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LUÍS GRECO*
I. Considerações introdutórias
* Doutor em Direito pela Universidade Ludwig Maximilan, Munique; LL.M. pela mesma instituição; wis-
senschaftlicher Assistent junto à cátedra do Prof. Dr. h. c. mult. Bernd Schünemann; bacharel em Direito pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
1 Feuerbach, Über Philosophie und Empirie in ihrem Verhältnis zur positiven Rechtswissenschaft, in:
Lüderssen (coord.), Theorie der Erfahrung in der Rechtswissenschaft des 19. Jahrhunderts, Frankfurt a. M.,
1968, (orig. 1804), p. 61 e ss. (p. 93).
2 Vide seus estudos, dedicados a temas predominantemente filosóficos: Praktische Vernunft und Utilitaris-
mus, in: ARSP Beiheft 51 (1993), p. 87 e ss.; Die gerechte Begrenzung der Gerechtigkeit im Recht, in: Dem-
merling/Rentsch (coords.), Die Gegenwart der Gerechtigkeit, Berlin, 1995, p. 29 e ss.; A questão dos funda-
mentos da ética em Bentham e em Mill, in: — Revista Iberoamericana de Estudios Utilitaristas XII
(2003), p. 1 e ss.; Arthur Kaufmanns Gerechtigkeitslehre und die Grundlagen der Ethik, in: ARSP Beiheft 100
(2005), p. 25 e ss.; Der praktische Syllogismus im Recht und in der Ethik, in: Schünemann et alii (coords.),
Gerechtigkeitswissenschaft, Berlin, 2005, p. 77 e ss.
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O legislador português não está sozinho em supor que o dolo apresenta compo-
nentes volitivas. Também a doutrina amplamente dominante entende o dolo
como conhecimento e vontade de realizar o tipo objetivo.3
Como já desenvolvi noutra sede,4 tal parece uma visão simplificada das coisas.
Ainda que se reconheça nos termos “intenção” ou “conformando-se com” (art. 14
I e III, Código Penal Português), “quis” ou “assumiu o risco” (art. 18 I Código
Penal Brasileiro) uma conotação volitiva, há uma ambigüidade fundamental que
nos permite questionar as certezas da postura dominante. Esta ambigüidade diz
respeito à palavra vontade. Como demonstrou Puppe, a quem se filiou no Brasil
H. Souza Santos,5 na discussão sobre o dolo, o termo vontade é empregado em
dois sentidos um tanto diversos, que aqui serão caracterizados de forma bastante
grosseira, é verdade.6 Por vezes, designa-se por vontade um estado mental, algo
que ocorre literalmente na cabeça do autor, uma entidade empírica que pertence
ao universo psíquico de alguém. A proposição “a vontade do autor estava dirigida
3 Em Portugal Correia, Direito Criminal, Coimbra, 1963, p. 367, 368, 375; Figueiredo Dias, Direito Penal,
Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., Coimbra, 2007, 13.° cap. § 4 (p. 349); Pizarro Beleza, Direito Penal, 2.° vol.,
Lisboa, 1983, p. 180; na Alemanha, Lackner/Kühl, Strafgesetzbuch, 26ª ed., Munique, 2007, § 15 nm. 3
e ss.; Sternberg-Lieben, in: Schönke/Schröder, Strafgesetzbuch, 27ª ed., Munique, 2006, § 15 nm. 9 e ss.;
Stratenwerth/Kuhlen, Strafrecht, Allgemeiner Teil, 5ª ed., Köln/Berlin/München, 2004, § 8 nm. 61, 66; no
Brasil, Bitencourt, Código Penal Comentado, São Paulo, 2002, p. 55; Cirino dos Santos, Direito Penal, Parte
Geral, Curitiba, 2006, p. 132; Reale Jr., Instituições de Direito Penal, Parte Geral, vol. I, Rio de Janeiro,
2002, p. 219, 221; na Argentina Zaffaroni/Alagia/Slokar, Derecho Penal, Parte General, 2ª ed., Buenos Aires,
2002, p. 519.
