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A MAÇÃ NO ESCURO

 A fuga de Martín, em vez de isolá-lo, faz surgir um novo ser, fato que remonta à criação bíblica. A
narrativa, próxima da criação bíblica, em vez de julgar os personagens culpados ou inocentes, faz deles
aprendizes do mundo, recém-nascidos, recém-criados.
 Mas é a natureza, com a qual Martim passa a conviver de forma mais acentuada ao chegar à fazenda de
Vitória, que se transforma em pano de fundo da diferenciação e da combinação entre o homem e o animal,
das atitudes racionais contra os atos impensados. No contato com a dona da fazenda, sua prima viúva
Ermelinda e a cozinheira mulata, Martim se envolve não numa relação de antítese entre homem e mulher,
mas na descoberta de pessoas complementares e ambíguas, dominantes e dominadas que invertem
seus papéis a todo momento.
 Agindo como um Deus, Clarice muitas vezes abandona as características próprias de cada um deles para
fazer uma descrição própria de seus papéis na história maior contada no livro: a vida, a criação, a dor e
o prazer de ser. E se por um lado o leitor fiel de Clarice pode estranhar que a figura principal deste livro
seja um homem - é Martim, o herói-vilão, estopim de mudanças em si e nos outros -, ao mesmo tempo
acabará identificando nele uma característica comum aos protagonistas da autora: um profundo mergulho
em seus próprios valores, a visão ensimesmada da existência, que os aproxima e os iguala em grau,
sofrimento e gozo a qualquer pessoa.
 Os três capítulos que formam A Maçã no Escuro, escrito de 1951 a 1961, quando foi publicado, mostram
de forma gradativa o pecado, ato impensado, e a redenção, o surgimento de um outro, como elementos
primordiais de evolução do ser. A análise profunda que Clarice impõe nada mais é que o exercício do
pensamento: o diferencial do homem, que mata, morre e ressuscita, ressurgido a cada momento.

