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QUANDO OS FULANOS SE REÚNEM EM UM PÚBLICO:

IMPRENSA E PUBLICIDADE NA OBRA MACHADIANA


Rodrigo Cézar Dias (UFRGS)
Antônio Marcos Vieira Sanseverino (UFRGS)

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Observamos na obra machadiana a imprensa sendo representada de forma
recorrente, o que ilustro por meio de um breve levantamento de ocorrências significativas
para o presente estudo. Brás Cubas foi proprietário de um jornal por seis meses e meio,
granjeando fama de polemista. Em Quincas Borba, Rubião, além de ter sido subscritor da
folha Atalaia, estampou suas páginas como notícia, como o herói que salvou o menino
Deolindo de um atropelamento. Em Esaú e Jacó, Paulo, o gêmeo republicano, teve um
discurso seu não só publicado em um jornal paulista como também editado em folhetos que
foram – por intermédio de seu pai – entregues para os ministros e para a princesa regente.
Nos contos, podemos destacar a representação de publicações a pedido em “Miss Dollar”,
“A mulher de preto” e em “Aurora sem dia”; além disso, percebe-se a relação entre
indivíduos particulares e a publicidade a eles conferida pelos jornais nos contos “Teoria do
medalhão, “O segredo do bonzo” e no conto “Fulano”. 1
Posto isso, este artigo pretende confrontar a representação literária do jornal e de
seus agentes – tanto os colaboradores dos periódicos quanto clientes que compravam
espaço nas seções de publicação a pedido – com a materialidade do jornal e seus agentes
empíricos, tendo em vista uma articulação complementar em que texto literário e imprensa
se iluminam mutuamente, proporcionando uma leitura mais acurada de ambos. Sob essa
perspectiva, investiguei os modos pelos quais o jornal, enquanto plataforma capaz de
conferir publicidade a sujeitos e fatos particulares, se inscrevia na sociedade fluminense no
final do século XIX. Para tanto, o escopo do trabalho circunscreverá os contos “Fulano”,
“Teoria do Medalhão” e “O segredo do bonzo”, todos lidos diretamente no jornal. 2

“A IMPRENSA É UMA GRANDE INVENÇÃO”


O conto “Fulano” – publicado por Machado de Assis em 04/01/1884 na Gazeta de
noticias e recolhido no volume Histórias sem data no mesmo ano – estabelece uma relação

1
“Miss Dollar” e “A mulher de preto” integram o volume Contos fluminenses, publicado em 1870,
sendo que o segundo fora originalmente publicado no Jornal das famílias, em 1868. “Aurora sem dia”
foi incluído em Histórias da meia noite, publicado em 1873. “Teoria do medalhão” e “O segredo do
bonzo”, publicados no volume Papéis avulsos, em 1882 foram originalmente publicados na Gazeta de
noticias em 1881 e 1882, respectivamente. O conto “Fulano” foi publicado na Gazeta de notícias em
1884 e recolhido no mesmo ano no volume Histórias sem data.
2
Tal leitura foi realizada por meio das edições digitalizadas pela Biblioteca Nacional, disponibilizadas
em memoria.bn.br. A ortografia dos textos foi atualizada.

1
muito próxima com o jornal, que, além de ser seu suporte primeiro de publicação e de
possuir muita relevância no enredo, é um elemento aproveitado formalmente no texto, que
inicia da seguinte forma:
Venha o leitor comigo assistir à abertura do testamento do meu amigo
Fulano Beltrão. Conheceu-o? Era um homem de cerca de sessenta anos.
Morreu ontem, 2 de janeiro de 1884, às onze horas e trinta e sete minutos
da noite (MACHADO DE ASSIS, 1884:1, grifo meu).

