produto intermediário é também o que, embora não se integrando
ao novo produto, é consumido, imediata e integralmente, no curso
da industrialização; considerando as controvérsias que têm envolvido
a conceituação extensiva de produto intermediário, e que o ponto
essencial de divergência se prende às dificuldades verificadas na
precisa identificação da efetiva participação do produto no processo
de industrialização; considerando, com efeito, que o centro das
controvérsias reside no dúplice circunstanciamento, qual seja o produto
ser consumido imediata e integralmente dentro da linha de produção;
considerando que, após estudos, debates, disputas administrativas

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138 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

e judiciais, revisão e reajustes de conceitos, com recolhimento de


pareceres e laudos técnicos, tem-se como aflorado, fruto de todo esse
trabalho e em especial da jurisprudência administrativa que já se pode
ter como firmada, um entendimento bem fortalecido a respeito da
espécie, capaz de reduzir dúvidas a prevenir dissensões, RESOLVE:
I – Por consumo imediato entende-se o consumo direto, de produto
individualizado, no processo de industrialização; assim, considera-se
consumido diretamente no processo de industrialização o produto
individualizado, quando sua participação se der num ponto qualquer
da linha de produção, mas nunca marginalmente ou em linhas
independentes, e na qual o produto tiver o caráter de indiscutível
essencialidade na obtenção do novo produto.
II – Por consumo integral entende-se o exaurimento de um
produto individualizado na finalidade que lhe é própria, sem
implicar, necessariamente, o seu desaparecimento físico total;
neste passo, considera-se consumido integralmente no processo de
industrialização o produto individualizado que, desde o início de
sua utilização na linha de industrialização, vai-se consumindo ou
desgastando, contínua, gradativa e progressivamente, até resultar
acabado, esgotado, inutilizado, por força do cumprimento de
sua finalidade específica no processo industrial, sem comportar
recuperação ou restauração de seu todo ou de seus elementos.
III – Não se consideram consumidas imediata e integralmente os
produtos, como ferramentas, instrumentos ou utensílios, que embora
se desgastem ou deteriorem no processo de industrialização – como
aliás ocorre em qualquer bem ao longo do tempo – não se esgotam de
maneira contínua, gradativa e progressiva, até o completo exaurimento,
na linha de produção.
IV – Igualmente não são considerados produtos consumidos imediata
e integralmente no processo de industrialização as partes e peças de
máquina, aparelho ou equipamento, pelo fato de não se constituírem
em produto individualizado, com identidade própria, mas apenas
componentes de uma estrutura estável e duradoura, cuja manutenção
naturalmente pode importar na substituição das mesmas.
V – Excepcionam-se da conceituação do inciso anterior as partes
e peças que, mais que meros componentes de máquina, aparelho

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 139

ou equipamento, desenvolvem atuação particularizada, essencial


e específica, dentro da linha de produção, em contacto físico com
o produto que se industrializa, o qual importa na perda de suas
dimensões ou características originais, exigindo, por conseguinte,
a sua substituição periódica em razão de sua inutilização ou
exaurimento, embora preservada a estrutura que as implementa ou
as contém. [grifo nosso]
Por seu turno, o Superior Tribunal de Justiça, manifestou-se no seguinte
sentido acerca de produto intermediário para fins de apropriação do IPI, cujo
entendimento pode, em nosso sentir, ser estendido analogamente ao ICMS:
Tributário. IPI. Materiais refratários. Direito ao creditamento. Os
materiais refratários empregados na indústria, sendo inteiramente
consumidos, embora de maneira lenta, não integrando, por isso,
o novo produto e nem o equipamento que compõe o ativo fixo da
empresa, devem ser classificados como produtos intermediários,
conferindo direito ao crédito fiscal27. [grifo nosso]
Do mesmo modo, o Supremo Tribunal Federal definiu produto
intermediário como:
(...) aqueles materiais que, embora não compondo o produto final
(como as matérias-primas e os materiais secundários, integrantes
do produto final), são, não obstante, empregados, utilizados ou
consumidos, necessária e obrigatoriamente, na fabricação ou na
produção industrial de determinado produto (ainda que este vá servir
de matéria-prima para novo produto industrial)28.
Finalmente, caso a mercadoria que ao ingressar no estabelecimento do
contribuinte seja destinada a consumo que se dê fora do processo industrial,
trata-se, pois, de material de uso ou consumo do estabelecimento, e cuja
apropriação do crédito encontra-se defesa até o dia 1.º de janeiro de 2020.
Devem-se entender como materiais de uso ou consumo aqueles que,
desvinculados do processo produtivo, são utilizados na manutenção e
conservação dos estabelecimentos do contribuinte, como bem sintetizam
José Cassiano Borges e Maria Lúcia dos Reis:

27 STJ, RESP n.º 183610-SP, Relator Ministro Hélio Mosimann, D.J.U. de 07.08.1995.
28 STF, AI nº 127762, Relator Ministro Aldir Passarinho, D.J.U. de 29.06.1990.

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140 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

São bens de uso ou consumo as mercadorias utilizadas pelo


contribuinte em seu estabelecimento, na manutenção, conservação
ou substituição de outras, sem nenhuma participação no processo de
industrialização ou comercialização do adquirente 29 . [grifos nossos]
Uma vez abordados os conceitos de insumo, material intermediário e
materiais destinados ao uso e consumo, cumpre-nos tratar dos aspectos peculiares
relativos ao crédito de ICMS oriundo da aquisição de bens destinados a integrar
o ativo imobilizado, cujo conceito contábil é semelhante ao fiscal. O seu primeiro
traço distintivo é a apropriação parcelada do valor desse tributo destacado na
nota fiscal em quarenta e oito meses. Além disso, exige-se, nos termos do §
1.º do art. 20 da Lei Complementar n.º 87/96, que o bem destinado ao ativo
imobilizado seja vinculado à atividade operacional da sociedade.
Em sendo o ativo operacional, o mesmo ensejará o direito à apropriação do
crédito de ICMS, o qual deverá ser dividido em quarenta e oito parcelas, como já
mencionado, devendo ainda tais parcelas serem apropriadas proporcionalmente
às saídas e prestações tributadas, acrescidas das operações de exportação, nos
termos dos incisos II e III do § 5.º do art. 20 da Lei Complementar n.º 87/9630.
Outro aspecto de relevo se traduz no momento a partir do qual o
crédito de ICMS relacionado aos bens destinados ao ativo imobilizado pode
ser efetivamente aproveitado na escrita fiscal. Nesse particular, de acordo
com o, a apropriação do ICMS deve ser iniciada no mês em que ocorrer a
entrada física do bem no estabelecimento do contribuinte31 , devendo ainda

29 REIS, Maria Lúcia Américo do; e BORGES, José Cassiano. O IPI ao Alcance de Todos. Rio de
Janeiro: Forense, 1999, p. 9.
30 Art. 20 (...)
(...)
§ 5.° Para efeito do disposto no caput deste artigo, relativamente aos créditos decorrentes
de entrada de mercadorias no estabelecimento destinadas ao ativo permanente, deverá ser
observado:
(...)
III – para aplicação do disposto nos incisos I e II deste parágrafo, o montante do crédito a ser
apropriado será obtido multiplicando-se o valor total do respectivo crédito pelo fator igual a 1/48
(um quarenta e oito avos) da relação entre o valor das operações de saídas e prestações tributadas
e o total das operações de saídas e prestações do período, equiparando-se às tributadas, para
fins deste inciso, as saídas e prestações com destino ao exterior ou as saídas de papel destinado
à impressão de livros, jornais e periódicos;
IV – o quociente de um quarenta e oito avos será proporcionalmente aumentado ou diminuído,
pro rata die, caso o período de apuração seja superior ou inferior a um mês; 
31 Questão que pode se afigurar controversa refere-se ao momento para apropriação do ICMS
incidente sobre a aquisição de bens destinados ao ativo imobilizado de contribuinte que se

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 141

ser observada a obrigação de estorno de eventual saldo remanescente ao final


do quadragésimo oitavo mês.
Relativamente aos materiais aplicados em reparos, consertos ou reformas
de itens já classificados no imobilizado, quando representarem um aumento
de eficiência ou produtividade ou um prolongamento da vida útil dos ativos
em que foram empregados, entendemos que poderão ser classificados como
ativo, com o tratamento tributário equivalente. No entanto, caso essas peças
sejam consumidas no processo de reparo, nosso entendimento é de que não
existe previsão para a tomada de créditos de ICMS. Nessa linha de raciocínio,
parece-nos que a Sociedade deverá se nortear pelo tratamento contábil que
irá conferir a tais bens.
Nesse ponto, é válida a menção à Decisão Normativa CAT n.º 1/2000,
que, não obstante vincular apenas a Fazenda do Estado de São Paulo, merece
atenção em razão da lucidez de algumas de suas disposições, as quais servirão
de norte para nossas conclusões interpretativas:
16 – Seguindo a doutrina exposta, a qual fundamenta-se nos artigos
da Lei n.º 6.404/76, temos que as partes e peças que acompanham
a máquina ou o equipamento quando de suas aquisições, são
contabilizadas como Ativo Imobilizado, e como tal geram direito
ao crédito do valor do ICMS correspondente.
17 – Já no que pertine às partes e peças adquiridas separadamente
para o fim de manutenção, reparo, conserto etc. (não contabilizadas
no Ativo Imobilizado), de máquinas ou equipamentos não geram,

encontra em fase pré-operacional. Há que se ressaltar que não afastamos a possibilidade de os


Estados entenderem que a apropriação do crédito do ICMS, neste caso, somente seria possível
com o efetivo emprego do referido bem no processo produtivo (e.g. art. 23, § 3.°, alínea i do
Regulamento do ICMS do Paraná e Parecer Normativo nº 661/2005 do Estado de Goiás). Por
sua vez, lembramos que o Guia Prático da Escrituração Fiscal Digital ao tratar do registro G125
estabelece a possibilidade de escrituração dos bens destinados a compor o ativo imobilizado
de contribuinte em fase pré-operacional sob as seguintes denominações: “Imobilização em
andamento – componente” e “Conclusão de Imobilização em Andamento – Bem Resultante”.
Assim, os referidos bens poderiam ser escriturados como “Imobilizado em andamento” durante
a fase pré-operacional e, uma vez finalizado este período, seriam registrados sob a denominação
“Saldo Inicial de bens imobilizados”, e somente a partir de então se iniciaria a apropriação das
48 parcelas relativas ao crédito. Entretanto, tal fato não se afigura razoável, face à disposição
expressa do art. 20, § 7.°, alínea 1, que garante a apropriação do ICMS a partir da entrada física do
bem. Ademais, na mesma linha de raciocínio, deve-se ponderar que inexiste qualquer obrigação
acessória relativa ao ICMS que exija a entrada do bem em operação para iniciar a apropriação
do crédito do ICMS incidente sobre sua aquisição.

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142 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

por suas aquisições, o direito de lançar na escrita fiscal o valor do


imposto correspondente, por se tratar de valores de mercadorias que
serão lançados na contabilidade da empresa como Ativo Circulante
ou diretamente como despesas operacionais, gastos gerais de
fabricação, custos de produção ou nome equivalente, cujo direito
ao crédito somente se dará a partir de 01/01/2003, por força da Lei
Complementar nº 99/99.
18 – Diante de todo o exposto, em conclusão, temos as seguintes
condições para o aproveitamento, como crédito, do imposto pago nas
aquisições de partes e peças destinadas às situações retratadas no item
1 retro:
a) os bens de Ativo Imobilizado a que serão incorporadas devem eles,
também, ter feito jus ao crédito do imposto, na forma e condições da Lei
Complementar n.º 87/96, alterada pela Lei Complementar n.º 102/2000;
b) sejam as partes e peças classificadas no Ativo Imobilizado;
c) sejam observadas todas as demais regras de lançamento e estorno
constante nos artigos 20 e 21 da Lei Complementar n.º 87/96, alterada
pelas Leis Complementares nº 99/99 (de 20/12/99) e 102/2000 (de
12/07/2000), e artigos 56 e seguintes do Regulamento do ICMS –
RICMS. [grifo nosso]
Assim, nos termos da referida decisão, as partes e peças que acompanham
a máquina ou o equipamento quando de sua aquisição ou não, e que tenham a
função de aumentar a vida útil do bem, podem ser contabilizadas e registradas
fiscalmente no ativo imobilizado, permitindo-lhes, por conseguinte, o desconto
de crédito à proporção de 1/48 (um quarenta e oito avos) mensais a partir da
sua entrada no estabelecimento32. Isso porque, tais peças sobressalentes possuem
função específica de uso para tal equipamento, bem como em função de sua
necessidade para que o mesmo se mantenha em operação.
Por outro lado, as peças e partes de disponibilidade ampla no mercado, as
quais têm vida útil física própria inferior a um ano e valor econômico individual,
não vinculadas a um equipamento específico da Sociedade, devem ser registradas

32 Devemos salientar, entretanto, que esta questão não se encontra totalmente pacificada perante as
Administrações Tributárias Estaduais, de forma que outros entes federados poderão ter entendimento
diverso daquele exarado pelo Estado de São Paulo, com o qual, aliás, exaramos nossa concordância.

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 143

como materiais de uso e consumo e, consequentemente, não serão passíveis de


desconto de créditos de ICMS.

9. O IPI e os bens destinados ao ativo imobilizado


e suas peças de reposição
Em linhas gerais, as regras aplicáveis ao desconto de créditos de Imposto
sobre Produtos Industrializados – IPI, em muito se assemelham à sistemática
da não cumulatividade pertinente ao ICMS, razão pela qual partiremos dos
mesmos conceitos delineados pela doutrina e jurisprudência para aquele imposto
explorado no item anterior, no que se refere a ativo permanente, material de
uso ou consumo, produto intermediário e insumo. Nesse sentido, assim dispõe
a Constituição Federal:
Art. 153. (...)
(...)
§ 3.º – O imposto previsto no inciso IV:
I – será seletivo, em função da essencialidade do produto;
II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada
operação com o montante cobrado nas anteriores;
III – não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior.
IV – terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital
pelo contribuinte do imposto, na forma da lei. [grifo nosso]
A não-cumulatividade do IPI também é exercida pelo sistema de crédito
do imposto relativo a produtos que entram no estabelecimento do contribuinte,
para ser compensado com o que for devido quando da saída dos produtos do
estabelecimento, num mesmo período.
Dentre os créditos previstos na legislação, destacamos os relativos a
matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem, adquiridos
para emprego na industrialização de produtos tributados, isentos e tributados
à alíquota zero, exceto os não-tributados (fora do campo de incidência)33 .

33 Vide os termos da Lei n.° 9.779/1999.

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144 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

Entre as matérias-primas e produtos intermediários, incluem-se aqueles


gastos que, mesmo não se integrando ao novo produto, são consumidos no
processo de industrialização, salvo se compreendidos entre os bens do ativo
imobilizado. Dessa forma, peças sobressalentes contabilizadas diretamente
como custo serão passíveis de créditos de IPI caso integrem o conceito de
produto intermediário, conforme se verifica na manifestação da Receita Federal:
EM EN TA : I P I . PA R T E S E P E Ç A S. P R O D U T O S
INTERMEDIÁRIOS. Partes e peças de reposição podem ser
classificadas como produtos intermediários e gerar créditos de IPI,
nos termos da legislação de regência desse imposto, desde que não
integrem os bens do ativo permanente do sujeito passivo e sejam
consumidas em virtude de contato físico direto com os produtos em
fabricação. (Disit 6. Solução de Consulta nº 8, de 21 de janeiro de 2008).
.............................................................................................................
Solução de Consulta n.º 149/2005 (10.ª Região Fiscal)
EMENTA: IPI – SUSPENSÃO. PRODUTO INTERMEDIÁRIO.
São produtos intermediários, para efeito de aplicação da hipótese de
suspensão do IPI de que trata o art. 29 da Lei no 10.637, de 2002, os
bens que se integram ao produto fabricado e também aqueles que,
mesmo não se integrando ao produto fabricado, sejam consumidos
no processo de industrialização, em decorrência de um contato
físico, ou seja, de uma ação diretamente exercida sobre o produto
em fabricação, desde que não se classifiquem no ativo permanente
da empresa. [grifo nosso]
Ressalte-se, entretanto, a existência de entendimento mais restritivo no
âmbito da própria Receita Federal do Brasil, verbis:
EMENTA: Os estabelecimentos industriais e os que lhes são
equiparados poderão creditar-se do imposto relativo a MP, PI e ME,
adquiridos para emprego na industrialização de produtos tributados,
incluindo-se entre as matérias-primas e produtos intermediários
aqueles que, embora não integrando ao novo produto, forem
consumidos no processo de industrialização, salvo se compreendidos
entre os bens do ativo permanente. Estão compreendidos entre
as matérias-primas e produtos intermediários aqueles que sejam
consumidos ou integrem o produto final na condição de elemento
indispensável à sua composição. Produtos utilizados indireta e

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Daniel Dix Carneiro & Márcio Oliveira - 145

marginalmente no processo industrial, por não se integrarem


diretamente ao novo produto, não ensejam direito à apropriação de
créditos, ainda que considerados no custo da produção. O IPI pago
na aquisição de partes e peças, utilizadas na manutenção de máquinas
e equipamentos, não poderá ser creditado pelo estabelecimento
industrial quando da apuração do imposto. (Disit 9. Solução de
Consulta n.º 290/2007).
Relativamente aos materiais de uso e consumo, não será permitido o
desconto de créditos de IPI, em sentido coincidente com o tratamento aplicável
para o ICMS.
De igual modo, em relação aos bens incorporados ao ativo imobilizado
existe vedação legal à apropriação de crédito, como se verifica do acima transcrito
art. 226, I, do RIPI (Decreto n.º 7.212/2010), que ressalta a impossibilidade
de creditamento nestas aquisições quando assevera “salvo se compreendidos
entre os bens do ativo permanente”.

10. Considerações finais


Tivemos com o presente estudo a oportunidade de analisar se as recentes
alterações promovidas na legislação contábil brasileira, no que se refere ao
reconhecimento do ativo imobilizado e suas peças de reposição trouxeram
algum impacto fiscal relevante especificamente ao IRPJ, CSLL, PIS, COFINS,
ICMS e IPI.
Pudemos verificar que as normas contábeis, anteriores ao advento da Lei
n.º 11.638/2007 conferiam tratamento muito semelhante ao atual relativamente
ao registro e à depreciação dos bens destinados a compor o seu ativo imobilizado
e suas peças e reposição, de modo, que a princípio, não haveríamos que falar
em impactos relevantes em termos tributários.
Contudo, o tema proposto se revelou, por demais, complexo e resultou
na abordagem de algumas questões controvertidas, as quais merecem um
maior debate por parte dos contribuintes e do Fisco, sobressaindo nesse
caso, os critérios contábeis e fiscais a serem adotados para depreciação do
ativo imobilizado.
Identificamos, ainda, que o tratamento fiscal para fins de apropriação de
crédito das Contribuições PIS/COFINS, do ICMS e do IPI, sobre a aquisição
de bens do ativo imobilizado e suas peças de reposição do ativo imobilizado, ou

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146 - Os possíveis efeitos tributários relacionados com os critérios contábeis para...

mesmo de sua capitalização contábil, pode variar conforme o caso e segundo


a destinação do bem, de modo que o gestor das informações contábeis deverá
analisar de forma criteriosa o seu emprego.
Por fim, esperamos, que o presente estudo venha contribuir, de alguma
maneira, para os debates acerca das consequências fiscais relacionadas às alterações
promovidas pela Lei n.º 11.638/07 na sistemática contábil nacional, isso porque,
face às suas recentes e complexas características, ainda pouco estudadas, tais
mudanças têm em alguns casos acometido os contribuintes de um modo geral
com um sentimento de insegurança, que, por sua vez, clamam por definições
mais precisas e lógicas por parte das diversas Administrações Tributárias.

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Capítulo V

Regime Tributário de
Transição – RTT:
Que Neutralidade?

Edison Carlos Fernandes


Advogado, Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da USP; Mestre
em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie;
Doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo; ex-membro do Conselho de Contribuintes
do Ministério da Fazenda – atual Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais; ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo;
Professor de Direito Tributário e de Mercado de Capitais da Faculdade de
Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Professor convidado dos
cursos de pós-graduação do Instituto Internacional de Ciências Sociais – IICS
(Centro de Extensão Universitária), da Fundação Getúlio Vargas (GVLaw e
GVPEC) e da FIPECAFI; Titular da Cadeira n° 29 da Academia Paulista de
Letras Jurídicas – APLJ.

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Edison Carlos Fernandes - 149

Introdução

Uma breve revisão histórica demonstra que já a partir da edição da Lei


n° 6.404, em 15 de dezembro de 1976, houve uma tentativa de desvincular
a escrituração societária da escrituração utilizada na apuração dos tributos
sobre o lucro. Pouco mais de um ano após a publicação da primeira lei a tratar
de maneira sistemática das demonstrações financeiras, para fins societários,
foi editado, em 26 de dezembro de 1977, o Decreto-lei n° 1.598, que tratou
da apuração do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas, considerando
as (então) recentes mudanças das normas contábeis. O que era para ser a
declaração de divórcio entre a contabilidade societária e a tributária foi, na
verdade, o início da forte influência da legislação referente ao imposto sobre
a renda sobre as demonstrações financeiras.
A comparação de dois dispositivos do Decreto-lei n° 1.598, de 1977,
registra, muito bem, essa relação conflituosa entre a contabilidade societária e a
contabilidade tributária. De um lado, o artigo 8°, I ,instituiu o Livro de Apuração
do Lucro Real – LALUR, no qual seriam inscritas as operações financeiras
sujeitas ao imposto sobre a renda (de rigor, os ajustes à contabilidade societária
determinados pela legislação tributária); de outro, o artigo 20 determinava como
deveria ser registrado contabilmente o investimento em participação societária
e o respectivo ágio ou deságio. Embora os dispositivos da legislação tributária
não impusessem de maneira expressa a adoção de critérios para o registro
contábil, o poder de coação da Administração Tributária e o correspondente
receio das empresas em ter suas contas questionadas resultaram na adoção das
normas tributárias para fins de escrituração societária1.
As alterações trazidas pela Lei n° 11.638, de 2007, complementadas
pelas alterações promovidas pela Lei n° 11.941, de 2010, ao capítulo das
demonstrações financeiras da Lei n° 6.404, de 1976, finalmente estabeleceram
a segregação entre contabilidade societária e contabilidade tributária. Por meio
do estabelecimento do Regime Tributário de Transição – RTT e da neutralidade
tributária, a apuração dos tributos sobre o lucro tomará por base a escrituração

1 Nesse sentido, além do registro contábil do investimento em participação societária, a lei tributária
determinava o registro da provisão para devedores duvidosos, da depreciação e a ausência de
reconhecimento de provisões para contingências, dentre outros.

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150 - Regime Tributário de Transição – RTT: Que Neutralidade?

contábil tal como disciplinada pela legislação societária (Lei n° 6.404, de 1976)
em 31 de dezembro de 2007. Acontece que, mesmo segregadas, a influência
recíproca das normas societária e tributária continua existindo (até porque é
inevitável), restando, então, ser definido qual o alcance da neutralidade inserta
no Regime Tributário de Transição – RTT.

Repercussões tributárias das normas contábeis


Como mencionado anteriormente, com a neutralidade instituída pelo
RTT, as alterações ocorridas nas normas contábeis para fins societários
não têm qualquer aplicação à apuração dos tributos sobre o lucro. Se esse
entendimento, teoricamente, parece de fácil compreensão (e aplicação), as
complexas repercussões tributárias das normas contábeis suscitam diversas
questões que demonstram a falsidade dessa conclusão. E exatamente nessas
questões estão os pontos que exigem análise mais criteriosa e cautelosa da
aplicação da neutralidade tributária.
Em primeiro lugar, as normas contábeis determinam a classificação e
a avaliação (reconhecimento e mensuração) de ativos e passivos. O registro
de ativos e passivos na contabilidade implica, invariavelmente, o lançamento
contraparte em rubricas de resultado, isto é, custos, despesas e receitas.
Considerando que alguns tributos tomam por base a composição do lucro
(receitas subtraídas de custos e despesas), tem-se que a primeira repercussão
tributária das normas contábeis é a apuração dos tributos sobre o lucro (Imposto
sobre a Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ e Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido – CSLL) e dos tributos sobre as receitas (Contribuição para o
Programa de Integração Social – PIS e Contribuição para o Financiamento
da Seguridade Social – COFINS).
Depois, esse resultado final registrado na contabilidade servirá para
remunerar os sócios e os investidores (podendo, também, aumentar a remuneração
dos empregados, por meio da participação nos lucros e resultados), o que ocorre,
essencialmente, por meio da distribuição de dividendos. Também nesse caso
verifica-se uma relevante repercussão tributária, que influencia diretamente
o montante do retorno aos sócios: trata-se da tributação sobre a distribuição
de lucros. Considerando que, de acordo com a legislação tributária brasileira,
os dividendos são isentos dos tributos sobre o lucro, na apuração feita pelos
beneficiários, a definição desse lucro, que é feita por meio das normas contábeis,

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Edison Carlos Fernandes - 151

implica o recebimento de valores tributariamente desonerados.


Finalmente, eventual parcela dos lucros não distribuída aos sócios (ou aos
investidores ou aos empregados), bem como determinadas contrapartidas do
registro de ativos e passivos, serão alocadas em rubricas do patrimônio líquido. O
patrimônio líquido caracteriza-se, fundamentalmente, por reconhecer “dívidas”
que a empresa tem perante os sócios em razão da separação de patrimônios,
além de, em sendo medida de garantia a credores, representar a limitação das
responsabilidades dos mesmos sócios. Embora de natureza eminentemente
societária, o patrimônio líquido é utilizado como referência para questões
tributárias, como é o caso da remuneração de juros sobre o capital próprio e
do controle de empréstimos de sócio estrangeiro (thin capitalization).

Disciplina do Regime Tributário de Transição –


RTT
O Regime Tributário de Transição – RTT está disciplinado pelos artigos
15 a 24 da Lei n° 11.941, de 2010. Esse regime vigerá até que seja editada lei
tributária específica disciplinando a incidência dos tributos sobre o lucro (IRPJ
e CSLL) e sobre a receita (Contribuição para o PIS e COFINS) no contexto da
adoção das normas internacionais de contabilidade – IFRS (artigo 15, § 1°). Por
enquanto, a adoção das novas regras contábeis (de acordo com as manifestações
do Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC) que modifiquem o critério
de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do
lucro comercial, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa
jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os
métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007 (artigo 16).
Com relação à conduta a ser adotada pelas empresas, elas devem seguir,
em linhas gerais, o seguinte procedimento (artigo 17):
(i) utilizar os métodos e critérios definidos pela legislação contábil,
para apurar o resultado do exercício antes das despesas de IRPJ/
CSLL, deduzido das as participações de debêntures, empregados,
administradores e partes beneficiárias, mesmo na forma de
instrumentos financeiros, e de instituições ou fundos de assistência ou
previdência de empregados, que não se caracterizem como despesa,
com a adoção dos métodos e critérios determinados pelas novas
normas contábeis (IFRS/CPC);

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152 - Regime Tributário de Transição – RTT: Que Neutralidade?

(ii) realizar ajustes específicos ao lucro líquido do período, apurado


nos termos acima, no Livro de Apuração do Lucro Real –
LALUR, que revertam o efeito da utilização de métodos e critérios
contábeis diferentes daqueles da legislação tributária, baseada nos
critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007; devendo ser
utilizado o formulário específico do LALUR Eletrônico (sucessor
do Controle Fiscal Contábil de Transição – FCONT, instituído
pela Instrução Normativa RFB nº 949, de 2009); e
(iii) realizar os demais ajustes, no Livro de Apuração do Lucro
Real – LALUR, de adição, exclusão e compensação, prescritos
ou autorizados pela legislação tributária, para apuração da base
de cálculo do imposto.
Em outras palavras, tem-se que os lançamentos contábeis promovidos
em decorrência da adoção dos IFRS (CPC), deverão ser estornados para fim
de apuração dos tributos sobre o lucro e sobre a receita. Embora, deve-se
advertir que existem registros contábeis disciplinados pelos IFRS (CPC) que,
com outra nomenclatura, estão também disciplinados na legislação tributária
(como, por exemplo: amortização do ágio de investimento, realização da
reserva de reavaliação e impairment ou recuperabilidade em alguns casos). De
qualquer forma, importante destacar que o RTT, e a consequente reversão dos
lançamentos contábeis adotados de acordo com os IFRS (CPC), é aplicado,
exclusivamente, na determinação de receitas, custos ou despesas.

Repercussões tributárias não abrangidas pelo RTT


Consoante foi apresentado anteriormente, os novos padrões contábeis
repercutem de duas formas em matéria tributária: na apuração dos tributos sobre
o lucro e sobre a receita e nas questões relacionadas aos aspectos societários, como
a composição do patrimônio líquido e a distribuição isenta de dividendos. Por
outro lado, de acordo com a disciplina legal do RTT, tem-se que ele, ao tratar
do registro de receita, custos e despesas, tem sua abrangência limitada à primeira
repercussão, ou seja, à apuração dos tributos. Portanto, o RTT, e o estorno de
lançamentos contábeis para fins tributários que ele representa, não abrangem
as repercussões tributárias ligadas às questões societárias.
Nesse sentido, destacam-se duas situações, a saber: controle fiscal dos
empréstimos de sócios estrangeiro (thin capitalization) e remuneração dos juros

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Edison Carlos Fernandes - 153

sobre o capital próprio. Em ambos os casos, toma-se, como referência para os


referidos cálculos, a composição do patrimônio líquido. Isso implica dizer que
nenhuma das duas citadas situações de apuração de despesa dedutível (juros
pagos aos sócios estrangeiros, em função de empréstimo tomado, e juros pagos
aos sócios em geral, em decorrência do capital social) está abrangida pelo RTT.
Sendo assim, não há que se proceder a qualquer ajuste ao patrimônio líquido,
determinado de acordo com o padrão internacional de contabilidade (IFRS/CPC),
para fins tributários desses dois controles (exceto pela exclusão da conta “ajuste
de avaliação patrimonial” no cálculo dos juros sobre o capital próprio, já que
expressamente determinada pelo artigo 59 da Lei nº 11.941, de 2009).

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Capítulo VI

Novos aspectos do
Direito Contábil: Lei
nº 11.638/2007, suas
alterações e variações
sobre a interpretação da
norma contábil.

Elidie Palma Bifano


Bacharel pela Faculdade de Direito da USP, Mestra e Doutora em Direito
Tributário pela PUC/SP, Diretora de Consultoria de PricewaterhouseCoopers
- PWC, Professora nos Cursos de Pós Graduação da Escola de Direito de São
Paulo - FGV, da Faculdade de Direito - USP, da Faculdade de Direito - PUC,
do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET e do Instituto Brasileiro
de Direito Tributário – IBDT.

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Elidie Palma Bifano - 157

1. Apresentação do tema

Ao encerrar-se o ano de 2007, em fins de dezembro, foi editada a L.


11.638 que, além de alterar a lei societária (L. 6.404/76), introduziu no Brasil
novos padrões contábeis, em consonância com fenômeno de harmonização
e convergência contábil que vem ocorrendo no mundo. “Harmonização e
convergência” contábil é expressão que fala de per si, pois supre necessidade
fundamental de agentes de mercado, sediados em países submetidos a regras
de escrituração e de preparação de demonstrações financeiras diferentes,
que é entender o conteúdo informacional dos dados financeiros e com eles
trabalhar. O IFRS, International Financial Report Standard é um conjunto de
pronunciamentos emitidos pelo International Accounting Standards Board –
IASB, adotado a partir de 2002 pelos países da União Européia, que hoje se
constitui em padrão contábil internacional, incorporado que foi por grande
número de países. A L. 11.638/2007 alterou o §5º do art. 177 da lei societária,
para dispor que a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, ao elaborar regras
referentes às demonstrações financeiras das companhias abertas, deve observar
os padrões internacionais de contabilidade, adotados nos principais mercados
de valores mobiliários, ou seja, o IFRS também passou a orientar as práticas
contábeis brasileiras.
Diversos aspectos positivos podem ser indicados como advindos das
mudanças nas práticas contábeis, especialmente no caso brasileiro: (i) a
facilitação do ingresso de empresas brasileiras em mercados internacionais; (ii)
a contrapartida para entrada de empresas estrangeiras no Brasil, especialmente
pela uniformização de procedimentos contábeis entre matriz e subsidiária aqui
localizada; (iii) a possibilidade de crescimento da pesquisa em matéria de Ciência
Contábil, no Brasil; (iv) a ampliação do debate entre Direito e Contabilidade,
no que tange aos reflexos legais das novas normas. De outra parte, entretanto,
diversas dificuldades vêm sendo observadas no que se refere à aplicação dos novos
padrões contábeis, com possíveis reflexos jurídicos importantes. Em decorrência
desse fato, parece-nos relevante iniciar um debate sobre o alcance desses novos
padrões, especialmente sua aplicação, bem como dos reflexos legais, dela advindos,
e a interpretação que deles, necessariamente, se fará.

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158 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

2. As diferentes dimensões do IFRS, no Brasil


As novas práticas contábeis introduzidas no País têm reflexos importantes
sob uma grande diversidade de áreas, uma vez que elas se valem da escrituração
contábil e das demonstrações financeiras para desenvolver estudos, análises e,
também, muitas de suas operações. Toda análise do desempenho da atividade
empresarial toma, certamente, as demonstrações financeiras como marco inicial
de informação; em termos científicos de construção de uma teoria voltada à
atividade das empresas, as demonstrações financeiras produzem uma imensa
riqueza de informações.
Do ponto de vista do Direito, muitas são as áreas que se valem de
dados contábeis. Assim o Direito de Empresa, incorporado ao Código Civil,
utiliza a contabilidade para apurar e partilhar os resultados da entidade bem
como para fazer prova de suas atividades, sempre que necessário. O Direito
do Trabalho e Previdência vale-se da escrituração e das demonstrações
contábeis para identificar dados referentes a empregados e contribuições, bem
como gratificações e participações nos lucros; o Direito Societário vale-se
da contabilidade para apurar os resultados das entidades, demonstrando ao
mercado as condições essenciais para atrair investidores. O Direito Tributário
parte dos registros contábeis, inclusive lucro do período, apurado consoante
a contabilidade, para exigir todo tipo de tributo vinculado ou decorrente da
atividade empresarial. Muitas circunstâncias da vida empresarial resultam
afetadas pelos dados contidos na contabilidade: habilitação ou pedido de
falência, habilitação ou solicitação de recuperação judicial, concorrência e
licitação, habilitação em financiamentos e créditos, dentre outras.
Em todas as hipóteses aqui comentadas, sendo a contabilidade instrumento
essencial para obter certos efeitos desejados, a ela estarão associadas as práticas
contábeis, hoje o IFRS, razão pela qual se pode afirmar que essas práticas
podem ser examinadas e utilizadas sob diferentes dimensões, que não a contábil,
propriamente.
A primeira dimensão do IFRS é, sem dúvida, a sua dimensão científica,
o processo de elaboração produzido pelos estudiosos e especialistas, fruto de
meditação e construção científica responsável. Esclarecem, nesse sentido,
Eliseu Martins e Sergio de Iudicibus1(p.seg.) que em matéria contábil é bastante
difícil traçar uma fronteira entre teoria e prática, sendo que o conjunto de
postulados, princípios e normas que explicam a Ciência Contábil ficaram,

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Elidie Palma Bifano - 159

ao longo do tempo, ora com os usuários da contabilidade, os mercadores, ora


com órgãos e entidades reguladoras que definiram estruturas e criaram, por
fim, regras. No caso do IFRS, afirmam os autores, agentes reguladores fazem
ciência e ditam as normas correspondentes. No caso brasileiro, concluímos
nós, hoje o Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC desenvolve essa
tarefa, consoante dispõe a L. 6.385/76, art 10-A, cabendo-lhe o estudo e a
divulgação de princípios, normas e padrões de contabilidade e de auditoria,
podendo os órgãos reguladores do mercado financeiro e de capitais, adotá-los
ou não. Observe-se que vários órgãos reguladores integram o CPC e, nem
por isso, são compelidos a adotar suas regras, total ou parcialmente2, o que
confirma que seus pronunciamentos, originariamente, não são lei de obrigatória
observância, exceto se incorporados ao sistema por determinação legal ou de
agentes e entidades para tanto autorizadas.
A segunda dimensão do IFRS, no Brasil, é seu uso como prática contábil
obrigatória dos contadores e, como decorrência, nas demonstrações financeiras
das entidades onde esses profissionais atuam. A prática contábil gera, de per
si, uma infinidade de situações e casos que devem ser discutidos, alimentando,
certamente, o fluxo da elaboração científica e da criação de novas normas toda
vez que novos negócios ou aspectos forem observados e, após, se for o caso, a
sua inserção no conjunto de regras dos agentes reguladores. A inobservância
pelo profissional e, por decorrência, pela entidade onde ele atua, gera reflexos
jurídicos importantes, uma vez que esses profissionais devem adotar essas
regras, necessariamente3.
A terceira dimensão do IFRS, no Brasil, é a sua adoção, ou não, pelos
agentes reguladores de atividades específicas (Banco Central do Brasil –
BACEN, CVM, Superintendência de Seguros Privados – SUSEP e outros).
Esse nível de incorporação da norma geral lhe dá especificidade de aplicação a
cada tipo de negócio, admitindo, se for o caso, flexibilidades necessárias diante

1 Intangível – Sua Relação Contabilidade/Direito – Teoria. Estruturas Conceituais e Normas –


Problemas Fiscais de Hoje, in Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos),
coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes, 2°vol. São Paulo: Dialética, pp.
69-85, 2011.
2 Essa é a situação das entidades submetidas à fiscalização do BACEN, atualmente, que adotou
apenas parte das regras e, apenas, para os balanços ditos consolidados.
3 O CPC foi criado pela Resolução 1.055/05, do Conselho Federal de Contabilidade,CFC, o que
deixa consignada em lei a obrigação de observância dos Pronunciamentos pelos contadores.

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160 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

de regras maiores do ordenamento jurídico. Incorporado e adotado pelos agentes


reguladores, entretanto, os Pronunciamentos se normatizam, ingressam no
mundo jurídico e passam a gerar reflexos variados colhidos pelo Direito.
A quarta dimensão do IFRS corresponde ao conjunto de consequências,
advindas de seu uso, em outras áreas: neste caso os reflexos no Direito são
relevantes. Questões voltadas ao uso do IFRS podem surgir na medida em que
a nova visão contábil adotada gere ou possa gerar efeitos nas relações jurídicas
que se estabelecem em decorrência das demonstrações financeiras: valor de
patrimônio líquido para efeito de determinação de preço de compra e venda de
participações societárias, ganhos ou perdas de capital geradas para os acionistas
por conta das novas práticas, valor de asseguração de itens atualizados por
critérios diferentes de seu custo de aquisição, demandas judiciais envolvendo
itens valorizados por critérios diversos daqueles registrados em contratos e
por ai afora.
A análise que se procede, daqui para diante, considera as dimensões
apontadas e busca demonstrar a importância e grandiosidade das mudanças
introduzidas pela L. 11.638/2007 e alterações.

3. Breve análise do conteúdo e autonomia do


Direito Contábil
3.1 O que é o Direito Contábil?
Em trabalhos anteriores já tivemos a oportunidade de examinar a amplitude
do que designamos por Direito Contábil, seu conteúdo como ramo do direito que
envolve a positivação de institutos contábeis, hoje inseridos na lei civil e societária,
bem como nas manifestações normativas dos órgãos reguladores de atividades
e de exercício profissional4. O conteúdo do Direito Contábil, na atualidade,

4 Aspectos Contábeis da Lei 11.638/2007: Reflexos Legais, in Direito Tributário, Societário e a reforma
da lei das S/A – Inovações da Lei 11.638, coord. Sergio André Rocha.São Paulo: Quartier Latin,
2008, pp.43-74; O Direito Contábil: Da Lei 11.638/2007 à Lei 11.941/2009, in Direito Tributário,
Societário e a reforma da lei das S/A – Alterações das Leis nº 11.638/07 e n°11.941/09, coord.
Sergio André Rocha. São Paulo: Quartier Latin, 2010, pp.17-204; Contabilidade e Direito:a Nova
Relação, in Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos), coord. Roberto
Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes. São Paulo: Dialética, pp 116-137, 2010; As
Novas Normas de Convergência Contábil e seus Reflexos para os Contribuintes, in Controvérsias
Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos), coord. Roberto Quiroga Mosquera e
Alexsandro Broedel Lopes, 2°vol. São Paulo: Dialética, p.p. 51-68, 2011.

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Elidie Palma Bifano - 161

pode ser assim circunscrito: “... além das disposições da L. 6.404/76, há


normas contábeis emanadas do Código Civil, da CVM, do BACEN, da
SUSEP, dos órgãos formados pelos contadores, das agências reguladoras,
dentre outros,...”5.
Enquadramos o Direito Contábil como ramo específico e autônomo do
Direito Privado, no contexto do sistema jurídico vigente, a partir do momento
em que o Estado positivou valor relevante para a sociedade representado pelos
princípios, estruturas, normas, padrões, metodologia e critério contábeis.
Esse valor é relevante uma vez que a partir dele regulam-se relações de
Direito Privado (contratos societários, p.ex.) e de Direito Público (tributação,
licitação etc.). No Brasil, esse fenômeno de positivação é inegável, posto que
as disposições sobre demonstrações financeiras e escrituração foram inseridas
nas leis societária e civil. A autonomia do Direito Contábil se confirma quando
examinamos os institutos jurídicos que lhe são próprios, rigorosamente as
demonstrações financeiras e a escrituração, desfrutando ele de metodologias
próprias de aplicação e de interpretação, enlaçado que está com a Ciência
Contábil e com a Ciência Econômica. Inserido no grande ramo do Direito
Privado, aplicável às relações entre os cidadãos, o Direito Contábil orienta-se
pelos princípios do Direito Civil.

3.2 Reflexos da aplicação da L. 11.638/2007


Neste momento, diversas questões jurídicas afloram sobre os novos
padrões contábeis em decorrência do tempo decorrido desde sua introdução
(L. 11.638/2007 e alterações), especialmente frente a importantes aspectos
práticos que se colocam, uma vez que por ocasião da veiculação de uma
norma, no sistema jurídico, é impossível ao legislador determinar quais as
dúvidas e questões que ela poderá gerar. Acresça-se a esse fato que, de acordo
com a lei societária, os entendimentos emitidos pelo CPC, quando aprovados
pelos agentes reguladores, também vêm se incorporando a esse o conjunto
normativo, o Direito Contábil, gerando outras tantas perplexidades jurídicas
a serem resolvidas.

5 Cf. Elidie Palma Bifano, Aspectos contábeis da Lei 11.638/07: Reflexos Legais, in Direito Tributário,
Societário e a reforma da lei das S/A – Inovações da Lei 11.638, coord. Sergio André Rocha. São
Paulo: Quartier Latin, 2008, pp. 46.

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162 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

Vale para a L. 11.638/2007 e alterações, a consideração de que a regra


jurídica posta deve ser clara, contudo, na falta de clareza, sempre caberá a
interpretação e essa é a tarefa do operador do direito que assim o fará com
o uso dos instrumentos que o próprio sistema jurídico lhe dá. Há diferentes
níveis de operadores do direito, desde aquele que está compelido à observância
de determinada regra jurídica, no caso presente a entidade obrigada a manter
escrituração e preparar demonstrações financeiras, passando pelos estudiosos
do Direito, até o juiz eventualmente chamado a decidir situação concreta
que lhe é trazida. Nossa tarefa, doravante, será buscar os meios para melhor
interpretar os reflexos da L. 11.638/2007 e alterações, portanto interpretar o
Direito Contábil, no qual ela está inserida.

4. Decorrências da aplicação da L. 11.638/2007:


verificações de fato para obter conclusões de
direito
O nascimento de divergências entre o Direito e a Contabilidade é fenômeno
recente no Brasil, pois até a edição dos novos padrões contábeis a escrituração
contábil e a elaboração das demonstrações financeiras estavam suportadas na
natureza jurídica dos negócios desenvolvidos pelas entidades a tanto obrigadas,
conquanto orientadas por métodos e critérios próprios da ciência contábil. A L.
11.638/2007 e alterações determinaram uma mudança importante no rumo
da contabilidade das entidades, pois os padrões internacionais “...prescindem
de quaisquer razões ou fundamentos jurídicos, afastam-se do negócio jurídico
e caminham pelo mundo da essência econômica...”6. Essa nova realidade deve
ser examinada, com muita cautela e, hoje, passado o período de introdução e
regulação da L. 11.638/2007, é possível inventariar algumas consequências de
sua introdução, que analisaremos divididas por tópicos.

4.1 Aplicação dos novos padrões contábeis:


obrigatoriedade legal

As alterações introduzidas pela L. 11.638/2007 implicaram na introdução, se


não plena, substancial dos padrões contábeis internacionalmente adotados. Além

6 Elidie Palma Bifano, Contabilidade e Direito: a Nova Relação, in Controvérsias Jurídico-Contábeis


(Aproximações e Distanciamentos), coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel
Lopes. São Paulo: Dialética, p. 124, 2010.

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Elidie Palma Bifano - 163

disso, à CVM determinou-se que ao fixar regras contábeis para as companhias


abertas, o fizesse em consonância com esses mesmos padrões internacionais. Dessas
disposições colhem-se algumas consequências: (i) as determinações referentes à
elaboração das demonstrações financeiras, no Brasil, estão contidas nos arts. 176 a
205 da lei societária e observam, essencialmente, os moldes propostos pelos padrões
internacionalmente adotados (balanço patrimonial, demonstração dos lucros ou
prejuízos acumulados, demonstração do resultado do exercício, demonstração
dos fluxos de caixa e demonstração do valor adicionado, esta última se for o caso)
sendo de obrigatória observância por todas as entidades7 que devem elaborar
demonstrações financeiras; (ii) os princípios que norteiam a escrituração
contábil, no Brasil, hoje alinhados aos padrões contábeis internacionais, estão
contidos no art. 177 da lei societária e são, também, de obrigatória observância
por todas as entidades que devem manter escrituração contábil; (iii) a apuração
de lucros e dividendos, a serem distribuídos pelas entidades, somente pode ser
feita na estrita observância dos padrões contábeis dispostos na lei societária,
portanto os padrões internacionalmente aceitos.
Os novos padrões contábeis foram instaurados tendo como premissa a
neutralidade fiscal (art. 177, § 2º da lei societária, na redação da L. 11.941/2009)
garantida pela manutenção dos padrões contábeis vigentes em 31 de dezembro
de 2007, ou seja, os “antigos”, digamos assim, padrões contábeis afastados pela
L. 11.638/2007. Por essa razão, não é incomum que se alegue ser possível deixar
de observar as novas regras contábeis, para manter os padrões “antigos”, sob
o fundamento de que há uma duplicidade de trabalho na estrita observância
da lei societária e da lei tributária, respectivamente, e que nenhum prejuízo
adviria dessa prática se a entidade é, por exemplo, uma sociedade limitada ou
uma companhia fechada. O equívoco é muito grande, entretanto, pois a não
adoção dos padrões contábeis, ditados pela lei societária, traz consequências
importantes para a entidade que se recuse a fazê-lo ou que entenda estar
desobrigada de tanto, por características societárias ou de negócio específicas.
A primeira delas, certamente, é que suas demonstrações financeiras estarão

7 Neste estudo será utilizada a palavra “entidade” para designar o sujeito da obrigação de fazer
a escrituração contábil e elaborar demonstrações financeiras, sendo irrelevante sua natureza
societária e seu objeto social. Para fins contábeis, entidade “que reporta é aquela para a qual
existem usuários que se apoiam em suas demonstrações contábeis como fonte principal de
informações patrimoniais e financeiras sobre a entidade.” (Pronunciamento Conceitual Básico
CPC, item 8).

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164 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

incorretas e, por consequência, sócios e agentes de mercado, inclusive


credores, poderão questionar os números apresentados, exigindo a aplicação
da lei, em sua inteireza. A entidade terá dificuldades para habilitar-se em
concorrências, públicas ou não, uma vez que suas demonstrações financeiras
estão inadequadas, não sendo comparáveis com outras e, por consequência,
sua capacidade operacional sempre será discutível. A habilitação e/ou o pleito
em falências e recuperações judiciais poderão ficar prejudicados por conta de
suas demonstrações financeiras e sua escrituração se mostrarem inadequadas.
O profissional que prepare a escrituração e as demonstrações financeiras
da entidade está compelido a observar as disposições dos órgãos de classe sobre a
matéria. O CFC sempre determinou que, no exercício da profissão, seria obrigatória
a observância dos princípios fundamentais de contabilidade, que se constituíam em
condição de legitimidade das Normas Brasileiras de Contabilidade/NBC (Resolução
CFC 750/93). Mais recentemente, a Resolução 1.055/2005 do CFC criou o
CPC, razão pela qual, entendemos, todos os profissionais da contabilidade
estão adstritos ao cumprimento de suas determinações. Nessas circunstâncias,
o profissional que atue em Contabilidade, em nenhuma hipótese poderá
furtar-se à observância das novas regras introduzidas na lei societária e em seus
desdobramentos específicos através dos pronunciamentos do CPC.
Como se observa, os Pronunciamentos do CPC, isolada e rigorosamente,
não têm qualquer força normativa que os torne de obrigatória observância,
contudo, quando incorporados ao conjunto normativo de agentes que, por lei,
desfrutam do poder de compelir em seus âmbitos de atuação, eles se tornam
lei, com todas as sanções decorrentes de seu eventual não cumprimento. Em
consequência, os Pronunciamentos devem ser observados pelos profissionais
submetidos à regulação do CFC, contudo, se tais instrumentos não forem,
total ou parcialmente, aprovados e incorporados ao conjunto normativo de cada
agente regulador, CVM, BACEN, SUSEP e outros, não passarão de meras
recomendações sobre as melhores práticas contábeis. Observe-se que, até este
momento, os diversos agentes reguladores, no País, por meio de atos infra legais
(instruções, resoluções e similares) vêm aprovando, total ou parcialmente, de
forma expressa, os Pronunciamentos que passam, a partir de então, a integrar seu
corpo normativo. Como decorrência, os Pronunciamentos que se integraram ao
sistema jurídico têm força de lei, a partir de então, sendo sua adoção obrigatória
para aquelas entidades que a esses agentes se submetem.

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Elidie Palma Bifano - 165

A adoção obrigatória, para fins societários, dos novos padrões contábeis


vem acarretando algumas dificuldades práticas importantes e que são de três
naturezas: (i) não conformidade com critérios adotados, internacionalmente,
para fins de convergência contábil; (ii) ausência de normatização, em alguns
casos, acerca dos reflexos das novas práticas e (iii) aplicação da dita neutralidade
tributária que exige trabalhos adicionais que não se referem, apenas, à apuração
do tributo, mas a uma requalificação de procedimentos contábeis.

4.2 Dificuldades práticas na adoção dos novos


padrões e reflexos jurídicos

A lei societária regulou a matéria voltada às novas práticas de forma diversa


daquela adotada pela comunidade internacional, o que vem trazendo algumas
dificuldades em sua implementação e, por outro lado, deixou de prever alguns
importantes aspectos relativos a situações específicas que decorrem da aplicação
dos novos padrões. Nas dificuldades contábeis aqui referidas insere-se, de forma
ampla, a importante questão da neutralidade tributária. Os três temas serão, a
seguir, comentados em seus diversos aspectos.
4.2.1. Não conformidade dos critérios adotados, no
Brasil, com os critérios internacionais adotados para
fins de convergência contábil

Os Pronunciamentos emitidos pelo CPC estão calcados, substancialmente,


no IFRS, contudo o Brasil diverge em sua aplicação no que tange: (i) ao uso
do IFRS que, no exterior, somente é adotado para demonstrações financeiras
ditas consolidadas, de grupos de entidades, que divulgam informações sobre
sua posição patrimonial e financeira, como um todo, para os investidores. As
demonstrações consolidadas não são utilizadas para pagar tributos, dividendos ou
lucros, apenas para informar o mercado sobre dados econômico-financeiros.8 No
Brasil, as demonstrações previstas em IFRS são as individuais, que também
servem de base para o cálculo e pagamento de dividendos e, sempre, ao longo
da história serviram como elemento para o cálculo dos tributos; (ii) ao uso do
método de avaliação de investimentos em controladas e coligadas, pelo critério
da equivalência patrimonial, observadas as condições de lei, enquanto outros

8 Manual de Contabilidade IFRS/CPC: demonstrações financeiras consolidadas / (tradução).


PricewaterhouseCoopers. São Paulo: Saint Paul Ed., 2011, p. 26.

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166 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

países adotam o valor justo e o método da consolidação, cabendo a metodologia


da equivalência ou da consolidação parcial no que se refere a investimentos
com influência significativa.
Esses comentários nos parecem importantes para concluir que a
contabilidade brasileira ainda está distante da real convergência e harmonização
contábeis pretendidas.
4.2.2 Falta de alinhamento entre os órgãos reguladores
Os órgãos reguladores divergem no que tange à adoção irrestrita, ou não,
do IFRS, resultando em dificuldades societárias na apuração de lucros por
entidades que detêm investimentos em controladas submetidas a diferentes
agentes reguladores. Assim ocorre com as determinações do BACEN e da CVM
e, por conseqüência, nas sociedades que têm investidas reguladas por esses dois
agentes. Observe-se que parte dessas divergências decorre da aplicação dos
novos padrões aos balanços individuais, de cada entidade, e não aos balanços
consolidados, como já se comentou.
4.2.3 Falta de regras para reflexos advindos do uso dos
novos padrões

Os novos padrões contábeis, de acordo com Nelson Carvalho 9,


abandonaram o uso de regras para basear-se em princípios. Dessa forma, o
custo histórico como base de avaliação vem perdendo força para o uso do
valor de mercado de ativos e passivos e, mais ainda, o uso do valor justo.
Como decorrência dessas práticas, consideram-se fluxos de caixa futuros o
que enseja, em contrapartida, a geração de lucros decorrentes de ganhos não
economicamente realizados, por exemplo, e que se distribuídos, em certas
circunstâncias, implicam risco de descapitalização indireta.
Essa “riqueza” ainda não realizada pode ser observada como fruto da
aplicação do Pronunciamento CPC 29, que trata dos ativos biológicos e de
sua avaliação a valor justo, assim entendido como o montante pelo qual um
ativo pode ser negociado, ou um passivo liquidado, entre partes interessadas,
conhecedoras do negócio e independentes entre si, abstraídos fatores que

9 Instrumentos Financeiros Híbridos, in Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e


Distanciamentos), coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes, 2°vol. São
Paulo: Dialética, pp. 202-211, 2011.

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Elidie Palma Bifano - 167

pressionem para a liquidação da transação ou que a caracterizem como


compulsória. O fruto dessa avaliação tem como contrapartida um registro
em resultado, receita ou despesa, independentemente de haver qualquer
negociação, pela entidade, desse bem. Isso significa que, no futuro, o valor do
item pode vir a modificar-se. Nessas circunstâncias o registro de uma receita
e por conseqüência de um lucro, suscetível de distribuição, pode gerar efeitos
econômicos e jurídicos relevantes para os investidores, bem como para os
administradores da entidade, uma vez que a lei não determinou sejam tais
receitas objeto de qualquer segregação.10
4.2.4 Falta de critérios compatíveis com atividades sem
fins lucrativos

As atividades sem fins lucrativos, no Brasil, são obrigadas a seguir práticas


não exatamente adequadas a suas finalidades. O Pronunciamento Conceitual
Básico, em seu item 8, esclarece que a Estrutura Conceitual que apresenta se
aplica às demonstrações contábeis de “todas as entidades comerciais, industriais
e outras de negócios que reportam, sejam no setor público ou no setor privado” o
que parece, em princípio, não abarcar, exatamente, a atividade sem fins lucrativos
posto que o conceito de negócio, eminentemente econômico, associa-se ao lucro.
Nessas circunstâncias, muitas dessas entidades que aplicam vultosas somas de
recursos no mercado de capitais para com o fruto desses investimentos aplicar
em seus projetos sociais, não têm o fruto de suas atividades adequadamente
demonstrado.
4.2.5 Reflexos do afastamento de conceitos jurídicos:
neutralidade tributária

O uso da essência econômica, em detrimento da essência jurídica, no caso


brasileiro, torna ainda mais complexa a adoção dos novos padrões contábeis, por
duas especiais razões: (i) o direito brasileiro forma-se pela positivação de valores,
tem seus institutos descritos em lei, valoriza a natureza e a causa jurídicas e,
subsidiariamente, sustenta-se na jurisprudência, no costume e na equidade;
(ii) o direito dos países onde o IFRS nasceu é o direito comum, que trabalha

10 Sobre o tema veja-se Elidie Palma Bifano, As Novas Normas de Convergência Contábil e
seus Reflexos para os Contribuintes, in Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e
Distanciamentos), coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes, 2°vol. São
Paulo: Dialética, pp. 51-68, 2011.

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168 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

com a jurisprudência antes que a lei, valoriza a essência econômica, antes que a
jurídica, suporta-se no costume e na equidade e aplica-se a comunidades com
regras diversas que precisam, por razões políticas, convergir, como é o caso da
Europa, berço de tais normas.
Os reflexos da aplicação dos novos padrões contábeis foram muito bem
examinados por Ricardo Mariz de Oliveira11 que afirma, por força do disposto
no art. 176 da lei societária, deverem as demonstrações financeiras exprimir,
com clareza, a situação do patrimônio da sociedade e as mutações nele ocorridas
durante o exercício social. Prossegue, afirmando que, sendo o patrimônio, por
definição legal, uma universalidade jurídica, e não uma universalidade de fato,
integrada por um conjunto de relações jurídicas, como disposto no Código
Civil, não é possível dissociar o patrimônio da entidade (balanço) das normas
jurídicas aplicáveis às relações nele contidas; por consequência, olvidado esse
aspecto, a contabilidade não mais se prestará a servir como meio de prova, como
determina a lei. Conclui, com muito acerto, que os novos padrões contábeis
nasceram e prosperaram à sombra de sistemas jurídicos diversos dos nossos,
razão pela qual tantas dificuldades se apresentam sobre a matéria.
As Ls. 11.638/2007 e 11.941/2009 lograram realizar a segregação das
práticas contábeis de quaisquer outras, especialmente aquelas voltadas a
finalidades tributárias, preceito de longa data contido na lei societária, mas até
então não concretizado em sua plenitude.12 Assim, o art. 177, § 2º determina
que a entidade observe em registros auxiliares, sem modificação da escrituração
mercantil, as disposições de lei tributária ou de outra legislação especial, que
prescrevam, conduzam ou incentivem a utilização de métodos ou critérios
contábeis diferentes ou determinem registros, lançamentos ou ajustes ou a
elaboração de outras demonstrações financeiras. A absoluta segregação das
práticas contábeis e tributárias se deu com a introdução do chamado Regime
Tributário de Transição/RTT, o qual determinou que os padrões contábeis
aplicáveis, para fins tributários, seriam aqueles vigentes em 31 de dezembro
de 2007 (arts. 16 e segs. da L. 11.941/2009).

11 A Tributação da Renda e sua Relação com os Princípios Contábeis Geralmente Aceitos, in


Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos), coord. Roberto Quiroga
Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes. São Paulo: Dialética, pp. 415-417, 2010.
12 Originariamente, a lei societária previa em seu art. 177, § 2º°que a entidade observasse em
registros auxiliares, sem modificação da escrituração mercantil e das demonstrações exigidas em
lei, as disposições de lei tributária ou de outra legislação especial, que prescrevessem métodos
ou critérios contábeis que dela divergissem.

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Elidie Palma Bifano - 169

O RTT, absolutamente justificável nos primeiros tempos da introdução


dos novos padrões contábeis, perdeu sua razão de ser e mostra-se, sem dúvida,
instrumento de ineficiência tributária, além de afastar-se, cada dia mais, da real
situação econômica e financeira das entidades. A designação RTT, sinônimo de
transitoriedade, perdeu-se, também, a partir do momento em que o regime se
tornou obrigatório (2010), para todos os contribuintes. Com o RTT exige-se
das entidades: (i) preparação de demonstrações financeiras de acordo com os
padrões internacionais; (ii) expurgo das novas práticas e conversão do balanço
às práticas contábeis de dezembro de 2007; (iii) conciliação do balanço ajustado
pelas práticas contábeis de 2007 com as disposições da lei tributária sobre a
matéria; (iv) determinação do lucro a ser tributado.
As metodologias de apuração de resultados, considerando o modelo
contábil atualmente vigente e aquele de 2007, são muito diferentes e as bases de
apuração muito diversas. Todas essas determinações resultam em um retrabalho,
por parte das empresas, com custos adicionais relevantes, e que deve ser avaliado
pelas autoridades para fins de manter ou não o mesmo critério pra fins contábeis
e para fins de apuração de tributos. Além disso, o uso do IFRS no balanço da
entidade (individual) tem gerado polêmicas e dificuldades variadas, sugerindo
alguns que se adote para fins tributários, o balanço societário, em sua inteireza,
pois só esse pode retratar a real situação econômica da entidade. Há uma clara
evidenciação de que a dualidade de balanços leva o Fisco a buscar, cada vez
mais, tributos calculados sobre receita, afastando-se renda e lucros de seu real
suporte fático, considerando-se que esses elementos são essenciais, consoante
a Constituição Federal, para que possa ocorrer a incidência tributária.
Doravante, possivelmente o Poder Judiciário será instado a manifestar-
se sobre a adequada aplicação dessas regras, especialmente em decorrência
do confronto que possa surgir entre a aplicação da essência econômica e da
essência jurídica. A partir de então, certamente, conheceremos de forma clara
o entendimento dos juízes sobre matéria cuja complexidade é indiscutível.
4.2.6 Conclusão sobre as dificuldades práticas na adoção
dos novos padrões e seus reflexos jurídicos

As verificações, de fato, da aplicação da L. 11.638/2007, para se obter


conclusões de direito, tema proposto neste item, podem ser assim resumidas: (i)
as novas práticas vêm ensejando e ensejarão o aparecimento de um sem número
de novas situações e discussões que, à época de sua edição, eram de impossível

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170 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

conhecimento ou percepção por parte do legislador ordinário; (ii) somente a


aplicação e o uso dos novos padrões contábeis possibilitarão a consolidação
de entendimentos relativamente a aspectos não resolvidos pela normatização
vigente; (iii) a norma societária carece, certamente, de uma revisão para
prever outras situações e, nessas condições, uma questão importante deve ser
revisitada: se é adequado veicular padrões contábeis, regras sobre escrituração
mercantil e preparação de demonstrações financeiras, por lei ordinária, sujeita
à elaboração e aprovação do Congresso Nacional, considerando-se a agilidade
da economia e a correspondente resposta da ciência contábil. Esse tema deve
ser reexaminado, com a maior celeridade possível, sob pena de a lei societária,
no que tange às demonstrações financeiras, rapidamente desatualizar-se13; (iv)
os novos padrões contábeis, adotados nos balanços individuais, desconhecem
os negócios jurídicos, afastam a aplicação da lei civil e representam risco de mal
entendidos com reflexos danosos para os negócios; (v) o sistema de neutralidade
tributária é ineficiente e não consegue resolver problemas relevantes, de interesse
do Fisco e do contribuinte.
As questões aqui propostas nos levam ao tema fundamental deste estudo;
a intepretação do Direito Contábil.

5. Ampliação do debate entre Direito e


Contabilidade: a interpretação do Direito
Contábil
O estudo e a divulgação de princípios, normas e padrões de contabilidade
e de auditoria, no Brasil, por força de lei, é feito pelo CPC; considerando-se
que a ciência contábil, mundialmente, converge e se harmoniza por meio do
IFRS, cabe, também, ao CPC divulgá-lo no Brasil. O IFRS resulta incorporado
ao sistema jurídico brasileiro, por conta da lei societária e da normatização
exercida pelos órgãos reguladores do mercado financeiro e de capitais, que ao
adotá-los, determinam sejam eles observados pelas entidades que lhes estão
submetidas. Por essa razão anotamos que o IFRS desdobra -se em diferentes

13 Sobre as dificuldades que resultam da positivação dos padrões contábeis, veja-se Elidie Palma
Bifano, Aspectos contábeis da Lei 11.638/07: Reflexos Legais, in Direito Tributário, Societário e a
reforma da lei das S/A – Inovações da Lei 11.638, coord. Sergio André Rocha. São Paulo: Quartier
Latin, 2008, pp. 45-47.

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Elidie Palma Bifano - 171

dimensões, inserido que está em nosso sistema jurídico: essas várias dimensões
determinarão quem são os usuários e destinatários dessas regras, formadoras
do Direito Contábil, a quem caberá sua interpretação, sem que, entretanto,
estejam eles assumindo a função que aos contadores cabe.

5.1 Quais são as regras de interpretação aplicáveis ao


Direito Contábil?
Como ramo do Direito é essencial abordar os métodos de interpretação
aplicáveis ao Direito Contábil. Enfatiza Carlos Maximiliano14 que preceito
preliminar e fundamental de interpretação é definir de modo preciso o caráter
especial da norma e a matéria de que é objeto, indicando o ramo de Direito a
que pertence. A lei societária regula matéria de direito privado, relações entre
cidadãos, hoje colhida pelo Direito Civil, razão pela qual as regras voltadas ao
Direito Contábil devem ser interpretadas consoante os princípios aplicáveis
ao Direito Civil. A norma de Direito Civil é objeto de interpretação quando
o operador do Direito, em caso concreto, é chamado a aplicá-la, oportunidade
em que devem ser consideradas as disposições da Lei de Introdução ao Código
Civil/LICC, DL 4.657/42. Alguns aspectos relevantes devem ser comentados,
considerando-se que a Ciência Contábil evolui à medida que novas necessidades
surgem e, nem sempre, a norma jurídica que registra a prática contábil é
suficientemente ágil para acompanhar essas novidades.
(i) vigência (art. 2º, LICC): em resumo, a norma vigora até que
outra a revogue, expressamente, por incompatibilidade ou porque
regula por inteiro a matéria, considerando-se que lei nova que
estabeleça disposições gerais ou especiais não revoga nem modifica
a lei anterior e lei revogada não restaura lei anterior revogadora.
Esse dispositivo impede que normas infralegais alterem padrões
dispostos na lei societária, ainda que a prática contábil assim o exija
ou venha a ser assim determinado. Observe-se que essa restrição
é indicativa de que outro deve ser o veículo legal para introduzir
os padrões contábeis no sistema jurídico, como já comentado;
(ii) observância da lei (art. 3º, LICC): o dispositivo em apreço
determina que ninguém pode deixa de cumprir a lei sob alegação

14 Hermenêutica e Aplicação do Direito, 9ª ed., 3ª tir. Rio: Forense, 1984, p. 303.

Direito Tributário Societário Vol. III.indd 171 29/5/2012 18:02:50


172 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

de que não a conhece. A regra é princípio inserido no sistema


constitucional e, no caso do Direito Contábil, também aplicável,
implica que Pronunciamentos normatizadas são lei e o que aqueles
que estão autorizados a emitir tais normatizações observem os
padrões dispostos na lei societária;
(iii) aplicação da lei pelo juiz ( arts. 4º e 5 º, LICC): ao juiz, aplicador
da norma, o legislador determina que na omissão da lei se aplique
a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, além
de que sejam atendidos aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum. Em matéria de Direito Privado é
usual que o julgador se valha da analogia, pois casos similares
devem ser tratados sob os mesmos conceitos, inclusive como
forma de preservar a equidade (justa aplicação do Direito), a
que nossa LICC não faz referência expressa embora inserida no
sistema por conta dos princípios gerais, não expressos, porém seus
sustentáculos. Sendo a norma de Direito Contábil omissa, o juiz
deverá agir em conformidade com o sistema e buscar a solução
mais adequada ao caso concreto. Os fins sociais pretendidos pela
norma, inclusive de Direito Contábil, devem harmonizar-se com
os ditames da Lei Maior;
(iv) respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa
julgada (art. 6º, LICC) : a norma de Direito Contábil não pode
ferir qualquer uma destas situações previstas na LICC, ou seja,
ter efeito retroativo, retirar direitos ou ofender a coisa julgada pela
introdução de práticas que gerem tais efeitos, seja por lei ordinária
seja por norma infralegal.
Além das disposições contidas na LICC, há outras não escritas que os
juízes utilizam na interpretação das normas jurídicas; também a esse arcabouço
de regras, não escritas, mas aplicáveis por força da jurisprudência e dos usos e
costumes dos tribunais, submetem-se as regras de Direito Contábil, podendo o
operador do Direito delas se valer no momento de tomar suas decisões.

5.2 O Pronunciamento do CPC é norma integrante


do Direito Contábil?

O Pronunciamento emanado do CPC é fruto de trabalho, efetuado por


estudiosos da Ciência Contábil, cujo objetivo é a divulgação de princípios, normas

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Elidie Palma Bifano - 173

e padrões de contabilidade e de auditoria. As funções do CPC, bem como sua


composição, é dada pelos já referidos arts. 10 e 10-A da L. 6.385/76, na redação da
L. 11.638/2007, e do art. 177, §§3ºe 5º da lei societária e, na hipótese de o CPC
extrapolar do exercício da tarefa de estudar e editar Ciência Contábil, através dos
Pronunciamentos,, haveria um descumprimento das normas que o criaram e lhe
atribuíram suas funções. A adoção do Pronunciamento é facultativa, inclusive
para os órgãos que integram o próprio CPC; nessas circunstâncias, duas situações
de fato se apresentam: (i) se o Pronunciamento não for adotado pelo agente
regulador, ele não se revestirá da característica de norma jurídica, remanescendo,
isso sim, com importante instrumento de interpretação, enquadrando-se como
princípio orientador de boas práticas contábeis, porém não integrante do Direito
Contábil; (ii) se o Pronunciamento for adotado pelo agente regulador, ele será de
obrigatória observância, inserido no sistema jurídico e seu descumprimento poderá
ter consequências, também jurídicas, relevantes, integrando o Direito Contábil.
Qual é a decorrência legal de o Pronunciamento ser uma norma integrada
no sistema jurídico brasileiro, de obrigatória observância pelas entidades às quais
se dirige? A principal decorrência é a sua inserção nas regras de interpretação do
Direito Civil; assim, determinação contida em Pronunciamento que extrapole às
disposições societárias, referendada e adotada por agente regulador será tida por
ilegal. A ilicitude, porém, somente nascerá coma adoção do Pronunciamento,
porque enquanto não adotado, ele é exercício de atividade científica, sem
qualquer repercussão prática.

5.3 A adoção dos Pronunciamentos do CPC pelo


CFC: conflito com agentes reguladores?
A Resolução 1.055/2005 do CFC criou o CPC, o que já nos levou à
conclusão de que os profissionais da Contabilidade estão obrigados a observar
as recomendações contidas nos Pronunciamentos, sob pena de sofrerem sanções
por parte de seus pares. A questão não é nova, mas se torna relevante quando
o profissional responde pela contabilidade de uma entidade submetida a órgão
regulador que não adota os Pronunciamentos, total ou parcialmente, como é o
caso do BACEN. Nessa situação, parece claro que o contador deve observar as
práticas contábeis impostas pelo regulador da atividade econômica específica,
não cabendo nenhum tipo de especial sanção por parte do CFC. Ressalte-se que
as disposições emanadas dos conselhos profissionais, reconhecidos legalmente,
inserem-se no sistema jurídico brasileiro.

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174 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

5.4 Cabe interpretar o Pronunciamento do CPC? A quem


cabe?

O Pronunciamento do CPC, antes de tudo, objetiva comunicar e


compartilhar com um grupo de pessoas, informação sobre matéria contábil.
O Pronunciamento, portanto, é um veículo de comunicação cujo objetivo é,
consoante a lei, divulgar princípios, normas e padrões de contabilidade e de
auditoria. Como todo veículo de comunicação, o Pronunciamento está sujeito
a formulações que podem ensejar dúvidas ou questionamentos na sua aplicação,
sob dois diferentes aspectos: (i) que a aplicação se faça a situações concretas
que podem variar e (ii) que o ser humano ao comunicar-se peca, muitas vezes,
pela falta de clareza.
A exemplo do que ocorre com o IFRS, no exterior, os Pronunciamentos do
CPC submetem-se a interpretações (ICPC), sempre que necessário. No exterior,
o Comitê de Interpretações do IFRS, denominado IFRIC (International
Financial Reporting Interpretations Committee) tem por função auxiliar o órgão
encarregado de editar os pronunciamentos (IASB – International Accounting
Standards Board) no estabelecimento e melhoria das normas de contabilidade e
dos relatórios financeiros, em benefício dos usuários. O papel da interpretação,
nos estritos termos do Texto Consolidado das Normas Internacionais de
Relatório Financeiro divulgadas pelo IASB15, é fornecer orientação tempestiva
sobre questões recém-identificadas e ainda não tratadas, especificamente, nos
pronunciamentos onde a matéria foi desenvolvida. Pode, também, ocorrer, que
a matéria tenha sido tratada de forma inadequada, insatisfatória ou conflitante,
dai a necessidade de editar a interpretação para que se permita uma aplicação
rigorosa e uniforme do pronunciamento.
O sistema de interpretação adotado, no exterior e refletido no Brasil,
pode ser designado, nos termos adotados pelo Direito, como autêntico, pois
a manifestação é, como se observa, oriunda da própria entidade que veiculou
o Pronunciamento. Esse dado é relevante para que se conclua que nenhum
Pronunciamento é completo, perfeito ou definitivo. Neste momento o
CPC já emitiu diversas interpretações sobre Pronunciamentos, devendo as

15 Normas Internacionais de Relatório Financeiro (IFRS), incluindo Normas Internacionais de


Contabilidade (IAS) e Interpretações, aprovadas em 1° de janeiro de 2008, trad., 1° vol. São Paulo:
IBRACON, Instituto dos Auditores Independentes do Brasil, 2009.

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Elidie Palma Bifano - 175

interpretações ser consideradas para fins de aplicação dos Pronunciamentos, por


parte dos seus usuários. Se o CPC interpreta seus Pronunciamentos, é razoável
admitir-se que os usuários dos Pronunciamentos assim o façam, no momento
da aplicação dessas recomendações. Conclui-se, portanto, que a interpretação
do conteúdo dos Pronunciamentos do CPC cabe, em primeira mão aos seus
destinatários e, em qualquer hipótese, ao CPC.

5.5 O Pronunciamento CPC incorporado ao Direito


Contábil: a quem cabe sua interpretação?
O Pronunciamento incorporado no sistema jurídico brasileiro, de
obrigatória observância, transforma-se em lei, integra o Direito Contábil e,
portanto, será objeto de interpretação do operador do Direito. Nesse sentido,
será verificado se ele cumpre sua função no sistema jurídico, se o seu conteúdo
não extrapola a abrangência que por lei lhe foi atribuída e seu conteúdo
normativo; é essencial que a aplicação dos princípios, normas e padrões de
contabilidade e de auditoria que estão por ele sendo divulgados, estejam
enquadrados nas determinações da lei societária.
Obser ve-se, com clareza, como as diferentes dimensões dos
Pronunciamentos estão aqui sendo colhidas: (i) a interpretação do operador
da Contabilidade, estudioso, contador ou administrador de entidade obrigado
a aplicar as recomendações contidas no Pronunciamento, por determinação
do CFC, envolvendo puramente a matéria contábil; (ii) a interpretação do
operador de Direito, estudioso, advogado ou juiz examinando a pertinência
do Pronunciamento frente aos princípios que regem a edição ou aplicação
do Direito nacional. É essencial que se trace a diferença dos conteúdos
interpretativos do operador da Contabilidade e do operador do Direito, assim
como os níveis em que tudo isso se processa, sob pena de se atribuir ou avocar
o jurista na tarefa de interpretar princípios, normas e métodos contábeis, o que
não se concilia com a formação e capacitação desses profissionais. Ressalte-se
que a tarefa de interpretar o Pronunciamento, sob o ponto de vista contábil, é,
exclusivamente, do profissional da Contabilidade ainda que esse Pronunciamento,
ao ser convertido em lei, apresente aspectos de ilegalidade quando confrontado
com a lei societária.
A disposição legal, em matéria contábil, pode submeter-se ao crivo de
diversas interpretações, considerando as diferentes visões e repercussões que

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176 - Novos aspectos do Direito Contábil: Lei nº 11.638/2007...

norma contábil pode ensejar. Em um processo judicial em que se examina a


aplicação de uma regra contábil de obrigatória observância, o juiz pode pedir
a presença de um representante de órgão regulador, considerando a aplicação
da regra contábil e o interesse de investidores e do mercado, em geral, e de
um contador, especialista que possa indicar a melhor prática contábil a ser
adotada para aquele modelo de negócio ou de atividade. Certamente que
o juiz, no momento de pronunciar-se, louvar-se-á na manifestação desses
especialistas para eliminar dúvidas. Sua conclusão será sobre a aplicação da
lei, pois seus limites, como operador do Direito, não lhe permitem tratar de
matéria puramente contábil. Essas são algumas das muitas visões que os novos
padrões contábeis podem ter.

5.6 A interpretação dos Pronunciamentos: a grande


distinção entre a interpretação contábil e a jurídica

Os Pronunciamentos do CPC representam a manifestação dos contadores


a respeito do tratamento contábil de fenômenos da vida empresarial. A
contabilidade trabalha com essências econômicas e busca entender e interpretar
a intenção que as partes tiveram em um negócio, mas a intenção que se colhe
através da leitura do fenômeno econômico. À Contabilidade são irrelevantes os
modelos contratuais tipificados em lei, ainda que aceitos pelas partes, se de um
contrato tipificado, dadas as condições em que é firmado e dos efeitos gerados
infere-se coisa diversa daquela que o contrato consignou. O Direito positiva
valores sociais e determina a causa jurídica manifestada no negócio escolhido e
assim desenhada em lei. Para fins jurídicos é essencial que a intenção das partes,
identificada contratualmente, se exteriorize e se firme consoante o modelo legal;
o Direito não convive com a declaração diversa da vontade manifestada ou
colhida por outros elementos que não, exclusivamente, a declaração de vontade.
A Contabilidade e o Direito, como se observa, tomam a atividade empresarial
e a examinam e qualificam segundo seus enfoques, econômico ou jurídico.
Para fins contábeis a propriedade legal, ou os direitos que dela decorrem,
por exemplo, não são suficientes para qualificar um item, devendo ser
examinados outros elementos como, por exemplo, benefícios econômicos futuros
por ele gerados. Para fins jurídicos, a propriedade legal ou os direitos que dela
decorrem são essenciais para se definir situações jurídicas, responsabilidades
e similares. Por essa razão, o Pronunciamento contábil, emitido pelo CPC,
resultará lastreado e deve ser interpretado segundo as essências econômicas

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nele contidas; uma vez incorporado ao sistema jurídico, por agente regulador
ou por norma específica, caberá seu exame a partir da natureza jurídica que
lhe foi atribuída pela lei, aplicando-se seu conteúdo econômico, nos estritos
termos e situações em lei definidos.

5.7 Conclusão
A matéria aqui tratada demonstra que estamos apenas no início de
um novo período envolvendo o Direito e a Contabilidade não cabendo, em
nenhuma hipótese, a afirmativa de que a interpretação da matéria contábil é de
exclusiva competência do contador ou de que o estudioso do Direito deva dela
afastar-se. O que é certo é que as diversas dimensões do IFRS permitem concluir
que um Pronunciamento contábil envolve a participação de muitos especialistas,
uma vez que a Contabilidade volta-se a fatos econômicos que nascem no
seio da atividade empresarial, cuja riqueza imensa exige o conhecimento e a
participação de muitas áreas do saber.

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Capítulo VII

O Regime Tributário do
Consórcio de Empresas

Fábio Martins de Andrade


Advogado em São Paulo, cotitular de Andrade Advogados Associados, e Doutor
em Direito Público pela UERJ.

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Fábio Martins de Andrade - 181

1. Introdução

Em linhas gerais, o consórcio de empresas é constituído, mediante a


celebração de um contrato, por duas ou mais entidades, por prazo determinado,
com as seguintes características: a) objetivo comum para execução de determinado
projeto, empreendimento ou prestação de serviço; b) administrado pela empresa
designada líder; e c) não se confunde com os grupos de sociedades.
Na prática, os principais tipos de consórcios são constituídos para: a)
execução de grandes obras de engenharia; b) atuação no mercado de capitais;
c) acordos exploratórios de serviços de transporte; d) exploração de atividades
minerais e correlatas; e) atividades de pesquisa ou uso comum de tecnologia;
e f ) licitações públicas.1 
O consórcio é a reunião de diferentes empresas que buscam conjugar
esforços para o objetivo comum na execução de certo projeto, empreendimento
ou prestação de serviço.2
Dada a manutenção da distinção da personalidade jurídica das empresas
envolvidas é forma bastante usada na realização de grandes projetos. Com os
empreendimentos de grande porte que se avizinham no horizonte, recentemente
verificou-se modificação legislativa referente ao regime tributário do consórcio
de empresas.
Nesse sentido, confira trecho da análise elaborada pelo Senador Gim
Argello quando do trâmite da referida alteração legislativa:

1 Essas características principais foram mencionadas na parte específica de conceituação e


disposições gerais previstas na NBC T 10.20 aprovada pela Resolução CFC nº 1.053/2005.
Posteriormente, ela foi revogada pela Resolução CFC nº 1.242/09, publicada em 04.12.2009,
que aprova a NBC T 19.38 sobre o Investimento em Empreendimento Controlado em Conjunto
(Joint Venture), a qual não faz referência expressa ao consórcio. Posteriormente, a Resolução CFC
nº 1.329/2011 alterou a sigla e a numeração de normas, interpretações e comunicados técnicos,
passando de NBC T 19.38 para NBC TG 19. Desse modo, embora as partes relacionadas ao registro
contábil e às demonstrações contábeis tenham sido expressamente revogadas, entendemos que
aquela noção anteriormente posta sobre consórcio e seus principais tipos podem ser usados a
título ilustrativo.
2 Registramos desde logo que o consórcio de empresas objeto do presente estudo não se confunde
com os sistemas de consórcios e sorteios previsto no inciso XX do art. 22 da Constituição da
República e tampouco com o Sistema de Consórcio tratado pela Lei nº 11.795/2008, que se
destina a propiciar o acesso ao consumo de bens e serviços, constituído por administradoras de
consórcio e grupos de consórcio.

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182 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

“Se o consórcio é a forma mais usual de se juntar esforços de


pessoas jurídicas distintas na realização em comum de grandes
empreendimentos, é com premência que teremos de estabelecer
definitivamente a legislação tributária que lhe seja aplicável. Afinal,
são vários os projetos de grande porte previstos para o futuro imediato:
exploração do pré-sal, realização da Copa das Confederações, da Copa
do Mundo e das Olimpíadas, construção do ‘trem-bala’, só para ficar
naqueles com maior visibilidade”.3 
Antes de examinar a alteração legislativa, trazida inicialmente pela Medida
Provisória nº 510, posteriormente convertida na Lei nº 12.402/2011, impõe-
se lembrar alguns passos que contribuirão para a adequada compreensão do
cenário existente na prática empresarial de uso do consórcio nos últimos anos.
De fato, cabe rever o panorama legislativo e dos atos regulamentares
pertinentes ao tema no direito brasileiro posto. Nesse contexto, assume
especial relevo os arts. 278 e 279 da Lei das Sociedades por Ações (LSA) e
a IN RFB nº 834/2008. Além disso, cabe mencionar a jurisprudência e as
orientações emanadas tanto no âmbito administrativo como também na seara
judicial acerca do regime tributário do consórcio de empresas.
Delineado o cenário no qual se insere o advento da Lei nº 12.402/2011,
percorreremos o seu trâmite desde a edição da Medida Provisória nº 510, o
Projeto de Lei de Conversão (PLV ) nº 6/11 e o texto final aprovado da lei,
inclusive comparando a redação inicialmente proposta pela Presidência da
República e a redação, ao final, aprovada no Congresso Nacional.
Desse modo, objetivamos delinear de maneira clara quais foram as
principais modificações sofridas no regime tributário do consórcio de
empresas, com vistas a elucidar a tomada de decisão dos gestores de grandes
empresas no uso, que se espera seja cada vez maior, do consórcio para a
consecução dos projetos e empreendimentos que são tão necessários ao
País atualmente.

3 Cf. trecho da análise relativa à relevância e urgência da Medida Provisória nº 510, promovida
pelo Senador Gim Argello, quando da elaboração do parecer aprovando o PLV nº 6, de 2011.
Disponível no sítio eletrônico do Senado Federal: http://www.senado.gov.br/atividade/Materia/
detalhes.asp?p_cod_mate=99546. Acesso em: 24.05.2011.

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Fábio Martins de Andrade - 183

2. Arcabouço legislativo
2.1. LSA
A Lei nº 6.404/76 dispõe sobre as Sociedades por Ações (Lei das
Sociedades por Ações – LSA). Em capítulo específico, a lei disciplina os aspectos
societários do consórcio nos arts. 278 e 279.
O caput do art. 278 preceitua que as companhias e quaisquer outras
sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para
executar determinado empreendimento, observado o disposto neste capítulo da lei.
A execução de determinado empreendimento capaz de motivar a
constituição do consórcio geralmente dá-se por prazo determinado. Todavia,
é possível que o sucesso da constituição do consórcio leve a uma (ou mais)
prorrogação(ões) e, no limite, permaneça até por tempo indeterminado.
A despeito de não ter personalidade jurídica, o consórcio é administrado
pela empresa consorciada líder. A relação entre as pessoas jurídicas envolvidas
na constituição do consórcio é contratual, e é nessa medida (proporção) que
cada uma responde por suas obrigações, além das demais condições ali previstas.
Não há presunção de solidariedade.4 
Esse é o teor do § 1º do art. 278, que dispõe: “O consórcio não tem
personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições
previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações,
sem presunção de solidariedade”.
O art. 279 dispõe sobre os requisitos necessários à elaboração do contrato
referente à constituição do consórcio:
“Art. 279. O consórcio será constituído mediante contrato aprovado
pelo órgão da sociedade competente para autorizar a alienação de
bens do ativo não-circulante, do qual constarão:

4 A respeito da solidariedade dos sujeitos passivos, o Código Tributário Nacional preceitua que: “Art.
124. São solidariamente obrigadas: I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que
constitua fato gerador da obrigação principal; II – as pessoas expressamente designadas por lei.
Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem. Art.
125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade: I – o
pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais; II – a isenção ou remissão de
crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo,
nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo; III – a interrupção da prescrição, em
favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica os demais”.

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184 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

I – a designação do consórcio, se houver;


II – o empreendimento que constitua o objeto do consórcio;
III – a duração, endereço e foro;
IV – a definição das obrigações e responsabilidade de cada sociedade
consorciada, e das prestações específicas;
V – normas sobre recebimento de receitas e partilha de resultados;
VI – normas sobre administração do consórcio, contabilização,
representação das sociedades consorciadas e taxa de administração,
se houver;
VII – forma de deliberação sobre assuntos de interesse comum, com
o número de votos que cabe a cada consorciado;
VIII – contribuição de cada consorciado para as despesas comuns,
se houver.
Parágrafo único – O contrato de consórcio e suas alterações serão
arquivados no registro de comércio do lugar da sua sede, devendo a
certidão do arquivamento ser publicada”.
O elenco acima é cumulativo e traz as condições mínimas para o contrato
de constituição do consórcio, sem prejuízo de outras disposições necessárias
ao seu funcionamento. Exemplo disso é que na hipótese de falência de uma
das consorciadas, os créditos que porventura tiver serão apurados na forma
prevista no contrato de consórcio, consoante prevê o § 2º do art. 278 da LSA.
Além disso, o dispositivo estabelece que a falência de uma consorciada não se
estende às demais. Nesse caso, o consórcio subsiste com as outras contratantes.

2.2. Atos regulamentares


No plano regulamentar, a Instrução Normativa RFB nº 834, publicada
no Diário Oficial da União em 28.03.2008, dispõe sobre procedimentos fiscais
dispensados aos consórcios constituídos nos termos dos arts. 278 e 279 da LSA.
O consórcio e as pessoas jurídicas consorciadas deverão observar o disposto
na referida Instrução Normativa, para efeitos do Imposto sobre a Renda da
Pessoa Jurídica (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL),
da Contribuição para o PIS/Pasep, da Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social (Cofins) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI),
consoante estabelece o art. 1º da IN RFB nº 834/2008.

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Fábio Martins de Andrade - 185

O art. 2º esclarece que: “Às receitas, custos, despesas, direitos e obrigações


decorrentes das operações relativas às atividades dos consórcios aplica-se o
regime tributário a que estão sujeitas as pessoas jurídicas consorciadas”.
Para esse efeito, cada pessoa jurídica participante do consórcio (empresa
consorciada) deverá apropriar suas receitas, custos e despesas incorridos,
proporcionalmente à sua participação no empreendimento, conforme
documento arquivado no órgão de registro, consoante determina o caput do
art. 3º. O § 1º prevê que essa regra se aplica para efeito da determinação do
lucro real, presumido ou arbitrado, e da base de cálculo da CSLL.
Cuidando-se dos aspectos especificamente contábeis, cabe registrar as
seguintes regras previstas na IN RFB nº 834/2008, com a redação dada pela
IN RFB nº 917/2009:
“Art. 3º (...).
§ 2º. A empresa líder do consórcio deverá manter registro contábil
das operações do consórcio por meio de escrituração segregada na
sua contabilidade, em contas ou subcontas distintas, ou mediante a
escrituração de livros contábeis próprios, devidamente registrados
para este fim.
§ 3º. Os registros contábeis das operações no consórcio, efetuados
pela empresa líder, deverão corresponder ao somatório dos valores das
receitas, custos e despesas das pessoas jurídicas consorciadas, podendo
tais valores serem individualizados proporcionalmente à participação
de cada consorciada no empreendimento.
§ 4º. Sem prejuízo do disposto nos §§ 2º e 3º, cada pessoa jurídica
consorciada deverá efetuar a escrituração segregada das operações
relativas à sua participação no consórcio em seus próprios livros
contábeis, fiscais e auxiliares.
§ 5º. Os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal utilizados
para registro das operações do consórcio e os comprovantes dos
lançamentos neles efetuados deverão ser conservados pelas empresas
consorciadas até que ocorra a prescrição dos créditos tributários
decorrentes de tais operações”. 5

5 Confira a redação original dos dispositivos em foco: “§ 2º. O consórcio deverá manter registro
contábil das operações em Livro Diário próprio, devidamente registrado; § 3º. O registro

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186 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

O faturamento correspondente às operações do consórcio, reza o caput do


art. 4º, será efetuado pelas pessoas jurídicas consorciadas, mediante a emissão
de Nota Fiscal ou Fatura próprios, proporcionalmente à participação de cada
uma no empreendimento.
Nas hipóteses autorizadas pela legislação do ICMS e do ISS, a referida
Nota Fiscal ou Fatura poderá ser emitida pelo consórcio no valor total.6 Nesse
caso, o consórcio remeterá cópia da Nota Fiscal ou Fatura às pessoas jurídicas
consorciadas, indicando na mesma as parcelas de receitas correspondentes
a cada uma para efeito de operacionalização do disposto no caput do art. 3º
anteriormente mencionado. Além disso, no histórico de tais documentos
deverá ser incluída informação esclarecendo tratar-se de operações vinculadas
ao consórcio, consoante preceitua o § 3º do art. 4º da IN RFB nº 834/2008.
A contribuição ao PIS e à COFINS relativas às operações correspondentes
às atividades dos consórcios será apurada pelas pessoas jurídicas consorciadas
proporcionalmente à participação de cada uma no empreendimento, observada
a legislação específica. De igual modo, os créditos referentes a tais contribuições
não-cumulativas, relativos aos custos, despesas e encargos vinculados às receitas
das operações do consórcio, serão computados nas pessoas jurídicas consorciadas
proporcionalmente à participação de cada uma no empreendimento, observada
a legislação específica (art. 5º).
O art. 6º dispõe que nos pagamentos decorrentes das operações do
consórcio sujeitos à retenção na fonte do imposto de renda, da CSLL, da
contribuição ao PIS e da COFINS, na forma da legislação em vigor, a retenção
e o recolhimento devem ser efetuados em nome de cada pessoa jurídica
consorciada, proporcionalmente à sua participação no empreendimento.

contábil das operações no consórcio deverá corresponder ao somatório dos valores das parcelas
das pessoas jurídicas consorciadas, individualizado proporcionalmente à participação de cada
consorciado no empreendimento; § 4º. Sem prejuízo do disposto nos §§ 2º e 3º, a escrituração
das operações objeto do consórcio, relativas à participação das pessoas jurídicas consorciadas,
deverá ser efetuada em suas respectivas contabilidades, em livros contábeis, fiscais e auxiliares
próprios; § 5º. Os livros utilizados para registro das operações do consórcio e os documentos que
permitam sua perfeita verificação deverão ser mantidos pelo consórcio e pelas pessoas jurídicas
consorciadas pelo prazo de decadência e prescrição estabelecidos pela legislação tributária”.
6 Essa redação do § 1º do art. 4º da IN RFB nº 834/2008 foi dada pela IN RFB nº 917/2009. Eis
a redação original: “Nas hipóteses autorizadas pela legislação do Imposto sobre Operações
relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual
e Intermunicipal (ICMS), a Nota Fiscal ou Fatura de que trata o caput poderá ser emitida pelo
consórcio, observada a apropriação de que trata o caput do art. 3º”.

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Fábio Martins de Andrade - 187

De igual modo, nos recebimentos de receitas decorrentes das operações do


consórcio sujeitas à retenção do imposto de renda, da CSLL, da contribuição
ao PIS e da COFINS, na forma da legislação em vigor, a retenção deve ser
efetuada em nome de cada pessoa jurídica consorciada, proporcionalmente à
sua participação no empreendimento, consoante preceitua o art. 7º.
O art. 8º estabelece que:
“Art. 8º. Se das operações do consórcio decorrer industrialização de produtos,
os créditos referentes às aquisições de matérias-primas, de produtos
intermediários e de material de embalagem e os débitos referentes ao IPI
serão computados e escriturados, por estabelecimento da pessoa jurídica
consorciada, proporcionalmente à sua participação no empreendimento
industrial, conforme documento arquivado no órgão de registro.
§ 1º. Na hipótese do caput, o consórcio deverá figurar no documento
fiscal de aquisição.
§ 2º. O disposto neste artigo aplica-se inclusive no caso de as pessoas
jurídicas operarem sob a forma de condomínio em um mesmo
estabelecimento industrial”.7 
O art. 9º prevê que, para efeito do disposto na IN RFB nº 834/2008, não
será admitida a comunicação de créditos e débitos: I – da contribuição ao PIS
e à COFINS entre pessoas jurídicas consorciadas; e II – do IPI entre pessoas
jurídicas consorciadas ou entre estabelecimentos destas.8 

7 Esta dicção do dispositivo contempla a redação dada pela IN RFB nº 1.057/2010. Eis a redação anterior:
“Às operações de consórcio autorizado por órgão competente de defesa da ordem econômica
aplica-se o disposto nesta Instrução Normativa. § 1º. O disposto no caput aplica-se inclusive na
hipótese de venda de bens ou de serviços de forma continuada, ainda que por intermédio das
pessoas jurídicas consorciadas. § 2º. Na hipótese do § 1º, se das operações do consórcio decorrer
industrialização de produtos: I – os créditos referentes às aquisições de matérias-primas, de produtos
intermediários e de material de embalagem e os débitos referentes ao IPI serão computados e
escriturados, por estabelecimento da pessoa jurídica consorciada, proporcionalmente à sua
participação no empreendimento industrial, conforme documento arquivado no órgão de registro;
II – o consórcio deverá figurar no documento fiscal de aquisição. § 3º. O disposto neste artigo
aplica-se inclusive no caso de as pessoas jurídicas operarem sob a forma de condomínio em um
mesmo estabelecimento industrial”. O art. 10 da IN RFB nº 834/2008 foi revogado pela IN RFB nº
1.057/2010 e tinha a seguinte redação: “Art. 10. O regime fiscal de que trata o art. 8º depende de
autorização da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) que disporá sobre o regime especial
de escrituração fiscal e de apuração do IPI e das contribuições, bem assim os termos, limites e
condições para sua implementação. Parágrafo único. O descumprimento das normas estabelecidas
no regime especial de que trata o caput acarretará o cancelamento da autorização”.
8 Essa redação foi dada pela IN RFB nº 917/2009. Confira a redação anterior: “Art. 9º. Para efeito
do disposto nesta Instrução Normativa, não será admitida a comunicação de créditos e débitos
da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins ou do IPI entre pessoas jurídicas consorciadas ou
entre os estabelecimentos destas”.

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188 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

Uma vez verificado o teor dos principais dispositivos que regulamentam


os procedimentos fiscais dispensados aos consórcios constituídos nos termos
dos arts. 278 e 279 da LSA, contidos na IN RFB nº 834/2008, cabe mencionar
outros diplomas regulamentares pertinentes ao tema em foco.
Nesse sentido, cabe registrar que, em 11.02.1998, foi publicada a IN SRF
nº 14, que dispôs sobre a obrigação do consórcio se inscrever no Cadastro Geral
de Contribuintes – CGC. Esse ato regulamentar foi revogado expressamente
pelo art. 38 da IN SRF nº 82, de 30.06.1999, que instituiu o Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ e, em seu art. 14, § 2º, estabeleceu que os
consórcios também estão obrigados a se inscrever nele, a despeito de reconhecer
expressamente que permanecem não possuindo personalidade jurídica.9 
A IN SRF nº 475, publicada em 15.12.2004, que dispõe sobre a retenção da
CSLL, da COFINS e da contribuição ao PIS/Pasep nos pagamentos efetuados
pelos órgãos da administração direta, autarquias e fundações da administração
pública do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios às pessoas jurídicas
de direito privado pelo fornecimento de bens e serviços, estabeleceu, na cabeça
do seu art. 17, que: “No caso de pagamento a consórcio constituído para o
fornecimento de bens e serviços, inclusive a execução de obras e serviços
de engenharia, a retenção deverá ser efetuada em nome de cada empresa
participante do consórcio, tendo por base o valor constante da correspondente
nota fiscal de emissão de cada uma das pessoas jurídicas consorciadas”.10 O §
2º prevê que: “No caso de pagamentos a consórcio formados entre empresas
nacionais e estrangeiras, aplica-se a retenção do art. 1º às empresas nacionais
e a do art. [2]9 desta Instrução (imposto de renda na fonte), às consorciadas
estrangeiras, observadas as alíquotas aplicáveis de acordo com a natureza dos
bens ou serviços, conforme legislação própria”.11

9 Seguiu-se então uma sucessão de atos regulamentares que revogaram e substituíram os anteriores:
em 20.01.2000, foi publicada a IN SRF nº 01; em 08.01.2001, foi publicada a IN SRF nº 2; em
01.10.2002, foi publicada a IN SRF nº 200; em 12.09.2005, foi publicada a IN RFB nº 568; em
02.07.2007, foi publicada a IN RFB nº 748; e, por último, em 09.02.2010, foi publicada a IN
RFB nº 1.005, que revogou a anterior.
10 Nesta hipótese, a empresa administradora deverá apresentar à unidade pagadora os documentos de
cobrança, acompanhados das respectivas notas fiscais, correspondentes aos valores dos fornecimentos
de bens ou serviços de cada empresa participante do consórcio, consoante dispõe o § 1º.
11 Em seguida, a IN SRF nº 480, de 15.12.2004, publicada em 29.12.2004 e republicada em
31.12.2004, reproduziu as mesmas regras acima, agora previstas no art. 16 e corrigiu o erro
material contido na referência ao art. 19 que, na realidade, se cuidava do art. 29.

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Fábio Martins de Andrade - 189

No âmbito estadual, o Decreto do Estado do Rio de Janeiro nº 26.064, de


15.03.2000, dispõe sobre o tratamento tributário dispensado ao consórcio de
empresas relacionadas com a atividade petrolífera. Em linhas gerais, estabelece
que o consórcio formado por um grupo de empresas, relacionados com a
exploração e produção de petróleo ou gás natural no território do Estado do
Rio de Janeiro, deve requerer, por meio da empresa líder, inscrição especial no
Cadastro de Contribuintes do Estado do Rio de Janeiro (CADERJ). Isso não
importa conferir personalidade jurídica ao consórcio.12
Por fim, a IN RFB nº 1.110, publicada em 27.12.2010, com as alterações
promovidas pela IN RFB nº 1.121, de 14.01.2011, e IN RFB nº 1.130, de
18.02.2011, que dispõe sobre a Declaração de Débitos e Créditos Tributários
Federais (DCTF), estabelece que os consórcios que realizem negócios jurídicos
em nome próprio, inclusive na contratação de pessoas jurídicas e físicas, com
ou sem vínculo empregatício, deverão apresentar a DCTF Mensal, desde
que tenham débitos a declarar. Em relação ao mês de dezembro de cada
ano-calendário, deverão apresentar a DCTF Mensal, ainda que não tenham
débitos a declarar, na qual indicarão os meses em que não tiveram débitos a
declarar. Por expressa previsão regulamentar, são dispensados da apresentação
da DCTF, ainda que se encontrem inscritas no CNPJ ou que tenham seus atos
constitutivos registrados em Cartório ou Juntas Comerciais, os consórcios, desde
que não realizem negócios jurídicos em nome próprio, inclusive na contratação
de pessoas jurídicas e físicas, com ou sem vínculo empregatício.
O ato regulamentar disciplina a apresentação da DCTF pelo consórcio,
quando realizar negócio jurídico próprio. Tal ato estava de acordo com o teor
da MP 510, que previa em caráter obrigatório o cumprimento das obrigações
tributárias pelo próprio consórcio. Contudo, levando em consideração a dicção
da Lei nº 12.402/2011, a IN RFB nº 1.110 parece dela distanciar-se, na
medida em que estabelece dever (“deverão”) quando, em realidade, a lei traz

12 Além disso, o decreto estadual prevê que a empresa líder agirá como mandatária das demais
consorciadas e deve registrar todas as operações da atividade consórtil em livros fiscais do
próprio consórcio, ficando responsável pela apuração e recolhimento do ICMS, aplicando-se-
lhes a legislação pertinente às empresas em geral no que se refere às obrigações principal e
acessórias. Se ocorrer saldo credor, ele pode ser transferido para as consorciadas na proporção
de sua participação no consórcio. As empresas consorciadas respondem solidariamente pelas
obrigações tributárias relacionadas com a atividade consórtil, nos termos do art. 124 do CTN e
do art. 38, inciso II, da Lei nº 9.478/97.

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190 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

um permissivo facultativo, de caráter opcional, como veremos em seguida.


Aqui, interpretação do ato regulamentar consentânea com a sua matriz legal
seria o reconhecimento do dever apenas e tão somente se o consórcio realizar
negócio jurídico próprio e a opção legal tenha sido exercida para simplificar e
centralizar o cumprimento das obrigações tributárias referentes ao consórcio.

3. Jurisprudência e orientações
Nesse tópico, cabe verificar como a jurisprudência nacional cuida dos
assuntos tributários relacionados ao consórcio e às empresas consorciadas. Além
de trazer alguns julgados oriundos de diferentes tribunais do Poder Judiciário,
enriqueceremos o estudo com ementas e trechos de acórdãos oriundos de órgãos
administrativos, como o antigo Conselho de Contribuintes (atual Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais) e algumas orientações emanadas pelas
autoridades administrativas fiscais através de soluções de consultas.
Com isso, completaremos o quadro evolutivo normativo e jurisprudencial
existente no momento de edição da Lei nº 12.402/2011. Dentre os julgados
provenientes do antigo Conselho de Contribuintes (CC), destacaremos alguns
que podem ilustrar os diferentes tipos de litígios em matéria tributária e com
o envolvimento direto da figura do consórcio.

3.1. Administrativa
Em julgamento ocorrido em 06.12.2005, o então Conselho de Contribuinte
decidiu negar provimento ao recurso voluntário, por unanimidade de votos,
quanto ao faturamento proveniente da venda de produtos obtidos na atividade
do consórcio. De fato, constou na ementa que: “O consórcio de empresa não
possui personalidade jurídica própria, sendo contribuinte da COFINS cada
empresa consorciada, que recolhe a Contribuição na proporção do rateio de
receitas estabelecido em contrato”.13

13 No trecho do voto do Conselheiro Relator pertinente ao presente estudo, ele cotejou o exame da
LSA com o contrato específico de consórcio celebrado pelas empresas consorciadas, destacando
que: “as duas consorciadas ‘sempre serão consideradas individualmente (e não solidariamente)
responsáveis perante terceiros por suas respectivas obrigações’ (cláusula 3.01); “a Petrobrás obriga-
se a dar destinação comercial ao petróleo produzido a partir do Campo de Marlim (cláusula 8.01,
h)”; a Receita Real do Consórcio, dada pelo número de barris de petróleo extraídos multiplicado
pelo valor em Reais do preço do produto, é repartida entre a Petrobrás e a Marlim, cabendo a
esta um percentual que varia de 2% a 30%, exceto nos anos

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Fábio Martins de Andrade - 191

No mesmo sentido, em julgamento ocorrido em 20.09.2007, o então


Conselho de Contribuinte decidiu que: “As empresas consorciadas, na forma
da Lei nº 6.404, de 1976, são contribuintes da Cofins, proporcionalmente à sua
participação no consórcio, devendo recolher a contribuição em seus respectivos
nomes e CNPJ”.14 
Com efeito, em outro julgamento o tribunal administrativo expressou que:
“O consórcio, embora regulado pelo ordenamento jurídico, justamente
por ser derivado da comunhão de interesses de diversas pessoas
jurídicas, não é dotado de personalidade jurídica, isto é, isoladamente
considerado não pode ser sujeito de direitos e obrigações; daí este
não ser, na órbita do direito tributário, sujeito passivo de impostos e
contribuições”.15 
De igual modo, as autoridades administrativas também compreendem
e vem respondendo às consultas nesse sentido. É que, no consórcio, inclui-
se no faturamento mensal de cada empresa consorciada, base de cálculo da
Contribuição ao PIS/Pasep e da COFINS, o montante do faturamento mensal
obtido na atividade consorcial, de forma proporcional a sua participação,
independentemente da emissão de notas fiscais por parte de cada uma das
empresas consorciadas. Além disso, as obrigações acessórias (aí incluída a
emissão de documentos fiscais) devem ser cumpridas individualmente, por cada
empresa consorciada. Também a retenção de tributos e contribuições deve ser

de 1999 e 2002, quando o percentual máximo da Marlim poderá alcançar 70%” (cláusulas 9 e
10); “os custos e despesas do consórcio serão rateados na mesma proporção da Receita Real do
Consórcio (cláusula 15)”. Registrou, ademais, que: “Embora somente a Petrobrás seja responsável
pela comercialização do petróleo extraído, a receita é repartida conforme a fórmula estabelecida
no contrato (cláusulas 9 e 10), de modo que a cada transferência da Petrobrás para a Marlim há
incidência da COFINS e do PIS, sobre o montante da receita transferida”. Em seguida, consignou
que: “No caso da Petrobrás ter faturado pelo total do óleo vendido (é o que informa a recorrente),
deve haver a repartição do valor global, na forma do estabelecido pelo contrato do consórcio”.
O Relator concluiu que: “(...) a Petrobrás não é responsável pelo recolhimento total, incluindo
a parte transferida à Marlim. Se agiu assim e recolheu PIS e COFINS sobre receita alheia, faz jus
à repetição do indébito respectivo” (2º CC – 3ª Câmara – Ac. 203-10.571, Rel. Cons. Emanuel
Carlos Dantas de Assis, j. 06.12.2005, DOU 12.03.2007).
14 Nesse caso, o Conselheiro Relator entendeu que: “(...) no tocante aos eventuais valores recolhidos
a maior, como são recolhimentos efetuados em nome do consórcio, caracterizam-se como
recolhimentos indevidos, não podendo ser compensados na apuração do valor do auto de infração.
Cabe ao consórcio providenciar eventual pedido de restituição” (2º CC – 1ª Câmara – Ac. 201-
80.596, Rel. Cons. José Antonio Francisco, j. 20.09.2007, DOU 13.11.2007).
15 Cf. 1º CC – 7ª Câmara – Ac. 107-08.961, Rel. Cons. Natanael Martins, j. 29.03.2007, DOU
07.05.2007.

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192 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

efetuada em nome de cada empresa participante do consórcio, tendo por base


o valor constante da correspondente nota fiscal de emissão de cada uma das
pessoas jurídicas consorciadas.16 
No mesmo sentido, com maior explicação sobre as obrigações tributárias
principais e acessórias do consórcio:
“CONSÓRCIO ENTRE EMPRESAS NACIONAIS. O consórcio,
constituído nos termos dos arts. 278 e 279 da Lei nº 6.404, de 1976,
não possui personalidade jurídica própria, mantendo-se a autonomia
jurídico-tributária de cada uma das consorciadas. CONTRIBUINTE.
Contribuinte do IRPJ e das contribuições sociais decorrentes da
atividade consorcial não é o consórcio, mas sim a consorciada, que,
no regime do lucro real, deverá manter contabilidade que reflita
proporcionalmente a do consórcio, segundo sua participação. Cabe
a cada uma das empresas participantes do consórcio apropriar
individualmente suas receitas e despesas, proporcionalmente à sua
participação percentual no rateio do empreendimento, e computá-
las na determinação do lucro real, presumido ou arbitrado, nas
respectivas DIPJ, observado o regime tributário a que estão sujeitas
no ano-calendário correspondente, bem como calcular e recolher a
contribuição para o PIS/Pasep e a Cofins. RECEITA AUFERIDA
POR CONSORCIADA COM ALUGUEL DE BENS AO
CONSÓRCIO. A receita de aluguel auferida pela consorciada,
decorrente da locação de bens ao consórcio, deverá compor a base de
cálculo dos tributos e contribuições da consorciada beneficiária. BENS
ADQUIRIDOS PELO CONSÓRCIO. Os bens adquiridos pelo
consórcio compõem o ativo permanente das consorciadas, na proporção
de sua participação. EMISSÃO DE DOCUMENTO FISCAL. Cabe
a cada empresa consorciada, inclusive à administradora, a emissão
de Nota-Fiscal ou documento equivalente, levando-se em conta a
participação que detém no empreendimento. É irrelevante, para este
fim, o fato de o consórcio estar obrigado a ter inscrição própria no

16 Cf. Solução de Divergência nº 23, de 30.05.2008. No mesmo sentido: Solução de Consulta nº


103, de 18.06.2009. Em razão da autonomia jurídico-tributária de cada uma das consorciadas,
apenas a parcela das receitas correspondente à participação da consorciada compõe a base de
cálculo da contribuição ao PIS/Pasep e à Cofins, sendo irrelevante o regime de tributação adotado
por cada consorciada para fins de apuração da CSLL e do IRPJ (cf. Solução de Consulta nº 251,
de 19.10.2006).

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Fábio Martins de Andrade - 193

Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ. RETENÇÃO DE


TRIBUTOS E CONTRIBUIÇÕES. A retenção de que trata o art.
1º da Instrução Normativa SRF nº 480, de 2004, deverá ser efetuada
em nome de cada empresa participante do consórcio, tendo por base
o valor constante da correspondente nota fiscal de emissão de cada
uma das pessoas jurídicas consorciadas. Os valores retidos poderão
ser deduzidos, pelo contribuinte (consorciada), do valor do imposto e
contribuições da mesma espécie devidos, relativamente a fatos geradores
ocorridos a partir do mês de retenção” (Solução de Consulta nº 523,
de 13.11.2007).
A regra de ouro a ser observada é a proporção da participação da empresa
consorciada no contrato de constituição do consórcio para consecução do
projeto. É que, ao longo do empreendimento que motivou a formação do
consórcio, cada pessoa jurídica consorciada mantém a sua independência
jurídico-tributária. Isso se aplica às obrigações tributárias principais e acessórias
a que se submetem as empresas consorciadas.17 
Desse modo, a entrega de DCTF e de DIRF, por exemplo, deve ser
feita preferencialmente por cada empresa consorciada ou, ainda, pelo próprio
consórcio em nome da empresa consorciada (respeitada a sua proporção de
participação no consórcio).18 É que, em princípio, os consórcios não estão
sujeitos à apresentação de tais declarações, bem como da DIPJ e do DACON,

17 Cuidando-se do IPI, a sua natureza plurifásica mantém a independência jurídico-tributária de cada


empresa consorciada: “NATUREZA PLURIFÁSICA DO IMPOSTO. INDUSTRIALIZAÇÃO FORA
DO ESTABELECIMENTO. CONSÓRCIO. INDEPENDÊNCIA DAS CONSORCIADAS. O IPI possui
natureza plurifásica, incidindo em cada fase do ciclo de produção dos bens. Em cada incidência, a
alíquota aplicável deve corresponder à natureza do produto ora fabricado, e não à daquele que será
industrializado na fase seguinte. Na saída de partes e componentes industrializados por empresa
contratada para a construção de alto-forno nas dependências da contratante, incide o imposto
sobre tais componentes segundo a natureza que então ostentam. Na fase de industrialização
seguinte, em que o alto-forno resta acabado, incide novamente o imposto. Se a industrialização
do alto-forno é operação levada a efeito por consórcio, fica mantida a independência jurídico-
tributária de cada consorciada, sendo devido por cada uma o imposto calculado sobre o valor
correspondente à respectiva participação no empreendimento” (Solução de Consulta nº 325, de
19.07.2004).
18 Com efeito, apesar de não possuir personalidade jurídica, a DCTF e a DIRF devem ser apresentadas
em nome das consorciadas. Nesse sentido: “O Consórcio de Sociedades constituído na forma dos
arts. 278 e 279 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, embora sujeito à inscrição do CNPJ
não dispõe de personalidade jurídica. Embora em tese dispensada de apresentação de DCTF e de
DIRF, não deve, na verdade, apresentar tais declarações, eis que ainda que o faça, ainda subsistirá
a responsabilidade das consorciadas pela apresentação dessas declarações, proporcionalmente
à participação das mesmas no Consórcio, no tocante às receitas do empreendimento” (Solução
de Consulta nº 270, de 12.09.2006).

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194 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

cabendo a cada empresa consorciada inserir nas suas respectivas declarações


as informações relativas aos tributos referentes aos resultados auferidos no
empreendimento objeto do consórcio, na proporção de sua participação.19 
A respeito dos recolhimentos efetuados pelo CNPJ do consórcio, em
julgamento ocorrido em 20.09.2007, o então Conselho de Contribuintes decidiu
que: “Devem ser considerados os recolhimentos da contribuição efetuados por
consórcios, na proporção da participação das consorciadas, no cálculo dos valores
devidos e não recolhidos”. Reconheceu ainda que: “Os recolhimentos efetuados
pelos consórcios, integrados pela contribuinte, devem ser reconhecidos como
pagamentos efetuados, mas não como exclusão da base de cálculo”.20
De fato, os valores retidos a título de contribuição para o PIS/Pasep,
Cofins, CSLL e IRPJ, podem ser considerados como antecipação do que for
devido pela pessoa jurídica consorciada, em relação à própria contribuição,
proporcionalmente à participação contratada.21

19 Nesse sentido: “DISPENSA DE ENTREGA DE DECLARAÇÕES. Os consórcios não estão sujeitos à


apresentação da Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ), como
também da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF), da Declaração do
Imposto de Renda Retido na Fonte (DIRF) e do Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais
(Dacon). Cabe a cada empresa consorciada, por ocasião da apresentação de suas respectivas
DIPJ, DCTF e Dacon, nelas incluir as informações relativas aos tributos e contribuições pertinentes
aos resultados auferidos, na proporção da participação de cada uma no empreendimento objeto
do consórcio, bem como incluir nas suas respectivas DIRF as retenções efetuadas e recolhidas,
vinculadas ao empreendimento, sem prejuízo da entrega, aos respectivos beneficiários, dos
Comprovantes de Rendimentos Pagos e de Retenção do Imposto de Renda na Fonte” (Solução
de Consulta nº 70, de 23.03.2005).
20 A Conselheira Relatora consignou que: “No que tange ao reconhecimento dos valores recolhidos
pelos consórcios formados, pela recorrente no cálculo da contribuição devida, verifica-se, como bem
afirmou a decisão recorrida, que os consórcios são destituídos de personalidade jurídica própria,
não podendo, por conseqüência, ser sujeitos de obrigações tributárias. As receitas auferidas por
consórcios em realidade são das consorciadas, cabendo a elas o recolhimento dos tributos incidentes
sobre as operações, já que são elas as contribuintes dos tributos”. Em seguida registrou que: “No
caso em questão foram efetuados recolhimentos com base no CNPJ dos consórcios. Entretanto,
não sendo estes sujeitos passivos das obrigações tributárias, mas sim as consorciadas, tais valores
devem ser reconhecidos, no cálculo dos tributos devidos, proporcionalmente à participação de cada
consorciada no consórcio em questão”. Por fim, reconheceu que: “Desta forma, entendo como
correta a decisão recorrida que considerou no cálculo da Cofins devida os valores recolhidos pelos
consórcios a título desta contribuição, proporcionalmente à participação da autuada nos citados
consórcios, excluindo estes valores recolhidos do lançamento, na forma como foi feito na diligência
efetuada” (2º CC – 4ª Câmara – Ac. 204-02.775, Rel. Cons. Nayra Bastos Manatta, j. 19.02.2008,
DOU 06.09.2008).
21 A consorciada deve manter documentação comprobatória das retenções deduzidas. As notas
fiscais/faturas relativas a serviços prestados pelos consórcios devem ser emitidas por cada uma
das pessoas jurídicas consorciadas, proporcionalmente à participação contratada (cf. Solução de
Consulta nº 181, de 23.10.2006).

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Fábio Martins de Andrade - 195

Em julgamento ocorrido em 28.02.2007, o então Conselho de Contribuintes


decidiu que: “As convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo
pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública para modificar
a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.
Apurada a falta de recolhimento ou insuficiência de recolhimento do tributo, é
devida sua cobrança, com os encargos legais correspondentes”.22 
Em julgamento ocorrido em 09.10.2008, o então Conselho de
Contribuintes orientou-se no mesmo sentido, quando decidiu negar provimento
ao recurso voluntário, ao argumento de que seria improcedente a alegação de que
a recorrente não teria legitimidade para figurar no pólo passivo do lançamento
em questão, pois no consórcio firmado para a consecução de obras específicas,
era a ela que incumbia a responsabilidade pela retenção do tributo já que por
contrato se encontrava na condição de empresa líder do consórcio. A despeito
de cláusula específica constante no contrato de constituição do consórcio de que
cada consorciada seria responsável pelos seus custos e de que a empresa líder
teria efetuado as retenções na qualidade de substituta tributária, repassando à
recorrente apenas a parte líquida contratada, o Conselheiro Relator invocou o
teor do art. 128, pelo qual a responsabilidade pelo crédito tributário só pode
ser transferida a terceiro por expressa disposição legal (então inexistente para
os consorciados) e do art. 123, ambos do CTN.23 
Em sessão de 29.03.2007, o então Conselho de Contribuintes decidiu
que: “Nega-se provimento a recurso de ofício que, na decisão tomada pelo
colegiado da DRJ, corretamente, não viu irregularidade na prorrogação do prazo
do contrato consorcial visando a execução do empreendimento, sem falar que,
quanto ao mérito, o arbitramento realizado não teria obedecido aos ditames
da lei, muito menos levado em consideração os tributos pagos pelas empresas

22 No trecho do voto da Conselheira Relatora pertinente, a respeito da suposta duplicidade de


valores de base de cálculo relativo a lançamento contábil de receitas auferidas por consorciada
ostensiva, decidiu que: “O julgador de primeira instância citou expressamente o consórcio
firmado entre a contribuinte e a empresa Sarti Mendonça Engenharia Ltda., discriminando e
demonstrando em planilhas todas as exclusões que deveriam ser feitas das bases de cálculo
encontradas pela fiscalização resultantes dos consórcios, concluindo no sentido de que ‘apenas a
parcela do resultado correspondente à participação da consorciada irá compor a base de cálculo
da contribuição” (2º CC – 2ª Câmara – Ac. 202-17.775, Rel. Cons. Maria Tereza Martínez López,
j. 28.02.2007, DOU 12.06.2007).
23 2º CC – 4ª Câmara – Ac. 204-03.509, Cons. Rel. Rodrigo Bernardes de Carvalho, j. 09.10.2008,
DOU 29.12.2008.

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196 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

integrantes do consórcio, sem embargo, ainda, de que a corrente mais moderna


da doutrina, dentre os quais avulta a lição de Pontes de Miranda, não vê na
questão do prazo razão bastante para sua descaracterização”.24 
De fato, em seu voto explicita a posição de Modesto Carvalhosa, para quem
“o prazo de duração do consórcio deve ser, sempre, determinado”, sendo de sua
natureza a “não-permanência, já que voltado à realização de empreendimento
específico e único, que, em determinado momento, será concluído. Está, assim,
o consórcio vocacionado à sua extinção”. Perfilha ainda no mesmo sentido lições
de Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro. Ademais,
acrescenta a orientação do Conselho de Contribuintes, no sentido de que
o consórcio por prazo indeterminado seria irregular, caracterizando-se, em
realidade, como sociedade de fato.25 
O Relator registra que o ponto específico permanece controverso tanto na
doutrina como também na jurisprudência administrativa. Inicia o contraponto,
o qual entende ser possível a constituição de consórcio por prazo indeterminado,
ou mesmo que o prazo inicialmente previsto seja prorrogado, mencionando
parecer da lavra de Luiz Gastão Paes de Barros.26 

24 Em explicação ao seu voto, o Conselheiro Relator, referindo-se ao julgamento pelo colegiado


de primeira instância, afirmou que: “Nesse contexto, andou bem o I. Relator ao entender
que a prorrogação do prazo original do contrato por mais nove anos, visando a execução do
empreendimento, não teria descaracterizado a natureza do consórcio. Além disso, tem igualmente
razão o Relator ao dizer que também quanto ao mérito a forma de tributação, pela via do
arbitramento, fora açodada na medida em que a simples falta de DIPJ não seria razão bastante para
a sua caracterização. Na verdade, deveria a fiscalização ter intimado a DMB a apresentar livros e
documentos do consórcio ou, caso não os tivesse, que concedesse prazo para que esta fizesse ou
refizesse a sua escrituração. A partir daí, caracterizada a inexistência de livros e documentos, ou
a recusa em sua apresentação, aí sim seria cabível o arbitramento, não sem antes a fiscalização
verificar, entretanto, qual teria sido, efetivamente, o prejuízo do erário público” (1º CC – 7ª Câmara
– Ac. 107-08.961, Rel. Cons. Natanael Martins, j. 29.03.2007, DOU 07.05.2007).
25 Segue o trecho pertinente do Ac. 101-86.540 citado: “Por consórcio se denomina a sociedade não
personificada, cujo objeto é a execução de determinado empreendimento. Inocorrendo a unicidade
do empreendimento, como também constatado que o contrato é por prazo indeterminado, o
acordo firmado entre as sociedades não pode ser reconhecido como de natureza consorcial.
Trata-se, na essência, de sociedade de fato” (1º CC – 7ª Câmara – Ac. 107-08.961, Rel. Cons.
Natanael Martins, j. 29.03.2007, DOU 07.05.2007).
26 Em seguida, explicita que: “De forma bastante aprofundada, o nobre doutrinador ainda discorre
sobre os conceitos dos termos ‘determinado’ e ‘duração’ constantes nos mencionados artigos 278
e 279. Segundo Leães, o termo ‘determinado’ está empregado no sentido de designação precisa
e completa do objeto do consórcio, e não para limitá-la à execução de uma única operação,
bem como o termo ‘duração’ não está sendo empregado no sentido de negar ao consórcio o
caráter de permanência. E ainda acrescenta que, impondo a lei uma duração ao consórcio,
pode ser esta a prazo determinado ou indeterminado” (1º CC – 7ª Câmara – Ac. 107-08.961,
Rel. Cons. Natanael Martins, j. 29.03.2007, DOU 07.05.2007).

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Fábio Martins de Andrade - 197

Em seguida, o Conselheiro acrescenta doutrina do jurista Fábio Konder


Comparato, de Fran Martins, de Rubens Requião e de João Eunápio Borges. Por
fim, fecha com a lição de Pontes de Miranda, para quem: “No direito brasileiro, não
há regra jurídica limitativa, ou dispositiva, sobre a duração do contrato de consórcio,
de jeito que pode ser determinado o prazo, ou ser indeterminada a sua duração. Se
for determinada, pode haver, segundo os conceitos, a prorrogação ou a renovação do
contrato”.27 De fato, explicita ainda que: “Os contratos com a administração pública,
por definição são por prazo certo, não sendo proibido, entretanto, quando presente
o relevante interesse público, que este possa ser prorrogado para que o seu objeto
seja efetivamente alcançado”.28 
Desse modo, à luz do arcabouço legislativo e normativo acerca do termo
“determinado”, o Conselheiro foca o objeto do consórcio, e não propriamente o seu
prazo, que pode ser determinado ou indeterminado. Agrega a isso a interpretação
lógica decorrente do termo “empreendimento”, o qual não se submete a qualquer
limite temporal:
“Necessário destacar, sobretudo, que ao empregar o termo ‘determinado’,
o art. 278, da Lei das S.A. não está vedando ao contrato de consórcio o
caráter de permanência, senão impondo que seja preciso o seu objeto, e, ao
lhe obrigar uma duração, tanto ela pode ser por prazo determinado como
indeterminado. E, observe-se, quando a Lei se refere a ‘empreendimento’,
do termo não decorre a interpretação lógica de que o objeto consorcial
deva necessariamente ser de caráter temporário. Inexiste restrição para
que se aja em consórcio numa operação permanente”.29 

27 O Conselheiro Relator entende que: “A Lei de fato não é expressa no sentido de que deva
necessariamente dar ao contrato uma duração determinada. O empreendimento objetivado pela
união das sociedades por ter uma amplitude muito grande, inclusive no seu aspecto temporal” (1º
CC – 7ª Câmara – Ac. 107-08.961, Rel. Cons. Natanael Martins, j. 29.03.2007, DOU 07.05.2007).
28 Cf. 1º CC – 7ª Câmara – Ac. 107-08.961, Rel. Cons. Natanael Martins, j. 29.03.2007, DOU
07.05.2007.
29 Em seguida, o Relator Conselheiro destacou que: “E, de fato, seria injustificável atribuir interpretação que
transformaria o instituto do consórcio numa espécie de sociedade para um negócio singular e ocasional,
tornando-o incompatível com o seu escopo principal, que é a colaboração entre empresas para
realizar um objetivo comum, a qual, longe de ser eventual ou temporária, reveste-se, cada vez mais,
do caráter permanente”. Concluindo, afirmou que: “Parece-nos plenamente admissível, portanto,
constituir-se consórcio tanto para realizações temporárias quanto para atividades permanentes,
existindo a imposição legal apenas a que se faça precisa descrição da operação que pretendem
realizar as partes consorciadas, por meio da colaboração interempresarial. Nesta linha de raciocínio,
injustificado, ainda, cogitar-se que desfiguraria a natureza de consórcio com base na permanência
do objeto, quando presentes todos os elementos essenciais no contrato de constituição, nos termos
da lei, sobretudo a especificação da duração e a possibilidade de sua prorrogação” (1º CC – 7ª
Câmara – Ac. 107-08.961, Rel. Cons. Natanael Martins, j. 29.03.2007, DOU 07.05.2007).

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198 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

Além dos aspectos gerais relacionados ao regime tributário dos consórcios


de empresas, cabe mencionar alguns aspectos específicos.
Nesse contexto, cabe registrar que, em 2001, solução de consulta
estabeleceu que a determinação das proporções de receita atribuídas às duas
empresas consorciadas, nacional e estrangeira, que integrassem o mesmo grupo
econômico, submeter-se-ia às regras gerais relativas à distribuição disfarçada
de lucros, e não às regras dos preços de transferência.30 
A participação de pessoa jurídica em consórcio não veda sua opção
pelo Simples Nacional, “em razão de que esta participação não implica o
enquadramento na vedação prevista no inciso VII do § 4º do art. 3º da Lei
Complementar nº 123, de 2006”.31 
Recentemente, ficaram autorizadas as pessoas jurídicas participantes de
consórcio, em caráter opcional, a efetuar o pagamento unificado de tributos
equivalentes a um por cento da receita mensal auferida pelo contrato de construção
de unidades habitacionais de valor comercial de até setenta e cinco mil reais no
âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV). O consórcio, no
entanto, não pode optar pelo Regime Especial de Tributação (RET).32 

30 A esse respeito, confira: “Consórcio de empresas. Nacional e estrangeira. Autonomia das consorciadas.
Emissão de notas fiscais, Escrituração. Determinação da divisão das receitas. Regime aplicável. O
consórcio, constituído nos termos dos arts. 278 e 279 da Lei das SA, não possui personalidade jurídica
própria, mantendo-se a autonomia jurídico-tributária de cada uma das consorciadas. A emissão das
notas fiscais da comercialização daquilo que há de ser produzido em consórcio pode ser tanto feita
pela administradora do consórcio, fazendo-se referência à existência deste e à parcela que cabe à
outra consorciada, como também pode ser feita por ambas as consorciadas, proporcionalmente à
parcela de receita que cabe a cada uma, devendo a forma escolhida constar no contrato de consórcio
e ser utilizada uniformemente durante o empreendimento. Os registros das operações relativas ao
consórcio podem ser feitos pela consorciada-administradora em livros específicos para efeitos de
controle, mas a respectiva receita bruta que lhe couber deverá ser levada ao seu próprio resultado.
Devido à autonomia que cada empresa mantém, apenas a parcela correspondente à participação
da consorciada irá compor a base de cálculo do IRPJ por ela devido, bem como, por óbvio, as
despesas ou custos incorridos pela outra consorciada não podem ser aproveitados. A determinação
das proporções de receita atribuídas às duas consorciadas, nacional e estrangeira, que integram um
mesmo grupo econômico, não está submetida às regras dos preços de transferência, eis que entre
elas não haverá operação de importação, exportação ou aquisição, aplicando-se, apenas, as regras
gerais relativas à distribuição disfarçada de lucros” (Solução de Consulta nº 207, de 26.07.2001).
31 Solução de Consulta nº 217, de 28.11.2007.
32 Nesse sentido: “REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO – RET. Não há previsão legal para que o
consórcio, constituído nos termos dos arts. 278 e 279 da Lei nº 6.404, de 1976, possa optar pelo
Regime Especial de Tributação – RET. Entretanto, consórcio pode ser contratado para construir
unidades habitacionais de valor comercial de até R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais) no âmbito
do Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV, de que trata a Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009,
ficando autorizadas as pessoas jurídicas participantes do consórcio, em caráter opcional,

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Fábio Martins de Andrade - 199

A retenção e o recolhimento do IRRF referente a remuneração de serviços


técnicos prestados por empresa domiciliada no exterior deve ser efetuada em
nome da pessoa jurídica consorciada, “na proporção de sua participação na
execução do contrato”.33 
De igual modo, a retenção do imposto de renda na fonte incidente sobre a
remuneração do trabalho prestado por pessoa física (assalariado ou autônomo),
ainda que contratado para exercer atividades de interesse comum ao consórcio e,
portanto, todas as pessoas jurídicas consorciadas, deve ser realizada diretamente
pela empresa consorciada contratante.34 
Com efeito, a contratação de pessoal, possíveis subcontratações decorrentes
do projeto que originou a formação do consórcio e a prestação de declarações
ao fisco, enfim, a celebração de negócios jurídicos em geral, sempre foi levada a
cabo pelas pessoas jurídicas participantes do consórcio, nos termos e condições
fixadas no seu contrato de constituição.35 

a efetuar o pagamento unificado de tributos equivalentes a um por cento da receita mensal auferida
pelo contrato de construção, proporcionalmente à participação de cada uma no empreendimento”
(Solução de Consulta nº 385, de 28.10.2010).
33 Nesse sentido: “CONSÓRCIO. EMPRESA ESTRANGEIRA. RETENÇÃO DE IRRF. Na remuneração de
serviços técnicos prestados por empresa domiciliada na França integrante de consórcio constituído
nos termos dos artigos 278 e 279 da Lei nº 6.404/76, a retenção e o recolhimento do IRRF devem
ser efetuados em nome da pessoa jurídica consorciada, na proporção da sua participação na
execução do contrato” (Solução de Consulta nº 74, de 29.05.2008).
34 Nesse sentido: “CONSÓRCIO DE EMPRESAS. RENDIMENTO DO TRABALHO. Consórcio de
empresas, constituído por tempo determinado para execução de obras contratadas por órgão
público, não possui personalidade jurídica, cabendo a cada uma das empresas consorciadas
assumir obrigações e responsabilidades a elas atribuídas bem como prestações específicas. Sendo
assim, a empresa consorciada que contratar pessoa física como assalariada ou autônoma, mesmo
que para exercer atividades de interesse comum a todas as consorciadas, dever reter o imposto
de renda na fonte incidente sobre a remuneração do trabalho” (Solução de Consulta nº 102, de
18.08.2009).
35 A respeito, confira:eu não posso olhar pra cara de ninguém que ele esteja conversando “O consórcio
constituído em conformidade com os artigos 278 e 279 da Lei nº 6.404/76 não é dotado de
personalidade jurídica, motivo pelo qual a contratação de pessoal, a contratação de subempreiteiras,
a prestação de declarações ao fisco bem como a celebração de negócios jurídicos em geral devem
ser levadas a cabo pelas pessoas jurídicas participantes, nos termos e condições fixadas no contrato
de constituição, desde que este não desnature o instituto nem contrarie seus elementos essenciais.
Cabe às contratantes, e não ao consórcio, a retenção de contribuições previdenciárias referentes
aos serviços prestados pelas subempreiteiras e o respectivo recolhimento no CNPJ destas, mediante
o código de pagamento 2631. Entende-se por competência, para fins de retenção de contribuições
previdenciárias, o mês em que a nota fiscal de serviços/fatura foi emitida. Para que o consórcio possa
gozar do benefício de que trata o art. 170 da IN MPS/SRP nº 3/05 é estritamente necessário que a
descrição dos serviços bem como os respectivos valores estejam detalhadamente discriminados na
nota fiscal de serviços/fatura. Caso contrário, aplicar-se-á a retenção sobre o valor bruto constante
da NFS” (Solução de Consulta nº 57, de 06.07.2009).

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200 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

Com o advento da Lei nº 12.402/2011, criou-se a faculdade (opção) de


que o consórcio, ele próprio (com o seu CNPJ), realize a contratação de pessoas
físicas e jurídicas, podendo efetuar a retenção dos tributos administrados pela
RFB e o cumprimento das respectivas obrigações acessórias. Nesse caso, as
pessoas jurídicas consorciadas ficam solidariamente responsáveis.36 

3.2. Judicial
Na seara judicial, encontramos poucos julgados versando sobre temas
relacionados ao regime tributário do consórcio de empresas. Quando encontramos
no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, se limitaram a decidir a questão de
fundo sem maiores considerações acerca da condição peculiar do consórcio ou,
ainda, a cuidar de aspectos formais e processuais envolvendo a representação
processual, pouco importando o direito material subjacente que certamente
seria mais interessante ao desenvolvimento desse trabalho de pesquisa. Na esfera
dos tribunais federais, contudo, logramos pinçar algumas ementas e trechos de
acórdãos que tratam efetivamente de aspectos referentes às obrigações tributárias,
principais e acessórias, dos consórcios e das empresas consorciadas.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, restou decidido que, quando
há eleição da empresa líder com exclusividade para a representação processual do
consórcio, não pode as demais pessoas jurídicas consorciadas exercer a ação, ainda
que em defesa dos interesses do consórcio. Nesse sentido, o STJ decidiu que:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO
ESPECIAL. CONSÓRCIO DE EMPRESAS. ELEIÇÃO
DE EMPRESA LÍDER. IRREGULARIDADE NA
REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. EXTINÇÃO DO
PROCESSO POR ILEGITIMIDADE. DESPROVIMENTO DO
RECURSO ESPECIAL.
1. ‘O consórcio não é uma pessoa jurídica, mas uma associação de
empresas que conjugam recursos humanos, técnicos e materiais para a

36 Nesse sentido: “As obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes das operações
praticadas pelo consórcio, são de responsabilidade das próprias consorciadas, que devem
responder proporcionalmente à sua participação no empreendimento. Opcionalmente, a partir
de 29.10.2010, o consórcio que realize a contratação, em nome próprio, de pessoas jurídicas e
físicas, pode efetuar a retenção de tributos administrados pela RFB e o cumprimento das respectivas
obrigações acessórias, utilizando seu próprio CNPJ, ficando nessa situação as consorciadas como
solidariamente responsáveis” (Solução de Consulta nº 47, de 14.06.2011).

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Fábio Martins de Andrade - 201

execução do objeto a ser licitado. Tem lugar quando o vulto, complexidade


ou custo do empreendimento supera ou seria dificultoso para as pessoas
isoladamente consideradas’ (Celso Antônio de Mello em ‘Curso de
Direito Administrativo’, Ed. Malheiros, 19ª ed., 2005, pp. 541-542).
2. ‘Se no consórcio de empreiteiras, elege-se líder, com exclusividade
de representação, as outras integrantes do empreendimento conjunto
não podem exercer ação, em defesa da coletividade’ (RMS 8.340/DF,
1ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 15.12.1997,
p. 66.215).
3. Recurso especial desprovido”.37 
Cabe registrar decisão monocrática do STJ que tratou da questão de fundo
sem qualquer consideração acerca das peculiaridades do consórcio, isto é, para o
deslinde do caso julgado pouco importa a existência da atividade consorcial. No
caso, o Ministro Luiz Fux decidiu no sentido do provimento do recurso especial
interposto por consórcio de empresas de construção civil, ao fundamento de que:
“as empresas de construção civil não são contribuintes do ICMS, salvo nas situações
que produzam bens e com eles pratiquem atos de mercancia diferentes da sua real
atividade, como a pura venda desses bens a terceiros; nunca quando adquirem
mercadorias e as utilizam como insumos em suas obras”.38 
Em julgamento no Tribunal Regional Federal da 2ª Região acerca da
constitucionalidade e da legalidade da Contribuição ao SAT, a Corte reconheceu

37 No caso concreto submetido ao STJ, verificou-se que o instrumento particular de constituição de


consórcio elegia como empresa líder outra diferente da recorrente, “que para todos os devidos
efeitos legais será seu representante”. A recorrente naquele caso “impetrou mandado de segurança,
em nome do consórcio, sem a autorização das demais consorciadas, o que impôs a extinção
do processo sem julgamento do mérito (art. 267, IV, do CPC) por ‘ilegitimidade ad processum
da impetrante” (STJ – 1ª Turma – REsp. 437.869, Rel. Min. Denise Arruda, j. 28.03.2006, DJU
24.04.2006). Com efeito, no acórdão mencionado consta: “Ora, na hipótese, essa empresa líder
não tomou qualquer iniciativa. Seria necessário que o representante dessa empresa que iria falar
em nome do consórcio tivesse autorização das outras, até porque o que se tem na hipótese é que
duas das empresas consorciadas se conformaram com a desclassificação, enquanto uma outra não
aceita isso” (STJ – 1ª Turma – RMS 8.340, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 06.11.1997,
DJU 15.12.1997).
38 No caso, o consórcio ajuizou ação ordinária declaratória com pedido de repetição de indébito
cumulado com pedido de depósito em face do Estado do Rio de Janeiro, objetivando o
reconhecimento da inconstitucionalidade da cobrança de ICMS das mercadorias adquiridas em
outro Estado para prover as suas atividades de construção civil, calculado sobre o diferencial
de alíquotas incidentes sobre operações interestaduais, por não constituírem contribuintes do
aludido tributo, nem consumidores finais dos materiais de construção que adquirem (STJ – Dec.
Monocrática – REsp. 862.118, Rel. Min. Luiz Fux, j. 22.11.2007, DJU 06.12.2007).

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202 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

a equiparação do consórcio a “empresa” para fins de recolhimento de contribuições


previdenciárias, nos termos do art. 15, parágrafo único, da Lei nº 8.212/91.39 
No mesmo Tribunal Federal tramitou caso no qual restou consignada
a desnecessidade de formação de litisconsórcio necessário no pólo ativo
quando envolvido consórcio internacional. O caso envolveu a discussão sobre
a natureza da empresa binacional, cuja decisão expressou que: “A formação de
consórcio internacional para prestação de serviços acarreta em solidariedade
entre os consorciados, contudo, não acarreta na obrigatoriedade de formação de
litisconsórcio necessário no pólo ativo, previsto no art. 47 (1ª parte) do CPC,
conforme entendeu a Turma Julgadora, por maioria, vencido o Relator”.40 
Em acórdão recente, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu
que: “O Consórcio não está dispensado das obrigações acessórias. À falta de
escrituração, não há como se invocar, como se fez na sentença, o devido processo
legal, pois, este também há de ser observado pelo contribuinte. O arbitramento
resultou de descumprimento pelo consórcio das obrigações acessórias”.41 
No tocante ao tema específico da exclusão de pessoa física do pólo passivo
de execução fiscal, cabe registrar o seguinte acórdão pinçado do Tribunal
Regional Federal da 3ª Região, no qual restou consignado que:
“III – A execução fiscal foi proposta contra o Consórcio AJM
Bemara IV para cobrança de dívida originada pelo não recolhimento
de contribuições previdenciárias no período de outubro/1995 a
outubro/1998. Documentos indicam que o Consórcio AJM Bemara
IV é formado pelas empresas AJM Sociedade Construtora Ltda. e
Sociedade Bemara Ltda., ambas legalmente constituídas.

