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A valorização histórica da Idade Média: entre o mito e a realidade1

Julio Valdeón Baruque


Universidade de Valladolid

As origens difusas. O conceito inicial de “Idade Média”

Falar da Idade Média é, sem duvida, referir-se a um conceito inventado. Os


cidadãos que viveram no transcurso dos séculos que a historiografia de nossos dias
considera como medievais não tinham, naturalmente a menor ideia dessa expressão. O
conceito ao que fazemos referência foi estudado, de forma brilhante, pelo historiador
francês Jacques Herrs em seu interessante e polêmico livro intitulado “La invención de
la Edad Media”, publicado na França em 1992 e traduzido ao espanhol em 1995.
Porém é lógico que nos perguntemos, de quando data a expressão Idade Média? Nem
mais nem menos que da segunda metade do século XV. A mais antiga menção a esses
tempos medievais a encontramos, segundo nos disse a pesquisa desenvolvida sobre esta
questão em uma carta do bispo italiano de Alesia, Giovanni Andrea dei Bussi, que data
do ano de 1469. Na mencionada carta se diz em um parágrafo o seguinte: “sed mediae
tempestatis Tum veteris, Tum recentiores usque ad nostra tempora”. De todo modo o
primeiro que indicou a existência de uma certa unidade na etapa compreendida, a grosso
modo, entre os séculos V e XV foi o humanista italiano Flavio Biondo. A expressão
“media tempestas” fazia referência a uns “tempos médios”, os quais se situavam entre
uma época longínqua porém, sumamente gloriosa, a da Antiguidade Clássica, e o
período no que esses humanistas viviam, - ultimas décadas do século XV- foi
caracterizado basicamente pelo intento de retornar ao espírito daqueles tempos
brilhantes. Assim, pois, a origem do conceito de Idade Média tinha que ver, antes de
tudo com a postura adotada pelos humanistas italianos de fins do século XV. Dito
conceito se apoiava, essencialmente, em aspectos de natureza filológica, pois localizava
a Idade Média entre as fases da história da humanidade que tinham em comum o
particular apreço as línguas clássicas.
No transcurso do século XVI encontramos com freqüência menções como as de
“médium aevum”, “media tempestas” ou “media etas”, tanto em historiadores como em

1
VALDEÓN BARUQUE, JULIO. La valoración Historica de La Edad Media: entre El mito y la realidad. In:
Memoria, Mito y Realidad en la Historia Medieval. XIII Semana de Estudios Medievales Nájera 2002.
Logroño: Instituto de Estudios Riojanos, 2003. P. 311-329 (trad. Livre feita por Adailson José Rui)
filólogos e o mesmo na Itália que em outros países europeus, a onde haviam chegado as
correntes do humanismo. Entre os nomes mais significativos que aludem ao citado
conceito cabe recordar a Joaquim de Wat (1501), Juan de Heerwaguen (1532), Marco
Welser (1575) o Adriano Junius (1575). Essa mesma tônica continuou ao longo do
século XVII: Consius (1601),Goldats (1604), Vosius (1662), etc. De todo modo na
segunda metade desse século foram concluídas algumas interessantes precisões a
propósito do conceito que nos ocupa. Assim, por exemplo, Jorge Horn, em sua obra
intitulada “Arca Noé”, datada de 1665, denomina “médium aevum” ao período
compreendido entre os anos 300 e 1500, o que significava fixar uma cronologia
específica de dita etapa. Apenas uns anos depois Du Cange, em seu célebre “Glosario”,
que data do ano 1678, falava da “mediae et infimae latinitatis”. Porém, sem dúvida a
obra de maior expressão, pelo que a fixação do conceito de Idade Média se trata, foi a
do alemão Cristovão Keller, professor da universidade de Halle, intitulada “Historia
medii aevi a temporibus Constantini Magni ad Constantinopolim a Turcis captam” e
cuja aparição ocorreu no ano de 1688. Keller começava a Idade Média em tempos do
imperador Constantino e a dava por concluída no momento em que os turcos
conquistaram a cidade de Constantinópla, a capital do Império Bizantino.
Existia na Europa de finais do século XVII, portanto, um conceito de Idade
Média, o qual se projetava sobre um amplo período da história, se não do conjunto da
humanidade ao menos do velho continente e de seu entorno imediato. Pois bem, nem o
século XVI nem o XVII despertou o menor interesse por esses tempos situados, como
uma etapa intermediaria, entre a portentosa Antiguidade Clássica e a época do
Renascimento. E mais, existia um certo desprezo por esses séculos, nos quais a
característica dominante, assim se pensava então, havia sido o paulatino esquecimento
da rica e fecunda tradição Greco-latina. Não se produziu nessa larga etapa, conhecida
um tanto depreciativamente como “Idade Média”, primeiro uma adulteração e logo um
lamentável esquecimento da bela língua na qual se haviam expressado autores tão
significativos como Horácio e Cícero? Porém, não só se olhava negativamente aos
tempos medievais desde o ponto de vista filológico. O movimento religioso iniciado na
Alemanha com as pregações de Martinho Lutero anunciavam a imperiosa necessidade
de voltar ao cristianismo primitivo, abandonando, obviamente, a tradição dos séculos
medievais nos quais, segundo a perspectiva, a Igreja exerceu um domínio a tirânico
sobre o conjunto dos fiéis. Em definitiva, havia duas idades gloriosas na história da
humanidade, o mundo antigo, por uma parte, e a fase iniciada com o Renascimento, por
outra. Entre ambas etapas a vida humana transcorreu, lamentavelmente, em meio a uma
tremenda obscuridade. Assim, foi a Idade Média, tempo considerado de simples
transito, as vezes de barbárie e de ignorância, o que explica o profundíssimo desdém
que existia por ela. O medieval equivalia, por tanto, a mediocridade, atraso e arcaísmo,
ou inclusive, como assinalou agudamente o professor Jacques Herrs, a “uma espécie de
injuria”. O Medievo era algo parecido a uma larga noite de mil anos, a qual se
encontrava situada entre duas épocas de esplendor e de luminosidade, a antiguidade e o
Renascimento.
O descrédito de que gozava a Idade Média no transcurso dos séculos XVI e
XVII, todavia, não evitou, nem muito menos, a existência de alguns destacados
estudiosos dos tempos medievais, os quais, justo é destacar, constituem um marco
muito importante no desenvolvimento da historiografia sobre aquele período. Logo
desde final do século XVI se estavam reunindo importantes materiais da época
medieval, entre os que se devem mencionar os “Annales ecclesiatici” de Cesar
Baronius, e obras de autores como Duchesne, Ughelli ou Baluze. Não obstante, a
atividade que ao longo deixou maior proveito foi a que protagonizaram os beneditinos
de Saint-Maur e o grupo jesuíta dos bolandistas. A discussão mantida por ambos grupos
a propósito do valor das fontes relativas a Igreja cristã medieval derivou, nem mais nem
menos, na gestação de um método crítico para a análise dos documentos do passado, ou
o que dá no mesmo no nascimento da disciplina que conhecemos com o nome de
Diplomática. Pelo que se refere a contribuição dos eruditos espanhóis desses séculos
cabe recordar a obra de Moret sobre o reino de Navarra, que data do século XVII e,
sobretudo os importantíssimos “Anales da Coroa de Aragão” de Jerónimo Zurita,
elaborados no transcurso do século XVI.