Desse modo, a voz narrativa relata ao leitor a abertura do testamento em um jogo


ambíguo no qual, por um lado, o interlocutor é tratado como leitor, ou seja, alguém que teria
acesso ao relato de forma indireta, por meio da escrita – e que leria o conto,
hipoteticamente 3, no dia seguinte à execução do inventário, tempo hábil mínimo para a
publicação do texto no jornal. Por outro lado, o “leitor” é levado quase que espacialmente
para o local onde se desenrola a leitura do testamento: “é tarde, temos de ir ouvir o
testamento, não posso estar a contar-lhe tudo” (MACHADO DE ASSIS, 1884:1).
Paralelamente a essa dinâmica de interlocução, o narrador reconstitui a trajetória pública do
recém-morto Fulano Beltrão, cujo ponto de inflexão fora a publicação de um elogio anônimo
a seu respeito na seção de publicações a pedido do Jornal do Commercio em 1864 – ou
seja, um elogio publicado no jornal mais prestigiado e respeitado da Corte à época. A frase
que intitula a presente seção é exatamente o fecho desse momento epifânico:
Considerou que milhares de pessoas estariam lendo o artigo, à mesma hora
em que o lia também; imaginou que o comentavam, que interrogavam, que
confirmavam; ouviu mesmo, por um fenômeno de alucinação que a ciência
há de explicar, e que não é raro, ouviu distintamente algumas vozes do
público. Ouviu que lhe chamavam homem de bem, cavalheiro distinto,
amigo dos amigos, laborioso, honesto, todos os qualificativos que ele vira
empregados em outros, e que, na vida de bicho do mato em que ia, nunca
presumiu que lhe fossem – tipograficamente – aplicados.
– A imprensa é uma grande invenção, disse ele à mulher. (MACHADO DE
ASSIS, 1884:1).

Em Comunidades imaginadas, Benedict Anderson (2008) defende a ideia de nação


como uma comunidade política imaginada por uma coletividade de anônimos, atribuindo ao
romance e ao jornal o papel de proporcionar os meios técnicos para representá-la. Seguindo
por esta senda, o autor explora a concepção moderna de simultaneidade a partir da
estrutura romanesca, que possibilita, apesar da linearidade do texto, uma concomitância de
acontecimentos distintos em um mesmo corte sincrônico. Pensando no jornal como uma
forma extrema do livro, que justapõe diversas vozes, acontecimentos e opiniões ao longo
das páginas de um mesmo dia, Anderson aponta que o capitalismo editorial, ou seja, a

3
Essa dimensão do jogo formal é apagada quando da publicação do texto em livro, visto que a data
de publicação no jornal não é assinalada. Assim, ressalta-se a importância da leitura nas fontes
primárias, pois elas proporcionam um leque maior de recursos que podem possibilitar uma leitura
mais refinada ao considerar os diálogos que o texto estabelece com outros textos, seja no suporte de
publicação, seja em outros veículos.

2
produção tipográfica em larga escala, foi um dos elementos catalisadores que possibilitou
“que as pessoas, em números sempre maiores, viessem a pensar sobre si mesmas e a se
relacionar com as demais de maneiras radicalmente novas” (ANDERSON, 2008:70).
Desse modo, o personagem Fulano Beltrão experiencia essa sensação de
simultaneidade, sentindo-se não só integrado em uma comunidade de leitores ancorada
pela data de publicação do periódico, mas principalmente destacado em meio a essa
coletividade e submetido a seu julgamento e admiração. A partir dessa faísca de
publicidade, Fulano sai de sua condição de bicho do mato para a “vida pública”, começando
pela republicação do elogio – cuja autoria seria descoberta em seguida, tratando-se de seu
velho amigo Xavier – no Diário do Rio de Janeiro e no Correio mercantil. Assim, conforme o
narrador, as
injustiças da rua começaram a ter nele um vingador ativo e discursivo; que
as misérias, principalmente as misérias dramáticas, filhas de um incêndio ou
inundação acharam no meu amigo a iniciativa dos socorros que, em tais
casos, devem ser prontos e públicos (MACHADO DE ASSIS, 1884:1).

