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23/06/14 O Problema da Percepção da Mudança

1 - Introdução: Estética ou apenas uma metafísica?

2- O Véu

3 - O Problema da Percepção

4 - A arte como solução

5 - As Funções da Arte

6 – A Natureza e a Arte

7 – Graus de Profundidade

8 – A originalidade

9 – O papel da imaginação e da técnica na criação

10 - Conclusão

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23/06/14 O Problema da Percepção da Mudança

1 - Introdução: Estética ou apenas uma metafísica?

Ao se ouvir falar em estética bergsoniana, a primeira pergunta que provavelmente nos


vêem a mente é: qual de suas obras o autor dedicou a esse tema? Na verdade, o filósofo
francês não escreveu, efetivamente, nenhum livro que tivesse como uma de suas
abordagens principais a estética.

E é esse um dos preceitos que faz com que Raymond Bayer, possa “dizer que não
há propriamente falando, estética bergsoniana. O que Bergson chama de estética
não é na realidade mais do que a sua metafísica da intuição e da qualidade
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apresentada sob outra forma ”. Ora, de que outra maneira se poderia ter contato com
uma obra de arte, senão pela nossa percepção? A percepção é o caminho para a intuição,
ela corresponde não somente aos sentidos, mas também a consciência, no entanto, a
maneira como usualmente percebemos os objetos se tornará um problema. Assim, o que
Bergson faz é aproveitar e “matar dois coelhos com uma cajadada só”, pois sua teoria
estética não se limita a questionar a arte, como também, é parte da solução para o
problema da percepção, pondo abaixo terias filosóficas que consideram os sentidos
limitados e insuficientes para alcançar a “coisa em si”. Enquanto que, podemos
considerar que o que Bayer escreveu sobre o pensamento bergsoniano em sua história da
estética, em boa parte, não passa de um escrito confuso, pois a estética do filósofo
francês não pode ser simplificada a um mero suporte à sua metafísica, ela vai muito além
disso.

Seguindo esse raciocínio, qual a razão que fez com Bayer subestimasse o
pensamento bergsoniano dessa maneira? Será que podemos negar que um determinado
pensador deixou de escrever sobre um determinado objeto, só porque não produziu uma
obra dedicada a este? Além do que, não podemos deixar de nos perguntar, o que é
exatamente estética? Ou, se a pergunta é muito capciosa, o que é considerado Estética na
contemporaneidade? Se entendermos esse conceito pelo pensamento de Alexander
Gottlieb Baumgarten, que o introduziu, na medida em que foi o primeiro a efetivamente
aplicar a designação da filosofia do belo na arte, em 1735. Para ele a Estética é “como
uma ciência: << é a irmã mais nova da lógica>>”, seu objetivo é “estabelecer o que
é a beleza. Numa definição intelectualista, Baumgarten precisa que a estética é a <<
ciência do conhecimento sensível ou gnosiologia inferior>>. O sentir não é
mencionado, mas Baumgarten fala do conhecimento sensível como tal, isto é, ocupa-

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se apenas do processo intelectual, não dos resultados ”, ou seja, se nos basearmos
apenas na definição de Baumgarten, parece que, de fato, não podemos afirmar a
existência de uma filosofia da arte própria em Bergson.

Entretanto, desde que o conceito foi criado, vários filósofos se preocuparam em


desenvolver sua própria estética e hoje esta é considerada uma área de estudo dentro da
filosofia e, em certa medida, teve seu significado alterado. Hoje, a estética tem por
objeto não apenas o estudo do belo, mas também o da “produção das emoções pelos
fenômenos estéticos, bem como as diferentes formas de arte e da técnica artística; a
idéia de obra de arte e de criação; a relação entre matérias e formas nas artes. Por
outro lado, a estética também pode ocupar-se do sublime, ou da privação da beleza,
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ou seja, o que pode ser considerado feio, ou até mesmo ridículo ”, ou seja, a definição
de estética parece ter sido estendida, quando comparada a de Baumgarten. E, através dela,
podemos dizer que há de fato uma estética bergsoniana, pois, como irei mostrar nas
linhas abaixo, apesar de na filosofia bergsoniana de fato não haver uma teoria do belo (o
pensador considera que simplesmente o que há entre os objetos é uma diferença
qualitativa), nos é apresentado o conceito de graus de profundidade, que distinguiria cada
obra pela riqueza de sentimento que essas nos proporcionam. Além do que, também há na
filosofia bergsoniana uma explicação de como se dá o processo de criação artística, uma
teoria de como ela nos afeta e também sua função (e a do seu criador).

Em suma, se para que haja um pensamento estético, imprescindívelmente também


tenha de existir uma teoria do belo ou, até mesmo, uma obra dedica a essa temática,
deve-se admitir que cairíamos em erro se falássemos de uma estética bergsoniana.
Todavia, se ao invés de um a teoria do belo, bastar que haja uma distinção entre objetos
de arte; que o fato de sua teoria estética estar espalhada em mais de uma obra, não a
invalide de nenhuma forma, daí sim uma estética propriamente bergsoniana seria algo
valido.

