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LSOUUU DE CAMPINAS
UNIVIKSIUADP
Rcirar
H ~ N L ~ Q0iUBB
CARLOS R CRUZ
~
Coordenador G e d da Universidadr
Jorr Tmru Jonco
Conselho 1;dicoriil
Prcsidcno
PAULOF a a ~ c ~ r n i
ALan Pfcaair- ANTONIO CARLOS B A N N U ~ ~ ~FAHIOMAGRIHAES
T-
G e m ~ o aDi GIOVANNI
-JosLA. R. G0~1110-LUIZDLVIDOVICH
Luz Mhn~usS- R i w n n o A ~ 1 ~ 0
FICHA
CATALOORÁF.~ICA ELABORADA PELA
Bitiiiorech CENTRAL
DA UNICAMP
C D D 730.0781
70 i
ISBN 85-268-0676-7 709.04
fndices para caráiogo rirrcmirico:
1. Arrcs plásricns-Braiil
2. Cririca de arrc
3. Airi concreta
4. Arm figurativa
Serge Guilbaut, "Postwar Painring Games: the rough and the slick", in Sergc
I
Charles Baudclaire, "Salon de 1846", in Euwrescompl&tes. Paris: Seuil, 1966, Guilbaut (org.), RecorutruetingModrrni,m.Art i n New York, Parir andMo~i-
p. 229. n e a l 1 9 4 5 - 1 9 6 4 Cambridge, Londres: The MIT Press, 1990, p. 31.
Rosalind Krauss, "Uma visão do modernismo", in Glória Ferreira e Cecilia O trabalho dos informais, n o entanto, logo atraiu a atengáo e simpaii;~<li.
Cotrim (org.), CIcmcnt Greenberg r o debate critico. Rio de Janeiro: Minis- escritores do porte de Jean-Paul Sartre, Francis Ponge, Jean Paulhan c Micliil
tirio da Cultura, FUNARTE, Jorge Zahar Editor, 1997, p. 173. Tapie, que passaram a defender essa arte octra.
afirmando que, desde o final da guerra, ficara evidente que I Bienal, aderiram aos postulados da arte concreta - rede-
a arte vinda de Paris "não estava à altura, que a produção finidos por Max Bill em 1936 -, os críticos brasileiros parti-
americana tinha nitidamente mais f ~ r ç a " . ~ dários da abstraçáo, em especial Mário Pedrosa e Ferreira
A maioria dos estudos publicados até hoje sobre asituaçáo Gullar, procuravam demonstrar que era possível construir
artística no pós-guerra analisa apenas, por razóes óbvias, o anta- uma arte nova, adequada às necessidades de um país novo,
gonismo instaurado entre a França e os Estados Unidos. No que poderia entrar em concorrência direta - em nível de
entanto, também o Brasil nutria a esperança de impor-se mun- igualdade, ou mesmo de superioridade - com a produçáo
dialmente. Nos anos 1950, o país tentava aproveitar as divisas européia. Dentro desse espírito, eles se engajaram em um
acumuladas durante a guerra para aumentar sua capacidade de combate ao mesmo tempo ideológico e estktico: reagindo a
produçáo e se lançar definitivamente na era da industrialização. uma situação de dependência cultural, buscavam dar à arte
O Brasil conhece, então, um desenvolvimento econômico ace- abstrata realizada no país um caráter de inovação e de especi-
lerado e aparece como forte candidato a ocupar um lugar pri- ficidade que a distinguisse no mercado de arte internacional.
vilegiado no novo arranjo de naçóes, incluindo o no domínio Apesar do apelo inicial lançado em favor da universalidade da
artístico. Aidéia de uma mudança do centro mundial das artes arte abstrata,.as concepções estéticas de Pedrosa e Gullar re-
*
de Paris para São Paulo seduzia os espíritos mais audaciosos, velam, já na segunda metade da década de 1950, forte desejo
que acreditavam na possibilidade de o país participar do debate de definir o que deveria ser a "abstração brasileira". A rejeiçáo
cultural da época com uma contribuição significativa e ori- da pintura informal, ou tachista, por ambos, por exemplo,
ginal. No plano nacional, esse período caracteriza-se pela reto- deveu-se, a meu ver, à identificaçáo da arte neoconcreta como
mada de didlogo com o exterior e pela implantaçáo de uma a formulação abstrata mais adaptada às necessidades do país.
política desenvolvimentista que resultaria na construção de A seu ver, os artistas brasileiros que aderiram "apressadamen-
Brasília. Novos museus, voltados para a arte moderna, sáo en- te" à arte informal ou gestual submeteram-se sem resistência
tão fundados, e assiste-se idifusão da arte abstrata nos grandes a umalinguagem "sem raízes", veiculada por galerias e museus
centros brasileiros. A criação das Bienais de Sáo Paulo repre- dos grandes centros m u n d i a i ~ . ~
senta o ponto culminante desse processo de abertura e dessa
tentativa de renovaçáo das artes plásticas no país.
' Ressalto, porém, que um dos crit6rios de contemporaneidade. para Pedrosa
Simultaneamente às pesquisas dos artistas de vanguarda,
e Gullar, dizia respeito à tentativa de romper por completa com "as últimas
que, impressionados pelo trabalho da representação suíça na caracreristicas convencionais da pintura-de-cavalete",características estas que
a "onda rachista", a seu ver, tentava restabelecer no Brasil. Ambos compar-
tilhavam da convic~áode que era necessário abolir a idhia da obra de arte
' Entrevista com Ana Hindry, realizada em Nova Iarque em 17 de maio de como objeto único, superar a oposi~áoentre as categorias estéticas rradi-
1993, em Glória Ferreira e Cecilia Cotrim (org.), op. cit., p. 146. cionais e engajar o espectador no processo de criagáo.
Nos anos 1960, porém, a situaçáo do Brasil no concerto Entretanto, enquanto, para alguns, a arte deveria atuar como
internacional das nações era complemente distinta. Enquanto meio de organizaçáo das massas e a preocupação com o con-
os Estados Unidos desfrutavam de uma condiçáo político- teúdo deveria prevalecer sobre aquela com a forma, para ou-
econômica privilegiada, afirmando seu lugar de liderança tros, militância e experimentalismo formal poderiam cami-
mundial, lançando-se em campanhas internacionais com o nhar lado a lado. Ferreira Gullar, por exemplo, renegaria seus
intuito de demonstrar seu poderio militar, conquistando o ideais vanguardistas, lutando agora em favor de uma "arte
espaço e levando seus produtos aos quatro cantos do planeta, popular revolucionária", que fosse capaz de estabelecer uma
o Brasil, após um período de euforia desenvolvimentista, as- comunicação imediata e inequívoca com o "povo". Já Mário
sistia ao aumento vertiginoso da inflação, ?I renúncia de um Pedrosa, embora apreensivo com o destino da naçáo, alertava
presidente, à deposição de seu substituto e à implantação de para o perigo de se confundirem revoluçáo política e revo-
uma ditadura militar que terminaria por cercear os direitos lução artística. E, se ambos exaltavam o caráter politizado da
civis de seus cidadãos. No terreno das artes, a certeza de que novajguraçúo brasileira, assim como sua tentativa de romper
era possível se equiparar às nações mais desenvolvidas dava o isolamento das artes plásticas em relação ao grande públi-
lugar ao desejo de assumir o subdesenvolvimento do país e de co, o primeiro confiava na possibilidade de criação, no fu-
fundar uma linguagem condizente com essa condiçáo. É o turo, de uma arte de alta qualidade, feita para as massas, ao
fim do apogeu da arte abstrata nos meios de vanguarda, da passo que o segundo entendia que a sociedade de consumo
retomada da figuração pelos jovens artistas e dos primeiros de massa náo era propicia às artes, devido ao poder incomen-
sintomas perceptíveis de uma integraçáo entre arte e cultura surável do mercado e do pensamento publicitário.
de massa.
O debate em torno da importância do engajamento po-
lítico do intelectual e da eficácia revolucionária da arte sus-
citou novas questões a respeito da relação entre obra e re-
ceptor e da função e responsabilidade social do artista. Como
observa Otília Arantes a respeito do período 1965-1969, "boa
parte dos artistas brasileiros pretendiam, ao fazer arte, estar
fazendo política [...I [reclamando] para si um papel de ponta
na resistência ao processo regressivo por que passava o país".'