Após um inventário de sucessos e insucessos narrados no conto, Fulano Beltrão


deixa como legado principal em seu testamento trinta contos de réis “para servir de começo
a uma subscrição pública destinada a erigir uma estátua a Pedro Álvares de Cabral”
(MACHADO DE ASSIS, 1884:2). O testamento recomenda que a estátua seja de bronze,
trazendo quatro medalhões no pedestal:
o retrato do bispo Coutinho, presidente da Constituinte, o de Gonzaga,
chefe da conjuração mineira, e o de dois cidadãos da presente geração
“notáveis” por seu patriotismo e liberalidade à escolha da comissão, que ele
mesmo nomeou para levar a empresa a cabo. (MACHADO DE ASSIS,
1884:2).

O narrador então conclui que, caso o projeto viesse a ser realizado, o retrato de
Fulano deveria ser contemplado em um dos medalhões, como uma questão de honra.
Assim, Fulano Beltrão alcançaria a perpetuidade, mineralizado em monumento público; após
décadas exercendo o “ofício de medalhão”, tornaria-se, enfim um medalhão último –
somente exterioridade.
Contudo, creio que seja necessário dar um passo atrás nessa reflexão, trazendo a
construção do medalhão enquanto tipo na obra machadiana por meio do conto “Teoria do
medalhão”. No texto, composto em forma de diálogo, um pai sistematiza e apresenta para o
filho que recém atingira a maioridade o ofício de medalhão, um trabalho sem trabalho, cujo
preceito fundamental é a ausência de ideias originais, ou seja, uma espécie de
“mediocridade ascética”.
É desenhada, então, uma receita de sucesso para o homem público, que deve
buscar a qualquer custo meios de inflar seu nome, desde que não o faça por merecer. Para

3
isso, um procedimento importante seria recorrer à publicidade, que, conforme a definição do
pai,
é uma dona loureira e senhoril, que tu deves requestar à força de pequenos
mimos, confeitos, almofadinhas, coisas miúdas, que antes exprimem a
constância do afeto do que o atrevimento e a ambição (MACHADO DE
ASSIS, 1881:1).

Assim, feitos e participações insignificantes, mas recorrentes, martelariam o nome do


candidato a medalhão na memória do público por meio de comentários e notícias. Nesse
sentido, é prezada a utilização de uma linguagem rebuscada e vazia, quase que ornamental.
Tratando-se de política, deveriam ser abordados ou negócios miúdos ou, preferencialmente,
metafísica política, podendo-se
pertencer a qualquer partido, liberal ou conservador, republicano ou
ultramontano, com a cláusula única de não ligar nenhuma ideia especial a
esses vocábulos, e reconhecer-lhe somente a utilidade do scibboleth bíblico
(MACHADO DE ASSIS, 1881:1)

Dado que o “scibboleth bíblico” diz respeito ao episódio apresentado no Velho


testamento (cf. Jz. 12.1-7) em que, por sua incapacidade de realizar o fone [ ʃ ] da palavra
“schibboleth”, os efraimitas eram identificados – e, em seguida, mortos – pelos gileaditas,
observamos que, para o pai de Janjão, os partidos políticos diferenciavam-se entre si não
pelas ideias, mas pelas legendas. A propósito dessa indistinção ideológica, Sidney
Chalhoub recupera o representativo provérbio de que “nada mais parecido com um
saquarema [conservador] do que um luzia [liberal] no poder” (CHALHOUB, 2009:232); tal
dito não significa que ambos partidos fossem iguais, como, segundo o autor, por vezes é
interpretado, mas significa, sim, que “os luzias, no poder, pareciam saquaremas; ou seja,
todos se pautavam pela agenda política conservadora” (CHALHOUB, 2009:233).
Desse modo, novamente o dado importante é a exterioridade, a aparência. Fulano
Beltrão, que tentou uma incursão na política, teve sua breve trajetória interrompida pela
subida dos conservadores ao poder; ainda assim, “lembrou-se de afirmar ao Itaboraí o
contrário que dissera ao Zacarias, ou antes a mesma coisa; mas perdeu a eleição, e deu de
mão à política 4” (MACHADO DE ASSIS, 1884:2).