Assim, para realizar um estudo sobre a teoria estética de Bergson, é necessário


resgatar os fragmentos da mesma, que estão espalhados em suas diversas obras e
conferências, para só então estudá-la e analisá-la, ou seja, é preciso fazer recortes da
totalidade de seus escritos e com essas “peças” montar um “quebra-cabeça”, que formará
algo novo e, de certa forma, nos esclarecerá e aprofundará mais o que sabemos a respeito
da teoria estética do filósofo.

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2 - O Véu
Introduzir o problema da experiência, o acesso à experiência direta e às
coisas em si, dificuldade que remete ao véu!

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Na introdução de sua obra, O Pensamento e o Movente, Bergson afirma que se


afastarmos o véu que nos é “interposto, voltamos ao imediato e tocamos num
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absoluto ”. Mas o que é esse véu, algo que nos separa de alcançar um dos objetos mais
cobiçados da história da filosofia, o ‘em si’? Ainda nessa mesma obra, na conferência: A
Percepção da Mudança, o filósofo nos dá uma boa dica, quando diz que para “pensar a
mudança e para vê-la, há todo um véu de prejuízos que cabe afastar, alguns criados
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pela especulação filosófica, outros naturais ao senso comum ”. Esse auxílio, apesar de
não nos revelar efetivamente o que é esse véu, nos mostra a sua origem e,
conseqüentemente, qual direção que se deve tomar para descobrir seu significado.

Outro detalhe ao qual devemos prestar atenção é que, obviamente, quando a


palavra véu é utilizada, o é em seu sentido metafórico e, da mesma maneira que a ciência
e outras áreas do conhecimento se utilizam de conceitos e raciocínios para se referirem
a tudo o que é do campo material, a filosofia faz o mesmo com relação às metáforas para
se expressar sobre todas as coisas que são imateriais, ligadas à consciência, pois, para
explicar objetos dessa natureza, não temos outra escolha senão fazê-lo metaforicamente
ou, até mesmo, forjando novos conceitos que caibam a apenas um determinado objeto,
estratégias que, como veremos também são utilizadas por Bergson.

Inserir parágrafo sobre os falsos problemas que são colocados quando não
desfazemos a confusão; ver Prefácio do Ensaio e capítulo 1 de Bergsonismo,
comentário sobre a primeira regra do método.

O véu, na verdade, não passa de uma confusão que surgiu “por teimarmos em
justapor no espaço fenômenos que não ocupam espaço”, por realizarmos “uma
tradução ilegítima do inextenso em extenso, da qualidade em quantidade” e, enfim,
“uma confusão prévia entre duração e extensão, a sucessão e a simultaneidade, a
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qualidade e a quantidade ”. Assim, foram esses mal entendidos que parecem ter
originado muitos dos inúmeros problemas que ainda hoje são objeto da filosofia como,
por exemplo: o do não ser, da desordem, do possível, do tempo e, conseqüentemente,
também o problema da liberdade.

Lidar com “problemas”, mais precisamente “a posição e a criação de


problemas”, é considerado por alguns interpretes de Bergson como um dos atos que
formam método do filósofo: a intuição. De acordo com Deleuze, primeiramente,
devemos “aplicar a prova do verdadeiro e do falso aos próprios problemas,

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denunciar os falsos problemas, reconciliar verdade e criação no nível dos


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problemas ”.

Bem, mas da onde é que surgem os problemas, como estes chegam a nós? Quem
nos dá o problema são os “professores”, ou seja, aqueles que nós consideramos como
tal, com o qual aprendemos o que hoje sabemos sobre o mundo. Entretanto, esses não
correspondem necessariamente a uma “pessoa de carne e osso”, podendo também ser
produções realizadas por um individuo, como livros e obras de arte. No caso da filosofia,
os professores são os pensadores que nos antecederam, sendo que, entre esses, os mais
importantes, enquanto “criadores de problemas”, os gregos, cujas questões são discutidas
até hoje no meio filosófico.

Mas o que faz com aceitemos com tanta facilidade esses problemas? Ora,
acreditar na veracidade de uma solução é uma ingenuidade tão grande quanto acreditar na
legitimidade de um problema, pois, ao contrário do que se costuma a crer, os problemas
também podem ser falsos. Assim, não nos resta outra opção senão por fim a esse “hábito
escolar” de aceitar problemas dados por outrem e buscar nossos próprios
questionamentos. Isso é a verdadeira liberdade, o nosso poder de decisão. Mas como é
possível descobrir um problema, existe um método ou sistema para tal empreendimento?
Diferente do que se faz para encontrar uma solução, “colocar o problema não é
simplesmente descobrir, é inventar. A descoberta incide sobre o que já existe,
atualmente ou virtualmente; portanto, cedo ou tarde, ela seguramente vem. A
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invenção dá o ser o que não era, podendo nunca ter vindo ”, ou seja, o problema não é
meramente algo que se busca, mas sim algo que se alcança através de um ato de criação,
em outras palavras, só assim através de nossa produção é possível propor um problema.

Há, no entanto, para cada problema a certeza de uma solução ou existem questões que
permanecerão indefinidamente insolúveis? O filósofo diz que um “problema
especulativo é resolvido, desde que bem colocado. Ao dizer isso, entendo que sua
solução existe nesse caso, imediatamente, embora ela possa permanecer oculta e, por
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assim dizer, encoberta: só falta descobri-la ”, ou seja, não há problema que não seja
capaz de ser solucionado, todavia é preciso, mais uma vez, nos atentarmos a questão: de
que modo essa foi proposta, em quais circunstancia e o termos que fazem parte dela. Mas
isso apenas não basta, é necessário, acima de tudo, verificar se o problema é de fato
verdadeiro.