' Otília B. F. Arantes, "Depois das vanguardas", Arte Em Revista, na7, ano 5.
São Paulo, ago. 1983, pp. 5-20.
Depois da exposição dos premiados d a primeira Bienal d e Sáo Paulo,
o Museu d e A r t e Moderna nos dá u m a mostra da atualidade brasileira
e m pintura, escultura, gravura e desenho. Será essa a ocasiáo para ve-
rificar-se a influência q u e a Bienal teve sobre os artistas. [...I O grave
perigo que corriam os artistas plisticos n o Brasil, antes d a prova d a Bie-
na1 paulista, e r a a timidez, a falrn de nudicia, um certo conformismo com 1
ralizada a uma concepção plástica que encampava a idéia de logias construtivas no plano cultural, o desenvolvimentismo no plano
I
/ O desejo de construir uma sociedade nova e moderna, re- blemas sociais do país, os primeiros defensores da arte concreta\
gida por modelos racionais, certamente contribuiu para a entre nós acreditavam em seu potencial revolucionário, transj
difusão, no continente sul-americano, de uma arte imbuída formador. Artistas e crlticos que promoveram tal tendência no
I de uma ideologia progressista. Convencidos do papel capital
que as descobertas científicas poderiam desempenhar para a
1 Brasil declaravam-se compromissados com o destino do país e
chek, "Cinquenta anos em cinco", ilustra com perfeição a at- entulhos, convertidos enfim, em fontes iiiesgotáveis de riquissimas minérios".
Como observa Ricardo Maranháo, "todos os elementar que figuram nas pa-
mosfera otimista e voltada para o futuro que dirigentes, in- lavras de JK fazem parte de um liiiguajar ideológica que recuperavárias décadas
deaspiraqóes nacionais. Ate mesmo a unta, Figura-simbola de umadas
vertentes literárias da Modernismo, carregada de um patriotismo verde-amarelo
e que desembocou em posisóes cxtremamenre reacionárias, está presente. E,
em oposi~áoao velha jumento que servia no passado ioJeca-Tatu, se colocam
Ferreira Gullar, 'Xrre neocancreta, uma contribuição brasileira", in Aracy várias das Meras que seriam a prata principal da devorasão antropoiágica e ao
Amaral (oig.), Projeto conitrirtivo brarileiro naartr (1950-1962).Rio dc Ja- mesmo tempo progressistado pais durante o qüinqüênio de JK: a Energia, as
neiro, Sáo Paulo: MEC-Pinacoteca do Estada de Sáo Paulo, 1977, p. 114. Transportes, as Máquinas, aMinera$ão2'. Ricardo Maranháo, Ogovrrno jur-
Publicado originalmente na Reviira Crítica deArtr, na 1 . Rio dc Jaliciro, 1962. iclino Kuditichek. Sáo Paulo: Brasiliense, 1981, pp. 7-9.
pregavam a implementação de mudanças sociais profundas. A posição filosófica toda subjetiva, introjetiva. Era uma posiçáo que náo
arte moderna ou abstrata de tendência construtiva era, para eles, implicava uma mensagem, uma atitude de quem vê mais longe. Era um
não apenas o simples resultado de meros malabarismos formais, grito do artista, uma interjeição perinniieiitc.'
mas um dos instrumentos mais poderosos para a construçáo de
uma nova sociedade. Mário Pedrosa expõe tal convicção em um O processo de aceleraçáo industrial em andamento no
' depoimento a Aracy Amaral: país, que se encontrava ni:iis :iv:iii(ailo cni s50 Paulo, incitava
a uma redefiniçáo do 1i:ipcl soi:inl t l o :irtist;i I~iasilciro.Este
Porque havia na arte dita moderna algo que era revolucionário, que passa então a ser visto como partici~>:it~~v : I I ~ V OCIO projeto de
se precisava desenvolver. Daí porque tive realmente um interesse muito edificaçáo de uma sociedade modcr1i;i c ~ ~ r ~ ~ < l i i i iraba- iv;i,
grande por uma arte que fosse importante no fazer, que influenciasse a Ihando no domínio da estética industrial, tl:i ~i~x~~:i~;ili:i, iI:is
vida social d a 6poca. Quis que fosse criativa nesse sentido. Quando e u artes gráficas etc ...As vanguardas, fazia-se ncccss:írio I W O I I I I > . -
filava de arte moderna, eu m e referia a u m a arte que tive~seinfuência sobre ver a "tomada de consciência do artista, tanto artística < ~ U : I I I I U
a vida social d a época. [...I Erra arte iria ter u m a importancia n a vida economicamente, frente ao novo mundo da produção i i i -
social. Não me interessou nunca a arte puramente desinteressada, que dustrial em série, [.I
aquele mundo impessoal, coletivo e
não fosse social. Havia uma coincidência muito grande entre a arte mo- racional, que passa a depender inteiramente doplanejamento,
derna, que modificava a maneira d e viver dos homens, e a arte cons- em todos os sentidos, níveis e escalas".10
trutiva. Uma utopia. Mas a utopiaé importante. [...I Esse dado utdpico A integraçáo entre o artista de um país em desenvolvi-
Foi decisivo para todas nós. Porque senão não se fazia mento e a indústria em expansáo era, portanto, não somente
atraente, mas fundamental para o novo projeto de nação,
Essas mesmas razões levaram-no a reagir contra a intro- como declara Mário Pedrosa em 1955:
dução da arte informal no país:
A indústria moderna precisa da imprescindível e inadiável colaboraçáo
Havia esse compromisso [entre a arte concreta e o processo d e indus- dos artistas, sob pena de jamais elevar-se à altura das exigências culturais
trialização brasileiro], a arte é uma coisa otimista. O Brasil é um país de da sociedadc a que serve. Sem essa colaboração, ela náo ultrapassará nunca
construçáo nova e eu achava que a arte concreta foi que deu essa dis-
ciplina n o nível d a forma. J á o inforrnalismo era uma arte pessimista, Enrrevista com Mário Pedrosa, in Fernando Cocchiarale e Aiina Bella Geiger,
Abitracioniimo geométrico e informal-A vanguarda órarilrira nos ano: cin-
muito pessimista, e refletiu o que se passava no mundo. Uma arte de
güenta. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1987, pp. 104-8.
'O Decio Pignatari, "Forma, f u n ~ á oe projeta geral", i n Aracy Amaral (org.),
Depoimento de Mário Pedrosa a Aracy Amaral, datado de 30 de abril de Projeto conrtrutiuo brasileiro naarte (1950-IYGZ), ap. cir., pp. 76-77, Artigo
1181, apud Aracy Amara], Artepara qu2Apreocupn~tíorocinl iin "rte bra- publicado pela primeira vez na reviara Arquitetura e Deco~a~ão, Sáo Paulo,
sileira. 1930-1970.São Paulo: Nobel, 1987, pp. 251-52. O grifo C nosso. ago. 1957.