4 Greco, Algumas observações introdutórias à “Distinção entre dolo e culpa”, de I. Puppe, em: Puppe, A dis-
tinção entre dolo e culpa, trad. Greco, São Paulo, 2004, p. IX e ss. (p. XVI e ss.).
5 Puppe, A distinção…, p. 31 e ss.; H. Souza Santos, Problemas estruturais do conceito volitivo de dolo, em:
Greco/Lobato (coords.), Temas de Direito Penal, Rio de Janeiro, 2008, p. 263 e ss. (268 e ss.).
6 A delimitação mais exata do sentido desses conceitos talvez seja a maior contribuição que a dogmática
do dolo pode esperar da filosofia da linguagem e da mente. Para tentativas de recepção vide Kindhäuser, Der
Vorsatz als Zurechnungskriterium, in: ZStW 86 (1984), p. 1 e ss. (5 e ss.); recentemente Bung, Wissen und
Wollen im Strafrecht, Frankfurt a. M., 2009, p. 57 e ss., 133 e ss., que se apóia quase que exclusivamente em
Davidson; e principalmente Stuckenberg, Vorüberlegungen zu Vorsatz und Irrtum im Völkerstrafrecht, Berlin,
2007, p. 174 e ss.; no Brasil Busato, Dolo e significado, em: Modernas tendências sobre o dolo em direito penal,
Rio de Janeiro, 2008, p. 93 e ss. (p. 115 e ss.), com referências à doutrina espanhola. Isso não significa que
se deva daí extrair mais do que um auxílio na precisão dos conceitos (assim também Stuckenberg, Vorüberle-
gungen…, p. 168 nota 855) — cf. a crítica mais abaixo, item IV.
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7 Lacmann, Über die Abgrenzung des Vorsatzbegriffes, in: GA 58 (1911), p. 109 e ss. (p. 119); idem, Die
Abgrenzung der Schuldformen in der Rechtslehre und im Vorentwurf zu einem deutschen Strafgesetzbuch,
ZStW 31 (1911), p. 142 e ss. (p. 159); Puppe, A distinção…, p. 45 e s.; idem, Der Vorstellungsinhalt des dolus
eventualis, in: ZStW 103 (1991), p. 1 e ss. (4 e s.); idem, Begriffskonzeptionen…, p. 73.
8 Essa variante se deve a Souza Santos, Problemas estruturais…, p. 285. No caso original, o atirador é um
garoto, a quem se promete o montante de 20 marcos caso consiga acercar uma bola de vidro que se encontra
na mão da menina que trabalha na tenda de tiro ao alvo.
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seu patrimônio. Ainda assim, parece que ninguém hesitará em afirmar o dolo, e
se essa conclusão é correta, isso significa que tanto o Código, quanto a doutrina
dominante conhecem casos de dolo sem vontade em sentido psicológico.
As próximas linhas terão por objeto o conteúdo psicológico do dolo. Em prin-
cípio, o termo “vontade” será utilizado no restante do texto em sentido exclusi-
vamente psicológico-descritivo, e assim também o é no título do presente tra-
balho.
cia empírica dessas duas componentes psíquicas estaria justificado o reproche por
dolo. Este grupo de posturas dualistas, que exige conhecimento e vontade para
que se configure o dolo, é o das chamadas teorias volitivas.
O objetivo do presente trabalho é, obviamente, questionar as posturas voli-
tivas, defendendo uma teoria cognitiva do dolo. Procederemos em dois passos:
primeiro, perguntando se sequer a exigência de conhecimento, em sentido psi-
cológico, está justificada; e, após darmos uma resposta afirmativa a esta pergunta,
se a exigência de vontade (em sentido psicológico) também está justificada. A esta
segunda pergunta será dada uma resposta negativa.
des Vorsatzes, in: Gedächtnisschrift für Armin Kaufmann, 1989, p. 289 e ss. (p. 304 e ss.); Díaz Pita, El dolo
eventual, Valencia, 1994, p. 311 e ss.; Canestrari, Die Struktur des dolus eventualis, in: GA 2004, p. 210 e ss.
