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INGRID LAGEMANN ISOPPO

“ABAIXO O RITZ, VIVA A RUA”:

- A BEAT GENERATION, A CONTRACULTURA E A (ANTI)MODA EM

SUAS RELAÇÕES COM O SÉCULO XXI -

FLORIANÓPOLIS . SC
2009
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC
CENTRO DE ARTES - CEART
DEPARTAMENTO DE MODA

INGRID LAGEMANN ISOPPO

“ABAIXO O RITZ, VIVA A RUA”:

- A BEAT GENERATION, A CONTRACULTURA E A (ANTI)MODA EM

SUAS RELAÇÕES COM O SÉCULO XXI -

Trabalho de Conclusão de Curso - TCC


apresentado ao Curso de Moda da
Universidade do Estado de Santa Catarina
como pré-requisito para a obtenção do Grau de
Bacharel em Estilismo.

Orientador(a): Professora Ms. Liliane Edira


Ferreira Carvalho

FLORIANÓPOLIS- SC
2009
INGRID LAGEMANN ISOPPO

“ABAIXO O RITZ, VIVA A RUA”:

- A BEAT GENERATION , A CONTRACULTURA E A (ANTI)MODA


EM SUAS RELAÇÕES COM O SÉCULO XXI -

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Estilismo, no curso de graduação em Moda, do Centro de Artes da Universidade
do Estado de Santa Catarina.

Banca Examinadora:

Orientador: _______________________________________________________
Professora Mestre Liliane Edira Ferreira Carvalho
Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC.

Membro: ________________________________________________________
Professora Doutora Mara Rúbia Sant’Anna
Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC.

Membro: ________________________________________________________
Professora Doutora Maria Isabel Orofino
Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC.

Florianópolis, 01 de junho de 2009.


Aos meus pais, Karla e Amauri, por me
ensinarem a ser quem sou, aos meus irmãos
Marcelo e Gustavo, simplesmente por existirem
em minha vida, à minha querida avó Nadyr, por
ter orgulho de mim e a Ricardo, meu namorado e
melhor amigo, por encher minha vida de amor.
AGRADECIMENTOS

O caminho para chegar até aqui foi longo e árduo, e só foi possível de ser

concretizado, primeiramente graças a Deus que tem iluminado meu caminho e graças a muitas

pessoas que fizeram e fazem a diferença em minha vida. Eu serei eternamente grata a toda

minha família que me ajudou muito e sempre me motivou a seguir em frente e jamais desistir

dos meus sonhos. Obrigada mãe e pai pela dedicação, obrigada maninhos pelo carinho e

obrigada vó pela imensa ajuda. Agradeço também a Ricardo, o amor da minha vida, que

sempre se mostrou disposto a me ajudar e tornou esta caminhada mais leve e feliz, obrigada

meu amor pela companhia, parceria e compreensão ao longo desses anos de curso.

Aos meus queridos amigos, Ismael Farinon, Cristiane Lanzarin, Ângela Simon e

Carine Borba por terem feito parte da minha jornada acadêmica.

Um agradecimento especial à querida orientadora professora Liliane Carvalho, pela

dedicação, atenção e compromisso em me ajudar neste trabalho.

Agradeço a todos os professores do Departamento de Moda da UDESC, em especial, a

Tereza Rebello, Mara Rúbia Sant`Anna, Maria Izabel Costa, Maria Isabel Orofino, Balbinete

Silveira, Aparecida Maria Batisti de Abreu, Icléia Silveira e Silva, Lucas da Rosa e José

Alfredo Beirão Filho, todos esses professores foram de extrema importância durante estes

anos de intenso aprendizado.


A contracultura floresce sempre e onde quer que
alguns membros de uma sociedade escolham
estilos de vida, expressões artísticas e formas de
pensamento e comportamento que sinceramente
incorporam o antigo axioma segundo o qual a
única verdadeira constante é própria mudança. A
marca da contracultura não é uma forma ou
estrutura em particular, mas a fluidez de formas
e estruturas, a perturbadora velocidade e
flexibilidade com que surge, sofre mutação, se
transforma em outra e desaparece.

TIMOTHY LEARY
RESUMO

Depois da Beat Generation, o mundo ocidental nunca mais foi o mesmo. Repensar,
contestar, mudar, se tornaram palavras de ordem agregadas ao discurso de juventude e foram
atreladas ao “Novo” como ideal de consumo. A contracultura e a antimoda, em sua disposição
de crítica aos padrões estabelecidos pelo consumo capitalista, acabaram abarcadas pelo
sistema de moda que se apropriou de seus ideais de contestação, pautando-os como
diferenciais de juventude. Indo contra tudo que a princípio pregaram, a antimoda virou moda
e o Beat, hoje associado a seres pensantes, tornou-se cult.

PALAVRAS-CHAVE: Contracultura; Beat generation; antimoda.


ABSTRACT

After the Beat Generation, the occidental world has never been the same. Rethink,
contest, change have become words of order in parallel with the youth viewpoint and had
been connected to the “New Order” as a consumption ideal. The counterculture and the
antifashion, in its criticism position to the established standards of the capitalist consumption,
ended up embraced by the fashion system that have appropriated itself of their argumentation
ideals, embracing them as youth distinguishers. Going against everything they have once
preached, the antifashion turned fashion and the Beat, today associated to intelligent beings,
has achieved cult status.

KEYWORDS: Contracultura; Beat generation; antimoda.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Allen Ginsberg........................................................................................................31


Fihura 2 - Jack Kerouac...........................................................................................................34
Figura 3 - Capa do Álbum Bob Dylan – 1962.........................................................................38
Figura 4 – Capa do Álbum The Freewheelin Bob Dylan – 1963……………………………38
Figura 5 - Retrato Beatles……………………………………………………………………38
Figura 6- Woodstock, 1969…………………………………………………………………..41
Figura 7 - Caetano Veloso cantando “Alegria, alegria”, Festival da Record, 1967.................43
Figura 8 - Gal Costa no IV Festival da Record, com figurino á la Janis Joplin......................47
Figura 09 – Gal, Nara, Rogério Duprat(costas), Caetano, Gil e os Mutantes. Lançamento do
Disco Manifesto, 1968..............................................................................................................48
Figura 10 – Anúncio anos 60. .................................................................................................58
Figura 11 – Muscadins.............................................................................................................60
Figura 12 - Oscar Wilde, um Dândi.........................................................................................60
Figura 13 – Hippies..................................................................................................................63
Figura 14 – Woodstock............................................................................................................63
Figura 15 - Moda Jovem..........................................................................................................64
Figura 16 - Coleção Nara Leão de Ronaldo Fraga- Verão 2007/2008 SPFW.........................69
Figura 17 - Coleção São Zé de Ronaldo Fraga -Verão 2005 SPFW.......................................69
Figura 18 - Coleção Risco de Giz de Ronaldo Fraga – inverno 2009 SPFW..........................70
Figura 19 - Campanha Benetton – Embraced in Blanket……………………………………70
Figura 20 - Campanha Benetton – Girl and Doll…………………………………………….70
Figura 21 - Coleção Parinitins da Cavalera – inverno 2009 – SPFW......................................71
Figura 22 - Moda Jovem -Coleção Cavalera no rio Tiête– inverno 2008 SPFW....................72
Figura 23 - Desfile coleção Cavalera no rio Tiête– inverno 2008 SPFW...............................73
Figura 24 – Estilo Jovem em Tóquio.......................................................................................74
Figura 25 – Estilo Fruits .........................................................................................................74
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................12

1. CONTRACULTURA E TECNOCRACIA: por uma definição da Beat Generation.......15

1.1 A BEAT GENERATION......................................................................................................28


1.2 CANTANDO REVOLUÇÃO.............................................................................................37
1.3 BRASIL UNDERGROUND – FALAR, CANTAR, MANIFESTAR. POR QUE NÃO?..41

2. A CONTRACULTURA VESTIDA: A (ANTI)MODA DOS BEATS AOS HIPPIES..49

3. BREVE OLHAR SOBRE A HERANÇA BEAT NO SÉCULO XXI ............................66

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................77

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................79

ANEXOS .................................................................................................................................83
12

INTRODUÇÃO

Falar em moda jovem hoje significa falar de um “Novo” que não só é mudança, mas
contestação. O espaço da moda se concretizou como espaço não só de individualidades, mas
de discurso social e político dentro da própria indústria, nas passarelas. Isso se estabeleceu ao
longo das últimas décadas, na medida em que o “Novo” tomou a quebra do próprio padrão
anteriormente estabelecido como medida para estabelecer como novo padrão. O olhar da
indústria então converge para os que estão fora daquilo que ela estipula. Neste sentido, o
presente estudo busca uma relação entre a contracultura e a moda, partindo de uma análise
sobre a Beat Generation, movimento que influenciou a transformação da moda jovem dos
anos 1960, marcando o início da antimoda moderna e a consequente absorção desta pela moda
corrente. Dessa forma, tem-se por objetivo principal neste trabalho estabelecer a influência
que a contracultura, a partir da Beat Generation, pode ter oferecido à mudança que aconteceu
na moda a partir da década de 1960, quando, pela primeira vez na história ela passa a dar
atenção aos jovens, restabelecendo no traje não somente seus comprimentos, formas e cores,
mas toda uma nova significação como forma de expressão.
Para estabelecer a relação pretendida entre o movimento beat e a moda jovem, faz-se
necessário, inicialmente, realizar um entendimento e aprofundamento sobre a Beat
Generation: quem foram os contraculturais beats? Sobre o que falavam? Quais seus principais
expoentes? Podem ser considerados pioneiros como movimento de contracultura e antimoda?
Desta forma, surgem algumas problematizações a serem verificadas, como o que foi a
contracultura? O que foi a Beat Generation? O que foi a antimoda surgida através dos jovens,
neste mesmo contexto? Qual a relação dos hippies com os beats? Esta última problemática
surge, a partir do momento em que se verifica uma semelhança nos dois movimentos, beats e
hippies, como se um fosse parte do outro, podendo o movimento hippie ser a real expressão
beat na moda, no sentido de aparência e adoção da antimoda. E por último, qual a influência
13

do movimento beatnik na transformação da moda jovem dos anos 1960 e qual a herança que
esta antimoda deixou para a moda jovem dos dias atuais?

Assim, para a obtenção de uma análise mais completa, definindo a moda não apenas
como vestimenta, mais como “espírito do tempo”, assim como determina Flüguel (apud
Caldas, 1999), também é apresentado o cenário musical da época, partindo do jazz e suas
vertentes e chegando ao Rock and roll, os quais tiveram uma forte ligação com os Beats e a
contracultura. A música também foi usada para protestar, alcançando corações e mentes.
Além deste universo underground norte-americano, são buscadas e apresentadas as
referências brasileiras em relação à contracultura, chegando ao movimento Tropicalista e todo
contexto político da repressão de 1964, uma vez que no Brasil tem-se a expressão dominante
contracultural através da música. O Brasil então marca, neste trabalho, a importância da
absorção em larga escala do discurso Beat, seja em novos conceitos e padrões de
comportamento na música ou na moda, ao longo das últimas décadas.

Acredita-se que esta pesquisa torna-se importante para uma melhor compreensão dos
motivos que levaram os jovens a irem contra as tradições sociais, iniciando, a partir da década
de 1960, a prática de manifestações de rebeldia e contracultura. O que não significa que outras
manifestações de contracultura não aconteceram antes dos beats, até mesmo em séculos
anteriores, como os muscadins, os dândis. Estes, no entanto, seguiram caminhos distintos e,
ao contrário da Beat generation, foram bem documentados. Logo, este trabalho também tem
relevância no sentido de trazer à pauta a relação entre a Beat Generation, a antimoda e a moda
jovem a partir dos anos 1960. Importante salientar que a antimoda é aqui pensada segundo
Bollon (1993) e Lipovetsky (1989), que apontam-na como quebra com os padrões estéticos
correntes ditados pelo sistema e aceitos socialmente.

A importância deste trabalho se realiza, então, no sentido de trazer referências a um


assunto tão pouco discutido, permitindo que se estabeleça relações entre a contracultura, a
antimoda e a moda jovem. Nos dias atuais, em que o mercado voltado à moda jovem se
mostra fortemente acentuado, esta pesquisa proporciona o entendimento deste mercado, uma
vez que dentro do segmento de moda jovem, a moda underground e vanguardista mostra-se
em constante ascensão. E por fim, outro ponto que agrega valor ao presente estudo é o fato de
apresentar as características e história de um grupo não muito lembrado em livros de história
da moda, trazendo uma nova fonte de pesquisa para um tema pouco explorado, que é a
própria Beat Generation.
14

No que se refere à estrutura do trabalho, para proporcionar um melhor entendimento


dividiu-se o mesmo em três capítulos. O primeiro trata do movimento contracultural de
maneira mais abrangente, apresentando definições e o contexto onde insere-se o movimento.
Logo, inicia-se o estudo sobre a Beat Generation e todo universo que a cerca, tratando da
música como expressão contracultural. No contraponto ao modelo estadunidense, aponta-se o
Brasil Underground, apresentando como se desenvolveu a contracultura no cenário brasileiro,
bem como o contexto histórico e político da época, permitindo que se visualize a abrangência
das reestruturações sociais promovidas pelo discurso da contracultura.
Já no segundo capítulo, apresenta-se a antimoda dos Beats aos Hippies, fazendo uma
retrospectiva de todas as mudanças ocorridas na história da moda moderna desde meados do
século XIX até o século XX, relacionando com a antimoda e a contracultura. Este histórico se
faz necessário para a ambientação da indústria da moda pautada na Alta Costura e Prêt-à-
porter, o que permitirá o entendimento da relação que a moda estabelecerá com a antimoda.
Por fim, no terceiro capítulo, busca-se relacionar a moda jovem no século XXI, em
suas definições de contestação, com as heranças que a Beat Generation, como movimento
contracultural, possa ter deixado. Para esta reflexão utilizou-se exemplos de marcas atuais que
se configuram com estilos jovens e de vanguarda, apontando elementos da cultura
underground.
15

1. CONTRACULTURA E TECNOCRACIA: por uma definição da Beat Generation

A contracultura é a crista movente de uma onda, uma região de incerteza em que a


cultura se torna quântica. Tomando emprestada a expressão do prêmio Nobel de
física Ilya Prigogine, a contracultura é o equivalente cultural do “terceiro estado da
termodinâmica”, a “região não-linear” em que equilíbrio e simetria deram lugar a
uma complexidade tão intensa que a nossos olhos parecem caos.
TIMOTHY LEARY

Primeiramente, antes de começar a dissertar sobre a contracultura, far-se-á necessário


entender o que é cultura, obviamente que não será abordado aqui todos os paradigmas de uma
cultura ou outra, pensando na imensidão de culturas que há no mundo e na grande polêmica
que este assunto gera entre vários pensadores. De acordo com Victor Hell, “a cultura é um
termo que incessantemente gera neologismos, sintagmas insólitos, expressões à primeira vista
desconcertantes, quando, em certos casos, realizam associações imprevistas (funcionários da
cultura, indústrias da cultura).” (1989, p.1). Enfim, com o passar do tempo a palavra cultura
foi ganhando novos significados que, para conseguir-se uma interpretação correta somente
analisando o contexto onde foi inserida a palavra, mas o caso aqui não é desvendar as
mutações do termo cultura e sim tentar traçar um conceito chave para que se possa entender
melhor o que a contracultura significou. Por tanto, serão apresentadas algumas definições
básicas sobre o que é cultura dentro de uma determinada sociedade.
Victor Hell (1989), comenta sobre a ideia de Littré descrevendo que a ação de civilizar
seria um conjunto das opiniões e dos costumes, que resulta da ação recíproca das artes, da
religião e das ciências. Isso quer dizer, que cultura e civilização encontram-se partilhando o
mesmo espaço, uma interdependente da outra. Sendo assim, a cultura se forma a partir de
um conjunto de vários elementos, como por exemplo, os hábitos e costumes que foram
sendo construídos ao longo da história de um povo e, para identificação dos mesmos, seria
16

necessário um estudo aprofundado sobre todos os acontecimentos históricos e influências que


determinada cultura sofreu ao longo dos anos. A cultura engloba aspectos que relacionam os
indivíduos dentro de uma sociedade, produzindo maneiras de ser, viver, pensar e organizar o
mundo como a música, a política, a língua falada e escrita, os contos e mitos, o tipo de
alimentação, a forma de organização social, entre outros aspectos.

Apresentada assim, a cultura parece ser um bom instrumento para compreender as


diferenças entre os homens a as sociedades. Elas não seriam dadas, de uma vez por
todas, através de um meio geográfico ou de uma raça, como diziam os estudiosos do
passado, mas em diferentes configurações ou relações que cada sociedade estabelece
no decorrer de sua história. (DAMATTA, 1986, p.126)

Entretanto, é válido ressaltar que o alicerce dos diferentes formatos de cultura


existente parte sempre do mesmo nível e com a mesma capacidade: o que acontece é que
algumas sociedades acabam por desenvolver mais em alguns aspectos e menos em outros, o
que não significa que a diferença cultural de uma sociedade para outra seja sinônimo de
inferioridade ou superioridade. No entanto, essas características foram moldadas pelos
indivíduos pertencentes a tal sociedade, por fim estabelecendo diferenças de uma cultura para
outra. Além do fator individuo, existem também os fatores externos que influenciam nas
ações dos membros de cada sociedade. Ou seja, através do estudo da cultura pode-se
transcrever de modo mais preciso as diferenças entre os seres-humanos, seu habitat e as
relações que estabelecem.
Desse modo, a cultura forma-se através das características que foram passadas de
geração a geração. No sentido empregado por antropólogos e sociólogos, a cultura seria “um
conceito-chave para a interpretação da vida social” (DAMATTA, 1986, p.123). Sendo assim, é a
partir da cultura de um grupo que podemos compreender as atitudes das pessoas, como aquele
grupo se relaciona e como age nas mais variadas situações. Podemos compreender também o
ser humano e suas relações com o mundo. A cultura, neste momento, não se refere apenas a
um único individuo, mas sim ao seu grupo social, pois somente através deste todo torna-se
possível uma identificação dos valores culturais dos mesmos.

Porque, para nós, “cultura” não é simplesmente um referente que marca uma
hierarquia de “civilização”, mas a maneira de viver total de um grupo, sociedade,
país ou pessoa. Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia, um mapa, um
receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam,
classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. É justamente porque
compartilham de parcelas importantes deste código (a cultura) que um conjunto de
indivíduos com interesses e capacidades distintas e até mesmo opostas transformam-
se num grupo e podem viver juntos sentindo-se parte de uma mesma totalidade.
Podem, assim, desenvolver relações entre si porque a cultura lhes forneceu normas
17

que dizem respeito aos modos mais (ou menos) apropriados de comportamento
diante de certas situações. (DAMATTA, 1986, p.123)

Contudo, fazendo uma ressalva sobre a citação acima, é permitido considerar que esta
adaptação e recepção intracultural e intercultural não acontece de maneira tão amigável como
Damatta escreve, pois se fosse de tal forma, não existiram preconceitos, racismos,
desentendimentos e guerras. De fato, por mais que possa ser possível a comparação da cultura
como um receituário, um manual, este não é seguido a risca, quer dizer, ele acontece muito
mais facilmente na teoria do que na prática. Levando em consideração isso e já pensando na
contracultura, que brevemente será abordada mais profundamente, se a cultura funcionasse de
maneira aberta e receptiva, a contracultura deixaria de ser vista como uma ação radical oposta
a cultura dominante. Dessa forma, observa-se que a classificação de contracultura se dá
exatamente por ser uma exclusão da norma. Isso acontece porque a cultura, uma vez
considerada, resiste a modificações maiores e, por esse motivo, muitas vezes quando se pensa
em cultura a primeira impressão que vem é a de costumes muito antigos. A respeito disso, o
próprio Damatta descreve sobre a tendência de exclusão de um novo modo de pensar dentro
da cultura.