80
o âmbito desse empirismo mesquinho e meramente utilitário em que tra- Na opinião de Waldemar Cordeiro, um dos líderes do
balha, náo alcançando enobrecer a nossa civilizaçáo com a qualidade for- movimento paulista, o artista moderno deveria estar sinto-
mal (perfeita síntese funcional e plástica) d e seus artigos, como o fizeram, nizado com o próprio tempo e náo tentar, ingenuamente,
e m relação ao seu tempo, as atividades artesanais das grandes épocas cria- escapar à era tecnológica.'% ele caberia tratar a arte como
doras d o passado, assim, por exemplo, o artesanato medieval." um produto intelectual, coiisidernildo-a "um meio de conhe-
cimento tão importante quaiiro as ciencias positivas":
O artista moderno, portanto, deveria colaborar na cons-
trução do novo mundo. Assim como o artesão da Idade Média, f:izcr dn arte u m
A parcialidade d o s roin9iiiicos, qiic I>i.rir~iilr~ii
ele trabalharia em prol da comunidade, de sua evolução. Ao mistério e u m milagre, desacredita a ~ii>iciiçi:ili<l:iilc
stiri:il dn crinçáo
mesmo tempo, porém, deveria combater o prestlgio arraigado formal. O intelectualismo dos ide6logos, de oiirro I:irl<i. :itriliiii h nrrc
à execução artesanal e rejeitar a noçáo de obra de arte como tarefas q u e esta não pode cumprir, por serem contrdri:is h su:i ii:itiircx:i.
objeto único e sagrado. Em vez de sujeitar-se a formulações [...I Urge u m a v o l t a a o realismo, para salvar as conqiiistns h:isir:is d:i tirtc
plásticas antigas, o artista contemporâneo deveria criar novas contemporânea ameapdas pelas perplexidades e complexos dc 11111:i Ihls:i
formas de expressão, compostas segundo princípios sistemá- moral. Realismo artístico e não realismo anedótico. [...I O cciiicciiii dc
ticos, concebidas em sirie e acessiveis a todos. "Quanto mais arte produtiva é u m golpe mortal n o idealismo e emancipa a artc d:i
objetivamente gerais e impessoais -quanto mais objetiva- condição secundária e dependente a que tinha sido relegada.14
mente universais - tanto mais belas seráo as obras de arte",
proclamou um dos artistas concretos de Sáo Paulo."
'3Já em 1949, Cordeiro defendia o abstracionismo como o 'ponto nodal, um
" Mario Pedrosa, prefácio da catálogo da segunda expasi~áodo grupo Frentc, salto qualitativo determinada de um movimento de 'ruptura que pretende
Museu de ArteModeina do Rio deJaneiro, jul. 1955, in Feinando Cocchia- reivindicar a linguagem real das artes plásticas. [...I Ora, seo mundo se acha
rale e Anna Bella Geiger, op. cit., p. 232. em incessante movimento e desenvolvimento e se a lei deste movimento t a
Décio Pignatari, :'Forma, função e projeto geral", in Aracy Amaril (org.), ertinçáo do velho e a fortalecimento do novo, 6 evidente que não devemos
Projeto construtivo bnuileiro na arte (1950-1962), op. cit., pp. 76-77, Como orientar-nos, especialmente ar jovens, para aquelas formas q u e há muito
I
o b s e r v a h a Maria Belluzzo, "a alian~aentreo artista e a indústria se manifesta, chegaram ao término de seu desenvolvimenro, mas para as outras que com
entre outros aspectos, atraves de uma valorização positiva da produçáo pela estes nascem, desenvolvem-se e que tem o futuro". Waldemar Cordeiro, "Abs-
máquina, através da preferência por materiais e processos industriais, por tintas tracionismo", ArterPlditicai, vol. 3, jan.-fev. 1949, apud Aracy Amaral, Arte
i
de cores puras já prontas, em oposição àqueles procedimentos identificados para q u t ? op. cir., p. 252.
com a tradição artisrica e artesanai, e a adoção de tintas industriais como o es- " Waldemar Cordeiro, "O objeto", in Aracy Amaral (org.), Projeto ronrtrutivo
malte em cares 'prontas', suportes industriais como o duratex, compensado, braiileiro na arte (1950-1962),op. cit., pp. 74-75. Publicado originalmente
plexiglass, alumfnio e processos industriais como pintura a revdlver". Ana Maria na revista Arquitetura eDeiora~ão.São Paulo, dez. 1956. Habilmente, Cor-
Belluzza, "Ruptura e arte concreta", in Aracy Amaral (org.), Arte conrtrutiva deiro emprega em seu artigo o termo realismo, cara aos estalinistas e aos ar-
1
no Bmsil. Colefão Adolpho Leirncr. São Paulo: Melhoramentos, DBA Artes tistas figurativos engajados, fazendo uma ressalva: realirmo artírtico e naoanr-
Gráficas, 1998,p. 134. 11' ddtico. Dentro do mesmo espírito, ele proclamaria, em artigo publicado na
Juízo semelhante foi proferido por Geraldo de Barros, ou- plicados nas malhas da ideologia d o desenvolvimento tecnológico, na
tro participante da vanguarda abstrata paulista, quando afir- crença de u m a progressiva racionalizaçáo das relaçóes sociais, tendo como
mou que 'a tentativa da arte concreta em sua finalidade era a horizonte uma hipotktica sociedade onde arte e vida estabeleceriam entre
de socializar a arte". Segundo ele, o concretismo brasileiro "não si vinculos concretos e d e s ~ o m ~ r o m e t i d com
o s posi~óesde classe.'"
foi outra coisa senão a tentativa de especificaçáo dum projeto,
no sentido de obter um ProjetolObjeto-Pintura a ser produ- Brito pondera ainda que, no afã de abraçar a causa do
zido em grande escala. Ao eliminar o objeto único (meio de progresso, tal concepção entende a sociedade como uma tota-
subsistência do marchandda galeria), a arte concreta proporia lidade, negando conseqüentemente sua divisão em classes
uma decorrente coletivizaçáo da pintura e demais artes".15 sociais e promovendo assim um forte recalque das lutas ideo-
A utopia cientificista e desenvolvimentista que subjaz no lógicas latentes em todos os tempos. Dentro dessa mesma
discurso das vanguardas construtivas, expressamente culti- linha de raciocínio, Aracy Amaral ressalta as contradiçóes da
vada pelos concretistas do país, foi analisada -e criticada - posição esquerdista de Cordeiro:
por Ronaldo Brito:
Para Cordeiro, na verdade, a arre concreta eravista como uma possi-
A questão sempre foi, para as ideologias construtivas, construir uma bilidade de integrar o artista no projeto social, como paisagista, dese-
arte que pudesse servir de modelo à própria construção social. [.I Asua nhista industrial, artista gráfico, e não mais mero produtor de objetos
intervenção é de natureza didática; como todasas forps liberais, acreditam de decoragáo para uma burguesia instalada o u emergente. [...I Seu ex-
n a Educação com e maiúsculo - seu esforço mais constante é no sentido tremo dogmatismo, contudo, [.I era similar ao rigor dos estalinistas que
d e estetizar o ambiente social, educar esteticamente as massas. [...I Im- tanto combatia e sua grande c o n ~ r a d i ~ ãtalvez
o residisse e m querer con-
ciliarsuas idéias, que reivindicava como de esquerda, com uma tendência
mesma revista dois anos mais rarde, a identidade da arre concreta com a in-
dústria, alertando para "a importincia decisiva da indústria na compreensáo que se identifica com u m a aspiragáo desenvolvimentista, industrialista,
do conteúdo da arte contempor%nea,cuja finalidade última e destina his- vinculada à entradamaciça dos investimentos estrangeiros em nosso pais
tórica acreditamos ser a Arte Industrial".
a partir de inícios dos anos 50."
l5 Apud Maria Aimée C. Galletani, Concrctismo e neocancretismo nas artes
plásticas. A vanguarda construtiva brasileira nos anos cinqüenta e inicio dos
anos sessenta. Dissertação de mestradoem filosofia, PUC. São Paulo, 1991, Devemos também ter em mente, contudo, que o apoio e
p. 76. Coerente com sua propostade inserir a arte na produqáo industrial, Ge- O entusiasmo que a arte concreta encontrou entre os críticos
raldo de Barros, como relata Gallerani, foi um dos fundadores, em 1954, da
Comunidade de Trabalho UNILABOR, que, inspirando-se na proposta da Bau- e os jovens artistas brasileiros se fundavam igualmente na
haus, teve como meta a produção cm serie de objetos de uso cotidiano. Na área
da deseiilio industrial, fundou ainda, com Alexandre Wollner e Rubem Mar-
tins, a FORA-INFOM (1919) e, com Aluísio Biane, a loji de movçis I-Iosjrro '"onaldo Brito, op. cit., p. 15.