39 A respeito, confira o seguinte trecho do voto: “Por conseguinte, é fato que, conforme discorre a
impetrante, existem nítidas diferenças entre os consórcios e as empresas, tais como a existência
de personalidade jurídica e de patrimônio próprio e a habitualidade do desenvolvimento de suas
atividade, que só estão presentes nas empresas. Não obstante, isso não faz com que, pelo simples
fato de consistir em um consórcio, a impetrante seja excluída do rol de sujeitos passivos das
contribuições previdenciárias; para os fins da Lei nº 8.212/91, é necessário apenas o vínculo de
prestação de serviços, com pagamento de remuneração, entre a entidade e segurados obrigatórios,
o que ocorre no caso” (TRF/2ª Região – 4ª Turma – AMS 2004.51.10.007081-7, Rel. Des. Fed.
Luiz Antonio Soares, j. 02.09.2008, DJE 06.11.2008).
40 TRF/2ª Região – 7ª Turma – AC 1997.51.01.071705-2, Rel. Des. Fed. Reis Friede, j. 07.12.2005,
DJU 22.02.2006.
41 TRF/2ª Região – 4ª Turma – AMS 2002.51.01.002602-8, Rel. Des. Fed. Alberto Nogueira, j.
09.03.2010, DJE 13.04.2010.

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Fábio Martins de Andrade - 203

IV – Por conta disso, deve o credor promover a execução fiscal contra


o Consórcio AJM Bemara IV e, na qualidade de co-devedores,
incluir as empresas que o compõem, e não as pessoas físicas que as
dirigem, vez que não há nos autos nenhuma notícia de que elas não
estejam operando regularmente”.42 
É interessante verificar a dupla distorção manejada pela exeqüente que,
ao invés de promover a execução fiscal diretamente contra as empresas que
compõem o consórcio, na qualidade de co-devedoras, optou pelo caminho
mais fácil e propôs a ação executiva contra o consórcio e as pessoas físicas que
dirigem as pessoas jurídicas consorciadas.
Se, excepcionalmente, o consórcio for constituído por apenas duas
empresas que a compõem e que atendam ao ditame licitatório para o qual foi
formado, admite-se que não haja indicação de uma empresa líder, ficando
ambas encarregadas das tratativas com a Administração Pública. Nesse caso, a
legitimidade ativa para ajuizar ação cabe às empresas consorciadas, não havendo
empresa líder. Com isso, dá-se maior utilidade à formação do consórcio, na
medida em que une esforços comuns em acordo transitório de vontades das partes,
sem retirar-lhes a autonomia de pleitear em juízo, quando cabível. Nesse sentido:
“Consolidado o entendimento na doutrina de que o consórcio de
empresas, normalmente formado para a participação de licitações
que envolvem valores vultosos e técnicos, não detém personalidade
jurídica. No consórcio de empresas, há um acordo transitório de
vontades das partes para consecução de fins comuns que cada qual,
individualmente, não conseguiria atingir. Ilegitimidade ativa das
autoras participantes do consórcio que se afasta”.43 

42 Nesse caso, com a rejeição da exceção de pré-executividade pelo magistrado singular, o


contribuinte (pessoa física) interpôs agravo de instrumento objetivando a exclusão de seu nome
do pólo passivo da execução fiscal. O Relator entendeu que o excipiente deveria ser excluído
do pólo passivo da execução fiscal (cf. TRF/3ª Região – 2ª Turma – AI 343.188, Rel. Des. Fed.
Cecília Mello, j. 28.04.2009, DJE 14.05.2009).
43 Com efeito, o Desembargador Federal Relator explicou, no seu voto, que: “No caso dos autos, a
constituição do consórcio, com um fim único e específico, foi a fórmula encontrada pela própria
Administração para se possibilitar a apresentação de uma só proposta em nome de diversas
pessoas físicas ou jurídicas. Como o número de associadas não era grande (apenas duas), ambas
as empresas, por seus representantes, assumiram o encargo das tratativas com a Administração,
sem a necessidade de indicação de uma firma-líder. Assim, embora reunidas em consórcio
transitório, foram as empresas, por seus representantes legais, que realizaram toda a participação
no procedimento licitatório (...)”. “Por outro lado, ainda que se admitisse, por força do disposito
no art. 12, inc. VII, do CPC, a legitimidade ativa do consórcio, que sequer

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204 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

Comprovada a sucessão de empresas, atrai-se a aplicação dos arts.


132 e 133 do Código Tributário Nacional,44 especialmente à luz de fortes
indícios de dissolução irregular. Nessas situações, de nada adianta interpor
fraudulentamente um consórcio para burlar eventuais limites que a empresa
tenha sofrido anteriormente. Pela clareza da situação exposta, permitimo-nos
transcrever a íntegra da seguinte ementa:
“TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO
FISCAL. COMPROVADA A SUCESSÃO DE EMPRESAS.
DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EXECUTADA APÓS
IMPEDIMENTO DE EXECUTAR TRANSPORTE COLETIVO.
MESMOS SÓCIOS CRIARAM NOVA PESSOA JURÍDICA.
FORMAÇÃO DE CONSÓRCIO COM TERCEIRA PARA
EXPLORAR IDÊNTICA ATIVIDADE ECONÔMICA.
ESVAZIAMENTO PATRIMONIAL DA EXECUTADA. ART.
132 E 133 DO CTN.
– Os documentos comprovam que a executada ‘Empresa Auto viação
Taboão Ltda.’ foi dissolvida irregularmente, pois está impedida de
cumprir seu objeto social desde 21.01.2002, segundo informações
da autarquia SPTRANS. Um mês antes do término da concessão
do serviço de transporte público, em 20.12.2001, nove dentre seus
dez sócios fundaram outra pessoa jurídica ‘Via Sul Transportes
Urbanos Ltda.’ com o mesmo objeto social. Tal empresa, logo
após sua constituição formou consórcio com outra para operar
área da cidade antes servida pela executada, o que deu a ensejo ao

possui personalidade jurídica, nem patrimônio próprio, certo é que não se poderá negar a
legitimatio ad causam das autoras, ora apelantes, em cujos patrimônios incidirão diretamente todos
os encargos ou vantagens decorrentes do procedimento licitatório” (TRF/3ª Região – 4ª Turma –
AC 0751451-28.1986.4.03.6100, Rel. Des. Fed. Marli Ferreira, j. 27.09.2010, DJE 15.10.2010).
44 Eis a dicção dos dispositivos: “Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão,
transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até a
data do ato pelas pessoas jurídicas de direito público fusionadas, transformadas ou incorporadas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas
de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer
sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.
Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer
título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar
a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual,
responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do
ato: I – integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II
– subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de 6 (seis)
meses, a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio,
indústria ou profissão. (...)”.

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Fábio Martins de Andrade - 205

progressivo esvaziamento patrimonial da devedora em seu benefício.


Há, portanto, elementos suficientes para a verificação da sucessão de
empresas, porquanto, consoante precedentes do STJ, há presunção
de sua ocorrência.
– Há fortes indícios de conluio entre os sócios da executada para fraudar
o Fisco, pois embora a nova empresa tenha diversos endereço e razão
social, os comerciantes de fato são os mesmos e exploram idêntica
atividade econômica. Dessa forma, houve sucessão temporal e fática
das empresas, o que autoriza a responsabilização solidária, ex vi dos
arts. 132 e 133 do CTN. Precedentes desta corte e de outros TRF’s.
– Agravo de instrumento desprovido”.45 
O § 4º do art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006 enumera as pessoas
jurídicas que não poderão se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado
(Simples). Em questão suscitada junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, consignou-se expressamente que a participação em consórcio não
implica em qualquer proibição prevista no referido dispositivo. É que no
consórcio há uma comunhão temporária de interesses, com a manutenção da
individualidade de cada empresa envolvida, e não há qualquer participação no
capital uma da outra. Nesse sentido:
“TRIBUTÁRIO. SIMPLES NACIONAL. ART. 3º, § 4º, DA LC
Nº 123/2006. CONSÓRCIO. PARTICIPAÇÃO NO CAPITAL
DE OUTRA PESSOA JURÍDICA. NÃO-CONFIGURAÇÃO.
1. No consórcio de empresas, há um acordo transitório de vontades das
partes para consecução de fins comuns que cada qual, individualmente,
não conseguiria atingir.
2. No consórcio, há uma comunhão temporária de interesses,
mantendo-se a individualidade de cada empresa. Sendo assim, o
consórcio celebrado entre empresas não implica em participação no
capital, não incidindo, no caso, a proibição do artigo 3º, § 4º, da Lei
Complementar nº 123/2006”.46 

45 TRF/3ª Região – 5ª Turma – AG 168.997, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, j. 27.06.2005, DJU
31.08.2005.
46 TRF/4ª Região – 2ª Turma – AC 2007.71.00.030008-0, Rel. Des. Fed. Luciane Amaral Corrêa
Münch, j. 28.04.2009, DJE 18.06.2009. No mesmo sentido: TRF/4ª Região – 1ª Turma – Reex.
2007.71.08.009564-0, Rel. Des. Fed. Joel Ilan Paciornik, j. 18.02.2009, DJE 25.03.2009. O
dispositivo referido preceitua que: “§ 4º. Não poderá se beneficiar do tratamento jurídico

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206 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

4. A MP 510, o trâmite legislativo e a sua


conversão na Lei nº 12.402/2011

4.1. A MP 510
Em 29.10.2010, foi publicada a Medida Provisória nº 510, que regulou
o cumprimento de obrigações tributárias por consórcios que realizem negócio
jurídico em nome próprio e deu outras providências.
O art. 1º dispôs que: “Os consórcios cumprirão as respectivas obrigações
tributárias sempre que realizarem negócios jurídicos em nome próprio, inclusive
na contratação de pessoas jurídicas ou físicas, com ou sem vínculo empregatício”.
O § 1º do art. 1º previu que: “As empresas consorciadas serão solidariamente
responsáveis pelas obrigações tributárias decorrentes dos negócios jurídicos de
que trata o caput, não se aplicando, para efeitos tributários, o disposto no § 1º do
art. 278 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976” (grifamos).
O § 2º do art. 1º estabeleceu que: “O disposto neste artigo aplica-se
somente aos tributos federais”.
A Exposição de Motivos com que a Subchefia para Assuntos Jurídicos
recebeu do Ministério da Fazenda o então projeto de Medida Provisória e
submeteu ao Presidente da República, trouxe a seguinte justificativa, no que
interessa ao presente estudo:

diferenciado previsto nesta Lei Complementar, incluído o regime de que trata o art. 12 desta
Lei Complementar, para nenhum efeito legal, a pessoa jurídica: I – de cujo capital participe
outra pessoa jurídica; II – que seja filial, sucursal, agência ou representação, no País, de pessoa
jurídica com sede no exterior; III – de cujo capital participe pessoa física que seja inscrita como
empresário ou seja sócia de outra empresa que receba tratamento jurídico diferenciado nos
termos desta Lei Complementar, desde que a receita bruta global ultrapasse o limite de que
trata o inciso II do caput deste artigo; IV – cujo titular ou sócio participe com mais de 10% (dez
por cento) do capital de outra empresa não beneficiada por esta Lei Complementar, desde que
a receita bruta global ultrapasse o limite de que trata o inciso II do caput deste artigo; V – cujo
sócio ou titular seja administrador ou equiparado de outra pessoa jurídica com fins lucrativos,
desde que a receita bruta global ultrapasse o limite de que trata o inciso II do caput deste artigo;
VI – constituída sob a forma de cooperativas, salvo as de consumo; VII – que participe do capital
de outra pessoa jurídica; VIII – que exerça atividade de banco comercial, de investimentos e de
desenvolvimento, de caixa econômica, de sociedade de crédito, financiamento e investimento
ou de crédito imobiliário, de corretora ou de distribuidora de títulos, valores mobiliários e
câmbio, de empresa de arrendamento mercantil, de seguros privados e de capitalização ou de
previdência complementar; IX – resultante ou remanescente de cisão ou qualquer outra forma
de desmembramento de pessoa jurídica que tenha ocorrido em um dos 5 (cinco) anos-calendário
anteriores; X – constituída sob a forma de sociedade por ações”.

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Fábio Martins de Andrade - 207

“2. O projeto, inicialmente, ao regular o cumprimento de obrigações


tributárias por consórcios que realizem negócios jurídicos em nome
próprio, também estabelece a solidariedade tributária das empresas
consorciadas, na hipótese de consórcio constituído na forma dos arts.
278 e 279 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, abrangendo as
obrigações principais e acessórias.
3. À parte a agilidade conferida aos consórcios no permissivo
para cumprir diretamente obrigações tributárias, saliente-se que a
solidariedade estabelecida, respaldada no inciso II do art. 124 da Lei
nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, se
justifica, tendo em vista que consórcio não tem personalidade jurídica,
não integra a relação jurídico-tributária e não possui patrimônio
próprio, o que poderia inviabilizar a execução de créditos tributários
decorrentes das operações do consórcio. Anote-se que a solidariedade
das empresas consorciadas encontra precedentes relativamente às
obrigações perante consumidores (Lei nº 8.078, de 11 de setembro
de 1990 – CDC, art. 28, § 3º), às trabalhistas (Decreto-Lei nº 5.452,
de 1º de maio de 1943 – CLT, art. 2º, § 2º) e nas licitações (Lei nº
8.666, de 21 de junho de 1993, art. 33, inciso V)
9. Quanto aos requisitos constitucionais do art. 62, (...). Já a medida de se
atribuir responsabilidade solidária às empresas consorciadas com relação
às obrigações tributárias relativas às atividades do consórcio tem urgência
e relevância pautadas no cenário de investimentos vultosos que o País
atravessa, notadamente as de infraestrutura (PAC, refinarias de petróleo,
indústria aeronáutica, etc.); obras relacionadas com a realização da Copa
das Confederações FIFA de 2013 e da Copa do Mundo FIFA de 2014;
e da exploração do petróleo do Pré-sal, que dependem de consórcios de
empresas para sua viabilização. Trata-se de estabelecimento de regras
tributárias mais claras a fim de permitir a tomada de decisão com relação
à formação destes consórcios”.47 
A Medida Provisória nº 510 estabeleceu a solidariedade tributária das
empresas consorciadas, com expresso afastamento, para fins tributários, do
disposto no § 1º do art. 278 da LSA. A preocupação central foi o fato de o
consórcio não integrar a relação jurídico-tributária e não possuir patrimônio

47 Cf. Exposição de Motivos nº 166/2010/MF. Brasília, 22.10.2010.

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208 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

próprio, o que poderia inviabilizar a execução de créditos tributários decorrentes


das operações do consórcio.
Além disso, procurou-se conferir agilidade aos consórcios na faculdade para
cumprir diretamente obrigações tributárias, tanto as principais como também
as acessórias, relativas às atividades do consórcio, sobretudo considerando-se
o cenário de investimentos vultosos que o País atravessa.
Com tal definição, o legislador pretendeu estabelecer regras tributárias mais
claras para permitir a tomada de decisão com relação à formação de tais consórcios.
Em 02.02.2011, foi publicado o Ato do Presidente da Mesa do
Congresso Nacional nº 1, de 2011, pelo qual prorrogou a vigência da Medida
Provisória nº 510 pelo período de sessenta dias, na forma do § 7º do art.
62 da Constituição da República.

4.2. O trâmite legislativo do PLV nº 6/2011


Durante o trâmite do Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 6/2011 foram
propostas onze emendas à redação original constante na Medida Provisória
nº 510, algumas das quais foram acolhidas, razão pela qual a dicção do texto
legal que restou aprovado ficou diferente em alguns aspectos, como veremos
em seguida.
Para adequada compreensão das modificações promovidas no processo
legislativo ocorrido durante o trâmite do Projeto de Lei de Conversão (PLV)
nº 6/2011, cabe tecer breves considerações sobre as principais motivações que
conduziram a tais alterações.
Na Câmara dos Deputados a questão referente à relevância e urgência da
Medida Provisória nº 510 foi convenientemente apreciada, razão pela qual o
Senador Gim Argello concordou inteiramente e reproduziu os trechos pertinentes
sobre a importância do consórcio de empresas na prática empresarial brasileira.
Quando o relatório foi disponibilizado, no que interessa ao presente
estudo, trouxe:
“O dispositivo altera o tratamento tributário federal dispensado aos
consórcios de empresas que, nos termos do art. 278 da Lei nº 6.404,
de 1976, são formados em caráter temporário e sem personalidade
jurídica, para a execução de um determinado empreendimento.
Até a publicação da MPV, a legislação federal não tinha disposição
expressa sobre a matéria. Seguindo a regra geral, a Secretaria da

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Receita Federal do Brasil, mediante atos administrativos, remetia as


obrigações tributárias para cada uma das empresas componentes do
consórcio, na proporção de sua participação. A Instrução Normativa
nº 834, de 26 de março de 2008, é bem clara quanto ao fato de
que o faturamento do consórcio é feito em cada uma das empresas
consorciadas, que devem contabilizar receitas, custos e despesas
incorridos, proporcionalmente à sua participação no empreendimento. Em
conseqüência, os tributos e contribuições são de responsabilidade de
cada uma das empresas.
Com o art. 1º da MPV em comento, o consórcio passa a figurar
como o contribuinte principal em relação às suas operações, ficando
as empresas consorciadas apenas no papel de responsáveis solidárias.
Para tanto, o § 1º determina que, apenas para efeitos tributários,
deixa de valer a regra segundo a qual os consórcios não adquirem
personalidade jurídica (art. 278, § 1º da Lei nº 6.404, de 1976)”.48 
O Senador relatou ainda que a Câmara dos Deputados não chancelou
integralmente a proposta do Governo, mantendo cada empresa consorciada
diretamente responsável pelos tributos devidos em relação às operações
praticadas pelo consórcio e restringindo o papel tributário do consórcio apenas
à retenção de tributos e ao cumprimento das respectivas obrigações acessórias,
ao argumento de que seria arriscado que cada empresa consorciada se tornasse
contribuinte solidária de todas as obrigações tributárias do consórcio, sem limite
da proporcionalidade de sua participação.
Esclareceu, ademais, que:
“De fato, a redação originada do Poder Executivo introduzia fator de
insegurança jurídica, não apenas quanto ao efetivo regime tributário
que se desejava para o consórcio de empresas, como também no
instituto da solidariedade que estabelecia um enorme risco para cada
uma das empresas integrantes do consórcio, na medida em que elas
passariam a, individualmente, responder pelas obrigações tributárias
relacionadas a todo o empreendimento.

48 Cf. parecer disponível na tramitação do PLV nº 6, de 2011, no sítio eletrônico do Senado


Federal. Disponível na internet: http://www.senado.gov.br/atividade/Materia detalhes.asp?
p_cod_mate=99546. Acesso em: 24.05.2011.

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210 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

Não é exagero dizer que persistindo o texto original, haveria um


grande desestímulo ao consorciamento de empresas, instituto tão
necessário à realização de grandes obras e empreendimentos.
Com a alteração produzida, restou absolutamente claro que cada
empresa responde tributariamente por sua parte no empreendimento,
ficando solidária apenas no respeitante às obrigações tributárias
originadas da contratação de pessoas físicas e jurídicas pelo consórcio
ou pela empresa líder (no interesse do consórcio)”.49 
Com o voto pela admissibilidade da Medida Provisória nº 510, considerando
seus aspectos de relevância e urgência, e com a aprovação, no mérito, do Projeto de
Lei de Conversão nº 6, de 2011, o Senador submeteu o seu relatório ao Plenário,
que o aprovou pela Comissão Diretora no Parecer nº 63, em 05.04.2011.50 

4.3. A Lei nº 12.402/2011


Em 03.05.2011, foi publicada a Lei nº 12.402, que regula o cumprimento
de obrigações tributárias por consórcios que realizarem contratações de pessoas
jurídicas e físicas, e dá outras providências.
O art. 1º do novel diploma legal dispõe que: “As empresas integrantes de
consórcio constituído nos termos do disposto nos arts. 278 e 279 da Lei nº 6.404,
de 15 de dezembro de 1976, respondem pelos tributos devidos, em relação
às operações praticadas pelo consórcio, na proporção de sua participação no
empreendimento, observado o disposto nos §§ 1º a 4º”.
O § 1º do art.1º estabelece que: “O consórcio que realizar a contratação,
em nome próprio, de pessoas jurídicas e físicas, com ou sem vínculo
empregatício, poderá efetuar a retenção de tributos e o cumprimento
das respectivas obrigações acessórias, ficando as empresas consorciadas
solidariamente responsáveis”.
O § 2º prevê que: “Se a retenção de tributos ou o cumprimento das
obrigações acessórias relativos ao consórcio forem realizados por sua empresa
líder, aplica-se, também, a solidariedade de que trata o § 1º”.

49 Cf. tramitação do PLV nº 6, de 2011, disponível no sítio eletrônico do Senado Federal: http://www.
senado.gov.br/atividade/Materia/detalhes.asp?p_cod_mate=99546. Acesso em: 24.05.2011
50 O resultado final da votação foi o seguinte: Sim 43, Não 14, Total 57.

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Fábio Martins de Andrade - 211

O § 3º do art. 1º dispõe que: “O disposto nos §§ 1º e 2º abrange o


recolhimento das contribuições previdenciárias patronais, inclusive a incidente
sobre a remuneração dos trabalhadores avulsos, e das contribuições destinadas
a outras entidades e fundos, além da multa por atraso no cumprimento das
obrigações acessórias”.
Por último, o § 4º do art. 1º reza que: “O disposto neste artigo aplica-se
somente aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil”.
Para adequada visualização das distinções entre as regras previstas,
inicialmente, na MP 510 e, posteriormente, na Lei nº 12.402/2011, elaboramos
o quadro comparativo abaixo:

2011

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212 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

As mudanças promovidas pela Lei nº 12.402/2011 foram positivas, se


comparadas ao texto inicialmente previsto na Medida Provisória nº 510. É que
veio a positivar algumas idéias já presentes no ato regulamentar, sem, contudo,
alterar a sua disciplina substancialmente ou de modo radical.
Verifica-se, portanto, que a rigidez inicialmente prevista no estabelecimento
da solidariedade das empresas consorciadas, sempre que os consórcios
realizassem negócios jurídicos em nome próprio, consoante previsto na MP
510, foi substituída pela faculdade (opção) permitida pela Lei nº 12.402/2011,
pela qual as empresas consorciadas permanecem respondendo pelos tributos
devidos na proporção de sua participação no empreendimento, em relação às
operações praticadas pelo consórcio. Quando realizar contratação em nome
próprio, o consórcio ou a empresa líder poderá efetuar a retenção de tributos
e o cumprimento das respectivas obrigações acessórias. Nesse caso, ficarão as
empresas consorciadas solidariamente responsáveis.
Desse modo, antes a MP 510 trazia insegurança ao ambiente de negócios,
quando expressamente afastava a aplicação do § 1º do art. 278 da LSA, estabelecia
mandatoriamente a necessidade de cumprimento pelo consórcio das obrigações
tributárias quando realizassem negócios jurídicos em nome próprio e, nessa situação,
reconhecia peremptoriamente a solidariedade entre as empresas consorciadas.
Agora, com a Lei nº 12.402/2011, trata-se de mera faculdade (opção) a
ser usada pelo consórcio e pela empresa líder, se assim melhor lhe aprouver.
Uma vez escolhida essa opção, no sentido de cumprir as obrigações tributárias
diretamente através do consórcio, incumbirá à empresa líder manter o registro
contábil adequado de tais operações, na forma dos atos regulamentares
pertinentes.
Contudo, há quem entenda que a modificação legislativa perpetrada pela
Lei nº 12.402/2011 seria inconstitucional, vez que violaria o art. 146, inciso III,
da Constituição da República, que dispõe caber à lei complementar estabelecer
normas gerais em matéria de legislação tributária.51  Não entendemos assim, já
que traz mera faculdade (opção).

51 Nesse sentido, verificaram-se algumas manifestações de colegas presentes na Mesa de Debates


promovida pela Associação Brasileira de Direito Financeiro – ABDF, ocorrida no dia 26.05.2011,
em sua sede, que tratou da Lei nº 12.402/2011 e o tratamento das obrigações tributárias.

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Fábio Martins de Andrade - 213

A grande novidade trazida pela lei foi a criação da solidariedade, especificamente


nas situações em que o consórcio figure como contratante quando, então, terá
obrigação de reter e cumprir as obrigações tributárias principais e acessórias.52 
Verificado o teor do principal ato regulamentar em vigor (IN RFB nº
834/2008) quando da publicação da Lei nº 11.402/2011, cabe registrar que pode
remanescer dúvida a respeito de alguns pontos de aplicação e compatibilidade
daquela em relação a novel redação da matriz legal.
Exemplo de possível zona cinzenta refere-se à responsabilidade e à
solidariedade. Antes da IN RFB nº 834/2008, havia Soluções de Consultas
no sentido de que a responsabilidade era de cada uma das consorciadas. A IN
permitiu que qualquer uma das consorciadas faça a retenção. A lei, por seu turno,
amplia a possibilidade do cumprimento das obrigações até alcançar o próprio
consórcio (no que diz respeito às contratações em nome próprio).
Parece que o ato regulamentar extrapolou a sua matriz legal, ou seja, o art. 6º da
IN RFB nº 834/2008 seria incompatível com a dicção da Lei nº 12.402/2011. Para os
que pensam assim, aguarda-se algum ajuste no âmbito regulamentar.53 Entendemos,
no entanto, que a interpretação coerente com a lei seria o reconhecimento do
dever apenas e tão somente se o consórcio realizar negócio jurídico próprio e
a opção legal tenha sido exercida para simplificar e centralizar o cumprimento
das obrigações tributárias referentes ao consórcio.
Por fim, cabe registrar que a Lei nº 12.402/2011 entrou em vigor na data
de sua publicação, produzindo efeitos em relação ao art. 1º, que é objeto do
presente estudo, a partir de 29.10.2010, consoante dispõe o art. 9º.54 

52 Nesse sentido, cf. o áudio ref. a Mesa de Debates promovida pela Associação Brasileira de Direito
Financeiro – ABDF, ocorrida no dia 26.05.2011, em sua sede, que tratou da Lei nº 12.402/2011
e o tratamento das obrigações tributárias.
53 Nesse sentido, cf. o áudio ref. a Mesa de Debates promovida pela Associação Brasileira de Direito
Financeiro – ABDF, ocorrida no dia 26.05.2011, em sua sede, que tratou da Lei nº 12.402/2011
e o tratamento das obrigações tributárias.
54 Em sítio eletrônico especializado em informações fiscais e legais, foi divulgado informativo no
qual constou: “Por esse motivo, os consórcios que tenham realizado algum recolhimento em
nome próprio a título de IRPJ, CSLL, PIS/PASEP ou COFINS no período compreendido entre 29
de outubro de 2010 e 2 de maio de 2011 deverão adequá-lo à regra contida na Lei nº 12.402
de 2011 [art. 1º]”. O referido informativo concluiu que: “As obrigações tributárias instituídas por
meio da Medida Provisória nº 510 de 2010 tornaram-se sem efeitos desde 29 de outubro de 2010,
considerando-se a retroatividade dos efeitos da nova redação dada ao artigo 1º, quando de sua
conversão na Lei nº 12.402 de 2011”. Além disso, cabe registrar que: “Os tributos devidos no
período compreendido entre 29 de outubro de 2010 e 2 de maio de 2011, salvo normatização
em contrário, deverão ser recolhidos em nome das empresas consorciadas,

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214 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

5. Considerações finais
Nos últimos anos o Brasil ensaia dar os seus mais importantes passos em
direção ao tão esperado ciclo virtuoso rumo ao pleno desenvolvimento, com o
fortalecimento da economia, a geração de mais empregos, com mão-de-obra
qualificada e uma distribuição mais justa da riqueza que circula no País.
Os mega projetos e empreendimentos que atualmente estão em foco no
campo da infra-estrutura são múltiplos e variados, o que indica auspicioso
futuro nos próximos anos, como o PAC, a construção de refinarias de petróleo,
a construção do “trem-bala”, a exploração do Pré-Sal, o recrudescimento da
indústria naval, o crescimento da indústria aeronáutica, a realização da Copa
das Confederações da FIFA em 2013, da Copa do Mundo da FIFA em 2014
e das Olimpíadas em 2016, dentre tantos outros.
Dada a complexidade e o vulto de tais mega projetos e empreendimentos,
surge a crescente necessidade de conjugar esforços em prol do objetivo comum
de duas ou mais grandes empresas que, sozinhas, possivelmente não teriam
condições para alcançar a sinergia ou o resultado pretendido.
Se a operacionalização da exploração do negócio que se busca não contar
com uma reestruturação societária ou participação acionária entre duas ou
mais pessoas jurídicas interessadas na sua consecução, com vistas a otimizar
as possíveis sinergias que envolvem as suas atividades, então a constituição do
consórcio passa a ser uma alternativa interessante a ser considerada. Nela, a
autonomia jurídico-tributária de cada uma das empresas envolvidas é mantida
intacta e o consórcio não é dotado de personalidade jurídica.
Como decorrência disso, as obrigações tributárias (principais e acessórias)
referentes à realização do negócio próprio do consórcio devem ser suportadas
pelas pessoas jurídicas que o compõem. Assim, a regra de ouro na relação
contratual referente ao consórcio é a proporção da participação de cada empresa
consorciada no empreendimento (constante no contrato de constituição do

na proporção de sua participação no empreendimento, tal como prevê a Instrução Normativa nº


834 de 2008”. “Com efeito, os recolhimentos que o consórcio tenha efetuado em nome próprio
deverão ser objeto de REDARF ou de PER/DCOMP, conforme o caso”. “Por fim, destaca-se que,
a RFB poderá regulamentar as operações realizadas no período de vigência da Medida Provisória
nº 510 de 2010” (Cf. Boletim Informativo Fiscosoft Impresso publicado no sítio eletrônico da
Fiscosoft Online em 19.05.2011 e disponibilizado por e-mail aos associados no dia seguinte).

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Fábio Martins de Andrade - 215

consórcio). É precisamente de acordo com a proporção de sua participação no


empreendimento e na execução do contrato que cada pessoa jurídica integrante
do consórcio contabilizará suas receitas, custos e despesas, para cumprir suas
obrigações tributárias.
A MP 510 precipitou-se em estabelecer a solidariedade tributária das
empresas consorciadas e afastou expressamente o § 1º do art. 278 da LSA.
Essa evidente distorção foi corrigida ao longo do seu trâmite de conversão no
Congresso Nacional. A Lei nº 12.402/2011 refere-se a mera opção (faculdade)
a ser usada pelo consórcio e pela empresa líder, se assim melhor lhe aprouver.
Essa correção de rumo é clara na manifestação do Senador Gim Argello, que
transcrevemos anteriormente.
Uma vez escolhida essa opção, quando da realização de negócios em nome
próprio, no sentido de cumprir as obrigações tributárias diretamente através do
consórcio, incumbirá à empresa líder do consórcio manter o registro contábil
adequado de tais operações, na forma dos atos regulamentares pertinentes.
Em outras palavras, se o consórcio não realizar negócios em nome próprio ou
a decisão gerencial das empresas consorciadas for no sentido de não “centralizar”
as obrigações tributárias no consórcio, então cada uma delas continuará a cumpri-
las, como sempre foi feito, na forma da IN RFB nº 834/2008. Contudo, se o
consórcio realizar negócios em nome próprio e a decisão gerencial das empresas
consorciadas for no sentido de “centralizar” as obrigações tributárias, então
caberá à empresa líder manter o registro contábil de tais operações, na forma da
Lei nº 12.402/2011 e da IN RFB nº 834/2008 (no que for com ela compatível).
Desse modo, atualmente, verifica-se que o incremento no regime
tributário do consórcio de empresas estabelece regras mais simples e claras para
a tomada de decisão empresarial, de cunho gerencial, com relação à formação
dos consórcios para a execução de certo negócio (empreendimento, projeto ou
prestação de serviço).
Resta aos profissionais interessados na figura do consórcio acompanhar o
seu desenvolvimento: a) legislativo, com o eventual advento de outros diplomas
que venham a complementar ou aprofundar as mudanças iniciadas pela Lei
nº 12.402/2011; b) regulamentar, com a edição de atos que expressamente
compatibilizem a atual dicção da IN RFB nº 834/2008 quando a contabilidade
for feita pelas pessoas jurídicas consorciadas e a situação prevista pela Lei nº
12.402/2011, pela qual se simplifica e se centraliza a contabilidade diretamente

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216 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

pelo consórcio; c) jurisprudencial, com os novos julgados que certamente


surgirão em razão do florescimento de novos consórcios para o desempenho dos
mega projetos e empreendimentos já referidos anteriormente, especialmente no
âmbito do Superior Tribunal de Justiça; e d) administrativo, com a compreensão
de como as autoridades administrativas fiscais entenderão a mudança promovida
pela Lei nº 11.402/2011 para os consórcios e para as empresas consorciadas.
Com efeito, somente com o desenvolvimento dos aspectos acima apontados
será possível verificar se e em que medida o advento da Lei nº 11.402/2011
realmente facilita a tomada de decisão (empresarial) quanto à constituição do
consórcio e como fica a relação (já tão) atribulada entre os contribuintes e o
Fisco. Isso só o tempo dirá!

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Capítulo VIII

Depreciação de Bens e
a Neutralidade Fiscal
do Regime Tributário de
Transição – RTT

Gilberto De Castro Moreira Junior


Doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP).
Professor de Direito Tributário. Membro do Conselho Administrativo de
Recursos Federais (CARF). Membro do Tribunal de Ética da OAB. Membro
do Comitê Científico da Associação Paulista de Estudos Tributários (APET).
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).

Rogério Cesar Marques


Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – Universidade
de São Paulo (USP). Professor Assistente de Direito Comercial. Pós-Graduando
em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (GV-Law).

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1. Introdução
Com o advento da Lei nº 11.638/2007, promulgada em 28 de dezembro de
2007, ocorreram significativas alterações na legislação societária, em particular
na parte da Lei nº 6.404/76 (que disciplina a sociedade por ações) que trata,
dentre outros assuntos, das demonstrações financeiras das empresas, do lucro
e sua apuração, dos dividendos e sua distribuição, contabilização de operações
societárias como fusão e incorporação, dos investimentos em outras sociedades
e sua contabilização, e critérios de valorização dos ativos das pessoas jurídicas.
O principal objetivo das alterações trazidas pela Lei nº 11.638/2007 foi
o alinhamento das regras contábeis adotadas no Brasil as normas contábeis
internacionais, editadas pelo International Accounting Standard Board (“IASB”),
entidade técnica responsável pela emissão do conjunto de normas contábeis
de aplicação global denominado International Financial Reporting Stantards
(“IFRS”).
O IRFS, por sua vez, tem como objetivo a convergência de normas e
princípios contábeis, de sorte que sua adoção por empresas ao redor do globo
facilite a divulgação de informações econômicas e financeiras para os usuários
de demonstrações contábeis.
A partir do advento da referida lei, embora no âmbito contábil tenha
ocorrido uma positivação de novos padrões e princípios contábeis, ocasionando
uma alteração da forma por meio da qual determinadas operações deveriam
ser contabilizadas, no âmbito tributário, a Lei nº 11.638/2007 determinou que
os lançamentos efetuados em decorrência da adoção dos novos parâmetros
contábeis não poderiam ter impactos nas apurações dos tributos incidentes
sobre a renda e a receita das empresas.
Com a entrada em vigor da Lei nº 11.941/2009, resultante da conversão
da Medida Provisória nº 449/20081, houve a instituição do denominado Regime
Tributário de Transição (“RTT”), cujo objetivo era neutralizar os efeitos das
novas regras contábeis para fins fiscais. Assim, para a apuração do lucro real da
pessoa jurídica, não deveriam ser considerados os novos parâmetros contábeis
introduzidos por meio da Lei nº 11.638/2007, devendo ser utilizados os critérios
anteriores à entrada em vigor desta Lei.

1 O Ato do Congresso Nacional nº 3/2009 prorrogou a vigência da Medida Provisória nº 449.

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Dentre as alterações trazidas pela Lei nº 11.638/2007, merecem destaque


as novas regras concernentes aos critérios contábeis de valorização dos ativos
das sociedades que criaram a necessidade de revisão anual da vida útil dos bens
do imobilizado e a análise de sua recuperabilidade o que, conseqüentemente,
terminou impactando nas taxas de depreciação utilizadas pelas empresas.
Segundo estas novas regras, a diminuição do valor do bem registrado
no ativo imobilizado deverá ser tomada levando-se em conta a sua vida útil
economicamente considerada, ou seja, de acordo com o período de tempo
definido ou estimado tecnicamente, durante o qual se espera obter fluxos de
benefícios futuros de um determinado ativo da empresa.
É perceptível que os critérios de depreciação que sofreram alterações
concernentes aos procedimentos de mensuração e reconhecimento, bem como
em seus padrões de apuração, nos termos da sistemática da Lei nº 11.638/2007,
ocasionaram, invariavelmente, um reflexo na apuração da base de cálculo do
Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e da Contribuição Social Sobre
o Lucro Líquido (“CSLL”), bem como impactaram na neutralidade fiscal.
Os reflexos fiscais gerados pelas novas regras de depreciação fazem surgir
o questionamento a respeito da aplicação do RTT nestes casos, com o objetivo
de se neutralizar tais impactos nas demonstrações fiscais das empresas, conforme
determinava a Lei nº 11.638/2007, hoje regulamentado pela Lei nº 11.941/2009.
O presente estudo se propõe a enfrentar a questão de aplicabilidade ou não
do RTT aos reflexos decorrentes das alterações introduzidas na metodologia
de cálculo e reconhecimento da despesa de depreciação, os quais decorrem de
novos critérios e métodos contábeis que modificaram o reconhecimento das
receitas, custos e despesas computados na apuração do lucro das empresas.
Para tal, pretende-se iniciar o presente estudo por meio de breves
considerações acerca do RTT, analisando-se seu conceito, sua instituição, quais
as pessoas jurídicas que estão sujeitas a sua observância e quais os princípios que
o norteiam, dando-se especial atenção à neutralidade fiscal dos lançamentos
realizados em observância aos novos padrões contábeis.
Na seqüência, serão feitas considerações acerca do instituto da depreciação,
comparando seu tratamento nas esferas societária, contábil e fiscal, bem como
serão analisadas quais as alterações advindas das novas regras trazidas pelas Leis
nº 11.638/2007 e 11.941/2009, cotejando as novas regras com as anteriores para
se chegar aos seus efeitos fiscais. Ainda, na análise das taxas de depreciação,

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serão verificados quais os impactos fiscais das novas normas de harmonização


das regras contábeis e se tais reflexos devem ou não, em observância ao princípio
da neutralidade fiscal, sujeitar-se ao RTT.
Por fim, a conclusão a ser apresentada será pautada nos elementos
apresentados no presente estudo, levando-se em consideração as posições
doutrinárias existentes, bem como as manifestações da Secretaria da Receita
Federal do Brasil (“SRFB”) a respeito do tema ora analisado.

2. Regime Tributário de Transição – RTT


2.1. Considerações Iniciais
Conforme anteriormente mencionado, a Lei nº 11.638/2007, objetivando
o alinhamento das normas contábeis brasileiras com as normas IFRS emitidas
pelo IASB, alterou significativamente algumas disposições da Lei nº 6.404/76,
relativamente às demonstrações a serem elaboradas pelas companhias.
Cumpre destacar que o referido dispositivo legal, além de efetuar
o alinhamento das regras contábeis brasileiras aos padrões contábeis
internacionais, também estabeleceu que as disposições da lei tributária ou de
legislação especial sobre atividades das companhias que conduzam à utilização
de métodos ou critérios contábeis diversos dos previstos na Lei nº 6.404/76,
não elidiriam a obrigação de elaboração das demonstrações financeiras na forma
prevista na nova sistemática contábil.
Ademais, a Lei nº 11.638/2007 estabeleceu que se aplicam às sociedades
de grande porte as disposições da Lei nº 6.404/76 sobre escrituração e
elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria
independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários
(“CVM”), ainda que tais empresas não sejam constituídas sob a forma de
sociedades por ações.
Dentre as alterações nas normas contábeis trazidas pela Lei nº 11.638/2007,
podemos destacar as seguintes:
(i) a classificação do ativo permanente e do patrimônio líquido;
(ii) os critérios para avaliação do ativo, relativamente às aplicações em
instrumentos financeiros, aos direitos classificados no intangível e
aos elementos do ativo decorrentes de operações de longo prazo;

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(iii) os critérios para avaliação do passivo, relativamente às obrigações,


encargos e riscos classificados no passivo exigível a longo prazo;
(iv) a Demonstração do Resultado do Exercício, para prever a
discriminação das participações de debêntures de empregados
e administradores e de instituições ou fundos de assistência ou
previdência de empregados;
(v) a Reserva de Lucros a Realizar, relativamente ao seu conteúdo;
(vi) o Limite do Saldo das Reservas de Lucro, relativamente ao seu
limite;
(vii) as operações de transformação, incorporação, fusão e cisão,
realizadas entre partes independentes e vinculadas à efetiva
transferência de controle;
(viii) a avaliação de investimento em coligadas e controladas; e,
(ix) a criação de Reserva de Incentivos Fiscais, destinada ao registro
da parcela do lucro líquido decorrente de doações ou subvenções
governamentais para investimentos.
Alguns dos ajustes mencionados, por se tratarem de alterações nos
parâmetros contábeis e de apuração do resultado das empresas, terminam
por gerar reflexos nas receitas e nos lucros das empresas, o que, por via de
conseqüência, impactam na determinação da base de cálculo de tributos como
o IRPJ, a CSLL, o PIS e a COFINS.
Com o objetivo de evitar reflexos tributários, a Lei nº 11.638/2007 trouxe,
em seu texto, disposições para neutralizar fiscalmente os lançamentos de ajuste
efetuados para harmonização das normas contábeis. Nesse sentido, merece
destaque o parágrafo 7º, do artigo 177, da Lei nº 6.404/76, posteriormente
revogado pela Medida Provisória nº 449/2008, a seguir transcrito:
“§ 7º Os lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para
harmonização de normas contábeis, nos termos do § 2o deste
artigo, e as demonstrações e apurações com eles elaboradas não
poderão ser base de incidência de impostos e contribuições nem
ter quaisquer outros efeitos tributários.”
Neste sentido, Edmar Oliveira Andrade Filho menciona que “a referida Lei
contém importante mandamento com repercussão da será tributária na medida em que
pretendeu instituir um princípio de neutralidade tributária, de modo a impedir que a

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observância das novas disposições viesse a acarretar aumento da carga tributária” 2.


Destaca ainda o mesmo autor que a tributação decorrente dos impactos
das alterações da Lei nº 11.638/2007 pode ser evitada “se for feito o registro do
valor como receita, no resultado do período, e uma concomitante exclusão do valor
para fins de apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL, de modo a dar
uma interpretação funcional às leis. Esta solução atende à legislação societária e não
despreza a finalidade da lei tributária que foi editada para impedir a tributação dos
referidos valores e assim permanecerá enquanto não for revogada.” 3 .
A preocupação do legislador com a busca da neutralidade fiscal dos
lançamentos sujeitos à nova sistemática contábil se evidenciou quando
da edição da Medida Provisória nº 449/2008. Sua Exposição de Motivos
determinou, expressamente, que o objetivo do RTT era o de neutralizar
eventuais efeitos fiscais advindos das novas normas contábeis introduzidas pela
Lei nº 11.638/2007, senão vejamos:
“... 7. No que concerne ao Regime Tributário de Transição – RTT,
objetiva-se neutralizar os impactos dos novos métodos e critérios
contábeis introduzidos pela Lei nº 11.638, de 2007, na apuração das
bases de cálculo de tributos federais nos anos de 2008 e 2009, bem
como alterar a Lei nº 6.404, de 1976, no esforço de harmonização
das normas contábeis adotadas no Brasil às normas contábeis
internacionais.
8. A Lei nº 11.638, de 2007, foi publicada no Diário Oficial da União
de 28 de dezembro de 2007, e entrou em vigor no dia 1º de janeiro
de 2008, sem a adequação concomitante da legislação tributária.
Esta breve vacatio legis e a alta complexidade dos novos métodos e
critérios contábeis instituídos pelo referido diploma legal – muitos
deles ainda não regulamentados – têm causado insegurança jurídica
aos contribuintes. Assim, faz-se mister a adoção do RTT, conforme
definido nos arts. 15 a 22 desta Medida Provisória, para neutralizar
os efeitos tributários e remover a insegurança jurídica.
9. O processo de harmonização das normas contábeis nacionais com
os padrões internacionais de contabilidade – objetivo maior da Lei nº

2 Efeitos tributários da lei nº 11.637/07. São Paulo: Ed. do Autor, 2008, p. 38.
3 Op. cit., pp. 103-104.

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11.638, de 2007 – deve prolongar-se pelos próximos anos, razão pela qual,
há necessidade de que o RTT não seja aplicável apenas no ano de 2008,
mas também no ano de 2009, e, se necessário, nos anos subseqüentes,
quando, então, ao se descortinar o novo padrão da contabilidade
empresarial a ser adotado no País, possa-se regular definitivamente o
modo e a intensidade de integração da legislação tributária com os novos
métodos e critérios internacionais de contabilidade. Nesse contexto, o §
1º do art. 15 da proposição em tela prevê a aplicação do RTT até que seja
editada lei regulando definitivamente os efeitos tributários das mudanças
nos critérios contábeis, a qual pretende-se que seja neutra, ou seja, que
não afete a carga tributária.
10. O RTT será facultativo para os anos-calendário de 2008 e 2009,
para que não ofenda o princípio da irretroatividade tributária, previsto
na alínea “a” do inciso III do art. 150, e a regra do § 2º do art. 62, da
Constituição Federal de 1988, pois, a adoção do referido regime importa não
apenas em desonerações, mas em sujeição completa aos critérios e métodos
contábeis da legislação fiscal em 31 de dezembro de 2007. A partir de 2010,
caso ainda não esteja em vigor o ajuste da legislação tributária aos novos
critérios contábeis, o RTT será obrigatório.” (não destacado no original)
Verifica-se que o RTT nasceu por meio da Medida Provisória nº 449/2008
que, em seus artigos 15 a 22, disciplinou os meios pelos quais os contribuintes
sujeitos à adoção do regime em questão deveriam ajustar o seu resultado.
Com a conversão da Medida Provisória nº 449/2008 na Lei
nº 11.941/2009, a instituição do RTT se deu de forma definitiva, devendo ser
observado por pessoas jurídicas sujeitas à apuração do IRPJ e da CSLL pelo
lucro real, facultativamente nos anos-calendários de 2008 e 2009, e obrigatória
a partir do ano de 2010.

2.2. Instituição
Por meio das alterações trazidas pela Lei nº 11.638/2007, houve uma
positivação de determinados parâmetros contábeis, o que, por conseqüência,
terminou por gerar uma reafirmação da separação entre as normas contábeis
e tributárias e a alteração da forma pela qual a empresa apurava o seu
resultado em um determinado período.
Visando não impactar o lucro real, a referida lei trouxe um dispositivo
estabelecendo que os lançamentos efetuados em observância às novas regras contábeis

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não deveriam surtir reflexos tributários. Todavia, deve-se atentar para o fato de que
a Lei nº 11.638/2007, embora tenha expressado em seu conteúdo a preocupação do
legislador no que tange à neutralidade fiscal, não previu um mecanismo para que, na
prática, esta neutralidade pudesse ser alcançada pelos contribuintes.
Esta situação se alterou com o advento da Lei nº 11.941/2009, resultante
da conversão da Medida Provisória nº 449/20084, que revogou o parágrafo 7º,
do artigo 177, da Lei nº 6.404/76, instituindo, em seu lugar, por meio de seu
artigo 15, o RTT, cujo objetivo foi o de conceber um meio de neutralizar os
efeitos das novas regras contábeis para fins fiscais. Assim, para a apuração do
lucro real da pessoa jurídica, não devem ser considerados os novos parâmetros
contábeis introduzidos por meio da Lei nº 11.638/07, devendo ser utilizados
os critérios anteriores à entrada em vigor desta lei.
A instituição do RTT veio através dos artigos 15 a 17 da Lei
nº 11.941/2009, ao determinarem que tal regime teria por objetivo possibilitar a
neutralidade fiscal dos lançamentos realizados sob a égide dos novos parâmetros
contábeis, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios
contábeis vigentes em 31 de dezembro de 20075§. Esse mesmo tratamento deve
ser dado às normas expedidas pela CVM e pelos demais órgãos reguladores que
visem alinhar a legislação específica com os padrões internacionais de contabilidade.
O RTT, segundo o artigo 15 da Lei nº 11.941/2009, in verbis, terá vigência
até a entrada em vigor de lei que discipline os efeitos tributários dos novos
métodos e critérios contábeis, sendo que os ajustes necessários à neutralidade
fiscal serão controlados no Livro de Apuração do Lucro Real (“LALUR”).
“Art. 15. Fica instituído o Regime Tributário de Transição – RTT de
apuração do lucro real, que trata dos ajustes tributários decorrentes
dos novos métodos e critérios contábeis introduzidos pela Lei nº
11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei.
§ 1º O RTT vigerá até a entrada em vigor de lei que discipline os
efeitos tributários dos novos métodos e critérios contábeis, buscando
a neutralidade tributária.

4 O Ato do Congresso Nacional nº 3/2009 prorrogou a vigência da Medida Provisória nº 449.


5 A opção pelo RTT referente ao IRPJ implica na adoção do regime na apuração da CSLL, do PIS e
da COFINS.

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§ 2º Nos anos-calendário de 2008 e 2009, o RTT será optativo,


observado o seguinte:
I – a opção aplicar-se-á ao biênio 2008-2009, vedada a aplicação do
regime em um único ano-calendário;
II – a opção a que se refere o inciso I deverá ser manifestada, de forma
irretratável, na Declaração de Informações Econômico-Fiscais da
Pessoa Jurídica 2009;
III – no caso de apuração pelo lucro real trimestral dos trimestres já
transcorridos do ano-calendário de 2008, a eventual diferença entre o
valor do imposto devido com base na opção pelo RTT e o valor antes
apurado deverá ser compensada ou recolhida até o último dia útil do
primeiro subseqüente ao da publicação desta Lei, conforme o caso;
IV – na hipótese de início de atividades no ano-calendário de 2009,
a opção deverá ser manifestada, de forma irretratável, na Declaração
de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica 2010.
§ 3º Observado o prazo estabelecido no § 1º deste artigo, o RTT
será obrigatório a partir do ano-calendário de 2010, inclusive para a
apuração do imposto sobre a renda com base no lucro presumido ou
arbitrado, da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido – CSLL,
da Contribuição para o PIS/PASEP e da Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social – COFINS.
§ 4º Quando paga até o prazo previsto no inciso III do § 2º deste artigo,
a diferença apurada será recolhida sem acréscimos.” (não destacado no
original)
Os artigos 16 e 17 da Lei nº 11.941/2009, a seguir transcritos,
complementam as disposições contidas no artigo 15 do mesmo diploma legal:
“Art. 16. As alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro
de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei que modifiquem o critério de
reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro
líquido do exercício definido no art. 191 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de
1976, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica
sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e
critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo às
normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, com base

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na competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de


15 de dezembro de 1976, e pelos demais órgãos reguladores que
visem a alinhar a legislação específica com os padrões internacionais
de contabilidade.
Art. 17. Na ocorrência de disposições da lei tributária que
conduzam ou incentivem a utilização de métodos ou critérios
contábeis diferentes daqueles determinados pela Lei nº 6.404,
de 15 de dezembro de 1976, com as alterações da Lei nº 11.638,
de 28 de dezembro de 2007, e dos arts. 37 e 38 desta Lei, e pelas
normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários com base
na competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de
15 de dezembro de 1976, e demais órgãos reguladores, a pessoa
jurídica sujeita ao RTT deverá realizar o seguinte procedimento:
I – utilizar os métodos e critérios definidos pela Lei nº 6.404, de 15
de dezembro de 1976, para apurar o resultado do exercício antes do
Imposto sobre a Renda, referido no inciso V do caput do art. 187 dessa
Lei, deduzido das participações de que trata o inciso VI do caput do
mesmo artigo, com a adoção:
a) dos métodos e critérios introduzidos pela Lei nº 11.638, de 28 de
dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei; e
b) das determinações constantes das normas expedidas pela
Comissão de Valores Mobiliários, com base na competência
conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro
de 1976, no caso de companhias abertas e outras que optem pela
sua observância;
II – realizar ajustes específicos ao lucro líquido do período, apurado
nos termos do inciso I do caput deste artigo, no Livro de Apuração
do Lucro Real, inclusive com observância do disposto no § 2º deste
artigo, que revertam o efeito da utilização de métodos e critérios
contábeis diferentes daqueles da legislação tributária, baseada nos
critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007, nos termos
do art. 16 desta Lei; e
III – realizar os demais ajustes, no Livro de Apuração do Lucro Real,
de adição, exclusão e compensação, prescritos ou autorizados pela
legislação tributária, para apuração da base de cálculo do imposto.

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228 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

§ 1º Na hipótese de ajustes temporários do imposto, realizados na


vigência do RTT e decorrentes de fatos ocorridos nesse período, que
impliquem ajustes em períodos subsequentes, permanece:
I – a obrigação de adições relativas a exclusões temporárias; e
II – a possibilidade de exclusões relativas a adições temporárias.
§ 2º A pessoa jurídica sujeita ao RTT, desde que observe as normas
constantes deste Capítulo, fica dispensada de realizar, em sua
escrituração comercial, qualquer procedimento contábil determinado
pela legislação tributária que altere os saldos das contas patrimoniais
ou de resultado quando em desacordo com:
I – os métodos e critérios estabelecidos pela Lei nº 6.404, de 15 de
dezembro de 1976, alterada pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro
de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei; ou
II – as normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, no uso da
competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro
de 1976, e pelos demais órgãos reguladores.” (não destacado no original)
Verifica-se, dessa forma, que, nos termos do artigo 15 da Lei
nº 11.941/2009, o RTT foi instituído para promover ajustes na apuração do
lucro em razão dos novos métodos e critérios contábeis, neutralizando os efeitos
da harmonização das regras contábeis brasileiras com o padrão IFRS.
O artigo 16 do mesmo diploma legal, por sua vez, determinou que as
alterações contábeis advindas da Lei nº 11.638/2007, bem como dos artigos
37 e 39 da Lei nº 11.941/2009, que modifiquem o critério de reconhecimento
de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido do
exercício, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica
sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e
critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Por fim, a Lei nº 11.941/2009 estabeleceu em seu artigo 17 que, se por
conta das disposições da lei tributária forem utilizados métodos ou critérios
contábeis diferentes daqueles determinados pela Lei nº 6.404/76, a pessoa
jurídica sujeita ao RTT deverá realizar procedimentos de ajuste ao lucro líquido
do período no LALUR.
A exegese dos dispositivos legais em questão permite a conclusão que
o RTT busca a neutralidade fiscal, devendo ser considerados os métodos e

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critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007 para apuração do


lucro real, mediante a realização de ajustes no LALUR (obrigações acessórias)6.
A Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal do Brasil (“IN
RFB”) nº 949/2009 regulamentou o RTT, dispondo sobre a aplicação do RTT
ao Lucro Presumido, trazendo os procedimentos a serem observados para garantir
a neutralidade fiscal dos novos padrões contábeis e dispondo também sobre a
aplicação do RTT para o PIS e para a COFINS, sendo especificados os ajustes
que deverão ser adotados para garantir a neutralidade fiscal.
Ademais, o referido dispositivo legal instituiu o denominado Controle
Fiscal Contábil de Transição (“FCONT”), para fins de registros auxiliares
previstos no inciso II, do § 2º, do art. 8º, do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977,
que se configura como uma escrituração das contas patrimoniais e de resultado,
em partidas dobradas, que considera os métodos e critérios contábeis aplicados
pela legislação tributária. A utilização do FCONT é necessária para a realização
dos ajustes fiscais, não podendo ser substituído por qualquer outro controle ou
memória de cálculo, sendo de uso obrigatório e exclusivo das pessoas jurídicas
sujeitas cumulativamente ao lucro real e ao RTT.
Embora o conceito do RTT seja relativamente simples, sua adoção
pressupõe a criação e manutenção de controles extracontábeis das contas
patrimoniais e de resultado pelas pessoas jurídicas, de forma analítica, dado
que as adições e exclusões na Parte A do LALUR, segundo a própria IN
RFB nº 949/2009, devem considerar os valores consignados no FCONT.
Em razão da neutralidade fiscal prevista no parágrafo 1º, do artigo 15, da
Lei nº 11.941/2009, com as complementações previstas nos artigos 16 e 17

6 Frise-se que o artigo 2º da Instrução Normativa RFB nº 949/09, que regulamentou o RTT, ratificou
expressamente a questão da neutralidade fiscal para os contribuintes que aderirem ao Regime,
verbis:
“Art. 2º As alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37
e 38 da Lei nº 11.941, de 2009, que modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos
e despesas computadas na escrituração contábil, para apuração do lucro líquido do exercício
definido no art. 191 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, não terão efeitos para fins de
apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)
da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e
critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput às normas expedidas pela Comissão de Valores
Mobiliários (CVM), com base na competência regulamentar conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei
nº 6.404, de 1976, e pelos demais órgãos reguladores que visem alinhar a legislação específica
com os padrões internacionais de contabilidade.” (não destacado no original)

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230 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

da mesma Lei, na IN RFB nº 949/2009 e na Exposição de Motivos da Medida


Provisória nº 449/2008, posteriormente referendada pelos Processos de Consultas
nº 5/2009 (10ª Região Fiscal) e 378/2009 (8ª Região Fiscal), qualquer mudança
no critério contábil que influencie o cálculo do IRPJ e da CSLL terá seus efeitos
neutralizados pelo RTT, sendo tais ajustes controlados no LALUR.
Nos termos da Lei nº 11.941/2009, para os anos de 2008 e 2009, ou
seja, desde a entrada em vigor da Lei nº 11.638/2007, o RTT será facultativo,
devendo a pessoa jurídica manifestar sua opção pelo regime, de forma
irretratável, em sua Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa
Jurídica (“DIPJ”). A partir de 2010, o RTT passou a ser obrigatório para todas
as pessoas jurídicas sujeitas ao IRPJ e à CSSL apurados com base no lucro real
ou presumido, assim como para o PIS e a COFINS, em qualquer sistemática.
O RTT, portanto, foi concebido para ter uma vigência efêmera,
permanecendo em vigor, nos termos do parágrafo 1º, artigo 15, da Lei nº
11.941/2009, até a entrada em vigor “de lei que discipline os efeitos tributários
dos novos métodos e critérios contábeis, buscando a neutralidade tributária.”, o que
ainda não tem previsão para acontecer.

2.3. Neutralidade Fiscal


O RTT, nos termos de sua legislação instituidora, possui dois preceitos
básicos que o norteiam: o primeiro deles encontra-se disposto no artigo 16 da Lei
nº 11.491/2009, resultado da conversão da Medida Provisória nº 449/2008, que
determina que as alterações introduzidas pela Lei nº 11.638/2007 e pelos artigos
36 e 37 da Lei nº 11.941, que modificarem critérios contábeis de contabilização e
reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do resultado
de determinada pessoa jurídica sujeita ao RTT, não terão reflexos para fins de
apuração do lucro real.
Assim, nos termos desse primeiro preceito, para empresas sujeiras ao RTT,
quando da apuração do IRPJ e da CSLL, devem ser considerados, para fins
tributários, os métodos e critérios vigentes em 31 de dezembro de 2007, não sendo
consideradas as alterações de critérios das Leis nº 11.638/2007 e 11.941/2009.
Nesse sentido, Edmar Oliveira Andrade Filho menciona que “esse preceito
impõe uma espécie de congelamento do ordenamento jurídico tributário vigente em 31
de dezembro de 2007, de modo que as receitas, custos e despesas criados pelo conjunto

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Gilberto de Castro Moreira Junior & Rogério Cesar Marques - 231

de normas acima mencionado (alterações das Leis nºs 11.638/2007 e 11.941/2009),


não tem efeito tributário enquanto em vigor o RTT”.7 
O segundo preceito, que também se encontra em consonância com o princípio
da neutralidade fiscal, é aquele disposto no artigo 17 da Lei nº 11.941/2009, que
trata dos ajustes que devem ser feitos pelas empresas optantes pelo RTT, quando
observada eventual diversidade de critério contábil estabelecido entre as normas
contábeis e as regras de Direito Tributário.
Os preceitos contidos nos artigos 16 e 17 demonstram o alinhamento do
RTT com o princípio da neutralidade fiscal, norteando o regime ora analisado.
Enquanto o primeiro dispositivo legal explicita seu conceito, o segundo determina
os meios através dos quais a neutralidade fiscal será posta em prática.
As autoridades fiscais já se manifestaram acerca do princípio da neutralidade
fiscal, conforme pode ser verificado, inclusive, por meio do Processo de Consulta
nº 5/2009 abaixo transcrito, que tratou da contabilização dos contratos de
arrendamento mercantil, dizendo expressamente que as mudanças no critério de
escrituração contábil não afetariam a base de cálculo do IRPJ e da CSLL:
“Processo de Consulta nº 5/2009. Órgão: Superintendência Regional da
Receita Federal – SRRF / 10ª Região Fiscal
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ.
Ementa: ARRENDAMENTO MERCANTIL FINANCEIRO.
MUDANÇAS NO CRITÉRIO DE CONTABILIZAÇÃO.
EFEITOS FISCAIS.
Os lançamentos na contabilidade da arrendatária referentes aos
contratos de arrendamento mercantil devem estar em conformidade
com a nova regra do inciso IV do art. 179 da Lei nº 6.404, de 1976,
alterado pela Lei nº 11.638, de 2007. Contudo, tais mudanças no
critério de escrituração contábil não afetarão a base de cálculo do
IRPJ apurada pela pessoa jurídica optante pelo Regime Tributário de
Transição (RTT). Ou seja, os ajustes decorrentes do critério anterior
e do atual devem ser implementados extracontabilmente na empresa
optante pelo referido regime, objetivando buscar a neutralidade fiscal.

7 Imposto de Renda das Empresas. São Paulo: Ed. Atlas, 2010, p. 641.

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232 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

Na hipótese de a consulente não optar pelo RTT, a contabilização dos


contratos de arrendamento mercantil na arrendatária também segue
a determinação do inciso IV do art. 179 da Lei nº 6.404, de 1976,
alterado pela Lei nº 11.638, de 2007, sendo vedada a realização de
ajustes extracontábeis.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei nº 6.404, de 1976, art. 179, inciso IV,
alterado pela Lei nº 11.638, de 2007; MP nº 449, de 2008, arts. 15 a 18.
Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL.
Ementa: ARRENDAMENTO MERCANTIL FINANCEIRO.
MUDANÇAS NO CRITÉRIO DE CONTABILIZAÇÃO.
EFEITOS FISCAIS.
Os lançamentos na contabilidade da arrendatária referentes aos
contratos de arrendamento mercantil devem estar em conformidade
com a nova regra do inciso IV do art. 179 da Lei nº 6.404, de 1976,
alterado pela Lei nº 11.638, de 2007. Contudo, tais mudanças no
critério de escrituração contábil não afetarão a base de cálculo da
CSLL apurada pela pessoa jurídica optante pelo Regime Tributário
de Transição (RTT). Ou seja, os ajustes decorrentes do critério
anterior e do atual devem ser implementados extracontabilmente
na empresa optante pelo referido regime, objetivando buscar a
neutralidade fiscal.
Na hipótese de a consulente não optar pelo RTT, a contabilização dos
contratos de arrendamento mercantil na arrendatária também segue
a determinação do inciso IV do art. 179 da Lei nº 6.404, de 1976,
alterado pela Lei nº 11.638, de 2007, sendo vedada a realização de
ajustes extracontábeis.
dispositivos legais: Lei nº 6.404, de 1976, art. 179, inciso IV, alterado
pela Lei nº 11.638, de 2007; MP nº 449, de 2008, arts. 15 a 18.”8 (não
destacado no original)
No mesmo sentido foi o entendimento esposado no Processo de Consulta
nº 378/2009, a seguir reproduzido, que tratou das obrigações acessórias a
serem cumpridas pelas pessoas jurídicas optantes pelo RTT para assegurar a
neutralidade fiscal:

8 Data da Decisão 20.02.2009, DOU 16.03.2009.

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Gilberto de Castro Moreira Junior & Rogério Cesar Marques - 233

Processo de Consulta nº 378/2009. Órgão: Superintendência Regional


da Receita Federal – SRRF / 8ª Região Fiscal
Assunto: Obrigações Acessórias.
Ementa: A pessoa jurídica sujeita ao lucro real que optar pelo Regime
Tributário de Transição – RTT nos anos-calendário de 2008 e 2009,
deverá manter o Controle Fiscal Contábil de Transição (FCONT),
que conterá os registros auxiliares previstos no inciso II do § 2.º do art.
8.º do Decreto-Lei n.º 1.598, de 1977. A adaptação da contabilidade
do sujeito passivo às normas comerciais vigentes em 31/12/2007 será
promovida por meio do FCONT, assegurando a neutralidade tributária.
A pessoa jurídica sujeita ao lucro real que não optar pelo RTT, para a
apuração do IRPJ nos anos calendário de 2008 e 2009, partirá do lucro
líquido do período calculado segundo as novas regras contábeis, e sobre
ele aplicará as adições, exclusões e compensações previstas na legislação
tributária, não sendo a ela assegurada a neutralidade tributária.
Dispositivos Legais: Lei n.º 6.404, de 1976, artigo 177; Lei n.º
11.638, de 2007; Lei n.º 11.941, de 2009, artigos 15 a 17; Instrução
Normativa RFB n.º 949, de 2009, artigos 3.º e 7.º a 9.º.
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ.
Ementa: Não estão revogados os artigos 247, 251 e 274 do RIR/99.
Para aquelas pessoas jurídicas que não optarem pelo RTT nos
anos calendário de 2008 e 2009, o lucro líquido do período será o
apurado na sua contabilidade segundo as regras contábeis atualmente
vigentes, introduzidas pelas Leis n.º 11.638, de 2007, e 11.941, de
2009. Para as pessoas jurídicas que optarem pelo RTT, o lucro líquido
do período de apuração determinado por meio dos critérios contábeis
previstos na Lei n.º 6.404, de 1976, com as alterações introduzidas
pelas Leis n.º 11.638, de 2007, e 11.941, de 2009, será ajustado pelas
regras do Regime Tributário de Transição, por meio do Controle
Fiscal Contábil de Transição (FCONT), e espelhará o lucro líquido
apurado segundo as normas vigentes até 31.12.2007.
Dispositivos Legais: Lei n.º 6.404, de 1976, artigo 177; Lei n.º 11.638, de
2007; Lei n.º 11.941, de 2009, artigos 15 a 17; Instrução Normativa RFB
n.º 949, de 2009, artigos 3.º e 7.º a 9.º.”9  (não destacado no original)

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234 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

Questão a ser verificada, portanto, para que se conclua pela aplicação ou não
do RTT é se houve, nos termos das alterações previstas nas Leis nº 11.638/2007
e 11.941/2009, mudança de critério contábil em determinados lançamentos
realizados sob a égide dos dispositivos legais em tela, em especial no que tange
aos critérios e regras para as taxas de depreciação e reconhecimento das despesas
geradas pela diminuição do valor do ativo imobilizado.

3. Depreciação
3.1 Considerações Iniciais
No cotidiano das empresas, em decorrência do uso, ou mesmo por ação
da natureza ou obsolescência, os bens de seu ativo imobilizado têm um prazo
limitado de vida útil econômica, na medida em que estes se desgastam no
decorrer da atividade operacional, acarretando a diminuição do seu valor, que
deverá ser reconhecido nas demonstrações financeiras das pessoas jurídicas em
contas denominadas pela contabilidade como “depreciação”.
A regulação da forma por meio da qual a depreciação deve ser contabilizada
se dá por meio da alínea a, dos parágrafos 2º e 3º, do artigo 183, da Lei nº
6.404/76, com redação dada pela Lei nº 11.941/2009, in verbis:
Art. 183: (...) 
§ 2o A diminuição do valor dos elementos dos ativos imobilizado e
intangível será registrada periodicamente nas contas de: (Redação
dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
a) depreciação, quando corresponder à perda do valor dos direitos
que têm por objeto bens físicos sujeitos a desgaste ou perda de
utilidade por uso, ação da natureza ou obsolescência;
 § 3o A companhia deverá efetuar, periodicamente, análise sobre a
recuperação dos valores registrados no imobilizado e no intangível,
a fim de que sejam: (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
I – registradas as perdas de valor do capital aplicado quando houver
decisão de interromper os empreendimentos ou atividades a que

9 Data da Decisão 27.10.2009, DOU 09.11.2009.

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Gilberto de Castro Moreira Junior & Rogério Cesar Marques - 235

se destinavam ou quando comprovado que não poderão produzir


resultados suficientes para recuperação desse valor; ou (Incluído
pela Lei nº 11.638,de 2007)
II – revisados e ajustados os critérios utilizados para determinação
da vida útil econômica estimada e para cálculo da depreciação,
exaustão e amortização.
Depreende-se da análise do dispositivo legal supra transcrito que a
depreciação, nos termos da legislação societária, deve ser contabilizada de
forma a refletir o desgaste dos bens do ativo imobilizado em decorrência
de seu uso ou obsolescência.
A importância correspondente aos encargos de depreciação, ou seja, o
montante correspondente a diminuição do valor dos bens registrados no ativo
imobilizado é considerado, nos termos do artigo 305 do RIR, como despesa
operacional quando da apuração do lucro líquido da sociedade.
A questão ora analisada é se, com as alterações nas regras de depreciação
trazidas pelas Leis nºs 11.638/2007 e 11.941/2009, houve modificação nos
critérios contábeis sujeitos aos ajustes do RTT.

3.2. Regras de Depreciação – Aspectos Contábeis


Diante das disposições legais que regulamentaram as regras de depreciação, as
pessoas jurídicas tenderam a adotar as taxas de desvalorização do ativo imobilizado
emitidos pelo Fisco. Todavia, com as alterações advindas pelas Leis nºs 11.638/2007
e 11.941/2009, esta prática não poderá ser mais adotada contabilmente (mas tão
somente para apuração da base de cálculo do IRPJ e CSLL).
A alteração na sistemática de depreciação sofreu alterações por meio das Leis
nºs 11.638/2007 e 11.941/2009, que estabeleceram que a partir do ano calendário de
2009, as depreciações concernentes a bens do ativo imobilizado devem ser efetuadas
levando-se por base a vida útil dos bens economicamente considerada.
Dessa forma, podiam ser utilizadas para o exercício de 2008 as taxas de
depreciações e amortizações dos bens do ativo imobilizado que a entidade vinha
anteriormente adotando (em geral eram as taxas fiscais definidas e permitidas
pela legislação fiscal).
Com o advento deste novo parâmetro contábil, surgiu a necessidade de
revisão e ajuste periódico dos critérios utilizados para determinação da vida

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236 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

útil econômica estimada e para cálculo da depreciação, no mínimo por ocasião


da elaboração das demonstrações financeiras anuais.
De acordo com Fábio Piovesan Bozza, a necessidade de revisão e ajuste
periódico dos critérios utilizados para a mensuração da vida útil do bem tem o
intuito de assegurar que os ativos não estejam registrados contabilmente por um
valor superior àquele passível de ser recuperado no tempo por uso nas operações
da empresa ou em sua eventual venda, tratando-se do denominado teste de
recuperabilidade dos ativos também conhecido como teste de impairment, que
será melhor detalhado adiante.10 
O Comitê de Pronunciamentos Contábeis (“CPC”), por sua vez, emitiu
o Pronunciamento Técnico CPC 27 – Ativo Imobilizado, ora aprovado pela
Resolução do Conselho Federal de Contabilidade (“CFC”) nº 1.177/2009,
tratando dos procedimentos a serem observados, inclusive quanto aos critérios
de depreciação, já de acordo com as alterações dos parâmetros contábeis.
Nos termos do CPC 27, merecem destaque as seguintes determinações:
(i) o valor depreciável de um ativo deve ser apropriado de forma
sistemática ao longo de sua vida útil estimada, devendo, as
despesas com a depreciação do período, serem reconhecidas
no resultado;
(ii) a depreciação do ativo se inicia quando este está disponível
para uso, ou seja, quando está no local e em condição de
funcionamento na forma pretendida pela administração,
devendo, por sua vez, cessar na data em que o ativo é classificado
como mantido para venda, ou ainda, na data em que o ativo é
baixado, o que ocorrer primeiro;
(iii) a vida útil de um ativo é definida em termos da utilidade esperada
do ativo para a pessoa jurídica, sendo que tal estimativa da vida
útil do ativo é uma questão de julgamento baseado na experiência
da entidade com ativos semelhantes;
(iv) no que tange aos métodos de depreciação a serem utilizados,
estes devem refletir o padrão de consumo pela entidade dos

10 Novo Padrão Contábil Brasileiro e os Impactos Fiscais no Registro das Despesas de Depreciação,
in Revista Dialética de Direito Tributário nº 166, p. 12.

Direito Tributário Societário Vol. III.indd 236 29/5/2012 18:03:11


Gilberto de Castro Moreira Junior & Rogério Cesar Marques - 237

benefícios econômicos futuros. O método de depreciação


aplicado a um ativo deve ser revisado pelo menos ao final de
cada exercício e, se houver alteração significativa no padrão de
consumo previsto, o método de depreciação deve ser alterado
para refletir essa mudança.
Todavia, existia ainda a dificuldade associada à forma pela qual deveria
ser realizado o cálculo da vida útil econômica dos bens constantes no ativo
imobilizado. Contabilmente, a vida útil econômica de um determinado bem é
definida nos termos da utilidade esperada do ativo para a entidade.
Visando sanar tal problemática, o CPC 27 determinou que devem ser
considerados na determinação da vida útil de um bem do ativo imobilizado:
(i) uso esperado do ativo avaliado com base na capacidade física específica
do referido bem; (ii) desgaste físico normal esperado, que depende de fatores
operacionais, tais como o número de turnos nos quais haverá a utilização do
bem; (iii) cronograma de reparos e manutenção do bem enquanto esse estiver
ocioso; (iv) obsolescência técnica ou comercial proveniente de mudanças na
demanda do mercado para o produto ou serviço derivado do bem em questão;
e (v) limites legais ou semelhantes no uso do ativo, assim como, por exemplo,
duração de eventual contrato de arrendamento mercantil do bem considerado.
De acordo com a sistemática contábil da depreciação, depois de estimada
a vida útil econômica do bem do ativo imobilizado, a empresa deverá optar
por um dos métodos existentes para se calcular a depreciação, método este que
deve refletir o padrão de consumo pela entidade dos benefícios econômicos futuros
proporcionados pelo ativo imobilizado. Da mesma forma que o valor residual e a vida
útil do ativo, o método de depreciação também deve ser revisado no mínimo uma vez
por ano. No caso de haver mudança considerável nos padrões de uso do imobilizado,
o método deve ser alterado para refletir essa mudança nos padrões de uso. 11 
O registro da depreciação na contabilidade da empresa, segundo Sergio de
Iudícibus deve ser feito por meio de um registro de um débito na conta de despesa
de depreciação do período e um crédito na conta de Depreciação Acumulada. 12 

11 Sergio de Iudícibus (Et. Alli). Manual de Contabilidade Societária. São Paulo: Editora Atlas, 2010,
p. 249.
12 Op. cit, pp. 249-250.

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238 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

3.3. Regras de Depreciação – Aspectos Fiscais


Por sua vez, sob a óptica fiscal, o artigo 305, caput, do Regulamento do
Imposto de Renda (Decreto nº 3.000/99 – “RIR/99”) 13 prevê que seu encargo
poderá ser computado como custo no período de apuração, podendo, tais
valores, serem deduzidos das bases de cálculo tanto do IRPJ quanto da CSLL
Porém, para dedutibilidade dos encargos de depreciação devem ser observados,
todavia, os critérios previstos nos artigos 305 a 323 do RIR/99.
Neste sentido, a análise dos parágrafos 1º a 5º do artigo 305 do RIR/9914 
permite concluir que a depreciação será deduzida pelo contribuinte que suportar
o encargo econômico do desgaste ou obsolescência, de acordo com as condições
de propriedade, posse ou uso do bem, sendo as quotas de depreciação são
dedutíveis a partir da época em que os bens são instalados, postos em serviço
ou em condições de produzir.
Nos termos do parágrafo 3º do artigo 305 do RIR/99, o montante
acumulado das quotas de depreciação não poderá ultrapassar o custo de
aquisição do bem.
O parágrafo 4º do mesmo dispositivo legal, por sua vez, determina
que o valor não depreciado dos bens sujeitos à depreciação, que se tornarem
imprestáveis ou caírem em desuso, deverão ser baixados do ativo imobilizado, o
que invariavelmente implicará na redução no conjunto de direitos da empresa.
Por fim, o parágrafo 5º do artigo 305 do RIR/99 traz um delimitação
de quais os bens que poderão ser depreciados para fins fiscais, determinando

13 Art.  305. Poderá ser computada, como custo ou encargo, em cada período de apuração, a
importância correspondente à diminuição do valor dos bens do ativo resultante do desgaste pelo
uso, ação da natureza e obsolescência normal (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57).
14 Art. 305. (...)
§  1º A depreciação será deduzida pelo contribuinte que suportar o encargo econômico do
desgaste ou obsolescência, de acordo com as condições de propriedade, posse ou uso do bem
(Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 7º).
§ 2º A quota de depreciação é dedutível a partir da época em que o bem é instalado, posto em
serviço ou em condições de produzir (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 8º).
§  3º Em qualquer hipótese, o montante acumulado das quotas de depreciação não poderá
ultrapassar o custo de aquisição do bem (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 6º).
§ 4º O valor não depreciado dos bens sujeitos à depreciação, que se tornarem imprestáveis ou
caírem em desuso, importará redução do ativo imobilizado (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 11).
§  5º Somente será permitida depreciação de bens móveis e imóveis intrinsecamente
relacionados com a produção ou comercialização dos bens e serviços (Lei nº 9.249, de 1995,
art. 13, inciso III).

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Gilberto de Castro Moreira Junior & Rogério Cesar Marques - 239

que somente será permitida a depreciação de bens móveis ou imóveis cujo uso
esteja intrinsecamente relacionado com a produção ou comercialização dos
bens e serviços.
Merece destaque também o disposto nos artigos 309 e 310 do RIR/99.
No que tange ao disposto no artigo 309 do Regulamento15 em tela, o seu caput
determina que a quota de depreciação registrável na escrituração como custo
ou despesa operacional será determinada mediante a aplicação da taxa anual
de depreciação sobre o custo de aquisição dos bens depreciáveis:
Ademais, a análise dos parágrafos 1º e 2º do referido dispositivo
legal permite verificar que a quota anual de depreciação será ajustada
proporcionalmente, no curso do ano exercício, no caso de período de apuração
com prazo de duração inferior a 12 meses, e/ou nas hipóteses de acréscimo ou
baixa de bem no ativo da empresa.
Há ainda, nos termos dos dispositivos legais tratados em questão, a
possibilidade de a depreciação ser apropriada em quotas mensais, sendo
dispensado o ajuste da taxa para os bens postos em funcionamento ou baixados
no curso do mês.
O parágrafo 3º do artigo 309 do RIR/99 determina que a taxa anual de
depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se possa esperar utilização
econômica do bem pelo contribuinte, na produção de seus rendimentos.
O artigo 310 do RIR/9916, por sua vez, determina em seu parágrafo 1º
que caberá a RFB, periodicamente, publicar o prazo de vida útil admissível

15 Art. 309. A quota de depreciação registrável na escrituração como custo ou despesa operacional


será determinada mediante a aplicação da taxa anual de depreciação sobre o custo de aquisição
dos bens depreciáveis (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 1º).
§ 1º A quota anual de depreciação será ajustada proporcionalmente no caso de período de apuração
com prazo de duração inferior a doze meses, e de bem acrescido ao ativo, ou dele baixado, no
curso do período de apuração.
§ 2º A depreciação poderá ser apropriada em quotas mensais, dispensado o ajuste da taxa para
os bens postos em funcionamento ou baixados no curso do mês.
§  3º A quota de depreciação, registrável em cada período de apuração, dos bens aplicados
exclusivamente na exploração de minas, jazidas e florestas, cujo período de exploração total seja
inferior ao tempo de vida útil desses bens, poderá ser determinada, opcionalmente, em função
do prazo da concessão ou do contrato de exploração ou, ainda, do volume da produção de cada
período de apuração e sua relação com a possança conhecida da mina ou dimensão da floresta
explorada (Lei nº 4.506, de 1964, arts. 57, § 14, e 59, § 2º).
16 Art. 310. A taxa anual de depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se possa
esperar utilização econômica do bem pelo contribuinte, na produção de seus rendimentos (Lei
nº 4.506, de 1964, art. 57, § 2º).

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240 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

para fins fiscais, em condições normais ou médias, para cada espécie de bem,
ficando assegurado ao contribuinte o direito de computar a quota efetivamente
adequada às condições de depreciação de seus bens, desde que, em se tratando
de taxa diferente, fazendo a prova dos motivos pelos quais adotou uma taxa
diferente da publicada pelo Fisco.
Vê-se, portanto, que existe a possibilidade do contribuinte adotar os
valores fixados pela RFB ou, alternativamente, utilizar a quota efetivamente
depreciada, devendo, neste caso, fazer prova dessa adequação, através de um
laudo emitido pelo Instituto Nacional de Tecnologia, ou de outra entidade
oficial de pesquisa científica ou tecnológica, prevalecendo os prazos de vida
útil recomendados por essas instituições.
O Parecer Normativo CST nº 79/76 estabeleceu que se a pessoa jurídica
adotar taxa de depreciação inferior à permitida como dedutíveis, na apuração do
lucro real, não poderá utilizar taxas mais elevadas a fim de ajustar a depreciação
acumulada à taxa normal.
Pelo Parecer Normativo CST nº 192/72 (“PN CST 192/92”), o desgaste
provocado pelo uso intensivo ou anormal dos bens pertencentes ao ativo
imobilizado das pessoas jurídicas de direito privado poderá determinar a adoção
de taxas especiais de depreciação, devendo haver a comprovação da adequação
das taxas que utilizarem, ou, em caso de dúvida, justificá-las com base em laudo
técnico expedido por órgão oficial competente.
Ainda nos termos do PN CST 192/72, as empresas que empreguem os
coeficientes de depreciação acelerada em decorrência de expressa previsão
legal poderão também utilizar taxas especiais de depreciação, quando estas se

§ 1 A Secretaria da Receita Federal publicará periodicamente o prazo de vida útil admissível, em
condições normais ou médias, para cada espécie de bem, ficando assegurado ao contribuinte o
direito de computar a quota efetivamente adequada às condições de depreciação de seus bens,
desde que faça a prova dessa adequação, quando adotar taxa diferente (Lei nº 4.506, de 1964,
art. 57, § 3º).
§  2 No caso de dúvida, o contribuinte ou a autoridade lançadora do imposto poderá pedir
perícia do Instituto Nacional de Tecnologia, ou de outra entidade oficial de pesquisa científica ou
tecnológica, prevalecendo os prazos de vida útil recomendados por essas instituições, enquanto
os mesmos não forem alterados por decisão administrativa superior ou por sentença judicial,
baseadas, igualmente, em laudo técnico idôneo (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 4º).
§ 3 Quando o registro do imobilizado for feito por conjunto de instalação ou equipamentos, sem
especificação suficiente para permitir aplicar as diferentes taxas de depreciação de acordo com a
natureza do bem, e o contribuinte não tiver elementos para justificar as taxas médias adotadas para
o conjunto, será obrigado a utilizar as taxas aplicáveis aos bens de maior vida útil que integrem
o conjunto (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 12).

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fizerem necessárias, observadas as regras pertinentes, desde que o seu montante


não ultrapasse em qualquer tempo o custo de aquisição dos bens, atualizado
monetariamente.
Por fim, no que tange a possibilidade de depreciação acelerada, cumpre
destacar que esta encontra-se respaldada pelos artigos 311 a 313 do RIR/200917,
que traz as situações nas quais o bem pode ser depreciado, para fins fiscais, em
um menor período de tempo.

3.4. Alterações Trazidas pelas Leis nº 11.638/2007 e


11.941/2009
Com o advento das Leis nº 11.638/2007 e 11.941/2009, houve uma
introdução no sistema jurídico brasileiro de novos conceitos nos procedimentos
de mensuração e reconhecimento da depreciação contábil, vale dizer, a
diminuição do valor do bem registrado no ativo imobilizado passa ser registrada
conforme a sua vida útil econômica.

17 Art. 311. A taxa anual de depreciação de bens adquiridos usados será fixada tendo em vista o
maior dos seguintes prazos:
I – metade da vida útil admissível para o bem adquirido novo;
II – restante da vida útil, considerada esta em relação à primeira instalação para utilização do bem.
Depreciação Acelerada Contábil
Art. 312. Em relação aos bens móveis, poderão ser adotados, em função do número de horas
diárias de operação, os seguintes coeficientes de depreciação acelerada (Lei nº 3.470, de 1958,
art. 69):
I – um turno de oito horas............................1,0;
II – dois turnos de oito horas.......................1,5;
III – três turnos de oito horas.......................2,0.
Parágrafo único. O encargo de que trata este artigo será registrado na escrituração comercial.
Art. 313. Com o fim de incentivar a implantação, renovação ou modernização de instalações e
equipamentos, poderão ser adotados coeficientes de depreciação acelerada, a vigorar durante
prazo certo para determinadas indústrias ou atividades (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 5º).
§ 1º A quota de depreciação acelerada, correspondente ao benefício, constituirá exclusão do
lucro líquido, devendo ser escriturada no LALUR (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 8º, inciso
I, alínea “c”, e § 2º).
§ 2º O total da depreciação acumulada, incluindo a normal e a acelerada, não poderá ultrapassar
o custo de aquisição do bem (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 6º).
§ 3º A partir do período de apuração em que for atingido o limite de que trata o parágrafo anterior,
o valor da depreciação normal, registrado na escrituração comercial, deverá ser adicionado ao
lucro líquido para efeito de determinar o lucro real.
§ 4º As empresas que exerçam, simultaneamente, atividades comerciais e industriais poderão
utilizar o benefício em relação aos bens destinados exclusivamente à atividade industrial.
§ 5º Salvo autorização expressa em lei, o benefício fiscal de que trata este artigo não poderá ser
usufruído cumulativamente com outros idênticos, exceto a depreciação acelerada em função dos
turnos de trabalho.

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242 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

Assim, a partir da harmonização da sistemática contábil brasileira com o


padrão IFRS, no que tange as taxas de depreciação para fins contábeis, o correto
passou a ser a adoção das regras na Lei nº 6.404/76, na redação dada pelas Leis
nº 11.638/2007 e 11.941/2009, posteriormente regulamentadas pelo CPC 27,
aprovado pela Resolução CFC 1.177/2009.
O quadro a seguir traz um resumo das alterações trazidas pela harmonização
dos parâmetros contábeis brasileiros com as normas internacionais de
contabilidade, por meio de um comparativo entre o CPC 27, e as normas técnicas
vigentes até 2007, regulamentadas pelas Normas Brasileiras de Contabilidade
Técnica (“NBCT 19.5”), aprovadas pela Resolução CFC nº 1.027/2005.

2005 2009

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2005 2009

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244 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

Em que pese, do ponto de vista de metodologia contábil, não ter havido,


aparentemente, grandes mudanças, é possível se deparar na prática com
alterações significativas nas taxas de depreciação adotadas pelas empresas, ainda
que seja considerado o fato de que, no que tange a mudança de estimativa da
vida útil, a regra anterior obrigava as empresas à revisão tanto do valor residual
quanto da vida útil, período de uso ou volume de produção de um ativo, “pelo
menos, no final de cada exercício, e, quando as expectativas diferirem das estimativas
anteriores, as alterações devem ser efetuadas”, nos termos da NBCT 19.5.
Ao serem adotadas consistentemente as taxas fiscais, em detrimento
do estudo com base na estimativa da vida útil, exceção à regra na sistemática
antiga, e se assumindo que este conduziria a taxas diversas das fiscais, como
de fato se revelou na aplicação do CPC 27, cujo escopo era exatamente o novo
tratamento contábil do ativo imobilizado, é possível afirmar que havia a adoção
de um determinado método fiscal.
Porém, com as modificações trazidas pelas Leis nº 11.638/2007 e
11.941/2009, houve uma alteração com relação ao método a ser adotado
quando do registro dos encargos de depreciação, uma vez que passou a ser
obrigatória, para fins contábeis, a adoção da estimativa da vida útil. Desta
forma, para fins fiscais, os métodos passaram a não mais serem coincidentes
com aqueles adotados para fins contábeis.
A sistemática fiscal da depreciação é regulamentada conforme IN
RFB 162/98, que fixou o prazo de vida útil e taxa de depreciação dos bens
que relaciona, estabelecendo que a quota de depreciação a ser registrada na
escrituração da pessoa jurídica será determinada com base nos prazos de vida
útil e nas taxas de depreciação constantes dos seus anexos. Cumpre destacar
que, para fins de apuração do IRPJ e da CSLL, a metodologia da IN RFB
162/98 ainda pode ser utilizada, devendo o contribuinte efetuar o controle
destes valores em registros auxiliares.
Deve-se destacar o fato de que o Fisco, conforme exegese do artigo 310, §
2º, do RIR/99, admite que o contribuinte adote taxas diferentes de depreciação,
desde que haja o devido suporte por laudo técnico de entidade reconhecida
pela RFB para tais fins.
Não obstante os novos parâmetros de depreciação introduzidos pelas
nº 11.638/2007 e 11.941/2009, os contribuintes devem observar, para fins
fiscais, as taxas de depreciação aprovadas pela RFB. Os valores depreciáveis

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que ultrapassarem a taxa fixada pela RFB, que não estiverem de acordo com os
preceitos estabelecidos no artigo 310,§ 2º do RIR/99, serão indedutíveis para
efeito de apuração do IPRJ e da CSLL, devendo, nestes casos, haver a adição
do valor dos encargos de depreciação para efeito de determinação da base de
cálculo do IRPJ e da CSLL.
Assim, sob a argumentação de que a RFB conduzia e incentivava a adoção
das taxas por ela publicadas, a maioria das empresas adotava estas taxas também
para fins societários antes do advento das novas regras contábeis, sendo, de tal
sorte, legítimo enquadrar suas diferenças em relação às novas taxas, no comando
do art. 17 da nº Lei 11.941/2009.
Ademais, as disposições da legislação societária, especialmente, e de forma
mais enfática, a partir da edição da Lei nº 11.638/2007, determinam que a
depreciação deve levar em consideração a efetiva vida útil do bem para cada entidade,
em função de sua realidade técnica e econômica, transformaram a então exceção a
regra anteriormente vigente em regra a ser seguida na seara societária.
Na sistemática vigente antes das alterações das Leis nº 11.638/2007 e
11.941/2009, regulamentada pela NBCT 19.5, aprovadas pela Resolução CFC
nº 1.027/2005, as empresas adotavam, mesmo para fins contábeis, os valores
fixados pela RFB, não obstante as regras societárias de depreciação contábil
existente na Lei nº 6.404/76.
Todavia, com as alterações promovidas pelas referidas leis, houve a
necessidade da análise e do ajuste periódico do valor de recuperação dos valores
registrados no ativo imobilizado, bem como a revisão e alteração dos critérios
utilizados, tanto para a determinação da vida útil econômica do bem, quanto
para cálculo da depreciação. Dessa forma, não poderá mais ser adotada a prática
anterior das empresas em simplesmente utilizar, também para fins contábeis,
os valores das taxas de depreciação fixados pela RFB.
É importante destacar que as alterações dos métodos de registro das taxas
de depreciação é um exemplo da consolidação da dicotomia depreciação fiscal
versus depreciação contábil, oriunda da harmonização das regras contábeis
adotadas no Brasil com o padrão IFRS terminou por consolidar.
Assim, no que tange a depreciação contábil, o CPC 27 determinou que os
critérios utilizados para a verificação da vida útil econômica estimada do bem e
para o cálculo da depreciação deverão ser periodicamente ajustados e revisados,
pelo menos ao final do exercício, quando da elaboração das demonstrações

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246 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

financeiras anuais.
A revisão e os ajustes dos critérios utilizados para a verificação da vida
útil econômica estimada do bem e para o cálculo de sua depreciação, conforme
estabelecido pelo CPC 27, se deve à necessidade de evitar que os ativos não
estejam registrados contabilmente por um valor superior àquele passível de ser
recuperado no tempo.
Nos termos do CPC 27, para se determinar o valor recuperável do ativo e
sua expectativa de vida útil econômica, deve se utilizar o denominado método do
impaiment, aplicando-se, para tal, o disposto em outro pronunciamento técnico
contábil, o CPC 01, que determina, independentemente de existir ou não
indício de desvalorização, que a entidade deverá testar, no mínimo anualmente,
a redução ao valor recuperável de um determinado ativo, comparando-se o seu
valor contábil com seu valor recuperável.
Para se realizar ao teste em questão, deve-se comparar o valor contábil com
o valor a ser recuperado, sendo este último o valor mais alto entre: (i) o valor
justo menos o custo de venda do bem, que corresponde ao valor de mercado
do referido bem, o qual pode vir a ser auferido por meio do levantamento do
valor de venda deste, ajustando-se por meio da adição de eventuais custos
incrementais decorrentes da alienação do ativo; ou, (ii) o valor em uso do
respectivo bem que corresponde ao valor presente nos fluxos de caixas futuros
que a entidade espera obter na utilização do referido bem.
Na hipótese do valor recuperável do ativo ser inferior ao seu valor
contábil, este valor deve ser reduzido para o seu valor recuperável, configurando
esta redução como uma perda por impairment, a qual deve ser tratada como
decréscimo de reavaliação e reconhecida no resultado da empresa.
O novo valor contábil resultante do teste por impairment será a base de
cálculo para a depreciação futura, voltando-se, a partir deste ponto, a aplicar a
sistemática de depreciação regulada pelo CPC 27.
No que concerne ao valor depreciável de determinado bem, importante
destacar que, segundo Fábio Piovesan Bozza, “o valor depreciável na contabilidade
corresponde ao custo de aquisição deduzido do valor residual, que é o montante líquido
que a empresa espera obter, com razoável segurança, por um ativo no fim da sua vida
útil econômica, deduzidos dos gastos esperados para a sua alienação (...). Significa
que o cálculo da depreciação contábil nunca terá por base todo o custo de aquisição do
bem. (...) a depreciação fiscal exibe características substancialmente diferentes daquelas

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apresentadas pela depreciação contábil, colocando-a num regime autônomo.”18


Verifica-se, de tal sorte, que as alterações das Leis nº 11.638/2007 e
11.941/2009 aprofundaram as diferenças entre a depreciação contábil e a
depreciação fiscal. Dessa forma, se contabilmente o correto seria a adoção das
regras de depreciação previstas na Lei nº 6.404/76 ocorrerá, conforme já visto,
uma divergência no montante depreciado quando comparado aos parâmetros
estabelecidos na depreciação fiscal pela RFB.
Analisando-se os critérios da depreciação fiscal, podem ser verificadas
algumas particularidades se comparados com os critérios da depreciação
contábil. Nesse sentido, Fábio Piovesan Bozza afirma que: “merecem destaque
as seguintes (diferenças entre depreciação contábil e depreciação fiscal): (i)
contabilmente, a depreciação sobre bens usados deve ser calculada de acordo
com o restante da sua vida útil econômica, conforme as condições específicas de
utilização desse bem, enquanto que, fiscalmente, a depreciação será calculada
tendo em vista o maior de dois prazos (ou a metade da vida útil admissível para
o bem adquirido novo ou o restante da vida útil, considerada esta em relação à
primeira instalação); e (ii) contabilmente, os encargos de depreciação poderão
ser calculados por um dentre vários métodos, ao passo que, fiscalmente, o critério
usualmente aceito é o método linear, que resulta numa despesa constante durante
a vida útil do bem, que é estimada pelo fisco”.19
Vê-se que a depreciação fiscal deve ter uma relação de autonomia em
relação à depreciação contábil, devendo-se observar as normas emitidas pela
RFB acerca dos critérios de depreciação, conforme se verifica na decisão
proferida pela 8ª Câmara do antigo 1º Conselho de Contribuintes, atual
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), in verbis:
DESPESAS DE DEPRECIAÇÃO – A pessoa jurídica que voltar
ao regime de tributação com base no lucro real em substituição ao
do lucro presumido, deve considerar como utilizadas as quotas de
depreciação que seriam cabíveis nos anos-calendário em que optou
pelo lucro presumido, como se nesses anos calendário estivesse
sujeita à tributação com base no lucro real.

18 Op. cit, p. 12.


19 Op. cit, p. 15.

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248 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

(Recurso 136.967, Processo 11070.001881/2001-68, Relator


Conselheiro Margil Mourão Gil Nunes, formalizado 17 de novembro
de 2004)
Conforme se verifica no julgado acima, o Conselho de Contribuintes
entendeu que a pessoa jurídica optante pelo lucro presumido, ao voltar para o
regime do lucro real, deve considerar como utilizadas as quotas de depreciação
que seriam cabíveis nos anos-calendários em que optou pelo lucro presumido,
como se houvesse sido tributada pelo lucro real.
Ao analisar o caso em questão, Fábio Piovesan Bozza destaca que: “por
outro lado, o entendimento externado pelas autoridades fiscais – e pela própria
jurisprudência administrativa – ao longo das últimas décadas, sempre foi no sentido de
que a apropriação da despesa de depreciação deve ser feita nas próprias demonstrações
financeiras, não se admitindo ajustes extracontábeis em livros auxiliares, e que as
disposições existentes na legislação fiscal apenas fixam limites de dedutibilidade, com
quotas máximas e períodos mínimos de depreciação(...)”. 20 
É neste mister que se faz possível verificar modificações significativas
advindas pelas Leis nº 11.638/2007 e 11.941/2009, na medida em que, a
partir de sua entrada em vigor, os regimes contábil e fiscal de reconhecimento
e de apropriação das despesas de depreciação de bens contabilizados no ativo
imobilizado passaram a ser independentes um do outro.
Malgrado os critérios previstos nas legislações societárias e fiscais serem
praticamente os mesmos, pois em ambas as situações os bens do imobilizado
devem ser avaliados pelo custo de aquisição diminuído do saldo da respectiva
conta de depreciação, amortização ou exaustão, em relação ao método, ou seja, o
procedimento utilizado para aferição de despesa de depreciação, as disposições
da legislação fiscal vigentes em 31 de dezembro de 2007, que versam sobre
o registro das despesas de depreciação com base nas taxas admitidas pela
fiscalização, não coincidem necessariamente com aquelas previstas na Lei
6.404/76, com redação dada pelas Leis 11.638/2007 e 11.941/2009.
Portanto, pelas razões expostas, deve-se concluir que as diferenças nas taxas
de depreciação decorrentes das alterações trazidas pelas Leis nº 11.638/2007 e
11.941/2009, alteraram, em termos práticos, as disposições acerca das regras de

20 Op. cit, p. 15.

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depreciação até então vigente, incluindo-se, assim, no rol das mudanças de método
ou critério contábil e, como tal, poderiam ser enquadradas no RTT, conforme será
a seguir demonstrado.

3.5. Neutralidade Fiscal dos Impactos por meio do


RTT
É mister destacar que, anteriormente à edição da Lei nº 11.638/2007 e
a consequente instituição do RTT, os efeitos fiscais decorrentes de mudança
nas taxas de depreciação dos ativos já foi objeto de diversas manifestações por
parte das autoridades fiscais.
Naquela época, era facultado à empresa adotar taxa de depreciação
diferente daquela preconizada pelo fisco em duas situações distintas. Na
primeira, mais frequente, a nova taxa seria menor que a admitida pelo Fisco,
de forma que a vida útil remanescente do bem restaria ampliada.
O Fisco sempre aceitou tal procedimento, ressalvando:”porém, se a empresa
adotar taxa de depreciação inferior à permitida, as importâncias não apropriadas
não poderão ser recuperadas posteriormente através da utilização de taxas superiores
às máximas anualmente permitidas para cada exercício e cada bem em especial”
(Parecer Normativo CST 79/76). Todavia, adotar uma taxa menor que a máxima
admissível, embora não levasse a companhia a confrontar regras fiscais, fazia
com que apurasse maior lucro tributável. Neste sentido, é importante citar
também a Solução de Consulta nº 13821 , de 03 de Setembro de 2008, da 6ª
Região Fiscal.
Na segunda situação, por sua vez, a nova taxa apontaria para um aumento
no valor do encargo de depreciação. Neste caso, a parcela de encargo excedente ao
máximo admissível pela legislação fiscal seria uma despesa não dedutível. Nos
termos do RIR/99, pode a empresa adotar taxas superiores àquelas admitidas

21 “ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ


EMENTA: ATIVO IMOBILIZADO. DEPRECIAÇÃO. ALTERAÇÃO DE TAXA. POSSIBILIDADE.
ALTERAÇÃO RETROATIVA. IMPOSSIBILIDADE. É assegurado ao contribuinte o direito de escolher,
respeitados os percentuais máximos e os períodos mínimos estabelecidos pela legislação, a taxa
de depreciação dos bens do ativo imobilizado. A utilização de taxa inferior à prevista em ato
normativo da RFB não obsta a posterior alteração do percentual escolhido durante o prazo de
vida útil do bem. A elevação da taxa de depreciação, dentro dos limites previstos na legislação,
não pode ser realizada retroativamente. Assunto: Normas Gerais de Direito Tributário Não produz
efeitos a consulta formulada quando o fato estiver disciplinado em ato normativo publicado na
Imprensa Oficial antes de sua apresentação.”

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250 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

pelo Fisco, desde que obtenha laudo de entidade oficial de pesquisa científica
ou tecnológica recomendando tais taxas22.
Através do Parecer Normativo CST 96/78, as autoridades fiscais já
se pronunciaram no sentido de que “o LALUR não pode ser utilizado para
nele serem consignadas as exclusões que possam resultar da falta de registro,
na escrituração comercial, de custos ou despesas operacionais, ou, ainda, as que
tenham por objetivo complementar valor da mesma natureza insuficientemente
registrado (como é o caso da depreciação), uma vez que os valores que podem ser
excluídos do lucro líquido, na determinação do lucro real, são aqueles que, em
virtude da natureza exclusivamente fiscal, não reúnem requisitos para poderem
ser registrados na escrituração comercial, tais como os decorrentes de depreciação
acelerada e de exaustão mineral com base na receita bruta.”.
Com o advento do RTT, no entanto, a utilização do LALUR foi
ampliada23, tendo em vista que se permite neutralizar os efeitos, como já
mencionamos, das diferenças de métodos e critérios previstos na legislação
societária em relação àqueles adotados para fins fiscais.
Desta forma, a adoção do RTT permitiria às empresas continuar
considerando, para fins fiscais, as taxas de depreciação que adotavam até 31 de

22 “Art. 310. A taxa anual de depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se possa
esperar utilização econômica do bem pelo contribuinte, na produção de seus rendimentos.
§1º A RFB publicará periodicamente o prazo de vida útil admissível, em condições normais ou
médias, para cada espécie de bem, ficando assegurado ao contribuinte o direito de computar a
quota efetivamente adequada às condições de depreciação de seus bens, desde que faça a prova
dessa adequação, quando adotar taxa diferente.
§2º No caso de dúvida, o contribuinte ou a autoridade lançadora do imposto poderá pedir
perícia do Instituto Nacional de Tecnologia, ou de outra entidade oficial de pesquisa científica ou
tecnológica, prevalecendo os prazos de vida útil recomendados por essas instituições, enquanto
os mesmos não forem alterados por decisão administrativa ou por sentença judicial, baseadas,
igualmente, em laudo técnico idôneo.”
23 Lei 11.941/2009:
“Art. 39. Os arts. 8o e 19 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, passam a vigorar
com a seguinte redação: 
“Art. 8o (...) § 2o Para fins da escrituração contábil, inclusive da aplicação do disposto no § 2o do
art. 177 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, os registros contábeis que forem necessários
para a observância das disposições tributárias relativos à determinação da base de cálculo do
imposto de renda e, também, dos demais tributos, quando não devam, por sua natureza fiscal,
constar da escrituração contábil, ou forem diferentes dos lançamentos dessa escrituração, serão
efetuados exclusivamente em: 
I – livros ou registros contábeis auxiliares; ou 
II – livros fiscais, inclusive no livro de que trata o inciso I do caput deste artigo. 
§ 3o O disposto no § 2o deste artigo será disciplinado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.”

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dezembro de 2007, sem prejuízo de vir a adotar outras para fins societários,
face aos ajustes na estimativa de vida útil a que ficam submetidas a partir de
2008, na vigência da Lei nº 11.638/2007. Para tanto, devem controlar tais
diferenças através de escriturações distintas, cujo elo de conciliação deve ser
informado através do FCONT.
Destaca-se o fato de que o parágrafo 3º, do artigo 183, da Lei das
Sociedades Anônimas, com redação dada pelas Leis nº 11.638/2007 e
11.941/2009, determina que a empresa deve efetuar análise sobre a recuperação
dos valores registrados no imobilizado e no intangível, de forma periódica,
de maneira que possa haver a revisão e ajuste dos critérios utilizados para
determinação da vida útil econômica estimada e, conseqüentemente, para
cálculo da depreciação.
Portanto, verifica-se que ocorreu uma mudança nos métodos e critérios
contábeis da depreciação, alteração de parâmetro esta que se não vier a ser
ajustada por meio do RTT surtirá efeitos significativos na apuração tanto do
IRPJ quanto da CSLL.
Neste sentido, podem ser destacados os processos de Solução de Consulta
nº 15/2011, proferido pela RFB da 10ª Região Fiscal, e 11/2011, proferido
pela RFB da 5ª Região Fiscal, a seguir transcritos:
SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 15 de 18 de Fevereiro de 2011
ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
EMENTA: LUCRO REAL. ENCARGOS DE DEPRECIAÇÃO.
AJUSTES DECORRENTES DA LEGISLAÇÃO SOCIETÁRIA.
EFEITOS TRIBUTÁRIOS. Os ajustes no cálculo da depreciação
de bens do ativo imobilizado determinados pelo art. 183, § 3º, inciso
II, da Lei nº 6.404, de 1976, com as alterações introduzidas pelo art.
1º da Lei nº 11.638, de 2007, e pelo art. 37 da Lei nº 11.941, de
2009, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa
jurídica sujeita ao Regime Tributário de Transição (RTT), devendo
ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis
vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Dispositivos legais: Lei nº 6.404, de 1976, art. 183, § 3º, II; Lei nº
11.638, de 2007, art. 1º; Lei nº 11.941, de 2009, arts. 15, 17 e 37;
Decreto nº 3.000, de 1999 (RIR/1999), arts. 305, 307, 309, 310 e
312; IN RFB nº 949, de 2009.

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252 - Depreciação de Bens e a Neutralidade Fiscal do Regime Tributário de Transição –

ASSUNTO: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL


E M E N TA : B A S E D E C Á L C U L O . E N C A R G O S
DE DEPRECIAÇÃO. AJUSTES DECORRENTES DA
LEGISLAÇÃO SOCIETÁRIA. EFEITOS TRIBUTÁRIOS.
Os ajustes no cálculo da depreciação de bens do ativo imobilizado
determinados pelo art. 183, § 3º, inciso II, da Lei nº 6.404, de 1976,
com as alterações introduzidas pelo art. 1º da Lei nº 11.638, de 2007,
e pelo art. 37 da Lei nº 11.941, de 2009, não terão efeitos para fins
de apuração da base de cálculo da Contribuição Social para o Lucro
Líquido (CSLL) da pessoa jurídica sujeita ao Regime Tributário de
Transição (RTT), devendo ser considerados, para fins tributários, os
métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Dispositivos legais: Lei nº 6.404, de 1976, art. 183, § 3º, II; Lei nº
7.689, de 1988, art. 6º; Lei nº 8.981, de 1995, art. 57; Lei nº 9.430,
de 1996, art. 28; Lei nº 11.638, de 2007, art. 1º; Lei nº 11.941, de
2009, arts. 15, 17 e 37; Decreto nº 3.000, de 1999 (RIR/1999), arts.
305, 307, 309, 310 e 312; IN RFB nº 390, de 2002, arts. 3º e 44;
RFB nº 949, de 2009.

SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 11 de 02 de Maio de 2011


ASSUNTO: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL
EMENTA: REGIME TRIBUTÁRIO DE TRANSIÇÃO – RTT.
DEPRECIAÇÃO. CRITÉRIOS DE CONTABILIZAÇÃO.
PROCEDIMENTOS DE REVERSÃO DOS EFEITOS. A pessoa
jurídica sujeita ao Regime Tributário de Transição – RTT deve adotar
o procedimento previsto no artigo 17 da Lei nº 11.941, de 2009, no
tocante ao registro contábil da depreciação e à reversão dos efeitos da
utilização de métodos e critérios contábeis diferentes dos prescritos
na legislação tributária. Dispositivos Legais: Lei nº 6.404, de 1976,
art. 183, § 3º, II; Lei nº 11.941, de 2009, art. 17; Decreto nº 3.000,
de 1999 (RIR/1999), art. 305 e seguintes.
SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 11 de 02 de Maio de 2011
ASSUNTO: Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ
EMENTA: REGIME TRIBUTÁRIO DE TRANSIÇÃO – RTT.
DEPRECIAÇÃO. CRITÉRIOS DE CONTABILIZAÇÃO.

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Gilberto de Castro Moreira Junior & Rogério Cesar Marques - 253

PROCEDIMENTOS DE REVERSÃO DOS EFEITOS. A pessoa


jurídica sujeita ao Regime Tributário de Transição – RTT deve adotar
o procedimento previsto no artigo 17 da Lei nº 11.941, de 2009, no
tocante ao registro contábil da depreciação e à reversão dos efeitos da
utilização de métodos e critérios contábeis diferentes dos prescritos
na legislação tributária. Dispositivos Legais: Lei nº 6.404, de 1976,
art. 183, § 3º, II; Lei nº 11.941, de 2009, art. 17; Decreto nº 3.000,
de 1999 (RIR/1999), art. 305 e seguintes.
Na prática, no caso concreto em questão, a RFB da 10ª Região Fiscal
aceitou a argumentação de que as empresas vinham adotando o critério fiscal
até 2008, com mudança para os novos métodos e critérios contábeis a partir
da Lei nº 11.638/2007, o que ensejaria a aplicação do RTT para neutralizar
eventuais impactos fiscais. Este mesmo entendimento veio a ser adotado pela
RFB da 5ª Região Fiscal, que, em decisão posterior, também considerou que
as novas regras de depreciação estão sujeitas ao RTT.
O entendimento até aqui esposado, bem como aquele previsto nos
processos de consulta supraoa RFB foi corroborado pelo Parecer Normativo
da RFB nº 01, de 29 de julho de 2011, in verbis:
As diferenças no cálculo da depreciação de bens do ativo imobilizado
decorrentes do disposto no § 3º do art. 183 da Lei nº 6.404, de 1976, com as
alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 2007, e pela Lei nº 11.941, de 2009,
não terão efeitos para fins de apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL
da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários,
os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Portanto, vê-se que a depreciação sofreu alterações de parâmetros
contábeis por meio das alterações da Lei nº 11.638/2007, ensejando, dessa
forma, a aplicação do RTT visando neutralizar eventuais impactos das novas
regras contábeis para a depreciação de bens do ativo imobilizado, conforme
entendimento hoje adotado pela RFB.

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254 - O Regime Tributário do Consórcio de Empresas

Bibliografia
BOZZA, Fábio Piovesan. Novo Padrão Contábil Brasileiro e os Impactos Fiscais no Registro das
Despesas de Depreciação, in Revista Dialética de Direito Tributário nº 166, São Paulo: 2009.
HIGUCHI, Hiromi (et. Alli.). Imposto de Renda das Empresas. São Paulo: IR Publicações
Ltda., 2010.
IUDICIBUS, Sergio de (et. Alli.). Manual de Contabilidade Societária. São Paulo: Ed. Atlas,
2010.
MCMANUS, Kieran John. IFRS – Implementação das Normas Internacionais de Contabilidade
e da Lei nº 11.638/07 no Brasil. São Paulo. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2009.
OLIVEIRA, Edmar Andrade de. Efeitos tributários da lei nº 11.637/07. São Paulo: Ed. do
Autor, 2008.
OLIVEIRA, Edmar Andrade de. Imposto de Renda das Empresas. São Paulo: Ed. do Atlas,
2010.

Direito Tributário Societário Vol. III.indd 254 29/5/2012 18:03:17


Capítulo IX

Discussão sobre a
Aplicabilidade, para
Fins Tributários, da
Primazia da Essência
Gustavo Brigagão
Sócio Conselheiro do Ulhôa Canto, Rezende e Guerra – Advogados; Professor
de Direito Tributário no “Curso de Educação Continuada – Direito
Tributário” e no “Curso Aplicado de Indiretos” promovidos pela Fundação
Getúlio Vargas – FGV; Conferencista na Escola da Magistratura do Estado
do Rio de Janeiro – EMERJ; General Council Member da International
Fiscal Association – IFA; Diretor Secretário-Geral da Associação Brasileira
de Direito Financeiro – ABDF; Diretor Executivo do Centro de Estudos das
Sociedades de Advogados – CESA; Presidente da Câmara Britânica – RJ –
BRITCHAM-RJ; e Presidente do Comitê Legal da BRITCHAM-RJ.

Carlos Cornet Scharfstein


Cursando LL.M. (Master of Laws) em International Taxation na New
York University – NYU; pós-graduado em Contabilidade Financeira pela
Faculdade de Ciências Contábeis da UFRJ – FACC; membro da ABDF;
advogado do Ulhôa Canto, Rezende e Guerra – Advogados.

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Gustavo Brigagão & Carlos Cornet Scharfstein - 257

1. Introdução

Como se sabe, as normas contábeis brasileiras sofreram profundas


alterações nos últimos três anos, quando se iniciou formalmente o processo de
convergência das mesmas aos padrões internacionais (International Financial
Reporting Standards – IFRS). As Leis nºs 11.638/2007 e 11.941/2009
praticamente reescreveram certas seções da Lei das Sociedades por Ações (LSA),
sobretudo do Capítulo XV, que trata do exercício social e das demonstrações
financeiras. Além disso, desde janeiro de 2009, o Comitê de Pronunciamentos
Contábeis, órgão responsável pela harmonização da contabilidade brasileira
ao IRFS, editou mais de quarenta e cinco atos, incluindo pronunciamentos
(conhecidos como CPCs), interpretações (ICPCs) e orientações (OCPCs).
É evidente que esse processo trouxe implicações significativas na
quantificação dos resultados e dos patrimônios das empresas. Apenas para ilustrar,
cite-se recente pesquisa realizada pela Ernst & Young Terco, e divulgada pelo
Jornal Valor Econômico em 16.12.2010, na qual se constatou que, em certos
casos, os efeitos adoção das novas regras contábeis chegaram a transformar
prejuízo em lucro: no último trimestre de 2009, quando a convergência ao IFRS
ainda estava em franca evolução, a aplicação dos novos padrões contábeis fez com
que os resultados de determinada empresa saltassem de um prejuízo de R$ 5,8
milhões para um lucro de R$ 1,26 bilhão, no mesmo período. Já no caso de
outra empresa, o efeito foi inverso: os prejuízos apurados nos nove primeiros
meses de 2009 aumentaram de R$ 33 milhões para R$ 119 milhões.
Por força do Regime Tributário de Transição (RTT), até que seja editada
nova legislação fiscal, essas profundas modificações na situação financeira e
patrimonial das empresas não podem ter qualquer reflexo na apuração do
Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), da Contribuição Social Sobre
o Lucro (CSL), da Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e da
Contribuição ao Financiamento da Seguridade Social (COFINS).
Todavia, o RTT é, por essência, temporário. É chegado o momento,
portanto, de começar a enfrentar a seguinte discussão: o que ocorrerá quando
o RTT acabar? Deverão as bases de calculo do IRPJ, da CSL, do PIS e da
COFINS ter como ponto de partida o resultado apurado de acordo com as
novas normas contábeis, editadas a pretexto da convergência ao IFRS?

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258 - Discussão sobre a Aplicabilidade, para Fins Tributários, da Primazia...

Este é o desafio proposto por este livro. Ao enfrentá-lo, escolhemos abordar


uma inovação que, por vezes, tem sido citada como um novo instrumento à
disposição do fisco no combate aos planejamentos fiscais, e que, por isso, está
sendo alvo de grande polêmica: a Primazia da Essência sobre a Forma.
Começaremos expondo os fundamentos e o alcance da referida inovação,
para, em seguida, discutir a viabilidade da sua adoção para fins tributários, na
eventualidade do término do RTT.

2. A Primazia da Essência sobre a Forma:


conceituação e origem
Os conceitos e fundamentos que devem orientar a elaboração das
Demonstrações Financeiras (DF) em conformidade com as novas normas
contábeis brasileiras se encontram descritos no Pronunciamento Conceitual
Básico (PCB), editado pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis em
11.01.2008 e aprovado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por meio
da Deliberação nº 539/2008.
O PCB esclarece que os objetivos das DFs são “fornecer informações
que sejam úteis na tomada de decisões e avaliações por parte dos usuários em
geral”; ao fornecer exemplos de que decisões seriam essas, o PCB enumera,
exemplificadamente, a compra ou venda de investimentos em ações, a avaliação
do desempenho da administração, a capacidade de solvência da entidade, a
determinação de políticas tributárias, a distribuição de lucros e dividendos,
a elaboração de estatísticas sobre a renda nacional e a regulamentação das
atividades das entidades.
Para que os objetivos acima sejam atingidos, o PCB traz princípios básicos
que devem ser observados na elaboração das DFs, quais sejam: (i) o regime de
competência e (ii) a continuidade. Além disso, as DFs devem ser dotadas de
certos atributos que as tornem úteis aos usuários, que possibilitem, efetivamente,
que elas sirvam de base à tomada de suas decisões. Tais atributos são chamados
pelo PCB de “características qualitativas”. São elas: (i) a compreensibilidade;
(ii) a relevância; (iii) a confiabilidade; e (iv) a comparabilidade.
Algumas dessas características qualitativas são subdivididas em diversas
outras. Por exemplo, a relevância é subdividida na materialidade (afinal, só é
relevante para o usuário a informação que seja material no âmbito das operações

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Gustavo Brigagão & Carlos Cornet Scharfstein - 259

da entidade); a confiabilidade é subdividida na representação adequada, na


neutralidade, na prudência e na integridade, e assim continua. De acordo com
o PCB, podemos representar graficamente as características qualitativas e suas
subdivisões da seguinte forma:

Não nos aprofundaremos em cada uma dessas características qualitativas,


até porque algumas delas são auto-explicativas. No entanto, dispensaremos
atenção especial à Confiabilidade, para em seguida chegarmos à Primazia da
Essência Sobre a Forma.
De acordo com o item 31 do PCB, a Confiabilidade diz respeito à inexistência
de erros e vieses e à representação adequada daquilo que se propõe informar. Nesse
sentido, para que se possa representar adequadamente a informação (subdivisão da
Confiabilidade), é necessário que se tenha um elevado grau de certeza e precisão
na identificação e avaliação das transações e dos itens patrimoniais.
É justamente para manter a confiabilidade que certos itens
patrimoniais, cuja avaliação é permeada de elevado grau de subjetividade,
sequer devem ser reconhecidos. Nesse sentido, o PCB cita o caso do goodwill
gerado internamente: o reconhecimento espontâneo das perspectivas de
rentabilidade de uma entidade por ela própria seria dotado de elevadíssimo
grau de subjetividade; por isso, tal reconhecimento é restrito aos casos em
que há uma combinação de negócios, pois, nesses casos, há uma transação
externa que enseja uma avaliação confiável do valor de tais perspectivas.

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260 - Discussão sobre a Aplicabilidade, para Fins Tributários, da Primazia...

Ao discorrer sobre a Representação Adequada (que, como vimos, é


subdivisão da Confiabilidade), o item 35 do PCB esclarece que, para representarem
adequadamente as transações e os itens patrimoniais, as DFs deveriam sempre
se pautar pela substância e pela realidade econômica dos mesmos, e não pela
forma legal (quando esta inconsistente com aquelas). Surge, assim, a Primazia
da Essência Sobre a Forma, sintetizada pelo PCB da seguinte maneira:
“Primazia da Essência sobre a Forma
35. Para que a informação represente adequadamente as transações e
outros eventos que ela se propõe a representar, é necessário que essas
transações e eventos sejam contabilizados e apresentados de acordo
com a sua substância e realidade econômica, e não meramente sua
forma legal. A essência das transações ou outros eventos nem sempre
é consistente com o que aparenta ser com base na sua forma legal ou
artificialmente produzida. Por exemplo, uma entidade pode vender
um ativo a um terceiro de tal maneira que a documentação indique a
transferência legal da propriedade a esse terceiro; entretanto, poderão
existir acordos que assegurem que a entidade continuará a usufruir
os futuros benefícios econômicos gerados pelo ativo e o recomprará
depois de um certo tempo por um montante que se aproxima do
valor original de venda acrescido de juros de mercado durante esse
período. Em tais circunstâncias, reportar a venda não representaria
adequadamente a transação formalizada.”
O PCB volta a tratar da Primazia da Essência Sobre a Forma no item 51,
no qual reitera que, na identificação de ativos, passivos e patrimônio líquido,
a entidade deve pautar-se pela essência e realidade econômica, e não apenas
pela forma legal, in verbis:
“51. Ao avaliar se um item se enquadra na definição de ativo,
passivo ou patrimônio líquido, deve-se atentar para a sua essência
e realidade econômica e não apenas sua forma legal. Assim, por
exemplo, no caso do arrendamento financeiro, a essência e a
realidade econômica são que o arrendatário adquire os benefícios
econômicos do uso do ativo arrendado pela maior parte da sua vida
útil, como contraprestação de aceitar a obrigação de pagar por esse
direito um valor próximo do valor justo do ativo e o respectivo
encargo financeiro. Dessa forma, o arrendamento financeiro dá
origem a itens que satisfazem a definição de um ativo e um passivo

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Gustavo Brigagão & Carlos Cornet Scharfstein - 261

e, portanto, são reconhecidos como tais no balanço patrimonial


do arrendatário.”
Ao discorrerem sobre a Primazia da Essência Sobre a Forma, alguns
autores criticam a terminologia utilizada pelas normas contábeis, afirmando
que as mesmas não deveriam fazer referência à “forma legal”, que é apenas a
maneira pela qual um negócio se exterioriza, mas sim à natureza jurídica do
mesmo. Nesse sentido, João Francisco Bianco1 diz que a orientação em questão
não deveria ser chamada de Primazia da Essência Sobre a Forma, mas sim
de “Primazia da Substância Econômica Sobre a Natureza Jurídica”; de forma
semelhante, Ricardo Mariz de Oliveira esclarece que, ao invés de forma, dever-
se-ia dizer “estrutura ou categoria jurídica”.2 
Seja como for, o fato é que, de acordo com essa orientação, a contabilidade
deveria se pautar pelos efeitos econômicos das transações, independentemente
da qualificação jurídica aplicável, sempre com o objetivo de fornecer uma
representação mais adequada da realidade, assim entendida aquela representação
que seja mais confiável e consequentemente mais útil na tomada de decisões
por parte dos usuários.
Ao se pronunciarem sobre o assunto, Alexsandro Broedel Lopes e Roberto
Quiroga Mosquera3  analisam o processo evolutivo que culminou com a Primazia
da Essência Sobre a Forma e explicam que, até 1960, a ciência contábil era
muito centrada na definição de conceitos pré-determinados de lucro e de valor
econômico; nesse contexto, considerava-se que a qualidade da informação
contábil seria maior conforme ela se aproximasse mais de tais conceitos. Estava
em vigor a chamada “perspectiva da mensuração econômica do lucro”.
Todavia, a partir de então, começou a ganhar corpo uma nova abordagem,
chamada de “perspectiva da informação”, pela qual a qualidade da informação
contábil deixou de se pautar apenas pela proximidade de conceitos prévios e passou
a ser aferida principalmente com base na utilidade, isto é, com base na capacidade

1 Aparência Econômica e Natureza Jurídica. Controvérsias Jurídico-Contábeis. São Paulo: Ed.


Dialética, 2010. p. 176.
2 Planejamento Tributário: Elisão e Evasão Fiscal – Norma Antielisão e Norma Antievasão. Curso de
Direito Tributário. Ives Gandra da Silva Martins (coord). 9ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2006,
p. 409.
3 O Direito Contábil – Fundamentos Conceituais, Aspectos da Experiência Brasileira e Implicações.
Controvérsias Jurídico-Contábeis. São Paulo: Ed. Dialética, 2010, pp. 69-71.

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262 - Discussão sobre a Aplicabilidade, para Fins Tributários, da Primazia...

de impactar o comportamento dos usuários. Nessa linha, a divulgação da realidade


econômica – em detrimento da forma jurídica – se tornou essencial. Nesse sentido,
Alexsandro Broedel Lopes e Roberto Quiroga Mosquera4:
“Segundo essa nova visão, a informação contábil deveria ser vista
dentro do papel de informar os usuários externos das demonstrações.
Menos preocupados com as particularidades idiossincráticas dos
números contábeis esses autores começaram a investigar o impacto,
de fato, das informações no comportamento dos usuários. Essa nova
perspectiva foi chamada de information approach – perspectiva da
informação.”
“Ou seja, podemos ver que a contabilidade dentro dessa nova visão – a
perspectiva da informação – deve ser capaz de gerar informações que
possam auxiliar o usuário (credores, investidores e outros) a estimar
fluxos futuros de caixa. Nesse sentido, essa ‘nova’ contabilidade deve
estar mais próxima da realidade econômica das transações do que de
sua forma.”
Com esse movimento, a contabilidade foi deixando de ser disciplinada
por regras estanques e passou a ser norteada por princípios, cujos objetivos
são tornar a informação contábil mais útil, mas cuja aplicação envolve maior
grau de subjetivismo. Nesse sentido, manifestam-se Sérgio de Iudícibus, Eliseu
Martins e Ernesto Rubens Gelbcke5:
“Talvez a mudança mais relevante que estejamos sofrendo no Brasil
seja relativa aos seguintes pontos: Primazia da Essência Sobre a Forma,
normas contábeis orientadas por princípios, e não por enorme conjunto de
regras detalhadas e, como consequência deste último item, a necessidade
cada vez maior do julgamento por parte do profissional de contabilidade,
quer como elaborador das demonstrações financeiras, quer como auditor.”
Alexsandro Broedel Lopes e Eliseu Martins6 anotam que existe uma forte
relação entre a tradição jurídica de um país e a abordagem contábil. Assim,
essa nova perspectiva da informação, que preza pela aplicação de princípios e

4 Op. cit., p. 77.


5 Suplemento nº 1, de 31 de janeiro de 2008, do Manual de Contabilidade das Sociedades por
Ações. 6ª edição. São Paulo: Ed. Atlas, 2008. p. 31.
6 Teoria da Contabilidade: uma Nova Abordagem. São Paulo: Ed. Atlas, 2005.

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Gustavo Brigagão & Carlos Cornet Scharfstein - 263

pelo reconhecimento da essência econômica em detrimento da forma, é mais


frequentemente encontrada em países de common law, como Estados Unidos e
Inglaterra, ao passo que nos países de civil law, é mais comum haver sistemas
contábeis intensamente regulados, como é o caso do Brasil e da França.
Diante disso, percebe-se que, com a convergência ao IFRS, um movimento
interessante está em andamento no Brasil: enquanto nosso ordenamento
jurídico continua inquestionavelmente sendo de civil law, nossa contabilidade
está incorporando características típicas de sistemas de common law. Em nossa
opinião, essa dicotomia ainda deve trazer longas discussões, sobre as mais
variadas questões; e a aplicabilidade para fins tributários da Primazia da Essência
Sobre a Forma, a qual logo abordaremos, é apenas uma delas.
Não obstante, o fato é que a Primazia da Essência sobre a Forma não
é exatamente uma novidade decorrente do atual processo de convergência ao
IFRS: ela já constava de nosso arcabouço contábil desde 22.11.1985, quando foi
emitida a Estrutura Conceitual Básica da Contabilidade (ECBC) do Instituto
Brasileiro de Contadores (IBRACON, que a partir de 2001 passou a se chamar
Instituto dos Auditores Independentes do Brasil), aprovada pela CVM por
meio da Deliberação nº 29/86.
Com efeito, o ECBC trazia redação muito semelhante a do PCB, inclusive
no que se refere ao exemplo citado:
“A Contabilidade possui um grande relacionamento com os aspectos
jurídicos que cercam o patrimônio, mas, não raro, a forma jurídica
pode deixar de retratar a essência econômica. Nessas situações, deve a
Contabilidade guiar-se pelos seus objetivos de bem informar, seguindo,
se for necessário para tanto, a essência ao invés da forma.
Por exemplo, a empresa efetua a cessão de créditos a terceiros, mas
fica contratado que a cedente poderá vir a ressarcir a cessionária
pelas perdas decorrentes de eventuais não-pagamentos por parte dos
devedores. Ora, juridicamente não há ainda dívida alguma na cedente,
mas ela deverá atentar para a essência do fato e registrar a provisão
para atentar a tais possíveis desembolsos.
Ou, ainda, uma empresa vende um ativo, mas assume o compromisso
de recomprá-lo por um valor já determinado em certa data. Essa
formalidade deve ensejar a contabilização de uma operação de
financiamento (essência) e não de compra e venda (forma).

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264 - Discussão sobre a Aplicabilidade, para Fins Tributários, da Primazia...

Noutro exemplo, um contrato pode, juridicamente, estar dando a


forma de arrendamento a uma transação, mas a análise da realidade
evidencia tratar-se, na prática, de uma operação de compra e
venda financiada. Assim, consciente do conflito essência/forma, a
Contabilidade fica com a primeira.”
Alguns anos depois, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) editou duas
resoluções nas quais afirmou que, na contabilização das transações, a substância
(econômica) deve se sobrepor à forma jurídica. Citem-se, respectivamente, trechos
das Resoluções nº 750/93, que discorria sobre os Princípios Fundamentais da
Contabilidade, e nº 774/94, apêndice da primeira, que detalhava em maior grau
os referidos princípios (a primeira foi substancialmente alterada pela Resolução
CFC nº 1.282/2010 e a segunda foi inteiramente revogada):
“Art. 1º (...)
§ 2º Na aplicação dos Princípios Fundamentais de Contabilidade há
situações concretas e a essência das transações deve prevalecer sobre
seus aspectos formais.
“1.4. Dos objetivos da Contabilidade
Cumpre também ressaltar que, na realização do objetivo central da
Contabilidade, defrontamo-nos, muitas vezes, com situações nas quais
os aspectos jurídico-formais das transações ainda não estão completa
ou suficientemente elucidados. Nesses casos, deve-se considerar o
efeito mais provável das mutações sobre o patrimônio, quantitativa
e qualitativamente, concedendo-se prevalência à substância das
transações.”
Como se vê, a redação dos novos dispositivos constantes do PCB é muito
similar à que já constava da ECBC e das resoluções do CFC. Na realidade, os
dois exemplos citados pelo PCB como situações em que a contabilização deve
se guiar pela substância econômica (i.e., compra com cláusula de retrovenda
e arrendamento mercantil financeiro) já existiam na ECBC, e já eram
acompanhados pelos mesmos comentários, que diziam, no primeiro caso, que
não se deveria registrar uma venda, mas sim um arrendamento, e, no segundo,
que não se deveria registrar um arrendamento, e sim uma venda. Diante
dessa identidade, surge a pergunta: no tocante à primazia da essência sobre a
forma na contabilidade, o que de realmente novo surgiu agora, no contexto da
convergência ao IFRS? Há, realmente, alguma novidade?

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Gustavo Brigagão & Carlos Cornet Scharfstein - 265

A prévia existência dessas menções à Primazia da Essência Sobre a Forma


na ECBC e nas resoluções do CFC não passou despercebida pela doutrina.
Sérgio de Iudícibus, Eliseu Martins e Ernesto Rubens Gelbcke7  afirmam que,
embora já existisse antes, essa orientação ganhou força legal com a modificação
introduzida ao art. 177, § 4º da LSA pela Lei nº 11.638/2007, que passou a
fazer referência expressa à convergência às normas internacionais. Com isso, a
própria LSA teria abraçado essa nova filosofia. João Franciso Bianco8  também
anota que houve, tão-somente, uma revitalização da Primazia da Essência Sobre
a Forma, que já existia mas não era obedecida.
Não obstante, a prévia existência da Primazia da Essência Sobre a Forma
merece alguns comentários adicionais, e parece-nos que o fato de ela não ter
sido muito observada – e sequer discutida – até a edição do PCB tem uma
possível explicação.
Com efeito, entendemos que a orientação de que a essência econômica
deve prevalecer sobre a formalização jurídica, contida no PCB, pode ser
compreendida em duas acepções: (i) como um comando dirigido ao regulador
contábil, isto é, ao próprio Comitê de Pronunciamentos Contábeis; e (ii)
como um comando dirigido ao responsável pela elaboração das demonstrações
financeiras, isto é, ao contador. Nesse sentido, o item 1 do PCB esclarece que
se incluem em suas finalidades:
“(a) dar suporte ao desenvolvimento de novos pronunciamentos
técnicos e à revisão de Pronunciamentos existentes, quando necessário;
(b) dar suporte aos responsáveis pela elaboração das demonstrações
contábeis na aplicação dos Pronunciamentos Técnicos e no tratamento
de assuntos que ainda não tenham sido objeto de Pronunciamentos
Técnicos; (...).”
É evidente que os destinatários dos objetivos listados acima são totalmente
diversos: no caso da alínea “a”, o destinatário é o órgão responsável pela
elaboração de pronunciamentos (o próprio Comitê de Pronunciamentos
Contábeis); já no caso da alínea “b”, o destinatário é o responsável pela
elaboração das DFs (o contador).

7 Op. cit., p. 31.


8 Op. cit., p. 177.

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Combinando-se os itens 1 e 35 do PCB, tem-se, portanto, que o próprio


CPC deve elaborar as normas contábeis considerando a Primazia da Essência
Sobre a Forma (primeira acepção), além de as transações deverem ser registradas
pelos contadores, nas DFs, de acordo com a substância econômica das mesmas
(segunda acepção).
Considerando que, ao mencionarem a Primazia da Essência Sobre
a Forma, a ECBC e as Resoluções do CFC traziam orientações dirigidas
exclusivamente ao responsável pela elaboração das DFs, e não ao órgão
encarregado de disciplinar a contabilidade, surge uma tentativa de resposta à
indagação que fizemos acima, quando perguntamos se, com a convergência ao
IFRS, realmente houve alguma inovação no tocante à Primazia da Essência
Sobre a Forma: sim, houve, pois agora a prevalência da substância econômica
deve ser observada não apenas pelo contador, na elaboração das DFs, mas
também pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis, na elaboração das normas
contábeis. Ou seja, embora a segunda acepção da Primazia da Essência Sobre
a Forma já existisse, a primeira, efetivamente, constitui uma novidade.
E o Comitê de Pronunciamentos Contábeis tem observado fielmente essa
orientação: em diversos dos pronunciamentos baixados pelo referido órgão até
o momento, é possível encontrar disposições elaboradas à luz da Primazia da
Essência Sobre a Forma. Nesse sentido, nós nos valemos de apenas dois dos
inúmeros exemplos existentes nos CPCs em vigor:
(i) De acordo com o CPC/39, ações preferenciais resgatáveis devem
ser contabilizadas pela entidade emissora como um passivo, embora
a natureza jurídica das mesmas seja a de título de capital.
(ii) De acordo com o CPC/2012, a alienação de um bem a prazo enseja
o reconhecimento de receitas financeiras ainda que, juridicamente, as
partes não tenham convencionado que haveria a incidência de juros.
Com a edição de tantas normas incorporando expressamente a Primazia da
Essência Sobre a Forma ao nosso arcabouço contábil, a sua aplicação subjetiva
diretamente pelos contadores, no momento da elaboração das DFs, acabou se
tornando residual.
Com efeito, apenas nas situações não-abordadas pelos CPCs, OCPCs
e ICPCs é que a Primazia da Essência Sobre a Forma deve ser aplicada em
sua segunda acepção (aquela mencionada pela alínea “b” do item 1 do PCB,
dirigida aos contadores). Nesse sentido, cite-se o seguinte trecho da doutrina de

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Alexsandro Broedel Lopes e Roberto Quiroga Mosquera9, no qual eles afirmam


que quando uma transação não possuir regulamentação específica, ela deve ser
registrada de acordo com os princípios subjacentes às normas internacionais –
entre os quais a Primazia da Essência Sobre a Forma:
“A adoção das normas contábeis internacionais traz para a
contabilidade brasileira institutos como a prevalência absoluta da
essência sobre a forma, evidenciando true and fair view, mensuração
pelo fair value. Para ilustrar a aplicação desses conceitos a questão da
essência sobre a forma é oportuna. No caso de uma transação que não possui
regulamentação especifica, ou seja, o caso concreto não pode ser interpretado
com a aplicação literal e lógica da norma, devemos analisar os princípios
subjacentes às normas contábeis internacionais – o Framework for the
Preparation and Presentation of Financial Statements.” (Destacamos.)
Diante do exposto, passamos, enfim, ao cerne da questão em análise: na
eventualidade do término do RTT, poderia a Primazia da Essência Sobre a
Forma, em quaisquer das suas acepções, surtir efeitos na base de cálculo de
tributos? Afinal, os arts. 247 e 248 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR),
reproduzindo o Decreto-lei nº 1.598/77, dispõem que o ponto de partida do
lucro real é o lucro líquido do exercício, calculado de acordo com a legislação
comercial. Da mesma forma, a legislação do PIS e da COFINS dispõe que a
base de cálculo das mesmas é a receita, que, como se sabe, é conceito contábil/
societário. Portanto, voltamos a indagar: poderiam as alterações na quantificação
de tais grandezas, realizadas à luz da Primazia da Essência Sobre a Forma,
alterar o montante destes tributos?
Como se verá a seguir, a despeito da questão ser polêmica, entendemos
que há numerosos argumentos no sentido de uma resposta negativa.

3. Aplicação, para fins tributários, da Primazia da


Essência Sobre a Forma.
Como visto acima, a segunda acepção da Primazia da Essência Sobre a
Forma (aquela dirigida aos contadores) já existe desde 1985; todavia, depois de
todo esse tempo, a conclusão a que chegou a doutrina e a jurisprudência é a de

9 Op. cit., p. 75.

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que tal orientação não pode ser aplicada para fins tributários (seja em interesse
do fisco, para que os tributos fossem quantificados a maior, seja em interesse dos
contribuintes, para que, eventualmente, os tributos fossem quantificados a menor).
E por que será que se concluiu que a aplicação, para fins tributários, da
segunda acepção da Primazia da Essência Sobre a Forma é inviável? Arriscamo-
nos a responder: porque logo se percebeu que fazê-lo equivaleria a defender
a Interpretação Econômica da Legislação Tributária, o que nos pareceria,
cumulativamente: (i) inviável; (ii) desnecessário e (iii) indesejável.
Passamos, a seguir, a nos aprofundarmos sobre cada uma dessas afirmações,
acrescentando ainda que, em nossa opinião (e observadas certas peculiaridades),
as mesmas também se aplicam à primeira acepção da Primazia da Essência
Sobre a Forma (aquela dirigida ao órgão regulador).

3.1. A aplicação tributária da Primazia da Essência


Sobre a Forma seria inviável
Alfredo Augusto Becker10, um dos autores que mais se debruçaram sobre
a teoria da Interpretação Econômica da Legislação Tributária, a conceituou
da seguinte forma:
“2 – Segundo aquela corrente doutrinária, na interpretação das leis
tributárias, dever-se-ia ter como princípio geral dominante (e não
como regra jurídica excepcional e expressa) o princípio de que o
Direito Tributário, ao fazer referência a institutos e conceitos dos
outros ramos do Direito, desejaria que o intérprete da lei tomasse
não o fato (ato, fato ou estado de fato) jurídico com sua específica
natureza jurídica, mas sim o fato econômico que está subjacente ao
fato jurídico ou os efeitos econômicos decorrentes do fato jurídico.
3 – Na interpretação econômica da lei tributária, dever-se-ia ter em
conta o fato econômico ou os efeitos econômicos do fato jurídico
referido na lei tributária, de tal modo que, embora o fato jurídico
acontecido fôsse de natureza jurídica diversa daquela expressa na
lei, o mesmo tributo seria devido, bastando a equivalência dos fatos

10 “A Interpretação das Leis Tributárias e a Teoria do Abuso das Formas Jurídicas e da Prevalência
do Conteúdo Econômico. Publicado pelo próprio autor. Porto Alegre: 1965, p. 7.