O problema é que sempre que nos aproximamos de alguma forma de


comportamento e de pensamento diferente, tendemos a classificar a diferença
hierarquicamente, o que é uma forma de excluí-la. Um outro modo de perceber e
enfrentar a diferença cultural é tomar a diferença como um desvio, deixando de
buscar seu papel numa totalidade. (DAMATTA, 1986, p.127)

Ainda sobre as contradições e divergências dentro de uma cultura, Thompsom defende


que:

Sempre uma troca entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a


metrópole; é uma arena de elementos conflitivos. (...) E na verdade o próprio termo
“cultura”, com sua invocação confortável de um consenso, pode distrair nossa
atenção das contradições sociais e culturais, das fraturas e oposições existentes
dentro de um conjunto. (1998, p.17)

Levando em consideração as colocações acerca do significado de cultura, pode-se


verificar que esta realmente está associada à civilização e a um grupo de indivíduos
compartilhando de um espaço limitado, mas também, ao mesmo, o indivíduo desassociado do
seu grupo contribui para a formação desses costumes construídos através da vivência e
convivência, assim formando a cultura daquele grupo e de cada pessoa que a compartilha.
18

O homem vive uma vida verdadeiramente humana graças à cultura. A cultura é uma
forma específica do “existir” e do “ser” do homem. O homem vive sempre de acordo
com uma cultura que lhe é peculiar e que, por sua vez, cria entre homens um laço
que também lhes é peculiar, determinando o caráter inter-humano e social da
existência humana. Na unidade da cultura como forma peculiar da existência
humana, arraiga-se simultaneamente a multiplicidade das culturas em cujo âmago o
homem vive(...) É pela cultura que o homem, como homem, “é” mais, tem maior
acesso ao “ser”. (HELL, 1989, p.10)

Por conseguinte, é pertinente iniciar a falar sobre a contracultura estabelecendo, antes


de mais nada, que a contracultura é de fato uma cultura dentro de outra. Esta outra, maior em
abrangência e aceitação da sociedade, leva a definir-se, no texto, o tratamento da
contracultura por cultura marginal. Começa, assim, um estudo sobre a contracultura que se
desenvolveu principalmente nos Estados Unidos nas décadas de 1950 e 1960 e acabou por
influenciar diferentes gerações. É importante adiantar que, muito antes dos anos 1950, já
existiram manifestações que podem ser consideradas contraculturais - não necessariamente
definida com esse termo, uma vez que basta estar-se inserido numa cultura para qualquer ato
reivindicatório ou oposto aos pensamentos tradicionalistas, ser considerado contracultural -
como diz Ken Goffman e Dan Joy:

(...) Com algumas poucas exceções (talvez incluindo nosso momento histórico
atual), as contraculturas foram episódios históricos inspirados, otimistas, talvez
mesmo míticos. Sempre que pessoas corajosas e apaixonadamente adotam
comportamentos desafiadores que buscam libertar os humanos de limitações
opressivas (ou limitações percebidas como sendo opressivas), certamente pode-se
esperar excitação, conflito e escândalo – e, portanto, histórias cativantes. (2003,
p.23)

No entanto, falar-se-á sobre a contracultura tendo em vista os acontecimentos por


volta da década de 60 do século XX, porque acredita-se que algo diferente aconteceu, como
uma marca mais profunda na história, inclusive da moda1, que vem até os dias de hoje, mais
adiante será abordado este aspecto. De acordo com Pereira (1992), a contracultura - não
simplesmente no significado da palavra, mas quase como um nome próprio escolhido para
intitular um movimento especifico - , pertence de fato ao contexto dos anos 1960.
Podem existir dois significados atribuídos à contracultura: o primeiro seria o que é
abordado aqui, referente ao conjunto de movimentos com iniciativa da juventude que
marcaram os anos 1960. Neste sentido a contracultura não é, só foi. O outro significado pode

1
A moda era um meio de reunir os seres em uma sociedade e de criar o presente social, essencialmente, uma
forma de relação entre os seres, uma veneração coletiva pela novidade, pelo processo de imitação entre os
homens. (Tarde, 1979. APUD SANT´ANNA , 2007:81).
19

ser atrelado à contracultura referindo-se aos movimentos acontecidos, de forma parecida,


antes ou depois deste período, ou seja, é quando usa-se o termo contracultura para definir, de
uma forma mais geral, todo e qualquer tipo de contestação estética diante de uma ordem
oficial. Algumas vezes, não possuem pretensão nenhuma, que não a de provocar a anarquia.
Neste segundo sentido, a contracultura foi, é e, certamente, será.

Eu deliberadamente escolhi romper com as tradições de modo a ser mais fiel à


Tradição do que as atuais convenções e ideias permitem. O caminho mais vital
normalmente é o mais difícil, e passa por convenções muitas vezes transformadas
em leis que precisam ser rompidas, com a conseqüente liberação de outras forças
que não suportam a liberdade. Portanto, uma ruptura dessa natureza é algo perigoso,
embora indispensável para a sociedade. A sociedade reconhece o perigo, e faz com
que a ruptura normalmente seja fatal para o homem que a produz. Ela não deve ser
feita sem que sejam avaliados o perigo e o sacrifício, sem a capacidade de suportar
violentas punições, nem sem a fé sincera em que o fim justifica os meios, nem eu
acredito que isso possa ser efetivamente conseguido sem tudo isso. (WRIGHT,
2007, p.12)

Uma geração cresce e com ela nasce a vontade de ter um lugar que corresponda aos
seus anseios. No entanto, a sociedade em que se encontra está longe de ser este lugar
idealizado. Dessa forma, é preciso lutar contra velhos costumes, disseminar algumas novas
ideias, juntar alguns novos amigos e criar boas maneiras de se fazerem notáveis: formam-se
assim os movimentos de contracultura. Esses movimentos e “tribos”2 não são visíveis à todos,
é preciso captar o “espírito da época”, examiná-los e reconhecê-los. Esta não é uma tarefa tão
fácil quanto possa parecer, uma vez que estes grupos de manifestações contraculturais são
formados muito mais por exceções e nem sempre comportará fazer generalizações para
identificá-los e denominá-los. Entretanto, é necessário buscar exatamente as semelhanças uns
com os outros para que possamos traçar uma linha de raciocínio compreensível.

Nesse caso, o observador vê-se obrigado a examiná-los de uma forma um tanto


desajeitada, permitindo que pela peneira das generalizações passe grande quantidade
de exceções, mas tendo sempre a esperança de que da ganga sobre algo de sólido e
valioso. (ROSZAK, 1972, p.7)

Quando se fala em contracultura, imediatamente remetem-se as manifestações


realizadas por alguns grupos de jovens, principalmente adolescentes e universitários a partir
das décadas de 1950/60, em diversos países, mas neste primeiro instante será abordado apenas
os Estados Unidos, onde a contracultura se estabeleceu com maior força e clareza.

2
Unidade de organização social que consiste em um número de famílias, clãs, etc. que vivem numa determinada
área e partilham ancestrais, cultura e liderança comuns; comunidade. (SACCONI, 1996, p.655)
20

Falar de contracultura é, num certo sentido, falar dos Estados Unidos – pelo menos
num momento inicial. Afinal, foi lá onde primeiro se manifestou, de modo mais
marcante e evidente, esse novo espírito de contestação que os movimentos de
rebelião da juventude dos anos 60 viriam colocar na ordem do dia. Apesar da
importância do papel que a Europa seguradamente desempenhou na formação de
toda essa nova ideologia da juventude, certas condições especiais dos Estados
Unidos faziam deste país o berço por excelência da contracultura. (PEREIRA 1992,
pp.32-33)

Estes jovens estavam reivindicando seus direitos através de uma linha de pensamento
que iria contra os costumes tradicionais da sociedade, contra uma cultura estabelecida até
aquele momento. Para que se fizessem notáveis, eles se utilizavam de diversos meios de
comunicação e símbolos, tentando, de uma forma ou de outra, expressar suas angústias, seu
inconformismo, esperança ou a falta dela. Segundo Pereira: “Aos poucos, os meios de
comunicação de massa começavam a divulgar uma nova ideia: a contracultura”(1992, p.15).
Em um primeiro momento, o movimento é distinguido pela sociedade através de seus
sinais mais evidentes, como os cabelos compridos, tipo de vestimentas, misticismo, drogas,
etc. Um conjunto de características que, aos olhos das “pessoas normais” que compunham a
classe média, representavam o ridículo, o despropósito, o ser “anormal”. No entanto, fica cada
vez mais óbvio que aquele conjunto de manifestações contraculturais não era constituído
apenas dessas primeiras impressões superficiais. Por conseguinte, simbolizava uma nova
forma de pensamento, uma nova forma de ver o mundo e as pessoas, um novo conjunto de
valores que faziam suas próprias regras. Roszak (1972), também relaciona algumas
características principais que delimitam esses contraculturais, como por exemplo, o interesse
pela psicologia da alienação, pelo misticismo oriental, pelas drogas psicodélicas e pelas
experiências comunitárias.
Assim, começavam a se fortalecer as bases de um movimento de contracultura que
buscava a liberdade. Liberdade de expressão, de pensamento, de comportamento, de escolhas,
liberdade de poder ser diferente, mesmo que esse diferente significasse ser “louco”. Para
Pereira (1992), o termo “contracultura” foi inventando pela imprensa norte-americana, nos
anos 60, para designar um conjunto de manifestações culturais novas que floresciam, não só
nos estados Unidos, como em vários outros países, especialmente na Europa e, embora em
menor intensidade e repercussão, na América Latina. Na verdade, é um termo adequado,
porque uma das características básicas do fenômeno é o fato de se opor, de diferentes
maneiras, à cultura vigente e oficializada pelas principais instituições das sociedades do
Ocidente.
21

Roszak (1972) acreditava que era nestes jovens prontos para rebelaram-se a todo
instante que encontrava-se a capacidade e oportunidade para reestruturar, reorganizar a atual
iludida sociedade e, assim, construir aquele lugar idealizado, onde há harmonia de
socialização de experiências. Esta sociedade que eles pretendiam modificar era definida como
tecnocrata, ou seja, uma sociedade que desenvolvia técnicas para todas as ações, tendo em
vista sempre um melhor planejamento. De acordo com Roszak,

Quando falo em tecnocracia, refiro-me àquela forma social na qual uma sociedade
industrial atinge o ápice de sua integração organizacional. É o ideal que as pessoas
têm em mente quando falam de modernização, atualização, racionalização,
planejamento.(...) A tecnocracia age no sentido de eliminar as brechas e fissuras
anacrônicas da sociedade industrial. (1979, pp.19-20)

A tecnocracia, como o próprio nome já diz, trata de um sistema que se utiliza da


técnica ou dos técnicos, enquanto especialistas. Falando assim, a tecnocracia parece evolução
e aperfeiçoamento, no sentido de um sistema criado para melhorar as engrenagens da
sociedade, e consequentemente, a produtividade. Outra característica dela é a de fazer-se
ideologicamente invisível, a ponto das pessoas nem notarem que ela realmente existe. No
entanto todos os atos da sociedade são regidos por ela, acontecendo, dessa forma, uma
manipulação: era dessa forma que os jovens contraculturais a viam, como um sistema
dominador tentando cegar a sociedade.
No entanto, a tecnocracia não é um movimento político de fato, pois enquanto há
disputa entre a sociedade capitalista e coletivista, a tecnocracia expande-se nos dois lados,
tornando-se um movimento transpolítico que obedece às diretrizes de eficiência industrial, de
racionalidade e de necessidade, ela está acima de qualquer partido político. Por isso é
importante estabelecer que a tecnocracia não é o capitalismo, e nem está necessariamente
veiculada ao mesmo. Ela apenas utiliza-o com um aliado, mas se ele não existisse ainda assim
a tecnocracia persistiria. A ideia tecnocrática é convencer que todas as necessidades do
homem são de caráter técnico, que há uma solução lógica para todo problema e se não houver
é porque o tal problema não é real.
De acordo com Roszak (1979), a tecnocracia não é apenas uma estrutura de poder
possuidora de vasta influência material, é a expressão de um forte imperativo cultural, uma
verdadeira mística profundamente endossada pela massa. Já segundo Goffman e Joy (2007,
p.9), a relação dos jovens com a tecnocracia era “aparentemente contraditória, pois eles
queriam toda evolução que as máquinas traziam, como a guitarra elétrica, o amplificador, o
22

rádio, ou seja, eles desejavam usufruir de todos os excessos da produção em massa ao mesmo
tempo em que desconfiavam e negavam a civilização tecnológica.”
Esses jovens rebeldes e muitas vezes marginalizados que definiram a chamada
contracultura dos anos 1950/60 eram os filhos da tecnocracia. Inconformados com o caminho
que a sociedade estava tomando ou sendo induzida a tomar, resolveram procurar novas
direções e viver o que realmente achavam que valia a pena na vida, como por exemplo, viver
em comunidades, gastar nada ou quase nada de dinheiro e se apegar a alguma prática religiosa
que pudesse explicar melhor a essência da vida, negando fazer parte da sociedade
tecnocrática.
A respeito desse pensamento contra a tecnocracia, Goffman e Joy dizem que, “a
principal diferença que fez de Marcuse um sucesso na cultura jovem, normalmente
desinteressada dos sofridos discursos marxistas europeus, era que ele não era apenas contra o
capitalismo, ele era contra a tecnocracia. De acordo com Marcuse, o “progresso intenso
parece estar ligado a intensa falta de liberdade. Campos de concentração, extermínio em
massa, guerras mundiais e bombas atômicas não são uma recaída na barbárie, mas a
implementação incontida das conquistas da ciência e da tecnologia modernas e dominação. E
a subjugação e destruição mais eficaz do homem pelo homem acontece no auge da
civilização”. (2007, p. 304)

A contracultura surgiu do confronto entre a cultura, reconhecida como doença, e a


visão juvenil, cujo instinto natural é para a saúde. A audácia dessa visão não pode
ser considerada mera precipitação ingênua, pois funda-se, antes, num desencanto
radical – atingido por saturação, maturidade – com o mundo tal como conhecemos.
(PEREIRA.1992, p.18)

Os jovens que se aliaram à contracultura queriam saber mais sobre a verdadeira


felicidade, o amor, as sensações do corpo e da alma. Eles queriam ser apenas humanos, e para
isso precisavam experimentar, errar e acertar para se auto conhecerem e compreenderem o
meio em que viviam, eles preferiam muito mais agir seguindo seus sentimentos, suas
vontades, seu coração. E tudo isso ia à contramão da nova sociedade tecnocrática que devia
ser instaurada, em que todos os atos e pensamentos devem seguir a objetividade, a
tecnicidade, não permitindo subjetividade e entrelinhas.

As vertentes que contribuíram para a formação da contracultura são várias, de


naturezas aparentemente diversas, mas sublinhadas pelo denominador comum da
intenção libertária. E a fonte instintiva dessa intenção é, sem dúvida, a visão juvenil.
(Luís Carlos Maciel. Revista Careta, Ano LIII, nº2736, de 20/07/1981, p.19)
23

A técnica exige previsibilidade e, em não menor grau, exatidão de previsão. É


necessário, portanto, que a técnica prevaleça sobre o ser humano. Para a técnica esta
é uma questão de vida ou morte. A técnica precisa reduzir o homem a um animal
técnico, o rei dos escravos da técnica. (ELLUL apud ROSZAK, 1972, p.19).

Esta redução do homem pela técnica como sua veia condutora, pode ser compreendida
como uma simplificação do ser humano, ou seja, conseguir minimizar uma das coisas mais
complexas que existe no mundo: a vida humana. Para a tecnocracia ganhar espaço e se
consolidar era preciso que todos se encaixassem em um “padrão de normalidade” pré-
estabelecido e tivessem uma vida previsível. Quem vivia e aceitava esta sociedade eram os
pais desses jovens inconformados. Dessa forma, Roszak (1972) conta que a geração dos pais
desses jovens agarravam-se a tecnocracia em busca da segurança que ela prometia cumprir e,
de fato, parecia fazer. Sendo assim, porque esses pais, que estavam temporariamente felizes,
iriam reclamar daquilo que lhes trazia apenas o bem, a riqueza, a prosperidade e uma visão
segura do futuro?
Os integrantes da nova cultura juvenil, que tinham a tecnocracia como inimiga,
acreditavam que existiam muitos fatores que norteavam a tecnocracia e muitas artimanhas
muito bem elaboradas para que a população em sua maioria não percebesse sua manipulação.
Colocavam-se como aqueles que enxergavam de forma diferente e procuravam contestar tais
ordens impostas. Por consequência de sua petulante audácia, foram considerados a escória da
sociedade, marginais, por não se encaixarem no “padrão de normalidade” desejado.
Mas por que seriam eles, os jovens da época, os principais contestadores da expansão
da tecnocracia? A resposta para essa pergunta não pode ser apenas uma, pois existem diversos
eventos que contribuíram à rebeldia juvenil. Um fator essencial foi a geração anterior a esses
jovens, a geração da Segunda Guerra Mundial, que sofreu um tipo de interrupção ou
estagnação diante dos acontecimentos socioeconômicos. Explicando este acontecimento,
Goffmann & Joy citam: “(...) os anos 50 foram um período de conformismo Papai Sabe Tudo.
Exaurida pela Depressão e pela guerra mundial – mas com uma economia em ascensão.”
(2007, p.255)

Os adultos do período da II Guerra Mundial, acometidos pela paralisia de


desnorteada docilidade – o quadro que Paul Goodman denominou “mal do nada-
pode-ser-feito – na verdade abriram mão de sua natureza.
Não podemos analisar aqui como e por que esta geração perdeu o controle das
instituições que dominam sua vida. A lembrança da derrocada econômica na década
de trinta; a perplexidade e o cansaço causados pela guerra; a patética, posto que
compreensível busca de segurança e tranquilidade no após-guerra; o
deslumbramento com a nova prosperidade; um mero torpor defensivo face ao terror
termonuclear e o prolongado estado de emergência internacional durante o final da
década de quarenta e na de cinqüenta; a perseguição aos comunistas; a caça as
24

bruxas e o barbarismo infrene do macartismo...sem dúvida tudo isso contribui em


parte.” (ROSZAK, 1972, p.34)

Todavia, outras ocorrências, além da profunda inércia dos adultos, foram de


importante contribuição para a tal rebeldia por parte dos jovens: os Estados Unidos tornar-se
um país jovem nos anos sessenta levou a sociedade à voltar-se mais a esse público, tendo-o
como foco para a publicidade capitalista. Afinal, mais de 50% da população tinha menos de
25 anos e aproximadamente 25 milhões eram jovens com faixa etária entre treze e dezenove
anos, segundo Roszak (1972). O empenho da mídia obteve duas respostas opostas, pois ao
passo que muitos jovens se entregavam ao consumismo, adquirindo tudo que lhe era ofertado,
outros alimentaram ainda mais seu inconformismo com as manipulações que os perseguiam.
É o ethos do descontentamento que, a partir daí, fará parte da vida de muitos jovens, que o
tornarão, inclusive, um motor para suas atitudes.

Mas isto não basta para explicar a proeminência agressiva da juventude


contemporânea; além disso os jovens parecem sentir, mais do que nunca, a
potencialidade de seus números. Não resta dúvida de que em grande parte isto se
deve ao fato de a máquina publicitária de nossa sociedade de consumo haver
dedicado muita atenção ao cultivo da consciência etária, tanto dos velhos como dos
jovens. (ROSZAK,1972, p.38)

A juventude e os adolescentes, em sua maioria de classe média, tinham seu próprio


dinheiro e podiam gastar da maneira que lhes conviesse, constituindo assim, um mercado
especial. Por esse motivo que Roszak (1972) comenta que eles foram adulados, utilizados,
idolatrados e tratados com uma deferência quase nauseante. O resultado disto é que tudo
quanto os jovens criaram para si serviu de alimento à máquina comercial – inclusive o novo
ethos de descontentamento, fato esse que gerou pungente desnorteamento para o jovem
descontente.
Juntamente com todos esses fatores citados anteriormente - que de uma forma ou de
outra contribuíram à rebeldia juvenil – encontra-se um acontecimento ainda mais relevante,
que foi a expansão da educação superior. De acordo com Roszak (1972), nos anos 1960 e
1970 havia nos Estados Unidos quase seis milhões de universitários, quase o dobro do
número que havia em 1950. Ingressar na universidade se tornava um hábito cada vez mais
comum para os jovens de classe média.
Foi no ambiente universitário que os jovens aprenderam a conviver em comunidade,
descobriram o potencial do grupo e que, com alguns aliados, poderiam incomodar o sistema.
No campus, eles aprenderam a fazer política, a protestar pelos seus direitos e ideais. Mas é
25

importante salientar que, apesar de toda essa publicidade de opiniões coletivas por parte dos
jovens, muito mais do que mudar o mundo eles esperavam viver da maneira que lhes
conviesse, sem serem condenados pela sociedade tecnocrata que estava a contramão de seus
anseios. O convívio de jovens de várias idades, como os calouros, os recém formados e alguns
professores aliados, propiciaram a experimentação, o debate de ideias e, com efeito, o
surgimento de grupos com semelhanças - de comportamento, atitude, política, economia, etc.
- a fim de, unidos, conquistarem seus sonhos.

(...) O campus universitário, que chega a congregar 30.000 estudantes, tem servido
para cristalizar a identidade grupal dos jovens. Além disso, o campus mistura
calouros de dezessete, dezoito, com estudantes formados, já em seus vinte e tantos.
(ROSZAK,1972, p.39)

Essa diferença de idade dos integrantes e participantes da contracultura mostra,


segundo Pereira, que “embora a contracultura não seja uma invenção exclusiva da juventude,
o que é fácil de demonstrar pela idade avançada de alguns de seus teóricos e gurus mais
destacados, ela encontra no jovem o seu intérprete principal e o seu motivo mais forte” (1992,
p.24). Com efeito, saindo das universidades, estes grupos juvenis, ao seu modo meio
desenxabido, resolveram rebelionar. Assim, descreve Pereira (1992), transformaram as
hipóteses de adultos descontentes em experiências, embora frequentemente relutando em
admitir que, às vezes, uma experiência redunda em fracasso. Falando em fracassar, talvez esta
não seja a palavra mais indicada, mas foi algo assim que aconteceu a muitos rebeldes. Na
verdade, eles acabaram por se perder na escuridão, esqueceram seu foco, tornando-se meros
vagabundos, bebendo, abusando das drogas dia e noite nos bares, vivendo do dinheiro dado
pela família e, muitas vezes, foram presos.

