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257-267)
NUNES, Benedito. O dorso do tigre. 3ª ed. São Paulo: Editora 34, 2009.
Benedito Nunes revela como João Cabral de Melo Neto em “A educação pela pedra”
conseguiu mostrar as duas vertentes do fazer poético, sendo uma preocupada em
explorar a condição social e humana, exposta em “Morte e vida Severina”, e a outra em
toda abrangência da manifestação poética, descrita em “Uma faca só lâmina”.
“Essas duas tendências unem-se, agora, dentro do ciclo de A educação pela pedra,
numa só corrente expressional, onde forma e matéria, estrutura e temática se produzam
reciprocamente.” (p. 257)
O autor revela que os elementos contidos nos poemas tais como, acerbidade da
manifestação poética, o traçado coletivo e sintaxe, têm como suporte o pragmatismo de
João Cabral de Melo Neto, que manipula versos brutais, de ritmo inédito na
bibliografia do poeta, elementos geradores dos encadeamentos humorísticos, os quais
permeiam a obra A educação pela pedra.
Nunes traz à luz a questão discordâncias que unem e desunem em movimentos opostos.
Discordâncias que configuram integralmente ou parcialmente a condição que se
intenciona evidenciar. Retrata isso no poema titulo do livro.
“No poema-título do volume, “A educação pela pedra”, o objeto concreto pedra, lição
de impessoalidade, frieza intelectual e resistência moral, converte-se na secura humana
do sertão, que nada ensina a ninguém:
“Um dos traços mais característicos da obra de João Cabral de Melo Neto é o que
poderíamos chamar de análise progressiva, mediante negociações e substituições, dos
elementos de símiles ou metáforas. Vejamos como isso se passa em ‘Os vazios do
homem’:
Nunes fala da facilidade da distinção identificada nos versos do poema “Os vazios do
homem”, presente em A educação pela pedra, da propensão analógica, traço próprio da
metáfora. Cita Aristóteles, um dos mais antigos e célebres teóricos literários ocidentais,
referindo-se à tendência a existência da relação analógica em sua Arte poética por essa
questão ser tão importante.
“Homem de um lado e casaco de outro são palavras que se ligam pela função
mediadora do termo vazio. O corre porem que, em vez da simples fixação de uma ou de
muitas analogias, símile aí latente desenvolve-se.” (p. 260)
O ensaísta trata da propagação das imagens claras que são recorrentes em A educação
pela pedra provenientes da técnica de substituições. Diz que essas técnicas:
Um fato importante observado pelo autor a respeito de A educação pela pedra são as
enumerações feitas, na obra, por João Cabral com intuito de dar limpidez semântica à
linguagem que é condicionada pelo nível comunicativo poético. Essas enumerações
têm feitio explicativo e indicativo; há, também, enumeração de coisas e de preceitos,
fatos demostrado por Benedito nas parelhas “Coisas de cabeceira, Recife” e “Coisas de
cabeceira, Sevilha”, poemas contidos, respectivamente, na parte a e b da obra citada
acima.
“As permutações em série, de palavras e versos, é mais um dos processos utilizados por
João Cabral de Melo Neto. Ultrapassando a orbita de cada poema isoladamente, esse
processo que produz composições novas, interfere na estrutura do próprio livro,
marcado, conforme antecipamos, por feição toda esquemática.” (p. 262)
Benedito Nunes exibe a estruturação da obra A educação pela pedra, composta por 48
poemas e dividida em quatro partes.