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econômicos subjacentes ou dos efeitos econômicos resultantes de


fatos jurídicos de distinta natureza.”
Como se vê, a Interpretação Econômica da Legislação Tributária preconiza
que a ocorrência dos fatos geradores tributários deve ser aferida não mediante a
análise do significado jurídico dos fatos jurídicos, mas, sim, mediante a análise do
significado econômico dos mesmos. Ou seja, trata-se de uma interpretação que
valoriza a substância econômica dos fatos jurídicos, em detrimento da natureza
jurídica deles. Nesse mesmo sentido, afirma Aurélio Pitanga Seixas Filho11:
“Em direito tributário, foi denominada de interpretação econômica
uma forma de a autoridade fiscal, no exercício de sua potestade
administrativa, efetivar lançamento tributário e exigir o pagamento
de tributo, ao avaliar a matéria fática com base na real ou verdadeira
atividade econômica do contribuinte, que teria sido encoberta
(disfarçada ou fingida) por uma forma jurídica extravagante ou
diferente da normal, da qual não resulte um pagamento do tributo
ou inferior ao realmente devido.”
Diante dessas considerações, torna-se evidente que a teoria da Interpretação
Econômica da Legislação Tributária se apóia nas mesmas premissas, e proporciona
exatamente os mesmos efeitos, que decorreriam da aplicação para fins tributários
da Primazia da Essência Sobre a Forma. Essa identidade foi apontada por Johnson
Barbosa Nogueira12, que, ao estudar a referida teoria, encontrou nada menos
que oito variantes conceituais, tendo se revelado como mais comum a “busca
da substância econômica, desprezando a forma jurídica”:
“1ª. Busca da substância econômica, desprezando a forma jurídica.
Esta é a variante conceitual mais comum e a que está ligada à
formulação original da teoria da interpretação econômica. Partem
os defensores desta variante do caráter econômico do fato gerador
e, por conseguinte, do conteúdo nimiamente econômico das leis
tributárias. Assim, ao descrever os fatos geradores (hipóteses de
incidência), a lei tributária utiliza-se de conceitos e formas jurídicas
que devem ser considerados ‘brevitatis causa’, pois se trata de mera

11 A Elisão Tributária e a Interpretação Econômica. Direito Tributário Atual, nº 24. São Paulo: Ed.
Dialética, 2010. p. 212.
12 A Interpretação Econômica no Direito Tributário. São Paulo: Editora Resenha Tributária, 1982. p.
19.

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menção ao conteúdo econômico subjacente, o qual deve ser buscado


em sua substância. Em outra maneira de dizer, afirmam os seguidores
desta corrente que deve ser buscada a ‘intentio facti’em contraposição
à ‘intentio juris.’”
Do mesmo modo, Hugo de Brito Machado13 afirmou que “a denominada
interpretação econômica, na verdade, não é mais do que uma forma de
manifestação de preferência pelo substancial, em detrimento do formal.”
Diante dessa identidade conceitual entre a Interpretação Econômica da
Legislação Tributária e a Primazia da Essência Sobre a Forma, tem-se que a
sorte de uma deveria acompanhar a de outra, e somente seria possível aplicar
a segunda para fins tributários se, à luz do nosso ordenamento constitucional
e infra-constitucional, igualmente fosse possível se implementar a primeira.
Alfredo Augusto Becker14 e Heleno Torres15 explicam que a teoria da
Interpretação Econômica da Legislação Tributária teve origem na Alemanha,
em 1919, sob influência do presidente da 4ª Seção da Corte Suprema
Financeira do Reich, Juiz Enno Becker, que, a pretexto da suposta falta de
instrumentos para combater planejamentos fiscais abusivos, fez inserir, no
Código Tributário Alemão (Reichsabgsbenordnung, RAO), dispositivo que
dispunha que “na interpretação das leis tributárias, deve-se considerar seu
escopo, o significado econômico e a evolução das situações de fato.”16 A partir
de então, a interpretação econômica passou por um período de fortalecimento
na Alemanha, sobretudo na época de ascensão do nazismo, para começar a
entrar em declínio em 1945, até ser praticamente eliminada em 1977, com a
entrada em vigor do novo código tributário.
Ou seja, desde a sua criação, a teoria da interpretação econômica surgiu
como um instrumento para combater planejamentos fiscais abusivos, nos quais
a exteriorização jurídica de determinada transação não fosse condizente com
o substrato econômico, e dessa divergência resultasse economia fiscal para
o contribuinte. Nesse sentido, Heleno Torres17 afirma que a interpretação

13 Curso de Direito Tributário. 29ª ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2008. p. 113.
14 Op. cit., p. 11.
15 Direito Tributário e Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. pp. 205-210.
16 Tradução de Alfredo Augusto Becker.
17 Op. cit., p. 210.

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econômica foi utilizada “como um recurso de ultima ratio contra a elusão


tributária, como método para resolver os casos de ‘fraude à lei em matéria
tributária, acompanhada, ou não, de uma norma geral anti-fraude. Dentre
os nobres propósitos que lhe atribuíam, estava a realização de uma pretensa
justiça fiscal (...). E foi justamente sob a alegação de se concretizar uma justiça
fiscal entre contribuintes que se cumpriam, com a aplicação da interpretação
econômica, os maiores desmandos de que se tem notícia em matéria tributária,
pelas incisivas afetações aos direitos de propriedade e de liberdade dos
contribuintes.”
Exatamente por ser um instrumento antievasivo, a aplicação irrestrita
da interpretação econômica sempre foi criticada até mesmo pelos autores que
a entendiam viável. Nesse sentido, note-se a posição de Amilcar de Araújo
Falcão18, que, a despeito de ser um dos mais notórios defensores da teoria da
interpretação econômica, sempre reconheceu o caráter excepcional e restritivo
da aplicação da mesma:
“É evidente que a interpretação econômica só se admitirá, em cada
caso concreto, para corrigir situações anormais artificiosamente criadas
pelo contribuinte. Por outras palavras, através dela não se pode chegar
ao resultado de, na generalidade dos casos, alterar ou modificar, por
considerações subjetivas que o intérprete ou o aplicador desenvolvam
no que respeita à justiça fiscal, um conceito adotado pelo legislador.
(...)
Resulta daí que a interpretação econômica só é autorizada, em cada
caso, quando haja uma anormalidade de forma jurídica para realizar
o intento prático visado e, assim, obter a evasão do tributo.”
Verifica-se que até aqueles que admitiam a interpretação econômica
condicionavam sua aplicação à existência de certos pressupostos, tais como a
criação de artificialidades pelo contribuinte com o objetivo de pagar menos
tributos. Mesmo na visão destes, portanto, não se tratava de critério genérico
de interpretação e aplicação da lei tributária, mas sim de expediente excepcional
aplicável apenas quando verificadas certas premissas.
Não obstante, a despeito de ser bastante contida, até a posição acima
sempre foi minoritária: conforme se verá a seguir, o entendimento que há muito

18 Fato Gerador da Obrigação Tributária. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. pp. 75-76.

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prevalece na doutrina e na jurisprudência é o de que a interpretação econômica é


absolutamente inviável em qualquer situação, pois aplicá-la resultaria na cobrança
de tributo não previsto em lei, o que contrariaria a Constituição Federal (art. 5º,
II, e 150, I) e o Código Tributário Nacional (CTN) (art. 97)19.
Com efeito, já em 1965, Alfredo Augusto Becker20 dizia que a doutrina
da Interpretação Econômica da Legislação Tributária estava “superada”,
acrescentando ainda ser ela “a responsável pelo maior equívoco na história da
doutrina do Direito Tributário.” Nessa posição, foi posteriormente acompanhado
por inúmeros autores, tais como Gilberto de Ulhôa Canto21, Alberto Xavier22,
Sacha Calmon23, Heleno Torres24 e Paulo Barros de Carvalho25, entre muitos
outros. Até mesmo autores que costumam ser citados pelo fisco compartilham
deste entendimento, como é o caso de Marco Aurélio Greco26, que, inclusive,
faz referência à já mencionada identidade entre a doutrina da interpretação
econômica e a Primazia da Essência Sobre a Forma:
“De imediato, porém, quero sublinhar que não defendo a aplicação
da interpretação econômica no ordenamento tributário brasileiro,
assim entendida no sentido de busca da substância econômica
ou de identidade de efeitos econômicos dos atos praticados pelo
contribuinte para fins de verificação da incidência da lei tributária
(acepções da expressão mais frequentemente utilizadas).”
Um dos elementos que tornou mais cristalina a impossibilidade da
interpretação econômica da legislação tributária em nosso ordenamento jurídico,
fortalecendo esse entendimento que hoje se tornou praticamente pacífico, foi a
rejeição do art. 74 do Projeto do Código Tributário Nacional (Projeto de Lei
nº 4.834/54), que a previa, in verbis:

19 Isso não significa que inexistam decisões rejeitando a prática de operações artificiais, realizadas
sem substância econômica. A grande questão é que, ao fazê-lo, tais decisões não se valeram da
teoria da Interpretação Econômica da Legislação Tributária. Esse assunto será aprofundado adiante.
20 Op. cit., p. 7.
21 Elisão e evasão. Caderno de Pesquisas Tributárias. Vol. 13. São Paulo: Ed. Resenha Tributária,
p. 26.
22 Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Elisiva. São Paulo: Dialética, 2001. p. 40.
23 Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 233.
24 Op. cit., p. 213.
25 O Absurdo da Interpretação Econômica do Fato Gerador – Direito e sua autonomia – O Paradoxo
da Interdisciplinaridade. Revista de Direito Tributário, nº 97. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 7.
26 Planejamento Tributário. 2ªed. São Paulo: Dialética, 2008. p. 414.

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“Art. 74. A interpretação da legislação tributária visará sua aplicação


não só aos atos, fatos ou situações jurídicas nela nominalmente
referidos, como também àqueles que produzam ou sejam suscetíveis
de produzir resultados equivalentes.”
A jurisprudência da Câmara Superior de Recursos Fiscais (“CSRF”) e da
Primeira Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”),
antigo Primeiro Conselho de Contribuintes (“1º CC”), é no mesmo sentido
e tem reconhecido a inaplicabilidade da teoria da Interpretação Econômica
da Legislação Tributária em precedentes recentes, ainda que o desfecho dos
mesmos tenha sido desfavorável ao contribuinte.
Note-se que isso é especialmente importante porque demonstra que, a
despeito de não terem se utilizado da Interpretação Econômica da Legislação
Tributária, tais decisões dispuseram de instrumentos para rejeitar transações
que lhes pareceram abusivas, o que comprova a desnecessidade da teoria em
questão (esse ponto será aprofundado no tópico seguinte).
Diante do exposto, parece-nos que a aplicação tributária da Primazia da
Essência Sobre a Forma, sobretudo em sua segunda acepção (aquela dirigida aos
contadores), seria inviável, pois resultaria na cobrança de tributos com base nos
elementos econômicos dos fatos geradores, em detrimento dos elementos jurídicos.
Em nossa opinião, a conclusão acima também deveria se aplicar à primeira
acepção da Primazia da Essência Sobre a Forma (aquela dirigida ao Comitê
de Pronunciamentos Contábeis); assim, não nos parece que tributos devessem
ser recolhidos sobre base de cálculo apurada de acordo com a substância
econômica de uma transação ainda que tal substância econômica fosse aferida
com fundamento em norma do CPC. Todavia, reconhecemos que, nesse caso,
outros argumentos tenham que ser considerados.
Elidie Paula Bifano 27 aponta que foi apenas com o art. 5º da Lei
nº 11.637/08 que passou a haver, no Brasil, um órgão que fosse legalmente
encarregado da emissão de princípios e práticas contábeis (o Comitê de
Pronunciamentos Contábeis). Nesse passo, considerando que o art. 177 da LSA
determina que a escrituração das companhias se dará com base nos princípios de

27 O Direito Contábil: da Lei nº 11.638/07 à Lei nº 11.941/09. Direito Tributário, Societário e a


Reforma da Lei das S/A – vol. II. Coord. Sérgio André Rocha. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p.
198.

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274 - Discussão sobre a Aplicabilidade, para Fins Tributários, da Primazia...

contabilidade geralmente aceitos, e, além disso, que já se firmou o entendimento


de que as regras contábeis previstas pela LSA se aplicam a todas as entidades,
independentemente do tipo societário, ter-se-ia, pela combinação das afirmações
acima, que as disposições baixadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis
têm força de norma legal para todas as sociedades. Nesse sentido:
“Inicialmente, note-se que se a escrituração das sociedades deve ser
feita de acordo com os princípios contábeis geralmente aceitos e se
esses princípios são determinados pelo CPC, seus pronunciamentos
devem ser observados por todas as sociedades, inclusive aquelas
entidades submetidas a regras especiais de agentes reguladores, que
somente deixarão de adotar tais determinações na hipótese desses
agentes manifestarem-se contrariamente e de forma fundamentada,
consoante o disposto no Art. 10-A. O art. 177, portanto, erige tais
pronunciamentos à categoria de norma legal, obrigatória para todas
as entidades, para fins de apuração do resultado societário (...).”
(Destacamos.)
Ao conjunto das normas do Comitê de Pronunciamentos Contábeis,
somado às normas contábeis antigas (que graças ao RTT também seriam
legalmente vinculantes), Elidie Paula Bifano dá o nome de “Direito Contábil”.
Em tendo força legal, poder-se-ia, em tese, argumentar que quando os
CPCs, ICPCs e OCPCs dispõem que o lucro, a receita ou qualquer outra
grandeza que também sirva de base de cálculo de tributos deve ser apurada
com base na substância econômica, haveria uma regra legal nesse sentido, não
havendo que se falar, portanto, em Interpretação Econômica da Legislação
Tributária.
Em outras palavras, poder-se-ia dizer que, quando o CPC nº 39
determina, por exemplo, que ações preferenciais resgatáveis com dividendo
fixo devem ser contabilizadas como instrumento de dívida, há, de fato, uma
regra legal nesse sentido. Logo, tributar os dividendos de tais ações como
receita financeira não seria o mesmo que aplicar a Interpretação Econômica
da Legislação Tributária, pois estar-se-ia simplesmente cobrando tributos
com base em uma regra legal (o CPC nº 39) que diz que aqueles dividendos
são receita financeira. E receita financeira é tributável pelo IRPJ. Assim,
poder-se-ia, teoricamente, chegar à conclusão de que a primeira acepção da
Primazia da Essência Sobre a Forma (a dirigida ao órgão regulador) seria
aplicável para fins tributários.

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Todavia, salvo melhor juízo, não nos parece que essa conclusão seja a mais
acertada. Ainda que se considere que o CPC nº 39 é regra legal, também o
são os artigos da LSA que dizem que a remuneração fixa paga a um acionista
preferencial resgatável é dividendo (arts. 17, 111, 203 etc.), e também o é o
art. 10 da Lei nº 9.249/95, que dispõe que os dividendos são isentos de imposto
de renda. Nesse caso, portanto, surgiria, quando muito, um conflito entre
normas legais, devendo prevalecer aquela que é de hierarquia superior e/ou que é
compatível com o nosso sistema constitucional e com o CTN. Neste particular,
não podemos esquecer que a contabilização pela forma jurídica é, também,
decorrente de normas legais.
Em suma, partindo da premissa de que as normas do Comitê de
Pronunciamentos Contábeis sejam regras legais, ter-se-ia a seguinte situação:
toda vez que a aplicação da essência econômica conduzisse a uma contabilização
distinta da resultante da forma jurídica, surgiria um conflito normativo; contudo,
como a contabilização pela forma jurídica resulta de norma superior, e, além
disso, é a única aceita pela Constituição Federal e pelo CTN como apta a gerar
efeitos tributários, parece-nos que a mesma deveria prevalecer.
Para encerrar, citamos João Francisco Bianco28, cujo texto bem sintetiza
o que foi dito nesta Seção:
“Mas, se para a contabilidade os eventos devem ser registrados em
função da sua essência econômica, como fica o Direito Tributário, onde
prepondera a natureza jurídica dos atos praticados? A incompatibilidade
entre os dois critérios é evidente, sendo absolutamente impossível
pretender conferir efeitos fiscais aos lançamentos contábeis feitos em
consonância com o princípio da prevalência da essência econômica
sobre a natureza jurídica. Isso por dois motivos.
Primeiro, porque não é possível que os membros do Comitê de
Pronunciamentos Contábeis possam editar resoluções que tenham
como consequência alterar a base de cálculo do imposto que
incide sobre a renda, nem, tampouco, alterar o disposto no próprio
CTN sobre o assunto. Semelhante pretensão seria evidentemente
inconstitucional, por desrespeito ao princípio da legalidade.

28 Op. cit, p.183-184.

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Segundo, porque os acréscimos patrimoniais tributáveis pelo imposto


de renda são aqueles apurados, conforme vimos acima, segundo a
natureza jurídica dos negócios realizados, independentemente de sua
aparência econômica. E, se os lançamentos contábeis são feitos em
função da sua aparência econômica, não podem gerar efeitos fiscais,
por flagrante violação ao artigo 43 do CTN.”

3.2. A aplicação tributária da Primazia da Essência


Sobre a Forma é desnecessária.
Como afirmado, muitos dos acórdãos do CARF/1º CC e até da CSRF
que rejeitaram a Interpretação Econômica da Legislação Tributária foram
desfavoráveis ao contribuinte, o que demonstra que, ao contrário do que
imaginou Enno Becker em 1919 ao apoiá-la, a referida teoria não constitui
instrumento indispensável e necessário ao combate de operações consideradas abusivas,
as quais têm sido repelidas pela jurisprudência com base em outras teorias e
institutos, tais como a simulação, a falta de propósito negocial etc.29.
Nesse sentido, cite-se o voto da Conselheira Ivete Malaquias Monteiro
no Acórdão nº 108-09.037, de 18.10.2006, do qual ela foi relatora: nele,
o 1º CC julgou operação do tipo “cisão de caixa”, ou “casa-e-separa”, e
efetivamente considerou ter havido simulação (embora sem o evidente
intuito de fraude necessário à qualificação da multa). Em razão disso, o
auto de infração que havia desconsiderado a operação foi mantido.
Todavia, a Conselheira Ivete Malaquias Monteiro (vencida, mas não
nesse ponto) expressamente afirmou que a Interpretação Econômica da
legislação tributária é teoria incompatível com o sistema constitucional
brasileiro, que é tido como “fechado”; não obstante, isto não significa que
os atos abusivos não possam ser repelidos de outras maneiras. Assim, a
Conselheira afirmou que, em tendo sido demonstrada a divergência entre
os atos declarados e aqueles efetivamente desejados pelo contribuinte, resta
caracterizada a simulação:

29 A conceituação de cada um destes institutos e teorias, bem como a relação existente entre cada
um deles, é assunto de alta complexidade que não integra o objeto deste artigo. Assim, não nos
aprofundaremos sobre isso, deixando para fazê-lo em outra oportunidade. Da mesma forma, nos
furtaremos de tecer qualquer juízo de valor sobre a aplicação dos mesmos pelos precedentes
administrativos que serão citados.

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“O sistema brasileiro, é tido como ‘fechado’, não permitindo a


interpretação econômica na aplicação da legislação fiscal, tanto que
o art. 74 do projeto do CTN, que a admitia, foi excluído do texto
final. (...)
Como essas disposições não integraram o Código Tributário Nacional
vários autores entendem que não há respaldo para a consideração
econômica na interpretação e aplicação da legislação tributária.
Mas a doutrina não proíbe, mesmo nos sistemas tributários fechados,
a prática de procedimentos elisivos. (...)
Nos autos, os autuantes instruíram o processo com uma série de dados
e fatos mais do que suficientes para a caracterização de procedimento
dissimulatório (...).”
O trecho do voto acima foi reproduzido em outro precedente do 1º CC,
o Acórdão nº 108-09.241, de 01.03.2007, no qual outra variante de operação
de “casa-e-separa” foi rejeitada (embora a decisão final tenha sido parcialmente
favorável ao contribuinte, em razão do acolhimento de preliminar de decadência).
Nesse sentido, cite-se também o Acórdão nº 107-09215, de 07.11.2007, no
qual o 1º CC considerou simulada a transferência de imóvel de pessoa jurídica
sujeita ao lucro real para outra, optante pelo lucro presumido, que, logo em
seguida, o alienou para terceiros e ofereceu o ganho à tributação como receita
operacional (submetida aos percentuais de presunção).
A Relatora do Acórdão, Conselheira Albertina Santos Lima (vencida, mas
não neste ponto), reconheceu que, de acordo com a maior parte da doutrina, a
Interpretação Econômica da Legislação Tributária não é admitida; a despeito
disso, ela concluiu que, no caso concreto, houve simulação, e rejeitou a operação
(tendo sido mantida a multa agravada). Eis o seguinte trecho de seu voto:
“A maioria dos doutrinadores entende que o sistema tributário
brasileiro é do tipo ‘fechado’, relacionado com o princípio da
tipicidade, e consequentemente não é admitida a interpretação
econômica da legislação fiscal. Nos sistemas fechados, a grande
maioria dos doutrinadores admite a prática de procedimentos elisivos.
Mas, reconhecidamente, a linha divisória entre elisão e evasão é muito
tênue. (...)
Concluo que está caracterizada infração a legislação tributária, em
razão de omissão de receitas com prática de simulação.”

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278 - Discussão sobre a Aplicabilidade, para Fins Tributários, da Primazia...

Situação semelhante também já ocorreu no âmbito da CSRF: no recente


Acórdão nº 9101-00.483, de 25.01.2010, se analisou pela segunda vez a
operação “casa-e-separa” realizada pela RBS30, e, apesar de a operação ter sido
rejeitada, o relator do caso deixou transparecer que tal rejeição se deu com base
em vícios na “causa” do negócio jurídico praticado pelo contribuinte, e não com
base na Interpretação Econômica da Legislação Tributária.
Com efeito, ao se manifestar sobre a operação, o Conselheiro Relator
Antônio José Praga Filho reproduziu o voto proferido pelo ex-Conselheiro
Marcos Vinicius Neder Lima no Acórdão nº 01-06.015, de 14.10.2008 (no
qual a CSRF julgou o caso RBS pela primeira vez).
Nesse voto, o ex-Conselheiro Marcos Vinicios Neder Lima fez referência
a um trecho da doutrina de Heleno Tôrres que tem sido transcrito em muitos
julgados administrativos, no qual o referido autor afirma que, na interpretação e
qualificação dos negócios praticados pelos contribuintes, deve-se atentar à causa
dos mesmos, isto é, à finalidade que as partes pretendiam alcançar a celebrá-
lo, o que de forma alguma representa qualquer espécie de interpretação econômica
do direito tributário; tanto isso é verdade que, em outro trecho deste mesmo
livro, Heleno Tôrres afirma que tal teoria é inaplicável no direito brasileiro,
conforme já vimos acima31.
Eis o trecho do voto do ex-Conselheiro Marcos Vinicios Neder Lima
reproduzindo a doutrina Heleno Tôrres:
“Nesse sentido, Heleno Torres sustenta que ‘qualquer interpretação
que se pretenda operar sobre ato ou negócio jurídico deverá tomar em
consideração a “causa” do ato, nos termos das normas de dirigismo
hermenêutico e daqueles cogentes de limitação, como meios de se
alcançar ao esperado equilíbrio entre finalidade e funcionalidade,
entre substância e forma negocial. Isso, contudo, não representa
qualquer espécie de interpretação econômica do direito tributário,

30 No momento em que este artigo foi escrito, em maio de 2011, foi noticiada a prolação de um
terceiro acórdão da CSRF neste caso, no qual se teria reformado o segundo e cancelado a autuação
fiscal. Esse terceiro acórdão ainda não foi formalizado, e, pelo que se divulgou na mídia, ele
se apoiou em uma questão processual (a incompetência da Delegacia de Julgamento de Porto
Alegre para interpor os embargos de declaração que foram recebidos com efeitos infringentes).
Seja como for, tais considerações não são relevantes para as conclusões apresentadas neste artigo.
31 Op. cit., p. 213.

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Gustavo Brigagão & Carlos Cornet Scharfstein - 279

pelo contrário, é interpretação exclusivamente jurídica, que respeita


a liberdade de escolha das formas, tipos e causas, justificando
existência de negócios jurídicos atípicos, indiretos e fiduciários, todos
plenamente legítimos’.”
Diante do exposto, resta demonstrado que, além de inadmissível no
direito brasileiro, a Interpretação Econômica da Legislação Tributária é
instrumento desnecessário no combate às transações tidas como abusivas,
pois as autoridades fiscais dispõem de diversas outras teorias que podem ser
(e têm sido) utilizadas para desqualificá-las.
A análise da jurisprudência citada acima (e de muitos outros acórdãos que
não foram mencionados) revela que as autoridades fiscais têm logrado êxito em
contestar negócios tidos como abusivos sem que, para tanto, tenha que ser suscitada,
e muito menos aplicada, a teoria da interpretação econômica da legislação tributária.
Assim, é equivocada a posição daqueles que defendem a aplicação da
Primazia da Essência Sobre a Forma (que, como visto, não passa de outro
nome para a teoria da Interpretação Econômica da Legislação Tributária)
por entenderem que a mesma viabilizará a contestação de transações abusivas

3.3. A aplicação tributária da Primazia da Essência


Sobre a Forma é indesejável.
Como se não bastassem os argumentos acima, acrescente-se, por fim,
que a aplicação tributária da Primazia da Essência Sobre a Forma sequer
deveria ser entendida como algo desejável pelas autoridades fiscais. Dizemos
isso por duas razões.
A primeira é que a aplicação da Primazia da Essência Sobre a Forma é,
necessariamente, atividade carregada de subjetivismo. Nesse sentido, transcreva-
se, novamente, manifestação de Sérgio de Iudícibus, Eliseu Martins e Ernesto
Rubens Gelbcke, já citada acima32:
“Talvez a mudança mais relevante que estejamos sofrendo no Brasil
seja relativa aos seguintes pontos: Primazia da Essência Sobre a
Forma, normas contábeis orientadas por princípios, e não por enorme
conjunto de regras detalhadas e, como consequência deste último item,

32 Op. cit., p. 31.

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280 - Discussão sobre a Aplicabilidade, para Fins Tributários, da Primazia...

a necessidade cada vez maior do julgamento por parte do profissional de


contabilidade, quer como elaborador das demonstrações financeiras, quer
como auditor.” (Destacamos.)
É fato notório que quanto maior for o grau de subjetivismo das normas
jurídicas, maiores são as possibilidades de haver conflito e insegurança; este
risco torna-se ainda mais presente quando se trata de normas restritivas de
direitos, como é o caso das normas tributárias. Assim, promover alterações
que aumentem os conflitos entre fisco e os contribuintes, gerando elevado grau
de insegurança para todos, não é algo que se apresente como desejável para
qualquer uma das partes.
Todavia, além desse argumento de natureza mais abstrata, há uma segunda
razão pela qual a aplicação da Primazia da Essência Sobre a Forma para fins
tributários seria indesejável, até mesmo para as autoridades fiscais: em muitos
casos, ela resultaria em perda de arrecadação.
Com efeito, ao se apurar a base de cálculo de todos os tributos, em
qualquer situação, com base na substância econômica da transação praticada
pelo contribuinte, surgirão muitos casos nas quais uma exação antes devida
simplesmente deixará de sê-lo (ou continuará a ser, mas em montante menor).
Nesse particular, a análise da experiência norte-americana sobre o assunto
é especialmente interessante, já que, naquele país, conflitos entre substância
e forma na seara tributária têm sido analisados pela Suprema Corte há quase
noventa anos.
A aplicação da doutrina da substância sobre a forma (substance over
form) pelo fisco, com o objetivo de desconsiderar atos praticados pelos
contribuintes – na maior parte das vezes para economizar tributos – é
bastante conhecida, e, no âmbito da Suprema Corte, tem sido validada
pelo menos desde 1924, quando foi julgado o caso Weiss vs. Stearn (1265
U.S. 242), no qual se decidiu que uma sequência de atos praticados com
o objetivo de viabilizar a transferência de participações societárias sem a
incidência de imposto de renda deveria ser desconsiderada. O Relator do
acórdão, Juiz Mc Reynolds, chegou a afirmar que “questions of taxation must
be determined by viewing what was actually done, rather than the declared
purpose of the participants.”
Situação semelhante se verificou alguns anos depois, em 1935, no famoso
caso Gregory vs. Helveing (302 US 609), no qual a Suprema Corte rejeitou

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Gustavo Brigagão & Carlos Cornet Scharfstein - 281

planejamento fiscal com base na ausência de propósito negocial e também na


falta de substância econômica.
Todavia, também há diversas decisões proferidas por tribunais norte-
americanos fazendo justamente o contrário, isto é, aplicando a substância sobre forma
a favor dos contribuintes. Essa tendência foi ressaltada por J. Bruce Donaldson33,
que, ao examiná-la, citou, entre muitos outros, precedentes nos quais a existência
de pessoas jurídicas sem atividades relevantes foi desconsiderada para que os
ganhos de capital por elas auferidos fossem atribuídos aos acionistas, que estavam
sujeitos a alíquotas mais baixas de imposto de renda.
Um dos autores que mais estudou a possibilidade de os contribuintes
norte-americanos invocarem a substance over form ao seu favor foi John
McDonald, que chegou a falar sobre o assunto no seminário organizado pela
Receita Federal do Brasil em 05.10.2010, na Escola Superior de Administração
Fazendária, em Brasília. Naquela ocasião, ele afirmou que, na maior parte dos
precedentes norte-americanos recentes em que a doutrina da substance over
form foi aplicada, os contribuintes – e não o fisco – é que a haviam suscitado.
Em artigo sobre o tema, o mesmo John McDonald 34 também
explicou que, nos casos em que o Internal Revenue Service (IRS) já tenha
emitido pronunciamentos sobre o conteúdo econômico de determinada
transação, informando aos contribuintes como a mesma deve ser tributada
(independentemente de sua forma jurídica), é inquestionável que o contribuinte
poderá se valer dessa teoria para recolher menos tributos, suscitando esses
mesmos pronunciamentos quando lhe for conveniente. Esse seria o caso, por
exemplo, das operações de sale-leaseback, nas quais o alienante/locatário pode
deduzir despesas de depreciação como se o bem fosse legalmente seu.
Em suma, J. Bruce Donaldson e John McDonald não só explicam que os
contribuintes podem invocar a substance over form a seu favor, como afirmam
que tal comportamento constitui tendência crescente.
Como se vê, no país em que a aplicação da Primazia da Essência Sobre a
Forma para fins tributários é plenamente aceita e tem sido discutida há muitas

33 When Substance-over-Form Argument is Available to the Taxpayer. Marquette Law Review, nº


48/1964. Disponível em <http://epublications.marquette.edu/mulr/vol48/iss1/4>
34 Cross-Border Hybrid Instruments. Taxes. International Tax Watch. Novembro de 2001. Com Gregg
D. Lemein.

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282 - Discussão sobre a Aplicabilidade, para Fins Tributários, da Primazia...

décadas, há uma crescente tendência no sentido da utilização de tal teoria em


benefício dos contribuintes, o que comprova que, em muitos casos, a tributação
pela substância econômica, em detrimento da forma jurídica, pode reduzir a
carga fiscal.
Nesse particular, e retornando ao caso brasileiro, verifica-se que, ao se
conjecturar a aplicação de algumas disposições dos CPCs para fins tributários,
realmente poderiam haver situações nas quais a perda de arrecadação seria
significativa. Imaginem-se, por exemplo, os efeitos tributários globais que
decorreriam (ou poderiam decorrer) das orientações contidas nos CPCs nºs
12 e 39, aos quais já fizemos referência na Seção 2., acima:
(i) O reconhecimento da receita financeira embutida nas alienações
a prazo, prevista pelo CPC nº 12, fez com que uma parcela das
receitas de vendas passasse a ser contabilizada como receita financeira.
Considerando que, nos termos do Decreto nº 5.442/2005, a alíquota
da contribuição ao PIS e da COFINS sobre receitas financeiras
auferidas por pessoas jurídicas submetidas ao regime não-cumulativo
é zero, poderia haver perda de arrecadação neste caso.
(ii) A contabilização de ações preferenciais resgatáveis como um
passivo da entidade emissora, prevista pelo CPC nº 39, faria com que
os dividendos pagos aos acionistas titulares das mesmas se qualificasse
como remuneração de empréstimo, o que, em princípio, as tornaria
despesa financeira dedutível para fins de IRPJ e CSL. Sendo assim,
se os acionistas (beneficiários da receita financeira) fossem pessoas
jurídicas com prejuízos, ou mesmo pessoas físicas, também poderia
haver perda de arrecadação neste caso35.
É evidente que as colocações acima são simples exercícios de imaginação,
as quais se propõem a ilustrar algumas das possíveis consequências da aplicação,
para fins tributários, das muitas normas editadas pelo CPC à luz da Primazia
da Essência Sobre a Forma.
De toda forma, fica claro que nessas situações, bem como em inúmeras
outras que não foram mencionadas, a tributação com base na substância

35 Frisamos o “poderia” porque tais elucubrações são meros exercícios de imaginação e, ao aplicá-las
a um caso concreto, haveria outras variáveis a serem consideradas, que, em algumas situações,
poderiam até levar a uma carga tributária maior.

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econômica – assim entendida aquela encontrada mediante a aplicação de certas


normas do CPC e mediante a atividade subjetiva do contador, na elaboração
das DFs – poderia resultar em perda de arrecadação para o fisco. Mais uma
razão, portanto, para as autoridades fiscais não enxergarem a aplicação tributária
da Primazia da Essência Sobre a Forma como algo desejável, por lhes ser
necessariamente vantajoso.

4. Conclusão
Embora a aplicabilidade para fins tributários da Primazia da Essência
Sobre a Forma apenas tenha começado gerar mais polêmica com a edição do
PCB e dos demais CPCs, que dispuseram que as DFs devem ser elaboradas
com base na essência econômica das transações, o fato é que essa determinação,
em sua segunda acepção (aquela dirigida aos contadores), já existe desde 1985,
quando o IBRACON emitiu a ECBC.
Sendo assim, no que diz respeito à segunda acepção da Primazia da Essência
Sobre a Forma, não nos parece que haja qualquer razão substancialmente nova em
defesa da aplicação da mesma para fins tributários, de sorte que as razões que a
preveniram nos últimos vinte e cinco anos continuam plenamente válidas.
No que se refere à primeira acepção (aquela dirigida ao órgão regulador,
isto é, a que determina que o próprio Comitê de Pronunciamentos Contábeis
deve editar normas que privilegiem a essência econômica em detrimento da
natureza jurídica), reconhecemos que ponderações adicionais podem se fazer
necessárias, mas que, ao final, ainda que se considerasse que os CPCs, ICPCs
e OCPCs são normas legais, elas deveriam ser igualmente inaplicáveis para
fins tributários sempre que conduzissem a uma contabilização conflitante com
a forma jurídica.
Nesse particular, parece-nos que a aplicação tributária da Primazia da
Essência Sobre a Forma, em quaisquer de suas acepções, seria, ao mesmo tempo:
(i) inviável; (ii) desnecessária; e (iii) indesejável.
A aplicação tributária da Primazia da Essência Sobre a Forma
seria inviável porque ela resultaria na cobrança de tributos com base nos
aspectos econômicos do fato gerador, o que equivaleria à implementação,
em caráter genérico, da teoria da Interpretação Econômica da Legislação
Tributária. Além de não ter sido criada com essa finalidade (desde sua

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284 - Discussão sobre a Aplicabilidade, para Fins Tributários, da Primazia...

gênese, a interpretação econômica se destinava a ser excepcionalmente


aplicada às transações artificialmente praticadas pelos contribuintes), tal teoria
é ultrapassada e é pacificamente entendida como inconstitucional e ilegal, por
implicar no lançamento de tributos não previstos em lei.
Além disso, a aplicação tributária da Primazia da Essência Sobre a Forma
seria desnecessária porque a jurisprudência reiterada da CSRF e do CARF tem
logrado êxito em rejeitar planejamentos fiscais considerados abusivos sem ter
que suscitá-la ou aplicá-la. Em outras palavras, ao se deparar com transações
tidas como ilegítimas, a CSRF e o CARF têm se valido de outros institutos
e teorias – tais como a simulação – para desconsiderá-las, de sorte que a
Primazia da Essência Sobre a Forma (ou a teoria da Interpretação Econômica
da Legislação Tributária, que lhe é análoga) sequer é necessária ao combate às
operações reprováveis.
Por fim, a aplicação tributária da Primazia da Essência Sobre a Forma é
indesejável porque é, fundamentalmente, subjetiva, o que traria insegurança
jurídica e aumentaria os conflitos entre fisco e contribuintes. Além disso, a
tributação com base na substância econômica poderia, em diversas situações,
reduzir os encargos fiscais devidos pelos contribuintes, e o fisco teria que se
conformar em aceitar tal redução. Esse fenômeno ocorre com frequência nas
jurisdições em que a Primazia da Essência Sobre a Forma é efetivamente
aplicada para fins tributários, como nos Estados Unidos.
Em suma, parece-nos que qualquer tentativa de se aplicar a Primazia da
Essência Sobre a Forma para fins tributários, na eventualidade do término do
RTT, seria equivocada.
Nesse sentido, deve-se ter em mente que, conforme visto ao longo da
Seção 2. deste artigo, o maior propósito das novas normas contábeis é orientar,
de forma mais eficiente, a tomada de decisões por parte dos usuários (tornando
as DFs mais úteis), e não dispor sobre como as bases de cálculo de tributos devem
ser apuradas.
Tais propósitos se apóiam em premissas que podem ser totalmente
distintas: afinal, o que é relevante à decisão de um investidor, na compra de
ações de uma companhia, ou de um credor, na concessão de um empréstimo, não
necessariamente é relevante para o fisco, na cobrança de tributos, e vice-versa.
Não é por outra razão que muitos países adotaram o IFRS apenas nas
DFs consolidadas – que, na maior parte dos casos, são as que embasam as

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Gustavo Brigagão & Carlos Cornet Scharfstein - 285

decisões de investidores, credores etc. – mas mantiveram as normas contábeis


locais nas DFs individuais (que são as que normalmente servem de base de
cálculo para tributos).
Diante disso, parece-nos que a manutenção de dois sistemas contábeis
distintos, um para a contabilidade societária e outro para a contabilidade fiscal
(a exemplo do RTT), cada qual servindo a um objetivo distinto e apoiado em
premissas próprias, pode ser uma solução adequada no longo prazo.

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Capítulo X

O Contrato de
Consórcio e a Lei nº
12.402/2011

Ian Muniz

Marco Antonio Moreira Monteiro

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Ian Muniz & Marco Antonio Moreira Monteiro - 289

O consórcio é um instituto que, há muito, enfrenta algumas barreiras


jurídicas para atingir sua plena utilidade social e empresarial.

· Comentários Introdutórios
O consórcio é um contrato que tem por objetivo permitir que duas ou
mais pessoas se associem para a execução de determinado empreendimento
econômico, sem que para tanto sejam considerados como tendo constituído
uma pessoa jurídica. Em suma, o atributo mais importante do consórcio
está no fato de que o mesmo não possui personalidade jurídica. Ou seja,
cada consorciado mantém a sua individualidade e autonomia como pessoa.
A utilidade do consórcio como instrumento para atividade empresarial
é inestimável, principalmente no que tange às atividades de construção e
operação de ativos de grande porte ou de infra-estrutura. Por exemplo,
a construção de uma usina hidrelétrica requer talentos diversificados,
abrangendo desde a atividade de construção civil até o fornecimento de
equipamentos tais como turbinas e geradores. Em muitos casos, é quase
impossível pretender que uma única empresa disponha de capacidade técnica,
financeira e industrial para para executar o contrato em sua completude.
Pretender que todos os ‘players’ em um empreendimento de grande
porte e complexidade sejam obrigados a constituir uma pessoa jurídica
para adimplir tal projeto (menos ainda se fundirem) seria pouco funcional
e produtivo. Permitir que essas empresas mantenham sua autonomia
e independência operacional, ainda que, por contrato de consórcio, se
obriguem a trabalhar de uma forma coordenada, resulta em uma melhor
alocação de ativos empresariais com flexibilidade e eficiência. Em suma,
obtém-se maior produtividade econômica, com maior proveito social.
Com efeito, na constituição de uma pessoa jurídica, os empresários
seriam forçados a transferir ativos empresariais para a referida sociedade,
o que na maioria das vezes não é seu desejo, haja vista que tais ativos serão
utilizados em benefício do consórcio apenas por um tempo limitado. Se
um empresário dispõe de um know-how, ou de uma máquina que lhe
confere uma vantagem competitiva em relação ao mercado, esse empresário
possivelmente estará disposto a ceder o uso desta máquina temporariamente
em benefício do empreendimento objeto do consórcio, mas não cogitaria em

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290 - O Contrato de Consórcio e a Lei nº 12.402/2011

qualquer hipótese em ceder o domínio da máquina ou do seu conhecimento


de maneira definitiva para outra sociedade.
A grande vantagem do consórcio, em termos práticos, consiste em
permitir que os diversos empresários consorciados reportem seus resultados
de forma separada e autônoma, para fins contábeis e tributários (apuração
do imposto de renda de pessoa jurídica – IRPJ e contribuição social sobre
o lucro líquido – CSLL), em razão de o consórcio não ser considerado, à
luz da legislação civil e tributária, uma pessoa jurídica.
Em suma, muitas vezes o empresário não deseja receber dividendos, mas
sim reportar os resultados das atividades operacionais consorciais consolidados
com os demais resultados derivados de sua vida empresarial.

Dificuldades Jurídicas do Consórcio


Entretanto, para atingir plenamente o seu potencial como instituto
jurídico, o consórcio enfrentou no passado duas dificuldades: (i)
interpretação restritiva quanto ao seu objeto social; e (ii) incapacidade de
celebrar operações e cumprir obrigações tributárias (principais e acessórias)
em nome próprio.
Este artigo possui dois objetivos distintos.
Primeiro, emprestar o apoio dos seus autores à corrente doutrinária que
sustenta que inexiste qualquer razão jurídica ou econômica para restringir o
objeto dos consórcios a um único empreendimento, por tempo determinado.
Ao invés, para que o consórcio possa atingir a sua plenitude como instituto
jurídico e exercer o seu papel na economia brasileira, faz-se mister que
prevaleça a interpretação mais elástica, no sentido de que o objeto dos
consórcios não está limitado a “(...) executar um só empreendimento (...)”,
no dizer de José Alexandre Tavares Guerreiro1, por tempo determinado.
Em seguida, analisaremos o art. 1º da Lei nº 12.402, de 02 de maio
de 2011, que veio a regulamentar determinados aspectos tributários
relacionados à operação do consórcio em seu próprio nome.

1 Revista de Direito Mercantil – Industrial, econômico e financeiro; abr.-jun., 2005; vol. 138;
Malheiros, p. 203.

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Ian Muniz & Marco Antonio Moreira Monteiro - 291

Do Objeto do Consórcio
A doutrina no Brasil é claramente polarizada no que tange ao objeto do
consórcio. De um lado, há autores, como o já acima citado José Alexandre Tavares
Guerreiro2, que adotam um posicionamento bastante restritivo no que tange ao
objeto do consórcio. Segundo essa corrente doutrinária, o consórcio constitui
uma associação empresarial de caráter temporário e uninegocial. Ou seja, um
consórcio somente poderia ter por objeto um único empreendimento.
Por outro lado, há autores que sustentam posição diametralmente oposta,
no sentido de que tal interpretação é excessivamente acadêmica e equivocada,
criando uma limitação socialmente indesejável ao objeto do consórcio.
O pomo da discórdia, quer dizer, divergência de opiniões, decorre da
redação do art. 278 e art. 279 da Lei de Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76
– LSA), que dispõe o que segue:
Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o
mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar
determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.
(...)
Art. 279. O consórcio será constituído mediante contrato aprovado
pelo órgão da sociedade competente para autorizar a alienação de
bens do ativo permanente, do qual constarão:
(...)
II – o empreendimento que constitua o objeto do consórcio;
III – a duração, endereço e foro;
Em suma, o fato de a LSA utilizar a frase “(...) executar determinado
empreendimento (...) no art. 278 e se referir ao objeto como “o empreendimento”
no singular no art. 279 autorizaria, no entender de um grupo de autores, a
conclusão de que o consórcio somente poderia contemplar como seu objeto um
único empreendimento. Ainda, tal empreendimento deveria ter uma limitação
clara no tempo, não sendo aceitável que o mesmo tenha existência por tempo

2 No mesmo sentido João Luiz Coelho da Rocha, no artigo Os Consórcios de Empresas e seu Trato
Tributário, Revista Dialética de Direito Tributário; vol.83; agosto de 2002; pp. 83-84.

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292 - O Contrato de Consórcio e a Lei nº 12.402/2011

indeterminado. A possibilidade de empreender mais de um empreendimento


por tempo indeterminado seria um privilégio das sociedades personificadas.
Transcrevemos a seguir pensamento de José Alexandre Tavares Guerreiro3,
que com a percuciência que caracteriza o autor, afirma o que segue:
Assim, por exemplo, a limitação do objeto do consórcio (execução de
determinado empreendimento, segundo o caput do art. 278) e seu prazo
(art. 279, III) apontam claramente para uma associação empresarial
de caráter temporário e uninegocial. Executar determinado
empreendimento, nos termos legais, vem a ser executar um só
empreendimento, o que se diferencia de exercer uma determinada
atividade – e nesse particular a terminologia e sistema da Lei de
Sociedades por Ações pareciam rigorosamente coerentes e plenamente
inteligíveis, na medida em que permitiam distinguir nitidamente o
consórcio (destinado à execução de determinado empreendimento,
art. 278) e a sociedade (tendo por objeto o exercício da empresa, ou
seja, de atividade, art. 2º).
De outro lado, escolhemos um trecho de artigo de Luiz Gastão Paes
de Barros Leães, que no nosso entendimento melhor reflete a posição
oposta, a seguir:
3.1. Segundo dispõe o art. 278, caput, da Lei 6.404, as companhias e
quaisquer outras sociedades podem ‘constituir consórcio’ para ‘executar
determinado empreendimento’, razão pela qual determinam os incisos II e
III do art. 279, subseqüentes, que do instrumento do respectivo contrato
devem constar necessariamente ‘o empreendimento que constitua
o objeto do consórcio’ e sua ‘duração’. A redação desses dispositivos
gerou algumas dúvidas. Pergunta-se: Ao lhe assinar como finalidade
a execução ‘de determinado’ empreendimento’ e impor uma ‘duração’,
estaria a lei reservando ao consórcio apenas a execução de um único
negócio, ou de uma única obra, fornecimento ou serviço, de caráter
transitório ou momentâneo, necessariamente limitado no tempo?
3.2. Por certo que não. O adjetivo ‘determinado’ está empregado, no
texto em tela, no sentido de designação precisa e completa do objeto
do consórcio, e não com o cunho de limitá-lo a uma única operação, ou

3 Op. Cit.; p. 203-204.

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Ian Muniz & Marco Antonio Moreira Monteiro - 293

de lhe negar o caráter de permanência. Em ao lhe impor uma duração,


tanto pode ela ser a prazo determinado como indeterminado. Mais,
por causa das palavras dos projetistas da nova lei, em sua exposição de
motivos, do que propriamente do texto legal, essas expressões, contudo,
suscitaram algumas dúvidas em nosso meio doutrinário, logo espancadas
pelos mais doutos.
3.3. Foi o caso, por exemplo, de José Washington Coelho, que, apesar
de reconhecer que o art. 278 da lei emprega o adjetivo ‘determinado’
no singular, acrescenta que ‘nada impede que o objeto seja constituído
por mais de um empreendimento desde que determinados’. E
Fran Martins, nos seus festejados comentários à lei das sociedades
anônimas, acentua que, ‘na realidade, nenhum inconveniente
parece existir na constituição de um consórcio para execução não
apenas de um, mas de vários empreendimentos, ou mesmo para,
permanentemente, realizar certas operações’. E volta a enfatizar:
‘Dados os grandes empreendimentos a que, em regra, se dedicam os
consórcios, nenhum motivo parece se opor a que possam se constituir
para agir permanentemente.
3.4. Outros, ainda, como Fábio Konder Comparato, acentuando que
seria uma injustificável limitação adotar a primeira interpretação
mencionada, que transformaria o consórcio numa autêntica societas
alicuius negotiationis, ou seja, numa sociedade para um negócio singular,
ocasional, afirmam que essa imagem restritiva seria incompatível com
uma figura que tem por escopo a colaboração empresarial, que longe de
ser eventual ou temporária, reveste-se, hoje, caráter sempre constante
e permanente. Rubens Requião também se afastou da interpretação
restritiva, por contrária à natureza do instituto.
Parece-nos bastante claro que o fato de a LSA se referir, quanto ao objeto
do consórcio, a empreendimento no singular não deveria decorrer de uma
limitação no sentido de que corresponderia a cada consórcio apenas um único
empreendimento. Não há qualquer razão de ordem econômica ou jurídica
que justifique essa interpretação. Até mesmo porque tal restrição poderia ser
facilmente contornada mediante a contratação de um instrumento de consórcio
separado para cada empreendimento. Essa interpretação nada traz de bom
que justifique a sua aplicação, salvo a teórica necessidade de diferenças entre a
sociedade e o consórcio. Convenhamos, essa não é uma distinção útil.

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294 - O Contrato de Consórcio e a Lei nº 12.402/2011

Assim, não podemos concordar com o comentário de José Alexandre


Tavares Guerreiro a seguir:
Se, no entanto, o consórcio acaba por se dedicar a vários empreendimentos
com indeterminação temporal, o modelo legal s e compromete
e desfigura, podendo então se falar em sociedade irregular ou de
fato, alterando-se conseqüentemente os limites das obrigações e
responsabilidade de cada sociedade consorciada. A responsabilidade
individual de cada qual, sem presunção de solidariedade, decorre do
§ 1º do art. 278 e pressupõe a contratação do consórcio com plena
adesão ao tipo legislado.
O que Tavares Guerreiro está dizendo é que tal distinção é essencial
para distinguir entre a sociedade de fato e o consórcio, quando em verdade
estes institutos se diferenciam na medida em que haja ou não um instrumento
contratual devidamente registrado no Registro Público.
Com base nesta doutrina equivocada, o fisco federal passou a ativamente
questionar empreendimentos economicamente relevantes para a economia
nacional sob o formato de consórcio, criando incerteza jurídica. O fisco por
diversas vezes tentou re-caracterizar o consórcio como uma sociedade de fato
ou, na terminologia do novo Código Civil, uma sociedade em comum.
Em suma, já não basta termos um fisco federal sedento de arrecadação e
que se aproveita de cada brecha legal para agressivamente tentar extorquir um
tostão adicional de arrecadação dos contribuintes desavisados, e temos um grupo
de juristas de notório saber e inequívoca reputação contribuindo para esse estado
de coisas com uma interpretação que é claramente inadequada, insatisfatória e
que não atende aos interesses dos empresários e da economia nacional.
Certamente esse estado de coisas reclama uma legislação que esclareça
essa questão de uma vez por todas, à guisa de interpretação autêntica. Dizemos
interpretação autêntica, eis que seria importante que a interpretação que nos
parece mais adequada deveria prevalecer retroativamente a todas as situações
de fato pré-constituídas. Caso contrário, haverá a necessidade de o fisco federal
molestar um sem número de contribuintes com essa visão míope do mundo,
para que ao fim seja construída uma quantidade suficiente de precedentes para
suportar a prática empresarial corrente.
Em suma, temos uma doutrina que possui uma visão formal da questão e
que claramente não atende aos anseios da sociedade brasileira, e, de outro, uma

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Ian Muniz & Marco Antonio Moreira Monteiro - 295

interpretação claramente consentânea com o texto legal e que melhor atende,


na substância, às necessidades empresariais do País.
Porque não permitir que uma mina de ferro ou uma planta de alumínio
seja explorada sob a forma de consórcio, como ocorre em tantos outros países?
Porque não permitir que a conservação de uma rodovia seja efetuada por um
consórcio de empreiteiras? Porque não permitir que uma usina hidrelétrica seja
operacionalizada via consórcio?
Na ausência de qualquer razão jurídica ou social em contrário, e havendo
duas posições interpretativas que igualmente possuem respaldo gramatical, porque
não adotar a hipótese interpretativa que libera os agentes econômicos na sua
atividade empresarial? Porque insistir em uma interpretação que sujeita os agentes
econômicos aos maus humores da Receita Federal, gerando incerteza jurídica?
Neste sentido, cabe citar obra de João Luiz Coelho da Rocha4:
O risco mais elementar, pois, na criação de um consórcio, dentro da
ordem jurídica brasileira é o de se recair em modelo de sociedade de
fato, se acaso não ficar patenteada a provisoriedade daquela associação
e o seu direcionamento a um (ou mesmo mais de um) empreendimento
específico, e, sabemos, a sociedade de fato, tal como a sociedade
irregular, acarreta a ilimitação de responsabilidade de seus sócios.

Da Lei nº 12.402/2011
Há muito que o mercado ansiava pela possibilidade jurídica de o consórcio
celebrar contratos e cumprir com determinadas obrigações tributárias em
nome próprio, como, por exemplo, a emissão de notas fiscais ou a contratação
de empregados (com o cumprimento das obrigações acessórias decorrentes).
Entretanto, tal pretensão sempre esbarrou no fato de que, na ausência
de personalidade jurídica, faleceria aos consórcios capacidade para cumprir
com determinadas obrigações acessórias. Por exemplo, proceder à retenção
de imposto de renda na fonte sobre pagamentos feitos (folha de salários etc.);
emissão de faturas e o decorrente recolhimento de ICMS, IPI e PIS/COFINS
em relação a tal faturamento, etc.

4 Op. cit.; p. 84.

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296 - O Contrato de Consórcio e a Lei nº 12.402/2011

Não cuidamos aqui da discussão doutrinária acerca da natureza jurídica do consórcio,


qual seja, de um lado a teoria institucional unitária (tendo como defensores Pontes de
Miranda5 e Modesto Carvalhosa6) e de outro, a teoria contratual pluralista. Esse
conflito doutrinário é analisado com rigor técnico por Alberto Xavier (ver citação
abaixo), que claramente se perfila à segunda corrente. Em suma, a teoria unitária
patrimonial sustenta que, ainda que os consórcios não tenham personalidade
jurídica, possuem a capacidade para o exercício de direitos que lhes permitiria
contratar com terceiros. O consórcio possuiria um patrimônio comum autônomo
que lhe conferiria quase que uma personalidade jurídica.
De outro lado, a corrente da teoria contratual pluralista sustenta que
o direito brasileiro adotou um posicionamento contratualista e pluralista,
respondendo cada consorciado por suas obrigações, sem presunção de
solidariedade (art. 278. § 1º, da LSA). Essa corrente doutrinária é claramente
majoritária, gozando do apoio de Lacerda Teixeira e Tavares Guerreiro7, Pedro
Paulo Cristofaro8, Fabio Konder Comparato9 e Barros Leães10.
Transcrevemos a seguir comentário de Alberto Xavier11, que, em nossa
opinião, reflete a melhor doutrina:
Pela nossa parte, aderimos, sem qualquer hesitação, à teoria
contratual pluralista, única que se ajusta aos caracteres essenciais do
consórcio, tal como definido no direito brasileiro: (i) inexistência de
personalidade jurídica e (ii) responsabilidade de cada consorciado por
suas obrigações, sem presunção de solidariedade.
(...)
No consórcio a titularidade de direitos (e das obrigações) é individual,
pois na inexistência da personalidade jurídica do consórcio, os
efeitos jurídicos imputam-se diretamente na esfera jurídica de cada
consorciado, uti singuli.

5 Tratado de Direito Privado, tomo 1. Rio de Janeiro, 1972, p. 253 e ss;


6 Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, vol. 4, tomo II, São Saraiva, 2003, p. 386.
7 Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, São Paulo, 1979, p. 797.
8 Consórcios de Sociedades. Validade e Eficácia Jurídica dos Atos Jurídicos praticados por seus
Administradores. Revista de Direito Mercantil n° 44, p. 14 e ss.
9 Novas Formas Jurídicas de Concentração Empresarial, Revista de Direito Mercantil, 1972, p. 133.
10 Sociedades Coligadas e Consórcios, Revista de Direito Mercantil n° 12, p. 137 e seguintes.
11 Consórcio: Natureza Jurídica e Regime Tributário, Revista Dialética de Direito Tributário nº 64,
janeiro de 2001, pp. 18-19.

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Ian Muniz & Marco Antonio Moreira Monteiro - 297

(...)
Com efeito, perante terceiros o consórcio não se apresenta como
uma pluralidade inorgânica, atomística e desgarrada de consorciados,
atuando cada um por si, a seu livre critério. Não. Perante terceiros o
consórcio apresenta-se como um agrupamento coordenado que pode
(nuns casos) e deve (noutros) atuar coletivamente, “de mãos dadas”.
Voltando à análise da evolução da legislação tributária, no que tange
aos consórcios, cabe inicialmente citar o Parecer Normativo CST nº 05/76,
que reconhecia a inexistência de personalidade jurídica nos consórcios,
determinando o que segue:
Deste modo, considerada a forma complexiva da apuração do
lucro tributável, deve cada uma das pessoas jurídicas, apropriando
individualmente suas receitas e despesas, apresentar sua declaração
de rendimentos como contribuinte do imposto de renda, definido
no art. 95 do Regulamento aprovado pelo Decreto nº 76.186/75.”
Em suma, já na década de setenta (e antes mesmo da publicação da
LSA), havia o reconhecimento pelo fisco federal de que o consórcio não possui
personalidade jurídica, inclusive para fins do imposto de renda de pessoas
jurídicas. Cabe ainda citar o Ato Declaratório Normativo nº 21/84, que
esclarecia que os consórcios não estavam obrigados a apresentar declaração de
rendimentos, devendo o imposto de renda retido na fonte sobre os rendimentos
pagos ao consórcio ser compensado nas declarações de rendimentos dos
consorciados na proporção de suas participações.
Posteriormente, a Instrução Normativa SRF nº 14/98 veio a instituir a
obrigatoriedade de os consórcios se inscreverem no então Cadastro Geral de
Contribuintes – CGC (hoje Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ).
Cabe ainda transcrever o Processo de Consulta nº 70/2005 (SRRF/8ª
Região Fiscal):
DISPENSA DE ENTREGA DE DECLARAÇÕES. Os consórcios
não estão sujeitos à apresentação da Declaração de Informações
Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ), como também da
Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF),
da Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte (DIRF) e do
Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais (Dacon). Cabe
a cada empresa consorciada, por ocasião da apresentação de suas

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298 - O Contrato de Consórcio e a Lei nº 12.402/2011

respectivas DIPJ, DCTF e Dacon, nelas incluir as informações relativas


aos tributos e contribuições pertinentes aos resultados auferidos, na
proporção da participação de cada uma no empreendimento objeto do
consórcio, bem como incluir nas suas respectivas DIRF as retenções
efetuadas e recolhidas, vinculadas ao empreendimento, sem prejuízo
da entrega, aos respectivos beneficiários, dos Comprovantes de
Rendimentos Pagos e de Retenção do Imposto de Renda na Fonte.
Mais recentemente, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa
RFB nº 834/2008, que continha os seguintes regramentos:
Art. 2º As receitas, custos, despesas, direitos e obrigações decorrentes
das operações relativas às atividades dos consórcios aplica-se o regime
tributário a que estão sujeitas as pessoas jurídicas consorciadas.
Art.3º Para efeito do disposto no art. 2º, cada pessoa jurídica participante
do consórcio deverá apropriar suas receitas, custos e despesas incorridos,
proporcionalmente à sua participação no empreendimento, conforme
documento arquivado no órgão de registro.
(...)
§ 4º Sem prejuízo do disposto nos §§ 2º e 3º, cada pessoa jurídica consorciada
deverá efetuar a escritura segregada das operações relativas à sua participação
no consórcio em seus próprios livros contábeis, fiscais e auxiliares.
(...)
Art. 4º O faturamento correspondente às operações do consórcio será
efetuado pelas pessoas jurídicas consorciadas, mediante a emissão de
Nota Fiscal ou Fatura próprios, proporcionalmente à participação de
cada uma no empreendimento.
§ 1º Nas hipóteses autorizadas pela legislação do Imposto sobre
Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações
de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação (ICMS) e do Imposto Sobre Serviços de Qualquer
Natureza, a Nota Fiscal ou Fatura de que trata o caput poderá ser
emitida pelo valor total.
§ 2º Na hipótese do § 1º, o consórcio remeterá cópia da Nota Fiscal
ou Fatura às pessoas jurídicas consorciadas, indicando na mesma
as parcelas de receitas correspondentes a cada uma para efeito de
operacionalização do disposto no caput do art. 3º.

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Ian Muniz & Marco Antonio Moreira Monteiro - 299

(...)
Art. 6º Nos pagamentos decorrentes das operações do consórcio
sujeitos à retenção na fonte do imposto de renda, da CSLL da
Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, na forma da legislação em
vigor, a retenção e o recolhimento devem ser efetuados em nome de
cada pessoa jurídica consorciada, proporcionalmente à sua participação
no empreendimento.
Art. 7º Nos recebimentos de receitas decorrentes das operações do
consórcio sujeitas à retenção do imposto de renda, da CSLL, da
Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, na forma da legislação em
vigor, a retenção deve ser efetuada em nome de cada pessoa jurídica
consorciada, proporcionalmente à sua participação no empreendimento.
Os leitores desculpem a longa transcrição acima, mas pareceu-nos
importante transcrever as partes mais relevantes da referida instrução normativa,
que em verdade tornou-se praticamente um regulamento do regime tributário
aplicável aos consórcios. Em suma, em consonância com o entendimento
doutrinário, todas as implicações tributárias em nível de tributos federais
deveriam ser levadas a efeito guardando estrita proporcionalidade entre a divisão
de receitas, custos e despesas, inclusive no que tange ao PIS/COFINS, seus
créditos para quem estiver no regime da não cumulatividade, e ao IPI.
Mais relevante, a instrução normativa já admitia a possibilidade de
os consórcios emitirem nota fiscal única em nome do consórcio, desde que
admitido pela legislação do ICMS e do ISS e que em seguida as receitas fossem
partilhadas, em função da proporcionalidade acima mencionada.
Mas no que tange às obrigações tributárias federais, prevalecia a
obrigatoriedade de todos os pagamentos e recebimentos sofrerem as devidas
retenções de fonte proporcionalmente em nome de cada consorciado. Em suma,
se houvesse a contratação de empregados em nome do consórcio, as obrigações
tributárias decorrentes da folha de pagamentos (IRF, previdência, etc.) deveriam
ser recolhidas proporcionalmente em nome de cada consorciado.
Claramente a solução preconizada na Instrução Normativa RFB
nº 834/2008 para fins dos tributos federais era insatisfatória para o mercado.
Com efeito, em 2010 a Associação Brasileira de Engenharia Industrial
(Abemi) ingressou com uma solicitação junto à Receita Federal no sentido de
aceitar a titularidade passiva dos consórcios em relação aos tributos federais

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300 - O Contrato de Consórcio e a Lei nº 12.402/2011

e suas obrigações acessórias, desde que houvesse solidariedade entre as


consorciadas. Tal solicitação resultou na Nota Cosit nº 203, de 07 de julho
de 2010. Transcrevemos a seguir os trechos mais relevantes da referida nota:
Por meio da Carta nº 200, de 24 de maio de 2010, a Associação
Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi) solicita alteração na
Instrução Normativa RFB nº 834, de 26 de maio de 2008, com as
alterações feitas pela Instrução Normativa nº 917, de 9 de fevereiro
de 2009, com vista a ficar reconhecida ao consórcio horizontal,
como contratante, a titularidade passiva dos tributos e obrigações
acessórias que oneram suas operações, permanecendo, contudo, todas
as consorciadas, individual e solidariamente, responsáveis por todas
as obrigações tributárias, trabalhistas e previdenciárias do consórcio.
2. A Abemi inicia a carta afirmando que, se aplicados os dispositivos
introduzidos pela IN RFB acima citada aos consórcios, no que tange à
contratação de mão-de-obra e cumprimento das obrigações principais
e acessórias restará inviabilizada a operacionalidade dos consórcios
horizontais, notabilizados pela execução do objeto contratual de
forma indistinta por todas as consorciadas, que detém as suas
participações expressas unicamente por percentuais sem divisão do
escopo contratual, ao contrário do que acontece com os consórcios
verticais com divisão de escopo entre as consorciadas e contratação
de mão-de-obra individualizada, diretamente pelas consorciadas.
3. Informa, ainda, que a prevalecer referidos atos normativos o
consórcio horizontal perde os fortes predicados que o consagraram
ao longo da história, vez que fica enfraquecido o liame operacional
a ele inerente e que estreita os laços entre as consorciadas, visto que
o consórcio enfrenta grande dificuldades em contratar mão-de-obra
em seu nome, praticar recolhimentos e compensações tributárias,
sob seu próprio CNPJ, dentre outros prejuízos de ordem operacional
e tributária.
A Nota Cosit nº 203 prossegue esclarecendo que a carta da Abemi afirma
que a interpretação da norma tributária pela Instrução Normativa RFB nº
834/2008 está em descompasso com entendimento do Ministério do Trabalho e
Emprego, que obriga os consórcios a declarar a Rais e com a Justiça Trabalhista,
que reiteradamente tem reconhecido os consórcios de empresas empregadores,
sob a modalidade de grupos econômicos por coordenação:

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Ian Muniz & Marco Antonio Moreira Monteiro - 301

4. Diante disso, sugere a Abemi que seja inserido dispositivo na


Instrução Normativa nº 834, de 2008, para que fique resguardada a
plena operacionalidade do consórcio horizontal, de modo a aclarar a
distinção de tratamento que deve ser conferido às duas modalidades
associativas – consórcio vertical versus consórcio horizontal –
permitindo a este último guardar sua autonomia operacional e
tributária relativamente às suas consorciadas, que seriam, contudo,
solidariamente responsáveis com o consórcio, pelas obrigações
tributárias e trabalhistas oriundas de suas operações (...)
5. Além disso, a Abemi recomenda a criação, por meio da inclusão
na IN RFB nº 1.005, de 08 de fevereiro de 2010, que dispõem sobre
o CNPJ, de um novo código de classificação de natureza jurídica
denominada “Consórcio de Sociedades – Responsabilidade Solidária”,
bem como promover as alterações necessárias nos atos normativos
emanados da Receita Federal do Brasil, a fim de permitir a esta
modalidade consorcial efetuar retenções e recolhimentos tributários
em seu próprio nome, na qualidade de contratante.
(...)
7. O pleito, em síntese, é no sentido de ser reconhecida ao consórcio
horizontal como contratante, a titularidade passiva dos tributos e
obrigações acessórias que oneram suas operações, permanecendo,
contudo todas as consorciadas, individual e solidariamente
responsáveis por todas as obrigações tributárias, trabalhistas e
previdenciárias.
Entretanto, a Coordenação-Geral de Tributação da Receita Federal do
Brasil houve por bem denegar o pedido da Abemi, ante o seguinte argumento:
16. Dessa forma, à vista das conclusões exaradas na da Nota PGNF/
CDA nº 133/2009, não há como atribuir aos consórcios de que tratam
os arts. 278 e 279 da Lei nº 6.404, de 1976, a titularidade passiva
dos tributos e obrigações acessórias que oneram suas operações, via
instrução normativa, por falta de previsão legislativa.
Em suma, a resposta foi no sentido de que uma instrução normativa é um
veículo impróprio para regular a questão do cumprimento por um consórcio
horizontal de obrigações principais e acessórias próprias de pessoas jurídicas
(DCTF, DIRF, Dacon etc., mas não a DIPJ, evidentemente), somente sendo
possível atender ao pleito da Abemi se a questão for regulamentada em lei.

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302 - O Contrato de Consórcio e a Lei nº 12.402/2011

A narrativa acima constitui o pano de fundo para a edição da Medida Provisória


nº 510/2010, que foi posteriormente convertida na Lei nº 12.402/2011, a seguir
transcrita:
Art. 1º As empresas integrantes de consórcio constituído nos termos
do disposto nos arts. 278 e 279 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro
de 1976, respondem pelos tributos devidos, em relação às operações
praticadas pelo consórcio, na proporção de sua participação no
empreendimento, observado o disposto nos §§ 1º a 4º.
§ 1º O consórcio que realizar a contratação, em nome próprio, de
pessoas jurídicas e físicas, com ou sem vínculo empregatício, poderá
efetuar a retenção de tributos e o cumprimento das respectivas
obrigações acessórias, ficando as empresas consorciadas solidariamente
responsáveis. 
§ 2 Se a retenção de tributos ou o cumprimento das obrigações
acessórias relativos ao consórcio forem realizados por sua empresa
líder, aplica-se, também, a solidariedade de que trata o § 1º. 
§ 3º O disposto nos §§ 1º e 2º abrange o recolhimento das
contribuições previdenciárias patronais, inclusive a incidente sobre a
remuneração dos trabalhadores avulsos, e das contribuições destinadas
a outras entidades e fundos, além da multa por atraso no cumprimento
das obrigações acessórias. 
§ 4º O disposto neste artigo aplica-se somente aos tributos
administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. 
O primeiro ponto a ser esclarecido é que a lei acima em nada alterou o
regime jurídico do consórcio, nos termos do art. 278 e 279 da LSA. A lei possui
uma natureza estritamente fiscal, cuidando do adimplemento de obrigações
acessórias pelos consórcios, sempre que realizar a contratação, em nome próprio
de pessoas jurídicas e físicas.
Vejam que o caput inicia por repetir a regra já contida na Instrução Normativa
RFB nº 834/2009 no sentido de que continua a prevalecer o princípio de que,
face à inexistência de personalidade jurídica, a responsabilidade tributária das
consorciadas será proporcional à participação de cada consorciada. O caput
serve igualmente para esclarecer sem a menor sombra de dúvidas (o que não
era claro na redação da Medida Provisória nº 510/2010) que os consórcios não
são equiparados a pessoa jurídica, para fins de tributos federais.

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Ian Muniz & Marco Antonio Moreira Monteiro - 303

Se, entretanto, na hipótese do consórcio horizontal, houver a contratação


de terceiros (pessoas físicas ou jurídicas) em nome próprio, em tal hipótese a lei
faculta (vejam que a lei utiliza o verbo ‘poderá’) que o consórcio efetue a retenção
de tributos e o cumprimento das respectivas obrigações acessórias, surgindo
assim nesse momento a responsabilidade solidária de todos os consorciados.
Primeiro, não se trata aqui de revisitar a discussão doutrinária acima
comentada, entre a teoria institucional unitária e a teoria contratual pluralista.
Essa questão continua superada, como bem analisada por Alberto Xavier. A
nova lei não afeta de qualquer forma o regime jurídico contemplado na LSA,
que continua inalterado.
Portanto, quando a lei menciona a contratação pelo consórcio em nome
próprio, não significa que a lei passou a adotar a teoria institucional unitária,
mas tão somente que os consorciados se obrigam em um contrato em que se
criam, perante terceiro, tantos vínculos obrigacionais distintos quanto o número
de consorciados (teoria pluralista).
Cabe igualmente ressalvar que a solidariedade prevista no § 1º do art. 1º
da Lei nº 12.402/2011 somente prevalece perante o fisco, mas não em relação a
outros terceiros. Perante outros terceiros continuará a prevalecer a regra prevista
no art. 278 da LSA, no sentido de inexistência de solidariedade.
Ainda, a solidariedade somente surge na medida em que o consórcio venha
a cumprir a retenção e o cumprimento das respectivas obrigações acessórias
em nome próprio. Ainda que o consórcio venha a contratar em nome próprio,
mas desde que a retenção dos tributos e o cumprimento das obrigações
acessórias sejam efetuados pelos consorciados, na proporção de suas respectivas
participações, inexistirá a solidariedade prevista na lei.
A conclusão acima é relevante para delimitar com clareza em qual momento
surge a solidariedade prevista na lei. Assim, se o consórcio vier a proceder à retenção
de IRF no seu próprio CNPJ, bem como entregar DIRF, DCTF e Dacon em
seu próprio nome, somente neste momento haverá o surgimento da solidariedade.
A solidariedade existirá igualmente se a retenção de tributos ou o
cumprimento das obrigações acessórias relativos ao consórcio forem realizados
por sua empresa líder (§ 2º do art. 1º da Lei nº 12.402/2011). Ou seja, ou os
tributos são retidos por todos os consorciados, na proporção de suas respectivas
participações, e o cumprimento das obrigações acessórias guarda igual princípio,
ou haverá a solidariedade, tenham tais obrigações sido cumpridas pelo consórcio

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304 - O Contrato de Consórcio e a Lei nº 12.402/2011

ou pela empresa líder. Ou seja, se houver a unificação do adimplemento das


obrigações principais e acessórias, na figura do consórcio ou da empresa
líder, prevalece a solidariedade. A única forma de evitar tal solidariedade será
adimplir tais obrigações em nome de todas as consorciadas, na proporção de
suas respectivas participações.
Pergunta: e se as consorciadas adimplirem as obrigações principais e
acessórias em seu próprio nome, mas, por erro, o fizerem por valores que não
guardam proporcionalidade com suas respectivas participações? Ensejaria
tal evento a solidariedade? Na nossa opinião não. Em tal hipótese, caberia a
retificação das obrigações, de forma adequar o seu cumprimento ao princípio
da proporcionalidade.
Os §§ 3º e 4º esclarecem que a solidariedade somente ocorrerá no que
se refere aos tributos administrados pela Receita Federal do Brasil e o ao
recolhimento de contribuições previdenciárias patronais.
Certamente o dispositivo legal ora em comento merecerá uma
regulamentação mais pormenorizada da Receita Federal do Brasil. Torçamos
para que tal regulamentação não venha a ampliar além do correto limite a
solidariedade instituída na lei.

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Capítulo XI

Considerações Gerais
sobre a Adaptação da
Legislação do Imposto
sobre a Renda às Novas
Normas Contábeis

Jimir Doniak Jr.


Advogado em São Paulo e Brasília

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Jimir Doniak Jr. - 307

I – Considerações introdutórias

A Lei nº 11.638/2007 tinha como objetivo modernizar e adaptar


nossas normas contábeis àquelas vigentes na maior parte do mundo1 . Sua
promulgação teve muitos efeitos: (a) o Comitê de Pronunciamentos Contábeis
– CPC expediu diversos pronunciamentos técnicos, a propósito de variados
assuntos; (b) tais pronunciamentos foram aprovados por deliberações da CVM;
(c) a Medida Provisória nº 449/2008 foi adotada e convertida na Lei
nº 11.941/2009, instituindo o Regime Tributário de Transição – RTT; (d) a
Receita Federal regulamentou o RTT; (e) as empresas passaram a adotar o
novo tratamento contábil; (f ) inúmeros estudos e artigos e vários livros foram
publicados sobre o assunto; (g) algumas decisões já foram proferidas em soluções
de consulta e em processos administrativos em razão de dúvidas específicas
ou disputas surgidas a propósito de questões tributárias2. Enfim, foram quase
quatro anos de intenso trabalho e profundas reflexões.
Todavia, não ocorreram grandes alterações na esfera tributária. A própria
Lei nº 11.638/2007 nasceu com a intenção de não causar impactos na legislação
e na apuração fiscais. Tal intenção foi reafirmada e colocada em termos mais
claros na Lei nº 11.941/2009, com o RTT3. Deve-se reconhecer que o legislador
e a Administração Fiscal foram sábios ao assim proceder.
Com efeito, a Lei nº 11.638/2007 e seus reflexos não trouxeram apenas
alterações a várias normas contábeis. A mudança foi e tem sido muito mais
radical, alcançando pontos fundamentais da contabilidade, sendo que “(...) temos

1 Nas palavras do “Anteprojeto de Alteração da Lei nº 6.404/76, que dispõe sobre as Sociedades
por Ações”: “O anteprojeto de lei, embora atento à nossa realidade, procurou criar condições para
harmonizar as práticas contábeis adotadas no País e respectivas demonstrações contábeis com
as práticas e demonstrações exigidas nos principais mercados financeiros mundiais, tendo como
arcabouço teórico básico as recomendações do International Accounting Standards Committee
(IASC) (...)”.
2 Recentemente a Receita Federal expediu até mesmo o Parecer Normativo nº 1, de 29.07.11, a
propósito das diferenças no cálculo da depreciação de bens do ativo imobilizado decorrentes
da alteração da Lei nº 6.404/76. Foi exposta a opinião de que elas não terão efeitos para fins de
apuração do lucro real e da base de cálculo da CSL da pessoa jurídica sujeita ao RTT.
3 No referido PN 1/11 foi reafirmada a chamada neutralidade tributária das novas disposições da
contabilidade: “Ressalte-se que o disposto no art. 16 da Lei nº 11.941, de 2009, corrobora o
entendimento de que se deve buscar a neutralidade tributária durante o período de sujeição ao
RTT, seja ele facultativo ou obrigatório”.

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308 - Considerações Gerais sobre a Adaptação da Legislação do...

uma verdadeira revolução no modo de se pensar a contabilidade”4. Soma-se a isso que


tais mudanças não se deram de uma só vez, mas aos poucos, na medida em que
os referidos pronunciamentos técnicos eram aprovados, ao mesmo tempo em
que era necessário ficar atento à evolução dos estudos internacionais.
Em um cenário como esse, é difícil precisar os exatos efeitos em relação
à apuração fiscal. Correta, então, a decisão de aprovar um regime tributário
que garantisse a manutenção dos padrões contábeis existentes antes da Lei nº
11.638/2007. O entendimento foi de que seria possível dispor sobre eventuais
efeitos fiscais das novas normas contábeis apenas com o decorrer do tempo, após
a aprovação de todos os pronunciamentos técnicos planejados, a divulgação de
estudos sobre o tema, a análise do desenvolvimento dado nos demais países e a
realização de exercícios de apuração fiscal a partir das novas normas.
Talvez ainda não estejamos no momento ideal para que a apuração
fiscal seja afetada pelas novas normas contábeis. Pode-se entender que seria
mais adequado aguardar que todo o tema amadureça mais. Contudo, é, sim,
o momento de começar o debate sobre se e como a apuração fiscal deve ser
afetada pela nova contabilidade.
O presente estudo procura trazer reflexões relacionadas a esse debate.
Assim, por meio de uma visão geral do assunto e do exame de alguns tratamentos
contábeis, pode-se chegar a uma conclusão, ainda que não definitiva, sobre o
tema. Deste modo, este é um trabalho, fundamentalmente, de lege ferenda,
atendendo-se a proposta da Editora e do coordenador deste volume.
Para tanto, entendemos necessário breve tópico inicial sobre o conceito
de renda para fins de tributação. Trata-se de premissa óbvia, mas que não deve
ser esquecida: sejam quais forem a forma e a base de apuração do resultado,
não pode existir uma tributação que transborde o conceito de renda, onerando
outra realidade, ou que esteja em desarmonia com os princípios e normas gerais
da Constituição e do CTN. Após, iremos tratar brevemente dos parâmetros
gerais da nova contabilidade. O contraste entre esses dois mundos já propiciará
uma conclusão geral inicial. Após, analisaremos alguns pontos específicos de

4 Alexsandro Broedel Lopes e Roberto Quiroga Mosquera, “O direito contábil – Fundamentos


conceituais, aspectos da experiência brasileira e implicações”, in “Controvérsias jurídico-contábeis
– Aproximações e distanciamentos”, coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel
Lopes, Dialética, 2010, p. 69.

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Jimir Doniak Jr. - 309

tratamento contábil (sem o objetivo de exauri-los ou de ver todos os pontos,


algo inviável no espaço de um artigo), para traçar considerações sobre a
possibilidade e a conveniência de eles gerarem efeitos na apuração do IR.
Todas as posições aqui expostas não têm a pretensão de serem definitivas, o
que nos parece inviável em assunto tão complexo, que ainda carece de maior
amadurecimento, e no qual cada tratamento contábil específico pode ter efeitos
imprevistos em outros pontos.

II – Considerações gerais sobre o conceito de


renda e de lucro real e suas limitações
A Constituição Federal de 1988 prevê a competência para tributar a renda
e proventos de qualquer natureza. Já o Código Tributário Nacional – CTN
acrescenta que o fato gerador do IR é a aquisição de disponibilidade econômica
ou jurídica de renda, entendida como o produto do capital, do trabalho ou da
combinação de ambos, e de proventos de qualquer natureza, entendidos como
outros acréscimos patrimoniais.
A partir de tais normas e da interpretação sistemática da Constituição,
o Supremo Tribunal Federal, por meio de vários precedentes, adotou o
entendimento de que, para a exigência de IR, deve restar caracterizado o
acréscimo patrimonial, chegando a afirmar que tal acréscimo ocorreria mediante
ingresso ou auferimento de algo a título oneroso5.
O mesmo STF, porém, também decidiu que o lucro real, base de cálculo do
IR para pessoas jurídicas (junto com os regimes de lucro arbitrado e presumido),
seria um conceito decorrente da lei e não da Constituição e que não haveria
um lucro real ínsito ao conceito de renda6.
Tal afirmação, se bem entendida (sem radicalismo), é correta. Lucro real
é regime de apuração da base de cálculo do IR apenas para as pessoas jurídicas
e mesmo assim juntamente com outros dois regimes. Percebe-se que tratar de

5 P. ex.: RE 117.887-SP (“(...) não me parece possível a afirmativa no sentido de que possa existir renda
ou provento sem que haja acréscimo patrimonial, acréscimo patrimonial que ocorre mediante o
ingresso ou o auferimento de algo, a título oneroso” – Min. Carlos Velloso) e RE 172.058-1 (“O
elemento essencial do fato gerador é a aquisição da disponibilidade de riqueza nova, definida
em termos de acréscimo patrimonial” – Min. Marco Aurélio).
6 RE 210.465-6/MG, Min. Nelson Jobim.

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310 - Considerações Gerais sobre a Adaptação da Legislação do...

lucro real significa entrar em nível de detalhe não próprio da Constituição.


Tanto é assim que a Constituição Federal não faz qualquer referência ao lucro
real em seu texto. Já o CTN (sobre este ponto) limita-se a prever que a base
de cálculo do IR é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos
proventos tributáveis. Bem se vê que é na legislação ordinária que se verificará
o que é o lucro real e como ele é calculado7.
No entanto, o legislador ordinário não pode incidir em abuso. Daí ser
correta a assertiva do STF, no último precedente referido, de que a fixação, por
lei, do lucro tributável está sujeito ao juízo de proporcionalidade, que “(...) é a
limitação do poder discricionário da lei, utilizável pelo Poder Judiciário”.
A percepção de que o legislador possui um poder discricionário, submetido
ao juízo de proporcionalidade, para estabelecer as regras de apuração do lucro
tributável, dentro do regime do lucro real, também dá a correta perspectiva do
significado da expressão “lucro real”. Convém, com efeito, ter consciência de que
tal regime não consiste em algo como desvendar o lucro verdadeiro, real, que seria
objetivamente demonstrado de forma inquestionável. Fosse assim não haveria
poder discricionário submetido à proporcionalidade, pois o legislador ordinário
estaria apenas incumbido de explicitar o suposto lucro verdadeiro pré-existente,
constitucional ou fático. Ele não seria detentor de liberdade discricionária (ou
esta estaria limitada a eventuais objetivos extra-fiscais).
Esse entendimento do que é o “lucro real” é incorreto. Não existe esse
lucro verdadeiro, como que existente nos fatos, ontologicamente, que pudesse
ser desvendado na realidade concreta8. Schoueri é preciso: “Fica claro aqui que
o lucro real, apesar da denominação que recebeu, nada mais é do que uma realidade

7 Observe-se, porém, que afirmar que “o lucro real é conceito puramente legal e decorrente
exclusivamente da lei” (destacamos), como fez o STF no RE 210.465-6/MG (Min. Nelson Jobim),
tem um conteúdo de forte retórica. Transmite a sensação de que o legislador tem liberdade maior
do que a verdadeiramente possui. Se a renda da pessoa jurídica é aferida, nos termos da legislação
ordinária, por um entre três regimes, sendo um deles o chamado de lucro real, é óbvio que o
conceito de lucro real é puramente legal e decorrente exclusivamente da lei enquanto e somente
na medida em que se insere no conceito constitucional pressuposto de renda. Inversamente, é
não menos que óbvio que não se fixa a base de cálculo do IRPJ por meio apenas do conceito de
renda contido na Constituição e no CTN. Tal conceito dá um parâmetro, mas seus limites ainda
são largos de modo a conceder discricionariedade ao legislador.
8 Disse-o bem o STF: o lucro real não é um “(...) conceito ontológico, como se existisse, nos fatos,
uma entidade concreta denominada de ‘LUCRO REAL’. Não tem nada de material ou essencialista”
(RE 210.465-6/MG, Min. Nelson Jobim). Feliz também a colocação de Silvania C. Tognetti: “Como
sabemos, toda a forma de apuração da renda sempre permitirá uma

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construída, artificiosa, sobre a qual recai a tributação”9.


Na verdade, a apuração do lucro real é, neste ponto, semelhante ao lucro
contábil. Qualificar esse de real ou verdadeiro também não é adequado. O lucro
contábil atende certos critérios e finalidades, de modo que os mesmos fatos
econômicos podem ser registrados de diferentes maneiras e podem conduzir
a resultados distintos em função das regras contábeis aplicáveis em cada país
e em diferentes épocas de um mesmo país10. O modo de apuração do lucro
contábil muitas vezes não é uma questão de correção ou incorreção, mas de
adequação ou inadequação aos objetivos previamente escolhidos. “A verdade
contábil é, pois, simplesmente relativa”11. Logo, não se deve tomar a contabilidade
como a expressão da verdade pura e os resultados por ela apurados como sendo
o lucro autêntico.
A expressão “lucro real” é, sim, adequada ao se contrapor a de lucro
presumido (e a de arbitrado)12. Dessa forma, transmite-se a idéia de que a base
de cálculo do imposto sobre a renda, para as pessoas jurídicas, pode ser aferida

aproximação e nunca uma demonstração científica e incontestável da efetiva renda do


contribuinte” (“Presunções e ficções legais no direito tributário e no imposto sobre a renda”,
Revista Direito Tributário Atual, nº 21, p. 356).
9 “O mito do lucro real na passagem da disponibilidade jurídica para a disponibilidade econômica”,
in “Controvérsias jurídico-contábeis – Aproximações e distanciamentos”, coord. Roberto Quiroga
Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes, Dialética, 2010, p. 259.
10 É o que se verifica a partir das alterações da Lei nº 11.638/2007, em que os resultados de várias
empresas variaram muito em função de aplicarem ou não as regras derivadas dessa Lei. O mesmo
se diga quanto aos resultados distintos de uma mesma empresa em um mesmo período em função
da aplicação dos chamados BR-GAAP e US-GAAP.
11 Fábio Konder Comparato, “Natureza jurídica do balanço”, in “Ensaios e pareceres de direito
empresarial”, Forense, 1978, p. 2.
12 Todavia, a qualificação de “real” foi criticada em diferentes momentos. Entre algumas críticas,
destacamos, por seu conhecimento profundo da história da legislação de IR, a de Noé Winkler:
“Todavia, na lei tributária, distorceu-se o antigo e correto conceito de lucro real, o mesmo que a
nova lei das sociedades anônimas implicitamente admite no seu artigo 187. Aí temos, nos seus
incisos e parágrafos, o lucro real, praticamente nos moldes anteriores, sem que permanecesse
com essa conceituação no DL 1.598/77, que surgiu precipuamente para conciliar conceitos da
legislação comercial com a fiscal. O paradoxo está em que hoje, neste Regulamento, o lucro real
deixou tecnicamente de sê-lo, para constituir-se num lucro fiscal, sem essa designação” (“Imposto
de renda”, 2ª ed., Forense, 2001, p. 349). Outra crítica que a nosso ver merece destaque, por
ser tão peremptória, é a de Silvania C. Tognetti: “Assim, um método que considere o encontro
de contas de todas as receitas e despesas do contribuinte, mas considere algumas despesas não
dedutíveis e algumas receitas não tributáveis, é tão artificial quanto um método que considere
estatisticamente um percentual da receita como equivalente à renda” (ob. cit., p. 356). Por
fim, vale mencionar a opinião, sempre bem fundamentada, de Luís Eduardo Schoueri, no caso
conjugada com as lições de José Casalta Nabais: “Quanto à idéia preconcebida de que o lucro
real seria verdadeiro, feliz foi a observação de José Casalta Nabais, no sentido de que também
o rendimento real não corresponde à exata e rigorosa realidade, já que a própria contabilidade
em que ele se fundamenta tem por

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312 - Considerações Gerais sobre a Adaptação da Legislação do...

por meio da apuração das receitas e das despesas efetivamente apuradas pelo
contribuinte (segundo os critérios e regras vigentes em cada época e local).
De outro lado, a base de cálculo também pode ser aferida aplicando-se um
percentual, previsto na legislação, sobre a receita bruta, que, idealmente, não
deve se distanciar muito das efetivas margens de lucro.
Deve-se ter presente, porém, que, se a Constituição Federal e o CTN
não contêm um conceito de lucro real, sem dúvida elas trazem limitações ao
que pode ser determinado pela legislação ordinária, inclusive no que se refere
à apuração da base de cálculo do tributo.
Por isso, é afetada por tais limitações até mesmo a decisão discricionária
do legislador a respeito de qual será a relação do lucro tributável com o lucro
contábil ou societário, que é uma das muitas decisões sobre a apuração da
base de cálculo do IR. A respeito de tal relação, há três modelos distintos,
seguindo a lição de José Casalta Nabais13: (a) o modelo de dependência
total, de coincidência do lucro tributável com o lucro contábil; (b) o modelo
de autonomia, no qual o lucro tributável é apurado de maneira totalmente
autônoma face à apuração do lucro contábil; e (c) o modelo de dependência
parcial, intermediário entre os dois anteriores, em que o lucro tributável utiliza
princípios, conceitos, regras e até mesmo a própria apuração contábil concreta,
mas com adaptações que a adéquem aos objetivos visados pelo Estado para a
apuração tributária.
Nos termos do “caput” do artigo 6º do Decreto-Lei nº 1.598/77, era
adotado no Brasil o último modelo, de dependência parcial: “Lucro real é o lucro
líquido do exercício ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou
autorizadas pela legislação tributária”14. Já lucro líquido “(...) é a soma algébrica

base uma série de pressupostos que são mais construídos e convencionados do que efetivamente
verificados. O autor, baseando-se na lição de Einaudi, chega a comparar a busca do rendimento real
a um ‘puro mito’, ‘uma vã glória’, na qual somente os contabilistas acreditam” (Ob. cit., p. 258).
13 “Direito fiscal”, 4ª ed., Almedina, 2007, p. 576.
14 Bulhões Pedreira explica que isso seria inovação do Decreto-Lei: “A definição do lucro real
por referência ao lucro comercial é inovação do Decreto-Lei. Na legislação anterior, embora a
escrituração comercial fosse o meio de comprovar o lucro real (Lei nº 2.354/54, art. 2º; RIR/75,
art. 135), a própria lei tributária definia todos os elementos que deviam ser computados na
determinação do lucro real e não adotava claramente o montante do lucro apurado na escrituração
comercial como valor a ser ajustado para se chegar ao lucro real” (“Imposto sobre a renda – Pessoas
jurídicas”, vol. I, Justec, 1979, p. 223-224).

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de lucro operacional (art. 11), dos resultados não operacionais, do saldo da conta
de correção monetária (art. 51) e das participações, e deverá ser determinado com
observância dos preceitos da lei comercial” (§ 1º).
Dentro da escolha feita pelo modelo de dependência parcial, o legislador
exerceu sua liberdade discricionária na fixação da base de cálculo do IRPJ. Ele
não atuou e não pode atuar com arbitrariedade, pois está limitado por todas
as determinações, diretas ou indiretas, explícitas ou implícitas, de matéria
especificamente tributária ou gerais, contidas na Constituição e no Código
Tributário Nacional15. O legislador é delimitado seja pelos princípios jurídicos
mais gerais (como o da dignidade da pessoa humana) aos mais específicos
(como a progressividade).
Iremos mencionar algumas dessas delimitações ao poder discricionário do
legislador. Mais adiante, ao tratar de certas alterações da nova contabilidade,
ver-se-á a relevância específica de tais limitações.
Entre elas estão o próprio conceito, genérico que seja, de renda e proventos
de qualquer natureza. Como explicou o STF, não pode haver tributação sem
que exista um acréscimo patrimonial, que se dá por fluxo de riqueza nova que
se acrescenta ao patrimônio pré-existente, por meio de ato oneroso. Como
diz Ricardo Mariz de Oliveira, Constituição e CTN ficaram em um terreno
híbrido em que as teorias clássicas da renda – renda-produto e renda-acréscimo
patrimonial – foram acolhidas16.
Ao mencionar fluxo e uma realidade pré-existente, tem-se de imediato
a idéia de tempo. Com efeito, é inviável discorrer sobre renda sem levar em
consideração um intervalo de tempo que possibilite a comparação do patrimônio
existente em certo momento com o patrimônio de momento posterior. Assim,
para verificar qual foi a renda, analisa-se período passado.
Renda, porém, não é receita. Para obter esta é necessário assumir custos e
despesas, sem os quais a renda não é gerada. Daí que só haverá efetiva tributação

15 Explica Humberto Ávila: “É que o conceito constitucional de renda não será fornecido pelo exame
isolado dos dispositivos que expressa e imediatamente digam respeito à matéria tributária, em
especial ao imposto sobre a renda”. E complementa: “O conjunto de normas pertencentes ao
direito tributário será fornecido, outrossim, pela compreensão sistemática dos dispositivos que
expressa ou implicitamente, imediata ou mediatamente, entrem em contato com os bens jurídicos
restringidos na concretização da relação obrigacional tributária (que envolva o imposto sobre a
renda)” (“Conceito de renda e compensação de prejuízos fiscais”, Malheiros, 2011, p. 14).
16 “Fundamentos do imposto de renda”, Quartier Latin, 2008, p. 200.

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314 - Considerações Gerais sobre a Adaptação da Legislação do...

de renda se for admitida a dedução de custos e despesas necessários para a geração


da renda. Caso isso não seja respeitado, não haverá tributação da renda, mas sim
de um fato distorcido, que termina por alcançar o patrimônio e a receita.
Outra limitação relevante diz respeito à necessidade de configuração da
disponibilidade da renda. Realmente, não basta somente a existência da renda.
Ela deve estar disponível, jurídica ou economicamente, como dispõe o CTN.
A exigência de disponibilidade leva à concepção da realização. Não se tributa
renda potencial, não realizada17. De outro lado, como renda advém da equação
receita diminuída de despesas, também pode gerar distorções a dedução de
despesas meramente potenciais18.
Tal conclusão decorre não só do CTN e do requisito de disponibilidade,
mas também da exigência antes mencionada de caracterização de um fluxo
de riqueza nova que se acrescenta ao patrimônio pré-existente. Não se tributa
patrimônio estático, que apenas se valoriza (de acordo com o que se apura no
mercado). O princípio da segurança jurídica também leva à mesma conclusão:
sem a realização, com a mera valorização de um bem patrimonial, não há certeza
quanto ao valor, o que pode gerar divergências de opinião entre contribuinte
e Administração e, com isso, insegurança.
Mencionamos a segurança jurídica e, sem dúvida, este princípio impõe
severa restrição ao poder discricionário do legislador ordinário para estabelecer
as regras de apuração do lucro tributável, dentro do regime do lucro real. O
sistema tributário como um todo e o imposto sobre a renda demandam regras que

17 Bulhões Pedreira: “Diz-se que determinado bem do ativo da pessoa jurídica contém lucro potencial
quando seu valor no mercado excede o contábil, ou escritural, de modo que a pessoa jurídica tem a
possibilidade de, mediante troca no mercado, obter fluxo de renda que acrescerá a seu patrimônio.
(...) Esse lucro ainda é, todavia, apenas potencial: com modalidade de renda financeira, o lucro
pressupõe (por definição) um fluxo de dinheiro (ou de outros direitos patrimoniais) que acresce
ao patrimônio” (ob. cit., p. 278). Ricardo Mariz de Oliveira segue o mesmo caminho, fazendo
referência à compra de um bem por valor inferior ao que ele efetivamente vale no mercado ou
o caso de um ganho potencial que vai se formando paulatinamente, por meio da valorização do
bem. E afirma: “Assim, somente pela venda e pela aquisição da disponibilidade jurídica sobre o
ganho, embutido no preço de venda, ocorre a realização da renda. E, antes disso, não há o que
tributar” (ob. cit., p. 374).
18 Contudo, a realidade não é feita de separações evidentes, como compartimentos estanques
que não se comunicam um com o outro. Bem diferentemente, a configuração de certo dado de
fato muitas vezes acontece paulatinamente, sem que se possa identificar, com objetividade não
questionável, quando ele se faz presente. Assim, p. ex., pode ser difícil precisar quando uma perda
está caracterizada, deixando de ser meramente potencial (vide as discussões sobre a PDD). Daí
a legislação criar parâmetros.

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garantam um elevado grau de segurança jurídica19. A imprevisibilidade das ações


estatais não condiz com a tributação. Por isso, entendemos não serem admissíveis
normas que, para serem aplicadas no caso concreto, constantemente envolvam
elevado nível de subjetivismo por parte dos responsáveis pela fiscalização.
A exigência de segurança, com o objetivo de proteção do contribuinte,
caminha junto com o princípio implícito da praticabilidade, que interessa mais
diretamente ao Estado e justifica uma série de normas. Explica Misabel Derzi
que toda lei nasce para ser aplicada e imposta, em outras palavras, as normas
devem atender ao imperativo de serem práticas. “Praticabilidade é o nome que se
dá a todos os meios e técnicas utilizáveis com o objetivo de tornar simples e viável a
execução das leis. (...) Todas essas técnicas, se vistas sob o ângulo da praticabilidade,
têm como objetivo: evitar a investigação exaustiva do caso isolado, com o que se
reduzem os custos na aplicação da lei; (...)”20.
As normas de apuração do lucro tributável devem, portanto, propiciar a
segurança, protegendo o contribuinte, e atender a praticabilidade, de modo a
impedir que a complexidade exagerada acarrete custos excessivos ao Estado
na atividade arrecadatória e facilite a fuga do ônus tributário por contribuintes
mal-intencionados.
Percebe-se que a elaboração das normas de apuração do lucro tributável
é atividade de grande complexidade: não só o tema já é, por si, difícil, como há
igualmente a obrigação de atender e concretizar princípios e regras gerais que
apontam para caminhos às vezes divergentes entre si.
Por fim, ao lado dessas diversas limitações ao poder discricionário do
legislador, convém apontar uma característica relacionada à atividade de
tributação. É o contribuinte quem realiza a atividade econômica, detém
diretamente as informações das operações realizadas e de seus resultados e,
portanto, tem condições de em primeira mão apurar o resultado tributável
segundo as normas fiscais. Isto se dá com o regime de lançamento por
homologação. À medida que se reserva aos contribuintes mais exigências para
a apuração dos tributos devidos, deve-se também dar-lhes mais garantias de

19 O grau exato de segurança jurídica é decisão que cabe ao legislador, novamente dentro de sua
discricionariedade. É certo, porém, que a exigência de segurança é maior no direito tributário
(assim como no penal) do que em outras áreas do direito.
20 “Direito tributário, direito penal e tipo”, 2ª ed., RT, 2007, pp. 138-139.

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316 - Considerações Gerais sobre a Adaptação da Legislação do...

normas claras, estáveis, não submetidas a subjetivismos que podem significar a


impugnação ao tratamento adotado pelo contribuinte, submetendo-o a maior
tributação, acompanhada de punição e de juros.
Além disso, deve-se ter em vista que o contribuinte tem, em geral, interesse
de pagar a menor quantidade possível de tributos. Já quem está envolvido na
elaboração das normas fiscais, na fiscalização de sua aplicação e na constituição
do crédito tributário definitivo é a Administração Fiscal e seus agentes, que
têm, em geral, interesse de arrecadar a maior quantidade possível de tributos.
Tem-se, então, um cenário de possível choque/disputa entre os dois personagens
da relação jurídica. Não há um interesse convergente ou múltiplos interesses
distintos. Há, geralmente, apenas dois interesses contrapostos: um de apurar
o menor resultado, para com isso recolher menos tributos, e outro de apurar o
maior resultado, ocasionando um aumento de arrecadação.
Essa característica específica da relação tributária não pode ser esquecida
na presente análise. Entre outros efeitos ela também leva à conclusão de
inviabilidade de normas que envolvam constante e elevado nível de subjetivismo.
Ao final, temos que, embora as normas de apuração do lucro tributável
tenham a missão de apontar a riqueza gerada em uma sociedade, isso é feito
tendo em vista certos princípios, sofrendo restrições de algumas limitações e
levando em consideração as condições de fato da relação tributária. Analisemos
agora, rapidamente, os parâmetros gerais que inspiram a nova contabilidade.

III – Considerações gerais sobre a chamada nova


contabilidade
Como dito logo no início, a contabilidade tem passado por uma verdadeira
revolução. Isso é particularmente verdade em países de sistema jurídico romano-
germânico, com feições mais formais, que afetavam a contabilidade, e no Brasil,
onde ela contava com relevante interferência das normas tributárias21.

21 “Além do significativo atraso em relação às mais avançadas práticas contábeis observadas no


mundo, a ciência contábil desenvolvida no Brasil sempre sofreu forte influência dos limites e
critérios impostos pela legislação fiscal, principalmente a legislação do Imposto de Renda das
Pessoas Jurídicas. É verdade que tal influência proporcionou importantes avanços em matéria
contábil, mas também dificultou a aplicação correta de alguns dos princípios fundamentais da
contabilidade” (Carlos H. Tranjan Bechara e Bruno A. Baiocchi, “O tratamento tributário das
operações de arrendamento mercantil à luz das alterações promovidas pelas Leis nºs 11.638/2007

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A chamada nova contabilidade procura se estabelecer como um conjunto


de parâmetros e regras de caráter global, que não variam de país para país,
e calcada, fundamentalmente, na visão econômica dos fatos, transações e
resultados. Não se trata, assim, de registrar tais elementos em função de sua
natureza jurídica. Tanto é assim que pode mesmo ocorrer que certos direitos
não sejam caracterizados como ativos para a contabilidade e, inversamente,
outros direitos, que não garantam a propriedade jurídica de bens, venham a ser
registrados no ativo da sociedade, caso ela os controle e deles adquira benefícios
econômicos (caso sempre lembrado do leasing)22.
Trata-se da chamada “prevalência da substância sobre a forma”, tida por
Sérgio de Iudícibus como a “primeira raiz profunda” da contabilidade23. O CPC
– Comitê de Pronunciamentos Contábeis assim explica essa característica da
contabilidade no Pronunciamento Conceitual Básico (Delib. CVM 539/2008):

e 11.941/09”, in “Direito tributário, societário e a reforma da Lei das S/A – vol. II”, coord. Sergio
André Rocha, 2010, p. 77). A existência de aspectos positivos e negativos da influência das regras
fiscais na apuração contábil é reconhecida também pelos respeitados autores do “Manual de
contabilidade societária”, Sérgio de Iudícibus, Eliseu Martins, Ernesto Rubens Gelbeck e Ariovaldo
dos Santos, da FIPECAFI: “A contabilidade sempre foi muito influenciada pelos limites e critérios
fiscais, particularmente os da legislação do Imposto de Renda. Esse fato, ao mesmo tempo em que
trouxe à Contabilidade algumas contribuições importantes e de bons efeitos, limitou à evolução
dos Princípios Fundamentais de Contabilidade ou, ao menos, dificultou a adoção prática de
princípios contábeis adequados, já que a Contabilidade era feita pela maioria das empresas
com base nos preceitos e formas de legislação fiscal, a qual nem sempre se baseava em critérios
contábeis corretos” (Atlas, 2010, p. 1). E não se trata de algo restrito ao Brasil. Eldon S. Hendriksen
e Michael F. Van Breda fazem comentário semelhante: “Isto não quer dizer que as várias leis
de imposto não tenham exercido um impacto significativo sobre a prática da contabilidade em
muitas áreas. Foram importantes para colocar a prática contábil média no nível das melhores
empresas de sua época. Isto produziu um aperfeiçoamento das práticas gerais de contabilidade
e ajudou a preservar uniformidade” (“Teoria da contabilidade”, trad. da 5ª ed. americana, Atlas,
1999, p. 23). Por fim, vale fazer referência também ao português Saldanha Sanches: “O Código
do IRC não se limita à sua função primordial, que é a de regular o balanço fiscal. Preenchendo
o vazio existente no ordenamento jurídico português no campo do Direito do Balanço, contém
normas gerais tão importantes para a quantificação do patrimônio das sociedades comerciais
como para a determinação – e é este o objectivo central do IRC – do lucro tributável” (“Do plano
oficial de contabilidade aos IAS/IFRS”, in “O direito do balanço e as normas internacionais de
relato financeiro”, org. Francisco de Souza Câmara et alii, Coinbra Editora, 2007, p. 61). Se tal
influência foi importante historicamente, porém, é certo ser recomendável a maior separação entre
contabilidade societária e contabilidade fiscal objetivada pela Lei nº 11.638/2007.
22 Daí a definição de ativo, dado pelo Pronunciamento Conceitual Básico (Delib. CVM 539/08) do
CPC: “Ativo é um recurso controlado pela entidade como resultado de eventos passados e do
qual se espera que resultem futuros benefícios econômicos para a entidade”. Note que o ponto
fulcral da definição não se pauta em critérios jurídicos.
23 “Essência sobre a forma e valor justo: duas faces da mesma moeda”, in “Controvérsias jurídico-
contábeis – Aproximações e distanciamentos”, coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro
Broedel Lopes, Dialética, 2010, p. 465.

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318 - Considerações Gerais sobre a Adaptação da Legislação do...

“Para que a informação represente adequadamente as transações e outros eventos que ela
se propõe a representar, é necessário que essas transações e eventos sejam contabilizados
e apresentados de acordo com a sua substância e realidade econômica, e não meramente
sua forma legal. A essência das transações ou outros eventos nem sempre é consistente
com o que aparenta ser com base na sua forma legal ou artificialmente produzida”.
A contabilidade, então, não se ampara em critérios jurídicos, sempre
mais objetivos, mas, sim, em critérios econômicos, de maior subjetividade e
imprecisão24. Trata-se de opção, não certa ou errada, mas adequada ou não
para os fins visados. Acredita-se que os usuários das informações contábeis
(investidores atuais e potenciais, empregados, bancos e eventuais credores de
empréstimos, fornecedores, clientes, governo e público em geral) têm uma
maior necessidade de informações que reflitam não tanto a situação patrimonial
jurídica da sociedade, mas sim sua situação econômica efetiva.
Daí a imposição de critérios de forte caráter subjetivo, como valor justo,
valor em uso, “impairment” e outros. Isso traz certo grau de inexatidão aos
registros contábeis, mas não se deve confundir subjetivismo com arbitrariedade.
Daí Sérgio de Iudícibus falar de um “subjetivismo responsável”25.
Esse maior nível de subjetivismo é obviamente acompanhado de maior
atenção às situações específicas de cada empresa. Cada caso deve ser analisado
em função de suas características particulares, com o objetivo de identificar a
realidade econômico-empresarial individual.
Entende-se com isso porque a nova contabilidade é pautada muito mais
em princípios do que em regras. Estas são mais objetivas e determinadas,
padronizam o tratamento, sem dar tanta margem à situação individual, que os
princípios propiciam. Não que não existam regras, elas existem, mas devem
se limitar fortemente a ser uma forma para aplicar princípios. Desse modo, as
normas contábeis atuais podem até ser “(...) razoavelmente detalhadas mas não

24 Óbvio que não falamos em termos absolutos: nem há total objetividade nos critérios jurídicos,
nem total subjetividade de critérios econômicos. Trata-se, sim, de uma tendência maior ou menor
em um ou em outro sentido.
25 “Subjetivismo responsável é a faceta moderna da objetividade tradicional, às vezes por demais
apegada à forma, aos documentos comprobatórios e ao que é tangível. (...) significa desvendar
a incerteza naquela parcela que se apresenta como risco calculável, utilizando as técnicas
de previsão, quantitativas e de análise mais avançadas. No fundo, saber usar o subjetivismo
responsável é tudo que se requer de um contador moderno, principalmente na ótica da nova
Contabilidade brasileira, atrelada à internacional” (ob. cit., p. 466).

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têm necessariamente resposta para todas as dúvidas. Preocupam-se muito mais em


dar a filosofia, os princípios básicos a serem seguidos pelo raciocínio contábil. Apesar
de que, na prática, esse balanceamento entre princípio e regrinha seja muito difícil,
essa é a filosofia básica do IASB (às vezes, é claro, com alguma tendência a cair um
pouco mais para um lado do que para outro)”26.
Tais premissas abstratas afetam decisivamente a atividade concreta. O
contador, nessa nova contabilidade, não deve guiar-se apenas no que está escrito
em um contrato, sem maior reflexão ou questionamento. Ele deve, tal qual ocorre
nos países de tradição anglo-americana, interpretar o contrato para concluir
qual seria a realidade econômico-empresarial e registrá-la. Em muitas situações
não deve existir maior dificuldade. Ocorre que há transações complexas, nas
quais são usados instrumentos jurídicos com finalidades e efeitos econômicos
que não se apresentam imediatamente evidentes.
Outro ponto a ser destacado sobre a nova contabilidade é sua visão
mais prospectiva. Explica Nelson Carvalho: “Por décadas, se não séculos,
foi difundida a falsa percepção de que demonstrações financeiras são ‘retratos
do passado’. Foram por longos anos entendidas – e usadas – como elementos
fornecedores de visões retrospectivas: quanto vendemos, quanto tínhamos, quando
devíamos, quanto lucramos. Embora jamais se possa negar um papel não trivial
da informação de caráter histórico, pretérito, não é este o seu único destino nem,
eventualmente, sua missão mais nobre. (...) Visões mais contemporâneas do
objetivo das demonstrações financeiras já dão conta de um consenso, entre os
iniciados em finanças corporativas e Direito Societário, de que demonstrações
financeiras são excelentes ferramentas para visões prospectivas da atividade
empresarial, sobre seu futuro”27.
Esse rápido panorama da chamada nova contabilidade e de algumas de
suas características gerais já aponta para algumas diferenças com a apuração
fiscal. Iremos, agora, procurar evidenciar essas distinções gerais entre ambas.

26 Sérgio de Iudícibus et alii, “Manual de contabilidade societária”, Atlas, 2010, p. 21.


27 “Essência X forma na contabilidade”, in “Controvérsias jurídico-contábeis – Aproximações e
distanciamentos”, coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes, Dialética,
2010, pp. 371-372. No mesmo sentido, Alexsandro Broedel Lopes e Roberto Quiroga Mosquera:
“O papel da contabilidade então, dentro dessa visão, consiste em fornecer informações para que
os usuários possam inferir os fluxos de caixa futuros das atividades das empresas analisadas. Ou
seja, a informação tem uma função eminentemente preditiva” (ob. cit., p. 74).

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320 - Considerações Gerais sobre a Adaptação da Legislação do...

IV – Diferenças iniciais entre a apuração fiscal e a


apuração contábil
É inegável que a apuração fiscal e a apuração contábil têm grandes
proximidades. Ambas partem do mesmo substrato: as operações econômico-
empresariais, que são realizadas por meio de atos jurídicos. Podem ser vistas
igualmente como técnicas que permitem o registro de fatos ocorridos no mundo
real. Procuram, assim, como que fazer um retrato de tais fatos, de modo a criar
um meio, indireto, de tomar conhecimento da realidade representada: sem ter
contato direto com os fatos do mundo real ocorridos, podemos conhecê-los
por intermédio do registro deles28. Além disso, apuração contábil e apuração
fiscal têm como objetivo, ao menos parcial, apontar os resultados gerados pela
empresa ou entidade econômica.
Isso as aproxima e justificava a adoção do modelo de dependência parcial
do lucro fiscal em relação ao lucro contábil, dentro dos três modelos explicados
por José Casalta Nabais, antes visto.
Contudo, já deve ter ficado perceptível, as diferenças são relevantes e
aumentaram a partir das grandes alterações desencadeadas pela Lei nº 11.638/2007.
A apuração do lucro tributável parte de um conceito – ainda que vago,
não delimitado com precisão – de renda estabelecido pela Constituição
Federal e pelo CTN. Há também limitações de variados gêneros que cerceiam
a liberdade de estabelecer parâmetros e regras. A atividade de tributação
demanda, igualmente, um nível de segurança e certeza elevados. A própria
técnica jurídica, de separar competências, estabelecer princípios e regras que
atuam como limitações ao poder de tributar (tais como legalidade, igualdade,
irretroatividade, anterioridade, proibição de confisco, capacidade contributiva),
aponta nesse sentido. A exigência de segurança e certeza requer normas que
tendem para a objetividade e a padronização29. Esta última se impõe também

28 Diz Bulhões Pedreira: “Demonstrações financeiras são quadros elaborados com base em
escrituração mercantil e acompanhados de notas explicativas que apresentam, de modo resumido
e com disposição que facilita sua compreensão, informações quantificadas sobre o patrimônio da
companhia. Esses quadros são designados demonstrações porque revelam, ou dão a conhecer,
aspectos do patrimônio, e são financeiros porque fornecem informações sobre as finanças da
companhia” (“Finanças e demonstrações financeiras da companhia”, Forense, 1989, p. 627).
29 Convém insistir que não há objetividade absoluta nas normas tributárias (assim como não há
subjetividade absoluta nas normas contábeis, o que seria sinônimo para arbitrariedade). Há,

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devido à praticabilidade. Pode-se mesmo afirmar que a exigência de normas


objetivas e padronizadas na apuração se impõe por duas distintas razões,
conforme o lado da relação jurídico-tributária que se destaca: do lado do
contribuinte, tal exigência deriva da necessidade de segurança e certeza, do
lado do Poder Público, ela deriva da praticabilidade.
A carência de segurança, certeza e objetividade leva a que a apuração do
lucro tributável busque maior amparo na substância das operações jurídicas,
não tanto na essência econômica dessas operações30. Identificar qual foi a
transação jurídica e qual o resultado jurídico é menos sujeito a divergências
do que desvendar a essência e o resultado econômicos. No mesmo sentido a
exigência expressa de disponibilidade (com a decorrente realização).
Além disso, a apuração do lucro fiscal limita-se ao foco retrospectivo.
Olha-se o passado, para identificar qual o resultado foi obtido, sem se importar
com expectativas futuras.
A apuração contábil é distinta, como procuramos demonstrar no tópico
anterior. Seu objetivo é econômico-financeiro, é retratar com a maior fidelidade
possível a situação econômico-financeira individualizada da empresa. Isso não
dá espaço para padronizações e a praticabilidade tem importância reduzida.
Segurança, certeza e objetividade não são preocupações de primeiro nível,
existem tão-somente para garantir parâmetros para a referida fidelidade à
situação econômico-financeira. Esses três requisitos da apuração do resultado
tributável cedem espaço para a subjetividade.
Logo, nessa seara o foco excessivo na identificação da transação e do
resultado jurídico evitaria o alcance dos objetivos. A primazia é da substância
econômica. Por isso, não basta analisar contratos, é necessário fazer isso tendo
em vista sobretudo os resultados econômico-financeiros.

sim, um nível de objetividade superior. Todavia, ela é alvo de disputas constantes, seja em
discussões teóricas e abstratas, seja em casos concretos. O tema de planejamento fiscal é excelente
exemplo disso. Aqueles que anseiam por maior poder para Administração Fiscal controlar atos
elisivos defendem normas de maior conteúdo subjetivo, enquanto aqueles que acreditam que as
normas superiores garantem maior liberdade aos contribuintes pregam a objetividade das normas.
Em casos concretos não é diferente, a depender da situação, pode-se flagrar Administração Fiscal
e contribuintes ora sustentando a objetividade na interpretação das normas, ora a subjetividade,
conforme a situação em que estejam.
30 Maior ou menor amparo é sempre uma idéia relativa, no caso, em comparação com a nova
contabilidade.

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322 - Considerações Gerais sobre a Adaptação da Legislação do...

Essa primazia chega até mesmo ao ponto de tentar identificar o impacto


econômico-financeiro atual de obrigações futuras. Não importa que a obrigação
jurídica seja de um valor preciso. Se a data do pagamento for um futuro um pouco
mais distante, a ponto de o impacto econômico-financeiro real e atual não ser
o do valor preciso, tal fato deve ser retratado na apuração contábil, trazendo-se
a dívida ao valor presente. Nota-se igualmente a relevância inferior de outro
requisito caro à tributação: mesmo sem disponibilidade (econômica ou jurídica)
alguns fatos econômico-financeiros devem ser reconhecidos.
Esse exemplo dá mostra que a apuração contábil tem a visão prospectiva a
que nos referimos antes, algo bem diverso do que acontece na esfera tributária.
Por fim, a tendência é que as regras contábeis sejam mais e mais
estabelecidas por órgãos com ao menos certa independência e não pelo Estado.
Isto afasta a garantia do trâmite de aprovação de normas por representantes
da sociedade. É inevitável o questionamento se seria aceitável que tais normas
afetem de modo mais ou menos direto a base de cálculo de tributos. Essa
questão não é objeto de debate apenas no Brasil, mas também em outros países,
como Portugal31.
Isso tudo atesta diferenças que não podem ser desprezadas.
Pode, assim, ser adiantada uma conclusão inicial – que será reforçada
com as considerações a serem feitas em seguida – sobre a questão se seria

31 “A utilização das normas internacionais de contabilidade como ponto de partida para a


determinação do lucro tributável em IRC levanta ainda uma outra questão ao nível dos princípios.
Com efeito, aquelas normas são, na sua origem, emitidas por uma entidade privada, o International
Accouting Standards Board, enquanto os elementos essenciais dos impostos estão, no caso
português, sujeitos ao princípio da legalidade. É suficiente, para estes efeitos, que o Código do
IRC, um decreto-lei baseado numa autorização legislativa adequada, remeta para a normalização
contabilística aplicável, deixando ao critério de outro legislador (o da normalização contabilística)
a determinação da origem legal dessa normalização contabilística? A normalização contabilística
não está, por exemplo, sujeita à reserva de lei da Assembleia da República, enquanto os elementos
essenciais dos impostos estão.
(...)
A informação que se pretende possa ser retirada das contas pelos respectivos utentes é compatível
com a discricionariedade que é atribuída às empresas em diversas questões relevantes. (...)
No entanto, esta discricionariedade poderá ser incompatível com a certeza que tem que estar
subjacente às regras de determinação do lucro tributável. Por outro lado, poderá igualmente
prejudicar o princípio da igualdade dos contribuintes, na medida em que a discricionariedade
que lhes é atribuída redunde em opções diferentes.” (Mauro Duro Teixeira e Alexandre Almeida,
“O impacto fiscal da adoção das normas internacionais de contabilidade no sector financeiro”, in
“O direito do balanço e as normas internacionais de relato financeiro”, org. Francisco de Souza
Câmara et alii, Coinbra Editora, 2007, pp. 229-230).

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adequado ou aceitável adotar inteiramente a apuração contábil vigente após a


Lei nº 11.638/2007 na apuração do lucro tributável. Somos de opinião que não,
pelas razões já expostas. São duas esferas separadas, que tem objetivos apenas
parcialmente semelhantes, com premissas que não se confundem, sendo que a
apuração do lucro tributável deve ser guiada por normas superiores, às quais a
apuração contábil não se submete.
O dilema maior diz respeito à definição sobre a necessidade de uma total
separação entre ambas, adotando-se o modelo de autonomia, ou se seria viável
persistir com o modelo de dependência parcial.
Acreditamos que as diferenças entre os dois sistemas de apuração
tornaram-se muito relevantes e não é mais aconselhável a utilização do
modelo de dependência parcial. Além disso, adotar a dependência parcial e
tentar expurgar da apuração contábil, para fins da apuração fiscal, os efeitos
de certos tratamentos contábeis agregariam um nível de complexidade
demasiadamente alto. Entendemos que seria mais simples (para contribuintes
e para a Administração Fiscal) manter apurações separadas.
Essa escolha é mais adequada não só por interesse fiscal, mas também por
interesse contábil-societário32. Com efeito, à medida que se dá maior interação
entre as esferas contábil e fiscal, podem ocorrer (tal como aconteceu após a Lei
nº 6.404/76) interferências de normas fiscais na apuração contábil. Isso não é
desejável, pois tem o potencial de deturpar tal apuração e malograr os objetivos
da Lei nº 11.638/2007 e todo o trabalho feito até agora33. Logo, a questão sobre

32 Eldon S. Hendriksen e Michael F. Van Breda assim se expressam sobre esse ponto: “Quando
exploramos as origens teóricas da contabilidade fiscal, descobrimos rapidamente que os objetivos
da contabilidade fiscal são muito distintos dos objetivos de divulgação de dados financeiros. O
IRS não está tão interessado em medir o lucro de uma empresa quanto em determinar a base para
fins de tributação. Em conseqüência, as conclusões da contabilidade fiscal são irrelevantes, para
nossos fins.” (ob. cit., p. 23).
33 “Essa independência da Contabilidade em relação à tributação é essencial ao processo de
convergência às normas internacionais de contabilidade. (...) Ou seja, a chamada neutralidade
fiscal é uma condição para o processo de convergência. As normas fiscais não podem interferir
na contabilidade se quisermos um padrão contábil internacional único” (Alexsandro Broedel
Lopes e Roberto Quiroga Mosquera, ob. cit., p. 80). Igualmente: “Do ponto de vista tributário, há
margem de licitude para a utilização dos conceitos intermediários fiscais quando se der renúncia
fiscal. Mas, sob a perspectiva societária, a obrigatoriedade de seu uso é prejudicial em termos
de reconhecimento, mensuração e evidenciação dos fenômenos econômicos interpretados pela
Contabilidade, trazendo prejuízos aos usuários das demonstrações financeiras. Fenômeno que o
legislador, enfim, não deve ignorar” (Alexandre S. Pacheco, “O uso de conceitos intermediários
contábeis, jurídicos e fiscais em matéria tributária”, in “Controvérsias jurídico-contábeis –
Aproximações e distanciamentos”, coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel
Lopes, Dialética, 2010, p. 50).

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324 - Considerações Gerais sobre a Adaptação da Legislação do...

efeitos fiscais da nova contabilidade não interessa apenas àqueles que analisam o
tema sob a ótica tributária, mas também aos que se detêm sob a ótica contábil.
Contudo, não se trata de uma imposição, mas, sim, de uma escolha entre
opções possíveis. Como dissemos, a escolha do modelo de relação da apuração
do lucro tributável com a apuração contábil está no poder discricionário do
legislador. Este pode optar por manter o modelo de dependência parcial.
Todavia, se o fizer, deverá ter cuidado acentuado na adoção do tratamento
contábil para a apuração fiscal e garantir o respeito às normas jurídicas
superiores de apuração do lucro tributável. Inevitavelmente, haverá maior grau
de separação entre lucro tributável e lucro contábil, com acréscimo de trabalho
e complexidade para realizar as adaptações necessárias.
Independentemente dessa conclusão, é pertinente analisar alguns dos
pontos da nova sistemática contábil, para verificar sua adequação à apuração
do lucro tributável.

V – A primazia da substância sobre a forma


Já fizemos breve referência à chamada “primazia da substância sobre a
forma”, que deve guiar a nova contabilidade. Não se trata de algo novo, porém.
A Deliberação 29/86, da CVM (revogada), que referendou pronunciamento do
IBRACON sobre a Estrutura Conceitual Básica da Contabilidade, já dispunha
sobre o tema34. Não há dúvida, contudo, de que tal característica passou a ser
muito mais forte a partir da Lei nº 11.638/2007. Daí as palavras do Prof. Sérgio
de Iudícibus: “A prevalência da essência sobre a forma é, certamente, a principal
raiz que nutre e sustenta toda a árvore contábil”35. Também já se disse que essa
é a característica mais importante (ou, até mesmo, que é a única importante)
da nova contabilidade.
Não há dúvida, então, da relevância do tema para o presente estudo: seria
possível ou conveniente acolher tal característica na apuração do lucro tributável?

34 “A contabilidade possui um grande relacionamento com os aspectos jurídicos que cercam o


patrimônio, mas, não raro, a forma jurídica pode deixar de retratar a essência econômica. Nessas
situações, deve a Contabilidade guiar-se pelos seus objetivos de bem informar, seguindo, se for
necessário para tanto, a essência ao invés da forma. (...) Essas características de evidenciação ou
de divulgação (disclosure) e de prevalência da essência sobre a forma cada vez mais se firmam
como próprias da Contabilidade, dados seus objetivos específicos.”
35 Ob. cit., p. 466.

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Antes de responder a essa questão convém esmiuçar melhor o tema e atentar


para suas consequências.
Inicialmente, a expressão “primazia (ou prevalência) da substância (ou
essência) sobre a forma” não nos parece exata. Na verdade, o que se quer dizer
é primazia/prevalência da substância/essência econômica sobre a substância/
essência jurídica. Com efeito, não se trata de mero embate de substância sobre
forma, mas sim da comparação e decisão sobre duas essências distintas, já que
pertencentes a dois campos práticos e de conhecimento distintos.
João Francisco Bianco é preciso ao tratar deste ponto, comentando o item
35 do atual Pronunciamento Conceitual Básico (Delib. CVM 539/2008): “Assim
sendo, o que na contabilidade é chamado de princípio da ‘primazia da substância
sobre a forma’ poderia ser mais bem definido como sendo o princípio da ‘primazia da
substância econômica sobre a natureza jurídica do negócio realizado’”36.
Tal ponto passa despercebido em diversos estudos, talvez em parte por
falta de precisão, mas não só. Acreditamos fazer parte do compreensível
esforço de ressaltar a importância e independência da nova contabilidade,
frente ao direito e às normas tributárias. Infelizmente, porém, e talvez
inconscientemente, procura-se fazer isso por meio da tentativa de reduzir
o direito e as transações jurídicas a uma mera forma destituída de qualquer
substância ou, ainda pior, a algo artificial.

36 “Aparência econômica e natureza jurídica”, in “Controvérsias jurídico-contábeis – Aproximações e


distanciamentos”, coord. Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes, Dialética, 2010,
p. 176. Imediatamente antes, o autor critica acertadamente a falta de precisão do Pronunciamento
Conceitual Básico, que discorre sobre a retrovenda, para determinar que ela seja registrada
contabilmente como uma espécie de financiamento: “Em linguagem técnica, portanto, o que o
autor do texto quis dizer é que, do ponto de vista econômico, a retrovenda é, na sua essência,
uma espécie de financiamento. E para a contabilidade, os negócios jurídicos realizados devem
ser registrados nos livros contábeis de acordo com a sua essência econômica e não em função
da sua natureza jurídica”. Ricardo Mariz de Oliveira tem a mesma opinião: “Em contabilidade, a
essência econômica prevalece sobre a forma, afirmação que se traduz mais detalhadamente do
seguinte modo: o que interessa é o sentido ou efeito econômico que deriva de um ato, e não o
tratamento jurídico que a lei dá ao mesmo. A essência, portanto, é o dado econômico subjacente
ao negócio, e a forma é a estrutura jurídica do negócio. (...) Em suma, conceitualmente, embora
não devessem divergir, a essência para o contador pode não coincidir com a substância para
o jurista, (...)” (“A tributação da renda e sua relação com os princípios contábeis geralmente
aceitos”, in “Controvérsias jurídico-contábeis – Aproximações e distanciamentos”, coord. Roberto
Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes, Dialética, 2010, p. 401 e 408). Em sentido
semelhante: Luciana Rosanova Galhardo e Jorge Ney de Figueirêdo Lopes Junior, “As novas normas
contábeis e a amortização fiscal de ágio”, in “Controvérsias jurídico-contábeis – Aproximações
e distanciamentos”, p. 218).

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326 - Considerações Gerais sobre a Adaptação da Legislação do...

Isso pode ser notado no próprio Pronunciamento Conceitual Básico,


ao dispor: “A essência das transações ou outros eventos nem sempre é consistente
com o que aparenta ser com base na sua forma legal ou artificialmente produzida”
(destacamos). O “Manual de contabilidade societária”, de autoria de alguns
dos mais renomados professores de contabilidade do País, também incorre na
mesma imprecisão, ao usar como exemplo a compra e venda com aluguel e
retrovenda, e propor que se verifique “o que está ocorrendo, na verdade”, para que
o registro contábil identifique “bem a realidade da operação”37. Nota-se, assim,
uma tentativa de reduzir a substância jurídica a uma mera forma, quando
não a algo artificial, e que a contabilidade estaria desvendando não a essência
econômica, mas sim a realidade e a verdade puras.
Tal visão é deturpada: é certo que muitas vezes o ato jurídico requer
uma forma específica, pode ocorrer também que a identificação do ato
jurídico seja facilitada por sua forma. Entretanto, reduzir o ato jurídico a
mera forma é incorreto.
Os atos jurídicos têm também uma essência, substância ou natureza
jurídica. É essa essência que, na nova contabilidade, é suplantada (ou pode ser
suplantada) pela essência econômica.
É verdade que podem ocorrer situações em que há mera forma, destituída de
substância jurídica, caracterizando artificialismo. Trata-se de outra hipótese, que
pode caracterizar simulação. Em tais casos, seja com a contabilidade vigente antes
da Lei nº 11.638/2007, seja na vigente após tal Lei, não deveria ser registrado o
ato jurídico simulado. Assim é não somente por conta da primazia da substância
econômica sobre a natureza jurídica, mas, também, por conta de a verdadeira
substância jurídica não ser aquela declarada pelas partes.
É curioso observar que aqueles que sustentam a conveniência de adotar
a primazia da substância sobre a forma (sem explicitar que na verdade se trata
de primazia da substância econômica sobre a substância jurídica) trazem como
argumento a maior facilidade de o Poder Público defender-se da simulação e
da elisão fiscal. Acreditamos ser um equívoco de foco.
Além de as regras contábeis anteriores não autorizarem o registro de
atos simulados, deve-se ter presente que aquele que pratica um ato simulado

37 Ob. cit., p. 21.

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Jimir Doniak Jr. - 327

provavelmente não terá escrúpulos em realizar um registro contábil incorreto,


mesmo com as novas regras. Logo, o princípio contábil em questão pouca
contribuição daria para combater atos simulados.
O equívoco permanece quando se defende a aplicação do princípio contábil
para combater atos elisivos. Concordamos que, com a nova contabilidade,
negócios jurídicos indiretos38, praticados com fins exclusivamente tributários,
ficam mais evidenciados, já que o registro contábil seguiria a substância
econômica, que poderia ser distante dos atos jurídicos praticados39. Também
concordamos que, caso adotado para fins fiscais a primazia da substância
econômica sobre a substância jurídica, os negócios indiretos (ou ao menos boa
parte deles) tornar-se-iam inoponíveis à Administração Fiscal.
Ocorre que é um equívoco limitar os possíveis efeitos da adoção de tal
característica contábil na apuração fiscal a um instrumento de combate à elisão fiscal.
Como visto, a chamada primazia da substância sobre a forma é a principal
raiz profunda, que nutre e sustenta toda a árvore contábil. É em razão dessa
primazia que a nova contabilidade leva em consideração principalmente a
realidade econômico-empresarial, amparando-se em critérios econômicos,
mais subjetivos e imprecisos. Também decorre dela à atenção às situações
individualizadas de cada empresa, sendo muito reduzidas as hipóteses de
generalização e padronização. Como uma árvore que se desdobra em mais
ramos, mas tendo sempre como fundamento sua raiz, igualmente deriva da
primazia da substância econômica a maior relevância dos princípios, em
detrimento das regras, o que contribui para mais imprecisão e subjetivismo. Até
mesma a visão prospectiva tem relação com esse princípio mais fundamental
da contabilidade, pois a primazia dos atos jurídicos, contrariamente, impõe o
exame do passado, daquilo que foi constituído, sem se importar com o futuro.

38 O presente estudo não é o local para discutir a admissibilidade de negócios jurídicos indiretos
com fins exclusivamente tributários, a caracterização de abuso de direito e fraude à lei no campo
tributário e a viabilidade de sua desconsideração pela Administração Fiscal. Com o objetivo de
simplificar, fazemos referência, neste estudo, apenas a negócios indiretos.
39 Ricardo Mariz de Oliveira também observa este ponto: “Esta dissidência também pode se manifestar
(com quase certeza vai se manifestar) perante um negócio jurídico indireto, ou melhor, a prática de
um negócio jurídico indireto muito provavelmente vá colocar o encarregado da contabilidade da
empresa contratante na posição de ter que ignorar o que a empresa contratou, como no clássico
exemplo do emprego adequado de um contrato de compra e venda com pacto de retrovenda,
que as partes tenham contraído validamente (porque sem simulação ou qualquer outra infração
legal) em substituição a um contrato de mútuo com garantia real” (ob. cit., pp. 408-409).

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Entendemos não ser cabível pretender a aplicação da primazia da


substância econômica sobre a substância jurídica, na apuração fiscal, sem
reconhecer que esses outros efeitos igualmente estariam presentes. Desejar o
princípio fundamental, mas não suas derivações, é um equívoco.
Afora isso, se a intenção é garantir proteção do Poder Público contra o
planejamento fiscal, é mais apropriada uma norma anti-elisão. Adotar a primazia
da substância econômica tem alcance muito maior, difícil de precisar, e com
inconvenientes que não podem ser ignorados.
Por todas essas razões, concluímos ser condenável o acolhimento do
princípio contábil da primazia da substância econômica sobre a substância
jurídica para fins de apuração do lucro tributável.

VI – Teste de “impairment” – Valor recuperável de ativos


O § 3º do artigo 183 da Lei 6.404/76, após as alterações das Leis nºs
11.638/2007 e 11.941/2009, passou a estabelecer:
“§ 3oºA companhia deverá efetuar, periodicamente, análise sobre a recuperação
dos valores registrados no imobilizado e no intangível, a fim de que sejam:
I – registradas as perdas de valor do capital aplicado quando houver
decisão de interromper os empreendimentos ou atividades a que
se destinavam ou quando comprovado que não poderão produzir
resultados suficientes para recuperação desse valor; ou 
II – revisados e ajustados os critérios utilizados para determinação da vida útil
econômica estimada e para cálculo da depreciação, exaustão e amortização.”
Esse dispositivo deu origem ao chamado teste de “impairment”,
consistente na verificação se certos ativos40 estão registrados contabilmente
pelo seu “valor recuperável”.
O tema foi regulado no Pronunciamento Técnico 01 do CPC, aprovado
pela Deliberação CVM nº 639/2010. O primeiro item estabelece seu objetivo:
“O objetivo deste Pronunciamento Técnico é estabelecer procedimentos que a entidade
deve aplicar para assegurar que seus ativos estejam registrados contabilmente por valor

40 O Pronunciamento Técnico CPC 01 prevê quais ativos não estão submetidos à sistemática em
questão.

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que não exceda seus valores de recuperação. Um ativo está registrado contabilmente por
valor que excede seu valor de recuperação se o seu valor contábil exceder o montante a
ser recuperado pelo uso ou pela venda do ativo. Se esse for o caso, o ativo é caracterizado
como sujeito ao reconhecimento de perdas, e o Pronunciamento Técnico requer que a
entidade reconheça um ajuste para perdas por desvalorização. O Pronunciamento
Técnico também especifica quando a entidade deve reverter um ajuste para perdas por
desvalorização e estabelece as divulgações requeridas”.
A premissa do teste de “impairment” e do “valor recuperável” é de que a
entidade, cujos ativos são contabilizados, tem o objetivo final de gerar receitas,
de tal modo que todo ativo é relevante na medida em que igualmente seja
capaz de gerar tais receitas, sendo possível, dessa forma, recuperar o custo
envolvido na sua aquisição. Não é exato, portanto, manter ativos por valor
superior àquele passível de recuperação.
Nota-se não só a concordância de tal tratamento com os parâmetros
fundamentais da nova contabilidade, como também a decorrência lógica deles:
as transações, os eventos e os bens devem ser registrados por sua substância
econômica e um ativo, para uma entidade empresarial, só tem valor enquanto
for possível ao menos recuperar seu valor de alguma forma. Assim, se um ativo
tiver sido adquirido ou estiver registrado por uma quantia superior ao seu valor
recuperável, isso deve ser acusado, diminuindo-se o valor do bem. No entanto,
isso é feito – mantendo-se a característica da prudência – apenas para reduzir
o valor dos ativos, não para aumentá-los.
É igualmente perceptível, no teste de “impairment”, a visão prospectiva,
para o futuro. Embora, p. ex., o ativo tenha sido adquirido por certa quantia e
tenha sofrido depreciação parcial, o seu valor na contabilidade não deverá estar
ligado (apenas) a esses fatores passados. O registro contábil terá ligação com essa
previsão de futuro: qual o valor passível de recuperação econômica desse ativo.
Nos termos do Pronunciamento Técnico CPC 01: “Valor recuperável de
um ativo ou de unidade geradora de caixa é o maior montante entre o seu valor justo
líquido de despesa de venda e o seu valor em uso”. Já valor justo líquido de despesa
de venda “(...) é o montante a ser obtido pela venda de um ativo ou de unidade
geradora de caixa em transações em bases comutativas, entre partes conhecedoras e
interessadas, menos as despesas estimadas de venda”. E valor em uso “(...) é o valor
presente de fluxos de caixa futuros esperados que devem advir de um ativo ou de
unidade geradora de caixa”.

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330 - Considerações Gerais sobre a Adaptação da Legislação do...

Em outras palavras, confronta-se o valor contábil de um ativo (custo


de aquisição registrado subtraído da depreciação, amortização ou exaustão)
com o seu valor justo líquido de despesa de venda ou com o seu valor em
uso. O valor recuperável é o maior montante entre o valor justo líquido de
despesa de venda e o valor em uso. Já valor não recuperável é a diferença
entre o valor contábil anterior e o valor recuperável. A contrapartida do
ajuste no valor do ativo é uma despesa, que impacta o resultado.
O item 9 do Pronunciamento Técnico estabelece que a entidade
deve avaliar ao fim de cada período de reporte se há alguma indicação
de que um ativo possa ter sofrido desvalorização. Se houver alguma
indicação, a entidade deve estimar o valor recuperável do ativo. O item 12
prevê fontes externas e internas de informação de que um ativo possa ter
sofrido desvalorização, como a diminuição do valor de mercado, mudanças
significativas em ambiente tecnológico ou econômico, alteração nas taxas
de juros que afetem o valor em uso de um ativo, evidência de obsolescência
ou de dano físico ao ativo, perspectivas de alterações futuras que tornem o
ativo inativo ou ocioso. As hipóteses, conforme o próprio Pronunciamento
alerta, não são exaustivas.
O CPC 01 é rico em parâmetros para a determinação do valor justo
líquido de despesa de venda e do valor em uso. No entanto, esses parâmetros,
muitas vezes, partem de avaliações subjetivas, tais como o fundamento
na melhor informação disponível, projeções de fluxo de caixas futuros,
expectativa de possíveis variações nesses fluxos de caixa, valor do dinheiro
no tempo e preço pela assunção de incerteza.
O fundamento em avaliações subjetivas, para modificar registros
contábeis decorrentes do “impairment”, não recomenda que essa sistemática
da nova contabilidade seja acolhida para gerar efeitos fiscais. Assim é, como
já comentado e em primeiro lugar, porque significa trazer para a apuração
tributária um grau de subjetivismo e, com ele, insegurança, incompatível
com ordenamento jurídico-tributário. Insegurança, é bom frisar, para os
dois lados da relação: para o contribuinte, que poderá ser surpreendido com
a conclusão de eventual fiscalização de que sua avaliação não seria a mais
adequada, e para a Administração Fiscal, que ficaria submetida a avaliações
subjetivas dos responsáveis pelas empresas de todo o País (em razão do
regime de lançamento por homologação), a menos que conseguisse fiscalizar
individualmente o contribuinte.

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Mantendo o foco na Administração Fiscal, essas regras contábeis


parecem não atender ao antes mencionado princípio da praticabilidade.
Inversamente, a adoção de parâmetros subjetivos demanda a investigação
exaustiva do caso isolado, justamente o que se busca evitar com a
praticabilidade, cada vez mais relevante no cenário jurídico-tributário, como
é comprovado pela submissão da maioria dos tributos atualmente ao regime
de lançamento por homologação. Caso acolhido o teste de ‘impairment’
para fins fiscais, a tendência, derivada da praticabilidade e de tal regime de
lançamento, será o Poder Público procurar detalhar regras, criando padrões
e generalizações, retirando subjetividade e aumentando objetividade, para
guiar a atuação dos aplicadores das normas fiscais – contribuintes e agentes
de fiscalização.
Caso isso aconteça – como acreditamos que seria a tendência ao longo
do tempo –, poderia ocorrer a progressiva separação das normas contábeis e
das normas fiscais – justamente o que entendemos ser mais acertado – ou,
o que seria pior, a interferência (explícita ou implícita) das normas fiscais
na apuração contábil. Nessa última hipótese haveria o retorno à situação
de deturpação das demonstrações financeiras pelos objetivos, parâmetros
e regras fiscais.
O caráter prospectivo do teste de ‘impairment’ também não é próprio
da apuração tributária. No entanto, não há, aí, exatamente, um impeditivo
para sua adoção. Como o lançamento do valor recuperável acarreta despesa,
que reduz o resultado, o contribuinte seria beneficiado, não havendo ofensa
às normas jurídicas superiores sobre a tributação.
Por isso, não fosse pela questão da praticabilidade e da segurança, o teste
de “impairment” até poderia ser adotado.
Em suma, as regras relacionadas ao teste de “impairment” e ao valor
recuperável de ativos não devem afetar a apuração do lucro tributável41. Fazê-
lo não é adequado seja sob o foco fiscal, seja sob o foco societário-contábil.