(p. 219 e ss.); e Philipps, An der Grenze von Vorsatz und Fahrlässigkeit, in: Festschrift für Roxin, Berlin/New
York, 2001, p. 365 e ss., que propõe nada menos do que 26 parâmetros. Simpático também Roxin, Zur Nor-
mativierung des dolus eventualis und zur Lehre von der Vorsatzgefahr, in: Festschrift für Rudolphi, Neuwied,
2004, p. 243 e ss. (p. 246 e ss.). Para uma crítica convincente, que demonstra o quanto esta perspectiva se apro-
xima de um direito penal de autor, Puppe, Begriffskonzeptionen des dolus eventualis, in: GA 2006, p. 65 e ss.
(p. 78).
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18 Cf. principalmente as considerações metodológicas em Jakobs, Strafrecht, Allgemeiner Teil, 2ª ed., Berlin/
/New York, 1993, p. VII e s.; para os fundamentos jusfilosóficos Jakobs, Das Strafrecht zwischen Funktiona-
lismus und ‘alteuropäisches’ Prinzipiendenken, in: ZStW 107 (1995), p. 843 e ss. (trad. para o espanhol de
Cancio Meliá/Feijóo Sánchez intitulada Sociedad, norma, persona en una teoría de un derecho penal funcio-
nal, Bogotá 1996); idem, Norm, Person, Gesellschaft, 3ª ed., Berlin, 2008; sobre o funcionalismo de Jakobs
vide, entre muitos outros, brevemente Greco, Introdução à dogmática funcionalista do delito, in: RBCC 32
(2000), p. 120 e ss. (138 e ss.); mais extensamente Peñaranda Ramos/Suárez González/Cancio Meliá, Conside-
raciones sobre la teoría de la imputación de Jakobs, in: Jakobs, Estudios de Dereco Penal, Madrid, 1997, p. 17
e ss.; Montealegre Lynett/Perdomo Torres, Funcionalismo y normativismo penal. Una introducción a la obra de
Jakobs, Bogotá, 2006.
19 Jakobs, Studien zum fahrlässigen Erfolgsdelikt, Berlin/New York, 1972, p. 105 e s.; idem, Das Fahrläs-
sigkeitsdelikt, in: ZStW-Beiheft 1974, p. 6 e ss. (p. 8); idem, Über die Behandlung von Wollensfehlern und
von Wissensfehlern, in: ZStW 101 (1989), p. 516 e ss. (528 e ss.) (trad. para o espanhol de Suárez González
em Jakobs, Estudios…, p. 127 e ss.); idem, Das Strafrecht zwischen Funktionalismus…, p. 861 ff.; idem, Straf-
rechtliche Zurechnung und die Bedingungen der Normgeltung, in: ARSP-Beiheft 74 (2000), p. 57 e ss. (62
nota 7) (trad. para o espanhol de Sánchez-Vera em Gómez-Jara [coord.], Teoría de sistemas y Derecho penal,
Granada, 2005, p. 177 e ss.); idem, Gleichgültigkeit als dolus indirectus, in: ZStW 114 (2002), p. 584 e ss.
(trad. para o espanhol de Pérez del Valle em Libro Homenaje a Bacigalupo, Madrid, 2004, p. 345 e ss.); idem,
Handlungssteuerung und Antriebssteuerung, in: Festschrift für Schreiber, Heidelberg, 2003, p. 949 e ss. (956);
idem, Dolus Malus, in: Festschrift für Rudolphi, Neuwied, 2004, p. 107 e ss.; de acordo Lesch, Dolus directus,
indirectus und eventualis, JA 1997, p. 802 e ss.
A crítica de Vogel, Normativierung und Objektivierung des Vorsatzes?, in: GA 2006, p. 386 e ss. (388 e s.;
= Leipziger Kommentar…, Vor § 15 nm. 70), segundo a qual a teoria de Jakobs leva a que se punam fatos não
dolosos como se dolosos fossem, é uma clara petitio principii.