(1964). " Aracy Amaral, Artepara giiê?, op. cit., p. 253
I vontade de fazer tábula rasa de toda heranca cultural e de abstracionismo. Transparece o desejo de náo violentar as coi-
retornar aos valores essenciais da arte, um dos maiores motes sas, de ficar num meio-termo, de não perder o pk"."
das vanguardas modernistas. A adesão às idéias rigorosas de Os textos publicados no Brasil durante o período em ques-
Max Bill representava uma ruptura simultânea com a forte tão buscavam atribuir esse caráter de radicalização ao trabalho
tradição figurativa em voga no país e com a autoridade de Paris, da vanguarda local, assumindo um tom peremptório compa-
"guia universal das artes" e referência mítica da maioria dos ar- rável ao dos manifestos artísticos publicados no início do século
' ~ se ignorava tampouco o trabalho dos expressio-
t i s t a ~ .Náo na Europa. Na realidade, como observa Neiva Bohns,
i nistas abstratos norte-americanos, que tiveram algumas de -
I suas obras expostas na primeira e na segunda Bienais de São esse tipo de escritura [dos textos concreristas] espellia-se e m grande
Paulo, mas ele não representava um retorno às "origens da parte na forma dos manifestos reivindicatórios e pollricos, e, portanto,
linguagem objetiva e universal da forma", linguagem esta que está inserida numa tradisáo que é comum ao modernismo. C o m o aqueles,
os artistas concretos gostariam que fosse a da vida cotidiana. estes apresentam u m tom extremamente afirmativo, objetivando não dei-
De maneira análoga, a abstração náo-geométrica praticada na xar espaço para a dúvida o u para a incerteza. Há, nos rextos, u m forte tom
I
França no pós-guerra mostrava-se, na opinião desses artistas, d e auto-suficiência, já que os artistas q u e os escreveram acreditavam ser
indecisa, sem querer dar o passo decisivo que poderia con- os condutores da nova arte. Eram os pretensos sujeitos assumidos d e u m a
duzi-Ia a uma verdadeira ruptura com a natureza. Sobre esse nova história que c o r n e ~ a v a . ~ '
assuiito, escreve Mário Pedrosa, em um artigo sobre a pri-
meira Bienal de São Paulo: "Tal como se apresenta a seção da O manifesto do grupo Ruptura, fundado em São Paulo em
França a marca da arte francesa está ali visível. Veja-se o seu 1952 e liderado por Waldemar Cordeiro, enfatizava a vontade
de seus membros de instaurar uma nova era artística no país,
estabelecendo uma distinção entre os que "criam formas novas
Em artigo em 1970, no qual analisa o conrexta brasileira do p6s- de princípios velhos" e aqueles que "criam formas novas de
guerra, Pcdrasa criticava nesses termos a exposiçáo d e arte francesa realizada princípios novos". "É o velho" -afirmam seus aiitorcs -
no Rio de Janeiro e em S á o Paula eni 1945: "O esforgo propagandístico
francês impressionou o grande pública mas não convenceu as gerações mais
novas ansiosas por express6es mais audazes e revolucionárias: o mundo ap6s
a guerra vitoriosa contra as forças d o mal, a obscurantismo nazi-facisra, não '9Mário Pedrosa, "ABienal deSáo Pauld', in Dor murnrscrr riirtinariaos espaçoi
ia ser tatalmenre outro?" Mário Pedrosa, "As vésperas da Bienal", inMundo, d8 Brasília, coletânea de nrrigas organizada por Aiacy Amaral. São l'aulo:
homem. arte em crire, colerânea d e artigos organizada por Aracy Amaral. S j a Perspectiva, 1981, p. 44. Artigo publicado pela piiiiieira vez no jornal Tri-
Paulo: Perspecriva, 1986, pp. 281-82. Texto escrito em 1970 e publicado buna da Jmprtma em 3 de novembro de 191 1.
originalmente em Ferreira Gullar (org.), Arte brasileira hojc iituação eperr- '"NcivaMaria F. Bohns, "O concrerismo n a Ain4ricaLatina: um ensaio sobre
pcctivas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1973, como parte do estuda 'RBienal manifestos e declaraçóes de artistas de 1946 a 1959", PortoArte. Revirta de
de cá para lá". Arter Viiuaii, vol. 6 , n" 10. Porto Alegrc, ~iov.1995, pp. 35-42.
todas as variedades e hibridaçóes do naturalismo; a mera negação do São todos eles homens e mulheres de fé, convencidos da missão
naturalismo, isto d, o naturalismo "errado" das crianças, dos loucos, dos revolucionária, da missão regeneradora da arte. A arte para eles náo é
"primitivos", dos expressionistas, dos surrealisras, etc.; o náo figurativismo atividade d e parasitas nem está a serviço de ociosas ricos, ou d e causas
hedonista, produto do gosto gratuito, que busca a mera excitação do prazer políticas ou do Estado paternalista. Atividade autônoma e vital, ela visa
ou do desprazer. É o novo: as expressóes baseadas nos novos princípios a uma alttssima missão social, p a l a de dar estilo ii +oca e trangformar oi
artisticos; todas as experi8iicias que tendem à renovação dos valores essen- homens, edz~cando-osa exercer os rentidos com plenitride e a modelar ar
ciais da arte visual (espaço-teinpo, movimento e matéria); a intuição artís- próprias ernofóe~.~'
tica dotada de princípios claros e iiiteligentes e de grandes possibilidades
de desenvolvimento prático; conferir i arte uin lugar definido no quadro Sérgio Milliet, no entanto, logo se declarou reticente quan-
do trabalho espiritual yntemporâneo, considerando-a um meio de conhe- to ao valor das afirmaçóes categóricas da jovem vanguarda,
cimento deduzível de conceitos, situando-a aciina da opinião, exigindo criticando imediatamente, por exemplo, o caráter sucinto e
para o seu juízo conhecimento p r é v i ~ . ~ ' pouco elucidativo do Munifèsto Rupturu, embora reconhecendo
nele a marca registrada de todos manifestos:
O mesmo espírito de contestação da arte pela arte e de
crítica quanto ao elogio da subjetividade presidiu, segundo A não ser pela disposição gráfica, seu manifesto não difere em nada
Mário Pedrosa, à fundação do grupo Frente, no Rio de Ja- de tantos outros manifestos lançados nos meios artísticos por jovens
neiro, em 1953, do qual participaram alguns dos futuros inte- ainda imaturos, mas desejosos de revolucionar a arte. Esses manifestos
grantes do movimento neoconcreto: têm sua função e merecem nossa simpatia. São afirmações, assinalam
pontos de partida polêmicos possivelmente fecundos. Infeliztneiitç Li-
" Manifesto do grupo Ruptura, publicado quando da primeira exp~siçãodo lham quase sempre em relação a seu objetivo d e esclarcccr o ~piihlicr>c
grupo, realizada em dezembro de 1952 no Museu de Arre Moderna de São até de chocá-lo. L.] Os inoqos insistctni ctii qiir. s%o"ri>titr:i:I il:iioi.:iiicia",
Paulo. Assinaram o manifesto os artistas Lothir Charoux, Anatal Wladyslaw,
Kazmer Fejkr, Leopold Haar, Luis Sacilorro, Geraldo de Barros e Waldemar Louvável atitude, mas ser contrl a igiii>i..iiici:t consisir ~ ~ i i t i ~ i l ~ : i l ~cni
~iriitc
Cordeiro. No mês seguinte, respondendo as criticas feitas por Sérgio Milliet
-que rranscreveremos mais adiante -, Cordeiro escreve novo texto no qual ia Mário Pedrosa, prefácio do catdloga da sc~iiti<l;i cxli<irir:i<i
i I < i xrtipa Frente,
tenta ser mais explícito, afirmando que, enquanto os principios velhas conais- Museu de Arte Moderna do Rio de Jaiiciro, j i i l . 1055, i i i 1:cirinndo Coc-
tiam em: ''a) construção espacial tridimensional; b) daro-escuro; c) movimento chiarale e Anna Bella Geiger, op. cit., p. 231. O ~:iifi,i: i,o.;so.AIExposição
como movimento e um corpo no espaqo fisico", os navos poderiam ser re- do grupo Frente ocorreu nagaleria do Ii~rii,tio IKio <IrJiiicira, em junho de
sumidos da seguinte forma: "a) construção espacial bidimensional (o plano); 1954. Participaram desta exposi~ãoos arrisi.is Alilhio (::irvão, Carlas do Val,
b) atonalisma (as cores primárias e as complementares);c) o movimenta linear Deciovieira, Ivan Seipa, João José d a Silvn <:<,\ia, 1,ygia Clark, Lígia Pape e