OPINIÃO PÚBLICA: “NÃO HÁ ESPETÁCULO SEM ESPECTADOR”


Até então travamos contato com perfis de indivíduos que se utilizam ou prescrevem a
utilização de espaços públicos de discussão como alavanca para a projeção do âmbito
privado sobre o público, sendo que ambas as perspectivas são elaboradas pelo viés do

4
Zacarias de Góes e Vasconcelos e Joaquim José Rodrigues Torres (Visconde de Itaboraí),
presidentes de gabinetes ministeriais, sendo o primeiro do Partido Liberal e o segundo, do Partido
Conservador.

4
indivíduo. Contudo, podemos encontrar um enfoque maior na opinião pública – e em sua
construção ou manipulação a partir de interesses privados – no conto “O segredo do
bonzo” 5. A narração, que consiste em um capítulo fictício de Fernão Mendes Pinto, situa-se
no reino de Bungo e relata o encontro de Fernão, Diogo Meireles e um amigo seu, o
alparqueiro Titané, com o bonzo Pomada 6, sábio inventor de uma nova doutrina cujos
fundamentos são expostos por ele nos seguintes termos:
– Mal podeis adivinhar o que me deu ideia da nova doutrina; foi nada menos
que a pedra da lua, essa insigne pedra tão luminosa que, posta no cabeço
de uma montanha ou no píncaro de uma torre, dá claridade a uma campina
inteira, ainda a mais dilatada. Uma tal pedra, com tais quilates de luz, não
existiu nunca, e ninguém jamais a viu; mas muita gente crê que existe e
mais de um dirá que a viu com os seus próprios olhos. Considerei o caso, e
entendi que, se uma coisa pode existir na opinião, sem existir na realidade,
e existir na realidade sem existir na opinião, a conclusão é que das duas
existências paralelas a única necessária é a da opinião, não a da realidade,
que é apenas conveniente (MACHADO DE ASSIS, 1882:1, grifo meu).

Percebemos, pois, que a opinião pública é tratada como algo maleável que prescinde
da realidade em certa medida.
Após a instrução de Pomada, os três membros da comitiva – agora pomadistas –
retornam à cidade com o intuito de influir no ânimo da população com ideias que os
beneficiassem material e simbolicamente:
Com efeito, antes de cair a tarde, tínhamos os três combinado em pôr por
obra uma ideia tão judiciosa quão lucrativa, pois não é só lucro o que se
pode haver em moeda senão também o que traz consideração e louvor, que
é outra e melhor espécie de moeda, conquanto não dê para comprar
damascos ou chaparias de ouro (MACHADO DE ASSIS, 1882:1).

Destaco aqui o empreendimento de Titané, que plantou no hebdomadário de Bungo


a notícia de que suas alparcas estavam sendo aclamadas em Malabar e na China, o que
comoveu a população da cidade de Fuchéu e provocou um bom crescimento na demanda
pelos calçados. Temos, pois, uma representação da opinião pública como uma entidade
volátil que se guia pela retórica de agentes que têm acesso a instâncias de difusão
portadoras de autoridade e credibilidade, e o jornal como um espaço em que se pode
fabricar verdades.
A respeito da opinião pública e da imprensa, é oportuno cotejar o posicionamento de
Machado em dois momentos distintos. Em 1859, o jovem Machado publica dois textos a
respeito do jornal – “O jornal e o livro” e “A reforma pelo jornal”, no Correio mercantil e n’O
espelho, respectivamente – em que demonstra uma crença no progresso linear da

5
Publicado originalmente sob o título “Um capítulo inédito de Fernão Mendes Pinto: de uma curiosa
doutrina que achei em Fuchéu, e do que aí sucedeu a tal respeito”.
6
Conforme nota do próprio Machado ao fim dos Papéis avulsos, “pomada” e “pomadista”
significariam charlatanismo e charlatão (MACHADO DE ASSIS, 1957:306).

5
civilização, atribuindo ao jornal uma função essencialmente democrática e integradora por
conta de sua capacidade de se constituir como um espaço de discussão:
O jornal é a verdadeira forma da república do pensamento. É a locomotiva
intelectual em viagem para mundos desconhecidos, é a literatura comum,
universal, altamente democrática, reproduzida todos os dias, levando em si
a frescura das idéias e o fogo das convicções (MACHADO DE ASSIS,
1859a:1).