2- O Iluminismo: uma imagem atroz da Idade Média

Não obstante, foi no século XVIII quando a imagem da Idade Média alcançou,
sem dúvida alguma, o nível mais retrógrado que se pode imaginar. O século
denominado das luzes, também chamado de Iluminismo, pregava, com muita ênfase, o
racionalismo, ao tempo que defendia a idéia do progresso imparável da espécie humana.
Essas idéias abriram caminho, ao menos assim pensavam os intelectuais que tomaram a
dianteira naquele século, uma vez enterrada definitivamente a tenebrosa etapa da Idade
Média. O Medievo, para os iluministas, havia sido uma etapa caracterizada antes de
tudo pela barbárie, pelo obscurantismo e pela superstição, porém também pelo
predomínio de características tão negativas como o imobilismo, a paralisia a
irracionalidade. E o que dizer do clero daqueles tempos, caracterizado, segundo a
opinião dos iluministas, pela depravação e a libertinagem? Como escreveu, sem duvida
acertadamente, o professor Santiago Montero Díaz “O Iluminismo foi cego para os
valores especificamente medievais”. Recordemos, a este respeito, o que escreveu o
destacado enciclopedista francês Voltaire a propósito dos séculos medievais: “Quando o
Império romano foi destruído pelos bárbaros, se formaram muitas línguas com os
despojos do latim, como se elevaram muitos reinos sobre as ruínas de Roma. Os
conquistadores levaram por todo o Ocidente sua ignorância e sua barbárie. Todas as
artes pereceram: até oitocentos anos depois não começaram a renascer. O que
desgraçadamente nos resta da arquitetura e da escultura daqueles tempos é um grotesco
conjunto de grosserias e de bugigangas. O pouco que escreviam era do mesmo mal
gosto. Os monges conservaram a língua latina para corromper-la ...”. Dificilmente
podemos fazer uma síntese mais ferozmente negativa do que significou o mundo
medieval. O único que se aceitava, em certo modo, daqueles funestos tempos era a
presença neles de alunos precursores da modernidade, caso, por exemplo, dos escritores
italianos da Baixa Idade Média Dante, Petrarca e Bocaccio.
Sem dúvida alguma contribuiu notavelmente a enegrecer ainda mais a imagem
dos séculos medievais a visão que no século XVIII elaborou a propósito da denominada
sociedade feudal. Cabia imaginar um despotismo mais atroz que o desenvolvimento
pelos grandes senhores (magnates) nobiliários da Idade Média, aos que se
apresentavam, por surpreender que possam parecer os termos, nada menos que como
“senhores de garfo e faca”? No extremo contrário quais perspectivas eram oferecidas
para os pobres e ingênuos camponeses do Medievo, que eram sem dúvida a imensa
maioria da população, convertidos em geral em humildes “servos da gleba”, o que de
fato apenas os diferenciava dos escravos da Antiguidade? Assim pois a Idade Média
alcançou as cotas mais altas da história da humanidade no que se refere ao exercício da
mais brutal tirania por parte daqueles que controlavam o poder econômico e o político,
isto é , dos grandes senhores feudais. Ao menos essa era a opinião prevalente nos
círculos intelectuais dominantes da Europa ocidental daquele tempo. Precisamente a
revolução francesa de finais do século XVIII ia por fim, graças ás medidas tomadas em
seu momento, a pesada e dura herança legada pelos tempos medievais. Assim, as coisas
eram de toda maneira inimagináveis que os grandes pensadores do século das luzes
pudessem espreitar o menor signo positivo na época medieval.
Do apresentado, podemos concluir como pôs de manifesto atinadamente em seu
dia o professor Santiago Montero Díaz, em sua valiosa e sugestiva obra intitulada
“Introdução ao estudo da Idade Média”, que no período compreendido entre os séculos
XVI e XVIII “não havia inteligência histórica na Idade Média”. A etapa intermediária
entre os tempos da Antiguidade Clássica e os da eclosão do Renascimento resultava de
todo ponto incompreendida, o que explica que a considerava algo parecido a uma
lixeira. Na Europa de finais do século XVIII, portanto, poderia dizer, citando o
professor Jacques Herrs, o seguinte: “o medieval dá vergonha, é detestável; e o ‘feudal’,
seu cartão de visita para muitos, é, todavia, mais indignante”.
De qualquer forma o apresentado não foi impedimento, nem muito menos para
que no século chamado das luzes se desenvolverá prosseguindo o trabalho iniciado nos
anteriores séculos,uma interessante atividade de recolhimento de materiais procedentes
daquele supostamente nefasto período, quer dizer, da Idade Média. Certamente esse
trabalho o levaram ao fim alguns eruditos isolados, os quais, de forma geral, eram
desprezados em seu tempo. Mais posteriormente essa atividade resultou, justo é
indicar-lo, de grande proveito, ao menos desde a perspectiva da investigação histórica
daquele período. Quiça o trabalho de maior envergadura de quantos apreciaram naquele
tempo foi o que realizou o italiano Muratori com o título de “Rerum italicarum
scriptores”. Muratori sustentava a idéia de que o Medievo não havia sido um período
de trevas, senão pelo contrário, a época na que se colocaram os cimentos da construção
da Europa. Escusado será dizer que essas opiniões resultaram totalmente
incompreendidas na Europa do Iluminismo. Quase pela mesma época o erudito inglês
Rymer colocava em marcha sua impressionante coleção de documentos medievais, os
famosos “Foedera, conventiones, litteras et cuiscumque generis acta publica”,
publicados em Londres entre os anos de 1739 e 1745. Enquanto na França, aparte da
obra empreendida pelos beneditinos, entre os que sobressaia Dom Toustain, temos que
destacar a atividade implantada pela recentemente constituída “Académie des
Inscriptions et Belles Lettres”, que publicou numerosas fontes da Idade Média. Pelo
que se refere a Espanha é preciso consignar, como obras mais significativas, a
interessante e volumosa obra do padre Florez, “Esapaña Sagrada”, na que se recolhe
um abundante material da época medieval, as “Antiguidades de Espanha”, de Berganza,
ou os Bularios das Ordens Militares.
3. O Romantismo e a mitificação do medievo

