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1. De um livro a outro
Etrmnl~eza
Estacionanios,algum tempo, numa obra consagrada à avaliação das psicotenpias. Estaciona-
mos para resumi-la, elucidá-Ia e esmiuçá-la com aquilo que poderíamos, talvez, qualificar, cha-
mar de um certo "sadisnio lacaniano"'. Agora, é de um outro livro que vai se tratar, um livro que
vou Ihes apresentar, ainda que, sob outras formas, isso do que se trata Ihes seja familiar Seu
conteúdo já passou por esse Curso ao longo dos anos e por numerosos, inumeráveis Cursos e
:irtigos2.Contudo, algunia coisa se passa quando essa massa de notas toma fonna de livi-o.Em
todo caso, posso testemunhar que algo se passa comigo no próprio traballio de dar essa foiina,
ao que, evidentemente, como vocês, percorri e meditei. Trata-se do novo tomo a ser publicado
do Seniiiiário delacques Lacan, Osmnina??o, L i m 10, A ang~istia.Eu Ihes ~ i g as o i-eflexõestle
:ilguém que ainda está - náo no meio da travessia - mas entre as prinieiras e as seguntl;is provas.
Esse que Ihes fala está, de empreitada, e não é de hoje, num contexto do qual vocês mesmos
sabeni a que ponto ele foi movimentado este ano - um contexto que náo C talvez indiferente à
escolha que fiz de levar esse Seminário à publicação. Num contexto em que a regulamentaç50
das psicoterapias deu o que falar, contexto mah amplamente marcado pela paixáo pela avalia-
çáo, a pi~blicaçãode um tal livro não poderia ser senão intempestiva, a contratempo, desafinada,
1
II
~~ublicação da qual se pode antecipar que ela fará ouvir uma dissonhcia.
Num certo sentido, náo se poderia sonhar melhor pai2 esse Seminário: que ele apai-eça,
que chegue ao público num moinento ein que se pode estar certo de que ele sobressairá por
sua estranheza.
Atravessar
Seria cômico ao mais alto grau - contenho-me, então - erguer um paralelo entre um livro
e outro, entre o relatório do INSERM e o Seniinário da Angústia. Seria preciso fazê-lo, no
gênero zombar com ar sério.
O que é que se diria, então? Que um é um crabalho de equipe, que abarca toda a
I
psicopatologia, ou quase, enquanto que o outro é a obra de um pesquisaclor isolado,
primeiro livro insénnico não perde nunca de vista o tntamento das perturbações e procura sem-
pre o melhor, no segundo
- livro, o de Lacan, não podemos verdadeiramente dizer que a angústia
seja considerada comouma penurhação, como uma disfunção. E não nie parece ter enconu-ado
nesse Seniináiio a in(li&@o de que a angústia da qual se tnta, digamos, a angústia lacaniana - e
para se chegar a ela o autor procede a uma enoime desobstru<ãodas formas múltiplas da angústia
e das ocasiões de seu apareciinento - n2o me parece ter encontrado nesse Seminário a indicação
de que seja questao, propriamente Eilando, de cuk-Ia. Trata-se, quando muito, cle atravessá-I;!.
Assini, o autoi; o orado! transformado em autor, brilha, quando consideramos essa obra em rela-
çio a outra, brilha pelo 'que parece ser sua indiferença para coni o tratamento, todo ocupado que
iacan se mostra com o que é a sua pakfio própria. Qual?Esta da qual ele não se furta: a de prosse-
guir seu discurso, a cle articular termos, de uni-los e de dar a cada um seu exato lugar Eis o que
pode servir de fio condutor a essa pesqiiisa. Em vão encontraríamosai uma resposta direta ao que
mobiliza as equipes. ~ u h o que é da ordem da psicoterapia, está, de maneira sobeha, airogante,
ausente da obra. É por esse traço que ela se encontra especialmente intempestiva no momento
em que somos requeridos - e por quein? - a responder sobre o tratamento e sua eficácia.
Uina dislâi7cia
Por que a escolha da angústia? Por que b c a n escolheu a angústia coiiio o décimo de seus
Seininários? E ele obseiva eni seu Seminário que é para a surpresa de seus ouvintes, para
quem o tenia, é preciso crer, não era evidente no ponto cle seu desenvolviinento.
Demos, já de urna vez, essa resposta: a angústia escolhida por iacan, a angústia lacaniana, é
uina via de acesso ao objeto pequeno a Ela é concebida conio a via de acesso ao que nio é
significante. É preciso dizer que a própria angústia, a angústia enquanto tal, não é significante;
como via de acesso ao resto que não é significante, Lacan escolhe uma via equivoca, unia via que
parece duvidosa e que é a de um afeto. Apesar do titulo de Kierkegaard, que ele qualifica de
audacioso, isso não é um conceito, é, antes, o queveni no lugar de um conceito. E é exaumente
porque aqui iacan escolhe a angústia como separada do conceito que, no ano seguinte, conio
contmpeso, ele ~ITL quatro conceitos:O.sq~ratroc o n c d l o . s u a t a i s , que vêin conio os cava-
leiros do Apoadipse, se posso dizer, levii-los. Eles I-estani condicionados pelo fato de que a via
escolhida anteriormente foi nio-conceitual.Eu Ihes tra~eio detalhe que faz coiii que o que eu Ilies
diga não seja uina superelucidaçáo.Estou, evidentemente, na superelucidação,uma vez que iiiui-
tos de vocês conhecem isso. É preciso, então, que eu dè aqui um compleniento do que a iiiiiii
inesiiio iiie pareceu, particularmente ao longo desse trabalho, ser o estilo clesse Seminário.
Poderíamos em [parte dizer que sou eu quem lhe dá um estilo: pelo corte, pelo corte d;i
fi-ase,do parágrafo, da parte, porque na estenografia há alguma coisa que é da ordem do fluxo
verbal. O léxico permanece o mesnio porquanto conseguimos aqui e ali reconstituí-10, iiias,
evidentemente, eu me encarrego da gramática, tla constmção gramatical. Nesse trabalho, eu
me dei conta de que, nesse nível do estilo, parecia-me mais adequado d e ~ ~inenos ar inversóes
na construção gciniatic:il, de tal iiianeira que há, no conjunto do trab:ilho que tive que fazer
p:~rarelé-lo - e náo apçnas uma vez - uni fraseado mais uniforme. E isso, é preciso que eu o
ponha sob niinli;~conta. Pareceu-me que, em 2004, era preciso renunciar a certas inversões
praticadas por hcan para seu auditório.
Fiqueiii tranqüilos, isso não toca o fundamento e dig:imos que facilita o acesso ao de que
se tnta. Mas não é preciso dar a isso unia iniportância excessiva, é bastante superficial e nio
seria perceptível se eu não o houvesse assinalado. Apesar dessa operação de transcrição, resta
que deixei - porque
. . me parecia fundamental - esse traço do estilo, uma distância feita p ; i ~ i
marcar a diferença, a heterogeneidade de pequeno a ao significante.
Um atelier
Aqui, entra-se nuin mundo que nada tem a ver com esse do qual saímos, inundo da
vociferação unívoca do imperativo em nome do Um. Na dimensão em que o objeto a virá
ocupar o seu lugar, estamos num campo em que nada é evidente, onde as evidências são
desfeitas, suspensas, unia diinensão que exige o que Husserl chamava épokhè - em grego, a
suspensão - à espera, para ele, de uma aparição purai0.Mas a fenomenologia, por sua vez,
permanece dominada pelo especular, pelo campo do visível, enquanto que aqui, ao contrário,
o especular é objeto de um forçamento. E o próprio Lacan é levado a forçar seus próprios
esquemas do especular. Ele destrói, ele desenvolve, mas ele torce seus esquemas que tanto o
ocuparam na construção do imaginário. Na primeira pane do Seminário, os esquemas ópticos
são ao mesnio tempo explorados e destmidos, e, na segunda parte, eles ficani fora do páreo.
Em seguida, é uni outro espaço que se abre, onde o especular encontra, então, novos temos,
novas funções que não mais se parecem, de fornia alguma, com o estádio do espelho.
E isso não é lateral. A medida que o objeto a é construído, constrói-se, secretamente, se
posso dizei; unia nova concepçfto do especular Ao ponto que encontramos, no último capítu-
lo desse livro, coris~ruídosobre o iiiodelo do esquema que aparece no primeiro capítulo, seu
respondente no nível especularl1.Ele pode vir como uma surpresa - Lacan nunca o 1-etomou
- inas, na i-ealidade,é o próprio percurso desse Seminário, do capítulo I ao capítulo XXIY e
que leva a inostrai-o resultado obtido no nível especular.
Portanto, esse Seminário é um questionamento constante do privilégio atribuído pelo pi-ó-
prio Lacan, na psicanálise, i dimensão especular, e ela se revela pela emergência do objeto a,
a própria diinensão ein que o pequeno a é mais difícil de ser apreendido. A dimensão especu-
lar, na qual se desenvolve a operação do estádio do espelho- uma referência que náo dispen-
sanios, mas que é preciso, mesmo assim, considerar do ponto de vista do Seminário da An-
giíctia -, é a dimensão por excelência em que o pequenoa é reduzido a zero. Lacan o qualifica
exatamente empregando um termo que é freudiano: "O campo especular é o campo em que
o sujeito está mais seguro quanto à angú~tia."'~ O termo freudiano é "segurança", uin termo
que encontramos em Inibi~áo,sintoma e angÚ.ítia".
Nesse Seminário, desloca-se num campo onde a adequação dos nomes às coisas não é
evidente, desloca-se na [~rópriafalha entre o imaginário e o real e, com isso, o Seminário
explora a falha entre o simbólico e o real. A perspectiva insémica, que tem toda a sua dignida-
de, implica, no viés pelo qual a considero aqui, que o real é exaustivamente percoirido pelo
Armadilha
Embaraço é uma palavra trazida, logo de início, por esse Seminário, a partir da deconipo-
siçjo do termo freudiano inibição, que inicia a série "inibiçáo, sintoma, angústia". A inibição
de uma funçao vital é, aliás, o que está imerso no t e m o que senfe para tudo: dishnção. A
inibiçio é o núcleo, o ápice da dishnção. O Seminário se inicia por unia decomposição da
inibiçáo, uina decomposição conceitual que separa o funcionamento e o entrave ao funciona-
niento. Não são os ternios que Iacan emprega. Ele se orienta no primeiro capítulo de Inibi-
ção, sintoina e angzktia, de Freud, e na Função especialmente evidenciada da motricidade;
então, a decomposição não se chama "Funcionamento e entrave", inas "moviniento e dificul-
dade". A partir do ternio "inibição", constrói-se uma matriz: o movimento, a dificuldade. É
entáo que Lacan faz vir quatro temos a partir de numerosos comentários etimológicos: a
emoção e a conroção, num certo grau do movimento que se libera e, num sentido contrário,
o impedimento e o eriibaraço, num gnu onde a dificuldade é abrandada. Esse é um quadro
feito para cernir a angústia, que permanece ali como o Último ternio.
Dificuldades *
Sintoma
1 Angústia
Lacan não retomou essa construção, e é preciso perceber por qual armadilha essa cons-
trução é animada. "Queres tudo? Entáo, tonia!', há nove lugres enquadrados por uni quadro
3. Da realidade ao real
A arrsência do buquê.