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Mas como nos é possível identificar sua falsidade? Não seria simplesmente falso
aquele problema o qual não possível encontrar uma solução? Ora, apesar de se afirmar
que para todo problema bem colocado existe solução, não podemos simplesmente fazer
como boa parte dos filósofos, que consideram como falsas todas as questões insolúveis.
Antes de categorizar um problema como verdadeiro ou falso, deveríamos procurar saber
o que é exatamente um “falso problema”. Se nos voltarmos novamente à Deleuze,
veremos que existem dois tipos de falsos problemas, a saber, “‘os problemas
inexistentes’ que assim se definem, porque seus próprios termos implicam uma
confusão entre o ‘mais’ e o ‘menos’; ‘problemas mal colocados, que assim se definem
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porque seus termos representam mistos mal analisados ”.

Quanto ao primeiro tipo, é possível encontrar três deles nas obras de Bergson, a saber: o
não-ser, a desordem e o possível. Esses problemas, na verdade, são meras ilusões, na
qual se percebe o mais aonde era menos ou o menos aonde era mais. Quando falamos a
respeito da idéia de não-ser, imediatamente nos vêem a idéia de ser, que lhe é intrínseca,
pois a idéia de não-ser não passa da ausência daquilo que esperávamos, entretanto,
mesmo que o objeto que a priori desejávamos apreender não esteja presente, com
certeza, haverá ainda outro objeto que, para nós, está tomando daquilo que gostaríamos.
Seguindo esse raciocínio, a idéia de desordem parece sofrer do mesmo problema da de
não-ser, devido, primeiramente, ao fato de que seu “oposto”, a ordem, também é
intrínseca a idéia de desordem, sendo esta apenas outra ordem que não aquela que
ansiávamos ver, o que provoca a nossa negação. E, por fim, na idéia de possível parece
haver infinitamente mais do que na idéia de real, porque antes de um ato ser efetivamente
realizado, enquanto este era apenas virtual, inúmeras coisas poderiam resultar desse ato,
todavia, após esse ato ser concluído, apenas uma dessas possibilidades passou de fato a
ser realidade.

Enquanto no segundo tipo de problemas, aparentemente diferente do primeiro,


trata-se de problemas que não foram bem propostos, “mistos mal analisados, nos quais
são arbitrariamente agrupadas coisas que diferem por natureza”. Há exemplos
memoráveis desses mistos na obra Ensaio sobre os Dados Imediatos da Consciência.
Nele são tratados vários problemas que envolvem ‘mistos mal analisados’, mas o que se
destaca é problema da liberdade, sendo este resultado da confusão entre dois tipos de
multiplicidade, uma quantitativa, onde se justapõem os termos no espaço, e a outra
qualitativa, onde não há justaposição, mas sim uma interpenetração, que é o que ocorre na
duração. A nossa consciência e os estados afetivos que a compõem duram, sendo estes
de natureza diferente das ações que ocorrem em nosso exterior, logo quando se
questiona se o homem é livre, isso ocorre simplesmente devido a essa confusão entre

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duração e extensão.

Entretanto, será que esse impedimento tem alguma outra função, que não nos
separar do conhecimento absoluto? Sim, ela possui também uma utilidade social, pois
sem a fixidez não seria possível a elaboração de convenções pelos homens e,
conseqüentemente, também não haveria as ciências e tudo o que está diretamente ou
indiretamente ligada a essas.

Desse modo, a ciência não seria meramente uma convenção? E, afinal de contas, o
que é, então, a ciência? Qual a sua função? Em certa medida sim, a ciência seria
realmente uma convenção, pois “seu papel é prever. Ela extrai e retém do mundo
material aquilo que é suscetível de se repetir e de ser calculado, por conseguinte
aquilo que não dura. Assim, ela não faz mais do que insistir na direção do senso
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comum, que é um começo de ciência ”.

O véu pode ser rasgado por definitivo? Sim, basta afastar de nossa visão essa
névoa que lá foi colocada, em boa parte, por nós mesmos, através do hábito, pois por
séculos nos deixamos enganar por certos pensamentos e conceitos, não refletindo
suficiente e devidamente a respeito desses antes de aceitá-los e, por insistirmos nessa
comodidade, nossa infeliz tendência é assim permanecer. E essa névoa só se dissipará
quando percebermos as coisas pelo que elas realmente o são.

E quais são as conseqüências de por abaixo esse muro, que nos separa de um
absoluto? Se isso ocorresse, então, “não veríamos apenas desaparecer uma por uma
as muitas dificuldades e desvanecer mais de um problema: através de extensão e
revificação da nossa faculdade de perceber, talvez também (mas por enquanto está
fora de questão elevar-se a tais alturas), através de um prolongamento dado a
intuição por almas privilegiadas, restabeleceríamos a continuidade no conjunto de
nossos conhecimentos – continuidade que já não seria hipotética e construída, mas
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experimentada e vivida ”, ou seja, questões e problemas de enorme complexidade que
nos assombram desde a antiguidade, entre outras questões de grande importância na

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sociedade atual, poderiam ser resolvidos caso abandonássemos essa herança maldita, que
levamos conosco por centenas de gerações, e desfizéssemos essas confusões.