No final das contas, entretanto, não se pode deixar de ser ambivalente em relação a
esse dinamismo compensatório dos jovens, pois pelo menos ele constitui um
sintoma de sua situação inteiramente normal. Não é ideal, e provavelmente nem
sequer é bom que aos jovens caiba tamanha responsabilidade em criar ou imaginar
soluções para toda uma sociedade. Esta tarefa é grande demais para que tenham
êxito. Na verdade, é trágico que numa crise que exige o tato e a sabedoria da
maturidade, tudo quanto existe de mais promissor em nossa cultura esteja sendo
construído a partir de tentativas canhestras, o que não pode deixar de acontecer
quando os construtores são de todo neófitos. (ROSZAK, 1972, p.37)

É claro que não foram todos os jovens participantes da contracultura que ficaram à
obscuridade da sociedade. Alguns se renderam ao poder da tecnocracia e deixaram de fato
toda essa história de revolta de lado, ajustando-se aos padrões estabelecidos da vida adulta.
Outros levaram adiante todos os seus ideais e continuaram a viver sua vida de maneira
26

“anormal”, porém tornaram-se mais sólidos, mais responsáveis e mais experientes. No


entanto, estes não conseguiriam continuar a lutar pela contracultura se não fosse uma força em
especial, a dos adultos. Exatamente aqueles adultos que se viram, em algum momento,
também insatisfeitos com a forma social na qual estavam inseridos.
Roszak (1972) diz que na América contemporânea, o radical adulto, enfrentando uma
plateia cada vez menor entre os “robôs satisfeitos” de sua própria geração, é naturalmente
atraído pelos descontentes jovens de classe média. Todavia, óbvio que não foram todos os
adultos com ideais liberais ou radicais que se tornaram aliados aos jovens rebeldes. A maior
parte desses condenava a maneira como os jovens tentavam resolver os problemas, negando
até as condutas básicas de educação social, tentando, a todo custo, ser o oposto de seus pais e
de toda sociedade “normal”.
Então, repentinamente, os lugares de encontro desses jovens rebeldes com causa
vêem-se invadidos, violados pela mídia, por turistas, por simpatizantes, por pessoas querendo
aparecer e por pessoas achando “tudo muito legal”. Com efeito, parece que todas as
particularidades, todas as características muito bem definidas desde o início, e agora mais do
que nunca, são deformadas por uma imagem montada para ser capa de jornal, de revista e de
televisão.

Os chamados beatniks e hippies, sejam o que forem, nada têm a ver com aquilo em
os transformaram o Time, Esquire, Cheeta, a televisão, as comédias da Broadway e
Hollywood. A imprensa decidiu que a rebelião “vende” mais. (ROSZAK, 1972,
p.47)

Primeiramente, numa tentativa de contestar a citação anterior, quando Rozsak coloca


que a rebelião vende mais, ele falava como a mídia estava vendo aquele acontecimento,
contudo o problema é que a palavra rebelião já está relacionada a contracultura de uma
maneira errônea, e foi exatamente dessa forma que a mídia divulgou a contracultura. Rebelião
significa ação com violência e, pelos estudos feitos, esses movimentos não agiam de tal
forma, já a palavra rebelde quer dizer aquele que não obedece, que vai contra uma autoridade
legítima. Como dito anteriormente, estes jovens eram rebeldes sim, desobedeciam as regras,
mas não provocavam todo esse tumulto divulgado pelos meios de comunicação, claro que não
está em discussão aqui eventos posteriores como os “Esquerdistas” ou “Panteras Negras”. Os
jovens em questão, muito mais do que fazer grandes protestos, muito mais do que travar uma
luta armada contra toda uma sociedade, buscavam apenas o seu lugar ao sol, queriam viver a
vida à sua maneira, de acordo com suas crenças, mesmo que muitas vezes errassem, mas eles
27

realmente desejavam era viver com suas próprias pernas e seguir o coração e não apenas a
razão como mandava a tecnocracia.

O objetivo primordial das contraculturas, portanto, não é tomar as rédeas ou eliminar


o controle externo nem mover uma guerra contra àqueles que o detém – embora em
alguns momentos as contraculturas possam participar de forma apaixonada de tais
empreitadas. Em vez disso, as contraculturas buscam basicamente viver tão livres
das restrições à força criativa quanto seja possível, onde e como quer que seja
possível fazê-lo. E quando as pessoas buscam esse tipo de liberdade com
compromisso e vigor, elas desbloqueiam a passagem de luz, de modo que as
gerações posteriores podem se aquecer com seu calor. (GOFFMAN E JOY, 2007,
p.12)

Voltando a mídia, como dito anteriormente, acabou por deformar muito dos intuitos e
manifestos dos contraculturais, fazendo com que ao longo das décadas parte da veracidade da
história da contracultura fosse aquilo que a mídia disse ou deixou de dizer. É fato que nunca
poderá se contar com convicção absoluta a maneira como realmente aconteceram os fatos. É
certo que houve um aproveitamento dos meios de comunicação sobre estes grupos de
contracultura, não somente dos que nasceram nas décadas de 1950 e 1960, mas também de
várias décadas posteriores. Além disso, parece que, alguns grupos em meio a toda esta
deturpação, acabaram por ganhar, nas páginas dos livros, mais importância do que outros.
Contudo, a deformação não significa irrealidade: a mídia aumentou, modificou alguns
aspectos, mas não divulgou uma história fictícia, estes grupos realmente existiram e deixaram
sua marca na história.

No entanto, admitir que os meios de comunicação distorcem os fatos não é o mesmo


que dizer que os jovens não hajam criado nenhum estilo de vida próprio, ou que não
tenham propósitos sérios. Supor que tudo quanto a publicidade toca avilta-se
automaticamente ou talvez não possua qualquer realidade equivale a atribuir-lhe um
potencial destrutivo irreal. Por exemplo, em algumas das melhores lojas de Londres
pode-se comprar atualmente uma jaqueta ao estilo do exército chinês, anunciada
como “Pensamentos de Mão em Burberry Country : flanela azul-marinho,
revolucionária, com botões de metal e colar à la Máo”. O preço? Apenas 68 dólares.
Por acaso Máo e a Revolução cultural tornam-se de repente meras ficções devido a
esse tipo de publicidade? . (ROSZAK, 1972, pp.48)

Seguindo assim, Goffman e Joy (2007) dizem que o impacto final da contracultura na
história pode ser analisado pela absorção de seus símbolos, artefatos e práticas pela cultura
dominante, da maneira que os separa bruscamente de suas origens na experiência real. No
entanto, ainda assim as marcas históricas deixadas pelas contraculturas podem ser
identificadas ao se analisar a história com uma compreensão de essência da contracultura.
Essa forma de ler os registros culturais oferece uma interminável fonte de inspiração,
28

informação e afirmação, permitindo que as contraculturas extraiam muita energia de épocas e


personagens históricos anteriores.

A contracultura é “ruptura” por definição, mas também é uma espécie de tradição. É


a tradição de romper com a tradição, ou de atravessar as tradições do presente de
modo a abrir uma janela para aquela dimensão mais profunda da possibilidade
humana que é a fonte perene do verdadeiramente novo – e verdadeiramente
grandioso – na expressão e no esforço humano. Dessa forma a contracultura pode
ser uma tradição que ataca e dá inicio a quase todas as outras tradições. (GOFFMAN
E JOY, 2007, p.13)

Assim, neste espaço de contracultura que se estabeleceu na segunda metade do século


XX, jovens, mídia e sociedade cunharam a Beat Generation.

1.1 A BEAT GENERATION

No início dos anos 50, a nação reconheceu pelas ruas um movimento social
chamado Beat Generation. (Jack Kerouac - O rei dos Beats, 1991. vídeo)

“Talvez descubramos então que o pioneirismo de um punhado de beatniks durante a


juventude de Allen Ginsberg transformou-se no estilo de vida de milhões de
universitários. Haverá outro ideal que pareça mais atraente aos jovens?”
THEODORE ROSZAK

Em primeiro lugar, cabe apresentar as diferentes colocações sobre o termo “beat” e


outras expressões empregadas para determinar o mesmo movimento, como “hip” ou
“hipsters”. Em seguida, uma breve apresentação sobre o que foi e representou exatamente
este movimento de contracultura e quais foram os seus principais objetivos e integrantes,
assim como suas principais obras, tendo em vista que trata-se de um movimento formado por
escritores.
No filme Jack Kerouac - O rei dos Beats, de John Antonelli (1986)3, a primeira cena
mostra Kerouac em um dos programas da TV americana (ele concedeu várias entrevistas ao
longo de sua vida frente à Beat Generation). Nesta entrevista ele responde uma pergunta que
lhe faziam frequentemente: Como definiria a palavra “beat”? Não exatamente seu
significado, pergunta o apresentador. Logo, Jack responde: Algo harmonioso.4

3
Ver ficha técnica completa e sinopse em anexo 1.
4
Esta entrevista foi concedida no início de sua carreira, em seguida do lançamento do livro de maior sucesso
entre os jovens On the Road. Em anexo 2, encontra-se transcrita uma entrevista real de Jack Kerouac à Buckley,
já no final de sua carreira.
29

No dicionário esta palavra significa: batida, golpe, pulsação, latejo, ritmo, compasso.
Já a palavra “beaten” encontra significado como: açoitado, espancado, malhado, forjado,
pisado, batido, muito usado, vencido, derrotado, exausto. (MICHAELIS, 2002:23) Nos
dicionários de inglês e português, também pode-se encontrar a palavra “beatitude” - outra
definição também adotada pelos beats - e a sua definição será: 1.Bem-aventurança gozada no
céu pelos escolhidos. 2. Felicidade serena, completa e eterna. 3. Tratamento honorífico que se
dá ao Papa, a par de Vossa Santidade: Vossa Beatitude. (SACCONI. 1996:97)
Já Goffman e Joy (2007), fazem questão de usar mais a expressão “hip” ou “hipsters”
no lugar de “beat” ou “beatnik”. A propósito, este último termo não consta em nenhum
dicionário, pelo fato de ter sido uma palavra inventada pelos próprios beats, trata-se da junção
da palavra beat, já explicada, com o sufixo “nik”, retirada do termo “sputinik”, o satélite russo
que, em 1957, foi enviado ao espaço. O termo “hip” também não encontra significado no
dicionário de inglês, pelo menos não um significado que tenha alguma relação com o
movimento, talvez isso aconteça porque o hip seja uma abreviatura de hippies, o que
caracteriza um problema, pois autores como Roszak e Goffman tratam dos hippies como
sendo um movimento posterior a Beat Generation, ao mesmo tempo que insistem em chamar
o beat de hip.
Contudo, o que pode-se dizer é que na prática ou na intenção do movimento, ambos os
termos significam, como descrito anteriormente, na definição de beaten, algo como batido,
vencido, muito usado e cansado. Unindo estes significados aos da palavra beat, como batida,
compasso e ritmo, no final têm-se, mais ou menos, o que Kerouac chamou de “algo
harmonioso”. E por fim, a expressão “hipster”, que também possui um significado incerto,
mas de acordo com Goffman e Joy (2007) seria o mesmo que beat. Aliás, ambas podem ter
sido expressões retiradas das gírias utilizadas no jazz, estilo musical muito ouvido na época.

Na época os termos hipster e beat eram intercambiáveis. ‘Mais do que simples


fadiga”escreveu Holmes, “isso [beat] implica a sensação de ter sido usado, de estar
em carne viva. Envolve uma espécie de desnudamento da mente e, em última
instância, da alma: a sensação de estar sendo reduzindo às bases da consciência. Em
síntese, significa ser empurrado sem drama contra o muro do isolamento.” Mais
tarde Jack Kerouac iria expressar essa sensação em um melancólico aforismo
budista: “Eu aceito a perda para sempre.” Os beats, não tendo nada a perder, pelo
menos podiam ser honestos. (GOFFMAN E JOY, 2007, pp. 262)

Em abril de 1958, o colunista Herb caen, do San Francisco Examiner, atribuiu a


palavra “beatniks” aos participantes da nascente cultura boêmia de São Francisco.
Imediatamente o beatnik se tornou uma figura grotesca para todos os Estados
Unidos. (GOFFMAN E JOY, 2007, p. 265)
30

Tendo visto as primeiras definições, agora busca-se definir as relações históricas deste
grupo de contracultura, iniciando por uma geração anterior que já apresentava pensamentos
parecidos: a chamada “Geração Perdida”5 talvez possa ter sido, em um primeiro momento,
responsável por ter deixado de herança aos beats o gene do anticonformismo. Goffman e Joy,
no livro Contracultura Através dos Tempos (2007), apresentam o conceito do “contato direto”
como um tipo de ligação que organiza a linha contínua da história das contraculturas. O
contato direto é, sem dúvida, aquele que possibilita o contato dos integrantes das
contraculturas com as outras culturas. Assim acontece uma interação desses universos,
fazendo com que haja comunicação e troca de ideias, permitindo a individualidade e
impulsionando a contracultura.

E o contato direto também teve papel importante durante o século XX. Personagens
fundamentais dos movimentos de vanguarda europeus se misturam com escritores
americanos nas livrarias, nos salões e nos ateliês de Paris, ajudando a catalisar o
movimento literário da Geração Perdida. Algumas décadas mais tarde, muitos dos
integrantes das contraculturas jovens dos anos 1960 foram inspirados e instituídos
por muitos dos beatniks, herdeiros literários da Geração Perdida. (GOFFMAN E
JOY, 2007, p.14.)

Esta “Geração Perdida”, surgiu através da reunião de um grupo de escritores


estadunidenses, antes mesmo dos beatniks, e a expressão “Geração Perdida” apareceu através
do livro O sol também se levanta, de um dos principais escritores da época, Ernest
Hemingway. Estes escritores viveram um tempo na Europa, principalmente na França,
trocando experiências com artistas locais. Isso aconteceu no começo da Grande Depressão,
após a Primeira Guerra Mundial. Já a Beat Generation surgiu na década de 1950, nos Estados
Unidos, como um movimento contra o crescimento econômico e o positivismo exaltante da
classe média frente às novas possibilidades de bem-estar material. Surge contra o “Way of
life” que guiava todas as famílias americanas.
Roszak (1972) examina algumas das mais importantes influências sobre a
contracultura jovem, entre elas está Allen Ginsberg, um dos principais idealizadores da Beat
Generation que, segundo Pereira (1992, p.33), “ (...) Allen Ginsberg, foi líder e inspirador do
flower power (o poder da flor) dos anos 60. Ginsberg foi um dos verdadeiros idealizadores do
estilo típico de concentração e manifestação dos hippies, sendo presença obrigatória nesses
acontecimentos”.

5
Entre seus membros mais notórios, incluiram-se Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Ezra Pound,
Sherwood Anderson, Waldo Peirce, John Dos Passos, e T. S. Eliot.
31

Figura 1- Allen Ginsberg


Fonte: http://www.lpm-editores.com.br/v3/livros/layout_autor.asp?ID=946450

Roszak (1972) fala do papel dessa juventude perante a esperança por uma mudança no
cenário, cenário este em que se encaixavam os beats. Fala também sobre o conflito de
gerações existente na época e que acabou por ser um fator contribuinte para a ação rebelde da
juventude, ou seja, segundo ele as discórdias entre pais e filhos influenciaram o surgimento da
contracultura, mais especificamente da Beat Generation.

Para o bem ou para o mal, a maior parte do que atualmente ocorre de novo,
desafiante e atraente, na política, na educação, nas artes e nas relações sociais (amor,
corte sentimental, família, comunidade) é criação dos jovens que se mostram
profundamente, até mesmo fanaticamente alienados da geração de seus pais, ou de
pessoas que se dirigem primordialmente aos jovens. É entre a juventude que a critica
social significativa busca hoje uma audiência receptiva, à medida que, cada vez
mais, cresce o consenso de que é aos jovens que compete agir, provocar
acontecimentos, correr os riscos e, de forma geral, proporcionar os estímulos.
(ROSZAK, 1972, p.15)

Os beats, jovens oriundos de famílias que passaram pela depressão nos anos 30 - ou
seja, uma geração após a “Geração Perdida” - cresceram apoiados na ideia do não
conformismo, como dito anteriormente, o que acabava por impedir que se estabelecessem. Foi
viajando pelo país de norte a sul, recitando poemas em galerias e procurando uma harmonia
maior entre vida e arte vivida, que eles fizeram história. Eram jovens que se conheceram
dentro e fora das universidades, interessados em escritores não ortodoxos como Rimbaud,
Blake, Melville, Withman, Kafka, Nietzsche - alguns dos quais vieram mais tarde a ser
adotados nas universidades, sendo inclusive os professores que os propagavam acusados de
transmitirem valores subversivos aos estudantes. Inquietos, marginais (quando não minorias),
pretendiam mostrar seu desgosto com o consumismo e a tecnocracia. Apesar das principais
contribuições desta geração terem se dado na literatura, não é difícil identificar traços seus em
outras páginas.
32

Esse espírito libertário e questionador da racionalidade ocidental, que viria a marcar


tão fortemente isto que ficou conhecido como a contracultura, já se anunciava nos
estados Unidos, desde os anos 50, com uma geração de poetas – a beat generation –
que produziu um verdadeiro símbolo do fenômeno com o poema “Howl” (Allen
Ginsberg, 1956), que, traduzido, significa uivo ou berro. (PEREIRA, 1992, p. 9)

É relativamente correto assegurar que se não tivessem acontecido às aventuras dos


beats, viajando por toda a América de carona, bem como a literatura posterior descrevendo
estas experiências, dificilmente se poderia conceber o movimento jovem da década de
sessenta, na dimensão em que aconteceu. Foi essa consciência que acompanhou os jovens da
década de 60, fazendo com que nessa década surgissem novos movimentos jovens, como por
exemplo, os hippies.
O fato é que foram os jovens, à sua maneira amadorística e até mesmo grotesca, que
deram efeito prático às teorias rebeldes dos adultos. Arrancaram-nas de livros e
revistas escritos por uma geração mais velha de rebeldes, e as transformaram num
estilo de vida. Transformaram as hipóteses de adultos descontentes em experiências,
embora frequentemente relutando em admitir que às vezes uma experiência redunda
em fracasso. (ROSZAK, 1972, p. 37)

Os movimento beat era formado por escritores que, na sua maioria, se conheceram
dentro das universidades. A respeito disso, Roszak (1972) fala em seu livro da tendência de
grandes pensadores e líderes iniciarem suas “carreiras” justamente dentro do campus da
universidade, que chegava a congregar 30.000 estudantes e servia como um veículo formador
da identidade grupal destes jovens. Outro fato importante, é que no campus conviviam jovens
de diferentes idades, dos calouros de dezessete anos até os já formados beirando os vinte e
tanto anos, este últimos acabam tomando a liderança perante os mais novos, que
normalmente, nem sabiam exatamente as dimensões que suas “badernas” poderiam tomar.

Jack Kerouac e Allen Ginsberg, assim como outros tantos escritores beats, se
conheceram na universidade, foi ali que surgiram as primeiras ligações. Depois disso, eles
resolveram percorrer o país de norte a sul, leste a oeste, e todos os relatos dessas viagens estão
nos seus livros. O de Kerouac é considerado até hoje a bíblia dos beatniks, pois foi justamente
esta literatura beat, como On The Road, que incentivou milhares de jovens a deixarem as suas
famílias de classe média e saírem para explorar por si, seu próprio país.

“A geração beat foi uma visão que tivemos no final dos anos 1940, John Clellon e
eu, e Allen Ginsberg de maneira meio maluca, de uma geração de tipos espertos
iluminados e loucos que de repente iriam se levantar para percorrer a América, uma
geração séria, curiosa, vagabunda, pegando carona em todas as direções,
maltrapilha, pacífica, de uma feiúra bela na sua graça e na sua novidade.”
(KEROUAC apud GOFFMAN E JOY, 2007, p.177)
33

Além de Kerouac e Ginsberg, outro escritor beat completa o principal trio beatnik,
Burroughs6, considerado o irmão mais velho, o mestre, como coloca Goffman ( 2007: 258),
“sugeria uma espécie de chefão gângster extraterrestre. Burroughs não era apenas hip, ele era
sobrenaturalmente experiente, e ensinou aos jovens pupilos literários aplicações na vida real
da filosofia convencional e anticonvencional e a literatura das experiências com drogas”.
Logo depois, o trio ganhou mais um aliado: Gregory Corso7.
Estava formado o quarteto que iria irritar uma sociedade, instigar a mídia, incentivar
os jovens e abrir as portas para todas as próximas gerações em que a contracultura, de uma
forma mais amenizada e menos intelectualizada, no entanto mais natural, tornar-se-ia um
acontecimento praticamente comum, fazendo parte de uma fase de transição de muitos
adolescentes para a vida adulta. É claro que a mídia, quando não transformava os beats em
apenas viciados, contribuiu muito com a divulgação e amplificação das ideias libertárias da
Beat Generation. Contudo, também têm-se que admitir que a imagem deflagrada e
transfigurada foi dada próprios beats, uma vez não se pouparam frente as drogas químicas e
ao álcool. A exemplo de Kerouac, reservando para si próprio um fim trágico e lamentável, em
suas últimas aparições sempre embriagado, ele próprio fazendo repensar o valor das questões
defendidas pela Beat Generation.
Durante a década de 1950, os beats se tornaram muito famosos. Eles estavam em
toda a mídia. Apareciam artigos nos principais jornais e revistas. Eles faziam
conferências com o apoio de grandes nomes do jazz. A revista Life chamou os beats
de “a única rebelião à vista”.(...) Ginsberg e Kerouac apareciam na TV (uma façanha
numa época em que haviam apenas três redes), e chegou mesmo a ser feita uma
tentativa de produzir um programa de televisão baseado em On the Road. (Quando
Kerouac recusou o acordo, eles o deixaram de lado e criaram o programa Route 66,
uma pálida evocação dos temas de Kerouac.) (GOFFMAN E JOY, 2007, p.265)

Como já foi dito anteriormente, Kerouac foi uma das figuras mais importantes da Beat
Generation, por este motivo, buscou-se mais informações sobre esta curiosa personalidade
que, de certa forma invadiu as mentes, corações, casas, famílias e universidades dos jovens de
pelo menos, uma década inteira.