Nesse ponto, podemos, por um curto circuito, perceber o que faz o pivô do Seminário cla
Angrhtia, o pi\d invisível, porque o pivô do Seminário daA?zg!hlia é alguma coisa que não há.
Deveríainos esperar que, no âmago de u m Seminário que se intitula Angústia, houvesse an-
gústia de castração, que a angústia fosse abordada a partir da castração à qual o ensino cle
1;ican havia dado uma funçáo eminente, estmturante, de toda relaçáo de objeto. A angústia
cle castração é precisamente a ausente desse buquê, com todo o romance que arrasta consi-
go. Vocês podem procurar que vocês não encontra60 o romance edipiano. Eu exagero por-
que aqui e ali iacan não chega, apesar de tudo, a apagar todos os traços, mas n a perspectiva
que ele escolheu da via d:i angústia, o romance edipiano é bye bye Édipo, se posso dizer. Eu
exagero, mas vocês não encontram a ameaça do pai para colocar a angústia em funçáo. Ve-
mos, nesse Seminário 10, iacan se desprender da constniçáo fundamental, táo maravilhosa,
precisa, que aguenta firme, unia construção que refizemos depois dele, toda a constnição
que se estende no Seminário 4, A relação de objeto". O Senzinário 10 retoma algo clisso -
- , é como se fosse o negativo do SeminárioA relaçáo de objeto22,cujo pivó é,
A l ~ j ~ e b u n g mas
com efeito, a angústia de castração que está no centro do caso do pequeno Hans.
disso o objeto pequeno a . No que hcan construiu, edificou sohre a lógica da relação de objeto,
ele não escondeu de forma alguma que se tratava de objetos significantes, visto que ele qualifi-
cou o cavalo de angústia como significante pau para toda obi2 da fobia. Toda sua demonstração
tende a mostrar a polivalência semântica do cavalo. Toda essa análise repousa sobre a autono-
niia tlo significante com relação ao significado, repousa sobra a cesura saussunana. O que nos
retéiii entio próxiiiios de apreender isso de que se trata na angústia, é a sinibolização do objeto.
o corte
O caminho do Seminario da Angúsiia, que é uni caminho difícil, com a ressonância que
essa palavra pode tomar a partir desse esquema, esse caminho é aquele tle uinadesinzbolizaçüo
d o objeto, tle uma de.sig~zi/icaniizaçüo d o objeto, correlativa tambéin d e uma
desimaginariz~~çüo. Isso não pode se realizar sem tocar o que é um dos pilares do que Lacan
estabeleceu conio ensinaniento, evidentemente isso toca a noção que ele legou do falo como
signific;inte. É precisamente isso que é trazido à baila no Seininário da Anghlia, e de uma
Forina tio radical que chega até a ser invisível, uma vez que ela não é professada enquanto tal.
É a significância do falo, e igualmente a da falta de objeto, a chave escolhida por Lacan no
inicio de seu Seminário: A relação de objero, e que nos vale toda a adinirável construçáo da
privação, da frustração e da castração. Em toda sua diversidade, em todas as suas modalida-
des, a falta de objeto é sempre redutivel a uma falta de significante, e o esforço de laczin no
Seiiiinário da Angustia é iiiuito precisamente a elaboração de uma falta irredutível ao signifi-
cante. A esse respeito, a angústia ressoa com uni "terminou de jogar" coni o significante,
poi-que há uma afinidade entre o jogo e o significante, quando o significante está eni todo
lugai-e sempre substituível à falta. Aqui, no Seniinirio daAtzgtislza, ao contrário, assistimos i
elaboraçáo de unia nova estrutura da falta, de uiiia estrutura não significance da falta que
passa pela topologia e libera umstatt~sinédito do corpo.
Antes, o que conheciaiiios de Lacan era essencialmente o corpo do estádio do espelho,
uni corpo suscetível de ser significantizado, ao passo que no Seminário da Angiistia - é
vercladeiramente a única vez que, eiii I.acan, coni uiii amoi-pelo detalhe -, o corpo é restitu-
íclo :to que ele chama totlas as suas particulariclades anatômicas. Não é um corpo fora do
significante, e, coiiio ele iiiesmo assinala, a anatoiiiia comporta a Função do corte. Essa pala-
vra corte deve ser despertada, está no centro c10 Seminário da Angústia, é o instru~iiento
cletivo desse Seiiiinário.
Eis uma pal:ivra que usanios. Para despertá-la, é preciso pensar em opô-la ao tixço. O que
preside na Função significante, é a operação do traço, em particular na Ai~jbebung,que tem
por efeito anular e elevar. A função do traço se inscreve no contexto da Aujbebung, ela trans-
form:~em significante o significável, ao passo que :i função do corte é outra coisa, é o que se
espalha no Seininário cla Angzktia. Ela separa uni resto que, precisaniente, não é significável.
Terio traduzido por I'olanda Vilela e revisado por $'era~\\,ellarRibeiro
' T c ~ i l e .r*.l.ai~klxil.
ip.riLi'r.r . e H o ii. i i d ~ ' i ~ lMm~ " ~ w , L Iziioii9aa
I,~. .ll ( ri r.noyi&:il>iiooi. t\i,dol..p.riri:ieiiid~I~,~:h~i.~i;.
J . I'.iis i.l I 9 . 1 c . Sain.1 t n , I b , r < r c i d uL F n . w 1, R e .. uc n i i m i! e . 6 d : .unlnoc iV.1 .:idc :o,: J drnaw.
.. ,
.. . ~ .
"idem, ibid, (p. 212).
"Chekhoi A. (1961). Fra)?urs, Oeuures I. (pp. 1210-i5)Paris: Callimaid, coll. t a Pléiade. C I lacan. Le Sétninnire, Lii,re 10, Liingoisse, op. cii..
(pp. 186-188).
"Lacan,]. O,Ss~ninário,Lirno 4, A rc/awdeobjeio,op. cii,, (p. 211); Paoio Vbonke, M m e i Yéniis,GaleriaSabiudt,nirin.
I1 - Uma bússola
Ainda o Seminário A angktia, que tento Ihes passar de maneira inesperada.
1. Um efeito de surpresa
2. Uma novaçáo
Exce~üo paradoxal
Falo tle um Seminário de Lacan prestes a se tornar livro. Ele se chama A Angústia, é o
título. Mas o título diz do que se trata, o título é o objeto?
Acentuei, ao contrário, a alternativa justamente para colocar isso em dúvida: ou :i angústia
OU o conceito. O conceito sendo o instmniento da apreensão simbólica do real. Quer dizer
que nesse Seminário que se intitulaA angil..ítia, não é tanto que a angústia seja seu tema, seu
objeto, mas que ele a situa apenas como uma via.
A angústia, nesse seniinário, é uma abordageiii que visa outrzi coisa. A referência que to-
niei o indica. O que é ess:i outra cois;i?A angústia é uma via quevisa o real, uti1iz;intlo para isso
outra coisa que não o significante.
Abordar o real pelo significante é o que tinha sitlo justamente, até então, a via de Jacan, a
via prescrita eni "Função e campo da fala e da linguagem". Esta foi unia via unilateral que teve
por i-esultatlo,como já tive a ocasião de mostrar, de detalhar, uma significantizaçãogenel-aliza-
da da experiência analítica e tlos conceitos inventados para dar conta dela3.
A operação tle Lacan sobre a psicanálise até o SeminárioA angLíia consistiu eni demons-
trar que o que estava em jogo na experiência só encontra seu lugar ao ser repensado como
significante. É o que se clepreende da leitura do O Seinidrio, livro 5: Aífomza~ãesdo incons-
ciente no qual vemos tiidose tornar significante Quando se afirma este tudo significante, quan-
do o significante pode ser tomado como um todo, quando ele se toma totalitário, entio,
correlativaiiiente se afiriiia o que não é significante, quer dizer, o que se apresenta, considenn-
tlo esse começo, como a função tle uma exceção antinômica ao todo significante e p;indoxal.
Posso escrever isso lios termos que extraio do próprio Lacan, que os extraiu tla lógica
matemática. Essa fórniiila é como uma bússola para ler o SeminárioA angústia. Nela, todos é
significante. É a fórmula que, de algum modo, indica a própria estrutura do Outro. Pela via
que ele escolheu, a da angústia, uma via não conceitual, esse Seminário destac;i que, por
Um ó r ~ ã paradoxal
o
O que é a dialética do desejo e da demanda? Observem que é uma dedução que teiii
como ponto de partida o impulso da necessitlade e esse impulso que passa pelos desfiladei-
ros da demanda e que ali encontra o significante. Vocês sabem que foi de lá que Lacan
deduziu o desejo já como uni resto - o termo está ali -, como um rebento, porém coiiio um
resto significante.
No primeiro ensino de Lacan já está presente a noçáo de resto, mas o resto do confronto
d o tlesejo e da deinanda é o clcsejo, quer dizer, ainda unia funçio significante. É ;i cadeia
signific;inte como ineronímica. E supóe-se que esse desejo dê conta da libido. O que Lacan
chama desejo, antes do Seminário A angústia, vale como Aujhebung significante d;i libido.
Totalmente ao contrário, no curso do SeminárioA angústia, e logicamente, a libiclo apare-
cerá como algo completamente diferente. Ela resta, no ensino de Lacan, como uni tipo de
enclave que não é inteiramente apreendido, como seu mito inspirado pelo Banquete de
Platáo. Mas no caminho da angústia, em Os qualro conceilos fundamentais, a libido apare-
cerá conio algo completamente cliverso de um restosignificante, ela própria aparecei-á como
um órgio paradoxal.
O iiiito da Limela, que figura em "Posição CIO Inconsciente" e é também enunciado em 0,s
quatro cotzceirosJrrndainetztai.~, traduz o uso que é feito do termo órgáo no lugar clo signifi-
cante e niostra beni qual é a anfibologia do resto. Conheciainos, até então, o resto desejo, o
desejo como resto, que é um resto aberto i dialética e iacan não se priva de falar na tlialética
do desejo. No SeminárioA angústia, há ainda um resto, mas se trata de um resto-órgão que,
por si mesmo, faz objeção à dialética, que não é um resto-desejo, mas um resto-gozo, resto
rebelde à Aufhebung.
Falo órgão
Em "Subversão do sujeito", o íp da castração como imaginário é manipulaclo de iiianeira a
produzir o Q do gozo impossível de negativizar No SeminárioA angiistia, iacan permanece-
rá nessa linha de que o gozo é, de fato, uma Função impossível de negativizar É o que ele dirá
' ~ forma: "O sujeito está feliz". Mas essa positividade CIO
em seu diálogo de E l e v i ~ ü odestzi
gozo se expressa pelo objetou no SeminárioAangiistia, ela é, de alguma forma, depreendida
do significante.
lei
/
No SeminárioA angúslia o -9, que vocês conhecem bem, não é mais de forma alguma o
mesmo. Não é mais o -9da castração imaginário-simbólica,mas o -9do órgão. iacan introdu-
ziu ali algo que não está, em absoluto, em Freud, que não é perceptível, que eu saiba, n;i
Elogio a feminilidade
O falo simbólico não é o significante impossível de ser negativizado. O que está em Função
no SeminárioA a~zgústiaé o órgão que, no macho, se negativiza a si mesmo em sua operação
copulatória. Encontraremos assim três aulas que são como que o avesso do que encontramos
no escrito da 'A significação do falo". Uma vez que iacan estabelece, de maneira inesquecível,
o estatuto do falo significante, ele passa, em seguida, na última parte desse escrito, à elabora-
ção das estruturas que, em função do falo significante, estão submetidas às relações entre os
sexos. Ele mostra que essas relações giram em tomo do significante fálico como significante
2. Detumescência
Desmitologização
O que sublinhei precedentemente preparou vocês para o que Lacan indica coiiio obstácu-
lo a superar na elaboraçáo do Seminário A angúsiia, para aceder à função generalizada da
qud se trata. Esse obstáculo é constituído pela angústia de castração que marca, em Freucl, o
liiiiite da experiência analítica. I.:ican indica, a esse respeito, através de quais vias ele procede
ein seu ensino, no sentido do "seu modo de ensinar", digamos de sua peclagogia psican:ilític;i.