HÁ DOIS PONTOS DIFERENTES: O VÉU DE CONCEITOS QUE SE


FORMAM POR SEDIMENTAÇÃO DOS RACIOCÍNIOS DA PRAXIS E A
PRÓPRIA DIREÇÃO NATURAL DA PERCEPÇÃO, QUE É RECORTAR O
MUNDO SEGUNDO AS NECESSIDADES VITAIS. AO LONGO DO TEXTO.
ESSAS DUAS DIMENSÕES DA VISÃO PRÁTICA E CIENTÍFICA DEVEM SER
IDENTIFICADAS, E VOCÊ DEVE SE CONCETRAR NO PROBLEMA
ESPECÍFICO DA VISÃO, DO ATO DE VER OU DE PERCEBER E SUA
INADEQUAÇÃO NATURAL AO ACESSO AO ABSOLUTO. ANTES DE ABORDAR
O “PROBLEMA DA PERCEPÇÃO”, SUA INTRODUÇÃO, ORGANIZADA EM
TORNO DO VÉU, DEVE SER MAIS DESENVOLVIDA.

3 - O Problema da Percepção

O véu, do qual falamos a pouco, está ligado diretamente aos problemas que envolvem
nossa percepção, que é o modo pelo qual percebemos habitualmente os objetos ao nosso
redor. E, portanto, antes de falar do tema principal desse escrito, o artista, e da maneira
pela qual ele capta a realidade, que é diferenciada da do restante dos homens, é
necessário esclarecer o que de fato é a percepção para Bergson.

Para tais esclarecimentos, será utilizada uma de suas conferências na universidade de


Oxford, A Percepção da Mudança, e a sua obra Matéria e Memória. A primeira trata da
percepção focando-se mais em seu aspecto integral, enquanto a segunda se concentra em
definir uma percepção pura e mostrar como essa maneira de conhecer é, na verdade, um
recorte da realidade. Em suma, há três problemas principais na percepção, que serão
tratados a seguir.

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A percepção, em seu aspecto integral, é a apreensão imediata, que não tem nenhuma
outra influencia sobre si. Ela toma a coisa pelo que ela realmente é, sem visar o agir ou
interesse particular do homem.

Mas, se tudo o que falamos até agora foi a respeito da percepção integral, o que viria
a ser uma “percepção incompleta”? Ela seria como geralmente percebemos a realidade e
os objetos que a compõem, é o modo de conhecer do senso comum. Ela seria a
“substituição” do percepto por determinadas faculdades do espírito: concepção e
raciocínio. Sendo que a primeira corresponde a “um paliativo quando não é dado
perceber”, enquanto a segunda é feita “para comaltar os espaço vazios da percepção
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ou para estender seu alcance ”, ou seja, é como se o mundo fosse um enorme quebra-
cabeça, sendo que cada objeto que existe nele passa a ser uma peça desse jogo e os
objetos percebidos as peças que possuímos (temos à mão). Lembrando que cada peça se
relaciona com as outras e que sem todas as peças não é possível completar o quebra-
cabeça, nem perceber adequadamente a figura que ele revela. Bem, mas o que fazemos se
ao montá-lo falta-nos peças? Ora, simplesmente continuamos a encaixar as peças,
esperando que, talvez encontremos as perdidas futuramente. E quanto aos espaços vazios
que resultaram disso? Bem, se realmente não for possível encontrar as peças que faltam,
através de um esforço de criação, forjamos novas peças, que mesmo não encaixando
muito bem, completam o jogo.

e, consequentemente, se corresponderia com todas as outras e a medida que


percebemos os objetos que fazem parte , ao percebê-lo, nunca o apreendêssemos todo e
só conseguíssemos visar algumas de suas peças. Mas o que fazemos com aquelas peças
que nós não conseguimos perceber? Ora, simplesmente criamos uma nova definição, que
atenue ou adie esse problema. E quanto aos espaços vazios? Pois se só visamos algumas

Ciência – todo o quebra cabeça tem bordas, ou seja, ela é aquilo que se repete

Assim, se esse modo de conhecer não passa de uma troca da percepção por essas
faculdades do espírito, por que ela ainda é chamada de percepção? Insiste-se em chamá-
la assim, pois, apesar dessa substituição, por mais abstrata “que seja uma concepção, é

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sempre numa percepção que ela tem seu ponto de partida ”, ou seja, a percepção faz
parte dessa maneira de conhecer, pois é a partir dela que são originados os conceitos. É,
portanto, necessário esclarecer que, nesse modo de conhecer, a percepção não é
inteiramente erradicada, mas sim completada “pela concepção – esta devendo comaltar
os intervalos entre os dados do sentido ou da consciência e, assim fazendo, unificar e
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sistematizar nosso conhecimento das coisas ”.

Acontece que essa troca, que já vem sendo realizada desde a antiguidade, antes
mesmo da origem da filosofia, o que resultou em uma grande perda para humanidade,
pois “a faculdade de conceber, à medida que progride nesse trabalho de integração,
está reduzida a eliminar do real um grande número de diferenças qualitativas, a
apagar em parte nossas percepções, a empobrecer nossa visão concreta do
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universo ”.