O século XIX, em agudo contraste com o que o precedeu, foi testemunho de


uma mudança radical no que se refere a consideração da Idade Média. Essa
transformação, a todas luzes de grande profundidade, a recolheu de forma muito
significativa, entre outros, o historiador alemão Luden, em sua “História do povo
alemão”, obra aparecida em 1825, na qual se lê o seguinte: “Há uma geração, a Idade
Média parecia uma noite escura, agora... o encanto do que descobrimos fortaleceu o
desejo de seguir investigando/continuar”. Mas não só eram os historiadores os que
haviam mudado de perspectiva a propósito da imagem que tinham da Idade Média,
também, a maioria dos escritores daquele tempo decidiram somar suas vozes a boa
vinda que, cada dia com mais força, se dedicava ao Medievo. Assim por exemplo o
conhecido e brilhante escritor da primeira metade do século XIX Heinrich Heine
manifestou o seguinte a propósito das catedrais góticas: “Quando se examinam desde
fora essas catedrais góticas, esses edifícios imensos de forma tão fina, tão transparente,
tão aérea, que parecem recortados imitando os encaixes de Brabante no mármore, só
então se sente plenamente o poderio daqueles tempos que sabiam agilizar a pedra
animá-la com uma vida de fantasmas e fazer expressar a essa matéria os impulsos do
espiritualismo cristão.
Sem dúvida o Romantismo havia tido muito que ver na abertura dessa nova
perspectiva em direção ao mundo medieval. Frente ao predomínio do racionalismo,
elemento característico do século das luzes, o Romantismo se embasava antes de tudo
em aspectos como a sensibilidade e o sentimento, colocando de relevo, entre outras
muitas facetas, a exaltação do indivíduo, a liberdade criadora e, por suposto, a volta a
natureza. Assim as coisas da Idade Média, até então vilmente depreciada começou a ser
elogiada, por quanto se partia da idéia de que ela havia triunfado, sem duvida alguma, as
virtudes individuais, entre as quais destacavam como mais representativas, o
cavalherismo, a paixão ou o amor Cortés. Não e estranho, portanto, que a corrente do
Romantismo terminara por mitificar a Idade Média, período da história da humanidade
no que via, nem mais nem menos, o desligamento dos valores que, dita corrente,
defendia a capa e a espada. Paralelamente se implantava por toda a Europa um
excepcional entusiasmo pelas artes plásticas medievais e em particular pela arte gótica,
assim denominada no passado pelo fato de se atribuir sua origem ao um povo bárbaro, o
que tinha, não nos enganemos, um sentido claramente depreciativo. E a literatura
medieval? A ela se recorria igualmente, no século XIX, entre outros motivos para
exumar os grandes poemas nacionais e, como não para potencializar a brilhante épica
anônima. Em outra direção temos que destacar que o Romantismo elogiou também a
Idade Média pelo fato de nela ter havido uma grande pregação da fé religiosa, a que se
contemplava independentemente da atuação institucional da Igreja. Sem dúvida a visão
do Medievo forjada pelo Romantismo era sumamente apaixonada, estando composta,
basicamente, por heróis e pelos santos, por cruzados e por cavaleiros, assim como por
maravilhosas lendas. Mas, a margem dos aspectos de exaltação que sem duvida aportou
o Romantismo, o fato certo é que a dita corrente contribuiu, não podia ser de outra
forma, para o desenvolvimento dos estudos sobre aquela época, agora tão atrativa e
antes, pelo contrário, tão terrivelmente desdenhada.
O Romantismo, em suma, foi decisivo para o redescobrimento da Idade Média.
Porém também aportaram seu grãozinho de areia nessa mesma direção outras correntes
do pensamento vigentes nas primeiras décadas do século XIX. Decisivo foi, assim
mesmo, o papel desempenhado pelo Nacionalismo, fenômeno político-ideológico que,
como é sabido, conheceu um espetacular desenvolvimento na Europa a raiz das guerras
napoleônicas. Cada povo procurava afirmar seus específicos sinais de identidade, o que
os levava inevitavelmente a buscar no passado as suas origens. Não foi precisamente na
Idade Média quando se puseram os cimentos dessas entidades denominadas nações-
estado? Sem dúvida esse interesse pelo Medievo, no caso dos nacionalismos, estava
motivado por razões de caráter político. Porém o certo é que dita corrente de
pensamento ajudou a esquadrinhar, com outros olhos, um passado que nos séculos
anteriores se havia visto com autêntico desdém. Um dos países a onde esse interesse
pelo Medievo alcançou maior desenvolvimento foi, sem dúvida, Alemanha. Sua falta
de unidade em boa parte do século XIX contrastava rotundamente com o Medievo, que
havia sido o período de vigência do Sacro Império Romano Germânico, o qual era a
cabeça indiscutível da Cristandade na ordem temporal. Isso explica a força que adquiriu
na Alemanha o passado medieval, ao que se olhava com indubitável orgulho. Desde
uma perspectiva diferente os povos eslavos, submetidos ao domínio turco, começaram
assim mesmo a mergulhar no seu passado medieval com a finalidade de encontrar suas
raízes. Em definitiva, o século XIX foi testemunho da busca apaixonada do espírito
peculiar de cada povo e de cada nação, o que os alemães denominaram de “Volkgeist”
isto é “espírito do povo”.
Também por parte da Igreja Católica, submetida a duríssimas pressões no
transcurso do século XIX, cresceu o interesse pelos tempos medievais. Não foi aquele
período o que viu nascer o tomismo, isto é, a filosofia diretriz por excelência dos
católicos? Não surgiu também no Medievo um instrumento de tanta valia como o
direito canônico? Tinha algum sentido esquecer períodos tão brilhantes do passado
como século XIII, época que foi de reis santos (recordemos a São Luis de Francia ou a
São Fernando de Castela e Leão), porém também de pontífices tão significativos como
Inocêncio III e de pensadores de tão alta lucidez como Tomás de Aquino? A Idade
Média, desde o ponto de vista da Igreja católica do século XIX, havia sido um período
da história da humanidade caracterizado pela unidade, a paz e a harmonia.
A Idade Média, portanto, se converteu em uma época a que muitos se
assomavam, pois viam nela numerosos elementos positivos, sejam de índole intelectual,
de natureza política ou de caráter religioso. Pensemos por exemplo, no atrativo
suscitado pelos tempos medievais em um país como a Grã Bretanha, nação que ganhou
um excepcional poderio no século XIX chegando a se converter na primeira potência
mundial daquela época. Pois bem, os britânicos, orgulhosos de suas espetaculares
ganhos , voltaram o olhar em direção ao Medievo para tentar conhecer suas raízes,
sejam essas a “Common Law”, a Carta Magna ou o nascimento do Parlamento, três
conquistas fundamentais daqueles séculos distantes. Graças a esses conhecimentos os
britânicos, ao menos assim o pensavam, ofereciam ao resto do mundo umas instituições
modelos, além de expressivas de um clima de liberdade do que careciam outros países.
Paralelamente a Idade Média se converteu na França no campo de discussão entre as
forças reacionárias e as progressistas. Para os reacionários o Medievo conheceu, entre
outros aspectos, a época dourada da aliança entre o trono e o altar. Os progressistas, por
sua vez, viam no Medievo o inicio dos movimentos populares, ou se quiser o ponto de
partida de uma consciência de classe. Desses movimentos cabe recordar o das comunas,
termo utilizado em 1870 pelos revolucionários parisienses.
4. A historiografia do século XIX: uma aproximação realista a Idade Média