41 Não somos radicais ao ponto de entender que jamais deverá ocorrer tal efeito. Pode chegar
um momento em que ocorra tal desenvolvimento das regras e da prática contábeis e
amadurecimento de contribuintes e Administração Fiscal que as desvantagens apontadas
sejam superadas.

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332 - Considerações Gerais sobre a Adaptação da Legislação do...

VII – Depreciação
O item 6 do Pronunciamento Técnico CPC 27 (Delib. CVM 583/2009)
conceitua depreciação como “a alocação sistemática do valor depreciável de um
ativo ao longo de sua vida útil”. Como regra, os elementos que integram o Ativo
Imobilizado têm um período limitado de vida útil econômica. Com o decorrer
do tempo, eles se desgastam, perdem sua utilidade, podendo se tornar obsoletos.
“Desta forma, o custo de tais ativos deve ser alocado de maneira sistemática aos
exercícios beneficiados por seu uso no decorrer de sua vida útil econômica. (...) Logo,
a depreciação é o pedaço do caixa investido que precisa ser recuperado pelo caixa a ser
produzido pelas receitas outras da empresa de venda de produtos, serviços, receitas
financeiras, de aluguéis etc.”42.
Trata-se, portanto, de elemento de grande importância para a correta
informação da situação econômico-financeira de uma empresa. Assim é não
somente para checar a robustez patrimonial, mas também para bem aferir os
custos de produção e os lucros da empresa.
A depreciação também é relevante na apuração do lucro tributável. Uma
maior taxa de depreciação aumentará os custos e despesas, que reduzirão o
lucro e diminuirão o IRPJ e a CSL a pagar. Daí a atenção de contribuintes e
Administração Fiscal com este tema.
Justamente por isso, ao longo do tempo o Poder Público aprovou normas
com vistas a evitar que a depreciação fosse super-dimensionada, diminuindo
os tributos no momento inicial, o que representaria uma forma de as empresas
se financiarem com recursos que pertencem à sociedade. Novamente tendo
em vista a praticabilidade e a segurança, foram estabelecidas regras gerais,
padrões aplicáveis igualitariamente aos contribuintes. De outro lado, abria-
se a oportunidade de a empresa provar sua situação específica, com taxa de
depreciação diferente da padrão, de modo a aumentá-la.
Ocorre que um grande número de empresas simplesmente adotava na
apuração contábil as taxas admitidas pela legislação fiscal. Isto tinha o potencial
de deturpar a real situação econômico-financeira da empresa. Com efeito, bens
que na vida real se depreciavam mais lentamente, rapidamente tinham seu

42 “Manual de contabilidade societária”, p. 247.

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valor reduzido na contabilidade, diminuindo o patrimônio, reduzindo lucros


no primeiro momento, para aumentá-los mais à frente. Também podia ocorrer
o oposto: se a empresa tinha dificuldade de comprovar à Administração Fiscal
uma taxa mais rápida de depreciação, seu balanço patrimonial transparecia um
patrimônio maior que o real e os lucros apurados contabilmente eram maiores
que os economicamente verdadeiros.
A nova contabilidade é firme em procurar separar as duas esferas, de modo
a não reproduzir a sistemática fiscal para seus efeitos. A situação específica de
cada empresa deve ser avaliada, inclusive para fins de escolher o método mais
adequado de depreciação para ela (CPC 27, item 6243). A situação de cada bem
da empresa também deve ser vista individualmente. Mais uma vez, a apuração
contábil da depreciação carrega consigo o inevitável subjetivismo44, ainda que
mais controlável que em outros temas.
Com isso, pode-se dizer que “(...) há uma distinção de critérios: enquanto
as regras fiscais impõem um tratamento igualitário, as normas contábeis exigem um
exame individual e periódico”45.
Diante desse cenário, impõe-se a indagação se seria adequado migrar o
renovado ou reafirmado sistema contábil para a apuração do lucro tributável46.

43 “62 – Vários métodos de depreciação podem ser utilizados para apropriar de forma sistemática
o valor depreciável de um ativo ao longo da sua vida útil. Tais métodos incluem o método da
linha reta, o método dos saldos decrescentes e o método de unidades produzidas. A depreciação
pelo método linear resulta em despesa constante durante a vida útil do ativo, caso o seu valor
residual não se altere. O método dos saldos decrescentes resulta em despesa decrescente durante
a vida útil. O método de unidades produzidas resulta em despesa baseada no uso ou produção
esperados. A entidade seleciona o método que melhor reflita o padrão do consumo dos benefícios
econômicos futuros esperados incorporados no ativo. Esse método é aplicado consistentemente
entre períodos, a não ser que exista alteração nesse padrão.”
44 Exemplo de subjetivismo é o item 57 do CPC 27: “57. A vida útil de um ativo é definida em
termos da utilidade esperada do ativo para a entidade. A política de gestão de ativos da entidade
pode considerar a alienação de ativos após um período determinado ou após o consumo de uma
proporção específica de benefícios econômicos futuros incorporados no ativo. Por isso, a vida
útil de um ativo pode ser menor do que a sua vida econômica. A estimativa da vida útil do ativo
é uma questão de julgamento baseado na experiência da entidade com ativos semelhantes.”
45 Douglas G. Odorizzi, “Depreciação no resultado tributável”, Valor Econômico, Cad. Legislação
& Tributos, 11.05.2011.
46 Já enquanto durar o RTT, deve-se seguir as regras fiscais, como acertadamente decidiu a
Superintendência Regional da Receita Federal da 5ª Região Fiscal, no Processo de Consulta
nº 11/2011: “REGIME TRIBUTÁRIO DE TRANSIÇÃO – RTT. DEPRECIAÇÃO. CRITÉRIOS DE
CONTABILIZAÇÃO. PROCEDIMENTOS DE REVERSÃO DOS EFEITOS. A pessoa jurídica sujeita
ao Regime Tributário de Transição – RTT deve adotar o procedimento previsto no artigo 17 da
Lei nº 11.941, de 2009, no tocante ao registro contábil da depreciação e à reversão dos

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334 - Considerações Gerais sobre a Adaptação da Legislação do...

Também aqui somos de opinião que convém manter a separação das esferas
contábil e fiscal. A preocupação da Administração Fiscal de que contribuintes
exagerariam nas taxas de depreciação, para com isso reduzir tributos, tem certa
procedência. Tal prática seria igualmente deletéria para as demonstrações
financeiras, deturpando a situação econômico-financeira real. Ainda que grandes
empresas e as de capital aberto estejam submetidas a cuidadosas auditorias,
esta não é a realidade de muitas empresas.
Ao menos no cenário atual, sem maior amadurecimento da aplicação da
nova sistemática contábil e em um quadro de elevada desconfiança mútua entre
Administração Fiscal e contribuintes, é difícil conceber que a Administração
possa dispensar padronizações como a que vigora atualmente em relação ao
tema da depreciação. Vislumbramos igualmente insegurança e incerteza para os
contribuintes, que estariam permanentemente submetidos ao risco de agentes da
Administração Fiscal entenderem inadequadas as taxas de depreciação adotadas.
De outro lado, a não adoção integral do tratamento contábil de depreciação
não impede que a legislação fiscal venha a ser parcialmente afetada (via expedição
de novas normas e regulamentações) pelo tratamento contábil, de modo a
aproximar a depreciação para efeitos fiscais da depreciação contábil e, portanto,
da realidade econômica. Assim, a aplicação das taxas reais de depreciação trará
um dado de fato que deverá ser considerado pela Administração Fiscal para
estabelecer, se o caso, novas taxas-padrão de depreciação. Outras normas fiscais
poderiam ser alteradas, como a do artigo 311 do RIR/99, que fixa a taxa anual
de depreciação de bens adquiridos usados como a maior dos seguintes prazos:
metade da vida útil admissível para o bem adquirido novo ou o restante da vida
útil, considerada esta em relação à primeira instalação para utilização do bem47.
Em outras palavras, mesmo adotando-se o modelo de autonomia, isso
não significa que a apuração do lucro tributável não possa ser afetada pela
sistemática de apuração contábil. Ao se determinar a tributação da renda,

efeitos da utilização de métodos e critérios contábeis diferentes dos prescritos na legislação


tributária”. Da mesma forma o recente e já referido PN nº 1/2011, da própria Receita Federal,
que oportunamente expõe a posição da Receita a ser aplicada a todos os contribuintes e em todo
o território nacional.
47 Ainda que se possa supor improvável uma empresa adquirir um bem usado com menos de metade
de vida útil, não se pode excluir essa hipótese. O tratamento do art. 311, assim, é artificial em
sua excessiva padronização.

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não se pretende onerar operações jurídicas, mas sim o resultado econômico


de aumento patrimonial. Sempre que possível e obedecendo-se às normas
superiores, convém aproximar-se da realidade econômica.

IX – Ágio e deságio
Nos termos do Pronunciamento Técnico do CPC nº 15 (Delib. CVM
nº 580/09), ágio por rentabilidade futura ou “goodwill” “(...) é um ativo
que representa benefícios econômicos futuros resultantes dos ativos adquiridos
em combinação de negócios, os quais não são individualmente identificados e
separadamente reconhecidos”. Ou seja, ágio por rentabilidade futura, para a
CVM e o CPC, é somente o benefício econômico futuro esperado em razão de
bens não identificados individualmente. Dessa forma, torna-se necessário em
primeiro lugar verificar o valor justo de cada um dos bens da empresa/negócio
adquirida/o (bem como de seus passivos) e somente o que exceder a isso – se
houver tal parcela – será caracterizado com ágio por rentabilidade futura48.
O tratamento na contabilidade do ágio por rentabilidade futura foi
modificado: antes da Lei nº 11.638/2007 ele era amortizado, mesmo sem
incorporação, fusão ou cisão; após, ele não pode mais ser amortizado, devendo
ser testado periodicamente para verificar se sua substância econômica permanece
(teste de “impairment”). “A amortização do goodwill por um determinado período
inferia que aquele ativo geraria benefícios por um período determinado. Por outro
lado, não efetuar a amortização do goodwill significa dizer que não há um período
específico para que aquele ativo traga benefícios econômicos, ou seja, a empresa pode
considerar que aquele goodwill vai gerar benefícios eternamente e consequentemente
afetar toda a geração de caixa futura decorrente daquela combinação de negócios,
dando bastante subjetividade ao assunto e tornando-o mais complexo”49.

48 Tivemos oportunidade de analisar este ponto em mais detalhes em trabalho anterior: “Análise
da amortização de ágio frente às Leis nºs 11.638/2007 e 11.941/2009”, in “Direito tributário,
societário e a reforma da Lei das S/A – vol. II”, coord. Sergio André Rocha, 2010, p. 301).
49 Paulo José Machado, Wilson José Ozório Moraes e Tânia Regina Sordi Relvas, in “Manual de normas
internacionais de contabilidade – IFRS versus normas brasileiras”, Ernest & Young e Fipecafi, Atlas,
2009, p. 193. Como explicam Luciana Rosanova Galhardo e Jorge Ney de Figueirêdo Lopes Junior,
a “justificativa para o tratamento contábil a ser aplicado ao ágio por rentabilidade futura – de que
esse ágio seria um ativo de duração indefinida e nessa condição não poderia ser amortizado – soa
coerente com os princípios que norteiam as normas contábeis internacionais, inclusive o de primazia
da essência sobre a forma. (...) não se pode perder de vista que as normas contábeis são elaboradas
com vistas a viabilizar o bom funcionamento do mercado” (ob. cit., p. 230).

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336 - Considerações Gerais sobre a Adaptação da Legislação do...

Já a situação de diferença negativa, antes caracterizadora de deságio,


agora é reconhecida como um ganho por compra vantajosa (“barganha”)50.
“Apesar de não ser comum, uma compra vantajosa pode acontecer, por exemplo, na
combinação de negócio que resulte de uma venda forçada. De outra forma, as exceções
às regras gerais de reconhecimento e mensuração também podem contribuir ou gerar
um ganho por compra vantajosa”51. Esse novo tratamento é reflexo de outras
normas, como do teste de “impairment”: se os ativos já devem estar em valor
recuperável, como regra a empresa não carrega um prejuízo potencial não
refletido em seus registros. Daí que a diferença negativa entre PL da investida
e valor do investimento, que antes era tido por deságio (prejuízo potencial),
passa a caracterizar-se como um ganho por compra vantajosa, ganho esse que
é reconhecido no resultado, aumentando-o.
O ágio está sujeito a distinto regime na legislação tributária. Em primeiro
lugar, não há coincidência conceitual, pois ágio, para fins fiscais, é a diferença
entre o custo de aquisição do investimento e o valor do patrimônio líquido (art.
20, II, do Decreto-lei nº 1.598/77 e art. 385, II, do RIR/99). O ágio classifica-
se conforme seu fundamento econômico, entre os seguintes: (i) diferença entre
valores de mercado e contábil dos bens, (ii) ou expectativa de rentabilidade, (iii)
ou fundo de comércio, intangíveis ou outras razões econômicas. Os distintos
fundamentos do ágio, porém, não levavam à diferença no tratamento fiscal
entre eles: o ágio não tinha efeitos tributários até a alienação da participação
societária, já que não havia amortização. Tal quadro foi alterado com a Lei nº
9.532/97, quando o ágio justificado como sendo por rentabilidade futura passou
a gerar efeitos fiscais na hipótese de incorporação, fusão ou cisão, podendo ser
amortizado no prazo mínimo de 5 anos (1/60, no máximo, por mês).
Esse tratamento fiscal próprio do ágio por rentabilidade futura foi
estabelecido no período do programa de desestatização das empresas públicas

50 Item 34 do CPC 15: “Ocasionalmente, um adquirente pode realizar uma compra vantajosa, assim
entendida uma combinação de negócios cujo valor determinado pelo item 32(b) é maior que
a soma dos valores especificados no item 32(a). Caso esse excesso de valor permaneça após a
aplicação das exigências contidas no item 36, o adquirente deve reconhecer o ganho resultante
no resultado do período, na data da aquisição. O ganho deve ser atribuído ao adquirente.”
51 “Manual de contabilidade societária – FIPECAFI”, Altas, 2010, p. 422.
52 Nesse sentido, entre outros, Gustavo Brigagão e Carlos Scharfstein, “Aproveitamento fiscal de ágio
fundamentado em perspectivas de rentabilidade futura após o advento das Leis nºs 11.638/07 e
11.941/09”, in “Direito tributário, societário e a reforma da Lei das S/A – vol. II”, coord. Sergio
André Rocha, 2010, p. 248).

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no plano federal. Serviu, com isso, como um estímulo a mais para a compra de
empresas públicas a serem privatizadas52. A despeito disso, não se pode dizer
que tal tratamento seja inapropriado. Se o ágio é parte do custo da participação
societária e tem como fundamento a perspectiva de lucros futuros, tais lucros,
quando se realizarem, não configurarão, para o investidor, verdadeiro ganho, mas
apenas confirmação de valor que já foi arcado por ele. Logo, amortizar o ágio
contra o lucro não significaria mais que ligar uma coisa à outra e demonstrar
a inexistência de ganho.
A legislação tributária, porém, nunca estabeleceu claramente requisitos
para classificar o ágio em um ou outro fundamento econômico. Isso não
representava um problema originariamente, quando não estava previsto
tratamento diferente para os distintos tipos de ágio. Ocorre que tal quadro
continuou quando a legislação estipulou a diferença de tratamento para o ágio
por rentabilidade futura53 . Os contribuintes passaram a desejar classificar o ágio
sob esse fundamento e a encontrar resistência da Administração Fiscal. Em
síntese, a deficiência na legislação fiscal – não quanto ao tratamento, mas sim
quanto à falta de clareza em relação à existência de requisitos para identificar
o fundamento do ágio e quais seriam eles – tem gerado desnecessárias disputas
e insegurança na relação Fisco-contribuinte54.
Com a perspectiva de normas para adaptar a legislação fiscal, de forma
não temporária, à nova contabilidade, coloca-se a questão se seria aceitável e
recomendável a adoção do tratamento contábil do ágio por rentabilidade futura,
vedando sua amortização.

53 Natanael Martins comenta este ponto: “Em segundo lugar, é necessário também ter em mente que,
desde o advento do Dec.-lei 1.598/77, quando o ágio pago na subscrição de ações ou na aquisição
de investimentos somente tinha relevância quando da alienação ou liquidação de investimentos,
o legislador não se preocupou em tratar de regras sobre a sua formação, apenas dispondo que o
lançamento do ágio ou deságio deverá indicar, dentre os seguintes, seu fundamento econômico:
(...) Por outro lado, mesmo com o advento da Lei 9.532/97, em que o legislador, em operações de
cisão, incorporação e fusão, passou a admitir que o ágio pago na subscrição ou na aquisição de
investimentos pudesse ser amortizado também para efeitos fiscais nas condições que estabeleceu,
o legislador também não se preocupou em traçar regras sobre a formação do ágio” (“A reforma
da Lei das Sociedades Anônimas: Lei 11.638/2007 e seus impactos na área tributária”, in “Direito
tributário, societário e a reforma da Lei das S/A”, coord. Sergio André Rocha, Quartier Latin, 2008,
pp. 373-374).
54 Há quem sustente que haveria uma espécie de preferência ou hierarquia entre os fundamentos do
ágio em função da ordem das alíneas que prevêem tais fundamentos, há também quem defende existir
outra ordem (obrigatória, mas não em função da ordem das alíneas), por fim, há aqueles para quem
os fundamentos são alternativos, embora sendo exigível a correta demonstração. Este nos parece o
tratamento mais correto. Tal divergência demonstra a insegurança que cerca tal assunto.

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338 - Considerações Gerais sobre a Adaptação da Legislação do...

Caso a questão se cingisse a escolher entre amortizar ou não o ágio por


rentabilidade futura quando há incorporação, poder-se-ia afirmar que os dois
tratamentos são teoricamente aceitáveis, tanto é assim que os participantes do
IASB divergiram neste tema55. O tratamento contábil do ágio por rentabilidade
futura (“goodwill”), por si só, não parece contrário a princípios, parâmetros e
normas superiores aos quais se submete a apuração do lucro tributável56. Seria,
antes, uma decisão política57.
Todavia, quer nos parecer não ser aceitável adotar o regime apenas
parcialmente, vedando-se a amortização, tal como ocorre na apuração contábil,
mas, ao mesmo tempo e afastando-se do regime contábil, impedir a eventual
perda do ágio mediante aplicação do teste de “impairment”. O tratamento
contábil de vedar a amortização é indissociável do “impairment”. Não se veda
a amortização por arbitrariedade ou para condenar que o ágio se mantenha
eterno na contabilidade da empresa. Bem ao inverso, há consciência de que
o ágio reflete “riqueza” hoje existente, que poderá desaparecer amanhã, sendo
que apenas não há prazo certo para sua duração. Logo, veda-se a amortização
em prazo certo e impõe-se o teste de “impairment”. Como resultado, vedar
a amortização e não permitir o “impairment” seria afastar-se da realidade
econômica que a nova contabilidade procurar refletir.

55 Paulo José Machado, Wilson José Ozório Moraes e Tânia Regina Sordi Relvas (ob. cit., p. 194) dão
conta disso: “As Bases de Conclusão da IFRS 3 descrevem a posição dos participantes do IASB
que discordaram no quesito de perda de valor de ativos versus amortização do goodwill. Esses
dissidentes destacaram que a amortização do goodwill era uma prática amplamente difundida e
entendida por todos, e a alteração dessa prática poderia vir a trazer dificuldades na elaboração,
no entendimento e na comparabilidade das demonstrações financeiras entre as empresas. O
benefício da amortização seria a sua simplicidade, transparência e a premissa de que o goodwill
tem um objetivo específico, para determinado período. Os dissidentes enfatizaram que, apesar
de a amortização desse ágio ser uma prática arbitrária, considerando que a determinação do
prazo de amortização é inerentemente difícil de mensurar, a adoção da amortização reduziria
o risco de distorções nas demonstrações financeiras, em relação ao teste de perda de valor de
ativos. Os dissidentes acreditam também que efetuar apenas o teste de perda de valor de ativos é
inconsistente com o princípio de que o goodwill gerado internamente não deva ser reconhecido.”
56 Insista-se que se trata de análise quanto à possibilidade de legislação futura. No presente, o
tratamento fiscal do ágio por rentabilidade futura previsto na Lei nº 9.532/97 persiste (nesse sentido,
nosso trabalho anterior já referido: “Análise da amortização de ágio frente às Leis nºs 11.638/07
e 11.941/09”, in “Direito tributário, societário e a reforma da Lei das S/A – vol. II”, coord. Sergio
André Rocha, 2010).
57 Pode-se optar por manter a amortização, como uma forma de incentivo a operações societárias que
formem empresas maiores e mais sólidas, inversamente, também é viável afastar a amortização,
com base na premissa de que, ainda que fundamentado em rentabilidade futura, esta não se
esgota em um tempo certo, sendo indefinida em sua duração.

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Jimir Doniak Jr. - 339

Inversamente, se for acolhido o “impairment” para o ágio na apuração


fiscal, deve-se refletir se a Administração Fiscal ficaria confortável em fiar-
se no julgamento do contribuinte, ou se ela procuraria estabelecer padrões,
eventualmente mais rígidos, conservadores, que exigiriam a separação da
contabilidade ou que interferiria nesta. A mesma situação deve ser vista sob a
ótica do contribuinte, para refletir se haveria segurança em nível satisfatório
para os contribuintes, ou estes estariam submetidos a subjetivismo em grau
inaceitável de agentes da fiscalização.
Não só isso, na nova contabilidade, para computar o montante do ágio
parte-se de dados distintos dos que são considerados na apuração fiscal. Por
exemplo, adota-se o valor justo dos bens, o que envolve maior subjetividade,
ainda que não tão diferente da identificação do montante do ágio por diferença
de valor de mercado dos bens, já previstos na legislação fiscal. Outro exemplo: a
apuração do valor do ágio na contabilidade também considera o valor dos ativos
no conceito da contabilidade, ou seja, de natureza econômica, incluindo bens
que não são de propriedade jurídica, mas dos quais se utiliza economicamente.
Um último exemplo: a nova contabilidade determina a consideração também de
passivos contingentes para calcular o ágio por rentabilidade futura (“goodwill”).
Frente a isso, surge outra indagação: é viável adotar o tratamento contábil do
ágio, sem acolher a forma de computá-lo?
Deve-se questionar também se seria viável utilizar para fins fiscais apenas o
tratamento contábil do ágio, desprezando o tratamento do deságio. Como visto,
este passou a qualificar-se como um ganho por barganha (mas apenas porque
é obrigatório o teste de “impairment”), que deve ser reconhecido desde logo
no resultado. Esse regime não é aceitável para fins tributários, pois representa
a tributação de ganho não realizado, mas meramente potencial58.
Ora, em nossa opinião não é aceitável analisar isoladamente pontos
específicos de um tratamento contábil, que na verdade estão conectados.
Proceder assim é incorrer não apenas em falha sistemática. Ocorreria deturpação
na apuração do resultado. Não seria apurado nem o resultado contábil, com

58 “Para fins tributários, receitas e rendimentos ‘ganhos’ devem ser calibrados pelo ‘princípio da
capacidade de pagamento’, ou ‘princípio da realização dos resultados em moeda’. O que demanda
o ajustamento pela legislação tributária desses conceitos intermediários contábeis, para fins de
apuração e recolhimento dos tributos.” (Alexandre S. Pacheco, ob. cit., p. 53).

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340 - Considerações Gerais sobre a Adaptação da Legislação do...

base em seus fundamentos, nem o resultado tributável tal qual existe hoje,
com base em premissas adequadas às normas superiores. O tratamento dado
a determinado fato econômico (seja na apuração tributária, seja na apuração
contábil) não se dá arbitrariamente, mas como decorrência lógica de premissas
maiores. No caso da nova contabilidade, as premissas da visão econômico-
financeira, da substância sobre a forma, da visão prospectiva, da permissão e
mesmo ônus de maior subjetivismo.
Por tais motivos, concluímos também aqui não ser recomendável transpor
o regime contábil para a apuração do lucro tributável.
Não descartamos a possibilidade de vir a ser estabelecido um novo
tratamento fiscal para o ágio e o deságio, até mesmo com certa proximidade
com o regime contábil. Todavia, isso não deverá ser feito por simples desejo
de assemelhar parcialmente os dois regimes. Fazer isso poderia levar a um
tratamento destituído de racionalidade econômica e jurídica.
Um novo tratamento fiscal – se vier a ser cogitado – deverá ser independente
do que é previsto na nova contabilidade e coerente por si só. Tenha-se presente,
porém, que o sistema atual, de amortização do ágio por rentabilidade futura em
caso de incorporação, não é condenável tecnicamente. Não se pode confundir
dificuldades práticas de aplicação do regime com a existência de eventual falha
conceitual, que condene todo o regime. Talvez este deva ser aperfeiçoado, p.
ex., estabelecendo regras claras para classificar o fundamento do ágio, evitando
disputas entre contribuintes e Administração que geram insegurança.
Em síntese, a conclusão final, também neste ponto, é de não ser recomendável
a simples migração do novo regime contábil para a apuração do lucro trbutável.

X – Conclusão geral
A comparação que fizemos entre, de um lado, o conceito de renda e lucro real,
com as limitações impostas ao legislador, e, de outro lado, a nova contabilidade nos
levou a concluir ser difícil a continuidade da adoção do modelo de dependência
parcial entre a apuração contábil e a apuração do lucro tributável59. Tal modelo

59 Essa também parece ser a opinião de Ricardo Mariz de Oliveira, em recente artigo: “Com a
harmonização das normas contábeis brasileiras às praxes internacionais, introduzida pela Lei nº
11.638, mais do que nunca ficou necessária a absoluta segregação entre o contábil e o fiscal, eis

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não é totalmente inviável, mas não nos parece aconselhável. É melhor passar
a adotar o modelo de autonomia (que é o que foi feito com a adoção do RTT,
embora, ao menos no momento inicial, transitoriamente). Assim é não somente
porque seria mais fácil e seguro garantir a obediências às normas tributárias
superiores, mas também para melhor atender os interesses da apuração contábil
independentemente de interferências do legislador tributário.
Caso seja mantido o regime de dependência parcial (e quando nos
referimos à dependência da contabilidade estamos nos referindo à nova/atual
contabilidade), serão imprescindíveis várias e indetermináveis adaptações.
De uma forma ou de outra, é inegável o maior afastamento entre apuração
contábil e apuração fiscal.
Analisamos também alguns pontos da nova contabilidade: a característica
geral da prevalência da substância econômica sobre a substância jurídica e os
tratamentos do teste de “impairment”, da depreciação e do ágio e deságio. A
análise desses quatro sub-temas confirma ser mais aconselhável a adoção do
modelo de autonomia entre a apuração contábil e a apuração do lucro tributável.

que as normas contábeis afastaram-se substancialmente dos preceitos da lei tributária, a ponto
de se tornarem absolutamente inconciliáveis.” (“Questões atuais sobre o ágio – Ágio interno –
Rentabilidade futura e intangível – Dedutibilidade das amortizações – As inter-relações entre a
contabilidade e o direito”, in “Controvérsias jurídico-contábeis”, 2º vol., coord. Roberto Quiroga
Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes, Dialética, 2011, pp. 212-213).

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Capítulo XII

Determinação e
Fundamentação
Econômica do Ágio
Apurado na Aquisição
de Investimentos:
Regimes Fiscal e

João Francisco Bianco


Mestre e doutor em direito tributário pela USP, diretor tesoureiro do
Instituto Brasileiro de Direito Tributário e diretor da International
Association of Tax Judges.

Bruno Fajersztajn
Advogado em São Paulo.

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1. Introdução

É sabido que a introdução de novas regras contábeis no Brasil, para fins de


convergência do sistema brasileiro com os padrões internacionais, tem causado
inúmeras discussões, notadamente a respeito dos impactos tributários que tais
alterações poderiam ter gerado.
Quando o tema começou a ser discutido, no início de 2008, a unanimidade
das manifestações foi no sentido de que as alterações nas regras contábeis,
introduzidas pela Lei n. 11.638/2007 e depois pelas normas editas pelo Comitê
de Pronunciamentos Contábeis (CPC), não haviam alterado as relações
jurídicas tributárias, mas apenas modificado as regras que regulam a forma de
contabilização das operações realizadas pelas empresas.
Isso porque sempre se reconheceu que a contabilidade apenas registra fatos,
sem criar ou modificar direitos. Conseqüentemente, as novas regras contábeis
seriam (ou deveriam ser) neutras de efeitos tributários.
Posteriormente, com a edição da Lei n. 11.941/2009, essa neutralidade
passou a ser assegurada expressamente aos optantes do chamado “Regime
Tributário de Transição” ou RTT 1, já que, segundo o art. 16 daquela lei, a
apuração das bases de cálculo do imposto de renda da pessoa jurídica – IRPJ
e da contribuição social sobre o lucro – CSL 2 deve ser feita tomando como
base os critérios contábeis vigentes em 31.12.2007, ou seja, antes do advento
da Lei n. 11.638/2007.
A despeito disso, mesmo após a introdução do RTT ainda remanescem
diversas questões referentes a possíveis impactos tributários das novas regras
contábeis, sendo esse o caso, justamente, da apuração do ágio na aquisição
de investimentos.
O objetivo do presente trabalho é analisar o regime de apuração e
determinação do fundamento econômico do ágio, nos termos do art. 20 do
Decreto-lei n. 1.598/77, e compará-lo com o regime de apuração do ágio na
forma preconizada nas normas editadas pelo CPC.

1 O RTT, que antes era opcional, atualmente é compulsório para todos os contribuintes.
2 O RTT também se presta para efeito de apuração das bases de cálculo das contribuições ao PIS
e COFINS, nos termos do parágrafo 3º do art. 15 e do art. 21 da Lei n. 11.941/2009.

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346 - Determinação e Fundamentação Econômica do Ágio Apurado na...

A partir dos elementos obtidos com a comparação dos dois regimes,


verificaremos se as alterações introduzidas pelas novas regras contábeis,
particularmente quanto à apuração do ágio, têm algum impacto tributário ou
se são neutras de efeitos fiscais.

2. Fundamentos econômicos do ágio na perspectiva


do Decreto-lei n. 1.598/77
As normas previstas no art. 20 do Decreto-lei n. 1.598/77, referentes
à determinação do valor do ágio ou deságio na aquisição de participações
societárias avaliadas pelo método de equivalência patrimonial, bem como à
sua fundamentação econômica, estão em pleno vigor, mesmo após a edição
da Lei n. 11638/07. Não houve revogação – nem tácita, nem expressa – desse
dispositivo. Isto quer dizer que a pessoa jurídica que adquirir determinada
participação societária deverá, para fins fiscais, desdobrar o respectivo custo de
aquisição em: (i) valor do patrimônio líquido da investida, e (ii) ágio ou deságio 3.
Além do desdobramento acima tratado, conforme prevê o parágrafo 2º do
art. 20, é obrigatória a indicação da fundamentação econômica do ágio, dentre
uma das hipóteses ali previstas. Confiram-se:
“(...)
Parágrafo 2º – O lançamento do ágio ou deságio deverá indicar,
dentre os seguintes, seu fundamento econômico:
a) valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada
superior ou inferior ao custo registrado na sua contabilidade;
b) valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em
previsão dos resultados nos exercícios futuros;
c) fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas.”
(destacamos)
A norma transcrita contemplou, nas alíneas a, b, e c, os possíveis
fundamentos econômicos para o ágio apurado. O exame desses dispositivos
indica que a lei chama de fundamentos econômicos os motivos, as razões de

3 Esse estudo examinará principalmente a questão do ágio, embora em regra as mesmas


considerações sejam aplicáveis também ao deságio.

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cunho econômico, mas de ordem subjetiva, que justificam o pagamento, na


aquisição de um investimento, de uma quantia superior ao valor do patrimônio
líquido contábil da pessoa jurídica adquirida.
Trata-se, portanto, dos “porquês” que levaram o comprador, quando
da aquisição do investimento, a pagar um preço superior ao valor do seu
patrimônio líquido.
Realmente, o investidor paga ágio: porque a empresa tem bens do ativo
com valor de mercado superior ao registrado na contabilidade; porque a empresa
adquirida irá gerar rentabilidade no futuro; porque a empresa adquirida possui
fundo de comércio não contabilizado; porque a empresa adquirida possui bens
intangíveis não contabilizados; ou por outro motivo qualquer.
Essa nossa conclusão – de que o fundamento econômico tem a conotação
de motivação do ato de pagamento do preço diverso do valor patrimonial
contábil – baseia-se na redação da alínea “c” acima transcrita, pois, ao estabelecer
a regra aplicável às demais hipóteses de fundamento para o ágio, o legislador
empregou a expressão “outras razões econômicas”.
Veja-se que o termo razões foi utilizado como sinônimo de fundamento
do ágio, evidenciando que, de fato, fundamento do ágio é a sua razão, isto é,
o motivo pelo qual o investidor decide pagar um preço superior ao valor do
patrimônio líquido da empresa adquirida.
Sendo o fundamento econômico do ágio o motivo pelo qual se paga a
parcela do preço que excede o valor do patrimônio líquido, pode-se concluir que
a pessoa jurídica adquirente possui ampla liberdade de defini-lo, no momento
da aquisição do investimento.
De fato, o ágio é sempre apurado em razão da aquisição de determinada
participação societária, sendo que tal aquisição, invariavelmente, será
implementada por meio de um negócio jurídico. Por sua vez, o negócio jurídico
decorre da manifestação de vontade das partes. E toda manifestação de vontade
tem nela inserida uma motivação, a qual, segundo a doutrina de direito privado, é
a mola propulsora da manifestação de vontade, ínsita a qualquer negócio jurídico.
O motivo do negócio jurídico, como dito, é aquilo que está por trás da
manifestação de vontade das partes. Assim, em um contrato de compra e venda
de determinada participação societária, a vontade do comprador é de adquirir a
titularidade de uma participação societária. E o motivo pode ser dos mais variados,

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348 - Determinação e Fundamentação Econômica do Ágio Apurado na...

tais como obter sinergias, eliminar um concorrente, reduzir custos com fornecedores,
obter uma rápida expansão dos pontos de venda, dentre outros.
Não se deve confundir o motivo com a causa do negócio jurídico. O motivo
é a razão pela qual determinada vontade é manifestada, ao passo que a causa
é a função prática de determinado contrato. Assim, no negócio jurídico de
compra e venda, a sua causa é a transferência da propriedade do bem alienado
em troca do pagamento do preço.
Sobre o assunto, são esclarecedoras as lições do Ministro Moreira Alves 4:
“(...) motivo seriam as razões de ordem subjetiva que levam alguém a
celebrar um negócio jurídico. (...) Assim, por exemplo, na compra e
venda, a causa seria a troca de coisa por dinheiro enquanto o motivo
seria a razão subjetiva de se realizar, de se celebrar o negócio de compra
e venda. (...)”.
O motivo não altera a causa do negócio jurídico, nem o invalida, até porque
é algo precedente ao negócio. Mas mesmo assim, o motivo tem sua relevância
no direito civil, podendo ser fundamento para a declaração de nulidade, quando
for determinante do negócio e for ilícito (Código Civil, art. 166, III). Ao tratar
de erro substancial, como fator passível de anulação do negócio, o Código Civil,
nos art. 138 e 139, também deu relevância ao motivo. E o art. 140 trata do falso
motivo, enquanto vício da declaração de vontade.
Como se vê, a motivação é um dado relevante na teoria dos negócios jurídicos.
E sendo vinculada à manifestação de vontade, é matéria de foro íntimo daqueles
que a expressam e diretamente relacionada com a liberdade de contratar.
Portanto, uma empresa que adquire determinada participação
societária, ao manifestar sua vontade, realizando o negócio jurídico de
aquisição daquele bem, tem a prerrogativa de definir qual foi a motivação do
ato praticado. E sendo o fundamento econômico do ágio decorrente dessa
motivação, é claro que a prerrogativa de determinação desse fundamento
é exclusivamente da empresa adquirente.
Daí porque o parágrafo 2º do art. 20 do Decreto-lei n. 1.598/77, acima
transcrito, ao estabelecer a obrigação de indicação do fundamento econômico do

4 Em “Caderno de Pesquisas Tributárias, Nova Série – 10, O Princípio da Não-Cumulatividade”,


Revista dos Tribunais / Centro de Extensão Universitária (CEU), São Paulo, 2004, pp. 19-20.

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ágio, contemplou norma aberta, permitindo que a indicação ocorresse livremente,


valendo-se da expressão “dentre os seguintes” ao se referir aos fundamentos arrolados
nas alíneas a, b e c, sem estabelecer qualquer restrição ou ordem de prioridade.
Claro que o contribuinte tem o dever de comprovar, por meio da
demonstração de que trata o art. 20, parágrafo 3º, do Decreto-lei n. 1.598/77,
qual foi a razão econômica por ele escolhida para o pagamento de preço
excedente ao valor do patrimônio líquido contábil, sob pena de eventual glosa
fiscal. Mas uma vez justificada e fundamentada a razão econômica do ágio
pago pela empresa adquirente, ninguém poderá questionar a validade da opção
escolhida pelo contribuinte, eis que se trata de prerrogativa sua.
Feitas essas considerações, passemos a analisar cada um dos fundamentos
econômicos previstos no art. 20 do Decreto-lei n. 1.598/77.

2.1. Valor de mercado dos bens do ativo da empresa


adquirida

Esse fundamento econômico do ágio também é conhecido como “mais


valia de ativos”.
Uma empresa pode adquirir uma participação societária pagando ágio
pelo fato de os bens do seu ativo estarem registrados na contabilidade por valor
inferior ao de mercado.
José Luiz Bulhões Pedreira, que participou dos trabalhos de elaboração do
Decreto-lei n. 1.598/77, com o intuito de adaptar a legislação do imposto de
renda às então novas regras para a apuração do lucro líquido contábil, previstas
na Lei n. 6.404/76, assim explica esse dispositivo:
“(...)
Como os bens do ativo são registrados na contabilidade pelo custo
histórico, é comum que a pessoa jurídica investidora se disponha a
pagar pela participação societária valor superior ao de patrimônio
líquido contábil. Esse ágio é preço pago pelos lucros potenciais
contidos em determinados bens do ativo da coligada ou controlada.
(...)
Ágio é a parte do custo de aquisição do investimento que corresponde
ao direito de participar em valores da controlada ou coligada que não
se acham registrados na sua escrituração.

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350 - Determinação e Fundamentação Econômica do Ágio Apurado na...

Assim, o ágio cujo fundamento é diferença entre o valor de mercado e


o contábil de determinados bens do ativo da afiliada é preço pago pela
investidora para adquirir o direito de participar em lucros potenciais,
ainda não reconhecidos pela afiliada. (...)” – destacamos.
Como se vê, nessa hipótese a investidora pagará um preço superior ao
valor do patrimônio líquido porque os bens do ativo da empresa adquirida
estão registrados na contabilidade pelo seu custo histórico, e não mais refletem
o seu valor de mercado. E logicamente o titular da empresa objeto da venda
vai pleitear que o valor de mercado dos bens do seu ativo seja reconhecido na
fixação do valor da própria empresa.
Caso os bens estivessem registrados na contabilidade pelo seu valor de
mercado, em tese o valor pago seria igual ao valor patrimonial contábil da empresa.
E nesse caso não haveria pagamento de ágio na aquisição do investimento.

2.2. Expectativa de rentabilidade futura


Outra possível razão econômica para o pagamento de preço superior ao
valor do patrimônio líquido da empresa investida, na aquisição de participação
societária, gerando ágio, é a expectativa de rentabilidade que a empresa adquirida
pode gerar nos exercícios futuros.
Os peritos avaliadores calculam o preço da participação societária a ser
adquirida com base na previsão dos resultados que a empresa investida poderá obter
em determinado período de tempo. Confiram-se as lições de Bulhões Pedreira 5:
“A decisão da investidora de pagar determinado preço pela
participação pode basear-se em previsão de resultados da sociedade
objeto de investimento, e não no valor do patrimônio líquido contábil.
Nesse caso, o custo de aquisição é função do valor atual (descontado)
dos resultados previstos de determinados exercícios futuros.
(...)
O ágio cujo fundamento é o valor da rentabilidade da afiliada superior
ao valor do patrimônio líquido contábil é preço pago pela investidora
para adquirir o direito de participar nos lucros previstos. (...)”

5 “Imposto de Renda – Pessoas Jurídicas” – Justec-Editora Ltda., Rio de Janeiro, 1979, pp. 271-534.

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João Francisco Bianco & Bruno Fajersztajn - 351

O valor dos resultados futuros é apurado com base no fluxo de caixa


descontado, ou fluxo de renda descontado. Sobre a determinação do fluxo de
renda descontado, assim se manifestou Bulhões Pedreira 6:
“(...) O valor de uma fonte de renda financeira é o valor atual
(descontado) do fluxo de renda que dela poderá ser derivado no futuro.
Sua avaliação requer, portanto, (a) a estimativa do montante desse
fluxo de renda, e (b) a escolha da taxa de desconto para o momento da
avaliação, que deve traduzir a diferença entre o valor atual e o futuro
de uma quantidade de capital financeiro. (...)”
É também importante registrar que o valor do preço pago pela aquisição do
investimento e, portanto, do correspondente ágio, é definido a partir de previsões,
estimativas, realizadas no momento da aquisição da participação societária.
Tais resultados poderão ou não se concretizar no futuro, a depender de
diversas variáveis, como a conjuntura econômica, a produtividade da empresa, a
entrada de novos concorrentes no mercado, dentre outras. De qualquer forma,
a não concretização desses resultados não altera a fundamentação econômica
do ágio, a qual deve ser definida no momento da aquisição do investimento,
independentemente do que vier a ocorrer no futuro.
Em suma, quando a investidora adquire determinada participação
societária e paga sobre-preço com o objetivo de participar nos resultados que
essa empresa irá auferir no futuro, o correspondente ágio terá como fundamento
econômico a expectativa de rentabilidade futura.

2.3. Fundo de comércio, intangíveis e outras razões


econômicas

Além da mais valia de ativos e da expectativa de rentabilidade futura, a


legislação também contempla, como possíveis fundamentos para o ágio, o fundo
de comércio, os intangíveis e outras razões econômicas.
Intangíveis são direitos imateriais que uma empresa possui, tais como
determinado know-how, a carteira de clientes, uma marca tradicional, a
localização excepcional dos pontos de venda, funcionários ultra especializados,

6 “Imposto de Renda – Pessoas Jurídicas” – Justec-Editora Ltda., Rio de Janeiro, 1979, p. 267.

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352 - Determinação e Fundamentação Econômica do Ágio Apurado na...

dentre outros. Normalmente esse tipo de ativo não está lançado na contabilidade.
E quando da alienação da empresa, certamente irá afetar o seu preço.
Se o motivo do pagamento de preço superior ao valor do patrimônio
líquido contábil da empresa adquirida for a existência desses bens intangíveis,
o ágio terá como fundamento econômico cada um deles.
O fundo de comércio também é um bem intangível e o legislador fez bem
em elencá-lo ao lado dos demais intangíveis, na alínea c do parágrafo 2º do art.
20 do Decreto-lei n. 1.598, dentre os possíveis fundamentos econômicos para
a apuração de ágio na aquisição de investimentos.
O fundo de comércio é um instituto regulado pelo direito. A jurisprudência
tem examinado detidamente o conceito de fundo de comércio quando de sua
avaliação para fins de determinação do valor de indenizações decorrentes de
desapropriações de bens imóveis objeto de contrato de locação, assim como para fins
de determinação de responsabilidade tributária do seu adquirente, por sucessão, nos
termos do art. 133 do Código Tributário Nacional (CTN). O fundo de comércio
também tem sido analisado nos casos de determinação do valor de indenizações
decorrentes de rescisões de contratos de locação ou de franquia comercial.
Na doutrina, a expressão fundo de comércio tem sido entendida como
sinônimo de estabelecimento comercial. Adotam esse entendimento Rubens
Requião, Amador Paes de Almeida, Fabio de Ulhôa Canto, Carvalho de
Mendonça, Nelson Nery Junior, dentre outros.
Essa posição, embora majoritária, não é unânime. Parte da doutrina
entende que o fundo de comércio é um instituto jurídico, enquanto o
estabelecimento tem conotação física, do local onde a empresa é desenvolvia.
Amador Paes de Almeida 7, em obra sobre o tema, cita Ercole Vidari,
comercialista italiano, segundo o qual “fundo de comércio representa o complexo do
ativo e passivo, dos direitos e obrigações pertinentes a um negócio ou estabelecimento
mercantil, ao passo que o estabelecimento representa o lugar onde o comerciante exercita
o comércio e administra os seus negócios.”
Já Rubens Requião 8, por outro lado, entende que “fundo de comércio ou
estabelecimento comercial é o instrumento da atividade do empresário. Com ele o empresário

7 “Locação Comercial (Ação Renovatória)”. 10ª Ed. São Paulo. Saraiva, 1999. p. 3.
8 “Curso de Direito Comercial”. 16ª Ed. São Paulo. Saraiva, 1985.

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João Francisco Bianco & Bruno Fajersztajn - 353

comercial aparelha-se para exercer sua atividade. (...) Compõe-se o estabelecimento comercial
de elementos corpóreos e incorpóreos, que o empresário une para o exercício de sua atividade.
Fran Martins conceitua fundo de comércio como “o conjunto de elementos
corpóreos e incorpóreos utilizados pelos comerciantes para exercerem com sucesso suas
atividades, visando sempre à atração da freguesia 9.”
O Fisco Federal também considera fundo de comércio sinônimo de
estabelecimento, como se vê no Parecer Normativo CST n. 2, de 1972:
“5. Resta examinar o que seja ‘fundo de comércio’ e ‘estabelecimento
comercial’. Essas expressões são sinônimas. ‘Fundo de comércio’ é
expressão importada do francês ‘fonds de commerce’ que corresponde
à expressão vernácula ‘estabelecimento comercial’”
A seguir, o mesmo parecer normativo define os institutos:
“Designa o complexo de bens, materiais ou não, dos quais o comerciante
se serve na exploração de seu negócio. ‘Ê uma universalidade expressiva
de corpo certo, individualizado, apesar das modificações sucessivas
que podem sofrer seus elementos” (Bento de Faria. Direito Comercial;
Hanus, Études du fonds de commerce).”
Essa equiparação também pode ser percebida na exposição de motivos
do anteprojeto do Código Civil, ao tratar do Livro II – Atividade Comercial,
elaborada por Miguel Reale, como se verifica pelo trecho a seguir transcrito:
“Dessarte, o tormentoso e jamais claramente determinado conceito
de “ato de comércio” é substituído pelo de “empresa”, assim como a
categoria de “fundo de comércio” cede lugar a estabelecimento.”
Nesse contexto, o estudo da matéria demanda a análise da definição de
estabelecimento comercial contida no art. 1.142 do Código Civil de 2002.
Confira-se:
“Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens
organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por
sociedade empresária.”
Analisando esse dispositivo, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade
Nery10 assim lecionam:

9 “Curso de Direito Comercial”. Rio de Janeiro. Forense, 1999. pp. 327-329


10 Código Civil Comentado e Legislação Extravagante. 3ª Ed. São Paulo. Ed. RT, 2005. p. 594.

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“Estabelecimento empresarial é o complexo de bens, materiais e


imateriais, organizados pelo empresário ou sociedade empresária,
para o fim de exercício da empresa (que é uma atividade). Esses bens
devem estar organizados para a atividade da empresa, vale dizer, devem
ter escopo produtivo bem como ligação intrínseca entre si – ligação
funcional – para que possam constituir-se e caracterizar-se como
integrantes do estabelecimento. Um conjunto ou agrupamento de
bens isolados, sem a ligação funcional, em princípio não se caracteriza
como estabelecimento, mas sim como integrante do patrimônio
do empresário ou da sociedade empresária. O estabelecimento
empresarial (ou fundo de comércio) não pode ser confundido com o
patrimônio da sociedade.
Consideram-se como bens, que, juntos e ligados funcionalmente ao
escopo-fim da atividade empresarial, formam o denominado complexo
organizado, vale dizer, o estabelecimento, o imóvel onde se localizar
a sociedade empresária, os signos e nome comercial, a clientela ou
freguesia, direito à locação comercial (ponto comercial), direitos de
propriedade industrial ou artística (tais como patentes, marcas de
comércio e de fábrica, desenhos e modelos industrial), material e
móveis necessários às atividades comerciais e industriais (...).”
Repare-se que os bens do estabelecimento ou fundo de comércio têm entre
si uma ligação funcional, isto é, a composição de bens deve estar interligada para,
funcionando em conjunto, viabilizar o exercício da empresa. O fundo de comércio,
portanto, é um conjunto de bens, composto pelos elementos que conjuntamente
viabilizam o exercício da empresa e a obtenção de lucros.
Essa é a característica que diferencia o fundo de comércio dos demais
intangíveis mencionados na alínea c do parágrafo 2º do art. 20 do Decreto-
lei n. 1.598/77. Enquanto o primeiro corresponde a um conjunto de bens, o
segundo contempla bens individualmente, sem a referida unidade funcional.
Seja como for, o importante é pontuar que tanto o fundo de comércio
como os demais intangíveis são bens imateriais, cujo uso nas atividades da
empresa gerará resultados. Logicamente, eles não se confundem com esses
resultados. São eles apenas instrumentos para obtenção de lucros e não os
lucros propriamente ditos.
Daí porque os fundamentos econômicos que justificam o pagamento do
ágio previstos nas alíneas b e c são completamente diferentes. O fundamento

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da letra b versa sobre a expectativa de rentabilidade futura. O adquirente da


pessoa jurídica paga um preço maior pela aquisição da empresa porque quer
participar do lucro que se espera que seja auferido. Já o fundamento da letra “c”
trata do fundo de comércio, de intangíveis ou de outras razões econômicas. O
adquirente da pessoa jurídica paga um preço maior pela sua aquisição porque
está recebendo bens do ativo (ainda que intangíveis) que não estão registrados
na contabilidade. A empresa “vale” mais do que o simples valor do patrimônio
líquido contábil.
A todo rigor, os fundamentos das alíneas a e c são muito semelhantes.
Ambos se referem a ativos que não estão registrados na contabilidade pelo seu
valor de mercado. E que, numa operação de venda da empresa, as partes querem
que todos os seus ativos e passivos sejam avaliados pelo valor de mercado. A
diferença reside no fato de a alínea “a” tratar de bens que estão subavaliados
no ativo e a alínea c tratar de bens que nem estão avaliados na contabilidade.
Logo, para que os intangíveis e o fundo de comércio possam representar
fundamentos para a apuração do ágio, a empresa adquirente deve ter optado por
pagar determinado sobre-preço pela sua aquisição específica, e não em razão
dos lucros que, por meio da sua utilização, possam vir a ser auferidos no futuro.
Tome-se, como exemplo, o caso de pagamento de ágio pela aquisição de
participação em determinada empresa altamente deficitária, que não apresenta
a menor possibilidade de reverter essa situação. A despeito disso, a empresa
possui vários pontos de venda estrategicamente localizados e que poderiam ser
bem utilizados na atividade desenvolvida pela empresa adquirente. Mesmo sem
qualquer perspectiva de lucratividade, à adquirente interessa pagar um sobre-
preço na aquisição da empresa porque os bens que compõem o seu fundo de
comércio vão lhe ocasionar ganhos de produtividade.
Nesse exemplo, fica claro que, em última análise, o que a empresa
adquirente pretende é a obtenção de lucros com a exploração daquele fundo de
comércio (pontos comerciais), pois isto é o que todo empresário almeja. Mas
a expectativa de rentabilidade não foi a razão econômica que fundamentou o
pagamento do sobre-preço e sim a existência do fundo de comércio.
Por fim, o art. 20 do Decreto-lei n. 1.598/77 também contempla na alínea
c como fundamento econômico do ágio “outras razões econômicas”. Trata-se de
um item abrangente, destinado a abarcar qualquer outra razão econômica não
prevista nas demais hipóteses do art. 20.

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356 - Determinação e Fundamentação Econômica do Ágio Apurado na...

É possível que determinada empresa resolva pagar sobre-preço em relação


ao valor do patrimônio líquido da empresa adquirida para, por exemplo, eliminar
um concorrente no mercado, ou para estabelecer-se em outra praça, ou ainda
para evitar a sua quebra, com possíveis repercussões no seu próprio negócio.
Em qualquer dessas situações, o ágio apurado terá como fundamento outras
razões econômicas.
Esse é o que podemos chamar de regime fiscal para determinação do valor
do fundamento econômico do ágio, nos termos do Decreto-lei n. 1.598/77.

3. Apuração do ágio na contabilidade:


perspectiva do CPC.
O critério contábil para o registro de um investimento avaliado pelo
método de equivalência patrimonial é objeto de estudo pelos profissionais que
atuam nessa área, de modo que o presente trabalho não tem qualquer pretensão
de esgotar ou mesmo aprofundar o tema.
A análise dos critérios contábeis a seguir elaborada dar-se-á nos limites
do escopo deste trabalho, que é comparar os critérios e objetivos dos registros
contábil e fiscal dos ágios apurados na aquisição de investimentos.
Pois bem. Com a introdução das novas regras contábeis, a partir da Lei
n. 11.638/2007, o custo de aquisição de participações societárias avaliadas por
equivalência patrimonial deve ser apurado de maneira completamente diferente
daquela analisada acima, prevista no art. 20 do Decreto-lei n. 1.598/77.
Segundo a nova prática contábil, uma vez adquirida determinada
participação societária sujeita à avaliação pelo método de equivalência
patrimonial, os seguintes procedimentos devem ser adotados 11:
- os ativos e passivos da empresa adquirida devem ser ajustados, em linhas
gerais, ao seu valor justo, nos termos previstos no Pronunciamento Técnico CPC
15. Considera-se valor justo o montante pelo qual um ativo pode ser trocado ou
um passivo liquidado, entre partes independentes, sem favorecimentos 12.

11 Conforme determinam os itens 19 e seguintes da Instrução Técnica ICPC n. 09, emitida pelo
Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC).
12 Pronunciamento Técnico CPC 14.

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- a diferença entre o patrimônio líquido contábil e o patrimônio líquido


ajustado na forma acima (pelo valor justo) deve ser considerada um ajuste
extracontábil do patrimônio líquido da empresa adquirida.
- na data da aquisição da participação societária, o valor do investimento,
correspondente ao preço de aquisição, deve ser segregado da seguinte forma:
a. valor do investimento propriamente dito, apurado por meio da aplicação
do percentual de participação adquirida sobre o patrimônio líquido da empresa
investida, com ativos e passivos avaliados a preço justo; e
b. ágio (goodwill): a diferença entre o valor do investimento propriamente
dito e o valor pago na aquisição da participação societária.
Como se vê, o primeiro passo para o registro contábil de um investimento
é a determinação do valor justo de todos os ativos e passivos da empresa
adquirida. O resultado da soma algébrica de todos esses valores corresponde
ao valor justo do investimento como um todo, sobre a qual a investidora deve
aplicar o respectivo percentual de participação.
Definido o valor justo do investimento, compara-se esse montante com o
preço pago pela aquisição da participação societária. Se o preço pago for superior
ao valor justo do investimento, essa diferença deve ser registrada como ágio, o
qual também é denominado de goodwill. Se o valor justo apurado for superior
ao preço pago na aquisição da participação, essa diferença corresponderá a
deságio, também denominado de “compra vantajosa”.
Trataram do assunto, sem prejuízo de outros, os Pronunciamentos Técnicos
CPC ns. 15 (Combinação de Negócios) e 18 (Investimento em Coligada e
em Controlada), além da Interpretação Técnica ICPC 09 (Demonstrações
Contábeis Individuais, Demonstrações Separadas, Demonstrações Consolidadas
e Aplicação do Método de Equivalência Patrimonial).
De tais manifestações, merece destaque pela simplicidade e clareza o seguinte
trecho extraído do item 23 do Pronunciamento Técnico CPC 18. Veja-se:
“(...) 23. O investimento em coligada e em controlada é contabilizado
pelo método de equivalência patrimonial a partir da data em que ela
se torna sua coligada ou controlada. Na aquisição do investimento,
quaisquer diferenças entre o custo do investimento e a parte do
investidor no valor justo líquido dos ativos e passivos identificáveis
da investida devem ser contabilizadas como segue:

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358 - Determinação e Fundamentação Econômica do Ágio Apurado na...

(a) o ágio fundamentado em rentabilidade futura (goodwill) relativo


a uma coligada ou controlada (neste caso, no balanço individual da
controladora) deve ser incluído no valor contábil do investimento e
sua amortização não é permitida;
(b) qualquer excedente da parte do investidor no valor justo líquido dos
ativos e passivos identificáveis da investida sobre o custo do investimento
deve ser incluído como receita na determinação da parte do investidor nos
resultados da investida no período em que o investimento for adquirido.”
(destaques nossos)
Para os contadores, portanto, o desdobramento do custo de aquisição de
um investimento avaliado por equivalência patrimonial não mais considera
o antigo valor contábil do patrimônio líquido da empresa adquirida, como
ocorre para fins fiscais.
Para fins contábeis, é relevante o valor justo do patrimônio líquido, o qual,
como visto, advém do valor de mercado de todos os bens do ativo e do passivo
da empresa adquirida.
Se da comparação entre o valor justo e o preço pago na aquisição da
participação ainda restar uma determinada diferença, e se esta for positiva,
configurará ágio (goodwill), o qual não será amortizável contabilmente. Se tal
diferença for negativa, presume-se que a empresa fez um bom negócio, devendo
registrar um deságio, o qual deve ser reconhecido como receita.
Os pronunciamentos técnicos do CPC acima mencionados consideram que
o goodwill apurado na forma acima tem natureza de expectativa de rentabilidade
futura. Para eles, portanto, não importa o motivo pelo qual foi realizado o negócio.
Todo e qualquer montante pago acima do valor patrimonial apurado a valor justo
tem natureza de expectativa de rentabilidade futura.
Assim, para fins contábeis, não há como fundamentar o valor do ágio
dentre as três hipóteses previstas no parágrafo 2º do art. 20 do Decreto-lei n.
1.598 (mais valia de ativos, rentabilidade futura e fundo de comércio ou outros
intangíveis). Sua determinação, sob a perspectiva contábil, tem regras rígidas:
aquilo que restar após a determinação do valor justo do investimento é ágio
com natureza de expectativa de rentabilidade futura.
Quanto ao deságio, a contabilidade não se preocupa com o respectivo
fundamento econômico, tanto que, diferentemente do goodwill, e em se
tratando de um bom negócio, o deságio deve ser reconhecido integral e

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imediatamente como receita. Embora não estejamos neste estudo enfatizando


o cálculo do deságio, o ponto agora levantado é relevante porque evidencia
outra clara diferença entre os regimes contábil e fiscal, eis que, enquanto no
primeiro, o deságio sequer possui fundamentação econômica, no segundo, as
três regras de determinação da razão econômica também valem para o deságio.
Outra novidade introduzida pelos CPCs que trataram do tema é que o
ágio, como bem integrante do ativo da investidora, está sujeito ao chamado
teste de “impairment” ou recuperabilidade de ativos 13, o que não ocorre para
fins fiscais. Pelo contrário, no regime do Decreto-lei n. 1.598/77, vimos que o
ágio baseado em expectativa de rentabilidade futura não deve sofrer quaisquer
alterações, mesmo que a rentabilidade estimada da empresa adquirida não
venha a se concretizar.

4. Conclusões.
Com base nas considerações anteriores, sobre os regimes contábil e fiscal
a que se submete o ágio pago na aquisição de investimento, pudemos verificar
que são completamente diferentes os métodos – fiscal e contábil – de apuração e de
demonstração do ágio na aquisição de investimentos avaliados por equivalência
patrimonial.
De fato, o único ponto comum entre os dois critérios, além do fato de
que ambos se prestam para o registro de participações societárias avaliadas
por equivalência patrimonial, é que os dois têm como referência o preço pago
na aquisição de um investimento. Mas enquanto para fins fiscais esse preço é
comparado com o tradicional valor do patrimônio líquido da empresa investida,
para fins contábeis o mesmo preço é comparado com o valor justo dos ativos e
passivos da empresa investida.
Assim, como são apurados com base em elementos diferentes (patrimônio
líquido contábil x patrimônio líquido calculado pelo valor justo), o valor do
ágio verificado na aquisição de investimentos nunca poderá ser equivalente ao
goodwill registrado contabilmente.

13 Vide, por exemplo, item 25 da Interpretação Técnica ICPC n. 09 nesse sentido.

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360 - Determinação e Fundamentação Econômica do Ágio Apurado na...

Além disso, a razão econômica do pagamento do ágio, relevante para


fins fiscais, é completamente irrelevante para fins contábeis, eis que, para os
contadores, o ágio sempre terá natureza de expectativa de rentabilidade futura.
Na perspectiva contábil, aliás, a fundamentação econômica do ágio, além de
ser uma só, também não tem maior importância, já que o ágio assim apurado
não é amortizável.
A falta de relevância da fundamentação econômica do deságio no plano
contábil também se revela na medida em que ele deve simplesmente ser
reconhecido como receita, independentemente de qualquer definição sobre a
sua razão econômica.
Sobre essa questão, é importante relembrar que o critério fiscal para a
apuração do ágio leva em conta o motivo que ensejou o pagamento de um preço
superior ao valor do patrimônio líquido contábil. E o motivo, como visto, é
a razão de foro íntimo do adquirente que o levou a manifestar determinada
vontade de praticar aquele negócio jurídico por aquele valor.
Para fins fiscais, portanto, é necessário analisar porque determinada
empresa pagou aquele preço pela aquisição do investimento. Para auferir as
receitas que se espera obter com aquele negócio? Para eliminar um concorrente?
Para vender um ativo daquela empresa, o qual vale mais no mercado do que o
valor registrado na contabilidade? Para fins fiscais, em suma, é relevante a razão
pela qual foi pago aquele preço pelo investimento adquirido.
Isto é assim não por qualquer capricho do jurista, mas porque a lei o exige.
Também vale frisar que o Decreto-lei n. 1.598/77 não dá alternativa
ao contribuinte. Este, ao adquirir o investimento avaliado por equivalência
patrimonial, deve desdobrar o respectivo custo de aquisição entre o valor do
patrimônio líquido contábil e o ágio ou deságio, além de indicar, dentre uma
ou mais das hipóteses previstas no parágrafo 2º do art. 20, qual é ou quais são
os fundamentos econômicos do ágio ou deságio apurados.
Insistimos que esse decreto-lei está em pleno vigor, não tendo sido revogado
pela Lei n. 11.638/2007 nem por qualquer outra norma legal, devendo ser
cumprido até que haja a sua efetiva revogação. Ainda a respeito da vigência
do art. 20, é importante destacar que a Lei n. 11.638/2007, e depois a Lei
n. 11.941/2009, ao tratarem das novas regras contábeis, alteraram dispositivos
do Decreto-lei n. 1.598/77, mas mantiveram o art. 20 inalterado, o que
evidencia que, se fosse o caso, tal dispositivo seria alterado ou revogado. Não

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tendo ocorrido qualquer alteração nele, forçoso reconhecer a sua plena vigência.
O contador não precisa averiguar os porquês do pagamento daquele preço
pela aquisição do investimento, como necessita o jurista. Para o contador, esse
dado não tem qualquer interesse, bastando a ele o registro do investimento pelo
seu valor justo, ficando a diferença entre esse valor e aquele efetivamente pago
na aquisição a ser contabilizado como goodwill ou deságio.
Comparando os dois regimes e os procedimentos a serem adotados para a
determinação dos correspondentes valores, é possível verificar que a seqüência de
procedimentos utilizada pelo contador para desdobrar o custo de aquisição de um
investimento é diferente da seqüencia de procedimentos exigida pela lei fiscal.
Enquanto, para fins fiscais, primeiro verifica-se o motivo que justificou o
pagamento do preço pela compra do investimento para depois registrar o ágio
de acordo com ele, para fins contábeis primeiro apura-se o valor justo dos ativos
e passivos da empresa adquirida, depois identifica-se o goodwill e, ao final,
assume-se, sem questionar, que este tem fundamento em rentabilidade futura.
Em outras palavras, enquanto para fins fiscais é relevante a razão, o motivo,
da compra de um investimento por aquele preço, contabilmente o importante
é a determinação do valor justo dos ativos e passivos da empresa adquirida,
pois a partir dele é que se apura o valor do goodwill.
A diferença apontada nos dois parágrafos anteriores também interfere
na comprovação que serve de suporte para os registros contábil e fiscal do
ágio. Enquanto para fins contábeis é necessário um laudo de avaliação para
demonstrar o valor justo dos ativos e passivos da empresa adquirida, para fins
fiscais é necessário comprovar o motivo do pagamento daquele preço pelo
negócio praticado, missão essa que não é tão simples, pois vinculada às razões
gerenciais do administrador da empresa investidora.
Geralmente essa prova se faz por declaração (uma espécie de confissão)
por parte da empresa, ou nos “considerandos” contidos nos instrumentos de
aquisição do investimento, devendo tal declaração estar apoiada em laudo de
avaliação do valor da empresa adquirida. Normalmente esse laudo justifica o
motivo do pagamento do preço.
É por isso também que, em regra geral, o laudo de avaliação para fins
fiscais é elaborado em momento anterior à realização do negócio, pois este será
utilizado nas tratativas entre as partes para a fixação do preço a ser pago. Já o
laudo que suporta o lançamento contábil refere-se a momento imediatamente

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362 - Determinação e Fundamentação Econômica do Ágio Apurado na...

posterior ao fechamento do negócio, quando a investidora vai lançar na


contabilidade os valores pagos na aquisição do investimento.
São tantas e tão agudas as diferenças entre os regimes fiscal e contábil
que, uma vez constatado estar o regime fiscal em pleno vigor, mesmo após a
edição da Lei n. 11.638/2007 e das regras do CPC, a única conclusão possível
é no sentido de que se tratam de procedimentos completamente diferentes,
com objetivos diferentes.
Os regimes contábil e fiscal de apuração do ágio devem conviver
harmonicamente, sem que um interfira com o outro, o que é perfeitamente
viável nos termos do art. 16 da Lei n. 11.941/2009, que criou o chamado RTT.
Segundo o RTT, na busca da neutralidade fiscal, o contribuinte que apurar
ágio na aquisição de investimento, na forma preconizada pelo CPC, deverá
efetuar ajustes 14 para fins fiscais, de modo a determinar o valor e os fundamentos
econômicos do ágio para efeito do Decreto-lei n. 1.598/77.
Nesse contexto, os critérios para determinação do ágio para fins contábeis
não têm qualquer interferência na apuração do ágio para fins fiscais, devendo
as diferenças entre os dois regimes ser ajustadas na forma do RTT.
Por isso mesmo, a determinação do valor justo do investimento adquirido,
realizada para fins contábeis, não tem qualquer relação com a determinação
do fundamento econômico do ágio. Avaliar os ativos e passivos da investida
pelo valor justo para fins contábeis, o que muito se aproxima de atribuir valor
de mercado aos seus direitos e obrigações, não significa de forma alguma que
eventual ágio apurado tenha como razão econômica a “mais valia de ativos”
de que trata a alínea a do parágrafo 2º do art. 20 do Decreto-lei n. 1.598/77.
Como demonstrado anteriormente, para fins fiscais, “mais valia de ativos”
representa o motivo – ou um dos motivos – pelos quais uma empresa adquire
determinado investimento. Ou seja: o negócio é realizado e o sobre-preço é
pago porque há bens subavaliados na contabilidade da investida, devendo esse
fato figurar como motivo para o pagamento do ágio.
Por outro lado, se essa mais valia ou subavaliação de bens na contabilidade
da investida não tiver sido levada em consideração pelas partes, não figurando

14 Tais ajustes devem ser feitos em livro fiscal chamado FCONT, instituído pela Instrução Normativa
RFB n. 949/2009.

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como motivo da aquisição do investimento, ela não deve produzir efeitos


para fins fiscais.
Exemplificando: se uma empresa adquiriu participação em outra para
eliminar um concorrente, eventual ágio apurado terá fundamento em “outras
razões econômicas”, nos termos do art. 20 do Decreto-lei n. 1.598/77. Isto
valerá mesmo que, na empresa adquirida, haja determinados bens cujo valor
de mercado seja superior ou inferior ao valor registrado na contabilidade.
Mas, para fins contábeis, será mandatória a avaliação daqueles bens pelo
seu valor justo, devendo a diferença apurada de forma residual ser registrada
como goodwill.
Insistimos: para fins contábeis não interessa se o investimento foi adquirido
para eliminar o concorrente, bastando que seja apurado o valor justo do
investimento, para então, quanto ao valor residual, escriturá-lo como goodwill.
Para a contabilidade, portanto, é irrelevante o motivo do pagamento do valor
excedente ao patrimônio líquido, pois para ela vale sempre a mesma resposta:
esse excesso tem natureza de expectativa de rentabilidade futura.
Outro exemplo ilustrativo, amplamente divulgado na imprensa
especializada, é o de determinada rede de comércio varejista que adquiriu o
controle de uma rede de locadoras de filmes, apenas com o objetivo de assumir
os pontos comerciais das locadoras. Para a empresa adquirente, os demais bens
do ativo e os resultados obtidos com a locação de filmes, ainda que existentes,
eram praticamente irrelevantes, pois o que justificou a compra do investimento
foram os pontos comerciais.
Nesse caso, eventual ágio apurado, para fins fiscais, deve ser registrado
com fundamento em “fundo de comércio”, mesmo que, contabilmente, boa
tarde dos valores pagos possa ser atribuída ao valor de mercado dos bens da
locadora e à rentabilidade futura.
Repare-se que, em ambos os exemplos vistos acima, os ágios apurados
com fundamento em “fundo de comércio” e “outras razões econômicas” teriam
a totalidade das suas amortizações consideradas indedutíveis para fins fiscais,
no caso de aplicação dos art. 7º e 8º da Lei n. 9.532/97. Mas caso fosse válido
definir as razões econômicas do ágio, para fins fiscais, com base nos critérios
contábeis, ao menos parte dos ágios seria alocada como “mais valia de ativos” e
poderia gerar quotas de depreciação dedutíveis, na forma dos citados dispositivos
da Lei n. 9.532/97.

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364 - Determinação e Fundamentação Econômica do Ágio Apurado na...

Não se trata, portanto, de sustentar a posição mais favorável ao Fisco ou


ao contribuinte. A proposta deste estudo é firmar, livre de preconceitos, uma
linha de raciocínio lógica e cientificamente válida, aplicando-a em qualquer
situação, seja quem for o beneficiado.
Marco Aurelio Greco15 sustenta que a alocação das parcelas do ágio em
função dos três fundamentos previstos no parágrafo 2º do art. 20 do Decreto-lei
n. 1.598 não é um ato de vontade do contribuinte, mas sim “fruto da constatação
de uma realidade”. E ainda segundo ele, a realidade é que, se de fato existir uma
diferença entre o valor de mercado dos bens do ativo da empresa adquirida
superior ao valor contábil, a parcela do sobre-preço pago na aquisição do
investimento deverá ser necessariamente lançada sob o fundamento previsto
na alínea a do parágrafo 2º do art. 20.
A nosso ver, o argumento não procede. Não há nada na redação do art.
20 que justifique a conclusão no sentido de haver uma ordem de prioridades
entre os três fundamentos ali elencados. Pelo contrário, em todo este trabalho
procuramos demonstrar que os fundamentos do parágrafo 2º do art. 20 devem
ser entendidos como motivos, razões, de cunho eminentemente subjetivo e,
portanto, de livre escolha do contribuinte, ainda que sujeitos a comprovação.
Quem compra uma empresa para liquidá-la realizando seus ativos, porque
acredita que eles estão sendo mal aproveitados, certamente pagará ágio na
aquisição do investimento com fundamento na alínea a do parágrafo 2º do
art. 20. Essa é a sua realidade. Mas quem compra uma empresa para retirar
um concorrente do mercado, não está preocupado com o valor de mercado dos
bens do seu ativo. O que vale para esse adquirente é garantir exclusividade de
fornecimento de seus produtos aos clientes16. O fundamento para o pagamento
de sobre-preço, portanto, são outras razões econômicas, conforme previsto na
alínea c do parágrafo 2º do art. 20. Essa é a sua realidade.
Isso demonstra que a realidade não é uma só em todos os casos. Não se
pode generalizar. A exata expressão da realidade, em cada caso, deve ser dada

15 “Ágio por Expectativa de Rentabilidade Futura: Algumas Observações”, in “Fusão, Cisão,


Incorporação e Temas Correlatos”, coordenação de Walfrido Jorge Warde Jr, Quartier Latin, São
Paulo, 2009.
16 É famosa, nas crônicas esportivas, a história de um rico empresário e político italiano, dono de
um time de futebol, que contratava bons jogadores de outros times para deixá-los no banco de
reservas, só para que eles não jogassem pelos times adversários.

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pelo motivo que justificou a realização de cada operação. E o motivo é livremente


determinado pelo adquirente.
A nosso ver, o ágio calculado para fins fiscais e o goodwill apurado para
fins contábeis são conceitos completamente distintos, eis que baseados em
critérios diferentes e utilizados com objetivos diversos.
Por fim, vale registrar que o conceito contábil de goodwill não tem
qualquer relação com o conceito jurídico de fundo de comércio, analisado no
item anterior deste estudo, a despeito de a tradução corrente para o português
do termo goodwill ser justamente “fundo de comércio”, o que tem causado
alguma confusão entre profissionais dos dois ramos.
A nosso ver, como o ágio fiscal e o goodwill são conceitos completamente
diversos, dada a total incompatibilidade entre os critérios contábil e fiscal para
a determinação do valor de cada um deles, não resta outra alternativa senão
reconhecer a co-existência de ambos, cada um com seus objetivos e funções,
dentro dos respectivos contextos.

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Capítulo XIII

Ágio Interno: Reflexões


Sobre Seus Aspectos
Regulatórios E

José Andrés Lopes da Costa


Advogado e professor no Rio de Janeiro. Atua preponderantemente nas áreas de
Direito Societário, de Mercado de Capitais, Regulatório e Tributário.

Daniela Pereira Philbois


Advogada no Rio de Janeiro. Atua preponderantemente nas áreas de Direito
Tributário e Regulatório.

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1. Nota Introdutória

A contabilidade no Brasil sempre foi influenciada pelas normas tributárias,


podendo-se dizer que os lançamentos contábeis eram efetuados, até o passado
recente, quase sempre se pensando nas repercussões fiscais daí resultantes,
relegando-se – de forma injusta, é preciso registrar – a ciência contábil a um
plano secundário, quase auxiliar do Direito Tributário. Um exemplo emblemático
dessa relação é a questão da depreciação de bens do ativo permanente, que,
devido às regras de dedutibilidade do imposto de renda, sempre foi efetuada
segundo os critérios estabelecidos pela legislação fiscal.
Todavia, a evolução do mercado financeiro e de capitais do Brasil trouxe à
tona a necessidade de se recuperar a função societária da contabilidade, que vinha
sendo negligenciada: sua submissão ao direito tributário implicava em distorções,
que, com frequência, tornavam as informações contidas nas demonstrações
financeiras pouco confiáveis e até inúteis para o mercado, obrigando a adaptação
de balanços para fins de divulgação a investidores externos, notadamente no caso
de emissão de ADR´s e outros títulos internacionais, para o que se necessitava
fazer uma verdadeira “tradução” dos balanços das empresas brasileiras de modo
a compatibilizá-los com as normas internacionais.
O processo de abertura do país ao capital externo, iniciado na década de
80, que poderia ser uma posição política transitória, veio de fato a consolidar-
se como uma tendência com ares de definitividade. Aproveitando o momento
histórico, as empresas nacionais encontraram no capital externo privado uma
importante fonte de captação de recursos, tornando a evolução da regulação do
mercado financeiro e de capitais brasileiro uma medida inevitável no contexto
da internacionalização do País.
Esse aprimoramento pode ser notado quando se observa, dentre outros, a
postura mais dinâmica da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na repressão
a ilícitos ocorridos no mercado de capitais e na regulamentação preventiva, o
desenvolvimento da autorregulação (com normas da ANBIMA, da BM&FBovespa
etc.) e, ainda, a crescente interação entre os entes reguladores e o mercado.
Foi nessa esteira, portanto, que se deu início ao processo de adoção
das regras do International Financial Reporting Standards (IFRS), que,
independentemente de qualquer análise comparativa entre a qualidade das

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normas internacionais e as internas, tem como mérito inquestionável tornar


títulos e valores mobiliários brasileiros mais palatáveis ao mercado externo, já
que a adoção de regras contábeis tanto o quanto possível uniformes facilita a
avaliação e apreçamento desses ativos e sua comparação com seus similares
emitidos em outros países.
É, pois, nesse contexto que buscaremos abordar a questão do ágio interno
ou in house premium, assim entendido como aquele valor que excede o valor
patrimonial em uma operação de aquisição de empresa ligada, através de uma
transação que pode, conforme o caso, sofrer a influência de fatores outros que
não as regras usuais de mercado.
Note-se, para que fique claro, que conquanto o denominado
ágio interno não implique necessariamente na existência de qualquer
artificialidade, este quase sempre é visto com reserva tanto pelos entes
reguladores do mercado de capitais quanto pelo Fisco. Por parte dos
reguladores, sempre houve uma preocupação em relação à solidez do
ágio criado internamente, ao passo que, para o Fisco a preocupação era
direcionada à possibilidade de aproveitamento desse ágio para fins fiscais,
sobretudo, em operações de incorporação, fusão ou cisão como faculta o
artigo 7º da Lei nº 9.532/971.
Contudo, a adoção do critério de “valor justo” para a contabilização de
investimentos adquiridos de empresa ligada, presente nas sucessivas regras
introduzidas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) desde a edição

1 Art. 7º A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou
cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo
o disposto no art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977:
I – deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo fundamento seja o de que trata a alínea a do
§ 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, em contrapartida à conta que registre o bem
ou direito que lhe deu causa;
II – deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea c do § 2º do art.
20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, em contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita
a amortização;
III – poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea b do § 2º
do art. 20 do Decreto-lei nº 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro
real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no
máximo, para cada mês do período de apuração;
IV – deverá amortizar o valor do deságio cujo fundamento seja o de que trata a alínea b do § 2º
do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro
real, levantados durante os cinco anos-calendários subseqüentes à incorporação, fusão ou cisão,
à razão de 1/60 (um sessenta avos), no mínimo, para cada mês do período de apuração.

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das Leis nº 11.638/2007 e nº 11.941/2009, veio substituir a anterior forma de


contabilização do investimento, determinada pelo Decreto-lei nº 1.598/77.
O conceito de valor justo, por sua vez, pode ser encontrado no CPC 15,
que o define como “o valor pelo qual um ativo pode ser negociado entre partes
interessadas, conhecedoras do negócio e independentes entre si, com ausência de fatores
que pressionem para a liquidação da transação ou que caracterizem uma transação
compulsória”.
Assim, embora contabilmente o ágio continue a ser a diferença entre o
valor patrimonial da participação e o preço pago por ela, o “valor patrimonial”
não é mais calculado com base no valor contábil, mas, sim, utilizando-se como
referência o valor justo dos ativos da empresa investida.
Por outro lado, de acordo com a legislação tributária, a diferença
entre o valor de mercado de um ativo da investida e o seu valor contábil é,
justamente, um dos fundamentos econômicos do ágio (artigo 385, §2º, inc. I
do Regulamento de Imposto de Renda, Decreto nº 3.000/99).
Dessa maneira, as regras contábeis e fiscais divergem não só em relação à
forma de registro, mas, também, em relação ao próprio conceito de ágio. Em
virtude dessas divergências, persiste muita dúvida no que se refere ao tratamento
destinado ao ágio para fins tributários, sobretudo porque os diplomas legais que
cuidam de seu registro e possibilidade de aproveitamento fiscal estão em pleno
vigor, existindo nos dias de hoje, portanto, duas contabilidades: uma fiscal ou
tributária e outra societária ou comercial, em tudo e por tudo diferentes entre si2.

2. Aspectos Regulatórios
2.1 A relevância do ágio em matéria de regulação do
mercado financeiro e de capitais

Como é de ciência comum, o ágio, em uma acepção genérica, é a diferença


– a maior – entre o preço pago por determinado ativo e seu valor de mercado.
Em virtude da repercussão direta do ágio pago na aquisição da controlada no

2 Em verdade, como ciência instrumental, a contabilidade se divide em diversas outras ramificações.


O que se procura apontar, contudo, é a consolidação de uma divisão que, no Brasil, ainda não
existia, ao menos não de forma tão contundente.

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balanço da controladora, a matéria vem sendo alvo de análise cada vez mais
detida pelos entes reguladores, especialmente no que concerne a operações de
aquisição de participação acionária realizadas entre pessoas jurídicas ligadas.
O motivo mais evidente para este cuidado com as operações que envolvam
pagamento de ágio nas operações antes referidas – interno ou externo – repousa
na possibilidade de dar-se ensejo à denominada “assimetria informacional”, que
consiste na diferença de quantidade e qualidade das informações disponíveis para
os agentes do mercado, criando condições desiguais de competição.
Joseph Stiglitz, com muito brilhantismo, explica o conceito, partindo do
pressuposto de que a informação é um bem público3: “Information is, in many
respects, a public good. Giving information to one more individual does not reduce
the amount others have. Efficiency requires that information be freely disseminated
or, more accurately, that the only charge be for the actual cost of transmitting the
information. The private market will often provide an inadequate supply of
information, just as it supplies an inadequate amount of other public goods” 4.
Mas não é apenas na questão da assimetria informacional que reside
o principal aspecto da questão. Como se sabe, o mercado financeiro e de
capitais, assim como os demais mercados, apresenta diversas falhas, que tornam
conveniente a existência de certo nível de intervenção estatal, que, através da
imposição de normas regulatórias, passa a corrigir (ou atenuar) esses problemas.
Ainda de acordo com Joseph Stiglitz, há, basicamente, seis tipos de falhas
de mercado, quais sejam: (i) competição imperfeita, pois, para a existência
de um resultado “Pareto Eficiente” é preciso que haja competição perfeita,
de modo que nenhum competidor possa controlar os preços praticados; (ii)
existência de bens públicos “puros”, que não podem ser supridos pelo mercado
ou não podem ser supridos em quantidade suficiente, em virtude do fato de
que são genericamente aproveitáveis (não há um custo individualizado de
aproveitamento ou não se pode impedir um indivíduo de usufruir do bem); (iii)
ocorrência de externalidades (positivas e negativas); (iv) existência de mercados
incompletos, ou seja, o mercado não fornece determinados bens demandados

3 A expressão bem público é utilizada aqui em seu sentido econômico, não necessariamente
coincidente com a acepção jurídica do termo.
4 STIGLITZ, Joseph. Economics of the Public Sector. New York: Norton, 2000, p. 84.

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ainda que o custo de sua produção seja inferior ao preço que os consumidores
estão dispostos a pagar; (v) falhas informacionais; e (vi) desemprego, inflação
e desequilíbrio5.
No mercado financeiro e de capitais a regulação destina-se, sobretudo,
a corrigir os problemas apontados nos itens (i), (iii), (iv) e (v) mencionados
acima, pois, como leciona Otavio Yasbek, “as funções da regulação financeira
são: (a) controlar as posições de poder no mercado (das situações de monopólio ou de
oligopólio, entre outras distorções); (b) controlar e administrar as externalidades que
podem decorrer das atividades financeiras (risco de contágio e outras questões de ordem
sistêmica); e (c) proteger clientes, dada a assimetria informacional característica de
sua relação com as instituições por intermédio das quais operam6”.
São atinentes à questão do ágio os dois últimos objetivos mencionados,
visto como são capazes de gerar distorções na percepção que os agentes do
mercado possuem acerca da saúde financeira, solvabilidade e rentabilidade
das empresas que possuem títulos e valores mobiliários postos em negociação
pública, captando poupança através deste mercado.
No que se refere às externalidades, é importante observar que o ágio
traz um componente intrínseco de risco sistêmico: a avaliação do valor pago a
título de goodwill é uma avaliação que emprega critérios subjetivos, o que gera,
evidentemente, uma maior volatilidade dos preços.
O ágio representa, ainda, um risco para a solidez e confiabilidade
das informações financeiras, pois, a partir do momento em que o valor
do investimento (nele contido o ágio) impacta o patrimônio líquido da
controladora, há uma “objetivação” do valor do prêmio, que, em sua formação,
foi constituído por critérios significativamente subjetivos.
Imagine-se, a título de exemplo, que a empresa B tenha adquirido uma
participação na Empresa A, pagando um ágio de X. Se, posteriormente,
a empresa C vier a adquirir uma participação na Empresa B, o balanço
patrimonial da Empresa C será impactado pelo ágio pago pela empresa B
na aquisição das ações de A. Todavia, esse ágio estará “embutido” no valor
patrimonial das ações da Empresa B, de sorte que, o componente subjetivo

5 Op. Cit., pp. 76 – 85.


6 GOODHART, citado por YASBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais. Rio
de Janeiro: Elselvier: 2009, p. 188.

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do ágio deixa de ser visível para aquele que avalia o balanço patrimonial
da Empresa C.

Nota-se, pois, no exemplo a que se acaba de referir que a assimetria


informacional atingiria tanto os sócios quanto os credores da sociedade
controladora, pois, como visto acima, o ágio impacta o balanço patrimonial da
sociedade que adquiriu participação societária nessas circunstâncias.
A questão, entretanto, não é nova. Já no ano de 1996, buscando minimizar
tanto o problema do risco sistêmico como da assimetria informacional
decorrentes do ágio, a CMV editou a Instrução Normativa nº 247, de 27 de
março daquele ano, a qual define apenas duas causas de justificação do ágio,
em lugar das três existentes na legislação tributária, quais sejam, (a) a diferença
entre o valor contábil dos bens e seu valor de mercado e (b) expectativa de
rentabilidade futura. Qualquer ágio registrado com outro fundamento (outras
razões econômicas) que não esses deve ser reconhecido como perda. Confira-se:
“Art. 14. O ágio ou deságio computado na ocasião da aquisição ou
subscrição do investimento deverá ser contabilizado com indicação do
fundamento econômico que o determinou.
§ 1º O ágio ou deságio decorrente da diferença entre o valor de mercado
de parte ou de todos os bens do ativo da coligada e controlada e o
respectivo valor contábil, deverá ser amortizado na proporção em que

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o ativo for sendo realizado na coligada e controlada, por depreciação,


amortização, exaustão ou baixa em decorrência de alienação ou
perecimento desses bens ou do investimento.
§ 2º O ágio ou deságio decorrente de expectativa de resultado
futuro, deverá ser amortizado no prazo e na extensão das projeções
que o determinaram ou pela baixa por alienação ou perecimento do
investimento.
§ 3º No caso do ágio referido no parágrafo anterior, o prazo máximo
para amortização não poderá exceder a 10 (dez) anos.
§ 4º Quando houver deságio não justificado pelos fundamentos
econômicos previstos nos parágrafos 1º e 2º, a sua amortização somente
poderá ser contabilizada em caso de baixa por alienação ou perecimento
do investimento.
§ 5º O ágio não justificado pelos fundamentos econômicos, previstos
nos parágrafos 1º e 2º, deve ser reconhecido imediatamente
como perda, no resultado do exercício, esclarecendo-se em nota
explicativa as razões da sua existência.”
Assim, para as companhias de capital aberto, de há muito só há, para fins
societários, duas justificativas possíveis para o ágio. É de se notar, contudo, que,
para as demais sociedades que não estão adstritas às normas da CVM, e como
será detidamente abordado adiante, o ágio poderia ter outros fundamentos,
descritos nas normas contábeis ou tributárias.
Se a formação do ágio entre partes não relacionadas já é um assunto do qual se
ocupa o ente regulador, o ágio interno, por sua vez, pode representar uma ameaça
agravada à higidez do mercado e à necessária simetria informacional. Em uma
análise bastante superficial já é possível identificar o problema: se o ágio é formado
internamente em um mesmo grupo econômico, há maior possibilidade de não
estarem presentes as condições de mercado, o que pode conduzir a distorções, como
por exemplo, o valor pago por determinada participação societária não corresponder
a seu valor de mercado ou à expectativa de rentabilidade.
Nesse contexto, o Ofício-Circular CVM/SNC/SEP/Nº 01/2007, de 14
de fevereiro de 2007, ao dispor sobre a aplicação das normas de contabilidade
pelas companhias abertas, manifestou-se expressamente no sentido da
inadmissibilidade da formação de ágio interno. De acordo com a CVM, o ágio
interno surgiria em operações sem substância econômica e independência entre

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as partes, não sendo, portanto, passível de ser contabilizado. Confira-se abaixo,


o item 20.1.7 do mencionado Ofício, que aborda a questão:
“(...) Em nosso entendimento, ainda que essas operações atendam
integralmente os requisitos societários, do ponto de vista econômico-
contábil é preciso esclarecer que o ágio surge, única e exclusivamente,
quando o preço (custo) pago pela aquisição ou subscrição de um
investimento a ser avaliado pelo método da equivalência patrimonial,
supera o valor patrimonial desse investimento. E mais, preço ou custo
de aquisição somente surge quando há o dispêndio para se obter algo
de terceiros. Assim, não há, do ponto de vista econômico, geração de
riqueza decorrente de transação consigo mesmo. Qualquer argumento
que não se fundamente nessas assertivas econômicas configura sofisma
formal e, portanto, inadmissível.
Não é concebível, econômica e contabilmente, o reconhecimento de
acréscimo de riqueza em decorrência de uma transação dos acionistas
com eles próprios. Ainda que, do ponto de vista formal, os atos
societários tenham atendido à legislação aplicável (não se questiona
aqui esse aspecto), do ponto de vista econômico, o registro de ágio,
em transações como essas, somente seria concebível se realizada entre
partes independentes, conhecedoras do negócio, livres de pressões
ou outros interesses que não a essência da transação, condições essas
denominadas na literatura internacional como “arm’s length”.
Portanto, é nosso entendimento que essas transações não se revestem
de substância econômica e da indispensável independência entre as
partes, para que seja passível de registro, mensuração e evidenciação
pela contabilidade.”
Analisando-se as decisões do colegiado da CVM, percebe-se que o
entendimento acima esposado reflete-se na jurisprudência do órgão. No
processo nº 2005/8796, uma companhia interpôs recurso contra decisão
da Superintendência de Relações com Empresas (SEP) de determinar a
republicação das demonstrações financeiras de 2005, em virtude da existência
de ressalva no Parecer do Auditor Independente sobre o reconhecimento de
ágio gerado internamente, que resultou em majoração do Exigível a Longo
Prazo e do Patrimônio líquido e do Resultado do Exercício.
No caso em exame, a SEP observou que a ressalva deu-se pelo fato de que a
companhia (Empresa A) possuía investimentos em duas controladas registradas nos

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seus livros a valores de custo (Empresas B e C), e, através de uma operação societária
de aumento do capital em uma terceira controlada (Empresa D), integralizou
tal aumento com as ações de emissão daquelas duas controladas (B e C), agora
reavaliadas pelo método do desconto do fluxo de caixa projetado. Com isso, a
companhia (Empresa A) registrou um ágio no valor da diferença entre a avaliação
original, pelo custo de aquisição, e a reavaliação econômica sustentada em laudo.

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Todavia, de acordo com a Superintendência de Normas Contábeis e


Auditoria (SNC) o critério de avaliação que suportava a transação efetuada pela
companhia não se revestia de substância econômica suficiente (sob o ponto de
vista contábil) para que fosse passível de registro, mensuração e evidenciação
pela contabilidade, de modo que, a companhia deveria realizar a reversão da
contabilização efetuada, retornando ao critério de avaliação pelo método da
equivalência patrimonial como base de valor para o registro da transação de
subscrição de capital com participações acionárias.
Cabe notar que a área técnica afirmou, ainda, que “deve-se ter em mente
que estamos tratando do registro do valor do ativo em questão nos livros contábeis, de
forma a mais fielmente refletir o lucro que vier a ser apurado, quando da sua realização.
Não se está invalidando laudos nem pondo em dúvida, tanto a robustez dos métodos
de avaliação, como a capacidade gestora dos administradores, mas, tão somente, que as
expectativas assumidas sejam reconhecidas quando da sua realização (confirmação),
pois essa é a utilidade da convenção do conservadorismo ou da prudência, evitar-se
dar como certo o que de fato é incerto”.
Em seu recurso, a Companhia defendeu a regularidade jurídica da
operação, afirmando que o ágio era pautado em laudo de avaliação. O Relator,
contudo, acompanhou o entendimento da SEP e da SNC com relação às
considerações sobre a contabilização do investimento feito, ressaltando, ainda,
que: (i) a decisão da área técnica não se dirigia à legalidade da operação, mas
apenas aos seus reflexos contábeis na companhia aberta; e (ii) o investimento
da Empresa A na Empresa D foi muito posterior à reavaliação dos ativos, que,
portanto, a seu tempo seria injustificada.
Percebe-se, assim, que, de acordo com a CVM, o ágio formado
internamente, com base na expectativa de rentabilidade futura não poderia
ser reconhecido contabilmente, independente de ser ou não juridicamente
admissível. Pautou-se, ainda, a decisão na impossibilidade de se realizar a
reavaliação de ativos, conforme definido na Deliberação nº 183/95.
A CVM também já apreciou a questão da geração de ágio interno no
âmbito de um processo de registro inicial de companhia de capital aberto
(processo nº 2007/12058), no qual determinou o refazimento e a reapresentação
de demonstração financeira especial.
A exigência decorreu de uma operação realizada por uma companhia
(Empresa B) que adquiriu a preço de mercado um terreno contíguo à sede de

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sua controladora (Empresa A) de titularidade de outra coligada (Empresa C).


No caso, a controladora (Empresa A) teria contratado empresa para avaliar o
imóvel de titularidade da Empresa C e, em seguida, aumentou o capital da
Empresa B, que, por sua vez, constituiu uma subsidiaria (Empresa D).

Posteriormente, a Empresa B permutou as quotas que possuía no capital


da Empresa D por quotas da Empresa C, passando, assim, a ser proprietária
indireta do terreno. Ocorre que, após essa operação, a Empresa B registrou a
titulo de ágio a diferença entre o valor patrimonial das quotas permutadas e o
valor do terreno de acordo com o laudo de avaliação.

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A SEP, após consultar a SNC sobre o tratamento contábil do mencionado


ágio, exigiu o refazimento da contabilidade face à constatação de que as empresas
possuíam o mesmo controlador indireto, o que retiraria qualquer substância
econômica da transação.
Em seu recurso, a controladora do grupo (Empresa A) alegou que a operação
não alterou o valor do investimento na sociedade que adquiriu o terreno (Empresa
B) e tampouco produziu resultados patrimoniais artificiais, tendo o ágio sido
gerado internamente em razão de transação com bem tangível, o que difere de
outros casos de ágio gerado internamente julgados pela CVM.
A SEP, embora tenha concordado com o argumento de que a operação não
ocasionou aumento do seu patrimônio líquido ou no seu resultado, nem dano
aos acionistas, opinou pela manutenção de seu entendimento de que o terreno
adquirido a valor econômico deveria ter sido contabilizado por seu valor de livro,
e, que, portanto, a Empresa B deveria dar baixa ao ágio referente à Empresa C.
Ademais, tanto a SEP quanto a SNC entenderam, a princípio, que
a flexibilização do conceito de ágio gerado internamente, face à estrutura
conceitual da contabilidade, não seria benéfica ao mercado. Contudo, a SNC

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findou por posicionar-se no sentido de que o ágio decorrente da permuta de


ações estaria fundamentado na subavaliação contábil do terreno, e que somente
deveria ser baixado na hipótese de venda do investimento na Empresa C ou
quando o próprio terreno fosse vendido ou reavaliado.
O Relator, por sua vez, tendo em conta a substância econômica da operação
de permuta, considerou ter restado configurada reavaliação espontânea do
imóvel, sem que essa reavaliação fosse reconhecida na controlada indireta
(Empresa C – proprietária do terreno). Ainda, o não reconhecimento dessa
reavaliação espontânea acabou por gerar o registro na Empresa B de um
ágio incorretamente classificado no ativo diferido. Assim, o Relator votou
pela reforma da decisão da SEP e pela necessidade de a companhia fazer os
ajustamentos necessários nas demonstrações financeiras das suas controladas
direta e indireta (Empresas B e C), a fim de que o conjunto das referidas
demonstrações evidenciasse a essência econômica da transação efetuada, qual
seja, a reavaliação do ativo tangível terreno.
O posicionamento da CVM em relação ao ágio interno pode ser observado
ainda em decisão proferida em julho de 2007, no processo administrativo nº
2007/3480. No caso em apreço, determinada companhia recorria de uma
determinação da SEP que o obrigava a refazer as demonstrações financeiras
relativas a determinado exercício social, para, dentre outras providências, reverter
o ágio interno oriundo de transação entre partes relacionadas.
A operação em tela consistia na emissão de novas ações de uma companhia
brasileira de capital aberto (Empresa B), subscritas por sua acionista controladora
(Empresa A) e integralizadas mediante a conferência de ações de uma terceira
companhia, também do mesmo grupo econômico (Empresa C). Ocorre que,
para o cálculo do valor das ações desta última companhia, utilizou-se o valor de
mercado dos bens, e não o seu valor patrimonial, reconhecendo-se, portanto,
a existência de ágio na Empresa C.

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Tanto a SEP quanto a SNC manifestaram-se contrariamente à prática


contábil utilizada pela empresa, entendendo que o ágio decorrente da operação
da companhia com sua acionista controladora deveria ser integralmente baixado,
acrescentando, ainda, que a prática contábil deveria ter sido objeto de ressalva
pelos auditores independentes.
De acordo com a SEP, tratando-se de operações entre partes relacionadas,
o patrimônio da Empresa C deveria ter sido reconhecido por seu valor líquido,
dado que inexistiria a necessária independência para determinação do valor
real das ações por parte do avaliador. Além disso, entendia a SEP que a

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contabilização do ágio a amortizar na conta do Intangível feriria o artigo 15


da Instrução nº 247/96.
Em sua defesa, a Companhia recorrente alegou que os padrões contábeis
referentes ao ágio interno foram introduzidos pelo Ofício-Circular CVM/
SNC/SEP nº 01/2007, constituindo mudança de critério contábil de que
trata o artigo 186, §1º da Lei nº 6.404/76, de sorte que não seria obrigatória a
republicação das demonstrações financeiras de 2006, podendo a baixa do ágio
ser feita mediante ajuste de exercícios anteriores na apresentação do próximo
formulário de informações trimestrais (ITR), como já teria sido aceito pela
CVM em outros precedentes.
Embora por razões diversas das mencionadas acima, a CVM findou por
acolher o pleito da recorrente, permitindo que a baixa do ágio fosse realizada
por meio de ajustes nas demonstrações do próximo exercício, sem necessidade
de republicação. Percebe-se, contudo, que não versou sequer a controvérsia sobre
o mérito da determinação de se realizar a baixa do ágio, mas tão-somente sobre
a necessidade de se republicar as demonstrações financeiras.
Da análise das três decisões acima, percebe-se uma firme tendência da
CVM de não admitir a contabilização do ágio gerado internamente. Entretanto,
faz-se prudente avaliar se esse entendimento deve ser considerado correto
em termos absolutos. Isso porque, nas três hipóteses verificadas, a operação
que gerava o ágio dependia ou (i) da reavaliação voluntária de um bem ou (ii)
da reavaliação de um investimento já contabilizado. Contudo, nem todas as
operações capazes de gerar ágio interno dependerão dessas práticas.
Acreditamos, assim, que nem sempre o ágio interno é passível de
questionamento e nem se deveria estabelecer tout court uma vedação ampla,
geral e irrestrita no que se refere ao seu reconhecimento contábil, sem estar
atento para às particularidades de cada caso, porquanto, mesmo entre partes
relacionadas, é perfeitamente possível haver transações passadas em bases
estritamente comutativas, sem qualquer resquício de artificialismo que justifique
tamanha generalização.
Em síntese, conquanto a vedação absoluta à contabilização do ágio interno
possa fazer sentido sob o ponto de vista prudencial que permeia a atividade
regulatória, evitando ex ante qualquer possibilidade de assimetria informacional
decorrente de operações passadas entre partes relacionadas, existem outros
princípios que devem ou deveriam ser observados como os da subsidiariedade

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384 - Ágio Interno: Reflexões Sobre Seus Aspectos Regulatórios E Tributários

e da mínima intervenção, que apontam no sentido oposto à orientação que


vem prevalecendo no âmbito da CVM.
De fato, é questionável até que ponto seria justificável o agir do regulador de
forma a limitar a liberdade de iniciativa e a criar por regulamento a presunção de
artificialismo em operações entre partes relacionadas, desconstituindo situações
jurídicas incapazes de gerar qualquer dano ou ameaça de dano ao mercado.
Mas a questão é relevante não apenas em âmbito regulatório. Também em
sede de Direito Tributário o tema dos limites da interferência do poder estatal
na esfera de liberdade dos entes particulares apresenta-se com igual ou superior
intensidade, sobretudo em vista dos princípios de legalidade e tipicidade que
informam (ou deveriam informar) o agir das autoridades fiscais.
Em poucas palavras, se o atuar da CVM, que goza de ampla faculdade
normativa no âmbito de seu ordenamento setorial, já seria passível de
questionamento e demandaria maior reflexão, por maioria de razão deve-
se ter atenção redobrada no que se refere aos limites conferidos por lei aos
agentes fiscais para desconsiderar operações que envolvam o pagamento e
aproveitamento de ágio interno.
Isto posto, passemos ao exame da questão sob a perspectiva do Direito
Tributário para, ao final, expormos nossas conclusões.

3. Aspectos tributários
3.1 Ágio – Um conceito em crise
Antes de prosseguir na análise dos aspectos tributários relativos ao ágio
interno, que constitui o objeto principal deste estudo, faz-se necessário discorrer
um pouco sobre o próprio conceito de “ágio”, que, assim como “lucro” e “fundo
de comércio” está longe de ser unívoco.
Isso porque, a partir das alterações introduzidas pelas Leis nº 11.638/2007 e
nº 11.941/2009 e, notadamente, com o advento do Pronunciamento do CPC nº
18, aprovado pela Deliberação CVM nº 605/2009, criou-se um profundo abismo
entre o conceito de ágio para a “contabilidade comercial” e a “contabilidade fiscal”.
Para as companhias obrigadas a observar o CPC-18 o ágio é sempre igual ao
custo de aquisição diminuído da participação da investidora no “valor justo” dos
ativos e passivos identificados, não sendo passível de amortização na investidora.

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Além disso, esse é sempre resultante da expectativa de rentabilidade futura, a


qual se identifica com o goodwill7.
Agregue-se, ainda, que mesmo para as pessoas jurídicas não sujeitas
aos comandos do CPC-18, existe o Pronunciamento Técnico PME (R1 –
Contabilidade para pequenas e médias empresas8), que estabelece a correlação às
Normas Internacionais de Contabilidade – The International Financial Reporting
Standard for Small and Medium-sized Entities (IFRS for SMEs) dispondo sobre o
ágio fundamentado em perspectiva de rentabilidade de forma substancialmente
similar9 ao método adotado pelo CPC-1810, isto é, adotando o critério de valor
justo e aceitando como fundamento do ágio o conceito de goodwill.
Relembre-se ainda que a mencionada Instrução Normativa CVM nº 247,
de 27 de março de 1996, define apenas duas causas de justificação do ágio, em
lugar das três existentes na legislação tributária, quais sejam, (a) a diferença
entre o valor contábil dos bens e seu valor de mercado e (b) expectativa de
rentabilidade futura. Qualquer ágio registrado com outro fundamento (outras
razões econômicas) que não esses deve ser reconhecido como perda.

7 23. O investimento em coligada e em controlada é contabilizado pelo método de equivalência


patrimonial a partir da data em que ela se torna sua coligada ou controlada. Na aquisição do
investimento, quaisquer diferenças entre o custo do investimento e a parte do investidor no valor
justo líquido dos ativos e passivos identificáveis da investida devem ser contabilizadas como
segue: (a) o ágio fundamentado em rentabilidade futura (goodwill) relativo a uma coligada ou
controlada (neste caso, no balanço individual da controladora) deve ser incluído no valor contábil
do investimento e sua amortização não é permitida; (b) qualquer excedente da parte do investidor
no valor justo líquido dos ativos e passivos identificáveis da investida sobre o custo do investimento
deve ser incluído como receita na determinação da parte do investidor nos resultados da investida
no período em que o investimento for adquirido.
8 O termo empresas de pequeno e médio porte adotado neste Pronunciamento não inclui (i) as
companhias abertas, reguladas pela CVM; (ii) as sociedades de grande porte, como definido na Lei
nº 11.638/2007; (iii) as sociedades reguladas pelo Banco Central do Brasil, pela Superintendência
de Seguros Privados e outras sociedades cuja prática contábil é ditada pelo correspondente órgão
regulador com poder legal para tanto.
9 19.14. Qualquer diferença entre o custo da combinação de negócios e a participação da
adquirida no valor justo líquido dos ativos, dos passivos e das provisões para passivos contingentes
identificáveis reconhecidos nesse momento deve ser contabilizada em conformidade com os itens
19.22 a 19.24 (como ágio por expectativa de rentabilidade futura – goodwill – ou como ganho
por compra vantajosa – deságio).
10 19.22 A entidade adquirente deve, na data de aquisição:
(a) reconhecer o ágio adquirido por expectativa de rentabilidade futura (goodwill) em combinação
de negócios como ativo; e
(b) mensurar inicialmente esse ágio por expectativa de rentabilidade futura pelo seu custo, sendo
esse o excesso do custo da combinação de negócios sobre a participação da entidade adquirente
no valor justo líquido dos ativos, passivos e passivos contingentes identificáveis reconhecidos em
conformidade com o item 19.14.

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386 - Ágio Interno: Reflexões Sobre Seus Aspectos Regulatórios E Tributários

Ao lado disso, seguem vigendo as regras do artigo 20 do Decreto-Lei


nº 1.598/77, que determinam o reconhecimento do ágio com base em três
justificativas, quais sejam, expectativa de rentabilidade futura, diferença do
valor de mercado dos ativos adquiridos ou fundo de comércio, intangíveis
ou outras razões econômicas.
Gritantes, portanto, as diferenças existentes entre os conceitos de
ágio adotados pelas normas contábeis, regulatórias e pela legislação fiscal,
circunstância esta que se encontra provisoriamente solucionada através da
introdução do conceito de neutralidade fiscal instituído pelos artigos 15 e 16
da Lei nº 11.941/2009, que dispõem:
“Art. 15. Fica instituído o Regime Tributário de Transição – RTT de
apuração do lucro real, que trata dos ajustes tributários decorrentes
dos novos métodos e critérios contábeis introduzidos pela Lei nº
11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei.
§ 1º O RTT vigerá até a entrada em vigor de lei que discipline os
efeitos tributários dos novos métodos e critérios contábeis, buscando
a neutralidade tributária.
§ 2º Nos anos-calendário de 2008 e 2009, o RTT será optativo,
observado o seguinte:
I – a opção aplicar-se-á ao biênio 2008-2009, vedada a aplicação do
regime em um único ano-calendário;
II – a opção a que se refere o inciso I deste parágrafo deverá ser
manifestada, de forma irretratável, na Declaração de Informações
Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica 2009;
III – no caso de apuração pelo lucro real trimestral dos trimestres já
transcorridos do ano-calendário de 2008, a eventual diferença entre
o valor do imposto devido com base na opção pelo RTT e o valor
antes apurado deverá ser compensada ou recolhida até o último
dia útil do primeiro mês subsequente ao de publicação desta Lei,
conforme o caso;
IV – na hipótese de início de atividades no ano-calendário de 2009,
a opção deverá ser manifestada, de forma irretratável, na Declaração
de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica 2010.
Art. 16. As alterações introduzidas pela Lei nº 11.638/2007, de 28 de
dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei que modifiquem o

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critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas


na apuração do lucro líquido do exercício definido no art. 191 da Lei
nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, não terão efeitos para fins de
apuração do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser
considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis
vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo às
normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, com base
na competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de
15 de dezembro de 1976, e pelos demais órgãos reguladores que
visem a alinhar a legislação específica com os padrões internacionais
de contabilidade.”
Como se percebe com relativa facilidade, conquanto continue a constar
claramente da legislação tributária, o conceito de ágio ganhou novos contornos
que lhes foram emprestados pela ciência contábil, apresentando-se como um
verdadeiro desafio para os operadores do Direito a compatibilização dessas
diversas disciplinas no momento em que não houver mais RTT e as empresas
forem obrigadas a conviver com regras aparentemente antinômicas e por vezes
contraditórias entre si.
Dentre esses desafios sobressai, desde logo, a questão do tratamento do
ágio interno, pois se já havia inconformismo por parte do Fisco com a realização
de operações societárias nas quais se verificasse a existência desta espécie de
ágio dentro de um mesmo grupo econômico antes da edição dos diplomas
normativos antes descritos, o problema tornou-se ainda mais grave nos dias
de hoje, diante da possibilidade de interpretações equivocadas sobre o alcance
e significado dos pronunciamentos do CPC e atos normativos da CVM.
O problema agravou-se de forma particular a partir de 2010, ocasião
na qual o ágio interno deixou de ser permitido pela legislação societária,
notadamente através do CPC nº 4 que, em seu item 47 afirma textualmente
“O ágio derivado da perspectiva de rentabilidade futura (goodwill) gerado
internamente não deve ser reconhecido como ativo.”
Esta impossibilidade, agora reconhecida pelo Comitê de Pronunciamentos
Contábeis vem na esteira do posicionamento já esposado por alguns ilustres
mestres da ciência contábil, como o Professor Eliseu Martins, que perfilam o
entendimento segundo o qual “em uma transação admite-se tão-só a figura do ágio

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388 - Ágio Interno: Reflexões Sobre Seus Aspectos Regulatórios E Tributários

(...) quando estiverem envolvidas partes independentes e não relacionadas. Enfim,


quando o ágio for resultado de um processo de barganha negocial não viciado, que
concorra para a formação de um preço justo dos ativos líquidos em apreço.”
Ocorre, entretanto, que para fins tributários continua a existir a obrigação –
mais que a faculdade – de reconhecer o ágio pago na aquisição de investimentos
relevantes sujeitos a controle pelo MEP (Método da Equivalência Patrimonial),
previsto no artigo 248 da Lei das S.A. É o que diz textualmente o Decreto-lei
nº 1.598/77. Verifique-se:
“Art. 20. O contribuinte que avaliar investimento em sociedade
coligada ou controlada pelo valor de patrimônio líquido deverá, por
ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição
em:
I – valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado
de acordo com o disposto no artigo 21; e
II – ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo
de aquisição do investimento e o valor de que tratam o número I.
§1º O valor de patrimônio líquido e o ágio ou deságio serão registrados
em subcontas distintas do custo de aquisição do investimento.
§ 2º O lançamento do ágio ou deságio deverá indicar, dentre os
seguintes, seu fundamento econômico:
a) o valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada
superior ou inferior ao custo registrado na sua contabilidade;
b) valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em
previsão dos resultados nos exercícios futuros;
c) fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas.”
Como se nota sem maior dificuldade, o aludido Decreto-Lei não faculta
o desdobramento do custo de aquisição de investimento avaliado pelo MEP
na forma indicada pelo seu artigo 20, mas antes ao contrário, determina que
assim seja feito, pouco importando se o ágio é interno ou externo ou se existem
fatores exógenos influentes na normalidade objetiva e subjetiva da transação,
pelo fato de esta ter-se passado entre pessoas ligadas.
A questão torna-se ainda mais interessante se observarmos que ao
admitir a hipótese de negar-se aos contribuintes não sujeitos às regras da nova

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José Andrés Lopes da Costa & Daniela Pereira Philbois - 389

contabilidade que realizam operações legítimas o direito ao aproveitamento


do ágio (mesmo que interno) pago na aquisição de empresas com base em
normativos da CVM ou pronunciamentos do CPC, estar-se-ia reconhecendo
na possibilidade de “deslegificação” do Direito Tributário, transferindo a
entes reguladores dotados de poder normativo específico para determinado
ordenamento setorial o poder de legislar sobre tributos, matéria reservada pela
Constituição Federal à lei em sentido formal (artigo 150, I).
Se isto fosse possível, a Agência Nacional do Petróleo (ANP), por
exemplo, poderia legislar sobre o recolhimento de Imposto sobre a Circulação
de Mercadorias e Serviços (ICMS) por parte das distribuidoras de combustíveis;
a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) poderia dispor sobre o
pagamento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre cigarros,
tudo em homenagem aos efeitos extrafiscais que o recolhimento desses tributos
produz em seus ordenamentos setoriais específicos. Não é isso que ocorre.
Cremos, portanto, que os normativos da CVM e do CPC que tratam da
matéria têm sua aplicação restrita aos respectivos setores regulados, afetando
a forma de contabilização do ágio interno no que se refere à “contabilidade
comercial”, sendo inaptos para produzir qualquer modificação no que se refere
a seus efeitos tributários e forma de registro de acordo com a legislação fiscal.
Nada obstante, inegável que as profundas alterações normativas antes
referidas vêm estimulando cada vez mais a lavratura de autos de infração de
forma indiscriminada contra contribuintes que realizaram operações com o
pagamento de ágio intra-grupo, sem que nem sempre se tenha o cuidado de
avaliar a existência de artificialismo em cada caso concreto.

3.2 A questão do aproveitamento na incorporação:


ponderações sobre a relação “legalidade vs.
norma antielisiva”

Como se sabe, o artigo 7º da Lei nº 9.532/97, reproduzido no artigo


386, III do RIR/99, que autoriza o aproveitamento do ágio nas hipóteses de
incorporação, fusão ou cisão continua em vigor, sem embargo dos crescentes
questionamentos por parte do Fisco.
Assim, como as operações societárias nas quais existe geração de ágio
interno são formalmente regulares e encontram respaldo na legislação em vigor,
o Fisco tem-se negado a reconhecer este direito, lançando mão, para tanto, da

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390 - Ágio Interno: Reflexões Sobre Seus Aspectos Regulatórios E Tributários

norma geral antielisiva contida no parágrafo único do artigo 116 do Código


Tributário Nacional (CTN), que assim dispõe:
“Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido
o fato gerador e existentes os seus efeitos:
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar
atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular
a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos
constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos
a serem estabelecidos em lei ordinária.”
A norma acima colacionada é de interpretação controversa. De acordo com
parte da doutrina, seria destinada a vedar a fraude e a simulação. Nesse caso,
para que a autoridade administrativa pudesse desconsiderar o ato ou negócio
jurídico, seria necessário que restasse configurado o negócio jurídico simulado,
conforme definido no artigo 167 do Código Civil.
Curioso, entretanto, é notar que, se as causas de nulidade dos negócios
jurídicos enumeradas no Código Civil têm aplicação ampla, desnecessária e inútil
seria a cláusula geral antielisiva, porquanto estaria apenas repetindo algo que já
consta do diploma civil e é largamente aceito pela doutrina e jurisprudência.
Uma segunda vertente, contudo, confere interpretação extensiva ao
parágrafo único do artigo 116 do CTN, entendendo que a norma busca,
na verdade, vedar a elisão fiscal, definida por Ricardo Lobo Torres como a
“economia de imposto obtida pela prática de um ato revestido de forma jurídica que
não se submete na descrição abstrata da lei11”.
Surge aí uma segunda curiosidade, pois, tradicionalmente, a elisão fiscal
é entendida como uma prática lícita, sendo classicamente referida como
“planejamento fiscal”. Ainda de acordo com a teoria clássica, a elisão difere-se
da evasão – a “ocultação” do fato gerador com o objetivo de não pagar tributo.
A prevalecer essa interpretação, portanto, a norma estaria indo de encontro a
algo conhecidamente legal, que consiste na liberdade que todo contribuinte
tem de organizar seus negócios do modo fiscalmente menos oneroso.
Todavia, para um seguimento significativo de juristas, a elisão – vale dizer,
a ordenação dos próprios negócios da forma fiscalmente menos onerosa – pode

11 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Renovar: 2008, p. 246.

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ser ilícita em caso de abuso de direito decorrente da ausência de justificativa


econômica para o negócio jurídico celebrado.
Nesse sentido pontifica Ricardo Lobo Torres: “A tese da ilicitude da elisão,
hoje em refluxo, defenderam-na os adeptos da consideração econômica do fato gerador
e da autonomia do direito tributário, já que constituiria abuso da forma jurídica
qualquer descoincidência entre a roupagem exterior do negócio jurídico e o conteúdo
econômico que lhes corresponde12”.
Acrescente-se, também, que, além de ser de dificílima e controvertida
interpretação, o parágrafo único do artigo 116 do (CTN) é norma de eficácia
contida e pende, ainda, de regulamentação por lei ordinária. Apesar disso, o
citado diploma legal vem sendo largamente utilizado pela Receita Federal para
promover autuações questionando estruturas societárias concebidas, segundo
se diz, com o exclusivo propósito de reduzir carga tributária, o que, nos dias de
hoje, é tido como ilícito por significativo número de doutrinadores.
Discussões acadêmicas (e ideológicas) à parte, o fato é que, desde
a sua edição, através da Lei Complementar nº 101, de 10 de janeiro de
2000, a denominada “norma geral antielisiva” trouxe mudança marcante na
jurisprudência administrativa sobre o assunto: se em um passado recente a
jurisprudência majoritária aceitava planejamentos tributários desde que a forma
do negócio se revestisse de todas as formalidades legais necessárias, hoje já não
se pode dizer que o mesmo entendimento prevaleça.
Para ilustrar o debate e demonstrar o entendimento vigente há poucos
anos em sede de processo administrativo, vale citar o paradigmático decisum
do extinto Conselho de Contribuintes, Acórdão nº 101-93.616, da 1ª Câmara
do Primeiro Conselho de Contribuintes, de 20 de setembro de 2001. Como se
vê da ementa abaixo transcrita, a decisão – tomada por unanimidade – espelha
exatamente o entendimento de que a possibilidade legal de realizar a operação
afastava qualquer possibilidade de alegação de fraude. Verifique-se:
“IRPJ-CSLL – SIMULAÇÃO – OPERAÇÕES DE SWAP –
Para que se possa caracterizar a simulação relativa é indispensável
que o ato praticado, que se pretende dissimular sob o manto do ato
ostensivamente praticado, não pudesse ser realizado por vedação legal

12 Op. Cit.

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392 - Ágio Interno: Reflexões Sobre Seus Aspectos Regulatórios E Tributários

ou qualquer outra razão. Se as partes queriam e realizaram negócio sob


a estrutura de swap para atingir indiretamente economia de tributos
não restou caracterizada a declaração enganosa de vontade, essencial
na simulação.”
No mesmo sentido, em 28 de fevereiro de 2003, a 1ª Câmara do
Primeiro Conselho de Contribuintes, no Acórdão nº 101-94.127 (também
unânime), voltou a pronunciar-se sobre a matéria, em um caso que versava
sobre incorporação de sociedades citando, inclusive, uma decisão do Conselho
Superior de Recursos Fiscais (CSRF). Confira-se:
“IRPJ – SIMULAÇÃO NA INCORPORAÇÃO.- Para que se
possa materializar, é indispensável que o ato praticado não pudesse
ser realizado, fosse por vedação legal ou por qualquer outra razão. Se
não existia impedimento para a realização da incorporação tal como
realizada e o ato praticado não é de natureza diversa daquela que de
fato aparenta, não há como qualificar-se a operação de simulada. Os
objetivos visados com a prática do ato não interferem na qualificação
do ato praticado. Portanto, se o ato praticado era lícito, as eventuais
consequências contrárias ao fisco devem ser qualificadas como casos
de elisão fiscal e não de “evasão ilícita.” (Ac. CSRF/01-01.874/94).”
Atualmente, no entanto, a jurisprudência administrativa tem levado em
consideração o conteúdo dos referidos negócios, não sendo mais suficiente
que a estrutura seja formalmente legal. Nesse sentido, cite-se como exemplo
o acórdão nº 404-00.817, de 03 de março de 2008 da Câmara Superior de
Recursos Fiscais (CSRF), em sentido diametralmente oposto aos arestos antes
citados, entendendo que embora formalmente legais, os atos jurídicos praticados
revelavam outra finalidade e, portanto, não seriam oponíveis ao Fisco, devendo
ser requalificados:
“GANHO DE CAPITAL. ALIENAÇÃO DE ACÕES.
RETORNO AO PATRIMÔNIO DO CONTRIBUINTE/ESPOSA
(DECLARANTES EM CONJUNTO) MEDIANTE DOAÇÃO
EM ADIANTAMENTO DA LEGÍTIMA DE AÇÕES
ANTERIORMENTE DOADAS AOS PAIS/SOGROS. Se os atos
formalmente praticados, analisados em conjunto, demonstram
não terem as partes outro objetivo, que não se submeter a uma
tributação específica e seus substratos estão alheios às finalidades
dos institutos utilizados, tais atos não são Oponíveis ao fisco,

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devendo ser desconsiderados, merecendo (noutra qualificação e


consequentemente outro tratamento tributário. Na apuração do
ganho de capital referente à alienação das ações, considera-se
como custo de aquisição o valor recebido na devolução do capital.”
É por isso que, nos dias de hoje, os negócios jurídicos que não revelam um
objetivo prático, econômico e facilmente identificável, isto é, uma justificativa negocial
para que ocorram, vêm sendo desconsiderados pelas autoridades fiscais. Assim,
para serem oponíveis ao Fisco devem apresentar o que se convencionou denominar
propósito negocial13 assim explicado pelo professor Marco Aurélio Greco:
“(...) os negócios jurídicos que não tiverem nenhuma causa real
e predominante, a não ser conduzir a um menor imposto, terão
sido realizados em desacordo com o perfil objetivo do negócio e,
como tal, assumem um caráter abusivo; neste caso, o Fisco a eles
pode se opor, desqualificando-os fiscalmente para requalificá-los
segundo a descrição normativo-tributária pertinente à situação que
foi encoberta pelo desnaturamento da função objetiva do ato. Ou
seja, se o objetivo predominante for a redução da carga tributária,
ter-se-á um uso abusivo do direito. (...) o que disse acima é que esta
reorganização deve ter uma causa real, uma razão de ser, um motivo
que não seja predominantemente fiscal. (...) Se determinada operação
ou negócio privado tiver por efeito reduzir carga tributária, mas se
apoia num motivo empresarial, o direito de auto-organização terá
sido adequadamente utilizado14”.
Aproximando-se a discussão ao tema deste artigo – o ágio interno
– observa-se que é possível identificar recentes decisões das delegacias de
julgamento da Receita Federal que, utilizando-se da tese acima exposta,
findam por concluir que a existência de ágio interno e posterior incorporação

13 Segundo o professor Hugo de Brito Machado, “Entende-se por propósito negocial o business
purpose dos americanos, expressão com a qual se referem ao propósito ligado à atividade
empresarial. É o propósito ligado aos objetivos visados pela empresa, ou de algum modo ligados
a sua atuação no mercado. Assim, os atos ou negócios jurídicos praticados pelas empresas em
geral teriam de estar ligados às suas finalidades, á sua atuação no mercado. A ausência dessa
ligação poderia ser acolhida pela autoridade da Administração Tributária para desconsiderar o
ato ou negócio jurídico do qual resulta a exclusão ou a redução de um tributo, ou a postergação
de seu pagamento”. MACHADO, Hugo de Brito. A falta de propósito negocial como fundamento
para exigência de tributo. Revista Dialética de Direito Tributário nº 143, pp. 48-49.
14 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. 2ª ed. São Paulo: Dialética: 2008, pp. 203-204.

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394 - Ágio Interno: Reflexões Sobre Seus Aspectos Regulatórios E Tributários

constitui fraude, dando causa, inclusive à imposição de multa agravada de 150%.


Entendem os julgadores que:
“Não é aceita, para fins fiscais, a amortização de ágio obtido por meio de
operações ocorridas dentro de um mesmo grupo, decorrente de incorporação
de pessoa jurídica em cujo patrimônio constava registro de ágio com
fundamento em expectativa de rentabilidade futura, sem que tenha havido
qualquer finalidade negocial ou societária, faltando, inclusive, à luz da Teoria
da Contabilidade, a necessária independência entre as partes.”(Acórdão º
16-31831 de 01 de junho de 2011. 4ª Turma/DRJ-SP)15
No âmbito do Conselho de Contribuintes, atual Conselho Administrativo
de Recursos Fiscais (CARF) não é diferente o entendimento. Especificamente
sobre a matéria objeto deste artigo merece destaque o acórdão nº 103-23.290,
de 05 de dezembro de 2007, da 3ª Câmara do extinto Primeiro Conselho de
Contribuintes, que dispõe:
“INCORPORAÇÃO DE EMPRESA – AMORTIZAÇÃO DE
ÁGIO – NECESSIDADE DE PROPÓSITO NEGOCIAL.
UTILIZAÇÃO DE “EMPRESA VEÍCULO” – Não produz o
efeito tributário almejado pelo sujeito passivo a incorporação de
pessoa jurídica, em cujo patrimônio constava registro de ágio com
fundamento em expectativa de rentabilidade futura, sem qualquer
finalidade negocial ou societária, especialmente quando a incorporada
teve o seu capital integralizado com o investimento originário de
aquisição de participação societária da incorporadora (ágio) e, ato
contínuo, o evento da incorporação ocorreu no dia seguinte. Nestes
casos, resta caracterizada a utilização da incorporada como mera
“empresa veículo” para transferência do ágio à incorporadora.”
Como se vê, segundo a jurisprudência administrativa mais recente, as
operações realizadas entre empresas de mesmo grupo econômico devem ser

15 No mesmo sentido a 1ª Turma de Julgamento de Porto Alegre “EMENTA: GERAÇÃO ARTIFICIAL DE


ÁGIO. AMORTIZAÇÃO DO ÁGIO ARTIFICIAL. UTILIZAÇÃO DE SOCIEDADE VEÍCULO. O ágio
gerado em operações societárias, para ser eficaz perante o Fisco, deve decorrer de atos efetivam ente
existentes, e não apenas artificial e formalmente revelados em documentação ou na escrituração
mercantil ou fiscal. A geração de ágio de forma interna, ou seja, dentro do mesmo grupo econômico,
sem a alteração do controle das sociedades envolvidas, constitui prova da artificialidade do ágio.
É inválida a amortização do ágio artificial. A utilização de sociedade veículo, de curta duração,
colimando atingir posição legal privilegiada, constitui prova da artificialidade daquela sociedade e
das operações nas quais ela tomou parte, notadamente a geração e a transferência do ágio. (Acórdão
Nº 10-30879 de 14.04.2011).

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constituídas de forma a levar em consideração não só os aspectos tributários,


como também os aspectos negociais da operação, de sorte que fique nítido que
a estrutura foi concebida com o objetivo de racionalizar as operações do grupo
e não somente para alcançar benefícios fiscais. A facilidade de percepção de um
propósito negocial na operação e o risco fiscal são inversamente proporcionais:
tanto menos evidente o propósito negocial da operação, mais significativo será
o risco de autuação.
Em verdade, deve ser dito, não existe no entendimento manifestado pelos
julgados antes referidos qualquer novidade no que se refere à impossibilidade de
aproveitamento do ágio naquelas hipóteses. O agir fraudulento e as operações
levadas a efeito com abuso de forma sempre foram repudiadas pelo Direito e
continuarão a sê-lo até a consumação dos séculos.
O que não se pode admitir é que, com base no recente divórcio entre normas
contábeis e tributárias e, ainda, tendo por fundamento a norma geral anti-elisiva do
artigo 116 do CTN, que operações perfeitamente legítimas e plenas de conteúdo
econômico e propósito negocial sejam objeto de autuação em virtude interpretações
equivocadas, decorrentes de juízos particulares de conveniência de determinados
agentes públicos com base na finalidade que a eles – agentes públicos – pareceria
mais adequada, apenas porque mais benéfica para o Fisco.

4. Conclusão
Se por um lado é verdade que as operações que envolvem a formação de
ágio interno merecem atenção especial não só dos entes reguladores e fiscais,
mas como do próprio mercado, por outro prisma, não se pode permitir que
desse fato resulte uma regra generalizada de vedação ao ágio interno.
Ademais, se no âmbito da regulação do mercado de capitais a vedação
absoluta e apriorística do ágio interno carece de análise mais profunda, no campo
do Direito Tributário, existe ainda a necessidade de alteração legislativa para que
se possa legitimamente modificar o arcabouço normativo hoje em vigor.
Resta, contudo, a difícil tarefa de se conciliar os diversos conceitos e normas
aplicáveis ao ágio. A chave do problema está, portanto, em delimitar a adequada
dimensão e alcance dos pronunciamentos do CPC e dos atos normativos da
CVM que tratam da contabilização e registro do goodwill pago na aquisição
de empresas dentro do mesmo grupo. Se, de um lado, sob o ponto de vista da

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396 - Ágio Interno: Reflexões Sobre Seus Aspectos Regulatórios E Tributários

ciência contábil ou dos princípios que informam a regulação do mercado de


capitais, a adoção apenas do critério de valor justo, com a eliminação da figura
do ágio, tem seus fundamentos e sua razão de existir, de outro, não se pode
conferir a esses dispositivos um alcance maior do que o próprio legislador
pretendeu emprestar-lhes, derrogando de forma oblíqua a disciplina tributária
estabelecida em lei.
Evidentemente, sempre que se verifique a existência de fraude ou simulação
é possível questionar a dedutibilidade do ágio interno, como de resto já era possível
antes mesmo do advento das Leis nº 11.638/2007 e 11.941/2009. Diferente,
contudo, é pretender generalizar o alcance de normas setoriais específicas
emitidas pelo CPC e pela CVM, taxando de ilegais ou ilícitas todas as operações
entre pessoas ligadas nas quais se verifique o pagamento de ágio na aquisição de
investimento. Aliás, como se pode observar da leitura de um dos precedentes
da CVM analisados neste trabalho, o próprio ente regulador reconhece que
a limitação imposta ao ágio interno dá-se no estrito aspecto de interesse da
CVM, não sendo, portanto, uma norma aplicável em qualquer seara jurídica.
Em síntese, da análise dos aspectos regulatórios e tributários realizada
neste trabalho pode-se extrair o seguinte:
i. O divórcio entre a contabilidade e o direito tributário é um
fenômeno complexo, que demanda dos operadores do direito um
esforço no sentido de compreensão não só do valor e abrangência
das normas contábeis (sobretudo dos pronunciamentos do CPC),
mas também de seu próprio conteúdo, uma vez que a aplicação do
direito tornou-se mais dependente de regras puramente contábeis,
que não podem ser encontradas em nenhum diploma legal.
ii. É de se notar também que essa separação trouxe maior vigor às
questões em matérias jurídicas que envolvem a contabilidade,
deslocando o debate para um nível de detalhamento e profundidade
que não se observava no passado.
iii. Dentre as questões afetadas por essa nova realidade, encontra-
se aquela do “ágio interno”, objeto deste trabalho, pois o
“florescimento” da contabilidade trouxe novos elementos e nuances
a essa discussão, sobretudo no que se refere à edição do CPC-4
que afasta expressamente a possibilidade de contabilização de um
goodwill gerado internamente.

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iv. No que concerne aos aspectos regulatórios do ágio interno, a questão


é sensível por envolver riscos à higidez do mercado e à simetria
informacional. Nesse sentido, a CVM, conforme analisado neste
trabalho, posicionou-se, em diversas circunstâncias, de maneira
contrária à possibilidade de se contabilizar um ágio referente a
operações realizadas dentro de um mesmo grupo econômico.
Dessa forma, o CPC-4 corroboraria esse posicionamento que já
vem sendo adotado pela CVM.
v. Já em relação à questão tributária, o problema é, fundamentalmente,
a tensão entre o princípio da legalidade e a norma geral anti-
elisiva. Tendo em vista que o ágio compõe o custo de aquisição
do investimento e, ainda, a possibilidade de amortização prevista
no art. 386 do RIR/99, o Fisco tem utilizado como argumento
para desconsiderar a existência do ágio a ausência de justificativa
econômica quando a operação é realizada intra-grupo, invocando
o art. 116 do CTN. Assim, a vedação constante no CPC também
corroboraria as autuações do Fisco pautadas na alegação de que o
ágio interno é fraudulento ou sem propósito negocial.
vi. Acreditamos, contudo, que nem sempre o ágio interno é passível
de questionamento e nem se deveria estabelecer tout court
uma vedação ampla, geral e irrestrita no que se refere ao seu
reconhecimento contábil, sem estar atento às particularidades
de cada caso, porquanto, mesmo entre partes relacionadas,
é perfeitamente possível haver transações passadas em bases
estritamente comutativas, sem qualquer resquício de artificialismo
que justifique tamanha generalização.
vii. Conquanto a vedação absoluta à contabilização do ágio interno
possa fazer sentido sob o ponto de vista prudencial que permeia
a atividade regulatória, evitando ex ante qualquer possibilidade
de assimetria informacional decorrente de operações passadas
entre partes relacionadas, existem outros princípios que devem ou
deveriam ser observados como os da subsidiariedade e da mínima
intervenção, que apontam no sentido oposto à orientação que vem
prevalecendo no âmbito da CVM.

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398 - Ágio Interno: Reflexões Sobre Seus Aspectos Regulatórios E Tributários

viii. Em matéria tributária a questão é ainda mais complexa. Isso


porque, o recente divórcio entre normas contábeis e tributárias
se, por um lado, trouxe à baila novas regras contábeis, não teve o
condão de derrogar as normas tributárias vigentes. Dessa maneira,
o ágio, para fins tributários, permanece disciplinado pelos artigos
385 e 386 do RIR/99 e, atualmente, encontra nessa seara um
conceito mais amplo do que aquele que possui para fins contábeis
e societários. Não pode, assim, a autoridade fiscal utilizar as novas
normas contábeis como fundamento para restringir o conceito de
ágio, desconsiderando operações perfeitamente legítimas e plenas
de conteúdo econômico e propósito negocial, sob pena de violação
ao princípio da legalidade.
ix. Finalmente, esclarecemos que, apesar das reflexões acima
apontarem no sentido da possibilidade de existência de ágio
interno em algumas circunstâncias, o CPC-4 veda expressamente
essa possibilidade, de sorte que, há um franco conflito entre o que
é juridicamente defensável (a possibilidade de que exista ágio
interno legitimamente constituído) e o que é adotado como prática
pela ciência contábil (impossibilidade absoluta de contabilização
de ágio interno). Dessa forma, para as sociedades que se submetam
às regas do CPC, a contabilização de ágio interno está sujeita a
um questionamento acerca não só do mérito da norma do CPC-
4, mas também dos limites que o ordenamento jurídico impõe às
normas de autorregulação.

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Capítulo XIV

O futuro do FCONT

Kieran Mcmanus
Sócio da PricewaterhouseCoopers.

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Gostaria de agradecer pelo apoio recebido
da PricewaterhouseCoopers e pela ajuda de
Evany Oliveira neste texto.

Eu gostaria de dedicar este capítulo a


minha esposa Michela e nossas
duas filhas, Sophia e Julia.

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Kieran Mcmanus - 403

Introdução
De acordo com o disposto nas Leis 11.638 e 11.941 as alterações nelas
introduzidas, que modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos
e despesas computadas na escrituração contábil, para apuração da contabilidade,
inclusive o lucro líquido do exercício definido no art. 191 da Lei nº 6.404, não terão
efeitos para fins de apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido (CSLL) da pessoa jurídica sujeita ao Regime Transitório
de Tributação (RTT), devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos
e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Esse novo regime fiscal, portanto, determina que ajustes tributários devem
ser efetuados com a finalidade de neutralizar os efeitos dos novos métodos e
critérios contábeis introduzidos pela legislação antes citada.
Para a efetivação de tais ajustes fiscais foi instituído o Controle Fiscal
Contábil de Transição-FCONT, que é uma escrituração das contas patrimoniais
e de resultado, em partidas dobradas, que considera os métodos e critérios
contábeis aplicados pela legislação tributária em 31 de dezembro de 2007

Histórico
As alterações legislativas que conduziram as mudanças dos métodos
e critérios contábeis adotados pela contabilidade brasileira, com vistas ao
alinhamento às práticas internacionais, tiveram por premissa a neutralidade
tributária. Ou seja, as novas práticas contábeis não poderiam resultar em
aumento ou diminuição da carga tributária. Para atendimento a essa orientação,
a Lei nº 11.941/2009 instituiu o chamado RTT.
Esse regime teve por objetivo garantir a referida neutralidade tributária
quando determinou que as alterações introduzidas pelas Leis nº 11.638/2007 e
nº 11.941/2009, bem como pelos pronunciamentos do CPC, que modifiquem o
critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas registradas na escrituração
contábil, computadas na apuração do lucro líquido do exercício definido na
legislação societária, não produzirão efeitos para fins de apuração do lucro real e da
base de cálculo da CSLL, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos
e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
O RTT, opcional para os anos-calendário de 2008 e 2009, tornou-se
obrigatório para todas as pessoas jurídicas que apuram o imposto de renda com
base no lucro real, presumido ou arbitrado a partir do ano-calendário de 2010.

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404 - O futuro do FCONT

Assim, desde a instituição desse novo regime tributário, passaram a


coexistir duas contabilidades distintas:
a) a societária, mantida com observância dos novos métodos e critérios
contábeis (Lei 11638/2007, Lei 11941/2009 e CPCs); e
b) a fiscal, baseada exclusivamente nos métodos e critérios contábeis
existentes em 31 de dezembro de 2007.
O cômputo do imposto de renda da pessoa jurídica sempre partiu do lucro
líquido do exercício apurado segundo a legislação societária, sendo ajustado por
adições e exclusões previstas em lei até se chegar ao lucro real, base de cálculo do
tributo. Por força do RTT, devem ser expurgados do lucro líquido do exercício
todos os valores decorrentes dos novos métodos e critérios contábeis introduzidos
pela legislação societária e pronunciamentos do CPC, prevalecendo os registros
contábeis orientados pelas regras contábeis vigentes em 31.12.2007.
Exemplo:
R$
Lucro antes do IR e da CSLL – LAIR
(+/-) Ajustes RTT XX
(+/-) Adições/Exclusões XX
( = ) Lucro tributável XX

Alguns ajustes são de mais fácil identificação, como os abaixo assinalados:

Ajustes RTT
R$
Lucro líquido (Lei nº 11638, Lei nº 11941 e CPCs) 900

(+) AVP 200

(+) depreciação – leasing 100
(-) subvenção para investimento (300)

(+) diferido 100
(-) contraprestação leasing (150)

Lucro líquido fiscal 850

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Kieran Mcmanus - 405

Adições / Exclusões:
R$
Lucro líquido fiscal 850

(+) multa indedutível 120
(-) equivalência (200)

Lucro real 770

Entretanto, há certos registros contábeis cuja natureza requer uma análise


mais cuidadosa, a fim de se definir se devem ou não ser considerados ajustes
decorrentes do RTT, como, por exemplo, aqueles decorrentes de mudanças no
prazo de vida útil do imobilizado.
A Receita Federal do Brasil desenvolveu o FCONT cuja apresentação
passou a ser requerida às pessoas jurídicas sujeitas ao lucro real. Trata-se de
ferramenta eletrônica que contém a escrituração das contas patrimoniais e de
resultado, em partidas dobradas, considerando os métodos e critérios contábeis
aplicados pela legislação tributária (31 de dezembro de 2007).
Os dados apresentados por meio do programa consistem em lançamentos
relativos aos mesmos fatos, mas considerando critérios diferenciados, são eles:
a) Lançamentos realizados na escrituração contábil, para fins
societários, que devem ser expurgados para fins fiscais; e
b) Lançamentos utilizando os métodos e critérios aplicáveis para
fins tributários e que devem ser inseridos.
Portanto, com a vigência das leis 11.648 e 11.941, as empresas brasileiras
são obrigadas a manter escrituração, por meio de dois controles, sendo o
primeiro o FCONT e o segundo o societário. Cada um deles deve atender
plenamente aos critérios contábeis específicos.
Ainda que não seja objeto de analise aqui, vale anotar que o RTT também
é valido para fins de PIS e COFINS. Portanto as diferenças entre a base de
tributação destes impostos e a nova contabilidade devem ser controladas de
forma independente, reconciliados e podem geram lançamento de PIS e
COFINS diferidos. A continuação do sistema atual onde os livros societários
seguem os princípios de IFRS pode gerar impactos fiscais.