(farores de proximidade e semelhança)". Waldemar Cordeiro, "Ruptura', in Vincent Iberson. Ferreira Gullar foi o ;iiiti>i. i I , i tcrro de apresentação. Da
Aracy Amaral (arg.), Prveto cozxnutivo braiiieiro na nrtr (1950-1962),op. cit., segunda exposi~ão,romaram parte mais srir ;iriirtas: Abraham Palatnik,
pp. 100-2. Artigo publicado originalmente no Suplemento do Correio Pau- César Oiticica, Elisa Silveira Marrins, Eric 1l;iruch. Franz Weissmann, Hélio
listano de 11 de janeiro de 1953. Oiricica e Rubem Ludolf,
desirrii-Ia no público e na crítica. Conservar cimentamente asabedoria sem rativismo hedonista, produto do gosto gratuito, que busca a
dar aos outros a possibilidade de adquiri-la é egoísmo e erro. [...I Aos mera excitação do prazer ou do desprazer". Como vimos,
poetas permite-se que dêem sentidos inéditos às palavras. Aos que lançam Milliet não foi um ferrenho opositor da arte abstrata em geral,
manifestos explicativos e jusrificativos, não. Sob pena não só de não serem mas sim da abstração "fria" e racional. Ele foi, por exemplo,
entendidos, mas, o que é pior, de serem mal interpr~tados.2~ um dos defensores de primeira hora do trabalho do pintor
informal Antonio Bandeira, escrevendo o prefácio de sua ex-
No ano seguinte, quando da exposição dos concretos ar- posição individual realizada no Museu de Arte Moderna de
gentinos no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Milliet São Paulo em 1953. Ainda no artigo citado, Milliet referiu-
voltaria à carga, censurando 'nessa tendência em voga a terrível se à exposição da gravadora Fayga Ostrower em São Paulo:
ausência do homem":
os incorruptíveis adeptos do "concreto" dirão com desdém que se
Enquanto a linha e a cor se empregaram para expressar emoçóes, não trata de uma hedonista. Sempre pensei que hedonismo fosse uma dou-
nos perturbou o abstracionismo. Nem nos irritamos quando essa pintura trina filosófica que propõe o prazer como finalidade. Para os concretistas,
assumiu uma função estritamente decorativa. Em u m caso como no porém, é toda solução abstrata que não segue os preceitos da última
outro atendia a uma necessidade humana. Era necessário entretanto que tendência em voga. Q u e m não se despoja até o ascetismo é hedonista,
não descambasse para o mecânico, o matemático, ou o jogo d e equi- ainda que a obra realizada se revele dolorosa e grave. Brinca-se muito
líbrios das últimas realizações. Por esse caminho, que alguns designam com palavras em nosso tempo. E já se brincou tanto que náo mais a,
I
como o d a depuração, mas se aproxima demasiado da impotência, che- compreendemos, pois cada qual Ihes empresta os valorrs qiie Iieiii cii-
garemos rapidamente h esterilidade. [...I Não nego que certas solu9óes tende. D a í a Babei do mundo dos artistas, tio qual sc iiitiliiplir:iiii sciii
desse tipo sejam agradáveis avista. Nego que elas tenham um valor expres- se traduzirem os universos de disci~rsu.~'
sivo qualquer. Não somente carecem de sensibilidade: pccam também pela
falta de invenção criadora. E levam, pela comodidade das receitas, a um
academismo tão perigoso quanto o das Escolas de Belas- arte^.^' I
I
As crescentes divcrgtririn rsii.rii:is (btirr<:os grupos con-
cretos de São Paulo e d o Itio tlcJaiiciro rcs~iltaráona eclosáo
Um grave ponto de discórdia entre Milliet e os concre- Idem, op. cit. Como r>hscivr Marin Alice Milliet, "nessa disciissáo [entre
tistas dizia respeito a oposição destes ao chamado "náo-Figu- Milliet e Cordeiro, ~iici~cioi>nda anreriormenre], o hedonismo é o ponto
fulcral n o que conccriic I liiri~ãodn arte. Cordeiro náo admite a arte como
expressão subjetiva do artista, nem seria sua funçáo despertar a emparia d o
fruidar: o que almeja 6 uma arte depurada de roda contamina~ãopessoal,
" Sérgio Milliet, Didrio crítico. Sáo Paulo: Martins, EDUSP,"01. VI11 (1951- desvinculada dc experimenta~áofenomenalógica e livre de histo-
17521, 13 dez., 1952, pp. 295-97. ricidade". Maria Alice Milliet, Xtelier Abstração", in Aracy Amaral (org.),
'O Idem,op. cir., vol. IX(1953-17541, 15 ago., 1953, p. 93. Arrc conrtruriva no Braiil. Colegüo Adolpho Lcirner, op. cir., p. 79.
do movimento neoconcreto em 1959. Enquanto os artistas Mário Pedrosa fez uma análise semelhante a respeito do
de São Paulo continuariam apegados às doutrinas de Max Bill uso da cor por "paulistas" e "cariocas", em artigo publicado
sobre a importância de um espírito objetivo na criaçáo de na bpoca. Segundo ele,
uma obra, os do Rio de Janeiro encaminhar-se-iam, progressi-
vamente, para uma concepção mais intuitiva do processo de os pintores, desenhistas e escultores paiilistas não somente acreditam
criação artística. A intensa atividade industrial da cidade de nas suas teorias como as seguem h risca. Em face deles, os pintores d o
Sáo Paulo desempenhou um papel decisivo na orientaçáo das Rio sáo quase românticos. O tratamento das cnres num grupo como
pesquisas plásticas que foram ali efetuadas. Os artistas que noutro é muito diferente. O s paulistas, apesar de uma ou outra esca-
residiam na capital paulista mostravam-se decididos a criar padela, aqui e ali, onde se notam deslizes sensuais ou expressivos em
uma arte em consonância com uma cidade moderna, urbana matéria de cor (num Fiaminghi, mesmo num Cordeiro) nos apresentam
e industrial. A idéia de skrie e de variações óticas, de ritmo e um vocabulário cromático deliberadamente elementar. [...I Os artistas
de movimento, assim como a articulação espaço-tempo, es- cariocas estão longe dessa severa consciência concretista de seus colegas
tavam no centro de suas preocupações. Décio Pignatari ana- paulistas. Sáo mais empfricos, ou então o sol, o mar os induzem a certa
lisou assim a distância que separava os dois grupos: negligênciadoutrinária. Enquanto amam sobretudo a tela, que Ihes fica
como o último contato físico-sensorial com a matéria, e, através desta,
A nossa idéia era que o pessoal d o Rio, a partir da visáo da Ivan de algum modo, com a natureza, os paulistas amam sobretudo a idéia."
Serpa, tinha uma visão muito mais abstrata: a escolha aleatória de cores
por exemplo. Para nós a cor tinha que ser determinada, não tinha essa Essa suposta oposiçáo radical entre cariocas (românticos
coisa de colorido, esse subjetivismo. Era uma luta incrível para acabar e intuitivos) e paulistas (racionais e dogmáticos) renderia fru-
com esse subjetivismo. [...I O Rio defendia mais a inruiçáo e nós defen- tos na historiografia dos dois movimentos e estaria na origem
díamos uma posiçáo racionalista. Sabíamos que a arte estava em nivel da supervalorizaçáo do neoconcretismo como um movimento
do senslvel mas queríamos um discurso mais preciso, sem essa coisa de essencialmente intuitivo e completamente avesso a regras,
falar em inspiração, em intuiçáo, sensibilidade. [...I Queríamos uma arte, conforme discutiremos mais adiante.
como o Cordeiro dizia, que estivesse ao nível da evidência, ou seja, que No entanto, é importante ressaltar que, apesar tlc suas
qualquer pessoa, e m qualquer repeitório, adolescente, criança, homem, divergências, os participantes dos dois grupos ciii qiicstTio
mulher, rico ou pobre, chegasse e entendes~e.'~ (Ruptura e Frente) rejeitavam vivamente n sol>r<~viv?iicia de
os artistas concretos de todo o pals. Realizada no Museu de 33 Sobre estaexposiFáo, Sergio Millier escreveu: "Em meio3 monoronia dar com-
" Entrevista com Lygia Clark, in Fernando Cocchiarale e Anna Bella Geiger,
18 Hélio Oiti'ica, Xntiarte: posiy%nc pri>jir:imd',i n op. cit., p. 77. Texto datado
op. cit., p. 149. O grifo d nossa.