6
William S. Burroughs, um dos mais subversivos e criativos escritores americanos da literatura moderna.
(MAEK, 1991. vídeo).
7
Em 1958, Kerouac escreveu: Considero Gregory Corso e Allen Ginsberg os dois melhores poetas da
América.(...)Contraditório em tudo, Corso reúne um inacreditável refinamento verbal e um talento excepcional
ao encanto endiabrado de um moleque de rua. (Alma Beat, L&PM, 1984).
Bibliografia: The Vestal Lady of Brattle (1955), Gasoline (1958), Bomb (1958), The Happy Birthday of Death
(1960), American Express (1961), Long Live Man (1962), Elegiac Feelings América (1965), Earth Egg, The
Notebook.
34

Figura 2 – Jack Kerouac


Fonte: http://www.lpm-editores.com.br/v3/livros/layout_autor.asp?ID=63

Jean-Louis Lebris de Kerouac, mais conhecido como Jack Kerouac, um franco-


americano, nasceu no dia 12 de março de 1922, na pequena cidade de Lowel em
Massachusetts, a 45 quilômetros ao norte de Boston. Fillho de Gabrielle e Joseph Alcide Leo,
era o mais novo de três irmãos, Gerard, o mais velho, e Carolyn, apelidada de Ti-nim. Sua
mãe quando se mudou para Lowell, começou a trabalhar numa fábrica de sapatos, já seu pai
era tipógrafo. Jack aprendeu inglês apenas a partir de seus seis anos de idade, estudando em
escolas católicas e depois pública e foi, através do futebol que Kerouac conseguiu uma bolsa
de estudos para a universidade de Columbia, na cidade de Nova York. Foi então que ele
conheceu Allen Ginsberg, Willian Burroughs, Neal Cassady8. A seguir alguns trechos da
narração do autor, retirados do filme Jack Kerouac - O Rei dos Beats.(1991):

“ Jack Kerouac viveu sua vida em constante agitação. Ele observou e relatou
detalhes de forma lúcida e poética, num fluxo de consciência. Suas viagens sem
suprimentos para buscar seu refúgio nos trouxe imagens densas. Nenhuma pessoa,
evento ou impressão, estava excluída das crônicas que Jack Kerouac deixou para
sempre. Sua cidade não era exceção. Uma pequena cidade na Inglaterra com seu ar
industrial, incendiou a visão das crônicas de Kerouac.
O “profeta” da geração beat rompeu, nos anos 40, com os valores da sociedade
norte-americana, adotando um estilo de vida pouco convencional. Com o amigo
Neal Cassady, viajou pelos Estados Unidos, vivendo as experiências que depois
relataria em seus romances autobiográficos. Kerouac escrevia de forma espontânea,
num processo denominado sketching. Seu primeiro livro, The Town and the
City(1950), foi bem recebido pela critica, porém um fracasso comercial.
(ANTONELLI, 1986)

Kerouac escreveu a obra considerada a mais ilustre dos beats, On the Road. Como
autor, Kerouac se insere na linhagem norte-americana de escritores viajantes, como Mark

8
Ele conheceu Jack Kerouac por meio de Hal Chase. Jack se impressionou com a energia de Neal, com seu
encanto sobre as mulheres e sua espontaneidade e vontade de viver. Cassady provou ser o catalisador do
Movimento Beat ao se tornar personagem de vários livros de Kerouac. (site oficial LP&M)
35

Twain, Jack London e Hemingway9, e que apresenta laços de parentesco com uma série de
menestréis que vai de Woodie Guthrie a Bob Dylan. Este livro, publicado nos Estados Unidos

no ano de 1955-57, foi escrito de uma maneira muito especial, em um rolo de folhas coladas
uma às outras, no ano de 1951, contando uma série de aventuras que tinham acontecido cerca
de cinco anos antes.

Jack Kerouac escreveu mais de 12 romances, ficando famoso de On The Road (Pé
na Estrada), de 1957. Nesse livro, deu forma e conteúdo ao modo de vida de sua
geração. Sua idealização romântica desse estilo de vida espontâneo e despreocupado
quanto ao futuro tornou-o uma figura cultuada pela geração beat, o que aconteceu
depois com autores como William S. Burroughs e Allen Ginsberg. Outras de suas
obras importantes são o livro de poemas México City Blues, de 1959, e Big Sur, de
1962. (ANTONELLI, 1986)

O estilo de Jack, a prosa espontânea, é uma leitura de fácil compreensão e mais parece
que você está numa roda de amigos ouvindo histórias com um vocabulário totalmente
informal, próprio para a ocasião. Através da leitura dessa obra é possível se aproximar dos
comportamentos e pensamentos de uma geração que se tornou imortal não somente nas
páginas, mas também devido as mudanças sociais que provocou. A seguir, um trecho do livro
On the Road, mostrando o contexto em que Kerouac estava inserido e revelando suas
ambições, senão angústias, em curto prazo:
Sim, eu queria conhecer Dean mais intimamente não apenas porque eu era um
escritor e precisava de novas experiências, ou porque minha vida de vagabundagem
pelo campus tinha completado seu ciclo e já não significava mais nada, mas porque,
de alguma forma, apesar de nossa profunda diferença de caráter, ele me fazia
lembrar um irmão há muito esquecido; (...) Suas roupas de trabalho imundas o
vestiam tão graciosamente que mesmo num alfaiate da moda seria impossível
conseguir traje melhor – era só tomá-lo emprestado ao Alfaiate Orgânico da
Felicidade Natural, como fazia Dean com seu realce. (KEROUAC, 1955. p.12)
Repare a dedicação de Kerouac ao descrever seu amigo, os cuidados em relatar a
aparência e a emoção que esta despertava, a espontaneidade com que ele escreve. É como se
ele estivesse ali, no momento em que você lê, lhe contando, explicando e gesticulando. Ao
que alguns fatores indicam, existia uma forte inclinação ao homossexualismo ou
bissexualismo entre os grupos undergrounds da época, isso significava uma busca pela
liberdade sexual, um tipo de manifesto contra os papéis do homem e da mulher na dita família
perfeita norte-americana, que será mais enfatizado pelos hippies que, de algum modo, deram
continuidade aos ideais beats.

9
Mark Twain, ( 1835-1910). Jack London (1876 – 1916). Erneste Hemingway (1899 – 1961).
36

De fato, a popularização pelos meios de comunicação de massa dessa cultura de


êxtase visionário e alienação apocalíptica da cultura reprimida da época ocorreu
quase que instantaneamente, e os hippies – que em grande parte dominaram a
imaginação pública no final dos anos 1960 – são seus direitos. (GOFFMAN E JOY,
2007, p.252)

Já o livro de Allen Ginsberg, em vez da prosa espontânea, nos traz os relatos dessas
viagens em forma de poesias. O livro A Queda da América traz poemas escritos durante as
aventuras de Ginsberg pelo “pesadelo refrigerado” como Henry Miller10 chama os Estados
Unidos. No entanto seu livro, com igual importância histórica para o movimento, foi o Howl.
Assim, dizem Goffman e Joy que “a memorável leitura de “Uivo”, por Ginsberg, é
frequentemente destacada como o momento em que uma cultura hipsters e beats já existente
finalmente desabrochou” (2007, p.252). Tantos nas obras de Ginsberg como de Kerouac é
notável a semelhança entre suas vidas, experiências e desejos, sejam eles políticos, sociais,
religiosos ou pessoais. A indignação com a tecnocracia, a vontade de conhecer pessoas e
lugares novos e “loucos”, a preferência pelo budismo e práticas orientais, o vocabulário
espontâneo e sem cuidados e, principalmente, o anti-autoritarismo, existente em ambos. Eles e
os outros beats buscavam, como comentam Goffman e Joy (2007, p.49), “a afirmação do
poder individual de criar sua própria vida, mais do que aceitar os ditames das autoridades
sociais e convenções circundantes, sejam elas dominantes ou subculturais”.
Logo, concluída esta abordagem geral sobre a contracultura e a Beat Generation,
torna-se possível traçar três características que seriam fundamentais para entender os
princípios definidores da contracultura: a primeira seria o fato desses jovens afirmarem a
individualidade acima de qualquer restrição governamental ou convenção social; a segunda
seria o fato de desafiarem o autoritarismo, não só de maneira radical, mas principalmente na
sua sutileza; e a terceira e última característica essencial é a defesa que fazem de qualquer
mudança individual e social.
Além disso, existem mais dois fatores importantes que Goffman e Joy (2007) atribuem
aos movimentos de contracultura, especialmente aos beats, numa tentativa de explicar o
sucesso da repercussão desse movimento. São eles: a comunicação aberta, quer dizer, existe

10
Henry Miller (26 de dezembro de 1891, Nova York – 7 de junho de 1980, Califórnia) foi um controverso
escritor norte-americano. Profeta da sensualidade, pornógrafo, gênio, maldito, lírico, egoísta, uma vida carregada
de polêmica e adjetivos; um homem que cultivou a controvérsia como o combustível de uma vida longa e
intensa. (site oficial LP&M)
37

uma fácil troca de pensamentos e ideias entre os contraculturais, e isso deve-se ao fator
intelectualidade e ao valor que eles atribuem à comunicação interpessoal. Depois têm-se a
comunicação emocional íntima, esta mais ligada a facilidade que eles possuem em falar da
alma, tanto quanto o desejo de procurar entendê-la e explicá-la.
Resumindo todos esses aspectos relacionados a contracultura e a beat generation, têm-
se um somatório de características como a individualidade, o antiautoritarismo, a mudança
constante e a comunicação intelectual e da alma. Unindo tudo isso têm-se uma receita perfeita
para gerar uma enorme mudança de comportamento e, consequentemente, uma mudança na
moda, enquanto sistema, código e estética. Essas características podem ser a chave para se
entender a relação estabelecida entre essa contracultura, a antimoda, que será tratada no
próximo capítulo, e a moda, numa relação que se estabelece como estilo nos dias atuais e que
será apresentada no último capítulo deste estudo.

1.2 CANTANDO REVOLUÇÃO

A música foi um veículo indispensável para que os jovens conseguissem expressar


essa nova maneira de pensar, essa nova maneira de enxergar e viver a vida. A respeito disso,
Muggiati (1983) nos conta que a geração jovem da década de 1950 ficou conhecida como “a
geração silenciosa”. Foi em meados da mesma década e nos anos 1960 que aconteceu a
quebra desse silêncio através das músicas que traziam Bob Dylan e os Beatles como
protagonistas. A música ganha, neste novo período, através desses incansáveis e inconsoláveis
jovens, um envolvimento social que jamais tinha existido e, por consequência, um valor
político que foi essencial nessa empreitada dos jovens contra a sociedade tecnocrática.
Influenciando, inclusive, as ações de contracultura, o rock passa a lutar junto com os jovens
em busca de seus desejos e sonhos, em busca da liberdade prometida. De fato, vários
acontecimentos no cenário da cultura norte-americana geravam essa intima ligação entre
canção e revolução, assim como aconteceu no Brasil, assunto do próximo capítulo. E das
páginas dos livros escritos pelos beats, vão ser arrancadas prosas e poesias que, na voz de Bob
Dylan e John Lenon, virarão melodias.

E o rock surgiu como o grito de revolta de uma nova geração. (...) Esse
envolvimento social da música se reflete, mais do que qualquer outra época, na ação
política. Em 1969, uma ala radical da SDS americana (Student a Democratic
Society) forma a organização clandestina Weatherman, nome tirado de um verso da
canção Subterranean Homesick Blues de Bob Dylan. (...) E se o capitão do exercito
38

americano diz que “o rock and roll contribuiu para o uso de drogas, bem como para
a alta incidência de doenças venéreas entre os recrutas”, existe também o jovem
radical que afirma: “O rock não é apenas um hino de guerra, um fundo sonoro como
A Marselhesa foi para a Revolução Francesa. Para a nossa geração, o rock é a
revolução”. (MUGGIATI, 1983. p.p 14 -15)

Figura 3- Capa do Álbum Bob Dylan – 1962 Figura 4- Capa do Álbum The Freewheelin Bob Dylan
Fonte: http://www.bobdylan.com/#/music/bob- – 1963
dylan Fonte: http://www.bobdylan.com/#/music/the-
freewheelin-bob-dylan

Figura 5- Retrato Beatles


Fonte: www.beatlemania.com.br/.../retrato%20beatles.jpg

Nas capas dos discos, nos shows, a imagem desses poetas das novas gerações
apontava, gradativamente, para a mudança de atitude frente o convencional. No entanto, o
rock and roll não é exatamente o que se possa chamar de música contracultural ou
explicitamente antiautoritário, como nos diz Goffman e Joy (2007), mas o importante é que
estabeleceu-se com uma identidade jovem e nasceu enraizado no blues e no boogie-woogie,
39

que aliás são os ritmos onde encontram-se os valores essenciais que fizerem os jovens a
adotarem estes estilos como aliados de suas batalhas de rebeldia.
Como contam Goffman e Joy (2007), uma característica constantemente apresentada
na música é a libertação sexual, porém o ritmo norte-americano por si só não seria capaz de
produzir uma cultura sensual. Já ao contrário, os tribais africanos não apresentavam este
aprisionamento do próprio corpo, e foram eles, ainda em tempo de escravidão que levaram
para a América a característica sensual da música, através das “rodas de batuques” que
chamavam atenção também dos brancos. Mais tarde, passando o período da escravidão, após
a Guerra Civil, os negros começaram a criar novas formas musicais e, por volta de 1860, as
bases do blues já eram ouvidas nos meios rurais. Somente dez anos mais tarde tiveram a
oportunidade de sentar em frente aos pianos dos ricos, levando o boogie-woogie, um ritmo
com letras ousadas e picantes. A respeito disso Goffman e Joy dizem:

“Além de exprimir melancolia e dor, o blues, originalmente era (...) uma expressão
de potência sexual e desejo. No final do século XX, o blues se espalhou, tornando-se
uma linguagem folclórica popular em todas as comunidades rurais negras e, no
início da década de 1910, se tornou conhecido pela sociedade como um todo. O
blues transmitia uma informação chocante para a cultura branca: o sexo estava de
alguma forma ligada ao ritmo!” (2007, p. 253).

E enquanto o blues expressava as dores de um povo, o jazz com batidas mais rápidas,
como que comemorando o ritmo da vida urbana na virada no século, produzia êxtases
espirituais. Já na década de 1930, um novo estilo rouba a cena, é o Swing, rápido como o
jazz. Logo cria-se mais um ritmo, o bebop , que seria o jazz improvisado. Assim, além do rock
existiram outros gêneros musicais que embalaram os jovens contraculturais e a Beat
generation: seriam o blues e o jazz bem como suas variações.
O folk, a música country, era um estilo que trazia em suas letras relatos da sociedade
da época e notícias do seu cotidiano. Foi no fim dos anos 1950 que os jovens optaram por
fazer música com as referências da música folclórica vinda do meio rural, numa tentativa de
manifesto de defesa pelos “brancos pobres” e, por conseguinte, tentando desbancar a
tecnocracia e a vida consumista da classe média.
Assim, através da música estabelecia-se mais uma forma de expressar socialmente a
total insatisfação. Mas, mais do que tentar estabelecer um ponto de comunicação com a
sociedade, buscava-se estabelecer uma sintonia entre eles próprios, falar com a própria alma:
relembrando que uma das principais características da contracultura seria exatamente esta
40

facilidade da comunicação emocional íntima, que nada mais é que falar da alma e dos
sentimentos mais profundos.
Alguns anos antes, um jovem teria se voltado para o jazz, mais intelectualizado, ou
para a força bruta do rock and roll. Mas no final da década de 1950, em meio à
prosperidade quase ilimitada da Era de Eisenhower, a escolha musical dos jovens
recai paradoxalmente sobre a canção folclórica dos “brancos pobres” dos Estados
Unidos – a música rural do estilo country. Como milhares de garotos de sua idade,
Bob Dylan assume a pobreza – ou a ideia de pobreza – como um desencanto, uma
reação à sociedade de consumo e ao American Way of Life. (MUGGIATI, 1983, p.
16)

Ainda a respeito da defesa da classe pobre, Bob Dylan, assim como Jack Kerouac,
escondeu sua verdadeira origem, trocando, inclusive, seu nome. Muggiati (1983) comenta
que, provavelmente Dylan, que na verdade chamava-se Robert Zimmerman, adotou tal nome
em homenagem ao poeta galês Dylan Thomas, que acabou por torna-se uma figura idealizada
pelos beatniks. Foi através de Dylan Thomas que a poesia renasceu nos Estados Unidos,
influenciando os principais intelectuais beats, como Allen Ginsberg, Gregory Corso e
Lawrence Ferlingetti. Eles recitavam poemas nos cafés acompanhados pelo som do sax em
encontros que ficaram conhecidos como os jazz/poetry. A expressão musical é tão importante
neste contexto, que Jack Kerouac escreve México City Blues (242 choruses), coletânia de
versus meio improvisados em que tenta imitar com palavras o som do sax-tenor bepop e da
guitarra rock and roll.
(...), com seu apogeu por volta dos anos 1956-1968, surge o rock-‘n-roll, sintetizado
na figura provocativa de Elvis Presley, aglutinando um público jovem que começava
a fazer este tipo de música a expressão de seu descontentamento e rebeldia, tornando
inseparáveis a música (ou a arte) e o comportamento. É a chamada juventude
transviada, com suas gangs, motocicletas e revoltas contra os professores nas salas
de aula. (PEREIRA,1992, p.9)

Contudo, foi na década de 1960 que, lendo as produções literárias e escutando as


novas músicas, o novo rock, de repente o grupo minoritário de jovens underground ganhou
uma geração inteira de jovens como aliados. E foram justamente estes jovens que fizeram
com que a beat generation tivesse uma real importância na história, simbolizando o início de
uma nova geração, com novos comportamentos perante todo seu meio social, familiar e
profissional.
É, no entanto, nos anos 60, que essa explosão político-cultural ganha potência
máxima. Na música ié-ié-ié dos Beatles e o novo som de Bob Dylan começavam a
reunir um publico crescente e cada vez mais significativo diante da opinião pública.
A segunda metade da década é marcada por grandes concertos e festivais de rock
que, na verdade, se transformam sempre em grandes happenings. (PEREIRA, 1992,
p.10)
41

Como exemplo desses grandes festivais de música que Pereira fala, podem ser citados,
entre os de maior importância, o de Monterey (1967), com o surgimento de Jimy Hendrix e
Janis Joplin; o de Woodstock e o de Altamont, ambos em 1969.

Figura 6- Woodstock, 1969.


Fonte: http://www.southern.ohiou.edu/faculty/jarrett/woodstock.jpg

Além destes, houve o da Ilha de Wight que, inclusive, teve a participação de


representantes da música brasileira com o mesmo propósito, a contracultura, através do
movimento intitulado Tropicalismo.

1.3 BRASIL UNDERGROUND – FALAR, CANTAR, MANIFESTAR. POR QUE NÃO?

O universo da contracultura no Brasil teve sua expressão principalmente através da


música, como por exemplo, a partir do movimento fundado sob o nome de Tropicália, criado
por músicos e intelectuais do cenário brasileiro underground da década de 1960. A Tropicália
tinha como intuito disseminar a ideia de liberdade, a mesma liberdade que os beats buscavam
nos Estados Unidos, ou seja, liberdade de expressão, de falar, de cantar e de vestir o que se
bem entendesse. Além disso, tinha um ar de regionalismo, buscando divulgar todas as belezas
e sabores da vida. Para desfrutar disso bastava apenas, como conta Torquato Neto, “assumir
completamente tudo que a vida dos trópicos podia dar, sem preconceitos de ordem estética,
sem cogitar de cafonice ou mau gosto.” (Época. Ed.347. São Paulo: Globo, 10, jan., 2005.
Pág. 92-93). Torquato era piauiense e conhecido como um dos grandes idealizadores da
42

Tropicália. Era poeta, letrista, crítico e foi parceiro de Gilberto Gil e Edu Lobo. Outros
destaques deste movimento foram Caetano Veloso, Gal Costa, o cantor-compositor Tom Zé, o
maestro Rogério Duprat, além da cantora Nara Leão entre outros grandes nomes.
O jornalista Nelson Motta diz que, “o Tropicalismo foi um movimento de ruptura que
sacudiu o ambiente da música popular e da cultura brasileira entre 1967 e 1968” (Última
Hora, 1968). Mas Motta, também lançou suspeita a respeito do verdadeiro objetivo da
Tropicália, “O Tropicalismo é, por enquanto, apenas uma série de ideias esparsas que anota
certas tendências e determinada visão da realidade brasileira”11 . Mas Neves (1968) coloca
que o movimento visava à valorização de tudo que era nacional, indo contra as influências
que o Brasil insistia em receber da Europa e dos Estados Unidos. Assim, Hélio Oiticica
declara, que “o mito da tropicalidade é muito mais que araras e bananeiras: é a consciência de
um não condicionamento às estruturas estabelecidas, portanto altamente revolucionário na sua
totalidade” 12.
Uma das músicas mais conhecidas nesta época foi “Alegria, alegria”13 de Caetano
Veloso e, segundo Augusto dos Campos (1967), essa música soava como um manifesto,
tomando o mesmo objetivo que os movimentos de massa e de juventude. Além disso, buscava
a liberdade para a experimentação, sendo a parte da música em que diz “Por que não?”, ao
mesmo tempo um desabafo e um desafio. Gilberto Gil em uma entrevista para o Jornal da
Tarde, chegou a dizer que as suas composições, bem como as de Caetano seria “música pop”.
E assim ele definiu: “Musica pop, é a música que se consegue comunicar de maneira tão
simples, como um cartaz de rua, um outdoor, um sinal de trânsito, uma história em
quadrinhos.” (1967).