Mas, se essa substituição nos privou de tanto, porque ela ocorreu? Ela foi feita,
porque há quem afirme que as faculdades da percepção natural são limitadas, sendo
insuficientes para alcançar a coisa em si.

E quem ou o que averiguou tais falhas nessa maneira de conhecer? A limitação da


percepção natural é uma “insuficiência que foi constatada por nossas faculdades de
concepção e raciocínio”. Sendo assim, não posso deixar de nos perguntar: Como essas
faculdades, percepção e raciocínio, que sozinhas não nos permitem conhecer nada,
poderiam apontar qualquer falha na percepção, que é a sua origem? Coloco essa questão,
pois se rememorarmos a definição dessas faculdades veremos que a concepção não passa
de “um paliativo quando nos é dado perceber”, enquanto o raciocínio serve somente
“para comaltar os espaços vazios da percepção”. Além disso, notemos também que
toda a concepção tem como seu ponto de partida também uma percepção.

Assim, conclui-se que aquilo que “devia em teoria estender e completar a


percepção; é obrigado de fato a pedir a um sem fim de percepções que se apaguem
para que tal ou tal dentre elas possa se tornar representante das outras”.

A definição de percepção pura

Em Matéria e Memória, Bergson nos apresenta ainda outro problema referente à

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percepção. Esse problema é, a saber, o fato de que “não há percepção que não esteja
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impregnada de lembranças ”. Mas o que exatamente o pensador quis dizer com isso?
Não existiria uma maneira de simplesmente perceber um determinado objeto pelo que
ele é atualmente e independente de nós? Ora, ao menos em parte, aprendemos novidades
daquilo que percebemos. Entretanto, em meio a esses “dados imediatos presentes em
nossos sentidos”, que são exatamente essas qualidades recentes que apreendemos do
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objeto, também “misturamos milhares de detalhes de nossa experiência passada ”.
Esses detalhes em nossa memória nos acarretam uma grande perda, enquanto desejamos
captar algo pelo que ele é. E os prejuízos causados por nossas lembranças ainda vão
além, pois, na “maioria das vezes, estas lembranças deslocam nossas percepções
reais, das quais não retemos então mais que algumas indicações, simples “signos”
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destinados a nos trazerem à memória antigas imagens ”, ou seja, perdemos,
aparentemente, o acesso à muitas das qualidades originais e atuais dos objetos que
visamos. E me refiro aqui à palavra “original”, no sentido de propriedades únicas, que só
um determinado ser possui e mais nenhum outro da mesma categoria. Por exemplo: ao
se admirar o original de uma obra de arte, como o quadro de Willian Turner, Dido
construindo Cartago, imaginemos que existe nele uma mancha azul, localizada entre as
arvores desenhadas nessa obra, e que eu reparo nela. Todavia, acontece que somente o
original possui esse detalhe, quase que imperceptível. E, meses depois, quando vejo uma
réplica da mesma obra, que não possui esse detalhe, mal noto a ausência desse ponto
azul, pois minha memória, por assim dizer, me engana, fazendo com que, no momento
em que eu vejo a réplica, a mancha azul passe virtualmente a existir ali para mim. Essa é
somente uma entre milhares de qualidades que minha memória encobriu de minha
percepção do quadro.

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A solução para esse problema parece ser por um fim a esse misto, isolando a
memória da percepção, em direção a pureza desta última. Ser-nos-á, entretanto, possível
separar o presente de nosso passado, a percepção da memória, nem que seja, pelo menos,
durante uma pequena porção de tempo, onde realizo meu desejo de apreender uma
determinada coisa? Bem, apesar de essa hipótese parecer arbitrária e não corresponder à
realidade, ela não só é possível, como também perece ser necessária, pois, banindo tudo
o que é memória da percepção, o que nos restará é aquilo que “está na própria base de
conhecimento das coisas, e que por havê-la desconhecido, por não ter distinguido o
que a memória acrescenta ou suprime nela, que se fez da percepção inteira uma
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espécie de visão interior e subjetiva ”. E, assim, para que essa separação possa
ocorrer, deveríamos, antes de qualquer coisa, descobrir precisamente em que memória e
percepção diferem. Para ciência, a percepção “só se diferencia da lembrança por sua
maior intensidade”, ou seja, elas se distinguem meramente por graus de “vivacidade”
(presença), pois o que percebemos de imediato sempre nos parece ter uma qualidade
distinta daquilo que rememoramos, mas que agora se encontra ausente.

“Em suma, a memória está sob estas duas formas, enquanto recobre com uma
camada de lembranças um fundo de percepção imediata, e também enquanto ela
contrai uma multiplicidade de momentos, constitui a principal contribuição da

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consciência na percepção, o lado subjetivo de nosso conhecimento das coisas ”, ou
seja, existem, pelo menos, dois aspectos distintos da memória, no entanto, apenas o
segundo parece trazer alguma contribuição positiva à ao modo de conhecer humano.