Tradicionalmente se apresentou o século XIX como o século da história. Sem


duvida foi nesse século quando dita disciplina entrou, com todas as honras, no âmbito
universitário. Nesse mesmo século, por outra parte, se generalizou o estudo da história
nos centros de ensino secundário. Posteriormente a disciplina de história se transladaria
também, ainda de forma sucinta, as escolas primárias. Assim, pois, o conjunto dos
cidadãos europeus recebiam, em maior ou menor medida, uns conhecimentos sobre o
passado da humanidade. Além do mais alguns destacados historiadores chegaram a
ocupar importantes postos de comando na política européia daquele tempo. Como
esquecer, por dar a um exemplo representativo, a figura de D. Antonio Cánovas Del
Castillo, homem chave da vida política espanhola de finais do século XIX, diretor de
uma volumosa “Historia de España” e membro da Real Academia de História?
O estudo da história não podia deixar de lado o sucedido nos tempos medievais,
e menos ainda quando se colocou em marcha, como acabamos de mencionar, os
motores que empurravam, com muita força, nessa direção, sejam o Romantismo e o
Nacionalismo. Pois bem, os profissionais da disciplina procuravam atuar desde
suposições científicas, entendendo este termo no contexto que era próprio do século
XIX. Nesse sentido é de toda forma imprescindível recordar, ainda seja de forma
esquemática, o formidável trabalho desenvolvido no século XIX no que se refere a
publicação de fontes do Medievo. A coleção mais significativa de todas foi, sem dúvida
alguma, a que surgiu na Alemanha com o título de “Monumenta Germaniae Historica”,
aqual abarcava o período compreendido entre os anos 500 e 1500. Os “Monumenta”,
cuja edição inicial foi dirigida pelo arquivero-bibliotecário Georg Heinrich Pertz,
pretendian oferecer uma ordenação crítica das fontes sobre a história medieval
alemã.entendida está não obstante, em um sentido amplo, pois incluía documentação
não só da estrita nação germânica, senão de todos os povos germanos. O primeiro tomo
da “Monumenta” veio a luz no ano de 1826. Entre os diretores de dessa obra, aparte
citada Pertz, cabe mencionar a Georg Waits, discípulo do eminente historiador alemão
Leopoldo Von Ranke. Paralelamente se colocaram em marcha em outros países
europeus, tais como França, Inglaterra, Itália, etc. importantes coleções documentais nas
que não podiam faltar, por suposto, as fontes relativas a época medieval. Recordemos,
como exemplos significativos, a “Collection de documents inédit relatifs à l’histoire de
France” ou os “Rerum britannicarum medii aevi scriptores”.
Escusado será dizer que a Espanha perdeu a reunião. Em meados do século XIX
foram publicadas series tão importantes como: a “Coleccion de documentos inéditos
para a história da España” ou o “ Memorial histórico español”, nos quais o período
medieval tinha um notável protagonismo. Por sua vez Próspero Bofarull iniciou a
publicação de uma coleção de documentos procedentes do Arquivo da Coroa de Aragão.
Outras obras importantes desse mesmo século que merece a pena citar foram as actas
das “Cortes dos antigos reinos de Leão e Castela”, cuja direção coube a Manuel
Colmeiro, as “Crónicas de los reyes de Castilla desde don Alfosno El Sabio hasta los
Reys Católicos”, obra de Cayetano Rosell ou as coleções documentais que dirigiu
Tomás Gonzáles.
Mas não só se tratava, por importante que fosse esse trabalho, de editar fontes da
época medieval. Ao mesmo tempo se foram constituindo importantes escolas históricas
nacionais, nas quais o estudo da Idade Média tinha obviamente, um papel fundamental.
Assim, as coisas se estavam forjando uma imagem dos tempos medievais que , por
felicidade para a disciplina que nos ocupa, nada tinha a ver com a existência em séculos
anteriores. Quiça o que melhor expressou essa situação foi o historiador alemão
Böhmer, o qual, ao visitar em 1818 a cidade de Estrasburgo e seus impressionantes
monumentos medievais, disse o seguinte: “Nada me convencerá nunca de que a Idade
Média, que criou tais obras, foi uma época de barbárie”. Entre os muitos nomes
significativos de historiadores do Medievo que desenvolveram seu trabalho ao longo do
século XIX cabe mencionar os alemães Sybel y Lamprecht, os ingleses Stubbs y
Maitland os franceses Guerard y Delisle. Também a Espanha portou nomes importantes
para a historiografia do Medievo, tais como o já citado Colmeiro, Simonet, Hinojosa,
Ximénez de Embún, Amado de los rios, Codera, Ribera, Miret y Sans o Bofarull.