Assim, o jornal, “a reprodução diária do espírito do povo [...] onde se reflete, não a
ideia de, um homem, mas a ideia popular” (MACHADO DE ASSIS, 1859a:2), seria o pivô de
uma democratização da sociedade. Em “A reforma pelo jornal”, Machado ingenuamente
chega a vislumbrar uma possibilidade radical de emancipação do trabalhador pelo jornal, o
“pão do espírito”:
A alma torturada da individualidade ínfima recebe, aceita, absorve sem
labor, sem obstáculo aquelas impressões, aquela argumentação de
princípios, aquela argüição de fatos. Depois uma reflexão, depois um braço
que se ergue, um palácio que se invade, um sistema que cai, um princípio
que se levanta, uma reforma que se coroa (MACHADO DE ASSIS, 1859b:1-
2)

Entretanto, o Machado de 1876 não parece compartilhar do mesmo otimismo. Em


crônica do dia 15 de agosto na série “História de quinze dias”, publicada na Ilustração
brasileira, o autor, por meio do pseudônimo Manassés, aborda, dentre outros assuntos, a
publicação do recenseamento do Império realizado em 1872, que concluía que 70% da
população brasileira não sabia ler. Em um diálogo hipotético com o algarismo, a “entidade
numérica” encerra a discussão com o cronista da seguinte forma: “a opinião publica é uma
metáfora sem base; há só a opinião dos 30%. Um deputado que disser na câmara: ‘Sr.
Presidente, falo deste modo porque os 30% nos ouvem...” dirá uma coisa extremamente
sensata” (MACHADO DE ASSIS, 1876:59).
Assim, percebemos um incremento crítico no posicionamento de Machado ao longo
desses anos, o que fica manifesto nos contos abordados no presente estudo. A imprensa –
tanto a real, quanto a representada ficcionalmente – não só não é neutra e comprometida
com o bem público, como também é seletiva quanto ao seu público por meio de critérios
como condição financeira e proficiência de leitura – a qual não se resume a categorias
discretas como alfabetizado e não alfabetizado, mas apresenta diversas nuances.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em Mudança estrutural da esfera pública, Jürgen Habermas (2003) traça um
panorama histórico-sociológico da formação da esfera pública burguesa (e de sua
desagregação), recuperando formações anteriores – partindo da Grécia, passando pela
apropriação romana e pela representatividade pública na Idade Média –, chegando à esfera

6
pública burguesa como uma instância em que indivíduos privados se reúnem para discutir o
poder público enquanto são por ele regulamentados. Assim, há um movimento de dupla
constituição entre indivíduos e poder público que se dá por meio de uma pressão mútua. Tal
estudo pauta-se pela esfera pública de três países (Inglaterra, França e Alemanha) e se
propõe como um modelo que, apesar de não constituir uma historiografia rigorosa, como
pontua o autor no prefácio, presta “sua homenagem aos critérios proporcionalmente
rigorosos de uma análise estrutural da totalidade das relações sociais” (HABERMAS,
2003:10).
Tomando esse conceito sumário de esfera pública burguesa, trago a hipótese 7 de
Fernando Perlatto de que
a esfera pública, ao lado do Estado e mercado, configurou-se no Brasil
desde o século XIX, ainda que sua construção tenha sido marcada pela
seletividade, tanto no que tange aos personagens capazes de nela operar,
quanto em relação aos temas a serem debatidos em seu âmbito.
(PERLATTO, 2015:122, grifo do autor).