Agora que chegou a essas duas hipóteses, Bergson irá, de fato, dividir o misto,
memória e percepção, com o objetivo de analisá-las e estudá-las em separado para,
posteriormente, junta-las novamente. Mas o que a decomposição do misto nos revelará?
Ela nos ajudará na resolução de algum dos aspectos problemáticos de nossa percepção
habitual? Ora, é apenas através da percepção pura que teremos acesso aos “dados
imediatos” do objeto, e, por causa disso, a percepção pode ser confundida com o lado
bom desse misto, percepção e memória. Entretanto, isso não inteiramente verdade, pois,
se o filósofo, antes mesmo de concluir Matéria e Memória, volta a reconectar os lados,
é porque vê importância em ambos, cada um no cumprimento de seu devido papel, e,
obviamente, talvez nem fosse preciso dizer, nenhum deles pode ser descartado.

E, portanto, “pediremos que se entenda provisoriamente por percepção não


minha percepção concreta e complexa, aquela que minhas lembranças preenchem e
que oferece sempre uma certa espessura de duração, mas a percepção pura, uma
percepção que existe mais de direito do que de fato, aquela que teria um ser situado
onde estou, vivendo como eu vivo, mas absorvido no presente, e capaz, pela
eliminação da memória em todas as suas formas, de obter da matéria uma visão ao
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mesmo tempo imediata e instantânea ”. Assim, o autor parece estar cometendo uma
arbitrariedade querendo separar a memória da percepção; no entanto, o faz desse modo
para melhor estudar ambas as partes do misto, realizando apenas temporariamente esse
empreendimento. Desse modo, devemos deixar de lado a percepção como a entendíamos
até esse momento, pois, começaremos a nos referir a essa apenas como a captação dos
dados imediatos. Essa tarefa, no entanto, aparenta ser possível mais em teoria do que na
pratica, pois, na verdade, relacionar-se com objeto dessa maneira é algo difícil e custoso.
Entretanto, em certa medida, esse modo de apreensão dos objetos estaria caminhando em
direção ao que Bergson chamará mais adiante de intuição.

Um recorte do Universo

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E, por fim, resta-nos um último problema ligado à percepção, sendo que esse fato
pode ser resumido da seguinte maneira, a saber, que perceber um objeto é o mesmo que
recortar uma parte, ainda que mínima, do universo, pondo, assim, fim à relação do objeto
com o restante do mundo, pois, de outra maneira, como se explicaria a razão de que
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“algo não pareça ser em si o que é para mim ”? Bem, primeiramente, é essencial que
desenvolvamos melhor essa questão, para só então, efetivamente, analisá-la.

Para que se possa melhor compreender esse ponto, ainda nesse aspecto, Bergson
faz uma analogia entre a nossa percepção e a visão fotográfica dos objetos, pois essa
“seria tomada de um ponto determinado com um aparelho especial, no caso o órgão
de percepção e que se desenvolveria a seguir na substancia cerebral por não se sabe
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qual processo de elaboração química e psíquica ”. Entretanto, como já vimos, é
possível ir além da percepção, desse isolar o objeto da realidade, e, na verdade, em certa
medida, nós já fizemos isso, mesmo que não nos apercebamos de tal, pois quando
apreendemos um determinado objeto, o captamos por inteiro (enquanto unidade) e,
quando fazemos isso, não deixamos de fora nenhum átomo que compõe esse objeto, por
mais que não os vejamos isoladamente, um a um, mas sabemos que todos os átomos
estão nele presentes. Esses átomos se relacionam das mais diversas maneiras, formando,
em nível macroscópico, uma unidade, que corresponde a esse objeto que percebemos.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, mas agora tomando como referencia toda
realidade e comparando-a a esse objeto, que está contido nela, concluiremos que o
universo é composto de inúmeros e variados objetos e que, conseqüentemente, também é
formado de átomos, pois esses fazem parte e formam cada objeto presente na realidade.
E, dessa maneira, compondo-a com átomos: “em cada um deles fazem-se sentir, em
qualidade e em quantidade, variáveis conforme a distância, as ações exercidas por
todos os átomos da matéria. Com centros de força emitidas em todos os sentidos por
todos os centros dirigem a cada centro as influências do mundo material inteiro. Com
25
mônadas, enfim: cada monâda, como queira Leibniz, é o espelho do universo ”.

Assim, em Matéria e Memória, o filósofo se refere a tudo o que é de natureza


material como sendo para nós uma imagem. Sendo que, normalmente, uma imagem é
“solidária à totalidade das outras imagens, continua-se nas que a seguem, assim que
prolongava aquelas que a precedem”, ou seja, uma imagem sempre mantém relação
com outras imagens. E o conjunto de todas as imagens existentes, se conectando umas
com as outras é o que se chamaria de universo. Entretanto, ao menos inicialmente, não
temos a capacidade de apreendermos o universo em sua totalidade, então, como perceber
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23/06/14 O Problema da Percepção da Mudança

um determinado objeto, de modo que isso gere em nós uma representação? Bergson
responde que para “transformar sua existência pura em simples representação
bastaria suprimir de uma só vez o que a segue, o que a precede, e também o que a
26
preenche, não conservando mais do que a crosta exterior, sua película superficial ”,
ou seja, para perceber algo é necessário que se deixe de lado todas as outras imagens que
estão em contato com a imagem visada e, não só isso, também se deve ignorar todo o seu
interior. Enfim, quando se apreende um objeto descartam-se muitas das coisas que lhes
são importantes e, de certa maneira, intrínsecas, enquanto quer se alcançar um
conhecimento pleno dele, sendo assim, o objeto em si é diferente daquele que eu
apreendo, pois este chega a mim alterado e incompleto.