5. A Idade Média Hoje: entre o desprezo e a emoção

Deixemos já o tormentoso século XIX para aproximarmos ao presente, ao século


que há alguns anos foi concluído. No transcurso do século XX a historiografia, não
descobrimos com ela nenhum segredo, experimentou novidades substanciais, as quais,
obvio é destacá-las, afetaram também aos estudos efetuados sobre a Idade Média. Junto
a precisão crescente na edição de fontes escritas se abriu caminho a um campo singular,
que afeta antes de tudo ao estudo dos restos materiais daquele período. Estamos nos
referindo a Arqueologia medieval, um âmbito muito sugestivo , ainda quando durante
algum tempo, como assinalou em sua época Miquel Barceló, sem dúvida em um plano
polêmico,haja estado situada as margens do medievalismo. Simultaneamente se foram
consolidando diversos campos da investigação histórica, seja das instituições ou da
economia. Por outra parte no século XX se abriu um animado e interessante debate
entre a história e a ciências sociais, tais como a sociologia e a antropologia, do qual
brotaram idéias muito sugestivas. Como esquecer, assim mesmo, o papel fundamental
desempenhado pela importante escola francesa dos “Annales”? Ou o impacto que teve
em sua época a irrupção do materialismo histórico, ponto de partida de uma nova
interpretação do passado da humanidade? Teorias e métodos dos mais variados
colaboraram, sem dúvida, ao enriquecimento da reflexão sobre o passado e a posterior a
investigação sobre a história, em termos gerais, e ao conhecimento da Idade Média, pelo
que nosso trabalho se refere.
Certamente a Idade Média pode proporcionar aos estudiosos umas fontes muito
mais escassas que os períodos mais recentes do nosso passado, desde a Idade Moderna a
Idade Contemporânea. Isto é, a escassez relativa documental constitui, sem dúvida
alguma, um aspecto negativo, sobre tudo na hora de aplicar determinados postulados
das atuais ciências sociais, por exemplo, tudo o que se relaciona aos métodos
estatísticos, e, em geral, a quantificação. Mais isso não colocou obstáculo, de modo
algum, ao desenvolvimento positivo de áreas específicas como a história econômica, a
história demográfica, a história social, a história das idéias políticas, a clássica história
das instituições ou a mais recente história das mentalidades. Todas elas constituem, sem
dúvida alguma, ramos muito frondosos da árvore da investigação recente sobre a Idade
Média. Em definitivo, a história do medievalismo, no transcurso do século XX, e
inseparável da historia da historiografia geral.
A folha de pagamento dos medievalistas do século XX é, sem a menor dúvida,
sumamente rica e ao mesmo tempo variada. Não é coisa de que nos detenhamos nesse
aspecto, ainda de todos modos nos parece imprescindível mencionar a alguns dos mais
inteligentes historiadores do século passado, entre outros,do belga Henri Pirenne, do
holandês Johan Huizinga, do italiano Roberto Sabatino López, dos ingleses Rodney H.
Hilton e Michael M.Postan, dos alemães Otto Brunner e Ernst H. Kantarowicz, ou dos
franceses Marc Bloch e Georges Duby. A todos os citados devemos obras
fundamentais, hoje consideradas clássicas. Pelo que se refere a Espanha o nome
emblemático do medievalismo do século XX é,naturalmente o notável mestre Claudio
Sánchez Albornoz. Quando se viu obrigado exilar-se na Argentina, depois da guerra
civil espanhola, deixou na Espanha uma brilhante escola, da qual se destacaram, entre
outros, José Maria Lacarra e Luis Garcia de Valdeavellano. Dos medievalistas
espanhóis atualmente na ativa eu citarei, como representante singular, a Luiz Suarez
Fernandez.
Agora bem, a margem da atuação dos profissionais da história, que podemos
qualificar de sumamente elogiosa, qual é a imagem que existe hoje em dia, a nível da
opinião pública em geral, a propósito desse período do passado ao que denominamos
Idade Média? Em linhas gerais pode afirmar-se que o medieval se situa entre duas
posturas totalmente contrapostas, por uma parte o mais absoluto desprezo, por outra
emoção sem limites. Parece como se o mundo em que vivemos houvesse herdado, e de
certo modo mantido, ao mesmo tempo a tradição negativa sobre o Medievo que se
construiu entre os séculos XVI e XVIII e a positiva que fabricou no transcurso do