de julho de 1966. O grifo 4 nosso.
mas de vida. Eles consideravam a arte um meio eficiente de
transformaçáo do homem e da sociedade e buscavam eviden-
ciar o papel do indivíduo e a função da experimentação em
todo programa de emancipação social. Em sua relação com
o artístico, os individuos poderiam transformar-se em sujeitos
de sua história. O ,golpe militar de 1964 e a progressiva radi-
calizaçáo do regime ditatorial brasileiro provocaram, no en- 0 P R O J E T O C O N S T R U T I V O B R A S I L E I R O NA ARTE:
tanto, o exílio de vários membros dessa vanguarda, pondo fim A CONTINUIDADE ENTRE ARTE
ao sonho de um desenvolvimento organizado, de um projeto CONCRETA E NEOCONCRETA
coletivo de nação.'g
v d ~ i i i r(meses na clandestinidade. Seguiu para Mascou, onde estudou durante tada de raízes nacionais. Não é preciso dizer que a adesão de
I I I I I u i i i i . Morou em seguida na Chile, no Peru e na Argentina. Voltou clan- certos artistas brasileiros à arte tachista ou informal, iniciada
' i r r i i~i~imente ao Brasil seis anos mais tarde.
simultaneamente à eclosão do neoconcretisrno, é encarada
aqui como um sintoma de decadência, de submissão com- criados novos "produtos de exportaçáo".' Embora a longo
pleta ao gosto do mercado internacional. prazo eles tenham almejado integrar o Brasil aos centros ar-
Devemos, portanto, crer, como o fez a maioria dos críti- tísticos mais desenvolvidos, a curto termo esforçaram-se em
cos e historiadores brasileiros até aqui, em um processo evo- construir um mercado alternativo, em criar uma estética mo-
Iutivo entre a arte concreta e neoconcreta, como se essa úl- derna, capaz de ser assimilada e difundida pela indústria na-
tima significasse a radicalizaçáo de tendências sugeridas na cional da época, que se encontrava em vias de expansão. É
primeira? Supor que esses dois movimentos que se suce- importante atentar para o fato de que vdrios dos fundadores
deram no tempo, no Brasil, faziam parte de uma mesma es- do grupo Ruptura eram artistas de origem européia, que imi-
tratégia cultural? Essa perspectiva, tributária de uma con-
cepção evolutiva da história da arte, coloca o movimento
concreto como o começo de uma nova era, marcada pelo
I graram para o Brasil nos anos 1940.2Alguns deles, ao aqui
idade e portador de gande bagagem artística. Residiu primeiramente em Porto Não acredito ser relevante estabelecer comparaçóes entre
Alegre, onde trabalhou coma paginador da Revirta Globo, e em Cuririba, antes o trabalho dos concretos e dos neoconcretos na tentativa de
de fixar-se em Sáo Paulo. Atuou na área do desenho industrial, como gráfico,
cartazista, projetor de estander e de vitrinca. Trabalhou n a agência de publi- descobrir qual dos dois movimentos seriamais "avançadon tan-
cidade Epoca e no ateliê de propaganda da Olivetti. Lecionou em 1951 no to artística como politicamente. A meu ver, definir concre-
Instituto de Arte Contemporânea do MASP,onde teve como alunos Anrônio tistas como fundamentalmente dogmáticos e siibmissos a teo-
Maluf, Maurício Nogueira Lima e Alexandre Wollner. Morreu em 1954. Já
Lothar Charoux, de origem austríaca, e Anatol Wladyslaw, tamb4m polonês, rias importadas e neoconcretistas como extremamente intui-
imigraram para o Brasil ainda adolescentes, desenvolvendo aqui toda rua car-
reira artística. O primeiro chegou ao país em 1928, aos 16 anos de idade, e o
segundo em 1930, aos 17 anos. Cailos Zilio, "Da antropofagia&tropicdlia", in Carlos Zílio er al., O nacional
Rapidamente, no entanto, o movimenta neoconcreto foi apresentado como e opopular na cultura brarilrira. Artrrpl&,tica< e literatura. São Paulo: Bra-
I a verdadeira vanguarda brasileira.
siliense, 1983, p. 25.
tivos e libertários significa apenas estabelecer uma oposição Não pretendo tampouco negar a validade ou a fecundidade
fictícia cuja origem remonta ao debate acalorado da época, das formulaçóes neoconcretas e de seus desdobramentos; entre
mas não nos ajuda a aprofundar a reflexão sobre as principais os participantes deste movimento encontram-se artistas que
características de tais movimentos e sobre suas maiores inda- conseguiram abolir a oposiçSo entre o particular e o universal,
g a ç ó e ~Na
. ~ maior parte dos textos que tratam das vanguardas criando uma linguagem efetivaii-ieiitepessoal. Mas, ao invés de
construtivas no Brasil, as afirmações acerca do dogmatismo continuarmos a denunciar a total sujeição da arte concreta
ou do extremo racionalismo do trabalho dos artistas concre- brasileira a modelos importados c a afirmar a absoluta espe-
tos antecedem ou mesmo se impóem à análise de suas obras. cificidade e radicalidade da arte ncoconcirtn oii ainda a susten-
I
O caráter Iúdico, o espaço de jogo, as invençóes formais dos tarmos a tese de um "projeto construtivo" da arte brasileira,
i "paulistas", ou ainda a utilização intuitiva da matemática, são talvez devêssemos tentar descobrir a originalidndc cicsses dois
aspectos geralmente pouco examinados ou abordados de for- movimentos sem obedecera umavisáo etapista e cvolutiva, que
ma ~uperficial.~ insiste em compará-los valorativamente. Até que ponto a cris-
I
1 talização do debate entre concretos e neoconcretos, que re-
Para atenuar a força de ral oposição, valemo-nos do depoimento de Judith dundou no desprezo do primeiro movimento por seu caráter
Lauand, participante do grupo concrero, sobre a importância da intuiçáa em
seu trabalha: 'Rgente partia de uma idéia [...I. Era uma idéia plásrica que, ortodoxo, reformista e internacionalista e na exaltação do
para depoisser executada [...I, obedecia a um problema matemático. Enráo segundo como algo essencialmente brasileiro por parte da
é uma coisa que está muito relacionada, mas eu partia remprr da i n m i ~ ã o " .
crítica brasileira de vanguarda da época, não deve ser encarada
Ou ainda dos depoimentos de Elisa Martins e de Décio Vieiia, integrantes
do grupo Frente, a respeito de Ivan Serpa: "Serpa [...I não costumava dire- como mais um momento do que Aracy Amaral definiu como
cionar seus alunos a esra ou aquela tendência, embora demonstrasse auto- "duas posturas em permanente combate ou alternância de
rirarismo elegendo única e tão-somente seu gasto pessoal como crirdrio de
avaliação dos trabalhos por eles realizados. Chegava, por exemplo, i?raias de
preponderância, em nosso século na América Latina, a do na-
rasgar o trabalho de um aluno e lançá-lo no lixa em plena sala de aula, pelo cionalismo versus interna~ionalismo"?~ Vimos como O mo-
simples fato de não lhe agradar". Em Maria Aimhe C. Gallerani, Concretismo ~-.- -
e neoconcretismo nas artes plásricas. A vanguarda canstruriva brasileira nos contraste entre a preto e o branco, hd uma rdrie de combinaç6es possiveis
anos cinqüenta e inicio dos anos sessenta. Dissertaçáo de mestrado em tilo- entre cada pesa e a;espectiva sccçáo de base e entre os dois conjuntos peça1
sotia, PUC. Sáo Paitio, 1991, pp. 85 e 109. secçác de basc. U m a anocia~docoma andlirr combinatóriad, no caro.plaruível,
"ma excegáo nesse sentida 6 a disserra~áode Maria Aimhe C. Gallerani, cirada n despeito do artiita não ter ratulado apriori o número de combina~õ~sposrívei~.
na nora anterior. Vcr, ii esse respeito, sua análise de uma obra de Sacilotto, Hd implícito nme nnbalho de Sacilotto um comportamento rurioramentr Iúdico,
exrraída da p6gitia 84 rle scu estudo: "E[...I apartir do mádulo e da utilizagáa ~ v j e i t oà dirciplino do mdduloc a um limitado númtro decombinaqórr". O grifo
do branco e do preto qiieSacilotro cria, [...I [em 19581, a 'escultura'sem titulo h nosso. Gallerani transcreve ainda os depoimentos de Judith Lauand -
composta por duas peças iridimcnsianais, uma branca outra negra, criadas, reproduzido anteriormente -e de Mauricio Nogueira Lima sobre a impor-
cadaqual, a partir de chapas rlc alumlnio. Essas peçassáo dispostas livremenre tância da inruiçáo em seu trabalho.