 A Maçã no Escuro é complexa, densa, com consciência e derrame perfeito de palavras para tentar
compreender a vida (criação), para tentar buscar um sentido, sentido este que pode surgir de um ato mau
para um bom ou de um bom para um mau. E, ao final, o importante, não é encontrar o sentido e sim não
ter medo de colher a maçã no escuro.
ÁGUA VIVA
Fico com medo. Mas o coração bate. O amor inexplicável faz o coração bater mais depressa. A garantia
única é que eu nasci. Tu és uma forma de ser eu, e eu uma forma de te ser: eis os limites da minha
possibilidade. (p.54)
Eu li quase toda a obra de Clarice Lispector (1920- 1977), mas foi antes de começar o blog, então
tenho aqui essa dívida com os interessados pela literatura da escritora. Pela memória e anotações que fiz
nos livros, farei as resenhas de “A hora da estrela” (aqui tem o filme), “A via crucis do corpo”, “Laços de
Família”, “A paixão segundo G.H.”, “Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres”, “Felicidade clandestina” e
a “A descoberta do mundo”. Aqui já existe a resenha de “A maçã no escuro” (clique), e “Perto do coração
selvagem” (clique). E hoje “Água Viva” (1973), que li essa semana, um livro único. Custa-me chamá-lo de
“romance”, mas vou usar esse termo, porque é o oficial, mas faltam elementos estruturais para tal.
“Água viva” é uma prosa que acontece no plano mental, psicológico, a alma falando com todo o
corpo. A voz do romance parece que fala consigo mesma em um monólogo, dialoga com o “instante”. O
instante, ora aparece quase como um amante, ora como um pesadelo, um interlocutor inanimado, sem
forma, que não sente nem responde, só é. Como descrever o instante? Clarice tentou fazer isso. Uma obra
que é contravenção pura.
O enredo não é nada tradicional, aliás, tem enredo? Acho que não. Os elementos estão todos
desconstruídos e incompletos, você vai ter que fazer um esforço (em vão) para conseguir montar um
“esqueleto”. Ela própria diz, consciente:
Eu não tenho enredo de vida? sou inopinadamente fragmentária. (p. 59)
“Literatura psicológica”, termo normalmente usado para a escritura de Clarice, é muito reducionista.
Nós que precisamos dar nome pra tudo, classificar e definir, ainda não conseguimos encontrar um termo
adequado. Talvez isso nunca aconteça.
Personagens? Só o narrador, uma voz feminina, que conta muito pouco sobre si, poucos dados
objetivos, só que não gosta de domingos, porque são dias “ocos”, sabemos que tem uma empregada e que
gosta muito de animais. Parece Clarice, seu alterego, não consegui ler de outra forma. Para “despistar”,
apresenta- se na pele de uma pintora. A cidade é o Rio de Janeiro, a mesma da autora.
Do que o livro fala? De tudo que não é palpável. De mundo psicológico fervilhante. Acho que é a
própria Clarice em uma viagem sensorial; conforme avancei na leitura, essa impressão virou certeza. Foi
sentindo e anotando de forma caótica, mas lúcida ao mesmo tempo. O livro pode começar a ser lido de
qualquer parte, não tem uma ordem lógica. A tensão acontece o tempo todo, é intenso.
Sim, esta é a vida vista pela vida. (p.17)
Clarice na sua mais pura essência. Esse livro mostra o motivo dela ter sido quem foi/é: uma escritora
única, original, irrepetível.
O título é fantástico e resume bem a obra. Ela referiu- se mesmo à água- viva do mar, aquele animal
marinho transparente, que pode ser muito belo no seu habitat, parece dançar na água, não tem consistência,
seu corpo é quase na totalidade formado por água, cheio de tentáculos, parece indefeso e inofensivo, mas
se você tentar agarrá- lo, ele queima, fere, irrita, mas não mata (exceto em casos excepcionais). Um
organismo que parece ser simples, mas passa por várias fases e metamorfoses.
Algo está em uma gruta escura e ela quer trazer à luz. Pelo que já li de Clarice, essa “coisa” é a
essência do ser, quem ela é pode ser a representação do que somos todos. Clarice viaja no mais profundo
do que pode existir no humano, um exercício de auto- conhecimento que não dá pra saber ao certo se traz
respostas ou mais confusão. Certas coisas, quem sabe, podem ter sido desenhadas para nunca serem
conhecidas. O mistério da vida, o que somos, a existência, o que fazemos aqui e para quê. São os dilemas
enfrentados pelos pensadores/cientistas de todas as épocas. Clarice, quer dizer, a voz narrativa, parece sair
desse solitário exercício de pensar extenuada, ela usa o corpo todo:
Mas ninguém pode me dar a mão para eu sair: tenho que usar a grande força– e no pesadelo em arranco
súbito caio enfim de bruços no lado de cá. Deixo-me ficar jogada no chão agreste, exausta, o coração ainda
pula doido, respiro às golfadas. Estou a salvo? enxugo a testa molhada. Ergo-me devagar, tento dar os
primeiros passos de uma convalescença fraca. Estou conseguindo me equilibrar. (p. 18)
Esse romance lembra “A via crucis do corpo” e “A paixão segundo G.H.”, uma busca sofrida para
tentar responder a questão: “Eu sou o quê?”.
Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é
uma verdade inventada”. (p.19)
A voz narrativa pensou em pintar com tintas o seu pensamento, mas acabou escrevendo:
É tão curioso ter substituído as tintas por essa coisa estranha que é a palavra. Palavras – movo-me
com cuidado entre elas que podem se tornar ameaçadora: posso ter a liberdade de escrever o seguinte:
“peregrinos, mercadores e pastores guiavam suas caravanas rumo ao Tibet e os caminhos eram difíceis e
primitivos”. Com esta frase fiz uma cena nascer, como num flash fotográfico.”
As disciplinas artísticas acabam convergindo em um ponto comum: literatura, artes plásticas,
fotografia, constroem significados através de imagens, meios diferentes, fins parecidos.
Pessoalmente, creio que a escritura fragmentada de Clarice rompe esquemas por necessidade. Além
de ser imagem de algo maior, do pensamento do homem moderno: frágil, desestruturado, contraditório,
caótico, é também fruto de uma dificuldade, não só da escritora, como do tempo. Os pensamentos
imagéticos que lhe ocorriam são tão fechados e (in)completos, cada parágrafo pode ser uma história
independente. A continuidade é impossível, porque é muito difícil encontrar uma solução. Uma coisa têm
em comum esses pensamentos: em todos há algo de solidão, de desamparo. No entanto, a solidão também
é vista como liberdade:
(…) Luto por conquistar mais profundamente a minha liberdade de sensações e pensamentos, sem
nenhum sentido utilitário: sou sozinha, eu e minha liberdade.
Em “A paixão segundo G.H.”, a personagem come as entranhas de uma barata; em “Água viva”, o
alterego de Clarice come uma placenta em busca da essência primária. No primeiro, literalmente; neste,
metaforicamente. Clarice busca com a sua literatura chegar na essência original das coisas. Ela se propõe
a morrer e a nascer em si mesma para descobrir o mistério da criação.
Não sei se estão entendendo. Entender Clarice é complicado, espero não confundi-los muito.
Ela, na voz autobiográfica, já estou afirmando que é a autora mesmo, desejou uma morte rápida, o
que não aconteceu. Clarice Lispector faleceu num hospital por causa de um agressivo câncer de ovários
quatro anos depois de escrever essa obra. No mesmo ano da sua partida (1977), concedeu a sua única
entrevista na TV, veja aqui. A forma de falar é muito similar à sua “ficção”.
Quero morrer com vida. Juro que só morrerei lucrando o último instante. Há uma prece profunda em
mim que vai nascer não sei quando. Queria morrer com saúde. Como quem explode. (p. 38)
A vida, o medo da morte, a natureza, Deus e o amor:
Fico com medo. Mas o coração bate. O amor inexplicável faz o coração bater mais depressa. A
garantia única é que eu nasci. Tu és uma forma de ser eu, e eu uma forma de te ser: eis os limites da minha
possibilidade.
Estou numa delícia de se morrer dela. Doce quebranto ao te falar. Mar há a espera. A espera é sentir-
me voraz em relação ao futuro. Um dia disseste que me amavas. Finjo acreditar e vivo, de ontem para hoje,
em amor alegre. Mas lembrar- se com saudade é como se despedir de novo. (p.54)

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