11
NEVES, Arlette. Tropicalismo: movimento, mito, escola ou cafajestada sob encomenda? Matéria retirada
da revista O Cruzeiro, 20/04/1968. Disponível em
<http://tropicalia.uol.com.br/site/internas/report_tropicalismo.php>, acessado em 10 de maio de 2009.

12
Ibdem 11
13
Letra completa de Alegria, alegria em anexo 3.
43

Figura 7- Caetano Veloso cantando “Alegria, alegria”, Festival da Record, 1967.


Fonte: http://tropicalia.uol.com.br/site/internas/fotos.php

Entendendo o que possa ter sido e o que é este Tropicalismo, Carlinhos Oliveira
defende numa crônica tropicalíssima, que ele é um sintoma da maturidade psicológica (...).
Que é o próprio brazilian way of life e que o Brasil estaria reencontrando a originalidade14 .
O movimento acabou devido à repressão sofrida pelo governo militar e pela prisão dos
grandes intérpretes da Tropicália, como Gilberto Gil e Caetano Veloso.

No ano de 1969, depois de um show de despedida no Teatro Castro Alves, em


Salvador, Caetano segue para o exílio. E são essas as primeiras impressões de
viagem: “Eu agora também vou bem, obrigado. Obrigado por ver outras paisagens,
senão melhores, pelo menos mais clássicas e, de qualquer forma, outras. (...) Por
enquanto não tenho nada pra contar: ainda estou em Portugal. Todo mundo sabe que
Lisboa é uma cidade lindíssima e que o mar de Caiscais é quase igual ao da Bahia.
(...) Paris é uma festa. (...) Eu gosto de Paris porque é como se de repente Recife
virasse o Rio de Janeiro. Eu sofro muito. (...) Pela primeira vez eu me sinto num país
exterior. (Franchetti e Pécora, Caetano,1981, p. 12)

De fato, a consciência que acompanhava os brasileiros, era a mesma ou pelo menos,


muito parecida com a que acompanhava os músicos e poetas nos Estados Unidos e Europa,
todos além da insatisfação com a sociedade em que viviam também estavam perturbados
pelos grandes acontecimentos no cenário político, como será visto ainda neste capítulo, o
grande tumulto em que o Brasil encontrava-se nesta época, e que acabou sendo o maior
causador da rebeldia juvenil no Brasil.
No livro Caetano Veloso, de Franquetti e Pécora, encontra-se uma declaração de Jimi
Hendrix, dois dias antes de morrer: “comecei a pensar no futuro. Eu já dei a era da música
tudo. Esta era deflagrada pelos Beatles chegou ao fim: alguma coisa nova tem de vir e Jimi

14
Ibdem 11
44

Hendrix tem de estar nessa” (1981, p.14). Ainda no mesmo livro aparece um trecho dito por
Caetano em 1970: “A expressão ‘fundir a cuca de alguém’ é válida. As pessoas gostam que
você funda a cuca delas. Eu quero formar uma banda grande e criar um novo tipo de música.
Agora nós vamos fundir a Cuca das pessoas mas, enquanto ela se funde, nós vamos construir
algo para preencher o vazio” (1981, p.16). A respeito dessas duas citações é interessante notar
a semelhança das ideias dos dois músicos que estavam envolvidos nessa nova cultura jovem,
mas chegaram a reconhecer que precisavam de algo mais concreto, precisavam fazer mais por
esses jovens, estavam cansados de serem reconhecidos apenas por liderarem um grupo de
bagunceiros e drogados, não que seja verdade absoluta, mas era assim que muitos os viam.

É interessante notar que, ainda em 1970, Caetano consegue reconhecer um momento


de superação, ou melhor, de saturação de alguns valores que se tornaram matéria de
culto para a juventude da época. Assim como ele e Hendrix e Mick Jagger, no calor
da hora, John Lennon iria expor às claras esse sentimento de descrença em relação a
tais valores (Beatles, I-Ching, Bob Dylan, Jesus, etc.) em sua composição God,
ainda hoje mal entendida pelo refrão dream is over (o sonho acabou). (Franchetti e
Pécora, 1981, p.22)

Concentrando-se no Brasil, é importante entender o contexto histórico da época em


que esse movimento contracultural se desenvolvia. O Brasil, após 1964, encontrava-se em
meio a grandes conflitos, gerados desde o final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) na
Europa, que estabeleceu a divisão econômica centrada nos blocos capitalista, encabeçados
pelos Estados Unidos da América, e comunista, controlados pela hoje extinta União das
repúblicas Socialistas Soviéticas, o que fundamentou a Guerra Fria nos anos subsequentes.
Entre 1956 a 1961, no Brasil assume Juscelino Kubitschek, o presidente que fundou Brasília,
e que marcou o início do processo de industrialização inteiramente ajustado aos interesses do
capital internacional, implantando o modelo desenvolvimentista. Depois de Juscelino quem
assume o poder, nas eleições de 1960 foi Jânio Quadros.

Jânio, o antipolítico. Segundo o historiador norte-americano Thomas Skidmore, um


conhecido brazilianist, Jânio era um “corpo estranho por excelência” no cenário
político de então. Ainda segundo o mesmo autor, Jânio “apresentava-se como um
candidato dinâmico de grande presença, que estimulava o público levando-o a
confiar nele. (...)
O “estilo” de Jânio. Todavia, apesar da “excentricidade” aparente, Jânio era um
político conservador e autoritário. Desde o início, procurou controlar os sindicatos,
não hesitou em reprimir os protestos camponeses do Nordeste, mandou prender
estudantes rebeldes, adotou uma política de austeridade – valorizada, aliás, pela
moralista classe média – (...) Reatou as relações diplomáticas e comerciais com o
bloco comunista. (Koshiba e Pereira, 1993, p.337)

Após uma grave denúncia de Jânio estar “tramando para o Brasil um regime análogo
ao de Cuba” (Koshiba e Pereira, 1993, p.338), no ano de 1 961 o presidente renunciou e,
45

assim, começou o governo de João Goulart (1961-1964), conhecido popularmente por Jango,
e reconhecido como aliado político do comunismo.

Para fortalecer ainda mais essas opiniões, quando Jânio renunciou, Jango
encontrava-se em visita à China comunista, onde declarara, dirigindo-se ao líder do
PC Chinês, Mao Tse-tung: “Congratulo-me em Vossa Excelência pelos triunfos
obtidos pelo povo e o governo da República chinesa em sua luta heroica pelo
progresso e pela elevação do padrão de vida do povo.” (Koshiba e Pereira, 1993,
p.339)

Em resumo, a situação em que o Brasil se encontrava, Jango estando viajando, quem


assumiu o poder foi o presidente da Câmara dos Deputados, porém, na prática quem assumiu
o controle foram os três ministros militares, da guerra, aeronáutica e marinha, que passaram a
controlar a imprensa e o rádio, prenderam seus opositores, tudo isso com a finalidade de não
permitir a posse de Jango. Contudo, no Rio Grande do Sul, o general Machado Lopes,
mostrou-se favorável à posse de Jango, sendo até mesmo cogitada a sua prisão por esta
manifestação, mas o Rio Grande do Sul era governado por Leonel Brizola, que era cunhado
de Jango, este fato deixou o país alerta para até uma possível guerra civil. A resolução do
impasse foi facilitada uma vez que o próprio João Goulart não tinha reais interesses em
assumir o governo, pelo simples fato de ser um fazendeiro milionário e criador dos melhores
gados do Brasil, “por isso não lhe interessava uma revolução que alterasse o regime de
propriedade ou simplesmente desorganizasse a economia nacional” (Koshiba e Pereira, 1993,
p.339).
Por este motivo, ele aceitou as condições que lhe impuseram para assumir o cargo.
Condições essas, em uma iniciativa do deputado federal Plínio Salgado, que levou ao
Congresso uma emenda constitucional estabelecendo o regime parlamentarista no Brasil,
dessa maneira Jango teria seus poderes reduzidos. E em 1961, ele assume como o novo
presidente da República. Como contam Holanda e Gonçalves (1990), neste mesmo ano surgia,
no Rio de Janeiro, o Centro Popular de Cultura, com o intuito da construção de uma cultura
além de democrática, também popular e obviamente nacional. Este movimento que em pouco
tempo já espalhava-se por todo país, acabou atraindo principalmente jovens intelectuais que
eram reconhecidos como artistas revolucionários.
Foi então que em 1964, Jango foi deposto, através de um movimento militar que se
dizia democrático, constitucionalista, contrário às ameaças comunistas, logo Ranieri Mazzili,
presidente da Câmara dos Deputados, assumiu a presidência provisoriamente. E com Ato
Institucional nº1, o Congresso conferiu o poder de eleger um novo presidente. Elegeu-se
assim o general Humberto de Alencar Castelo Branco, que declarou-se “síndico de uma
46

massa falida”. Ao mesmo tempo, nas ruas acontecia as “Marchas da família com Deus pela
Liberdade” (Holanda e Gonçalves, 1990, p.12)
De acordo com Koshiba e Pereira (1993), o movimento militar de 1964 teria sido o
ápice da crise no Brasil, no entanto também o desfecho de toda instabilidade que já perdurara
durante anos. Complementando, Holanda e Gonçalves dizem que, “o golpe de 64 traz consigo
a reordenação e o estreitamento dos laços de dependência, a intensificação do processo de
modernização, a racionalização institucional e a regulação autoritária entre as classes e
grupos” (1990, p. 20). Ainda de acordo com os mesmos autores, os intelectuais, jovens em
sua maioria, neste contexto, desempenharam o papel de “foco de resistência” perante o
movimento militar. Também neste ano, surge o primeiro movimento musical, intitulado
Opinião, que entre seus participantes tinha Nara Leão15, e que funcionará como uma resposta
ao golpe.
A respeito do Opinião, Holanda e Gonçalves descrevem que, “reunindo um público
jovem, o show parecia interpretar o sentimento de toda um geração de intelectuais, artistas e
estudantes naqueles dias em que a realidade do poder militar afigurava-se como um fantasma
no imaginário da revolução brasileira. Para espantá-lo surgia um novo imperativo: falar,
cantar, manifestar” (1990, p.23).
E foi desse jeito, falando, cantando e manifestando, que o clima de revolução, de
busca por liberdade e mudança, espalhava-se em todas as direções. Todos os meios de
comunicação eram utilizados para este mesmo fim. Assim, a vestimenta também foi uma
grande aliada, as roupas comunicavam antes mesmos das palavras. E, da mesma forma, as
artes plásticas não poderiam ficar de fora: surgiram vários projetos e instalações comunicando
o que Oiticica chamava de “antiarte” 16.
Segundo Holanda e Gonçalves (1990), pode-se definir que dois movimentos tiveram
suma importância para o cenário de contestação neste momento, o primeiro seria o “Cinema
Novo”17 e o segundo, o “Tropicalismo”, que muito trazia do rock jovem dos ingleses e norte-
-americanos. Segundo Holanda e Gonçalves (1990), “a ideia de retomar e levar adiante o
ponto de encontro da musicalidade brasileira com a modernidade musical assumia naquele
momento um caráter provocativo e r enovador” (1990, p. 55). Os j á ídolos brasileiros não

15
Ex-musa da “alienada” Bossa Nova, agora musa do protesto, de punhos cerrados, atraía as atenções do
estudante, do intelectual, do jovem contestador de esquerda. (HOLANDA e GONÇALVES, 1990, p.24)
16
Hélio Oiticica sentenciava: “chegou a hora da antiarte. Com as apropriações descobri a inutilidade da chamada
elaboração de obra de arte.” (HOLANDA e GONÇALVES, 1990, p.27)
17
(...) assumindo um papel de frente no campo da reflexão política e estética, expressaria de forma radical as
ambiguidades que dilaceravam a prática política intelectual em nossa história recente. (HOLANDA e
GONÇALVES, 1990, p.30)
47

negavam a influência dos movimentos de outros países, e logo, de maneira cada vez mais
regular, festivais aconteciam e marcavam a história da música e da cultura jovem brasileira.

Figura 08 - Gal Costa no IV Festival da Record, com figurino à la Janis Joplin.


Fonte: http://tropicalia.uol.com.br/site/internas/fotos.php

Assim, estes eventos assumiam um importante papel na contestação do regime de 64,


principalmente através da participação em massa dos jovens estudantes. Entre os mais
relevantes festivais, têm-se o III Festival da Música Popular Brasileira (1967), sediado em São
Paulo. Foi neste evento que duas músicas tornaram-se hinos do movimento Tropicalista, a
primeira, já citada anteriormente, foi Alegria, alegria, de Caetano e, a segunda, Domingo no
Parque, de Gilberto Gil. Além disso, os Mutantes e os Beat-Boys traziam seu rock e iê-iê-iê18,
que junto ao tropicalismo de Caetano e Gil, influenciavam milhões de jovens na maneira de
falar, de se comportar e de se vestir.

18
A expressão iê-iê-iê surgiu a partir dos Beatles, quando lançaram a Música She Loves You, logo a mídia os
chamou de “Reis do iê-iê-iê”.
48

Figura 09 - Gal, Nara, Rogério Duprat(costas), Caetano, Gil e os Mutantes. Lançamento do Disco
Manifesto, 1968.
Fonte: http://tropicalia.uol.com.br/site/internas/fotos.php

Este assunto poderia durar ainda muitas páginas, no entanto, pelo histórico
apresentado presume-se que já se torna possível reconhecer a importância do cenário
underground brasileiro, bem como a situação política que acabou favorecendo o
aparecimento destes manifestos através das artes plásticas, do cinema, da música e também da
moda. Todo este movimento jovem, tanto nacional como internacional, proporcionou à Moda
ir além de seu valor comercial e estável, tornando-se uma aliada essencial para expressar
insatisfação, falar, cantar, representar, gritar, junto com estes jovens “rebeldes”. Enfim, a
antimoda, em sua relação com a Moda, manifestou-se primeiramente na mesma dimensão em
que estes movimentos gritavam revolução.
49

2. A CONTRACULTURA VESTIDA: A (ANTI)MODA DOS BEATS AOS HIPPIES

Neste capítulo apresentar-se-á o estabelecimento da chamada antimoda no contexto


dos anos 1960 e sua sequência até a década de 1970 através dos Hippies. Este movimento de
contracultura se conecta à antimoda e, na verdade, seria como uma continuidade da chamada
Beat Generation, muitas vezes confundindo-se com a mesma19. No que diz respeito à moda,
torna-se mais fácil realizar uma análise dos hippies devido o seu modo de vestir mais
estereotipado, além do número maior de adeptos, em relação aos precursores beats.

Adianta-se aqui que, mesmo falando sobre, de certa forma, a moda dos anos 1960, -
sendo que em vários momentos não será possível desviar da moda dominante da época, ou
como Lipovestki (1989) coloca da “moda oficial” -, contudo não aprofundar-se-á este aspecto.
Apenas será apresentado um resumo das mudanças que a moda sofreu neste tempo, para que
se possa chegar ao que realmente se faz relevante para o referente estudo: a antimoda. Assim
como a contracultura revela-se como um nova cultura, porém marginal, a antimoda também
revela-se como uma moda marginal, igualmente, em primeira instância.

Após a Segunda Guerra Mundial aparecem as primeiras modas jovens consideradas


marginais, as primeiras antimodas que, a partir da década de 1960 conquistarão espaço e uma
nova significação. Considera-se o fato de ser o movimento de contracultura o ponto de partida
para o aparecimento destas antimodas, criadas pelos jovens rebeldes. São postas como modas
marginais por não seguirem as tendências ditadas pelo sistema de moda. Segundo Lipovetsky
(1989), com o surgimento das chamadas tribos urbanas, como os beats, zazous, hippies,
“baba”, punk, new-wave, rasta, ska, Skinhead, a moda e seus códigos foram multiplicados
pela cultura anticonformista jovem, manifestando-se em todas as direções na aparência do

19
Relembrando as definições já apresentadas de beats ou beatniks sendo o mesmo que hipster, que por sua vez
emprestou o radical hip para os hippies.(ver Primeiro Capitulo).
50

vestuário, mas também nos valores, gostos e comportamentos. “O mais importante


historicamente é que essas correntes foram impulsionadas fora do sistema burocrático
característico da moda moderna”, assim afirma Lipovetsky (1989, p.126).

É importante ressaltar que a moda como um todo estava sofrendo modificações:


encerrava-se a chamada “Moda dos Cem Anos”, encabeçada pela Alta Costura e seus
criadores como ditadores dos estilos, e iniciava-se a moda aberta. Ou seja, um sistema de
moda que já permanecia durante um século estava em transição, tornando-se uma moda mais
democrática, mais jovem e mais flexível. No entanto, os estilistas estavam à frente destas
novas formas, comprimentos e cores que se inauguravam. A moda que se pretende tratar aqui,
a antimoda, embora surgida ao mesmo tempo em que a moda aberta e no mesmo contexto,
ainda atuava em sentido contrário. Porém, é justamente esta antimoda, como se verá ao longo
do restante do trabalho, esta moda marginalizada, que dos anos 1960 aos dias atuais será
apropriada como espaço possível da moda “oficial”, tornando-se sinônimo de estética cult20.

Contudo, para ser compreensível esta ligação entre a contracultura e a antimoda, com
a moda vigente na época e a moda dos dias atuais, far-se-á necessário falar dessa nova
estrutura do sistema de moda que acabou por contribuir para uma mudança dos costumes de
toda uma sociedade, que Lipovestky (1989) chamou de moda aberta, apenas lembrando que
esta era a moda oficial e não a antimoda.

Tal como se organiza sob nossos olhos, a moda já não encontra seu modelo no
sistema encarnado pela moda de cem anos. Transformações organizacionais, sociais,
culturais, em curso desde os anos 1950 e 1960, alteraram a tal ponto o edifício
anterior que se tem o direito de considerar que uma nova fase da história da moda
fez sua aparição. (...) Novos focos e critérios de criação impuseram-se; a
configuração hierarquizada e unitária precedente rompeu-se; a significação social e
individual da moda mudou ao mesmo tempo que os gostos e comportamentos dos
sexos. (LIPOVESTKY,1989, p.107)

Continuando a relatar as mudanças que o fator moda, enquanto vestimenta e sistema


obtiveram ao longo dos anos e das décadas, sempre traduzindo, sendo influenciado e
influenciando todo um contexto histórico e social, para uma melhor compreensão será
necessário voltar um pouco na história. Desde meados do século XIX até os anos 60 do
século XX – momento em que a moda como sistema vai readaptar-se – a moda repousa de
maneira muito estável sobre o que Lipovetsky (1989) vem a chamar de Moda de cem anos,
que na verdade, é a primeira instância da moda já em sua fase moderna. Esta fase caracteriza-

20
Expressão utilizada para denominar um estilo que faz referência à cultura popular.
51

-se por dois movimentos dividindo o sistema de moda, não exatamente um conflitando com o
outro, uma vez que os públicos e classes sociais de cada movimento eram muito bem
definidos, assim como distintos um do outro. Esses dois movimentos, ou melhor, processos,
seriam o mercado da Alta Costura, com todo seu luxo e ostentação de roupas feitas sob
medida respeitando um padrão extremamente rígido de qualidade e que já guiava a moda com
excelência há tempos; e o mercado da moda industrial, que crescia cada vez mais, produzindo
roupas em escala, com custo baixo e preço final bem mais acessível, obviamente.

Enfim, dessa forma fica instaurado um ciclo: cabe a Alta Costura o lançamento das
tendências e as novidades e, tanto as costureiras em seus pequenos ateliês como a moda
industrializada, cabe a reprodução dessas novidades, mas em um padrão de qualidade
diferente. No entanto, todo este processo seria quase que exclusividade à moda feminina. Já
na moda masculina acontecia de forma diferente, principalmente porque enquanto o ponto
inicial da moda feminina partia de Paris, a capital oficial da Alta Costura, a moda masculina
partia de Londres e depois cada vez mais dos Estados Unidos. Embora acompanhando esses
dois processos, de moda sob medida e industrial - igualmente como acontecia na moda
feminina - a moda masculina realmente caminhava de uma forma mais lenta. É que, como diz
Lipovestsky (1989:71), prolongando um fenômeno já manifesto no século XVIII, a moda
moderna é de essência feminina.