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406 - O futuro do FCONT

Os livros estatutários
Enquanto os conceitos contábeis do FCONT são estáveis às normas
contábeis aplicados para fins tributários, os livros societários seguem as
normas emitidas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). O
CPC definiu que vai emitir normas contábeis sempre consistentes com as
normas internacionais de contabilidade emitidas pela International Accounting
Standards Board (IASB). O IASB emite normas (IFRS/IAS) e suas respectivas
interpretações (IFRIC/SIC). O CPC – Comitê de Pronunciamentos Contábeis
tem como objetivo o estudo, o preparo e a emissão de Pronunciamentos
Técnicos sobre procedimentos de Contabilidade e a divulgação de informações
dessa natureza, para permitir a emissão de normas pela entidade reguladora
brasileira, visando à centralização e uniformização do seu processo de produção,
levando sempre em conta a convergência da Contabilidade Brasileira aos
padrões e emitem suas interpretações das normas (ICPCs) e orientações sobre
tais normas (OCPCs). O órgão regulador específico (CFC – Conselho Federal
de Contabilidade) em muitos casos, pode ainda alterar as normas do CPC
por instruções específicas. Em sumário o processo de definição das praticas
contábeis é apresentado abaixo:

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Kieran Mcmanus - 407

As normas contábeis emitidas pela IASB estão sempre em evolução onde


as empresas e os reguladores brasileiros têm influência limitada. Por exemplo,
até 2016 esperam-se grandes alterações em várias áreas (reconhecimento de
receita, arrendamento mercantil, instrumentos financeiros, mensuração de valor
justo, contratos de seguro entre outros). Com este cenário, as normas contábeis
societárias vão adotar as mudanças oriundas das mudanças no IFRS e vão se
distanciar cada vez mais do FCONT.

O desafio do FCONT
O desafio para as empresas brasileiras é de manter a escrituração de cada
transação nas duas contabilidades conforme as normas específicas. Enquanto
empresas já tinham os controles necessários para manter a contabilidade acolhida
pelo FCONT até 2007 a contabilidade societária tornou-se uma obrigação adicional.

Este desafio passa por várias áreas da empresa, como por exemplo:
a) Contábil: todas as transações devem ser registradas individualmente
conforme as normas contábeis do FCONT e da societária, sendo que
as diferenças entre as duas contabilidades devem ser reconciliadas;
b) Fiscal: para verificar se os parâmetros contábeis utilizados no FCONT
são adequados para fins fiscais e se as diferenças do FCONT e
societário se enquadram no RTT;
c) Sistemas: criação de processos e controles sobre os dois livros que
permitem lançamentos das transações individualmente nas duas
contabilidades e uma reconciliação dos respectivos saldos apurados
Portanto, além da alta administração, da área contábil e tributária,
incluindo assessores tributários, a área de sistemas, em geral, terá um grande
trabalho pela frente para manter controles adequados para permitir à área
contábil-financeira captar e controlar tais ajustes. Em muitos casos o nível

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408 - O futuro do FCONT

de controle pode equivaler à duplicação dos sistemas contábil-financeiro, nos


moldes de muitas empresas subsidiárias de empresas no exterior, quando o
princípio contábil local é diferente da matriz.
Para atender o requerimento de manter duas contabilidades existem três
principais opções:
a) Manter a contabilidade FCONT e societária de forma paralela em
sistemas independentes que sejam reconciliadas anualmente para
detalhar os ajustes do RTT;
b) Manter a contabilidade FCONT para os registros individuais de
cada transação enquanto ajustes específicos são desenvolvidos para
ajustar os saldos do FCONT para o novo conceito societário; e
c) Manter a nova contabilidade societária para os registros individuais
de cada transação enquanto ajustes específicos são desenvolvidos
para ajustar os saldos do societário para o FCONT.
Muitas empresas têm adotado a segunda opção devido ao benefício
de manter o FCONT de forma analítica, permitindo bons controles fiscais
enquanto o alto custo de manter duas contabilidades independentes é evitado.
Porém, enquanto os efeitos dos CPCs têm sido menores nos primeiros anos
devido às normas de transição utilizadas para facilitar a aplicação inicial, com
a passagem de tempo a utilização de ajustes torna-se cada vez mais difícil. Por
exemplo, muitas empresas utilizaram os saldos existentes de imobilizado na
aplicação inicial dos CPCs enquanto espera-se divergência nos controles de
imobilizado com novas transações. Segue um exemplo simples de como um
item pode gerar uma diferença:
A diferença do encargo de depreciação a ser ajustado via Fcont terá como
base o valor do ativo calculado com base nos critérios contábeis vigentes em
2007. Por exemplo:
- uma máquina adquirida pela empresa cujo valor registrado na contabilidade
comercial é de R$ 30.000,00, e seu valor constante no Fcont é de R$ 35.000,00;
- a empresa considerou em sua escrituração comercial uma taxa de
depreciação no período de 6% e valor residual de R$ 5.000,00, e segundo a IN
SRF nº 162/98, a taxa de depreciação estabelecida é de 10%%;
- a despesa de depreciação registrada na contabilidade comercial no período é de
R$ 1.500,00 (25.000,00 x 6%), enquanto que para fins fiscais a despesa de depreciação

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Kieran Mcmanus - 409

seria de R$ 3.500,00 (35.000,00 x 10%). Portanto, o ajuste de depreciação a ser


efetuado é de R$ 2.000,00.
O simples exemplo acima demonstra a necessidade de manter controles
independentes do imobilizado para fins do FCONT e fins societários que
normalmente podem representar centenas de milhares de itens.
Adicionalmente, existem mais que 2.500 páginas de normas emitidas pela
IASB e refletidas nas normas atualmente emitidas pelo CPC, porém as mudanças
futuras nas principais normas vão gerar novas diferenças com o FCONT.
A manutenção de controles contábeis independentes para o FCONT
e societário geram um custo significativo para as empresas brasileiras. As
diferenças entre o FCONT e o societário vão aumentar cada vez mais devido
ao desenvolvimento dos CPCs, aumentando cada vez mais a complexidade e
o custo dos controles independentes.

Alternativas futuras
O grande benefício de manter o FCONT é que as normas contábeis do
FCONT têm se mantido estáveis por muitos anos servindo como base para
apuração de imposto de renda e contribuição social. O lucro antes de imposto
do FCONT está sujeito às exclusões e inclusões específicas para apurar o
lucro tributável via um sistema semi-dependente na contabilidade FCONT e
garantindo a neutralidade dos ajustes trazidos pelos CPCs. Porém a manutenção
da contabilidade FCONT e societária traz um custo operacional relevante e
crescente. Portanto, é necessário considerar potenciais alternativas futuras para
reduzir este custo operacional para manter a neutralidade dos ajustes dos CPCs.
A alternativa obvia seria que a contabilidade societária servisse como
base para apurar imposto de renda e contribuição social sem a necessidade de
manter a escrituração independente do FCONT. Considerando o volume e
complexidade das normas do CPC cujo efeito varia por indústria e por empresa,
esta alternativa torna difícil o objetivo de manter a neutralidade. Ainda que o
sistema tributário conseguisse adaptar-se ao novo modelo, as novas alterações
nos CPCs vão requerer constante mudança no sistema de apuração dos tributos.
Outra alternativa seria eliminar ou limitar os efeitos dos CPCs para que a
contabilidade societária volte a estar alinhada com o FCONT. O IFRS aplicado
através dos CPCs traz grandes benefícios para as empresas na transparência

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410 - O futuro do FCONT

das demonstrações financeiras e comparabilidade com outras empresas de


qualquer país no mundo que adote as normas internacionais de contabilidade.
As alternativas buscam um equilíbrio entre a segurança de manter neutralidade
fiscal e o custo operacional de manter duas contabilidades independentes:

Se as alternativas acima não forem adotadas, sempre existe a possibilidade


de manter o sistema atual, sendo o custo operacional, o preço que as empresas
têm que pagar para manter a neutralidade fiscal. Porém existe sempre a
possibilidade que a legislação fiscal comece a abranger certos ajustes dos CPCs
eliminando a neutralidade fiscal.

Questões a serem analisadas na avaliação de


alternativas ao sistema de imposto de renda
brasileiro incluem:
O atual procedimento de aprovação da IFRS proporciona ao Brasil o
nível necessário de ‘controle’ das normas contábeis Brasileiras. Ele poderia ser
estendido ou complementado para fornecer dados suficientes de tributação
para que a IFRS seja o ponto de partida para a base de cálculo?
A IFRS é demasiadamente ‘orientada ao investidor’ para que a
administração tributária a utilize como a fonte primária para a determinação da
base de cálculo? Em que extensão os princípios da IFRS de relevância, valor justo
e ‘essência sobre a forma’ conflitam com os princípios de tributação? Poderia
qualquer conflito ser resolvido através do fornecimento de notas explicativas
complementares de suporte especificamente para fins de tributação?
Se apenas um número limitado de empresas utilizam a IFRS, é apropriado
designar uma base de cálculo comum em torno da IFRS?
Qual das duas abordagens é preferível – ajustar as contas consolidadas em
IFRS para chegar a uma base de cálculo consolidada ou manter um método

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Kieran Mcmanus - 411

tributário específico de consolidar as contas de subsidiárias individuais?


A ‘dependência’ é sustentável sem o FCONT? O nível de tributação
atualmente garantidos por meio da dependência através do FCONT pode ser
mantido sem requerer dependência?
Supondo que a IFRS se torne a principal base de contabilização na
América do Sul e entre os principais parceiros comerciais do Brasil, isso deve
ser um fator decisivo ao eliminar o FCONT e utilizar as contas em IFRS como
ponto de partida para cálculos de impostos?

Utilização das demonstrações financeiras baseadas


em CPCs para fins de tributação
Como mencionado anteriormente, os CPCs estão completamente
alinhados com a IFRS emitida pelo IASB. A Estrutura Conceitual do IASB
não é uma norma em seu próprio direito, mas estabelece os conceitos que
sustentam a preparação e elaboração das demonstrações financeiras e, portanto,
têm maior influência sobre a IFRS. A estrutura conceitual é, assim, o lugar
lógico para começar uma análise das possibilidades que a IAS pode ter para
estabelecer uma base consolidada comum. Surgem quatro questões – os
conceitos do ‘usuário’, da relevância, essência sobre a forma, e da aplicação da
‘contabilização ao valor justo’.
Com relação ao ‘usuário’, embora os cálculos de impostos sejam
considerados como relatórios financeiros para fins especiais e, portanto, estejam
fora do escopo da Estrutura Conceitual (parágrafo 6), a possibilidade de aplicar
a Estrutura Conceitual para esses relatórios ‘onde requisitos permitem’ é
reconhecida. Da mesma forma, governos, para fins de determinar as políticas de
tributação são especificamente identificados como ‘usuários’ das demonstrações
financeiras em IFRS (parágrafo 9f ). Entretanto, da lista de usuários identificados
e suas necessidades de informações, é claro que as demonstrações financeiras
em IFRS são, a princípio, mais ‘orientadas ao investidor’ do que ‘orientadas à
administração tributária’.
Os parágrafos sobre Relevância (29 e 30) levantam preocupações mais
sérias. A relevância é essencialmente definida como um limite ou ponto
de corte, onde uma omissão ou classificação indevida poderia influenciar
as decisões econômicas tomadas pelos usuários. Atualmente os cálculos de

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412 - O futuro do FCONT

impostos precisam ser na maioria dos casos precisos, em uma única unidade
de moeda, e embora uma autoridade fiscal possa ser considerada como um
usuário, claramente não há um requisito para que as demonstrações financeiras
em IFRS sejam preparadas com essa precisão. Mesmo que as autoridades
aceitassem um aumento em seus limites existentes, não é simplesmente uma
questão de precisão numérica. As empresas também teriam que aceitar um
requisito de fornecer informações de suporte mais detalhadas, se solicitadas, se,
por exemplo, um item de despesa de particular relevância tributária não tivesse
sido identificado separadamente. Uma questão adicional é a de comparabilidade.
O nível de relevância para um subsidiária de uma multinacional de grande
porte é claramente diferente daquele para uma empresa de pequeno porte e
seria difícil para uma autoridade fiscal aplicar diferentes níveis a diferentes
contribuintes. Os registros contábeis também contêm várias estimativas, por
exemplo, provisões e pagamentos antecipados, que podem se tornar imprecisos.
Quando as transações subjacentes são concluídas, as estimativas são corrigidas
(geralmente no período seguinte) e com o tempo as estimativas para baixo e para
cima são corrigidas. Dependendo da relevância desses ajustes, essas diferenças
temporárias poderiam criar dificuldades com relação ao estabelecimento de
uma base de cálculo.
O princípio da ‘essência sobre a forma’ (parágrafo 35) também é
problemático. O exemplo mais claro disso é provavelmente um ativo em um
‘arrendamento financeiro’ onde, embora o ativo seja alugado, e não próprio,
ele é geralmente contabilizado como um ativo. Embora isso seja aplicado
a vários graus para fins de tributação, não há uma abordagem padrão; a
legislação tributária considera que o bem objeto de arrendamento é ativo da
arrendadora e trata como despesas dedutíveis, para fins de imposto de renda, as
contraprestações pagas por força de um contrato de arrendamento mercantil.
Criar uma base de cálculo comum inevitavelmente significa que as autoridades
fiscais teriam que mudar sua abordagem atual, mas se a abordagem da IFRS,
que dá maior ênfase a esse princípio, é o melhor método é questionável.
Em particular, quando houver dependência contábil ela poderia ter maiores
implicações para a lei contábil comercial (lei societária).
As definições de Ativo, Passivo e Patrimônio Líquido são relativamente
simples, visto que um nível razoável de divulgação do tratamento específico
é geralmente requerido. Por exemplo, transferências para reservas fiscais,

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Kieran Mcmanus - 413

que devem ser registradas como movimentações das reservas e não como
despesas, são especificamente mencionadas como potencialmente relevantes
para os usuários e, portanto, requereriam divulgação. A IFRS individual sobre
tratamentos contábeis específicos geralmente também requer um alto nível de
divulgação quanto à política e metodologia adotada. Contudo, ganhos sobre
ativos não são considerados como diferentes de receita (parágrafo 75) e ganhos
não realizados são especificamente incluídos nessa definição (parágrafo 76).
A inclusão, e a tributação, desses ganhos (ou perdas) em lucros, ou seja, ‘a
abordagem de contabilização ao valor justo’ seria um desvio fundamental da
atual prática de tributação. Embora a prática de divulgação separada desses itens
seja reconhecida, se isso seria suficientemente detalhado para permitir alterações
apropriadas a serem feitas para chegar a uma base de cálculo é questionável.
Alguns países estão estudando a tributação desses ganhos, mas a tributação
de ganhos não realizados, e a concessão de isenção para perdas não realizadas
estão longe de ser a prática estabelecida.

IFRS nos livros individuais na União Européia (UE)


Podemos aprender da experiência da implementação de IFRS nos
livros societários das empresas na UE. Como regra geral, todas as empresas
individuais devem preparar demonstrações financeiras anuais (ou ‘contas’).
Essas demonstrações são preparadas de acordo com normas contábeis locais
aprovadas (às vezes referidas como Princípios de Contabilidade Geralmente
Aceitos – GAAP), que em alguns casos incluem a IFRS. Esses GAAPs também
exigirão, em certas circunstâncias, contas consolidadas e empresas listadas em
bolsas oficiais devem preparar demonstrações financeiras consolidadas em IFRS.
Para fins de tributação, a situação é um tanto diferente. Dependendo do
grau de ‘dependência’, as ‘contas de impostos’ podem ser muito similares, ou
muito diferentes das contas financeiras. Na verdade, esse grau de ‘dependência’
tem sido tradicionalmente um fator-chave na definição da legislação da UE
sobre contabilização. A reação à implementação da IFRS em 2005 é um bom
exemplo disso. A IFRS foi implementada dando aos Estados-Membros a opção
de permitir ou requer certas mudanças para assegurar que os requisitos nacionais
de contabilização para empresas não listadas pudessem ser gradualmente
alinhados a IAS. Como regra geral, contas ou declarações de impostos são
requeridas para cada subsidiária separada, enquanto que contas consolidadas,

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414 - O futuro do FCONT

quando são relevantes para fins fiscais, são estritamente nacionais, ou seja, não
há consolidação fronteiriça. Quando empresas nacionais têm atividades em
mais de um país, o direito a tributar a renda depende da legislação local, sujeito
a qualquer acordo bilateral de bi-tributação entre os respectivos estados. Não
há uma legislação específica da UE referente a acordos de bi-tributação entre
Estados-Membros, embora os princípios gerais derivados dos Tratados básicos
da UE se apliquem.
Adicionalmente, existe diversidade por parte das autoridades fiscais
se o patrimônio liquido sobre o qual se calculará o “thin-capitalization” é o
societário ou o fiscal. Maior tributação surge no uso do societário na limitação
de despesas de juros dedutíveis pelas regras de sub-capitalização onde o nível
de endividamento nos livros societários aumenta devido um instrumento
que foi tratado como patrimônio para fins fiscais e dívida no societário. A
mesma diversidade remanesce em relação ao cálculo dos métodos do preço de
transferência. A questão é: os custos e receitas nas operações de importação
/exportação devem ser apurados com base na escrituração societária ou dos
livros fiscais?

Implementação da IFRS em contas estatutárias na UE


Enquanto a IFRS deve ser implementada nas contas consolidadas das
empresas listadas da UE a partir de 2005, nos países da Europa a velocidade
de adoção da IFRS para contas estatutárias de empresas locais varia. Com base
na tendência atual, todos os países da União Européia eventualmente mudarão
para uma situação em que as contas das empresas sejam preparadas apenas em
IFRS, embora isso possa levar muitos anos.
Quando isso acontecer, a declaração de imposto local terá que começar
com os números em IFRS, uma vez que serão as únicas contas. Espera-se que
cada país tenha suas próprias regras para determinar os ajustes a serem feitos ao
lucro em IFRS para determinar o lucro tributável. Cada país também terá que
abordar a transição do GAAP local para IFRS, o que levanta muitas questões
complexas, assim como frequentes mudanças nas normas IFRS.
Uma questão regular é a abordagem sendo adotada para contas de
empresas subsidiárias. Empresas listadas são obrigadas a preparar suas contas
consolidadas utilizando IFRS aprovada pela UE. Entretanto, não há essa
obrigação em relação às contas separadas da controladora ou à conta de suas

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Kieran Mcmanus - 415

subsidiárias. Porém, a maioria dos grupos também escolheu utilizar a IFRS para
a apresentação das contas separadas da controladora, para fins de consistência
com as contas consolidadas. Contudo, há muita variação na abordagem adotada
para contas de empresas subsidiárias. Enquanto que alguns grupos decidiram
também utilizar a IFRS para todas as suas empresas subsidiárias, uma vez que
dados contábeis em IFRS têm que ser produzidos de qualquer forma para fins
de consolidação do grupo, outros adotaram a abordagem de que produzir contas
consolidadas em IFRS já é um grande esforço e eles terão que manter a forma
de cumprir requisitos estatutários locais nas contas de suas subsidiárias para
minimizar a mudança nas subsidiarias.
No Reino Unido, muitas subsidiárias anteciparam a implementação da
IFRS em suas contas estatutárias, com base em sua interpretação da respectiva
lei societária. Como os impostos de renda eram dependentes da contabilização
estatutária, a utilização de contas em IFRS poderia gerar implicações gerais.
Por exemplo, as empresas no Reino Unido que mudarem do UK GAAP para
IFRS podem ter três possíveis implicações para o cálculo de lucros para fins
fiscais e de contabilização:
1. Os lucros podem ser acelerados. Em certos casos, a IFRS requer
o reconhecimento mais rápido da receita do que o UK GAAP. De
acordo com o UK GAAP, certos tipos de recebimentos podem
ter sido postergados para fins de contabilização, enquanto a IFRS
pode requerer que elas sejam reconhecidas imediatamente, quando
do recebimento como receita.
2. Os lucros podem ser desacelerados. A IFRS pode requerer um
nível mais alto de provisão para certos tipos de riscos ou, de outro
modo, o diferir o reconhecimento da receita.
3. Pode haver pouca mudança.
O impacto da mudança pode variar de empresa para empresa. Para grandes
grupos, algumas subsidiárias do grupo sofreriam a aceleração da receita pela
utilização da IFRS, enquanto que para outras o efeito seria o oposto. Alguns
grupos, portanto, prepararam contas em UK GAAP para essas subsidiárias
quando a IFRS causava a aceleração na receita e mudaram para a IFRS quando
isso desacelerava a receita ou não causava mudança relevante. Obviamente, isso
não teria impacto nas contas do grupo, visto que seriam preparados a partir dos
pacotes de consolidação utilizando exclusivamente IFRS.

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416 - O futuro do FCONT

Diferenças nos regimes tributários da UE


Em outubro de 2001, os serviços associados da Comissão Européia emitiram
um Estudo Tributário da Empresa (‘o Estudo’). Embora o estudo tenha sido
publicado antes da implementação da IFRS e a volatilidade nas normas IFRS
fosse muito menor, ele analisou várias questões-chave ao utilizar contas em
IFRS para fins de tributação. O Estudo também continha uma seção dedicada
à contabilização financeira que cobre três questões importantes:
i) O s E s t a d o s - M e m b ro s a t u a l m e n t e t ê m a b o r d a g e n s
fundamentalmente diferentes para a relação entre contabilização
e tributação relacionada ao grau de ‘independência’. Por um
lado ‘independência’ significa que, ‘determinação de receita para
fins contábeis é, a princípio, independente de determinação de
receita para fins fiscais. ’ Por outro lado, ‘Dependência significa
que ou as contas financeiras seguem as regras fiscais ou que a
determinação de receita é determinada pelas escolhas feitas nas
contas financeiras. ’ A independência prevalece na Dinamarca,
Irlanda, Holanda e no Reino Unido, enquanto que a dependência
prevalece em graus variados nos outros Estados-Membros, em
particular na Alemanha.
ii) As IFRS são obrigatórias para as contas consolidadas de todas as
empresas listadas da UE a partir de 2005.
iii) Mesmo se a independência da contabilização financeira e da
contabilização fiscal fosse se tornar a norma dentro da UE,
haveria várias transações onde tanto o tratamento contábil
quanto o tratamento fiscal fosse particularmente complexo e que
atualmente variam na UE. Essas transações incluem certos contratos
de arrendamento e fusões e aquisições. O movimento para a
‘contabilização ao valor justo’, com uma maior ênfase na avaliação
de ativos e passivos ao valor de mercado nas contas financeiras pode
acentuar esses problemas.
Na seção do Estudo dedicada a uma análise preliminar das diferentes
abordagens para uma solução abrangente sob o título ‘Base de cálculo comum
(consolidada)’, uma base de cálculo comum possível européia é discutida e
observa-se que ‘O conjunto acordado de normas comuns européias poderiam levar
a normas contábeis européias como um ponto de partida’. Essa idéia é tirada

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Kieran Mcmanus - 417

novamente da Comunicação em relação à introdução da IFRS, ‘Embora não


diretamente relacionada à tributação, esse desenvolvimento pode geralmente
ajudar no desenvolvimento futuro de uma base de cálculo corporativa comum
e, em certo grau, a IAS pode servir como um ponto de referência útil’.
A questão foi debatida na Conferência Européia sobre Tributação de
Empresas em abril de 2002 na sessão sobre ‘Os meios para atingir uma base de
cálculo comum’ com referência específica à questão, ‘Qual é o elo entre a base
de cálculo comum e as regras contábeis e que papel as Normas Internacionais
de Contabilidade desempenham?’. A implementação da IFRS para empresas
da UE foi reconhecida como uma questão importante, mas em que extensão
se poderia tirar vantagem desse desenvolvimento para fins fiscais estava menos
claro. Vários palestrantes contribuíram para o debate e vários pontos gerais
foram levantados.
A IFRS foi percebida como tendo objetivos diferentes das contas fiscais,
sendo mais preocupada com a preparação do relatório e em identificar potenciais
futuros. As demonstrações financeiras são consideradas primariamente como
uma ferramenta para fornecer informações aos mercados que compensam
a maximização de lucros, amplamente julgada em relação aos critérios de
‘verdadeiro e justo’. As contas fiscais são preparadas para um objetivo diferente
e o cumprimento estatutário é o principal critério com a minimização de lucros
sendo compensada por encargos fiscais mais baixos. Se uma base comum fosse
restrita a alguns dos principais elementos, então a IAS poderia fornecer um
ponto de partida adequado quando números consolidados fossem requeridos.
Com relação às subsidiárias individuais, a extensão em que a IFRS
também era utilizada para as mesmas (o Regulamento requer IFRS apenas
para contas consolidadas, os Estados-Membros podem permitir ou requerer o
seu uso nas demonstrações financeiras de subsidiárias) foi identificado como
uma potencial influência sobre o uso de demonstrações financeiras em IFRS
como parte de uma base de cálculo. Os Serviços da Comissão concluíram que
as oportunidades criadas pela introdução da IFRS na UE precisavam de um
estudo mais aprofundado, com particular ênfase nas implicações fiscais.
Concluindo, a coincidência do acordo sobre o Regulamento que requeria
a introdução da IFRS por aproximadamente 7000 empresas listadas em 2005
e a conclusão da Comissão de que as empresas da UE deveriam ter uma base
de cálculo consolidada para suas amplas atividades da UE tem levado a um
grande interesse em uma ‘base de cálculo comum em IFRS’. Na superfície a

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418 - O futuro do FCONT

idéia parece muito atraente, mas há pouca pesquisa detalhada sobre o que isso
realmente significaria na prática.
Exemplos foram identificados dos possíveis problemas na utilização de
contas em IFRS como um ponto de partida para a base de cálculo consolidada.
Métodos contábeis alternativos são permitidos para valorização do estoque:
PEPS ou UEPS na IAS 2, para contratos: percentual de conclusão ou
recuperação de custo na IAS 11, para custos de empréstimo: despesa ou
capitalização na IAS 23, para imobilizado na IAS 16: custo ou reavaliação
regular e para intangíveis e propriedades para investimento: custo ou valor
justo na IAS 38 e 40. Contudo, quando da implementação da IFRS nas contas
estatutárias no Brasil, o CPC eliminou muitas opções a fim de assegurar uma
base de contabilização comparativa pelas empresas brasileiras. Outras questões,
porém, permanecem nos CPCs atualmente utilizados no Brasil:
A essência sobre a forma é aplicada para arrendamentos na IAS 17 e para
Instrumentos Financeiros na IAS 32. A depreciação do imobilizado deve ser
reconhecida ao longo da vida útil, mas isso considera valores residuais baseados
na IAS 16. O valor justo também é o princípio para instrumentos financeiros na
IAS 32, para ativos biológicos na IAS 41 e para calcular o impairment de ativos
na IAS 36. Na maioria dos casos, os requisitos de divulgação são tais que o efeito
sobre os lucros da contabilização como despesas em vez de capitalizar transações,
de reavaliar ativos e passivos, de aumentar a depreciação, de reconhecer lucros
e prejuízos, etc. pode ser estabelecido pelo usuário das contas. Porém, há uma
potencial tensão entre o relatório financeiro, onde altos lucros são compensados;
e a ‘contabilização’ fiscal onde baixos lucros são compensados através de um
menor encargo tributário. Fortalecer o elo nas contas consolidadas em IFRS
poderia levar a um relatório mais equilibrado, mas poderia levar a decisões
contábeis sendo baseadas mais nos princípios de diferimento e redução de
impostos do que nos princípios contábeis de ‘verdadeiro e justo’.

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Capítulo XV

As Alterações da
Legislação Societária e
Implicações no Cálculo
dos Juros sobre o
Capital Próprio

Luiz Sergio Vieira Filho

Rodrigo Munhoz

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Luiz Sergio Vieira Filho & Rodrigo Munhoz - 421

1 – Objetivo deste Artigo


Com o advento das Leis 11.638/2007 e 11.941/2009, o Brasil uniformizou
seus procedimentos contábeis aos melhores padrões internacionais. As
alterações da legislação societária, como sabemos, foram diversas e no tocante
ao Direito Tributário e sua inter-relação com a Ciência Contábil, procurou o
legislador num primeiro momento garantir a neutralidade dos ajustes contábeis
na apuração dos tributos federais, facilitando assim o processo de conversão
ao novo modelo contábil.
Ocorre que a técnica adotada para expurgar estes efeitos contábeis e a
falta de adequação da legislação tributária a esta nova Contabilidade resulta
em diversos questionamentos sobre a pretensa neutralidade.
Este artigo se propõe a analisar especificamente as implicações fiscais
relacionados ao cálculo dos Juros sobre o Capital Próprio (“JCP”), abordando
(i) as alterações dos métodos e critérios contábeis e os limites da neutralidade
fiscal; (ii) a finalidade e natureza dos JCP; e (iii) as implicações da nova
Contabilidade no cálculo dos JCP.

2 – As alterações das Leis 11.638/2007 e


11.941/2009 e a suposta neutralidade fiscal
Em 28 de dezembro de 2007 foi editada a Lei 11.638, fruto do Projeto
de Lei nº 3.741/2000 encaminhado no ano de 2000 pelo Poder Executivo ao
Congresso Nacional.
Mencionado projeto propôs relevantes alterações na Lei 6.404/76 (Lei das
Sociedades Anônimas – “Lei das S.A.”), em especial nos métodos e critérios
contábeis utilizados na elaboração da escrituração comercial das pessoas
jurídicas, para possibilitar o fortalecimento do mercado de capitais no Brasil,
viabilizando o autofinanciamento das empresas1.

1 De acordo com o Relatório da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados (http://
www.camara.gov.br/sileg/integras/373704.pdf), “a revisão ampla de nossa legislação societária,
iniciada pela Lei 10.303, de 31 de outubro de 2001, teve como linha mestra a preocupação com
o fortalecimento do mercado de capitais de nosso País, como instrumento viabilizador do auto-
financiamento das empresas. Este Projeto de Lei segue, exatamente, naquela direção. Nesse sentido,
com a adoção de normas contábeis compatíveis com os melhores padrões internacionais, buscou-se
conferir maior proteção aos acionistas minoritários, com vistas a atrair entrada de novos recursos e
permitir o desenvolvimento seguro do mercado de capitais.”

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422 - As Alterações Da Legislação Societária E Implicações No...

As alterações dos critérios e métodos contábeis foram várias, e dentre


outras, podemos citar as seguintes:
· Avaliação pelo valor de mercado dos ativos líquidos, negócios ou
empresas adquiridas de partes não relacionadas;
· Avaliação pelo valor de mercado dos ativos financeiros destinados
à negociação ou venda, inclusive dos derivativos;
· Ajuste dos ativos e passivos de longo prazo pelo seu valor presente.
Os ativos e passivos de curto prazo somente devem ser ajustados
pelo seu valor presente caso o efeito do ajuste seja relevante nas
demonstrações financeiras;
· Análise periódica da recuperação dos valores registrados ativo
Imobilizado e Intangível;
· Contabilização dos gastos com arrendamento mercantil financeiro
em conta de Ativo Imobilizado; e
· Extinção da conta Reserva de Reavaliação, constante do
Patrimônio Líquido.
Para garantir a adoção dos novos métodos e critérios contábeis, ou seja, a
conversão para a “nova Contabilidade”, a Lei 11.638/2007 tratou de neutralizar
os efeitos tributários dos ajustes na escrituração contábil2. Determinava a lei que
as pessoas jurídicas deveriam adotar livros auxiliares, sem modificação da
escrituração mercantil, para preparar demonstrações financeiras em consonância
com as disposições da lei tributária. Como método alternativo também permitia
a manutenção das demonstrações para fins tributários na escrituração mercantil,
desde que lançamentos contábeis adicionais fossem realizados para assegurar a
preparação de demonstrações financeiras de acordo com a nova contabilidade3.
Ou seja, a pessoa jurídica poderia partir de um Balanço societário (livros
principais) para um Fiscal (livros auxiliares), ou como método alternativo, partir

2 A Lei 11.638/2007 estabeleceu nova redação ao artigo 177 da Lei 6.404/1976. Determina o § 7º
que:
“§ 7o Os lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para harmonização de normas contábeis,
nos termos do § 2o deste artigo, e as demonstrações e apurações com eles elaboradas não poderão
ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários”.
3 Inclusão do § 2º ao artigo 177 da Lei 6.404/1976.

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Luiz Sergio Vieira Filho & Rodrigo Munhoz - 423

de um Balanço Fiscal (livros principais) para um Societário (livros auxiliares),


desde que os lançamentos de ajuste efetuados para harmonização de normas
contábeis e as demonstrações e apurações com eles elaboradas não fossem
base de incidência de impostos e contribuições nem tenham quaisquer outros
efeitos tributários.
Estabelecia, portanto, a Lei 11.638/2007 um completo descasamento
entre a contabilidade societária e a fiscal para quaisquer efeitos tributários e
não, como veremos adiante, apenas para a apuração do Lucro Real.
Esse dispositivo, como é sabido, foi posteriormente revogado pela Lei
11.941/2009, que manteve a previsão de eliminação dos efeitos da nova legislação
contábeis para fins fiscais, mas o fez através de um novo instrumento jurídico, o
Regime Tributário de Transição de apuração do Lucro Real (“RTT”).
De acordo com o RTT4, a modificação dos critérios de reconhecimento de
receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido do exercício
não terão efeitos para fins de apuração do Lucro Real da pessoa jurídica. É o
que prevê o artigo 16 da Lei 11.941/2009:
“Art. 16. As alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro
de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei que modifiquem o critério de

4 Segundo o Artigo 15 na Medida Provisória (“MP”) 449/2008, convertida na Lei 11.941/2009:


“Art. 15. Fica instituído o Regime Tributário de Transição – RTT de apuração do lucro real, que
trata dos ajustes tributários decorrentes dos novos métodos e critérios contábeis introduzidos pela
Lei 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei.
§ 1o O RTT vigerá até a entrada em vigor de lei que discipline os efeitos tributários dos novos
métodos e critérios contábeis, buscando a neutralidade tributária.
§ 2o Nos anos-calendário de 2008 e 2009, o RTT será optativo, observado o seguinte:
I – a opção aplicar-se-á ao biênio 2008-2009, vedada a aplicação do regime em um único ano-
calendário;
II – a opção a que se refere o inciso I deste parágrafo deverá ser manifestada, de forma irretratável,
na Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica 2009;
III – no caso de apuração pelo lucro real trimestral dos trimestres já transcorridos do ano-calendário
de 2008, a eventual diferença entre o valor do imposto devido com base na opção pelo RTT e o
valor antes apurado deverá ser compensada ou recolhida até o último dia útil do primeiro mês
subsequente ao de publicação desta Lei, conforme o caso;
IV – na hipótese de início de atividades no ano-calendário de 2009, a opção deverá ser manifestada,
de forma irretratável, na Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica 2010.
§ 3o Observado o prazo estabelecido no § 1o deste artigo, o RTT será obrigatório a partir do
ano-calendário de 2010, inclusive para a apuração do imposto sobre a renda com base no lucro
presumido ou arbitrado, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, da Contribuição
para o PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS.
§ 4o Quando paga até o prazo previsto no inciso III do § 2º deste artigo, a diferença apurada será
recolhida sem acréscimos”.

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424 - As Alterações Da Legislação Societária E Implicações No...

reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro


líquido do exercício definido no art. 191 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro
de 1976, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica
sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos
e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.”
Cabe mencionar, ainda, que o artigo 21 estabeleceu o RTT também para
fins de apuração da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, da
Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social – COFINS.5
Importante observar que o RTT é na própria definição da lei um regime
de apuração do Lucro Real6, e trata apenas das alterações que modifiquem a
apuração do lucro líquido do exercício, marco inicial para a apuração do IRPJ
nos termos do artigo 247 do Regulamento do Imposto de Renda (“RIR/1999”)7.
Referido artigo estabelece que para a apuração da base de cálculo do IRPJ, o
chamado Lucro Real, deverá o contribuinte partir do Lucro Líquido do período
apurado com observância das leis comerciais.
Também neste sentido é o procedimento adotado para expurgar os efeitos
da nova Contabilidade, conforme previsto no artigo 17 da Lei 11.941/2009,
e posteriormente regulamento pela Receita Federal (RFB), por meio da IN
949/20098 que instituiu o Controle Fiscal Contábil de Transição (“FCONT”).
O artigo 3º na IN 949/20099 dispõe sobre os procedimentos que devem
ser adotados para a reversão dos efeitos das alterações dos métodos e critérios
contábeis alterados a partir da edição Leis 11.638/2007 e 11.941/2009. De
acordo com esse artigo, a pessoa jurídica deverá:

5 “Art. 21. As opções de que tratam os arts. 15 e 20 desta Lei, referentes ao IRPJ, implicam a adoção
do RTT na apuração da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, da Contribuição para
o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS”.
6 Artigo 15 da Lei 11.941/2009.
7 Instituído pelo Decreto 3.000, de 26 de março de 1999.
8 Alterada pela Instrução Normativa RFB 1.139/2011.
9 Veja-se a redação do citado dispositivo:
“Art. 3º A pessoa jurídica sujeita ao RTT, para reverter o efeito da utilização de métodos e critérios
contábeis diferentes daqueles previstos na legislação tributária, baseada nos critérios contábeis
vigentes em 31 de dezembro de 2007, nos termos do art. 2º, deverá:
I - utilizar os métodos e critérios da legislação societária para apurar, em sua escrituração contábil,
o resultado do período antes do Imposto sobre a Renda, deduzido das participações;
II - utilizar os métodos e critérios contábeis aplicáveis à legislação tributária, a que se refere o art.
2º, para apurar o resultado do período, para fins fiscais;

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Luiz Sergio Vieira Filho & Rodrigo Munhoz - 425

I – utilizar os métodos e critérios da legislação societária para apurar,


em sua escrituração contábil, o resultado do período antes do
Imposto sobre a Renda, deduzido das participações;
II – utilizar os métodos e critérios contábeis anteriores às Leis
11.638/2007 e 11.941/2009 para apurar o resultado do período,
para fins fiscais;
III – determinar a diferença entre os valores apurados com base nos
itens acima; e
IV – ajustar, exclusivamente no Livro de Apuração do Lucro Real
(“LALUR”), a diferença apurada.
Realizados tais procedimentos, será apurado o Lucro Líquido do período
após os ajustes de RTT, de modo que da leitura do artigo 3º abstrai-se que os
ajustes do RTT devem ser efetuados no lucro líquido utilizado para fins de
apuração do IRPJ e da CSLL.
Não restam dúvidas de que o RTT disciplinou os ajustes ao lucro líquido
para fins de apuração do Lucro Real. Como exemplo destes ajustes, pode-se
citar a alteração do tratamento contábil dos gastos com arrendamento mercantil
financeiro, que antes das alterações das Leis 11.638/2007 e 11.941/2009 eram
escriturados em conta de Resultado do Exercício (despesa) e, após as alterações
promovidas, passaram a ser registrados em conta de Ativo Imobilizado. De
acordo com o RTT, referidos gastos devem ser considerados despesas no
exercício em que escriturados para fins de apuração do Lucro Real.
Mas, e quanto aos demais efeitos tributários advindos da nova
Contabilidade? É de se observar que há situações que a legislação tributária
utilizou-se de institutos/conceitos constantes da legislação societária e da
contabilidade. Esse é o caso do JCP, conforme será analisado no item 3
deste trabalho. Outro exemplo pode ser apresentado, trata-se da chamada
subcapitalização, que fora instituída pela Lei 12.249/2010.
As regras de subcapitalização, por exemplo, estabeleceram limite de
dedutibilidade de juros nas operações com os acionistas ou quotistas da pessoa
jurídica. De acordo com os artigos 24, as despesas com juros serão dedutíveis,
desde que observados limites calculados com base no valor do endividamento
com a pessoa vinculada no exterior (não pode superar 2 (duas) vezes o valor da
participação da vinculada no patrimônio líquido da pessoa jurídica residente
no Brasil); e o patrimônio líquido da pessoa jurídica domiciliada no Brasil

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426 - As Alterações Da Legislação Societária E Implicações No...

(no caso de endividamento com pessoa jurídica vinculada no exterior que não
tenha participação societária na pessoa jurídica residente no Brasil). O artigo
25 estabelece regras para a dedutibilidade de juros pagos ou creditados para
pessoa residente, domiciliada ou constituída no exterior, em país ou dependência
com tributação favorecida ou sob regime fiscal privilegiado. Esse artigo dispõe
que para serem dedutíveis, para fins de determinação do Lucro Real e da base
de cálculo da CSLL, as despesas com juros deve atender cumulativamente ao
requisito de que o valor total do somatório dos endividamentos com todas as
entidades situadas em país ou dependência com tributação favorecida ou sob
regime fiscal privilegiado não seja superior a 30% (trinta por cento) do valor
do Patrimônio Líquido da pessoa jurídica residente no Brasil.
Caso a pessoa jurídica escriture despesas com juros com pessoas vinculadas
no exterior em valor superior aos limites estabelecidos, deverá efetuar a adição
no Lucro Real e na base de cálculo da CSLL. Veja-se, no caso de eventual
excesso, que o ajuste deverá ser objeto de adição ao Lucro Real, ou seja, não se
trata de ajuste de RTT ao lucro líquido.
Assim, em virtude de a lei tributária ter elegido institutos e conceitos
de direito societário e de contabilidade, as alterações dos métodos e critérios
contábeis produzem outros efeitos fiscais que não apenas os relacionados ao
reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro
líquido conforme prevê o RTT.
Esse raciocínio indica que a neutralidade fiscal não é plena, ou seja, para
os casos em que a legislação fiscal estabelece limite de dedutibilidade com base
em institutos/conceitos de direito societário e de contabilidade esses poderão
produzir efeitos fiscais.
Corrobora o entendimento apresentado o fato de não existir uma
contabilidade tributária e sim um Controle Fiscal Contábil de transição, criado


III - determinar a diferença entre os valores apurados nos incisos I e II; e
IV - ajustar, exclusivamente no Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR), o resultado do período,
apurado nos termos do inciso I, pela diferença apurada no inciso III.
§ 1º Para a realização do ajuste específico, de que trata o inciso IV do caput, deverá ser mantido
o controle definido nos arts. 7º a 9º.
§ 2º O ajuste específico no LALUR, referido no inciso IV, não dispensa a realização dos demais
ajustes de adição e exclusão, prescritos ou autorizados pela legislação tributária em vigor, para
apuração da base de cálculo do imposto. § 3º Os demais ajustes a que se refere o § 2º devem ser
realizados com base nos valores mantidos nos registros do controle previsto nos arts. 7º a 9º”.

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pelos artigos 7º a 9º10 da IN 949/2009, que é utilizado para ajustar o lucro


líquido contábil e transformá-lo no “lucro líquido fiscal”.
Feitas essas considerações, passa-se à análise da finalidade e da natureza
dos JCP para, posteriormente, apresentar comentários e observações sobre o
cálculo dos mencionados juros em face das alterações legais.

3 – Da Finalidade e da Natureza dos JCP


Com a edição do artigo 9º da Lei 9.249/1995 foi prevista a possibilidade
de dedução dos JCP pagos ou creditados ao titular, sócio ou acionista, para fins
de apuração do IRPJ. A Lei 9.430/1996 estendeu a possibilidade da dedução
para a CSLL11.
Da leitura da Exposição de Motivos da Lei n° 9.249/1995, verifica-se
que a faculdade do pagamento/crédito e respectiva dedução dos JCP no Lucro
Real visou provocar um incremento das aplicações produtivas, capacitando as
empresas a elevar o nível de investimento, sem endividamento, com evidentes

10 Tais artigos assim dispõem, in verbis:


“Art. 7º Fica instituído o Controle Fiscal Contábil de Transição (FCONT) para fins de registros auxiliares
previstos no inciso II do § 2º do art. 8º do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, destinado obrigatória e
exclusivamente às pessoas jurídicas sujeitas cumulativamente ao lucro real e ao RTT.
Art. 8º O FCONT é uma escrituração, das contas patrimoniais e de resultado, em partidas dobradas,
que considera os métodos e critérios contábeis aplicados pela legislação tributária, nos termos
do art. 2º.
§ 1º A utilização do FCONT é necessária à realização dos ajustes previstos no inciso IV do art.
3º, não podendo ser substituído por qualquer outro controle ou memória de cálculo.
§ 2º Para fins de escrituração do FCONT, poderá ser utilizado critério de atribuição de custos fixos
e variáveis aos produtos acabados e em elaboração mediante rateio diverso daquele utilizado
para fins societários, desde que esteja integrado e coordenado com o restante da escrituração,
nos termos do art. 294 do Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999.
§ 3º O atendimento à condição prevista no § 2º impede a aplicação do disposto no art. 296 do
Decreto nº 3.000, de 1999.
§ 4º A elaboração do FCONT é obrigatória, mesmo no caso de não existir lançamento com base
em métodos e critérios diferentes daqueles prescritos pela legislação tributária, baseada nos
critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007, nos termos do art. 2º. (Redação dada
pela Instrução Normativa RFB nº 1.139, de 28 de março de 2011).
Art. 9º O FCONT deverá ser apresentado em meio digital até às 24 (vinte e quatro) horas (horário de
Brasília) do dia 30 de novembro de 2009, mediante a utilização de aplicativo a ser disponibilizado
no dia 15 de outubro de 2009, no sítio da Secretaria da Receita Federal do Brasil na Internet, no
endereço <http://www.receita.fazenda. gov. br>.
Parágrafo único. Para a apresentação do FCONT é obrigatória a assinatura digital mediante
utilização de certificado digital válido”.
11 O inciso XXVI do artigo 88 da Lei 9.430/1996 revogou o §10 do art. 9 º da Lei 9.249/1995 o qual
estabelecia que o JCP deveria ser adicionado ao lucro líquido para a determinação da base de
cálculo da CSLL.

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428 - As Alterações Da Legislação Societária E Implicações No...

vantagens no que se refere à geração de empregos e ao crescimento da economia,


in verbis:
“(...) 11. A permissão da dedução de juros pagos ao acionista, até o limite
proposto, em especial, deverá provocar um incremento das aplicações
produtivas nas empresas brasileiras, capacitando-as a elevar o nível de
investimentos, sem endividamento, com evidentes vantagens no que se
refere à geração de empregos e ao crescimento sustentado da economia.
(...)”
Deste modo, de acordo com a Exposição de Motivos, pode-se verificar
que a Lei buscou aumentar o nível dos investimentos nas empresas, mediante
a remuneração e dedução da despesa dos JCP pagos/creditados em virtude do
capital aplicado na pessoa jurídica.
Logo, incentivou-se o aumento de capital nas empresas, seja mediante
novos aportes (investimentos), seja mediante a capitalização dos lucros. Veja-se
a redação do mencionado artigo 9º:
“Art. 9º A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do
lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular,
sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados
sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia,
da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP.
§ 1º O efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à
existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros
acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor
de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados.
§ 2º Os juros ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte à
alíquota de quinze por cento, na data do pagamento ou crédito ao beneficiário.
(…)
§ 7º O valor dos juros pagos ou creditados pela pessoa jurídica, a título
de remuneração do capital próprio, poderá ser imputado ao valor dos
dividendos de que trata o art. 202 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de
1976, sem prejuízo do disposto no § 2º.”.
Assim, mediante a observância de critérios de cálculo e de limites, que
serão estudados no próximo item, os JCP podem ser considerados despesa
dedutível para a determinação do IRPJ e da CSLL. Os JCP estão sujeitos à
incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (“IRRF”) e, ainda, poderão

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Luiz Sergio Vieira Filho & Rodrigo Munhoz - 429

ser imputados aos dividendos mínimos obrigatórios previstos no art. 202 da


Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
Sobre a natureza dos JCP, é de se observar que há muita divergência
doutrinária. Para parte da doutrina eles possuem natureza de dividendos, enquanto
para outra parte eles possuem natureza de juros (despesa/receita financeira). É
uma discussão relevante que foi levada ao contencioso administrativo e judiciário
em função dos efeitos tributários para quem recebe os JCP, como, por exemplo,
a questão da base de cálculo do PIS e da COFINS.
Sem pretender esgotar a discussão, entendemos que os JCP têm para fins
societários e de contabilidade a natureza de dividendos, sendo um instrumento de
remuneração aos acionistas. No entanto sua definição pela legislação tributária12
como despesa/receita financeira dá-lhe uma natureza de instrumento híbrido,
i.e., dividendos para fins societários e despesa ou receita para fins fiscais.
Para fins societários, portanto nos filiamos a doutrina de Modesto
Carvalhosa13, em sua obra Comentários à lei das Sociedades Anônimas que
equiparou os JCP aos dividendos:
“Os juros sobre o capital próprio pagos ou creditados ao acionista
constituem inequivocamente, distribuição de resultados, integrando
o valor total pago como dividendos. Com efeito, o § 1º do art. 9 º da
Lei n º 9.249/95 dispõe expressamente que o efetivo pagamento ou
crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros acumulados
de exercícios anteriores. O efetivo pagamento ou crédito dos juros fica
condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução
dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante
igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou
creditados”.
No mesmo sentido é a doutrina de Alberto Xavier:
“A determinação da verdadeira natureza jurídica deste instituto
tem sido dificultada pela manifesta impropriedade da expressão
“juros sobre o capital próprio”. Com efeito, a remuneração que a

12 Do acordo com o art. 96 do CTN “A expressão “legislação tributária” compreende as leis, os


tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem,
no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.”
13 CARVALHOSA, Modesto Comentários à lei de sociedades anônimas. São Paulo. Saraiva, 2003,
V1, p. 217.

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430 - As Alterações Da Legislação Societária E Implicações No...

pessoa jurídica paga ao seu titular, sócio ou acionista, não tem a


natureza de juros pela singela razão que o conceito de juros (aliás
consagrado no artigo 192 §3º da Constituição Federal) é reservado
a “remunerações diretas ou indiretas referidas à concessão de crédito”.
Ora, as remunerações em causa não tem a sua origem numa operação
de crédito, assim entendidas aquelas em que existe uma obrigação de
restituição de somas entregues a título de antecipação.
(...)”
A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), por meio da Deliberação
207/199614 dispôs sobre a contabilização dos JCP para as companhias abertas.
De acordo com a CVM, os JCP devem ser escriturados diretamente à conta
de Lucros Acumulados. Ao assim se manifestar, a CVM aproximou os JCP,
ou melhor dizendo, os equiparou aos dividendos.
Por outro lado para fins fiscais, a Secretaria da Receita Federal, por meio
do artigo 29 da Instrução Normativa (“IN”) 11/2006 apresentou entendimento
no sentido de que o JCP é despesa/receita financeira15.
Após a RFB apresentar o seu entendimento, foi publicado o Decreto
5.164/200416 o qual considera os JCP receita financeira17(p.seg.).
Também é de se observar que os tratados destinados a Evitar a Dupla

14 O item I da Deliberação assim dispõe:


“I - Os juros pagos ou creditados pelas companhias abertas, a título de remuneração do capital
próprio, na forma do artigo 9º da Lei nº 9.249/95, devem ser contabilizados diretamente à conta
de Lucros Acumulados, sem afetar o resultado do exercício”.
15 Veja-se a redação do art. 29:
“Art. 29. Para efeito de apuração do lucro real, observado o regime de competência, poderão
ser deduzidos os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas,
a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e
limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP.
(...)
§ 4º Os juros a que se refere este artigo, inclusive quando exercida a opção de que trata o § 1º
ou quando imputados aos dividendos, auferidos por beneficiário pessoa jurídica submetida ao
regime de tributação com base no:
a) lucro real, serão registrados em conta de receita financeira e integrarão lucro real e a base de
cálculo da contribuição social sobre o lucro;
(...)
Art. 30. (...)
Parágrafo único. Para efeito de dedutibilidade na determinação do lucro real, os juros pagos ou
creditados, ainda que imputados aos dividendos ou quando exercida a opção de que trata o § 1º
do artigo anterior, deverão ser registrados em contrapartida de despesas financeiras”.
16 Mencionado Decreto foi revogado pelo Decreto 5.442/2005, o qual manteve o mesmo tratamento
para o JCP.

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Luiz Sergio Vieira Filho & Rodrigo Munhoz - 431

Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Relação aos Impostos sobre a Renda


recentemente celebrados pelo Brasil prevêem expressamente que deve ser dado
ao JCP o tratamento fiscal aplicável aos juros. Neste sentido são os tratados
celebrados entre o Brasil e a Ucrânia18 e entre o Brasil e o México19.
Atualmente, o CARF vem reiteradamente decidindo que os JCP
caracterizam-se como despesa/receita para fins fiscais20 .
Por fim, cumpre observar que há decisões do Superior Tribunal de Justiça
(“STJ”) no sentido de que o JCP possui natureza de receita/despesa financeira:
“TRIBUTÁRIO. COFINS. PIS. JUROS SOBRE O CAPITAL
PRÓPRIO QUE A PESSOA JURÍDICA INVESTE EM OUTRA
EMPRESA. INCIDÊNCIA.
1. Os juros recebidos de capital próprio investido pela sociedade
empresarial em outra empresa constituem receitas financeiras.
2. Juros de capital próprio investido não se confundem com dividendos.

17 Veja a transcrição:
“Art. 1º Ficam reduzidas a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da Contribuição
para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS incidentes sobre as receitas financeiras
auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de incidência não-cumulativa das referidas
contribuições.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às receitas financeiras oriundas de juros sobre
capital próprio e as decorrentes de operações de hedge”.
18 Promulgado pelo Decreto nº 5.799, de 7 de Junho de 2006.
19 Promulgado pelo Decreto nº 6.000, de 26 de dezembro de 2006.
20 Veja-se julgados nesse sentido:
“DE LUCROS JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO, NATUREZA JURÍDICA DE DESPESA
FINANCEIRA. PAGAMENTO DESPROPORCIONAL À PARTICIPAÇÃO DO SÓCIO NO CAPITAL
SOCIAL IMPOSSIBILIDADE INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES SOBRE O EXCESSO.
A natureza jurídica dos Juros Sobre Capital Próprio é de despesa financeira para a empresa e de
receita para o sócio beneficiário.Os valores pagos ou creditados aos sócios a título de Juros Sobre
Capital Próprio, além do que lhes seria devido pela aplicação do percentual correspondente
a participação de cada um no capital social, devem sofrer a incidência de contribuição
previdenciária, por representar pró-labore indireto.
(...)
ACORDAM os membros do colegiado da segunda seção de julgamento, por unanimidade de
votos, negar provimento ao recurso.”
(Processo nº 10380 005041/2007-01, Recurso nº 158.977 Acórdão nº 2401-01. 504 - 4ª Câmara
/ 1ª Turma Ordinária Sessão de 1 de dezembro de 2010).
“Ementa: IRPJ – JUROS SOBRE O CAPITAL PRÓPRIO – Os juros sobre capital próprio investido pela
sociedade em outra empresa não têm natureza de lucro ou dividendo, mas de receita financeira.
Regime jurídico tributário diferenciado. Os juros recebidos em decorrência de aplicação capital
próprio em outra pessoa jurídica compõem a base de cálculo do IRPJ.” (Número do Recurso:
154.767, Processo: 11080.009776/2005-81, Sessão: 17/04/2008, Relator: João Carlos de Lima
Júnior, Acórdão 101-96692).No mesmo sentido são os Acórdãos 101-96.692, 101-96.785, 105-
16.570 e 103-23.0.07, dentre outros.

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Entidade com configurações jurídicas e efeitos não assemelhados. Regime


jurídico diferenciado a eles praticado.
3. As Leis ns. 10.637, de 2002, e 10.883, de 2003, determinam,
expressamente, os acontecimentos negociais que não compõem a base
de cálculo da Cofins e PIS. Inexiste previsão excluindo a receita dos juros
sobre o capital próprio da referida base de cálculo.
4. Impossibilidade do Poder Judiciário criar situação de não-incidência
tributária por interpretação analógica da lei. Obediência a princípio
da legalidade.
5. Os juros sobre o capital próprio tem por finalidade remunerar o capital
do investidor. São calculados sobre as contas do patrimônio líquido da
pessoa jurídica. Os dividendos representam parcela do lucro distribuído pela
empresa aos seus sócios. Entidades que, pelas suas próprias características,
não se confundem a que recebem tratamento tributário diferenciado.
6. Os juros recebidos por capital próprio empregado em outra empresa
integram a receita bruta do favorecido. Incide sobre eles Cofins e PIS.
7. Recurso especial não-provido”. (REsp 952566/SC, RECURSO
ESPECIAL 2007/0113819-4, Relator(a) Ministro JOSÉ
DELGADO (1105), Órgão Julgador: T1 – PRIMEIRA TURMA,
Data do Julgamento: 18.12.2007, Data da Publicação/Fonte: DJ
25.02.2008 p. 284, RDDT vol. 152 p. 156)
No mesmo sentido são as seguintes decisões: REsp 1.086.752-PR e REsp
921.269-RS.
Estamos, portanto, numa daquelas situações definidas no RTT aonde
as disposições da lei tributária conduzem a utilização de métodos ou critérios
contábeis diferentes daqueles determinados pela legislação societária e pelas
normas expedidas pela CVM e demais órgãos reguladores. Pois enquanto a
legislação tributária determina que os JCP sejam contabilizados como despesa
financeira21, a CVM como já vimos se posicionou sobre o tratamento de

21 O artigo 30 DA IN 11/2006 determina que: “O valor dos juros pagos ou creditados pela pessoa
jurídica, a título de remuneração do capital próprio, poderá ser imputado ao valor dos dividendos
de que trata o art. 202 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sem prejuízo da incidência
do imposto de renda na fonte.
Parágrafo único. Para efeito de dedutibilidade na determinação do lucro real, os juros pagos ou
creditados, ainda que imputados aos dividendos ou quando exercida a opção de que trata o § 1º
do artigo anterior, deverão ser registrados em contrapartida de despesas financeiras.”

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Luiz Sergio Vieira Filho & Rodrigo Munhoz - 433

dividendos. Desta feita, nos termos do RTT, o procedimento correto é tratar


como dividendos nos livros comerciais e considerar a dedução da despesa com
JCP diretamente no LALUR para fins fiscais.

4 – Do Cálculo do JCP
De acordo com o já transcrito artigo 9º da Lei nº 9.249/1995, os JCP
devem ser calculados com base nas contas do Patrimônio Líquido, sobre o qual
é aplicada a Taxa de Juros de Longo Prazo (“TJLP”).
O Patrimônio Líquido é instituto do direito societário, que corresponde à
diferença entre o valor dos ativos e passivos da pessoa jurídica e caracteriza-se por
ser o valor pertencente aos sócios ou acionistas da pessoa jurídica.22  O artigo 178
da Lei 6.404/1976, com a redação dada pela Lei nº 11.941 estabelece que o
Patrimônio Líquido é “dividido em capital social, reservas de capital, ajustes de
avaliação patrimonial, reservas de lucros, ações em tesouraria e prejuízos acumulados”.
Como o Patrimônio Líquido é figura societária e contábil, ele, que é a
base de cálculo dos JCP, deve ser apurado observando-se os métodos e critérios
contábeis vigentes na data da elaboração das demonstrações financeiras, de
modo que as alterações contábeis introduzidas pelas Leis 11.638/2007 e
11.941/2009 geram efeitos na sua determinação.
E não há na regulamentação do RTT qualquer exigência de que
este Patrimônio Líquido (Societário) seja sujeito a ajustes contábeis para
determinação de um Patrimônio Líquido Fiscal para fins de JCP, como existe
em relação ao lucro líquido para fins de apuração do Lucro Real.
É importante ressaltar que sempre que desejou ajustar o Patrimônio
Líquido para fins de cálculo do JCP, o legislador o fez expressamente. Veja-se
o § 8º, do artigo 9º:
“§ 8º Para os fins de cálculo da remuneração prevista neste artigo, não será
considerado o valor de reserva de reavaliação de bens ou direitos da pessoa
jurídica, exceto se esta for adicionada na determinação da base de cálculo
do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido”.23 (p.seg.)

22 Neste sentido é “Manual de Contabilidade Societária”, Sérgio de Iudícius, Eliseu Martins, Ernesto
Rubens Gelbcke, Ariovaldo dos Santos, São Paulo, Atlas, 2010, pág. 342:
“No balanço patrimonial, a diferença entre o valor dos ativos e dos passivos representa o Patrimônio
Líquido, que é o valor contábil pertencente aos sócios”.

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434 - As Alterações Da Legislação Societária E Implicações No...

Adicionalmente, observa-se que outros ajustes no Patrimônio Líquido


para fins de cálculo dos JCP foram exigidos por leis posteriores:
(i) o artigo 45 da Lei 10.637/200224 determinou que no caso de
apuração de excesso de custo de aquisição de bens, direitos e
serviços importados de pessoas jurídicas vinculadas e que sejam
considerados indedutíveis na determinação do Lucro Real e da
base de cálculo da CSLL (ajustes de preços de transferência), a
pessoa jurídica deverá ajustar o excesso de custo no Patrimônio
Líquido para fins de JCP; e
(ii) (ii) o artigo 59 da Lei 11.941/200925(p.seg.) estabeleceu que os valores
relativos a Ajustes de Avaliação Patrimonial (“AVP”), a que se

23 A IN RFB 11/1996 explicitou que:


“§ 2º Para os fins do cálculo da remuneração prevista neste artigo, não será considerado, salvo se
adicionado ao lucro líquido para determinação do lucro real e da base de cálculo da contribuição
social sobre o lucro, valor:
a) da reserva de reavaliação de bens e direitos da pessoa jurídica;
b) da reserva especial de trata o art. 428 do RIR/94;
c) da reserva de reavaliação capitalizada nos termos dos arts. 384 e 385 do RIR/94, em relação
às parcelas não realizadas”.
24 Mencionado artigo tem a seguinte redação:
“Art. 45. Nos casos de apuração de excesso de custo de aquisição de bens, direitos e serviços,
importados de empresas vinculadas e que sejam considerados indedutíveis na determinação do
lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, apurados na forma do
art. 18 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, a pessoa jurídica deverá ajustar o excesso de
custo, determinado por um dos métodos previstos na legislação, no encerramento do período de
apuração, contabilmente, por meio de lançamento a débito de conta de resultados acumulados
e a crédito de:
I - conta do ativo onde foi contabilizada a aquisição dos bens, direitos ou serviços e que
permanecerem ali registrados ao final do período de apuração; ou
II - conta própria de custo ou de despesa do período de apuração, que registre o valor dos bens,
direitos ou serviços, no caso de esses ativos já terem sido baixados da conta de ativo que tenha
registrado a sua aquisição.
§ 1o No caso de bens classificáveis no ativo permanente e que tenham gerado quotas de depreciação,
amortização ou exaustão, no ano-calendário da importação, o valor do excesso de preço de aquisição
na importação deverá ser creditado na conta de ativo em cujas quotas tenham sido debitadas, em
contrapartida à conta de resultados acumulados a que se refere o caput.
§ 2o Caso a pessoa jurídica opte por adicionar, na determinação do lucro real e da base de cálculo
da contribuição social sobre o lucro líquido, o valor do excesso apurado em cada período de
apuração somente por ocasião da realização por alienação ou baixa a qualquer título do bem,
direito ou serviço adquirido, o valor total do excesso apurado no período de aquisição deverá ser
excluído do patrimônio líquido, para fins de determinação da base de cálculo dos juros sobre o
capital próprio, de que trata o art. 9o da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, alterada pela
Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996.
§ 3o Na hipótese do § 2o, a pessoa jurídica deverá registrar o valor total do excesso de preço
de aquisição em subconta própria que registre o valor do bem, serviço ou direito adquirido
no exterior”.

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Luiz Sergio Vieira Filho & Rodrigo Munhoz - 435

refere o § 3º do art. 182 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de


1976, com a redação dada pela Lei no 11.638, de 28 de dezembro
de 2007, também não devem ser computados no Patrimônio
Liquido para fins de cálculo dos JCP.
De rigor observar que o disposto no artigo 59 é ainda mais relevante pois,
constante no mesmo diploma legal que criou o RTT, corrobora o entendimento
ora apresentado ao exigir que o Patrimônio Líquido da pessoa jurídica, calculado
de acordo com os critérios e métodos contábeis atualmente vigentes, seja
ajustado pelos valores do AVP.
Entendimento diverso do ora apresentado, de que o RTT já prevê o expurgo
dos novos critérios e métodos contábeis na apuração de um Patrimônio Líquido
Fiscal, tornaria completamente prescindível o artigo 59, dado que o deixaria sem
significância alguma. Não é demais lembrar que a interpretação das leis parte do
pressuposto de que elas não possuem palavras desnecessárias.
De acordo com a clássica lição de Carlos Maximiliano: “Presume-se que a
lei não contenha palavras supérfluas; devem todas ser entendidas como escritas adrede
para influir no sentido da frase respectiva”26.
Pois bem, mediante a aplicação da TJLP sobre o valor do Patrimônio Líquido,
apurado de acordo com as alterações das Leis 11.638/2007 e 11.941/2009 e ajustado

25 Veja-se a redação do dispositivo:


“Art. 59. Para fins de cálculo dos juros sobre o capital a que se refere o art. 9º da Lei nº 9.249, de
26 de dezembro de 1995, não se incluem entre as contas do patrimônio líquido sobre as quais
os juros devem ser calculados os valores relativos a ajustes de avaliação patrimonial a que se
refere o § 3o do art. 182 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com a redação dada pela
Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007”.
26 Hermenêutica e Aplicação do Direito”, 15ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1995, p. 110. Esse
mesmo autor ainda ensina em outro trecho, pp. 250 e 251, sobre a hermenêutica e aplicação
do Direito:
“Verba cum effectu, sunt accipienda: ‘Não se presumem, na lei, palavras inúteis’. Literalmente:
‘Devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia’.
As expressões do Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real,
vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis.
Pode uma palavra ter mais de um sentido e ser apurado o adaptável à espécie, por meio do exame
do contexto ou por outro processo; porém a verdade é que sempre se deve atribuir a cada uma
a sua razão de ser, o seu papel, o seu significado, a sua contribuição para precisar o alcance da
regra positiva. Este conceito tanto se aplica ao Direito escrito, como aos atos jurídicos em geral,
sobretudo aos contratos, que são leis entre as partes.
Dá-se valor a todos os vocábulos e, principalmente, a todas as frases, para achar o verdadeiro
sentido de um texto; porque este deve ser entendido de modo que tenham efeito todas as suas
provisões, nenhuma parte resulte inoperativa ou supérflua, nula ou sem significação alguma”

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436 - As Alterações Da Legislação Societária E Implicações No...

pelos valores expressamente previstos pela legislação fiscal, encontra-se o valor dos
JCP que poderão ser pagos ou creditados, desde que a pessoa jurídica:
a) Possua lucros computados antes da dedução dos juros, em montante
igual ou superior ao valor de duas vezes os JCP; ou
b) Possua lucros acumulados e reservas de lucros, também em
montante em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os
JCP.
Ou seja, para o pagamento ou crédito deve-se observar se o montante
apurado está dentro de um dos seguintes limites de dedutibilidade: (a) 50%
(cinqüenta por cento) do lucro líquido do exercício antes do cômputo dos
JCP e da Provisão do IRPJ 50%; ou (b) 50% (cinqüenta por cento) dos Lucros
Acumulados e Reservas de Lucros, dos dois o maior27.
A determinação do limite de dedutibilidade com base no lucro líquido nos
remete a um novo questionamento. Deve este lucro líquido apurado pela nova
Contabilidade ser ajustado aos critérios vigentes em 31 de dezembro de 2007?
Os que defendem que sim dirão que a neutralidade fiscal determinada
pelo RTT prevê a apuração de um lucro líquido fiscal distinto do contábil. Mas
como já ressaltamos a apuração deste lucro líquido fiscal é o ponto de partida
para determinação do Lucro Real, mas não deve ser confundido com a própria
apuração do Lucro Real.
Adotando o RTT determinado pelo artigo 17 da Lei 11.941/2009, temos:
(1) Apuração do lucro líquido antes do IRPJ com adoção dos métodos
e critérios introduzidos pela Lei 11.638/2007 e 11.941/2009;
(2) Ajustes ao lucro líquido que revertam o efeito da utilização de
métodos e critérios contábeis diferentes daqueles da legislação
tributária, baseada nos critérios contábeis vigentes em 31 de
dezembro de 2007;
(3) Lucro Líquido Fiscal, resultado de (1) + (2);

27 Sobre o limite de dedutibilidade previsto em “b” (cinqüenta por cento dos Lucros Acumulados
e Reservas de Lucros), verifica-se que, com a edição da Lei 11.638/2007, a conta “Lucros
Acumulados” não deverá mais possuir saldo, devendo os saldos dos resultados das companhias
serem registrados (se positivos) na conta Reserva de Lucros; e, se negativos, na conta Prejuízos
Acumulados.

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Luiz Sergio Vieira Filho & Rodrigo Munhoz - 437

(4) Demais ajustes de adição, exclusão e compensação, prescritos ou


autorizados pela legislação tributária, para apuração da base de
cálculo do imposto. 
(5) Lucro Real, resultado de (3) + (4)
O valor dos JCP pagos/creditados representa um ajuste do item (2)
acima, por ser tratado como dividendos na legislação societária, sem transitar
por resultado do exercício, enquanto eventual excesso de cálculo deve ser
considerado no item (4).
Não há qualquer previsão no RTT para que o cálculo do JCP parta do
lucro líquido fiscal (3), e não se pode ignorar que o limite de dedutibilidade dos
JCP nunca se confundiu com a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, ou seja, sua
referência sempre foi o lucro líquido do exercício apurado pela contabilidade.
Ajustes no LALUR (adições, exclusões e compensações) nunca causaram
impacto na determinação do valor do JCP dedutível.
Ademais, como para fins societários os JCP possuem natureza de
dividendos, os mesmos não poderiam ser pagos/creditados na hipótese da
pessoa jurídica possuir prejuízos acumulados. Isto, no entanto, poderia vir a
ocorrer caso se entenda que os JCP devem ser deduzidos de acordo com o
“lucro líquido fiscal”, mesmo numa situação onde a empresa apurou prejuízo
contábil em virtude da legislação societária.
Para ilustrar esta situação, apresentamos um exemplo hipotético de uma
pessoa jurídica que apurou, com base nos novos métodos e critérios contábeis,
ajuste de R$ 4.000.000,00 decorrente da análise de recuperação dos seus ativos
(impairment28), previsto na Lei 11.638/2007 e que não possui Reserva de Lucros
ou Lucro Acumulado. Os dados hipotéticos são os seguintes:

28 O Comitê de Pronunciamentos Contábeis (“CPC”) editou o Procedimento Técnico 01 para


dispor sobre o assunto. O Pronunciamento Técnico estabelece procedimentos que a entidade
deve aplicar para assegurar que seus ativos estejam registrados contabilmente por valor que
não exceda seus valores de recuperação. Dispõe o Pronunciamento, ainda, que “Um ativo está
registrado contabilmente por valor que excede seu valor de recuperação se o seu valor contábil
exceder o montante a ser recuperado pelo uso ou pela venda do ativo. Se esse for o caso, o ativo
é caracterizado como sujeito ao reconhecimento de perdas, e o Pronunciamento Técnico requer
que a entidade reconheça um ajuste para perdas por desvalorização. O Pronunciamento Técnico
também especifica quando a entidade deve reverter um ajuste para perdas por desvalorização e
estabelece as divulgações requeridas”.

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438 - As Alterações Da Legislação Societária E Implicações No...

Dados da Contabilidade:

Dados Fiscais:

Considerando os dados acima, para os que entendem que o ajustes de


RTT devam influenciar no cálculo dos JCP, mesmo a empresa apresentando
prejuízo contábil seria possível a dedução dos JCP no valor de R$ 919.000,00.
Veja-se o exemplo abaixo:

De outro lado, considerando-se que o resultado contábil do exercício,


a pessoa jurídica não teria direito à dedução fiscal. Isso porque, conforme
apresentado nos Quadro 1 e 2 acima, verifica-se a existência de prejuízo
acumulado e prejuízo no exercício.
Conforme já mencionamos, não nos parece razoável o pagamento
e dedutibilidade dos JCP no exemplo apresentado, o que confirma nossa
conclusão de que a lei elegeu para fins de cálculo do JCP institutos e conceitos
societários constantes da contabilidade e apurados com a observância dos novos
métodos e critérios contábeis.

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Capítulo XVI

Regime jurídico das


contingências legais

Marcos André Vinhas Catão


Professor de Direito Tributário da FGV/RJ. Doutor em Direito Público
pela Universidad San Pablo – CEU. Mestre em Direito Tributário pela
Universidade Candido Mendes. Diretor da Associação Brasileira de Direito
Financeiro – ABDF e Membro do General Council da International Fiscal
Association – IFA. Advogado.

Luciana de Assis Serra Alves


Pós-graduada em Direito Empresarial pela FGV/RJ. Advogada.

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Marcos André Vinhas Catão & Luciana de Assis Serra Alves - 441

I – Introdução. Relevância do Tratamento Fiscal


das Contingências Legais
Do ponto de vista da organização empresarial, talvez a mais relevante das
funções desempenhadas por gestores e assessores jurídicos no curso de suas
atividades essenciais seja a administração do passivo legal.
Com efeito, a partir do aguçamento da necessidade de maior transparência e
melhoria da governança corporativa1, a análise e avaliação das contingências legais
se constituem talvez no maior desafio do gestor jurídico (Diretores e Gerentes
Jurídicos). Nesse sentido, pode ser dito que a existência de um controle efetivo
e diligente de contingências legais denota eficiência e responsabilidade na
administração empresarial e, não por outra razão, é encontrado em maior ou
menor intensidade em empresas que possuem, respectivamente, uma boa ou
negligente administração.

1 De acordo com Jorge Lobo, “Governança Corporativa é o conjunto de normas, consuetudinárias


e escritas, de cunho jurídico e ético, que regulam os deveres de cuidado, diligência, lealdade,
informação e não intervir em qualquer operação em que tiver interesse conflitante com o
da sociedade; o exercício das funções, atribuições e poderes dos membros do conselho
de administração, da diretoria executiva, do conselho fiscal e dos auditores externos, e o
relacionamento entre si e com a própria sociedade, seus acionistas e o mercado em geral.
(...) a governança corporativa (...) passou a ser assunto do cotidiano de políticos, empresários,
administradores de empresas, economistas, juristas e auditores, no país e no exterior, em virtude
de gravíssimas crises e falências de empresas nacionais e multinacionais, provocadas por gestão
temerária e ruinosa, escândalos financeiros, fraudes contábeis, falsificação e deturpação de dados
e documentos, manipulação de balanços, dilapidação de ativos patrimoniais, etc.” (LOBO, Jorge.
Princípios de Governança Corporativa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro, nº 142, São Paulo: Malheiros: 2006. pp. 141-142) A esse conceito, cabe acrescentar
observação feita por Juliana Girardelli Vilela, para quem “a governança corporativa pode ser
adotada como um mecanismo para diminuir o custo do financiamento externo das empresas,
seja para os contratos de dívida, seja para o lançamento de ações, já que é um conjunto
de procedimentos de gestão que conjuga os interesses dos diversos financiadores e evita a
expropriação de um pelo outro. Além disso, a aplicação da governança corporativa considera
a concepção de maximização do valor para os acionistas como principal responsabilidade dos
executivos.” (VILELA, Juliana Girardelli. Sistema de Governança Corporativa e a concentração de
propriedade de nas empresas de capital aberto. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico
e Financeiro, nº 142, São Paulo: Malheiros: 2006. p. 71) Como sintetiza o Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa (IBGC), a governança corporativa, para atingir seus objetivos, toma como
base as noções de transparência, prestação de contas, equidade e responsabilidade corporativa,
utilizando como ferramentas o conselho de administração, a auditoria independente e o conselho
fiscal (Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/Secao.aspx?CodSecao=18>. Acessado em 27 mar.
2011). No cenário brasileiro, a governança corporativa tem como finalidade principal combater
os efeitos negativos sobre a gestão societária, provocados pela alta concentração da participação
acionária, somada à significativa interferência dos controladores na administração social e à
atuação fraca e pouco diligente dos conselhos de administração. Além disso, no plano mundial,
episódios recentes como a crise dos bancos em 2008 e as crises fiscais de países europeus,
trouxeram à tona a questão da atuação dos investidores institucionais, em especial sua alta
ingerência na condução das atividades societárias e sua responsabilidade limitada pelas perdas
eventualmente causadas às suas sociedades ou, até mesmo, ao mercado em geral.

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442 - Regime jurídico das contingências legais

Todavia, longe de ser uma função simples, a atividade gerencial de


“contingenciamento” é de altíssima complexidade por várias razões, as quais aqui
tomamos a iniciativa de catalogarmos em dois eixos que nos parecem os mais
relevantes.
Primeiramente, porque sói depender de uma ação estruturada de vários
agentes: advogados internos e staff interno da sociedade; assessores legais
externos; auditoria. Esta coordenação por si só já gera um alto grau de tensão
em sua administração. Qual não é a sociedade que frequentemente se vê as
voltas em ser cobrada de suas auditorias e a cobrar de seus assessores internos
e externos uma posição atualizada e exata de suas contingências, tudo isso,
ademais, de forma continuada, a cada encerramento de resultados?
Um segundo aspecto, porque a avaliação de contingências envolve
paradoxalmente um conflito entre partes que em geral estão empreendendo
esforços conjuntos no jogo empresarial: executivos e funcionários da própria
sociedade e seus assessores. De fato, a avaliação de contingências antagoniza essas
mesmas partes face aos latentes conflitos de interesse: acionistas que não desejam
ver seus resultados diminuídos pela constituição de provisões x responsáveis pela
administração prudente em virtude de responsabilidade funcional (advogados,
administradores, contadores) x assessores externos (advogados, consultores e
auditores) que podem ser igualmente responsabilizados.
Por tudo isso, a avaliação de contingências tende a ser cada vez mais um
tema de ordem legal. É assim, dentro desse contexto, que o presente trabalho
examina o atual regime jurídico da avaliação de contingências das sociedades
brasileiras, a partir da crescente internacionalização dos procedimentos
contábeis, conforme será exposto a seguir.

II – Contingências Legais. Seu Escopo


O termo contingência (liability) envolve uma série de situações.
No âmbito empresarial, por conseguinte, contingências são potenciais
obrigações que implicam na expectativa de uma perda financeira de caráter
patrimonial e que pode e deve ser estimada em sua intensidade (valor),
probabilidade e natureza. Como podem decorrer de um evento ocorrido no
dia-a-dia da sociedade, podem redundar ou não na possibilidade da empresa ser
juridicamente acionada. Exemplificativamente, se a empresa deixa de arrecadar

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Marcos André Vinhas Catão & Luciana de Assis Serra Alves - 443

valores por sua própria causa ou deteriora ativos, regra geral não estará gerando
um prejuízo a terceiros. Ainda assim, podem ser qualificadas tais situações
como uma contingência, já que, uma vez mais por exemplo, se uma máquina
deixa de funcionar, ou um forno de uma indústria fica parado, a empresa arcará
com uma perda (dano emergente), além de poder ver-se impactada em seus
resultados futuros (lucros cessantes).
Todavia, quando a própria entidade, por imprudência, imperícia ou
negligencia gera, no curso de sua atividade, gera um prejuízo a terceiro, pessoa
física ou jurídica, ente público ou privado, a entidade correrá o risco de ser
demandada ou já se encontrará em uma situação de litígio formalizada. Em
ambas as situações estaremos frente a um passivo contingente, o qual demanda
uma análise, denominada de avaliação de contingências legais.
Inserida no contexto da evolução da apresentação das demonstrações
financeiras capitaneadas pelo Direito Societário, do Mercado de Capitais e Contábil
(princípios e normas)2, a avaliação de contingências legais, antes de ser um dever,
é objeto de regulação por parte de um arcabouço normativo e coerente no Brasil.
A ele, devem-lhe obediência não somente as empresas abertas, mas a
totalidade das sociedades comerciais, pelos efeitos em terceiros decorrentes de
eventuais danos empresariais (breach of rule).

2 Em seu artigo A Linguagem Contábil no Ordenamento Jurídico Tributário, Antonio Lopo Martinez
afirma que “esse conjunto de instrumentos jurídicos prescritivos que regulam a técnica contábil
pode, com finalidades didáticas, ser classificado como um ramo próprio do Direito, sendo definido
a priori pelo fato de tais instrumentos terem um objeto comum: a normatização da técnica
contábil. É possível dizer que o Direito Contábil, ‘segmento’ do Direito, tem como conteúdo a
ordem normativa que trata da linguagem contábil (conhecimento contábil) juridicizada. (...) O
Direito Contábil Positivo é, então, o conjunto de instrumentos jurídicos prescritivos que regulam
a técnica contábil, constituindo, para fins didáticos, ramo autônomo do Direito, em virtude da
unidade que se obtém da análise de um tema comum: a técnica contábil. Entre os aspectos aos
quais o Direito Contábil se reporta cabe destacar: i) a obrigatoriedade da escrituração contábil;
ii) a contabilidade como meio de prova; iii) a elucidação dos conceitos contábeis.” (MARTINEZ,
Antonio Lopo. A Linguagem Contábil no Ordenamento Jurídico Tributário. Disponível em: < http://
www.fucape.br/_admin/upload/prod_cientifica/CONGRESSO%20USP-LOPO.pdf >. Acessado em
28 mar. 2011.) É importante destacar também que, “considerando que se trata de um ramo do
direito não sujeito exclusivamente à legalidade, cabe às normas infralegais regulamentar o direito
contábil, o que tem sido feito pelas Resoluções do CFC e Instruções da CVM. Essa liberdade de
regulamentação, por outro lado, não é absoluta, devendo ser respeitados os dispositivos legais
que venham a limitar ou obrigar determinada opção de política contábil. Por fim, por estar, esta
sim, sujeita exclusivamente à legalidade, a repercussão tributária dessas mudanças deve estar
expressamente previstas em lei, sendo que, por ora, vige o Regime Tributário de Transição (RTT).”
(FERNANDES, Edison Carlos. Normas Contábeis e o direito internacional. Valor Econômico.
Disponível em: <http://www.valoronline.com.br/impresso/legislacao-tributos/106/127438/normas-
contabeis-e-o-direito-internacional>. Acessado em 28 mar. 2011.)

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444 - Regime jurídico das contingências legais

A esse arcabouço normativo e coerente que nos referimos abaixo,


chamaremos de regime jurídico das contingências legais no Brasil, e, para tanto,
passamos a examinar os seus objetivos.

III – Avaliação de Contingências. Regime Jurídico


1. Demonstrações Financeiras e Passivos Contingentes. A relação
entre passivos contingentes e demonstrações financeiras das sociedades
é, indubitavelmente, silógica. A devida valoração jurídica da avaliação de
contingências é pressuposto legal à apuração e apresentação das demonstrações
financeiras, e, por tal razão, interdependente.
Dessa feita, o presente artigo procura situar a questão da avaliação de
contingências legais no campo mais amplo das demonstrações financeiras,
para, na sequência, examinar a sua regulação específica.
2. Balanço Patrimonial: Noções Gerais. Exigido para todas as sociedades
anônimas, fechadas e abertas3, em virtude do artigo 176 da Lei nº 6.404, de 15
de dezembro de 1976 (Lei das Sociedades Anônimas), o balanço patrimonial
faz-se obrigatório para os demais tipos de sociedades brasileiras, por força da
legislação fiscal4.

3 A elaboração anual do balanço patrimonial também se faz obrigatória para o empresário individual
e para qualquer outro tipo de sociedade empresária, incluindo as sociedades empresárias limitadas,
em virtude do que preceitua o artigo 1.179 do Código Civil, segundo o qual “o empresário e a
sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não,
com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação
respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.” Além
disso, por força do artigo 3º da Lei nº 11.638/2007, as sociedades de grande porte que não
se revistam da forma de sociedade por ações também estão sujeitas às disposições da Lei das
Sociedades Anônimas a respeito da escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e
da obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores
Mobiliários (CVM). Para os fins do referido artigo, considera-se sociedade de grande porte a
sociedade, ou o conjunto de sociedades sob controle comum, que, no exercício social anterior,
possuir ativo total superior a R$ 240 milhões ou receita bruta anual superior a R$ 300 milhões.
4 Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto nº 3.000/99: “Demonstrações
FINANCEIRAS. Art. 274. Ao fim de cada período de incidência do imposto, o contribuinte deverá
apurar o lucro líquido mediante a elaboração, com observância das disposições da lei comercial,
do balanço patrimonial, da demonstração do resultado do período de apuração e da demonstração
de lucros ou prejuízos acumulados (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 7º, § 4º, e Lei nº 7.450,
de 1985, art. 18). § 1º O lucro líquido do período deverá ser apurado com observância das
disposições da Lei nº 6.404, de 1976 (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 67, inciso XI, Lei nº
7.450, de 1985, art. 18, e Lei nº 9.249, de 1995, art. 5º). § 2º O balanço ou balancete deverá ser
transcrito no Diário ou no LALUR (Lei nº 8.383, de 1991, art. 51, e Lei nº 9.430, de 1996, arts.
1º e 2º, § 3º).”

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Trata-se de uma demonstração financeira cujo propósito é apresentar a


situação patrimonial-financeira de uma pessoa jurídica em determinada data.
Embora os elementos que compõem o patrimônio e a estrutura financeira de
uma pessoa jurídica estejam em constante mutação, o balanço reflete uma posição
estática, representando uma fotografia do estado da entidade em certo momento.
Por isso mesmo, deve ser analisado em conjunto com balanços levantados em
outras datas e, sobretudo, com outras demonstrações financeiras, de caráter mais
dinâmico, que revelem a evolução da situação da pessoa jurídica.
Segundo o artigo 178 da Lei das Sociedades Anônimas, o balanço não
representa mera transcrição das contas mantidas no registro permanente da
sociedade, mas “o agrupamento dos saldos segundo a natureza dos elementos
do patrimônio que as contas registram, observada a identidade entre os saldos
agrupados (...) e o conceito de relevância”5. Consiste, pois, em um conjunto de
contas classificadas e agrupadas em três seções básicas, de acordo com os elementos
do patrimônio social que tais contas registrem: ativo, passivo exigível e patrimônio
líquido. O ativo apresenta os bens e direitos da sociedade, refletindo a aplicação
de seus recursos, enquanto o passivo exigível compreende as exigibilidades e
obrigações, ou seja, as origens dos recursos fornecidos por terceiros.
As origens e as aplicações de recursos devem estar sempre em equilíbrio.
Por esse motivo, o balanço contempla também o patrimônio líquido da
sociedade, indicativo do valor líquido do patrimônio da sociedade, obtido por
meio da diferença entre ativo e passivo exigível. Da mesma forma que o passivo
exigível, o patrimônio líquido também indica a origem dos recursos utilizados
pela sociedade, mas refere-se aos recursos próprios da sociedade, não-exigíveis
por terceiros. Abrange, portanto, o capital conferido pelos sócios à sociedade,
assim como os lucros e reservas resultantes da aplicação desse capital nas
atividades e operações sociais6.

5 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. 4ª ed. São Paulo: Saraiva:
2009. v. 3. p. 683.
6 Segundo Bulhões Pedreira, “considerado sob o aspecto da sua origem, o capital aplicado no ativo
que corresponde às obrigações do patrimônio pertence a terceiros, e somente a parte que excede
do valor total dessas obrigações é de propriedade do titular do patrimônio (v. n.º 82).
A medida do capital aplicado que pertence a terceiros é o passivo exigível – o conjunto dos
valores (negativos) das prestações das obrigações do patrimônio (v. n.º 84-B). O subconjunto do
capital aplicado que é de propriedade do titular do patrimônio é designado patrimônio líquido (v.
n.º 84-C).” (PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Finanças e demonstrações financeiras da companhia:
conceitos e fundamentos. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 367.)

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446 - Regime jurídico das contingências legais

Dessa feita, “o conhecimento da situação financeira da sociedade


empresária, considerada nos dois aspectos do capital aplicado e da sua origem,
requer informações sobre os três conjuntos do ativo patrimonial, do passivo
exigível e do patrimônio líquido. O instrumento para esse conhecimento é a
escrituração mercantil, que assenta as mutações do patrimônio da sociedade
empresária classificadas e avaliadas segundo as normas legais e contábeis (...),
funcionando como inventário permanente do patrimônio.”7
Além de subdividir a estrutura do balanço patrimonial em três partes
bem definidas, o referido artigo 178 determina que as contas que compõem o
balanço sejam organizadas “de modo a facilitar o conhecimento e a análise da
situação financeira da companhia”.
Por isso, as contas do ativo devem ser dispostas em ordem decrescente de
grau de liquidez, apresentando-se em primeiro lugar as contas que sejam mais
rapidamente conversíveis em disponibilidades. Por sua vez, as contas do passivo
exigível devem ser expostas em ordem decrescente de prioridade de pagamentos,
classificando-se primeiramente as obrigações cuja exigibilidade ocorra antes.
Assim sendo, no que se refere especificamente ao passivo exigível,
determina a Lei das S.A. que as obrigações da sociedade sejam classificadas no
passivo circulante, quando se vencerem no exercício seguinte, ou no passivo não-
circulante, quando sua liquidação tiver de ocorrer em prazo superior (artigo 180).
O exercício social corresponde ao período de um ano compreendido entre
as duas datas em que o levantamento do balanço patrimonial se faz necessário,
para fins de apuração do lucro líquido da sociedade e, conseqüentemente, do
imposto de renda, e até mesmo de outros tributos a serem recolhidos, os quais
tenham por dimensão algum elemento patrimonial. As datas de início e término
do exercício social podem ser fixadas a critério da sociedade, em seu Estatuto
Social, mas costumam coincidir, em geral, com o ano civil.
Para fins de classificação das contas do passivo exigível em curto ou longo
prazo – circulante ou não circulante –, a Lei adota como principal critério o
exercício social da entidade, admitindo, porém, alternativamente, a utilização
do ciclo operacional da sociedade. Este último representa o período necessário
entre a aquisição de matérias-primas e mercadorias e o posterior recebimento

7 Ibid. p. 377.

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Marcos André Vinhas Catão & Luciana de Assis Serra Alves - 447

dos valores cobrados com a venda dos produtos fabricados ou revendidos.


Empresas cujo processo de construção, fabricação ou montagem pode levar mais
de um ano, como é o caso de edifícios ou navios, possuem ciclos operacionais de
duração mais longa que o exercício social. Nesses casos, será o ciclo operacional,
e não o exercício social, o critério adotado para a diferenciação entre passivos
circulantes e não-circulantes.
3. Passivos Contingentes e a Lei das S.A. Segundo Modesto Carvalhosa8,
os fatos que originam acréscimos patrimoniais podem ser registrados no
momento em que o bem ou direito passar a integrar o patrimônio social de forma
definitiva, auferindo-se uma receita do ponto de vista jurídico e econômico, ou
no momento em que esta é efetivamente recebida. No primeiro caso, tem-se o
critério contábil do regime de competência, de natureza econômica, enquanto,
no segundo, tem-se o regime de caixa, de caráter financeiro.
A Lei das Sociedades Anônimas, em seu artigo 177, adota o regime de
competência para o registro das mutações patrimoniais na escrituração da
sociedade. Com base em tal regime, mesmo que ainda não tenham sido pagos
pela sociedade, os custos e as despesas devem ser contabilizados no mesmo
exercício social em que as receitas correspondentes tiverem sido registradas,
de modo a gerar um equilíbrio entre custos e receitas.
Um dos reflexos da adoção do regime de competência consiste no fato de que
o passivo deve registrar não apenas as obrigações já formalizadas, como também
as que ainda não tenham sido formalizadas por um documento que as represente.
Em outras palavras, as despesas e os encargos incorridos no exercício deverão
constar da escrituração contábil, sob a forma de provisão, ainda que a sociedade
não disponha da respectiva documentação comprobatória. É o que ocorre, por
exemplo, nas situações em que a fatura, nota fiscal ou nota de honorários emitida
pelo credor não tiver sido entregue à sociedade até o momento.
Sob esse aspecto, o artigo 177 é complementado pelo artigo 184 da Lei das
Sociedades Anônimas, o qual dispõe sobre os critérios de avaliação do passivo9.

8 CARVALHOSA, Modesto. Op. cit., p. 667.


9 Lei das S/A: “Art. 184. No balanço, os elementos do passivo serão avaliados de acordo com os
seguintes critérios:
I – as obrigações, encargos e riscos, conhecidos ou calculáveis, inclusive Imposto sobre a Renda
a pagar com base no resultado do exercício, serão computados pelo valor atualizado até a data
do balanço;

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448 - Regime jurídico das contingências legais

Ao aludir a encargos e riscos conhecidos ou calculáveis, o mencionado


dispositivo legal refere-se a obrigações resultantes de transações já realizadas,
mas ainda não exigíveis. Trata-se de contingências de caráter passivo, originadas
de compromissos pactuados contratualmente ou em função da própria natureza
das atividades sociais, representando um encargo do exercício, do ponto de vista
econômico. No entanto, por não terem sido formalizadas ainda, a exigibilidade
e a materialização de tais obrigações dependerão de acontecimentos aleatórios,
que independem da atuação da sociedade.
Ipso facto, “em contabilidade, uma contingência é uma situação de risco
já existente e que envolve um grau de incerteza quanto à efetiva ocorrência e
que, em função de um evento futuro, poderá resultar em ganho ou perda para
a empresa. A preocupação maior deve ser com as contingências que possam
resultar em perda para a empresa, pois, pelo conservadorismo, aquelas que, em
decorrência de infrações de terceiros, reclamações, pedidos de reembolso etc.
possam tornar-se ganhos da empresa, só serão contabilizadas quando realmente
efetivadas. Não obstante, a técnica contábil recomenda a menção também das
contingências ativas nas notas explicativas às demonstrações financeiras.” 10 
Em regra, portanto, as obrigações ainda incertas, mas de existência
provável, devem ser contabilizadas como uma provisão, apresentando como
contrapartida uma despesa ou encargo que represente uma redução do lucro
social do exercício.
No entanto, o artigo 195 da Lei das Sociedades Anônimas admite ainda
outra forma de registro de tais obrigações, mediante a constituição de reserva
para contingências, com o objetivo de compensar, em exercício futuro, eventual
redução sofrida no lucro social em virtude de perda considerada provável e
de valor estimável. Tal alternativa implica na apropriação de parcela do lucro
líquido, tornando-a indisponível inclusive para fins de cálculo do dividendo
obrigatório a ser pago aos acionistas.

II – as obrigações em moeda estrangeira, com cláusula de paridade cambial, serão convertidas


em moeda nacional à taxa de câmbio em vigor na data do balanço;
III – as obrigações, os encargos e os riscos classificados no passivo não circulante serão ajustados
ao seu valor presente, sendo os demais ajustados quando houver efeito relevante.” (grifo nosso)
10 IUDÍCIBUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu; GELBCKE, Ernesto Rubens. Manual de Contabilidade das
Sociedades por Ações: aplicável também às demais sociedades. Fundação Instituto de Pesquisas
Contábeis, Atuariais e Financeiras – FIPECAFI. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 274.

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Em decorrência dos reflexos provocados na distribuição de lucros


aos sócios, a reserva para contingências deve ser objeto de proposta dos
órgãos de administração da sociedade, na qual se indiquem a causa da
perda prevista e as razões de prudência que recomendem a constituição da
reserva. As justificativas da proposta devem ser expostas de forma objetiva
e deverão ser submetidas à análise e apreciação da assembleia geral, à qual
caberá a decisão final sobre a constituição da reserva.
Uma vez verificada a perda ou cessados os motivos que justificaram
a constituição da reserva, esta deverá ser revertida em favor do lucro
líquido do exercício e, em consequência, da base de cálculo do dividendo
obrigatório. No caso de ocorrência efetiva da perda, a reversão será
compensada com o débito apurado no resultado do exercício em função
da referida perda.
Diante do exposto, percebe-se que a Lei das Sociedades Anônimas não
lança mão, em qualquer momento, da expressão “passivos contingentes”.
Entretanto, já introduz algumas noções que permeiam o conceito de
passivos contingentes, como a ideia de risco, contingências, eventos
incertos, probabilidade da perda e estimativa dos valores envolvidos. Tais
noções são mais bem desenvolvidas em atos normativos infralegais, que
vêm complementar e aprimorar os dispositivos da Lei nº 6.404/1976.
4. Passivos Contingentes e legislação complementar. Ao aludirmos
a uma idéia de “regime jurídico”, consubstanciamos não só uma visão
principiológica que decorre do Direito Contábil e da Lei das S/A, como
visto acima, mas também a existência de fato de normas escritas que tratam
então mais especificamente da questão. É sobre esse conjunto de regras
que passamos a discorrer, o qual demonstra per se que, a par da incidência
dos princípios geralmente aceitos no Direito Brasileiro, a avaliação de
contingência é senão uma faculdade da entidade, senão uma obrigação
legal em sentido estrito.
Ao tratar-se aqui dessa estrutura normativa coerente, procura-se
demonstrar a natureza de cada uma das normas aplicáveis, de modo a
justificar a sua legitimidade. Com efeito, apesar da reiterada referência
que é feita à normatização contábil, ainda é escassa a literatura brasileira
que demonstre a interação das variadas normas que tratam do tema.

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450 - Regime jurídico das contingências legais

4.1. Interação entre Pronunciamentos do Ibracon, Deliberações da


CVM e Pronunciamentos Contábeis do CPC: Natureza e Força Normativa.
De caráter genérico e abstrato, as normas de contabilidade fixadas pela
Lei das Sociedades Anônimas sempre careceram de maior detalhamento e
aprofundamento para atender a questões concretas e corriqueiras da realidade
das pessoas jurídicas brasileiras.
Somado a isso, os comandos normativos contábeis emitidos pelas
autoridades federais tributárias tinham como único objetivo traçar os requisitos
para definir a base da arrecadação, impondo, segundo Nelson Carvalho,
“tratamentos e métricas que, justificados a partir da ótica de tributar, não se
justificavam perante a ótica de adequadamente refletir eventos econômicos da
vida empresarial, visando produzir demonstrações financeiras efetivamente
informativas do desempenho operacional, da situação financeira e dos fluxos
de caixa futuros esperados em decorrência da gestão dos negócios sociais.”11
Verificava-se, pois, a completa ausência de um órgão ou entidade que se
propusesse a centralizar estudos, orientações e recomendações contábeis de
caráter financeiro ou societário, que favorecessem a elaboração de demonstrações
financeiras voltadas para a tomada de decisões econômicas, sobretudo por parte
de credores e investidores externos.
Nesse cenário, fazia-se necessário que agências reguladoras setoriais
se imiscuíssem em questões contábeis, fixando normas e adotando
posicionamentos específicos, aplicáveis somente às entidades submetidas à
sua respectiva autoridade. Era o caso, por exemplo, da Comissão de Valores
Mobiliários (CVM), do Banco Central do Brasil e da Superintendência de
Seguros Privados (SUSEP), dentre outras.
Tais agências reguladoras buscaram apoiar-se, sobretudo, nos
pronunciamentos contábeis emitidos pelo Instituto dos Auditores Independentes
do Brasil (Ibracon), os quais foram utilizados por muitos anos como suporte
técnico essencial dos trabalhos das referidas entidades em matéria contábil.
No caso específico da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, por exemplo,
criou-se, em janeiro de 1994, a Comissão Consultiva de Normas Contábeis,

11 Ernest & Young e FIPECAFI. Manual de Normas Internacionais de Contabilidade: IFRS versus
Normas Brasileiras. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. xiii.

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integrada por representantes da Associação Brasileira das Companhias Abertas


(ABRASCA), da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento
do Mercado de Capitais (APIMEC), do Conselho Federal de Contabilidade
(CFC), da FIPECAFI e do próprio IBRACON. O objetivo da Comissão
era o de propiciar o amplo debate sobre as normas contábeis por parte dos
próprios agentes afetados pela regulação, contribuindo para a maior aceitação
das normas emitidas.
Com esse propósito, a CVM acabou por adotar a prática de referendar
os pronunciamentos contábeis do IBRACON, após a sua devida análise e
aprovação pela Comissão Consultiva de Normas Contábeis. Dessa forma, os
pronunciamentos contábeis do IBRACON, emitidos de início apenas com a
finalidade de orientar os próprios associados do Instituto, tiveram sua utilização
e alcance ampliados e, sob a forma de deliberações da CVM, tornaram-se
obrigatórios também para as companhias abertas.
No ano de 2000, foi apresentado à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei
do Poder Executivo nº 3.741, com propostas de alterações nas regras contábeis
estabelecidas no Capítulo XV da Lei das Sociedades Anônimas. O projeto
tinha como objetivo modernizar a Lei das Sociedades Anônimas e alinhar as
normas e práticas contábeis brasileiras às normas internacionais emitidas pelo
International Accounting Standards Board (IASB)12.
Aprovado somente no final de 2007, o projeto se transformou na Lei
nº 11.638, sancionada pelo Presidente da República e publicada em 28
de dezembro de 2007. A referida lei promoveu diversas modificações nas

12 Criado em 1973 como uma fundação independente, o International Accounting Standards Commitee
(IASC) tinha como objetivo estabelecer um novo padrão de normas contábeis internacionais,
chamadas de International Accounting Standards (IAS). Em abril de 2001, após um processo
de reestruturação, o IASC foi substituído pelo International Accounting Standards Board (IASB).
Apoiado tecnicamente pelo IFRS Advisory Council (Conselho Consultivo de IFRS) e pelo IFRS
Interpretations Committee (Comitê de Interpretações de Relatório Financeiro Internacional), o
IASB é supervisionado por uma junta de curadores formada por profissionais de diversos setores
e países, denominada IFRS Foundation Trustees, e presta contas ao Monitoring Board (Conselho
de Monitoramento), integrado por autoridades do mercado de valores mobiliários. Desde sua
criação, o IASB passou a emitir pronunciamentos contábeis conhecidos como International
Financial Reporting Standards (IFRS). Embora submetidos a processo de revisão, atualização
e reformulação pelo IASB, muitos dos IAS’s formulados pelo IASC ainda continuam vigentes e
convivem lado a lado com os IFRS publicados já nos tempos do IASB. É o caso, por exemplo,
do IAS 37, relativo a Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes, o qual foi emitido
pelo IASC em setembro de 1998 e se encontra em vigor desde 1º de julho de 1999, sendo, no
entanto, objeto de processo de revisão desde 2005, como se verá no item III-4.3, infra.

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452 - Regime jurídico das contingências legais

normas contábeis da Lei das Sociedades Anônimas, alterações essas que


representaram mais do que um simples conjunto de novas regras, mas uma
verdadeira mudança de abordagem à contabilidade brasileira.
Exemplo disso foi o acréscimo de um parágrafo quinto ao artigo 177 da
Lei das Sociedades Anônimas, o qual determinou que as normas expedidas pela
CVM com a finalidade de regular a elaboração das demonstrações financeiras de
companhias abertas estivessem “em consonância com os padrões internacionais de
contabilidade adotados nos principais mercados de valores mobiliários”13. Com isso,
reconheceu-se oficialmente a necessidade de ampliar o grau de transparência das
demonstrações financeiras elaboradas no Brasil e de favorecer, como resultado,
sua aceitação tanto no plano nacional como no internacional.
A convergência com as normas internacionais permitiria que se alcançasse
uma linguagem contábil mais homogênea em nível mundial, facilitando a
comunicação nos negócios realizados no plano internacional. Desse modo,
seria possível uma melhor compreensão das demonstrações financeiras por
parte de investidores, financiadores e fornecedores de crédito de outros países,
reduzindo-se os riscos nos investimentos internacionais e na concessão de
créditos e diminuindo, consequentemente, o próprio custo do capital14.
No entanto, o processo de convergência com as normas contábeis
internacionais não se restringiu à promulgação da Lei nº 11.638/2007, e
tampouco se iniciou a partir desta. Em paralelo à tramitação do Projeto de
Lei nº 3.741 na Câmara dos Deputados, verificou-se também a adoção de
outras medidas por parte das entidades reguladoras brasileiras com o intuito
de contribuir para o alinhamento das normas contábeis brasileiras com as

13 Embora o parágrafo quinto do artigo 177 da Lei das Sociedades Anônimas não faça referência
direta e expressa às normas do IASB, o Brasil optou por alinhar suas normas contábeis com os
pronunciamentos deste órgão regulador internacional, em virtude não apenas de sua reconhecida
qualidade técnica, como também da relevância do papel desempenhado pelo IASB no processo
de convergência global das normas contábeis. À época de elaboração deste artigo, conforme
levantamento publicado em edição especial da Revista Capital Aberto, cerca de 120 países já
adotavam “integral ou parcialmente as normas editadas pelo IASB. Por exemplo, os países da
União Européia seguem as normas do IASB desde 2005, e a previsão é que Canadá, Índia, Coréia
e Argentina consigam implementá-las este ano (2011). No Japão, a adoção é voluntária desde
2010, mas se tornará obrigatória em 2016” (Guia de IFRS: perguntas e respostas. Revista Capital
Aberto. Edição Especial, ano 3, fev. 2011. p. 12).
14 Vide o preâmbulo da Resolução do Conselho Federal de Contabilidade nº 1.055, de 7 de outubro
de 2005, a qual será analisada com mais detalhes a seguir e que muito bem sintetiza as vantagens
decorrentes do alinhamento das normas contábeis brasileiras com as internacionais.

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internacionais.
Nesse sentido, por meio da Resolução nº 1.055, de 07 de outubro de 2005, o
Conselho Federal de Contabilidade (CFC) criou o Comitê de Pronunciamentos
Contábeis (CPC), composto, além do próprio CFC, pela Bolsa de Valores de São
Paulo (BOVESPA), IBRACON, APIMEC, ABRASCA e FIPECAFI.
Como muito bem sintetizado no preâmbulo da Resolução do CFC, o
processo de emissão de normas contábeis desperta o interesse e conta com a
participação não apenas dos preparadores e dos examinadores das demonstrações
financeiras – contadores e auditores independentes, respectivamente –,
mas também dos usuários dessas informações, tais como profissionais de
investimentos e órgãos reguladores. Além disso, a Resolução também destaca
a tendência, constatada na maior parte dos países, de adoção de uma entidade
única de emissão e divulgação de regras contábeis, gozando essa entidade da
contribuição de todas as categorias de interessados nas informações contábeis.
A instituição do CPC veio suprir uma lacuna verificada até então na
realidade contábil brasileira, favorecendo a inserção efetiva do país no cenário
internacional de aprimoramento e modernização das práticas contábeis. Com
o escopo de estudar, preparar e emitir pronunciamentos técnicos contábeis,
obedecendo sempre aos padrões internacionais fixados pelo IASB15, o CPC se
apresentou como a entidade centralizadora e uniformizadora do processo de
produção de normas contábeis que faltava até aquela época ao país.
Cumpre observar, porém, que o CPC, na qualidade de entidade de
direito privado, não se reveste de força normativa para tornar suas normas
obrigatórias. Ao contrário, as regras do CPC devem ser formalmente adotadas
por cada órgão regulador para que se tornem aplicáveis e exigíveis às entidades
e profissionais sob sua respectiva esfera de regulação. Enquanto não forem
aprovados e referendados pelos citados órgãos reguladores, os pronunciamentos
técnicos do CPC têm seu alcance limitado aos seus próprios integrantes e não
passam de meras orientações e referências para as demais entidades, da mesma

15 O artigo 12F do Regimento Interno do CPC torna evidente ter a associação como um de seus
propósitos a emissão de pronunciamentos técnicos em conformidade especificamente com
as normas internacionais do IASB. Nos termos desse artigo, “com o objetivo de que todos os
documentos emitidos pelo CPC estejam convergentes às normas internacionais de contabilidade
emitidas pelo International Accounting Standards Board (IASB), o CPC dará conhecimento
público da inclusão de aprimoramentos e de correções em documentos já editados, por meio do
documento intitulado ‘Revisão CPC No ‘X’’.” (grifo nosso)

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forma como ocorria – e continua a ocorrer até hoje – com os pronunciamentos


emitidos pelo IBRACON16.
Em maio de 2007, em reconhecimento à importância do trabalho realizado
pelo CPC, a CVM emitiu a Deliberação nº 520, a partir da qual se admitiu a
possibilidade de colocar as minutas dos pronunciamentos técnicos do CPC em
audiência pública conjunta, de modo que tais pronunciamentos pudessem ser
aprovados pelo CPC e pela CVM de forma simultânea. No entanto, a CVM
manteve sua autonomia para aceitar e referendar as normas do CPC no todo
ou apenas em parte.
Pouco tempo depois, em julho de 2007, a Instrução CVM nº 457 determinou
que as companhias abertas passassem a apresentar suas demonstrações
financeiras consolidadas em conformidade com os pronunciamentos do IASB a
partir do exercício social findo em 2010. Como destacado na própria Instrução
CVM, a medida tinha por objetivo oferecer “alternativas para acelerar esse
processo de convergência, sem impor, no entanto, custos extraordinários sem
um retorno adequado, e estabelecendo um prazo razoável para as companhias
abertas se prepararem”.
Ao lado da CVM, outros órgãos reguladores também se manifestaram no
sentido de exigir a adoção dos IFRS em seus respectivos campos de atuação.
Assim, no setor financeiro, o Banco Central do Brasil emitiu o Comunicado
nº 14.259, de 10 de março de 2006, exigindo que as instituições financeiras
elaborassem e divulgassem suas demonstrações contábeis consolidadas de acordo
com as normas do IASB a partir de 31 de dezembro de 2010. Por sua vez, a
SUSEP emitiu a Circular SUSEP nº 357, de 26 de dezembro de 2007, pela qual
as seguradoras e demais entidades sujeitas à sua regulação deveriam elaborar suas
demonstrações financeiras consolidadas em consonância com os IFRS também
a partir do exercício social findo em 31 de dezembro de 2010.
4.2. Atual tratamento dos passivos contingentes. Como se pode ver,
a regulação do tratamento de passivos contingentes passou por um longo

16 Resolução CFC nº 1.055/2005. “Art. 3º. O Comitê de Pronunciamentos Contábeis – (CPC) tem por
objetivo o estudo, o preparo e a emissão de Pronunciamentos Técnicos sobre procedimentos de
Contabilidade e a divulgação de informações dessa natureza, para permitir a emissão de normas
pela entidade reguladora brasileira, visando à centralização e uniformização do seu processo
de produção, levando sempre em conta a convergência da Contabilidade Brasileira aos padrões
internacionais.” (grifo nosso)

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processo de evolução, até se configurar o atual cenário. A partir das referências


anteriormente efetuadas, a normatização passa a atingir um grau de maior
especificidade, o qual como se verá, tem por fim não somente estabelecer de
modo criterioso a própria regulação, como também delimitar os destinatários
da própria normatização produzida.
4.2.1. A Deliberação CVM nº 489/2005. Emitida em 03 de outubro de 2005,
poucos dias antes da criação do CPC, a Deliberação CVM nº 489 aprovou a
Norma e Procedimento de Contabilidade (NPC) nº 22 do IBRACON, relativa
a Provisões, Passivos, Contingências Passivas e Contingências Ativas. O objetivo
da NPC era definir os critérios de reconhecimento de provisões e contingências
passivas e ativas, estabelecendo ainda suas bases de mensuração, bem como as
regras de divulgação nas notas explicativas das demonstrações financeiras. Para
fins deste artigo, iremos examinar apenas as questões relativas a provisões e
contingências passivas, não adentrando na análise das contingências ativas.
De acordo com os itens 3 a 5 da NPC 22 do IBRACON, suas regras
seriam aplicáveis à contabilização de quaisquer provisões e contingências
passivas e ativas, inclusive as provisões para reestruturação referentes à
descontinuidade de operações, mas ressalvadas as provisões e contingências
que resultassem de instrumentos financeiros registrados a valor de mercado,
de contratos gratuitos a executar e de apólices de seguros em entidades
seguradoras, bem como as que fossem objeto de outra norma contábil específica,
emitida pelo IBRACON ou outro órgão regulador.
O enquadramento de uma obrigação como provisão ou contingência
passiva tinha como finalidade prática imediata a determinação da necessidade
de seu reconhecimento como passivo nas demonstrações financeiras de uma
entidade ou de sua mera divulgação nas notas explicativas. Enquanto as
provisões deveriam ser reconhecidas nas demonstrações financeiras, se verificado
o preenchimento de determinados requisitos, as contingências passivas eram
apenas divulgadas nas notas explicativas.
Com esse intuito, a distinção entre provisões e contingências passivas
devia perpassar a análise de três aspectos básicos: a existência da obrigação,
a probabilidade da saída de recursos e a possibilidade de estimação do valor
envolvido. Assim é que, para a NPC 22, as provisões correspondiam a passivos
de prazo ou valor incertos, que deveriam ser reconhecidos nas demonstrações
financeiras apenas quando se tratasse de uma obrigação presente, legal ou não

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456 - Regime jurídico das contingências legais

formalizada17, decorrente de eventos passados, cujo valor pudesse ser estimado


com razoável segurança e que provavelmente implicaria na saída de recursos
da sociedade.
Por outro lado, caso houvesse apenas uma obrigação possível, pendente
de confirmação quanto à sua existência, mas que possivelmente acarretaria a
saída de recursos, a obrigação deveria ser divulgada nas notas explicativas da
companhia, embora não precisasse constar nas demonstrações financeiras sob
a forma de provisão. O mesmo ocorreria nas hipóteses de obrigações presentes
certas, para as quais a saída de recursos não fosse provável. Nesses casos, ter-
se-iam somente contingências passivas, e não provisões.
Nas demais situações, não atendidos os requisitos mencionados nos
parágrafos anteriores, as obrigações não deveriam ser provisionadas e nem
sequer informadas.
4.2.1.1. Reconhecimento. Ao tratar dos critérios de reconhecimento de
uma provisão, a NPC 22 do IBRACON estabelecia parâmetros de avaliação,
fundados na noção de probabilidade. Nesse sentido, as obrigações e os ativos
de uma entidade podiam ser classificados em quatro modalidades: praticamente
certo, provável, possível e remoto. Dessas quatro categorias, a primeira era
empregada sobretudo para o julgamento de ativos, pouco se utilizando para
passivos, na medida em que contemplava situações nas quais um evento futuro
é certo, apesar de não ter ocorrido ainda, dependendo única e exclusivamente
da administração da própria entidade.
Com relação às demais categorias, era considerada provável a situação em que
a chance de um evento futuro ocorrer era maior do que a de não ocorrer, enquanto
devia ser entendida como remota a hipótese na qual a chance de um evento futuro
ocorrer fosse pequena. Quando a chance de um evento futuro ocorrer fosse menor
que provável e maior que remota, ter-se-ia uma situação possível.

17 Entendia-se por obrigação não formalizada aquela que se originasse de práticas no passado, de
declarações feitas ou de políticas divulgadas, pelas quais uma entidade criasse uma expectativa
válida em terceiros, assumindo um compromisso perante estes. Por sua vez, a obrigação legal
seria aquela que derivasse de um contrato, da lei ou de outro instrumento fundamentado em lei.
Em matéria tributária, porém, a Interpretação Técnica IBRACON nº 02, de 30 de novembro de
2006, adotou apenas a lei como referência para a definição da obrigação legal, tendo em vista
o disposto nos artigos 5º, II, e 150, I, da Constituição Federal, segundo os quais “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, sendo vedado “exigir
ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.

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As faixas de probabilidade descritas anteriormente eram utilizadas não


somente no exame da saída de recursos em virtude de uma obrigação de uma
entidade, mas também para apurar a própria existência da obrigação. Dessa
forma, nos casos em que não fosse clara a existência de uma obrigação presente,
legal ou não formalizada, deveriam ser analisadas todas as evidências disponíveis
à data do balanço, assim como qualquer evidência adicional disponibilizada
a partir de eventos subseqüentes. Julgando-se prováveis a existência de uma
obrigação presente à data do balanço e o futuro desembolso de recursos
como consequência dessa mesma obrigação, esta deveria ser reconhecida
como provisão, contanto que o montante envolvido pudesse ser estimado
com suficiente segurança. Ao contrário, não sendo provável a existência da
obrigação presente, a questão deveria ser objeto apenas de divulgação nas notas
explicativas, salvo se a saída de recursos fosse remota, hipótese na qual nem
sequer a divulgação seria necessária.
Em decorrência das regras anteriormente descritas para o reconhecimento
de provisões, os prejuízos operacionais futuros de uma entidade deveriam ser
provisionados apenas se vinculados a contratos onerosos, na medida em que,
nos demais casos, esses prejuízos não atenderiam à definição de passivo ou aos
critérios gerais de reconhecimento.
4.2.1.2. Mensuração. Para fins de provisionamento de uma obrigação nas
demonstrações financeiras de uma entidade, os itens 28 a 33 da NPC 22 do
IBRACON determinavam que se fizesse a melhor estimativa do desembolso
exigido para liquidar a obrigação.
Por “melhor estimativa”, entendia-se o montante que teria de ser pago
pela entidade para liquidar a obrigação ou transferi-la para terceiros na data do
balanço. Assim, quando relevante o efeito do tempo sobre o valor do dinheiro,
o montante da provisão deveria corresponder ao valor presente dos desembolsos
esperados para liquidar a obrigação, salvo se outra norma do IBRACON ou de
outro órgão regulador exigisse a manutenção do valor nominal da obrigação18.

18 Entretanto, cumpre esclarecer que, em suas disposições transitórias, a NPC restringiu o ajuste de
provisões a valor presente, de modo que tal ajuste ocorresse, na prática, somente quando alguma
norma específica o exigisse ou após a edição de norma que desse “legitimidade à aplicação desse
conceito nas práticas contábeis adotadas no Brasil” (item 78 da NPC).

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458 - Regime jurídico das contingências legais

A melhor estimativa da provisão seria avaliada pela própria administração


da entidade, segundo a experiência de transações semelhantes, relatórios de
especialistas independentes e quaisquer outras evidências disponíveis à data do
balanço ou fornecidas por eventos posteriores, bem como riscos e incertezas
em torno de cada obrigação. No que se refere a este último ponto, é importante
destacar que a NPC determinava a avaliação dos riscos e incertezas de forma
realística e com cautela, conforme o desfecho mais provável, a fim de não elevar
desnecessariamente o valor da provisão e desvirtuar seu objetivo de retratar a
realidade econômica da pessoa jurídica.
Como bem ressaltado, “(...) as provisões não podem, e essa filosofia permeia
totalmente a norma do IASB e também a brasileira, (...) serem utilizadas para
quaisquer objetivos que não sejam o de procurar melhor retratar a realidade
econômica, realidade essa em que também estão presentes todas as forças do
mundo jurídico, é claro, mas avaliadas em função da efetiva probabilidade de
esse mundo jurídico virar realidade. Elas não podem, por exemplo, ser utilizadas
para certo nivelamento do lucro, como foi o caso de muitos países europeus
continentais no passado e, por que não dizer, de algumas tentativas também
no Brasil: constituir provisões quando os resultados são bons e revertê-las na
situação inversa. Isso é um verdadeiro ‘crime contábil’ e atenta contra os próprios
objetivos das demonstrações contábeis.” 19 
Com o intuito de sempre refletir fielmente tal realidade econômica da
entidade, as provisões deveriam ser submetidas a reavaliações e ajustes a cada
data de balanço, atualizando-se a melhor estimativa das obrigações envolvidas.
Nas hipóteses em que fosse utilizado o ajuste a valor presente, o valor contábil
da provisão deveria aumentar a cada período para contemplar a passagem do
tempo, reconhecendo-se tal aumento como despesa financeira.
Sempre que se verificasse não ser mais provável a saída de recursos para
liquidar uma obrigação, a provisão deveria ser imediatamente revertida. Por
outro lado, se constatados desembolsos relacionados à situação para a qual
a provisão tivesse sido originalmente reconhecida, e apenas nesses casos, a
provisão deveria ser utilizada para “cobrir” e liquidar tais dispêndios.

19 Ernest & Young e FIPECAFI. Op. cit., p. 318.


20 Para fins da NPC 22, não eram consideradas eventos de reestruturação as reorganizações
financeiras, societárias ou outras similares. Alguns exemplos de reestruturação citados pela

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Vale observar que, ao dispor sobre a aplicação prática das regras de


reconhecimento e mensuração de provisões, a NPC 22 se referia expressamente
a hipóteses de prejuízos operacionais futuros, compensação, contratos onerosos
e reestruturação20 . Neste último caso, exigia-se que as provisões incluíssem
somente as despesas diretas decorrentes da reestruturação, que estas fossem
necessariamente ocasionadas por esses eventos e que não estivessem associadas
às atividades em curso da entidade. Não deviam ser computados, portanto, os
desembolsos relacionados à futura condução do negócio, tais como os gastos com
novo treinamento ou remanejamento de pessoal da equipe permanente, propaganda
e marketing, e investimentos em novos sistemas e redes de distribuição.
4.2.1.3. Divulgação. Quando da divulgação de provisões e contingências
passivas nas notas explicativas de uma entidade, a NPC 22 previa a possibilidade
de seu agrupamento conforme a natureza dos itens, bastando para tanto que os
itens agregados fossem de natureza minimamente similar entre si.
De acordo com os itens 68 e 69 da NPC 22, a entidade deveria divulgar
em suas notas explicativas, para cada tipo de provisão relevante, informações
relativas a: (i) valor contábil no início e no final do período a que o balanço se
referia; (ii) provisões adicionais feitas no período e aumentos das provisões já
existentes; (iii) montantes baixados contra provisões em virtude de desembolsos
efetuados; (iv) montantes não utilizados e estornados; (v) despesas financeiras
apropriadas no período para o ajuste de provisões ao valor presente; (vi) breve
descrição da natureza da obrigação; (vii) cronograma esperado de desembolsos;
(viii) incertezas quanto ao valor ou cronograma dos desembolsos; e (ix) o
montante de qualquer reembolso esperado e o valor de qualquer ativo que
tivesse sido reconhecido por isso.
Por outro lado, tratando-se de contingências passivas para as quais a
probabilidade de desembolsos não fosse remota, as informações a serem
divulgadas incluiriam, para cada tipo: (i) uma breve descrição da natureza da
contingência; (ii) uma estimativa de seu efeito financeiro; (iii) as incertezas
correspondentes ao montante ou ao tempo dos desembolsos; e (iv) a
possibilidade de qualquer reembolso (item 70 da NPC 22).

norma contábil incluíam: (i) a venda ou extinção de uma linha de negócios; (ii) o fechamento de
fábricas ou locais de negócios de um país ou região; e (iii) mudanças na estrutura da administração,
dentre outros.

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460 - Regime jurídico das contingências legais

As informações relacionadas nos itens 68 a 70 da NPC 22 deveriam ser


divulgadas de forma a evidenciar qualquer ligação entre determinada provisão
e contingência passiva, quando estas houvessem surgido em função do mesmo
conjunto de circunstâncias.
Além disso, nos casos em que as provisões ou contingências passivas
fossem objeto de disputa com terceiros, era admissível que a entidade não
revelasse todas as informações exigidas pela NPC se essa divulgação pudesse
prejudicar seriamente a posição da entidade na disputa. Contudo, a entidade
não poderia deixar de divulgar, nessas hipóteses, a natureza geral da disputa e o
fato de que as informações não foram reveladas, bem como a justificativa para
tanto. Além disso, deveria ser avaliada a necessidade de comunicar a questão ao
órgão regulador pertinente, conforme as normas aplicáveis ao caso a respeito
de informações confidenciais.
4.2.1.4. Regras especiais para reconhecimento e divulgação de provisões
e contingência passivas relacionadas a tributos. Com o intuito de auxiliar o
entendimento de suas normas, a NPC 22 apresentou em seu Anexo II uma série
de exemplos relativos ao tratamento a ser conferido a provisões e contingências
em determinadas situações.
Especificamente no item 4 do referido Anexo, foram expostos quatro
casos envolvendo apenas questões tributárias. Dentre esses casos, o exemplo 4
(a) ganhou bastante destaque no meio jurídico-contábil, por apresentar uma
orientação bastante controvertida para situações em que a constitucionalidade
de certa norma tributária estivesse em discussão.
Assim, em virtude da repercussão provocada por tal exemplo, reproduzimos
a seguir a íntegra do exemplo 4 (a), a fim de permitir a melhor compreensão
do tema e de seus reflexos:
“4. Tributos
(a) A administração de uma entidade entende que uma determinada
lei federal, que alterou a alíquota de um tributo ou introduziu um
novo tributo, é inconstitucional. Por conta desse entendimento, ela,
por intermédio de seus advogados, entrou com uma ação alegando
a inconstitucionalidade da lei. Nesse caso, existe uma obrigação
legal a pagar à União. Assim, a obrigação legal deve estar registrada,
inclusive juros e outros encargos, se aplicável, pois estes últimos
têm a característica de uma provisão derivada de apropriações por

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Marcos André Vinhas Catão & Luciana de Assis Serra Alves - 461

competência. Trata-se de uma obrigação legal e não de uma provisão


ou de uma contingência passiva, considerando os conceitos da NPC.
Em uma etapa posterior, o advogado comunica que a ação foi julgada
procedente em determinada instância. Mesmo que haja uma tendência
de ganho, e ainda que o advogado julgue como provável o ganho de causa
em definitivo, pelo fato de que ainda cabe recurso por parte do credor (a
União), a situação não é ainda considerada praticamente certa, e, portanto,
o ganho não deve ser registrado. É de se ressaltar que a situação avaliada
é de uma contingência ativa, e não de uma contingência passiva a ser
revertida, pois o passivo, como dito no item anterior, é uma obrigação
legal e não uma provisão ou uma contingência passiva.”
Da leitura do exemplo 4 (a), percebe-se que, mesmo para hipóteses em
que uma obrigação tributária derivasse de uma lei cuja constitucionalidade
fosse duvidosa, a orientação do IBRACON era a de que não caberia qualquer
avaliação a respeito do grau de probabilidade do desembolso de recursos pela
entidade ou até da própria existência da obrigação.
Alvo de muitas críticas, essa posição do IBRACON estava em
desconformidade não somente com os princípios básicos da contabilidade, mas
também com o próprio conteúdo da norma da NPC 22. Em vez de limitar-se
a ilustrar a aplicação das normas da NPC em determinados casos práticos, o
exemplo 4(a) inovou e introduziu regras inexistentes no corpo principal da NPC.
Tendo em vista a repercussão provocada pelo exemplo, o IBRACON editou
a Interpretação Técnica nº 02, de 30 de novembro de 2006, com o objetivo de
“esclarecer assuntos que têm gerado dúvidas para a implementação plena da NPC
22, notadamente (...) alcance e interpretação do exemplo 4(a) incluso no Anexo II”.
De acordo com a Interpretação Técnica, sempre que existissem dúvidas e
incertezas quanto à existência de uma obrigação tributária em decorrência da forma
de interpretação da norma tributável, a decisão a respeito da necessidade de registro
contábil da obrigação caberia à própria administração da entidade, com o suporte de
especialistas em matéria tributária. Nesses casos de dúvidas de interpretação quanto
à existência da obrigação legal tributária, o IBRACON admitia a possibilidade de
que a situação se enquadrasse como uma contingência passiva, não precisando,
portanto, ser reconhecida nas demonstrações financeiras da entidade.
Contudo, tratando-se especificamente de dúvidas relacionadas à
constitucionalidade da própria norma tributária, o IBRACON entendeu que,

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462 - Regime jurídico das contingências legais

enquanto esta permanecesse em vigor, não haveria qualquer dúvida no tocante


à existência da obrigação legal, tendo em vista a presunção de legitimidade
da lei. Logo, a obrigação legal deveria ser necessariamente registrada sob a
rubrica de contas a pagar, como um passivo efetivo da entidade. A obrigação
só deixaria de existir quando fosse extinta por meio de pagamento ou outra
forma de extinção prevista em lei ou quando houvesse decisão definitiva sobre
a inconstitucionalidade da norma tributária.
Para atenuar os efeitos de tal posicionamento, porém, o IBRACON admitiu
que, em situações raras e com fundamento em evidências concretas, seria possível
chegar à conclusão de que uma lei, ainda que vigente, não deveria produzir os
efeitos patrimoniais esperados. Por isso, em função dessa pequena concessão, o
IBRACON defendeu e reiterou a conformidade do exemplo 4(a) com o corpo
principal da NPC 22, sustentando, ainda, que o referido exemplo não teria
eliminado a possibilidade de julgamento e avaliação das situações concretas por
parte da administração da entidade e do profissional de contabilidade.
Em consonância com o entendimento do IBRACON, a CVM já havia
emitido o Ofício-Circular CVM/SNC21/SEP22 nº 01, de 22 de fevereiro de
2006, posteriormente complementado e substituído pelo Ofício-Circular
CVM/SNC/SEP nº 01, de 14 de fevereiro de 2007.
Por meio de tais Ofícios-Circulares, a CVM defendeu serem inerentes
à própria atividade contábil a avaliação e mensuração de fatos e informações
e a tomada de decisões com o propósito de assegurar a fidelidade, exatidão e
confiabilidade dos dados constantes das demonstrações financeiras. No entanto,
ressaltou-se também que o juízo a ser exercido sobre os fatos e informações
a serem refletidos nas informações financeiras deveria ater-se a determinados
limites, cuja extensão iria variar de acordo com a situação examinada,
verificando-se, em alguns casos, limites muito pequenos ou mesmo inexistentes,
como ocorreria em matéria tributária.
Sob esse aspecto, a CVM declarou ser necessária a ponderação de princípios
contábeis, privilegiando-se os princípios do conservadorismo e da objetividade, em
detrimento daqueles que asseguram à administração da entidade a prerrogativa de

21 Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria.


22 Superintendência de Relações com Empresas.

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Marcos André Vinhas Catão & Luciana de Assis Serra Alves - 463

avaliar e definir o tratamento contábil a ser conferido às suas obrigações. Assim,


a “interpretação técnica 2/2006 e esse Ofício-Circular não foram suficientes
para clarificar o entendimento do mercado, existindo corrente que defende a
contabilização do passivo sempre que houver lei correspondente assim indicando
e corrente que defende a contabilização do passivo só quando a possibilidade
de desembolso de recursos for provável. Uma vez que as diferentes correntes
foram manifestadas, percebe-se que o mercado brasileiro, por força exclusiva
dos auditores independentes, procurando uma harmonização de procedimentos,
optou por utilizar o conceito de se contabilizar o passivo, quando a lei assim
apontar, independentemente da possibilidade de desembolso de recursos futuros
para pagamento do passivo em questão (...).”23_24 
4.2.1.5. Comparação com as normas internacionais – IAS 37. A NPC 22
foi editada de acordo com programa de trabalho estabelecido pelo IBRACON
com o objetivo de promover a convergência das normas e práticas contábeis
nacionais com as internacionais, notadamente as normas emitidas pelo IASB.
Assim, ao redigir a NPC 22, o IBRACON adotou como matriz o IAS 37,
referente a Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes (Provisions,
Contingent Liabilities and Contingent Assets).
Dessa forma, como não poderia deixar de ser, notaram-se muitas
semelhanças entre a NPC 22 e o IAS 37. Ambas as normas tinham como objetivo
definir os critérios de reconhecimento, as bases de mensuração e as regras de
divulgação de provisões, contingências passivas e contingências ativas. Além
disso, a NPC 22 também se assemelhava ao IAS 37 por não abranger provisões
e contingências que resultassem de instrumentos financeiros registrados a valor
de mercado, de contratos gratuitos a executar, contratos de seguros, benefícios a
empregados, arrendamento mercantil e Imposto de Renda diferido.

23 Ibid. p. 322.
24 A discussão do exemplo 4 (a) ganhou contornos práticos por ocasião do julgamento pelo Supremo
Tribunal Federal de quatro recursos individuais relativos à constitucionalidade do parágrafo 1º do
artigo 3º da Lei nº 9.718/98, em sessão plenária de 09 de novembro de 2005. O artigo 3º, parágrafo
1º, da Lei nº 9.718/98 havia definido como receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela
pessoa jurídica, para fins de cálculo da contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e da
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Na medida em que a legislação
anterior previa a incidência da COFINS e da contribuição ao PIS sobre o faturamento bruto das
pessoas jurídicas, verificou-se um alargamento da base de cálculo das referidas contribuições sociais.
A questão foi tratada pelo Comunicado Técnico do IBRACON nº 02, de 23 de janeiro de 2006, e
pelo já mencionado Ofício-Circular CVM/SNC/SEP nº 02/2007. Posteriormente, em 13 de julho de
2009, o IBRACON editou o Comunicado Técnico nº 05/2009, a fim de refletir o desenvolvimento
do tratamento do assunto.

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464 - Regime jurídico das contingências legais

Sob os pontos de vista terminológico e conceitual, ambas as normas inovaram


ao empregar a palavra “provisão” para designar apenas passivos decorrentes de
obrigações presentes em função das quais fosse provável um desembolso futuro
de recursos. Em muitos países, inclusive no Brasil, vinha-se utilizando, até então,
a palavra “provisão” para fazer referência também a contas retificadoras de ativo,
como depreciações acumuladas, desvalorização e ajustes de valores a receber.
Por outro lado, a expressão “contingência passiva” foi utilizada pela norma
internacional, assim como pela brasileira, para designar obrigações que não
deveriam constar das demonstrações financeiras de uma entidade, mas apenas
de suas notas explicativas.
No entanto, algumas divergências significativas foram observadas entre
a NPC 22 e ao IAS 37, dentre as quais merece destaque o já descrito exemplo
4(a) do Anexo II da norma do IBRACON. Embora o documento original do
IASB também contivesse uma série de exemplos para esclarecer a forma de
aplicação da norma contábil, a NPC 22 se distanciou do IAS 37 ao transcrever
apenas alguns desses exemplos e, sobretudo, inserir o item 4(a), inexistente na
norma internacional. Como visto no item anterior, essa inovação resultou em
uma larga discussão sobre o tema e, em que pesem as manifestações técnicas
do IBRACON e da CVM, na introdução de conceitos em franca oposição ao
conteúdo geral do IAS e da NPC25.
Além da questão tributária, outra diferença relevante referia-se ao ajuste
de provisões a valor presente. No item 2.1.2 deste trabalho, mencionamos que
a NPC 22 previu a realização de ajuste de provisões a valor presente somente
após a edição de norma que o legitimasse. Enquanto isso não ocorresse, tal
ajuste seria admitido apenas em situações para as quais alguma norma específica

25 A respeito da divergência constatada entre a NPC 22 e a IAS 37, em função do exemplo 4


(a) constante do Anexo II da primeira, o Manual de Normas Internacionais de Contabilidade
da FIPECAFI e da Ernst & Young esclarece que “(...) essa forma de reconhecer o passivo,
independentemente da possibilidade de desembolso de caixa futuro, contraria a IAS 37, que leva
em consideração essa possibilidade de desembolso como indispensável para atender à definição
de obrigação/passivo” (p. 322). Vale acrescentar que “(...) as provisões não podem, e essa filosofia
permeia totalmente a norma do IASB e também a brasileira, nesse caso com exceção do não feliz
exemplo 4 (a), serem utilizadas para quaisquer objetivos que não sejam o de procurar melhor
retratar a realidade econômica, realidade essa em que também estão presentes todas as forças
do mundo jurídico, é claro, mas avaliadas em função da efetiva probabilidade de esse mundo
jurídico se transformar em realidade. (...) O exagerado conservadorismo é um dos piores atributos
que se pode querer dar à contabilidade, porque deformador da visão do que seja a realidade.
E esse exagerado conservadorismo, deformador do mundo que se pretende retratar, é um dos
pontos que essas normas mais combatem” (Ibid. p. 318).

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Marcos André Vinhas Catão & Luciana de Assis Serra Alves - 465

o exigisse.
A Lei nº 11.638/2007 tornou obrigatória no Brasil a prática contábil do
ajuste a valor presente, por meio da alteração do artigo 184, inciso III, da Lei
das Sociedades Anônimas. Todavia, a regulamentação detalhada do assunto só
foi editada em dezembro de 2008, quando da aprovação do Pronunciamento
Técnico CPC 12, referente a Ajuste a Valor Presente. Somente a partir de
então se tornou possível a plena aplicação do IAS 37 no que tange a ajuste de
provisões a valor presente.
4.2.2. O atual Pronunciamento Técnico CPC 25. Durante Reunião
Extraordinária realizada em 26 de junho de 2009, o CPC aprovou o
Pronunciamento Técnico CPC 25, referente a Provisões, Passivos Contingentes
e Ativos Contingentes.
Elaborado a partir do IAS 37 sobre o mesmo tema, o Pronunciamento
Técnico CPC 25 teve sua minuta submetida a audiência pública conjunta com
a CVM até 15 de junho do mesmo ano. A maior parte das sugestões recebidas
durante o período da audiência pública tratou de questões relacionadas à forma
da minuta, e não ao seu conteúdo, tendo-se acatado a maioria das sugestões feitas
com o objetivo de melhorar a redação ou o entendimento da norma.
No entanto, segundo o relatório da auditoria divulgado pela Coordenadoria
Técnica do CPC, algumas sugestões de conteúdo não foram aceitas pelo
Comitê, com destaque para as que propunham que todas as execuções fiscais e
débitos inscritos em dívida ativa fossem tratados como passivo da entidade. Ao
justificar a não-aceitação dessas propostas, o Comitê esclareceu que as normas
do IASB, e, assim, o Pronunciamento Técnico CPC 25, fundamentam-se em
princípios que estabelecem as circunstâncias nas quais se devem provisionar
os passivos de uma entidade ou divulgá-los em nota explicativa. Por isso, o
Comitê entendia não ser adequado fixar regras de provisionamento com base
apenas no estágio das disputas judiciais ou administrativas.
A posição do Comitê pode ser mais bem compreendida a partir da
colocação de que “a contabilidade, na visão do IASB, é principles-based (baseada
em princípios), opondo-se à abordagem rules-based (baseada em regras).
Enquanto a primeira prega uma contabilidade amparada por princípios e
conceitos com amplo espaço para julgamento de valor, a segunda preocupa-se
em desenvolver regras detalhadas que, ao contrário, reduzam a margem para
discricionariedade. (...) Sistemas jurídicos common law (direito consuetudinário),

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466 - Regime jurídico das contingências legais

presentes nos países de origem anglo-saxônica, são normalmente mais favoráveis


à abordagem principles-based do que sistemas code law (direito codificado), de
origem romana, presentes nos países da Europa continental e suas colônias.
Características como menor dependência de leis emanadas do poder público
trariam maior flexibilidade para acompanhar mudanças nos negócios, compatível
com uma contabilidade baseada em princípios. (...) Argumentos favoráveis à
abordagem principles-based apontam especialmente para sua maior eficácia no
alcance da true and fair view – visão justa e verdadeira – nas demonstrações
financeiras. Shields (...) critica, nesse sentido, a contabilidade rules-based porque
ela ‘traz uma desnecessária complexidade, encorajando a engenharia financeira
e podendo não levar à true and fair view’. O pouco detalhamento das normas
internacionais, principles-based, por sua vez, permitiria ‘focar naquilo que
realmente importa’ (...). No campo das normas contábeis, um dos problemas
de escrever com grande detalhamento é que aqueles propensos a fazer isso irão
adotar uma abordagem tax lawyer, o que implica procurar onde as vírgulas
estão e as saídas inteligentes para contorná-las. [...] princípios encorajam o
cumprimento e regras detalhadas, encorajam os desvios. Além disso, o volume
de normas e diretrizes obrigatórias é tão grande que tem mais detalhes do que
qualquer indivíduo consegue absorver. Existe um risco real de descumprimento
não intencional das normas.’ (...)”26
Após sua aprovação pelo CPC em junho de 2009, o Pronunciamento
Técnico CPC 25 foi logo referendado pelas entidades reguladoras brasileiras,
tais como o CFC (Resolução nº 1.180, de 24 de julho de 2009), o Conselho
Monetário Nacional – CMN (Resolução nº 3.823, de 16 de dezembro de 2009),
a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (Despacho nº 4.722, de
18 de dezembro de 2009), a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS
(Instrução Normativa nº 37, de 23 de dezembro de 2009) e a SUSEP (Circular
nº 408, de 23 de agosto de 2010).
Com relação à CVM, a Deliberação CVM nº 594, de 15 de setembro de
2009, revogou sua antecessora, a Deliberação nº 489/2005, e tornou obrigatórias
para as companhias abertas as regras do Pronunciamento Técnico CPC 25.
Todavia, ficou estabelecido que tanto a revogação da Deliberação nº 489/2005
como a obrigatoriedade das regras do Pronunciamento Técnico CPC 25 seriam

26 Ibid. pp. 10, 11 e 12

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Marcos André Vinhas Catão & Luciana de Assis Serra Alves - 467

aplicáveis somente aos exercícios encerrados a partir de dezembro de 2010 e às


demonstrações financeiras de 2009 que fossem divulgadas em conjunto com
as de 2010 para fins comparativos.
Da mesma forma que a NPC 22, o Pronunciamento Técnico CPC
25 prevê sua aplicação para o reconhecimento, mensuração e divulgação de
quaisquer provisões e contingências passivas e ativas, incluindo as provisões para
reestruturações, até mesmo as referentes a unidades operacionais descontinuadas.
Ressalvam-se os casos de provisões e contingências resultantes de contratos
gratuitos a executar e as cobertas por outro pronunciamento técnico. Quanto a
este último caso, o Pronunciamento Técnico CPC 25 menciona expressamente
as provisões e contingências decorrentes de instrumentos financeiros, contratos
de construção, tributos sobre o lucro, arrendamento mercantil, benefícios a
empregados, contratos de seguros e combinação de negócios27.
É importante esclarecer que o Pronunciamento Técnico CPC 25 pouco
inovou com relação à NPC 22 do IBRACON, tendo em vista que esta já havia
sido elaborada com base no IAS 37, em uma época em que já se reconheciam
a importância e necessidade de convergir as práticas contábeis brasileiras
com as internacionais. Assim, a abordagem conferida pelo Pronunciamento
Técnico CPC 25 a provisões e contingências não diferiu consideravelmente
do tratamento empregado pela NPC do IBRACON, embora tenham sido
promovidas diversas alterações na terminologia e na redação das regras
contábeis.
Nesse sentido, o principal exemplo de modificação terminológica verificada no
Pronunciamento Técnico CPC se refere à substituição das expressões “contingências
ativas” e “contingências passivas” por “ativos contingentes” e “passivos contingentes”,
respectivamente. Apesar da mudança na designação, porém, não se verificou
qualquer alteração no conceito traduzido pela expressão “passivos contingentes”,
assim como nos critérios de diferenciação entre estes e as provisões.
Assim, os passivos contingentes continuaram a corresponder a passivos
objeto apenas de divulgação nas notas explicativas, seja porque sua existência
somente será confirmada pela ocorrência ou não de um ou mais eventos
futuros incertos não totalmente sob o controle da entidade, seja porque se trata

27 Respectivamente, Pronunciamentos Técnicos CPC 38, 17, 32, 06, 33, 11 e 15.

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468 - Regime jurídico das contingências legais

de obrigações que não atendem aos demais critérios de reconhecimento. As


provisões, por sua vez, seguiram correspondendo a passivos de valor ou prazo
incertos que devem ser reconhecidos nas próprias demonstrações financeiras.
Ao contrário da NPC 22, o Pronunciamento Técnico CPC 25 não contém
item específico sobre os parâmetros de avaliação dos passivos para fins de sua
classificação em contingentes ou não e, portanto, de seu reconhecimento ou
não nas demonstrações financeiras de uma entidade28. Essa aparente supressão
não significou, no entanto, a mudança dos critérios de enquadramento de uma
obrigação como provisão ou como passivo contingente. Dessa forma, a noção de
probabilidade continuou a permear ambos os conceitos, considerando-se como
provisões as obrigações para as quais a saída de recursos é provável e como passivos
contingentes, as obrigações para as quais o desembolso é apenas possível. No caso
de obrigações para as quais o desembolso de recursos é remoto, não há que se
falar em provisões ou passivos contingentes, não se exigindo seu reconhecimento
e tampouco sua divulgação. Sob esse aspecto, uma alteração relevante apresentada
pelo Pronunciamento Técnico CPC 25 consistiu na introdução de um conceito
mais objetivo para distinguir entre situações prováveis, de um lado, e situações
possíveis e remotas, de outro. Conforme os itens 16 e 23 do Pronunciamento
Técnico, referentes à existência de uma obrigação presente e ao desembolso de
recursos, respectivamente, uma situação deve ser considerada provável se “for mais
provável que sim do que não de ocorrer”. Em outras palavras, sempre que tiver
mais de 50% de chance de ocorrer, o evento ou situação deverá ser classificado
como provável, ao passo que, se a chance for inferior a 50%, o enquadramento
será como possível ou remoto29.
Do ponto de vista da mensuração de provisões, o Pronunciamento Técnico
CPC 25 manteve a noção de “melhor estimativa”, abstendo-se de impor, porém,
qualquer restrição ou condição para a realização de ajustes de provisões a valor
presente. Ao contrário, reconhecendo que as saídas de caixa verificadas logo após a

28 Conforme item 9 da NPC, que, conforme mencionado no tópico 2.1.1 deste trabalho, estabelecia
quatro categorias nas quais os passivos e os ativos poderiam ser classificados: praticamente certo,
provável, possível e remoto.
29 Vide Ofício-Circular CVM/SNC/SEP nº 02, de 1º de julho de 2010, que divulgou trabalho produzido
pelo CPC com o objetivo de assinalar aspectos importantes dos pronunciamentos, orientações e
interpretações editados pela referida entidade até 31 de dezembro de 2009, de forma a destacar os
itens que poderiam impactar de maneira mais significativa as demonstrações contábeis das pessoas
jurídicas para os exercícios findos a partir de 31 de dezembro de 2010.