20 Jakobs, Über die Behandlung…, p. 529.
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parece correto punir o primeiro terrorista por tentativa de homicídio, vez que
houve início da execução e dolo eventual, ao mesmo tempo em que se isenta o
segundo terrorista de responsabilidade pela tentativa, uma vez que falta o conhe-
cimento e, portanto, o dolo, segundo o conceito psicológico dominante, e é
impossível puni-lo por homicídio culposo, pois o resultado não se produziu.
Jakobs considera essa disparidade de tratamento injustificável e com isso lança um
interessante desafio a quem se propuser a defender um conceito do dolo como
conhecimento em sentido psicológico.
A pergunta, portanto, é se o dolo deve sequer apresentar uma componente psi-
cológica, se o dolo sequer pressupõe conhecimento em sentido psicológico.21
O defensor da posição dominante, que responde a esta pergunta de modo afir-
mativo, tem de ser capaz de aduzir uma razão que fundamente por que a con-
duta daquele que atua com conhecimento apresenta um maior conteúdo de des-
valor do que a daquele que atua sem conhecimento. E esta razão tem de ter peso
o suficiente para explicar o tratamento duplamente mais severo que o dolo recebe
em comparação com a culpa: mais severo, primeiramente, pela sua extensão, uma
vez que na maior parte dos crimes só se pune a realização dolosa, e não a culposa,
e só nos casos de dolo se pune a tentativa22; e mais severo também no que se
refere à intensidade, uma vez que, nos crimes que apresentam forma culposa, a
dolosa recebe pena muito mais grave.
Parece-me que a existência de conhecimento naquele que age faz, sim, surgir
uma razão que atende às exigências que se acaba de mencionar. Essa razão deriva
do fato de que o conhecimento é o fator subjetivo fundamental para que se possa
considerar que o autor agiu com domínio ou controle sobre aquilo que estava em
vias de realizar.23 Conhecimento significa domínio. Aquele que sabe o que faz e
21 No sentido em que se usa o termo querer no direito penal, só se pode querer algo, se se sabe o que é esse
algo. Por isso, a pergunta quanto a se o dolo sequer tem uma componente psicológica é idêntica à pergunta
quanto a se o dolo tem uma componente cognitiva.
22 Nem tanto por ser impensável a tentativa na culpa, pois é uma questão terminológica falar em “tentativa
culposa” ou em “mero desvalor da ação culposa, sem desvalor do resultado”, havendo quem se valha dessa pri-
meira terminologia sem maiores preocupações (por ex. Jakobs, Strafrecht…, § 9 nm. 27, § 25 nm. 29, com
mais referências). Observe-se que colocar o problema nestes termos, supondo que o conceito de dolo depen-
derá das razões que fundamentam a pena mais severa do dolo (assim também Frisch, Vorsatz und Risiko, Köln
etc., 1983, p. 31 e ss., 34: “por que punimos o agir doloso mais freqüente e mais severamente que o culposo?”;
Silva Sánchez, Aproximacion al Derecho Penal Contemporáneo, Barcelona, 1992, p. 402; Figueiredo Dias,
O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal, 4ª ed., Coimbra, 1995, p. 374; Ragués i Valles, El
dolo y su prueba en el proceso penal, Barcelona, 2002, p. 33; e já anteriormente Engisch, Untersuchungen…,
1930, p. 30, 52), implica a adoção de uma postura funcional, defendida também pelo homenageado (Sousa
e Brito, Etablierung eines Strafrechtssystems zwischen formaler Begriffsjurisprudenz und funktionalistischer
Auflösung, in: Schünemann/Figueiredo Dias [coords.], Bausteine des europäischen Strafrechts, Köln etc., 1995,
p. 71 e ss.; há trad. espanhola, de Castineira Palau, in: Silva Sánchez [coord.], Fundamentos de um sistema
europeo del derecho penal, Barcelona, 1995, p. 99 e ss.).