século XIX. Por uma parte segue funcionando o tópico que identifica aos tempos
medievais como a etapa da história da humanidade na que predominaram o
obscurantismo, a opressão e a intolerância. Vamos/Acudamos a um exemplo que nos
parece de todo ponto sintomático. O termo feudalismo, alusivo a forma de articulação
da sociedade do Medievo, com todas as matizações que se queira, foi utilizado no
século XX num sentido claramente negativo, segundo o colocado de manifesto Robert
Boutruche, um dos principais estudiosos desse tema. Assim por exemplo o general de
De Gaulle, no ano de 1950, afirmava que a França devia ter um governo estivera “
acima da feudalidade dos partidos” Quase pelas mesmas datas se falava do feudalismo
como a “enfermidade infantil do Vietnam “, ao tempo que se contrapunha a excelente
“democracia francesa” com a horrível “feudalidade argelina”. Mais ainda, também a
esquerda francesa falavam, por essas mesmas datas, da “feudalidade das duzentas
famílias” ou da “ feudalidade financeira e industrial”. Em definitiva, o vocábulo
feudalismo servia tanto as forças conservadoras como as progressistas para identificá-lo
com sistemas de governo que era preciso desterrar do horizonte. Não se escutam em
ocasiões, mudando de onda, frases como “se diria que estamos na Idade Média”. Sem
dúvida para aludir a acontecimentos escandalosos, segundo a posto de relevo Jacques
Heers no livro antes citado? Assim mesmo um correspondente de imprensa no Líbano,
também o encontramos nesse mesmo livro do professor Jacques Herrs, ao descrever os
horrores que via em dito país afirmou “nos afundamos mais na mais na Idade Média”.
Claro que, nesse sentido totalmente inverso, o mundo em que vivemos oferece
com frequência uma atitude sumamente emotiva antes de tudo aquela que tem o signo
inequívoco dos tempos medievais. Basta com que nos fixemos, para dar um exemplo
que nos parece sintomático, no atrativo que exerce sobre qualquer visitante a um templo
medieval, seja gótico ou românico ou, fundamentalmente, pré-românico, fase da
atividade artística que goza de um grande prestigio. E a emoção que produz em nossos
dias, para dar um exemplo específico, o som do canto gregoriano? Como justificar, se
não foi assim,o espetacular êxito alcançado há alguns anos por um disco dos monges do
monastério burgalés de Santo Domingo de Silos, que foi, durante várias semanas, um
dos mais vendidos no mundo? E a incrível trajetória seguida pelo romance do
conhecido escritor italiano Umberto Eco, “O nome da rosa”, que relata sucessos
acontecidos precisamente na época medieval? Como se pode entender, por outra parte,
o protagonismo de que gozam personagens que muitas vezes aparecem nos desenhos
animados, por exemplo Asterix? E a contínua invasão de elementos medievais nos
brinquedos infantis? Assim as coisas todas parecem indicar que, em nossos dias,o
medieval se move entre o mais absoluto desprezo,por uma parte, e o atrativo irresistível,
por outra.

6. As raízes medievais do mundo contemporâneo

Essa etapa do passado a que, desde finais do século XV se denomina Idade


Média, tem uma importância singular para a compreensão tanto do conjunto da Europa
como da Espanha destes começos do século XXI. Não foi precisamente no Medievo
quando se colocaram os cimentos da Europa, esse referente de unidade no que, com
singular entusiasmo, nos movemos hoje em dia? Como esquecer, entre outros
personagens ilustres, ao imperador Carlos Magno, em certa medida considerado nada
menos que o pai da Europa? Na Idade Média se constituíram, assim mesmo, as
principais nações-estados que conformam o atual mapa do continente europeu.
Recordemos, a este respeito, que no concílio de Constanza, reunido em dita cidade suíça
no começo do século XV com a finalidade de colocar um fim ao perigoso Cisma no que
se encontrava envolvida a Igreja desde há muitas décadas, estiveram presentes
representantes de cinco nações, embora o termo , é claro indicá-lo, tenha hoje em dia
um significado muito distinto ao daqueles tempos. Essas cinco nações eram França,
Inglaterra, Alemanha, Itália e Espanha. Mas ainda, foi nos tempos medievais quando se
formaram as línguas fundamentais que hoje se falam no continente europeu.