I
pelo especrador sobre uma base rerangular de madeira, cuja pintura forma dois ' Aracy Amaral, Arte para quê? A preorupagáo ~ o c i a na
l arte braiileira. 1930-
quadrados contiguos, um negro, outro branco. Dentro da base modular e do 1970. São Paulo: Nobel, 1987, pp. 229-30.
viinento modernista brasileiro, em seu segundo momento, rioca. Coube ainda a Gullar teorizar sobre as principais caracte-
privilegiou expressões estéticas de teor nacionalista, menospre- rísticas do novo movimento, assim como especular sobre suas
zando o intercâmbio de idéias com o exterior.Artistas e críticos origens e possíveis filiaçóes, tentando conferir unidade às pes-
engajaram-se então na elaboraçáo de uma "arte autêntica", que quisas dispares de seus membros como intuito de inserir o mo-
se pretendia impermeável a fórmulas vindas do exterior. No vimento brasileiro na história das vanguardas internacionais.
início dos anos 1950, as Bienais de São Paulo colocaram o pais São vários os exemplos dessa tentativa. Em uma série de
em contato com o circuito artístico mundial e provocaram a artigos, publicados entre março de 1959 e outubro de 1960 no
adesão dos meios de vanguarda à arte abstrata. Entretanto, para Suplemento Dominical doJornaldo Brasil, sob o título "Etapas
os críticos mais "progressistas" da época, a questão fundamental da arte contemporânea", reunidos posteriormente em livro
continuava a ser forjar uma noção de arte brasileira estética e homônimo, Gullar esforçou-se em "realizar uma espécie de
eticamente válida e proclamar sua completa autonomia. nova leitura dos movimentos artísticos de caráter construtivo
Ferreira Gullar foi o principal mentor do movimento neo- apartir da uisáo neoconcreta [visando] situar o neoconcretismo
concreto, sendo o responsável por sua denominaçáo e pelo como herdeiro conseqüente das experiências mais radicais de
conteúdo do manifesto ~ i t a d oSua . ~ atuação como crítico de nosso t e m p ~ " Discorrendo
.~ sobre os preceitos fundamentais
arte, nos anos 1950 e no início da década seguinte, confunde- do cubismo, futurismo, movimentos russos, neoplasticismo,
se com seu papel enquanto porta-voz do ideário do grupo ca- Bauhaus e analisando a obra de alguns mestres desses movi-
-- mentos, Gullar estabeleceu uma linha de progressão entre tais
a O depoimento de Gullar revela com clareza seu grau de envolvimento com o
correntes e o binômio arte concreta/neoconcreta, apresentando
movimento em gestação: "Imediatamente após o rompimento com as concre-
tistas paulistas (ocorrido em junho de 1957), os artistas concretos do Ria náo esta última tendência como capaz de "reformular alguns pro-
cogitaram de criar um novo movimento, com outra nome. Foi s6 em comesas blemas básicos da arte contemporânea". 'O
de 59, quando surgiu a idéia de fazer-se uma exposição reunindo as obras dos
Em novembro de 1960, o Suplemento Dominical edita
pintores, escultores e poetas, que levantei essa questão. Encarregado de es-
crever n apresentação da masna, passei a refletir sobrc o quc havia ocorrido novo texto de Gullar, a "Teoria do não-objeto", já citado neste
naqueles últimos dois anos e vi que não teria cabimento nos apresentarmos estudo. Se no Manifèsto neoconcreto, como descreve o próprio
como artistas concretos. 'O que estamos fazendo, tanto no campo das artes
plásticas como no da poesia, 4 tão diferente do que se chama de arte concreta,
autor, se pedia "uma nova compreensáo de toda a arte dita
que está a exigir outra nome. Sugiro que se chame arte neoconcreta'. Não abstrata, de caráter geométrico, com o objetivo de eliminar os
houve discussão, uma vez que todos já se haviam dado conta de que a'trilha
que abriramos nos afastava cada vez mais dos concretistas da Escola de Ulm
como dos argentinos e dos paulistas. Era, portanto, necessário redigir um Ferreira Gullar, prefácio à 2* edição de Etapas da arte contemporânea. Do
texto que assinalasse o que havia de novo em nossos trabalhos". Ferreira Gullar, cubiirnod artentoconcreta. Rio de Janeiro: Revan, 1998. O grifo é nossa.
"O grupo Frente e a reação neoconcreta', in A. Amaral (org.),Amconimrtiva 'O Segundo seu próprio depoimento, foram propositalmente excluidos de sua
no Brasil Colepio Adolpho Leirner. São Paulo: Melhoramentos, DBA Artes análise movimentos como o expressionismo e o surrealisma, por náo se in-
Gráficas, 1998, p. 158. serirem "na linha de desenvolvimento iniciada com o Cubismo".
preconceitos cientificistas que cria[va]m uma barreira entre essa
como também um momento privilegiado de expressão da
arte e o público", na "Teoria do não-objeto" propunham-se
cultura brasileira. Se a arte concreta, escreve Gullar em 1960,
"novos conceitos acerca da obra de arte, de sua significação, de
"assinala o encontro da arte brasileira com os problemas fun-
sua natureza [.I
na tentativa de apreender o caráter específico
damentais da linguagem visual moderna [..I,
limpando nossa
da arte neoconcreta"." Gullar procura então demonstrar a pro-
pintura das aderências literárias, do folclore cenarístico, e nesse
gressão ocorrida entre a dissoluçáo das formas nas telas impres-
sentido preparando-nos para um trabalho mais profundo, mais
sionistas, o processo de transfiguração dos objetos com os da-
daístas e Duchamp e o abandono radical da representaçáo no
responsável, mais universal, [..I
eliminando da obra as con-
fissões individualistas, os efêmeros equivocos indi~iduais",'~ a
trabalho de Mondrian e Malevitch. Sua análise revela uma con-
arte neoconcreta representa um aprofundamento da experiên-
cepçáo evolutiva da história da arte, que tem como fio condu-
cia implícita nos postulados concretistas e não uma reação ex-
tor a gradual destruição do caráter fictício do espaço pictórico,
terior a eles ou o resultado de sua pura e simples rejeição. Trata-
destruiçáo esta que, segundo ele, se realizara plenamente no
se, antes, de uma "retomadu dessa experiêncza exatamente no que
caminho seguido pela vanguarda russa. Na opinião de Gullar, ela possuia de mats revoluciond~io".'~
"Os contra-relevos de Tatlin e Rodchenko, como as arquite- I
Em sua opinião, a arte neoconcreta trouxe à baila uma
turas suprematistas de Malevitch indicam uma evoluçáo coe-
questão fundamental, "a do fim da pintura entendida como
rente do espaço representado para o espaço real, das formas
uma linguagem que tem por suporte a tela, o quadro, e por
representadas para as formas criad~s".'~
vocabulário as formas não-figurativas", ou, de forma ainda
Ao final do texto, Gullar opõe a radicalidade das obras
mais ampla, a do rompimento com as categorias tradicionais
neoconcretas i "face conservadora e reacionária" das experiên-
da arte, em especial a oposiçáo entre pintura e escultura:
cias tachistas e informais, que se valiam ainda "dos apoios
convencionais dos gêneros artísticos". Os neoconcretos, retomando a questão da forma significativa, que os
Ferreira Gullar foi ainda, como vimos, um dos primeiros concretistas abandonaram voltados para puros problemas de estrutura e
a sustentar que o movimento neoconcreto representava não tensões cromáticas, rompem com o conceito tradicional d e quadro e es-
somente um enriquecimento das proposiçóes construtivas, cultura e propõem umalinguagem efetivamente náo figurativa, isto é, cuja
I
I
I5 ldeni, 01'. eit. " Entrevista com Ferreira Gullar, in Fernaiido Coccliiaralee Anna Bella Geiger,
I Idem, "Arrr ricoconcreta:uma experiência radical", in Ciclo deExpoiigóerrobre op. cir., pp. 93 e 101-2. Ogrifo 6 nosso.