23 Assim também Schünemann, Vom philologischen zum typologischen Vorsatzbegriff, in: Festschrift für
Hirsch, Berlin/New York, 1999, p. 363 e ss. (p. 371); sobre o conceito de domínio em sua relevância para a
teoria do injusto fundamental Schünemann, Grund und Grenzen der unechten Unterlassungsdelikte, Göttingen,
1971, p. 229 e ss., 236.; mais recentemente idem, Lo permanente y lo transitorio del pensamiento de Welzel
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o que pode decorrer de seu fazer controla, em um certo sentido, aquilo que faz e
o que pode decorrer de seu fazer. O conhecimento é necessário para a existência
de domínio sobre a realização do fato, e esse domínio dá origem a duas fortes
razões para que aquele que o possui receba um tratamento mais severo.
A primeira dessas razões é de ordem conseqüencialista, isto é, tem a ver com a
conveniência, com as boas conseqüências que podemos esperar se punimos mais
gravemente quem atua com conhecimento.24 Se queremos prevenir crimes, mas
a prevenção gera custos, é racional empenharmos nossos limitados recursos pri-
meiramente na prevenção de condutas que, por serem dominadas, são — ceteris
paribus (isto é, mantendo-se o resto constante) — tanto mais perigosas para bens
jurídicos penalmente protegidos, como também mais passíveis de virem a ser re-
pensadas e abandonadas pelos agentes que estão a ponto de as praticar. A exis-
tência de um domínio sobre a realização do fato gera, portanto, maior necessidade
de prevenção, e é este o primeiro fundamento, de natureza conseqüencialista, para
a exigência de conhecimento no conceito de dolo.25
Mas nem tudo que é conveniente é correto. Os fins não justificam os meios.
É preciso averiguar se o tratamento que nos convém dispensar ao autor não
acaba por instrumentalizá-lo e a desrespeitá-lo como pessoa. Noutras palavras,
é preciso encontrar ainda uma razão de ordem deontológica para a punição mais
severa daquele que atua com conhecimento e, conseqüentemente, com domínio
sobre o fato. Essa razão está em que aquele que atua com domínio, por deter em
suas mãos o poder de decidir que curso de ação tomará e, em certa medida, que
conseqüências daí decorrerão, possui ceteris paribus uma muito maior responsa-
bilidade pela prática dessa ação e pelas conseqüências que venham a produzir-se
do que aquele que atua sem esse domínio. Ações praticadas com conhecimento
e, portanto, com domínio são ações que “pertencem” àquele que as pratica de
uma maneira muito mais íntima do que ações praticadas sem esse conheci-
mento.26
en la dogmática penal de principios del siglo XXI, in: Hirsch/Cerezo/Donna (coords.), Hans Welzel en el pen-
sameniento penal de la modernidad, Buenos Aires, 2005, p. 251 e ss. (262 e ss.); idem, El dominio sobre el
fundamento del resultado, in: Homenaje a Rodríguez Mourullo, Navarra, 2005, p. 981 e ss. (987 e ss.); versão
mais atual em Leipziger Kommentar zum Strafgesetzbuch, 12ª. ed., vol. I, § 25 nm. 16, 39 e ss., com referên-
cias. Próximos Otto, Grundkurs Strafrecht, 7ª. Ed., Berlin, 2004, § 7 nm. 26 (“dirigibilidade”, Steuerbarkeit);
Frisch, Vorsatz.., p. 103 e ss., que fala num “poder superior de evitação” (erhöhte Vermeidemacht) e também
separa com cuidado o aspecto deontológico do conseqüencialista.
24 Para o conceito de conseqüencialismo cf. Shaw, The Consequentialist Perspective, in: J. Dreier (coord.),
Contemporary Debates in Moral Theory, Malden, 2006, p. 5 e ss. (p. 5); Birnbacher, Analytische Einführung
in die Ethik, Berlin/New York, 2003, p. 173; Frey, Act-Utilitarianism, in: LaFollette (coord.), The Blackwell
Guide to Ethical Theory, Malden, 2000, p. 165 e ss. (165); Kamm, Nonconsequentialism, no mesmo volume,
p. 205 e ss. (p. 205).
25 Este argumento aparece em Schünemann, Leipziger Kommentar…, § 25 nm. 41; idem, Lo permanente…,
p. 266; idem, El dominio…, p. 990; e também em Schünemann/Greco, Der Erlaubnistatbestandsirrtum und
das Strafrechtssystem, in: GA 2006, p. 777 e ss., p. 784, se bem que aqui não tão claramente diferenciado da
próxima razão.