Se seguimos investigando no passado medieval veremos, por outra parte, como


naqueles séculos se forjaram as instituições mais representativas do nosso mundo
político, por exemplo os Parlamentos ou os municípios. Nada nega que as Cortes,
Parlamentos, Dietas ou Estados Gerais do Medievo, termos que aludem a uma mesma
instituiçã, ainda conhecida com nomes diversos em uns e outros países, tinha diferenças
substanciasi com os Parlamentos democráticos do presente. Por fim, essas instituições
se articulavam no Medievo a partir da organização estamental da sociedade, o que
contrasta rotundamente com os princípios democráticos de nossos dias. Porém, a
margem das mudanças decisivas operadas no transcurso do tempo, é evidente que na
Idade Média se encontra o berço dessas instituições, das quais hoje, justo é registrar,
nosa sentinmos tão orgulhosos. Algo parecido cabe afirmar dos atuais municípios,
herdeiros dos conselhos nascidos nos tempos medievais. E a Universidade, órgão
básico do ensino superior de nosso mundo? Não foi também uma criação específica da
época medieval, na qual surgiu a vida a denominada “Universitas magistrorum et
scholarum”? Além disso, aqueles tempos foram testemunhos do início de um conflito
entre o plano do secular e o do sagrado, o qual terminou desembocando na emancipação
da esfera do terreno. Não foi a luta entre o Pontificado e o Império, com todas as
matizações que se queira, um primeiro esboço do enfrentamento entre a Igreja e o
Estado? No Medievo, por tanto, se encontram as principais raízes do mundo em que
vivemos.
Reflexões em certa medida similares podemos fazer também a propósito da
Espanha. O insigne filólogo e historiador Americo Castro defendeu em seu momento,
em sua conhecida obra “España em su historia. Cristianos, moros y judios”, a sugestiva
e polemica hipótese de que a “vividura hispânica”, isto é, a forma de ser e de estar no
mundo dos espanhóis, se construiu no transcurso dos séculos medievais, como
conseqüência da confluência das três “castas” que habitavam as terras hispanas,
cristãos, muçulmanos e judeus. Entre essas três religiões ou culturas houve, obviamente
enfrentamentos, porém também intercâmbio de idéias, de técnicas, de elementos
artísticos , etc. A margem de que se aceite ou se rechace esse ponto de vista é
indiscutível que a época medieval aportou importantes novidades ao desenvolvimento
da história da Espanha, em boa medida hoje ainda vigentes. Assim, por exemplo,
quantas palavras do castelhano atual tem sua origem na língua árabe? Não foi assim
mesmo, decisiva a presença muçulmana na ordem a potencializar nas terra hispânicas
atividade econômicas tão chamativas como os regadios?
Considerações parecidas podem ser feitas sobre o desenvolvimento das artes
plásticas, onde se verifica a marca do islamita, assim por exemplo o papel da arte
mudejar, é certamente indiscutível. No campo das idéias e do pensamento, graças ao
excepcional legado cultural recolhido pelos muçulmanos no âmbito do Mediterrâneo
oriental, na Pérsia e na Índia, Espanha, como escreveu Ramón Menéndez Pidal, foi um
autêntico elo entre a Cristandade e o Islã. Pelo que se refere a influência exercida na
história da Espanha pela comunidade judia basta que tenhamos conta a origem hebraica
de algumas das mais significativas figuras de nossa mística, como foi o caso de Teresa
de Ávila.
Agora bem, por singular que resulta a presença na pele do touro, durante cerca
de oito séculos, as pessoas dessas três religiões, não se acaba ai, nem muito menos, os
argumentos que podemos manejar acerca de nossa situação atual que tem sua origem
em tempos medievais. Assim, por exemplo, o denominado “estado da autonomias” não
se pode de modo algum entender se desconsiderarmos claramente do passado medieval.
Em efeito, naquela época, por surpreendente quem em princípio possa parecer, era ao
mesmo tempo una e diversa. Podemos começar afirmando que Espanha era una, porque
não havia o conceito de passado perdido, a raiz da invasão muçulmana do ano de 711,
que colocou fim a monarquia visigoda. Porém por sua vez a idéia de Espanha se
projetava em torno a um esperançoso futuro, no que foi possível a reconstrução da
sonhada unidade. Mais simultaneamente temos que por de manifesto que a Espanha
Cristã estava constituída por um mosaico de núcleos políticos diversos, que abarcavam
aos reinos de Castela, Leão, Galícia, Navarra, Aragão, Portugal, etc. assim como aos
condados do Principado da Catalunha. Essa diversidade explica, o fato de as vezes se
utilizou nos próprios textos do Medievo, a expressão as “Espanhas medievais”. Os
dirigentes políticos da Espanha Cristã, ou se quer os reis então existentes, como afirmou
em começos do século XIV o cronista catalão Ramón Muntaner, eram “uma carne e um
sangre”, o que colocava de relevo os numerosos elementos de aproximação que haviam
entre eles. Se esses reinos se uniram, seguia dizendo Muntaner, alcançariam o poder
mais forte da Europa daquele tempo. Isso se deu, como é bem sabido, a finais do século
XV, ao realizar-se a fusão das coroas de Castela e de Aragão, graças ao casamento de
seus respectivos herdeiros, Isabel e Fernando, os futuros Reis Católicos. Dessa forma
como manifestou o cronista Mosén Diego Valera, se constituiu “a monarquia de todas as
Espanhas”, ainda quando alguns núcleos ainda não estavam integrados nessa fusão. A
partir desse momento se fala sim mais da “monarquia hispânica”
Em qualquer caso, a margem dos elementos de nossa vida presente cuja gênesis
possamos atribuir a Idade Média, é de todo ponto inquestionável que a etapa situada
entre o final do Império Romano e o período do Renascimento conheceu importantes
progressos, tanto no terreno da vida econômica e social como no do pensamento e a
cultura. Ao menos esta reflexão nos parece válida para o território da Europa cristã.
Como interpretar, se não, o grande salto adiante dado pela Cristandade a partir do ano
mil? Com anterioridade a essas datas a superioridade do Islã era indiscutível. Depois do
século XI, pelo contrário, o mundo muçulmano entrou em uma fase de estancamento,
em tanto que a Europa cristã não deixou de prosperar, tanto em termos demográficos
como econômicos ou culturais. Não foi nos séculos medievais quando se colocaram os
cimentos do mundo urbano, assim como da classe social conhecida como burguesia, a
qual, ia ser séculos mais tarde, a protagonista por excelência das mudanças
revolucionarias acontecidas na Europa? A expansão dos europeus em direção as Índias,
ocorridas nas últimas décadas do século XV nas atividades marítimas da Espanha e
Portugal, não haviam existido se cortarmos de raiz a herança do passado medieval.
Inclusive a marcha em direção de uma poderosa sociedade civil teria sido impensável se
os precedentes que se deram no Medievo, época na que, segundo indicou em sua época
o historiador Lagarde, teve lugar “o nascimento do espírito laico”. Considerações
semelhantes podem ser feitas a propósito da ciência moderna, a qual não pode ser
esquecida a herança, entre outros nomes destacado, de Guilherme de Ockam. Como
disse o historiador Gordon Leff a obra de Ockam fez possível que na Europa do século
XIV se abrisse “uma perspectiva mais genuinamente científica que qualquer outra época
desde a antiga Grécia”. Por fim e ao cabo o final da Idade Média e os começos da
Moderna se fundem em um processo lógico e homogêneo sem que seja preciso aludir a
existência de cortes bruscos no desenvolvimento histórico. As conquistas do mundo
moderno, portanto, resultariam de todo ponto incompreensíveis se víssemos na Idade
Média simplesmente uma etapa de obscurantismo. Em definitiva, a Idade Média tem
sido plenamente recuperada desde a perspectiva de uma visão progressista do
desenvolvimento das sociedades humanas.