4 - A arte como solução

Agora, que estamos cientes do quanto esse véu, tecido pelos conceitos e raciocínios,
está nos privando da realidade, resta-nos escolher um outro caminho para trilhar, um
outro modo de conhecer. E esse deve “renunciar, nem é preciso dizê-lo, ao exercício
de concepção e de raciocínio, e sendo esse sem duvida o caminho da percepção
27
natural ”. Então, parece-nos necessário realizar um grande esforço, para que possamos
estender a capacidade de nossos sentidos e de nossa consciência e retornar a percepção,
em seu estado original.

Entretanto, praticamente todos os antecessores de Bergson chegaram a uma mesma


conclusão, enquanto diziam que “esse alargamento é impossível”. E, além do que, por
mais que dediquemos nossa atenção a algo, “ela não faz surgir no campo da percepção
28
aquilo que ali não se encontrava de inicio ”.

Assim, como é possível realizar a extensão de nossas faculdades de percepção? Em


primeiro lugar, é preciso deixar claro que não há intenção alguma de fazer aparecer, ou
de adicionar, qualquer coisa ao objeto que se deseja apreender, mas o objetivo agora é o
de não deixar de captar nenhum de seus detalhes, absolutamente nada, nem esconder
nenhuma de suas qualidades por de trás de conceitos gerais e abstratos. Posteriormente,
será devidamente explicado como se dá esse alargamento, porém, nesse momento,
devemos nos focar em compreender a critica de Bergson à teoria que diz que sustenta a
insuficiência e incompletude dos sentidos e a consciência, desqualificando-os no âmbito
do conhecimento real. E se, no entanto, a “teoria da percepção limitada” está errada, não
é através da nossa experiência, nem da do senso-comum que conseguiremos mostrar

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isso. Mas, então, através da experiência de quem? Por que, por algum motivo que ainda há
de ser explicado, essa proeza não está ao alcance do “homem comum”. E mesmo que
algum ser humano, dotado de qualidades especiais, pudesse fazer tal coisa, como
saberíamos que ele captou qualquer detalhe que não tenhamos também percebido? Esse
ser humano, dotado de qualidades distintas, é o artista “cuja função é justamente a de
29
ver e de nos fazer ver o que não percebemos naturalmente ” e este conseguirá nos
mostrar isso através de suas realizações artísticas.

5 - As Funções da Arte

O artista, através de suas criações, acaba por desempenhar diferentes funções, mas que,
no entanto, são complementares, enquanto sendo que essas correspondem a afecções
exercidas sobre nós, “homens comuns”. Nós podemos dividir, arbitrariamente, apenas
com o objetivo de analisar clara e profundamente

A primeira função chamaremos aqui de “função reveladora”, enquanto a segunda será


referida como “função hipnótica”.

Função Reveladora

A função reveladora, resumidamente, é, como já foi mencionada, “a de ver e nos


30
fazer ver o que não percebemos naturalmente ”.

Mas o que tanto essa classe de homens vê que não somos capazes de ver? Os artistas
possuem sua percepção em seu estado natural e integral. Eles apreendem a coisa como
ela de fato o é. Assim, ao expressar sua visão da realidade, utilizando-se de suas obras, o
artista consegue “nos mostrar, na natureza e no espírito, fora de nós e em nós, coisas
31
que não nos impressionavam explicitamente nossos sentidos e nossa consciência ”,
ou seja, aspectos do mundo e dos seres que normalmente não notávamos com nossas
faculdades de percepção.

Desse modo, se a obra de arte nos mostra aspectos que comumente não notávamos,

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de que modo ela faz com que percebamos isso? Acontece que a arte da poesia e do
romancista, por exemplo, faz “com que observemos em nós, até certo ponto, aquilo
que dizem de outrem. À medida que nos falam, aparecem-nos matizes de emoção que
podiam estar representados em nós há muito tempo, mas permaneciam invisíveis”, ou
seja, o artista representa, através de suas obras, aquelas coisas da realidade que nos se
ocultam, entretanto, na verdade, já havia algo delas em nós, que só foi desperto ao se
entrar em contato com essa obra.

Mas como adquirimos tais sentimentos e o que faz com que a arte tenha essa função
reveladora? Para responder a essas questões, Bergson se utiliza da pintura, pois a
considera a arte que melhor demonstra essa função do artista, por abrir maior espaço à
imitação. Aqui, os artistas, Jean-Baptiste Corot e Willian Turner são colocados como
alguns dos que o filósofo considera grandes pintores, que por sua vez, são “homens que
remontam uma certa visão das coisas que se tornou ou se tornará a visão de todos os
32
homens ”, ou seja, a obra desses pintores transmite algo de universal que não notávamos
antes na realidade.