26 Schünemann/Greco, Der Erlaubnistatbestandsirrtum…, p. 784 (com a reserva feita na nota anterior).
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Põe-se, assim, uma nova pergunta: ainda que se admita que a vontade é desne-
cessária para afirmar o dolo, terá ela qualquer relevância para fundamentá-lo?
Pensemos no caso estruturalmente inverso ao da variante do atirador de Lac-
mann: nesta variante, não havia vontade em sentido psicológico, mas só conhe-
cimento da própria ação de efetuar um disparo em direção à cabeça de uma
menina e, portanto, da criação de um risco relativamente intenso de que se pro-
duza o resultado morte da menina. A situação inversa, em que há vontade, mas
27 Vide já Schünemann, Strafrechtsdogmatik als Wissenschaft, in: Festschrift für Roxin, Berlin/New York,
2001, p. 1 e ss. (20); Schünemann/Greco, Der Erlaubnistatbestandsirrtum…, p. 784.
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28 Vide a discussão em Puppe, A distinção…, p. 66 e ss.; ademais idem, Vorsatz und Zurechnung., Heidel-
berg, 1992, p. 63 e ss., que chega a conclusão idêntica à que abaixo defenderei. A denominação “caso Thyren”,
a rigor não tão comum na Alemanha, aparece, por ex., em Rueda Martin, La teoría de la imputación objetiva
del resultado en el delito doloso de acción, Barcelona, 2001, p. 130 e ss.
29 Por ex. Roxin, Zur Normativierung…, p. 250 e s.; idem, Strafrecht…, § 12 nm. 51; Schünemann, Über
die objektive Zurechnung, in: GA 1999, p. 207 e ss. (p. 220); Figueiredo Dias, Direito penal…, 13 cap. § 40
(p. 369); Herzberg, Zum Fahrlässigkeitsdelikt in kriminologischer Sicht und zum Gefahrmerkmal des Vorsatz-
delikts, in: Festschrift für Schwind, Heidelberg, 2006, p. 317 e ss. (p. 330); Laurenzo Copello, Algunas refle-
xiones críticas sobre la tradicional división tripartita del dolo, in: Libro homenaje a Torío López, Granada,
1999, p. 423 e ss. (p. 431 e s.); Vogel, Leipziger Kommentar…, § 15 nm. 85; mais referências em Rueda
Martín, La teoría…, p. 132 e ss. Anteriormente já Engisch, Untersuchungen…, p. 152 e ss.
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remos logo mais a essa questão30 — não parece possível que, num direito penal
de fato, uma mera vontade, sem domínio, possa equivaler ao domínio. O fato
de que o autor queira realizar o que não domina não gera nem uma maior neces-
sidade de prevenção, uma vez que o fato não é tão perigoso, nem uma maior res-
ponsabilidade do autor, uma vez que a eventual ocorrência do resultado se dá em
parte por acaso.
Com o que chegamos a mais uma conclusão intermediária: a de que, nos cha-
mados casos de dolo direto de primeiro grau, tem de existir um conhecimento tal
que confira ao autor o domínio sobre aquilo que ele está a ponto de realizar.
A mera vontade não pode transformar em dolosa uma realização de tipo objetivo
que o autor não domina.
31 Outro bom exemplo no mesmo sentido é formulado por Feijóo Sánchez, El dolo eventual…, p. 35: “um
empresário danifica os freios de um caminhão em que viajam dois empregados, porque é amante da esposa
de um deles e quer livrar-se do marido de sua amante. Haverá um homicídio doloso e outro culposo porque
ele ‘quer’ que morra apenas o marido de sua amante e ‘deseja’ ferventemente que ao outro ocorra o mínimo
possível?” Vide abstratamente também Jakobs, Strafrecht…, § 8 nm. 26.