A palavra pode chocar, no entanto ela se refere explicitamente a um procedimento da peda-
gogia escolar que ele define da seguinte maneira: "ir além clo que é chamado de capacidades
mentais da criança através de problemas, ultrapassando-os ligeiramente". Compreende-seque
essa é a iiietodologia do SeminárioA angústia, um pouquinho, mas não muito, de modo a
poder obter "um efeito de pressa em relação a maturaçio mental" e "verdadeiros efeitos de
abei-tura, inclusive desencadeamentos"'. A esse respeito, ele observa que os pedagogos des-
tacaram - esta é a posição deles - que o acesso ao conceito na criança seria contenipoi5neo
à puberdade. Lacan não valida essa observação, mas evidentemente se serve dela diante do
obstáculo em questão.
Ele faz entáo saltar o obstáculo conceitual da angústia de castração re-situando-a no nível
do órgão masculino, no nível de seu funcionamento na cópula no momento do orgasmo. Isso
poclerki ser uma notação adjunta que se situaria em outro plano, deixando intocado o concei-
to da castraç:io e da angústia de castraçáo. Ali, é preciso descicar que elc faz da detumescência
do órgão, dc sua carência, do apagamento da função fálica no ato sexual "o princípio da an-
gústia cle castraçáo".
Damos todo valor :!o termo principio. Lacan encontra, nuni funcionamento do ói-@o, o
princípio, ou seja, o fundamento, :i raiz, a causa do que é elaborado, eni psicanilise, nas coor-
denaclas edíllicas. Poréni, se, neste nível, trata-se do órgão e do seu funcionaniento, que é o
do princípio, a dramaturgia edípin é apagada, se levarmos :i sério o termoprincípio, ou seja,
que o princípio sesitua no nível do órgão como tal. Isso quer dizer: o pi-incípioclii angústia cle
castração não se situa no nível de nenhum agente cla castraçáo, de nenhum Outro proferindo
ameaças, não se inscreve no Édipo.
Há, em toclo esse Seminário, uma onda que desinscreve os termos fundamentais da psica-
nálise do contexto edípico. Por isso pude dizer rapidamente que o SeminárioA angziiticc era
o anti-Édipo, o que aqueles que fizeram disto título, só se deram conta dez anos niais tarclex...
Lacan não teria dito certamente anti-Édipo, mas esta linha que relativiw e re-situa o Éclipo
toma seu ponto de partida precisamente do Seminário A angústia. Enunciar esse princípio
tem na verdade a conseqüência desejada por Lacan, a de uma abertura, na medida em que ele
permite perceber que a castração poderia muito bem não ser um termo único e último, iiias
genitais, mas náo pré-edípicos, porque o Édipo está em toda parte. Os objetos como tais: 0121,
;inal e genital sáo eclípicos, ou seja: o falo doinina tudo o que é da ordem do objeto. Sobre
isso, I.acan avançava, 'anos antes de seu SeminárioA aizgklia, o termoJaloce~zi+ismo, que fez
estard;ilhaço e encantou durante certo tempo, até que foi vomitado, como se inici:ilniente ele
sustentasse o que propunha e, ein segundo lugar, como se não mais o sustentasse.
Verifica-se,no SeminárioA atzgústia, a que ponto a idéia futada do ensino de iacan decorre
efetivaniente do que precedeu este seminário. É sua transcrição fonnalizada, significante, sua
reelalioraç5o significante de Freud que fmou a imageni de bcan: a imagem do que Lacan trouxe.
Voci.s vêem como, ao contrário: no Seminário A a~zgustia,se desfaz a retroação edípica.
Lacan fala, de uma inaneira não totalmente convincente, mas que tem seu valor se pensarmos
no que isso desniente, ou seja, a reti-oação do Édipo, de "constituição circular" do objeto.
Entenclo issc eni relaç5o à retroaçáo edípica, que desaparece. O que ele elabora como objeto
a 6unia funç5o gene,ralizada,que não é edipic;~nem tampouco cronológica, nias sim topológic;~
e , se quiserem, sinckônica.
Enconti-aremos inais tarde a função do tempo. Ela será encontrada em "Posição do incons-
ciente", ein Os quat7.o concei~osJuttdamentais. No ano seguinte, aparecem as suas conse-
qüências na direçáo do tratainento, enquanto que, no SeminárioA angústia, isso aparece a
respeito dos tratamentos de Freud, a partir de alguns exemlilos relativos à contratransferência,
mas não é o centro da elaboração.
3. Resto real
A din~e~lsão dopeqtteno a
Falei de leitmoiiu. Há um leitmo/itj edípico no Seminário A attgr2slia e é preciso saber
situá-lo ein seu devido lugar Uma fórmula retorna, insistente. Se ela não é colocada em seu
lugar, pensa-se que' ela expressa a doutrina que o Seminário A u?zgktia avança, quando, ao
contrário, ela aparece ali para liberar o espaço novo. Esta fórmula, que aparece no final clo
escrito "Subversão do sujeito", é: "o desejo é a lei".
O que fundamenta esta equivalência, que em si mesma mereceria ser desenvolvida, é o
objeto. "O desejo é a lei" é uni resumo do Édipo. Isso quer dizer: o desejo e a lei têm o
mesmo objeto, uina vez que a lei é a fala que proíbe o objeto do desejo e que, ao proibi-lo,
dirige o desejo para esse objeto. Isto quer dizerentáo que o principio CIO desejo é o inesino
daquele cla lei. ;
Nas elaboraçó& iniciais de Lacan, que decalcam Freud, é o pai quem enuncia a lei. Se nos
ativernios i s prinieiras constmções em que lacan apreende Freud na traiiia clos seus signifi-
cantes, do iiiesmo golpe é o pai quem traça as vias do desejo, se nos ativemos aos três ou
quatro priiiieiros :mos de seu ensino. Mas hoje, onde existe um pai digno desse nome? Onde
existe um pai que ouse interditar, que saiba interditar, uma vez que é apenas pela interdição
que podem ser abertas, se liberarem e entrarem na norma as vias do desejo? Tocla unia massa
d e psicanalistas descamba assim na ojeriza ao contemporâneo e, apoianclo-se em Freud trans-
crito por Lacan, eiii totlos esses assuntos que nos solicitain, fazem vacilar, metainorfoseiam a
noção de família, tomando a esse respeito posições que eu náo gostaria de depreciar
exageradamente, qualificando-as de "reacionárias".
Quando iacan faz voltar esse tcma - náo sei quantas vezes, não contei - é preciso situá-lo
como um condensado do Édipo, é preciso se dar conta de que, coniparativamente ao objeto
que é o do desejo lei, o objeto órgão, digamos, o pequenoa náo é determinado pela interdiçio.
Eni nenhum nível ele é determinado pela interdição, mas sim pela pura e siiiiples separação.
Encontramos por um lado, no Seminário A a?zgzktia, uma descrição, se pudernios dizei-
assim, do corpo e dos seus órgãos extremamente sofisticada, que se apóia, no entanto, na
consulta a um certo número de tratados de anatomia, de embriologia, tipo: "queres tudo?
Então tonia!", mas que têm o valor de afastar mais a embriologia do que a mitologia edipiana.
O resultaclo é que o Édipo aparece como unia elucubração de saber sobre :i separaçáo, e esta
é inais do registro da autoniiitila~o,enquanro que a interdiçao, a castnçio em pauta, é seiii-
pir uma hetero-iiiutilaçáo.
O que o Seminário A a?lgl.kiia visa é um status do objeto anterior à lei e ao desejo, anterior
à elucubração da conjunção de identidade da lei e CIO desejo. É estesrat?.6do objeto que Iacan
designa como pequenoa. Portanto, iiiuito logicamente, o SeminárioA angústia desemboca eni
uni questionainento do pai, queaparece, muito rapidamente, no final do capítulo XVIII, no qual
Lacan expõe e reelabon o texto de Theodor Reik, por elc tomado célebre, sobre o som clo
.shofa>; o som desses chifres nos quais se sopia nas ocasióes consagradas tla Sinagoga, quando
se trata de marcar a renovação do pacto que ligaYahvé ao povo por ele eleito12.
É o shofar que serve de ponto de amarração para o coineço da elaboraçáo do objeto vo4
que, aqui, aliás, é sobretudo um mugido. Iacan examina quem fala. É a Deus que se ti-ata aqui
de lenibrar o pacto? I? Deus quem muge? Esse mugido náo faria eco ao assassinato do pai? Esta
é unia clas hipóteses de l'lieodor Reik: o mugido de um touro entristecido que se faz escutar
e que é possível interpretai- como um substituto do assassinato do pai. Assiiii, ao longo desse
capítulo estamos na sinagoga, na Bíblia, e há uma convocaçáo da função eminente do assassi-
n:ito do pai na elaboração freudiana. Lacan o sublinha, no final desse capítulo, dentre as últi-
mas palavias que ele pronuncia: por esquecer o assassinato do pai, toda a cadeia de elaboi-a-
ção psic:inalítica se desfez. O esquecimento da função paterna, da função do pai morto, vota
a psicanálise à dispersão, ?I incoerência, porque ela determina, ordena a economia do desejo,
ou seja -isso faz parte do leitmotiv - o desejo original é proibido, impossível de transgreclir.
Ein todo esse capitulo não se trata do Édipo: mas sim de "Toteni e tabu". Os dois iiiitos se
apóiam, desse ponto de vista, no fundo mais edípico, se ouso dizer, do: "Tu niorres" ... Isso
nierece ser lido desta forina: se vocês negligenciarem essas funções fundanientais, não pode-
rão nelas se reencontrar.
Trata-se aqui efetivamente de Freud - I x a n o formalizou durante anos - e não é ilegítiiiio
iiiencionar isso, porém, no SeminárioA al7gzktia, é sob a forma de convoc:ição, e é preciso
náo esquecer essa pequena frase que, por si só, faz o contrapeso a esta enorme elaboraq20:
"Esse fato oiiginal é, no entanto, secundário em relação idimensão do objetoa". Esse secun-
dário, por si só, re-situa a construção. Tudo isso é uma elucubração de saber, cujo princípio
deve ser buscado na dimensão do objeto pequeno a . Não se trata do assassinato do pai, do
correlativa ao objeto real. A seguir, há uma inversão: o objeto se torna simbólico do dom da
ináe e a máe se torna potência real.
Esse lembrete é feito para marcar o que opõe, na elaboração, a via do ainor e a via cla
angústia. A via do amor é a que hcan seguiu até então, e ela desemboc:~no objeto siiiil~ólico,
no falo como símbolo do Desejo da Mãe, no desejo como desejo do Outro. Já a via da zingús-
tia, tal como traçada por Freud em "lnibiçêo, sintoma e angústia", conduzao objeto real. Ela é
feita para conduzir ao objeto da satisfação, uma satisfação que náo é a da necessidade, mas
sim a da pulsão, unia satisfaçáo que é gozo.