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data do balanço são mais onerosas do que as observadas posteriormente, o referido


Pronunciamento determinou o desconto das provisões sempre que o efeito do
valor do dinheiro no tempo fosse material, segundo as regras do já mencionado
Pronunciamento Técnico CPC 12 – Ajuste a Valor Presente.
Para facilitar o entendimento das normas do Pronunciamento Técnico em
comento, o CPC apresentou ainda quatro apêndices que ilustram não apenas os
principais critérios de classificação adotados pelo Pronunciamento, mas também
a forma de aplicação prática das regras de reconhecimento e divulgação. No
que se refere especificamente aos critérios de classificação, os Apêndices A e B
contêm uma tabela e uma árvore de decisão que sintetizam de maneira bastante
clara o processo de avaliação de uma situação e de seu enquadramento como
provisão ou passivo contingente.
Com relação aos exemplos de aplicação das regras de reconhecimento e
divulgação, expostos, respectivamente, nos Apêndices C e D, é importante
destacar que o CPC não reproduziu o exemplo 4(a) contido na NPC 22 do
IBRACON. Suprimiu-se, com isso, um dos principais pontos de divergência
entre a norma brasileira e a norma internacional, não sendo mais aplicáveis,
a nosso ver, as orientações apresentadas pelo IBRACON e pela CVM, por
meio da Interpretação Técnica IBRACON nº 02/2006 e do Ofício-Circular
CVM/SNC/SEP nº 01/2007.
4.3. Expectativas de mudanças: Exposure Drafts de 2005 e 2007. Em 2005,
o IASB deu início a um projeto para substituir o IAS 37 por um novo IFRS
sobre passivos, no qual seriam revistos todos os critérios de reconhecimento e
as regras de mensuração e divulgação de obrigações. A revisão e substituição
se faziam necessárias para alinhar as normas do IAS 37 com os US GAAP30 e
com outras normas do próprio IASB, além de esclarecer e tornar menos vagas
as regras aplicáveis à mensuração de passivos, sobretudo no que se refere ao
conceito de “melhor estimativa” e aos custos que devem integrá-la.

30 Os US GAAP (Generally Accepted Accounting Principles in the United States) podem ser
entendidos como Princípios Contábeis Geralmente Aceitos nos Estados Unidos e correspondem
ao conjunto de normas norte-americanas que regem a elaboração, apresentação e divulgação
de demonstrações financeiras. Atualmente, o Financial Accounting Standards Board (FASB) é a
autoridade mais alta nos Estados Unidos a estabelecer princípios contábeis aplicáveis a companhias
públicas e privadas. No âmbito estadual, os GAAP são geralmente estabelecidos por Gorvenmental
Accounting Standards Board (GASB). Em 2002, o IASB e o FASB firmaram um memorando de
entendimentos conhecido Norwalk Agreement, que estabeleceu o compromisso de ambas as
entidades de promover a convergência e harmonização de suas normas contábeis.

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470 - Regime jurídico das contingências legais

Com esse objetivo, em 30 de junho de 2005, foi emitida uma Minuta para
Exposição (Exposure Draft – ED) contendo uma série de propostas de mudanças
significativas na prática prevista pelo IAS 37. A referida ED propunha, em
primeiro lugar, a eliminação das expressões “provisões” e “passivos contingentes”,
passando-se a adotar a designação geral de “passivos não financeiros”. Mais
do que uma simples mudança terminológica, essa alteração representaria uma
nova abordagem ao tema, “com base no argumento de que os passivos surgem
apenas de obrigações incondicionais (ou não contingentes) e, portanto, algo
que seja um passivo (uma obrigação incondicional) não pode ser contingente
ou condicional”31.
Na ED de 2005, também se propôs a eliminação da probabilidade como
um dos critérios para o reconhecimento de uma provisão. Além disso, em termos
de mensuração, havia a intenção de substituir a noção de “melhor estimativa”
pelo valor razoável que a entidade pagaria para liquidar ou transferir a obrigação
para terceiros na data do balanço, valor esse que seria calculado com base no
fluxo de caixa esperado, considerando-se todos os possíveis desfechos, e não
apenas o mínimo, o máximo ou o mais provável. De acordo com a proposta do
IASB, as regras de mensuração do IAS 37 davam margem a diferentes formas
de interpretação e seriam inadequadas no contexto das demais propostas da
ED de 2005.
Após receber e analisar os comentários recebidos à Minuta de
Exposição de 2005, o IASB revisou e reformulou alguns dos aspectos da
ED com base nas respostas examinadas, chegando a conclusões a respeito
da maioria dos pontos de sua proposta, referentes ao reconhecimento de
passivos e a custos de reestruturação.
Nesse sentido, o Board decidiu que o novo IFRS não incluiria a
probabilidade de saída de recursos como critério para o reconhecimento de
passivos. As incertezas relativas ao valor e ao momento dos desembolsos

31 Ibid. p. 314. Como bem esclarecido no Manual de Normas Internacionais de Contabilidade da


FIPECAFI e da Ernst & Young, o “foco do IASB em ativos e passivos como os principais elementos
de demonstrações financeiras é um sinal de que o Comitê não está disposto a estabelecer o
conceito de uma provisão como elemento do balanço patrimonial em separado. Dessa forma, os
conceitos de provisões e ativos/passivos contingentes devem ser retirados da literatura das IFRSs,
dando lugar a uma nova noção de ‘passivos não financeiros’, reforçando, dessa forma, os dois
principais elementos na estrutura conceitual, ou seja, ativos e passivos.” (Ibid. p. 314)

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Marcos André Vinhas Catão & Luciana de Assis Serra Alves - 471

seriam contempladas utilizando-se um método de mensuração que refletisse o


valor esperado das saídas de recursos, como, por exemplo, a média ponderada
das probabilidades dos fluxos de saídas considerando-se a gama de possíveis
desfechos. Além disso, no que se refere aos custos de reestruturação, ficou
resolvido que o novo IFRS iria exigir o reconhecimento de um passivo para cada
custo individual de uma reestruturação apenas quando a entidade incorresse
efetivamente em tal custo em particular.
Contudo, tendo em vista que ainda permaneciam algumas dúvidas e
ambigüidades quanto às regras de mensuração, o Board emitiu uma nova
Minuta de Exposição em janeiro de 2010, relativa exclusivamente à questão
da mensuração de passivos. A ED visava a elucidar dois aspectos em particular
do IAS 37, que o IASB considerava ser especialmente vagos: o sentido preciso
da expressão “melhor estimativa” e os custos a serem incluídos quando da
mensuração de um passivo.
Em linhas gerais, a ED propunha que o valor do passivo correspondesse àquele
que a entidade racionalmente pagaria à data da mensuração para ser liberada da
obrigação. Tal valor corresponderia, normalmente, à estimativa do valor presente
dos recursos exigidos para cumprir a obrigação, levando-se em consideração os
desembolsos esperados de recursos, o valor temporal do dinheiro e os riscos de
que os desembolsos atuais pudessem diferir daqueles que eram apenas esperados.
Da mesma forma como havia feito com a ED de 2005, o IASB abriu ao
público a possibilidade de enviar comentários à nova Minuta de Exposição.
Nessa ocasião, a fim de facilitar a compreensão no Brasil das propostas
apresentadas pelo IASB, o CPC divulgou em seu site um breve sumário em
português das alterações sugeridas na ED de 2010. Assim, cumpre destacar o
seguinte trecho do sumário32:
“• O objetivo de mensuração de alto nível proposto para passivos é
determinar o valor que uma entidade pagaria, de forma racional,
no final do período das demonstrações contábeis para ser liberada
da obrigação presente. Esse valor seria o menor entre: (i) o valor
presente dos recursos exigidos para cumprir a obrigação; (ii) o valor

32 Measurement of Liabilities in IAS 37 – Proposed amendments to IAS 37 (Mensuração de passivos


no IAS 37 – Alterações propostas ao IAS 37), pp. 1-2. Disponível em <http://www.cpc.org.br/pdf/
Sumario_IAS37_Measurement.pdf>. Acessado em 16 mar. 2011.

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472 - Regime jurídico das contingências legais

que a entidade teria para pagar para cancelar a obrigação; e (iii) o


valor que a entidade teria para pagar para transferir a obrigação
a terceiros. Espera-se que a abordagem de cumprimento das
obrigações seja a mais comumente utilizada na prática.
• Como parte deste projeto, o Board do IASB decidiu pela aplicação
mandatória da utilização do valor presente esperado para mensurar
não apenas populações de muitos itens similares, mas também
obrigações únicas (p.ex., processos judiciais). Isso representaria
uma mudança significativa para a prática atual, pois a prática
atual é mensurar as obrigações únicas a seu valor mais provável.
O Board não solicitou comentários sobre esse assunto no ED.
O ED propõe que um ‘ajuste de risco’ seja incluído no cálculo
dos passivos pelo valor que a entidade pagaria adicionalmente, de
forma racional, em relação ao valor presente esperado considerando
probabilidades ponderadas, a fim de se livrar do risco de que as
saídas de recursos efetivas possam diferir da mensuração do valor
presente esperado.
• O ED propõe que, quando da mensuração dos passivos, uma
entidade leve em consideração eventos futuros que possam afetar
a saída de recursos desde que esses eventos não modifiquem a
natureza da obrigação.”
Para permitir o melhor entendimento do público a respeito das propostas
em discussão, o IASB divulgou, em 19 de fevereiro de 2010, uma minuta do
novo IFRS, contemplando não apenas as questões já decididas com base na
ED de 2005, como também as sugestões apresentadas na ED de 2010.
Inicialmente, o prazo previsto para o recebimento de comentários acerca
das novas propostas se encerraria em 12 de abril de 2010. Entretanto, o IASB
verificou que os potenciais respondentes às questões levantadas pela ED de
2010 estavam preocupados com os efeitos da exclusão da probabilidade de
saída de recursos como critério de reconhecimento de passivos, sobretudo
os decorrentes de disputas legais. Para que tais respondentes pudessem
compreender as mudanças das normas de reconhecimento, incluindo seu
alcance e reflexos nas regras de mensuração, o IASB acabou estendendo
o prazo para o envio de comentários à ED de 2010 até 19 de maio do
mesmo ano.

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Em reunião realizada em junho de 2010, o IASB analisou um breve


relatório oral apresentado pela equipe técnica a respeito das manifestações
recebidas sobre as novas regras de mensuração expostas na ED de 2010. O
Board tornou a discutir tais respostas em sua reunião imediatamente seguinte,
realizada em 15 de setembro de 2010, na qual se verificou que o público, de
uma forma geral, entendia que33:
“• o ‘valor esperado’ de um único passivo, assim compreendido como
a média ponderada das probabilidades dos fluxos de saídas e dos
diversos desfechos possíveis, é uma medida do passivo menos
relevante que aquela baseada nos desembolsos mais prováveis.
• as entidades não podem calcular de forma segura os valores
esperados de alguns passivos, em particular os decorrentes de
disputas legais, dentro do escopo do IAS 37.
• não estão claras as razões para a inclusão do ajuste de risco dos
passivos, e tampouco a forma de seu cálculo. Em consequência,
as medidas que incluíssem ajustes de risco poderiam não ser
confiáveis ou comparáveis.
• preços de contratação não são indicadores relevantes dos
desembolsos futuros da entidade e, na ausência de um mercado,
não poderão ser estimados de forma confiável.
• os critérios de reconhecimento não são claros e seriam de difícil
aplicação, especialmente em situações, tais como de disputas legais,
nas quais houvesse uma incerteza quanto à existência da obrigação.
• as propostas seriam de difícil aplicação no ambiente jurídico dos
Estados Unidos.
• em geral, as propostas não melhorariam o IAS 37, o qual, para
alguns respondentes, funciona bem na prática.
• considerando o tempo decorrido desde a Minuta de Exposição
de 2005 e a relação entre os requisitos propostos de mensuração
e outras seções da minuta do IFRS, o Comitê deveria abrir
novamente todo o IFRS para comentários.”

33 Tradução livre de informações obtidas na própria página eletrônica da IFRS Foundation (<http://
www.ifrs.org/Current+Projects/IASB+Projects/Liabilities/Meeting+Summaries/IASB+Sept+10.htm>).
Acesso em 20 mar. 2011.

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474 - Regime jurídico das contingências legais

Nesse cenário, o IASB decidiu promover alterações na minuta do


novo IFRS, com o intuito de solucionar questões dúbias e controversas,
principalmente as levantadas pelos respondentes. A ideia seria a de emitir no
segundo semestre de 2011 uma minuta revisada do IFRS, que contemplasse as
alterações feitas em virtude das manifestações enviadas pelo público em 2010.
O público seria convidado, então, a analisar a nova minuta em sua totalidade
e a enviar comentários sobre seu inteiro teor, e não apenas sobre as últimas
modificações promovidas.
Com esse objetivo, o IASB, em reunião de 16 de novembro de
2010, voltou a analisar os critérios de reconhecimento de um passivo, em
especial o critério baseado na existência de uma obrigação legal. Também
se voltou a discutir a questão da exclusão do critério de probabilidade de
saída de recursos. Ao final, decidiu-se que a equipe técnica deveria elaborar
um documento que abrangesse toda a discussão relativa aos critérios de
reconhecimento de um passivo. Esse documento deveria ser divulgado na
página eletrônica do IASB e seria objeto de discussão com todas as partes
interessadas em contribuir para o desenvolvimento do tema. Novas propostas
sobre o assunto voltariam a ser examinadas pelo Board somente depois de
junho de 2011. Se o IASB conseguisse chegar a conclusões sobre todas as
propostas, a minuta revisada do IFRS seria então divulgada e submetida a
comentários do público.
Em síntese, as recentes discussões levadas a cabo sobre o aperfeiçoamento
da matéria demonstram assim que o desenvolvimento da regulação respectiva
será uma Tonica para os próximos anos.

IV – O Tratamento Fiscal das Contingências


No Brasil, como não poderia deixar de ser, a exemplo de outros países, a
avaliação e tratamento de contingências possui uma matiz de ordem tributária.
Com efeito, ao impactar os resultados, produz naturalmente um efeito
fiscal, sobretudo em matéria de tributos sobre a renda e o patrimônio.
Por sua vez, em que pese caber à legislação comercial e contábil a forma de
avaliação de contingências, cabe à lei fiscal complementar o respectivo regime
jurídico das contingências, estipulando os efeitos fiscais dessas, a exemplo de
outras mutações patrimoniais.

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No Brasil, diferentemente de outras jurisdições, procurou-se expurgar os


efeitos das contingências, impondo um regime de indedutibilidade, alinhado
com o preceito da legislação do imposto sobre a renda, pelo qual só seriam
dedutíveis as provisões expressamente previstas na “lei” fiscal.34 
O único conflito existente no que se refere ao tratamento fiscal das
contingências já se encontra suplantado pela jurisprudência35. Nesse contexto,
ao dispor expressamente que os depósitos judiciais e a suspensão de valores
provisionados não implicavam em uma despesa, suscitou-se a questão da
constitucionalidade e da legitimidade daqueles dispositivos visto que se estaria
tributando uma indisponibilidade. Todavia, a jurisprudência assentou-se pela
conformidade da legislação, encerrando assim eventuais questionamentos
quanto a esse aspecto36.
No mais, e como visto anteriormente, não havendo a nova normatização
societária e contábil alterado profundamente a classificação de contingências
sob a ótica patrimonial, o tratamento fiscal se mantém neutro em relação ao
anterior.

34 Conforme artigo 335 do Regulamento do Imposto sobre a Renda aprovado pelo Decreto 3.000/99
que dispõe só serem dedutíveis a provisões expressamente autorizdas pela legislação do IR e
consolidadas no Regulamento.
35 Sobre a questão vide o artigo A dedutibilidade dos depósitos judiciais na base do Imposto de
Renda da pessoa jurídica e da Contribuição Social sobre o lucro – – derrogação do art. 8º da
Lei nº 8.541/92 em face da Lei nº 9.703/98,de Marcos André Vinhas Catão, publicado na Revista
Dialética de Direito Tributário, nº 63, São Paulo: Dialética, 2000.
36 Ver Recurso Especial nº 1168038/SP: “TRIBUTÁRIO – PROCESSO CIVIL – IMPOSTO SOBRE A
RENDA – REGIME DE TRIBUTAÇÃO – DESPESAS DEDUTÍVEIS – REGIME DE CAIXA – DEPÓSITOS
JUDICIAIS – INGRESSOS TRIBUTÁRIOS – IMPOSSIBILIDADE DE DEDUÇÃO ANTES DO
TRÂNSITO EM JULGADO DA DEMANDA – VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS –
ART. 110 DO CTN – MATÉRIA CONSTITUCIONAL – INCOMPETÊNCIA DO STJ – PRECEDENTES
– RECURSO SUBMETIDO AO REGIME DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO N. 8/STJ.
1. Falece competência ao Superior Tribunal de Justiça para conhecer de supostas violações a
enunciados normativos constitucionais. Precedentes.
2. O art. 110 do CTN estabelece restrições ao exercício da competência tributária pelo legislador
do Ente Federativo, matéria nitidamente constitucional, razão pela qual a competência para o
exame de sua violação compete ao Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
3. Compete ao legislador fixar o regime fiscal dos tributos, inexistindo direito adquirido ao
contribuinte de gozar de determinado regime fiscal.
4. A fixação do regime de competência para a quantificação da base de cálculo do tributo e do
regime de caixa para a dedução das despesas fiscais não implica em majoração do tributo devido,
inexistindo violação ao conceito de renda fixado na legislação federal.
5. Os depósitos judiciais utilizados para suspender a exigibilidade do crédito tributário consistem
em ingressos tributários, sujeitos à sorte da demanda judicial, e não em receitas tributárias, de
modo que não são dedutíveis da base de cálculo do IRPJ até o trânsito em julgado da demanda.
6. Recurso especial conhecido em parte e não provido.” (STJ, REsp nº 1168038/SP, Rel. Ministra
Eliana Calmon, Brasília, 09.06.2010)

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476 - Regime jurídico das contingências legais

V – Conclusão
O tratamento das contingências legais no Brasil vem sendo objeto
de uma constante regulação, imposta indiscriminadamente a todas as
sociedades comerciais.
Tal evolução impõe um regime jurídico próprio composto de várias
matizes: societária, contábil e fiscal, consolidando-se como um dos mais
importantes elementos de eficiência da administração.
Mais do que uma faculdade ou dever funcional dos administradores, a
avaliação de contingências decorre de um arcabouço normativo estruturado e
sistêmico, e configura-se, assim, em uma obrigação legal.
Em tempos de elevação do princípio de transparência que rege a premência
de uma melhor governança corporativa pelas sociedades comerciais brasileiras,
a observância dessa normatização assume feição cada vez mais relevante no
contexto de nosso ordenamento.

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Marcos André Vinhas Catão & Luciana de Assis Serra Alves - 477

Bibliografia
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. 4ª ed. São Paulo: Saraiva:
2009. 885 p. (v. 3).
CATÃO, Marcos André Vinhas. A dedutibilidade dos depósitos judiciais na base do Imposto
de Renda da pessoa jurídica e da Contribuição Social sobre o lucro – derrogação do art. 8º
da Lei nº 8.541/92 em face da Lei nº 9.703/98, Revista Dialética de Direito Tributário, nº
63, São Paulo: Dialética, 2000.
EIZIRIK, Nelson. Os Impactos das Novas Regras Contábeis da Lei nº 11.638/2007. Disponível
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IUDÍCIBUS, Sérgio de; MARION, José Carlos. Curso de contabilidade para não contadores. 3ª
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Contabilidade das Sociedades por Ações: aplicável também às demais sociedades. Fundação
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Disponível em: < http://www.fucape.br/_admin/upload/prod_cientifica/CONGRESSO%20
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Sites consultados
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Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC. <www.cpc.org.br>
IFRS Foundation. <www.ifrs.org>
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC. <www.ibgc.org.br>
Instituto dos Auditores Independentes do Brasil – IBRACON. <www.ibracon.com.br>

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Capítulo XVII

O Regime Tributário
de Transição e a
Escrituração para Fins
Fiscais

Mariana Marques da Cunha


LL.M. em International Taxation pela New York University. Sócia da Ernst
& Young Terco.

Claudio Yukio Yano


Diretor do Centro de Inteligência de Tax da Ernst & Young Terco.

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Mariana Marques da Cunha & Claudio Yukio Yano - 481

Introdução
A partir do processo de alinhamento das normas contábeis brasileiras às
normas internacionais, cujo marco legal é a Lei 11.638, de 2007, através de
modificações dos dispositivos da Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404, de
1976) que tratam das demonstrações financeiras, é certo que muitos aspectos
polêmicos surgiram, sobretudo na seara tributária, muito dos quais ainda
carentes de melhor encaminhamento.
Neste sentido, em que pese a Lei 11.941, de 2009, fruto da conversão, com
alterações, da MP 449, de 2008, ter criado o Regime Tributário de Transição
(RTT), com aplicação a partir do ano-calendário 2008 com vistas a propiciar
a neutralidade para fins tributários, ainda se discute o alcance deste regime.
Abrangendo também as bases de cálculo da CSLL e da contribuição ao PIS
e da Cofins, o postulado do Regime Tributário de Transição1 é que as alterações
introduzidas pela Lei 11.638/2007 e pelos arts. 37 e 38 da Lei 11.941/2009,
que modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas
computadas na escrituração contábil, para apuração do lucro líquido do
exercício, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real2 da pessoa jurídica
sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e
critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Assim, o propósito deste estudo é analisar se a aplicação do RTT, nos
termos de sua definição legal, ensejaria a obrigatoriedade da manutenção, por
parte das empresas, de uma escrituração específica para fins tributários, baseada
nos métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007, como
condição sine qua non para o pleno atendimento aos ditames do referido regime,

1 “Art. 16. As alterações introduzidas pela Lei 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts.
37 e 38 desta Lei que modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas
computadas na apuração do lucro líquido do exercício definido no art. 191 da Lei nº 6.404, de
15 de dezembro de 1976, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica
sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis
vigentes em 31 de dezembro de 2007. 
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo às normas expedidas pela Comissão de
Valores Mobiliários, com base na competência conferida pelo § 3o do art. 177 da Lei no 6.404, de
15 de dezembro de 1976, e pelos demais órgãos reguladores que visem a alinhar a legislação
específica com os padrões internacionais de contabilidade. “
2 De acordo com o § 3º do art. 15 da Lei 11.941/2009, o RTT é obrigatório a partir do ano-calendário
de 2010, inclusive para a apuração do imposto sobre a renda com base no lucro presumido ou
arbitrado, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, da Contribuição para o PIS/PASEP
e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS. 

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482 - O Regime Tributário de Transição e a Escrituração para Fins Fiscais

bem como introduzir a discussão sobre a utilidade de um balanço para fins


fiscais na apuração dos ajustes ao lucro líquido, ponto de partida do lucro real.

1 – O Processo de Alinhamento às Práticas


Contábeis Internacionais no Brasil
1.1. A Convergência Contábil
Dando início ao processo de alinhamento das normas contábeis
brasileiras às normas internacionais, foi promulgada em 28 de dezembro
de 2007 a Lei 11.638, modificando a Lei das Sociedades por Ações (Lei
6.404, de 15 de dezembro de 1976), com o intuito de viabilizar o processo de
convergência contábil internacional, além de aumentar o grau de transparência
das demonstrações financeiras em geral, inclusive em relação às chamadas
sociedades de grande porte3 não constituídas sob a forma de sociedade por ações.
Produzindo efeitos a partir de 2008, a lei prevê, entre outras modificações
na matéria contábil, que as normas contábeis emitidas pela Comissão de Valores
Mobiliários (CVM) deverão estar obrigatoriamente em consonância com os
padrões contábeis internacionais adotados nos principais mercados de valores
mobiliários, ou seja, de acordo com as normas emitidas pelo International
Accounting Standard Board – IASB, que é hoje considerado a referência
internacional dos padrões de contabilidade.
Todavia, conquanto os novos métodos e critérios contábeis sejam
estabelecidos como as práticas de contabilidade geralmente aceitas no País,
ditadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e recepcionado
tanto por Deliberações da CVM quanto por Resoluções do Conselho Federal
de Contabilidade (CFC), passam a ser de observância por todas as empresas
estabelecidas no Brasil, independentemente do porte e da configuração societária.

3 Lei 11.941, de 2009; “Art. 3º Aplicam-se às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas
sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976,
sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria
independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários.
Parágrafo único. Considera-se de grande porte, para os fins exclusivos desta Lei, a sociedade ou
conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total
superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual
superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais).”

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Mariana Marques da Cunha & Claudio Yukio Yano - 483

1.2. Contexto Legislativo Anterior À Lei 11.638, De


2007
A Lei 6.404, de 1976, assim cuidou ao tratar da escrituração mercantil,
em sua redação original:
“Art. 177. A escrituração da companhia será mantida em registros
permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e
desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo
observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar
as mutações patrimoniais segundo o regime de competência.
§ 1º As demonstrações financeiras do exercício em que houver
modificação de métodos ou critérios contábeis, de efeitos relevantes,
deverão indicá-la em nota e ressaltar esses efeitos.
§ 2º A companhia observará em registros auxiliares, sem modificação
da escrituração mercantil e das demonstrações reguladas nesta Lei, as
disposições da lei tributária, ou de legislação especial sobre a atividade
que constitui seu objeto, que prescrevam métodos ou critérios contábeis
diferentes ou determinem a elaboração de outras demonstrações financeiras.
(...omissis...)”
Ou seja, o pressuposto da legislação societária era o de que as
disposições da lei tributária que prescrevessem métodos ou critérios
contábeis diferentes fossem observados em registros auxiliares, de forma
que não influenciassem a escrituração societária.
Já o Decreto-lei 1.598, de 1977, cujo escopo foi promover as alterações
na legislação do imposto de renda consideradas necessárias para adaptá-la à
Lei 6.404/76, definiu o lucro real4 como sendo o lucro líquido do exercício
ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela
legislação tributária, determinado com base na escrituração que o contribuinte
deve manter, com observância das leis comerciais e fiscais.
Para tanto, ao fim de cada período-base de incidência do imposto, o
contribuinte deve apurar o lucro líquido do exercício mediante a elaboração, com
obediência às disposições da lei comercial, do balanço patrimonial, da demonstração
do resultado do exercício e da demonstração de lucros ou prejuízos acumulados.

4 Art. 6º - caput.

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484 - O Regime Tributário de Transição e a Escrituração para Fins Fiscais

Neste contexto, para cumprir o papel dos registros auxiliares à escrituração


mercantil, foi criado o Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR), com
modelo e normas próprias de escrituração5.
No Parecer Normativo da Coordenação do Sistema de Tributação (CST)
11/79, as autoridades fiscais esclareceram qual seria o escopo do LALUR:
“1. A Lei nº 6.404/76 dispôs sobre a apresentação de demonstrações
financeiras pelas sociedades por ações. O Decreto-lei nº 1.598/77 não
somente estendeu às demais sociedades e às empresas individuais os
mesmos critérios de apuração de resultados – para sua utilização na
determinação da base de cálculo do imposto de renda – como disciplinou
a observância de dispositivos não auto-aplicáveis da Lei nº 6.404.
(...omissis...)
4. Em algumas situações, particularizadas em texto legal, o lucro
real, que é a base imponível, deve discrepar do lucro líquido; nesse
caso, ajustes adequados serão procedidos apenas no livro de apuração
do lucro real. É o caso da tributação dos lucros decorrentes de
fornecimentos a entidades governamentais, diferível nos termos do
parágrafo 3º do artigo 10 do Decreto-lei nº 1.598.
5. O Decreto-lei nº 1.598 e a Lei nº 6.404 tratam da mesma
realidade, utilizam os mesmos controles, não se opõem nem se
sobrepõem – antes se completam. O livro de apuração do lucro
real tem a bem definida função de registrar ajustes do lucro líquido
(Parte A) e memórias para ajustes dos lucros líquidos dos exercícios
futuros (Parte B). Suas contas não são de natureza patrimonial, no
sentido usualmente empregado em contabilidade. Tanto assim é que
a Instrução Normativa SRF nº 28/78, que lhe aprovou o modelo e
estabeleceu normas de escrituração, determinou o registro de saldos
apenas para “os valores que devam influenciar a determinação do
lucro real de exercício futuro e que não devam ser controlados na
escrituração comercial” (subitem 4.3, grifei).”
Neste contexto, as autoridades fiscais, receosas de que as empresas pudessem
adotar na escrituração contábil critérios contábeis que levassem a efeitos diversos

5 Objeto da Instrução Normativa SRF 28/78.

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a contribuintes em situações distintas, impuseram a não aceitação da utilização


do LALUR “para nele serem consignadas as exclusões que possam resultar da
falta de registro na escrituração comercial de custos ou de despesas operacionais,
ou, ainda, as que tenham por objetivo complementar valor da mesma natureza
insuficientemente registrado, considerando os limites máximos permitidos (v.g.
depreciações e provisões para créditos de liquidação duvidosa)”6.
É verdade que, mesmo dentro do ordenamento jurídico da Lei 6.404
ainda se discutia a interferência das regras fiscais na contabilidade, como bem
abordado no Manual de Contabilidade Societária7 desde suas primeiras edições.
Em sua última edição, já adaptada aos ditames da Lei 11.638, de 2007, assim
comentam os professores da FIPECAFI:
“1.2 Contabilidade, fisco e legislações específicas
A Contabilidade sempre foi muito influenciada pelos limites e critérios
fiscais, particularmente os da legislação do Imposto de Renda. Esse
fato, ao mesmo tempo trouxe à Contabilidade algumas contribuições
importantes e de bons efeitos, limitou a evolução dos Princípios
Fundamentais de Contabilidade ou, ao menos, dificultou a adoção prática
de princípios contábeis adequados, já que a Contabilidade era feita pela
maioria das empresas com base nos preceitos e formas de legislação fiscal,
a qual nem sempre se baseava em critérios contábeis corretos.
Felizmente, e aqui cabe o nosso franco e enorme elogio à Receita
Federal do Brasil, que auxiliou de forma marcante na transposição desses
problemas. A criação do Regime Tributário de Transição (RTT) foi uma
inestimável contribuição no sentido de que se pudesse caminhar rumo
à convergência internacional de contabilidade nos balanços individuais
sem que os aspectos tributários sejam descumpridos.
Esse problema, que persistiu por muitos anos até o final de 2007,
teve uma tentativa de solução por meio da Lei das S.A. Essa
solução foi preconizada pelo art. 177, já em 1976, que determina
que a escrituração deve ser feita seguindo-se os preceitos da Lei das

6 Parecer Normativo CST 96/78, item 10.


7 Martins, Eliseu; Iudicibus, Sergio de; Ernesto Rubens Gelbcke; “Manual de Contabilidade
Societária”, Atlas, 2010.

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486 - O Regime Tributário de Transição e a Escrituração para Fins Fiscais

Sociedades por Ações e os princípios de contabilidade geralmente


aceitos”. Para atender à legislação tributária, ou outras exigências
feitas à empresa que determinem critérios contábeis diferentes dos
da Lei das Sociedades por Ações ou dos princípios de contabilidade
geralmente aceitos, devem ser adotados registros auxiliares à parte.
Dessa forma, a contabilização efetiva e oficial ficaria inteiramente
desvinculada da legislação do Imposto de Renda e outras, o que
representa, sem dúvida, um avanço considerável. Isto não significa
que a Contabilidade oficial deva ser inteiramente diferente dos
critérios fiscais, já que quanto mais próximos os critérios fiscais dos
contábeis tanto melhor. Todavia, essa disposição foi incluída na Lei
das Sociedades por Ações com o objetivo de permitir a elaboração
de demonstrações contábeis corretas, sem prejuízo da elaboração
da declaração do Imposto de Renda, usufruindo-se de todos os
seus benefícios e incentivos e, ao mesmo tempo, respeitando-se
todos os seus limites.”

1.3. A Lei 11.638, De 2007, Marco Legal Das


Mudanças Na Seara Contábil
Já no escopo das alterações da matéria contábil rumo à convergência às
normas internacionais, a Lei 11.638, de 2007, ao dar nova redação ao § 2º do
art. 177 da Lei 6.404/76, previa a adoção de demonstrações para fins tributários,
na escrituração mercantil nos seguintes termos:
“§ 2º As disposições da lei tributária ou de legislação especial sobre
atividade que constitui o objeto da companhia que conduzam à
utilização de métodos ou critérios contábeis diferentes ou à elaboração
de outras demonstrações não elidem a obrigação de elaborar, para
todos os fins desta Lei, demonstrações financeiras em consonância
com o disposto no caput deste artigo e deverão ser alternativamente
observadas mediante registro:
I – em livros auxiliares, sem modificação da escrituração mercantil; ou
II – no caso da elaboração das demonstrações para fins tributários,
na escrituração mercantil, desde que sejam efetuados em seguida
lançamentos contábeis adicionais que assegurem a preparação e a
divulgação de demonstrações financeiras com observância do disposto
no caput deste artigo, devendo ser essas demonstrações auditadas por
auditor independente registrado na Comissão de Valores Mobiliários.”

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Além disso, a Lei 11.638 havia inserido o § 7º8 ao art. 177 da lei societária,
determinando a neutralidade, para fins tributários, dos ajustes relacionados à
harmonização das práticas contábeis.
A respeito das mudanças na forma de escrituração mercantil promovidas
pela Lei 11.638, assim se posicionou o Manual de Contabilidade das Sociedades
por Ações9:
“Esse novo § 2º reforça o seguimento de regras contábeis de natureza
fiscal ou de outra origem, que não produzam demonstrações contábeis
adequadas, só pode ser feito de duas formas: a citada no item I, que
é como já hoje se faz; efetuam-se os registros normalmente nos
livros diário e razão, conforme as boas normas e práticas contábeis,
ajustando-se no LALUR – Livro de Apuração do Lucro Real – o
que for necessário por força das disposições tributárias. Mas sabemos
das enormes dificuldades para essa aplicação de forma mais completa,
principalmente pelo fato de o próprio fisco limitar o uso desse livro
a partir de regras específicas que impôs.
Só que agora temos a alternativa nova, criada sob o item II, que é essa
do “LALUC”: efetuam-se os registros no diário e razão, conforme
critérios aceitos pela legislação fiscal, levantam-se o balanço e a
demonstração do resultado a serem enviados à Receita Federal, mas
essas peças contábeis são de uso exclusivo para relacionamento com
o governo, jamais para publicação, entrega aos bancos, cálculo de
dividendo mínimo obrigatório ou outros etc. O que se tem que fazer
é, após levantadas essas demonstrações só para fins fiscais, efetuar os
devidos ajustes contábeis para a obtenção das demonstrações contábeis
societárias. Isso precisará ser feito mediante uso de livros auxiliares
ou em registros nos próprios diário e razão, conforme normatização
ainda a ser efetuada. Se vierem a ser utilizados livros auxiliares, eles
precisarão ser revestidos das mesmíssimas formalidades legais que os
diário e razão costumeiramente utilizados.”

8 “§ 7º Os lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para harmonização de normas contábeis,


nos termos do § 2º deste artigo, e as demonstrações e apurações com eles elaboradas não poderão
ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários.”
(NR).
9 “Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações”; Suplemento; Atlas, 2008.

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488 - O Regime Tributário de Transição e a Escrituração para Fins Fiscais

Ocorre que, antes mesmo do LALUC ser oficializado, a Lei 11.941, de


2009, alterou novamente o referido dispositivo, dando-lhe a seguinte redação:
“§ 2º A companhia observará exclusivamente em livros ou registros
auxiliares, sem qualquer modificação da escrituração mercantil e das
demonstrações reguladas nesta Lei, as disposições da lei tributária,
ou de legislação especial sobre a atividade que constitui seu objeto,
que prescrevam, conduzam ou incentivem a utilização de métodos ou
critérios contábeis diferentes ou determinem registros, lançamentos
ou ajustes ou a elaboração de outras demonstrações financeiras.
§ 3º As demonstrações financeiras das companhias abertas observarão,
ainda, as normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários
e serão obrigatoriamente submetidas a auditoria por auditores
independentes nela registrados.”
Neste particular, os mesmos autores comentam:
“Em primeiro lugar, foi extinto, sem nunca ter de fato existido, o
“LALUC – livro de apuração do lucro contábil”. A Lei no 11.638/2007
o havia criado, permitindo que a empresa escriturasse suas operações
segundo os critérios fiscais para que depois, noutro livro ou no mesmo
diário, mas à parte, ajustasse essa escrituração às normas contábeis sem
que esses ajustes provocassem reflexos fiscais. Essa era uma alternativa
ao atual LALUR – livro de apuração do lucro real.
A Receita Federal, todavia, preferiu manter este último apenas, mas mudando,
e drasticamente, o seu uso. Com isso, ficam automaticamente autorizados
todos os ajustes no LALUR em função de todas as alterações contábeis trazidas
pela Lei no 11.638/2007 e pela própria MP no 449/2008 (transformada
na Lei no 11.941/2009) e todas as normas contábeis introduzidas em
convergência às normas internacionais de Contabilidade.”
Não foi por outra a razão que o legislador também teve o capricho de dar,
através do art. 39 da Lei 11.941/09, nova redação ao Decreto-lei 1.598, de 1977,
que assim passou a mencionar a respeito dos livros fiscais e suas utilidades:
“Art 8º – O contribuinte deverá escriturar, além dos demais registros
requeridos pelas leis comerciais e pela legislação tributária, os seguintes livros:
I – de apuração de lucro real, no qual:
a) serão lançados os ajustes do lucro líquido do exercício, de que tratam
os §§ 2º e 3º do artigo 6º;

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Mariana Marques da Cunha & Claudio Yukio Yano - 489

b) será transcrita a demonstração do lucro real (§ 1º);


c) serão mantidos os registros de controle de prejuízos a compensar em
exercícios subseqüentes (art. 64), de depreciação acelerada, de exaustão
mineral com base na receita bruta, de exclusão por investimento das
pessoas jurídicas que explorem atividades agrícolas ou pastoris e de
outros valores que devam influenciar a determinação do lucro real de
exercício futuro e não constem de escrituração comercial (§ 2º).
II – razão auxiliar em ORTN (art. 42).
§ 1º – Completada a ocorrência de cada fato gerador do imposto,
o contribuinte deverá elaborar demonstração do lucro real, que
discriminará:
a) o lucro líquido do exercício do período-base de incidência;
b) os lançamentos de ajuste do lucro líquido (art. 6º §§ 2º e 3º), com
a indicação, quando for o caso, dos registros correspondentes na
escrituração comercial ou fiscal;
c) o lucro real.
§ 2º Para fins da escrituração contábil, inclusive da aplicação do
disposto no § 2º do art. 177 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de
1976, os registros contábeis que forem necessários para a observância
das disposições tributárias relativos à determinação da base de cálculo
do imposto de renda e, também, dos demais tributos, quando não
devam, por sua natureza fiscal, constar da escrituração contábil, ou
forem diferentes dos lançamentos dessa escrituração, serão efetuados
exclusivamente em:
I – livros ou registros contábeis auxiliares; ou 
II – livros fiscais, inclusive no livro de que trata o inciso I do caput
deste artigo.
§ 3º O disposto no § 2º deste artigo será disciplinado pela Secretaria
da Receita Federal do Brasil.” (grifamos)
A respeito, recorremos à Exposição de Motivos10 que acompanhou a MP
449 para melhor compreensão da justificativa para essa alteração:

10 E.M. Interministerial nº 161/2008 - MF/MP/MAPA/AGU.

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490 - O Regime Tributário de Transição e a Escrituração para Fins Fiscais

“56.9....(omissis). Ou seja, com a implementação do RTT, fica


garantido que a escrita contábil deva observar unicamente a legislação
comercial e todo e qualquer registro necessário para atender à
legislação tributária seja realizado em livros ou registros contábeis
auxiliares ou livros fiscais. Com isso, garante-se que os balanços e
demais demonstrações contábeis representem com maior veracidade
a realidade patrimonial das empresas, segundo os critérios e métodos
estritamente contábeis, escoimando assim eventuais interferências da
legislação fiscal na escrituração empresarial.”
Aliás, o art. 16 da Lei 11.941 foi mais além, prevendo taxativamente
que a escrituração comercial está dispensada de qualquer ajuste que tenha o
propósito de atender a fins fiscais:
“§ 2º A pessoa jurídica sujeita ao RTT, desde que observe as normas
constantes deste Capítulo, fica dispensada de realizar, em sua
escrituração comercial, qualquer procedimento contábil determinado
pela legislação tributária que altere os saldos das contas patrimoniais
ou de resultado quando em desacordo com: 
I – os métodos e critérios estabelecidos pela Lei no 6.404, de 15 de
dezembro de 1976, alterada pela Lei no 11.638, de 28 de dezembro
de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei; ou 
II – as normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, no
uso da competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei no 6.404,
de 15 de dezembro de 1976, e pelos demais órgãos reguladores. “
A este respeito, citamos a lição da prezada Profa. Elidie Bifano11, que
muito bem resumiu o novo papel atribuído ao LALUR:
“Os registros correspondentes à harmonização entre práticas contábeis
societárias e tributárias, no caso das sociedades tributadas com base no
lucro real, serão procedidos no LALUR (art. 17, II), que assim adquire a
dignidade de livro ou registro auxiliar. Até a edição da L. 11.941/2009,
o LALUR era mero registro auxiliar, destinado a consignar os critérios
de apuração do lucro real e do IRPJ, não estando submetido a qualquer
especial registro, como se exige com os livros mercantis. A partir de
agora, entretanto, o LALUR, consoante o referido art. 17, II, da lei

11 “O Direito Contábil: da Lei 11.638/07 à Lei 11.941/09 – Vol. II”, ROCHA, Coordenador Sergio
Andre: Quartier Latin.

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terá a importante função de conter os ajustes que devem ser procedidos


no lucro líquido contábil para fins de permitir a apuração do tributo.
Essa determinação está em consonância com o § 2º, já comentado, e
a previsão de que se adotem livros ou registros para ajustar práticas
contábeis e práticas tributárias. A importância e dignidade que o
LALUR assume são muito mais amplas do que a situação vigente
até 31 de dezembro de 2007.”
É de bom alvitre mencionar que, no bojo das alterações determinadas
pela Lei 11.941 está a inclusão de nova hipótese de arbitramento do lucro, de
que trata o art. 47 da Lei no 8.981, de 1995, abarcando as hipóteses em que o
contribuinte não escriturar ou deixar de apresentar à autoridade tributária os
livros ou registros auxiliares de que trata o § 2º do art. 177 da Lei no 6.404, de
1976, e § 2º do art. 8º do Decreto-Lei no 1.598, de 1977.
Recentemente, o ilustríssimo Prof. Luis Eduardo Schoueri fez menção,
em artigo publicado em co-autoria com Vinicius F. Tersi sobre temas tributários
relacionados à Lei 11.638/0712, a três modelos adotados em outros países para o
problema de compatibilização das regras contábeis e fiscais ao redor do mundo:
a) O modelo de dependência total, onde o lucro contábil é
identificado como lucro tributário, ou seja, a tributação se dá
sobre o lucro contábil;
b) O modelo de autonomia, onde a lei tributária prevê todas
as regras necessárias para a elaboração de um balanço fiscal
completamente diferente, envolvendo a classificação de ativos e
passivos, depreciação, amortização, etc. próprias para a apuração
unicamente do lucro tributário; e
c) O modelo de dependência parcial, no qual a lei tributária tem
normas que permitem adequar o lucro contábil às necessidades do
Fisco, já que esse último está vinculado a finalidades diferentes.
Além disso, destaca o ilustre Mestre das Arcadas que o modelo brasileiro
se inclina ao de dependência parcial, mas que não se pode ter total certeza do
grau de liberdade que o Fisco veio assegurar ao contribuinte para a elaboração
de um balanço fiscal a partir de do balanço societário.

12 “Aspectos Tributários da Nova Lei Contábil: Lei 11.638/07”; Coordenadores Edison Carlos
Fernandes e Marcelo Magalhães Peixoto; São Paulo: MP Editora, 2010.

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492 - O Regime Tributário de Transição e a Escrituração para Fins Fiscais

2 – Do Regime Tributário de Transição (RTT)


2.1. Definição Legal do Regime
Sob a alegação de sua prescindência13, a Lei 11.941 revogou o § 7º do art.
177 da Lei 6.404/76, que previa a neutralidade dos ajustes de harmonização
contábil para fins tributários.
Em contraponto, instituiu o Regime Tributário de Transição de apuração
do lucro real, aplicável a partir do ano-calendário 2008, até que entre em vigor
uma nova lei14 que discipline os efeitos tributários dos novos métodos e critérios
contábeis introduzidos pelas Leis nºs 11.638/2007 e 11.941/2009, buscando
a neutralidade fiscal.
No escopo de dar encaminhamento no plano fiscal para o descasamento
entre a escrituração mercantil e a apuração para fins tributários, o RTT15 tem
como postulado que as alterações introduzidas pela Lei 11.638/2007 e
pelos arts. 37 e 38 da Lei 11.941/2009, que modifiquem o critério de
reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na escrituração
contábil, para apuração do lucro líquido do exercício, não terão efeitos para
fins de apuração do lucro real16 da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo

13 Exposição de Motivos 161/08: “56.9. Revoga-se o § 7º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 1976, tendo
em vista que os efeitos deste dispositivo já estão plenamente garantidos pelo RTT, à medida que o
conjunto de modificações propostas na escrituração de livros auxiliares e do Livro de Apuração
do Lucro Real dispensa totalmente os sujeitos passivos de realizar lançamentos na sua escrita
mercantil, unicamente com o propósito de atender à legislação tributária.....(omissis)...”
14 Sabe-se que o RTT deve ser mantido para os próximos anos-calendário, até porque não há
mecanismos menos complexos que permitam a neutralidade dos novos métodos e critérios
contábeis para fins tributários. Não é outra a razão do porque de vários outros países que
experimentam a convergência ao IFRS terem optado pela manutenção de uma escrituração para
fins fiscais, ainda que com variantes em função das peculiaridades locais.
15 Art. 16. As alterações introduzidas pela Lei 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts.
37 e 38 desta Lei que modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas
computadas na apuração do lucro líquido do exercício definido no art. 191 da Lei no 6.404, de
15 de dezembro de 1976, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica
sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis
vigentes em 31 de dezembro de 2007. 
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo às normas expedidas pela Comissão
de Valores Mobiliários, com base na competência conferida pelo § 3o do art. 177 da Lei no 6.404,
de 15 de dezembro de 1976, e pelos demais órgãos reguladores que visem a alinhar a legislação
específica com os padrões internacionais de contabilidade. 
16 De acordo com o § 3o do art. 15 da Lei 11.941/09, o RTT é obrigatório a partir do ano-calendário
de 2010, inclusive para a apuração do imposto sobre a renda com base no lucro presumido ou
arbitrado, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, da Contribuição para o PIS/PASEP
e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS. 

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ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis


vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Não obstante tal dispositivo ter feito clara menção ao reconhecimento
de receitas, custos e despesas computadas na escrituração contábil, ao
regulamentar o RTT, a Instrução Normativa RFB 949, de 2009, criou uma
nova obrigação acessória para controle e conciliação entre o lucro líquido da
escrituração mercantil e o lucro líquido da demonstração para fins fiscais.
Aplicável às empresas tributadas com base no lucro real, o Controle Fiscal
Contábil de Transição (FCONT), definido como uma escrituração, das
contas patrimoniais e de resultado, em partidas dobradas, considerando os
critérios contábeis aplicáveis à legislação tributária, ou seja, aqueles vigentes
em 31 de dezembro de 2007, é de apresentação obrigatória anual.
Seu modus operandi está contido no seguinte dispositivo da referida IN:
“Art. 3º A pessoa jurídica sujeita ao RTT, para reverter o efeito
da utilização de métodos e critérios contábeis diferentes daqueles
previstos na legislação tributária, baseada nos critérios contábeis
vigentes em 31 de dezembro de 2007, nos termos do art. 2º, deverá:
I – utilizar os métodos e critérios da legislação societária para apurar,
em sua escrituração contábil, o resultado do período antes do Imposto
sobre a Renda, deduzido das participações;
II – utilizar os métodos e critérios contábeis aplicáveis à legislação
tributária, a que se refere o art. 2º, para apurar o resultado do período,
para fins fiscais;
III – determinar a diferença entre os valores apurados nos incisos I e II; e
IV – ajustar, exclusivamente no Livro de Apuração do Lucro Real
(LALUR), o resultado do período, apurado nos termos do inciso I,
pela diferença apurada no inciso III.
§ 1º Para a realização do ajuste específico, de que trata o inciso IV
do caput, deverá ser mantido o controle definido nos arts. 7º a 9º.
§ 2º O ajuste específico no LALUR, referido no inciso IV, não
dispensa a realização dos demais ajustes de adição e exclusão, prescritos
ou autorizados pela legislação tributária em vigor, para apuração da
base de cálculo do imposto.
§ 3º Os demais ajustes a que se refere o § 2º devem ser realizados com base
nos valores mantidos nos registros do controle previsto nos arts. 7º a 9º.

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494 - O Regime Tributário de Transição e a Escrituração para Fins Fiscais

De acordo com a referida IN, todos os ajustes ao lucro líquido da


escrituração societária que revertam o efeito da utilização de métodos e
critérios contábeis diferentes daqueles da legislação tributária, baseada nos
critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007, devem ser apontados
no FCONT.
Para ilustrar o funcionamento do RTT, tomemos como exemplo a
mudança na forma de reconhecimento contábil dos itens do ativo imobilizado
objeto de arrendamento mercantil (leasing financeiro): de acordo com o novo
método contábil, tais ativos passam a ser registrados no ativo imobilizado
da arrendatária, em contrapartida a conta de passivo correspondente, cuja
amortização se dá na medida do pagamento das contraprestações. Neste
caso, no FCONT, que pressupõe a utilização do método contábil anterior, as
empresas deverão efetuar os ajustes em partidas dobradas para continuarem
considerando apenas as despesas relativas às contraprestações pagas, ao invés
de reconhecerem o ativo imobilizado e o passivo correspondente. Desta forma,
o lucro líquido para fins tributários será aquele contemplando o critério
contábil vigente em 31 de dezembro de 2007.
De forma análoga, as empresas deverão proceder em relação aos outros
itens do balanço, o que significa que os critérios contábeis anteriores não devem
ser abandonados, dado que ainda prestam para fins tributários.
À guisa de esclarecimento adicional, na Declaração de Informações
Econômico- Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ), as empresas apresentam a
demonstração de resultados de acordo com a escrituração societária (que
considera os novos métodos e critérios contábeis, na Ficha 06/A) bem como
a demonstração de resultados para fins tributários (que considera os métodos
e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007, na Ficha 07/A).
Como o lucro líquido, ponto de partida da apuração do lucro real,
é aquele apurado na escrituração societária, a partir dos lançamentos
discriminados no FCONT, a diferença entre o lucro líquido de cada uma
dessas duas demonstrações de resultados é objeto de ajuste global nas Fichas
09/A (Demonstração do Lucro Real), 17/A (Cálculo da Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido), bem como na Ficha 08/A (Demonstração
do Lucro da Exploração).
Cabe frisar que nos termos da Instrução Normativa RFB 949/2009, os
demais ajustes de adições e exclusões ao lucro real devem ser realizados com

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base no FCONT, o que significa que as despesas indedutíveis, por exemplo,


devem ser espelhadas a partir dos saldos controlados nessa obrigação acessória.
Como dissemos anteriormente, a Lei 11.941, ao incluir nova hipótese
de arbitramento do lucro no art. 47 da Lei no 8.981, de 1995, faz com que a
falta da escrituração ou de apresentação do LALUR ou mesmo do FCONT,
enquanto registro auxiliar, possa ensejar o arbitramento do lucro da empresa
pelas autoridades fiscais.

2.2. Importância da Existência de um Balanço para


Fins Tributários
As regras do Imposto de Renda pressupõem que diversos ajustes ao lucro
real sejam apurados com base nos saldos das contas patrimoniais e de resultado,
daí a importância de se determinar se existe, no âmbito legal, a figura de um
balanço para fins tributários, sobre o qual diversos ajustes na apuração do lucro
real seriam calculados.
A seguir, apresentamos alguns exemplos de ajustes e suas implicações com
a forma de escrituração adotada:
2.2.1. Equivalência Patrimonial
No âmbito da legislação do Imposto de Renda, a aplicação do método
da equivalência patrimonial está prevista no art. 387 do RIR/99, cuja redação
se baseia no texto original do art. 248 da Lei 6.404/76.
Ocorre que tanto a Lei 11.638/2007 quanto a Lei 11.941/2009 alteraram
a redação do referido art. 248, o que ensejaria, teoricamente, ajuste no âmbito
do RTT, em função da mudança de critério em relação àquele vigente em 31
de dezembro de 2007.
Além disso, por conta das diferenças entre os saldos patrimoniais na
escrituração comercial e nos saldos apresentados no FCONT, discute-se se o
valor da equivalência patrimonial deveria ser distinto para fins fiscais em relação
ao societário, dado que apoiado no patrimônio líquido baseado nos métodos
e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
É importante ressaltar que, embora os lançamentos de equivalência
patrimonial não gerem efeitos fiscais, porquanto são ajustados na Parte A
do LALUR, ao alterarem o valor contábil do investimento podem impactar
eventual ganho ou perda de capital no momento da sua alienação ou realização.

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496 - O Regime Tributário de Transição e a Escrituração para Fins Fiscais

2.2.2. Ágio
Ao se supor que a equivalência patrimonial pode ter saldo distinto para
fins fiscais, a figura do ágio passa pelo mesmo dilema, dado ser determinado
pela diferença entre o preço pago na aquisição de investimento relevante e o
valor da equivalência patrimonial de abertura.
Além disso, há discussões acerca da possibilidade de se manter, para fins
fiscais, fundamento econômico distinto para o ágio, em relação ao adotado na
escrituração comercial, em virtude da aplicação do Pronunciamento Técnico
do CPC 1517. Não pretendemos nos aprofundar neste tema, dado que vários
colegas já se debruçaram sobre o mesmo.
2.2.3. Eventos Especiais
A legislação que trata do RTT nada menciona acerca do tratamento a
ser dado aos saldos do FCONT nos casos de eventos especiais (fusão, cisão
parcial ou total e incorporação).
Em que pese às empresas ainda ser possível optar por realizar tais operações
a valor contábil ou de mercado18, discute-se qual seria, no plano fiscal, o valor
contábil a informar tais transações a partir da adoção dos novos métodos e
critérios contábeis, os quais claramente abandonam o custo histórico, até então
adotado, como base de valor contábil.
Assim sendo, caso não haja sucessão nos saldos controlados no FCONT
das empresas sucedidas, na hipótese de que estes sejam distintos dos valores
da escrituração comercial, tornar-se-á impraticável às empresas sucessoras
manter o adequado tratamento para fins de depreciação, alienação e baixas
futuras, por exemplo.
Por outro lado, considerar qualquer ganho ou perda de capital nas empresas
sucedidas, ainda que os saldos da escrituração comercial passem a constituir custo de
aquisição nas sucessoras, nos parece infringir o fundamento do RTT, dado que esta
não era a premissa para as operações a valor contábil (do balanço fiscal – FCONT)
que, como dissemos, ainda constitui prerrogativa para as empresas.

17 O Pronunciamento Técnico do CPC 15 tem como objetivo definir o tratamento contábil aplicável
ao reconhecimento, à mensuração e às divulgações decorrentes de operações de “combinação
(ou concentração) de negócios”.
18 Lei nº 9.249, de 1995, art. 21.

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Mariana Marques da Cunha & Claudio Yukio Yano - 497

2.2.4. Diferenças Nas Taxas De Depreciação


Ainda que se alegue que o critério contábil para cálculo das depreciações
não experimentou mudanças significativas na convergência aos padrões
internacionais de Contabilidade, no caso das empresas que adotavam as
taxas previstas na legislação fiscal, houve efetiva mudança de critério, o que
justificaria a inclusão das diferenças no RTT.
O Manual de Contabilidade Societária assim aborda o tema:
“Isso significa que o Fisco passou a admitir um número muito maior
de ajustes no Lalur do que anteriormente. Por exemplo, as taxas fiscais
de depreciação “conduzem”, “induzem” as empresas a utilizá-las na
contabilidade para obter efeitos tributários desejados. Com essa nova
redação, o Fisco admite que essas taxas fiscais sejam utilizadas para
fins tributários, mesmo que, na contabilidade, as taxas utilizadas sejam
diferentes, tanto maiores quanto menores. Ou seja, mesmo que não
haja a obrigação de a empresa utilizar-se das taxas fiscais, mas que ela
simplesmente seja induzida a usá-la para fins tributários, poderá então
escriturar contabilmente de uma forma e fiscalmente de outra.”
Este tema adquire especial importância no âmbito fiscal dado que,
além de alcançar um universo muito grande de empresas, afeta diretamente
o lucro líquido, ponto de partida do lucro real, com implicações também na
contabilidade de custos, cálculos de depreciação acelerada, tanto a incentivada
fiscal como a por turnos, além dos preços de transferência, nos casos a que
nos referimos adiante. Sem mencionar os créditos de PIS e Cofins sobre a
depreciação na sistemática não-cumulativa.
Cabe destacar que há recentes decisões em consulta19, favoráveis à inclusão
do tema no RTT.
2.2.5. Contabilidade de Custos
A IN RFB 949/20 09 determina que, para fins de escrituração do FCONT,
poderá ser utilizado critério de atribuição de custos fixos e variáveis aos produtos

19 SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 15 de 18 de Fevereiro de 2011 (10ª Região Fiscal).


ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ EMENTA: LUCRO REAL.
ENCARGOS DE DEPRECIAÇÃO. AJUSTES DECORRENTES DA LEGISLAÇÃO SOCIETÁRIA.
EFEITOS TRIBUTÁRIOS. Os ajustes no cálculo da depreciação de bens do ativo imobilizado
determinados pelo art. 183, § 3º, I, da Lei nº 6.404, de 1976, com as alterações introduzidas pelo
art. 1º da Lei nº 11.638, de 2007, e pelo art. 37 da Lei nº 11.941, de 2009, não terão efeitos

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498 - O Regime Tributário de Transição e a Escrituração para Fins Fiscais

acabados e em elaboração mediante rateio diverso daquele utilizado para


fins societários, desde que esteja integrado e coordenado com o restante da
escrituração, nos termos do art. 294 do RIR/99. Neste caso, a empresa estaria
resguardada da aplicação, por parte das autoridades fiscais, do arbitramento
dos estoques, previsto no art. 296 do RIR/99.
No Parecer Normativo CST 6/79, as autoridades fiscais assim definiram
contabilidade de custo integrado e coordenado:
“4.1 – Sistema de contabilidade de custo integrado e coordenado com
o restante da escrituração é aquele:
I – apoiado em valores originados da escrituração contábil (matéria-
prima, mão-de-obra direta, custos gerais de fabricação);
II – que permite determinação contábil, ao fim de cada mês, do valor
dos estoques de matérias-primas e outros materiais, produtos em
elaboração e produtos acabados;
III – apoiado em livros auxiliares, ou fichas, ou formulários contínuos,
ou mapas de apropriação ou rateio, tidos em boa guarda e de registros
coincidentes com aqueles constantes da escrituração principal;
IV – que permite avaliar os estoques existentes na data de
encerramento do período-base de apropriação de resultados segundo
os custos efetivamente incorridos.”
Ainda de acordo com o referido PN, as empresas que não tiverem a
contabilidade de custos integrada e coordenada na forma acima mencionada,
deverão avaliar seus estoques de produtos acabados ou em elaboração por

para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao Regime Tributário de Transição
(RTT), devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes
em 31 de dezembro de 2007.
Dispositivos legais: Lei nº 6.404, de 1976, art. 183, § 3º, II; Lei nº 11.638, de 2007, art. 1º; Lei nº
11.941, de 2009, arts. 15, 17 e 37; Decreto nº 3.000, de 1999 (RIR/1999), arts. 305, 307, 309,
310 e 312; IN RFB nº 949, de 2009.
SOLUÇÃO DE CONSULTA No 11 de 2 de maio de 2011 (5ª Região Fiscal).
ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ EMENTA: “REGIME TRIBUTÁRIO
DE TRANSIÇÃO - RTT. DEPRECIAÇÃO. CRITÉRIOS DE CONTABILIZAÇÃO. PROCEDIMENTOS
DE REVERSÃO DOS EFEITOS. A pessoa jurídica sujeita ao Regime Tributário de Transição - RTT
deve adotar o procedimento previsto no artigo 17 da Lei nº 11.941, de 2009, no tocante ao registro
contábil da depreciação e à reversão dos efeitos da utilização de métodos e critérios contábeis
diferentes dos prescritos na legislação tributária. (Dispositivos Legais: Lei nº 6.404, de 1976, art.
183, § 3º, II; Lei nº 11.941, de 2009, art. 17; Decreto nº 3.000, de 1999 (RIR/1999), art. 305 e
seguintes.”

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Mariana Marques da Cunha & Claudio Yukio Yano - 499

arbitramento, em função do custo da matéria-prima ou do preço de venda do


produto acabado. Como efeito prático, o arbitramento dos estoques eleva os
saldos destes ao final do período-base, o que resulta em diminuição dos custos
(CPV ou CMV) alocados no período, aumentando o lucro tributável.
Sabemos que várias rubricas contábeis impactam a contabilidade de custos,
de forma que o pleno atendimento ao quesito da integração e coordenação
com o restante da escrituração, no FCONT, significa desconsiderar o impacto
de todos os ajustes relacionados aos novos métodos e critérios contábeis, sem
perder de vista os quesitos do PN 6/79 retrotranscritos, o que nos parece tarefa
árdua de se impingir aos contribuintes.
2.2.6. Lucros Auferidos No Exterior
A legislação fiscal brasileira é clara no sentido de que o lucro auferido
por filiais, sucursais, controladas ou coligadas, no exterior, a ser tributado na
apuração do IRPJ e da CSLL da empresa no Brasil, é aquele consignado nas
demonstrações financeiras elaboradas segundo as normas da legislação comercial
do país de seu domicílio20.
Como se sabe, o processo de convergência aos padrões internacionais de
contabilidade vem sendo adotado globalmente, de forma que os lucros auferidos
nas demonstrações financeiras de controladas e coligadas no exterior podem
ter sido preparadas com base nas IFRS.
Assim, temos um verdadeiro contrasenso nestas situações, dado o
afastamento da tributação interna com base nas novas regras contábeis, via
RTT, mas a tributação, mediante adição ao lucro real e à base de cálculo da
CSLL da matriz, controladora ou coligada no Brasil, dos lucros auferidos no
exterior apurados de acordo com as práticas contábeis internacionais.
Além disso, se nesse outro país for adotado algum regime a la RTT,
teríamos ainda a caótica situação de ter que tributar no Brasil os lucros lá
auferidos, mas sem a possibilidade de utilização de crédito de imposto do
exterior, dado que poderia ainda não ter sido pago.

20 Instrução Normativa SRF 213, de 2002: Art. 6º As demonstrações financeiras das filiais, sucursais,
controladas ou coligadas, no exterior, serão elaboradas segundo as normas da legislação comercial
do país de seu domicílio.

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500 - O Regime Tributário de Transição e a Escrituração para Fins Fiscais

2.2.7. Regras De Subcapitalização


Previstas na Lei 12.24921, de 2010, as regras de subcapitalização foram
estabelecidas para limitar a dedução na apuração do IRPJ e da CSLL de
despesas com juros nos endividamentos da pessoa jurídica brasileira com pessoas
vinculadas no exterior ou residentes ou domiciliadas em países com tributação
favorecida ou regime fiscal privilegiado.
Basicamente, impõem limites a tais endividamentos em proporção ao
patrimônio líquido da empresa brasileira que, caso sejam ultrapassados, a parcela
proporcional dos juros incorridos nesses endividamentos é considerada despesa
não necessária e, por conseqüência, não dedutível na apuração do lucro real e
na base de cálculo da CSLL.
Assim, também nesse caso se discute se o patrimônio líquido e as contas
de endividamento seriam aqueles controlados no FCONT ou se seriam os
baseados na escrituração comercial.
A Instrução Normativa RFB 1.154, de 2011, nada esclareceu sobre o tema,
cabendo explorar a regra contida no § 3º do art. 3º da IN RFB 949/2009, que menciona
que todos os ajustes de adições e exclusões devem ser feitos com base nos registros
mantidos no FCONT, o que sugere que os saldos do endividamento e do patrimônio
líquido a serem considerados nesse cálculo seria aqueles do balanço para fins fiscais.
Todavia, há os que defendem a aplicação dessas regras sobre o patrimônio
líquido fiscal, dado terem sido editadas já sob a égide da nova contabilidade.
2.2.8. Preços de Transferência
Alguns métodos de cálculo dos preços de transferência22 são pautados
pelos custos da empresa brasileira, a exemplo do PRL 60 para as importações
e o CAP para as exportações. Nestes casos, resta a discussão sobre quais custos
deveriam ser considerados, dado que os saldos da escrituração comercial podem
ter valores diferentes daqueles apontados no FCONT.
2.2.9. Distribuição de Lucros
Como dissemos, a lei societária estabelece que dispositivos da lei tributária ou
legislação especial sobre a atividade que constitui o objeto da companhia deverão ser

21 Arts. 24 e 25.
22 Arts. 18 a 24-A da Lei 9.430, de 1996; Instrução Normativa SRF 243, de 2002.

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Mariana Marques da Cunha & Claudio Yukio Yano - 501

exclusivamente observados em livros ou registros auxiliares, sem qualquer modificação


da escrituração mercantil e das demonstrações financeiras da companhia.
Assim, tendo em vista que a lei societária determina a distribuição de
lucros apurados na escrituração comercial23, há situações em que o sócio ou
acionista poderá receber lucros ainda não tributados ou, ao inverso, onde as
empresas estejam tributando lucros ainda não disponíveis para distribuição,
dado que não refletidos na escrituração societária.
Isto se deve ao fato da distribuição aos sócios ou acionistas ser feita com
base no lucro apurado na escrituração comercial, o qual pode não corresponder,
na medida dos diversos ajustes devedores ou credores, desconsiderados para
fins fiscais no escopo do RTT, ao lucro tributável da companhia.
Tal situação se insere na discussão sobre a amplitude da neutralidade fiscal na
aplicação da Lei 11.638/2007 através do RTT, dado que a distribuição de lucros,
de acordo com a atual legislação fiscal24, é isenta de Imposto de Renda na fonte.
2.2.10. Juros sobre o Capital Próprio
De forma análoga, há discussões em torno do cálculo dos juros sobre o
capital próprio.
Em função da sua conotação societária, e não é por outro motivo que a
CVM25 determina às companhias abertas tratarem-nos como dividendos nas
suas demonstrações financeiras, é de uso corrente a utilização, para cálculo desses
juros, do patrimônio líquido demonstrado no balanço societário. Some-se a
isto a previsão contida no art. 59 da Lei 11.941/2009 que manda excluir, no
cálculo desses juros, a conta de ajustes de avaliação patrimonial. Ora, se esta
conta somente existe na escrituração societária, não haveria como se cogitar que
tal dispositivo legal estivesse se referindo a outro balanço que não o societário.

23 “Art. 201. A companhia somente pode pagar dividendos à conta de lucro líquido do exercício,
de lucros acumulados e de reserva de lucros; e à conta de reserva de capital, no caso das ações
preferenciais de que trata o § 5º do artigo 17.
§ 1º A distribuição de dividendos com inobservância do disposto neste artigo implica
responsabilidade solidária dos administradores e fiscais, que deverão repor à caixa social a
importância distribuída, sem prejuízo da ação penal que no caso couber.
§ 2º Os acionistas não são obrigados a restituir os dividendos que em boa-fé tenham recebido.
Presume-se a má-fé quando os dividendos forem distribuídos sem o levantamento do balanço ou
em desacordo com os resultados deste.”
24 Lei 9.249, de 1995, art. 10.
25 Deliberação CVM 207, de 1996.

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502 - O Regime Tributário de Transição e a Escrituração para Fins Fiscais

Adotando-se tal pressuposto, os parâmetros para cálculo e dedutibilidade


destes juros, a partir da Lei 11.638, seguiriam uma nova métrica em relação
àqueles adotados até 2007, independentemente da adoção do RTT na apuração
do lucro real.
Todavia, isso poderia trazer algumas distorções nos casos em que a empresa
apresenta, por exemplo, no mesmo ano-calendário, lucros na escrituração
societária e prejuízos para fins fiscais, ou vice-versa, dado que pode deixar de
representar um mecanismo para redução da carga fiscal.
2.2.11. Subvenção Para Investimentos E Doações Recebidas
Do Poder Público
Os arts. 18 e 19 da Lei 11.941 também prevêm tratamento específico
para as subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução
de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de
empreendimentos econômicos, além das doações, feitas pelo Poder Público e
prêmio na emissão de debêntures, que passam a ser reconhecidos em conta de
resultado pelo regime de competência.
Neste caso, por aplicação do RTT, as empresas podem excluir, no LALUR,
o valor referente à parcela do lucro líquido do exercício decorrente de doações
ou subvenções governamentais para investimentos, para fins de apuração do
lucro real.
Para tanto, a empresa deve manter o valor referente à parcela do lucro
líquido do exercício decorrente da doação ou subvenção em conta de reserva
de lucros, mais especificamente, na conta de Reserva de Incentivos Fiscais.
Na hipótese do valor desta reserva ter destinação diversa, a qualquer
tempo, que implique sua disponibilização direta ou indireta a sócio ou
acionista, deverá ser adicionado, nesse momento, na apuração do lucro real
e na base de cálculo da CSLL.
Aqui, temos uma exceção em relação ao RTT, dado que esse novo
tratamento passa a ser aplicado tanto na escrituração comercial quanto no
controle do FCONT, a rigor da IN RFB 949/200926.

26 Art. 6º É vedado, para fins de gozo da isenção prevista no art. 38 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977,
o registro, no controle a que se referem os arts. 7º a 9º, de reserva de capital, para as operações
referidas nos arts. 4º e 5º.

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Mariana Marques da Cunha & Claudio Yukio Yano - 503

3. Conclusão
A análise dos dispositivos legais que trataram de definir o RTT e seu alcance,
ao mencionarem que as alterações introduzidas pela Lei 11.638/2007 e pelos
arts. 37 e 38 da Lei 11.941/2009, que modifiquem o critério de reconhecimento
de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido do
exercício definido no art. 191 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, não
terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao
RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios
contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007, não são incisivos o bastante
para determinarem a existência de um balanço para fins tributários.
Sem embargo do fato de que a contabilização de receitas, custos e
despesas não pode ser vista dissociada das respectivas contrapartidas em contas
patrimoniais, a referência a uma escrituração para fins fiscais está contida apenas
na Instrução Normativa RFB 949/2009, quando da definição do FCONT, ou
seja, assenta-se em norma infralegal27.
Este controle para fins fiscais alinha-se à nova redação dada ao § 2º do art.
177 da Lei 6.404, de 1976, promovida pela Lei 11.941, de 2009, no sentido de
que dispositivos da lei tributária, ou de legislação especial sobre atividade que
constitui seu objeto que prescrevam, conduzam ou incentivem a utilização de
métodos ou critérios contábeis diferentes ou determinem registros, lançamentos
ou ajustes ou a elaboração de outras demonstrações financeiras que não as da
escrituração mercantil, devem ser observados exclusivamente em livros ou
registros auxiliares.
De salientar que, na redação anterior dada a esse dispositivo pela Lei
11.638, de 2007, previa-se, ainda que optativamente, a figura formal de uma
escrituração para fins tributários, sem prejuízo da escrituração comercial.
Assim, nos parece que não há, no atual arcabouço legal, dispositivo que
imponha expressamente a apuração de um balanço para fins tributários, sobre
o qual diversos ajustes na apuração do lucro real seriam calculados, a exemplo
dos casos citados neste estudo.

27 Cabe mencionar que, dentre as inovações do programa gerador da DIPJ 2011, aprovado pela IN
RFB 1.149, de 2011, estão novas fichas nas quais são transcritas as contas patrimoniais (Ativo/
Passivo) do balanço para fins fiscais, tal qual apurado através do FCONT, bem como a respectiva
Demonstração de Lucros ou Prejuízos Acumulados (Fichas 36E, 37E e 38A).

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504 - O Regime Tributário de Transição e a Escrituração para Fins Fiscais

É oportuno esclarecer que com isto não pretendemos afirmar a inexistência


de fundamento técnico para utilização de um balanço para fins tributários nesses
casos, pelo contrário, esta seria a forma mais adequada para se promover a
neutralidade fiscal em relação aos novos métodos e critérios contábeis adotados
no País, escopo do RTT.
Todavia, ao dar preferência pelos controles das diferenças de métodos e
critérios contábeis em registros e livros auxiliares, pode a lei ter criado, ainda
que involuntariamente, um cenário propício a distorções e confusões, dado que
o dinamismo dos registros contábeis, próprio das normas de convergência às
regras contábeis internacionais, bem como as mutações nos saldos patrimoniais
ao longo dos exercícios, só fazem dificultar a adequada conversão de uma
escrituração comercial para outra com fins tributários.
Aliadas às muitas diferenças de interpretações sobre o alcance do RTT
existentes no mercado, na maioria pendentes de definição até mesmo pelo fisco,
as distorções e confusões aos quais nos referimos deverão, certamente, ensejar
inúmeros litígios entre as empresas e a fiscalização.
Não é por outra razão que uma escrituração exclusiva para fins tributários,
mantida e controlada de forma independente da escrituração mercantil, a ela
paralela, traria maior conforto para o fisco e contribuintes.
Mas qualquer obrigação nesse sentido, por enquanto, carece de
embasamento legal e não poderia ser criada como mera obrigação acessória,
embora assim seja almejada pela fiscalização mas rechaçada por boa parte
do mercado em função, principalmente, dos custos diretos e indiretos de
implementação que impõe, além de pressupor, de forma simplista, a manutenção
de uma contabilidade com métodos e critérios estanques no tempo, desapegada
aos novos parâmetros de mensuração da evolução patrimonial das empresas.

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Capítulo XVIII

Contabilização de
Investimento em
Sociedades Objeto
de Acordo entre
Acionista Controlador e
Minoritário Relevante

Nelson Eizirik

Marcus de Freitas Henriques

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506 - Contabilização de Investimento em Sociedades Objeto de...

Direito Tributário Societário Vol. III.indd 506 29/5/2012 18:04:32


Nelson Eizirik & Marcus de Freitas Henriques - 507

I – Introdução
A partir da edição da Lei nº 11.638/2007, iniciou-se oficialmente o processo
de convergência das normas contábeis brasileiras para aquelas editadas, em âmbito
internacional, pelo International Accounting Standards Board – IASB.
O § 5º do artigo 177 da Lei das S.A., acrescentado pela referida Lei
nº 11.638/2007, estabeleceu que as normas expedidas pela Comissão de Valores
Mobiliários – CVM para regular as demonstrações financeiras das companhias
abertas devem ser “elaboradas em consonância com os padrões internacionais de
contabilidade adotados nos principais mercados de valores mobiliários”.
Adicionalmente, a Lei nº 11.638/2007 também introduziu o artigo 10-A à Lei
nº 6.385/1976, o qual permitiu que a CVM, o Banco Central do Brasil e demais
órgãos e agências reguladoras celebrassem “convênio com entidade que tenha por
objeto o estudo e a divulgação de princípios, normas e padrões de contabilidade e de
auditoria, podendo, no exercício de suas atribuições regulamentares, adotar, no todo
ou em parte, os Pronunciamentos e demais orientações técnicas emitidas”.
Com isto, foram criadas as condições legais para que a CVM incorporasse
ao nosso ordenamento jurídico-contábil os Pronunciamentos Técnicos
aprovados pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, os quais, por
sua vez, são elaborados com base nas normas internacionais conhecidas como
International Financial Reporting Standards – IFRS, editadas pelo IASB.
Em cumprimento à nova legislação, a CVM aprovou, por meio de
Deliberações de seu Colegiado, diversos Pronunciamentos e Interpretações
do CPC, os quais, segundo manifestado pelo próprio CPC, permitem que
“as demonstrações contábeis elaboradas sob seus critérios possam ser tomadas como
estando totalmente de acordo com as normas do IASB” (CPC nº 43 aprovado pela
Deliberação CVM nº 610/2009).
Alguns destes Pronunciamentos tratam do registro contábil das
participações em outras sociedades por parte das companhias que detenham
tais participações, estabelecendo três diferentes métodos de contabilização
– equivalência patrimonial, consolidação parcial e consolidação total –, cuja
aplicação varia em função de a sociedade investida caracterizar-se como
coligada, controlada em conjunto ou controlada da companhia investidora.
O objetivo do presente Artigo consiste em analisar qual dos referidos
métodos deve ser utilizado no registro contábil de investimento em companhias

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508 - Contabilização de Investimento em Sociedades Objeto de...

cuja estrutura acionária apresente um acordo de acionistas celebrado entre o


acionista majoritário e um minoritário relevante ou estratégico, ao qual são
conferidos determinados direitos de natureza especial.
Preliminarmente, contudo, cabe examinar a caracterização jurídica do
acionista controlador em sociedades que apresentem tal estrutura acionária, visto
que, conforme será adiante explicitado, esta constitui fundamento essencial para a
interpretação das normas que regulam a forma de contabilização de investimento
em sociedades coligadas, controladas ou controladas em conjunto.

II – A Caracterização Legal do Acionista


Controlador em Sociedades com Acordos de
Acionistas
A Lei nº 6.404/1976 inovou profundamente o direito societário ao
procurar identificar a figura do acionista controlador e estabelecer a sua
responsabilidade pelos atos praticados com abuso de poder.
De acordo com a Lei das S.A., o exercício de poder de controle é definido
não apenas em função da titularidade da maioria do capital votante, mas
essencialmente em virtude da efetiva direção das atividades sociais1.
Com efeito, nos termos do artigo 116 da Lei das S.A., “entende-se por
acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou grupo de pessoas vinculadas
por acordo de voto, ou sob controle comum, que:
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo
permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia
geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da
companhia; e
b) usa efetivamente o seu poder para dirigir as atividades sociais e
orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.”
Como se verifica, a caracterização do controle acionário pressupõe
a ocorrência cumulativa de três requisitos: (i) predominância de votos
nas assembleias gerais, com a eleição da maioria dos administradores; (ii)

1 NELSON EIZIRIK. Oferta Pública de Aquisição de Controle de Companhia Aberta. In: Fusões
e Aquisições: aspectos jurídicos e econômicos. Organizador: Jairo Saddi. São Paulo: IOB,
2002, p. 236.

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permanência dessa predominância; e (iii) uso efetivo do poder de dominação


para dirigir as atividades sociais.
Na realidade, a orientação adotada na Lei das S.A. é no sentido de
identificar a figura do acionista controlador como aquele que, de fato,
comanda os negócios sociais, utilizando o seu poder, efetivamente, para,
mediante a prevalência nas deliberações assembleares e a eleição da maioria
dos administradores, determinar os rumos da sociedade2.
O poder de controle constitui um fenômeno derivado de uma situação
fática. Ou seja, a identificação do acionista controlador pressupõe a análise,
em cada caso, sobre quem exerce efetivamente o poder de dirigir as atividades
sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.
A reunião dos elementos necessários à caracterização do acionista controlador
pode ocorrer em função da titularidade, por uma única pessoa física ou jurídica, de
ações que confiram ao seu proprietário o poder de comandar a sociedade.
Alternativamente, diversas pessoas que, isoladamente, não detêm ações
representativas da maioria do capital votante, podem reunir esforços para formar
tal maioria e exercer, em conjunto, as prerrogativas elencadas no artigo 116 da
Lei das S.A.. Nesta situação, surge o denominado grupo controlador, o qual
é geralmente instrumentalizado por meio de um acordo de acionistas, que,
entre outras matérias, disciplina a forma de exercício do direito de voto pelos
acionistas convenentes nas assembleias gerais, inclusive em relação à eleição
dos administradores da companhia.
O acordo de acionistas constitui um contrato celebrado entre acionistas
de determinada companhia para compor seus interesses individuais e para
estabelecer normas sobre a sociedade da qual participam, de forma a harmonizar
os seus interesses societários e implementar o próprio interesse social.
A regulação dos acordos de acionistas foi introduzida, em nosso direito
societário, pelo artigo 118 da Lei nº 6.404/1976. A Lei nº 10.303/2001, por sua vez,
alterou a redação original do caput do artigo 118 da Lei das S.A., para introduzir
expressamente, como matéria típica a ser regulada em acordos de acionistas, o
exercício do poder de controle. A importância prática de tal alteração consistiu

2 ALFREDO LAMY FILHO e JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA. A Lei das S.A.: (pressupostos,
elaboração, aplicação). 2ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. Vol. 2, p. 195.

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510 - Contabilização de Investimento em Sociedades Objeto de...

no reconhecimento expresso, pela lei societária, da eficácia, perante a companhia


objeto, dos chamados acordos de voto em bloco (“pooling agreements”).
O acordo de acionistas pode configurar a existência de uma situação de
controle compartilhado, na qual as prerrogativas inerentes ao poder de controle
são exercidas, em conjunto, pelos signatários do acordo.
No entanto, não basta a celebração de um acordo de acionistas para
caracterizar a hipótese legal do controle conjunto ou compartilhado, visto que
o acordo de acionistas pode se constituir em um simples instrumento para
conciliar legítimos interesses de dois grupos de acionistas, sem alterar suas
respectivas condições de controlador e minoritário.
Com efeito, é extremamente comum na prática societária a existência
de sociedades em que o acionista majoritário celebra acordo de acionistas
com determinado minoritário relevante ou estratégico, a fim de conferir a
este direitos adicionais aos que decorreriam da participação acionária por ele
detida. A celebração de tais acordos de acionistas, contudo, não significa que
o controle esteja sendo exercido de forma conjunta, conforme, inclusive, já
decidiu o Colegiado da CVM3:
“Ora, o mencionado Acordo de Acionistas (fls. 91-93) garantia à
MASA uma participação minoritária no conselho de administração
da companhia e controladas, na mesma proporção de sua participação
acionária votante (1 membro em cada 5), já escapando, portanto,
ao circunscrito no art. 116 da Lei – muito embora a própria Lei
pudesse vir a lhe garantir participação semelhante no Conselho,
independentemente de acordo de voto com o controlador.
Também minoritária era a participação na diretoria executiva da
empresa e das controladas, garantida à MASA pelo Acordo: 1 diretor,
numa diretoria composta por 6 membros.
Quanto ao direito de veto em relação a certas deliberações
especialmente qualificadas, este não me parece, no caso, caracterizar a
hipótese prevista no art. 116 da Lei 6.404, como afirmou o reclamante.
(...)

3 Decisão Proferida no Processo CVM RJ 2001/7547, julgado em 16.07.2002. Disponível no site


da CVM: www.cvm.gov.br.

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Nelson Eizirik & Marcus de Freitas Henriques - 511

O Acordo de Acionistas entre KIC e MASA traz ainda duas


disposições que corroboram o status de minoritária desta última. (...)
Noto, por fim, que a posição de detentora de 20% das ações com
direito a voto não se coaduna com o caráter de permanência requerido
pela Lei para identificar o poder de controle, quando na mesma
companhia há um acionista com mais de 50% de ações com direito
a voto.
Por todas essas razões, entendo não ser possível vislumbrar no Acordo
de Acionistas firmado entre Klabin Irmãos e Cia. – KIC e Monteiro
Aranha S/A – MASA elementos de compartilhamento do controle
acionário da IKPC, ao contrário, a mim parece que tal Acordo deixa
patente a posição de significativa minoritária ocupada pela MASA.”
(grifamos)
Como se verifica, para que o acordo de acionistas possa configurar hipótese
de controle conjunto, é imprescindível que sejam assegurados a todos os
contratantes direitos que lhes permitam participar em igualdade de condições
na condução dos negócios sociais, ficando caracterizado, assim, que nenhum
deles tem poder para determinar, isoladamente, as decisões da Assembleia
Geral e de eleger a maioria dos administradores.

III – Das Regras sobre a Contabilização de


Investimentos em Participações Societárias
Conforme anteriormente referido, os Pronunciamentos editados pelo CPC
e referendados pela CVM estabelecem diferentes métodos de contabilização do
investimento em outras sociedades, cuja aplicação depende da caracterização da
sociedade investida como coligada, controlada em conjunto ou controlada pela
companhia investidora. A propósito, são relevantes para a matéria objeto do presente
Artigo as disposições contidas nos Pronunciamentos CPC nº 15, 18, 19 e 364.
O Pronunciamento CPC 18 trata da contabilização dos investimentos em
entidades coligadas, estabelecendo que estes devem ser avaliados pelo método
de equivalência patrimonial no balanço consolidado da investidora.

4 Na data de elaboração do presente Artigo, estava em curso audiência pública, promovida pela
CVM, sobre proposta de revisão dos pronunciamentos CPC 15, 18, 19 e 36. Tais propostas de
revisão, contudo, não alteram os fundamentos e as conclusões do presente Artigo.

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512 - Contabilização de Investimento em Sociedades Objeto de...

O CPC 18 define uma entidade coligada como aquela sobre a qual


“o investidor tem influência significativa e que não se configura como controlada ou
participação em empreendimento sob controle conjunto (joint venture)”. O mesmo
CPC conceitua “influência significativa” como sendo o “poder de participar nas
decisões financeiras e operacionais da investida, sem controlar de forma individual
ou conjunta essas políticas”.
Ainda de acordo com o CPC 18, a existência de influencia significativa é
presumida pelo fato de o investidor deter, direta ou indiretamente, 20% (vinte por
cento) ou mais das ações com direito a voto de emissão da companhia investida
e normalmente é evidenciada: (i) pelo fato de o investidor indicar representantes
para o conselho de administração ou a diretoria da investida; (ii) pela participação
do investidor nos processos de elaboração das políticas da investida, inclusive em
decisões sobre dividendos e outras distribuições; (iii) pela existência de operações
relevantes entre o investidor e a investida; (iv) pelo intercâmbio de diretores e
gerentes; ou (v) pelo fornecimento de informação técnica essencial.
O CPC 19, por sua vez, regula o registro contábil das participações em
empreendimentos controlados em conjunto (joint ventures). Originalmente,
quando da edição do referido Pronunciamento, a contabilização do investimento
pelas co-controladoras somente poderia ser feita pelo método da consolidação
proporcional. Isto porque, conforme explicitado pela própria CVM, a prática
contábil brasileira previa apenas este procedimento nas demonstrações
consolidadas das entidades que conjuntamente controlem um empreendimento5.
Recentemente, no entanto, foi proposta a alteração de tal texto, para
permitir que o reconhecimento contábil dos investimentos controlados em
conjunto seja feito pelo método da equivalência patrimonial. O objetivo de
tal alteração é conferir às sociedades anônimas brasileiras a mesma opção já
oferecida às companhias estrangeiras que adotam o IFRS como originalmente
editado pelo IASB6_7.

5 Edital de Audiência Pública SNC nº 03/2011.


6 Neste sentido, ver Decisão do Colegiado da CVM proferida no Processo Administrativo CVM nº
RJ 2011/0710, Rel. Dir. Luciana Dias, j em 22.02.2011. Disponível em www.cvm.gov.br.
7 Em 12.05.2011, o IABS aprovou um pronunciamento suprimindo tal opção e obrigando que, a
partir de 2013, as companhias que elaborem suas demonstrações contábeis com base no IFRS
efetuem a contabilização de sociedades controladas em conjunto (joint ventures) exclusivamente
pelo método da equivalência patrimonial.

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Nelson Eizirik & Marcus de Freitas Henriques - 513

Assim, nos empreendimentos controlados em conjunto, o empreendedor


poderá, como alternativa à consolidação proporcional, reconhecer a sua
participação com base no método da equivalência patrimonial, desde que
autorizado pelo órgão regulador.
No entanto, a própria proposta de revisão ao CPC 19 ressalta que a
utilização do método de equivalência patrimonial não é recomendável para
empreendimentos controlados em conjunto, pois “a consolidação proporcional
reflete melhor a substância e a realidade econômica da participação de um empreendedor
numa entidade controlada em conjunto, ou seja, o controle sobre a sua participação
nos benefícios econômicos futuros.”
O controle conjunto, de acordo com o aludido Pronunciamento, caracteriza-se
pela existência de um “acordo contratual em que duas ou mais partes se comprometem
à realização de atividade econômica que está sujeita ao controle conjunto”.
O CPC 19 esclarece ainda que o controle conjunto sobre determinada
atividade econômica somente existe quando “as decisões estratégicas, financeiras
e operacionais relativas à atividade exigirem o consentimento unânime das partes
que compartilham o controle”.
Assim, as regras do CPC 19 sobre o registro contábil das participações
em empreendimentos controlados em conjunto somente serão aplicadas caso
estejam presentes, cumulativamente, os seguintes requisitos: (i) a existência de
um “acordo contratual” entre os participantes do investimento em questão8; e
(ii) o fato deste contrato subordinar a tomada de todas as decisões estratégicas,
financeiras e operacionais relativas ao empreendimento à concordância de
ambos os investidores.
O CPC 19 trata ainda das hipóteses de controle conjunto em que
seja atribuída a um dos investidores a função de operador ou gestor do
empreendimento comum. Neste caso, considera-se que o referido operador não
controla o empreendimento isoladamente, “apenas atua em conformidade com o que
tiver sido acordado contratualmente entre empreendedores e com os poderes delegados
por estes em relação às políticas operacionais e financeiras do empreendimento”.

8 Segundo consta expressamente do CPC19, “as atividades para as quais não existe acordo contratual
estabelecendo o controle conjunto não se configuram como empreendimento controlado em
conjunto para fins de aplicação do presente Pronunciamento”.

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514 - Contabilização de Investimento em Sociedades Objeto de...

Por outro lado, se o operador tiver poderes para ditar as políticas financeiras
e operacionais da atividade econômica, entende-se que ele controla efetivamente
o empreendimento e, desta forma, este não se caracterizará como uma joint
venture sujeita à aplicação do CPC 19.
Os casos em que fique configurado o controle de determinado investimento
por um único empreendedor são regulados pelo CPC 36, o qual determina a
consolidação integral do investimento nas demonstrações contábeis do referido
empreendedor.
O CPC 36 disciplina as demonstrações consolidadas, devendo ser aplicado,
segundo seus próprios termos, “na elaboração e apresentação de demonstrações
contábeis consolidadas de grupo econômico de entidades sob o controle de controladora”.
Para fins de aplicação do CPC 36, “controle” é definido como “o poder de
governar as políticas financeiras e operacionais da entidade de forma a obter benefício
das suas atividades”.
Ou seja, deve ser adotada a consolidação integral quando um investidor
possui poderes para definir, com exclusividade, as políticas financeiras e
operacionais de determinado empreendimento.
De acordo com o CPC 36, presume-se a aplicação do método de
consolidação ali previsto nos casos em que o investidor possui, direta ou
indiretamente, mais da metade do capital com direito a voto da sociedade. Tal
presunção somente pode ser afastada em “circunstâncias excepcionais”, isto é,
em hipóteses em que fique “claramente demonstrado” que a propriedade de tal
parcela do capital votante não permite a seu titular ditar as políticas financeiras
e operacionais da entidade controlada.
Por fim, o Pronunciamento CPC 15 estabelece as regras a serem adotadas
na contabilização dos efeitos das denominadas “combinações de negócio”, isto é,
“operação ou outro evento por meio do qual o adquirente obtém o controle de um ou
mais negócios, independentemente da forma jurídica da operação”.
Tal Pronunciamento deve ser interpretado em conjunto com o CPC 36,
na medida em que ele trata das hipóteses em que, por meio de determinada
operação de “combinação de negócios”, uma entidade adquire o controle de outra
e, consequentemente, deve adotar o procedimento de consolidação integral.
Da análise conjunta dos Pronunciamentos acima mencionados, pode-se aferir
que a contabilização de investimentos em outras sociedades nas demonstrações
consolidadas de determinada companhia deve observar as seguintes regras:

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Nelson Eizirik & Marcus de Freitas Henriques - 515

a) o investimento em sociedade coligada deve ser avaliado pelo método


de equivalência patrimonial no balanço consolidado da adquirente;
b) o investimento em um empreendimento controlado em
conjunto pode ser apresentado nas demonstrações consolidadas
das entidades que o controlam pelo método da consolidação
proporcional, ou, caso aprovada a proposta de revisão do CPC
19, pelo método da equivalência patrimonial; e
c) o investimento em controlada está sujeito à consolidação integral
no balanço da controladora.

IV – Os Conceitos Jurídico e Contábil de


Controle
Conforme anteriormente referido, a Lei das S.A. identifica o acionista
controlador como aquele que, por fazer valer sua vontade nas deliberações
da Assembleia Geral e eleger a maioria dos administradores, pode dirigir
as atividades da companhia, determinando o rumo de seus negócios. Os
Pronunciamentos emitidos pelo CPC, por sua vez, caracterizam o controle
como o poder de ditar as “políticas operacionais e financeiras” da companhia e,
com isso, conduzi-la à produção de resultados positivos.
Como se verifica, o conceito de controle decorrente das normas contábeis
editadas pelo CPC é, fundamentalmente, similar à definição jurídica prevista
no artigo 116 da Lei das S.A.. De fato, se determinado acionista tem condições
de impor sua vontade nas deliberações da assembleia geral e de eleger a maioria
dos administradores, ele poderá ditar as políticas operacionais e financeiras da
companhia.
Ou seja, a condução das referidas políticas, que constitui o elemento
definidor do controle acionário para os efeitos das normas editadas pelo CPC,
somente se torna possível, em regra, em função da titularidade da maioria dos
votos nas assembleias gerais e do poder de eleger a maioria dos administradores.
Assim, tendo em vista a similitude entre os dois conceitos de controle, a
identificação do acionista controlador, em uma determinada situação concreta,
seja para efeitos jurídicos, seja para fins contábeis, pressupõe a análise dos
mesmos elementos, devendo resultar, invariavelmente, na mesma conclusão.

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V – Conclusão
Tendo em vista o acima exposto, passamos a analisar qual a forma de
contabilização de investimento aplicável às companhias em que o acionista
majoritário e um minoritário relevante ou estratégico tenham celebrado acordo de
acionistas, assegurando a tal minoritário determinados direitos especiais, tais como
(i) eleger alguns membros do Conselho de Administração ou da Diretoria, e (ii)
impedir que determinadas deliberações da Assembleia Geral e do Conselho de
Administração sejam aprovadas sem o seu prévio consentimento (direito de veto).
A propósito, vale ressaltar que, de acordo com o CPC 36, presume-se que
a companhia deve efetuar a consolidação integral do investimento em qualquer
sociedade na qual detenha mais da metade das ações com direito a voto.
Conforme referido, o CPC 36 expressamente esclarece que tal presunção
somente pode ser afastada em “circunstâncias excepcionais”, nas quais fique
“claramente demonstrado” que o detentor de mais de 50% (cinquenta por cento) do
capital votante não tem poderes para ditar as políticas financeiras e operacionais
da sociedade investida.
Assim, deve-se partir da premissa de que o acionista majoritário, titular de
mais de 50% (cinquenta por cento) do capital votante da companhia investida,
tem o direito de contabilizar seu investimento de acordo com o método da
consolidação integral.
A legitimidade da consolidação integral do investimento nas demonstrações
contábeis do acionista majoritário é ainda reforçada nos casos em que o acordo de
acionistas não afeta o seu direito de eleger a maioria absoluta dos membros do
Conselho de Administração e da Diretoria da companhia investida.
Por outro lado, poder-se-ia eventualmente argumentar que o acordo
de acionistas, ao atribuir ao minoritário estratégico direito de veto sobre
determinadas matérias expressamente previstas, impediria o acionista
majoritário de “governar as políticas financeiras e operacionais” da companhia
investida e, consequentemente, de contabilizar seu investimento pelo método
da consolidação integral.
A propósito, vale ressaltar que o direito de veto previsto em acordo de
acionistas não assegura ao seu titular o exercício de qualquer das prerrogativas
que, conforme exige o artigo 116 da Lei das S.A., permitem identificar a
figura do acionista controlador, isto é, o poder de eleger os administradores e
de comandar, efetivamente, as atividades sociais.

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Tal direito de veto configura apenas uma proteção contratualmente


assegurada a determinados acionistas, que passam a ter o poder de impedir
que o acionista majoritário aprove, unilateralmente, deliberações contrárias a
seus interesses.
Em vista disso, conforme reconhece a doutrina, o fato de um acordo de
acionistas conferir a determinado signatário o direito de veto em matérias
contratualmente previstas não é capaz de caracterizar o titular de tal direito
como integrante do bloco de controle da companhia9.
Neste sentido, note-se ainda que, em regra, o direito de veto previsto em
acordo de acionistas não é aplicável a todas as decisões relativas aos negócios da
companhia investida, mas apenas em relação àquelas taxativamente relacionadas
nas cláusulas do próprio acordo.
Como é evidente, a condução dos negócios da companhia investida
pressupõe a tomada de uma série de outras decisões estratégicas, financeiras
e operacionais, as quais não estão sujeitas ao direito de veto do minoritário
estratégico, sendo, portanto, determinadas exclusivamente pelo acionista
majoritário e pelos administradores por ele eleitos.
Tais considerações evidenciam que o direito de veto assegurado ao
minoritário estratégico em acordo de acionistas não é suficiente para afastar a
presunção de que o acionista majoritário, por deter mais de 50% (cinquenta por
cento) das ações com direito a voto e eleger a maioria dos administradores, dita
as “políticas financeiras e operacionais” da sociedade investida e, consequentemente,
tem o direito de contabilizar seu investimento pelo método da consolidação
integral.
Ou seja, a existência do direito de veto em favor do minoritário estratégico
permite que este exerça “influência significativa” sobre os negócios da companhia
investida, mas não altera o fato de que a definição de suas políticas operacionais
e financeiras compete, fundamentalmente, ao acionista majoritário e aos
administradores por ele eleitos.
Tal conclusão é confirmada pelo fato de os direitos que, nos termos do CPC
18, permitem presumir a existência de influência significativa, e não de controle
conjunto, serem, em essência, os mesmos que normalmente são atribuídos

9 ARNOLDO WALD. O Acordo de Acionistas e o Poder de Controle Majoritário. In: Revista de


Direito Mercantil, v. 110, p. 13-14.

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518 - Contabilização de Investimento em Sociedades Objeto de...

ao minoritário estratégico em acordo de acionistas celebrado com o acionista


majoritário, como, por exemplo, o de indicar representantes para a administração
da companhia investida, o de participar da elaboração das políticas de investimento
e o de realizar intercâmbio de diretores e outros funcionários.
Como se verifica, tanto para efeitos contábeis como para efeitos legais, o
minoritário estratégico que seja parte em acordo de acionistas não se caracteriza,
em regra, como integrante do bloco de controle desta.
Diante do exposto, conclui-se que, para efeitos da aplicação das normas
sobre a forma de contabilização de participações societárias, as companhias que
possuam estrutura semelhante à analisada no presente Artigo não podem ser
consideradas como controladas em conjunto, não se configurando, portanto,
hipótese de aplicação das regras previstas no CPC 19.
Em tais companhias, o acionista majoritário deverá consolidar
integralmente o investimento na sociedade investida em suas demonstrações
contábeis, na forma prevista no CPC 36. O minoritário estratégico, por sua vez,
deverá tratar a sociedade investida como uma coligada, em conformidade com
o disposto no CPC 18, contabilizando seu investimento com base no método
de equivalência patrimonial.

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Capítulo XIX

Alterações nas taxas de


depreciação de ativos
em face dos novos
parâmetros contábeis
brasileiros (Lei nº
11.638/2007) e seus
Rodrigo Maito da Silveira
Mestre e Doutor em Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de Direito
da USP. Conselheiro do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo –
CMT/SP (biênios 2006/2008 e 2010/2012). Membro do Instituto Brasileiro
de Direito Tributário – IBDT, da Associação Brasileira de Direito Financeiro
– ABDF, do Instituto de Pesquisas Tributárias – IPT/SP e da International
Fiscal Association – IFA. Professor do curso de especialização em Direito
Tributário Internacional do IBDT. Advogado em São Paulo.

Ricardo Maito da Silveira


Bacharel e Mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de
Direito da USP. Advogado em São Paulo.

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I. Introdução e escopo de análise

Passados mais de três anos da promulgação da Lei nº 11.638, publicada


em dezembro de 2007, o processo de adaptação das empresas brasileiras aos
parâmetros contábeis internacionais ainda está longe de ser concluído.
No campo da tributação, especialmente em relação ao imposto sobre
a renda, essa adaptação tem sido ainda mais difícil em vista da existência de
duas realidades distintas. Para os acionistas e para o mercado, valem os novos
parâmetros contábeis introduzidos pela Lei nº 11.638, que privilegiam a
essência sobre a forma. Para o fisco, em vista da neutralidade fiscal assegurada
pelo chamado regime tributário de transição (RTT), valem as regras contábeis
anteriores, de caráter mais formalista e, em muitos casos, influenciadas pela
legislação tributária.
A existência de duas formas de medir o patrimônio (ativos e passivos)
das empresas tem suscitado controvérsias. A discussão em torno do registro
contábil do ágio e a sua dedução fiscal é um bom exemplo dessa questão. De
fato, se o lucro tributável das empresas é amparado no lucro contábil, seria
possível conceber a existência de um conceito de “ágio fiscal”, distinto do
“ágio contábil”? Na realidade, esse tipo de controvérsia evidencia algo que os
contabilistas já conheciam: a contabilidade brasileira vinha sendo fortemente
influenciada pela legislação tributária, um fato que ficou ainda mais claro a
partir da introdução dos novos parâmetros contábeis.
Um exemplo bastante claro dessa influência, e que se pretende discutir
no presente artigo, é a questão da depreciação de ativos. O registro contábil da
depreciação é uma forma de reconhecer a perda de valor do capital investido
em bens físicos, em função do uso ou obsolescência. No Brasil, as empresas
optaram por adotar, na contabilidade, as taxas de depreciação sugeridas pela
legislação fiscal, as quais não necessariamente refletem a efetiva perda de valor
dos ativos, em face das condições reais de utilização e de geração de caixa.
Com a vigência da Lei nº 11.638, as empresas se viram obrigadas a rever
os critérios utilizados para o computo da vida útil dos ativos, o que, em muitos
casos, gerou a necessidade de alteração das taxas de depreciação até então
utilizadas na contabilidade. A questão que se coloca, diante deste cenário, é
se a alteração nas taxas de depreciação, tendo em conta o prazo real de vida

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522 - Alterações nas taxas de depreciação de ativos em face dos...

útil dos ativos, seria uma imposição nova, ou se tal procedimento já seria de
observância obrigatória para as empresas, que haviam optado por adotar as
taxas sugeridas pelo fisco por razões puramente práticas.
A resposta a essa questão tem implicação prática relevante. Afinal, o RTT,
que garante neutralidade fiscal para os ajustes decorrentes da introdução de
novos parâmetros contábeis, somente pode ser aplicado em relação aos novos
procedimentos contábeis, ou seja, às inovações trazidas pela Lei nº 11.638.
Assim, caso se conclua que as alterações nas taxas de depreciação correspondem
a uma “correção” de procedimento contábil, e não à observância de uma regra
nova, a conseqüência é que a utilização de tais taxas não terá sua neutralidade
fiscal assegurada pelo RTT, podendo, conforme o caso, afetar positiva ou
negativamente o lucro tributável das empresas.
O presente trabalho pretende examinar e responder a questão acima suscitada,
tendo em conta as disposições da Lei nº 11.638 e da Lei nº 11.941/2009. As
conclusões serão válidas tanto em relação ao imposto de renda da pessoa jurídica
(IRPJ), quanto em relação à contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) e
às contribuições sociais (Contribuição ao Programa de Integração Social – PIS
e Contribuição ao Financiamento da Seguridade Social – COFINS), dada a
extensão de tratamento conferida pela legislação no âmbito do RTT.

II. Análise jurídica das questões suscitadas


II.1. Critério geral de depreciação de ativos na legislação
fiscal

A depreciação corresponde ao reconhecimento da perda de valor do capital


aplicado em bens físicos, em função do desgaste por uso, ação da natureza e obsolescência
normal1. Do ponto de vista contábil e fiscal, a perda de valor dos bens, isto é, a sua
depreciação, é determinada em função de sua vida útil e deve ser imputada aos
custos ou despesas operacionais da pessoa jurídica ao longo do tempo.
Na legislação do imposto de renda, a depreciação de ativos é tratada no artigo
309 e seguintes do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 3.000/99)

1 Segundo dispõe o artigo 307 do Decreto nº 3.000/99 (Regulamento do Imposto de Renda –


“RIR/99”), aplica-se a depreciação para bens sujeitos a desgaste pelo uso, por causas naturais ou
obsolescência normal.

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Rodrigo Maito da Silveira & Ricardo Maito da Silveira - 523

(RIR/99). Nos termos do caput do referido artigo 309, a quota de depreciação


que poderá ser registrada anualmente na escrituração do contribuinte será
determinada mediante a aplicação da taxa anual de depreciação sobre o custo de
aquisição dos bens depreciáveis2. Referida taxa de depreciação, ainda segundo a
legislação, será fixada em função do prazo durante o qual se possa esperar utilização
econômica do bem pelo contribuinte, na produção de seus rendimentos (artigo 310,
caput, do RIR/993).
Na maioria dos casos, porém, a vida útil dos bens (e, por consequência,
sua taxa de depreciação) é sugerida pela Receita Federal do Brasil (RFB),
em conformidade com o parágrafo 1º do artigo 310 do RIR/994. Segundo
esse dispositivo, a RFB deverá fixar os prazos de vida útil de bens do ativo
imobilizado em função de condições normais ou médias, para cada espécie de bem.
Atualmente, vigora a Instrução Normativa nº 162/98, que sugere os prazos de
vida útil dos bens do ativo imobilizado.
Não obstante a regra acima, como as taxas divulgadas pela RFB são
baseadas na utilização normal ou média para cada espécie de bem, é facultado
ao contribuinte utilizar taxas diferentes, desde que o faça mediante comprovação
adequada, geralmente por meio de laudo de avaliação dos ativos. Assim, fica
assegurado ao contribuinte o direito de computar a quota efetivamente adequada às
condições de depreciação de seus bens, desde que faça a prova dessa adequação, quando
adotar taxa diferente (artigo 310, §1º, do RIR/99).
É válido lembrar que, em determinados ramos de atividade, como os de
energia elétrica e telecomunicações, é comum a existência de regulamentação
específica expedida por órgãos reguladores quanto à vida útil dos bens5. De

2 Art. 309. A quota de depreciação registrável na escrituração como custo ou despesa operacional
será determinada mediante a aplicação da taxa anual de depreciação sobre o custo de aquisição
dos bens depreciáveis. (...)
3 Art. 310. A taxa anual de depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se possa
esperar utilização econômica do bem pelo contribuinte, na produção de seus rendimentos.
4 § 1º A Secretaria da Receita Federal publicará periodicamente o prazo de vida útil admissível, em
condições normais ou médias, para cada espécie de bem, ficando assegurado ao contribuinte o
direito de computar a quota efetivamente adequada às condições de depreciação de seus bens,
desde que faça a prova dessa adequação, quando adotar taxa diferente.
5 A título de exemplo, no caso específico das concessionárias de energia elétrica, a RFB, por meio
do Parecer Normativo CST nº 153/75, reconheceu que as regras de depreciação das empresas
concessionárias de energia elétrica são definidas pela legislação específica do setor, aplicando-se as
taxas normais previstas na legislação fiscal somente no caso de bens não relacionados com a concessão.

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524 - Alterações nas taxas de depreciação de ativos em face dos...

maneira geral, tais prazos são aceitos pela RFB, tendo em vista que os órgãos
reguladores têm presumivelmente maior capacidade técnica para estabelecer
as regras aplicáveis ao setor regulado.
Até o advento dos novos parâmetros contábeis brasileiros, o que se
verificava, na prática, era a utilização, para fins contábeis, da mesma taxa
de depreciação prevista pela legislação fiscal. Esse procedimento, que vinha
sendo adotado pela maioria das empresas no Brasil, tinha um benefício claro:
não havia qualquer discrepância entre as despesas de depreciação registradas
na contabilidade e o valor considerado como despesa dedutível para fins de
apuração dos tributos sobre a renda (IRPJ e CSLL)6.
Os novos parâmetros contábeis introduzidos a partir da Lei nº 11.638
mudaram essa realidade, sendo obrigatório para as empresas brasileiras adotar
uma taxa de depreciação contábil que reflita, efetivamente, a vida útil econômica
dos bens, independentemente do que dispõe a legislação fiscal.

II.2. Mudanças nos parâmetros contábeis brasileiros e o


RTT
A Lei nº 11.638, além de revogar alguns dispositivos existentes na legislação
societária (Lei nº 6.404/76), também introduziu, no ordenamento jurídico brasileiro,
novos dispositivos, principalmente no que se refere à matéria contábil. O objetivo
almejado foi adaptar os parâmetros contábeis brasileiros aos padrões internacionais
de contabilidade (International Financial Reporting Standards – IFRS).
Para regular as novas regras contábeis introduzidas pela Lei nº 11.638/2007,
foram elaborados, pelo denominado Comitê de Pronunciamentos Contábeis,

6 Essa afirmação é válida em condições normais de depreciação, já que existem exceções aplicáveis
no caso de depreciação acelerada ou incentivada.
7 De acordo com a Resolução CFC nº 1.159/2009, as definições da Lei nº. 11.638/2007 e da MP
nº. 449/08 (posteriormente Lei nº. 11.941/2009) devem ser observadas: (i) por todas as empresas
obrigadas a obedecer à Lei das S/A, compreendendo não só as sociedades por ações, mas também
as demais empresas, inclusive as constituídas sob a forma de limitadas, independentemente da
sistemática de tributação por elas adotada; (ii) as empresas de grande porte, de acordo com a
definição da Lei nº. 11.638/2007 (parágrafo único do art. 3º), devem, adicionalmente, observar as
regras da CVM; (iii) devem também ser observadas as determinações previstas nas Normas Brasileiras
de Contabilidade (NBCs) emitidas pelo CFC e os CPCs; e (iv) as demais entidades, sem finalidades
lucrativas, devem observar a legislação aplicável e as Normas Brasileiras de Contabilidade (NBCs)
específicas. O IRFS completo (Full IFRS), de acordo com a Resolução CFC nº 1.159/2009, as
definições da Lei nº. 11.638/07 e da MP nº. 449/2008 (posteriormente Lei nº. 11.941/2009) devem
ser observadas: (i) por todas as empresas obrigadas a obedecer à Lei das S/A, compreendendo
não só as sociedades por ações com capital registrado, mas também as empresas de grande porte,
inclusive as constituídas sob a forma de limitadas, independentemente da sistemática de tributação

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Rodrigo Maito da Silveira & Ricardo Maito da Silveira - 525

pronunciamentos indicativos dos procedimentos adequados a serem adotados pelas


empresas7 frente à nova realidade normativa (CPCs)8.
No que diz respeito especificamente à depreciação, embora não tenha
havido uma mudança significativa na legislação societária, foi introduzido, de
forma explícita, o conceito de vida útil econômica de ativos.
De fato, a legislação societária anterior limitava-se a estabelecer a
necessidade de a empresa registrar, periodicamente, a diminuição de valor dos
elementos do ativo imobilizado, nas contas de depreciação, quando corresponder à
perda do valor dos direitos que têm por objeto bens físicos sujeitos a desgastes ou perda
de utilidade por uso, ação da natureza ou obsolescência (antiga redação do artigo
183, § 2º, item “a”, da Lei nº 6.404/76).
Com o advento da Lei nº 11.638/2007 e da Lei nº 11.941/2009, o
mencionado artigo 183 da Lei nº 6.404/76 foi alterado, passando a vigorar a
seguinte redação (grifamos):
§ 3º - A companhia deverá efetuar, periodicamente, análise sobre a
recuperação dos valores registrados no imobilizado e no intangível, a
fim de que sejam: (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
(...)
II – revisados e ajustados os critérios utilizados para determinação da
vida útil econômica estimada e para cálculo da depreciação, exaustão e
amortização. (Incluído pela Lei nº 11.638, de 2007).
O suplemento ao Manual de Contabilidade das Sociedades por
Ações, editado no ano de 2009, apontou a relevância da nova redação da
lei societária, nos seguintes termos:

por elas adotada; (ii) as empresas de grande porte, de acordo com a definição da Lei nº. 11.638/2007
(parágrafo único do art. 3º), devem, adicionalmente, observar as regras da CVM; e (iii) devem
também ser observadas as determinações previstas nas Normas Brasileiras de Contabilidade (NBCs)
emitidas pelo CFC e os CPCs. O IFRS para Pequenas e Médias Empresas (IFRS PME), de acordo
com a Resolução CFC 1255/2009, deve ser aplicado às empresas que: (a) não têm obrigação
pública de prestação de contas; e (b) elaboram demonstrações contábeis para fins gerais para
usuários externos. Exemplos de usuários externos incluem proprietários que não estão envolvidos
na administração do negócio, credores existentes e potenciais, e agências de avaliação de crédito.
8 Visando atribuir força normativa aos CPCs, são tais pronunciamentos aprovados como norma
própria por órgãos como o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), a Comissão de Valores
Mobiliários (CVM), a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), Banco Central do Brasil
(BACEN) e agências reguladoras, sendo submetidos a audiências públicas.

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Nossa prática brasileira tem sido, infelizmente, a da adoção, na


contabilidade, dos prazos de vida útil admitidos para fins tributários,
quando deveríamos estar utilizando os prazo de vida útil econômica e o
valor residual esperado ao fim dessa vida (...) Agora, a expressão vida útil
econômica aparece de forma literal, expressa e com todas as letras (art. 183,
§ 3º, item II) e não pode mais deixar de ser aplicada. Com isso, e mais as
alterações introduzidas pela MP nº 449/08, relativamente à utilização
do Livro de Apuração do Lucro Real – LALUR, agora de acordo com
os objetivos determinados em sua concepção, ajustar-se-ão as taxas de
depreciação e de amortização às válidas econômica e contabilmente (...)9.
Em 26 de junho de 2009, foi aprovado o CPC 27, que trata da
contabilização de ativo imobilizado e introduz conceitos relevantes para a
definição das taxas de depreciação contábeis. De acordo com o referido CPC,
a depreciação é a alocação sistemática do valor depreciável de um ativo ao longo da
sua vida útil10 e valor depreciável é o custo de um ativo ou outro valor que substitua
o custo, menos o seu valor residual (valor estimado que uma entidade obteria com
a venda do ativo, na definição do próprio CPC 27)11.
Por outro lado, a fim de regulamentar as possíveis implicações fiscais oriundas
dos novos parâmetros contábeis acima mencionados, foi publicada a Medida
Provisória nº 449/2008, posteriormente convertida na Lei nº 11.941/2009, que
introduziu o já mencionado regime tributário de transição (RTT). O RTT visou
assegurar neutralidade, na apuração dos tributos federais, dos impactos dos novos
métodos e critérios contábeis introduzidos pela Lei nº 11.638/2007.
A adoção do RTT permite que, exclusivamente para fins tributários
(IRPJ, CSLL, PIS e COFINS), os novos padrões contábeis não sejam
utilizados, aplicando-se as práticas contábeis vigentes em 31 de dezembro
de 2007. Nesse sentido, é válido citar o que dispõe os artigos 16 e 17 da
Lei nº 11.941/09 (grifos nossos):

9 IUDÍCIBUS, Sérgio de, MARTINS, Eliseu, GELBCKE, Ernesto Rubens, Manual de contabilidade
das sociedades por ações: (aplicável às demais sociedades), 2ª edição, São Paulo, Atlas, 2009,
Suplemento, p. 26.
10 Segundo o CPC 27, vida útil é: (a) o período de tempo durante o qual a entidade espera utilizar
um ativo; ou (b) o número de unidades de produção ou de unidades semelhantes que a entidade
espera obter pela utilização do ativo.
11 Segundo o CPC 27, valor residual de um ativo é o valor estimado que uma entidade obteria com
a venda do ativo, após deduzir as despesas estimadas de venda, caso o ativo já tivesse a idade e
a condição esperadas para o fim de sua vida útil.

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Rodrigo Maito da Silveira & Ricardo Maito da Silveira - 527

Art. 16. As alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28 de


dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei que modifiquem
o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na
apuração do lucro líquido do exercício definido no art. 191 da Lei no
6.404, de 15 de dezembro de 1976, não terão efeitos para fins de apuração
do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados,
para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de
dezembro de 2007.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo às
normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, com base
na competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de
15 de dezembro de 1976, e pelos demais órgãos reguladores que
visem a alinhar a legislação específica com os padrões internacionais
de contabilidade. 
Art. 17. Na ocorrência de disposições da lei tributária que conduzam
ou incentivem a utilização de métodos ou critérios contábeis diferentes
daqueles determinados pela Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976,
com as alterações da Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e
dos arts. 37 e 38 desta Lei, e pelas normas expedidas pela Comissão
de Valores Mobiliários com base na competência conferida pelo §
3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e demais
órgãos reguladores, a pessoa jurídica sujeita ao RTT deverá realizar o
seguinte procedimento: 
I – utilizar os métodos e critérios definidos pela Lei nº 6.404, de 15 de
dezembro de 1976, para apurar o resultado do exercício antes do Imposto
sobre a Renda, referido no inciso V do caput do art. 187 dessa Lei,
deduzido das participações de que trata o inciso VI do caput do
mesmo artigo, com a adoção: 
a) dos métodos e critérios introduzidos pela Lei nº 11.638, de 28 de
dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei; e 
b) das determinações constantes das normas expedidas pela Comissão
de Valores Mobiliários, com base na competência conferida pelo § 3º
do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, no caso de
companhias abertas e outras que optem pela sua observância; 
II – realizar ajustes específicos ao lucro líquido do período, apurado nos
termos do inciso I do caput deste artigo, no Livro de Apuração do Lucro

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528 - Alterações nas taxas de depreciação de ativos em face dos...

Real, inclusive com observância do disposto no § 2º deste artigo, que


revertam o efeito da utilização de métodos e critérios contábeis diferentes
daqueles da legislação tributária, baseada nos critérios contábeis vigentes
em 31 de dezembro de 2007, nos termos do art. 16 desta Lei; e 
III – realizar os demais ajustes, no Livro de Apuração do Lucro
Real, de adição, exclusão e compensação, prescritos ou autorizados
pela legislação tributária, para apuração da base de cálculo do imposto.
(...)
É possível notar, portanto, que a Lei nº 11.941/2009 assegurou,
expressamente, às empresas sujeitas ao RTT, a neutralidade fiscal perante as
novas práticas contábeis (artigo 16). Além disso, a referida lei garante que, na
existência de disposição da legislação tributária que “conduza” ou “incentive”
a adoção de práticas contábeis diferentes daquelas introduzidas pela Lei nº
11.638, a empresa possa fazer ajustes na escrituração fiscal de forma a reverter
os efeitos das novas práticas contábeis.
A adoção do RTT, válida como opção para os anos-calendário de
2008 e 2009, passou a ser obrigatória a partir de 2010 e permanecerá em
vigor até a edição de lei específica que discipline os efeitos tributários dos
novos padrões contábeis12.

II.3. Impactos dos novos parâmetros contábeis para o


cálculo da depreciação de ativos

Conforme já mencionado, o advento dos novos parâmetros contábeis


brasileiros tem gerado inúmeras controvérsias quanto aos seus impactos fiscais,
especialmente em face da ausência de manifestação por parte da RFB sobre o tema.
No que diz respeito à depreciação, o silêncio da RFB foi recentemente
quebrado com a edição do Parecer Normativo nº 1, de 29.07.2011. Até então,
a questão que se colocava era se a adoção de novas ou diferentes taxas de
depreciação, tendo em conta o prazo real de vida útil dos ativos, seria uma

12 A RFB publicou diretrizes para a adoção do referido regime por meio da Instrução Normativa nº
949/2009, a qual regulou a aplicação do RTT e instituiu o Controle Fiscal Contábil de Transição
(FCONT) como forma de escrituração obrigatória das pessoas jurídicas optantes pelo RTT para as
contas patrimoniais e de resultado, em observância aos métodos e critérios contábeis aplicados
pela legislação tributária (ou sejam, aqueles vigentes em 31 de dezembro de 2007).

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Rodrigo Maito da Silveira & Ricardo Maito da Silveira - 529

imposição nova, introduzida pela Lei nº 11.638 ou, por outro lado, se tal
procedimento já seria de observância obrigatória para as empresas.
Nos itens a seguir serão discutidas duas possíveis interpretações para
a matéria e suas consequências fiscais, relacionando, de forma detalhada,
o posicionamento da RFB sobre a matéria, nos termos do aludido Parecer
Normativo nº 1/2011.
II.3.1. Primeira interpretação possível: ausência de
critério contábil novo

Uma intepretação possível em relação à questão é no sentido de que os novos


parâmetros contábeis não introduziram qualquer critério contábil novo no que
diz respeito às depreciações. Segundo essa linha de raciocínio, as empresas em
geral já deveriam utilizar taxas de depreciação que refletissem o prazo de vida útil
econômica dos bens, em observância às boas práticas contábeis, muito embora tal
procedimento não fosse observado na prática, haja vista que as empresas optavam
por seguir as taxas determinadas pela legislação fiscal.
De fato, seria possível sustentar que o cálculo da depreciação com base na
vida útil econômica dos bens seria uma determinação implícita da legislação
societária anterior, quando fazia referência à necessidade de se registrar
periodicamente a diminuição de valor dos elementos do ativo imobilizado, nas
contas de depreciação, quando corresponder à perda do valor dos direitos que têm por
objeto bens físicos sujeitos a desgastes ou perda de utilidade por uso, ação da natureza
ou obsolescência (redação antiga do artigo 183, §2º, item “a”, da Lei nº 6.404/76).
Com os novos parâmetros contábeis, a legislação societária passou a prever,
de forma expressa, a necessidade de as empresas efetuarem, periodicamente,
análise sobre a recuperação dos valores registrados no imobilizado e no intangível,
a fim de que sejam: (...) II – revisados e ajustados os critérios utilizados para
determinação da vida útil econômica estimada e para cálculo da depreciação,
exaustão e amortização (artigo 183, §3º, da Lei nº 6.404/76) (grifamos). Com
isso, restou clara a necessidade de se adotar, para fins contábeis, uma taxa que
reflita concretamente a vida útil econômica do bem, levando em consideração
a sua efetiva capacidade de geração de rendimentos.
Seria possível sustentar que o procedimento previsto na legislação
societária atual não destoa do que já previa a legislação fiscal. Com efeito, o
artigo 310, caput, do RIR/99, é claro ao determinar que a taxa de depreciação
deverá ser fixada em função do prazo esperado de vida útil do bem, admitindo,

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530 - Alterações nas taxas de depreciação de ativos em face dos...

por questões práticas, a utilização dos prazos divulgados pela RFB, em condições
normais e médias, e sem prejuízo de o contribuinte adotar taxa diversa, em face
das condições reais de depreciação de seus bens, e desde que o faça com base em
documentação que comprove a adequação da taxa utilizada.
Assim, seguindo a mesma linha de raciocínio, não teria havido mudanças
concretas nas regras que tratam da determinação de taxas de depreciação para fins
contábeis e para fins fiscais. As alterações no prazo de vida útil de ativos eventualmente
adotados por empresas brasileiras em face dos novos parâmetros contábeis não seriam,
portanto, conseqüência de uma nova regra contábil introduzida pela Lei nº 11.638/07,
mas tão somente a “correção” de uma prática anterior que consistia em adotar, na
contabilidade, o prazo de vida útil sugerido pela RFB.
Como conseqüência desse entendimento, não existiria uma permissão
legal para se efetuar ajustes, no âmbito do RTT, para refletir alterações nas taxas
de depreciação de bens da empresa que tenham sido modificadas para fins de
adequação aos novos parâmetros contábeis brasileiros. Isso porque os referidos
ajustes são permitidos apenas para os casos em que a nova legislação tenha
acarretado mudança de critério contábil que afete a base de apuração dos tributos
sobre a renda (além das contribuições para o PIS/COFINS)13.
Pelo que se verifica do Parecer Normativo nº 1/2011, a RFB não é partidária
dessa linha de interpretação, concluindo que os novos parâmetros contábeis
efetivamente alteraram a sistemática de depreciação dos ativos. É do que se trata
a seguir, ao se analisar a segunda linha de interpretação possível.
II.3.2. Segunda interpretação possível: artigo 17 da Lei nº 11.941
Outra interpretação possível parte do pressuposto que a ausência de
uma previsão expressa na legislação societária anterior, quanto ao critério de
determinação das taxas de depreciação, possibilitava a adoção das taxas fiscais
de forma subsidiária, tendo tornado-se prática contábil no Brasil.

13 Assim, caso as empresas pretendessem adotar, para fins contábeis, uma nova taxa de depreciação,
que fosse diversa daquela prevista pela legislação fiscal e da que vinha sendo adotada até da Lei nº
11.638/07, com objetivo de “corrigir” uma prática anterior, deveriam comprovar a adequação da nova
taxa, em observância à legislação fiscal, podendo solicitar, em caso de dúvida, a elaboração de laudo
de avaliação por parte de entidade oficial especializada (artigo 310 (...) §2º No caso de dúvida, o
contribuinte ou a autoridade lançadora do imposto poderá pedir perícia do Instituto Nacional de
Tecnologia, ou de outra entidade oficial de pesquisa científica ou tecnológica, prevalecendo os
prazos de vida útil recomendados por essas instituições, enquanto os mesmos não forem alterados
por decisão administrativa superior ou por sentença judicial, baseadas, igualmente, em laudo
técnico idôneo (Lei nº 4.506, de 1964, art. 57, § 4º).

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Nesse sentido, os novos parâmetros contábeis teriam, de fato,


ocasionado uma mudança de critério contábil quanto às depreciações,
reconhecendo a influência anterior da legislação fiscal sobre a contabilidade.
É este o posicionamento da RFB, conforme se observa do seguinte trecho
do Parecer Normativo nº 1/2011:
(...)
16. Até dezembro de 2007, a regra de registro da depreciação limitava-
se ao disposto no § 2º do art. 183, que estabelecia que a diminuição
do valor dos elementos do ativo imobilizado seria registrada
periodicamente nas contas de depreciação, quando correspondesse à
perda do valor dos direitos que têm por objeto bens físicos sujeitos
a desgaste ou perda de utilidade por uso, ação da natureza ou
obsolescência.
17. Com a introdução do § 3º no art. 183 da Lei nº 6.404, de 1976,
a contabilidade estabeleceu um novo tratamento para a depreciação
com base em sua “vida útil econômica estimada”. O Pronunciamento
Técnico nº 27, emitido pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis
(CPC), que trata do ativo imobilizado, define a vida útil para fins
contábeis como “o período de tempo durante o qual a entidade espera
utilizar o ativo; ou o número de unidades de produção ou de unidades
semelhantes que a entidade espera obter pela utilização do ativo”.
18. Conforme a nova regra contábil, a empresa deve avaliar o período
de tempo em que pretende manter o bem e estimar o seu valor residual
para obter a taxa de depreciação.
19. Em que pese a norma tributária definir que a taxa de depreciação
deve ser avaliada em função do prazo durante o qual se possa esperar
a “utilização econômica do bem”, essa avaliação está relacionada
essencialmente com o desgaste físico do bem. Já o novo critério
adotado pela contabilidade tem como base o tempo em que o bem
gerará benefícios econômicos para a empresa.
20. Outra diferença verificada refere-se ao valor do bem que estará
sujeito à aplicação da taxa de depreciação. Na regra tributária,
conforme art. 309 do RIR/1999, a despesa deve ser calculada mediante
a aplicação da taxa de depreciação sobre o custo de aquisição dos
bens depreciáveis, portanto, o valor depreciável é igual ao valor do
ativo. A regra contábil exige a atribuição de valor residual para o

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532 - Alterações nas taxas de depreciação de ativos em face dos...

bem, consequentemente, seu valor depreciável é determinado após a


dedução de seu valor residual.
(...)
A luz dessas considerações, a conclusão imediata é que seria possível,
então, adotar ajustes no âmbito do RTT para reverter os efeitos da diferença
entre a taxa de depreciação constante da escrituração contábil e a taxa fiscal.
Do ponto de vista legal, é sustentável o entendimento de que houve, de
fato, uma mudança no critério contábil para a determinação da vida útil e para
o cálculo da depreciação de ativos. Afinal, as alterações na Lei nº 6.404 e as
diretrizes contidas no CPC 27 introduziram conceitos novos, tais como “vida
útil econômica” e “valor residual”, até então praticamente desconsiderados
na prática contábil das empresas brasileiras. Essa mudança de parâmetros é
claramente apontada pela doutrina de Eliseu Martins et al:
Para fins contábeis (...) não se deve simplesmente aceitar e adotar as taxas
de depreciação fixadas como máximas pela legislação fiscal, ou seja, deve-se
fazer uma análise criteriosa dos bens da empresa que forma seu imobilizado
e estimar sua vida útil econômica e seu valor residual, considerando suas
características técnicas, condições gerais de uso e outros fatores que podem
influenciar em sua vida útil. Como conseqüência, quando determinado bem
ou classe de bens tiver vida útil provável diferente da permitida fiscalmente,
deve-se adotar a vida útil estimada como base para registro da depreciação
na contabilidade, e a diferença entre tal depreciação e a aceita fiscalmente
deve ser lançada como ajuste no Livro de Apuração do Lucro Real14.
Essa interpretação parece refletir o espírito da legislação que introduziu
o RTT, especialmente quando se analisa o teor dos artigos 16 e 17 da Lei nº
11.941. Com efeito, o referido artigo 16 assegurou a neutralidade fiscal dos
novos parâmetros contábeis que modifiquem o critério de reconhecimento de
receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido do exercício
– incluindo aquelas normas expedidas pelos demais órgãos reguladores – , devendo
ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes
em 31 de dezembro de 2007.

14 IUDÍCIBUS, Sérgio de, MARTINS, Eliseu, GELBCKE, Ernesto Rubens, SANTOS, Ariovaldo dos,
Manual de contabilidade societária, São Paulo, Atlas, 2010, p. 248.

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Além disso, o artigo 17 da mesma lei esclareceu que, na existência de regras


tributárias que “conduzam” ou “incentivem” a adoção de práticas contábeis
diversas dos novos parâmetros contábeis, poderá o contribuinte optante pelo
RTT ajustar o lucro tributável, mediante adições ou exclusões no Livro de
Apuração do Lucro Real, de forma a assegurar a manutenção das práticas
contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007 na escrituração fiscal.
A situação prevista pelo referido artigo 17 é precisamente o caso das
depreciações, já que a adoção das taxas sugeridas pela RFB, se não era obrigatória
para fins contábeis, ao menos incentivava o procedimento que vinha sendo
adotado até agora no Brasil, no sentido de seguir, na escrituração contábil, as
mesmas taxas de depreciação previstas na legislação fiscal.
Com efeito, o próprio artigo 310 do RIR/99 exige que o contribuinte faça
prova da adequação da taxa de depreciação utilizada (e eventualmente solicite laudo
de avaliação junto a entidade oficial especializada), caso pretenda utilizar taxa
diversa daquela sugerida pela RFB. Tal exigência da legislação fiscal acabava por
conduzir as empresas a adotar, na contabilidade, as taxas sugeridas pela RFB.
Na realidade normativa atual, eventual alteração nas taxas de depreciação
que venham a ser adotadas pelas empresas brasileiras, para fins contábeis, não
devem afetar a utilização das taxas sugeridas pela RFB, para fins de apuração
dos tributos federais.
Sobre a forma de neutralizar os efeitos fiscais dessas alterações contábeis,
o Parecer Normativo nº 1/2011 esclarece que o contribuinte deve valer-se do
Controle Fiscal Contábil de Transição (FCONT), nos seguintes termos:
32.2. O contribuinte deverá efetuar o ajuste dessas diferenças no Fcont e,
consequentemente, proceder ao ajuste específico no Lalur, para considerar
o valor do encargo de depreciação correspondente à diferença entre o
encargo de depreciação apurado considerando a legislação tributária e o
valor do encargo de depreciação registrado em sua contabilidade comercial.
Nota-se, então, que para a RFB o procedimento correto passa por
obrigatoriamente adotar o FCONT, tal como previsto na Instrução Normativa
RFB nº 949/2009, apurando-se a diferença entre os valores decorrentes da
utilização dos critérios contábeis atualmente vigentes em relação àqueles
decorrentes dos métodos contábeis vigentes até 31.12.2007, para somente
então efetuar um ajuste específico da aludida diferença no Livro de Apuração
do Lucro Real (LALUR).

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534 - Alterações nas taxas de depreciação de ativos em face dos...

Vale dizer que esse entendimento pode ser aplicado ainda que se entenda
não ter havido a introdução de um critério contábil novo para o cálculo das taxas
de depreciação. Afinal, o citado artigo 17 não exige a efetiva mudança de critério
contábil para assegurar a neutralidade fiscal de alterações contábeis realizadas para
atender os novos parâmetros contábeis brasileiros, mas tão somente a existência
de regras tributárias que “conduzam” ou “incentivem” práticas contábeis diversas
daquelas previstas na atual legislação societária e contábil.
Antes do advento do Parecer Normativo nº 1/2011, a própria RFB já
havia publicado algumas manifestações favoráveis à possibilidade de se realizar
ajustes de RTT em relação à alteração nas taxas de depreciação decorrente dos
novos parâmetros contábeis. As referidas manifestações foram exaradas por duas
divisões da RFB (5ª Região Fiscal e 10ª Região Fiscal) e são transcritas a seguir:
Processo de Consulta nº 11/2011 (Superintendência Regional da
Receita Federal / 5ª Região Fiscal)
Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL.
Ementa: REGIME TRIBUTÁRIO DE TRANSIÇÃO – RTT.
DEPRECIAÇÃO. CRITÉRIOS DE CONTABILIZAÇÃO.
PROCEDIMENTOS DE REVERSÃO DOS EFEITOS. A pessoa
jurídica sujeita ao Regime Tributário de Transição – RTT deve adotar
o procedimento previsto no artigo 17 da Lei nº 11.941, de 2009, no
tocante ao registro contábil da depreciação e à reversão dos efeitos da
utilização de métodos e critérios contábeis diferentes dos prescritos
na legislação tributária.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei Nº 6.404, de 1976, art. 183, §
3º, II, Lei nº 11.941, de 2009, art. 17, Decreto nº 3.000, de 1999
(RIR/1999), art. 305 e seguintes.
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ.
Ementa: REGIME TRIBUTÁRIO DE TRANSIÇÃO – RTT.
DEPRECIAÇÃO. CRITÉRIOS DE CONTABILIZAÇÃO.
PROCEDIMENTOS DE REVERSÃO DOS EFEITOS. A pessoa
jurídica sujeita ao Regime Tributário de Transição – RTT deve adotar
o procedimento previsto no artigo 17 da Lei nº 11.941, de 2009, no
tocante ao registro contábil da depreciação e à reversão dos efeitos da
utilização de métodos e critérios contábeis diferentes dos prescritos
na legislação tributária.

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Rodrigo Maito da Silveira & Ricardo Maito da Silveira - 535

DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei Nº 6.404, de 1976, art. 183, § 3º, II,


Lei nº 11.941, de 2009, art. 17, Decreto nº 3.000, de 1999 (RIR/1999),
art. 305 e seguintes.
LÍCIA MARIA ALENCAR SOBRINHO – Chefe
Data da Decisão: 02.05.2011 (Data de Publicação: 09.05.2011)
Processo de Consulta nº 15/2011 (Superintendência Regional da
Receita Federal/10ª Região Fiscal)
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ.
Ementa: LUCRO REAL. ENCARGOS DE DEPRECIAÇÃO.
AJUSTES DECORRENTES DA LEGISLAÇÃO SOCIETÁRIA.
EFEITOS TRIBUTÁRIOS.
Os ajustes no cálculo da depreciação de bens do ativo imobilizado
determinados pelo art. 183, § 3º, inciso II, da Lei nº 6.404, de 1976,
com as alterações introduzidas pelo art. 1º da Lei nº 11.638, de 2007,
e pelo art. 37 da Lei nº 11.941, de 2009, não terão efeitos para fins de
apuração do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao Regime Tributário
de Transição (RTT), devendo ser considerados, para fins tributários,
os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei nº 6.404, de 1976, art. 183, § 3º,
II; Lei nº 11.638, de 2007, art. 1º; Lei nº 11.941, de 2009, arts. 15 a
17, e 37; Decreto nº 3.000, de 1999 (RIR/1999), arts. 305, 307, 309,
310 e 312; IN RFB nº 949, de 2009.
Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL.
E m e n t a : BA S E D E C Á L C U L O. EN CA R G O S D E
DEPRECIAÇÃO.
AJUSTES DECORRENTES DA LEGISLAÇÃO SOCIETÁRIA.
EFEITOS TRIBUTÁRIOS.
Os ajustes no cálculo da depreciação de bens do ativo imobilizado
determinados pelo art. 183, § 3º, inciso II, da Lei nº 6.404, de 1976,
com as alterações introduzidas pelo art. 1º da Lei nº 11.638, de 2007,
e pelo art. 37 da Lei nº 11.941, de 2009, não terão efeitos para fins
de apuração da base de cálculo da Contribuição Social para o Lucro
Líquido (CSLL) da pessoa jurídica sujeita ao Regime Tributário de

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536 - Alterações nas taxas de depreciação de ativos em face dos...