32 Puppe, A distinção…, p. 61 e s. A passagem de Herzberg encontra-se em Die Abgrenzung von Vorsatz
und Fahrlässigkeit — ein Problem des objektiven Tatbestandes, in: JuS 1986, p. 249 e ss. (262): “para o dolo
não importa se o autor levou a sério o perigo que conhecia, e sim se ele conhecia um perigo que devia ser levado
a sério”; de acordo Souza Santos, Problemas estruturais…, p. 288; Feijóo Sánchez, El dolo eventual…, p. 33; no
mesmo sentido Sancinetti, Teoría del delito y disvalor de acción, 2ª. reimpressão, Buenos Aires, 2005, p. 201.
A crítica de Vogel, Normativierung…, p. 387 (= Leipziger Kommentar…, vor § 15 nm. 67), de que com isso
a vontade do autor seria declarada irrelevante, é na melhor das hipóteses uma descrição, mas mais provavel-
mente uma outra petitio principii.
LUÍS GRECO 897
Resta, assim, uma única saída para o defensor da doutrina dominante: forne-
cer um tal fundamento para a relevância da vontade. Este fundamento, como
acima foi dito, tem de conseguir dar conta de justificar o tratamento dupla-
mente mais severo dispensado pelo direito positivo ao dolo em comparação
à culpa. Dessa colocação do problema já deriva uma série de importantes con-
siderações. A primeira delas é que o difundido apelo à linguagem cotidiana,
ao sentido da palavra dolo ou intenção,35 é insuficiente, uma vez que o que
está em jogo não é a descrição do sentido de uma palavra à maneira do dicio-
44 Schroth, Vorsatz…, p. 117. Similar Hassemer, Einführung in die Grundlagen des Strafrechts, 2ª ed.,
Munique, 1990, p. 223; idem, Kennzeichen…, p. 297, em cujo argumento aparecem fortes tonalidades de pre-
venção geral positiva.
45 Por ex. Feuerbach, Revision I…, p. 44 e s.
46 Feuerbach, Kritik des Kleinschrodischen Entwurfs zu einem peinlichen Gesetzbuche für die Chur-Pfalz-
Bayrischen Staaten, vol. II, Giessen, 1804, p. 71. Para o conceito de dolo em Feuerbach cf. ademais Greco,
Lebendiges…, p. 60 e ss.
47 Sobre essa questão Greco, Lebendiges…, especialmente p. 356 e ss., p. 361 s.
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gico o decisivo para valorar seu comportamento. Uma vez que a pessoa é também
um ser que age, que atua sobre o mundo, considerar o domínio e, portanto, o
conhecimento da própria ação e das conseqüências que dela podem derivar como
os fatores decisivos parece corresponder ainda melhor a quaisquer exigências de
respeito à pessoa.
Por fim, seria possível recorrer a um contra-argumento um tanto comum
entre os defensores da teoria da vontade — de que a teoria cognitiva expande
de maneira excessiva o alcance do dolo — e transformar esse argumento na tese
negativa de que o elemento volitivo é necessário, porque só ele pode operar uma
restrição da punibilidade57. Quanto a isso, três observações. A primeira é que a
exigência de um elemento volitivo poucas vezes é levada a sério pelos seus defen-
sores, que costumam, no mais das vezes, atribuí-lo ou negá-lo valendo-se ou de
critérios objetivos, como a intensidade do perigo, 58 ou — o que é pior — recor-
rendo a uma intuição imperscrutável. A segunda é que a teoria cognitiva aqui
proposta também pune menos — vide os casos do disparo à distância. Pense-se,
também, nos casos de homicídios no trânsito, em quais a jurisprudência brasi-
leira, partindo da teoria volitiva, não raro afirma o dolo,59 de maneira que ele
poderia ser facilmente negado a partir de uma teoria cognitiva como a da pro-
babilidade. E a terceira diz respeito a que nem sempre punir menos é algo posi-
tivo. No Brasil, Hungria considerava impune o estupro praticado pelo marido
contra a esposa: exercício regular de direito.60 É superficial supor que uma razão
para punir menos será sempre uma boa razão, porque toda razão para punir
menos se torna, na sua ausência, ceteris paribus uma razão para punir mais. Exi-
gir o elemento volitivo significa, por um lado, que quem age sem o elemento
volitivo escapará da pena por dolo, mas por outro que quem apresentar essa
vontade já receberá a pena mais grave, ainda que não se saiba o porquê da rele-
vância dessa vontade.61
Nenhum dos fundamentos mencionados logra convencer. Isso significa que, se
continuamos a punir por dolo baseados na vontade, estamos punindo baseados
57 Zaffaroni/Alagia/Slokar, Derecho penal …, p. 520. Para os autores, este argumento deriva, em última aná-
lise, da premissa de que o direito penal seria de todo ilegítimo, de modo que a função da teoria do delito e dos
conceitos nela presentes não pode ser justificar ou fundamentar a pena, mas tão-somente restringi-la (por ex.