Dessa forma, o sistema de moda permaneceu durante muito tempo com a Alta Costura
e a moda industrial dividindo espaço, mas engana-se quem pensa que a indústria da confecção
tenha surgido depois da Alta Costura, ela surgiu cerca de um século antes, no final do Antigo
regime, de acordo com Lipovetsky (1989), mas aos poucos é que foi ganhando força e a
própria Alta Costura acabou por ajudar esta moda a instaurar-se definitivamente, uma vez que
as maisons de Alta Costura e seus criadores lançavam a moda e, de forma cada vez mais
regular e oficial, compradores de várias partes do mundo, principalmente dos Estados Unidos,
iam até essas maisons, compravam em primeira mão as novas peças e depois reproduziam em
série, simplificando o modelo e vendendo a um preço inferior. Este processo foi
impulsionando a moda industrial, então: “A Alta Costura disciplinou a moda no momento em
que ela engatava um processo de inovação e de fantasia criadora sem precedente. (...) A moda
moderna ainda que sob a autoridade da Alta Costura, aparece assim como a primeira
manifestação de consumo em massa, homogêneo, estandardizado, indiferente às fronteiras”
(Lipovetky, 1989, p.73-74).
52

A moda de cem anos não só aproximou as maneiras de vestir-se, como difundiu em


todas as classes o gosto das novidades, fez das frivolidades uma aspiração de massa,
enquanto concretizava o direito democrático à moda instituía pela Revolução. (...) É
só depois da Primeira e da Segunda Guerra Mundial que o “direito” à moda
encontrará uma base real e uma legitimidade de massa.(...) A moda dos cem anos
emancipou a aparência das normas tradicionais, ao mesmo tempo em que impunha a
todos o ethos da mudança, o culto da modernidade(...). (LIPOVETSKY, 1989, p. 78)

Portanto, a moda foi cada vez mais se democratizando, e a moda em série ganhando
espaço, e diversos estilistas acompanhando e lançando sempre uma moda menos luxuosa e
mais prática, ainda mais depois da Primeira e Segunda Guerra Mundial. Nestes contextos,
houve o desmoronamento do universo “holista” e a moda, a partir do século XX, passa a ser
comandada pelo ideal da igualdade democrática. É importante acompanhar toda essa
significante mudança no sistema de moda, consequentemente nos códigos do vestir,
exatamente pelo fato de não ser a antimoda um momento tão exclusivo de luta libertária
através da vestimenta, uma vez que, nota-se que toda uma sociedade por completo também
acompanhava mudanças com enfoque igualmente parecido. Mas é claro, que o vestir feminino
não mudou apenas por caráter libertário isolado, até porque as mulheres não foram às ruas
com cartazes pedindo uma moda menos austera - como fizeram os jovens manifestando seus
direitos - outros acontecimentos tiveram importância para esta democratização da moda
oficial, como por exemplo, o crescimento do hábito da prática de esportes.

Assim como a moda oficial, que ganhava formas mais livres e menos rígidas a cada
nova coleção, a antimoda também engajava-se nesta busca por liberdade. Mas, é óbvio que
existia uma grande diferença na liberdade da moda dos estilistas e na liberdade radical da
antimoda: a diferença está no por que, como e para que conseguir tal liberdade. A antimoda,
assim como a contracultura, renunciava um sistema dominador, então os jovens participantes
da contracultura acabaram se utilizando da vestimenta também como um veículo de
manifesto. Como eles estavam contra um sistema dominante, por conseqüência, deveriam
rejeitar a moda oficial, criando assim a antimoda.

Além disso, gastar dinheiro e se render ao capitalismo era execrado pelos


contraculturais, então o que lhes restou foi vestir-se de uma maneira que não estava à venda
em nenhuma loja, que não simbolizasse roupa de griffe e não se encaixasse em nenhuma
tendência de moda vigente. Sobre esta busca dos contraculturais pela liberdade, Bollon disse:
“Os beatniks do final dos anos 50, (...) não se contentariam em viajar na imaginação para
longe desse mundo: partiriam em busca dos céus, outras culturas, outras épocas, a realização
concreta de sua utopia de liberdade” (1993, p.89). S egundo Bollon, esta liberdade foi
53

alcançada a partir da recusa da sociedade consumista, conseguindo assim não só a liberdade,


mas “abrir espaços numa época e numa sociedade, por onde pudesse penetrar e expressar
esse desejo especialmente ‘insensato’: viver tanto quanto possível, como numa espécie de
presente infinito...” (BOLLON, 1993, p.89)

Nos anos 1950 e 1960 a moda oficial ficava cada vez mais espontânea, lançando, por
exemplo, formas futuristas através de Courréges, e mostrando que, embora através de uma
inspiração inusitada, o objetivo continuava o mesmo: a liberdade. A respeito disso o próprio
Courréges declarou: “Procurei uma moda dinâmica, com a constante preocupação da
liberdade do gesto... a mulher de hoje liberou-se. É preciso que o seja também fisicamente.
Não se pode vesti-la como estática, como sedentária” ( LIPOVETSKY, 1989, p.78).

Para além dessa liberdade do gesto, a antimoda já buscava liberdade de pensamento,


de gosto, de escolha, de não vestir o que era feito pelos estilistas. Cita Lipovetsky: “Essa é
uma das características da moda de cem anos: a reivindicação cada vez mais ampla de
individualidade foi acompanhada de uma obediência sincronizada, uniforme, imperativa às
normas da Alta Costura” (1989, p.79). Nesta citação existe um outro fator que também liga a
moda oficial a antimoda, é o aspecto da individualidade. A diferença está na “obediência
sincronizada”, pois a antimoda fazia totalmente o contrário, era oposta a essa obediência e a
considerava como um método de manipulação. Mas dessa forma, tanto a moda como a
antimoda, alcançavam a sua liberdade e a sua individualidade, ambas no mesmo contexto,
contudo por caminhos diferentes.

(...)os afastamentos, contestações e antimodas só tendo começado a ganhar alguma


amplitude nos anos 1960. imposição de uma tendência homogênea e proclamação
sazonal de uma moda “oficial”, de um lado; conformismo de massa e submissão
uniforme aos códigos de vestuário, de outro: esse momento se liga, a despeito de sua
especificidade organizacional, à área rígida e estandardizada das disciplinas. A moda
de cem anos contribuiu, paralelamente às organizações disciplinares e às instituições
democráticas, para arrancar nossas sociedades da ordem holista-tradicional, para
instalar normas universais e centralizadas, para instituir a primeira fase das
sociedades modernas individualistas autoritárias. (LIPOVETSKY, 1989, p. 79)

Ao mesmo tempo em que toda essa nova significação aconteceu na moda também
houve um reconhecimento profissional e artístico a partir da metade do século XIX que
jamais tinha acontecido. Antes os profissionais eram considerados apenas costureiros e então
ganharam o título de criadores, quem conseguiu esse feito foi Charles Frederick Worth (1825-
1895), considerado até hoje o pai dos estilistas. Assim escreve Lipovetsky: “O costureiro,
após séculos de relegação subalterna, tornou-se um artista moderno, aquele cuja lei imperativa
54

é a inovação” (1989, p.79). Além disso, os estilistas vão expor na moda, através de suas
criações, uma íntima ligação com os artistas modernos e, por mais relativamente lenta que
venha a ser a evolução das criações para não ser rejeitada pelos consumidores conservadores,
aos poucos alguns criadores conseguem encaixar um pouco de criatividade livre em suas
obras realizando parcerias com os seus amigos das artes plásticas.

Não é um fenômeno anedótico que, desde a aurora do século XX, certos grandes
costureiros admiram e freqüentam os artistas modernos: Poiret é amigo de Picabia,
Vlaminck, Derain e Dufy; Chanel é ligada a P. Reverdy, Max Jacob, Juan Gris,
realiza os trajes de Antígone de Cocteau, sendo os cenários de Picasso e a música de
Honegger; as coleções de Schiaparelli são inspiradas pelo surrealismo.
(LIPOVETSKY, 1989, p.81)

Definitivamente, a moda tinha mudado, não tanto quanto ainda poderia, mas tinha
dado um passo grande à frente. Da moda a la garçonne dos anos 20, passando por vestidos
um tanto audaciosos com estampa de lagosta de Schiaparelli, a criação dos trajes para praia
nos anos 30, até a minissaia nos anos 60. Da mesma maneira que as modelagens mudavam,
por exemplo, com os vestidos curtos, os tecidos também se mostravam cada vez mais
criativos, roupas de materiais nobres não eram mais o foco, o sintético estava em alta, o jérsei
e até mesmo roupas feitas com panos de limpeza. Diz Lipovetsky (1989) que tudo isso
correspondia à arte modernista: simplificação ou depuração da moda paralela a certas
pesquisas dos cubistas, dos abstratos, dos construtivistas.

É notável que aos poucos, enquanto a moda se modernizava esquecendo o foco


tradicionalista, ostentoso, ela também inclinava-se para um lado quase que oposto, ela estava,
lentamente e timidamente, cedendo espaço a um universo alternativo, este universo das artes,
mas sem ser radical demais. Esta mudança é muito importante, porque ela irá explicar na
relação com a antimoda, a moda dos dias de hoje, este será o assunto do próximo capítulo.

Feita esta breve abordagem sobre a moda de cem anos, caracterizando a primeira fase
da moda moderna e voltando ao foco dos anos 1960, agora torna-se mais fácil falar sobre a
moda aberta e o prêt-à-porter - logo a antimoda, uma moda partindo de jovens inconformados
- que irão constituir a segunda fase da moda moderna. Pelo fato da primeira fase desta moda
moderna ter sido de relevante importância para a re-estruturação de um novo sistema, o que
acontece a partir de agora é que, com as portas já abertas, basta continuar um trabalho e
firmar-se cada vez mais. Ou seja, os estilistas criadores foram reconhecidos, a moda sazonal
foi imposta, os desfiles foram se tornando um hábito a cada coleção nova, a produção em
55

série se expandia, e a Alta Costura continuava com todo seu mérito - é verdade que mais
simbólico do que exatamente lucrativo e muito menos vanguardista.

Inovações eram feitas, principalmente no que diz respeito as criações, as formas, as


cores, os tecidos, sempre acompanhando os novos comportamentos sociais, mas isso agora
acontecia no novo regime da moda moderna, o prêt-à-porter, uma moda essencialmente
industrializada que conseguiu deixar a Alta Costura como símbolo de luxo eterno e de obra de
arte suprema e roubou-lhe o título de moda inovadora e de vanguarda. A moda, através do
prêt-à-porter pode ser totalmente desassociada de ostentação, mas precisa ser prática, simples
e o bom gosto ainda é um quesito que não pode ser dispensado. Aproveitando, novamente, as
palavras de Lipovetsky: “O luxo supremo e a moda separaram-se; o luxo não é mais a
encarnação privilegiada da moda e a moda já não se identifica com a manifestação efêmera do
dispêndio ostensivo ainda que eufemizado.” (1989, p.109)

Foi assim que, nos anos 1960, chegou-se ao fenômeno chamado prêt-à-porter,
expressão lançada na França numa apropriação da expressão americana ready to wear, que
significa “pronto para usar”. Seria uma moda industrializada, parecida com a que já vinha
sendo feita, mas a diferença está na qualidade, tanto de execução como na criação, uma vez
que agora o prêt-à-porter não era apenas uma confecção reproduzindo cópias menos
complexas de peças compradas, ele passou a ganhar maior credibilidade, uma moda industrial
que podia virar griffe, apresentar novidades e criações próprias.

Nos anos 1960, este novo mercado industrial iria cada vez mais tornar-se independente
e a moda, que já vinha passando por um profundo processo de modernização, ganharia um
novo público alvo, os jovens. Assim surgem vários novos estilistas, revelando uma moda
audaciosa e inovadora. A respeito dessa moda jovem, Lipovetsky cita: “com suas botas de
salto baixo, seu branco puro, suas preferências a colegiais de meias soquetes, seu dinamismo
de geômetra, o estilo Courrèges registra na moda a ascensão irresistível dos valores
propriamente juvenis, teenagers” (1989, p.111). Os estilistas que faziam história na época
eram: Balenciaga, Yves Saint-Laurent, obviamente Courrèges, entre outros mais, e ainda
tinham aqueles estilistas fazendo sua estreia, como Cacharel, Mary Quant, Michèle Rosier,
Emmanuelle Kahn, e mais alguns.

Pouco a pouco, os industriais do prêt-à-porter vão tomar consciência da necessidade


de associar-se a estilistas, de oferecer um vestuário com um valor que some moda e
estética (...) A fabricação do vestuário de massa vai seguir em parte o mesmo
caminho aberto, a partir dos anos 1930, pelo desenho industrial. Trata-se de produzir
tecidos, malharia, trajes que integram a novidade, a fantasia, a criação estética, tendo
56

por modelo o princípio das coleções sazonais de moda. Com o estilismo, o vestuário
industrial de massa muda de estatuto, torna-se integralmente um produto de moda.
As primeiras griffes do prêt-à-porter aparecerão nas publicidades. (LIPOVETSKY,
1989, p.110)

Logo, com o prêt-à-porter fixado e um estilo mais jovem também ganhando força,
Courréges declara: “Abaixo o Ritz, viva a rua.” (apud LIPOVETSKY, 1989, p.112). Mas
como que se explica, de repente, essa mudança no enfoque da moda? Claro que como se viu o
sistema de moda já vinha desde o século passado se modificando, conforme a sociedade
também readaptava-se, no entanto, a moda acabou passando por uma extraordinária
metamorfose. Para tentar entender, de alguma forma, como constituiu-se o caminho que levou
a moda a readaptar-se, basta dar atenção as palavras ditas por Courréges, em que ele evidencia
a rua. Nota-se que, realmente, houve uma inversão da pirâmide da moda. Ou seja, um fato
inédito aconteceu, parte da moda que se via nas ruas não era mais aquela ditada nem pela Alta
Costura, nem pelos estilistas consagrados ou pelos novos estilistas nas indústrias de prêt-à-
porter, mas tratava-se de uma invenção espontânea partindo dos próprios jovens e, então,
numa sacada de mercado e, provavelmente de sobrevivência, a mídia e os criadores
rapidamente apropriaram-se dessa moda e a levaram para a passarela.

Antes o sistema de moda seguia o sentido de criação e adoção denominado de Trickle-


down, isso significa que as tendências eram ditadas pelas maisons de Alta Costura e iam se
popularizando, chegando às lojas de departamentos e depois às ruas. A partir deste momento,
a moda passa a ser guiada por um novo movimento, o Trickle-up ou Botton-up, que funciona
de maneira totalmente inversa ao sistema anterior, ou seja, a moda nasce nas ruas e depois são
“copiadas” pelos estilistas, que as apresentam nas passarelas, chegando às lojas, e depois,
obviamente acabam chegando às ruas novamente e sendo adotadas por um população maior.
Bruno du Roselle e Marylène Delbourg-Delphis expõem uma colocação sobre uma nova
instituição vestimentar após a Segunda Guerra Mundial: “As novas gerações, nascidas um
pouco antes da guerra, (...) rapidamente desprestigiam a vida familiar e os costumes de uma
aparência certinha, é então que, pela primeira vez, se entrevê e se tenta uma moda ‘especial
jovem’ (...) em uma inversão inédita das relações entre gerações, onde as mamães seguiram as
tendências menos por vocação do que para se tornarem suportáveis, e na espera de uma
estética neo-burguesa, aquela dos anos 70” (apud Mara Rúbia Sant`Anna, 2007, p.89).

Chegou-se então ao momento em que a moda passou a depositar total confiança nos
gostos juvenis, tornando aqui viável voltar a falar na antimoda, que até este momento não teve
a atenção merecida. Foi necessária a espera para que se chegasse a este momento da moda
57

jovem, pois existe uma relação, relativamente estreita, entre esta nova moda e a antimoda,
uma vez que foi justamente esta antimoda que proporcionou a inversão do sistema, pois não
acredita-se que todos os jovens de uma hora para outra, resolveram inventar sua própria
moda, provavelmente não. Todavia, foram os jovens integrantes dos movimentos marginais,
os adeptos da antimoda, que acabaram por lançar esta moda jovem. E aos poucos, um grande
grupo de jovens também começou a adotar esta antimoda, logo a mídia percebe e rapidamente
os criadores também. Passa assim a moda jovem a ser, de certa forma, uma criação dos jovens
contraculturais que utilizaram-se da antimoda como forma de expressão contra o próprio
sistema de moda. Construindo um universo da aparência em que negavam um sistema
econômico capitalista e dominante, acabaram consumidos e massificados pelo próprio
sistema.

Lipovetsky (1989) fala sobre a “cultura juvenil”, colocando o aumento do número de


jovens como caracterizando um novo e promissor nicho de consumo. Imediatamente a mídia e
a publicidade deram conta desse novo acontecimento e passaram a dedicar uma atenção
exclusiva para este mercado.

...o surgimento da “cultura juvenil” foi um elemento essencial no devir estilístico do


prêt-à-porter. Cultura juvenil certamente ligada ao baby boom e ao poder de compra
dos jovens. Essa nova cultura é que foi a fonte do fenômeno “estilo” dos anos 60.
Estes jovens mostravam-se menos preocupados com a perfeição, mais à espreita de
espontaneidade criativa, de originalidade, de impacto imediato. (LIPOVETSKY,
1989, p.115)

Mas a antimoda, ou seja, estes jovens rebelando-se e usando da aparência como aliada
aos seus manifestos, não é algo tão novo assim. Exatamente por este motivo é que Lipovetsky
(1989) apresenta estes personagens da antimoda da década de 1960, como sendo os neo-
dândis. Estes jovens rebeldes, que pareciam para muitos rebeldes sem causa, tinham como
ideal de vida a marginalidade, não no seu sentido pejorativo, mas marginal, por negarem os
costumes tradicionais da sociedade, optando por uma conduta de vida considerada
underground. Eles estavam propondo a ruptura de valores, embasada em comportamento,
atitude e aparência distintos dos convencionais.

Neste mesmo sentido, Lipovetsky (1989) comenta que a fragmentação do sistema de


moda liga-se a emergência de um fenômeno historicamente inédito: as modas jovens, modas
marginais que se póiam em critérios de ruptura a moda profissional. É nesta direção que
pretende-se seguir neste estudo, no que diz respeito a antimoda estabelecendo-se como sendo
um fruto provindo de um movimento de contracultura essencialmente jovem.
58

Os jovens e seus estilos ganham a mídia.


Figura 10– Anúncio anos 60.
Fonte: http://almanaque.folha.uol.com.br/anos60_popup.htm

Bollon (1993) traz um resumo das “tribos” que surgiram ao longo da história da moda,
mas infelizmente não traz um capítulo falando propriamente dos beats. Mas, mesmo assim,
traz uma ideia geral sobre estes movimentos de antimoda surgidos sempre num contexto
parecido. A respeito disso:

Sempre existiram indivíduos - nem sempre jovens e ainda menos necessariamente


“marginais”- que se expressassem e se afirmassem através de um estilo, simples
pose de traje ou então um modo de vida global em ruptura com as normas, aceitas
por sua época, da “elegância”, do “bom gosto” e da “respeitabilidade”. (BOLLON,
1993, p.11)

Ainda segundo Bollon, os muscadins e a sua significação na história de toda uma


sociedade, especialmente na política e na moda. Um movimento de estilo que surgiu durante a
Revolução Francesa, protestando a ostentação e o esbanjamento, fazendo através das roupas,
uma crítica bem humorada da sociedade aristocrática da época e de sua hipocrisia frente à luta
por liberdade, fraternidade e igualdade. Eles usaram a própria aparência para criticar a
aparência da sociedade em que viviam. De fato, Bollon vem comprovar os muscadins como
sendo um movimento de contracultura, como relata o trecho a seguir.

...aqueles pequenos empoados denegriram tudo, arrastaram tudo na lama,


desmistificaram tudo o que foram os sinais exteriores da revolução. Mestres do
“agit-prop”, eles fizeram uma verdadeira “contra-revolução cultural” que destruiu
59

muito mais do que homens ou simples objetos; algo totalmente imaterial e no


entanto infinitamente mais importante para o futuro da Revolução que qualquer
outro trunfo concreto: todo um sistema de referências simbólicas que significava
valores e que “vestindo-os” em mitos e erigindo-os em objetos de culto, guardava
como um panteão a Idéia da Revolução. (BOLLON,1993:38)

Como se viu os Muscadins foram, portanto, a sua maneira, contraculturais, no entanto,


pode-se dizer que não deixaram de ser consumidores da moda, pois eles a utilizaram em
excesso, ainda maior que a própria sociedade, para criticá-la e ridiculariza-la, fazendo de sua
aparência uma caricatura. Dessa forma, pode-se dizer que mesmo utilizando a moda como
forma de protesto, eles não foram um movimento totalmente de antimoda, o que não exclui a
possibilidade de serem contraculturais.

Quando se fala em contracultura, também não se pode deixar de referenciar os heróis


românticos do século XIX, os Dândis, aqueles que inauguraram a cor preta para o traje
masculino, impondo um novo parecer de elegância. Sóbrios e muitas vezes excêntricos, os
Dândis ditaram um tipo de vestimenta masculina que reina até os dias de hoje, eles deixaram
uma importante contribuição à toda moda posterior. O fator sobriedade, um símbolo de moda
urbana e intelectual, é uma característica que pode ser considerada uma herança Dândi,
apropriada até mesmo pelos beats, mas de maneira bem menos despreocupada e
desconstruída, uma vez que a moda Dândi não é exatamente uma moda jovem como procura-
-se explicar neste estudo, pois a perfeição exagerada dos Dândis não tem muito a ver com
beats ou hippies.