O que, porém, há nessas obras que as torna propagadora dessa visão universal? E
porque Bergson dirá que o senso-comum as chama de “verdadeiras”? Em relação ao
produto do artista, o pensador diz, mais uma vez, “que já havíamos percebido algo que
eles nos mostram”, porém dessa vez, acrescenta: “Mas havíamos percebido sem
aperceber. Era para nós uma visão brilhante e evanescente, perdida nessa multidão
de visões brilhantes e evanescentes que se descobrem em nossa experiência usual
como ‘dissolving views’ e que constituem por interferência recíproca, a visão pálida
33
e descolorida que temos das coisas ”. Assim, a arte nos mostra algo que talvez, já
houvéssemos percebido por nós mesmos, mas que por ter se tornado banal, não
apercebemo-nos dela antes.

Função Hipnótica

A arte possui ainda uma outra função, que é a, de certa forma, nos hipnotizar, pois os

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processos que encontramos na arte são muito semelhantes ao que se dão quando estamos
hipnotizados. Sob o efeito dela somos “sob uma forma atenuada, purificados e de
alguma maneira espiritualizados, os processos pelos quais normalmente se obtém o
estado de hipnose”. Assim, a arte faz “adormecer as potencias ativas, ou melhor,
resistentes da nossa personalidade”, pois normalmente percebemos os objetos apenas
do modo que nos é interessante, o que neles é necessário a nossa vida e nossas ações. A
obra do artista, portanto, age sobre nós para que deixemos esses interesses de lado e
“para que realizemos a idéia que nos é sugerida”, ou seja, para que experimentos os
sentimentos e os pensamentos que o artista uma vez em sua vida experenciou e
transmitiu a sua obra. E, se sentimos o que sentimos quando entramos em contato com
sua arte, é porque há em nós uma simpatia por ela.

Como, no entanto, se dá essa simpatia? Que tipo de relação simpática é essa? Entre a
arte e nós, nesse aspecto, parece haver uma simpatia física, pois essa função faz com que,
por algum tempo, nos esqueçamos de restante do mundo e nos foquemos, nos
concentremos apenas numa realização artística.

A função hipnótica utiliza-se de dois recursos, típicos da arte, para essa realização. Esses
recursos são, a saber: o ritmo e o compasso. O primeiro é por gerar uma regularidade
que faz com que se estabeleça entre nós e a arte uma espécie de comunicação, enquanto
o compasso é, por assim dizer, uma espécie de métrica, que ajuda a determinar o tempo
dos movimentos. Na música, por exemplo, “o ritmo e o compasso suspendem a
circulação normal de nossas sensações e idéias fazendo nossa atenção oscilar entre
pontos fixos, e apoderam-se de nós com tal força que a imitação, ainda que
infinitamente discreta, de uma voz que geme, bastará para nos encher de extrema
34
tristeza ”. Já, na poesia, todos os sentimentos e imagens, expressados em forma de
verso, “não se realizariam tão forte para nós sem os movimentos regulares do ritmo,
pela qual a nossa alma embalada e adormecida, se esquece como num sonho, para
pensar e ver como um poeta. Enquanto, nas artes plásticas, mas especificamente na
arquitetura, “no próprio âmago dessa imagibilidade surpreendente, encontrar-se-
iam alguns efeitos análogos do ritmo. As simetrias das formas, a repetição indefinida
do mesmo motivo arquitetônico, fazem com que nossas faculdades de perceber
oscilem do mesmo ao mesmo, e se as incessantes mudanças que, na vida diária,
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continuamente, nos transportam a consciência de nossa personalidade ”.

6 - Natureza e Arte

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1 Bayer, R. História da Estética, pág. 389.

2 Bayer, R. História da Estética, pág. 180.

3 Abbagnano, N. Dicionário de Filosofia, pág. 452ª.

4 Bergson H., O Pensamento e o Movente, pág. 23.

5 Idem; pág. 150.

6 Bergson H., Ensaio sobre os dados imediatos da consciência, pág. 09.

7 Gilles D., Bergsonismo, pág. 08.

8 Bergson H., O Pensamento e o Movente, pág. 51.

9 Bergson H., O Pensamento e o Movente, pág. 51.

10 Gilles D., Bergsonismo, pág. 10.

11 Bergson H., O Pensamento e o Movente, pág. 06.

12 Bergson H., Ensaio sobre os dados imediatos da consciência, pág. 163.

13 Bergson, O Pensamento e o Movente, pág. 151.

14 Bergson, O Pensamento e o Movente, pág. 153.

15 Idem.

16 Idem; pág. 154.

17 Bergson H. , Matéria e Memória, pág. 30.

18 Idem.

19 Idem

20 Bergson H., Matéria e Memória, pág. 31.

21 Idem.

22 Bergson H., Matéria e Memória, pág. 31.

23 Bergson H., Matéria e Memória, pág. 33.

24 Bergson H., Matéria e Memória, pág. 36.

25 Idem.

26 Idem.

27 Bergson, O Pensamento e o Movente, pág. 154.

28 Idem; pág. 155.

29 Bergson, O Pensamento e o Movente, pág. 155.

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30 Idem.

31 Idem.

32 Bergson, O Pensamento e o Movente, pág. 156.

33 Idem.

34 Bergson, Ensaio sobre os Dados Imediatos da Consciência, pág. 19.

35 Bergson, Ensaio sobre os Dados Imediatos da Consciência, pág. 20.

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