Zaffaroni/Alagia/Slokar, Derecho penal …, p. 46, 51 e ss., 372 e ss.). Como o argumento é, porém, indepen-
dente dessa premissa em boa parte questionável, não tratarei dela nesta sede (discussão da premissa em Greco,
Lebendiges…, p. 207 e ss.).
58 Neste sentido também Ragués i Valles, El dolo…, p. 25, 83 e ss., que fala num “consenso divergente“.
59 Referências de julgados até do Supremo Tribunal Federal Brasileiro em Nucci, Código penal comentado.
8.ed. São Paulo, 2008, p. 198 e s. Criticamente, apesar de adotarem a perspectiva volitiva, Shecaira, Dolo even-
tual e culpa consciente, in: RBCC 38 (2002), p. 142 e ss. (p. 149 e s.); Wunderlich, O dolo eventual nos homi-
cídios de trânsito: uma tentativa frustrada, in: Revista dos Tribunais 754 (1998), p. 461 e ss.
60 Hungria, Comentários ao Código Penal, vol. VIII, Rio de Janeiro, 1959, p. 125 e s.
61 Curiosamente, os próprios Zaffaroni/Alagia/Slokar, Derecho penal…, p. 525, advertem sobre a proximi-
dade dos critérios das teorias volitivas a um direito penal de autor, sem que isso lhes sirva de razão para acolher
uma teoria cognitiva.
902 DOLO SEM VONTADE
62 Assim também Frisch, Vorsatz und Risiko, Köln/Berlin/Bonn/München, 1983, p. VII, 342; Puppe, A dis-
tinção…, p. 132; idem, Der Vorstellungsinhalt…, p. 15; idem, Vorsatz und Zurechnung…, p. 65; Sancinetti,
Teoría del delito…, p. 207 e ss.; Ragués i Valles, El dolo…, p. 185.
63 No que assistia razão a Herzberg, Die Abgrenzung…, p. 249 e ss.; recentemente idem, Zum Fahrlässig-
keitsdelikt…, p. 323, 327, apesar de sua formulação exagerada.
64 Para dizê-lo de modo mais tecnicamente exato, para agir com dolo, tem o autor de supor a criação de um
risco dessa ordem. Nos ordenamentos como o português ou brasileiro, que não punem a tentativa inidônea
(art. 23.° III, CP português; art. 17 CP brasileiro), acaba não havendo diferença relevante entre as duas for-
mulações. Já em face do direito alemão, que pune a tentativa inidônea (§§ 22, 23 StGB) a formulação do corpo
do texto não é tão exata.
65 Herzberg, Die Abgrenzung…, p. 253 e ss.; idem, Das Wollen…, p. 639 e ss.; idem, Der Vorsatz als
‘Schuldform’, als ‘aliud’ und als ‘Wissen und Wollen?’, in: Festschrift 50-Jahre BGH, München, 2000, p. 51
e ss. (p. 68 e ss.); idem, Zum Fahrlässigkeitsdelikt…, p. 325.
66 Puppe, A distinção…, p. 82; idem, Vorsatz und Zurechnung…, p. 39; idem, Begriffskonzeptionen…, p. 74.
67 Sancinetti, Teoría del delito…, p. 201 e s.
LUÍS GRECO 903
VI. Síntese
68 Souza Santos, O dolo e a culpa no direito penal, Rio de Janeiro, Dissertação de Mestrado (UCAM), 2006,
p. 100, 133 e s.