Além do mais, o Dandismo não tem muito a ver com liberdade e nem com a total
democratização da vestimenta atingida nos dias de hoje e que teve seu inicio através da Beat
Generation, que mesmo sendo um movimento limitado, devido ao número de associados na
época, foi quem proporcionou a abertura das portas da contracultura e da antimoda para
milhares de jovens das décadas seguintes. Um exemplo de um movimento seguidor dos beats
são os Hippies, que como falado no inicio deste capítulo, torna-se mais fácil analisá-los como
um movimento de antimoda, devido ao grande número de adeptos, consideravelmente maior
que os próprios beats, que era um movimento restrito à escritores e intelectuais. É como se os
hippies fossem a massificação da Beat Generation.
60

Figura 11– Muscadins


Fonte: www.compagnosegreto.it/NUMERO4/brummell2.jpg

Figura 12– Oscar Wilde, um Dândi


Fonte: http://www.fashionbubbles.com/2006/sobre-dandis-e-antimoda-masculina/

Após a divulgação do movimento Beat na mídia – aliás foi a partir daí que surgiu o
termo Beatnik, criado pela colunista Herb Caen, do San Francisco Examiner – todos os
Estadunidenses ficaram conhecendo Kerouac, Ginsberg e companhia, como figuras grotescas.
Como Goffmann e Joy (2007, p.265) citam: “Nesse tipo de representação, o estilo substituía o
conteúdo. O beatnik da mídia tinha um visual típico: os homens usavam cavanhaque e não
colocavam a camisa dentro das calças. As mulheres se vestiam de preto, culminando com uma
boina francesa. Eles carregavam bongôs para toda parte. Era um consenso que eles não
gostavam de tomar banho.”

Por mais que fosse insultuosa, a redução da rebelião boêmia hipster a um estereótipo
engraçadinho pode ter subvertido os Estados Unidos convencionais mais do que
diminuído os beats. Afinal, ainda era a década do “burocrata”. Qualquer um que não
fosse alinhado – corretamente vestido e sem excesso de cabelo – e não submergisse
sua identidade na homogeneidade do mundo industrializado nove-às-cinco era visto
61

como fora dos limites, um completo paria, um personagem suspeito. Após quase
uma década com uma repressão como essa, qualquer imagem – por mais incompleta
ou diluída que fosse – de pessoas fora dos parâmetros seria muito atraente,
particularmente para os jovens. (GOFFMAN E JOY, 2007, p.265)

E depois dos beatniks, quase simultaneamente aparecem os Hippies, que muito têm a
ver com os beats, seja no comportamento, nas buscas libertárias ou quanto à aparência. No
entanto, Goffman e Joy (2007) dizem que o hippies seriam uma evolução em um sentido mais
alegre e quase absurdo das tendências contraculturais antiautoritárias deixadas da década de
50 pelos beatniks. Nesta mesma época, após a Beat Generation, surgem, no lugar dos
expressionistas abstratos, os artistas da Pop Art como Roy Lichtenstein e Jasper Johns. E
também a Op Art, na Inglaterra, através de Bridget Riley.

Falando em Inglaterra, Goffman e Joy (2007) contam que, por muito tempo o universo
do rock inglês vivia em segredo, e foi assim que ele teve tempo para aperfeiçoar não somente
a música, mas também a noção de moda. Os garotos do cenário do rock desenvolveram sua
marca através de um estilo de vestir totalmente próprio, como, por exemplo, os cabelos
longos, as botas com salto alto, calças pescando-siri, blusas escuras ou camisas com colarinho
alto: “(...) seu visual era uma mistura de dândi inglês e beat americano” (GOFFMAN E JOY,
2007, p.286). A partir deste momento, uma nova imagem jovem passou a ser idolatrada:
meninos exageradamente magros e ausentes de musculatura, uma aparência frágil e no
entanto, adorada pelas meninas que mostravam-se completamente apaixonadas. Assim, surge
em 1964, da Inglaterra conquistando os Estados Unidos, quatro jovens com o seu pop rock
quase frenético, os Beatles. A respeito disso, da febre que estes jovens provocaram em toda
uma geração de jovens, Goffman e Joy vão definir de beatlemania. “Era a beatlemania, e
enquanto as garotinhas se debulhavam e se molhavam, toda a população adulta dos Estados
Unidos momentaneamente parou de se preocupar com comunas e passou a se preocupar com
o cabelo”(GOFFMAN E JOY, 2007, p.286).

Na sequência, logo o estilo Hippie começa a celebrar e profetizar a era da liberação,


do amor, da paz, da compaixão, da unidade e da humanidade. E estas mesmas características
eram representadas em suas vestimentas: estampas florais, acessórios artesanais como que
negando a industrialização, sempre usando muita cor em referência a cultura psicodélica.
Goffmann e Joy(2007) dizem que os hippies transmitiam para as casas de família de toda a
América uma imagem de jovens drogados e chapados e que esta imagem simbolizava para
muitos outros jovens um ideal, um exemplo a ser s eguido. Para a juventude parecia muito
62

mais atrativo do que passar quatro anos em uma faculdade e posteriormente mais quarenta
anos de terno e gravata dentro de um escritório. E foi dessa forma, que todo o mundo passou a
falar dos Hippies, que na verdade não eram muito bem vistos, inicialmente, pelos beats, mas a
semelhança em aparência e ideais era inegável.

Enquanto a maioria dos sábios via um ajuntamento de pirralhos crescidos e


perturbados pela droga que não queriam trabalhar nem tomar banho, outros estavam
impressionados com sua noção de paz e comunhão, e suspeitavam que eles
poderiam representar um novo estágio da humanidade. (...) Um repórter da revista
Time escreveu: “Em sua independência de posses materiais e em sua ênfase na paz e
na honestidade, os hippies levam vidas consideravelmente mais virtuosas do que a
grande maioria de seus concidadãos.”( GOFFMANN E JOY, 2007, pp.294-295)

Contudo, independente do que a sociedade pensava ou deixava de pensar, o


movimento e estilo Hippie continuava a se expandir, ganhando cada vez mais aliados, alguns
apenas a fim das drogas, outros por realmente acreditarem na paz e no amor. Centenas de
bandas de rock psicodélico foram tomando conta do espaço físico e mental dos jovens. A
mídia cada vez mais dava atenção a esses jovens com flores na cabeça e pés descalços. “Lojas
de departamento vendiam incenso, camisas indianas, colares e sandálias. A revolução na
consciência e uma cultura alternativa pareciam estar florescendo ao mesmo tempo”
(GOFFMANN E JOY 2007, p.296).

Foi dessa maneira que a rua conquistou uma população quase que inteiramente, o
hippie, o beat, a mistura de neo-dândis e mendigos, viraram um estilo de se vestir, mas isso
não é o mais importante, relevante é a mudança social que todos esses acontecimentos juvenis
provocaram. Uma sociedade por inteiro mudou sua forma de pensar e o sistema de moda teve
de mudar também, foi assim que a Alta Costura perdeu espaço e a moda democrática do prêt-
à-porter ganhou reconhecimento. Lipovetsky (1993) diz que a moda libertou-se do sistema
instituído pela Alta Costura devido aos novos valores das sociedades liberais do consumo de
massa, a menor preocupação com distinção de classes: a diversão proporcionou o crescimento
de uma cultura de massa hedonista e juvenil que está no coração do declínio final da moda
suntuária.

O impulso de uma cultura jovem no decorrer dos anos 1950 e 1960 acelerou a
difusão dos valores hedonistas, contribuiu para dar uma nova fisionomia à
reivindicação individualista. Instalou-se uma cultura que exibe o não-conformismo,
que exalta valores de expressão individual, de descontração, de humor e de
espontaneidade livre. (LIPOVETSKY, 1989, p.120)
63

Figura 13– Hippies


Fonte: Fonte: A Moda do Século XX, Senac, 2000, p.189

Figura 14– Woodstock


Fonte: Fonte: A Moda do Século XX, Senac, 2000, p.213

E assim, o estilo jovem foi se firmando como o estilo a partir dos anos 1960, estilo de
viver e estilo de se vestir. A respeito disso, Lipovetsky(1989) diz que o estilo de Courrèges,
que traduzia também o estilo dos anos 1960 e de todos os criadores do prêt-à-porter
simbolizava exatamente esta dinâmica jovem e dos novos valores, através do rock, dos ídolos
e tudo que simbolizasse o universo juvenil. E além da mudança no sistema de moda, a moda
enquanto vestimenta também sofreu uma repaginação, formas mais agressivas, colagens e
sobreposições de peças e mistura de estilos descontraídos.

Acontece, dessa forma, uma abertura total do código do vestir, como se tudo fosse
permitido, não existindo mais regras porque a roupa j á não diz mais um discurso social de
64

poder, ela diz um discurso de individualidade e de liberdade. E como cada indivíduo pode, a
partir deste momento, falar o que bem entender através de suas vestimentas, novos estilos
nunca vistos vão surgir a cada dia, novos materiais vão ser usados, muitos vão imitar e muitos
vão inventar e claro que alguns pais vão preferir continuar com a mesma moda segura da
década passada. Lipovetsky (1989) escreve que no lugar do cuidado e da “classe”, entram o
bizarro e a ironia. É o momento em que a moda ri da moda, a elegância tira sarro da
elegância, acontece a total democratização da moda.

A moda ganhou uma conotação jovem, deve exprimir um estilo de vida emancipado,
liberto das coações, desenvolto em relação aos cânones oficiais. Foi essa galáxia
cultural de massa que minou o poder supereminente da Alta Costura; a significação
imaginária “jovem” acarretou uma desafeição pelo vestuário de luxo, assimilando ao
mesmo tempo ao mundo “velho”. (...) A integração modernista de todos os assuntos
e materiais no campo nobre da arte corresponde, agora, a dignificação democrática
dos jeans, délavés, dos pulls puídos, dos tênis gastos, dos trastes etro, dos
grafismos comics nas T-shirts, dos andrajos, do “look clochard”, das derivações high
tech. (LIPOVETSKY, 1989, p.121)

Figura 15– Moda Jovem


Fonte: Fonte: A Moda do Século XX, Senac, 2000, p.188

No entanto, mesmo tudo ou quase tudo estando permitido aos jovens quanto à moda,
estabelecem-se novas regras: agora os adultos teriam que, quase que como uma obrigação,
65

parecer jovens. O estilo jovem tomou conta do universo da aparência: este conceito, atrelado à
antimoda levou a que, nos dias atuais, se desencadeasse uma busca desenfreada por, além de
parecer jovem, parecer ser único.

O importante não é estar o mais próximo possível dos cânones da moda, menos
ainda exibir uma excelência social, mas valorizar a si mesmo, agradar, surpreender,
perturbar, parecer jovem. (...) Um novo princípio de imitação social se impôs, o do
modelo jovem. (...) Poucos se preocupam em exibir nas roupas seu “sucesso”, mas
quem não se empenha, de alguma maneira, em oferecer de si próprio uma imagem
jovem e liberada, em adotar não certamente a última moda júnior, mas o ar, a
gestald jovem? (LIPOVETSKY,1989, p.122)

Com efeito, conclui-se que fica instaurada esta nova moda que fundiu-se com algumas
características estéticas e sociais da antimoda que, por sua vez, foi tomada dos movimentos de
contracultura dos anos 1960. O maior mérito deve-se ao movimento intitulado Beat
Generation, o qual abriu as portas para outros movimentos antiautoritaristas, no sentido de
criar o hábito do não-conformismo jovem em sua transição para a fase adulta.
Assim, a moda oficial readaptou-se, sendo capaz de criar novos desejos, como o de
liberdade e de individualidade, e novos vícios, como o da eterna juventude. Como se verá no
capítulo seguinte, onde já não existem antimoda, moda, contracultura ou cultura em
expressões e significados desligados um do outro, a moda também ganha novos códigos,
tornando-se quase impossível a tentativa de descrever uma moda oficial nos dias de hoje, pois
esta já não comporta mais regras. No entanto, existe uma definição para este estilo herdado
dos pioneiros jovens contraculturais beatniks: é o estilo underground ou alternativo que, para
os jovens consumidores de moda do século XXI, parece ser o mais vanguardista,
simbolizando o estilo jovem “oficial”.
66

3. HERANÇA BEAT NO SÉCULO XXI

Estilo, moda, formas e cores. Hoje decifrar e descrever todos esses pontos já não é tão
fácil, é como se tudo estivesse vindo à tona: o passado, o presente e o futuro unidos numa
única moda, num único corpo. Hoje tudo é permitido: vista-se como quiser, combine quantas
cores conseguir, sobreponha o quanto lhe convir, é a moda mais democrática de todos os
tempos, o que não exclui o bom gosto na hora da escolha. O interessante é notar que a moda
considerada a “moda dos estilistas”, na maioria das vezes é totalmente carregada dos símbolos
da antimoda, da cultura underground. Isto pode significar que, hoje, vive-se a cultura da
contracultura e a moda como discurso tomou posse da antimoda.
Analisando o sistema de moda, pensadores como Veblen e Simmel (apud Caldas,
1999) identificam dois movimentos que regem o sistema: o primeiro seria a imitação, no
sentido de camuflagem, para pertencer à um grupo ou por status; o segundo seria a
diferenciação, adotado por aqueles que buscam uma individualidade através da aparência.
Esta é a atitude escolhida por aqueles que acabam servindo de espelho para a moda, mas não
necessariamente com a intenção de sê-lo. A rua lançando as tendências21 é uma fonte
essencial de pesquisa e inspiração para os estilistas. Criou-se até uma profissão denominada
Coolhunter22, que abarca estes pesquisadores e observadores dos comportamentos e
movimentos que acontecem nas ruas para transferi-los para o mercado. Assim, normalmente o
estilo adotado pelos que buscam a diferenciação, logo, mas nem sempre, torna-se o produto
massificado e passa a ser consumido por aqueles que utilizam-se da imitação. Dessa forma,

21
Movimento Trickle-up (ver capitulo 2).
22
É uma profissão nova no Brasil, mas na Europa e EUA já existem até cursos para quem deseja tornar-se um
coolhunter. Este profissional é um caçador de tendências, ele vai a bares, boates, universidades e deve se infiltrar
no lifestyle do público que deseja entender.
67

cria-se um ciclo, pois para alcançar novamente a diferenciação, este grupo precisa criar um
novo estilo, que por sua vez acabará tornando-se comum à massa novamente.
Pode-se dizer que a antimoda dos anos 1960 encaixa-se perfeitamente nesta
característica da diferenciação, porém não exatamente da maneira como funciona hoje, pois já
não se pode mais dizer que existe antimoda, uma vez que esta é o verdadeiro produto de moda
nos dias atuais. Além do mais, de acordo com estudo feito e como pode ser visto nos capítulos
anteriores, ficou estabelecido que esta característica da diferenciação é base da antimoda e
esta, portanto, deixa de ser antimoda no momento que é adotada pelo mercado.
A partir de agora, falar-se-á desta moda atual provinda da antimoda, desta “antimoda”
que já tornou-se parte do sistema, ficando conhecida como estilo underground ou estilo
alternativo, intimamente ligado a moda jovem ou estilo jovem e estilo de vanguarda, que
perdura desde os anos 1950 e 1960, como se viu anteriormente, quando deu-se início ao
movimento contracultural Beat Generation. Esta estética de vanguarda hoje é reconhecida por
todos, é vendida, é adotada por grupos, mas por seguir o princípio da inconstância que define
por si mesma a cultura jovem, ela nunca está estável, nunca se permite ser copiada e depois
estagnar-se por sua própria natureza, estará em constante renovação.
Esta moda, como Flüguel aponta, é o “espírito do tempo” do século XXI. Assim
descreve Caldas,

“Moda, hoje, não é só roupa, mas também os lugares que são frequentados, o que se
lê e se escuta, o modo como se vive... Ao mesmo tempo, todas essas esferas do
comportamento humano enviam mensagens sobre quem somos, frequentemente
sobre quem não somos, às vezes, sobre quem gostaríamos de ser... Deste ponto de
vista, a roupa – como qualquer outro ato de consumo – é um ato de comunicação.”
(1999, p.39)

Assim, a moda hoje traduz a sociedade urbana e veloz em que está inserida; traduz a
ansiedade e inquietação dos que a usam; traduz com louvor um momento onde a contracultura
é cultura e a antimoda pertence irremediavelmente à moda.
Para que essa relação seja mais compreensível, serão estabelecidas algumas relações
de marcas e estilistas que utilizam destes símbolos da antimoda, podendo assim serem
identificados como adeptos de um estilo mais underground. Mas já adianta-se que a pretensão
não é fazer nenhum estudo de caso e também não se pensa em focar a moda como puramente
vestimenta, mas sim como estilo, conceito e expressão. É importante salientar que, hoje, há
uma variedade imensa de estilos que, inclusive, são intercambiáveis entre si. Assim, no
68

mercado atual de moda, estilos se misturam formando novos estilos, caracterizando novas
possibilidades de identificação que serão consumidas pelos sujeitos-moda23.
Compreender a moda hoje, em seu discurso de contestação social, é compreender o
estilo jovem em sua relação com a herança da contracultura e da antimoda da Beat
Generation. Um exemplo para melhor explicar seria o caso da marca brasileira Ronaldo Fraga
que, desde 2001, apresenta suas coleções na São Paulo Fashion Week24. Fraga foi o único
estilista brasileiro a receber o reconhecimento da ordem cultural, através do ministro da
cultura e músico Gilberto Gil. Ronaldo “é aclamado como estilista cult da moda brasileira.”25
Seus temas sempre dotados de muita criatividade, vão desde homenagens à estilista brasileira
Zuzu Angel (2001/2002), passando pelo universo da obra de Carlos Drummond de Andrade e
homenageando o compositor e cantor Tom Zé (2005) e a cantora Nara Leão (2007/2008),
entre outras inspirações inusitadas. Apresentando sempre sobreposições de peças, estampas
criativas, trabalhos manuais como bordados, cores vibrantes misturadas com tons pastéis,
construindo um universo além de lúdico, ao mesmo tempo divertido e melancólico. Seu estilo
é atemporal: essencialmente jovem mesmo quando coloca modelos acima dos 60 anos para
desfilar, como foi o caso da última coleção para o inverno 2009.
Através do trabalho de Ronaldo Fraga é possível explicar que herança é esta que a
moda recebeu daqueles anos de rebeldia, de poder falar através da roupa, de conseguir
discursar através de formas, cores e poesia o pensar de uma geração. Uma moda jovem sim,
mas isto não se restringe a um público de faixa etária jovem. Vai-se mais além: jovem em
essência, jovem em alma, jovem no seu tempo. Isto é democracia exercitada através da moda
e foram estas portas que se abriram a partir do momento que a roupa foi usada para protestar.
Ela passou a ser não somente vestimenta, tecido com corte perfeito e silhuetas e
comprimentos pré-estabelecidos por grandes maisons. Passou a ser um perfeito veículo de
comunicação entre diferentes grupos participantes do diálogo da sociedade moderna.
A última coleção que o estilista apresentou, para o inverno 2009, foi inspirada no
espetáculo de Giz, de Álvaro Apocalipse, escrita para o teatro de bonecos Giramundo.
Ronaldo colocou senhores e senhoras, com provavelmente mais de 60 anos de idade, e
também crianças para desfilar. Ronaldo Fraga traz estas diferentes idades da vida para a
passarela, no momento em que apenas meninas lindíssimas e esguias e homens com corpos

23
SANT’ANNA, Mara Rúbia. Teoria de Moda: Sociedade, Imagem e Consumo. São Paulo: Estação das Letras,
2008.
24
SPFW, maior evento de moda da Brasil e da América Latina, produzido por Paulo Borges desde 1996.
25
Frase retirada do Curriculum Vitae do estilista, no site oficial de Ronaldo Fraga. Disponível em
http://ronaldofraga.com.br/port/index.html, acessado 1 de junho de 2009.
69

sarados e rostos perfeitos ou exóticos aparecem. Dessa forma, ele “cutuca” a sociedade e os
espectadores de seu desfile, ele provoca este sentimento do que é ser jovem e onde
colocamos, como sociedade, os que já envelheceram. Ele consegue, dessa forma, provar que a
moda é de fato para todos e que a juventude é um conceito “engolido” pelas pessoas como se
fosse a única fase da vida onde há vitalidade. A propósito, estes “velhinhos” estavam vestindo
peças de Fraga com o mesmo estilo que sempre o caracterizou, jovem e criativo.
A respeito dessa forma de comunicação que a moda possibilita, Bollon (1993) diz que
a moda é por excelência, como nos casos dos movimentos de estilo em que se enquadram
Zazous, Punks, e no caso específico deste trabalho os Beats, o canal privilegiado de expressão
de um discurso habitualmente escondido, tabu, impossível de dizer com palavras comuns,
lógicas.