“Dos 48 poemas de A educação pela pedra, que está divido em quatro partes (a, b, A,
B), cada parte contendo doze poemas e cada poema duas partes, complementares ou
antagônicas, segundo o sistema de oposições e equivalências que o liga entre si, doze
são permutantes: b-2/12 (“Uma mineira em Brasília”/ “Mesma mineira em Brasília”),
b-3/11 (“Nas covas de Baza”/ “Nas covas de Guadix), A-4/9 (“The country of the
Houynhms”/ (“The country of the Houynhms (outra composição)”), A-8/ B-10
(Bifurcados de ‘Habitar o tempo’/ “Habitar o tempo”), B-1/9 (“A urbanização do
regaço”/ “O regaço urbanizado”), B-4/11 (“ Comedores jantando/ “Duas faces do jantar
dos comedores”). (p. 262)
Após falar das oposições dizendo que, na obra, nem todas têm a mesma origem, nem
iguais seus impactos, o autor revela que a tão famigerada Máquina do poema,
causadora das reflexões do presente ensaio, é “a máquina do mundo” (p. 262). Faz
analogia de seu trabalho ao tecer, nos dizendo que ela desenvolve, sendo benéfica,
como o fio de Ariadne, à nosso meio social ou pode embaraçar ainda mais a teia da
existência cotidiana. É por conta disso, evidência Nunes, que as imagens relativas a
esse ato fazem-se presentes na obra analisada no ensaio.
“Trabalhando à maneira de um tear que tece num sentido e destece noutro os fios de
diversas tramas complicadas, ela fabrica e destrói, agrega e desagrega, mediante
operações diferentes, as várias peças de realidade social e humana. Não é por acaso que
as imagens de fio, tecido e teia aparecem em A educação pela pedra.” (p. 262-263)
Benedito Nunes analisa a analogia entre chiclets e o nascer do dia no poema “Para
mascar com chiclets”, inserido em A educação pela pedra, cujo conteúdo faz remeter
ao tempo. O autor revela que na obra citada na linha anterior a questão temporal ganha
destaque especial, aglutinando elementos.
“o chiclets, nesse irônico ‘Para mascar com chiclets’, que se enrola e desenrola na
boca, ‘consubstante ao tempo, se rompe’, substitui a glória do nascer do dia. A poesia
de A educação pela pedra, em que o tema do tempo adquire especial relevo, junta
objeto a objeto, coisa a coisa, processo a processo” (p. 263)
Outras questões pensadas pelo filosofo paraense a respeito da referida obra do poeta
pernambucano são o rigor expressivo e o esquematismo, que segundo Nunes nunca são
encobertos pelas dinâmicas substituições e enumerações, cujas ferramentas sintáticas
das quais se valem são, principalmente, as conjunções, a exemplo os deslocamentos de
palavras no texto; cuja a constituição trazem um tom de narrativa popularesco.
“Ambos, rigor e esquematismo, apoiam-se numa sintaxe discursiva, que não hesita em
utilizar, como nexos essenciais e à maneira de partículas lógicas, as conjunções.
Contam-se por muitas as partículas alternativas (ou... ou), adversativas (contudo, mas,
porém, todavia, no entanto) e conclusivas (de onde, para que, daí, por isso, pois isso,
pelo que) as quis efetivamente contribuem, lado a lado com as partículas adverbiais
(onde, como, só que, embora, assim, ora, certo não, onde quer que, onde tampouco,
onde também, aliás, enquanto, apesar disso), para dar a determinados poemas a
estrutura de anedota, para assegurar a outros o tom de apologia, de fábula ou de
paródia.” (p. 263)
Ainda no mesmo parágrafo o ensaísta relata traços semânticos dos poemas constituintes
da obra analisada por ele, dizendo que há os conceituais e os moralizantes.