Transição (RTT), devendo ser considerados, para fins tributários, os


métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei nº 6.404, de 1976, art. 183, § 3º,
II; Lei nº 7.689, de 1988, art. 6º; Lei nº 8.981, de 1995, art. 57; Lei
nº 9.430, de 1996, art. 28; Lei nº 11.638, de 2007, art. 1º; Lei nº
11.941, de 2009, arts. 15 a 17, 21 e 37; Decreto nº 3.000, de 1999
(RIR/1999), arts. 305, 307, 309, 310 e 312; IN SRF nº 390, de 2002,
arts. 3º e 44; IN RFB nº 949, de 2009.
MARCOS VINICIUS GIACOMELLI – Auditor-Fiscal p/
Delegação de Competência
Data de decisão: 18.02.2011 (Data de publicação: 23.03.2011)
Verifica-se, assim, que restou pacificado pela RFB a possibilidade de
aplicação de ajustes, no âmbito do RTT, em relação às diferenças decorrentes
da aplicação de distintas taxas de depreciação para fins contábeis e fiscais.

III. Conclusões
Em síntese, é possível resumir da seguinte forma a análise dos impactos
fiscais de eventuais alterações nas taxas de depreciação adotadas por empresas
brasileiras em face dos novos parâmetros contábeis brasileiros:
(i) a primeira posição possível é no sentido de que não houve mudança
na legislação brasileira no que diz respeito à determinação do
prazo de vida útil dos ativos; assim, as alterações nas taxas de
depreciação realizadas a partir da vigência da Lei nº 11.638/2007
representariam mera “correção” de uma prática anterior que
consistia em adotar, na contabilidade, o prazo de vida útil sugerido
pela RFB, por razões de praticidade;
(ii) no caso de adoção da posição acima explicitada, a empresa deveria
estabelecer a taxa de depreciação que corresponda ao prazo
durante o qual espera utilizar economicamente os ativos e não
poderá adotar, para fins fiscais, taxa diversa daquela adotada na
contabilidade, uma vez que não existiria autorização legal para
este tipo de ajuste no âmbito do RTT (nesse caso, a utilização de
taxa diversa daquela prevista pela legislação fiscal dependeria de
comprovação por meio de laudo técnico);

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Rodrigo Maito da Silveira & Ricardo Maito da Silveira - 537

(iii) a segunda posição possível, já validada pela RFB por meio do Parecer
Normativo nº 1/2011, é no sentido de que houve, de fato, uma
mudança de critério contábil, sendo tal posição amparada pelos
artigos 16 e 17 da Lei nº 11.941; o citado artigo 17 esclarece,
de maneira específica, que, na existência de regras tributárias
que “conduzam” ou “incentivem” a adoção de práticas contábeis
diversas dos novos parâmetros contábeis, deverá o contribuinte
optante pelo RTT ajustar o lucro tributável via FCONT, de forma
a assegurar a manutenção das práticas contábeis vigentes em 31
de dezembro de 2007 na escrituração fiscal; e
(iv) a situação prevista pelo referido artigo 17 é precisamente o
caso das depreciações, já que a adoção das taxas sugeridas
pela RFB, se não era obrigatória para fins contábeis, ao menos
incentivava o procedimento que vinha sendo adotado até agora
no Brasil, no sentido de seguir, na escrituração contábil, as
mesmas taxas de depreciação previstas na legislação fiscal;
assim, mesmo que se entenda não ter havido mudança de
critério contábil, não há como negar a influência da legislação
tributária na contabilidade, fato este que, a teor do artigo 17,
atrai a aplicação do RTT para corrigir eventuais discrepâncias
entre os prazos de vida útil definidos como base nos novos
parâmetros contábeis e aqueles sugeridos pela RFB.

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Capítulo XX

As novas regras
contábeis trazidas pela
Lei nº 11.638/2007 e o
arrendamento mercantil

Sacha Calmon Navarro Coêlho


Professor Titular de Direito Tributário da UFRJ (Faculdade Nacional de
Direito). Doutor em Direito Público pela UFMG. Presidente Honorário da
ABRADT. Presidente da ABDF. Sócio de Sacha Calmon – Misabel Derzi
Consultores e Advogados. Advogado.

Eduardo Junqueira Coelho


Sócio de Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados. Ex Auditor
Fiscal da Receita Federal. Advogado.

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Sacha Calmon Navarro Coêlho & Eduardo Junqueira Coelho - 541

1. Introdução. A Lei nº 11.638/2007 e o IFRS


A Lei 11.638/2007 veio introduzir no Brasil importantes mudanças na Lei
6.404/76, visando, especialmente, à harmonização da lei societária aos padrões
internacionais de contabilidade (IFRS – International Financial Reporting
Standards), como meio de melhorar o conteúdo da informação contábil e
facilitar as relações financeiras e comerciais das empresas situados no país
com o resto do mundo. A implantação das chamadas normas de convergência
contábil, que alterou de forma significativa a apresentação e elaboração das
demonstrações financeiras, é resultante do Projeto de Lei 3.741, de novembro
de 2000, e traz um novo paradigma para a contabilidade nacional.
De certo, à medida que as dificuldades de ordem prática apresentarem-se, as
novas regras contábeis deverão sofrer adaptações para se alinharem aos padrões do
IFRS, cujo Conselho responsável (IASB – International Accounting Standards
Board) está voltado a uma constante atualização de procedimentos destinada a
acomodar os países da União Européia que passam a incorporar tais normas,
obrigatórias para as empresas listadas em bolsas de valores.
Tendo em vista aos fins a que se presta a ciência contábil, a Lei
11.638/2007 privilegia a essência econômica na abordagem dos eventos,
dando mais ênfase aos princípios contábeis do que às regras rígidas de
contabilização. A despeito de poder gerar algum grau de subjetivismo, em
verdade, pretende dar maior transparência e retratar de forma mais realista
e prudente o patrimônio da entidade e o movimento da riqueza, deixando
em segundo plano a forma jurídica que reveste o fato econômico.
Conquanto constituam ramos autônomos do conhecimento, dotados de
teorias, metodologias e finalidades distintas, pode ocorrer que a Contabilidade
e o Direito tenham como objeto a mesma realidade fática. Assim é que os fatos
tratados pela contabilidade também podem ser relevantes ao Direito, quando
jurisdicizados, ou seja, quando sobre eles incide a norma jurídica. Ademais,
muitas vezes, o Direito, a fim de estabelecer a sua disciplina e atribuir efeitos
jurídicos próprios, faz referência a institutos da contabilidade. Importa realçar,
todavia, que o significado atribuído ao objeto do conhecimento irá variar de
acordo com a lente que o sujeito se utiliza para apreendê-lo, de modo que um
conceito da contabilidade, a que faça referência o Direito Tributário ao verter
seu foco sobre a realidade, irá assumir um significado próprio, articulado com
os demais elementos que compõem o seu sistema.

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542 - As novas regras contábeis trazidas pela Lei ...

Assim, devido às possíveis implicações das mudanças do padrão de


contabilidade sobre o direito e a regulação dos diversos ramos da atividade
econômica, o art. 5º da Lei nº 11.638/2007, introduzindo o art. 10-A na Lei
6.385/76, facultou à Comissão de Valores Mobiliários – CVM e ao Banco
Central do Brasil -BACEN e demais órgãos e agências reguladoras “celebrar
convênio com entidade que tenha por objeto o estudo e a divulgação de princípios,
normas e padrões de contabilidade e de auditoria, podendo, no exercício de suas
atribuições regulamentares, adotar, no todo ou em parte, os pronunciamentos e demais
orientações técnicas emitidas.” Coube ao Comitê de Pronunciamentos Contábeis
– CPC, formalmente criado pela Resolução nº 1.055, de 07 de outubro de
2.005 do Conselho Federal de Contabilidade, emitir tais pronunciamentos
e orientações destinados a colocar em prática e esclarecer as novas regras
contábeis, tendo como convidados permanentes em suas audiências a Comissão
de Valores Mobiliários – CVM, o Banco Central do Brasil – BACEN, a
Superintendência de Seguros Privados – SUSEP e a Receita Federal do Brasil.
Pertinente ao leasing, tem-se a nova redação conferida pela Lei 11.638/2007
ao art. 179, IV, da Lei 6.404/76, que passou a ter o seguinte enunciado:
“Art. 179. As contas serão classificadas do seguinte modo:
IV – no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens
corpóreos destinados à manutenção das atividades da companhia ou da
empresa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes de
operações que transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle
desses bens;
(...)”
Com a nova redação, mesmo os bens que não sejam de propriedade da
entidade devem ser classificados no ativo imobilizado, desde que se transfiram à
companhia os benefícios, riscos e controle desses bens, como no caso do leasing
financeiro. A alteração da lei societária, embora tenha pretendido não produzir
efeitos tributários, modificou substancialmente os parâmetros da contabilidade,
a suscitar indagações sobre sua interação com o Direito Tributário.
Cabe, portanto, examinar a sistematização legal do leasing, denominado
no Brasil arrendamento mercantil, a fim se verificar se poderiam advir
conseqüências tributárias decorrentes da contabilização do bem arrendado
como ativo da arrendatária, do que passamos a nos ocupar.

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Sacha Calmon Navarro Coêlho & Eduardo Junqueira Coelho - 543

2. Breves apontamentos sobre a origem e a


natureza jurídica do leasing
A origem do leasing, sua natureza jurídica e as espécies que contempla
são alvo de controvérsia pela doutrina, acirrada de modo especial no Brasil, em
virtude da forma de regulação do contrato, que se deu pela lei tributária, com
sucessivas alterações na sua sistematização infra-legal pelo Conselho Monetário
Nacional, formando um intricado arcabouço sobre a matéria.
Busca-se a origem mais remota do leasing na idade média e até mesmo
na antiguidade, na Babilônia, no Egito ou na Grécia. Parte da doutrina atribui
o seu surgimento ao Lend Lease Act de 1941, quando, na Segunda Guerra
Mundial, o presidente Roosevelt adotou a política de apoio aos aliados,
efetuando o empréstimo de equipamentos bélicos, que deveriam ser comprados
ou devolvidos ao cabo da guerra.
A maioria da doutrina, todavia, não se alinha a tal posicionamento,
pois o ato deu-se entre Chefes de Estado, e não propriamente com intuito
mercantil. Face ao caráter meramente político do ato, Maria Helena
Diniz1 identifica a origem do leasing em contrato firmado por D. P. Boothe
Junior, mediante o qual se comprometeu a fornecer alimento ao exército norte
americano após a Segunda Guerra Mundial, celebrando para tanto, dada a sua
incapacidade financeira e operacional, contrato com um banco para que este
adquirisse os equipamentos necessários.
Assim que o leasing, vernáculo originário do idioma inglês (alugar ou
arrendar), é uma espécie de locação em sentido lato, pois se distingue da locação
pura, servindo como alternativa à aquisição do bem e aos riscos que poderiam advir
de sua obsolescência, mas também pode ser uma alternativa ao financiamento
e à aquisição direta de máquinas e equipamentos, viabilizando, de toda sorte, o
desenvolvimento do parque tecnológico, da produção e do consumo – como o
de veículos -, enfim, a renovação de bens necessários ao processo produtivo, ao
comércio e à economia em geral. Permite também a desmobilização de capital
já investido, com a liberação de capital de giro para as empresas.

1 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria das Obrigações Contratuais e
Extracontratuais, 3º Vol. 20ª ed. São Paulo. Saraiva, 2004, p. 670-671.

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544 - As novas regras contábeis trazidas pela Lei ...

Disseminado pelo mundo (crédit-bail dos franceses, hire purchase dos


ingleses, etc.), obteve grande progresso nos Estados Unidos a partir da década
de 1950, onde é conhecido como financial leasing ou full pay out lease.
Em linhas gerais, no Brasil, o leasing apresenta, como principais espécies,
tratadas mais adiante, o financeiro e o operacional. Reúne as características de
diferentes negócios jurídicos: locação, financiamento e compra e venda.
Na definição de Fábio Ulhoa Coelho2, o “arrendamento mercantil é a
locação caracterizada pela faculdade conferida ao locatário (arrendatário) de,
ao término do prazo locatício, optar pela compra do bem locado. Em termos
esquemáticos, o leasing é a sucessão de dois contratos, o de locação e o de compra
e venda, sendo o último opcional.” O referido autor lhe atribui as feições
de contrato bancário impróprio, caracterizando a operação como um
financiamento quando há o exercício da opção de compra, mas não vislumbra
qualquer traço que evidencie a sua natureza bancária quando o arrendatário
não adquire a propriedade do bem arrendado.
Fábio Comparato3 assevera que: “Sobre o leasing não incide o imposto federal
sobre operações financeiras. Sem dúvida, o leasing pode representar economicamente
uma operação de financiamento na aquisição do equipamento industrial ou comercial
de uma empresa. Juridicamente, porém, a operação é veiculada nos moldes de uma
locação com opção unilateral de compra.”
Arnaldo Rizzardo4 reconhece ser o leasing uma locação de coisas, mas
não ignora seu papel de financiamento:
“É o contrato essencialmente complexo, visto encerrar uma promessa
unilateral de venda, um mandato, uma promessa sinalagmática de
locação de coisa, uma opção de compra e, no leasing operacional, mais
uma prestação de serviços técnicos por parte da locadora, compondo,
assim, obrigação contratual, como partes essenciais do negócio.
(...).

2 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Volume 3. 12ª ed. São Paulo. Saraiva, 2011,
p. 165-166.
3 Contrato de Leasing, vol. 250. Revista Forense, p. 771.
4 RIZZARDO, Arnaldo. Leasing – Arrendamento mercantil no direito brasileiro. 5º ed. São Paulo.
Revista dos Tribunais. 2009, p. 18.

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Sacha Calmon Navarro Coêlho & Eduardo Junqueira Coelho - 545

Não se trata de uma simples locação com promessa de venda, como à


primeira vista pode parecer. Mas cuida-se de uma locação com uma
consignação de promessa de compra, trazendo, porém, um elemento
novo, que é o financiamento, numa operação específica que consiste
na simbiose da locação, do financiamento e da venda.
Em suma, é a figura em exame uma alternativa de financiamento para
aquisição de qualquer tipo de veículo, máquina ou equipamento de
fabricação nacional ou estrangeira, novo ou usado, incluindo, também
financiamento de imóveis.”
O mesmo autor5 reitera que é o “arrendamento mercantil um instituto
autônomo, com vida própria, embora formado de aspectos ou elementos de espécies
próximas, sobretudo da locação, da compra e venda e do mútuo ou financiamento
bancário.” Caracteriza-o como um contrato complexo, extremando-o dos
contratos coligados, face à unidade indissolúvel das diversas obrigações
nele consubstanciadas e realça como sua função essencial a possibilidade de
transformar o uso em propriedade, mediante o pagamento das prestações
sucessivas que amortizam o valor do bem, comportando o exercício do
direito à opção de compra, garantido ao término do contrato, uma parcela
do valor do próprio bem. O autor6 considera o leasing um contrato bilateral,
oneroso, consensual, de execução sucessiva e intuitu personae.
O leasing apresenta semelhanças com a alienação fiduciária em garantia,
mas também dela se distingue, uma vez que nesta última sobressaem o direito
real de garantia a que serve a propriedade resolúvel do bem por parte do
credor fiduciário e a característica de um contrato-meio, instrumental do
mútuo, pelo qual o devedor fiduciante aliena a propriedade de um bem de seu
patrimônio ao mutuante fiduciário, como garantia do cumprimento de suas
obrigações, até que o domínio resolva-se em seu favor, com o pagamento total
da dívida, quando volta a ter a propriedade plena do bem dado em garantia.
Em linhas gerais, a propriedade do credor fiduciário é mais precária do que
a do arrendador, servindo de garantia do pagamento do financiamento. Com
efeito, embora o leasing reúna as características de outros contratos afins, com
eles não se identifica, eis que é objeto de regulação própria.

5 Op cit., p. 139.
6 Op cit., p. 54-58.

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546 - As novas regras contábeis trazidas pela Lei ...

Maria Helena Diniz7, referindo-se ao leasing financeiro (segundo ela, o


verdadeiro leasing), define-o como o contrato “pelo qual o arrendador adquire de
terceiro certos bens de produção (máquinas, equipamentos) com o intuito de entregá-los
a uma empresa, para que, por prazo determinado, os utilize, mediante o pagamento
de prestações pecuniárias periódicas, com o direito de optar entre a aquisição de
sua propriedade, a devolução dos bens arrendados ao arrendador e a renovação do
contrato (Res. nº. 2.309/96, arts. 5º, I a III, e 7º, I a XII, com alteração da Res. nº
2.659/99).(...). Devido à obrigatoriedade desse contrato, todas as prestações deverão
ser pagas, mesmo que o arrendatário queira por fim ao contrato, devolvendo o bem
ao arrendador antes do término do prazo contratual.”
Quando, no final da década de 1960, começou a se disseminar no Brasil, o
leasing carecia de regulamentação específica, constituindo um contrato atípico,
considerado inominado. Com o escopo de trazer maior segurança jurídica e
disciplinar o tratamento tributário aplicável, foi editada a Lei nº 6.099/74, que
passou a denominá-lo arrendamento mercantil e remeteu ao Conselho Monetário
Nacional – CMN a sua regulamentação pormenorizada, hoje consolidada na
Resolução 2.309/96, com alterações posteriores à sua edição.
Caio Mário da Silva Pereira8 entende que, com o advento da Lei 6.099/74,
o leasing tornou-se um negócio típico, embora reconheça que a definição legal
é imperfeita e restritiva, além de não vislumbrar na aquisição do bem pela
arrendadora uma ação como mandatária, uma vez que o adquire para si mesma.
De plano, constata-se que a aparente tensão – em verdade, inexistente –
entre os art. 109 e 110 do CTN, que expressam em que circunstâncias é possível
à norma tributária atribuir efeitos próprios a situações reguladas pelo direito
privado, é uma questão que apresenta particularidades no caso do arrendamento
mercantil, pois a regulação legal do instituto presta-se precisamente à atribuição
de efeitos tributários. As resoluções do CMN – Conselho Monetário Nacional
devem, portanto, ser interpretadas com temperamento, pois seu fundamento de
validade é a Lei nº 6.099/74, que pretende tão somente estabelecer o tratamento
tributário do arrendamento mercantil, de modo que também o alcance das
resoluções encontra-se balizado pela finalidade perseguida pelo texto legal.

7 Op. cit., p. 671.


8 PEREIRA,Caio Mário. Instituições de Direito Civil. Volume III. Contratos.12ª ed. Rio de Janeiro,
Forense. 2008. p. 582.

Direito Tributário Societário Vol. III.indd 546 29/5/2012 18:04:42


Sacha Calmon Navarro Coêlho & Eduardo Junqueira Coelho - 547

Assim, se as partes do negócio jurídico pretenderem efetuar arrendamento


mercantil e, de algum modo, não observarem as prescrições da Lei nº
6.099/74 ou incorrerem em qualquer das proibições nela estatuídas, haverá o
desenquadramento do contrato, de modo que, para fins tributários, a operação
será considerada como compra e venda a prazo, enquanto no âmbito privado,
ou seja, no que toca a relação entre as partes, terá o tratamento de locação com
opção de compra. Nesse sentido, o magistério de Fábio de Ulhoa Coelho9:
”Na disciplina das relações de direito privado, isto é, no tocante às
obrigações que as partes assumem uma perante a outra, inexiste tipificação
legal do negócio. Assim, rege-se o arrendamento mercantil, nesse âmbito,
exclusivamente pelas cláusulas pactuadas entre os contratantes. (...) se duas
pessoas capazes contratarem locação com opção de compra, qualquer
que seja a denominação escolhida para o negócio, as relações entre elas
devem observar as cláusulas contratadas, mesmo que os efeitos tributários
do contrato não possam ser os de leasing.
(...) Dessa forma, o arrendamento mercantil não enquadrado na definição
legal (p.ex., o contratado por pessoa física na condição de arrendadora), no
que diz respeito às relações entre as partes, terá o tratamento de locação
com opção de compra, mas será considerado, para os fins tributação, uma
compra e venda a prazo (Lei n. 6.099/74, art. 11, § 1º).”

3. Da Lei nº 6.099/74 e o tratamento tributário por


ela conferido ao arrendamento mercantil
Trata-se de um modo não usual de regulação legal do contrato, pautada, em
verdade, pelo intuito de estabelecer efeitos tributários, levado a cabo pela Lei nº
6.099/1974 (com as alterações promovidas pelas Leis 7.132/1983, 11.882/2008,
9.532/1997 e 12.024/2009), conforme se depreende dos trechos a seguir:
“Art 1º O tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil
reger-se-á pelas disposições desta Lei.
Parágrafo único – Considera-se arrendamento mercantil, para os
efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na
qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de
arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos

9 Op. cit., p. 165-166.

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pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso


próprio desta.
Art 2º Não terá o tratamento previsto nesta Lei o arrendamento de bens
contratado entre pessoas jurídicas direta ou indiretamente coligadas ou
interdependentes, assim como o contratado com o próprio fabricante.
§ 1º O Conselho Monetário Nacional especificará em regulamento
os casos de coligação e interdependência.
§ 2º Somente farão jus ao tratamento previsto nesta Lei as operações
realizadas ou por empresas arrendadoras que fizerem dessa operação o
objeto principal de sua atividade ou que centralizarem tais operações
em um departamento especializado com escrituração própria.
Art 3º Serão escriturados em conta especial do ativo imobilizado da
arrendadora os bens destinados a arrendamento mercantil.
(...)
Art 5º Os contratos de arrendamento mercantil conterão as seguintes
disposições:
a) prazo do contrato;
b) valor de cada contraprestação por períodos determinados, não
superiores a um semestre;
c) opção de compra ou renovação de contrato, como faculdade do
arrendatário;
d) preço para opção de compra ou critério para sua fixação, quando for
estipulada esta cláusula.
Parágrafo único – Poderá o Conselho Monetário Nacional, nas
operações que venha a definir, estabelecer que as contraprestações sejam
estipuladas por períodos superiores aos previstos na alínea b deste artigo.
Art 6º O Conselho Monetário Nacional poderá estabelecer índices
máximos para a soma das contraprestações, acrescida do preço
para exercício da opção da compra nas operações de arrendamento
mercantil.
§ 1º Ficam sujeitas à regra deste artigo as prorrogações do
arrendamento nele referido.

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§ 2º Os índices de que trata este artigo serão fixados: considerando o custo


do arrendamento em relação ao do financiamento da compra e venda.
Art 7º Todas as operações de arrendamento mercantil subordinam-se
ao controle e fiscalização do Banco Central do Brasil, segundo normas
estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, a elas se aplicando,
no que couber, as disposições da Lei número 4.595, de 31 de dezembro
de 1964, e legislação posterior relativa ao Sistema Financeiro Nacional.
(...).
Art. 9º As operações de arrendamento mercantil contratadas com o próprio
vendedor do bem ou com pessoas jurídicas a ele vinculadas, mediante
quaisquer das relações previstas no art. 2º desta Lei, poderão também
ser realizadas por instituições financeiras expressamente autorizadas
pelo Conselho Monetário Nacional, que estabelecerá as condições para a
realização das operações previstas neste artigo.
Parágrafo único – Nos casos deste artigo, o prejuízo decorrente da
venda do bem não será dedutível na determinação do lucro real.
Art 10. Somente poderão ser objeto de arrendamento mercantil os
bens de produção estrangeira que forem enumerados pelo Conselho
Monetário Nacional, que poderá, também, estabelecer condições
para seu arrendamento a empresas cujo controle acionário pertencer
a pessoas residentes no exterior.
Art 11. Serão consideradas como custo ou despesa operacional da
pessoa jurídica arrendatária as contraprestações pagas ou creditadas
por força do contrato de arrendamento mercantil.
§ 1º A aquisição pelo arrendatário de bens arrendados em desacordo
com as disposições desta Lei, será considerada operação de compra e
venda a prestação.
§ 2º O preço de compra e venda, no caso do parágrafo anterior, será o
total das contraprestações pagas durante a vigência do arrendamento,
acrescido da parcela paga a título de preço de aquisição.
§ 3º Na hipótese prevista no parágrafo primeiro deste artigo, as
importâncias já deduzidas, como custo ou despesa operacional pela
adquirente, acrescerão ao lucro tributável pelo imposto de renda, no
exercício correspondente à respectiva dedução.

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§ 4º O imposto não recolhido na hipótese do parágrafo anterior, será


devido com acréscimo de juros e correção monetária, multa e demais
penalidades legais.
Art 12. Serão admitidas como custos das pessoas jurídicas
arrendadoras as cotas de depreciação do preço de aquisição de bem
arrendado, calculadas de acordo com a vida útil do bem.
§ 1º Entende-se por vida útil do bem o prazo durante o qual se possa
esperar a sua efetiva utilização econômica.
§ 2º A Secretaria da Receita Federal publicará periodicamente o prazo
de vida útil admissível, em condições normais, para cada espécie de bem.
§ 3º Enquanto não forem publicados os prazos de vida útil de que trata o
parágrafo anterior, a sua determinação se fará segundo as normas previstas
pela legislação do imposto de renda para fixação da taxa de depreciação.
Art 13. Nos casos de operações de vendas de bens que tenham sido objeto
de arrendamento mercantil, o saldo não depreciado será admitido como
custo para efeito de apuração do lucro tributável pelo imposto de renda.
Art 14. Não será dedutível, para fins de apuração do lucro tributável pelo
imposto de renda, a diferença a menor entre o valor contábil residual do bem
arrendado e o seu preço de venda, quando do exercício da opção de compra.
Art 15. Exercida a opção de compra pelo arrendatário, o bem integrará
o ativo fixo do adquirente pelo seu custo de aquisição.
Parágrafo único. Entende-se como custo de aquisição para os fins deste
artigo, o preço pago pelo arrendatário ao arrendador pelo exercício
da opção de compra.
(...)
Art 23. Fica o Conselho Monetário Nacional autorizado a:
a) expedir normas que visem a estabelecer mecanismos reguladores
das atividades previstas nesta Lei, inclusive excluir modalidades de
operações do tratamento neIa previsto e limitar ou proibir sua prática
por determinadas categorias de pessoas físicas ou jurídicas;
b) enumerar restritivamente os bens que não poderão ser objeto de
arrendamento mercantil, tendo em vista a política econômica-financeira do País.
(...).”

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As contraprestações constituem custo ou despesa operacional, conforme o


art. 11, caput, dedutíveis da apuração do lucro tributável das pessoas jurídicas,
diferentemente dos dispêndios com a aquisição de um ativo, gerando assim
vantagens tributárias. A lei, como se vê, remete-se a conceitos da contabilidade
(custo e despesa), que, integrados ao arcabouço legal que rege a tributação do
imposto de renda, permitem concluir que as contraprestações devidas pelo
arrendatário por força do contrato de arrendamento mercantil não são tributados
pelo IRPJ, por não constituírem acréscimo patrimonial, este o signo presuntivo
de riqueza alcançado pelo imposto, segundo a Constituição (art. 153, III) e o
CTN (art. 43), lei complementar ratione materiae. O art. 3º da lei, reportando-
se mais uma vez a um conceito da contabilidade, diz que serão escriturados
em conta especial do ativo imobilizado da arrendadora os bens destinados a
arrendamento mercantil.
A definição legal contida no art. 1º, § único, supra, estabelece, como partes
do negócio jurídico, a arrendadora, pessoa jurídica, e a arrendatária, pessoa
física ou jurídica, que indica à arrendadora as especificações do bem que deseja
arrendar. A arrendadora, então, adquire o bem e transfere sua posse direta à
arrendatária, para uso desta. Portanto, se for pessoa física a arrendadora ou se
o bem não for adquirido com o fim de arrendá-lo à arrendatária, segundo as
especificações desta, resta afastada a dedutibilidade das contraprestações.
O contrato deve atender, ainda, aos requisitos do art. 5º, atinentes ao
prazo, valor das contraprestações e a faculdade conferida ao arrendatário de
optar ou não pela compra do bem ou renovação do contrato, bem como o preço
do bem ou os critérios para sua fixação, para o exercício da opção de compra,
sob pena de ser considerada compra e venda a operação, situação em que as
contraprestações deverão ser adicionadas ao lucro real e ser tributadas, conforme
determinam os parágrafos do art. 11.
Deve-se atentar, igualmente, aos índices máximos para a soma das
contraprestações, definidos pelo CMN, como prescreve o art. 6º, bem como
ao objeto do arrendamento mercantil: bens móveis ou imóveis de fabricação
nacional e os produzidos no exterior, devendo estes constar da relação de bens
estrangeiros autorizados pelo Conselho Monetário Nacional (art. 10 da Lei
nº 6.099/74), abrangendo veículos, aeronaves, navios, etc.
Nos termos do art. 2º, § 2º, da Lei nº 9.066/74, somente fazem jus ao
tratamento previsto na lei as operações realizadas por empresas arrendadoras que

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552 - As novas regras contábeis trazidas pela Lei ...

fizerem dessa operação o objeto principal de sua atividade ou que centralizarem


tais operações em um departamento especializado com escrituração própria. As
empresas que se dedicam ao arrendamento mercantil devem revestir a forma
de sociedade anônima, fazer constar em seu nome a expressão “arrendamento
mercantil” e embora não sejam entidades financeiras em sentido estrito, pois
não é função econômica do contrato a intermediação de recursos monetários,
sujeitam-se a fiscalização e autorização pelo Banco Central e submetem-se,
no que couber, às mesmas condições para funcionamento das instituições
financeiras estabelecidas na Lei 4.595/64 (art. 7º Lei nº 9.066/74 e arts. 3º e
4º da Resolução 2.309/96).
Assim é que o arrendamento mercantil contratado com o próprio
fabricante – forma clássica de leasing operacional – não foi recepcionado pela
Lei nº 6.099/74, bem como o leasing contratado com pessoas jurídicas direta
ou indiretamente coligadas ou interdependentes (art. 2º, caput), cabendo tais
definições ao CMN (art. 2º, § 1º).
As contraprestações, consideradas pela lei como custo ou despesa operacional
da pessoa jurídica arrendatária, são dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e, também,
da CSLL, segundo a inteligência do art. 57 da Lei nº 8.981/95, alterada pela Lei nº
9.065/95. Embora, ao tempo da lei, não houvesse previsão constitucional da CSLL,
não há se negar que a sua inserção no texto constitucional (art. 195 da CR/88) e
a delimitação do seu fato gerador, operada pela norma constitucional ao atribuir
à União a competência tributária para a sua instituição (art. 195, I, “c” da CR/88,
segundo a redação dada pela EC nº 20/98), permitem identificar a mesma hipótese
de incidência do imposto de renda, qual seja o acréscimo patrimonial, chamado de
renda no caso do imposto, e de lucro, no caso da contribuição. Diferenciam-se os
tributos em apreço, no que concerne à destinação do produto de sua arrecadação,
que na hipótese da contribuição presta-se ao financiamento da seguridade social,
enquanto o imposto compõe o orçamento da União e tem sua receita repartida
com os Entes da Federação.
Assim, dada a necessária correspondência entre a hipótese de incidência
e a base de cálculo (núcleo do mandamento da norma impositiva tributária), a
dedutibilidade das contraprestações do arrendamento mercantil estende-se à
CSLL, não obstante respeitáveis manifestações em contrário, que já levaram o
STJ a ter decidido, em outras circunstâncias, que a base de cálculo dos tributos
em apreço não é necessariamente a mesma.

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Sacha Calmon Navarro Coêlho & Eduardo Junqueira Coelho - 553

O art. 12 admite como custo das pessoas jurídicas arrendadoras as cotas de


depreciação do preço de aquisição do bem arrendado, calculadas de acordo com
a vida útil do bem. Hiromi Higuchi, Fábio Hiroshi Higuchi e Celso Hiroyuki
Higuchi10 observam que a Portaria 113/88 do Ministério da Fazenda confere a
redução de 30% do prazo de vida útil para depreciação do bem, desde que: (1) o
prazo do contrato não seja inferior a 40% do prazo de vida útil normal do bem
e (2) não seja superior a 10% a diferença de percentagens entre o percentual do
valor das contraprestações vencidas em relação ao valor total das prestações e o
percentual do número de parcelas vencidas em relação ao total de parcelas do
contrato. Segundo os critérios apresentados, a concentração das contraprestações
no início do contrato afasta o benefício da redução do prazo de depreciação.
O art. 13 permite que o saldo não depreciado seja considerado custo
pela arrendadora na venda do bem que tenha sido objeto de arrendamento
mercantil. O bem arrendado somente será de propriedade da arrendatária
após o exercício da opção de compra, segundo a dicção do art. 15, supra, de
sorte que, juridicamente, este deve ser o marco temporal para reconhecimento
da transferência da propriedade.
O arcabouço legal ora delineado é objeto de regulamentação infra-legal,
em sua maior parte, pela Resolução BC 2.309/96 do CMN, que revogou, entre
outras, a Resolução 980/84.

4. As modalidades de Leasing.
A Resolução 2.309/96, em seu art. 1º, § único, previu expressamente a
modalidade de leasing operacional, distinguindo-o do financeiro:
“Art. 1º As operações de arrendamento mercantil com o tratamento
tributário previsto na Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974, alterada
pela Lei nº 7.132, de 26 de outubro de 1983, somente podem ser
realizadas por pessoas jurídicas que tenham como objeto principal de
sua atividade a prática de operações de arrendamento mercantil, pelos
bancos múltiplos com carteira de arrendamento mercantil e pelas
instituições financeiras que, nos termos do artigo 13 deste Regulamento,

10 Imposto de Renda das Empresas – Interpretação e Prática. 34ª ed. São Paulo: IR Publicações Ltda,
2009, p. 317-318.

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554 - As novas regras contábeis trazidas pela Lei ...

estejam autorizadas a contratar operações de arrendamento com o


próprio vendedor do bem ou com pessoas jurídicas a ele coligadas ou
interdependentes.
Parágrafo único. As operações previstas neste artigo podem ser dos
tipos financeiro e operacional.”
Observa-se que a citada resolução pretende regulamentar a lei do
arrendamento mercantil e o tratamento fiscal nela veiculado, de sorte que,
ao estabelecer as distinções que identificam uma ou outra modalidade
de arrendamento mercantil, atribui à lei maior grau de concretude e de
detalhamento do seu significado. Assim, não nos parece tenha o condão
de inovar a lei, para criar nova espécie de leasing não abarcada pelo mesmo
tratamento fiscal conferido ao leasing financeiro.
As características distintivas das modalidades de leasing – financeiro e
operacional – encontram-se discriminadas, em especial, nos arts. 5º e 6º da
Resolução 2.309/96, modificada pelas Resoluções 2.465, de 19 de fevereiro de 1998,
2.595, de 25 de fevereiro de 1999, 2.659, de 28 de outubro de 1999 e 3.175, de 20
de fevereiro de 2004, que alteraram, respectivamente, os artigos 6º, 21º, 7º e 9º:
“Art. 5º Considera-se arrendamento mercantil financeiro a
modalidade em que:
I – as contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato,
devidos pela arrendatária, sejam normalmente suficientes para que
a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo
contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os
recursos investidos;
II – as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços
correlatos a operacionalidade do bem arrendado sejam de
responsabilidade da arrendatária;
III – o preço para o exercício da opção de compra seja livremente
pactuado, podendo ser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado.
Art. 6º Considera-se arrendamento mercantil operacional a
modalidade em que:
I – as contraprestações a serem pagas pela arrendatária contemplem o
custo de arrendamento do bem e os serviços inerentes a sua colocação
a disposição da arrendatária, não podendo o valor presente dos
pagamentos ultrapassar 90% (noventa por cento) do custo do bem;

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Sacha Calmon Navarro Coêlho & Eduardo Junqueira Coelho - 555

II – o prazo contratual seja inferior a 75% (setenta e cinco por cento)


do prazo de vida útil econômica do bem;
III – o preço para o exercício da opção de compra seja o valor de
mercado do bem arrendado;
IV – não haja previsão de pagamento de valor residual garantido.
§1º. As operações de que trata este artigo são privativas dos bancos
múltiplos com carteira de arrendamento mercantil e das sociedades
de arrendamento mercantil.
§2º. No cálculo do valor presente dos pagamentos deverá ser utilizada
taxa equivalente aos encargos financeiros constantes do contrato.
§ 3º. A manutenção, a assistência técnica e os serviços correlatos a
operacionalidade do bem arrendado podem ser de responsabilidade
da arrendadora ou da arrendatária.
Art. 7º Os contratos de arrendamento mercantil devem ser
formalizados por instrumento público ou particular, devendo conter,
no mínimo, as especificações abaixo relacionadas:
I – a descrição dos bens que constituem o objeto do contrato, com
todas as características que permitam sua perfeita identificação;
II – o prazo de arrendamento;
III – o valor das contraprestações ou a fórmula de cálculo das
contraprestações, bem como o critério para seu reajuste;
IV – a forma de pagamento das contraprestações por períodos
determinados, não superiores a 1 (um) semestre, salvo no caso de
operações que beneficiem atividades rurais, quando o pagamento
pode ser fixado por períodos não superiores a 1 (um) ano;
V – as condições para o exercício por parte da arrendatária do direito
de optar pela renovação do contrato, pela devolução dos bens ou pela
aquisição dos bens arrendados;
VI – a concessão a arrendatária de opção de compra dos bens
arrendados, devendo ser estabelecido o preço para seu exercício ou
critério utilizável na sua fixação;
VII – as despesas e os encargos adicionais, inclusive despesas de
assistência técnica, manutenção e serviços inerentes à operacionalidade

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dos bens arrendados, admitindo-se, ainda, para o arrendamento


mercantil financeiro:
a) a previsão de a arrendatária pagar valor residual garantido em
qualquer momento durante a vigência do contrato, não caracterizando
o pagamento do valor residual garantido o exercício da opção de
compra;
b) o reajuste do preço estabelecido para a opção de compra e o valor
residual garantido;
VIII – as condições para eventual substituição dos bens arrendados,
inclusive na ocorrência de sinistro, por outros da mesma natureza,
que melhor atendam às conveniências da arrendatária, devendo a
substituição ser formalizada por intermédio de aditivo contratual;
IX – as demais responsabilidades que vierem a ser convencionadas,
em decorrência de:
a) uso indevido ou impróprio dos bens arrendados;
b) seguro previsto para cobertura de risco dos bens arrendados;
c) danos causados a terceiros pelo uso dos bens;
d) ônus advindos de vícios dos bens arrendados;
X – a faculdade de a arrendadora vistoriar os bens objeto de
arrendamento e de exigir da arrendatária a adoção de providências
indispensáveis a preservação da integridade dos referidos bens;
XI – as obrigações da arrendatária, nas hipóteses de:
a) inadimplemento, limitada a multa de mora a 2% (dois por cento)
do valor em atraso.
b) destruição, perecimento ou desaparecimento dos bens arrendados;
XII – a faculdade de a arrendatária transferir a terceiros no País, desde
que haja anuência expressa da entidade arrendadora, os seus direitos e
obrigações decorrentes do contrato, com ou sem corresponsabilidade
solidária.
Art. 8º Os contratos devem estabelecer os seguintes prazos mínimos
de arrendamento:
I – para o arrendamento mercantil financeiro:

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a) 2 (dois) anos, compreendidos entre a data de entrega dos bens à


arrendatária, consubstanciada em termo de aceitação e recebimento
dos bens, e a data de vencimento da última contraprestação, quando
se tratar de arrendamento de bens com vida útil igual ou inferior a 5
(cinco) anos;
b) 3 (três) anos, observada a definição do prazo constante da alínea
anterior, para o arrendamento de outros bens;
II – para o arrendamento mercantil operacional, 90 (noventa) dias.
Art. 9º Os contratos de arrendamento mercantil de bens cuja aquisição
tenha sido efetuada com recursos provenientes de empréstimos
contraídos, direta ou indiretamente, no exterior devem ser firmados
com cláusula de variação cambial.
Art. 10. A operação de arrendamento mercantil será considerada
como de compra e venda a prestação se a opção de compra for
exercida antes de decorrido o respectivo prazo mínimo estabelecido
no artigo 8º deste Regulamento.
(...).
Art. 14. É permitido a entidade arrendadora, nas hipóteses de
devolução ou recuperação dos bens arrendados:
I – conservar os bens em seu ativo imobilizado, pelo prazo máximo
de 2 (dois) anos;
II – alienar ou arrendar a terceiros os referidos bens.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se também aos bens
recebidos em dação em pagamento.”
De acordo com o art. 7º, os contratos de arrendamento mercantil devem
ser formalizados por instrumento público ou particular, devendo conter, no
mínimo, as especificações relacionadas em seus incisos e alíneas. O inciso XII
não permite a cessão unilateral do contrato, devendo haver aquiescência expressa
da entidade arrendadora.
Observados os prazos mínimos dos arrendamentos, previstos no art. 8º supra,
para o exercício da opção de compra pela arrendatária (2 anos, para bens de vida
útil até 5 anos e 3 anos, para outros bens, na hipótese de arrendamento mercantil
financeiro, e 90 dias, no mínimo, na hipótese de arrendamento mercantil
operacional) é garantida a dedutibilidade das contraprestações, seja financeiro

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ou operacional o leasing (art. 10, supra), desde que também observadas as demais
disposições da resolução, a par das previsões da Lei nº 6.099/74.
Nas hipóteses de recuperação ou devolução do bem, a arrendadora pode
mantê-lo, por no máximo dois anos, no seu ativo imobilizado antes de aliená-
lo, segundo o art. 14, supra.

4.1. Arrendamento mercantil financeiro


Em se tratando de leasing financeiro, o art. 5º da Resolução 2.309/96
estabelece que as contraprestações devem permitir a total recuperação do custo
do bem arrendado durante o prazo contratual e o retorno sobre o investimento, a
manutenção do bem corre por conta da arrendatária e há a previsão da opção de
compra pelo Valor Residual Garantido no término do contrato. Segundo Caio
Mário da Silva Pereira,11 no leasing financeiro, o arrendatário assume o risco da
coisa, obriga-se pela sua conservação e sofre a sua obsolescência.
Nessa espécie, o leasing apresenta maior proximidade com o contrato
de financiamento. O VRG – Valor Residual Garantido, segundo a Portaria
n.º 564 do Ministério da Fazenda, de 03.11.1978, é “o preço contratualmente
estipulado para o exercício da opção de compra, mas também corresponde ao valor
contratualmente garantido pela arrendatária como o mínimo que será recebido pela
arrendadora na venda a terceiros do bem arrendado, na hipótese de não exercida a
opção de compra’’. Está regulado também pela Resolução 2.309, artigo 7º, inciso
VII, alínea “a”, que estabelece “a previsão de a arrendatária pagar valor residual
garantido em qualquer momento durante a vigência do contrato, não caracterizando
o pagamento do valor residual garantido o exercício da opção de compra”.
De acordo com a Súmula nº 293 do STJ, de 05.05.2004 (DJ 13.05.2004),
que revogou a de nº 263, mudando o entendimento da Corte, é possível que
as contraprestações tenham nela embutidas antecipadamente parte do valor
residual garantido, sem que isto descaracterize o arrendamento mercantil e
o transforme em uma compra e venda. A antecipação do VRG, diluído nas
contraprestações, não interfere, portanto, no direito à dedutibilidade, mesmo
porque as contraprestações irão configurar receita tributável da arrendadora.
Confira-se o enunciado da referida súmula:

11 Op. cit., p.584.

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Sacha Calmon Navarro Coêlho & Eduardo Junqueira Coelho - 559

“Cobrança Antecipada – Valor Residual Garantido – Contrato de


Arrendamento Mercantil
A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não
descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil.”
Se a opção de compra não for exercida, o bem deverá ser vendido e a quantia
atribuída ao VRG caberá à arrendadora, sendo devido à arrendatária o eventual
excedente. Assim é que, ao cabo do contrato, a arrendatária pode renovar o contrato,
exercer a opção de compra ou devolver o bem à arrendadora, por ato unilateral.
Todas as prestações deverão ser pagas, ainda que antes do término do
contrato a arrendatária devolva o bem à arrendadora, observando-se as disposições
contratuais. O VRG é a quantia mínima final de liquidação do negócio e é devido
mesmo que a arrendatária devolva o bem ao final do contrato, não manifestando
a intenção de renovar o arrendamento e nem exercer a opção de compra. Em
qualquer desses casos, o bem deverá ser vendido a terceiros no prazo de dois anos
(art. 14, I, da Resolução 2.309/96) e poderá se obter valor inferior ou superior
ao valor pactuado entre a arrendadora e a arrendatária como parcela final a ser
recebida pela primeira ao cabo do arrendamento mercantil.
Rompido o contrato por culpa da arrendatária sem o pagamento de
todas as parcelas, a ação cabível é de reintegração de posse e o saldo àquela
devido será apurado mediante a diferença entre o preço da venda do bem
anteriormente arrendado e o montante da obrigação não liquidada, não se
cogitando a simples devolução do valor residual garantido. Este pode ser
cobrado de forma antecipada, sem que isto signifique o exercício da opção de
compra. Quando antecipado, o VRG exerce o papel de caução, podendo ser
revertido integralmente à caucionante/arrendatária, caso seja apurado com a
venda excedente que cubra o valor inadimplido. Se não for atingido tal valor, a
arrendadora, na condição de credor caucionado, pode lançar mão da garantia,
a fim de obter até o valor que atinja o montante estipulado. Por outro lado,
se a venda a terceiro atingir valor superior ao valor inadimplido, deverá ser
transferido o excesso recebido para a arrendatária.
O saldo não depreciado do bem será admitido como custo para efeito
de apuração do lucro tributável pelo imposto de renda, na conformidade do
art. 13 da Lei 6.099/74 e não será dedutível, na apuração do lucro tributável
pelo imposto de renda, a diferença a menor entre o valor contábil residual do
bem arrendado e seu valor de venda, conforme dispõe o art. 14 da mesma lei.

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560 - As novas regras contábeis trazidas pela Lei ...

A Portaria 564/78, item 9, a seu turno, dispõe que a diferença entre o valor
da venda e o VRG, seja no exercício da opção de compra, seja na venda a
terceiro com apropriação pela arrendadora, se positiva, deve ser computada
como resultado do exercício, e se negativa, pode ser utilizada para amortização
no restante de 70% do prazo de vida útil normal do bem. Portanto, a Portaria
564/78, ao regular o art. 14 da Lei 6.099/74, não permite a dedutibilidade da
perda decorrente da venda do bem objeto do arrendamento mercantil no período
de apuração referente à venda, mas a permite de forma diferida.
Em caso do exercício da opção de compra pela arrendatária, segundo o
art. 15, caput, da Lei nº 6.099/74, o bem integrará o ativo da adquirente pelo
seu custo de aquisição, que é o valor pago pela arrendatária pelo exercício
da opção de compra. (art. 15, § único). Segundo o PN SRF 8/92, o custo
de aquisição representado pelo valor residual do bem pago pela arrendatária
poderá ser depreciado no prazo para a depreciação de bens adquiridos usados,
o maior dentre os seguintes: metade do prazo de vida útil admissível par o bem
adquirido novo ou o restante do prazo de vida útil do bem, considerando este
em relação à primeira instalação ou utilização (art. 311 do RIR/99).
Os gastos efetuados pela arrendatária com manutenção do bem são dedutíveis
como despesa se não propiciarem aumento de vida útil superior a um ano, caso
contrário deverão ser ativados e amortizados. As benfeitorias feitas pela arrendatária,
caso não haja previsão de indenização pela arrendadora, são amortizáveis pelo
prazo do contrato, observados os art. 324, § 3º e o art. 325, “d”, do RIR/99,
que não se restringe aos casos de locação e arrendamento puros, mas também
abarca benfeitorias em bens de terceiros, como é o caso em apreço, malgrado
posicionamento em contrário do Fisco, que as reputa amortizáveis pelo prazo de
vida útil restante do bem, ao argumento de que o arrendamento mercantil não se
confunde com o arrendamento comum. Quanto aos prêmios de seguro, devem
ser apropridados como despesa ou custo durante o prazo de vigência do seguro.

4.2. Lease back


Cuida-se de uma espécie de leasing, que encontra amparo legal no art.
9º da Lei 6.099/74. Consoante se dessume do dispositivo mencionado, as
contraprestações devidas pela arrendatária à arrendadora são dedutíveis, quando
o bem a arrendar for adquirido da arrendatária – que deve ser uma pessoa
jurídica – pela arrendadora (sale lease back ou leasing de retorno), reclamando-se

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a intervenção de uma sociedade de arrendamento mercantil ou das instituições


financeiras mencionadas no art. 13, § 2º, da Lei nº 6.099/74.
O vendedor e a arrendatária podem ser a mesma pessoa jurídica, sem
prejuízo da dedutibilidade das contraprestações, devendo ser necessariamente
adotado o leasing financeiro, sob pena de perda do direito à dedução das
contraprestações, mas eventual prejuízo decorrente da venda do bem à
arrendadora não será dedutível na determinação do lucro real, segundo o art.
9º, § único da Lei 6.099/74. O proprietário vende o bem à arrendadora e passa
à condição de arrendatário, liberando o capital imobilizado para convertê-lo
em dinheiro. A modalidade está reproduzida no art. 13 da Resolução 2.309/96:
“Art. 13. As operações de arrendamento mercantil contratadas
com o próprio vendedor do bem ou com pessoas a ele coligadas ou
interdependentes somente podem ser contratadas na modalidade de
arrendamento mercantil financeiro, aplicando-se a elas as mesmas
condições fixadas neste Regulamento.
§ 1º As operações de que trata este artigo somente podem ser
realizadas com pessoas jurídicas, na condição de arrendatárias.
§ 2º Os bancos múltiplos com carteira de investimento, de
desenvolvimento e/ou de crédito imobiliário, os bancos de
investimento, os bancos de desenvolvimento, as caixas econômicas
e as sociedades de crédito imobiliário também podem realizar as
operações previstas neste artigo.”
Tal hipótese distingue-se da vedação contida no art. 2º da Lei 6.099/74, eis
que o mesmo subtrai do tratamento tributário conferido pela lei a contratação
do arrendamento mercantil com (1) o fabricante, e não com o vendedor; ou (2)
entre pessoas jurídicas direta ou indiretamente coligadas ou interdependentes,
o que também não é o caso, por dizer respeito à relação entre arrendadora e
arrendatária e não entre arrendatária e vendedor.
Tampouco o art. 28 da Resolução 2.309/96 veda a identidade entre
arrendatária e vendedor do bem, já que pretende regular a relação entre
arrendadora e arrendatária ao se reportar a “operações de arrendamento mercantil”
e não a operação de compra e venda:
Art. 28. Às sociedades de arrendamento mercantil e às instituições
financeiras citadas no artigo 13 deste Regulamento é vedada a
contratação de operações de arrendamento mercantil com:

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I – pessoas físicas e jurídicas coligadas ou interdependentes;


II – administradores da entidade e seus respectivos cônjuges e parentes
até o segundo grau;
III – o próprio fabricante do bem arrendado.”
No lease back, ampliam-se, a nosso ver, as sociedades aptas a figurarem
como arrendadoras, que passam a abranger, além dos bancos múltiplos com
carteira de arrendamento mercantil e as sociedades de arrendamento mercantil
autorizadas pelo Banco Central, também os bancos múltiplos com carteira de
investimento, desenvolvimento ou crédito imobiliário, os bancos de investimento,
de desenvolvimento, caixa econômica ou sociedade de crédito imobiliário.
De se notar que, na espécie, perde relevância a figura do vendedor, pois
o bem é previamente de propriedade do arrendatário, que se mantém com o
mesmo após o arrendamento mercantil, mas na condição de mero possuidor.

4.3. Arrendamento mercantil operacional.


O leasing operacional, segundo Maria Helena Diniz12 é “comumente
equiparado ao renting permitido pela Lei nº 7.132/83. Por rigorismo técnico
distinguimos leasing operacional de renting. O leasing operacional é realizado com
bens adquiridos pelo locador junto a terceiro, sendo dispensável a intervenção de
instituição financeira, que poderá efetivá-lo se autorizada pelo Conselho Monetário
Nacional (Resolução 2.309/96, arts. 6º e 8º, II). O mesmo material, mantido em
estoque pelo locador, pode ser alugado várias vezes a locatários diversos. O locador
compromete-se a prestar serviços de manutenção do bem locado. E esse contrato
pode ser rescindido pelo locatário a qualquer tempo. Ter-se-á renting se se tratar de
arrendamento feito diretamente com o fabricante, dispensado-se o intermediário, por
dizer respeito a produtos de grande aceitação no mercado, embora possam se tornar
obsoletos em pouco tempo, como, p.ex., certos artigos eletrônicos, eletrodomésticos,
equipamentos técnicos. É contrato que se liga a cláusula de assistência técnica aos bens
alugados, não sendo necessário o pacto de reserva do direito de opção para a compra
dos bens. (...)” Em suma, no renting, a empresa, proprietária de certos bens, os dá em
arrendamento à pessoa jurídica.

12 Op. cit., p. 678.

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A autora salienta a distinção entre o arrendamento mercantil operacional,


rescindível a qualquer tempo, e o financeiro, impassível de ser rescindido
unilateralmente, sem que se obrigue a arrendatária ao pagamento de todas as
prestações.
Há uma tendência a se equiparar o renting ao leasing operacional, mas
o enquadramento legal no Brasil não lhes dispensa o mesmo tratamento
tributário, eis que a Lei nº 9.066/74 proíbe o arrendamento mercantil com o
próprio fabricante. Em verdade, o que a Resolução 2.309/96 chama de leasing
operacional, privativo dos bancos múltiplo e das sociedades de arrendamento
mercantil, aproxima-se do leasing financeiro, embora contenha elementos que
lhe imprimem com mais força caracteres presentes na locação e no renting.
Na hipótese de leasing operacional, segundo o art. 6º da Resolução 2.309/96,
na redação dada pela Resolução 2.465/98, as contraprestações devem incluir o
custo e os serviços prestados pela arrendadora indispensáveis à disponibilização
e funcionamento do bem, limitando-se a 90% do custo do bem o valor presente
das contraprestações e o período do arrendamento não pode ser superior a 75%
da vida útil do bem. A manutenção do bem arrendado cumpre a qualquer um dos
contratantes, sendo usual a obrigação correr por conta da arrendadora, a opção
de compra deve se pautar pelo preço de mercado do bem e não há estipulação do
VRG – valor residual de garantia.
Segundo Fábio Ulhoa Coelho13, a distinção principal em relação ao
leasing financeiro reside no valor da opção de compra, que tende a ser menor no
leasing financeiro. As características do leasing operacional o aproximam mais
de uma locação, levando-se em consideração a tendência de um maior valor
para a opção de compra em relação ao financeiro, a desestimular o exercício
do direito pelo arrendatário.
Como se vê, a resolução, para distinguir o arrendamento mercantil
operacional do financeiro, estabelece, em relação ao primeiro, uma limitação ao
total das prestações e ao período máximo do arrendamento, a possibilidade de
uma cláusula prevendo o serviço de manutenção e assistência pela arrendadora e a
necessidade de o valor da opção de compra se dar pelo valor de mercado do bem.

13 Op, cit., p. 167-168

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564 - As novas regras contábeis trazidas pela Lei ...

A principal função do contrato, cujo prazo mínimo é de 90 dias, bem


inferior aos prazos do arrendamento mercantil financeiro, seria o de permitir o
uso do bem por períodos curtos de tempo, o que possibilita novos arrendamentos,
privilegiando-se a cessão de uso, não devendo escapar, todavia, o fato de que a
previsão do direito à opção de compra permite também, como no financeiro, a
translação da propriedade, sendo igualmente facultada à arrendatária a tripla
escolha: renovar o contrato, com pagamentos reduzidos, tendo em vista a
depreciação do bem; por fim ao contrato; ou exercer a opção de compra.
O arrendamento mercantil operacional é privativo dos bancos múltiplos
com carteira de arrendamento mercantil e das sociedades de arrendamento
mercantil, segundo o art. 6º, § 1º da Resolução 3.209/96. O leasing operacional,
se contratado com o próprio fabricante, embora não seja vedado, s.m.j., não é
beneficiário do tratamento conferido pela Lei nº 6.099/74, art. 2º, de modo
que, em tal hipótese, as contraprestações não serão consideradas despesas
dedutíveis do IRPJ e da CSLL, ao contrário do que se dá com a locação pura,
desde que o bem seja necessário e relacionadas ao desempenho das atividades
que constituem o objeto social da empresa.
Todavia, se atendidos os requisitos legais, as contraprestações do arrendamento
mercantil operacional são dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, já que
o art. 6º da Resolução 2.309/96, regulamentando a Lei nº 6.099/74, ao sistematizar
o leasing operacional, não pretende, e nem poderia, criar uma nova modalidade
de leasing que já não estivesse contemplada na lei, se não discriminar uma espécie
de arrendamento mercantil que àquela se adequasse, devendo-se atribuir, por
conseguinte, ao leasing operacional os mesmos benefícios tributários conferidos
ao leasing financeiro, eis que derivados da lei.

4.4. Self leasing.


Uma das hipóteses de não aplicação dos benefícios da lei que disciplina
o arrendamento mercantil diz respeito ao self leasing (leasing consigo mesmo),
que se dá quando as partes do contrato de leasing forem as mesmas; direta
ou indiretamente coligadas ou interdependentes, nos termos do art. 27 da
Resolução 2.309/96; ou, ainda, quando a arrendadora for o próprio fabricante
(lessor manufacture). Nessas hipóteses, o art. 2º da Lei 6.099/74, assim como o
art. 28, III da Resolução 2.309/96, não admitem o tratamento fiscal conferido
ao arrendamento mercantil, devendo ser tratada a operação como compra e

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venda a prazo, por força do art. 11, § 1º da lei. Confiram-se o artigo 2º da lei
e o art. 27 da resolução em comento:
“Art 2º Não terá o tratamento previsto nesta Lei o arrendamento
de bens contratado entre pessoas jurídicas direta ou indiretamente
coligadas ou interdependentes, assim como o contratado com o
próprio fabricante.
§ 1º O Conselho Monetário Nacional especificará em regulamento
os casos de coligação e interdependência”
“Art. 27. Para os fins do artigo 2º, § 1º, da Lei n. 6.099, de 12 de
setembro de 1974, e deste Regulamento, considera-se coligada ou
interdependente a pessoa:
I – em que a entidade arrendadora participe, direta ou indiretamente,
com 10% (dez por cento) ou mais do capital;
II – em que administradores da entidade arrendadora, seus cônjuges e
respectivos parentes até o 2º (segundo) grau participem, em conjunto
ou isoladamente, com 10% (dez por cento) ou mais do capital, direta
ou indiretamente;
III – em que acionistas com 10% (dez por cento) ou mais do capital
da entidade arrendadora participem com 10% (dez por cento) ou mais
do capital, direta ou indiretamente;
IV – que participar com 10% (dez por cento) ou mais do capital da
entidade arrendadora, direta ou indiretamente;
V – cujos administradores, seus cônjuges e respectivos parentes até
o segundo grau participem, em conjunto ou isoladamente, com 10%
(dez por cento) ou mais do capital da entidade arrendadora, direta ou
indiretamente;
VI – cujos sócios, quotistas ou acionistas com 10% (dez por cento) ou
mais do capital participem também do capital da entidade arrendadora
com 10% (dez por cento) ou mais de seu capital, direta ou indiretamente;
VII – cujos administradores, no todo ou em parte, sejam os mesmos
da entidade arrendadora.”
No caso de subarrendamento, verifica-se uma hipótese de coligação ou
interdependência a afastar o enquadramento da operação como arrendamento
mercantil. O art. 17 da Resolução nº 2.309/96 proíbe que haja coligação

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566 - As novas regras contábeis trazidas pela Lei ...

ou interdependência entre a arrendadora no exterior e a subarrendatária


domiciliada no país, ou seja, a que figura como arrendatária na operação
interna: em virtude de contratar arrendamento mercantil (subarrendamento)
com um banco múltiplo com carteira de arrendamento mercantil ou sociedade
de arrendamento mercantil (subarrendadores, que figuravam na posição de
arrendatários em relação à arrendadora no exterior – art. 15 da Resolução nº
2.309/96); ou em virtude de subarrendamento por meio da cessão dos direitos
e obrigações por parte de um banco múltiplo com carteira de arrendamento
mercantil ou sociedade de arrendamento mercantil (subarrendadores, que
figuravam na posição de arrendatários em relação à arrendadora no exterior –
art. 16 da Resolução nº 2.309/96). É ver:
“Art. 15. Os bancos múltiplos com carteira de arrendamento mercantil
e as sociedades de arrendamento mercantil podem realizar operações
de arrendamento com entidades domiciliadas no exterior, com vistas
unicamente ao posterior subarrendamento dos bens a pessoas jurídicas,
no País.
Parágrafo único. As operações de arrendamento previstas neste artigo
estão sujeitas a registro no Banco Central do Brasil.
Art. 16. É facultada aos bancos múltiplos com carteira de
arrendamento mercantil e às sociedades de arrendamento mercantil
a aquisição, no mercado interno, de direitos e obrigações decorrentes
de contratos de arrendamento celebrados com entidades no exterior,
com a finalidade exclusiva de posterior subarrendamento dos bens,
nos termos do artigo anterior.
Art. 17. São vedadas as operações de quando houver coligação, direta
ou indireta, ou interdependência entre a arrendadora domiciliada no
exterior e a subarrendatária domiciliada no País, nos termos do artigo
27 deste Regulamento.”
Há exceção à proibição de coligação ou interdependência, quando a
mesma se dá entre entidade domiciliada no exterior e sociedade arrendatária
subarrendadora domiciliada no país. Assinala Arnaldo Rizzardo,14 que:
“Nesta hipótese, como se verá, o próprio § 2º do art. 16 evidencia, os bens objeto do
contrato são produzidos no exterior. A empresa arrendatária os subarrenda a uma

14 Op. cit., p. 46.

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pessoa jurídica, tornando-se arrendante desta, e da qual está coligada.” A conclusão


decorreria do art. 16 da Lei nº 6.099/74, na redação dada pela Lei nº 7.132/83,
que assim dispõe:
“Art. 16 – Os contratos de arrendamento mercantil celebrado com
entidades domiciliadas no exterior serão submetidos a registro no
Banco Central do Brasil. (Redação dada pela Lei nº 7.132, de 1983)
1º – O Conselho Monetário Nacional estabelecerá as normas para
a concessão do registro a que se refere este artigo, observando as
seguintes condições:
a) razoabilidade da contraprestação e de sua composição;
b) critérios para fixação do prazo de vida útil do bem;
c) compatibilidade do prazo de arrendamento do bem com a sua vida útil;
d) relação entre o preço internacional do bem o custo total do
arrendamento;
e) cláusula de opção de compra ou renovação do contrato;
f) outras cautelas ditadas pela política econômico-financeira nacional. )
2º – Mediante prévia autorização do Banco Central do Brasil,
segundo normas para este fim expedidas pelo Conselho Monetário
Nacional, os bens objeto das operações de que trata este artigo
poderão ser arrendados a sociedades arrendadoras domiciliadas no
País, para o fim de subarrendamento.
3º – Estender-se-ão ao subarrendamento as normas aplicáveis aos
contratos de arrendamento mercantil celebrados com entidades
domiciliadas no exterior.
4º – No subarrendamento poderá haver vínculo de coligação ou de
interdependência entre a entidade domiciliada no exterior e a sociedade
arrendatária subarrendadora, domiciliada no País.
5º – Mediante as condições que estabelecer, o Conselho Monetário
Nacional poderá autorizar o registro de contratos sem cláusula de
opção de compra bem como fixar prazos mínimos para as operações
previstas neste artigo.”
Em nosso entendimento, a exegese do dispositivo indica a inexistência de
vedação à interdependência ou coligação entre a arrendadora no exterior e a

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568 - As novas regras contábeis trazidas pela Lei ...

arrendatária subarrendadora domiciliada no País, mas não entre a arrendadora


no exterior e a subarrendatária no Brasil.

5. A tributação do arrendamento mercantil no


âmbito do PIS/COFINS não cumulativo
No que tange ao âmbito do PIS/COFINS não cumulativos, na hipótese de
lease back, há vedação à apuração de créditos referentes às contraprestações do
arrendamento mercantil, segundo se colhe do art. 31, § 3º, da Lei 10.865/2004,
que veda o creditamento em relação ao bem que já tiver integrado o patrimônio
da pessoa jurídica arrendatária:
“Art. 31. É vedado, a partir do último dia do terceiro mês
subseqüente ao da publicação desta Lei, o desconto de créditos
apurados na forma do inciso III do § 1º do art. 3º das Leis nos
10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro
de 2003, relativos à depreciação ou amortização de bens e direitos
de ativos imobilizados adquiridos até 30 de abril de 2004.
(...)
§ 3º É também vedado, a partir da data a que se refere o caput,
o crédito relativo a aluguel e contraprestação de arrendamento
mercantil de bens que já tenham integrado o patrimônio da pessoa
jurídica.”
De resto, na órbita do PIS/COFINS não cumulativos, os arts. 3º, V, das
Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 permitem o creditamento do PIS e da COFINS
sobre o valor das contraprestações de operações de arrendamento mercantil.
No que tange ao creditamento relativo à depreciação, entendemos que o fato
de o bem arrendado ser contabilizado no ativo imobilizado da arrendatária, por
determinação da Lei 11.638/2007, não lhe transfere o direito a usufruir do crédito,
que permanece com a arrendadora, como prescreve a Lei nº 6.099/74. Todavia,
tem a arrendatária o direito de se creditar da depreciação sobre benfeitorias que
tenha efetuado em bens arrendados, por força dos arts. 3º, VII c/c arts. 3, § 1º,
III, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003:
“Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá
descontar créditos calculados em relação a: 
(...)

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V – valor das contraprestações de operações de arrendamento


mercantil de pessoa jurídica, exceto de optante pelo Sistema Integrado
de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das
Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES;
VI – máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo
imobilizado, adquiridos ou fabricados para locação a terceiros, ou para
utilização na produção de bens destinados à venda ou na prestação de
serviços; (Redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005)
VII – edificações e benfeitorias em imóveis próprios ou de terceiros,
utilizados nas atividades da empresa;
(...)
§ 1º Observado o disposto no § 15 deste artigo, o crédito será
determinado mediante a aplicação da alíquota prevista no caput do
art. 2º desta Lei sobre o valor:
(...)
III – dos encargos de depreciação e amortização dos bens mencionados
nos incisos VI e VII do caput, incorridos no mês;”
Quer nos parecer que as novas regras de contabilização não são hábeis a
alterar o quadro legal que rege a tributação do arrendamento mercantil, pelas
razões a seguir aduzidas.

6. Alterações contábeis promovidas pela Lei


nº 11.638/2007 e o CPC 06. A prevalência
da essência econômica sobre a forma jurídica é
critério de contabilização, e não de tributação,
do arrendamento mercantil
Uma vez examinado de forma sintética o tratamento jurídico do
arrendamento mercantil e alguns aspectos tributários a ele atinentes, cumpre
verificar se as alterações promovidas pela Lei nº 11.638/2007 têm a finalidade
e o condão de alterar a sua disciplina tributária.
Ajustando-se às novas regras de contabilização trazidas pela Lei nº
11.638/2007, no que diz respeito ao do arrendamento mercantil, foi emitido
o CPC nº 6, pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis, elucidado pela a
Orientação Técnica nº 2, que ao tratar do arrendamento mercantil, esclareceu

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570 - As novas regras contábeis trazidas pela Lei ...

que a sua classificação contábil deve se pautar pela verificação da distribuição


dos riscos e benefícios inerentes à propriedade entre arrendador e arrendatário.
O bem arrendado deve ser considerado vendido no caso do leasing financeiro
e registrado no começo do prazo do arrendamento mercantil como ativo e passivo
na contabilidade do arrendatário pelo valor presente dos fluxos de pagamentos
negociados ou o valor justo do bem, se este for menor, ambos determinados no início
do arrendamento mercantil. O CPC 06 estabelece, ainda, que custos diretos iniciais,
freqüentemente incorridos em relação às atividades específicas de arrendamento
mercantil, tais como os de negociação e os de garantia de acordos de arrendamento
mercantil, se identificados como diretamente atribuíveis às atividades executadas
pelo arrendatário, sejam adicionados ao valor do ativo.
A contabilização do arrendamento mercantil considerado financeiro
passa a demonstrar de forma visível o endividamento da arrendatário, bem
como o valor do ativo representado pelo bem arrendado. Assim, sob o enfoque
contábil, a operação é tratada como compra e venda financiada, sendo parte
das contraprestações classificadas como despesa relativa a encargos financeiros
e parte como amortização parcial do saldo devedor da dívida. Além disso, o
ativo objeto do arrendamento mercantil é depreciado pela sua vida útil, e não
pelo prazo do contrato, se o leasing for financeiro.
Sob a ótica do arrendador, o ativo objeto de arrendamento mercantil
financeiro deve ser contabilizado como conta a receber por valor igual ao
investimento líquido no arrendamento mercantil (item 36 do CPC 06), o qual
consiste no investimento bruto no arrendamento mercantil descontado pela taxa
de juros implícita. Investimento bruto no arrendamento mercantil, a seu turno,
é a soma dos pagamentos mínimos do arrendamento mercantil a receber pelo
arrendador segundo um arrendamento mercantil financeiro e de qualquer valor
residual não garantido atribuído ao arrendador. Os pagamentos mínimos do
arrendamento mercantil são os pagamentos durante o prazo do arrendamento
mercantil que o arrendatário faça, ou que lhe possam ser exigidos que faça,
excluindo pagamento contingente, custos relativos a serviços e impostos a serem
pagos pelo arrendador e a ele serem reembolsados, juntamente com qualquer
valor residual garantido ao arrendador (item 04 do CPC 06).
Os pagamentos do arrendamento mercantil financeiro a serem recebidos
devem ser tratados pelo arrendador como amortização de capital e receita
financeira para reembolsá-lo e recompensá-lo pelo investimento e serviços. Os

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custos diretos iniciais são incluídos na mensuração inicial da conta a receber de


arrendamento mercantil financeiro e reduzem o valor da receita reconhecida
durante o prazo do arrendamento mercantil (item 38 do CPC 06). A taxa
de juros implícita no arrendamento mercantil é definida de tal forma que
os custos diretos iniciais são automaticamente incluídos na conta a receber
de arrendamento mercantil financeiro e não há necessidade de adicioná-los
separadamente (item 38 do CPC 06). O reconhecimento da receita financeira
deve basear-se em modelo que reflita a taxa de retorno periódica constante sobre
o investimento líquido do arrendador no arrendamento mercantil financeiro
(item 39 do CPC 06). Os pagamentos do arrendamento mercantil relacionados
ao período, excluindo custos de serviços, são aplicados ao investimento bruto
no arrendamento mercantil para reduzir tanto o principal quanto as receitas
financeiras não realizadas (item 40 do CPC 06).
Se o arrendamento mercantil for considerado operacional para fins
contábeis, a arrendadora mantém o bem em seu ativo e ela e a arrendatária
devem reconhecer a receita e a despesa respectivamente, em prestações
constantes, ainda que assim não tenha sido estipulado no contrato, hipótese
em que a depreciação se dará durante o prazo do arrendamento mercantil ou
da sua vida útil, o que for menor. É o que se infere, em linhas gerais, dos itens
62 a 68 da referida orientação técnica e do CPC 06:
“62. Esse Pronunciamento foi aprovado pela CVM no. 554/2008,
Circular SUSEP 379/08, e pela Resolução CFC no. 1.141/2008,
estando em vigência para as demonstrações contábeis dos exercícios
sociais encerrados a partir do exercício findo em 31 de dezembro
de 2008. Por esse Pronunciamento, a Essência precisa prevalecer
sobre a Forma na classificação e na contabilização das operações
de arrendamento mercantil, como deve ocorrer, aliás, em todas as
transações. Quando os riscos e benefícios inerentes à propriedade
de um ativo arrendado são transferidos ao arrendatário, a operação
deve ser contabilizada como venda financiada. Se permanecem no
arrendador, deve ser reconhecida como arrendamento operacional.
A essência é a base da análise, da classificação e da contabilização, e
não a forma jurídica apresentada no contrato se esta não representar
a essência econômica da transação.
63. Quando o arrendamento mercantil é operacional, a arrendadora
mantém o bem arrendado em seu ativo e ela e a arrendatária devem

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572 - As novas regras contábeis trazidas pela Lei ...

reconhecer a receita e a despesa, respectivamente, numa linha reta, ou seja,


em prestações constantes, mesmo que os pagamentos não sejam assim
estipulados – ou seja, mesmo no caso de arrendamento operacional, se o
contrato prever, por exemplo, 30% do pagamento na primeira prestação,
mais 12% na última, e os restantes 58% distribuídos 1% ao mês durante
os outros 58 meses de um contrato de 5 anos, contabilmente não se
poderá registrar, na arrendadora, a receita de 30% no primeiro mês, o
mesmo com despesa na arrendatária etc. Será necessário que o total seja
distribuído, como receita numa e despesa na outra, à base de 1/60 por mês.
64.Quando o arrendamento for classificado como financeiro, o
bem será tratado como vendido pela arrendadora ou um terceiro
diretamente à arrendatária, que o ativará e reconhecerá sua dívida
perante a arrendadora, e esta classificará o desembolso como um
recebível. O valor dessa transação será o valor presente dos fluxos de
pagamento negociados, ou o valor justo do bem se este for menor.
Assim, se houver uma contratação de arrendamento mercantil
financeiro por uma taxa que seja visivelmente abaixo da do mercado
considerando a transação, a garantia e o risco do devedor, o valor
presente das prestações produzirá um valor diferente do que o valor
normalmente praticado para venda a vista do bem. Nesse caso o
arrendatário ativará o bem pelo valor presente calculado, já que
esse representará melhor seu efetivo custo de aquisição. E, com o
decorrer do tempo, a diferença entre esse valor e o valor total pago
será registrado como despesa financeira, evidenciando uma taxa de
juros consentânea com o mercado na data da transação, e não uma
taxa de juros irrealista colocada de forma implícita no contrato. Se o
arrendador for o próprio vendedor, reconhecerá também uma receita
de venda pelo valor presente, diferente do que o praticado para venda
a vista, evidenciando uma negociação por um preço especial.
65. Os pagamentos das prestações do arrendamento mercantil
financeiro não se caracterizam uma despesa e, dessa forma serão
registradas: parte como amortização parcial do saldo devedor da dívida
e parte como pagamento de encargos financeiros. O ativo deve ser
depreciado pela sua vida útil, e não pelo prazo do contrato.
66. Ao longo do tempo, o total das despesas numa forma ou na outra
é o mesmo, mas sua distribuição temporal pela adoção da nova prática
contábil fica economicamente mais apropriada e, além disso, o balanço

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patrimonial da arrendatária apresentará em seu ativo imobilizado os


ativos que usa e que estão sob seu controle (assumindo os riscos e
benefícios) para produzir seus bens e serviços, bem como apresentará
sua dívida decorrente dos compromissos assumidos.
67. No CPC 06 a figura do arrendador é genérica, não se restringindo
à de uma sociedade de arrendamento mercantil, a um banco ou
semelhante, podendo figurar como arrendador o próprio fabricante
do bem ou um terceiro qualquer.
68. Para a primeira aplicação desse Pronunciamento, os ajustes
precisam ser retroativos, ou seja, precisa-se reelaborar o balanço de
abertura como se essa contabilização houvesse sido sempre praticada,
tudo contra Lucros ou Prejuízos Acumulados.”
Consoante se dessume do excerto supra, a disciplina contábil do
arrendamento mercantil desvincula-se de sua disciplina jurídico-tributária,
privilegiando a apreensão do fenômeno sob o prisma econômico-financeiro,
independentemente dos critérios jurídicos que norteiam o enquadramento legal
do instituto em apreço. A assertiva se confirma, pela predominância da essência
econômica sobre a forma jurídica; pela forma genérica como o CPC 06 trata
a figura do arrendador, abrangendo o próprio fabricante e o comerciante, bem
como pela definição adotada de arrendamento mercantil, que engloba contratos
por vezes conhecidos por contratos de aluguel-compra; pela equiparação do
leasing financeiro a uma compra e venda financiada; e pela possibilidade de o
mesmo arrendamento mercantil ser classificado de modo distinto pelas partes
(item 9 do CPC 06), em virtude de o arrendador se beneficiar de uma garantia
de valor residual proporcionada por uma parte não relacionada ao arrendatário.
Os critérios de contabilização do bem arrendado não encontram respaldo
nas determinações da Lei nº 6.099/74 e da Resolução 2.309/96, uma vez que o
CPC 06 trata a operação, no caso do leasing financeiro, como compra e venda
financiada, o que, pela disciplina jurídica do arrendamento mercantil, se daria
somente em caso de violação a algum dispositivo da Lei nº 6.099/74.
Infere-se, entre outros, dos itens 07 e 08 do CPC 06, que a contabilização
está calcada na extensão em que os riscos e benefícios inerentes à propriedade
do ativo arrendado permaneçam no arrendador ou arrendatário. Confira-se:
“7. A classificação de arrendamentos mercantis adotada neste
Pronunciamento baseia-se na extensão em que os riscos e benefícios
inerentes à propriedade de ativo arrendado permanecem no

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574 - As novas regras contábeis trazidas pela Lei ...

arrendador ou no arrendatário. Os riscos incluem as possibilidades


de perdas devidas à capacidade ociosa ou obsolescência tecnológica
e de variações no retorno em função de alterações nas condições
econômicas. Os benefícios podem ser representados pela expectativa de
funcionamento lucrativo durante a vida econômica do ativo e de ganhos
derivados de aumentos de valor ou de realização do valor residual.
8. Um arrendamento mercantil é classificado como financeiro se ele
transferir substancialmente todos os riscos e benefícios inerentes
à propriedade. Um arrendamento mercantil é classificado como
operacional se ele não transferir substancialmente todos os riscos e
benefícios inerentes à propriedade.”
É visível, ainda, que os itens nº 10 e 11 do CPC 06, assim como os demais que
o compõem, procuram extrair dos aspectos econômicos da operação as bases para
classificar, sob o prisma contábil, o arrendamento mercantil. Para tanto, exemplificam
hipóteses de transferência ao arrendatário dos riscos e benefícios do contrato que
ensejaria sua classificação como financeiro. Os critérios de contabilização deixam
em segundo plano o negócio jurídico em si mesmo, para privilegiarem as situações
fáticas a ele subjacentes, ou expectativas acerca delas, tais como: a expectativa
razoavelmente certa de transferência da propriedade ao final do contrato; o preço
esperado para o exercício da opção de compra suficientemente mais baixo do que
o valor justo; o prazo do arrendamento mercantil correspondente à maior parte da
vida econômica do bem, mesmo que não transferida a propriedade; o valor presente
dos pagamentos mínimos do arrendamento no início do arrendamento mercantil
pelo menos igual ao valor justo do ativo; as perdas em virtude de cancelamento
suportadas pelo arrendatário; os ganhos ou as perdas da flutuação no valor justo
do valor residual atribuídos ao arrendatário. É ver:
“10. A classificação de um arrendamento mercantil como
arrendamento mercantil financeiro ou arrendamento mercantil
operacional depende da essência da transação e não da forma
do contrato. Exemplos de situações que individualmente ou em
conjunto levariam normalmente a que um arrendamento mercantil
fosse classificado como arrendamento mercantil financeiro são:
(a) o arrendamento mercantil transfere a propriedade do ativo para o
arrendatário no fim do prazo do arrendamento mercantil;
(b) o arrendatário tem a opção de comprar o ativo por um preço que se
espera seja suficientemente mais baixo do que o valor justo à data em

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Sacha Calmon Navarro Coêlho & Eduardo Junqueira Coelho - 575

que a opção se torne exercível de forma que, no início do arrendamento


mercantil, seja razoavelmente certo que a opção será exercida;
(c) o prazo do arrendamento mercantil refere-se à maior parte da vida
econômica do ativo mesmo que a propriedade não seja transferida;
(d) no início do arrendamento mercantil, o valor presente dos
pagamentos mínimos do arrendamento mercantil totaliza pelo menos
substancialmente todo o valor justo do ativo arrendado; e
(e) os ativos arrendados são de natureza especializada de tal forma
que apenas o arrendatário pode usá-los sem grandes modificações.
11. Os indicadores de situações que individualmente ou em
combinação também podem levar a que um arrendamento mercantil
seja classificado como arrendamento mercantil financeiro são:
(a) se o arrendatário puder cancelar o arrendamento mercantil, as
perdas do arrendador associadas ao cancelamento são suportadas pelo
arrendatário;
(b) os ganhos ou as perdas da flutuação no valor justo do valor
residual são atribuídos ao arrendatário (por exemplo, na forma de
abatimento que equalize a maior parte do valor da venda no fim
do arrendamento mercantil); e
(c) o arrendatário tem a capacidade de continuar o arrendamento
mercantil por um período adicional com pagamentos que sejam
substancialmente inferiores ao valor de mercado.
Noutro giro, o item 12 do CPC 06 trata de hipótese de classificação
do arrendamento como operacional, em decorrência da não transferência
substancial dos riscos e benefícios, se, ao final do contrato, “a propriedade do
ativo se transferir mediante pagamento variável igual ao valor justo no momento,
ou se há pagamentos contingentes, como resultado dos quais o arrendatário não tem
substancialmente todos os riscos e benefícios.”
As normas delineadas supra são de índole indiscutivelmente contábil e,
como tais, não se prestam ao tratamento jurídico do leasing e à sua tributação,
sob pena de se adotar a interpretação econômica do Direito Tributário, repelida
pelo nosso ordenamento jurídico, ao contrário da Alemanha e Argentina, v.g,
que a prevêem expressamente. Ademais, nem sempre o leasing, ainda que
financeiro, transmite a propriedade, o que estará condicionado ao exercício

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576 - As novas regras contábeis trazidas pela Lei ...

da opção de compra e ao cumprimento das obrigações pelo arrendatário,


abrangendo o pagamento das contraprestações e do VRG.
Deve prevalecer a regulação tributária do arrendamento mercantil nos moldes
estabelecidos pela Lei nº 6.099/74, a uma, porque a nova redação dada ao art. 179,
IV, da Lei das S.A. pela Lei nº 11.638/2007 tem como objeto a contabilização dos
bens corpóreos decorrentes de operações que transfiram à companhia os benefícios,
riscos e controle desses bens e, não, o seu tratamento tributário; a duas, porque,
ainda que pretendesse produzir efeitos tributários, não seria compatível com o
ordenamento jurídico brasileiro, que repudia a interpretação econômica em matéria
tributária; e a três, porque, o arrendamento mercantil já é objeto de sistematização
legal específica, enquanto o novel o art. 179, IV, da Lei das S.A. veicula norma
mais genérica do que a atualmente existente, sem trazer todos os comandos que
a regulação legal da matéria reclama, devendo prevalecer as normas que tratam
especificamente do arrendamento mercantil.
Vale realçar que o sistema jurídico brasileiro na área Direito Tributário
exaltou a tipicidade ou especificidade conceitual (exaustão na lei da situação
tributável, descrita em suas notas específicas, sem as quais não subsiste
a obrigação tributária) e baniu com veemência a analogia, como técnica
integrativa ou como fator de equalização tributária, afastando, dessarte,
qualquer tipo de norma geral antielisiva. A uma, porque toda norma desse
tipo recorre, necessariamente à analogia imprópria e a duas, porque é imposto
à Administração aplicar a lei fiscal nos limites dos fatos geradores descritos na
norma jurídico-tributária (legalidade material e lançamento secundum legem).
Às luzes do art. 109 do CTN, entre nós, para evitar o uso lícito das
formas de direito privado, deu-se ao legislador, e somente a ele, o poder de
atribuir efeitos fiscais a atos e negócios jurídicos, não-tributáveis, equivalentes
aos previstos para atos e negócios tributados, com o fito de combater a evasão
(cláusula especial e legislada). Quanto ao abuso das formas de Direito Privado
com a utilização de dolo, fraude e simulação (ilicitude), permite a lei brasileira
a desqualificação das formas simuladas ou dissimuladoras
A jurisprudência já pacificou que o contrato de leasing não pode ser
equiparado – salvo os casos de simulação – à compra e venda. Por todos:
“TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA – ARRENDAMENTO
MERCANTIL – LEASING – DESCARACTERIZAÇÃO DO
CONTRATO PELO FISCO.

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Sacha Calmon Navarro Coêlho & Eduardo Junqueira Coelho - 577

1. A jurisprudência tem entendido que o contrato de leasing deve ser


respeitado como tal, em nome do princípio da liberdade de contratar.
2. Somente quando o leasing estiver contemplado em uma das
situações de repúdio, previstas na Lei 6.099/74 (artigos, 2º, 9º, 11, §
1º, 14 e 23), é que se tem autorização legal para a descaracterização
do arrendamento mercantil e imputação das conseqüências.
3. Recurso especial improvido.”
(STJ, REsp nº 390.286 – RS (2001/0179891-7), Relatora Ministra
Eliana Calmon, j. 19.09.2002)
 TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA – LEASING:
DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO PELO FISCO.
1. A jurisprudência tem entendido que o contrato de leasing deve ser
respeitado como tal, em nome do princípio da liberdade de contratar.
2. Somente quando o leasing estiver contemplado em uma das
situações de repúdio, pela Lei 6.099/74 (artigos, 2º, 9º, 11, § 1º,
14 e 23) é que se tem autorização legal para a descaracterização e
imputação das conseqüências.
3. Recurso especial improvido.
(REsp 229.986/SC – Rel. Min. Eliana Calmon – Segunda Turma –
Unânime – DJ de 01.10.2001 – Pág. 185)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO AO
ART. 535, CPC. INEXISTÊNCIA. “LEASING”. IMPOSTO DE
RENDA. DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO EM
COMPRA E VENDA. INOCORRÊNCIA.
1. Inexiste violação ao art. 535, do CPC, na rejeição de embargos
declaratórios com propósito de prequestionamento se o embargante não
apontou nenhum dos vícios elencados no mencionado dispositivo legal.
2. O contrato de leasing, em nosso ordenamento jurídico, é um negócio jurídico
complexo definido, no art. 1º, da Lei nº 6.099, de 12.09.1974, com as
alterações introduzidas pela Lei nº 7.132, de 26.10.1983, como um ‘Negócio
jurídico realizado entre pessoas jurídicas, na qualidade de arrendadora,
e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária e que tenha por
objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora segundo
especificações da arrendatária para uso próprio desta’.

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578 - As novas regras contábeis trazidas pela Lei ...

3. Por tais características, o referido contrato só se transmuda em


forma dissimulada de compra e venda quando, expressamente, ocorrer
violação da própria lei e da regulamentação que o rege.
4. Não havendo nenhum dispositivo legal considerando como
cláusula obrigatória para a caracterização do contrato de leasing
a que fixe valor específico de cada contraprestação, há de se
considerar como sem influência, para a definição de sua natureza
jurídica, o fato das partes ajustarem valores diferenciados ou até
mesmo simbólicos para efeitos da opção de compra.
5. O Banco Central, por permissão legal, na Resolução nº 2.309, de
28.08.1996, considera arrendamento mercantil financeiro a modalidade
em que:
‘I – As contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato,
devidos pela arrendatária, sejam normalmente suficientes para que
a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo
contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre
os recursos investidos;
II – as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços
correlatos à operacionalidade do bem arrendado sejam de
responsabilidade da arrendatária;
III – o preço para o exercício da opção de compra seja livremente
pactuado, podendo ser, inclusive, o valor do mercado do bem
arrendado’.
6. Contrato de leasing, compondo todos os elementos acima
anunciados, firmado livremente pelas partes, não pode ser
descaracterizado pelo Fisco para fins tributários como sendo de
compra e venda, passando a não aceitar as prestações pagas como
despesas dedutíveis.
7. A descaracterização do contrato de leasing só pode ocorrer quando
fique devidamente evidenciada uma das situações previstas em lei,
no caso, as elencadas nos arts. 2º, 9º, 11, § 1º, 14 e 23, da Lei nº
6.099/74. Fora desse alcance legislativo, impossível ao Fisco tratar o
contrato de leasing, por simples entendimento de natureza contábil,
como sendo de compra e venda.

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Sacha Calmon Navarro Coêlho & Eduardo Junqueira Coelho - 579

8. Homenagem ao princípio de livre convenção pelas partes quanto


ao valor residual a ser pago por ocasião da compra.
9. Não descaracterização de contrato de leasing em compra e venda
para fins de imposto de renda.
10. Precedentes jurisprudenciais: REsp nº 174031/SC e 18.932/SP,
ambos da 1a Turma.
11. Recurso desprovido.”
(REsp 310.368/RS – Rel. Min. José Delgado – Primeira Turma –
Unânime – DJ 27.08.2001 – p. 232)
Em suma, no caso do arrendamento mercantil, a contabilização é norteada
pela busca da apreensão dos fatos que representam riscos e benefícios, ou caso
se prefira, perdas e ganhos, a que se submeteriam as partes individualmente
consideradas, em virtude da utilização do bem arrendado, em cotejo com
seu valor justo, e não em face da unicidade jurídica do contrato. Se não há
transferência de tais riscos e benefícios ao arrendatário, o arrendamento
mercantil deve ser contabilizado como operacional e, em caso contrário, como
financeiro. Tal critério toma por base a prevalência da essência econômica
sobre a forma jurídica, afigurando-se incompatível com o ordenamento jurídico
brasileiro, pelo que não é hábil a produzir efeitos tributários, como, ademais,
reconhecem a própria Lei 11.638/2007 e a Lei 11.941/2009.

7. A neutralidade tributária em face das Leis


11.638/2007 e 11.941/2009.
A disciplina tributária já se encontrava de forma expressa resguardada
dos efeitos das alterações promovidas pela Lei 11.638/2007, por força do art.
177, § 7º, da Lei 11.604/76, incluído por aquela lei e que determinava que os
lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para harmonização das normas
contábeis e as demonstrações e apurações com eles elaboradas não poderiam ser
base de incidência de impostos e contribuições e nem produzir qualquer efeito
tributário. Tal dispositivo, todavia, foi revogado pela Lei 11.941/2009, que, por
outro lado, também alterou a redação dada pela Lei nº 11.638/2007 ao art. 177
§ 2º da Lei 6.404/76, resultando com mais ênfase e clareza a segregação entre
a escrituração mercantil e a fiscal, reafirmando-se, a nosso ver, a intenção de
se manter a neutralidade tributária:

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580 - As novas regras contábeis trazidas pela Lei ...

“§ 2º. A companhia observará exclusivamente em livros ou registros


auxiliares, sem qualquer modificação da escrituração mercantil e das
demonstrações reguladas nesta Lei, as disposições da lei tributária,
ou de legislação especial sobre a atividade que constitui seu objeto,
que prescrevam, conduzam ou incentivem a utilização de métodos ou
critérios contábeis diferentes ou determinem registros, lançamentos
ou ajustes ou a elaboração de outras demonstrações financeiras.”
Além da clara segregação entre a escrituração fiscal e mercantil, a
Lei 11.941/2009 estabeleceu, em seus arts. 15 a 24, o regime Transitório
de Tributação, como instrumento para concretização da regra genérica de
neutralidade tributária, tratando de regular, ainda, de modo específico, o
tratamento fiscal conferido às subvenções para investimentos e aos prêmios na
emissão de debêntures, determinando os critérios para sua não tributação, de
modo a anular os efeitos fiscais que poderia ensejar a sua contabilização em conta
de resultado (receita), como determina a Lei 11.638/2007. Não perduram dúvidas
de que o RTT afasta qualquer reflexo tributário que poderia advir da adoção do
novo padrão de contabilidade, como, de resto, já reconheceu o próprio Fisco:
“SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 5 de 20 de Fevereiro de 2009.
EMENTA: ARRENDAMENTO MERCANTIL FINANCEIRO.
MUDANÇAS NO CRITÉRIO DE CONTABILIZAÇÃO.
EFEITOS FISCAIS. Os lançamentos na contabilidade da arrendatária
referentes aos contratos de arrendamento mercantil devem estar em
conformidade com a nova regra do inciso IV do art. 179 da Lei nº 6.404,
de 1976, alterado pela Lei nº 11.638, de 2007. Contudo, tais mudanças
no critério de escrituração contábil não afetarão a base de cálculo do
IRPJ apurada pela pessoa jurídica optante pelo Regime Tributário de
Transição (RTT). Ou seja, os ajustes decorrentes do critério anterior
e do atual devem ser implementados extracontabilmente na empresa
optante pelo referido regime, objetivando buscar a neutralidade fiscal.
Na hipótese de a consulente não optar pelo RTT, a contabilização dos
contratos de arrendamento mercantil na arrendatária também segue
a determinação do inciso IV do art. 179 da Lei nº 6.404, de 1976,
alterado pela Lei nº 11.638, de 2007, sendo vedada a realização de
ajustes extracontábeis. (DISIT 10)”
As alterações promovidas pela Lei 11.638/2007, portanto, não devem
se refletir no campo tributário, pois a mesma lei assim o quis e também a Lei

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11.941, inserindo-se a adoção do RTT no rol de obrigações acessórias a cargo dos


contribuintes destinadas a demonstrar os ajustes necessários à concretização da regra
de neutralidade fiscal. Como tal, não constitui um fim em si mesmo, de modo que
a sua não adoção, de per se, não é apta a afastar a neutralidade tributária, cabendo
ao contribuinte segregar a contabilidade mercantil dos registros destinados a
demonstrar a aplicação da lei tributária. Assim, nos parece, deve ser relativizada
a Solução de Consulta nº 5/2009, da 10ª Região da RFB. Por outro lado, não se
deve passar à margem de que os deveres instrumentais do contribuinte fazem
parte do dever de colaboração do particular na instrução do procedimento fiscal
e que cabe ao próprio contribuinte demonstrar o direito que postula
A obrigatoriedade da adoção do RTT a partir do ano-calendário 2010
reafirma a neutralidade tributária e constitui norma cogente, vinculando o
próprio Fisco, que fica obstado de extrair efeitos tributários em virtude da não
adoção do referido regime.

8. Conclusão.
Face ao exposto, os valores pagos a título de contraprestação por força
de contrato de leasing não passam a ter natureza de aquisição/imobilização
e não perdem a natureza de despesa/custo, para fins tributários, em
virtude da mudança da forma de contabilização de tal contrato. Embora o
arrendamento mercantil permita a aquisição do bem arrendado, é instituto
distinto da compra e venda e do financiamento e recebe tratamento
tributário que também o distingue daquelas figuras.
É certo que a Lei 11.638/2007 traz um novo paradigma contábil, mas
também nos parece nítida a sua intenção de não se imiscuírem o objeto da
contabilidade e os fenômenos de natureza jurídico tributária, evitando que
se repitam impropriedades muitas vezes já incorridas pela legislação, que,
para regular relações e produzir efeitos no âmbito tributário, se reportava
a institutos e regras da contabilidade, acabando por deformá-los, a suscitar
ajustes e orientações por parte das entidades responsáveis pela normatização e
fiscalização das práticas contábeis.
Assim, conclui-se que a Lei 11.638/2007 não pretende alterar a natureza
jurídica do leasing e tampouco disciplinar o seu tratamento tributário, mas
simplesmente fixar um novo critério de contabilização do substrato econômico
que tal contrato carreia. Do ponto de vista jurídico, a propriedade do bem

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582 - As novas regras contábeis trazidas pela Lei ...

arrendado continua com a arrendadora até o exercício da opção de compra e


enquanto o arrendamento mercantil não for objeto de mudança pela legislação
tributária, compatível com o quadro constitucional vigente, não deve ser
considerada alterada sua tributação.

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Capítulo XXI

Tributação do
Reembolso de Despesas
e do Compartilhamento
de Custos e o CPC 30

Sergio André Rocha


Sócio de consultoria tributária da Ernst & Young Terco. Mestre e Doutor
em Direito. Professor Visitante da Faculdade de Direito da Uerj (Graduação
e Mestrado). Membro do Conselho Consultivo da ABDF e do Conselho
Deliberativo do IBDT.

Ana Carolina Barreto


Gerente de Consultoria Tributária da Ernst & Young Terco.

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Sergio André Rocha & Ana Carolina Barreto - 585

1. Introdução
Aspecto controvertido e que gera bastante preocupação nas relações entre
empresas é o tratamento fiscal aplicável aos reembolsos de despesas e às situações
em que há o compartilhamento de custos entre empresas de um mesmo grupo
econômico ou independentes.
O pagamento por uma empresa a outra de valores a título de reembolsos
gera discussões quanto à sua natureza, se contraprestação por um serviço
prestado e, portanto, receita tributável, ou mera recomposição patrimonial, ou
seja, entrada financeira que não representa acréscimo patrimonial.
Além disso, também são objeto de discussão questões relacionadas à
dedutibilidade das despesas ou a apropriação dos custos pelas empresas envolvidas.
O propósito deste estudo é o exame dos aspectos relacionados ao reembolso
de despesas e ao compartilhamento de custos, analisando-se a legislação
aplicável bem como as decisões administrativas e judiciais sobre a matéria.
Tendo em vista as novas regras contábeis introduzidas no ordenamento
jurídico brasileiro a partir da publicação das Leis nºs 11.638/2007 e 11.941/2008,
analisaremos a definição de receita contida Pronunciamento Contábil CPC
30 a fim de verificarmos como o tratamento contábil aplicável aos reembolsos
de despesas pode se correlaciona com a análise fiscal do tema.
Como os reembolsos de despesas normalmente se dão em conexão com
a prestação de serviços, nossas considerações serão focadas nessa espécie
de relação empresarial.

2. Tratamento fiscal dos reembolsos de despesas


entre empresas residentes
Em se tratando de reembolsos de despesas entre empresas residentes
temos duas questões principais a serem analisadas: (a) a caracterização ou não
de tais reembolsos como receitas da empresa que recebe o pagamento; e (b) a
dedutibilidade da despesa para a empresa que faz o pagamento do reembolso.

2.1. Caracterização dos reembolsos como receita


Quanto ao enquadramento dos reembolsos de despesas, a sua caracterização
como receita ou como mera entrada depende da natureza do gasto reembolsado.

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586 - Tributação do Reembolso de Despesas e do Compartilhamento...

Isso porque, nas situações em que se estiver reembolsando valores


referentes a custos incorridos para a prestação do serviço ou despesa operacional
do prestador, tal reembolso terá a natureza de receita tributável.
Essa conclusão se justifica na medida em que se reconhece que o preço
de um serviço e, por via se conseqüência, a receita decorrente de sua prestação,
é composta do custo de produção mais a margem de lucro.1 
Ora, se o custo compõe o preço do serviço o seu reembolso caracteriza
pagamento de preço e assim receita tributável.
Da mesma forma, o pagamento de despesas operacionais do prestador pelo
tomador do serviço deve ser considerado uma forma de contraprestação pelo serviço
prestado, sendo, portanto, uma receita (decorrente da redução de um passivo).
Diante disso, a questão a ser analisada é se reembolsos referentes a
despesas incorridas por conta e ordem de terceiros, não diretamente vinculadas
à prestação do serviço, seriam ou não passíveis de tributação.
A nosso ver, nesses casos, o valor recebido a título de reembolso
não representa um acréscimo ao patrimônio do prestador, mas sim uma
recomposição patrimonial.
Vejamos um exemplo: Se um escritório de advocacia, antes de impetrar um
mandado de segurança por um de seus clientes recolhe, com recursos próprios,
as custas processuais, o posterior reembolso desse numerário não representará
uma receita sua, mas mera recomposição patrimonial.
O pagamento de custas processuais é devido pelo autor da demanda e
não por seu representante legal, de modo que o pagamento de tal despesa pelo
escritório terá sido feito por conta e ordem de terceiros, devendo o valor do
reembolso ser excluído de qualquer tributação.

1 Cf. BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2003. p. 300. Nesse
mesmo sentido: SARDINI, Gian Paolo Peliciari. A base de cálculo do ISS na prestação de serviços
de intermediação de mão-de-obra. Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, n. 44,
mai.-jun. 2002, p. 111. Em sentido contrário: ROSSI, Carlos Alberto del Papa. ISS – Base de
Cálculo. Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, n. 47, nov.-dez. 2002, p. 110 e
111. Sobre o conceito de receita, ver: MINATEL, José Antonio. Conteúdo do Conceito de Receita
e Regime Jurídico para sua Tributação. São Paulo: MP Editora, 2005. p. 124; SOARES DE MELO,
José Eduardo. ISS: Aspectos Teóricos e Práticos. São Paulo: Dialética, 2003. pp. 121-128.

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Sergio André Rocha & Ana Carolina Barreto - 587

Essa interpretação, sustentada, entre outros2, por Aires F. Barreto3, está


alinhada com o posicionamento atualmente pacificado pela Primeira Seção do
Superior Tribunal de Justiça (“STJ”).
Através de acórdão publicado em 01 de fevereiro de 20104, a Primeira
Seção do STJ, ao distinguir despesas reembolsáveis de custos inerentes a
prestação de serviços, concluiu que somente integrariam a base de cálculo do ISS as
despesas relacionadas com a própria atividade desenvolvida pelo prestador de serviços
e não as recuperações de valores despendidos em nome de terceiros.
Naquele caso, discutia-se se o reembolso, à empresa prestadora de serviço
de agenciamento de mão-de-obra temporária, de valores referentes encargos
trabalhistas e sociais dos trabalhadores temporários ou agenciados poderia ser
enquadrado como receita tributável pelo ISS.

2 Como exemplo, podemos mencionar o estudo de Eduardo Domingos Botallo, que citando Geraldo
Ataliba, analisou os tipos de ingresso financeiro enquadráveis como receita para fins tributários:
“O conceito de receita refere-se a uma espécie de entrada. Entrada é todo o dinheiro que ingressa
nos cofres de determinada entidade. Nem toda entrada é receita. Receita é a entrada que passa a
pertencer a entidade. Assim, só se considera receita o ingresso de dinheiro que venha a integrar o
patrimônio da entidade que recebe”. Esse mesmo autor conclui o seguinte: “Das lições oferecidas
por estes Mestres, ressalta, como elemento comum, a compreensão de que os contribuintes citados
têm o direito de não considerar, como receitas próprias, valores que apenas transitam por seus
livros fiscais, sem representar, entretanto, acréscimo patrimonial. Tal é o caso, v. g., dos montantes
a ele repassados para a satisfação de despesas incorridas por conta e ordem de terceiros, ou para
pagamento, aos efetivos prestadores de serviços por eles apenas intermediados. Na verdade,
valores com essas características não remuneram serviços próprios dos contribuintes e, assim, não
exprimem parcelas de sua capacidade contributiva. Não compõem, em consequência, o ‘preço
do serviço’, a ‘receita’ ou o ‘faturamento’, na acepção jurídico tributária dessas expressões. Estas
importâncias, em última análise, são expressivas do que Bernardo Ribeiro de Moraes denomina
‘atividades marginais’ do prestador de serviços, que, ‘não representando fruto do serviço prestado,
não interessam ao ISS. Não representam ‘preço de serviço’.” (BOTALLO, Eduardo Domingos. Base
Imponível do ISS e das Contribuições para o PIS e a COFINS. Revista de Estudos Tributários, São
Paulo, n. 10, nov.-dez. 1999, p. 21).
3 Em suas palavras: “Vejamos, juridicamente, o marco divisório entre as ‘despesas’ que integram a
base de cálculo do ISS e aqueloutras que não podem compô-la. Tenha-se em conta que despesas
são inconfundíveis com valores pertencentes a terceiros. Despesas são gastos do prestador do
serviço, a serem subtraídos da sua respectiva receita, para efeito de apuração do resultado – e,
nesse caso, sim, o seu reembolso configurará, também, receita, afetando o resultado econômico
de atividade, vale dizer, afetando, positivamente, o patrimônio da empresa. A contraposição a ser
feita é de despesas versus receitas e não de despesas versus ingressos financeiros. Despesas são
apenas os desembolsos realizados em favor de quem as faz. São gastos com a própria atividade,
realizados para que esta possa desenvolver-se e propiciar os proveitos (receitas) à vista dos quais
se a explora. Só podem compor a base de cálculo do ISS as verdadeiras despesas, reembolsáveis
ou não. Veras despesas, obviamente, não podem ser deduzidas, pena de o preço do serviço
deixar de ser a receita bruta a ele correspondente” (BARRETO, Aires F, ISS na Constituição e na
Lei, 2003, p. 337).
4 REsp nº 113.820-5.

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588 - Tributação do Reembolso de Despesas e do Compartilhamento...

Ao analisar a natureza do serviço efetivamente prestado pela empresa


o STJ concluiu que, nas hipóteses em que a contratação do empregado for
efetivada pela própria empresa prestadora do serviço, caberá a ela suportar o
ônus relacionado aos encargos sociais e trabalhistas, ao passo que, nas situações
onde configurada mera intermediação na contratação de mão-de-obra, caberia
ao tomador dos serviços arcar com tais despesas.
Em linhas gerais, o critério utilizado pelo STJ para definir o que poderia
ser enquadrado como resultado da prestação de serviço foi o de distinguir receita
e entrada para fins financeiro-tributários, para ao final concluir que somente o
reembolso de despesas diretamente vinculadas ao serviço prestado é que deve
ser incluído na base de cálculo do ISS. Os valores enquadrados como meros
repasses, que não guardarem qualquer relação com o serviço prestado, não
poderão ser considerados como resultado da prestação de serviços.
Embora esse importante precedente do STJ conclua especificamente pela
não incidência do ISS sobre reembolsos de despesas não vinculadas à prestação
de serviços, entendemos que a mesma linha de raciocínio seria aplicável aos
tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS), já que o objeto da discussão
é o enquadramento dos valores recebidos a título de reembolsos como receitas
do prestador de serviços.
Por sua vez, no âmbito administrativo, a evolução da jurisprudência se
dá de forma distinta, se compararmos os acórdãos proferidos pelo Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) e as soluções de consulta
proferidas pelas Superintendências Regionais da Receita Federal.
O que se nota é que a jurisprudência do CARF tem se posicionado de forma
mais próxima do entendimento do STJ5, pautando-se, em grande parte dos casos,
na análise da natureza dos ingressos financeiros para fins de enquadramento
como receita, ao passo que o entendimento manifestado nas soluções de
consulta6  em muitos casos não leva em consideração a natureza do ingresso
ou não é suficientemente claro, gerando insegurança entre os contribuintes,

5 Grande parte dos acórdãos mais recentemente proferidos pelo CARF são no sentido de que os
valores recebidos a título de reembolso de despesas não seriam receitas tributáveis, especialmente
se respaldados por contratos (em caso de rateio de custos, estipulando os critérios de rateio
adotados). Como exemplo, podemos mencionar os seguintes: acórdão nº 107-09.588, 101-96.074
e 101-96.357.

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Sergio André Rocha & Ana Carolina Barreto - 589

que acabam optando por tributar valores recebidos a título de reembolso por
receio de terem seus procedimentos questionados.
Para ilustrar, podemos mencionar a solução de consulta nº 38/20117, a
qual distinguiu o tratamento tributário aplicável (i) ao reembolso de despesas
resultantes de atividades desenvolvidas por controladora em favor das demais
empresas do grupo, (ii) das despesas contratadas pela controladora junto a
terceiros também em favor das demais empresas do grupo.
Em relação aos valores recebidos por controladora em decorrência de
atividades por ela desenvolvidas em favor das demais empresas do grupo, o
entendimento adotado foi no sentido de que tais valores seriam enquadrados como
receita tributável da controladora. Ao passo que, no caso de despesas contratadas
pela controladora junto a terceiros, os valores recebidos a título de reembolso
foram enquadrados como redução da despesa operacional da controladora.
Quanto ao tratamento tributário aplicável aos reembolsos decorrentes
de atividades desenvolvidas pela controladora, não ficou claro qual o critério
adotado pelas autoridades fiscais para enquadrar tais valores como receita.
Embora não se tenha acesso ao teor do questionamento formulado
pelo contribuinte, usualmente o reembolso de despesas à controladora
resultante de atividades-meio por ela desenvolvidas, dá-se no contexto de
um compartilhamento de estrutura material e de pessoal entre empresas do
mesmo grupo, tão somente para o atendimento de necessidades operacionais
das empresas envolvidas, não alcançando, em conseqüência disso, qualquer
prestação de serviço que possa gerar o ingresso de receita passível de tributação.

6 Localizamos soluções de consulta recentes no sentido de que os reembolsos de despesas compõem


a base de cálculo do IR, CSL, PIS e COFINS. Exemplos: solução de consulta nº 49/2009 – publicada
em 14.07.2009, solução de consulta nº 364/2010 – publicada em 08.12.2010, solução de consulta
nº 59/2005 e solução de consulta nº 141/2001.
7 A ementa da decisão tem a seguinte redação: “RATEIO DE DESPESAS COMUNS DE GRUPO
ECONÔMICO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. INCLUSÃO NA RECEITA. DESPESAS COM TERCEIROS.
REDUÇÃO DA DESPESA.
As despesas comuns resultantes de atividades desenvolvidas por empresa controladora em
favor de outras empresas do mesmo grupo econômico podem ser rateadas em relação estas
empresas, devendo os valores recebidos pela empresa controladora serem por ela considerados
receita. Também as despesas comuns, contratadas junto a terceiros por empresa controladora
para empresas de um grupo econômico, podem ser rateadas. Neste caso, o valor rateado não é
considerado receita, mas redução da despesa operacional da empresa controladora. Em ambos
os casos, requer-se previsão contratual que estabeleça os coeficientes de rateio dentro de critérios
razoáveis que correspondam à efetiva imputação da despesa.” (Superintendência Regional da
Receita Federal – SRRF / 9ª RF – Publicada em 07.02.2011)

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590 - Tributação do Reembolso de Despesas e do Compartilhamento...

Como a solução de consulta em comento não abordou a natureza da


atividade desenvolvida pela controladora em favor das demais empresas do
grupo, a forma como redigida a sua ementa deixa uma margem de insegurança
para os contribuintes, pois não é improvável que as ditas “atividades da
controladora”, sejam relacionadas a contrato de compartilhamento de custos e
despesas celebrado entre as empresas do grupo, que não deveria ser enquadrado
como prestação de serviço.
Em relação ao ISS há na legislação do município do Rio de Janeiro8
previsão expressa9 no sentido de que em sua base de cálculo do ISS deverão ser
incluídos, inclusive, os valores recebidos a título de reembolso de despesas10.
Em termos práticos, isso significa que no Rio de Janeiro, o contribuinte que
optar por não adicionar valores relativos a reembolso de despesas, independente
de sua natureza, na base de cálculo do ISS fica exposto ao risco de ter seu
procedimento questionado, embora, como demonstrado existem argumentos
bastante relevantes para derrubar qualquer atuação que tenha por objetivo a
exigência de ISS sobre reembolsos de despesas não diretamente vinculadas à
prestação de serviços.
Como se vê, embora a jurisprudência mais atual respalde o nosso entendimento
de que somente o reembolso de custos intrinsecamente relacionados à prestação
de serviço seria passível de tributação, não pode ser descartado o risco de que as
autoridades fiscais questionem o procedimento de não adicionar valores ressarcidos
em virtude de despesas incorridas por conta de terceiros na base de cálculo do IRPJ,
CSLL, PIS, COFINS e ISS. No entanto, como demonstrado, a jurisprudência
do CARF e do STJ vem se consolidando de forma favorável aos contribuintes,
levando sempre em consideração a natureza do reembolso recebido em conexão
com as atividades desenvolvidas pela empresa reembolsada.

8 Não localizamos disposição semelhante em outros municípios, como, por exemplo, o de São
Paulo, no entanto, isso não significa que as autoridades fiscais não exijam a inclusão de valores
recebidos à título de reembolsos na base de cálculo do ISS.
9 § 1º do artigo 10 do Regulamento de ISS do Município do Rio de Janeiro.
10 Ao analisar a questão do reembolso de despesas entre empresas do mesmo Grupo Econômico, o
Conselho de Contribuinte do Município do Rio de Janeiro, assim decidiu: “ISS – PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS A EMPRESAS INTEGRANTES DO GRUPO DE SOCIEDADES – INCIDÊNCIA DO ISS Os
serviços prestados a empresas pertencentes ao mesmo grupo de sociedades são tributáveis pelo
ISS, uma vez que essas sociedades possuem personalidade e patrimônio próprios, caracterizando
a prestação do serviço a terceiros. Recurso voluntário improvido. Decisão por maioria.” (Data de
decisão: 14.02.2008).

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2.2. A dedutibilidade da despesa reembolsada ou sua


consideração como custo

A questão da dedutibilidade da despesa reembolsada ou sua consideração


como custo não nos parece gerar tanta polêmica.
Isso porque, nas situações em que o reembolso for tributável, ou seja, for
considerado preço do serviço, a dedutibilidade dos valores reembolsados para
a empresa pagadora dependerá apenas da dedutibilidade dos próprios serviços
contratados, sem qualquer peculiaridade adicional.
Por outro lado, nas situações em que o reembolso não configurar
preço do serviço, ou seja, que se estiver diante de despesas ou custos do
contratante do serviço que tiverem sido pagos pelo prestador por conta e
ordem daquele, sua dedutibilidade ou enquadramento como custo ocorreria
no contratante e seguiria as regras normais da legislação do imposto de
renda e da contribuição social sobre o lucro.

3. Reembolso de despesas em operações com não


residentes
Nas operações que culminem em reembolso de despesas e envolvam
não residentes, o critério tanto para fins de dedutibilidade da despesas ou
para o enquadramento do valor recebido ou remetido como receita depende
fundamentalmente da análise de sua natureza.

3.1. Despesas pagas, no Brasil, em favor de empresa


brasileira, por não residente

É plenamente possível que uma empresa não residente pague despesas de


empresa residente no Brasil. É o caso de pagamento de obrigação por terceiros
de que tratam os artigos 304 e 305 do Código Civil. Os efeitos fiscais desse
pagamento, como já dito, irão depender de sua natureza.
Caso o pagamento seja uma liberalidade, a empresa brasileira deverá registrar
uma receita tributável, decorrente da redução ou extinção de um passivo.
Se o pagamento for feito contra um contas a receber da empresa brasileira
em face da empresa não residente, o tratamento fiscal do pagamento feito pela
empresa não residente dependerá da natureza do contas a receber. Tratando-
se, por exemplo, de um crédito decorrente de um mútuo, o pagamento da

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592 - Tributação do Reembolso de Despesas e do Compartilhamento...

despesa não deverá ser considerado como uma receita da empresa brasileira.
Por outro lado, caso tal contas a receber seja decorrente de serviços prestados
para a empresa não residente, o pagamento da despesa seria o equivalente ao
pagamento por serviços prestados, ou seja, receita tributável.
Por fim, na hipótese de o pagamento ser posteriormente reembolsado
à empresa não residente, a empresa brasileira poderá perfeitamente se
apropriar do custo ou despesa no Brasil, sendo certo que a remessa do
reembolso ao não residente não deve se submeter a qualquer tributação,
sendo mera recomposição patrimonial deste.
Sobre essa questão a Superintendência Regional da Receita Federal
da 8ª Região manifestou-se recentemente no sentido de que a remessa
desse tipo de reembolso não se submeteria à tributação por não se tratar
de prestação de serviços11:
Processo de Consulta nº 65/2010
Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE
O fato gerador da Cide é o pagamento, crédito, entrega, emprego ou
remessa de royalties de qualquer natureza, bem como a remuneração
pela contraprestação de serviços técnicos e de assistência administrativa
e semelhantes prestados por residentes ou domiciliados no exterior.
Não constitui, portanto, fato gerador da referida contribuição, os
valores remetidos pela Filial (localizada no Brasil) à Matriz (com
sede no exterior) à título de reembolso pela compra de bens (veículo
automotivo), adquiridos no Brasil.
Dispositivos Legais: Art. 2º da Lei nº 10.168, de 29.12.2000
(alterado pelo art. 6º da Lei nº 10.332, de 19.12.2001); e art. 10
do Decreto nº 4.195, de 11.04.2002.
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins.
O fato gerador da Cofins (Importação) é a entrada no território
nacional de bens estrangeiros ou o pagamento, o crédito, a entrega,
o emprego ou a remessa de valores a residentes ou domiciliados
no exterior como contraprestação por serviços executados no País;

11 No mesmo sentido, posicionou-se a Superintendência Regional da Receita Federal da 8ª Região


quando da análise do processo de consulta nº 318/2004.

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Sergio André Rocha & Ana Carolina Barreto - 593

ou executados no exterior, cujo resultado se verifique no País. Não


constitui, portanto, fato gerador da referida contribuição, os valores
remetidos pela Filial (localizada no Brasil) à Matriz (com sede
no exterior) à título de reembolso pela compra de bens (veículo
automotivo), adquiridos no Brasil.
Dispositivos Legais: Art. 1º da Lei nº 10.865, de 30.04.2004, e arts.
19, 20 e 21 da Instrução Normativa SRF nº 594, de 26.12.2005.
Contribuição para o PIS/Pasep.
O fato gerador da contribuição para o PIS/Pasep (Importação) é a entrada
no território nacional de bens estrangeiros ou o pagamento, o crédito, a
entrega, o emprego ou a remessa de valores a residentes ou domiciliados
no exterior como contraprestação por serviços executados no País; ou
executados no exterior, cujo resultado se verifique no País. Não constitui,
portanto, fato gerador da referida contribuição, os valores remetidos pela
Filial (localizada no Brasil) à Matriz (com sede no exterior) à título de
reembolso pela compra de bens (veículo automotivo), adquiridos no Brasil.
Dispositivos Legais: Art. 1º da Lei nº 10.865, de 30.04.2004,e arts.
19, 20 e 21 da Instrução Normativa SRF nº 594, de 26.12.2005. (Data
da Decisão: 10.02.2010)
Portanto, se passível de comprovação que os valores remetidos ao não residente
são decorrentes de despesas realizadas no Brasil e por ele arcadas em nome da empresa
brasileira, tais valores não deveriam se sujeitar a qualquer tributação.

3.2. Reembolso a não residente por pagamento feito a


terceiro no exterior em benefício de residente

A tributação de remessa a título de reembolso de pagamento a terceiro,


no exterior, em benefício de empresa brasileira, dependerá da natureza do bem
ou serviço adquirido no exterior.
Com efeito, caso o reembolso do pagamento seja decorrente da prestação
de um serviço por terceiro não residente, em benefício de empresa brasileira,
a remessa a título de reembolso de despesas deveria ter o mesmo tratamento
fiscal que teria caso o serviço tivesse sido pago direitamente do Brasil.
Assim, se o serviço prestado estiver sujeito à incidência do imposto de renda, da
CIDE, do ISS e da contribuição para o PIS-Importação e da COFINS-Importação,
tais tributos deverão ser recolhidos quando da remessa do reembolso.

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594 - Tributação do Reembolso de Despesas e do Compartilhamento...

Dessa forma, pode-se dizer que nesses casos a tributação da remessa


de reembolso será definida como se o pagamento fosse feito diretamente do
residente ao prestador do serviço, desconsiderando-se a figura do intermediário,
independentemente se empresa do mesmo grupo econômico ou não.
Esse entendimento é defendido por Luciana Rosanova Galhardo, que em
dissertação sobre o tema em questão afirma:
Parece que a decisão mais cautelosa seria a de analisar a natureza dos
valores reembolsados. Em outras palavras, se a empresa brasileira
pagasse diretamente a terceira empresa pelos gastos incorridos por
esta, haveria a incidência do IRF, considerando a natureza de seus
pagamentos? Em caso afirmativo, ou seja, se o IRF fosse devido nessa
relação direta, em virtude da natureza dos pagamentos efetuados, a fonte
brasileira deveria adotar a mesma posição quando reembolsasse a sua
controladora ou coligada pelos gastos incorridos pela terceira empresa.12 
Nesse mesmo sentido é o entendimento manifestado pela RFB no
Processo de Consulta nº 462/200613:
REMESSAS AO EXTERIOR – Contrato de Compartilhamento
de Custo de Serviços Globais.
Imposto sobre a Renda Retido na Fonte – IRRF
A fim de cumprir as obrigações assumidas em contratos de custos/
despesas compartilhados, pode a empresa líder do grupo utilizar-se de
prepostos ou terceiros contratados para realizar as referidas atividades,
recebendo de cada empresa beneficiada, mediante rateio das despesas,
o valor por elas devido, na proporção do benefício recebido.
Mesmo nas hipóteses em que os recursos são remetidos pela empresa
beneficiária a título de reembolso, existem beneficiários finais, residentes
ou domiciliados no exterior, dos recursos remetidos, a exemplo das
pessoas (físicas ou jurídicas) que prestarão os serviços assumidos pela
empresa líder.
Por essa razão, as importâncias pagas, creditadas, entregues,
empregadas ou remetidas por fonte situada no País à empresa líder

12 GALHARDO, Luciana Rosanova. Rateio de Despesas no Direito Tributário. São Paulo: Quartier
Latin, 2004. pp. 177-178.
13 Na mesma linha de entendimento, ver os Processos de Consulta nº 53/2002 e nº 250/2001.

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(pessoa jurídica domiciliada no exterior), a título de remuneração pela


prestação contínua de serviços nas áreas: financeira e organizacional,
de recursos humanos, de gerenciamento de risco, de padrões e política,
e de estratégia e desenvolvimento, na proporção utilizada, a partir de
1º de janeiro de 2002, sujeitam-se à incidência do imposto de renda
na fonte à alíquota de 15% (quinze por cento), por configurarem
“assistência administrativa e semelhante” prestada por residente ou
domiciliado no exterior.
Outros Tributos ou Contribuições CIDE
Pelo fato de a prestação contínua de serviços nas áreas: financeira
e organizacional, de recursos humanos, de gerenciamento de risco,
de padrões e política, e de estratégia e desenvolvimento, configurar
assistência administrativa e semelhante de que trata o § 2º do art. 2º
da Lei nº 10.168, de 2000 (com a redação dada pelo art.6º da Lei nº
10.332, de 2001), a partir de 1º de janeiro de 2002, as importâncias
pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas a beneficiários
residentes ou domiciliados no exterior a título de remuneração, estão
sujeitas ao pagamento da Contribuição de Intervenção no Domínio
Econômico (Cide) à alíquota de 10% (dez por cento).
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins
As importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou
remetidas por fonte situada no País à empresa líder (pessoa jurídica
domiciliada no exterior), a título de remuneração pela prestação
contínua de serviços nas áreas: financeira e organizacional, de recursos
humanos, de gerenciamento de risco, de padrões e política, e de
estratégia e desenvolvimento, na proporção utilizada, estão sujeitas à
incidência da Cofins – Importação, por se enquadrarem nas hipóteses
previstas no § 1º, I ou II, do art. 1º da Lei nº 10.865, de 2004.
Contribuição para o PIS/Pasep
As importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou
remetidas por fonte situada no País à empresa líder (pessoa jurídica
domiciliada no exterior), a título de remuneração pela prestação
contínua de serviços nas áreas: financeira e organizacional, de recursos
humanos, de gerenciamento de risco, de padrões e política, e de
estratégia e desenvolvimento, na proporção utilizada, estão sujeitas
à incidência da contribuição para o PIS/Pasep – Importação, por se

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596 - Tributação do Reembolso de Despesas e do Compartilhamento...

enquadrarem nas hipóteses previstas no § 1º, I ou II, do art. 1º da


Lei nº 10.865, de 2004. (Data da Decisão: 29.11.2006)
Em sentido contrário, localizamos a decisão proferida pela
Superintendência Regional da 9ª Região Fiscal (Paraná e Santa Catarina)
no Processo de Consulta nº 50/2005:
As remessas de valores a empresa do mesmo grupo econômico domiciliada
no exterior, feitas a título de reembolso de despesas decorrentes do
benefício indireto, em favor da empresa brasileira, da prestação de serviços
de assistência administrativa contratados pela parceira estrangeira com
terceiro no exterior, não se sujeitam à incidência da CIDE.

4. Contratos de rateio de custos e despesas entre


empresas
Ao examinar os aspectos tributários relacionados aos contratos de rateio de
custos, Alberto Xavier esclarece que os mesmos “têm por objeto as situações, via
de regra existentes nos grupos multinacionais, em que uma empresa do grupo
(normalmente a ‘Sociedade-Mãe’) ou uma entidade de propósito específico
(‘Centro de Serviços do Grupo’) realiza despesas em proveito de todas ou parte
das demais sociedades integrantes do grupo. A finalidade dos referidos acordos
consiste precisamente em determinar o modo como e em que medida estas
últimas sociedades devem comparticipar dos ‘custos’ incorridos pela primeira
no interesse delas, ressarcindo-os através do pagamento de preços adequados”.14

14 XAVIER, Alberto. Aspectos Fiscais de “Cost-Sharing Agreement”. Revista Dialética de Direito


Tributário, São Paulo, n. 23, ago. 1997, p. 8. Sobre os contratos de rateio de despesas ver:
XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
pp. 332-346; BIFANO, Elidie Palma. Apuração de Preços de Transferência em Intangíveis,
Contratos de Prestação de Serviços Intragrupo e Cost Sharing Agreements. In: SCHOUERI,
Luís Eduardo (Coord.). Tributos e Preços de Transferência. São Paulo: Dialética, 2010. v. III.
pp. 39-47; MALHEIRO, Eliete Lima Ribeiro. Preços de Transferência – Intangíveis, Serviços e
Cost-Sharing. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (Coord.). Tributos e Preços de Transferência. São
Paulo: Dialética, 2010. v. III. pp. 48-74; TROIANELLI, Gabriel Lacerda. Preço de Transferência:
Intangíveis, Acordos de Repartição de Custos e Serviços de Grupo. In: SCHOUERI, Luís
Eduardo (Coord.). Tributos e Preços de Transferência. São Paulo: Dialética, 2010. v. III.
pp. 75-92; NUNES, Renato. Rateio Internacional de Custos e Despesas – Seu Regime Jurídico
e Aspectos Fiscais. Revista de Direito Tributário Internacional, São Paulo, n. 12, ago. 2009, pp.
177-213; GERMANO, Livia de Carli. Regime Tributário dos Contratos de Compartilhamento
de Custos e Despesas. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito Tributário Internacional
Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2005. v. III. pp. 791-931; GALHARDO, Luciana Rosanova,
Rateio de Despesas no Direito Tributário, 2004; BRANCO, Vinicius. Convênios de rateio de

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Sergio André Rocha & Ana Carolina Barreto - 597

O lugar comum dos acordos de rateio de despesas são as relações


intragrupo em grupos de empresas nacionais e multinacionais. Todavia, como
destaca Natanael Martins, é possível o rateio de despesas entre empresas
independentes.15
Analisaremos em separado a questão do rateio de despesas entre
empresas nacionais, de um mesmo grupo econômico ou independentes, bem
como os rateios internacionais, restringindo-nos, nessa hipótese, apenas aos
contratos celebrados entre sociedades de um mesmo grupo empresarial.

4.1. Contratos para o rateio de despesas no âmbito de um


grupo de empresas nacional

É bastante comum que grupos de empresas nacionais se organizem de


forma tal que determinada empresa do grupo concentre despesas que acabem
por se reverter em benefício das outras, como, por exemplo, despesas relativas
à contabilidade, assessoria jurídica, propaganda e marketing, etc.
A preocupação nesses casos é relacionada exatamente com o tratamento
tributário aplicável aos reembolsos de despesas: a possibilidade de os valores
ressarcidos à empresa que concentra as despesas serem enquadrados como
receitas desta e a definição quanto à dedutibilidade das despesas.
4.1.1. Tributação dos reembolsos recebidos
Como já comentado, a nosso ver é indiscutível a não incidência de IR,
CSLL, PIS, COFINS e ISS sobre os valores objeto de reembolso no âmbito
de contrato de rateio de custos e despesas, desde que se possa demonstrar de
forma inequívoca que estes foram incorridos pela empresa controladora por

despesas – disciplina tributária. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 107, ago.
2004, pp. 78-83; LONGO, José Henrique. Natureza jurídica do ressarcimento de despesas. Revista
Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 77, fev. 2002, pp. 68-73; MARTINS, Natanael. O
Contrato de Rateio de Despesas e suas Implicações Tributárias. In: SCHOUERI, Luís Eduardo
(Coord.). Direito Tributário: Homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2003. v.
II. pp. 737-748; GERMANO, Livia de Carli. Regime Tributário dos Contratos de Compartilhamento
de Custos e Despesas. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito Internacional Aplicado. São
Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 791-831.
15 MARTINS, Natanael, O Contrato de Rateio de Despesas e suas Implicações Tributárias, 2003,
p. 739. No mesmo sentido: BRANCO, Vinicius, Convênios de rateio de despesas – disciplina
tributária, 2004, p. 82.

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conta e ordem e em benefício das outras empresas do grupo econômico.


Já que em situações como a descrita acima, os valores reembolsados
correspondem a mera recomposição patrimonial da empresa controladora e
não a receitas auferidas em virtude de serviços prestados.
Serviços externos contratados pela controladora, como serviços de
advocacia, contabilidade, assessoria financeira, planejamento estratégico, quando
se revertem em benefício de outras empresas do mesmo grupo; ou mesmo
custos relativos a empregados da empresa que trabalham para outras empresas
do grupo econômico, compõem custos e despesas incorridos por conta e ordem de
terceiros, não configurando, portanto, receitas tributáveis.16 
Como se vê, é essencial que se consiga demonstrar que as despesas
incorridas pela empresa controladora o foram por conta e ordem das demais,
assumindo, portanto, extrema relevância o instrumento no qual estão dispostas
as regras do rateio de despesas.
Conforme ressaltado por Vinicius Branco, é importante que as regras de
rateio estejam previstas em documento escrito, por vezes até mesmo aprovando-
se os critérios de rateio em ata de assembléia.17
Como o contrato de rateio de custos não possui tratamento legal, não há
regra impondo critérios para fins de rateio, razão pela qual qualquer método
pode ser aplicado, desde que se possa demonstrar, de forma objetiva, a alocação
dos custos e despesas entre as empresas do grupo.18 

16 No mesmo sentido: LONGO, José Henrique, Natureza jurídica do ressarcimento de despesas, 2002,
p. 71; SOARES DE MELO, José Eduardo, ISS: Aspectos Teóricos e Práticos, 2003, pp. 135 e 136.
17 BRANCO, Vinicius, Convênios de rateio de despesas – disciplina tributária, 2004, p. 79.
18 Sobre a questão dos critérios de rateio, vale a pena transcrever a seguinte passagem de Vinicius
Branco: “Quanto aos critérios, o do espaço físico efetivamente ocupado por cada empresa
conveniada é usualmente adotado como forma de rateio no caso de imóveis. De se notar que
mesmo no caso de imóveis não locados, mas de propriedade de uma das empresas conveniadas,
as despesas com depreciação, conservação, condomínio, impostos, água e energia elétrica podem
e devem ser objeto de rateio em função do espaço utilizado.
No caso de máquinas e equipamentos, o critério normalmente adotado é o de efetiva utilização
do bem, ou do tempo disponibilizado a cada um dos usuários. Entendemos que a constituição
de condomínio de bens, nesse caso, é perfeitamente dispensável, sobretudo na hipótese de as
usuárias do bem comum integrarem um mesmo grupo econômico.
No caso de recursos humanos, o método mais eficiente de rateio consiste na apuração do tempo
consumido nos respectivos trabalhos por cada profissional. Outros métodos podem ser empregados
para esse efeito, como por exemplo o número de lançamentos feitos pela contabilidade, o número
de compras feitas pela área de compras, o volume de dados processados pela área de sistemas
ou o valor dos investimentos administrados por um único gestor” (BRANCO, Vinicius, Convênios
de rateio de despesas – disciplina tributária, 2004, p. 80).

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Estabelecidas as regras de rateio de forma clara e objetiva em instrumento


próprio, deve o reembolso dos custos e despesas incorridos pela empresa
controladora por conta e ordem de terceiros ser considerado mera recomposição
patrimonial não tributável.
Esse mesmo entendimento já foi manifestado pelo CARF, como se infere
dos acórdãos abaixo transcritos:
IRPJ – AJUSTES AO LUCRO REAL – COMPROVAÇÃO
– O lançamento tem origem na falta de adição, ao lucro real, de
subvenções correntes para custeio ou operação ou de recuperações
ou devoluções de custos. Se a contribuinte não comprovou que os valores
recebidos constituíram reembolso de despesas por ela incorridas em nome de
terceiros, deve ser mantido o lançamento. PIS E COFINS – RECEITAS
DO EXTERIOR – ISENÇÃO – São isentas da COFINS e PIS
as receitas decorrentes da prestação de serviços para pessoa jurídica
residente ou domiciliado no exterior, no ano calendário 2001.
(ACÓRDÃO 1101-00.246 de 28.01.2010)
IRPJ – RATEIO DE CUSTOS – DESPESAS COMUNS A
EMPRESAS DE UM MESMO GRUPO ECONÔMICO – As
despesas comuns a diversas empresas de um mesmo grupo econômico,
lançadas na contabilidade da empresa controladora, podem ser rateadas
para efeito de apropriação aos resultados de cada uma delas, com
base no “Convênio de Rateio de Custos Comuns”, desde que fique
justificado e comprovado o critério de rateio. (ACÓRDÃO 101-96.357
de 04.03.2008)
O que se percebe a partir da análise dos acórdãos acima é que, para minorar
o risco de questionamento ou as chances de êxito numa eventual discussão
administrativa ou judicial, é imprescindível que quaisquer tratativas que envolvam
reembolso de despesas, sejam respaldadas por contratos devidamente formalizados
entre as partes envolvidas, onde deverão estar estipulados não só eventuais critérios
de rateio, mas também a descrição da atividade a ser desenvolvida, bem como a
natureza do reembolso e a efetiva imputação da despesa realizada19 .

19 Nessa linha, destaca Elidie Bifano: “No que tange à incidência de tributos, relativamente
aos rateios de custos, alguns especiais aspectos devem ser destacados: (i) impossibilidade
de rateio de custos relacionados à atividade-fim de uma entidade, admitindo-se, apenas, o
compartilhamento de atividades designadas como meio, posto que atividade-fim, objeto da
empresa, somente se presta à comercialização, em troca de preço e não ao reembolso em troca
de transferência sem lucro; (ii) razoabilidade do critério de rateio, adotando-se premissas que

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4.1.2. Apropriação dos custos e dedutibilidade das despesas


Os custos e despesas incorridos pela empresa controladora deverão ser
proporcionalmente apropriados por cada uma das empresas beneficiadas, de
acordo com os critérios de rateio previstos no contrato de rateio de custos.
A legitimidade da apropriação dos custos e a dedutibilidade das
despesas, desde que amparada por documentação hábil, é amplamente
reconhecida pelo CARF:
COMPARTILHAMENTO DE DESPESAS – DEDUTIBI-
LIDADE. Para que sejam dedutíveis as despesas com comprovante em
nome de uma outra empresa do mesmo grupo, por terem sido as mesmas
rateadas, é imprescindível que, além de atenderem os requisitos previstos
no Regulamento do Imposto de Renda, fique justificado e comprovado
o critério de rateio. (ACÓRDÃO 101-96.724 de 11.08.2008)
IRPJ – GLOSA DE DESPESAS. FALTA DE COMPROVAÇÃO
DA EFETIVIDADE E NECESSIDADE. Para dedução das
despesas suportadas por outras empresas do mesmo grupo econômico
e posteriormente rateadas e ressarcidas, a pessoa jurídica deve
comprovar que as referidas despesas foram efetivamente incorridas,
que são necessárias à manutenção da atividade operacional, e que são
normais em tal atividade. Para tanto é imprescindível a identificação do
critério de rateio ajustado, de sua razoabilidade e de sua observância.
(ACÓRDÃO 101-95.777 de 28.12.2006)
IRPJ E OU TROS – DESPESAS ADMINISTRATIVAS.
RATEIO. DEDUTIBILIDADE. A dedutibilidade das despesas
administrativas rateadas entre empresas do mesmo grupo econômico
está condicionada à necessidade, normalidade e usualidade, não
preenchendo tais requisitos despesas específicas da instituição
financeira controladora. (Acórdão 103-21.911 de 13.04.2005)
O entendimento manifestado pela RFB quando da análise de consultas
formuladas pelos contribuintes também é nesse mesmo sentido:

guardem relação direta com as necessidades dos envolvidos, não se permitindo o compartilhamento
de custos não necessários à atividade desenvolvida; e (iii) existência de contrato formal de rateio de
custos, com a descrição de todos os itens rateados, bem como dos critérios adotados para esses rateios”
(BIFANO, Elidie Palma. Apuração de Preços de Transferência em Intangíveis, Contratos de Prestação
de Serviços Intragrupo e Cost Sharing Agreements. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (Coord.). Tributos
e Preços de Transferência. São Paulo: Dialética, 2010. v. III. p. 45).

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Processo de Consulta nº 18/09


Órgão: Superintendência Regional da Receita Federal – SRRF / 8ª.
Região Fiscal
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ.
Ementa: RATEIO DE DESPESAS Para que despesas rateadas a um
grupo de empresas, sejam dedutíveis, não basta comprovar que elas
foram contratadas, assumidas e pagas. É necessário, principalmente,
comprovar que correspondem a bens e serviços efetivamente recebidos
e que esses bens e serviços são necessários, normais e usuais na
atividade das empresas e que o rateio seja efetuado através de critérios
objetivos e previamente ajustados.
Dispositivos Legais: Art. 299, do RIR/99, aprovado pelo Decreto
nº 3.000, de 26.03.1999 e Parecer Normativo CST Nº 32, de 13 de
agosto de 1981.
ISIDORO DA SILVA LEITE – Chefe da Divisão (Data da
Decisão: 05.03.2009)

4.2. Contratos para o rateio de despesas entre empresas


nacionais independentes

É possível que empresas independentes realizem, por exemplo, um


empreendimento conjunto que venha a gerar pagamentos a título de reembolso
de uma para a outra.
Como destaca Natanael Martins, “em outros casos empresas, quer do
mesmo grupo quer de grupos diferentes, compartilham um mesmo parque
industrial, ou um mesmo prédio administrativo, rateando, entre si, as despesas
comuns. Nessa vereda, uma das empresas, visando otimizar ou reduzir custos e
controles burocráticos, centraliza as despesas comuns, merecendo, posteriormente,
ressarcimento daquelas que teriam revertido em favor das demais”.20 
Entendemos aplicáveis a essa situação os mesmos comentários apresentados
nos itens 4.1.1 e 4.1.2, não alterando as nossas conclusões o fato de o contrato

20 MARTINS, Natanael, O Contrato de Rateio de Despesas e suas Implicações Tributárias, 2003,


p. 739.

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de rateio de custos ter sido celebrado entre empresas não relacionadas. Assim,
eventuais reembolsos de despesas pagos por uma empresa à outra não deverão ser
considerados receita tributável, sendo que o custo ou despesa deverá ser apropriado
pela empresa que efetivamente tenha suportado seu encargo econômico.
A não tributação de tais reembolsos pela empresa que recebe os valores
já foi reconhecida pelo CARF, como se infere da ementa abaixo transcrita:
PIS-FATURAMENTO – BASE DE CÁLCULO – Despesas de
publicidade e promoção de vendas pagas por distribuidores de bebidas
sob a forma de rateio – Ainda que estabelecidas em percentual sobre o
valor do preço de venda – não se configuram como receitas objeto de
atividade social da indústria-coordenadora de esforço publicitário, vez que
representam as distribuidoras dos produtos (bebidas). Recurso provido.
(Data da Sessão: 10.12.1991)

4.3. Reembolso a não residente em razão de atividades


desenvolvidas pelo mesmo em benefício de residente,
componente de um mesmo grupo econômico

O enquadramento como receita tributável do reembolso a não residente


em virtude de atividades desenvolvidas em benefício de residente é uma questão
controvertida.
Como se sabe, é muito comum que grupos internacionais se organizem
de forma a criar uma empresa com o propósito específico de prestar serviços
para as demais empresas do grupo.
Nessas situações, são celebrados contratos de prestação de serviços e não
de rateio de custos, já que tais sociedades foram constituídas especialmente
para prestarem serviços às demais empresas do grupo. Assim, as receitas por
ela auferidas em decorrência do desenvolvimento das atividades para as quais
a sociedade foi constituída são indubitavelmente tributáveis.
Nesses casos as remessas ao exterior para a remuneração da prestação de
serviços deverão ser tributadas normalmente, com a incidência de todos os
tributos que normalmente recaem sobre as importações de serviços.
Feitos esses comentários, comentaremos a seguir sobre rateio de
custos internacional, não se aplicando nossas ponderações aos casos em
que a relação de rateio de custos se dá em decorrência da celebração de um
contrato de prestação de serviços.