Como disse, a angústia não é tanto o tema do Seminário A anghtia, mas sim a via para
aceder, no que se refere ao objeto, a uma dimensáo diferente daquela que permite a via do
amor Há, portanto uma contraposiçáo a fazer: na vertente do amor, o objeto real é elevado à
dignidade de objeto simbólico, sob a operaçáo da Aufhebung. Passa-se da satisfação estúpicki
da necessidade ao infinito clo desejo metonímico. Já na vertente da angústia aparece, ;io
contrário, a disjunçáo entre gozo e clesejo.
É nessas coordenadas que podemos re-situar a proposição de Lacan, da qual fiz outrora
um certo uso esclarecedor, mas talvez ligeiramente deslocado, ou em todo caso sem consitle-
rar precisamente todas suas coordenadas, proposição que vocês encontram como ;iforismo
no Seminário A ungzísfia:"Só o amor permite ao gozo condescender ao desejo"". Essa pro-
~)osi@ioé um resumo da dialética da fmstração. Oainor C: aqui o véu da angústia e daquilo que
a angústia produz, ou seja, o objeto que causa o desejo.
Sign@canle inomináuel
O qiie esboço aqui, a oposição entre a via da angústia e a do :inior, tainbém é manifesta ao
confrontamos o SeniinárioA tra?z.sjerência com o da Allg~istia.Eviclentemente, o Seniinário
A traiz.$erência segue a via do anior para clelinear a fiinção c10 objelo. Ele encoiill-:! esse
objeto sob as formas de agalma, o objeto tlo desejo precioso, valorizatlo, supervalorizaclo,
que se encontra no campo tlo Outro e que explica a transferência. Neste Seminário, a relação
tle anior é concebida como eletiva, privilegiada1% podemos dizer que este Seininário é intei-
ramente consti-uído sobre a abordagem do objeto em sua vertente de amor. Nele não encon-
tramos, se piiclermos tlizer assim, todas as safadezas que encontrainos no SeminárioA ang's-
lia. No SeminárioAtransJer&zcia, o objeto é iluminado pelo esplendor dos objetos agaliiiáticos,
até culminar na aparição de unia Vfnus botticelliana.
A ~p:~lavra"],rivilégio" empregaclzi por Iacan no que concerne à relaçáo do amor, ein seu
Seminirio A tran.ferência, faz eco ao privilégio atribuíclo por Freud à angústia ein "Inibição,
sintoma e angústia". É preciso saber que via é privilegiada na abordagem do objeto, e, se
privilegiamos uma ou outra, a comparação do SeminárioA Iransjerência com o SeminárioA
angústia mostra que náo atingimos a mesma dimensão do objeto.
Leinbro apenas que o SeniinárioA transfe,.ência começa por uma longa exegese do Barzq7~a
te, culminando no t e m o agalinu. Pan confirmar que há alguma coisa de fundamentada no para-
lelo que esboço, é ao tliscuko de Aristófanes que bcan recorrerá para forjar seu imito cla libido
órgão CIO qual falei. Acrescento que não é impossível que o miro tla lamela tenha sido inspirado a
Lacan por um curioso convite de Freud, iiias que não seria o único segundo a nota emdita de
Sti-aclieyno texto ' kpulsóes
~ e suas ~icissitudes"~',quando Freud sugere a seu leitor imaginar-se
como uni organisiiio vivo priinitivo, um organismo seni defesa, sem orientação no mundo e que
recel,e de manein direta os estímulos do niundo exterior. Essa elucubração,esse convite de Freud
para imaginar-se conio uni sei-vivo primitivo é o retrato escamdo da larnela de Lacan.
No Seminário A tru1?.fer6izcia,o que votes encontram após a exegese do Banqueie?A
dialética tla castiação, nns que lança ali seus últimos brilhos -eu a distingui coiiio tal, mas a
expressão está eiii iacan -, que passa precisamente pelo oral, pelo anal e pelo genital, tent:in-
do ortlenar esses estádios e deduzi-los sumariamente. Trata-se cle um esboço. Vocés verão
que é justo o oposto CIO que acontece no Seminário A angúslia, no qual Iacan inarca, ao
contrário, sua recusa ein proceder a uma dialética entre os estágios. Não há moviniento eni
espiral, não há niovimento progressivo. Lacan insiste, ao contrário, no caráter disjunto da
relaç5o coin as diversas foriiias do objeto a. E preciso ler então em paralelo.
Não resumirei essa dialética, que é apenas esboçada, iiias posso sublinhar os ângulos da
probleiiiática, que encontra uma soluçáo inversa no SeminárioA anglístia. Venios, no Semi-
nário A lrans/er&cia esse corte, ou seja, a tentativa tle iacan de ir aléni da angústia de castra-
ção. Lacan sublinha e aceita o limite freudiano da experiência: 'A análise com Freucl foi direto
:i este ponto" - ao complexo de castração. 'A mensagem freudiana terminou nessa articula-
çáo, a saber, existe um terino últiino (...) ao qual se chega quantlo se consegue retluzir no
sujeito tocl:is as vias de sua (...) repetição inconsciente, quando se consegue fazer convei-gii-
esta repetição com o i-ochedo (...) clo complexo de ca~tração"'~. Com a interrogação e o esfor-
ço para resolver o paradoxo: por que no nível genital há algo que náo se realiza?
Esse limite, que é sublinhado, iiiarcado e aceito no SeminárioA tran.ferê~zciu,é precisa-
mente o que Lacan se empenhará em forçar dois anos mais tarde na Angcíúa. No Seminái-io
A trnn.ferência vocês encontram a transcrição do complexo de castração em terinos signifi-
cantes, e a resolução do impasse sob a égide da fórniula na qual ele justamente afasta qual-
quer consideraçáo sobre órgão ein jogo no coiiiplexo de castração: "O órgão só é abordado se
tnnsforniatlo ein significante"". É justamente por ter podido formular isso emA [,zin+rên-
ciu que ele pôcle abrir a vi:!, exatamente inversa, no Seminário A an,yristiu, em que vemos
comerar ;i pululiir órgáos que não são transformados em significantes.
É surpreenclente ver como ele caracteriza ali esse ponto Últinio, esse significante apresen-
tado como pai-acloxal por ser inominável. Esse significante que é o falo sinibólico, sobre o qual
já elucubramos bastante - eu me contento eni citar Lacan - tein "a função de fazer suplência
ao ponto ein que, no Outro, desaparece a significância";"ele é o significante do ponto no qual
falta o significante"; e ainda, "símbolo no lugar em que se produz a falta de significante"; ein
seg~iida:"esforço para justificar que uma falta de significante seja possível, uma vez que a
bateiia significante é sempre conipleta". Par:! justificar essa falta, ele introcluz a questão do
sujeito e, aléni disso, o cliscurso, a cadeia significante, na qual cacla eleiiiento reniete a outro,
nuiii reenvio interniinável. Isso lhe perniite tl:ir a este significante, @, o valor de fornecer a
ga~intiada cadeia significante. E, para resuniir rapidamente, o que é rearticulado na última
parte de "Subversão do sujeito".
Muniei~tofe~iome~?ológico e constni.icio
Toiiiando este 1ivi-bnas inãos, eu me perguntava o que poderia responder, caso iiie pedis-
sem para dizer em uiiia palavra do que se trata. Eis a resposta que eu imaginava poder dar:
trata-se de uni iiiergulho aquém do desejo.
E o que há aquéiii do desejo? A resposta é aqui dada, repetida, manelada e preparei uin
Em seu staius metoníniico, fundainentado por Lacan em seu escrito 'A instância da letra"',
novidade é apontar que o desejo de que se trata é um desejo de nada, que náo passa da
metoníinia da falta-a-ser e que, no fundo do desejo, não há nada. Ao mesmo tempo, quando o
desejo se conjuga coiii a relação de :imoi4 é legítimo falar de unia visada do desejo em direção
a tal objeto distinguido entre todos, como Freud o desenvolve no capitulo "O enamoramento",
em "Psicologia dos g r ~ p o s " ~Há. ali esta antinomia entre o desejo como desejo cle nada e o
clesejo como clesejo de uni objeto distinto. O que há nele de imaginário é o que constitui a
cena do desejo e , nela, o sujeito se mostra atraído, imantado por um objeto. Ele encontn os
obstáculos que impedem o acesso a esse objeto, :is dificuldades ou os impasses de sua posse.
Essa cena do desejo constitui grande pane do que é expresso na experiênci:~analítica, eiii que
se trata d o deseiável e de como aceder a ele.
2. Objeto-visado e objeto-causa.
Da i,~tencionalicladeir cafcsulidade.
Até oSe?ninÚrio, A angústia, a cena do desejo sempre foi estmturada pela intencionalidade
d o desejo. Lacan menciona esse termo, que tem referências muito precisas na filosofia do
início do século, e que foi seguida na filosofia francesa. Foi somente nesse Seminurio que
Lican se despi-endeu do moclelo de intencionalidade que reinou no pens:imento dos meados
do século passado. Atribiiiiiios a Brentano a origem dessa idéia que, como diz Sartre6,se opõe
;I idéia da filosofia idealista, segundo a qual o Espírito-Annha atni as coisas pam a sua teia
para torná-las conteúdos iiiianentes à consciência, podendo o espírito pensar apenas idéias.
Sartre, pelo contrário, expõe que a consciência náo é um continente, ela é vazia, falta-a-ser, e
está em ielaçio coni o inundo, em direção ao qual ela se arremete. O mundo não é idealizado,
ele permanece em seu lugar como um fora, e é a consciência, pelo contrário, que se dirige
para o que está ali no mundo. Sartre lenibra o dito de Husserl: "Toda consciência é consciên-
cia de alguni:~coisa". Toda consciência existe conio consciência de outra coisa além de si
iiiesmo. O modelo que até então estruturava a cena do desejo eni Lacan é aquele dc uni
desejo que teiii diante de si o objeto. Embora, ao tomá-lo na fantasia, ele tenha podido com-
plicar esse sratus do objeto, isso fica diante d o clesejo que obedece a esta estrutura
de intencionalidade.
O Senzinkrio, Aa?7gústia foi feito para recusar a estnitur:i de intencionalidade. Esta é uma
soluçáo. Coino estão ali delineadas, as coisas são antinômicas com ostnius metonímico do
desejo, ou seja, com a form:i como se articulam o objeto e o nada metoniniico. Ao longo desse
Ser?ziizÚrio, iacan elabora, no lugar da estrutura de intencionalidade, a tl:~causalidade do
objeto, que retorna como um lei~nzotit).Ele a introduz no início da maneiia mais simples: "O
verdadeiro objeto de que se trata náo está adiante, nias atrás".
objeto-causa 4 d 4 objeto-visado
angústia amor
palea agalma
objeto-causa + d + objeto-visado
angústia amor
palea agalma
objeto parcial
Condicionalidade do desejo
Nio é difícil, a partir daí, antecipar que este Sernifzario realiza um rebaixamento do dese-
jo. Não se trata de realização do desejo, termo tão importante nos seminários anteriores de
iacan. A finaliclade do desejo é senipre uma falsa finalidade, um engano em relação ao objeto
de que se trata. O desejo é um engano. O que Lacan percebeu ali o acompanhará por toclo o
resto do seu ensino, quando ele definirá, no próprio momento em que avançar o passe, o fim
da análise como uma deflação do desejo, ou seja, em que se desinfla como por unia
detumescência analítica, em que desaparece o fascinante objeto-visado.