I Artt no /(ia de Janeiro: n<oconcretirmo/l959-1961. Ferreira Gullar, "Arte neoconcreta: uma experiência radical", in op. cit.
i
Qualtuer u m d e nós p o d e ver e gostar d e u m a escultura d e Max Bill. apresentar o neconcretismo como avesso a regras e imposições
E e u sei dc u m artista que m e veio contar, entusiasmado, a história d e um teóricas desde suas origens, na fundação do grupo Frente.2o
operário que se interessou por uma das obras desse escultor suíço, exposta Apesar de seu reducionismo, esta atitude, que tem sua
I
i
I n o Rio. Mas dai a tentar fazer, n o Brasil, escultura daquele tipo é perder contrapartida na supervalorizaçáo do neoconcretismo, terá
a noçáo de realidade: aquela arte é produto de alto desenvolvimento téc- vida longa no Brasil. Em artigo no qual discute com pro-
nico e indistrial. Prova disso é q u e o mais evidente defeito das esculturas priedade as principais características do movimento concre-
concretas realizadas n a Brasil era sua péssima execução. E isso era u m tista brasileiro, Vanda Mangia Klabin náo escapa a essavisáo
grave, gra~íssimodefeito, pois o rigoroso acabamento das obras d e Bill é simplista, chegando mesmo a questionar, ao final de seu tex-
propriedade inerente à precisão d e suas formas escultóricas, matematica- to, se a assimilaçáo de tais idéias pela jovem vanguarda bra-
mente con:ebidas. A impossibilidade d e realização material, n o Brasil, d e sileira não teria sido um equívoco:
tais escultiras não é apenas u m a limitação evenrual mas u m dado objeti-
vo que revda o desligamento entre o artista concreto e a realidade d o país." O s concretistas daráo &fase sobretudo ?aestrutura, como uma carac-
terística fundamental d a obra, ao rigor e i autodisciplina. O seu pro-
Essa nterpretaçáo, mais interessada, aparentemente, em grama estético é doutrinariamente rigoroio, segundo os postulados básicos
apresentar o movimento concreto como "uma importação de d a arte construtiva. O caráter auitero vai se refletir na sua posição teórica,
mão única", como um conjunto de normas ou propostas rígi- n o sentido d e limpar a forma de todas as impurezas. Eles exercem u m a
das de trabalho, às quais os artistas de todo o mundo deveriam forte pressão sobre o ambiente artístico brasileiro, a p o n t o d e alguns
obedecer cegamente, nega qualquer possibilidade de adaptação críticos afirmarem q u e "o concretismo foi, para muitos, u m a espécie d e
ou de acomodação de idéias vindas de fora. Seu esquematismo servi50 militar obrigatórion." Es~apostvrnortodoxd, vinc~rladaaor moldes
fica ainda mais visível quando a comparamos à tentativa de europeus, e a incompreenrão da complexidade cultural brasileira tende a
torná-los alheios à nosra realidade. [,..I SuasjÒrmula~óesnão contam uma
132
I1
!
sivas ao centro do trabalho da arte. Resgatava-se a noçáo tra-
dicional de subjetividade contra o privilégio da objetividade
concreta".28. Segundo Brito, o neoconcretismo "significou a
continuarem pensando no interior do quadro de referência
construtivo exclusivamente":
manutenção de um espaço experimental aberto contra o redu- Este o radicalismo neoconcreto: opor-se ao sistema da arte como
cionismo racionalista e tornou possível uma relativa negati- estava constituído, com suas convenções, por meio de seus experimen-
vidade dentro da tradição constr~tiva".~~ Sobre a continuidade talismos. E isso de uma forma bem efetiva, não apenas teórica. Estava
evolutiva entre os dois movimentos, ele parece concordar ipsis ancorado na realidadedo ambiente culturnl bra~ileiroe os sew lances tinham
litteris com Gullar ao afirmar que o neoconcretismo "é cla- eficácia ali: o movimento de certo modo liquidou arfitt~rasde qualquer
ramente o segundo movimento de uma sinfonia, daí talvez sua projeto cultural constrrrtiuo orgnnizadopara o Brasil ao mesmo tempo em
i
maior liberdade em relaçáo h matrizes e sua exigência de uma que deixou resíduos de uma atitude sistematicamente critica e liberatdria
produçáo nacional mais especlfira. A grosso modo o concretismo diante dos estreitar limites dentro dos quais seprocessava aqui a prática da
I seria afase dopdtica, o neoconcretismo afdse de ruptura, o con- arte. [..I Esse, o materialismo neoconcreto, o de introduzir n o circuito
cretismo a fdse de implantaçáo, o neoconcretismo os choques da
i
d a arte brasileira o conceito de i n t ~ r v e n ~ ácritica
o por meio d e uma
adaptação hd".30 prática que forçou sempre os limites d o projeto construtivo e acabou
Se o concretismo representou uma importação passiva de revelando a impossibilidade de sua inscriçáo em nossa ~ealidade.~"
propostas e conceitos alheios a nossa realidade, o neocon-
cretismo foi "sobretudo uma skrie de experiências de labo- A tese de queo neconcretismo representa o ponto máximo
ratório: havia um passado construtivo local que lhes permitia do ideário construtivo no Brasil é igualmente adotada pelo
I uma segurança suficiente para que se colocassem as questões crítico Frederico Morais, um dos maiores defensores do con-
I mais avançadas eprodutoras de ruptura da Ppoca. [...I Uma ceito de "vocação construtiva" na arte brasileira e latino-ame-
1 exposiçáo neoconcreta aparecia, então, como o ponto mais ricana em Ele identifica a noçáo de "esforço de orde-
I sidera ser a característica intrínseca da arte brasileira: E em 1987, por ocasiáo de uma gande exposiçáo coletiva
I Mas para alguma coisa está servindo a exposição. Umavez mais, tica
sobre arre brasileira apresentada no Brasil e na França, Morais
assinalou que a arte neoconcreta trouxera uma efetiva con-
evidenciado que em seus momentos cruciais, a arte brarileira reuela uma
tribuiçáo ao cenário artístico internacional: "Ela foi uma das
superior vontade de conrtnrfáo e de rigor. E na história recente de nossa
bases permanentes da criatividade plástica brasileira, cujo
arte dois momentos ciilminantes dessa tendência construtiva são o con-
mérito foi de introduzir no universo da racionalidade cons-
crerismolneo-concretismo dos anos 50 e o "neo-construtivismo" dos
últimos anos da década passada. Contudo, mesmo fora dessas "estreitas
trutiva européia, a expressáo, ou seja, a emoção, conferindo-
cumeadas", a preocupaçáo com uma arte rigorosa, quase sempre abstrata, lhe assim uma dimensáo Ilrica e humani~ta".~'
tem sido uma constante entre nossos artistas, mcsmo cntre os mais jo-
vens. A importância dessa arte construtiva crerce, sobretudo na medida em
que ela integra, com maior ou menor consciência, um processo mais amplo 36 Idem, "Vacaqáo construtiva (mas o caos permanece)", in Artrrpid~tirasna
egeralque P o d<rconstruçáo de uma nova realidade brarileira, ou melhor, Amkrica Latina ...,op. cit., p. 90.
j7 Idem, "Entre Ia construction et le reve: I'iibime', ili Mirie-Odile Briot et al.,
ela participa dn firmnla~áode nosso projeto dc Naçáo,'l
Modernidode, art brdsilien duZffri>clr.Paris: Musée U'Art Maderne de IaVille
de Paris, 1987, Catálogo de Exposiqão, p. 48. Ncsic texto, Morais procura