7. Medievalismo e futurismo

Após as reflexões que temos feito nas páginas anteriores, realizadas após
conclusão de uma viagem breve e a partir do Renascimento até nossos dias, a que
conclusões podemos chegar? Em verdade, graças ao espetacular progresso
experimentado no transcurso dos séculos XIX e XX pelos distintos ramos da
investigação histórica, hoje, sem dúvida alguma, conhecemos com bastante riqueza de
detalhes, e inclusive com certa profundidade, o que em verdade significou a Idade
Média, muito melhor que na época em que surgiu esse discutível conceito. Porém, quem
sabe nos interesse mais ter em conta a imagem que , a nível popular, existe em nossos
dias daqueles longíncuos séculos que denominamos medievais.
Certamente, antes o dissemos, esses séculos ofereceram uma cara bifronte, o que
significa que em determinadas ocasiões sejam motivos da mais absoluta repulsa, porém
em outros momentos, pelo contrário, resultem sumamente atrativos. Não está na moda,
desde há umas décadas, por mencionar uma atividade que propagada nos meios de
comunicação, as famosas “cenas medievais”? E o que dizer da reprodução da
denominadas feras e mercados medievais, que se organizavam com suma freqüência
pelas mais variadas regiões da pele do toro e com as que se pretende recriar para a
alegria e diversão das pessoas comuns, as formas de vida daqueles tempos? O
Medievo, por outra parte, normalmente surge, por surpreendente que possa parecer, em
atividades encaminhadas a diversão dos jovens de hoje, assim por exemplo em algumas
séries de desenhos animados. Basta com que observamos de vez em quando da
programação da televisão para comprovar como as viagens siderais aparecem as vezes
em um entorno que, ao mesmo tempo, recorda ao mundo dos castelos medievais. Isso
põe de relevo que o mundo medieval, independentemente de que o odiemos ou o
adoremos, está profundamente ancorado na memória coletiva. Tem algum sentido
esquecer esse passado, no que se encontram, nem mais nem menos, nossas próprias
raízes?
Pois bem, se queremos que o sucedido no Medievo, ainda seja só em suas linhas
gerais, esteja presente, por seu significado objetivo e por seu induvidável interesse, na
mente dos cidadãos é preciso que se abandone, como com freqüência ocorre, o
ensinamento da história referida a aqueles séculos. Chegados a este ponto não temos
mais remédio a assinalar que a história medieval ensinada a nossos escolares, nas
últimas décadas se encontra, nestes começos do século XXI, sob mínimos. Esperamos
não obstante, que as últimas reformas educativas, particularmente no que se refere ao
“curriculum” das disciplinas de história, permitam uma melhora. Uma coisa é que na
disciplina da história que hoje, por sorte, cursam todos os jovens espanhóis até os
dezesseis anos, se coloque mais ênfase no acontecido nos últimos tempos, o que se
chama a “história do tempo presente”, e outra coisa muito diferente que apague comum
golpe de caneta o passado. A história da humanidade tem que partir de suas origens, e
efetuar um recorrido, sintético através das distintas fases pelas que passou, seguindo,
logicamente, a ordem temporal. Nesse recorrido é indispensável fixar a atenção nos
marcos mais representativos da evolução no tempo das sociedades humanas. Dessa
maneira é possível chegar a adquirir um sentido global da perspectiva histórica. Uma
parte essencial desse recorrido, ou mesmo para conhecer o que é hoje em dia a Europa
que o que é Espanha, tem que se efetuar através dos séculos medievais, nos quais, antes
colocamos de relevo, se encontram boa parte das origens de nossa realidade atual. E
que conste que não pretendemos com ela, nem muito menos, mitificar o Medievo, nem
menos ainda atuar no plano corporativo como professores da área da História Medieval
que defendem seu campo peculiar de conhecimento. O que pretendemos é,
simplesmente, ser o mais fiel possível a realidade histórica do que esses séculos nos
aportaram.

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