Repetitivamente, nesseseminário, o objeto visado pelo desejo não passa de um engodo.
A tal ponto que, quando Lacan evoca, em dado momento, o budismo, ele retoma a
asserção de que o desejo não passa tle ilusáo. O desejo não é verclade, mas ilusão. Ele
retoma essa asserção para validá-la, não inteiramente, [nas validar que ela pode ter um sen-
tido para nossa experiência1.
É possível deduzir desse Senzinário uma direção do tratamento no ponto de vista de que
o analista não esteja fascinado pelo desejo, nem mesmo pela interpret:ição do desejo e que o
que se trata de interpretar está aquém do desejo. Trata-se deinterpretar o objeto-causa. Lacan
dirá mais tarde que a interpretação incide sobre a causa do desejo mas é ali que se esboça ess;i
niudança do ponto de aplicação da interpretaçao.
A primeira vez que Lacan traz esse objeto-causa, que fica ainda misteiioso, ele o ilustra
com o fetiche da perversão fetichista. Nele, diz, se desvela a dimensão do objeto como causa
do tlesejo: o fetiche não é desejaclo, mas ali ele deve estar ali para que haja desejo, e o próprio
desejo vai se enganchar ontle pode. Vejam a que nível caiu o objeto fascinante clo desejo. Não
se trata mais de ser irrelevante onde o desejo vai se enganchar: ele deve estar ali.Já podemos,
nesse "estar ali", fazê-lo refletir sobre o Dasein que hcan qualificará de objeto a .
O que lacan elabora nesse Seminário é um objeto que é condiçáo do desejo, e essa con-
dição é diferente da intenção. Trata-se da condicionalitlade do desejo em telafio ao que era :I
sua intenciona1id;ide.
objeto-causa -+ d iobjeto-visado
angústia amor
palea agalma
objeto parcial
'i
condicionalidade
J
intencionalidade
Perverso Neurótico
sujeito Outro
O que esse esquema elementar procura expiimir é qiie no perverso, como se dizia tia
época, o objeto a está em seu lugar, do lado do sujeito, mas ali onde o sujeito não pode vê-lo.
É do lado do Outro que ele se torna visível, enquzinto, do lado do sujeito, há o desconheci-
mento, lá onde se inscreve propriaiiiente falando o objeto a . Está ilustrado eiii "Kant c0111
Sade" [pela 11osiç:io CIO próprio Sade, que se ignora como objeto a, ignora que é ele qiieni se
mantém no lugar do objeto.
Em contrapartida, está uin pouco mais desenvolvido no Seminário - o que explica certos
enunciados de Lacan em "Subversão do sujeitoDii-que o neurótico, pelo contrário, faz passar
o pequeno a para o lado do Outro, ou seja, ele é de fato ocupado por sua fantasia, tem cons-
ciência disso, e pode tomar esse objeto como visaclo. Para Lacan, esse não é o lugar autêntico
do objeto a, tal como ele estabelece nesseSemiriurio eni que esse lugar do objeto a é exteri-
or ao campo do Outro e se encontrzi como que invisível para o sujeito. O neurótico, por uma
manobra, por seu uso, faz passar o pequenoa para o lado do Outro e é uni objeto pequenoa
que f a ~
com que sua fantasia lhe sirva pai2 sonhar, se posso dizer, com perversáo. Pda medida
eni que a fantasia CIO neurótico está inteiramente do lado do Outro foi possível, entáo, catalo-
gar as pen~ersõesporque, nele, nos reconhecíamos.
hcan não manterá esses esquemas, que são sumários. Eles indicam, no entanto, alguiiia
coisa muito importante, a posição de exterioridade do a em relação ao campo do Outro. Esta
no a postiço, uma falsificaçáo,um deslocamento indevido no Outro, já que seu lugar verídico
está do lado do suieito! Nada se compreende de todo o primeiro moviniento doSeminário se
não for apreendido que ele é consuuído sobre a noçáo da exterioridade do pequeno a eni
relação ao campo do Outro.
O pequeno a está deslocado no neurótico. Lacan diz mesmo que há um uso falacioso do
objeto em sua fantasia. Conhecemos esse uso falacioso, já que foi mencionado por Iacan em
"Subversão do sujeito". O texto é retomado no Sentixário, A angústia: a denianda d o Outro
assume função de objeto em sua fantasia e, por isso ou, esse a falsificado, se torna uma isca
para o Outro, passa para o campo do Outro. Esta é a concliçáo que toma possível a psicanálise
para o neurótico, e poktanto o perverso nada tem a fazer, nessa condiçáo. O neurótico conce-
de o a, um a postigo, ao Outro.
Objetalidade objetividade
objeto-causa + d -* objeto-visado
1 angústia amor
palea agalma
condicionalidade intencionalidade
Certeza da aflgzistin
Uma vez dadas essas referências, tentenios agora apreender no concreto essa relação sin-
gular do gozo com a angústia. I1ara isso, é preciso ir a Freud, que nos diz que a prinieira e mais
originária das condiçõds detei-minantes da angústia é a exigência pulsional, constantemente
crescente, diante da qual o eu está em estado de afliçáo. Apreendeinos ali sobre o quê Lacan
construiu essa esquematização. A tradução dessa fnse em temos lacanianos já leva vocês a
percorrer a relação do Bozo com a angústia. Trata-se, para Freud, de uma [ierturbação econó-
inica, uin excesso -de$ Ü b e r c h m - de libido inutilizada que é o núcleo de perigo ao qual a
angústia responde. Nos termos de Fi-eud, o que foi articulado por Lacan é a relação do gozo
coin a angústia e, por tris da angústia, a pulsáo enquanto ela quer se satisfazer, enqu;into
vontade de gozo, insistindo sem trégua. Quando essa insistência pulsional entra entáo em
contndiçáo com o princípio do prazer, há esse desprazer que se chama angústia. Por isso
iacan pôde dizer - uma vez, mas é o bastante - que a angústia ésinal do real e indício da Coisa,
de das Dirzg, e e;( fórmul:~"a angústia é sinal do real" prevalece sobre a noçáo, que no entanto
ficou famosa, da angústia conio signo do tlesejo do Outro.
É preciso esperara!última liçáo doSernbzÚrio para que lacan tome uma distância explícitzi
em relação a este enunciado escabelo que ele colocou no início: "a angústia é o signo experi-
nientado do desejo do Outro". Ele apresentou no início um louva-a-deus e um personagem
niascaraclo, que ignora se o louva-a-deusvai encontrar nele seu objeto. Daí a angústia de ser o
que falta :to louvn-a-de?s.O que iacan aponta no fim doSemi;zÚrio, puxanclo, de algum inodo,
o tapete sob os pés daquele que o segue, é que o apólogo só vale no nível escópico. Tratzi-se
do nível do estádio do espelho, nível em que somos os inesmos. É por excelência no nível
escópico que ;i estranheza do objetou é desconhecida e que esse objeto está mais mascarado.
Por isso esse Seniinário comporta unia crítica contínua do nível escópico, exataiiiente aquele
em que Iucan elaborou sua teoria do desejo após "O estádio do espelho" e o esquema ótico,
que faz, nesse Senzinú~io,sua última apariçáo.
É também essa conexáo da angústia com o real do gozo que lacan acentua coino ceneza da
angústia e que contraSta com o caráter duvidoso do significante - o significante nunca é cerro.
Por isso a fenomenologia do obsessivo ocupa tanto espaço nesseSerninário. O obsessivo é o
sujeito que tritura o significante tentando aceder i origem, ou seja, ao objeto-causa, mas que
também cultiva a dúvida na busca significante, a fini de se manter à distancia &i certew.
Nesse Senzi?zhrio, o rebaixamento tlo desejo acompanha o do significante. Enquanto a
relação com o real como angústia é certa, o significante não passa da possibilidade de logro
simbólico. Assistimos então uni rebakrnento do desejo, um rebaixamento do significante.
Tudo isso será em seguitla ajustado, temperado, deslocado por iacan, mas ali estaiiios no
momento em que emerge toda uma outra dimensão da experiência que até entáo não havia
sido aberta. Encontranios inclusive uma crítica da ciência: "Tudo o que a ciência conquista se
torna um inienso logro. Doniin:ir o fenómeno pelo pensamento é sempre mostrar corno se
potle fazê-lo de maneira enganosa, é poder reproduzi-lo, ou seja, fazer dele uni signific;inte'"'.
É preciso tomá-lo na perspectiva que valoriza a certeza da angústia, mas podeinos certamente
ver que ali está uma amostra do que Lacan desenvolverá mais tarde como a noção do signifi-
cante como semblante.
Podemos atualmente acrescentar, nesse inicio do século XXI, a constataçáo de que as con-
quistas da ciência são acompanhadas &i subida ao zênite social do valor do gozo, do tlii-eito
degozar, precisamente porque elas comportam em si mesmas um logro que torna muito niais
insistente o apelo ;i uni real, ao real dogozo, que não é semblante. O próprio tliscurso juiídico
sempre se coloca niuito mais a serviço do direito de gozar e só encontramos, para contrapor
a ele, o direito imprescritível da tradição: "Deixem-nos em nosso casulo de tradição". A cerre-
zs está do lado onde isso goza, ela não está na natureza, que é irresistivelmente falsificada pela
ciência. Ninguém mais diz que é preciso um homem e unia mulher para fazei- uma criança.
Trata-se de uin resquício de algo anterior à entrada do cientista como terceiro nesse assunto.
O apelo ao Outro coriio Pai, ao significante-mestre do Pai pode se tornar de fato tanto mais
exasperado quanto inais a certeza estiver sempre clo lado clo gozo.
kngcístia produtiva
Voltemos a Freud na relação com Lacan. A repetição da palavra sinal, a angústia como sinal
no eu - um slogan bastante repetido em Freud e hcan -, Faz acreditar que a angústiase resume
em prevenir ou conotlr. Ora, não é nada clisso. Em "Inibição, sintoma, angústia" Freud Faz o
mesmo que Lacan eiii A angúrtia, ele revê suas posições anteriores. Esse livro foi feito para
indicar que a angústia é ativa. Náo vou comentá-lo detalhadainente, e me contentarei eni dar
a vocês esta fórmula, que inspirou inteiramente este seminário de Lacan: 'A angústia" - de
castração - "é o motor do realque". É o que diz Freud. Ele escreve "Inibição, sintoma, angús-
tia" para explicar que ele revisou suas concepções para fazer da angústia o motor tlo recalque.
Exatamente o que Lacan traduz em termos tle objeto-causa: implicando a causalidade no as-
sunto. A angústia lacaniana é ativa, ou seja, protlutiva.
O que I.acan chama de causa do desejo é sua tradução do motor clo recalque, e por isso
escolhi o adjetivo recalcado para qualificar o desejo. Freud fala de exigência pulsional -
Triebansj~nmch-, de pulsão, de angústia e de recalque. A idéia do Seminário não é que a
angústia seja diretamente a causa do desejo, mas que ela a produz. Ela seria o operador que
faria, da exigência pulsional, objeto causa do desejo e que se inscreve, portanto, no moniento
em que se realiza a ruptura do que hcan chama mônada primitiva do gozo. Esta mônada é
mítica, inas há necessihade de formulá-la. Correlacionar o gozo a uma totalidade unitáiia, a
um corpo de gozo, significa que o Outro não entra eni jogo logo de início.