“Alguns mesmos são conceituosos (‘Catar feijão’); há, ainda, os que enfeixam uma
pequena lição, no gênero de moralité (‘Os rios de um dia’), ‘Rios sem discurso’). E
repassa, na maioria deles, uma intenção didática, uma fluência descritiva, confirmada
por alguns versos, de bela e requintada lavratura, a lembrar o barroquismo de Quevedo
a Gôngora ou mesmo os melhores padrões da sintaxe parnasiana: ‘o hálito sexual da
terra sobre o arado’, ‘quer o inverno ou o verão queime o açúcar’, ‘e um livro se
folheia ou se desfolha/ como sob o vento a árvore que doa’.” (p. 263)
“Mas é sem eloquência e sem verbalismo, que o poeta, como nos livros anteriores,
aproveita e refina em A educação pela pedra, embora com sensíveis modificações, o
teor explicativo e descritivo da poesia tradicional, valendo-se de comparações,
exemplificações, e até mesmo da relação mote-glosa”, que se percebe na forma de ‘O
sol em Pernambuco’.” (p. 264)
Por conseguinte, o autor mostra quais poemas são sarcásticos e irônicos, a exemplo
“Retrato de escritor”, e quando o poeta aprofunda-se em poemas de humor corrosivo
por meio de oposições de situações contrastantes como no seguinte poema utilizado por
Benedito Nunes para ilustrar sua reflexão.
[...]
“O efeito de um ritmo solene e heroico, contrastando com a rigidez das poses e atitudes
automáticas, é a origem do grotesco em ‘Comedores jantando’ e ‘Duas fases do jantar
dos comedores’, tão satíricos quanto ‘Duas bananas & a bananeira’, onde a banana de
comer transforma-se no respectivo gesto obsceno, também gesto de revolta, que o
mandacaru ‘dá em nome da Caatinga anã e irmã’.” (p. 265)
“Para falar deles, dos Yahoos, é preciso ‘que as palavras funcionem pedra’; e quando
são os Houyhnhnms que falam, ouvi-los se deve ‘com um sorriso na boca,
engatilhado:/ na boca que não pode balas, mas pode/ um sorriso de zombaria, tiro no
claro’.” (p. 266)
Para o filosofo paraense não é nos poemas acima que soa brutalidade de Swift em que
a entoação cômica é a mesma da indignação. O humor que zomba daquilo que comove
se sumariza em amarelo nordestino ramificado em variadas matizes dessa cor em seus
tons abjetos.
“O humor que escarnece aquilo mesmo que se compadece está condensado no retrato
em amarelo do Nordeste (‘Os reinos do amarelo’) que expõe, nas várias espécies de
amarelo – de sarro, de bile, ranho, tristeza, analfabetismo -, até a suprema abjeção do
escarro vivo, os resíduos em que o homem se decompõe:
“Vemos agora o quanto é terrível a máquina do poema, que ensina acusa e satiriza. As
engrenagens da composição, postas a funcionar, revelam-nos os Yahoos-Severinos, os
Comedores, o sertão da secura da terra e do espírito, e descarnam também a condição
existencial do ser humano, ligado ao tempo pela memória, tentando suprir, com a
mastigação das coisas e momentos, a fuga do presente.” (p. 266)
No parágrafo seguinte Benedito Nunes diz que é por meio da racionalidade interior do
poema que João Cabral captura o ambiente rudimentar, bagunçado e desumano do
Nordeste. O ensaísta cita o poema “Bifurcados de ‘habitar o tempo’” a fim de
exemplificar a dialética, a qual submete a máquina do poema.
Nunes mostra que há, também, em A educação pela pedra, em contrapartida a moção
agregatória predominante em poemas com temáticas espanholas, nos quais ressalta-se a
magnitude da vida, que irmana a perfeição terrena e do sexo. Para, cabalmente,
embasar sua ideia expõe o seguinte poema:
“Nesse livro, cada poema é um mundo verbal complexo, denso, que se desenrola em si
mesmo, mas para se desenrolar sobre o real, num desmentido à tese da intransitividade
poética, a teia dos significados que o iluminam.” (p. 267)
O último parágrafo Nunes inicia fazendo uma reflexão sobre a linguagem poética,
afirmando:
“Em A educação pela pedra, de João Cabral de Melo Neto, esse universo imaginário,
que nasce da máquina poética, do emsemblé da composição, é, na sua impressionante
transparência, homólogo ao outro, natural e humano, com o qual nos comunica.” (p.
267)