Tal hipótese, segundo o autor, não desconsidera a seletividade das esferas públicas
constituídas na Europa e nos Estados Unidos, visto que a possibilidade de agência em tal
espaço exige requisitos materiais e simbólicos (poder aquisitivo, acesso à leitura etc.), por
mais que sua origem moderna, na esteira do Iluminismo, tenha sido pautada no uso público
da razão, considerando uma ideia de igualdade entre pessoas de classes desiguais.
Entretanto, continua ele, “em sociedades estratificadas como a brasileira, caracterizadas
pela escravidão e por altos índices de analfabetismo, essa seletividade ganhou novos
contornos, configurando-se de forma mais significativa e sistemática” (PERLATTO,
2015:126).
Retomando a produção machadiana, observamos que a esfera pública e seus
aparelhos – no caso a imprensa assumindo a função de um de seus principais sustentáculos
– aparecem frequentemente sob chave negativa. Seus agentes – Fulano, os pomadistas de
“O segredo do bonzo” e o medalhão enquanto tipo social, para restringirmos ao escopo do
trabalho – utilizam-se desse espaço de discussão para a autopromoção, e somente têm
acesso a ele por conta de sua extração social 8. Fica patente nos contos a importância
destinada à moeda social, como se o reconhecimento simbólico fosse tão – se não mais –
importante do que o reconhecimento material.

7
Sua hipótese também contempla a formação de esferas públicas subalternas, “constituídas por
diferentes espaços de sociabilidade nos quais os segmentos subalternos buscaram se organizar”
(PERLATTO, 2015:123). Contudo, tal conceito não foi abordado no presente artigo por fugir ao
recorte do trabalho.
8
O caso mais abstrato seria o de “O segredo do bonzo”, por conta do procedimento alegórico
empregado na construção do conto. Contudo, os personagens Fernão, Diogo Meireles e Titané
possuem certo prestígio social que os aparta da multidão que celebra os indivíduos destacados.

7
É ilustrativa a imagem exposta por Brás Cubas nas Memórias póstumas em que ele
explica a ideia do Emplasto Brás Cubas por meio da comparação com uma medalha de
duas faces, uma virada para o público e outra virada para ele mesmo, sendo que a face
“pública” conjugaria filantropia e lucro enquanto a “privada” apresentaria sede de nomeada,
o amor da glória. O defunto autor coloca tal binomia como se a face pública funcionasse
como uma fachada para o objetivo ou desejo real. Todavia, penso que tal vaidade, que,
supostamente, Brás assumiria somente após a morte, longe do julgamento de seus iguais,
diz respeito não só a caprichos de um indivíduo particular, mas também a um mecanismo
social. Considerando a exiguidade de colocações e a recorrência de práticas como o
filhotismo e clientelismo, a publicidade figurava como uma estratégia de projeção recorrente,
alavancando indivíduos particulares perante o público.

Referências

ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do


nacionalismo. Tradução Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

CHALHOUB, Sidney. A crônica machadiana: problemas de interpretação, temas de


pesquisa. Remate de males, Campinas, v. 29, n. 2, p. 231-246, 2009. Disponível em:
<http://revistas.iel.unicamp.br/index.php/remate/article/view/1055/993>. Acesso em 08 Out.
2015.

HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma


categoria da sociedade burguesa. Tradução Flávio R. Kothe. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2003.

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. O jornal e o livro. Correio Mercantil, Rio de Janeiro,
p. 1, 10 jan., p. 2, 12 jan. 1859a.

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. A reforma pelo jornal. O espelho: revista de


literatura, modas, industria e artes. Rio de Janeiro, p. 1-2, 23 out. 1859b.

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. História de quinze dias. Illustração brasileira. Rio de
Janeiro, p. 59, 15 ago. 1876.

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Theoria do medalhão: diálogo. Gazeta de noticias,


Rio de Janeiro, p. 1, 18 dez. 1881.

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Um capítulo inédito de Fernão Mendes Pinto: de


uma curiosa doutrina que achei em Fuchéo, e do que ahi succedeu a tal respeito. Gazeta de
Notícias, Rio de Janeiro, p. 1, 30 abr. 1882.

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Fulano. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, p. 1-2, 4
jan. 1884.

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Papéis avulsos. São Paulo: W. M. Jackson Inc.,
1957.

8
PERLATTO, Fernando. Seletividade da esfera pública e esferas públicas subalternas:
disputas e possibilidades na modernização brasileira. Revista de Sociologia e Política,
Curitiba, v. 23, n. 53, p. 121-145, Mar. 2015. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
44782015000100121&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 08 Out. 2015.

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