Por isso Lacan é levado a detalhar as separações anatômicas do objeto, as sepa1;içóes natu-
rais do objeto extraídoclo corpo, precisamente sem a intenrençáo de um agente que seria o
Outro. 'Trata-se do queele chama, termo retomado de Freud, separação. Não a castração, mas
a separ;ição dos objetos, a separação dos órgãos. Ele fala mesmo, em um dado momento, d;i
sel~artição,para indicar que se trata como de uma partição no interior, que concerne ao
sujeito do organismo. Nele, a separação de um Órgão tem seu paradigma no objeto anal. Por
isso, é ein um segundL tempo que se coloca a questão da subjetivação do objeto e de sua
inscrição no Outro. O que nele é objeto a ji está qualificado como o que há cle mais eu-
mesmo no exterior, por ter sido cortado de mim, e cujas ressonâncias se encontram na última
lição do Smzinário 11:
4
Evoquei há pouco doutrina, clássica em Lacan, do aquém CIO desejo. Esta doutrina passa
pela necessidade e pela demanda: toma a necessidade como primária, segue a passagem da
necessidade pela demanda. Disso resulta o clesejo, que é como uma defasagem entre necessi-
dade e demancl:~. :
1
Necessidade
Demanda
Desejo
Inzaginá~opertnrbado
O primeiro movimento do seminário se esforça para nos apresentar a fenomenologia do
objeto angustiante, que é apaixonante. Ela ocupa várias liçóes do início, (nas esta não é a fase
mais profunda da exploraçáo, não é sua palavra final. Lacan vai procurar esse objeto que an-
gustia no próprio Freud, em seu texto sobre a "Inquietante estranheza", no qual ele diz preci-
samente que explora, que tenta encontrar o núcleo daquilo que angustia. No segundo movi-
mento do Seminurio trata-se, pelo contririo, de uma angústia que produz o objeto.
O principio da fenomenologia do objeto angustiante é a noção de que há sempre uni
certo vazio a preseivar, tanto no campo visual como no amor, e do seu preenchimento total é
que surge a perturbação em que a angústia se manifesta. Afenomenologia do objeto ;ingusti-
ante tem início no "Estádio do espelho", e é a partir daíque Lacan o apresenta. No "Es~ídiodo
espelho" há um objeto, a imagem do corpo próprio, que produz no sujeito um sentimento de
jubilação, além de um total desconhecimento da estranheza do objeto a. Mas o que lacan
enumera sucessivamente sio os monientos de aparição do objeto que nos lançam eni uma
outra ccliiiiensáo totalmente diferente.
No primeiro niovimento do Sevzinário há aparições, enquanto no segundo há separa-
ções. li-ata-se de dois movimentos totalrfiente distintos.
No primeiro niovimento, trata-se do ipaginário perturbado, do estádio do espelho pertur-
bado, do estádio do espelho modificado em esquema ótico. Perturbado, porque nele se mani-
festa alguma coisa desse objeto a que deveria permanecer somente do lado do sujeito, i
esquerda no esquema ótico. Ele não deveria estar ali.
No esquema ótico há um espelho que separa, um buquê e um vaso. O lado esquerdo é o
lado do real, o lado do sujeito, o lado que náo se vê e só pode ser visto no espelho, ou seja, a
imagem real. No outro lado, no esquema que vocês encontram nos Esvitos, vocês têm a
imagem virtual i'@), que é a niesma.
Todos os esquenias que reproduzi no Semimirio, A angtictia levam a acreditar que ele
suprime isso para indicar que o pequeno a , ou seja, o buquê, não aparece no campo d o
Outro. Normalmente, ele não deve aparecer, deve haver ali uma lacuna - constnição que vocés
encontrani na última lição do Seminurio: A transJerêi7cia -, que podemos chamar de menos
phi, que Lacan vai inclusive chamar de x. Esta é a conclição para que todo o investimento
libidinal narcisico náo seja passado inteiramente para o campo do Outro, no campo visuzil.
Uma parte do investiniento libidinal narcisico permanece não especularizável, e estabiliza O
campo visual.
Todo o pritiieiro movimento do Semiiiário se resume em indicar como é possível fazer
uma transferéncia falaliosa, na qual este investimento suplementar vein penurbar o campo
visual, e entáo isso angustia. Vocês têm o recurso do esquema ótico para explicar a dimensáo
do estranho. Freud diz que o Unheimlichkeit pertence ao domínio do angustiante. [\'o segun-
do nioviinento, pelo contrário, não se uata mais do objeto que causa angústia, mas d o objeto
que a angústia destacaem uma conjuntura de mais-de-gozar.Em outras palavras, no primeiro
movimento vocês têin aparição e perturbação e, no segundo, separações.
O Semiizario leva inicialmente a uma prevalência do campo visual, onde aparece, com sua
funçáo perturbadora, o objeto angustiante, objeto que infringe o principio do campo visual,
que é, por excelência,o principio do prazer, a homeostase. Poderiamos enunciá-lo desta ma-
neira: só é especuiarizáirelo que está conforme o principio do prazer Assim, o que é normal-
mente excluído é a forçação do mais-de-gozar. O campo visual é por excelência o que exclui a
forçaçáo do mais-de-gozar
Lacan recorre ao dsquema ótico para dar conta da ligação da angústia coin o eu, que é
ualorizada por Freud. Mas se há um segundo movimento é porque há duas faces no discurso
dos psicanalistas sobre a angústia, como Lacan assinalai! Podemos distinguir nele os dois
movimentos. Se há, de um lado, a angústia como sinal do eu, há também a angústia referida
ao real, defesa contra o desamparo absoluto do nascimento. Náo se trata entáo do eu, nin-
guém imagina que naquele momento o eu esteja constituído. No primeiro movimento do
Semináiio é valorizada a angústia retomada pelo eu como sinal do que Lacan chania de peri-
gos infinitamente mais leves, enquanto que no segundo trata-se da angústia referida ao real.
lacques-AainMiller é psicanalisla,Diretor do Deparlamento de Psicanálisc (Paris \'lII).
Testo e notas estabelecidas por Callierine Bonningue, a partir de A orienlaçao lacaniana 111, 6, liçio pronunciada no
Departamento de Psicanálise de Paris VI11 e na Seção Clínica de Paris-Saint-Denis: liçóes de 28 de abril, 5 e 12 de maio, 2,9
e 16 de junho de 2004. Publicado conl a geniil autorização de J:A. Miller. Leremos aqui a seynda parte (liçóes de 2 , 9 e 16
de junho), tendo a sido publicada no número 58 (outubro de 2004). Testo traduzido por Inês Autran Dourado
Barbosa
Desacordo
Agora que produzi o livro, gostaria de me calar. Alias, o silêncio é, por excelência, o gozo
oral que não é, como se aprende nesse livro, alimentar-se. Não farei isso com vocês, tambéni
náo vou comentar o Sen~inário,A angústia antes que vocês o leiani. Vou dar-lhes tempo para
tomar conhecimento dele, ingeri-lo, eventualmente digeri-lo. Meu objetivo é apenas extrair
suas linhas mestras e, para tanto, introduzo uma linha de fissura, algo como a estrada romana
à qual Lacan se refere dm seu Seminário, &l>sicose.sl. Estrada romana que não cobre toda a
paisagem, mas permite percorrê-lo, traçar uma trajetória. Proponho-me a desenhar uma tabe-
la de orientação que náo inclui em suas coordenadas os mil e um detalhes que devem ser
avaliados um a um, com a máxima atenção.
Dou a essa linha defissura a forma do losango lacaniano, que mostro percorrido por dois
trajetos. Entre desejo egozo, um passa pela angústia e o outro passa pelo amor Avia do amor
é, classicamente, em Freud, tal como iacan pontuou, uma via de engano, porquanto o amor
se enraíza no narcisisnio. É sobre esse fundo que se destaca o aforisnio de Lacan segundo o
qual a angústia é aquiloII que náo engana.
Afirmei que se trataria nesse Seminário do aquém do desejo. Vocês já conhecem um aquém
d o desejo: a demanda be amor. Lendo de forma ordenada esse Seminário, conforme o que
acredito ser a sua orientação, uma vez dispostas certas escansões de parágrafos, de partes,
vocês descobrem um outro aquém, aquele que passa pela angústia e que Lacan náo retoiiiará
mais, em seguida
Na vertente do amoLencontrTmos,no honzonte, o que podenios denominar uma miragem
e que é designada como UI por iacan em "Funçáo e Campo da fala e da linguagem", quer dizer,
quando ele se dedicou a trabalhar o simbólico e a fazer passar o imaginário no simbólico, escrito
no qual, há bastante tempo, concorclamos em localizar o início de seu ensino propriamente
dito. No horizonte, encbntra-se o amor perfeito, cuja realizaçáo se estabeleceria a partir de urn
acordo intersubjetivo que imporia sua harmonia à naturea despedaçada que o sustentaz.
Do ansioginico ao erógeno
No primeiro movimento doSe»tittúrio, a ênfase é dada i descrição da irrupçáo clisruptiva
do objeto a, enquanto nio orientável no campo visual. Ele aparece diversamente sob a forma
da intrusão, e de uma intrusão colocada como ansiogênica. Abre-se ali o capitulo de uma
classe de fenônienos. Correlativamente a essa valorizaçáo tla disrupção de uin objeto
ansiogênico nio especulaiizável, constantemente ao longo do Seminário, o campo visual é
descrito como especialmente ansiolitico. É, tliz Lacan, no campo visual que o objeto pequeno
a está mais recoberto e passa, normalmente, mais desapercebido do que em todos os campos
enumerados em funçáo dos objetos. É na percepçio visual que o sujeito está mais seguro,
mais a salvo da angústia. O objeto ansiogénico faz irrupçio, eiii casos especiais, num campo
onde normalinente ele não tem Iiigai; porque os objetos são normalizados sob o modo espe-
cul;ir. O que faz coni que vocês sejam obrigados, no caso cle lereni esseSentinÚrio, a reaprender
o esquema ótico, do qual Lacan se desembiraçará, em seguida.
O chariiie desse SenzinBrio está mais na quarta parte, onde o esquema ótico clesapare-
ceu. Mas esse Seminário é coinposto. É preciso passar pelo objeto a como ansiogénico no
campo visual, a partir de algumas de suas aparições dismptisas num campo que não é o seu
i? [,i-eciso crecienciar esse objeto a para poder considerar sua função enquanto tal, a partir de
um certo número de separações erógenas. O moviinento do Seminário, em sua fase mais
profunda, vai das apariçóes ansiogênicas às separações erógenas do objeto.
O primeiro iiioviinento, no conjunto, coinpõe-se tlas duas primeiras panes. O segundo
moviiiiento tonia toda sua força na quarta parte. Na terceira parte, kican situa a angústia entie
gozo e desejo e mostra uma certa conjunçio do ansiógeno com o erógeno, especialmente
sob o modo das afinidades das conexões entre o orgasmo e a angústia. Há ali uma disposição
completamente ordenada: do ansiogênico ao erógeno, e a báscula, o fluxo da balança se dan-
do na conjun@o do ansiógeno com o erógeno.