Figura 16 – Coleção Nara Leão de


Ronaldo Fraga- Verão 2007/2008 SPFW
Fonte: http://ronaldofraga.com.br/port/index.html

Figura 17 – Coleção São Zé de


Ronaldo Fraga -Verão 2005 SPFW
Fonte: http://ronaldofraga.com.br/port/index.html
70

Figura 18 – Coleção Risco de Giz de Ronaldo Fraga – inverno 2009 SPFW


Fonte: http://ronaldofraga.com.br/port/index.html

Outra marca, agora do cenário internacional, que também corresponde a esta


característica de utilizar a roupa e a imagem como comunicação, é a marca italiana Benetton.
Fundada em 1965, quando Giuliana Benetton começou a confeccionar e vender tricôs
coloridos e, com ajuda de seus irmãos, criou a empresa Maglíficio di Ponzano Veneto di
Fratelle. Logo criaram a frase “United Colours of Benetton”. Em pouco tempo tornou-se
conhecida mundialmente e símbolo de um estilo de vida: tudo devido ao seu estilo
multicolorido e polêmico, ao levar para suas campanhas assuntos como a prevenção da Aids,
a guerra e o preconceito racial, entre outros. Em parceria com o fotógrafo Oliviero Toscani, a
marca transformou-se em um símbolo no mundo da publicidade divulgando temas conflitivos
da atualidade, conseguindo abranger um público principalmente jovem, através de campanhas
interativas e eventos culturais.
71

Figura 19 – Campanha Benetton – Embraced in Blanket


Fonte: http://www.ocorvo.com.br/wp-content/uploads/2006/11/benetton.jpg

Figura 20 – Campanha Benetton – Girl and Doll


Fonte: http://www.ocorvo.com.br/wp-content/uploads/2006/11/benetton.jpg

Mais uma marca do cenário brasileiro que apresenta este estilo de crítica social é a
Cavalera, que desde 2001 desfila na SPFW e hoje conta com cerca de 10 estilistas
desenvolvendo suas coleções, com Marcelo Sommer como diretor criativo. A Cavalera tem
por excelência ser uma marca bem-humorada, jovem e urbana. Dessa forma cria estampas
criativas sempre tratando e debochando de assuntos atuais, como por exemplo, as camisetas
com dizeres como “Disney War” fazendo uma alusão à invasão do Iraque a “Disney World”.
Na coleção apresentada na São Paulo Fashion Week inverno 2009, a marca revelou-se
também cult e folk, trazendo de maneira mais uma vez bem-humorada o universo folclórico
brasileiro do Boi Bumbá26 e toda riqueza do povo caboclo. Na passarela se viu modelos
flutuando, máscaras de bichos permitindo um tom quase bizarro para a coleção, nas roupas o
corte moderno com silhuetas secas, listras, onças, paetês e franjas, que combinadas
proporcionaram um ambiente lúdico e divertido, ao mesmo tempo que, de maneira criativa
mostravam a cultura brasileira através da moda.

26
Festival folclórico que acontece na cidade de Parintins, no interior do Amazonas, desde 1964. Na festa
acontece uma disputa entre dois grupos Boi Garantido e Boi Caprichoso. Os dois bois encenam a mesma
história, a de pai Francisco e mãe Catrina, a qual, durante a gravidez, sente o desejo de comer língua de boi. (
Fonte: http://www.parintins.com.br/)
72

Figura 21 – Coleção Parintins da Cavalera – inverno 2009 – SPFW


Fonte: http://www.cavalera.com.br/inv09/src/index_ful.html

Além dessa coleção, uma das mais marcantes da história da Cavalera foi a do inverno
2008, apresentada em meio ao lixo acumulado as margens do rio Tietê em São Paulo.
Debaixo de garoa e junto ao mau-cheiro, ofereceu máscaras para os convidados, completando
o discurso com o som de uma sirene de emergência. A marca causou polêmica fazendo uma
importante reflexão sobre a poluição das águas e a reciclagem e utilizando tecidos
reaproveitados para criar algumas das peças da nova coleção.

Figura 22– Moda Jovem - Coleção Cavalera no rio Tietê– inverno 2008 SPFW
Fonte: http://moda.terra.com.br/spfw2008inverno/interna/0,,OI2254189-EI10822,00.html
73

Figura 23 – Desfile coleção Cavalera no rio Tiête– inverno 2008 SPFW


Fonte: http://moda.terra.com.br/spfw2008inverno/interna/0,,OI2254189-EI10822,00.html

Assim, mais uma vez encontramos a moda comunicando e reivindicando, discursando


da mesma maneira que um jornalista ao escrever sua crítica social nas páginas dos jornais. É
dessa forma que o que é moda hoje e como se faz moda hoje estão relacionados com o que a
antimoda e a contracultura, da Beat Generation, fizeram nos anos 1950 e 1960. Neste sentido,
como sugere Bollon (1993), consegue tratar de profundidade sendo superficial, trazendo para
a aparência o que de fato integra a profundidade do ser humano, a emoção na relação com o
mundo vivido. Isto não a torna fútil, mas caracteriza-a como uma das formas mais polêmicas
de comunicar.
Outro exemplo que é capaz de traduzir como a moda contemporânea rompeu
fronteiras e tradições, é o estilo “Fruits”, uma moda vista nas ruas do Japão. Um estilo que
tornou-se essencialmente jovem e vanguardista, chamando a atenção do mundo da moda. Para
alguns, apenas excesso de informação e para muitos, uma incrível fonte de inspiração, repleta
de significação, ousadia, detalhes que representam um momento de libertação, a busca do
jovem pela quebra de padrões, a busca pelo “novo”, a disputa pela diferenciação. Fazer uma
decodificação de todas as referências que os jovens japoneses colocam em suas vestimentas
iria render muitas páginas, mas o importante é que muitos são os elementos contraculturais
utilizados, seja do universo Dândi, dos Beats, Hippies aos punks. Porém relevante é o
resultado visual e social que este novo estilo apresenta e representa. Multicoloridos dos pés à
cabeça, com mais de três peças num único look, e muitos acessórios diferentes, e os
elementos da antimoda são diluídos na moda jovem contemporânea. É esta a imagem dos
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jovens que andam por Tóquio hoje, e ao seu redor uma sociedade de tradições milenares, de
obediência e disciplina como ideais de conduta de vida.

Figura 24 – Estilo Jovem em Tóquio


Fonte: Fruits, Phaidon, 2001, p.1

Figura 25– Estilo Fruits


Fonte: Fruits, Phaidon, 2001, p.62

Então, para conseguir se comunicar através da moda, da roupa, do corpo e da imagem,


como os Beats utilizaram da antimoda para reivindicar, faz-se necessário mergulhar nas
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profundezas do conhecimento, da alma, do sentimento e conseguir buscar a melhor forma de


expressar uma informação de real importância não para uma ou duas pessoas, mas para uma
parte considerável da sociedade. É preciso trazer para a superfície o que recalcamos como
sociedade, utilizando de formas e cores para dizer o mesmo, ou mais, que um extenso texto
em palavras diria.
A moda hoje, como qualquer atividade que se propõe a ser de vanguarda, só é
aplaudida nos seus espaços legitimadores se carregada de inovação: não apenas em formas,
cores e novas tecnologias têxteis, mas em discursos de contestação, sejam eles políticos,
sociais, individuais, coletivos ou sobre o próprio sistema de moda (é só pensar na repercussão
de Nakao e sua coleção “Costura do invisível”). Essa “inovação” é caracterizada pela ruptura
com os modelos até então estabelecidos e pela implantação de outras formas de pensar e agir
e que podem vir a se configurar, ou não, como novos modelos. Podem, inclusive, ser novas
maneiras de pensar o velho, o estabelecido. Na moda, é assim que o “Novo” hoje se
caracteriza. A produção e o consumo desse “Novo” estabelecem a sociedade-moda,
tipificando seus sujeitos-moda conforme cunhados por Sant’Anna (2008).
Na esteira do “Novo”, a juventude desponta como um ideal a ser perseguido. Segundo
Bollon (1993), essa ética “irresponsável”, para quem o “fim nunca justifica os meios uma vez
que ela dá importância quase exclusivamente à perfeição dos meios e da forma, poderia
mesmo se revelar muito mais ‘moral’ do que a moral que a rejeita. (...) Esta ética, para quem a
segue até o fim, também é uma ética de elucidação progressiva, da criação de si mesmo.”
(1993, p.231) A contestação, então, acaba por definir o ideal da juventude pensante,
caracterizada pelo movimentos jovens dos anos 1950 e 1960. E assim o ciclo se fecha.
A Beat Generation, que chocou o mundo ocidental desconstruindo a ordem
estabelecida através do estilos de vida e discurso visual alternativos, fez da contracultura e da
antimoda um grito contra um sistema de capitalismo desmedido que consumia o indivíduo e
suas aspirações, transformando-o em versão fake de si mesmo. Sua disposição para a
controvérsia e a insatisfação levaram à contracultura e à antimoda, que estabeleceram-se,
76

então, como discursos de constante inovação, alimentando essa mesma indústria que
questionavam. No sistema de moda, contestar “virou moda” e o Beat se tornou produto de
consumo cult.
77

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A verdade é que nós vivemos atualmente, (...) um longo, interminável, período de


transição. Todas as voltas aos valores tradicionais serão inúteis: serão vãs tentativas
para negar o presente. O estilo, essa ética aberta e abertamente inconsequente, é o
que permite superar os valores mortos para substituí-los por valores autogerados.
PATRICE BOLLON

Em meados da década de 1950, um jovem escritor chamado Jack Kerouac publicava


uma obra que contribuiria para uma grande, se não radical, mudança no universo dos jovens.
Com ele, outros escritores e poetas, como Ginsberg e Burroughs, iriam deixar o conforto de
suas casas para lutar contra a tecnocracia, aventurando-se nas ruas dos Estados Unidos e
clamando por liberdade: era a Beat Generation.
Alguns anos mais tarde surgia um movimento que iria seguir os passos da Beat
Generation: seus seguidores sairiam de suas casas e ganhariam as ruas através do grito por
uma busca libertária, dizendo não à guerra e pedindo paz e amor: eram os Hippies. Quase que
ao mesmo tempo, em 1967, jovens brasileiros iriam expor todas as angústias censuradas pela
ditadura militar. Através da música, iriam gritar liberdade, cantar liberdade, manifestar
liberdade, por que não? Eram os Tropicalistas. Todos estes jovens, Beats, Hippies,
Tropicalistas iriam negar o sistema tecnocrático, capitalista e dominador, portanto atingindo o
próprio sistema de moda, utilizando suas roupas como aliadas dos seus protestos. A roupas,
usadas como espaço de comunicação da indignação individual e coletiva, exprimiam a
esperança e individualidade de cada jovem: estabelecia-se a antimoda.
Na produção de prêt-à-porter do decorrer das últimas décadas do século, a antimoda
iria chamar atenção de estilistas que fariam estas roupas desregradas, com a cara das ruas
marginalizadas, chegarem às passarelas. Então a moda passa, para além de vestir homens e
mulheres, a vestir jovens modernos que precisavam expressar-se de todas as maneiras
possíveis. E assim a moda continuou, cada vez mais veloz, acompanhando o aceleramento da
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vida moderna, chegando ao século XXI totalmente democratizada, com mil formas, mil cores,
mil estampas, mil inspirações e, o mais importante, estabelecendo-se totalmente jovem, com a
alma jovem traduzindo o “espírito do tempo”. Portanto hoje, quando fala-se em moda, já não
se pode mais falar apenas em aparência, tratando-a como futilidade e superficialidade, a não
ser que esteja falando da profundidade que transparece à superfície através da aparência
(Bollon, 1993). E esta profundidade através da moda, vai tornar-se um portal de comunicação
entre indivíduos, estabelecendo novas formas de relacionamento e consequentemente novos
julgamentos, novos diálogos e novas atitudes.
Analisar a moda hoje é uma tarefa complexa, uma vez que todos seus códigos foram e
continuam multiplicando-se. Essa variedade de estilos vão das ruas às passarelas e retornam
às ruas em forma de modas, novas modas, a todo instante. Os símbolos da contracultura ainda
existem, porém deixaram de ser contraculturais justamente por que a democracia não os
condena; a cultura já não é uma só, ela respeita e abriga seres diferentes, indivíduos
diferentes, apesar de hipócrita muitas vezes. Ainda sim, hoje ela escuta os rebeldes, os novos
beats, e não os marginaliza como nos anos 1950 e 1960. Deles, sobrou que sua marginalidade,
sua antimoda, foi usurpada por esta moda que julga-se vanguardista. Esta, no entanto,
somente o é por estar tomada pelos efeitos, símbolos e coragem, pelo espírito de contestação,
da antimoda. É a moda da antimoda que, nos dias atuais, consegue simbolizar o “Novo” e
adequar-se a velocidade e complexidade da vida moderna.
79

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ANEXOS

ANEXO 1- Jack Kerouac : O Rei dos Beats.

ANEXO 2- Entrevista rara de Kerouac para Wlliam F. Buckley

ANEXO 3- Música Alegria, alegria de Caetano Veloso


ANEXO 1 - Jack Kerouac: O Rei dos Beats.

Título Original: Jack Kerouac – O Rei dos Beats


Direção: Johm Antonelli
Música: Duke Ellington / Charles Mingus / Thelonius Monk / Zoot Sims
Idioma original: Inglês
Legenda: Português/ Espanhol
Ano de Produção: 1986
País de Produção: Estados Unidos
Duração: 72 min.
Distribuição: Magnus Opus
Extras: Entrevista rara de Kerouac para William F. Burckley / Trailer de um documentário
sobre William Burroughs / Sobre Jack Kerouac.
Sinopse: Documentário dramático retratando a tumultuada e emociante vida do mais
importante escritor da Geração Beat – Jack Kerouac. Autor de um dos mais extraordinários
romances da literatura moderna americana, “On the road”. A vida de Kerouac é analisada com
depoimentos históricos de Allen Ginsberg, William Burroughs e Lawrence Ferlinghetti. Além
de fotos e documentos raros da sua infância católica até a sua auto-destruição aos 49 anos.
ANEXO 2 - Entrevista rara de Kerouac para Wlliam F. Buckley

Entrevista de Jack Kerouac para Willian F. Buckley, no programa de televisão “Firing


Line”, na ocasião Kerouac encontrava-se bêbado, mas apesar disso o trecho conservado desta
entrevista é considerado raro e de muita valia para se conhecer um pouco mais sobre Jack
kerouac. Esta entrevista encontra-se no documentário Jack Kerouac- O Rei dos Beats,2000.
Extras)

Buckley: - Aqui conosco, o Sr. Jack Kerouac, se tornou famoso com a publicação de
seu livro On the Road. Ele parece pregar uma vida de descompromisso, vivendo uma vida de
perturbações. O fato é que, quando o livro foi publicado, em 1958, sete anos após ter sido
escrito, o sr. Kerouac se mostrou o mentor da Beat Generation, e para ser exato, de outros
autores. Ele tem sido um romancista que trabalha regularmente, está em seu décimo livro, The
Vanity of Dulouz, que é considerado por muitos o seu melhor. E o me diz sr. Kerouac, você
estava pensando em algo, divagando algo?

Kerouac: - Pertubação, gostei dessa.

Buckley: - Quais são, na sua opinião, as diferenças entre os hippies, e no seu caso, um
movimento radical?

Kerouac: - Pergunte de forma clara. Acho que interrompi sua sentença.

Buckley: - O que distinguiria os hippies de um movimento ortoxo radical?

Kerouac: - Nada.

Buckley: - Como o movimento adamite?

Kerouac: - Adamite? Não seria Adam, Adamanite?Atlas?O que são adamanites,


adamites? São pessoas de cabelo comprido, que vivem em tocas, em cavernas?

Buckley: - Um movimento de volta à natureza, e uma preocupação exclusiva com a ...

Kerouac: - Minha avó deve ter sido a mãe desses adamites. (Jack dá uma gargalhada)

Buckley: - Essa foi boa.

Kerouac: - Tudo que falo é bom.


Buckley: - Alguém deve ter lhe dado uma bebida. (risos)

Kerouac: - Por ser um católico, acredito na ordem, na ternura e na compaixão.

Buckley: - Quando colocou a necessidade de fazer um movimento que você concebeu


de forma pura, acho que ele pudesse ser ideológico, misantrópico, e no geral, censurável?

Kerouac: - Que foi concebido como?

Buckley: - Puro?

Kerouac: - Ele é puro, em meu coração.

Buckley: - Sobre isso sr.Kerouac, diria que em termos de. Eu perdi totalmente o fio da
meada. O assunto que quero tratar é que nos últimos anos, pessoas deixaram de ver no
processo político um instrumento útil para se chegar a um mundo melhor para se viver. E isso,
talvez não tenha a ver com problemas de caráter, ou algo assim.

Kerouac: - Não, isso foi um acidente. Prefiro me referir a Countly ou Tolstoi. O de


“Guerra e Paz”. Leon Tolstoi. Ele disse que, uma vez que a areia da ampulheta caísse toda de
cima para baixo, a guerra iria acabar. Portanto, ela vai acabar. Logo. Quando, eu não sei. Isso
é o que Tolstoi disse. Também falaram isso Dundee, Thoreau, David Thoreau. E também
Tom, e muitos outros.

Buckley: - Sim. Sim.

Kerouac: - Voltando ao motivo da sua pergunta?

Buckley: - O assunto da pergunta é esse. Um número significativo de americanos,


precisamente quando se anunciou a grande sociedade...

Kerouac: - Que grande sociedade? (risos)

Buckley: - A sociedade que coloca política acima de tudo.

Kerouac: - No que me diz respeito...

Buckley: - Ela é só desilusão, e isso teria a ver com o começo do movimento hippie.

Kerouac: - Primeiro, o que eu penso da guerra do Vietnã não passa de um conflito do


Vietnã do Norte com o do Sul, briga de primos, com recrutas em seus países. (gargalhadas da
platéia)

Buckley: - Acho que não é só um conflito.


Kerouac: - Mas eles estão cheio de recrutas. Acho que é uma guerra para os cordeiros
americanos.

Buckley: - Você não acha que seria mais caro mandar recrutas robôs?

Kerouac: - É aí que eu queria chegar. Quando os russos saíram da Tchecoslováquia,


mostraram ao mundo o que eles são. Que os comunistas são mesmo assim, mais fascistas.

Buckley: - Sim, claro.

Kerouac: - Cuidado com os falsos profetas. Que chegam a você vestindo roupas de
cordeiro, mas que por baixo, são lobos vorazes.

Buckley: - Quem será? Você dizia antes, Sr. Kerouac...

Kerouac: - Há pessoas que tem um método para criar o caos. Eles dizem que, uma vez
que o caos já está aí, elegem pessoas para que possam cuidar do caos.

Buckley: - E você acha que isso explica a situação?

Kerouac: - Eu não nada sobre ele, nunca estive lá. Estou querendo dizer que a idéia
dele de protestar, correr por aí, fazer barulho de qualquer jeito, ou seja, se você cria o caos,
você se torna um Comissário do Controle do Caos. Sabe como chamávamos o Humprey?

Buckley: - Não sei.

Kerouac: - Flat face floody with a floyd, floyd. É isso.

Buckley: - Ficaria surpreso se ele for nomeado vice-presidente.

Kerouac: - E sabe o nome de verdade de Agnus? Agnanostopolos, que significa “o


filho do leitor”. Na Grécia antiga, os turcos tomaram o controle a partir de Messena. E lhes foi
dito, “não leia, está proibido.” E seu pai lia todos os livros, até a Bíblia. Ele tinha muito
orgulho do nome.

Buckley: - Assim vai virar vice-presidente.

Kerouac: - O quê?

Buckley: - Eu disse que você vai ser nomeado vice-presidente.

Kerouac: - Eu.

Buckley: - (risos) E a razão para que ...


Kerouac: - Meu pai, minha irmã e eu sempre lemos juntos. Desde os 6 anos. Fui preso
há umas duas semanas e o policial que me prendeu disse: “Estou te prendendo por
decadência”. (Risos de kerouac e toda platéia) Isso é bom, não é?

Buckley: - É possível que ele tivesse provas.

Convidado 1: - Pode ser o início de um outro movimento. Os “decandentistas”.

Kerouac: - Quem falou nisso?

Buckley: - alguém poderia me dizer, daqui a 10 anos, a seguir esse negócio de, o que
poderia acontecer com os hippies?

Convidado 2: - Daqui para frente acho que os hippies vão ser os líderes de uma nova
geração. Todos fumarão maconha, os jovens legisladores vão introduzir a legalidade da
maconha. Os jovens profissionais irão se ligar quando souberem da grande contribuição que
Ginsberg e Kerouac deram para a civilização da América.

Kerouac: - Como assim? Não tenho nada a ver com Ginsberg, não ligue meu nome a
essa coisa.

Convidado 2: - Está bem, da contribuição de Kerouac para a América, estas pessoas


estarão prontas para liderarem sua geração, e espera-se que eles conservem isso.

Kerouac: - Cale a boca. Como assim, liderar a geração?

Convidado 2: - É o que a revista Time diz.


ANEXO 3 – Música Alegria, alegria de Caetano Veloso

Caminhando contra o vento Sem lenço e sem documento,


Sem lenço e sem documento Eu vou...
No sol de quase dezembro
Eu vou... Eu tomo uma coca-cola
Ela pensa em casamento
O sol se reparte em crimes E uma canção me consola
Espaçonaves, guerrilhas Eu vou...
Em cardinales bonitas
Eu vou... Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Em caras de presidentes Sem fome, sem telefone
Em grandes beijos de amor No coração do Brasil...
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot... Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol nas bancas de revista O sol é tão bonito
Me enche de alegria e preguiça Eu vou...
Quem lê tanta notícia
Eu vou... Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Por entre fotos e nomes Eu quero seguir vivendo, amor
Os olhos cheios de cores Eu vou...
O peito cheio de amores vãos
Eu vou Por que não, por que não...
Por que não, por que não... Por que não, por que não...
Por que não, por que não...
Ela pensa em casamento Por que não, por que não...
E eu nunca mais fui à escola

Fonte: http://letras.terra.com.br/caetano-veloso/43867/

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