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Para facilitar a nossa análise, é importante segregarmos as seguintes


situações: (a) o reembolso referente à serviços contratados no exterior e que
revertem em benefício de todas as empresas do grupo; (b) a prestação de
serviços que constituem a atividade-fim da empresa controladora em benefício
da brasileira; e (c) o reembolso à empresa estrangeira relativo ao uso de sua
estrutura (gerência, departamentos jurídico e de publicidade, contabilidade
etc.) em favor da empresa residente.21 
a) Reembolsos referentes a serviços contratados junto a
terceiros no exterior

É muito comum que empresa não residente contrate serviços que revertam
em benefício de outras empresas do mesmo grupo econômico como, por
exemplo, pesquisas técnico-científicas, cobrando destas um reembolso dos
valores gastos em proporção ao seu benefício. Esse é o caso dos contratos de
contribuição de custos, examinados por Alberto Xavier.22 
Nesses casos parece-nos que a solução é aquela que apresentamos no
item 3.2 acima, com a tributação da remessa feita pela empresa brasileira à sua
controladora (ou outra empresa do grupo no exterior) como se estive sendo
feita diretamente em favor do prestador do serviço.
Assim, se na hipótese de a remessa ser feita diretamente ao prestador
do serviço seria a mesma tributada no Brasil, deve ser este o tratamento a ser
conferido à operação.
A questão a ser discutida nesse caso ficaria por conta da demonstração
da razoabilidade da contribuição da empresa brasileira para a pesquisa (em
condições de não favorecimento) e a conseqüente dedutibilidade das despesas
correspondentes.
Ao analisar a questão, Alberto Xavier fundamenta suas considerações em
relatório da OCDE, afirmando que os contratos de contribuição de custos “devem
incluir como participantes apenas as empresas que esperam obter benefícios mútuos,

21 Para uma análise das diversas formas de operações intragrupo ver: TÔRRES, Heleno. Direito
Tributário Internacional: Planejamento Tributário e Operações Transnacionais. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2001. pp. 260-261.
22 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
p. 413. Sobre o tema ver: OECD. Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax
Administrations. Paris: OECD, 2010. pp. 205-233.

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direta ou indiretamente, das atividades objeto do CCA e não apenas para executar
uma parcela dessa atividade; o acordo deve especificar a natureza e a extensão da
vantagem (beneficial interest) de cada participante nos resultados da atividade;
nenhum pagamento adicional às contribuições deverá ser feito para a vantagem
obtida através do CCA; as quotas de contribuições deverão ser determinadas
por métodos que reflitam a partilha dos lucros esperados; o acordo deve prever
pagamentos compensatórios, de modo a refletir alterações nas expectativas de lucros;
o acordo deve contemplar ajustes a serem feitos em razão da entrada ou retirada
de partes de CCA ou da terminação deste”.23 
Vemos, portanto, que a razoabilidade da contribuição de cada empresa para o
projeto depende de critérios como, por exemplo, os mencionados acima, de forma
que tais contratos de contribuição de custos devem evidenciar de forma bastante
clara e objetiva os benefícios a serem gozados pela empresa brasileira em decorrência
de pacto dessa natureza para que se possa considerar a despesa correspondente
como dedutível.

b) Prestação de serviços que constituem a atividade-fim da


empresa controladora

Nas situações em que a controladora estrangeira presta serviços para


a empresa brasileira os quais são sua atividade fim, sendo vendidos no
mercado para outras empresas, entendemos que eventuais remessas aos
mesmos relacionados deverão ser consideradas preço dos serviços prestados,
sujeito à tributação no Brasil.
Nesses casos o preço dos serviços deve ser de mercado, sujeitando-se ao
controle pelas regras de preços de transferência.
A dedutibilidade das despesas para a empresa brasileira seguirá a
regra geral de necessidade para a manutenção da fonte produtora de renda,
demonstrando-se sua efetiva prestação.

c) Reembolsos referentes aos custos de atividades


desenvolvidas pela própria controladora não residente

Remessas ao exterior para o reembolso de custos incorridos pela empresa


controladora em favor de empresa residente não são passíveis de tributação, uma

23 XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2004, pp. 415.

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vez que a caracterização de determinada atividade como um serviço tributável


dependeria fundamentalmente de ser a mesma exercida empresarialmente.
No caso dos reembolsos de despesas, não se está diante de uma atividade
de prestação de serviços desenvolvida empresarialmente, mas sim de mera
recomposição patrimonial decorrente da assunção de um custo ou despesa por
um não-residente em favor de um residente.
Há que se ter atenção, todavia, na caracterização dos custos passíveis de
reembolso, não podendo ser neles considerados aqueles caracterizáveis como
típicas “despesas do acionista”.24 
Tal se justifica pelo fato de que muitas vezes o tempo incorrido por
profissionais da controladora estrangeira para o planejamento dos negócios
da empresa brasileira é, na verdade, gasto em investimentos próprios da
controladora, não sendo justificável sua assunção como custo local.
Para tal consideração, é necessário que se análise a atividade desenvolvida
pela empresa controladora com vistas a verificar se os benefícios desta atividade
são efetivamente usufruídos sentidos por esta ou pela empresa brasileira.
Caso não se possa demonstrar que a atividade da Sociedade-Mãe foi
revertida em benefício da empresa brasileira, a remessa de valores ao exterior para
seu custeio deverá ser tributada, sendo a despesa respectiva indedutível no Brasil.
Assim, somente se verifica uma despesa reembolsável (cuja remessa não
seria tributável) nos casos em que a despesa incorrida pela controladora possa
ser considerada incorrida por conta e ordem da empresa brasileira, como seria,
por exemplo, o caso de o departamento interno de marketing da controladora
atuar na promoção da empresa brasileira no exterior.
Ponto importante a se destacar refere-se à aplicação da legislação de preços
de transferência aos contratos de compartilhamento de custos.

24 Segundo Alberto Xavier, “considera-se que são ônus exclusivo da Sociedade-Mãe aqueles que o
Relatório de 1984 designa como ‘despesas do acionista’ e que se referem às despesas incorridas
para gerir e proteger os seus próprios investimentos, como é o caso dos encargos contraídos com
vista à preparação da assembléia dos acionistas, à consolidação dos resultados dos membros
do grupo, ou a título de despesas de administração, com vista ao fornecimento de meios de
financiamento necessários à expansão deste” (XAVIER, Alberto, Direito Tributário Internacional
do Brasil, 2004, p. 407). Sobre o tema, ver: OECD. Transfer Pricing Guidelines for Multinational
Enterprises and Tax Administrations. Paris: OECD, 2010. p. 207-208). 

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Ora, sendo coerente com a posição acima, no sentido de inexistir uma


prestação empresarial de serviços da empresa não residente em benefício da
empresa brasileira, é de se concluir pela inaplicabilidade das regras de preço
de transferência ao caso em tela.25 
Todavia, se não há que se falar da aplicação das regras de preços de
transferência, para fins de se evitar que o reembolso de despesas seja utilizado
como forma de distribuição disfarçada de lucros é imprescindível que a empresa
brasileira possa justificar ao fisco brasileiro os custos incorridos pela não residente, sem
o qual a conseqüência lógica seria a indedutibilidade das despesas.

5. O CPC 30 e o tratamento contábil dos


reembolsos de despesas
Com a publicação da Lei nº 11.638/2007 foi dado início ao processo
de harmonização dos padrões contábeis brasileiros com os International
Financial Reporting Standards – IFRS. O objetivo principal deste processo foi
o de “modernizar e harmonizar as disposições da lei societária em vigor com
os princípios fundamentais e melhores práticas contábeis internacionais, o
que constitui medida inadiável para uma inserção eficiente do Brasil no atual
contexto de globalização econômica”26.
Como passo inicial desse processo de convergência internacional das
normas contábeis, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (“CPC”) passou
a emitir pronunciamentos técnicos, os quais são utilizados para fundamentar
a preparação e apresentação de demonstrações contábeis.
Diante da nova realidade, para que se pudessem estabelecer diretrizes
para a implementação dos novos padrões contábeis tornou-se inevitável que
os Pronunciamentos Técnicos CPC conceituassem elementos essenciais
norteadores da adequada elaboração das demonstrações contábeis, dentre os
quais o conceito de “receita”.

25 No mesmo sentido: GALHARDO, Luciana Rosanova, Rateio de Despesas no Direito Tributário,


2004, p. 83.
26 Mensagem enviada ao Presidente da República, pelo então Ministro da Fazenda Pedro Malan,
quando do encaminhamento do anteprojeto que deu origem à Lei nº 11.638/2007.

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De acordo com o Pronunciamento Conceitual Básico, a definição


de receita nele contida27 se limita a delinear aspectos essenciais, devendo,
portanto, ser consideradas conjuntamente com os critérios estipulados para o
reconhecimento contábil de tais elementos.
Ou seja, para que uma receita seja reconhecida contabilmente, é necessário
seu enquadramento na definição contida nos Pronunciamentos Técnicos CPC,
bem como nos critérios de reconhecimento contábil por eles estipulados28.
Especificamente em relação às receitas, foi emitido o Pronunciamento
Técnico CPC 30, que tem por objetivo “estabelecer o tratamento contábil de
receitas provenientes de certos tipos de transações e eventos”.
A definição de receita contida no referido pronunciamento técnico
é a seguinte: “ingresso bruto de benefícios econômicos durante o período,
proveniente das atividades ordinárias da entidade que resultam no aumento do
seu patrimônio líquido, exceto as contribuições dos proprietários”.
Ainda de acordo com o Pronunciamento Técnico CPC 30, “para fins de
divulgação na demonstração do resultado, a receita inclui somente os ingressos brutos
de benefícios econômicos recebidos e a receber pela entidade quando originários de
suas próprias atividades. As quantias cobradas por conta de terceiros – tais como
tributos sobre vendas, tributos sobre bens e serviços e tributos sobre valor adicionado
não são benefícios econômicos que fluam para a entidade e não resultam em
aumento do patrimônio líquido. Portanto, são excluídos da receita. Da mesma
forma, na relação de agenciamento (entre operador ou principal e agente), os ingressos
brutos de benefícios econômicos provenientes das operações efetuadas pelo agente, em
nome do operador, não resultam em aumentos do patrimônio líquido do agente, uma
vez que sua receita corresponde tão somente à comissão combinada entre as partes.”

27 Receita é definida no Pronunciamento Conceitual Básico como aumento nos benefícios


econômicos durante o período contábil sob a forma de ingresso de recursos ou aumento de
ativos ou diminuição de passivos que resultam em aumentos do patrimônio líquido da entidade
e que não sejam provenientes de aporte de recursos dos proprietários da entidade. As receitas
englobam tanto as receitas propriamente ditas como os ganhos. A receita surge no curso das
atividades ordinárias da entidade e é designada por uma variedade de nomes, tais como vendas,
honorários, juros, dividendos e royalties.
28 Quanto ao reconhecimento de receitas relacionadas à prestação de serviços, os critérios
estipulados pelo Pronunciamento Técnico CPC 30 são os seguintes: (a) o valor da receita puder
ser confiavelmente mensurado; (b) for provável que os benefícios econômicos associados à
transação fluirão para a entidade; (c) proporção dos serviços executados até a data do balanço
puder ser confiavelmente mensurada; e, (d) as despesas incorridas com a transação assim como
as despesas para concluí-la possam ser confiavelmente mensuradas.

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608 - Tributação do Reembolso de Despesas e do Compartilhamento...

Como se vê, a definição contábil de receita contida no Pronunciamento


Técnico CPC 30 reflete exatamente o que já vinha de longa data sendo
defendido pela doutrina tributária acerca dos ingressos passíveis de tributação.
Conforme esclarecido pelo Pronunciamento Técnico em comento, somente os
ingressos de benefícios econômicos decorrentes de atividades ordinárias das
empresas que representem um efetivo aumento do patrimônio líquido é que
podem ser enquadrados como receita.
Acerca das situações que acarretam aumento de patrimônio líquido, cabe
transcrever o entendimento de Alessandro Amadeu da Fonseca:
As mutações patrimoniais importam, portanto, o aumento de direitos
ou o aumento de obrigações. Tendo em vista que o IRPJ tem como fato
gerador o acréscimo de patrimônio, esse aumento somente ocorrerá
se, dentro do período de apuração, houver uma soma positiva de todos
os fatores positivos com os fatores negativos que tenham contribuído
para a sua alteração. [...]
Desta feita, o acréscimo patrimonial deve ser mensurado em
determinado período de tempo para que haja a incidência do tributo
sobre a renda e referida mensuração leva em conta a mutação de
patrimônio promovida a partir das oscilações de receitas e despesas
percebidas por determinada pessoa jurídica, fatores estes que serão
determinantes da situação de lucro ou prejuízo no período e, portanto,
também determinantes da incidência tributária.
Assim, não há que se falar em tributação pelo IRPJ sem se falar em
lucro, receita e despesas, conceitos provenientes da Ciência Contábil. 29 
Assim, considerando que a contabilidade tem como função principal
retratar com a maior fidelidade possível realidade de uma empresa e que o
reconhecimento de receitas, por sua vez, é considerado como fator-chave para
a adequada mensuração do desempenho de uma empresa30, a definição contida

29 FONSECA, Alessandro Amadeu da, A tributação da Renda e sua Correlação com os Principios
Contábeis Geralmente Aceitos. Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos).
1º Volume. Dialética. 2010. p. 13.
30 Nesse sentido, é o entendimento manifestado por Fernando Próspero Neto e Fernando Caio Galdi,
in Manual de Normas Internacionais de Contabilidade – Ernst & Young e Fipecafi, 2ª Edição, p.
176 e por Ricardo Mariz Oliveira, in Fundamentos do Imposto de Renda, São Paulo: Editora
Quartier Latin., 2008, p. 92.

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Sergio André Rocha & Ana Carolina Barreto - 609

no Pronunciamento Técnico CPC 30 reforça ainda mais o entendimento já de


longa data defendido pela doutrina tributária.
Com base nos conceitos aqui abordados e nos demais argumentos
desenvolvidos no presente estudo, para que determinado ingresso seja
enquadrado como receita é imprescindível a consideração de sua natureza, pois,
como visto, somente os ingressos de benefícios econômicos que efetivamente
aumentem o patrimônio líquido podem ser enquadrados como receita e embasar
a incidência dos tributos cabíveis.

6. Conclusão
De uma maneira geral, a grande conclusão a que se pode chegar neste
trabalho é que somente as receitas auferidas são passíveis de tributação, sendo
que reembolsos de valores originariamente pagos por conta e ordem de terceiros
não se qualificam como receitas. Por outro lado, a dedutibilidade de uma despesa
deve ocorrer na empresa que efetivamente a suportou, e deve seguir as regras
previstas no artigo 299 do Regulamento do Imposto de Renda.

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Capítulo XXII

Os Impactos das Novas


Regras Contábeis sobre
o Regime Jurídico
do Ágio Gerado nas
Operações de Fusão e
Aquisição

Valter de Souza Lobato


Professor da Faculdade de Direito Milton Campos. Doutorando e Mestre em
Direito Tributário pela UFMG. Sócio de Sacha Calmon – Misabel Derzi
Consultores e Advogados. Advogado.

Fernando Daniel de Moura Fonseca


Mestrando em Direito Econômico e Financeiro na USP. Sócio de Sacha
Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados. Advogado. Contador.

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1. Delimitação do Tema

Como se sabe, a Lei 11.638/2007 foi o veículo normativo encarregado de


introduzir no Brasil relevantes mudanças na Lei 6.404/76, notadamente no que
diz respeito à escrituração contábil1, com destaque especial para a adoção dos
padrões internacionais de contabilidade, como bem destaca Elidie Palma Bifano2,
que tendem a facilitar o acesso de sociedades brasileiras ao mercado de capitais
internacional, bem como das sociedades estrangeiras ao mercado brasileiro3.
Esta universalização dos padrões internacionais certamente causará uma
importante mudança de paradigma em matéria de contabilidade, qual seja: a
adoção do que se convencionou chamar de essência sobre a forma, que implica em
abandono de normas rígidas de contabilização, para estabelecer a possibilidade de
julgamento dos eventos contábeis com base na essência econômica da operação.
Entretanto, se de um lado as modificações na contabilidade brasileira parecem
inserir o país de forma definitiva em um movimento global de harmonização
das práticas contábeis, de outro, parecem ter gerado um estado de insegurança,
decorrente de dúvidas acerca dos eventuais impactos destas mudanças no domínio
do Direito Tributário. Afinal, nem sempre a contabilização de um determinado
evento irá representar a realidade posta pelo direito positivo.
As dúvidas que vêm sendo realçadas são pertinentes e afloram a constante
interação entre as ciências contábeis e o Direito Tributário, notadamente no
campo da interpretação da correta incidência tributária, já que, em muitos
momentos, a norma tributária faz referência a conceitos contábeis4, como ativo,

1 O comunicado 14.259, do Banco Central do Brasil, por exemplo, já havia estabelecido a adoção
dos padrões internacionais como meta para as instituições por ele reguladas. O mesmo já havia
ocorrido com a CVM, por meio da IN 457/2007.
2 Elidie Palma Bifano destaca que, muito embora a Lei 11.638/2007 não faça referência expressa
ao IFRS, estas se tornaram o padrão internacional em razão do Memorandum of Understanding,
publicado em 10/2002 e conhecido como Norwalk Agreement, firmado entre entidades de
contadores dos EUA e da Europa. BIFANO, Elidie Palma. Aspectos Contábeis da Lei 11.638/2007:
Reflexos Legais. In: ROCHA, Sérgio André. Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das
S/A. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 49.
3 BIFANO, Elidie Palma. O Direito Contábil: Da Lei nº 11.638/07 à Lei nº 11.941/09. In: ROCHA,
Sérgio André. Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A. Vol. II. São Paulo: Quartier
Latin, 2010, p. 172
4 A incorporação de conceitos contábeis pelo direito não passou despercebida por Luis Eduardo
Schoueri e Vinicius Feliciano Tersi, que observaram a apropriação do conceito de lucro
contábil pelas normas tributárias antes do avento da Lei 6.404/76. SCHOUERI, Luis Eduardo

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614 - Os impactos das novas regras contábeis sobre o regime...

renda e receita, dentre outros5, pois como alertam Alexsandro Broedel Lopes
e Roberto Quiroga Mosquera o fenômeno social um só6.
Sob a ótica da Contabilidade, a adoção das normas internacionais é vista
como um avanço, uma vez que a contabilização com base na essência econômica
da operação representaria, de forma mais fiel, a realidade. Trata-se, como visto,
de uma mudança de paradigma.
Da perspectiva do Direito, ainda que se admita que a evolução da
realidade deva ser considerada, até mesmo para que seja cumprida a função
de regulação das condutas intersubjetivas, não podem ser desconsiderados os
princípios constitucionais que norteiam o Sistema Tributário Nacional, tais
como a Segurança Jurídica, a estrita legalidade, enfim os valores e princípios
que buscam estabilizar as relações sociais em tal domínio.
Não há dúvida de que, sendo relevante a interação entre Direito e
Contabilidade7, as alterações legislativas promovidas pelas Leis 11.638/2007
e 11.941/2009, no âmbito societário e da contabilidade, certamente geram
incertezas quanto aos possíveis impactos tributários, mas é preciso investigar
em que medida essa interação é juridicamente aceitável8. Isso porque a referida
interdisciplinaridade, por mais intensa que seja, “não pode e não deve macular a
rigidez do conhecimento científico”. Afinal, “cada ciência guarda seu conteúdo, sua
lógica e seus métodos de estudo. Na mesma linha, cada ciência tem seu destinatário
final, o que pressupõe atenção redobrada na análise da integração dos conhecimentos
adquiridos em cada área de atuação.” 9

e TERSI, Vinicius Feliciano. Algumas ponderações a respeito do Regime Tributário de Transição.


In FERNANDES, Edison Carlos e PEIXOTO, Marcelo Magalhães. Aspectos Tributários da Nova
Lei Contábil. MP Editora, São Paulo, 2010, pp. 347.
5 A compreensão de certos conceitos contábeis, como a distinção entre regime de caixa e de
competência, por exemplo, são fundamentais para o correto domínio de questões tributárias.
6 LOPES, Alexsandro Broedel Lopes e MOSQUERA, Roberto Quiroga. Controvérsias Jurídico-
Contábeis (Aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 11.
7 Ver MARTINEZ, Antonio Lopo. A linguagem Contábil no Direito Tributário. 2002. Dissertação
de Mestrado apresentada ao programa de Pós-Graduação em Direito do Estado da PUC de São
Paulo, São Paulo, 2002. RENCK, Renato Romeu. Imposto de Renda da pessoa jurídica – Critérios
constitucionais de apuração da base de cálculo: uma proposta de interpretação sistemática do
Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
8 Merece destaque o fato de que a própria Exposição de Motivos da Lei 11.638/07 prevê a
neutralidade fiscal como premissa. Ela, a neutralidade fiscal, decorreria da interpretação conjunta
dos §§ 2º e 7º, do art. 177 da Lei 6.404/76.
9 LOPES, Alexsandro Broedel Lopes e MOSQUERA, Roberto Quiroga. Controvérsias Jurídico-
Contábeis (Aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 11.

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Valter de Souza Lobato & Fernando Daniel de Moura Fonseca - 615

Diante disso, o trabalho em questão procurará responder ao seguinte


questionamento principal: como fica a amortização fiscal do ágio gerado em
operações de fusão e aquisição, em face das alterações promovidas pelas Leis
11.638/2007 e 11.941/2009?

2. A aparente tensão entre o Direito e a


Contabilidade. Independência entre as ciências e
os efeitos da Lei 11.638/2007
De plano, volta-se a frisar que uma correta análise da relação existente
entre o Direito e a Contabilidade jamais poderá deixar de considerar as enormes
barreiras conceituais existentes entre as duas ciências. Os objetivos, funções e
princípios são diversos, de modo que uma análise mais apressada do fenômeno
de interação pode levar a conclusões equivocadas.
A Contabilidade tem por objetivo a qualificação, a mensuração e a
exteriorização dos eventos econômicos ocorridos ao longo da vida de uma
entidade. E tais objetivos podem se distanciar da norma jurídica tributária,
o que traz como consequência a possibilidade de que alguns institutos gerem
repercussões diferentes a depender do enfoque (contábil ou jurídico) atribuído.
A questão é saber qual o limite da influência do Direito Contábil sobre
o Direito Tributário. Não se tem dúvidas de que são sistemas em constante
interação, mas seriam as normas de um deles capazes de alterar institutos
definidos por outro? Exemplificando, a venda de um ativo com o compromisso
de recompra (financiamento, por essência), deixaria de ser considerada compra
e venda? De um lado, a Contabilidade e a essência da operação, de outro, o
regramento jurídico do instituto da compra e venda.
E é exatamente por isso que se deve buscar diferenciar (i) a
contabilização de um evento (ii) dos seus efeitos tributários. Se assim
não ocorre, em princípio, a divergência apresenta-se inconciliável. A
tributação com base na substância econômica legitimaria a interpretação
econômica do Direito Tributário e a tributação por analogia, o que é
amplamente rechaçado pelo Texto Constitucional (arts. 5º, II e 150, I do
Texto Constitucional e arts. 97 e 108 do CTN).
Entretanto, as divergências apontadas acima não indicam a existência de um
conflito entre as duas ciências, ao contrário, reafirmam a necessária independência

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616 - Os impactos das novas regras contábeis sobre o regime...

existente entre ambas. Em razão da costumeira precisão, destaca-se


entendimento de Alexsandro Broedel Lopes e Roberto Quiroga Mosquera:10 
O que temos, de fato, é uma independência do processo contábil em
relação ao tratamento jurídico. A contabilidade deixa de ser acessória ao
entendimento jurídico e passa a ser independente. Na grande maioria
dos casos, é importante ressaltar, os tratamentos contábil e jurídico irão
coincidir. Ocorre que agora o critério de decisão para a contabilidade não
é mais a formalização jurídica do contrato e sim sua essência econômica –
assim entendida pela contabilidade. É assim que podemos afirmar que nem
todo direito – do ponto de vista jurídico – será um ativo para a contabilidade.
Nesse contexto, pode-se afirmar que a razão de existir da Lei 11.638/2007 é a
melhoria da qualidade da informação contábil, focada na convergência com as
normas internacionais de contabilidade (IFRS). O objetivo, insista-se, está na
qualidade da informação, sempre tendo como referência a essência econômica
da operação e não um arcabouço normativo previamente estabelecido. A
divergência entre o regime anterior (contabilidade com base em normas) e o
internacional (julgamento com base na essência econômica da operação) não
é de regras, mas de princípios.
A análise do antecedente histórico (veiculado na exposição de motivos)
não permite qualquer conclusão acerca da existência de preocupação com os
aspectos tributários, que deveriam ser absolutamente neutros.11_12
Em princípio, nos parece que eventual efeito fiscal dependerá de previsão
expressa da lei tributária. Em nosso país, como já afirmado, é clara a distinção
entre normas contábeis/societárias e tributárias. Heron Charneski não discrepa
desse entendimento, ao afirmar que “o Direito brasileiro, desde a Lei nº 6.404/76,

10 LOPES, Alexsandro Broedel Lopes e MOSQUERA, Roberto Quiroga. Controvérsias Jurídico-


Contábeis (Aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 79.
11 Para Paulo Cezar Aragão e Sérgio André Rocha, “Esta questão se torna relevante quando
identificamos uma tendência à ‘deslegalização’ da contabilidade, que, caso desacompanhada de
uma regra assecuratória da neutralidade das alterações contábeis, poderia implicar o surgimento de
normas tributárias em branco, ou seja, regras fiscais cujo conteúdo será em alguma medida incerto,
dependendo de complementação por atos não-legislativos expedidos pelos órgãos reguladores de
padrões contábeis.” ARAGÃO, Paulo Cezar e ROCHA, Sérgio André Rocha. Alteração dos Padrões
Contábeis Brasileiros: A Neutralidade Fiscal Transitória, “Deslegalização” da Contabilidade e o
Princípio da Legalidade. In: ROCHA, Sérgio André. Direito Tributário, Societário e a Reforma da
Lei das S/A. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 499.
12 COELHO, Sacha Calmon Navarro e LOBATO, Valter de Souza. A norma tributária e a Lei 11.638/07.
In. ROCHA, Sérgio André. Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A. São Paulo:
Quartier Latin, 2008.

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Valter de Souza Lobato & Fernando Daniel de Moura Fonseca - 617

reconheceu formalmente a diferença entre o lucro apurado conforme regras societárias


e o lucro tributário.”13
Assim, considerando esse natural distanciamento entre a Contabilidade
e o Direito Tributário,14 como o ordenamento jurídico deveria solucionar a
temática da compatibilização entre ambos os regimes?
A experiência internacional certamente tende a ajudar. A solução
encontrada por alguns países, como os Estados Unidos, é a total separação entre
as regras contábeis e fiscais. Em sentido oposto, a Alemanha, em que as regras
societárias são vinculantes para fins tributários. Solução interessante parece ter
encontrado a Suprema Corte Holandesa, ao decidir que os princípios contábeis
positivados na legislação societária são aceitáveis para a apuração dos tributos,
desde que a lei tributária não disponha de forma diversa.15 
Como não poderia ser diferente, a discussão acerca da convergência não
pode tomar como base apenas a solução adotada por outro país. A discussão
passará sempre pelo direito interno, desde a repartição de competências adotada
pela Constituição, perpassando pelos princípios constitucionais que sustentam
o Sistema Tributário até a análise da legislação tributária vigente.
Em que pese a relevância das alterações promovidas no âmbito da
contabilidade, deve-se buscar a preservação das garantias e direitos decorrentes
do sistema constitucional tributário, sem o que ruiria todo o ordenamento
jurídico. Se o sistema os garantiu, cabe a ele buscar, dentro de sua própria
estrutura, formas de efetivá-los ou preservá-los.
Desta forma, o processo brasileiro de adoção de normas alienígenas,
no sentido de convergência às normas internacionais, ou deve partir pela
harmonização com as normas tributárias, ou pela sua total separação.

13 CHARNESKI, Heron. Uma Lei Clara: a Lei nº 11.638/07 e a Estabilização, na Contabilidade, de


Conflitos Tributários e Societários. Revista Dialética de Direito Tributário, nº 155, agosto de 2008,
p. 39.
14 São as palavras de Renato Nunes, em relevante estudo intitulado Modificações Promovidas pela
Lei nº 11.638/07 no Regime de Lançamentos Contábeis – Repercussões no Campo Tributário,
sobretudo no âmbito de reorganizações societárias. Revista Dialética de Direito Tributário, nº
159, dezembro de 2008, p. 79.
15 A esse respeito, confira-se excelente artigo de autoria de Heron Charneski (CHARNESKI, Heron.
Uma Lei Clara: a Lei nº 11.638/07 e a Estabilização, na Contabilidade, de Conflitos Tributários e
Societários. Revista Dialética de Direito Tributário, nº 155, agosto de 2008).

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618 - Os impactos das novas regras contábeis sobre o regime...

3. Os conceitos em matéria tributária e o artigo 109


do CTN
A resposta aos questionamentos postos no presente trabalho passa
também pela análise do art. 109 do Código Tributário Nacional16, que afirma
que os institutos, conceitos e formas de Direito Privado podem ter seus efeitos
adaptados para fins tributários, assumindo neste campo significados distintos
dos que têm nos seus ramos jurídicos de origem.
O limite de tais distorções (como a equiparação de mútuo gratuito a mútuo
feneratício, p.ex.), quando alargadoras do sentido originário do instituto privado,
é a competência tributária definida na Constituição, que não pode ser ultrapassada
sob qualquer artifício pelo legislador. Este o comando do art. 110 do CTN, preceito
de natureza declaratória que sequer precisaria estar positivado17.
Em síntese, como visto, o Direito Tributário importa do Direito Privado
certos conceitos, que, por sua vez, podem sofrer distorções para fins de
definição de seus efeitos no âmbito da tributação (equiparação de royalties
a aluguel, p.ex.), desde que não ocorram deformações ou ampliação da
competência constitucionalmente definida. Assim, existe certa autonomia da
legislação tributária, mesmo quando essa faça referência a institutos e conceitos
pertencentes a outros ramos do Direito. É o que, em última análise, prescrevem
os artigos 109 e 110 do CTN.
Todavia, deve-se buscar identificar, no caso concreto, em que medida a
legislação tributária valeu-se dessa autonomia, afinal, apesar de poder alterar
os conceitos para fins tributários, não se pode presumir que isso tenha ocorrido
sempre que a legislação tributária se referir a esses conceitos. Ou seja, não se
pode chegar ao extremo de se admitir a existência de um conceito tributário
autônomo em todas as hipóteses.

16 Para ALIOMAR BALEEIRO, em sua obra Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, o art.
109 do CTN fornece a diretriz para extremar-se a fronteira entre o Direito Privado e o Tributário,
resguardando-se a autonomia deste. (BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder
de Tributar. Editora Forense, 7ª ed. revista e atualizada, Rio de Janeiro, 2006).
17 Bem por isso, o STF declarou inconstitucionais, dentre outras, a lei ordinária que fazia incidir
contribuição sobre a folha de salários nos pagamentos feitos a avulsos, autônomos e administradores,
por ofensa à redação original do art. 195, I, da Constituição (Lei nº 7.787/89, art. 3º, I – STF, Pleno, RE
nº 166.772/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ 16.12.1994), bem como a lei que alargava a base
de cálculo do PIS e da COFINS antes da EC nº 20/98, indo além do faturamento autorizado na
redação originária do mesmo dispositivo constitucional (art. 3º, § 1º, da Lei nº 9.718/98 – STF,
Pleno, RE nº 346.084/PR, Rel. para o acórdão Min. MARCO AURÉLIO, DJ 01.09.2006).

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A doutrina diverge quanto a este ponto. Rubens Gomes de Sousa18


e Amílcar Falcão19 parecem defender a autonomia conceitual do Direito
Tributário. Significa dizer que a lei tributária (ainda que omissa) não
incorporaria os conceitos de outros ramos do direito ou de outras ciências,
que deveriam ser desconsiderados. Em suma, os conceitos utilizados pela
lei tributária deveriam ser interpretados sempre levando em consideração a
substância econômica que se pretende tributar.
Esse pensamento foi objeto de críticas severas porque legitimaria, em
último caso, a tributação por analogia20, ferindo o princípio da legalidade. Seus
opositores defendem que a lei tributária, caso não trouxesse disposição expressa
em sentido contrário, incorporaria os conceitos utilizados por outros ramos
do direito, que, então, não poderiam ser modificados (o que se convencionou
chamar império do Direito Privado).
Assim, quando a lei tributária (ou a Constituição Federal) se refere a
um conceito já positivado, estaria incorporando todas as suas características:
não haveria a hipótese de mutação tácita destes conceitos. É a doutrina
majoritária com defensores do porte de Alfredo Becker21, Sacha Calmon22,
Misabel Derzi23, Roque Carrazza24 e Luciano Amaro25.
Por fim, uma terceira corrente defende a incorporação prima facie dos
conceitos jurídicos preexistentes, isto é, caso a lei tributária se limite a citar um
conceito oriundo do direito privado (ou de outras ciências, ou de outros ramos
do direito), sem explicitar o seu conteúdo, o ponto de partida para a construção
de tal conceito para a lei tributária é o conceito originário. Entretanto, pode

18 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária, 4ª ed. São Paulo: Resenha
Tributária, 1962, pp. 63-64, apud VELLOSO, op. cit., p. 57.
19 FALCÃO, Amílcar Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária, 1ª ed. Rio de Janeiro: Edições
Financeiras, 1964, pp. 34-35.
20 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo, da Interpretação e da Exoneração
Tributária. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Dialética, 2003, p. 141.
21 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lejus, 2002,
p. 83.
22 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Interpretação no Direito Tributário Brasileiro. In. NASCIMENTO,
Carlos Valder do. (org.). São Paulo: RT, 1989, p. 79.
23 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro. 11ª edição, atualizada por Misabel Abreu
Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
24 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 23ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2007, pp. 494-496.
25 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 218-219.

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620 - Os impactos das novas regras contábeis sobre o regime...

haver transfiguração desse conceito utilizado pela lei tributária, quando a


interpretação sistemática do ordenamento jurídico assim o exigir. Em outras
palavras, esses conceitos inicialmente incorporados pelo Direito Tributário,
deveriam ser construídos pelo intérprete. Segundo Andrei Pitten Velloso26:
Com a defesa de uma incorporação prima facie dos conceitos
jurídicos preexistentes, confere-se adequado relevo a esses conceitos
e à unidade do ordenamento jurídico, ao mesmo tempo em que se
salvaguarda a autonomia do Direito Tributário e, no caso de conceitos
constitucionais, a supremacia normativa da Constituição.
(...)
A incorporação prima facie dos conceitos jurídicos preexistentes
afigura-se inteiramente coerente com e consentânea com os ditames
do nosso ordenamento jurídico-positivo (...).
Toda a temática foi resumida com precisão por Heleno Tôrres, ao tratar
da relação entre o Direito Tributário e o Direito Civil:27 
As relações entre normas de direito civil e normas tributárias supõem
destas últimas um mecanismo seletivo de propriedades para determinar
os específicos efeitos dos atos jurídicos de direito privado no âmbito
tributário. E, assim, poderemos ter: i) a criação de algum tipo próprio,
alheio a quaisquer outros do direito privado; ii) um reenvio direto àquelas
matérias, quando as normas tributárias nada prescrevem de inovador; ou
ainda iii) uma transformação dos conceitos sem que estes percam suas
identidades nas relações regidas exclusivamente pelo direito privado, como
veremos mais adiante. Desde que isso seja feito nos limites da autorização
constitucional e das normas gerais do direito tributário, nenhum outro
obstáculo pode ser reclamado. E como a partir da tipificação legislativa
seguem-se os atos de aplicação do direito tributário, também neste plano
não se encontra autorizada qualquer espécie de qualificação inovadora
ou superadora daquilo que a lei previu (...).
Com base em todas as lições acima, a melhor exegese, a nosso ver, deve
partir sempre de uma interpretação sistemática, com a finalidade de identificar

26 VELLOSO, Andrei Pitten. Conceitos e Competências Tributárias. São Paulo: Dialética, 2005, pp.
129-130.
27 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Tributário e Direito Privado. Autonomia privada, simulação e
elusão tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 16.

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em que medida, se for o caso, o conceito utilizado pela norma tributária foi
alterado. E essa interpretação pode ser aplicada diretamente ao caso que se
pretende analisar no presente trabalho. Não se pode concordar que exista,
a priori, um conceito jurídico de ágio, diverso do contábil, muito embora
a definição trazida pela legislação indique que, no que toca a questão da
dedutibilidade, o legislador tributário tenha pretendido imprimir contornos
próprios à questão. A nosso ver, a presente questão amolda-se ao item três da
classificação empreendida por Heleno Tôrres, ou seja, uma transformação do
conceito, pelo direito tributário, sem que este perca a identidade prevista no
âmbito do direito societário ou da contabilidade.
Como será visto adiante, a despeito de tratar-se o ágio de um conceito
contábil, foi positivado pela legislação tributária, que expressamente o definiu
e empregou contornos próprios.

4. A necessidade de uma interpretação sistemática


da questão. Os efeitos decorrentes das
mudanças dos conceitos em sua origem e os
possíveis reflexos tributários
As teorias acerca dos limites da autonomia do direito tributário, embora
forneçam elementos para que se possa definir determinado instituto, não tratam
diretamente da temática da mutação. Ou seja: é necessário esclarecer quais
seriam os efeitos decorrentes da posterior alteração de conceitos oriundos do
direito privado, ou de outras ciências, mas utilizados pela norma tributária.
Para aqueles que defendem a construção de um conceito tributário
autônomo, fundado exclusivamente na substância econômica, certamente a
sua alteração no âmbito do direito privado não teria qualquer consequência
tributária. Todavia, para os autores que sustentam a primazia do direito privado,
ou mesmo para aqueles que defendem uma incorporação apenas prima facie, o
assunto merece uma análise mais detida.
A dúvida que se coloca é: uma alteração do conceito no âmbito do direito
privado (e aqui se está admitindo que as normas contábeis emanadas pelo
CPC28 fazem parte do Direito Contábil, uma vez que a autonomia deste órgão

28 Comitê de Pronunciamentos Contábeis.

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622 - Os impactos das novas regras contábeis sobre o regime...

decorre diretamente da Lei 11.638/2007) pode ter reflexos tributários sem que
a lei tributária seja alterada?
Pensamos que, no caso específico do ágio, a resposta seja negativa.
É preciso que seja fixado, até como forma de se respeitar a segurança
jurídica, que um conceito definido e não simplesmente incorporado pelo
direito tributário, seja mantido imutável até que sobrevenha veículo normativo
competente para realizar a correspondente alteração. A partir de agora, não se
discute a abrangência da autonomia do direito tributário, mas sim os efeitos
da incorporação ou construção de conceitos de direito tributário no tempo.
É de se admitir que a norma tributária, quando define ou dá novos contornos
a institutos de outros ramos do Direito ou até mesmo de outras ciências, leve
em consideração princípios que são mais caros ao Direito Tributário e valores
existentes no momento da incorporação. Quando o legislador houve por bem,
através da Lei 9.532/97, atribuir efeitos tributários ao ágio decorrente de aquisição
de participações societárias avaliadas pelo método da equivalência patrimonial
(MEP), levou em consideração, por subsunção, o conceito contábil de ágio em
vigor naquele momento, definido pela norma tributária por meio do Decreto-
Lei 1.598/77. Eventual alteração contábil posterior, se não refletida no Direito
Tributário, não pode gerar efeitos tributários.
E não se pode deixar de ressaltar que no momento em que houve a definição
do conceito de ágio pelo legislador tributário, este deixou de ser um instituto
contábil e passou a ser um instituto jurídico, e que assim deve ser interpretado.
Como bem sustenta Paulo de Barros Carvalho29:
Existe interpretação econômica do fato? Sim, para os economistas. Existirá
interpretação contábil do fato? Certamente, para o contabilista. No entanto,
uma vez assumido o caráter jurídico, o fato será, única e exclusivamente,
fato jurídico; e claro, fato de natureza jurídica, não econômica ou contábil,
entre outras matérias. Como já anotado, o direito não pede emprestado
conceitos de fatos para outras disciplinas. Ele mesmo constrói sua realidade,
seu objeto, suas categorias e unidades de significação. O paradoxo inevitável,
e que causa perplexidade no trabalho hermenêutico, justifica a circunstância

29 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010. 22ª edição,
p. 307.

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do disciplinar levar ao interdisciplinar e este último fazer retornar ao


primeiro. Sem disciplinas, portanto, não teremos as interdisciplinas, mas
o próprio saber disciplinar, em função do princípio da intertextualidade,
avança na direção dos outros setores do conhecimento, buscando a
indispensável complementaridade. Tanto o jurídico como o econômico
fazem parte do domínio social e, por ter este referente comum, justifica-se
que entre um e outro haja aspectos ou áreas que se entrecruzem, podendo
ensejar uma tradução aproximada, e em parâmetros mais amplos, uma
densa e profícua conversação.
Ainda que o sistema jurídico seja aberto à evolução dos conceitos30,
suas operações devem ser operacionalmente fechadas (o interdisciplinar deve
retornar ao disciplinar).31 Em outros termos, a interpretação de um fato jurídico
deve levar em conta normas e princípios jurídicos, uma vez que o Direito cuidou
de construir sua própria realidade.
No caso de conceitos oriundos de outras ciências (como é o caso do ágio),
não se questiona a possibilidade de modificação desses conceitos no momento
em que ingressam no ordenamento jurídico. Em razão da própria unidade
e coerência do sistema, esse conceito, uma vez incorporado, passa a sofrer
influência de todas as outras normas jurídicas, que com ele se relacionam32.
Em razão do dinamismo da sociedade, os conceitos utilizados pelas
ciências sociais podem sofrer mutações para se adequarem às novas realidades.
Foi exatamente o que ocorreu com a contabilidade, que passou a adotar a
primazia da essência sobre a forma. Contudo, esta alteração de paradigma

30 “Para o progresso da Ciência, há que, a realidade autónomas, atribuir expressões próprias e


a conceitos novos, nominações novas, sem confusão com factores já existentes.” MENEZES
CORDEIRO, António Manuel da Rocha. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2007, p.
798.
31 A esse respeito, ver a obra de Misabel Derzi, intitulada Modificações da Jurisprudência no Direito
Tributário: Proteção da Confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais
do poder judicial de tributar. São Paulo: Noeses, 2009.
32 Para Becker: “quando o interlocutor (intérprete) é um jurista de Direito Tributário, então,
precisamente naquele momento em que cumpre com a exigência de integrar e completar a idéia
(a idéia é a regra jurídica) expressa pela linguagem legislativa, repetimos, precisamente naquele
momento deve lembrar-se que, mesmo no caso de o Direito Tributário, aparentemente, ter aceito
e consagrado um princípio (ou conceito ou categoria ou instituição ou diretriz) da Ciência das
Finanças Públicas ou de outra ciência pré-jurídica, todavia e sempre e necessariamente, houve
uma deformação e transfiguração naquele princípio (ou conceito ou categoria ou instituição ou
diretriz) quando entrou no mundo jurídico, passando a ter um conteúdo jurídico que não é e nem
pode mais ser aquele conteúdo original e peculiar da Ciência das Finanças Públicas ou de outra
ciência pré-jurídica.” (Becker, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário, 3ª ed. Rio de
Janeiro: Lejus, 2002, p. 83)

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624 - Os impactos das novas regras contábeis sobre o regime...

não pode ter aplicação imediata no Sistema Tributário face ao já consagrado


princípio da legalidade (arts. 5º, II e 150, CF/88).
Isto, por si só, afastaria a possibilidade de que o marco inicial para a
aferição do fato gerador tributário e sua quantificação, nas palavras de Mariz
de Oliveira33, ficasse aberto a definições outras que não as do direito positivo
em vigor, como primazia da essência econômica sobre a forma jurídica, uma
vez que o conceito jurídico se impõe no Direito Tributário.

5. O impacto das novas regras contábeis sobre o


ágio gerado nas operações de fusão e aquisição34 

5.1. Os conceitos contábil e jurídico de ágio


Preliminarmente à análise das alterações promovidas pelas novas regras
sobre o regime contábil e jurídico do ágio gerado por meio de aquisição de
participações societárias, necessário se faz definir o que venha a ser esse ágio.
Segundo Bulhões Pedreira35:
O ágio na aquisição de participação societária pode ser conceituado
como a parte do custo de aquisição do investimento que corresponde
ao direito de participar em valores que não se acham registrados na
escrituração de controlada ou coligada. Sempre que seu fundamento é
identificado e quantificado, somente deve continuar registrado como
elemento do ativo da investidora enquanto o valor que o justificou
existir na controlada ou coligada. À medida que a controlada ou
coligada realiza esse valor e o computa no seu resultado, a investidora
recupera (através da participação no resultado) o capital por ela
aplicado no custo de aquisição do investimento; e se a controlada
ou coligada realiza valor menor do que o pago pela investidora, esta
deve reconhecer na sua escrituração a perda do capital aplicado.
Portanto, contabilmente, ágio representa uma parcela do custo de aquisição
do investimento, decorrente de valores existentes no patrimônio da investida,

33 A esse respeito ver novamente a obra Fundamentos do Imposto de Renda.


34 No âmbito do IFRS, o ágio por expectativa de rentabilidade futura gerado em uma combinação
de negócios é regulado pela IFRS 3.
35 PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Finanças e Demonstrações Financeiras da Companhia. Ed: Forense:
Rio de Janeiro, 1989, p. 704.

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mas não contabilizados.36 Assim, do ponto de vista material, ágio é a parcela


do custo que representa o direito da investidora de participar em valores não
contabilizados pela investida. Do ponto de vista quantitativo, é a diferença
entre o valor pago e o contabilizado.
No que concerne ao Direito Tributário, o Decreto-Lei 1.598/77 definiu
ágio como sendo: a diferença entre o custo de aquisição de investimento (sendo
que o investimento deverá ter sido realizado em sociedade coligada ou
controlada e avaliado pelo método da equivalência patrimonial) e o valor do
patrimônio líquido contábil da investida.
Confira-se o que dispõe o artigo 20 do Decreto-Lei 1.598/77:
Art 20 – O contribuinte que avaliar investimento em sociedade coligada
ou controlada pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da
aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em:
I – valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado
de acordo com o disposto no artigo 21; e
II – ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo
de aquisição do investimento e o valor de que trata o número I.
§ 1º – O valor de patrimônio líquido e o ágio ou deságio serão
registrados em subcontas distintas do custo de aquisição do
investimento.
§ 2º – O lançamento do ágio ou deságio deverá indicar, dentre os
seguintes, seu fundamento econômico:
a) valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada
superior ou inferior ao custo registrado na sua contabilidade;
b) valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em
previsão dos resultados nos exercícios futuros;
c) fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas.
§ 3º – O lançamento com os fundamentos de que tratam as letras a
e b do § 2º deverá ser baseado em demonstração que o contribuinte
arquivará como comprovante da escrituração.

36 Apesar de dizer respeito ao custo de aquisição do investimento, a Lei 6.404/76 nada dispõe acerca
da amortização do ágio.

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626 - Os impactos das novas regras contábeis sobre o regime...

Nesse primeiro momento, o conceito tributário de ágio guarda absoluta


coerência com a definição contábil, conforme as lições de Bulhões Pedreira37 
e este, em relação ao fundamento econômico do ágio, indicou, já com base no
Decreto-Lei 1.598/77, três categorias: (i) lucro ou prejuízo potencial contido
em bem do ativo da controlada ou coligada, (ii) diferença entre os valores de
renda e de patrimônio líquido da participação, e (iii) intangíveis existentes na
controlada, ou outras razões econômicas não especificadas.
A ressalva de que as categorias foram indicadas por Bulhões Pedreira
com base no Decreto-Lei 1.598/77 demonstra que, desde a incorporação
do conceito contábil de ágio pela legislação tributária, o legislador cuidou
de estabelecer critérios jurídicos, que acabaram por, futuramente, nortear o
regime tributário da amortização do ágio.
Assim, o que deve ser enfatizado é que, a despeito da existência de uma
definição do que seja ágio para fins contábeis, este conceito foi positivado pelo
Direito Tributário, que adicionou a ele contornos bem definidos.

5.2. As recentes alterações decorrentes da Lei


11.638/07
O Comitê de Pronunciamentos Contábeis, através do CPC 1538, regulou
a temática da combinação de negócios, estabelecendo as diretrizes para o
reconhecimento e para a mensuração do ágio gerado em razão da expectativa
de rentabilidade futura (goodwiil). Pelas definições constantes no referido
pronunciamento, as operações por ele reguladas devem atender ao conceito
de combinação de negócios.39
De plano, essa é a primeira diferença de tratamento que pode ser verificada
entre as normas contábeis atuais e a lei tributária que trata do assunto. Enquanto
aquelas exigem a aquisição de controle, esta exige apenas que o investimento
seja avaliado pelo MEP40(p.seg.).

37 PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Finanças e Demonstrações Financeiras da Companhia. Ed: Forense:
Rio de Janeiro, 1989.
38 Aprovado pela Deliberação CVM 580/09 e pela Resolução CFC 1.175/2009.
39 “3. A entidade deve determinar se uma operação ou outro evento é uma combinação de negócios
pela aplicação da definição utilizada neste Pronunciamento, a qual exige que os ativos adquiridos e
os passivos assumidos constituam um negócio. Se os ativos adquiridos não constituem um negócio, a
entidade deve contabilizar a operação ou evento como aquisição de ativos. Os itens B5 a B12 fornecem
orientações sobre a identificação de uma combinação de negócios e uma definição de negócio.”

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Valter de Souza Lobato & Fernando Daniel de Moura Fonseca - 627

O CPC 15 define ágio como a diferença positiva entre o valor pago pela
aquisição de controle da adquirida e o valor líquido, na data de aquisição,
dos ativos identificáveis adquiridos e dos passivos assumidos, com base em
seu valor justo41.
A definição acima citada denota uma importante modificação também
na apuração do valor do ágio. Este deixa de ser (i) a diferença positiva entre o
valor pago pela participação societária adquirida e o valor de patrimônio líquido
da investida e passa a ser (ii) a diferença positiva entre o preço de aquisição e
o valor líquido dos ativos e passivos da investida trazidos a valor justo.
A mudança está no conceito de valor contabilizado, uma vez que os ativos
e passivos deverão estar registrados com base em seu valor justo. Em termos
práticos, há modificação na base de cálculo do ágio, uma vez que poderá haver,
com base na diferença entre custo histórico e valor justo, uma diminuição do
sobrepreço pago (parcela do valor seria alocada aos ativos que o justificariam
e aos bens antes não contabilizados).
Destaque-se que tal diferença (valor do patrimônio líquido da investida com
base em seus livros e com base no valor justo dos ativos e passivos) tende a se agravar
em razão da atual permissão de que se possa reconhecer a existência e o valor de
ativos e passivos antes não contabilizados, como é o caso da marca (intangível).
Com isso, o ágio pago em razão da rentabilidade futura pode ter sua
base de apuração sensivelmente diminuída, uma vez que a alocação da mais
valia dos ativos, incluindo os intangíveis não contabilizados, deve ser feita
antes. Caso ainda exista alguma diferença, esta poderá ser contabilizada como
rentabilidade futura, o que será considerado um ativo intangível, não sujeito à
amortização, mas a testes periódicos de recuperabilidade, ou impairment tests42.
Essa, portanto, é mais uma modificação importante que merece destaque: o
ágio contábil apurado segundo os novos critérios, não poderá ser amortizado.
Diante do acima exposto, verifica-se que o CPC 15 alterou de forma
radical o regime de reconhecimento do ágio, criando nova definição, que se
afasta daquela prevista no Decreto-Lei 1.598/77.

40 Existem outros requisitos igualmente relevantes para que a operação seja regulada pelo CPC 15.
No entanto, por não interferirem nas conclusões desse trabalho, deixa-se de transcrevê-los, muito
embora seja recomendada a leitura de seu inteiro teor.
41 “19. Em cada combinação de negócios, o adquirente deve mensurar qualquer participação de
não controladores na adquirida pelo valor justo dessa participação ou pela parte que lhes cabe
no valor justo dos ativos identificáveis líquidos da adquirida.”
42 A respeito do teste de impairment, vide o CPC 01.

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628 - Os impactos das novas regras contábeis sobre o regime...

5.3. A amortização fiscal do ágio


Apesar de a definição de ágio para fins fiscais remontar ao Decreto-Lei
1.598/77, a autorização para sua amortização, atendidas certas condições, surgiu
apenas com a Lei 9.532/97, ainda em vigor, e que assim dispõe.
Art. 7º A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude
de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária
adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no art. 20
do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977: (Vide Medida
Provisória nº 135, de 30.10.2003)
I – deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo fundamento seja o de
que trata a alínea “a” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977,
em contrapartida à conta que registre o bem ou direito que lhe deu causa;
II – deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata
a alínea “c” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, em
contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita a amortização;
III – poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que
trata a alínea “b” do § 2º do art. 20 do Decreto-lei nº 1.598, de 1977,
nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados
posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta
avos, no máximo, para cada mês do período de apuração; (Redação
dada pela Lei nº 9.718, de 1998)
IV – deverá amortizar o valor do deságio cujo fundamento seja
o de que trata a alínea “b” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº
1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro
real, levantados durante os cinco anos-calendários subseqüentes à
incorporação, fusão ou cisão, à razão de 1/60 (um sessenta avos), no
mínimo, para cada mês do período de apuração.
§ 1º O valor registrado na forma do inciso I integrará o custo do bem
ou direito para efeito de apuração de ganho ou perda de capital e de
depreciação, amortização ou exausttão.
§ 2º Se o bem que deu causa ao ágio ou deságio não houver sido
transferido, na hipótese de cisão, para o patrimônio da sucessora,
esta deverá registrar:
a) o ágio, em conta de ativo diferido, para amortização na forma
prevista no inciso III;

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b) o deságio, em conta de receita diferida, para amortização na forma


prevista no inciso IV.
§ 3º O valor registrado na forma do inciso II do caput:
a) será considerado custo de aquisição, para efeito de apuração de
ganho ou perda de capital na alienação do direito que lhe deu causa ou
na sua transferência para sócio ou acionista, na hipótese de devolução
de capital;
b) poderá ser deduzido como perda, no encerramento das atividades
da empresa, se comprovada, nessa data, a inexistência do fundo de
comércio ou do intangível que lhe deu causa.
§ 4º Na hipótese da alínea “b” do parágrafo anterior, a posterior
utilização econômica do fundo de comércio ou intangível sujeitará
a pessoa física ou jurídica usuária ao pagamento dos tributos e
contribuições que deixaram de ser pagos, acrescidos de juros de mora
e multa, calculados de conformidade com a legislação vigente.
§ 5º O valor que servir de base de cálculo dos tributos e contribuições
a que se refere o parágrafo anterior poderá ser registrado em conta
do ativo, como custo do direito.
Note-se que a Lei 9.532/97 faz referência ao ágio apurado na forma do
Decreto-Lei 1.598/77, que, por sua vez, incorporou o conceito contábil de
ágio em vigor no momento de sua edição e alterado apenas recentemente, por
força do CPC 15. Portanto, nas hipóteses em que possível a amortização fiscal,
o ágio deverá representar a parcela do custo de aquisição de investimento em
coligada ou controlada, avaliado pelo MEP, que exceda o valor do patrimônio
líquido contábil da investida.
Os efeitos fiscais pressupõem a absorção do patrimônio da investida pela
investidora e irão variar de acordo com o fundamento econômico do ágio, que
deverá ser indicado pelo investidor, dentre os critérios previstos no Decreto-Lei
1.598/77, conforme melhor explicitado abaixo.
O ágio fundado em mais valia dos ativos deverá ser incorporado
aos bens que lhe deram causa, passando a integrar o custo de aquisição, e
seguirá o regime de depreciação do bem a ele relacionado. O ágio fundado
em expectativa de rentabilidade futura poderá ser amortizado, à razão de
1/60 avos, no mínimo, para cada mês do período de apuração. Finalmente,

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630 - Os impactos das novas regras contábeis sobre o regime...

o ágio fundado em intangíveis, ou outras razões econômicas, não poderá ser


amortizado. Este é o regime da Lei 9.532/97, ainda em vigor.
Na prática, em vista do regime tributário mais benéfico, grande parte dos
ágios gerados foi justificada com base na expectativa de rentabilidade futura,
expectativa essa atestada por laudo técnico, geralmente baseado no método do
fluxo de caixa descontado43.
Logo, a diferença principal entre os regimes contábil e tributário de apuração
do ágio consiste na prévia atribuição de valor justo aos ativos e passivos, o que
eliminaria a justificativa do ágio com base em mais valia dos ativos (a mais valia
passa a estar contabilizada). Apenas a eventual diferença entre o valor pago e o
valor contabilizado, com base no valor justo, poderá ser justificada como sendo
ágio baseado em expectativa de rentabilidade futura da investida.44

5.4. Os efeitos (ou ausência deles) das novas normas


contábeis sobre o regime jurídico do ágio

Como visto, qualquer análise acerca dos possíveis impactos tributários


decorrentes das recentes alterações contábeis deve levar em consideração que,
após a edição do CPC 15, ficou ainda mais nítida a separação entre os regimes
contábil e jurídico do ágio. Definitivamente, tem-se um ágio contábil e outro
jurídico, como bem sustentou Jimir Doniak Jr45.

43 O método do fluxo de caixa descontado consiste, em linhas gerais, em estimar o valor presente
líquido dos benefícios futuros, por meio da aplicação de uma taxa de desconto adequada.
44 Luciana Galhardo e Jorge Lopes Júnior destacaram o fato de que a IN/CVM 247/96 já dispunha
acerca da obrigatoriedade de consideração dos ativos e passivos pelo seu valor de mercado, o que
seria uma evidência de que as normas fiscais e tributárias são independentes. “Ao mesmo tempo
mesmo tempo em que a CVM já estabelecia, há mais de dez anos, que nas companhias abertas
e outras que observassem suas normas, o ágio por rentabilidade futura deveria ser contabilmente
apurado de forma a considerar o valor de mercado dos ativos e passivos da sociedade investida,
para fins fiscais, a legislação tributária permanecia determinando que essa mesma forma de ágio
deveria ser apurada em relação ao valor patrimonial dos ativos e passivos da sociedade investida”.
GALHARDO, Luciana Rosanova e LOPES JÚNIOR, Jorge Ney de Figueirêdo. As novas normas
contábeis e a amortização fiscal do ágio. In: LOPES, Alexsandro Broedel Lopes e MOSQUERA,
Roberto Quiroga. Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e distanciamentos). São Paulo:
Dialética, 2010, pp. 228-229.
As colocações são absolutamente pertinentes e efetivamente denotam a separação ente o ágio
contábil e o ágio fiscal, o que não foi modificado pela Lei 11.638/2007.
45 DONIAK JR. Jimir. Análise da Amortização de Ágio Frente às Leis nºs 11.638/07 e 11.941/09.
In: ROCHA, Sérgio André. Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A. São Paulo:
Quartier Latin, 2010, p. 305.

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Ágio é qualificação dada a uma possível parte do custo de aquisição.


Qualificação jurídico-tributária, por estar prevista em norma jurídico-
tributária, e qualificação contábil, pois tratada pelas ciências contábeis. Como
qualificação dada pelo ordenamento jurídico, ágio – jurídico-tributário – é
aquilo que o ordenamento jurídico determinar que é. Já como qualificação
dada pela contabilidade, ágio – contábil – é aquilo que as ciências contábeis
assim qualificarem. Ambos podem se equivaler, mas não há tal obrigação.
Ainda assim, a primeira dúvida que se apresenta é a seguinte: teriam as
normas tributárias sido influenciadas pelo novo regime contábil?
A resposta é negativa. O Regime Tributário de Transição (RTT), criado
pelo artigo 16 da Lei 11.941/2009, não parece deixar margem para dúvidas.
O RTT congelou os possíveis efeitos tributários decorrentes da edição da Lei
11.638/2007, enfatizando que a apuração dos tributos deve levar em conta os
critérios contábeis vigentes em 31.12.2007.
Por força do parágrafo único do citado dispositivo, o mesmo raciocínio deve ser
aplicado às normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pelos
demais órgãos reguladores. A partir do ano-calendário 2010, o RTT passou a ser
obrigatório e continuará em vigor até que sobrevenha lei que discipline os impactos
tributários decorrentes das modificações introduzidas pela Lei 11.638/2007.
Dessa forma, do ponto de vista operacional, as sociedades deverão apurar
seu resultado com base na legislação societária (considerando as modificações
da Lei 11.638/2007) e realizar os respectivos “ajustes de RTT” diretamente
no Livro de Apuração do Lucro Real (Lalur).
Não fosse a edição da Lei 11.941/2009, ainda assim nos parece que a
resposta não deveria ser alterada. A neutralidade tributária, então prevista na
Lei 11.638/2007, seria a garantia da inexistência de efeitos tributários.
É que permanece em vigor um conceito tributário de ágio, definido
pelo Decreto-Lei 1.598/77 e ainda não revogado, expressa ou tacitamente.
Esse conceito foi incorporado formalmente pela Lei 9.532/97, que cuida da
amortização fiscal do ágio e que também permanece em vigor.
Do ponto de vista tributário, então, o valor do ágio continua sendo
representado pela diferença entre o custo de aquisição da participação societária
e o valor de patrimônio líquido dessa participação registrado na contabilidade
da investida. O ágio continua a poder ser justificado com base em três diferentes
fundamentos econômicos: (i) mais valia dos ativos – diferença ente o valor de

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632 - Os impactos das novas regras contábeis sobre o regime...

mercado e contábil dos ativos classificados como tangíveis; (ii) expectativa de


rentabilidade futura, geralmente baseada na previsão de lucros futuros atestada
por laudo técnico baseados nos fluxos de caixa futuros trazidos a valor presente
(método do fluxo de caixa descontado); ou (iii) outras razões econômicas e
intangíveis, normalmente utilizada como justificativa residual.
Sobre o aspecto específico da dedutibilidade fiscal do ágio, então, pelo
menos enquanto não revogado o RTT, não nos parece que a questão vá suscitar
maiores controvérsias.46 É o que também conclui Ana Cláudia Utumi47:
(...) note-se que, com ou sem CPC 15, fato é que, por enquanto, a
legislação aplicável ao ágio (...) não foi alterada. Assim, é possível
aproveitar os benefícios previstos na legislação e, ao mesmo tempo,
atender ao CPC 13 e CPC 15, mediante a adoção do RTT.
A grande controvérsia, a nosso ver, estará em saber qual poderá ser o valor
do ágio baseado em previsão de lucros futuros, ou seja, se será possível a adoção
de um fundamento contábil e outro jurídico para justificar o ágio gerado.
Explica-se. Caso o valor do patrimônio líquido da investida, para fins
de contabilização do custo de aquisição, tome por base o valor justo dos
ativos e passivos, nos termos do CPC 15, a obrigatoriedade da alocação da
mais valia apurada eliminaria a possibilidade de alocar a totalidade do ágio
gerado como rentabilidade futura.
Em outros termos, ainda que se busque manter a neutralidade fiscal, a
simples verificação contábil da existência de mais valia de ativos, impediria
que a totalidade do sobrepreço pago, apurado nos moldes do Decreto-Lei
1.598/77, fosse justificado como decorrente da expectativa de lucros futuros.
Seria necessário, em primeiro lugar, realizar a alocação da mais valia e somente
o valor residual poderia ser tratado como lucros futuros.48 

46 “Ante o exposto, em que pese a legislação societária não mais se basear no patrimônio líquido da
investida para o cômputo do valor do ágio e não mais possibilitar a amortização do montante escriturado
como ágio, julgamos que nada se alterou até o presente momento para fins fiscais.” SANTOS, João
Victor Guedes. Direito Tributário e Justaposição: a Contabilidade Societária e os Limites à Neutralidade
Fiscal. In: LOPES, Alexsandro Broedel Lopes e MOSQUERA, Roberto Quiroga. Controvérsias Jurídico-
Contábeis (Aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 214.
47 UTUMI, Ana Cláudia Akie. O Ágio nas operações de fusões e aquisições em face das novas regras
contábeis. In: LOPES, Alexsandro Broedel Lopes e MOSQUERA, Roberto Quiroga. Controvérsias
Jurídico-Contábeis (Aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 112.
48 UTUMI, Ana Cláudia Akie. O Ágio nas operações de fusões e aquisições em face das novas regras
contábeis. In: LOPES, Alexsandro Broedel Lopes e MOSQUERA, Roberto Quiroga. Controvérsias

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Valter de Souza Lobato & Fernando Daniel de Moura Fonseca - 633

Novamente, não nos parece seja esse o melhor entendimento. Os


fundamentos econômicos que justificam a existência do ágio não estão dispostos
na legislação de forma hierarquizada. Desde que seja possível ao contribuinte
comprovar a justificativa indicada, tal não poderá ser objeto de questionamento
pelo Fisco. A investidora é livre para fundamentar o ágio sob quaisquer das
justificativas previstas na legislação.
O entendimento de Luciana Galhardo e Jorge Lopes Júnior resume com
perfeição a questão49:
Em resumo, nosso entendimento é o de que, na parametrização
escolhida pelo legislador tributário para regular o tratamento fiscal
do ágio, há apenas a determinação de que o ágio deve ser calculado
como a diferença entre o valor da aquisição e o valor patrimonial da
sociedade adquirida, nada havendo que possa obrigar o contribuinte
a alocar parcelas de ágio a um ou outro fundamento econômico.
Não é difícil imaginar um caso prático em que a investidora tenha,
efetivamente, se baseado na rentabilidade futura da investida, mesmo nas
hipóteses em que a mais valia de ativos da investida pudesse ser verificada.
Seria o caso, e.g., de uma sociedade empresária que, pretendendo adquirir o
controle de um concorrente, aceite pagar pelo investimento valor muito superior
ao do patrimônio líquido, apenas porque, em estudo realizado, verificou que
os lucros futuros a serem gerados pelo empreendimento ultrapassam o valor
contabilizado. Ainda que a investida tenha um imóvel subavaliado, v.g., isso
jamais foi levado em consideração para fins de determinação do valor do
investimento. Em um caso como esse, não se vislumbra qualquer contradição.
O critério legal e o contábil convivem de forma harmônica.
No mesmo sentido, Luiz Sérgio Vieira Filho e Mariano Manente50 :

Jurídico-Contábeis (Aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 112 e MUNIZ,


Ian e MONTEIRO, Marco Antônio. O RTT e a Neutralidade Fiscal. In: ROCHA, Sérgio André. Direito
Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A, Vol II. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 284.
49 GALHARDO, Luciana Rosanova e LOPES JÚNIOR, Jorge Ney de Figueirêdo. As novas normas
contábeis e a amortização fiscal do ágio. In: LOPES, Alexsandro Broedel Lopes e MOSQUERA,
Roberto Quiroga. Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e distanciamentos). São Paulo:
Dialética, 2010, p. 236.
50 VIEIRA FILHO, Luiz Sérgio Vieira e MANENTE, Mariano. O Ágio nas Aquisições de Participações
Societárias. In: ROCHA, Sérgio André. Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A,
Vol II. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 443.

Direito Tributário Societário Vol. III.indd 633 29/5/2012 18:05:10


634 - Os impactos das novas regras contábeis sobre o regime...

Em outras palavras, caso o contribuinte opte por utilizar como fundamento


econômico a expectativa de rentabilidade futura, considerando que esse
foi o estudo realizado quando da avaliação do negócio no processo de
aquisição, estará cumprido, para fins fiscais, o requisito do § 2º do artigo
20 do DL 1.598. Não haveria, dessa forma, necessidade de o contribuinte
avaliar após a aquisição os ativos tangíveis individualmente a valor de
mercado ou tentar atribuir valor econômico ao fundo de comércio e aos
demais intangíveis. Vale ressaltar que essas avaliações, se não serviram de
base para a definição do preço previamente ao fechamento da operação,
são geralmente realizadas após a aquisição da participação societária.
Tanto é assim que o novo critério contábil a ser adotado no Brasil admite
que o período de mensuração do ágio em novas combinações de negócios
pode se estender por até um ano a contar da data de aquisição.
Finalmente, a adoção de justificativas diversas para fins contábeis e tributários
é plenamente válida e decorre de todos os fundamentos já levantados. Ora, em casos
como esse é nítido a separação entre as normas contábeis e tributárias, de modo que
cada uma delas atende a critérios distintos e, muitas vezes, inconciliáveis.
Sendo assim, somos da opinião de que ao menos enquanto não revogado
o RTT, as alterações promovidas pela legislação societária sobre o conceito
contábil de ágio e seu respectivo regime não podem gerar quaisquer efeitos
tributários, seja em relação à dedutibilidade, seja em relação ao valor apurado.
Além disso, não se pode esquecer que a dedutibilidade fiscal do ágio
é um benefício fiscal,51 criado por lei com o nítido objetivo de incentivar as
privatizações ocorridas no final da década de 9052. E tal incentivo não foi
revogado ou modificado até o presente momento53.

51 O caso em questão se amolda ao que Sampaio Dória denominava “Elisão Fiscal Incentivada”.
52 “Por outro lado, a dedutibilidade fiscal de ágio é um favor concedido pelo Estado, que pode ser
entendido como uma tentativa de incentivo a operações de fusões e aquisições, por exemplo. De forma
geral, abstraídas as muitas peculiaridades eventualmente existentes em cada situação, o aumento de
preço que pode ser indiretamente permitido pela perspectiva de dedutibilidade fiscal do ágio pelo
comprador será por ele deduzido de forma diferida, mas será tributado de forma imediata em forma de
ganho de capital no vendedor. Trata-se, na realidade, de uma opção legislativa, que pode ser exercida
pelo Estado conforme sua conveniência e nos limites da Constituição Federal, independentemente
de qualquer conclusão técnico-contábil sobre o mesmo tema”. GALHARDO, Luciana Rosanova e
LOPES JÚNIOR, Jorge Ney de Figueirêdo. As novas normas contábeis e a amortização fiscal do ágio. In:
LOPES, Alexsandro Broedel Lopes e MOSQUERA, Roberto Quiroga. Controvérsias Jurídico-Contábeis
(Aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 239.
53 “Na verdade, em função do princípio constitucional da legalidade, as normas introduzidas pela
Lei nº 11.638/2007 jamais poderiam alterar a legislação tributária, pois, admitir tal possibilidade

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Valter de Souza Lobato & Fernando Daniel de Moura Fonseca - 635

7. Conclusões
Como visto ao longo do presente trabalho, uma correta análise da relação
existente entre o Direito e a Contabilidade jamais poderá deixar de considerar as
enormes barreiras conceituais existentes entre as duas ciências. Os objetivos, funções
e princípios são diversos, de modo que uma análise mais apressada do fenômeno
de interação pode levar a conclusões equivocadas.
A Contabilidade tem por objetivo a qualificação, a mensuração e a
exteriorização dos eventos econômicos ocorridos ao longo da vida de uma entidade.
E tais objetivos podem se distanciar da norma jurídica tributária, o que traz como
consequência a possibilidade de que alguns institutos gerem repercussões diferentes
a depender do enfoque (contábil ou jurídico) atribuído.
Tais questões, por si só, devem fazer com que se analise com muita ponderação os
limites da influência da alteração das normas contábeis sobre o Direito Tributário. De
um lado, os institutos jurídicos positivados pela legislação, de outro, o primado da ciência
contábil: a informação. É o princípio da prevalência da essência sobre a forma, muitas
vezes incompatível com o ordenamento jurídico.
Nesse contexto, pode-se afirmar que a razão de existir da Lei 11.638/2007 é a
melhoria da qualidade da informação contábil, focada na convergência com as normas
internacionais de contabilidade (IFRS). O objetivo está na qualidade da informação,
sempre tendo como referência a essência econômica da operação e não um arcabouço
normativo previamente estabelecido. A análise do antecedente histórico não permite
qualquer conclusão acerca da existência de preocupação com os aspectos tributários,
que deveriam ser absolutamente neutros. Eventual efeito fiscal dependerá de previsão
expressa da lei tributária.
Ainda que a norma tributária tome como referência conceitos de outros ramos
do Direito, ou até mesmo de outras ciências, é possível que o instituto referenciado
seja definido pelo próprio direito tributário e não apenas incorporado com as
mesmas definições atribuídas em seu ramo de origem. É o que se passa com o ágio
gerado em operações de fusão e aquisição.

equivaleria a permitir que as regras contábeis definissem tributos, em claro desrespeito ao referido
primado”. MARTINS, Natanael. A Realização da Renda como Pressuposto de sua Tributação.
Análise sobre a Perspectiva da Nova Contabilidade e do RTT In: LOPES, Alexsandro Broedel
Lopes e MOSQUERA, Roberto Quiroga. Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e
distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 351.

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636 - Os impactos das novas regras contábeis sobre o regime...

É preciso que seja realçado, até como forma de se respeitar a segurança jurídica,
que um conceito definido, e não simplesmente incorporado pelo direito tributário,
seja mantido imutável até que sobrevenha veículo normativo competente para
realizar a correspondente alteração.
Assim, devem ser consideradas neutras, para fins tributários, as recentes
alterações oriundas da Contabilidade. O RTT, criado pelo artigo 16 da Lei
11.941/2009, não parece deixar margem para dúvidas, pois congelou os
possíveis efeitos tributários decorrentes da edição da Lei 11.638/2007,
enfatizando que a apuração dos tributos deve levar em conta os critérios
contábeis vigentes em 31.12.2007.
Não fosse a edição da Lei 11.941/2009, ainda assim nos parece que a
resposta não deveria ser alterada. A neutralidade tributária, então prevista na Lei
11.638/2007, seria a garantia da inexistência de efeitos tributários.
É que permanece em vigor um conceito tributário de ágio, definido pelo
Decreto-Lei 1.598/77 e ainda não revogado, expressa ou tacitamente. Esse conceito
foi incorporado formalmente pela Lei 9.532/97, que cuida da amortização fiscal
do ágio e que também permanece em vigor.
Do ponto de vista tributário, então, o valor do ágio continua sendo representado
pela diferença entre o custo de aquisição da participação societária e o valor de patrimônio
líquido dessa participação registrado na contabilidade da investida.
Sobre os fundamentos econômicos do ágio, estes não estão dispostos
na legislação de forma hierarquizada. Desde que seja possível ao contribuinte
comprovar a justificativa indicada, tal não poderá ser objeto de questionamento pelo
Fisco. A investidora é livre para fundamentar o ágio sob quaisquer das justificativas
previstas na legislação.
Do exposto, somos da opinião de que ao menos enquanto não revogado o
RTT, as alterações promovidas pela legislação societária sobre o conceito contábil
de ágio e seu respectivo regime não podem gerar quaisquer efeitos tributários, seja
em relação à dedutibilidade, seja em relação ao valor apurado.

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Capítulo XXIII

Notas sobre o
Modelo Único de
Reconhecimento de
Receita proposto pelo
IASB

Waine Domingos Peron


Mestre e Doutorando em Direito. Advogado e Contabilista em São Paulo.
Diretor da Área de Consultoria Tributária da Ernst & Young Terco.

André Stéfano Christov


Pós-graduando em Direito Societário. Advogado especialista em Impostos
Indiretos e Gerente Senior da Área de Consultoria Tributária da Ernst &
Young Terco.

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Waine Domingos Peron & André Stéfano Christov - 639

1. Introdução

A fim de abordarmos o tema sobre o modelo único de reconhecimento


de receitas, iniciaremos esse artigo traçando um breve panorama acerca
das diferentes modalidades atualmente em vigor, passando por conceitos,
histórico dos acontecimentos e efeitos fiscais relacionados aos contratos de
longo e curto prazos, independentemente se o seu objeto for uma prestação
de serviço ou a venda de um bem.
As relações comerciais, que dão alicerce a qualquer tipo de reconhecimento de
receita, têm origem com a civilização, onde grupos sociais, como bem descreve Fran
Martins1, procuravam bastar-se a si mesmos, produzindo material de que tinham
necessidade ou se utilizando daquilo que poderiam obter facilmente da natureza para
a sua sobrevivência. Com o passar do tempo, esse sistema foi sofrendo evolução,
culminando, a exemplo de outros eventos, no surgimento do primeiro Código
Comercial, em 1807 na França, promulgado por Napoleão Bonaparte, até a
criação de regras próprias em cada país, exigidas em seus próprios territórios.
Com o avanço da globalização e abertura das relações comerciais entre os
países, muitas empresas têm aumentado seus investimentos em outros territórios,
os quais detêm princípios contábeis semelhantes, porém com regras internas
distintas. Diante disso, e da necessidade de universalizar tais princípios e regras
é que surgiram os manuais de normas internacionais de contabilidade, como
os relatórios financeiros IFRS (International Financial Reporting Standards)
editados atualmente pelo IASB (International Accounting Standards Board).
O Brasil, que, durante o século XX sofria com a falta dessa
universalização, mudou sua posição no cenário mundial com o advento
da Lei nº 11.638/07, e posteriores adaptações. Daí para frente, o Estado
Soberano Pátrio passou a reconhecer, aplicar e exigir as regras internacionais
às transações locais e oriundas do exterior.
Nesse contexto, o reconhecimento de receita passa por um profundo
processo de inovação que, certamente, fará com que as relações entre as partes
envolvidas se tornem cada vez mais transparentes, e seus efeitos alcancem,
não só os contratos bilaterais, mas também o regime de tributação respectivo.

1 MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p.1.

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640 - Notas sobre o Modelo Único de Reconhecimento de Receita proposto pelo IASB

Ainda, reconhecer ou não uma receita, sobretudo no Brasil, pode e/ou deve
ensejar efeitos distintos no balanço patrimonial do ano corrente, assim como
aumento de produtividade de um bem específico, ou, ainda, a necessidade de
reposição de estoque ou a contratação de novos recursos para a execução de
um determinado serviço.
É nessa conjuntura que chamamos a atenção dos especialistas e convidamo-
nos a refletir sobre o assunto, ainda que de forma objetiva, buscando colaborar
com esse interessante processo de transição.

2. Atual Método de Reconhecimento de Receitas


Não existe relação comercial sem que uma das partes vislumbre o ganho
financeiro e a outra, os “benefícios” causados pelo resultado da transação.
Muitas vezes, esses benefícios são frutos de algum ideal subjetivo (por exemplo,
a compra de um sonhado produto por alguém) ou a necessidade de realizar
algum plano de ação imediato que possa solucionar ou mitigar efeitos negativos
causados pelo uso periódico de um bem (por exemplo, a contratação de um
serviço de manutenção, ou reparo, para aquele produto).
Entre as empresas, não é diferente. É evidente que, no momento
da criação de uma Sociedade, a fase de planejamento do negócio, o local
escolhido, bem como a forma de abordar o público alvo, passa por um ponto
essencial na busca do sucesso, assim como a definição do melhor preço a ser
praticado e a conseqüente projeção da respectiva receita a ser auferida para
que se gere o lucro desejado.
É a partir dela que, em cotejo com os respectivos custos e despesas, o empresário
comporá o lucro líquido da entidade. Assim, saber qual a melhor alternativa ou a
forma correta de reconhecer a receita em suas demonstrações contábeis é um dos
fatores chave para o crescimento sustentável e duradouro do negócio.
O Brasil tem evoluído nesse contexto, principalmente depois do
surgimento de diferentes formas para se materializar uma venda ou uma
prestação de serviços. Formas estas muitas vezes vinculadas ao prazo, ao preço,
ou até à disponibilidade imediata de estoque. Conseqüentemente, essas ideias
acabam enfrentando rigorosas regulamentações.
Como exemplo, podemos citar os contratos de longo prazo para construção
por empreitada, a venda para entrega futura, o download de arquivos pela

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Waine Domingos Peron & André Stéfano Christov - 641

internet, a venda bonificada, e até a chamada operação back to back2 em que a


movimentação física ocorre totalmente fora do país, sob o comando de uma
empresa nacional e mediante autorização do Banco Central. Em todos esses
casos, as normas contábeis precisam estar atualizadas, caso contrário as empresas
adotariam diferentes alternativas, podendo distorcer os resultados financeiros
apresentados aos acionistas.
Atualmente, existem dois normativos internacionais principais e vigentes que
tratam de reconhecimento de receita. O IAS 11, específico para “Contratos de
Construção” e o IAS 18 voltado ao “Reconhecimento de Receita” de forma geral.
Ambos tiveram suas adaptações ao longo de aproximadamente 30 anos. Atualmente,
necessitam de revisão e, certamente, ainda serão objeto de muitas discussões.
A versão original do IAS 11 foi aprovada em 1978, e revisada em 1993. Em
linhas gerais, a norma traz o pronunciamento contábil que aborda os aspectos de
contabilização das receitas, dos custos e das despesas decorrentes dos contratos de
construção. Como nosso foco é, de fato, o reconhecimento de receita, deixaremos
para uma próxima oportunidade os aspectos relacionados aos custos e despesas.
Já a versão original do IAS 18 foi emitida em 1982, e também revisada
em 1993. Como conseqüência, entendemos ser uma norma que se baseia nos
princípios de custo histórico e não em valor justo. Além disso, como bem
lembrado por Fernando Próspero Neto e Fernando Caio Galdi3, a IAS 18 não
lida muito bem com uma abordagem de modelo misto e não aborda muitas das atuais
transações complexas de negócios. Em particular, as transações que envolvem múltiplos
elementos, como as dos setores de telecomunicações e de informática, apresentam
dificuldades que não são contempladas especificamente nessa literatura contábil.
No Brasil, a figura dos CPC4  (Comitê de Pronunciamentos Contábeis)
tem contribuído de forma incisiva na introdução de tais regras no dia a dia das

2 Conforme definição do Banco Central (www.bcb.gov.br), a expressão back to back corresponde à


realização de operação em que a aquisição e a entrega da mercadoria ocorrem no exterior, sem
trânsito pelas fronteiras brasileiras, sob comando de uma empresa localizada no País, que deve
realizar o pagamento ao exterior pela compra efetuada, sob autorização do Banco Central, e o
correspondente recebimento de valores pela venda.
3 Manual de Normas Internacionais de Contabilidade – IFRS versus Normas Brasileiras. Ernst &
Young. Fipecafi. São Paulo: Atlas, 2009. p.159.
4 Conforme descrito pelo Conselho Federal de Contabilidade, o CPC tem por objetivo estudar,
preparar e emitir Pronunciamentos Técnicos sobre procedimentos de contabilidade e divulgar
informações dessa natureza, visando permitir a emissão de normas uniformes pelas entidades-
membro, levando sempre em consideração o processo de convergência às normas internacionais.
– Texto extraído da Resolução CFC nº 1.187/2009.

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642 - Notas sobre o Modelo Único de Reconhecimento de Receita proposto pelo IASB

empresas. Tratando-se especificamente do IAS 11 e IAS 18, temos os CPC


17 e 30, respectivamente.

O CPC nº 17, que trata de contratos de construção, foi aprovado pela


Deliberação CVM nº 576 de 05 de junho de 2009. Já o CPC nº 30, que trata de
receitas, foi aprovado pela Deliberação CVM nº 597 de 15 de setembro de 2009.
Por meio deles, as companhias abertas e fechadas (opcional) estão obrigadas
adotar as regras e conceitos internacionais de contabilidade, aplicando-as
aos exercícios encerrados a partir de dezembro de 2010 e às demonstrações
financeiras de 2009 a serem divulgadas em conjunto com as demonstrações
de 2010 para fins de comparação. Mais adiante, analisaremos suas principais
características.

2.1. Estrutura e Principais Elementos


2.1.1. Conceito de Receita
A receita, como bem descreve Ricardo Ribeiro Maciel5, é a entrada de
benefícios econômicos durante o período proveniente do curso das atividades normais
de uma empresa quando essas entradas resultarem em aumentos patrimoniais que não
sejam aumentos relacionados com contribuições de participantes e outros nas contas
do Patrimônio Líquido.
Nesse sentido, podemos notar que o autor se baseia no conceito técnico
dado pela própria norma internacional (IAS 18), conforme podemos observar:
Receita é a entrada de fluxos brutos de benefícios econômicos
durante um determinado período, decorrente das atividades
ordinárias (corriqueiras) de uma entidade, quando esses fluxos
resultarem em aumento de patrimônio líquido, desde que não
sejam aumentos relacionados com contribuições de acionistas.

5 MACIEL, Ricardo Ribeiro. Como Implementar as Normas Internacionais de Contabilidade – IFRS.


Curitiba: Juruá Editora, 2010. p.104.

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Waine Domingos Peron & André Stéfano Christov - 643

Do ponto de vista jurídico, podemos citar o magistério de Edmar Oliveira


Andrade Filho6, que define receitas como sendo os elementos positivos que
ingressam no patrimônio da entidade de acordo com as regras aplicáveis a cada tipo
de ato ou negócio jurídico que lhe serve de fonte. (...) Receita não se confunde com
lucro; este é o resultado final líquido das operações sociais e que deve ser distribuído
aos sócios, enquanto que as receitas são parcelas que integram o resultado final líquido
e que são confrontadas com os custos, despesas e perdas para apuração do lucro. Com
propriedade, o autor ainda cita trecho da obra de Sergio de Iudícibus que
descreve de forma simples e objetiva a definição jurídica de receita, senão
vejamos:
Para Sérgio Iudícibus7: “Entende-se por receita a entrada de elementos
para o ativo, sob a forma de dinheiro ou direitos a receber, correspondentes,
normalmente, à venda mercadorias de produtos ou à prestação de serviços.”
Em suma, podemos afirmar que a entrada de recursos financeiros no ativo
da empresa (ou redução do passivo em certos casos) correspondente ao exercício
de sua atividade, seja ela a venda de um produto ou a prestação de um serviço,
nos dá uma conotação real do que representa esse conceito de receita sob as
óticas contábil e jurídica.
É por isso que, atualmente, o modelo de reconhecimento de receita provém
essencialmente de três transações:
· Da venda de Bens;
· Da Prestação de Serviços; e
· Da Utilização de recursos da empresa (ativos) para que estes
produzam juros, royalties e dividendos.
Poderíamos citar outras fontes de receitas, como por exemplo, aquelas
oriundas de atividades não onerosas (obtenção de bens em doação ou perdão de
dívidas) ou aquelas oriundas de incrementos patrimoniais como as decorrentes
dos frutos de árvores ou do nascimento de animais. No entanto, limitaremo-nos
apenas aos aspectos relacionados à venda de produtos e à prestação de serviços.

6 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. O Direito Contábil e a Disciplina Jurídica das Demonstrações
Financeiras. São Paulo: Prognose Editora, 2010. p. 285.
7 IUDÍCIBUS, Sérgio de. Teoria da Contabilidade. 7ª. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.164.

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644 - Notas sobre o Modelo Único de Reconhecimento de Receita proposto pelo IASB

2.1.2. Venda de bens


A venda pura e simples ocorre quando o titular do bem transfere a
propriedade a outrem como contrapartida pelo recebimento do dinheiro. Essa
definição se torna de fácil compreensão quando o preço, o objeto e as condições
contratuais já tenham sido ajustadas pelas partes envolvidas no momento da
transação. Waldirio Bulgarelli8 simplifica ainda mais essa ocasião quando
descreve tal venda como perfeita e acabada.
Ocorre que há transações em que algumas dessas características ainda
não foram definidas. É o caso, por exemplo, da venda sob condição ou a venda
para entrega futura. Nestes casos o reconhecimento de receita poderá variar
conforme a sua resolução.
O mesmo autor aborda o tema da venda condicional, afirmando que esta
poderá não produzir efeitos de imediato (suspensiva), aguardando a ocorrência do
acontecimento futuro e incerto, ou então, produzir efeitos desde logo, porém, será
desfeita se ocorrer o evento incerto no futuro (resolutiva).9
Assim, para a venda pura e simples, temos que o reconhecimento da
receita será materializado concomitantemente com a conclusão do respectivo
negócio. No entanto, para as vendas sob condição, poderá, como dissemos, haver
variação nesse reconhecimento de acordo com os acontecimentos futuros. Por
exemplo, uma empresa adquire determinado insumo sem saber se a qualidade
deste se enquadra aos padrões exigidos por ela (condição resolutiva). Neste
caso, o reconhecimento de receita por parte do vendedor deverá ocorrer no
momento dessa venda, no entanto, caso essa qualidade não atinja as expectativas
do comprador, poderá haver o cancelamento da venda ou até a sua devolução
(este último, caso já tenha sido remetido).
Mais uma vez, cabem aqui as palavras de Edmar Oliveira10 acerca desse
assunto:
Do ponto de vista jurídico, o ato de faturar, de emitir uma fatura e a enviar
ao pretendente à aquisição do bem, não é suficiente para caracterizar
uma venda perfeita e acabada. Nota fiscal e fatura são documentos que

8 BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantis. 9ª. ed. São Paulo: Atlas, 1997. p. 202.
9 BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantis. 9ª. ed. São Paulo: Atlas, 1997. p. 203.
10 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. O Direito Contábil e a Disciplina Jurídica das Demonstrações
Financeiras. São Paulo: Prognose Editora, 2010. p. 297.

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Waine Domingos Peron & André Stéfano Christov - 645

não atestam de uma venda (as vendas, se existirem de fato e de direito,


devem ser registradas pela contabilidade, ainda que não sejam emitidos
documentos dessa natureza); é necessário verificar, em cada caso, a
comprovação do recebimento do bem e o pagamento posterior do preço,
se for o caso.
Já na condição suspensiva, o reconhecimento desta receita deverá ocorrer,
de fato, somente no futuro. Podemos citar os casos em que o comprador
adianta os recursos financeiros ao vendedor para que este produza o insumo
futuramente. Nota-se que a disponibilidade do estoque será o ponto essencial
para que o reconhecimento de receita se materialize. Neste caso, o vendedor
deverá contabilizar os recursos recebidos em conta patrimonial do balanço
contábil, normalmente denominada de adiantamento de clientes, e somente
após a elaboração do produto é que a receita será reconhecida e contabilizada.
Vale lembrar que, excepcionalmente, esse reconhecimento de receita
poderá ser antecipado, quando o comprador se utiliza desse mesmo tipo de
transação, porém em razão de indisponibilidade física para receber o total
adquirido. Nestes casos, pelo fato de o vendedor já ter a quantidade vendida
em estoque, estará obrigado a reconhecer a receita em suas demonstrações
financeiras de forma imediata.
Corroborando esse entendimento, o CPC 30 (itens 14 a 19) “sugere”
que seja reconhecida a receita sempre que as condições abaixo se concretizem:
· a entidade tenha transferido para o comprador os riscos e
benefícios mais significativos inerentes à propriedade dos bens;
· a entidade não mantenha envolvimento continuado na gestão dos
bens vendidos em grau normalmente associado à propriedade nem
efetivo controle de tais bens;
· o valor da receita possa ser confiavelmente mensurado;
· for provável que os benefícios econômicos associados à transação
fluirão para a entidade; e
· as despesas incorridas ou a serem incorridas, referentes à transação,
possam ser confiavelmente mensuradas.
O referido pronunciamento inclui no termo “bens” aqueles produzidos
pela entidade com a finalidade de venda e bens comprados para revenda, tais
como mercadorias compradas para venda no atacado e no varejo, terrenos e outras
propriedades mantidas para revenda.

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646 - Notas sobre o Modelo Único de Reconhecimento de Receita proposto pelo IASB

Ademais, a avaliação do momento em que a entidade transfere os riscos


e benefícios significativos da propriedade para o comprador exige o exame das
circunstâncias da transação. Na maior parte dos casos a transferência dos riscos e
dos benefícios inerentes à propriedade coincide com a transferência da titularidade
legal ou da transferência da posse do ativo para o comprador. Tais casos são típicos
das vendas a varejo. Em outros casos, porém, a transferência dos riscos e benefícios
da propriedade ocorre em momento diferente da transferência da titularidade legal
ou da transferência da posse do ativo.
Seguindo adiante, reproduzimos alguns dos principais detalhes dos CPC
em comento que, certamente, servirão de fonte para compararmos este conteúdo
com o novo modelo de reconhecimento de receita, objeto deste estudo.
Se a entidade retiver riscos significativos da propriedade, que, ao nosso
ver, não é o caso do nosso último exemplo, a transação não pode ser
encarda como uma venda e a receita não pode ser reconhecida. A
retenção de risco significativo inerente à propriedade pode ocorrer
de várias formas. Por exemplo:
· quando a entidade vendedora retém uma obrigação em
decorrência de desempenho insatisfatório que não esteja coberto
por cláusulas normais de garantia;
· nos casos em que o recebimento da receita é dependente da venda
dos bens pelo comprador (genuína consignação);
· quando os bens expedidos estão sujeitos a instalação, sendo esta
uma parte significativa do contrato e ainda não tenha sido
completada pela entidade; e
· quando o comprador tem o direito de rescindir a compra por
uma razão especificada no contrato de venda e a entidade
vendedora não está segura acerca da probabilidade de devolução.
Se a entidade retiver somente um risco insignificante inerente à
propriedade, a transação é uma venda e a receita pode ser reconhecida.
Por exemplo, um vendedor pode reter a titularidade legal sobre os
bens unicamente para garantir o recebimento do valor devido. Em tal
caso, se a entidade tiver transferido os riscos e benefícios significativos
inerente à propriedade, a transação é uma venda e a receita pode ser
reconhecida. Outro exemplo diz respeito às vendas a varejo em que o
valor da compra pode ser reembolsado se o cliente não ficar satisfeito.

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Waine Domingos Peron & André Stéfano Christov - 647

A receita em tais casos é reconhecida no momento da venda, desde


que o vendedor possa estimar confiavelmente as devoluções futuras. O
passivo correspondente a tais devoluções deve ser calculado tomando
por base experiências anteriores e outros fatores relevantes.
A receita só deve ser reconhecida quando for provável que os benefícios
econômicos associados à transação fluirão para a entidade. Em alguns
casos específicos isso só pode ser determinado quando do recebimento
ou quando a incerteza for removida. Por exemplo, pode ser incerto
que a autoridade governamental estrangeira conceda permissão para
que a entidade compradora remeta o pagamento da venda efetuada a
um país estrangeiro. Quando a permissão for concedida, a incerteza
desaparece, e a receita deve ser reconhecida. Quando surgir uma
incerteza relativa à realização de valor já reconhecido na receita, o valor
incobrável ou a parcela do valor cuja recuperação é improvável devem
ser reconhecidos como despesa e não como redução do montante da
receita originalmente reconhecida.
A receita e as despesas relacionadas à mesma transação são
reconhecidas simultaneamente; esse processo está vinculado ao
princípio da confrontação das despesas com as receitas (regime de
competência). As despesas, incluindo garantias e outros custos a
serem incorridos após a entrega dos bens, podem ser confiavelmente
mensuradas quando as outras condições para o reconhecimento da
receita tenham sido satisfeitas. Porém, quando as despesas não possam
ser mensuradas confiavelmente, a receita não pode ser reconhecida.
Em tais circunstâncias, quaisquer valores já recebidos pela venda dos
bens serão reconhecidos como um passivo.
Podemos extrair de todos os exemplos aqui destacados que, até aqui, a
complexidade das transações envolvendo o reconhecimento receita já é superior,
sobretudo nas operações de venda de produtos e/ou mercadorias.
2.1.3. Prestação de serviços
A primeira distinção entre a receita de prestação de serviços e a receita de
venda de bens é que, nesta última, as relações mercantis são regadas por uma
obrigação de dar. Já os serviços têm como característica principal, a obrigação
de fazer. O termo “fazer” alberga um conjunto de ações executadas durante
determinado período de tempo, ao passo que o verbo “dar” representa, em sua
maioria, apenas uma ação isolada.

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648 - Notas sobre o Modelo Único de Reconhecimento de Receita proposto pelo IASB

Há serviços que também podem representar apenas uma única ação, que
não se perdura no tempo, como, por exemplo, os serviços bancários, os serviços
de coleta de resíduos, dentre outros. Neste caso, a distinção é irrelevante e não
tem qualquer conseqüência prática, contábil, distinta da venda de mercadorias
para efeito de reconhecimento de receitas. Entretanto, o propósito aqui é
demonstrar que esses tipos específicos devem ser vistos como exceções.
Regra geral, o serviço, por si só, envolve múltiplas atividades e pressupõe
que o fator tempo entre o início e conclusão dessas atividades esteja presente
de forma efetiva. Outro fator relevante está associado à proporção entre os
serviços prestados e as despesas incorridas, com os quais se busca uma estimativa
confiável para o reconhecimento de receita contábil. Nesse sentido, o CPC
30 (itens 20 a 28) reserva uma parte específica para as diversas modalidades,
contribuindo de maneira efetiva, embora um pouco confusa e parcialmente
desatualizada, senão vejamos:
Quando o desfecho de transação que envolva a prestação de serviços
puder ser confiavelmente estimado, a receita associada à transação
deve ser reconhecida tomando por base a proporção dos serviços
prestados até a data do balanço. O desfecho de uma transação pode
ser confiavelmente estimado quando todas as seguintes condições
forem satisfeitas:
· o valor da receita puder ser confiavelmente mensurado;
· for provável que os benefícios econômicos associados à transação
fluirão para a entidade;
· a proporção dos serviços executados até a data do balanço puder
ser confiavelmente mensurada; e
· as despesas incorridas com a transação assim como as despesas
para concluí-la possam ser confiavelmente mensuradas.
O reconhecimento da receita com referência à proporção dos serviços
executados relativos a uma transação é usualmente denominado
método da percentagem completada. Por esse método, a receita
é reconhecida nos períodos contábeis em que os serviços forem
prestados. O reconhecimento da receita nessa base proporciona
informação útil sobre a extensão da atividade e o desempenho dos
serviços prestados durante o período. O Pronunciamento Técnico
CPC 17 – Contratos de Construção também exige o reconhecimento

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Waine Domingos Peron & André Stéfano Christov - 649

da receita nessa mesma base. As exigências naquele Pronunciamento


são geralmente aplicáveis ao reconhecimento da receita e aos gastos
associados a uma transação que envolva a prestação de serviços.
A receita somente é reconhecida quando for provável que os benefícios
econômicos associados à transação fluirão para a entidade. Porém,
quando surja uma incerteza acerca da realização de valor já incluído
na receita, o valor incobrável, ou o valor com respeito ao qual a
recuperação tenha deixado de ser provável, é reconhecido como
despesa, e não como ajuste (dedução) do valor da receita originalmente
reconhecida.
A entidade geralmente é capaz de fazer estimativas confiáveis após
ter concordado com os outros parceiros da transação a respeito do
seguinte:
· os direitos que cada uma das partes está habilitada a receber
quanto ao serviço a ser prestado e recebido pelas partes;
· a contraprestação a ser trocada; e
· o modo e os termos da liquidação da operação.
É também importante que a entidade tenha um sistema interno eficaz
de orçamento e de relatórios financeiros. Tomando ambos por base, a
entidade poderá revisar e, quando necessário, alterar as estimativas de
receita à medida que os serviços estão sendo executados. A necessidade
de tais revisões não é indício de que o término da transação não possa
ser estimado confiavelmente.
A fase de conclusão da transação pode ser determinada por diversos
métodos. A entidade deve escolher um que mensure confiavelmente
os serviços executados. Dependendo da natureza da transação, os
métodos podem incluir:
· levantamento ou medição do trabalho executado;
· serviços executados até a data, indicados como um percentual do
total dos serviços a serem executados; ou
· a proporção entre os custos incorridos até a data e os custos
totais estimados da transação. Somente os custos que efetivamente
possam ser identificados relativamente aos serviços executados
devem ser incluídos nos custos incorridos até a data de mensuração.

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650 - Notas sobre o Modelo Único de Reconhecimento de Receita proposto pelo IASB

Da mesma forma, somente os custos que reflitam serviços


executados ou a serem executados devem ser incluídos nos custos
totais estimados da transação.
Para efeitos de reconhecimento das receitas de prestação de serviços,
os pagamentos parcelados e os adiantamentos recebidos de clientes
não correspondem, necessariamente, aos serviços executados.
Para fins práticos, quando os serviços prestados correspondam a um
número indeterminado de etapas, durante um período específico de
tempo, a receita deve ser reconhecida linearmente durante tal período,
a menos que haja evidências de que outro método represente melhor
a fase da execução do serviço. Quando uma determinada etapa for
muito mais significativa do que quaisquer outras, o reconhecimento
da receita deve ser adiado até que essa etapa seja executada.
Quando a conclusão da transação que envolva a prestação de serviços
não puder ser estimada confiavelmente, a receita somente deve ser
reconhecida na proporção dos gastos recuperáveis.
Durante as primeiras fases da transação, é frequente ocorrer que
a conclusão da transação não possa ser confiavelmente estimada.
Contudo, pode ser provável que a entidade recupere os custos
incorridos até aquela data. Dessa forma, a receita deve ser reconhecida
somente na medida em que haja indícios consistentes de recuperação
dos custos incorridos. Quando a conclusão da transação não puder ser
confiavelmente estimada, não deve ser reconhecido qualquer lucro.
Quando a conclusão da transação não puder ser confiavelmente
estimada e não for provável que os custos incorridos sejam
recuperados, a receita não deve ser reconhecida e os custos incorridos
devem ser reconhecidos como despesa. Quando deixarem de existir
tais incertezas, a receita deve ser reconhecida tomando por base a
proporção dos serviços prestados até a data do balanço e não de acordo
com a proporção dos gastos recuperáveis.
Da leitura acima, temos que a regra geral contábil de reconhecimento
de receita para contratos que não envolva construção, ora está
relacionada à proporção dos gastos recuperáveis, ora à proporção
dos serviços prestados. Para tanto, o critério da confiabilidade em
sua estimativa é que ditará as regras para a escolha do método de
reconhecimento de receita.

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Waine Domingos Peron & André Stéfano Christov - 651

Vale lembrar que esse caráter subjetivo pode muitas vezes distorcer os
resultados financeiros apresentados aos acionistas. É evidente que a
norma aqui necessita ser revista. Para piorar, o CPC 17 que trata de
contratos de construção apresenta esse mesmo modelo desatualizado,
ao nosso ver, de orientação. Vejamos suas principais características
relacionadas, novamente ao reconhecimento de receita:
Quando a conclusão de um contrato de construção puder ser
confiavelmente estimada, a receita e as despesas associadas ao contrato
de construção devem ser reconhecidas tomando como base a proporção
do trabalho executado até a data do balanço. Uma perda esperada no
contrato de construção deve ser reconhecida imediatamente como
uma despesa. Servem como exemplo de tais casos contratos:
· que não forem forçados a serem completados, isto é, sua validade
está seriamente em dúvida;
· cuja conclusão esteja sujeita ao desfecho de litígio ou de
legislação pendente;
· relacionados com propriedades que tenham a possibilidade de
ser condenadas ou expropriadas;
· em que o contratante não esteja em condições financeiras de
cumprir com as suas obrigações;
· em que o contratado é incapaz de completar o contrato ou de
cumprir com as suas obrigações segundo o contrato.
No caso de um contrato de preço fixo, a conclusão da construção
pode ser confiavelmente estimada quando estiverem satisfeitas
todas as condições seguintes:
· a receita do contrato pode ser mensurada confiavelmente;
· é provável que os benefícios econômicos associados ao contrato
fluirão para a empresa;
· as despesas para concluir o contrato, tanto quanto a proporção
executada até a data do balanço podem ser confiavelmente
mensuradas; e
· as custos atribuíveis ao contrato podem ser claramente
identificadas e confiavelmente mensuradas de forma que as
despesas efetivamente incorridas possam ser comparadas com
estimativas anteriores.

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652 - Notas sobre o Modelo Único de Reconhecimento de Receita proposto pelo IASB

· Para os contratos na modalidade «cost plus», sua conclusão poderá


ser confiavelmente mensurada quando estiverem satisfeitas todas
as condições seguintes:
· seja provável que os benefícios econômicos associados ao
contrato fluirão para a entidade; e
· as despesas atribuíveis ao contrato, sejam ou não
reembolsáveis, possam ser claramente identificadas e
confiavelmente mensuradas.
O reconhecimento da receita e das despesas referentes à fase de
conclusão de um contrato é muitas vezes referido como o método
da percentagem completada. Segundo esse método, a receita
contratual é proporcional aos custos contratuais incorridos em
cada etapa de medição. Esse método proporciona informação útil
sobre a extensão da atividade e desempenho do contratado durante
a execução do contrato.
Pelo método da percentagem completada, a receita do contrato é
reconhecida na Demonstração do Resultado nos períodos contábeis
em que o trabalho for executado, o mesmo ocorrendo com os custos
do trabalho com os quais se relaciona. Porém, qualquer excedente dos
custos totais esperados sobre as receitas totais do contrato deverá ser
reconhecido imediatamente como uma despesa (perda) de acordo
com os exemplos acima destacados.
Um contratado pode ter incorrido em custos que se relacionem
com uma atividade a ser executada futuramente. Tais custos são
reconhecidos no ativo, desde que seja provável que venham a ser
recuperados. Eles representam uma quantia devida pelo contratante
e muitas vezes são classificados como trabalho em andamento.
O término de um contrato de construção só pode ser confiavelmente
estimado quando for provável que os benefícios econômicos a
ele associados fluirão para a entidade. Porém, quando surge uma
incerteza acerca da realização de uma quantia já reconhecida como
receita do contrato na Demonstração do Resultado, o montante não
realizável é reconhecido como uma despesa e não como um ajuste
às receitas do contrato.
Uma entidade está geralmente em condições de fazer estimativas
confiáveis após aceitar um contrato que estabeleça:

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· os direitos e deveres de cada uma das partes, no que diz respeito


ao ativo a ser construído;
· a remuneração a ser paga; e
· a forma e os termos de liquidação.
Para tanto, usualmente é necessário que a entidade possua registros
financeiros e contábeis confiáveis e um sistema orçamentário eficaz. A
entidade revê, e quando necessário revisa, as estimativas das receitas
e custos do contrato, na medida em que o trabalho progride. Isso
não significa que a conclusão do contrato não possa ser estimada
confiavelmente.
A fase de conclusão de um contrato pode ser determinada de várias
maneiras. A entidade usa o método que mensura de forma mais
confiável o trabalho executado. Dependendo da natureza do contrato,
os métodos podem incluir:
· a proporção dos custos incorridos até a data, em contraposição
aos custos estimados totais do contrato;
· medição do trabalho executado; e
· execução de uma proporção física do trabalho contratado.
Os pagamentos progressivos e os adiantamentos recebidos dos clientes
não refletem, necessariamente, o trabalho executado e não devem
servir de parâmetro para mensuração da receita.
Quando a fase de conclusão tenha por base os custos do contrato
incorridos até a data, somente os custos do contrato que reflitam o
trabalho executado serão considerados até à data. São exemplos de
custos de contrato que não devem ser considerados como incorridos:
· custos que se relacionem com as atividades futuras do contrato,
tais como: materiais que tenham sido entregues no local da obra
ou reservados para posterior utilização, mas que não foram
instalados, usados ou aplicados durante a execução do contrato,
a menos que tais materiais tenham sido produzidos especificamente
para o contrato; e
· pagamentos adiantados a sub-contratados por trabalho a ser
executado segundo um subcontrato.

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654 - Notas sobre o Modelo Único de Reconhecimento de Receita proposto pelo IASB

Quando o encerramento de um contrato de construção não puder ser


confiavelmente estimado:
· a receita será reconhecida até o ponto em que seja provável que
os custos incorridos do contrato serão recuperados; e
· os custos do contrato devem ser reconhecidos como uma despesa
no período em que forem incorridos.
Uma perda esperada num contrato de construção deve ser
reconhecida imediatamente como despesa, com base nos mesmos
critérios acima elencados.
Durante as fases iniciais de um contrato dá-se muitas vezes o caso da
impossibilidade de projetar confiavelmente a data de seu encerramento.
Não obstante, pode ser provável que a entidade recupere os custos
incorridos do contrato. Em tais circunstâncias, a receita do contrato
somente é reconhecida no montante dos custos incorridos que se
espera sejam recuperados. Uma vez que o encerramento do contrato
não pode ser confiavelmente projetado, nenhum lucro é reconhecido.
Porém, mesmo quando o encerramento do contrato não pode ser
confiavelmente estimado, é possível que os custos totais excedam as
receitas totais do contrato. Em tais casos, o montante que ultrapassar
as receitas será reconhecido imediatamente como uma despesa, com
base nos mesmos critérios acima elencados.
Quando já não existirem as incertezas que impediam que o contrato
fosse confiavelmente estimado, a receita e as despesas associadas ao
contrato de construção devem ser reconhecidas como custos não
relacionados à atividade do contrato.
Nota-se que o caráter subjetivo no reconhecimento de receitas para os
contratos de construção parece ser ainda mais evidente. Tanto é que, em análise
aos manuais técnicos de gerenciamento de projetos, percebemos que os aspectos
relacionados à metodologia aplicada na medição do progresso físico da obra
passa por critérios objetivos e, de fato, por critérios subjetivos. Segue referência:
Os critérios de medição de progresso físico consistem em um conjunto
de regras visando padronizar as formas de medição e avaliação do
progresso físico das diversas atividades do projeto. Esse critérios
podem ser divididos em dois tipos:

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· Critérios Objetivos: são os critérios definidos diretamente pela


quantidade executada da atividade, observadas as unidades
de medidas (metro; metros quadrados; peso e etc.); e
· Critérios Subjetivos: são os critérios definidos por etapas ou
eventos de execução das atividades. Exemplos: (...) Solda 40%;
(...)Teste hidrostático e Limpreza 10%; (...)
Rosaldo J. Nocera, autor do citado manual11, ainda descreve alternativas
para suprir eventual inexistência de processo de medição de progresso físico
em contrato, conforme segue:
Geralmente esses processos de medição de progresso físico são
definidos pela contratante ou pela gerenciadora quando esta existir.
Na inexistência deles como documento contratual a empresa executante deve
desenvolver os seus critérios de medição de progresso físico como forma de
uniformização de informações de suas obras. (g.n.)
Tão importante quanto o critério subjetivo de medição de progresso físico
da obra, é a necessidade de definição do seu prazo de execução. Isso porque, além
de servir de guia na compra de materiais ou na programação de entrega de algum
item específico, o prazo pode produzir efeitos distintos na apuração de tributos,
principalmente se ultrapassar 12 (doze) meses. É o que veremos no próximo tópico.

2.2. Contratos de Longo e Curto Prazos


A Legislação que regulamenta as questões relacionadas aos contratos de longo
e curto prazos são, fundamentalmente, o Decreto nº 3.000/99 – Regulamento do
Imposto de Renda (RIR), artigo 407 e ss e a legislação da Contribuição ao PIS e
da Cofins (Lei nº 10.833/2003), artigo 8º c/c o seu artigo 15, IV.
A relação entre esses dois fatores (curto e longo prazos), aliada às formas de
reconhecimento de receita é que darão o tom da tributação do contrato. Importante
deixarmos consignado que este estudo enfrenta objetivamente apenas a relação
entre o reconhecimento de receitas e os potenciais efeitos tributários dos seguintes
tributos: Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido (CSLL), Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição
para Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

11 NOCERA, Rosaldo de Jesus. Teoria e Prática de Planejamento e Controle de Obras. Santo André:
Ed. do Autor, 2009. p. 135.

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656 - Notas sobre o Modelo Único de Reconhecimento de Receita proposto pelo IASB

2.2.1. Contrato de longo prazo


Relativamente ao IRPJ/CSLL, a legislação disciplina como será apurado
o resultado (leia-se: reconhecimento de receita) dos contratos, para fins de
tributação. Embora haja necessidade de laudo técnico em uma das opções,
notamos que o aspecto subjetivo permanece presente, senão vejamos:
Art. 407. Na apuração do resultado de contratos, com prazo de execução
superior a um ano, de construção por empreitada ou de fornecimento, a
preço pré-determinado, de bens ou serviços a serem produzidos, serão
computados em cada período de apuração:
I – o custo de construção ou de produção dos bens ou serviços incorridos
durante o período de apuração;
II – parte do preço total da empreitada, ou dos bens ou serviços a serem
fornecidos, determinada mediante aplicação, sobre esse preço total,
da percentagem do contrato ou da produção executada no período de
apuração.
§ 1º A percentagem do contrato ou da produção executada durante o
período de apuração poderá ser determinada:
I – com base na relação entre os custos incorridos no período de
apuração e o custo total estimado da execução da empreitada ou da
produção; ou
II – com base em laudo técnico de profissional habilitado, segundo
a natureza da empreitada ou dos bens ou serviços, que certifique a
percentagem executada em função do progresso físico da empreitada
ou produção.
Para ilustrar as opções aqui descritas, montamos um quadro explicativo
contendo tais alternativas:

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Tratando-se de contrato de longo prazo, conforme características ilustradas


acima, deve-se apurar o resultado e, conseqüentemente, reconhecer a receita.
Quanto à Contribuição ao PIS e à Cofins, vejamos a redação dos
dispositivos já referidos:
Art. 8º. A contribuição incidente na hipótese de contratos, com prazo
de execução superior a 01 (um) ano, de construção por empreitada ou
de fornecimento, a preço predeterminado, de bens ou serviços a serem
produzidos, será calculada sobre a receita apurada de acordo com os
critérios de reconhecimento adotados pela legislação do imposto de
renda, previstos para a espécie de operação.
Parágrafo único. O crédito a ser descontado na forma do art. 3º
somente poderá ser utilizado na proporção das receitas reconhecidas
nos termos do caput.
(…)
Art. 15. Aplica-se à contribuição para o PIS/PASEP não-cumulativa
de que trata a Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, o disposto:
IV – nos arts. 7º e 8º desta Lei;
Portanto, o principal ponto aqui a ser extraído é que todos esses tributos
partem do efetivo reconhecimento de receita, mesmo nos contratos de longo
prazo, para apurar e formar suas bases de cálculo.
2.2.2. Contrato de curto prazo
O que difere os contratos inferiores a 12 (doze) meses dos de longo prazo,
além do fator tempo, é que não há, na legislação, qualquer referência acerca da
necessidade de apuração do resultado pelo custo ou progresso físico do serviço.
A primeira ideia é que, finalmente, a subjetividade presente nos contratos
de longo prazo e, principalmente nos CPC, foi deixada lado. Isso porque, uma
vez executado o serviço, sugere-se que o resultado seja reconhecido de forma
concomitante.
No entanto, o termo “à medida de sua execução” empregado na legislação, deixa
uma lacuna para que prestador do serviço, ou fornecedor dos bens, reconheça esse
resultado de forma fracionada, seguindo essa nomenclatura. Na prática, observamos
que essa avaliação é feita uma única vez, levando-se em consideração o resultado
final do projeto. A seguir, vejamos quadro ilustrativo e respectiva legislação:

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658 - Notas sobre o Modelo Único de Reconhecimento de Receita proposto pelo IASB

Art. 408. O disposto no artigo anterior não se aplica às construções ou


fornecimentos contratados com base em preço unitário de quantidades
de bens ou serviços produzidos em prazo inferior a um ano, cujo
resultado deverá ser reconhecido à medida da execução
Sendo assim, podemos afirmar que os contratos de curto prazo detêm
características muito semelhantes às operações de venda de mercadorias,
principalmente quanto à apuração dos resultados e, conseqüentemente, os
efeitos tributários objeto deste estudo.

2.3. Contratos firmados com Entidades Públicas


Entidade pública é o termo utilizado no ordenamento jurídico para
definir uma empresa que presta serviços públicos diretamente por empregados
escolhidos pelo Estado. No Brasil, são consideradas entidades públicas as:
· Autarquias;
· Fundações;
· Empresas públicas
· Sociedades de economia mista, suas subsidiárias; e
· Sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público.
Apesar de a Constituição Federal prever como e quando uma empresa
pública pode ser criada, ou, de que forma ela pode contratar terceiros, é possível
afirmarmos que os conceitos aqui descritos de reconhecimento, no resultado
contábil, de receitas até então discutidos, cabem perfeitamente nos contratos
firmados com essas entidades.
A exceção está nas conseqüências tributárias, mais precisamente na
Contribuição ao PIS e na Cofins. Vimos no tópico anterior que o momento

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de reconhecimento de receita impacta diretamente na formação da base de


cálculo tributável por tais contribuições. Todavia, uma vez formada essa base,
surge a necessidade de apuração dos referidos tributos.
O que muda aqui não é essa relação entre reconhecimento de receita e
formação da base de cálculo, mas, sim, quando tais tributos devem ser apurados
e recolhidos, independentemente do fato de essa correlação já ter ocorrido.
Ou seja, se nos contratos regulares entre empresas privadas o pagamento da
Contribuição ao PIS e da Cofins segue o fluxo regular, qual seja, mensalmente por
conta do reconhecimento da receita, nos contratos tidos com as entidades públicas,
essa apuração e pagamento é diferido até a data do efetivo recebimento do preço.
Isso ocorreu em razão de um lamentável histórico de “calotes” públicos às
empresas privadas. Com isso, o Estado resolveu atrair novamente o interesse
privado desonerando, ainda que de forma momentânea, tais contribuições sobre
estes serviços. Vejamos a legislação:
Art. 7 No caso de construção por empreitada ou de fornecimento a preço
predeterminado de bens ou serviços, contratados por pessoa jurídica de
direito público, empresa pública, sociedade de economia mista ou suas
subsidiárias, o pagamento das contribuições de que trata o art. 2º desta Lei
poderá ser diferido, pelo contratado, até a data do recebimento do preço.
Feitas essas considerações, passamos a analisar alguns aspectos relativos
ao preço das transações.

2.4. Determinação do Preço da Transação


A determinação do preço, além de adequar as relações comerciais, tem
papel fundamental na limitação de um escopo pretendido ou na definição, por
parte do adquirente, em obter um produto desejado. Podemos, então, afirmar
que toda e qualquer relação comercial passa por uma discussão e definição
de valor. Nesse sentido, é papel do Estado promover regras para regular essas
atividades, inclusive na busca do interesse comum.
Corroborando esse entendimento, Fran Martins12 descreve que, desde
os primórdios, o Estado – como poder público que tem por finalidade precípua
manter o equilíbrio social – não podia ficar indiferente ao exercício dessas atividades,

12 MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 3.

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660 - Notas sobre o Modelo Único de Reconhecimento de Receita proposto pelo IASB

sobretudo porque seria bastante fácil a prática de atos prejudiciais aos interesses das
comunidades, como por exemplo a margem exorbitante de lucros, que redundaria no
empobrecimento dos que necessitassem das mercadorias.
Mesmo através de constantes intervenções do Estado, a dificuldade maior,
nos dias de hoje, é saber se aquele preço firmado, de fato, vale para o respectivo
serviço, ou produto. Por essa razão é que as relações comerciais têm como ponto
principal a definição do preço.
2.4.1. Preço pré-determinado
Embora não haja divergência em relação ao conceito de “preço pré-
determinado”, atualmente tivemos uma evolução nesse conceito, principalmente
em razão de mudanças no regime de tributação da Contribuição ao PIS e da
Cofins. Segue, nesse sentido, breve resumo:
· Com o advento da Lei nº 10.833/2003, os contratos firmados
anteriormente a 31/10/2003, com prazos superiores a 1 (um)
ano, de construção por empreitada ou de fornecimento, a preço
predeterminado, de bens ou serviços permaneceram sujeitos ao
regime cumulativo dessas contribuições, tributados a 0,65% e 3%,
respectivamente;
· Em 10.11.200413, foi publicada a Instrução Normativa nº 468,
que trouxe esclarecimentos sobre a aplicação da legislação,
principalmente no tocante ao “conceito de preço pré-determinado”
para os ca-sos em que tais contratos permaneciam sob esse regime
cumulativo;
· De acordo com o disposto na referida instrução normativa14, o caráter
pré-determinado do preço estipulado em contrato, permanece
apenas até o primeiro reajuste do valor verificado após 31.10.03.
· Esta regra aplica-se, ainda, caso a cláusula de reajuste vise preservar
o “equilíbrio econômico-financeiro” dos valores a serem recebidos
pelo contratado.

13 Com efeitos retroativos em 1º de fevereiro de 2004, de acordo com o disposto no artigo 6º da


Instrução Normativa nº 468/2004.
14 Artigo 2º da Instrução Normativa n º 468/2004.

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Waine Domingos Peron & André Stéfano Christov - 661

· Cumpre-nos salientar, no entanto, que o reajuste de preços em


função do custo de produção ou da variação de índice que reflita
a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados15, não se
considera para fins da descaracterização do preço predeterminado.16
Assim sendo, importante extrairmos o conceito de que o preço pré-
determinado permanece como tal ainda que haja reajuste de preços em função
do custo de produção ou da variação de índice que reflita a variação ponderada
dos custos dos insumos utilizados. O objetivo aqui era apresentar um panorama
geral do que deva ser entendido como preço pré-determinado e seus potenciais
efeitos. Porém, se relacionarmos tudo isso as metodologias de reconhecimento
de receita, veremos que esse efeito é zero.
Seguindo adiante, e fazendo uma reflexão de tudo que dissemos até o
momento, é inegável que as relações comerciais avançaram substancialmente
em relação aos normativos que as representam. Por essa razão, somos favoráveis
às mudanças propostas por esse modelo atual de reconhecimento de receita,
sobretudo pelas suas características inovadoras. Enfim, eis o novo modelo.

3. Modelo Único de Reconhecimento de Receita


Proposto pelo IASB
A principal diferença entre os modelos aqui estudados, é que o antigo
deixava aflorar critérios subjetivos para fins de reconhecimento de receita. Nessa
nova diretriz, pretende-se dividir o contrato em subitens (denominados de
obligation performance) e, na medida em que a obra ou o subitem é concluído,
o reconhecimento de receita também seguirá o mesmo curso. Estas regras, a
nosso ver, atingem muito mais os contratos de longo prazo, já que os de curto
prazo, como vimos na prática, segue a regra do reconhecimento de receita muito
semelhante aos da venda de mercadoria.
Essa proposta faz parte de um processo de convergência entre o FASB
e o IASB, no qual deverá substituir o IAS 11 e IAS 18 e deverá solucionar
as diferenças existentes entre o IFRS e US GAAP. Segundo informações
extraídas do informativo IFRS Brasil, publicado em 26.04.2011, os problemas
das normas vigentes são:

15 Artigo 27, § 1º, inciso II da Lei nº 9.069/95,


16 Esta exceção vem disciplinada no artigo 109 da Lei nº 11.196/2005.

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· IFRS – Normas muito antigas com pouco guidance o que faz de difícil
aplicação para transações mais complexas
· US GAAP – Muita regulamentação específica para as mais diversas
indústrias, o que resulta em inconsistências contábeis.
Segundo o mesmo documento, a norma visa melhorar o reporte financeiro
por meio de um modelo único baseado em princípios claros, servindo como uma robusta
estrutura conceitual sobre receita. Esta também almeja aprimorar a comparabilidade
entre as empresas e os mercados. O princípio fundamental do reconhecimento de receita
é que as entidades devem reconhecer a receita na transferência dos bens e serviços aos
clientes por um montante que reflita a contrapartida recebida, ou que era para ser
recebida, em troca dos bens e serviços fornecidos.
Em comparação com o modelo atual, o novo modelo deverá oferecer
resultados distintos, principalmente para as empresas que apurem o resultado
utilizando do percentual de conclusão da obra.
A diretriz proposta sugere uma divisão em cinco etapas para se cumprir
o princípio fundamental do reconhecimento de receita.
· Identificação do contrato com o cliente
· Identificação das performance obligations
· Determinação do preço da transação
· Alocação do preço da transação as performance obligations
· Reconhecimento da receita quando a performance obligation é satisfeita

3.1. Identificação do contrato com o cliente


A proposta indica que os contratos devem ser tratados individualmente.
Todavia, alguns contratos podem ser agregados (preços interdependentes)
ou segregados (preços independentes), assim como ocorre no IAS 11. Não
vislumbramos qualquer grande inovação aqui, mas apenas uma confirmação
de que o preço estará sempre atrelado a cada obrigação de performance
individualizada, ainda que em um mesmo contrato.

3.2. Identificação das obrigações de performance


Genericamente, as performance obligations representam compromissos
legais de fornecer bens e serviços aos clientes. Segundo o modelo proposto, a
entidade deve avaliar as cláusulas contratuais, bem como o negócio em si, para
identificar o os produtos e serviços prometidos. Além disso, devem avaliar se

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cada um desses produtos e serviços prometidos devem ser tratados, se forem


considerados distintos, como obrigação de performance individuais. Vejamos
as condições:
· A entidade ou outra entidade vende um produto ou serviço idêntico ou
semelhante separadamente;
· A entidade poderia vender um produto ou serviço separadamente uma
vez que apresente uma utilidade por si só ou juntamente com outros
produtos disponíveis no mercado; e apresente uma margem de lucro
distinta, evidenciada por riscos distintos e a entidade pode identificar
separadamente o recurso necessário para fornecer o produto ou serviço.
Notem que este tópico é o “carro chefe” de toda essa inovação. O contrato,
se dividido em etapas, seguindo as regras acima, dará segurança e consistência
quanto ao reconhecimento de receita, registros contábeis e apuração dos tributos.

3.3. Determinação do preço da transação


O preço da transação representa o montante que a entidade espera
receber do cliente em troca dos bens e serviços negociados. Ou seja, é o valor
da contraprestação recebida por esse cliente e por essa troca, excluindo valores
cobrados em nome de terceiros (exemplo: impostos).
Esse preço pode ser claramente identificado (valor fixo e prazo de
pagamento curto) ou não (preço da transação é variável). Para este último,
somente se reconhece a receita quando o preço puder ser estimado razoavelmente
pela entidade. Ou seja, se a entidade tiver experiência com contratos similares
(ou acesso a experiência de outras entidades) e essa experiência é relevante
ao contrato devido, a entidade não esperar mudanças significativas nas
circunstâncias, o critério de razoabilidade está atendido, segundo a diretriz
proposta.
Por outro lado, se a entidade não puder apresentar essa razoável estimativa,
o preço da transação fica limitado ao valor da contraprestação que é fixada ou
que possa ser razoavelmente estimada. Neste caso, poderão ocorrer distorções
entre o pagamento e a transferência dos produtos ou serviços. Por conseqüência,
a entidade tem que considerar os efeitos do valor tempo do dinheiro sobre o
total da transação. Por fim, ao determinar o preço dessa transação, a entidade
deve também considerar o efeito do risco de crédito.

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664 - Notas sobre o Modelo Único de Reconhecimento de Receita proposto pelo IASB

3.4. Alocação do preço da transação às performance


obligations

Parece-nos que alocar o preço da transação a cada performance obligations


não é uma tarefa complexa, desde que haja a definição ou a proporção de cada
um destes preços. No entanto, muitas vezes esses preços não são prontamente
definidos. Nestes casos, a entidade deve estimar o valor pelo qual ela venderia
em cada obrigação de performance. O modelo propõe dois métodos que ainda
precisam ser melhor avaliados, a saber:
· Método de custo esperado + margem; ou
· Método de ajuste a mercado esperado.
O informativo IFRS Brasil, publicado em 26.04.2011 ainda indica que
o preço da transação deve ser atualizado durante a vigência do contrato, contudo,
existem requerimentos específicos para a alocação destas variações, algumas não são
reconhecidas com receita “propriamente dita”, e sim, ganho.

3.5. Reconhecimento da receita quando a performance


obligation é satisfeita

Satisfazer a performance obligation é o mesmo que transferir o bem ou


concluir o serviço executado. Segundo a diretriz, a receita deve ser reconhecida
no momento em que o cliente obtém o controle do respectivo produto ou serviço.
Em comparação com o modelo antigo, temos que a transferência dos riscos e
benefícios não será mais fonte para determinar esse reconhecimento da receita.

3.6. Status do novo modelo


De acordo com o Revenue from Contracts with Customers, nome dado
ao tema objeto deste novo modelo, pelo International Financial Reporting
Standards – IFRS, em fevereiro de 2011, observamos que a discussão formal
sobre esse assunto teve início em junho de 2010, abrindo-se prazo para
recebimento de comentários e observações acerca do tema (em tese, esse prazo
se encerrou em outubro de 2010). Depois disso, temos uma indicação de que
as deliberações e conclusão sobre a implementação ou não desse novo modelo
ocorra ainda em 2011. Porém, a chamada data efetiva da possível vigência,
consta do documento com a expressão “??”.
Especialistas já vêm dando indícios de que, uma vez adotado, esse novo
modelo deve suprir e muito as lacunas atualmente existentes. Exemplo disso é

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que os contratos cujo escopo demande uma série de atos e providências por parte
do prestador e cuja consecução se prolongue no tempo, já vêm sendo firmados
com preços definidos a cada etapa do projeto, antes mesmo do surgimento
desse modelo. Não há duvidas de que cada vez mais, o contrato (documento
que faz lei entre as partes), é que irá balizar o critério jurídico aplicável ao
reconhecimento de receitas.
Somos da opinião de que esse modelo poderá inclusive proteger as partes
do contrato, principalmente se houver rescisão antes da conclusão do projeto.
Uma das maiores discussões atualmente, além do método de reconhecimento
de receita, é a precificação parcial nesses casos.
Por fim, podemos afirmar que os tributos aqui destacados continuarão
seguindo o curso do reconhecimento contábil de receita, e qualquer variação
ou impacto estaria vinculado à antecipação ou atraso nesse reconhecimento.

4. Exemplos Ilustrativos
4.1. Exemplo 1: Descontos com base em cumprimento de
Metas
Imaginemos agora uma Sociedade que tenha por atividade a
comercialização e distribuição de produtos e serviços de sistemas informatizados
de reservas de passagens aéreas, marítimas e terrestres, bem como a instalação
e manutenção de terminais e aparatos de comunicação, para o funcionamento
de sistemas informatizados de reservas de passagens da própria clientela.
Como parte de seu negócio, a empresa concede a clientes, descontos no
preço do aluguel do Equipamento e no licenciamento do uso de determinados
produtos. Todavia a concessão desses descontos está vinculada ao cumprimento
de metas por parte dos clientes, conforme contrato firmado entre as partes.
Assim, para que o cliente possa usufruir desses benefícios, deve alcançar um
patamar de reservas mensais através do sistema da empresa. Seguem dois
exemplos de contratos:
· Desconto Proporcional à Produção Média Mensal – nessa situação
o desconto concedido é diretamente proporcional ao cumprimento
da meta média mensal estabelecida em cláusula contratual. Caso
o usuário cumpra 100% da meta média mensal, terá 100% de
desconto no preço do aluguel do Equipamento e no licenciamento

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dos Produtos sujeitos ao Plano de Descontos. Se cumprido, por


exemplo, 70% da meta de produção média mensal, terá 70% de
desconto e assim por diante.
· Desconto Único conforme o Cumprimento Integral da Meta – na
hipótese do usuário atingir a meta de produção média mensal fixada
na cláusula contratual, fará jus a 100% de desconto no preço do
aluguel do Equipamento e do licenciamento dos Produtos sujeitos
ao Plano de Descontos. Caso o usuário não cumpra 100% da meta
de produção média mensal, não terá direito a qualquer desconto.
Convém mencionar que as metas de produção são estabelecidas nos
contratos e que o desconto atribuído ao usuário é feito com base no faturamento
do mês anterior. Assim, passamos a avaliar como se comporta e em que
momento as respectivas receitas devem ser reconhecidas.
Aluguel de equipamentos e licenciamento de uso: entendemos que, havendo
a definição do preço e emitida a ordem de pagamento (nota fiscal ou de débito no
caso de aluguel), a Sociedade deve (ato contínuo), reconhecer a receita.
Desconto proporcional ou integral: nessas hipóteses é que surgem algumas
dúvidas, principalmente quanto à necessidade de reconhecimento integral da
receita nas demonstrações financeiras, bem como o registro dos descontos
concedidos em conta separada ou apenas o reconhecimento líquido da transação.
Para responder essa questão, entendemos ser prudente abordarmos o
conceito de desconto condicional e incondicional. Para tanto, utilizaremos
também alguns conceitos tributários para ilustrar a complexidade.
Juridicamente, os descontos são conceituados como o abatimento feito
no total de uma soma pecuniária ou no valor de uma obrigação; dedução feita
numa conta ou fatura; redução do preço de uma mercadoria comprada à vista;
ou bonificação feita ao devedor pelo pagamento antecipado do débito17.
Diante disso, depreendem-se os seguintes aspectos fundamentais para
identificar a modalidade do desconto, se condicional ou incondicional, quais sejam:
· Descontos Incondicionais – serão considerados como tal, aqueles
constantes da nota fiscal de venda de bens ou na fatura de serviços e
não dependem de evento futuro posterior à emissão da nota fiscal; e

17 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico.

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· Descontos Condicionais – serão considerados como tal, aqueles


não constantes na nota fiscal de venda de bens ou na fatura de
serviços e dependentes de evento futuro posterior à emissão da
nota fiscal.
Como exemplo, a empresa que emite uma nota fiscal de R$ 1.000,00 e
condiciona um desconto de 10% no caso de pagamento antes do vencimento
da fatura, deve considerar o referido desconto como condicional. Por outro
lado, se esse desconto já fosse dado antes da emissão da nota fiscal, podemos
considerá-lo um desconto incondicional.
Sendo assim, baseados nos contratos acima descritos, entendemos que
tais descontos por metas são considerados incondicionais, pois: (i) constam
da nota fiscal; e (ii) não dependem de evento futuro, posterior à sua emissão.
O cálculo da meta média mensal é feito com base no faturamento do mês
anterior ou de períodos anteriores. Dessa forma, a condição à qual o desconto está
novamente vinculado é anterior ao momento da prestação do serviço e da respectiva
emissão de nota fiscal de serviços, e não através de evento futuro que o condicione.
Neste caso, entendemos não mudar a condição de desconto incondicional.
Pois bem. Passamos, então, a discorrer sobre os efeitos contábeis
relacionados aos descontos. A lei nº 11.638/2007, em seu artigo 187, inciso
I, assim dispõe:
Art. 187. A demonstração do resultado do exercício discriminará:

I – a receita bruta das vendas e serviços, as deduções das vendas, os


abatimentos e os impostos; (...) (g.n.)
Notamos que a legislação emprega o termo “deduções das vendas”,
todavia não distingue, ou melhor, silencia-se acerca do desconto condicional
e incondicional. Segundo Edmar Oliveira Andrade Filho, deverão ser
indicados, na demonstração do resultado, os valores correspondentes às deduções
de vendas e os abatimentos sobre o preço de venda. Quanto à expressão “descontos
incondicionais”, encontrada na legislação do Imposto de Renda, ele é categórico
ao afirmar que este preceito, não oferece uma definição acerca do que se deve ser
entendido por desconto incondicional e, além disso, é absolutamente omisso a respeito
dos descontos condicionais.18

18 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. O Direito Contábil e a Disciplina Jurídica das Demonstrações
Financeiras. São Paulo: Prognose Editora, 2010. p. 308.

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A prática comercial reconhece também a expressão “desconto comercial”.


Essa, por sua vez, parece se distanciar mais do caráter condicional, posto que é
utilizada para definir o preço de venda a ser praticado naquele momento.
O CPC 30 (itens 9 e 10) dispõe que a receita deve ser mensurada pelo
valor justo da contraprestação recebida ou a receber. Entende-se por valor justo o
valor pelo qual um ativo pode ser negociado ou um passivo liquidado, entre partes
interessadas, conhecedoras do negócio e independentes entre si, com a ausência de
fatores que pressionem para a liquidação da transação ou que caracterizem uma
transação compulsória. Prevê ainda que o montante da receita proveniente de uma
transação é geralmente acordado entre a entidade e o comprador ou usuário do ativo
e é mensurado pelo valor justo da contraprestação recebida, deduzida de quaisquer
descontos comerciais e/ou bonificações concedidos pela entidade ao comprador.
Ora, com base nesses conceitos, temos que somente os descontos imediatos
de liquidação, quando estimados por ocasião da venda, é que poderão ser
deduzidos da receita. Dessa forma:
· o desconto comercial não deve ser tratado como dedução de venda
previsto na legislação, e, portanto, a receita deve ser reconhecida
diretamente pelo valor líquido praticado na operação; e
· o desconto condicional e incondicional devem estar enquadrados
na expressão dedução de venda e portanto haverá a necessidade de
reconhecimento integral da receita nas demonstrações contábeis da
Sociedade, bem como o respectivo registro da dedução concedida.
Quanto à distinção entre desconto condicional e incondicional, há que se
ater aos efeitos distintos para fins tributários, não só para quem concede, mas
também para quem os recebe.

4.2. Exemplo 2: Programa de Vantagens


O Programa de vantagens ou fidelidade permite que os participantes
acumulem pontos que podem ser resgatados/utilizados em troca de passagens
aéreas ou prêmios preestabelecidos.
Esse acúmulo ocorre não apenas através da aquisição de passagens aéreas,
mas também por meio de programas de vantagens oferecidos por instituições
financeiras, em razão do uso de cartões de créditos por parte de seus clientes.
Destarte, para que essas empresas possam oferecer tais programas,
é necessário que as partes (instituição financeira e companhias aéreas)

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celebrem um contrato no qual, as companhias aéreas se obrigam, mediante a


contraprestação de pagamento, a disponibilizar tais pontos a esses clientes. Esse
pagamento é que substituirá a receita de prestação de serviços de transporte de
passageiros que o usuário faria em uma operação regular.
Sendo assim, concluímos que existem 02 (duas) situações que podem
alterar o momento de reconhecimento de receita nas demonstrações contábeis
das companhias aéreas, a saber:
· Quando a companhia aérea receber da instituição financeira
valores relativos aos pontos que serão concedidos ao participante
do programa de vantagens; ou
· Quando a companhia aérea registrar a receita no momento que
o serviço de transporte for efetivamente executado (venda da
passagem).
Como pressuposto, estamos considerando que essas empresas apuram o
IRPJ pelo lucro real, o qual deve refletir as informações contábeis, respeitando o
regime de competência19, que por sua vez, determina que as receitas e despesas
devem ser incluídas na apuração do resultado do período em que ocorrerem,
sempre simultaneamente, quando se correlacionarem, independentemente do
recebimento ou pagamento.
Assim, no primeiro caso, os valores percebidos pelas companhias aéreas
quando da concessão de pontos já pode ser reconhecida como receita nas
demonstrações contábeis?
Resposta: Não. Embora a transação já envolva pagamento pelos pontos a
serem repassados ao cliente, estamos diante de um caso típico de adiantamento
de clientes. Isso porque o trabalho de aproximação entre beneficiário dos pontos
e essas companhias aéreas, realizado por essas instituições financeiras não se
configura como um serviço propriamente dito.
Nesse caso, a companhia aérea deve reconhecer esse montante como
adiantamento de receita/clientes no ativo, registrar um passivo relativo à
prestação do serviço efetiva e, somente reconhecerá a receita respectiva quando
houver de fato o transporte do passageiro.

19 Artigo 9º, da Resolução 750/93, do CFC.

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Ressaltamos, no entanto, que esse entendimento não se aplica aos casos


em que as companhias aéreas forneçam outros produtos e serviços (diversos das
passagens aéreas) em troca dos referidos pontos. Nesse caso, a receita deveria ser
reconhecida imediatamente, ou seja, no momento da transação entre companhia
aérea e instituição financeira.
Relativamente ao segundo caso, esse reconhecimento de receitas, objeto
da venda da passagem aérea, deve ocorrer, como dissemos, no momento que o
serviço de transporte for efetivamente executado. No tocante ao programa de
fidelidade, em que a relação entre a companhia aérea e o beneficiário ocorre sem
intermediários, tomaremos como referência a “Interpretação A” do CPC 30, o
qual corresponde ao IFRIC 13 (International Financial Reporting Interpretations
Committee). Segue entendimento:
· A companhia área deve contabilizar créditos de prêmio como
componente separadamente identificável da transação de venda
em que eles são concedidos (“venda inicial”);
· O valor justo20 da contrapartida recebida ou a receber em relação à
venda inicial será alocada entre os créditos de prêmio e os outros
componentes da venda;
· A contrapartida alocada aos créditos de prêmio é mensurada com
base no seu valor justo, ou seja, o valor pelo qual os créditos de
prêmio podem ser vendidos separadamente.
· Se a própria entidade fornecer os prêmios, ela reconhece a contrapartida
alocada aos créditos de prêmio como receita quando tais créditos forem
resgatados e ela cumprir suas obrigações de fornecê-los.
· O valor da receita reconhecida é baseado no número desses créditos
que foram resgatados em troca de prêmios, em relação ao número
total que se espera que seja resgatado.
· A entidade pode estimar o valor justo desses créditos com base
no valor justo dos prêmios pelos quais eles podem ser resgatados.
O valor justo desses prêmios seria reduzido para levar em
consideração: (a) o valor justo dos prêmios que seriam oferecidos

20 O valor pelo qual os créditos de prêmio podem ser vendidos separadamente. Se o valor justo não
for diretamente observável, ele deve ser estimado.

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aos clientes que não obtiveram créditos de prêmio da venda inicial;


e (b) a proporção dos créditos de prêmio que não se espera que
seja resgatada pelos clientes.
· Se os clientes puderem escolher entre diferentes prêmios, o valor
justo dos créditos de prêmio deve refletir o valor justo da série de
prêmios disponíveis, ponderado na proporção da freqüência com
a qual se espera que cada prêmio seja selecionado.
Nota-se que, em ambas as situações, o transporte do passageiro é que irá
determinar o momento do reconhecimento da receita. No entanto,
tratando-se de resgate de pontos entre beneficiário e companhias
aéreas, deve-se aplicar as regras constates do IFRIC 13.

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Este livro foi composto em fonte Acaslon regular 11/15
e impresso em papel pólen 70 g/m2 nas oficinas
da gráfica Paym

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