Isso se vê cla maneira a mais evidente, pois o Senzinário coloca em jogo dois slatus dife-
rentes do corpo. Em seu primeiro movimento, é o corpo especular, o do estádio do espelho,
em sua completude, apreendido como uma forma, uma boa forma, e mesmo a melhor das
form:is posto que, se acreditarmos em sua constmçáo, ela se impõe para o ser falante ao
mundo perceptivo de seus objetos. É umaGe.ítalt. O primeiro inovimento lida com essagestalt,
lidade", quer clizer, esse corpo que retorna. Esquece-se a forma, posto que o corpo do qual se
trata é visado até erii Seu estatuto fetal, e pelas melhores razões do mundo, posto que a angús-
tia do nascimento foi credenciada no discurso analítico.
A via da unulise
Lncan tocou no Édipo essencialmente pela metáfora paterna, quer dizer, a partir de uma
reduyão lingüística, de uma forinalizaçáo do mito. Essa formalização é feita para dai- a peice-
ber o que isso comporta de semblantes.Agora, os seniblantes são fortes, os semblantes niistu-
rain-se ao mundo. Este artificio significante ocupou tanto a cena, para retomar uin tema do
Semi?zário,A a ~ ~ g ú s r icapítulo
a, 111, que isso infiltrou o mundo e se pode dizer que, em iioine
do princípio da precaução, é melhor não tocar nisso. Mas, não há somente precaução, há a
inovação. E quando a inovação já está aí e que ela tem a seu favor uina dinâmica social extre-
maniente fundamentada em lógica e em direito, não se poderia pensar que seria preciso
;icompanhá-Ia?Seri preciso recusar a demanda de que um significante, inclusive os significan-
tes da tradição, venha batizar o gozo de c:ida um. Não seria uma demanda de ti-anscendtncia?
Um filósofo religioso, ao qual Lacan tinha se ligado outrora, em 1966, disse unia frase que
pode fiizer chiar o teólogo: "Nenhum hoineni é filho de uni homem nem de unia mulhei; é
filho de Deus".
A nietáfora paterna, tal como hcan apresentou-a classicamente, tem como ponto de par-
tida uin termo opaco: o do Desejo da f i e , concebido primeiro como um significante cuja
significação é desconhecida. A operação <Ia metáfora paterna consegue simboliz5-10, protlu-
zindo o significante fálico. A Metáfora paterna dá conta de sua nzão, o que pode ser consitle-
rado, de fato, como um exemplo de simbolização integral.
O Smnidrio, A Angúslia desenvolve-se fora da metáfora paterna e parte, também, de um
primeiro termo opacok niítico que não é o Desejo-da-Mãe,mas ogozo. O ponto de partida que
lacan propõe, quando fala de um resto irredutível,é que nenhuma nietáfora se niosti;i capaz de
simbolizi-10 integraliiiente. Nesse senticlo, a designa o fracasso da metáfora.
O libidinal, o que diz respeito à libiclo, resiste por estmtura i sinibolizaçáo integral e é isso
que u designa. Por isso mesmo, o falo como emblema da potência, e tla potência simbólica,
I
nada mais é que narcísico. Há no Smizinário, A Angirstia, uina depreciação do desejo como
desejo de potência. Argumenta-se ali, ao contrário, que é a insistência do náo poder, o "não
poder" determinado pela detumescência do órgão, que se sublima na categoria da potência.
A potência não peitence ao campo libidinal, mas ao campo narcísico. Ela fornece uni Ide-
al, o Icleal clo eu, como Ideal de onipotência, à maneira mesmo tle Deus. Há uma tese do
Seminário, A ang2'lia que é a idéia de que Deus se enraíza na sexualidade do macho, na
inipotência-ein-gozar. É mais uni h a p a eni Lacan, enquanto que a crítica do poder como
uma ilusão é unia constante.I
Ein o Atiesso dal>sicat?álise, vocês tem, a partir da histeria, unia depreciação da figura clo
pai, onde hcan formula claramente que o pai figura como castrado nessa estlutura. É sua
inipotência que é revestida pelos emblemas tl;i potência. Da mesnia maneira, vocés têni unia
constante tlo ensino Ae hcan, na mesma inspiração, que é :I crítica, a depreciaçáo da posiçáo
tlo mestre, desde o início cle seu ensino, a psicanálise aparecendo como uma outra via que
passa por uma renúncia às ilusões da potência. Entendamos, ao nível da voz: a interpretação
em vez do comando.
Beni no final do Seminário, A Angtktia, quando Lacan anuncia o Seminário "Nomes-do-
Pai", ele desenha uiii nova figura do pai, aquele que sabe que o objeto a é irredutivel ao
símbolo. Um pai que não seria e1igan;ido pela nietáfora paterna, que não acreditaria que el;i
possa realizar uma simbolizaçáo integral e que saberia, ao contrário, ligai- o desejo ao objeto
pequeno a coino à s?a causa. Não temos os desenvolvimentos ulteriores que Lacan poderia
nos ter clatlo, iiias t;ilvez j i Ihes pareça que ele tlesenlia uni pai que náo seria senáo o analist:~.
É essa figura que vem, enquanto o objeto a jogando sua partida sozinho entre o sujeito e o
Outro é que está no centro da atenção do próprio Se?izinário.
Texto induzido por Vera 1.oJes Resset.
Gostaria de deixar nas mãos de vocês um fio de Ariadne, que Ihes permita orientar-se
nesse labirinto do Seminurio,A afzgúsria,para destorcê-lo e fazer clele uma estrada roiiiana.
Inicialmente, poderia deixar-lhes este inemento para ludibriar o prestígio e os engodos
multiplicados por lacan que, aqui, nio diz tudo o que sabe, do qiie teiiios uni vestígio em
seus escritos contemporâneo$ eni particular no final do seu texto "Subversáo do sujeito", e
que sei-ia, muito simplesmente, o seguinte: :i função do objeto pequeno a prevalece sobie o
que é apresentado de sua substância, de sua natureu, de sua identidade.
Forjei um pecllieno instriiinento que me foi inspirado pelo esqueinatisino utiliz:iclo por
Lacan em sua "Instância da letra"', e que visa a opor metáfora e inetonímia. hcan desvia, ou
modifica, os símbolos da adição e da subti-açio:o iiiais e o menos, nessa ocasião entre parên-
teses, esti indicando que se deve tomá-los com o valor especial ali explicitatlo
O menos ali esti para indicar que o elemento figurado na parte inferior permaneça nela. E
é coni :i ajuda desse símbolo que Lacan escreve as fórmulas da nietáfora e da nietoníniia:
O signo "niais" indica a ultrapassagem da barra que separa o significante e o significado, e
quer então siriiboliz:~~o efeito de acontecimento, de emergência da significação, tal conio ele
se crisraliza ern uma metáfora. A fórmula da metonímia indica que o efeito náo se produziu,
que a significaçáo está elidida, que a barra é m:intida e que o significado desliza, permanece
inapreensivel, exatainente suposto, posto por baixo. Utilizarei o mais entre parênteses como
sí~iibolode unia adiçáo, que é taiiibéin unia ultrapassagem, e o símbolo do menos entre pa-
rênteses para indicaruiiia não-ultrapassagem, uma suposição que, noSe»ziizário A angústia,
é tanibéni unia subtração.
Começarei apresentando~lhesminha pequena m a t k , uma pequena lâmpada para guiá-los
nas trevas desseSet~zinÚrio,que não deixa tle ter clarões, mas também algumas obscuridades.
Em seguida, eu a pelei eni funcionamento no im:iginário, no simbólico e no real. Partirei de
uma palavra que falta nesse livro, ouso dizer, e que, caso ela ali figurasse, sem clúvitla o torna-
ria mais legível.
O primeiro elemento diferencial introduzido pelo esquema ótico, que vocês encontram
no Se~ninúrio:A angústia, situa-se em outro lugar. É uma cisáo que se opera entre pequeno
a e i(a) -vamos dar a esses símbolos um valor -, que se opera entre o objeto parcial e a
iinagem da forma do corpo próprio. Mas ele se opera de uni modo especial, porquanto é por
interiiiédio de um outro espelho que opera sobre dois elementos materiais: o objeto parcial
representado sob a forma de um buquê aparente e, escondido em uma caixa, uiii vaso que o
espelho convexo permite fazer surgir sob a forma de imageiii, como se estivesse conteiido
esse buquê. Sobre o outro espelho, o espelho plano, vemos inscrever-se uma iiiiageni coiii-
pleta do vaso e das flores.
A diferença essencial com o estádio do espelho puro e simples é a valoraçáo de dois eleiiien-
tos, o a do objeto parcial e o vaso escondido, com freqüência esquecido, mas que ali está pan
figurar a realiclade invisível do corpo, sob a forma de uni vaso que contém, um vaso coni seu
orifício, emblema dos orifícios das zonas erógenas - o sujeito tendo pouco acesso a essa realidade
do corpo com a qual ele só tem, diz iacan, "uma obscura intimidade'". É esse corpo que o que está
desenvolvido na quana parte do Semitwrio, A angkctia tenta esclarecer. Temos o vaso apaiente,
que é qualificado de i(a) e que é o coipo imaginário envelopando a realidade do objeto parcial. Hi
também considenções sobre o que acontece quando essa operação de unificação iiii:iginária não
se produz. É aqui, em particular, que hcan tenta delinear a posição do esquizofrênico.
Esse breve percurso aí está para Ihes enfatizar ;i inodificaçáo essencial que se mina rio, A
a~zgúsliaintroduz nesse esqueiiia ótico, utilizado anteriormente para instalar as Funções do
eu ideal, do Ideal do eu. Aqui, r i o há nada disso, porquanto uma modificação iiiuito precisa é
introduzida nesse esquema. iacan conieça por dissimetrimr o estádio do espelho a fiiii de
valorizar, em piiineiro lugar, o que está constmído em seguida de maneira topológica: o a,
propriamente falando, não é especular, náo aparece no espelho, não se encontra à direita.
resto libidinul.
(iiiz
O que justifica essa surpreendente dissimetria, que é uma sensacional correção tlo estádio
do espellio clássico, está explicado eni totlos os detalhes no Seminário, A tran$erência4.
Iacan se apóia em uina passagem de Karl Abrahani, o inventor da função do objeto parcial,
utilizando, em particular, o sonho de uma paciente histérica que vê a imagem do pai censura-
da, no nível fálico, pela ausência de pelos pubianos. A isso, Lacan tIá o seguinte sentido: tudo
o que é investimento libidinal narcísico do sujeito não está transvazado, transferido para o
objeto, há uma parte que permanece do lado do sujeito, que não entrd no iniaginário. Isso
implica que tudo o que pode atrair o desejo do sujeito, na irnponência do objeto: à direita,
depentle tlo que se manténi do lado esquerdo e que náo está representado. Isso desiiiente as
coniutações tla libido. Um eleniento pernianece estranho à dialética libidinal em que, dessas
transfusões reciprocas do sujeito ao objeto, formulamos a seguinte questão: em qual objeto a
libido é distribuída, sobre qual outro ela se desloca, ela reflui do lado do sujeito?
H i nisso - o que já figura no Seminário, A Wu?z.sferência - um resto libidinal-designado
por uiiia [>al:ivra,o Triebregirngi. Esse Fiebregung funtlamental, do qual Lacan diz: "o que
constitui o Triebregi~ngem funçáo no desejo teni sua sede no resto". OSeminário: A angús-
lia nos permite apreender do que se trata neste "em funçáo no desejo", ou seja, como causa.
~. 50-53 doSeminário, A nng<Ls/ia.
Essa palavra freudiana deve ser acrescentada às páginas - En-
quanto rio Seininario, A traniferência o Tiiebreg~~ng aparece como o privilégio do falo, no
Seminário, A a n g h t i a esse pi-ivilégio é estendido ao objetoa. Passa-se tle uina teoria restrita
para uiiia teoria generalizada.
A esquerda, temos a supost;~realidade do organismo; à direita, sua representação iniaginá-
ria que é também o aimpo da objetividade e, por isso, o campo do Outro.
Essa palavi-:i figura no Sefninário, A angústia clesde o capítulo 1, iiias somente como um
inciso a respeito de sua tradução", no moniento em que Lacan, constmintlo sua primeira
grade signific:tnte, enhtiza a palavra conioçáo (éfnoi). Diz ele: '1traduçáo admitida de
Triebregzang conio comoç:io pulsional é totalmente imprópria". Comoçio quer dizer "queda
tle potência", :io passo que Regzrng é "estimulaçáo, chamada à desorclem e até mesmo ao
inotiin". E isso é tudo. Ele só faz essa palavra figurar ali, lateralmente. Se essa palavra figurasse
em seu lugar, ou seja, se tivéssemos percebido que o que constitui o Triebregung em fun@o
no tlesejo teni sua setle no objeto a, o que precis:imente não é tlito, isso tornaria inuito mais
chega a ponto clo pelsonagern aparecer a ele próprio visto de costas. É o ponto extl-emo.
hlanifests-se a perturbaçáo do pequeno a como náo orientável, no qual o anverso está eni
continuidade com o avesso, e em que o sujeito se vé confrontado, de algum modo, com ele
próprio, sob a forma $e uma luva revirada, imagem que retorna muitas vezes nesse Setnina-
rio e no ensino de bkan
A ce17a é o mnndo.
Sob uina forma mais cliscret;~,é eventualmente a emergéncia no campo uisual tla dimen-
i
s5o do olliar, porquanto ela traz um sentimento de estranheza, que seria a pona abert;~para :i
angústia. Mas vê-se t k b é n i , atiavés de alguiii outro mecanismo, essa intnisão do peclueno a
ter um valor erógeno e não ansiógeno. S5o os exemplos muito conhecidos claclos por Lac;in
ela pinta negra cl:i mulher charmosa, do sinal no rosto, adorável, que fazem nianchas, mas, ao
lixesino tempo, erotizani a imagem do Outro presentificando um valor, desta vez positivo, do
objeto a .
Disso resulta a oposição, estruturada nesse Serniizdrio, entre dois tipos de objetos: os
objetos ele tipo especular, objetos comuns a uni e a outro, que não %aoforçosaniente pacífi-
cos, sáo objetos ele concorrência, mas tanibéni cle troca, reconhecíveis e normais, ao iiiesiiio
teinpo especulares e simbolizáveis; e os objetos de um outro tipo, coino se anteriores a essa
coiiiuniclatle iiiiaginákia, que náo são i-egulados, nias sim carregados de Triebregzrng, tendo
unia carga pulsional. É o que se tornará, muito mais tarde no ensino de hcan, o inais.de.
gozar. Se Lacan tivesse [,osto em função o termo freudiano Triehregirng no Semi77urio: A
a n g h t i a , ele tei-ia esiaclo na pista desse mais-de-goza!:
I
Teinos aqui objetos imaginários e objetos náo-i, objetos que têni a estnitura cle i(a) e
objetos esti.uturaln~entenáo-orientáveis. O espelho desse esquenia ótico funciona como uni
véu que inipecle o sujeito de ver, em condições normais, o objeto pequeno a. Se fizermos
girar esse espelho, ele se apresenta como uma barreira que sepan o ol~jetoa do objeto nor-
m;~l.Destle então, há tlois estados possíveis, conforme essa barreira seja mantitla: o objeto a
fica eni sei1 lugar - pequeno i, nienos entre parênteses, pequeno a ; nada de desortleii~,nada
de motiiii; ou ent.20 há ultrapassagem - pequeno i, mais entre parênteses, pequeno a - e,
então, há pertui-l~ação,clesordeni e motim.
I
Vemos aqui uma priiiieira aplicação no imaginário da matriz que Ihes anunciei. Ela já per-
iiiite compreender, por exemplo, a raZo de Lacan tnzer, em certo inomento, cle moclo simé-
trico, o masoquisnio e o sadismo, e por que ele tem o cuidado de apresentar uma diferença,
eiii relaçáo a I.évi-Stnuss, entre a cena e o niundo. A cen:i - sohre a barm ou, nesse esquema,
o que figura i direita -, é o que se inostra, o que aparece. O niundo, no esqiieina ótico, figura
3. Luto e melancolia.
Alo e inconscie~?le.
Quando lac;in traz, no Sei~~ifzário, A angtistia, o sadismo e o masoquismo, ele o faz eiii
uni jogo chaiiiado por ele de ocultação, no qual o que é niostrado ali está para dissiniular a
outra dimensio. Para o masoquista que se exibe como dejeto, que, longe de fazer reaparecer
a outra dimensão, apresenta-se como subnietido a tudo o que pode vir do Outro enquanto
iiialtrato, dizenios: "Taí, é o objeto a".De modo algum. Trata-se de uma mostração, unia figu-
ração de i (a), está na cena. É na cena que o masoquista simula, desta feita, o obietoa, que ele
se exibe corno dejeto e torna público seu esmero eni garantir o gozo do Outro. Lacan indica
que, sob a barra, muito pelo contrário, ele tenta produzir a angústia do Outro. Inversaniente,
o sádico, na cena, se mostra matando-se p:ira produzir a angústia do Outro, quando, cle fato,
ele visa a obter o gozo CIO Outro, e até inesmo a encontrar no Outro o pequeno a, o inais
íntimo do seu gozo que é, como Lacan se esforça cm pronunciar, seguindo os passos c10
marquês de Side: "Tirei o couro do otário"
Eis aqui unia aplicação da matriz que Ihes indiquei. E a palavra matriz não me parece um
mal achado aqui. Vocês compreendem que o que Lacan desenvolve da oposição entre oacting-
out e a passagem ao ato, tal como a oposiçáo entre luto e melancolia, a parrir de Fi-eud,
corresponde estritamente a essa disposiçio. O conceito de cena -uma cena imaginária, mas
também a cena do Olitro já que, ein relação ao real, o imaginário e o simbólico estão do
inesmo lado - é aqui essencial.
O actir~g-outé o siirgimento do objeto a na cena, com seus efeitos de perturbação e de
desordem, insituáveis. Aqui, é preciso implicar uma dinâmica subjetiva que faz coin que o
sujeito traga i cena o objeto a, ao passo que na passagem ao ato é o sujeito encontrando-se,
sob a b:irn, fora da cena, com O objetou. A passagem ao ato não engana, é uma saida de cena
que náo deixa mais lugar i interpretação, não deixa mais lugar ao jogo do significante.
-a
Por essa razão, ocorreu-me desunir a função do ato e a do inconsciente. Há, na passagem
ao ato, um "não querer saber mais nad;i". Sai-se do logro da cena para a certeza encontrada
ein unia identific;içio em curto-circuito com o objeto a, que Lacan chama, incliisive, identifi-
cação absoluta com o objeto a f o n da cena.
Na passagem ao ato 115 rejeição da cena e rejeição de qualquer apelo ao Outi-o, ao passo
que o acting-otri, que é uma subida à cena, é um apelo ao Outro. O pequenoa sol~eà cena e
o sujeito o mostra. Unia vez que o pequeno a não é especulatizável como tal, o sujeito o
inostra iio aclingout, sempre lateralmente, tle viés. Aqui, o sujeito necessita mentir. Quando
o objeto vem i cena no actitzgaut, tal como quando ele veiii à cena no inasoquisnio, é seni-
[Ire unia falácia. O sujeito niostrzi a libra de c:irne, os miolos frescos, nias isso não [passa de
uma careta, para retobar unia expressão de lacan em Teleui.süo, uma careta da qual o real
escapole. Uma vez sufjido à cen;i, é captado pelos logros da mostração, pelos logros do signi-
ficante, da verdade, e o real fica eni outro lug:ir.
Verdadeiro Desejo
-
I Real Gozo
+a -a
luto melancolia
4. Operador de separaçáo
Duas [~osiçõesdo objeto estranho sáo siruáveis nesse Seininário. Quando o objeto a não
aparece no sinibólico, temos o que conhecemos classicamente em Iacan, ou seja: os circuitos da
determina60 siinbólica que se deixam formular como leis cla dete1min:içjo simbólica.Inclusive, é
desse niodo que osficn?os se iniciam. Temos um Outro que se apresenta por um agenciamento
necessário cle fórmulas lógicas e que estabelece leis, a cal ponto que o sujeito aparece essencial-
mente deterniinado poressas leis, o que escreverei sob a foinia: A+$. Isso exprime a dominância
tlo significante sobre o sujeito fazendo eniergir uiii sujeito seni nenhuma relago com o real.
corpo libidinal, que vai além dos limites do corpo imaginário, que iniplica o corpo do Outro,
e sob todas as suas formas. Ele ocasiona o que chamei o chame naturalista do Set?zi?zario,
que seria preciso retoniar em detalhes cada unia das cinco foriiias clistinguid:is por Lacan, e
que guardei coino títiilos da últinia parte. Mas é uma ilusão: em iacan, não há nenliuin n:itli-
ralisnio do objeto pequenoa.. Pelo contrário, talvez o mais surpreendente seja o culturalismo
desse objeto. Ele poder ser substituído. É como ele diz: "O olijeto natural pode ser substituí-
do por um objeto mecânico". Em se trat;intlo do seio, ele pode ser substituído pela inamadei-
ra e até iiiesino, diz ele, "por qualquer outro objeto".
6 a demonstraç:io elo Sen~iluirioque :icenrua, simultaneamente, as n k e s corporais do obje-
to pequeno a, e, ao iiiesmo tempo, o fato de os objetos artificiais lioclereni ser equivalentes a
esses objetos naturais. Disso decoire a menção, já em 1962, cio enxerto de órgãos, da imagem
sacada sob a forma da fotografia ~irópriapai2 circular, ou da voz que pode ser gravada e estoca-
da. Sabemos inuito bem que, hoje, entramos em uma economia frenética, ofegante, na qual os
objetos de substituição dos assim chamados objetos naturais estão por toda pane. Mas é emi-
nentemente cultural tanibém, visto que um dos exemplos daclos por iacan do objetoa e de sua
separação é o prepúcio na circuncisão, ou seja, uma prática claramente cultural. N l nil~iicacla
sepaiação esti insci-itotudo o que é da ordem da protlução do objeto. Assim, podeinos encon-
trar a cópia cle exame eiitregue às pressas e, eventualmente, no inomcnto em que a angústia e o
gozo se conjugam em Função do objetou. Encontrainos tambéni a obra, o ato, nessa funçáo". A
tal ponto que Lacan recusa a idéia de uma realização subjetiva pura e simples como sendo
apenas um mito personalista, que ele nos trouxe em "Função e campo da fala e da linguageni".